SENIOR CONSULTING EDITOR Robert Cancro, M.D., Med.D.Sc. Lucius N. Littauer Professor and Chairman, Department of Psychiatry, New York University School of Medicine; Director of Psychiatry, Tisch Hospital, The University Hospital of the New York University Medical Center, New York, New York; Director, Nathan S. Kline Institute for Psychiatric Research, Orangeburg, New York
CONTRIBUTING EDITORS James Edmondson, M.D., Ph.D. Assistant Professor of Psychiatry, Department of Psychiatry, New York University School of Medicine, New York, New York
Glen O. Gabbard, M.D. Professor of Psychiatry and Director, Menninger Baylor Psichiatry Clinic, Baylor College of Medicine, Houston, Texas
Jack A. Grebb, M.D. Professor of Psychiatry, Department of Psychiatry, New York University School of Medicine, New York, New York
Myrl Manley, M.D. Associate Professor of Psychiatry and Director of Medical Student Education in Psychiatry, New York University School of Medicine, New York, New York
Caroly S. Pataki, M.D. Associate Clinical Professor of Psychiatry and Associate Director of Training and Education for Child and Adolescent Psychiatry, University of California at Los Angeles School of Medicine; Attending Psychiatrist, UCLA Neuropsychiatric Institute, Los Angeles, California
Norman Sussman, M.D. Professor of Psychiatry, New York University School of Medicine; Director, Psychopharmacology Research and Consultation Service, Bellevue Hospital Center, New York, New York
COMPÊNDIO DE PSIQUIATRIA Ciência do Comportamento e Psiquiatria Clínica 9a EDIÇÃO BENJAMIN JAMES SADOCK, M.D. VIRGINIA ALCOTT SADOCK, M.D. Consultoria, supervisão e revisão técnica desta edição: Alceu Fillmann – Médico Psiquiatra. Mestre em Saúde e Meio Ambiente pelo Curso de Mestrado em Saúde e Meio Ambiente da Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE). Professor da disciplina de Psiquiatria e preceptor do Internato em Psiquiatria no curso de Medicina da UNIVILLE. (Capítulos 1 a 9, 13 e 14) Alexandre A. Henriques – Especialista em Psiquiatria (UFRGS). (Capítulo 21) Aristides V. Cordioli – Doutor em Psiquiatria. Professor Adjunto do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da UFRGS. Coordenador do Programa de Transtornos de Ansiedade do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (Capítulos 16, 35 e 36) Betina Chmelnitsky Kruter – Médica Psiquiatra (HCPA). Especialista em Psiquiatria da Infância e Adolescência (UFRGS). (Capítulos 37, 42 a 47, 50, 51, 53)
Fernando Grilo Gomes – Especialista e Mestre em Psiquiatria (UFRGS). Professor Adjunto do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da UFRGS. Chefe do Serviço de Psiquiatria do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. (Capítulos 17 e 18) Flávio Pechansky – Especialista, Mestre e Doutor em Psiquiatria (UFRGS). Professor Adjunto do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da UFRGS. Coordenador do Programa de Álcool e Drogas do Serviço de Psiquiatria do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. (Capítulo 12) Gustavo Schestatsky – Especialista e Mestre em Psiquiatria (UFRGS). (Capítulos 15 e 27, 55) Maria Augusta Mansur de Souza - Psicóloga Clínica. Professora de Graduação em Psicologia (ULBRA). (Capítulo 23)
Betina Mattevi – Especialista em Psiquiatria. (Capítulos 11, 28, 30 a 33)
Olga Garcia Falceto – Especialista em Psiquiatria da Infância e Adolescência (University of Pennsylvania, EUA). Mestre e Doutora em Psiquiatria (UFRGS). Professora Adjunta do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da UFRGS. (Capítulo 23)
Carla Ruffoni Ketzer de Souza – Especialista em Psiquiatria e Psiquiatria da Infância e Adolescência. Mestranda em Psiquiatria (UFRGS). (Capítulos 38 a 41, 48, 49, 52, 54)
Rogério Wolf Aguiar – Especialista em Psiquiatria (UFRGS). Professor Adjunto e Chefe do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da UFRGS. (Capítulo 19, 20, 25 e 26)
Clarissa Severino Gama – Mestre e Doutora em Medicina: Ciências Médicas (UFRGS). Médica Psiquiatra Contratada do Serviço de Psiquiatria do HCPA. (Capítulo 10) Felipe Almeida Picon – Especialista em Psiquiatria. (Capítulos 24, 29, 34)
Sidnei S. Schestatsky – Especialista em Psiquiatria (UFRGS). Mestre em Saúde Pública (Harvard). Doutor em Psiquiatria (UFRGS). Professor Adjunto do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da UFRGS. (Capítulo 56 a 60) Tiago Crestana – Médico-Residente, Serviço de Psiquiatria do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. (Capítulo 22)
Versão impressa desta obra: 2007
2007
Obra originalmente publicada sob o título Kaplan & Sadock’s Synopsis of Psychiatry 9th Edition ISBN 0-7817-3183-6 © 2003 by LIPPINCOTT WILLIAMS & WILKINS, 530 Walnut Street Philadelphia, PA 19106 USA LWW.com Capa: Mário Röhnelt Tradução: Claudia Oliveira Dornelles, Cristina Monteiro, Irineo S. Ortiz e Ronaldo Costa Cataldo Preparação do original: Alessandra B. Flash Leitura final: Cristiane Marques Machado, Ivaniza O. de Souza, Lisandra Pedruzzi Picon e Priscila Michel Porcher Supervisão editorial: Cláudia Bittencourt Editoração eletrônica: AGE – Assessoria Gráfica e Editorial Ltda.
S126c
Sadock, Benjamin James. Compêndio de psiquiatria [recurso eletrônico] : ciências do comportamento e psiquiatria clínica / Benjamin James Sadock, Virginia Alcott Sadock ; tradução Claudia Oliveira Dorneles ... [et al.]. – 9. ed. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre : Artmed, 2007. Editado também como livro impresso em 2007. ISBN 978-85-363-0861-6 1. Psiquiatria. I. Sadock, Virginia Alcott. II. Título. CDU 616.89(035) Catalogação na publicação: Júlia Angst Coelho – CRB 10/1712
Reservados todos os direitos de publicação, em língua portuguesa, à ARTMED® EDITORA S.A. Av. Jerônimo de Ornelas, 670 - Santana 90040-340 Porto Alegre RS Fone (51) 3027-7000 Fax (51) 3027-7070 É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia, distribuição na Web e outros), sem permissão expressa da Editora. SÃO PAULO Av. Embaixador Macedo Soares, 10.735 - Pavilhão 5 - Cond. Espace Center Vila Anastácio 05095-035 São Paulo SP Fone (11) 3665-1100 Fax (11) 3667-1333 SAC 0800 703-3444 IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL
Dedicado a todos aqueles que trabalham e se dedicam ao cuidado dos doentes mentais.
Esta página foi deixada em branco intencionalmente.
Prefácio
Esta é a 9 a edição do Compêndio de psiquiatria. Desde que o livro foi lançado, há mais de 30 anos, foi atualizado e revisado continuamente para atender às necessidades de diversos grupos profissionais – psiquiatras e médicos não-psiquiatras, estudantes de medicina, psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros psiquiátricos e outras pessoas que trabalham e tratam de doentes mentais. Também é usado por leigos como um guia para ajudá-los a colaborar com os cuidados de um parente ou amigo com alguma doença mental. Como autores, ficamos extremamente gratos por sua ampla aceitação e uso em nosso país e ao redor do mundo. HISTÓRIA Este livro didático evoluiu a partir de nossa experiência organizando o Tratado de psiquiatria, que tem quase 3.500 páginas em duas colunas, com mais de 400 contribuições de notáveis psiquiatras e cientistas do comportamento. Ele atende aos interesses daquelas pessoas que necessitam de uma visão completa, detalhada e enciclopédica de todo o campo. Todavia, o Tratado de psiquiatria, na tentativa de ser o mais abrangente possível, divide-se em dois volumes,* o que o torna de difícil manuseio para certos grupos, especialmente para estudantes de medicina, que requerem uma visão breve e mais condensada do campo da psiquiatria. Por isso, decidimos abreviar, condensar e modificar seu conteúdo. Para realizar tal feito, algumas partes foram excluídas ou sintetizadas, novos temas foram introduzidos, e todas as seções foram atualizadas, especialmente certas áreas fundamentais, como a psicofarmacologia. Gostaríamos de reconhecer nossa grande e óbvia dívida para com mais de 1.500 colaboradores da edição atual e das anteriores do Tratado de psiquiatria, que permitiram que fizéssemos uma síntese de seu trabalho. Ao mesmo tempo, devemos assumir a responsabilidade pelas modificações na obra nova. O Compêndio de psiquiatria é um volume complementar ao Tratado de psiquiatria, caracterizado por sua compacidade, portabilidade e cobertura atualizada do campo. Evoluiu ao longo dos anos como um livro didático separado e independente, que tem a reputação de ser um compêndio denso, preciso, objetivo e confiável dos novos eventos no campo da psiquiatria.
* N. de R.T. No Brasil, o Tratado de psiquiatria divide-se em três volumes.
DSM-IV-TR Uma revisão da 4a edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV), da American Psychiatry Association, chamada DSM-IV-TR (TR significa texto revisado), foi publicada em 2000. Ela contém a nomenclatura oficial usada por psiquiatras e outros profissionais da saúde mental nos Estados Unidos. Os transtornos psiquiátricos discutidos neste livro seguem essa nosologia. Cada seção que lida com transtornos clínicos foi atualizada de forma minuciosa e completa para incluir as revisões contidas no DSM-IV-TR. O DSM é um manual de nosologia. Não é ou jamais pretendeu ser um livro didático. O Compêndio cobre todo o campo da psiquiatria e, ao contrário do DSM, proporciona espaço para pontos de vista variados, especialmente com relação a categorias diagnósticas nas quais há ambigüidade ou controvérsia. Alguns psiquiatras têm reservas quanto ao DSM, e em muitas seções do Compêndio essas objeções são evidenciadas. Termos como psicogênico, neurose e psicossomático, entre outros, são usados neste livro, embora não façam parte da nosologia oficial. CID-10 O Compêndio foi o primeiro livro didático norte-americano a incluir as definições e os critérios diagnósticos de transtornos mentais usados na 10a revisão da Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-10), da Organização Mundial de Saúde. Existem diferenças textuais entre o DSM e a CID, mas, segundo tratados entre os Estados Unidos e a Organização Mundial de Saúde, os códigos numéricos diagnósticos devem ser idênticos para garantir relatórios uniformes de estatísticas psiquiátricas nacionais e internacionais. Atualmente, os diagnósticos e códigos numéricos do DSM e da CID são aceitos pela Medicare, pela Medicaid e por companhias de seguros privadas para reembolso nos Estados Unidos. O leitor pode encontrar a classificação do DSM-IV-TR com a classificação equivalente da CID-10 no Capítulo 9. Filosofia Ao longo dos anos, o objetivo deste livro tem sido fomentar a competência profissional e garantir a mais alta qualidade nos cui-
VIII
PREFÁCIO
dados médicos. Sua marca é uma abordagem multidisciplinar e eclética, e a presente edição mantém essa tradição. Assim, são apresentados tanto fatores biológicos quanto psicológicos e sociológicos, pois afetam a pessoa na saúde e na doença. Os autores são comprometidos com a filosofia do humanitarismo, que enfatiza a dignidade, o valor e a capacidade de autocompreensão de cada indivíduo. Infelizmente, ainda existe preconceito em relação à doença mental em muitas partes – legisladores políticos, companhias seguradoras, público em geral e, lamentavelmente, os próprios médicos. Um dos principais objetivos deste livro é ajudar a eliminar esse preconceito, que é amplamente responsável pela discriminação contra pessoas com transtornos emocionais. NOVIDADES DESTA EDIÇÃO Formato O Compêndio esteve entre os primeiros livros didáticos a ilustrar temas psiquiátricos para enriquecer a experiência de aprendizagem e para evitar que o leitor naufragasse em um grande mar de informações. Novas ilustrações e imagens coloridas foram acrescentadas a muitas seções. Também foram anexadas reproduções coloridas de todas as drogas psiquiátricas e suas dosagens, incluindo aquelas desenvolvidas desde que a última edição foi publicada. Destaques coloridos diferenciam tabelas diagnósticas do DSMIV-TR e da CID-10 para ajudar o leitor. Casos Os casos apresentados deixam os transtornos clínicos mais claros para o estudante e são uma parte importante do Compêndio. Todos os casos contidos nesta edição são novos, derivados de várias fontes: ICD-10 Casebook, DSM-IV Casebook, DSM-IV Case Studies, colaboradores do Tratado de psiquiatria e experiência clínica dos autores no Bellevue Hospital Center de Nova York. Gostaríamos de agradecer especialmente à American Psychiatric Press e à Organização Mundial de Saúde pela permissão para usar muitos de seus casos. Os mesmos aparecem em destaque para ajudar o leitor a identificá-los com facilidade.
crença de que os psiquiatras têm um papel singular nas especialidades clínicas emergentes do cuidado paliativo e do controle da dor. Pouquíssimo tempo – especialmente na faculdade de medicina – é dedicado para treinar os estudantes a cuidarem com sensibilidade e compaixão de pacientes moribundos. O Capítulo 30, “Psiquiatria e medicina reprodutiva”, foi escrito para acompanhar os rápidos avanços em questões da saúde da mulher, incluindo o controverso papel da terapia de reposição hormonal no tratamento de transtornos mentais e de outras condições. Esta edição mantém a tradição de manifestar-se vigorosamente em questões sociopolíticas que afetam a prestação de cuidados de saúde. Os profissionais têm obrigação especial de saber a respeito dessas questões relacionadas ao bem-estar físico e psicológico de seus pacientes. Dois novos capítulos, “Psiquiatria pública e hospitalar” (Capítulo 59) e “O sistema de saúde em psiquiatria e medicina” (Capítulo 60), incluem discussões sobre muitas áreas controversas: o doente mental sem-teto, a desinstitucionalização, condições de trabalho e número de horas da equipe médica de plantão, o papel do managed care na medicina e na psiquiatria, a regulação da medicina por agências governamentais e a necessidade de paridade entre as doenças mentais e físicas. O Capítulo 58, “Ética na psiquiatria”, foi completamente revisado e atualizado e inclui uma discussão ampla do papel da eutanásia e do suicídio com auxílio do médico e seu impacto na prática da medicina. A Seção 10.5, “Transtornos mentais devido a uma condição médica geral”, contém uma nova discussão acerca dos transtornos de príons e do “mal da vaca louca”. A Seção 16.5, “Transtorno de estresse pós-traumático e transtorno de estresse agudo”, apresenta uma discussão sobre as seqüelas psicológicas dos eventos trágicos de 11 de setembro de 2001, envolvendo o World Trade Center, em Nova York, e o Pentágono, em Washington. O leitor também encontrará uma nova discussão dos aspectos psiquiátricos da tortura e dos sobreviventes a ela. Uma nova seção no Capítulo 4, “Antropologia e psiquiatria transcultural”, reflete o alcance global da psiquiatria e a necessidade de que os clínicos compreendam os transtornos que surgem ao redor do mundo. A seção “Registro médico” foi acrescentada ao Capítulo 7 devido à sua relevância para questões de sigilo e interferência do governo e das companhias de seguro nos cuidados médicos. Por fim, cada seção sobre a psiquiatria clínica foi atualizada para incluir as últimas informações a respeito do diagnóstico e do tratamento de transtornos mentais. As referências também foram completamente atualizadas.
Seções novas e atualizadas Psicofarmacologia O Capítulo 3, “O cérebro e o comportamento”, foi reorganizado, revisado, atualizado e amplamente reescrito. Uma nova seção, “Neuroanatomia funcional e comportamental”, foi escrita para enfatizar a influência do funcionamento, em vez da estrutura, sobre o comportamento. Outra seção inédita, “Psiconeuroendocrinologia e psiconeuroimunologia”, reflete os rápidos avanços nesses campos. A seção “Neurogenética e biologia molecular” detalha a interação complexa entre a hereditariedade e o ambiente na etiologia dos transtornos psiquiátricos. Diversos capítulos aparecem pela primeira vez. “Cuidados no final da vida e medicina paliativa” (Capítulo 56) indica nossa
As drogas usadas para tratar transtornos mentais são classificadas segundo sua atividade farmacológica e seu mecanismo de ação para substituir categorias como antidepressivos, antipsicóticos, ansiolíticos e estabilizadores do humor, que são amplas demais e não refletem o uso clínico da medicação psicotrópica. Por exemplo, muitas drogas antidepressivas são usadas para tratar transtornos de ansiedade; alguns ansiolíticos são empregados em casos de depressão e transtorno bipolar; e drogas de todas as categorias são usadas em outros transtornos clínicos, como transtornos da alimentação, transtorno de pâ-
PREFÁCIO
nico e transtorno do controle dos impulsos. Também existem muitos agentes que são opções para tratar uma variedade de transtornos mentais e que não se encaixam em nenhuma classificação ampla. Informações sobre todos os medicamentos usados em psiquiatria, incluindo sua farmacodinâmica, farmacocinética, dosagens, efeitos adversos e interações medicamentosas, foram minuciosamente atualizadas, incluindo as drogas aprovadas desde a publicação da última edição. Transtornos da infância Dois capítulos, “Abuso de substâncias na adolescência” (Capítulo 51) e “Questões forenses em psiquiatria infantil” (Capítulo 54), foram expandidos nesta edição para refletir a epidemia do uso de drogas ilícitas entre os jovens e os problemas de violência e delinqüência. Novos dados sobre transtorno de estresse pós-traumático em crianças foram acrescentados, incluindo discussões acerca da síndrome de memórias falsas e das seqüelas psicológicas em crianças afetadas por atividades terroristas. Todas as seções sobre transtornos clínicos foram atualizadas e revisadas, especialmente as que lidam com o uso de agentes farmacológicos em crianças, que está aumentando rapidamente. Agradecimentos Apreciamos profundamente o trabalho de nossos colaboradores, que contribuíram generosamente com seu tempo e conhecimento. Eles incluem Glen Gabbard, M.D., sobre psicanálise e psicodinâmica dos transtornos clínicos; James Edmondson, M.D., sobre cérebro e comportamento; Caroly Pataki, M.D., sobre transtornos da infância e da adolescência; Myrl Manley, M.D., sobre ciências do comportamento; Norman Sussman, M.D., sobre psi-
IX
cofarmacologia; e Jack Grebb, M.D., sobre psiquiatria biológica. Dorice Viera, Curadora Associada da Frederick L. Ehrman Medical Library, da Escola de Medicina da New York University, prestou uma assistência valiosa. Reconhecemos sua ajuda extraordinária. Justin Hollingsworth desempenhou um papel fundamental e inestimável como editor do projeto, como em muitos outros de nossos livros. Foi habilmente auxiliado por Yande McMillan e Peggy Cuzzolino. Outros que merecem nossos agradecimentos são Jay K. Kantor, Ph.D., Jonathan Tobkes, M.D., Henry York, M.D., Mercedes Blackstone, M.D., Tracy Farkas, M.D., Samoon Ahmad, M.D., Lillia de Bosch, M.D., Larry Maayan, M.D., Kathleen Rey, Pamela Miles, Marissa Kaminsky e Nitza Jones. Também dedicamos nossa gratidão a Anne Schwartz por sua excelente edição deste livro didático. Queremos agradecer especialmente às contribuições de James Sadock, M.D., e Victoria Sadock, M.D., por ajudarem em suas áreas de conhecimento: medicina adulta emergencial e medicina pediátrica emergencial, respectivamente. A equipe da Lippincott Williams e Wilkins foi muito eficiente. Agradecemos a Joyce Murphy, editora-chefe, que trabalhou conosco em projetos anteriores, e Charley Mitchell, editor-executivo, que nos ajudou de incontáveis maneiras. Por fim, expressamos nossos mais profundos agradecimentos a Robert Cancro, M.D., professor e chefe do Departamento de Psiquiatria da Escola de Medicina da New York University. Seu comprometimento com a educação e a pesquisa psiquiátrica é reconhecido em todo o mundo. É um colega e amigo que valorizamos e estimamos muito. Nosso trabalho conjunto com esse notável educador norte-americano tem sido fonte de grande inspiração. B.J.S. V.A.S.
Esta página foi deixada em branco intencionalmente.
Sumário
1 Relação médico-paciente e técnicas de
6 Teorias da personalidade e
entrevista .............................................................. 15
2 Desenvolvimento humano ao longo do ciclo vital ....................................................................... 2.1 Normalidade, saúde mental e teoria do ciclo vital ................................................................ 2.2 Período pré-natal, primeira infância e infância ....................................................... 2.3 Adolescência .................................................. 2.4 Idade adulta ................................................... 2.5 Idade adulta tardia (velhice) ........................... 2.6 A morte, o morrer e o luto .............................
31
psicopatologia ................................................... 6.1 Sigmund Freud: fundador da psicanálise ..... 6.2 Erik Erikson ................................................. 6.3 Escolas derivadas da psicanálise e da psicologia .....................................................
221 221 238 245
31
7 Exame clínico do paciente 37 52 58 69 77
psiquiátrico ........................................................ 7.1 História psiquiátrica e exame do estado mental .......................................................... 7.2 Registro médico ........................................... 7.3 Exame físico do paciente psiquiátrico .......... 7.4 Testes laboratoriais em psiquiatria ...............
259 259 280 284 291
3 O cérebro e o comportamento ....................... 85 3.1 3.2 3.3 3.4 3.5
Neuroanatomia funcional e comportamental ............................................. 85 Neurofisiologia e neuroquímica ................... 109 Neuroimagem .............................................. 129 Neurogenética e biologia molecular ............. 145 Psiconeuroendocrinologia e psiconeuroimunologia ................................. 151
4 Contribuições das ciências psicossociais ..................................................... 4.1 Jean Piaget .................................................. 4.2 Teoria do apego ........................................... 4.3 Teoria da aprendizagem ............................... 4.4 Agressividade ............................................... 4.5 Etologia e sociobiologia ............................... 4.6 Antropologia e psiquiatria transcultural ....... 4.7 Epidemiologia e bioestatística ......................
160 160 164 167 175 184 192 197
5 Testes neuropsicológicos clínicos ............. 205 5.1 5.2
Testes neuropsicológicos clínicos da inteligência e da personalidade .................... 205 Avaliação neuropsicológica clínica de adultos .. 213
8 Sinais e sintomas em psiquiatria ................ 306 9 Classificação em psiquiatria e escalas de avaliação psiquiátrica ............................... 319
10 Delirium, demência, transtornos amnésticos e outras psicopatologias devido a uma condição médica geral ................................... 10.1 Visão geral ................................................... 10.2 Delirium ...................................................... 10.3 Demência ..................................................... 10.4 Transtornos amnésticos ................................ 10.5 Transtornos mentais devido a uma condição médica geral ..................................
350 350 354 360 376 382
11 Aspectos neuropsiquiátricos da infecção pelo HIV e da AIDS ........................................... 403
12 Transtornos relacionados a substâncias ........................................................ 412 12.1 Introdução e visão geral ............................... 412 12.2 Transtornos relacionados ao álcool .............. 427
12
SUMÁRIO
12.3 Transtornos relacionados a anfetaminas (ou substâncias assemelhadas) ...................... 12.4 Transtornos relacionados à cafeína ............... 12.5 Transtornos relacionados à cannabis ............ 12.6 Transtornos relacionados à cocaína .............. 12.7 Transtornos relacionados a alucinógenos ................................................ 12.8 Transtornos relacionados a inalantes ............ 12.9 Transtornos relacionados à nicotina ............. 12.10 Transtornos relacionados a opióides ............. 12.11 Transtornos relacionados à fenciclidina (ou substâncias assemelhadas) ...................... 12.12 Transtornos relacionados a sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos ............................ 12.13 Abuso de esteróides anabolizantes ................ 12.14 Transtornos relacionados a outras substâncias ...................................................
20 Transtornos dissociativos ............................. 722 446 452 457 461 470 475 478 483
21 Sexualidade humana ....................................... 739 21.1 Sexualidade normal ...................................... 739 21.2 Sexualidade anormal e disfunções sexuais .... 748 21.3 Transtorno sexual sem outra especificação e parafilias .................................................... 766
22 Transtornos da identidade de gênero ........ 778 23 Transtornos da alimentação ......................... 788
495 502
23.1 Anorexia nervosa .......................................... 788 23.2 Bulimia nervosa e transtornos da alimentação sem outra especificação ................................ 796 23.3 Obesidade .................................................... 801
504
24 Sono normal e transtornos do sono .......... 807
13 Esquizofrenia ..................................................... 507
24.1 Sono normal ................................................ 807 24.2 Transtornos do sono .................................... 811
491
14 Outros transtornos psicóticos ..................... 542 14.1 Transtorno esquizofreniforme ...................... 542 14.2 Transtorno esquizoafetivo ............................ 545 14.3 Transtorno delirante e transtorno psicótico compartilhado ............................... 549 14.4 Transtorno psicótico breve, transtorno psicótico sem outra especificação e transtornos psicóticos secundários .................................. 558 14.5 Síndromes ligadas à cultura ......................... 567
15 Transtornos do humor .................................... 572 15.1 Depressão maior e transtorno bipolar .......... 572 15.2 Distimia e ciclotimia .................................... 611 15.3 Outros transtornos do humor ...................... 618
16 Transtornos de ansiedade ............................. 630 16.1 16.2 16.3 16.4 16.5
Visão geral ................................................... Transtorno de pânico e agorafobia ............... Fobias específicas e fobia social .................... Transtorno obsessivo-compulsivo ................ Transtorno de estresse pós-traumático e transtorno de estresse agudo ........................ 16.6 Transtorno de ansiedade generalizada .......... 16.7 Outros transtornos de ansiedade ..................
630 638 649 657
25 Transtornos do controle dos impulsos não classificado em outro lugar .................. 834
26 Transtornos da adaptação ............................. 848 27 Transtornos da personalidade ..................... 853 28 Fatores psicológicos que afetam condições médicas e medicina psicossomática ......... 28.1 Visão geral ................................................... 28.2 Transtornos específicos ................................ 28.3 Tratamento dos transtornos psicossomáticos ............................................ 28.4 Psiquiatria de consultoria-ligação .................
877 877 882 894 897
29 Medicina complementar e alternativa em psiquiatria ........................................................... 906
30 Psiquiatria e medicina reprodutiva ............. 924 31 Problemas de relacionamento ...................... 936
665 674 679
17 Transtornos somatoformes ........................... 686
32 Problemas relacionados a abuso e negligência ......................................................... 940
33 Condições adicionais que podem ser foco de atenção clínica ................................... 952
18 Síndrome da fadiga crônica e neurastenia ......................................................... 705
34 Medicina psiquiátrica de emergência ........ 960
19 Transtornos factícios ...................................... 713
34.1 Emergências psiquiátricas ............................ 960 34.2 Suicídio ........................................................ 972
SUMÁRIO
35 Psicoterapias ..................................................... 982 35.1 Psicanálise e psicoterapia psicanalítica ......... 982 35.2 Psicoterapia breve ........................................ 990 35.3 Psicoterapia de grupo, psicoterapias individual e de grupo combinadas e psicodrama ................................................ 994 35.4 Terapia familiar e terapia de casais ............. 1001 35.5 Biofeedback ................................................. 1008 35.6 Terapia comportamental ............................ 1011 35.7 Terapia cognitiva ........................................ 1017 35.8 Hipnose ..................................................... 1022 35.9 Tratamento e reabilitação psicossocial ........ 1026 35.10 Psicoterapia e farmacoterapia combinadas .. 1029
36 Terapias biológicas ........................................ 1036 36.1 36.2 36.3
Princípios gerais de psicofarmacologia ..... 1036 Terapia de potencialização medicamentosa . 1052 Transtornos do movimento induzidos por medicamentos ................................... 1056 36.4 Medicamentos psicoterapêuticos ............. 1063 36.4.1 Agonistas dos receptores α2-adrenérgicos: clonidina e guanfacina ............................. 1068 36.4.2 Antagonistas dos receptores β-adrenérgicos .......................................... 1071 36.4.3 Amantadina ............................................. 1075 36.4.4 Anticolinérgicos ....................................... 1077 36.4.5 Anti-histamínicos .................................... 1079 36.4.6 Barbitúricos e medicamentos de ação semelhante ............................................... 1082 36.4.7 Benzodiazepínicos .................................... 1087 36.4.8 Bupropiona .............................................. 1094 36.4.9 Buspirona ................................................ 1097 36.4.10 Inibidores dos canais de cálcio ................. 1099 36.4.11 Carbamazepina ........................................ 1102 36.4.12 Hidrato de cloral ..................................... 1106 36.4.13 Inibidores da colinesterase ....................... 1108 36.4.14 Dantrolene .............................................. 1112 36.4.15 Dissulfiram .............................................. 1113 36.4.16 Agonistas dos receptores de dopamina e seus precursores: bromocriptina, levodopa, pergolida, pramipexol e ropinirol ............ 1115 36.4.17 Antagonistas dos receptores de dopamina: antipsicóticos típicos ................................ 1118 36.4.18 Lítio ......................................................... 1135 36.4.19 Mirtazapina ............................................. 1143 36.4.20 Inibidores da monoaminoxidase .............. 1145 36.4.21 Nefazodona .............................................. 1149 36.4.22 Agonistas dos receptores de opióides: metadona, levometadil e buprenorfina ...... 1151 36.4.23 Antagonistas dos receptores de opióides: naltrexona e nalmefena ............................ 1155
36.4.24 Outros anticonvulsivantes: gabapentina, lamotrigina e topiramato ......................... 36.4.25 Reboxetina ............................................... 36.4.26 Inibidores seletivos da recaptação de serotonina ................................................ 36.4.27 Antagonistas de serotinina-dopamina: antipsicóticos atípicos .............................. 36.4.28 Sibutramina ............................................. 36.4.29 Sildenafil .................................................. 36.4.30 Simpatomiméticos e medicamentos relacionados ............................................. 36.4.31 Hormônios da tireóide ............................ 36.4.32 Trazodona ................................................ 36.4.33 Tricíclicos e tetracíclicos .......................... 36.4.34 Valproato ................................................. 36.4.35 Venlafaxina .............................................. 36.4.36 Ioimbina .................................................. 36.5 Eletroconvulsoterapia .............................. 36.6 Outras terapias biológicas e farmacológicas .........................................
13
1160 1163 1164 1176 1186 1187 1189 1196 1197 1199 1206 1210 1212 1213 1220
37 Psiquiatria infantil: avaliação, exame e testagem psicológica .................................... 1227
38 Retardo mental ................................................ 1238 39 Transtornos da aprendizagem .................... 1258 40 Transtorno das habilidades motoras: transtorno do desenvolvimento da coordenação .................................................... 1269
41 Transtornos da comunicação ..................... 1274 42 Transtornos globais do desenvolvimento ............................................ 1289
43 Transtorno de déficit de atenção ............... 1304 44 Transtornos de comportamento diruptivo ............................................................ 1314
45 Transtornos da alimentação da primeira infância ............................................. 1323
46 Transtornos de tique ..................................... 1328 47 Transtornos da excreção ............................. 1336 48 Outros transtornos da infância ou adolescência .................................................... 1342
14
SUMÁRIO
48.1 48.2 48.3 48.4
Transtorno de ansiedade de separação ........ 1342 Mutismo seletivo........................................ 1348 Transtorno de apego reativo na infância .... 1350 Transtorno de movimento estereotipado e transtorno da infância ou adolescência sem outra especificação .............................. 1355
53.3 Tratamento residencial, hospital-dia e internação .................................................. 1390 53.4 Terapias biológicas ..................................... 1393 53.5 Tratamento psiquiátrico de adolescentes .... 1400
54 Questões forenses em psiquiatria infantil ................................................................ 1405
49 Transtornos do humor e suicídio em crianças e adolescentes ............................... 1359
50 Esquizofrenia de início precoce ................ 1368
55 Psiquiatria geriátrica ..................................... 1409 56 Cuidados no final da vida e medicina paliativa ............................................................. 1431
51 Abuso de substâncias na adolescência .................................................... 1373
52 Psiquiatria infantil: outras condições que podem ser foco de atenção clínica ................................................................. 1377
53 Tratamento psiquiátrico de crianças e adolescentes .................................................... 1382 53.1 Psicoterapia individual ............................... 1382 53.2 Psicoterapia de grupo ................................. 1387
57 Psiquiatria forense ......................................... 1445 58 Ética na psiquiatria ........................................ 1460 59 Psiquiatria pública e hospitalar ................. 1470 60 O sistema de saúde em psiquiatria e medicina ............................................................ 1479 Índice ........................................................................... 1490
1 Relação médico-paciente e técnicas de entrevista
O
relacionamento entre médico e paciente está no centro da prática da medicina. Tem importância máxima para os médicos e deve ser avaliado em todos os casos. Os pacientes esperam, tanto quanto a cura, um bom relacionamento e costumam ser tolerantes para com as limitações terapêuticas da medicina quando há respeito mútuo entre ambas as partes. Portanto, é tarefa de todos os clínicos considerar a natureza do relacionamento, os fatores em si mesmos e em seus pacientes que influenciam o relacionamento e a maneira de se obter sintonia. A sintonia refere-se a um sentimento espontâneo e consciente de resposta que promove o desenvolvimento de um relacionamento terapêutico construtivo. Implica entendimento e confiança entre o médico e o paciente. Havendo sintonia, os pacientes se sentem aceitos, com seus recursos e limitações. Freqüentemente, o médico é a única pessoa de quem dispõem para falar sobre coisas que não podem contar a mais ninguém. A maioria dos pacientes confia que seus médicos mantêm segredo, e essa confiança não pode ser traída. Os pacientes que sentem que alguém os conhece, compreende e aceita encontram nessa pessoa uma fonte de força. “O segredo para cuidar de um paciente é ter consideração por ele”, disse Francis Peabody (1881-1927), que foi uma talentosa professora, clínica e pesquisadora. O fato de os pacientes se sentirem satisfeitos ou não com suas visitas ao médico é influenciado mais por fatores interpessoais – a percepção de que o médico é preocupado, atencioso e compreensivo – do que por competência técnica. Isto é verdadeiro para pacientes cujo propósito ao consultar o médico é receber medicação ou ser submetido a um procedimento. A medicina é um esforço intensamente humano e pessoal, e o próprio relacionamento médico-paciente torna-se parte do processo terapêutico. A auto-reflexão e a compreensão são necessárias para transformar o relacionamento entre médico e paciente em uma força positiva. Os médicos devem ter empatia para com seus pacientes, mas não a ponto de assumir seus problemas ou fantasiar que podem ser seus salvadores. Devem ser capazes de deixar os problemas dos pacientes para trás quando saem do consultório ou do hospital e não devem considerá-los como substitutos para intimidades ou relacionamentos que possam estar faltando em suas vidas pessoais. De outra forma, estariam prejudicando a tentativa de ajudar pessoas doentes, que necessitam de simpatia e entendimento, e não de sentimentalismo e envolvimento exagerado. Às vezes, os médicos têm propensão a ser defensivos, em parte com boas razões. Muitos já foram processados, agredidos ou
até assassinados porque não deram a determinados pacientes a satisfação que estes desejavam. Conseqüentemente, alguns podem adotar uma postura defensiva para com todos os pacientes. Embora essa rigidez crie uma imagem de perfeição e eficiência, muitas vezes é inadequada. É necessário que haja flexibilidade para responder à interação sutil entre médico e paciente, permitindo uma certa tolerância para a incerteza presente na situação clínica de contato com cada paciente. Os médicos devem aprender a aceitar que, embora possam desejar controlar tudo no cuidado de um paciente, esse desejo pode nunca ser totalmente realizado. Em certas situações, não se pode curar a doença, e não se pode impedir a morte, não importa o quão consciente, competente ou cuidadoso o médico seja. Os profissionais também devem evitar questões colaterais que considerem difíceis de lidar devido a suas sensibilidades, tendências ou peculiaridades, especialmente quando essas questões são importantes para o paciente. O MODELO BIOPSICOSSOCIAL Em 1977, George Engel, da Universidade de Rochester, publicou um artigo seminal que articulou o modelo biopsicossocial da doença, enfatizando uma abordagem integrada do comportamento humano e da doença. O sistema biológico refere-se aos substratos anatômicos, estruturais e moleculares da doença e a seus efeitos sobre o funcionamento biológico dos pacientes. O sistema psicológico refere-se aos efeitos de fatores psicodinâmicos, da motivação e da personalidade na experiência e na reação à doença. E o sistema social examina influências culturais, ambientais e familiares na expressão e na experiência da doença. Engel postulou que cada sistema afeta e é afetado pelos outros. O modelo não trata a doença médica como um resultado direto da constituição psicológica ou sociocultural de uma pessoa, mas promove um entendimento mais abrangente da doença e do tratamento. Um exemplo notável do conceito de modelo biopsicossocial foi um estudo de 1971 sobre a relação entre morte súbita e fatores psicológicos. Após investigar 170 casos de morte súbita ao longo de seis anos, Engel observou que doenças graves ou mesmo a morte podem estar associadas a estresse ou a traumas psicológicos. Entre os eventos desencadeadores potenciais que listou estão a morte de um amigo íntimo, o luto, reações a datas comemorativas, a perda da auto-estima, perigo ou ameaças pessoais, o vazio após o fim da ameaça e reencontros ou triunfos.
16
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Para além do modelo biopsicossocial Desde que o artigo de Engel foi publicado, a importância do modelo biopsicossocial foi reconhecida e reafirmada, a ponto de tornar-se uma forma de catecismo na educação médica – repetida incessantemente, mas cada vez mais distante da forma como se pratica a medicina no mundo real. Embora as variáveis psicológicas e sociais sejam inquestionavelmente importantes na medicina, sua importância proporcional varia, dependendo da pessoa e de suas circunstâncias médicas. Condições crônicas como hipertensão ou diabete são afetadas por inúmeros aspectos da personalidade e do ambiente social. Contudo, o tratamento de curto prazo de uma infecção aguda pode não ser. Como o modelo biopsicossocial não oferece orientação de quando e quais fatores psicossociais são importantes, os médicos ficam com a impressão de que devem saber tudo sobre cada paciente – obviamente impossível, fazendo com que retornem a uma abordagem biomédica, concentrando-se na patologia física e no uso de intervenções biológicas e físicas. O modelo biopsicossocial proporciona uma estrutura conceitual para lidar com informações desencontradas e serve como um lembrete de que pode haver questões importantes por trás do puramente biológico. Todavia, não é um molde para a prática da medicina ou para tratar pacientes individuais. Não pode substituir um relacionamento entre o médico e o paciente que reflita afeto, uma preocupação genuína e confiança mútua. Por exemplo, tentar evocar um entendimento biopsicossocial da doença fora desse relacionamento que transmite compreensão, aceitação e confiança pode ser mais destrutivo do que proveitoso, como no caso a seguir: Um profissional liberal de 45 anos, diagnosticado recentemente com hepatite C e cirrose moderada, foi encaminhado por seu médico ao serviço de transplantes de um grande hospital de ensino para avaliação para transplante de fígado. Após esperar mais de uma hora, foi entrevistado primeiramente por um coordenador financeiro, que perguntou detalhes sobre seguros e finanças. A seguir, foi levado a uma sala e colocado diante de três pessoas que não conhecia: um médico especialista em transplantes, um enfermeiro e um assistente social psiquiátrico. O médico começou a ler uma série de questões escritas, raramente olhando acima de sua prancheta para fazer contato visual. Enquanto o paciente respondia, ele tomava notas. As questões tornaram-se cada vez mais pessoais, variando de “Você é casado? Tem filhos? Qual é a sua ocupação?” até “Você bebe? Já bebeu? Usa drogas injetáveis? Qual é a sua orientação sexual?”. O paciente ficou cada vez mais desconfortável e defensivo e, subseqüentemente, inscreveu-se em outro centro de transplantes, apesar da ótima reputação nacional do primeiro centro.
Espiritualidade O papel da espiritualidade e da religião na doença e na saúde adquiriu supremacia nos últimos anos, com algumas pessoas sugerindo que elas se tornem parte do modelo biopsicossocial. Existem evidências de que crenças religiosas fortes, tendências espirituais, orações e atos de devoção têm influências positivas sobre a saúde mental e física da pessoa. Essas questões são melhor compreendidas por teólogos do que por médicos. Contudo, estes devem estar cientes da espiritualidade na vida de seus pacientes e ser sensíveis às suas crenças religiosas. Em certos casos,
as crenças podem impedir o tratamento médico, como a recusa, por alguns grupos religiosos, de aceitar transfusões de sangue. Porém, na maioria dos casos, ao tratar pacientes com convicções religiosas firmes, um médico sensato apreciará a colaboração do orientador espiritual.
COMPORTAMENTO DE DOENÇA A expressão comportamento de doença descreve as reações do paciente à experiência de estar doente. Certos aspectos desse comportamento às vezes são chamados de papel de doente, o qual a sociedade atribui às pessoas que estão doentes. O papel de doente pode incluir ser liberado de responsabilidades e a expectativa de receber ajuda para melhorar. O comportamento de doença e o papel de doente são afetados pelas experiências anteriores da pessoa com doenças e por suas crenças culturais sobre elas. É preciso avaliar a influência da cultura ao relatar e manifestar sintomas. Para alguns transtornos, isso varia entre as culturas, ao passo que, para outros, a maneira como a pessoa lida com o transtorno pode determinar a forma como a condição se apresenta. A relação da doença com processos familiares, classe social e identidade étnica também é importante. As atitudes das pessoas e das culturas em relação à dependência e ao desamparo influenciam muito o fato de se e como a pessoa pede ajuda, assim como fatores psicológicos, como o tipo de personalidade e o significado pessoal que se atribui ao fato de estar doente. Os indivíduos reagem à doença de diferentes maneiras, as quais dependem de seus modos habituais de pensar, sentir e se comportar. Alguns experimentam a doença como uma perda avassaladora, outros enxergam nela um desafio a superar ou uma punição que merecem. A Tabela 1-1 lista áreas essenciais que devem ser abordadas para se avaliar o comportamento de doença e questões úteis para fazer a avaliação. MODELOS DE INTERAÇÃO ENTRE MÉDICO E PACIENTE As interações entre o médico e seu paciente – as perguntas que o paciente faz, a maneira como notícias são transmitidas e reco-
TABELA 1-1 Avaliação individual do comportamento de doença Episódios anteriores de doenças, especialmente as de gravidade normal (congênitas, cálculo renal, cirurgias) Grau cultural de estoicismo Crenças culturais quanto ao problema específico Significado ou crenças pessoais sobre o problema específico Questões específicas para evocar o modelo explicativo do paciente: 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7.
Como você chama seu problema? Que nome ele tem? O que você acha que causou o problema? Por que você acha que ele começou neste determinado momento? O que a doença faz com você? O que mais teme com relação à doença? Quais os principais problemas que sua doença lhe causou? Quais os resultados mais importantes que você espera ter com o tratamento? 8. O que você já fez para tratar a doença? Cortesia de Mack Lipkin Jr., M.D.
RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE E
mendações de tratamento são feitas – podem assumir formas variadas. É importante pensar sobre o relacionamento para formular “modelos” de interação. Todavia, esses conceitos são fluidos. Um médico talentoso e sensível usará abordagens diferentes com pacientes diferentes e, de fato, poderá usar abordagens diferentes com o mesmo paciente à medida que o tempo passar e as circunstâncias médicas mudarem. 1. O modelo paternalista. Em um relacionamento paternalista entre médico e paciente, supõe-se que o primeiro saiba o que é melhor. O médico deve receitar um tratamento, e espera-se que o paciente o cumpra sem questionar. Além disso, o médico pode decidir ocultar informações quando acreditar que isso servirá aos melhores interesses do paciente. Neste modelo, também chamado de “modelo autocrático”, o profissional faz a maioria das perguntas e geralmente domina a consulta. Existem circunstâncias em que uma abordagem paternalista é desejável. Em situações de emergência, o médico deve assumir o controle e tomar decisões que possam salvar a vida do paciente sem muita deliberação. Além disso, alguns pacientes sentem-se sobrepujados por suas doenças e ficam confortáveis com um médico que assuma o controle. Porém, de um modo geral, a abordagem paternalista tem o risco de provocar conflitos de valores. Um obstetra paternalista, por exemplo, pode insistir em raquianestesia para o parto quando a paciente deseja o parto natural. 2. O modelo informativo. O médico, neste modelo, fornece informações. Todos os dados disponíveis são apresentados, mas a escolha é do paciente. Por exemplo, o médico pode citar uma estatística de sobrevivência em cinco anos para vários tratamentos para câncer de mama e esperar, sem sugerir nada ou interferir, que as mulheres decidam. Este modelo pode ser apropriado para certas consultas temporárias, quando não existe um relacionamento estabelecido, e o paciente retornará ao tratamento regular com um médico conhecido. Em outros casos, essa abordagem puramente informativa pode ser percebida pelo paciente como fria e descuidada, pois tende a considerar os pacientes como irrealisticamente autônomos. 3. O modelo interpretativo. Médicos que já conhecem seus pacientes melhor e entendem parte das circunstâncias de suas vidas, famílias, seus valores, esperanças e aspirações são mais capazes de fazer recomendações que levem em conta as características peculiares de cada paciente. Existe um sentido de tomada de decisões compartilhada quando o médico apresenta alternativas e as discute para encontrar, com a participação do paciente, a mais adequada para aquela situação em particular. O médico, neste modelo, não se exime da responsabilidade por tomar decisões, mas é flexível e está disposto a considerar críticas e sugestões alternativas. 4. O modelo deliberativo. O médico, neste modelo, atua como um amigo ou orientador do paciente, não apenas apresentando informações, mas defendendo ativamente determinada linha de ação. A abordagem deliberativa costuma ser usada por profissionais que esperam modificar comportamentos destrutivos, por exemplo, para fazer seu paciente parar de fumar ou perder peso.
Esses modelos são apenas guias para pensar sobre o relacionamento entre médico e paciente. Nenhum deles é intrinsecamente superior aos outros, e o médico pode usar abordagens de todos os quatro para lidar com um paciente durante uma consulta indivi-
TÉCNICAS DE ENTREVISTA
17
dual. É mais provável que surjam dificuldades não com o uso de um ou outro modelo, mas com o médico que está rigidamente fixo em uma estratégia e não é capaz de mudá-la, mesmo quando isso é indicado ou desejável. Além disso, os modelos não descrevem a presença ou ausência de afeto interpessoal. É inteiramente possível que os pacientes vejam um médico paternalista ou autocrático como alguém pessoal, carinhoso e preocupado. De fato, uma imagem comum do médico da cidade pequena ou do interior no começo do século XX era a de um homem (raramente uma mulher) totalmente comprometido com o bem-estar de seus pacientes, que aparecia no meio da noite e sentava à cabeceira da cama segurando a mão do paciente, que era convidado para o almoço do domingo e que esperava que suas instruções fossem seguidas exatamente e sem questionamentos (Fig. 1-1). TRANSFERÊNCIA E CONTRATRANSFERÊNCIA Médicos e pacientes podem ter visões divergentes, distorcidas e irrealistas uns sobre os outros, sobre o que acontece durante um encontro clínico e sobre aquilo que o paciente tem o direito de esperar. A transferência e a contratransferência são termos originados na teoria psicanalítica. Tratam-se de construtos puramente hipotéticos, mas já se mostraram extremamente úteis como princípios organizadores para explicar certas ocorrências no relacionamento entre médico e paciente que podem ser problemáticas e atrapalhar o cuidado adequado. A transferência descreve o processo em que os pacientes inconscientemente atribuem a seus médicos certos aspectos de relacionamentos passados importantes, especialmente com seus pais. Um paciente pode considerar o médico frio, rígido, crítico, ameaçador, sedutor, carinhoso ou estimulante, não por causa de algo que este disse ou fez, mas porque essa foi a sua experiência no passado. O resíduo da experiência leva o paciente a “transferir”, de forma involuntária, o sentimento do relacionamento passado para o médico. A transferência pode ser positiva ou negativa e pode alternar – às vezes de forma abrupta – entre os dois tipos. Muitos médicos ficam confusos quando um paciente agradável, cooperativo e admirador de repente, e sem nenhuma razão visível, fica enraivecido e rompe o relacionamento ou o ameaça com um processo judicial. Em muitos aspectos, o papel do psiquiatra difere do papel de um médico não-psiquiatra; ainda assim, muitos pacientes esperam o mesmo de ambos os profissionais. As reações de transferência podem ser mais fortes com psiquiatras por diversas razões. Por exemplo, em uma psicoterapia intensiva e orientada para o insight, o encorajamento de sentimentos de transferência é parte integral do tratamento. Em alguns tipos de terapia, o psiquiatra é mais ou menos neutro. Quanto mais neutro é ou quanto menos informações o paciente obtém sobre o psiquiatra, mais fantasias e preocupações mobiliza e projeta sobre o médico por transferência. Quando isso acontece, o psiquiatra pode ajudá-lo a entender como essas fantasias e preocupações afetam todos os relacionamentos importantes em sua vida. Embora um médico não-psiquiatra não use atitudes de transferência dessa forma intensiva, um entendimento sólido do poder e das manifestações de transferência é necessário para
18
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
FIGURA 1-1 Quadro de Sir Luke Fildes de um médico tratando uma criança doente. O pai, preocupado, está de pé ao fundo, e a mãe está chorando com a cabeça enterrada em seu braço sobre a mesa. (Com permissão de The New York Academy of Medicine Library, Nova York, NY.)
a obtenção de resultados satisfatórios com o tratamento em qualquer relacionamento com os pacientes. As palavras e os atos dos médicos têm um poder que vai muito além do lugar-comum, devido à sua autoridade única e à dependência dos pacientes em relação a eles. O modo como determinado médico se comporta e interage tem efeito direto sobre as reações emocionais e mesmo físicas do paciente. Por exemplo, um indivíduo tinha pressão alta sempre que era examinado por um médico que considerava frio, insensível e sério, mas apresentava pressão normal quando atendido por um que considerava afetuoso, compreensivo e solidário. Os próprios médicos não são imunes a percepções distorcidas do relacionamento com os pacientes. Quando atribuem inconscientemente aos pacientes motivos e características que vêm de seus relacionamentos passados, o processo é chamado de contratransferência. Esta pode assumir a forma de sentimentos negativos e perturbadores, mas também abrange reações desproporcionalmente positivas, idealizadas e até erotizadas. Assim como os pacientes têm expectativas em relação aos médicos – por exemplo, de competência, objetividade, conforto e alívio –, estes muitas vezes têm expectativas inconscientes ou ocultas em relação aos pacientes. Em geral, estes são considerados “bons” se a gravidade que expressam para seus sintomas está correlacionada com algum transtorno biológico diagnosticável, se aderem e não criticam o tratamento, se têm controle emocional e se são gratos. Se tais expectativas não são cumpridas, mesmo que isso ocorra devido a necessidades inconscientes e irreais por parte do médico, o paciente pode ser culpado e considerado desagradável, intratável ou “difícil”. O médico que efetivamente detesta um paciente pode não ter sucesso ao lidar com ele. A emoção produz uma emoção contrária. Por exemplo, se o médico é hostil, o paciente se torna mais hostil. O médico então fica ainda mais bravo, e o relacionamento se deteriora rapidamente. Se este consegue su-
perar tais emoções e lidar com o paciente ressentido com equanimidade, o relacionamento interpessoal pode mudar, de um antagonismo mútuo e declarado para, pelo menos, um pouco de aceitação e respeito relutante. Dominar essas emoções envolve ser capaz de bloquear reações intensas de contratransferência e explorar a natureza do relacionamento de forma menos emotiva. Afinal, o paciente precisa do médico, e a hostilidade faz com que a ajuda necessária não ocorra. Se consegue entender que o antagonismo do paciente, de certa forma, é defensivo ou autoprotetor e provavelmente reflete temores de desrespeito, abuso ou decepção por transferência, o médico pode ficar menos irritado e sentir mais empatia. As respostas dos pacientes a seus médicos não são invariavelmente causadas pela transferência e podem basear-se na interação real entre eles. Uma mulher que fica brava com o médico por deixá-la esperando, por cancelar consultas e por não lembrar de partes importantes de sua história está reagindo à realidade de seu tratamento e não está, necessariamente, manifestando transferência. Os médicos devem estar cientes do poder de distorção e perturbação da transferência, mas não devem usá-la como desculpa para não considerar o relacionamento verdadeiro e os efeitos que seus atos têm sobre os pacientes. A ENTREVISTA EFETIVA Uma das ferramentas mais importantes do médico é a capacidade de entrevistar de forma efetiva. Por meio de uma entrevista habilidosa, pode reunir os dados necessários para entender e tratar o paciente, além de aumentar a compreensão deste e sua adesão às orientações prescritas. Muitos fatores influenciam o conteúdo e o curso da entrevista. A personalidade e o estilo de caráter dos pacientes influenciam de forma significativa as reações e o contexto emo-
RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE E
TÉCNICAS DE ENTREVISTA
19
TABELA 1-2 Três funções da entrevista médica Funções
Objetivos
Habilidades
I. Determinar a natureza do problema
1. Capacitar o clínico para estabelecer um diagnóstico ou recomendar outros procedimentos, sugerir uma linha de tratamento e prever a natureza da doença
1. Base de conhecimento acerca de doenças, transtornos, problemas e hipóteses clínicas de domínios conceituais múltiplos: biomédico, sociocultural, psicodinâmico e comportamental 2. Capacidade de obter dados dos domínios conceituais anteriores (encorajar o paciente a contar sua história; organizar o fluxo da entrevista, a forma das questões, a caracterização dos sintomas, o exame do estado mental) 3. Capacidade de perceber dados de fontes múltiplas (história, exame do estado mental, respostas subjetivas do médico ao paciente, pistas não-verbais, escutar em níveis múltiplos) 4. Gerar e testar hipóteses 5. Desenvolver um relacionamento terapêutico (função II)
II. Desenvolver e manter um relacionamento terapêutico
1. Disposição do paciente para fornecer informações diagnósticas 2. Alívio de distúrbios físicos e transtornos psicológicos 3. Disposição para aceitar um plano de tratamento ou processo de negociação 4. Satisfação do paciente 5. Satisfação do médico
1. Definir a natureza do relacionamento 2. Permitir que o paciente conte sua história 3. Ouvir, apoiar e tolerar a expressão de sentimentos dolorosos do paciente 4. Interesse apropriado e genuíno, empatia, apoio e entendimento cognitivo 5. Lidar com as preocupações comuns do paciente em relação a embaraço, vergonha e humilhação 6. Evocar a perspectiva do paciente 7. Determinar a natureza do problema 8. Comunicar informações e recomendar tratamento (função III)
III. Comunicar informações e implementar um plano de tratamento
1. Compreensão da doença pelo paciente 2. Compreensão dos procedimentos diagnósticos pelo paciente 3. Compreensão de possibilidades de tratamento pelo paciente 4. Consenso entre médico e paciente em relação aos itens 1 a 3 5. Consentimento informado 6. Melhora dos mecanismos de enfrentamento 7. Mudanças no estilo de vida
1. Determinar a natureza do problema (função I) 2. Desenvolver um relacionamento terapêutico (função II) 3. Estabelecer as diferenças em perspectiva entre médico e paciente 4. Estratégias educativas 5. Negociações clínicas para resolução de conflitos
Reimpressa com permissão de Lazare A, Bird J, Lipkin M Jr, Putnam S. Three functions of the medical interview: An integrative conceptual framework. In: Lipkin Jr M, Putnam S, Lazare A, eds. The Medical Interview. New York: Springer; 1989:103.
cional em que as entrevistas ocorrem. Várias situações clínicas – incluindo o fato de os pacientes serem atendidos no hospital, em uma clínica psiquiátrica, em uma sala de emergência ou em ambulatório – moldam as perguntas e as recomendações feitas. Fatores técnicos como interrupções por telefonemas, uso de um intérprete, anotações e a própria doença do paciente (se está em um estágio agudo ou em remissão) influenciam o conteúdo e o processo da entrevista. O estilo, as experiências e as orientações teóricas dos entrevistadores também têm impacto significativo. Até mesmo o momento de usar interjeições como “ahã” pode influenciar quando os pacientes falam e o que dizem ou deixam de dizer, pois eles tentam inconscientemente seguir as pistas que o médico proporciona. Entrevistas psiquiátricas e entrevistas médico-cirúrgicas Mack Lipkin Jr. descreveu três funções das entrevistas médicas: determinar a natureza do problema, desenvolver e manter um relacionamento terapêutico, e comunicar informações e implementar um plano de tra-
tamento (Tab. 1-2). Essas funções são exatamente as mesmas das entrevistas psiquiátricas e cirúrgicas. Também universais são os mecanismos de enfrentamento predominantes, tanto adaptativos quanto mal-adaptativos. Tais mecanismos incluem reações como ansiedade, depressão, regressão, negação, raiva e dependência (Tab. 1-3). Os médicos devem prever, reconhecer e abordar essas reações para que os tratamentos e as intervenções sejam efetivos. As entrevistas psiquiátricas têm dois objetivos técnicos principais: (1) reconhecer os determinantes psicológicos do comportamento e (2) classificar os sintomas. Esses objetivos são refletidos em dois estilos de entrevista: o estilo orientado para o insight, ou psicodinâmico, e o estilo orientado para os sintomas, ou descritivo. A entrevista orientada para o insight tenta evocar conflitos, ansiedades e defesas inconscientes. A abordagem orientada para os sintomas enfatiza a classificação das queixas de disfunções dos pacientes, conforme definidas por categorias diagnósticas específicas. As abordagens não são mutuamente excludentes e, na verdade, podem ser compatíveis. Um diagnóstico pode ser descrito precisamente evocando-se detalhes como sintomas, curso da doença e história familiar, bem como compreendendo-se a personalidade, a história evolutiva e os conflitos inconscientes do paciente.
20
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 1-3 Reações previsíveis a doenças Intrapsíquicas
Clínicas
Auto-imagem reduzida → perda → luto Ameaça à homeostase → medo Falta de cuidado pessoal → desamparo, desesperança Sensação de perda do controle → vergonha (culpa)
Ansiedade ou depressão Negação da ansiedade Depressão Barganhas e culpa Regressão Isolamento Dependência Raiva Aceitação
Cortesia de Mack Lipkin Jr., M.D.
Os pacientes psiquiátricos muitas vezes devem lutar contra problemas e pressões diferentes daqueles de indivíduos que não têm transtornos psiquiátricos. Esses problemas incluem o estigma ligado a ser um paciente psiquiátrico (é mais aceitável ter um problema médico ou cirúrgico do que um problema mental), dificuldades de comunicação devido a transtornos do pensamento, excentricidades de comportamento e limitações do discernimento e do julgamento que podem dificultar a adesão ao tratamento. Como esses pacientes em geral consideram difícil descrever completamente o que está acontecendo, os médicos devem estar preparados para obter informações de outras fontes. Familiares, amigos e cônjuges proporcionam dados cruciais, como a história psiquiátrica, a resposta a medicamentos e fatores precipitantes, que os pacientes podem não conseguir relatar. Os pacientes psiquiátricos podem não tolerar o formato da entrevista tradicional, especialmente nos estágios agudos do transtorno. Por exemplo, um paciente agitado ou depressivo talvez não consiga ficar sentado por 30 a 45 minutos de discussão ou interrogatório. Nesses casos, os médicos devem estar preparados para conduzir diversas interações breves, pelo tempo que o paciente tolerar, interrompendo e retornando quando este parecer apto a continuar. O médico deve estar particularmente preparado para usar seu poder de observação com pacientes psiquiátricos que não possam se comunicar bem de forma verbal. Suas observações específicas devem incluir a aparência, o comportamento e a linguagem corporal do paciente, além da maneira como esses fatores proporcionam pistas diagnósticas. Segundo as Diretrizes para a avaliação psiquiátrica de adultos, a ferramenta de avaliação dos psiquiatras “é a entrevista cara a cara com o paciente: avaliações baseadas unicamente na revisão de prontuários e entrevistas com familiares e amigos do paciente são inerentemente limitadas”. Todos os médicos que tratam pacientes psiquiátricos devem estar familiarizados com essas diretrizes (Tab. 1-4), pois muitos médicos nãopsiquiatras atendem esse tipo de população. Estudos mostram que cerca de 60% de todos os pacientes com transtornos mentais consultam um médico não-psiquiatra durante um período de seis meses, e é duas vezes mais provável que eles consultem um clínico geral do que outros pacientes. Os médicos não-psiquiatras devem conhecer os problemas especiais de pacientes psiquiátricos e as técnicas específicas usadas para tratá-los.
Sintonia Estabelecer uma sintonia é o primeiro passo na entrevista psiquiátrica, e os entrevistadores muitas vezes usam suas próprias
TABELA 1-4 Resumo das diretrizes da APA para avaliação psiquiátrica I. Introdução A. Avaliação psiquiátrica geral B. Avaliação de emergências C. Entrevista clínica D. Outras entrevistas II. Local da avaliação clínica A. Cenário interno B. Cenário externo C. Cenários médicos gerais D. Outros cenários III. Domínios da avaliação clínica A. Razão para avaliação B. História da doença atual C. História psiquiátrica passada D. História médica geral E. História de abuso de substâncias F. História evolutiva psicossocial (história pessoal) G. História social H. História ocupacional I. História familiar J. Revisão de sistemas K. Exame físico L. Exame do estado mental M. Avaliação funcional N. Teste diagnóstico O. Informações derivadas do processo de entrevista IV. Processo de avaliação A. Métodos para obter informações B. O processo de avaliação V. Considerações especiais A. Interações com fontes pagadoras e seus agentes B. O processo de avaliação VI. Processo evolutivo Adaptada de American Psychiatric Association. Practice guidelines for psychiatric evaluation of adults. Am J Psychiatry. 1995;152(11 suppl):66.
respostas empáticas para facilitar o desenvolvimento de sintonia. Ekkehard e Sieglinde Othmer definiram seis estratégias para desenvolvê-la: (1) deixar os pacientes à vontade; (2) identificar a dor e expressar solidariedade; (3) avaliar o insight dos pacientes e tornar-se seu aliado; (4) demonstrar conhecimento; (5) estabelecer autoridade como médico e terapeuta; e (6) equilibrar os papéis de ouvinte empático, especialista e autoridade. Como parte de um recurso para aumentar a sintonia, Othmer e Othmer desenvolveram uma lista (Tab. 1-5) que ajuda os entrevistadores a reconhecer problemas e aperfeiçoar suas habilidades nesse sentido. Em uma pesquisa com 700 pacientes, estes concordaram substancialmente com o fato de que os médicos devem ter o tempo necessário ou inclinação para ouvir e considerar os sentimentos dos pacientes, de que os mesmos não têm conhecimento suficiente dos problemas emocionais e da origem socioeconômica das famílias dos pacientes e, além disso, de que os médicos aumentam o medo dos pacientes dando explicações em linguagem técnica. O fracasso dos médicos em estabelecer uma boa sintonia com os pacientes explica grande parte da falta de efetividade dos tratamentos. A sintonia demanda entendimento e confiança entre médico e paciente. Fatores psicossociais e econômicos exercem uma influência profunda nas relações humanas, e os médicos
RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE E
TÉCNICAS DE ENTREVISTA
21
TABELA 1-5 Lista de verificação para clínicos A lista de verificação a seguir permite que o clínico avalie suas habilidades para estabelecer e manter sintonia com o paciente. Ela ajuda a detectar e eliminar pontos fracos em entrevistas que fracassaram de algum modo significativo. Cada item é avaliado como “sim”, “não” ou “não se aplica”. Sim Não N/A 1. Deixei o paciente à vontade. ______ ______ ______ 2. Reconheci seu estado de espírito. ______ ______ ______ 3. Abordei seus problemas. ______ ______ ______ 4. Ajudei-o a interessar-se. ______ ______ ______ 5. Ajudei-o a superar a desconfiança. ______ ______ ______ 6. Limitei sua intrusão. ______ ______ ______ 7. Estimulei sua produção verbal. ______ ______ ______ 8. Limitei suas divagações. ______ ______ ______ 9. Entendi seu sofrimento. ______ ______ ______ 10. Expressei empatia para com seu sofrimento. ______ ______ ______ 11. Sintonizei-me com seu afeto. ______ ______ ______ 12. Abordei seu afeto. ______ ______ ______ 13. Tive consciência de seu nível de insight. ______ ______ ______ 14. Assumi seu ponto de vista sobre a doença. ______ ______ ______ 15. Tive percepção clara dos objetivos terapêuticos e declarados do tratamento. ______ ______ ______ 16. Apresentei o objetivo do tratamento para o paciente. ______ ______ ______ 17. Comuniquei-lhe que estou familiarizado com sua doença. ______ ______ ______ 18. Minhas perguntas convenceram-no de que estou familiarizado com os sintomas do transtorno. ______ ______ ______ 19. Deixei claro para o paciente que ele não está sozinho com a doença. ______ ______ ______ 20. Expressei minha intenção de ajudá-lo. ______ ______ ______ 21. O paciente percebeu o meu conhecimento. ______ ______ ______ 22. Respeitou minha autoridade. ______ ______ ______ 23. Pareceu totalmente cooperativo. ______ ______ ______ 24. Reconheci sua postura para com a doença. ______ ______ ______ 25. O paciente conseguiu enxergar a doença com distanciamento. ______ ______ ______ 26. Apresentou-se como alguém que sofre e precisa da atenção de outras pessoas. ______ ______ ______ 27. Apresentou-se como um paciente muito importante. ______ ______ ______ 28. Competiu comigo por autoridade. ______ ______ ______ 29. Foi submisso. ______ ______ ______ 30. Ajustei meu papel ao papel do paciente. ______ ______ ______ 31. O paciente agradeceu-me e marcou outra consulta. ______ ______ ______ Reimpressa com permissão de Othmer E, Othmer SC. The Clinical Interview Using DSM-IV. Washington, DC: American Psychiatric Press; 1994.
devem ter o máximo de compreensão possível acerca das subculturas dos pacientes. Diferenças em status social, intelectual e educacional podem interferir de forma decisiva na sintonia. Uma avaliação das pressões sociais no começo da vida dos pacientes ajuda os psiquiatras a entendê-los melhor. As reações emocionais, saudáveis ou doentias, são o resultado da interação constante entre forças biológicas, sociológicas e psicológicas. Cada problema deixa uma marca de sua influência e continua a se manifestar no decorrer da vida, em proporção à intensidade de seu efeito e à suscetibilidade da pessoa envolvida. Estresses e pressões devem ser determinados ao máximo possível. O elemento significativo pode não ser o problema em si, mas a reação da pessoa a ele. Começando a entrevista A maneira como o médico começa uma entrevista proporciona uma primeira impressão poderosa para os pacientes, e a forma como ele principia a comunicação pode afetar o desenvolvimento da entrevista. Os pacientes muitas vezes ficam ansiosos em seu primeiro encontro com o médico, sentindose vulneráveis e intimidados. Um médico que consegue estabelecer sintonia rapidamente, deixar o paciente à vontade e
demonstrar respeito está no caminho certo para conduzir uma troca de informações produtiva. Essa troca é fundamental para fazer um diagnóstico correto e estabelecer objetivos para o tratamento. Todos os médicos devem assegurar-se inicialmente de que sabem o nome do paciente e de que este sabe seu nome. Eles devem se apresentar às pessoas que acompanham o paciente e verificar se ele deseja que alguma delas esteja presente durante a entrevista inicial. Isso pode ser permitido, mas o médico também deve conversar com o paciente em particular para determinar se há algo que ele queira lhe dizer, mas relutou em falar na frente da outra pessoa. Os pacientes têm o direito de saber a posição e o status profissional das pessoas envolvidas em seu cuidado. Por exemplo, estudantes de medicina devem se apresentar como tal, e não como médicos, e os médicos devem deixar claro se são consultores (chamados para examinar o paciente), se estão substituindo outro médico ou se estão envolvidos na entrevista para ensinar estudantes, em vez de tratar o paciente. Após a apresentação e outras avaliações iniciais, um comentário útil e apropriado para iniciar é: “Você pode me falar dos motivos que o trazem aqui hoje?” ou “Fale-me sobre os problemas que está tendo”. Continuar com um segundo comentário, como: “Que outros problemas você está tendo?”, em geral evoca infor-
22
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
mações que o paciente reluta em fornecer inicialmente, indicando também que o médico está interessado em ouvir tudo o que ele tiver para dizer. Uma abordagem menos diretiva é perguntar ao paciente: “De onde devemos partir?” ou “Por onde você prefere começar?”. Se o paciente foi indicado por outro médico, os comentários iniciais podem deixar claro que o novo médico já sabe algo sobre o paciente. Por exemplo, pode-se dizer: “Seu médico falou um pouco do que o está incomodando, mas eu gostaria de ouvi-lo, com suas próprias palavras, dizer o que você está sentindo”. A maioria dos pacientes não fala livremente, a menos que tenha privacidade e certeza de que sua conversa não está sendo ouvida por outras pessoas. Os médicos devem se certificar, no começo da entrevista, de que fatores como privacidade, silêncio e ausência de interrupções sejam garantidos para transmitir aos pacientes que o que eles dizem é importante e merece ser considerado com seriedade. Às vezes, o paciente fica assustado no começo da entrevista e pode não desejar responder perguntas. Se esse parecer ser o caso, o médico pode comentar essa impressão diretamente, de forma cortês e solidária, e encorajar o paciente a falar sobre seus sentimentos com relação à entrevista em si. O primeiro passo para entender e reduzir a ansiedade do paciente é reconhecer que ela existe. Um exemplo do que pode ser dito é: “Não há como não notar que você parece estar ansioso falando comigo. Há alguma coisa que eu possa fazer ou alguma resposta que possa lhe dar que facilite as coisas?” ou “Sei que falar com um médico pode ser assustador, especialmente com um que você não conhece, mas eu gostaria de tornar isso o mais confortável possível para você. Existe alguma coisa que esteja dificultando que você fale comigo e que você possa explicar?”. Outra questão inicial importante é: “Por que agora?”. O médico deve esclarecer por que o paciente escolheu aquele momento para procurar ajuda. A razão pode ser tão simples quanto a de que foi a primeira hora disponível. Porém, muitas vezes, as pessoas procuram médicos como resultado de eventos específicos com muito estresse. Esses eventos estressantes podem ser considerados precipitantes e normalmente contribuem de maneira significativa para os problemas atuais dos pacientes. Exemplos incluem perdas reais ou simbólicas, como mortes e separações, eventos marcantes (p. ex., aniversários e datas comemorativas) e mudanças físicas, como a presença ou a intensificação de sintomas. Os médicos que não estão cientes desses momentos de estresse na vida das pessoas podem não ver temores ocultos e questões capazes de comprometer o cuidado e o bem-estar do paciente. A entrevista propriamente dita Na entrevista propriamente dita, os médicos descobrem em detalhe o que está incomodando os pacientes. Eles devem fazê-lo de um modo sistemático, que facilite a identificação de problemas relevantes no contexto de uma aliança de trabalho empática e contínua. O conteúdo da entrevista é literalmente o que é dito pelo médico e pelo paciente: os temas discutidos, os assuntos mencionados. O processo é o que ocorre de forma não-verbal entre ambos,
ou seja, o que está acontecendo na entrevista abaixo da superfície. O processo envolve sentimentos e reações que não são reconhecidos ou conscientes. Os pacientes podem usar linguagem corporal para manifestar sentimentos que não conseguem expressar verbalmente, por exemplo, um paciente que apresenta um comportamento aparentemente calmo mantém os punhos cerrados ou manipula um lenço ou tecido nervosamente. Esses indivíduos podem trocar o tema da entrevista, de um assunto que provoque ansiedade para um tópico neutro, sem notar que estão fazendo isso. Podem retornar repetidamente para determinado tópico, independentemente do rumo que a entrevista pareça estar tomando. Comentários triviais e a princípio casuais podem revelar preocupações subjacentes sérias, como: “A propósito, um vizinho meu disse que conhece uma pessoa com os mesmos sintomas que meu filho, e essa pessoa está com câncer”. Técnicas específicas. A Tabela 1-6 lista algumas técnicas de entrevista comuns. O ato de entrevistar um paciente envolve um equilíbrio fino entre permitir que sua história se desdobre livremente e obter os dados necessários para o diagnóstico e o tratamento. A maioria dos especialistas concorda que, em uma entrevista ideal, o entrevistador começa com um questionamento amplo e aberto, continua tornando-se mais específico e conclui com um questionamento detalhado e direto. A primeira parte da entrevista geralmente é mais aberta, no sentido de que os médicos permitem que os pacientes falem o máximo possível em suas próprias palavras. Uma pergunta fechada ou diretiva é aquela que solicita informações específicas e possibilita poucas opções de resposta. Um número excessivo de perguntas fechadas, em especial na primeira parte da entrevista, pode restringir as respostas do paciente. Às vezes, são necessárias perguntas diretivas para obter dados importantes, mas, quando usadas em excesso, o paciente pode pensar que somente deve fornecer informações em resposta ao questionamento direto do médico. Um exemplo de pergunta aberta é: “Você pode me falar mais
PERGUNTAS ABERTAS E FECHADAS.
TABELA 1-6 Técnicas de entrevista comuns 1. Estabeleça uma sintonia o mais cedo possível na entrevista. 2. Determine a principal queixa do paciente. 3. Use a queixa principal para desenvolver um diagnóstico diferencial provisório. 4. Exclua ou confirme as diversas possibilidades diagnósticas, usando perguntas focadas e detalhadas. 5. Esclareça comentários vagos ou obscuros com persistência suficiente para determinar a resposta à pergunta. 6. Deixe que o paciente fale livremente para observar o quanto seus pensamentos estão conectados. 7. Use uma combinação de perguntas abertas e fechadas. 8. Não tenha medo de falar sobre temas que você ou o paciente possa considerar difíceis ou embaraçosos. 9. Fale sobre pensamentos suicidas. 10. Dê ao paciente a chance de fazer perguntas ao final da entrevista. 11. Conclua a entrevista inicial transmitindo um sentido de confiança e, se possível, de esperança. Reimpressa com permissão de Andreasen NC, Black DW. Introductory Textbook of Psychiatry. Washington, DC: American Psychiatric Association Press; 1991.
RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE E
sobre isso?”. Uma pergunta fechada seria: “Há quanto tempo você está tomando essa medicação?”. As perguntas fechadas podem ser efetivas para gerar respostas rápidas e específicas sobre um tema claramente delineado. São efetivas para evocar informações sobre a ausência de certos sintomas (p. ex., alucinações auditivas ou pensamentos suicidas). Elas também já se mostraram importantes para avaliar fatores como freqüência, gravidade e duração de sintomas. A Tabela 1-7 sintetiza alguns dos prós e contras de perguntas abertas e fechadas. REFLEXÃO.
Nesta técnica, o médico repete, de maneira solidária, algo que o paciente já disse. A reflexão tem dois objetivos: assegurar ao médico que ele entendeu corretamente o que o paciente está tentando dizer e mostrar a este que o médico está percebendo o que está sendo dito. Trata-se de uma resposta empática, visando a mostrar ao paciente que o médico está ouvindo suas queixas e respondendo a elas. Por exemplo, se o paciente está falando sobre o medo de morrer e os efeitos de falar sobre isso com sua família, o médico pode dizer: “Parece que você está preocupado em se tornar um peso para sua família”. Essa reflexão não é uma repetição exata do que o paciente disse, mas uma paráfrase que indica que o sentido essencial foi percebido.
FACILITAÇÃO.
Os médicos ajudam os pacientes a continuar a entrevista proporcionando pistas verbais e não-verbais que os encorajam a continuar falando. Sacudir a cabeça, inclinar-se na cadeira e dizer: “Sim, e depois...?” ou “Ahã, continue” são exemplos de facilitação.
SILÊNCIO.
O silêncio pode ser usado de muitas maneiras em conversas normais, inclusive para indicar reprovação ou desinteresse. Todavia, na relação médico-paciente, o silêncio pode ser construtivo e, em certas situações, permitir que os pacientes pensem, chorem ou apenas passem um tempo em um ambiente solidário e acolhedor, no qual o médico deixa claro que nem todos os momentos precisam ser preenchidos com conversa.
CONFRONTAÇÃO.
Esta técnica visa a mostrar ao paciente algo que o médico julga que o primeiro não está percebendo, não está entendendo ou está negando de alguma forma. A confrontação deve ser feita de forma habilidosa, de modo a não deixar o paciente
TÉCNICAS DE ENTREVISTA
23
hostil e defensivo. Ela pretende ajudar o paciente a enfrentar suas necessidades de forma direta, mas respeitosa. Por exemplo, alguém que acaba de cometer um gesto suicida, mas que diz ao médico que não foi sério, pode ser confrontado com a afirmação: “Isso que você fez pode não o ter matado, mas mostra que você está com problemas sérios e que precisa de ajuda para não tentar o suicídio novamente”. CLARIFICAÇÃO. Na clarificação, o médico tenta obter detalhes do paciente sobre coisas que este disse anteriormente. Por exemplo, pode-se dizer: “Você está se sentindo deprimido. Quando você fica mais deprimido?”. INTERPRETAÇÃO.
Esta técnica é usada com mais freqüência quando o médico diz algo sobre o comportamento ou o raciocínio do paciente que este não havia notado. O recurso baseia-se na escuta atenta de temas e padrões subjacentes da história do paciente. As interpretações normalmente ajudam a esclarecer inter-relações que o paciente pode não enxergar. A técnica é sofisticada e geralmente deve ser usada somente após o médico ter estabelecido a sintonia com o paciente e ter uma noção razoável do que certas interrelações significam. Por exemplo, o médico pode dizer: “Ao falar do quanto está bravo por sua família não ser solidária, parece que você também está dizendo que teme que eu não o apóie. O que acha disso?”.
RESUMO.
Periodicamente durante a entrevista, o médico pode dispor de um tempo e resumir brevemente o que o paciente disse até o momento. Isso garante a ambos que o médico ouviu as informações apresentadas. Por exemplo, o médico pode dizer: “Certo, só quero garantir que entendi tudo até aqui”.
EXPLICAÇÃO .
Os médicos explicam os planos de tratamento aos pacientes em uma linguagem compreensível e permitem que estes respondam e façam perguntas. Por exemplo, pode-se dizer: “É essencial que você venha para o hospital agora devido à gravidade da sua doença. Você será internado pela emergência, e estarei lá para fazer os arranjos necessários. Receberá uma pequena dose de medicamento, que o deixará sonolento. O medicamento se chama lorazepam, e a dose será de 0,25 mg. Irei vê-lo cedo pela manhã, e revisaremos os procedimentos neces-
TABELA 1-7 Prós e contras de perguntas abertas e fechadas Aspecto
Perguntas amplas e abertas
Perguntas restritas e fechadas
Genuinidade
Alta Produzem formulações espontâneas. Baixa Podem levar a respostas que não sejam reproduzíveis. Baixa A intenção da questão é vaga. Baixa Elaborações circunstanciais. Baixa O paciente seleciona o tema. Varia A maioria dos pacientes prefere se expressar livremente, outros se sentem retraídos e inseguros.
Baixa Induzem o paciente. Alta Foco limitado, mas podem sugerir respostas. Alta A intenção da questão é clara. Alta Podem induzir respostas do tipo sim ou não. Alta O entrevistador seleciona o tema. Varia Alguns apreciam verificações claras, outros detestam ser pressionados a responder sim ou não.
Confiabilidade Precisão Eficiência em termos de tempo Abrangência diagnóstica Aceitação pelo paciente
Reimpressa com permissão de Othmer E, Othmer SC. The Clinical Interview Using DSM-IV. Washington, DC: American Psychiatric Press; 1994.
24
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
sários antes de fazer qualquer coisa. Quais são suas dúvidas? Sei que deve ter algumas”. TRANSIÇÃO.
Esta técnica permite que os médicos transmitam a idéia de que já foram obtidas informações suficientes sobre determinado tema. Suas palavras encorajam os pacientes a passar para outro tema. Por exemplo, o médico pode dizer: “Você já me deu uma boa idéia dessa época da sua vida. Quem sabe pode me falar um pouco de uma época anterior”.
AUTO- REVELAÇÃO .
A auto-revelação discreta e limitada pode ser útil em certas ocasiões, sendo que o médico deve sentir-se à vontade e comunicar uma sensação de conforto. A transmissão dessa sensação pode incluir responder às perguntas do paciente sobre estado civil ou procedência do médico. Contudo, o profissional que pratica a auto-revelação em excesso está usando o paciente para gratificar necessidades frustradas em sua própria vida e está abusando do papel de médico. Se pensa que uma certa informação ajudará o paciente a se sentir mais à vontade, pode decidir se a deve revelar. A decisão depende de determinar se a informação ajudará no cuidado do paciente ou é relevante. Mesmo que o médico decida que a auto-revelação não se justifica, deve ter cuidado para não fazer o paciente se sentir inoportuno por perguntar. Por exemplo, pode dizer: “De bom grado lhe direi se sou casado ou não, mas primeiro vamos falar um pouco sobre por que você quer saber isso. Desse modo, terei mais informações sobre quem você é e quais são suas preocupações em relação a mim e ao meu envolvimento no seu tratamento”. Não tome as perguntas dos pacientes ao pé da letra. Muitas delas, especialmente as pessoais, transmitem não apenas uma curiosidade natural, mas também preocupações ocultas que não devem ser ignoradas.
REFORÇO POSITIVO.
Esta técnica permite que o paciente se sinta confortável em dizer algo ao médico, mesmo sobre coisas como a não-adesão ao tratamento. Encorajá-lo a sentir que o médico não está bravo com o que ele tem a dizer facilita uma troca aberta. Por exemplo, o médico pode dizer: “Gostaria que você dissesse por que parou de tomar a medicação. Pode me contar qual foi o problema?”. Um psiquiatra experiente, em resposta a pacientes que tinham medo de revelar material “chocante” na entrevista inicial, respondia da seguinte maneira: “Em todos esses anos de trabalho, acho que nunca ouvi nada que tenha me chocado. Aliás, seria interessante ouvir algo que pudesse me chocar”. A aceitação implícita de tudo o que é humano tende a deixar os pacientes à vontade.
TRANQÜILIZAÇÃO.
A tranqüilização honesta do paciente pode aumentar a confiança no médico e a adesão e ser experimentada como uma resposta empática. Porém, se não for verdadeira, significa essencialmente mentir ao paciente, e isso pode atrapalhar a confiança e a adesão ao tratamento. Normalmente, a falsa tranqüilização parte de um desejo de fazer o paciente sentir-se melhor, mas, quando este descobre que o médico não disse a verdade, provavelmente não aceitará nem acreditará em uma tranqüilização verdadeira. Por exemplo, um paciente com doença terminal pergunta: “Vou ficar bem, doutor?”, e o médico responde: “É
claro que vai ficar bem, está tudo bem”. Um exemplo de tranqüilização honesta é: “Vou fazer o possível para que você fique bem, e isto envolve você saber tudo o que sei sobre o que está acontecendo. Nós dois sabemos que o que você tem é grave. Gostaria de saber exatamente o que você pensa que está acontecendo e de esclarecer suas dúvidas”. O paciente talvez consiga abrir-se sobre o medo de morrer. CONSELHOS .
Em muitas situações, não apenas é aceitável, mas desejável que os médicos dêem conselhos aos pacientes. Para serem percebidos como empáticos, em vez de inadequados ou intrusivos, os conselhos somente devem ser dados após permitir que os pacientes falem livremente sobre seus problemas, de modo a obter uma base de informações adequada para fazer sugestões. Às vezes, após o médico ter escutado com atenção, fica claro que, de fato, o paciente não deseja conselhos, e sim uma escuta objetiva, solidária e neutra. Conselhos precipitados podem levar o paciente a achar que o médico não está realmente escutando, mas está respondendo por ansiedade ou segundo a crença de que sabe mais do que o paciente sobre o que deve ser feito em determinada situação. Em um exemplo de conselho precipitado, o paciente diz: “Não consigo tomar essa medicação. Isso está me incomodando”. E o médico responde: “Está bem, você pode parar com ela, vou receitar outra coisa”. Uma resposta mais adequada seria: “Sinto muito. Digame o que o está incomodando com a medicação, e posso ter uma noção melhor do que fazer para que você se sinta confortável”. Em outro exemplo, o paciente diz: “Tenho me sentido realmente deprimido ultimamente”. E o médico responde: “Bem, nesse caso, acho que é importante você sair e fazer coisas divertidas, como ir ao cinema ou dar uma caminhada no parque”. Neste caso, uma resposta mais útil e apropriada poderia ser: “Diga-me o que você quer dizer com ‘deprimido’”.
TERMINANDO A ENTREVISTA .
Espera-se que o paciente saia da entrevista sentindo-se compreendido e respeitado e acreditando que todas as informações pertinentes e importantes foram transmitidas para um ouvinte informado e empático. Para essa finalidade, o médico deve dar chance para que o paciente faça perguntas e saiba o máximo sobre os planos futuros. O médico deve agradecer ao paciente por compartilhar as informações necessárias, afirmando que as informações transmitidas foram úteis para esclarecer os próximos passos. Qualquer receita de medicação deve ser explicada de forma clara e simples, certificando-se de que o paciente entendeu a receita e como deve tomar a medicação. O médico deve marcar a próxima consulta ou encaminhar a outro médico, explicando ao paciente como obter ajuda rapidamente se isso se fizer necessário antes da próxima consulta. ADESÃO
A adesão é o grau em que o paciente executa as recomendações clínicas do médico que o está tratando. Exemplos incluem comparecer a consultas, começar e concluir programas de tratamento, tomar medicamentos corretamente e seguir mudanças recomendadas em comportamento ou dieta.
RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE E
O comportamento de adesão depende da situação clínica específica, da natureza da doença e do programa de tratamento. De um modo geral, cerca de um terço de todos os pacientes adere ao tratamento, um terço adere a determinados aspectos do mesmo, e um terço nunca adere. Um número geral, derivado de diversos estudos, indica que 54% dos pacientes aderem ao tratamento em um dado momento. Um estudo verificou que até 50% daqueles com hipertensão não aderem ao tratamento e que os que o fazem abandonam o tratamento dentro de um ano. Na tentativa de entender por que uma porcentagem tão alta de pacientes não adere regularmente ao tratamento, os pesquisadores investigaram diversas variáveis. Por exemplo, a maior complexidade do regime, juntamente com um número maior de mudanças comportamentais exigidas, parece estar associada à falta de adesão. Porém, não existe associação clara entre adesão e sexo, estado civil, raça, religião, status socioeconômico, inteligência ou nível educacional do paciente. Os casos psiquiátricos, todavia, apresentam um grau maior de comportamento de não-adesão do que os pacientes médicos. A adesão aumenta quando os médicos têm características como entusiasmo e uma atitude não-punitiva. Médicos mais velhos e experientes, quantidade de tempo conversando com os pacientes, menos tempo na sala de espera e maior freqüência de consultas também estão associados a taxas altas de comprometimento. A relação médico-paciente é um dos fatores mais importantes nas questões relacionadas à adesão. Quando ambos têm prioridades e crenças contrastantes, estilos de comunicação diversos (incluindo uma compreensão diferente das orientações médicas) e expectativas médicas incongruentes, a adesão diminui. Ela pode aumentar quando os médicos explicam o valor de determinado resultado do tratamento e enfatizam que seguir as recomendações implicará tal propósito. Além disso, se os pacientes souberem os nomes de cada medicamento que estão tomando, também podem se sentir mais envolvidos. Um fator bastante significativo na adesão parece ser os sentimentos subjetivos de perturbação ou doença dos pacientes, em oposição às estimativas médicas objetivas acerca da condição e da terapia necessária. Aqueles que acreditam estar doentes tendem a apresentar maior adesão. Pacientes assintomáticos, como os casos de hipertensão, têm um risco maior de não se comprometerem com o tratamento do que os que apresentam sintomas. Quando existem problemas de comunicação, a adesão é menor. Quando uma comunicação efetiva ocorre juntamente com a supervisão atenta do paciente e com um senso subjetivo de satisfação porque o médico cumpriu com suas expectativas, a adesão aumenta. Estudos mostraram que a falta de comprometimento está associada a médicos percebidos como antagônicos e hostis. Também está associada à atitude de solicitar informações do paciente sem dar alguma forma de retorno ou explicar um diagnóstico ou a causa dos sintomas. Os médicos que têm consciência dos sistemas de crenças, sentimentos e hábitos de seus pacientes e que os envolvem no estabelecimento do regime de tratamento aumentam os comportamentos de adesão. A falta de adesão à medicação tem muitas causas. O médico deve explorar as razões para tanto, em vez de supor que o paciente não está cooperando. Algumas razões comuns para a falta de adesão são listadas na Tabela 1-8. Outras estratégias
TÉCNICAS DE ENTREVISTA
25
para aumentá-la incluem solicitar que os pacientes descrevam o que acreditam estar errado com eles e o que deve ser feito, quais pensam ser as razões para as recomendações do médico e o que consideram riscos e benefícios de seguir o tratamento receitado. Erros comuns são não tomar a medicação pelo tempo adequado ou na quantidade recomendada a cada dia. É mais provável que não haja adesão se os pacientes precisarem tomar mais de três tipos de medicamentos em um mesmo dia ou se as doses forem divididas em mais de quatro vezes ao dia. Pessoas mais idosas e aquelas com dificuldade para ver e ouvir podem ler ou interpretar as instruções incorretamente. Nesses casos, é aconselhável solicitar que o paciente leia as recomendações e perguntar se tem alguma dúvida, depois pedir que o mesmo explique especificamente e em que quantidade a medicação deve ser tomada. Há casos em que, em vez de cometer erros, os pacientes mudam deliberadamente o regime de tratamento, por exemplo, não comparecendo às consultas ou tomando a medicação de um modo diferente do recomendado. Nessas situações, que podem envolver pressões contrárias da família e do trabalho, o médico deve negociar um acordo com o paciente. Eles podem especificar juntos o que esperam de cada um. Implícitas nessa abordagem estão as noções de que o contrato pode ser renegociado e de que o paciente e o médico podem fazer sugestões para aumentar a adesão. QUESTÕES ESPECÍFICAS DA PSIQUIATRIA Honorários Antes que os clínicos possam estabelecer um relacionamento contínuo com os pacientes, precisam abordar determinadas questões. Por exemplo, devem discutir abertamente o pagamento de honorários. Discutir questões relacionadas a honorários no princípio da interação pode minimizar mal-entendidos posteriores. A maioria dos pacientes tem seguro médico por meio de organizações de manutenção da saúde (HMOs) ou Medicare. As HMOs pagam as consultas médicas integralmente ou em parte, mas apenas se o médico estiver cadastrado no plano do paciente. Alguns planos oferecem pagamentos parciais mesmo que o médico não seja cadastrado (i.e., é considerado de “fora da rede”). Isso deve ser esclarecido, ou o paciente talvez tenha de pagar do próprio bolso, o que pode não estar disposto ou ser incapaz de fazer. (Ver o Capítulo 60 para uma discussão sobre os sistemas de prestação de serviços de saúde.) Sigilo Os psiquiatras devem discutir o nível e as limitações do sigilo, de modo que os pacientes sejam esclarecidos em relação ao que pode ou não permanecer confidencial. Assim como os médicos devem respeitar o sigilo por razões legais e éticas, o mesmo pode ser quebrado em situações específicas. Por exemplo, se o paciente deixar claro que pretende agredir alguém, o médico tem a responsabilidade de notificar a possível vítima.
26
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 1-8 Razões comuns para a falta de adesão à medicação 1. As instruções são dadas de forma inadequada, ou o paciente as compreende de maneira incompleta. Exemplo: Uma mulher de 34 anos sofrendo o primeiro episódio de depressão maior recebe uma receita de paroxetina 20 mg/ dia. Responde bem, com resolução completa dos sintomas em quatro semanas. Duas semanas depois, sentindo-se de volta ao normal, pára de tomar a medicação. Três semanas depois, sofre uma recaída. Comentário: A mulher não entendeu (talvez não tenha sido bem explicado) que seria necessário continuar a medicação por vários meses após a recuperação total para minimizar o risco de recaída. 2. O paciente pode considerar os efeitos colaterais intoleráveis. Exemplo: Um homem de 20 anos recebe um diagnóstico provisório de esquizofrenia quando começa a ter alucinações auditivas. É tratado com haloperidol 5 mg, duas vezes por dia. As alucinações passam, mas ele começa a experimentar disfunção erétil e interrompe a medicação sem contar a ninguém. Comentário: Os efeitos colaterais e as toxicidades potenciais sempre devem ser revisados com os pacientes antes de começar a medicação. Também é importante encorajá-los a discutir com o médico quaisquer experiências físicas e reassegurar que não é necessário agüentar os efeitos colaterais, pois existem medicamentos alternativos que podem ser experimentados. 3. Os sintomas psiquiátricos interferem no tratamento. Exemplo: Uma mulher de 41 anos com um diagnóstico de esquizofrenia paranóide é admitida em uma unidade de internação com o delírio de que está sendo envenenada por uma força alienígena. É tratada com risperidona 2 mg/dia e liberada após uma semana. Pára de tomar a medicação no dia da alta, acreditando que também é um veneno e faz parte da trama para prejudicá-la. Comentário: O clínico deve estar alerta para a possibilidade de que os sintomas interfiram no tratamento, estabelecendo o máximo possível um relacionamento de confiança e investigando a possibilidade dessa interferência (“Você às vezes teme que eu também possa desejar feri-lo?”). Se forem receitados medicamentos, as doses devem ser suficientes para trazer benefícios. 4. Os pacientes gostam de seus sintomas e não desejam ser tratados. Exemplo: Um homem de 37 anos com transtorno bipolar, controlado com lítio por dois anos, começa a se sentir um pouco eufó-
rico, mais enérgico e mais sociável do que o normal. Interrompe o lítio porque sente que este o deixa um pouco lento. Em duas semanas, apresenta um episódio maníaco completo. Comentário: A psicoeducação faz parte do processo terapêutico contínuo, e pode levar um certo tempo para ser inteiramente realizada. A adesão é alcançada mais facilmente quando se estabelece um relacionamento colaborativo sólido, quando o médico é receptivo para com a experiência subjetiva que o paciente tem da doença e do tratamento e quando este compreende que sintomas levemente agradáveis podem se tornar destrutivos e muito incômodos se tratados de forma inadequada. 5. As vidas de certos pacientes são tão caóticas e desorganizadas que é difícil obter adesão sem monitoramento rígido e acompanhamento . Exemplo: Uma mulher sem-teto de 47 anos, com um diagnóstico de esquizofrenia indiferenciada crônica, foi tratada em uma sala de emergência, recebeu uma receita para um mês de antipsicótico e deveria retornar à clínica em um mês. Após ser liberada, viveu em uma série de albergues e abrigos de igrejas. Suas sacolas com os cartões da Medicaid e da Medicare, a receita e os cartões com os horários das consultas foram roubadas. A mulher não conseguiu lembrar a data ou o local das consultas. Comentário: A ausência de um acompanhamento próximo e estruturado para essa paciente quase determina o fracasso do tratamento. Supervisores de casos individuais são importantes, embora às vezes o número de casos atribuídos a cada um seja excessivo. 6. Os pacientes param de tomar a medicação porque não conseguem pagar por ela. Exemplo: Um homem idoso que vivia com uma renda fixa modesta consultou devido à fadiga. A médica diagnosticou depressão e receitou um ISRS relativamente novo. Quando o homem foi comprar o remédio na farmácia, ficou sabendo que o suprimento para um mês custaria 300 dólares. Não comprou o medicamento e ficou envergonhado em contar o motivo para a médica. Comentário: O custo dos medicamentos raramente é levado em conta nas decisões relacionadas à receita. Isso é particularmente importante para pacientes que usam a Medicare, por exemplo, pois atualmente não há benefícios para pacientes externos. As drogas genéricas sempre são mais baratas do que seus equivalentes de marca. Porém, quando uma droga é nova e ainda está sob patente, pode não haver alternativas de baixo custo.
Outras questões relacionadas ao sigilo incluem quem tem acesso ao prontuário médico, informações requisitadas por companhias de seguros (que podem ser amplas) e o grau em que o caso do paciente será usado para propósitos de ensino. Em todas essas situações, o paciente deve dar permissão para o uso de seus prontuários médicos. (Ver o Capítulo 58 para uma discussão sobre o sigilo.)
uma prática estabelecida, e na qual o residente deve apresentar narrativas literais de toda a sessão de terapia (anotações do processo) para o supervisor. Se um paciente estiver curioso quanto ao nível de experiência do médico que o está tratando, deve-se responder honestamente e não enganá-lo. Se o médico não tiver formação na área e o paciente descobrir isso mais adiante, o relacionamento entre os dois pode se tornar impraticável.
Supervisão
Consultas perdidas e duração das sessões
Evidentemente, é necessário que médicos em treinamento tenham supervisão de profissionais experientes. Essa prática é norma em grandes hospitais de ensino, e a maioria dos pacientes está ciente disso. Quando os novos médicos recebem supervisão dos mais experientes, os pacientes devem saber disso desde o começo. É particularmente importante informá-los em se tratando da consulta em psiquiatria, na qual a supervisão de casos individuais de psicoterapia é rotina e
Os pacientes devem ser informados sobre as políticas para consultas perdidas e duração das sessões. Os psiquiatras normalmente atendem em blocos regulares de tempo, variando de 15 a 45 minutos. Ao final desse tempo, esperam que os pacientes aceitem o fato de que a sessão acabou. Médicos não-psiquiatras podem marcar sessões de maneira um pouco diferente, preparando 30 minutos a uma hora para uma consulta inicial
RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE E
e talvez marcando consultas de 15 a 20 minutos para o retorno. Psiquiatras que estão tratando indivíduos internos psicóticos podem determinar que o paciente não é capaz de tolerar uma sessão prolongada e decidir atendê-lo em uma série de sessões de 10 minutos ao longo da semana. Sejam quais forem as políticas, os pacientes devem estar cientes delas para prevenir mal-entendidos. O mesmo pode ser dito sobre as sessões perdidas. Alguns médicos solicitam que os pacientes avisem com 24 horas de antecedência para evitar serem cobrados pelo não-comparecimento. Outros cobram por sessões perdidas, independentemente de haver notificação prévia. Outros ainda decidem cada caso em particular ou usam a regra de 24 horas, mas fazem exceções quando são justificáveis. Alguns médicos dizem que, se receberem notificação e conseguirem preencher o horário, não cobrarão pela ausência. Outros, ainda, não cobram por nenhuma sessão perdida. A escolha é própria do médico, mas os pacientes devem saber com antecedência para decidir se devem aceitar a política do médico ou escolher outro profissional.
TÉCNICAS DE ENTREVISTA
27
rados de que, independentemente do que ocorrer no curso de determinada relação médico-paciente, o tratamento não será interrompido. Uma situação complexa surge quando o médico adoece e torna-se incapaz de continuar a cuidar de seus pacientes. Quando se sabe com antecedência que precisará interromper a terapia, podem ser feitos arranjos claros de encaminhamento para outros profissionais. Embora existam argumentos a favor e contra os médicos revelarem suas doenças para os pacientes, parece melhor errar ao lado da verdade. As informações devem ser transmitidas da maneira mais calma e sutil possível. O motivo pelo qual se deve dizer a verdade é que os pacientes fantasiam razões sobre por que o médico parou de atendê-los e podem temer que eles próprios fizeram o médico abandonar o tratamento. A falta de honestidade nessa situação também encoraja a visão de que estar doente é vergonhoso ou assustador e que os médicos incapazes de lidar com as próprias doenças não devem esperar que os pacientes consigam fazê-lo. Porém, não é papel destes cuidar de seus médicos. As informações dadas não devem transmitir a idéia de que a doença do médico é um peso para o paciente.
Disponibilidade do médico Quais são as obrigações do médico em relação à sua disponibilidade entre as consultas marcadas? Será sua incumbência estar disponível as 24 horas do dia? Quando o paciente inicia um contrato para receber atendimento de determinado médico, este é responsável por apresentar uma alternativa de atendimento de emergência fora das consultas marcadas. Os pacientes devem ser informados sobre qual é essa alternativa, se um telefone de emergência ou um médico substituto. Caso o médico se ausente por um período de tempo, é necessária a substituição por outro, e os pacientes devem ser informados sobre como podem encontrá-lo. Devem saber que seu médico estará disponível entre as sessões para responder questões urgentes e que consultas adicionais podem ser marcadas se necessárias. Todavia, dentro desses parâmetros, os médicos devem tomar suas próprias decisões sobre a sua disponibilidade para cada paciente. Em certos casos, podem ter de impor limites firmes para atendimento entre as sessões. Por exemplo, pacientes que telefonam repetidamente a qualquer momento com preocupações que podem ser melhor abordadas nas consultas marcadas devem ser desencorajados, de forma respeitosa, porém firme, a ligar sem necessidade. Podem ser reassegurados de que todas as suas preocupações serão abordadas e que, se não houver tempo suficiente durante a consulta regular, é possível marcar outro horário, mas que questões que não sejam emergenciais deverão esperar até a próxima sessão. Seguimento Muitos eventos podem perturbar a continuidade da relação médico-paciente. Alguns deles são rotineiros (p. ex., residentes que terminam seu treinamento e mudam para outro hospital); outros são imprevisíveis (p. ex., quando o médico adoece e não pode continuar o acompanhamento). Os pacientes devem ser assegu-
Pacientes problemáticos e situações de entrevista especiais Quase todos os médicos tratam pacientes ditos problemáticos, não por causa de sua doença, mas porque entram em disputas de poder, são exigentes ou não cooperam. Sentir raiva e ressentimento para com pacientes assim é uma qualidade humana natural, assim como tentar limitar o tempo gasto com eles e esperar de forma secreta (ou explícita) que procurem outro médico. Embora essas reações sejam compreensíveis, provavelmente tornam uma situação ruim ainda pior e interferem na missão principal do médico – proporcionar o melhor cuidado possível. Entender alguns dos medos e conflitos ocultos que moldam o comportamento dos pacientes difíceis ajuda o médico a desenvolver paciência e maior compaixão e torna mais fácil proporcionar intervenções que sejam sólidas do ponto de vista médico. Nessas situações especiais, as técnicas de entrevista devem ser variadas, conforme as reações da personalidade do paciente, o tipo e gravidade da doença e o objetivo da entrevista, podendo-se usar graus variados de permissividade e direcionamento. Para pacientes diferentes, indicamse abordagens diferentes, e a estratégia para um mesmo paciente pode ser alterada quando necessário. Pacientes histriônicos. Os pacientes histriônicos têm um estilo dramático, emotivo e impressionante. Podem ser sedutores para com seus médicos e outras pessoas, por necessidade de serem tranqüilizados e por medo de que não sejam levados a sério, a menos que se sintam sexualmente desejáveis. Muitas vezes, passam uma impressão de ser excessivamente emotivos e galanteadores. O médico deve ser calmo, tranqüilizador e acolhedor para com tais indivíduos. A maioria deles não deseja realmente seduzir o médico, mas desconhece outras formas de obter a atenção de que necessita.
28
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Pacientes dependentes. Alguns parecem necessitar de uma quantidade excessiva de atenção e, ainda assim, nunca parecem tranqüilos. Esses são os pacientes que provavelmente darão telefonemas repetidos entre sessões marcadas e exigirão consideração especial. O médico deve ser firme ao estabelecer limites, enquanto tranqüiliza o paciente de que suas necessidades estão sendo levadas a sério e tratadas de maneira profissional. Pacientes exigentes. Têm dificuldade para protelar gratificações e exigem que seu desconforto seja eliminado imediatamente. Frustram-se facilmente e podem se tornar petulantes ou até zangados e hostis se não obtiverem imediatamente o que desejam. Podem cometer um ato autodestrutivo e impulsivo se forem contrariados e são manipuladores, vivendo em busca de atenção. Contudo, por trás de seu comportamento superficial, talvez estejam sentindo medo de que nunca tenham o que necessitam dos outros e, portanto, pensam que devem agir dessa forma inadequadamente agressiva. Podem ser um tanto difíceis para qualquer médico tratar. É necessário ser firme com esses pacientes desde o começo e definir claramente o que é um comportamento aceitável ou inaceitável. Casos assim devem ser tratados com respeito e atenção, mas também devem ser confrontados por seu comportamento, para que aprendam a ser responsáveis por seus atos. Pacientes narcisistas. Os pacientes narcisistas agem como se fossem superiores a todos ao seu redor, incluindo o médico. Manifestam uma grande necessidade de parecer perfeitos e desprezam pessoas que julgam limitadas. Podem ser rudes, impulsivos, arrogantes e exigentes. Em princípio, são capazes até de idealizar o médico, pela necessidade de que este seja tão perfeito quanto eles próprios acham que são, mas a idealização pode logo se converter em desdém ao descobrirem que o médico é humano. Por trás de sua superfície arrogante, os pacientes narcisistas sentem-se desesperadamente inadequados e temem que os outros os enxerguem como são. Pacientes desconfiados. Algumas pessoas, em geral aquelas que têm personalidade paranóide, apresentam uma desconfiança crônica e profundamente arraigada de que os demais desejam prejudicá-las. Elas interpretam eventos neutros como evidências de uma conspiração. São críticas e evasivas, às vezes chamadas de “colecionadores de mágoas”, pois tendem a culpar outras pessoas por todas as coisas ruins que ocorrem em suas vidas. São extremamente desconfiadas e podem questionar tudo o que o médico fizer ou disser. Este deve tentar manter uma abordagem respeitosa, porém um pouco mais formal e distante com esses pacientes, pois expressões de afeto normalmente aumentam as desconfianças. É necessário explicar em detalhes cada decisão e procedimento planejado e tentar responder de forma não-defensiva à desconfiança do paciente. Pacientes isolados. Os pacientes isolados e solitários não parecem necessitar ou querer muito contato com outras pessoas. O contato íntimo com o médico é visto de forma negativa, e eles prefeririam cuidar de si mesmos sozinhos, sem a ajuda de terceiros, se fosse possível. Alguns pacientes isolados podem receber o
diagnóstico de transtorno da personalidade esquizóide. Estes são retraídos, absortos em um mundo de fantasia e incapazes de falar sobre seus sentimentos. O médico deve tratá-los com o máximo respeito por sua privacidade e não esperar que respondam às suas preocupações. Pacientes obsessivos. Os pacientes obsessivos são organizados, pontuais e tão preocupados com detalhes que muitas vezes não enxergam o quadro mais amplo. Costumam parecer pouco emotivos, até indiferentes, em especial quando confrontados com alguma coisa que os perturbe ou assuste. Têm uma grande necessidade de estar no controle de tudo o que ocorre em suas vidas e podem lutar contra o seu médico sempre que sentirem que este está impondo alguma decisão. No fundo, esses indivíduos temem perder o controle e ficar impotentes e dependentes. Os médicos devem tentar incluí-los em seu próprio cuidado e tratamento o máximo possível. Devem explicar em minúcias o que está acontecendo e o que está sendo planejado, garantindo que o paciente pode fazer escolhas para seu próprio benefício. Pacientes queixosos que recusam ajuda. Alguns pacientes parecem se comunicar apenas após uma longa ladainha de queixas e frustrações. Tendem a culpar os outros secretamente por todos os seus problemas e fazer as pessoas se sentirem culpadas por não agirem ou não se preocuparem o suficiente. Podem ser incapazes de expressar sentimentos de raiva diretamente e, assim, manifestá-los de forma indireta ou passiva, atrasando-se para consultas ou não pagando os honorários no momento certo. Muitas vezes, podem considerar que fazem grandes sacrifícios pessoais. Quando alguém oferece ajuda, respondem dizendo: “Sim, mas...”. Os médicos devem levar as queixas desses pacientes a sério, mas sem encorajar o papel de doente. É necessário impor limites firmes com relação à disponibilidade do médico. Ao mesmo tempo, pode-se oferecer a tranqüilidade de consultas freqüentes e regulares. O médico deve se envolver com seus familiares, pois a família lida com o estilo difícil do paciente todos os dias e pode se sentir frustrada, culpada e brava. Pacientes manipuladores. Estes são descritos na terminologia psiquiátrica como portadores de traços de personalidade antisocial. Não parecem sentir culpa e, de fato, podem não ter consciência do que representa esse sentimento. Podem ser superficialmente cativantes, inteligentes e socialmente competentes, mas essas são imagens que aperfeiçoaram ao longo dos anos de prática. Tais pacientes, muitas vezes, têm história de atos criminosos e escapam por meio de mentiras e manipulação. Com freqüência, simulam doenças – ou seja, fingem estar doentes conscientemente para obter algum objetivo específico, como seguro ou acesso a narcóticos. Quando estão realmente doentes, deve-se tratá-los com respeito, mas com um sentido de vigilância elevado. Se tiverem história de violência, o médico pode se sentir ameaçado e deve procurar auxílio sem constrangimento, não se considerando na obrigação de atendê-los sozinho. Deve haver limites firmes ao seu comportamento (p. ex., nenhuma droga pode ser trazida ao hospital), e as conseqüências de transgressões devem ser especificadas e cumpridas. Se forem descobertos comportamentos inadequados, esses pacientes devem ser confrontados diretamente e
RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE E
responsabilizados por seus atos. Eles costumam mentir, mas acreditar em suas mentiras não representa um fracasso profissional. Os psiquiatras são treinados para identificar, entender e tratar psicopatologias, e não para funcionar como detectores de mentiras. Enquanto um certo nível de desconfiança é essencial na prática da psiquiatria, clínicos determinados a nunca serem enganados abordarão os pacientes com suspeitas tão exageradas que o seu trabalho terapêutico pode se tornar impossível. Pacientes com culturas e origens diversas. Diferenças de etnia, nacionalidade e religião e outras diferenças culturais significativas entre médico e paciente podem limitar a comunicação e levar a mal-entendidos. Essas diferenças podem afetar a maneira como as pessoas se apresentam aos médicos, os tipos de sintomas e seu entendimento acerca das causas de doenças e da necessidade de tratamento. As diferenças culturais também podem interferir no estabelecimento da sintonia. O uso de honoríficos, o nível de contato visual direto considerado adequado e apertos de mão entre homens e mulheres, por exemplo, podem desencaminhar psiquiatras desavisados. O médico deve proceder com humildade e respeito, especialmente quando a origem do paciente não lhe é familiar. Fazer perguntas sobre as diferenças é melhor do que fazer suposições. Os pacientes não se sentirão ofendidos quando o médico perguntar: “Será que entendi isso da forma como você colocou?”. Problemas adicionais surgem quando o médico e o paciente falam línguas diferentes. Se for necessário um tradutor, é melhor usar uma terceira pessoa que não esteja envolvida na relação, que o paciente não conheça. Valer-se de parentes e amigos para traduzir pode limitar as coisas que o paciente se sentiria à vontade para dizer e, inevitavelmente, causar distorções no relato. Os tradutores devem ser instruídos a traduzir literalmente o que o paciente disser – uma tarefa difícil até para os mais experientes tradutores profissionais. Muitos iniciantes tentarão impor organização e significados a afirmações desorganizadas e sem sentido do paciente, e algumas palavras e expressões não têm tradução.
TÉCNICAS DE ENTREVISTA
29
TABELA 1-9 Características e qualidades do médico, conforme descritas por William S. Osler, M.D., em Aequanimitas Imperturbabilidade Presença de espírito
Discernimento claro Tolerancia à frustração Paciência infinita Caridade para com outras pessoas Busca da verdade absoluta Compostura Bravura Tenacidade Idealismo Equanimidade
Capacidade de manter calma e estabilidade extremas Autocontrole em situações de emergência ou embaraçosas, para poder dizer ou fazer o que for necessário Capacidade de ter uma opinião informada inteligível e livre de ambigüidade Capacidade de permanecer firme e de lidar com insegurança e insatisfação Capacidade ilimitada de suportar a dor ou as dificuldades com calma Ser generoso e prestativo, especialmente para com os que têm necessidades e sofrimento Investigar os fatos e procurar a realidade Calma no pensar, na conduta e na aparência Capacidade de enfrentar ou suportar eventos com coragem Ser persistente para alcançar um objetivo ou aderir a algo de valor Formar padrões e ideais e viver sob sua influência Capacidade de lidar com situações estressantes com um temperamento tranqüilo e sereno
dade, humor e bondade. William Osler, médico e professor, discutiu em seu livro Aequanimitas as características e qualidades do médico, que são resumidas na Tabela 1-9. Tratam-se de ideais que devem ser perseguidos, mas que raramente são alcançados. Os médicos (e outros provedores de serviços de saúde) precisam ser tolerantes com relação aos limites daquilo que podem realizar de forma realista e honesta. REFERÊNCIAS
PRESSÕES SOBRE O MÉDICO Além da vasta quantidade de conhecimento e das habilidades necessárias para a prática da medicina, o médico também deve desenvolver a capacidade de equilibrar uma preocupação solidária com uma objetividade impassível, a vontade de aliviar a dor com a capacidade de tomar decisões dolorosas, e o desejo de curar e controlar com a aceitação das limitações humanas. Aprender a coordenar esses aspectos inter-relacionados do papel do médico é essencial para lidar de forma produtiva com um trabalho cotidiano que envolve doenças, dor, tristeza, sofrimento e morte. A falta de equilíbrio pode fazer o médico sentir-se saturado e deprimido. Uma sensação de inutilidade e fracasso pode começar a permear sua atitude, abrindo espaço para frustração e raiva com a profissão, com os pacientes e consigo mesmo. Muitas das pessoas atraídas para o campo da medicina são perfeccionistas, exigentes consigo mesmas e atentas a detalhes. Essas qualidades podem ser adaptativas – de fato, provavelmente são necessárias –, mas devem ser equilibradas com doses saudáveis de autoconhecimento, humil-
American Psychiatric Association. Practice guidelines for psychiatric evaluation of adults. Am J Psychiatry. 1995;152(11 suppl):66. Bishop J. Guidelines for a nonsexist (gender-sensitive) doctor-patient relationship. Can J Psychiatry. 1992;37:62. Bradley EH, Hallemeier AG, Fried TR, Johnson-Hurzeler R, Cherlin EJ, Kasl S, Horwitz SM. Documentation of discussions about prognosis with terminally ill patients. Am J Med. 2001;111:218. Engel GL. The clinical application of the biopsychosocial model. Am J Psychiatry, 1980;137:535. Freud S. Recommendations to physicians practicing psychoanalysis. In: Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud. Vol 12. London: Hogarth; 1958:109. Greengold NL, Ault M. Crossing the cultural doctor-patient barrier. Acad Med. 1995;71:112. Jordan JV, Kim D, Silver MH. Shattered trust: Technical and moral lessons from an interrupted first visit. Harv Rev Psychiatry. 2002; 10:37. Mechanic D. Are patient’s office visits with physicians getting shorter? N Engl J Med. 2001;344:1476. O’Brien R. The doctor-patient relationship. Ann N Y Acad Sci. 1994; 729:22.
30
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Ong LM, de Haes JC, Hoos AM, Lammas FB. Doctor-patient communication: a review of the literature. Soc Sci Med. 1995;40:903. Othmer E, Othmer SC. The Clinical Interview Using DSM-IV. Washington, DC: American Psychiatric Press; 1994. Silver A, Weiss D. Paternalistic attitudes and moral reasoning among physicians at a large teaching hospital. Acad Med. 1992;67:62.
Verhulst J, Tucker G. Medical and narrative approaches in psychiatry. Psychiatr Ser. 1995;46:513. West C. Reconceptualizing gender in physician-patient relationship. Soc Sci Med. 1993;36:57. Wink P, Dillon M. Spiritual development across the adult life course: Findings from a longitudinal study. Adult Development. 2002;9:79.
2 Desenvolvimento humano ao longo do ciclo vital
2.1 Normalidade, saúde mental e teoria do ciclo vital NORMALIDADE E SAÚDE MENTAL Normalidade e saúde mental são questões centrais na teoria e na prática psiquiátrica, mas são difíceis de definir. Por exemplo, a normalidade foi definida como padrões de comportamento ou traços de personalidade típicos ou que estejam em conformidade com certos padrões adequados e aceitáveis de se comportar e agir. Entretanto, o uso de termos como típico ou aceitável foi criticado porque são ambíguos, envolvem julgamentos de valor e variam de cultura para cultura. Para superar essa objeção, o psiquiatra e historiador George Mora criou um sistema para descrever manifestações comportamentais que são normais em um contexto, mas não em outros, dependendo de como a pessoa é vista pela sociedade (Tab. 2.1-1). Porém, talvez esse paradigma atribua peso demasiado às observações e aos julgamentos do grupo. A Organização Mundial de Saúde (OMS) define a normalidade como um estado de completo bem-estar físico, mental e social. Porém, mais uma vez, essa classificação é limitada, pois define a saúde física e mental simplesmente como a ausência de doenças físicas ou mentais. A revisão da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR) não oferece definição para normalidade ou saúde mental, embora apresente uma designação para transtorno mental. Segundo o DSM-IV-TR, este é caracterizado como um comportamento, uma síndrome psicológica ou um padrão que está associado a uma perturbação (p. ex., sintoma doloroso) ou deficiência (i.e., uma limitação em uma ou mais áreas importantes do funcionamento). Além disso, a síndrome ou o padrão não deve ser simplesmente uma resposta esperada e culturalmente aceita a determinado evento, como a morte de um familiar. O DSM-IV-TR enfatiza que comportamentos que diferem dos padrões (p. ex., políticos, religiosos ou sexuais) ou conflitos entre o indivíduo e a sociedade não são transtornos mentais. Em Mental health: a report of the surgeon general, a saúde mental é definida como a “realização bem-sucedida das funções mentais, em termos de raciocínio, humor e comportamento, que re-
sulta em atividades produtivas, relacionamentos satisfatórios e capacidade de se adaptar a mudanças e enfrentar adversidades”. Por fim, o psiquiatra Thomas Szasz sustenta uma visão polêmica, acreditando que o conceito de doença mental deve ser inteiramente abandonado. Em seu livro The myth of mental illness, afirma que a normalidade somente pode ser mensurada em termos daquilo que as pessoas fazem ou não, e que defini-la está além do domínio da psiquiatria. A psiquiatria recebeu críticas de certos grupos ao longo dos anos por sua visão acerca da normalidade. A psicologia feminina, por exemplo, tem sido taxada de sexista, pois foi formulada inicialmente por homens. Críticas semelhantes partem de outros grupos, que acreditam que a formulação de suas questões psicológicas é tendenciosa, colocando ênfase indevida na psicopatologia, em vez de em atributos da saúde. Uma questão bastante discutida é a mudança na visão psiquiátrica sobre a homossexualidade, de anormal para normal, que ocorreu há 25 anos, uma evolução moldada por normas culturais, por expectativas e valores da sociedade, por tendências profissionais, por diferenças individuais e pela condição política do nosso tempo. PERSPECTIVAS FUNCIONAIS DA NORMALIDADE Os muitos conceitos teóricos e clínicos da normalidade parecem culminar em quatro perspectivas funcionais. Embora cada uma tenha autonomia e apresente definição e descrição próprias, as perspectivas se complementam e juntas representam a totalidade das abordagens das ciências do comportamento e das ciências sociais ao sujeito. As quatro perspectivas da normalidade descritas por Daniel Offer e Melvin Sabshin são: (1) normalidade como saúde, (2) normalidade como utopia, (3) normalidade como média e (4) normalidade como processo. Normalidade como saúde A primeira perspectiva é basicamente a abordagem médico psiquiátrica à saúde e à doença. A maioria dos médicos equipara normalidade à saúde e considera esta como um fenômeno universal. Como resultado, supõe-se que o comportamento esteja dentro de limites normais quando não há nenhuma psicopatolo-
32
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 2.1-1 A normalidade contextualizada Termo
Conceito
Autonormal
Pessoa considerada normal por sua própria sociedade Pessoa considerada anormal por sua própria sociedade Pessoa considerada normal por membros de outra sociedade que a observam Pessoa considerada incomum ou patológica por membros de outra sociedade que a observam
Autopatológica Heteronormal Heteropatológica
Dados de George Mora, M.D.
gia. Se todo comportamento fosse colocado em uma escala, a normalidade abrangeria a maior parte do espectro, e a anormalidade seria uma fração mínima. Essa definição se correlaciona com o modelo tradicional do médico que tenta libertar seu paciente de sinais e sintomas bastante perceptíveis. Para esse profissional, a ausência de sinais ou sintomas indica saúde. Esta, em tal contexto, se refere a um estado de comportamento razoável, em vez de ótimo. Em sua forma mais simples, essa perspectiva, descrita por John Romano, identifica a pessoa saudável como aquela que está razoavelmente livre de dores, desconfortos e deficiências injustificadas. Normalidade como utopia A segunda perspectiva concebe a normalidade como uma mistura harmônica e satisfatória dos diversos elementos do aparato mental que culmina no funcionamento ideal. Essa definição emerge quando os psiquiatras ou psicanalistas falam da pessoa ideal, quando lidam com um problema complexo ou quando discutem seus critérios para um tratamento de sucesso. Tal abordagem pode ser rastreada até Sigmund Freud, que, ao discutir a normalidade, afirmou: “um ego normal é como a normalidade em geral, uma ficção ideal”. Embora essa abordagem seja característica de muitos psicanalistas, de maneira alguma é específica destes, podendo também ser encontrada entre outros psicoterapeutas do campo da psiquiatria e entre psicólogos de orientações bastante diferentes.
Minnesota Multiple Personality Inventory (MMPI), como também constroem seus próprios testes e questionários. (As escalas de avaliação psiquiátrica são discutidas no Capítulo 9.) Normalidade como processo A quarta perspectiva enfatiza que o comportamento normal é o resultado de sistemas que interagem. Com base nessa definição, são necessárias mudanças temporais para uma definição complexa da normalidade. Em outras palavras, o enfoque desta como processo enfatiza mudanças ou processos, em vez de estabelecer uma definição transversal da mesma. Os investigadores que seguem essa abordagem podem ser encontrados em todas as ciências comportamentais e sociais. Um exemplo típico dos conceitos dessa perspectiva é a conceituação de Erik Erikson da epigênese do desenvolvimento da personalidade e dos oito estágios do desenvolvimento essenciais para se alcançar o funcionamento adulto maduro. (As teorias de Erikson são discutidas no Capítulo 6, Seção 6.2.) TEORIAS PSICANALÍTICAS DA NORMALIDADE Alguns psicanalistas baseiam seus conceitos de normalidade na ausência de sintomas, mas, enquanto o desaparecimento destes é necessário para a cura ou a melhora, a ausência apenas não é suficiente para uma definição abrangente de normalidade. Dessa forma, a maioria dos psicanalistas considera a capacidade de trabalhar e de se divertir como um indicativo de normalidade ou, como Freud colocou, a capacidade de “amar e trabalhar”. O psicanalista Heinz Hartmann conceitualizou a normalidade descrevendo as “funções autônomas do ego”, capacidades presentes no nascimento que são livres de conflitos, ou seja, não são influenciadas pelo mundo psíquico interior. Incluem a percepção, a intuição, a compreensão, o pensamento, a linguagem, certos aspectos do desenvolvimento motor, a aprendizagem e a inteligência. O conceito de funções autônomas e livres de conflitos do ego ajuda a explicar os mecanismos pelos quais certas pessoas levam vidas relativamente normais na presença de traumas externos graves – a chamada criança invulnerável, ou seja, invulnerável “aos golpes do destino” em virtude de forças autônomas do ego. Um resumo de algumas visões psicanalíticas da normalidade é apresentado na Tabela 2.1-2.
Normalidade como média Karl Jaspers A terceira perspectiva costuma ser usada em estudos normativos do comportamento e baseia-se no princípio matemático da curva de distribuição normal. Essa abordagem considera a faixa intermediária normal e os extremos anormais. A abordagem normativa amparada nesse princípio estatístico descreve cada indivíduo em termos da avaliação geral e do escore total. A variabilidade é considerada apenas no contexto de grupos, e não no do indivíduo. Embora com maior difusão na psicologia do que na psiquiatria, os psiquiatras hoje utilizam testes normativos muito mais do que no passado. Não apenas recorrem a instrumentos como o
Karl Jaspers (1883-1969), psiquiatra e filósofo alemão, descreveu um “mundo pessoal” – a maneira como a pessoa pensa ou se sente – que poderia ser normal ou anormal. Segundo ele, o mundo pessoal é anormal (1) quando parte de uma condição universalmente reconhecida como anormal, como a esquizofrenia, (2) quando separa o indivíduo de outras pessoas do ponto de vista emocional e (3) quando não proporciona um sentido de segurança “espiritual e material” para a pessoa. Jaspers foi um dos proponentes da fenomenologia, na qual o clínico estuda sinais e sintomas psicológicos com o objetivo de
DESENVOLVIMENTO HUMANO AO LONGO DO CICLO VITAL
entender a experiência interna do indivíduo. Ouvindo o paciente com atenção, o psiquiatra entra temporariamente em sua vida mental. Este estudioso acreditava que, para entender completamente os sinais e sintomas observados no paciente, o clínico não deve basear-se apenas em seus pressupostos. Alguém que relata uma experiência alucinatória, por exemplo, não deve ser julgado como anormal ou psicótico por isso. Para ser empregado com fins diagnósticos, o fenômeno deve ocorrer repetidamente e ser característico de um transtorno conhecido. Alguns investigadores estão desenvolvendo uma estratégia de pesquisa que defina a normalidade examinando o estado mental da pessoa em vários momentos durante o dia e em diferentes cenários da vida. Aquilo que é anormal em um cenário ou em um momento do dia pode ser normal em outro. Robert Campbell Por fim, existe uma definição que costuma ser aceita e usada para a saúde mental, adaptada do Dicionário psiquiátrico de Camp-
TABELA 2.1-2 Conceitos psicanalíticos de normalidade Teórico Sigmund Freud Kurt Eissler
Conceito
A normalidade é uma ficção idealizada A normalidade absoluta não pode ser obtida porque a pessoa normal deve estar totalmente ciente de seus pensamentos e sentimentos Melanie Klein A normalidade se caracteriza por força de caráter, capacidade de lidar com emoções conflitantes, capacidade de experimentar prazer sem conflitos e capacidade de amar Erik Erikson A normalidade é a capacidade de dominar os períodos da vida: confiança x desconfiança; autonomia x vergonha e dúvida; iniciativa x culpa; produtividade x inferioridade; identidade x confusão de papéis; intimidade x isolamento; generatividade x estagnação; e integridade do ego x desespero Laurence Kubie A normalidade é a capacidade de aprender pela experiência, de ser flexível e de se adaptar a um ambiente inconstante Heinz Hartman Funções do ego livres de conflito representam o potencial da pessoa para a normalidade; o grau em que o ego pode se adaptar à realidade e ser autônomo está relacionado à saúde mental Karl Menninger A normalidade é a capacidade de se adaptar ao mundo externo com contentamento e de vencer a tarefa da aculturação Alfred Adler A capacidade da pessoa de desenvolver sentimentos sociais e de ser produtiva está relacionada à saúde mental. A possibilidade de trabalhar eleva a auto-estima e torna o indivíduo capaz de se adaptar R. E. Money-Kryle A normalidade é a capacidade de ter insight sobre si mesmo, algo que nunca é inteiramente realizado Otto Rank A normalidade é a capacidade de viver sem medo, culpa e ansiedade e de assumir responsabilidade por seus próprios atos
33
bell: pessoas psiquicamente normais são aquelas que estão em harmonia consigo mesmas e com seu ambiente. Vivem de acordo com as exigências e imposições culturais de suas comunidades. Podem ter desvios ou doenças médicas, mas, desde que isso não atrapalhe seu raciocínio, julgamento, capacidade intelectual e capacidade de adaptação pessoal e social harmoniosa, é possível considerá-las psiquicamente sadias ou normais. NORMALIDADE NA ADOLESCÊNCIA Além de estudar a normalidade adulta, Offer e Sabshin estudaram um grupo de adolescentes ao longo de seus anos no ensino médio e identificaram três tipos normais de desenvolvimento: crescimento contínuo, crescimento oscilante e crescimento tumultuoso. Embora as pessoas sejam muito diferentes entre si, podem ser dispostas ao longo de um espectro de normalidade. Eles formularam uma definição operacional de normalidade que não é absoluta, mas que descreve um tipo de população adolescente de classe média. Os adolescentes saudáveis são caracterizados por: 1. Ausência quase total de psicopatologias evidentes, defeitos físicos graves e doenças físicas agudas. 2. Domínio das tarefas anteriores do desenvolvimento sem retrocessos sérios. 3. Capacidade de experimentar estados emocionais de maneira flexível e de resolver conflitos de forma ativa e com sucesso razoável. 4. Relacionamento relativamente bom com pais, irmãos e amigos. 5. Sentir-se parte do ambiente cultural mais amplo e estar ciente de suas normas e valores. (A Seção 2.3 discute a adolescência em detalhes.) TEORIA DO CICLO VITAL O ciclo vital representa os estágios por que passam todos os seres humanos, do nascimento à morte. O pressuposto fundamental de todas as teorias sobre esse aspecto é que o desenvolvimento ocorre em estágios sucessivos e claramente definidos. Essa seqüência é invariável, ou seja, se dá em uma ordem particular na vida de cada pessoa, mesmo que nem todos os estágios sejam concluídos. Um segundo pressuposto da teoria é o princípio epigenético, que sustenta que cada estágio se caracteriza por eventos ou crises que devem ser resolvidos satisfatoriamente para que o desenvolvimento avance de forma tranqüila. Segundo tal princípio, se não houver resolução dentro de determinado período da vida, todos os estágios subseqüentes refletirão essa falha na forma de desajustes físicos, cognitivos, sociais ou emocionais. Um terceiro pressuposto é que cada fase do ciclo vital contém um aspecto dominante, um complexo de características ou uma crise pontual que a distingue das fases que a precederam ou das que a seguirão. O mapeamento do ciclo vital ocorre no estudo da psicologia evolutiva e envolve elementos diversos, como maturidade bioló-
34
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
gica, capacidade psicológica, técnicas adaptativas, mecanismos de defesa, complexo de sintomas, demanda de papéis, comportamentos sociais, cognições, percepções, desenvolvimento da linguagem e relacionamentos interpessoais. Vários modelos descrevem as principais fases do desenvolvimento, mas enfatizam elementos diferentes. Entretanto, vistos em conjunto, demonstram que existe uma ordem na vida humana, apesar do fato de que cada pessoa é única. Theodore Lidz, um dos principais expoentes dessa teoria, descreve diversos fatores que explicam a natureza fásica do ciclo de vida. 1. A aquisição de muitas habilidades deve esperar pela maturação física do organismo. Por exemplo, o bebê não pode começar a caminhar até que os tratos dos nervos piramidais, que possibilitam os movimentos discretos voluntários dos membros inferiores, se tornem funcionais. Após essa maturação ocorrer, é necessária uma quantidade considerável de prática para o indivíduo adquirir os recursos requeridos para aprender uma função, mas esta se torna acessível ao treinamento e à educação. O domínio adequado de habilidades simples deve preceder sua incorporação em atividades mais complexas. De maneira um pouco diferente, mudanças no equilíbrio fisiológico podem dar início a uma nova fase do ciclo de vida, como quando as forças interiores que chegam com a puberdade exigem mudanças no funcionamento da personalidade, independentemente da preparação em fases da infância. 2. O desenvolvimento cognitivo desempenha o papel significativo de causar mudanças de fase. A capacidade de comunicar necessidades e desejos verbalmente e de entender o que os pais dizem é um fator importante para terminar o período da infância, e a capacidade das crianças de freqüentar a escola depende muito de adquirirem a habilidade de formar categorias concretas aos 5 ou 6 anos. O desenvolvimento cognitivo não progride em um ritmo estável, pois capacidades qualitativamente diferentes surgem em estágios bastante distintos. 3. A sociedade estabelece papéis e conjuntos de expectativas para pessoas de diferentes idades e situações. Aos 5 ou 6 anos, a criança alcança idade escolar, com novas demandas e oportunidades. Como adultos, relacionamentos interpessoais como o casamento exigem que a pessoa cuide das necessidades de outras pessoas. 4. As crianças adquirem muitos atributos e capacidades para se orientar e controlar impulsos, internalizando características parentais para, gradualmente, superar a necessidade de que egos substitutos direcionem suas vidas e proporcionem segurança. Essa internalização ocorre em estágios relacionados ao desenvolvimento físico, intelectual e emocional da criança. 5. Por fim, o próprio tempo é um determinante de mudanças fásicas, não apenas pela necessidade de ocupar papéis apropriados para a idade, mas porque as mudanças em constituição física que se dão na puberdade e na idade adulta exigem mudanças em conceitos pessoais e em atitudes. A consciência da passagem do tempo também promove a entrada em novos estágios da vida, como quando as pessoas entendem que deixaram mais tempo para trás do que ainda lhes falta na vida, ao entrarem na meia-idade. Cada fase do ciclo de vida apresenta uma tarefa importante a ser cumprida para capacitar a pessoa a enfrentar as tarefas da pró-
xima fase. Dominando essas crises, a pessoa adquire maior confiança, auto-suficiência e integração. Muitos dos chamados traumas que iniciam neuroses são simplesmente a incapacidade ou dificuldade em lidar com eventos significativos, aspectos inevitáveis do processo de desenvolvimento. Embora cada pessoa enfrente as crises evolutivas de maneira um pouco diferente, existem semelhanças nas formas como enxergam e tentam enfrentar problemas similares. As semelhanças em tarefas evolutivas, os problemas comuns em seu enfrentamento e o conhecimento das prováveis conseqüências do fracasso em dominá-las proporcionam diretrizes importantes para os psicoterapeutas em sua tentativa de ajudar as pessoas a se entenderem melhor. Abordagens ao desenvolvimento Sigmund Freud. Um trabalho seminal sobre o tema é o esquema do desenvolvimento introduzido em 1905 em seus Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Freud conceitualizou um esquema de desenvolvimento que acreditava ser universal, o qual se concentrava no período da infância e em sua idéia de libido. Segundo ele, as fases do desenvolvimento da infância correspondem a mudanças sucessivas no investimento de energia sexual nas áreas do corpo que normalmente são associadas ao erotismo: a boca, o ânus e os órgãos genitais. Os estágios evolutivos de Freud, assim, foram classificados como fase oral, do nascimento até 1 ano de idade; fase anal, de 1 a 3 anos; e fase fálica, de 3 a 5 anos. Também foi descrito um quarto período, chamado de latência, que se estende dos 5 ou 6 anos até a puberdade. Este momento é marcado por uma diminuição no interesse sexual, que é reativado na puberdade. Freud acreditava que a resolução bem-sucedida dessas fases era essencial para o funcionamento adulto normal e que, por comparação, as experiências adultas têm relativamente poucas conseqüências. (As teorias de Freud são amplamente discutidas no Capítulo 6, Seção 6.1.) Carl Gustav Jung. Considerava que fatores externos desempenham um papel importante no crescimento e na adaptação normais de uma pessoa. Jung descreveu o processo de individuação como o crescimento e a expansão da personalidade que ocorrem quando se entende e conhece o que ela é intrinsecamente. Segundo ele, a libido é toda manifestação possível da energia psíquica. Ela não se limita à sexualidade ou à agressividade, mas inclui desejos religiosos e espirituais e o impulso de procurar uma compreensão clara e profunda do significado da vida. Harry Stack Sullivan. Concebia o desenvolvimento humano como sendo amplamente moldado por eventos externos, especificamente pela interação social. Segundo seu influente modelo do ciclo de vida, cada fase do desenvolvimento é marcada por uma necessidade de interações com certas pessoas, e a qualidade dessas interações influencia a personalidade. A normalidade, para Sullivan, é a capacidade do indivíduo enxergar a si mesmo e o mundo como realmente são. Erik Erikson. Embora aceitasse a teoria de Freud sobre a sexualidade infantil, Erikson também pensava que potenciais evo-
DESENVOLVIMENTO HUMANO AO LONGO DO CICLO VITAL
lutivos ocorrem em todos os estágios da vida. Ele construiu um modelo do ciclo de vida que consiste em oito estágios que se estendem até a idade adulta e a velhice. Estágio 1. Confiança x desconfiança Estágio 2. Autonomia x vergonha e dúvida Estágio 3. Iniciativa x culpa Estágio 4. Produtividade x inferioridade Estágio 5. Identidade do ego x confusão de papéis Estágio 6. Intimidade x isolamento Estágio 7. Generatividade x estagnação Estágio 8. Integridade do ego x desespero Erikson atribuía cinco desses estágios psicológicos à infância: confiança, autonomia, iniciativa, produtividade e identidade, os quais estão correlacionados aos estágios psicossexuais de Freud. Além disso, acrescentou três estágios que se estendem além da idade adulta, até a velhice: intimidade, generatividade e integridade. Para Erikson, a normalidade implica a capacidade de ser responsável por si mesmo e de não culpar os outros. Seus oito estágios têm aspectos positivos e negativos, refletem crises emocionais específicas e são afetados pela interação entre a biologia, a cultura e a sociedade da pessoa. Cada estágio apresenta dois resultados possíveis, um positivo, ou saudável, e outro negativo, ou doentio. Sob circunstâncias ideais, a crise é resolvida quando se atinge um nível de funcionamento novo e superior após alcançar um resultado positivo ao final do estágio. Segundo Erikson, a maioria das pessoas não atinge a polaridade positiva perfeita, mas se inclina mais para o pólo positivo do que para o negativo. (As teorias de Erikson são discutidas no Capítulo 6, Seção 6.2.) Jean Piaget. Ao conduzir estudos intensos sobre a maneira como as crianças pensam e se comportam, Piaget formulou uma teoria da cognição, que dividiu em quatro estágios: sensório-motor, pensamento pré-operatório, operatório concreto e operatório formal. As crianças crescem em etapas predeterminadas ao longo de diversos estágios. Cada um destes tem suas características e necessidades próprias e deve ser negociado com êxito antes de se passar para o próximo. A sucessão não é automática, mas depende do crescimento do sistema nervoso central e das experiências da vida. Evidências amplas indicam que um ambiente desfavorável pode retardar alguns dos estágios do desenvolvimento, enquanto estímulos ambientais particularmente favoráveis podem acelerar o processo. (As teorias de Piaget são discutidas em maior profundidade no Capítulo 4, Seção 4.1.) Daniel Levinson. Levinson, da Universidade de Yale, concentrou-se no desenvolvimento da personalidade no curso da vida. Sugere que o ciclo de vida humano é composto por quatro eras principais, cada uma durando cerca de 25 anos, com algumas sobreposições, de modo que uma nova era está começando quando a anterior está terminando. Levinson identificou uma idade típica de início, ou seja, a idade em que uma era normalmente começa. A seqüência de eras e suas faixas de idade correspondentes são: infância e adolescência, do nascimento aos 22 anos; idade adulta inicial, 17 a 45 anos; idade adulta média, 40 a 65 anos; e idade adulta tardia, após os 65 anos. Ele também identificou pe-
35
ríodos de transição de 4 a 5 anos entre as eras, que funcionam como zonas intermediárias, durante os quais se termina uma era e começa a próxima. Bernice Neugarten. Contribuiu para uma compreensão da normalidade na idade avançada. A maioria dos estudos desse período se concentra em déficits, ou seja, enfatiza o que o idoso não consegue fazer, ao contrário de suas capacidades. Neugarten observou que os idosos permanecem psicologicamente flexíveis e conseguem se adaptar às circunstâncias diferentes – tanto internas quando externas – do envelhecimento. Ela enfatizou uma abordagem normativa ao envelhecimento. Em um modelo normativo, os pesquisadores perguntam: “Como as pessoas idosas enfrentam as tarefas evolutivas dos 60, 70 ou mais anos?”. Essas tarefas incluem manter o funcionamento físico e intelectual, a flexibilidade e a capacidade de mudança e relacionamentos interpessoais continuados. O envelhecimento e algumas deficiências são normais, mas a incapacidade extrema não é normal ou inevitável. A maioria das pessoas idosas não teme a morte, mas passa a aceitá-la como o fim normal do ciclo de vida. Neugarten e seu grupo estão entre os poucos pesquisadores que estudaram a psicologia da mulher. Em particular, constataram que a maioria das mulheres consegue se adaptar aos vários pontos de crise do casamento representados pela gravidez, pelo nascimento dos filhos e pela menopausa. MECANISMOS MENTAIS ADAPTATIVOS George Vaillant e seu grupo estudaram uma coorte de homens por quase 50 anos, começando quando eram calouros em Harvard. Uma infância feliz, manifestada por poucos traços dependentes orais, poucas psicopatologias, capacidade de brincar e boas relações de objeto, estava significativamente correlacionada a traços positivos na vida. Vaillant observou que uma hierarquia de mecanismos do ego se construía à medida que os homens avançavam em idade. As defesas eram organizadas ao longo de um espectro que refletia dois aspectos da personalidade: imaturidade versus maturidade e psicopatologia versus adaptação objetiva ao ambiente externo. Além disso, o estilo defensivo mudava à medida que se adquiria experiência. Ele concluiu que os estilos adaptativos amadurecem ao longo dos anos e que essa maturação depende mais do desenvolvimento interior do que de mudanças no ambiente interpessoal. Também defendia o modelo do ciclo de vida de Erikson. Vaillant descreveu um esquema para uma psicologia positiva que se concentra nos aspectos normais ou positivos do pensamento, do sentimento e do comportamento, e não em seus aspectos negativos ou patológicos. Ele identificou um grupo de mecanismos de defesa adaptativos ou maduros que possibilitam enfrentar os estresses da vida. Aqueles que os usam mais provavelmente têm uma adaptação normal na vida, mensurada por estabilidade econômica, alegria em viver, satisfação conjugal e um sentido subjetivo e evidências objetivas de saúde física. Segundo ele, as defesas maduras e adaptativas são o altruísmo, a sublimação, a antecipação e o humor. Alguns também incluem o ascetismo e a supressão nessa categoria (Tab. 2.1-3).
36
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 2.1-3 As defesas maduras
Altruísmo. Serviço construtivo e pessoalmente gratificante que é prestado a outros indivíduos. Deve ser distinguido da abnegação altruísta, que envolve abrir mão de gratificações diretas ou de necessidades instintivas em favor da satisfação de necessidades de outras pessoas, em detrimento de si mesmo, obtendo satisfação apenas por meio da introjeção. Antecipação. Antecipação realista ou planejamento de incômodos futuros. Implica um planejamento excessivamente preocupado, inquietação e previsão de possíveis resultados negativos e desagradáveis. Ascetismo. Eliminação de afetos diretamente prazerosos atribuídos a uma experiência. O elemento moral está implícito no estabelecimento de valores para prazeres específicos. O ascetismo direciona-se contra todos os prazeres “básicos” percebidos de forma consciente, e a gratificação é derivada de sua renúncia. Humor. Manifestação explícita de sentimentos sem desconforto pessoal ou imobilização e sem efeitos desagradáveis sobre os outros. O humor permite que o indivíduo agüente e consiga se concentrar naquilo que é terrível demais para se lidar, ao contrário da graça, que sempre envolve a distração ou o deslocamento da questão afetiva. Sublimação. Gratificação de um impulso cujo objetivo é mantido, mas cuja finalidade ou objeto muda de algo socialmente objetável para algo socialmente valorizado. A sublimação libidinosa envolve a dessexualização de impulsos sexuais e um julgamento de valor que substitui o que é valorizado pelo superego ou pela sociedade. A sublimação de impulsos agressivos ocorre por meio de jogos e esportes prazerosos. Ao contrário das defesas neuróticas, a sublimação permite que os instintos sejam canalizados, em vez de represados ou desviados. Assim, na sublimação, os sentimentos são reconhecidos, modificados e direcionados para uma pessoa ou objetivo significativo, resultando em uma satisfação modesta dos instintos. Supressão. Decisão consciente ou semiconsciente de postergar a atenção a um impulso ou conflito percebido. Cortesia de William W. Meissner, M.D.
As defesas adaptativas ocorrem igualmente em homens e mulheres e são vistas em todos os grupos socioeconômicos. Os que usaram as defesas mais adaptativas tiveram menos probabilidades de ficar depressivos após eventos estressantes em suas vidas do que os que usaram as menos adaptativas. Um achado incidental entre homens que estiveram em combate foi que as defesas adaptativas os protegeram contra transtorno de estresse pós-traumático. Desenvolvimento infantil normal O desenvolvimento infantil normal pode ser abordado a partir de uma variedade de perspectivas diferentes. Melvin Lewis descreve o comportamento normal da infância como aquele que está de acordo com as expectativas da maioria em determinada sociedade em determinada época. Segundo ele, o comportamento desordenado em uma criança é aquele que a maioria dos adultos considera inadequado em forma, freqüência ou intensidade. Lewis observa que os critérios para esse julgamento “costumam ser nebulosos” e que diferentes tendências entram em jogo e estabelecem a fronteira entre o normal e o anormal. Conforme mencionado anteriormente, Freud descreveu quatro estágios psicossexuais do desenvolvimento infantil – oral, anal,
fálico e latência – derivados da análise de adultos com diversos tipos de psicopatologia. Com base nas observações diretas de crianças, outros psicanalistas elaboraram suas idéias a partir das muitas teorias de Freud. Anna Freud delineou aspectos do crescimento e do desenvolvimento normais em crianças e realizou pesquisas empíricas para ajudar a esclarecer como elas lidam com tarefas adaptativas. Ela descreveu estágios do desenvolvimento – como o da dependência à independência, da incontinência urinária ao controle do intestino, do envolvimento pessoal ao companheirismo – que representam o movimento desde o bebê imaturo à complexidade da criança desenvolvida. Margaret Mahler estudou as relações de objeto na primeira infância e fez uma contribuição significativa para a compreensão do desenvolvimento da personalidade. Descreveu o processo de separação-individuação, resultando no sentido subjetivo de separação entre o indivíduo e o mundo ao seu redor. A fase de separação-individuação começa no terceiro ou quarto mês de vida e termina aos 3 anos de idade. Em vista dos vários modelos para conceitualizar as fases do desenvolvimento, costuma-se organizá-las em ordem cronológica, da seguinte maneira: primeira infância; infância; período préescolar; período escolar ou anos intermediários; adolescência inicial, média e tardia; e idade adulta jovem, intermediária e tardia (velhice). Nas seções a seguir, esses estágios serão discutidos em maiores detalhes. REFERÊNCIAS Austrian SG, ed. Developmental Theories through the Life Cycle. New York: Columbia University Press; 2002. Craig GJ. Human Development. 7th ed. Upper Saddle River, NJ: Prentice-Hall; 1996. Cui X-J, Vaillant GE. Antecedents and consequences of negative life events in adulthood: a longitudinal study. Am J Psychiatry. 1996; 153:21. Dacey JS, Travers JF. Human Development across the Lifespan. 3rd ed. Madison, WI: Brown & Benchmark; 1996. Erikson E. Childhood and Society. New York: WW Norton; 1950. Ferraro KF, Farmer MM. Utility of health data from social surveys: is there a gold standard for measuring morbidity? Am Sociol Rev. 1999; 64:303. Freud A. The Ego and the Mechanisms of Defense. New York: International Universities Press; 1966. Haw C. Psychological perspectives on women’s vulnerability to mental illness. In: Kohen D, ed. Women and Mental Health. London: Routledge; 2000:65. Lidz T. The Person: His and Her Development throughout the Life Cycle. New York: Basic Books; 1976. Offer D, Sabshin M. Normality and the Life Cycle. New York: Basic Books; 1984. [Phelan JC, Link BG. The labeling theory of mental disorder (1): the role of social contingencies in the application of psychiatric labels. In: Horwitz AV, Scheid TL, eds. A Handbook for the Study of Mental Health: Social Contexts, Theories, and Systems. Cambridge: Cambridge University Press; 1999:139. Robins LN, Rutter M, eds. Straight and Devious Pathways from Childhood to Adulthood. Cambridge: Cambridge University Press, 1989. Strayer J. The dynamics of emotions and life cycle identity. Identity. 2002;2:47. Vaillant GE, ed. Empirical Studies of Ego Mechanism and Defense. Washington, DC: American Psychiatric Association Press; 1986.
DESENVOLVIMENTO HUMANO AO LONGO DO CICLO VITAL
37
PERÍODO PRÉ-NATAL
2.2 Período pré-natal, primeira infância e infância Os estágios convencionais do desenvolvimento inicial incluem o período pré-natal, a primeira infância (do nascimento a mais ou menos os 15 meses), a infância (dos 15 meses aos 2 anos e meio), o período pré-escolar (dos 2 anos e meio aos 6 anos) e os anos intermediários (dos 6 aos 12 anos). Esses estágios formam um espectro ao longo do qual o desenvolvimento ocorre, havendo uma divisão relativamente clara entre eles. Arnold Gesell descreveu modelos de desenvolvimento que são amplamente usados na pediatria e na psiquiatria infantil, os quais estruturam a seqüência qualitativa do comportamento motor, adaptativo e pessoal-social do nascimento aos 6 anos de idade (Tab. 2.2-1).
Após a implantação, o óvulo começa a se dividir e é conhecido como embrião. O crescimento e o desenvolvimento ocorrem em um ritmo rápido. Ao final de oito semanas, a forma pode ser reconhecida como humana, e o embrião se tornou um feto. A Figura 2.2-1 ilustra um feto de 12 semanas no útero. O feto mantém um equilíbrio interno que, com efeitos variáveis, interage continuamente com o ambiente intra-uterino. De modo geral, a maioria dos transtornos que ocorrem é multifatorial – resultando de uma combinação de efeitos, alguns dos quais podem ser aditivos. Lesões no estágio fetal normalmente têm um impacto mais global do que aquelas após o nascimento, pois os órgãos de crescimento rápido são mais vulneráveis. Os meninos são mais propensos a lesões evolutivas do que as meninas. Os geneticistas reconhecem que, em humanos e animais, as fêmeas
TABELA 2.2-1 Marcos evolutivos do comportamento normal Idade
Comportamento sensório-motor
Comportamento adaptativo
Comportamento pessoal e social
Nascimento a 4 semanas
Reflexo de colocar a mão na boca, reflexo de preensão Reflexo de protração labial (franzir os lábios em resposta a estimulação perioral), reflexo de Moro (extensão digital quando surpreso), reflexo de sucção, reflexo de Babinski (abre os dedos do pé quando a sola é tocada) Diferencia sons (orienta-se para a voz humana) e paladares doce e azedo Acompanhamento visual Distância focal fixa de 20 cm Faz movimentos alternados de rastejar Move a cabeça lateralmente quando colocado de bruços Predominam posições de reflexo tônico do pescoço Mãos cerradas Cabeça caída, mas consegue manter-se ereta por alguns segundos Fixação visual, visão estereoscópica (12 semanas) Predomina postura simétrica Cabeça firme e equilibrada Levanta a cabeça em 90o quando de bruços sobre o antebraço Acomodação visual Senta-se firmemente, inclina-se para a frente sobre as mãos Sacode-se ativamente quando colocado em posição ereta Senta-se sozinho com boa coordenação Engatinha Levanta-se Aponta com o dedo indicador
Comportamento alimentar antecipatório em quatro dias Responde a sons de chocalho e sino Observa por um certo tempo objetos em movimento
Resposta a rosto, olhos e voz da mãe nas primeiras horas de vida Sorriso endógeno Diversão independente (até os 2 anos) Calmo quando pego no colo Rosto impassível
Acompanha objetos em movimento até a linha média Não demonstra interesse e larga objetos imediatamente
Reconhece rostos e reduz atividade Responde à fala Sorri preferencialmente para a mãe
Acompanha objetos em movimento lento Braços ativam-se ao ver objeto pendente
Sorriso social espontâneo (exógeno) Ciente de situações estranhas
Busca e segura brinquedos com uma mão Bate e sacode chocalho Troca de brinquedo Compara objetos na linha média Tenta imitar rabiscos
Leva os pés à boca Toca em sua imagem no espelho Começa a imitar sons e ações da mãe
Caminha segurando a mão Fica de pé brevemente Dá os primeiros passos Sobe escadas engatinhando Atira objetos como brincadeira ou recusa
Procura novidades
4 semanas
16 semanas
28 semanas
40 semanas
52 semanas 15 meses
Ansiedade de separação manifesta-se quando afastado da mãe Responde a brincadeiras sociais, como bate-palminha e esconde-esconde Come biscoitos e segura a mamadeira sozinho Ajuda a vestir-se
Aponta ou vocaliza desejos
(continua)
38
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 2.2-1 (continuação) Idade
Comportamento sensório-motor
Comportamento adaptativo
Comportamento pessoal e social
18 meses
Anda de forma coordenada, raramente cai Arremessa bola Sobe escadas caminhando e segurando uma mão
Empilha três ou quatro cubos Rabisca espontaneamente e imita movimento de escrita
2 anos
Corre bem, sem cair Chuta bola grande Sobe e desce escada sozinho Habilidades motoras finas aumentam
Empilha seis ou sete cubos Alinha cubos, imita trem Imita movimentos verticais e circulares Desenvolve comportamentos originais
3 anos
Anda de triciclo Salta de degraus baixos Alterna pés subindo escadas
Empilha nove ou 10 cubos Imita ponte de três cubos Copia círculo e cruz
4 anos
Desce escadas com um passo por degrau Copia cruz Mantém-se em um pé por 5 a 8 segundos Repete quatro dígitos Conta três objetos, apontando-os corretamente
5 anos
Salta alternando pés Normalmente tem controle completo dos esfincteres Coordenação fina melhora Anda de bicicleta sem rodinhas
Alimenta-se quase sozinho, derrama Puxa brinquedos com cordão Carrega ou abraça um brinquedo especial, como uma boneca Imita certos padrões de comportamento com pequeno atraso Veste roupa simples Mímicas domésticas Refere-se a si mesmo pelo nome Diz “não” para a mãe Ansiedade de separação começa a diminuir Demonstrações organizadas de amor e protesto Brincadeiras paralelas (brinca ao lado de outras crianças, mas não interage com elas) Calça os sapatos Desabotoa botões Alimenta-se bem Entende o conceito de alternar a vez Lava e seca o rosto Escova os dentes Brincadeiras associativas ou conjuntas (brinca cooperativamente com outras crianças) Veste e tira a roupa sozinho Escreve algumas letras Brinca com jogos competitivos
6 anos
Copia quadrado Desenha pessoa com cabeça, corpo e membros Conta 10 objetos de forma precisa Escreve o nome Copia triângulo
Amarra os sapatos
Adaptada de Arnold Gessell, M.D., e Stella Chess, M.D.
manifestam uma tendência a apresentar mais vigor biológico do que os machos, possivelmente por causa de seu cromossomo X. Vida fetal Durante a vida intra-uterina, ocorre uma grande atividade biológica. O feto é envolvido em uma variedade de comportamentos que são necessários para a adaptação fora do útero. Por exemplo, o feto chupa o polegar e os dedos. Dobra e espicha o corpo e, finalmente, adota uma posição em que seu occipital fica em flexão anterior, na qual os fetos normalmente saem do útero. Comportamento. As gestantes são extraordinariamente sensíveis aos movimentos pré-natais. Descrevem que, antes de nascer, seus bebês são ativos ou passivos, chutam vigorosamente ou giram, ficam quietos quando as mães estão ativas, começam a chutar assim que elas tentam descansar. As mães costumam detectar movimentos com 16 a 20 semanas de gravidez. O feto pode ser colocado artificialmente em movimento corporal total por estimulação intra-uterina de suas superfícies ventrais por volta da 14a semana. Na 18a, já consegue ouvir e responde a ruídos altos com contrações musculares, mo-
vimentos e elevação da freqüência cardíaca. Luzes fortes colocadas na parede abdominal da gestante com 20 semanas provocam mudanças na freqüência cardíaca e na posição fetal. As estruturas da retina começam a funcionar nessa época. As pálpebras abrem aos 7 meses. O olfato e o paladar também são desenvolvidos nessa época, e o feto responde a substâncias injetadas na bolsa amniótica, como contrastes. Alguns reflexos presentes no nascimento já existem no útero, como o de preensão, que surge com 17 semanas; o de Moro (sobressalto), que surge com 25 semanas; e o de sucção, que surge com 28 semanas. Sistema nervoso. Surge a partir da placa neural, que é um espessamento ectodérmico dorsal que aparece por volta do 16o dia de gestação. Em torno da sexta semana, parte do tubo neural se transformará na vesícula cerebral, que posteriormente se transformará nos hemisférios cerebrais (Fig. 2.2-2). O córtex cerebral começa a se desenvolver por volta da 10a semana, mas as camadas não aparecem até o sexto mês de gravidez. Os córtices sensorial e motor são formados antes do córtex associativo. Algumas funções cerebrais foram detectadas dentro do útero por meio de respostas encefalográficas a sons. O cérebro humano pesa mais ou menos 350 g ao nascer e 1.450 g quando desenvolvido completamente, um aumento de quatro vezes, que ocorre principalmen-
DESENVOLVIMENTO HUMANO AO LONGO DO CICLO VITAL
39
te no neocórtex. Esse aumento se deve quase totalmente ao crescimento no número e nas ramificações dos dendritos, que estabelecem novas conexões. Após o nascimento, o número de novos neurônios é insignificante. As contrações uterinas podem contribuir para o desenvolvimento neural fetal, fazendo com que a rede neural em desenvolvimento receba e transmita impulsos sensoriais. Estresse materno O estresse materno apresenta correlação com níveis altos de hormônios do estresse (epinefrina, norepinefrina e hormônio adrenocorticotrópico) na corrente sangüínea fetal, os quais agem diretamente sobre a rede neuronal para aumentar a pressão arterial, a freqüência cardíaca e o nível de atividade. Mães com níveis altos de ansiedade têm maior tendência a ter bebês hiperativos, irritáveis, com baixo peso e dificuldade aumentada para comer e dormir do que mães com níveis reduzidos. A agitação da mãe faz com que a temperatura do feto aumente. Transtornos genéticos
FIGURA 2.2-1 Fotografia de um feto com 12 semanas. Observe a pele extremamente fina e os vasos sangüíneos subjacentes. A face tem todas as características humanas, mas os ouvidos ainda são primitivos. Os movimentos começam nessa época, mas em geral a mãe ainda não os sente. (De Langman J. Medical Embryology. 8th ed. Baltimore: Williams & Wilkins; 2000:78, com permissão.)
Em muitos casos, o aconselhamento genético depende do diagnóstico pré-natal. As técnicas usadas para tanto incluem amniocentese (aspiração transabdominal do líquido amniótico), exames de ultra-som, raios X, fetoscopia (visualização direta do feto), amostras de sangue e pele fetal, amostras de vilosidades coriônicas e exames de α-fetoproteína. Em cerca de 2% das mulheres examinadas, os resultados são positivos para algumas anormali-
Flexura pontina
Istmo do rombencéfalo
Metencéfalo
Mielencéfalo Ventrículo lateral Forame interventricular de Monro
Mesencéfalo
Diencéfalo
Vesícula óptica
Hemisfério cerebral primitivo
Telencéfalo A Lâmina tectal do rombencéfalo
Telencéfalo
Terceiro ventrículo
Calice óptico FIGURA 2.2-2 A. Vista lateral das vesículas cerebrais do embrião humano no começo da sexta semana (modificada de Hochstetter). B. Secção intermediária das vesículas cerebrais e da espinha dorsal de um embrião da mesma idade do apresentado em A. Observe a lâmina tectal do rombencéfalo. C. Diagrama para apresentar os lúmens da espinha dorsal e das vesículas cerebrais. (De Langman J. Medical Embryology. 4th ed. Baltimore: Williams & Wilkins; 1981:322, com permissão.)
Futuro aqueduto de Sylvius Quarto ventrículo
Canal central B
Parede do telencéfalo
C
40
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
dades, incluindo transtornos ligados ao cromossomo X, defeitos dos tubos neurais (detectados por níveis elevados de α-fetoproteína), transtornos cromossômicos (p. ex., trissomia do 21) e diversos problemas congênitos do metabolismo (p. ex., doença de TaySachs e lipoidoses). Certos exames diagnósticos já representam um risco em si. Por exemplo, em torno de 5% das mulheres submetidas a fetoscopia perdem o bebê. A amniocentese, que costuma ser realizada entre a 14a e a 16a semanas de gravidez, causa lesões fetais ou aborto espontâneo em aproximadamente 1% das mulheres examinadas. De todos os exames pré-natais 98% não revelam anormalidades no feto. Esses exames são recomendados para mulheres com mais de 35 anos ou com história familiar de defeitos congênitos.
uma relação causal direta em decorrência de algumas variáveis intervenientes, incluindo o uso de outras drogas pela mãe. A exposição pré-natal a vários medicamentos pode resultar em anormalidades. Drogas comumente associadas a efeitos teratogênicos incluem antibióticos (tetraciclinas), anticonvulsivantes (valproato, carbamazepina e fenitoína), progesterona-estrógenos, lítio e warfarin. Quando uma mulher é exposta a níveis elevados de radiação durante as primeiras 20 semanas da gravidez, o bebê nasce com anormalidades intensas. Estima-se que de 3 a 6% de todos os recém-nascidos tenham algum tipo de defeito ao nascer que seja fatal no parto ou que cause deficiências permanentes. A Tabela 2.2-2 lista malformações que ocorrem durante o primeiro ano de vida. PRIMEIRA INFÂNCIA
Uso de drogas pela mãe A síndrome alcoólica fetal (Fig. 2.2-3) atinge cerca de um terço de todos os bebês de mães alcoólatras. Caracteriza-se por retardos no crescimento intra-uterino (altura, peso); outras anomalias menores, incluindo microftalmia (globos oculares pequenos), pálpebras curtas, hipoplasia do rosto (subdesenvolvimento), filtro labial liso ou curto e lábio superior fino; e manifestações no sistema nervoso central (SNC), incluindo microcefalia (circunferência do crânio abaixo do terceiro percentil), história de desenvolvimento retardado, hiperatividade, déficit de atenção, dificuldades de aprendizagem, déficit intelectual e convulsões. A incidência de bebês que nascem com tal condição é de 0,5 por mil nascidos vivos. O hábito de fumar durante a gravidez está associado à ocorrência de baixo peso. Os bebês de mães dependentes de narcóticos passam por uma síndrome de abstinência ao nascer. O uso de crack durante a gravidez foi correlacionado a diversas anormalidades comportamentais, incluindo mais irritabilidade e choro e menor desejo de contato humano. Não foi possível estabelecer
O parto marca o começo da primeira infância. O recém-nascido médio pesa cerca de 3.400 g. Fetos pequenos, definidos como aqueles com peso natal abaixo do décimo percentil para a idade gestacional, constituem uma média de 7% de todos os partos. Da 26a à 28a semana de gravidez, o feto prematuro tem boas chances de sobreviver. Bebês prematuros são definidos como aqueles com uma gestação inferior a 34 semanas ou peso ao nascer abaixo de 2.500 g. Eles têm risco maior de apresentar dificuldades de aprendizagem como dislexia, problemas emocionais e comportamentais, retardo mental e abuso infantil. Com cada incremento de 100 g no peso, a partir de 1.000 g, os bebês têm uma possibilidade progressivamente maior de se desenvolver. Um feto com 36 semanas tem menos chance de sobreviver do que um feto com 3.000 g nascido a termo. A diferença entre bebês normais e prematuros é apresentada na Figura 2.2-4. Bebês pós-data são definidos como aqueles que nascem duas semanas ou mais após a data prevista. Como se calcula que a gravidez dura 40 semanas após a última menstruação e como o momento exato da fertilização varia, a incidência de pós-datismo
FIGURA 2.2-3 Fotografias de crianças com “síndrome alcoólica fetal”. A. Caso grave. B. Criança levemente afetada. Observe as pálpebras curtas e a hipoplasia do maxilar em ambos os casos. Normalmente, os defeitos incluem outras anormalidades craniofaciais. Defeitos cardiovasculares e deformidades em membros também são sintomas comuns dessa síndrome. (De Langman J. Medical Embryology . 7th ed. Baltimore: Williams & Wilkins; 1995:108, com permissão.)
DESENVOLVIMENTO HUMANO AO LONGO DO CICLO VITAL
TABELA 2.2-2 Causas de malformações observadas durante o primeiro ano de vida Possíveis causas Genéticas Doenças genéticas autossômicas Citogenéticas (anormalidades cromossômicas) Desconhecidas Poligênicas Multifatoriais (interações genético-ambientais) Erros espontâneos de desenvolvimento Interações sinérgicas entre teratogênicos Ambientais Condições maternas: diabete; endocrinopatias; deficiências nutricionais, inanição; adicção a drogas e substâncias Infecções maternas: rubéola, toxoplasmose, sífilis, herpes, doença de inclusão citomegaliana, varíola, encefalite eqüina venezuelana, parvovírus B19 Problemas mecânicos (deformações): constrições anormais da medula, disparidade em tamanho e conteúdo uterino Químicos, drogas, radiação, hipertermia Exposição antes da concepção (excluindo agentes mutagênicos e infecciosos)
% do total 15-20 5
4 3
1-2
<1 <1
Reimpressa com permissão de Brent RL, Beckman DA. Environmental teratogens. Bull N Y Acad Med., 1990;66:125.
é alta, considerando-se apenas o histórico menstrual. O bebê pósdata normalmente tem unhas longas, lanugo, mais cabelo do que o normal e é mais alerta. Marcos evolutivos Reflexos e sistemas de sobrevivência do recém-nascido. Alguns reflexos estão presentes ao nascer, incluindo o de
41
protração labial (franzimento dos lábios em resposta a estimulação perioral), o reflexo de preensão, o reflexo plantar (de Babinski), o patelar, os reflexos abdominais, o de sobressalto (de Moro) (Fig. 2.2-5) e o tônico cervical. Em crianças normais, o reflexo de preensão, o reflexo de sobressalto e o reflexo tônico cervical desaparecem por volta do quarto mês. O reflexo de Babinski tende a se extinguir em torno do 12o mês. Os sistemas de sobrevivência – respiração, sucção, deglutição e homeostase circulatória e térmica – são relativamente funcionais no momento do nascimento, mas os órgãos sensoriais não estão completamente desenvolvidos. A diferenciação das funções neurofisiológicas depende de um processo ativo de reforço estimulatório do ambiente externo, como pessoas tocando e acariciando o bebê. O recém-nascido fica acordado apenas por um período curto do dia. As formas de sono REM e não-REM estão presentes ao nascer. Outros comportamentos espontâneos incluem o choro, o sorriso e a ereção peniana. Bebês com um dia de vida já conseguem detectar o cheiro do leite materno, e com três dias são capazes de distinguir a voz da mãe. Desenvolvimento lingüístico e cognitivo. Ao nascer, os bebês fazem ruídos, como o choro, mas não vocalizam até perto de oito semanas. Nesse momento, sons guturais ou murmúrios ocorrem de forma espontânea, especialmente em resposta à mãe. A persistência e a evolução das vocalizações dependem do reforço parental. O desenvolvimento da linguagem ocorre em estágios bastante definidos, apresentados na Tabela 2.2-3. Ao final da primeira infância (por volta de 2 anos), os reflexos transformaram-se em atos voluntários, que são os blocos constitutivos da cognição. Os bebês começam a interagir com o ambiente, experimentar feedback de seus próprios corpos e manifestar intenção em suas ações. Ao final do segundo ano de vida, começam a usar a linguagem e brincadeiras simbólicas.
FIGURA 2.2-4 Comparação entre bebês normais (A e B) e prematuros (C e D). Observe a postura flácida do bebê em C e a dificuldade para levantar a cabeça a fim de liberar o nariz e a boca em D. (Reimpressa com permissão de Stone LJ, Church J. Childhood and Adolescence. 4th ed. New York: Random House; 1979:7.)
42
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
FIGURA 2.2-5 Reflexo de Moro. (Reimpressa com permissão de Stone LJ, Church J. Childhood and Adolescence. 4th ed. New York: Random House; 1979:14.)
O psicólogo suíço Jean Piaget (1896-1980) observou a capacidade crescente de crianças pequenas de pensar e raciocinar. Um esquema dos principais estágios de sua teoria do desenvolvimento cognitivo é apresentado na Tabela 2.2-4, e seu trabalho é discutido em maior detalhe no Capítulo 4, Seção 4.1. Desenvolvimento social e emocional. Por volta de três semanas, os bebês imitam os movimentos faciais dos seus cuidadores. Eles abrem a boca e colocam a língua para fora em resposta a adultos que fazem o mesmo. No terceiro e quarto meses de vida, esses comportamentos são evocados com facilidade. Acredita-se que atitudes imitativas sejam os precursores da vida emocional do bebê. A resposta de sorrir ocorre em duas fases: a primeira é o sorriso endógeno, que se dá espontaneamente dentro dos dois primeiros meses e não está relacionado com a estimulação externa. A segunda é o sorriso exógeno, que é estimulado externamente, em geral pela mãe, e ocorre em torno da 16a semana. Os estágios do desenvolvimento emocional assemelham-se aos do desenvolvimento cognitivo. De fato, a pessoa que cuida do bebê proporciona o principal estímulo para ambos os aspectos do crescimento mental. Os bebês dependem totalmente dos adultos para sua sobrevivência. Por meio de uma interação regular e previsível, o repertório comportamental do bebê se expande, como conseqüência das respostas sociais dos cuidadores (Tabela 2.2-5). No primeiro ano, o humor do bebê é bastante variável e está intimamente relacionado a estados interiores, como a fome. Do 4o ao 12o mês de vida, esse aspecto se relaciona cada vez mais a pistas sociais externas, sendo que a mãe consegue até fazer um bebê faminto sorrir. Quando este se sente confortável internamente, prevalece um sentido de interesse e prazer com o mundo e com seus principais cuidadores. O desenvolvimento do comportamento pessoal e social do bebê é apresentado na Tabela 2.21. A separação prolongada da mãe (ou de outro cuidador importante) durante os seis primeiros meses de vida pode levar a depressão, capaz de persistir até a idade adulta como parte do caráter do indivíduo.
Diferenças de temperamento Existem fortes indícios de que há diferenças congênitas e variabilidade ampla em reatividade autônoma e temperamento entre os bebês. Stella Chess e Alexander Thomas identificaram as nove dimensões comportamentais seguintes, nas quais podem ser observadas diferenças confiáveis entre bebês. 1. Nível de atividade – componente motor presente no funcionamento de uma criança. 2. Ritmicidade – previsibilidade de funções como fome, padrão alimentar, excreção e ciclo de sono-vigília. 3. Aproximação ou retraimento – resposta a um estímulo novo, como comida, brinquedo ou uma pessoa. 4. Adaptabilidade – velocidade e facilidade com as quais um comportamento atual pode ser modificado em resposta a alterações na estrutura ambiental. 5. Intensidade da reação – quantidade de energia usada na expressão do humor. 6. Patamar de resposta – intensidade de estimulação necessária para evocar uma resposta clara a estímulos sensoriais, objetos e contatos sociais. 7. Qualidade do humor – comportamento agradável, alegre e amigável versus desagradável, triste e antipático. 8. Distração – efetividade de estímulos ambientais que influenciam ou alteram a direção do comportamento atual. 9. Duração da atenção e persistência – tempo em que determinada atividade é perseguida (duração da atenção) e continuação de uma atividade diante de obstáculos (persistência). A avaliação individual de crianças apresentou uma estabilidade considerável ao longo de um período de seguimento de 25 anos, mas alguns traços do temperamento não persistiram. Esse achado foi atribuído a efeitos genéticos sobre a personalidade. Ou seja, as ações de alguns genes foram descontínuas. Existe uma inter-relação complexa entre as características ini-
DESENVOLVIMENTO HUMANO AO LONGO DO CICLO VITAL
43
TABELA 2.2-3 Desenvolvimento da linguagem Idade e estágio evolutivo
Domínio da compreensão
Domínio da expressão
0-6 meses
Apresenta resposta de sobressalto a sons altos ou repentinos Tenta localizar os sons, virando os olhos ou a cabeça Parece escutar as pessoas que falam, pode responder com sorriso Reconhece vozes em tom de advertência, zangadas e amigáveis Responde ao ouvir o próprio nome
Emite vocalizações além de chorar Tem diferentes choros para fome e dor Emite vocalizações para demonstrar prazer Brinca com os sons Balbucia (uma série de sons repetidos)
7-11 meses Estágio de atenção à linguagem
Apresenta escuta seletiva (controle voluntário sobre respostas a sons) Escuta músicas ou cantigas com interesse Reconhece “não”, “quente” e o próprio nome Observa imagens sendo nomeadas por até um minuto Escuta fala sem ser distraído por outros sons
Responde ao próprio nome com vocalizações Imita a melodia de expressões vocais Usa jargão (linguagem própria) Faz gestos (sacode a cabeça para dizer não) Faz exclamações (“oh”) Brinca com jogos lingüísticos (bate-palminha, esconde-esconde)
12-18 meses Estágio de palavras isoladas
Faz discriminação grosseira entre sons desiguais (sinos, cão, buzina, voz do pai ou da mãe) Entende partes básicas do corpo, nomes de objetos comuns Adquire entendimento de algumas palavras novas por semana Consegue identificar objetos simples (bebê, bola, etc.) em um grupo de objetos ou imagens Aos 18 meses, entende até 150 palavras
Usa palavras isoladas (a idade média da primeira palavra é de 11 meses, com 18 meses está empregando até 20 palavras) “Fala” com os brinquedos, consigo e com outras pessoas usando longos padrões de jargão e palavras ocasionais Aproximadamente 25% das expressões são inteligíveis Todas as vogais são articuladas corretamente Consoantes iniciais e finais são omitidas com freqüência
12-24 meses Estágio de mensagens com duas palavras
Responde a ordens simples (“Dá a bola”) Responde a comandos (“Venha cá”, “Sente-se”) Entende pronomes (eu, ele, ela, você) Começa a entender sentenças complexas (“Quando formos ao mercado, vou comprar balas para você”)
Usa expressões com duas palavras (“Meia mãe”, “foi embora”, “bola aqui”) Imita sons do ambiente brincando (“mmm, mmm”, “muuu”, etc.) Refere-se a si mesmo pelo nome, começa a usar pronomes Repete duas ou mais palavras finais das frases Começa a usar expressões telegráficas de três palavras (“todos foi bola”, “nenê vai agora”) Expressões 26 a 50% inteligíveis Usa linguagem para expressar necessidades
24-36 meses Estágio de formação da gramática
Reconhece partes do corpo (cotovelo, queixo, sobrancelha) Percebe categorias de familiares (vovó, bebê) Entende tamanho (pequeno, grande) Tem conhecimento da maioria dos adjetivos Entende funções (por que comemos, por que dormimos)
Usa sentenças reais com funções gramaticais (pode, vamos, o, um) Em geral, anuncia intenções antes de agir “Conversa” com outras crianças, normalmente apenas monólogos Jargão e ecolalia gradualmente desaparecem da fala Maior vocabulário (até 270 palavras aos 2 anos, 895 palavras aos 3 anos) Fala 50 a 80% inteligível P, b, m articulados corretamente Fala pode apresentar distúrbios rítmicos
36-54 meses Estágio de desenvolvimento da gramática
Entende preposições (embaixo, atrás, entre) Identifica muitas palavras (até 3.500 aos 3 anos, 5.500 aos 4) Reconhece causa e efeito (O que você faz quando sente fome? Frio?) Compreende analogias (Comida é para comer, leite é para _____)
Articulação correta de n, ng, t, d, g Usa linguagem para relacionar incidentes do passado Usa ampla variedade de formas gramaticais: plurais, passado, negação, perguntas Brinca com a língua: rima, exagera Fala 90% inteligível, erros ocasionais na ordem de sons dentro das palavras Consegue definir palavras Uso egocêntrico da língua é raro Consegue repetir corretamente uma sentença de 12 sílabas Alguns erros gramaticais ainda ocorrem
55 meses ou mais Estágio de comunicação efetiva
Entende conceitos de número, velocidade, tempo, espaço Identifica esquerda e direita Entende termos abstratos Consegue categorizar itens em classes semânticas
Usa linguagem para contar histórias, compartilhar idéias e discutir alternativas Maior uso de gramática variada. Autocorreção espontânea de erros gramaticais Estabilização da articulação de f, v, s, z, l, r e grupos consonantais Fala 100% inteligível
Reimpressa com permissão de Rutter M, Hersov L, eds. Child and Adolescent Psychiatry. London: Blackwell; 1985.
44
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 2.2-4 Estágios do desenvolvimento cognitivo propostos por Piaget 1. Sensório-motor (nascimento a 2 anos) Desde o começo, biologia e experiência se unem para manifestar os comportamentos aprendidos. Diante de um estímulo, uma resposta é evocada, acompanhada por uma percepção. À medida que as crianças se desenvolvem, as experiências vão se construindo com base nas anteriores. Realizações importantes ao final desse período: a. Constância do objeto (as coisas existem independentemente do envolvimento da criança com elas). b. Simbolismo, expresso em imagens mentais e palavras. 2. Pensamento pré-operatório (2 a 7 anos) As crianças usam os símbolos e a linguagem de forma mais ampla, mas o pensamento e o raciocínio são intuitivos. São incapazes de pensar de forma lógica ou dedutiva. Características: a. Sentido de “justiça imanente” – punição por maus atos é inevitável. b. Egocentrismo – as crianças se vêem como o centro do universo, são incapazes de entender o ponto de vista dos outros. c. “Causalidade fenomenalista” – acreditam que eventos concomitantes são decorrentes uns dos outros. d. Pensamento “animista” – eventos e objetos físicos são dotados de sentimentos e intenções. 3. Operatório concreto (7 a 11 anos) O pensamento egocêntrico é substituído pelo pensamento “operatório”, que envolve atenção a informações externas. As crianças conseguem entender o ponto de vista dos outros. Nesse estágio, conseguem serializar, ordenar e agrupar coisas conforme características comuns. Realizações importantes: a. Conservação – reconhecer que uma bola de massinha enrolada para assumir a forma de uma salsicha conterá a mesma quantidade de massa. b. Reversibilidade – o gelo vira água e volta a ser gelo. 4. Operatório formal (11 anos até o final da adolescência) As crianças conseguem pensar de forma abstrata, raciocinar dedutivamente e definir conceitos abstratos. Nem todas ingressam nesse estágio ao mesmo tempo ou no mesmo grau.
ciais de bebês, o modo de cuidado parental, o comportamento subseqüente das crianças e até o surgimento de sintomas. Tais conexões sustentam o conceito da importância do legado genético (hereditário) e da experiência ambiental (adquirida) no comportamento. Apego Vínculo é o termo usado para descrever o relacionamento emocional e psicológico intenso que a mãe desenvolve com seu bebê. Apego é o relacionamento que o bebê desenvolve com seus cuidadores. Nos primeiros meses após o nascimento, os bebês entram em sintonia com as interações sociais e interpessoais. Apresentam uma capacidade crescente de responder ao ambiente externo e de estabelecer um relacionamento especial com cuidadores primários significativos – ou seja, de formar apego. Harry Harlow. Estudou a aprendizagem social e os efeitos do isolamento social em macacos. Colocou macacos rhesus recém-nas-
TABELA 2.2-5 Desenvolvimento emocional da primeira infância à infância Idade
Capacidade e expressão emocional
Nascimento 6-8 semanas 3-4 meses 8-9 meses 12-18 meses 24 meses 3-4 anos 5-6 anos
Prazer, surpresa, aversão, perturbação Alegria Raiva Tristeza, medo Afeto suave, vergonha (começa aos 18 meses) Orgulho Culpa, inveja Insegurança, humildade, confiança
Dados adaptados de Joseph Campas, da Universidade de Denver, e de outros pesquisadores.
cidos com dois tipos de mães substitutas – uma feita de tela de arame, com uma mamadeira, e outra feita do mesmo material, mas coberta com pano. Os macacos preferiam as mães de pano, que proporcionavam contato e conforto, às de arame com a mamadeira. (Quando ficavam com fome, os macacos iam até a mamadeira, mas logo retornavam para a mãe de pano.) Ao sentirem medo, os macacos criados com a mãe de pano apresentavam comportamento intenso de agarrar-se e pareciam sentir-se confortados, ao passo que aqueles que foram criados com as mães de arame não se acalmavam e pareciam desorganizados. Os resultados dos experimentos de Harlow foram interpretados como um indicativo de que o afeto do bebê não é resultado apenas da alimentação. Ambos os tipos de macacos foram subseqüentemente incapazes de se adaptar à vida em uma colônia de macacos e tiveram extraordinária dificuldade para acasalar. Quando engravidavam, as fêmeas não conseguiam cuidar de seus bebês. Essas peculiaridades comportamentais foram atribuídas à falta de cuidado materno na infância.
John Bowlby. Estudou o apego de bebês com suas mães e concluiu que a separação precoce entre mãe e bebê tem efeitos negativos graves sobre o desenvolvimento emocional e intelectual das crianças. Bowlby descreveu o comportamento de apego, que se manifesta durante o primeiro ano de vida, como a manutenção do contato físico entre a mãe e a criança quando esta está com fome, com medo ou perturbada. (O Capítulo 4, Seção 4.2, discute a teoria do apego.)
Mary Ainsworth. Ampliou as observações de Bowlby e verificou que as interações entre mãe e bebê durante o período de apego influenciam o comportamento atual e futuro de maneira significativa. Muitos autores acreditam que os padrões de apego afetam os relacionamentos emocionais futuros. Esses padrões, no entanto, variam entre os bebês. Por exemplo, alguns se comunicam ou choram menos do que outros. A resposta sensível aos sinais do bebê, como acariciá-lo quando chora, faz com que ele chore menos nos meses seguintes. O contato corporal íntimo com a mãe quando o bebê se comunica também está associado ao crescimento da independência, em vez de dependência física, à medida que se dá o crescimento. Mães que não respondem favorecem o desenvolvimento de bebês ansiosos. Ainsworth também confirmou que o apego serve para reduzir a ansiedade. Aquilo que chamou de efeito de base segura proporciona que a criança se afaste da figura de apego e explore o ambiente. Objetos inanimados, como um ursinho de pelúcia ou um cobertor (que Donald Winnicott chamou de objetos transicionais), também servem como uma
DESENVOLVIMENTO HUMANO AO LONGO DO CICLO VITAL
base segura, muitas vezes acompanhando as crianças enquanto investigam o mundo. Uma crescente bibliografia derivada da observação direta de interações mães/bebês e estudos longitudinais ampliaram e aprofundaram as descrições originais de Ainsworth. A sensibilidade e a resposta materna são os principais determinantes do apego seguro. Porém, quando este é inseguro, o tipo de insegurança (esquiva, ansiosa, ambivalente) é determinado pelo temperamento do bebê. De modo geral, bebês do sexo masculino tendem menos a ter apegos seguros e são mais vulneráveis a mudanças na sensibilidade materna do que os do sexo feminino. O apego do primogênito é reduzido com o nascimento do segundo filho, mas diminui muito mais quando ele já tem de 2 a 5 anos na época do nascimento do segundo filho do que quando tem menos de 24 meses. Não é de surpreender que o nível de redução também dependa do próprio sentido de segurança, confiança e saúde mental da mãe.
Síndromes de privação social e negligência materna. Pesquisadores, especialmente René Spitz, há muito documentaram os retardos evolutivos graves que acompanham a rejeição e a negligência materna. Bebês em instituições caracterizadas por atendimento limitado a poucos funcionários e rotatividade rápida do pessoal tendem a apresentar retardo mental acentuado, mesmo com cuidado físico adequado e sem infecções. Os mesmos bebês, quando em um lar adotivo adequado, apresentam uma aceleração rápida no desenvolvimento.
O pai e o apego. Os bebês apegam-se ao pai, assim como à mãe, mas o apego é diferente. Em geral, a mãe segura o bebê no colo com o propósito de cuidar dele, ao passo que o pai o faz para brincar. Quando podem escolher, após momentos de separação, os bebês normalmente ficam com a mãe, mas, se esta não estiver disponível, buscam o conforto do pai. Os bebês criados em famílias grandes ou com muitos cuidadores estabelecem múltiplos apegos.
Ansiedade com estranhos. Um certo medo de estranhos é observado em bebês com cerca de 26 semanas de idade, mas só se desenvolve completamente por volta de 32 semanas (8 meses). Quando um estranho se aproxima, os bebês choram e se agarram à mãe. Bebês expostos a apenas um cuidador tendem mais a ter ansiedade com estranhos do que os que convivem com uma variedade de cuidadores. Acredita-se que esse tipo de ansiedade seja resultado da capacidade do bebê em crescimento de distinguir entre os cuidadores e outras pessoas. A ansiedade de separação, que ocorre entre 10 e 18 meses, está relacionada à ansiedade com estranhos, mas não é idêntica. A separação da pessoa por quem o bebê tem apego precipita a ansiedade de separação. Contudo, a ansiedade com estranhos ocorre mesmo quando o bebê está nos braços da mãe. Ele aprende a se separar quando começa a engatinhar e se afastar da mãe, mas olha para trás constantemente e retorna com freqüência para a segurança materna. Margaret Mahler (1897-1985) propôs uma teoria para descrever como as crianças pequenas adquirem um sentido de identidade distinta da de suas mães. Sua teoria da separação-individuação baseou-se em observações de interações entre crianças e suas mães e é apresentada na Tabela 2.2-6.
45
TABELA 2.2-6 Estágios do processo de separaçãoindividuação proposto por Mahler 1. Autismo normal (nascimento a 2 meses) Os períodos de sono são maiores do que os de excitação em um estado remanescente da vida intra-uterina. 2. Simbiose (2 a 5 meses) Capacidades perceptivas em desenvolvimento propiciam de forma gradual que os bebês distingam o mundo interior do exterior. Mãe-bebê percebidos como uma entidade única. 3. Diferenciação (5 a 10 meses) Desenvolvimento neurológico progressivo e maior estado de alerta afastam a atenção do bebê de si mesmo para o mundo exterior. Diferenciação física e psicológica da mãe é gradualmente compreendida. 4. Prática (10 a 18 meses) A capacidade de se mover de forma autônoma aumenta a exploração do mundo exterior. 5. Aproximação (18 a 24 meses) À medida que as crianças entendem sua impotência e dependência, a necessidade de independência se alterna com a necessidade de proximidade. Elas se afastam da mãe e retornam em busca de segurança. 6. Constância de objetos (2 a 5 anos) Aos poucos, as crianças compreendem e são asseguradas de que a mãe e outras pessoas importantes não as abandonaram mesmo quando não estão em sua presença.
Cuidado do bebê Os clínicos começam a perceber os bebês como atores importantes do teatro familiar, que determinam em parte o seu curso. O comportamento do bebê controla o comportamento da mãe, e vice-versa. Ser calmo, sorridente e previsível é uma recompensa poderosa para o cuidado materno carinhoso. Um bebê agitado, instável e irritável põe à prova a paciência da mãe. Quando a capacidade da mãe de se doar é escassa, esses traços no bebê podem acarretar rejeição e, assim, complicar o início já difícil dessa criança. Ajuste parental. Descreve o quanto a mãe ou o pai se relaciona com o bebê recém-nascido ou em desenvolvimento. A idéia leva em conta as características de temperamento dos pais e da criança. Cada bebê tem características psicofisiológicas inatas, conhecidas coletivamente como temperamento. Chess e Thomas identificaram uma variedade de padrões de temperamento normais, desde a criança difícil, em um extremo do espectro, até aquela mais fácil, em outro extremo. Crianças difíceis, que representam 10% de todos os bebês, têm uma constituição fisiológica hiperalerta. Reagem intensamente a estímulos (choram com facilidade ao ouvir ruídos altos), dormem mal, alimentam-se em momentos imprevisíveis e são difíceis de acalmar. As crianças fáceis, que representam 40% do total, são regulares na alimentação, na excreção e no sono; são flexíveis, adaptam-se a mudanças e a novos estímulos com um mínimo de perturbação e são facilmente confortadas quando choram. As outras 50% são mesclas desses dois tipos. É mais complexo lidar com uma criança difícil, que impõe exigências maiores aos pais, do que com uma criança fácil. Chess e Thomas usaram o termo ajuste para caracterizar a interação harmoniosa entre a mãe e o
46
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
bebê em suas motivações, capacidades e estilos de comportamento. A falta dessa sintonia pode levar a um desenvolvimento distorcido e a um funcionamento mal-adaptativo. Uma criança difícil deve ser reconhecida, pois seus pais muitas vezes têm sentimentos de inadequação e acreditam que estão fazendo algo errado devido às dificuldades que encontram para fazer a criança dormir, comer e para confortá-la. Além disso, a maioria das crianças difíceis manifestará perturbações emocionais mais adiante em suas vidas. A mãe suficientemente boa. Winnicott acreditava que os bebês começam a vida em um estado de desintegração, com experiências desconexas e difusas, e que as mães proporcionam o relacionamento que permite que os seus selves incipientes venham à tona. Elas criam um ambiente acolhedor, no qual os bebês são contidos e adquirem experiências. Durante o último trimestre da gravidez e os primeiros meses da vida do bebê, a mãe está em um estado de preocupação primária, absorta em fantasias e experiências com seu bebê. Ela não precisa ser perfeita, mas suficientemente boa, pois desempenha o papel vital de apresentar o mundo à criança e oferecer antecipação empática às necessidades do bebê. Se suprir as necessidades deste, ele conseguirá se sintonizar com as próprias funções e impulsos corporais, que são a base para o sentido de individualidade, que começa a evoluir gradualmente. A SEGUNDA INFÂNCIA O segundo ano de vida é marcado por um desenvolvimento motor e intelectual acelerado. A capacidade de caminhar dá às crianças um certo controle sobre suas próprias ações. Essa mobilidade permite que elas determinem quando devem se aproximar e quando devem se retrair. A aquisição da fala amplia seus horizontes profundamente. Em geral, aprendem a dizer “não” antes de aprender a dizer “sim”. Esse negativismo é vital para o desenvolvimento da independência, mas, se persistir, o comportamento opositor representa um problema. Aprender a falar é uma tarefa crucial neste período. As vocalizações se tornam distintas, e as crianças conseguem dar nome a alguns objetos e necessidades conhecidos em uma ou duas palavras. Perto do final do segundo ano e no começo do terceiro, às vezes usam frases curtas. O ritmo do desenvolvimento da linguagem varia consideravelmente de criança para criança, e, embora um pequeno número se desenvolva tardiamente, a maioria dos especialistas recomenda um teste auditivo se a criança não estiver formando frases com no mínimo duas palavras aos 2 anos de idade. Marcos evolutivos Desenvolvimento lingüístico e cognitivo. As crianças começam a ouvir explicações que podem ajudá-las a suportar a demora em relação a coisas que desejam. Criam novos comportamentos a partir dos usuais (originalidade) e participam de atividades simbólicas (p. ex., usar palavras e brincar com bonecas de forma a representar algo, como o momento da alimentação). Apresentam capacidades variadas de concentração e auto-regulação.
Desenvolvimento emocional e social. No segundo ano, o prazer e o desprazer são mais diferenciados. O “referenciamento social” costuma ser visível nessa idade. A criança observa os pais e outras pessoas em busca de pistas emocionais sobre como responder a eventos novos. Demonstra excitação exploratória, prazer assertivo e interesse em descobrir e desenvolver novos comportamentos (p. ex., jogos novos), incluindo provocar e surpreender ou enganar os pais (p. ex., esconder-se). A criança tem a capacidade de fazer demonstrações organizadas de amor (p. ex., correr e abraçar, sorrir e beijar os pais ao mesmo tempo) e de protesto (p. ex., fugir, chorar, bater, morder, gritar, chutar). O conforto junto da família e a apreensão diante de estranhos podem aumentar. A ansiedade parece estar relacionada à desaprovação e à perda de um cuidador estimado e pode ser um fator de desorganização. (Informações adicionais são apresentadas na Tabela 2.2-1.) Desenvolvimento sexual. A diferenciação sexual é perceptível desde o nascimento, quando os pais começam a vestir e tratar os bebês de maneira diferente devido às expectativas evocadas pelo sexo. Por meio de imitação, recompensas e coação, as crianças assumem comportamentos que suas culturas definem como apropriados para seus papéis sexuais. Manifestam curiosidade sobre o sexo anatômico. Quando sua curiosidade é reconhecida como saudável e recebida com respostas honestas e apropriadas para sua idade, as crianças adquirem uma idéia do milagre da vida e sentem-se confortáveis com seus próprios papéis. Se o tema é um tabu e as questões apresentadas são rejeitadas, os resultados podem ser vergonha e desconforto. A identidade de gênero, a convicção firme de ser homem ou mulher, começa a se manifestar aos 18 meses de idade e costuma se estabelecer por volta dos 24 a 30 meses. Acreditava-se que a identidade de gênero era principalmente função da aprendizagem social. John Money relatou casos de crianças com órgãos genitais externos ambíguos ou defeituosos, as quais foram criadas como o sexo oposto de seu sexo cromossômico. O seguimento a longo prazo desses indivíduos sugere que a maior parte da identidade de gênero é inata e que a criação pode não afetar a diátese genética. O papel de gênero descreve o comportamento que a sociedade considera apropriado para um ou outro sexo, e não é de surpreender que existam diferenças culturais significativas. Pode haver expectativas para meninos e meninas acerca do que e com quem brincar, seu tom de voz, a expressão de emoções e a maneira de se vestir. Porém, algumas generalizações são possíveis. Os meninos tendem a se envolver em brincadeiras rudes e desordeiras. As mães falam mais com as meninas do que com os meninos e, quando a criança está com 2 anos, os pais normalmente prestam mais atenção aos meninos. Muitos pais de classe média e com um bom nível educacional, determinados a educar filhos não-sexistas, ficam chocados ao ver a preferência determinada de seus filhos por brinquedos estereotipados: as meninas querem brincar com bonecas, e os meninos, com armas. Controle dos esfincteres e sono. O segundo ano de vida é um período de exigências sociais crescentes para as crianças. O treinamento para o uso do toalete serve como paradigma para as
DESENVOLVIMENTO HUMANO AO LONGO DO CICLO VITAL
práticas de treinamento da família. Ou seja, os pais que são severos demais na área do treinamento para o toalete provavelmente também serão punitivos e restritivos em outras áreas. O controle da micção durante o dia normalmente está completo por volta dos 2 anos e meio de idade, e o controle noturno normalmente se efetiva aos 4 anos, quando o controle da bexiga costuma ser alcançado. Desde 1900, existem oscilações entre os extremos de permissividade e rigor nesse tipo de treinamento. A tendência nos Estados Unidos tem sido para um treinamento tardio, mas, nos últimos anos, isso parece estar voltando a idades mais precoces. As crianças nesta fase podem ter dificuldade para dormir relacionada ao medo do escuro, a qual é resolvida usando-se uma luz fraca. A maioria geralmente dorme em torno de 12 horas por dia, incluindo uma soneca de duas horas após o almoço. Os pais devem estar cientes de que as crianças nessa idade podem precisar ser tranqüilizadas antes de ir para a cama e que, aos 2 anos, levam cerca de 30 minutos para iniciar o sono.
47
O termo pré-escolar para a faixa etária de 2 anos e meio a 6 anos pode ser enganoso. Muitas crianças já estão em cenários escolares, como creches e maternais, onde as mães que trabalham podem deixar seus filhos. A educação pré-escolar pode ser valiosa, mas uma ênfase no desempenho acadêmico acima das capacidades da criança pode ser contraproducente. Marcos evolutivos Desenvolvimento lingüístico e cognitivo. No período pré-escolar, o uso da linguagem se expande, e as crianças passam a formar frases. As palavras isoladas têm um significado regular e consistente no início do período, e as crianças começam a pensar de forma simbólica. Porém, de modo geral, seu pensamento é egocêntrico. Não conseguem se colocar na posição de outra criança e são incapazes de sentir empatia. As crianças pensam de maneira intuitiva e pré-lógica e não entendem relações causais.
Cuidados parentais Juntamente com as novas tarefas impostas às crianças, existem aquelas impostas aos pais. Na primeira infância, a principal responsabilidade destes é atender às necessidades do bebê de maneira sensível e consistente. Na segunda infância, exige-se firmeza com relação aos limites do comportamento aceitável e encorajamento para a emancipação progressiva da criança. Os pais devem ter cuidado para não ser autoritários demais nesse estágio, devendo permitir que as crianças ajam por si mesmas e aprendam com seus erros, protegendo e auxiliando quando os desafios estiverem além de suas capacidades. Durante este período, as crianças tendem a lutar pelo afeto e pela atenção exclusivos de seus pais. Essa disputa inclui rivalidade com irmãos e com um dos pais pelo papel principal na família. Embora estejam começando a ser capazes de compartilhar, elas o fazem de maneira relutante. Quando as exigências de posse exclusiva não são resolvidas de forma efetiva, é provável que o resultado seja uma competição ciumenta em relacionamentos com amigos e parceiros amorosos. As fantasias motivadas pela disputa levam ao medo de retaliação e ao deslocamento do medo para objetos externos. Em uma família justa e carinhosa, a criança elabora um sistema moral de direitos éticos. Os pais devem equilibrar a punição e a permissividade e estabelecer limites realistas para o comportamento da criança. PERÍODO PRÉ-ESCOLAR O período pré-escolar se caracteriza por um grande crescimento físico e emocional. Em geral, entre 2 e 3 anos de idade, a criança atinge a metade da altura que terá quando adulta. Os 20 dentes de leite já eclodiram no começo deste estágio e, ao final, começam a ser substituídos. As crianças estão prontas para freqüentar a escola quando o estágio termina, com 5 ou 6 anos de idade. Elas já dominam as tarefas da socialização primária – controlar os intestinos, vestir-se e alimentar-se sozinhas, e conter ataques de choro e raiva – pelo menos na maior parte do tempo.
Comportamento emocional e social. No começo do período pré-escolar, as crianças conseguem expressar emoções complexas como amor, infelicidade, inveja e ciúme tanto de forma pré-verbal quanto verbal. Suas emoções ainda são facilmente influenciadas por eventos somáticos, como cansaço e fome. Embora ainda pensem de forma muito egocêntrica, a capacidade de cooperar e compartilhar está emergindo. A ansiedade está relacionada à perda de uma pessoa amada, de cuja aprovação e aceitação a criança dependia. Embora ainda seja potencialmente desorganizadora, a ansiedade pode ser melhor tolerada do que no passado. Crianças com 4 anos de idade estão aprendendo a compartilhar e se preocupar com os outros. Sentimentos de ternura às vezes são expressados. A ansiedade para com ferimentos corporais e a perda da aprovação de uma pessoa amada podem ser perturbadoras. Ao final do período pré-escolar, as crianças têm muitas emoções relativamente estáveis. A expansividade, a curiosidade, o orgulho e a alegria relacionados consigo mesmas e com a família são equilibrados com timidez, introversão, medo, ciúme e inveja. A vergonha e a humilhação são evidentes. As capacidades de empatia e amor desenvolvem-se, mas são frágeis e podem ser perdidas facilmente se houver disputas competitivas ou ciúme. A ansiedade e os temores estão relacionados a lesões corporais e à perda de respeito, amor e auto-estima. Podem ocorrer sentimentos de culpa. Outras informações são fornecidas na Tabela 2.2-1. Crianças entre 3 e 6 anos têm consciência de seus corpos, dos órgãos genitais e de diferenças entre os sexos. Em suas brincadeiras, brincar de médico e enfermeira permite a expressão de fantasias sexuais. A consciência dos próprios corpos se estende para além dos órgãos genitais. Elas demonstram preocupação com doenças ou lesões, de modo que o período já foi chamado de “a fase do band-aid”. Os pais devem examinar e tratar cada ferimento. As crianças desenvolvem uma divisão entre o que querem e o que lhes dizem para fazer. Tal oposição aumenta até haver uma lacuna entre o seu conjunto amplo de desejos, a exuberância de
48
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
seu crescimento ilimitado e as restrições de seus pais. Elas gradualmente transformam os valores dos pais em auto-obediência, auto-orientação e autopunição. Este estágio se encerra em um ponto no qual a consciência da criança já está estabelecida. O desenvolvimento de uma consciência dá o tom para o sentido moral de certo e errado. Até perto dos 7 anos de idade, as crianças experimentam as regras como absolutas e como algo que existe por si só. Não entendem que pode haver mais de um ponto de vista sobre uma questão moral. Uma violação das regras exige retribuição imediata – ou seja, as crianças têm a noção de justiça imanente. RIVALIDADE ENTRE IRMÃOS. Na pré-escola, as crianças se relacionam com os outros de novas maneiras. O nascimento de um irmão ou irmã (um acontecimento comum nessa época) põe à prova a capacidade de uma criança pré-escolar cooperar e compartilhar, mas também pode evocar rivalidade entre os irmãos, que é mais provável nesse período. Tal comportamento depende das práticas de educação da criança. O favoritismo, seja por qualquer razão, agrava a rivalidade. Crianças que recebem tratamento especial porque são talentosas, têm alguma forma de deficiência ou são do gênero preferido estão propensas a sofrer com os sentimentos de raiva de seus irmãos. A experiência com os irmãos pode influenciar os relacionamentos com amigos e figuras de autoridade. Por exemplo, pode haver problemas quando as necessidades de um novo bebê impedem que a mãe atenda ao primogênito. Se não for tratada de forma adequada, tal destituição pode ser um evento traumático para a criança. BRINCADEIRAS. Nos anos da pré-escola, as crianças começam a distinguir a realidade da fantasia, e suas brincadeiras refletem essa consciência crescente. Jogos de fingir são recorrentes e testam situações da vida real de maneira lúdica. São comuns os jogos dramáticos, nos quais as crianças representam um papel, como dona de casa ou motorista de caminhão. Relacionamentos individuais para brincar progridem para padrões complicados, com rivalidades, segredos e intrigas de duas crianças contra uma. O comportamento ao brincar reflete o nível de desenvolvimento social. Entre as idades de 2 anos e meio e 3, as crianças normalmente se envolvem em brincadeiras paralelas, brincadeiras solitárias juntamente com outra criança, mas sem interação entre elas. Por volta dos 3 anos, passam a ser associativas, ou seja, brincar com os mesmos brinquedos em pares ou grupos pequenos, mas ainda sem interação real. Com 4 anos, as crianças em geral conseguem compartilhar e fazer brincadeiras cooperativas, tornando-se possíveis interações reais e alternância da vez de brincar. Na fase dos 3 aos 6 anos, o crescimento pode ser representado pelos desenhos da criança. O primeiro desenho de um ser humano é uma linha circular com marcas para boca, nariz e olhos. Os ouvidos e o cabelo são acrescentados posteriormente. Braços e dedos de palito surgem a seguir e, por fim, as pernas. A última parte a aparecer é o dorso em proporção ao resto do corpo. Crianças inteligentes conseguem lidar com detalhes em sua arte. Os desenhos expressam a criatividade em todas as fases do desenvolvimento: eles são representativos e formais na primeira infância, passam a empregar perspectiva na infância intermediária e se tornam abstratos e carregados de afeto na adolescência. Os desenhos também refletem os conceitos de imagem corporal e impulsos sexuais e agressivos.
AMIGOS IMAGINÁRIOS.
Os amigos imaginários costumam surgir durante os anos pré-escolares, normalmente em crianças com inteligência acima da média e, na maioria dos casos, na forma de pessoas. Eles podem ser coisas antropomorfizadas, como brinquedos. Alguns estudos indicam que até 50% das crianças entre 3 e 10 anos têm amigos imaginários em um momento ou outro. Seu significado não está claro, mas essas figuras tendem a ser amigáveis, aliviam a solidão e reduzem a ansiedade. Na maior parte dos casos, os amigos imaginários desaparecem por volta dos 12 anos de idade, mas, ocasionalmente, persistem na idade adulta.
TELEVISÃO .
A maioria das crianças nos Estados Unidos cresce assistindo a uma quantidade extraordinária de televisão. Os pré-escolares assistem, em média, 3 a 4 horas por dia, muitos deles sem nenhuma supervisão. Estudos recentes confirmaram uma correlação entre o fato de as crianças assistirem a muita violência na televisão e o desenvolvimento de agressividade. O excesso também parece interferir na alfabetização.
ANOS INTERMEDIÁRIOS O período entre os 6 anos de idade e a puberdade costuma ser chamado de anos intermediários. Durante essa época, as crianças entram no ensino fundamental. As exigências formais de aprendizagem e desempenho acadêmico se tornam importantes determinantes do desenvolvimento futuro da personalidade. Marcos evolutivos Desenvolvimento lingüístico e cognitivo. Nos anos intermediários, a linguagem expressa idéias complexas com relações entre vários elementos. A exploração lógica tende a dominar a fantasia, e as crianças apresentam um interesse maior em regras e organização e uma capacidade acentuada de autoregulação. Durante esse período, desenvolvem-se as habilidades conceituais, e o pensamento se torna organizado e lógico. A capacidade de se concentrar é estabelecida por volta dos 9 ou 10 anos de idade, e, ao final do período, as crianças começam a pensar em termos abstratos. A coordenação motora bruta e a maior força muscular permitem que escrevam e desenhem de modo artístico. Elas também são capazes de cumprir tarefas e atividades motoras complexas, como jogar tênis, golfe e beisebol, fazer ginástica e andar de skate. Evidências recentes mostram que as mudanças observadas no pensamento e no raciocínio durante os anos intermediários resultam de alterações maturacionais no cérebro. As crianças agora são capazes de ter maior independência, aprendizagem e socialização. Os teóricos consideram o desenvolvimento moral um processo gradual, em etapas, que se estende desde a infância, passando pela adolescência, até o começo da idade adulta. Nos anos intermediários, meninos e meninas estabelecem identificação com outros adultos, como professores e orientadores. Esses contatos podem influenciar as meninas no sentido de que seus objetivos de casar e ter filhos, como fizeram suas mães, sejam combinados com o desejo de ter uma carreira, postergados ou abandonados por completo.
DESENVOLVIMENTO HUMANO AO LONGO DO CICLO VITAL
As meninas que não se identificam com a mãe, ou cujo pai seja excessivamente apegado, podem se fixar no nível dos 6 anos de idade. Como resultado, podem temer homens, mulheres ou ambos, ou se aproximar deles de maneira sedutora. Nos dois casos, é possível que essas meninas não sejam consideradas normais durante os anos escolares. Uma situação semelhante pode ocorrer com meninos que não conseguiram se identificar com um pai indiferente, brutal ou ausente. Uma mãe pode ter impedido o filho de se identificar com o pai, sendo superprotetora ou aproximando-o em demasia de si mesma. Como resultado, o menino pode entrar nesse período com uma variedade de problemas, como medo de homens, insegurança com relação à sua masculinidade ou recusa a afastar-se da mãe (às vezes manifestada por fobia escolar). O menino pode não ter iniciativa e ser incapaz de lidar com tarefas da escola, o que lhe causa problemas acadêmicos. O período escolar é um momento em que a interação com os amigos assume uma importância fundamental. O interesse em relacionamentos fora da família assume precedência sobre os da família. Entretanto, existe um relacionamento especial com o progenitor do mesmo sexo, com quem as crianças se identificam e que agora lhes serve de modelo e ideal. A empatia e a preocupação com os outros começam a emergir no começo dos anos intermediários. Quando as crianças estão com 9 ou 10 anos, elas têm capacidades desenvolvidas para sentir amor, compaixão e solidariedade. Conseguem estabelecer relacionamentos duradouros e estáveis com a família, os colegas e amigos, incluindo, entre estes últimos, os mais íntimos. As emoções com relação às diferenças sexuais emergem na forma de excitação ou timidez diante do sexo oposto. Crianças em idade escolar preferem interagir com outras do mesmo sexo. Embora os anos intermediários às vezes sejam chamados de “período de latência” – contenção da exploração psicossexual até a eclosão dos impulsos sexuais com a puberdade –, sabe-se hoje que uma quantidade considerável de interesse sexual permanece ao longo desses anos. As brincadeiras e curiosidades sexuais são comuns, especialmente entre os meninos, mas também entre as meninas. Os meninos comparam os órgãos genitais e, às vezes, participam de masturbação em grupo. Um interesse em humor escatológico costuma ser visto nesta fase. As crianças nessa idade muitas vezes começam a usar interjeições que fazem referência a sexo ou excrementos. PERÍODO DO MELHOR AMIGO. Harry Stack Sullivan postulou que o melhor amigo é um fenômeno importante durante os anos escolares. Por volta dos 10 anos, as crianças desenvolvem um relacionamento íntimo com outra criança do mesmo sexo, o qual Sullivan acreditava ser necessário para o crescimento psicológico saudável. Além disso, ela considerava que a ausência de um amigo durante os anos intermediários da infância seria um prenúncio de esquizofrenia. FOBIA ESCOLAR. Certas crianças se recusam a ir à escola nessa época, em geral por causa da ansiedade de separação. Uma mãe temerosa pode transmitir seus próprios medos aos filhos, ou uma criança que não resolveu suas necessidades de dependência pode entrar em pânico ante a idéia da separação. A fobia escolar não costuma ser um problema isolado, e tais crianças normalmente evitam muitas outras situações sociais.
49
OUTRAS QUESTÕES DA INFÂNCIA Desenvolvimento do papel sexual Os papéis sexuais assemelham-se à identidade de gênero. As pessoas se enxergam como homens ou mulheres. O papel do sexo também envolve a identificação com formas masculinas ou femininas de se comportar culturalmente aceitáveis. Porém, mudanças nas expectativas da sociedade (particularmente nos Estados Unidos) sobre aquilo que constitui um comportamento masculino ou feminino podem criar ambigüidade. Os pais reagem de maneira diferente a seus filhos conforme o sexo. A independência, as brincadeiras físicas e a agressividade são encorajadas em meninos, enquanto a dependência, a verbalização e a intimidade física são encorajadas em meninas. Contudo, hoje em dia, os meninos também são motivados a verbalizar seus sentimentos e perseguir interesses tradicionalmente associados a meninas, enquanto estas são influenciadas a perseguir carreiras em geral dominadas por homens e a participar de esportes competitivos. À medida que a sociedade se torna mais tolerante em suas expectativas para com os sexos, os papéis se tornam menos rígidos, e as oportunidades para ambos os sexos se ampliam. Do ponto de vista biológico, os meninos são mais agressivos fisicamente do que as meninas, e as expectativas familiares, particularmente dos pais, reforçam esse traço. Também existem diferenças entre os sexos em relação à influência exercida por pessoas de fora da família. As meninas tendem a responder às expectativas e às opiniões de outras meninas e de professores de ambos os sexos, mas ignoram os meninos, os quais, por sua vez, tendem a responder a outros meninos, mas desconsideram meninas e professores. Os sonhos e o sono Os sonhos das crianças podem ter um efeito profundo sobre seu comportamento. Durante o primeiro ano de vida, quando a realidade e a fantasia ainda não se diferenciaram inteiramente, os sonhos podem ser experimentados como se fossem ou pudessem ser verdadeiros. Aos 3 anos de idade, muitas crianças acreditam que eles são compartilhados diretamente por mais de uma pessoa, mas a maior parte das crianças de 4 anos já entende que os sonhos são únicos de cada indivíduo. As crianças enxergam os sonhos com prazer ou, como relatam com mais freqüência, com medo. Seu conteúdo deve ser entendido em conexão com a experiência de vida, o estágio do desenvolvimento, os mecanismos usados durante o sonho e o sexo da criança. Os sonhos perturbadores atingem seu auge quando as crianças estão com 3, 6 e 10 anos. Aos 2 anos, podem sonhar que estão sendo mordidas ou perseguidas. Com 4 anos, sonham com animais e também com pessoas que as protegem ou agridem. Aos 5 ou 6, sonhos sobre ser assassinado ou agredido, sobre estar voando ou em carros e com fantasmas se tornam proeminentes. O papel da consciência, de valores morais e de conflitos crescentes está relacionado a esses sonhos. Na primeira infância, sonhos agressivos ocorrem raramente. No entanto, são comuns aqueles em
50
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
que se está em perigo, um estado que talvez reflita sua posição de dependência. Por volta dos 5 anos de idade, as crianças entendem que seus sonhos não são reais, mas, antes dessa idade, tal consciência não está evidente. Aos 7 anos, as crianças sabem que são elas mesmas que criam os sonhos. Entre as idades de 3 e 6 anos, as crianças normalmente querem que a porta do quarto fique aberta ou que se deixe uma luz acesa, para que possam manter contato com seus pais ou enxergar o quarto de um modo que não seja assustador. Às vezes, as crianças resistem a dormir para não sonhar. Assim, os transtornos associados ao início do sono muitas vezes estão relacionados aos sonhos. As crianças passam a criar rituais para se proteger enquanto se afastam do mundo real e entram no mundo dos sonhos. Parassonias como sonambulismo, enurese e terrores noturnos são comuns nessa idade, ocorrendo com freqüência durante o estágio 4 do sono, quando os sonhos são mínimos; não indicam problemas emocionais ou psicopatologias subjacentes. As parassonias da maioria das crianças desaparecem na adolescência. Períodos de sono REM ocorrem em cerca de 60% do tempo durante as primeiras semanas de vida, um período em que os bebês dormem dois terços do dia. Os prematuros dormem ainda mais do que os bebês normais, e uma proporção maior de seu sono é do tipo REM. O ciclo de sono-vigília dos recém-nascidos dura aproximadamente três horas. Entre os adultos, a razão entre sonhos e sono é estável: 20% do tempo de sono é gasto sonhando. Mesmo os recém-nascidos têm atividade cerebral semelhante à do estado de sonhos. Espaçamento entre os filhos Para as mulheres dos Estados Unidos, 10% das concepções que levaram a nascimentos vivos foram consideradas indesejadas, e 20% foram desejadas, mas consideradas fora de hora. As implicações desses números estão relacionadas ao fato de que certos casais talvez não estejam preparados e podem se sentir culpados por não desejarem ser pais. É importante planejar a gravidez e ter um acordo mútuo sobre o espaçamento entre os filhos. Atualmente, o número típico por família é de dois filhos, a metade do número verificado no começo do século XX. A multiparidade impede a recuperação adequada do processo de parto e coloca as mães em risco de complicações e lesões. As mais jovens precisam de tempo para se adaptar, e esse período pode variar de algumas semanas a vários meses. As exigências dos outros filhos podem ser desgastantes, e, se essas crianças também forem muito novas, o esforço pode estar além das capacidades da família. Estudos com crianças de famílias grandes (de quatro ou cinco filhos) mostram que elas têm maior probabilidade de ter transtornos da conduta e níveis de inteligência verbal levemente mais baixos do que crianças de famílias pequenas. A ocorrência de menos interações parentais e menos disciplina pode explicar tais achados. Ordem de nascimento Os efeitos da ordem de nascimento são variados. O primogênito costuma ser mais valorizado que os filhos subseqüentes,
particularmente se for menino em culturas não-ocidentais, mas às vezes também em nosso país. Verificou-se que os primogênitos apresentam quocientes de inteligência (QIs) mais altos do que seus irmãos mais jovens, um achado que pode refletir o fato de os pais terem mais tempo para interagir com o primeiro filho. Os primogênitos parecem ser mais orientados para as realizações do que os filhos subseqüentes. À medida que mais filhos entram na família, o tempo para cada um diminui, e o estresse sobre os pais também aumenta quando passam a cuidar de mais crianças. O segundo e o terceiro filhos têm a vantagem da experiência dos pais. Crianças mais jovens também aprendem com os irmãos mais velhos. Por exemplo, podem apresentar um uso mais sofisticado de pronomes antes que seus irmãos. Porém, quando nascem logo após o antecessor, pode não haver tempo de colo suficiente para cada criança. A chegada de novos membros na família não afeta somente os pais, mas também os irmãos. O primogênito pode ficar ressentido com o nascimento de um novo irmão, que ameaça o seu direito exclusivo à atenção dos pais. Em certos casos, comportamentos regressivos ocorrem, como enurese ou chupar o polegar. De modo geral, as crianças mais velhas realizam mais coisas e são mais autoritárias; os filhos intermediários costumam receber menos atenção em casa e podem desenvolver relacionamentos fortes com amigos para compensar; e os caçulas podem receber atenção demais e ser mimados. Segundo Frank Sulloway, os primogênitos tendem a ser conservadores e conformistas. Em comparação, os mais jovens tendem a ser independentes e rebeldes em relação às normas familiares e culturais. Sulloway verificou que uma proporção elevada de pessoas de destaque é formada por filhos caçulas. Ele atribui essas diferenças à ordem do nascimento e sugere que cada criança desenvolve traços de personalidade para se encaixar em um espaço vago na família. Seus achados ainda precisam ser replicados. Filhos e divórcio Muitas crianças vivem em lares de pais divorciados. Nos Estados Unidos, aproximadamente 30% vivem em lares em que um dos pais (normalmente a mãe) é o chefe da família, e 61% das crianças que nascem a cada ano poderão viver com apenas um dos pais antes de atingir a idade de 18 anos. A idade da criança quando os pais se divorciam afeta suas reações ao divórcio. Imediatamente após ele ocorrer, há um aumento de transtornos comportamentais e emocionais em todas as faixas etárias. Crianças de 3 a 6 anos não entendem o que está acontecendo, e as que entendem muitas vezes pressupõem que, de alguma forma, são responsáveis pela situação. Se o divórcio ocorre quando a criança tem entre 7 e 12 anos, o desempenho escolar normalmente diminui. As mais velhas, especialmente adolescentes, compreendem a situação e acreditam que poderiam ter prevenido o divórcio se tivessem intervindo de alguma forma, talvez agindo como terapeutas conjugais substitutos, mas ainda ficam magoadas, zangadas e criticam o comportamento dos pais. Algumas acalentam a fantasia de que seus pais voltarão no futuro e manifestam animosidade em relação a novos parceiros reais ou
DESENVOLVIMENTO HUMANO AO LONGO DO CICLO VITAL
potenciais que venham a ter, pois são forçadas a reconhecer que não haverá reconciliação. A recuperação e a adaptação aos efeitos do divórcio normalmente levam de 3 a 5 anos, mas cerca de um terço de todos os filhos de pais divorciados tem traumas psicológicos duradouros. Entre os meninos, a agressividade física é o sinal mais comum de perturbação. Os adolescentes tendem a passar mais tempo fora de casa após o divórcio. Podem ocorrer tentativas de suicídio como resultado direto da separação, e um dos prognosticadores de suicídio na adolescência é o divórcio ou a separação recente dos pais. As crianças se adaptam bem a essa condição quando cada um dos pais evidencia um esforço para continuar a se relacionar com a criança, mesmo que esta manifeste raiva. Para facilitar a recuperação, o casal divorciado deve evitar discussões e assumir um comportamento coerente diante dos filhos. Apesar dos problemas comportamentais na infância na época do divórcio, a prevalência de problemas psiquiátricos sérios na idade adulta, como depressão e transtornos de ansiedade, não é maior entre filhos de pais divorciados. Padrastos e madrastas. Quando um novo casamento ocorre, as crianças devem aprender a se adaptar ao padrasto ou à madrasta e à chamada família reconstituída. Essa adaptação costuma ser difícil, especialmente quando o padrasto ou a madrasta não é solidário, tem ressentimentos para com a criança ou favorece os filhos biológicos. Um filho biológico do casal novo – meioirmão – às vezes recebe mais atenção do que o enteado e, como resultado, é objeto de rivalidade. Adoção A adoção é definida como o processo pelo qual a criança é colocada em uma família com um ou mais adultos que não são seus pais biológicos, mas que são reconhecidos por lei como seus responsáveis. Em torno de 2,5 milhões de pessoas com menos de 18 anos de idade são adotadas a cada ano. Destas, 52% o são por pessoas que não têm relação de parentesco com elas por nascimento ou casamento, e as demais são adotadas por parentes ou padrastos/madrastas. A maioria das crianças nessas condições é composta de filhos ilegítimos, e 40% delas são filhos de mães entre 15 e 19 anos de idade. Os pais adotivos costumam falar a seus filhos sobre essa situação quando chegam às idades de 2 a 4 anos. Informar as crianças sobre a adoção reduz a possibilidade de que elas fiquem sabendo por fontes externas à família e se sintam traídas por seus pais adotivos e abandonadas por seus pais biológicos. Transtornos emocionais e comportamentais, como comportamento agressivo, furtos e dificuldades de aprendizagem, mostraramse mais comuns em crianças adotadas. Quanto mais tarde ocorre a adoção, maior a incidência e a gravidade dos problemas de conduta. Ao longo da infância e da adolescência, as crianças tendem a fantasiar acerca dos pais biológicos e adotivos. Podem dividir os casais em pais bons e maus. Em geral, elas têm um forte desejo de conhecer seus pais biológicos. Algumas modelam seus padrões de acordo com suas fantasias acerca dos pais biológicos ausentes e criam conflitos com os pais adotivos. Na maioria dos casos em que filhos adotivos procuraram e encontraram seus pais biológicos (e vice-versa), a experiência foi positiva, especialmente se o filho estava no final da adolescência ou no começo da idade adulta.
51
Fatores familiares no desenvolvimento infantil Estabilidade familiar. Pais e filhos vivendo sob o mesmo teto em interação harmoniosa representam a norma cultural esperada na sociedade ocidental. Nesse modelo, presume-se que o desenvolvimento infantil ocorra com facilidade. Desvios da norma (p. ex., famílias divorciadas e com apenas um dos pais) estão associados a uma ampla variedade de problemas, incluindo baixa autoestima, maior risco de abuso infantil, maior incidência de divórcios (quando chegam a casar) e maior incidência de transtornos mentais, particularmente transtornos depressivos e transtorno da personalidade anti-social, quando adultos. A razão pela qual certas crianças de lares estáveis são menos afetadas do que outras (ou até imunes a esses efeitos deletérios) é de grande interesse. Michael Rutter postulou que a vulnerabilidade é influenciada pelo sexo (os meninos são mais atingidos do que as meninas), pela idade (crianças mais velhas são menos vulneráveis do que as mais novas) e pelas características inatas da personalidade. Por exemplo, crianças com um comportamento mais tranqüilo têm menos probabilidade de ser vítimas de abuso na família do que as hiperativas. As crianças mais tranqüilas podem ser menos afetadas pelos problemas emocionais à sua volta. Outros fatores familiares. Na infância e na adolescência, a morte de um dos pais está associada a efeitos adversos, como um aumento em problemas emocionais posteriores, particularmente suscetibilidade a depressão e divórcio. Esse achado difere nitidamente dos resultados de separações causadas por eventos menos traumáticos. Por exemplo, não existem evidências indicando que mães que trabalham fora têm filhos menos saudáveis do que os que são criados por donas de casa. Outras pessoas podem atuar como mães substitutas e, nesses casos, as crianças não se apegam mais ao cuidador do que aos pais. O papel das creches está sob investigação contínua. Alguns estudos mostram que as crianças colocadas em creches antes dos 5 anos de idade são menos assertivas e têm mais dificuldades no controle esfincteriano do que aquelas criadas em casa. Outros evidenciaram que crianças pequenas em creches são mais avançadas em seu desenvolvimento social e cognitivo do que crianças que não as freqüentam. Esses estudos devem levar em conta a qualidade da creche e das casas de onde as crianças vieram. Por exemplo, uma criança oriunda de um lar em situação de risco pode ficar melhor na creche. De maneira semelhante, uma mulher que deseja sair de casa para trabalhar por razões financeiras ou por outros motivos e que não pode fazê-lo é capaz de guardar ressentimento por ser forçada a permanecer em casa no papel de mãe, o que pode afetar a criança de forma adversa. Estilos de criação dos filhos. As maneiras como as crianças são educadas variam consideravelmente entre e dentro de culturas diferentes. Rutter organizou essa diversidade em quatro estilos gerais. Pesquisas subseqüentes confirmaram que certos estilos tendem a se correlacionar com determinados comportamentos, embora os resultados não sejam absolutos. O estilo autoritário, caracterizado por regras rígidas e inflexíveis, pode produzir uma auto-estima baixa, infelicidade e retraimento social. O estilo
52
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
indulgente-permissivo com pouco ou nenhum limite, juntamente com uma rigidez imprevisível por parte dos pais, pode redundar em pouca independência, pouco controle de impulsos e agressividade. O estilo indulgente-negligente, sem envolvimento na vida e na educação da criança, a traz o risco de baixa auto-estima, pouco autocontrole e maior agressividade. O estilo competenterecíproco, marcado por regras firmes e tomada de decisões compartilhadas em um ambiente afetuoso e carinhoso, é o estilo com maior probabilidade de resultar em independência, auto-estima e um sentido de responsabilidade social. REFERÊNCIAS Bowlby J. Attachment and Loss. Vol 1: Attachment. New York: Basic Books; 1969. Brodzinsky DM, Smith DW, Brodzinsky AB. Children’s Adjustment to Adoption: Developmental and Clinical Issues. Thousand Oaks, CA: Sage; 1998. Clulow C. Attachment theory and the therapeutic frame. In: Clulow C, ed. Adult Attachment and Couple Psychotherapy: The ‘Secure Base’ in Practice and Research. Philadelphia: Brunner-Routledge; 2001:85. Crittenden PM, Claussen AH, eds. The Organization of Attachment Relationships: Maturation, Culture, and Context. New York: Cambridge University Press; 2000. Diener ML, Goldstein LH, Mangelsdorf SC. The role of prenatal expectations in parents’ reports of infant temperament. Merrill-Palmer Q. 1995;41:172. Gordon MF. Normal child development. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2534. Kasen S, Cohen P, Brook JS, Hartmark C. A multiple-risk interaction model: effects of temperament and divorce on psychiatric disorders in children. Abnorm Child Psychol. 1996;24:121. Levy TM, ed. Handbook of Attachment Interventions. San Diego: Academic Press; 2000. Lidz T. The Person: His and Her Development Throughout the Life Cycle. New York: Basic Books; 1976. Manassis K. Child-parent relations: attachment and anxiety disorders. In: Silverman WK, Treffers PDA, eds. Cambridge Child and Adolescent Psychiatry. New York: Cambridge University Press; 2001. O’Brien M: Child-rearing difficulties reported by parents of infants and toddlers. J Pediatr Psychol. 1996;21:433. Smotherman WP, Robinson SR. The development of behavior before birth. Dev Psychol. 1996;32:425. Strauss B, ed. Involuntary Childlessness: Psychological Assessment, Counseling, and Psychotherapy. Kirkland, WA: Hogrefe & Huber Publishers; 2002. Susman-Stillman A, Kalkose M, Egeland B, Waldman I. Infant temperament and maternal sensitivity as predictors of attachment security. Infant Behav Dev. 1996;19:33. Woodcock J. Refugee children and their families: theoretical and clinical perspectives. In: Dwivedi KN, ed. Post-traumatic Stress Disorder in Children and Adolescents. London: Whurr Publishers; 2000:213.
2.3 Adolescência A adolescência se caracteriza por mudanças evolutivas biológicas, psicológicas e sociais profundas. O início biológico da adolescência é marcado pela aceleração rápida do crescimento esquelético e
pelo começo do desenvolvimento sexual. O início psicológico evidencia-se pela aceleração do desenvolvimento cognitivo e pela consolidação da formação da personalidade. Do ponto de vista social, a adolescência é o período de preparação intensificada para o papel iminente do jovem adulto. Muitas sociedades marcam o início da adolescência com rituais de puberdade ou ritos de passagem que celebram a aquisição do status de adulto, com seus deveres e responsabilidades correspondentes. A complexidade da vida moderna costuma postergar a chegada à condição de adulto. O início da adolescência às vezes é marcado por rituais religiosos, sendo ainda reconhecida como um estágio do desenvolvimento humano. Porém, como fase definida, a adolescência é variável – na idade de início, na duração, no ritmo de crescimento, no desenvolvimento sexual e na maturação mental. Jean Piaget propôs que o pensamento operatório formal – que envolve a lógica dedutiva – começa nesse momento, mas outros pesquisadores demonstraram que a capacidade de resolver problemas complexos depende da educação e do conhecimento, além de uma facilidade inata. A adolescência costuma ser dividida em três períodos: inicial (idades de 11 a 14), intermediária (idades de 14 a 17) e tardia (idades de 17 a 20). Essas divisões são arbitrárias. O crescimento e o desenvolvimento ocorrem ao longo de um continuum, que varia de pessoa para pessoa. A puberdade, um processo físico de mudança caracterizado pelo desenvolvimento de características sexuais secundárias, difere da adolescência, que é um processo psicológico de mudanças amplas. Sob circunstâncias ideais, os processos são síncronos. Quando não ocorrem simultaneamente, e muitas vezes não ocorrem, os adolescentes enfrentam desequilíbrio e um estresse maior. A adolescência termina na idade adulta.
PUBERDADE O início da puberdade, desencadeado pela maturação do eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal-gonadal, é marcado pela secreção de esteróides sexuais. Essa atividade hormonal produz as manifestações da puberdade tradicionalmente definidas como características sexuais primárias, envolvidas diretamente na relação sexual e na reprodução, e secundárias, que incluem seios e quadris maiores em meninas e pêlos faciais e voz mais grave em meninos. A altura e o peso aumentam antes nas meninas do que nos meninos. Aos 12 anos, elas geralmente são mais altas e pesam mais do que eles. A Tabela 2.3-1 apresenta um resumo das mudanças que ocorrem na puberdade. Crescimento precoce ou retardado, acne, obesidade (cerca de 15% dos adolescentes), assim como glândulas mamárias aumentadas em meninos e seios pequenos ou abundantes em meninas, são alguns dos desvios do padrão de maturação esperado. Embora essas condições possam não ser significativas do ponto de vista médico, muitas vezes causam seqüelas psicológicas. Os adolescentes são sensíveis às opiniões de seus amigos e se comparam com os outros constantemente. Qualquer desvio, real ou imaginado, pode levar a sentimentos de inferioridade, baixa auto-estima e perda da confiança. As meninas são mais suscetíveis a manifestações precoces da puberda-
DESENVOLVIMENTO HUMANO AO LONGO DO CICLO VITAL
53
TABELA 2.3-1 Estágios da puberdade Características Estágio Desenvolvimento genital em meninos
Desenvolvimento dos pêlos púbicos
Desenvolvimento dos seios em meninas
1
Testículos, saco escrotal e pênis têm o mesmo tamanho e forma que na primeira infância.
Os pêlos sobre o púbis ainda não ultrapassam a parede abdominal (i. e., sem pêlos púbicos).
Apenas uma elevação das papilas.
2
O saco escrotal e os testículos crescem um pouco. A pele do saco escrotal fica avermelhada e muda de textura. Neste estágio, há pouco ou nenhum crescimento do pênis.
Há um crescimento esparso de pêlos longos e levemente pigmentados, lisos ou levemente curvados, principalmente na base do pênis e ao longo dos lábios.
Seios em estágio de botão. Há uma elevação dos seios e das papilas, como pequenos montículos. Diâmetro aureolar maior que o do estágio 1.
3
O pênis cresce um pouco, primeiramente em comprimento. Testículos e saco escrotal maiores do que no estágio 2.
Pêlos consideravelmente mais escuros, mais grossos e mais curvados. Espalham-se de forma esparsa sobre o púbis.
Seios e auréolas maiores e mais elevados do que no estágio 2, mas sem separação de seus contornos.
4
Pênis maior, com crescimento em espessura e desenvolvimento da glande. Testículos e saco escrotal maiores do que no estágio 3. Pele do escroto mais escura do que nos estágios anteriores.
Pêlo adulto em forma, mas a área coberta ainda é consideravelmente menor do que no adulto. Não há espalhamento para a superfície mediana das coxas.
As auréolas e as papilas formam montículos secundários que se projetam sobre o contorno dos seios.
5
Órgãos genitais adultos em tamanho e forma.
Pêlos adultos em quantidade e tipo, com distribuição do padrão horizontal (ou classicamente feminino). Espalhamento para a superfície mediana das coxas, mas não até a linea alba ou acima da base do triângulo invertido.
Estágio maduro. Somente as papilas se projetam, e as auréolas retrocedem aos contornos gerais dos seios.
de. Por exemplo, as meninas altas se sentem mais envergonhadas por sua altura do que meninos altos quando se comparam com os amigos. Início da puberdade O início da puberdade varia, começando para as meninas de 12 a 18 meses antes dos meninos. A idade média é de 11 anos para elas (variando de 8 a 13) e de 13 para eles (variando de 10 a 14). Gêmeos de ambos os sexos tendem a ter o início da puberdade depois de não-gêmeos. A idade de início tem diminuído gradativamente ao longo dos últimos 100 anos. Uma das conseqüências é um período mais longo de maturidade sexual antes que o indivíduo seja cultural e socialmente considerado adulto. De modo geral, a puberdade precoce é uma vantagem para os meninos e uma desvantagem para as meninas.
estabilizam no nível adulto. Este é o hormônio responsável pela masculinização dos meninos, e o estradiol é o hormônio responsável pela feminilização das meninas. Ambos os hormônios também afetam o funcionamento do sistema nervoso central, incluindo o humor e o comportamento. Níveis baixos de estrógeno podem estar associados a um humor depressivo (como acontece nos períodos pré-menstruais de certas mulheres). Níveis altos de testosterona foram correlacionados a agressividade e impulsividade em alguns homens. Os níveis de testosterona se correlacionam com a libido e se manifestam pelo desejo sexual e pela masturbação em ambos os sexos. Em meninos, os andrógenos são produzidos pelos testículos e pela glândula adrenal e, em meninas, somente pela glândula adrenal. Os níveis normalmente são muito mais altos nos meninos, e o efeito de alterações hormonais sobre o comportamento sexual costuma ser mais pronunciado em meninos do que em meninas. Com as mudanças físicas que acompanham a puberdade, tanto eles quanto elas tendem a ficar mais preocupados com sua aparência.
Alterações hormonais DESENVOLVIMENTO PSICOSSEXUAL Os níveis de hormônios sexuais aumentam lentamente ao longo da adolescência e correspondem às mudanças corporais. Os níveis de hormônio folículo-estimulante (FSH) e hormônio luteinizante (LH) também aumentam na adolescência, mas entre as idades de 17 e 18 anos o nível deste último muitas vezes está acima do nível adulto. Os níveis de LH característicos do funcionamento adulto começam a se estabelecer no final da adolescência. A partir dos 16 e 17 anos, um grande aumento parece ocorrer nos níveis médios de testosterona, que, depois, diminuem e se
O impulso sexual é desencadeado por determinados andrógenos, como a testosterona, que estão em níveis mais altos durante a adolescência do que em qualquer outra época da vida. Segundo William Masters e Virginia Johnson, o desejo sexual atinge seu auge entre os 17 e os 18 anos de idade. No início da adolescência, os jovens freqüentemente liberam as necessidades da libido por meio da masturbação, uma forma segura de satisfazer impulsos sexuais.
54
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Como as meninas entram na puberdade dois anos antes que os meninos, podem começar a namorar e ter relações sexuais com uma idade mais precoce, mas as adolescentes são menos ativas sexualmente do que os meninos da mesma idade. Estes se excitam facilmente com estímulos, e as ereções são freqüentes. Para elas, o impulso sexual está associado a outros sentimentos. Tendem a relacionar o sexo e o amor, enquanto os meninos consideram o desejo e a luxúria separados do amor. Anna Freud descreveu a intelectualização e o asceticismo como dois mecanismos de defesa que os adolescentes usam normalmente para lidar com seus impulsos sexuais. A intelectualização se manifesta pelo envolvimento com idéias e livros. O asceticismo, como um recolhimento em grandes idéias e a renúncia aos prazeres corporais. A maioria dos adolescentes luta com o controle dos impulsos da libido. No início da adolescência, ainda estão apegados a suas famílias e, às vezes, têm sentimentos edipianos recorrentes e até mesmo fantasias sexuais com o progenitor do mesmo sexo ou do sexo oposto. Esses pensamentos e sentimentos normalmente são reprimidos, e a sexualidade é direcionada externamente. Paixões, idolatria de heróis e idealização de estrelas da música e do cinema são características desse estágio. Na adolescência intermediária, o comportamento sexual e a experimentação de uma variedade de papéis sexuais são comuns. A masturbação ocorre como uma atividade normal para ambos os sexos nessa época, mas uma criação religiosa rígida pode produzir fortes sentimentos de culpa. Paixões heterossexuais são comuns, muitas vezes para com uma pessoa inalcançável da mesma idade ou mais velha. Experiências homossexuais, ainda que passageiras, também podem ocorrer na adolescência intermediária. Muitos adolescentes precisam ser tranqüilizados com relação à normalidade de uma experiência homossexual isolada, que não indica uma orientação homossexual permanente. Para outros, a orientação homossexual já está determinada nessa época. Esses adolescentes (estimados em cerca de 1 a 4% os meninos e 0,5 a 2% das meninas) podem necessitar de aconselhamento sobre como lidar com sua orientação sexual. Embora muitos experimentem o sexo em uma idade precoce, pesquisas recentes indicam que a idade média para a primeira relação sexual em ambos os sexos é de 16 anos. A tendência na sociedade norte-americana é de uma atividade sexual maior e mais freqüente do que antigamente. Por exemplo, uma década atrás, a idade média para a primeira relação sexual era de 18 anos, e apenas 55% das mulheres já haviam tido relações sexuais com essa idade. Atualmente, 80% dos homens e 70% das mulheres já tiveram relações com 19 anos de idade. Menarca O início da função menstrual, a menarca, é uma das mudanças que ocorrem nas meninas nesse período. A tendência atual é de uma menarca mais precoce do que no passado. Durante a década de 1880, a idade média de início era de 15 a 16 anos. Na década de 1920, nos Estados Unidos, era de 14,5 anos e, na década de 1980, caiu para 13 anos. O momento da menarca é determinado por uma interação complexa entre fatores biológicos e psicosso-
ciais. Boa nutrição, menos doenças graves e uma boa saúde física geral promovem uma menarca mais precoce. A idade da menstruação da mãe está correlacionada com a da filha. Não foi verificado que perturbações psicológicas ou sociais retardem ou avancem o processo. Visões culturais sobre a menarca variam desde uma maldição, em um extremo, até uma afirmação jubilosa da feminilidade, em outro. A maioria das adolescentes ainda não recebe informações de seus pais sobre o assunto, mas conta com orientações de amigas, da escola e da mídia. Alterações neurológicas Durante a adolescência, o cérebro adquire o número de conexões dendríticas que persistirá até a idade adulta, que, na verdade, é menor do que as que existiam durante os primeiros anos e os anos intermediários da infância, quando uma grande proliferação de conexões é gerada. As conexões que são reforçadas por estímulos ambientais são mantidas, ao passo que as não-reforçadas desaparecem. DESENVOLVIMENTO COGNITIVO E DA PERSONALIDADE No início da adolescência, o pensamento normalmente se torna abstrato, conceitual e orientado para o futuro. Muitos adolescentes apresentam uma criatividade notável, que expressam em escrita, música, arte e poesia. A criatividade também é refletida em esportes e em interesses pelo mundo das idéias – questões humanitárias, moral, ética e religião. Escrever um diário pessoal é um bom meio para dar vazão à criatividade durante esse período. Uma importante tarefa da adolescência é adquirir um sentido seguro de identidade. A difusão da identidade é o fracasso em desenvolver autoconsciência ou um self coeso. A crise de identidade é parcialmente resolvida pela passagem da dependência para a independência. As disputas iniciais muitas vezes giram em torno dos conceitos estabelecidos de papéis sexuais e da identificação de gênero. Técnicas que a criança usava anteriormente para dominar a separação podem retornar. Negativismo “Não, eu posso fazer sozinho. Não me diga como cortar o meu cabelo. Não me diga o tamanho da saia que posso usar”. Esse negativismo é uma tentativa renovada de dizer aos pais e ao mundo que os jovens têm idéias próprias. Isso se torna uma maneira ativa e verbal de expressar raiva. Os adolescentes podem se apropriar de qualquer questão para expressar sua independência. Os pais e seus filhos adolescentes podem discutir sobre escolhas de amigos, grupos, planos e vida acadêmica, questões de filosofia e etiqueta. Pessoas de cada geração lembram de roupas, cabelos e outros símbolos externos – quanto mais chocantes, melhor – usados para definir as diferenças entre os adolescentes e seus pais.
DESENVOLVIMENTO HUMANO AO LONGO DO CICLO VITAL
55
Os primeiros autores psicanalíticos acreditavam que um período de revolta, desorganização da personalidade e mudanças significativas de humor e de comportamento – chamado de turbilhão adolescente – não apenas era disseminado, mas desejável, como parte necessária do processo de separação dos pais. Hoje se reconhece que o turbilhão adolescente não é comum ou normal. A maioria dos jovens consegue conciliar as exigências da escola e da vida familiar com poucas dificuldades. Transtornos sérios do humor e do comportamento durante a adolescência devem ser considerados sintomas potenciais de psicopatologias e exigem investigação. Os adolescentes aos poucos misturam valores de diversas fontes em seus sistemas de crenças, que deve ter flexibilidade para mudar e crescer a fim de se adaptar a novas situações de vida. Quando começam a se sentir independentes de suas famílias e quando estas apóiam e encorajam sua maturidade crescente para constituir seu próprio sistema de crenças, o qual as questões “Quem sou eu?” e “Para onde vou?” começam a ser respondidas.
dade nos pais. Alguns se sentem atraídos por seus filhos do sexo oposto ou do mesmo sexo e lidam com a ansiedade subseqüente de forma mal-adaptativa, por exemplo, com raiva (formação reativa). Apesar dessas possibilidades, os pais relatam poucas altercações importantes e se dão bem com seus filhos. Na maior parte, os adolescentes são receptivos à sua aprovação ou reprovação e, assim como seus pais, conseguem resolver o conflito de gerações com sucesso. Quando isso não se efetiva, o fracasso pode originar-se de transtornos mentais nos filhos, nos pais ou em ambos. Por volta de 20% dos adolescentes têm um transtorno mental diagnosticável. Entre os diagnósticos mais comuns estão os transtornos de adaptação. Os transtornos de ansiedade e depressivos também são recorrentes. Essas condições muitas vezes estão associadas a comportamentos delinqüentes, rebeldia e fracasso acadêmico – que podem contribuir para a desarmonia na família.
O GRUPO DE IGUAIS
DESENVOLVIMENTO DA MORAL
A experiência escolar acelera e intensifica a separação da família. Cada vez mais, os adolescentes vivem em um mundo desconhecido para seus pais. A casa é uma base, o mundo real é a escola, e os relacionamentos mais importantes, além da família, são com pessoas com idade e interesses semelhantes. Os adolescentes buscam estabelecer uma identidade pessoal distinta da de seus pais, mas próxima o suficiente para que a estrutura da família seja incluída. Embora tenham a tendência a contar com seus amigos para o apoio cotidiano, o amparo social proporcionado pelos pais tem o efeito de proteger do estresse decorrente de situações de emergência. Os adolescentes muitas vezes se vêem através dos olhos do grupo de iguais, e qualquer desvio em aparência, forma de vestir ou comportamento pode resultar em uma redução na auto-estima. Os pais devem estar cientes das mudanças freqüentes e repentinas em amizades, aparência pessoal e interesses, mas devem renunciar à sua autoridade.
Para a maioria das pessoas, desenvolver um sentido definido de moralidade é uma das grandes realizações do final da adolescência e da idade adulta. A moralidade é definida como a conformidade com padrões, direitos e deveres compartilhados. Quando dois padrões socialmente aceitos entram em conflito, a pessoa aprende a fazer julgamentos com base em um sentido de consciência individualizado. As pessoas são moralmente obrigadas a obedecer a normas estabelecidas, mas apenas até o ponto em que sirvam às necessidades humanas. O estágio adolescente do desenvolvimento internaliza princípios éticos e o controle da conduta. Piaget descreveu a moralidade como algo que se desenvolve de forma gradual, juntamente com os estágios do desenvolvimento cognitivo. Crianças pré-escolares simplesmente seguem as regras estabelecidas por seus pais; nos anos intermediários, aceitam-nas, mas demonstram uma incapacidade de tolerar exceções; e, durante a adolescência, os jovens reconhecem as regras em termos do que é bom para a sociedade como um todo. Lawrence Kohlberg integrou os conceitos de Piaget e descreveu três níveis principais de moralidade. O primeiro é a moralidade pré-convencional, na qual a punição e a obediência aos pais são os fatores determinantes. O segundo é a moralidade da conformidade a papéis convencionais, em que as crianças tentam se conformar para obter a aprovação e manter relacionamentos favoráveis com os outros. O terceiro nível é o da moralidade de princípios morais aceitos pelo indivíduo, sendo as regras obedecidas voluntariamente, com base em princípios éticos, com algumas exceções sendo concedidas em determinadas circunstâncias.
PATERNIDADE O conceito de conflito de gerações entre pais e filhos surgiu da experiência de pessoas com filhos adolescentes. O conflito representa as diferenças em experiências e percepções de eventos da vida. Além de ter de lidar com o turbilhão que acompanha o desenvolvimento do adolescente, os pais normalmente são pessoas de meia-idade e também devem fazer ajustes no trabalho, no casamento e em relação a seus próprios pais. Muitas dificuldades envolvem a necessidade de os adolescentes assumirem mais independência do lar, um ato que pode ser ameaçador para pais que não conseguem se desligar e que querem manter o controle sobre os filhos. Alguns pais podem não conseguir estabelecer limites ao comportamento. Outros expressam suas fantasias ocultas ou inconscientes nas vidas dos filhos. Lacunas no superego (brechas ou dificuldades na consciência) podem produzir lacunas semelhantes nos filhos, as quais são então expressadas. Além disso, a sexualidade emergente dos adolescentes pode desencadear ansie-
ESCOLHA DA PROFISSÃO A escolha da profissão parte da questão: “Para onde vou?”. Homens e mulheres precisam se sentir independentes, autônomos e felizes com suas escolhas vocacionais. Os adolescentes são impulsionados por amigos, pais, professores e orientadores e por forças
56
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
inconscientes quando tentam decidir sua vocação. O fato de haver oportunidades para continuar a formação acadêmica desempenha um papel em suas decisões. Nos Estados Unidos, entre os formandos universitários, 30% seguem alguma forma de pós-graduação. Aqueles que não conseguem continuar a estudar têm dificuldades graves para estabelecer uma identidade vocacional satisfatória. Muitos são destinados a viver em depressão econômica e emocional. A base psicológica para um sentido de valor individual como adulto fundamenta-se na aquisição de competência durante a adolescência. Esse sentido de competência é obtido experimentando-se sucesso em tarefas que a sociedade de hoje considera importantes. A motivação duradoura necessária para aprender um papel profissional difícil somente é possível quando os adolescentes têm uma probabilidade de cumprir com esse papel na vida adulta e de ganhar o respeito de outras pessoas. COMPORTAMENTOS DE RISCO Os comportamentos de risco na adolescência podem envolver o uso de álcool, tabaco e outras substâncias; atividade sexual promíscua, que é especialmente perigosa em vista do risco de contrair AIDS; e comportamentos que possam levar a acidentes, como dirigir em alta velocidade, pára-quedismo e vôo livre. As estatísticas de mortalidade em adolescentes citam os acidentes como a principal causa de morte, com os automobilísticos representando cerca de 40% de todas as mortes. As razões para os comportamentos de risco variam e estão relacionadas a uma dinâmica contrafóbica, ao medo de inadequação, à necessidade de afirmar uma identidade sexual e à dinâmica do grupo, como a pressão dos amigos. O comportamento também pode refletir as fantasias onipotentes de alguns adolescentes, nas quais se consideram invulneráveis ao perigo e a lesões. A informação, por si só, não reduz o risco: níveis elevados de conhecimento sobre o vírus da imunodeficiência humana (HIV) e a AIDS não apresentam correlação com redução em comportamentos de risco (em torno de 6.000 adolescentes são infectados a cada ano, a maioria por contato sexual). Recentemente, foi identificada uma predisposição genética ao comportamento de risco. À medida que a adolescência progride, o comportamento de risco é reduzido, com um aumento em atividades de tomada de decisões responsáveis. USO DE DROGAS Embora o uso de cocaína esteja diminuindo entre os adolescentes norte-americanos, outras drogas têm se tornado populares. Esse aumento reverte uma tendência de redução no uso de drogas desde o seu pico, na década de 1970. Em 2000, uma pesquisa com estudantes do ensino médio verificou que a maconha era a droga ilegal mais consumida, e cerca de 40% dos adolescentes relataram já ter fumado. O uso de álcool foi relatado por mais de 85% desses alunos, e os porres (definidos como cinco ou mais doses seguidas em uma ou mais ocasiões em um mês), por 32%. Uma média de 3% dos adolescentes fumam, com maior prevalência em meninas. Os estudantes brancos fumam mais do que os negros. Entre jovens de 12 e 13 anos de idade, 3% usaram drogas ilícitas no ano 2000.
GRAVIDEZ A cada ano, em torno de 1 milhão de adolescentes com menos de 19 anos engravidam. Desse número, 600 mil dão à luz, e as demais fazem aborto. O número de adolescentes que têm relações sexuais está aumentando. Os meninos geralmente têm mais parceiras sexuais e menor tendência a procurar vínculos emocionais com as parceiras do que as meninas. As taxas de gravidez entre as idades de 15 e 19 anos são maiores para as meninas negras do que para as brancas. Ao contrário do que se pensava anteriormente, o abuso sexual durante a infância não aumenta as taxas de gravidez na adolescência. (Porém, aquelas que sofreram abuso sexual têm maior probabilidade de apresentar comportamentos fora dos padrões e de ter namorados mais velhos.) Entre as adolescentes grávidas, o cuidado pré-natal mínimo é um importante fator que contribui para a morbidade e a mortalidade maternas. Apenas um terço das que são sexualmente ativas usa contraceptivos. A maior parte delas não teve educação sobre essa prática, não está disposta ou não consegue obtê-los. A Tabela 2.3-2 lista razões para o uso inadequado ou a rejeição de contraceptivos. Em certas subculturas, as adolescentes consideram a gravidez como um rito de passagem para a idade adulta. Uma adolescente que está deprimida, insegura com relação à sua atratividade, ou a filha de um casal conflituoso ou divorciado, tem maior probabilidade de engravidar do que uma adolescente de origem estável. Em geral, a mãe adolescente não consegue cuidar de seu filho, o qual é colocado em cuidado adotivo ou criado pelos pais ou por outros parentes, que podem já estar saturados com suas próprias obrigações. Poucas jovens casam com os pais de seus filhos. Os pais, em sua maioria adolescentes, não conseguem cuidar de si mesmos, muito menos das mães de seus filhos. Quando casam, normalmente se divorciam. Aborto As adolescentes muitas vezes recorrem a clínicas de aborto. Quase todas são mães solteiras pertencentes a grupos com baixo poder socioeconômico. Sua gravidez resulta de sexo com meninos com quem se sentiam emocionalmente ligadas. A maioria das adolescentes decide fazer aborto com o consentimento dos pais, mas as leis de consentimento obrigatório colocam dois direitos em conflito: o direito da jovem à privacidade e a necessidade de os pais saberem. Muitos dos adultos acreditam que as adolescentes devem ter permissão para realizar aborto, mas quando os pais se negam a autorizar, a maioria dos Estados os proíbe de vetar a decisão da adolescente. A taxa de abortos em vários países europeus tende a ser muito mais baixa do que nos Estados Unidos, onde 30 em mil meninas entre as idades de 15 e 19 optam por esse recurso, segundo os Centers for Disease Control and Prevention. Na França, por exemplo, uma média de 10,5 em cada mil jovens com menos de 20 anos fizeram aborto em 2000, segundo estatísticas da Organização Mundial de Saúde. A taxa de aborto na Alemanha foi de 6,8; na Itália, de 6,3; e na Espanha, de 4,5. A Grã-Bretanha tem uma taxa mais alta, de 18,5. Os especialistas em planejamento fami-
DESENVOLVIMENTO HUMANO AO LONGO DO CICLO VITAL
TABELA 2.3-2 Fatores envolvidos no uso inadequado ou na rejeição de contraceptivos Fatores
Comentários
Negação Oportunismo
Crença de que não vai ou não pode engravidar Tirar vantagem da oportunidade (possivelmente inesperada) para a relação sexual sem pensar nas conseqüências Amor A relação sexual é motivada por um entusiasmo apaixonado com a expectativa de casamento se houver gravidez Culpa O uso de contraceptivo representa uma relação sexual planejada, que provoca sentimentos de culpa Vergonha Vergonha de usar camisinha ou inserir diafragma na frente do parceiro Cilada Desejo de engravidar para forçar o parceiro a estabelecer vínculos emocionais Erotismo Crença de que o uso de contraceptivos diminui ou interfere no prazer erótico Niilismo Crença de que os contraceptivos não são efetivos ou são inúteis Medo e ansiedade A relação sexual é associada a níveis elevados de ansiedade. Medo da capacidade de desempenho interfere no uso do contraceptivo Aborto Crença de que pode fazer aborto se engravidar. Portanto, não é necessário usar contraceptivo Educação Falta de educação dos pais e da escola com relação ao uso efetivo de contraceptivos Disponibilidade A falta de acesso ou o custo dos contraceptivos impedem o seu uso
liar acreditam que mais educação sexual e disponibilidade de contraceptivos ajudam a manter baixo o número de abortos. Na Holanda, onde contraceptivos são distribuídos livremente nas escolas, a taxa de gravidez de adolescentes está entre as mais baixas do mundo. PROSTITUIÇÃO Adolescentes constituem uma grande proporção de todas as pessoas que se prostituem, com estimativas de até 1 milhão de adolescentes envolvidos. A maioria é formada por meninas, mas os meninos também se envolvem, principalmente em relações homossexuais. A maioria das adolescentes que entram para uma vida de prostituição provém de lares destruídos ou sofreu abuso na infância. Muitas foram vítimas de estupro. A maioria das adolescentes prostituídas fugiu de casa, sendo adotadas por cafetões e viciados, e também acabam se tornando viciadas. Elas têm um risco elevado de contrair AIDS, e muitas (até 70% em alguns estudos) estão infectadas com HIV.
VIOLÊNCIA Embora as taxas de crimes violentos tenham diminuído nos Estados Unidos nos últimos cinco anos – por exemplo, a taxa de homicídios em Nova York caiu quase 50% entre 1998 e 2000 –, os crimes violentos tendo jovens como agressores es-
57
tão aumentando. Os homicídios são a segunda causa de morte em pessoas entre 15 e 25 anos. (Os acidentes são a primeira, e os suicídios, a terceira.) Adolescentes negros têm maior probabilidade de ser vítimas de assassinato do que os meninos de qualquer outro grupo étnico ou racial ou meninas de qualquer raça. O fator mais associado à violência entre os adolescentes é crescer em um lar sem um pai ou alguém que o substitua. Excluindo-se esse fator, a raça, o status socioeconômico e a educação não apresentam nenhum efeito sobre a propensão à violência. EVOLUÇÃO DA IDADE ADULTA Ao contrário da definição legal de idade adulta, o final da adolescência ocorre quando as pessoas começam a assumir as primeiras tarefas da idade adulta, que envolvem escolher uma ocupação e desenvolver um sentido de intimidade, que leva, na maioria dos casos, ao casamento e à paternidade. Daniel Levinson descreveu uma transição pré-adulta entre a adolescência e a idade adulta, na qual o jovem começa a sair de casa e a viver de maneira independente. Esse período tem um desenvolvimento biológico máximo, a adoção de novos papéis sociais, a socialização nesses papéis (que envolve aprender habilidades e atitudes necessárias para desempenhá-los corretamente) e o pressuposto final de um self adulto e de uma estrutura de vida. A taxa de depressão pode ser de até um em cada oito adolescentes. Estes muitas vezes rejeitam o cuidado de saúde por temerem que os médicos possam revelar a seus pais informações confidenciais sobre questões delicadas. Contudo, em muitas situações, é possível que tomem as próprias decisões no que diz respeito à sua saúde. A Tabela 2.3-3 apresenta uma série de vinhetas, cobrindo uma ampla variedade de problemas que são comuns aos adolescentes, com as decisões apropriadas por parte dos clínicos que os trataram. A lei define um menor de idade como alguém com menos de 18 anos. Ao completar essa idade, para propósitos legais, a pessoa é considerada adulta. REFERÊNCIAS Auerswald CL, Eyre SL. Youth homelessness in San Francisco: A life cycle approach. Soc Sci Med. 2002;54:1497. Campbell BC, Udry JR. Stress and age at menarche of mothers and daughters. J Biosoc Sci. 1995;27:127. Connolly J, Furman W, Konarski R. The role of peers in the emergence of heterosexual romantic relationships in adolescence. Child Dev. 2000;71:1395. Cotton NS. Normal adolescence. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2550. Freud A. Adolescence. Psychoanal Study Child. 1958;13:255. Frey CU, Rothlisberger C. Social support in healthy adolescents. J Youth Adolesc. 1996;25:17. Garger JA, Brooks-Gunn J, Warren MP. The antecedents of menarcheal age: heredity, family environment, and stressful life events. Child Dev. 1995;66:346. Jarvinen DW, Nicholls JG. Adolescents’ social goals, belief about the causes of social success, and satisfaction in peer relationships. Dev Psychol. 1996;32:432.
58
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 2.3-3 Adolescentes e a lei Vinheta
Resposta
Sarah solicita um teste de gravidez confidencial a seu médico. Será que ele pode divulgar os resultados para o parceiro de Sarah? Dana tem 17 anos. Ela vai ao médico para tratar uma herpes genital. O médico deve pedir a permissão de seus pais antes de tratá-la? O oficial de saúde pública diz a Lisa que ela pode ter uma DST. Ele pode dizer-lhe quem transmitiu a doença? Qiao-Ling tem 15 anos. Ela está gravemente deprimida e solicita tratamento de saúde mental, mas seus pais não permitem. O médico acredita que ela deve ser tratada. Ele pode fazê-lo? Rahim, que tem 15 anos, pode dar consentimento para ser internado para tratamento de saúde mental? Jacob tem 16 anos. Ele está pensando em falar com um orientador da escola sobre seu problema com a bebida, mas está com medo de que seus pais sejam notificados. Pode receber orientação sem o consentimento dos pais? Carla, uma garota de 14 anos de idade, quer uma receita para tomar pílula anticoncepcional. Precisa do consentimento dos seus pais?
Não sem a permissão dela. A informação é confidencial e não pode ser revelada a ninguém mais. Não, um menor pode dar consentimento para o tratamento de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs). O aval dos pais não é necessário. Não. Ele apenas pode revelar que ela está correndo riscos. Não pode revelar o nome do contato. Sim, se Qiao-Ling consentir.
Uma garota grávida com 15 anos pode decidir se deve fazer cesariana ou parto normal? Kim tem 15 anos. Ela é de Iowa, mas está passando o verão em Nova York, estudando dança. Descobriu que está grávida e quer abortar. Ela precisa do consentimento dos pais? Rebecca, uma garota de 15 anos que vive com a mãe, é soropositiva. Ela nunca contou à sua mãe, e agora desenvolveu uma doença relacionada à AIDS. A jovem precisa de cuidado médico, mas não fará tratamento se tiver que contar à mãe. O médico pode tratá-la sem o consentimento parental? James tem 14 anos. Ele é soropositivo e sofre de uma doença relacionada à AIDS. Ele não concorda em fazer tratamento se tiver que contar a seus pais. O médico determina que solicitar o consentimento parental seria prejudicial à sua saúde e que ele é capaz de autorizar o próprio tratamento. Depois de James fazer o tratamento, a clínica pode informar seus pais? Tom tem 16 anos e precisa de uma vacina para hepatite B. Seus pais estão viajando, e ele está ficando com os tios. Eles podem dar consentimento para a vacina? Tanya tem 15 anos. Ela acha que tem herpes, mas não quer contar aos pais. Ela pode obter atenção médica sem contar a eles?
Não. Um menor deve ter 16 anos para fazer um consentimento nesse nível. Varia. O consentimento não é necessário para um menor receber orientação sobre alcoolismo, mas, em alguns casos, os orientadores contam aos pais. Não. As pílulas anticoncepcionais, como todas as outras formas de contracepção, devem ser disponibilizadas para menores sem o consentimento parental. Sim. Os médicos encorajam as jovens a procurar a ajuda de um adulto para tomar uma decisão difícil como essa, mas aquelas que entendem os riscos e os benefícios podem tomar a decisão sozinhas. Não. Enquanto estiver em Nova York, será tratada segundo a lei desse Estado. Não precisa do consentimento dos pais. Sim. O médico pode tratar Rebecca sem consultar nenhum dos seus pais, mas pode querer ajudá-la a encontrar um adulto solidário com quem ela possa confidenciar a respeito de sua condição. Não. A clínica é proibida de revelar informações para os pais de James por duas razões. Primeiro, quando um menor dá consentimento para seu tratamento para a AIDS, os pais não podem ser informados sobre o mesmo. Segundo, quando o médico considera que revelar informações não seria do interesse do menor, as informações não podem ser divulgadas. Sim. Embora estejam cuidando dele temporariamente, podem dar o consentimento. Sim. Seja para um diagnóstico, uma receita ou tratamento cirúrgico, os médicos podem tratar DSTs sem o consentimento parental.
Tabela derivada de Faierman J, Lieberman D, Chu Y, eds. Teenagers’ Health Care and the Law: A Guide to the Law on Minors Rights in New York. New York: New York Civil Liberties Union Reproductive Rights Project; 2000.
Loevinger J. Ego development in adolescence. In: Muuss RE, Porton HD. Adolescent Behavior and Society: A Book of Readings. 5th ed. New York: McGraw-Hill; 2000:234. Rainey DY, Stevens-Simon C, Kaplan DW. Are adolescents who report prior sexual abuse at a higher risk for pregnancy? Child Abuse Negl. 1995;19:1283. Shields G, Adams J. HIV/AIDS among youth: a community needs assessment study. Child Adolesc Soc Work J. 1995;12:361. Skoe E, von der Lippe, eds. Personality Development in Adolescence: A Cross National and Life Span Perspective. New York: Routledge; 1998.
2.4 Idade adulta Os primeiros psicólogos e teóricos do desenvolvimento se concentraram principalmente na infância, em especial nos primeiros três anos de vida. A idade adulta era vista como a culminação de todas as etapas do desenvolvimento que já haviam passado. Hoje,
reconhece-se que tal processo se estende por toda a vida. A maioria dos adultos é forçada a enfrentar e se adaptar a circunstâncias semelhantes: estabelecer uma identidade independente, constituir um casamento ou outro tipo de relacionamento, criar filhos, escolher e manter uma carreira e aceitar a deficiência e a morte dos próprios pais. As pessoas enfrentam esses desafios de maneiras diversas e com diferentes graus de sucesso. Tudo pode ser estressante e resultar em sintomas físicos e psicológicos. De maneira clara, não existe uma trajetória única que leve a uma vida adulta bem-sucedida e satisfatória. Certas pessoas assumem a responsabilidade de empregos em tempo integral, casamento e filhos logo após concluir o ensino médio. Outras, especialmente aquelas que buscam uma formação acadêmica como profissionais liberais, podem ter um período de adolescência maior antes de atingir a independência adulta. Não existe uma seqüência de eventos fixa (a carreira pode vir antes do casamento e vice-versa), e as vidas de muitas pessoas incluem regressões momentâneas e a redefinição de objetivos.
DESENVOLVIMENTO HUMANO AO LONGO DO CICLO VITAL
Nas sociedades ocidentais modernas, a idade adulta é a fase mais longa da vida humana. Embora a idade exata de maioridade varie de pessoa para pessoa, esse período pode ser dividido em três partes principais: idade adulta inicial ou jovem (de 20 a 40 anos), idade adulta intermediária (de 40 a 65 anos) e idade adulta tardia ou velhice. Esta seção lida com a idade adulta inicial e intermediária, quando os processos de casamento, criação de filhos e trabalho são mais significativos – uma época de mudanças, dramáticas e sutis, mas sempre contínuas. Calvin Colarusso, um dos principais proponentes do desenvolvimento adulto, apresentou a transição para a idade adulta inicial da seguinte maneira: Quando deixam a infância e a adolescência para trás, homens e mulheres tentam realizar o seguinte: 1. Separar-se psicologicamente dos pais da infância e alcançar autosuficiência no mundo adulto. 2. Encontrar um local gratificante no mundo do trabalho. 3. Experimentar intimidade sexual e emocional dentro de um relacionamento comprometido. 4. Ter filhos. 5. Aceitar o processo de envelhecimento do corpo. 6. Integrar a crescente consciência da limitação de tempo e da morte pessoal. 7. Manter intimidade física e emocional mesmo diante de poderosas pressões físicas, psicológicas e ambientais da meia-idade. 8. Facilitar a passagem da infância para a idade adulta. 9. Desenvolver e manter amizades com indivíduos de diferentes idades e origens. 10. Continuar a ter divertimento. 11. Deixar um legado para as gerações futuras, facilitando o desenvolvimento de indivíduos mais jovens.
IDADE ADULTA JOVEM Normalmente considerada como o período entre o final da adolescência (por volta dos 20 anos) e os 40 anos, é caracterizada por um desenvolvimento biológico máximo, a adoção de papéis sociais importantes e a evolução de um self adulto e da estrutura de vida. A passagem bem-sucedida para a vida adulta depende da resolução satisfatória das crises da infância e da adolescência. Durante o final da adolescência, os jovens em geral saem de casa e começam a portar-se de maneira independente. Os relacionamentos sexuais se tornam sérios, e começa a busca por intimidade. A transição para a idade adulta jovem envolve muitos eventos importantes: concluir o ensino médio, começar a trabalhar ou entrar para a faculdade e viver de forma independente. O jovem passa a faixa dos 20 anos, na maior parte, explorando opções de ocupação e casamento ou relacionamentos alternativos e assumindo compromissos em várias áreas. A idade adulta jovem exige escolher novos papéis (p. ex., marido, pai) e estabelecer uma identidade congruente com os mesmos. Envolve fazer e responder às perguntas “Quem sou?” e “Para onde vou?”. As escolhas feitas durante essa época podem ser experimentais, e os jovens adultos podem ter vários começos falsos.
59
Tarefas evolutivas Durante a idade adulta jovem, são exploradas opções de ocupação e casamento (ou outros relacionamentos íntimos). Para a maioria dos jovens adultos, escolher um parceiro e começar uma família são de importância fundamental. Por volta dos 30 anos de idade, é provável que questionem suas escolhas e perguntem a si mesmos se a vida que têm é a que realmente desejam. Daniel J. Levinson chamou esse período de reavaliação da transição dos 30 anos. Algumas pessoas que pensam que suas vidas estão indo bem reafirmam seus compromissos e experimentam uma transição tranqüila. Outras, no entanto, podem experimentar uma grande crise, manifestada por problemas conjugais, mudanças de emprego e sintomas psiquiátricos, como ansiedade e depressão. Levinson descreveu períodos evolutivos em todas as fases da idade adulta (Fig. 2.4-1). Vários modelos diferentes foram propostos para entender o desenvolvimento adulto. Todos são teóricos e um pouco idealizados. Valem-se de metáforas para descrever interações sociais, psicológicas e interpessoais complexas. Os modelos são heurísticos: propõem uma estrutura conceitual para pensar sobre experiências comuns importantes. São descritivos em vez de prescritivos, ou seja, proporcionam uma forma útil de observar o que muitas pessoas fazem, e não uma fórmula para determinar o que se deve fazer. Alguns dos termos e conceitos normalmente usados são explicados na Tabela 2.4-1. Esses períodos envolvem a individuação, ou seja, deixar a família de origem e tornar-se homem ou mulher, passar pela meia-idade e se preparar, na idade adulta média, para a transição para a velhice. Colarusso apresentou as tarefas evolutivas da idade adulta jovem da seguinte maneira: 1. Desenvolver um sentido de individualidade como jovem adulto e separado dos outros: a terceira individuação. 2. Desenvolver amizades adultas. 3. Desenvolver capacidade para intimidade. Tornar-se cônjuge. 4. Tornar-se pai (ou mãe) biológico e psicológico. 5. Desenvolver um relacionamento de mutualismo e igualdade com os próprios pais, facilitando o próprio desenvolvimento na meia-idade. 6. Estabelecer uma identidade de trabalho adulta. 7. Desenvolver formas adultas de divertimento. 8. Integrar novas atitudes em relação ao tempo. Roger Gould relatou processos semelhantes entre pessoas em torno dos 30 anos que descobrem talentos, desejos, tendências e interesses que não compreendiam ou reconheciam antes. Essa consciência pode produzir desilusão e depressão ou um novo sentido de individualidade, com uma avaliação realista dos próprios pontos fortes e fracos. Conforme mencionado no Capítulo 6, Seção 6.3, Erik Erikison é um dos principais proponentes da teoria do desenvolvimento adulto. A fase específica que se aplica à idade adulta jovem é o desenvolvimento da intimidade versus o isolamento. Esse é o momento em que se fazem contatos com outras pessoas, se desenvolvem relacionamentos íntimos e se estabelece um compromisso com outra pessoa – o parceiro no casamento ou outra
60
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Pré-idade adulta (0-22 anos) Idade adulta jovem (17-45 anos) Transição para a idade adulta jovem (17-22 anos) Construindo uma estrutura de vida inicial para a idade adulta jovem (22-28 anos)
Transição dos 30 anos (28-33 anos) Construindo uma estrutura de vida permanente para a idade adulta jovem (33-40 anos)
Idade adulta intermediária (40-65 anos)
Transição da meia-idade (40-45 anos)
Construindo uma estrutura de vida inicial para a idade adulta intermediária (45-50 anos)
Transição dos 50 anos (50-55 anos) Construindo uma estrutura de vida permanente para a idade adulta intermediária (55-60 anos)
Idade adulta tardia (60-? anos)
Transição para a idade adulta tardia (60-65 anos)
FIGURA 2.4-1 Períodos evolutivos nas fases da idade adulta jovem e intermediária. (Adaptada de Levinson DJ, Darrow NC, Klein EB, Levinson MH, McKee B. The Seasons of a Man’s Life. New York: Knopf; 1978.)
pessoa significativa. A falta de negociação dessa crise evolutiva (para usar o termo de Erikson) pode levar a um estado de isolamento. As pessoas podem se tornar retraídas, e a depressão pode ser um resultado psicopatológico. Ocupação. O grupo socioeconômico, o gênero e a raça afetam a busca e o desenvolvimento de escolhas ocupacionais específicas. Assim que concluem o ensino médio, os operários normalmente partem para o trabalho que exige força e habilidade manual, enquanto os profissionais de colarinho-branco e os profissionais liberais costumam dedicar-se ao trabalho somente após a faculdade ou um curso profissionalizante. Uma adaptação saudável ao trabalho favorece a criatividade, relacionamentos satisfatórios com os colegas, orgulho com suas realizações e maior auto-estima. A satisfação no trabalho não depende inteiramente de dinheiro. Em comparação, a falta de adaptação pode levar a insatisfação consigo mesmo e com o trabalho,
insegurança, menor auto-estima, raiva e ressentimento por ter de trabalhar. Entre os sintomas de insatisfação com o trabalho estão uma taxa elevada de mudanças de trabalho, absenteísmo, erros no trabalho, propensão a acidentes e até sabotagem. Pessoas de minorias muitas vezes têm o ônus do seu baixo status socioeconômico, que limita as oportunidades para obter trabalhos gratificantes e satisfatórios. Elas freqüentemente chegam aos 20 anos com esperança de serem bem-sucedidas, mas, muitas vezes, se decepcionam logo a seguir. Desde a década de 1970, as mulheres se tornaram uma força econômica significativa nos Estados Unidos. Seus salários têm aumentado continuamente com relação aos dos homens, embora ainda sejam menores que os destes. Mais mulheres estão entrando no mercado de trabalho. A proporção de mulheres em idade para trabalhar com emprego aumentou de 35% na década de 1960 para 70% no ano 2000. Ainda mais
MULHERES E TRABALHO.
DESENVOLVIMENTO HUMANO AO LONGO DO CICLO VITAL
61
TABELA 2.4-1 Conceitos relacionados ao desenvolvimento psicológico Conceito
Definição
Exemplo
Transição Crise normal
Elo entre dois estágios sucessivos Período de mudanças rápidas ou turbilhões que excedem as capacidades adaptativas do indivíduo Período de consolidação de habilidades e capacidades Período de estabilidade evolutiva Ritual social que facilita uma transição
Final da adolescência
Estágio Platô Rito de passagem
Crise da meia-idade Idade adulta madura Idade adulta até meia-idade Formatura; casamento
Adaptada de Wolman T, Thompson T. Adult and later-life development. In: Stoudemire A, ed. Human Behavior. Philadelphia: Lippincott-Raven; 1998.
impressionante é o fato de que elas atualmente são proprietárias de um terço de todos os negócios. Sem dúvida, algumas mulheres casadas, mas nem todas, trabalham apenas por necessidade financeira. De modo geral, famílias cuja renda está abaixo de 50 mil dólares por ano apresentam maior probabilidade de ter uma mãe trabalhadora. A maioria das mães que não trabalham pertence a famílias com renda anual acima de 100 mil dólares (dados de 1999 do U.S. Bureau of the Census). Porém, apesar disso, o aumento de esposas trabalhadoras se deu de forma mais significativa próximo ao topo da escala de renda. O crescente poder econômico das mulheres tem sido acompanhado por um crescente poder político (ou talvez uma representação ampla em nível nacional). O conflito político de gênero (homens e mulheres votando em partidos diferentes) ampliou-se. Nos Estados Unidos, as mulheres votam de maneira desproporcional nos Democratas. Os observadores políticos verificaram inúmeros casos em que campanhas presidenciais e outras campanhas agradam especificamente ao público feminino. O termo soccer moms foi cunhado para descrever mulheres prósperas e etnicamente diversas que equilibram as demandas do trabalho e da família. Essas mulheres supostamente são práticas e pragmáticas, e seus votos estavam livres. Como escreveu um especialista: “conforme votam as soccer moms, assim é o resultado da eleição”. DESEMPREGO. Os efeitos do desemprego transcendem os da perda de
renda. Seu custo psicológico e físico é enorme. A incidência de dependência de álcool, homicídio, violência, suicídio e doenças mentais aumenta com o desemprego. A identidade fundamental do indivíduo, que muitas vezes está ligada à sua ocupação e a seu trabalho, é seriamente prejudicada quando se perde o emprego, seja por demissão, atritos ou aposentadoria precoce ou até regular. Das mulheres casadas com filhos com menos de 6 anos, 70% têm emprego remunerado. Para muitas destas, o trabalho aumenta sua auto-estima, além de proporcionar uma renda necessária. Não se deve ignorar a auto-estima que o trabalho oferece, como demonstra a vinheta seguinte. Uma paciente adulta jovem havia gostado bastante de seus cinco anos na faculdade e somente aceitou um emprego em uma grande imobiliária após relutar muito. Durante a faculdade, demonstrava pouco interesse em sua aparência; começou a trabalhar com roupas emprestadas de sua família e de amigas. Ela achou ridículo quando o chefe criticou seu
vestido e deu-lhe um adiantamento para comprar um guarda-roupa atualizado, mas começou a gostar das roupas finas e do respeito que sua aparência e sua posição lhe traziam. À medida que sua renda começou a aumentar, o trabalho se tornou uma fonte de prazer e auto-estima e a maneira de adquirir alguns dos símbolos da idade adulta. (Cortesia de Calvin Colarusso, M.D.) Casamento A maioria das pessoas nos Estados Unidos casa pela primeira vez na metade ou no final da faixa dos 20 anos. A idade média do primeiro casamento tem aumentado constantemente desde 1950 para homens e mulheres, e o número de pessoas que nunca se casam está crescendo. No ano 2000, a proporção de pessoas entre 30 e 34 anos que nunca se casaram quase triplicou, e a de pessoas entre 35 e 39 anos que nunca se casaram dobrou. A taxa de divórcio também tem diminuído. Em 1998, atingiu o nível mais baixo em quase 20 anos. Contudo, como a taxa de casamentos na população geral está diminuindo mais rapidamente que a de divórcio, a probabilidade de que um casamento acabe em separação está aumentando. Atualmente, nos Estados Unidos, existem cerca de 55 milhões de casais oficializados, e metade deles tem filhos. Grande parte das pessoas divorciadas se casa novamente – na maioria dos casos, com mais sucesso do que na primeira vez –, um indício de que a unidade conjugal ainda proporciona um meio de se obter intimidade prolongada, perpetua a cultura e gratifica necessidades interpessoais. A mudança nas tradições, desde o clima moral restritivo da década de 1950 até o mais permissivo dos dias de hoje, é vista no número de adultos solteiros que vivem juntos (co-habitação). Na década de 1960, somente 8% dos casais viviam juntos antes do casamento. Atualmente, mais de 50% dos casamentos são precedidos por co-habitação. A demografia doméstica dos Estados Unidos é apresentada na Tabela 2.4-2. CASAMENTOS INTER-RACIAIS. Os casamentos inter-raciais eram ba-
nidos em 19 Estados dos Estados Unidos até uma decisão da Suprema Corte em 1967. Em 1970, representavam apenas 2% de todos os casamentos envolvendo pelo menos um cônjuge negro. Existe uma tendência estável de aumento, e cerca de 15% de todos os casamentos negros envolvem um cônjuge branco. Em mais de dois terços dessas uniões mistas, o noivo era negro, e a noiva, branca.
62
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 2.4-2 Demografia doméstica
População familiar total† Nascimentos por ano Nascimentos em lares com pais casados Nascimentos em lares sem pais casados Mulheres com 40-44 anos que não se casaram Homens com 40-44 anos que não se casaram Todos os casais casados Casados e com filhos Famílias com apenas um dos pais Crianças vivendo com casais não-casados Mães solteiras que nunca se casaram Distribuição de nascimentos Brancos Negros Hispânicos Asiáticos e outros
2000
Mudança aproximada desde 1970 (%)
70.000.000 4.000.000
+30 +5
3.000.000
-20
1.000.000
+200
10%
+80
16% 55.000.000 25.000.000
+110 +20 –1
10.000.000
+200
2.000.000
+660
40%
+350
60% 15% 20% 5% 100%
–20 –10 +175 +365
†
Uma família consiste de casal casado/provedor masculino, cônjuge ausente/ provedora feminina, cônjuge ausente. Dados adaptados do U.S. Bureau of the Ceuns, Censo demográfico atualizado, 2000. Os valores foram arredondados.
Apesar da tendência a haver mais casamentos inter-raciais, eles ainda permanecem em uma proporção pequena. A maioria das pessoas tende a se casar com alguém da mesma origem racial e étnica. Nos Estados Unidos, casamentos entre brancos hispânicos e brancos não-hispânicos e entre asiáticos e brancos são mais comuns do que entre negros e brancos. ADAPTAÇÃO CONJUGAL. Nos Estados Unidos, atribui-se muito valor
à estabilidade, ao amor e à felicidade conjugal. Embora a maioria das pessoas se case por amor, não é possível prever quem casará com quem e quais casamentos serão bem-sucedidos. Muitos se casam dentro de seu grupo socioeconômico, com pessoas de seus próprios bairros. A decisão de casar também depende de pressões familiares e do grupo. A maioria dos casamentos costuma ocorrer na faixa dos 20 anos. David Reed, que estudou a adaptação emocional no casamento e os fatores que contribuem para a felicidade conjugal, escreveu: A maioria dos estudos mostra que a felicidade em um casamento implica felicidade no relacionamento em geral. Entretanto, aqueles que relatam ter casamentos muito felizes tendem a se basear no seu relacionamento ao responder as perguntas, e os que são infelizes tendem a indicar fontes externas de estresse. Nenhuma dessas pesquisas inclui a observação objetiva do comportamento real. Em relacionamentos nos quais se mede a satisfação das necessidades, os pesquisadores são inconclusivos com relação ao nível em que a adaptação emocional é alcançada. Tornou-se popular apontar a comunicação e a confrontação verbal como ingredientes importantes da
adaptação emocional no casamento. Os defensores dessa visão afirmam que abertura, mais conversa, maior sensibilidade aos sentimentos e manutenção dos canais de comunicação abertos contribuem para a felicidade. Alguns estudos concordam com essa visão... Outros, porém, relatam que a comunicação pode perturbar o relacionamento, particularmente quando há uma ênfase em disputas verbais. A abertura completa pode ser destrutiva, podendo gerar uma intolerância secreta à fraqueza ou uma incapacidade de perceber a força emocional do cônjuge com precisão. Nesse relacionamento, o parceiro verbalmente ativo se torna aquele que sempre vence. Assim, os conflitos nunca são tratados de forma adequada, e as brigas se tornam uma fonte crônica de desespero... É provável que haja uma correlação geral entre a felicidade e a estabilidade... é provável que, na maioria dos relacionamentos, alguma forma de sucesso preceda a realização emocional geral. De maneira ampla, isso significa que o marido precisa ter sucesso em seu papel antes que haja uma preocupação muito intensa com o companheirismo. Isso é particularmente verdadeiro em famílias menos favorecidas, nas quais a sobrevivência é uma questão muito mais importante do que o prazer. Além disso, a satisfação não deve ser confundida com alegria, pois primeira pode incluir mais hostilidade do que companheirismo pacífico. PROBLEMAS CONJUGAIS. Embora o casamento tenda a ser considerado um vínculo permanente, as uniões fracassadas podem ser terminadas, como de fato são, na maioria das sociedades. Entretanto, muitos casamentos que não acabam em separação ou divórcio são problemáticos. Quando tratam problemas conjugais, os clínicos não estão apenas interessados nas pessoas envolvidas, mas na unidade do casal em si. O fato de se o casamento dá certo ou não está relacionado a variáveis como os parceiros escolhidos, a organização ou desorganização da personalidade de cada um, as interações entre eles e as razões originais para a união. As pessoas se casam por uma variedade de motivos – emocionais, sociais, econômicos e políticos, entre outros. Alguém pode querer que seu cônjuge satisfaça as necessidades frustradas da sua criação. Outra pessoa pode ver o cônjuge como alguém a ser salvo de uma vida infeliz. Expectativas irracionais entre parceiros aumentam o risco de problemas conjugais. TERAPIA CONJUGAL E DE CASAL.
Quando as famílias consistem de avós, pais, filhos e outros parentes vivendo sob o mesmo teto, pode-se obter ajuda para problemas conjugais com um membro da família mais ampla, com o qual um dos parceiros ou os dois tenham harmonia. Com a redução da família verificada nos últimos tempos, essa fonte de ajuda informal não está mais tão disponível. De maneira semelhante, a religião antes desempenhava um papel mais importante na manutenção da estabilidade familiar. Líderes religiosos proporcionam orientação, mas já não são tão procurados, o que reflete o declínio da influência religiosa entre grandes segmentos da população. Anteriormente, a família ampla e a religião dispunham de orientação para casais com problemas e também preveniam a dissolução do casamento, em virtude das pressões sociais exercidas para que permanecessem juntos. À medida que as pressões da família, da religião e da sociedade diminuíram, os procedimentos legais para separação e divórcio tornaram-se fáceis. Ao mesmo tempo, desenvolveu-se a necessidade de serviços formalizados de orientação para o casamento. A terapia conjugal é uma forma de psicoterapia para casais em conflito. Uma pessoa treinada estabelece um contrato profissional com o
DESENVOLVIMENTO HUMANO AO LONGO DO CICLO VITAL
casal-paciente e, por meio de tipos definidos de comunicação, busca aliviar a perturbação, reverter ou mudar padrões mal-adaptativos de comportamento e encorajar o crescimento e o desenvolvimento da personalidade. Na orientação conjugal, somente são discutidos conflitos relacionados às preocupações imediatas da família. Essa prática é conduzida de forma muito mais superficial, por pessoas com menos formação psicoterapêutica do que a terapia conjugal. Esta, por sua vez, coloca maior ênfase em reestruturar a interação entre o casal – incluindo, às vezes, explorar a psicodinâmica de cada parceiro. Tanto a terapia quanto a orientação buscam ajudar os parceiros a enfrentar seus problemas de maneira efetiva.
Por volta dos 30 anos de idade, a maioria das pessoas já estabeleceu uma família e enfrenta problemas entre pais e filhos. Além do ônus econômico de criar um filho (estimado em 250 mil dólares para uma família de classe média cujo filho freqüente a faculdade), existem custos emocionais. Os filhos podem reacender conflitos que os próprios pais tiveram quando crianças, ou podem ter doenças crônicas que desafiem os recursos emocionais da família. De modo geral, os homens se preocupam mais com o trabalho e o avanço ocupacional do que com a educação dos filhos, e as mulheres atêm-se mais a seu papel como mães do que ao progresso em sua ocupação. Porém, essa ênfase está mudando dramaticamente para ambos os sexos. Um número pequeno, mas crescente, de casais prefere dividir o trabalho (ou cada um trabalhar meio expediente) e os deveres da criação dos filhos. Para pessoas na faixa de 20 a 30 anos, a paternidade/maternidade é descrita como um processo contínuo de desapego. Os filhos devem poder se separar dos pais e, em alguns casos, devem ser encorajados a fazê-lo. Quando os pais têm cerca de 20 anos, esse desapego envolve se separar de filhos que começam a ir à escola. Pode ser preciso lidar com fobias e síndromes de recusa da escola, que são acompanhadas por uma ansiedade de separação extrema. Muitas vezes, um pai ou uma mãe que não consegue se desapegar do filho é a causa dessa situação. Alguns querem que seus filhos permaneçam intimamente ligados a eles emocionalmente. Pode ser necessária uma terapia familiar que explore essa dinâmica para resolver tais problemas. À medida que os filhos crescem e entram na adolescência, o processo de estabelecer a identidade assume grande importância. Os relacionamentos com os amigos se tornam cruciais para o desenvolvimento dos jovens, e pais superprotetores que impeçam a formação de amizades ou a liberdade de se envolver com amigos que julgam impróprios podem interferir na passagem de seus filhos pela adolescência. Os pais não devem tentar se abster de exercer influência sobre seus filhos; orientação e envolvimento são cruciais. Porém, precisam reconhecer que os adolescentes, especialmente, necessitam da aprovação dos pais. Ainda que rebeldes na superfície, podem ser muito mais afáveis do que parecem, desde que os pais não sejam dominadores ou punitivos.
PATERNIDADE/MATERNIDADE.
Existem mais de 10 milhões de famílias compostas de um ou mais filhos com menos de 18 anos vivendo com apenas um dos pais. Destas, 20% são lares em que a mulher é a única chefe da família. Embora a maior parte dessas
FAMÍLIAS MONOPARENTAIS.
63
crianças tenha ficado sob custódia de suas mães por decisões de tribunais em procedimentos de divórcio, algumas crianças foram abandonadas pelos pais. O número de famílias com apenas um dos pais aumentou quase 200% desde 1980. A proporção de crianças filhas de mães solteiras diminuiu nos últimos 10 anos, mas, em 1998, elas ainda somavam cerca de um quarto de todos os nascimentos nos Estados Unidos. De maneira semelhante, a taxa de nascimentos para mulheres adolescentes está diminuindo ano após ano desde 1991, quando atingiu seu máximo. ESTILOS ALTERNATIVOS DE PATERNIDADE/MATERNIDADE. Atualmen-
te, muitos homens e mulheres homossexuais solteiros e casados decidem ter filhos. Em alguns casos, esses filhos são obtidos por adoção. Porém, há aqueles filhos de mulheres lésbicas por meio de inseminação artificial ou nascidos de uma mulher disposta a ser mãe substituta. O número de unidades familiares desse tipo está aumentando. Os dados ainda escassos sobre o desenvolvimento de crianças nesses lares indicam que elas não correm risco maior de ter problemas emocionais (ou uma orientação homossexual) do que aquelas que crescem em lares convencionais. Leis de adoção foram aprovadas nos Estados Unidos por volta de 1850, e, desde a virada do século XIX, a adoção substituiu o cuidado institucional como a maneira preferida de criar crianças negligenciadas, indesejadas ou abandonadas. Muitos casais que não conseguem conceber (e alguns que já têm filhos) procuram esse recurso. Além da ampla variedade de questões normais que dizem respeito a pais e filhos e que estão relacionadas ao desenvolvimento, os pais adotivos enfrentam problemas especiais. Eles devem decidir como e quando contar aos filhos sobre a adoção, além de lidar com o possível desejo da criança de ter informações sobre seus pais biológicos. Recentes casos conhecidos em que crianças foram tiradas de pais adotivos e psicológicos para voltar aos pais biológicos podem criar uma situação de incerteza sobre os primeiros anos da adoção. Ainda não foi estudado se tais eventos causam algum impacto sobre os vínculos entre pais e filhos ou sobre o desenvolvimento emocional subseqüente das crianças. Pessoas adotadas têm mais probabilidade de desenvolver transtornos da conduta, problemas com abuso de drogas e traços de personalidade anti-social. Não está claro se esses problemas resultam do processo de adoção ou se estão relacionados a alguma predisposição genética. Com o uso disseminado de formas de controle do nascimento e o acesso ao aborto, o número de bebês disponíveis para adoção decaiu rapidamente. Pais abastados podem preferir formas de adoção privada a esperar anos por uma adoção institucional. (Nas adoções privadas, a mãe biológica é paga por suas despesas legais e médicas, mas não pelo bebê; vender crianças é crime em todos os Estados norte-americanos). As adoções internacionais (especialmente da Bósnia, da América Latina, do Leste Europeu e da China) também se tornaram mais comuns. A regulação questionável nesses países levantou a preocupação de que alguns bebês disponibilizados para adoção em países pobres possam não ser órfãos, mas estar sendo vendidos por mães necessitadas.
ADOÇÃO.
64
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 2.4-3 Aspectos proeminentes da meia-idade Questões
Aspectos positivos
Aspectos negativos
Apogeu da vida
Uso responsável do poder; maturidade; produtividade Possibilidade; alternativas; organização de compromissos; redirecionamento Comprometimento consigo, com os outros, com a carreira, com a sociedade; maturidade filial Naturalidade em relação ao corpo, ao tempo
Visão de vencedor-perdedor; competitividade
Balanço: o que fazer com o resto da vida Fidelidade e compromissos
Crescimento-morte (crescer é morrer); renovação da juventude e fantasias de rejuvenescimento Comunicação e socialização
Questões compreendidas; continuidade; dar segmento a coisas inacabadas; grande rede social; enraizamento em relacionamentos, locais e idéias
Fechamento; fatalismo Hipocrisia; auto-engano
Iniciativas obscenas ou frenéticas (p. ex., ser jovem); hostilidade e inveja da juventude e dos filhos; saudade Repetitividade; aborrecimento; impaciência; isolamento; conservadorismo; confusão; rigidez
Adaptada de Robert N. Butler, M.D.
Outra controvérsia envolve a adoção de bebês negros por famílias brancas. Em 1972, a National Association of Black Social Workers publicou um artigo condenando esse tipo de adoção, sob quaisquer circunstâncias. Diversos estudos prospectivos verificaram que pais brancos podem criar filhos negros com uma autoestima sólida e sem uma identidade racial ambígua.
status conjugal e familiar, do gênero ou do nível econômico (Tab. 2.4-3). Esses temas incluem envelhecer (à medida que mudanças em funções corporais são observadas na idade adulta intermediária); fazer um balanço de realizações e estabelecer objetivos para o futuro; reavaliar compromissos com a família, o trabalho e o casamento; lidar com doenças e a morte dos pais; e lidar com todas as tarefas do desenvolvimento sem perder a capacidade de experimentar prazer ou de participar de atividades de lazer.
IDADE ADULTA INTERMEDIÁRIA As idades que definem esta fase variam entre os teóricos, mas o período costuma incluir as idades de 40 a 65 anos. Carl Jung referia-se à idade de 40 anos como o “meio-dia da vida”. A transição da idade adulta jovem envolve um processo de revisar o passado, considerar como a vida passou e decidir como será o futuro. Com relação à ocupação, muitas pessoas começam a experimentar a lacuna entre as aspirações anteriores e as realizações atuais. Podem questionar se o estilo de vida e os compromissos que escolheram ainda merecem ser continuados. Também é possível o sentimento de que gostariam de viver os próximos anos de maneira diferente e mais satisfatória, sem saber exatamente como. À medida que os filhos crescem e saem de casa, os papéis parentais mudam, e os papéis de maridos e esposas são redefinidos. Mudanças de gênero importantes ocorrem na idade adulta intermediária. Muitas mulheres que não precisam mais criar filhos pequenos podem liberar sua energia em buscas independentes, que exijam assertividade e um espírito competitivo, traços em geral considerados masculinos. De maneira alternativa, os homens podem desenvolver qualidades que lhes permitam expressar suas emoções e reconhecer suas necessidades de dependência, traços tradicionalmente considerados femininos. Com o novo equilíbrio entre o masculino e o feminino, uma pessoa pode agora se relacionar de maneira mais efetiva com alguém do outro sexo do que no passado. Tarefas evolutivas Robert Butler descreveu vários temas básicos da idade adulta intermediária que parecem estar presentes independentemente do
Erik Erikson. Descreveu a idade adulta intermediária como sendo caracterizada por produtividade ou estagnação. Erikson definiu a produtividade como o processo em que as pessoas guiam a próxima geração ou melhoram a sociedade. Esse estágio inclui ter e criar filhos, mas querer e ter filhos não garante a produtividade. Uma pessoa sem filhos pode ser produtiva ajudando os outros, sendo criativa ou contribuindo para a sociedade. Os pais devem estar seguros de suas próprias identidades para criar os filhos de forma bem-sucedida. Não podem estar preocupados consigo mesmos e agir como se fossem ou quisessem ser a criança da família. A estagnação significa que a pessoa pára de se desenvolver. Para Erikson, trata-se de um anátema, referindo-se a adultos sem impulsos para guiar a nova geração ou àqueles que geram filhos sem cuidar deles, como em um “casulo de autopreocupação e isolamento”. Essas pessoas estão em grande perigo. Como são incapazes de negociar as tarefas evolutivas da idade adulta intermediária, não estão preparadas para o próximo estágio do ciclo de vida, a velhice, que impõe mais demandas sobre as capacidades psicológicas e físicas do que todos os estágios anteriores. George Vaillant. Em seu estudo longitudinal com 173 homens entrevistados em intervalos de cinco anos após se graduarem em Harvard, Vaillant encontrou uma forte correlação entre saúde física e emocional na meia-idade. Além disso, aqueles que apresentaram a menor adaptação psicológica durante os anos da faculdade tiveram incidência maior de doenças físicas na meia-idade. Nenhum fator isolado da infância explicou a saúde mental adulta, mas um sentido geral de estabilidade no lar parental previu uma idade adulta bem-adaptada. Um relacionamento íntimo entre
DESENVOLVIMENTO HUMANO AO LONGO DO CICLO VITAL
irmãos durante os anos da faculdade estava correlacionado a bemestar emocional e físico. Em outro estudo, Vaillant observou uma correlação entre os hábitos de trabalho na infância e na idade adulta, bem como uma associação entre saúde mental adulta e relacionamentos interpessoais favoráveis e a capacidade de trabalhar na infância. As pesquisas de Vaillant ainda estão em andamento e representam o estudo contínuo mais longo já realizado sobre a idade adulta. Sexualidade A sexualidade é uma questão importante na meia-idade. Embora William Masters e Virginia Johnson tenham relatado, assim como Alfred Kinsey e outros, que a atividade sexual prazerosa (incluindo o coito) é possível mesmo na velhice, o funcionamento sexual pode entrar em declínio. Contudo, para algumas pessoas, a crença errônea de que a atividade sexual vigorosa é prerrogativa dos jovens já é suficiente para interferir em suas respostas sexuais fisiológicas. O medo e a realidade da impotência são problemas comuns em homens de meia-idade. A causa mais comum da impotência não é o envelhecimento, mas o consumo excessivo de álcool, drogas (p. ex., tranqüilizantes e antidepressivos) e estresse com fadiga e ansiedade; a maioria dos casos de impotência crônica está relacionada a questões psicológicas, e não orgânicas. As mulheres nessa fase também podem experimentar um declínio no funcionamento sexual, relacionado mais a causas psicológicas do que físicas. Elas não atingem seu apogeu sexual até a metade da faixa dos 30 anos. Conseqüentemente, têm uma capacidade maior de atingir o orgasmo na idade adulta intermediária do que na idade adulta jovem. Porém, são mais vulneráveis do que os homens a golpes narcisistas contra a auto-estima à medida que perdem a aparência jovem, que é supervalorizada na sociedade de hoje. Durante a idade adulta intermediária, podem se sentir menos desejáveis do ponto de vista sexual do que na idade adulta intermediária e, portanto, sentir que têm menos direitos a uma vida sexual adequada. A incapacidade de lidar com mudanças na imagem corporal leva muitas mulheres e homens a fazer cirurgias plásticas, na tentativa de manter a aparência jovem. Climatério A idade adulta intermediária é a época do climatério masculino e feminino, um período da vida caracterizado por uma redução no funcionamento biológico e fisiológico. Para as mulheres, esse período é considerado a menopausa e pode começar a qualquer momento entre os 40 e os 50 e poucos anos. Bernice Neugarten estudou esse período e verificou que mais de 50% das mulheres descreviam a menopausa como uma experiência desagradável, mas uma porção significativa acreditava que suas vidas não haviam mudado tanto, e muitas não experimentavam efeitos adversos. Como não precisam mais se preocupar com engravidar, algumas mulheres relatam se sentir sexualmente mais livres após a menopausa do que antes de ela começar. De modo geral, o climatério feminino tem sido estereotipado como uma experiência psicofi-
65
siológica repentina ou radical, mas tende a ser uma experiência gradual, à medida que a secreção de estrógeno diminui, com mudanças no fluxo e, por fim, com a cessação da menstruação. Pode haver instabilidade vasomotora (calores), e a menopausa pode se estender por vários anos. Algumas mulheres experimentam ansiedade e depressão, mas, normalmente, aquelas com história de má adaptação ao estresse manifestam predisposição à síndrome da menopausa. (O Capítulo 30, sobre medicina reprodutiva, proporciona uma discussão mais aprofundada sobre a menopausa e seu manejo.) Para os homens, o climatério não tem uma demarcação clara. Os hormônios masculinos se mantêm razoavelmente constantes até a faixa de 40 a 50 anos e então começam a diminuir. Entretanto, os homens devem se adaptar a um declínio no funcionamento biológico e no vigor físico geral. Por volta dos 50 anos, há uma leve redução dos espermatozóides saudáveis e do fluido seminal, mas que não é suficiente para impedir a inseminação. Coincidente com a redução no nível de testosterona, pode haver menos ereções e não tão firmes, assim como uma redução geral na atividade sexual. Alguns experimentam uma crise da meiaidade durante esse período, a qual pode ser leve ou grave e se caracteriza por uma mudança drástica e repentina em relacionamentos de trabalho e conjugal, depressão grave, aumento no uso de álcool e drogas ou mudança para um estilo de vida alternativo. Crise da meia-idade As mudanças físicas da meia-idade são acompanhadas por novas demandas emocionais e psicológicas. Talvez a mais profunda seja a capacidade de abrir mão da fantasia das possibilidades ilimitadas. Adolescentes e jovens adultos podem olhar o futuro e imaginar quase tudo por conta própria: carreiras de sucesso, parceiros amorosos, aventuras, reconhecimento e riqueza. Essas fantasias costumam ser uma fonte de conforto ao lidar com as realidades às vezes desencorajadoras da vida cotidiana. À medida que se alcança a meia-idade e o reconhecimento de uma vida finita se torna mais real, as pessoas começam a enfrentar a perspectiva de que alguns dos seus objetivos não serão realizados e que a possibilidade de novos relacionamentos interessantes, novas aventuras dramáticas ou grandes mudanças de carreira se torna cada vez menos provável. É um período de apreciação crescente do que se faz e um abandono gradual do que poderia ter acontecido. Certas pessoas têm uma sensação de urgência na meia-idade para fazer tudo o que puderem antes que o tempo acabe. Esse impulso pode ser adaptativo e enriquecedor, por exemplo, quando se decide aprender francês ou fazer uma viagem para a Amazônia. Ocasionalmente, ele se torna destrutivo. Há pessoas que podem deixar suas famílias e ter casos sexuais com parceiros mais jovens ou abandonar suas carreiras para buscar interesses momentâneos. A expressão crise da meia-idade não tem um significado fixo e foi usada por escritores para descrever uma ampla variedade de buscas emocionais manifestadas durante esse período. Todavia, de um modo geral, ela se reserva a comportamentos maladaptativos sérios que ocorrem muitas vezes no contexto de eventos da vida graves ou inesperados. Homens e mulheres propensos a ter crises de meia-idade tendem a vir de famílias caracterizadas
66
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
por um ou mais dos seguintes fatores durante sua adolescência: brigas com os pais, perda do progenitor do mesmo sexo, pais ansiosos ou pais impulsivos com um senso pequeno de responsabilidade. O Dr. C., um cirurgião de 45 anos de idade, estava casado há 22 anos e era pai de três adolescentes. Certo sábado, saiu de casa para jogar golfe e não retornou. Embora estivesse um pouco aborrecido com a esposa há algum tempo, não tinha planos conscientes de deixá-la. Conforme relatou ao reconstruir seus pensamentos, estava parado na décima saída, após passar pelo nono buraco, quando lhe ocorreu o pensamento: “não vou voltar para casa nunca mais”. Após tomar uma ducha e beber um drinque com os amigos, dirigiu por algumas horas e foi para um hotel de estrada. Passou o dia seguinte pensando “sobre minha vida, seu significado e propósito. De repente, notei que ela não estava certa para mim e que teria de mudar”. Na segunda-feira pela manhã, retornou à sua casa, deixou um bilhete para sua esposa na caixa do correio dizendo, sem nenhuma explicação, que a estava deixando e foi trabalhar. No trabalho, atendeu seus pacientes, passou no banco e retirou um certificado de depósito de 100 mil dólares de seu plano de pensão e embarcou em um avião para uma cidade distante. Ao chegar, deixou uma mensagem para um dos sócios, pedindo que assumisse seu trabalho. Nos dois meses seguintes, não fez nada além de ginástica e ficar pensando. Finalmente, escreveu uma carta à esposa informando-a de seu paradeiro e de sua decisão de permanecer afastado. Quando buscou o tratamento, 16 meses depois, estava trabalhando em uma sala de emergência e tinha um relacionamento com uma divorciada de 43 anos, que tinha dois filhos adolescentes, “não muito diferente da família que deixei”, disse. Esforços terapêuticos de reconstruir o pensamento do paciente durante a fase aguda da crise foram limitados por sua incapacidade de lembrar. Ele apenas sabia que tinha de mudar imediatamente. A exploração terapêutica da provável dinâmica subjacente à crise – a morte recente de seu pai – foi esclarecedora, mas não mudou a determinação do Dr. C. de evitar a ex-mulher. Ele se recusava a encontrá-la e, finalmente, concordou com um acordo de divórcio por intermédio de um advogado, dando a ela quase todos os seus bens. Aceitou ver seus filhos quando estes o procurassem, mas não iniciou contatos com os mesmos. Todas as suas energias foram dirigidas para “fazer o que eu quero, conhecer pessoas novas e me encontrar”. A terapia parecia cumprir com a necessidade do paciente de se encontrar e construir uma vida nova. Acabou se casando e sustentava a nova família trabalhando em salas de emergência, ganhando bem menos dinheiro do que anteriormente. Ele até voltou a jogar golfe. (Cortesia de Calvin Colarusso, M.D.) Síndrome do ninho vazio. Outro fenômeno descrito na idade adulta intermediária foi chamado de síndrome do ninho vazio, uma depressão que ocorre em homens e mulheres quando seu
filho mais jovem está para sair de casa. Todavia, a maioria dos pais percebe a partida do filho mais jovem como um alívio, não como um estresse. Se não forem desenvolvidas atividades para compensar, particularmente pela mãe, alguns pais ficam deprimidos. Isso é especialmente verdadeiro para mulheres cujo papel predominante na vida foi ser mãe ou para cônjuges que decidiram permanecer em um casamento infeliz “em nome das crianças”. Outras tarefas da idade adulta intermediária À medida que as pessoas se aproximam dos 50 anos, claramente definem o que querem do trabalho, da família e do lazer. Homens que alcançaram seu nível mais alto de progresso no trabalho podem experimentar uma desilusão ou frustração quando observam que não conseguem mais prever os desafios de sua ocupação. Para mulheres que se interessam completamente por ser mães, esse período as deixa sem uma identidade adequada após os filhos saírem de casa. Às vezes, as regras sociais são estabelecidas de forma rígida. A falta de liberdade de estilo de vida e uma sensação de aprisionamento podem levar à depressão e à falta de confiança. Também pode haver problemas financeiros singulares na meia-idade, produzidos por pressões para cuidar dos pais idosos, por um lado, e dos filhos, por outro. Levinson descreveu um período de transição entre as idades de 50 e 55 anos, durante o qual pode ocorrer uma crise evolutiva quando as pessoas se sentem incapazes de mudar uma estrutura de vida intolerável. Embora nenhum evento único caracterize a transição, as mudanças fisiológicas que começam a aparecer podem ter um efeito intenso sobre o sentido de individualidade. Por exemplo, uma pessoa pode sentir a redução em eficiência cardiovascular que acompanha o envelhecimento. Porém, a idade cronológica e a enfermidade física não são lineares. Aqueles que se exercitam regularmente, que não fumam e que bebem e comem com moderação conseguem manter a saúde física e o bemestar emocional. A idade adulta intermediária é o período em que as pessoas freqüentemente se sentem sobrecarregados de obrigações e deveres, mas também é um tempo de grande satisfação para a maioria delas. Já desenvolveram uma ampla variedade de conhecidos, amigos e relacionamentos, e a satisfação que expressam com relação à sua rede de amigos indica uma saúde mental positiva. Todavia, alguns laços sociais podem ser uma fonte de estresse quando as demandas não podem ser cumpridas ou atacam a auto-estima da pessoa. O poder, a liderança, a sabedoria e o entendimento costumam ser atributos de pessoas de meia-idade, e, se a saúde e a vitalidade permanecerem intactas, esse realmente é o apogeu da vida. DIVÓRCIO O divórcio é uma crise vital significativa. Os cônjuges muitas vezes crescem, desenvolvem-se e mudam em ritmos diferentes. Um pode descobrir que o outro não é mais a pessoa com quem casou. Na verdade, ambos mudaram e evoluíram, não necessariamente em direções complementares. Com freqüência, um dos
DESENVOLVIMENTO HUMANO AO LONGO DO CICLO VITAL
67
cônjuges culpa uma terceira pessoa pela alienação de afetos e recusa-se a examinar seu próprio papel nos seus problemas conjugais. Certos aspectos da deterioração do relacionamento e do divórcio parecem estar associados a qualidades específicas da meiaidade – a necessidade de mudança, a exaustão por agir de forma responsável, o medo de encarar a si mesmo. Os seguintes casos relatados por Colarusso são informativos.
estão acostumados a depender um do outro (como ocorre normalmente no casamento) ou se um dos dois é tão dependente a ponto de ter medo ou ser incapaz de se tornar independente. A maioria das pessoas relata sentimentos como depressão, ambivalência e mudanças no humor na época do divórcio. Estudos indicam que a recuperação dessa situação leva cerca de dois anos. Só então o ex-cônjuge pode ser visto de forma neutra, e ambos aceitam sua nova identidade de solteiro.
Uma paciente de 55 anos de idade, a Sra. A., procurou tratamento “para poder deixar o meu casamento. Estou casada há 35 anos, mas não amo meu marido há 20. Fui tão dependente dele por toda a minha vida que não sei se tenho coragem de deixá-lo”. Uma psicoterapia, realizada duas vezes por semana durante 15 meses, a ajudou a deixar o marido, abrir um negócio e começar um novo relacionamento. “Tenho menos dinheiro e tenho medo do futuro, mas me sinto viva e no controle da minha vida. Acho que Bill também está mais feliz.”
Divórcio legal. O divórcio legal envolve passar pelos trâmites necessários para que cada uma das partes possa se casar novamente. Dentro de três anos da separação, 75% das mulheres e 80% dos homens divorciados casam novamente. O divórcio amigável, no qual nenhuma das partes é julgada como culpada, tornou-se o mecanismo mais usado para esse processo.
A Sra. T., uma mulher de 55 anos, deixou o marido “maravilhoso” porque “perdi alguma coisa. Tenho que viver sozinha”. Ela se casou aos 18 anos, “saindo da casa dos pais para a casa dele”. Reconheceu que sua raiva para com o marido, por “não ser todos os outros homens com quem poderia ter casado, por impedir toda a vida que poderia ter tido”, era irracional, mas incontrolável. “Eu tinha que viver sozinha por um tempo, ver se consigo, antes que seja tarde demais.” Pretendendo ainda retornar ao marido, continuou a explorar as questões infantis e adultas que precipitaram a separação, pondo o futuro do casamento em dúvida.
Divórcio econômico. As principais preocupações são a divisão dos bens do casal e o apoio econômico para a esposa. Muitos homens que recebem ordens judiciais para pagar pensão alimentícia desrespeitam a lei e geram um grande problema social.
Divórcio e comunidade. A rede social do casal divorciado muda profundamente. Alguns parentes e amigos da comunidade são mantidos, e outros, acrescentados. A tarefa de fazer novos amigos é difícil para pessoas divorciadas, que podem compreender o quanto dependiam de seus cônjuges para as trocas sociais.
Divórcio co-parental. É a separação dos pais de uma criança. Ser um pai solteiro é diferente de ser um pai casado. Custódia
Um paciente de 43 anos, o Sr. S., estava constantemente preocupado com seu casamento durante os quatro anos em que fez análise. Sexualmente inibido durante a adolescência, disse: “casei com a única garota no mundo que sabia menos sobre sexo do que eu”. A exploração de suas inibições sexuais levou à decisão de permanecer no casamento. “Aprendi com essa análise que o sexo não é a coisa rara e extraordinária que eu pensava quando era garoto. Bilhões de pessoas fazem todos os dias. Não sei se conseguiria sair e dormir com muitas mulheres, mas será que seria realmente diferente, ou melhor? Jane e eu construímos uma boa vida juntos. Ela mudou muito, e eu também. Acho que podemos tornar os próximos 20 anos melhores do que os últimos 20.” Tipos de separação Paul Bohannan, um antropólogo com experiência em casamento e divórcio, descreveu os tipos de separações que ocorrem no momento do divórcio.
Divórcio psíquico. Neste tipo de divórcio desiste-se do objeto de amor, e há uma reação de luto com a morte do relacionamento. Às vezes, um período de luto antecipatório ocorre antes do divórcio. A separação força a pessoa a se tornar autônoma, saindo de uma posição de dependência. A separação pode ser difícil, especialmente se ambos
A doutrina do direito familiar é um conceito legal que garante a custódia ao progenitor natural mais adequado e tenta garantir que os melhores interesses da criança sejam atendidos. No passado, as mães quase sempre ganhavam a custódia dos filhos, mas hoje ela é dada ao pai em 15% dos casos. Os pais custódios tendem a ser brancos, casados, mais velhos e com mais formação acadêmica do que as mães custódias. As mulheres que ganham a custódia dos filhos têm uma chance maior de ganhar o direito a pensão alimentícia e de realmente receber o pagamento do que os homens que recebem a custódia. Entretanto, as mulheres que recebem pagamento ainda têm rendas mais baixas do que os homens. Os tipos do direito incluem custódia compartilhada, na qual a criança passa um tempo igual com cada um dos pais, uma prática cada vez mais comum; a custódia dividida, na qual se separam irmãos, e cada um dos pais fica com a custódia de um ou mais filhos; e a custódia individual, na qual as crianças vivem com apenas um dos pais, e o outro tem direito de visitação, que pode ser limitado de alguma forma pelo tribunal. Pagamentos de pensão alimentícia são mais prováveis quando os pais têm a custódia compartilhada ou quando o progenitor que não fica com a custódia tem direitos de visitação. Pode haver problemas no relacionamento entre pais e filhos com o progenitor que tem a custódia ou com o outro. A ausência do progenitor não-custódio no lar representa a realidade do di-
68
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
vórcio, e o progenitor que detém a custódia pode se tornar o alvo da raiva da criança para com o divórcio. O pai ou a mãe submetido a esse estresse pode não conseguir lidar com as necessidades e demandas emocionais crescentes da criança. O progenitor que não fica com a custódia deve enfrentar os limites do tempo que pode passar com os filhos. Ele perde a gratificação cotidiana e as responsabilidades envolvidas com a paternidade. Perturbações emocionais são comuns tanto nos pais quanto nos filhos. A custódia compartilhada oferece uma solução com algumas vantagens, mas requer maturidade substancial por parte dos pais e pode apresentar problemas. Os pais devem separar suas práticas de criação infantil de seus ressentimentos com o divórcio e desenvolver um espírito de cooperação para a criação dos filhos. Também devem ser capazes de tolerar a comunicação freqüente com o ex-cônjuge. Razões para o divórcio O divórcio não é incomum, e as taxas são mais altas em casais que se unem ainda adolescentes ou que vêm de origens socioeconômicas diferentes. Todos os casamentos são psicologicamente únicos, assim como todos os divórcios. Se uma pessoa é filha de pais divorciados, pode decidir resolver um problema conjugal da mesma forma, por meio do divórcio. As expectativas do cônjuge podem não ser realistas: um dos parceiros pode esperar que o outro aja como uma mãe abnegada ou como um pai protetor mágico. A experiência da paternidade/maternidade coloca muita pressão sobre o casamento. Em pesquisas com casais com e sem filhos, estes relataram que conseguem ter mais prazer com seu cônjuge do que os que têm filhos. As doenças dos filhos criam o maior estresse de todos, e mais de 50% dos casamentos em que um filho morreu por doença ou acidente terminam em divórcio. Outras causas de perturbações conjugais são problemas relacionados a sexo e dinheiro. Ambas as áreas podem ser usadas como uma forma de controle, e recusar-se a fazer sexo ou reter o dinheiro são formas de expressar agressividade. Atualmente, existe menos pressão social para permanecer casado do que no passado. Conforme discutido, a flexibilidade das leis de divórcio e a redução na influência da religião e da família mais ampla tornam o divórcio uma linha de ação aceitável. Relações sexuais fora do casamento. O adultério é definido como a relação sexual voluntária entre uma pessoa casada e alguém que não seja seu cônjuge. Uma pesquisa realizada em 1994 pela Universidade de Chicago relatou que 85% das mulheres e 75% dos homens casados permaneceram fiéis a seus cônjuges. Esses números são muito mais altos do que os pesquisadores haviam observado anteriormente. Para os homens, o primeiro caso extraconjugal costuma estar associado à gravidez da esposa, quando o coito pode ser interditado. A maioria desses incidentes é mantida em segredo da esposa, e, se conhecidos, raramente acabam em divórcio. Todavia, a infidelidade muitas vezes serve como catalisador para que insatisfações básicas no casamento venham à tona, e esses problemas podem então levar à sua dissolução. Talvez a ocorrência de adultério diminua à medida que doenças sexualmente transmissíveis fatais, como a AIDS, sirvam como formas sérias de intimidação.
Maturidade adulta O sucesso e a felicidade na idade adulta tornam-se possíveis quando o indivíduo atinge um pouco de maturidade – um estado mental, e não uma idade. Entretanto, a capacidade de alcançá-la é um subproduto direto do envolvimento e do domínio da tarefa evolutiva da idade adulta jovem e intermediária. Segundo a perspectiva do desenvolvimento, a maturidade pode ser definida como um estado mental encontrado em adultos saudáveis que se caracteriza pelo conhecimento detalhado dos parâmetros da existência humana, por um nível sofisticado de autoconsciência baseado em uma avaliação honesta da própria experiência do indivíduo dentro desses parâmetros básicos e pela capacidade de usar tal conhecimento e visão intelectual e emocional de forma afetuosa com relação a si mesmo e às outras pessoas. A chegada da maturidade na meia-idade leva ao surgimento da capacidade da sabedoria. Aqueles que possuem sabedoria aprenderam com o passado e estão completamente envolvidos na vida no presente. Com o mesmo grau de importância, prevêem o futuro e tomam as decisões necessárias para melhorar as perspectivas de saúde e felicidade. Em outras palavras, desenvolveu-se uma filosofia de vida, incluindo o entendimento e a aceitação do lugar da pessoa na ordem da existência humana. REFERÊNCIAS Brent DA, Johnson B, Bartle S, Bridge J. Personality disorders, tendency to impulsive violence, and survival behavior in adolescents. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1993;32:69. Campbell BC, Udry JR. Stress and age at menarche of mothers and daughters. J Biosoc Sci. 1995;27:127. Colarusso CA. Adulthood. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2962. Feeney A, Noller P, Wark C. Marital satisfaction and spousal interaction. In: Sternberg J, Hojjat A, et al., eds. Satisfaction in Close Relationships. New York: Guildford Press; 1997:160. Flanagan CA, Eccles JS. Changes in parents’ work status and adolescents’ adjustment at school. Child Dev. 1993;64:246. Freud A. Adolescence. Psychoanal Study Child. 1958;13:255. Frey CU, Rothlisberger C. Social support in healthy adolescents. J Youth Adolesc. 1996;25:17. Garber J, Weiss SB, Shanley N. Cognitions, depressive symptoms, and development in adolescents. J Abnorm Psychol. 1993;102:47. Graber JA, Brooks-Gunn J, Warren MP. The antecedents of menarcheal age: heredity, family environment, and stressful life events. Child Dev. 1995;66:346. Jarvinen DW, Nicholls JG. Adolescents’ social goals, belief about the causes of social success, and satisfaction in peer relationships. Dev Psychol. 1996;32:342. Murry VM. Incidence of first pregnancy among black adolescent females over three decades. Youth Soc. 1992;23:478. Mussen PH, Conger JJ, Kagan J. Adolescence. In: Essentials of Child Development and Personality. New York: Harper & Row, 1984. Newcomb MD. Life change events among adolescents. J Nerv Ment Dis. 1986;175:280. Rainey DY, Stevens-Simon C, Kaplan DW. Are adolescents who report prior sexual abuse at a higher risk for pregnancy? Child Abuse Negl. 1995;19:1283. Shields G, Adams J. HIV/AIDS among youth: a community needs assessment study. Child Adolesc Soc Work J. 1995;12:361.
DESENVOLVIMENTO HUMANO AO LONGO DO CICLO VITAL
Takanishi R. The opportunities of adolescence: research, interventions, and policy. Am Psychol. 1993;48:85. Vaillant G. Aging Well. Boston: Little, Brown and Company; 2002. Waughan VC, Litt IF. Child and Adolescent Development. Philadelphia: WB Saunders; 1990.
2.5 Idade adulta tardia (velhice)
69
Todavia, a precisão dessas projeções depende da precisão de suposições como taxas de natalidade, imigração e emigração – que são mais difíceis de mensurar para o futuro do que outras variáveis, taxas de mortalidade ou expectativas de vida. As projeções relacionadas à expectativa de vida, por exemplo, podem mudar de maneira substancial dentro de uma única década. BIOLOGIA DO ENVELHECIMENTO
A idade adulta tardia, ou velhice, refere-se normalmente ao estágio do ciclo de vida que começa aos 65 anos de idade. Os gerontologistas – aqueles que estudam o processo de envelhecimento – dividem os idosos em dois grupos: idosos jovens, idades de 65 a 74, e idosos velhos, acima de 75 anos. Alguns autores usam o termo idoso mais velho para se referir a pessoas acima de 85 anos. Também podem ser descritos como idosos saudáveis e idosos doentes (que têm alguma enfermidade que interfira no funcionamento e exija atenção médica ou psiquiátrica). As necessidades de saúde dos idosos têm crescido muito à medida que a população envelhece, e os geriatras e psiquiatras desempenham importantes papéis no tratamento dessa população. DEMOGRAFIA O número de indivíduos acima de 65 anos cresce rapidamente. Por exemplo, em 1900, 4% da população norte-americana tinha mais de 65 anos. Em 1990, 12,5% e, em 2030, estima-se que chegue a 20%. Esse aumento excede em muito o crescimento da população em geral – 10 vezes, comparado com apenas três vezes entre 1900 e 2000 –, e projeta-se que vá continuar (p. ex., 2,5 vezes versus apenas 1,5 vez entre 1990 e 2050) (Tab. 2.5-1). A expectativa de vida para as mulheres deve continuar a ser sete anos acima da dos homens até o ano 2050. Nesse ano, estima-se que a composição da população norte-americana por idade e sexo seja notavelmente diferente da atual. Tais mudanças devem influenciar as estatísticas de renda e conjugais, a porcentagem de pessoas idosas que vivem sós ou em asilos, e outros aspectos sociais.
O processo de envelhecimento, ou senescência (do latim senescere, envelhecer), caracteriza-se por um declínio gradual no funcionamento de todos os sistemas do corpo – cardiovascular, respiratório, geniturinário, endócrino e imunológico, entre outros. Porém, a crença de que a velhice está invariavelmente associada a alguma enfermidade intelectual e física profunda é um mito. A maioria das pessoas idosas mantém suas capacidades cognitivas e físicas em um grau notável. Uma visão geral das mudanças biológicas que acompanham a velhice é apresentada na Tabela 2.5-2. Os vários decréscimos listados não ocorrem de forma linear em todos os sistemas. Nem todos os sistemas do organismo se deterioram na mesma velocidade, assim como não seguem um padrão semelhante de declínio em todos os indivíduos. Cada pessoa é geneticamente dotada de um ou mais sistemas vulneráveis, ou um sistema pode se tornar vulnerável devido a estressores ambientais ou ao uso indevido intencional (p. ex., exposição excessiva à radiação ultravioleta, tabagismo, álcool). Além disso, nem todos os sistemas se deterioram ao mesmo tempo. Um determinado sistema começa a se deteriorar, e essa deterioração leva a doenças ou à morte. A velhice geralmente significa o envelhecimento de células. Na teoria mais aceita, cada célula tem um tempo de vida geneticamente determinado, durante o qual pode se replicar um número ilimitado de vezes antes de morrer. As células passam por mudanças estruturais quando envelhecem. No sistema nervoso central, por exemplo, mudanças relacionadas à idade ocorrem nos neurônios, que apresentam sinais de degeneração. Na senilidade (caracterizada por perda de memória grave e perda do funcionamento intelectual), os sinais de degeneração são muito mais in-
TABELA 2.5-1 Envelhecimento da população dos Estados Unidos: 1900-2050 População, em milhões e como porcentagem da população total Todas as idades Ano 1900 1950 1990 2000 2010 2030 2050
Idade mediana
35,7 37,2 38,5 38,1
65 anos ou mais
85 anos ou mais
Idade média
(N )
(N )
(%)
(N )
(%)
36,5 37,8 39,9 40,3
76,0 150,1 248,7 276,2 300,4 350,0 392,0
3,1 12,3 31,1 35,3 40,1 70,2 80,1
4,1 8,2 12,5 12,8 13,3 20,1 20,4
0,1 0,6 3,0 4,3 6,0 8,8 18,9
0,1 0,4 1,2 1,6 2,0 2,5 4,8
População: U.S. Bureau of the Census. Current Population Reports, Special Studies, P23-190, 65+ in the United States. Washington, DC: U.S. Government Printing Office; 1996. Idade média/mediana, 2000-2050: Day JC. Population projections of the United States by age, sex and Hispanic origin: 1995 to 2050. In U.S. Bureau of the Census, Current Population Reports, P25-1130. Washington, DC: U.S. Government Printing Office; 1996.
70
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 2.5-2 Mudanças biológicas associadas ao envelhecimento Nível celular Mudanças em estruturas do DNA e do RNA: degeneração das organelas intracelulares Degeneração neuronal no sistema nervoso central, principalmente nos giros pré-central temporal superior e temporal inferior Não há perdas nos núcleos do tronco cerebral Sítios receptores e sensibilidade alterados Menor anabolismo e catabolismo de substâncias transmissoras celulares Aumento em colágeno e elastina intercelulares Sistema imunológico Resposta limitada das células T a antígenos Aumento na função de corpos auto-imunes Maior suscetibilidade a infecções e neoplasias Leucócitos inalterados, redução em linfócitos T Aumento na hemossedimentação (inespecífico) Musculoesqueléticas Redução da estatura por encurtamento da coluna vertebral (perda de cinco centímetros em homens e mulheres da segunda à sétima décadas) Redução de massa muscular lisa e força muscular. Afundamento da caixa torácica Aumento da gordura corporal Alongamento de nariz e orelhas Perda da matriz óssea, levando a osteoporose Degeneração de superfícies de articulações pode produzir osteoartrite Risco de fratura do quadril é de 10 a 25% com 90 anos Fechamento contínuo de suturas cranianas (sutura parietomastóide não atinge fechamento completo até os 80 anos) Homens ganham peso até os 60 anos e começam a perder; mulheres ganham peso até os 70 anos, depois perdem Tegumento O agrisalhar dos cabelos resulta da menor produção de melanina em folículos pilosos (aos 50 anos, 50% de todas as pessoas têm pelo menos 50% do cabelo grisalho; os pêlos púbicos são os últimos a ficar grisalhos) Enrugamento geral da pele Glândulas sudoríparas menos ativas Redução da melanina Perda de gordura subcutânea Crescimento menor das unhas Geniturinárias e reprodutivas Menor taxa de filtração glomerular e fluxo sangüíneo renal Menor firmeza da ereção, fluxo ejaculatório menor Menor lubrificação vaginal Alargamento da próstata Incontinência Sentidos especiais Opacificação do cristalino, visão periférica reduzida Incapacidade de acomodação (presbiopia) Perda da audição de sons de alta freqüência (presbiacusia) – 25% apresentam perda aos 60 anos, 65%, aos 80 Amarelamento do cristalino
Menor precisão do paladar, do olfato e do tato Menos adaptação ao escuro Neuropsiquiátricas Mais tempo para aprender material novo, mas aprendizagem completa ainda ocorre Quociente de inteligência (QI) permanece estável até os 80 anos Capacidade verbal mantida com a idade Redução da velocidade psicomotora Memória Tarefas que exigem alternar a atenção realizadas com dificuldade Capacidade de codificação diminui (transferência de memória de curta duração para longa duração, e vice-versa) Reconhecimento da resposta correta em testes de múltipla escolha permanece intacto Recordação simples decai Neurotransmissores Noradrenalina diminui no sistema nervoso central Aumento de monoaminoxidase e serotonina no cérebro Cérebro Redução em peso cerebral bruto, cerca de 17% aos 80 anos em ambos os sexos Sulcos ampliados, convoluções menores, atrofia dos giros Alargamento dos ventrículos Maior transporte através da barreira hematencefálica Menor fluxo sangüíneo cerebral e oxigenação Cardiovasculares Aumento em tamanho e peso do coração (contém pigmento lipofuscina derivado de lipídeos) Menor elasticidade das válvulas cardíacas Mais colágeno nos vasos sangüíneos Maior suscetibilidade a arritmias Alteração da homeostase da pressão arterial Débito cardíaco mantido na ausência de doença coronariana Sistema gastrintestinal Risco de gastrite atrófica, hérnia hiatal, diverticulose Menor fluxo sangüíneo para estômago e fígado Menor fluxo salivar Alteração da absorção pelo trato gastrintestinal (risco de síndrome de mal-absorção e avitaminose) Obstipação Endócrinas Níveis de estrógeno diminuem em mulheres Diminui andrógeno adrenal Produção de testosterona diminui em homens Aumento do hormônio folículo-estimulante (FSH) e do hormônio luteinizante (LH) após a menopausa Tiroxina sérica (T4) e hormônio estimulador da tireóide (TSH) normais, triiodotironina (T3) reduzida Resultados do teste de tolerância à glicose diminuem Respiratórias Capacidade vital diminui Reflexo de tosse diminui Ação ciliar do epitélio brônquico diminui
tensos. Um exemplo é a degeneração neurofibrilar observada mais comumente na demência do tipo Alzheimer. Mudanças estruturais e mutações no ácido desoxirribonucléico (DNA) e no ácido ribonucléico (RNA) também são observadas em células em envelhecimento. Essas mudanças foram atribuídas a programação genotípica, radiação, substâncias químicas e produtos alimentares, entre outros. Provavelmente, não existe uma causa única para o envelhecimento, e todas as áreas do corpo são afetadas em certo grau. Fatores
genéticos foram implicados em distúrbios que costumam ocorrer em pessoas idosas, como hipertensão, doença coronariana, arteriosclerose e doenças neoplásicas. Estudos de famílias indicam fatores relacionados à hereditariedade para câncer de mama e de estômago, pólipos no colo e certos transtornos mentais da velhice. A doença de Huntington mostra um modo dominante autossômico de hereditariedade, com penetração completa. A idade média de início é entre 35 e 40 anos, mas já ocorreram casos até aos 70 anos de idade.
DESENVOLVIMENTO HUMANO AO LONGO DO CICLO VITAL
Longevidade A longevidade vem sendo estudada desde o começo da História e sempre foi um tema de grande interesse. A pesquisa nesse campo revela que história familiar de longevidade é o melhor indicador para uma vida longa. Quase todas as pessoas cujos pais viveram além dos 80 anos também tiveram esse curso. Entretanto, muitas condições que levam a uma vida mais curta podem ser prevenidas, melhoradas ou proteladas com intervenções efetivas. A hereditariedade é apenas um fator – que está além do controle. Os prognosticadores de longevidade passíveis de controle incluem exames médicos regulares, consumo mínimo ou nenhum de cafeína ou álcool, satisfação com o trabalho e percepção do indivíduo como socialmente útil em um papel altruísta, como cônjuge, professor, mentor, pai, avô. A alimentação saudável e a prática de exercícios também estão associadas à saúde e à longevidade. Expectativa de vida Nos Estados Unidos, a expectativa média de vida para ambos os sexos aumenta a cada década – de 48 anos em 1900 para 73,5 anos para homens e 80,4 para mulheres em 2000. A expectativa de vida projetada no nascimento e aos 65 anos é apresentada na Tabela 2.5-3. Também ocorreram mudanças em morbidade e mortalidade. Ao longo dos últimos 30 anos, por exemplo, houve um declínio de 60% na mortalidade decorrente de doenças cerebrovasculares e um declínio de 30% na mortalidade por doença coronariana. Em comparação, óbitos por câncer, que aumentam nitidamente com a idade, são crescentes, especialmente câncer de pulmão, colo, estômago, pele e próstata. O grupo dos idosos mais velhos, aqueles com idade superior a 85 anos, é o segmento que mais cresce na população. Ao longo dos últimos 25 anos, a população de todos os idosos aumentou em 100%, em comparação com 45% para toda a população norte-americana, enquanto para o grupo a partir de 85 anos o crescimento foi de 275%. Espera-se que, por volta de 2050, este grupo represente 25% da população idosa e 5% da população total dos Estados Unidos. A Figura 2.5-1 apresenta porcentagens projetadas para a taxa anual de crescimento da população idosa até o ano 2050. As principais causas de morte entre idosos são doenças cardíacas, câncer e acidente vascular cerebral. Os acidentes também fazem parte desses prognosticadores. A maioria dos acidentes fatais é causada por quedas, incidentes banais e queimaduras. As quedas
normalmente resultam de arritmias cardíacas e episódios de hipotensão. Alguns gerontologistas consideram que a morte de pessoas muito idosas (acima de 85 anos) resulta de uma síndrome de envelhecimento caracterizada pela redução nas propriedades mecânico-elásticas do coração, das artérias, dos pulmões e de outros órgãos. Ela resulta de lesões triviais em tecidos, que não seriam fatais para uma pessoa mais jovem. Assim, a senescência é considerada a causa da morte. Etnia e raça A proporção de pessoas idosas nas populações negra, hispânica e asiática é menor do que na população branca, mas está crescendo rapidamente. Em 2050, 20% dos idosos serão não-brancos. O número de idosos hispânicos aumentará de 4 para aproximadamente 14% ao longo do mesmo período. Segundo o U.S. Census Bureau, o termo hispânico refere-se a pessoas “cujas origens são mexicanas, porto-riquenhas, cubanas, centro ou sul-americanas ou outras hispânicas/latinas, independentemente da raça”. Distribuição por sexo Em média, as mulheres vivem mais tempo do que os homens e tendem a morar sozinhas. O número de homens por 100 mulheres diminui nitidamente dos 65 aos 85 anos (Fig. 2.5-2). Distribuição geográfica Os Estados mais populosos têm o maior número de idosos. A Califórnia tem 3,3 milhões, seguida por Nova York, Pensilvânia, Texas, Michigan, Illinois, Flórida e Ohio, cada um com mais de um milhão. Os Estados com proporções altas de pessoas idosas incluem Pensilvânia, Flórida, Nebraska e Dakota do Norte. A proporção elevada na Flórida se deve a pessoas que se mudaram para o Estado depois da aposentadoria. Nos outros, decorre da mudança de jovens para outros Estados. Exercícios, dieta e saúde A dieta e a prática de exercícios desempenham o papel de prevenir ou mitigar doenças crônicas em pessoas idosas, como a arte-
TABELA 2.5-3 Expectativa de vida projetada ao nascimento e aos 65 anos, por sexo: 1990-2050 (em anos) No nascimento
Aos 65 anos
Ano
Homens
Mulheres
Diferença
Homens
Mulheres
Diferença
1990 2000 2010 2020 2030 2040 2050
72,1 73,5 74,4 74,9 75,4 75,9 76,4
79,0 80,4 81,3 81,8 82,3 82,8 83,3
6,9 6,9 6,9 6,9 6,9 6,9 6,9
15,0 15,7 16,2 16,6 17,0 17,3 17,7
19,4 20,3 21,0 21,4 21,8 22,3 22,7
4,4 4,6 4,8 4,8 4,8 5,0 5,0
Dados do U.S. Bureau of the Census, Washington, DC.
71
72
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
(Porcentagem)
3,1 2,8 2,6 2,4 2,2
1,3 0,7
1910–30
1930–50
1950–70
1970–90 1990–2010
2010–30
2030–50
FIGURA 2.5-1 Taxa anual de crescimento médio da população idosa. (Dados do U.S. Bureau of the Census.)
82,3 76,3 67,4 55,4 43,7 33,5 26,5
65–69
70–74
75–79
80–84
85–89
90–94
95+
FIGURA 2.5-2 Número de homens por 100 mulheres, por idade. (Dados do U.S. Bureau of the Census.)
Idade
riosclerose e a hipertensão. A hiperlipidemia apresenta uma correlação com doença coronariana e pode ser controlada pela redução do peso corporal, diminuição do consumo de gordura saturada e limitação do colesterol. Aumentar o consumo diário de fibras também pode ajudar a reduzir os níveis de lipoproteínas no soro. Um consumo diário de 30 mL de álcool foi correlacionado a longevidade e níveis elevados de lipoproteínas de alta densidade (HDL). Estudos também demonstraram que as estatinas que reduzem o colesterol têm o efeito de diminuir doenças cardiovasculares em pessoas com hiperlipidemia resistente a dietas ou a exercícios. O consumo baixo de sal (menos de 3 g por dia) está associado a um risco menor de hipertensão. Pacientes geriátricos hipertensos freqüentemente conseguem corrigir sua condição com exercícios moderados e a redução do consumo de sal, sem o acréscimo de medicamentos. Um regime de exercícios diários moderados (caminhar 30 minutos por dia) foi associado a redução em doenças cardiovasculares, menor incidência de osteoporose, melhor funcio-
namento respiratório, manutenção do peso ideal e uma sensação geral de bem-estar. Essa prática melhora a força e o funcionamento, mesmo entre pessoas muito idosas. Em muitos casos, um processo de doença é revertido e até curado com dietas e exercícios, sem medicamentos adicionais ou intervenções cirúrgicas. A Tabela 2.5-4 lista as mudanças biológicas associadas a dietas e exercícios. Uma comparação com a Tabela 2.5-1 revela que quase todas as alterações biológicas associadas ao envelhecimento podem ser afetadas pela dieta e pela prática de exercícios. Teorias de estágios evolutivos da personalidade Os primeiros teóricos propuseram que o desenvolvimento estaria completo ao final da infância ou da adolescência. Um dos primeiros pesquisadores do desenvolvimento a propor que a personalidade continua a se desenvolver e crescer ao longo da vida foi
DESENVOLVIMENTO HUMANO AO LONGO DO CICLO VITAL
TABELA 2.5-4 Efeitos fisiológicos positivos e saudáveis da prática de exercícios e da nutrição Aumento Força de ossos, ligamentos e músculos Massa muscular e densidade corporal Espessura de cartilagens das articulações ATP, CRP, K+ e mioglobina dos músculos esqueléticos Conteúdo de enzimas oxidativas e mitocôndrias dos músculos esqueléticos Artérias colaterais e densidade de capilares nos músculos esqueléticos Volume e peso corporal Volume sangüíneo e hemoglobina circulante total Volume sistólico Contratibilidade do miocárdio CO2 máximo (A-V) Concentração máxima de lactato no sangue Ventilação pulmonar máxima Trabalho respiratório máximo Capacidade máxima de difusão de oxigênio Capacidade máxima de fazer exercícios, mensurada pelo consumo de oxigênio, pelo tempo do exercício e pela distância Concentração de lipoproteínas de alta densidade no soro Patamar anaeróbio Concentração de insulina no plasma com exercícios submáximos Redução Freqüência cardíaca em repouso e durante exercícios submáximos Concentração de lactato no sangue durante exercícios submáximos Ventilação pulmonar durante exercícios submáximos Quociente respiratório durante exercícios submáximos Concentração de triglicerídeos no soro Gordura corporal Concentração de lipoproteínas de baixa densidade no soro Pressão arterial sistólica Patamar de temperatura central para iniciar suor Conteúdo de sódio e cloreto no suor Epinefrina e noradrenalina no plasma com exercícios submáximos Concentrações de glucagon e hormônio do crescimento no plasma com exercícios submáximos Hemoconcentração relativa com exercícios submáximos no calor Reimpressa com permissão de Buskirk ER. In: White PL, Monderka T, eds. Diet and Exercise: Synergism in Health Maintenance. Chicago: American Medical Association; 1982:133.
Erik Erikson (Tab. 2.5-5). Ele acreditava que tal processo ocorre através de uma série de estágios psicossociais, cada um com seu conflito próprio, que é resolvido com maior ou menor sucesso pelo indivíduo. Erikson chamou a crise da última época da vida de integridade versus desespero e acreditava que a resolução bemsucedida dessa crise envolve um processo de revisão da vida, que culmina em um nível de paz e sabedoria quando o indivíduo aceita a forma como conduziu sua vida. Por exemplo, Erikson propôs que a resolução bem-sucedida dessa crise seria caracterizada por uma sensação de ter vivido bem, enquanto uma resolução com menos sucesso estaria relacionada ao fato de sentir que a vida foi curta demais, que as escolhas não foram sensatas, e de manifestar amargura quanto a não ter outra chance de viver novamente. Diversos estudos buscaram validar aspectos da teoria de Erikson. Em um deles, uma amostra de mais de 400 homens foi estudada de maneira prospectiva, e o estágio de vida eriksoniano mais elevado que cada participante alcançou foi classificado segundo dados coletados sobre
73
TABELA 2.5-5 Teóricos do desenvolvimento da velhice Maior controle do ego e do id com o envelhecimento resulta em maior autonomia. A regressão pode permitir que modos primitivos de funcionamento reapareçam. Erik Erikson O conflito central na velhice é entre a integridade, o sentido de satisfação oriundo da constatação de ter vivido de forma produtiva, e o desespero, o sentido de que a vida teve pouco propósito ou significado. O contentamento na velhice decorre apenas de ultrapassar o narcisismo para chegar à intimidade e à produtividade. Heinz Kohut As pessoas idosas devem enfrentar danos narcisistas continuamente, à medida que tentam se adaptar às perdas biológicas, psicológicas e sociais relacionadas ao processo de envelhecimento. A manutenção da auto-estima é uma das principais tarefas desta fase. Bernice Neugarten O principal conflito da velhice está relacionado ao fato de abandonar a posição de autoridade e avaliar realizações e a competência perdida. É um tempo de reconciliação com os demais e resolução do luto pela morte de outras pessoas e a própria morte, que se aproxima. Daniel Levinson A idade entre 60 e 65 anos é um período de transição (“a transição para a idade adulta tardia”). Pessoas narcisistas e atentas demais à aparência corporal estão propensas a se preocupar com a morte. A atividade mental criativa é um substituto normal e saudável para a atividade física reduzida. Sigmund Freud
as circunstâncias de suas vidas. Por exemplo, se um homem tivesse alcançado a independência de sua família de origem e fosse auto-suficiente, mas incapaz de desenvolver um relacionamento íntimo, o estágio de vida mais elevado seria o da identidade, e não o da intimidade. Esse estudo observou que os estágios eriksonianos passam em ordem seqüencial, embora muitas vezes não na mesma idade para indivíduos diferentes, e que são surpreendentemente universais em populações diversas, tanto sob o aspecto étnico quanto econômico. Um estudo longitudinal com aproximadamente 500 sujeitos de duas coortes etárias verificou que o grupo mais jovem apresentou escores significativamente mais altos em integridade do que o grupo mais velho, e os escores para ambas as coortes em integridade haviam diminuído de forma significativa ao final do teste. Esses dados sugerem que o conflito de integridade versus desespero pode ter um resultado mais favorável em coortes etárias mais jovens do que nas mais velhas, levantando a possibilidade de que mudanças em valores da sociedade tenham um impacto negativo sobre a busca da integridade. Outro estudo verificou que a sabedoria, um construto relacionado à integridade, apresentava uma relação mais forte com a satisfação na vida em adultos idosos do que outras variáveis, incluindo finanças, saúde e condições de vida.
A personalidade ao longo da vida: estabilidade ou mudança? Enquanto Erikson e outros teóricos do desenvolvimento concentraram-se em tarefas específicas e estágios centrais a cada fase da vida, muitos detiveram-se em definir traços fundamentais da personalidade do indivíduo e em determinar seu cur-
74
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
so ao longo da vida. Por exemplo, será que pessoas gregárias ou extrovertidas durante a primeira infância e a adolescência permanecem com tais características na meia-idade e na velhice? Diversos estudos longitudinais bem-projetados que acompanharam indivíduos em períodos de 10 a 50 anos encontraram fortes evidências de estabilidade em cinco traços básicos da personalidade: extroversão, neurose, amabilidade, abertura a experiências e consciência. Algumas pesquisas encontraram leves reduções em extroversão e aumentos pouco significativos em amabilidade à medida que os indivíduos passam para a categoria de idosos mais velhos, o que difere das primeiras teorias, que propunham que a personalidade fica mais rígida à medida que se envelhece. Será que o fato de a personalidade parecer ter considerável estabilidade ao longo do tempo é inconsistente com os princípios básicos das teorias de estágios? Talvez não. É possível que, enquanto os indivíduos são consistentes ao longo do tempo na estrutura básica de sua personalidade, os temas e conflitos com os quais lutam mudem de forma considerável ao longo da vida, variando de preocupações com desenvolver a identidade e um sentido de individualidade estável até encontrar um parceiro e questões relacionadas à revisão da vida, conforme a hipótese das teorias de estágios. Além disso, ao desenvolver teorias sobre a mudança da personalidade, poucos estudos examinaram o impacto de eventos históricos significativos sobre a personalidade. Assim, a maneira como esses eventos podem influenciar alterações na personalidade não foi estudada de forma sistemática. ASPECTOS PSICOSSOCIAIS DO ENVELHECIMENTO Atividade social Pessoas idosas saudáveis normalmente mantêm um nível de atividade social apenas levemente diferente do que tinham em anos anteriores. Para muitas delas, a velhice é um período de crescimento intelectual, emocional e psicológico continuado. Porém, em certos casos, doenças físicas ou a morte de amigos e parentes podem bloquear essas interações. Além disso, à medida que as pessoas experimentam uma sensação maior de isolamento, tor-
nam-se vulneráveis à depressão. Uma quantidade crescente de evidências indica que manter atividades sociais é importante para o bem-estar físico e emocional. O contato com pessoas mais jovens também é importante. As pessoas idosas podem transmitir valores culturais e proporcionar cuidado para as novas gerações e, assim, manter um sentido de utilidade que contribui para a autoestima. Preconceito de idade O preconceito de idade (ageism, em inglês), um termo cunhado por Robert Butler, refere-se à discriminação de adultos jovens para com pessoas idosas e a estereótipos negativos acerca da velhice. Os próprios idosos podem ofender e temer outros idosos e discriminá-los. No esquema de Butler, as pessoas muitas vezes associam velhice a solidão, má saúde, senilidade e fraqueza geral ou enfermidade. A experiência dos idosos, porém, não sustenta essa atitude de maneira consistente. Por exemplo, embora 50% dos jovens adultos esperem que a saúde seja um problema para pessoas com mais de 65 anos, 75% dos indivíduos entre 65 e 74 anos descrevem sua saúde como boa. Dois terços das pessoas a partir de 75 anos evidenciam o mesmo. Quando existem, os problemas de saúde costumam envolver doenças crônicas, em vez de agudas. Mais de quatro em cada cinco pessoas com mais de 65 anos têm pelo menos uma doença crônica (Tab. 2.5-6). Todavia, uma saúde boa não é o único determinante da qualidade de vida na velhice. Pesquisas mostram que os contatos sociais são, no mínimo, tão valorizados quanto ela. De fato, os aspectos que afetam um bom envelhecimento parecem ser multidimensionais. Envelhecer “robustamente” significa considerar o envelhecimento em termos do envolvimento produtivo, do status afetivo, funcional e cognitivo. Esses quatro indicadores apenas apresentam correlações mínimas. Os indivíduos que envelhecem de forma mais robusta relatam ter mais contatos sociais, melhor saúde e visão e menos eventos significativos em suas vidas nos últimos três anos do que aqueles cujo envelhecimento não é tão bem-sucedido. Existe uma redução linear e relacionada à idade no vigor, mas ele ainda pode ser encontrado entre os idosos mais velhos.
TABELA 2.5-6 As 10 principais condições crônicas para pessoas com 65 anos ou mais, por idade e raça (número por 1.000 pessoas) Idade Condição Artrite Hipertensão Problemas auditivos Doenças cardíacas Catarata Deformações ou problemas ortopédicos Sinusite crônica Diabete Problemas visuais Varizes
Raça (65+)
65+
45 a 64
65 a 74
75+
Branca
Negra
Negra como % da branca
483,0 380,6 286,5 278,9 156,8 155,2
253,8 229,1 127,7 118,9 16,1 155,5
437,3 383,8 239,4 231,6 107,4 141,4
554,5 375,6 360,3 353,0 234,3 177,0
483,2 367,4 297,4 286,5 160,7 156,2
522,6 517,7 174,5 220,5 139,8 150,8
108 141 59 77 87 97
153,4 88,2 81,9 78,1
173,5 58,2 45,1 57,8
151,8 89,7 69,3 72,6
155,8 85,7 101,7 86,6
157,1 80,2 81,1 80,3
125,2 165,9 77,0 64,0
80 207 95 80
Dados do National Center for Health Statistics, Washington, DC.
DESENVOLVIMENTO HUMANO AO LONGO DO CICLO VITAL
George Vaillant acompanhou um grupo de calouros de Harvard até a velhice e verificou o seguinte sobre a saúde emocional aos 65 anos: o fato de terem sido próximos dos irmãos durante a faculdade apresenta correlação com o bem-estar emocional; passar por experiências traumáticas precoces, como a morte de um dos pais ou o divórcio parental, não apresentou correlação com a má adaptação à velhice; uma depressão em algum momento entre 21 e 50 anos previu problemas emocionais aos 65 anos; e os traços de personalidade de pragmatismo e confiança como adulto jovem foram associados a um sentido de bem-estar na velhice.
75
de 67 em 2027) e benefícios com taxas reduzidas para indivíduos a partir de 62 anos. Para se qualificar a receber ajuda financeira, a pessoa deve ter trabalhado por tempo suficiente para ser segurada: cerca de 10 anos. Também são pagos benefícios a viúvos e filhos dependentes se a pessoa que recebe os benefícios ou contribui para o Social Security morrer (benefícios para sobreviventes). Não se trata de um esquema de pensão, mas de um complemento de renda para prevenir a miséria em massa entre os idosos. Os benefícios são pagos para os aposentados por aqueles que ainda trabalham. Prevêem-se dificuldades sérias para o Social Security nas próximas três décadas, quando o número de pessoas de meia-idade que alcança a velhice exceder o número de trabalhadores que contribuem com o plano.
Contratransferência Os sentimentos e as atitudes dos médicos para com pessoas idosas partem de uma variedade de fontes: contratransferência, exigências da sociedade e posturas dos pacientes para com o envelhecer. Os sentimentos de contratransferência com relação ao envelhecimento são determinados pelas necessidades e experiências passadas do médico. Este pode manifestar insegurança acerca da própria idade ou então ter tido conflitos quanto ao envelhecimento ou à morte de pais ou avós. Os médicos devem estar cientes dessas sensações, especialmente das negativas. Certas pessoas idosas podem representar as expectativas negativas de seus médicos, podendo perder a confiança em suas capacidades e parecer menos capazes do que realmente são. Socioeconomia A condição econômica na velhice é de importância fundamental para os próprios idosos e para a sociedade em geral. Os últimos 30 anos assistiram a uma redução dramática na proporção da população idosa norte-americana pobre, principalmente como resultado de entidades como Medicare, Social Security e pensões privadas. Em 1959, 35,2% das pessoas com mais de 65 anos viviam abaixo da linha da pobreza, mas, em 1995, esse número havia caído para 10,5%, a primeira vez que essa taxa foi menor do que a de pessoas em idade de trabalhar. Indivíduos com mais de 65 anos representam 12% da população, mas incluem 9% dos que vivem em níveis socioeconômicos baixos. As mulheres têm maior probabilidade do que os homens de ser pobres. As fontes de renda variam entre as pessoas com 65 anos ou mais. Apesar de ganhos econômicos gerais, muitos idosos se preocupam tanto com o dinheiro que a apreciação da vida fica reduzida. A obtenção de cuidado médico adequado pode ser especialmente difícil quando não há fundos pessoais disponíveis ou suficientes. O programa Medicare oferece seguro hospitalar e médico para pessoas com mais de 65 anos. Em torno de 150 milhões de contas médicas são reembolsadas pelo Medicare a cada ano, mas ele cobre apenas uma média de 40% de todas as despesas médicas. O restante é pago por seguros privados, seguros estatais ou fundos pessoais. Alguns serviços – como tratamento psiquiátrico, enfermagem especializada, reabilitação física e exames físicos preventivos – têm cobertura mínima ou nenhuma. Além do Medicare, o programa Social Security paga benefícios para pessoas com mais de 65 anos (acima de 66 em 2009 e
Aposentadoria Para muitos idosos, a aposentadoria é a época de buscar prazer e de se libertar da responsabilidade dos compromissos de trabalho. Para outros, é um tempo de estresse, especialmente quando a aposentadoria resulta em problemas econômicos ou na perda da auto-estima. De maneira ideal, ter um emprego após os 65 anos deveria ser uma questão de escolha. Com o Age Discrimination Employment Act de 1967 e suas emendas, a aposentadoria forçada aos 70 anos foi praticamente eliminada no setor privado e não é legal em empregos federais. A maior parte dos que se aposentam voluntariamente volta à força de trabalho em dois anos, por uma variedade de razões – reações negativas a estar aposentado, sensação de ser improdutivo, dificuldades econômicas e solidão. A quantidade de tempo aposentado aumentou, pois a expectativa de vida quase dobrou desde 1900. Atualmente, o número de anos que um indivíduo passa na aposentadoria é quase igual ao número de anos que trabalhou. Atividade sexual Estima-se que 70% dos homens e 20% das mulheres com mais de 60 anos sejam sexualmente ativos. A atividade sexual normalmente é limitada pela ausência de um parceiro disponível. Estudos longitudinais observaram que o desejo sexual não diminui à medida que se envelhece. De fato, alguns relatam aumento do mesmo. William Masters e Virginia Johnson evidenciaram haver funcionamento sexual entre pessoas na faixa dos 80 anos. As mudanças fisiológicas esperadas em homens incluem um tempo maior para ocorrer a ereção, menor turgidez peniana e incontinência ejaculatória. Em mulheres, a redução na lubrificação vaginal e a atrofia vaginal são associadas a níveis mais baixos de estrógeno. Os medicamentos também podem afetar o comportamento sexual. Uma constatação significativa foi que, quanto mais ativa foi a vida da pessoa na idade adulta jovem, mais probabilidade terá de ser ativa na velhice. Cuidado de longa duração Muitos idosos enfermos necessitam de atenção institucional. Embora apenas 5% estejam institucionalizados em asilos em um
76
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
dado momento, uma média de 35% exige atenção em instituição em algum período de suas vidas (Fig. 2.5-3). Os idosos residentes em asilos costumam ser mulheres viúvas, e cerca de 50% têm mais de 85 anos. Os custos do cuidado em clínicas geriátricas não são cobertos pelo Medicare e variam de 20 a 50 mil dólares por ano. Existem em torno de 20 mil instituições de cuidado de longa duração nos Estados Unidos – número insuficiente para atender a demanda existente. Os idosos que não necessitam de um cuidado especializado podem ser tratados em outros tipos de instalações relacionadas à saúde, como centros que freqüentam durante o dia, mas a exigência de cuidado excede muito a disponibilidade de locais assim. Fora das instituições, o cuidado dessas pessoas é feito pelos filhos (principalmente filhas e noras), pelas esposas e por outras mulheres (Fig. 2.5-4). Mais de 50% dessas mulheres também trabalham fora de casa, e mais ou menos 40% também cuidam de seus filhos. De modo geral, as mulheres acabam proporcionando
14
tâncias em pessoas idosas. A depressão costuma ser acompanhada por sintomas físicos ou alterações cognitivas que podem se assemelhar a uma demência. A incidência de suicídio entre os idosos é significativa (40 por 100 mil), sendo mais alta para homens brancos idosos. O suicídio nesse período é percebido de maneira diferente por amigos e familiares com base no gênero: considera-se que os homens estavam fisicamente doentes, e as mulheres, mentalmente doentes. A relação entre boa saúde mental e boa saúde física é clara entre pessoas idosas. Efeitos adversos no curso de doenças crônicas apresentam correlação com problemas emocionais. (Uma ampla discussão de problemas psiquiátricos em idosos pode ser encontrada no Capítulo 55.) Sugerimos ao leitor o Capítulo 60 para um aprofundamento sobre a prestação de serviços de saúde em psiquiatria e medicina, no qual podem-se encontrar mais dados socioeconômicos e demográficos refletindo todo o ciclo de vida.
Milhões
12 10 8
Vivendo na comunidade
6 4 2 0 1980
Vivendo em asilos
2000
2040
FIGURA 2.5-3 Pessoas com 65 anos ou mais em necessidade de cuidados de longa duração: 1980-2040. (Reproduzida com permissão de Manton B, Soldo J. Dynamics of health changes in the oldest old: New perspectives and evidence. Milbank Q. 1985;63:12.)
Ano
mais cuidados do que os homens devido a expectativas culturais e da sociedade. Segundo a American Association of Retired Persons, as filhas que trabalham passam uma média de 12 horas por semana cuidando de seus pais idosos e gastam em torno de 150 dólares por mês com transporte, telefone, alimentos especiais e medicamentos para eles. PROBLEMAS PSIQUIÁTRICOS Apesar da onipresença da doença na velhice, a prevalência de transtorno depressivo maior e de distimia é menor do que em grupos mais jovens. Foram propostas diversas explicações para tal fenômeno: a raridade da depressão de início tardio, a mortalidade mais alta entre pessoas com depressão e uma redução geral em transtornos causados por problemas emocionais ou abuso de subs-
Filhas 29%
Esposas 23%
Filhos 8%
Outras mulheres 20%
Outros homens 7% Maridos 13%
FIGURA 2.5-4 Cuidadores e seu relacionamento com o idoso que recebe o atendimento. (Dados do Select Committee on Aging, U.S. House of Representatives.)
DESENVOLVIMENTO HUMANO AO LONGO DO CICLO VITAL
77
REFERÊNCIAS
DEFINIÇÕES
Aging America: Trends and Projections. Washington, DC: US Government Printing Office; 1991. Butler RN, Lewis MI. Aging and Mental Health; Positive Psychosocial and Biomedical Approaches. 3rd ed. St. Louis: CV Mosby; 1982. Erikson EH, Erikson JM, Kivnick HG. Vital Involvement in Old Age. New York: WW Norton; 1986. Ernst C, Angst J. Depression in old age. Is there a real decrease in prevalence? A review. Eur Arch Psychiatry Clin Neurosci. 1995;245:272. Farquhar M. Elderly people’s definitions of quality of life. Soc Sci Med. 1995;41:1439. Garfein AJ, Herzog AR. Robust aging among the young-old, old-old, and oldest-old. J Gerontol B Psychol Sci Soc Sci. 1995;50:S77. Gutmann D. The Human Elder in Nature, Culture, and Society: Lives in Context. Boulder, CO: Westview Press; 1997. Jarvik LF. Geriatric psychiatry. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2980. Marris P. Holding onto meaning through the life cycle. In: Weiss RS, Bass SA, eds. Challenges of the Third Age: Meaning and Purpose in Later Life. London: Oxford University Press; 2002:13. Pollock GH, Greenspan SI, eds. The Course of Life. Vol 7: Completing the Journey. Madison, CT: International Universities Press; 1998. Pruchno R, Kleban MH. Caring for an institutionalized parent: the role of coping strategies. Psychol Aging. 1993;8:18. Schiavi RC, Schreiner-Engel P, Mandeli J, Schanzer H, Cohen E. Healthy aging and male sexual function. Am J Psychiatry. 1990;147:766. Stoller EP, Forster E, Portugal S. Self-care responses to symptoms by older people: a healthy diary study of illness behavior. Med Care. 1993;31:24. West RL, Crook TH, Barron KL. Everyday memory performance across the life span: effects of age and noncognitive individual differences. Psychol Aging. 1992;7:72.
Os termos morte e morrer não são sinônimos e não têm definições inequívocas. Entretanto, uma vez que questões médicas, legais e morais se agrupam em torno de quando e como a morte ocorre, fazem-se necessárias definições. A morte pode ser considerada a cessação absoluta das funções vitais, enquanto o morrer é o processo de perder essas funções. Morrer também pode ser considerado um concomitante evolutivo de viver, uma parte do continuum nascimento-morte. Viver pode significar inúmeras “minimortes”: o final do crescimento e de seu potencial; doenças que comprometam a saúde; perdas múltiplas; menor vitalidade; maior dependência com o envelhecimento; e, finalmente, a morte. O ato de morrer e a consciência que se tem dele levam ao desenvolvimento de valores, paixões, desejos e incentivo para fazer o melhor com o tempo de que se dispõe. Os avanços na tecnologia mudaram o foco das definições de morte. Desde o final da década de 1960, seu conceito mudou de um foco no funcionamento respiratório e circulatório para um foco na atividade cerebral. O funcionamento cerebral e o potencial de ressuscitação de pacientes mantidos por meios mecânicos recebem a ênfase atual. O surgimento de transplantes de coração na década de 1960 fez com que a “morte cerebral” adquirisse proeminência. Para os transplantes, são necessários doadores com órgãos intactos e viáveis, mas, como estes perdem a funcionalidade com o uso prolongado de respiração artificial, os médicos devem ser capazes de identificar quando há morte cerebral em doadores potenciais. Lei da Definição Uniforme de Morte
2.6 A morte, o morrer e o luto A morte é um fenômeno universal e inevitável, que provoca sentimentos de pavor e medo em pacientes moribundos, assim como em suas famílias e nos provedores de cuidados de saúde. Na prática clínica, não é domínio especial de nenhuma disciplina em particular ou especialidade de nenhum ramo da medicina. Pelo contrário, é a lembrança universal da vida e de seus significados. Médicos, profissionais da saúde mental e líderes espirituais envolvem-se em situações de cuidados terminais, e, cada vez mais, pessoas morrem em cenários de hospitais ou asilos, em vez de em casa. Isso coloca a comunidade médica diante de decisões sobre quando e como a vida deve terminar. De maneira semelhante, o papel dos médicos com relação aos impulsos suicidas de seus pacientes está se tornando mais complexo. Em vez de se posicionarem uniformemente ao lado de preservar a vida e prevenir o suicídio, hoje são chamados em certas circunstâncias e em nome da compaixão e da dignidade a ajudar certos pacientes a realizar seus desejos suicidas. Esta seção trata da tanatologia, que é o estudo da experiência da morte, do processo de morrer e do luto. O leitor encontrará uma ampla discussão de questões relacionadas no Capítulo 56, sobre os cuidados e a medicina paliativa no final da vida.
Respondendo a essa necessidade, a comissão presidencial para o estudo de problemas éticos em medicina e na pesquisa biomédica e comportamental publicou sua definição de morte em 1981. A Lei da Definição Uniforme de Morte estabeleceu que alguém que tenha tido (1) cessação irreversível do funcionamento circulatório e respiratório ou (2) cessação irreversível de todas as funções do cérebro, incluindo o tronco encefálico, está morto. A determinação da morte deve ser feita de acordo com padrões médicos aceitos. As diretrizes recomendaram um período de observação de 24 horas para os pacientes, com testes confirmatórios durante esse tempo (Tab. 2.6-1). REAÇÕES À MORTE As pessoas reagem à morte dependendo do contexto. Por exemplo, podem vivenciá-la como ocorrendo em momento adequado ou inadequado: adequado, quando a sobrevida esperada e a duração da vida da pessoa são aproximadamente iguais, e inadequado, quando a morte é inesperada ou prematura. Aqueles que presenciam uma morte no momento oportuno não ficam surpresos ou chocados com ela, ao contrário dos que sofrem com uma morte inoportuna, como a de um jovem, uma pessoa que morre de repente ou uma pessoa cuja morte catastrófica esteja associada a violência, acidente ou total falta de sentido.
78
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 2.6-1 Critérios clínicos para morte cerebral em adultos e crianças Coma Ausência de respostas motoras Ausência de respostas das pupilas à luz e pupilas em posição média com relação à dilatação (4-6 mm) Ausência de reflexos da córnea Ausência de respostas calóricas Ausência de reflexos Ausência de tosse em resposta à sucção traqueal Ausência de reflexos de sucção e protração labial Ausência de impulso respiratório com PaCO2 a 60 mmHg ou 20 mmHg acima dos valores normais de basea Intervalo entre duas avaliações, conforme a idade do paciente Até 2 meses de idade, 48 horas >2 meses a 1 ano de idade, 24 horas >1 ano a <18 anos de idade, 12 horas ≥18 anos de idade, intervalo opcional Testes confirmatórios Até 2 meses de idade, dois testes confirmatórios >2 meses a 1 ano de idade, um teste confirmatório >1 ano a <18 anos de idade, opcional ≥18 anos de idade, opcional aPaCO denota a pressão parcial de dióxido de carbono arterial. 2 De Wijdicks EFM. The diagnosis of brain death. N Engl J Med. 2001;344:1216.
A morte também pode ser vista como intencional (suicídio), não-intencional (trauma ou doença) e subintencional (abuso de substâncias, dependência de álcool, tabagismo). Ela pode ter significados psicológicos múltiplos, tanto para a pessoa que está morrendo quanto para a sociedade em geral. Segundo a formulação de Susan Sontag, pode até assumir a força de uma metáfora. Por exemplo, algumas pessoas vêem a morte e certas doenças terminais como uma punição merecida por estilos de vida percebidos como imorais ou pecaminosos.
ou tentativa de suicídio), a demografia (idade, escolaridade, raça, sexo) e crenças religiosas não predispõem nenhum grupo a relatar tais percepções. As descrições de experiências de quase-morte costumam ser notavelmente semelhantes, podendo envolver casos nos quais a pessoa relata ter enxergado seu corpo e ouvido conversas; sensações de paz e tranqüilidade; ouvir um ruído distante; entrar em um túnel escuro; deixar o corpo para trás; encontrar parentes mortos; enxergar seres de luz; retornar à vida para terminar assuntos inacabados; e uma tristeza profunda ao se recuperar e sair da nova dimensão. Quase sempre, é uma experiência de paz e amor, que parece real para os participantes, que a distinguem de sonhos e alucinações. Esses acontecimentos podem provocar mudanças radicais no estilo de vida. Como são amplamente relatados na imprensa popular, os pacientes podem querer discutir esses eventos com seus médicos.
ASPECTOS LEGAIS DA MORTE Segundo a lei, os médicos devem assinar o atestado de óbito, que determina a causa da morte (p. ex., insuficiência cardíaca congestiva ou pneumonia). Eles também atribuem a causa da morte a fenômenos naturais, acidentais, suicídio, homicídio ou causas desconhecidas. Um examinador médico, um médico legista ou um patologista devem examinar qualquer pessoa que morra sem assistência médica e realizar uma necropsia para determinar a causa do falecimento. Em certos casos, realiza-se uma necropsia psicológica: examina-se a origem sociocultural e psicológica da pessoa de forma retrospectiva, entrevistando-se amigos, parentes e médicos para determinar se havia alguma doença mental, como um transtorno depressivo. Por exemplo, pode-se determinar que a pessoa morreu porque foi empurrada (assassinada) ou porque saltou (suicídio) de um prédio alto. Cada situação tem implicações médicas e legais claras.
MORTE PSICOGÊNICA Fatores emocionais podem ser suficientes para desencadear a morte súbita em certas pessoas que não estariam em risco. Por exemplo, uma fibrilação ventricular e um infarto do miocárdio podem acompanhar um estresse psíquico repentino. A morte por vodu, decorrente de feitiçaria, ocorre quando uma pessoa considerada dotada de uma força psíquica para causar a morte roga uma praga sobre alguém que acredita nesse tipo de manifestação. Nesses casos, o eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal e o sistema nervoso autônomo provavelmente ficam disfuncionais devido ao estresse emocional, causando a cessação de funções vitais. A menos que um curandeiro remova a praga, acredita-se, a pessoa sob tal praga ou feitiço pode morrer. Experiências extracorpóreas Muitas pessoas acreditam em vida após a morte, e fenômenos relacionados a esse aspecto foram relatados ao longo da História. Nos últimos anos, um grande número de pessoas nos Estados Unidos tem descrito esse tipo de evento. A forma do contato com a morte (doença, acidente
MORTE IMINENTE Elisabeth Kübler-Ross, psiquiatra e tanatologista, produziu um modelo útil e abrangente de reações à morte iminente. Um paciente moribundo raramente apresenta uma série regular de respostas que possa ser identificada com precisão. Nenhuma seqüência estabelecida se aplica a todos os pacientes. Entretanto, os cinco estágios seguintes propostos por esta autora são amplamente difundidos. Estágio 1 – Choque e negação Ao ser informadas de que estão morrendo, as pessoas inicialmente reagem com choque. Podem parecer confusas a princípio e se recusar a acreditar no diagnóstico, podendo negar que haja algo errado. Algumas delas nunca vão além deste estágio e trocam de médico até encontrar algum que sustente sua posição. O grau em que a negação é adaptativa ou mal-adaptativa parece depender do fato de continuar a obter tratamento, mesmo negando o prognóstico. Nesses casos, os médicos devem transmitir aos pacientes
DESENVOLVIMENTO HUMANO AO LONGO DO CICLO VITAL
e a suas famílias, de forma direta e respeitosa, informações básicas sobre a doença, seu prognóstico e as opções de tratamento. Para uma comunicação efetiva, deve-se permitir as reações emocionais dos pacientes, assegurando-os de que não serão abandonados. Estágio 2 – Raiva As pessoas ficam frustradas, irritadas e com raiva por estarem doentes. Em geral, perguntam: “Por que eu?”. E podem ter raiva de Deus, do destino, de um amigo ou de um familiar, culpando, inclusive, a si mesmas. Elas podem transferir sua raiva para o pessoal do hospital e para o médico, que culpam pela doença. Pacientes neste estágio são difíceis de tratar. Os médicos que têm dificuldade para compreender a raiva como uma reação previsível e um deslocamento podem se afastar dos pacientes ou transferi-los para outros profissionais. Os médicos que tratam pacientes que sentem raiva devem entender que esse sentimento não pode ser tomado como algo pessoal. Uma resposta empática e não-defensiva pode ajudar a demover a raiva e auxiliar o paciente a se concentrar em seus sentimentos profundos (p. ex., luto, medo, solidão). Também devem reconhecer que ela pode representar o desejo dos pacientes de controlar uma situação na qual se sentem completamente sem controle.
79
sivo maior e a ideação suicida ativa podem ser aliviados e não devem ser aceitos como reações normais à morte iminente. Uma pessoa que sofre de transtorno depressivo maior pode não conseguir ter esperança, a qual pode aumentar a dignidade e a qualidade de vida e até mesmo prolongar a longevidade. Estudos mostraram que alguns pacientes terminais conseguem postergar a morte até a passagem de um evento significativo de um ente querido (p. ex., a formatura de um neto). Estágio 5 – Aceitação No estágio da aceitação, os pacientes compreendem que a morte é inevitável e aceitam a universalidade da experiência. Seus sentimentos variam de humor neutro a eufórico. Em circunstâncias ideais, resolvem seus sentimentos para com a inevitabilidade da morte e conseguem falar sobre enfrentar o desconhecido. Pessoas com crenças religiosas firmes e convicção de uma vida após a morte às vezes encontram conforto na máxima eclesiástica: “Não tema a morte, lembre-se dos que já passaram e dos que estão por vir”. ATITUDES PARA COM A MORTE AO LONGO DO CICLO VITAL Crianças
Estágio 3 – Barganha Os pacientes podem tentar negociar com os médicos, os amigos ou mesmo com Deus. Em troca da cura, prometem cumprir uma ou muitas promessas, como fazer doações e freqüentar a igreja regularmente. Alguns acreditam que, se forem bons (obedientes, alegres, não-questionadores), o médico fará com que melhorem. O tratamento de pessoas assim envolve esclarecer que será feito o máximo para que sejam tratados, independentemente de qualquer atitude ou comportamento por parte dos pacientes. Estes devem ser encorajados a atuar como parceiros em seu tratamento e a entender que ser um bom paciente significa ser o mais honesto e franco possível. Estágio 4 – Depressão No quarto estágio, os pacientes apresentam sinais clínicos de depressão – retraimento, retardo psicomotor, perturbações do sono, desesperança e, possivelmente, ideação suicida. A depressão pode ser uma reação aos efeitos da doença sobre suas vidas (p. ex., a perda do emprego, dificuldades econômicas, abandono, desesperança e isolamento de amigos e da família) ou ocorrer em antecipação à perda da vida que acabará por se efetivar. Um transtorno depressivo maior com sinais vegetativos e ideação suicida pode exigir tratamento com medicação antidepressiva ou eletroconvulsoterapia. Todas as pessoas sentem um pouco de tristeza em face da perspectiva de sua própria morte, e a tristeza normal não exige uma intervenção biológica. Contudo, o transtorno depres-
Os estágios do desenvolvimento emocional e cognitivo das crianças desempenham um papel significativo em sua percepção, interpretação e entendimento da morte. A capacidade de entender a morte reflete sua capacidade de entender qualquer conceito abstrato. Crianças pré-escolares com menos de 5 anos de idade (a fase pré-operatória de Jean Piaget) são animistas. Acreditam que tudo, mesmo um objeto inanimado, tem vida e somente estão cientes da morte no sentido de que ela é uma separação semelhante ao sono. Entre as idades de 5 e 10 anos (fase operatória concreta), têm um sentido inicial da mortalidade humana inevitável. Temem que seus pais morram e que sejam abandonadas. Por volta dos 9 ou 10 anos, conceitualizam a morte como algo que acontece com as crianças, assim como com os pais. Normalmente na puberdade os jovens percebem a morte como universal, irreversível e inevitável, assim como os adultos. Ao contrário de pais de outras partes do mundo, os de classe média nos Estados Unidos tendem a proteger os filhos do conhecimento da morte. No entanto, em vez de beneficiá-los, o ar de mistério que envolve a morte nesses casos pode criar neles temores irracionais. Crianças com doenças fatais geram grandes estresses emocionais para seus cuidadores, sejam eles pais, parentes, membros da equipe do hospital ou médicos. A presença consistente de uma pessoa confiável é essencial para proporcionar o cuidado adequado para uma criança moribunda. A separação da sua mãe é um evento tão traumático para a criança hospitalizada quanto a própria doença, e talvez ainda mais. Como observou John Bowlby, a presença da mãe ou de um cuidador conhecido e igualmente valorizado junto com a criança pode ajudar a aliviar sua ansiedade e facilitar o cuidado médico necessário.
80
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Adolescentes Capazes de realizar operações cognitivas formais, os adolescentes entendem que a morte é inevitável e definitiva. Seus principais temores são os de todos os adolescentes: perda do controle, o fato de ser imperfeito e diferente. Preocupações com a imagem corporal, perda de cabelo ou perda do controle do corpo podem gerar grande resistência a continuar o tratamento. Emoções alternadas de desespero, raiva, tristeza, amargura, terror e alegria são comuns. Sua capacidade cognitiva de entender a morte pode não se traduzir em uma compreensão de que a própria morte é possível. O potencial de retraimento e isolamento é grande, pois os adolescentes podem negar o medo do abandono rejeitando gestos solidários. Eles devem fazer parte do processo de tomada de decisões com relação à sua morte. Muitos são capazes de demonstrar grande coragem, benevolência e dignidade ao enfrentar essa realidade. Adultos Ao contrário das crianças e dos adolescentes, os idosos costumam aceitar prontamente que sua hora chegou. Podem fazer piadas ou falar abertamente sobre morrer e às vezes até esperam esse momento. Pessoas com mais de 70 anos não mantêm ilusões de indestrutibilidade. A maior parte delas já teve vários problemas potencialmente fatais, seus pais já morreram e já foram a funerais de amigos e parentes. Embora possam não ficar felizes por morrer, demonstram conformação com a idéia. Segundo Erik Erikson, o oitavo e último estágio do ciclo vital traz uma sensação de integridade ou de desespero. Quando os idosos entram na última fase de suas vidas, refletem sobre sua época e sobre como a viveram. Quando já se cuidou das coisas e se é relativamente bem-sucedido e adaptado aos triunfos e às decepções da vida, pode-se olhar para trás com satisfação e com poucos arrependimentos. Experimenta-se uma sensação de integridade com relação a si mesmo, sentindo ter vivido completamente e bem e percebendo que a vida foi significativa. A integridade do indivíduo permite aceitar doenças inevitáveis e a morte sem o medo de sucumbir à impotência. Todavia, a pessoa que olha para a vida como uma série de oportunidades perdidas ou cheia de infortúnios pessoais tem uma sensação de desespero, uma preocupação com o que poderia ter acontecido se isso ou aquilo tivesse sido diferente. Então, a morte é vista com medo, pois simboliza o vazio e o fracasso. PERDA, LUTO E PESAR Perda, luto e pesar são termos que se aplicam às reações psicológicas de pessoas que sobrevivem a perdas importantes. O luto é o sentimento subjetivo precipitado pela morte de um ente querido. O termo é usado como sinônimo para pesar, embora, em um sentido mais estreito, este seja o processo pelo qual o luto é resolvido. Ele é a expressão, pela sociedade, de comportamentos e práticas após a perda do ente querido. Perda literalmente significa o estado de ser privado de alguém pela morte e refere-se a estar sentindo um pesar. Independentemente das minúcias que dife-
renciam esses termos, as experiências de luto e perda apresentam semelhanças suficientes para fundamentar uma síndrome que tem sinais, sintomas, curso evidente e uma resolução esperada. A expressão de luto abrange uma ampla variedade de emoções, dependendo de normas e expectativas culturais (p. ex., certas culturas encorajam ou exigem uma demonstração intensa de emoções, ao passo que outras esperam o oposto) e das circunstâncias da perda (p. ex., uma morte repentina e inesperada versus uma morte claramente prevista). O trabalho de luto é um processo psicológico complexo de remover o apego e trabalhar a dor da perda. A Figura 2.6-1 sintetiza o conceito de determinadas manifestações reconhecíveis e previsíveis das fases do luto simples. Luto normal O luto simples é uma resposta normal, em vista da previsibilidade de seus sintomas e de seu curso. O luto inicial costuma se manifestar como um estado de choque que pode ser expresso como um sentimento de insensibilidade e uma sensação de confusão. Essa incapacidade aparente de compreender o que aconteceu pode ser passageira e é seguida por expressões de sofrimento e perturbação, como suspiros e choro, uma característica menos comum entre os homens em culturas ocidentais do que entre as mulheres. Sentimentos de fraqueza, falta de apetite, perda de peso e dificuldade para se concentrar, respirar e falar também aparecem. Os transtornos do sono podem incluir dificuldade para pegar no sono, despertar durante a noite e acordar cedo pela manhã. Muitas vezes, ocorrem sonhos com a pessoa falecida, após os quais o indivíduo acorda com uma sensação de decepção por descobrir que a experiência foi apenas um sonho. A auto-repreensão é comum, embora seja menos intensa no luto normal do que no patológico. Pensamentos de auto-repreensão normalmente giram em torno de algum ato relativamente pequeno de omissão ou alguma atitude para com o falecido. Um fenômeno conhecido como culpa do sobrevivente ocorre em pessoas que se sentem aliviadas por outra pessoa ter morrido em seu lugar. Os sobreviventes às vezes acreditam que deveriam ter morrido no lugar do outro e podem (se a culpa persistir) ter dificuldade para estabelecer novos relacionamentos íntimos por medo de trair a pessoa falecida. Certas formas de negação também ocorrem durante a perda. É comum a pessoa negar involuntariamente a morte ou agir como se a perda não tivesse ocorrido. Tentativas de perpetuar o relacionamento perdido são evidenciadas por um investimento em objetos que a pessoa falecida estimava ou que façam lembrar dela (objetos de ligação). A sensação da presença da pessoa falecida pode ser tão intensa que constitui uma ilusão ou uma alucinação (p. ex., ouvir sua voz ou sentir sua presença). Porém, no luto normal, o sobrevivente entende que a percepção não é real. Como parte do que foi rotulado como fenômenos de identificação, um sobrevivente pode assumir as qualidades, os maneirismos ou as características da pessoa falecida para perpetuá-la de alguma forma concreta. Essa manobra pode alcançar uma expressão potencialmente patológica com o desenvolvimento de sintomas físicos semelhantes aos que a pessoa que morreu experimentava ou sugerindo a doença da qual a pessoa morreu.
DESENVOLVIMENTO HUMANO AO LONGO DO CICLO VITAL
Fase 1 Choque
Fase 2 Preocupação com o falecido
81
Fase 3 Resolução
Raiva Insensibilidade Emocional Tensão na garganta
Tristeza Insônia
Choro Anorexia Sintomas somáticos
Suspiros Fraqueza Vazio abdominal Fadiga Sensação de irrealidade
Culpa
Negação Sonhos
Pensamentos
Capacidade de pensar no passado com prazer
Descrença Pensamento sobre o morto Estágios motivacionais
Anedonia
Recuperação do interesse em atividades
Introversão Formação de novos relacionamentos
Bowlby propôs quatro estágios para a perda. O estágio 1 é uma fase inicial de desespero agudo que se caracteriza por insensibilidade e protesto. A negação pode ser imediata, e explosões de raiva e perturbação são comuns. Esse período pode durar momentos ou dias e ser revisitado periodicamente pela pessoa enlutada no decorrer do processo de pesar. O estágio 2, uma fase de saudade intensa e busca pela pessoa que morreu, se caracteriza por uma inquietação física e uma preocupação desgastante com o falecido. Pode durar vários meses ou até anos em uma forma atenuada. No estágio 3, descrito como uma fase de desorganização e desespero, a realidade da perda começa a se aprofundar. A sensação dominante é de estar apenas levando a vida, e a pessoa enlutada parece retraída, apática e indiferente. Normalmente, ocorrem insônia e perda de peso, assim como um sentimento de que a vida perdeu o significado. A pessoa enlutada revive constantemente memórias do falecido. Um sentimento inevitável de decepção ocorre quando se reconhece que as recordações não são nada mais do que isso. O estágio 4 é uma fase de reorganização, durante a qual os aspectos agudamente dolorosos do luto começam a amainar, e a pessoa enlutada sente que está voltando a viver. A pessoa falecida agora é lembrada com uma sensação de alegria e também tristeza, e sua imagem é internalizada. Período de luto Como as pessoas variam muito em relação à forma como expressam o luto, os sinais, sintomas e as fases do pesar e da perda não são tão
FIGURA 2.6-1 Fases do luto nãocomplicado. (Reimpressa com permissão de Brown JT, Stoudemire A. Normal and pathological grief. JAMA. 1983; 250:378.)
discretos como a sua caracterização poderia implicar. Entretanto, as manifestações de luto tendem a diminuir com o tempo. A duração e a intensidade de luto, especialmente as fases agudas, podem ser moldadas pela subitaneidade da morte. Se ocorrer sem aviso, o choque e a descrença podem durar muito tempo. Quando é prevista, grande parte do processo de pesar pode já ter ocorrido quando a morte chegar. Tradicionalmente, o luto dura de seis meses a um ano, período no qual a pessoa enlutada experimenta pelo menos um ano de separação. Alguns sinais e sintomas do luto podem persistir por mais de um ou dois anos, e o sobrevivente pode ter vários sentimentos, sintomas e comportamentos relacionados ao luto ao longo de sua vida. Finalmente, contudo, o luto normal é resolvido, e um estado de produtividade e relativo bem-estar é recuperado. De modo geral, os sintomas agudos do luto diminuem gradualmente e, dentro de um ou dois meses, a pessoa enlutada consegue comer, dormir e retornar ao seu funcionamento normal. Luto antecipatório O luto antecipatório é expresso antes de uma perda percebida como inevitável, distinguindo-se do luto que ocorre no momento ou logo após a perda. Por definição, o luto antecipatório termina com a ocorrência da perda prevista, independentemente das reações que ocorrerem. Ao contrário do luto convencional, que diminui em intensidade com a passagem do tempo, o luto antecipatório pode aumentar ou diminuir em intensidade à medida que a perda esperada se torna iminente. Em certos casos,
82
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
particularmente quando o momento decisivo é postergado, o luto pode ser ampliado, e a pessoa enlutada apresenta poucas manifestações de dor quando a perda ocorre. Quando o luto antecipatório é interrompido, pode ser difícil para a pessoa enlutada restabelecer o relacionamento anterior. Esse fenômeno é experimentado com o retorno de pessoas que estavam ausentes há muito tempo (p. ex., na guerra ou confinadas em campos de concentração) ou tidas como mortas. Reações de aniversário. Quando o elemento que desencadeia uma reação aguda de luto é uma ocasião especial, como uma data comemorativa ou um aniversário, esse resgate do luto é chamado de reação de aniversário. Não é incomum uma reação desse tipo todos os anos no dia em que a pessoa em questão morreu ou, em alguns casos, quando o indivíduo enlutado completa a mesma idade que o falecido tinha quando morreu. Embora essas atitudes tendam a se tornar relativamente leves e breves ao longo do tempo, podem ser experimentadas como um reviver do luto original e durar horas ou dias. Luto complicado, patológico ou anormal Certas pessoas experimentam um curso anormal de luto e pesar. O luto patológico pode assumir diversas formas, desde luto ausente ou retardado a uma forma excessivamente intensa e prolongada, bem como luto associado a ideações suicidas ou sintomas psicóticos claros. As pessoas com maior risco de uma reação de luto anormal são aquelas que sofrem uma perda repentina ou em circunstâncias horríveis, as pessoas socialmente isoladas, as que se julgam responsáveis (responsabilidade real ou imaginada) pela morte, as que têm história de perdas traumáticas e as que tinham um relacionamento intensamente ambivalente ou dependente com a pessoa falecida. Certos relacionamentos, independentemente das aparências sociais, são tão negativos que o luto reduzido ou ausente é uma conseqüência normal e apropriada das animosidades geradas entre os envolvidos. Nesses casos, as implicações da morte da pessoa, mesmo que seja o cônjuge ou os pais, podem ser decididamente positivas para a pessoa que fica. Outras formas de luto anormal ocorrem quando alguns aspectos do luto normal são distorcidos ou intensificados em proporções psicóticas. A identificação com a pessoa falecida, como assumir certos traços ou admirar certas posses, é normal; no entanto, acreditar ser a pessoa falecida ou estar morrendo da mesma causa que ela (se, de fato, isso não for verdade) não é normal. Ouvir a voz fugaz e passageira de uma pessoa falecida pode ser justificável, mas alucinações auditivas persistentes, intrusivas e complexas não. A negação de certos aspectos da morte é normal, mas a negação que inclui a crença de que a pessoa morta ainda está viva é patológica. Luto versus depressão O luto e a depressão compartilham muitas características: tristeza, choro, perda de apetite, sono de má qualidade e um interesse
menor pelo mundo. Todavia, existem diferenças suficientes para os psiquiatras os tratarem como síndromes separadas (Tab. 2.6-2). O transtorno do humor verificado na depressão costuma ser global e ininterrupto, e quaisquer flutuações que ocorram no humor são relativamente pequenas. No luto, as flutuações são comuns. As pessoas muitas vezes descrevem o luto como algo que vem em ondas, que as atingem de forma intempestiva e depois diminuem. Mesmo no caso de intenso luto, momentos de leveza e felicidade são possíveis. A vergonha e a culpa são comuns na depressão, mas, quando ocorrem no luto, normalmente envolvem a sensação de não se ter feito o suficiente pelo falecido antes de sua morte. Na depressão, ambas partem de uma crença fundamental de que se é mau ou imprestável. O entendimento de que o luto tem tempo limitado é muito importante. Muitas pessoas que sofrem de depressão maior não têm esperança e não conseguem imaginar que podem se sentir melhor. Aqueles que já tiveram depressão anteriormente correm risco de ficar deprimidos em momentos de perdas importantes, e a história clínica de um indivíduo enlutado pode ajudar a julgar uma reação atual. Pessoas depressivas ameaçam cometer suicídio com mais freqüência do que as enlutadas, as quais, exceto em situações inusitadas – por exemplo, pessoas fisicamente dependentes e idosos –, não desejam morrer realmente, mesmo que afirmando que a vida é insuportável. Os médicos devem determinar quando o luto se tornou patológico e evoluiu para um transtorno depressivo maior. O luto é um estado normal, ainda que intensamente doloroso, o qual responde ao apoio, à empatia e à passagem do tempo. O transtorno depressivo maior é uma emergência médica potencial que exige intervenção imediata para prevenir uma complicação como o suicídio.
TABELA 2.6-2 Diferenciação entre sintomas depressivos associados à perda de um ente querido e a transtorno depressivo maior Perda de um ente querido
Transtorno depressivo maior
Os sintomas podem satisfazer os critérios de síndrome para episódio depressivo maior, mas o sobrevivente raramente tem sentimentos mórbidos de culpa e inutilidade, ideação suicida ou retardos psicomotores Disforia muitas vezes é desencadeada por pensamentos ou lembranças do falecido
Qualquer sintoma definido pelo DSM-IV-TR
Início dentro dos primeiros dois meses da perda Duração de sintomas depressivos inferior a dois meses Limitações funcionais passageiras e leves Não há história familiar ou pessoal de transtorno depressivo maior
Disforia normalmente é autônoma e independente de pensamentos ou lembranças do falecido Início a qualquer momento Depressão normalmente se torna crônica, intermitente ou episódica Distúrbios ou limitações clinicamente significativos História familiar ou pessoal de transtorno depressivo maior
Cortesia de Sidney Zisook, M.D., e Nancy S. Downs, M.D.
DESENVOLVIMENTO HUMANO AO LONGO DO CICLO VITAL
83
A criança enlutada
Psicodinâmica
Bowlby também estudou a situação da perda de entes queridos em crianças, um processo semelhante ao de adultos, especialmente quando elas conseguem entender a irrevogabilidade da morte. O processo de pesar assemelha-se ao de separação por dispor de três fases: protesto, desespero e desapego. Na fase de protesto, a criança tem um forte desejo pela mãe ou por outro cuidador que tenha morrido e chora por sua volta. Na fase do desespero, começa a perder as esperanças com relação à volta dessa pessoa, o choro é intermitente, e há retraimento e apatia. Na fase de desapego, tende a abandonar o apego emocional com a pessoa morta e a exibir um interesse renovado pelo mundo que a rodeia. Ao lidar com uma criança enlutada, o clínico deve reconhecer sua necessidade de encontrar alguém para substituir a pessoa morta. As crianças podem transferir sua necessidade de um pai para vários adultos em vez de apenas um. Se não houver uma pessoa que esteja consistentemente disponível, pode haver um grave prejuízo psicológico, de modo que a criança não mais procure ou espere ter intimidade em nenhum relacionamento. A importância de administrar as reações de luto é enfatizada pelo aumento de evidências de que os transtornos depressivos e as tentativas de suicídio ocorrem com mais freqüência em adultos que experimentaram a morte de um dos pais na infância. É comum a questão de se as crianças devem participar dos funerais, e não existe uma regra rígida e rápida para respondê-la. A maioria dos especialistas concorda que, se a criança expressa o desejo de ir, isso deve ser respeitado. Se reluta ou se recusa a participar, tal desejo também deve ser respeitado. Na maioria das circunstâncias, provavelmente é melhor encorajá-la a tomar parte, para que o ritual não seja envolvido em uma fantasia ou em um mistério assustador e distorcido.
Em 1917, Sigmund Freud escreveu em Luto e Melancolia que o luto normal (pesar) resulta da retirada da libido proveniente do apego com o objeto perdido. A perda é percebida de forma clara e sem ambivalências, e a pessoa que morreu acaba, por meio do trabalho de luto, sendo internalizada como um objeto amoroso e amado. No luto anormal (melancolia), o objeto perdido não é abandonado, mas incorporado na psique do sobrevivente como um objeto carregado de sentimentos negativos. Esses sentimentos negativos para com a pessoa falecida são experimentados como parte do self, e o sobrevivente fica deprimido, tem pouca auto-estima, sente-se inútil e faz acusações contra si mesmo, com possíveis expectativas delirantes de punição. A distinção de Freud entre o luto e a melancolia ainda é considerada válida – ou seja, uma perda exagerada de auto-estima não faz parte do luto normal. Outros teóricos psicanalíticos enfatizaram o papel da dinâmica inconsciente em reações de luto. Quanto maior a participação de fatores inconscientes e ambivalentes (p. ex., raiva para com a pessoa que morreu), maior a probabilidade de uma reação anormal de luto. Karl Abraham descreveu a introjeção do objeto perdido estimado e o direcionamento subseqüente da raiva para ele.
Luto parental Os pais reagem à morte de uma criança ou ao nascimento de um bebê mal-formado através de estágios semelhantes aos que Kübler-Ross descreveu para as doenças terminais: choque, negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Uma morte dessa natureza costuma ser uma experiência emocional mais intensa do que a morte de um adulto. Os sentimentos de culpa e impotência podem ser avassaladores. Os pais podem acreditar que, de alguma forma, não protegeram seus filhos e que o fato de viverem mais tempo do que eles não é natural. Todas as esperanças, realizações e desejos associados a uma nova geração e que foram perdidos causam ainda mais dor. As manifestações de luto podem durar toda a vida. Uma morte repentina costuma ser mais traumática do que uma morte prolongada, pois pode ocorrer luto antecipatório quando se espera pelo fim. Um pai pode se tornar superprotetor para com um filho moribundo e cobri-lo de presentes que anteriormente eram negados. O estresse de lidar com tal situação pode fazer com que um casamento que já teve conflitos se desintegre. Os pais podem culpar um ao outro pela doença fatal da criança, especialmente se tiver uma base hereditária. Os médicos devem ficar alertas para esses padrões de discórdia. Alguns estudos indicam que até 50% dos casamentos nos quais uma criança morre ou nasce com mal-formações acabam em divórcio.
Biologia do luto O luto é uma resposta fisiológica e emocional. Durante sua fase aguda (assim como em outros eventos estressantes), as pessoas podem sofrer perturbação de seus ritmos biológicos. O luto também é acompanhado por problemas no funcionamento imunológico: menor proliferação de linfócitos e menor funcionamento das células citotóxicas. A relevância clínica das alterações imunológicas ainda não foi estabelecida, mas a taxa de mortalidade para viúvos logo após a morte do cônjuge é mais alta do que a da população em geral. Os homens viúvos parecem estar em risco por mais tempo do que as viúvas. Fenomenologia do luto. As reações de perda envolvem uma alternância de sentimentos, estratégias de enfrentamento, relacionamentos interpessoais, funcionamento biopsicossocial, autoestima e visões de mundo que pode durar indefinidamente. As manifestações de luto refletem a personalidade do indivíduo, suas experiências de vida, sua história psicológica, o significado da perda, seu relacionamento com o falecido, as redes sociais existentes, outros eventos da vida, saúde e demais recursos. Apesar das variações individuais no processo de perda, os pesquisadores propuseram modelos que incluem pelo menos três fases ou estados que se sobrepõem parcialmente: (1) choque, descrença e negação iniciais; (2) um período intermediário de desconforto agudo e retraimento social; e (3) um período culminante de restituição e reorganização. Como os estágios do morrer de KüblerRoss, os estágios do luto não prescrevem um curso definido do mesmo. Em vez disso, são orientações que descrevem um processo fluido e sobreposto que varia conforme os sobreviventes (Tab. 2.6-3).
84
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 2.6-3 Fases do luto Choque e negação (minutos, dias, semanas) Descrença e insensibilidade Comportamentos de busca: lamento, saudade, protesto Angústia aguda (semanas, meses) Ondas de distúrbios somáticos Retraimento Preocupação Raiva Culpa Perda de padrões de conduta Agitação e inquietação Falta de objetivos e motivação Identificação com o falecido Resolução (meses, anos) Fez trabalho de luto Retornou ao trabalho Retornou a papéis antigos Adquiriu novos papéis Experimenta prazer novamente Procura companhia e amor de outras pessoas Cortesia de Sidney Zisook, M.D., e Nancy S. Downs, M.D.
Terapia de luto As pessoas com um luto normal raramente buscam ajuda psiquiátrica porque aceitam suas reações e seus comportamentos como apropriados. Dessa forma, o médico não deve recomendar que uma pessoa enlutada consulte um psiquiatra ou um psicólogo, a menos que seja observada uma reação notavelmente divergente à perda. Por exemplo, sob circunstâncias normais, uma pessoa enlutada não tenta cometer suicídio. Se alguém pensa seriamente em fazê-lo, uma intervenção psiquiátrica é indicada. Quando se procura ajuda profissional, esta em geral envolve a solicitação, ao médico, de medicamentos para dormir. Um sedativo leve para induzir o sono pode ser útil em certas situações, mas antidepressivos ou ansiolíticos raramente são indicados no luto normal. As pessoas enlutadas podem ter de passar pelo processo de pesar, não importa o quanto seja doloroso, para que haja sucesso na resolução. Narcotizar os pacientes interfere no processo normal que finalmente pode levar a um resultado favorável. Como as reações de luto podem se transformar em um transtorno depressivo ou pesar patológico, sessões específicas de orientação costumam ser valiosas. A terapia de luto é uma técnica cada vez mais importante. Em sessões regularmente marcadas, as pessoas enlutadas são encorajadas a falar sobre sentimentos de perda e sobre a pessoa que morreu. Muitas delas têm dificuldade para reconhecer e expressar sentimentos de raiva ou ambivalência para com a pessoa falecida e devem ser tranqüilizadas de que esses sentimentos são normais. A terapia de luto não deve ser conduzida apenas individualmente. A orientação em grupo também é efetiva. Grupos de autoajuda representam grande efetividade em certos casos. Cerca de 30% dos viúvos relatam que se isolaram dos amigos, se afastaram da vida social e, assim, experimentam sentimentos de isolamento
e solidão. Os grupos de auto-ajuda oferecem companhia, contato social e apoio emocional. Proporcionam que seus membros retornem à sociedade com mais força. O tratamento de pessoas que sofreram perdas e a terapia de luto se mostraram mais efetivos com viúvos. A necessidade dessa terapia provém, em parte, da redução da unidade familiar. No passado, membros da família ampla eram capazes de proporcionar o apoio e a orientação emocional necessários durante o período de pesar. No desastre do World Trade Center, em 2001, esses grupos foram de grande ajuda para auxiliar bombeiros e policiais de Nova York, que perderam mais de 500 de seus colegas, a lidar com o processo de luto. REFERÊNCIAS Aarli J. The immune system and the nervous system. J Neurol. 1983; 229:137. Baker JE, Sedney MA, Gross E. Psychological tasks for bereaved children. Am J Orthopsychiatry. 1992;62:105. Conwell Y, Caine ED. Rational suicide and the right to die: reality and myth. N Engl J Med. 1991;325:1100. Hendin H, Klerman G. Physician-assisted suicide: the dangers of legalization. Am J Psychiatry. 1993;150:143. Hinohara S. Sir William Osler’s philosophy on death. Ann Intern Med. 1993;118:639. Horowitz MJ. Depression after the death of a spouse. Am J Psychiatry. 1992;149:579. Jeret JS. Discussing dying: changing attitudes among patients, physicians, and medical students. Pharos. 1989;52:15. Kübler-Ross E. On Death and Dying. New York: Macmillan; 1969. Leming MR, Dickinson GE. Understanding Dying, Death and Bereavement. New York: Holt, Rinehart & Winston; 1985. Lo B, Ruston D, Kates LW, Arnold RM. Discussing religious and spiritual issues at the end of life. JAMA. 2002;287:749. Ness DE, Pfeffer CR. Sequelae of bereavement resulting from suicide. Am J Psychiatry. 1990;147:279. Nuss WS, Zubenko GS. Correlates of persistent depressive symptoms in windows. Am J Psychiatry. 1992;149:346. Parkes CM, Weiss RS. Recovery from Bereavement. New York: Basic Books; 1983. Reisman AS. Death of a spouse: illusory basic assumptions and continuation of bonds. Death Stud. 2001;25:445. Roberts G, Owen J. The near-death experience. Br J Psychiatry. 1988; 153:607. Schleifer SJ, Keller SE, Camerino M, et al. Suppression of lymphocyte stimulation following bereavement. JAMA. 1983;250:374. Schulz J, Beach A, Lind B. lnvolvement in caregiving and adjustment to death of a spouse: findings from the Caregiver Health Effects Study. JAMA. 2001;285:3123. Speece MW, Brent SB. The acquisition of a mature understanding of three components of the concept of death. Death Stud. 1992;16:211. Tedeschi RG, Calhoun LG. Using the support group to respond to the isolation of bereavement. J Ment Health Counsel. 1993;15:47. Weiss L, Frischer L, Richman J. Parental adjustment to intrapartum and delivery room loss: the role of hospital-based support program. Clin Perinatol. 1989;16:1009. Wijdicks EFM. The diagnosis of brain death. N Engl J Med. 2001; 344:1216.
3 O cérebro e o comportamento
3.1 Neuroanatomia funcional e comportamental
elevadas e reforça os aspectos essenciais. Nos níveis mais especializados do processamento sensorial, as imagens neurais são transmitidas às áreas de associação para serem processadas à luz das emoções e dos impulsos.
UNIDADES FUNCIONAIS DO CÉREBRO
Os cinco sentidos principais
O sistema nervoso pode ser considerado um conjunto de unidades funcionais classificadas como sensoriais, motoras e de associação. Ao processar os estímulos externos (transformando-os) em impulsos neuronais, os sistemas sensoriais criam uma representação interna do mundo externo. Forma-se um mapa em cada modalidade sensorial. Os sistemas motores capacitam os indivíduos a manipular seu ambiente e a influenciar o comportamento de outras pessoas, mediante a comunicação. No cérebro, as aferências (inputs) sensoriais, representando o mundo externo, são integradas a impulsos internos e a estímulos emocionais em unidades de associação, que, por sua vez, dirigem as ações das unidades motoras. Embora a psiquiatria esteja principalmente relacionada às funções de associação do cérebro, uma apreciação do processamento das informações dos sistemas sensoriais e motores é essencial para se distinguir o pensamento lógico das distorções introduzidas pela psicopatologia.
Sistema somatossensorial. É um conjunto intrincado de conexões paralelas (com correspondência) ponto a ponto da superfície do corpo com o cérebro, o primeiro sistema sensorial a ser compreendido com pormenores anatômicos. Há seis modalidades somatossensoriais: o tato leve, a pressão, a dor, a temperatura, a vibração e a propriocepção (sentido de posição). A organização dos feixes nervosos e as conexões sinápticas nesse sistema codificam as relações espaciais em todos os níveis, de modo que a organização é estritamente somatotópica (Fig. 3.1-1). Em dada porção da pele, vários terminais receptores nervosos atuam em harmonia para intermediar as diferentes modalidades. As propriedades mecânicas dos mecanorreceptores e dos termorreceptores da pele geram impulsos neurais em resposta a variações dinâmicas no ambiente, ao mesmo tempo em que suprimem os inputs estatísticos. As terminações nervosas são de resposta tanto rápida como lenta; sua profundidade na pele também determina a sensibilidade aos estímulos agudos ou rombudos. Dessa forma, a representação do mundo externo é significativamente refinada no nível dos órgãos sensoriais primários. Os órgãos receptores geram impulsos neurais codificados que viajam no sentido proximal, ao longo dos axônios dos nervos sensitivos, até a medula espinal. Essas rotas de transmissão à distância são suscetíveis a várias condições médicas sistêmicas e a paralisias por compressão. Dor, formigamentos e adormecimentos são sintomas típicos de apresentação de neuropatias periféricas.
SISTEMAS SENSORIAIS O mundo externo oferece uma quantidade infinita de informações potencialmente relevantes. A partir delas, os sistemas sensoriais precisam tanto detectar como discriminar os estímulos; selecionam as informações relevantes da massa confusa de aferências (inputs) utilizando filtragem em todos os níveis. Primeiro, os sistemas sensoriais transformam os estímulos externos em impulsos neurais e, a seguir, excluem as informações irrelevantes, a fim de criar uma imagem interna do ambiente, que serve de base para o pensamento racional. A extração de configurações é a quintessência do papel dos sistemas sensoriais, os quais conseguem este objetivo com suas organizações hierárquicas, que inicialmente transformam os estímulos físicos em atividade neural nos órgãos primários dos sentidos e depois especializam e restringem a atividade neural em séries de áreas corticais de processamento superior. Isso elimina os dados irrelevantes nas representações mais
Após as fibras sensitivas entrarem na medula espinal, são separadas em um de três feixes de fibras. Primeiro, algumas fibras permanecem no local e fazem sinapse dentro de um ou dois segmentos espinais; estas projeções participam na filtragem adicional dos inputs sensitivos ao suprimir o “ruído” indesejável, para permitir um delineamento mais afinado do sinal. Segundo, as fibras da percepção consciente do tato, dor e temperatura se decussam, ou cruzam a linha média, no nível da entrada na medula espinal e ascendem até o cérebro no trato espinotalâmico. A
86
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Córtex sensitivo
Perna Braço Mão
Córtex cerebral (giro pós-central)
Corpo caloso Tálamo Putame Globo pálido
Núcleo ventral póstero-lateral (VPL) MESENCÉFALO
Lemnisco medial PONTE Nervo trigêmeo
BULBO
Núcleo grácil
Lemnisco medial Núcleo coneiforme
Fibras arqueadas internas (neurônio II)
Núcleo espinal do trigêmeo
Neurônio I (célula ganglionar da raiz dorsal)
Corpúsculo de Pacini
Receptor nãoencapsulado nas articulações Corpúsculo de Golgi-Mazzoni
Decussação do lemnisco medial Feixe grácil Feixe cuneiforme C8
T4 Feixe grácil L3 S4
Corpúsculo de Meissner
percepção da dor dá-se no trato espinotalâmico lateral, que registra as dores agudas, localizadas e definidas, e no trato espinotalâmico medial, que, em conjunto com a via espinorreticulotalâmica, registra as dores crônicas e difusas. A interrupção cirúrgica dessas vias pode abolir a percepção da dor, mas também produzir uma síndrome dolorosa central. Terceiro, as fibras para a percepção consciente do tato, da sensação vibratória e da propriocepção ascendem, sem decussação imediata, nas colunas posteriores. A organização somatotópica das projeções sensitivas é rigorosamente mantida na medula espinal; os inputs das partes superiores do corpo se dispõem em camadas sobre as fibras das pernas e são segregados por modalidade. As sensações faciais são intermediadas pelo nervo trigêmeo, cujas fibras se situam acima daquelas dos braços e das pernas.
FIGURA 3.1-1 Organização somatotópica do sistema somatossensorial. Cada modalidade somatossensorial é cuidadosamente segregada das demais, e as fibras dos diferentes níveis espinais são segregadas à medida que ascendem até o córtex somatossensorial. (De Parent A. Carpenter’s Human Neuroanatomy. 9th ed. Baltimore: Williams & Wilkins, 1996:369, com permissão.)
Todas as fibras somatossensoriais se projetam para o tálamo, onde fazem sinapse. Os neurônios talâmicos preservam a representação somatotópica ao projetar fibras para o córtex somatossensorial, localizado imediatamente posterior à fissura sylviana, no lobo parietal (Fig. 3.1-2, áreas de Brodmann 1, 2 e 3). A despeito da superposição considerável, várias faixas do córtex, mais ou menos paralelas à fissura de sylviana, estão segregadas pelas modalidades somatossensoriais. Dentro de cada faixa se situa o “homúnculo” sensorial (Fig. 3.1-3), o ápice da cuidadosa segregação somatotópica das fibras sensitivas dos níveis inferiores. A síndrome clínica de agnosia tátil (astereognosia) é definida como a incapacidade de reconhecer objetos pelo tato, embora as modalidades somatossensoriais primárias – o tato leve, a pressão, a dor, a temperatura, a vibração e a propriocepção –
O
3 1
4
6
CÉREBRO E O COMPORTAMENTO
87
2
8
5 7
9
19 46 40 18
39
10 45
44
43
47
41 42
22
17
11
21 18 19
37
38 20
A 4
6
3
8
1
2
5 7
9 31
24 32 33
10
19
23 26
18
29 12
25 27 34
30
11
17
28 19
FIGURA 3.1-2 Regiões citoarquitetônicas do cérebro, de acordo com Brodmann. A. Superfície lateral. B. Superfície medial. (De Carpenter MB. Core Text of Neuroanatomy. 4th ed. Baltimore: Williams & Wilkins, 1991:399, com permissão.)
estejam intactas. Esta síndrome, localizada na borda das áreas somatossensorial e de associação no lobo parietal posterior, parece representar uma falha isolada apenas da ordem mais superior da extração de configurações, com a preservação dos níveis mais básicos das vias somatossensoriais. Conexões recíprocas são a característica anatômica fundamental, de importância crucial na percepção consciente; projetam-se tantas fibras do córtex para o tálamo quanto as que se projetam deste para aquele. Essas fibras recíprocas têm um papel essencial em filtrar as aferências sensoriais. Em estados normais, facilitam o aguçar das representações internas, mas, em estados patológicos, podem gerar sinais falsos ou suprimir as sensações de forma inapropriada. Pensa-se que essa interferência cortical sobre a percepção sensorial esteja subjacente a várias síndromes psicossomáticas, como a perda hemissensorial que caracteriza o transtorno de conversão.
O desenvolvimento pré-natal do estrito padrão ponto a ponto que constitui os sistemas somatossensoriais permanece uma área de pesquisa ativa. Os padrões de inervação sensorial são o resultado de uma combinação de direcionamento dos axônios por indícios moleculares particulares e poda da exuberante sinaptogênese, a partir da experiência do organismo. As hipóteses mais consistentes contrapõem as contribuições de um mapa molecular geneticamente determinado, em que o arranjo das projeções das fibras é organizado por indícios químicos fixos e difusíveis, às contribuições da modelagem e remodelagem de projeções, baseadas na atividade neural coordenada. Cálculos sugerem que os 30 a 40 mil genes no DNA humano são muito poucos para codificar completamente a posição de todos os trilhões de sinapses do cérebro. É provável, no entanto, que os indícios posicionais geneticamente determinados dirijam as fibras em crescimento para o
36
18
38 37 B
20
Tronco
o
o
Puls
Mand
o
Láb
Mã
o nim mí lar u o An édi M
Fac e
Ombr
do
di ca do Pe Pol r e sc So ga oç r br o an ce Pá l h lpe as bra eo lho
velo Coto
De
In
il
DE PSIQUIATRIA
adr
COMPÊNDIO
Qu
88
Joe
lho
zelo Tor no Artelho
s
ios
íbula
Língua
g De
luti
ção
FIGURA 3.1-3 Mapa somatotópico do giro pré-central. (De Bear MF, Connors BW, Paradiso MA. Neuroscience: Exploring the Brain. Baltimore: Williams & Wilkins; 1996:383, com permissão.)
alvo geral, e que o padrão de projeções faça a sintonia fina com mecanismos dependentes da atividade. Dados recentes sugerem que projeções talamocorticais já estabelecidas podem ser gradativamente remodeladas como resultado da reorientação de inputs sensoriais coordenados ou em resposta à perda de parte do córtex somatossensorial, por exemplo, devido a um acidente vascular cerebral. Sistema visual. As imagens visuais são convertidas em atividade neural dentro da retina e processadas por uma série de células, que respondem a traços cada vez mais complexos, do olho até o córtex visual superior. As bases neurobiológicas da extração de configurações são melhor compreendidas, com pormenores mais sutis, no sistema visual. Partindo de um trabalho clássico da década de 1960, a pesquisa sobre o sistema visual gerou dois paradigmas principais para todos os sistemas sensoriais. O primeiro, já mencionado com relação ao sistema somatossensorial, considera as contribuições da genética e da experiência – ou da natureza e da criação – para a formação do arranjo sináptico final. Experimentos de transplante, levando a um padrão acurado de conexões ponto a ponto, mesmo quando o olho é cirurgicamente invertido, sugerem um mecanismo inato, geneticamente determinado, de formação de padrões de sinapses. O papel crucial das experiências visuais precoces para estabelecer o nível adulto de conexões visuais, no entanto, cristalizou a hipótese da formação de cone-
xões sinápticas dependente de atividade. A constituição adulta é o resultado de ambos os fatores. O segundo paradigma, revelado de forma mais clara no sistema visual, é o de células altamente especializadas do cérebro, que respondem exclusivamente a estímulos específicos. Uma pesquisa recente, por exemplo, definiu células no córtex temporal inferior que respondem somente a faces visualizadas por um ângulo específico. Extrapolando esta especialização, os pesquisadores postularam uma “célula da vovó”, a qual dispararia somente quando o indivíduo estivesse olhando a própria avó. Esta célula, representando um lugar fixo para lembranças importantes, ainda não foi identificada, talvez simplesmente porque os cientistas ainda não a encontraram ou, de forma mais significativa, porque evocar a lembrança da resposta de um indivíduo à presença de sua avó necessite da atividade de grandes redes neurais e não possa ser limitado a um único neurônio. A despeito disso, a localização celular da configuração é de grande importância na definição dos limites entre os sistemas sensoriais e os de associação, mas somente o sistema visual teve esta significativa questão exposta de forma experimental. Na via visual, a luz passa através dos olhos e estimula as células fotorreceptoras. Em resposta, as moléculas receptoras mudam de conformação e desencadeiam uma cascata intracelular que gera os impulsos neurais. A extração de configurações se inicia na retina, onde a estimulação de um ponto suprime imediatamente a resposta no círculo de
O
células vizinhas, denominada resposta centro-periferia (center-surround). Isso reforça o contorno da imagem. A retina consiste de bastonetes, que respondem somente à intensidade da luz, e três tipos de cones, cada um dos quais sintonizado para responder de forma mais intensa a uma das três cores primárias. Por fim, a percepção das cores emerge no córtex, pela comparação da razão das intensidades dos sinais de cada uma das três classes de cones. Uma projeção exata ponto a ponto, das metades de cada retina que respondem à mesma metade do campo visual, vai ao núcleo geniculado lateral (NGL), onde ocorre um reforço adicional do centro-periferia. Os tratos ópticos se projetam do NGL para o córtex visual primário no pólo posterior do lobo occipital. No córtex visual de cada hemisfério, os inputs de cada olho são segregados em colunas de dominância ocular: as colunas radiais do córtex, ativadas por inputs somente de um dos olhos, são adjacentes a colunas que respondem somente aos do outro olho (Fig. 3.1-4). Essa segregação pode estar relacionada à localização estereoscópica dos objetos no espaço. No córtex visual primário, colunas de células respondem especificamente a linhas com uma orientação determinada. As células do córtex visual primário se projetam para o córtex visual secundário, onde respondem a movimentos particulares das linhas e a ângulos. Por sua vez, essas células se projetam para duas áreas de associação, nas quais confi-
FIGURA 3.1-4 Colunas de dominância ocular. Projeções da retina no córtex visual do lobo occipital. Os axônios do olho esquerdo estão em preto, os do olho direito são representados pela parte clara. No córtex, as projeções da retina formam um padrão alternado nitidamente ordenado, denominado colunas de dominância ocular. Essas colunas se formam como resultado da atividade visual pós-natal e, assim, são determinadas por uma combinação da genética com a experiência. (De Carpenter MB. Core Text of Neuroanatomy. 4th ed. Baltimore: Williams & Wilkins; 1991:412, com permissão.)
CÉREBRO E O COMPORTAMENTO
89
gurações adicionais são extraídas, e se forma a percepção consciente das imagens (Fig. 3.1-5). O lobo temporal inferior detecta a forma e a cor do objeto – as questões o que; o lobo parietal posterior assinala a localização, o movimento e a distância – as questões onde. O lobo parietal posterior dispõe de conjuntos distintos de neurônios que sinalizam a intenção tanto de olhar para uma certa parte do espaço visual como de se fixar em um objeto particular. Nos córtices temporais inferiores (CTI), colunas corticais adjacentes respondem a formas complexas. As respostas às configurações faciais tendem a ocorrer no CTI esquerdo, enquanto respostas a formas complexas tendem a ocorrer no CTI direito. O cérebro dedica células específicas ao reconhecimento de expressões faciais e ao aspecto e à posição das faces dos outros com relação ao indivíduo. Outras partes do corpo têm uma representação menos completa nas células específicas para configurações, e os objetos inanimados ocupam loci próprios de conjuntos de células.
As conexões entre as células específicas para configurações e as áreas de associação envolvidas na memória e no pensamento consciente ainda estão por ser delineadas. Boa parte da elucidação do reconhecimento de configurações baseia-se em estudos invasivos em animais. Em humanos, a síndrome clínica da prosopagnosia descreve a incapacidade de reconhecer faces, mas com reconhecimento preservado para outros objetos do ambiente. Com base no exame patológico e radiológico dos pacientes, pensa-se que a prosopagnosia é o resultado da desconexão entre o CTI esquerdo e a área de associação visual no lobo parietal esquerdo. Esses estudos acerca de lesões são úteis na identificação dos componentes necessários de uma via mental, mas podem ser inadequados para definir a via inteira. Uma técnica não-invasiva que está sendo aperfeiçoada e começando a revelar a relação anatômica completa entre o sistema visual humano e o pensamento consciente e a memória é a neuroimagem funcional (Seção 3.3). Assim como para a linguagem, parece haver uma assimetria hemisférica para certos componentes da orientação visuoespacial. Embora ambos os hemisférios cooperem para a percepção e o
FIGURA 3.1-5 Áreas de associação visual. Do pólo esquerdo do córtex, os impulsos do córtex visual primário são transmitidos tanto para o lobo parietal (área sombreada superior), que determina onde a imagem está no espaço, como para o lobo temporal (área sombreada inferior), que determina o que é a imagem. (De Filley CM. Neurobehavioral Anatomy. Niwot, CO: University Press of Colorado; 1995, com permissão.)
90
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
desenho de imagens complexas, o hemisfério direito, especialmente o lobo parietal, contribui para o contorno geral, a perspectiva e a orientação direita-esquerda, e o hemisfério esquerdo acrescenta pormenores internos, detalhes e complexidade. O cérebro pode ser enganado por ilusões ópticas (Fig. 3.1-6). Condições neurológicas associadas a acidentes vasculares cerebrais e a outras lesões focais permitiram a definição de vários distúrbios da percepção visual. Agnosia visual perceptiva é a incapacidade de identificar e desenhar itens utilizando indícios visuais, com a preservação de outras modalidades sensoriais. Representa uma falha de transmissão da informação das vias sensoriais visuais superiores para as áreas de associação e decorre de lesões bilaterais nas áreas de associação visual. Agnosia visual associativa é a incapacidade de nomear ou utilizar objetos a despeito da capacidade de desenhá-los. É causada por lesões bilaterais occipitotemporais mediais e pode ocorrer em conjunto com outros comprometimentos visuais. A percepção de cores pode ser extinguida em caso de dano ao lobo occipital dominante que inclua o esplênio do corpo caloso. Agnosia para cores é a incapacidade de reconhecer cores, a despeito de ser capaz de combiná-las. Anomia para cores é a incapacidade de nomear uma cor mesmo conseguindo indicá-la. Acromatopsia central é a incapacidade completa de perceber a cor. Síndrome de Anton é uma falha de reconhecer cegueira, possivelmente devido à interrupção de fibras envolvidas na auto-avaliação. É observada em lesões bilaterais dos lobos occipitais. As causas mais comuns são lesões hipóxicas, acidentes
vasculares cerebrais, encefalopatia metabólica, enxaqueca, hérnias resultantes de afecções que ocupam espaço, traumatismos e leucodistrofia. A síndrome de Balint consiste na tríade de ataxia óptica (incapacidade de acompanhar movimentos com os olhos), apraxia oculomotora (incapacidade de dirigir o olhar rapidamente) e simultanagnosia (incapacidade de integrar uma cena visual para percebê-la como um todo). Tal condição é observada em lesões parietoccipitais bilaterais. A síndrome de Gerstmann inclui agrafia, dificuldades com cálculo (acalculia), desorientação direitaesquerda e agnosia digital. Tem sido atribuída a lesões no lobo parietal dominante. Sistema auditivo. Os sons são modificações instantâneas e incrementais na pressão do ar ambiente. As mudanças de pressão levam a membrana do tímpano a vibrar; a vibração é transmitida aos ossículos (martelo, bigorna e estribo) e daí para a endolinfa ou para o fluido da espiral coclear. As vibrações da endolinfa movimentam os cílios nas células ciliadas, que geram impulsos neurais. Estas células respondem a sons de diferentes freqüências de modo tonotópico dentro da cóclea, como um longo teclado de piano em forma de espiral. Os impulsos neurais das células ciliadas viajam com um arranjo tonotópico até o cérebro nas fibras do nervo coclear. Entram nos núcleos cocleares do tronco cerebral, têm conexão (relé) via lemnisco lateral com os colículos inferiores e, a seguir, com o núcleo geniculado medial (NGM) do tálamo. Os neurônios do NGM projetam-se para o córtex auditivo primário no lobo temporal posterior. Testes de audição dicótica, em que estímulos diferentes são apresentados a cada orelha de forma simultânea, demonstram que a maioria dos inputs de cada lado ativa o córtex auditivo contralateral e que o hemisfério esquerdo tende a ser o dominante para o processamento auditivo. No sistema auditivo, o padrão temporal e tonotópico das projeções corticais para o córtex auditivo primário codifica a tonalidade e começa a localizar os sons no espaço. Este último passo é conseguido mediante comparações sutis da intensidade do som e de sua fase, entre as duas orelhas. Tal função ocorre em uma região cerebral espacialmente distinta do córtex auditivo primário e que tem células que respondem de forma específica a movimentos da fonte do som relativos ao ouvinte. Há evidência de que esta tarefa é intermediada pelo hemisfério direito. As hélices da orelha facilitam a localização ao produzir ecos característicos, conforme o ângulo em que cada som chega à orelha.
FIGURA 3.1-6 Ilusão óptica: perspectiva. Duas mesas estão desenhadas sob uma visão em perspectiva. A mesa da esquerda parece mais longa e estreita, enquanto a da direita parece ser mais curta e larga. Na verdade, ambas estão desenhadas exatamente com o mesmo tamanho (o leitor pode medi-las). Presta-se mais atenção àqueles módulos de reconhecimento de configurações que identificam itens, para que possam ser melhor utilizados. De forma diferente do ideal familiar ao cérebro do tampo de uma mesa, as duas formas bidimensionais expostas pelas linhas realmente impressas no papel são tão estranhas que se julga quase impossível vê-las como desenhos abstratos. Isso se dá porque a capacidade de desenhar uma imagem em perspectiva como esta é, na evolução, extremamente recente – no máximo alguns milhares de anos – enquanto a capacidade para reconhecer uma “superfície elevada, plana, na qual preparar os alimentos” tem provavelmente 100 milhões de anos ou mais. (Modificada de Gazzaniga MS. The Mind’s Past. Berkeley: University of California Press; 1998:88, com permissão.)
As características dos sons são extraídas de uma combinação de filtros mecânicos e neurais. Sua representação se dá, em geral, de modo tonotópico no córtex auditivo primário, enquanto o processamento léxico (i.e., a extração de vogais, consoantes e palavras dos inputs auditivos) ocorre em áreas superiores de associação da linguagem, especialmente no lobo temporal esquerdo. A síndrome de surdez para palavras, que se caracteriza pela audição intacta para vozes, mas com uma incapacidade de reconhecer a fala, pode refletir lesão no córtex parietal esquerdo. Pensa-se que esta síndrome seja resultado da desconexão entre o córtex auditivo e a área de Wernicke. Uma condição rara, complementar, a agnosia auditiva para sons, é definida como a incapacidade de reconhecer sons não-verbais, como o de uma corneta ou o miado de um gato, na presença de audição e reconhecimento da fala
O
intactos. Os pesquisadores consideram esta síndrome o correlato do hemisfério direito da surdez pura para palavras. A evolução da inervação da vocalização é mostrada na Figura 3.1-7. Olfação. Os odorantes, ou sinais químicos voláteis, entram pelo nariz, dissolvem-se no muco nasal e ligam-se a receptores dispersos na superfície dos neurônios sensoriais do epitélio olfativo. Cada neurônio desses dispõe de um receptor para um único odorante, e as células dispondo de um dado receptor estão aleatoriamente distribuídas no epitélio olfativo. Os humanos possuem várias centenas de moléculas receptoras distintas que se ligam a uma grande variedade de odorantes; os pesquisadores estimam que seja possível discriminar 10 mil odores diferentes. A ligação do odorante gera impulsos neurais, que correm ao longo dos axônios dos nervos sensoriais que atravessam a lâmina crivada até o bulbo olfativo. Dentro deste, todos os axônios correspondentes a um dado receptor convergem para apenas 1 ou 2 das 3 mil unidades
CÉREBRO E O COMPORTAMENTO
denominadas glomérulos. Em vista de cada odorante ativar vários receptores que implicam um padrão característico de glomérulos, a identidade de moléculas químicas é representada internamente por um padrão espacial de atividade neural no bulbo olfativo. Cada glomérulo se projeta para um conjunto único de 20 a 50 colunas separadas do córtex olfativo. Por sua vez, cada uma destas recebe projeções de uma combinação única de glomérulos. A conectividade do sistema olfativo é geneticamente determinada. Uma vez que cada odorante ativa um conjunto único com vários receptores e, assim, um conjunto único de glomérulos do bulbo olfativo, as colunas estão ajustadas para detectar odorantes diferentes, com algum significado evolutivo para a espécie. De forma oposta aos sistemas somatossensorial, visual e auditivo, os sinais olfativos não passam pelo tálamo, mas se projetam diretamente sobre o lobo frontal e o sistema límbico, especialmente sobre o córtex piriforme. As conexões com o sistema límbico (amígdala, hipo-
Motora e pré-motora Motora suplementar
91
Auditiva primária
Área de Broca
Área de Wernicke
Pré-frontal ventral
Vista lateral
Vista medial
Gânglios basais
Sistema neocortical da fala
Sistemas límbico e mesencefálico de vocalização motora visceral
Aferência auditiva
Mandíbula
Músculos faciais Laringe
Para o diafragma
Todos os mamíferos
Língua
Somente humanos
FIGURA 3.1-7 Evolução da inervação para a vocalização. Vias neurais descendentes controlando a vocalização em todos os mamíferos (à esquerda) e aquelas específicas para a fala humana (à direita). As vias gerais dos mamíferos se originam nas estruturas límbicas subcorticais que são a fonte da experiência e da expressão emocional. Os sistemas de chamadas subcorticais produzem movimentos automáticos dos músculos viscerais da laringe e do diafragma. Provavelmente, estão envolvidos nas “chamadas inatas” humanas, como o riso e o soluçar, e podem ter um papel na entonação da fala, no tom e no ritmo. As vias específicas para humanos se originam em áreas neocorticais que controlam o comportamento a partir das habilidades. O sistema de fala neocortical produz movimentos habilidosos dos músculos da face e da boca necessários para a articulação das palavras. Embora mostradas separadamente, as vias de controle vocal subcortical e neocortical trabalham em conjunto e convergem sobre os mesmos núcleos eferentes para a laringe, a língua e os músculos faciais. Em humanos, o sistema de chamadas subcortical pode interferir na fala em momentos de emoção intensa. (Modificada de Jones S, Martin R, Pilbeam D. The Cambridge Encyclopedia of Human Evolution. Cambridge, UK: Cambridge University Press; 1992:132, com permissão.)
92
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
campo, córtex piriforme) são significativas. Os indícios olfativos estimulam respostas emocionais fortes e podem evocar lembranças marcantes. A olfação, o mais antigo dos sentidos em termos evolutivos, associa-se estritamente a respostas sexuais e reprodutivas. Pensa-se que uma estrutura químicossensorial relacionada, o órgão vomeronasal, detecta ferormônios, sinais químicos que desencadeiam respostas inconscientes, estereotipadas. Em alguns animais, a ablação precoce do órgão vomeronasal pode impedir o início da puberdade. Estudos recentes sugeriram que humanos também respondem a ferormônios de uma forma que varia de acordo com o ciclo menstrual. As estruturas do processamento olfativo superior em animais filogeneticamente mais primitivos evoluíram, em humanos, para o sistema límbico, o centro do cérebro emocional e o portal através do qual as experiências têm acesso à memória, de acordo com o significado emocional. A base pouco definida dos instintos animais básicos com os quais a psiquiatria clínica constantemente se defronta pode, por isso, originar-se dos centros primitivos do processamento olfativo superior.
Paladar. Estímulos químicos sutis na boca ligam-se a receptores na língua e estimulam os nervos gustativos, que têm projeções para o núcleo solitário do tronco cerebral. Acredita-se que o sentido do paladar discrimina apenas classes amplas de estímulos: doce, ácido, amargo e salgado. Cada modalidade é intermediada por um conjunto único de receptores e canais celulares, dos quais vários podem estar expressos em cada neurônio do paladar. A detecção e a discriminação de alimentos, por exemplo, envolvem uma combinação dos sentidos do paladar, da olfação, do tato, da visão e da audição. As fibras do paladar ativam o lobo temporal medial, mas sua localização cortical superior é pouco compreendida. Sistema nervoso autônomo (SNA) Monitora as funções básicas necessárias para a vida. A atividade dos órgãos viscerais, a pressão arterial, o débito cardíaco, os níveis de glicose no sangue e a temperatura corporal são todos transmitidos ao cérebro pelas fibras autonômicas. A maioria da informação autonômica sensorial permanece inconsciente; se passa a níveis conscientes, é apenas como uma sensação vaga, em contraste com a capacidade dos sentidos primários de transmitir sensações de forma rápida e exata.
fica com a área expandida, de modo que o campo todo cobre a mesma área do córtex somatossensorial como o faz em animais normais. Este experimento demonstra que certas estruturas corticais superiores podem se formar em resposta a inputs periféricos, os quais, em diferentes complexidades, determinam padrões diferentes de conectividade sináptica. Embora os mecanismos pelos quais as informações periféricas modelam a arquitetura cortical sejam, em grande parte, desconhecidos, os paradigmas de modelos animais estão começando a fornecer indicações. Por exemplo, no camundongo mutante ao qual falta a monoaminoxidase A e que tem, dessa forma, níveis corticais de serotonina extremamente elevados, as células deixam de se formar no córtex somatossensorial. Esse resultado envolve, indiretamente, a serotonina no mecanismo de desenvolvimento do campo sensorial. Em adultos, os estudos clássicos de mapeamento de Wilder Penfield sugeriram a existência do homúnculo, uma representação cortical imutável da superfície do corpo. Evidências experimentais mais recentes de estudos em primatas e em pacientes vítimas de acidentes vasculares cerebrais, contudo, promoveram uma concepção mais plástica do que a de Penfield. Existem pequenas variações no padrão cortical de indivíduos normais, e modificações dramáticas do mapa podem ocorrer em resposta à perda do córtex, em casos de acidente vascular cerebral ou traumatismo. Quando uma lesão faz a ablação de uma fração significativa do homúnculo somatossensorial, a representação deste começa a se contrair e a se modificar, proporcionalmente, para preencher o córtex intacto remanescente. Além disso, o mapa cortical só pode ser rearranjado em resposta a uma mudança no padrão de estimulação tátil dos dedos. A representação somatossensorial dos segmentos proximal e distal de cada dedo costuma formar um mapa contíguo, possivelmente porque ambos os segmentos fazem contato simultâneo com as superfícies. Mas, sob condições experimentais, em que os segmentos distais de todos os dedos são simultaneamente estimulados, enquanto o contato das partes proximal e distal de cada dedo se dá de forma separada, o mapa cortical gradativamente se converte em 90o para refletir a nova experiência sensorial. No mapa revisado, a representação cortical do segmento proximal não é mais contígua à do segmento distal. Esses dados apóiam a noção de que a representação interna do mundo externo, ainda que, grosso modo, estática em sua estrutura, pode ser continuamente modificada no nível da conectividade das sinapses para refletir experiências sensoriais relevantes. A representação cortical também tende a se modificar para se adequar completamente à quantidade disponível de córtex.
Desenvolvimento das redes sensoriais Sistema somatossensorial. Em cada nível deste sistema, existe uma representação somatotópica estrita. Durante o desenvolvimento, os axônios se estendem para se conectar a regiões distantes do cérebro; após chegar a seu destino, um conjunto de axônios deve se ordenar para preservar a organização somatotópica. Um paradigma experimental clássico desse processo de desenvolvimento é a representação dos bigodes do camundongo no córtex somatossensorial. Em murinos, esta região contém um campo de colunas corticais, cada uma correspondente a um fio do bigode. Quando os camundongos são seletivamente cruzados para terem menos fios de bigode, aparecem menos colunas no córtex. Cada coluna
Assim, fica evidente que as representações corticais das aferências sensoriais ou de lembranças também podem ser fixadas de forma holográfica, em vez de espacial fixa: o padrão de atividade, e não a estrutura física, é que pode codificar informação. Nos sistemas sensoriais, essa plasticidade da representação cortical possibilita a recuperação de lesões cerebrais; o fenômeno pode ser também subjacente ao aprendizado. A Figura 3.1-8 exibe áreas funcionais localizadas do cérebro. Sistema visual. Em humanos, as projeções iniciais de ambos os olhos se imbricam no córtex. Durante o desenvolvimento das conexões visuais no período pós-natal inicial, há uma janela de
O
CÉREBRO E O COMPORTAMENTO
93
CAMPO VISUAL Esquerdo
R L Olfação, narina esquerda Memória verbal Articulação da fala Estereognosia, mão direita Habilidades da mão direita (escrita, etc.) Audição da fala (vantagem na orelha direita)
Direito
R
L
Olfação, narina direita Memória para formas Estereognosia, mão esquerda
Compreensão muda, limitada, da linguagem Manipulação com a mão esquerda e percepção de formas Audição de sons do ambiente (vantagem na orelha esquerda) Capacidade musical
Compreensão superior da linguagem Capacidade matemática Campo visual direito HEMISFÉRIO ESQUERDO
Reconhecimento superior de formas topográficas, faces, etc. Imagem corporal Campo visual esquerdo HEMISFÉRIO DIREITO
FIGURA 3.1-8 Desenho da superfície dorsal do cérebro humano mostrando a tendência de certas funções a serem preferencialmente localizadas em um hemisfério. Contudo, o cérebro intacto pode não ser tão lateralizado, como alguns estudos (p. ex., de pacientes com comissurotomias) sugerem, com o grau de lateralização diferindo entre indivíduos, ou pode ser raro um hemisfério intermediar uma função que o outro hemisfério seja completamente incapaz de desempenhar. (De Fuchs AF, Phillips JO. Association cortex. In: Patton HD, et al. Textbook of Physiology. 21st ed. Vol 1. Philadelphia: WB Saunders; 1989.)
tempo, durante a qual é necessário que ocorram informações visuais binoculares para o desenvolvimento das colunas de dominância ocular no córtex visual primário. Estas são faixas do córtex que recebem informações somente de um olho, separadas das faixas inervadas somente por fibras do outro olho (Fig. 3.1-4). A oclusão de um olho durante esse período crítico elimina completamente a persistência dessas fibras e possibilita que as fibras do olho ativo inervem todo o córtex visual. Em contraste, quando a visão binocular é possível durante a janela crítica do desenvolvimento, formam-se as colunas habituais de dominância; a oclusão de um olho após a inervação do córtex não produz alterações subseqüentes nas colunas de dominância ocular. Este paradigma cristaliza a importância da experiência infantil precoce na formação dos circuitos cerebrais adultos. Uma distorção experimental interessante ocorre em rãs; especificamente, cada córtex visual costuma ser inervado somente por um olho. Se um terceiro olho é implantado antes do desenvolvimento das conexões visuais e se suas fibras chegam ao córtex coincidentemente com as dos olhos naturais, forma-se um padrão de colunas de dominância ocular em que normalmente não ocorre nenhum. Este achado sugere que os mecanismos neurais pelos quais as informações em competição são
organizadas e dispostas em compartimentos no córtex referem-se a uma propriedade com elevada conservação evolutiva.
Sistema auditivo. Certas crianças são incapazes de processar os inputs auditivos de forma clara e, assim, têm comprometimento da fala e da compreensão da linguagem falada. Estudos com essa população determinaram que tais crianças podem, de fato, discriminar a fala se a vocalização das consoantes e das vogais – os fonemas – for lentificada em 2 a 5 vezes por um computador. Com base nesta observação, foi desenvolvido um programa auxiliar de computador que, inicialmente, faz perguntas com fala lentificada e, à medida que o indivíduo as responde corretamente, gradativamente aumenta o ritmo de vocalização dos fonemas até o grau aproximado da fala normal. Os indivíduos adquiriram alguma habilidade em discriminar a fala cotidiana em um período de 2 a 6 semanas e pareciam conservar esta capacidade após se completar o período de mediação do computador. Este achado provavelmente tem aplicabilidade terapêutica em 5 a 8% das crianças com atraso na fala, mas os estudos em curso podem expandir o grupo elegível de estudantes. Além disso, sugere que os circuitos neuronais necessários para o processamento auditivo podem ser recrutados e aperfeiçoados bem depois de a linguagem ser
94
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
normalmente aprendida, desde que se possibilite que os mesmos completem sua tarefa de forma apropriada, mesmo que isso exija a lentificação do ritmo de entrada (input). Os circuitos funcionando com alta fidelidade podem ser treinados para acelerar seu processamento.
variações intermediadas pela atenção na utilização das sinapses podem ocorrer de forma imediata, assim como a alteração da direção dos processos de associação que pode ocorrer nos estados de hipnose.
SISTEMAS MOTORES Um relato recente prolongou a idade em que a aquisição da linguagem pode ocorrer. Um menino que sofria de epilepsia intratável de um hemisfério estava mudo porque a atividade convulsiva incontrolável impedia as funções organizadas da linguagem. Aos 9 anos, ele teve seu hemisfério anormal removido, para curar a epilepsia. Embora não tivesse falado até aquele ponto de sua vida, iniciou e logo acelerou a aquisição da linguagem, adquirindo a capacidade da linguagem com apenas alguns anos de atraso em relação à sua idade cronológica. Os pesquisadores não podem colocar um limite superior absoluto na idade para a aquisição das capacidades de linguagem, mas ela tende a ser incompleta em idades além do período habitual na infância. Relatos empíricos documentam a aquisição da capacidade de leitura após os 80 anos de idade.
Olfação. Durante o desenvolvimento normal, os axônios do epitélio olfativo nasal fazem projeção para o bulbo olfativo e se segregam em cerca de 3 mil glomérulos equivalentes. Se, no período pós-natal imediato, um animal é exposto a um único odor dominante, um glomérulo se expande de forma massiva dentro do bulbo às expensas dos glomérulos circundantes. Assim, como já discutido em relação aos campos do córtex somatossensorial, o tamanho das estruturas cerebrais pode refletir os inputs do ambiente. Alterações da percepção sensorial consciente por meio da hipnose A hipnose é um estado de aumento da sugestionabilidade, obtido em uma certa porção da população. Sob sua influência, podem ser conseguidas, de forma instantânea, distorções amplas da percepção em qualquer modalidade sensorial. A anatomia do sistema sensorial não muda, mas ainda assim os mesmos estímulos específicos podem ser percebidos com valores emocionais diametralmente opostos antes e depois da indução do estado de hipnose. Por exemplo, sob hipnose, um indivíduo pode saborear uma cebola como se fosse uma deliciosa trufa de chocolate, para alguns segundos depois rejeitá-la como pungentemente detestável, quando a sugestão hipnótica é revertida. A localização da chave da hipnose não foi determinada, mas provavelmente envolve tanto áreas sensoriais como de associação do cérebro. Experimentos demarcando as vias neurais em voluntários humanos através de neuroimagens funcionais demonstraram que essas mudanças na atenção em uma situação ambiental alteram as regiões do cérebro que são ativadas, em uma escala de tempo instantânea. Dessa forma, os centros organizadores do cérebro podem dirigir os pensamentos conscientes e inconscientes mediante diferentes seqüências de centros de processamento neural, dependendo dos objetivos finais do indivíduo e de seu estado emocional. Tais
Camadas de sofisticação evolutiva Os movimentos musculares são controlados pelos neurônios motores inferiores, que estendem seus axônios – alguns de até 1 metro – até as fibras musculares. Os disparos dos neurônios motores inferiores são regulados pela soma da atividade dos superiores. No tronco cerebral, sistemas primitivos fazem a coordenação ampla dos movimentos corporais. A ativação do trato rubrospinal estimula a flexão de todos os membros, ao passo que a do trato vestibulospinal leva à extensão. Recémnascidos, por exemplo, têm todos os membros fortemente flexionados, possivelmente devido à dominância do trato rubrospinal. De fato, os movimentos do bebê anencefálico, a quem falta completamente o córtex cerebral, podem ser indistinguíveis dos movimentos do recém-nascido normal. Nos primeiros meses de vida, a espasticidade flexora é gradativamente atenuada pela ação oposta das fibras vestibulospinais, levando à maior mobilidade dos membros. No topo da hierarquia motora está o trato corticospinal, que controla os movimentos refinados e, por fim, domina o sistema do tronco cerebral durante os primeiros anos de vida. Os neurônios motores superiores deste trato situam-se no lobo frontal posterior, na seção do córtex conhecida como faixa motora (Fig. 3.1-2, área 4 de Brodmann). Os movimentos planejados são concebidos nas áreas de associação do cérebro e, em associação aos gânglios basais e ao cerebelo, o córtex motor dirige sua execução suave. A importância do sistema corticospinal fica evidente em acidentes vasculares cerebrais, em que a espasticidade regride à medida que a influência cortical sofre ablação e as ações dos sistemas motores do tronco cerebral ficam liberadas da modulação cortical. Gânglios basais Os gânglios basais, um grupo de núcleos de substância cinzenta subcortical, parecem intermediar o tônus postural. Há quatro tipos funcionalmente distintos: o estriado, o pálido, a substância negra e o núcleo subtalâmico. Conjuntamente denominados corpo estriado, o caudado e o putame contêm componentes tanto dos sistemas motores como dos sistemas de associação. O núcleo caudado tem um importante papel na modulação dos atos motores. Estudos anatômicos e funcionais de neuroimagens correlacionaram a redução da ativação do caudado com o comportamento obsessivo-compulsivo. Quando funcionando adequadamente, esta estrutura age como um porteiro para permitir que o sistema motor se manifeste somente nos atos orientados para um objetivo. Quando deixa de desempenhar tal função, atos estranhos são postos em ação, como os do transtorno obsessivo-compulsivo ou os tiques, como no transtorno de Tourette. A hiperati-
O
vidade do estriado, decorrente da falta de inibição dopaminérgica (p. ex., nas condições parkinsonianas), leva à bradicinesia, a incapacidade de iniciar os movimentos. O caudado, em particular, encolhe de forma significativa na doença de Huntington, a qual se caracteriza por rigidez, em que, de maneira gradativa, se
Núcleo caudado (corpo)
CÉREBRO E O COMPORTAMENTO
95
superpõem movimentos coreiformes, ou de “dança”. Psicose pode ser uma manifestação proeminente desta condição, e suicídio não é incomum. Pensa-se também que o caudado influencia os processos associativos ou cognitivos. A Figura 3.1-9 é um desenho esquemático dos gânglios basais.
Putame
Núcleo caudado (cauda) Núcleo caudado (cabeça)
Amígdala Putame Núcleo caudado Globo pálido segmento externo segmento interno Núcleo subtalâmico
Substância negra Núcleo rubro
Mesencéfalo
Nucleus accumbens Amígdala Comissura anterior
FIGURA 3.1-9 Desenho esquemático dos gânglios basais isolados, vistos de uma perspectiva dorsolateral, de modo que o núcleo caudado fica aparente de forma bilateral. No painel inferior, os gânglios basais do hemisfério esquerdo foram removidos, expondo a superfície medial do putame direito e o globo pálido, bem como o núcleo subtalâmico e a substância negra. (Adaptada de Hendelman WJ. Student’s Atlas of Neuroanatomy. Philadelphia: WB Saunders; 1994.)
96
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
O globo pálido contém duas partes ligadas em série. Em um corte seccional do cérebro, suas partes interna e externa ficam acomodadas dentro da concavidade do putame. O globo pálido recebe informações do corpo estriado e projeta suas fibras para o tálamo. Ele pode ser gravemente danificado na doença de Wilson e na intoxicação por monóxido de carbono, que são caracterizadas pelo aparecimento de posturas distônicas e movimentos de abano de braços e pernas. A substância negra é assim denominada porque a presença do pigmento melanina a faz parecer dessa cor a olho nu. Possui duas partes, uma das quais é funcionalmente equivalente à parte interna do globo pálido. A outra se degenera na doença de Parkinson. O parkinsonismo se caracteriza por rigidez e tremor e se associa a depressão em mais de 30% dos casos. Por fim, lesões no núcleo subtalâmico levam a movimentos balísticos, abalos súbitos dos membros com tal velocidade que são comparados ao movimento de projéteis. Em conjunto, os núcleos dos gânglios basais parecem capazes de iniciar e manter a gama completa de movimentos necessários. Os pesquisadores acreditam que servem para configurar a atividade do córtex motor suprajacente, para se adaptar ao propósito das áreas de associação. Além disso, os núcleos parecem integrar a retroalimentação (feedback) proprioceptiva para manter os movimentos conforme a intenção. Cerebelo O cerebelo consiste de um padrão simples de circuitos de seis células replicado aproximadamente 10 milhões de vezes. Registros simultâneos do córtex cerebral e do cerebelo demonstraram que este é ativado vários milissegundos antes de um movimento planejado. Além disso, sua ablação torna os movimentos intencionais descoordenados e trêmulos. Esses dados sugerem que o cerebelo modula o tônus de músculos agonistas e antagonistas ao predizer a contração relativa necessária para as ações suaves. Tal planejamento motor é utilizado para garantir que a quantidade certa de estímulos flexores e extensores seja enviada de forma exata para os músculos. Dados recentes de imagens funcionais demonstraram que o cerebelo fica ativo mesmo durante a imaginação de atos motores, quando, apesar de estar “alerta”, não se efetiva nenhum movimento. Esta estrutura abriga dois, e possivelmente mais, “homúnculos” distintos, ou representações corticais do plano do corpo. A Figura 3.1-10 apresenta os núcleos cerebelares.
plexos, ao influenciar a seqüência de disparos das células da faixa motora. Estudos recentes demonstraram uma ampla representação de movimentos motores no cérebro (ver Lâmina colorida 3.1-11, p. 143). À utilização habilidosa das mãos dá-se o nome de praxia, e déficits nesses movimentos são denominados apraxias. Os três níveis da apraxia são a cinética dos membros, a ideomotora e a ideativa. Apraxia cinética dos membros é a incapacidade de utilizar a mão contralateral na presença de preservação da força; resulta de lesões isoladas na área motora suplementar, que contém neurônios que estimulam as seqüências funcionais de neurônios na faixa motora. Apraxia ideomotora é a incapacidade de realizar um ato motor isolado sob comando, a despeito da preservação da compreensão, da força e do desempenho espontâneo do mesmo ato. Esta condição afeta simultaneamente ambos os membros e envolve funções tão especializadas que são localizadas somente em um hemisfério. Implicações em duas áreas separadas podem produzir esta apraxia. A desconexão da área de compreensão da linguagem, a área de Wernicke, das regiões motoras leva a uma incapacidade de obedecer a ordens faladas, e lesões na área pré-motora esquerda podem comprometer o programa motor presente, gerado por neurônios de ordem mais elevada. Este programa é transmitido passando pelo corpo caloso até a área pré-motora direita, que direciona os movimentos da mão esquerda. Uma lesão em tal projeção calosa também pode levar à apraxia ideomotora isolada da mão esquerda. Essa síndrome está associada à representação de atos motores específicos em seções discretas do córtex prémotor esquerdo. Assim como algumas células respondem seletivamente a configurações específicas do ambiente nos córtices sensoriais superiores, células no córtex pré-motor dirigem tarefas motoras complexas específicas. Ocorre apraxia ideativa quando é possível executar isoladamente os componentes de uma seqüência de atos habilidosos, mas a série inteira não pode ser organizada e executada como um todo. Por exemplo, a seqüência de abrir um envelope, retirar a carta, desdobrá-la e colocá-la na mesa não pode ser executada em ordem, ainda que os atos individuais o sejam. A representação do conceito de uma seqüência motora pode envolver várias áreas, especificamente o córtex parietal esquerdo, mas é provável que também dependa da formação da seqüência e das funções executivas do córtex pré-frontal. A apraxia é um achado típico da degeneração cortical difusa, como na doença de Alzheimer. Sistema motor autônomo
Córtex motor O trabalho desbravador de Penfield definiu um homúnculo motor no giro pré-central, a área 4 de Brodmann (Fig. 3.1-2), em que se encontra um mapa somatotópico dos neurônios motores. As células individuais na faixa motora levam à contração de músculos isolados. A região do cérebro imediatamente anterior à faixa motora é denominada área motora suplementar, a área 6 de Brodmann. Esta região contém células que, quando individualmente estimuladas, podem desencadear movimentos mais com-
O sistema autônomo se divide em um componente sensorial (já descrito) e um componente motor. O sistema motor autônomo é dividido em dois ramos, o simpático e o parassimpático. Como regra, os órgãos são inervados por ambos os tipos de fibras, que, por vezes, desempenham papéis antagônicos. O sistema parassimpático lentifica a freqüência cardíaca e inicia o processo da digestão. Em contraste, o sistema simpático intermedeia a resposta de luta ou fuga, com aumento da freqüência cardíaca, desvio do sangue das vísceras e aumento da freqüência respiratória. Este último é altamente ativado por medicamentos simpaticomiméticos,
O
CÉREBRO E O COMPORTAMENTO
97
Diencéfalo Pineal Colículo superior
Núcleo fastígio
Colículo inferior Núcleo denteado
Hemisfério cerebelar
Núcleo globoso Núcleo emboliforme
como a anfetamina e a cocaína, assim como pela supressão por drogas sedativas, como álcool, benzodiazepínicos ou opiáceos. Os pesquisadores verificaram aumento do risco de ataques cardíacos em indivíduos com altos níveis de hostilidade e sugeriram que a ativação crônica da resposta simpática de luta ou fuga, com secreção elevada de adrenalina, pode estar na base desta associação. O centro cerebral que ativa o sistema motor autônomo é o hipotálamo, que contém um conjunto de pares de núcleos que parecem controlar o apetite, a raiva, a temperatura, a pressão arterial, a transpiração e o impulso sexual. Por exemplo, lesões no núcleo ventromedial, o centro da saciedade, produzem raiva e um apetite voraz. Em contraste, lesões na região superior do núcleo lateral, o centro da fome, geram uma profunda falta de apetite. Numerosos grupos de pesquisa estão fazendo intensos esforços para definir a regulação bioquímica do apetite e da obesidade e, com freqüência, estudam o papel do hipotálamo. Na regulação da atração sexual, o hipotálamo também se tornou área de pesquisa ativa. Na década de 1990, três grupos independentes relataram diferenças neuroanatômicas entre certos núcleos hipotalâmicos de homens heterossexuais e homossexuais. Os pesquisadores interpretaram esse achado como sugestivo de que a orientação sexual possui uma base neuroanatômica, e esse resultado estimulou vários estudos de segmento (follow-up) da base biológica da orientação sexual. Atualmente, contudo, esses achados polêmicos não são aceitos sem
Vermis
FIGURA 3.1-10 Desenho esquemático da vista dorsal do cerebelo mostrando a localização relativa e o tamanho dos núcleos cerebelares situados, em profundidade, dentro do cerebelo. (Adaptada de Hendelman WJ. Student’s Atlas of Neuroanatomy. Philadelphia: WB Sauders; 1994.)
questionamento, e não surgiu um consenso claro quanto à possível correlação entre a estrutura do hipotálamo e a orientação sexual. Em estudos com animais, as primeiras experiências sexuais alteram de forma significativa o tamanho de núcleos específicos do hipotálamo. SISTEMAS DE ASSOCIAÇÃO Circuitos reflexos primitivos As vias sensoriais funcionam como seletoras de aspectos específicos de uma quantidade considerável de estímulos do ambiente, enquanto as vias motoras realizam os desejos do organismo. Estas podem estar ligadas diretamente, por exemplo, à medula espinal, onde um arco reflexo primitivo intermedeia a retirada brusca de um membro decorrente de um estímulo doloroso, sem a percepção consciente imediata. Neste circuito, o estímulo periférico ativa o nervo sensitivo, as sinapses do neurônio, ao serem ligadas, ativam diretamente o sistema motor, e os neurônios motores impulsionam os músculos a se contrair. Essa resposta é estritamente local e do tipo tudo ou nada. Os arcos reflexos primitivos, contudo, raramente geram comportamentos. Para grande parte destes, os sistemas sensoriais se projetam para áreas de associação, onde a informação sensorial é interpretada em termos de lembranças,
98
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
motivações e impulsos determinados internamente. O comportamento visível é resultado de um plano de ação decorrente da associação dos componentes e é realizado pelos sistemas motores.
AMS
C Pr G
Organização básica do cérebro
G
C Po
GSM
A maioria dos teóricos subdividiu o cérebro em sistemas funcionais. Korbinian Brodmann definiu 47 áreas, com base em distinções citoarquitetônicas, uma catalogação que tem permanecido notavelmente durável à medida que a anatomia funcional do cérebro vem sendo elucidada (Fig. 3.1-2). Funções separadas, determinadas a partir de estudos de lesões e de neuroimagens funcionais, têm sido atribuídas a quase todas as áreas de Brodmann. Em outro extremo, alguns especialistas distinguiram apenas três blocos de processamento: o tronco cerebral e o sistema reticular talâmico ativador provêem a ativação e o ajuste de atenção; o córtex posterior integra a percepção e gera a linguagem; e, no nível mais alto, o córtex frontal gera programas e executa planos, como um condutor de uma orquestra. A lateralização hemisférica de funções é um aspecto-chave do processamento cortical superior. Os córtices sensoriais primários para tato, visão, audição, olfato e paladar são representados de modo bilateral, e o primeiro nível de abstração para tais modalidades também é, em geral, representado de forma bilateral. Os níveis mais superiores da extração de configurações, contudo, costumam ser unificados em um só hemisfério. Por exemplo, o reconhecimento de faces familiares e não-familiares parece estar localizado no córtex temporal inferior, e o processamento cortical do olfato ocorre no lobo frontal direito. O exemplo mais claro conhecido de lateralização hemisférica é a localização das funções da linguagem no hemisfério esquerdo. Iniciando com o trabalho de Pierre Broca e Karl Wernicke, no século XIX, os pesquisadores obtiveram um mapa pormenorizado da compreensão e da expressão da linguagem (Fig. 3.1-12). Pelo menos oito tipos de afasias em que um ou mais componentes das vias da linguagem são lesionados foram definidos (Tab. 3.1-1). A prosódia, o componente emocional e afetivo da linguagem ou “linguagem corporal”, parece se localizar em um conjunto contralateral de unidades cerebrais no hemisfério direito. O sistema límbico, um circuito de estruturas filogeneticamente antigas, é responsável pela geração e modificação de lembranças e por conferir peso emocional à experiência sensorial e à recordação (Fig. 3.1-13).
GA
FA B W
FIGURA 3.1-12 Áreas da linguagem do hemisfério esquerdo. B, área de Broca; W, área de Wernicke; FA, fascículo arqueado; AMS, área motora suplementar; GPrC, giro pré-central; GPoC, giro pós-central; GSM, giro supramarginal; GA, giro angular. A compreensão da linguagem ocorre na área de Wernicke, que se conecta à área de Broca pelo fascículo arqueado. A geração da fala ocorre na área de Broca. (De Filley CM. Neurobehavioral Anatomy. Niwot, CO: University of Colorado Press; 1995:76, com permissão.)
Um núcleo do sistema límbico, a amígdala, recebe fibras de todas as áreas sensoriais e parece servir como um portão para a designação de significado emocional às lembranças. Em animais inferiores, as estruturas límbicas são dedicadas, em grande parte, ao processamento de informações olfativas, um papel superado em humanos pelas funções da memória. Os aspectos comportamentais do sistema límbico são discutidos a seguir. As hipóteses sobre o fluxo do pensamento baseiam-se em poucos dados experimentais, embora a escassez de achados não tenha impedido numerosos teóricos de especular sobre a neuroanatomia funcional. Vários papéis foram designados, de forma experimental, a lobos específicos do cérebro, com base em déficits funcionais resultantes de lesões focais. Esses dados indicam que certas regiões do córtex podem ser necessárias para uma função específica, mas não definem o conjunto completo de estruturas envolvidas em uma tarefa complexa. As evidências empíricas de eletrocorticografia de superfície para o estudo da epilepsia, por exemplo, sugerem que um impulso para convulsão parietal direita pode imediatamente atingir o lobo frontal esquerdo e, a seguir, o direito, antes de se difundir localmente para o resto do lobo parietal. Tal evidência ilustra as limitações de se atribuir, de forma ingênua, uma
TABELA 3.1-1 Localização das síndromes de afasia Tipo de afasia
Fala espontânea
Compreensão auditiva
Repetição
Nomeação
Localização (hemisfério esquerdo)
De Broca De Wernicke De condução Global Motora transcortical Sensorial transcortical Anômica Mista transcortical
Não-fluente Fluente Fluente Não-fluente Não-fluente Fluente Fluente Não-fluente
Boa Ruim Boa Ruim Boa Ruim Boa Ruim
Ruim Ruim Ruim Ruim Boa Boa Boa Boa
Ruim Ruim Ruim Ruim Ruim Ruim Ruim Ruim
Área de Broca Área de Wernicke Fascículo arqueado Região pré-sylviana Zona da borda anterior Zona da borda posterior Giro angular Zona das bordas anterior e posterior
Reimpressa, com permissão, de Filley CM. Neurobehavioral Anatomy. Niwot, CO: University of Colorado Press; 1995:80.
O
Neocórtex
Estriado
Tálamo
CÉREBRO E O COMPORTAMENTO
99
Cíngulo Giro do cíngulo Ao hipocampo
Estriado ventral Corpo amigdalóide Hipotálamo Córtices olfativo e entorrinal Córtex cerebelar
Hipocampo Núcleos rostrais da rafe
À medula
Núcleos intracerebelares
Núcleos caudais da rafe FIGURA 3.1-13 Vias serotonérgicas (5-HT). Os núcleos da rafe formam uma coleção mais ou menos contínua de grupos de células próximas à linha média por todo o tronco cerebral, mas, para simplificar, foram divididos em um grupo rostral e um grupo caudal no desenho. Os núcleos rostrais da rafe dão projeção a um grande número de estruturas do cérebro anterior. As fibras que se projetam lateralmente pelas cápsulas interna e externa para áreas amplamente dispersas do neocórtex são indicadas neste desenho altamente esquemático. (De Heimer L. The Human Brain and Spinal Cord. New York: Springer; 1983, com permissão.)
função mental a uma região única do cérebro. Os estudos de neuroimagem funcional em geral revelam a ativação simultânea de regiões díspares do cérebro durante o desempenho até mesmo de uma tarefa cognitiva simples. A despeito disso, particularmente no processamento da visão e da linguagem, síndromes lobares bem-definidas foram confirmadas (Tab. 3.1-2).
Localização de funções específicas do cérebro Vigília e atenção. A Vigília, ou estabelecimento e manutenção do estado desperto, parece envolver, pelo menos, três regiões do cérebro. No tronco cerebral, o sistema reticular ativador ascendente (SRAA), um conjunto difuso de neurônios, parece estabelecer o nível de consciência. Possui projeções para núcleos intralaminares do tálamo, os quais, por sua vez, projetam-se amplamente para todo o córtex. Estudos eletrofisiológicos demonstram que tanto o tálamo como o córtex disparam pulsos rítmicos de atividade neuronal na freqüência de 20 a 40 ciclos por segundo. Durante o sono, esses pulsos não são sincronizados. Na vigília, o SRAA estimula os núcleos intralaminares do tálamo, e estes coordenam as oscilações de diferentes regiões corticais. Quanto maior a sincronização, maior o nível de vigília. A ausência de
TABELA 3.1-2 Funções regionais do cérebro humano Lobos frontais Movimentos voluntários Produção da linguagem (à esquerda) Prosódia motora (à direita) Comportamento Função executiva Motivação Lobos temporais Audição Compreensão da linguagem (à esquerda) Prosódia sensorial (à direita) Memória Emoção Lobos parietais Sensação tátil Função visuoespacial (à direita) Leitura (à esquerda) Cálculo (à esquerda) Lobos occipitais Visão Percepção da visão Reimpressa, com permissão, de Filley CM. Neurobehavioral Anatomy. Niwot, CO: University of Colorado Press; 1995:6.
100
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
vigília culmina em estupor e coma. Em geral, pequenas lesões circunscritas do SRAA podem produzir um estado de estupor, enquanto, no nível hemisférico, são necessárias lesões bilaterais maiores para levar à mesma depressão da vigília. Uma condição particularmente lamentável, porém instrutiva, envolvendo disfunção cortical bilateral extensa permanente é o estado vegetativo persistente. Os ciclos de sono-vigília podem ser preservados e os olhos podem parecer atentos, mas o mundo externo não é registrado, e não há evidência de pensamento consciente. Esta condição representa a expressão da ação isolada do SRAA e do tálamo. A manutenção da atenção parece necessitar do lobo frontal direito intacto. Por exemplo, um teste amplamente utilizado de tenacidade requer a procura e a identificação somente da letra A em uma longa lista de letras aleatórias. Indivíduos normais podem manter o desempenho desta tarefa por vários minutos, mas em pacientes com disfunção do lobo frontal direito, esta capacidade fica gravemente reduzida. As lesões de tamanho similar em outras regiões do córtex em geral não afetam as tarefas de tenacidade. Em contraste, a capacidade de manter uma linha coerente de pensamento, em geral mais adaptativa, é difusamente distribuída por todo o córtex. Várias doenças clínicas podem afetá-la, produzindo confusão aguda ou delirium (Tab. 3.1-3). Uma alteração da atenção amplamente diagnosticada é o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade. Nenhum achado patológico tem sido consistentemente associado a este transtorno. Estudos de neuroimagens funcionais, contudo, têm revelado, de forma variável, hipometabolismo tanto do lobo frontal quanto do hemisfério direito em pacientes com transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, comparados a controles normais. Estes achados fortalecem a noção de que os lobos frontais – especialmente o direito – são essenciais para manter a atenção.
Memória. A avaliação clínica da memória deve testar três períodos, que têm correlações anatômicas distintas. A memória imediata atua em um período de segundos, a memória recente se aplica a uma escala de minutos a dias, e a memória remota abarca de meses a anos. A primeira está implícita no conceito de atenção e capacidade de acompanhar um pensamento. Tal habilidade pode ser dividida em componentes fonológicos e visuoespaciais, e as imagens funcionais localizaram-nos nos hemisférios esquerdo e direito, respectivamente. Um conceito correlato, incorporando as memórias imediata e recente, é a memória de trabalho, que é a capacidade de armazenar informações por vários segundos, enquanto outras operações cognitivas associadas acontecem com tais informações. Estudos recentes demonstraram que neurônios isolados no córtex pré-frontal dorsolateral registram não apenas aspectos necessários para a memória de trabalho, mas também a certeza de que essa informação é conhecida, além do grau de expectativa alocada à permanência de um determinado elemento do ambiente. Certos neurônios disparam rapidamente por um item que é ansiosamente esperado, mas podem cessar o processo se as esperanças forem frustradas inesperadamente. A codificação do valor emocional de um item contido na memória de trabalho pode ser de grande utilidade na determinação do comportamento orientado para ob-
TABELA 3.1-3 Funções das regiões do cérebro humano Tóxicas Drogas prescritas Drogas não-prescritas Abstinência de droga Metabólicas Hipoxia Hipoglicemia Uremia Doença hepática Deficiência de tiamina Distúrbios eletrolíticos Endocrinopatias Infecciosas e inflamatórias Meningite Encefalite Vasculite Abscesso Epilépticas Estado pós-ictal Estado epiléptico parcial complexo Estado epiléptico de ausência Vasculares Acidente vascular cerebral Hemorragia subaracnóide Traumáticas Concussão Lesão cerebral traumática grave Neoplásicas Tumores profundos de linha média Pressão intracraniana aumentada Pós-cirúrgicas Atropina pré-operatória Hipoxia Analgésicos Desequilíbrio eletrolítico Febre Reimpressa, com permissão, de Filley CM. Neurobehavioral Anatomy. Niwot, CO:University of Colorado Press, 1995:6.
jetivos. Alguns pesquisadores localizam a memória de trabalho predominantemente no córtex frontal esquerdo. Clinicamente, contudo, são necessárias lesões bilaterais nesta região para o comprometimento grave da memória de trabalho. Três estruturas cerebrais são cruciais para a formação das lembranças: o lobo temporal medial, certos núcleos do diencéfalo e a base do prosencéfalo. O lobo temporal medial inclui o hipocampo, uma rede alongada, altamente repetitiva. A amígdala fica adjacente à extremidade anterior do hipocampo. Foi sugerido que ela avalia a importância emocional de uma experiência e mobiliza o nível de atividade do hipocampo de acordo com essa sensibilidade. Assim, uma experiência emocional intensa é indelevelmente gravada na memória, mas estímulos irrelevantes são rapidamente desconsiderados. Estudos com animais definiram um código de locais no hipocampo, um padrão de ativação celular que corresponde à localização do animal no espaço. Quando o animal é introduzido em um novo ambiente, o hipocampo fica amplamente ativado. À medida que ele explora o ambiente, o disparo de certas regiões do hipocampo começa a corresponder a locais específicos. Em cerca de uma hora, uma representação interna altamente pormenorizada do espaço externo (um “mapa cognitivo”) aparece na forma de
O
padrões específicos de disparos das células do hipocampo. Esses padrões de disparos podem ter pouca semelhança espacial com o ambiente que representam; ao contrário, podem parecer arranjados de forma aleatória no hipocampo. Se o animal é colocado em um espaço que lhe é familiar, somente as regiões correspondentes do hipocampo mostram atividade neuronal intensa. Quando o registro continua mesmo em períodos de sono, as seqüências de disparos das células do hipocampo são registradas, delineando um via coerente de navegação através do ambiente, ainda que o animal esteja imóvel. Se o animal é removido do ambiente por vários dias e, a seguir, reintroduzido nele, o código de locais previamente registrados é reativado imediatamente. Uma série de experimentos dissociou a formação do código de locais do hipocampo de outros indícios visuais, auditivos ou olfativos, embora cada uma dessas modalidades contribua para a geração do código de locais. Outros fatores podem incluir cálculos internos de distâncias baseados na contagem de passos ou outra informação proprioceptiva. Os dados de mutações genéticas orientadas para alvos em camundongos implicaram tanto os receptores tipo N-metilD-aspartato (NMDA) para o glutamato como a cálcio-calmodulina quinase (CaMKII) na formação dos locais do hipocampo. Tais indicativos sugerem que este é um local significativo para a formação e o armazenamento de lembranças imediatas e recentes. Embora nenhum dado apóie ainda a noção, é concebível que o mapa cognitivo do hipocampo seja inapropriadamente reativado durante uma experiência de déjà vu. O mais famoso indivíduo objeto no estudo da memória é H. M., um homem com epilepsia intratável que teve ambos os hipocampos e as amígdalas removidos cirurgicamente para aliviar sua doença. A epilepsia foi controlada, mas ele ficou com uma incapacidade completa de formar e recordar lembranças de fatos. A possibilidade de aprendizado e a memória de H. M. foram relativamente preservadas, o que levou à sugestão de que a memória declarativa ou factual possa ser separada dentro do cérebro da memória de procedimentos ou daquela relacionada a habilidades. Um déficit complementar na memória de procedimentos, com preservação da memória declarativa, pode ser observado em indivíduos com doença de Parkinson, em que os neurônios dopaminérgicos do trato nigroestriatal se degeneram. Como esse déficit pode ser melhorado com tratamento com levodopa (Larodopa), que, se acredita, potencializa a neurotransmissão dopaminérgica na via nigroestriatal, foi postulado um papel para a dopamina na memória de procedimentos. Relatos adicionais de casos implicaram ainda mais a amígdala e os tratos de fibras aferentes e eferentes do hipocampo como essenciais para a formação de lembranças. Estudos de lesão também sugeriram uma leve lateralização de função do hipocampo, em que o esquerdo é mais eficiente em formar lembranças verbais, e o direito tende a formar lembranças não-verbais. Após lesões unilaterais em humanos, contudo, o hipocampo remanescente pode compensá-las em grande extensão. As causas médicas de amnésia incluem alcoolismo, convulsões, enxaqueca, drogas, deficiências de vitaminas, traumatismo, acidentes vasculares cerebrais, tumores, infecções e doenças degenerativas.
CÉREBRO E O COMPORTAMENTO
101
O sistema motor recebe diretivas das áreas de associação. O desempenho de um ato novo requer retroalimentação (feedback) constante das áreas sensoriais e de associação para se completar, e estudos de neuroimagens funcionais demonstraram ativação difusa do córtex durante atos que não exigem tanta habilidade. Os atos motores memorizados inicialmente necessitam da ativação do lobo temporal medial. Com a prática, contudo, o desempenho de segmentos cada vez maiores de um ato necessário para atingir um objetivo se torna codificado dentro de áreas definidas dos córtices pré-motor e parietal, particularmente do córtex parietal esquerdo, tendo como resultado uma ativação muito mais limitada do córtex observada durante atos que demandam grande habilidade, com o lobo temporal medial ficando em segundo plano. Esse processo é denominado corticalização de comandos motores. Em termos leigos, o processo sugere uma base neuroanatômica para o adágio “a prática traz a perfeição”. Dentro do diencéfalo, o núcleo dorsal medial do tálamo e os corpos mamilares parecem ser necessários para a formação de lembranças. Essas duas estruturas são danificadas nos estados de deficiência de tiamina geralmente observados em alcoólatras crônicos, e sua inativação se associa à síndrome de Korsakoff, caracterizada pela incapacidade grave de formar novas lembranças e por uma tendência variável a recordar lembranças remotas. O distúrbio clínico de memória mais comum é a doença de Alzheimer. Esta se caracteriza patologicamente pela degeneração de neurônios e por sua reposição por placas senis e emaranhados neurofibrilares. Estudos clínico-patológicos sugeriram que o declínio cognitivo se correlaciona melhor com a perda de sinapses. Inicialmente, os lobos parietal e temporal são afetados, com relativa preservação dos lobos frontais. Esse padrão de degeneração está associado à perda precoce da memória, que é, em grande parte, uma função do lobo temporal. Além disso, a compreensão sintática da linguagem e a organização visuoespacial, funções que dependem do lobo parietal, são comprometidas cedo no curso da doença. Em contraste, modificações da personalidade, que refletem funções do lobo frontal, são conseqüências relativamente tardias. A doença de Alzheimer é discutida na Seção 3.4 e no Capítulo 10. A doença de Pick, uma síndrome rara, complementar, de degeneração cortical, primeiro afeta os lobos frontais, enquanto preserva os lobos temporal e parietal. A desinibição e o comprometimento da linguagem expressiva, que são sinais de disfunção frontal, aparecem cedo, com a compreensão da linguagem e a memória relativamente preservadas. A perda de memória também pode ser resultado de doenças nas estruturas subcorticais da substância cinzenta, especificamente nos gânglios basais e nos núcleos do tronco cerebral, de doenças da substância branca ou de distúrbios que afetem tanto uma quanto a outra. Linguagem. Em vista do papel de destaque da linguagem verbal e escrita na comunicação humana, sua base neuroanatômica é a função de associação compreendida de forma mais completa. Os transtornos da linguagem, também denominados afasias, são facilmente diagnosticados na conversação de rotina, ao passo que transtornos da percepção podem escapar da detecção, exceto em testes neuropsicológicos pormenorizados, ainda que tais condições possam decorrer de lesões de um volume igual do córtex. Entre os modelos mais antigos de localização cerebral estão a descrição
102
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
por Broca, de 1865, acerca da perda da fluência da fala causada pela lesão do lobo frontal inferior esquerdo, e a localização por Wernicke, em 1874, da compreensão da linguagem no lobo temporal superior esquerdo. Análises subseqüentes de pacientes que ficaram afásicos por acidentes vasculares cerebrais, traumatismos ou tumores levaram à definição da via completa de associação da linguagem, da aferência sensorial ao efetor motor (Fig. 3.1-12). A linguagem demonstra de forma mais clara a lateralização das funções. Na maioria dos casos, o hemisfério dominante para a linguagem também dirige a mão dominante. Noventa por cento da população é destra, e 99% destas pessoas têm a dominância hemisférica para a linguagem à esquerda. Das 10% que são canhotas, 67% também têm dominância hemisférica para a linguagem à esquerda; as outras 33% têm dominância hemisférica para a linguagem mista ou à direita. A tendência inata para a lateralização da linguagem no hemisfério esquerdo tem alta associação com a assimetria do planum temporal, uma área triangular cortical na parte superior do lobo temporal que parece sediar a área de Wernicke. Falta, nos pacientes com dominância hemisférica mista para a linguagem, a assimetria esperada do planum temporal. O fato de a assimetria ter sido observada em cérebros pré-natais sugere um determinante genético. De fato, a ausência de assimetria ocorre em famílias, embora tanto influências genéticas quanto intra-uterinas provavelmente contribuam para o padrão final. A compreensão da linguagem é processada em três níveis. Primeiro, o processamento fonológico, em que sons isolados como as vogais e as consoantes são reconhecidos no giro inferior dos lobos frontais. O processamento fonológico melhora se é possibilitada a leitura labial, se a fala é lentificada e se se provêem indícios contextuais. Segundo, o processamento léxico compara o input fonológico com palavras ou sons reconhecíveis da memória do indivíduo. O processamento léxico determina se um som é uma palavra ou não. Evidência recente localizou tal atividade no lobo temporal esquerdo, em que as representações dos dados lexicais são organizadas de acordo com categorias semânticas. Terceiro, o processamento semântico conecta as palavras a seu significado. As pessoas com defeitos do processamento semântico podem manter a capacidade de repetir palavras na ausência da capacidade de compreendêlas ou gerar a fala espontaneamente. Este nível ativa os giros médio e superior do lobo temporal esquerdo, enquanto a representação do conteúdo conceitual das palavras é amplamente distribuída no córtex. A produção da linguagem se dá no sentido oposto, das representações semânticas corticais através dos nodos (estações) lexicais do lobo temporal esquerdo para a área de processamento fonológico oromotor (para a fala) ou para o sistema grafomotor (para a escrita). Cada uma dessas áreas pode ser lesada de forma independente e simultânea por acidente vascular cerebral, traumatismo, infecção ou tumor, levando a tipos específicos de afasia. A salada de palavras truncadas ou os pronunciamentos ilógicos do paciente afásico deixam pouca dúvida quanto ao diagnóstico de lesão cortical lateralizada para a esquerda, mas o hemisfério direito contribui com algo mais sutil, mas de igual importância, para a qualidade afetiva da linguagem. Por exemplo, a frase “Sinto-me bem” pode ser falada com uma variedade infinita de nuances, cada uma das quais compreendida de forma diferente. A percepção da prosódia e a apreciação dos gestos associados, ou “linguagem corporal”, parecem necessitar do he-
misfério direito intacto. Os neurologistas do comportamento mapearam uma via completa para a associação da prosódia no hemisfério direito que espelha a via da linguagem no hemisfério esquerdo. Os pacientes com lesão no hemisfério direito, que têm comprometimento da compreensão ou da expressão da prosódia, podem achar difícil conviver na sociedade, a despeito de sua capacidade intacta da linguagem.
A dislexia do desenvolvimento é definida como uma dificuldade inesperada de aprendizado no contexto de inteligência, motivação e instrução adequadas. Enquanto a fala consiste da combinação lógica de 44 fonemas básicos de sons, a leitura requer um conjunto mais amplo de funções cerebrais e, assim, é mais sujeita a perturbação. A consciência de fonemas específicos se desenvolve aproximadamente nas idades de 4 a 6 anos e parece ser um pré-requisito para a capacidade de leitura. A impossibilidade de reconhecer fonemas distintos é o prenúncio mais significativo de um problema de leitura. Estudos de neuroimagem funcional localizaram a identificação de letras no lobo occipital adjacente ao córtex visual primário. O processamento fonológico ocorre no lobo frontal inferior, e o semântico, nos giros superior e médio do lobo temporal esquerdo. Um achado recente de significado incerto é que o processamento fonológico nos homens ativa somente o giro frontal inferior esquerdo, ao passo que, nas mulheres, ativa o giro frontal inferior de forma bilateral. A análise cuidadosa dos déficits particulares de leitura de um indivíduo pode orientar os esforços de auxílio corretivo, que podem enfocar as fraquezas e, dessa forma, conduzir a capacidade de leitura ao nível geral da inteligência e da capacidade verbal. Em crianças, o transtorno de aprendizado não-verbal do desenvolvimento é postulado como resultado de disfunção do hemisfério direito. Essa condição se caracteriza por mau controle motor refinado na mão esquerda, déficits na organização visuoperceptiva, problemas com matemática, além de socialização incompleta ou perturbada. Os pacientes com afasia não-fluente, incapazes de completar uma simples sentença, podem cantar uma canção inteira, aparentemente porque vários aspectos de sua produção estão localizados no hemisfério direito. A música é representada de forma predominante neste hemisfério, mas a complexidade da capacidade musical parece envolver ambos. Músicos treinados conseguem transferir várias capacidades musicais do hemisfério direito para o esquerdo, à medida que adquirem proficiência na análise e no desempenho musicais. Emoção. As experiências emocionais ocupam a atenção de todos os profissionais da saúde mental. As emoções se derivam dos instintos básicos, como alimentação, sexo, reprodução, prazer, dor, medo e agressão, que todos os animais compartilham. As bases neuroanatômicas desses instintos parecem estar centradas no sistema límbico. Emoções distintivamente humanas, como a afeição, o orgulho, a culpa, a piedade, a inveja e o ressentimento, são amplamente apreendidas e com mais probabilidade representadas no córtex. A regulação dos instintos parece necessitar do córtex frontal intacto. A inter-relação complexa entre as emoções, contudo, está muito além da compreensão dos neuroanatomistas funcionais. Onde, por exemplo, se situam as representações do id, do ego e do superego? Através de qual via os julga-
O
CÉREBRO E O COMPORTAMENTO
103
mentos éticos e morais são encaminhados? Que processos possibilitam perceber a beleza aos olhos de quem olha? Essas questões filosóficas representam uma verdadeira fronteira para a descoberta humana.
de agressão-medo por vezes observado em pacientes com ELT, a ablação experimental completa dos lobos temporais parece produzir uma reação uniforme, branda, ao ambiente, possivelmente devido à incapacidade de ter acesso a lembranças.
No córtex, vários estudos sugeriram uma dicotomia hemisférica para a representação emocional. O hemisfério esquerdo abriga a mente analítica, mas pode ter um repertório emocional limitado. Por exemplo, lesões no hemisfério direito, que causam déficits funcionais profundos, podem ser observadas com indiferença pelo hemisfério esquerdo intacto. A negação da doença e da incapacidade de movimentar a mão esquerda, em casos de lesão do hemisfério direito, é denominada anosognosia. Em contraste, lesões no hemisfério esquerdo, que causam afasia profunda, podem desencadear uma depressão catastrófica, à medida que o hemisfério direito se defronta com a percepção da perda. O hemisfério direito também parece dominante para os afetos, a socialização e a imagem corporal. Lesão no hemisfério esquerdo produz transtorno intelectual e uma perda do aspecto narrativo dos sonhos. No direito, gera transtornos afetivos, perda do aspecto visual dos sonhos e uma falta de resposta ao humor, a nuances de metáforas e a conotações. Em experimentos com visão dicótica, duas cenas de conteúdo emocional variado foram expostas simultaneamente a cada metade do campo visual e percebidas separadamente em cada hemisfério. Ocorreu uma resposta emocional mais intensa com cenas exibidas ao campo visual esquerdo do que as que foram processadas pelo hemisfério direito. Além disso, mudanças hemissensoriais representando transtorno de conversão têm sido muitas vezes observadas envolvendo a metade esquerda do corpo, com mais freqüência do que a direita, uma observação que sugere sua origem no hemisfério direito. Nos hemisférios, os lobos frontal e temporal têm um papel predominante nas emoções. O lobo temporal exibe focos epilépticos com freqüência elevada, e a epilepsia do lobo temporal (ELT) representa um modelo interessante para o papel desta região no comportamento. Em estudos sobre epilepsia, a ativação do cérebro é que é analisada, em vez dos déficits de atividade considerados em estudos clássicos. A ELT é de interesse particular em psiquiatria porque os pacientes com crises do lobo temporal podem, por vezes, manifestar um comportamento bizarro sem os movimentos clônicos do grande mal clássico, causados por crises no córtex motor. Uma personalidade proposta para esse tipo de epilepsia se caracteriza por hipossexualidade, intensidade emocional e uma abordagem perseverante nas interações, denominada viscosidade. Os pacientes com ELT esquerda podem produzir referências sobre seu destino pessoal e sobre temas filosóficos, além de exibir uma visão da vida completamente destituída de humor. Em contraste, aqueles com ELT direita podem exibir emocionalidade excessiva, indo da tristeza ao entusiasmo. Embora os pacientes com tal condição possam exibir agressão excessiva entre as crises, a crise por si só pode evocar medo. O inverso da personalidade apresentada em casos de ELT aparece em pessoas com lesões bilaterais dos lobos temporais após traumatismos craniano, parada cardíaca, encefalite por herpes simples ou doença de Pick. Esta lesão lembra a descrita na síndrome de Klüver-Bucy, um modelo experimental de ablação dos lobos temporais em macacos. O comportamento se caracteriza por hipossexualidade, placidez, uma tendência a explorar o ambiente com a boca, incapacidade de reconhecer o significado emocional de estímulos visuais e mudanças constantes da atenção, denominadas hipermetamorfose. Em contraste com o espectro
Os córtices pré-frontais influenciam o humor de forma complementar. Enquanto a ativação do córtex pré-frontal esquerdo parece elevar o humor, a ativação do direito causa depressão. Uma lesão na área pré-frontal esquerda, tanto em nível cortical como subcortical, abole as influências normais de elevação do humor e produz depressão e choro incontrolável. Ao contrário, uma lesão comparável na área pré-frontal direita pode produzir riso, euforia e witzelsucht, uma tendência a fazer piadas e trocadilhos. Efeitos opostos aos causados por lesões aparecem durante crises epilépticas, em que há uma ativação anormal, excessiva, de um ou do outro córtex pré-frontal. Um foco de crises no córtex pré-frontal esquerdo pode causar convulsões de riso, por exemplo, em que a manifestação ictal é o riso. As neuroimagens funcionais têm documentado hipoperfusão pré-frontal esquerda durante estados depressivos, que se normaliza após a depressão ter sido tratada com êxito. Aspectos comportamentais do sistema límbico O sistema límbico foi descrito por James Papez em 1937. O circuito de Papez consiste do hipocampo, do fórnice, dos corpos mamilares, do núcleo anterior do tálamo e do giro do cíngulo (Fig. 3.1-13). Seus limites foram expandidos subseqüentemente para incluir a amígdala, o septo, o cérebro basal anterior, o nucleus accumbens e o córtex orbitofrontal. Embora este esquema crie uma alça anatômica para o processamento emocional, são desconhecidas as contribuições específicas de cada um dos componentes, além do hipocampo, ou mesmo se um dado surto de impulsos neurais realmente se dissipa ao longo da via toda. A amígdala parece ser um portal de fundamental importância, através do qual os estímulos internos e externos são integrados. A informação dos sentidos primários é entretecida com os instintos internos, como a fome e a sede, para dar significado emocional às experiências sensoriais. Esta estrutura pode intermediar respostas de medo aprendido, como na ansiedade e no pânico, e pode direcionar a expressão de certas emoções, ao produzir um afeto particular. Dados neuroanatômicos sugerem que a amígdala exerce uma influência poderosa sobre o córtex, ao estimular ou suprimir a atividade cortical, maior do que a que o córtex exerce sobre ela. Vias das estações retransmissoras do tálamo enviam separadamente dados sensoriais para a amígdala e para o córtex, mas o efeito subseqüente da amígdala sobre o córtex é a mais potente das duas conexões recíprocas. Em contraste, tem sido relatado que lesões da amígdala fazem a ablação da capacidade de se distinguir medo de raiva nas vozes e nas expressões faciais de outros indivíduos. Pessoas com tais lesões podem ter preservada a capacidade de reconhecer felicidade, tristeza ou desgosto. O sistema límbico parece sediar as áreas de associação emocional, que dirigem o hipotálamo para expressar os componentes motores e endócrinos do estado emocional.
104
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Medo e agressão. A estimulação elétrica de animais em toda a área subcortical envolvendo o sistema límbico produz reações de raiva (p. ex., rosnar, cuspir, arquear o dorso). Se o animal foge ou ataca depende da intensidade do estímulo. Alimentação. A estimulação elétrica do hipotálamo lateral leva animais plenamente saciados a comer avidamente. Lesões bilaterais nesta área causam afagia e adipsia.
Sexo. Lesões no córtex piriforme produzem hipersexualidade em gatos, que tentarão copular quase continuamente com qualquer objeto que possam agarrar.
Auto-estimulação. Treinando-se um animal a pressionar uma alavanca para obter alimentos e, a seguir, produzindo um arranjo mediante o qual cada pressionada da alavanca produz um estímulo em local particular do cérebro, é possível determinar se o animal procura, evita ou é indiferente à estimulação de vários sistemas neurais. Esses estudos revelaram que uma maioria substancial de pontos onde a estimulação era tanto procurada como evitada se situava no sistema límbico. Os achados mostraram que, por razões que permanecem obscuras, os ratos estimularão o hipotálamo lateral, em vez de comer, por vezes levando à inanição. Os estudos de auto-estimulação em humanos produziram resultados interessantes. Aparentemente, alguns pacientes descobriram que a estimulação das áreas septais alivia a “raiva e a frustração”. Parece haver poucas dúvidas de que essa estimulação teria valor terapêutico importante se fosse conhecido o suficiente de sua neurofisiologia. Por outro lado, os concomitantes conscientes da auto-estimulação em humanos são, por vezes, tão vagos ou bizarros que produzem uma esperança mínima de ser possível compreender os efeitos psicológicos em homens e animais em quaisquer termos simples. Determinados efeitos são visivelmente sexuais, e um “gosto frio”, uma sensação de enforia, um sentimento de estar “a ponto de lembrar algo interessante” e “quase chegando ao orgasmo” são alguns dos relatos verbais desses efeitos que a autoestimulação fornece. Mudanças drásticas no humor ressaltam a importância da atividade do sistema límbico. O controle terapêutico específico confiável desses poderosos efeitos por meio da estimulação localizada necessitará de enorme extensão do conhecimento das técnicas atuais, mas poucas áreas da pesquisa contêm perspectivas maiores do que esta para o alívio do sofrimento humano. Sistema límbico e esquizofrenia O sistema límbico tem sido particularmente implicado nos estudos neuropatológicos da esquizofrenia. Os conhecidos quatro As de Eugen Bleuler – afeto, associações, ambivalência e autismo – referem-se a funções cerebrais proporcionadas, em parte, pelo sistema límbico. Vários estudos clínico-patológicos verificaram uma redução no peso cerebral da substância cinzenta, mas não da substância branca, em indivíduos com esquizofrenia. Em relatos patológicos, bem como em relatos de imagens por ressonância magnética (RM), pessoas com a doença podem ter uma redução no volume do hipocampo, da amígdala e do giro para-hipocampal. A esquizofrenia pode ser uma seqüela tardia de um foco epiléptico temporal, com alguns estudos relatando uma associação em 7% dos pacientes com ELT.
Estudos de neuroimagens funcionais demonstraram redução da ativação dos lobos frontais em um grande número de pacientes com esquizofrenia, particularmente durante tarefas necessitando de ações voluntárias. Um aumento recíproco da ativação no lobo temporal pode ocorrer durante esse tipo de atividade, como movimentos dos dedos ou fala, em pessoas com esquizofrenia. Estudos neuropatológicos demonstraram uma redução da densidade do neurópilo, o emaranhado de axônios e dendritos dos neurônios, nos lobos frontais desses pacientes. Durante o desenvolvimento, a densidade do neurópilo é mais alta em torno do primeiro ano de idade e, a seguir, é um tanto reduzida pela poda sináptica; o platô de densidade durante a infância é reduzido ainda na adolescência até chegar aos níveis adultos. Uma hipótese que explica o aparecimento da esquizofrenia no final da adolescência é que ocorre uma poda excessiva de sinapses durante a adolescência, levando a insuficiente atividade frontolímbica. Alguns especialistas sugeriram que o hipometabolismo e a pobreza de conexões interneuronais no córtex pré-frontal podem refletir ineficiência da memória de trabalho, o que permite o discurso desconexo e o afrouxamento das associações, característicos da esquizofrenia. No momento, as bases moleculares para a regulação da densidade de sinapses dentro do neurópilo são desconhecidas. Outras linhas de investigação dirigidas para a compreensão das bases biológicas da esquizofrenia documentaram deficiências na formação de conexões sinápticas corticais na metade do segundo trimestre da gestação, que podem decorrer de infecção viral ou de má nutrição. Os levantamentos acerca do neurodesenvolvimento durante a infância verificaram um aumento da incidência de alterações neurológicas sutis, prévias ao aparecimento de transtorno do pensamento em indivíduos que subseqüentemente exibiram sinais de esquizofrenia. Em um estudo intrigante, o escrutínio com tomografia por emissão de pósitrons (PET) foi utilizado para identificar as áreas cerebrais ativadas quando o indivíduo ouve linguagem falada. Um conjunto consistente de estruturas corticais e subcorticais mostrou aumento do metabolismo quando a fala era processada. Os pesquisadores estudaram, a seguir, um grupo de pacientes com esquizofrenia que estavam experimentando alucinações auditivas. Durante sua ocorrência, as mesmas estruturas corticais e subcorticais eram ativadas, como se fossem mobilizadas por sons reais, inclusive o córtex auditivo primário. Ao mesmo tempo, houve redução da ativação das áreas que se julga monitorarem a fala, inclusive o giro temporal médio esquerdo e a área motora suplementar. Esse estudo levanta a questão de quais estruturas cerebrais são ativadas pelas alucinações e por que mecanismo os neurolépticos suprimem as alucinações. Claramente, as imagens funcionais têm muito a dizer sobre as bases neuroanatômicas da esquizofrenia.
Funções do lobo frontal Os lobos frontais, a região que determina como o cérebro atua sobre seu conhecimento, constituem-se em uma categoria independente. Em estudos neuroanatômicos comparativos, a grande massa dos lobos frontais é o aspecto principal que distingue o cérebro humano do de outros primatas e que lhe proporciona suas qualidades humanas peculiares. Há quatro subdivisões dos
O
lobos frontais. As três primeiras – a faixa motora, a área motora suplementar e a área de Broca – foram mencionadas na discussão já apresentada sobre o sistema motor e a linguagem. A quarta divisão, mais anterior, é o córtex pré-frontal. Este contém três regiões nas quais lesões produzem síndromes distintas: a orbitofrontal, a dorsolateral e a medial. Estudos de coloração definiram densas conexões recíprocas entre o córtex pré-frontal e outras regiões do cérebro. Por isso, na extensão em que a anatomia pode predizer a função, o córtex pré-frontal está idealmente conectado para possibilitar a utilização seqüencial de toda a gama de funções cerebrais na execução de atividades orientadas para objetivos. Na verdade, lesão no lobo frontal em geral compromete as funções executivas: a motivação, a atenção e a seqüência de ações. As lesões bilaterais nos lobos frontais caracterizam-se por mudanças na personalidade – a maneira como as pessoas interagem com o mundo. A síndrome do lobo frontal, com mais freqüência produzida por traumatismos, infartos, tumores, lobotomia, esclerose múltipla ou doença de Pick, é definida por lentificação do pensamento, mau julgamento, redução da curiosidade, reclusão social e irritabilidade. Os pacientes tipicamente exibem indiferença apática às experiências, que pode subitamente explodir em forma de desinibição impulsiva. Lesões unilaterais nos lobos frontais podem passar, em grande parte, desapercebidas, porque o lobo intacto pode compensálas com grande eficiência. Disfunção nessa região pode ser difícil de detectar por meio de testes neuropsicológicos formais, altamente estruturados. A inteligência, como refletida pelo quociente de inteligência (QI), pode estar normal, e os estudos de neuroimagens funcionais têm mostrado que este indicador parece necessitar principalmente da ativação dos lobos parietais. Por exemplo, durante a administração da Escala de Inteligência para Adultos de Wechsler–Revisada (Wechsler Adult Intelligence Scale-Revised; WAIS-R), os níveis mais elevados de aumento da atividade metabólica durante os testes verbais ocorreram no lobo parietal esquerdo, enquanto os níveis mais elevados de atividade metabólica para as capacidades de desempenho ocorreram no lobo parietal direito. Em contraste, a patologia dos lobos frontais se torna mais aparente somente sob condições estressantes, não-estruturadas, da vida real. Um caso famoso ilustrando o resultado de lesão do lobo frontal envolveu Phineas Gage, um ferroviário de 25 anos de idade. Quando estava trabalhando com explosivos, um acidente lançou um pino de ferro através de sua cabeça. Ele sobreviveu, mas os lobos frontais foram gravemente lesionados. Após o acidente, seu comportamento mudou de forma dramática. O caso foi descrito por J. M. Harlow, M.D., em 1868, como se segue: (George) é caprichoso, irreverente e por vezes grosseiro (o que não era antes seu costume), manifestando o mínimo de deferência por seus colegas, impaciente em relação a restrições ou advertências quando em conflito com seus desejos... Sua mente foi radicalmente modificada, de modo tão decisivo que seus amigos e conhecidos afirmaram que “não era mais Gage”.
CÉREBRO E O COMPORTAMENTO
105
Em um estudo com homens destros, lesões no córtex préfrontal direito eliminaram a tendência à utilização de indícios internos associativos da memória e levaram a uma tendência extrema de interpretar as tarefas defrontadas em termos do contexto imediato. Em contraste, os que tiveram lesões do córtex préfrontal esquerdo não produziram interpretações dependentes do contexto e interpretaram as tarefas inteiramente em termos de seus próprios impulsos internos. Uma imagem em espelho da lateralização funcional apareceu em canhotos. Esse teste revelou a associação mais claramente conhecida da lateralização funcional cortical superior com a mão dominante do indivíduo. Experimentos futuros desse teor tentarão reproduzir os achados com neuroimagens funcionais. Se corroborados, irão sugerir uma complexidade notável da localização funcional no córtex pré-frontal e poderão ter implicações também para a compreensão de transtornos psiquiátricos em que a patologia pré-frontal foi postulada, como na esquizofrenia e em transtornos do humor. A massiva inervação dos lobos frontais pelas fibras nervosas dopaminérgicas é de interesse devido à ação dos medicamentos antipsicóticos. No nível clínico, os antipsicóticos podem auxiliar as associações aleatórias do paciente com esquizofrenia. No nível neuroquímico, a maioria deles bloqueia a ação da dopamina sobre os receptores D2. Por isso, os lobos frontais podem ser importantes locais terapêuticos para a ação dos medicamentos antipsicóticos. DESENVOLVIMENTO O sistema nervoso é dividido em sistema nervoso central (SNC), que consiste do cérebro e da medula espinal, e sistema nervoso periférico (SNP), que se refere a todas as fibras sensoriais, motoras e autonômicas fora do SNC. Durante o desenvolvimento, ambas as divisões se originam a partir de um precursor comum, o tubo neural, que, por sua vez, se forma a partir das dobras da placa neural, uma especialização do ectoderma, a mais superficial das três camadas do embrião. Nesta fase embrionária, o próprio tubo neural se torna o SNC, enquanto o ectoderma imediatamente superficial ao tubo neural se converte na crista neural, que dá origem ao SNP. A formação dessas estruturas requer comunicação química entre os tecidos vizinhos, na forma de moléculas na superfície das células e de sinais químicos difusíveis. Em muitos casos, uma estrutura formada mais cedo, como a notocorda, é considerada o elemento que induz o ectoderma circundante a formar um estrutura posterior, neste caso, a placa neural. A identificação de intermediadores químicos da indução de tecidos está em processo ativo de pesquisa. Os pesquisadores começaram a examinar se fracassos nas interações desses mediadores com seus receptores poderiam provocar erros no desenvolvimento do cérebro, causando psicopatologia. Migração e conexões neuronais O ciclo de vida de um neurônio consiste do nascimento da célula, sua migração para a posição na vida adulta, a extensão do axônio, a elaboração de dendritos, a sinaptogênese e, finalmente, o início da neurotransmissão química. Os neurônios nascem nas
106
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
zonas proliferativas, geralmente localizadas ao longo da superfície interna do tubo neural. No pico da proliferação neuronal, na metade do segundo trimestre, 250 mil neurônios nascem a cada minuto. Os neurônios pós-mitóticos migram no sentido periférico, para suas posições definitivas no córtex, guiados por fibras gliais astrocíticas orientadas em sentido radial. Essa migração ocupa grande parte dos primeiros seis meses da gestação. Para alguns neurônios no córtex pré-frontal, ela ocorre em uma distância 5 mil vezes o diâmetro do corpo celular do neurônio. A migração neuronal requer um conjunto complexo de interações célula a célula e é suscetível a erros em que os neurônios falham em chegar ao córtex e, em vez disso, se instalam em posições ectópicas. Denomina-se heterotopia a um grupo desses neurônios incorretamente localizados. Verificou-se que as heterotopias causam epilepsia e são altamente associadas a deficiência mental. Em um estudo neuropatológico do planum temporal de quatro pacientes consecutivos com dislexia, as heterotopias foram um achado comum. Recentemente, foi postulado que os neurônios heterotópicos dentro do lobo frontal têm um papel causal em alguns casos de esquizofrenia. Vários neurônios projetam um axônio para baixo à medida que migram, enquanto outros não iniciam o crescimento de axônios até que tenham atingido seus alvos corticais. Os axônios talâmicos que se projetam para o córtex inicialmente fazem sinapse em uma camada transitória de neurônios denominada neurônios da subplaca. No desenvolvimento normal, os axônios logo se desligam dos neurônios da subplaca e prosseguem para a superfície, a fim de fazer sinapse com as células corticais verdadeiras. Os neurônios da subplaca, então, se degeneram. Alguns indivíduos com esquizofrenia apresentam uma persistência anormal desses neurônios, sugerindo uma falha no encontro pleno das vias de axônios nos cérebros desses indivíduos. Contudo, tal achado não se correlaciona com a presença de esquizofrenia em cada caso. Uma árvore ramificada característica de dendritos é elaborada assim que os neurônios completam sua migração. A sinaptogênese ocorre de uma forma intensa do segundo semestre até os primeiros 10 anos de vida. Seu pico é atingido nos primeiros dois anos de vida, quando até 30 milhões de sinapses se formam a cada segundo. O envolvimento dos axônios pelas bainhas de mielina se inicia no período pré-natal; tende a se completar na primeira infância, mas não atinge sua extensão completa até mais tarde, na terceira década de vida. A mielinização do cérebro também é seqüencial (Fig. 3.1-14).
Os neurocientistas estão imensamente interessados nos efeitos da experiência na formação dos circuitos cerebrais nos primeiros anos de vida. Como já observado, há vários exemplos do impacto da experiência sensorial inicial na constituição das áreas corticais de processamento sensorial. De forma similar, sabe-se que os padrões iniciais de movimentos reforçam as conexões neurais na área motora suplementar que dirige atos motores específicos. Os neurônios formam rapidamente um excesso quíntuplo de conexões sinápticas; a seguir, por um processo darwiniano de eliminação, somente persistem as sinapses que atendem a uma função relevante. Essa poda sináptica parece preservar os inputs em que as células pré-sinápticas disparam em sincronia com as pós-sinápticas, um processo que reforça repetidamente os circuitos neurais ativados. Pensa-se
FIGURA 3.1-14 Seqüência de mielinização do cérebro. A mielinização ocorre em primeiro lugar nas áreas cerebrais envolvidas nos movimentos das pernas, na visão primitiva e na audição primitiva, mostradas em cinza escuro. A seguir, indicadas em cinza claro, estão as áreas envolvidas nos movimentos dos braços, nas áreas motoras suplementares, nas áreas visual e auditiva superiores e nas áreas de associação inferiores. Por fim, o córtex frontal executivo, a área de associação parietoccipital e as áreas temporais de reconhecimento de objetos, mostrados em branco, não completam sua mielinização até a época da puberdade. (Modificada de Spitzer M. The Mind within the Net: Models of Learning, Thinking, and Acting. Cambridge, MA: Bradford; 1991:179, com permissão.)
que um componente molecular que media o reforço sináptico seja o receptor pós-sináptico NMDA para o glutamato. Este permite o influxo de íons de cálcio somente quando ativado pelo glutamato, ao mesmo tempo em que se polariza a membrana na qual se situa. Assim, a ligação do glutamato sem a despolarização da membrana ou a despolarização da membrana sem a ligação do glutamato deixa de desencadear o influxo de cálcio. Os receptores NMDA se abrem em dendritos que ficam expostos à ativação repetida, e isso estimula a estabilização da sinapse. O cálcio é um mensageiro intracelular crucial que inicia uma cascata de eventos, inclusive a regulação de genes e a liberação de fatores tróficos que fortalecem conexões sinápticas particulares. Embora haja menos evidência experimental para o papel da experiência na modulação da conectividade sináptica das áreas de associação do que tem sido demonstrado nas áreas sensoriais e motoras, os neurocientistas presumem que mecanismos similares, dependentes da atividade, possam se aplicar a todas as áreas do cérebro. Processamento auditivo e linguagem Um conceito de grande significado tanto na psiquiatria de crianças como de adultos é a existência de janelas precoces de tempo, durante as quais o cérebro estabelece os circuitos básicos para a linguagem, as emoções, a lógica, a matemática, os movimentos e a música. Essas janelas se abrem dentro dos primeiros meses de vida e podem se fechar, em alguns casos, em torno do primeiro ano de idade. Por exemplo, um “mapa perceptivo” de fonemas, os tijolos de construção da linguagem, é formado nas regiões de processamento auditivo superior da área de Wernicke durante os primeiros 12 meses de idade.
O
Certas línguas utilizam sons que não existem nas outras. Estudos nos Estados Unidos demonstraram que é possível ensinar bebês de menos de 6 meses de idade a discriminar sons não-ingleses, mas aqueles com mais de 6 meses não conseguem mais percebê-los. Além disso, o mapa para o inglês difere, por exemplo, do mapa para o japonês, na localização dos neurônios que respondem aos sons ra e la. Em inglês, esses neurônios estão localizados bem separados, no córtex somatossensorial, enquanto em indivíduos japoneses, que têm dificuldade de distinguir tais fonemas, os neurônios estão tão intimamente imiscuídos que parecem superpostos. Dessa forma, para um japonês, la e ra evocam quase o mesmo padrão de atividade neural, um fato que pode ser o motivo da dificuldade dos interlocutores japoneses na discriminação desses sons. Em língua inglesa, estudos mostraram que bebês cujas mães se comunicavam com eles com loquacidade adquiriram um vocabulário mais amplo do que aqueles cujas mães eram taciturnas. Esses achados sugerem que as experiências muito precoces podem estabelecer a densidade e a fidelidade de circuitos neurais para funções específicas do cérebro, cujas conseqüências podem afetar os indivíduos pelo resto de suas vidas. Um estudo interessante do riso humano explicou como certos tipos são mais naturais do que outros, com base na estrutura neurobiológica (Fig. 3.1-15). Estudou-se recentemente um transtorno particular do aprendizado, o defeito de processamento auditivo, com eletroencefalografia. Os pacientes com esse defeito têm dificuldade em discriminar os fonemas da e ga. Quando a seqüência da-da-da-ga é apresentada para indivíduos normais enquanto o eletroencefalograma está sendo registrado, uma mudança no padrão de ondas cerebrais acompanha a transição do da para o ga. Em contraste, a mesma estimulação deixa de alterar as ondas cerebrais em indivíduos com o defeito de processamento auditivo. A despeito disso, com o treinamento apropriado, no curso de várias semanas, muitas pessoas com o defeito de processamento auditivo adquirem a capacidade de discriminar os dois sons. Esse achado demonstra que, em alguns casos, com a modificação intensiva da experiência, os circuitos neurais podem ser alterados, pelo menos parcialmente, após a janela no desenvolvimento ter se fechado.
Base neurológica das teorias do desenvolvimento No domínio da emoção, as experiências precoces da infância têm estado sob a suspeita de serem a causa da psicopatologia desde as teorias mais iniciais de Sigmund Freud. Seu método psicanalítico visava seguir as linhas das lembranças até a infância do paciente. Franz Alexander adicionou o objetivo de possibilitar que o paciente as revivesse em um ambiente menos patológico, um processo conhecido como “experiência emocional corretiva”. Embora os neurocientistas não tenham dados demonstrando que esse método opera no nível de neurônios e circuitos, os resultados que estão surgindo revelam um efeito profundo dos cuidadores no início da vida sobre o repertório emocional do indivíduo adulto. Por exemplo, o conceito de sintonia é definido como o processo pelo qual os que cuidam “refletem os sentimentos internos da criança”. Se as expressões emocionais de um bebê têm reciprocidade de uma forma consistente e sensível, certos circuitos emocionais são reforçados. Esses circuitos provavelmente incluem o sistema límbico, em particular a amígdala, que serve como um portal para os circuitos da memória do hipocampo para os estímulos emocionais. Em um relato empírico, por exemplo, um bebê cuja mãe repetida-
CÉREBRO E O COMPORTAMENTO
107
Variantes comuns de riso
ha
ha
ha
ha
ha
ho
ho
ho
ho
ho
he
he
he
he
he
ho
ha
ha
ha
ha
ha
ha
ha
ha
he
ha
ha
ho
ho
he
Variantes proibidas de riso
ha
ho
ha
ho
ha
he
ho
he
ho
he
FIGURA 3.1-15 Variações de riso de cinco notas. O riso pode ser visualizado como uma série de contas em um fio, com cada “conta” tendo uma duração de cerca de 1/15 de segundo e se repetindo a cada 1/5 de segundo. Algumas variantes do riso são comuns e fáceis de se imitar, enquanto os tipos “proibidos” não ocorrem naturalmente e são difíceis de se produzir; é mostrado um exemplo de cada tipo. A redução gradativa da amplitude da nota decorre da perda de ar necessário para produzir as últimas notas na seqüência. (Modificada de Provine RR. Laughter: A Scientific Investigation. New York: Viking Penguin; 2000:58, com permissão.)
mente deixava de mostrar seu nível de excitação, cresceu como uma menina extremamente passiva, incapaz de experimentar entusiasmo ou sentimentos de alegria. As contribuições relativas da natureza e da educação talvez não sejam em nenhum lugar mais indistintas do que na maturação das respostas emocionais, em parte porque sua localização no cérebro adulto é muito mal-compreendida. É razoável presumir, contudo, que as reações dos cuidadores durante os primeiros dois anos de vida da criança sejam eventualmente internalizadas como circuitos neurais distintos, não completamente sujeitos a modificações pela experiência subseqüente. Por exemplo, as conexões dos axônios entre o córtex pré-frontal e o sistema límbico, que possivelmente têm um papel na modulação dos instintos básicos, são estabelecidas entre as idades de 12 e 18 meses. Pesquisas recentes sugerem que um padrão de experiências aterradoras na infância pode afetar a amígdala e impelir os circuitos da memória se tornarem especificamente alertas para estímulos ameaçadores, às custas de circuitos para a linguagem e para outras capacidades acadêmicas. Dessa forma, crianças criadas em um lar caótico e aterrador podem estar com desvantagem neurológica para a aquisição de habilidades cognitivas complexas na escola.
108
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Um correlato adulto dessa cascata de hiperatividade prejudicial da resposta de medo é encontrado no transtorno de estresse pós-traumático, em que os indivíduos expostos a traumas intensos envolvendo morte ou lesão podem ter sentimentos de medo e impotência por anos após o acontecimento. Um estudo de imagens com PET de pacientes com transtorno de estresse pós-traumático revelou uma atividade anormalmente alta na amígdala direita, quando eles estavam revivendo suas lembranças traumáticas. Os pesquisadores lançaram a hipótese de que a condição hormonal estressante durante o registro das memórias pode ter servido para gravar as memórias no cérebro e preveniu seu apagamento pelos circuitos habituais de modulação da memória. Como resultado, as lembranças traumáticas exerceram uma influência global e levaram a um estado de vigilância contínua, mesmo em situações seguras e familiares.
Os pesquisadores nos domínios relacionados à matemática produziram resultados documentando os efeitos organizadores das primeiras experiências sobre as representações internas do mundo externo. Desde o tempo de Pitágoras, a música tem sido considerada um ramo da matemática. Uma série de estudos recentes demonstrou que grupos de crianças que receberam oito meses de lições intensivas de música clássica durante os anos préescolares mais tarde apresentaram raciocínio espacial e matemático significativamente superior ao do grupo-controle. As tarefas não-musicais, como percorrer labirintos, desenhar figuras geométricas e copiar padrões de blocos de duas cores, foram realizadas de forma significativamente mais habilidosa pelas crianças musicais. A exposição precoce à música pode ser a preparação ideal para a aquisição posterior de capacidades complexas de matemática e engenharia. Essas observações instigantes sugerem uma base neurológica para as teorias do desenvolvimento de Jean Piaget, Erik Erikson, Margaret Mahler, John Bowlby, Freud e outros. A teoria epigenética de Erikson postula que o comportamento adulto normal é resultado da conclusão bem-sucedida, seqüencial, de cada um dos estágios da primeira infância e da infância (ver Capítulo 6, Seção 6.3). De acordo com esse modelo, deixar de completar um estágio inicial se reflete em desajustes físico, cognitivo, social ou emocional subseqüentes. Por analogia, os dados experimentais recém-discutidos sugerem que a experiência inicial, particularmente durante a janela crítica da oportunidade para o estabelecimento de conexões neurais, promove os circuitos básicos para a linguagem, as emoções e outros comportamentos avançados. Claramente, a estimulação limitada do cérebro infantil pode levar a desvantagens mais tarde, quando o indivíduo tentar se relacionar com o mundo de forma adulta. Esses achados confirmam a necessidade vital do financiamento público adequado de programas de intervenção precoce, que podem ser os meios mais eficientes de melhorar a saúde mental dos indivíduos, em termos de custobenefício. REFERÊNCIAS Allen DN, Seaton BE, Goldstein G, et al. Neuroanatomic differences among cognitive and symptom subtypes of schizophrenia. J Nerv Ment Dis. 2000;188:381.
Altshuler LL, Bartzokis G, Grieder T, et al. An MRI study of temporal lobe structures in men with bipolar disorder or schizophrenia. Biol Psychiatry. 2000;48:147. Austin MP, Mitchell P, Wilhelm K, et al. Cognitive function in depression: a distinct pattern of frontal impairment in melancholia? Psychol Med. 1999;29:73. Bryant NL, Buchanan RW, Vladar K, Breier A, Rothman M. Gender differences in temporal lobe structures of patients with schizophrenia: a volumetric MRI study. Am J Psychiatry. 1999;156:603. Chacko RC, Corbin MA, Harper RG. Acquired obsessive-compulsive disorder associated with basal ganglia lesions. J Neuropsychiatry Clin Neurosci. 2000;12:269. Cowan WM, Harter DH, Kandel ER. The emergence of modern neuroscience: some implications for neurology, and psychiatry. Annu Rev Neurosci. 2000;23:343. Dougherty DD, Shin LM, Alpert NM, et al. Anger in healthy men: a PET study using script-driven imagery. Biol Psychiatry. 1999;46:466. Flashman LA, McAllister TW, Andreasen NC, Saykin AJ. Smaller brain size associated with unawareness of illness in patients with schizophrenia. Am J Psychiatry. 2000;157:1167. Giannakopoulos P, Gold G, Duc M, Michel JP, Hof PR, Bouras C. Neuroanatomic correlates of visual agnosia in Alzheimer’s disease: a clinicopathologic study. Neurology. 1999;52:71. Goodnick PJ, Rush AJ, George MS, Marangell LB, Sackeim HA. Vagus nerve stimulation in depression. Expert Opin Pharmacother. 2001;2:1061. Gray TS. Functional and anatomical relationships among the amygdala, basal forebrain, ventral striatum, and cortex. An integrative discussion. Ann N Y Acad Sci. 1999;877:439. Gur RE, Cowell PE, Latshaw A, et al. Reduced dorsal and orbital prefrontal gray matter volumes schizophrenia. Arch Gen Psychiatry. 2000;57:761. Gur RE, Turetsky BI, Cowell PE, et al. Temporolimbic volume reductions in schizophrenia. Arch Gen Psychiatry. 2000;57:769. Joseph R. Frontal lobe psychopathology: mania, depression, confabulation, catatonia, perseveration, obsessive compulsions, and schizophrenia. Psychiatry. 1999;62:138. Kim JS, Choi-Kwon S. Poststroke depression and emotional incontinence: correlation with lesion location. Neurology. 2000;54:1805. Laakso MP, Vaurio O, Koivisto E, et al. Psychopathy and the posterior hippocampus. Behav Brain Res. 2001;118:187. Menon V, Anagnoson RT, Mathalon DH, Glover GH, Pfefferbaum A. Functional neuroanatomy of auditory working memory in schizophrenia: relation to positive and negative symptoms. Neuroimage. 2001;13:433. Narayan M, Bremner JD, Kumar A. Neuroanatomic substrates of latelife mental disorders. J Geriatr Psychiatry Neurol. 1999;12:95. Nofzinger EA, Price JC, Meltzer CC, et al. Towards a neurobiology of dysfunctional arousal in depression: the relationship between beta EEG power and regional cerebral glucose metabolism during NREM sleep. Psychiatry Res. 2000;98:71. Pearlson GD. New insights on the neuroanatomy of schizophrenia. Curr Psychiatry Rep. 1999;1:41. Remschmidt H. Early-onset schizophrenia as a progressive-deteriorating developmental disorder: evidence from child psychiatry. J Neural Tansm Gen Sect. 2002;109:101. Simpson S, Baldwin RC, Jackson A, Burns A, Thomas P. Is the clinical expression of late-life depression influenced by brain changes? MRI subcortical neuroanatomical correlates of depressive symptoms. Int Psychogeriatr. 2000;12:425. Stern E, Silbersweig DA, Chee KY, et al. A functional neuroanatomy of tics in Tourette syndrome. Arch Gen Psychiatry. 2000;57:741. Sullivan GM, Coplan JD, Kent JM, Gorman JM. The noradrenergic system in pathological anxiety: a focus on panic with revelance to generalized anxiety and phobias. Biol Psychiatry. 1999;46:1205.
O
3.2 Neurofisiologia e neuroquímica Na seção anterior foi definida a estrutura macroscópica do cérebro, e várias unidades funcionais do cérebro foram apresentadas como sendo, em geral, estáveis durante a vida do organismo. Sem dúvida, as relações anatômicas entre os neurônios têm um papel maior na determinação de traços da personalidade e em processos de pensamento. Em um nível mais refinado de análise, contudo, um determinante igualmente importante da qualidade do pensamento é a eficiência do processamento de informações realizado pelos neurônios individualmente. Estes se comunicam entre si ao interpretar seu ambiente químico, ao modificar instantaneamente os sinais químicos em atividade elétrica para transporte via axônios e, por fim, ao traduzir de forma eficiente os dados elétricos em emissões químicas moduladas de forma refinada, que podem ser secretadas e influenciar outros neurônios e células nãoneuronais. Dessa forma, impulsos elétricos facilitam respostas instantâneas, e o ambiente químico é de importância fundamental na manutenção da fidelidade da imagem do mundo no cérebro. História O estudo da comunicação química interneuronal é denominado neuroquímica. Com a aceitação, no final do século XIX, da teoria de Wilhelm His e Santiago Ramon y Cajal, que postulava que o cérebro consiste de células individuais, em vez de um sincício de citoplasma, foi iniciada uma pesquisa de mediadores da comunicação intercelular. Na virada do século XX, os efeitos de extratos da glândula adrenal sobre o tecido nervoso simpático foram elucidados, e logo os cientistas descobriram no cérebro os neurotransmissores, com ações estimulantes similares. Postulando que as células também continham “substâncias receptivas” inibidoras e excitadoras, Karl Lashley identificou o aparelho básico inteiro da neurotransmissão química: os neurotransmissores e as moléculas receptoras específicas. Na primeira metade do século XX, a principal amina biogênica neurotransmissora foi caracterizada; os aminoácidos mais abundantes não foram reconhecidos como transmissores até há pouco tempo. Os anos recentes têm assistido a uma proliferação em massa de peptídeos neurotransmissores e receptores conhecidos, e foram identificadas novas classes destes, incluindo os nucleotídeos, as prostaglandinas e os gases. Por meio de técnicas avançadas de clonagem molecular, muitos genes de receptores órfãos foram seqüenciados, para os quais não existem ligantes conhecidos. Ademais, além de seu papel na modulação da excitabilidade elétrica celular, verificou-se que as moléculas identificadas inicialmente como neurotransmissoras (p. ex., a serotonina) influenciam a expressão de genes e a formação de sinapses. O campo da neuroquímica explodiu com uma complexidade massiva de moléculas e foi além do estudo da intermediação química dos impulsos nervosos, tornando-se uma ampla disciplina, no nível da neuroanatomia, da neurobiologia do desenvolvimento e da genética do comportamento. Em psicofarmacologia, as intervenções terapêuticas principais disponíveis se concentram na modificação da neurotransmissão pelas aminas biogênicas e, em extensão menor, na neurotransmissão por aminoácidos. Enquanto esses sistemas são discutidos em detalhes a seguir, os estudantes de psiquiatria devem ficar a par da abrangência da neuroquí-
CÉREBRO E O COMPORTAMENTO
109
mica, porque há a probabilidade, no futuro próximo, de que surjam muitas classes novas de agentes psicofarmacológicos que atuem sobre os sistemas de neurotransmissores definidos mais recentemente. Além disso, a atividade elétrica neuronal é continuamente modulada por neurotransmissores excitadores e inibidores, por hormônios circulantes, por uma monitoração imune, pela homeostase sistêmica e por ritmos cronobiológicos, cada um dos quais podendo ser influenciado pelos métodos terapêuticos existentes. A atividade elétrica neuronal, em conjunto com os fatores químicos, modifica, ao mesmo tempo, a abundância e o estado de fosforilação de proteínas celulares, o nível de expressão de certos genes e a conectividade de um neurônio com milhares de neurônios vizinhos. Cada uma dessas vias de influência terapêutica pode se abrir no futuro.
ELETROFISIOLOGIA BÁSICA Membranas e carga No estado de repouso, o compartimento intracelular de um neurônio é carregado mais negativamente do que o compartimento extracelular. O gradiente de carga é mantido pela membrana hidrofóbica plasmática, que consiste de uma camada dupla de lipídeos contendo moléculas de colesterol embebidas, que modificam a rigidez da membrana, e numerosas proteínas, incluindo bombas e canais de íons e receptores para neurotransmissores. As bombas e os canais de íons mantêm um gradiente de cátions; íons de potássio estão 15 a 20 vezes mais concentrados dentro dos neurônios, e íons de sódio estão 8 a 15 vezes menos concentrados neste local do que no espaço extracelular. A principal bomba de íons é a bomba de trocas sódio-potássio-adenosina trifosfato (ATPase), dependente de energia, que mantém o gradiente elétrico ao bombear o sódio para fora e o potássio para dentro. Os principais canais de íons são os de sódio, potássio, cálcio e cloro. A membrana é descrita como semipermeável por ser seletiva em relação aos íons que a atravessam. Essa característica é a base de seu papel funcional, que é semelhante ao papel de um capacitor, o qual armazena uma carga elétrica ao isolar íons positivos e negativos. A membrana hidrofóbica neuronal faz esse papel de isolador. A carga pode ser liberada atravessando essa membrana, o que ocorre nos neurônios pela abertura dos canais que permitem a passagem de íons através da membrana. O potencial elétrico da membrana obedece à lei de Ohm, E=IR, em que E é o potencial transmembrana, I é a corrente, e R, a resistência.
Canais iônicos A rápida transmissão da informação ao longo dos axônios neuronais, que pode exceder a velocidade de 60 metros por segundo, é intermediada por modificações instantâneas do potencial da membrana, denominadas potenciais de ação. Essas modificações ocorrem quando o gradiente de carga mantido pela função isolante da membrana permite o fluxo desimpedido através dos poros denominados canais iônicos. Estes são seletivos para íons específicos, como os canais de sódio, que podem não permitir a passagem de íons de potássio. No estado de repouso, os canais iônicos
110
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
estão fechados. Abrem-se em resposta à associação de ligantes aos receptores – canais iônicos abertos por ligantes – ou em resposta a modificações no potencial da membrana – canais iônicos abertos por voltagem. Entre os primeiros, certos ligantes, denominados neurotransmissores excitatórios, abrem canais de cátions que despolarizam a membrana e aumentam a possibilidade da geração de um potencial de ação. Diz-se que esses ligantes evocam potenciais excitatórios pós-sinápticos (PEPS). Outros ligantes, denominados neurotransmissores inibitórios, abrem canais de cloro que hiperpolarizam a membrana e reduzem a probabilidade da geração de um potencial de ação. Considera-se que esses ligantes evocam potenciais inibitórios pós-sinápticos (PIPS). No sistema nervoso central (SNC), a associação de um único ligante a um canal iônico aberto por ligante pode modificar o potencial da membrana neuronal em 1 mV. Dessa forma, é necessária a ativação combinada de vários canais abertos por ligantes para desencadear um potencial de ação. Na medicina clínica, bloqueadores dos canais de sódio são utilizados como anestésicos locais e antiarrítmicos, e bloqueadores dos canais de potássio são empregados como antiarrítmicos. Em psiquiatria, bloqueadores dos canais de cálcio no SNC são um recurso para o tratamento de transtorno bipolar. Um desses agentes, o dantrolene, é utilizado no músculo esquelético para o tratamento da síndrome neuroléptica maligna. Os canais iônicos são glicoproteínas (proteínas com componentes de glicose) que expandem a membrana neuronal e contêm um poro que pode ser aberto e fechado, pelo qual podem passar íons específicos. Os canais abertos por ligantes são particularmente relevantes para o estudo da psiquiatria, uma vez que muitos medicamentos psicotrópicos e psicoativos os afetam diretamente (Tab. 3.2-1). Potenciais de ação No estado de repouso, o compartimento intracelular do neurônio fica carregado negativamente com um potencial de –70 a
–80 mV, mas durante um potencial de ação essa condição se reverte na zona imediatamente adjacente à membrana. Para que um neurônio gere um potencial de ação, os canais iônicos abertos por ligantes se abrem, e os íons sódio começam a entrar na célula e, gradativamente, tornam a superfície interna da membrana menos carregada negativamente, comparada com o exterior. O ponto em que a carga negativa no interior da membrana é baixa o suficiente para abrir os canais de sódio adjacentes abertos por voltagem é denominado limiar de ponta, aproximadamente –55 mV. O fluxo de íons sódio para dentro despolariza rapidamente a membrana e inicia um potencial de ação, que se propaga ao longo da membrana ao desencadear em seqüência canais de sódio abertos por voltagem adjacentes. O potencial de ação por si só é uma onda breve (0,1 a 2 mseg) de reversão do potencial de membrana, que se move ao longo do axônio (Fig. 3.2-1). Durante o potencial de ação, o interior da membrana está carregado positivamente em relação a seu exterior. O canal iônico envolvido inicialmente no potencial de ação é o de Na+, que, quando aberto, permite que íons sódio carregados positivamente entrem no neurônio e contribuam para o potencial de ação. Os canais Ca2+ se abrem a seguir, permitindo a entrada no neurônio de íons de cálcio carregados positivamente, que também beneficiam o potencial de ação. Além de a entrada de íons cálcio afetar o potencial da membrana, esses íons são importantes moléculas que atuam como segundo-mensageiro e estão envolvidas no início de interações de proteínas entre si e na regulação de genes. A entrada do íon cálcio no terminal sináptico também é fundamental para a liberação de moléculas neurotransmissoras, além de ativar canais iônicos que produzem uma saída de íons potássio, os quais estão envolvidos na interrupção do potencial de ação. A ativação desses canais de K+ leva à pós-hiperpolarização da membrana, subseqüente ao potencial de ação. Durante essa ação, o interior da membrana fica ainda mais eletronegativo do que estava na condição de base. A pós-hiperpolarização contribui para o período refratário do neurônio após o potencial de ação; durante esse período, nenhum outro potencial pode ser gerado.
TABELA 3.2-1 Alguns canais iônicos abertos por ligantes Neurotransmissor Acetilcolina Dopamina Noradrenalina
Serotonina
GABA Glutamato
Opióide Substância P a D, b E,
Tipo de receptor Nicotínico Muscarínico D2 α1 α2 β 5-HT1A 5-HT1C/2 5-HT3 GABAA AMPA Cainato NMDA μ,δ NK
acoplado diretamente; G, acoplado à proteína G. excitatória; I, inibitória.
Direto ou pela proteína Ga
Canal iônico ativado
Resposta fisiológicab
D G G G G G G G D D D D D G G
Na+/K+
E E I E I E I E E I E E E I E
K+ K+ K+ K+ K+ K+ K+ Na+/K+ Cl– Na+/K+ Na+/K+ Ca2+ K+ K+
O
Pontas 0,2 s +20 0 –20
mV
–40 Limiar
CÉREBRO E O COMPORTAMENTO
111
los, os canais de cálcio abertos por voltagem, que são abertos pela chegada de potenciais de ação, desencadeiam o movimento de fibras de miosina e actina, um processo denominado de acoplamento excitação-contração. Em tais circunstâncias, o impulso elétrico causa modificações na concentração de cálcio, que, por sua vez, rapidamente desencadeiam mudanças físicas da estrutura da célula (Fig. 3.2-3). (Os neurotransmissores específicos são discutidos a seguir.)
–60 –80
SINAPSES Pós-hiperpolarização FIGURA 3.2-1 Potenciais de ação. O traçado em um osciloscópio mostra disparos repetitivos de um neurônio em registros intracelulares in vivo. Este exemplo foi obtido de um neurônio serotonérgico do núcleo dorsal da rafe de mesencéfalo de rato. Como pode ser observado no traçado, quando o potencial de membrana, em milivolts, atinge o limiar de ponta (–55 mV) ocorre um disparo do tipo tudo ou nada. Após cada um desses disparos, uma pós-hiperpolarização distancia a célula de seu limiar para um potencial mais negativo (cerca de –80 mV). À medida que a pós-hiperpolarização se reduz, a célula de novo se aproxima do limiar. (Cortesia de George K. Aghajanian, M.D., e Meenakshi Alreja, Ph.D.)
A taxa de difusão local do potencial de ação determina a taxa de condução de impulsos ao longo do nervo. Um axônio simples pode conduzir um potencial de ação na velocidade de 1 metro por segundo. Nesta velocidade, por exemplo, somente cerca de três imagens visuais novas poderiam atingir o córtex visual por segundo, e o processamento polissináptico da imagem seria consideravelmente mais lento. Contudo, o cérebro pode distinguir até 50 imagens novas por segundo. O aumento da velocidade de condução nervosa que é responsável pela capacidade de processamento rápido do cérebro deve-se à presença de bainhas de mielina, que circundam os axônios maiores. A mielina é uma substância altamente hidrofóbica que impede a passagem de íons. Está disposta em segmentos ao longo do axônio, os quais são separados por hiatos de membrana axonal, denominados nodos de Ranvier. As modificações locais na carga da membrana que constituem o potencial de ação ocorrem nos nodos de Ranvier, que, a seguir, saltam sobre o segmento de mielina até o próximo nodo. A presença de segmentos de mielina reduz o número de vezes que o potencial de ação precisa ativar canais de íons abertos por voltagem vizinhos para conduzir o impulso ao longo do axônio. A velocidade da condução nervosa pode atingir até 65 metros por segundo em fibras grandes mielinizadas.
Tradução de potenciais de ação em neurotransmissão química No terminal sináptico do axônio, os potenciais de ação desencadeiam a liberação de neurotransmissores (Fig. 3.2-2) na fenda sináptica, onde podem atuar sobre outros neurônios ou sobre músculos. Os terminais nervosos pré-sinápticos contêm canais de cálcio abertos por voltagem que aumentam localmente a concentração intracelular de cálcio. Isso inicia uma cascata de interações proteína-proteína e proteína-lipídeo em que as vesículas contendo o neurotransmissor se fundem com a membrana pré-sináptica e liberam seu conteúdo na fenda sináptica. Nos múscu-
A propagação de um potencial de ação ao longo do axônio é descrita como um fenômeno tudo ou nada; isto é, uma vez que o potencial de ação tenha sido desencadeado, ele se propaga com toda a potência ao longo do axônio. As particularidades do processamento neuronal, assim, não são representadas por modulação na intensidade do potencial de ação, embora uma exceção a esta regra possa ocorrer em sinapses axônio-axônicas. Na maioria dos neurônios, contudo, a essência do processamento neuronal ocorre na regulação de se o potencial de ação é gerado ou não. Essa determinação é a soma de influências químicas excitatórias e inibitórias que atuam na eminência do axônio, dando origem ao potencial de ação. A sinapse é o ponto em que o estímulo é fornecido e recebido e são negociadas as nuances mais sutis da atividade neuronal. Os componentes da sinapse são o terminal do axônio do neurônio pré-sináptico, a fenda sináptica e o dendrito do neurônio pós-sináptico. Quando o potencial de ação se desenvolve no neurônio pré-sináptico, movimenta-se no sentido distal pelo axônio até o terminal deste ou até outras regiões funcionalmente similares dos axônios denominadas varicosidades do axônio. O potencial de ação causa a liberação de moléculas do neurotransmissor, discutidas a seguir, na fenda sináptica, o pequeno espaço entre o neurônio pré-sináptico e o pós-sináptico. As moléculas do neurotransmissor se difundem pela fenda sináptica e se ligam a seus receptores específicos na membrana externa do dendrito do neurônio pós-sináptico. O tipo mais comum de sinapse envolve a terminação do axônio do neurônio pré-sináptico no corpo celular do neurônio póssináptico, em um axônio ou em um dendrito. Essas sinapses são denominadas axo-somáticas, axo-axônicas e axo-dendríticas, respectivamente. Além das sinapses químicas, sinapses elétricas, também denominadas junções de hiatos (gap), permitem a transferência direta de íons entre dois neurônios como uma forma de comunicação neuroquímica interneuronal. Sinapses conjuntas são aquelas que têm características tanto elétricas quanto químicas. Durante o desenvolvimento, forma-se um excesso múltiplo de sinapses, mas apenas aquelas com relevância funcional sobrevivem até a vida adulta. No adulto, as relações sinápticas estão constantemente sendo remodeladas por aumentos e reduções no tamanho e na potência de cada uma, bem como pela formação de novas sinapses e pela eliminação das desnecessárias. Suas propriedades adesivas mecânicas são intermediadas por várias combinações da família de moléculas de adesão da caderina (cadherin) dependente de cálcio. Modificações na estrutura das sinapses são intermediadas por substâncias tróficas conhecidas como fatores de crescimento, que atuam sobre receptores específicos para regular as interações proteína-proteína e modificar os níveis de expressão de
112
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
AMINAS BIOGÊNICAS NEUROTRANSMISSORAS H
H
C
C
H
H
OH H
OH H NH2
HO
C
C
H
H
NH2
HO Dopamina
HO
H
H
CH3 N H
OH
Noradrenalina
CH2–CH2–NH2
C
HO OH
OH
C
Epinefrina O
(CH3)3
N+–CH
HC
2CH2–O–C–CH3
HN
N Serotonina
Acetilcolina
C
CH2
CH2 NH2
N C H Histamina
AMINOÁCIDOS NEUROTRANSMISSORES (exemplos) H H 2N
C
COOH H
H 2N
C
CH2 – CH2 – COOH Ácido γ-aminobutírico
H
COOH H 2N
H
C
H
CH2 – CH2 – COOH
Glicina
Ácido glutâmico
PEPTÍDEOS NEUROTRANSMISSORES NEUROTENSINA: Glu – Leu – Tir – Glu – Asn – Lis – Pro – Arg – Arg – Pro – Tir – Ile – Leu
HORMÔNIO DE LIBERAÇÃO DA TIROTROPINA (TRH): Glu – His – Pro
OCTAPEPTÍDEO COLECISTOCININA (CCK-8) Asp – Tir – Met – Gli – Trp – Met – Asp – Fe FIGURA 3.2-2 Três classes de neurotransmissores.
genes. Dessa forma, não só os neurotransmissores modulam sutilmente a comunicação intercelular, mas também substâncias tróficas remodelam, de forma constante, os canais sinápticos mediante os quais ocorre a neurotransmissão química. Os receptores N-metil-D-aspartato (NMDA) para o glutamato são particularmente importantes no processo de remodelagem sináptica. São essenciais para certas formas de potenciação a longo prazo (PLP), em que a atividade neuronal coordenada reforça certas sinapses. Com base em uma grande quantidade de dados eletrofisiológicos, a PLP foi proposta para ser o correlato celular da memória a longo prazo, embora experimentos biológicos moleculares sugiram que outros sistemas também possam contribuir.
Componentes pré-sinápticos Os terminais pré-sinápticos contêm o mecanismo de síntese, responsável pela síntese de todos os neurotransmissores, exceto os peptídeos, que são gerados no corpo celular. A síntese dos neuro-
transmissores pode ser estimulada pelo influxo de íons cálcio, por variações dos níveis do segundo-mensageiro adenosina monofosfato cíclica (cAMP) ou por modificações dos níveis de hormônios circulantes. Uma vez sintetizados, os neurotransmissores são acomodados nas vesículas sinápticas, que podem armazenar uma mistura de aminas e peptídeos. Os dados indicam que todos os terminais de um neurônio individual secretam a mesma combinação de neurotransmissores. Na prática, contudo, provavelmente uma minoria de neurônios tem mais do que um terminal de axônio, e técnicas novas sugerem uma possível heterogeneidade de composição de neurotransmissores nas diferentes vesículas de um mesmo neurônio. A energia para síntese, armazenagem, liberação e degradação dos neurotransmissores é provida pela mitocôndria. (O ciclo de vida de neurotransmissores específicos é discutido a seguir.) A membrana pré-sináptica contém canais de íons, receptores e transportadores de neurotransmissores. Os canais de cálcio abertos por voltagem desencadeiam a liberação das vesículas. Os receptores pré-sinápticos intermedeiam a inibição por
O
Mitocôndria Vesículas
Membrana pré-sináptica
Fenda sináptica Canais iônicos
Membrana pós-sináptica FIGURA 3.2-3 A sinapse se compõe de duas partes: a extremidade tipo castão do terminal do axônio e a região receptora da superfície de outro neurônio. As membranas estão separadas por uma fenda sináptica de cerca de 20 a 30 nm. As moléculas do transmissor químico, armazenado nas vesículas no terminal do axônio, são liberadas na fenda pela chegada de impulsos nervosos e pela mudança do estado elétrico do neurônio receptor, levando-o a ficar com mais ou menos probabilidade de disparar um impulso. (De Stevens CF. The neuron. In: Llinás RL, ed. The Biology of the Brain from Neurons to Networks. New York: Freedman; 1988:3, com permissão.)
feedback da síntese e da liberação do neurotransmissor. Por exemplo, muitos neurônios liberadores de noradrenalina têm receptores pré-sinápticos α2-adrenérgicos que, quando ocupados pela noradrenalina liberada, levam o neurônio a reduzir ou interromper a liberação. Os transportadores também captam os neurotransmissores da fenda sináptica para sua reciclagem ou degradação. Transportadores adicionais nas membranas das vesículas de armazenagem carregam as vesículas juntamente com os neurotransmissores. As vesículas de armazenagem no terminal pré-sináptico se fundem com a membrana pré-sináptica e liberam seus componentes na fenda sináptica em um processo denominado exocitose. Vários detalhes dessa fusão sináptica se tornaram conhecidos recentemente. A sinaptotagmina e a sinaptobrevina, componentes da membrana da vesícula, e neurexinas e sintaxinas, componentes da membrana plasmática, intermedeiam a fusão da vesícula com a superfície interna da membrana pré-sináptica. A sinaptofisina auxilia a criar um poro nesta membrana. Uma vez que uma monoamina neurotransmissora como a noradrenalina, a dopamina ou a serotonina tenha sido liberada na fenda sináptica, atua até que se difunda para longe ou, com mais freqüência, seja removida por mecanismo de recaptação. Moléculas transportadoras transmembrana pré-sinápticas específicas reconduzem a monoamina neurotransmissora livre ao terminal nervoso, onde é reacondicionada dentro das vesículas para liberação em resposta a potenciais de ação subseqüentes ou degradada pelas monoaminoxidases (MAOs). Os transportadores têm recebido atenção crescente em psicofarmacologia como
CÉREBRO E O COMPORTAMENTO
113
locais do mecanismo principal de ação tanto de substâncias terapêuticas como ilícitas. Formam uma família de proteínas da membrana integral com 12 domínios transmembrana e vários locais intracelulares potenciais de fosforilação. Pensa-se que os medicamentos tricíclicos, descobertos há quase 40 anos, inibem os mecanismos de recaptação da noradrenalina e da serotonina. Com base nesse fato, vários antidepressivos novos foram identificados em experimentos especificamente designados para detectar a inibição da recaptação através dos transportadores. Os mais utilizados são os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs); outros, desenvolvidos há menos tempo, exibem razões variáveis de atividade inibidora dos transportadores de dopamina, noradrenalina e serotonina. A cocaína parece bloquear transportadores de todas as três monoaminas. Um estudo recente encontrou correlação entre uma variante genética do transportador da serotonina, que está presente em pequenas quantidades na membrana pré-sináptica, e um aumento nos níveis de ansiedade e neuroticismo. Seria esperado que a redução do número de moléculas transportadoras diminuísse a taxa de recaptação da serotonina. Com base em uma amostra relativamente pequena de pacientes, a variante genética foi calculada como explicando 3 a 4% da variação comportamental para a ansiedade em uma população de indivíduos normais. Esse resultado parece entrar em conflito com o fato de que o bloqueio farmacológico de transportadores da serotonina, como a fluoxetina, que se esperaria ter o mesmo efeito da mutação (especificamente, reduzir a recaptação e, assim, aumentar a atividade sináptica da serotonina), a despeito disso, reduz, em vez de aumentar, a ansiedade. Claramente, é necessária mais pesquisa para se compreender o papel da serotonina na ansiedade e nos transtornos do humor. A degradação das aminas neurotransmissoras recicladas é intermediada principalmente pelas MAOs, que estão acopladas à membrana externa da mitocôndria. A MAO do tipo A (MAOA) metaboliza a noradrenalina e a serotonina, e sua inibição pelos inibidores da MAO se associa a uma elevação do humor. A do tipo B (MAOB) metaboliza a dopamina.
Sinapse Embora componha menos de 1% do volume total do cérebro, o compartimento sináptico – o espaço entre as membranas pré-sinápticas e pós-sinápticas – contém a mistura de neurotransmissores com a maior influência sobre o pensamento e o comportamento. Essas moléculas estão disponíveis para atuar sobre receptores específicos e iniciar ou inibir a geração de potenciais de ação na célula pós-sináptica. A lista de neurotransmissores compreende centenas de moléculas diferentes, incluindo aminoácidos (glutamato, ácido γ-aminobutírico [GABA], glicina, aspartato, homocistina), aminas biogênicas (noradrenalina, serotonina, dopamina, epinefrina, acetilcolina, histamina), neuropeptídeos (vasopressina, oxitocina, encefalinas, endorfinas, substância P, neurotensina e várias centenas de outros), nucleotídeos (adenosina, cAMP), gases (óxido nítrico [NO], monóxido de carbono [CO], amônia [NH3]) e protaglandinas. A fenda sináptica das sinapses colinérgicas contém acetilcolinesterase, que inativa a acetilcolina ao clivá-la em acetato e colina. As concentrações de vários neurotransmissores na fenda sináptica são cuidadosamente reguladas pela inibição por feedback da liberação do transmissor e pela recaptação para o terminal pré-sináptico por moléculas transporta-
114
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
doras. Essa regulação é extremamente importante porque a concentração de cada neurotransmissor determina o grau com que este ativa seus receptores específicos. Componentes pós-sinápticos Receptores. Receptores de neurotransmissores são os sítios de ação para vários dos medicamentos psicotrópicos e psicoativos utilizados atualmente. As técnicas de biologia molecular levaram à identificação e ao seqüenciamento de vários subtipos novos de receptores. A importância desses avanços está na antiga hipótese de que a capacidade de identificar subtipos de receptores refinará tanto a procura por patologia em estados de doença quanto a elaboração de medicamentos com ação específica. A principal função dos receptores pós-sinápticos é alterar o potencial elétrico transmembrana, tanto para aumentar quanto para diminuir a probabilidade de se desencadear um potencial de ação. Os neurotransmissores excitatórios produzem despolarização da membrana pós-sináptica. Pelo fato de a ligação de um neurotransmissor isolado levar à mudança de apenas 1 mV, há muito espaço para a modulação sutil da resposta pós-sináptica mediante ações combinadas de vários transmissores antes que o potencial de membrana passe do nível de repouso, de –70 a –80 mV, para o potencial limiar de –55 mV. A modulação refinada da ativação do receptor é resultado de modificações na concentração sináptica de neurotransmissores, em combinação com variações na eficiência da tradução da ligação ao receptor para a abertura de canais de íons, que decorre da modulação química de segmentos intracelulares do receptor, da associação do receptor a outras proteínas celulares, do número de receptores ou dos níveis dos segundos-mensageiros. Uma vez que o potencial limiar seja atingido na proeminência do axônio, contudo, o potencial tudo ou nada é iniciado pela abertura dos canais de sódio abertos por voltagem, e praticamente não há possibilidade adicional de modificação do impulso. Dois termos por vezes utilizados com relação aos receptores são supersensibilidade e subsensibilidade. Esses termos se referem, respectivamente, a uma resposta maior e a uma resposta menor do que a habitual do receptor a uma quantidade constante de neurotransmissor. A sensibilidade pode decorrer do número de receptores presentes, da afinidade deles pelo neurotransmissor e da eficiência com que a ligação do recptor ao neurotransmissor é traduzida na forma de mensagem intraneuronal. Todos esses passos na função do receptor são variáveis e sujeitos a regulação. Fundamentalmente, há dois tipos de receptores para neurotransmissores: aqueles com sete domínios transmembrana, que necessitam de proteínas G para abrir os canais, e os canais de íons abertos por ligantes, em que o canal é uma parte integrante do complexo que se conecta ao ligante. Vários dos receptores localizados diretamente em canais de íons estão listados na Tabela 3.2-1. Alguns daqueles associados a aminas biogênicas, independentemente de estarem relacionados a proteínas G ou diretamente a canais de íons, estão listados na Tabela 3.2-2. Todos os receptores com sete domínios transmembrana possuem uma estrutura característica em que a extremidade terminal NH2 da proteína tem localização extracelular, e a COOH, intracelular. Além
disso, a terceira alça intracitoplasmática do receptor tende a ser a maior. Às vezes, a segunda também é bem grande. A primeira parece ser, invariavelmente, a menor. O comprimento da cauda intracitoplasmática juntamente com o terminal COOH varia. As alças intracitoplasmáticas grandes e a cauda com o COOH contêm locais identificados ou potenciais de fosforilação, um aspecto implicado na regulação da função do receptor. Por exemplo, quando um receptor β-adrenérgico é ativado, ele é rapidamente inativado por fosforilação da terceira alça intracitoplasmática em decorrência da cinase do receptor β-adrenérgico, que, a seguir, permite a ligação de uma proteína inibitória denominada β-arrestina.
Outro tipo de receptor pós-sináptico, que não causa modificações no potencial de membrana, é a família dos receptores da tirosina cinase, que têm um componente extracelular que se associa a ligantes, um domínio transmembrana único e uma tirosina cinase intracelular que a fosforila tanto a si própria como a outras proteínas citoplasmáticas e, assim, desencadeia uma cascata de fosforilações, que, finalmente, leva a mudanças na expressão de genes. Esses receptores por vezes se associam a dímeros, tanto homodímeros como heterodímeros. Há uma vasta diversidade de receptores para a tirosina cinase, muitos dos quais se devem a várias combinações de segmentos modulares dos genes do receptor que se originaram durante a evolução. Esses receptores se ligam a fatores de crescimento e intermedeiam a plasticidade das associações sinápticas. Dois destes são o fator de crescimento de nervos (NGF) e o fator neurotrópico derivado do cérebro (BDNF), que têm efeitos opostos no tamanho dos campos corticais somatossensoriais, colaborando na remodelagem de circuitos neuronais, subjacente à plasticidade sináptica durante o desenvolvimento e na fase adulta. As células pós-sinápticas também são reguladas por hormônios circulantes, como os da tireóide e os esteróides. Estes hormônios se difundem pela membrana e se ligam a receptores citoplasmáticos, que, a seguir, são transferidos para o núcleo, onde regulam a expressão de genes. Proteínas G. As proteínas G são um grupo de proteínas com estruturas similares que se ligam à guanosina trifosfato (GTP) e interagem com membros de uma grande família de receptores com sete domínios transmembrana, dos quais o receptor adrenérgico é o protótipo. A GTP é interconversível com a guanosina difosfato (GDP). As proteínas G consistem de três proteínas menores, denominadas subunidades α, β e γ. Quando uma proteína G intacta (todas as três subunidades, com a GDP ligada à subunidade α) se liga a um receptor, este assume um estado com alta afinidade para a molécula do neurotransmissor. Quando o neurotransmissor se liga a este complexo, desencadeia a reposição da GDP pela GTP na subunidade α, desestabilizando as associações entre o neurotransmissor, o receptor e a proteína G. Esta se dissocia subseqüentemente na unidade α ligada à GTP e na subunidade βγ, que contém tanto a subunidade β como a γ. A subunidade α ligada à GTP é o fragmento ativo envolvido em ativar ou inibir uma molécula efetora particular (p. ex., a adenil ciclase ou um canal de íons). Como a subunidade α por si só tem a capacidade de converter a GTP em GDP, a atividade da subunidade α associada à GTP é interrompida quando a GTP é convertida em GDP. A conversão da GTP em GDP possibilita a associação da subunidade α novamente com a subunidade βγ. O grupo das proteínas G é criado pela diversidade de tipos de subunidades. A maior variação foi encontrada para a subunidade α, embora
O
CÉREBRO E O COMPORTAMENTO
115
TABELA 3.2-2 Subtipos de receptores para as aminas biogênicas neurotransmissoras Neurotransmissor
Subtipo de receptor
G/Ia
Mecanismo efetorb
Acetilcolina
M1 M2 M3 M4 M5 Nicotínico D1 D2 D3 D4 D5 α1a, b, c e d α2a, b e c β1, 2 e 3 H1 H2 H3 5-HT1A 5-HT1B 5-HT1C 5-HT1D 5-HT1E 5-HT1F 5-HT2A 5-HT2B 5-HT2C 5-HT3 5-HT4 5-HT5A 5-HT5B 5-HT6 5-HT7
G G G G G I G G G G G G G G G G ? G G G G G G G G G I G G G G G
IP3/DG, aumenta a cGMP Reduz a cAMP, aumenta a condutância de K+ IP3/DG, aumenta a cGMP Reduz a cAMP IP3/DG Na+/K+ Aumenta a cAMP Reduz a cAMP, aumenta a condutância de K+ ? Reduz a cAMP ? Reduz a cAMP Aumenta a cAMP IP3/DG Reduz a cAMP, aumenta a condutância de K+ Aumenta a cAMP IP3/DG Aumenta a cAMP ? Reduz a cAMP, aumenta a condutância de K+ Reduz a cAMP IP3/DG Aumenta a cAMP Reduz a cAMP Reduz a cAMP IP3/DG IP3/DG IP3/DG Na+/K+ Aumenta a cAMP ? ? Aumenta a cAMP Aumenta a cAMP
Dopamina
Adrenalina e noradrenalina
Histamina
Serotonina
aG, bIP
ligado à proteína G; I, ligado diretamente a canais de íons. estimulação do metabolismo (turnover) do fosfoinositídeo, levando a aumento das concentrações de inositol trifosfato e diacilglicerol.
3,
um número crescente de relatos venha descrevendo o mesmo para as subunidades β e γ. As subunidades α classicamente descritas são αs, αi e αo. A primeira tem sido associada à estimulação da atividade da adenil ciclase; a segunda, à inibição da atividade, e a terceira, à estimulação do sistema do segundo-mensageiro fosfoinositol. Os genes de pelo menos outras 10 subunidades α foram seqüenciados.
Segundos-mensageiros. Os neurotransmissores propriamente ditos são conceituados como primeiros-mensageiros que trazem um sinal ao neurônio. Para que ele atue a partir desse mecanismo, o sinal do primeiro-mensageiro precisa ser traduzido em um sinal intraneuronal mediante a formação de moléculas de segundos-mensageiros. Os mais clássicos entre estes são os nucleotídeos cíclicos (cAMP e guanina monofostato cíclico [cGMP]), o íon cálcio (Ca2+) e os metabólitos do fosfoinositol (o inositol trifosfato [IP3] e o diacilglicerol [DAG]). Outra classe cada vez mais observada são os metabólitos eicosanóides. Gases como o NO e o CO não apenas intermedeiam a comunicação intraneuronal, mas também atuam como segundos-mensageiros intraneuronais. NUCLEOTÍDEOS CÍCLICOS . O cAMP é produzido a partir do ATP pela enzima adenil ciclase. Esta se liga a receptores pelas proteínas G. A G S estimula a atividade da adenil ciclase, e a GI inibe sua ativi-
dade. Uma vez formado, o cAMP tem seus efeitos biológicos, e sua atividade é concluída por sua conversão em 5’-AMP pela fosfodiesterase. Uma via exatamente análoga é envolvida na formação do cGMP, em que a enzima envolvida é a guanilil ciclase. O cAMP se liga ao elemento da proteína de ligação responsiva ao cAMP (CREBP), fator que estimula a transcrição de vários genes, inclusive o mecanismo de síntese de certos neurotransmissores. A partir de estudos com camundongos mutantes, aos quais falta a CREBP, constatou-se que esta parece intermediar o aprendizado e a memória, bem como a adicção a opiáceos, que pode ser considerada uma forma extrema de aprendizado por associação. CÁLCIO.
Na célula em repouso, a concentração de cálcio intracelular é mantida em um nível muito baixo (10-7 M), comparada com a concentração extracelular (10-3 M). O cálcio, como segundo-mensageiro, pode vir de duas fontes. Primeiro, pode entrar na célula a partir do espaço extracelular através de canais abertos tanto por voltagem como por ligantes. Segundo, pode ser liberado de vesículas de armazenamento intraneuronal mediante a ação do metabólito do fosfoinositol, o IP3. É possível que o cálcio funcione tanto isoladamente, atuando como segundo-mensageiro, como em combinação com uma gama de proteínas ligadas a ele (p. ex., a calmodulina). O cálcio estimula a formação de NO e pode desencadear dano celular excitotóxico sob certas circunstâncias. Aumentos muito pequenos em sua concentração intraneuronal
116
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
podem ter efeitos biológicos profundos. Dados recentes demonstram que modificações significativas nas concentrações de cálcio intracelular podem ser bem localizadas – por exemplo, em um único dendrito – sem envolver o domínio celular inteiro. Essa capacidade de seqüestrar o cálcio pode estar subjacente a modificações locais na eficiência sináptica e prover uma base subcelular para o aprendizado e a memória. METABÓLITOS DO FOSFOINOSITOL. De uma forma análoga à atividade da adenil ciclase, outra enzima ativada por receptor, a fosfolipase C, converte um lipídeo da membrana (o fosfatidil-inositol 4,5 bifosfato) em dois metabólitos ativos (o IP3 e o DAG). Como mencionado, o efeito principal do IP3 é causar uma liberação de cálcio dos depósitos intraneuronais situados no retículo endoplasmático. A atividade central do DAG é ativar uma proteína cinase específica. EICOSANÓIDES. Assim como se dá na atividade da fosfolipase C, outra enzima ativada por receptor, a fosfolipase A2, converte fosfolipídeos da membrana em ácido araquidônico livre. Este pode, em seguida, ser clivado pela cicloxigenase e por outras enzimas para produzir uma ampla gama de moléculas segundas-mensageiras, inclusive vários tipos de prostaglandinas, endoperóxidos cíclicos (p. ex., prostaciclinas e tromboxanos) e leucotrienos. Essas três classes de moléculas têm uma gama de atividades como segundas-mensageiras que está sendo objeto de várias investigações em curso na área das ciências básicas. GASES.
O NO é formado a partir da L-arginina e do oxigênio molecular pela enzima óxido nítrico sintetase, que tem pelo menos quatro formas reconhecidas. Ele foi originalmente descoberto devido à sua capacidade de relaxar a musculatura vascular, e pode intermediar aumentos locais do fluxo sangüíneo cerebral associado à atividade neuronal. A ação do NO ao dilatar os vasos sangüíneos é responsável por sua utilização no medicamento sildenafil para favorecer a ereção do pênis. O gás se difunde rapidamente dentro das células e entre elas, e uma de suas atividades é a potente ativação da guanilil ciclase. A NO sintetase é estimulada pelo nitroprussiato e inibida pela nitroarginina e pela metilarginina. O CO também ativa a guanilil ciclase e é formado nos neurônios pela heme oxigenase.
JAK-STAT. A cinase Jak é um receptor para as citocinas. Com a ativação por seu ligante, a Jak fosforila membros de transdutores de sinal e ativadores da transcrição (STAT [em inglês: signal transducers and activators of transcription]) da família dos fatores de transcrição, que, por sua vez, se deslocam diretamente para o núcleo, onde regulam a expressão de genes. Esse sistema é especial por não utilizar qualquer dos segundos-mensageiros comuns, mas possibilita a comunicação específica entre a citocina ligante e a regulação resultante da transcrição de genes. Essa distinção levanta uma questão relativa à regulação da expressão de genes pelos fatores comuns de transcrição: como pode o aumento de uma pequena molécula evocar uma modificação específica na expressão de genes? Uma sugestão tem sido que a resposta de uma célula em particular ao aumento dos níveis de um segundo-mensageiro é determinada pelo estado de diferenciação da célula, de modo que somente um pequeno número de genes pode ser regulado por um segundo-mensageiro comum em qualquer momento. O mecanismo Jak-STAT pode representar uma via alternativa, em que uma gama de segundos-mensageiros pode ser utilizada de forma independente, conforme o estímulo extracelular. No cérebro, o sistema Jak-STAT até agora só mos-
trou intermediar sinais tróficos que apóiam a sobrevivência do neurônio. Os pesquisadores estão investigando ativamente outros possíveis papéis para este novo mecanismo de segundo-mensageiros.
Proteína-quinase. Uma das atividades principais das moléculas que atuam como segundos-mensageiros é ativar uma classe chamada proteínas-quinases, as quais catalisam a transferência do grupo fosfato do ATP para moléculas de proteínas (Fig. 3.2-4). Cada uma das moléculas de segundos-mensageiros se associa à ativação de uma proteínaquinase específica. Quatro destas (a proteína-quinase dependente de cAMP [PKA], a dependente de cGMP [PKG], a dependente de cálciocalmodulina [CaMK] e a dependente de fosfatidil-serina, também conhecida como proteína-quinase C [PKC]) fosforilam os resíduos de serina e treonina de proteínas. Em contraste, o receptor da tirosina-quinase fosforila os resíduos desta em proteínas, sem envolver um segundo-mensageiro. As tirosina-quinases são ativadas por fatores de crescimento ligados a receptores específicos transmembrana. A fosforilação das proteínas é o exemplo melhor estudado de como modificações reversíveis, pós-translacionais de uma proteína podem modificar sua função. Esse processo é reversível pela atividade de outra classe de enzimas, as fosfatases de proteínas, que removem o grupo fosfato da proteína (Fig. 3.2-4). A adição ou a remoção do grupo fosfato carregado negativamente muda a carga e pode alterar a forma da molécula da proteína. Essa mudança na carga e na forma é capaz de afetar a função da proteína e serve, essencialmente, como uma chave do tipo liga-desliga para a função da proteína. Além disso, as proteínas em geral são fosforiladas em locais múltiplos por proteínas-quinases diferentes; por isso, o ajuste refinado da função da proteína pode acontecer, além do simples liga-desliga. Um exemplo de regulação pela fosforilação é o receptor β. Sua sensibilidade ao ligante é regulada pelo estado de fosforilação do receptor. A fosforilação das proteínas foi traçada por várias vias metabólicas nas quais uma cascata de fosforilações regula uma cadeia de reações
ATP
ADP
Proteína-quinase Proteína
Proteína PO4 Proteína-fosfatase
PO4 FIGURA 3.2-4 Regulação da função de proteínas pela fosforilação. Numerosas proteínas celulares são ativadas ou inativadas pela adição de um grupo fosfato (PO4) do trifosfato de adenosina (ATP). A adição é catalisada por proteína-quinases específicas, enquanto a remoção do fosfato é catalisada por proteína-fosfatases. (Cortesia de Jack A. Grebb, M.D.)
O
enzimáticas. A regulação do metabolismo da glicose e o ciclo do ácido cítrico são dois exemplos. As quinases também têm um importante papel na determinação da proliferação celular – vários oncogenes são quinases – e na regulação de outros numerosos genes. Em psiquiatria, demonstrou-se que o tratamento com lítio reduz a atividade da proteínaquinase C, em consonância com seus efeitos salutares no transtorno bipolar. É muito provável que as investigações em curso venham a implicar quinases na etiologia de outros transtornos psiquiátricos.
NEUROTRANSMISSORES Uma molécula precisa satisfazer uma gama de critérios para ser classificada como um neurotransmissor (Tab. 3.2-3). Esses critérios precisam, em geral, ser confirmados por vários estudos em ciência básica e pesquisa clínica. As substâncias que provaram atender a apenas alguns critérios são referidas como neurotransmissores putativos, significando não ter sido demonstrado experimentalmente que atendem a todos os critérios. Neurotransmissão química A neurotransmissão química é o processo que envolve a liberação de um neurotransmissor por um neurônio e a ligação da molécula neurotransmissora a um receptor de outro neurônio. Esse mecanismo pode sofrer a influência da maioria dos medicamentos utilizados em psiquiatria. Acredita-se que os antipsicóticos antigos, mas não os antagonistas de serotonina-dopamina, exercem seus efeitos principalmente ao bloquear os receptores de dopamina tipo 2 (D2); é possível que praticamente todos os antidepressivos exerçam seus efeitos mediante o aumento da quantidade de serotonina e noradrenalina ou de ambas na fenda sináptica e que quase todos os benzodiazepínicos ansiolíticos atuem nos receptores GABAA, que são ligados aos canais de íons cloro. Neuromoduladores e neurormônios. A palavra utilizada com mais freqüência para denotar sinais químicos que fluem entre os neurônios é neurotransmissor, ainda que os termos neuromodulador e neurormônio também sejam utilizados em alguns casos para enfatizar certas características específicas. Em contraste com os efeitos imediatos e de curta duração de um neurotransmissor, um neuromodulador, como o nome refere, modula a resposta do neurônio a um neurotransmissor. O efeito modulador pode permanecer por um tempo mais longo do que é habitual para um neurotransmissor. Dessa forma, a substância neuromoduladora
TABELA 3.2-3 Critérios para neurotransmissores 1. A molécula é sintetizada no neurônio. 2. A molécula está presente no neurônio pré-sináptico e é liberada pela despolarização em quantidades fisiologicamente significativas. 3. Quando administrada de forma exógena como medicamento, a molécula exógena imita os efeitos do neurotransmissor endógeno. 4. Um mecanismo nos neurônios ou na fenda sináptica atua para remover ou desativar o neurotransmissor.
CÉREBRO E O COMPORTAMENTO
117
pode apresentar um efeito mais duradouro, e isso pode estar mais envolvido com a sintonia fina do que com a ativação ou a inibição direta da geração de um potencial de ação. Um neurormônio se distingue pelo fato de que é liberado na corrente sangüínea, e não no espaço extraneuronal do cérebro. Uma vez na corrente sangüínea, pode, então, se difundir para o espaço extraneuronal e atuar sobre os neurônios. Classificação. Os três tipos principais de neurotransmissores são as aminas biogênicas, os aminoácidos e os peptídeos (Fig. 3.2-2). As aminas biogênicas são os neurotransmissores melhor conhecidos e compreendidos porque foram os primeiros a ser descobertos. Contudo, constituem a substância neurotransmissora apenas em uma porcentagem pequena de neurônios. Levou algum tempo para se descobrir os aminoácidos neurotransmissores, principalmente devido à dificuldade de diferenciar entre aqueles presentes na maioria das proteínas e os mesmos aminoácidos atuando separadamente como neurotransmissores. Eles estão presentes em mais de 70% dos neurônios. Os peptídeos neurotransmissores são intermediários em termos da porcentagem de neurônios que contêm um neurotransmissor desse tipo, mas ultrapassam com facilidade as outras duas categorias no número total (cerca de 200 a 300) de neurotransmissores identificados de forma putativa. Os critérios para se constituírem neurotransmissores plenos foram satisfeitos por apenas poucos desses peptídeos até o momento (Tab. 3.2-3). A despeito disso, são significativas as evidências de que são, de fato, neurotransmissores. Dados recentes levaram à identificação de pelo menos quatro outras classes de neurotransmissores – nucleotídeos, gases, eicosanóides e anandamidas – e indiciaram receptores para outros tantos, inclusive os denominados receptores sigma (Σ). Assim, os agentes psicotrópicos atuais influenciam apenas uma fração de neurônios do cérebro. Isso pode representar uma feliz coincidência, já que os medicamentos que atuam sobre os aminoácidos neurotransmissores têm, em geral, efeitos adversos em doses baixas, e relativamente poucos agentes foram identificados para atuar sobre um receptor de peptídeos, mais notavelmente os opiáceos. O número reduzido de neurônios contendo aminas biogênicas está em desacordo com sua importância funcional significativa, uma vez que se projetam amplamente por todo o cérebro e modulam a atividade de praticamente cada região do mesmo. AMINAS BIOGÊNICAS Cada um desses neurotransmissores é sintetizado em um núcleo distinto de neurônios, cujos axônios se projetam amplamente para todo o cérebro e para a medula. Exercem, portanto, uma influência desproporcional sobre a atividade do cérebro e são de importância central para o tratamento farmacológico de transtornos do pensamento, do humor e de ansiedade. A dopamina, a noradrenalina e a adrenalina são produtos da via de síntese das catecolaminas, enquanto a serotonina, a acetilcolina e a histamina são derivadas de precursores distintos (Fig. 3.2-5). Uma compreensão mais completa do papel des-
118
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
COOH
COOH Triptofano hidroxilase
CH2–CH–NH2
CH2–CH–NH2
HO N
N
5-hidroxitriptofano
Triptofano
Aminoácido decarboxilase
Aminoácido decarboxilase
HO
CH2–CH2–NH2
CH2–CH2–NH2 N
N Triptamina
Serotonina (5-HT) 5-HT N-acetilase (pineal)
OH
CH2–CH2–NH–C–CH3
Monoaminoxidase + Aldeído desidrogenase O HO
CH2–C–OH
O
N
N-acetil serotonina
N Ácido 5-hidroxindolacético
5-hidroxindolO-metiltransferase
(pineal)
H CH2–CH2–N–C–CH3
CH3–O N
O
Melatonina
ses neurotransmissores em psiquiatria inclui o conhecimento de sua anatomia, de seu ciclo de vida (síntese, secreção, recaptação e degradação), dos receptores e dos medicamentos que modificam sua atividade (Fig. 3.2-6). Dopamina Tratos dopaminérgicos do SNC. Os três tratos dopaminérgicos mais importantes para a psiquiatria são o nigroestriatal, o mesolímbico-mesocortical e o túbero-infundibular (Fig. 3.2-7). O primeiro se projeta de seus corpos celulares na substância negra para o corpo estriado. Quando os receptores D2, no fim deste trato, são bloqueados pelos antipsicóticos clássicos, surgem efeitos colaterais parkinsonianos. Na doença de Parkinson, o trato nigroestriatal se degenera, levando aos sintomas motores da doença. Em vista da associação significativa entre doença de Parkinson e depressão, esse trato pode, de alguma forma, estar envolvido no controle do humor, além de seu papel clássico no controle motor.
FIGURA 3.2-5 Vias sintéticas e metabólicas da serotonina. (De Cooper JR, Bloom FE, Roth RH. The Biochemical Basis of Neuropharmacology. 7th ed. New York: Oxford University Press; 1996:355.)
Os receptores D2 do núcleo caudado suprimem a atividade neste local. Os neurônios do caudado regulam os atos motores ao selecionar quais serão realizados de fato. A ausência da atividade do receptor faz com que o caudado contenha atividade motora excessiva, levando à bradicinesia que tipifica o parkinsonismo. No outro extremo, o excesso de atividade da dopamina remove o controle e pode originar atos motores estranhos, como os tiques. Um estudo recente sobre pacientes com transtorno obsessivo-compulsivo, por exemplo, correlacionou aumentos da ligação de um análogo da dopamina no caudado, que reflete um aumento do número de receptores D2, com tiques clínicos mais proeminentes. O trato mesolímbico-mesocortical se projeta de seus corpos celulares para a área tegmental ventral (VTA), adjacente à substância negra, para a maioria das áreas do córtex cerebral e do sistema límbico. Por ele se projetar para o sistema límbico e para o neocórtex, pode estar envolvido na intermediação de efeitos antipsicóticos dos medicamentos antipsicóticos. Os corpos celulares do trato túbero-infundibular se situam no núcleo arqueado da área periventricular do hipotálamo e se
O
Sistema da noradrenalina
Sistema da dopamina
CÉREBRO E O COMPORTAMENTO
119
Sistema da serotonina
Sistema da acetilcolina
projetam para o infundíbulo e para a hipófise anterior. A dopamina atua como fator de inibição de liberação no trato, ao inibir a liberação de prolactina da hipófise anterior. Os pacientes que tomam antagonistas dos receptores de dopamina por vezes têm os níveis da prolactina aumentados em mais ou menos três vezes, porque o bloqueio dos receptores elimina o efeito inibidor da dopamina. Ciclo de vida da dopamina. O axônio terminal dopaminérgico é o local de síntese da dopamina. Esta é uma das três catecolaminas neurotransmissoras sintetizadas a partir do aminoácido tirosina. As outras duas são a noradrenalina e a epinefrina (Fig. 3.2-8). O passo enzimático limitante da taxa de síntese de qualquer catecolamina é catalisado pela tirosina hidroxilase. Por isso, modificações dietéticas em seus níveis não influenciam a síntese das catecolaminas. A tirosina hidroxilase é uma fosfoproteína sujeita à regulação por uma série de proteínaquinases e fosfatases. Ela transforma a tirosina em 3,4-diidroxifenilalanina (dopa). Em vista de estar além do passo na síntese limitante da taxa, a dopa pode ser administrada oralmente para aumentar a taxa de síntese de seu produto, a dopamina, sendo utilizada com o propósito de tratar a doença de Parkinson. Uma vez produzida, a dopamina é captada nas vesículas sinápticas por carreadores específicos e, a seguir, liberada na fenda sináptica pela despolarização do terminal do axônio. Suas ações são determinadas por duas vias gerais. Primeiro, a dopamina pode ser recaptada pelo neurônio pré-sináptico e reciclada como neurotransmissor; esta via é referida como mecanismo de recaptação. A recaptação ocorre pela passagem da molécula de dopamina do espaço sináptico, mediante o carreador pré-sináptico, para dentro do espaço intracelular, onde é acondicionada nas vesículas. Segundo, a dopamina pode ser metabolizada. As duas enzimas principais envolvidas no seu metabolismo são a MAO e, de forma menos importante, a catecol-O-metiltransferase (COMT). A MAO está localizada na membrana externa da mitocôndria, principalmente no
FIGURA 3.2-6 Os quatro sistemas principais de aminas biogênicas neuromoduladoras. Cada um deles se origina em um núcleo subcortical (ovais em negro) e envia numerosas projeções, difusamente, para todas as regiões cerebrais superiores (setas negras). Sistema da noradrenalina: os corpos celulares se situam no locus ceruleus (em cima à esquerda). Sistema da serotonina: os corpos celulares se situam nos núcleos rostral e caudal da rafe (em cima à direita). Sistema da dopamina: os corpos celulares se situam na substância negra contígua e na área tegmental ventral (abaixo à esquerda). Sistema da acetilcolina: os corpos celulares se situam no núcleo basal de Meynert (abaixo à direita). (Modificada de Spitzer M. The Mind Within the Net: Models of Learning Thinking, and Acting. Cambridge, MA: Bradford; 1999:270, com permissão.)
terminal pré-sináptico, onde atua sobre a dopamina recaptada, mas ainda não acondicionada dentro das vesículas. A COMT é uma enzima solúvel localizada no citoplasma da célula pós-sináptica e de células gliais e, possivelmente, também em localização extracelular. Quando a dopamina é metabolizada de forma extraneuroral pela COMT, os metabólitos resultantes são captados para dentro do neurônio e metabolizados pela MAO. Como já discutido, há dois tipos dessa enzima: a MAO B metaboliza seletivamente a dopamina. Seu metabólito principal é o ácido homovanílico (HVA), e vários estudos do líquido cerebrospinal, da urina e do soro tentaram avaliar a atividade da dopamina no SNC ao medir as concentrações do HVA.
Receptores de dopamina. Os cinco subtipos de receptores de dopamina (listados na Tab. 3.2-2) podem ser colocados em dois grupos. No primeiro deles, os receptores D1 e D5 estimulam a formação de cAMP pela ativação da proteína G estimulante. O receptor D5 só recentemente foi descoberto, e sabe-se menos sobre ele do que sobre o D1. Uma diferença entre os dois é que o receptor D5 tem uma afinidade muito mais alta pela dopamina do que o D1. O segundo grupo de receptores de dopamina é composto pelos receptores D2, D3 e D4. O D2 inibe a formação de cAMP pela ativação da proteína G inibidora, a Gi, e alguns dados indicam que os receptores D3 e D4 agem de forma similar. Uma das diferenças entre os três é a sua distribuição diferenciada. O receptor D2 predomina no estriado (núcleo caudado e putame), o D3 fica especialmente concentrado no nucleus accumbens, mas também em outras regiões, e o D4 está mais especificamente concentrado no córtex frontal, aparecendo ainda em outras áreas. Em um estudo recente, uma escala de desapego emocional, com valores elevados para indiferença e tendência à vingança e valores baixos para comportamento apaziguador e tendência excessiva a explorar, foi utilizada para avaliar 25 indivíduos; a seguir, a densidade de receptores D2 foi determinada no putame de cada um deles. Encontrou-se uma forte correlação entre altos níveis de indiferença e baixa densidade de
120
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Córtex frontal
Estriado
Sistema dopaminérgico nigroestriatal
Hipotálamo posterior
Estriado ventral Corpo amigdalóide Sistema dopaminérgico túbero-infundibular Sistema dopaminérgico mesolímbico Área tegmental ventral
Para a medula
Substância negra FIGURA 3.2-7 Vias dopaminérgicas (DA). O sistema DA nigroestriatal se origina na substância negra e termina na parte dorsal principal do estriado. A área tegmental ventral dá origem ao sistema DA mesolímbico, que termina no estriado ventral, no corpo amigdalóide, no lobo frontal e em algumas outras áreas do cérebro anterior basal. O sistema túbero-infundibular inerva a eminência mediana e os lobos posterior e intermediário da hipófise, e os neurônios dopaminérgicos no hipotálamo posterior se projetam para a medula espinal. (Reimpressa com permissão de Heimer L. The Human Brain and Spinal Cord. New York: Springer; 1983.)
H
COOH
H
H
C
C
C
C
H
H
H
H
NH2
2
HO
OH H NH2
3
HO
H
COOH C
H
H
HO
NH2
Octopamina
2
H
H
C
C
H
H
3
C
H
H
CH3 N H
6
C
C
H
H
OH H NH2
4
C
C
H
H
CH3 N H
HO
HO OH
Dopamina
C
Sinefrina
OH H NH2
OH
DOPA
H
4
6
HO OH
H
OH H NH2
HO
Tiramina 6
C
C
HO
Tirosina 1
C
OH
Noradrenalina
Adrenalina 3
4
5
H
H
C
C
H
H
HO
OH H
CH3 N H
C
C
H
H
CH3 N CH3
HO OH
OH
Epinina
N-metil-adrenalina
FIGURA 3.2-8 Rotas principais e alternativas para a formação de catecolaminas: (1) tirosina hidroxilase; (2) decarboxilase de aminoácidos aromáticos; (3) dopamina-β-hidroxilase; (4) feniletanolamina-N-metiltransferase; (5) N-metiltransferase inespecífica no pulmão e N-metiltransferase folato-dependente no cérebro; (6) enzima formadora de catecóis. (Reimpressa com permissão de Cooper JR, Bloom FE, Roth RH. The Biochemical Basis of Neuropharmacology. 7th ed. New York: Oxford University Press; 1996:232.)
O
receptores D2 no putame, enquanto baixos níveis de indiferença se correlacionaram de maneira intensa com alta densidade de receptores D2. Esse achado está de acordo com a observação clínica de que antagonistas dos receptores D2 (i.e., medicamentos antipsicóticos típicos) reduzem os sintomas positivos da esquizofrenia, como alucinações e delírios, mas pioram os sintomas negativos, como ambivalência social e catatonia. Em outro estudo, os autores postularam que a atividade da dopamina pode agir sobre o córtex pré-frontal medial esquerdo para suprimir sinais de sofrimento emocional. Um relato recente corroborando tal hipótese correlacionou um polimorfismo genético no receptor D4 com diferenças subjetivas do humor.
Dopamina e medicamentos. Antigamente, a potência dos compostos antipsicóticos era correlacionada à sua afinidade pelo receptor D2. Uma vez que o bloqueio dos receptores de dopamina, particularmente D2, tem sido associado à eficácia dos antipsicóticos, a administração a longo prazo de antagonistas de receptores de dopamina leva a um aumento compensatório do número de receptores de dopamina, o qual pode estar envolvido no desenvolvimento de discinesia tardia. Uma nova classe de agentes antipsicóticos altamente eficientes, denominados antagonistas de serotonina-dopamina porque bloqueiam predominantemente os receptores tipo 5-HT2 de serotonina e, em extensão menor, o D2, levou à reavaliação da hipótese da correlação entre afinidade pelo receptor D2 e potência antipsicótica. Os antagonistas de serotonina-dopamina implicam um risco significativamente reduzido de desenvolvimento de efeitos colaterais parkinsonianos e de discinesia tardia, e não apenas amenizam os sintomas positivos da esquizofrenia, tratados com eficiência pelos antagonistas do receptor D2 (psicose, alucinações, agitação), como também melhoram os sintomas negativos (afeto embotado, ambivalência e catatonia). Outras substâncias que afetam o sistema da dopamina são as anfetaminas e a cocaína. As anfetaminas causam a liberação de dopamina, e a cocaína bloqueia sua recaptação. Dessa forma, tais substâncias aumentam a quantidade de dopamina presente na sinapse. A cocaína e a metanfetamina estão entre os agentes que mais produzem adicção. Sua utilização pode depletar permanentemente os estoques cerebrais de dopamina. Os sistemas dopaminérgicos podem estar particularmente envolvidos no denominado sistema de recompensa ou procura de prazer do cérebro, e essa relação talvez explique o alto potencial de adicção da cocaína. Camundongos mutantes, em que o gene do transportador da dopamina foi experimentalmente suprimido, não respondem de forma bioquímica ou comportamental à cocaína. Isso sugere que o transportador é necessário para os efeitos farmacológicos da droga. Estudos em ratos mostraram que agonistas do receptor D2 aumentaram a auto-administração de cocaína, enquanto agonistas do receptor D1 reduziram o desejo pela mesma. A nicotina, o ingrediente mais psicoativo da fumaça do cigarro, estimula a liberação de dopamina e glutamato. Estudos epidemiológicos verificaram que os fumantes têm um risco reduzido de desenvolver doença de Parkinson, doença de Alzheimer e colite ulcerativa. Um análogo da nicotina que estimula a liberação da dopamina está em estudo para o tratamento da doença de Parkinson, e o adesivo transdérmico de nicotina está sendo cogitado para neutralizar o comprometimento cognitivo causado pelo tratamento com o haloperidol. Os dedos manchados de nicotina de muitos pacientes esquizofrênicos podem
CÉREBRO E O COMPORTAMENTO
121
ser um sinal de que, sem saber, estão se automedicando com este poderoso neurotransmissor. O transportador da dopamina pode ser bloqueado pela benztropina e pela bupropiona, embora seja improvável a obtenção de concentrações suficientes no SNC para se ter um efeito apreciável sobre o transporte. O transportador é o portal de entrada da neurotoxina metilfeniltetraidropiridina (MPTP), que pode causar parkinsonismo ao matar os neurônios dopaminérgicos da substância negra. As vesículas de armazenamento contendo dopamina são depletadas de forma irreversível pela reserpina (serpasol) e de forma reversível pela tetrabenazina.
Dopamina e psicopatologia. A hipótese da dopamina na esquizofrenia se originou da observação de que medicamentos que bloqueiam os receptores de dopamina (p. ex., o haloperidol) têm atividade antipsicótica, e aqueles que estimulam sua atividade (p. ex., as anfetaminas) podem induzir sintomas psicóticos em indivíduos não-esquizofrênicos quando administrados em doses suficientemente altas. A hipótese da dopamina permanece a mais aceita para a esquizofrenia, mas está se abrindo um espaço para o papel da serotonina, com base no efeito terapêutico bem-sucedido dos antagonistas de serotonina-dopamina. Uma série de estudos recentes mostrou que as concentrações do HVA no plasma estão, de fato, reduzidas em muitos pacientes esquizofrênicos que respondem a medicamentos antipsicóticos. Um problema maior com esta hipótese é que o bloqueio dos receptores de dopamina reduz os sintomas psicóticos em praticamente qualquer transtorno, como na psicose associada a tumor cerebral e a mania. Dessa forma, alguma anormalidade neuroquímica ainda não reconhecida na esquizofrenia pode ser única nessa condição. A dopamina pode estar envolvida na fisiopatologia dos transtornos do humor. Sua atividade é baixa na depressão e alta na mania. As anfetaminas, que potencializam a atividade da dopamina, são antidepressivos altamente eficientes. A observação de que a levodopa pode causar mania e psicose em alguns pacientes parkinsonianos também apóia tal hipótese. Alguns estudos verificaram baixos níveis de metabólitos da dopamina em pacientes deprimidos. Noradrenalina e adrenalina Embora sejam discutidas em conjunto, a noradrenalina é mais importante e mais abundante, ainda que a adrenalina derivada das adrenais se apresente em maior quantidade no soro. Os sistemas da noradrenalina e da adrenalina também são referidos como sistema noradrenérgico e sistema adrenérgico, respectivamente. Contudo, os receptores são referidos simplesmente como receptores adrenérgicos, porque são receptores tanto para uma como para a outra. Tratos noradrenérgicos no SNC. A maior concentração de corpos celulares noradrenérgicos (e adrenérgicos) que se projetam para o cérebro está no compacto locus ceruleus da ponte (Fig. 3.2-9). Os axônios desses neurônios se projetam pelo feixe medial do cérebro anterior para o córtex cerebral, o sistema límbico, o tálamo e o hipotálamo.
122
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Neocórtex
Cíngulo
Tálamo
Giro do cíngulo
Para o hipocampo
Corpo amigdalóide Córtices olfativo e entorrinal Hipocampo
Córtex cerebelar
Locus ceruleus
Sistema tegmental lateral de células noradrenérgicas
Para a medula
FIGURA 3.2-9 Vias noradrenérgicas. O locus ceruleus, que está localizado imediatamente abaixo do assoalho do quarto ventrículo na parte rostrolateral da ponte, é o núcleo noradrenérgico mais importante do cérebro. Suas projeções atingem várias áreas do cérebro anterior, do cerebelo e da medula. Os neurônios noradrenérgicos no tegmento lateral do tronco cerebral inervam várias estruturas no cérebro anterior basal, inclusive o hipotálamo e o corpo amigdalóide. (Reimpressa com permissão de Heimer L. The Human Brain and Spinal Cord. New York: Springer; 1983.)
Ciclo de vida da noradrenalina e da adrenalina. A noradrenalina e a adrenalina, em conjunto com a dopamina, constituem as catecolaminas. Como já referido, estas são sintetizadas a partir da tirosina, e a enzima limitante do ritmo da síntese é a tirosina hidroxilase (Fig. 3.2-8). Nos neurônios que liberam noradrenalina, a enzima dopamina-β-hidroxilase converte dopamina em noradrenalina; falta esta enzima aos neurônios que liberam dopamina. Naqueles que liberam adrenalina, a enzima feniletanolamina-N-metiltransferase (PNMT) converte a noradrenalina em adrenalina. Os neurônios que liberam tanto dopamina como noradrenalina não têm a PNMT. Uma vez formadas, a noradrenalina e a adrenalina são captadas por proteínas transportadoras específicas para dentro das vesículas sinápticas, das quais são liberadas na despolarização do terminal do axônio. Como com a dopamina, as duas rotas principais de desativação são a recaptação de volta para o neurônio pré-sináptico e o metabolismo pela MAO e pela COMT. O subtipo MAOA metaboliza preferencialmente essas duas, mas também a serotonina.
classificaram-nos atualmente em três tipos de receptores α1 (α1a, α1b e α1d), três tipos de α2 (α2a, α2b e α2c) e um tipo de receptor α3, além de três tipos de receptores β (β1, β2 e β3). Embora este campo esteja se modificando rapidamente, todos os receptores α parecem estar ligados ao sistema do metabolismo (turnover) do fosfoinositol, possivelmente inibindo a formação de cAMP, enquanto os receptores β parecem estimular sua formação. A disponibilidade na superfície e a eficiência da transdução do sinal dos receptores adrenérgicos são constantemente reguladas por fosforilação e modificações das interações proteína-proteína. Dados significativos estão há muito disponíveis sobre os receptores β1 e β2, que regulam a função de quase qualquer órgão do corpo, por vezes em antagonismo com os efeitos dos receptores α. Verificou-se recentemente que os receptores β1 regulam a energia do metabolismo. Eles estão expressos em adipócitos, e sua ativação por agonistas reduz a quantidade de gordura corporal. São, por isso, alvo do desenvolvimento de medicamentos antiobesidade.
Receptores noradrenérgicos e adrenérgicos. Os dois grandes grupos de receptores, por vezes referidos simplesmente como receptores adrenérgicos, são os receptores α-adrenérgicos e β-adrenérgicos (Tab. 3.2-2). Os avanços na biologia molecular
Noradrenalina e medicamentos. Os medicamentos psiquiátricos mais associados à noradrenalina são os antidepressivos clássicos, os tricíclicos, os inibidores da MAO (IMAOs) e, mais recentemente, a venlafaxina, a mirtazapina, a bupropiona e a ne-
O
fazodona. Os tricíclicos, a venlafaxina, a bupropiona e a nefazodona bloqueiam sua recaptação (assim como da serotonina) para o neurônio pré-sináptico, e os IMAOs bloqueiam seu catabolismo (e o da serotonina). Assim, o efeito imediato dos medicamentos tricíclicos e dos IMAOs é aumentar as concentrações de noradrenalina (e serotonina) na fenda sináptica. Uma vez que os antidepressivos levam 2 a 4 semanas para exercer suas funções terapêuticas, obviamente não é o efeito imediato isolado que produz os resultados benéficos. Contudo, os efeitos imediatos podem acabar produzindo uma redução do número de receptores β póssinápticos, a qual tem sido correlacionada com a melhora clínica. A mirtazapina atua bloqueando os receptores α2 pré-sinápticos, removendo a inibição pela retroalimentação exercida normalmente pela liberação da noradrenalina. O efeito essencial desse agente é aumentar a secreção da noradrenalina. O sistema α-adrenérgico também está envolvido na produção de alguns dos efeitos adversos que podem ser observados com vários medicamentos psicotrópicos. O bloqueio dos receptores α1 se associa comumente a sedação e a hipotensão postural. Outro agente que afeta o sistema α-adrenérgico é a clonidina, um agonista dos receptores α2. Estes costumam estar localizados no neurônio pré-sináptico no SNC, e sua ativação regula para baixo a produção e a liberação de noradrenalina. As ações simpaticolíticas da clonidina têm sido aproveitadas em uma gama de transtornos psiquiátricos, inclusive na abstinência de opiáceos. O agente anti-hipertensivo metildopa é um inibidor competitivo da decarboxilase dos aminoácidos L-aromáticos, que transforma a metildopa em metildopamina e, eventualmente, em metilnoradrenalina, a qual desloca a noradrenalina das vesículas de armazenamento. Esta última atua como agonista do receptor α2 para baixar a pressão arterial. O antagonista do receptor α 2 ioimbina é utilizado para reverter os efeitos anti-sexuais dos antidepressivos, especialmente da classe serotonérgica. Os antagonistas dos receptores β-adrenérgicos, como o propranolol, também têm sido utilizados em psiquiatria. Em geral, esses receptores têm localização pós-sináptica, e a inibição de sua atividade leva a uma redução da formação da cAMP no neurônio pós-sináptico. Os antagonistas β-adrenérgicos são um recurso no tratamento da fobia social (p. ex., a ansiedade de desempenho), da acatisia (um transtorno dos movimentos associado a antipsicóticos) e do tremor induzido por lítio.
Noradrenalina e psicopatologia. A hipótese das aminas biogênicas nos transtornos do humor baseou-se nas observações de que os tricíclicos e os IMAOs são eficientes no alívio dos sintomas depressivos. A contribuição da serotonina e da noradrenalina na fisiopatologia da depressão ainda não foi claramente estabelecida. Os medicamentos que afetam ambos os neurotransmissores são eficientes, assim como aqueles que afetam principalmente a noradrenalina – por exemplo, a desipramina – e os que atuam com maior ênfase sobre a serotonina – por exemplo, a fluoxetina. Quando os neurônios noradrenérgicos são destruídos em modelos animais experimentais, contudo, os medicamentos que afetam a serotonina não têm seus efeitos habituais; quando os neurônios serotonérgicos são destruídos, acontece o mesmo com aqueles que afetam a noradrenalina. Esses resultados experimentais indicam que as inter-relações entre os neurônios sero-
CÉREBRO E O COMPORTAMENTO
123
tonérgicos e noradrenérgicos são ainda percebidas de forma incompleta. Serotonina Tratos serotonérgicos do SNC. O principal local dos corpos celulares serotonérgicos é a parte superior da ponte e o mesencéfalo – especificamente, os núcleos da rafe mediana e dorsal e, em menor extensão, o locus ceruleus caudal, a área postrema e a área interpeduncular (Fig. 3.2-10). Esses neurônios se projetam para os gânglios basais, o sistema límbico e o córtex cerebral. Ciclo de vida da serotonina. Como as catecolaminas, a serotonina é sintetizada no terminal do axônio (Fig. 3.2-5). Seu precursor é o aminoácido triptofano. Em contraste com as catecolaminas, a disponibilidade do triptofano é a função limitante de taxa de sua formação, e a enzima triptofano hidroxilase não é limitante da taxa. Por isso, variações dietéticas do triptofano podem afetar, de forma mensurável, os níveis de serotonina no cérebro. Por exemplo, a depleção do triptofano leva a irritabilidade e raiva, enquanto sua suplementação pode induzir o sono, aliviar a ansiedade e aumentar a sensação de bem-estar. Uma vez sintetizada, a serotonina é acondicionada nas vesículas, para a liberação com a chegada de um potencial de ação. Sua ação sináptica é encerrada pela recaptação no terminal pré-sináptico, realizada pelo transportador da membrana plasmática. O promotor do gene do transportador contém um polimorfismo que gera uma variação do dobro da quantidade de transportador entre diferentes indivíduos, o que, de alguma forma, pode ser responsável por 3 a 4% da variação biológica dos níveis de ansiedade. A enzima-chave envolvida no metabolismo da serotonina é a MAO, preferencialmente a MAOA, e o principal metabólito é o ácido 5-hidroxindolacético (5-HIAA) (Fig. 3.2-6). Receptores de serotonina. Sete tipos são atualmente reconhecidos, do 5-HT1 ao 5-HT7, com numerosos subtipos, totalizando 14 receptores diferentes. Os vários mecanismos efetores funcionais de alguns deles são listados na Tabela 3.2-2. A diversidade de receptores de serotonina iniciou um esforço significativo para estudar a distribuição dos subtipos em estados patológicos e para produzir medicamentos específicos desses subtipos que possam ter benefício terapêutico particular em determinadas condições. Por exemplo, a buspirona, um ansiolítico clinicamente eficiente, é um agonista potente do 5-HT1A, e outros agonistas estão sendo desenvolvidos para o tratamento da ansiedade e da depressão. A clozapina (Leponex), o agente antipsicótico antagonista de serotonina-dopamina prototípico, tem atividade significativa como antagonista dos receptores 5-HT2; tal constatação iniciou um esforço maior para estudar o papel desse subtipo e desenvolver medicamentos antagonistas de 5-HT2 para o tratamento da esquizofrenia. Antagonistas do receptor 5-HT3 também estão sob estudo como potenciais compostos antiansiedade e antipsicóticos. Os receptores dispersos da serotonina são, por vezes, responsáveis pelos efeitos colaterais dos medicamentos serotonérgicos, muitos dos quais aumentam os ní-
124
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Neocórtex
Estriado
Tálamo
Cíngulo Giro do cíngulo Para o hipocampo
Estriado ventral Corpo amigdalóide Hipotálamo Córtices olfativo e entorrinal Córtex cerebelar Hipocampo Núcleos intercerebelares
Núcleos rostrais da rafe
Para a medula espinal
Núcleos caudais da rafe FIGURA 3.2-10 Vias serotonérgicas (5-HT). Os núcleos da rafe formam uma coleção mais ou menos contínua de grupos celulares próximos à linha média por todo o tronco cerebral, mas, para simplificar, foram subdivididos em um grupo rostral e um grupo caudal no desenho. Os núcleos rostrais da rafe se projetam para um grande número de estruturas do cérebro anterior. As fibras que se projetam lateralmente pelas cápsulas interna e externa para áreas amplamente dispersas do neocórtex não estão indicadas neste desenho altamente esquemático. (Reimpressa com permissão de Heimer L. The Human Brain and Spinal Cord. New York: Springer; 1983.)
veis da serotonina de forma inespecífica e, assim, elevam a ativação dos receptores de forma indiscriminada. Os receptores de serotonina nos gânglios basais podem ser responsáveis por acatisia e agitação; os receptores 5-HT3 no centro do vômito do tronco cerebral (área postrema) ou no hipotálamo podem causar náuseas e vômitos; no sistema límbico, podem produzir um aumento inicial da ansiedade; receptores em várias dos centros do sono no tronco cerebral produzem insônia ou sonolência; vias para a medula espinal podem implicar disfunção sexual; receptores no intestino (onde se encontra 90% da serotonina) tendem a gerar mal-estar gastrintestinal e diarréia; e nos vasos sangüíneos do crânio podem produzir cefaléia. Não é possível predizer que efeitos adversos, se ocorrerem, virão a se manifestar em um paciente em particular.
Serotonina e medicamentos. Algumas das novas relações entre a serotonina e os medicamentos estão em desenvolvimento e são discutidas a seguir; contudo, a associação histórica entre a serotonina e os psicotrópicos foi feita primeiro com os medicamentos tricíclicos e os IMAOs, como descrito para a noradrenalina e a adrenalina. Os tricíclicos e os IMAOs, respectivamente, bloqueiam a recaptação e o metabolismo da serotonina e da noradrenalina, aumentando a concentração de ambos os transmissores na fenda sináptica. A fluoxetina é
um dos ISRSs utilizados no tratamento da depressão. Outros medicamentos desta classe incluem a paroxetina, a sertralina, a fluvoxamina e o citalopram, todos os quais costumam estar associados a efeitos adversos mínimos, especialmente em comparação com os tricíclicos e os IMAOs. A venlafaxina bloqueia a recaptação tanto da serotonina quanto da noradrenalina. Com relação à serotonina, a trazodona e a nefazodona bloqueiam sua recaptação e antagonizam diretamente os receptores 5-HT2, com o efeito mais eminente de estimular os receptores 5-HT1. A trazodona, a nefazodona e o agonista de receptor 5-HT1 buspirona são os primeiros agentes que têm a probabilidade de constituir um grupo seletivo para subtipos de receptores de serotonina. Outro medicamento que tem sido utilizado em psiquiatria é o L-triptofano. Como sua concentração tem a função limitante da taxa da síntese da serotonina, sua ingestão pode aumentar a concentração de serotonina no SNC. Nos Estados Unidos, o Ltriptofano foi retirado do mercado em 1990 pela Food and Drug Administration (FDA), porque um contaminante do processo de produção em uma indústria causou uma síndrome de eosinofiliamialgia em alguns pacientes que estavam tomando o medicamento. Dados recentes sugerem que esse agente, por si só, pode causar a síndrome.
O
A serotonina também está envolvida no mecanismo de pelo menos duas substâncias principais de abuso, o dietilamida do ácido lisérgico (LSD) e a 3,4-metilenodioximetanfetamina (MDMA), também conhecida como ecstasy. O sistema da serotonina é o principal local de ação do LSD, mas exatamente como este exerce seus efeitos permanece obscuro. A MDMA tem efeitos duplos: bloqueio da recaptação da serotonina e indução da liberação massiva de sua concentração nos neurônios serotonérgicos.
CÉREBRO E O COMPORTAMENTO
125
ser clivado para tomar a forma final do peptídeo, a qual pode então ser sujeita a modificações pós-translacionais. Os receptores dos peptídeos possuem sete domínios transmembrana ligados a membros da família da proteína G. Além disso, a maioria, senão todos os peptídeos neurotransmissores, coexiste em vesículas de armazenamento com outros neurotransmissores. Peptídeos neurotransmissores selecionados
Serotonina e psicopatologia. A principal associação entre serotonina e uma condição psicopatológica está relacionada à depressão, como sugere a hipótese das aminas biogênicas nos transtornos do humor. Essa hipótese refere que a depressão se associa a níveis baixos de serotonina e que a mania se associa a níveis elevados. Como explicado no caso da noradrenalina, esta visão simplificada, sem dúvida, não é inteiramente correta. A hipótese permissiva postula que baixos níveis de serotonina permitem que níveis anormais de noradrenalina causem a depressão ou mania. Com a introdução de uma gama de medicamentos novos, a área que envolve a serotonina é uma das mais animadoras na pesquisa dos transtornos de ansiedade e da esquizofrenia, além de seu papel na depressão. Por exemplo, as teorias iniciais sobre as causas da depressão enfocaram o sistema do GABA porque os primeiros ansiolíticos eficientes foram os benzodiazepínicos, que potencializam a neurotransmissão GABAérgica. Com o êxito recente dos ISRSs e da buspirona, que são agentes antiansiedade eficientes, a teoria acerca do assunto necessitou de espaço para o papel da serotonina. De forma similar, pensou-se previamente que a esquizofrenia era o resultado de um desequilíbrio da dopamina, mas, desde o êxito terapêutico dos antagonistas de serotoninadopamina, acredita-se que a doença seja o resultado de má regulação tanto da função da dopamina como da serotonina. É provável que as teorias necessitem ser revisadas várias vezes no futuro próximo, à medida que agentes se tornem disponíveis para a modificação de subtipos particulares de receptores. PEPTÍDEOS NEUROTRANSMISSORES Chegam a 300 os peptídeos que podem estar presentes no cérebro humano. Tratam-se de proteínas curtas, consistindo de menos de 100 aminoácidos. Os peptídeos são produzidos no corpo da célula para a transcrição e a translação de mensagens genéticas; são armazenados nas vesículas sinápticas e liberados pelo terminal do axônio. Sua atividade é determinada pela ação de enzimas denominadas peptidases, que fazem a clivagem de peptídeos entre resíduos específicos de aminoácidos. Além dos mecanismos reguladores compartilhados com outros neurotransmissores, os peptídeos neuroativos estão sujeitos a refinamentos adicionais na regulação. O processamento diferencial do ácido ribonucléico (RNA) transcrito primeiro do ácido desoxirribonucléico (DNA) (o RNA nuclear heterogêneo [RNAnh]) pode levar a diferentes RNA mensageiros (RNAm). A maioria destes neurotransmissores, na realidade, codifica peptídeos muito mais longos, denominados pré-hormônios, que são clivados no corpo celular antes de serem acondicionados como pró-hormônios nas vesículas para o transporte até os terminais dos axônios. Durante a fase de transporte, o pró-hormônio costuma
Opióides endógenos. Os notáveis efeitos analgésicos e psicológicos do ópio foram reconhecidos desde os tempos bíblicos. O isolamento do alcalóide morfina, em 1806, levou, no século XX, ao desenvolvimento de pesquisas farmacológicas extensas de agentes opiáceos e levantou a questão de se havia compostos endógenos opiáceo-símiles. Em meados dos anos de 1970, demonstrou-se que peptídeos isolados de extratos cerebrais interagiam com receptores de opiáceos e foram denominados opióides. Os opióides endógenos atuam sobre três receptores principais, μ, κ e δ, e acredita-se que estejam envolvidos na regulação do estresse, da dor e do humor. Foram reconhecidas três classes dos mesmos, as encefalinas, as endorfinas e as dinorfinas, e, recentemente, foram descobertas as endomorfinas, que rivalizam com a própria morfina em potência. Seu tamanho varia dos 31 aminoácidos da βendorfina às endomorfinas tetrapeptídeas. Esses peptídeos se ligam a membros da família dos receptores de opiáceos. As encefalinas se ligam com força a receptores δ de opiáceos e, com menos afinidade, a receptores μ. A β-endorfina se liga com afinidade modesta aos receptores μ e δ, enquanto dinorfinas se ligam com intensidade a receptores κ e μ. Nenhuma delas se associa de forma tão forte como a morfina ou produz resposta analgésica tão potente como o alcalóide de plantas, contudo, por anos muitos questionaram se, de fato, representavam opióides endógenos verdadeiros. As endorfinas 1 e 2, em contraste, se igualam à morfina em afinidade pelos receptores μ e também em sua atividade analgésica em animais. Por isso, postula-se que os ligantes endógenos de alta afinidade pelos receptores δ e κ ainda estão por ser descobertos. As encefalinas, as endorfinas e as dinorfinas são derivadas do processamento de seus polipeptídeos precursores respectivos, a pró-opiomalanocortina (POMC), a pró-encefalina e a pró-dinorfina. O processamento da POMC leva ao hormônio adrenocorticotrófico (ACTH), aos hormônios estimulantes dos melanócitos e à β-endorfina. O processamento da pré-encefalina produz metencefalina e leuencefalina, ao passo que o da pró-dinorfina gera β-neoendorfina e dinorfina. A molécula ou moléculas precursoras para as endomorfinas ainda não foram encontradas, mas se presume serem também polipeptídeos maiores. Embora seja difícil distinguir a evidência para os opióides como neurotransmissores verdadeiros de seus efeitos potencializadores sobre a neurotransmissão glutamatérgica ou adrenérgica, foi estabelecido um papel para eles no hipocampo, onde o aprendizado associativo pode contribuir para a adicção. Os neurônios contendo opióides são encontrados em várias regiões do cérebro, inclusive no hipotálamo medial, no diencéfalo, na ponte, no hipocampo e no mesencéfalo, e seus axônios se projetam tanto local como amplamente. O exame das encefalinas, das endorfinas e das dinorfinas em modelos de adicção deixou de produzir insight na forma de variações de níveis de ligantes. Isso pode decorrer do fato de não serem os ligantes endógenos com a mais alta afinidade e especificidade. Dados emergentes sobre as endorfinas e outros ligantes ainda desconhecidos podem, no futuro, desfazer o mistério da adicção.
126
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Substância P. A substância P é o neurotransmissor principal na maioria dos neurônios sensoriais aferentes primários e na via nigroestriatal. Eles estão associados de forma mais proeminente à intermediação da percepção da dor. Anormalidades na substância P foram consideradas hipóteses possíveis na doença de Huntington, na demência do tipo Alzheimer e nos transtornos do humor.
Neurotensina. Foi levantada a hipótese de que a neurotensina esteja envolvida na fisiopatologia da esquizofrenia, principalmente por sua coexistência com a dopamina em alguns terminais de axônios. Alguns relatos preliminares sugerem que peptídeos ou medicamentos relacionados a ela têm efeitos benéficos sobre os sintomas psicóticos. Colecistocinina. Como com a neurotensina, foi levantada a hipótese de que a colecistocinina (CCK) está envolvida na fisiopatologia da esquizofrenia. A CCK também foi implicada em transtornos da alimentação e dos movimentos. Ela causa ansiedade e desencadeia ataques de pânico em indivíduos com transtorno de pânico. Antagonistas da CCK estão em estudo como possíveis agentes ansiolíticos. Somatostatina. Também é conhecida como fator inibidor do hormônio do crescimento. Estudos post mortem implicaram a somatostatina na doença de Huntington e na demência do tipo Alzheimer. Vasopressina e ocitocina. Postulou-se que a vasopressina e a ocitocina, dois peptídeos relacionados, estão envolvidas na regulação do humor. Ambas são sintetizadas no hipotálamo e liberadas na hipófise posterior.
Neuropeptídeo Y. Esse neuropeptídeo estimula o apetite, e o desenvolvimento de antagonistas para receptores do neuropeptídeo Y é uma área ativa de interesse para pesquisadores da obesidade.
intenso dos mesmos no que se refere a transtornos psiquiátricos maiores, como os transtornos de ansiedade e a esquizofrenia. Glicina. É sintetizada principalmente a partir da serina pelas ações da serina transidroximetilase e da β-glicerato deidrogenase, ambas limitadoras da taxa de produção. A glicina faz um trabalho duplo, como neurotransmissor obrigatório auxiliar para a atividade do glutamato e como neurotransmissor inibidor independente em seus próprios receptores. O local de ligação para o aminoácido excitador glicina no receptor de glutamato NMDA é referido como receptor da glicina não-sensível a estricnina e contrasta com o receptor sensível a estricnina, que é um inibidor. A melhora da atividade do receptor NMDA pela ocupação do local de ligação à glicina, por hipótese, tem sido apresentada como um modo auxiliar para o tratamento da esquizofrenia. Alguns ensaios clínicos mostraram redução nos sintomas negativos da doença mediada pela glicina ou esta glicina como receptor ômega (ω). Αs β-carbolinas são uma classe de medicamentos agonistas inversos dos receptores benzodiazepínicos; assim, sua atividade leva a ansiedade e a convulsões. Histamina Os neurônios que liberam histamina como seu neurotransmissor estão localizados no hipotálamo e se projetam para o córtex cerebral, o sistema límbico e o tálamo. Há três funções para seus receptores: a estimulação do receptor H1 aumenta a produção de IP3 e DAG; a estimulação do H2 aumenta a produção de cAMP; e o receptor H3 pode regular o tônus vascular. O bloqueio dos receptores H1 é o mecanismo de ação de medicamentos usados em casos de alergia e, em parte, do processo que leva aos efeitos observados com freqüência em alguns medicamentos psicotrópicos (p. ex., sedação, aumento de peso e hipotensão).
AMINOÁCIDOS NEUROTRANSMISSORES Acetilcolina Os aminoácidos são os blocos de construção das proteínas. Em vista de sua abundância, há longo tempo foi presumido que não podiam funcionar também como neurotransmissores. Contudo, o glutamato e o aspartato estão presentes em concentrações desproporcionalmente altas no cérebro, e seus papéis como neurotransmissores foram amplamente aceitos. Os dois principais aminoácidos neurotransmissores são o GABA e o glutamato. O primeiro é um aminoácido inibidor, e o segundo, excitador. Às vezes, suge-se que uma forma simplificada de analisar o cérebro é considerá-lo como um equilíbrio entre esses dois neurotransmissores, com todas as aminas biogênicas e os peptídeos envolvidos simplesmente em modular o equilíbrio. Descobertas recentes aumentaram ainda mais a importância do estudo dos aminoácidos neurotransmissores; elas incluem a observação de que os benzodiazepínicos, os barbitúricos e vários anticonvulsivantes atuam principalmente a partir de mecanismos GABAérgicos e que uma substância de abuso importante, a fenciclidina (PCP), atua sobre os receptores de glutamato. Uma das áreas mais ativas da pesquisa recente em neurociência é o papel dos receptores de glutamato NMDA no aprendizado e na memória. Essas observações levaram ao estudo
Tratos colinérgicos no SNC. Um grupo de neurônios colinérgicos no núcleo basal de Meynert se projeta para o córtex cerebral e para o sistema límbico. Neurônios colinérgicos adicionais no sistema reticular se projetam para o córtex cerebral, o sistema límbico, o hipotálamo e o tálamo. Alguns pacientes com demência do tipo Alzheimer ou síndrome de Down parecem ter uma degeneração específica dos neurônios no núcleo basal de Meynert. Ciclo de vida da acetilcolina. A acetilcolina é sintetizada no terminal do axônio colinérgico a partir da acetilcoenzima A (acetil-CoA) e da colina pela enzima colina acetiltransferase. Uma vez produzida, é acondicionada nas vesículas de armazenagem para liberação quando desencadeada por um potencial de ação. A acetilcolina é metabolizada na fenda sináptica pela acetilcolinesterase, e a colina resultante é recaptada de volta para o neurônio pré-sináptico e reciclada para produzir novas moléculas. A acetilcolinesterase é afetada por medicamentos atualmente em uso para o tratamento da doença de Alzheimer.
O
Receptores colinérgicos. Os dois subtipos principais são os muscarínicos e os nicotínicos (Tab. 3.2-2). Há cinco tipos reconhecidos de receptores muscarínicos, com vários efeitos sobre o metabolismo (turnover) do fosfoinositol, a produção de cAMP e cGMP e a atividade dos canais de íon potássio. Esses receptores são antagonizados pela atropina e pelos medicamentos anticolinérgicos. Os receptores nicotínicos são canais de íons abertos por ligantes que têm o local receptor no próprio canal de íons. Esse tipo de receptor é, na verdade, composto de quatro subunidades (α, β, γ e δ). Pode variar em relação ao número de cada uma dessas subunidades, havendo uma grande quantidade de subtipos de receptores nicotínicos, com base nas configurações específicas das subunidades. Acetilcolina e medicamentos. A utilização mais comum dos medicamentos anticolinérgicos em psiquiatria é no tratamento de anormalidades dos movimentos causadas por antipsicóticos clássicos (p. ex., o haloperidol). A eficácia dos medicamentos para essa indicação é determinada pelo equilíbrio entre a atividade da acetilcolina e da dopamina nos gânglios basais. Em pessoas normais, a atividade da via nigroestriatal é parcialmente equilibrada pelas vias colinérgicas dos gânglios basais. O bloqueio dos receptores D2 do estriado perturba essa sintonia, a qual pode ser parcialmente restaurada, ainda que em um ponto de equilíbrio mais baixo, por antagonismo dos receptores muscarínicos. O bloqueio dos receptores colinérgicos muscarínicos é um efeito farmacológico comum a vários psicotrópicos, levando aos efeitos adversos comumente observados de visão turva, boca seca, obstipação e dificuldade de iniciar a micção. O bloqueio excessivo dos receptores colinérgicos do SNC causa confusão e delirium. Os medicamentos que aumentam a atividade colinérgica ao bloquear a decomposição pela acetilcolinesterase (p. ex., o donepazil) têm se demonstrado eficientes no tratamento da demência do tipo Alzheimer. Quando ligados à nicotina, os receptores nicotínicos pré-sinápticos do SNC intermedeiam um grande influxo de cálcio e, por isso, causam a liberação de neurotransmissores em vários tipos de neurônios. Evidência recente demonstrou que a nicotina aumenta a potência das conexões sinápticas no hipocampo, região do cérebro que apóia a memória de curto prazo. Vários compostos nicotina-símiles que estimulam a liberação de acetilcolina estão sob estudo como potencializadores cognitivos para o tratamento da doença de Alzheimer. Acetilcolina e psicopatologia. A associação mais comum da acetilcolina é com a demência do tipo Alzheimer e outras demências. Os agentes anticolinérgicos podem comprometer o aprendizado e a memória em pessoas normais. Com a identificação recente de estruturas protéicas de vários receptores muscarínicos e nicotínicos, muitos pesquisadores estão trabalhando em agonistas específicos que possam ter algum benefício no tratamento da demência do tipo Alzheimer. A acetilcolina também pode estar envolvida em transtornos do humor e do sono. Ácido γ-aminobutírico (GABA).
SÍNTESE, METABOLISMO E
CÉREBRO E O COMPORTAMENTO
127
cerebrais, na ponte e no bulbo. O GABA é sintetizado a partir do glutamato pela enzima limitante da taxa (de produção) decarboxilase do ácido glutâmico (GAD), que necessita de piridoxina (vitamina B6) como co-fator. Uma vez liberado na fenda sináptica, o GABA é recaptado, por um transportador específico, para dentro do neurônio pré-sináptico e da glia adjacente, onde é metabolizado pela GABA transaminase (GABA-T) associada às mitocôndrias. O GABA é o neurotransmissor principal em neurônios intrínsecos que funcionam como mediadores locais para as alças de retroalimentação inibitórias. Com freqüência, ele coexiste com as aminas biogênicas neurotransmissoras, a glicina e os peptídeos neurotransmissores, incluindo a somatostatina, o NPY, a CCK, a substância P e o peptídeo vasoativo intestinal (VIP). RECEPTORES E MEDICAMENTOS. Há três tipos de receptores, o GABAA, o GABAB e o GABAc, cada um com um padrão distinto de expressão no cérebro. O receptor GABAB está associado à proteína G; os receptores GABAA e GABAC são canais de íons cloro abertos por ligantes atuando diretamente, que aumentam a polarização da membrana (Fig. 3.2-8). O GABAA é o tipo predominante, consistindo de cinco subunidades em combinações variáveis. O agonista do receptor GABAB baclofeno é utilizado para tratar a espasticidade. Os antagonistas do receptor GABAA bicuculina e picrotoxina são potentes para induzir convulsões. Como se acredita que o GABA suprime a atividade convulsiva, a ansiedade e a mania, tem sido devotado esforço considerável para sintetizar medicamentos que potencializem sua atividade. Um deles é a progagida, um agonista hidrofóbico de receptores GABA com boa penetração no cérebro que tem atividade anticonvulsivante. A tiagabida (Gabitril), que inibe o transportador de GABA, e a vigabatrina (Sabril), que inibe a GABA-T, aumentam os níveis sinápticos efetivos do ácido e exibem atividade anticonvulsivante. O topiramato, que apresenta o mesmo tipo de atividade, potencializa a ação do receptor GABAA por um mecanismo obscuro. A gabapentina, um derivado do GABA, é um anticonvulsivante eficiente, com boa penetração cerebral; ainda assim, curiosamente, não tem atividade sobre os receptores ou sobre o transportador do GABA. O receptor GABAA apresenta locais de ligação para o GABA, os benzodiazepínicos e os barbitúricos. Os primeiros aumentam a afinidade do receptor GABAA. Os receptores de benzodiazepínicos são, por vezes, referidos como receptores ω. Como já mencionado, as β-carbolinas são uma classe de medicamentos antagonistas inversos dos receptores de benzodiazepínicos, causando, assim, ansiedade e convulsões. O flumazenil é um antagonista dos benzodiazepínicos que está sendo utilizado atualmente em emergências hospitalares para o tratamento de superdosagem de benzodiazepínicos.
A pesquisa clínica sobre o sistema GABAérgico, em vista de sua associação com os benzodiazepínicos, tem enfocado seu papel potencial na fisiopatologia dos transtornos de ansiedade. Muitos dos anticonvulsivantes-padrão também apresentam efeitos sobre o sistema GABA; por isso, os pesquisadores de epilepsia também estão estudando ativamente esse sistema. O êxito dos anticonvulsivantes carbamazepina e ácido valpróico no tratamento do transtorno bipolar I com ciclagem rápida tem estimulado ensaios com esses anticonvulsivantes GABAérgicos em tal indicação.
GABA E PSICOPATOLOGIA.
VIAS. O GABA é encontrado quase exclusivamente no SNC e não atra-
vessa a barreira hematencefálica. As concentrações mais altas estão no mesencéfalo e no diencéfalo, com menores quantidades nos hemisférios
Glutamato. SÍNTESE, METABOLISMO E VIAS. O glutamato é sintetizado a partir da glicose e da glutamina nos terminais dos neurônios pré-
128
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
sinápticos e armazenado nas vesículas sinápticas. Uma vez liberado na fenda sináptica, atua sobre os receptores, e sua ação é concluída pela recaptação altamente eficiente para dentro do neurônio pré-sináptico ou para a glia adjacente. Ele é o neurotransmissor principal nas células granulares do cerebelo, no estriado, nas células da camada molecular do hipocampo e do córtex entorrinal, nas células piramidais do córtex e nas projeções talamocorticais e corticoestriatais. A liberação do glutamato é estimulada pela nicotina. RECEPTORES E MEDICAMENTOS. Há cinco tipos principais de recepto-
res para o glutamato. O NMDA é o mais bem compreendido e o mais complexo dos receptores, porque tem um papel essencial no aprendizado e na memória, bem como na psicopatologia. Os outros quatro são, por isso, referidos como receptores não-NMDA. O receptor NMDA permite a passagem de sódio, potássio e cálcio. Só se abre sob condições em que esteja ligado, simultaneamente, a duas moléculas de glutamato e a uma de glicina, ao mesmo tempo em que o potencial da membrana em que se situa suba acima de –65 mV, o que permite que o íon magnésio, que normalmente bloqueia os poros de íons, saia. Como a maioria das células que respondem ao glutamato exibe receptores tanto NMDA como não-NMDA, a resposta inicial da despolarização é intermediada por estes últimos, até que o potencial da membrana supere os –65 mV, momento em que os receptores NMDA se abrem. Estes são bloqueados também por concentrações fisiológicas de magnésio, PCP e substâncias relacionadas a ela (p. ex., a dizocilpina [MK-801]). A necessidade da despolarização da membrana simultânea à ocupação dos receptores do glutamato para a ativação do fluxo de cálcio intermediada pelo NMDA aumentou o interesse neste receptor como um aspecto essencial do mecanismo celular da memória. Neste modelo, um conjunto prolongado de estímulos coordenados no tempo é necessário para a abertura do receptor, que, de modo único, desencadeia uma cascata de acontecimentos intracelulares, levando à expressão de um certo conjunto de genes, o que reforça e estabiliza as sinapses responsáveis pela ativação inicial do receptor. Dessa forma, uma mudança física nas relações sinápticas é resultado de um padrão específico de estimulação dos receptores. Embora ainda faltem os pormenores para esta via ser completamente elucidada, tem se mostrado que antagonistas dos receptores NMDA interferem na formação da memória. Há, ainda, os receptores do ácido α-amino-3-hidroxi-5-metil-4-isoxazol propiônico (AMPA) e os receptores de cainato, que compartilham a despolarização, como seu efeito principal, com o receptor NMDA. Os dois tipos remanescentes de receptores para o glutamato são o receptor para o AP4 (1-2-amino-4-fosfobutirato) e para o ACPD (ácido trans-1-aminociclopentano-1-3-dicarboxílico). Pensa-se que o primeiro seja um auto-receptor inibidor, e o segundo, também denominado receptor metabotrópico, é um receptor com sete domínios transmembrana ligado à proteína G, que exerce seus efeitos através do sistema do segundo-mensageiro fosfoinositol. GLUTAMATO E PSICOPATOLOGIA. As principais condições fisiopato-
lógicas atualmente associadas aos sistemas do glutamato são a excitotoxicidade e a esquizofrenia. A excitotoxicidade é a hipótese de que a estimulação intensa dos receptores do glutamato leva a concentrações prolongadas e excessivas de cálcio e NO. Essas condições ativam várias enzimas (especialmente proteases) destrutivas da integridade neuronal. A associação com a esquizofrenia decorre, em parte, dos efeitos psicotomiméticos observados
com a PCP. Neste modelo, acredita-se que uma redução da atividade dos receptores NMDA causa sintomas psicóticos. Tentativas de reduzir a excitotoxicidade durante acidentes vasculares cerebrais com o bloqueador do receptor NMDA MK-801 foram interrompidas pela precipitação de psicose. Parece, por isso, que o sistema neurotransmissor do glutamato é um alvo pouco adequado para medicamentos psicotrópicos; atividade excessiva dos receptores NMDA mata os neurônios, e sua escassez induz psicose. Poucos inibidores do receptor NMDA com um perfil de segurança confiável estão em desenvolvimento, incluindo a remacemida. Alguns estudos de ciência básica mostram que a dopamina e o glutamato têm efeitos opostos. Em vista dessa associação e devido à sensibilidade à excitotoxicidade manifestada pelos neurônios da substância negra que contêm dopamina, o glutamato pode estar envolvido na fisiopatologia da doença de Parkinson. Outros neurotransmissores. NUCLEOTÍDEOS. Dos quatro nucleotídeos do ácido desoxirribonucléico (DNA), demonstrou-se que a purina adenosina e sua forma fosforilada de alta energia ATP também são neurotransmissores. Foram encontrados receptores para as purinas no cérebro. Os receptores P1 apresentam uma alta afinidade pela adenosina, e os P2, pela ATP. Dois subtipos do receptor P1 são A1 e A2, ambos ligados à proteína G. A ligação da adenosina aos receptores A1 leva a respostas celulares opostas às da ligação da adenosina aos receptores A2 em alguns sistemas. Os receptores P1 são bloqueados pelas xantinas, como a cafeína e a teofilina. A adenosina está concentrada em camadas celulares específicas de discretas regiões do cérebro e parece ter um efeito geral de inibir a liberação da maioria dos outros neurotransmissores. Durante uma convulsão, é liberada das células e parece atuar para fazer cessar tal manifestação. As ações da adenosina, que são opostas às da cafeína, levaram a vários esforços de pesquisa para estudar análogos para a utilização como anticonvulsivantes e sedativos. Na utilização clínica como agente antiarrítmico cardíaco, a adenosina intravenosa tem uma meia-vida da ordem de menos de cinco minutos. A própria ATP pode servir como neurotransmissor. É armazenada nas vesículas sinápticas junto com as catecolaminas e liberada juntamente com elas. Atua preferencialmente sobre os receptores P2, e os dados indicam que uma das funções da ATP é a abertura de canais de íons para Na+, K+ e Ca2+. EICOSANÓIDES. Os metabólitos do ácido araquidônico, as prostaglandinas, as prostaciclinas, a tromboxana e os leucotrienos, também denominados eicosanóides ou prostanóides, estão todos presentes no cérebro. Até o momento, oito receptores foram identificados em vários tecidos neurais e não-neurais: o receptor A2 da tromboxana, o receptor da prostaciclina, o receptor da prostaglandina F, o receptor da prostaglandina D e quatro subtipos de receptores para a prostaglandina E (EP1R a EP4R). Eles estão acoplados a sistemas diferentes de transdução de sinais. Além disso, locais de ligação para os leucotrienos foram encontrados no cérebro. Embora essas substâncias ainda não tenham satisfeito todos os critérios para neurotransmissores, esforços têm sido feito para explorar a possibilidade deste papel. ANANDAMIDAS.
Um composto novo formado com o ácido araquidônico e a etanolamina, a N-araquidonoiletanolamina (anamida), e o 2araquinidonilglicerol são agora reconhecidos como ligantes fraco e forte, respectivamente, para a família de receptores de canabinóides. Estes são
O
os ingredientes ativos da maconha, e uma prolongada pesquisa acerca de um ligante endógeno para os receptores de canabinóides foi concluída recentemente. Há dois tipos desses receptores, o central (CB1) e o periférico (CB2), cada um com vários subtipos. Esses receptores são membros da família de receptores com sete domínios transmembrana, ligados à proteína G, e se ligam ao tetraidrocanabinol (THC), o ingrediente ativo da maconha. As anandamidas em geral exibem efeitos farmacológicos menos potentes, mas similares aos do THC, inclusive reduzindo a pressão intraocular e o nível de atividade e aliviando a dor. A co-localização dos receptores de anandamidas e canabinóides no tálamo sugere que eles podem atuar como neurotransmissores. Os pesquisadores continuam a procurar ligantes endógenos mais potentes. O local do receptor Σ foi definido farmacologicamente, mas ainda não foi purificado ou clonado, e o ligante endógeno para o receptor ainda não foi identificado. Só recentemente o local agora conhecido como receptor Σ foi distinguido do receptor da PCP. Está claro que o principal local de ação da PCP é o receptor NMDA de glutamato, enquanto a ligação com a PCP leva à inibição indireta do influxo de íons cálcio. O local Σ se liga à pentazocina (Talwin) e ao haloperidol, que pertencem a classes distintas de medicamentos. Embora o estudo das características dos ligantes ao Σ permaneça uma área de pesquisa ativa, resultados consistentes de esforços para purificar o receptor têm sido elusivos.
RECEPTORES SIGMA.
REFERÊNCIAS Arranz MJ, Mancama D, Kerwin RW. Neurotransmitter receptor variants and their influence on antipsychotic treatment. Int J Mol Med. 2001;7:27. Fernstrom JD, Fernstrom MH. Diet, monoamine neurotransmitters and appetite control. Nestle Nutr Workshop Ser Clin Perform Programme. 2001;117. Hyde TM, Crook JM. Cholinergic systems and schizophrenia: primary pathology or epiphenomena? J Chem Neuroanat. 2001;22:53. Kronfol Z, Remick DG. Cytokines and the brain: implications for clinical psychiatry. Am J Psychiatry. 2000;157:683. Lesch KP. Variation of serotonergic gene expression: neurodevelopment and the complexity of response to psychopharmacologic drugs. Eur Neuropsychopharmacol. 2001;11:457. Licht EA, Jacobsen RH, Fujikawa DG. Chronically impaired frontal lobe function from subclinical epileptiform discharges. Epilepsy & Behavior. 2002; 3:96. Martinez D, Broft A, Laruelle M. Imaging neurochemical endophenotypes: promises and pitfalls. Pharmacogenomics, 2001;2:223. Mathew SJ, Coplan JD, Gorman JM. Neurobiological mechanisms of social anxiety disorder. Am J Psychiatry. 2001;158:1558. Mignot E. A commentary on the neurobiology of the hypocretin/orexin system. Neuropsychopharmacology. 2001;25(5 suppl 1):S5. Mortensen OV, Kristensen AS, Wiborg O. Species-scanning mutagenesis of the serotonin transporter reveals residues essential in selective, high-affinity recognition of antidepressants. J Neurochem. 2001;79:237. Murai T, Muller U, Werheid K, et al. In vivo evidence for differential association of striatal dopamine and midbrain serotonin systems with neuropsychiatric symptoms in Parkinson’s disease. J Neuropsychiatry Clin Neurosci. 2001;13:222. Pollmacher T, Haack M, Schuld A, Kraus T, Hinze-Selch D. Effects of antipsychotic drugs on cytokine networks. J Psychiatr Res. 2000;34:369.
CÉREBRO E O COMPORTAMENTO
129
Sakai K, Gao XM, Hashimoto T, Tamminga CA. Traditional and new antipsychotic drugs differentially alter neurotransmission markers in basal gangliathalamocortical neural pathways. Synapse. 2001;39:152. Soudijn W, van Wijngaarden I. The GABA transporter and its inhibitors. Curr Med Chem. 2000;7:1063. Sukonick DL, Pollock BG, Sweet RA, et al. The 5-HTTPR*S/*L polymorphism and aggressive behavior in Alzheimer disease. Arch Neurol. 2001;58:1425.
3.3 Neuroimagem A neuroimagem tem evoluído enormemente, fornecendo aos psiquiatras informações sem precedentes sobre a estrutura e o funcionamento do cérebro. Os aparelhos de tomografia computadorizada (TC), os primeiros recursos de neuroimagem amplamente utilizados, permitiram a avaliação de lesões estruturais como tumores e acidentes vasculares cerebrais. Os aparelhos de imagens por ressonância magnética (IRM), desenvolvidos a seguir, distinguiram a substância branca da cinzenta melhor do que o faziam os aparelhos de TC e permitiram a visualização de lesões cerebrais menores, bem como alterações da substância branca. Em acréscimo às neuroimagens estruturais como a TC e a IRM, uma revolução nas neuroimagens funcionais possibilitou aos cientistas clínicos visualizações inéditas do cérebro humano doente. As técnicas mais avançadas incluem a tomografia por emissão de pósitrons (PET) e a tomografia por emissão de fóton único (SPECT). Observações básicas de imagens estruturais e funcionais do cérebro em transtornos neuropsiquiátricos, como na demência, nos transtornos dos movimentos, nas doenças desmielinizantes e na epilepsia, não só contribuíram para uma melhor compreensão da fisiopatologia das doenças neurológicas e psiquiátricas, como também auxiliaram os clínicos em situações de diagnóstico difícil. UTILIZAÇÃO DA NEUROIMAGEM Indicação para a solicitação de neuroimagem na prática clínica Déficits neurológicos. No exame neurológico, qualquer alteração que possa ser localizada no cérebro ou na medula espinal requer neuroimagem. O exame neurológico inclui o estado mental, os nervos cranianos, o sistema motor, a coordenação, o sistema sensorial e os componentes reflexos. O exame do estado mental avalia o nível de vigília, atenção e motivação, a memória, a linguagem, a função visuoespacial, a cognição complexa, o estado de humor e os afetos. Os psiquiatras em consulta devem considerar um levantamento que inclua neuroimagens para pacientes com psicose de início recente e alterações agudas do estado mental. O exame clínico sempre tem prioridade, e a neuroimagem é solicitada com base na suspeita clínica de uma alteração do sistema nervoso central (SNC). Demência. A perda de memória e das capacidades cognitivas afeta mais de 10 milhões de pessoas nos Estados Unidos, número
130
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
que aumenta à medida que a população envelhece. A redução da mortalidade por câncer e por doenças do coração aumentou a expectativa de vida, possibilitando que as pessoas sobrevivam até a idade de início de doenças degenerativas do cérebro, que se mostraram mais difíceis de tratar. Depressão, ansiedade e psicose são comuns em pacientes com demência. A causa mais comum dessa condição é a doença de Alzheimer, que não tem uma aparência característica nas neuroimagens de rotina, mas que, em vez disso, se associa à perda difusa do volume cerebral. Uma causa tratável de demência que requer neuroimagem para o diagnóstico é a hidrocefalia com pressão normal, um distúrbio da drenagem do líquido cerebrospinal. Essa condição não progride até o ponto de aumento agudo da pressão intracraniana, mas se estabiliza em um limite superior à faixa normal. Os ventrículos dilatados, que podem ser facilmente visualizados com TC ou IRM, exercem pressão sobre os lobos frontais. Um distúrbio da marcha está quase sempre presente; a demência, que pode ser indistinguível da doença de Alzheimer, aparece de forma menos consistente. O alívio da pressão aumentada do líquido cerebrospinal pode restaurar completamente as funções mentais e da marcha. O infarto de áreas corticais ou subcorticais, ou acidente vascular cerebral, pode produzir déficits neurológicos focais, inclusive alterações cognitivas e emocionais. Os mesmos podem ser facilmente observados em imagens de RM. A depressão é comum entre pacientes que sofreram acidente vascular cerebral, tanto por causa da lesão direta de centros emocionais como por sua reação à incapacidade. Por sua vez, a depressão pode causar pseudodemência. Além dos acidentes vasculares grandes, a aterosclerose extensa dos capilares cerebrais pode causar incontáveis infartos minúsculos do tecido cerebral; os pacientes com este fenômeno podem desenvolver demência à medida que cada vez menos vias neurais participam da cognição. Esse estado, denominado demência vascular, se caracteriza nas imagens de RM por manchas com sinal aumentado na substância branca. Estudos clínico-patológicos recentes do tecido cerebral com alterações típicas da doença de Alzheimer (placas senis e emaranhados neurofibrilares) sugerem que a demência é resultado dessas alterações, somadas aos infartos microscópicos. Os pacientes com a neuropatologia da doença de Alzheimer, mas sem acidente vascular cerebral, podem não ter demência. Certas doenças degenerativas das estruturas dos gânglios basais, associadas à demência, podem ter uma aparência característica nas imagens de RM. A doença de Huntington tipicamente produz atrofia do núcleo caudado; a degeneração talâmica pode interromper ligações neurais para o córtex (Fig. 3.3-1).
Lesões que ocupam espaço podem produzir demência. Hematomas subdurais crônicos e contusões cerebrais, causados por traumatismos cranianos, podem gerar déficits neurológicos focais ou apenas demência. Os tumores cerebrais afetam a cognição de várias formas. Os meningiomas da base do crânio podem comprimir o córtex subjacente e comprometer seu processamento. Tumores gliais de células infiltrantes, como os astrocitomas ou os gliobastomas multiformes, podem cortar a comunicação entre centros do cérebro ao interromper vias na substância branca. Os tumores localizados próximos ao sistema ventricular podem obstruir o fluxo do líquido cerebrospinal e aumentar gradativamente a pressão intracraniana.
FIGURA 3.3-1 Cortes do cérebro. Acima: Doença de Huntington. Atrofia do núcleo caudado e dos núcleos lenticulados, com dilatação dos ventrículos cerebrais. Abaixo: Cérebro normal. (De Fahn S. Huntington Disease. In: Rowland LP, ed. Merritt’s Textbook of Neurology. 10th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:659.)
Infecções crônicas, incluindo a neurossífilis, a criptococose, a tuberculose e a doença de Lyme, podem causar sintomas de demência e produzir uma acentuação característica das meninges, especialmente na base do crânio. Estudos sorológicos são necessários para completar o diagnóstico. A infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) pode causar demência diretamente, caso em que há uma perda difusa do volume cerebral, ou permitir a proliferação do vírus JC, que leva à leucoencefalopatia multifocal progressiva, a qual afeta as vias na substância branca e aparece como um aumento do sinal da substância branca nas imagens de RM. Doenças desmielinizantes crônicas como a esclerose múltipla podem afetar a cognição devido à alteração da substância branca. As placas da esclerose múltipla são facilmente observadas nas imagens de RM como manchas periventriculares com aumento da intensidade do sinal. Qualquer avaliação de demência deve considerar efeitos de medicamentos, alterações metabólicas, infecções e causas nutricionais que podem não produzir alterações nas neuroimagens. Indicações para neuroimagem em pesquisa clínica Análise de grupos de pacientes clinicamente definidos. A pesquisa psiquiátrica visa a classificar pacientes com
O
transtornos psiquiátricos para facilitar a descoberta das bases neuroanatômicas e neuroquímicas dessas alterações mentais. Os pesquisadores têm utilizado neuroimagens funcionais para estudar grupos de pacientes com condições psiquiátricas como esquizofrenia, transtornos afetivos e transtornos de ansiedade, entre outros. Na esquizofrenia, por exemplo, análises volumétricas neuropatológicas sugeriram uma perda de peso cerebral, especificamente da substância cinzenta. Parece haver uma pobreza de axônios e dendritos no córtex, e a TC e a IRM podem exibir aumento correspondente dos ventrículos laterais e do terceiro ventrículo. Especificamente, os lobos temporais de pessoas com esquizofrenia parecem sofrer a maior parte da perda de volume, comparadas com indivíduos saudáveis. Estudos recentes verificaram que o lobo temporal esquerdo tende a ser mais afetado do que o direito. O lobo frontal também pode sofrer alterações, não no volume, mas no nível de atividade detectado pelas neuroimagens funcionais. Indivíduos com esquizofrenia exibem consistentemente redução da atividade metabólica nos lobos frontais, especialmente durante tarefas que necessitam do córtex pré-frontal. Como grupo, esses pacientes apresentam também maior probabilidade de ter um aumento do tamanho ventricular do que os controles não-esquizofrênicos. Os transtornos do humor e do afeto possivelmente estão associados à perda do volume cerebral e à redução da atividade metabólica nos lobos frontais. A inativação do córtex pré-frontal esquerdo parece deprimir o estado de humor, enquanto a do direito parece elevá-lo. Entre os transtornos de ansiedade, estudos acerca do transtorno obsessivocompulsivo com TC e IRM convencionais ou não mostraram nenhuma anormalidade específica ou identificaram um núcleo caudado reduzido. Estudos funcionais com PET e SPECT sugerem alterações nas estruturas corticolímbicas, nos gânglios basais e no tálamo neste transtorno. Quando os pacientes estão experimentando sintomas de transtorno obsessivo-compulsivo, o córtex pré-frontal orbital exibe atividade alterada. A normalização parcial do metabolismo do núcleo caudado ocorre com medicamentos como a fluoxetina (Prozac) ou a clomipramina (Anafranil) e com modificação comportamental.
Estudos de neuroimagens funcionais de pessoas com transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) ou não mostraram alterações ou indicaram redução do volume do córtex préfrontal e do globo pálido direitos. Além disso, enquanto o núcleo caudado direito costuma ser maior do que o esquerdo, os indivíduos com TDAH podem apresentar ambos do mesmo tamanho. Esses achados sugerem disfunção da via pré-frontal estriada no controle da atenção. Análise da atividade do cérebro durante o desempenho de tarefas específicas. Várias concepções originais acerca das funções de diferentes regiões do cérebro surgiram a partir da observação de déficits causados por lesões, tumores ou acidentes vasculares localizados. As neuroimagens funcionais permitem aos pesquisadores revisar e reavaliar tais concepções no cérebro intacto. A maior parte do trabalho, até o momento, foi dirigida para a linguagem e a visão. Embora várias peculiaridades técnicas e limitações da PET, da SPECT e da IRM funcional (IRMf ) tenham de ser superadas, nenhu-
CÉREBRO E O COMPORTAMENTO
131
ma delas demonstrou uma superioridade clara. Os estudos requerem condições cuidadosamente controladas, muitas vezes difíceis. A despeito disso, as neuroimagens funcionais têm contribuído para avanços conceituais maiores, e os métodos são atualmente limitados principalmente pela criatividade dos protocolos de investigação. Foram delineados estudos para revelar a neuroanatomia funcional de todas as modalidades sensoriais, das habilidades motoras amplas e finas, da linguagem, da memória, do cálculo, do aprendizado, dos transtornos do pensamento, do humor e de ansiedade. Sensações inconscientes transmitidas pelo sistema nervoso autônomo foram localizadas em regiões específicas do cérebro. Tais análises fornecem a base para a comparação com resultados de estudos de grupos clinicamente definidos de pacientes e podem levar à melhora do tratamento dos transtornos mentais. TÉCNICAS ESPECÍFICAS Exames de tomografia computadorizada (TC) Em 1972, essa técnica revolucionou a neurorradiologia diagnóstica, ao possibilitar imagens do tecido cerebral de pacientes vivos. Os aparelhos de TC são atualmente as ferramentas de imagem disponíveis mais difundidas e convenientes na prática clínica; praticamente todo pronto-socorro tem acesso imediato à TC a qualquer hora. Esses aparelhos efetivamente obtêm séries de filmes de raios X do crânio de todos os pontos de enfoque, 360o ao redor da cabeça do paciente. A quantidade de radiação que atravessa, ou não é absorvida, de cada ângulo é digitalizada e registrada no computador, que utiliza cálculos algébricos de matrizes para alocar uma densidade específica a cada ponto dentro da cabeça e exibe esses dados em um conjunto de imagens bidimensionais. Quando observadas em seqüência, as imagens possibilitam reconstruções mentais da forma do cérebro. A imagem é determinada somente pelo grau com que os tecidos absorvem a radiação X. As estruturas ósseas absorvem grandes quantidades de radiação e tendem a obscurecer detalhes nas estruturas vizinhas, um problema particularmente complicador no tronco cerebral, que é circundado pela espessa base do crânio. Dentro do cérebro, há pouca diferença de atenuação dos raios X entre a substância branca e a cinzenta. Embora os contornos da substância branca sejam, em geral, distinguíveis, pormenores dos padrões de giros podem ser difíceis de identificar. Certos tumores podem ser invisíveis na TC porque absorvem tanta radiação quanto o cérebro circundante normal. A apreciação de tumores e áreas de inflamação, que podem causar alterações do comportamento, pode ser aumentada pela infusão intravenosa de agentes de contraste contendo iodo. Os compostos iodados, que absorvem muito mais radiação do que o cérebro, aparecem brancos. O cérebro intacto é separado da corrente sangüínea pela barreira hematencefálica, que normalmente impede a passagem dos agentes de contraste altamente carregados. Contudo, ela entra em colapso na presença de inflamação ou deixa de se formar dentro dos tumores e, assim, possibilita o acúmulo de agentes de contraste. Esses locais aparecem mais brancos do que o cérebro circundante. Os agentes de contraste
132
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
iodados devem ser utilizados com cuidado em pacientes alérgicos a esses agentes ou a mariscos.
Com a introdução dos exames com IRM, a TC ficou destinada a casos que exigem neuroimagens, mas que não são de urgência. O aumento da resolução e o delineamento de detalhes possibilitados pelo exame com IRM são, por vezes, necessários ao diagnóstico em psiquiatria. Além disso, realizar o estudo mais pormenorizado possível inspira mais confiança na análise. O único componente do cérebro observado melhor nos exames com TC são as calcificações, que podem ser invisíveis na IRM (Fig. 3.3-2). Exames com imagens por ressonância magnética (IRM) Esta técnica entrou na prática clínica em 1982 e logo se tornou o exame de escolha entre psiquiatras, clínicos e neurologistas. Ela não depende da absorção de raios X, mas se baseia na ressonância magnética nuclear (RMN). O princípio da RMN está relacionado ao fato de que os núcleos de todos os átomos giram em torno de seu eixo, que se orienta de modo aleatório no espaço. Quando os átomos são colocados em um campo magnético, os eixos de todos os núcleos com números ímpares se alinham com o campo magnético. O eixo se desvia do campo magnético quando é exposto a um pulso de radiação eletromagnética de radiofreqüência orientada a 90 ou 180o do campo magnético. Quando o pulso termina, o eixo do núcleo em rotação se realinha com o campo magnético e, durante esse processo, emite seu próprio sinal de radiofreqüência. Os coletores de IRM captam a emissão de núcleos individuais realinhados e utilizam análises de computador para gerar uma série de imagens bidimensionais que representam
A
B
o cérebro, as quais podem ser expressas nos planos axial, coronário e sagital. O núcleo com números ímpares mais abundante no cérebro pertence ao hidrogênio. A taxa de realinhamento do eixo do hidrogênio é determinada por seu ambiente imediato, uma combinação tanto da natureza da molécula em que se situa como do grau com que é circundado por água. Os núcleos de hidrogênio contidos nas gorduras se realinham rapidamente, enquanto os contidos na água o fazem lentamente. Nas proteínas e nos carboidratos, realinham-se com taxas intermediárias. Os estudos de rotina com IRM utilizam três seqüências diferentes de radiofreqüência. Os dois parâmetros que variam são a duração do pulso de excitação pela radiofreqüência e a duração do tempo em que os dados são coletados a partir do realinhamento dos núcleos. Como os pulsos em T1 são breves, assim como a coleta dos dados, são ressaltados os núcleos de hidrogênio em ambientes hidrofóbicos. Assim, a gordura é brilhante em T1, e o líquido cerebrospinal é escuro. A imagem em T1 é a que se assemelha mais intimamente àquelas apresentadas pela TC e é útil para avaliar a estrutura geral do cérebro. Esta também é a única seqüência que permite realce com o agente de contraste ácido pentacético de gadolínio-dietilenetriamina (gadolíneo-DTPA). Como os agentes de contraste iodados utilizados em exames de TC, o gadolínio permanece excluído do cérebro pela barreira hematencefálica, exceto nas áreas em que ela entra em colapso, como nas áreas de inflamação ou de tumor. Nas imagens em T1, as estruturas ressaltadas pelo gadolínio aparecem brancas. Os pulsos em T2 duram quatro vezes mais do que em T1, e os tempos de coleta também são prolongados, a fim de dar ênfase ao sinal dos núcleos de hidrogênio circundados por água. Dessa forma, o tecido
C
FIGURA 3.3-2 Comparação da TC com a IRM. A. Imagem de tomografia computadorizada (TC) no plano axial, no nível do terceiro ventrículo. O líquido cerebrospinal (LCS) dentro dos ventrículos aparece em preto, o tecido cerebral aparece em cinza, e o crânio, em branco. Há má distinção entre a substância cinzenta e a branca do cérebro. A seta indica uma pequena lesão calcificada em um tumor da glândula pineal. A detecção de calcificações é um aspecto em que a TC é superior à IRM. B. Imagem ponderada em T2 do mesmo paciente aproximadamente no mesmo nível. Em T2, o LCS aparece em branco, a substância cinzenta aparece em cinza, a substância branca é claramente distinta da cinzenta, e o crânio e a calcificação indicada aparecem em preto. São visualizados mais pormenores do cérebro do que com a TC. C. Imagem ponderada em T1 do mesmo paciente aproximadamente no mesmo nível. Em T1, o LCS aparece em preto, o cérebro se apresenta mais uniformemente cinza, e o crânio e a calcificação indicada, em preto. As imagens da IRM em T1 são as mais semelhantes às da TC. (Reimpressa, com permissão, de Grossman CB. Magnetic Resonance Imaging and Computed Tomography of the Head and Spine. 2nd ed. Baltimore: Williams & Wilkins; 1996:101.)
O
cerebral é escuro, e o líquido cerebrospinal é branco em imagens em T2. As áreas dentro do tecido cerebral que têm uma quantidade anormalmente alta de água, como tumores, inflamações ou acidentes vasculares cerebrais, aparecem mais brilhantes. As imagens em T2 revelam a patologia cerebral de forma mais clara. A terceira seqüência de pulsos de rotina é a de densidade de prótons, ou seqüência balanceada. Nesta, um pulso curto de rádio é seguido por um período prolongado de coleta de dados, que torna iguais a densidade do líquido cerebrospinal e a do cérebro e possibilita a distinção de alterações do tecido imediatamente adjacente aos ventrículos. Uma técnica adicional, por vezes utilizada na prática clínica para indicações específicas, é a de recuperação de inversão atenuada por líquidos (FLAIR). Neste método, as imagens em T1 são invertidas e somadas àquelas em T2 para duplicar o contraste entre a substância branca e a cinzenta. As imagens com recuperação de inversão são úteis para a detecção de esclerose do hipocampo causada por epilepsia do lobo temporal e para localizar áreas de metabolismo anormal em doenças neurológicas degenerativas. Os magnetos para IRM são classificados em teslas (T), unidades de potência do campo magnético. Os aparelhos com utilização clínica vão de 0,3 a 2,0 T. Os de mais alta potência de campo produzem imagens de resolução nitidamente mais alta. Em situações de pesquisa com humanos, são utilizados magnetos de até 4,7 T de potência; para animais, até 12 T. De forma diferente dos riscos de radiação X, não se demonstrou que a exposição a campos eletromagnéticos da potência utilizada em aparelhos de IRM danifique os tecidos biológicos.
Esses exames não podem ser utilizados em pacientes com marca-passo ou com implantes de metais ferromagnéticos. A IRM envolve encerrar o paciente em um tubo estreito, no qual ele deve permanecer imóvel por até 20 minutos. Os pulsos de radiofreqüência geram um ruído alto de batida que pode ser obscurecido por música em fones de ouvido. Um número significativo de pacientes não pode tolerar as condições claustrofóbicas dos aparelhos e necessita de um aparelho aberto de IRM, mas que tem
A
B
CÉREBRO E O COMPORTAMENTO
133
menos poder, produzindo imagens de baixa resolução. A resolução do tecido cerebral, mesmo do aparelho de menor potência, contudo, excede a do exame por TC. A Figura 3.3-3 revela que um tumor cerebral é a causa da depressão do paciente. Espectroscopia por ressonância magnética (ERM) Enquanto a IRM de rotina detecta os núcleos de hidrogênio para determinar a estrutura do cérebro, a espectroscopia por ressonância magnética (ERM) pode detectar vários núcleos com números ímpares (Tab. 3.3-1). Sua capacidade de detectar uma ampla faixa de núcleos biologicamente importantes permite a utilização da técnica para estudar vários processos metabólicos. Embora a resolução e a sensibilidade dos aparelhos de ERM sejam fracas, comparadas com os aparelhos atualmente disponíveis de PET e SPECT, a utilização de campos magnéticos mais potentes melhorará este aspecto. A ERM pode produzir imagens de núcleos com número ímpar de prótons e nêutrons (Tab. 3.3-1). Os prótons e nêutrons ímpares (núcleons) aparecem naturalmente e não são radioativos. Como na IRM, os núcleos se alinham com o potente campo magnético produzido pelo aparelho de ERM. Um pulso de radiofreqüência leva o núcleo de interesse a absorver e a emitir energia. A leitura se dá, em geral, pela forma do espectro, como para os núcleos de fósforo-31 e hidrogênio-1, embora o espectro possa também ser convertido em imagem pictórica. Os vários picos para cada núcleo refletem o fato de que o mesmo núcleo é exposto a diferentes ambientes de elétrons (nuvens de elétrons) nas diferentes moléculas. Os núcleos de hidrogênio-1 em uma molécula de creatina, por isso, têm um desvio químico diferente (posição no espectro) daqueles em uma molécula de colina, por exemplo. Dessa forma, a posição (mudança química) indica a identidade da molécula em que o núcleo está presente. A altura do pico, com relação à referência-padrão da molécula, indica a quantidade de molécula presente.
C
FIGURA 3.3-3 Três imagens axiais de uma mulher de 46 anos de idade que foi hospitalizada pela primeira vez por depressão e risco de suicídio ao término de um relacionamento de longa duração. Uma neoplasia maligna se estendendo até a porção posterior do ventrículo lateral esquerdo é claramente observada nas três imagens. As imagens A e B são ponderadas em T1 e T2, respectivamente. A imagem C demonstra os efeitos do realce pós-contraste. (Cortesia de Craig N. Carson, M.D., e Perry F. Renshaw, M.D.)
134
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 3.3-1 Núcleos disponíveis para espectroscopia por ressonância magnética (ERM)a in vivo Núcleo
Abundância natural
Sensibilidade relativa
Utilização clínica potencial
1H
99,99
1,00
19F
100,00
0,83
7Li
92,58 100,00 100,00
0,27 0,09 0,07
93,08 93,08 1,11
0,001 0,0005 0,0002
0,04 0,02
0,00001 0,000002
IRM Análise do metabolismo Identificação de metabólitos incomuns Caracterização de hipoxia Medida do pO2 Análise do metabolismo da glicose Medida do pH Farmacocinética não-invasiva Farmacocinética IRM Análise de bioenergética Identificação de metabólitos incomuns Caracterização de hipoxia Medida do pH Medida de glutamato, uréia, amônia ? Análise da taxa metabólica Farmacocinética de medicamentos marcados Medida da taxa metabólica Medida da perfusão
23Na 31P
14N 39K 13C 17O 2H
aA abundância natural é dada como a porcentagem da abundância do isótopo de interesse. Os núcleos são tabulados em ordem de sensibilidade relativa decrescente, a qual é calculada multiplicando-se a sensibilidade relativa para números iguais de núcleos (a uma dada potência do campo) pela abundância natural do núcleo. Um ganho considerável da sensibilidade relativa pode ser obtido pelo enriquecimento isotópico do núcleo de escolha ou pela utilização de novas seqüências de pulsos. Reimpressa, com permissão, de Dager SR, Steen RG. Applications of magnetic resonance spectroscopy to the investigation of neuropsychiatric disorders. Neuropsychopharmacology. 1992; 6:249.
A ERM dos núcleos de hidrogênio-1 é melhor ao medir moléculas de N-acetilaspartato (NAA), creatina e moléculas contendo colina, mas também pode detectar glutamato, glutamina, lactato e mioinositol. Embora o glutamato e o ácido γ-aminobutírico (GABA), os principais aminoácidos neurotransmissores, possam ser detectados pela ERM, as aminas biogênicas (p. ex., dopamina) estão em concentrações baixas demais para serem referidas com esta técnica. A ERM do fósforo-31 pode ser utilizada para determinar o pH de regiões do cérebro e a concentração de compostos contendo fósforo (p. ex., a adenosina trifostato [ATP] e a guanosina trifosfato [GTP], que são importantes no metabolismo da energia no cérebro). Essa técnica revelou redução das concentrações de NAA nos lobos temporais e aumento das concentrações do inositol nos lobos occipitais em indivíduos com demência do tipo Alzheimer. Em uma série de pessoas com esquizofrenia, a redução das concentrações de NAA foi encontrada nos lobos temporal e frontal. A ERM tem sido utilizada para medir os níveis de etanol em várias regiões do cérebro. No transtorno de pânico, a ERM foi utilizada para registrar os níveis de lactato, cuja injeção intravenosa pode precipitar episódios de pânico em cerca de três quartos dos pacientes tanto com transtorno de pânico como com depressão. Verificou-se que as concentrações de lactato do cérebro estavam elevadas durante os episódios mesmo sem a provocação pela infusão.
trifluoperazina, contêm flúor-19, que também pode ser detectado no cérebro e medido pela ERM. Por exemplo, essa técnica demonstrou que o uso estável da fluoxetina leva seis meses para atingir as concentrações máximas no cérebro, atingindo o equilíbrio com cerca de 20 vezes as concentrações no soro.
Indicações adicionais incluem a ERM como uma alternativa para medir as concentrações de medicamentos psicotrópicos no cérebro. Um estudo a utilizou para avaliar as concentrações de lítio no cérebro de pacientes com transtorno bipolar e verificou que essas taxas eram a metade das encontradas no plasma durante os períodos depressivos e eutímicos, mas que as excediam nos episódios maníacos. Alguns compostos, como a fluoxetina e a
O que a IRMf detecta não é a atividade cerebral per se, mas o fluxo sangüíneo. O volume do cérebro com o aumento do fluxo excede o volume de neurônios ativados em cerca de 1 a 2 cm e limita a resolução da técnica. A sensibilidade e a resolução podem ser melhoradas com a utilização de partículas ultrapequenas, não-tóxicas, de óxido de ferro. Assim, duas tarefas que ativam grupos de neurônios a 5 mm de distância, como reconhecer dois rostos diferentes, fornecem sinais superpostos na
Imagens por ressonância magnética funcional (IRMf) Avanços recentes na coleta e no processamento computadorizado de dados reduziram a aquisição de uma IRM para menos de um segundo. Uma área de interesse particular para os psiquiatras é a seqüência T2* ou dependente do nível de oxigênio no sangue (BOLD, blood oxygen level-dependent), que detecta os níveis da hemoglobina oxigenada. A atividade neuronal dentro do cérebro leva a um aumento do fluxo sangüíneo local, o qual, por sua vez, aumenta a concentração local de hemoglobina. Embora o metabolismo neuronal extraia mais oxigênio nas áreas ativas do cérebro, o efeito primordial da atividade neuronal é aumentar a quantidade local de hemoglobina oxigenada. Essa mudança pode ser detectada em tempo real com a seqüência T2*, que identifica as regiões do cérebro funcionalmente ativas. Esse processo é a base da técnica de IRMf.
O
IRMf, sendo indistinguíveis por esta técnica. A IRM funcional é útil para localizar a atividade neuronal de um lobo particular ou do núcleo subcortical e tem sido capaz até de evidenciar atividade em uma circunvolução isolada. O método detecta a perfusão dos tecidos, não o metabolismo neuronal. Em contraste, o exame com PET pode fornecer informações especificamente sobre este aspecto. Nenhum isótopo radioativo é administrado na IRMf, uma grande vantagem sobre a PET e a SPECT. Um indivíduo pode desempenhar uma gama de tarefas, tanto experimentais como de controle, na mesma sessão de imagens. Primeiro, é obtida uma imagem de IRM em T1 de rotina; a seguir, as imagens em T2* são superpostas para possibilitar uma localização mais precisa. A aquisição de imagens suficientes para o estudo pode necessitar de 10 minutos a 3 horas, durante cujo tempo a cabeça do indivíduo precisa ficar exatamente na mesma posição. Vários métodos, inclusive com uma armação ao redor da cabeça e um bocal especial, têm sido utilizados. Embora realinhamentos possam corrigir algum movimento, pequenas mudanças na posição da cabeça podem levar a interpretações errôneas da ativação cerebral.
A IRMf recentemente apontou detalhes inesperados sobre a organização da linguagem no cérebro. Utilizando uma série de tarefas que exigiam discriminação semântica, fonêmica e de rimas, um estudo verificou que a rima (mas não outros tipos de processamento de linguagem) gerou padrões diferentes de ativação em homens e mulheres. Rimar ativou a circunvolução do giro frontal inferior de forma bilateral em mulheres, mas somente à esquerda nos homens. Em outro estudo, a IRMf indicou um circuito neural suspeitado previamente, mas não comprovado, para categorias léxicas, interpolado entre as representações para conceitos e para fonemas. Este novo circuito foi localizado no lobo temporal anterior esquerdo. Dados de pacientes com dislexia (transtorno da leitura) realizando tarefas simples de rimas demonstraram uma falha em ativar a área de Wernicke e a ínsula, que foram ativadas em indivíduos normais realizando a mesma tarefa (ver Lâmina colorida 3.3-4, na p. 144). As funções sensoriais também foram mapeadas em detalhes com a IRMf. A ativação dos córtices visual e auditivo foi identificada em tempo real. Em um estudo recente e intrigante, as áreas ativadas quando um indivíduo com esquizofrenia ouvia a fala eram, da mesma forma, ativadas durante alucinações auditivas. Essas áreas incluíram o córtex auditivo primário e regiões de processamento auditivo de ordem mais elevada. A IRMf é a técnica mais amplamente utilizada para estudar as alterações cerebrais relacionadas a disfunção cognitiva. Tomografia computadorizada por emissão de fóton único (SPECT) A SPECT utiliza compostos radioativos sintéticos fabricados para estudar diferenças regionais no fluxo sangüíneo cerebral. Essa técnica de alta resolução registra o padrão de emissão de fótons da corrente sangüínea de acordo com o nível de perfusão de diferentes regiões do cérebro. Como a IRMf, fornece informação sobre o fluxo sangüíneo cerebral, que tem alta correlação com a taxa de metabolismo da glicose, mas não mede o metabolismo neuronal diretamente.
CÉREBRO E O COMPORTAMENTO
135
A SPECT utiliza compostos marcados com isótopos que emitem fótons únicos: o iodo-123, o tecnécio-99m e o xenônio-133. Este último é um gás nobre inalado diretamente. Entra rapidamente no sangue e se distribui a áreas do cérebro em função do fluxo sangüíneo. A SPECT com xenônio, dessa forma, é designada como a técnica do fluxo sangüíneo cerebral regional (FSCr). Por razões técnicas, ela pode medir o fluxo sangüíneo somente na superfície do cérebro, o que é uma limitação importante. Várias tarefas mentais necessitam de comunicação entre o córtex e estruturas subcorticais, e essa atividade é medida de forma adversa pela SPECT com xenônio. A avaliação do fluxo sangüíneo em todo o cérebro por meio desta técnica necessita de marcadores injetáveis, como o tecnécio-99md,l-hexametilpropil-eneamina oxima (HMPAO [Ceretee]) ou o iodoanfetamina. Esses isótopos ficam ligados a moléculas altamente lipofílicas e cruzam rapidamente a barreira hematencefálica, entrando nas células. Uma vez dentro delas, os ligantes são enzimaticamente convertidos nos íons carregados, que permanecem presos às células. Dessa forma, com o tempo, os marcadores se concentram em áreas de fluxo sangüíneo relativamente alto. Embora esta seja presumivelmente a principal variável testada com SPECT com HMPAO, variações locais da permeabilidade da barreira hematencefálica e da conversão enzimática de ligantes dentro das células também contribuem para diferenças regionais nos níveis de sinais.
Além desses compostos utilizados para medir o fluxo sangüíneo, ligantes marcados com iodo-123 (123I) para receptores muscarínicos, dopaminérgicos e serotonérgicos, por exemplo, podem ser utilizados na SPECT para estudar estes receptores. Uma vez que os compostos que emitem fótons chegam ao cérebro, detectores circundando a cabeça do paciente captam suas emissões de luz. Essa informação é conectada ao computador, que constrói uma imagem bidimensional da distribuição do isótopo dentro de uma lâmina do cérebro. Uma diferença-chave entre a SPECT e a PET é que na primeira há emissão de uma partícula isolada, enquanto na segunda são emitidas duas; esta reação proporciona uma localização mais precisa para o acontecimento e uma resolução melhor de imagem. De forma crescente, tanto para estudos com SPECT como com PET, os investigadores estão realizando IRM e TC pré-estudos e, depois, superpondo as imagens da SPECT ou da PET para obter uma localização anatômica mais acurada da informação funcional (ver Lâmina colorida 3.3-5, p.144). A SPECT é útil no diagnóstico do fluxo sangüíneo em vítimas de acidentes vasculares cerebrais. Alguns investigadores descreveram padrões de fluxo anormal nos estágios iniciais da doença de Alzheimer que podem auxiliar no diagnóstico precoce. Exame com tomografia por emissão de pósitrons (PET) Os isótopos utilizados na PET perdem radioatividade ao emitir pósitrons, partículas antimatéria que se ligam a elétrons e os neutralizam, gerando fótons que viajam em direções opostas a 180o. Uma vez que os detectores têm o dobro de sinal daqueles que
136
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
geraram a imagem dos aparelhos de SPECT, a resolução de imagem da PET fica maior. Uma ampla gama de compostos pode ser utilizada em estudos com PET, e a sua resolução continua a ser refinada cada vez mais, até próximo de seu mínimo teórico de 3 mm, que é a distância que o pósitron se move antes de colidir com um elétron. Há relativamente poucos aparelhos de PET porque eles necessitam de um cíclotron na localidade para fabricar os isótopos. Os isótopos utilizados com mais freqüência na PET são o flúor-18, o nitrogênio-13 e o oxigênio-15. Em geral, ficam ligados a outra molé-
cula, exceto no caso do oxigênio-15 (15O). O ligante relatado com mais freqüência tem sido a [18F] fluorodeoxiglicose (FDG), um análogo da glicose que o cérebro não consegue metabolizar. Assim, as regiões do cérebro com a taxa metabólica e o fluxo sangüíneo mais altos captam a maior parte da FDG, mas não podem metabolizá-la e excretar seus produtos. A concentração de 18F aumenta nesses neurônios e é detectada pela câmera da PET. A água-15 (H215O) e o nitrogênio-13 (13N) são utilizados para medir o fluxo sangüíneo, e o oxigênio-15 (15O) pode ser utilizado para determinar a taxa metabólica. A glicose é, de longe, a fonte de energia predominante disponível para as células cerebrais, e
LÂMINA COLORIDA 3.1-11 Distribuição ampla da atividade cerebral durante movimentos repetitivos da mão direita. Áreas de aumento da atividade neuronal, mostradas em vermelho, estão superpostas a uma imagem tridimensional de IRM do cérebro humano reconstruída por computador, projetada em seis vias: (acima, à esquerda) visão coronária frontal; (acima, à direita) visão coronária posterior; (no meio, à esquerda) visão sagital direita; (no meio, à direita) visão sagital esquerda; (abaixo, à esquerda) visão axial inferior; e (abaixo, à direita) visão axial superior. Os padrões de atividade neuronal são definidos pela utilização de IRMf. A atividade observada é amplamente distribuída em áreas discretas, de forma mais forte no hemisfério cerebral esquerdo e no cerebelo direito. A maioria dos módulos funcionais de ordem superior do cérebro, como para os movimentos da mão, é amplamente distribuída entre redes locais do cérebro. (Modificada de Lawler A. New brain institute struggles for traction. Science. 2001; 293:1421, com permissão.) LÂMINA COLORIDA 3.3-4 IRM funcional obtida durante realização de tarefas com rimas por pessoas normais e com indícios de dislexia. O hemisfério esquerdo é exposto em verde. Foram mostradas duas letras a um sujeito normal (acima) e a um disléxico (abaixo) para determinar se as letras rimavam (B-T) ou não (B-K). Para realizar a tarefa, era necessário converter as letras em sons ou fonemas (/be/, te/) e, a seguir, comparar somente a parte dos fonemas que rimava (/e/). Em indivíduos normais, foram ativadas três áreas contíguas, a área de Broca, a área de Wernicke e a ínsula. Naqueles com dislexia, somente a área de Broca foi ativada, e eles necessitaram de muito mais tempo para completar a tarefa e tinham mais predisposição a cometer erros. (Reimpressa com permissão de Frith C, Frith U. A biological marker for dyslexia. Nature. 1996;382:19.) LÂMINA COLORIDA 3.3-5 Estágios da superposição de uma imagem de fluxo sangüíneo de SPECT (A) que foi redefinida (B) e de uma imagem de IRM ponderada em T1 (C) para produzir uma combinação (D). (Reimpressa com permissão de Besson JAO. Magnetic resonance imaging and its application in neuropsychiatry. Br J Psychiatry. 1990;25(Suppl):157.) LÂMINA COLORIDA 3.3-6 Imagens de PET com [18F]fluorodeoxiglicose em um controle (acima) e seis pacientes com doenças neurológicas. As três imagens do controle mostram secções transversas do cérebro em nível alto, a partir dos lobos parietais (esquerda), em um nível intermediário, a partir dos gânglios basais e do tálamo (centro), e em um nível baixo, a partir da base dos lobos frontais e do cerebelo (direita). O nível de cada imagem corresponde aproximadamente ao nível dos cortes abaixo. A barra indica o nível de atividade metabólica da glicose nas imagens, com cores à esquerda indicando baixos níveis de metabolismo e à direita indicando níveis altos. As imagens do meio e de baixo são de pacientes com demências por multiinfartos (DMI) (também conhecidas como demências vasculares), doença de Alzheimer (DA), epilepsia do lobo temporal, tumor cerebral (tumor neuroectodérmico primitivo), doença de Huntington (DH) e atrofia olivopontocerebelar (AOPC). Uma região pequena de ausência de metabolismo da glicose é observada em um paciente com demência por multiinfartos (seta); as imagens por PET em outros níveis revelaram uma gama de áreas semelhantes, que representam pequenos infartos focais. A imagem do paciente com doença de Alzheimer mostra hipometabolismo em ambos os lobos parietais (setas). A imagem do paciente com epilepsia indica hipometabolismo no lobo temporal direito (seta), que é o local de origem da doença convulsiva. No paciente com tumor, a imagem mostra uma região de hipometabolismo no tálamo, onde está a localização do tumor (seta). No paciente com doença de Huntington, a imagem mostra hipometabolismo bilateralmente nos núcleos caudados (setas). As imagens do paciente com atrofia olivopontocerebelar referem hipometabolismo no cerebelo (setas) e no tronco cerebral. (Reimpressa com permissão de Gilman S. Advances in neurology. N Engl J Med. 1992;326:1610.) LÂMINA COLORIDA 3.3-7 As imagens de PET mostram radioatividade em uma secção horizontal do cérebro com base no nível dos estriados após a injeção intravenosa de [11C]racloprida, um agonista dos receptores de dopamina, em um voluntário sadio. A. Imagem de PET antes da medicação. Imagens correspondentes de PET em diferentes pontos no tempo após a administração de 4 mg de haloperidol são mostradas após três horas (B), seis horas (C) e 27 horas (D). (Reimpressa com permissão de Nordström A-L, Farde L, Halldin D. Time course of D2-dopamine receptor occupancy examined by PET after single oral doses of haloperidol. Psychopharmacology. 1992;106:436.) LÂMINA COLORIDA 3.3-8 Imagens tridimensionais de PET com FDG mostrando uma redução mais marcada do metabolismo da glicose na região temporoparietal em um paciente com doença de Alzheimer do que em um controle normal. (De Sadock BJ, Sadock VA. Kaplan and Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000.) LÂMINA COLORIDA 3.4-2 O cariótipo humano. O material genético humano normal contém duas cópias da seqüência de 3.000.000.000 bases de DNA, reunidas em 22 pares emparelhados de autossomos e nos cromossomos sexuais X e Y. Aqui o cariótipo humano foi corado utilizando-se diferentes marcadores coloridos específicos para cromossomos. Os gêmeos idênticos compartilham cópias idênticas do DNA genômico. (Adaptada de Bentley D. The Geography of Our Genome. Suplemento da Nature, 2001, com permissão.)
O
LÂMINA COLORIDA 3.1-11
CÉREBRO E O COMPORTAMENTO
137
138
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
LÂMINA COLORIDA 3.3-4
LÂMINA COLORIDA 3.3-5
A
B
C
D
O
LÂMINA COLORIDA 3.3-6
LÂMINA COLORIDA 3.3-7
CÉREBRO E O COMPORTAMENTO
139
140
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
CONTROLE NORMAL
DOENÇA DE ALZHEIMER Temporopariental diminuído Lobo frontal
Lobo occipital Cerebelo
0.00
19.36 mg/100g/min
LÂMINA COLORIDA 3.3-8
LÂMINA COLORIDA 3.4-2
O
sua utilização é um indicador sensível da taxa de metabolismo cerebral. A 3,4-diidroxifenilalanina (dopa) marcada com [18F], o precursor fluorado da dopamina, tem sido utilizada para identificar neurônios dopaminérgicos.
A PET representa uma alternativa consistente para estudar tanto o desenvolvimento normal do cérebro quanto os transtornos neuropsiquiátricos. Com relação ao desenvolvimento do cérebro, as análises com PET verificaram que, em um bebê de 5 semanas ou menos, a utilização da glicose é maior no córtex sensório-motor, no tálamo, no tronco cerebral e no vermis do cerebelo. Aos 3 meses de idade, a maioria das áreas do córtex exibe aumento da utilização, exceto os córtices frontal e de associação, que não começam a apresentar aumento até que o bebê tenha 8 meses de idade. Um padrão adulto de metabolismo da glicose é atingido em torno de 1 ano de idade, mas a utilização pelo córtex continua a aumentar acima desses níveis até que a criança complete 9 anos de idade, quando a utilização pelo córtex começa a se reduzir e atinge o nível final nos últimos anos da adolescência. Em outro estudo, indivíduos escutaram uma lista de palavras tematicamente relacionadas, apresentadas rapidamente. Quando solicitados a recordá-las a partir de uma categoria temática, alguns indivíduos recordaram de forma falsa que tinham escutado palavras que, na verdade, não estavam na lista. Pelas imagens da PET, o hipocampo esteve ativo tanto durante as recordações verdadeiras como durante as falsas, enquanto o córtex auditivo só esteve ativo durante a recordação de palavras que haviam sido verdadeiramente ouvidas. Quando pressionados a determinar que memórias eram verdadeiras ou falsas, os indivíduos ativaram os lobos frontais. Os estudos com PDG também investigaram a patologia de doenças neurológicas e psiquiátricas (ver Lâmina colorida 3.3-6, p.145). Dois outros estudos utilizaram moléculas precursoras e ligantes a receptores. O precursor dopa da dopamina tem sido utilizado para visualizar patologia na doença de Parkinson, e ligantes radiomarcados de receptores têm sido úteis na determinação da ocupação de receptores por medicamentos psicotrópicos específicos (ver Lâmina colorida 3.3-7, p.145). Por exemplo, antagonistas dos receptores de dopamina como o haloperidol (Haldol) bloqueiam quase 100% dos receptores D2. Os medicamentos antipsicóticos atípicos bloqueiam os receptores 5-HT2 e D2; por isso, são designados como antagonistas dos receptores de serotonina-dopamina. O caso a seguir ilustra o valor diagnóstico potencial de imagens tridimensionais com PET. O paciente A. é um homem de 70 anos de idade que foi ficando cada vez mais esquecido, a ponto de a família se preocupar com ele. Os familiares estavam interessados em conseguir uma revisão diagnóstica para avaliar as possíveis causas de seu transtorno de memória. A imagem de PET mostrou redução parietotemporal (ver Lâmina colorida 3.3-8, p.146), que corroborou as outras avaliações neurológicas que sugeriam que ele tinha doença de Alzheimer. O paciente foi tratado com tacrina (Tacrinal) e se beneficiou de alguma estabilização de seus sintomas. (Cortesia de Joseph C. Wu, M.D., Daniel G. Amen, M.D., e H.Stefan Bracha, M.D.)
CÉREBRO E O COMPORTAMENTO
141
Testes farmacológicos e neuropsicológicos Tanto com PET como com SPECT e, eventualmente, com ERM, mais estudos e mais procedimentos diagnósticos utilizarão testes farmacológicos e neuropsicológicos. O propósito destes é estimular a atividade de uma região particular do cérebro, de modo que, quando comparada à linha de base, possibilite aos investigadores chegar a conclusões sobre a correspondência funcional com regiões particulares do cérebro. Um exemplo dessa abordagem é a utilização da PET para detectar as regiões do cérebro envolvidas no processamento de forma, cor e velocidade no sistema visual. Outro exemplo é a utilização de tarefas de ativação cognitiva (p. ex., o teste de classificação de cartões de Wisconsin) para estudar o fluxo sangüíneo frontal em pacientes com esquizofrenia. Uma consideração-chave na avaliação de relatos que medem esse aspecto é o estabelecimento de um valor verdadeiro de linha de base no delineamento do estudo. Tipicamente, os relatos utilizam o estado de vigília, em repouso, mas há variabilidade se os pacientes estão de olhos fechados ou com as orelhas bloqueadas; ambas as condições afetam as funções cerebrais. Há também fatores de variação da linha de base relacionados às funções cerebrais, tais como gênero, idade, ansiedade com o teste, tratamento medicamentoso não-psiquiátrico, agentes vasoativos e hora do dia. Eletroencefalografia A atividade elétrica neural consiste de modificações padronizadas nos potenciais elétricos a partir das membranas das células. Cada célula gera potenciais de membrana que podem ser detectados somente a poucos micrômetros dela, mas conjuntos de células cerebrais que disparam de modo sincrônico podem gerar potenciais da ordem de microvolts, detectados no crânio e na pele a partir de uma montagem de eletrodos no escalpo. A variação regional dos potenciais elétricos através do escalpo forma a base da eletroencefalografia, que é o registro da atividade elétrica do cérebro. A eletroencefalografia é utilizada na psiquiatria clínica principalmente para avaliar a presença de convulsões, em especial dos lobos temporal ou frontal, que podem levar a comportamentos complexos. Acredita-se que a soma das modificações dos potenciais elétricos do córtex ocorre nas células piramidais grandes do córtex, orientadas em sentido radial. Quando dois eletrodos do escalpo são colocados a uma distância suficiente entre si (pelo menos vários milímetros), abarcam células piramidais geradoras, tornando possível detectar modificações de potencial elétrico da ordem de 2 a 200 microvolts. Embora pudesse ser esperado um padrão aleatório de modificações de voltagem, o eletroencefalograma (EEG) humano normal, de fato, contém atividade rítmica com freqüências de 1 Hz (1 ciclo por segundo) a 50 Hz. O ritmo mais regular dos adultos é o ritmo alfa de 9 a 10 Hz, presente sobre o lobo occipital. Com base em experimentos com animais, em que a estimulação ou a ablação do tálamo estimulou ou aboliu a atividade rítmica cortical, respectivamente, os pesquisadores concluíram que essa atividade, detectada pelo EEG, se origina em circuitos talamocorticais, ritmados por células marca-passo do tálamo. Os núcleos do tálamo
142
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
podem se projetar de forma ampla ou para regiões discretas do córtex, projetando ainda ramos que estimulam interneurônios talâmicos inibidores. Alguns desses interneurônios inibem as projeções talâmicas por um décimo de segundo, o que, de acordo com uma teoria, pode ser a base do ritmo alfa de 10 Hz. Em uma visão alternativa, interações corticocorticais por si só têm ritmicidade; este ponto de vista se fundamenta em observações de que a atividade cortical pode ser melhor sincronizada à atividade de outras partes do córtex do que à do tálamo. Além dessas duas áreas, estudos de lesões têm demonstrado que o sistema reticular ativador ascendente (SRAA) do tronco cerebral intacto é necessário para os ritmos corticais. Por fim, em humanos, esses ritmos podem ser abolidos pela ativação, pelo aumento da atenção, por sonolência e pelo sono.
A principal fonte de atividade do EEG é o potencial elétrico do cérebro. Atividade imediatamente abaixo dos eletrodos do escalpo contribui para a maior parte do registro, mas se for distante no cérebro pode modular o traçado. O EEG deve ser registrado com o paciente tão imóvel quanto possível, para eliminar a interferência de artefatos musculares. A contração muscular, naturalmente, também implica atividade elétrica, e abalos musculares, em especial de músculos da face e do escalpo, podem gerar potenciais elétricos suficientemente elevados, a ponto de obscurecer completamente a atividade elétrica cerebral. Outras fontes de artefatos musculares incluem os movimentos dos olhos, os quais são um componente normal do estágio do sono com movimentos rápidos dos olhos (REM) e podem indicar a um eletroencefalografista a presença desse tipo de sono. Uma vez que interferências também podem ser introduzidas a partir de uma fonte de corrente alternada, o EEG costuma ser realizado em uma sala eletricamente isolada. Os eletrodos normalmente utilizados para registrar o EEG são unidos ao escalpo com uma pasta condutora. Sob circunstâncias especiais, eletrodos de agulha podem ser colocados na nasofaringe ou no músculo masseter, para se aproximar dos lobos temporais. Com a verificação de que a remoção cirúrgica de um foco epiléptico dentro do cérebro pode curar a epilepsia em um paciente de outra forma refratário ao tratamento médico, vários centros de epilepsia têm refinado a utilização de placas ou montagens de eletrodos aplicados diretamente sobre a superfície do cérebro por craniotomia, de onde as descargas são registradas por vários dias. Para localizar focos epileptogênicos mais profundos, eletrodos de profundidade podem ser inseridos no cérebro. Esses métodos invasivos de registro oferecem resolução espacial aumentada da atividade epiléptica. Podem ser utilizados também para estimular o cérebro, a fim de mapear locais de funcionamento crítico e orientar o neurocirurgião durante a ressecção. A eletroencefalografia de rotina utiliza o sistema internacional 1020 de colocação de eletrodos para possibilitar uma avaliação uniforme do escalpo todo. São delineadas linhas entre pontos de reparo ósseo, a seguir divididas em segmentos de cerca de 10 a 20% de seu comprimento, compondo uma grade que cobre toda a região. A montagempadrão consiste de 21 eletrodos, além dos que podem ser interpostos na grade para uma resolução espacial mais detalhada. Três montagens são utilizadas para representar a atividade cortical. Na do tipo bipolar longitudinal, cada canal registra sinais positivos ou negativos ao comparar
o potencial de eletrodos adjacentes, que são orientados nas linhas ântero-posteriores. Na bipolar transversa, as cadeias são conectadas da esquerda para a direita na cabeça. A deflexão dos eletrodos adjacentes em direções opostas, denominada reversão de fase, identifica o local de uma ponta de potencial elétrico na montagem bipolar. A montagem bipolar fornece a melhor localização da atividade cerebral. Em contraste, a montagem com referência compara o potencial elétrico de cada eletrodo a um do tipo terra comum, em geral localizado em uma orelha. A vantagem desta montagem é que pode revelar potenciais em uma distribuição mais ampla em todo o cérebro.
O EEG normal consiste de uma associação de freqüências, divididas em quatro faixas. As ondas delta oscilam abaixo de 4 Hz; as teta, de 4 a 8 Hz; a atividade abaixo de 8 Hz também é denominada atividade de ondas lentas. As ondas alfa, a freqüência do ritmo dominante posterior, são de 8 a 13 Hz. As ondas beta (atividade rápida) estão acima de 13 Hz. A atividade normal contém um ritmo alfa posterior com os olhos fechados; as regiões mais anteriores apresentam associações aleatórias de atividade teta, alfa ou beta. O aparecimento de atividade delta é anormal, exceto no sono, e pode refletir uma lesão estrutural subjacente. Com o alerta ou a abertura dos olhos, a alfa posterior é substituída por atividade aleatória. Descargas anormais sugerindo um foco de crises consistem de mudanças rápidas de potencial, ou pontas, organizadas em padrões rítmicos. Elas podem ser seguidas por uma onda lenta ampla, estabelecendo um padrão ponta-onda. Se a atividade com pontas ou ponta-onda é localizada em uma área da montagem, o cérebro subjacente é referido como um foco potencialmente epileptogênico. Este foco pode originar uma convulsão focal, que se trata de uma série de pontas ou complexos ponta-onda que persistem até afetar os movimentos ou o comportamento do paciente. Se o foco recruta o tecido cerebral vizinho e se difunde por todo o córtex, diz-se que se generaliza; as convulsões generalizadas são acompanhadas de perda da consciência; podem não ser precedidas de atividade convulsiva cortical focal e aparecer em todo o EEG ao mesmo tempo. Pensa-se que essas convulsões de início generalizado se originam de estruturas profundas, como o tálamo. A eletroencefalografia superficial de rotina é útil na avaliação da epilepsia. Em pacientes com convulsões epilépticas, o EEG isolado será anormal em 70% dos casos. Após três EEGs de rotina, a sensibilidade aumenta para 95%. Por isso, um EEG anormal sugere fortemente epilepsia, mas um EEG normal não descarta a doença. Em pacientes com episódios de comportamento bizarro que não exibem os movimentos tônico-clônicos clássicos, pode ser difícil diagnosticar atividade convulsiva somente com base na história. Quando os EEGs de rotina não revelam atividade epileptiforme, talvez seja necessário registrá-los por um período prolongado, de até vários dias, com observação em televisão com circuito fechado (TVCC), para capturar um evento convulsivo real. Esse método, denominado monitoração eletroencefalográfica de 24 horas com TVCC, é realizado em unidades específicas de monitoração de epilepsia em centros de referência maiores, ou em base ambulatorial em casa. Na psiquiatria clínica, a eletroencefalografia é útil para distinguir as crises do lobo temporal de pseudocrises. Outras indicações estão relacionadas à diferenciação entre demência e pseudo-
O
demência causada por depressão. Na demência, o EEG revela atividade excessiva de ondas lentas, enquanto na depressão o traçado é normal. Para a maioria dos pacientes psiquiátricos, contudo, a eletroencefalografia é de pouco valor, mas foi utilizada para explorar o comportamento anormal no caso seguinte: Um homem canhoto de 37 anos de idade com epilepsia apresentava episódios agressivos. As crises consistiam de uma aura olfativa seguida de “ficar aéreo” ou de alteração da consciência por aproximadamente um minuto. Além dessas crises parciais complexas, o paciente manifestava às vezes convulsões tônico-clônicas generalizadas secundárias, com incontinência urinária e mordida da língua. Durante o período pós-ictal, quando começava a recobrar a consciência, experimentava uma sensação avassaladora de ser ameaçado ou de ter sido ferido. Essas sensações se dirigiam a qualquer indivíduo que estivesse em seu ambiente imediato. Acreditava que o haviam espancado ou ferido de alguma maneira e que fossem fazê-lo novamente. O paciente se sentia compelido a atacar quem estivesse perto, por vezes provocando lesões físicas significativas. Embora sua confusão pós-ictal viesse a clarear em cerca de uma hora, a sensação de ter sido ferido ou ameaçado diminuía lentamente, em cerca de 24 horas após a crise. Após a resolução desses sentimentos, sentia remorso pelo dano causado. A despeito disso, em várias ocasiões foi indiciado por agressão com agravantes. O EEG com privação de sono confirmou a presença de atividade epiléptica temporal anterior esquerda. Os episódios agressivos pós-ictais pararam com o controle das crises parciais complexas com carbamazepina. A eletroencefalografia é utilizada durante a eletroconvulsoterapia (ECT) para monitorar o êxito do estímulo na produção da atividade convulsiva. O EEG é parte essencial da polissonografia, ou estudo do sono, utilizada na avaliação de transtornos do sono. A definição de estágios do sono se baseia nos padrões do EEG. Essa técnica tem sido empregada em situações de pesquisa para avaliar o registro de sensações pelo córtex. Se as respostas a uma série suficiente de estímulos são somadas, o registro subconsciente dos acontecimentos do ambiente pode ser detectado com o EEG. Como ferramenta para estabelecer as funções de diferentes regiões do cérebro, ele possibilita excelente resolução temporal, mas a espacial é pobre. Em vista da constante atividade aleatória observada sobre a maior parte do cérebro, não tem sido possível utilizar o EEG para localizar a ativação de regiões específicas durante atividades cognitivas complexas, como com a utilização da IRMf, da SPECT ou da PET. Em tese, um registro suficientemente pormenorizado da atividade elétrica do cérebro deve revelar um padrão específico de atividade quando o indivíduo pensa sobre uma palavra ou idéia específica. Na prática, contudo, esse nível de sofisticação interpretativa está a muitos anos de distância. Os esforços preliminares tiveram êxito na interpretação da atividade do EEG em termos de pensamento consciente simples. Em um esforço para fazer a complexidade das ondas cerebrais dirigir computadores e aparelhos (p. ex., como uma ferramenta de comunicação para pacientes incapazes de falar devido a espasticidade grave), os pes-
CÉREBRO E O COMPORTAMENTO
143
quisadores categorizaram a freqüência e as formas das ondas do EEG durante o ato de pensar. As ondas alfa (8 a 13 Hz) aparecem quando os olhos se fecham e se atenuam quando os olhos se abrem ou o indivíduo se concentra em imaginação vívida. As ondas beta (ondas rápidas, em geral de 14 a 30 Hz) ficam maiores com o aumento da atividade mental e podem atingir 50 Hz durante o pensar intenso. As ondas teta (4 a 7 Hz) aparecem durante o estresse emocional, especialmente em caso de frustração e desapontamento. As ondas delta (menos de 4 Hz) ocorrem durante o sono.
Um tipo particular de ondas na faixa alfa, denominadas ondas mu, é registrado sobre o córtex motor e pode ter sua amplitude atenuada com movimentos reais ou imaginados. Na década de 1990, pesquisadores treinaram indivíduos a regular a amplitude das ondas mu visualizando vários movimentos, como mastigar, engolir ou sorrir. Os eletrodos do EEG colocados sobre a faixa motora e acoplados a um analisador de amplitude podem determinar o tamanho das ondas com precisão suficiente para orientar um cursor do computador e operar um programa exclusivamente por intermédio dos pensamentos. Outros aparelhos computadorizados de EEG utilizam a presença ou a ausência de ondas alfa, determinadas pelo enfocar ou desfocar da atenção, para operar uma chave eletrônica. Com o tempo e a aplicação de processamentos cada vez mais potentes, será possível decifrar a assinatura elétrica da cognição complexa. Magnetoencefalografia (MEG) e estimulação magnética transcraniana (EMT) A física nos ensina que cada campo elétrico possui um campo magnético correspondente orientado em ângulo reto em relação àquele. Esse fato se aplica à atividade elétrica do cérebro e forma a base da magnetoencefalografia (MEG). Boa parte da discussão prévia sobre a eletroencefalografia vale para esta técnica. As modificações no potencial das membranas dos neurônios durante a atividade normal geram minúsculos campos magnéticos. Quando a atividade de bilhões de neurônios do córtex se soma, as modificações do campo magnético podem ser detectadas por magnetos especiais colocados no escalpo. Embora a eletroencefalografia utilize fios simples e possa ser realizada quase em qualquer lugar, a MEG necessita de magnetos super-resfriados, denominados dispositivos supercondutores simples de interferência quântica (SQUID), que operam a temperaturas próximas do zero absoluto. A técnica, portanto, fica limitada a um número restrito de instalações. A MEG oferece a melhor resolução temporal e a menor resolução espacial de qualquer técnica atualmente disponível. Também detecta somente campos fluentes tangenciais, complementando a eletroencefalografia, que detecta campos orientados no sentido radial. Ela é superior na detecção de atividade profunda dentro do cérebro, porque os campos são menos atenuados pelos tecidos do crânio e do escalpo. Além disso, como é verdadeiramente monopolar, não necessita de um eletrodo de referência e, por isso, evita certos artefatos. Os campos sensíveis à MEG são minúsculos; o registro necessita de cuidadoso isolamento elétrico e algoritmos computadorizados extensos para a localização máxi-
144
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
ma dentro do cérebro. Assim, permanece quase exclusivamente como ferramenta de pesquisa. O principal aspecto em que a existência de campos magnéticos no cérebro fornece uma oportunidade ímpar de estudo é a capacidade de modificá-los pela estimulação magnética transcraniana (EMT). Em teoria, também é possível aplicar campos elétricos ao cérebro, e esta é a intervenção terapêutica central da ECT. Na prática, porém, a atenuação decorrente do escalpo e de tecidos não-neurais, a qual gera calor e dor, podendo produzir queimaduras, limita a utilidade da estimulação elétrica. A EMT envolve um eletromagneto forte, que faz o campo oscilar de 0,1 a 60 Hz. A freqüência, a duração dos pulsos e a intensidade do campo magnético contribuem para a quantidade de estimulação neuronal. Pulsos de baixa freqüência (0,1 a 5 Hz) podem, em alguns casos, reduzir o metabolismo do córtex subjacente, enquanto os de alta freqüência (15 a 25 Hz) podem aumentar o metabolismo local. Taxas de pulso acima de 25 Hz se associam à indução de convulsões e são evitadas em humanos. Quando aplicada cuidadosamente como um pulso isolado, a EMT pode inativar a atividade neural. Ao ser administrada em um fluxo de pulsos, pode inibir transitoriamente regiões discretas do cérebro, que, a seguir, têm rebote e exibem aumento prolongado da atividade, por vezes durando dias a meses. Por exemplo, um pulso visando a uma parte específica dos gânglios basais pode eliminar o tremor da doença de Parkinson. Na pesquisa psiquiátrica, o ponto de vista predominante de que o hemisfério esquerdo gera emoções positivas e o direito intermedeia emoções negativas foi enfocado pela EMT. Pulsos que inativam regiões do cérebro suprimem pensamentos positivos e provocam tristeza quando dirigidos ao lobo frontal esquerdo. Quando o direito é isolado pela EMT, os indivíduos se sentem mais felizes e ativos. Em testes, essas modificações do estado de humor duraram várias horas. Em outro paradigma de experimentos, vários pacientes gravemente deprimidos, que de outra forma teriam sido candidatos à ECT, receberam EMT sobre o lobo frontal esquerdo por 20 minutos por dia durante duas semanas. Um número significativo deles relatou melhora do estado de humor por alguns dias, enquanto aqueles submetidos a aplicações falsas não mostraram resultado. Como tratamento prático para depressão, a EMT teria de ser readministrada freqüentemente. Os pesquisadores estão tentando prolongar seus efeitos.
Uma aplicação interessante de EMT com eletroencefalografia ou MEG envolve o momento de ocorrência (timing) do fluxo de impulsos neurais ao longo do cérebro. Quando uma parte deste é estimulada, a transmissão da informação para regiões distantes do cérebro pode ser registrada com a acuidade de milissegundos com eletroencefalografia, MEG ou ambas. Esse processo permite o mapeamento funcional sistemático de circuitos intracorticais para construir a arquitetura das conexões corticais definida pelos métodos neuroanatômicos clássicos. Potenciais evocados (PEs) e potenciais relacionados a eventos (PREs) Potenciais evocados sensoriais, refletindo a resposta elétrica cerebral a estímulos sensoriais reproduzíveis, são extraídos do EEG pela obtenção da média dos sinais, auxiliada por computadores.
O registro utiliza eletrodos e montagens de registro semelhantes aos utilizados em eletroencefalografia. Os PEs sensoriais fornecem a medida de como o córtex responde a estímulos sensoriais particulares. Para avaliar doenças desmielinizantes, como a esclerose múltipla, existem protocolos bem-estabelecidos para os potenciais evocados somatossensoriais (PESSs), os potenciais evocados auditivos do tronco cerebral (PEA-TCs) e os potenciais evocados visuais (PEV). No teste de PE, um estímulo de uma modalidade sensorial (p. ex., um choque elétrico leve, um clique ou um lampejo de luz) é apresentado várias vezes enquanto o PE neural resultante é registrado em muitos níveis da via sensorial, sempre incluindo eletrodos sobre o córtex sensorial correspondente. Em vista da atividade inerentemente aleatória e rítmica do cérebro registrada pelos eletrodos do couro cabeludo, precisa-se obter a média das respostas corticais a 100 a 2.000 repetições idênticas de um estímulo sensorial particular. A atividade aleatória tende a se autocancelar enquanto a resposta sensorial se soma formando ondas reconhecíveis. O resultado é uma curva suave (o PE) que inclui picos e cavas. As ondas positivas são deflexões para baixo, e as negativas, deflexões para cima. Ondas particulares são identificadas ainda pelo número de milissegundos (ms) que decorrem após o estímulo. A onda P300, por isso, é uma deflexão para baixo (positiva) que ocorre aproximadamente 300 ms após o estímulo. A magnitude e o tempo da ocorrência das ondas se constituem na base da avaliação clínica e de pesquisa do registro dos PEs. As ondas foram classificadas em componentes iniciais (<50 ms após o estímulo), médios (50 a 150 ms) e tardios (>250 ms) do PE. A conexão da informação sensorial, à medida que vai do órgão sensorial (p. ex., os olhos) até o córtex sensorial primário e ao córtex de associação, se reflete no componente precoce do PE. O processamento cognitivo e psicológico cada vez mais complexo da informação sensorial se reflete nos componentes tardios do PE. Os registros estão especialmente sujeitos à interferência de vários artefatos, além dos que afetam os registros do EEG. Relata-se que a atenção, a adesão ao exame, a fadiga, o consumo de café e cigarros, a idade do indivíduo e a variação diurna, todos afetam os dados dos registros de PE. Em situações de pesquisas, uma montagem densa (de 64 canais) de eletrodos de EEG registrando a atividade cerebral com limitação de tempo durante tarefas cognitivas como a leitura é usada para correlacionar os componentes tardios do PE com o processamento cognitivo superior. Em um estudo, enquanto o indivíduo lia uma passagem e o registro começou a partir de uma certa palavra-gatilho, o potencial relacionado a eventos (PRE) se iniciou, decorridos 70 ms, com fontes bilaterais de corrente positiva sobre as áreas occipitoparietais de processamento visual. Um potencial negativo, de cerca de 180 ms, foi obtido subseqüentemente sobre o lobo temporal esquerdo, acompanhado de uma positividade anterior. A seguir, deu-se um padrão posterior positivo, que parecia repetir a topografia da corrente positiva inicial. Depois, a cerca de 350 ms, o PRE relativo à palavra-gatilho desenvolveu uma positividade difusa sobre a superfície superior da cabeça e várias negatividades sobre regiões inferiores. Esse padrão de fonte superior com ralo inferior, denominado P300, ou componente positivo tardio (CPT), era maior sobre o hemisfério esquerdo. Sob condições similares de registro, quando a palavra-gatilho era substituída por uma palavra semanticamente inesperada, a atividade elétrica cerebral não revelava nenhum
O
potencial a 350 ms, mas logo desenvolvia um CPT a 400 ms, que permanecia relativamente simétrico sobre os dois hemisférios.
Em um refinamento adicional desta abordagem, o PRE, que tem uma resolução espacial relativamente pobre, a despeito disso fornece discriminação espacial suficiente para possibilitar uma ordenação temporal da ativação de várias regiões do cérebro que são identificadas como essenciais no desempenho de uma tarefa por IRMf ou PET. Em um exemplo de tal abordagem, estudos de imagens funcionais do cérebro com PET identificaram modificações do fluxo sangüíneo em áreas amplamente distantes durante o desempenho de tarefas relacionadas a palavras. Os PREs foram, a seguir, utilizados para investigar as relações temporais entre áreas corticais previamente identificadas pela PET como diferencialmente ativadas quando desempenhando uma tarefa de linguagem. Os PREs revelaram fortes diferenças relacionadas às tarefas sobre as regiões frontal medial inferior esquerda e parietotemporal esquerda. Os canais frontal e parietotemporal esquerdo revelaram que essas diferenças são de cerca de 200 e 700 ms, respectivamente, após a apresentação da palavra. Os resultados forneceram a participação, no tempo, de partes do circuito anatômico envolvido na geração do significado da palavra. Ainda que com muito trabalho, os estudos combinando neuroimagens funcionais e PRE se mantêm altamente promissores para a compreensão das bases neuroanatômicas da cognição normal e anormal de humanos. REFERÊNCIAS Bonne O, Brandes D, Gilboa A, et al. Longitudinal MRI study of hippocampal volume in trauma survivors with PTSD. Am J Psychiatry. 2001;158:1248. Boutros NN, Struve F. Electrophysiological assessment of neuropsychiatric disorders. Semin Clin Neuropsychiatry. 2002;7:30. Bressan RA, Jones HM, Ell PJ, Pilowsky LS. Dopamine D(2) receptor blockade in schizophrenia. Am J Psychiatry. 2001;158:971. Camargo EE. Brain SPECT in neurology and psychiatry. J Nucl Med. 2001;42:611. Carter CS, MacDonald AW 3rd, Ross LL, Stenger VA. Anterior cingulate cortex activity and impaired self-monitoring of performance in patients with schizophrenia: an event-related fMRI study. Am J Psychiatry. 2001;158:1423. Danos P, Guich S, Abel L, Buchsbaum MS. EEG alpha rhythm and glucose metabolic rate in the thalamus in schizophrenia. Neuropsychobiology. 2001;43:265. Drevets WC. Neuroimaging studies of mood disorders. In: Helzer JE, Hudziak JJ, eds. Defining Psychopathology in the 21st Century: DSM-V and Beyond. Washington, DC: American Psychiatric Publishing. Inc.; 2002:71. Durston S, Hulshoff Pol HE, Casey BJ, Giedd JN, Buitelaar JK, van Engeland H. Anatomical MRI of the developing human brain: What have we learned? J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2001;40:1012. Halldin C, Gulyas B, Langer O, Farde L. Brain radioligands—state of the art and new trends. Q J Nucl Med. 2001;45:139. Herpertz SC, Dietrich TM, Wenning B, et al. Evidence of abnormal amygdala functioning in borderline personality disorder: a functional MRI study. Biol Psychiatry. 2001;50:292. Kircher TT, Bulimore ET, Brammer MJ, et al. Differential activation of temporal cortex during sentence completion in schizophrenic patients with and without formal thought disorder. Schyzophr Res. 2001;50:27.
CÉREBRO E O COMPORTAMENTO
145
Maria Moresco R, Messa C, Lucignani G, et al. PET in psychopharmacology. Pharmacol Res. 2001;44:151. Markianos M, Hatzimanolis J, Lykouras L. Neuroendocrine responsivities of the pituitary dopamine system in male schizophrenic patients during treatment with clozapine, olanzapine, risperidone, sulpiride, or haloperidol. Eur Arch Psychiatry Clin Neurosci. 2001;251:141. Migneco O, Benoit M, Koulibaly PM, et al. Perfusion brain SPECT and statistical parametric mapping analysis indicate that apathy is a cingulate syndrome: a study in Alzheimer’s disease and nondemented patients. Neuroimage. 2001;13:896. Rauch SL, Whalen PJ, Curran T, et al. Probing striato-thalamic function in obsessive-compulsive disorder and Tourette syndrome using neuroimaging methods. Adv Neurol. 2001;85:207. Sackeim HA. Functional brain circuits in major depression and remission. Arch Gen Psychiatry. 2001;58:649. Shenton ME, Dickey CC, Frumin M, McCarley RW. A review of MRI findings in schizophrenia. Schizophr Res. 2001;49:1. Strafella AP, Paus T, Barrett J, Dagher A. Repetitive transcranial magnetic stimulation of the human prefrontal cortex induces dopamine release in the caudate nucleus. J Neurosci. 2001;21:RC157. Videbech P, Ravnkilde B, Pedersen AR, et al. The Danish PET/depression project: PET findings in patients with major depression. Psychol Med. 2001;31:1147.
3.4 Neurogenética e biologia molecular O genoma humano consiste de cerca de 30 a 50 mil genes, dos quais mais de 20 mil foram identificados. Mais de 5 mil doenças genéticas, cada uma transmitida por um único gene mutante, foram caracterizadas. A aplicação de métodos quantitativos de análise mais poderosos, novas tecnologias moleculares e mapas mais pormenorizados do genoma humano permitiram a localização, em regiões cromossômicas, de mais de 400 genes de doenças, com identificação precisa de cerca de 80. Há implicações importantes para a saúde pública na identificação dos genes que influenciam o risco individual de desenvolver os transtornos mentais familiares mais comuns, como esquizofrenia, transtorno bipolar I, alcoolismo (abuso e dependência do álcool) e transtorno obsessivo-compulsivo. Esses achados podem, em última análise, ter relevância para muitos indivíduos afetados e seus parentes, dado o potencial para o desenvolvimento de um teste genético que determine os indivíduos em risco, sendo, da mesma forma, eficazes para prover a indústria farmacêutica de novos alvos para tratamento medicamentoso. É necessário que clínicos e pesquisadores compreendam os princípios básicos da genética e da epidemiologia genética, de modo que sejam capazes de apreciar a relevância dos novos dados oriundos da análise genética dos transtornos mentais. BIOLOGIA MOLECULAR BÁSICA O dogma central da biologia molecular é que “o DNA faz o RNA, que faz a proteína”. O ácido desoxirribonucléico (DNA) é um código genético que consiste de uma série de bases, adenina (A),
146
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
citosina (C), guanina (G) e timina (T), ligadas de forma covalente para formar moléculas extremamente longas (Fig. 3.4-1). Os genes consistem de tiras do código do DNA que especificam séries de trios de bases denominadas códons, as quais determinam seqüências específicas de aminoácidos, os blocos de que são construídas as proteínas. O DNA reside no núcleo, onde serve de molde para a formação de moléculas do ácido ribonucléico mensageiro (RNAm). O RNA mensageiro é montado de acordo com o código do DNA, com o acréscimo passo a passo de bases, de acordo com um algoritmo de complementação. A adenina (A) do ácido ribonucléico (Ar) é complementar à timina (T) do ácido desoxirribonucléico, assim como a Gr à C, a Cr à G e o uracil do ácido ribonucléico (rU) à adenina (A). Dessa forma, a tira do DNA ATGTCTTAG codifica a tira UACAGAAUC do RNAm. Este possui trechos de seqüências codificadoras de proteínas denominadas éxons, que são interrompidas por seqüências não-codificadoras denominadas íntrons. Logo após o RNAm ser transcrito, os éxons são entrelaçados para formar um trecho contínuo de seqüências codificadoras. O RNAm se desloca para o citoplasma e se liga aos ribossomos, que lêem os trios dos códons e montam uma tira de aminoácidos para formar uma proteína específica. Há 20 aminoácidos comuns, cada um com uma configuração atômica diferente. Dependendo de sua seqüência primária, a proteína se dobra em uma molécula tridimensional que interage de forma particular com outras proteínas, carboidratos, ácidos nucléicos ou lipídeos para desempenhar suas funções na célula. A abundância relativa de várias proteínas na célula pode ser regulada pela taxa de transcrição do RNAm, tanto em seu nível da translação em proteínas quanto no nível da degradação das moléculas de proteínas. O controle do RNAm transcricional é o tipo mais comum de regulação específica pelos genes. O início da transcrição envolve fatores gerais, denominados fatores de transcrição, comuns a todos os genes, mas é regulado por fatores específicos de transcrição que se ligam somente a certos genes e são eles próprios regulados por sinais intracelulares e extracelulares. Dessa forma, os hormônios da tireóide se difundem para dentro da célula e se ligam a seus receptores, e o complexo hormônio-receptor, que atua como um fator de transcrição, entra no núcleo e ativa certos genes ao se ligar a seqüências específicas do DNA imediatamente adjacentes a estes. Há muito interesse em psiquiatria na regulação dos genes pelos neurotransmissores e do meio neuroquímico sináptico por variações dos níveis de transcrição. O material genético humano consiste de 3 bilhões de bases de DNA, divididas em unidades de aproximadamente 60 milhões de bases, denominadas cromossomos. O núcleo normal da célula contém 23 pares – 22 emparelhados de autossomos e os cromossomos sexuais X e Y (ver Lâmina colorida 3.4-2, p.146). Um gene típico compreende cerca de 10 mil bases, e o mais longo que se tem conhecimento abarca 2 milhões de bases. Estimase que os humanos possuam cerca de 30 a 40 mil genes distintos. O espaço dos cromossomos onde se localiza um gene é denominado locus. Cerca de 1% do total do DNA codifica genes que podem ser traduzidos em proteínas; e os 99% remanescentes são DNA não-codificador, “sucata”. Atualmente, somente as funções de uns poucos milhares de genes são conhecidas. Alguns codifi-
cam proteínas que têm papéis de limpeza dentro das células; isto é, estão presentes em todas elas e são essenciais para sua sobrevivência. Outros têm papéis reguladores determinados se são específicos para aquele tipo de célula. Entre estes últimos genes estão os de interesse particular para os psiquiatras. Há intensa pesquisa em curso para identificar tanto os genes que, quando alterados, podem causar doenças psiquiátricas como aqueles capazes de determinar comportamentos e respostas emocionais normais. No momento, esses objetivos excedem as capacidades de processamento de dados até mesmo dos mais sofisticados investigadores, mas grandes avanços técnicos estão surgindo em ritmo acelerado. Com a seqüência completa do genoma humano, a maioria dos especialistas em genes antecipa avanços significativos na identificação da base genética de comportamentos complexos no início do século XXI. PREMISSAS DA NEUROGENÉTICA Foi demonstrado que vários dos principais transtornos psiquiátricos têm uma forte predisposição hereditária. No caso da esquizofrenia, por exemplo, um parente de primeiro grau de um paciente afetado tem cerca de 10% de chance de ter a doença, bem mais do que o 1% de risco da população em geral. Os gêmeos monozigóticos exibem quase 50% de concordância para esquizofrenia. O transtorno bipolar I e o transtorno depressivo maior apresentam agrupamento familiar semelhante, em que os parentes de primeiro grau têm 8 a 18 vezes mais probabilidade de desenvolver um transtorno do humor do que a população em geral, e os gêmeos monozigóticos mostram um taxa de concordância de 33 a 90%. O transtorno de Tourette mostra uma associação genética até mais convincente. Várias linhagens de famílias foram construídas a partir do fato de que a transmissão da doença é consistente com uma forma autossômica dominante, com penetrância de 99% em homens e 70% em mulheres. Somente 10% dos pacientes com a condição não têm um membro da família afetado. Esses fatos estimulam a expectativa de que surja uma base genética específica para certos transtornos psiquiátricos. A medicina forneceu muitos modelos de patologia determinada geneticamente. Há milhares de exemplos de doenças e traços humanos herdados, muitos dos quais foram atribuídos a um gene anormal isolado. Um modelo clássico é o da anemia de células falciformes. Uma mutação em um ponto único do gene da β-globina causa esta doença ao produzir uma única substituição de aminoácido na proteína β-globina, que forma uma metade da hemoglobina. A mutação promove a cristalização da hemoglobina nos eritrócitos e os leva a assumir a forma de uma foice. Clinicamente, tal efeito implica sua sedimentação nos capilares e dores ósseas, bem como eventos isquêmicos como acidentes vasculares cerebrais. O modelo de anemia de células falciformes é incomum entre as doenças genéticas pelo detalhe de que a anormalidade molecular é conhecida e pela simplicidade com que a síndrome clínica pode ser traçada a uma mutação bioquímica. A despeito disso, essa condição exibe uma variabilidade clínica, desde pacientes assintomáticos a gravemente comprometidos que morrem prematuramente. Isso demonstra a variabilidade clínica introduzida por genes modificadores, que codificam proteínas com as quais as proteínas anormais interagem. Duas
O
CÉREBRO E O COMPORTAMENTO
Molécula de fosfato
147
T C G
Molécula de açúcar da desoxirribose T A
Bases nitrogenadas
G C
O P O
A T
CH2
T
C G T A
A
G C A T
CH2
P
O
C G
O O
T A G C
O
O P O
A T
CH2
C G
C
T A
O
G C
A
CH2
P
O
O O G
A G
C
C
A T
CH2
T
G
A
T
O
O P O
T
C
A T
C G
A
G
T A G C
C G
T A
C
T A G C
T G
A T
O P O
CH2
O O P O
C G T A
O
T A G C
G C
CH2
O
A T
C G
O
A T T A
G C
A T
A coluna de açúcar-fosfato
C G T A
G C
Ligações fracas entre pares de bases
A T
C G
A T
C G
C G T A
T A
G C
G C
A T
A T
FIGURA 3.4-1 Estrutura química da molécula do DNA. (Esquerda) Um pequeno segmento do DNA mostrando a coluna de açúcar-fosfato de cada tira, em conjunto com suas quatro diferentes bases: adenina, guanina, citosina e timina. O pareamento complementar de A com T e de G com C é que mantém as fitas unidas e permite que a molécula produza cópias de si própria de um comprimento quase infinito. (Direita) Replicação do DNA mostrando como a molécula se desconecta e, ao emparelhar as bases complementares umas com as outras, produz duas cópias idênticas da seqüência original do DNA. (Modificada de Jones S, Martin R, and Pilbeam D. The Cambridge Encyclopedia of Human Evolution. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1992:11.)
variantes da anemia de células falciformes, a falciforme-talassemia e a doença da hemoglobina SC, foram traçadas a genes modificadores específicos, mas a maior parte da variabilidade clínica decorre de fatores desconhecidos. Dessa forma, tal alteração demonstra o caráter incompleto até mesmo da determinação mais compreendida de doenças humanas. Esse modelo corrobora o otimismo dos pesquisadores em busca das bases genéticas do comportamento e das emoções, que são consideravelmente menos bem-definidos no nível clínico do que a anemia de células falciformes.
Traços são manifestações clinicamente definidas, como as crises falciformes ou os olhos azuis. Alguns deles são determinados por um único gene, enquanto outros surgem da interação de produtos (em alguns casos) de milhares de genes. O comportamento provavelmente é a expressão de milhares de genes, embora mutações específicas possam influenciar certos comportamentos de forma consistente. Estudos com animais, especialmente com a mosca das frutas e o camundongo de laboratório, documentaram vários comportamentos herdados como traços de genes isolados,
148
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
os quais têm, por vezes, sido relacionados a genes específicos, enquanto de outros apenas se sabe que são herdáveis. Felizmente, a primeira categoria está rapidamente se expandindo à custa da última. A identificação de um gene que determina um traço particular de comportamento necessita de definição rigorosa do traço e da maior linhagem ou árvore genealógica possível em que o padrão da herança seja definido de forma não-ambígua. O mapeamento dos genes essencialmente envolve correlacionar a herança do traço com a de marcadores moleculares dispersos no material genético do animal. Este modelo é denominado análise de ligação (linkage) ou clonagem posicional. Para traços determinados por genes isolados, três padrões de herança são reconhecidos: autossômico dominante, autossômico recessivo e recessivo ligado ao sexo. Na transmissão autossômica dominante da doença, somente uma de duas cópias do gene no núcleo da célula necessita de mutação para produzir o traço clínico. Um dos pais com uma cópia de mutação dominante tem 50% de chance de transmitir esse traço ao filho. Na transmissão autossômica recessiva, o traço só pode ser herdado quando ambas as cópias sofreram mutação. Dessa forma, um dos pais com um traço autossômico recessivo pode transmiti-lo a um filho somente quando o outro pai também transmite o gene mutante. Na transmissão recessiva ligada ao sexo, o gene se encontra no cromossomo X ímpar, e só uma cópia sua se encontra no núcleo. O traço recessivo ligado ao X ocorre em homens, que só têm um cromossomo X; as mulheres são portadoras, mas não exibem o traço clínico porque possuem um segundo cromossomo X normal (Fig. 3.4-2). Em psiquiatria, o maior obstáculo no processo de alocar traços comportamentais a genes específicos é a rigorosa definição clínica dos traços psiquiátricos. A revisão da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IVTR), que fornece a exata categorização para a maioria dos transtornos psiquiátricos, inclui uma população geneticamente heterogênea de pacientes em cada categoria diagnóstica. A situação se torna mais difusa pela falta de testes objetivos, quantificáveis, para os transtornos. Além disso, em vista de o agrupamento familiar de alguns traços do comportamento decorrer tanto da genética
I
(natureza) como da criação (aprendizado), elaborar linhagens acuradas estritamente de acordo com critérios genéticos pode ser impossível. Por fim, a determinação multigênica de traços comportamentais serve para aumentar a complexidade da análise de forma exponencial. Se todos os obstáculos puderem ser superados, o processo de escrutinar cromossomos para a ligação entre um traço e um local específico fica praticamente automático. Até o presente, foram reunidas linhagens para cada um dos principais transtornos psiquiátricos, e a ligação com cromossomos foi tentada com as ferramentas da genética molecular. Mesmo no caso aparentemente direto do transtorno de Tourette, a triagem de quase todos os cromossomos falhou em identificar um locus genético específico herdado sempre junto com o comportamento clínico. Esse achado sugere que tal condição é um traço multigênico, isto é, uma doença que pode decorrer da influência combinada de vários genes. O escrutínio para mutações em genes que regulam as vias da dopamina em pacientes com transtorno de Tourette e para os neurotransmissores em outras doenças está em curso. Estão sendo pesquisadas causas genéticas para outras doenças psiquiátricas. Com base na análise de 22 linhagens, um locus que confere aumento do risco de transtorno bipolar foi identificado no cromossomo 18. A correlação não é tão consistente, o que indica necessidade de investigação adicional. Para o traço de personalidade de ansiedade, foi descrita uma variante genética do gene transportador da serotonina que altera o número de moléculas transportadoras na membrana pré-sináptica dos neurônios serotonérgicos. Calculou-se que esta versão alternativa do transportador é responsável por menos do que 5% da variância genética para ansiedade na população em geral. Indivíduos com esquizofrenia podem ter dificuldade em selecionar inputs auditivos para distingui-los de sons extras. Um projeto de clonagem posicional cuidadosamente orientado identificou um locus no cromossomo 15 que codifica o receptor nicotínico α1 de acetilcolina e parece ser responsável pela anormalidade no processamento auditivo em várias linhagens de pacientes com essa doença. Outro estudo, examinando a associação negati-
Homem Mulher
II
III
IV
V
VI
VII
Afetado
FIGURA 3.4-2 Transmissão de traços pela reprodução sexual. A reprodução sexual permite a propagação de mutações novas ao longo das gerações. Esta linhagem mostra sete gerações em que um traço dominante (círculos e quadrados negros) é transmitido de geração a geração. De um único indivíduo portador na geração I, o traço é transmitido a aproximadamente metade da descendência de 17 indivíduos não-afetados (círculos e quadrados claros): um na geração I, dois na geração II, três na geração III, cinco na geração IV, quatro na geração V e dois na geração VI. (Modificada de Jones S, Martin R, and Pilbeam D. The Cambridge Encyclopedia of Human Evolution. Cambridge, UK: Cambridge University Press; 1992:258.)
O
va previamente descrita entre esquizofrenia e artrite reumatóide, verificou que o alelo DRB1*04 do antígeno de linfócitos humanos (HLA) esteve significativamente associado à redução do risco de artrite reumatóide em 94 pacientes não-aparentados com esquizofrenia. Um estudo de 265 famílias irlandesas com uma alta incidência de esquizofrenia encontrou dois loci, um no cromossomo 8 e outro no 6, cada um dos quais responsável pela vulnerabilidade à esquizofrenia em 10 a 30% das famílias. Esses achados devem ser vistos como preliminares, necessitando de mais pesquisas. A doença de Alzheimer só pode ser diagnosticada definitivamente pelo exame patológico do tecido cerebral por autópsia ou biópsia. Enquanto a redução do volume neuronal sem perda de neurônios é um aspecto do envelhecimento normal, a perda de neurônios é típica da doença de Alzheimer. As duas manifestações neuropatológicas características são as placas senis e os emaranhados neurofibrilares. Um estudo clínico-patológico recente verificou que freiras idosas com placas senis e com emaranhados neurofibrilares nem sempre têm demência, mas o risco aumenta (de 57 a 93%) se também tiverem sofrido acidente vascular cerebral. Outra abordagem mostrou que o estilo de escrita aos 20 anos de idade predizia o início da demência (possivelmente de Alzheimer) acima dos 70 anos. Freiras com um estilo simples de escrita na juventude tinham mais probabilidade de desenvolver demência do que aquelas com um comando complexo da linguagem escrita. Esses dois estudos indicam que a demência do tipo Alzheimer provavelmente resulta de uma combinação de fatores geneticamente determinados e adquiridos. Quatro loci genéticos foram associados ao risco de doença de Alzheimer. Dos casos da doença, 10% são hereditários, e os restantes são esporádicos. Dos casos hereditários, 70 a 80% são atribuíveis a mutações no gene da pré-senilina 1, localizado no cromossomo 14, que leva ao início dos sintomas nas idades de 40 a 50 anos. Outros 20 a 30% decorrem de mutações em um gene a ele relacionado, o da pré-senilina 2, localizado no cromossomo 1, que faz os sintomas se manifestarem na idade de 50 anos. Um grupo de 2 a 3% dos casos familiares é atribuível à mutação no gene do precursor da proteína β-amilóide (APP), localizado no cromossomo 21, também responsável pelos sintomas aos 50 anos de idade. O APP e a proteína citoesquelética denominada tau são componentes proeminentes das placas senis e dos emaranhados neurofibrilares, tanto em casos familiares como esporádicos da doença de Alzheimer. A proteína tau parece se polimerizar em filamentos helicoidais pareados, que são os componentes principais dos emaranhados neurofibrilares, caso não seja protegida da fosforilação. Essa proteção é possibilitada pela apolipoproteína E (apoε), codificada por um gene no cromossomo 19 que tem três alelos. O alelo ε2 protege a tau, enquanto o ε3 e (especialmente) o ε4 não se associam de forma tão forte a ela, deixando-a suscetível à fosforilização e à eventual polimerização. Tem-se afirmado que a presença dos alelos ε3/ε2 ou ε4/ε4 é responsável por 10 a 50% do risco de doença de Alzheimer esporádica com início dos sintomas em torno dos 60 anos. Esses indivíduos parecem ter uma perda particular de neurônios contendo acetilcolina e, assim, podem ter menos probabilidade de responder a inibidores da acetilcolinesterase, como o donepezil (Eranz). Em resumo, os
CÉREBRO E O COMPORTAMENTO
149
fatores de risco genéticos conhecidos para a doença de Alzheimer até agora são responsáveis por menos de 50% dos casos (Fig. 3.4.-3). O processo de correlacionar um gene específico a um traço clínico a partir da análise de ligação se denomina clonagem posicional, a qual pode envolver a identificação de uma modificação em uma entre 3 bilhões de bases do DNA no núcleo humano, uma tarefa potencialmente muito tediosa. Atualmente, os pesquisadores conduzem análise de ligação utilizando 6 mil marcadores particulares de DNA dispersos de forma homogênea nos cromossomos com um intervalo médio de 500 mil bases. Para se estabelecer a ligação de um traço com um desses marcadores, cada membro da linhagem é testado para a presença do marcador, e padrões de herança são correlacionados à presença ou à ausência do traço de interesse. Essa tarefa é quase completamente automatizada, mas necessita de vários meses de trabalho mesmo para uma linhagem pequena. Embora os projetos de clonagem posicional para traços de comportamento humano tenham sido iniciados várias vezes, nenhum transtorno psiquiátrico foi completamente analisado. Na clonagem posicional, uma vez que o pesquisador identifica um marcador herdado exatamente como o traço, pode-se presumir uma mutação genética em uma entre 1 milhão de bases do marcador. Neste intervalo, várias dúzias de genes podem ser identificadas nas bases de dados de DNA. Em cada gene, a variante da seqüência primária pode representar uma mutação importante; por isso, cada uma deve ser testada de forma sistemática em todos os membros da linhagem. Se for comprovado que uma mutação tem probabilidade de causar um traço, pode ser artificialmente produzida em camundongos para se observar se o traço clínico é reproduzido dentro das limitações do repertório comportamental do animal de laboratório. O processo todo se parece com a procura de uma agulha no palheiro, com indícios somente obtidos com muito esforço e despesa. MODELOS ANIMAIS DO COMPORTAMENTO A pesquisa tem utilizado pequenos mamíferos e pássaros no escrutínio e no teste de agentes farmacológicos. Os animais compartilham vários sistemas de neurotransmissores influenciados por medicamentos psiquiátricos, configurando-se como bons modelos para estudos farmacocinéticos. Vários testes comportamentais foram delineados para medir os níveis de atividade, agressão e passividade, exploração e reclusão, além de outras tendências comportamentais básicas. A despeito disso, os animais são modelos fracos para vários traços comportamentais humanos. Isso é explicado, em parte, pela neuroanatomia; falta aos pequenos mamíferos e aos pássaros o córtex pré-frontal, estrutura que cada vez mais se acredita necessária para comportamentos complexos, bem como para alterações psiquiátricas. Os animais podem ser cruzados para traços específicos e podem fornecer, em um curto período de tempo, extensas linhagens para projetos de clonagem posicional. Entre os genes recentemente descobertos dessa forma estão os que controlam a obesidade em camundongos. O cruzamento do camundongo da descendência ob com o de uma descendência normal levou à descoberta da leptina, um hormônio produzido pelas células adiposas que atua sobre o cérebro para suprimir o comportamento alimentar. Ela também é encontrada em humanos, embora seu
150
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Gene da APP
Gene da présenilina 1
Gene da ApoE
Gene da présenilina 2
Cromossomo 21
Cromossomo 19 Cromossomo 14 Cromossomo 1
papel na obesidade ainda não esteja claro; não se sabe se a administração exógena de leptina pode reduzir o comer excessivo em humanos. Centenas de camundongos da descendência mutante foram isolados com base nesse comportamento incomum, e os projetos de clonagem posicional estão lentamente identificando genes específicos que determinam essa variação comportamental. Essa técnica de clonagem está se tornando cada vez mais poderosa e eficiente, e para os próximos anos, pode-se esperar uma proliferação de relatos sobre genes que influenciam o comportamento animal. Com base na evidência farmacológica, resumiu-se que alguns genes codificam proteínas necessárias para o comportamento, como os receptores de neurotransmissores. Os métodos de “tiro ao alvo” (targeting) nos genes, denominados tecnologia de knockout, podem avaliar a contribuição de genes candidatos específicos para o comportamento do camundongo. Isso permite a criação de animais com deleções ou modificações do gene candidato específico. O camundongo mutante resultante tem um de três fenótipos. Alguns não apresentam anormalidades detectáveis, ou porque o gene é redundante ou porque a anormalidade é sutil demais para ser percebida. Certos genes knockouts são letais no período embrionário e não podem ser avaliados na vida adulta. Nenhum desses resultados é particularmente informativo sobre o comportamento. Há casos, contudo, em que os animais mutantes exibem anormalidades específicas do comportamento em relação a um comportamento de outra forma normal. Em alguns casos, as anormalidades são antecipáveis, em outros, inesperadas. A cinase II da cálcio-calmodulina (CaMKII) foi considerada um componente fundamental da via de sinalização intracelular durante o aprendizado e a memória, com base em dados bioquímicos. O camundongo knockout da CaMKII, em que esta proteína fica completamente ausente, não pode se adaptar a um labirinto facilmente manejado pelo camundongo normal. Também foi registrado um “código de locais” anormal do hipocampo, que é um mapa interno representando o ambiente externo que, em geral, pode ser recordado pelo animal durante a maior parte da sua vida. Esse exemplo de resultado antecipado com
FIGURA 3.4-3 Localização nos cromossomos dos genes implicados na doença de Alzheimer. ApoE, apolipoproteína E; APP, proteína precursora do amilóide. (Cortesia de Carol A. Matthews, M.D., e Nelson B. Freimer, M.D.)
sucesso é, infelizmente, raro. Em outro caso, com base no fato de que a cocaína bloqueia o transportador da serotonina e aumenta seus níveis sinápticos, foi feita uma deleção no receptor 5-HT1B para a serotonina e administrada cocaína. Os camundongos normais ficaram muito ativos e agressivos quando receberam a droga, mas os knockout dos receptores 5HT1B deixaram de responder a injeções da mesma dose. Esse resultado confirma o papel desses receptores na resposta à cocaína. Os camundongos aos quais falta o transportador de dopamina exibem atividade locomotora excessiva que lembra o comportamento de animais que receberam anfetamina, a qual estimula a liberação de dopamina na sinapse. A deleção focal de outro receptor da serotonina, o 5-HT2C, produziu camundongos obesos e agressivos. Esse resultado foi interessante porque não era inteiramente esperado com base nos dados farmacológicos. A deleção da monoaminoxidase tipo B (MAOB), a enzima que metaboliza a serotonina e as catecolaminas, levou a falha na formação de campos de barril no córtex somatossensorial. O achado esteve associado a aumentos significativos de serotonina no córtex, sugerindo que a modulação cuidadosa dos níveis da serotonina pode ser necessária para a formação adequada de certos circuitos corticais durante o desenvolvimento. Tal constatação foi bastante inesperada. Outro achado inédito foi que os camundongos aos quais faltou o fator de transcrição fosB cresceram e se desenvolveram de forma aparentemente normal, mas deixaram de criar seus filhos. Nas mães, um defeito na estampagem (imprinting) olfativa foi considerado o responsável por esse comportamento. Atualmente, centenas de projetos de knockout em curso estão focados em genes candidatos conhecidos; à medida que mais genes forem isolados, novos projetos se iniciarão. Como a maioria dos genes do camundongo tem uma contrapartida humana, podem ser feitas inferências sobre o papel de genes candidatos particulares no comportamento humano com base em dados de camundongos. Essa abordagem é limitada, contudo, pelo fato de que os genes humanos não podem ser manipulados; as suposições permanecem sem testagem mais aprofundada, a menos que uma mutação humana apareça coincidentemente.
O
NOVOS MÉTODOS PARA O ISOLAMENTO DE GENES HUMANOS RESPONSÁVEIS POR TRAÇOS COMPORTAMENTAIS Microdosagens de DNA são ferramentas poderosas para a análise da organização e da regulação da expressão do RNA mensageiro. As vantagens desse tipo de análise incluem a capacidade de se estudar a regulação de vários genes ou mesmo do genoma inteiro em um único experimento. Este método tem o potencial de ligar manifestações clínicas específicas de transtornos psiquiátricos à expressão de alelos particulares de um grande conjunto de genes comportamentais relevantes. O novo campo da farmacogenética, que enfoca os determinantes genéticos da resposta aos medicamentos em relação ao genoma inteiro, é importante para o desenvolvimento de drogas mais seguras e eficientes. A farmacogenômica auxiliará na compreensão de como a genética influencia o desenvolvimento das doenças e a resposta aos medicamentos e facilitará a descoberta de novos tratamentos. A principal necessidade da genética comportamental é a pesquisa clínica para definir melhor os subtipos genéticos das principais categorias de doenças. Descobertas nessa área só podem ocorrer com uma compreensão mais completa dos fenótipos clínicos. Uma vez que a pesquisa clínica consiga separar os componentes herdados das influências ambientais e possa construir linhagens confiáveis, a tarefa mecânica de encontrar uma mutação genética específica que seja herdada com o traço comportamental é quase uma conseqüência. A especulação sobre os usos de uma ligação genética específica, além da satisfação intelectual da descoberta, devem conduzir a medicamentos e tratamentos com base nesses genes. Embora os farmacologistas tenham testado milhões de compostos bioquímicos conhecidos para avaliar sua eficiência clínica, um ligação genética determinada tem o potencial de sugerir uma nova classe de medicamentos que ainda não tenha sido tentada. Com relação ao tratamento, este método hipotético utilizaria um sistema de envio de genes, com mais probabilidade um vírus modificado, para inserir uma cópia funcional do gene mutante nas células do cérebro que necessitem dele para o funcionamento normal. A concretização dessa perspectiva é improvável por um longo tempo. REFERÊNCIAS Berrettini WH. The human genome: susceptibility loci. Am J Psychiatry. 2001;158:865. Cardno AG, Holmans PA, Rees MI, et al. A genome-wide linkage study of age at onset in schizophrenia. Am J Med Genet. 2001;105:439. Cravchik A, Goldman D. Neurochemical individuality: genetic diversity among human dopamine and serotonin receptors and transporters. Arch Gen Psychiatry. 2000;57:1105. Eaden J, Mayberry MK, Sherr A, Mayberry JF. Screening: the legal view. Public Health. 2001;115:218. Enoch MA, Goldman D. The genetics of alcoholism and alcohol abuse. Curr Psychiatry Rep. 2001;3:144. Evans KL, Muir WJ, Blackwood DH, Porteous DJ. Nuts and bolts of psychiatric genetics: building on the Human Genome Project. Trends Genet. 2001;17:35. Gratacos M, Nadal M, Martin-Santos R, et al. A polymorphic genomic duplication on human chromosome 15 is a susceptibility factor for panic and phobic disorders. Cell. 2001;106:367.
CÉREBRO E O COMPORTAMENTO
151
Hurko O. Genetics and genomics in neuropsychopharmacology: the impact on drug discovery and development. Eur Neuropsychopharmacol. 2001;11:491. Johnston-Wilson NL, Bouton CM, Pevsner J, Breen JJ, Torrey EF, Yolken RH. Emerging technologies for large-scale screening of human tissues and fluids in the study of severe psychiatric disease. Int J Neuropsychopharmacol. 2001;4:83. Mundo E, Richter MA, Sam F, Macciardi F, Kennedy JL. Is the 5-HT(1Dbeta) receptor gene implicated in the pathogenesis of obsessive-compulsive disorder? Am J Psychiatry. 2000;157:1160. Mundo E, Walker M, Tims H, Macciardi F, Kennedy JL. Lack of linkage disequilibrium between serotonin transporter protein gene (SLC6A4) and bipolar disorder. Am J Med Genet. 2000;96:379. Niculescu AB 3rd, Kelsoe JR. Convergent functional genomics: application to bipolar disorder. Ann Med. 2001;33:263. Ohara K. Anticipation imprinting, trinucleotide repeat expansion, and psychoses. Prog Neuropsychopharmacol Biol Psychiatry. 2001;25:167. Patenaude AF, Guttmacher AE, Collins FS. Genetic testing and psychology. Am Psychol. 2002;57:271. Roubertoux PL, Le Roy-Duflos I. Quantitative trait locus mapping: fishing strategy or replicable results? Behav Genet. 2001;31:141. Tamminga CA. The human genome sequence: the human genome II: sources of genetic variation. Am J Psychiatry. 2001;158:691.
3.5 Psiconeuroendocrinologia e psiconeuroimunologia O termo psiconeuroendocrinologia se refere às relações estruturais e funcionais entre o sistema hormonal e o sistema nervoso central (SNC) e aos comportamentos que os modulam e que se originam neles. As doenças endócrinas costumam estar associadas a sintomas psiquiátricos secundários, como humor depressivo e transtornos do pensamento, enquanto uma porcentagem significativa de pacientes sofrendo com síndromes psiquiátricas definidas exibe padrões regulares de disfunção endócrina.
Secreção de hormônios Os hormônios são divididos em duas grandes classes: (1) proteínas, polipeptídeos e glicoproteínas e (2) esteróides e compostos esteróide-símiles (Tab. 3.5-1), secretados por glândulas endócrinas para dentro da corrente sangüínea e transportados para seus locais de ação. Quando um hormônio é co-localizado e co-secretado com um neurotransmissor (p. ex., a noradrenalina), pode ser referido como um neuromodulador, embora se tenha observado que alguns hormônios ou neuromoduladores, eles próprios, satisfazem os critérios para neurotransmissores. A secreção de hormônios é estimulada pela ação de um neurormônio, um produto neuronal secretado de células neuroendócrinas transdutoras do hipotálamo. Os neurormônios (Tab. 3.52) incluem o hormônio liberador de corticotropina (CRH), que estimula a secreção da adrenocorticotropina (hormônio adrenocorticotrópico, ACTH); o hormônio liberador de tirotropina (TRH), que estimula a liberação do hormônio estimulador da tireóide (TSH); o hormônio liberador da gonadotropina (GnRH),
152
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
que estimula a liberação do hormônio luteinizante (LH) e do hormônio folículo-estimulante (FSH); além da somatostatina (fator inibidor de liberação da somatostatina SRIF) e do hormônio liberador do hormônio do crescimento (GHRH), os quais estimulam a liberação do hormônio do crescimento (GH). Sinais químicos podem causar a liberação desses neurormônios da eminência mediana do hipotálamo para a corrente sangüínea do sistema portal hipofisário e coordenar seu transporte até a hipófise anterior para regular a liberação dos hormônios-alvo. Esses hormônios, por sua vez, atuam diretamente sobre as células-alvo (p. ex., o ACTH sobre a glândula adrenal) ou estimulam a liberação de outros hormônios das glândulas endócrinas periféricas. Além disso, possuem ações de retroalimentação que regulam a secreção dos neurormônios e de seus efeitos sobre o próprio cérebro tanto diretamente quanto como moduladores da ação de neurotransmissores (neuromodulação). Psiconeuroendocrinologia do desenvolvimento Os hormônios podem ter tanto efeitos de organização como de ativação. A exposição a hormônios gonadais durante estágios críticos do desenvolvimento orienta mudanças na morfologia e na função do cérebro (p. ex., o comportamento específico para o sexo na vida adulta). De forma similar, os hormônios da tireóide são essenciais para o desenvolvimento normal do SNC, e a deficiência dessa glândula durante estágios importantes da vida pós-natal compromete de forma significativa o crescimento e o desenvolvimento do cérebro, levando a transtornos do comportamento que podem ser permanentes se não for instituído o tratamento de reposição. Eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal Desde os conceitos mais iniciais da resposta ao estresse, propostos por Hans Selye e outros, a investigação da função hipotalâmica-hipofisária-adrenal tem ocupado uma posição central na pesquisa psicoendócrina. Os níveis de CRH, ACTH e cortisol se elevam em resposta a uma gama de estressores físicos e psíquicos e atuam como fatores primários para a manutenção da homeostase e o desenvolvimento de respostas adaptativas a estímulos novos e desafiadores. A resposta hormonal depende não apenas das características próprias do estressor, mas também de como o indivíduo o avalia e é capaz de lidar com ele. Afora os efeitos gerais
TABELA 3.5-2 Neurormônios Neurormônio
Hormônio estimulado
Hormônio liberador de corticotropina (CRH) Hormônio liberador de tirotropina (TRH)
Hormônio adrenocorticotrópico (ACTH) Hormônio estimulador da tireóide (TSH) Hormônio luteinizante (LH) Hormônio folículo-estimulante
Hormônio liberador de gonadotropina (GnRH) Somatostatina (SRIF) Hormônio liberador de hormônio do crescimento (GHRH) Oxitocina Arginina vasopressina (AVP)
Hormônio do crescimento (GH) GH Prolactina ACTH
Cortesia de Victor I Reus, M.D., e Sydney Frederick-Osborne, Ph.D.
sobre o despertar, foram documentados efeitos distintos sobre o processamento sensorial, a habituação e a sensibilização a estímulos, a dor, o sono e o armazenamento e a recordação de lembranças. Em primatas, o status social pode influenciar o perfil adrenocortical, que, por sua vez, é afetado por modificações induzidas de forma exógena nas concentrações de hormônios. Alterações patológicas da função hipotalâmica-hipofisária-adrenal têm se associado principalmente a transtornos do humor, transtorno de estresse pós-traumático e demência do tipo Alzheimer, embora evidência recente indique um papel deste sistema também nos transtornos por uso de drogas; transtornos do humor são encontrados em mais de 50% dos pacientes com síndrome de Cushing (caracterizada por concentrações elevadas de cortisol), com psicose e pensamentos suicidas aparentes em mais de 10% dos casos estudados. Comprometimentos cognitivos similares aos observados no transtorno depressivo maior (principalmente na memória visual e nas funções corticais superiores) são comuns e se relacionam à gravidade da hipercortisolemia e à possível redução de tamanho do hipocampo. Em geral, a redução dos níveis de cortisol normaliza o humor e o estado mental. De modo inverso, na doença de Addison (caracterizada por insuficiência adrenal), apatia, reclusão social, perturbação do sono e redução da concentração freqüentemente acompanham a fadiga proeminente. A reposição dos glicocorticóides (mas não a de eletrólitos) resolve a sintomatologia comportamental. Da mesma forma, anormalidades hipotalâmico-hipofisáriasadrenais são revertidas em indivíduos tratados com êxito com medicamentos antidepressivos, e verificou-se que estes agentes estimulam a ex-
TABELA 3.5-1 Classificação dos hormônios Estrutura
Exemplos
Armazenagem
Solúvel em lipídeos
Proteínas, polipeptídeos, glicoproteínas Esteróides, compostos esteróide-símiles
ACHT, β-endorfina, TRH, LH, FSH Cortisol, estrógeno, tiroxina
Vesículas Difusão após a síntese
Não Sim
Funções Autócrina Parácrina Endócrina
Efeitos auto-reguladores Ação celular local ou adjacente Alvo em local distante
ACTH, adrenocorticotropina; TRH, hormônio liberador de tirotropina; LH, hormônio luteinizante; FSH, hormônio folículo-estimulante. Cortesia de Victor I Reus, M.D., e Sydney Frederick-Osborne, Ph.D.
O
pressão dos genes receptores de corticosteróides. O fato de não regularem essas anormalidades é um sinal de mau prognóstico. Alterações na função hipotalâmico-hipofisária-adrenal associadas à depressão incluem concentrações elevadas de cortisol, falha na sua supressão em resposta à dexametasona, aumento do tamanho das adrenais e da sensibilidade ao ACTH, resposta atenuada deste ao CRH e, possivelmente, concentrações elevadas do CRH no cérebro.
Insulina. Evidências crescentes indicam que a insulina pode estar integralmente envolvida no aprendizado e na memória. Há receptores de insulina com alta densidade no hipocampo; acredita-se que eles auxiliam os neurônios a metabolizar a glicose. Pacientes com doença de Alzheimer têm concentrações mais baixas de insulina no líquido cerebrospinal (LCS) do que controles, e tanto a insulina como a glicose melhoram de forma significativa a memória verbal. É freqüente depressão em pacientes com diabete, como o são índices de comprometimento da resposta hormonal ao estresse. Não se sabe se esses achados representam efeitos diretos ou secundários (inespecíficos) da doença. É reconhecido, no entanto, que alguns antipsicóticos desregulam o metabolismo da insulina.
CÉREBRO E O COMPORTAMENTO
153
euforia, aumento da energia e ativação sexual, além de aumento de sintomas negativos de irritabilidade, oscilações do humor, sentimentos violentos, raiva e hostilidade. A testosterona é importante para o desejo sexual tanto em homens como em mulheres. Neles, a massa e a força muscular, a atividade sexual, o desejo, o pensamento e a intensidade de sentimentos sexuais dependem de níveis normais de testosterona, mas essas funções não são claramente aumentadas por uma suplementação do nível do esteróide em indivíduos com níveis normais de andrógenos. O acréscimo de pequenas quantidades de testosterona à reposição hormonal normal em mulheres na pós-menopausa tem, contudo, comprovado ser tão benéfico como sua utilização em homens hipogonádicos. A diidroepiandrosterona (DHEA), um andrógeno adrenal, é o esteróide circulante mais abundante. Possui vários efeitos fisiológicos, mas o interesse comportamental tem se concentrado em sua constante redução durante o curso da vida e em seu possível envolvimento com a memória. Vários ensaios controlados com a administração de DHEA indicam melhora do bem-estar e do estado funcional tanto em indivíduos deprimidos como normais. Seus efeitos podem resultar da transformação em estrógenos ou testosterona ou de sua atividade antiglicocorticóide.
Estrógeno e progesterona. Os estrógenos são capazes de inEixo hipotalâmico-hipofisário-gonadal Os hormônios gonadais (progesterona, androstenediona, testosterona, estradiol e outros) são esteróides secretados principalmente pelos ovários e pelos testículos, mas quantidades significativas de andrógenos também se originam do córtex adrenal. A próstata e o tecido adiposo estão também envolvidos na síntese e armazenagem da diidrotestosterona e contribuem para variações individuais na função sexual e no comportamento. A época e a presença dos hormônios gonadais têm um papel crítico no desenvolvimento do dimorfismo sexual. No desenvolvimento, esses hormônios dirigem a organização de várias estruturas e funções sexualmente dimórficas no SNC, como o tamanho dos núcleos do hipotálamo e do corpo caloso, a densidade neuronal do córtex temporal, a organização da capacidade de linguagem e a responsividade da área de Broca. Verificou-se em alguns estudos que mulheres com hiperplasia adrenal congênita, uma deficiência da enzima 21-hidroxilase que leva à exposição elevada a andrógenos adrenais na vida pré e pós-natal, são mais agressivas e assertivas e menos interessadas nos papéis femininos tradicionais do que controles femininos. Dimorfismos sexuais podem refletir também ações agudas e reversíveis de concentrações relativas de esteróides (p. ex., níveis elevados aumentam transitoriamente a sensibilidade do SNC à serotonina). Testosterona. É o principal esteróide androgênico, com funções tanto androgênicas (i.e., facilitadoras do crescimento linear do corpo) como de crescimento somático. Associa-se a aumento da violência e da agressão em animais e em estudos de correlação em humanos, mas relatos anedóticos não foram substanciados por investigações nesta população. Em homens hipogonádicos, a testosterona melhora o humor e reduz a irritabilidade. Efeitos variáveis de esteróides anabólico-androgênicos sobre o humor foram observados de forma anedótica. Um estudo prospectivo, controlado por placebo, da administração desses esteróides em indivíduos normais relatou sintomas positivos de humor, incluindo
fluenciar a atividade neural do hipotálamo e do sistema límbico diretamente através da modulação da excitabilidade neuronal e têm efeitos multifásicos complexos sobre a sensibilidade do receptor nigroestriatal de dopamina. De acordo com essa asserção, os dados indicam que o efeito antipsicótico dos medicamentos psiquiátricos pode mudar durante o ciclo menstrual e que o risco de discinesia tardia depende, em parte, da concentração de estrógenos. Vários estudos sugeriram que os esteróides gonadais modulam a cognição espacial e a memória verbal e estão envolvidos em impedir a degeneração neuronal relacionada à idade. Há também evidência crescente de que a administração de estrógeno reduz o risco e a gravidade da demência do tipo Alzheimer em mulheres na pós-menopausa. Ele possui propriedades de elevação do humor e pode também aumentar a sensibilidade à serotonina, possivelmente por inibir a monoaminoxidase. Em estudos com animais, o tratamento de longo prazo com estrógenos leva a uma redução de receptores 5-HT1 de serotonina e a um aumento dos receptores 5-HT2. Em mulheres ooforectomizadas, reduções significativas de locais de ligação para a imipramina tritiada (que modulam a captação de serotonina présináptica) foram minimizadas com o tratamento com estrógenos. Hipoteticamente, a associação desses hormônios com a serotonina é relevante para a mudança do humor nos transtornos do humor prémenstrual e pós-parto. No transtorno disfórico pré-menstrual, uma constelação de sintomas semelhantes a transtorno depressivo maior ocorre na maioria dos ciclos menstruais, aparecendo na fase lútea e desaparecendo dentro de poucos dias do início da menstruação. Não foram demonstradas anormalidades definitivas nos níveis dos estrógenos ou da progesterona em mulheres com transtorno disfórico pré-menstrual, mas a redução da captação da serotonina com a redução pré-menstrual dos níveis de esteróides tem sido correlacionada à gravidade de alguns sintomas. A maioria dos sintomas psicológicos associados à menopausa é relatada durante a perimenopausa, e não após a cessação completa das menstruações. Embora os estudos não sugiram nenhum aumento de incidência de transtorno depressivo maior, os sintomas relatados incluem preocupação, fadiga, acessos de choro, oscilações de humor, redução da capacidade de manejo do estresse e diminuição da libido ou da intensi-
154
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
dade do orgasmo. O tratamento de reposição hormonal (TRH) é eficiente na prevenção de osteoporose e na restituição da energia, de uma sensação de bem-estar e da libido; contudo, sua utilização é extremamente controversa. Um estudo do National Institute of Health em 2002 verificou que medicamentos que combinavam estrógenos e progestina (p. ex., Premarin) levaram a pequenos aumentos em câncer de mama, ataques cardíacos, acidentes vasculares cerebrais e coágulos sangüíneos em mulheres na menopausa. Estudos dos efeitos de estrógenos isoladamente em pessoas que se submeteram a histerectomia (já que o estrógeno sozinho aumenta o risco de câncer uterino) estão em curso.
Prolactina. Está principalmente envolvida nas funções reprodutoras. Durante a maturação, a secreção da prolactina participa no desenvolvimento das gônadas. Em adultos, contribui para a regulação de aspectos comportamentais da reprodução e do cuidado de bebês, incluindo a receptividade sexual e a amamentação estrógeno-dependentes. Embora o metabolismo da prolactina não esteja claramente alterado nos transtornos psiquiátricos, pacientes com hiperprolactinemia por vezes se queixam de depressão, redução da libido, intolerância ao estresse, ansiedade e aumento da irritabilidade. Esses sintomas comportamentais em geral se resolvem com reduções da prolactina no soro, tanto com tratamento cirúrgico como farmacológico. Suas concentrações séricas também se correlacionam positivamente com a gravidade da discinesia tardia, particularmente em mulheres expostas a medicação antipsicótica. Eixo hipotalâmico-hipofisário-tireóide Os hormônios da tireóide estão envolvidos na regulação de quase todos os sistemas de órgãos, particularmente naqueles que integram o metabolismo dos alimentos e a regulação da temperatura, e são responsáveis pelo bom desenvolvimento e função de todos os tecidos do organismo. Além de sua função endócrina principal, o TRH exerce efeitos diretos sobre a excitabilidade neuronal, o comportamento e a regulação de neurotransmissores.
As doenças da tireóide podem incluir quase qualquer sintoma ou síndrome psiquiátrica, embora não se encontrem associações consistentes entre síndromes específicas e condições da tireóide. O hipertireoidismo com freqüência se associa a fadiga, irritabilidade, insônia, ansiedade, inquietação, perda de peso e labilidade emocional, com dificuldade marcante de concentração e memória. Esses estados podem progredir para delirium ou mania ou podem ser episódicos. Por vezes, desenvolve-se uma verdadeira psicose, sendo a paranóia uma manifestação particularmente comum. Em alguns casos, a lentificação psicomotora, a apatia e a reclusão são as características presentes, em vez de agitação ou ansiedade. Sintomas de mania também têm sido relatados após a rápida normalização do estado da tireóide em indivíduos hipotireóideos e podem co-variar com o nível da tireóide em indivíduos com disfunção endócrina episódica. Em geral, as anormalidades comportamentais se resolvem com a normalização da função tireóidea e respondem sintomaticamente aos regimes psicotrópicos tradicionais. Os sintomas psiquiátricos do hipotireoidismo crônico são, em geral, bem-reconhecidos (Fig. 3.5-1). Classicamente, fadiga, redução da libido, comprometimento da memória e irritabilidade são percebidos, mas um transtorno psicótico secundário ou um estado semelhante à demência também pode se desenvolver. A ideação suicida é comum, e a letalidade de tentativas reais é profunda. Nos estados mais leves, subclínicos, de hipotireoidismo, a ausência de sinais visíveis acompanhando a disfunção endócrina pode levá-la a ser desconsiderada como a possível causa de um transtorno mental. Hormônio do crescimento A deficiência de GH interfere no crescimento e posterga o início da puberdade. Níveis baixos de GH podem ser o resultado de uma experiência estressante. Sua administração a indivíduos com deficiência de GH beneficia a função cognitiva, além de seus efeitos
FIGURA 3.5-1 Mãos de um paciente com hipotireoidismo (mixedema) ilustrando a tumefação de partes moles, o engrossamento dos dedos e a conseqüente aparência atarracada ou rechonchuda. (Reimpressa de Waterfield RL. Anaemia. In:French’s Index of Differential Diagnosis. 7th ed. AH Douthwaite, ed. Baltimore: Williams & Wilkins; 1954.)
O
somáticos mais óbvios, porém estudos indicam má adaptação psicossocial na vida adulta de crianças tratadas para deficiência do hormônio. Uma porcentagem significativa de pacientes com transtorno depressivo maior e transtorno distímico pode ter deficiência do GH. Alguns pacientes pré-púberes e adultos com diagnóstico de transtorno depressivo maior exibem hipossecreção do GHRH durante o teste de tolerância à insulina, um déficit que tem sido interpretado como refletindo alterações tanto em mecanismos colinérgicos como serotonérgicos. Anormalidades relacionadas ao GH foram observadas em pacientes com anorexia nervosa. Contudo, fatores secundários como a perda de peso, tanto no transtorno depressivo maior como em transtornos da alimentação, podem ser responsáveis pelas alterações da liberação do hormônio. A despeito disso, pelo menos um estudo relatou que o GHRH estimula o consumo de alimentos em pacientes com anorexia nervosa e o reduz em pacientes com bulimia. A administração de GH a homens idosos aumenta a massa corporal magra e o vigor. O hormônio do crescimento é liberado em pulsos durante o dia, os quais ficam mais próximos entre si durante as primeiras horas do sono do que em outros momentos. Opióides endógenos Desde a descoberta dos receptores de opióides endógenos e de seus ligantes no início dos anos de 1970, a pesquisa sobre os possíveis papéis desses compostos no comportamento floresceu. O termo opióides foi inicialmente introduzido para diferenciar os peptídeos opióides endógenos dos medicamentos opiáceos exógenos, mas atualmente é utilizado para se referir a todas as drogas com atividade opióide. Em modelos animais, vários estressores, inclusive os puramente psicológicos, induzem efeitos intermediados por opióides, como a analgesia e a hipomotilidade, os quais são revertidos pelo antagonista de opiáceos naloxona (Narcon). Vários estudos verificaram que as concentrações de β-endorfinas do plasma em humanos se correlacionam a medidas de estresse desencadeado por cirurgia, exercícios, saltos de pára-quedas ou dor. Os opióides também afetam o comportamento alimentar. De forma mais freqüente, a administração de curto prazo de seus agonistas aumenta a ingestão alimentar, enquanto os antagonistas reduzem-na em até 30%, diminuindo o consumo de gorduras e de alimentos altamente palatáveis e aumentando o gasto calórico. Recentemente, verificou-se em ensaios duplo-cegos que a naltrexona (Revia) é um auxiliar eficiente no tratamento da dependência de álcool, reduzindo a ingestão, a avidez por álcool e a euforia derivada do consumo, além de evitar que o consumo, no caso de abstêmios, precipite uma recidiva; contudo, esses resultados necessitam de replicação. Melatonina É um hormônio da pineal que deriva da molécula de serotonina e controla eventos endócrinos intermediados de forma fotoperiódica (particularmente os do eixo hipotalâmico-hipofisário-gonadal). Modula também a função imune, o humor e a função reprodutiva, agindo como um antioxidante potente e consumidor de radicais livres. A melatonina tem um efeito depressor sobre a
CÉREBRO E O COMPORTAMENTO
155
excitabilidade do SNC, é analgésico e possui efeitos de inibição de convulsões em estudos de animais. Pode ser um agente terapêutico útil no tratamento de transtornos de fase circadiana, como a síndrome de vôos transmeridianos (jet lag). A ingestão da melatonina aumenta a rapidez do início do sono, bem como sua duração e qualidade.
Oxitocina Também um hormônio da hipófise posterior, está envolvida na osmorregulação, no reflexo de ejeção de leite, na ingestão de alimentos e no comportamento materno e sexual da mulher. Postula-se teoricamente que a oxitocina é liberada durante o orgasmo, mais nas fêmeas do que nos machos, e presume-se que promova a ligação entre os sexos.
Substância P Trata-se de um peptídeo com 11 aminoácidos descoberto em 1930; tem efeitos neurotróficos e atua como transmissor excitador nos terminais nervosos aferentes primários da medula espinal de mamíferos, auxiliando a regular a função simpática adrenérgica. Dependendo do paradigma de dor utilizado, a administração da substância P pode produzir tanto hiperalgesia como analgesia. Verificou-se também que ela tem efeitos de promoção e reforço da memória. Embora tenha sido implicada na patogênese de vários transtornos neuropsiquiátricos, a evidência relativa de qualquer papel específico é mista. Avaliação endócrina A função neuroendócrina pode ser estudada avaliando-se as medidas de linha de base e medindo-se a resposta de seu eixo a algum teste neuroquímico ou hormonal. O primeiro método possui duas abordagens. Uma é medir um único ponto no tempo – por exemplo, os níveis matinais do hormônio do crescimento; tal abordagem está sujeita a erro significativo devido à natureza pulsátil da liberação da maioria dos hormônios. A outra abordagem é coletar amostras de sangue em vários pontos ou de urina de 24 horas; essas medidas estão menos sujeitas a erros mais proeminentes. A melhor abordagem, contudo, é realizar um teste de desafio neuroendócrino, em que se administra ao indivíduo um medicamento ou um hormônio que perturba o eixo endócrino de algum modo padronizado. As pessoas sem doença exibem muito menos variação de suas respostas a esses estudos de teste do que em suas medidas de linha de base. PSICONEUROIMUNOLOGIA O sistema nervoso e o sistema imune representam duas redes no organismo. Cada uma contém uma diversidade marcante de tipos de células e utiliza uma ampla farmacopéia de sinais quími-
156
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
cos. Até 20 anos atrás, considerava-se ambos como entidades paralelas, mas independentes. Desde os anos de 1980, contudo, um número pequeno, mas crescente, de estudos consistentes tem revelado um conjunto de interações diretas entre os dois sistemas e desenvolvido o campo da psiconeuroimunologia. Condicionamento comportamental A demonstração de que processos de aprendizado podem influenciar a função imunológica é outro exemplo de interações entre os sistemas imune e nervoso. Vários paradigmas clássicos de condicionamento têm se associado à supressão ou ao reforço da resposta imune em muitos delineamentos experimentais.
investigadores relataram também redução nas medidas da função imune em indivíduos expostos a estressores crônicos da vida, como divórcio e cuidado de pacientes com doença de Alzheimer. Por exemplo, cuidadores de pacientes com doença de Alzheimer exibiram alterações nas subpopulações de linfócitos, aumento nos títulos de anticorpos para o vírus do herpes simples, redução da resposta proliferativa a mitógenos, mais dias de doença por moléstias infecciosas, respostas comprometidas de anticorpos à vacina do vírus da influenza e latência maior para a cicatrização de ferimentos. O luto conjugal, um dos acontecimentos estressantes da vida ocorrendo com mais freqüência, tem se associado a aumento da morbidade e mortalidade sistêmica.
Em um esforço para condicionar ratos a evitar água temperada com sacarina, esta lhes foi apresentada simultaneamente com uma injeção de ciclofosfamida (Genuxal) para induzir náuseas. Assim como o método engendrou uma aversão à ciclofosfamida, também o efeito imunossupressor desta se tornou uma resposta condicionada. Dessa forma, quando recebendo água temperada com sacarina, os ratos suprimiram suas células T, contraíram doenças infecciosas e morreram inesperadamente.
Por fim, muita atenção tem sido orientada para a noção de que o estresse e a depressão podem influenciar a imunocompetência em indivíduos soropositivos para o vírus da imunodeficiência humana (HIV), atuando como co-fatores na progressão da infecção para a síndrome de imunodeficiência adquirida (AIDS). Estudos verificaram que indivíduos HIV-positivos que experimentaram estresse grave tiveram mudanças relevantes nos parâmetros imunes, inclusive contagens celulares mais baixas de células CD8+ e natural killers. Estudos em curso estão examinando variáveis psicossociais e imunológicas e o curso de indivíduos com infecção por HIV.
Estresse e resposta imunológica
Transtornos psiquiátricos e suas manifestações
Experimentos conduzidos em animais de laboratório no final dos anos de 1950 e no início dos anos de 1960 indicaram que uma ampla gama de estressores – incluindo isolamento, rotação, superpopulação, exposição a predador e choque elétrico – aumentou a morbidade e a mortalidade em resposta a vários tipos de tumores e doenças infecciosas causadas por vírus e parasitas. A evidência refere que acontecimentos estressantes da vida podem aumentar a suscetibilidade a doenças infecciosas. Por exemplo, pesquisadores verificaram que as taxas de infecção por cinco rinovírus diferentes administrados por via intranasal foram significativamente mais altas em indivíduos sob elevado estresse psicológico do que naqueles que não estavam sob tal pressão. Alguns estudos indicaram uma relação entre sintomas depressivos (presumivelmente secundários ao aumento do estresse e à incapacidade de lidar com ele) e o desenvolvimento de câncer, mas seus achados não foram replicados. Uma vez que se tenha desenvolvido câncer, contudo, dados de mulheres com câncer metastático de mama indicam que a terapia de grupo pode aumentar o tempo de sobrevivência e reduzir os episódios de dor. Outros estudos relatam que a qualidade de vida melhora muito mais do que a sobrevivência, ainda que a influência sobre esta seja significativa.
A idéia de que a função alterada do SNC é resultado de uma combinação de efeitos diretos de um acontecimento danoso sobre vários tipos de células e dos efeitos de intermediadores inflamatórios sobre os neurônios e suas células de apoio é a pedra fundamental da neuroimunologia. O fato de agentes infecciosos levarem a transtornos psiquiátricos está bem-estabelecido. Exemplos óbvios incluem a deficiência mental, que pode se desenvolver após a infecção congênita com o vírus da rubéola ou com o vírus citomegálico, o delirium, que acompanha a meningoencefalite aguda decorrente de infecção do SNC pelo vírus do herpes simples tipo I, demências resultantes de vírus lentos (p. ex., kuru e doença de Creutzfeldt-Jakob) e as manifestações neuropsiquiátricas que ocorrem durante a neurossífilis.
Estudos enfocando estresse acadêmico entre estudantes de medicina verificaram menos atividade de células natural killers durante o período de exames finais do que a linha de base pré-exame. Esse tipo de estresse também foi associado à redução do número de células T, da resposta a mitógenos, da produção de interferon e de respostas de anticorpos à vacina recombinante da hepatite B. Além disso, foi observado um aumento do título de anticorpos para vírus de herpes latente, presumivelmente secundário ao comprometimento da imunidade celular. Os
Esquizofrenia. Várias linhas de evidência sugerem que infecções por vírus durante o desenvolvimento neural podem estar envolvidas na patogênese de alguns casos de esquizofrenia. Os dados incluem (1) excesso de nascimentos de pacientes no fim do inverno e no início da primavera, sugerindo possível exposição à infecção viral no útero durante o pico de doenças virais do outono e do inverno; (2) associação entre exposição no útero a epidemias de vírus e desenvolvimento posterior de esquizofrenia; (3) aumento da possibilidade de pacientes esquizofrênicos terem tido irmãos mais velhos em casa (uma fonte potencial de infecções virais), comparados com controles; e (4) variação geográfica da prevalência, com a doença sendo mais comum em pontos mais distantes da linha do equador. Os investigadores relataram também várias alterações em marcadores imunes em pacientes com esquizofrenia, incluindo aumento dos níveis de interferon, produção diminuída de interleucina-2 (IL-2) e aumento do número
O
de receptores de IL-2. Alguns estudos encontraram aumento dos níveis de imunoglobulinas no LCS. As células nervosas são os alvos de auto-anticorpos em várias síndromes. Por exemplo, auto-anticorpos relacionados a proteínas citoplasmáticas de células de Purkinje se associam a degeneração cerebelar cortical subaguda, que é uma complicação rara de cânceres de mama ou de ovário. Auto-anticorpos contra neurônios (GABA)érgicos com ácido γ-aminobutírico no soro e no LCS parecem ser o mecanismo subjacente à síndrome do homem rígido (stiff man), uma doença rara caracterizada por rigidez progressiva e espasmos musculares dolorosos recorrentes. Anticorpos antineuronais também podem se originar da infecção por estreptococos β-hemolíticos do grupo A, como exemplificado pela coréia de Sydenham. Considerando-se que as crianças com essa doença exibem com freqüência sintomas obsessivo-compulsivos, labilidade emocional e hiperatividade, parece haver um espectro de transtornos pediátricos neuropsiquiátricos auto-imunes associados a infecções por estreptococos (PANDAS). Em particular, o início súbito de transtorno obsessivo-compulsivo, tiques, transtorno de déficit de atenção/ hiperatividade e outras condições psiquiátricas tem sido caracterizados em crianças como subseqüente à infecção com o estreptococo β-hemolítico do grupo A.
Transtorno depressivo maior. Há um interesse crescente na possibilidade de que a ativação imune possa contribuir para a fisiopatologia da depressão. Por exemplo, verificaram-se aumentos das concentrações no soro das citocinas IL-1 e IL-6 pró-inflamatórias, bem como das proteínas de fase aguda, inclusive da proteína C-reativa, da haptoglobina e da α1-glicoproteína ácida, em pacientes com esse transtorno. Além disso, foram descritos marcadores celulares de ativação imune. A fonte da ativação no transtorno depressivo maior é desconhecida, embora estudos tenham indicado que tanto o estresse como o CRH podem induzir citocinas pró-inflamatórias na ausência de teste imune formal. A administração de uma gama de citocinas em ensaios clínicos também esteve associada ao desenvolvimento de síndromes depressivas (comportamento de doença). Doença de Alzheimer. Embora esta não seja considerada uma doença essencialmente inflamatória, evidências indicam que o sistema imune pode contribuir para sua patogenia. A descoberta de que as placas de amilóide se associam a proteínas de fase aguda, como as proteínas do complemento e a proteína C-reativa, sugere a possibilidade de uma resposta imune em curso. A idéia de que um processo inflamatório esteja envolvido na doença de Alzheimer foi apoiada por estudos recentes mostrando que a utilização de longo prazo de antiinflamatórios não-esteróides (AINEs) se correlaciona negativamente ao desenvolvimento da doença. Infecção por HIV. É uma condição imunológica associada a uma gama de manifestações neurológicas, incluindo demência. A encefalite por HIV leva a anormalidades sinápticas e a perdas de neurônios no sistema límbico, nos gânglios basais e no neocórtex. Uma discussão completa sobre o assunto é apresentada no Capítulo 11. Esclerose múltipla. Trata-se de uma doença desmielinizante, caracterizada por lesões inflamatórias disseminadas da substância
CÉREBRO E O COMPORTAMENTO
157
branca. Foi feito considerável progresso na elucidação da imunopatologia da destruição da mielina que ocorre na esclerose múltipla e no modelo animal da doença, a encefalomielite alérgica experimental. Embora o passo inicial para a formação das lesões não tenha sido determinado, o comprometimento da barreira hematencefálica e a infiltração de células T, células B, células plasmáticas e macrófagos parecem estar associados à formação de lesões. Outros transtornos. Há várias condições em que as interações neuroimunes são suspeitadas, mas não bem-documentadas. A síndrome da fadiga crônica é uma doença com etiologia e patogenia controversas. Além da fadiga persistente, os sintomas freqüentemente incluem depressão e transtornos do sono. Testes da função imune verificaram indicações tanto de ativação como de imunossupressão da mesma. As avaliações neuroendócrinas indicam que pacientes com esta síndrome podem ter hipercortisolemia, devido à ativação comprometida do eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal. Embora uma infecção viral em geral preceda o início da síndrome da fadiga crônica, nenhum agente infeccioso foi causalmente associado à doença. Em contraste, a doença de Lyme, em que as perturbações do sono e a depressão são comuns, é claramente decorrente da infecção pelo espiroqueta Borrelia burgdorferi, conduzido por carrapatos, que pode invadir o SNC e causar encefalite e sintomas neurológicos. Essa condição é notável porque parece produzir uma gama de transtornos neuropsiquiátricos, incluindo ansiedade, irritabilidade, obsessões, compulsões, alucinações e déficits cognitivos. A imunopatologia do SNC pode estar envolvida, já que os sintomas podem persistir ou reaparecer, mesmo após um curso prolongado de tratamento com antibióticos, e com freqüência é difícil isolar o espiroqueta do cérebro. A síndrome da Guerra do Golfo é uma condição controversa com manifestações inflamatórias e neuropsiquiátricas. A condição tem sido atribuída, com variações, a estresse de combate, armas químicas (p. ex., inibidores da colinesterase), infecções e vacinas. Dado o impacto do estresse na neuroquímica e nas respostas imunes, esses mecanismos patogênicos não são mutuamente excludentes. RITMOS BIOLÓGICOS E CRONOBIOLOGIA Os sistemas biológicos oscilam constantemente entre diferentes estados, com ritmos diversos. Os ciclos óbvios aos quais os ritmos biológicos se conformam incluem o ciclo dia-noite, o mês lunar, o ano solar e as restrições biofísicas, como a taxa de difusão de gás nos pulmões, que determina a freqüência respiratória, e os parâmetros contráteis cardíacos, que ditam a freqüência cardíaca. Horário de refeições padronizado e trabalho diário das 9 às 17 horas são exemplos de outras influências exógenas. O cérebro apresenta muitas oscilações, algumas das quais fornecem um sussurro constante sobre o qual outras encaixam uma melodia elaborada. Os teóricos da percepção superior e do pensamento, como Rudolfo Llinas, estão cada vez mais interessados em como o cérebro pode utilizar padrões rítmicos de disparos neuronais para codificar informações, além de empregar diferentes combinações
158
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
espaciais de conexões sinápticas. Dessa forma, os ritmos biológicos vão do ciclo menstrual mensal a oscilações cerebrais ocorrendo na faixa de 30 a 60 vezes por segundo. O sono é um dos vários ritmos do organismo. Ritmos biológicos circadianos são estabelecidos tanto por forças internas como externas, geralmente denominadas zeitgebers (marcadores de tempo, indícios de tempo, sincronizadores), que constituem um conjunto amplamente distribuído de núcleos. As principais influências circadianas emanam da formação reticular da ponte e do núcleo supraquiasmático do hipotálamo. Evidência recente demonstrou que esta última estrutura pode estabelecer o passo dos ritmos circadianos mesmo na ausência de conexões sinápticas físicas com o resto do hipotálamo, sugerindo que o zeitgeber atua mediante a elaboração de substâncias difusíveis. Na ausência de indícios externos, o período dos ritmos circadianos humanos é um pouco mais longo do que o do dia (24,5 horas). O ciclo sono-vigília, os níveis hormonais, a temperatura corporal e o ciclo menstrual são exemplos de ritmos biológicos mensuráveis. Quando um indivíduo está sadio, todos os ritmos têm uma relação natural, e diz-se que estão em fase. Quando o sistema é perturbado (p. ex., por ficar acordado toda a noite), certos ritmos biológicos são perturbados (p. ex., os do hormônio do crescimento e do cortisol), sendo, então, considerados fora de fase. Esse estado contribui para os efeitos doentios experimentados pelo indivíduo. Alguns transtornos apresentam perturbação de fase como parte de seus sintomas. Quando os ritmos estão em desordem, um ritmo particular pode ter um avanço de fase anormal, começando mais cedo do que o habitual, ou um atraso de fase, começando mais tarde do que o habitual. Sob condições experimentais, uma curva de fase-resposta para os ritmos biológicos pode mostrar que um estímulo particular (p. ex., a luz) é capaz de gerar tanto um avanço como um atraso de fase, dependendo de quando é ministrado (p. ex., no ciclo sono-vigília). O lítio (Carbolitium) e vários dos medicamentos tricíclicos e dos inibidores da MAO (IMAOs) atrasam os ritmos em modelos experimentais com animais, apoiando a hipótese de que pelo menos algumas formas de depressão representam uma alteração de avanço de fase. O sono é uma fase essencial da existência humana diária em que ocorre uma grande quantidade de atividade mental. Enquanto a maior parte do período de sono permanece inconsciente, os estados de sonho podem gravar lembranças vívidas e bizarras. Freud, na Interpretação dos Sonhos, denominou os sonhos de “caminho real para o inconsciente”. O ciclo sono-vigília é sincronizado com modificações dos níveis de vários hormônios circulantes. Os níveis do cortisol no soro são mais baixos no início do sono e mais altos pela manhã. A secreção do TSH é suprimida com o início do sono, enquanto a melatonina é secretada à noite e termina com a estimulação da retina pela luz. Os níveis de GH possuem ondas mais altas durante o sono profundo, e esse estímulo cessa gradativamente na vida adulta tardia, à medida que o sono profundo desaparece. A prolactina e o LH também atingem seus níveis mais altos durante o sono. Outros hormônios, como a testosterona, variam de forma marcante durante o dia (sendo impossível medi-la de forma acurada em uma única leitura).
ESQUEMA DE SONO DIA 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14
2300
1700
600
2400
} 2300
AVANÇO DE FASE DO SONO
PRIVAÇÃO COMPLETA DE SONO
600
FIGURA 3.5-2 Tratamento de depressão com mudança do ciclo sonovigília para mais cedo (avanço de fase) em relação a outros ritmos circadianos e, a seguir, gradativamente mudando-o de volta para o esquema normal. O tratamento por avanço de fase se baseia em observações experimentais de que o sono é depressor quando coincide com a fase circadiana tardia da noite e de manhã cedo, mas não quando coincide com a do fim da tarde e do início da noite. (Ver Wehr TA, Wirz-Justice A, Duncan WC, Gillin JC, Goodwin FK. Phase-advance of the circadian sleep-wake cycle as an antidepressant. Science. 1979; 206:710; Berger M, Vollmann J, Hohagen F, et al. Sleep deprivation combined with consecutive sleep phase advance as a fast-acting therapy in depression: an open pilot trial in medicated and unmedicated patients. Am J Psychiatr. 1997;154:870.)
A necessidade de sono é demonstrada por experimentos em que os animais privados dessa condição morrem em poucas semanas. Os humanos que não dormem por 60 a 200 horas começam a exibir um colapso na concentração, nas habilidades motoras, no autocuidado, na atenção, no julgamento e, eventualmente, na comunicação. Podem aparecer alucinações e ilusões. Contudo, existe uma grande variação na necessidade de sono, que é determinada por fatores genéticos, hábitos formados cedo na vida e estados físicos e emocionais particulares. O ritmo circadiano (24 horas) aparece nos primeiros meses de vida e permanece intacto até a idade avançada, quando pode começar a se fragmentar. A depressão é o sintoma psiquiátrico que mais tem se associado à perturbação de ritmos biológicos. O despertar de madrugada, a redução da latência para o sono com movimentos rápidos dos olhos (REM) e as perturbações neuroendócrinas observadas na depressão podem ser conceituados como refletindo um distúrbio na coordenação dos ritmos biológicos. Uma hipótese é que, em alguns indivíduos, a depressão ocorre quando a fase sensível do sono do sistema circadiano avança das primeiras horas do despertar para as fases tardias do sono. A pesquisa indica que alterações no ciclo claro-escuro (ao expor o paciente a luz artificial ou ao modificar seu ciclo sonovigília) (Fig. 3.5-2) podem aliviar os sintomas. REFERÊNCIAS Abbas AK, Lichtman AH, Pober JS. Cellular and Molecular Immunology. 2nd ed. Philadelphia: WB Saunders; 1994.
O
Arborelius L, Owens MJ, Plotsky PM, Nemeroff CB. The role of corticotropin-releasing factor in depression and anxiety disorders. J Endocrinol. 1999;160:1. Besedovsky HO, Rey AD. Immune-neuro-endocrine interactions: facts and hypotheses. Endocr Rev. l996;17:64. Brzezinski A. Melatonin in humans. N Engl J Med. 1997;336:186. Connor TJ, Leonard BE. Depression, stress and immunological activation: the role of cytokines in depressive disorders. Proc Natl Sci Counc Repub China B. 1998;62:583. Coplan JD, Andrews MW, Rosenblum LA, et al. Persistent elevations of cerebrospinal fluid concentrations of corticotropin-releasing factor in adult nonhuman primates exposed to early-life stressors: implications for pathophysiology of mood and anxiety disorders. Proc Natl Acad Sci U S A. 1996;93:1619. Goehler LE, Gaykema RPA, Nguyen KT, et al. Interleukin-1B in immune cells of the abdominal vagus nerve. A link between the immune and nervous systems? J Neurosci. 1999;19:2799. Insel TR, O’Brien DJ, Leckman JF. Oxytocin, vasopressin, and autism: is there a connection? Biol Psychiatry. 1999;45:145. Kawata M. Roles of steroid hormones and their receptors in structural organization in the nervous system. Neurosci Res. 1995; 24:1.
CÉREBRO E O COMPORTAMENTO
159
Kunz D, Herrmann WM. Sleep-wake cycle, sleep-related disturbances, and sleep disorders: a chronobiological approach. Compr Psychiatry. 2000;41(2 suppl 1):104. Lamberts SWJ, van den Beld AW, van der Lely A-J. The endocrinology of aging. Science. 1997;278:419. Liu D, Diorio J, Tannenbaum B, et al. Maternal care, hippocampal glucocorticoid receptors, and hypothalamic-pituitary-adrenal responses to stress. Science. 1997;277:1659. Lyons DM., Wang OJ., Lindley SE, Levin S. Kalin NH, Schatzberg A. Separation induced changes in squirrel monkey hypothalamic-pituitary-adrenal physiology resemble aspects of hypercor tisolism in humans. Psychoneuroendocrinolog y. 1999;24:131. Muller N, Riedel M, Gruber R, Ackenheil M, Schwarz MJ. The immune system and schizophrenia. an integrative view. Ann N Y Acad Sci. 2000;917:456. Porter SS, Hopkins RO, Weaver LK, et al. Corpus callosum atrophy and neuropsychological outcome following carbon monoxide poisoning. Arch Clin Neuropsychol. 2002;17:195. Stevens JR. Schizophrenia: reproductive hormones and the brain. Am J Psychiatry. 2002;159:713.
4 Contribuições das ciências psicossociais
4.1 Jean Piaget Jean Piaget criou um sistema teórico amplo para o desenvolvimento das habilidades cognitivas. Nesse sentido, seu trabalho foi semelhante ao de Sigmund Freud, enfatizando porém a maneira como as crianças pensam e adquirem conhecimento. Piaget (1896-1980) nasceu em Neuchatel, na Suíça, onde estudou e concluiu o doutorado em biologia aos 22 anos de idade (Fig. 4.1-1). Interessando-se por psicologia, estudou e realizou pesquisas em diversos centros, incluindo a Sorbonne, em Paris, e trabalhou com Eugen Bleuler no Hospital Psiquiátrico de Burghöltzli. Amplamente renomado como psicólogo infantil (ou do desenvolvimento), referia-se à sua disciplina como epistemologia genética, que definiu como o estudo do desenvolvimento do pensamento abstrato com base em um substrato biológico ou inato. Essa autodesignação revela que seu projeto central era mais do que a articulação de uma psicologia do desenvolvimento infantil, como esse termo costuma ser compreendido, mas uma narrativa do desenvolvimento progressivo do conhecimento humano.
ESTÁGIOS DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO Piaget descreveu quatro estágios principais que levam à capacidade do pensamento adulto. Um é pré-requisito para o próximo, mas a taxa em que crianças diferentes avançam pelos diferentes estágios varia conforme sua herança genética e as circunstâncias ambientais. Os quatro estágios de Piaget são o estágio sensóriomotor, o estágio do pensamento pré-operatório, o estágio operatório concreto e o estágio operatório formal. Estágio sensório-motor (do nascimento aos 2 anos) O termo sensório-motor foi usado para descrever o primeiro estágio: os bebês começam a aprender por meio da observação sensorial, e adquirem controle de suas funções motoras a partir de atividades, exploração e manipulação do ambiente. Piaget dividiu-o em seis subestágios, listados na Tabela 4.1-1.
Desde o começo, a biologia e a experiência se unem para produzir o comportamento aprendido. Por exemplo, os bebês nascem com um reflexo de sucção, mas há um tipo de aprendizagem quando descobrem a localização do mamilo e alteram a forma de suas bocas. Um estímulo é recebido, resultando em uma resposta, acompanhada por um sentido de consciência que é o primeiro esquema, ou conceito elementar. À medida que os bebês se tornam mais móveis, um esquema é construído sobre outro, e são desenvolvidos outros cada vez mais complexos. Os mundos espaciais, visuais e táteis dos bebês expandem-se durante esse período. Eles interagem ativamente com o ambiente e usam padrões de comportamento aprendidos anteriormente. Por exemplo, após aprenderem a usar um chocalho, sacodem outros brinquedos como se fosse o chocalho que aprenderam a usar, assim como também usam o chocalho de novas maneiras. A realização fundamental dessa fase é o desenvolvimento da permanência do objeto ou o esquema do objeto permanente. Essa expressão está relacionada à capacidade da criança de entender que os objetos possuem uma existência independente do envolvimento que se tem com eles. Os bebês aprendem a diferenciar a si mesmos do mundo e são capazes de manter uma imagem mental de um objeto, mesmo quando ele não está presente ou visível. Quando se derruba um objeto na frente dos bebês, eles olham para o chão, em busca do mesmo. Ou seja, se comportam pela primeira vez como se o objeto tivesse uma realidade além deles mesmos. Por volta dos 18 meses, os bebês começam a desenvolver símbolos mentais e a usar palavras, um processo conhecido como simbolização. Conseguem criar uma imagem visual de uma bola ou um símbolo mental para representar a palavra bola, ou para significar o objeto real. Essas representações mentais permitem que as crianças operem em novos níveis conceituais. A compreensão da permanência dos objetos marca a transição do estágio sensório-motor para o estágio pré-operatório do desenvolvimento. Estágio do pensamento pré-operatório (dos 2 aos 7 anos) Durante este estágio, as crianças usam símbolos e a linguagem de forma mais ampla do que no anterior. O pensamento e o raciocínio são intuitivos, e é possível aprender sem usar o raciocínio. Elas não conseguem pensar de forma lógica ou dedutiva, e seus
CONTRIBUIÇÕES DAS CIÊNCIAS
FIGURA 4.1-1 Jean Piaget. (Reimpressa com permissão da Jean Piaget Society, Temple University, Philadelphia, PA.)
conceitos são primitivos. Podem dar nomes aos objetos, mas não a classes de objetos. O pensamento pré-operatório está entre o pensamento adulto socializado e o inconsciente freudiano, completamente autista. Os eventos não são conectados pela lógica. No começo desse estágio, se uma criança derrubar um copo e este
TABELA 4.1-1 Período sensório-motor do desenvolvimento cognitivo, segundo Piaget Idade
Características
Nascimento-2 meses
Usa reflexos motor e sensorial inatos (chupar, segurar, olhar) para interagir e adaptar-se ao mundo externo. Reação circular primária – coordena atividades do próprio corpo e com os cinco sentidos (p. ex., chupar o polegar); a realidade permanece subjetiva – não procura estímulos fora de seu campo visual; manifesta curiosidade. Reação circular secundária – procura novos estímulos no ambiente; começa a prever conseqüências do próprio comportamento e a agir de forma propositada para mudar o ambiente; começo do comportamento intencional. Apresenta sinais preliminares de permanência do objeto; tem um vago conceito de que os objetos existem além de si mesmo; brinca de esconder; imita comportamentos novos. Reação circular terciária – busca novas experiências; produz comportamentos novos. Pensamento simbólico – usa representações simbólicas de eventos e objetos; apresenta sinais de raciocínio (p. ex., usa um brinquedo para alcançar outro); compreende permanência de objetos.
2-5 meses
5-9 meses
9 meses-1 ano
1 ano-18 meses 18 meses-2 anos
PSICOSSOCIAIS
161
quebrar, ela não terá entendimento de causa e efeito, acreditando que o copo ia mesmo se quebrar, e não que foi ela que causou o acidente. Crianças nesse estágio também não conseguem entender a uniformidade de um objeto em circunstâncias diferentes: a mesma boneca em um carrinho, em um berço ou em uma cadeira é percebida como três objetos diferentes. As coisas são representadas em termos de sua função. Por exemplo, uma criança define uma bicicleta como “andar” e um buraco como “cavar”. Nesse estágio, as crianças começam a usar a linguagem e os desenhos de maneiras mais elaboradas. A partir de expressões com uma palavra, desenvolvem frases com duas, formadas por um substantivo e um verbo ou um substantivo e um adjetivo. Uma criança pode dizer “Bobby comer” ou “Bobby alto”. No entanto, não conseguem lidar com dilemas morais, embora tenham um sentido do que é bom ou ruim. Por exemplo, quando são questionadas: “Quem tem mais culpa, a pessoa que quebra um prato de propósito ou a pessoa que quebra 10 pratos por acidente?”, em geral as crianças respondem que a pessoa que quebra 10 pratos por acidente é mais culpada porque mais pratos são quebrados. Outro aspecto desse estágio é o sentido de justiça imanente, a crença de que a punição por maus atos é inevitável. As crianças que se encontram nessa fase do desenvolvimento são egocêntricas, elas se enxergam como o centro do universo, possuem um ponto de vista limitado e são incapazes de se colocarem no papel de outra pessoa. Não conseguem modificar seu comportamento em função de outra pessoa. Por exemplo, elas não estão sendo negativistas quando não escutam uma ordem para ficarem quietas porque seu irmão precisa estudar. Pelo contrário, o pensamento egocêntrico impede que entendam o ponto de vista do outro. É comum também usarem uma forma de pensamento mágico, chamada de causalidade fenomenalística, na qual pensam que eventos que ocorrem juntos são responsáveis uns pelos outros (p. ex., trovões causam raios, e maus pensamentos causam acidentes). Além disso, as crianças usam o pensamento animista, que é a tendência de dotar eventos físicos e objetos de atributos psicológicos vivos, como sentimentos e intenções. Função semiótica. Emerge durante o período pré-operatório. Com essa nova capacidade, as crianças conseguem representar algo – como um objeto, um evento ou um esquema conceitual – por meio de um significante, que tem uma função representativa (p. ex., linguagem, imagem mental, gesto simbólico). Ou seja, usam um símbolo ou sinal para representar outra coisa. O desenho é uma função semiótica usada inicialmente como exercício lúdico, mas que acaba por significar alguma coisa do mundo real. Estágio operatório concreto (dos 7 aos 11 anos) Recebe esse nome porque, nesse período, as crianças operam e agem no mundo concreto, real e percebido dos objetos e eventos. O pensamento egocêntrico é substituído pelo pensamento operatório, que envolve lidar com uma ampla variedade de informações externas à criança. Portanto, agora é possível enxergar as coisas a partir da perspectiva de outra pessoa.
162
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
As crianças nesse estágio começam a usar processos de pensamento lógico limitado e conseguem formar séries, ordenar e agrupar coisas em classes, com base em características comuns. O raciocínio silogístico, no qual uma conclusão lógica é formada a partir de duas premissas, surge durante esse período. Por exemplo, todos os cavalos são mamíferos (premissa). Todos os mamíferos têm sangue quente (premissa). Portanto, todos os cavalos têm sangue quente (conclusão). Elas conseguem regular a si mesmas, e passam a desenvolver um sentido moral e um código de valores. Aquelas que se interessam demais por regras podem apresentar comportamento obsessivo-compulsivo. As que resistem a formar um código de valores muitas vezes parecem teimosas e reativas. O resultado mais desejável para o desenvolvimento nesse estágio é que a criança adquira um respeito saudável e entenda que existem exceções legítimas às regras. A conservação é a capacidade de reconhecer que, embora a forma dos objetos possa mudar, ainda mantêm ou conservam outras características que fazem com que sejam reconhecidos como os mesmos. Por exemplo, se uma bola de argila for transformada em uma forma alongada de salsicha, as crianças reconhecem que as duas formas contêm a mesma quantidade de argila. A incapacidade de conservar (que é característica do estágio pré-operatório) é observada quando a criança declara que há mais argila na forma de salsicha, pois ela é mais longa. A reversibilidade é a aptidão para entender a relação entre as coisas, para entender que uma coisa pode se transformar em outra e voltar a ser o que era – por exemplo, gelo e água. O sinal mais importante de que ainda se está no estágio préoperatório é não ter sido atingida a conservação ou reversibilida-
de. A capacidade das crianças de entenderem conceitos de quantidade é uma das mais importantes teorias do desenvolvimento cognitivo de Piaget. As medidas de quantidade incluem quantidade de substância, comprimento, número, líquidos e área (Fig. 4.1-2). A criança de 7 a 11 anos deve organizar e ordenar acontecimentos do mundo real. Já a capacidade de lidar com o futuro e suas possibilidades ocorre no estágio seguinte.
Estágio operatório formal (dos 11 anos até o final da adolescência) Refere-se ao fato de que o pensamento passa a operar de maneira formal, altamente lógica, sistemática e simbólica. Esse estágio se caracteriza pela capacidade de pensar de forma abstrata, de raciocinar de forma dedutiva e de definir conceitos, e também pelo surgimento de habilidades para lidar com permutações e combinações. Os jovens conseguem entender o conceito de probabilidades. Tentam lidar com todas as relações e hipóteses possíveis para explicar dados e eventos durante esse estágio. O uso da linguagem é complexo, segue as regras formais da lógica e é correto do ponto de vista gramatical. O pensamento abstrato é demonstrado pelo interesse dos adolescentes por uma variedade de questões – filosofia, religião, ética e política. Pensamento hipotético-dedutivo. É a organização mais elevada da cognição e possibilita que as pessoas elaborem uma
Conservação de substância (6-7 anos) A O experimentador apresenta duas bolas plásticas iguais. O sujeito reconhece que ambas possuem quantidades iguais de material.
B Uma das bolas é deformada. Pergunta-se ao sujeito se elas ainda contêm quantidades iguais.
Conservação do comprimento (6-7 anos) A
B
Dois palitos são alinhados à frente do sujeito. Ele admite que são iguais.
Um dos palitos é movido para a direita. Pergunta-se ao sujeito se eles ainda têm o mesmo comprimento.
Conservação da área (9-10 anos) A
O sujeito e o experimentador têm folhas idênticas de papelão. Blocos de madeira são colocados sobre as folhas em posições idênticas. Pergunta-se ao sujeito se cada folha tem a mesma quantidade de espaço restante.
B
O experimentador espalha os blocos em uma das folhas. Faz-se a mesma pergunta ao sujeito.
FIGURA 4.1-2 Alguns testes simples para conservação, com idades aproximadas de aquisição. Quando desenvolve o sentido de conservação, a criança responde que B contém a mesma quantidade de A. (Modificada de Lefrancois GR. Of Children: An Introduction to Child Development. Belmont, CA: Wadsworth, 1973:305, com permissão.)
CONTRIBUIÇÕES DAS CIÊNCIAS
hipótese ou proposição e a testem em relação à realidade. O raciocínio dedutivo parte do geral para o particular, e é um processo mais complicado do que o raciocínio indutivo, que avança do particular para o geral. Como os jovens conseguem refletir sobre o próprio pensamento e o das outras pessoas, estão propensos a apresentar comportamentos autoconscientes. À medida que buscam dominar novas tarefas cognitivas, podem retornar ao pensamento egocêntrico, mas em um nível superior em relação ao do passado. Por exemplo, os adolescentes podem pensar que podem fazer qualquer coisa e que podem mudar os eventos usando apenas o pensamento. Nem todos entram no estágio operatório formal no mesmo momento ou no mesmo grau. Dependendo da capacidade individual e das experiências intervenientes, alguns podem nunca atingir esse nível, permanecendo no nível operatório concreto por toda a vida. APLICAÇÕES PSIQUIÁTRICAS As teorias de Piaget têm muitas implicações psiquiátricas. Crianças hospitalizadas que estão no estágio sensório-motor ainda não atingiram a permanência de objetos e, portanto, sofrem ansiedade de separação. Seria melhor se as mães permanecessem com elas à noite. Aquelas que se encontram no estágio pré-operatório, que não conseguem lidar com conceitos e abstrações, beneficiam-se mais com procedimentos médicos propostos por dramatização do que com prescrições detalhadas referidas verbalmente. Por exemplo, uma criança que está para receber terapia intravenosa pode ser beneficiada dramatizando o procedimento com uma seringa de brinquedo e bonecos. Como as crianças no estágio pré-operatório não entendem causa e efeito, elas podem interpretar as doenças físicas como punições por maus pensamentos ou atos. E como ainda não dominam a capacidade de conservar e não entendem o conceito de reversibilidade (que normalmente ocorre durante o estágio operatório concreto), não são capazes de constatar que um osso quebrado pode se recuperar ou que o sangue perdido em um acidente é substituído. Durante o estágio operatório formal, o pensamento pode parecer excessivamente abstrato quando, de fato, é um estágio normal do desenvolvimento. Os transtornos adolescentes podem não ser o anúncio de um processo psicótico, mas o resultado da descobertas de um adolescente normal que começa a entender as capacidades recém-adquiridas para lidar com as possibilidades ilimitadas do mundo que o cerca. Adultos sob estresse podem regredir cognitiva e emocionalmente. Seu pensamento pode se tornar pré-operatório, egocêntrico e, às vezes, animista.
PSICOSSOCIAIS
163
terapêutica. Ao contrário da terapia psicodinâmica clássica, que se concentrava principalmente em impulsos e afetos, e da terapia comportamental, que se concentrava em atos explícitos, as abordagens cognitivas de terapia detiveram-se nos pensamentos, incluindo suposições automáticas, crenças, planos e intenções. Aaron Beck, por exemplo, desenvolveu toda uma escola de terapia cognitiva que se concentra no papel das cognições de causar ou manter psicopatologias. Esse tipo de intervenção mostrouse um tratamento efetivo para problemas tão diversos quanto a depressão, os transtornos da ansiedade e o abuso de substâncias. Uma idéia central na terapia cognitiva é que o paciente pode ser auxiliado a identificar pensamentos automáticos negativos e atitudes ou crenças subjacentes disfuncionais que contribuem para a perturbação emocional ou para o comportamento de vício. O componente cognitivo da terapia começa com a identificação de pensamentos automáticos, assim chamados porque são respostas aprendidas rápidas, que fazem a mediação instantânea entre um evento e uma reação afetiva. O processo terapêutico fundamental após a identificação dos pensamentos mal-adaptativos é ajudar o paciente a percebê-los de forma mais objetiva do que aceitá-los de forma inquestionável como válidos. Psicoterapia baseada no desenvolvimento Desenvolvida por Stanley Greenspan, M.D., integra abordagens cognitivas, afetivas, de impulsos e baseadas em relacionamentos a uma nova compreensão dos estágios do desenvolvimento humano. O clínico inicialmente determina o nível de desenvolvimento do ego ou da personalidade do paciente e a presença ou ausência de déficits ou limitações. Por exemplo, será que a pessoa consegue regular suas atividades e sensações, se relacionar com os outros, reconhecer símbolos afetivos não-verbais, representar as experiências, construir pontes entre as representações, integrar polaridades emocionais, sentimentos abstratos e refletir sobre desejos e sentimentos? A partir do ponto de vista do desenvolvimento, as partes integrais do processo terapêutico incluem aprender como regular as experiências; envolver-se de forma mais completa e profunda em relacionamentos; perceber, compreender e responder a comportamentos complexos e a padrões interativos; e ser capaz de se envolver em oportunidades, tarefas e desafios diferentes durante o curso da vida (p. ex., idade adulta e velhice) e observar e refletir sobre as próprias experiências e as de outras pessoas. Esses processos são a base do ego e, de forma mais ampla, da personalidade. Sua presença constitui saúde emocional, enquanto sua ausência, um transtorno emocional. A abordagem do desenvolvimento descreve como tirar proveito desses processos fundamentais e, assim, ajudar os pacientes a mobilizar o próprio crescimento.
Implicações para a psicoterapia
REFERÊNCIAS
Piaget não foi um psicólogo aplicado e não estabeleceu uma relação direta entre seu modelo cognitivo e a intervenção psicoterapêutica. Entretanto, seu trabalho formou uma das bases da “revolução cognitiva” em psicologia. Um aspecto dessa revolução foi a ênfase crescente nos componentes cognitivos da experiência
Chapman M. Constructive Evolution: Origins and Development of Piaget’s Thought. Cambridge, UK: Cambridge University Press: 1988. Elkind D. Piagetian psychology and the pratice of child psychiatry. J Am Acad Child Psichiatry. 1982;21:435. Ferreiro W. On the links between equilibration, causality and ‘prise de conscience’ in Piaget’s theory. Hum Dev. 2001;44:220.
164
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Flavell J. The Developmental Psychology of Jean Piaget. New York: Van Nostrand: 1963. Greenspan SI. Developmentally Based Psychotherapy. Madison, CT: International Universities Press; 1997. Greenspan SI, Curry JF. Extending Piaget’s Approach to Intellectual Functioning. In: Sadock BJ. Sadock VA, eds. Kaplan & Sadok’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lipincott Williams & Wilkins; 2000:402. Piaget J. The Language and Thought of the Child. London: Routledge & Kegan Paul; 1926. Piaget J. The Moral Judgement of the Child. New York: Harcourt; 1932. Piaget J. Play, Dreams, and Imitation in Childhood. New York: Norton; 1951. Piaget J. The Origins of Intelligence in Children. New York: International Universities Press; 1952. Piaget J. Logic and Psychology. New York: Basic Books; 1957. Piaget J. The Early Growth of Logic in the Child. New York: WW Norton; 1969. Piaget J. Structuralism. New York: Basic Books; 1970. Piaget J. Genetic Epistemology. New York: Columbia University Press; 1973. Piaget J. The Grasp of Consciousness. Cambridge. MA: Harvard University Press; 1976. Piaget J, Inhelder B. The Psychology of the Child. New York: Basic Books; 1969. Piaget J, Inhelder B. Memory and Intelligence. New York: Basic Books; 1973. Piaget J, Inhelder B. The Origin of the Idea of Chance in Children. New York: WW Norton; 1975. Pons F, Harris P. Piaget’s conception of the development of consciousness: an examination of two hypotheses. Hum Dev. 2001;44:220.
4.2 Teoria do apego
sentimentos da mãe para com seu bebê. As mães, em grande parte, não precisam de seus bebês como fonte de segurança, como no caso do comportamento de apego. Muitas pesquisas revelam que o vínculo ocorre quando há contato de pele entre os dois ou quando outros tipos de contato são feitos, como pela voz ou pelo olhar. Alguns pesquisadores concluíram que a mãe que tem contato de pele com seu bebê imediatamente após o nascimento apresenta um padrão de vínculo mais forte e pode proporcionar um cuidado com mais atenção do que aquela que não teve essa experiência. Chegou-se a propor um período crítico imediatamente após o nascimento, durante o qual esse contato deve ocorrer para que o vínculo seja formado. Esse conceito é muito polêmico, e muitas mães têm vínculos claros com seus filhos e apresentam um cuidado materno excelente apesar de não terem tido contato de pele imediatamente após o parto. Como os humanos conseguem desenvolver modelos representativos de seus bebês no útero e mesmo antes da concepção, este pensamento representativo pode ser tão importante para o processo de formação de vínculos quanto o contato por meio da pele, da voz ou do olhar. Estudos etológicos Bowlby sugeriu uma base evolucionista darwiniana para o comportamento de apego. Ou seja, essa atitude garante que os adultos protejam seus filhos. Os estudos etológicos mostram que primatas não-humanos e outros animais apresentam padrões de comportamento de apego presumivelmente instintivos e governados por tendências inatas. Um exemplo de um sistema de apego ins-
APEGO E DESENVOLVIMENTO O psicanalista britânico, John Bowlby (1907-1990) formulou a teoria de que um apego normal na infância é crucial para o desenvolvimento de uma personalidade saudável (Fig. 4.2-1). Segundo ele, o apego ocorre quando há um “relacionamento afetuoso, íntimo e contínuo com a mãe, no qual ambos encontram satisfação e prazer”. Por serem monotrópicos, os bebês tendem a se apegar a uma pessoa, mas podem formar laços com diversas pessoas, como o pai ou um substituto. O apego se desenvolve gradualmente, resultando no desejo do bebê de estar com uma pessoa preferida, que é percebida como mais forte, mais sábia e capaz de reduzir a ansiedade ou a perturbação. Assim, essa condição proporciona sentimentos de segurança. O processo é facilitado pela interação entre a mãe e o bebê. A quantidade de tempo que passam juntos é menos importante do que a quantidade de atividade entre os dois. O apego pode ser definido como o tom emocional entre as crianças e seus cuidadores e é evidenciado quando o bebê procura e se agarra à pessoa que dele cuida, normalmente a mãe. Por volta do primeiro mês, em geral os bebês já começaram a apresentar esse comportamento, que é manifestado para promover a aproximação com a pessoa desejada. O termo vínculo às vezes é usado como sinônimo de apego, mas os dois são fenômenos diferentes. O vínculo diz respeito aos
FIGURA 4.2-1 John Bowlby.
CONTRIBUIÇÕES DAS CIÊNCIAS
tintivo é o imprinting, no qual certos estímulos podem gerar padrões de comportamento inatos durante as primeiras horas do desenvolvimento comportamental de um animal. Assim, o filhote do animal se apega à sua mãe em um período crítico no começo de seu desenvolvimento, o mesmo postulado para os bebês humanos estabelecerem o apego. A presença do comportamento de imprinting em humanos é muito discutível, mas o comportamento de vínculo e de apego durante o primeiro ano de vida se aproxima bastante do período crítico. Todavia, ocorre ao longo de alguns anos, e não por horas. Harry Harlow. O trabalho de Harry Harlow com macacos é relevante para a teoria do apego. Ele demonstrou os efeitos emocionais e comportamentais de isolar macacos logo após o nascimento, impedindo-os de formar apegos. Esses animais tornaramse retraídos, incapazes de se relacionar com seus pares, de procriar e de cuidar de seus filhos (o trabalho de Harlow é discutido na Seção 4.5). FASES DO APEGO Na primeira fase, às vezes chamada de estágio pré-apego (do nascimento a 8 ou 12 semanas), o bebê se orienta para sua mãe, segue-a com os olhos ao longo de uma faixa de 180o voltando-se e movendo-se ritmicamente conforme a voz dela. Na segunda fase, também chamada de formação de apego (de 8 ou 12 semanas a 6 meses), o bebê se apega a uma ou mais pessoas do ambiente. Na terceira fase, conhecida como apego claro (de 6 a 24 meses), chora e demonstra outros sinais de perturbação quando separado do cuidador ou da mãe. Essa fase pode ocorrer já aos 3 meses em certos bebês. Ao retornar à mãe, pára de chorar e se segura nela, para se certificar do seu retorno. Às vezes, enxergar a mãe após uma separação já é suficiente para que o choro pare. Na quarta fase (25 meses e mais), a figura materna é vista como independente, e um relacionamento mais complexo se forma entre ela e a criança. A Tabela 4.2-1 sintetiza o desenvolvimento do apego normal do nascimento aos 3 anos de idade. Mary Ainsworth Mary Ainsworth expandiu as observações de Bowlby e verificou que a interação entre a mãe e seu bebê durante o período de apego influencia de maneira significativa o comportamento atual e futuro da criança. Os padrões de apego variam entre os bebês. Por exemplo, alguns fazem sinais ou choram menos do que outros. A resposta sensível aos sinais do bebê, como fazer carinho quando chora, faz com que ele chore menos nos meses seguintes, em vez de reforçar esse comportamento. O contato corporal próximo com a mãe quando o bebê a chama também está associado ao aumento da independência à medida que o bebê cresce, e não à independência. As mães que não respondem aos bebês geram pessoas ansiosas. Nesses casos, as mães muitas vezes têm quocientes de inteligência (QIs) mais baixos e são emocionalmente mais imaturas e mais jovens do que as mais responsivas.
PSICOSSOCIAIS
165
TABELA 4.2-1 Apego normal Do nascimento a 30 dias Reflexos no nascimento Reptação Virar a cabeça Sucção Engolir Mão na boca Segurar Extensão digital Chorar – sinal para determinado tipo de perturbação Resposta e orientação para rosto, olhos e voz da mãe 4 dias – comportamento de abordagem antecipatória na alimentação 3 a 4 semanas – bebê sorri preferencialmente ao ouvir a voz da mãe De 30 dias a 3 meses Reciprocidade de vocalização e olhar mais elaborada de 1 a 3 meses; balbucia com 2 meses, mais com a mãe do que com estranhos Sorriso social Em situação estranha, maior resposta de agarrar-se à mãe De 4 a 6 meses Rapidamente tranqüilizado e confortado com o som da voz da mãe Busca a mãe de forma espontânea e voluntária Postura antecipatória para ser pego no colo Preferência diferencial pela mãe se intensifica Integração sutil de respostas à mãe De 7 a 9 meses Comportamentos de apego mais diferenciados e concentrados especificamente na mãe Perturbação por separação, diante de estranhos, e em lugares desconhecidos De 10 a 15 meses Engatinha ou caminha em direção à mãe Expressões faciais sutis (timidez, atenção) Diálogo responsivo com a mãe claramente estabelecido Imitação inicial da mãe (inflexões vocais, expressão facial) Perturbação por separação e preferência pela mãe mais desenvolvidas Gestos de apontar Caminha ao redor da mãe Respostas afetivamente positivas à reunião com a mãe após separação ou, paradoxalmente, evitação rápida e ativa ou protesto posterior De 16 meses a 2 anos Envolvimento em jargão imitativo com a mãe (12 a 14 meses) Sacode a cabeça como “não” (15 a 16 meses) Objeto transicional usado durante a ausência da mãe Ansiedade por separação diminui Domínio de situações e pessoas estranhas quando a mãe está por perto Evidências de imitação posterior Permanência de objetos Jogo simbólico microcósmico De 25 meses a 3 anos Capaz de tolerar separações da mãe sem perturbação quando familiarizado com adjacências e tranqüilizado quanto ao retorno dela Fala usando duas ou três palavras Ansiedade para com estranhos bastante reduzida Consistência de objetos adquirida – mantém compostura e funcionamento psicossocial sem regressão na ausência da mãe Jogo microcósmico e jogo social; inicia cooperação com os outros Com base em material de Justin Call, M.D.
166
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Indicadores TABELA 4.2-2 A situação estranha Episódioa
Pessoas presentes
Mudança
1 2
Pai, bebê Pai, bebê, estranho
3 4 5 6 7
Bebê, estranho Pai, bebê Bebê Bebê, estranho Pai, bebê
Entra na sala Adulto desconhecido junta-se à díade Pai sai Pai retorna, estranho sai Pai sai Estranho retorna Pai retorna, estranho sai
aTodos os episódios em geral duram três minutos, mas os episódios 3, 4 e 5 podem ser reduzidos se o bebê ficar muito perturbado, e os episódios 4 e 7 às vezes são ampliados. Reimpressa, com permissão, de Lamb ME, Nash A, Teti DM, Bornstein MH. Infancy. In Lewis M, ed. Child and Adolescent Psychiatry: A Comprehensive Textbook. 2nd ed. Baltimore: Williams & Wilkins, 1996:256.
Ainsworth também ressaltou que o apego serve ao propósito de reduzir a ansiedade. Aquilo que chamou de efeito da base segura possibilita que as crianças se afastem das figuras de apego e explorem o ambiente. Objetos inanimados, como um ursinho de pelúcia ou um cobertor (chamados de objeto transicional por Donald Winnicott), também servem como bases seguras, que muitas vezes os acompanham enquanto investigam o mundo. Situação estranha. Ainsworth desenvolveu a situação estranha, um protocolo de pesquisa para avaliar a qualidade e a segurança do apego. Nesse procedimento, o bebê é exposto a quantidades crescentes de perturbação. Por exemplo, o bebê e um dos pais entram em uma sala desconhecida, um adulto desconhecido entra na sala, e o pai sai. O protocolo possui sete etapas (Tab. 4.2-2). Segundo os estudos de Ainsworth, cerca de 65% dos bebês têm um apego seguro por volta dos 24 meses de idade. ANSIEDADE A teoria da ansiedade de Bowlby diz que a sensação de perturbação durante a separação é percebida e experimentada como ansiedade, sendo o protótipo da mesma. Qualquer estímulo que alarme a criança e cause medo (p. ex., ruídos altos, quedas e golpes de ar frio) mobilizam indicadores (p. ex., choro) que fazem com que a mãe responda de maneira carinhosa, acariciando e tranqüilizando. A capacidade da mãe de aliviar a ansiedade ou o medo do bebê é fundamental para o crescimento do apego. Quando a mãe está perto de uma criança que não experimenta medo, esta adquire um sentido de segurança, o oposto de ansiedade. Quando não está disponível por ausência física (p. ex., se a mãe estiver na prisão) ou por problemas psicológicos (p. ex., depressão grave), o bebê desenvolve ansiedade. Expressa como choro ou irritabilidade, a ansiedade de separação é a resposta da criança isolada ou separada da mãe ou de seus cuidadores. É mais comum aos 10 a 18 meses de idade, e geralmente desaparece ao final do terceiro ano. Um pouco antes (por volta dos 8 meses), surge a ansiedade para estranhos, uma resposta de tensão para com pessoas que não o cuidador.
São os sinais de perturbação dos bebês que causam ou evocam uma resposta comportamental na mãe. O sinal primário é o choro. Existem três tipos: fome (o mais comum), raiva e dor. Certas mães conseguem distingui-los, mas a maioria generaliza o choro de fome para representar perturbação por dor, frustração ou raiva. Outros indicadores que reforçam o apego são sorrisos, murmúrios e olhares. O som de uma voz humana adulta pode evocar esses elementos. Desfazendo apegos As reações à morte de um dos pais ou cônjuge podem ser rastreadas até a natureza de seu apego passado ou presente para com a pessoa perdida. A ausência de pesar demonstrável pode decorrer de experiências reais de rejeição e da falta de proximidade no relacionamento. A pessoa pode até passar conscientemente uma imagem idealizada do falecido. Aqueles que não demonstram pesar normalmente tentam se mostrar como independentes e desinteressados em intimidade e apego. Contudo, às vezes, o rompimento de apegos é traumático. A morte de um dos pais ou do cônjuge pode precipitar um transtorno depressivo e até o suicídio. O falecimento do cônjuge aumenta a chance de que o sobrevivente experimente um transtorno físico ou mental no decorrer do ano seguinte. O começo da depressão e de outros estados disfóricos muitas vezes envolve ter sido rejeitado por uma figura significativa em suas relações. TRANSTORNOS DO APEGO Os transtornos do apego se caracterizam por patologias biopsicossociais que resultam de privações maternas e falta de cuidado e interações com a mãe ou o cuidador. Síndromes de fracasso, nanismo psicossocial, transtorno de ansiedade de separação, transtorno da personalidade esquiva, transtornos depressivos, delinqüência, problemas acadêmicos e inteligência borderline foram todos rastreados até experiências de apego negativas. Quando o cuidado materno é deficiente porque a mãe é doente mental, porque a criança é institucionalizada por muito tempo ou porque o objeto de apego primário morre, as crianças sofrem lesões emocionais. Bowlby originalmente pensava que a lesão era permanente e invariável, mas revisou suas teorias para levar em conta o momento em que a separação ocorre, o tipo e o grau da mesma, bem como o nível de segurança que a criança experimentava antes da separação. Ele descreveu um conjunto de seqüências previsíveis de padrões comportamentais em crianças separadas de suas mães por longos períodos (mais de três meses): protesto, no qual a criança reclama da separação chorando, chamando e procurando a pessoa perdida; desespero, no qual parece perder a esperança de que a mãe retorne; e desapego, no qual ela se separa emocionalmente da mãe. Bowlby acreditava que essa seqüência envolveria sentimentos ambivalentes para com a mãe. A criança a quer de volta e fica com raiva dela por sua deserção.
CONTRIBUIÇÕES DAS CIÊNCIAS
Crianças no estágio do desapego respondem de maneira indiferente quando a mãe retorna. Esta não foi esquecida, mas a criança está com raiva por ela ter ido embora e teme que se vá novamente. Algumas crianças têm personalidades desafeiçoadas, caracterizadas por retraimento emocional, pouco ou nenhum sentimento e uma capacidade limitada de formar relacionamentos afetuosos.
PSICOSSOCIAIS
167
Depressão anaclítica. A depressão anaclítica, também conhecida como hospitalismo, foi descrita pela primeira vez por René Spitz em bebês que haviam formado apegos normais, mas que foram separados repentinamente de suas mães por tempos diferentes e colocados em instituições ou hospitais. Eles ficaram deprimidos, retraídos, indiferentes e vulneráveis a doenças físicas, mas recuperaram-se quando suas mães retornaram ou quando havia uma mãe substituta disponível.
e apego com outras pessoas, e uma questão fundamental em todos os contatos pessoais é estabelecer e regular essa conexão. Em uma interação de apego típica, uma pessoa busca mais proximidade e afeição, enquanto a outra demonstra reciprocidade, rejeição ou desqualifica a intenção. Os padrões são formados por meio de trocas repetidas, sendo observados diferentes estilos de apego. Os adultos com um estilo de apego ansioso-ambivalente tendem a ser obcecados por seus parceiros românticos, a sofrer de ciúme extremo e a ter uma taxa de divórcio elevada. Aqueles com um estilo de apego esquivo são relativamente desinteressados em relacionamentos íntimos, embora muitas vezes se sintam solitários. Parecem temer a intimidade e tendem a se retrair quando há estresse ou conflito no relacionamento. As taxas de rompimento são altas. Pessoas com um estilo de apego seguro envolvem-se muito em seus relacionamentos e tendem e se comportar sem muita possessividade ou medo de rejeição.
MAUS-TRATOS INFANTIS
REFERÊNCIAS
As crianças que sofrem abuso muitas vezes mantêm seu apego para com os pais abusivos. Estudos com cães mostram que punição e maus-tratos graves aumentam o comportamento de apego. Quando as crianças estão com fome, doentes ou com dor, também apresentam comportamento de apego. De maneira semelhante, quando são rejeitadas por seus pais ou têm medo deles, seu apego pode aumentar. Algumas delas querem permanecer com pais abusivos. Porém, quando devem escolher entre uma figura punitiva e uma não-punitiva, elas optam pela última, especialmente se a pessoa for sensível às necessidades da criança (o abuso infantil é discutido detalhadamente no Capítulo 32). APLICAÇÕES PSIQUIÁTRICAS As aplicações da teoria do apego na psicoterapia são numerosas. Quando o paciente consegue se apegar ao terapeuta, observa-se o efeito da base segura. Ele pode então ser capaz de correr riscos, mascarar a ansiedade e praticar novos padrões de comportamento que, de outra forma, não seriam experimentados. Aqueles cujas limitações podem remeter ao fato de nunca terem formado apegos no começo da vida podem fazê-lo pela primeira vez na terapia, com efeitos salutares. Os pacientes cuja patologia parte de apegos iniciais exagerados podem tentar replicá-los na terapia. Os terapeutas devem proporcionar que eles reconheçam a maneira como suas primeiras experiências interferiram em sua capacidade de alcançar a independência. Para crianças cujas dificuldades de apego possam ser mais aparentes do que as de adultos, os terapeutas representam figuras sólidas e confiáveis, que podem produzir um sentido de entusiasmo e auto-estima nas crianças, pela primeira vez em muitas delas. Transtornos do relacionamento A saúde psicológica e o sentido de bem-estar de uma pessoa dependem significativamente da qualidade de seus relacionamentos
Ainsworth MS. Attachments across the life span. Bull N Y Acad Med. 1985;61:792. Bowlby J. Maternal Care and Mental Health. Geneva: World Health Organization: 1951. Bowlby J. The nature of the child’s tie to his mother. Int J Psychoanal. 1958;39:350. Bowlby J. Attachment and Loss. Vols 1, 2, 3. New York: Basic Books; 1969,1973,1980. Bus AG. Parent-child book reading through the lens of attachment theory. In: Verhoeven L, Snow C, eds. Literacy and Motivation: Reading Engagement in Individuals and Groups. Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum; 2001:39. DeFrain JD, Jakub DK, Mendoza BL. The psychological effects of sudden infant death on grandmothers and grandfathers. Omega J Death Dying. 1992;24:165. George C. A representational perspective of child abuse and prevention: internal working models of attachment and caregiving. Child Abuse Negl. 1996;20:411. Gullestad SE. Attachment theory and psychoanalysis: controversial issues. Scand Psychoanal Rev. 2001;24:3. Johnson S, Sims A. Attachment theory: a map for couples therapy. In: Levy TM, ed. Handbook of Attachment Interventions. San Diego, CA: Academic Press 2000;169. Klaus MH, Kennell JH. Parent–Infant Bonding. 2nd ed. St. Louis: Mosby; 1982. MacDonald SG. The real and the researchable: a brief review of the contribution of John Bowlby (1907–1990). Perspect Psychiatr Care. 2001;37:60. Routh CP, Hill JW, Steele H, Elliott CE, Dewey ME. Maternal attachment status, psychosocial stressors and problem behaviour: follow-up after parent training courses for conduct disorder. J Child Psychol Psychiatry. 1995;36:1179. Ward MJ, Carlson EA. Associations among adult attachment representations, maternal sensitity, and infant-mother attachment in a sample of adolescent mothers. Child Dev. 1995;66:69.
4.3 Teoria da aprendizagem A aprendizagem é definida como uma alteração de comportamento que resulta da prática repetida, e o ambiente e o comportamento
168
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
interagem para produzir a mudança aprendida. Para avaliar a aprendizagem, mede-se um aspecto do desempenho, como a precisão de uma habilidade motora ou a capacidade de reconhecer e repetir palavras. A aprendizagem e o desempenho estão relacionados, mas não devem ser confundidos. Quando o desempenho é afetado de forma adversa por falta de motivação ou ansiedade, a aprendizagem que ocorre pode não ser demonstrável. Esse processo pode depender do estado da pessoa, ou seja, pode ocorrer quando ela está em um estado interno (p. ex., sob influência de drogas) ou em um ambiente especial. Essa aprendizagem é melhor lembrada quando a pessoa se encontra no mesmo estado interno ou ambiente externo em que a informação foi adquirida. Por exemplo, quando um comportamento é adquirido sob influência de um agente farmacológico e são realizados testes da aprendizagem na ausência da droga, pode haver pouca ou nenhuma evidência da sua aquisição. Todavia, quando o teste é realizado sob influência da droga, o desempenho pode mudar, e a aprendizagem ser demonstrada. TIPOS DE APRENDIZAGEM Existem três tipos: (1) No condicionamento clássico, acreditase que a aprendizagem se dê como resultado da contigüidade dos eventos ambientais. Quando dois eventos ocorrem próximos no tempo, as pessoas provavelmente os associam. (2) No condicionamento operante, a aprendizagem resulta das conseqüências dos atos da pessoa. (3) A teoria da aprendizagem social incorpora os modelos clássico e operante de aprendizagem, mas também considera uma interação recíproca entre o indivíduo e o ambiente. Os processos cognitivos são compreendidos como fatores importantes para modular as respostas de uma pessoa a eventos ambientais. A teoria e a prática psicanalítica se desenvolveram de maneira concomitante com a teoria da aprendizagem e, nos últimos 50 anos, houve tentativas de integrar as duas abordagens teóricas. Por exemplo, em 1950, John Dollard e Neal Miller reformularam muitos conceitos psicanalíticos segundo a teoria da aprendizagem. Todavia, essas iniciativas tiveram uma influência pouco duradoura sobre o pensamento ou a terapia psicanalíticos.
ver ou cheirar o alimento. Ele analisou esses eventos e chamou o fluxo de saliva que ocorria com o som dos passos de resposta condicionada (RC) – uma resposta produzida em certas condições por determinado estímulo. Em um experimento pavloviano típico, um estímulo (E) que não tinha a capacidade de evocar uma determinada resposta antes do treinamento o faz após a associação consistente com outro estímulo. Por exemplo, sob circunstâncias normais, um cão não saliva ao ouvir o som de uma campainha, mas quando o som da campainha sempre é seguido pela apresentação de alimento, ele acaba por associá-lo à comida. Por fim, apenas o som já produz salivação (RC). Como a comida produz salivação naturalmente, é chamada de estímulo não-condicionado (ENC). A salivação, uma resposta confiavelmente produzida pela comida (ENC), é chamada de resposta não-condicionada (RNC). A campainha, que em princípio não conseguia evocar salivação, mas que passou a fazê-lo quando combinada com a comida, é chamada de estímulo condicionado (EC). O condicionamento clássico costuma ser aplicado com mais freqüência a respostas medidas pelo sistema nervoso autônomo. O condicionamento clássico é diagramado da seguinte maneira: Antes do condicionamento Alimento (ENC) → Salivação (RNC) Campainha (EC) associada ao alimento (ENC) → Salivação (RNC) Após o condicionamento Campainha (EC) → Salivação (RC) Extinção. Ocorre quando o estímulo condicionado é repetido constantemente sem o estímulo não-condicionado até que a resposta evocada por aquele enfraqueça gradualmente e acabe por
Condicionamento clássico O condicionamento clássico (também chamado respondente) resulta da combinação repetida de um estímulo neutro (condicionado) e um estímulo que evoque uma resposta (estímulo não-condicionado), de modo que o primeiro acabe por evocar a resposta. A relação temporal entre a apresentação dos estímulos condicionado e não-condicionado é importante e varia em termos de aprendizagem satisfatória, de uma fração de segundo a vários segundos. O fisiologista russo e ganhador do prêmio Nobel Petrovich Pavlov (1849-1936) (Fig. 4.3-1) observou, em seu trabalho sobre secreções gástricas, que um cão não salivava apenas quando era colocada comida em sua boca, mas também ao ouvir o som dos passos da pessoa que o vinha alimentar, mesmo que não pudesse
FIGURA 4.3-1 Ivan Pavlov.
CONTRIBUIÇÕES DAS CIÊNCIAS
desaparecer. No exemplo anterior, ocorreria extinção se a campainha (EC) tocasse repetidamente sem o cão receber alimento (ENC). Ao final, a salivação (RC) não ocorreria quando a campainha tocasse, e haveria extinção. Contudo, a extinção não acaba completamente com uma resposta condicionada. Se o animal é submetido a um intervalo após a extinção, a resposta condicionada retorna, embora com menos força do que originalmente, um fenômeno chamado de recuperação parcial. O psicólogo norte-americano John B. Watson (1878-1958) usou a teoria do condicionamento clássico de Pavlov para explicar certos aspectos do comportamento humano. Em 1920, descreveu haver produzido uma fobia em um garoto de 11 meses de idade, chamado Pequeno Albert. Enquanto observava um rato branco que inicialmente não temia, o garoto era exposto a um ruído alto e assustador. Após algumas associações, Albert ficou com medo do rato branco, mesmo quando não ouvia o ruído. Watson e colaboradores obtiveram os mesmos resultados usando um coelho branco e conseguiram generalizar a resposta para qualquer objeto com pêlos. Muitos teóricos acreditam que esse processo explica o desenvolvimento das fobias infantis, consideradas respostas aprendidas com base no condicionamento clássico.
Generalização de estímulos. A generalização de estímulos descreve o processo pelo qual uma resposta condicionada é transferida de um estímulo para outro. Os animais respondem a estímulos semelhantes ao original: um cão condicionado para responder a uma campainha também responde ao som de um diapasão. A teoria da generalização de estímulos às vezes é usada para explicar a aprendizagem superior, mostrando como as pessoas aprendem semelhanças entre objetos. Por exemplo, uma placa de trânsito é reconhecida, estando em um poste, em um prédio ou na calçada, pois há suficiente semelhança de estímulos para que haja generalização. Discriminação. A discriminação é o processo de reconhecer e responder a diferenças entre estímulos semelhantes. Se estes forem suficientemente diferentes, um animal pode aprender a responder a um deles, e não ao outro. Por exemplo, um animal pode aprender a responder de maneira diferencial a campainhas semelhantes. Uma criança aprende a discriminar animais de quatro patas (o estímulo comum) em cães, gatos e outros quadrúpedes. Quando a aprendizagem é vista como um equilíbrio entre a generalização e a discriminação, pode-se considerar que alguns transtornos do pensamento são causados por dificuldades nesses dois processos. Uma pessoa que teve uma experiência traumática na infância com um homem de bigode pode transferir esses sentimentos negativos para todos os homens de bigode. Esse exemplo mostra deficiências na discriminação e na generalização de estímulos. Condicionamento operante B. F. Skinner (1904-1990) desenvolveu uma teoria da aprendizagem e do comportamento conhecida como condicionamento operante. Enquanto no condicionamento clássico um animal é passi-
PSICOSSOCIAIS
169
vo ou imobilizado e o experimentador reforça o comportamento, no condicionamento operante, ele é ativo e se comporta de modo a produzir uma recompensa. Assim, a aprendizagem ocorre como conseqüência da ação. Por exemplo, um rato somente recebe um estímulo de reforço (comida) quando responde corretamente, pressionando uma alavanca. Comida, aprovação, elogios, boas notas ou qualquer outra resposta que satisfaça uma necessidade pode servir como recompensa. O condicionamento operante está relacionado à aprendizagem por tentativa e erro, conforme descrito pelo psicólogo norteamericano Edward L. Thorndike (1874-1949). Nesse tipo de aprendizagem, uma pessoa ou animal busca resolver um problema experimentando ações diferentes até que uma delas tenha sucesso. Um organismo que se move livremente se comporta de maneira instrumental para produzir uma recompensa. Por exemplo, um gato em uma caixa de Thorndike deve aprender a levantar um trinco para escapar. Por essa razão, o condicionamento operante às vezes é chamado de condicionamento instrumental. A lei de efeito de Thorndike diz que certas respostas são reforçadas por recompensas, e o organismo aprende com essas experiências. Quatro tipos de condicionamento operante são descritos na Tabela 4.3-1: condicionamento por recompensa primária, condicionamento de fuga, condicionamento esquivo e condicionamento por resposta secundária. Comportamento respondente e operante. Skinner descreveu dois tipos de comportamento: o comportamento respondente, que resulta de estímulos conhecidos (p. ex., o reflexo patelar a estímulos nesta região ou a constrição das pupilas à luz), e o comportamento operante, que é independente de estímulos (p. ex., os movimentos aleatórios do bebê e os movimentos erráticos de um rato de laboratório em uma gaiola). O pesquisador tirou vantagem do comportamento operante, co-
TABELA 4.3-1 Quatro tipos de condicionamento operante ou instrumental Condicionamento por O tipo mais comum de condicionamento. A recompensa resposta aprendida é instrumental para se primária obter uma recompensa biologicamente significativa, como alimento ou água. Condicionamento O organismo aprende uma resposta que é insde fuga trumental para conseguir sair de um lugar onde prefere não estar. Condicionamento O tipo de aprendizagem em que uma resposde esquiva ta a uma pista é instrumental para evitar uma experiência dolorosa. Um rato em uma grade, por exemplo, pode evitar um choque se pressionar uma alavanca rapidamente quando uma luz acende. Condicionamento por O tipo de aprendizagem em que um comporrecompensa tamento instrumental para obter um estísecundária mulo não tem utilidade biológica própria, mas, no passado, foi associado a um estímulo biologicamente significativo. Por exemplo, chimpanzés aprendem a pressionar uma alavanca para obter fichas de pôquer, que inserem em uma fenda para obter uvas. Depois, acumulam fichas, mesmo quando não estão mais interessados na fruta.
170
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
locando um rato em uma caixa de Skinner (em homenagem a seu criador). O rato não recebeu alimento, e, ao andar aleatoriamente pela caixa, acabou por apertar uma barra. Em um dado momento do experimento, foi liberado alimento quando a barra foi pressionada. O alimento reforçou o ato de pressioná-la, que aumentava ou diminuía, dependendo do nível de reforço que o experimentador fornecia. Um reforço é qualquer coisa que mantenha uma resposta ou aumente sua força. O termo é usado como sinônimo de recompensa. Porém, alguns autores distinguem os dois e observam que as respostas são reforçadas, ao passo que os sujeitos são recompensados. Esquema de reforço (programação). Os reforços são descritos como primários quando são independentes de uma aprendizagem anterior (p. ex., a necessidade de comida e água) e secundários quando se baseiam em uma aprendizagem que foi recompensada anteriormente (p. ex., dar dinheiro a uma criança que tirou boas notas). No condicionamento operante, pode-se variar o esquema de recompensa ou reforço para um padrão comportamental em um processo conhecido como programação. Os intervalos entre os reforços podem ser fixos (p. ex., cada terceira resposta é recompensada) ou variáveis (p. ex., algumas vezes, a resposta recompensada é terceira, em outras, a sexta). Um esquema de reforço contínuo (também chamado reforço contingencial ou com manejo), no qual toda resposta é reforçada, leva à aquisição mais rápida de um comportamento, e não à sua manutenção. O ato de reforçar uma resposta apenas em uma fração das vezes em que o comportamento ocorre é chamado de reforço parcial, ou intermitente, sendo mais efetivo para manter o comportamento resistente à extinção. Por exemplo, uma pessoa usa uma máquina caça-níqueis com mais freqüência quando a recompensa é parcialmente reforçada – ou seja, quando ganha dinheiro em momentos variáveis. Esse procedimento faz o jogador pensar ou tentar prever quando vencerá. A força do condicionamento operante é refletida na freqüência das respostas: uma freqüência alta indica forte aprendizagem operante, enquanto redução na freqüência indica que está havendo extinção. A Tabela 4.3-2 lista os efeitos de alguns esquemas de reforço sobre o comportamento.
No condicionamento operante, o reforço positivo é o processo pelo qual certas conseqüências aumentam a probabilidade de que a resposta ocorra. Alimento, água, elogios e dinheiro são reforços positivos. No entanto, eventos adversos para alguns podem ser reforços para outros. Por exemplo, o comportamento de certas crianças é reforçado pela repreensão, que, afinal, é uma forma de atenção. Muitas substâncias também parecem ser reforços positivos, incluindo ópio, cocaína, nicotina e barbitúricos. O reforço positivo é um método terapêutico proveitoso para pacientes psiquiátricos graves, como no caso a seguir. O paciente era um rapaz de 21 anos extremamente retraído. Ele passava a maior parte do tempo em seu quarto no hospital, raramente abordando outras pessoas ou iniciando conversas. O cuidado psiquiátrico especializado não havia alterado seu comportamento. Como um primeiro passo para aumentar sua capacidade conversacional, instituiu-se reforço para a aproximação dos enfermeiros. O paciente foi observado cuidadosamente, e verificou-se que gostava de ouvir rádio e assistir televisão. Foi informado de que, a cada dois minutos que conversasse com os enfermeiros em três sessões diárias, ganharia uma ficha que poderia trocar por três minutos ouvindo rádio ou assistindo a televisão, e que conversar era a única maneira de ganhar o direito de realizar tais atividades. Os enfermeiros, por sua vez, foram instruídos a não abordá-lo durante as sessões, mas apenas a dialogar se ele iniciasse e mantivesse a conversa, reforçando uma cadeia de comportamentos: abordar os enfermeiros, iniciar uma conversa e manter o comportamento conversacional. Os enfermeiros também marcaram o número de minutos de conversa usando um cronômetro. O paciente teve poucas conversas durante o período inicial de mensuração. Quando o sistema de fichas foi introduzido, começou a falar com os enfermeiros por maiores períodos. Na terceira fase do tratamento, recebeu um suprimento gratuito de fichas, equivalente ao que havia ganho na fase anterior. As fichas não dependiam mais de seu comportamento. Sob essas condições, a quantidade de conver-
TABELA 4.3-2 Modelos de reforço em condicionamento operante Esquema de reforço
Exemplo
Efeito comportamental
Esquema de razão fixa
O reforço ocorre a cada 10 respostas (razão 10:1); a ação de pressionar 10 vezes a barra libera uma porção de alimento; trabalhadores são remunerados a cada 10 itens que produzem.
Taxa rápida de resposta para obter o maior número de recompensas. O animal sabe que o próximo reforço depende da produção de um certo número de respostas.
Esquema de razão variável
Reforço variável (p. ex., após a terceira, sexta e segunda respostas, e assim por diante).
Gera uma taxa de resposta razoavelmente constante, pois a probabilidade de reforço em um dado momento permanece relativamente estável.
Esquema de intervalo fixo
O reforço ocorre em intervalos regulares (p. ex., a cada 10 minutos ou a cada três horas).
O animal conta o tempo. A taxa de resposta cai a quase 0 após o reforço e aumenta perto da hora esperada para a recompensa.
Esquema de intervalo variável
O reforço ocorre após intervalos variáveis (p. ex., a cada três, seis e duas horas), semelhante ao modelo de razão variável.
A taxa de resposta não muda entre reforços. O animal responde em um grau constante para obter recompensa quando estiver disponível; comum na pesca da truta, no uso de caça-níqueis e ao se verificar a caixa do correio.
CONTRIBUIÇÕES DAS CIÊNCIAS
sa diminuiu gradualmente, sendo um exemplo de extinção. Quando as condições originais de reforço foram reintroduzidas, sua capacidade conversacional aumentou. Procedimentos semelhantes foram usados para generalizar sua nova capacidade conversacional para outros membros da equipe, finalmente permitindo que o paciente participasse de um programa de reabilitação com sucesso. (Cortesia de W. Stewart Agras, M.D. e G. Terence Wilson, Ph.D.) O reforço negativo é o processo em que se aumenta uma resposta que leva à remoção de um evento adverso. Por exemplo, um adolescente corta a grama para evitar queixas dos pais, ou um animal pula de uma grade para escapar de um choque doloroso. Qualquer comportamento que faça com que se evite ou escape de uma conseqüência punitiva é fortalecido. O reforço negativo não é punição. A punição é um estímulo adverso (p. ex., um tapa) apresentado especificamente para enfraquecer ou suprimir uma resposta indesejada. O uso comum do termo punição deve ser distinguido do seu uso técnico. Na teoria da aprendizagem, o evento punitivo sempre depende do desempenho e reduz de forma notável a freqüência do comportamento punido. Esse significado difere do uso do termo para denotar aprisionamento, por exemplo, pois a sentença de prisão vem muito depois do crime ser cometido e pode não afetar o comportamento futuro do criminoso. Controle aversivo. No controle ou condicionamento aversivo, um organismo muda de comportamento para evitar um estímulo doloroso, nocivo ou aversivo. Choques elétricos são estímulos comumente usados em experimentos de laboratório. Qualquer comportamento que evite um estímulo indesejado é reforçado como resultado. Aprendizagem de fuga e aprendizagem de esquiva. O reforço negativo está relacionado a dois tipos de aprendizagem, de fuga e de esquiva. Na aprendizagem de fuga, o animal aprende uma resposta para escapar de um lugar onde não deseja estar (p. ex., um animal salta de uma grade eletrificada quando a carga é ligada). A aprendizagem de esquiva exige uma resposta adicional. O rato sobre a grade aprende a evitar o choque se empurrar rapidamente uma alavanca quando uma luz acende. Para passar da aprendizagem de fuga para a esquiva, o animal deve apresentar uma resposta antecipatória para prevenir a punição. Ambas são formas de controle adverso. O comportamento que acaba com a fonte de estímulos aversivos é fortalecido e mantido. Modelagem do comportamento. A modelagem do comportamento implica mudá-lo de maneira deliberada e predeterminada. Reforçando as respostas que vão na direção desejada, o experimentador molda o comportamento do animal. Ao treinar uma foca para tocar uma campainha com o nariz, pode dar um reforço com alimento quando o comportamento aleatório do animal aproximar seu nariz da campainha. Para ensinar um paciente esquizofrênico mudo a falar, o terapeuta deve primeiramente recompensá-lo por simplesmente olhar para ele. Mais tarde, reforça quaisquer vocalizações e, depois, falas simples. Quando mais próximo o momento do reforço ocorrer em relação ao comporta-
PSICOSSOCIAIS
171
mento operante, melhor a aprendizagem. A modelagem também é chamada de aproximação sucessiva. Reforço contingente. As respostas reforçadas acidentalmente por combinação coincidente de resposta e reforço são adventícias. Esses eventos podem ter implicações clínicas no desenvolvimento de fobias e outros comportamentos. Princípio de Premack. Um conceito desenvolvido por David Premack diz que um comportamento realizado com alta freqüência pode ser usado para reforçar um de baixa freqüência. Em um experimento, foi constatado que as crianças passam mais tempo jogando com uma máquina de fliperama do que comendo balas quando ambos os recursos estão livremente disponíveis. Quando Premack tornou o ato de jogar dependente de comer uma determinada quantidade de balas, as crianças aumentaram o consumo. Em uma aplicação terapêutica desse princípio, observou-se que pacientes com esquizofrenia em um centro de reabilitação passavam mais tempo sentados e fazendo nada do que trabalhando em tarefas simples. Quando a possibilidade de passar cinco minutos sentado foi associada a realizar uma certa quantidade de trabalho, a produção aumentou consideravelmente, bem como a aquisição de habilidades. Esse princípio também é conhecido como a regra da vovó (“se você comer o espinafre, pode comer sobremesa”). A TEORIA DA APRENDIZAGEM SOCIAL A teoria da aprendizagem social baseia-se na imitação, na identificação e nas interações humanas. Um indivíduo pode aprender imitando o comportamento de outro, mas existem fatores pessoais envolvidos. Quando alguém não gosta de determinado modelo, é improvável que haja comportamento imitativo. Por exemplo, embora a observação de modelos possa ser um fator importante no processo de aprendizagem, a imitação deve ser reforçada ou recompensada para que os comportamentos se tornem parte do repertório do indivíduo. Albert Bandura é um dos principais proponentes da escola da aprendizagem social. Segundo ele, o comportamento resulta da interação entre fatores cognitivos e ambientais, um conceito conhecido como determinismo recíproco. As pessoas aprendem observando outras, de forma intencional ou acidental. Esse processo é descrito como aprendizagem por imitação. A escolha do modelo é influenciada por uma variedade de fatores, como idade, sexo, status e semelhanças. Se um modelo reflete normas e valores saudáveis, a pessoa desenvolve autoeficácia, a capacidade de se adaptar à vida cotidiana e normal, bem como a situações ameaçadoras. É possível eliminar padrões de comportamento negativos, propiciando a aprendizagem de técnicas alternativas de outros modelos. Por exemplo, crianças medrosas têm essa condição diminuída ao assistirem a outras crianças agindo sem medo na mesma situação. De maneira semelhante, pode ser útil demonstrar uma abordagem destemida a uma situação fóbica para motivar o paciente a abordar o objeto ou a situação temida. A limitação tem sido um recurso importante em programas de redução de peso e antitabagismo. É um componente significativo de planos de tratamento em grupo, nos quais os membros aprendem uns com os outros.
172
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
APRENDIZAGEM COGNITIVA
Teoria da atribuição
A cognição é o processo de obter, organizar e usar o conhecimento intelectual. As pessoas realizam operações mentais e armazenam informações na memória para serem recuperadas posteriormente. As teorias de aprendizagem cognitiva concentram-se no papel da compreensão: a cognição implica compreender a conexão entre causa e efeito, entre uma ação e suas conseqüências. As estratégias cognitivas são planos mentais que as pessoas usam para entender a si mesmas e o ambiente. Esse tipo de estratégia em caso de pacientes depressivos concentra-se naquilo que é forte, em vez de naquilo que é certo. Uma forma de terapia cognitiva desenvolvida por Aaron Beck para o tratamento da depressão ensina os pacientes a reconhecer e valorizar seus recursos e os alerta para o padrão cognitivo que causa a depressão. Ele descreveu a tríade cognitiva que existe nessa condição como consistindo da visão negativa de si mesmo, interpretações negativas de experiências e expectativas negativas para o futuro. Muitos teóricos, como Jean Piaget, definiram uma série de estágios do crescimento cognitivo. Outra abordagem para a cognição é o processamento de informações, uma seqüência de operações mentais que envolve a entrada, o armazenamento e a saída de informações. A cognição envolve recuperar e processar informações relevantes de memórias armazenadas. O comportamento pode mudar por meio de técnicas em que se aprende ouvindo ou lendo instruções. As orientações terapêuticas modificam as expectativas que a pessoa tem a cerca dos resultados e da eficácia. Por exemplo, pacientes informados de que a sua pressão arterial baixaria se seguissem certos procedimentos de relaxamento apresentaram, de fato, a redução. Para aprender novos padrões de comportamento, as pessoas podem monitorar seu comportamento, mapeando eventos, como quando comem ou fumam. O automonitoramento também reduz a taxa de recaídas. Se o terapeuta ajudar os pacientes a definirem e estabelecerem objetivos bem-especificados, eles terão maior probabilidade de alcançá-los do que se estes forem mal-definidos ou irreais. A realização de objetivos aumenta a auto-eficácia, que, por sua vez, influencia, de maneira positiva, o desempenho futuro. Piaget foi um importante teórico do desenvolvimento cognitivo. Seu trabalho é discutido na Seção 4.1.
A teoria da atribuição é uma abordagem cognitiva que diz respeito à maneira como são percebidas as causas do comportamento. Segundo ela, as pessoas são prováveis de atribuir o próprio comportamento a causas situacionais, mas atribuem o comportamento de outras pessoas a disposições internas estáveis (traços da personalidade). A causa específica que uma pessoa relaciona a um dado evento influencia os sentimentos e os comportamentos subseqüentes. Na psiquiatria, a teoria da atribuição pode ajudar a explicar por que certas pessoas atribuem uma mudança de comportamento a um evento externo (situação) ou a uma mudança no estado interno (disposição ou capacidade). De maneira semelhante, a alteração de comportamento pode ser considerada o efeito de usar uma droga ou o resultado de eventos interpessoais. Pesquisas sobre efeitos de drogas realizadas por teóricos da atribuição mostraram que pode ser desaconselhável descrever uma droga como muito forte ou muito efetiva porque, se ela tiver o efeito desejado, os pacientes podem acreditar que ela foi a única razão pela qual melhoraram.
Dissonância cognitiva Dissonância cognitiva significa incongruência ou desarmonia entre as crenças, os conhecimentos e os comportamentos de uma pessoa. Quando isso atinge grandes proporções, as pessoas mudam suas formas de pensar ou de se comportar para atenuar a desarmonia. Um exemplo de dissonância cognitiva é a indisposição de alguém em acreditar que um carro muito caro ou que seja considerado um símbolo de status possa ter algum problema ou defeito. Outro é acreditar demais em uma decisão após ela haver sido tomada. A dissonância em geral ocorre quanto há uma disparidade perceptível entre dois elementos experimentais ou comportamentais. Aparentemente, ela produz um estado de tensão desconfortável (como a fome) que as pessoas se sentem motivadas a mudar.
NEUROFISIOLOGIA DA APRENDIZAGEM Um dos primeiros teóricos a explorar os aspectos neurofisiológicos da aprendizagem foi Clark L. Hull (1884-1952), que desenvolveu uma teoria da aprendizagem segundo a redução do impulso. Postulou que as conexões neurofisiológicas estabelecidas no sistema nervoso central reduzem o nível de um impulso (p. ex., obter alimento reduz a fome). Um estímulo externo mobiliza um sistema eferente e evoca um impulso motor. A conexão fundamental é entre o estímulo e a resposta motora, uma reação neurofisiológica que leva ao que Hull chamou de hábito. Os hábitos são fortalecidos quando uma resposta reduz ainda mais o impulso associado à necessidade mobilizada. Explorando o cérebro humano, pesquisadores como Pierre Broca e Karl Wernicke identificaram áreas específicas do cérebro envolvidas no desenvolvimento e na retenção da fala e da linguagem. A estimulação elétrica de certas regiões evocou imagens mentais vívidas nos pacientes, e lesões no núcleo amigdalóide em animais interferiram na aprendizagem. A aprendizagem implica mudanças na estrutura e na função das células nervosas. Em um estudo, macacos treinados para usar um determinado dedo para obter comida apresentaram hipertrofia da área do cérebro responsável pelo controle dos dedos. Habituação e sensibilização No estudo do molusco Aplysia, Eric Kandel mostrou como podem ocorrer formas simples de aprendizagem, como a habituação e a sensibilização. Estudou um reflexo defensivo envolvendo o retraimento do sifão quando o animal é estimulado pelo tato. Se tocado repetidamente, ele é submetido a uma habituação e aprende a não retrair o sifão e a brânquia. A habituação faz com que o organismo pare de responder de forma reflexa como resultado do estímulo repetido.
CONTRIBUIÇÕES DAS CIÊNCIAS
O molusco também pode ser sensibilizado, ou seja, uma resposta reflexiva pode ser tornada mais sensível, de modo que um estímulo subpatamar produza uma resposta. Se ele receber um estímulo forte (p. ex., um choque elétrico), é sensibilizado. Então, até mesmo uma estimulação que antes seria subpatamar faz com que o animal retraia a brânquia e o sifão. O trabalho experimental com Aplysia também demonstrou que a habituação ocorre antes da sensibilização. A pesquisa de Kandel com esses organismos simples revelou que o comportamento esquivo de aprendizagem altera a estrutura química das células do sistema nervoso. Quando esse comportamento é desaprendido, as mudanças químicas se revertem. Essas pesquisas proporcionam uma base para entender a neuroquímica da aprendizagem e para explorar interações recíprocas entre processos biológicos contínuos no sistema nervoso central e mudanças comportamentais que resultam de influências ambientais. Em 2000, Kandel ganhou o prêmio Nobel por seu trabalho. Formação e armazenamento de memórias A base neurobiológica da aprendizagem se localiza nas estruturas do cérebro envolvidas em formar e armazenar informações, que incluem o hipocampo, o córtex e o cerebelo. Cem bilhões de neurônios estão envolvidos em formar memórias, incluindo uma camada de 4,6 milhões de células do hipocampo. A aprendizagem começa com os sentidos recebendo um estímulo ambiental que acaba por ser transformado em um traço ou em uma conexão da memória. Um impulso elétrico ou químico, que passa pelo neurônio quando o cérebro recebe informações, desencadeia a formação de conexões entre as sinapses. Experimentos com animais mostraram um aumento em conexões sinápticas quando ocorre aprendizagem. As memórias de longa duração têm mais tempo para se conectar com muitos pontos do córtex e, assim, são retidas por mais tempo do que as de curta duração. Quanto mais conexões, maior a chance de contato com uma via neural que leve à memória. Reviver as recordações repetidamente aumenta sua permanência. O armazenamento é a chave para uma boa memória. Relacionar o material com algo que já é conhecido cria mais caminhos e aumenta o poder de armazenamento. Processar informações em um nível semântico envolve mais da mente do que apenas a memorização por repetição. Os dados semânticos são perdidos em uma velocidade mais lenta do que aqueles armazenados de forma superficial, sem significado e compreensão. A memória é dividida nos tipos de curta e de longa duração. A memória de longa duração também é conhecida como memória recente, memória do passado recente, memória remota e memória secundária. A de curta duração – também chamada de memória imediata, memória de trabalho e memória primária – é afetada de forma adversa por estresse emocional crônico, exaustão psicológica ou estímulos em excesso. Ambas diferem em relação à quantidade de informações que podem ser armazenadas. A capacidade da memória de curta duração é limitada (5 a 9 unidades de informação). O olfato e a emoção podem estar por trás das memórias de longa duração. O odor transmite informações por intermédio do
PSICOSSOCIAIS
173
nervo olfativo para o hipocampo, que desempenha um papel no controle da emoção. A aprendizagem e a memória são afetadas pelo estresse. O aumento da adrenalina pode promover a aprendizagem, mas, se o estresse for grande demais, a mesma é inibida. O humor interfere na aprendizagem e na lembrança do material. Uma pessoa que aprende um material com um humor alegre aumenta sua memória e tem maior capacidade de recuperação. As memórias da infância que sobrevivem são aquelas associadas à época em que se aprendeu a falar, entre as idades de 3 e 5 anos. Antes disso, somente memórias associadas a eventos traumáticos ou a odores são prováveis de ser lembradas. MOTIVAÇÃO A motivação é um estado de espírito que produz uma tendência de ação. O estado pode ser de privação (p. ex., fome), sistema de valores ou crença firme (p. ex., religião). Na mediação da aprendizagem e da percepção, mecanismos biológicos desempenham o importante papel de motivar o comportamento. Um organismo tenta manter a homeostase ou o equilíbrio interno contra qualquer distúrbio (p. ex., um animal sedento é motivado a encontrar água e beber). Motivos sociais, como a necessidade de reconhecimento e realização, também explicam padrões de comportamento (p. ex., estudar muito para tirar boas notas). Porém, a intensidade da motivação para aprender qualquer tarefa em uma dada situação é determinada por pelo menos dois fatores: o motivo da realização (o desejo de realizar) e a probabilidade de sucesso. As pessoas apresentam diferenças significativas em relação aos valores que atribuem a objetos e objetivos. Alguns estudantes lutam para tirar conceito A. Outros depreciam a importância das notas e colocam mais valor na satisfação intelectual das atividades extracurriculares. O fator da expectativa refere-se à probabilidade subjetiva de que, com esforço suficiente, o objeto possa ser adquirido ou o objetivo, alcançado. Aplicações psiquiátricas Em 1950, Joseph Wolpe definiu o comportamento ansioso como hábitos persistentes de respostas aprendidas ou condicionadas, adquiridos em situações que geram ansiedade. Se uma resposta inibitória ocorrer na presença de estímulos que provoquem ansiedade, enfraquecerá as conexões entre os estímulos e a resposta de ansiedade. O pesquisador chamou esse processo de inibição recíproca. O relaxamento, por exemplo, é considerado incompatível com a ansiedade e, assim, a inibe. Wolpe foi um dos pioneiros no desenvolvimento da terapia comportamental. Hierarquia da ansiedade. No método de terapia de Wolpe, conhecido como dessensibilização sistemática, o objetivo é eliminar a ansiedade e o comportamento mal-adaptativos. Para alcançar esse objetivo, solicitava-se que os pacientes imaginassem o item menos perturbador, em uma lista de estímulos que potencialmente provocassem ansiedade e seguissem passo a passo na lista, até o mais perturbador. Por exemplo, alguém com medo de altura colocou a imagem de um prédio alto em um nível de hie-
174
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 4.3-3 Modelos comportamental e psicanalítico Modelo comportamental
Modelo psicanalítico
O comportamento é determinado pelas contingências atuais, pelo histórico de reforço e pela herança genética
O comportamento é determinado por processos intrapsíquicos
O comportamento-problema é o foco de estudo e tratamento
O comportamento é apenas um símbolo de processos intrapsíquicos e um sintoma de conflitos inconscientes; o conflito subjacente é o foco do tratamento
Variáveis contemporâneas, como as contingências do reforço, são o foco da análise
Variáveis históricas, como as experiências da infância, são o foco da análise
O tratamento está relacionado à aplicação dos princípios do condicionamento operante ou clássico
O tratamento consiste em tornar conscientes conflitos que ainda se encontram inconscientes
Observação objetiva, mensuração e experimentação são os métodos usados; o foco é o comportamento observável e os eventos ambientais (antecedentes e conseqüências)
Métodos subjetivos de interpretação do comportamento e inferência com relação a eventos não-observáveis (p. ex., processos intrapsíquicos) são usados
A teoria baseia-se na experimentação
A teoria baseia-se predominantemente em estudos de caso
Princípios podem ser formulados como hipóteses testáveis e avaliados por experimentação
Muitos princípios não podem ser formulados como hipóteses para serem avaliados por experimentação
Reimpressa, com permissão, de Dorsett PC. Behavioral and social learning psychology. In: Stoudemire A, ed. Human Behavior: An Introduction for Medical Students. Philadelphia: JB Lippincott, 1990: 105.
TABELA 4.3-4 Termos comuns usados na teoria da aprendizagem Aprendizagem de esquiva: forma de aprendizagem operante em que um organismo aprende a evitar certas respostas ou situações. Aprendizagem instrumental: condicionamento operante. Aprendizagem por discriminação: processo em que a tendência de generalização de estímulos é contrabalançada e ocorrem respostas apenas a estímulos específicos. Aprendizagem por observação: aprender novos comportamentos pela observação de outras pessoas respondendo e tendo alguma forma de conseqüência; aprendizagem vicária. Aprendizagem respondente: condicionamento clássico. Aproximação sucessiva: ver Modelagem. Condicionamento aversivo: procedimento em que se usam punição e estímulos adversos para reduzir a freqüência de um comportamentoalvo. Condicionamento clássico: associação entre um estímulo neutro e um não-condicionado, de modo que o primeiro comece a causar uma resposta semelhante àquela que o segundo causava originalmente. Condicionamento operante: aprendizagem em que a freqüência de um comportamento é alterada pela aplicação de conseqüências positivas e negativas. Condicionamento superior: no condicionamento clássico, é o estabelecimento de um novo estímulo condicionado pela associação a um já estabelecido. Esquema de intervalo fixo: esquema de reforço em que a recompensa é apresentada após uma quantidade de tempo específica. Esquema de razão fixa: esquema de reforço em que a recompensa é apresentada após um número específico de respostas ser emitido. Estímulo condicionado: no condicionamento clássico, é o estímulo originalmente neutro que passa a ser associado ao estímulo não-condicionado e acaba por evocar uma resposta condicionada. Estímulo não-condicionado: estímulo que, sem treinamento algum, produz uma resposta específica. Extinção: redução da freqüência de uma resposta aprendida como resultado da cessação do reforço. Tabela de Marshall P. Duke, Ph.D. e Stephen Nowicki, Jr., Ph.D.
Habituação: forma simples de aprendizagem em que a resposta a um estímulo repetido diminui ao longo do tempo. Imitação: aprendizagem por observação. Lei do efeito: princípio de que compor tamentos seguidos por conseqüências prazerosas são fortalecidos e os seguidos por conseqüências negativas, enfraquecidos. Modelagem: procedimento operante em que um padrão de comportamento desejável é aprendido pelo reforço de aproximações sucessivas. Neurose experimental: padrão de comportamento anormal produzido em animais pela aplicação de técnicas de condicionamento clássico ou operante. Prática negativa: um método para reduzir a freqüência de um comportamento pela repetição intensa da resposta. Recuperação espontânea: aumento na força de um comportamento extinto após a passagem de um período de tempo. Reforço contínuo: modelo em que uma recompensa é administrada cada vez que uma resposta é emitida. Reforço implícito: método para aumentar a freqüência de comportamentos a partir da imaginação de eventos prazerosos como reforço. Reforço parcial: modelo de reforço em que não se dão recompensas toda vez que uma resposta é alcançada, tornando a resposta aprendida bastante resistente à extinção. Reforço primário: estímulo que afeta um processo biológico (p. ex., um alimento que aumenta a probabilidade de comportamentos que o seguem). Reforço secundário: estímulo que adquire o poder de reforçar um comportamento pela associação com reforços primários. Reforço: estímulo que aumenta a freqüência de respostas que o seguem. Resposta condicionada: no condicionamento clássico, trata-se da resposta evocada pelo estímulo condicionado. Resposta não-condicionada: no condicionamento clássico, refere-se à resposta que ocorre espontaneamente ao estímulo nãocondicionado. Sensibilização implícita: método para reduzir a freqüência de comportamentos associando-os à imaginação de conseqüências desagradáveis.
CONTRIBUIÇÕES DAS CIÊNCIAS
rarquia inferior a ficar de pé à beira de um penhasco. Estar no décimo andar de um edifício ficava em algum ponto entre os dois. Em um estado de relaxamento (em geral induzido por hipnose, mas também por drogas), o paciente era instruído a visualizar a situação que provocasse menos ansiedade e, se a mesma não produzisse ansiedade, a pessoa começava a subir a hierarquia. Finalmente, ele era dessensibilizado para a fonte de ansiedade. Teoria da redução de tensão. Dollard e Miller tentaram conciliar a teoria comportamental e a psicodinâmica freudiana, enfatizando os aspectos comuns entre as duas. Como partidários da teoria comportamental da redução de tensão, consideravam que o comportamento era motivado pela tentativa do organismo em reduzir a tensão produzida por impulsos insatisfeitos ou inconscientes. De maneira semelhante, o princípio do prazer de Freud é uma força que reduz a tensão e, conseqüentemente, um forte motivador. Quando um impulso é reprimido, ocorre ansiedade, que age como um impulso adquirido. O comportamento de uma pessoa pode ser motivado pela tentativa de reduzir essa ansiedade. Os adultos podem evitar situações que capazes de estimulá-la, mas podem não reconhecer seus padrões esquivos. A terapia, em parte, é um processo de desaprendizagem. O paciente aprende que certos comportamentos podem reduzir a ansiedade, e os padrões de esquiva são substituídos por padrões de aproximação. (A Tabela 4.3-3 apresenta uma comparação entre os modelos comportamental e psicanalítico.) Modelo do aprendizado da impotência para a depressão. Uma cobaia de laboratório pode ser classicamente condicionada a aceitar um estímulo doloroso quando imobilizada. Essa imobilização ensina o animal que não há como evitar o estímulo adverso. Uma condição conhecida como aprendizado da impotência ocorre quando um organismo aprende que nenhum padrão comportamental pode influenciar o ambiente. Esse paradigma foi usado para explicar a depressão em pessoas que se sentem impotentes, sem opções e incapazes de controlar os eventos. Estimulação cerebral e reforço. Quando certas áreas do hipotálamo recebem estimulação elétrica, humanos e outros animais experimentam intenso prazer. Quando primatas não-humanos dispunham de uma forma disponível para estimular os centros de prazer do cérebro, preferiram fazê-lo a comer ou beber. Em humanos, ocorrem fenômenos semelhantes. Em um caso, um paciente estimulou seu cérebro mil vezes em um período de uma hora até ser forçado a parar. A Tabela 4.3-4 fornece uma visão geral dos termos usados nesta seção, além dos termos comuns empregados na teoria da aprendizagem. REFERÊNCIAS Agras WS, Wilson GT. Learning theory. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:413. Byrnes JP. Categorizing and combining theories of cognitive development and learning. Educ Psychol Rev. 1992;43:309. Case R, Griffin S, Kelly WM. Socioeconomic differences in children’s early cognitive development and their readiness for schooling. In: Golbeck SL, ed. Psychological Perspectives on Early Childhood Education: Reframing Dilemmas in Research and Practice. The Rutgers
PSICOSSOCIAIS
175
invitational symposium on education series. Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum; 2001:37. Cattell RB. Psychotherapy by Structured Learning Theory: New York: Springer: 1987. Daum I, Schugens M. On the cerebellum and classical conditioning. Curr Dir psychol Sci. 1996;5:58. Hall G. Learning about associatively activated stimulus representations: implications for acquired equivalence and perceptual learning. Anim Learn Behav. 1996;24:233. Lovibond PF. Animal learning theory and the future human pavlovian conditioning. Biol Psychol. 1988;27:199. Mowrer OH. Learning Theory and Behavior. New York: Wiley, 1960. Nathan M, Robinson C. Considerations of learning and learning research: revisiting the “media effects” debate. J Interact Learn Res. 2001;12:69. Pavlov IP. Conditioned Reflexes. London: Oxford University Press; 1927. Rescorla RA, Holland PC. Behavioral studies of associative learning in animals. Annu Rev Psychol. 1982;33:265. Skinner BF. Science and Human Behavior. New York: Macmillan; 1953. Slangen JL, Early B, Jaffard R, Richelle M, Olton DS. Behavioral models of memory and amnesia. Pharmacopsychiatry. 1990;23:81. Sudakov KV. The development of the scientific ideas of I. P. Pavlov on the goal reflex in studies of the mechanism of biological motivation. Neurosci Behav Physiol. 2001;31;87. Waelti P, Dickinson JA, Schultz W. Dopamine responses comply with basic assumptions of formal learning theory. Nature. 2001; 412: 43. Walker S. Learning Theory and Behavior Modifiation. London: Methuen; 1984. Watson JB, Rayner R. Conditioned emotional reactions. J Exp Psychol. 1920;3:1. Windholz G. Pavlov’s conceptualization of learning. Am J Psychol. 1992;105:459.
4.4 Agressividade Embora muitas definições tenham sido propostas para a agressividade, o termo não é facilmente definido. Em humanos, o comportamento agressivo assume a forma de atos violentos contra outras pessoas, que podem evitar esse tipo de tratamento ou lutar para escapar. A agressividade implica a intenção de causar mal ou de ferir outra pessoa, o que pode depreender de eventos que precedem ou seguem o ato agressivo. Um sistema de classificação da agressividade foi organizado em torno de padrões de comportamento. Ou seja, os semelhantes são atribuídos à mesma categoria. Por exemplo, uma categoria de comportamento agressivo pode incluir ataques físicos contra si mesmo e a outra, ataques físicos contra objetos ou terceiros. O termo agressividade não é definido explicitamente no texto revisado da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR). A definição usada nesta seção, que se refere ao comportamento que visa a causar lesões físicas a outras pessoas, é descritiva, em virtude de suas conseqüências a curto prazo e dos danos causados a outras pessoas. Muitos comportamentos são agressivos, mesmo que não envolvam lesões físicas. A agressividade verbal é um exemplo. Existem outros, como coação, intimidação, estilos administrativos que resultam em conseqüências psicológicas prejudiciais a certas pessoas e em ostracismo social premeditado a outras. A importância desses comportamentos na vida cotidiana não deve ser subestimada, bem
176
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
como seus efeitos sobre a auto-estima, o status social e a felicidade de quem sofre com eles. FANTASIAS VERSUS AÇÕES As pessoas têm fantasias ou pensamentos violentos, mas, a menos que percam o controle, estes não se tornam ações. Porém, um conjunto de condições que produza impulsos agressivos no contexto do controle reduzido pode levar a atos violentos. Situações com combinações de fatores incluem estados tóxicos e orgânicos, deficiências evolutivas, psicose florida, transtornos da conduta e grande estresse psicológico e ambiental. A Tabela 4.4-1 apresenta alguns dos transtornos listados no DSM-IV-TR que foram associados a comportamento violento e agressivo. É extremamente importante distinguir fantasias da ameaça de um ato real, pois existem leis que exigem que os psiquiatras advirtam as autoridades legais e as vítimas potenciais quando suspeitam que um de seus pacientes possa cometer um crime. Contudo, as fantasias – mesmo as mais violentas, assassinas ou sádicas – não estão sujeitas a tais exigências. (O Capítulo 58 sobre psiquiatria forense discute essas questões de forma mais aprofundada.)
psicológica, talvez também com o início rápido de um transtorno mental. De outra forma, pouco se sabe sobre a relação entre o curso de doenças e a agressividade. A descompensação episódica pode ocorrer naqueles que ingerem grandes quantidades de álcool. Mais de 50% dos homicídios e agressões estão relacionados à ingesta de quantidades significativas de álcool imediatamente antes do acontecimento. Os pesquisadores recentemente voltaram sua atenção para as diferenças relacionadas ao sexo na predisposição e na freqüência de agressões. Para a agressão classificada como homicídio, agressão, assalto à mão armada ou estupro, a freqüência entre os homens claramente excede a das mulheres. Na violência doméstica, quando um parceiro conjugal age para agredir o outro, a probabilidade entre homens e mulheres é mais ou menos igual. Estudos de pessoas hospitalizadas em instituições psiquiátricas por períodos longos indicam que a prevalência de agressão por homens e mulheres é praticamente a mesma. As Tabelas 4.4-2 e 4.4-3 resumem os prognosticadores da violência. Entre todos os fatores, o mais indicativo de violência é uma história de comportamento violento. ETIOLOGIA Fatores psicológicos
PROGNOSTICADORES DA AGRESSIVIDADE A maioria dos adultos com e sem doenças mentais que cometem atos agressivos provavelmente ataca pessoas que conhecem, em geral seus familiares. Esse fato indica que a agressividade não é direcionada indiscriminadamente. Uma possível exceção à generalização para com os familiares é relatada entre adolescentes do sexo masculino, que muitas vezes se comportam de forma agressiva em relação a conhecidos casuais ou estranhos. Em geral, a probabilidade de apresentar comportamento agressivo aumenta quando as pessoas sofrem uma descompensação
TABELA 4.4-1 Alguns transtornos associados à agressividade, segundo o DSM-IV-TR Retardo mental Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade Transtornos da conduta Transtornos cognitivos Delirium Demência Transtornos psicóticos Esquizofrenia Transtorno psicótico sem outra especificação Transtornos do humor Transtorno do humor devido a uma condição médica geral Transtorno do humor induzido por substância Transtorno explosivo intermitente Transtorno da adaptação com perturbação da conduta Transtornos da personalidade Transtorno da personalidade paranóide Transtorno da personalidade anti-social Transtorno da personalidade borderline Transtorno da personalidade narcisista Condições do Eixo V Comportamento anti-social da infância, da adolescência ou da idade adulta
Comportamento instintivo. A VISÃO DE FREUD. Em seus primeiros escritos, Sigmund Freud dizia que todo comportamento humano provém direta ou indiretamente de eros – o instinto de vida – cuja energia, ou libido, é dirigida para melhorar ou reproduzir a vida. Nesse contexto, a agressividade simplesmente era vista como uma reação ao bloqueio ou ao impedimento de impulsos libidinosos, não como parte natural ou inevitável da vida. Após os trágicos eventos da I Guerra Mundial, Freud gradualmente passou a adotar uma posição mais pessimista sobre a natureza da agressividade humana. Ele propôs a existência de um segundo instinto principal – tanatos, a pulsão de morte – cuja energia é direcionada para a destruição ou para o término da vida. Segundo Freud, todo o comportamento humano parte da interação complexa entre tanatos e eros e da tensão constante entre ambos.
TABELA 4.4-2 Prognosticadores comuns de perigo para outras pessoas Grau elevado de intenção de causar dano Presença de uma vítima Ameaças freqüentes e explícitas Plano concreto Acesso a instrumentos de violência História de perda do controle Raiva, hostilidade ou ressentimento crônicos Gosto por assistir ou infligir dano a outras pessoas Falta de compaixão Visão de si mesmo como vítima Problemas com autoridade Brutalidade ou privações na infância Pouco afeto e carinho no lar Perda precoce dos pais Comportamento incendiário, enurese e atos de crueldade para com animais Atos violentos anteriores Direção imprudente
CONTRIBUIÇÕES DAS CIÊNCIAS
PSICOSSOCIAIS
177
TABELA 4.4-3 Avaliando o risco de homicídioa Características clínicas
Baixo risco
Médio risco
Alto risco
Vida familiar
Criança desejada, família amorosa
Violência precoce, criança agredida, modelo parental negativo
Pessoas significativas
Diversos familiares ou amigos confiáveis disponíveis Bom na maioria das atividades
Alguns problemas familiares, perda de um dos pais ou família com apenas um dos pais Poucas ou nenhuma disponível Moderadamente bom em certas atividades Moderadamente estável Médio História relativamente estável Abandonou ensino médio, sabe ler e escrever
Ruim em certas atividades
Habitação razoável, um pouco lotada Leve, um pouco retraído e manifestando sentimentos de desesperança Bebe socialmente ou abusa às vezes Um pouco de apoio psiquiátrico, moderadamente satisfeito consigo mesmo História ocasional de violência ou comportamento impulsivo
Habitação deficiente, superpovoada, favela História consistente de solidão, anti-social, retraído, desesperado e desamparado Abuso crônico
Sentimentos ocasionais de ansiedade Depressão ocasional
Facilmente levado a estados ansiosos, de excitação ou de pânico Grave, cronicamente melancólico
Boa, com reforços de outras pessoas Baixa Controlado
Normalmente boa
Auto-imagem cronicamente negativa Pronunciada, agressiva Sente necessidade de violência
Capaz de enfrentar o estresse e influências irritantes externas; mecanismos de defesa bemdesenvolvidos Nenhuma, tem bom contato com o que está ocorrendo Capaz de fazer bom uso dos recursos disponíveis
Em geral, consegue enfrentar a maioria das pressões; às vezes, pensamento e atuação tornamse constritivos De leve a moderada
Não
Foi detido, mas não cumpriu pena
História de detenções múltiplas, cumpriu pena na cadeia, mataria para não ir preso novamente
Homicídio
Não
Sim, considera matar alguém um ato possível
Plano de homicídio
Não
Armas disponíveis
Nenhuma
Já demonstrou comportamento agressivo; esteve envolvido em brigas, mas não tentou matar Já teve pensamentos passageiros de matar, sem planos definidos Sim, pessoa ciente de armas no ambiente imediato, mas não pensa seriamente em usá-las
Indicadores de hostilidade (história)
Funcionamento cotidiano Estilo de vida Socioeconômico Emprego Escolaridade
Habitação Isolamento ou retraimento
Uso de álcool ou outras substâncias Apoio psicológico
História pessoal Perturbação (estados emocionais negativos) Ansiedade Depressão Auto-estima Hostilidade Controle de impulsos Constrição (limitação da visão) Uso de estratégias e dispositivos de enfrentamento
Desorientação e desorganização Recursos Cessação (impedir a pessoa de causar problemas) Detenções anteriores
Estável Superior Empregado Graduado no ensino médio ou superior (universidade ou formação técnica) Vive em habitação adequada, ambiente e espaço limpos Capaz de se relacionar bem com os outros, extrovertido Abstêmio, uso social ocasional Sem história de necessidade ou uso de hospitalização psiquiátrica Sem história de violência ou comportamento impulsivo
Baixa, bom controle emocional Baixa
Alguma Um pouco de atuação impulsiva sem violência física
Algum uso de recursos, ciente da maioria deles
Nenhuma disponível
Instável Baixo Desempregado Evasão escolar, semi-analfabeto ou analfabeto
História de hospitalização psiquiátrica, visão negativa de si mesmo História freqüente de violência ou comportamento impulsivo
Torna-se limitado na maioria das situações de estresse; atuação de maneiras destrutivas e socialmente inaceitáveis Pronunciadas, perde contato com a realidade Incapaz de usar recursos disponíveis ou de reconhecer que pode obter ajuda
Pensamentos freqüentes ou constantes com um plano específico Sim, e planeja usar (uma arma carregada seria considerada altamente letal)
aNenhuma característica clínica prevê homicídios. Porém, quanto maior o número dessas condições nas categorias de médio e alto risco, maior a probabilidade. Adaptada de Allen N. Homicide: Perspectives on Prevention. New York: Human Sciences, 1979.
178
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Como o instinto de morte, se incontido, logo resulta em autodestruição, levantava a hipótese de que, por mecanismos como o deslocamento, a energia de tanatos é direcionada para fora e serve como base para a agressividade contra terceiros. Assim, na última visão de Freud, a agressão parte principalmente do redirecionamento do instinto de morte autodestrutivo para longe do próprio indivíduo e para outras pessoas. Segundo Konrad Lorenz, a agressividade que causa dano físico aos outros parte de uma disputa interior que os humanos compartilham com outros organismos. A energia associada a esse instinto é produzida de forma espontânea em uma taxa mais ou menos constante. A probabilidade de agressão aumenta em função da quantidade de energia armazenada e da presença e da força dos estímulos que liberam a agressividade. Ela é inevitável, e, às vezes, podem ocorrer explosões espontâneas.
A VISÃO DE LORENZ.
Comportamento aprendido. A partir de outra perspectiva, a agressividade é, principalmente, uma forma aprendida de comportamento social – adquirida e mantida da mesma maneira que outras formas de atividade. Segundo Albert Bandura, as raízes da agressividade humana não são desejos inatos de violência ou impulsos agressivos. Ao contrário, as pessoas agridem porque adquiriram respostas agressivas com as experiências. Recebem ou prevêem várias formas de recompensa por realizar essas ações, ou são diretamente instigadas à agressão por condições ambientais ou sociais específicas. Diferente das teorias de instintos e impulsos (a representação psicológica de uma necessidade que leva um organismo a perseguir um objetivo), a perspectiva da aprendizagem social não atribui a agressividade a uma ou mais causas potenciais, mas sugere que as raízes desse comportamento são variadas e envolvem a experiência passada do agressor, a aprendizagem e uma ampla variedade de fatores situacionais externos. Por exemplo, soldados recebem medalhas para matar soldados inimigos durante tempos de guerra, e atletas profissionais ganham muita admiração e grandes recompensas financeiras para competirem de forma agressiva (Tab. 4.4-4).
sua forma original, indicava que a frustração sempre leva a uma forma de agressividade e que esta sempre parte daquela. Contudo, as pessoas frustradas nem sempre respondem com pensamentos, palavras ou atos agressivos. Podem apresentar uma ampla variedade de reações, desde resignação, depressão e desespero até tentativas de superar as fontes de sua frustração. E nem toda agressividade resulta da frustração. As pessoas (p. ex., boxeadores e jogadores de futebol americano) agem de forma agressiva por muitas razões e em resposta a muitos estímulos. A análise das evidências indica que o fato de a frustração aumentar ou não a agressão explícita depende de dois fatores. Primeiramente, apenas parece aumentar a agressividade quando é intensa. Quando é leve ou moderada, pode não desencadeá-la. Em segundo lugar, é provável que facilite a agressividade quando é percebida como arbitrária ou desnecessária, ao contrário de quando é considerada merecida ou legítima. Provocação direta. Evidências indicam que agressões físicas e insultos verbais de outras pessoas produzem atos agressivos. Quando começa, a agressividade normalmente apresenta um padrão de crescimento perturbador. Como resultado, mesmo ofensas verbais leves ou olhares podem iniciar um processo em que são trocadas provocações cada vez mais fortes. Violência na televisão. Observou-se uma associação entre agressão e exposição à violência na televisão. Quanto mais violência as crianças assistem na televisão, maior será seu nível de agressividade contra os outros. A força da relação parece aumentar com o tempo. Esse achado indica os efeitos cumulativos da violência na mídia. Os processos que explicam as implicações da violência em filmes e na televisão sobre o comportamento dos espectadores são apresentados na Tabela 4.4-5. Preocupações semelhantes foram levantadas com relação a jogos de computador com temas violentos. Alguns estudos indicam que os adolescentes são dessensibilizados para atividades homicidas após exposição repetida, em especial se o jogo envolve matar oponentes virtuais, que é comum em muitos programas de computador.
Fatores sociais Fatores ambientais Frustração. O meio mais potente de incitar pessoas à violência é a frustração. A aceitação ampla dessa visão parte principalmente da hipótese da frustração-agressividade de John Dollard. Em
Poluição do ar. A exposição a odores nocivos, como os produzidos por indústrias químicas e outras fábricas, pode aumentar a
TABELA 4.4-4 Perspectivas teóricas sobre a agressividade Teoria
Fonte presumida
Possibilidade de prevenir ou controlar
Teoria do instinto
Tendências ou instintos inatos
Teoria do impulso
Impulso agressivo produzido externamente
Teoria da aprendizagem social
Condições sociais e ambientais atuais e aprendizagem social pregressa
Baixa: impulsos agressivos são gerados constantemente e impossíveis de evitar Baixa: fontes externas de impulsos agressivos são comuns (p. ex., frustração) e impossíveis de eliminar Moderada a alta: mudanças apropriadas em condições sociais e ambientais atuais ou em contingências de reforço podem reduzir ou prevenir atos agressivos
Cortesia de Robert A. Baron, Ph.D.
CONTRIBUIÇÕES DAS CIÊNCIAS
TABELA 4.4-5 Mecanismos subjacentes aos efeitos da violência na televisão e em filmes sobre o comportamento dos espectadores Mecanismo
Efeitos
Aprendizagem por observação
Os espectadores adquirem novas maneiras de prejudicar os outros, que antes não estavam presentes em seus repertórios comportamentais. As limitações ou inibições dos espectadores são enfraquecidas como resultado de observar outras pessoas realizando o comportamento. A resposta emocional dos espectadores a atos agressivos e a suas conseqüências – sinais de sofrimento por parte das vítimas – é reduzida. Como resultado, pouco se comovem diante de tais estímulos.
Desinibição
Dessensibilização
Cortesia de Robert A. Baron, Ph.D.
irritabilidade pessoal e, portanto, a agressividade, embora esse efeito pareça ser verdadeiro apenas até certo ponto. Se os odores em questão forem realmente nocivos, a agressividade tende a diminuir – talvez porque a fuga do ambiente desagradável se torne o objetivo dominante para as pessoas envolvidas. Ruído. Diversos estudos já relataram que pessoas expostas a ruídos altos e irritantes direcionam agressões mais fortes contra terceiros do que as que não são expostas a essas condições ambientais. Promiscuidade. Alguns estudos indicam que a superlotação pode produzir níveis elevados de agressividade, mas outros não conseguiram encontrar evidências dessa conexão. A promiscuidade pode aumentar a probabilidade de explosões agressivas quando as reações típicas são negativas (p. ex., incomodação, irritação e frustração). Grande quantidade de passageiros de linhas aéreas na classe econômica foi sugerida como um fator que contribui para incidentes violentos entre os usuários. Fatores situacionais Excitação fisiológica elevada. Algumas pesquisas indicam que a excitação elevada parte de diversas fontes, bem como a participação em atividades competitivas, exercícios vigorosos e exposição a filmes provocativos aumentam a agressividade. Excitação sexual. Pesquisas recentes referem que os efeitos da excitação sexual sobre a agressividade dependem muito dos materiais eróticos usados para induzir tais reações e da natureza das próprias reações. Quando o erotismo é leve, como fotos de nus atraentes, a agressividade é reduzida. Quando é explícito, como em filmes com casais realizando vários atos sexuais, ela aumenta. Dor. A dor física pode excitar um impulso agressivo – motivo para prejudicar ou machucar outras pessoas. Esse impulso, por sua vez, pode se expressar contra qualquer alvo disponível, incluindo aqueles que não são responsáveis de nenhuma forma pelo desconforto do agressor. Essa hipótese pode explicar, em parte,
PSICOSSOCIAIS
179
por que pessoas expostas à agressividade agem de forma agressiva para com outras. Fatores biológicos Em animais, a agressividade foi relacionada à testosterona, à progesterona, ao hormônio luteinizante, à renina, β-endorfina, prolactina, à acetilcolina, à serotonina, ao ácido 5-hidroxiindoleacético (5-HIAA) e ao ácido fenilacético, entre outros. Alguns estudos associaram o nível de agressão aos níveis de andrógeno, apontando para a síndrome da insensibilidade a andrógenos (na qual há uma conexão deficiente entre estes e proteínas e uma propensão menor para brincadeiras violentas) e para a síndrome androgenital (na qual o córtex adrenal da mãe expõe o feto a níveis elevados de andrógenos adrenais, resultando em masculinização, evidenciada, em parte por maior ocorrência de brincadeiras violentas em meninas masculinizadas). Em relação a drogas e substâncias de abuso, parece haver diversas generalizações possíveis. Baixas doses de álcool inibem a agressividade, e doses altas a facilitam. Os efeitos de barbitúricos são semelhantes aos do álcool, assim como os de aerossóis e solventes comerciais. Os ansiolíticos geralmente inibem esse comportamento, embora, às vezes, se observe agressividade paradoxal. A dependência de opióides (mas não a intoxicação) está associada a um aumento da agressividade, assim como o uso de estimulantes, cocaína, alucinógenos e, em certos casos, doses variáveis de maconha. Lesões neuroanatômicas. Cada vez mais, diversos pesquisadores têm levantado a hipótese de que as raízes do comportamento agressivo de certas pessoas cronicamente agressivas são lesões cerebrais orgânicas. Essa perspectiva é uma elaboração da teoria de que a agressividade é um comportamento social aprendido, no sentido de que as pessoas que foram vítimas de abuso físico grave podem sofrer seqüelas neurológicas secundárias a ele, as quais predispõem biologicamente as vítimas a terem comportamentos violentos. Em 1986, Dorothy Lewis relatou que todos os detentos do corredor da morte estudados por sua equipe de pesquisadores tinham história de lesões na cabeça, muitas vezes causadas por pais abusivos. Esse estudo concluiu que essa população constitui grupo prisional especialmente debilitado do ponto de vista neuropsiquiátrico. Pesquisadores que investigam a associação entre lesões na cabeça e comportamento violento têm o cuidado de afirmar que a ligação entre abuso físico, lesões na cabeça e violência é incerta, ainda que alguns indiquem uma relação entre abusos físicos precoces e comportamentos agressivos posteriores. Alguns pesquisadores especulam que a combinação de lesões cerebrais e história de sofrer ou assistir abuso grave crônico pode ser letal. Neurotransmissores. Em geral, mecanismos colinérgicos e catecolaminérgicos parecem estar envolvidos na indução e no aumento da agressividade predatória, ao passo que os sistemas serotonérgicos e o ácido γ-aminobutírico (GABA) parecem inibir tal comportamento. Os sistemas catecolaminérgicos e serotonérgicos evidentemente modulam a agressividade afetiva. A dopa-
180
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
mina parece facilitar a agressividade, ao passo que a noradrenalina e a serotonina parecem inibi-la. Recentemente, a serotonina ganhou atenção novamente como um fator mediador potencialmente importante na agressividade. Declínios rápidos em seus níveis ou no seu funcionamento estão associados à maior irritabilidade e, em primatas não-humanos, à maior agressividade. Alguns estudos com humanos indicaram que os níveis de 5-HIAA no líquido cerebrospinal estão inversamente correlacionados à freqüência da agressividade, particularmente em pessoas que cometem suicídio. Fatores genéticos Estudos de gêmeos. Pesquisas envolvendo gêmeos monozigóticos indicam um componente de hereditariedade no comportamento agressivo. Por enquanto, a maioria dos estudos se concentra em populações não-psiquiátricas, nas quais as taxas de concordância para gêmeos monozigóticos excedem aquelas para dizigóticos. Estudos genealógicos. Inúmeros estudos mostram que indivíduos com história familiar de transtornos mentais são mais propensas a desenvolver transtornos e comportamentos agressivos do que os que não têm esse tipo de prognóstico. Pessoas com quociente de inteligência (QI) baixo parecem apresentar uma freqüência maior de delinqüência e agressividade do que aquelas com QI normal. As correlações observadas entre o comportamento agressivo e outros comportamentos atípicos indicam que predisposições genéticas, incluindo aquelas referentes a comportamentos associados a transtornos mentais, estão associadas a funções fisiológicas atípicas; e uma conseqüência disso é o aumento na probabilidade de agressividade. Influências cromossômicas. A pesquisa comportamental envolvendo a influência dos cromossomos concentra-se em anormalidades nos cromossomos X e Y, particularmente a síndrome XYY do cromossomo 47. Os primeiros estudos indicavam que as pessoas com a síndrome poderiam ser caracterizadas como altas, com inteligência abaixo da média e prováveis de serem detidas e presas por se envolverem em comportamentos criminosos. Todavia, estudos subseqüentes indicaram que, na melhor das hipóteses, a síndrome contribui para o comportamento agressivo em apenas uma pequena porcentagem de casos. Estudos das características relacionadas com andrógenos e gonadotropinas de pessoas afetadas foram inconclusivos. Um caso famoso de uma defesa por insanidade “XYY” é ilustrado na Figura 4.4-1. EPIDEMIOLOGIA Segundo os Uniform Crime Reports do Federal Bureau of Investigation (FBI), um milhão e meio de crimes violentos (assassinato, estupro, roubo e agressões sérias) são cometidos a cada ano nos Estados Unidos. Desse número, cerca de 90 mil são estupros, e 15 mil homicídios. Essas estatísticas têm diminuído em 25,5% a cada ano desde 1991. As taxas de crimes violen-
FIGURA 4.4-1 Richard Speck. Condenado em 1966 pela morte de oito enfermeiros em Chicago, por punhaladas e estrangulamento. Sua defesa legal baseou-se em sua constituição genética, que era “XYY”. Indivíduos com esses genes foram identificados como altos, mentalmente retardados, com acne e apresentando comportamento agressivo. O júri o considerou culpado, e ele foi sentenciado à morte na cadeira elétrica. (Cortesia de Wide World Photos.)
tos são mais altas em grandes áreas metropolitanas e mais baixas em áreas rurais. Atos violentos são cometidos com maior freqüência por pessoas que se conhecem. Os homicídios são mais comuns entre estranhos (55%), e mais de 65% destes são cometidos com revólveres e pistolas. Nos Estados Unidos, o homicídio é a segunda principal causa de morte entre pessoas de 15 a 24 anos de idade. Além disso, homens jovens negros são oito vezes mais prováveis de serem assassinados do que brancos da mesma idade. Foram relatadas taxas de homicídio muito mais baixas em países como Inglaterra, Suécia, Japão e Canadá, que têm leis rígidas para controle de armas. Homicídios são mais comuns em grupos socioeconômicos inferiores e costumam ser cometidos mais por homens do que por mulheres. Uma enquete nacional com estudantes do ensino médio relatou que 28% dos meninos e 7% das meninas estiveram em uma briga física no mês anterior. Quase 35% dos entrevistados relataram ter participado de pelo menos uma luta corporal que tenha resultado em ferimentos que exigiram atenção médica. PREVENÇÃO E CONTROLE Para os médicos, a prevenção da morte e da deficiência resultantes de comportamentos agressivos, violentos ou homicidas come-
CONTRIBUIÇÕES DAS CIÊNCIAS
ça no nível individual. Por exemplo, a violência dentro da família (como o abuso físico e sexual de crianças, agressão contra a esposa e comportamentos autodestrutivos) costuma ser revelada por meio de um questionamento sensível e um alto índice de suspeita por parte do médico. As intervenções preventivas incluem indicação psiquiátrica, notificação das autoridades legais ou outras autoridades responsáveis (obrigatória em casos como abuso infantil e ameaças específicas contra terceiros) e orientação especializada por terapeutas adequadamente treinados. Muitos especialistas defendem limitar a exposição à violência na televisão, no cinema e nos jogos de computador como uma maneira de reduzir essa condição. Punição A punição costuma ser um meio efetivo de intimidação contra a agressividade explícita. Pesquisas indicam que a freqüência ou a intensidade desse tipo de comportamento podem ser reduzidas por formas moderadas de punição, como desaprovação social, mas que isso nem sempre produz efeitos. Aqueles que recebem uma punição muitas vezes a consideram um ataque contra si mesmos. Até onde isso é verdade, os agressores podem responder de forma ainda mais agressiva. Punições severas têm maior probabilidade de provocar desejos de vingança ou retribuição do que de instilar uma coibição duradoura da violência. As pessoas que administram a punição podem servir como modelos agressivos para as que recebem a disciplina e, conforme observado antes, a exposição a tais modelos é capaz de potencializar atos violentos. Devido às condições sob as quais ela costuma ser administrada (muito tempo após a agressão ser cometida), a punição somente reduz a força ou a freqüência do comportamento agressivo de forma temporária. Quando a repreensão é descontinuada, os atos agressivos rapidamente retornam. Por essas razões, certas punições podem “sair pela culatra” e, na verdade, encorajar, em vez de inibir, os atos perigosos os quais foram projetadas para minimizar. Catarse Por muitos anos, acreditava-se que oferecer uma oportunidade para que pessoas agressivas tivessem comportamentos expressivos e não-agressivos reduziria sua tensão ou excitação e enfraqueceria sua tendência de cometer atos explícitos e potencialmente perigosos de agressão – a chamada hipótese da catarse. Ainda que Freud aceitasse a existência dessa catarse, era relativamente pessimista quanto à sua utilidade para prevenir a agressividade explícita. Atualmente, ela é percebida como um auxílio a certos indivíduos para descarregar a agressividade, mas outros podem se tornar mais agressivos como resultado dos comportamentos expressivos. Treinamento em habilidades sociais Uma das principais razões pelas quais muitas pessoas se envolvem em situações agressivas repetidas é sua falta de habilidades
PSICOSSOCIAIS
181
sociais básicas. Essas pessoas não sabem se comunicar de maneira efetiva e, assim, adotam um estilo intempestivo de expressão pessoal. Sua incapacidade de cumprir tarefas básicas como fazer pedidos, negociar e aceitar queixas costuma irritar seus amigos, conhecidos e estranhos. Seus déficits sociais graves parecem garantir que eles experimentem frustração repetida e, freqüentemente, raiva para com quem têm contato direto. Uma técnica para reduzir a freqüência desse comportamento envolve proporcionar a essas pessoas as habilidades sociais de que tanto carecem. O treinamento com esse enfoque é aplicado a diversos grupos, incluindo adolescentes muito agressivos, policiais e pais que agridem os filhos. Em muitos casos, mudanças drásticas foram produzidas nos comportamentos visados (p. ex., melhor comunicação interpessoal e maior capacidade de lidar com a rejeição e o estresse), e costuma-se observar uma redução no comportamento agressivo relacionado a tais mudanças. Os resultados são encorajadores e indicam que o treinamento em habilidades sociais apropriadas pode oferecer uma abordagem promissora à redução da violência humana. Indução de respostas incompatíveis Empatia. Quando os agressores atacam outras pessoas em confrontos diretos, podem bloquear, ignorar ou negar os sinais de dor e sofrimento por parte de suas vítimas. Se os agressores forem expostos a esse feedback, podem sentir empatia e, subseqüentemente, reduzir esse comportamento. Em vários experimentos, a exposição aos sinais de dor ou desconforto da vítima inibiu a agressividade. Humor. Observações informais indicam que a raiva pode ser reduzida por meio da exposição a material humorístico, e alguns estudos de laboratório sustentam essa hipótese. Vários tipos de humor, apresentados em diversos formatos, podem induzir reações ou emoções incompatíveis com a agressividade nas pessoas que os observam. Outros fatores. Muitas outras reações também podem ser incompatíveis com a raiva ou com a agressividade explícita. Conforme já observado, a excitação sexual moderada opera dessa forma. De maneira semelhante, sentimentos de culpa sobre o desempenho de atos agressivos muitas vezes reduzem o comportamento. A participação em tarefas cognitivas envolventes, como resolver problemas matemáticos, pode induzir reações incompatíveis com atos de raiva ou agressivos. Um resumo dos mecanismos da violência é apresentado na Figura 4.4-2. Farmacoterapia Vários tipos de drogas e monitoramento clínico – por exemplo, pressão arterial e eletroencefalograma – são essenciais para o tratamento adequado de certas pessoas agressivas. O lítio parece ser uma droga promissora para certos pacientes violentos, especialmente adolescentes delinqüentes. Os anticonvulsivantes ocasionalmente reduzem a ocorrência de formas de agressividade
182
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Estados externos necessários Conflitos promovidos pelo ambiente interpessoal
VÍTIMAS
Desinibição química
↑ IMPULSO
CONTROLE ↓
Problemas orgânicos ou neurológicos
Fragilidade intrapsíquica
Estados internos suficientes FIGURA 4.4-2 Mecanismos da violência.
induzidas por convulsões, e podem apresentar o mesmo efeito em pessoas que não têm epilepsia. Os antipsicóticos parecem reduzir a agressividade em pacientes violentos psicóticos e não-psicóticos. Os antidepressivos são eficazes para atenuar a violência em certos pacientes. Os agentes antiansiedade parecem ter um papel limitado na redução da agressividade. Agentes anticonvulsivantes, como a gabapentina, foram usados para reduzir a ocorrência de ataques agressivos. Antiandrogênicos podem ser efetivos no tratamento de agressores sexuais. Os estimulantes e os antagonistas dos receptores β-adrenérgicos (betabloqueadores) podem ser efetivos em crianças agressivas. A eletroconvulsoterapia pode ser efetiva em um pequeno grupo de pacientes selecionados. A Tabela 4.4-6 apresenta algumas intervenções psicofarmacológicas possíveis para a agressividade.
Cerca de 18 milhões de pessoas nos Estados Unidos, em um dado momento, já sofreram alguma perturbação psiquiátrica como resultado de um crime. A qualquer momento, até cinco milhões de pessoas nos Estados Unidos podem estar sofrendo alguma condição relacionada aos crimes. O Instituto Nacional de Justiça estima que um norte-americano de 12 anos de idade tem 80% de chance de ser vítima de um crime grave em algum momento de sua vida, e pesquisas recentes indicam que muitas vítimas de atos violentos têm maior risco de desenvolver problemas psiquiátricos graves. Os transtornos depressivos de longa duração e as fobias são os dois transtornos mentais que ocorrem com mais freqüência entre vítimas de crimes do que na população em geral. Muitos pesquisadores acreditam que efeitos emocionais diferentes e característicos estão associados ao fato de alguém ser vítima de um crime, e que esses efeitos estão relacionados à condição de essas pessoas serem alvos de agressão intencional. A Tabela 4.4-7 lista os principais efeitos emocionais do crime. ACIDENTES Um acidente é um evento que ocorre por acaso ou de forma inesperada, sem planejamento consciente. Estudos mostram que, às vezes, as causas podem ser determinadas e possivelmente corrigidas, mas que costumam ser muitas exigem uma abordagem multifacetada ao problema. Por exemplo, características comportamentais e psicológicas podem estar relacionadas à ocorrência de acidentes, incluindo ansiedade, aborreci-
TABELA 4.4-6 Diagnóstico diferencial esquemático e tratamento farmacológico da violência –––––––––––––Dimensão psicótica––––––––––––– –––––––––––––Dimensão orgânica––––––––––––– –––––––––––––Dimensão caracterológica––––––––––––––––––––––––––––––––––– Funcional
Toxicometabólica
Esquizofrenia Mania
Droga
Álcool
Síndrome cerebral orgânica
Delirium Transtornos depressivos Agudo
Antipsicóticos
Crônico
Antipsicóticos Lítio Antidepressivos
Abstinência de substâncias Benzodiazepínicos Anti-histaminas Antipsicóticos Fisostigmina Benzodiazepínicos Dissulfiram Antidepressivos
Demência Antipsicóticos
Estrutural
Descontrole episódico
Outros
Epilepsia
Transtorno explosivo intermitente
Caráter emocionalmente instável
Transtorno da personalidade anti-social
Transtorno de déficit de atenção/ hiperatividade Retardo mental Benzodiazepínicos
Antipsicóticos Anticonvulsivantes Vasodilatadores Benzodiazepínicos cerebrais Barbitúricos Estimulantes Antidepressivos
Anticonvulsivantes Lítio Antipsicóticos
Adaptada de Skodol A. Emergency management of potentially violent patients. In: Bassul E, Birk A, eds. Emergency Psychiatry: Concepts, Methods and Practice. New York: Plenum; 1984.
CONTRIBUIÇÕES DAS CIÊNCIAS
TABELA 4.4-7 Conseqüências do crime: principais efeitos emocionais Sensação de desamparo: o mundo parece inseguro, e as vítimas não têm confiança em seu julgamento e competência para lidar com o mundo. Raiva por ter sido vítima: uma raiva intensa costuma ser expressada para com familiares e pessoas que tentam ajudar. Da mesma forma, às vezes, a vítima é incapaz de expressar esse sentimento em relação a qualquer coisa. Sensação de ter sido prejudicado para sempre: vítimas de estupro, por exemplo, podem sentir que nunca serão atraentes outra vez. Incapacidade de confiar ou de ter intimidade com outras pessoas: o efeito pode incluir a perda da fé em instituições como polícia ou tribunais. Preocupação persistente com o crime: receio excessivo em relação ao crime e a seus detalhes pode chegar ao ponto da obsessão. Perda da crença de que o mundo é justo: o efeito pode incluir autoculpa e a sensação de ter feito algo para merecer ser vítima. Cortesia de Stuart Kleinman, M.D.
mento, fadiga e ingestão de substâncias que alterem a concentração e a coordenação motora. Em 2000, segundo o Conselho Americano de Segurança, um total de 97 mil mortes e mais de 20 milhões de lesões debilitantes resultaram de acidentes. Para pessoas entre 15 e 24 anos de idade, os acidentes são a causa de morte mais comum e a quinta causa de morte em geral mais recorrente nos Estados Unidos. Dados nacionais mais recentes sobre o custo de lesões relataram que, para a população não-institucionalizada, os acidentes foram a segunda principal causa de custos médicos diretos (atrás apenas de doenças cardíacas, e com exceção do câncer) e também representavam grandes custos indiretos, como absenteísmo no trabalho e invalidez. Acidentes com veículos, acidentes industriais e acidentes domésticos foram os tipos mais freqüentes de causas de ferimentos. Um terço de todas as mortes por ferimentos se deve a acidentes automobilísticos, e um terço, a outros acidentes. O restante é dividido igualmente entre suicídios e homicídios. Após acidentes com veículos motores, as causas mais comuns de morte acidental são quedas, seguidas por queimaduras, afogamento e envenenamento.
Considerações psicofisiológicas O estado psicofisiológico das vítimas deve ser considerado em todas as lesões e acidentes. Uma condição física como fadiga pode resultar em distração ou incapacidade de responder de forma suficientemente rápida para evitar um acidente. Substâncias tóxicas como barbitúricos, anti-histaminas, maconha e, particularmente, o álcool são importantes. Cerca da metade dos acidentes automobilísticos relatados estão ligados ao consumo de álcool. Pessoas que têm diabete, epilepsia, doenças cardiovasculares e transtornos mentais estão envolvidas em mais do que o dobro do número de acidentes por 1.600 km dirigidos, se comparadas a indivíduos saudáveis. Problemas relacionados à idade, tanto déficits no funcionamento motor quanto cerebral, podem levar a limitações em julgamento, que contribuem para a ocorrência de acidentes fatais entre pessoas com 65 anos de idade ou mais.
PSICOSSOCIAIS
183
Motivações Segundo o ponto de vista motivacional, os primeiros escritos sobre o tema da personalidade propensa a acidentes remetem a The Psychopathology of Everyday Life, de Freud (1904): Muitas lesões aparentemente acidentais que ocorrem com esses pacientes na verdade são exemplos de autolesões. O que acontece é um impulso de autopunição, que está constantemente à espreita e que costuma encontrar expressão na auto-repreensão ou contribui para a formação de um sintoma, aproveita-se de forma engenhosa de uma situação externa que o acaso oferece, ou ainda contribui para a situação até que o efeito prejudicial desejado ocorra. Muitos estudos prospectivos exploraram as características da personalidade de pessoas que sofreram acidentes graves ou freqüentes. Os pesquisadores evidenciaram que aquelas que se envolvem repetidamente em acidentes podem ter uma tendência autodestrutiva subjacente, sugerindo a existência de depressão, pouco controle da hostilidade, tendência a serem mais ativas e menos reflexivas do que a população geral, além de propensão a dificuldades intrapsíquicas ou interpessoais resolvidas pelo menos em parte pela ocorrência do acidente. O conceito de uma sensação de culpa inconsciente e a necessidade de harmonizar ou de ser punido por tais sentimentos pode proporcionar motivação para muitos acidentes. Outras motivações podem ainda ser encontradas ao se examinarem as situações de vida de pessoas envolvidas em acidentes. Um desejo inconsciente de escapar ou de evitar algo costuma ser visível. O desejo de escapar pode estar relacionado a situações externas, para as quais o acidente proporciona uma forma conveniente de evitar uma possível experiência humilhante. Um exemplo disso é o homem que se acidenta no caminho para uma entrevista de emprego e, assim, evita a possível humilhação de não conseguir a vaga que estava pleiteando. Os acidentes contribuem para se evitar novas responsabilidades, proporcionando uma base racional conveniente e aceitável para não entrar em uma nova situação sem perder a auto-estima ou a estima de outras pessoas.
REFERÊNCIAS Cairns RB, Cairns BD. The natural history and developmental functions of aggression. In: Sameroff AJ, Lewis M, eds. Handbook of Developmental Psychology. 2nd ed. New York: Kluwer Academic/Plenum; 2000:403. Council on Scientific Affairs. Assault weapons as a public health hazard in the United States. JAMA. 1992;267:3067. Crusio WE. The neurobehavioral genetics of aggression. Behav Genet. 1996;26:459. Cueva JE, Overall JE, Small AM, Armenteros JL, Perry R, Campbell M. Carbamazepine in aggressive children with conduct disorder: a double-blind and placebo-controlled study. Child Adolesc Psychiatry. 1996;35:480. Elliott FA. Violence: the neurologic contribution: an overview. Arch Neurol. 1992;49:595. Federal Bureau of Investigation. Uniform Crime Reports. Washington, DC: US Government Printing Office; 2000. Fishbein DH, ed. The science, treatment, and prevention of antisocial behaviors: application to the criminal justice system. Kingston, NJ: Civic Research Institute; 2000:5. Gentry J, Eron LD. American Psychological Association Commission on Violence and Youth. Am Psychol. 1993;48:89.
184
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Kinzie JD, Boehnlein JK. Psychotherapy of the victims of massive violence: countertransference and ethical issues. Am Psychother. 1993;47:90. National Center for Environmental Health and Injury Control. Physical fighting among high school students: United States, 1990. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 1992;41:91. Pinard G-F, Pagani L, eds. Clinical Assessment of Dangerousness: Empirical Contributions. New York: Cambridge University Press; 2001:47. Serbin LA, Peters PL, Schwartzman AE. Longitudinal study of early childhood injuries and acute illnesses in the offspring of adolescent mothers who were aggressive, withdrawn, or aggressive-withdrawn in childhood. Abnorm Psychol. 1996;105:500. Tardiff K. Adult antisocial behavior and criminality. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:1908. Tardiff K, Marzuk PM, Leon AC, Portera L, Weiner C. Violence by patients admitted to a private psychiatric hospital. Am J Psychiatry. 1997;154:88. Verhoeven WMA, Tuinier S. Pharmacotherapy in aggressive and auto-aggressive behavior. In: Dosen A, Day K, eds. Treating Mental Illness and Behavior Disorders in Children and Adults with Mental Retardation.Washington, DC: American Psychiatric Press; 2001:283.
4.5 Etologia e sociobiologia ETOLOGIA A etologia é o estudo sistemático do comportamento animal. Suas raízes se encontram na ciência natural da biologia, em particular, na zoologia. Em 1973, o prêmio Nobel de psiquiatria e medicina foi conferido a três etologistas, Karl von Frisch, Konrad Lorenz e Nikolaas Tinbergen. Estes enfatizaram a relevância especial da etologia, não apenas para a medicina, mas também para a psiquiatria. KONRAD LORENZ Nascido na Áustria, Konrad Lorenz (1903-1988) é mais conhecido por seus estudos do imprinting, o qual implica que, durante um curto período do desenvolvimento, um animal jovem se encontra altamente sensível a determinado estímulo que, naquele momento, e não em outros, provoca um padrão de comportamento específico. Lorenz descreveu gansos recém-nascidos que eram programados para seguir um objeto em movimento e, assim, tornarem-se rapidamente marcados (imprinted) para seguir aquele objeto e, possivelmente, objetos semelhantes. Em geral, a mãe é o primeiro objeto móvel que o gansinho vê, mas se enxergar outra coisa antes, a seguirá. Por exemplo, um filhote de ganso seguia o pesquisador e recusava-se a seguir um ganso (Fig. 4.5-1). Trata-se um conceito importante para os psiquiatras entenderem a tentativa de associar as primeiras experiências de desenvolvimento a comportamentos posteriores. Lorenz também estudou os comportamentos que funcionam como sinais – ou seja, ativadores sociais – na comunicação entre animais da mesma espécie. Muitos sinais têm o caráter de padrões motores fixos que aparecem automaticamente. A reação de outros membros da espécie aos sinais também é automática.
FIGURA 4.5-1 Em um experimento famoso, Konrad Lorenz demonstrou que filhotes de ganso respondiam a ele como se fosse sua mãe natural. (Reimpressa, com permissão, de Hess EH. Imprinting: An Effect of an early experience. Science. 1959, 130: 133.)
Esse pesquisador também é bastante conhecido por seu estudo sobre a agressividade. Escreveu a respeito de sua função prática, como a defesa territorial de pássaros e peixes. A agressividade entre membros da mesma espécie é comum, mas Lorenz mostrou que, em condições normais, raramente resulta em morte ou mesmo em lesões graves. Embora os animais ataquem uns aos outros, parece haver um certo equilíbrio entre as tendências de luta e fuga, com a tendência de lutar com mais veemência no centro do território e a tendência de fugir mais forte longe do centro. Em muitos trabalhos, procurou-se aproximar as conclusões dos estudos etológicos de animais a problemas humanos. A postulação de uma necessidade primária de agressividade em humanos, cultivada pela pressão da seleção do melhor território, é um exemplo importante. Essa necessidade pode ter tido uma função prática no começo, quando vivia-se em pequenos grupos que precisavam defender-se de outros grupos. A competição com grupos vizinhos poderia se tornar um fator importante na seleção. Contudo, Lorenz observou que essa propensão havia sobrevivido ao advento das armas, que não apenas podem ser usadas para matar indivíduos, como para acabar com todos os humanos.
NIKOLAAS TINBERGEN Nascido na Holanda, o zoólogo britânico Nikolaas Tinbergen (19071988) conduziu uma série de experimentos para analisar vários aspectos
CONTRIBUIÇÕES DAS CIÊNCIAS
do comportamento dos animais. Ele também teve sucesso em quantificar o comportamento e mensurar o poder ou a força de vários estímulos para produzir determinados comportamentos. Descreveu atividades de deslocamento, as quais foram estudadas em muitos pássaros. Por exemplo, em uma situação de conflito, quando as necessidades de luta e fuga têm aproximadamente a mesma força, os pássaros às vezes não reagem nem de uma nem de outra forma. Em vez disso, apresentam um comportamento que parece ser irrelevante para a situação (p. ex., uma gaivota, ao defender seu território, pode começar a bicar a grama). Atividades de deslocamento desse tipo variam conforme a situação e as espécies envolvidas. Os humanos podem ter estratégias de deslocamento quando estão sob estresse. Lorenz e Tinbergen também descreveram mecanismos liberadores inatos, respostas animais desencadeadas por deflagradores ambientais específicos. Os deflagradores (incluindo formas, cores e sons) evocam respostas sexuais, agressivas ou outras. Por exemplo, em bebês humanos, olhos grandes demandam mais comportamento de cuidado do que olhos pequenos. Em seu último trabalho, Tinbergen, juntamente com sua esposa, estudou o transtorno autista precoce da infância. Ambos começaram observando o comportamento de crianças autistas e normais quando encontravam estranhos, de forma análoga às técnicas usadas para observar o comportamento animal. Em particular, observaram em animais o conflito que surge entre o medo e a necessidade de contato, e perceberam que o conflito pode implicar comportamentos semelhantes aos de crianças autistas. Apresentou-se a hipótese de que, em certas crianças predispostas, o medo pode predominar, sendo provocado por estímulos que normalmente têm um valor positivo para a maioria das crianças. Essa abordagem inovadora ao estudo do transtorno autista infantil abriu novos caminhos de investigação. Embora suas conclusões quanto a medidas e tratamentos preventivos devam ser consideradas experimentais, o método demonstra outro aspecto a que a etologia e a psiquiatria clínica podem estar relacionadas.
PSICOSSOCIAIS
185
mundo em pequena escala, com base no reconhecimento de similaridades ou diferenças. Esse método é usado para se ter uma visão geral das coisas ao redor e para implementar reações rápidas necessárias para a sobrevivência. Porém, quando as pessoas dispõem de tempo para analisar a situação, usam palavras ou números, que podem detalhar aspectos de eventos sem recorrer a analogias. No sistema digital-verbal, números e letras são atribuídos de forma arbitrária aos eventos, e uma legenda indica a que se referem esses símbolos. Em encontros humanos complexos, a comunicação verbal e não-verbal é usada em conjunto. As partes da mensagem orientadas para os objetos são expressas em palavras, e as orientadas para o sujeito ou para os participantes são expressas de forma não-verbal. DESENVOLVIMENTO DE PRIMATAS SUBUMANOS Uma área de pesquisa relevante para o comportamento e a psicopatologia humanos é o estudo longitudinal de primatas não-humanos. Macacos são observados desde o nascimento até a maturidade, não apenas em seus hábitats naturais e em representações em laboratório, mas também em cenários artificiais que envolvem graus variados de privação social logo no começo da vida. A privação social é produzida em duas condições predominantes: isolamento social e separação. Os macacos socialmente isolados crescem em graus variados de isolamento e não se permite que desenvolvam vínculos de apego normais. Aqueles que são separados de seus cuidadores primários experimentam distúrbios em vínculos já desenvolvidos. O primeiro exemplo ilustra os efeitos do ambiente social de um bebê sobre seu desenvolvimento subseqüente (Figs. 4.5-2 e 4.5-3), e o segundo, os efeitos da perda de uma figura de apego significativa. O nome mais associado aos estudos do isolamento e separação é Harry Harlow. Um resumo do seu trabalho é apresentado na Tabela 4.5-1.
KARL VON FRISCH Nascido na Áustria, Karl von Frisch (1886-1982) conduziu estudos sobre mudanças de cor em peixes e demonstrou que os mesmos poderiam aprender a distinguir várias cores e que seu sentido em relação a elas era bastante semelhante ao de humanos. Posteriormente, começou a estudar a visão colorida e o comportamento de abelhas, e é mais conhecido por sua análise de como elas se comunicam entre si – ou seja, sua linguagem, ou aquilo que se conhece como suas danças. A descrição do comportamento extremamente complexo das abelhas motivou uma investigação dos sistemas de comunicação em outras espécies de animais, incluindo humanos.
Características da comunicação humana. As operações comunicativas de um ser humano estão fundamentadas em dois sistemas de simbolização bastante diferentes: a comunicação nãoverbal baseia-se no princípio analógico, e a codificação verbal, no princípio digital. A experiência interior do que está acontecendo em um dado momento envolve imagens não-verbais que, de alguma forma, refletem a situação total. Movimentos corporais e reações imediatas e espontâneas exigem uma apreciação analógica dos eventos. Assim, as pessoas desenvolvem um modelo do
FIGURA 4.5-2 Macaco submetido a isolamento social após a remoção da tela de isolamento.
186
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
FIGURA 4.5-3 Fenômeno do trenzinho em bebês de macacos rhesus que cresceram apenas com outros macacos.
Em uma série de experimentos, Harlow separou macacos rhesus de suas mães durante as primeiras semanas de vida. Nesse período, o bebê depende de sua mãe para obter nutrição e proteção, assim como afeto físico e segurança emocional – conforto por contato, como Harlow chamou em 1958. O pesquisador substituiu a mãe verdadeira por mães substitutas feitas de pano ou de arame. Os bebês preferiram a mãe substituta de pano, que proporcionava conforto de contato, àquela feita de
TABELA 4.5-1 Privação social em primatas não-humanos Tipo de privação social Isolamento total (não se permitiu o desenvolvimento de vínculos com cuidadores ou outros macacos) Criado apenas pela mãe Criado apenas com outros macacos
Isolamento parcial (consegue ver, ouvir e cheirar outros macacos) Separação (tirado do cuidador após ter desenvolvido vínculo)
Efeito Auto-oralidade, postura encolhida, medroso quando colocado com outros macacos, incapaz de copular. Se engravidasse, a fêmea seria incapaz de cuidar dos filhos (mãe sem mãe). Se o isolamento fosse além dos seis meses, não haveria recuperação. Incapaz de deixar a mãe e explorar. Aterrorizado quando exposto a outros macacos. Incapaz de brincar ou copular. Auto-oralidade, agarra-se aos outros, facilmente assustado, relutante para explorar, tímido quando adulto, brincadeiras mínimas. Olhar vago no espaço, automutilação, padrões de comportamento estereotipados.
Estágio inicial de protesto muda para desespero 48 horas após a separação; recusase a brincar. Apego rápido quando retorna à mãe.
Adaptada do trabalho de Harry Harlow, M.D.
arame, que dispunha de alimento, mas não oferecia conforto ao contato (Fig. 4.5-4). Tratamento do comportamento anormal Stephen Suomi demonstrou que macacos isolados podem ser reabilitados se postos em contato com macacos que promovam contato físico sem ameaçá-los com agressividade ou interações complexas demais, os quais são chamados de macacos terapeutas. Para cumprir esse papel terapêutico, Suomi escolheu macacos normais jovens que brincassem de forma gentil com os isolados e se aproximassem e se agarrassem a eles. Dentro de duas semanas, os isolados estavam retribuindo o contato social, e a incidência de comportamentos autodirigidos anormais começou a diminuir de maneira significativa. Ao final do período de terapia de seis meses, estavam ativamente iniciando brincadeiras com o terapeuta e entre eles mesmos, e a maioria dos comportamentos autodirigidos havia desaparecido. Os isolados foram observados pelos dois anos seguintes, e seu repertório comportamental não regrediu com o tempo. Os resultados desse e de outros estudos subseqüentes a respeito de macacos terapeutas enfatizam a reversibilidade potencial de déficits cognitivos e sociais precoces em nível humano. Os estudos também serviram como modelo para desenvolver tratamentos terapêuticos para crianças socialmente retardadas e retraídas. Diversos pesquisadores já argumentaram que as manipulações da separação social com primatas não-humanos proporcionam uma base interessante para modelos de depressão e ansiedade. Alguns macacos reagem a separações com sintomas comportamentais e fisiológicos semelhantes aos percebidos em pacientes depressivos. A eletroconvulsoterapia e os agentes tricíclicos são efetivos para reverter os sintomas em macacos. Nem todas as se-
CONTRIBUIÇÕES DAS CIÊNCIAS
A
B
parações produzem reações depressivas, tanto em macacos quanto em humanos, sejam estes jovens ou velhos. Diferenças individuais Pesquisas recentes revelaram que alguns bebês rhesus demonstram medo e ansiedade de maneira consistente em situações nas quais macacos criados semelhantemente apresentam comportamento exploratório e brincam. Em geral, essas situações envolvem a exposição a uma situação ou a objeto novos. Quando o objeto ou situação se torna familiar, as diferenças comportamentais entre os bebês tímidos ou propensos a ter ansiedade e seus pares extrovertidos desaparecem, mas as diferenças individuais parecem ser estáveis durante o desenvolvimento. Os bebês macacos de 3 a 6 meses de idade que apresentam um risco elevado de apresentar reações de medo ou ansiedade tendem a permanecer em alto risco para essas reações, pelo menos até a adolescência. Um estudo de acompanhamento de longo prazo revelou certas diferenças comportamentais entre filhotes fêmeas que tinham e não tinham medo quando se tornaram adultas e tiveram seus primeiros filhotes. As macacas medrosas que cresceram em ambientes socialmente estáveis e benignos em sua maioria se tornaram boas mães, mas aquelas que haviam reagido com depressão a separações sociais freqüentes durante a infância tiveram maior risco de disfunção materna. Mais de 80% delas negligenciavam ou agrediam seus filhotes. Ainda assim, macacas que não tinha medo e que haviam sido submetidas ao mesmo número de separações sociais, mas que não reagiram a nenhuma delas com depressão, tornaram-se boas mães. TRANSTORNOS EXPERIMENTAIS Síndromes de estresse. Vários pesquisadores, incluindo Ivan Petrovich Pavlov, na Rússia, e W. Horsley Gantt e Howard Scott
PSICOSSOCIAIS
187
FIGURA 4.5-4 Bebê macaco com a mãe natural (A) e com a substituta de pano (B).
Liddell, nos Estados Unidos, estudaram os efeitos de ambientes estressantes sobre animais como cães e ovelhas. Pavlov produziu um fenômeno em cães, que chamou de neurose experimental, mediante o uso de uma técnica de condicionamento que levava a sintomas de agitação extrema e persistente. A mesma envolvia ensinar cães a discriminar entre um círculo e uma elipse e, progressivamente, diminuir a diferença entre ambos. Gantt usou a expressão transtornos do comportamento para descrever as reações que produziu em cães forçados em situações de aprendizagem conflitantes e semelhantes. Liddell descreveu a resposta de estresse que obteve em ovelhas, cabras e cães como neurastenia experimental, que foi produzida em alguns casos simplesmente dobrando-se o número de testes diários de forma imprevista. Aprendizado da impotência. O modelo do aprendizado da impotência para a depressão, desenvolvido por Martin Seligman, é um bom exemplo de transtorno experimental. Cães foram expostos a choques elétricos, dos quais não conseguiam escapar. Eles finalmente desistiam e não faziam novas tentativas de escapar dos choques. A aparente desistência era generalizada para outras situações, e os cães sempre acabavam parecendo desamparados e apáticos. Como os déficits cognitivos, motivacionais e afetivos que apresentavam pareciam com sintomas comuns a transtornos depressivos humanos, o aprendizado da impotência, embora controverso, foi proposto como um modelo animal da depressão humana. Em conexão com o aprendizado da impotência e a expectativa da punição inescapável, as pesquisas revelaram liberação cerebral de opióides endógenos, efeitos destrutivos sobre o sistema imunológico e elevação do patamar de dor. Uma aplicação social desse conceito envolve crianças escolares que aprenderam que fracassarão na escola, independentemente do que fizerem. Elas se consideram perdedoras sem chance, e esse autoconceito faz com que parem de tentar. Ensiná-las a persistir pode reverter o processo, com excelentes resultados em respeito pessoal e desempenho escolar.
188
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
FIGURA 4.5-5 O macaco à esquerda, conhecido como macaco executivo, controla se ambos receberão um choque elétrico ou não. A tarefa de tomada de decisão produz um estado de tensão crônica. Veja a atitude mais tranqüila do que está à direita. (U.S. Army Photographs.)
Estresse imprevisível. Ratos submetidos a estresse crônico imprevisível (lotação, choques, alimentação irregular e sono interrompido) apresentam menos movimentos e comportamento exploratório. Esse achado ilustra os papéis da imprevisibilidade e da falta de controle ambiental na produção do estresse. Tais mudanças comportamentais podem ser revertidas com medicação antidepressiva. Os animais em estresse experimental (Fig. 4.5-5) ficam tensos, inquietos, hiper-irritáveis ou inibidos em certas situações de conflito. Dominação. Animais em posição dominante em uma hierarquia têm certas vantagens (p. ex., no acasalamento e na alimentação). O fato de ser mais dominante do que seus pares está associado ao entusiasmo, e a perda de posição na hierarquia está associada à depressão. Quando as pessoas perdem o emprego, são substituídas em organizações ou seu status de dominação ou hierárquico é alterado, podem experimentar depressão.
Temperamento. O temperamento mediado pela genética desempenha um papel no comportamento. Por exemplo, um grupo de cães perdigueiros foi criado com medo e antipatia por pessoas, e outro foi criado situação oposta. Os cães fóbicos eram extremamente tímidos e medrosos, e apresentavam menor capacidade exploratória, maior resposta de choque e arritmias cardíacas. Benzodiazepínicos diminuíram essas respostas de medo e ansiedade, e anfetaminas e cocaína agravaram as reações dos cães geneticamente nervosos em um nível maior do que foi percebido em cães estáveis. Estimulação cerebral. Sensações prazerosas foram produzidas em humanos e em animais por auto-estimulação de certas áreas cerebrais, como o feixe do prosencéfalo medial, a área septal e o hipotálamo lateral. Ratos se auto-estimularam (dois mil por hora) para ganhar recompensas. A produção de catecolamina aumenta com a auto-estimulação da área cerebral, e as drogas que reduzem
CONTRIBUIÇÕES DAS CIÊNCIAS
essa substância também diminuem o processo. Os centros de prazer sexual e recepção de opióides estão intimamente relacionados do ponto de vista anatômico. Viciados em heroína relatam que o chamado rush que experimentam após uma injeção intravenosa de heroína se parece com um orgasmo sexual intenso.
PSICOSSOCIAIS
189
queixas somáticas, perturbação emocional subjetiva intensa e imagens sensoriais vívidas – em sua maioria visuais, mas também atingindo proporções de alucinações de caráter delirante. Teorias psicológicas
Síndromes farmacológicas. Com o surgimento da psiquiatria biológica, muitos pesquisadores têm usado meios farmacológicos para produzir análogos de síndromes em animais. Dois exemplos clássicos são o modelo da reserpina para a depressão e o modelo da psicose da anfetamina para a esquizofrenia paranóide. Nos estudos da depressão, animais que receberam a droga, que é redutora de noradrenalina, apresentaram anormalidades comportamentais análogas às do transtorno depressivo maior em humanos. As alterações comportamentais em geral foram revertidas com antidepressivos. Esses estudos identificaram uma tendência de corroborar com a teoria de que a depressão em humanos resulta, em parte, de níveis mais baixos de noradrenalina. De maneira semelhante, os animais que receberam anfetaminas agiram de modo estereotipado, inadequadamente agressivo e um tanto assustado, que lembrava sintomas psicóticos paranóides. Ambos os modelos são considerados simplistas demais em seus conceitos de causa, mas permanecem como os primeiros paradigmas para esse tipo de pesquisa. Foram realizados estudos sobre os efeitos de drogas redutoras de catecolamina em macacos durante períodos de separação e reunião. Eles evidenciaram que a redução de catecolamina e a separação social podem interagir de maneira bastante sinérgica, produzindo sintomas depressivos em sujeitos para os quais a simples separação ou um tratamento com baixas doses não seriam suficientes para causar depressão. A reserpina produziu depressão grave em humanos e, como resultado, raramente é usada como anti-hipertensivo (sua indicação original) ou antipsicótico. De maneira semelhante, a anfetamina e seus congêneres (incluindo a cocaína) podem induzir comportamentos psicóticos em pessoas que a utilizam em superdosagem ou por longos períodos.
Antecipando a explicação psicológica, Sigmund Freud escreveu: “é interessante especular sobre o que poderia acontecer com o funcionamento do ego se as excitações ou estímulos do mundo exterior fossem drasticamente reduzidas ou repetitivas. Haveria uma alternativa nos processos mentais inconscientes e um efeito sobre a conceitualização do tempo?”. De fato, sob condições de privação sensorial, a anulação das funções do ego, como contato perceptivo com a realidade e pensamento lógico causa confusão, irracionalidade, fantasias, atividade alucinatória e reações mentais dominadas por desejos. Na situação de privação sensorial, o sujeito se torna dependente do experimentador e deve confiar nele para a satisfação de necessidades básicas como alimentação, uso do toalete e segurança física. Um paciente submetido à psicanálise pode estar em um tipo de sala de privação sensorial (p. ex., à prova de som, com luzes reduzidas e um divã) na qual a atividade mental primária seja encorajada por meio da associação livre. Cognitivas. As teorias cognitivas enfatizam o fato de que o organismo é uma máquina de processar informações, cujo propósito é a adaptação satisfatória ao ambiente percebido. Na falta de informações suficientes, a máquina não consegue formar um mapa cognitivo em relação ao qual a experiência atual possa ser comparada. Os resultados então são desorganização e mal-adaptação. Para monitorar o próprio comportamento e obter a resposta desejada, as pessoas devem receber feedback contínuo. De outra forma, são forçadas a projetar temas idiossincráticos que têm pouca relação com a realidade. Essa situação assemelha-se à verificada em muitos casos psicóticos. Teorias fisiológicas
PRIVAÇÃO SENSORIAL A história da privação sensorial e de seus efeitos potencialmente deletérios evoluiu a partir de casos de comportamento mental alterado em exploradores, náufragos e prisioneiros em confinamento solitário. Perto do final da II Guerra Mundial, confissões chocantes de prisioneiros de guerra submetidos a lavagens cerebrais causaram aumento no interesse por tal fenômeno psicológico causado pela redução deliberada de estímulos sensoriais. Para testar a hipótese de que um elemento importante na lavagem cerebral é a exposição prolongada ao isolamento sensorial, D. O. Hebb e colaboradores reproduziram o confinamento solitário em laboratório e demonstraram que sujeitos voluntários – sob condições de privação visual, auditiva e tátil por períodos de até sete dias – reagiam com maior sugestibilidade. Alguns também apresentaram sintomas característicos do estado de privação sensorial: ansiedade, tensão, incapacidade de se concentrar ou organizar os pensamentos, maior sugestionabilidade, ilusões corporais,
A manutenção de uma consciência consciente adequada e um teste da realidade preciso depende de um estado necessário de alerta. Este, por sua vez, está subordinado a um fluxo constante de estímulos diferentes do mundo externo, mediado pelo sistema ativador reticular ascendente do tronco encefálico. Na ausência ou impedimento desse fluxo, há privação sensorial, o estado de alerta desaparece, diminui o contato direto com o mundo exterior, e os impulsos do corpo e do sistema nervoso central podem adquirir proeminência. Por exemplo, fenômenos idiorretinais, ruídos no ouvido interior e ilusões somáticas podem assumir um caráter alucinatório. SOCIOBIOLOGIA A sociobiologia, também chamada de psicologia evolucionista, é o estudo do comportamento humano com base na transmissão e
190
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
na modificação de traços comportamentais de influência genética. Um grande pensador nesse campo é E. O. Wilson, cujo livro Sociobiology enfatizou o papel da evolução para moldar o comportamento. Evolução É descrita como qualquer mudança na constituição genética de uma população. Ocorre por meio da seleção natural, conforme formulou Charles Darwin, que é a reprodução daqueles genes produzidos por mutação que constituem a prole de maior sucesso. A evolução lamarckiana, que se dá por meio da hereditariedade de características adquiridas, descreve a evolução da cultura. Competição. Os animais competem por recursos e território, a área que é defendida para uso e que garante o acesso aos alimentos e à reprodução. A capacidade de um animal de defender um território ou recurso em disputa é chamada de potencial de manter recursos. Quanto maior esse potencial, mais bem-sucedido é o animal. Agressividade. É um recurso para expandir o território e eliminar competidores. Os animais derrotados podem emigrar, se dispersar ou permanecer no grupo social como subordinados. Uma hierarquia de dominação, na qual os animais se associam de maneiras sutis, porém definidas, faz parte de qualquer padrão social. Reprodução. Como são influenciados pela hereditariedade, os comportamentos que promovem a reprodução e a sobrevivência da espécie estão entre os mais importantes. Os machos normalmente competem com outros machos pelas fêmeas, um processo que gera proles fortes. A competição pode assumir várias formas. Por exemplo, pode-se considerar que os espermatozóides competem pelo acesso ao óvulo. As fêmeas competem com outras fêmeas, mas de maneiras mais sutis, principalmente em termos de dominação, capacidade de construir ninhos e potencial reprodutivo. O dimorfismo sexual, ou padrões de comportamento diferentes para machos e fêmeas, evolui para garantir a manutenção dos recursos e da reprodução. Altruísmo. O comportamento altruísta beneficia e parece aumentar as chances de sucesso dos outros, sem benefício para o altruísta. Os sociobiólogos explicam esse aspecto como uma forma de manter o banco genético em seu nível mais elevado. De certa forma, o altruísmo é egoísta no nível do gene, mas não no nível do animal individual. Um exemplo clássico são as classes operárias femininas de certas abelhas, vespas e formigas. Essas trabalhadoras são estéreis e não se reproduzem, mas trabalham de forma altruísta para o sucesso reprodutivo da rainha. Outro mecanismo possível é a seleção de grupo. Se os grupos que contêm altruístas tiverem mais sucesso do que os compostos inteiramente de membros egoístas, aqueles terão sucesso às custas destes, e o altruísmo evoluirá. Porém, dentro de cada grupo, os altruístas estão em séria desvantagem em relação aos membros egoístas, independentemente do sucesso do grupo como um todo.
Implicações para a psiquiatria. A teoria evolucionista propõe explicações possíveis para determinados transtornos. Alguns deles podem ser manifestações de estratégias adaptativas. Por exemplo, casos de anorexia nervosa podem ser parcialmente compreendidos como uma estratégia para protelar a seleção de parceiros, a reprodução e a maturação em situações em que os machos sejam percebidos como escassos. Pessoas que correm riscos podem fazê-lo para obter recursos e dispor de influência social. Um delírio erotomaníaco em uma mulher na pós-menopausa pode representar uma tentativa de compensar o doloroso reconhecimento do fracasso reprodutivo. Estudos de gêmeos idênticos criados separadamente: inato versus adquirido Os estudos em sociobiologia estimulam um dos debates mais antigos da psicologia: Será que o comportamento humano deve mais à hereditariedade ou ao ambiente? Curiosamente, costumase aceitar prontamente o fato de que os genes determinam a maior parte dos comportamentos dos não-humanos, mas há uma tendência a atribuir o comportamento humano quase exclusivamente à criação. Contudo, dados recentes identificam que o legado genético inequivocamente possui o mesmo grau de importância entre esses dois grupos, ou até maior para humanos. Os melhores “experimentos de natureza” que permitem uma avaliação das influências relativas da natureza e da criação são casos de gêmeos idênticos separados ainda bebês e que cresceram sob condições sociais diferentes. Se o ambiente fosse o determinante mais importante do comportamento, ambos deveriam se comportar de maneira diferente. No entanto, se a hereditariedade dominar, serão muito parecidos, apesar de nunca terem se encontrado. Centenas de pares de gêmeos separados quando bebês, criados em ambientes diferentes e reunidos na idade adulta, foram analisados rigorosamente. A hereditariedade emergiu como um determinante fundamental do comportamento humano. Jim L. e Jim S. foram reunidos aos 39 anos de idade. Eram gêmeos geneticamente idênticos, mas que foram criados separados desde que eram bebês por famílias adotivas diferentes em Ohio e que não sabiam da existência um do outro. Quando crianças, ambos tiveram cachorros chamados Toy. Ambos roíam as unhas e, desde os 18 anos, tinham uma síndrome de cefaléia, um misto de enxaqueca e tensão. Ambos haviam se casado duas vezes, primeiro com mulheres chamadas Linda e depois, Betty. Um deles havia chamado seu filho de Allan e o outro, James Allen. Ambos haviam posto um banco circular ao redor de uma árvore em seus jardins. Haviam trabalhado em postos de gasolina e, posteriormente, como xerifes. Fumavam cigarros da marca Salem compulsivamente e, às vezes, tomavam cerveja Miller Lite. Ambos espalhavam bilhetes de amor para suas esposas pela casa. Todos os anos, sem saber um do outro, iam com a família em seus Chevrolets azul-claro de Ohio para a praia de Pas-Grille, em St. Petersburgh, na Flórida, para as férias de verão. Eles tinham vozes, gestos e maneirismos parecidos.
CONTRIBUIÇÕES DAS CIÊNCIAS
Jerry L. e Mark N., gêmeos idênticos separados quando bebês, se reencontraram com 30 anos de idade. Ambos estavam quase carecas e tinham um grande bigode. Eram bombeiros voluntários e trabalhavam instalando equipamentos de segurança. Ambos usavam óculos de aviador, grandes fivelas nos cintos e possuíam grandes chaveiros. Bebiam Budweiser com o dedo mindinho sob a lata e a amassavam ao terminar. Jack Y. e Oskar S., gêmeos idênticos nascidos em Trinidad, em 1933, e separados ainda bebês por causa do divórcio dos pais, foram reunidos aos 46 anos. Oskar foi criado pela mãe e a avó católicas na cidade de Sudetenland, na Tchecoslováquia ocupada pelos nazistas. Jack foi criado por seu pai, um judeu ortodoxo, em Trinidad, e passou algum tempo em um kibbutz em Israel. Ambos usavam óculos de aviador e camisa-esporte azul com aberturas nos ombros, tinham um pequeno bigode aparado, gostavam de bebidas doces, guardavam elásticos nos pulsos, liam livros e revistas de trás para a frente, embebiam suas torradas com manteiga no café, puxavam a descarga no banheiro antes e depois de usá-lo, gostavam de espirrar de forma ruidosa em elevadores lotados para assustar os outros passageiros e, às vezes, pegavam no sono à noite assistindo à televisão. Ambos eram impacientes, sensíveis a germes e gregários. Bessie e Jessie, gêmeas idênticas separadas com 8 meses de idade após a morte da mãe, foram reunidas aos 18 anos. Ambas haviam tido tuberculose, e tinham vozes, níveis de energia, talentos administrativos e estilos de tomar decisões semelhantes. Ambas tinham usado o cabelo curto na adolescência. Jessie havia feito faculdade, enquanto Bessie teve apenas quatro anos de educação formal. Porém, Bessie teve um escore de 156 no teste de quociente de inteligência, enquanto Jessie teve 153. Ambas liam muito, o que pode ter compensado a baixa escolaridade de Bessie. Ela havia criado um ambiente compatível com seu potencial hereditário.
Resultados de testes neuropsicológicos Uma influência dominante da genética sobre o comportamento foi documentada em diversos pares de gêmeos idênticos no Minnesota Multiphasic Personality Inventory (MMPI). Gêmeos criados separadamente em geral apresentam o mesmo grau de influência genética em diferentes escalas daqueles criados juntos. Dois pares de gêmeos idênticos particularmente fascinantes, apesar de criados em continentes diferentes, em países com sistemas políticos e línguas diferentes, produziram escores com maior correlação em 13 escalas do MMPI do que a correlação próxima observada entre todos os gêmeos idênticos testados, cuja maioria havia tido algum elemento semelhante em sua criação. Os estudos de gêmeos criados separadamente relatam uma correlação alta (r = 0,75) para similaridade de quociente de inte-
PSICOSSOCIAIS
191
TABELA 4.5-2 Glossário selecionado de termos etológicos Agressividade
Conflito intra-específico manifestado por ataques físicos ou sinal social. Atividade de Conjunto de padrões de comportamento deslocamento que ocorre juntamente com padrões de comportamentos desconectados. Originalmente, movimentos irrelevantes do sistema comportamental que ocorrem na presença de impulsos poderosos, mas distorcidos, de outro sistema comportamental. Atividade de Liberação de um entre dois ou mais imredirecionamento pulsos incompatíveis, mas que são ativados ao mesmo tempo sobre um terceiro animal ou objeto. Comportamento apetitivo Fase que envolve a busca ativa de estímulos-sinais e que se considera motivada pela energia específica da ação, acumulada pela inatividade do padrão de comportamento específico. Energia específica Energia associada ao mecanismo deflada ação grador inato e específica a determinado padrão de comportamento, a qual se acumula se esse mecanismo não estiver presente para ativar o padrão de comportamento, também sendo exaurida pela repetição. Etologia Estudo biológico do comportamento. Do grego ethos, que significa costume, uso, maneira, hábito. Sua acepção moderna é atribuída a Oskar Heinroth, professor de Konrad Lorenz. Imprinting Forma especializada de aprendizagem que ocorre no início da vida e tende a influenciar o comportamento posterior. A exposição à situação de estímulo deve ocorrer durante determinado período, o período crítico, e pode ser de curta duração e sem recompensas claras. Essa aprendizagem é particularmente resistente a mudanças. Inatos Padrões de comportamento geneticamente determinados. Em tese, não são influenciados pela experiência. Instinto Processo evolutivo que resulta em comportamentos típicos da espécie. Mecanismo deflagraMecanismo sensorial que responde de dor inato forma seletiva a certos estímulos externos e é responsável por desencadear a resposta motora estereotipada. Padrão fixo de ação Padrão de comportamento geneticamente determinado iniciado por estímulos específicos e que consiste de movimentos estereotipados próprios de uma espécie. Período crítico Tempo durante o qual o imprinting deve ocorrer, normalmente logo após o nascimento ou no início da vida. Também chamado de “período sensível”. Resposta consumatória Fase do comportamento na qual a energia que motiva a fase apetitiva é liberada. Envolve a percepção de estímulossinais, a ativação do mecanismo desencadeador inato e a realização do padrão fixo de ação. Ritualização Processo em que um padrão de comportamento é incorporado por meio da evolução em uma função sinalizadora primária, freqüentemente com exagero e embelezamento de alguns dos movimentos. Cortesia de William T. McKinney, Jr., M.D.
192
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
ligência (QI). Em comparação, a correlação dessa variável para gêmeos não-idênticos criados separados é de 0,38, e, para pares de irmãos em geral, fica na faixa de 0,45 a 0,50. De maneira surpreendente, as aproximações de QI não são influenciadas por similaridades no acesso a dicionários, telescópios e trabalhos de arte originais, pela educação e o status socioeconômico dos pais ou por práticas de criação características. Esses dados gerais sugerem que a inteligência testada é determinada em aproximadamente dois terços pelos genes e em um terço pelo ambiente. Esse tipo de pesquisa também revela uma influência genética sobre uso de álcool, abuso de substâncias, comportamento antisocial na infância e na idade adulta, aversão a riscos e habilidades visuais e motoras, assim como reações psicofisiológicas a música, vozes, ruídos repentinos e outras formas de estimulação, conforme revelado por padrões de ondas cerebrais e testes de condutividade da pele. Além disso, os gêmeos criados separadamente mostram que a influência genética é ampla, afetando praticamente todos os traços comportamentais medidos. Por exemplo, muitas preferências individuais que antes se atribuíam ao ambiente (p. ex., interesses religiosos, atitudes sociais, interesses vocacionais, satisfação no emprego e valores relacionados ao trabalho) são bastante determinadas pela hereditariedade. Um glossário selecionado de alguns termos etológicos usados nesta seção, entre outros, é apresentado na Tabela 4.5-2. REFERÊNCIAS Ainsworth MS, Bowlby J. An ethological appoach to personality development. Am Psychol. 1991;46:333. Barash DP. Sociobiology and Behavior. 2nd ed. New York: Elsevier: 1982. Barash DP. Revolutionary Biology: The New Gene-Centered View of Life. New Brunswick, NJ: Transaction Publishers; 2001. Baron-Cohen S, ed. The Maladapted Mind: Classic Readings in Evolutionary Psychopathology. Hove. UK: Psychology Press: 1997. Buss DM. The Evolution of Desire. New York: Basic Books: 1994. Darwin C. The Expression of the Emotions in Man and Animals. Chicago: University of Chicago Press; 1965. Flinn MV. Culture and the evolution of social learning. Evol Hum Behav. 1997;18:23. Harlow HF. The nature of love. Am Psychol. 1958;13:673. Kraemer GW, Ebert MH, Schimdt DE, McKinney WT. Strangers in a strange land: a psychobiological study of infant monkeys before and after separation from real or inanimate mothers. Child Dev. 1991;62:548. McEwan KL, Costello CG, Taylor PJ. Adjustment to infertility. J Abnorm Psychol. 1987;96:108. McGuire MT, Troisi A. Evolutitionary biology and psychiatry. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensire Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:492. McGuire MT, Troisi A, Raleigh M. Depression in evolutionary context. In: Baron-Cohen S, ed. The Maladapted Mind: Classic Readings in Evolutionary Psychopathology. Hove, UK: 1997. Segal NL. Entwined Lives: Twins and What They Tell Us About Human Behavior. Plume: New York: 1999:116–151. Trujillo M. Cultural psychiatry. In: Sadock BJ, Sadock VA. eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:492. Wilson EO. Sociobiology: The New Synthesis. Cambridge MA: Harward University Press; 1975.
4.6 Antropologia e psiquiatria transcultural A antropologia é o estudo dos seres humanos. Ela é relevante para a psiquiatria em três áreas importantes. Em primeiro lugar, em uma perspectiva teórica, a descrição de determinados transtornos mentais em diferentes contextos socioculturais proporciona evidências para sua significância sindrômica (p. ex., a esquizofrenia é encontrada em todas as culturas). Em segundo, em uma perspectiva clínica, o modelo explicativo para pacientes de origens étnicas e culturais diversas ajuda a formular a doença e a responder a ela de formas que sejam apropriadas segundo tal cultura. Por fim, em uma perspectiva de saúde pública, o entendimento da produção social e do curso da doença mental sugere meios para melhorar os resultados ou até prevenir doenças. Os pesquisadores que estudam o comportamento humano muitas vezes se voltam para a antropologia em busca de exemplos de comportamentos normais e mal-adaptativos em várias culturas. Como os teóricos psiquiátricos há muito prevêem que as variáveis culturais influenciam o comportamento, estas podem ajudar ainda mais a entender a controvérsia entre a hereditariedade e o ambiente, ou seja, quais aspectos são inatos e biológicos, quais são moldados pelo ambiente e como o feedback constante entre esses dois aspectos afeta as pessoas. Na psiquiatria, as evidências cada vez mais reconhecidas de fatores biológicos alteraram a visão de pessoas como sendo determinadas amplamente pelo resultado de relacionamentos que moldam os primeiros anos das crianças. E, embora os estudos antropológicos transculturais tenham se concentrado em diferenças e semelhanças, alguns antropólogos enfatizaram que as pessoas não podem ser independentes de suas culturas e que mesmo a tentativa de estudar o comportamento transcultural é um ponto de vista baseado na cultura. TEORIA PSICANALÍTICA A começar por Sigmund Freud, os psicanalistas têm aplicado suas descobertas a dados culturais. Em sua obra de 1913, intitulada Totem e tabu, descreveu os primeiros seres humanos como um grupo de irmãos que matava e devorava o violento pai primordial. Esse ato criminoso e a chamada refeição totêmica fizeram com que os irmãos se sentissem culpados. Conseqüentemente, formularam regras para prevenir a ocorrência de atos semelhantes, as quais representaram o começo da organização social. Os escritos de Carl Gustav Jung incluem muitas referências antropológicas, especialmente à arqueologia e à mitologia. Em Símbolos e Transformações, escrito em 1912, rastreou as fantasias de alguns pacientes aos primeiros artefatos humanos. Freud e Jung não tiveram experiência de campo; mas Erik Erikson, sim. Este é melhor conhecido por suas biografias psicoculturais de Mohandas Gandhi e Martin Luther e por seu livro de 1950, Infância e sociedade, no qual tentou integrar o desenvolvimento psicossexual individual a influências culturais. Muitas de suas conclusões se basearam em sua experiência com os índios de Pine Ridge, nas Dakotas, e os índios Yurok em Oregon.
CONTRIBUIÇÕES DAS CIÊNCIAS
George Devereux estudou os nativos das planícies norte-americanas e fez algumas descobertas sobre os problemas que surgem ao se lidar com pacientes de origens étnicas diversas. Nas décadas de 1930 e 1940, Abraham Kardiner trabalhou com o conceito de caráter nacional e sugeriu que cada cultura está associada a uma estrutura de personalidade comum (ou pelo menos amplamente compartilhada). Ele acreditava que a personalidade russa adulta, por exemplo, se caracteriza por traços depressivos e maníacos. Outras generalizações desse tipo sobre o caráter nacional foram feitas por diversos autores, mas muitas vezes foram usadas para promover atitudes políticas, ideológicas ou discriminatórias, sendo, por isso, rejeitadas. O consenso atual é de que não se pode fazer uma previsão clinicamente significativa sobre a personalidade apenas com base na nacionalidade. Contudo, como escreveu Ruth Benedict em Patterns of Culture, os tipos de personalidade podem refletir a configuração de uma cultura, pois as pessoas são maleáveis e assumem o padrão de comportamento esperado pela sociedade. Bronislaw Malinowski e Margaret Mead estão entre os antropólogos que examinaram o conceito psicanalítico de que a personalidade e o funcionamento mental adultos são determinados amplamente durante a infância. Malinowski examinou a sexualidade infantil e adulta nos habitantes das ilhas Trobriand e não encontrou evidências do Complexo de Édipo, que, na época, acreditava-se ser universal. Margaret Mead estudou o comportamento de gênero e de papéis sexuais. Observou três tribos na Nova Guiné, e encontrou padrões diferentes de comportamento sexual para homens e mulheres em cada uma delas. Segundo Mead, o comportamento é relativo, e a sociedade pode criar desvios, seja tolerando ou condenando certos padrões de comportamento. Ela considerava o Complexo de Édipo um conceito útil em seu significado mais amplo, que é o de que, em todas as sociedades, os adultos estão envolvidos nas atitudes sexuais da criança em crescimento, especialmente em relação ao pai do sexo oposto. Margaret Mead Em seu livro Coming of Age in Samoa, publicado em 1928, Mead (Fig. 4.6-1) descreveu uma sociedade no Pacífico Sul, na qual os problemas verificados na adolescência – amplamente descritos na época como universais – pareciam não existir. Segundo ela, isso era resultado da inusitada cultura de Samoa, que incentivava relacionamentos sexuais abertos e não-possessivos entre os adolescentes, encorajava a educação das crianças pela comunidade e rejeitava a agressividade e a competitividade. Crescer era “tão fácil”, dizia ela, por causa da “casualidade geral de toda a sociedade”. Amplamente publicadas e discutidas, suas observações ajudaram a fortalecer uma crença no determinismo cultural que persistiu por décadas. Contudo, pesquisas mostraram que a metodologia de Mead tinham problemas graves, e suas conclusões eram questionáveis. Quando foi para Samoa, aos 23 anos de idade, não falava a língua local, e seus dados não se baseavam em observações diretas, mas em relatos informais de adolescentes e pré-adolescentes de aldeias próximas. Em vez do paraíso idílico de amor livre entre pessoas dóceis, muitos observadores, incluindo os próprios habitantes de Samoa, descreveram uma sociedade competitiva, marcada por redes de famílias e aldeias nas quais a virgindade feminina é altamente valorizada no momento do
PSICOSSOCIAIS
193
FIGURA 4.6-1 A famosa antropóloga Margaret Mead (1901-1978) passou anos estudando outras sociedades e reunindo dados transculturais. Seu livro Coming of Age in Samoa (publicado em 1928) apresentou um quadro favorável em muitos aspectos da vida em uma sociedade “primitiva” e influenciou o estabelecimento de uma atitude de relativismo cultural entre muitos cientistas e pensadores. Aqui, ela aparece reunida com crianças escolares em Nova Guiné. (De Carson RC, Butcher JN, Coleman JC. Abnormal Psychology and Modern Life. 8th ed. Boston: Scott, Foresman, 1988:83. © Institute for Cultural Studies, Inc.)
casamento. Amplas evidências (p. ex., taxas de delinqüência juvenil e de suicídio) mostram que, durante a década de 1920, os “problemas da adolescência” não apenas estavam presentes, como eram pronunciados. Um crítico descreveu o estudo de Mead sobre Samoa como um exemplo de como “à medida que buscam evidências para substanciar uma doutrina que lhes é cara, as crenças profundas das pessoas envolvidas podem levá-las involuntariamente ao erro”. O determinismo cultural absoluto defendido por Mead surgiu em resposta ao determinismo biológico da geração anterior. Nenhum desses extremos é considerado confiável pelos atuais pesquisadores do comportamento.
Crescimento psicossocial Os efeitos das primeiras experiências de vida sobre a saúde mental adulta e as explicações para desvios ou comportamentos maladaptativos ainda são questões controversas. Psiquiatras e teóricos psicodinâmicos baseiam-se em dados históricos sobre experiências adversas para explicar o comportamento, mas os trabalhos mais recentes têm mostrado que poucas experiências são irreversíveis. Conforme descrito por John Bowlby, algumas crian-
194
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
ças privadas de afeto conseguiram formar vínculos quando outras experiências foram favoráveis em suas vidas. De maneira semelhante, muitos adultos bem-sucedidos vêm de lares nos quais experimentaram privações ou que eram prejudiciais de alguma forma e parecem ser, ou são, invulneráveis a esses estressores. Freud postulou uma seqüência universal para o desenvolvimento emocional. Além de alguns elementos bastante gerais (a existência da sexualidade infantil, a formação de um vínculo com um cuidador primário – em geral a mãe –, a ubiqüidade de conflitos e ciúmes dentro da família), essa seqüência supostamente universal nunca encontrou uma base empírica em estudos transculturais do desenvolvimento psicológico do comportamento humano. Porém, esses estudos produziram amplas evidências em favor de possíveis universais com base empírica para o crescimento psicossocial. Entre os universais transculturais do desenvolvimento psicossocial estabelecidos, aqueles que têm mais apoio e que são mais plausíveis, relacionados a eventos maturacionais neurais ou neuroendócrinos subjacentes, são o surgimento da socialização conforme anunciada pelo sorriso social durante os primeiros quatro meses de vida, juntamente com a maturação dos gânglios basais e dos circuitos motores corticais; o surgimento de vínculos fortes, consciência da separação e reconhecimento de estranhos na segunda metade do primeiro ano de vida, em associação a maturação de grandes tratos de fibras no sistema límbico; o surgimento da linguagem durante e a partir do segundo ano, bem como a maturação da projeção talâmica para o córtex auditivo, entre outros circuitos; o surgimento de uma diferença sexual em agressividade física na primeira infância e na infância média, com crianças do sexo masculino, em geral, mais agressivas do que as do sexo feminino, uma conseqüência, em parte, da androgenização pré-natal do hipotálamo; o surgimento da motivação e do funcionamento sexual adulto na adolescência, juntamente e após a maturação do eixo hipotalâmico-hipofisário-gonadal na puberdade, contra a subjacente androgenização pré-natal do hipotálamo nos homens, já mencionada. Com relação ao efeito das primeiras experiências de vida sobre o desenvolvimento psicológico, pesquisas recentes estabeleceram um fato extraordinário. Em estudos rigorosos de gêmeos, adoção e famílias, a variação em personalidade e em capacidade mental pode ser estatisticamente dividida entre várias fontes. Os resultados costumam atribuir uma grande proporção dessa variação a influências ambientais (aproximadamente a metade em diversos estudos). Todavia, o efeito de relacionamentos familiares sobre a personalidade e a capacidade mental parece ser mínimo. A porção da variação em medidas de resultados (p. ex., comportamento e dados de questionários) que pode ser atribuída ao ambiente é composta quase inteiramente de aspectos intrafamiliares, como diferenças entre irmãos. Gêmeos idênticos que cresceram em famílias separadas tendem a ser considerados tão semelhantes em personalidade quanto aqueles que cresceram juntos. Às vezes, os primeiros são ainda mais semelhantes entre si. (Ver a discussão sobre gêmeos idênticos na Seção 4.5). Até o fato de crianças de famílias diferentes possuírem personalidades distintas pode ser quase totalmente explicado por suas diferenças genéticas. Porém, as dissonâncias entre gêmeos não-idênticos não podem ser explicadas apenas por essa condição, mas também exigem explicações ambientais, como a ordem do nascimento.
FIGURA 4.6-2 Mulher psicótica em Laos. Ela ficou presa por vários meses para evitar que fugisse para a floresta, um resultado fatal e conhecido da psicose na região. (Cortesia de Joseph Westermeyer, M.D.)
Essa conclusão parece indicar que as tentativas de tratar os filhos de maneira semelhante (regras, religião, escola, brinquedos, televisão) não os tornam mais semelhantes ou mais diferentes em personalidade do que seus correlatos em outras famílias do que seriam com base apenas nos genes. Ninguém entende as razões para tal fenômeno. Seja qual for a explicação, o desafio colocado pela variação interfamiliar extremamente pequena representa um desafio importante aos paradigmas explicativos da psiquiatria infantil, da teoria psicodinâmica e da psicologia evolutiva. Embora os antropólogos culturais descrevam e analisem a variação transcultural, também estudaram os aspectos do comportamento humano que não variam. O conceito de universais possui diversos significados diferentes. Comportamentos como a nossa forma coordenada de caminhar ou de sorrir em situações sociais são exibidos por todos os membros normais de todas as sociedades conhecidas. Alguns são universais dentro de classes etárias ou sexuais, como o reflexo de Moro em todos os neonatos normais ou o padrão de ação motora ejaculatória em todos os homens após a puberdade. As características populacionais se aplicam a todas as sociedades, mas não a cada um dos seus membros como a diferença sexual em relação à agressividade física. Existem aspectos universais da cultura, e não comportamentos, como tabus contra o incesto ou o homicídio, ou a instituição altamente variável, mas sempre presente, do casamento, ou ainda a construção social da doença e suas tentativas de cura (Fig. 4.6-2). Certas características, embora inusitadas ou até raras, são encontradas em algum nível em todas as populações, como violência homicida, transtornos do pensamento, depressão, suicídio e incesto. PSIQUIATRIA TRANSCULTURAL Os psiquiatras, particularmente aqueles que trabalham em cenários urbanos, são cada vez mais cogitados para avaliar e tratar
CONTRIBUIÇÕES DAS CIÊNCIAS
pacientes nos muitos grupos culturais e lingüísticos que constituem a sociedade multicultural de hoje. Para tratar um paciente que fala outra língua e possui crenças diferentes da cultural vigente, o clínico precisa de atitudes, conhecimentos e habilidades específicos para proporcionar serviços tecnicamente corretos e culturalmente competentes. A psiquiatria cultural se baseia em muitas disciplinas básicas e aplicadas para elaborar seus construtos essenciais. A antropologia (cultural e médica) fornece à psiquiatria cultural as visões essenciais acerca do comportamento das pessoas em seus hábitats naturais, da saúde e da doença, descrições de sistemas nativos de cura, além do papel do curandeiro e de rituais de cura em diferentes grupos étnicos e culturais. A sociologia elucida a relação entre processos psicológicos básicos e transtornos psiquiátricos e universais humanos como idade, gênero e status social e ocupacional. A epidemiologia gera dados sobre a incidência e a prevalência de problemas e transtornos psicológicos em diferentes grupos culturais, bem como estudos comparativos em relação a patogênese, início, patoplastia, curso e resultado de entidades diagnósticas. A psicologia e a psicopatologia evolutivas iluminam o impacto da cultura sobre o desenvolvimento normativo da personalidade e de seus transtornos. A psicopatologia cultural investiga as várias síndromes ligadas à cultura e àquelas específicas de cada uma. Por fim, a psicofarmacologia étnica estuda o impacto da raça e da etnia sobre o uso, o metabolismo e os efeitos diferenciais de medicamentos psicotrópicos, e expande o conhecimento acerca dos efeitos biológicos e psicológicos de sistemas antigos de dieta e ervas curativas. No texto revisado da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR), a American Psychiatric Association discute a importância da cultura e da etnia para o diagnóstico e o tratamento de transtornos psiquiátricos. Foram dedicados esforços especiais em sua preparação para reforçar o fato de que o manual é usado em populações culturalmente diversas nos Estados Unidos e em âmbito internacional. Os clínicos são chamados a avaliar indivíduos de inúmeros grupos étnicos e de origens culturais diferentes (incluindo muitos imigrantes recentes). A avaliação diagnóstica pode ser especialmente difícil quando um clínico de um grupo étnico ou cultural usa a classificação do DSM-IV-TR para avaliar um indivíduo pertencente a outro grupo étnico ou cultural. O clínico que não conhece as particularidades do arcabouço cultural de um indivíduo pode julgar incorretamente como psicopatologia as variações normais em comportamento, crença ou experiência que são específicas da cultura dele. Por exemplo, certas práticas ou crenças religiosas (p. ex., ouvir ou ver um parente falecido durante o luto) podem ser diagnosticadas erroneamente como manifestações de um transtorno psicótico. Pode ser especialmente difícil aplicar critérios de transtornos da personalidade em diferentes cenários culturais devido à ampla variação cultural nos conceitos de eu, nos estilos de comunicação e nos mecanismos de enfrentamento. Definições e conceitos fundamentais Cultura. Por sua aplicação à prática psiquiátrica, talvez a melhor definição de cultura seja a fornecida pelo National Institute of Mental
PSICOSSOCIAIS
195
Health’s Culture and Diagnosis Group: “a cultura se refere a significados, valores e normas comportamentais aprendidos e transmitidos na sociedade dominante e dentro de seus grupos sociais. A cultura influencia a cognição, os sentimentos e o autoconceito de forma poderosa, bem como o processo diagnóstico e as decisões relacionadas ao tratamento”. A cultura, então, é melhor conceitualizada como uma totalidade, composta de um sistema complexo de símbolos, que possui dimensões subjetivas, como valores, sentimentos e ideais, e dimensões objetivas, incluindo crenças, tradições e prescrições comportamentais, articuladas em leis e rituais. Essa capacidade única da cultura de associar o mundo objetivo da realidade percebida ao mundo subjetivo do pessoal e do íntimo confere-lhe seu poderoso papel como expressão, mediador e moderador de processos psicológicos e, também, de transtornos emocionais.
Alcance da cultura. Embora as manifestações da cultura sejam suficientemente amplas para serem consideradas quase infinitas, o renomado antropólogo norte-americano George P. Murdock descreveu uma longa lista de características consideradas universalmente presentes nas centenas de sociedades estudadas por antropólogos contemporâneos, a saber: a “hierarquia por idade, esportes atléticos, ornamentação corporal, calendário, treinamento para a higiene, organização comunitária, culinária, trabalho cooperativo, cosmologia, namoro, dança, arte decorativa, adivinhação, divisão do trabalho, interpretação de sonhos, educação, escatologia, ética, etnobotânica, etiqueta, cura pela fé, banquetes familiares, fogo, folclore, tabus alimentares, rituais fúnebres, jogos, gestos, ato de dar presentes, governo, cumprimentos, estilos de cabelo, hospitalidade, habitação, higiene, tabus quanto ao incesto, regras de herança, piadas, grupos e nomenclatura de parentesco, linguagem, lei, sorte, magia, casamento, horários para refeições, medicina, obstetrícia, sanções penais, nomes pessoais, políticas populacionais, cuidado pós-natal, gravidez, direitos de propriedade, relação com seres sobrenaturais, costumes da puberdade, rituais religiosos, regras de habitação, restrições sexuais, conceitos de alma, diferenciação de status, superstição, cirurgia, ferramentas, comércio, visitas, controle do clima e tecelagem”. Obviamente, algumas dessas dimensões são mais centrais do que outras para a relação entre cultura e psicologia e psicopatologia. Entre elas estão as regras relacionadas à sexualidade e à reprodução (tabu quanto ao incesto e regras para o casamento), a organização comunitária e social (parentesco, grupos de parentesco, relações de poder e divisão do trabalho) e as visões cosmológicas (magia, superstição e mitos criacionistas). Raça e etnia. Tradicionalmente, o termo raça denota agrupamentos humanos biologicamente (e, em teoria, geneticamente) determinados. De fato, outros biólogos contemporâneos consideram que a raça apresenta pouca correlação com qualquer fenômeno biológico ou cultural mensurável. Embora algumas características de determinado grupo “racial” (p. ex., cor da pele) possam parecer interessantes do ponto de vista do fenótipo, valer-se da raça para agregar indivíduos que apresentam essa característica pode transmitir um falso sentido de diferenciação e implicar a existência de uma base biológica para esses sistemas de classificação. Esse não é o caso para muitas das características fenotípicas usada para estabelecer a raça. Por outro lado, a etnia, termo cada vez mais empregado por pesquisadores transculturais, conota grupos de indivíduos que compartilham um sentido de identidade, um ancestral, crenças e uma história comuns. A etnia do paciente pode ser avaliada
196
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
concentrando-se na avaliação da história clínica de experiências evolutivas fundamentais moldadas pela etnia, como rituais especiais e ritos de passagem, e na adesão a papéis familiares, atitudes religiosas, preferências alimentares, etc., prescritos por ela. A identidade cultural denota a autodefinição que resulta da incorporação seletiva e mediada pelo desenvolvimento que a pessoa faz de valores, crenças, história e costumes disponíveis em seu ambiente nativo. Em geral, contém muitas dimensões de auto-experiência, incluindo idade, gênero, raça, orientação sexual, etnia, linguagem, classe e crenças religiosas e espirituais.
CULTURA E PSICOPATOLOGIA A cultura é um meio onipresente entre os humanos. É motivada pela capacidade única do cérebro de criar imagens e símbolos e de estruturá-los em inteiros complexos, que, por sua vez, podem implicar comportamentos definidos e modular comportamentos instintivos. A capacidade de mediar as funções biológicas por meio de representações (e imagens) simbólicas e da manipulação é significativamente ampliada em humanos, devido à função da consciência que conduz à noção de self. Os símbolos são estruturados em seqüências progressivamente mais complexas, que variam de idéias básicas e simples a crenças, valores e ideais holísticos e complexos, os quais, por sua vez, são codificados pela linguagem, pela imagens e por outros meios, e compartilhados para formar os elementos da cultura comum. A cultura, assim, se torna uma variedade hierárquica de símbolos complexos que afetam as emoções e os comportamentos do indivíduo e que, quando comunicados aos outros, afetam o funcionamento social e do grupo. Todas as culturas desenvolvem processos que facilitam a adaptação e a resolução de conflitos e pressões que causam embates, desvios e desajustes. Essas pressões podem agir de forma ampla sobre grandes grupos sociais e, seletivamente, sobre subgrupos culturais específicos. Todas as culturas definem um espectro de “comportamentos normais”, bem como patamares de tolerância para diversas “anormalidades”, impondo diferentes conseqüências sociais para diferentes padrões de desajuste. Cada cultura proporciona seus próprios estresses peculiares, assim como crenças e rituais para reduzir a tensão psicológica. Ashley Montagnu indicou, por exemplo, que as culturas que proporcionam canais adaptativos para a expressão da agressividade e a satisfação de necessidades de dependência podem reduzir de maneira significativa os conflitos pessoais e interpessoais. Na era moderna, as culturas e as subculturas mudam em taxas cada vez maiores em resposta às demandas adaptativas representadas por um mundo global em crescente competição econômica, política e social. Essa globalização progressiva impõe estresses adaptativos adicionais sobre os indivíduos e os grupos culturais. Identidade cultural. O DSM-IV-TR recomenda que, ao avaliar a identidade cultural de um indivíduo, o clínico deve “observar seu grupo de referência étnica ou cultural. Para imigrantes e minorias étnicas, deve avaliar o grau de envolvimento com a cultura de origem e com a cultura hospedeira”. Frances G. Lu e colaboradores resumiram os componentes essenciais da identidade cultural (Tab. 4.6-1).
TABELA 4.6-1 Aspectos do desenvolvimento da identidade cultural Etnia Raça País de origem Linguagem Aculturação
Gênero Idade Orientação sexual Crenças religiosas e espirituais Classe socioeconômica e educação
De Lu FG, Russel FL, Mezzich JE. Issues in the assessment and diagnosis of culturally diverse individuals. In: Oldham J, Riba M, eds: Annual Review of Psychiatry. Vol. 14. Washington, DC: American Psychiatric Press, 1995.
A esses fatores, deve-se acrescentar o histórico de migração, que costuma ser excluído da avaliação clínica de pacientes transculturais. Clínicos culturalmente desinformados muitas vezes tratam seus pacientes imigrantes como se suas vidas tivessem começado no momento em que chegaram no novo país, e suas narrativas clínicas em geral carecem de dados fundamentais sobre a experiência dos pacientes antes da imigração. Deve-se prestar atenção cuidadosa aos traumas e às perdas que os refugiados deixaram em seu país de origem, muitas vezes incluindo a exposição (como vítimas ou testemunhas) a tortura física ou emocional, ou ambas. O processo de aculturação, mais uma vez, é fundamental para o entendimento dos transtornos psicológicos e das psicopatologias de imigrantes. Existem três fontes principais de estresse na experiência migratória: (1) a entrada na sociedade hospedeira, freqüentemente em níveis ocupacionais e sociais inferiores; (2) perturbação de relacionamentos interpessoais; e (3) processo de aculturação. O clínico pode avaliar o grau e a natureza do processo de aculturação por muitos meios indiretos. A idade no momento da imigração, o número de anos em que se vive em outro país, o status ocupacional, a proficiência lingüística e a participação em redes sociais da cultura hospedeira dão ao clínico uma idéia do grau e da facilidade da aculturação de determinado paciente. As famílias também podem ser classificadas conforme o grau de aculturação. A partir dessa perspectiva, são descritas ao longo de um contínuo de aculturação como tradicionais, biculturais transicionais ou aculturadas. Cada uma dessas estruturas familiares apresenta diferentes recursos e vulnerabilidades em relação à experiência da imigração. SÍNDROMES LIGADAS À CULTURA Essas síndromes costumam ser discutidas como perturbações exóticas do pensamento, do humor ou do comportamento que apresentam um quadro dramático e ocorrem no contexto de culturas locais específicas, sendo pelo menos parcialmente entendidas pela lente das forças psicossociais – muitas vezes conflitantes – que são relevantes para aquela cultura específica. À medida que a psiquiatria atinge todas as partes do mundo, a importância dessas síndromes tem aumentado. Sugerimos ao leitor o Capítulo 14, Seção 14.5, para uma discussão ampla de síndromes ligadas à cultura. REFERÊNCIAS Al-Issa I, ed. Handbook of Culture and Mental Illness. An International Perspective. Madison. CT: International Universities Press; 1995.
CONTRIBUIÇÕES DAS CIÊNCIAS
Andrews GR. Cross cultutal studies: an important development in agin research. J Am Geriatr Soc. 1989;37:483. Armelagos GJ, Leatherman T, Ryan M, Sibley L. Biocultural synthesis in medical anthropology. Med Anthropol. 1992;14:35. Bracken PJ. Post-empiricism and pychiatr: meaning and methodology in cross-cultural research. Soc Sci Med. 1993;36:265. Erikson E. Childhood and Society. New York: WW Norton; 1950. Fabrega H Jr. An ethnomedical perspective of Anglo-American psychiatry. Am J Psychiatry. 1989;146:588. Fabrega H Jr. Culture and the psychosomatic tradition. Psychosom Med. 1992;54:561. Freud S. Totem and Taboo. In: Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud. Vol 13. London: Hogarth Press; 1955:1. Fullilove MT. Psychiatric implications of displacement: contributions from the psychology of place. Am J Psychiatrt. 1996;153:1516. Jung C. Symbols and Transformations. 2nd ed. Princeton, NJ: Princeton University Press; 1967. Kirmayer LJ. Cultural variations in the response to psychiatric disorders and emotional distress. Soc Sci Med. 1989;29:327. Koegel P. Through a different lens: an anthropological perspective on the homeless mentally ill. Cult Med Psychiatry. 1992;16:1. Landrine H. Klonoff EA. Culture and health-related schemas: a review and proposal for interdisciplinary integration. Health Psychol. 1992;11:267. Mooij A. Towards an anthropological psychiatry. Theoret Med. 1995;16:73. Murray SO, Darnell R. Margaret Mead and paradigm shifts within anthropology during the 1920s. J Youth Adolesc. 2000;29:557. Parron DL. DSM-IV: making it culturally revelant. In: Friedman S, ed. Anxiety Disorders in African Americans. New York: Springer; 1994;15. Rendon M. Toward a genealogy of culture. Am J Psychoanal. 2001;61:325. Truijillo M. Cultural psychiatry. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:492.
4.7 Epidemiologia e bioestatística EPIDEMIOLOGIA A psiquiatria epidemiológica tem contribuído para uma ampla variedade de campos clínicos, de pesquisa e de políticas de saúde. Descobertas recentes proporcionam dados sobre o curso e a coocorrência de transtornos psiquiátricos, identificam seus possíveis fatores de risco, mensuram os problemas funcionais que causam, estabelecem uma base para decisões políticas sobre a saúde mental e representam um ponto de partida para analisar o acesso ao cuidado e o uso dos serviços disponíveis nessa área. Os resultados de estudos epidemiológicos são rotineiramente incluídos no Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM) para descrever a ocorrência e os correlatos de transtornos mentais. Para desenvolver os próprios critérios diagnósticos, as análises secundárias de muitos estudos epidemiológicos avaliaram a freqüência com a qual os sintomas discretos aparecem juntos, de modo a definir síndromes na comunidade mais ampla e em populações clínicas. Estudos epidemiológicos que demonstram a relevância da depressão como fator de risco de
PSICOSSOCIAIS
197
morte para aqueles com doenças cardiovasculares motivaram um novo interesse nos mecanismos patofisiológicos que podem explicar a relação entre esses transtornos. Um dos indicadores mais visíveis do uso de dados epidemiológicos na criação de políticas é visto na publicação conjunta entre o Banco Mundial e a Organização Mundial da Saúde intitulada The Global Burden of Disease. Com base em dados desenvolvidos ao longo das duas últimas décadas, verificou-se que os transtornos mentais estão entre as principais causas de deficiência em todo o mundo e, atualmente, a depressão maior surge como a quarta causa mais significativa de deficiência. DEFINIÇÃO A epidemiologia é o estudo da distribuição, da incidência, da prevalência e da duração da doença. Na psiquiatria, os métodos epidemiológicos contribuem para a compreensão das causas, do tratamento e da prevenção de doenças mentais. Esses métodos também ajudam a definir e a avaliar estratégias para prevenir e controlar a doença e a deficiência. Além disso, estudos epidemiológicos contribuem para o planejamento e a avaliação geral de programas de saúde mental nos níveis local e nacional. As pesquisas epidemiológicas revelam que cerca de um terço de todos os norte-americanos já teve ou terá uma doença mental em algum momento de sua vida. Os transtornos mentais mais comuns são os transtornos da ansiedade, seguidos pelos transtornos depressivos e por abuso de álcool ou outras substâncias. Além disso, constatou-se que cerca de 15% – se não mais – de todos os pacientes atendidos por causa de um problema clínico ou cirúrgico por médicos não-psiquiátricos têm um transtorno emocional associado, muitas vezes depressão, abuso de álcool ou ambos. A epidemiologia proporciona avanços na pesquisa psiquiátrica, correlacionando achados clínicos com variáveis sociodemográficas como idade, gênero e status socioeconômico. Por exemplo, são encontradas taxas mais elevadas de quase todos os transtornos mentais entre pessoas com idade abaixo de 45 anos do que entre aquelas com idade superior a esta. De modo geral, as mulheres têm taxas significativamente mais altas do que os homens para todos os transtornos, em especial de transtornos depressivos e de ansiedade. Porém, eles apresentam taxas muito mais elevadas de transtornos relacionados a substâncias e de transtorno da personalidade anti-social. A esquizofrenia, que afeta em torno de 1% da população, apresenta taxas semelhantes para ambos os sexos. Esse tipo de enfoque também é usado para comparar a incidência e a prevalência de doenças do ponto de vista internacional e transcultural. Em geral, a prevalência dos transtornos mentais parece ser bastante constante, independentemente da nacionalidade ou da origem cultural. Todavia, a esquizofrenia tem prognóstico e resultado mais favoráveis em países menos desenvolvidos do terceiro mundo do que nas sociedades mais desenvolvidas, como os Estados Unidos e o Reino Unido. Tipos de estudos clínicos e epidemiológicos Os estudos clínicos e epidemiológicos em psiquiatria buscam responder a questões relacionadas às causas, ao tratamento, ao cur-
198
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
so, ao prognóstico e à prevenção de vários transtornos. Existem dois tipos principais: (1) observacionais, nos quais o curso natural de uma doença é acompanhado sem nenhuma intervenção, e (2) experimentais, nos quais alguns ou todos os fatores em estudo são controlados pelo investigador. A maioria deles é experimental. Porém, devido às muitas variáveis envolvidas nos transtornos mentais, é difícil projetar estudos bem-controlados. Os tipos mais comuns de modelos experimentais usados em psiquiatria são descritos a seguir.
Uma resposta a ele representa o efeito psicológico de tomar a pílula, uma resposta que não se deve a nenhuma propriedade psicofarmacológica (o chamado efeito placebo). Além disso, os investigadores não conhecem o tratamento aplicado, pois as drogas são identificadas por códigos especiais que desconhecem. O resultado pode ser avaliado por pessoas diferentes das que administram o tratamento (os chamados avaliadores cegos). Os controles podem receber um tratamento alternativo de comparação, em vez de apenas placebo.
Estudo cruzado. Trata-se de uma variação do estudo duplo-cego. Estudo de coorte. Uma coorte é um grupo escolhido a partir de uma população bem-definida e estudado por um longo período. Esses estudos também são conhecidos como longitudinais. Um exemplo é o estudo de Stella Chess e Alexander Thomas sobre as características temperamentais no mesmo grupo de bebês com 3 meses, 2 anos, 5 anos e 20 anos de idade. Os pesquisadores detectaram uma relação entre as características iniciais do bebê e um subgrupo de crianças que acabaram tendo problemas psiquiátricos clínicos. Nesse estudo, a coorte foi o grupo que nasceu e começou a ser estudado no ano em que o estudo principiou. Estudos de coortes proporcionam estimativas diretas do risco associado ao suposto fator causal. São mais demorados e caros para realizar do que os estudos de história, que normalmente são rápidos e custam pouco. Aqueles costumam ser conduzidos quando evidências amplas indicam que há uma relação entre um fator de risco e um transtorno. Por exemplo, na relação entre o câncer de pulmão e o tabagismo, muitos estudos de história foram publicados antes do primeiro estudo de coorte.
Estudos retrospectivos e prospectivos. Os estudos prospectivos, também chamados estudos longitudinais, baseiam-se em observar eventos à medida que eles ocorrem. Um problema importante nesse tipo de abordagem é que certas pessoas desaparecem ao longo do tempo, impedindo que sejam acompanhadas. Os estudos retrospectivos baseiam-se em dados ou eventos passados. Estudo transversal. Proporciona informações sobre a prevalência de doenças em uma população representativa em determinado ponto no tempo. Por essa razão, também conhecido como estudo de prevalência.
O grupo de tratamento e o grupo-controle ou placebo trocam de posição em um dado momento, de modo que este passa a receber o tratamento e aquele passa a receber o placebo. Esse procedimento elimina qualquer tendência possível, pois, se o grupo de tratamento melhorar em ambas as situações e o grupo do placebo não, pode-se concluir que a composição dos dois grupos foi verdadeiramente aleatória. Cada grupo serve como controle para o outro.
Registro de caso psiquiátrico. Um registro de caso mantém um registro longitudinal de contatos psiquiátricos de cada pessoa que recebe atenção em uma comunidade geograficamente definida. Nem todas as áreas se aplicam a um registro, pois as pessoas podem deixar a área para receber tratamento em outros locais, ou a população pode ser bastante móvel. Se bem-mantido, tem grande valor para determinar taxas de incidência tratada, taxas de prevalência tratada por períodos ou por toda a vida, taxas comparativas para diferentes períodos de tempo para a mesma população, além de informações relacionadas com o uso dos serviços ao longo do tempo, bem como a identificação de grupos de alto risco para estudos mais aprofundados. Grandes estudos epidemiológicos Ao longo dos anos, foram conduzidos grandes estudos epidemiológicos psiquiátricos. O objetivo de cada um foi determinar a prevalência de psicopatologias em uma comunidade definida. As pessoas eram entrevistadas diretamente (em geral, por meio de um protocolo de entrevista estruturada) para determinar a presença ou a ausência de sintomas psicológicos. Os principais estudos são descritos a seguir.
Estudo de caso. É um estudo retrospectivo que examina pessoas com determinada doença.
Estudo de caso-controle. É um estudo retrospectivo que examina pessoas sem determinada doença. Ensaio clínico. Em um ensaio clínico, um grupo de pacientes especialmente selecionados recebe um curso de tratamento, enquanto outro não. Os pacientes são divididos aleatoriamente no grupo de tratamento ou no grupo-controle. O objetivo do estudo é determinar os efeitos de um tratamento específico.
Estudo duplo-cego. Ajuda a eliminar tendências, pois nem o próprio paciente e nem as pessoas envolvidas no estudo sabem que o paciente está recebendo o tratamento. Em estudos sobre drogas, um grupo controle pode receber placebo (i. e., uma substância inerte preparada para emular a droga ativa que está sendo testada no experimento).
Estudo de Chicago. Um grupo sob a direção de Robert E. L. Faris e Henry Warren Dunham examinou cerca de 35 mil admissões em hospitais mentais em Chicago entre 1922 e 1934. A pesquisa verificou que as primeiras admissões para esquizofrenia eram mais altas entre pessoas das partes centrais de Chicago, membros do grupo socioeconômico inferior. As taxas de admissão diminuíam à medida que se afastava das áreas centrais e se entrava nas comunidades mais afluentes. Faris e Dunham desenvolveram uma hipótese da deriva, que refere o fato de as pessoas com limitações descerem na escala social por causa de sua doença. Em comparação, a hipótese da segregação defende que, em vez de decaírem de forma impotente, as pessoas esquizofrênicas procuram ativamente áreas da cidade nas quais o anonimato e o isolamento as protegem das demandas das sociedades mais organizadas. Esse estudo ajudou a conceitualizar duas hipóteses adicionais sobre a doença mental: (1) a teoria da causação social, relacionada ao fato de que ser um membro de um grupo socioeconômico inferior já é suficiente para causar uma doença, e
CONTRIBUIÇÕES DAS CIÊNCIAS
(2) a teoria da seleção social, que diz que o fato de uma doença mental levar o indivíduo a se tornar um membro do grupo socioeconômico inferior é um fenômeno secundário. Em outras palavras, o transtorno é causado por fatores genéticos ou psicológicos, resultando no drift downward.
Estudo de New Haven. Em 1950, August De Belmont Hollingshead e Fredrick Carl Redlich se detiveram na relação entre a classe social e a prevalência de transtornos mentais tratados em New Haven, Connecticut. Seus estudos incluíram censo de pacientes psiquiátricos, pesquisa com a população geral, estudo de psiquiatras e estudo de casocontrole. A análise dos dados indicou uma relação definitiva entre a classe social e os transtornos mentais. A neurose foi mais prevalente entre pessoas dos grupos socioeconômicos superiores, e a psicose, nos grupos inferiores. Os pobres foram atendidos com mais freqüência em clínicas de saúde mental do que por psiquiatras privados. Além disso, o status socioeconômico inferior, a instabilidade ocupacional e a mobilidade social descendente foram associados com maior recorrência de deficiências psiquiátricas. Hollingshead e Redlich projetaram um subagrupamento da estrutura de classe da cidade, com base na educação, na ocupação e na renda. Suas distinções de classe, descritas na Tabela 4.71, são usadas por sociólogos e epidemiologistas. Outro estudo de New Haven usou uma entrevista estruturada para fazer diagnósticos específicos. Um achado importante foi que 15,1% da população adulta com mais de 26 anos apresentaram evidências de transtornos mentais, bem como uma provável manifestação dos mesmos em outros 2,7%. Estudo de Stirling County. Em 1952, Alexander H. Leighton conduziu um estudo epidemiológico psiquiátrico em Stirling County, um município da Nova Escócia com 20 mil habitantes. As informações foram registradas por entrevistadores não-clínicos, usando entrevistas estruturadas, sendo posteriormente avaliadas por um psiquiatra. Ao contrário dos estudos de New Haven e Manhattan, os sujeitos dessa pesquisa viviam em áreas rurais – pequenas aldeias, uma cidadezinha e muitas fazendas isoladas. Foram entrevistados chefes de família de ambos os sexos. Os principais resultados foram que 57% deles já haviam experimentado algum transtorno mental, 24% tinham algum problema visível e 20% necessitavam de atenção psiquiátrica. As mulheres exibiam consideravelmente mais transtornos psiquiátricos do que os homens, e verificou-se que o número de ocorrências aumentava com a idade e o grau de pobreza.
199
TABELA 4.7-1 Características de classe e culturais dos sujeitos do estudo de New Haven Classe Características de classe e culturais I
Estudo de Midtown Manhattan. Em 1954, uma equipe dirigida por Thomas Rennie e Leo Srole projetou e conduziu uma pesquisa envolvendo 1.660 adultos de uma região de Nova York. O objetivo era determinar os efeitos de fatores demográficos, sociais e pessoais sobre a saúde e sobre doenças mentais mediante uma entrevista estruturada conduzida por não-psiquiatras. O transtorno mental foi avaliado como ausente, leve, moderado ou pronunciado. O principal interesse era testar a associação entre o estresse da vida e os sintomas psicológicos, e alguns dos seus achados são apresentados a seguir. A incidência de transtornos mentais crescia com a idade, 81% das pessoas entre 20 e 59 anos de idade apresentavam sintomas que variavam de leves a gravemente debilitantes, e 23,4% destas apresentavam limitações substanciais. O status socioeconômico foi a variável individual mais significativa que afetava a doença mental, e as do grupo socioeconômico inferior apresentavam seis vezes mais sintomas do que aquelas dos grupos superiores.
PSICOSSOCIAIS
II
III
IV
V
Abrange os líderes empresariais e profissionais da comunidade e possui dois segmentos: um grupo principal estabelecido de famílias inter-relacionadas e um grupo menor, em ascensão, de novas pessoas. Os membros do grupo principal costumam herdar dinheiro, juntamente com valores de grupo que enfatizam tradição, estabilidade e responsabilidade social. As pessoas do grupo novo têm boa educação formal, são independentes, habilidosas e agressivas. Seus relacionamentos familiares muitas vezes não são coesos ou estáveis. Do ponto de vista social, são rejeitadas pelo grupo principal, para o qual representam uma ameaça, por sua liderança em questões da comunidade. É marcada por pelo menos alguma formação após o ensino médio e ocupações em cargos de gerência ou em profissões inferiores. Quatro em cada cinco pessoas estão em ascensão. São sociáveis em todas as idades e tendem a ter famílias estáveis, apesar de terem se afastado da família dos pais e muitas vezes de suas comunidades natais. Tensões geralmente surgem com a busca de sucesso educacional, econômico e social. Em sua maioria, é composta por pessoas com empregos administrativos e de escritório (51%) ou proprietários de pequenos negócios (24%). Muitas das mulheres também possuem empregos. Em geral, são formadas no ensino médio. Normalmente, têm segurança econômica, mas pouca oportunidade de progresso. As famílias tendem a ser menos estáveis do que as da classe II. Membros de todas as idades tendem a participar de organizações, sendo ativos nelas. Há menos satisfação com as condições de vida atuais, e menos otimismo do que na classe II. Nesta classe, 53% dizem que pertencem à classe trabalhadora. Sete em cada 10 não têm mobilidade produtiva. A maioria está satisfeita e não faz sacrifícios para progredir. Boa parte dos homens é composta por trabalhadores manuais semitreinados (53%) ou treinados (35%). Praticamente todas as mulheres que podem trabalhar o fazem. A educação formal costuma terminar logo após o final do ensino fundamental, tanto no caso dos pais quanto dos filhos. As famílias são muito diferentes das da classe III. São maiores e apresentam maior probabilidade de incluir três gerações. Muito mais domicílios dispõem de sublocatários. Há maior probabilidade dos casais serem separados. Os adultos normalmente não concluíram o ensino fundamental. A maior parte é composta por operários semitreinados ou sem nenhum treinamento. Concentram-se em prédios residenciais em áreas carentes de New Haven ou em favelas nos subúrbios. Em geral, os laços familiares são frágeis. Pouquíssimas pessoas participam de instituições comunitárias organizadas. As atividades de lazer em casa ou na rua são informais e espontâneas. Os adolescentes freqüentemente têm contato com a polícia em sua busca por aventura. Há uma disputa pela sobrevivência. Existe muito ressentimento, expressado livremente em grupos primários, com relação à maneira como são tratados pelas pessoas que detêm a autoridade. Verifica-se muita expressão de hostilidade.
Estudo Epidemiologic Catchment Area do NIMH (NIMH-ECA). O projeto NIMH-ECA evoluiu do relatório da Comissão Presidencial de Saúde Mental de 1977, que enfatizou a necessidade de identificar os doentes mentais e indicar como serão tratados e por quem. Darrel Regier e colaboradores na Divi-
200
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
são de Biometria e Epidemiologia do National Institute of Mental Health (NIMH) buscaram identificar a porcentagem da população que apresentava transtornos mentais. O objetivo foi especificar aqueles que estavam recebendo tratamento em cenários de saúde mental (como clínicas psiquiátricas), consultórios de psiquiatras privados e cenários não-psiquiátricos, como centros de tratamento médico e consultórios de clínicos gerais. As estimativas indicam que pelo menos 15% da população dos Estados Unidos são afetados por transtornos mentais a cada ano, e apenas um quinto dessas pessoas recebe atenção de especialistas em saúde mental. Três quintos daqueles com transtornos mentais identificados são tratados por clínicos gerais. Vários locais em todo o país estão sendo estudados para avaliar a prevalência e a incidência de transtornos mentais e o uso dos serviços em populações geograficamente definidas em comunidades com pelo menos 200 mil habitantes, número ideal para obter amostras aleatórias a partir das quais são realizadas as entrevistas. O Diagnostic Interview Schedule (DIS) – que avalia a presença, a duração e a gravidade de sintomas – é o principal instrumento que entrevistadores treinados usam para entrevistar cada sujeito. Comparado com todos os estudos anteriores, o NIMH-ECA usa ferramentas mais sensíveis e critérios mais específicos para fazer um diagnóstico confiável, incluindo descrições clínicas minuciosas e estudos de acompanhamento. São usadas amostras muito maiores do que nos outros estudos descritos. De modo geral, os achados da pesquisa ECA mostram o seguinte: as taxas de depressão são duas vezes mais altas para mulheres do que para homens, estes têm maior probabilidade do que elas de apresentar dependência de álcool, e o abuso de substâncias é mais comum entre pessoas com menos de 30 anos do que entre mais velhas. Os achados epidemiológicos de taxas de prevalência em um ano e para toda a vida para determinados transtornos mentais nos cinco locais do estudo são listados na Tabela 4.7-2. Dados mais específicos sobre cada transtorno são encontrados nos capítulos que discutem os mesmos em detalhes. Instrumentos de avaliação O principal obstáculo para a identificação de casos tem sido a falta de um conjunto de critérios explícitos para a classificação diagnóstica. Ao longo dos anos, foi desenvolvida uma variedade de procedimentos de diagnóstico e instrumentos de avaliação. Informações sobre dado sujeito podem ser coletadas de várias maneiras, sendo usados com freqüência os prontuários médicos de pacientes em cenários clínicos, além de registros em bancos de dados chamados registros de casos. Em países escandinavos, particularmente a Suécia, há um grande controle sobre esses bancos de dados. Uma importante fonte de informações sobre o sujeito é a entrevista direta, a partir da interação entre duas pessoas. As pesquisas indiretas que usam fichas de auto-avaliação também podem ser usadas, mas não têm o julgamento clínico de um profissional experiente necessário em alguns casos. A abordagem de avaliação mais comum é um formato de entrevista, que pode ser estruturada (as mesmas questões para todos os sujeitos) ou nãoestruturada (os entrevistadores usam seu próprio julgamento clínico para escolher as perguntas). Vários instrumentos estruturados com confiabilidade inter-observadores aceitável são apresentados na Tabela 4.7-3.
TABELA 4.7-2 Comparação entre taxas de prevalência em um ano e ao longo da vida, limitadas à faixa etária comum de 18 a 54 anos Transtorno
Prevalência (%)
Qualquer transtorno em 12 meses Qualquer transtorno durante a vida Uso ou dependência de qualquer substância 12 meses Toda a vida Dependência de álcool 12 meses Toda a vida Dependência de drogas 12 meses Toda a vida Qualquer transtorno afetivo (humor) 12 meses Toda a vida Transtorno depressivo maior 12 meses Toda a vida Distimia – toda a vida Qualquer transtorno de ansiedade 12 meses Toda a vida Transtorno de pânico 12 meses Toda a vida Fobia social 12 meses Toda a vida Esquizofrenia 12 meses Toda a vida Somatização 12 meses Toda a vida
29,8 (0,6) 46,9 (0,7) 10,5 (0,4) 24,3 (0,6) 4,4 (0,2) 11,3 (0,4) 2,4 (0,2) 6,4 (0,3) 10,1 (0,4) 14,9 (0,4) 6,4 (0,3) 12,5 (0,4) 5,5 (0,3) 11,8 (0,4) 19,2 (0,5) 1,5 (0,1) 2,8 (0,2) 2,1 (0,2) 3,7 (0,3) 0,9 (0,1) 1,5 (0,1) 0,1 (0) 0,1 (0)
Adaptada de Regier DA, Kaelber CT, Rae DS, et al. Limitations of diagnostic criteria and assessment instruments for mental disorders: implications for research and policy. Arch Gen Psychiatry. 1998;55:109.
Um recurso efetivo para a avaliação deve ser confiável, válido e livre de tendências. A confiabilidade diz respeito ao fato de os achados do instrumento de avaliação ou procedimento diagnóstico poderem ser reproduzidos e replicados quando o instrumento for usado por diferentes examinadores (confiabilidade inter-observadores) ou em diferentes ocasiões (confiabilidade de teste-reteste). A validade avalia se o teste mede o que se propõe a medir. O instrumento de avaliação identifica os casos que deveria identificar? Essa variável pode ser decomposta nas seguintes categorias: validade de critério, segundo a qual os resultados de um teste são comparados com os de outro, cuja validade já foi estabelecida; validade de face, que julga se o teste faz sentido para o investigador que o usa; validade de conteúdo, que julga se o teste cobre determinados tipos de informação que podem ser interpretados ou avaliados posteriormente; validade concorrente, que julga se os resultados correspondem aos de outro teste com a mesma variável; e validade de construto, que julga se o instrumento de teste está, de fato, medindo o que foi projetado para medir. As duas propriedades da validade e da confiabilidade são extremamente importantes na epidemiologia psiquiátrica, especialmente quando se está tentando identificar determinado transtorno ou sín-
CONTRIBUIÇÕES DAS CIÊNCIAS
PSICOSSOCIAIS
201
TABELA 4.7-3 Instrumentos de avaliação comuns Instrumento
Condição
Entrevistador
Comentários
Present State Examination (PSE)
Transtornos psicóticos, esquizofrenia
Psiquiatra
Limitado ao período de um mês antes da entrevista; pode ser usado com o programa CATEGO
Schedule for Affective Disorders and Schizophrenia (SADS)
Esquizofrenia e transtornos do humor
Psiquiatra ou entrevistador especialmente treinado
Variações: SADS-C mede transtorno atual, e SADS-L mede transtornos de toda a vida
General Health Questionnaire (GHQ)
Pacientes médicos com sintomas psiquiátricos de ansiedade ou depressão
Auto-avaliação
Não identifica transtornos mentais específicos
Diagnostic Interview Schedule (DIS)
Abrange mais de 30 transtornos mentais, incluindo esquizofrenia, transtornos do humor, transtornos de ansiedade, abuso de substâncias e transtornos cognitivos
Auto-avaliação combinada com entrevistador especialmente treinado
Correlacionado à classificação diagnóstica do DSM-III; avalia sintomas ao longo da vida; usado no programa NIMH-ECA
Iowa Structured Psychiatric Interview (ISPI)
Transtornos mentais maiores
Entrevistador treinado
Proporciona história psicossocial e familiar detalhada; abrange prevalência em toda a vida
drome. Os estudos analíticos também podem apresentar tendências, um erro de construção que favorece um resultado sobre outro. Isso pode ocorrer quando os examinadores sabem alguma coisa sobre o caso que possa influenciar o julgamento (p. ex., sabem que um grupo está recebendo medicação). Esses problemas potenciais afetam a validade dos achados de um estudo. Para eliminar esse tipo de tendência, desenvolveu-se o método duplocego, que diminui as tendências randomizando a amostra, de modo que cada membro do grupo estudado tenha uma chance igual de ser selecionado – por exemplo, atribuindo um número a cada pessoa, a partir de uma lista de números aleatórios. Os instrumentos de avaliação podem ser sensíveis, ou seja, capazes de detectar o que está sendo avaliado (p. ex., diagnostica um transtorno quando estiver presente). Se um instrumento detecta um transtorno em uma pessoa que não o tem, chama-se o resultado de falso-positivo, em vez de positivo-verdadeiro. Os testes também devem ser específicos, não detectar coisas que não estejam sendo avaliadas. Por exemplo, devem ser capazes de determinar a ausência de um transtorno em uma pessoa que não o tem, o que se chama de resultado negativo-verdadeiro. Um transtorno relatado como ausente em uma pessoa que, na verdade, o possui é um resultado falso-negativo. Os instrumentos de avaliação também devem ter bom valor preditivo, que é a proporção entre resultados positivos e negativos. Os valores preditivos indicam a porcentagem dos resultados do teste que se espera que coincida com o diagnóstico encontrado. A Tabela 4.7-4 sintetiza a interpretação da sensibilidade, da especificidade e do valor preditivo.
tratamento. Seus princípios estão além do alcance deste livro, mas fornecemos um glossário de termos estatísticos usados na maioria dos livros didáticos básicos sobre o assunto. O conhecimento desses termos não apenas é necessário para entender conceitos epidemiológicos, mas também para avaliar com precisão os métodos estatísticos que aparecem em publicações científicas. Os dois tipos principais de estatística são a descritiva e a inferencial. A estatística descritiva envolve valores numéricos que sintetizam, organizam e descrevem observações (p. ex., o número médio de sintomas associados a um transtorno de ansiedade). Exemplos incluem a média, o desvio-padrão e a variância. A estatística inferencial está relacionada a valores numéricos usados para generalizar probabilidades com base em uma amostra (p. ex., comparar o efeito da droga A com o da droga B no tratamento de um grupo de pacientes depressivos). Exemplos incluem análise de variância, probabilidade e valor de probabilidade (P). Os dados (informações fatuais) podem ser derivados de uma população ou de uma amostra. Uma população é todo um conjunto de objetos, pessoas ou eventos em determinado contexto (p. ex., todos os pacientes com esquizofrenia em um hospital). Os dados podem ser nominais (organizados em categorias), ordinais (classificados em ordem) ou organizados em razões de intervalos (mensurados em escala, gráfico ou tabela). Glossário de termos estatísticos Amostra. Subconjunto de observações selecionado em dada po-
BIOESTATÍSTICA
pulação.
A bioestatística é a ciência matemática que descreve, organiza e interpreta dados relacionados à medicina. A epidemiologia utiliza a estatística para propiciar aos pesquisadores que examinem possíveis causas de doenças e avaliem estratégias de
Análise de variância. Conjunto de procedimentos estatísticos projetado para comparar dois ou mais grupos de observações. Determina se as diferenças entre os grupos se devem a influências ambientais ou apenas ao acaso.
202
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 4.7-4 Definições e cálculos para interpretar o desempenho de testes diagnósticos Termo
Definição
Cálculo
Positivo-verdadeiro (PV) Negativo-verdadeiro (NV) Falso-positivo (FP) Falso-negativo (FN) Valor de referência
Sensibilidade
Pessoa doente com resultados de teste anormais Pessoa saudável com resultados de teste normais Pessoa saudável com resultados de teste anormais Pessoa doente com resultados de teste normais Valor no qual os resultados do laboratório podem se basear e a partir do qual é possível calcular a probabilidade da doença ou o valor preditivo Taxa de positivo-verdadeiros
Especificidade
Taxa de negativo-verdadeiros
Valor preditivo de resultados anormais do teste (VP+) Valor preditivo de resultados normais do teste (VP–) Efetividade
Proporção de resultados anormais positivo-verdadeiros no teste Proporção de resultados normais negativo-verdadeiros no teste Porcentagem de todos os resultados verdadeiros, sejam eles positivos ou negativos
PV × 100 PV + FN NV × 100 NV + FP PV × 100 PV + FP NV × 100 NV + FN PV+NV × 100 Total geral
Tabela de John F. Greden, M.D.
Análise de poder. Método analítico para estimar o tamanho da amostra necessário para detectar efeitos estatísticos de abrangência definida para variáveis com variâncias conhecidas.
ma de –1 ou +1 indica uma relação forte. Uma correlação que se aproxima de 0 indica uma relação fraca. Esses coeficientes somente indicam o grau de relação não dizem nada sobre causa e o efeito.
Análise de regressão. Método para obter previsão a partir de dados observados, a fim de estabelecer o valor de uma variável (x) em relação ao valor de outra (y).
Desvio-padrão (DP). Medida da variação derivada calculando-se o quadrado de cada desvio em um grupo de escores, tirando-se a média desses quadrados, e a raiz quadrada do resultado. O desvio-padrão é representado pela letra grega sigma (σ). Em uma distribuição normal, ±1 DP inclui 68% da população; ±2 DP inclui 95% e ±3 DP, 99%.
Análise de sobrevivência. Método para avaliar o momento de ocorrência dos eventos. Pode ser usado para mensurar a expectativa ao longo da vida, a idade de início de doenças psicológicas, o tempo de recaída em pessoas em tratamento ou o momento em que ocorreram certos marcos do desenvolvimento, como primeira palavra, idade em que iniciou a fumar ou idade no casamento, ou qualquer outra variável que dependa do tempo.
Distribuição. Uma série ou faixa de valores que pode ser organizada segundo sua freqüência de ocorrência (distribuição da freqüência). Uma distribuição de escores de freqüência simétrica e em forma de sino é chamada de distribuição normal (a curva gaussiana). A distribuição pode ser normal ou assimétrica, em uma direção positiva ou negativa (Fig. 4.7-1).
Análise de variância multivariada. Técnica multivariada que usa um modelo de análise de variância, mas inclui uma variável dependente que é uma combinação linear de várias delas.
Análise discriminante. Método multivariado para estabelecer a relação entre um único resultado discreto e uma combinação linear de dois ou mais prognosticadores.
Expectativa ao longo da vida. Probabilidade total de um invíduo ter um transtorno durante sua vida. A prevalência e a incidência variam segundo o sexo e a idade. Assim, são usadas taxas específicas para ambas as variáveis, a fim de expressar a freqüência relativa de casos em cada uma.
Erro do tipo I. Erro que ocorre quando a hipótese nula é rejeitada Análise multivariada. Método para considerar a relação entre três ou mais variáveis. Esse tipo de análise inclui regressão múltipla, análise discriminante, correlação canônica e análise fatorial.
Coeficiente de correlação. Medida da direção e da força da relação entre duas variáveis. Dois dos mais comuns são o coeficiente de ordem de Spearman para dados ordinais e o coeficiente de correlação de Pearson (r) para dados nominais. Este assume qualquer valor entre –1 e +1. Uma correlação positiva significa que quando uma variável aumenta (ou diminui), a outra anda na mesma direção. Um r negativo indica que as variáveis se movem em direções opostas. Uma correlação próxi-
quando deveria ter sido mantida. Falsa alegação de uma diferença verdadeira, porque a diferença observada se deve inteiramente ao acaso.
Erro do tipo II. Ocorre quando a hipótese nula é mantida quando deveria ter sido rejeitada. Falsa aceitação da hipótese nula quando, de fato, existe uma diferença verdadeira, mas é tão pequena que redunda na região de aceitação da hipótese nula. Especificidade. Número de resultados negativo-verdadeiros dividido pela soma do número de negativo-verdadeiros e falso-positivos. É a proporção de pacientes sem a condição que o teste considera negativos.
CONTRIBUIÇÕES DAS CIÊNCIAS
– X md moda DISTRIBUIÇÃO NORMAL
md
203
md
– X
moda
PSICOSSOCIAIS
– X
ASSIMETRIA POSITIVA
Estatística descritiva. Métodos usados para sintetizar, organizar e descrever observações. Exemplos incluem a média, o desvio-padrão e a variância.
Fator de risco. Fator associado a algum transtorno que pode significar conexão causal. Um risco pode ser específico a fatores (p. ex., ocorre em apenas um dos sexos) ou a eles relacionado (p. ex., pode ocorrer em determinado ambiente). A conexão causal entre um fator de risco e um transtorno é demonstrada pela temporalidade, segundo a qual um fator deve preceder o transtorno estudado; pela aparição repetida do mesmo fator de risco em estudos múltiplos; pela especificidade, segundo a qual um fator de risco está associado a apenas um transtorno; e pela determinação de que uma intervenção experimental que elimine o risco também elimine o transtorno. Um dos desafios da epidemiologia psiquiátrica é determinar o fator ou os fatores que explicam o aumento no risco de dado transtorno. RISCO RELATIVO.
Razão entre a incidência da doença entre pessoas expostas e não expostas ao fator de risco. Por exemplo, o risco relativo de câncer de pulmão é muito maior para fumantes compulsivos do que para pessoas que não fumam.
RISCO ATRIBUÍVEL.
Incidência absoluta da doença em pessoas expostas que pode ser atribuída à exposição. A medida é derivada subtraindo-se a incidência da doença em questão entre pessoas que não são expostas a ela da incidência total de pessoas expostas. Por exemplo, a taxa de mortalidade de câncer de pulmão para não-fumantes pode ser subtraída da taxa de mortalidade por câncer de pulmão na comunidade geral. Os resultados representam o risco atribuível para a doença naquela comunidade. Risco atribuível é um conceito útil, que mostra o que se pode esperar se a condição que causa a doença for removida. Por exemplo, com base nos dados disponíveis, pode-se evitar o risco de morte por câncer de pulmão eliminando-se o tabagismo.
Grupo-controle. Grupo que não recebe tratamento e é usado como padrão de comparação.
Hipótese nula. Pressuposto de que não existe diferença significativa entre duas amostras aleatórias de uma população. Quando a hipótese nula é rejeitada, as diferenças observadas entre os grupos não têm chance de acontecer apenas por acaso.
Incidência. Número de casos novos que ocorrem ao longo de um período especificado. O período mais comum é de um ano, que produz uma incidência anual calculada da seguinte maneira:
moda ASSIMETRIA NEGATIVA
Incidência =
FIGURA 4.7-1 Exemplos de distribuição normal, assimetria positiva e assimetria negativa.
Número de casos de uma doença (ao longo de um ano) Número total de pessoas na população (ao longo de um ano)
É mais difícil conduzir um estudo da incidência do que um estudo de casos de prevalência, pois aqueles que já têm a doença devem ser excluídos do numerador da incidência e não podem ser considerados como casos novos. Como aqueles que já tiveram a doença não correm mais o risco de tê-la, também devem ser excluídos do denominador. Um conceito mais amplo de incidência total inclui pessoas com um novo episódio da doença, independentemente de já terem apresentado episódios anteriores.
Intervalo de confiança. Intervalo em que é provável se capturar a média populacional com um nível especificado de confiança. Para o intervalo de confiança de 95%, as chances de que a média esteja dentro desse intervalo estimam-se ser de 95 em 100.
Medida da tendência central. Valor central em uma distribuição em torno do qual outros valores se distribuem. Três medidas da tendência central são a média, a mediana e a moda. MÉDIA. Medida estatística derivada da soma de um conjunto de escores e da
divisão desta pelo número de escores. A média é o valor médio resultante.
Padronização ou escore Z. Desvio de um escore de sua média de grupo, expressado em unidades de desvio-padrão. Percentil. Porcentagem de escores em uma distribuição que é excedida por determinado escore. Por exemplo, uma classe de percentual de 80 para dado escore significa que esse valor excede 80% de todos os escores da distribuição.
População. Todo um conjunto de objetos ou pessoas com a mesma definição.
Prevalência. Número de casos existentes de determinado transtorno. Existem três tipos de prevalência. PREVALÊNCIA PONTUAL. Número de indivíduos com transtorno em determinado momento. O ponto pode ser um dia do calendário (p. ex., 1o de abril de 1993) ou qualquer dia durante a execução do estudo (p. ex., o quarto dia), independentemente do dia do calendário. Calculada da seguinte maneira:
Prevalência pontual =
Número de indivíduos com um transtorno em dado momento População total em determinado momento no tempo
204
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
PREVALÊNCIA POR PERÍODO. Número de indivíduos que têm determinado transtorno em dado momento durante um período especificado (maior do que um dia do calendário ou um ponto no tempo). Calculada da seguinte forma:
Número de indivíduos com determinado transtorno durante certo período População total durante esse período
Prevalência por período =
O numerador inclui quaisquer casos existentes no começo do período e casos novos que ocorram durante esse tempo. A prevalência por período pode ser usada para determinar o número de indivíduos com determinado transtorno, o número de indivíduos em tratamento e a duração da doença. PREVALÊNCIA AO LONGO DA VIDA. Medida em um ponto no tempo do número de indivíduos que tiveram um transtorno em algum momento durante suas vidas. Um problema potencial na determinação da prevalência ao longo da vida é que ela quase sempre se baseia na lembrança dos sujeitos, que pode ser imprecisa. PREVALÊNCIA TRATADA. Número de indivíduos que estão sendo tratadas para um transtorno, determinado pela contagem de todos os que estão recebendo tratamento em certa área geográfica. Podem ser medidas a prevalência pontual tratada (p. ex., o número de pacientes tratados para dado transtorno em uma clínica em determinado dia) ou a prevalência por período tratada (p. ex., o número de pacientes tratados para certo transtorno em uma clínica ao longo do último ano).
Probabilidade. Afirmação quantitativa acerca da probabilidade de que certo evento ocorra. Sem indicar 0, significa que o evento certamente não ocorrerá; se indicar 1, ele ocorrerá com certeza. Randomização. Processo que permite que cada paciente em um ensaio clínico tenha a mesma chance de ser colocado em algum grupo de tratamento de controle ou experimental. Sensibilidade. Número de resultados positivo-verdadeiros dividido pela soma do número de positivo-verdadeiros e falso-negativos. É a proporção de pacientes com a condição em questão que o teste consegue detectar.
Teste qui-quadrado. Conjunto de procedimentos estatísticos usado para avaliar a freqüência relativa ou a proporção de eventos em uma população divididos em categorias bem-definidas.
Teste t. Procedimento estatístico projetado para comparar dois conjuntos de observações.
Valor de P. Probabilidade de obter um resultado apenas ao acaso. Um valor de P de 0,01 significa que a probabilidade de obter um resultado apenas por acaso é de 1 em 100. Um valor de 0,05 significa que o resultado ocorrerá cinco vezes a cada 100 apenas por acaso. Variável. Característica que pode assumir diferentes valores em diferentes situações experimentais. Na pesquisa, as variáveis independentes são aquelas qualidades que o experimentador varia sistematicamente (p. ex., tempo, idade, sexo, tipo de droga) no experimento. As dependentes são aquelas qualidades que medem a influência da variável independente ou o resultado do experimento (p. ex., a mensuração das reações fisiológicas à droga). Variável dependente. O fenômeno de interesse em um estudo de pesquisa, muitas vezes chamado de variável resultado. REFERÊNCIAS Bird HR. Epidemiology of childhood disorders in a cross-cultural context. Child Psychol Psychiatry. 1996;37:35. Cooper B. Epidemiology and prevention in the mental health field. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol. 1990;25:9. Doll B. Prevalance of psychiatric disorders in children and youth: an agenda for advocacy by school psychology. School Psychol O. 1996;11:20. Fenton WS, Robinowitz CB, Leaf PJ. Male and female psychiatrists and their patients. Am J Psychiatry. 1987;144:358. Ford DE, Cooper-Patrick L. Sleep disturbances and mood disorders: an epidemiologic perspective. Depression Anxiety. 2001;14:3. Gurland B. Epidemiology of psychiatric disorders. In: Sadavoy J, Lazarus LW, Jarvik LF, Grossberg GT, eds. Comprehensive Review of Geriatric Psychiatry-II. 2nd ed. Washington, DC: American Psychiatric Press: 1196:3. Henderson AS. The present state of psychiatric epidemiology. Aust N Z J Psychiatry. 1996;30:9. Kaplan RM, Grant IG. Statistics and experimental design. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Texbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:522. Klerman GI. Paradigm shifts in USA psychiatric epidemiology since World War II. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol. 1990;25:27. Regier DA, Burke JD. Epidemiology. In: Sadock BJ, Sadock VA, Eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams: & Wilkins; 2000:500. Roger JL, Howard KI, Vesey JT. Using significance test to evaluate equivalence between two experimental groups. Psychol Bull. 1993;113:553. Samuels JF, Nestadt G. Epidemiology: the distribution of mental disorders in the community. In: Breakey WK. ed. Integrated Mental Health Services: Modern Community Psychiatry. New York: Oxford University Press; 1996:71. Toussaint LL, Williams DR, Musick MA, Everson SA. Forgiveness and health: age differences in a U.S. probability sample. J Adult Develop. 2001;8:249. Visotsky HM. Courage, creativity, and cost-effectiveness: the challenge for a psychiatric program administration. New Dir Ment Health Serv. 1991;49:51.
5 Testes neuropsicológicos clínicos
5.1 Testes neuropsicológicos clínicos da inteligência e da personalidade Os testes neuropsicológicos clínicos da inteligência e da personalidade desempenham um papel relativamente secundário no estabelecimento do diagnóstico psiquiátrico, o qual se baseia principalmente em sinais e sintomas observáveis e em entrevistas clínicas. Contudo, esses testes, projetados para mensurar certos aspectos da inteligência, do pensamento e da personalidade da pessoa, são úteis em situações especiais. Os de inteligência são importantes para estabelecer o grau de retardo mental, e os neuropsicológicos (descritos na Seção 5.2) ajudam a quantificar e a localizar lesões cerebrais. Alguns testes podem identificar áreas de conflito ou preocupação na vida de uma pessoa, que devem ser foco de atenção terapêutica, outros podem revelar pensamentos perturbados graves, que não seriam evidenciados de outra forma. Em geral, são administrados por psicólogos especialmente treinados para usá-los e interpretá-los. Os instrumentos de avaliação mais usados são padronizados com controles normais, que devem responder aos mesmos estímulos ou questões. As respostas são tabuladas em um padrão de distribuição normal, com o qual se comparam os novos sujeitos. Com a padronização, a administração e a avaliação dos testes são invariáveis ao longo do tempo e com diferentes examinadores. Relacionados à padronização de qualquer teste, os dados disponíveis supostamente indicam se a avaliação é válida e confiável. A confiabilidade prevê a capacidade de reproduzir os resultados, e a validade avalia se o teste mensura aquilo a que se propõe (ver o Capítulo 4, Seção 4.7, que discute a bioestatística). TIPOS DE TESTES Testes objetivos Em geral, são testes escritos, baseados em itens e questões específicas. Produzem escores numéricos e perfis que podem ser facilmente submetidos a uma análise matemática ou estatística. Um exemplo é o Minnesota Multiphasic Personality Inventory (MMPI).
Testes projetivos Apresentam estímulos cujos significados não são imediatamente óbvios. A ambigüidade força as pessoas a projetarem suas necessidades na situação de teste. Esses testes não têm respostas certas ou erradas. As pessoas testadas atribuem significados aos estímulos, aparentemente com base em fatores psicológicos e emocionais. Exemplos incluem o Teste de Apercepção Temática (TAT), o Teste do Desenho da Figura Humana, o teste de Rorschach e o Teste de Completar Sentenças. TESTES DE INTELIGÊNCIA A inteligência pode ser definida como a capacidade de assimilar o conhecimento fatual, de lembrar eventos recentes ou remotos, de raciocinar de forma lógica, de manipular conceitos (números ou palavras), de traduzir o abstrato para o literal, e vice-versa, de analisar e sintetizar formas e de lidar de maneira significativa e precisa com problemas e prioridades considerados importantes em determinado cenário. A inteligência varia imensamente de indivíduo para indivíduo. Em 1905, Alfred Binet introduziu o conceito de idade mental (IM), que é o nível intelectual médio em uma certa idade. O quociente de inteligência (QI) é a razão entre a IM e a IC (idade cronológica), multiplicada por 100 para eliminar o ponto decimal. É representado pela seguinte equação: QI = IM × 100 IC Um QI de 100, ou médio, resulta quando as idades cronológica e mental são iguais. Como é impossível mensurar as mudanças associadas à idade em força intelectual após os 15 anos com os testes de inteligência disponíveis, o maior divisor na fórmula do QI é 15. Uma maneira de expressar a posição relativa de um indivíduo dentro de um grupo é usando o percentil. Quanto mais alto, maior a posição dentro do grupo. Um QI de 100 corresponde ao 50o percentil em capacidade intelectual para a população geral. Conforme mensurado pela maioria dos testes de inteligência, o QI é uma interpretação ou classificação de um escore total em relação às normas estabelecidas pelo grupo. Trata-se de uma medida do funcionamento atual, e não necessariamente de poten-
206
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
cial futuro. Embora sob circunstâncias normais o QI seja estável ao longo da vida, não existe certeza absoluta sobre suas propriedades preditivas. O QI de cada pessoa deve ser examinado à luz de experiências passadas e oportunidades futuras. Por si só não indica a origem das capacidades que reflete – genéticas (inatas) ou ambientais. O teste de inteligência mais prático deve mensurar uma variedade de habilidades e capacidades, incluindo as verbais e de execução, as aprendidas há tempo e as recentemente internalizadas, as que são ligadas ao tempo e as que não o são, as associadas à cultura e as que não o são. Nenhum teste de inteligência é totalmente independente da cultura, embora haja uma diferença significativa em grau.
HABILIDADES VERBAIS. Informação. Abrange informações e conhecimentos gerais e está sujeito a variações culturais. Pessoas de grupos socioeconômicos inferiores, com pouca formação acadêmica, não apresentam um desempenho tão bom quanto aquelas oriundas de grupos socioeconômicos mais altos e com maior formação.
Compreensão. Mede o conhecimento do sujeito sobre convenções sociais e sobre o senso comum, além de examinar qualidades do raciocínio e do pensamento, com perguntas sobre provérbios e a maneira como as pessoas devem se comportar em determinadas circunstâncias. Aritmética. A capacidade de fazer cálculos simples e aritméticos é refletida neste subteste, o qual é influenciado negativamente pela ansiedade e pela falta de atenção e concentração.
Wechsler Adult Intelligence Scale (WAIS) Semelhanças. Este é um indicador sensível de inteligência. Abrange a capacidade de abstrair ao ser solicitado que os sujeitos expliquem a semelhança entre duas coisas.
Atualmente, a Wechsler Adult Intelligence Scale (WAIS) é o melhor e mais usado teste de inteligência padronizado na prática clínica. Essa escala foi elaborada por David Weschsler, do Centro Médico da Universidade de Nova York e do Hospital Psiquiátrico de Bellevue. Criada em 1939, a WAIS original já passou por várias revisões. A última, a WAIS-III, foi projetada para pessoas de 16 a 89 anos de idade. Também foram criadas uma escala para crianças entre 5 e 15 anos (Wechsler Intelligence Scale for Children-III [WISC-III]) e uma para aquelas com idades entre 4 e 6 anos e meio (Wechsler Preschool and Primary Scale of Intelligence-Revised [WPPSI-R]). Esse teste compreende 11 subtestes formados por seis verbais e cinco de execução, que produzem um QI verbal, um QI de execução e um QI combinado, ou total. Os níveis de inteligência se baseiam no pressuposto de que as capacidades intelectuais são normalmente distribuídas (em uma curva normal) na população (Fig. 5.1-1). Os QIs verbal e de execução e o QI total são determinados pelo uso de tabelas para cada uma das sete faixas etárias (de 16 a 64 anos), com as quais o teste foi padronizado. A variabilidade no funcionamento é revelada por discrepâncias entre os QIs verbal e de execução e pelo padrão de dispersão entre os subtestes.
Números. A retenção imediata é mensurada neste subteste. Os sujeitos devem aprender uma série de 2 a 9 números, que são imediatamente lembrados em ordem normal e inversa. A ansiedade, a falta de atenção e disfunções cerebrais interferem na memória. Vocabulário. Os sujeitos devem definir 35 palavras de dificuldade crescente. A inteligência tem uma correlação alta com o vocabulário, que está relacionado ao nível de formação. Definições idiossincráticas de palavras podem dar pistas da estrutura da personalidade. EXECUÇÃO. Completar desenhos. Este subteste dá início à parte de execução da WAIS e consiste em completar um desenho do qual falta uma parte. Deficiências visuais e perceptivas se tornam evidentes quando se comete erros neste teste.
Padrões de blocos. Exige que os sujeitos combinem blocos coloridos e padrões visuais. Disfunções cerebrais envolvendo limitações na dominância esquerda-direita afetam o desempenho.
Construção do teste. Os seguintes subtestes são descritos na or-
Arranjo de imagens. Os sujeitos devem organizar uma série de imagens em uma seqüência que forme uma história (p. ex., alguém come-
dem em que são apresentados ao sujeito.
Percentual 0,1
1 0,4
5
16
2
Obtuso normal
50 37
9
75 63
91 84
25
98
Normal
0
20 10
Muito superior Leve 60 50
AAMD
Moderado
40 30
99,9
Superior
Retardo Grave
99
Normal brilhante
Borderline
Profundo
99,6
95
80 70
100 90
120 110
QI
160
140 130
150
180 170
200 190
FIGURA 5.1-1 Distribuição das categorias de QI da Wechsler Adult Intelligence Scale. (Adaptada de Matarazzo JD. Wechsler’s Measurement and Appraisal of Adult Intelligence. 5th ed. New York: Oxford University Press, 1972: 124.)
TESTES
tendo um crime). Além de testar o desempenho, este subteste fornece dados sobre o estilo cognitivo da pessoa.
NEUROPSICOLÓGICOS CLÍNICOS
207
AVALIAÇÃO DA PERSONALIDADE ADULTA Avaliação objetiva da personalidade
Montagem de objetos. Os sujeitos devem montar objetos, como a imagem de uma mulher ou de um animal, na ordem e na organização corretas. São testadas a percepção visual, a percepção somática e a habilidade manual. Símbolos numéricos. Neste último subteste da WAIS, os sujeitos recebem um código que combina símbolos e números. Trata-se de combinar uma série de números com seus símbolos correspondentes no tempo mais curto possível.
Distribuição dos escores de QI. A faixa de QI média, ou normal, é de 90 a 110. QIs de pelo menos 120 são considerados superiores (Tab. 5.1-1). Segundo a American Association of Mental Deficiency (AAMD) e a revisão da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR), o retardo mental é definido como um QI abaixo de 70, que corresponde aos 2,2% mais baixos da população. Conseqüentemente, duas em cada cem pessoas têm QIs que condizem com a deficiência mental, a qual pode variar de leve a profunda. Confiabilidade e validade. A confiabilidade da WAIS é muito alta. Um novo teste de pessoas com 18 anos ou mais raramente revela mudanças nos escores de QI. A escala verbal do QI mede a retenção de informações fatuais adquiridas previamente, e a escala de desempenho, a capacidade visual espacial e a velocidade visual motora em testes de resolução de problemas. A escala de desempenho é mais sensível ao envelhecimento normal do que a verbal, que é mais sensível à formação acadêmica. A aritmética e a memória para números são negativamente afetadas pela ansiedade. A validade da WAIS é alta para identificar retardos mentais e para prever o desempenho escolar futuro. Uma disparidade entre o teste verbal e o teste de desempenho (em geral, mais de 15 pontos) pode indicar uma psicopatologia, como transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, que exige a realização de mais testes. Lewis Terman, da Universidade Stanford, criou o StanfordBinet Test, em 1916, que se encontra em sua quarta revisão. É um teste abrangente de inteligência usado na psiquiatria e na educação, embora não tanto quanto a WAIS.
TABELA 5.1-1 Classificação da inteligência por faixa de QI Classificação
Faixa de QI
Retardo mental (RM)a profundo RM gravea RM moderadoa RM levea Borderline Obtuso normal Normal Normal brilhante Superior Muito superior
Abaixo de 20 ou 25 20-25 a 35-40 35-40 a 50-55 50-55 a cerca de 70 70-79 80 a 90 90 a 110 110 a 120 120 a 130 130 ou acima
a Segundo a quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR).
A abordagem objetiva de avaliação da personalidade caracterizase por utilizar mecanismos de mensuração estruturados e padronizados, que costumam ter uma natureza de auto-avaliação. O termo estruturado reflete a tendência de usar estímulos objetivos, como questões diretas sobre a opinião da pessoa sobre si mesma e instruções claras de como completar o teste. Os conjuntos de respostas são atitudes ou estilos de resposta a questionários de personalidade. Algumas pessoas respondem de forma incorreta para se apresentar de um modo mais favorável ou para agradar o examinador. Outras tentam parecer piores do que realmente são. Os testes bem-construídos, como o MMPI, têm escalas projetadas para detectar essas respostas e para ajustar os escores. Uma lista de medidas de personalidade objetivas é apresentada na Tabela 5.1-2. Inventário multifásico de personalidade de minnesota (MMPI). Este inventário de auto-avaliação é o mais usado e pesquisado instrumento de avaliação objetiva da personalidade. Foi desenvolvido em 1937 pelo psicólogo Starke Hathaway e pelo psiquiatra J. Charnley McKinley. O teste foi atualizado e, no momento, chama-se MMPI-2. Consiste em mais de 500 afirmações – “Preocupo-me com questões ligadas ao sexo”; “Às vezes, brinco com animais”; “Acho que há um complô contra mim” – às quais os sujeitos devem responder com “verdadeiro”, “falso” ou “não sei”. O teste pode ser usado na forma de pranchas ou de um livreto, e existem diversos programas de computador para processar as respostas. O MMPI fornece escores em 10 escalas clínicas padronizadas, que foram derivadas empiricamente (i.e., grupos de pacientes psiquiátricos com critérios homogêneos foram usados para desenvolvê-las). Os itens de cada escala foram escolhidos por sua capacidade de distinguir pacientes médicos e psiquiátricos de sujeitos normais de controle. ESCALAS CLÍNICAS. As escalas clínicas são numeradas e costumam ser identificadas pelo número, em vez de pelo nome, particularmente para codificar escores altos anormais. Um escore alto em uma dada escala não significa que o sujeito tenha a doença. Por exemplo, um escore 8 elevado (esquizofrenia) não indica que o paciente necessariamente tenha esquizofrenia. As escalas são listadas na Tabela 5.1-3. INTERPRETAÇÃO.
A interpretação precisa exige muita experiência em administrar o teste e um certo entendimento acerca das bases sociais, educacionais e socioeconômicas do paciente. Evidências recentes indicam que a religião e a raça são variáveis potenciais nas respostas ao MMPI. Embora esse teste tenha sido considerado inicialmente uma ferramenta de diagnóstico (i. e., um paciente com um transtorno depressivo maior teria um escore elevado na escala de depressão), as vantagens da abordagem de configuração na interpretação logo ficaram aparentes. Tal abordagem, que envolve a interpretação a partir dos padrões de todo o perfil, tornou-se o método preferido e aumentou a efetividade do MMPI como mecanismo de medição da personalidade. Vários pesquisadores identificaram numerosos correlatos da personalidade em várias
208
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 5.1-2 Medidas objetivas da personalidade em adultos Nome
Descrição
Pontos fortes
Pontos fracos
Inventário Multifásico de Personalidade de Minnesota (MMPI)
566 itens, verdadeiro-falso; formato de auto-avaliação; 17 escalas principais (várias escalas especiais) 567 itens, verdadeiro-falso; formato de auto-avaliação; 20 escalas principais
Proporciona uma ampla variedade de dados sobre muitas variáveis da personalidade; forte base de pesquisa
Tende a enfatizar psicopatologias importantes; necessita de revisão com dados normativos atuais
Revisão atual do MMPI com respostas atualizadas; métodos de revisão de escalas e novos escores para validade; novos dados normativos
Inventário Clínico Multiaxial de Million (MCMI)
175 itens, verdadeiro-falso; formato de auto-avaliação; 20 escalas principais
Tempo de administração breve; corresponde bem às classificações diagnósticas do DSM-III
Dados preliminares indicam que o MMPI2 e o MMPI podem fornecer resultados discrepantes; amostra normativa inclina-se para status socioeconômico superior; não há dados normativos para adolescentes Requer mais pesquisa sobre sua validação; não fornece informações sobre a gravidade do transtorno; necessita de revisão para o DSM-IV
Inventário Clínico Multiaxial de Million-II (MCMI-II)
175 itens, verdadeiro-falso; formato de auto-avaliação; 25 escalas principais
Tempo de administração breve; corresponde bem às classificações diagnósticas do DSM-III-R
Questionário dos 16 Fatores de Personalidade (16 PF)
Verdadeiro-falso; formato de auto-avaliação; 16 dimensões de personalidade 344 itens, verdadeiro-falso; formato do tipo Likert; 22 escalas
Instrumento psicométrico sofisticado com pesquisas consideráveis conduzidas em populações não-clínicas Inclui medidas de psicopatologia, dimensões da personalidade, escalas de validade e questões específicas do tratamento psicoterapêutico Método aceito para avaliar pacientes que não apresentam psicopatologias maiores Construído de acordo com técnicas psicométricas sofisticadas; controle para conjuntos de respostas Baseia-se na teoria da personalidade de Murray; explica desejos sociais
Inventário Multifásico de Personalidade de Minnesota-2 (MMPI-2)
Questionário de Avaliação da Personalidade (PAI)
Inventário de Personalidade da Califórnia (CPI)
Escala de Preferências Pessoais de Edwards (EPPS)
Verdadeiro-falso; formato de auto-avaliação; 17 escalas Verdadeiro-falso; formato de auto-avaliação; 15 escalas de personalidade Escolha forçada; formato de auto-avaliação
Inventário de Triagem Psicológica (PSI)
103 itens, verdadeiro-falso; formato de auto-avaliação
Questionário de Personalidade de Eysenck (EPQ)
Verdadeiro-falso; formato de auto-avaliação
Lista de Adjetivos (Adjective Checklist – ACL)
Verdadeiro-falso; formato de auto-avaliação ou por informante Verdadeiro-falso; formato de auto-avaliação; oito escalas
Inventário de Personalidade de Jackson (JPI)
Escalas de Personalidade de Comrey (CPS) Escala do Autoconceito de Tennessee (TSCS)
100 itens, verdadeiro-falso; formato de auto-avaliação; 14 escalas
Produz quatro escores que podem ser usados como medidas de triagem para a possibilidade de necessitar de ajuda psicológica Útil como mecanismo de triagem; possui base teórica com evidências de pesquisas Pode ser usada para auto-avaliação ou outras avaliações Técnicas de análise fatorial usadas com grau elevado de sofisticação no teste construído Tempo breve de administração produz informações consideráveis
configurações das escalas do teste, freqüentemente usando as duas escalas mais altas como base para fazer afirmações interpretativas. A pesquisa atuarial desse aspecto também deu suporte para a interpretação computadorizada, que, embora não substitua uma avaliação abrangente da personalidade, pode ajudar os clínicos a formular hipóteses. Os recursos computadorizados são especialmente úteis quando o MMPI é interpretado por uma pessoa que conheça todos os aspectos do
Alto grau de sobreposição de itens em várias escalas; não há informações sobre a gravidade de transtornos ou traços Utilidade limitada com populações clínicas Por ser ainda novo, não gerou uma base de pesquisas a seu favor
Utilidade limitada para populações clínicas Utilidade em cenários clínicos não foi comprovada Não é amplamente usada em cenários clínicos porque produz informações restritas Escalas curtas e de pouca confiabilidade
Escalas curtas, itens transparentes para seu propósito; não é recomendado para outra função além de mecanismo de triagem Escores raramente apresentam correlação elevada com inventários de personalidade convencionais Não são muito usadas; problemas na interpretação por análise fatorial Brevidade também é uma desvantagem, reduzindo a confiabilidade e a validade; útil apenas como instrumento de triagem
teste e a natureza do desenvolvimento do programa. Todavia, o uso indiscriminado desses serviços por profissionais que não foram treinados para executar o MMPI é claramente inadequado e talvez seja até antiético. O fato de que o MMPI e o MMPI-2 são os mecanismos psicológicos de mensuração da personalidade mais usados e pesquisados indubitavelmente é um de seus principais pontos fortes. Centenas de artigos
TESTES
de pesquisas sobre o MMPI aparecem a cada ano na literatura, e o mesmo tem sido amplamente utilizado em aplicações clínicas e de pesquisa transcultural. O imenso corpus bibliográfico gerado resultou em um catálogo de correlatos do MMPI em uma ampla variedade de casos clínicos, que proporciona informações descritivas, preditivas, diagnósticas e prognósticas. Outro ponto forte desse teste é sua natureza não-teórica, uma característica que provavelmente aumente sua utilidade ao longo de um amplo espectro. A presença de escalas de validade projetadas para avaliar a postura do sujeito que realiza o teste, além de informações clínicas e da personalidade, é uma vantagem clara que o MMPI tem sobre muitos instrumentos de avaliação. A sua tabulação foi refeita com base em uma amostra contemporânea de indivíduos normais, e as questões e a linguagem foram adaptadas para refletir visões culturais atuais.
Diagnósticos clínicos estruturados. Foram criadas diversas entrevistas estruturadas e semi-estruturadas com base nos critérios do DSM-IV-TR para fornecer escores numéricos às escalas diagnósticas. As escalas são úteis para estabelecer a gravidade da doença e para monitorar a recuperação. Embora sejam usadas em cenários clínicos, seu maior emprego é como instrumento de pes-
NEUROPSICOLÓGICOS CLÍNICOS
209
quisa, pois ajudam a padronizar uma coorte de sujeitos e proporcionar medidas objetivas de resultados para avaliar a resposta ao tratamento. Entre esses instrumentos estão a Hamilton Rating Scale for Depression, a Hamilton Anxiety Rating Scale, a YaleBrown Obsessive-Compulsive Scale (YBOCS) e a Structural Clinical Interview for DSM-IV Dissociative Disorders (SCID-D).
Avaliação projetiva da personalidade A abordagem projetiva de avaliação da personalidade é definida pelo uso de estímulos não-estruturados e muitas vezes ambíguos. Um de seus pressupostos básicos é que, ao enfrentarem um estímulo vago, que exija determinada resposta, as pessoas não conseguem evitar e revelam informações sobre si mesmas – não apenas pela maneira como enfrentam a ambigüidade, mas também no conteúdo de suas respostas. A abordagem projetiva é essencialmente idiográfica, e os testes não costumam ser interpretados comparando-se as respostas
TABELA 5.1-3 Escalas clínicas e de validade do MMPI Validade L: Escala de mentiras. Uma escala de expectativa social derivada de forma não-empírica. Os itens tendem a refletir comportamentos considerados socialmente desejáveis, mas raramente praticados. O escore pode sugerir uma atitude defensiva, analfabetismo, psicose ou processos da personalidade, dependendo de vários fatores. F: Escala de infreqüência. Mede a tendência de endossar itens selecionados que sejam respostas estatisticamente raras (menos de 10% da amostra normal original). Útil para identificar analfabetismo, fingimento, pânico, confusão, psicose e processos da personalidade. K: Escala supressora. Usada para ajustar matematicamente certas escalas clínicas para reduzir falso-positivos e falso-negativos. A escala também determina a atitude geral da pessoa que faz o teste e é um indicativo de variáveis da personalidade. Clínicas 1: Hipocondria. Reflete preocupações somáticas e com o funcionamento corporal. A interpretação deve levar em conta fatores como idade e estado de saúde. Como em todas as escalas do MMPI, a interpretação é conduzida analisando sua relação com outras escalas. 2: Depressão. Tende a refletir a depressão como um transtorno do humor. O fato de que a escala é sensível a variáveis situacionais sugere que ela pode ser um bom indício do estado da personalidade. 3: Histeria. Envolve a identificação de sintomas histriônicos clássicos, incluindo a presença de sintomas físicos associados a indiferença, negação, repressão e inibição. A escala não mede necessariamente outros traços concebidos de forma popular, como responsabilidade e atitudes melodramáticas. 4: Desvios psicopáticos. Desenvolvida para avaliar os aspectos de amoralidade e falta de sociabilidade da psicopatia, em vez de aspectos criminais ou anti-sociais. Seu significado depende das configurações de outras escalas. Proporciona informações consistentes sobre a qualidade dos relacionamentos interpessoais. 5: Masculinidade-feminilidade. Originalmente desenvolvida para identificar a homossexualidade, mas raramente usada com esse propósito, embora forneça informações sobre a identidade de gênero. Reflete uma variedade de áreas da personalidade e de inte-
resse, como dependência, sensibilidade, intelectualidade e tendências de introspecção. 6: Paranóia. Desenvolvida pela identificação empírica de paranóicos clássicos, avalia a vigilância, a sensibilidade, o pensamento delirante, a desconfiança e a suspeição. Exceto pelas áreas paranóides, os membros do grupo original de critérios são considerados funcionais. 7: Psicastenia. Uma escala diferente, projetada para mensurar ansiedade e traços obsessivo-compulsivos. Os itens endossados podem refletir medo, sintomas obsessivo-compulsivos, hostilidade interpessoal, tensão, fobias específicas e dificuldade de concentração. 8: Esquizofrenia. Reflete os sintomas positivos agudos de rompimentos psicóticos da realidade, em vez de sintomas negativos crônicos. A escala também avalia alienação, problemas com identidade pessoal e isolamento. 9: Hipomania. Mensura os sintomas clássicos da mania, incluindo humor alegre e instável, excitação psicomotora e fuga de idéias. Também parece refletir traços de personalidade narcisista. Em geral, a escala fornece dados sobre o grau de motivação das características da personalidade do indivíduo. Apresenta um forte componente etário. 10: Introversão social. Fornece informações sobre retraimento social, timidez, liderança, loquacidade, níveis de gregarismo e, em menor grau, autoconceito e tendências neuróticas. É mais bidimensional e bipolar (introversão versus extroversão) do que as outras escalas. Especiais A: Ansiedade. Primeiro aspecto geral obtido dos estudos de análise fatorial sobre o MMPI. Considera-se que reflete o endossamento generalizado de psicopatologias. R: Repressão. Segundo aspecto encontrado nos estudos de análise fatorial sobre o MMPI. Mensura a tendência de negação. ES: Força do ego. Proporciona um indicador do quanto o paciente pode estar funcional em termos de trabalho e outras áreas sociais, independentemente do nível de psicopatologia. MAS: McAndrews Alcoholism Scale. Estima o grau de propensão ao vício, especialmente em álcool, opiáceos e opióides. É especialmente sensível ao abuso diário de substâncias, em oposição a abuso episódico.
Cortesia de Robert W. Butler, Ph.D. e Paul Satz, Ph.D., com a ajuda de Alex Caldwell, Ph.D.
210
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
de uma pessoa com um conjunto de dados normativos referenciados. Em geral, a interpretação está fundamentada em uma teoria do comportamento e da personalidade. Supõe-se que as pessoas tenham certas necessidades, características, defesas e outras qualidades que se tornam aparentes por meio do processo de testagem. Foram desenvolvidas diversas situações semi-estruturadas e estímulos projetivos, incluindo perceber borrões de tinta, fazer desenhos e contar histórias a partir das imagens apresentadas. Alguns testes projetivos de personalidade são listados na Tabela 5.1-4. Teste de Rorschach. Foi criado pelo psiquiatra suíço Hermann Rorschach (Fig. 5.1-2) que, em 1910, começou a fazer experimentos com borrões de tinta ambíguos. Um conjunto padronizado de 10 destes serve como estímulo para as associações. A Figura 5.1-3 mostra um dos borrões. Na série padronizada, são reproduzidos em pranchas de 18 x 25 cm e numeradas de I a X. Cinco dos borrões são em preto e branco, e os outros, coloridos. As pranchas são mostradas ao paciente em uma ordem específica, e o psicólogo faz um registro literal das suas respostas, juntamente com o tempo de reação inicial e o tempo total gasto em cada imagem. Após completar o que se chama de fase de associação livre, o examinador conduz uma série de questionamentos, para determinar aspectos importantes de cada resposta que podem ser cruciais para a avaliação. A Tabea 5.1-5 contém exemplos de respostas aos estímulos do Rorschach. A pontuação das respostas converte os aspectos importantes de cada resposta em um sistema de símbolos relacionado a áreas de localização, determinantes, áreas de conteúdo e popularidade.
PONTUAÇÃO.
Localização. É classificada em termos das partes do borrão que foram usadas como base para a resposta (p. ex., todo ele, um detalhe comum, um detalhe inusitado ou uma área de espaço em branco). A atenção a todo o conjunto da imagem com uma percepção precisa de sua forma reflete boa capacidade organizacional e inteligência elevada. A atenção exagerada a detalhes é comum em sujeitos obsessivos e paranóides. Determinantes. Os determinantes de cada resposta refletem os aspectos do borrão que fazem com que se pareça à forma considerada pelo paciente (p. ex., forma, sombreamento, cores, movimento de humanos ou animais, movimentos inanimados, ou combinações desses determinantes com pequenas variações). A ênfase exagerada na forma sugere rigidez e constrição da personalidade. As respostas coloridas têm correlação com as reações emocionais da pessoa ao ambiente e com o controle da emoção. Conteúdo. As respostas são classificadas em termos do conteúdo que refletem – humano, animal, anatomia, sexo, alimento, natureza, e assim por diante. De modo geral, essas áreas refletem a amplitude e a variedade de interesses do sujeito. Popularidade. Certas respostas são mais recorrentes do que outras.
O teste de Rorschach focaliza claramente os padrões de pensamento e associação dos sujeitos, pois a ambigüidade do estímulo proporciona relativamente poucas pistas sobre as respostas convencionais, padronizadas ou normais. Porém, a interpretação correta exige muita experiência. Existe uma alta confiabilidade entre os clínicos experientes que administram o teste. Nas mãos certas, é extremamente útil, em especial para evocar formulações psicodinâmicas, mecanismos de defesa e transtornos sutis do pensamento.
INTERPRETAÇÃO.
TABELA 5.1-4 Testes projetivos de personalidade Nome
Descrição
Pontos fortes
Pontos fracos
Teste de Rorschach
10 pranchas com borrões, alguns coloridos, outros acromáticos
Alguns sistemas interpretativos do Rorschach não têm validade comprovada
Teste de Apercepção Temática (TAT)
20 pranchas apresentando diversas cenas de ambigüidade variada
Teste de completar sentenças
Diversos mecanismos diferentes, todos os quais compartilham o mesmo formato, com mais semelhanças do que diferenças Dois conjuntos paralelos de 45 pranchas cada com borrões de tinta
Instrumento projetivo mais usado e certamente o mais pesquisado. Existe uma quantidade considerável de dados interpretativos Um método amplamente usado que, nas mãos de uma pessoa bem-treinada, proporciona informações valiosas Tempo de administração breve; pode ser útil para entrevistas clínicas se fornecido antecipadamente
Somente uma resposta é aceita para cada prancha, tornando a pesquisa mais fácil
Não é amplamente aceita, sendo raramente usada; não pode ser diretamente comparada com as estratégias interpretativas de Rorschach Estratégias interpretativas não costumam ter amparo de pesquisas
Técnicas de borrões de Holtzman (HIT)
Desenhar figuras
Teste de Montar Figura (MAPS)
Normalmente formas humanas, mas pode incluir casas e outras imagens Semelhante ao TAT, mas o paciente pode manipular os estímulos
Cortesia de Robert W. Butler, Ph.D. e Paul Satz, Ph.D.
Administração rápida
Fornece informações idiográficas da personalidade por análise temática
A falta de um sistema de contagem aceito resulta em pouca consistência na interpretação; administração demorada Estímulos têm conteúdo óbvio, estando sujeitos à falsificação
Pouco amparo de pesquisas; pouco usado
TESTES
NEUROPSICOLÓGICOS CLÍNICOS
211
FIGURA 5.1-3 Prancha 1 do teste de Rorschach. (Reimpressa com permissão de Huber Medical Publisher, Bern.)
FIGURA 5.1-2 Her mann Rorschach. (Cortesia da Academia de Medicina de Nova York, Nova York, NY.)
Teste de apercepção temática (TAT). Foi projetado por Henry Murray e Christiana Morgan como parte de um estudo da personalidade normal conduzido na Harvard Psychological Clinic, em 1943. O TAT consiste de uma série de 30 imagens (as
quais nem todas são usadas) e uma prancha em branco. A escolha depende da área de conflito que o examinador deseja esclarecer com o paciente. Alguns exemplos de imagens são uma mulher jovem sentada em um sofá que olha para um homem idoso, um homem de pé ao lado de uma mulher nua em uma cama, um homem grisalho olhando uma mulher jovem e uma mulher velha atrás de uma mulher mais nova (Fig 5.1-4). Embora a maior parte das imagens represente pessoas e todas sejam representacionais (tornando os estímulos do teste mais estruturados do que os borrões de tinta de Rorschach), existe ambigüidade em cada imagem. Ao contrário dos borrões do Rorschach, aos quais os pacientes devem fazer associações, o TAT exige que se construam ou criem histórias.
TABELA 5.1-5 Amostras e interpretação de respostas à Prancha 1 do teste de Rorschach por categoria diagnóstica Categoria diagnóstica
Resposta do paciente
Não-paciente
Bem, a primeira impressão é da cabeça de um lobo, as orelhas aqui e os olhos. Vou falar a primeira coisa que vem à minha mente, seria um predador do filme, perda de tinta, predador, você já viu aquele filme?
Paciente esquizofrênico
Depressão
Pode ser uma folha.
Ansiedade
Não sei, teria de pensar a respeito. Podem ser árvores.
Cortesia de Dana Foley, Ph.D.
Resposta do paciente com base no questionamento “A cabeça, o nariz, os olhos, os ouvidos, tudo.” “Toda a imagem, de cima a baixo, e eu gostei do filme e a razão é porque você disse a primeira coisa que viesse à minha mente. Assisti ao filme muitas vezes, 10 vezes. Toda a imagem, algo que me parece mau. (Parece mau para você?) Porque é uma pessoa que mata sem sentimentos, por isso achei o filme bom.” “Pode ser uma folha que caiu de uma árvore e começou a apodrecer, as folhas têm bordas recortadas. (Você disse apodrecer?) Porque se fosse uma folha perfeita, tudo isso faria parte do borrão, aqui tem partes dele que caíram. Seria o talo. Além disso, tem a ranhura principal atravessando o meio, é mais prevalente porque é maior. Se estivesse na árvore, levaria nutrientes para a folha, como nosso sistema sangüíneo.” “É como estar em uma floresta, talos, entende, quando as árvores se juntam são indefiníveis. Gosto de estar ao ar livre, gosto de ir a um bosque e passar um tempo lá. (Você pode me ajudar a enxergar essas árvores?) Esta árvore de Natal aqui e aqui, o contorno.”
Interpretação Resposta comum, usando o espaço branco como olhos, respondendo a todo o borrão A resposta mostra dificuldade em permanecer concentrado na tarefa, processo de pensamento tangencial, um pouco de paranóia e distorção da forma na prancha
A resposta apresenta conteúdo mórbido (apodrecimento) que indica uma visão negativa de si mesmo e do mundo; as respostas com folhas também pesam no índice de isolamento
A resposta demonstra desconforto em se comprometer com uma opinião, e desconforto em começar o teste; também se vê um pouco de ansiedade na personalização desconexa usada para justificar a resposta
212
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Com o protocolo individual, a maioria dos clínicos usa uma técnica de inspeção e observa particularmente respostas que expressem afetos fortes, que tendam a se repetir ou que sejam inusitadas ou particularmente informativas de algum modo. Áreas em que a negação opera muitas vezes são reveladas por meio de omissões, expressões vagas ou relatos fatuais (“Minha mãe é uma mulher”). O humor também pode refletir uma tentativa de negar que há ansiedade em relação a determinada questão, pessoa ou evento. Às vezes, revela-se um importante material histórico (“Senti culpa pela forma como minha irmã se afogou”).
FIGURA 5.1-4 Prancha 12F do Teste de Apercepção Temática. (Cortesia da Harvard University Press, Cambridge, MA.)
Da maneira em que o teste foi concebido originalmente, um aspecto importante de cada história é a figura (o herói) com que os sujeitos parecem se identificar e a quem supostamente atribuem os próprios desejos, aspirações e conflitos. As características de personagens secundários representam as visões sobre outras pessoas em seu ambiente. Hoje, acredita-se que todas as figuras em uma história do TAT representem os sujeitos igualmente. Os traços e motivos aceitos e conscientes são atribuídos às figuras mais próximas do sujeito em idade, sexo e aparência, e os traços e motivos inaceitáveis e inconscientes são atribuídos às figuras mais diferentes dele. As histórias devem ser analisadas a partir do ponto de vista da peculiaridade de seu tema ou enredo. Independentemente da maneira como os sujeitos lidam com um tema comum ou incomum, suas histórias refletem abordagens idiossincráticas de organização, seqüência, vocabulário, estilo, pressupostos, suposições e resultados. As pranchas do TAT têm níveis diferentes de estímulo e fornecem dados que dizem respeito a várias áreas do funcionamento. De modo geral, este teste é mais útil como uma técnica para inferir aspectos motivacionais do comportamento do que como base para um diagnóstico. Teste de completar sentenças. Foi projetado para usar as associações conscientes dos pacientes em áreas do funcionamento que possam interessar ao clínico. O teste é composto de uma série de trechos de sentenças (em média de 75 a 100) como: “Eu gosto...”; “Às vezes, desejo...”, as quais devem ser completadas pela pessoa. Normalmente, o tempo é limitado, e deve ser escrito a primeira coisa que vier à mente. Em outros casos, o teste é administrado de forma oral, como na técnica de associação de palavras. Os trechos de sentenças variam em sua ambigüidade, de modo que alguns itens servem como estímulos de testes projetivos (“Às vezes, eu...”). Outros parecem questionários de respostas diretas (“Meu maior medo é...”).
Técnica de associação de palavras. Carl Gustav Jung criou a técnica de associação de palavras. Ele apresentava palavras para pacientes e solicitava que respondessem com a primeira palavra que lhes viesse à mente. Após a administração inicial da lista, alguns clínicos hoje repetem a lista e pedem que o paciente responda com as mesmas palavras que usou na versão anterior. As discrepâncias entre as duas administrações podem revelar dificuldades de associação. Indicadores de complexidade incluem tempo de reação longo, dificuldade para responder, respostas inusitadas, repetição da palavra usada como estímulo, incompreensão aparente da palavra, associações com gírias, perseverança de respostas anteriores, além de idéias ou maneirismos incomuns ou movimentos acompanhando a resposta. Como é facilmente quantificado, o teste continua a ser usado como instrumento de pesquisa, embora sua popularidade tenham diminuído bastante. Teste do desenho da figura humana. Foi primeiramente usado como medida de inteligência em crianças. Seus detalhes apresentam correlação com o nível de inteligência e desenvolvimento. Em seguida, passou a ser usado em testagem de adultos. O teste do desenho da figura humana é administrado facilmente, em geral com as instruções: “Gostaria que você desenhasse uma pessoa; faça o melhor desenho que conseguir”. Após o término dessa tarefa, o paciente deve desenhar uma pessoa do sexo oposto ao da primeira figura. Alguns clínicos usam um procedimento de interrogatório, no qual questionam o paciente sobre seus desenhos (“O que ele está fazendo?”, “Quais são as melhores qualidades dela?”). Podem ser feitas modificações, como um desenho de uma casa e uma árvore (teste de desenhar casa-árvore-pessoa), da família do paciente ou de um animal. Um pressuposto importante é que o desenho da pessoa representa a expressão do eu ou do corpo no ambiente. Os princípios interpretativos baseiam-se amplamente na suposta significação funcional de cada parte do corpo. A maioria dos clínicos vale-se de desenhos principalmente como técnica de triagem, em especial para a detecção de lesões cerebrais. INTEGRAÇÃO DOS RESULTADOS DOS TESTES A integração dos resultados dos testes em um prontuário abrangente e significativo provavelmente seja o aspecto mais difícil da avaliação psicológica. Inferências de vários testes devem ser relacionadas, no que diz respeito à confiança que o clínico tem em relação a elas e ao nível presumido de entendimento de que o paciente dispõe para saber que está sendo examinado.
TESTES
A maior parte dos clínicos segue uma estrutura geral para preparar um prontuário psicológico, como o comportamento no teste, o funcionamento intelectual, o funcionamento da personalidade (capacidade de testar a realidade, controle de impulsos, depressão e culpa aparentes, manifestações de disfunções maiores, defesas, sintomas explícitos, conflitos interpessoais, auto-imagem, afetos), o diagnóstico inferido, o grau de perturbação explícita atual, o prognóstico de recuperação social, a motivação para mudança de personalidade, recursos primários e fraquezas, recomendações e um resumo. REFERÊNCIAS Adams RL, Culbertson JL. Personality assessment: adults and children. In: BJ Sadock, VA Sadock, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:702. Bremner J, Steinberg M, Southwick SM, Johnson DR, Charney DS. Use of the Structured Clinical Interview for DSM-IV Dissociative Disorders for systematic assessment of dissociative symptoms in posttraumatic stress disorder. Am J Psychiatr y. 1993;150:1011. Chick D, Sheaffer CI, Goggin WC, Sison GF. The relationship between MCMI Personality scales and clinician-generated DSM-III-R personality disorder diagnoses. J Pers Assess. 1993;61:264. Edwards DW, Morrison TL, Weissman HN. The MMPI and MMPI-2 in an outpatient sample: comparisons of code types, validity scales and clinical scales. J Pers Assess. 1993;61:1. Fischer J, Concoran K. Measures for Clinical Practice: A Sourcebook. 2nd ed. Vol 1: Couples, Families and Children. New York: Free Press; 1994. Fischer J, Corcoran K. Measures for Clinical Practice: A Sourcebook. 2nd ed. Vol 2: Adults. New York: Free Press: 1994. Goldstein G, Hersen M, eds. Handbook of Psychological Assessment. New York: Pergamon; 1990. Graham JR. Assessing Personality and Psychopathologic. New York: Oxford University Press; 1990. Kardum I, Hudek-Knezevic J. The relationship between Eysenck’s personality traits, coping styles and moods. Pers Individ Diff. 1996;20:341. Lezak MD. Neuropsychological Assessment. 2nd ed. New York: Oxford University Press; 1983. McCann JR. Convergent and discriminant validity of the MCMI-II and MMPI personality disorder scales. Psych Assess. 1991;3:9. Rorschach H. Psychodiagnostik. Bern: Bircher; 1921. Schnurr PP, Friedman MJ, Rosenberg SD. Preliminary MMPI scores as Predictors of combat-related PTSD symptoms. Am J Psychiatry. 1993;150:479. Smith LL. On the usefulness of item bias analysis to personality psychology. J Pers Soc Psychol. 2002;28:754. Swanda RM, Haaland KY, LaRue A. Clinical neuropsychology and intellectual assessment of adults. In: Sadock BJ, Sadock VA. eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:689.
5.2 Avaliação neuropsicológica clínica de adultos A neuropsicologia clínica é uma especialidade da psicologia que examina a relação entre o comportamento e a atividade cerebral
NEUROPSICOLÓGICOS CLÍNICOS
213
nos domínios do funcionamento cognitivo, motor, sensorial e emocional. De modo geral, o neuropsicólogo clínico integra a história médica e psicossocial às queixas relatadas e ao padrão de desempenho em procedimentos neuropsicológicos para determinar se os resultados condizem com uma área específica de lesão cerebral ou determinado diagnóstico. O objetivo desses testes é alcançar resultados quantificáveis e reproduzíveis que possam ser comparados com os escores de pessoas normais, de idade e origem demográfica comparáveis. As técnicas padronizadas para avaliar o funcionamento adulto incluem testes psicológicos, escalas que classificam o comportamento e entrevistas controladas. A avaliação neuropsicológica é indicada para identificar deficiências cognitivas, diferenciar a depressão incipiente da demência, determinar o curso de uma doença, avaliar efeitos neurotóxicos (como perda de memória por abuso de substâncias), avaliar os efeitos de tratamentos (p. ex., cirurgia para epilepsia, farmacoterapia) e constata possível transtorno da aprendizagem. RACIOCÍNIO, FORMAÇÃO DE CONCEITOS E RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS Os pacientes que têm lesões cerebrais podem perder a capacidade de raciocinar de forma abstrata e não apresentar flexibilidade na resolução de problemas ou capacidade de adaptação a diferentes situações. As lesões no lobo frontal normalmente estão associadas a problemas no raciocínio abstrato, embora outras áreas do cérebro também possam estar envolvidas. Muitos testes podem ser usados para avaliar a capacidade de formar conceitos.
Teste de Ordenar Cartões de Wisconsin (“Card Sorting Test” – WCST) O WCST avalia o raciocínio abstrato e a flexibilidade na resolução de problemas. Pranchas de estímulo de diferentes cores, formas e números são apresentadas ao paciente, que deve dividi-las em grupos, segundo um princípio estabelecido pelo examinador, mas desconhecido por aquele (p. ex., classificar por cor, omitindo a forma e o número). Ao dispor as cartas, o paciente é informado se as respostas estão corretas ou incorretas, e registrase o número de chances necessárias para que acerte 10 respostas consecutivas. Quando (e se) tiver concluído a tarefa, o examinador muda o princípio de classificação e registra o número de chances necessárias para que o paciente acerte novamente. O procedimento, repetido diversas vezes, mensura a capacidade de pensamento abstrato (i. e., o número de tentativas necessárias para chegar a uma solução) e a flexibilidade (erros repetidos em testes sucessivos de classificação). Pessoas com lesões nos lobos frontais ou no caudado e algumas daquelas com esquizofrenia apresentam respostas anormais.
MEMÓRIA A limitação em vários tipos de memória, principalmente as de curta duração e recente, é um déficit comportamental proeminente em pacientes com lesões cerebrais. Além disso, costuma ser o primeiro sinal de doenças cerebrais e de envelhecimento. Me-
214
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
mória é um termo abrangente, que implica a retenção de todos os tipos de material em momentos diversos e envolve várias formas de resposta. Conseqüentemente, um examinador neuropsicológico está mais inclinado a administrar testes de memória específicos e a avaliá-los separadamente do que a usar uma bateria ampla que propicie uma avaliação breve de uma grande variedade de desempenhos e produza um escore único.
para adultos. Trata-se de uma combinação de associação verbal de pares e retenção de parágrafos, memória visual para padrões, orientação, conjunto de números, memorização do alfabeto e contagem reversa. A escala produz um quociente de memória (QM), que é corrigido para a idade do sujeito e geralmente se aproxima do quociente de inteligência da Escala de Inteligência de Wechsler (WAIS IQ). Condições amnésticas, como a síndrome de Korsakoff, são caracterizadas por um QM desproporcionalmente baixo, mas um QI relativamente preservado.
Tipos de memória
Teste de retenção visual de Benton. O teste de retenção visual de Benton é sensível à perda da memória de curta duração (Fig. 5.2-1).
A memória imediata (ou de curta duração) pode ser definida como a reprodução, o reconhecimento ou a lembrança de material percebido dentro de um período de até 30 segundos após sua apresentação. Costuma ser associada a testes de reprodução e reversão (auditiva) de números e de memória para padrões (visual). Tanto um teste auditivo-verbal, como o de conjunto de números ou de memória para palavras e sentenças, quanto um teste visual não-verbal, como o de memória para padrões ou objetos e rostos, podem ser usados para avaliar a memória imediata. Os pacientes também podem escutar uma história padronizada e depois repeti-la o mais precisamente possível. Aqueles com lesões no hemisfério direito podem apresentar deficiências mais graves em testes visuais não-verbais do que em testes auditivo-verbais. Da mesma forma, pacientes com doenças no hemisfério esquerdo, incluindo indivíduos afásicos, podem apresentar déficits graves nos testes auditivo-verbais, com desempenho variável nos testes visuais não-verbais. A memória recente diz respeito a eventos que ocorreram nas últimas horas ou dias, e pode ser testada perguntando-se aos pacientes o que comeram no café da manhã e quem os visitou no hospital. A memória do passado recente trata da retenção de informações ao longo dos últimos meses. Pode-se questionar os pacientes acerca de eventos atuais. A memória remota é a capacidade de lembrar de eventos do passado distante. Normalmente, acredita-se que esse tipo de memória seja bem-preservado em pacientes que apresentam deficiências pronunciadas na memória recente, mas, em pacientes senis e amnésticos, costuma ser significativamente inferior à de pessoas normais de idade e instrução comparáveis. Mesmo os pacientes que parecem ser capazes de lembrar de seu passado de forma bastante precisa apresentam lacunas e inconsistências em suas narrativas, quando questionados de forma mais detalhada. Os teóricos da memória descreveram três outros tipos de memória: episódica, para eventos específicos (p. ex., uma mensagem telefônica); semântica, para conhecimento e fatos (p. ex., o primeiro presidente do país); e implícita, para habilidades automáticas (p. ex., falar com boa gramática ou dirigir). As memórias semântica e implícita não decaem com a idade, e as pessoas continuam a acumular informações por toda a vida. O pequeno declínio verificado com o envelhecimento na memória episódica pode estar relacionado a problemas no funcionamento do lobo frontal. Testando a memória Escala de Memória de Wechsler. A Escala de Memória de Wechsler revisada (WMS-R) é a bateria de testes de memória mais usada
ORIENTAÇÃO A orientação para pessoas ou lugares raramente sofre perturbação em pacientes com lesões cerebrais que não sejam psicóticos ou dementes graves, embora possam ser comuns deficiências em orientação temporal, que interfere na integridade da memória recente. Os examinadores clínicos seguidamente ignoram essas deficiências devido à tendência de considerá-las como pequenos enganos sem conseqüência em relação ao dia da semana ou ao mês. Contudo, é provável que cerca de 25% dos pacientes nãopsicóticos com doenças cerebrais hemisféricas apresentem uma redução significativa no desempenho, no que tange à precisão da orientação temporal. Um teste simples de orientação é apresentado na Tabela 5.2-1. DESEMPENHO PERCEPTIVO E PERCEPTOMOTOR Muitos pacientes com lesões cerebrais apresentam uma capacidade limitada de analisar quantidades complexas de estímulos ou de traduzir sua percepção em ações motoras apropriadas. A menos que a limitação seja muito evidente (p. ex., como na agnosia visual para objetos ou na apraxia para se vestir) ou interfira em determinada habilidade ocupacional, é improvável que esses déficits sejam objeto de queixas espontâneas. Todavia, um teste adequado revela uma incidência notavelmente alta de problemas no desempenho em tarefas visuais analíticas, espaciais e construtivas naqueles com lesões cerebrais, particularmente se tiverem doenças que envolvam o hemisfério direito. Esse tipo de limitação também se estende ao desempenho em tarefas perceptivas táteis e auditivas.
FIGURA 5.2-1 Item do teste de retenção visual de Benton. A condição de teste mais usada envolve a apresentação de cada figura geométrica por 10 segundos, depois do que o paciente tenta desenhá-la de memória. (Reimpressa, com permissão, de Benton AL. The Revised Visual Retention Test: Clinical and Experimental Applications. 4th ed. New York: Psychological Corporation, 1974:32.)
TESTES
NEUROPSICOLÓGICOS CLÍNICOS
215
TABELA 5.2-1 Protocolo de orientação temporal Administração Qual é a data de hoje? (O paciente deve fornecer dia, mês e ano) Que dia da semana é hoje? Que horas são? (O examinador deve se certificar de que o paciente não tem acesso a relógio) Contagem Dia da semana: um ponto a menos para cada dia errado, até um máximo de três pontos Dia do mês: um ponto a menos para cada dia errado, até um máximo de 15 pontos Mês: cinco pontos a menos para cada mês errado, com a ressalva de que, se a data sugerida estiver dentro de 15 dias da data correta, não são descontados pontos pelo mês incorreto (p. ex., 29 de maio para 2 de junho = quatro pontos a menos) Ano: 10 pontos a menos para cada ano errado, até um máximo de 60 pontos, com a ressalva de que, se a data sugerida estiver dentro de 15 dias da data correta, não são descontados pontos pelo ano incorreto (p. ex., 26 de dezembro de 1982 para 2 de janeiro de 1983 = sete pontos a menos) Hora: um ponto a menos para cada 30 minutos errados, até um máximo de cinco pontos
A
Cortesia de Arthur L. Benton, Ph.D.
Deficiências na capacidade visual perceptiva e construtiva e na somatoperceptiva podem ser avaliadas por testes. A estimulação dupla simultânea é testada tocando-se levemente uma das bochechas do paciente e a parte de trás de uma de suas mãos. Um paciente com disfunção cerebral não consegue reconhecer um dos estímulos ou ambos. A estimulação dupla simultânea é um teste geral de capacidade para dificuldades em integração perceptiva. Os testes perceptomotores muitas vezes ajudam a identificar lesões cerebrais. Uma porção significativa dos pacientes com lesões no hemisfério direito que não apresentam limitação óbvia nas funções da linguagem apresentam fraco desempenho em testes de percepção (Fig. 5.2-2). DOMINÂNCIA HEMISFÉRICA E LOCALIZAÇÃO INTRA-HEMISFÉRICA Muitas funções são mediadas pelos hemisférios cerebrais direito e esquerdo. Todavia, diferenças qualitativas importantes entre ambos podem ser demonstradas na presença de lesões cerebrais lateralizadas. Várias habilidades cognitivas ligadas ao hemisfério direito ou esquerdo em pessoas destras são listadas na Tabela 5.2-2. Embora a linguagem seja a área mais controlada pelo hemisfério esquerdo, este também costuma ser considerado dominante para o uso dos membros (i. e., movimentos complexos, como escovar os dentes, imitar gestos) e foi associado a um grupo de déficits identificado como síndrome de Gerstmann (i. e., agnosia dos dedos, discalculia, disgrafia e desorientação entre direita e esquerda). Em comparação, acredita-se que o hemisfério direito desempenhe um papel mais importante no controle das habilidades visuoespaciais e na atenção hemiespacial, as quais são associadas aos quadros clínicos de apraxia construcional e de omissão respectivamente. Embora déficits lateralizados como esses sejam tipicamente caracterizados em termos de lesões no hemisfério direito ou esquerdo, o de-
B FIGURA 5.2-2 Exemplos de erros de aproximação (A) e omissão do lado esquerdo (B) no teste construcional tridimensional. (Reimpressa, com permissão, de Benton AL, Sivan AB, Hamsher K de S, Varney NR, Spreen O. Contribution to Neuropsychological Assessment. 2nd ed. New York: Oxford University Press, 1983:121.)
sempenho do paciente também pode ser determinado segundo funções cerebrais preservadas. Em outras palavras, o tecido cerebral remanescente é o que motiva muitas respostas comportamentais após uma lesão nessa área – não apenas ausência de uma parte dele.
216
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 5.2-2 Déficits neuropsicológicos associados a lesões nos hemisférios esquerdo e direito Hemisfério esquerdo
Hemisfério direito
Afasia Desorientação entre esquerda e direita Agnosia dos dedos Disgrafia (afásica) Discalculia (alexia para números) Apraxia construtiva (detalhes) Apraxia de membros
Déficits visuoespaciais Percepção visual limitada Omissão Disgrafia (espacial, omissão) Discalculia (espacial) Apraxia construtiva (gestalt) Apraxia para se vestir Anosognosia
A. 1. 2.
3.
apresentou estudos de adultos com transtornos cognitivos, retardo mental, afasias, psicoses, neuroses e fingimento. O material do teste consiste de nove modelos, adaptados a partir dos que Max Wertheimer usou em seus estudos da psicologia da gestalt. Os modelos são impressos em pranchas separadas, sobre um fundo branco (Fig. 5.2-3). Os pacientes recebem uma folha de papel em branco sem linhas, e devem copiar cada modelo apresentado. Não há limite de tempo. Esta fase do teste é suficientemente estruturada e não investiga a função da memória, pois as pranchas permanecem diante dos pacientes enquanto copiam os desenhos. Muitos clínicos acrescentam uma fase de recordação, na qual (após um intervalo de 45 a 60 segundos) os pacientes devem reproduzir o maior número de modelos que lembrarem. Ela não investiga apenas a memória visual, e representa uma situação menos estruturada, em que os pacientes devem usar essencialmente seus próprios recursos. É particularmente útil para comparar o funcionamento em ambas as condições. O Teste gestáltico visuomotor de Bender é usado com mais freqüência em adultos como mecanismo de triagem para sinais de disfunções orgânicas. A avaliação do protocolo depende da forma das figuras reproduzidas e de sua relação entre si e com todo o fundo espacial (Figs. 5.2-4 e 5.2-5).
4. 5.
Embora a incapacidade de reconhecer rostos familiares (prosopagnosia) seja um transtorno incomum, a discriminação deficiente de rostos desconhecidos é recorrente em pacientes com lesões no hemisfério direito ou bilaterais. O Teste de Reconhecimento Facial, no qual é apresentado ao paciente um rosto em vista frontal,
6.
7.
Discriminação visual complexa
8.
FIGURA 5.2-3 Figuras do Teste gestáltico visuomotor de Bender, adaptadas de Max Wertheimer. (De Bender L. A Visual Motor Gestalt Test and Its Clinical Use. New York: American Orthopsychiatric Association, 1983: 33.)
Teste gestáltico visuomotor de Bender Este teste da coordenação visuomotora é aplicável a crianças e adultos. Foi criado em 1938 por Lauretta Bender, do Centro Médico da Universidade de Nova York, que o usava para avaliar o nível de maturação de crianças. Do ponto de vista do desenvolvimento, uma criança com menos de 3 anos de idade normalmente não consegue reproduzir nenhum dos modelos do teste de maneira significativa. Por volta dos 4 anos, talvez consiga copiar vários modelos, mas sem muita qualidade. Aos 6 anos, pode produzir representações reconhecíveis, de todos os modelos, ainda que com pouca semelhança. Aos 10 anos, e certamente aos 12, as cópias devem ser razoavelmente precisas e organizadas. Bender também
FIGURA 5.2-4 Um desenho do Teste gestáltico visuomotor de Bender de uma paciente de 57 anos de idade com lesão cerebral.
TESTES
FIGURA 5.2-5 Recordação Bender gestalt da mesma paciente de 57 anos da Figura 5.2-4.
depois solicita-lhe identificá-lo em fotografias que o reproduzem em diversas posições (p. ex., vista lateral, vista frontal com sombras), produz uma freqüência de erro elevada naqueles com lesões posteriores no hemisfério direito. O desempenho normalmente está intacto em pacientes com lesões no hemisfério esquerdo (desde que a linguagem receptiva não esteja gravemente limitada) e naqueles com esquizofrenia. O Teste da Orientação de Linhas demonstra falhas no desempenho em uma parcela surpreendente de indivíduos com doenças no hemisfério direito, exigindo que o paciente copie a inclinação de linhas ou pares de linhas apresentados. Conforme apresentado na Figura 5.2-6, deve-se apontar ou identificar verbalmente as linhas do modelo que correspondem à orientação angular de cada par de linhas. Como no reconhecimento facial, pacientes com lesões no hemisfério direito costumam ter limitações em testes visuais espaciais, ao passo que aqueles com lesões no hemisfério esquerdo ficam dentro da faixa normal. LINGUAGEM Deficiências relativamente pequenas no uso da linguagem podem ser indicadores válidos da presença de doenças cerebrais. A
NEUROPSICOLÓGICOS CLÍNICOS
217
dominância hemisférica controla a função da linguagem. A parte afetiva da fala, que transmite o humor, é chamada prosódia e é controlada pelo hemisfério não-dominante. Testa-se a fluência solicitando-se que o paciente diga todas as palavras começadas com determinada letra do alfabeto que puder lembrar. Pessoas afásicas, com doenças no hemisfério esquerdo, não conseguem cumprir a tarefa. As variáveis que influenciam os testes de linguagem são o nível de instrução, o sexo e a idade. A leitura e a escrita também são associadas ao hemisfério dominante e testadas solicitando-se que o paciente leia em voz alta um material preparado e escreva nomes ou um trecho breve. Se tiver dificuldade para cumprir essas tarefas, pode-se suspeitar da presença de dislexia e disgrafia. O teste Boston Diagnostic Aphasia Examination inclui uma escala de avaliação da fala, que é útil para comparar os escores do teste com um breve protocolo de itens de avaliação da atividade ideomotora – ou seja, movimentos dos membros e bucofaciais simbólicos para fazer gestos e demonstrar o uso de objetos imaginários ou reais. ATENÇÃO E CONCENTRAÇÃO A capacidade de manter um nível máximo de atenção durante certo período às vezes é reduzida em pacientes com lesões cerebrais, e essa limitação se reflete em uma oscilação no grau de desempenho em atividades contínuas ou repetidas. Algumas evidências indicam que a instabilidade do desempenho está relacionada a uma anormalidade encefalográfica e que um declínio inexplicável no desempenho apresenta relação temporal com a ocorrência de certos tipos de atividade elétrica anormal. O tempo de reação simples proporciona uma medida conveniente da variabilidade e da velocidade de respostas simples. O tempo de reação necessário para responder a um estímulo é reduzido em 40 a 45% entre pacientes com lesões cerebrais, e é um indicador sensível da integridade cerebral geral. A comparação entre os tempos de reação das mãos esquerda e direita fornece uma indicação do lado da lesão e de doenças cerebrais unilaterais. TESTAGEM ABRANGENTE
5 4 3
6
Foram desenvolvidas diversas baterias de testes para auxiliar na avaliação neuropsicológica e neuropsiquiátrica. Entre elas estão as baterias de testes neuropsicológicos de Luria-Nebraska e Halstead-Reitan.
7 8 9
Bateria neuropsicológica de Luria-Nebraska 2 1
10 11
FIGURA 5.2-6 Estímulos de duas linhas comparados com a prancha de múltipla escolha do Teste de Orientação de Linhas, apresentada abaixo. (Reimpressa com permissão de Benton AL, Sivan AB, Hamsher K de S, Verney NR, Spreen O. Contributions to Neuropsychological Assessment. A Clinical Manual. 2nd ed. New York: Oxford University Press, 1994.)
Com base no trabalho do neuropsicólogo russo Alexander Luria, a bateria neuropsicológica de Luria-Nebraska foi desenvolvida na University of Nebraska. O teste avalia uma ampla variedade de funções cognitivas: memória, funções motoras, ritmo, funções tátil, auditiva e visual, discurso receptivo e expressivo, escrita, ortografia, leitura e aritmética. Foi projetado para pessoas com pelo menos 15 anos, e pode ser usada uma versão infantil para
218
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
crianças entre 8 e 12 anos. Ele é extremamente sensível para identificar tipos específicos de problemas (p. ex., dislexia e discalculia), em vez de se limitar a impressões globais de disfunções cerebrais. Também ajuda a localizar as várias regiões corticais envolvidas em determinada função e serve para estabelecer se a dominância cerebral é esquerda ou direita. Bateria de testes neuropsicológicos de Halstead-Reitan No começo da década de 1940, Ward Halstead e seu aluno Ralph Reitan desenvolveram uma bateria de testes usada para determinar a localização e os efeitos de lesões cerebrais específicas, sendo composta de 10 testes. 1. Teste categórico: os pacientes devem descobrir o elemento comum em um conjunto de imagens; mede as funções de conceituação, abstração e acuidade visual. 2. Teste de desempenho tátil: com os olhos vendados, os pacientes colocam peças com diferentes formatos em uma forma, e devem lembrar dessa organização; o desempenho avalia a destreza, a memória espacial e a discriminação tátil. 3. Teste de ritmo: os pacientes identificam 30 pares de batidas rítmicas como iguais ou diferentes para avaliar a percepção auditiva, a atenção e a concentração. 4. Teste de oscilação do dedo: os pacientes batem com o dedo indicador de cada mão por um período de 10 segundos; o teste avalia a destreza e a velocidade motora. 5. Teste de percepção de sons e fala: os pacientes associam 60 sílabas sem sentido que escutam a várias alternativas impressas; o teste avalia a discriminação auditiva e as habilidades fonéticas. 6. Teste de trilhas: pacientes conectam 25 círculos numerados em ordem e depois 25 círculos identificados em ordem com letras e números, alternando círculos com marcas numéricas e alfabéticas; o procedimento avalia a percepção visuomotora e a velocidade motora. 7. Freqüência crítica de piscamento: os pacientes observam quando uma luz piscante se estabiliza, testando sua percepção visual. 8. Teste de sentido de tempo: os pacientes julgam, sem olhar, o tempo que leva para o ponteiro dos segundos de um relógio dar várias voltas, como um teste de memória e percepção espacial. 9. Teste de triagem para afasia: os pacientes devem identificar objetos pelo nome, ler, escrever, calcular, desenhar formas, identificar partes do corpo, realizar tarefas e diferenciar esquerdo e direito como forma de testar uma ampla variedade de funções cerebrais verbais e não-verbais. 10. Testes percepto-sensoriais: os pacientes realizam várias tarefas com os olhos fechados – como identificar onde são tocados simultaneamente na mão e no rosto (teste de estimulação sensorial simultânea), que dedo é tocado (localização de dedos), que moedas são colocadas em sua mão (estereognose) e que números são escritos em sua pele (percepção tátil).
A bateria de Halstead-Reitan tem a vantagem de proporcionar um perfil uniforme de escores, que deve ser comparada ao tempo considerável necessário para sua administração. O teste pode diferenciar pessoas com lesões cerebrais daquelas neurologicamente intactas. Os esquizofrênicos tendem a apresentar maior desempenho em relação aos pacientes com lesões cerebrais subagudas, mas não diferem de pessoas com lesões cerebrais crônicas. Além disso, o padrão de déficits na bateria de Halstead-Reitan é semelhante em pacientes com lesões cerebrais e com esquizofrenia. CONFIABILIDADE E VALIDADE A confiabilidade e a validade dos testes neuropsicológicos pode ser afetada por muitos fatores. Estados de humor, especialmente ansiedade e depressão, podem alterar os escores de uma administração do teste para outra. A confiabilidade também é afetada pela motivação, pelo nível de esforço e pela cooperação, e as mudanças na condição clínica podem alterar o desempenho de teste-reteste. Os resultados podem ser confundidos por efeitos da medicação. Os anticonvulsivantes tendem a diminuir o desempenho em todas as áreas. Todavia, os antipsicóticos revelam efeitos levemente positivos ou insignificantes em pacientes com esquizofrenia. DISCUSSÃO TERAPÊUTICA DOS RESULTADOS Um componente fundamental do processo de exame neuropsicológico é a oportunidade para discutir os resultados com o paciente, sua família ou outros cuidadores. Essa reunião pode ser uma oportunidade terapêutica poderosa para instruí-los e esclarecer problemas individuais e de relacionamento que possam afetar o funcionamento do indivíduo. Se for possível obter a cooperação ativa do paciente no exame inicial, ele estará preparado para valorizar e confiar nos resultados dos exames. Durante a discussão dos resultados, é importante revisar os objetivos dos exames com ele, sua família ou cuidadores e esclarecer as expectativas dos presentes. Normalmente, essas sessões envolvem informações sobre o diagnóstico do paciente, com ênfase no curso e no prognóstico natural, bem como estratégias de compensação e enfrentamento para ele e sua família. Se os resultados apresentarem evidências de doenças neurológicas crônicas ou progressivas, essas questões devem ser discutidas de forma explícita, incluindo possíveis fontes de reabilitação. Também é importante relacionar o impacto dos resultados com as atuais circunstâncias de vida, objetivos futuros e curso da adaptação do paciente. Emoções fortes e tensões subjacentes dentro de relacionamentos familiares muitas vezes vêm à tona no contexto de uma discussão honesta, tornando esse momento uma oportunidade terapêutica importante para modelar técnicas efetivas de comunicação e resolução de problemas. A Tabela 5.2-3 apresenta uma lista de testes neuropsicológicos usados por psicólogos.
TESTES
NEUROPSICOLÓGICOS CLÍNICOS
219
TABELA 5.2-3 Testes neuropsicológicos e funções avaliadas segundo o domínio cognitivo
Funcionamento executivo Teste categórico Teste de ordenar cartões de Wisconsin Torre de Hanói Fluência verbal Teste de matrizes progressivas de Raven Teste de trilhas Labirintos (WISC-III)
Geração de conceitos, alterações mentais Geração de conceitos, alterações mentais Planejamento, organização Geração de palavras por fonemas Raciocínio não-verbal Alterações mentais simples Planejamento, organização visuomotora
Atenção, concentração, orientação, vigilância Teste de desempenho contínuo Testes de cancelamento Teste de palavras e cores Teste de adição seriada Teste de símbolos do WISC-III Teste de modalidades numéricas
Seleção de estímulos-alvo Busca de alvos entre os estímulos Supressão de estímulos visuais distrativos Atenção e acompanhamento mental prolongados Busca de estímulos-alvo Codificação escrita e oral
Linguagem receptiva e expressiva Testes de figuras e vocabulário de Peabody Teste expressivo de vocabulário de palavra e figura de Gardner – Revisado Teste receptivo de vocabulário de palavra e figura de Garner – Revisado Teste de análise auditiva Teste de fichas Teste de nomes de Boston Fluência verbal Teste de triagem para afasia Avaliação ampla das funções de linguagen – Revisada Teste de desenvolvimento da linguagem – 2 Seqüências automáticas de linguagem
Busca de estímulos-alvo Linguagem expressiva em uma palavra Linguagem receptiva em uma palavra Classificar, ordenar e sintetizar elementos perceptivos auditivos Compreender instruções verbais, complexidade gramatical, atenção Identificação visual por nome Lembrança de palavras a partir de uma letra Teste de linguagem receptiva e expressiva Linguagem receptiva e expressiva Linguagem receptiva e expressiva Seqüenciamento alfabético e numérico
REFERÊNCIAS Axelrod BN, Goldman RS, Henry RR. Sensitivity of the Mini-Mental State Examination to frontal lobe dysfunction in normal aging. J Clin Psychol. 1992;48:68. Bryson GJ, Silverstein ML, Nathan A, Stephen L. Differential rate of neuropsychological dysfunction in psychiatric disorders: comparison between the Hatstead-Reitan and Luria-Nebraska batteries. Percept Mot Skills. 1993;76:305. Chouinard MJ, Braum CM-J. A meta analysis of the relative sensitivity of neuropsychological screening tests. J Clin Exp Neuropsichol. 1993;15:591. Cohen RJ, Swerdlik ME. Psychological Testing and Assessment: An Introduction to Tests and Meassurement. 5th ed. New York: McGraw-Hill; 2002.
Exame sensório-perceptivo Triagem tátil, auditiva e visual
Exame percepto-sensorial de Reitan-Klove
Exame motor Conhecimento de direita e esquerda, partes do corpo Conhecimento de direita e esquerda Velocidade motora fina Força comparativa
Exame de dominância lateral de Reitan-Klove Teste de orientação direita-esquerda de Benton Teste de bater os dedos Teste de força da empunhadura (dinamômetro) Teste de colocar pinos Teste de pinos de purdue Seqüências motoras de Luria Movimentos alternados rápidos
Destreza fina e velocidade motora Destreza motora fina e velocidade Organização de seqüências motoras Teste cerebelar
Análise visuoespacial e habilidades construcionais Teste do desenvolvimento da integração visuomotora Teste da orientação de linhas de Benton Teste de reconhecimento facial de Benton Teste do desenho para orientação visual de Hooper
Cópia de modelos Percepção, identificação de orientação visuoespacial Discriminação de rostos Organização mental de desenho livre por percepção visual
Aprendizagem e recordação Teste de memória seletiva Aprendizagem e recordação de lista de palavras Teste de aprendizagem verbal da Aprendizagem e recordação de lisCalifórnia ta de palavras Teste da figura complexa de Rey- Cópia de modelos, recordação Osterrieth imediata, recordação tardia Teste de reconhecimento visual de Cópia de modelos, recordação Benton imediata Recordação de histórias Recordação de informações contextuais verbais Memória de sentenças Recordação auditiva e verbal Baterias de memória compostas Avaliação ampla da memória e da linguagem Teste de memória e aprendizagem Escala de memória para crianças
Crossen JR, Wiens AN. Comparison of the Auditory-Verbal Learning Test (AVLT) and California Verbal Learning Test (CVLT) in a sample of normal subjects. J Clin Exp Neuropsychol. 1995;16:190. Csepe V, Osman-Sagi J, Molnar M, Gosy M. Impaired speech perception in aphasic patients: event-related potential and neuropsychological assessment. Neuropsychologia. 2001;39:1194. Goldberg TE, Hyde TM, Kleinman JE, Weinberger DR. Course of schizophrenia: neuropsychological evidence for a static encephalopathy. Schizophr Bull. 1993;19:797. Grant I, Adams KM. Neuropsychological Assessment of Neuropsychiatric Disorders. 2nd ed. New York: Oxford University Press; 1996. Hanson SL, Tucker DM. Neuropsychological Assessment. Philadelphia: Hanley & Belfus; 1992. Heilman KM, Valenstein E, eds. Clinical Neuropsychology. 3rd ed. New York: Oxford University Press; 1993.
220
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Kempen JM, Kritchevsky M, Feldman ST. Effect of visual impairment on neuropsychological test performance. J Clin Exp Neuropsychol. 1994;16:223. Lemsky CM. Neuropsychological assessment and treatment planning. In: Groth-Marnat G, ed. Neuropsychological Assessment in Clinical Practice: A Guide to Test Interpretation and Integration. New York: John Wiley & Sons; 2000:535. Lezak MD. Neuropsychological Assessment. 3rd ed. New York: Oxford University Press; 1995. Mittenberg W, Azrin R, Millsaps C, Heilbronner R. Identification of malingered head injury on the Wechsler Memory Scale-Revised. Psychol Assess. 1993;5:34.
Nadolne MJ, Stringer AY. Ecologic validity in neuropsychological assessment: prediction of wayfinding. J Int Neuropsychol Soc. 2001;7:675. Reitan RM, Wolfson D. Conventional intelligence measurements and neuropsychological concepts of adaptive abilities. J Clin Psychol. 1992;48:521. Swanda RM, Haaland KY, LaRue A. Clinical neuropsychology and intellectual assessment of adults. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadok’s Coniprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:689.
6 Teorias da personalidade e psicopatologia
6.1 Sigmund Freud: fundador da psicanálise A psicanálise, como teoria e tratamento, evoluiu imensamente desde que Sigmund Freud criou a disciplina nos últimos anos do século XIX. Algumas de suas idéias foram revisadas, como resultado de pesquisas sistemáticas da psicologia experimental e da neurociência. Freud sempre previu que tais revisões ocorreriam, à medida que aumentasse o conhecimento sobre os mecanismos cerebrais. Todavia, certos princípios básicos do seu pensamento permanecem centrais à prática psiquiátrica e psicoterapêutica. Entre eles estão a noção de determinação psíquica, a atividade mental inconsciente e a relação das experiências infantis com a personalidade adulta. O papel do significado também era central à sua visão, segundo a qual sintomas, pensamentos, sentimentos e comportamentos poderiam ser todos considerados como os caminhos básicos comuns de processos psicológicos significativos, muitos dos quais inconscientes. Mesmo quando fatores biológicos influenciam a patogênese de um transtorno, os sintomas ainda têm significado psicológico para a pessoa. Por exemplo, nas alucinações auditivas, mecanismos biológicos podem produzir o sintoma, mas seu conteúdo e seu significado estão relacionados a características psicológicas específicas que são únicas daquele paciente. O papel de fatores inconscientes em determinar a forma dos sintomas e seu significado é crucial para o ponto de vista psicanalítico. Além disso, como observou William Wordsworth, “a criança é o pai do homem”. Em outras palavras, as experiências da infância são repetidas ao longo da vida, sendo essenciais para definir os relacionamentos adultos do indivíduo. Hoje sabemos que as experiências infantis são fundamentais para gerar as vias neurais que moldam a personalidade e as expectativas das pessoas sobre como os outros devem lhes responder. Certos princípios técnicos, como a resistência, a transferência e a contratransferência, também estão no centro da psicanálise como tratamento. Freud reconhecia que os pacientes muitas vezes resistem às tentativas do médico de curá-los. Por exemplo, quando eram solicitados a dizer o que lhes viesse à cabeça, uma técnica conhecida como associação livre, alguns pacientes ficavam em silêncio ou não conseguiam seguir a sugestão. Freud finalmente percebeu que os pacientes muitas vezes são inconsciente-
mente ambivalentes quanto a melhorar, e se opõem à ajuda médica. Ele desenvolveu a idéia enquanto trabalhava com pacientes psicanalíticos, mas o psiquiatra contemporâneo certamente encontrará resistência por parte da maioria dos pacientes em sua prática cotidiana. Comportamentos comuns, como esquecer medicamentos, faltar a uma consulta marcada e deixar de seguir uma receita médica, podem refletir uma resistência inconsciente a melhorar. Os outros pilares da técnica da psicanálise envolvem a transferência e a contratransferência. A transferência ocorre quando o paciente desloca para o analista desejos e sentimentos que mantinha em relação a pessoas no passado. Algumas resistências emergem em decorrência de se experimentar o psiquiatra como uma figura familiar do passado, havendo uma tentativa de desafiar o controle parental percebido. Uma visão contemporânea da transferência reconhece que as características reais do analista ou do médico sempre influenciam a transferência. Em outras palavras, pode-se descrever esse comportamento como uma mistura de figuras do passado do paciente e o seu relacionamento real com o clínico no presente. A contratransferência é o oposto – os sentimentos do clínico para com o paciente, com base em uma mistura das características e qualidades reais do paciente associadas a figuras do passado do clínico. Freud estava convencido de que o inconsciente poderia ser observado diretamente no consultório do psicanalista. Os atos falhos, que chamava de parapraxias, muitas vezes revelam intenções inconscientes do indivíduo. Ao ser questionada sobre sua religião, uma mulher respondeu: “prostituta, digo, protestante”. Seus sentimentos de culpa em relação à sexualidade haviam superado sua intenção consciente de identificar suas visões religiosas. A atividade mental inconsciente também é vista em sonhos e em muitos comportamentos não-verbais. À medida que se obtém cada vez mais conhecimento sobre a memória implícita e explícita por meio de investigações da neurociência, o fato de que grande parte da vida mental é inconsciente já não gera mais controvérsia. Atualmente, aceita-se que a psicanálise possua três aspectos cruciais: ela é uma técnica terapêutica, um conjunto de conhecimentos científicos e teóricos e um método de investigação. Esta seção concentra-se na psicanálise como teoria e tratamento, mas os princípios básicos elaborados aqui têm uma ampla aplicação em cenários não-psicanalíticos na psiquiatria clínica.
222
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
A VIDA DE FREUD Freud nasceu em 6 de maio de 1856, em Freiburg, uma pequena cidade da Moravia, que hoje faz parte da República Tcheca. Quando tinha 4 anos, seu pai, um mercador de lã judeu, mudou-se com a família para Viena, onde Freud passou a maior parte de sua vida. Após a faculdade de medicina, especializou-se em neurologia e estudou por um ano em Paris com Jean-Martin Charcot. Também foi influenciado por Ambroise-August Liebault e Hippolyte-Marie Bernheim, que lhe ensinaram hipnose enquanto estava na França. Após sua formação, voltou para Viena e começou seu trabalho clínico com pacientes histéricas. Entre 1887 e 1897, o trabalho com essas pacientes o levou a desenvolver a psicanálise. As Figuras 6.1-1 a 6.1-9 mostram pontos marcantes da vida de Freud. Ele morreu em Londres, em 1939.
O COMEÇO DA PSICANÁLISE O início da carreira de Freud como neurologista o fez pensar inevitavelmente sobre a interface entre a mente e o corpo. Juntamente com seu colega Joseph Breuer (Fig. 6.1-10), tratou uma série de pacientes do sexo feminino com sintomas histéricos que desafiavam as explicações neurológicas. Uma paciente específica, Bertha Pappenheim, que fora tratada por Breuer como Anna O., intrigou Freud e o levou a investigar o uso da hipnose como parte de sua prática clínica. Em 1889, retornou ao método catártico, que usava em associação com a hipnose. Mediante tal abordagem, Freud tentou remover sintomas por um processo de recupe-
ração e verbalização de sentimentos reprimidos aos quais os sintomas estavam associados. Esse método passou a ser conhecido como ab-reação.
FIGURA 6.1-1 Sigmund Freud ainda garoto em 1870. (Cortesia de Menninger Foundation Archives, Topeka, KS.)
FIGURA 6.1-3 Sigmund Freud em 1903. (Cortesia de Menninger Foundation Archives, Topeka, KS.)
FIGURA 6.1-2 Sigmund Freud e sua noiva, Martha Bernays, em 1886. (Cortesia de Menninger Foundation Archives, Topeka, KS.)
TEORIAS DA PERSONALIDADE E
PSICOPATOLOGIA
223
FIGURA 6.1-4 Sigmund Freud em 1911. (Cortesia de Menninger Foundation Archives, Topeka, KS.)
FIGURA 6.1-5 Sigmund Freud e seu neto em 1922. (Cortesia de Menninger Foundation Archives, Topeka, KS.)
Por meio de seu experimento com a ab-reação e a catarse, aprendeu que suas pacientes muitas vezes não conseguiam ou não estavam dispostas a contar certas memórias, que posteriormente se mostravam bastante significativas. Freud chamou essa relutância de resistência, e determinou que era causada por forças ativas e amplamente inconscientes nas mentes das pacientes. Ele descreveu esse processo ativo de excluir material perturbador da cons-
ciência consciente como repressão, que passou a considerar essencial para a formação de sintomas. Por causa das forças da repressão e da resistência, abandonou seu método catártico e voltou-se para a associação livre – convidando suas pacientes a dizer o que lhes viesse à mente sem censurar seus pensamentos. O tratamento de pacientes com histeria durante o início da década de 1890 o convenceu de que a sedução sexual infantil
FIGURA 6.1-6 Sigmund Freud em 1935. (Cortesia de Menninger Foundation Archives, Topeka, KS.)
224
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
FIGURA 6.1-7 Sigmund Freud, com seu cachorro chow-chow, trabalhando em seu consultório em 1936. (Cortesia de Menninger Foundation Archives, Topeka, KS.)
desempenhava um papel importante nas neuroses. Muitas das mulheres relatavam essa forma de sedução por babás, pais e cuidadores, e Freud acreditava que as memórias reprimidas de traumas sexuais verdadeiros criavam sintomas neuróticos.
Todavia, no final da década de 1890, começou a reconsiderar essas visões, e acabou mudando sua forma de pensar. A idéia de que a sedução sexual por figuras parentais era uma fantasia começou a substituir sua teoria de que a sedução verdadeira era um fator patogênico importante nas neuroses. Essa mudança parecia ter sido influenciada pela própria auto-análise de Freud, na qual se convenceu de fantasias sexuais em si mesmo e em suas pacientes. Além disso, os relatos de abuso de algumas das pacientes pareciam tão fantásticos que ficava difícil distinguir a verdade da ficção nessas narrativas. Contudo, ao contrário de relatos recentes de seus críticos, ele nunca abandonou, de fato, a crença de que o incesto real era um fator que contribuía para a psicopatologia em adultos e, durante toda a sua carreira, reafirmou estar convencido de que os pais exerciam uma sedução sexual real sobre as crianças. Entretanto, enfatizava muito as fantasias sexuais infantis como a base de neuroses. Sua auto-análise também foi instrumental para que ele decifrasse os sonhos, levando, em 1900, ao seu trabalho mais monumental, A interpretação dos sonhos.
A INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS
FIGURA 6.1-8 Sigmund Freud com seus dois chow-chow em 1938. (Cortesia de Menninger Foundation Archives, Topeka, KS.)
Freud tomou consciência do significado dos sonhos quando observou que os pacientes muitas vezes relatavam seus sonhos no processo de associação livre. Por meio de associações com o conteúdo dos sonhos, compreendeu que os sonhos definitivamente tinham significado, mesmo que muitas vezes ocultos ou disfarçados. Acima de tudo, compreendeu a conexão íntima entre o conteúdo dos sonhos e as memórias ou fantasias inconscientes reprimidas por muito tempo. Essa observação o
TEORIAS DA PERSONALIDADE E
PSICOPATOLOGIA
225
FIGURA 6.1-9 O divã de Sigmund Freud em seu museu. (Cortesia de Menninger Foundation Archives, Topeka, KS.)
levou a declarar que a interpretação dos sonhos era o caminho real para se entender o inconsciente.
FIGURA 6.1-10 Joseph Breuer (1842-1925). (De Carson RC, Butcher JN, Coleman JC. Abnormal Psychology and Modern Life. 8th ed. Boston: Scott, Foresman, 1988:61. Copyright Culver Pictures.)
Em A interpretação dos sonhos, Freud afirmou que um sonho é a realização disfarçada de um desejo infantil inconsciente que não está facilmente acessível à consciência consciente no período em que ficamos acordados. Ao tentar caracterizar a psicologia dos sonhos, criou a base para a psicologia do ego. Sugeriu que os desejos infantis inconscientes somente podem ser transformados em manifestações conscientes disfarçadas se a mente tiver um censor. Este, atuando a serviço do ego, funciona para preservar o sono. Disfarçando pensamentos e sentimentos perturbadores, garante que o sono não seja perturbado. Além disso, a investigação de Freud acerca dos diferentes métodos de disfarce que o ego utiliza – por exemplo, deslocamento, condensação e representação simbólica – delineou formas precoces de mecanismos de defesa. Estabeleceram-se paralelos iniciais entre os mecanismos do sonho e os pensamentos patológicos de pacientes psicóticos no estado de vigília. A análise dos sonhos evoca o material que foi reprimido. Esses pensamentos e desejos inconscientes incluem estímulos sensoriais noturnos (impressões sensoriais como dor, fome, sede, urgência urinária), o resíduo do dia (pensamentos e idéias conectados a atividades e preocupações da vida da pessoa no período em que se acha acordada) e impulsos inaceitáveis reprimidos. Como o estado de sono bloqueia a mobilidade, o sonho proporciona gratificação parcial, mas limitada, do impulso reprimido que lhe dá vazão. Freud distinguiu duas camadas de conteúdo dos sonhos. O conteúdo manifesto refere-se àquilo que a pessoa consegue lembrar, e o conteúdo latente envolve os pensamentos e os desejos inconscientes que ameaçam acordar a pessoa. Ele descreveu as operações mentais inconscientes pelas quais o conteúdo latente dos sonhos se transforma em sonho manifesto, como o trabalho de sonho. Desejos e impulsos reprimidos devem se associar a ima-
226
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
gens neutras e inocentes para passar pelo escrutínio do censor do sonho. Esse processo envolve a seleção de imagens aparentemente insignificantes e triviais da experiência atual da pessoa, as quais estão dinamicamente associadas às imagens latentes lembradas em algum aspecto.
Afeto nos sonhos As emoções secundárias podem não aparecer nos sonhos ou ser experimentadas de modo um pouco alterado. Por exemplo, a raiva reprimida para com o próprio pai pode assumir a forma de uma leve irritação. Os sentimentos também podem aparecer como seus opostos.
Condensação Na condensação, diversos impulsos, desejos ou sentimentos inconscientes podem ser combinados e se conectar a um sonho manifesto. Por exemplo, um personagem pode aparecer em um sonho com um nome semelhante ao de uma pessoa da vida real, uma barba que se pareça com alguém ou um instrumento musical que reflita uma terceira pessoa. Deslocamento No deslocamento, a energia ou a intensidade associada a um objeto é desviada para um outro que seja de alguma forma relacionado, mas mais aceitável para o ego do indivíduo. Desejos assassinos para com a própria mãe, por exemplo, podem ser redirecionados para uma pessoa neutra ou insignificante. Assim, o censor do sonho desloca a energia afetiva de tal forma que o sono pode continuar sem ser perturbado. A projeção, um caso especial de deslocamento, envolve a atribuição de impulsos ou desejos inaceitáveis a outro personagem do sonho. Representação simbólica Freud observou que, ao sonhar, a pessoa muitas vezes representa idéias ou objetos que carregam uma pesada carga mediante imagens inocentes associadas de alguma forma à idéia ou ao objeto representado. Dessa forma, um conceito abstrato ou um conjunto complexo de sentimentos para com uma pessoa pode ser simbolizado por uma imagem simples, concreta ou sensorial. Freud observou que os símbolos têm significados inconscientes que podem ser compreendidos por meio das associações do paciente, apesar de também acreditar que certos símbolos têm significados universais. Revisão secundária Os mecanismos de condensação, deslocamento e representação simbólica são característicos de um tipo de pensamento que Freud chamava de processo primário. Esse modo primitivo de atividade cognitiva é caracterizado por imagens ilógicas, bizarras e absurdas, que parecem incoerentes. Ele acreditava que um aspecto mais maduro e razoável do ego opera durante os sonhos para organizar aspectos primitivos em uma forma mais coerente. A revisão secundária é o nome dado a esse processo, no qual os sonhos se tornam um pouco mais racionais. Ele está relacionado à atividade amadurecida que é característica do estado de vigília, a qual foi denominada processo secundário.
Sonhos ansiosos A teoria dos sonhos precedeu desenvolvimento de uma teoria abrangente do ego. Assim, o entendimento acerca dos sonhos enfatiza a importância de descarregar impulsos ou desejos por meio do seu conteúdo alucinatório. Freud acreditava que mecanismos como a condensação, o deslocamento, a representação simbólica, a projeção e a revisão secundária facilitavam a descarga de impulsos latentes, em vez de proteger os sonhos da ansiedade e da dor. Postulou que os sonhos ansiosos refletiam um fracasso da função protetora dos mecanismos do mundo dos sonhos. Em outras palavras, os impulsos reprimidos conseguiam chegar ao conteúdo manifesto de forma mais ou menos reconhecível. Sonhos punitivos Os sonhos em que as pessoas experimentam punição representaram um desafio especial para Freud, pois pareciam ser uma exceção à sua teoria da realização dos desejos nos sonhos. Ele não conseguia entender que pudessem refletir uma concessão entre o desejo reprimido e a consciência ou a entidade repressora. Em um sonho punitivo, o ego prevê a condenação por parte da consciência quando impulsos inaceitáveis latentes são expressos de forma direta em seu conteúdo manifesto. Assim, o desejo de punição por parte da consciência do paciente é satisfeito permitindo-se a expressão de fantasias punitivas. O MODELO TOPOGRÁFICO DA MENTE A publicação de A interpretação dos sonhos, em 1900, abriu caminho para o modelo topográfico da mente, no qual Freud dividiu a mente em três regiões: o sistema consciente, o sistema pré-consciente e o sistema inconsciente. Cada um possui suas próprias características. O consciente O sistema consciente do modelo topográfico de Freud é a parte da mente em que as percepções que provêm do mundo externo ou interior do corpo ou da mente são trazidas à consciência, a qual é um fenômeno subjetivo, cujo conteúdo somente pode ser comunicado por meio da linguagem ou do comportamento. Freud pressupunha que a consciência usava uma forma de energia psíquica neutralizada, que chamava de catexe da atenção. Em outras palavras, as pessoas têm noção de determinada idéia ou senti-
TEORIAS DA PERSONALIDADE E
mento pelo fato de investirem uma quantidade discreta de energia psíquica em ambos. O pré-consciente O sistema pré-consciente compreende eventos, processos e conteúdos mentais que podem ser trazidos à consciência pelo ato de concentrar a atenção. Embora a maioria das pessoas não esteja consciente da aparência de seu professor da primeira série, podem trazer essa imagem à mente concentrando sua atenção deliberadamente na memória. Do ponto de vista conceitual, o préconsciente representa uma interface entre as regiões inconsciente e consciente da mente. Para chegar à consciência consciente, o conteúdo do inconsciente deve ser relacionado a palavras e, assim, se tornar pré-consciente. Este também serve para manter a barreira repressiva e para censurar desejos e vontades inaceitáveis. O inconsciente O sistema inconsciente é dinâmico. Seus conteúdos e processos mentais são mantidos fora da consciência consciente por meio das forças de censura ou repressão. O inconsciente está intimamente relacionado a impulsos instintivos. Nesse ponto da teoria do desenvolvimento de Freud, acreditava-se que os instintos constituíam-se de impulsos sexuais e autoprotetores, e que o inconsciente continha principalmente as representações mentais e derivativas do instinto sexual. Seu conteúdo se limita a desejos que buscam ser realizados, os quais proporcionam a motivação para a formação de sonhos e sintomas neuróticos. Atualmente, essa visão é considerada reducionista. O sistema inconsciente se caracteriza pelo pensamento de processo primário, que visa principalmente a facilitar a realização de desejos e a liberação de instintos. É governado pelo princípio do prazer e, portanto, desconsidera conexões lógicas, não tem uma concepção de tempo, representa os desejos como realizações, permite que contradições ocorram simultaneamente e nega a existência de elementos negativos. O processo primário também se caracteriza pela mobilidade extrema da catexe do impulso, de modo que o investimento de energia psíquica possa mudar de objeto para objeto sem oposição. As memórias do inconsciente foram separadas de sua associação a símbolos verbais. Assim, quando as palavras são reaplicadas em traços esquecidos da memória, como ocorre no tratamento psicanalítico, a recatexe verbal permite que as memórias atinjam a consciência novamente. O conteúdo do inconsciente só pode se tornar consciente passando pelo pré-consciente. Quando os censores prevalecem, os elementos entram na consciência.
PSICOPATOLOGIA
227
timentos ou pensamentos perturbadores inicialmente não estão acessíveis à consciência. Assim, a repressão não pode ser idêntica para o pré-consciente, pois, por definição, essa região da mente é acessível à consciência. Segundo, os pacientes de Freud freqüentemente demonstravam uma necessidade inconsciente de punição. Essa observação clínica tornava improvável que a entidade moral que buscava punição pudesse estar aliada às forças instintivas disponíveis à consciência no pré-consciente. Essas dificuldades levaram Freud a descartar a teoria topográfica, mas certos conceitos continuam a ser úteis, particularmente os processos primários e secundários de pensamento, a importância fundamental da realização de desejos, a existência de um inconsciente dinâmico e a tendência de regressão em condições de frustração. TEORIA DO INSTINTO OU PULSÃO Após o desenvolvimento do modelo topográfico, Freud voltou sua atenção para as complexidades da teoria das pulsões. Estava determinado a ancorar sua teoria psicológica na biologia, e sua escolha levou a dificuldades terminológicas e conceituais quando utilizou termos derivados da biologia para denotar construtos psicológicos. Instinto, por exemplo, refere-se a um padrão de comportamento específico derivado geneticamente e, portanto, mais ou menos independente da aprendizagem. Todavia, pesquisas modernas demonstrando que os padrões instintivos são modificados por meio da aprendizagem experimental tornaram essa teoria problemática. Também havia confusão com a ambigüidade inerente em um conceito situado na fronteira entre o biológico e o psicológico: será que o aspecto da representação mental do termo e o seu componente fisiológico devem ser integrados ou separados? Mesmo que o termo pulsão possa estar mais próximo da acepção de Freud do que instinto, no uso contemporâneo, ambos os termos costumam ser usados de forma alternada. Segundo Freud, um instinto apresenta quatro características principais: fonte, ímpeto, objetivo e objeto. A fonte se refere à parte do corpo da qual surge o instinto. O ímpeto está associado à quantidade de força ou intensidade associada ao instinto. O objetivo se refere a qualquer ação dirigida para a liberação de tensão ou satisfação, e o objeto é o alvo (normalmente uma pessoa) dessa ação. Instintos Libido. A libido foi definida como “a força mediante a qual o instinto sexual é representado na mente”. Sua associação com a sexualidade é um pouco enganosa. A intenção de Freud era abranger a noção geral de prazer e sexualidade, e incluir os fundamentos fisiológicos e as representações mentais. A relação entre a sexualidade genital e a libido era considerada o resultado final de um curso de desenvolvimento no qual a expressão libidinal assume uma variedade de formas.
Limitações da teoria topográfica Freud logo compreendeu que duas deficiências importantes da teoria topográfica limitavam sua utilidade. Primeiro, os mecanismos de defesa que protegem muitos pacientes contra desejos, sen-
Instintos do ego. A partir de 1905, Freud defendeu uma teoria do instinto em duas partes, agrupando instintos sexuais e do ego conectados à autopreservação. Até 1914, com a publicação de Sobre narcisismo, ele havia prestado pouca atenção aos instin-
228
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
tos do ego. Todavia, nesse artigo, relacionou a libido com os instintos do ego pela primeira vez, postulando uma libido do ego e uma do objeto. Assim, considerava o investimento narcisista como um instinto essencialmente libidinoso e chamou os componentes não-sexuais restantes de instintos do ego.
Instintos de vida e morte. Antes de designar a agressividade como um instinto à parte, Freud, em 1920, reuniu os instintos do ego em uma categoria mais ampla, sobrepostos aos instintos de morte, chamados de eros e tanatos em Para além do princípio do prazer. Os instintos de vida e de morte eram considerados as forças subjacentes aos instintos sexuais e agressivos. Embora Freud não conseguisse apresentar dados clínicos que verificassem o instinto de morte diretamente, pensava que o mesmo poderia ser inferido pela observação da compulsão de repetição, a tendência da pessoa em repetir comportamentos traumáticos passados. Freud acreditava que a força dominante nos organismos biológicos tinha de ser o instinto de morte. Ao contrário deste, eros (o instinto de vida) refere-se à tendência de partículas se reunirem ou conectarem, como na reprodução sexuada. A visão que prevalece atualmente é a de que os instintos duplos da sexualidade e da agressividade já são suficientes para explicar a maior parte dos fenômenos clínicos, sem a necessidade de se recorrer a um instinto de morte.
Em primeiro lugar, ampliou a definição de sexualidade para incluir formas de prazer que transcendem a sexualidade genital. Em segundo, estabeleceu uma teoria do desenvolvimento para a sexualidade infantil que descreve as vicissitudes da atividade erótica do nascimento à puberdade. Em terceiro, apresentou uma ligação conceitual entre neuroses e perversões. A noção de que as crianças são influenciadas por impulsos sexuais fez com que as pessoas relutassem em aceitar a psicanálise. Freud observou que os bebês têm atividade sexual desde o nascimento, mas suas primeiras manifestações são basicamente não-sexuais e associadas a funções corporais como a alimentação e o controle da bexiga e do intestino. À medida que a energia da libido muda da zona oral para a zona anal e para a zona fálica, acredita-se que cada estágio do desenvolvimento se baseie e reúna as realizações do estágio anterior. O estágio oral, que ocupa os primeiros 12 a 18 meses de vida, é centrado na boca e nos lábios e se manifesta nos comportamentos de mastigar, morder e chupar. A atividade erótica dominante do estágio anal, de 18 a 36 meses de idade, envolve o funcionamento e o controle do intestino. O estágio fálico, de 3 a 5 anos de vida, concentra-se inicialmente na urinação como fonte da atividade erótica. Freud sugeriu que a atividade erótica fálica em meninos é um estágio preliminar que leva à atividade genital adulta. Enquanto o pênis permanece sendo o principal órgão sexual durante o desenvolvimento psicossexual masculino, postulou-se que as mulheres têm duas zonas erotogênicas principais, a vagina e o clitóris. Freud acreditava que este era o principal foco erotogênico durante o período vaginal infantil, mas que a primazia erótica passaria para a vagina após a puberdade. Estudos subseqüentes da sexualidade humana questionaram a validade dessa distinção. Freud descobriu que, nas psiconeuroses, apenas um número limitado dos impulsos sexuais que haviam sido reprimidos e eram responsáveis por criar e manter os sintomas neuróticos era normal. Na maior parte, eram mesmos impulsos que apresentavam expressão explícita nas perversões. Dessa forma, as neuroses seriam o negativo das perversões.
Os princípios de prazer e realidade
Relações de objeto na teoria do instinto
Em 1911, Freud descreveu os princípios básicos do funcionamento mental, o princípio do prazer e o princípio da realidade. Essencialmente, remodelou a dicotomia do processo primário e secundário nesses princípios e, assim, deu um passo importante para solidificar a noção do ego. Ambos, na visão de Freud, são aspectos do funcionamento do ego. O princípio do prazer é definido como uma tendência inata do organismo a evitar a dor e a buscar o prazer por meio da liberação da tensão. O princípio da realidade, por outro lado, é considerado uma função aprendida, intimamente relacionada à maturação do ego. Esse princípio modifica o princípio do prazer e exige que a gratificação imediata seja retardada ou postergada.
Freud sugeriu que a escolha de um objeto de amor na vida adulta, o próprio relacionamento amoroso e a natureza de todas as outras relações de objeto dependem principalmente da natureza e da qualidade dos relacionamentos das crianças durante os primeiros anos de vida. Ao descrever as fases libidinais do desenvolvimento psicossexual, ele se referiu repetidamente ao significado dos relacionamentos da criança com os pais e com outras pessoas importantes em seu ambiente. A consciência do mundo externo dos objetos desenvolve-se de forma gradual nos bebês. Logo após o nascimento, eles têm consciência principalmente das sensações físicas, como a fome, o frio e a dor, que dão vazão à tensão, e seus cuidadores são vistos principalmente como pessoas que aliviam essa tensão ou removem os estímulos dolorosos. Entretanto, pesquisas recentes com bebês sugerem que a consciência em relação às outras pessoas começa muito antes do que Freud acreditava. A Tabela 6.1-1 apresenta um resumo dos estágios do desenvolvimento psicossexual e
Agressividade. Quando os psicanalistas discutem atualmente a teoria dupla do instinto, em geral estão se referindo à libido e à agressividade. Contudo, Freud conceitualizou a agressividade originalmente como um componente dos instintos sexuais na forma de sadismo. À medida que entendeu que o sadismo possuía aspectos não-sexuais, fez ajustes mais específicos, que propiciaram a categorização da agressividade e do ódio como parte dos instintos do ego e os aspectos libidinosos do sadismo como componentes dos instintos sexuais. Por fim, em 1923, para explicar os dados clínicos que estava observando, foi levado a conceber a agressividade como um instinto separado. Sua fonte, segundo Freud, estava nos músculos esqueléticos, e o objetivo dos instintos agressivos era a destruição.
Sexualidade infantil Freud estabeleceu os três principais fundamentos da teoria psicanalítica quando publicou Três ensaios sobre a teoria da sexualidade.
TEORIAS DA PERSONALIDADE E
PSICOPATOLOGIA
229
TABELA 6.1-1 Estágios do desenvolvimento psicossexual Estágio oral Definição
Descrição
É o primeiro estágio do desenvolvimento, no qual as necessidades, as percepções e os modos de expressão do bebê estão centrados principalmente na boca, nos lábios, na língua e em outros órgãos relacionados à zona oral. A zona oral mantém seu papel dominante na organização da psique até aproximadamente os primeiros 18 meses de vida. As sensações orais incluem sede, fome, estímulos táteis prazerosos evocados pelos mamilos ou os substitutos, sensações relacionadas por ato de engolir ou à saciedade. Os impulsos orais consistem de dois componentes separados: libidinais e agressivos. Estados de tensão oral levam à busca de gratificação oral, representada por tranqüilidade ao final da amamentação. A tríade oral consiste do desejo de comer, de dormir e de alcançar o relaxamento que ocorre ao final da amamentação, pouco antes de dormir. Acredita-se que as necessidades libidinais (erotismo oral) predominem nas primeiras partes da fase oral e, posteriormente, sejam associadas a componentes mais agressivos (sadismo oral). A agressividade oral pode se expressar na forma de mordidas, mastigação, cuspidas ou pelo choro, e está relacionada a fantasias e desejos primitivos de morder, devorar e destruir.
Objetivos
Traços patológicos
Traços de caráter
Estabelecer um relacionamento de dependência com sujeitos que proporcionam nutrição e sustento, obter uma expressão confortável e a gratificação de necessidades libidinais orais sem conflitos excessivos ou ambivalência com desejos sádicos orais. Gratificações ou privações orais excessivas podem resultar em fixações libidinais que contribuem para traços patológicos. Esses traços podem incluir otimismo excessivo, narcisismo, pessimismo (visto normalmente em estados depressivos) e exigências. O indivíduo com carácter oral costuma ser excessivamente dependente e necessitar que outras pessoas sejam solícitas e cuidem dele. Indivíduos assim querem ser alimentados, mas podem ser excepcionalmente solícitos para obter algo em retorno. Costumam ser extremamente dependentes de objetos para a manutenção de sua auto-estima. A inveja e o ciúme muitas vezes estão associados a traços orais. A resolução bem-sucedida da fase oral proporciona uma base para a estrutura do caráter em relação às capacidades de dar e receber sem dependência excessiva ou inveja, além da capacidade de contar com os outros com confiança e um sentido de independência e autoconfiança.
Estágio anal Definição
Descrição
Estágio do desenvolvimento psicossexual motivado pela maturação do controle neuromuscular sobre os esfincteres, particularmente anais, permitindo, assim, um controle mais voluntário sobre a retenção e a expulsão de fezes. Esse período, que se estende de aproximadamente 1 a 3 anos de idade, é marcado por uma intensificação visível em impulsos agressivos, associados a componentes libidinais, e em impulsos sádicos. A aquisição do controle voluntário dos esfincteres está relacionada a uma mudança da passividade para a atividade. Os conflitos em relação ao controle anal e a disputa com os pais sobre manter ou expelir as fezes no treinamento para o controle dos esfincteres dão vazão a um aumento em ambivalência, juntamente com uma disputa quanto à separação, à individuação e à independência. O erotismo anal refere-se ao prazer sexual no funcionamento anal, tanto em reter as preciosas fezes quanto em apresentá-las como um precioso presente para os pais. O sadismo anal implica a relação entre a expressão de desejos agressivos e a liberação das fezes como armas poderosas e destrutivas.
Objetivos
Traços patológicos
Traços de caráter
O período anal é essencialmente um momento de busca por independência e separação da dependência e do controle dos pais. Os objetivos do controle dos esfincteres sem exagero (retenção fecal) ou perda do controle são representados pelas tentativas da criança em alcançar autonomia e independência sem vergonha ou dúvidas excessivas pela perda do controle. Traços de caráter mal-adaptativos, muitas vezes aparentemente inconsistentes, são derivados do erotismo anal e das defesas contra ele. Organização, obstinação, teimosia, intencionalidade, frugalidade e parcimônia são aspectos do caráter anal derivados da fixação em funções anais. Quando as defesas contra esses traços são menos efetivas, o caráter anal revela traços de maior ambivalência, falta de asseio, desordem, desafio, raiva e tendências sadomasoquistas. As características e defesas anais costumam ser vistas em neuroses obsessivo-compulsivas. A resolução bem-sucedida dessa fase proporciona a base para desenvolvimento da autonomia pessoal, capacidade de ter independência e iniciativa pessoal sem culpa, capacidade de autodeterminação sem vergonha ou dúvida, falta de ambivalência e capacidade de cooperação sem obstinação excessiva e sem um sentido de autodiminuição ou derrota.
Estágio uretral Definição
Descrição
Freud não tratou explicitamente desse estágio, mas o imaginou como um espaço de transição entre os estágios anal e fálico do desenvolvimento. Compartilha algumas das características do estágio anal anterior e outras do estágio fálico subseqüente. As características do estágio uretral muitas vezes estão incluídas nas do estágio fálico. Porém, o erotismo uretral é usado para se referir ao prazer em urinar, bem como na sua retenção, análoga à retenção anal. Existem questões semelhantes de desempenho e controle relacionadas ao funcionamento uretral que podem envolver uma qualidade sádica, muitas vezes refletindo a persistência de desejos anais sá-
Objetivos
Traços patológicos
dicos. A perda do controle uretral, como na enurese, pode ter um significado regressivo que reativa conflitos anais. Questões relacionadas ao controle, ao desempenho e à perda do controle uretral. Não está claro em que nível os objetivos do funcionamento uretral diferem dos do período anal. O traço uretral predominante é o da competitividade e da ambição, provavelmente relacionado à compensação pela vergonha da perda do controle uretral. Quando controlado, pode ser o começo do desenvolvimento da inveja do pênis, relacionado à sensação feminina de vergonha e inadequação por ser incapaz
(Continuação)
230
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 6.1-1 (Continuação)
Traços de caráter
de igualar o desempenho uretral masculino. Isso também está associado a questões de controle e vergonha. Além dos efeitos saudáveis análogos aos do período anal, o desempenho uretral proporciona um sentido de orgulho e autocompetência derivado da atuação
bem-sucedida. O desempenho uretral é uma área em que o menino pode imitar e igualar o desempenho mais adulto de seu pai. A resolução de conflitos uretrais estabelece o caminho para a formação da identidade de gênero e de outras identificações subseqüentes.
Estágio fálico Definição Descrição
Objetivos
Principia em algum momento durante o terceiro ano de vida e continua até por volta do final do quinto ano. A fase fálica caracteriza-se por uma concentração dos interesses, estímulos e excitação sexuais na área genital. O pênis torna-se o principal órgão de interesse para as crianças de ambos os sexos, sendo vista como castração a ausência do pênis nas meninas. A fase fálica é associada com um aumento da masturbação genital acompanhada por fantasias predominantemente inconscientes de envolvimento sexual com o genitor do sexo oposto. A ameaça e a ansiedade de castração surgem em conexão com a culpa envolvendo a masturbação e os desejos edipianos. Durante essa fase, o envolvimento e o conflito edipianos são estabelecidos e consolidados. O objetivo dessa fase é concentrar o interesse erótico na área genital e em suas funções. Esse foco forma as bases para a identidade de gênero e serve para integrar os resíduos de estágios anteriores do desenvolvimento psicossexual em uma orientação predominantemente genital-sexual. O estabelecimento da situação edipiana é essencial para promover identificações subseqüentes que servirão como modelo para dimensões importantes e duradouras da organização do caráter.
Traços patológicos
Traços de caráter
A derivação de traços patológicos do envolvimento fálico-edipiano é suficientemente complexa e está sujeita a uma variedade tão grande de modificações que abrange quase todo o desenvolvimento neurótico. Contudo, as questões se concentram na castração, nos homens, e na inveja do pênis, nas mulheres. Outro foco importante de distorções evolutivas nesse período deriva dos padrões de identificação que se desenvolvem com a resolução do complexo de Édipo. A influência da ansiedade de castração e da inveja do pênis, as defesas contra ambas e os padrões de identificação que surgem na fase fálica são os principais determinantes do desenvolvimento do caráter humano, e também reúnem e integram os resíduos dos estágios psicossexuais anteriores, de modo que as fixações e os conflitos derivados de qualquer um deles podem afetar e modificar a resolução edipiana. O estágio fálico proporciona as bases para o sentido emergente de identidade sexual, curiosidade sem vergonha, iniciativa sem culpa, bem como um sentido de domínio não apenas sobre objetos e pessoas do ambiente, mas também sobre processos e impulsos internos. A resolução do conflito edipiano ao final deste período mobiliza poderosos recursos internos e seu direcionamento para finalidades construtivas. Essa fonte interna de regulação é o superego, e se baseia em identificações derivadas principalmente das figuras parentais.
Estágio de latência Definição
Descrição
Objetivos
Estágio de relativa tranqüilidade ou inatividade do impulso sexual durante o período da resolução do complexo de Édipo até a puberdade (de 5 a 6 anos até 11 a 13 anos). A instituição do superego ao final do período edipiano e a maturação das funções do ego permitem um controle significativamente maior dos impulsos instintivos. Os interesses sexuais durante esse período normalmente são considerados calmos. É um período de contatos principalmente homossexuais para meninos e meninas, e de sublimação de energias libidinais e agressivas em uma aprendizagem energética e atividades lúdicas, exploração do ambiente e mobilização para se tornar mais proficiente ao lidar com o mundo de coisas e pessoas ao seu redor. Compreende uma fase do desenvolvimento de importantes habilidades. A força relativa de elementos regulatórios muitas vezes dá vazão a padrões de comportamento obsessivos e controladores. O principal objetivo desse período é a integração das identificações edipianas e a consolidação da identidade e dos papéis sexuais. A relativa calma e controle dos impulsos sexuais permite o desenvolvimento do aparato do ego e de habilidades de autocontrole. Outros componentes de identificação podem ser acrescentados aos edipianos, com base na ampliação de contatos com pessoas significativas fora da família, como professores, instrutores e outros adultos.
Traços patológicos
Traços de caráter
O perigo do período de latência pode surgir da falta de desenvolvimento de controles internos ou do seu excesso. A falta de controle pode levar a criança a não sublimar suas energias de maneira suficiente a favor da aprendizagem e do desenvolvimento de habilidades. Por outro lado, o excesso de controle interno pode levar ao final prematuro do desenvolvimento da personalidade e à elaboração precoce de traços de caráter obsessivos. O período de latência costuma ser visto como uma fase de inatividade relativamente desimportante no esquema do desenvolvimento. Ultimamente, os processos evolutivos que ocorrem nesse período têm recebido bastante atenção, e importantes consolidações e adições foram feitas às identificações pósedipianas básicas. É o período para integrar e consolidar as realizações anteriores no desenvolvimento psicossexual e de estabelecer padrões decisivos de funcionamento adaptativo. A criança pode desenvolver um sentido de iniciativa e a capacidade de dominar objetos e conceitos que permitam o funcionamento autônomo com um sentido de iniciativa sem correr o risco de fracasso ou derrota ou sensação de inferioridade. Essas realizações importantes devem ser integradas, como a base essencial para uma vida adulta madura, à satisfação no trabalho e no amor.
(Continua)
TEORIAS DA PERSONALIDADE E
PSICOPATOLOGIA
231
TABELA 6.1-1 (Continuação) Estágio genital Definição
Descrição
Objetivos
A fase genital ou adolescente do desenvolvimento psicossexual estende-se do início da puberdade, de 11 a 13 anos, até que o indivíduo atinja a idade adulta jovem. Atualmente, existe uma tendência a subdividir esse estágio em períodos de pré-adolescência, adolescência inicial, adolescência média, adolescência tardia e até pós-adolescência. A maturação fisiológica dos sistemas de funcionamento genital (sexual) e dos sistemas auxiliares de hormônios leva a uma intensificação dos impulsos, particularmente dos libidinais. Isso causa uma regressão na organização da personalidade, que revalida conflitos de estágios anteriores e possibilita uma nova resolução desses conflitos no contexto de uma identidade sexual e adulta madura. Os principais objetivos são a separação final da dependência e do apego aos pais e o estabelecimento de relações de objeto maduras e não-incestuosas. Relacionado a isso, há a obtenção de um sentido de identidade e aceitação pessoal e a integração de um conjunto de papéis e funções adultas que permitam novas integrações adaptativas com expectativas sociais e valores culturais.
Traços patológicos
Traços de caráter
Os desvios patológicos que ocorrem em decorrência da falta de uma resolução desse estágio de desenvolvimento são inúmeros e complexos. Podem surgir defeitos a partir de todo o espectro de resíduos psicossexuais, pois a tarefa evolutiva do período adolescente é, de certa forma, uma reabertura parcial e o retrabalho e a reintegração de todos esses aspectos do desenvolvimento. Resoluções e fixações malsucedidas em várias fases ou aspectos do desenvolvimento psicossexual produzirão defeitos patológicos na personalidade adulta emergente. Um problema mais específico na resolução de questões adolescentes foi descrito por Erik Erikson como difusão de identidade. A resolução e a reintegração bem-sucedidas de estágios psicossexuais anteriores na fase adolescente genital abre caminho para uma personalidade completamente madura, com a capacidade de potência genital total e satisfatória e um sentido de identidade sólida e integrada ao self. A pessoa atinge uma capacidade positiva de auto-realização e participação significativa nas áreas do trabalho e do amor e sua aplicação criativa e produtiva para objetivos e valores satisfatórios e significativos. Somente nos últimos anos, a suposta relação entre a genitalidade psicossexual e a maturidade do funcionamento da personalidade foi questionada.
Adaptada de Glen O. Gabbard, M.D., de Meissner WW. Theories of personality and psychopathology. In: Kaplan HI, Sadock BJ, eds. Comprehensive Textbook of Psychiatry. 4th ed. Vol. 1. Baltimore: Williams & Wilkins, 1985:360.
as relações de objeto associadas a cada estágio. Embora a tabela só chegue até a idade adulta jovem, hoje se reconhece que o desenvolvimento continua durante toda a vida adulta. O conceito de narcisismo Segundo o mito grego, Narciso, um belo jovem, apaixonou-se por seu reflexo na água de um lago e se afogou ao tentar abraçar sua linda imagem. Freud usou o termo narcisismo para descrever situações em que a libido está voltada para o próprio ego, e não para outras pessoas. Esse conceito causou incômodos para sua teoria do instinto e essencialmente violou sua distinção entre instintos libidinais e instintos do ego ou de autopreservação. A compreensão de Freud o levou a usar o termo para descrever uma ampla variedade de transtornos psiquiátricos, em nítida oposição ao uso contemporâneo, que descreve um transtorno específico da personalidade. Ele tratou vários transtornos em conjunto como neuroses narcisísticas, nas quais a libido é deslocada dos objetos e voltada internamente. Acreditava que esse afastamento do apego libidinal por objetos explicava a perda da capacidade de testar a realidade verificada em pacientes psicóticos. A grandiosidade e a onipotência destes refletiriam o investimento libidinal excessivo no ego. O conceito de narcisismo não se limitou às psicoses. Em estados de doença física e hipocondria, Freud observou que o investimento libidinal muitas vezes é afastado dos objetos externos e de atividades e interesses exteriores. De maneira semelhante, su-
geriu que, no sono normal, a libido também é afastada e redirecionada para o próprio corpo da pessoa. Ele considerava o homossexualismo como exemplo de uma forma narcisista de escolha de objetos, na qual as pessoas se apaixonam por uma versão idealizada de si mesmas, que é projetada em outra pessoa. Também encontrou manifestações narcisistas nas crenças e nos mitos de povos primitivos, especialmente naqueles que envolvem a capacidade de influenciar eventos externos por meio da onipotência mágica dos processos de pensamento. No curso do desenvolvimento normal, as crianças também exibem essa crença em sua própria onipotência. Postulou-se um estado de narcisismo primário no nascimento, no qual a libido é armazenada no ego. Freud considerava que o recém-nascido era completamente narcisista, com todo o investimento libidinal voltado para as necessidades fisiológicas e sua satisfação. Ele se referia a esse auto-investimento como libido do ego. O estado infantil de auto-absorção muda gradualmente, segundo Freud, com a consciência cada vez mais clara de que uma pessoa separada – a figura da mãe – é responsável por gratificar as necessidades do bebê. Essa compreensão leva à dissociação gradual entre a libido e o self e o redirecionamento dessa para o objeto externo. Assim, o desenvolvimento de relações de objeto em bebês acompanha a mudança do narcisismo primário para o apego por objetos. O investimento libidinal no objeto é chamado de libido objetal. Se uma criança sofre repulsa ou traumas pela figura do cuidador, a libido objetal pode se retrair e ser reinvestida no ego. Freud chamou essa postura regressiva de narcisismo secundário.
DE PSIQUIATRIA
Consciente*
O
O termo narcisismo serviu para descrever muitas dimensões diferentes da experiência humana. Às vezes, era usado para se referir a uma perversão na qual as pessoas usavam seu próprio corpo ou partes do mesmo como objetos de excitação sexual. Em outros casos, Freud usou o termo para descrever uma fase do desenvolvimento, como no estado de narcisismo primário. Em outros casos, ainda, estava associado à escolha de determinado objeto. Freud distinguiu os objetos do amor que são escolhidos “segundo um tipo narcisista”, em cujo caso o objeto se parece com a auto-imagem, idealizada ou fantasiada pelo sujeito, de objetos escolhidos segundo o “anaclítico”, no qual o objeto de amor lembra um cuidador do início da vida. Por fim, narcisismo foi também empregado como sinônimo para auto-estima.
G
COMPÊNDIO
E
232
Inconsciente
Id
S U P E R E G O
Consciente Inconsciente
*O pré-consciente foi excluído em favor da simplicidade.
FIGURA 6.1-11 Modelo estrutural de Freud. (Reimpressa, com permissão, de Gabbard, GO. Psychodynamic Psychiatry in Clinical Practice: The DSM-IV Edition. Washington, DC: American Psychiatric Press, 1994:31.)
A PSICOLOGIA DO EGO Embora Freud tenha usado o construto do ego no decorrer da evolução da teoria psicanalítica, a psicologia do ego, como se conhece atualmente, começou realmente com a publicação, em 1923, de O ego e o id. Esse marco também representou uma transição no pensamento de Freud, do modelo topográfico da mente para o modelo estrutural tripartite do ego, do id e do superego. Ele havia observado repetidas vezes que nem todos os processos inconscientes podem ser relegados à vida instintiva do indivíduo. Alguns elementos da consciência, bem como funções do ego, também são claramente inconscientes. A teoria estrutural da mente O modelo estrutural do aparato psíquico é a pedra fundamental da psicologia do ego. As três entidades – id, ego e superego – são distinguidas segundo suas diferentes funções (Fig. 6.1-11). Id. Freud usou o termo id para se referir a uma variedade de impulsos instintivos desorganizados. Operando sob o domínio do processo primário, o id não tem a capacidade de protelar ou modificar os impulsos instintivos que nascem com o bebê. Porém, não deve ser considerado sinônimo do inconsciente, pois tanto o ego quanto o superego têm componentes inconscientes.
que, inicialmente, ocorrem conflitos entre o id e o mundo exterior, para serem, posteriormente, transformados em conflitos entre o id e o ego. O terceiro componente do modelo estrutural tripartite é o superego, o qual estabelece e mantém a consciência moral do indivíduo com base em um complexo sistema internalizado de ideais e valores dos pais. Freud considerava o superego como o herdeiro do complexo de Édipo. As crianças internalizam os valores e os padrões de seus pais por volta dos 5 ou 6 anos de idade. O superego então serve como uma entidade que proporciona um escrutínio íntimo dos comportamentos, pensamentos e sentimentos da pessoa, faz comparações com padrões de comportamento esperados e oferece aprovação ou desaprovação. Essas atividades ocorrem de forma amplamente inconsciente. O ego ideal costuma ser visto como um componente do superego. Trata-se de uma entidade que prescreve o que a pessoa deve fazer, conforme padrões e valores internalizados. O superego, por sua vez, está implicado na consciência moral que proscreve – isto é, dita o que não se deve fazer. No decorrer do período de latência e a partir dele, as pessoas continuam a se modelar com base em identificações anteriores, por meio de seu contato com figuras que admiram e que contribuem para a formação de padrões morais, aspirações e ideais. Funções do ego
Ego. O ego cobre todas as três dimensões topográficas do consciente, pré-consciente e inconsciente. O pensamento lógico e abstrato e a expressão verbal estão associados às funções conscientes e pré-conscientes do ego. Os mecanismos de defesa residem no domínio inconsciente do ego, que é o órgão executivo da psique e controla a mobilidade, a percepção, o contato com a realidade e, por meio dos mecanismos de defesa disponíveis, o retardo e a modulação na expressão de impulsos. Freud acreditava que o id era modificado como resultado do impacto do mundo externo sobre os impulsos. As pressões da realidade externa fazem com que o ego se aproprie das energias do id para fazer o seu trabalho. À medida que impõe as influências do mundo externo sobre o id, o ego simultaneamente substitui o princípio da realidade pelo princípio do prazer. Freud enfatizou o papel do conflito dentro do modelo estrutural e observou
Os psicólogos modernos do ego identificaram um conjunto de funções básicas que caracterizam suas operações. Essas descrições refletem as atividades do ego consideradas fundamentais. Controle e regulação de impulsos instintivos. O desenvolvimento da capacidade de retardar ou postergar a liberação de impulsos, assim como a capacidade de testar a realidade, está intimamente relacionado à progressão, na primeira infância, do princípio do prazer para o da realidade. Essa capacidade também é um aspecto essencial do papel do ego como mediador entre o id e o mundo exterior. Uma parte da socialização do bebê com o mundo externo é a aquisição da linguagem e do processo secundário, ou pensamento lógico.
TEORIAS DA PERSONALIDADE E
Raciocínio. Uma função intimamente relacionada com o ego é o raciocínio, que envolve a capacidade de antecipar as conseqüências de atos. Como no controle e na regulação de impulsos instintivos, o raciocínio se desenvolve em paralelo com a evolução do pensamento de processo secundário. A capacidade de pensar de forma lógica permite avaliar como o próprio comportamento pode afetar outras pessoas. Relação com a realidade. A mediação entre o mundo interno e a realidade é uma função crucial do ego. As relações com o mundo exterior podem ser divididas em três aspectos: sentido de realidade, teste da realidade e adaptação à realidade. O sentido de realidade se desenvolve juntamente com o despertar da consciência do bebê acerca de suas sensações corporais. A capacidade de distinguir o que está fora do corpo daquilo que está dentro é um aspecto essencial do sentido de realidade, e distúrbios dos limites do corpo, como a despersonalização, refletem limitações nessa função do ego. O teste da realidade, de importância fundamental, refere-se à capacidade de distinguir fantasias internas da realidade externa. Essa função diferencia pessoas psicóticas de não-psicóticas. A adaptação à realidade envolve a capacidade da pessoa em usar seus recursos para desenvolver respostas efetivas a mudanças nas circunstâncias, com base em experiências anteriores com a realidade. Relações de objeto. A capacidade de formar relacionamentos mutuamente satisfatórios está ligada, em parte, a padrões de internalização provenientes de interações prévias com os pais e com outras pessoas significativas. Essa capacidade também é uma tarefa fundamental do ego, no sentido de que a satisfação das relações depende da possibilidade de integrar aspectos positivos e negativos de outras pessoas e do self, e de manter um sentido interno das outras pessoas, mesmo em sua ausência. De maneira semelhante, o domínio dos derivados do impulso também é crucial para estabelecer relacionamentos satisfatórios. Embora Freud não tenha desenvolvido uma teoria de relações de objeto ampla, alguns psicanalistas britânicos, como Ronald Fairbain (18891964) e Michael Balint (1886-1970), trabalharam para aperfeiçoar os primeiros estágios das relações dos bebês com objetos que satisfazem suas necessidades e o desenvolvimento gradual de um sentido de separação da mãe. Outro psicanalista britânico, Donald W. Winnicott (1897-1971), descreveu o objeto transicional (p. ex., um cobertor, um ursinho de pelúcia, uma chupeta) como o elo entre as crianças e suas mães. A criança consegue se separar da mãe porque um objeto transicional proporciona sentimentos de segurança em sua ausência. Os estágios do desenvolvimento humano e da teoria das relações de objeto são resumidos na Figura 6.1-12. Função sintética. Descrita primeiramente por Herman Nunberg, em 1931, a função sintética refere-se à capacidade do ego de integrar diversos elementos em uma unidade geral. Aspectos diferentes do self e das outras pessoas, por exemplo, são sintetizados em uma representação coerente, que perdura ao longo do tempo. A função também envolve organizar, coordenar e generalizar ou simplificar grandes quantidades de dados. Funções autônomas primárias. Heinz Hartmann descreveu as chamadas funções autônomas primárias do ego como apa-
PSICOPATOLOGIA
233
ratos rudimentares presentes no nascimento que ocorrem independentemente de conflitos intrapsíquicos entre impulsos e defesas. Essas funções incluem a percepção, a aprendizagem, a inteligência, a intuição, a linguagem, o pensamento, a compreensão e a mobilidade. No decorrer do desenvolvimento, alguns desses aspectos do ego que não têm conflitos podem acabar por se envolver em um, mas terão uma evolução normal se o bebê for criado dentro do que Hartmann chamou de um ambiente esperado médio. Funções autônomas secundárias. Quando a esfera na qual a função autônoma primária se desenvolve é envolvida em um conflito, as chamadas funções autônomas secundárias do ego surgem como defesa contra os impulsos. Por exemplo, uma criança pode desenvolver funções de cuidador como uma formação de reação contra desejos assassinos durante os primeiros anos de vida. Posteriormente, as funções defensivas podem ser neutralizadas ou desinstintualizadas quando a criança crescer, tornando-se um assistente social e cuidando de pessoas sem-teto, por exemplo. Mecanismos de defesa Em cada fase do desenvolvimento libidinal, componentes específicos dos impulsos evocam defesas características do ego. A fase anal, por exemplo, está associada à formação de reações, manifestada pelo desenvolvimento de vergonha e aversão quanto a impulsos e prazeres anais. As defesas podem ser agrupadas de forma hierárquica segundo o grau relativo de maturidade a elas associado. As narcisistas são as mais primitivas e aparecem em crianças com perturbações psicóticas. As imaturas são vistas em adolescentes e em alguns pacientes não-psicóticos, e as defesas neuróticas são encontradas em pacientes obsessivo-compulsivos e histéricos, bem como em adultos submetidos a estresse. A Tabela 6.1-2 lista os mecanismos de defesa, conforme a classificação dos quatro tipos, segundo George Vaillant. Teoria da ansiedade Freud inicialmente conceitualizou a ansiedade como “libido reprimida”. Em outras palavras, um aumento fisiológico na tensão sexual leva a um aumento correspondente na libido, a representação mental do evento fisiológico (ver Cap. 18, para uma discussão sobre a neurastenia). As neuroses reais são causadas por esse acúmulo. Posteriormente, com o desenvolvimento do modelo estrutural, Freud desenvolveu uma nova teoria de um segundo tipo de ansiedade que chamou de ansiedade-sinal. Neste modelo, a ansiedade opera em um nível inconsciente e serve para mobilizar os recursos do ego a fim de evitar o perigo. Fontes internas e externas de perigo podem produzir um sinal que leva o ego a se utilizar de determinados mecanismos de defesa para se proteger ou reduzir a excitação instintiva. A teoria da ansiedade de Freud explica os sintomas neuróticos como o fracasso parcial do ego ao enfrentar estímulos perturbadores. Os derivados dos impulsos associados ao perigo podem
234
COMPÊNDIO
IDADE
DE PSIQUIATRIA
PSICOSSEXUAL
NASCIMENTO
DEFESAS DO EGO Projeção Incorporação* Negação
ORAL Deslocamento Reversão Voltar-se contra si mesmo
1
PSICOLOGIA DO EGO
SUPEREGO
Funções autônomas do ego
DIFERENCIAÇÃO IMITAÇÃO
Processo primário de prazer do ego
ANAL
Perda de objetos PRÁTICA
APROXIMAÇÃO
IDENTIFICAÇÕES
Identificação
Constância de objetos
SEPARAÇÃOINDIVIDUAÇÃO Autismo Simbiose
Matriz indiferenciada
2 Desfazer Formação de reação Isolamento Regressão
SITUAÇÕES DE PERIGO
com Limpeza e Controle
Perda do amor do objeto CONSTÂNCIA DE OBJETOS
3
4
FÁLICAEDIPIANA
Intelectualização
Processo secundário de realidade do ego
com Poder e Coragem
com Progenitor do mesmo sexo
5
SUPEREGO CONSOLIDADO
Repressão
6
Simbolização LATÊNCIA 7
Medo de castração, danos genitais
Sublimação
Mudança de função + autonomia secundária
Medo de punição e desaprovação do superego (culpa)
Superego “retrabalhado”
FIGURA 6.1-12 Linhas paralelas de desenvolvimento humano. O asterisco indica introjeção. (Reimpressa, com permissão, de Inderbitzin LB, Luke CM, James ME. Psychoanalytic psychotheraphy. In: Stoudemire A, ed. Human Behavior: An Introduction for Medical Students. Philadelphia: JB Lippincott, 1990:74.)
não ter sido contidos de forma adequada pelos mecanismos de defesa do ego. Por exemplo, nas fobias, Freud explicou que o medo de uma ameaça externa (p. ex., de cães e cobras) representa a externalização de um perigo interno. As situações de perigo também podem estar relacionadas a estágios evolutivos e, assim, estabelecer uma hierarquia evolutiva de ansiedade. A primeira situação de perigo é o medo de desintegração ou aniquilação, freqüentemente associado a preocupações
com a fusão com um objeto externo. À medida que os bebês amadurecem e reconhecem a figura da mãe como uma pessoa separada, a ansiedade de separação, ou o medo da perda do objeto, torna-se mais proeminente. Durante o estágio psicossexual edipiano, as meninas preocupam-se mais com o fato de perder o amor da figura mais importante de suas vidas, a mãe. Os meninos se sentem mais ansiosos com lesões corporais ou com a castração. Após a resolução do conflito edipiano, há uma forma mais
TEORIAS DA PERSONALIDADE E
PSICOPATOLOGIA
235
TABELA 6.1-2 Classificação dos mecanismos de defesa Defesas narcisistasa Negação
Distorção
Perceber e reagir a impulsos interiores inaceitáveis e a seus derivados como se estivessem fora do self. No nível psicótico, esse mecanismo de defesa assume a forma de delírios manifestados quanto à realidade externa (normalmente persecutórios) e inclui perceber os próprios sentimentos no outro e agir segundo tal percepção (delírios paranóides psicóticos). Os impulsos podem ser derivados do id ou do superego (recriminações alucinatórias), mas podem ser transformados nesse processo. Assim, segundo a análise de projeções paranóides de Freud, os impulsos libidinais homossexuais são transformados em ódio e projetados sobre o objeto do impulso homossexual inaceitável.
Evitar a consciência de algum aspecto doloroso da realidade negando dados sensoriais. Embora a repressão proteja contra afetos e derivados dos impulsos, a negação anula a realidade externa. Esse recurso pode ser usado em estados normais e patológicos. Moldar a realidade externa de forma grosseira para adequá-la às necessidades internas (incluindo crenças megalomaníacas irrealistas, alucinações, delírios auto-satisfatórios) e valer-se de sentimentos excessivos de superioridade ou merecimento delirante.
Defesas imaturas Atuação
Bloqueio
Hipocondria
Introjeção
Expressar um desejo ou impulso inconsciente por meio de atos para evitar ter consciência do afeto que o acompanha. A fantasia inconsciente é vivida de forma impulsiva no comportamento, gratificando o impulso, em vez de sua proibição. A atuação envolve ceder cronicamente a um impulso para evitar a tensão que resultaria de postergar sua expressão. Inibir o pensamento de forma temporária ou passageira. Afetos e impulsos também podem estar envolvidos. O bloqueio assemelha-se à repressão, mas difere no sentido de que ocorre tensão quando o impulso, o afeto ou o pensamento é inibido. Exagerar ou enfatizar demais uma doença com o propósito de evasão ou regressão. O opróbrio que acompanha uma perda, a solidão ou impulsos agressivos inaceitáveis para com outras pessoas é transformado em autocensura e queixas de dor, doenças somáticas e neurastenia. Com esse tipo de reação, podese evitar a responsabilidade e a culpa e repelir os impulsos instintivos. Como a hipocondria introjetada é alheia ao ego, a pessoa aflita experimenta disforia e aflição. Internalizar as qualidades de um objeto. Embora seja vital para o desenvolvimento, a introjeção também apresenta funções defensivas específicas. Quando usada como defesa, pode obliterar a distinção entre o sujeito e o objeto. Por meio da introjeção de um objeto amado, é possível evitar a consciência dolorosa da separação ou a ameaça de perda. A introjeção de um objeto temido serve para evitar a ansiedade quando as características agressivas do objeto são internalizadas, mantendo, assim, a agressividade sob controle. Um exemplo clássico é a identificação com o agressor, podendo ocorrer também com a vítima, na qual as qualidades autopunitivas dos objetos são adotadas e se estabelecem dentro do self como um sintoma ou traço de caráter.
Comportamento passivoagressivo Regressão
Fantasia esquizóide Somatização
Expressar agressividade para com outras pessoas indiretamente, por meio de passividade e masoquismo, e voltar-se contra si mesmo. Entre as manifestações de comportamento passivo-agressivo, estão o fracasso, a procrastinação e doenças que afetam outras pessoas mais do que a si mesmo. Tentar retornar a uma fase libidinal anterior de funcionamento para evitar a tensão e os conflitos evocados no nível atual de desenvolvimento. Reflete a tendência básica de obter gratificação dos instintos em um período menos desenvolvido. A regressão também é um fenômeno normal, pois uma certa quantidade dela é essencial para o relaxamento, o sono e o orgasmo na relação sexual. Também é considerada um concomitante essencial do processo criativo. Abandonar-se a um retraimento autista para resolver conflitos e obter gratificação. Evita-se a intimidade interpessoal, e a excentricidade serve para repelir as outras pessoas. O indivíduo não acredita totalmente nas fantasias e não insiste em atuá-las. Converter derivados psíquicos em sintomas corporais com tendência a reagir com manifestações somáticas, em vez de psíquicas. Na dessomatização, respostas somáticas infantis são substituídas por pensamentos e afetos. Nesse caso, a pessoa regride a formas somáticas anteriores ante conflitos irresolutos.
Defesas neuróticas Controle Deslocamento
Tentar administrar ou regular eventos ou objetos no ambiente para minimizar a ansiedade e resolver conflitos interiores. Deslocar uma emoção ou catexe de impulso de uma idéia ou objeto para outro que tenha alguma qualidade ou aspecto parecido com o original. O deslocamento permite a representação simbólica da idéia ou do objeto original por meio de um que seja menos catexizado ou que evoque menos perturbação.
Externalização
Tendência de perceber no mundo externo e em objetos externos elementos da própria personalidade, incluindo impulsos instintivos, conflitos, humores, atitudes e estilos de pensamento. Trata-se de um termo mais geral do que projeção.
Inibição
Limitar ou renunciar conscientemente a algumas funções do ego, isoladas ou em combinação, de maneira a evadir a ansiedade que surge de conflitos com impulsos instintivos, com o superego ou com forças ou figuras do ambiente.
(Continua)
236
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 6.1-2 (Continuação) Defesas neuróticas Intelectualização
Isolamento Racionalização Dissociação
Uso excessivo de processos intelectuais para evitar expressão ou experiência afetivas. Uma ênfase indevida concentra-se no inanimado para evitar a intimidade com pessoas, prestando-se atenção à realidade externa para evitar a expressão de sentimentos e enfatizando-se detalhes irrelevantes para evitar a percepção do todo. A intelectualização está intimamente ligada à racionalização. Desconectar ou separar uma idéia do afeto que a acompanha, mas que é reprimido. O isolamento social refere-se à ausência de relações de objeto. Oferecer explicações racionais na tentativa de justificar atitudes, crenças ou comportamentos que poderiam ser inaceitáveis. Em geral, esses motivos subjacentes são determinados de forma instintiva. Modificar o caráter ou o sentido de identidade pessoal de forma temporária, mas drástica, para evitar perturbações emocionais. Estados de fuga e reações de conversão histérica são manifestações comuns da dissociação, a qual também pode ser encontrada no comportamento contrafóbico, no transtorno dissociativo de identidade, no uso de estimulantes farmacológicos ou no êxtase religioso.
Formação de reações
Repressão
Sexualização
Transformar um impulso inaceitável em seu oposto. A formação de reações é característica de neuroses obsessivas, mas também pode ocorrer sob outras formas. Se esse mecanismo for usado com freqüência em um estágio inicial do desenvolvimento do ego, pode se tornar um traço de caráter permanente, como em um obsessivo. Expelir ou excluir uma idéia ou sentimento da consciência. A repressão primária refere-se à restrição de idéias e sentimentos antes que atinjam a consciência, e a secundária elimina da consciência aquilo que já foi experimentado no nível consciente. O reprimido não é realmente esquecido, pois pode haver comportamento simbólico. Essa defesa difere da supressão por efetuar a inibição consciente de impulsos a ponto de perder, e não apenas postergar, objetivos desejados. A percepção consciente de instintos e sentimentos é bloqueada na repressão. Conferir significação sexual a um objeto ou função que não a possuía anteriormente, a fim de evitar ansiedades associadas a impulsos proibidos ou seus derivados.
Defesas maduras Altruísmo
Antecipação
Asceticismo
Prestar serviço construtivo e instintivamente gratificante para outras pessoas para ter uma experiência vicária. Inclui a formação de reações benignas e construtivas. O altruísmo é distinguido da capitulação altruísta, na qual uma capitulação de gratificações diretas ou de necessidades instintivas ocorre para satisfazer necessidades de outras pessoas, em detrimento do self, e a satisfação somente pode ser gozada de forma vicária, por meio da introjeção. Antecipar ou planejar de forma realista futuros desconfortos interiores. O mecanismo é voltado para os objetivos e implica um planejamento minucioso ou preocupado, bem como a antecipação afetiva prematura, mas realista, de resultados negativos e potencialmente indesejados. Eliminar os efeitos prazerosos das experiências. Há um elemento moral na atribuição de valores a determinados prazeres. O indivíduo deriva gratificação da renúncia, e o asceticismo é direcionado contra todos os prazeres básicos percebidos de forma consciente.
Humor
Sublimação
Supressão
Usar o humor para expressar sentimentos e pensamentos abertamente sem desconforto ou imobilização pessoal e sem produzir um efeito desagradável em outras pessoas. Permite tolerar coisas que seriam terríveis demais para suportar de outra forma. Diferente do chiste, uma forma de deslocamento que envolve distrair-se da questão afetiva. Obter a gratificação de impulsos e a retenção de objetivos, mas alterando um objetivo ou um objeto socialmente objetável para um socialmente aceitável. A sublimação permite que os instintos sejam canalizados, em vez de bloqueados ou desviados. Sentimentos são reconhecidos, modificados e direcionados para um objeto ou objetivo significativo, e há uma satisfação modesta dos instintos. Postergar de forma consciente ou inconsciente a atenção a um impulso ou a um conflito consciente. Algumas questões podem ser deliberadamente excluídas, mas não são evitadas. O desconforto é reconhecido, mas minimizado.
aA
categorização dessas defesas como narcisistas é controversa. Muitos psicanalistas as reúnem sob a denominação de “Defesas imaturas”. Adaptada de Glen O. Gabbard, M.D., de Vaillant GE. Adaptation to Life. Boston: Little, Brown, 1977; Semrad E. The operation of ego defenses in object loss. In: Moriarily DM, ed. The Loss of Loved Ones. Springfield, IL: Charles C Thomas, 1967; Bibring GL, Dwyer TF, Huntington DS, Valenstein AA. A study of the psychological process in pregnancy and of the earliest mother-child relationship: methodological considerations. Psychoanal Stud Child. 1961,16:25.
madura de ansiedade, chamada de ansiedade do superego. A preocupação dessa idade de latência envolve o medo de que as representações parentais internalizadas, contidas no superego, deixem de amar ou punam a criança com veemência. O caráter Em 1913, Freud estabeleceu a distinção entre os sintomas neuróticos e os traços de personalidade ou caráter. Os sintomas neuróticos ocorrem como resultado da ausência de repressão. Os traços de caráter devem sua existência ao sucesso da repressão, ou seja, ao
sistema de defesa que alcança seu objetivo por meio de um padrão persistente de formação de reações e sublimação. Em 1923, Freud também observou que o ego somente consegue abrir mão de objetos importantes identificando-se com eles ou introjetando-os. Esse padrão acumulado de identificações e introjeções também contribui para a formação do caráter. Enfatizou-se especificamente a importância da formação do superego na construção do caráter. A psicanálise contemporânea considera o caráter o padrão habitual ou típico de adaptação do indivíduo a forças de impulsos internos e a forças ambientais externas. Os termos caráter e personalidade são usados como sinônimos e distinguidos do ego por
TEORIAS DA PERSONALIDADE E
se referirem a estilos de defesa e de comportamentos observáveis, em vez de sentimentos e pensamentos. O caráter também é influenciado pelo temperamento constitucional, pela interação entre forças de impulsos com defesas do ego e influências ambientais e por várias identificações e internalizações de outras pessoas ao longo da vida. O nível em que o ego desenvolve a capacidade de tolerar o retardo na liberação de impulsos e de neutralizar a energia instintiva determina o grau em que esses traços de caráter emergem posteriormente. O desenvolvimento exagerado de alguns deles em detrimento de outros pode ocasionar transtornos da personalidade ou produzir uma vulnerabilidade ou predisposição a psicoses. TEORIA PSICANALÍTICA CLÁSSICA DAS NEUROSES A visão clássica da gênese das neuroses considera os conflitos essenciais. Pode ocorrer um conflito entre impulsos instintivos e a realidade externa ou entre entidades internas, como o id e o superego ou o id e o ego. Além disso, como o conflito não foi levado a uma solução realista, os impulsos ou desejos que tentam ser liberados foram expulsos da consciência pela repressão ou por outro mecanismo de defesa. Contudo, o fato de sair da consciência consciente não torna os impulsos menos poderosos ou influentes. Como resultado, as tendências inconscientes (p. ex., sintomas neuróticos disfarçados) abrem caminho até a consciência. Essa teoria do desenvolvimento da neurose pressupõe que, na infância, houve uma neurose rudimentar com base no mesmo tipo de conflito. Privações durante os primeiros meses de vida devido a figuras cuidadoras ausentes ou limitadas podem afetar o desenvolvimento do ego de forma negativa. Essa limitação, por sua vez, pode resultar em uma incapacidade de estabelecer identificações apro-
PSICOPATOLOGIA
237
priadas. As dificuldades resultantes para o ego geram problemas para a mediação entre os impulsos e o ambiente. A falta de capacidade para uma expressão construtiva dos impulsos, especialmente da agressividade, pode levar certas crianças a voltarem sua agressividade contra si mesmas e a se tornarem explicitamente autodestrutivas. Pais inconsistentes, excessivamente severos ou indulgentes demais podem influenciá-las; levando-as a desenvolver alterações no funcionamento do superego. Conflitos graves que não possam ser administrados pela formação de sintomas redundam em restrições extremas no funcionamento do ego e limitam de forma significativa a capacidade de aprender e desenvolver novas habilidades. Os eventos traumáticos que parecem ameaçar a sobrevivência podem romper as defesas quando o ego está fortalecido. Assim, mais energia libidinal se faz necessária para que o indivíduo consiga dominar a excitação resultante. Porém, para ser mobilizada, essa libido é retirada do suprimento que é aplicado aos objetos externos. Isso reduz a força do ego ainda mais e produz uma sensação de inadequação. Frustrações ou decepções em adultos podem reviver desejos infantis, os quais são enfrentados pela formação de sintomas ou pela regressão. Em seus estudos clássicos, Freud descreveu quatro tipos de neuroses infantis, três dos quais apresentam uma evolução neurótica na idade adulta. Essa série conhecida de casos, apresentada de forma esquemática na Tabela 6.1-3, exemplifica algumas das suas importantes conclusões: (1) as reações neuróticas da vida adulta freqüentemente estão associadas a reações neuróticas da infância; (2) a conexão às vezes é contínua, mas tende a ser separada por um período de latência sem neurose; e (3) a sexualidade infantil, fantasiada ou real, ocupa um lugar memorável na história inicial do paciente. Algumas diferenças merecem ser mencionadas nos quatro casos apresentados na Tabela 6.1-3. Primeiro, as reações fóbicas tendem a começar por volta dos 4 ou 5 anos de idade, as reações
TABELA 6.1-3 Reações psiconeuróticas clássicas da infância Reação de conversão (Dora)
Reação fóbica (Hans)
Reação obsessivo-compulsiva (homem dos ratos)
Reação neurótica mista (homem dos lobos)
História familiar
História familiar marcante de doenças psiquiátricas e físicas
Ambos os pais tratados para conflitos neuróticos, mas sem gravidade
Sem história familiar de doenças mentais
História familiar marcante de doenças psiquiátricas e físicas
Sintomas
Enurese e masturbação entre 6 e 8 anos; início da neurose aos 8; enxaqueca, tosse nervosa e rouquidão aos 12; afonia aos 16; “apendicite” e convulsões aos 16; neuralgia facial aos 19; mudanças de personalidade aos 8, de “criatura selvagem” para criança calma
Questões compulsivas entre as idades de 3 e 3 anos e meio quanto a diferenças sexuais; reação de ciúme para com nascimento do irmão aos 3 anos e meio; ameaça explícita de castração; masturbação explícita aos 3 anos e meio; hiperfagia e obstipação e reação fóbica entre 4 e 5 anos, ataque de gripe e amigdalotomia aos 5 pioram fobia
Período de desobediência entre 3 e 4 anos; timidez acentuada após apanhar do pai aos 4; reconhecimento de pessoas por seus cheiros quando criança ( Renifleur ); desenvolvimento precoce do ego; início de idéias obsessivas entre 6 e 7
Tratável e calmo até os 3 anos; período de “desobediência” a partir daí, fobias com pesadelos entre 4 e 5; reação obsessiva entre 6 e 7 (cerimoniais religiosos). Desaparecimento das neuroses aos 8 anos
Causas
Sedução por homem mais velho; doença do pai; caso extraconjugal do pai
Cuidado sedutor da mãe; nascimento do irmão aos 3 anos e meio
Sedução pela governanta, morte de irmão e surras do pai aos 4 anos
Sedução por irmã mais velha aos 3 anos; doença da mãe; conflito entre criada e governanta
Cortesia de E. James Anthony, M.D.
238
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
obsessivas entre 6 e 7, e as de conversão aos 8. A quantidade de perturbação subjacente é maior na reação de conversão e na neurose mista, e parece apenas leve nas reações fóbicas e obsessivas. O curso da reação fóbica parece ser pouco influenciado por fatores traumáticos graves, ao passo que estes, como as seduções sexuais, desempenham um importante papel nos outros três subgrupos. Foi durante esse período que Freud elaborou sua hipótese acerca da sedução para a causa das neuroses, segundo a qual as reações obsessivo-compulsivas e histéricas supostamente teriam origem em experiências sexuais ativas e passivas. TRATAMENTO E TÉCNICA A pedra fundamental da técnica psicanalítica é a associação livre, na qual os pacientes dizem aquilo que lhes vier à mente. Essa técnica faz mais do que apenas fornecer conteúdo para a análise, também induz a regressão necessária e a dependência associada ao estabelecimento e à resolução da neurose de transferência. Quando isso ocorre, todos os desejos, impulsos e defesas originais relacionados à neurose infantil são transferidos para a pessoa do analista. À medida que o paciente tenta fazer associações livres, logo aprende que tem dificuldade para dizer o que lhe vem à mente sem censurar certos pensamentos. Desenvolve conflitos em relação a seus desejos e sentimentos para com o analista, que refletem conflitos da infância. A transferência que se desenvolve para com o profissional também pode servir como uma resistência ao processo de associação livre. Freud descobriu que essa condição não era um simples bloqueio às associações do paciente, mas uma importante revelação das suas relações de objeto internas, à medida que eram externalizadas e manifestadas no relacionamento de transferência com o analista. A análise sistemática da transferência e da resistência é a essência da psicanálise. Freud também estava ciente de que o analista pode ter transferências para com o paciente, as quais chamou de contratransferência. Esta representa um obstáculo que o analista precisa entender para que não interfira no tratamento. Segundo essa concepção, Freud reconheceu a necessidade de que todos os analistas também fizessem análise. Os que vieram após Freud começaram a reconhecer que a contratransferência não era apenas um obstáculo, mas uma fonte de informações úteis em relação ao paciente. Em outras palavras, os sentimentos do analista em resposta ao paciente refletiam como outras pessoas respondiam a este, proporcionando uma indicação das suas relações de objeto. Ao entender os sentimentos intensos que ocorrem no relacionamento analítico, o analista pode ajudar o paciente a ampliar seu entendimento acerca de relacionamentos passados e atuais fora da análise. O desenvolvimento de uma compreensão dos conflitos neuróticos também expande o ego e proporciona um sentido de domínio maior. (A psicanálise e outras técnicas derivadas dela são discutidas em detalhes no Capítulo 35, Seção 35.1).
Freud A. The Ego and the Mechanism of Defense (1936). In: The Writings of Anna Freud. Vol 2. Res ed. New York: International Universities Press; 1966. Freud S. The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud. Vols 1–24. London: Hogarth; 1953–1966. Freud S. The Ego and the Id. New York: WW Norton: 1960. Freud S. Beyond the Pleasure Principle. New York: WW Norton; 1961. Freud S. An Outline of Psycho-Analysis. New York: WW Norton; 1969. Gabbard GO. Psychoanalysis. In: Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Sadock VA, eds. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins: 2000:563. Gabbard GO. Psychodinamic Psychiatry in Clinial Practice: The Third Edition. Washington, DC: American Psychiatric Press; 2000. Holt RR. Freud Reappraised: A Fresh Look at Psychoanalytic Theory. NewYork: Guilford; 1989. Katz AJ. The implications of revising Freud’s empiricism for drive theory. Psychoanal Contemp Thought. 2001;24:253. Winer JA, Anderson JW, eds. The Annual of Psychoanalysis. Vol XXIX: Sigmund Freud and his impact on the modern world. Hillsdale, NJ: Analytic Press; 2001:145. Winnicott DW. Playing and Reality. New York: Basic Books; 1971.
6.2 Erik Erikson Erik Homburger Erikson (Fig. 6.2-1) nasceu em 15 de junho de 1902, em Karlsruhe, na Alemanha, e morreu em 1994. Seu pai, um protestante, e sua mãe, uma judia, ambos dinamarqueses, se separaram antes de ele nascer, tendo ele crescido na casa de sua mãe e seu padrasto, um pediatra judeu alemão, Theodore Homburger. Erikson nunca descobriu a identidade de seu pai biológico, informação que sua mãe ocultou durante toda a vida. Erikson imigrou para os Estados Unidos em 1933. Trabalhou no Centro Austen Riggs, em Stockbridge, Massachusetts, e realizou pesquisas em Harvard, Yale e na University of California, em Berkeley. Interessou-se pela influência da cultura sobre o desenvolvimento infantil e, como resultado de seus estudos nas décadas de 1930 e 1940, incluindo trabalhos antropológicos com os índios Sioux de Dakota do Sul, e os Yurok do norte da Califórnia, publicou seu livro Infância e sociedade em 1950, no qual propôs uma teoria psicossocial do desenvolvimento que descreve passos cruciais nas relações das pessoas com o mundo social, com base na interação entre biologia e sociedade. Baseou-se muito na psicologia freudiana, mas aperfeiçoou a teoria da sexualidade infantil, concentrando-se no desenvolvimento infantil após a puberdade. Concluiu que a personalidade humana não é determinada apenas pelas experiências da infância, mas também por aquelas da idade adulta. Erikson afirmou que “se tudo remonta à infância, outra pessoa é culpada de tudo, e perde o sentido assumir a responsabilidade por si mesmo”. Mais importante, formulou uma teoria do desenvolvimento humano que abrange todo o ciclo de vida, desde a primeira infância até a velhice e a senescência.
REFERÊNCIAS Brenner C. The Mind in Conflict. New York: International Universities Press; 1982. Fenichel O. The Psychoanalytic Theory of Neurosis. New York: WW Norton; 1945.
O PRINCÍPIO EPIGENÉTICO As formulações de Erikson baseavam-se no conceito de epigênese, um termo emprestado da embriologia. O princípio epigenético
TEORIAS DA PERSONALIDADE E
PSICOPATOLOGIA
239
Os oito estágios do ciclo da vida A concepção dos oito estágios do desenvolvimento do ego ao longo do ciclo da vida é a peça central do trabalho de Erikson, o qual foi aprofundado em obras subseqüentes (Tabela 6.2-1). Esses estágios representam pontos ao longo de um contínuo de desenvolvimento, que mudanças físicas, cognitivas, instintivas e sexuais combinam-se para desencadear uma crise interna cuja resolução resulta em regressão ou crescimento psicossocial e desenvolvimento de virtudes específicas. Em Insight and Responsibility, definiu virtude como a “força inerente”, como no princípio ativo de um remédio ou substância. Em Identidade: juventude e crise, referiu que a “crise” não se refere a uma “ameaça de catástrofe, mas a um ponto de mudança, um período crucial de maior vulnerabilidade e potencial elevado e, portanto, a fonte ontogenética de força produtiva e desajuste”.
FIGURA 6.2-1 Pintura de Erik Erikson. (De Norman Rockwell, cortesia de Edward R. Shapiro, M.D.)
sustenta que o desenvolvimento ocorre em estágios seqüenciais claramente definidos e que cada um deve ser resolvido de forma satisfatória para que o desenvolvimento ocorra com tranqüilidade. Segundo esse modelo, se a resolução de determinado estágio não ocorrer de maneira bem-sucedida, todos os estágios subseqüentes refletirão o fracasso na forma de desajustes físicos, cognitivos, sociais ou emocionais. Relação com a teoria freudiana Erikson aceitava os conceitos de Freud acerca do desenvolvimento instintivo e da sexualidade infantil. Para cada um dos seus estágios psicossexuais de Freud (p. ex., oral, anal e fálico), Erikson descreveu uma zona correspondente a um padrão ou modo de comportamento específico. Assim, a zona oral está associada ao ato de chupar ou ao comportamento receptivo. A zona anal está associada a reter e liberar. Ele enfatizou que o desenvolvimento do ego é mais do que apenas o resultado de desejos intrapsíquicos ou energias psíquicas internas. Também diz respeito à regulação mútua entre a criança em crescimento e a cultura e as tradições da sociedade.
Estágio 1: Confiança versus desconfiança (do nascimento aos 18 meses). Em Identidade: juventude e crise, Erikson observou que o bebê “vive e ama por meio de sua boca”. De fato, ela forma a base para seu primeiro modo ou padrão de comportamento, a incorporação. O bebê recebe o mundo pela boca, pelos olhos, pelos ouvidos e pelo sentido do tato. Aprende uma modalidade cultural que Erikson chamou de adquirir, ou seja, receber o que é oferecido e evocar o que é desejado. À medida que os dentes do bebê se desenvolvem e ele descobre o prazer de morder, entra no segundo estágio oral, o modo ativo-incorporativo. O bebê não está mais receptivo a estímulos de forma passiva, procura as sensações e explora seu entorno. A modalidade social passa a ser a possibilidade de pegar e segurar as coisas. O desenvolvimento do bebê em relação a uma confiança básica no mundo parte de suas primeiras experiências com a mãe ou com outro cuidador primário. Em Infância e sociedade, Erikson afirma que a confiança não depende de “quantidades absolutas de alimento ou demonstrações de amor, mas da qualidade do relacionamento materno”. Um bebê cuja mãe consegue antecipar e responder a suas necessidades de maneira consistente e rápida, apesar de sua agressividade oral, aprenderá a tolerar os inevitáveis momentos de frustração e privação. Os mecanismos de defesa da introjeção e da projeção propiciarão os meios necessários para internalizar o prazer e externalizar a dor, para que a “consistência, a continuidade e a uniformidade da experiência proporcionem um sentido rudimentar de identidade do ego”. A confiança predominará sobre a desconfiança, cristalizando a esperança. Para esse estudioso, o elemento social que corresponde a esse estágio de identidade do ego é a religião, pois ambos estão fundamentados no princípio de que a “confiança nasce com o cuidado”. Ao manter a ênfase no caráter epigenético da mudança psicossocial, Erikson concebeu muitas formas de psicopatologia como exemplos daquilo que chamou de crise do desenvolvimento agravada, o desenvolvimento que, por dar errado em algum momento, afeta a mudança psicossocial subseqüente. Uma pessoa que, como resultado de transtornos graves nos primeiros relacionamentos diádicos, não consegue desenvolver um sentido básico de confiança ou esperança, quando adulta, pode ter uma predisposição a retraimento e regressão profundos, que são característicos da esquizofrenia. Levantou-se a hipótese de que a experiência do
240
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 6.2-1 Estágios psicossociais de Erikson Virtude associada
Formas relacionadas de psicopatologia
Precursores positivos e negativos da formação da identidade
Aspectos duradouros da formação da identidade
Confiança x desconfiança (nascimento –)
Esperança
Psicose Vícios Depressão
Reconhecimento mútuo x isolamento autista
Perspectiva temporal x confusão em relação ao tempo
Autonomia x vergonha e dúvida (~18 meses –)
Vontade
Paranóia Obsessões Compulsões Impulsividade
Desejo de ser x dúvida
Autocerteza x autoconsciência
Iniciativa x culpa (~3 anos –)
Propósito
Transtorno conversivo Fobia Transtorno psicossomático Inibição
Antecipação de papéis x inibição de papéis
Experimentação de papéis x fixação de papéis
Produtividade x inferioridade (~5 anos –)
Competência
Inibição criativa Inércia
Identificação de tarefas x sentido de futilidade
Identidade x confusão de papéis (~13 anos –)
Fidelidade
Comportamento delinqüente Transtornos de identidade de gênero Episódios psicóticos borderline
Aprendizado x paralisia ocupacional Identidade x confusão de identidades
Intimidade x isolamento (~20 anos –)
Amor
Transtorno da personalidade esquizóide Distanciamento
Polarização sexual x confusão bissexual
Generatividade x estagnação (~40 anos –)
Cuidado
Crise de meia-idade
Liderança e partidarismo x abdicação da responsabilidade
Integridade x desespero (~60 anos –)
Sabedoria
Alienação extrema Desespero
Comprometimento ideológico x confusão de valores
Estágio psicossocial
Adaptada de Erikson E. Insight and Responsibility. New York: WW Norton, Erikson E. Identity: Youth and Crisis. New York: WW Norton, 1968.
paciente depressivo de se sentir vazio e de não ser bom é subproduto de um descarrilamento evolutivo que faz com que o pessimismo oral predomine. Os vícios também podem ser rastreados até o modo de assimilação oral. Estágio 2: Autonomia versus vergonha e dúvida (de 18 meses a 3 anos). No desenvolvimento da fala e do controle dos esfincteres e dos músculos, a criança pratica as modalidades sociais de reter e liberar, e experimenta os primeiros sinais da virtude que Erikson chamou de vontade. Grande parte disso depende da quantidade e do tipo de controle exercido sobre a criança. Quando é rígido ou precoce demais, sabota as tentativas da criança de desenvolver seus próprios controles internos, resultando em regressão ou falsa progressão. O controle parental que não a protege das conseqüências de sua falta de autocontrole ou discernimento também pode ser desastroso para o desenvolvimento de um sentido saudável de autonomia. Em Identidade: juventude e crise, o autor observou: “Esse estágio, portanto, torna-se decisivo para a razão entre a boa-vontade carinhosa e a auto-insistência detestável, entre a cooperação e a teimosia, e entre a auto-expressão e a autolimitação compulsiva ou obediência submissa”. Quando a razão é favorável, a criança desenvolve um sentido de autonomia adequado, e a capacidade de “ter e reter”. Quando
desfavorável, a dúvida e a vergonha enfraquecerão a boa-vontade. Segundo Erikson, o princípio da lei e da ordem tem essa preocupação com a proteção e a regulação da vontade em suas raízes. No mesmo livro referido, concluiu: “o sentido de autonomia promovido na criança e modificado à medida que a vida avança serve (e é servido) à preservação de um sentido de justiça na vida econômica e política”. Uma pessoa que se fixou na transição entre o desenvolvimento da esperança e da vontade autônoma, com seu resíduo de desconfiança e dúvida, pode desenvolver temores paranóicos de perseguição. Quando o desenvolvimento psicossocial é desestabilizado no segundo estágio, podem surgir outras formas de patologia. O perfeccionismo, a inflexibilidade e a avareza de alguém com um transtorno da personalidade obsessivo-compulsiva podem partir de tendências conflitantes de reter e liberar. O comportamento ruminativo e ritualístico daqueles que sofrem de um transtorno obsessivo-compulsivo pode ser o resultado do triunfo da dúvida sobre a autonomia e do desenvolvimento subseqüente de uma consciência primitivamente rígida. Estágio 3: Iniciativa versus culpa (de 3 a 5 anos). O crescente domínio de habilidades locomotoras e lingüísticas expande a participação da criança no mundo exterior e estimula
TEORIAS DA PERSONALIDADE E
fantasias onipotentes de exploração e conquistas mais amplas. Aqui, o modo de participação é ativo e intrusivo. Sua modalidade social é a do ser em formação. A intrusão se manifesta na curiosidade vívida da criança e em suas preocupações genitais, bem como na competitividade e na agressividade física. O complexo de Édipo está em ascendência à medida que a criança compete com o progenitor do mesmo sexo pela posse fantasiada do outro. Em Identidade: juventude e crise, Erikson sustenta que o “ciúme e a rivalidade agora atingem um clímax na batalha final por uma posição favorecida em relação a dos pais: o fracasso inevitável e necessário resulta em culpa e ansiedade”. A culpa pelo impulso de conquista e a ansiedade pela punição prevista são amenizadas pela repressão de desejos proibidos e pelo desenvolvimento de um superego para regular as iniciativas da criança. Essa consciência, as faculdades de auto-observação, autoregulação e autopunição, é uma versão internalizada da autoridade dos pais e da sociedade. Inicialmente, a consciência é severa e rígida. Porém, constitui as bases para o desenvolvimento subseqüente da moralidade. Após renunciar às suas ambições edipianas, a criança começa a procurar fora da família por espaços onde possa competir com menos conflito e culpa. Esse é o estágio que ressalta sua crescente iniciativa e forma a base para o desenvolvimento de uma ambição realista e da virtude do propósito. Conforme Erikson observou em Infância e sociedade, “o estágio ‘edipiano’ estabelece a direção para o possível e o tangível, que permite que os sonhos da infância sejam ligados aos objetivos de uma vida adulta ativa”. Perto do seu fim, as instituições sociais fornecem um ethos econômico ao jovem, na forma de heróis adultos que começam a assumir o lugar de seus correlatos nos livros de histórias. Quando há uma resolução inadequada do conflito entre a iniciativa e a culpa, o indivíduo pode desenvolver transtorno conversivo, inibição ou fobia. Aqueles que compensam o conflito conduzindo-se de forma excessivamente rígida podem experimentar estresse suficiente para gerar sintomas psicossomáticos. Estágio 4: Produtividade versus inferioridade (de 5 a 13 anos). Com o começo da latência, a criança descobre os prazeres da produção. Passa a desenvolver a produtividade aprendendo novas habilidades e se orgulha das coisas que faz. Erikson escreveu, em Infância e sociedade, que “os limites do ego da criança incluem suas ferramentas e habilidades: o princípio do trabalho lhe ensina o prazer de completar um trabalho por meio da atenção constante e da produtividade perseverante”. Em diferentes culturas, esse é o momento no qual se recebe instrução sistemática e se aprende os fundamentos da tecnologia, à medida que a criança se dedica ao uso de utensílios e ferramentas básicas. Enquanto trabalha, identifica-se com seus professores e se imagina em diversos papéis ocupacionais. Uma criança despreparada para esse estágio de desenvolvimento psicossocial, seja pela resolução insuficiente de estágios anteriores, seja pela interferência atual, pode desenvolver um sentido de inferioridade e inadequação. Na forma de professores e outros modelos, a sociedade se torna fundamentalmente importante para que a criança consiga superar esse sentido de inferioridade e alcançar a virtude conhecida como competência. Em Identidade: juventude e crise, Erikson observou: “Socialmente, esse é o estágio mais decisivo. Como a produtividade envolve fazer coisas
PSICOPATOLOGIA
241
junto com outras pessoas, desenvolve-se um sentido inicial de divisão do trabalho e de oportunidades diferenciais, ou seja, um sentido do ethos tecnológico da cultura”. O resultado patológico de um estágio de produtividade versus inferioridade mal-concluído é menos definido do que nos estágios anteriores, mas pode estar relacionado ao surgimento de uma imersão conformista no mundo da produção, na qual a criatividade é suprimida e a identidade se resume ao papel de trabalhador. Estágio 5: Identidade versus confusão de papéis (de 13 a 21 anos). Com o início da puberdade e suas inúmeras mudanças sociais e fisiológicas, o adolescente começa a se preocupar com a questão da identidade. Erikson observou, em Infância e sociedade, que os jovens agora estão “principalmente preocupados com a forma como se parecem aos olhos dos outros, em comparação com o que sentem ser e com a questão de como podem associar os papéis e as habilidades cultivados com os protótipos ocupacionais de sua época”. Os papéis e as fantasias da infância já não são mais apropriados, mas o adolescente ainda não está equipado para se tornar um adulto. Mais adiante, no mesmo livro, ele escreveu que a integração que ocorre na formação da identidade do ego abrange muito mais do que a soma das identificações da infância. “É a experiência que resulta da habilidade do ego em integrar essas identificações às vicissitudes da libido, às aptidões desenvolvidas a partir de seus dons e às oportunidades oferecidas em papéis sociais”. Ao final da adolescência, verifica-se a formação de grupos e há uma crise de identidade. Erikson a chama de crise normativa, pois é um evento normal. A incapacidade de negociar esse estágio deixa os adolescentes sem uma identidade sólida. Eles sofrem de difusão de identidade, ou confusão de papéis, caracterizada por não terem um sentido de self, e pela confusão com relação ao seu lugar a mundo. A confusão de papéis pode se manifestar em anormalidades comportamentais como fugas, criminalidade e psicose explícita. Problemas de identidade de gênero e papel sexual também podem se manifestar nessa época. Os adolescentes se defendem contra a difusão de papéis juntando-se a grupos ou cultos ou identificando-se com heróis populares. A intolerância para com diferenças individuais é uma forma com a qual o jovem tenta evitar a sensação de perda de identidade. O fato de se apaixonar, um processo em que o adolescente pode criar um sentido de identidade projetando uma auto-imagem diferente sobre o parceiro e percebendo-a assumir gradualmente uma forma diferente, e a identificação exagerada com figuras idealizadas são meios pelos quais o adolescente busca a autodefinição. Com a obtenção de uma identidade mais focada, ele desenvolve a virtude da fidelidade – a lealdade não apenas à autodefinição nascente, mas a uma ideologia que proporcione uma versão do eu-no-mundo. Como Erikson, Joan Erikson e Helen Kivnick definiram, em Vital Involvement in Old Age¸ que “a fidelidade é a capacidade de manter as lealdades comprometidas livremente apesar das inevitáveis contradições dos sistemas de valores. É a pedra fundamental da identidade e recebe influência de ideologias e companhias confirmatórias”. A confusão de papéis ocorre quando o jovem é incapaz de formular um sentido de identidade e pertencimento. Erikson sustentava que a delinqüência, bem como transtornos de identidade
242
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
de gênero e episódios psicóticos borderline podem resultar desse tipo de confusão. Estágio 6: Intimidade versus isolamento (de 21 a 40 anos). A famosa resposta de Freud à indagação sobre o que uma pessoa normal deveria poder fazer bem, “lieben und arbeiten” (amar e trabalhar), é bastante citada por Erikson em sua discussão desse estágio psicossocial, e enfatiza a importância que dava à virtude do amor em uma identidade equilibrada. Ele observou, em Identidade: juventude e crise, que o uso do termo amor por Freud referia-se à “generosidade da intimidade, bem como do amor genital. Quando falou amar e trabalhar, ele quis dizer uma produtividade que não preocupasse o indivíduo em um nível em que o fizesse perder o seu direito ou a sua capacidade de ser um indivíduo sexual e amoroso”. A intimidade no jovem adulto está diretamente ligada à fidelidade. É a capacidade de firmar e honrar compromissos com parcerias e relacionamentos concretos, mesmo quando isso exigir sacrifícios e concessões. A pessoa que não consegue tolerar o medo da perda do ego que ocorre em experiências de renúncia pessoal (p. ex., orgasmo, momentos de intensidade em amizades, agressão, inspiração e intuição) tende a ser isolada e auto-absorvida. O distanciamento, um termo estranho cunhado por Erikson para indicar “a prontidão para repudiar, isolar e, se necessário, destruir forças e pessoas cuja essência pareça perigosa para a sua própria”, é o resultado patológico de conflitos que envolvem a intimidade e, na ausência de um sentido ético no qual relacionamentos íntimos, competitivos e conflituosos sejam diferenciados, molda a base para diversas formas de preconceitos, perseguições e psicopatologias. A separação estabelecida entre tarefas psicossociais de formatar uma identidade e uma intimidade e a afirmação de que um progresso substancial na primeira deve preceder o desenvolvimento da segunda levaram a muitas críticas e debates. Argumenta-se que a ênfase de Erikson na separação e na formação de uma identidade com base ocupacional não leva em conta a importância que tem para as mulheres um apego continuado e a formação de uma identidade com base nos relacionamentos. Estágio 7: Generatividade versus estagnação (de 40 a 60 anos). Erikson afirmou, em Identidade: juventude e crise, que a “produtividade diz respeito principalmente a estabelecer e orientar a próxima geração”. O termo generatividade não se aplica tanto a criar e educar os filhos quanto a uma preocupação protetora em relação a todas as gerações e instituições sociais, abrangendo também a produtividade e a criatividade. Após atingir a capacidade de formar relacionamentos íntimos, a pessoa amplia o investimento da energia do ego e da libido para incluir grupos, organizações e a sociedade. O cuidado é a virtude que se aglutina nesse estágio. Em Infância e sociedade, o autor enfatizou a importância para a pessoa madura de se sentir necessária. “A maturidade necessita de orientação, assim como do encorajamento daquilo que foi produzido e deve ser cuidado”. Por meio do comportamento produtivo, é possível transmitir conhecimentos e habilidades, enquanto se obtém uma medida de satisfação por ter alcançado um papel com autoridade superior e responsabilidade dentro da tribo.
Quando as pessoas não conseguem desenvolver a verdadeira generatividade, podem se contentar com um pseudoenvolvimento em uma ocupação. Muitas vezes, restringem seu foco aos aspectos técnicos de seus papéis, nos quais podem se tornar bastante hábeis, evitando assumir uma responsabilidade maior pela organização ou pela profissão. Esse fracasso da produtividade pode levar a uma estagnação profunda, disfarçada por uma variedade de escapismos, como abuso de álcool e drogas e infidelidades sexuais e em outras áreas, podendo ocorrer uma crise de meia-idade ou invalidez prematura (física e psicológica). Nesse caso, a patologia não apenas se manifesta nessas pessoas, como na organização que depende de sua liderança. Assim, a incapacidade de se desenvolver na meia-idade pode levar a organizações doentes, fracas ou destrutivas, que disseminam os efeitos da produtividade fracassada por toda a sociedade. Exemplos desse tipo de fracasso se tornaram tão comuns que constituem um dos aspectos que definem a modernidade. Estágio 8: Integridade versus desespero (60 anos até a morte). Em Identidade: Juventude e Crise, Erikson definiu a integridade como a “aceitação da própria vida e de pessoas que se tornaram significativas como algo que tinha de ser e que, por necessidade, não permitia alternativas”. Do ponto de vista desse estágio do desenvolvimento psicossocial, o indivíduo abandona o desejo de que as pessoas importantes em sua vida tivessem sido diferentes e consegue amar de forma mais significativa – refletindo a aceitação da responsabilidade por sua própria vida. Em posse da virtude da sabedoria e de um sentido de integridade, dispõe de um espaço para tolerar a proximidade da morte e para alcançar o que Erikson chamou de “uma preocupação desapegada mas ativa com a vida”. Nesse último estágio de crescimento, enfatizou o contexto social. Em Infância e sociedade, escreveu: “O estilo de integridade desenvolvido por sua cultura ou civilização se torna o ‘patrimônio’ da alma.... Nessa consolidação final, a morte perde sua força”. Quando a tentativa de alcançar a integridade fracassa, o indivíduo pode se tornar profundamente aborrecido com o mundo exterior e desdenhoso para com pessoas e instituições. Erikson escreveu, em Infância e sociedade, que esse desgosto disfarça um medo da morte e uma sensação de desespero porque “o tempo agora é curto, curto demais para tentar começar outra vida e experimentar caminhos alternativos para a integridade”. Examinando as oito idades do homem, observou a relação entre a integridade adulta e a confiança infantil: “as crianças saudáveis não temerão a vida se os seus adultos tiverem integridade suficiente para não temerem a morte”. PSICOPATOLOGIA Cada estágio do ciclo de vida terá um resultado patológico diferente se não for concluído de forma bem-sucedida. Confiança básica Uma limitação na confiança básica leva à desconfiança. Nos bebês, a confiança social se caracteriza pela facilidade na alimenta-
TEORIAS DA PERSONALIDADE E
ção, pela profundidade no sono, pelos sorrisos e pela homeostase fisiológica geral. A separação prolongada durante a infância pode ocasionar a hospitalismo ou depressão anaclítica (ver Cap. 4, Seção 4.2). Posteriormente na vida, essa falta de confiança pode ser manifestada por transtorno distímico, transtorno depressivo ou sensação de desesperança. As pessoas que desenvolvem e utilizam a defesa da projeção – na qual, segundo Erikson, “conferimos a outras pessoas o mal que, na verdade, está em nós” – experimentam desconfiança social nos primeiros anos de vida e podem desenvolver transtornos paranóides ou delirantes. A desconfiança básica é uma importante contribuição para o desenvolvimento do transtorno da personalidade esquizóide e, em casos mais graves, para a esquizofrenia. Os transtornos relacionados ao uso de substâncias também podem ter um fundamento na desconfiança social. As personalidades dependentes de substâncias têm grandes necessidades de dependência oral e usam substâncias químicas para se satisfazerem porque acreditam que os seres humanos não são confiáveis e podem até ser perigosos. Se não forem nutridos de forma adequada, os bebês podem se sentir vazios, sentindo fome não apenas de comida, mas também de estímulo sensual e visual. Quando adultos, podem buscar emoções estimulantes que não envolvam intimidade e que ajudem a evitar os sentimentos de depressão. Autonomia O estágio em que as crianças tentam se transformar em seres autônomos costuma ser chamado de os dois terríveis, referindo-se à teimosia nesse período do desenvolvimento. Se a vergonha e a dúvida dominarem a autonomia, pode haver dúvidas compulsivas. A inflexibilidade da personalidade obsessiva também resulta de uma superabundância de dúvidas. Quando o treinamento dos esfincteres é excessivamente rigoroso, lugar-comum na sociedade de hoje, que exige um corpo limpo, bem-arranjado e desodorizado, isso pode gerar uma personalidade excessivamente compulsiva, mesquinha, meticulosa e egoísta. Conhecidas como personalidades anais, essas pessoas são parcimoniosas, pontuais e perfeccionistas (os três ps). O excesso de vergonha faz com que as crianças se sintam más ou sujas e pode abrir caminho para comportamentos delinqüentes. De fato, elas dizem: “se é isso o que pensam de mim, é assim que vou me comportar”. As personalidades paranóides julgam que os outros estão tentando controlá-las, um sentimento que pode ter origem durante o estágio de autonomia versus vergonha e dúvida. Quando ocorrem juntamente com a desconfiança, são plantadas as sementes para delírios persecutórios futuros. O transtorno impulsivo pode ser explicado como a recusa do indivíduo a ser inibido ou controlado. Iniciativa Erikson afirmou: “Na patologia, o conflito pela iniciativa é expressado pela negação histérica, que causa a repressão do desejo ou a anulação de seu órgão executivo por paralisia ou impotência ou pelo exibicionismo compensatório, no qual o indivíduo as-
PSICOPATOLOGIA
243
sustado e ansioso, para ‘se enterrar’, ‘coloca a cabeça para fora’”. No passado, a histeria era a forma usual de regressão patológica nessa área, mas hoje é comum verificar-se uma imersão em doenças psicossomáticas. A culpa excessiva pode levar a uma variedade de problemas, como transtorno de ansiedade generalizada e certas fobias. Os pacientes sentem culpa devido a impulsos normais, e os reprimem, o que resulta na formação de sintomas. Punições ou proibições severas durante o estágio de iniciativa versus culpa podem redundar em inibições sexuais. Um transtorno conversivo ou fobias específicas podem ocorrer quando o conflito edipiano não é resolvido. Se as fantasias sexuais são aceitas como impossíveis, as crianças podem se punir por ter tido tais idealizações, temendo danos aos seus órgãos genitais. Sob o ataque brutal do superego em desenvolvimento, podem reprimir seus desejos e começar a negá-los. Se esse padrão for levado adiante, o resultado pode ser paralisia, inibição ou impotência. Às vezes, as crianças podem ter doenças psicossomáticas por medo de não conseguirem satisfazer às expectativas de outras pessoas. Produtividade Erikson descreveu a produtividade como “a sensação de ser capaz de fazer coisas e fazê-las bem ou até perfeitamente”. Quando seus esforços são frustrados, as crianças sentem que seus objetivos pessoais não podem ser realizados ou que não merecem ser cumpridos, desenvolvendo-se uma sensação de inferioridade. Em adultos, essa sensação de inferioridade pode resultar em graves inibições ocupacionais e em uma estrutura de caráter marcada por sentimentos de inadequação. Para alguns, os sentimentos podem culminar em um impulso compensatório por dinheiro, poder e prestígio, e o trabalho pode se tornar o principal foco da vida, em detrimento da intimidade. Identidade Muitos transtornos da adolescência podem ser rastreados até a confusão da identidade. O perigo é a difusão de papéis. Erikson disse: Quando isso se baseia em uma forte dúvida em relação à própria sexualidade, incidentes delinqüentes e psicóticos não são incomuns. Se diagnosticados e tratados corretamente, não terão o mesmo significado fatal que têm em outras idades. A incapacidade de assumir uma identidade ocupacional é o que perturba os jovens. Mantendo-se juntos, identificam-se temporariamente com os heróis de seus grupos e da sociedade, a ponto de haver uma perda visível e completa da identidade.
Outros transtornos durante o estágio da identidade versus difusão de papéis incluem transtornos da conduta, transtornos do comportamento diruptivo, transtornos de identidade de gênero, transtorno esquizofreniforme e outros transtornos psicóticos. A capacidade de sair de casa e viver de maneira independente é uma tarefa importante nesse período, podendo ocorrer incapacidade de se separar dos pais e dependência prolongada.
244
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Intimidade A constituição de um casamento e de uma família estáveis depende da capacidade de estabelecer intimidade. Os primeiros anos da vida adulta são cruciais para o indivíduo decidir se deseja casar e com quem. A identidade de gênero determina a escolha do objeto, seja hetero ou homossexual, mas a formação de uma relação íntima com outra pessoa é uma tarefa importante. Pessoas com transtorno da personalidade esquizóide permanecem isoladas dos demais devido a medo, suspeição, incapacidade de correr riscos ou falta da capacidade de amar. Generatividade Entre 40 e 65 anos, o período da idade adulta média, certos transtornos são menos definidos do que em outros estágios descritos por Erikson. Pessoas de meia-idade apresentam maior incidência de depressão do que jovens adultos, a qual pode estar relacionada à decepção com expectativas fracassadas à medida que revisam o passado, avaliam suas vidas e contemplam o futuro. Durante esse período, também se verifica aumento no consumo de álcool e de outras substâncias psicoativas. Integridade Freqüentemente, pessoas idosas desenvolvem transtornos de ansiedade. Segundo a formulação de Erikson, isso pode estar relacionado ao fato de avaliarem suas vidas com um sentido de pânico. O tempo passou, e as chances se esgotaram. O declínio em funções físicas pode contribuir para doenças psicossomáticas, hipocondria e depressão. A taxa de suicídio é maior após os 65 anos de idade. Talvez as pessoas que vislumbram a morte considerem intolerável o fato de não terem sido produtivas ou capazes de formar vínculos significativos em suas vidas. A integridade, para Erikson, caracteriza-se por uma aceitação da vida. Sem isso, desespero e desesperança são comuns, podendo resultar em transtornos depressivos graves. TRATAMENTO Embora não exista uma escola psicanalítica eriksoniana independente, como as escolas freudianas e junguianas, Erikson fez muitas contribuições importantes para o processo terapêutico. Dentre as mais significativas, está a crença de que o estabelecimento de um sentido de confiança entre o médico e o paciente é um requisito fundamental para o sucesso da terapia. Quando a patologia parte de uma desconfiança básica (p. ex., depressão), o paciente deve restabelecer a confiança no terapeuta, o qual, como uma boa mãe, deve ser sensível às necessidades daquele. O terapeuta deve ter um sentido de probidade que possa ser transmitido ao paciente. Técnicas Para Erikson, o psicanalista não é uma tábula rasa no processo terapêutico, como normalmente é tratado na psicanálise freudia-
na. Pelo contrário, a terapia efetiva exige que os terapeutas transmitam ativamente ao paciente a crença de que estão sendo compreendidos. Isso é feito não apenas por meio de uma escuta empática, mas também com comentários verbais, que propiciam o desenvolvimento de uma transferência positiva, construída a partir da confiança mútua. Tendo iniciado seu trabalho como analista de crianças, Erikson tentava proporcionar esse mutualismo e confiança enquanto as observava brincando em seus mundos próprios com bonecas, blocos, veículos e móveis de miniatura, dramatizando as situações que as estavam incomodando. Ele então correlacionava suas observações com comentários das crianças e de seus familiares. Somente começava o tratamento após participar de uma refeição com toda a família, e sua terapia normalmente era conduzida com bastante cooperação familiar. Após um episódio regressivo no tratamento de uma criança esquizofrênica, por exemplo, Erikson discutia com cada membro da família o que havia acontecido antes do mesmo, e o tratamento somente começava quando estivesse completamente satisfeito de que havia identificado o problema. Erikson às vezes fornecia informações corretivas para a criança – por exemplo, explicou a um menino que não conseguia liberar suas fezes e que ficava constipado que a comida não era um bebê por nascer. Muitas vezes, valia-se de brincadeiras, que, juntamente com recomendações específicas para os pais, mostravam-se úteis como modalidade de tratamento. O ato de brincar, para Erikson, é revelador do ponto de vista diagnóstico e, assim, útil para o terapeuta que busca promover a cura, além de ser curativo por si só. A brincadeira é uma função do ego e dá à criança uma chance para sincronizar processos sociais e corporais com o self. Ao brincarem com blocos ou com adultos que dramatizam uma situação imaginária, as crianças podem manipular o ambiente e desenvolver o sentido de controle de que o ego necessita. Ainda assim, a terapia de jogo não é a mesma para elas e para adultos. As crianças criam modelos na tentativa de adquirir controle da realidade; além disso, e buscam novas áreas para dominar. Os adultos usam jogos e brincadeiras para corrigir o passado e para se redimir de seus fracassos. O mutualismo, que é importante no sistema de saúde de Erikson, também é vital para a cura. Nesse sentido, elogiou Freud pela escolha moral de abandonar a hipnose, pois esta aumenta a demarcação entre aquele que cura e a pessoa doente, reforçando a desigualdade que comparava à desigualdade entre a criança e o adulto. Erikson dizia que o relacionamento entre a pessoa que cura e a que é curada deveria ser de iguais, “no qual o observador que aprendeu a observar a si mesmo ensina o observado a se tornar um auto-observador”. Sonhos e associação livre Como Freud, Erikson trabalhou com as associações do paciente com o sonho como a “melhor pista” para entender o seu significado. Valorizava a primeira associação com o sonho, que acreditava ser poderosa e importante. Essencialmente, fica atento para identificar “um tema central que, uma vez encontrado, proporcionasse significado a todo o material associado”.
TEORIAS DA PERSONALIDADE E
Erikson acreditava que a interpretação era o principal agente terapêutico, procurado tanto pelo paciente quanto pelo terapeuta. A atenção flutuante era enfatizada como o método que propiciava a descoberta. Erikson uma vez descreveu essa postura de atenção comentando que, no trabalho clínico, “necessita-se de uma história e de uma teoria, e é preciso esquecer ambas e deixar que cada hora passe por si mesma”. Isso libera as duas partes de pressões contraproducentes para progredir na terapia e permite que ambos observem as brechas na narrativa do paciente que indicam o inconsciente. Objetivos Erikson discutiu quatro dimensões do trabalho do psicanalista. O desejo do paciente de ser curado e o desejo do analista de curar é a primeira deles. Existe um mutualismo no sentido de que o paciente e o terapeuta são motivados para a cura, e há uma divisão do trabalho. O objetivo sempre é ajudar o ego do paciente a se fortalecer e a se curar. À segunda dimensão, Erikson deu o nome de objetividade-participação. Os terapeutas devem manter a mente aberta. “As neuroses mudam”, escreveu. Devemos fazer novas generalizações, organizadas em novas configurações. Já a terceira dimensão segue o eixo do conhecimento-participação. O terapeuta “aplica visões selecionadas em abordagens mais experimentais”. A quarta dimensão, por sua vez, é a tolerância-indignação. Erikson dizia: “As identidades baseadas no argumento talmúdico, no zelo messiânico, na ortodoxia punitiva, no sensacionalismo modista, na ambição profissional e social” são perigosas e tendem a controlar os pacientes. O controle amplia a lacuna da desigualdade entre o médico e o paciente e dificulta o entendimento acerca da idéia recorrente em sua teoria – o mutualismo. Segundo Erikson, os terapeutas têm a oportunidade de resolver conflitos passados pendentes por meio do relacionamento terapêutico. Por isso, os encorajava a não deixarem de orientar os pacientes. Ele acreditava que os terapeutas devem proporcionarlhes proibições e permissões, e não devem se absorver demais nas experiências de vida dos pacientes a ponto de omitir os conflitos atuais. O objetivo da terapia é reconhecer como os pacientes atravessaram os vários estágios do ciclo da vida e como as crises de cada estágio foram ou não resolvidas. Igualmente importante, estágios e crises futuros devem ser previstos, de modo que possam ser negociados e resolvidos da maneira adequada. Ao contrário de Freud, Erikson não acreditava que a personalidade fosse tão inflexível que não ocorressem mudanças na idade adulta média ou tardia. Para ele, o crescimento e o desenvolvimento psicológico se dão no decorrer de todo o ciclo da vida. O Centro Austen Riggs, em Stockbridge, Massachusetts, guarda a obra de Erikson, e muitas de suas teorias são postas em prática lá. Nesse centro, sua esposa, Joan, desenvolveu um programa de atividades como uma “zona livre de interpretação”, na qual os pacientes podem assumir papéis ou funções ocupacionais como aprendizes sob a orientação de artistas e artesãos, sem o peso da condição de paciente. Esse espaço de trabalho encorajou o jogo e a criatividade necessários para que o desenvolvimento ocupacional seguisse o processo de suas terapias.
PSICOPATOLOGIA
245
REFERÊNCIAS Coles R. Erik H. Erikson: The Growth of His Work. Boston: Little, Brown: 1970. Erikson E. Observations on Sioux education. J Psychol. 1939;7:101. Erikson E. Hitler’s imagery and German youth. Psychiatry. 1942;5:475 Erikson E. Childhood and Society. New York: WW Norton: 1950. Erikson E. The dream specimen of psychoanalysis. J Am Psychoanal Assoc. 1954;2:5. Erikson E. Freud’s “The Origins of Psychoanalysis”. Int J Psychoanal. 1955;36:1. Erikson E. The First psychoanalyst. Yale Rev. 1956;46:40. Erikson E. The problem of ego identity. Psychol Issues. 1959;1:379. Erikson E. Young Man Luther. New York: WW Norton; 1962. Erikson E. Insight and Responsibility. New York: WW Norton; 1964. Erikson E. Identity: Youth and Crisis. New York: WW Nortow; 1968. Erikson E. Gandhi’s Truth. New York: WW Norton; 1969. Erikson E. Life History and the Historical Moment. New York: WW Norton: 1975. Erikson E. Identity and the Life Cycle. New York: WW Norton; 1980. Erikson E, Erikson J, Kivnick H. Vital Involvement in Old Age. New York: WW Norton; 1986. Evans R. Dialogue with Erik Erikson. New York: Harper & Row; 1967. Friedman L. Identity’s Architect: A Biography of Erik Erikson. New York: Scribner; 1999. Ginsburg HJ. Childhood injuries and Erikson’s psychosocial stages. Soc Behav Pers. 1992;20:95. Schein S, ed. Erik Erikson: A Way of Looking at Things. New York: WW Norton; 1987. Shapiro ER, Fromm MG. Eriksonian clinical theory and psychiatric treatment. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2200.
6.3 Escolas derivadas da psicanálise e da psicologia Muitas teorias foram propostas para explicar a base do comportamento normal e anormal. Essencialmente, esses modelos teóricos são projetados para facilitar o entendimento, a previsão e o controle terapêutico do comportamento humano. As diferentes teorias da personalidade e da psicopatologia tendem a lidar com as mesmas questões básicas e operam em níveis comparáveis de descrição. Entretanto, variam em ênfase, usando diferentes construtos teóricos e baseando-se em diferentes hipóteses. Atualmente, nenhuma teoria consegue explicar e prever o comportamento humano normal de maneira totalmente satisfatória. Nenhuma ainda foi capaz de explicar a contento as muitas formas de comportamento anormal encontradas na prática clínica. Ainda assim, várias delas contribuíram com conceitos e métodos de tratamento valiosos. Uma breve sinopse das teorias que exercem mais influência sobre o pensamento psiquiátrico atual é apresentada a seguir. Cada uma contém visões que merecem consideração, pois aumentam nosso entendimento acerca das complexidades do comportamento humano. Além disso, ilustram a diversidade de orientações teóricas que caracterizam a psiquiatria atual.
246
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
KARL ABRAHAM (1877-1925) Um dos primeiros discípulos de Sigmund Freud foi o primeiro psicanalista da Alemanha. É mais conhecido por sua explicação da depressão segundo a perspectiva psicanalítica e por sua elaboração dos estágios de Freud do desenvolvimento psicossexual. Abraham dividiu o estágio oral em uma fase de morder e uma de chupar, o estágio anal em uma fase destrutiva-expulsiva (analsádica) e uma fase de domínio-retenção (anal-erótica) e o estágio fálico em uma fase inicial de amor genital parcial (fase fálica verdadeira) e uma fase genital madura posterior. Também relacionou os estágios psicossexuais com determinadas síndromes. Por exemplo, postulou que a neurose obsessiva resultava de uma fixação na fase anal-sádica, e a depressão, de uma fixação no estágio oral. ALFRED ADLER (1870-1937) Alfred Adler (Fig. 6.3-1) foi um dos principais discípulos de Freud, mas diferenças teóricas os levaram a uma desavença final. Adler pensava que Freud enfatizava demais a teoria sexual da neurose e
que a agressividade era muito mais importante, especificamente em sua manifestação como uma busca por poder, que julgava ser um traço masculino. Ele introduziu o termo protesto masculino para descrever a tendência de passar de um papel passivo e feminino para um papel ativo e masculino. Suas teorias são conhecidas coletivamente como psicologia do indivíduo. Adler cunhou o termo complexo de inferioridade para se referir a um sentido de inadequação e fraqueza universal e inato. A auto-estima de uma criança em desenvolvimento é comprometida por um defeito físico cujo fenômeno foi cunhado de inferioridade de órgãos. Ele também acreditava que havia uma inferioridade básica ligada aos desejos edipianos das crianças que nunca seria gratificada. Ele foi um dos primeiros teóricos do desenvolvimento a reconhecer a importância da ordem de nascimento em suas famílias de origem. O primogênito reage com raiva ao nascimento dos irmãos e luta para não perder a posição de filho único. O segundo deve lutar constantemente para competir com o primogênito. Adler considerava que a posição da criança em relação aos irmãos tinha uma influência vitalícia sobre seu caráter e estilo de vida. A principal abordagem terapêutica na terapia adleriana é o encorajamento, pelo qual se acreditava que os pacientes poderiam superar seus sentimentos de inferioridade. Segundo o estudioso, relacionamentos humanos consistentes proporcionam mais esperança, menos isolamento e maior participação na sociedade. Assim, os pacientes deveriam desenvolver um sentido maior de sua própria dignidade e valor e uma apreciação renovada de suas habilidades e pontos fortes.
FRANZ ALEXANDER (1891-1964) Franz Alexander (Fig. 6.3-2) emigrou da Alemanha para os Estados Unidos, onde se estabeleceu e fundou o Instituto de Psicaná-
FIGURA 6.3-1 Alfred Adler (assinatura incluída na foto). (Cortesia de Alexandra Adler.)
FIGURA 6.3-2 Franz Alexander. (Cortesia de Franz Alexander.)
TEORIAS DA PERSONALIDADE E
lise de Chicago. Escreveu extensivamente sobre a associação entre traços de personalidade específicos e certas doenças psicossomáticas, um ponto de vista que passou a ser conhecido como a hipótese da especificidade. Alexander sofreu a desaprovação dos analistas clássicos por defender a experiência emocional corretiva como parte da técnica analítica. Em sua abordagem, sugeria que o analista deve adotar deliberadamente um modo particular de se relacionar com o paciente para contrabalançar influências nocivas dos pais do paciente na infância. Ele acreditava que um relacionamento de confiança e apoio entre ambos propiciava que o paciente resolvesse traumas da infância e crescesse com a experiência. GORDON ALLPORT (1896-1967) Psicólogo norte-americano, conhecido como o fundador da escola humanista de psicologia, que sustenta que cada pessoa tem um potencial inerente de funcionamento e crescimento autônomo. Na Harvard University, lecionou a primeira disciplina de psicologia da personalidade oferecida em uma faculdade no país. Allport considerava que a única garantia real que uma pessoa tem da existência é um sentido de self. A individualidade se desenvolve por meio de uma série de estágios, desde a consciência do corpo até a identidade pessoal. O termo propriem era usado para descrever as buscas relacionadas à manutenção da identidade pessoal e da autoestima, enquanto traços se referia às principais unidades da estrutura da personalidade. As disposições pessoais são traços individuais que representam a essência da personalidade única de um indivíduo. A maturidade é caracterizada pela capacidade de se relacionar com outras pessoas com afeto e intimidade e um sentido de self mais amplo. Segundo Allport, pessoas maduras têm segurança, senso de humor, discernimento, entusiasmo e alegria. A psicoterapia visa a ajudar os pacientes a adquirir tais características.
PSICOPATOLOGIA
fundo do que o das interpretações explanatórias verbais comuns. Embora parte do material que envolve os estágios psicossexuais genitais do desenvolvimento possa ser interpretada a partir da perspectiva dos conflitos intrapsíquicos, considerava que certos fenômenos verbais são experimentados novamente na análise e que o próprio relacionamento é decisivo para lidar com esse campo da experiência precoce.
ERIC BERNE (1910-1970) Eric Berne (Fig. 6.3-3) começou sua vida profissional como supervisor e instrutor de analistas em teoria e técnica psicanalítica clássica, mas acabou por desenvolver sua própria escola, conhecida como análise transacional. Uma transação é um estímulo apresentado por uma pessoa que evoca uma resposta correspondente em outra. Berne definiu os jogos psicológicos como transações estereotipadas e previsíveis aprendidas na infância e que permanecem ao longo da vida. Os fatores motivacionais básicos do comportamento humano consistem em recompensas específicas, como aprovação e amor. Todas as pessoas possuem três estados do ego dentro de si: a criança, que representa os elementos primitivos fixados na primeira infância, o adulto, a parte da personalidade capaz de fazer avaliações objetivas da realidade, e o pai, uma introjeção de valores dos pais verdadeiros da pessoa. O processo terapêutico visa a ajudar os pacientes a compreenderem se estão funcionando no modo da criança, do adulto ou do pai em suas interações com os outros. À medida que aprendem a reconhecer os jogos característicos que são mobilizados repetidamente ao longo da vida, podem funcionar o máximo possível no modo adulto em seus relacionamentos interpessoais.
MICHAEL BALINT (1896-1970) Considerado membro do grupo independente ou intermediário dos teóricos das relações de objeto no Reino Unido, Balint acreditava que a necessidade de um objeto de amor primário está por trás de praticamente todos os fenômenos psicológicos. Os bebês querem ser amados total e incondicionalmente, e quando a mãe não proporciona a nutrição apropriada, a criança dedica sua vida a buscar o amor perdido na infância. Segundo ele, a falta básica é o sentimento de muitos pacientes de que algo está incompleto. Como Ronald Fairbairn e Donald W. Winnicott, Balint defendia que esse déficit em estrutura interna resultava de falhas maternas. Todas as motivações psicológicas eram consideradas oriundas da ausência de amor materno adequado. Contudo, ao contrário de Fairbairn, Balint não abandonou completamente a teoria do impulso. Ele sugeria, por exemplo, que a libido é a busca de prazeres e objetos. Trabalhou ainda com pacientes gravemente perturbados e, como Winnicott, acreditava que certos aspectos do tratamento psicanalítico ocorrem em um nível mais pro-
247
FIGURA 6.3-3 Eric Berne. (Cortesia da Grove Press.)
248
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
WILFRED BION (1897-1979) Expandiu o conceito de Melanie Klein de identificação projetiva para incluir um processo interpessoal no qual o terapeuta se sente coagido a desempenhar determinado papel no mundo interno do paciente. Também desenvolveu a noção de que o terapeuta deve conter aquilo que o paciente projetou, para que seja processado e devolvido em uma forma modificada. Bion acreditava que um processo semelhante ocorre entre a mãe e o bebê. Para ele, os aspectos “psicóticos” e “não-psicóticos” da mente funcionam simultaneamente como suborganizações. Bion provavelmente seja melhor conhecido por sua aplicação das idéias psicanalíticas em grupos. Sempre que um grupo se desvia de sua tarefa, deteriora-se em três estados básicos: dependência, acasalamento e luta-e-fuga. JOHN BOWLBY (1907-1990) Costuma ser considerado o fundador da teoria do apego. Suas idéias sobre o assunto foram formuladas na década de 1950, enquanto prestava consultoria para a Organização Mundial da Saúde sobre os problemas que a falta de moradia causava em crianças. Ele enfatizava que a essência do apego é a proximidade (i. e., a tendência de permanecer perto da mãe ou de seu cuidador). Sua teoria do vínculo entre a mãe e o bebê estava firmemente enraizada na biologia e se baseava amplamente na etologia da teoria evolucionista. Segundo Bowlby, o sentido básico de segurança é derivado de um relacionamento contínuo e íntimo com um cuidador. Essa prontidão ao apego é biológica, e, conforme enfatizava, recíproca. Os vínculos e o cuidado materno estão sempre entrelaçados ao comportamento de apego da criança. Bowlby sentia que sem essa proximidade precoce com a mãe e o cuidador, a criança não desenvolveria uma base segura, que ele julgava ser o ponto de partida para a independência. Na ausência de uma base segura, ela se sente assustada ou ameaçada, e o desenvolvimento é gravemente comprometido. Bowlby e a teoria do apego são discutidos em mais detalhes no Capítulo 4, Seção 4.2.
pressão sobre pessoas geneticamente diferentes para se conformarem às suas normas. Por exemplo, é provável que uma pessoa com uma tendência genética forte de dominação receba encorajamento social para se controlar, ao passo que uma naturalmente submissa seja encorajada a ser assertiva.
RONALD FAIRBAIRN (1889-1964) Analista escocês que trabalhou a maior parte de sua vida em relativo isolamento, foi um dos principais teóricos psicanalíticos da escola britânica das relações de objeto. Ele sugeriu que os bebês não são motivados principalmente pelos impulsos da libido e da agressividade, mas por um instinto de perseguir objetos. Fairbairn substituiu as idéias freudianas de energia, ego e id pela noção de estruturas dinâmicas. Quando o bebê enfrenta uma frustração, uma parte do ego é separada defensivamente no curso do desenvolvimento e funciona como uma entidade em relação aos objetos internos e às suas outras subdivisões. Também enfatizou que não apenas um objeto, mas uma relação de objeto é internalizada durante o desenvolvimento, de modo que o sujeito sempre está se relacionando com um objeto, e ambos estão conectados a um afeto. SÁNDOR FERENCZI (1873-1933) Embora o analista húngaro Sándor Ferenczi tenha sido analisado e influenciado por Freud, acabou descartando suas técnicas e introduzindo seu próprio método de análise. Ele considerava os sintomas de seus pacientes relacionados a abusos sexuais e físicos sofridos na infância, e propôs que os analistas deveriam amar seus pacientes de um modo que compensasse o amor que não receberam quando crianças. Ele desenvolveu um procedimento conhecido como terapia ativa, no qual encorajava os pacientes a desenvolverem uma consciência da realidade mediante a confrontação ativa com o terapeuta. Também experimentou a análise mútua, na qual analisava o paciente em uma sessão e permitia que este o analisasse em outra.
RAYMOND CATTELL (1905-1998) ERICH FROMM (1900-1980) Obteve seu título de Ph.D. na Inglaterra antes de se mudar para os Estados Unidos. Foi responsável por introduzir o uso da análise multivariada e da análise fatorial – procedimentos estatísticos que examinam simultaneamente as relações entre variáveis e fatores múltiplos – no estudo da personalidade. Analisando objetivamente os registros da vida de uma pessoa, com o uso de entrevistas e dados de questionários pessoais, Cattell descreveu uma variedade de traços que representam os blocos constitutivos da personalidade. Esses traços se baseiam na biologia (determinados) ou aprendidos no ambiente (aprendidos). Os primeiros incluem sexo, gregarismo, agressividade e proteção parental. Os segundos, idéias culturais como o trabalho, a religião, o romantismo e a identidade. Um conceito importante é a lei da coação ao meio biossocial, a qual refere que a sociedade exerce
Erich Fromm (Fig. 6.3-4) mudou-se, em 1933, da Alemanha para os Estados Unidos, onde fez o Ph.D. Foi muito importante na fundação do Instituto de Psiquiatria William Alanson White, em Nova York. Identificou cinco tipos de caráter comuns na cultura ocidental e determinados por ela. Cada pessoa pode possuir qualidades de um ou mais tipos, que são (1) a personalidade receptiva, que é passiva; (2) a personalidade exploratória, que é manipulativa; (3) a personalidade mercantil, que é oportunista e mutável; (4) a personalidade acumuladora, que economiza e armazena; e (5) a personalidade produtiva, que é madura e aprecia o amor e o trabalho. O processo terapêutico envolve fortalecer o sentido de comportamento ético da pessoa para com os outros e desenvolver um amor produtivo, caracterizado por cuidado, responsabilidade e respeito em relação a outras pessoas.
TEORIAS DA PERSONALIDADE E
PSICOPATOLOGIA
249
fesa central, ela enriqueceu muito os mecanismos de defesa individuais, incluindo a formação de reações, a regressão, o desfazer, a introjeção, a identificação, a projeção, o ato de voltar-se contra si mesmo, a reversão e a sublimação. Também foi uma figura fundamental no desenvolvimento da psicologia moderna do ego, no sentido de que enfatizou que havia “profundidade na superfície”. Em outras palavras, as defesas usadas pelo ego para evitar os desejos inaceitáveis do id são complexas e dignas de atenção. Até esse ponto, o foco principal estava em revelar desejos sexuais e agressivos inconscientes. Fez ainda contribuições seminais para o campo da psicanálise infantil e estudou a função do ego no desenvolvimento da personalidade. Fundou e dirigiu o curso e a clínica de terapia infantil de Hampstead, em Londres, em 1947. MERTON M. GILL (1914-1994)
FIGURA 6.3-4 Erich Fromm. (Cortesia de Erich Fromm.)
ANNA FREUD (1895-1982) Anna Freud (Fig. 6.3-5), filha de Sigmund Freud, fez suas próprias contribuições para a psicanálise. Enquanto seu pai se concentrava principalmente na repressão como o mecanismo de de-
Começou sua carreira na Clínica Menninger, na década de 1940, trabalhando com David Rappaport na elaboração da psicologia do ego. À medida que sua carreira evoluiu, tornou-se líder naquilo que hoje se chama de visão social construtivista. Gill sugeria que os fatos dentro do processo psicanalítico não são observados de forma objetiva ou diretiva pelo analista mas, ao contrário, dependem da concordância entre este e o analisado. Defendia dois elementos principais da perspectiva social construtivista: a percepção da transferência do paciente baseia-se, em determinado grau, no comportamento real do próprio analista, e sua participação pessoal no processo analítico tem um efeito contínuo sobre o paciente e sobre a forma como o analista o compreende. KURT GOLDSTEIN (1878-1965) Nasceu na Alemanha e fez o Ph.D. na University of Breslau. Foi influenciado pelo existencialismo e pela psicologia da Gestalt – cada organismo tem propriedades dinâmicas, que são fontes de energia relativamente constantes e igualmente distribuídas. Quando estados de tensão-desequilíbrio ocorrem, o organismo tenta, automaticamente, retornar ao seu estado normal. O que acontece em uma parte do organismo afeta todas as outras áreas, um fenômeno conhecido como holocenose. A auto-realização é um conceito que Goldstein usava para descrever os poderes criativos das pessoas para realizar suas potencialidades. Como cada uma possui um conjunto diferente de potencialidades inatas, a auto-realização é buscada em diferentes caminhos. A doença afeta essa característica de forma significativa. As respostas a perturbações da integridade de um organismo podem ser rígidas e compulsivas, e a regressão a modos mais primitivos de comportamento é comum. Uma das principais contribuições de Goldstein foi a identificação da reação catastrófica a lesões cerebrais, na qual a pessoa se torna temerosa e agitada, recusando realizar as tarefas mais simples por medo de um possível fracasso.
KAREN HORNEY (1885-1952) FIGURA 6.3-5 Anna Freud (1895-1982). (De Carson RC, Butcher JN, Coleman JC. Abnormal Psychology and Modern Life. 8th ed. Boston: Scott, Foresman, 1988:66. Copyright UPI/Bettman Newsphotos.)
Nascida e educada na Alemanha, Karen Horney (Fig. 6.3-6) lecionou no Instituto de Psicanálise de Berlin antes de imigrar para
250
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
zou que a decepção do bebê com o objeto materno não está necessariamente relacionada ao fracasso real da mãe. Conforme a visão de Jacobson, a decepção está ligada a uma demanda específica e determinada pelos impulsos, em vez de ser uma busca global por contato e envolvimento. Considerava a experiência de prazer ou “desprazer” do bebê como o centro do relacionamento inicial entre ele e sua mãe. Experiências satisfatórias levam à formação de imagens boas ou gratificantes, ao passo que as insatisfatórias resultam em imagens más e frustrantes. O desenvolvimento normal e patológico baseia-se na evolução dessas auto-imagens e das imagens de objetos. Jacobson acreditava que o conceito de fixação se refere a modos de relações objetais, e não a de modos de gratificação. CARL GUSTAV JUNG (1875-1961)
FIGURA 6.3-6 Karen Horney. (Cortesia da Association for the Advancement of Psychoanalysis, New York.)
Carl Gustav Jung (Fig. 6.3-7), psiquiatra suíço, formou uma escola de psicanálise conhecida como psicologia analítica, que inclui idéias básicas relacionadas às teorias de Freud, mas que vão além delas. Após, inicialmente, ser discípulo de Freud, Jung rompeu com ele por causa da ênfase posterior na sexualidade infantil. Ele explorou o conceito de Freud do inconsciente, descrevendo o inconsciente coletivo, que consiste do passado mitológico e simbólico compartilhado de toda a humanidade. O inconsciente coletivo inclui os arquétipos – imagens e configurações representativas com significados simbólicos universais. Existem figuras ar-
os Estados Unidos. Segundo ela, os atributos atuais da personalidade de uma pessoa resultam da sua interação com o ambiente e não se baseiam unicamente em desejos libidinais infantis. Sua teoria, conhecida como psicologia holística, sustenta que uma pessoa precisa ser vista como um todo unitário, que influencia e é influenciado pelo ambiente. Acreditava que o complexo de Édipo era supervalorizado em termos de sua contribuição para a psicopatologia adulta, mas também que atitudes parentais rígidas quanto à sexualidade levavam a uma preocupação excessiva com os órgãos genitais. Propôs três conceitos de self: o self atual, a soma total das experiências da pessoa; o self verdadeiro, a pessoa harmoniosa e saudável; e o self idealizado, a expectativa neurótica ou a imagem idealizada que a pessoa julga que deveria ser. O sistema de orgulho aliena a pessoa em relação ao do self verdadeiro, superenfatizando o prestígio, o intelecto, o poder, a força, a aparência, a potência sexual e outras qualidades que podem levar à autodestruição e ao ódio contra si mesmo. Horney também estabeleceu os conceitos de ansiedade e confiança básicas. O processo terapêutico, segundo ela, visa à auto-realização, explorando influências distorcidas que impedem o desenvolvimento da personalidade.
EDITH JACOBSON (1897-1978) Edith Jacobson, uma psiquiatra dos Estados Unidos, acreditava que o modelo estrutural e a ênfase nas relações de objeto não eram fundamentalmente incompatíveis. Segundo ela, o ego, as auto-imagens e as imagens de objetos exercem influências recíprocas sobre o desenvolvimento uns dos outros. Também enfati-
FIGURA 6.3-7 Carl Gustav Jung (assinatura incluída na foto). (Cortesia da National Library of Medicine, Bethesda, MD.)
TEORIAS DA PERSONALIDADE E
quetípicas para a mãe, o pai, os filhos e os heróis, entre outros. Esse tipo de representação contribui para os complexos, idéias fundidas com sentimentos que ocorrem como resultado da experiência pessoal de interagir com o imaginário arquetípico. Assim, um complexo de mãe pode ser determinado não apenas por sua interação como filho, mas pelo conflito entre a expectativa arquetípica e a experiência real com a mulher verdadeira que opera no papel de mãe. Jung observou que existem dois tipos de organização da personalidade: a introversão e a extroversão. Os introvertidos concentram-se em seu mundo interior de pensamentos, intuições, emoções e sensações, enquanto os extrovertidos são mais orientados para o mundo exterior, para outras pessoas e para bens materiais. Cada pessoa se constitui de uma mescla dos dois componentes. A persona, a máscara que cobre a personalidade, é o rosto apresentado para o mundo exterior. Esta pode se fixar, enquanto a pessoa real se esconde de si mesma. Anima e animus são traços inconscientes que homens e mulheres possuem, respectivamente, e são comparados à persona. Anima refere-se à feminilidade rudimentar do homem, enquanto animus refere-se à masculinidade rudimentar da mulher. O objetivo do tratamento junguiano é proporcionar uma adaptação adequada à realidade, que envolve o fato de a pessoa realizar suas potencialidades criativas. O objetivo final é alcançar a individuação, um processo que continua por toda a vida, no qual é possível desenvolver um sentido único da própria identidade. Esse processo evolutivo direciona as pessoas para novos caminhos, afastando-as dos rumos anteriores de suas vidas.
OTTO KERNBERG (1928-)
PSICOPATOLOGIA
251
MELANIE KLEIN (1882-1960) Melanie Klein (Fig. 6.3-8) nasceu em Viena, trabalhou com Abraham e Ferenczi, e depois se mudou para Londres. Desenvolveu uma teoria de relações internas de objeto intimamente ligada aos impulsos. Sua perspectiva singular baseou-se amplamente no trabalho psicanalítico com crianças, com o qual ficou impressionada pelo papel das fantasias intrapsíquicas inconscientes. Ela postulou que o ego passa por um processo de clivagem para lidar com o medo da aniquilação. Da mesma foma, acreditava que o conceito de Freud do instinto de morte era central para entender a agressividade, o ódio, o sadismo e outras formas de “maldade”, que considerava como derivados do instinto de morte. Klein percebia a projeção e a introjeção como as principais operações defensivas dos primeiros meses de vida. Os bebês projetam derivados do instinto de morte na mãe e depois temem ser agredidos pela “mãe má”, um fenômeno que chamou de ansiedade de perseguição. Essa ansiedade está intimamente ligada à posição paranóide-esquizóide, o modo como os bebês organizam a experiência, no qual todos os seus aspectos, assim como os da mãe, são divididos em elementos positivos e negativos. À medida que essas visões discrepantes são integradas, os bebês se preocupam com o fato de poderem ter prejudicado ou destruído a mãe, direcionando suas fantasias sádicas e hostis para ela. Nesse estágio do desenvolvimento, as crianças chegam à posição depressiva, na qual a mãe é vista de forma ambivalente como tendo aspectos positivos e negativos e como o alvo de uma mistura de sentimentos de amor e ódio. Klein também foi instrumental para o desenvolvimento da análise infantil, que evoluiu de uma técnica analítica de jogo, na qual as crianças usavam brinquedos e brincavam de maneira simbólica, permitindo que os analistas interpretassem essa relação.
Este talvez seja o mais influente teórico das relações de objeto dos Estados Unidos. Influenciado por Klein e Jacobson, grande parte de sua teoria é derivada do trabalho clínico com pacientes com transtorno da personalidade borderline. Kernberg coloca uma grande ênfase na clivagem do ego e na elaboração de autoconfigurações e configurações de objetos positivas e negativas. Embora tenha continuado a usar o modelo estrutural, acredita que o id é composto de auto-imagens, imagens de objeto e afetos associados a elas. Os impulsos parecem somente se manifestar no contexto de experiências interpessoais internalizadas. Autorepresentações e relações de objeto positivas e negativas são, respectivamente, associadas à libido e à agressividade. As relações de objeto não apenas compõem os blocos constitutivos da estrutura, mas também dos impulsos. O caráter positivo ou negativo das experiências relacionais precede a catexe do impulso. Em outras palavras, os instintos duplos da libido e da agressividade surgem de estados afetivos de amor e ódio direcionados para os objetos. Kernberg propôs o termo organização borderline da personalidade para um amplo espectro de pacientes caracterizados pela falta de um sentido integrado de identidade, por um ego fraco, pela ausência de integração do superego, pelo uso de mecanismos de defesa primários, como a clivagem e a identificação projetiva, e pela tendência de voltarse para um processo de pensamento primário. Sugeriu um tipo específico de psicoterapia psicanalítica para esses pacientes, na qual as questões relacionadas à transferência são interpretadas no começo do processo.
FIGURA 6.3-8 Melanie Klein. (Cortesia de Melanie Klein e Douglas Glass.)
252
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
HEINZ KOHUT (1913-1981) É mais conhecido por seus escritos sobre o narcisismo e o desenvolvimento da psicologia do self. Ele considerava que o desenvolvimento e a manutenção da auto-estima e da autocoesão eram mais importantes do que a sexualidade e a agressividade. Descreveu o conceito de narcisismo de Freud como preconceituoso, pois o desenvolvimento supostamente ocorreria rumo às relações objetais, distanciando-se do narcisismo. Foram concebidas duas linhas distintas de desenvolvimento, uma que ia na direção das relações objetais e outra que ia na direção de um maior aperfeiçoamento do self. Na infância, as crianças temem perder a proteção inicial decorrente da relação bebê-mãe, e voltam-se para três caminhos possíveis para manter a perfeição perdida: o self grandioso, o alter ego, ou gemelaridade, e a imagem parental idealizada. Esses três pólos se manifestam no tratamento psicanalítico na forma de transferências de características, conhecidas como transferências self-objeto. O self grandioso leva a uma transferência de espelho, na qual os pacientes tentam capturar o brilho dos olhos do analista por meio de uma autodemonstração exibicionista. O alter ego leva à transferência de gemelaridade, na qual os pacientes percebem o analista como um gêmeo seu. A imagem parental idealizada leva a uma transferência idealizada, na qual os pacientes sentem maior auto-estima por estarem na presença da figura exaltada do analista. Kohut sugeria que as falhas empáticas da mãe resultam em bloqueio evolutivo em determinado estágio, quando as crianças precisam valer-se de outras pessoas para cumprir com funções de self-objeto. Embora tenha aplicado essa formulação originalmente ao transtorno da personalidade narcisista, ele a expandiu posteriormente para aplicá-la a todas as psicopatologias.
JACQUES LACAN (1901-1981) Nascido em Paris e com formação como psiquiatra, fundou seu próprio instituto, a Escola Freudiana de Paris. Tentou integrar os conceitos intrapsíquicos de Freud a conceitos relacionados à lingüística e à semiótica (o estudo da linguagem e dos símbolos). Enquanto Freud considerava o inconsciente como um caldeirão de necessidades, desejos e instintos, para Lacan, tratava-se de um tipo de linguagem que ajuda a estruturar o mundo. Dois de seus principais conceitos são que o inconsciente é estruturado como uma linguagem e que o mesmo é um discurso. Os pensamentos de processo primário são seqüências descontroladas de significados. Os sintomas são sinais ou símbolos de processos subjacentes. O papel do terapeuta é interpretar o texto semiótico da estrutura da personalidade. A fase mais básica de Lacan é o estágio do espelho, no qual os bebês aprendem a se reconhecer, assumindo a perspectiva das outras pessoas. Nesse sentido, o ego não faz parte do self, é algo que está fora dele, mas que o self enxerga. O ego passa a representar os pais e a sociedade mais do que o self da pessoa. Sua abordagem terapêutica envolve a necessidade de se tornar menos alienado do self e mais envolvido com os outros. Os relacionamentos muitas vezes são fantasiosos, o que distorce a realidade e deve ser corrigido. Dentre suas crenças mais controversas,
acreditava que a resistência a entender o relacionamento real pode ser reduzida diminuindo-se o tempo da sessão de terapia e que as sessões psicanalíticas não devem ser padronizadas pelo tempo, mas por seu conteúdo e processo. KURT LEWIN (1890-1947) Fez o Ph.D. em Berlin, mudou-se para os Estados Unidos em 1930 e lecionou em Cornell, Harvard e no Instituto de Tecnologia de Massachusetts. Adaptou a abordagem de campo da física a um conceito chamado teoria de campo. Um campo é a totalidade de partes coexistentes e mutuamente interdependentes. O comportamento é função das pessoas e de seu ambiente, que, juntos, formam o espaço de vida. Este representa um campo em fluxo constante, com valências ou necessidades que exigem satisfação. Uma pessoa com fome presta mais atenção a restaurantes do que alguém que acaba de comer, e alguém que quer colocar uma carta no correio atem-se mais a caixas de correio. Lewin aplicou a teoria do campo a grupos. A dinâmica de grupo refere-se à interação entre seus membros, que dependem uns dos outros. O grupo pode exercer pressão sobre uma pessoa para que ela mude seu comportamento, mas esta também influencia o grupo quando a mudança ocorre. ABRAHAM MASLOW (1908-1970) Abraham Maslow (Fig. 6.3-9) nasceu no Brooklyn, em Nova York, e concluiu seus estudos de graduação e pós-graduação na University of Wisconsin. Juntamente com Goldstein, acreditava na teoria da auto-realização – a necessidade de entender a totalidade da pessoa. Um líder na psicologia humanista, Maslow descreveu uma organização hierárquica de necessidades presente em todas as pessoas. À medida que as mais primitivas, como fome e sede, são satisfeitas, necessidades psicológicas mais avançadas, como afeto e auto-estima, tornam-se os principais motivadores. A auto-realização é a mais elevada entre todas elas. Uma experiência de pico, que ocorre freqüentemente naqueles que alcançam a auto-realização, é um acontecimento breve e episódico no qual se experimenta um poderoso estado de consciência transcendental – sensação de maior compreensão, euforia intensa, natureza integrada, unidade com o universo e percepção alterada do tempo e do espaço. Essa experiência tende a ocorrer com mais freqüência em indivíduos psicologicamente saudáveis e pode produzir efeitos benéficos duradouros.
KARL A. MENNINGER (1893-1990) Foi um dos primeiros médicos nos Estados Unidos a ter formação psiquiátrica. Juntamente com seu irmão, Will, criou o conceito de hospital psiquiátrico com base nos princípios psicanalíticos e fundou a clínica Menninger, em Topeka, Kansas. Também foi um escritor prolífico. The Human Mind, um de seus livros mais conhecidos, levou o conhecimento psicanalítico ao público leigo. Defendeu a validade do instinto de morte de Freud em
TEORIAS DA PERSONALIDADE E
PSICOPATOLOGIA
253
FIGURA 6.3-10 Adolf Meyer (1866-1950). (De National Library of Medicine, Bethesda, MD.) FIGURA 6.3-9 Abraham H. Maslow (1908-1970). (De Carson RC, Butcher JN, Coleman JC. Abnormal Psychology and Modern Life, 8th ed. Boston: Scott, Foresman, 1988:74. Copyright The Bettman Archive.)
GARDNER MURPHY (1895-1979) Man Against Himself, e The Vital Balance foi a sua obra-prima, na qual formulou uma teoria singular da psicopatologia. Menninger manteve um interesse prolongado no sistema de justiça criminal e argumentou, em The Crime of Punishment, que muitos criminosos condenados necessitavam de tratamento em vez de punição. Por fim, o volume intitulado Theory of Psychoanalytic Technique foi um dos poucos livros a examinar os fundamentos teóricos das intervenções psicanalíticas. ADOLF MEYER (1866-1950) Adolf Meyer (Fig. 6.3-10) mudou-se da Suíça para os Estados Unidos em 1892 e tornou-se diretor da clínica psiquiátrica Henry Phipps, na Johns Hopkins Medical School. Embora não rejeitasse totalmente a ênfase teórica de Freud no funcionamento mental, preferia deter-se nos aspectos verificáveis e objetivos da vida da pessoa. Sua teoria da psicobiologia explicava o comportamento desordenado como reações a estresses genéticos, físicos, psicológicos, ambientais e sociais. Meyer introduziu o conceito de psiquiatria de senso comum e se concentrou na maneira como a situação atual da vida do paciente pode ser melhorada de forma realista. Estabeleceu, ainda, o conceito de ergasia, a ação do organismo total. Seu objetivo na terapia era apoiar a adaptação dos pacientes, ajudando-os a modificar adaptações doentias. Uma das ferramentas de Meyer era um mapa autobiográfico que o paciente construía durante a terapia.
Nasceu em Ohio e concluiu o Ph.D. na Columbia University. Foi um dos primeiros a publicar uma teoria abrangente da psicologia e fez importantes contribuições para a psicologia social, geral e educacional. Segundo Murphy, os três estágios essenciais do desenvolvimento da personalidade são o estágio da completude indiferenciada, o estágio da diferenciação e o estágio da integração. Essa evolução muitas vezes é desigual, havendo regressão e progressão ao longo do caminho. Existem quatro necessidades humanas inatas: visceral, motora, sensorial e relacionada a emergências, as quais se tornam cada vez mais específicas quando são moldadas pela experiência em vários contextos sociais e ambientais. A canalização gera essas mudanças, estabelecendo uma conexão entre uma dada necessidade e uma forma específica de satisfazê-la. Murphy se interessava pela parapsicologia. Estados como sono, torpor, certas condições tóxicas e de uso drogas, hipnose e delirium tendem a ser fontes interessantes para experiências paranormais. Os obstáculos à consciência paranormal incluem diversas barreiras intrapsíquicas, as condições do ambiente social geral e um investimento pesado em experiências sensoriais comuns. HENRY MURRAY (1893-1988) Nasceu em Nova York, onde cursou a faculdade de medicina e foi um dos fundadores do Instituto Psicanalítico de Boston. Propôs o termo personologia para descrever o estudo do comportamento
254
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
FIGURA 6.3-11 Fritz Perls, à direita, conduzindo uma sessão de grupo. (Cortesia de Michael Alexander.)
humano. Concentrava-se na motivação, uma necessidade produzida pela estimulação interna ou externa. Uma vez excitada, a motivação gera uma atividade continuada até que a necessidade seja reduzida ou satisfeita. Ele desenvolveu o Teste de Apercepção Temática (TAT), uma técnica projetiva usada para revelar processos mentais e áreas de problemas inconscientes e conscientes. FREDERICK S. PERLS (1893-1970)
OTTO RANK (1884-1939) O psicólogo austríaco e discípulo de Sigmund Freud, Otto Rank (Fig. 6.3-13), rompeu com o mestre após a publicação em 1924, de O trauma do nascimento, e desenvolveu uma nova teoria, que chamou de trauma do nascimento. A ansiedade está correlacionada à separação da mãe – especificamente, com a separação do útero, a fonte de gratificação sem esforço. Essa experiência dolorosa resulta em grande ansiedade. O sono e os sonhos simbolizam o retorno ao útero.
A teoria da Gestalt foi desenvolvida na Alemanha sob influência de diversos nomes: Max Wertheimer (1880-1943), Wolfgang Köhler (1887-1967) e Lewin. Frederick “Fritz” Perls (Fig. 6.3-11) aplicou essa teoria a uma terapia que enfatiza as experiências atuais do paciente no aqui e no agora, ao contrário do “lá” e, por extensão, das escolas psicanalíticas. Em termos de motivação, os pacientes aprendem a reconhecer suas necessidades em determinado momento, e a forma como os impulsos satisfazem essas necessidades pode influenciar seu comportamento atual. Segundo o ponto de vista da Gestalt, o comportamento representa mais do que a soma de suas partes. Uma Gestalt, ou um todo, inclui e vai além da soma de eventos menores e independentes. Ela lida com as características essenciais da experiência real, como valor, significado e forma. SANDOR RADO (1890-1972) Sandor Rado (Fig. 6.3-12) mudou-se da Hungria para os Estados Unidos em 1945 e fundou o Columbia Psychoanalytic Institute, em Nova York. Suas teorias da dinâmica adaptativa sustentam que o organismo é um sistema biológico que opera sob controle hedônico, semelhante ao princípio do prazer de Freud. Os fatores culturais muitas vezes levam a um controle hedônico excessivo e a um comportamento desordenado que interferem na capacidade de auto-regulação do organismo. Na terapia, o paciente deve reaprender como experimentar sentimentos prazerosos.
FIGURA 6.3-12 Sandor Rado. (Cortesia da New York Academy of Medicine, New York.)
TEORIAS DA PERSONALIDADE E
PSICOPATOLOGIA
255
FIGURA 6.3-14 Wilhelm Reich. (Cortesia da New York Academy of Medicine, New York.)
FIGURA 6.3-13 Otto Rank. (Cortesia da New York Academy of Medicine, New York.)
A personalidade é dividida em impulsos, emoções e vontade. Os impulsos das crianças buscam liberação e gratificação imediatas. À medida que esses impulsos são controlados, como no treinamento para o uso do toalete, as crianças começam o processo de desenvolvimento da vontade. Se esta é exagerada, podem se desenvolver traços patológicos (p. ex., teimosia, desobediência e inibições). WILHELM REICH (1897-1957) Wilhelm Reich (Fig. 6.3-14), um psicanalista austríaco, fez contribuições importantes para a psicanálise na área da formação e dos tipos de caráter. O termo couraça do caráter refere-se às defesas da personalidade que atuam como resistência à autocompreensão e à mudança. Existem quatro tipos principais de caráter: o caráter histérico é sexualmente sedutor, ansioso e fixado na fase fálica do desenvolvimento da libido; o caráter compulsivo é controlado, desconfiado, indeciso e fixado na fase anal; o caráter narcisista é fixado na fase fálica do desenvolvimento e, no caso dos homens, há desprezo pelas mulheres; e o caráter masoquista é sofredor, queixoso e autodepreciativo, com uma demanda excessiva por amor. O processo terapêutico, chamado terapia da vontade, enfatiza o relacionamento entre o paciente e o terapeuta. O objetivo do tratamento é ajudar aquele a aceitar sua separação. Uma data definida para o término da terapia é usada para prevenir a dependência excessiva do profissional.
CARL ROGERS (1902-1987) Carl Rogers (Fig. 6.3-15) realizou o Ph.D. em psicologia na universidade de Columbia. Após cursar o Union Theological Seminary, em Nova York, estudou para ser padre. Na psicoterapia, seu nome é mais associado à teoria centrada na pessoa, na qual os principais conceitos são a auto-realização e a autodireção. Especificamente, as pessoas nascem com a capacidade de se direcionarem da forma mais saudável até um nível de completude chamado auto-realização. A partir dessa abordagem, Rogers percebia a pessoa não como uma entidade estática composta de traços e padrões, mas como um fenômeno dinâmico que envolve comunicações, relacionamentos e autoconceitos mutáveis. Ele desenvolveu um programa de tratamento chamado psicoterapia centrada no cliente. Os terapeutas tentam produzir uma atmosfera em que os clientes possam reconstruir a sua busca pela auto-realização. Aqueles têm uma visão positiva incondicional destes, que é sua aceitação como são. Outras práticas terapêuticas incluem a atenção ao presente, o foco nos sentimentos dos clientes, a ênfase no processo, a confiança no potencial e a responsabilidade pessoal dos mesmos e uma filosofia baseada em uma atitude positiva para com eles, em vez de uma estrutura de tratamento pré-concebida.
JEAN-PAUL SARTRE (1905-1980) Nascido em Paris, escreveu peças e romances antes de se dedicar à psicologia. Foi prisioneiro de guerra dos alemães de 1940 a 1941, durante a II Guerra Mundial. Influenciado pelas idéias de Martin Heidegger, desenvolveu o que chamou de psicanálise existencial. O self reflexivo era um conceito fundamental na psicologia de Sartre.
256
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
FIGURA 6.3-16 B. F. Skinner.
FIGURA 6.3-15 Carl Rogers (1902-1987). (De Carson RC, Butcher JN, Coleman JC. Abnormal Psychology and Modern Life. 8th ed. Boston: Scott, Foresman, 1988:75. Copyright Hugh L. Wilkerson.)
Ele reconhecia que apenas os humanos conseguiam refletir sobre si mesmos como objetos, de modo que a experiência de “Ser” é exclusiva dos seres humanos no mundo natural. Essa capacidade de refletir leva as pessoas a imporem um significado sobre a existência. Para Sartre, esse significado permite criar a própria essência. Ele negava o campo da consciência. Acreditava que os humanos estavam condenados a serem livres e a enfrentarem o dilema existencial fundamental – sua solidão sem um deus para lhes proporcionar significado. Como resultado, cada indivíduo cria valores e significados. A neurose é uma fuga da liberdade, a chave para manter a saúde psicológica. Sartre não fez distinção entre a filosofia e a psicologia. Os psicólogos, assim como os filósofos, buscam a verdade sobre o mundo. Parte dessa verdade, segundo ele, era a dialética entre a consciência e o Ser. A consciência introduz o nada e é uma negação do ser-em-si. Os ideais são revelados em ações e não em crenças professadas.
pode-se dizer, do que as de qualquer outro teórico, exceto Freud, talvez. A magnitude e o alcance do seu impacto foram impressionantes. A abordagem de Skinner à personalidade era derivada de suas crenças mais básicas sobre o comportamento do que de uma teoria da personalidade específica. Para ele, a personalidade não era diferente de outros comportamentos ou conjuntos de comportamentos. Era adquirida, mantida e fortalecida, ou enfraquecida, segundo as mesmas regras de recompensa e punição que alteram qualquer outra forma de comportamento. O behaviorismo, sua teoria mais conhecida, diz respeito apenas ao comportamento observável e mensurável que pode ser operacionalizado. Muitos marcos abstratos e internalizados de outras teorias da personalidade dominantes encontram pouco espaço no modelo de Skinner. Conceitos como self, idéias e ego são considerados desnecessários para entender o comportamento, sendo, portanto, rejeitados. Pelo processo de condicionamento operante e pela aplicação de princípios básicos da aprendizagem, acredita-se que as pessoas desenvolvam conjuntos de comportamentos que caracterizam suas respostas ao mundo de estímulos que enfrentam em suas vidas. Esse conjunto de respostas é denominado personalidade.
HARRY STACK SULLIVAN (1892-1949) B. F. SKINNER (1904-1990) Burrhus Frederic Skinner (Fig. 6.3.16), mais conhecido como B. F. Skinner, fez o Ph.D. em psicologia na Harvard University, onde lecionou por muitos anos. Seu trabalho seminal sobre a aprendizagem operante contribui de forma significativa para muitos métodos atuais de modificação do comportamento, instrução programada e educação em geral. Suas crenças globais sobre a natureza do comportamento foram aplicadas de forma mais ampla,
Harry Stack Sullivan (Fig. 6.3-17) obteve sua formação em psiquiatria nos Estados Unidos nas décadas de 1920 e 1930, durante os primeiros anos da profunda influência de Freud na psiquiatria norte-americana. Porém, como Meyer, com quem estudou, insistiu em formular seus conceitos a partir de dados observáveis. Ele descreveu três modos de experimentar e pensar sobre o mundo. O modo prototáxico é o pensamento indiferenciado que não consegue separar o todo em partes ou usar símbolos. Costuma ocorrer na infância, também aparece em pacientes com es-
TEORIAS DA PERSONALIDADE E
PSICOPATOLOGIA
257
implementar novos padrões de comportamento. Essencialmente, as pessoas devem se enxergar como de fato são, em vez de como pensam que são ou como desejam que os outros as vejam. Sullivan é mais conhecido por seu trabalho psicoterapêutico com indivíduos gravemente perturbados. Ele acreditava que mesmo pacientes esquizofrênicos mais psicóticos poderiam ser acessados pelo relacionamento humano da psicoterapia.
DONALD W. WINNICOTT (1897-1971)
FIGURA 6.3-17 Harry Stack Sullivan. (Cortesia da New York Academy of Medicine, New York.)
quizofrenia. No modo paratáxico, os eventos são relacionados de forma causal por causa de conexões temporais ou seriais. Contudo, as relações lógicas não são percebidas. O modo sintáxico é o tipo mais lógico, racional e maduro de funcionamento cognitivo de que a pessoa é capaz. Esses três tipos de pensamento e experiência ocorrem concomitantemente em todas as pessoas. É raro haver uma pessoa que funcione apenas no modo sintáxico. A configuração dos traços da personalidade é conhecida como sistema do self, que se desenvolve em estágios e é o subproduto de experiências interpessoais, não um desdobramento de forças intrapsíquicas. Durante a primeira infância, a ansiedade ocorre pela primeira vez quando as necessidades primárias dos bebês não são satisfeitas. Na infância, dos 2 aos 5 anos, a principal tarefa da criança é aprender os requisitos da cultura e como lidar com adultos poderosos. Dos 5 aos 8 anos, ela tem a necessidade de ter amigos e deve aprender a lidar com eles. Na préadolescência, de 8 aos 12 anos, desenvolve-se a capacidade de amar e de trabalhar com outras pessoas do mesmo sexo. Esse período do melhor amigo é o protótipo para o sentido de intimidade. A experiência com amigos íntimos costuma estar ausente na história de pacientes com esquizofrenia. Durante a adolescência, as principais tarefas incluem a separação da família, o desenvolvimento de padrões e valores e a transição para a heterossexualidade. O processo terapêutico exige a participação ativa do terapeuta, que é conhecido como observador participante. Modos de experiência, em especial, o paratáxico, devem ser esclarecidos, devendo-se
Foi uma das figuras centrais na escola britânica da teoria das relações de objeto. Sua teoria acerca das organizações múltiplas do self incluía um self verdadeiro, que ocorre no contexto de um ambiente acolhedor, responsivo, proporcionado por uma mãe suficientemente boa. Quando os bebês experimentam uma perturbação traumática em seu sentido crescente de self, contudo, surge um falso self, que monitora e se adapta às necessidades conscientes e inconscientes da mãe. Assim, ele proporciona um exterior protegido, sob o qual o self verdadeiro tem a privacidade de que precisa para manter sua integridade. Winnicott também desenvolveu a noção do objeto transicional. Em geral uma chupeta, um cobertor ou um ursinho de pelúcia, esse objeto serve como substituto para a mãe durante as tentativas do bebê de se separar e se tornar independente. Ele proporciona uma sensação confortante de segurança em sua ausência. O teórico considerava o espaço transicional em que o objeto transicional funciona como a fonte de arte, criatividade e religião.
REFERÊNCIAS Ansbacher HL, Ansbacher RR, eds. The individual Psychology of Alfred Adler: A Systematic Presentation in Selections from His Writings. New York: Basic Books; 1956. Baker HS, Baker MN. Heinz Kohut’s self psychology: an overview. Am J Psychiatry. 1987;144:1. Bowlby J. A Secure Base: Parent–Child Attachment and Healthy Human Development. New York: Basic Books; 1988. Chessick R. What Constitutes the Patient in Psychotherapy: Alternative Approaches to Understanding. Northvale, NJ: Jason Aronson; 1992. Edgcumbe R. Anna Freud: A View of Development, Disturbance and Therapeutic Techniques. London: Routledge; 2000. Gabbard GO. Psychoanalysis. In: Kaplan BJ, Sadock V, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins: 2000:431. Gabbard GO. Psychodynamic Psychiatry in Clinial Practice: The Third Edition. Washington, DC: American Psychiatric Press: 2000. Gill MM. Psychoanalysis in Transition: A Personal View. Hillsdale. NJ: Analytic Press; 1994. Greenberg JR, Mitchell SA. Object Relations in Psychoanalytic Theory. Cambridge, MA: Harvard University Press; 1983. Groskurth P. Melanie Klein: Her World and Her Work. New York: AA Knopf; 1986. Horney K. The Neurotic Personality of Our Time. New York: WW Norton; 1937. Jung CG. Memories, Dreams, Reflections. New York: Randon House; 1961.
258
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Menninger KA. The Vital Balance: The Life Process in Mental Health and Illness. New York: Viking; 1963. Monroe RL. Schools of Psychoanalytic Thought. New York: Dryden Press; 1955. Perry HS. Psychiatrist of America: The Life of Harry Stack Sullivan. Cambridge, MA: Belknap Press, Harvard University Press; 1982.
Rayner E. The Independent Mind in British Psychoanalysis. Northvale, NJ: Jason Aronson; 1991. Schultz DP, Schultz SE. Theories of Personality. 7th ed. Belmont, CA: Wadsworth/Thomson Learning; 2001. Segal H. Melanie Klein. New York: Viking; 1980. Smith S. Ideas of the Great Psychologists. Philadelphia: Harper & Row; 1983.
7 Exame clínico do paciente psiquiátrico
7.1 História psiquiátrica e exame do estado mental O diagnóstico de pacientes psiquiátrico difere, sob diversos aspectos, daqueles de pacientes com doenças físicas. Apesar dos grandes avanços em campos como neuroimagem, biologia molecular e genética, nosso conhecimento acerca das causas da maioria dos transtornos psiquiátricos permanece primitivo e incompleto. Portanto, não é provável que se obtenha um diagnóstico com base na etiologia da doença. Além disso, na ausência de certeza etiológica, nas últimas décadas, houve o crescimento de uma variedade de escolas teóricas, às vezes rivais, que tentam explicar as origens dos sintomas a partir de teorias do comportamento geral. Por exemplo, a teoria psicanalítica, apoiada na obra de Sigmund Freud e em gerações subseqüentes de analistas, sugere que os sintomas psiquiátricos resultam de conflitos intrapsíquicos inconscientes – ou seja, de conflitos no próprio pensamento do indivíduo. O desejo de fazer algo pode coexistir com o medo de que o ato seja realizado. A teoria comportamental, por sua vez, explica os sintomas como condicionados por uma interação complexa de recompensas e punições. Para que um diagnóstico possa ser amplamente utilizado, não pode estar relacionado a uma escola teórica, em detrimento de outras. Outra diferença entre o diagnóstico psiquiátrico e o da medicina física é que a psiquiatria não dispõe de critérios externos de validação. Existem poucos marcadores independentes, como testes de laboratório, para confirmar ou refutar um diagnóstico inicial. Conseqüentemente, um diagnóstico psiquiátrico vale tanto quanto o conhecimento e a habilidade do clínico que o fez. Como se pode esperar, isso levou, ao longo dos anos, a um grave problema de confiabilidade – diferentes psiquiatras que atendem o mesmo paciente emitem diagnósticos diferentes. Essas dificuldades foram abordadas nas várias edições do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM), da American Psychiatric Association. Seus critérios baseiam-se na fenomenologia descritiva. Essa área descreve o que se aprende pelos sentidos – aquilo que é visto ou ouvido diretamente, por exemplo – ao contrário do que é interpretado ou inferido. Os dados observáveis são sempre mais confiáveis do que os inferidos, e o afastamento de diagnósticos interpretativos, intuitivos e
impressionistas, passando-se a um sistema descritivo fenomenológico, aumentou a confiabilidade do diagnóstico psiquiátrico, fortalecendo também o modelo médico. O DSM está atualmente em sua quarta edição, e sua evolução é um dos principais avanços do diagnóstico psiquiátrico. Uma revisão da quarta edição do DSM (DSM-IV-TR) foi publicada em 2000. A avaliação psiquiátrica compreende duas partes. A primeira, uma abordagem da histórica (p. ex., psiquiátrica, médica, familiar), envolve a descrição, pelo paciente, de como os sintomas do episódio atual evoluíram, uma revisão de episódios e tratamentos passados, a descrição das condições médicas atuais e passadas, um resumo dos problemas e tratamentos psiquiátricos dos familiares e a história pessoal do paciente, que revela o funcionamento interpessoal e adaptativo ao longo do tempo. As informações partem do paciente, mas podem ser complementadas por informações de familiares, agências de assistência social, médicos que já o trataram e registros hospitalares antigos. A segunda parte da avaliação psiquiátrica, a avaliação do estado mental, revisa o funcionamento emocional e cognitivo do paciente de forma sistemática no momento em que a entrevista é conduzida.
HISTÓRIA PSIQUIÁTRICA É o registro da vida do paciente. Permite que o psiquiatra entenda quem é o paciente, de onde veio e para onde ele provavelmente vai no futuro. Trata-se da história de vida do paciente, contada para o psiquiatra nas próprias palavras do paciente e em seu próprio ponto de vista. Muitas vezes, também inclui informações obtidas de outras fontes, como os pais ou o cônjuge. Para se estabelecer u m diagnóstico correto e formular um plano de tratamento efetivo, é essencial que se obtenha uma história abrangente do paciente e, se necessário, de outras fontes informadas. Conforme mencionado, a história psiquiátrica difere um pouco daqueles obtidos na medicina ou na cirurgia. Além de reunir os dados fatuais e concretos relacionados à cronologia da formação dos sintomas e ao curso psiquiátrico e médico, o psiquiatra visa a identificar as características da personalidade do paciente, incluindo seus pontos fortes e fracos. Isso proporciona uma visão da natureza dos relacionamentos entre o paciente e pessoas mais próximas e inclui todas aquelas que são importantes em sua vida. Podese produzir um quadro razoavelmente abrangente do desenvolvi-
260
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 7.1-1 Resumo da história psiquiátrica I. Dados de identificação II. Principal queixa III. História da doença atual A. Início B. Fatores precipitantes IV. Doenças passadas A. Psiquiátricas B. Médicas C. História de uso de álcool e outras substâncias V. História familiar VI. História pessoal (anamnese) A. Pré-natal e perinatal B. Primeira infância (até 3 anos de idade) C. Infância média (de 3 a 11 anos de idade) D. Infância tardia (da puberdade à adolescência) E. Vida adulta 1. História ocupacional 2. História de relacionamentos e conjugal 3. História militar 4. História educacional 5. Religião 6. Atividade social 7. Atual situação de vida 8. História legal F. História sexual G. Fantasias e sonhos H. Valores
mento do paciente, desde os anos primeiros formativos até o presente. A técnica mais importante nessa abordagem é permitir que os pacientes contem suas histórias em suas próprias palavras, na ordem que considerarem mais importante. À medida que são relatadas, os entrevistadores habilidosos reconhecem os pontos nos quais podem introduzir questões relevantes sobre as áreas descritas no resumo da história e da avaliação do estado mental. A estrutura da história e da avaliação do estado mental apresentada nesta seção não pretende ser um plano rígido para entrevistar o paciente, mas um guia para organizar a história do paciente quando for escrito. Existem diversos formatos aceitos e padronizados, e um deles é apresentado na Tabela 7.1-1. Exemplos de questões a perguntar ao paciente para obter-se as informações são listados na Tabela 7.1-2. Dados de identificação Os dados de identificação proporcionam uma referência demográfica sucinta do paciente, por nome, idade, estado civil, sexo, ocupação, língua, origem étnica e religião, até o ponto em que são pertinentes, e das atuais circunstâncias de sua vida. As informações também podem incluir o lugar ou a situação em que a entrevista aconteceu, a confiabilidade da(s) fonte(s),
TABELA 7.1-2 Questões comuns para história psiquiátrica e estado mental Tema
Questões
Comentários e dicas úteis
Dados de identificação: nome, idade, sexo, estado civil, religião, educação, endereço, telefone, ocupação, fonte de referência
Seja direto ao obter esses dados. Solicite respostas específicas.
Se o paciente não puder cooperar, obtenha as informações com familiares ou amigos; se indicado por um médico, obtenha o prontuário médico.
Principal queixa: breve declaração nas próprias palavras do paciente sobre a razão para estar no hospital ou consultando
Por que você procurou um psiquiatra? O que o trouxe ao hospital? Qual parece ser o problema?
Registre as resposta literalmente; uma queixa bizarra sugere um processo psicótico.
História da doença atual: desenvolvimento dos sintomas desde o início até o presente; relação de eventos, conflitos e estressores; drogas; mudança de nível de funcionamento anterior
Quando observou que algo estava lhe acontecendo? Você estava bravo com alguma coisa quando os sintomas começaram? Começaram de repente ou de forma gradual?
Faça anotações segundo as palavras do paciente o máximo possível. Obtenha o histórico de hospitalizações e tratamentos anteriores. Início repentino de sintomas pode indicar um transtorno induzido por drogas.
Transtornos médicos e psiquiátricos anteriores: transtornos psiquiátricos; doenças psicossomáticas, médicas e neurológicas (p. ex., traumas craniocerebrais, convulsões)
Você já perdeu a consciência? Já teve uma convulsão?
Verifique o alcance da doença, o tratamento, a medicação, os resultados, os hospitais, os médicos. Determine se a doença tem algum propósito adicional (ganhos secundários).
História pessoal – do nascimento à infância: até que ponto o paciente sabe, informe-se sobre a gravidez e o parto, se a gravidez foi planejada ou não, marcos evolutivos – ficar de pé, caminhar, falar, temperamento
Você sabe algo sobre seu nascimento? Se sabe, a partir de quem? Que idade tinha a sua mãe quando você nasceu? E seu pai?
Mães mais velhas (>35) apresentam risco elevado de ter bebês com síndrome de Down; pais mais velhos (>45) podem fornecer espermatozóides deficientes, que produzem déficits como esquizofrenia.
Infância: hábitos alimentares, controle dos esfincteres, personalidade (tímido, extrovertido), conduta e comportamento geral, relacionamento com pais ou cuidadores, amigos. Separações, pesadelos, incontinência urinária, medos
Como aprendeu a usar o toalete? Urinava na cama? Brincadeiras sexuais com amigos? Qual é sua primeira lembrança da infância?
Ansiedade de separação e fobia escolar associada à depressão quando adulto; enurese associada a atos incendiários. Lembranças da infância antes dos 3 anos normalmente são imaginadas, irreais.
Adolescência: relacionamentos com amigos e figuras de autoridade, história escolar, no-
Adolescentes recusam-se a responder a tais questões, mas elas devem ser feitas. Adul-
Desempenho escolar fraco é um indicador sensível de transtornos emocionais.
(Continua)
EXAME CLÍNICO DO PACIENTE PSIQUIÁTRICO
261
TABELA 7.1-2 (Continuação) Tema
Questões
Comentários e dicas úteis
tas, problemas emocionais, uso de drogas, idade da puberdade
tos podem distorcer lembranças de experiências adolescentes com carga emocional. Abuso sexual?
Esquizofrenia começa no final da adolescência.
Idade adulta: história ocupacional, escolha de carreira, história conjugal, filhos, educação, finanças, história militar, religião
Questões abertas são preferíveis. Fale-me sobre seu casamento. Não julgue: Que papéis a religião teve em sua vida (caso haja algum)? Qual a sua preferência sexual?
Dependendo da principal queixa, certas áreas exigem uma investigação mais detalhada. Os pacientes maníacos muitas vezes contraem dívidas e são promíscuos. Idéias religiosas supervalorizadas estão associadas a transtorno da personalidade paranóide.
História sexual: desenvolvimento sexual, masturbação, anorgasmia, transtorno erétil, ejaculação precoce, parafilia, orientação sexual, atitudes e sentimentos gerais
Tem ou já teve preocupações em relação à sua vida sexual? Como aprendeu a respeito de sexo? Houve alguma mudança em seu impulso sexual?
Não julgue. Perguntar quando a masturbação começou é melhor do que perguntar se você se masturba ou já se masturbou alguma vez.
História familiar: doenças psiquiátricas, médicas e genéticas na mãe, no pai, em irmãos; idade e ocupação dos pais; se falecidos, data e causa; sentimentos para com cada membro da família, finanças
Algum membro de sua família já teve depressão? Foi alcoólatra? Internado em sanatório? Na cadeia? Descreva suas condições de vida. Possui quarto próprio?
Carga genética relacionada com ansiedade, depressão, esquizofrenia. Obtenha histórico de medicação da família (medicamentos efetivos em familiares para transtornos semelhantes podem ser efetivos no paciente).
Estado mental Aparência geral: observe a aparência, o andar, o modo de se vestir e de se arrumar (arrumado ou desleixado), a postura, os gestos, as expressões faciais. O paciente parece ser mais velho ou mais jovem do que a idade declarada?
Apresente-se e peça que o paciente se sente. No hospital, coloque sua cadeira perto da cama; não sente nela.
Desleixado e desarrumado em transtornos cognitivos; pupilas minúsculas no caso de vício em narcóticos; postura retraída e curvada na depressão.
Comportamento motor – nível de atividade: agitação psicomotora ou retardo psicomotor – tiques, tremores, automatismos, maneirismos, caretas, estereótipos, negativismo, apraxia, ecopraxia, flexibilidade; aparência emocional – ansioso, tenso, em pânico, confuso, triste, infeliz; voz – tênue, alta, grossa; contato visual
Você tem estado mais ativo do que normalmente? Menos ativo? Pode perguntar sobre maneirismos óbvios, como “notei que sua mão ainda treme, fale sobre isso”. Observe odores, por exemplo, alcoolismo/ cetoacidose.
Postura fixa e comportamento estranho na esquizofrenia. Hiperativo com abuso de estimulantes (cocaína) e na mania. Retardo psicomotor na depressão; tremores com ansiedade ou efeito colateral de medicação (lítio). O contato visual tende a ser estabelecido na metade do tempo durante a entrevista. Se for mínimo, atentar para esquizofrenia. Observação do ambiente em estados paranóides.
Atitude durante a entrevista: como o paciente se relaciona com o examinador – irritado, agressivo, sedutor, cauteloso, defensivo, indiferente, apático, cooperativo, sarcástico
Pode comentar a atitude. Você parece irritado com alguma coisa, esta é uma observação correta?
Desconfiança na paranóia; sedutor na histeria; apático no transtorno conversivo (la belle indifference); trocadilhos (witzlesucht) nas síndromes do lobo frontal.
Humor: estado emocional estável ou mantido – sombrio, tenso, desesperançoso, extasiado, ressentido, feliz, acanhado, triste, exultante, jubiloso, eufórico, deprimido, apático, anedônico, temeroso, suicida, grandioso, niilista
Como você se sente? Como está sua disposição? Pensa que a vida não vale a pena ou que você quer se prejudicar? Planeja tirar a própria vida? Quer morrer? Houve alguma mudança em seu sono?
Idéias suicidas em 25% dos depressivos; euforia na mania. Despertar durante a madrugada na depressão; menor necessidade de dormir na mania.
Afeto: tom sentimental associado à idéia – instável, embotado, adequado ao conteúdo, inapropriado, plano
Sinais verbais de emoção observados, movimentos corporais, expressões faciais, ritmo da voz (prosódia). Rir ao falar sobre temas tristes, como a morte, é inadequado.
Mudanças no afeto são normais na esquizofrenia; perda da prosódia no transtorno cognitivo e na catatonia. Não confundir os efeitos colaterais da medicação com afeto plano.
Fala: lenta, rápida, aflita, tagarela, espontânea, taciturna, gaga, pausada, indistinta, staccato. Tom, articulação, afasia, coprolalia, ecolalia, incoerente, logorréia, muda, escassa, formal
Solicite que o paciente pronuncie “Metodista episcopal” para testar disartria.
Pacientes demonstram fala aflita na mania; pouca fala na depressão; discurso indistinto ou irregular em transtornos cognitivos.
Transtornos perceptivos: alucinações – olfativas, auditivas, hápticas (táteis), gustativas, visuais; ilusões; experiências hipnopômpicas ou hipnagógicas; sensação de irrealidade, déjà vu, déjà entendu, macropsia
Você já viu coisas ou ouviu vozes? Você tem experiências estranhas quando pega no sono ou acorda? O mundo mudou de alguma forma? Sente odores estranhos?
Alucinações visuais sugerem esquizofrenia. Alucinações táteis sugerem cocainismo e delirium tremens. Alucinações olfativas são comuns na epilepsia do lobo temporal.
Conteúdo do pensamento: delírios – de perseguição (paranóides), grandiosos, infide-
Você sente que as pessoas querem lhe prejudicar? Têm poderes especiais? Alguém está
Os delírios são congruentes (delírios grandiosos com humor eufórico) ou incongruen-
(Continua)
262
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 7.1-2 (Continuação) Tema
Questões
Comentários e dicas úteis
lidade, somáticos, sensoriais, divulgação do pensamento, inserção de pensamento, idéias de referência, idéias de irrealidade, fobias, obsessões, compulsões, ambivalência, autismo, dereísmo, bloqueios, preocupação suicida ou homicida, conflitos, idéias niilistas, hipocondria, despersonalização, desrealização, fuga de idéias, idéia fixa, pensamento mágico, neologismos
tentando influenciá-lo? Você tem sensações corporais estranhas? Pensamentos que não consegue tirar da cabeça? Pensa sobre o fim do mundo? As pessoas conseguem ler sua mente? Sente que a televisão está falando com você? Questione fantasias e sonhos.
tes com o humor? Os incongruentes sugerem esquizofrenia. Ilusões são comuns no delirium. A inserção de pensamento é característica da esquizofrenia.
Processo de pensamento: idéias direcionadas a objetivos, associações frouxas, ilógicas, tangenciais, relevantes, circunstanciais, divagantes, capacidade de abstrair, fuga de idéias, associações por assonância, perseverança
Pergunte o significado de provérbios para testar abstração, por exemplo: “Pessoas que têm telhado de vidro não devem atirar pedras”. A resposta concreta é: “o vidro quebra”, e a resposta abstrata lida com temas universais e questões morais. Pergunte qual a semelhança entre passarinho e borboleta (seres vivos), pão e bolo (alimentos).
Associações frouxas sugerem esquizofrenia; fuga de idéias, mania; incapacidade de abstrair, esquizofrenia e lesões cerebrais.
Sensório: nível de consciência – alerta, clara, confusa, nebulosa, comatosa, estuporada; orientação para tempo, lugar, pessoa; cognição
Que lugar é este? Que dia é hoje? Você sabe quem sou, quem você é?
Delirium e demência apresentam sensório nebuloso ou divagante. Orientação para pessoas permanece intacta por um período maior do que para tempo e lugar.
Memória: memória remota (de longa duração): últimos dias, meses, anos
Onde você nasceu? Onde estudou? Data de casamento? Aniversários dos filhos? Quais eram as manchetes dos jornais na semana passada?
Pacientes com demência do tipo Alzheimer retêm a memória remota mais do que a recente. Lacunas podem ser localizadas ou preenchidas com detalhes confabulados. Hipermnésia é vista na personalidade paranóide.
Memória recente (curta duração): lembrança de eventos no último dia ou dias
Onde você foi ontem? Qual foi a última coisa que comeu?
Em lesões cerebrais, a perda da memória recente (amnésia) normalmente ocorre antes da perda da memória remota.
Memória imediata (de duração muito curta): armazenar informações imediatas com capacidade de recuperar dados rapidamente
Peça para o paciente repetir seis números em ordem crescente, depois de trás para diante (respostas normais). Peça para tentar lembrar de três itens não-relacionados; teste-o após cinco minutos.
A perda da memória ocorre com transtornos cognitivos, dissociativos ou conversivos. A ansiedade pode limitar a retenção imediata e a memória recente. Perda da memória anterógrada (amnésia) ocorre após a ingestão de certas drogas, como benzodiazepínicos. Perda da memória retrógrada ocorre em decorrência de traumas na cabeça.
Concentração e cálculos: capacidade de prestar atenção; distração; capacidade de fazer cálculos simples
Peça para o paciente contar de 1 a 20 rapidamente; fazer cálculos simples (2 x 3 x 4 x 9); fazer o teste serial de sete, isto é, subtrair sete de 100 e continuar subtraindo o mesmo número do resultado. Quantas vezes cinco centavos há em R$ 1,35?
Exclua causas médicas para quaisquer deficiências, verificando ansiedade ou depressão (pseudodemência). Faça testes congruentes com o nível educacional do paciente.
Informação e inteligência: uso de vocabulário; nível de educação; cabedal de conhecimento
Distância de uma cidade a outra. Nome de alguns vegetais. Qual o maior rio do país?
Verifique o nível educacional para avaliar os resultados. Exclua retardo mental e funcionamento intelectual borderline.
Discernimento: capacidade de entender relações entre fatos e de tirar conclusões; respostas em situações sociais
O que você faria se encontrasse na rua um envelope fechado, selado e endereçado?
Limitado em doenças cerebrais, esquizofrenia, funcionamento intelectual borderline e intoxicação.
Nível de insight: entender que existem problemas físicos e mentais; negação da doença, atribuir culpa a fatores externos; reconhecer a necessidade de tratamento
Você acha que tem algum problema? Precisa de tratamento? Quais são seus planos para o futuro?
Limitado no delirium, na demência, na síndrome do lobo frontal, na psicose e no funcionamento intelectual limítrofe.
e se trata do primeiro episódio do transtorno atual. O psiquiatra deve indicar se o paciente veio sozinho, foi indicado ou trazido por outra pessoa. Os dados de identificação proporcionam um esboço das características potencialmente importantes do paciente, que podem afetar o diagnóstico, o prognóstico, o tratamento e a adesão. Um exemplo do relatório escrito contendo esses dados é apresentado a seguir.
J. Jones é um homem branco, de 25 anos, solteiro e católico, atualmente desempregado e sem residência fixa, que vive em albergues públicos e nas ruas. A entrevista foi conduzida na sala de emergência, com o paciente imobilizado, diante de dois membros da equipe clínica e de um policial. Esta foi sua décima visita à sala de emergência no último ano. As
EXAME CLÍNICO DO PACIENTE PSIQUIÁTRICO
fontes de informações incluíam o próprio paciente e o policial que o trouxe à emergência, que o havia encontrado na rua e o conhecia de episódios anteriores.
263
mas se for desorganizado, é mais difícil entrevistá-lo, pois a seqüência dos eventos cronológicos é confusa. Nesse caso, contactar outros informantes, como membros da família e amigos, pode ser uma maneira valiosa de esclarecer a condição.
Principal queixa Doenças passadas A principal queixa, nas próprias palavras do paciente, declara por que veio ou foi trazido em busca de ajuda. Ela deve ser registrada, mesmo que o paciente não consiga falar, e sua explicação, independentemente do quão bizarra ou irrelevante, deve ser registrada literalmente na seção específica. Os outros indivíduos presentes como fontes de informações podem apresentar suas versões acerca dos eventos na seção sobre a história da doença atual. Exemplos de principais queixas são: “Eu estava deprimido e pensando em me matar.” “Todos os carros do lado de fora da casa têm placas com mensagens ocultas relacionadas a um complô para matar o presidente.” “Não há nada de errado comigo, ela é quem está louca.” “O paciente estava mudo.” História da doença atual Proporciona um quadro abrangente e cronológico dos eventos que levam ao momento atual na vida do paciente. Essa parte da história psiquiátrica é provavelmente a mais útil para o diagnóstico: quando o episódio atual começou e quais foram os eventos precipitantes imediatos? Um entendimento da história da doença atual ajuda a responder as questões, “Por que agora?”, “Por que o paciente veio ao médico neste momento?”, “Quais eram as circunstâncias em sua vida no início dos sintomas ou as mudanças comportamentais, e como afetaram o paciente, fazendo o transtorno se manifestar?”. Conhecer sua personalidade sadia anterior também contribui para oferecer uma perspectiva ao paciente atualmente enfermo. A evolução dos sintomas deve ser determinada e registrada de maneira organizada e sistemática. Aqueles que não estão presentes também devem ser delineados. Quanto mais detalhada a história da doença atual, mais preciso será o diagnóstico. Que eventos precipitantes no passado fizeram parte da cadeia que levou aos eventos imediatos? De que maneira a doença afetou as atividades de sua vida (p. ex., trabalho, relacionamentos importantes)? Qual é a natureza da disfunção (p. ex., detalhes sobre mudanças em fatores como personalidade, memória, fala)? Existem sintomas psicofisiológicos? Se houver, devem ser descritos em termos de localização, intensidade e flutuação. Qualquer relação entre sintomas físicos e psicológicos deve ser observada. Uma descrição das ansiedades atuais do paciente, sejam generalizadas e não-específicas (flutuantes) ou especificamente relacionadas com determinadas situações, será proveitosa. Como o paciente lida com essas ansiedades? Freqüentemente, uma questão relativamente aberta, como “Como tudo isso começou?”, leva a um desdobramento adequado da história da doença atual. Um paciente organizado, em geral, consegue apresentar uma narrativa cronológica;
A seção que trata de doenças passadas é uma transição entre a história da doença atual e a história pessoal do paciente (também chamada anamnese). São descritos episódios pregressos de doenças psiquiátricas e médicas. De maneira ideal, uma narrativa detalhada dos substratos psicológicos e biológicos preexistentes e subjacentes é feita nesse ponto, juntamente com pistas importantes e evidências de áreas vulneráveis no funcionamento do paciente. Os sintomas, o nível de incapacidade, o tipo de tratamento recebido, nomes de hospitais, duração de cada doença, efeitos de tratamentos anteriores e grau de adesão devem ser explorados e registrados de maneira cronológica. É indispensável prestar particular atenção aos primeiros episódios que assinalaram o início da doença, pois muitas vezes podem proporcionar dados cruciais sobre eventos precipitantes, possibilidades de diagnóstico e capacidades de enfrentamento. Em relação à história médica, o psiquiatra deve obter uma revisão dos sintomas, observando qualquer doença médica ou cirúrgica importante e grandes traumas, particularmente aqueles que exigem hospitalização. Episódios de trauma craniocerebral, doenças neurológicas, tumores e transtornos convulsivos são especialmente relevantes, assim como a história de teste positivo para o vírus da imunodeficiência humana (HIV) ou de síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS). Devem ser feitas perguntas específicas sobre a presença de algum transtorno convulsivo, episódios de perda da consciência, mudanças nos padrões usuais de dor de cabeça, alterações na visão e episódios de confusão e desorientação. História de infecção com sífilis é crítica e relevante. Causas, complicações e o tratamento de qualquer doença, bem como os efeitos desta sobre o paciente devem ser anotados. É importante fazer perguntas específicas sobre transtornos psicossomáticos, anotando-se as respostas. Nessa categoria, incluem-se rinite, artrite reumática, colite ulcerosa, asma, hipertireoidismo, problemas gastrintestinais, resfriados recorrentes e problemas de pele. Todos os pacientes devem falar sobre uso de álcool e outras substâncias, incluindo detalhes sobre quantidade e freqüência. Normalmente, é aconselhável estruturar as perguntas na forma de uma suposição de uso, como “Quanto de álcool você diria que bebe por dia?” em vez de “Você bebe?”. Esta pergunta pode colocar o paciente na defensiva, preocupado com o que o médico pensaria se a resposta fosse afirmativa. Se este partir do pressuposto de que a bebida é um fato, é provável que o paciente se sinta confortável ao admitir o uso. É difícil enfatizar a importância de uma história médica precisa e detalhada. Muitos problemas médicos e seus tratamentos fazem com que sintomas sejam confundidos com um transtorno psiquiátrico primário, na ausência de uma história médica cuidadosa. Endocrinopatias como o hipotireoidismo ou a doença de Addison podem se manifestar com depressão. O tratamento com corticosteróides muitas vezes precipita sintomas maníacos e psi-
264
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
cóticos. Além disso, a coexistência de doenças físicas pode resultar em sintomas psiquiátricos secundários. Após um ataque cardíaco, é possível que um homem de meia-idade sofra de ansiedade e depressão. O estado médico também pode orientar as decisões do tratamento. Um paciente depressivo com anormalidades na condução cardíaca não será tratado (pelo menos inicialmente) com um antidepressivo tricíclico. Um indivíduo com transtorno bipolar com doença renal receberá um estabilizador do humor anticonvulsivante, em vez de lítio. Os nomes e os protocolos de dosagens para todos os medicamentos não-psiquiátricos em uso devem ser obtidos para evitar interações adversas com os medicamentos psiquiátricos receitados. História familiar Uma breve declaração sobre qualquer doença psiquiátrica hospitalização e tratamento de familiares imediatos do paciente deve fazer parte da história familiar. Há casos na família de abuso de álcool e de outras substâncias ou de comportamento anti-social? Além disso, deve ser fornecida uma descrição da personalidade e da inteligência das pessoas que viveram na casa do paciente, da infância até o presente, bem como uma descrição dos diversos lares em que o mesmo tenha eventualmente vivido. O psiquiatra também deve definir o papel que cada pessoa desempenhou na sua criação e o atual relacionamento dessa pessoa com o paciente. Quais eram, e são, as tradições étnicas, nacionais e religiosas da família? Outros informantes além do paciente podem estar disponíveis para contribuir para a história familiar, e a fonte deve ser citada no registro escrito. Diversos membros da família podem dar descrições diferentes da mesma pessoa ou evento. O psiquiatra precisa determinar o conhecimento e a atitude da família para com a doença do paciente. Percebe que os membros da família são solidários, indiferentes ou destrutivos? Que papel a doença exerce na família? Outras questões que fornecem informações proveitosas nesta seção incluem as seguintes: Qual é a atitude do paciente para com seus pais e irmãos? O psiquiatra deve pedir que o paciente descreva cada membro da família. Quem foi mencionado primeiro? Quem foi esquecido? O que os irmãos fazem? Como as ocupações dos irmãos se apresentam em comparação com o trabalho do paciente, e como este se sente a respeito disso? Com quem o paciente se identifica mais na família, e por quê? História pessoal (anamnese) Além de estudar a doença do paciente e sua situação atual de vida, o psiquiatra precisa ter uma compreensão minuciosa do seu passado e da sua relação com o problema emocional atual. A anamnese, ou história pessoal, costuma ser dividida em primeira infância, infância tardia e idade adulta (Tab. 7.1-3). As emoções predominantes associadas aos diferentes períodos da vida (p. ex., dor, estresse, conflito) devem ser anotadas. Dependendo do tempo e da situação, o psiquiatra pode entrar em detalhes com relação a cada um dos itens a seguir.
TABELA 7.1-3 Resumo de uma história evolutiva A. Pré-natal e perinatal 1. Gravidez completa ou prematura 2. Parto vaginal ou cesariana 3. Mãe tomava drogas durante a gravidez (prescrição e recreativas) 4. Complicações no nascimento 5. Defeitos ao nascer B. Primeira infância 1. Relacionamento entre mãe e bebê 2. Problemas com alimentação e sono 3. Marcos significativos a. Ficar de pé/caminhar b. Primeiras palavras/frases com duas palavras c. Controle de bexiga e intestinos 4. Outros cuidadores 5. Comportamentos incomuns, como bater a cabeça C. Infância média 1. Experiências pré-escolares e escolares 2. Separação de cuidadores 3. Amizades/jogo 4. Métodos de disciplina 5. Doença, cirurgia ou trauma D. Adolescência 1. Início da puberdade 2. Desempenho acadêmico 3. Atividades organizadas (esportes, clubes) 4. Áreas de interesse especial 5. Envolvimentos românticos e experiência sexual 6. Experiência ocupacional 7. Uso de drogas/álcool 8. Sintomas (mau humor, irregularidade para dormir ou comer, brigas e discussões) E. Idade adulta jovem 1. Relacionamento de longa duração significativo 2. Decisões acadêmicas e de carreira 3. Experiência militar 4. História ocupacional 5. Experiência com prisão 6. Buscas intelectuais e atividades de lazer F. Idade adulta média e velhice 1. Mudanças na família 2. Atividades sociais 3. Mudanças em trabalho e carreira 4. Aspirações 5. Perdas importantes 6. Aposentadoria e envelhecimento
História pré-natal e perinatal. O psiquiatra considera a situação doméstica na qual o paciente nasceu e se o mesmo foi planejado e desejado. Houve problemas com a gravidez e o parto? Qual era o estado físico e emocional da mãe quando do nascimento? Havia problemas de saúde maternos durante a gravidez? A mãe consumiu álcool ou outras substâncias durante esse período? Primeira infância (do nascimento aos 3 anos). O período da primeira infância consiste dos três primeiros anos da vida do paciente. A qualidade da interação entre a mãe e o bebê durante a alimentação e o treinamento para o uso do toalete é importante. Muitas vezes, pode-se descobrir se a criança apresentou problemas nessas áreas. Distúrbios precoces em padrões de sono, incluindo episódios de bater a cabeça e sacudir o corpo,
EXAME CLÍNICO DO PACIENTE PSIQUIÁTRICO
fornecem pistas sobre possíveis privações maternas ou deficiências evolutivas. Além disso, é importante inteirar-se da constância e dos apegos humanos durante os primeiros três anos de vida. Havia alguma doença psiquiátrica ou médica presente nos pais que possa ter interferido nas interações com o filho? Outras pessoas além da mãe cuidaram do paciente? Este apresentou problemas em algum período inicial, como ansiedade com estranhos ou ansiedade de separação grave? Explore os irmãos do paciente e os detalhes de seu relacionamento com eles. A personalidade emergente é um tópico de importância crucial. A criança era tímida, agitada, hiperativa, retraída, atenta, extrovertida, introvertida, atlética, solidária? Procure dados sobre suas capacidades em relação a se concentrar, tolerar frustrações e postergar gratificações. Verifique também a preferência por papéis ativos ou passivos em brincadeiras físicas. Quais eram os jogos ou brinquedos favoritos da criança? Preferia brincar só, com outras crianças ou não brincar? Qual a memória mais antiga do paciente? Havia sonhos ou fantasias recorrentes durante esse período? A seguir, apresentamos uma síntese das áreas importantes que devem ser atendidas. HÁBITOS ALIMENTARES.
Amamentação ou mamadeira, problemas ali-
mentares. DESENVOLVIMENTO INICIAL. Caminhar, falar, crescimento de dentes, desenvolvimento da linguagem, desenvolvimento motor, sinais de necessidades frustradas, padrões de sono, constância de objetos, ansiedade com estranhos, privação materna, ansiedade de separação, outros cuidadores no lar. CONTROLE DOS ESFINCTERES.
Idade, atitude dos pais, sentimentos
relacionados. SINTOMAS DE PROBLEMAS COMPORTAMENTAIS. Chupar o dedo, aces-
sos de raiva, tiques, bater a cabeça, sacudir-se, terrores noturnos, medos, urinação ou defecação na cama, roer as unhas, masturbação excessiva. PERSONALIDADE QUANDO CRIANÇA. Introvertida, agitada, hiperativa, retraída, persistente, extrovertida, tímida, atlética, solidária, padrões de jogo.
Infância média (de 3 a 11 anos). Nesta faixa etária, o psiquiatra pode abordar temas importantes, como identificação de gênero, punições usadas no lar e pessoas que proporcionaram a disciplina e influenciaram a formação da consciência. O psiquiatra deve investigar as primeiras experiências escolares, especialmente se o paciente tolerava se separar de sua mãe no início. Dados sobre as primeiras amizades e relacionamentos pessoais são valiosos. O psiquiatra deve determinar o número e a proximidade dos amigos, descrever se o paciente assumia o papel de líder ou era um seguidor, bem como sua popularidade social e participação em atividades de grupo ou turmas. A criança cooperava com seus amigos, era justa, entendia e obedecia as regras, desenvolveu uma consciência inicial? Os padrões de afirmação, impulsividade, agressividade, passividade, ansiedade ou comportamento anti-social emergem em princípio no contexto dos relacionamentos na esco-
265
la. Uma história do desenvolvimento da leitura e de outras habilidades intelectuais e motoras é importante, da mesma forma que de dificuldades de aprendizagem, seu manejo e os efeitos sobre a criança. Pesadelos, fobias, urinação na cama, incêndios, crueldade com animais e masturbação excessiva também devem ser explorados. Infância tardia (da puberdade à adolescência). Nesta fase, as pessoas começam a desenvolver independência de seus pais, por meio de relacionamentos com amigos e de atividades em grupo. O psiquiatra deve tentar identificar os valores dos grupos sociais e determinar quem eram as figuras que o paciente idealizava. Essas informações proporcionam pistas úteis sobre sua auto-imagem emergente. É importante explorar a história escolar do paciente, seus relacionamentos com professores e estudos e interesses favoritos, tanto na escola quanto em atividades extracurriculares. Pergunte sobre a participação em esportes e hobbies e questione sobre problemas emocionais ou físicos que possam ter surgido durante essa fase. Exemplos de questões comuns incluem os seguintes: Qual era o sentido de identidade pessoal do paciente? Como era o uso de álcool e outras substâncias? O paciente era sexualmente ativo? Como era a qualidade de seus relacionamentos sexuais? Interagia e se mostrava envolvido com a escola e os amigos, ou era isolado, retraído e percebido como esquisito pelas outras pessoas? Tinha uma auto-estima intacta, ou havia evidências de um complexo de inferioridade? Qual era sua imagem corporal? Houve episódios suicidas? Foram relatados problemas na escola, incluindo teimosia excessiva? Como o paciente usava seu tempo livre? Como era o relacionamento com os pais? Quais eram os sentimentos acerca do desenvolvimento das características sexuais secundárias? Qual foi a resposta à menarca? Quais eram suas atitudes quanto a namoros, carícias, paixões, festas e jogos sexuais? Uma forma de organizar a grande e diversa quantidade de informações é decompor a infância tardia em subconjuntos de comportamento (p. ex., relacionamentos sociais, história escolar, desenvolvimento motor e cognitivo, problemas emocionais e físicos e sexualidade), conforme descrito a seguir. RELACIONAMENTOS SOCIAIS.
Atitudes para com irmãos e colegas, número e proximidade de amigos, líder ou seguidor, popularidade social, participação em atividades de grupo ou turmas, figuras idealizadas, padrões de agressividade, passividade, ansiedade, comportamento antisocial.
HISTÓRIA ESCOLAR. O quanto o paciente progrediu, sua adaptação à escola, relacionamentos com professores – amigo do professor ou rebelde –, estudos e interesses favoritos, habilidades ou recursos específicos, atividades extracurriculares, esportes, hobbies, relações de problemas ou sintomas com algum período social. DESENVOLVIMENTO COGNITIVO E MOTOR. Aprender a ler e outras habilidades intelectuais e motoras, disfunção cerebral mínima, dificuldades de aprendizagem – seu manejo e efeitos sobre a criança. PROBLEMAS EMOCIONAIS E FÍSICOS.
Pesadelos, fobias, urinação na cama, fugas, delinqüência, tabagismo, uso de álcool e outras substân-
266
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
cias, anorexia, bulimia, problemas com peso, sentimentos de inferioridade, depressão, idéias e atos suicidas.
Idade adulta. HISTÓRIA OCUPACIONAL. O psiquiatra deve descrever a escolha da ocupação do paciente, a formação e a preparação necessárias, quaisquer conflitos relacionados ao trabalho, bem como as ambições e os objetivos de longo prazo. Também é importante explorar os sentimentos do paciente em relação ao seu emprego atual e os relacionamentos no trabalho (com autoridades, colegas e, se aplicável, subordinados) e descrever a história ocupacional (p. ex., número e duração de empregos razões para trocar de emprego e mudanças no status). Que trabalho o paciente escolheria se pudesse optar livremente? Um médico de 40 anos de idade, que tinha um consultório bem-sucedido, também investia muito dinheiro em empreendimentos imobiliários e em muitos outros negócios. Isso muitas vezes o colocava em disputas legais. Ele passava de 12 a 14 horas por dia atendendo seus pacientes, fazia o trabalho burocrático nos fins de semana e usava momentos não-convencionais para conduzir transações comerciais complicadas com seu advogado. Era agitado e irritado com sua família, esperando que atendessem ao seu menor sinal e que notassem os “sacrifícios pessoais” que fazia por ela. Reduzir o trabalho no consultório, ter um sócio e limitar seus negócios eram idéias inaceitáveis para ele. HISTÓRIA DE RELACIONAMENTOS E CONJUGAL. Nesta seção, o psiquiatra descreve a história de cada casamento ou união legal. Relacionamentos significativos com pessoas com quem o paciente viveu por um período prolongado também são incluídos. Aqui deve ser descrita a evolução do relacionamento, incluindo a idade do paciente no início. Devem ser investigadas áreas de harmonia ou desacordo – incluindo a forma de lidar com o dinheiro, dificuldades domésticas, papéis dos sogros e atitudes ao cuidar dos filhos. Outras questões compreendem: O paciente está atualmente em um relacionamento de longa duração? Qual foi o relacionamento mais longo do paciente? Qual é a qualidade das suas relações sexuais (p. ex., se a vida sexual do paciente é experimentada como satisfatória ou inadequada)? O que o paciente procura em um parceiro: consegue dar início a um relacionamento ou abordar alguém por quem se sente atraído? Como descreve o relacionamento atual em termos de suas qualidades positivas e negativas? Como percebe fracassos em relacionamentos passados, no sentido de compreender o que saiu errado e quem é ou não culpado?
Uma mulher de 32 anos teve uma série de relacionamentos nos quais acabava sendo agredida, sempre emocionalmente e, muitas vezes, física e sexualmente. Apesar de sua intenção consciente de encontrar um homem carinhoso, com quem pudesse ter um relacionamento menos abusivo, o padrão se repetia. Sua mãe tinha sido agredida cronicamente por seu pai. Ela lembra da mãe advertindo-a: “O papel da mulher é ceder ao marido e agüentar tudo o que houver de ruim”. HISTÓRIA MILITAR. O psiquiatra deve investigar a respeito da adaptação
geral do paciente ao serviço militar, se ele participou de algum combate
e teve alguma lesão prolongada, e a natureza de sua saída. Foi indicada alguma vez a consulta psiquiátrica, sofreu alguma ação disciplinar durante o período de serviço militar?
Um soldado de 22 anos que retornava do Vietnã alegou não lembrar do último mês de combate. Ele fora indicado a uma patrulha difícil, da qual apenas três de oito soldados voltaram vivos. Após repetidas entrevistas sob efeito de amobarbital em um ambiente seguro, gradualmente e com muita emoção, lembrou que seu grupo sofrera uma emboscada e que, no começo do fogo cruzado, matara dois ou três garotos vietnamitas de 12 ou 13 anos que atacavam o grupo, e que em certo ponto fugiu, deixando seus amigos feridos para trás, suplicando que ele os ajudasse. HISTÓRIA EDUCACIONAL. O psiquiatra deve ter uma imagem clara da base
educacional do paciente. Essa informação pode proporcionar pistas sobre sua origem social e cultural, sua inteligência, motivação e quaisquer obstáculos a suas realizações. Por exemplo, um paciente de origem econômica desfavorável, que nunca teve oportunidade de freqüentar as melhores escolas e cujos pais nunca concluíram o ensino médio, apresenta força de caráter, inteligência e uma grande motivação após se formar na faculdade. Um que abandonou o ensino médio por causa de violência e do uso de substâncias demonstra ter criatividade e determinação, freqüentando a escola à noite para obter o diploma, enquanto trabalha durante o dia como orientador para drogas. Até onde o paciente chegou na escola? Qual foi o nível mais alto que alcançou? Ele gostava de estudar, qual foi seu nível de desempenho acadêmico? Até que grau os outros membros de sua família chegaram na escola, e como isso se compara com o progresso do paciente? Qual a atitude deste para com o desempenho acadêmico? RELIGIÃO. É importante descrever a origem religiosa dos pais e os detalhes da formação do paciente sob esse aspecto. A atitude da família para com a religião era permissiva ou rígida? Houve algum conflito entre os pais em relação à educação religiosa da criança? O psiquiatra deve identificar a evolução das práticas religiosas adolescentes até as crenças e atividades atuais. O paciente tem uma participação religiosa forte? Em caso positivo, como isso afeta sua vida? O que sua religião diz a respeito do tratamento de doenças psiquiátricas ou médicas? Qual a atitude religiosa para com o suicídio? ATIVIDADE SOCIAL. O psiquiatra precisa ater-se à vida social do paciente e à natureza de suas amizades, com ênfase na profundidade, na duração e na qualidade dos relacionamentos humanos. Que interesses sociais, intelectuais e físicos compartilha com seus amigos? Que relacionamento tem com pessoas do mesmo sexo e do sexo oposto? O paciente é essencialmente isolado e anti-social? Prefere o isolamento ou é isolado por causa de ansiedades e temores em relação a outras pessoas? Quem o visita no hospital e com que freqüência?
Uma atraente e bem-sucedida mulher de 32 anos relatou ter tido uma longa fila de admiradores e uma série de relacionamentos sexuais desde os 17 anos. Embora diversos dos pretendentes por quem se sentia atraída tivessem proposto casamento, não conseguiu assumir um compromisso. Ela nunca estava suficientemente apaixonada por nenhum deles e esperava um dia encontrar o “homem ideal”.
EXAME CLÍNICO DO PACIENTE PSIQUIÁTRICO
267
ATUAL SITUAÇÃO DE VIDA.
Peça ao paciente que descreva onde vive, seu bairro e sua residência, bem como o número de peças, familiares que vivem na casa, e arranjos de quartos na hora de dormir. Questione sobre como se dão as questões de privacidade, com ênfase especial na nudez de pais e irmãos e no uso do banheiro. Pergunte sobre fontes de renda e dificuldades financeiras da família. Se aplicável, questione o uso de assistência pública e os sentimentos do paciente quanto a isso. Se hospitalizado, foram tomadas atitudes para que ele não perdesse o emprego ou a moradia? Pergunte sobre quem está cuidando dos filhos em casa, quem o visita no hospital e com que freqüência.
HISTÓRIA LEGAL. O paciente já foi preso e, em caso positivo, por quê? Quantas vezes? Por quanto tempo? Está em liberdade condicional ou existem acusações pendentes? O paciente está em tratamento por ordem judicial, como parte da condicional? Apresenta história de agressão ou violência? Contra quem? Foram usadas armas? Qual sua atitude para com as prisões e as sentenças? Uma história legal abrangente, bem como a atitude do paciente para com ela, pode indicar tendências antisociais ou uma personalidade litigiosa. Ampla relação com a violência pode alertar o psiquiatra quanto ao potencial de que isso se repita no futuro.
História sexual. Grande parte da história sexual infantil não pode ser recuperada, embora muitos pacientes relembrem de curiosidades e jogos sexuais entre os 3 e os 6 anos de idade. O psiquiatra deve perguntar como o paciente aprendeu a respeito do sexo e quais eram as atitudes dos seus pais quanto ao desenvolvimento sexual. Deve indagar também se o paciente sofreu algum abuso na infância. Parte do material discutido nesta seção também pode ser abordada naquela referente a sexualidade adolescente. Não é importante em que ponto o assunto é tratado, desde que seja incluído. O início da puberdade e os sentimentos do paciente quanto a esse momento são importantes. A história de masturbação adolescente, incluindo a natureza das fantasias e os sentimentos quanto a elas, é significativa. Atitudes para com o sexo precisam ser descritas em detalhes. O paciente era introvertido, tímido, agressivo? Precisava impressionar outras pessoas e se vangloriar de conquistas sexuais? Experimentava ansiedade no cenário sexual? Havia promiscuidade? Qual sua orientação sexual? A história sexual (Tab. 7.1-4) deve incluir qualquer sintoma relacionado, como anorgasmia, vaginismo, transtorno erétil (impotência), ejaculação precoce ou retardada, falta de desejo sexual e parafilias (p. ex., sadismo sexual, fetichismo, voyeurismo). Atitudes quanto a felação, cunilíngua e técnicas de coito podem ser discutidas. O tema da adaptação sexual deve incluir uma descrição de como a atividade sexual costuma ser iniciada, a freqüência com que ocorre e as preferências, variações e técnicas sexuais. Deve-se perguntar se o paciente já teve relacionamentos extraconjugais e, se tiver tido, sob quais circunstâncias e se o cônjuge sabia do caso. Se este ficou sabendo, o psiquiatra deve solicitar que o paciente descreva o que aconteceu. As razões por trás de um caso fora do casamento são tão importantes quanto entender seu efeito sobre a relação. Atitudes para com a contracepção e o planejamento familiar são relevantes. Que forma de contracepção o paciente usa? Ainda assim, o psiquiatra não deve pressupor que seja usada alguma forma de controle de natalidade. Se o en-
TABELA 7.1-4 História sexual 1. Questões de triagem a. Você é sexualmente ativo? b. Notou alguma mudança ou problemas com o sexo recentemente? 2. Desenvolvimento a. Aquisição de conhecimento sexual b. Início da puberdade/menarca c. Desenvolvimento da identidade e da orientação sexual d. Primeiras experiências sexuais e. Sexo no relacionamento amoroso f. Experiências ou preferências diferentes ao longo do tempo g. Sexo e idade avançada 3. Esclarecimento de problemas sexuais a. Fase do desejo Presença de pensamentos ou fantasias sexuais Quando ocorrem e qual o seu objetivo? Quem inicia o sexo e como? b. Fase da excitação Dificuldade de excitação sexual (atingir ou manter ereções, lubrificação) durante preliminares e antes do orgasmo c. Fase do orgasmo Ocorre orgasmo? Manifesta-se cedo ou tarde demais? Com que freqüência e sob quais circunstâncias o orgasmo ocorre? Se não há orgasmo, é por não estar excitado ou ele não ocorre mesmo com excitação? d. Fase de resolução O que acontece quando o sexo termina? (p. ex., contentamento, frustração, excitação continuada)
trevistador pede que uma paciente lésbica descreva o tipo de controle que usa (supondo que ela seja heterossexual), ela pode imaginar que sua orientação sexual não será entendida ou aceita. Uma questão mais proveitosa é: “Você precisa usar controle de natalidade?” ou “A contracepção faz parte da sua sexualidade?”. O psiquiatra deve perguntar se o paciente deseja mencionar outras áreas de funcionamento sexual e da sexualidade. Ele está ciente das questões envolvidas no sexo seguro? Apresenta alguma doença sexualmente transmissível, como herpes ou AIDS? Tem medo de ser HIV-positivo? Fantasias e sonhos. Freud afirmou que os sonhos são o caminho real para o inconsciente. Se forem repetitivos têm particular valor. Caso o paciente tenha pesadelos, quais os temas recorrentes? Alguns dos temas mais comuns são alimentos, exames, sexo, desesperança e sentimentos de impotência. O paciente consegue descrever um sonho recente e discutir seus significados possíveis? Fantasias e devaneios são outra fonte valiosa de material inconsciente. Como nos sonhos, o psiquiatra pode explorar e registrar os detalhes da fantasia e os sentimentos que a acompanham. Quais suas fantasias a respeito do futuro? Se pudesse fazer alguma mudança em sua vida, qual seria? Quais as fantasias mais comuns e preferidas pelo paciente? O paciente tem muitos devaneios? Suas fantasias baseiam-se na realidade, ou ele não consegue fazer essa diferenciação? Valores. O psiquiatra pode investigar a respeito do sistema de valores do paciente – sociais e morais – incluindo aqueles refe-
268
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
rentes a trabalho, dinheiro, diversão, filhos, pais, amigos, sexo, questões comunitárias e culturais. Por exemplo, os filhos são um peso ou uma alegria? O trabalho é um mal necessário, um dever inevitável ou uma oportunidade? Qual o conceito de certo e errado para o paciente? EXAME DO ESTADO MENTAL O exame do estado mental é a parte da avaliação clínica que descreve a totalidade das observações e impressões do examinador sobre o paciente no momento da entrevista. Enquanto a história permanece constante, o estado mental pode mudar de um dia para outro, e até de hora em hora. O exame do estado mental é a descrição da aparência, do discurso, das ações e dos pensamentos do paciente durante a entrevista. Mesmo quando está mudo, é incoerente ou se recusa a responder às questões, o clínico pode obter uma variedade de informações por meio de uma observação cuidadosa. Embora os formatos organizacionais para fazê-lo possam variar um pouco, o exame deve conter certas categorias de informações. Um exemplo é apresentado na Tabela 7.1-5.
infantil e bizarra. Os sinais de ansiedade observados são: mãos úmidas, testa suada, postura tensa e olhos arregalados. Comportamento e atividade psicomotora. Esta categoria refere-se aos aspectos quantitativos e qualitativos do comportamento motor do paciente, incluindo maneirismos, tiques, gestos, contrações musculares, comportamento estereotipado, ecopraxia, hiperatividade, agitação, combatividade, flexibilidade, rigidez, andar e agilidade. Descreve atitudes inquietas, como torcer as mãos, caminhar em círculo e outras manifestações físicas. É importante observar retardos motores ou redução generalizada nos movimentos corporais e relatar atividades sem propósito ou objetivo. Atitude para com o examinador. Esta pode ser descrita como cooperativa, amigável, atenta, interessada, franca, sedutora, defensiva, desdenhosa, perplexa, apática, hostil, lúdica, insinuante, evasiva ou cautelosa, sendo ainda possível usar quaisquer outros adjetivos necessários. Registre o nível de harmonia estabelecido. Humor e afeto
Descrição geral Aparência. Nesta categoria, o psiquiatra descreve a aparência e a impressão física geral do paciente, refletida por sua postura, equilíbrio, roupas e maneira de se arrumar. Se o mesmo parecer particularmente bizarro, o clínico pode perguntar: “Alguém já fez comentários sobre sua aparência?”, “Como você descreveria sua aparência?”, “Poderia me ajudar a entender as escolhas que fez quanto à sua aparência?” Exemplos de itens na categoria aparência incluem o tipo de corpo, a postura, o equilíbrio, as roupas, a arrumação, o cabelo e as unhas. Termos comuns usados para descrever a aparência são: saudável, doentia, mal-estar, equilibrada, jovial, desarrumada,
TABELA 7.1-5 Modelo de exame do estado mental 1. Aparência 2. Fala 3. Humor a. Subjetivo b. Objetivo 4. Pensamento a. Forma b. Conteúdo 5. Percepções 6. Sensório a. Atenção b. Orientação (pessoa, lugar, tempo) c. Concentração d. Memória (imediata, recente, longa duração) e. Cálculos f. Cabedal de conhecimento g. Raciocínio abstrato 7. Insight 8. Discernimento
Humor. O humor é definido como uma emoção ampla e prolongada que colore a percepção que se tem do mundo. O psiquiatra está interessado em saber se o paciente fala voluntariamente sobre seus sentimentos ou se é necessário perguntar como se sente. Afirmações sobre o humor devem incluir profundidade, intensidade, duração e flutuações. Adjetivos comuns usados para descrever esse aspecto incluem depressivo, desesperado, irritado, ansioso, bravo, expansivo, eufórico, vazio, culpado, desesperançado, fútil, autodestrutivo, assustado e perplexo. O humor pode ser instável, flutuante ou alternar rapidamente entre extremos (p. ex., rir ruidosa e expansivamente em um momento e chorar desesperadamente em seguida). Afeto. Pode ser definido como a resposta emocional atual do paciente, inferida a partir de sua expressão facial, incluindo a quantidade e variedade de comportamentos expressivos. O afeto pode ser ou não congruente com o humor, sendo descrito como estando dentro de um limite normal, constrito, embotado ou plano. Em seu limite normal, há uma variação na expressão facial, no tom de voz, no uso das mãos e nos movimentos corporais. Quando é constrito, a variedade e a intensidade da expressão são reduzidas. No afeto embotado, a expressão emocional é reduzida ainda mais. Para diagnosticar o tipo plano, não pode haver praticamente nenhum sinal de expressão afetiva. A voz do paciente deve ser monótona, e seu rosto estar imóvel. Observe a dificuldade do paciente para iniciar, manter ou terminar uma resposta emocional. Adequação do afeto. O psiquiatra pode considerar a adequação das respostas emocionais do paciente no contexto do tema que se está discutindo. Pacientes delirantes que estão descrevendo um delírio de perseguição devem ficar com raiva ou apavorados com a experiência que acreditam estar lhes acontecendo. Nesse
EXAME CLÍNICO DO PACIENTE PSIQUIÁTRICO
contexto, a raiva e o medo são expressões adequadas. Os psiquiatras usam o termo afeto inadequado para uma qualidade de resposta encontrada em alguns esquizofrênicos, na qual o afeto é incongruente com o que se está dizendo (p. ex., afeto plano quando fala de impulsos assassinos). Características do discurso Esta parte do relatório descreve as características físicas do discurso. O discurso pode ser referido em termos de sua quantidade, taxa de produção e qualidade. O paciente pode ser descrito como falante, tagarela, fluente, taciturno, pouco espontâneo ou que responde normalmente às pistas fornecidas pelo entrevistador. A fala pode ser lenta, apressada, hesitante, emocional, dramática, monótona, ruidosa, sussurrada, confusa, em staccato ou murmurada. Limitações da fala, como gagueira, são incluídas nesta seção. Qualquer ritmo inusitado (denominado disprosódia) ou sotaque deve ser observado. Seu discurso também pode ser espontâneo. Percepção Podem ser experimentadas alterações da percepção, como alucinações e ilusões, em relação ao self ou ao ambiente. O sistema sensorial envolvido (p. ex., auditivo, visual, gustativo, olfativo ou tátil) e o conteúdo da ilusão ou experiência alucinatória devem ser descritos. As circunstâncias da ocorrência de qualquer experiência alucinatória são importantes. As alucinações hipnagógicas (que ocorrem quando se adormece) e as hipnopômpicas (que ocorrem quando se desperta) têm muito menos relevância do que outros tipos de alucinações. Também é possível que ocorram em momentos de particular estresse para pacientes individuais. Os sentimentos de despersonalização e desrealização (sensações extremas de desconexão com o self e com o ambiente) são ainda exemplos de transtornos da percepção. O formigamento, o sentimento de que insetos estão andando sobre ou sob a pele, é visto no cocainismo. Exemplos de questões usadas para evocar a experiência de alucinações incluem as seguintes: Você já ouviu vozes ou outros sons que ninguém mais ouviu ou quando não havia mais ninguém por perto? Já teve sensações estranhas, que ninguém mais parece ter? Um jovem com esquizofrenia ouvia uma voz insistente, dizendo repetidamente para ele interromper a medicação antipsicótica. Após resistir ao comando por muitas semanas, sentiu que não conseguia mais combater a voz, e descontinuou o tratamento. Dois meses depois, foi hospitalizado involuntariamente, à beira de um colapso cardiovascular. A seguir, disse que, após parar com a medicação, a voz insistiu para que parasse de comer e beber para se purificar. Um aterrorizado homem de 37 anos com delirium tremens agudo olhava de maneira agitada ao redor da sala. Apontava para a janela e dizia: “Meu Deus, a armada espanhola
269
está lá no jardim. Eles vão atacar”. A alucinação era experimentada como se fosse real, persistindo de forma intermitente por três dias, antes de desaparecer. Subseqüentemente, o paciente não se lembrava da experiência. Conteúdo do pensamento e tendências mentais. O pensamento pode ser dividido em processo (ou forma) e conteúdo. O processo se refere à maneira como o indivíduo reúne idéias e associações, à forma como pensa. O processo ou a forma do pensamento podem ser lógicos e coerentes ou completamente ilógicos e até incompreensíveis. O conteúdo se refere àquilo que ele realmente pensa sobre idéias, crenças, preocupações, obsessões. A Tabela 7.1-6 apresenta uma lista de transtornos do pensamento comuns. Processo de pensamento (forma do pensamento). O paciente pode apresentar superabundância ou pobreza de idéias. O pensamento pode ser rápido, o qual, em níveis extremos, é chamado de fuga de idéias, mas também lento ou hesitante. O mesmo pode ter a característica de ser vago ou vazio. As respostas do paciente realmente dão conta das questões feitas, ele tem capacidade para pensar de forma orientada para os objetivos? As respostas são relevantes ou irrelevantes? Existe uma relação de causa e efeito clara nas suas explicações? O paciente tem associações frouxas (p. ex., as idéias expressadas parecem não ser relacionadas ou conectadas de forma idiossincrática)? Os transtornos da continuidade do pensamento incluem afirmações tangenciais, circunstanciais, divagantes, evasivas ou perseverantes. Um bloqueio é a interrupção do fluxo de pensamento antes de uma idéia ser concluída. O paciente pode indicar uma incapacidade de lembrar o que estava dizendo ou pretendia dizer. A circunstancialidade refere a perda da capacidade de pensar de forma
TABELA 7.1-6 Transtornos do pensamento formal Circunstancialidade. Inclusão exagerada de detalhes triviais ou irrelevantes que impedem de se chegar à questão. Associações por assonância. Pensamentos associados pelo som das palavras, não por seu significado, p. ex., por rimas ou ressonância. Descarrilhamento (sinônimo de associações frouxas). Quebra na conexão lógica entre as idéias e o sentido de objetividade geral. As palavras fazem sentido; as sentenças, não. Fuga de idéias. Uma sucessão de associações múltiplas, de maneira que os pensamentos parecem trocar abruptamente de idéia para idéia. Muitas vezes (mas não de forma invariável) expressadas por meio de discurso rápido e aflito. Neologismos. Invenção de novas palavras ou expressões ou uso de palavras convencionais de maneiras idiossincráticas. Perseverança. Repetição de palavras, expressões e idéias fora de contexto. Tangencialidade. Quando questionado, o paciente dá uma resposta que é apropriada para o tópico geral, sem, de fato, responder à questão. Exemplo: Médico: “Você tem tido problemas para dormir ultimamente?” Paciente: “Normalmente durmo na minha cama, mas tenho dormido no sofá.” Bloqueio do pensamento. Transtorno do pensamento repentino ou quebra no fluxo de idéias.
270
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
orientada para os próprios objetivos. No processo de explicar uma idéia, o paciente insere muitos detalhes irrelevantes e comentários paralelos, mas, ao final, volta à questão original. A tangencialidade é um transtorno em que o indivíduo perde o fio da conversa, persegue pensamentos divergentes em decorrência de diversos estímulos externos ou internos irrelevantes e nunca retorna à questão original. Problemas no processo de pensamento podem ser refletidos em conexões incoerentes ou incompreensíveis de pensamentos (salada de palavras), associações por assonância (associações por rima), trocadilhos (associação por sentidos duplos) e neologismos (palavras novas criadas pela combinação ou condensação de outras). Conteúdo do pensamento. Os transtornos no conteúdo do pensamento incluem delírios, preocupações (que podem envolver a doença do paciente), obsessões (“Você tem idéias intrusivas e repetitivas?”), compulsões (“Você faz a mesma coisa repetidamente?”, “Existem coisas que precisa fazer de determinada maneira ou em ordem?”, “Se você não as fizer dessa maneira, precisa repeti-los?”, “Você sabe por que faz as coisas assim?”), fobias, planos, intenções, idéias recorrentes sobre suicídio ou homicídio, sintomas hipocondríacos e ânsias antisociais específicas. Uma mulher de 32 anos com uma síndrome viral leve pegou um litro de leite no supermercado e o devolveu à prateleira após decidir que não o compraria. Nos dias seguintes, passou períodos crescentes de tempo pensando naquele ato. Não conseguia parar de pensar que a mãe de uma criança pequena poderia ter pego o leite, contraído seu vírus e dado o leite para a criança, que poderia adoecer e morrer como resultado de uma infecção fulminante. Apesar de saber que essa seqüência de eventos era extremamente improvável, a mulher não conseguia parar de repassar tal situação em sua mente. O paciente tem pensamentos autodestrutivos? Existe algum plano? Uma categoria importante de alteração no conteúdo do pensamento envolve os delírios. Estes, que se tratam de crenças fixas e falsas em desacordo com a base cultural do paciente, podem ser congruentes de acordo com um humor depressivo ou alegre, por exemplo, um paciente depressivo pensa que está morrendo, e uma paciente alegre pensa que é a Virgem Maria) ou incongruentes com o humor (p. ex., um paciente alegre pensa que tem um tumor cerebral). O psiquiatra deve descrever o conteúdo de qualquer sistema delirante e tentar avaliar sua organização e a convicção do paciente sobre a sua validade. A maneira como isso afeta a vida do paciente é descrita de forma adequada na história da doença atual. Os delírios podem ser bizarros e envolver crenças de controle externo, podendo apresentar temas de perseguição, ou ser paranóides, grandiosos, ciumentos, somáticos, culpados, niilistas ou eróticos. O clínico deve descrever idéias de referência e de influência. Exemplos de idéias de referência incluem a crença de que a televisão ou o rádio está falando com ela ou sobre ela. Exemplos de idéias de influência são crenças sobre outras pessoas ou forças que controlam algum aspecto do comportamento do indivíduo.
Um jovem esquizofrênico abandonara a faculdade e trabalhava somente em empregos informais de baixo nível. Vivia com sua família abastada, acreditava que era o Messias. Estava completamente convencido de que suas disputas e sua falta de sucesso ocupacional eram simples testes de Deus, até que a sua verdadeira identidade fosse revelada. Ao melhorar, dizia, quando questionado, que tinha sido escolhido por Deus, mas, se pressionado um pouco mais, admitia uma pequena possibilidade de que pudesse estar errado. Quando atingiu seu melhor estado clínico, refletia sobre a possibilidade de que fosse o Messias, mas dizia não ter certeza. Sensório e cognição A porção do sensório e da cognição do exame do estado mental visa a avaliar o funcionamento cerebral, incluindo a inteligência, a capacidade de pensamento abstrato e o nível de insight e discernimento. O Mini-mental State Examination (MMSE) é um instrumento breve, projetado para avaliar o funcionamento cognitivo. Ele mensura a orientação, a memória, a capacidade para cálculos, leitura e escrita, as habilidades visual e espacial e a linguagem. O paciente é quantitativamente analisado em relação a funções, e o escore perfeito é de 30 pontos. O MMSE é usado amplamente como um instrumento rápido e simples para avaliar possíveis déficits cognitivos. (Ver Cap. 10, Tab. 10.1-4, para um exemplo do MMSE). Questões para testar o funcionamento cognitivo são listadas na Tabela 7.1-7. Consciência. As alterações de consciência normalmente indicam problemas cerebrais orgânicos. A turvação é uma redução geral na percepção do ambiente. O paciente pode ser incapaz de atentar para estímulos ambientais ou de manter um pensamento ou comportamento voltado para seus objetivos. A turvação ou embotamento da consciência muitas vezes não é um estado mental fixo. Muitas vezes, percebe-se flutuações no nível de consciência acerca do seu entorno. Um paciente que tenha um estado alterado de consciência em geral apresenta também alguma limitação na orientação, embora o inverso não seja necessariamente verdadeiro. Eis alguns termos usados para descrever o nível de consciência do paciente: turvação, sonolência, estupor, coma, letargia e alerta. Orientação e memória. Os transtornos da orientação costumam ser separados por tempo, lugar e pessoa. Qualquer limitação normalmente aparece nessa ordem (i. e., o sentido de tempo é afetado antes do sentido de lugar). De maneira semelhante, à medida que a melhora ocorre, a limitação desaparece na ordem inversa. O psiquiatra deve determinar se o paciente consegue dizer a data e a hora aproximada. Além disso, se hospitalizado, sabe há quanto tempo está nesta situação? Parece estar orientado no presente? Em questões sobre a orientação para lugar, os pacientes devem conseguir dizer o nome e a localização do hospital corretamente e se comportar como se soubessem onde estão. Ao avaliar a orientação para pessoas, o psiquiatra pergunta se ele sabe o nome das pessoas ao seu redor e se entende o papel de cada uma delas
EXAME CLÍNICO DO PACIENTE PSIQUIÁTRICO
TABELA 7.1-7 Questões usadas para testar funções cognitivas na seção do sensório do exame do estado mental 1. Estado de alerta 2. Orientação
3. Concentração
(Observação) Qual o seu nome? Quem sou eu? Que lugar é este? Onde se localiza? Em que cidade estamos? Começando em 100, conte de trás para diante de 7 em 7 (ou de 3 em 3) Diga as letras do alfabeto de trás para diante, começando com o z. Diga os meses do ano de trás para diante, começando com dezembro.
4. Memória Imediata Recente
Repita os números comigo: 1, 4, 9, 2, 5 O que você comeu no café da manhã? O que fazia antes de começarmos a conversar? Quero que você se lembre de três coisas: um lápis amarelo, um cocker spaniel e a cidade de Cincinnati. Após alguns minutos, vou pedir para você repeti-las. Longa duração Qual era seu endereço quando você estava na terceira série? Quem era seu professor? O que você fez no verão entre o ensino médio e a faculdade? 5. Cálculos Se você comprar algo que custa R$ 3,75 e pagar com uma nota de 5, qual vai ser o troco? Quanto custam três laranjas, se uma dúzia custa R$ 4? 6. Cabedal de Qual é a distância entre Nova York e Los conhecimento Angeles? Qual é o oceano que fica entre a América do Sul e a África? 7. Raciocínio abstrato Que objeto não pertence a este grupo: uma tesoura, um canário e uma aranha? Por quê?
em relação a ele. Sabe quem é o examinador? Apenas nos casos mais graves, os pacientes não sabem quem eles mesmos são. Um homem alcoólatra de 42 anos de idade com delirium tremens, examinado em um hospital da Califórnia, em 1995, foi questionado sobre a data e o local em que estava. Respondeu: “Estou sentado em uma esquina em Kansas City, em 1966, cuidando da minha vida. Por que você não cuida da sua?”.
271
duração, posteriormente. Se houver um problema, que esforços são feitos para enfrentá-lo ou escondê-lo? A negação, a confabulação ou a circunstancialidade são usadas para esconder um déficit? Reações à perda da memória podem fornecer pistas importantes sobre transtornos subjacentes e mecanismos de enfrentamento. Por exemplo, um paciente que parece ter problemas de memória, mas que, de fato, está deprimido, apresenta maior probabilidade de ter preocupações em relação a essa condição do que alguém com perda de memória secundária a uma demência. O clínico também deve determinar se existe alguma reação catastrófica presente (choro ansioso quando não consegue lembrar algo). Um alcoólatra crônico de 40 anos de idade, cuja memória no exame do estado mental estava afetada de forma bastante evidente, exigiu freneticamente que fosse liberado do hospital, dizendo que sua esposa havia sofrido um acidente automobilístico e que ele precisava se dirigir até outro hospital para visitá-la. Afirmou isso com convicção sincera, preocupação e medo apropriados. Para ele, pelo menos, a história era real. De fato, sua esposa havia morrido fazia 15 anos. O paciente contou a mesma história muitas vezes, sempre com uma convicção evidente, apesar do fato de os membros da equipe o confrontarem com a realidade do falecimento. Ele nunca se sentiu influenciado por tais afirmações. Embora sua memória passada fosse fragmentada, conseguia lembrar repetidamente da história da emergência com sua esposa. A confabulação (elaborar inconscientemente respostas falsas quando a memória está prejudicada) está mais intimamente associada a distúrbios cognitivos. A Tabela 7.1-8 fornece um resumo dos testes de memória. Concentração e atenção. A concentração pode ser afetada por muitas razões. Transtorno cognitivo, ansiedade, depressão e estímulos internos, como alucinações auditivas, podem contribuir para problemas nessa área. A subtração de uma série de 7 a partir do número 100 é uma tarefa simples que exige concentração e capacidades cognitivas intactas. O paciente consegue subtrair 7 de 100 e continuar subtraindo 7 do resultado? Se não for capaz, será que consegue fazê-lo com o número 3? As tarefas fáceis foram cumpridas – 4 x 9, 5 x 4? O examinador sempre deve
TABELA 7.1-8 Resumo de testes de memória
As funções da memória são tradicionalmente divididas em quatro áreas: memória remota, memória do passado recente, memória recente e retenção e recuperação imediatas. A memória recente pode ser verificada perguntando-se ao paciente sobre seu apetite e sobre o que comeu no café da manhã ou no jantar na noite anterior. Nesse ponto, pode-se indagar se ele lembra o nome do entrevistador. Um teste da retenção imediata é pedir para que repita seis números em ordem direta e depois inversa. A memória remota pode ser testada solicitando informações sobre a infância do paciente que possam ser verificadas posteriormente. Pedir que lembre de eventos importantes do jornal dos últimos meses testa a memória do passado recente. Muitas vezes, em transtornos cognitivos, a memória recente ou de curta duração é afetada em primeiro lugar, e a remota ou de longa
Tente avaliar o envolvimento dos processos de registro, retenção ou recuperação do material. Memória remota: dados da infância, eventos importantes que ocorreram quando o paciente era jovem ou saudável, questões pessoais, material neutro Memória do passado recente: os últimos meses Memória recente: os últimos dias, aquilo que o paciente fez ontem, anteontem, o que comeu no café da manhã, no almoço, no jantar Retenção e recuperação imediatas: medidas de lembrança de números; capacidade de repetir seis números após o examinador os ditar – primeiramente em uma ordem, depois em ordem inversa (aqueles com problemas de memória em geral conseguem repetir seis números de trás para diante); capacidade de repetir três palavras imediatamente, e 3 a 5 minutos depois
272
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
avaliar se ansiedade, algum transtorno do humor ou da consciência ou algum déficit de aprendizagem (discalculia) é responsável pela dificuldade. A atenção é avaliada por cálculos ou solicitando-se que o paciente soletre algumas palavras invertidas. Também pode ser pedido que forneça o nome de cinco coisas que comecem com determinada letra. Durante seu episódio maníaco mais recente, um homem de 48 anos com transtorno bipolar teve idéias intensas, grandiosas e psicóticas. Ele estava convencido de que conseguiria controlar o trânsito em Los Angeles, dirigindo em certas avenidas em horários específicos e desejando que os outros saíssem da estrada. Após o episódio maníaco terminar e durante o episódio depressivo que veio logo a seguir, não conseguia lembrar-se de nenhum detalhe do conteúdo de seus pensamentos enquanto estava maníaco. Mais tarde, quando voltou a ficar eutímico, conseguiu rememorar algumas imagens nebulosas. Um ano depois, o começo de um novo período hipomaníaco foi anunciado pelo fato de o paciente lembrar e descrever espontaneamente, em detalhes, os planos do episódio anterior. Leitura e escrita. O psiquiatra pode pedir que o paciente leia uma sentença (p. ex., “Feche os olhos”) e faça o que se diz. Ele também pode escrever uma sentença simples, mas completa. Capacidade visual e espacial. Solicita-se que o paciente copie um desenho, como um relógio ou pentágonos intercalados. Pensamento abstrato. Refere-se à capacidade de lidar com conceitos. Os pacientes podem ter déficits na maneira como conceitualizam ou lidam com as idéias. O paciente consegue explicar semelhanças, como aquelas existentes entre uma maçã e uma pêra ou entre a verdade e a beleza? Os significados de provérbios simples, como “Pedras rolantes não criam limo”, são compreendidos? As respostas podem ser concretas (fornecendo exemplos específicos para ilustrar o significado) ou claramente abstratas (fornecendo uma explicação abstrata demais). Sua adequação e a forma como são apresentadas devem ser anotadas. Em uma reação catastrófica, os pacientes com lesões cerebrais se tornam extremamente emotivos e não conseguem pensar de forma abstrata. Informações e inteligência. Se houver suspeita de um possível problema cognitivo, o paciente tem dificuldade com tarefas mentais, como contar o troco de US$10 após uma compra de 6,37? Se essa tarefa for difícil demais, problemas mais fáceis podem ser resolvidos (como quantas vezes 5 centavos há em US$1,35). A inteligência está relacionada ao vocabulário e ao cabedal de conhecimento (p. ex., a distância entre Nova York e Paris, os presidentes do país), levando-se em conta o nível educacional (formal e autodidata) e o status socioeconômico. A capacidade de lidar com conceitos difíceis e sofisticados pode refletir inteligência, mesmo na ausência de educação formal ou de uma base ampla de informações. Essencialmente, o psiquiatra estima que a capacidade intelectual do paciente funcione em um nível básico.
Impulsividade O paciente é capaz de controlar impulsos sexuais, agressivos ou outros? Uma avaliação do controle de impulsos é essencial para verificar se o paciente tem consciência de comportamentos socialmente apropriados, representando uma medida do perigo potencial do paciente para si mesmo e para terceiros. É possível que impulsos secundários a transtornos cognitivos ou psicóticos ou decorrentes de defeitos caracterológicos crônicos, como os observados nos transtornos da personalidade, não consigam ser controlados. Esse domínio pode ser estimado a partir das informações obtidas da história recente do paciente e do comportamento observado durante a entrevista. Discernimento e insight Discernimento. Ao obter a história, o psiquiatra deve ser capaz de avaliar muitos aspectos da capacidade de discernimento social do paciente. Ele entende o resultado provável de seu comportamento, e é influenciado por esse entendimento? Consegue prever o que faria em situações imaginárias (p. ex., ao sentir cheiro de fumaça em um cinema lotado)?
Insight. É o grau de consciência e entendimento em relação a estar doente. O paciente pode apresentar total negação de sua doença ou demonstrar um certo nível de consciência acerca do que está acontecendo, no entanto, culpar outras pessoas, fatores externos ou mesmo orgânicos. Pode reconhecer que tem uma doença, mas atribuí-la a algo desconhecido ou misterioso. Um jovem de 18 anos chegou à sala de emergência com a crença de que estava sendo controlado por um computador em uma nave semelhante à Enterprise, da série de televisão Jornada nas estrelas. Estava convencido de que todos os seus pensamentos, atos e sentimentos eram programados na nave, a qual se situava a anos-luz de distância e, assim, não seria detectada por mais ninguém. O insight intelectual está presente quando os pacientes conseguem admitir que estão doentes e reconhecem que sua incapacidade de se adaptar se deve, em parte, a seus próprios sentimentos irracionais. A impossibilidade de aplicarem seu conhecimento para alterar experiências futuras, contudo, é a principal limitação dessa inferência. O verdadeiro insight emocional está presente quando a consciência que os pacientes têm de seus motivos e sentimentos profundos leva a uma mudança em sua personalidade ou em padrões de comportamento. Uma relação de seis níveis de insight é apresentada a seguir: 1. Negação completa da doença. 2. Leve consciência de estar doente e necessitar de ajuda, mas com negação. 3. Consciência de estar doente, mas culpa outras pessoas, fatores externos ou orgânicos. 4. Consciência de que a doença se deve a algo desconhecido.
EXAME CLÍNICO DO PACIENTE PSIQUIÁTRICO
5. Insight intelectual: reconhecimento de que está doente e de que os sintomas ou a incapacidade de adaptação social se devem aos próprios sentimentos irracionais ou a perturbações, mas sem aplicar esse conhecimento às experiências futuras. 6. Insight emocional verdadeiro: consciência emocional dos próprios motivos e sentimentos e das pessoas importantes em sua vida, que pode levar a mudanças básicas no comportamento. Confiabilidade A seção do relatório sobre o estado mental termina com as impressões do psiquiatra acerca da confiabilidade do paciente e de sua capacidade de relatar a sua situação de forma precisa. Por exemplo, se ele for capaz de revelar sua relação com abuso de substâncias ou circunstâncias que sabe que podem ter uma influência negativa (p. ex., problemas com a lei), o psiquiatra pode estimar que sua confiabilidade é boa.
273
nentes sejam registrados. Possui uma síntese de achados positivos e negativos e uma interpretação dos dados. Seu valor não é apenas descritivo, possui um significado que ajuda a compreender o caso. O examinador aborda questões fundamentais: são necessários mais estudos? Quais? Será preciso um consultor? É recomendado solicitar um exame neurológico abrangente, incluindo eletroencefalograma ou tomografia computadorizada? Testes psicológicos são indicados? Os fatores psicodinâmicos são relevantes? O relatório inclui um diagnóstico feito a partir do DSM-IV-TR, que emprega um esquema de classificação multiaxial, que consiste de cinco eixos que devem ser avaliados (ver Capítulo 9, Tab. 9.1-6). Também é discutido um prognóstico, listando-se seus fatores positivos e negativos. Por fim, um plano de tratamento discute questões sobre o manejo do paciente, com recomendações firmes. Um exemplo detalhado do relatório psiquiátrico pode ser encontrado na Tabela 7.1-9. ASPECTOS PRÁTICOS DA ENTREVISTA PSIQUIÁTRICA
RELATÓRIO PSIQUIÁTRICO
Duração da sessão
É o documento que detalha os achados obtidos mediante a história psiquiátrica e o exame do estado mental. Também pode ser formatado de outras maneiras, desde que todos os dados perti-
A sessão inicial dura entre 30 minutos e uma hora, dependendo das circunstâncias. As entrevistas com pacientes psicóticos ou com doenças médicas são breves, pois podem ser estressantes para eles.
TABELA 7.1-9 Relatório psiquiátrico I. História psiquiátrica A. Identificação: nome, idade, estado civil, sexo, ocupação, língua, raça, nacionalidade e religião, se pertinente; admissões anteriores no hospital pelo mesmo problema ou por problemas diferentes; com quem o paciente vive B. Principal queixa: exatamente por que o paciente procurou o psiquiatra, de preferência, segundo suas próprias palavras; caso as informações não tenham sido obtidas do paciente, anote quem as forneceu C. História da doença atual: origem e desenvolvimento cronológico dos sintomas ou mudanças comportamentais que fizeram o paciente buscar ajuda; circunstâncias da sua vida no início da condição; personalidade quando está bem; como a doença afetou atividades e relacionamentos pessoais – mudanças em personalidade, interesses, humor, atitudes para com outras pessoas, modo de vestir, hábitos, nível de tensão, irritabilidade, atividade, atenção, concentração, memória, discurso; sintomas psicofisiológicos; natureza e detalhes da disfunção; dor – localização, intensidade, flutuação; nível de ansiedade – generalizada e não-específica (flutuante) ou relacionada a determinadas situações, atividades ou objetos; como as ansiedades são tratadas – evitação, repetição da situação temida, uso de drogas e outras atividades para aliviar D. História psiquiátrica e médica passada: (1) transtornos emocionais ou mentais – nível de incapacidade, tipo de tratamento, nomes de hospitais, duração da doença, efeito do tratamento; (2) transtornos psicossomáticos: rinite alérgica, artrite, colite, artrite reumática, resfriados recorrentes, problemas de pele; (3) problemas médicos: revisão habitual dos sistemas – doenças sexualmente transmissíveis, abuso de álcool e outras substâncias, risco de AIDS; (4) transtornos neurológicos: dor de cabeça, trauma cranioencefálico, perda da consciência, convulsões ou tumores E. História familiar: obtida com o paciente e com outra pessoa, desde que as descrições representem diferentes pontos de vista acerca das mesmas pessoas e dos mesmos eventos; tradições étnicas, nacionais e religiosas; descrições de todas as pessoas no lar – personalidade e inteligência – e o que aconteceu com elas desde a infância do paciente; relação das diferentes casas em que viveu; relacionamento atual entre o paciente e os familiares; papel da doença na família; história familiar de doenças mentais; onde o paciente vive – bairro e residência; se a casa está lotada; privacidade entre os familiares e com outras famílias; fontes de renda e dificuldades para obtê-la; assistência pública (se há) e atitude quanto a ela; alternativas caso o paciente perca o emprego ou a moradia se permanecer no hospital; quem está cuidando dos filhos F. História pessoal (anamnese): apontamentos sobre a vida do paciente desde a primeira infância até o presente, até o ponto em que for lembrado; lacunas na história relatada espontaneamente pelo paciente; emoções associadas a diferentes períodos (dolorosa, estressante, conflituosa) ou fases do ciclo de vida 1. Primeira infância (até 3 anos) a. História pré-natal, gravidez e parto: duração da gravidez, espontaneidade e normalidade do parto, traumas, se o paciente foi planejado e desejado, defeitos natais b. Hábitos alimentares: amamentado ou mamadeira, problemas alimentares c. Desenvolvimento inicial: privação materna, desenvolvimento da linguagem, desenvolvimento motor, sinais de necessidades frustradas, padrão de sono, constância de objetos, ansiedade com estranhos, ansiedade de separação
(Continua)
274
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 7.1-9 (Continuação) d. Controle dos esfincteres: idade, atitude dos pais, sentimentos relacionados e. Sintomas de problemas comportamentais: chupar o dedo, acessos de raiva, tiques, bater a cabeça, sacudir o corpo, terrores noturnos, medos, urinação e defecação na cama, roer unhas, masturbação f. Personalidade e temperamento quando criança: introvertido, inquieto, hiperativo, retraído, atento, extrovertido, tímido, atlético, padrões de jogo amigáveis, reações aos irmãos 2. Infância média (3 a 11 anos): história escolar inicial – sentimentos quanto a ir à escola, adaptação inicial, identificação de gênero, desenvolvimento da consciência, punição, relacionamentos sociais, atitudes para com irmãos e amigos 3. Infância tardia (pré-puberdade a adolescência) a. Relacionamentos com amigos: número e proximidade, se líder ou seguidor, popularidade social, participação em atividades de grupo ou turma, figuras idealizadas; padrões de agressividade, passividade, ansiedade, comportamento anti-social b. História escolar: até que nível o paciente foi, adaptação à escola, relacionamentos com professores – amizade ou rebeldia – estudos e interesses favoritos, habilidades ou recursos particulares, atividades extracurriculares, esportes, hobbies, relação de problemas ou sintomas em algum período escolar c. Desenvolvimento cognitivo e motor: aprender a ler e outras habilidades intelectuais e motoras, disfunção cerebral mínima, dificuldades de aprendizagem – seu manejo e efeitos sobre a criança d. Problemas emocionais ou físicos adolescentes: pesadelos, fobias, masturbação, urinação na cama, fugas, delinqüência, tabagismo, uso de drogas ou álcool, sentimento de inferioridade e. História psicossexual i. Curiosidade inicial, masturbação infantil, brincadeiras sexuais ii. Aquisição de conhecimento sexual, atitude dos pais para com o sexo, abuso sexual iii. Início da puberdade, sentimentos relacionados, tipo de preparação, sentimentos quanto à menstruação, desenvolvimento de características sexuais secundárias iv. Atividade sexual adolescente: paixões, festas, namoros, carícias, masturbação, sonhos eróticos e atitudes para com eles v. Atitudes para com o mesmo sexo e o sexo oposto: tímido, introvertido, agressivo, precisa impressionar, sedutor, conquistas sexuais, ansiedade vi. Práticas sexuais: dificuldades, experiências homo e heterossexuais, parafilias, promiscuidade f. Base religiosa: rígida, liberal, mista (possíveis conflitos), relação com práticas religiosas atuais 4. Idade adulta a. História ocupacional: escolha de ocupação, formação, ambições, conflitos; relacionamento com autoridades, amigos e subordinados; número e duração de empregos; mudanças no status do emprego; emprego atual e sentimentos relacionados b. Atividade social: se o paciente tem amigos ou não; se é retraído ou tem boas relações sociais; interesses sociais, intelectuais e físicos; relacionamentos com o mesmo sexo e o sexo oposto; profundidade, duração e qualidade dos relacionamentos c. Sexualidade adulta i. Relacionamentos sexuais pré-conjugais, idade da primeira relação sexual, orientação sexual ii. História conjugal: uniões estáveis, casamentos legais, descrição do namoro e papel de cada parceiro, idade ao casar, planejamento familiar e contracepção, nomes e idades dos filhos, atitudes quanto à sua criação, problemas com familiares, dificuldades habitacionais, se foram importantes para o casamento, adaptação sexual, casos extraconjugais, áreas de harmonia e desacordo, manejo do dinheiro, papel dos sogros iii. Sintomas sexuais: anorgasmia, impotência, ejaculação precoce, falta de desejo iv. Atitudes para com gravidez e filhos; práticas contraceptivas e sentimentos relacionados v. Práticas sexuais: parafilias como sadismo, fetiches, voyeurismo, felação, cunilíngua; técnicas e freqüência da relação sexual d. História militar: adaptação geral, combates, ferimentos, indicação a psiquiatras, tipo de saída, status de veterano e. Sistemas de valores: se os filhos são vistos como ônus ou alegria; se o trabalho é considerado um mal necessário, um dever inevitável ou uma oportunidade; atitude atual quanto à religião; crença em inferno e paraíso Síntese das observações e impressões do entrevistador, derivada da entrevista inicial II. Estado mental A. Aparência 1. Identificação pessoal: pode incluir uma breve descrição informal da aparência e do comportamento do paciente; atitude para com o examinador pode ser descrita aqui – cooperativo, atento, interessado, franco, sedutor, defensivo, hostil, lúdico, insinuante, evasivo, cauteloso 2. Comportamento e atividade psicomotora: andar, maneirismos, tiques, gestos, contrações musculares, estereótipos, tocar no examinador, ecopraxia, desajeitado, ágil, lânguido, rígido, retardado, hiperativo, agitado, combativo, maleável 3. Descrição geral: postura, conduta, roupas, arrumação, cabelo, unhas; saudável, doentio, bravo, assustado, apático, perplexo, desdenhoso, desconfortável, equilibrado, aparência envelhecida ou jovial, afeminado, masculinizado; sinais de ansiedade – mãos úmidas, testa suada, inquietação, postura tensa, voz cansada, olhos arregalados; mudanças no nível de ansiedade durante a entrevista ou em relação a determinados temas B. Discurso: rápido, lento, aflito, hesitante, emotivo, monótono, ruidoso, sussurrado, confuso, murmurado, gaguejado, ecolalia, intensidade, tom, facilidade, espontaneidade, produtividade, modo, tempo de reação, vocabulário, prosódia C. Humor e afeto 1. Humor (emoção ampla e prolongada que colore a percepção que se tem do mundo): como o paciente afirma se sentir; profundidade, intensidade, duração e flutuações do humor – depressivo, desesperado, irritável, ansioso, horrorizado, bravo, expansivo, eufórico, vazio, culpado, admirado, fútil, autodepreciativo, anedônico, alexitímico 2. Afeto (expressão das experiências interiores do paciente): maneira como o examinador avalia o afeto do paciente – amplo, restrito, embotado ou plano, superficial, quantidade e variedade de expressões; dificuldade para iniciar, manter ou terminar uma resposta emocional; se a expressão emocional é adequada ao conteúdo do pensamento, à cultura e ao cenário do exame; dar exemplos se a expressão emocional for inadequada D. Pensamento e percepção 1. Forma de pensamento
(Continua)
EXAME CLÍNICO DO PACIENTE PSIQUIÁTRICO
275
TABELA 7.1-9 (Continuação) a. Produtividade: superabundância ou fuga de idéias, pensamento rápido, lento, hesitante; o paciente fala de maneira espontânea ou somente quando alguém faz uma pergunta, fluxo de pensamento, citações b. Continuidade do pensamento: se as respostas realmente satisfazem às questões e são direcionadas para os objetivos, tanto relevantes quanto irrelevantes; associações frouxas; falta de relações causais nas explicações; afirmações ilógicas, tangenciais, circunstanciais, desconexas, evasivas, afirmações perseverantes, bloqueios ou distrações c. Problemas de linguagem: problemas que refletem atividade mental desordenada, como discurso incoerente ou incompreensível (salada de palavras), associações por assonância, neologismos 2. Conteúdo do pensamento a. Preocupações: quanto a doença, problemas do ambiente; obsessões, compulsões, fobias; obsessões ou planos de suicídio, homicídio; sintomas hipocondríacos, desejos ou impulsos anti-sociais específicos 3. Transtornos do pensamento a. Delírios: conteúdo de qualquer sistema delirante, sua organização, as convicções do paciente quanto à sua validade, a maneira como afeta a sua vida; delírios de perseguição – se isolados ou associados a suspeitas difusas; congruentes ou incongruentes com o humor b. Idéias de referência e de influência: como começaram, seu conteúdo e o significado que o paciente atribui a elas 4. Transtornos da percepção a. Alucinações e ilusões: se o paciente ouve vozes ou tem visões; conteúdo, envolvimento do sistema sensorial, circunstâncias da ocorrência; alucinações hipnagógicas ou hipnopômpicas; divulgação do pensamento b. Despersonalização e desrealização: sentimentos extremos de desconexão com o self e o ambiente 5. Sonhos e fantasias a. Sonhos: proeminentes ao serem contados; pesadelos b. Fantasias: recorrentes, favoritas ou devaneios repetidos E. Sensório 1. Atenção: consciência do ambiente, duração da atenção, turvação da consciência, flutuações nos níveis de consciência, sonolência, estupor, letargia, estado de fuga, coma 2. Orientação a. Tempo: se o paciente identifica o dia, a data e a hora aproximada; quando no hospital, se sabe há quanto tempo está lá; se está orientado para o presente b. Lugar: se sabe onde está c. Pessoa: se sabe quem é o examinador e os papéis e nomes das pessoas com quem está em contato 3. Concentração e cálculos: subtrair 7 de 100 e continuar subtraindo 7 da resposta; se não conseguir, tarefas mais fáceis podem ser propostas – 4 x 9, 5 x 4; quantas vezes 5 centavos há em R$1,35; se a ansiedade ou algum transtorno do humor ou da concentração parece ser responsável pela dificuldade 4. Memória: problemas, esforços para enfrentá-los – negação, confabulação, reação catastrófica, circunstancialidade usada para esconder deficiência; se há envolvimento dos processos de registro, retenção ou recuperação a. Memória remota: dados da infância, eventos importantes que ocorreram quando o paciente era mais jovem ou saudável, questões pessoais, material neutro b. Memória do passado recente: últimos meses c. Memória recente: últimos dias, o que o paciente fez ontem, anteontem, o que comeu no café da manhã, no almoço e no jantar d. Retenção e recuperação imediata: capacidade de repetir seis números após o examinador os ditar – primeiramente para a frente e depois em ordem inversa e após alguns minutos; outras questões de teste; se as mesmas questões, quando repetidas, produziram respostas diferentes em momentos diferentes e. Efeito do problema sobre o paciente: mecanismos desenvolvidos para enfrentar o problema 5. Cabedal de conhecimento: nível de educação formal e autodidata; estimativa da capacidade intelectual e se capaz de funcionar no nível de suas capacidades básicas; contagem, cálculos, conhecimentos gerais, as questões devem ter relevância para a base educacional e cultural do paciente 6. Pensamento abstrato: perturbações na formação de conceitos; maneira como o paciente conceitualiza ou lida com suas idéias; semelhanças (p. ex., entre maçãs e pêras), diferenças, absurdos; significado de provérbios simples, como “Pedra que rola não cria limo”; respostas podem ser concretas (dando exemplos específicos para ilustrar o significado) ou claramente abstratas (mediante explicações generalizadas); adequação das respostas F. Insight: grau de consciência e compreensão da doença 1. Negação completa da doença 2. Leve consciência de estar doente e de necessitar de ajuda, mas ao mesmo tempo nega a doença 3. Consciência de estar doente, mas a culpa é posta nas outras pessoas, em fatores externos, em fatores médicos ou orgânicos desconhecidos 4. Insight intelectual: reconhecimento da doença e de que os sintomas ou os fracassos na adaptação social se devem a sentimentos ou perturbações irracionais, sem aplicar o conhecimento às experiências futuras 5. Insight emocional verdadeiro: consciência emocional dos motivos e sentimentos, do significado subjacente dos sintomas; essa percepção leva a mudanças na personalidade e no comportamento futuro; abertura a novas idéias e conceitos com relação a si mesmo e às pessoas importantes em sua vida G. Discernimento 1. Discernimento social: manifestações sutis de comportamentos prejudiciais e contrários ao comportamento aceitável em sua cultura; se o paciente entende as prováveis conseqüências de seu comportamento pessoal e é influenciado por isso; exemplos de problemas 2. Discernimento em testes: o paciente consegue prever o que faria em situações imaginárias, como o que faria se encontrasse uma carta endereçada e selada na rua III. Outros estudos diagnósticos A. Exame físico B. Exame neurológico
(Continua)
276
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 7.1-9 (Continuação) C. Diagnóstico psiquiátrico adicional D. Entrevistas de um assistente social com familiares, amigos ou vizinhos E. Testes psicológicos, neurológicos ou laboratoriais, conforme indicados: eletroencefalograma, tomografia computadorizada, ressonância magnética, testes de outros problemas médicos, testes de compreensão da escrita e da leitura, teste para afasia, testes projetivos e ou psicológicos mais objetivos, teste de supressão da dexametasona, exame de urina de 24 horas para intoxicação com metais pesados, exame de urina para drogas IV. Síntese dos achados Relate os sintomas mentais, os achados médicos e laboratoriais e os resultados de testes psicológicos e neurológicos, se disponíveis; inclua os medicamentos que o paciente está tomando, com dosagem e duração. A clareza de pensamento é refletida na escrita. Ao referir-se ao estado mental, por exemplo, a frase “o paciente nega ter alucinações e delírios” não é tão precisa quanto “o paciente nega ouvir vozes ou pensar que está sendo seguido”. Esta última indica a pergunta objetiva feita e a resposta objetiva apresentada. De maneira semelhante, na conclusão do relatório, deve-se escrever que “não foram encontrados sinais de alucinações e delírios”. V. Diagnóstico A classificação diagnóstica é feita segundo o DSM-IV-TR, que usa um esquema de classificação multiaxial consistindo de cinco eixos, os quais devem ser contemplados no diagnóstico Eixo I: síndromes clínicas (p. ex., transtornos do humor, esquizofrenia, transtorno de ansiedade generalizada) e outros problemas que possam ser foco de atenção clínica Eixo II: transtornos da personalidade, retardo mental e mecanismos de defesa Eixo III: qualquer problema médico geral (p. ex., epilepsia, doença cardiovascular, distúrbios endócrinos) Eixo IV: problemas psicológicos e ambientais relevantes para a doença (p. ex., divórcio, lesões, morte de um ente querido) Eixo V: avaliação global do funcionamento apresentado pelo paciente durante a entrevista (p. ex., funcionamento social, ocupacional e psicológico); usa-se uma escala de avaliação com um contínuo de 100 (funcionamento superior) a 1 (funcionamento bastante prejudicado) VI. Prognóstico Opinião sobre o provável curso, alcance e resultado futuro do transtorno; fatores prognósticos positivos e negativos; objetivos específicos da terapia VII. Formulação psicodinâmica Causas do esgotamento psicodinâmico do paciente – influências que contribuíram para o transtorno atual; fatores ambientais, genéticos e da personalidade relevantes para determinar os sintomas do paciente; ganhos primários e secundários; relação dos principais mecanismos de defesa usados pelo paciente VIII. Plano de tratamento abrangente Modalidades de tratamento recomendadas, papel da medicação, tratamento de paciente interno ou externo, freqüência das sessões, duração provável da terapia; tipo de psicoterapia; terapia individual, em grupo ou familiar; sintomas ou problemas a serem tratados. Inicialmente, o tratamento deve ser direcionado para quaisquer situações potencialmente fatais, como risco de suicídio ou de perigo para outras pessoas, que exijam hospitalização psiquiátrica. O perigo para si mesmo ou para terceiros é uma razão aceitável (tanto do ponto de vista legal quanto médico) para hospitalização involuntária. Na ausência da necessidade de confinamento, existe uma variedade de alternativas de tratamento: hospitais-dia, residências supervisionadas, psicoterapia ou farmacoterapia, entre outras. Em alguns casos, o planejamento deve abranger o treinamento de habilidades vocacionais e psicossociais e até questões legais e forenses. O planejamento do tratamento exige uma abordagem terapêutica de equipe, usando as habilidades de psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros, terapeutas ocupacionais e uma variedade de outros profissionais da saúde mental, com indicação a grupos de auto-ajuda (p. ex., Alcoólatras Anônimos), se necessário. Se o paciente ou os familiares não se dispuserem a aceitar as recomendações indicadas e o clínico considerar que a recusa pode ter conseqüências graves, o paciente, um dos pais ou o guardião legal deve assinar uma declaração de que o tratamento recomendado não foi aceito.
De maneira semelhante, as que se dão em salas de emergência variam em duração. As entrevistas iniciais para avaliar quanto a farmacoterapia ou psicoterapia tendem a ser mais longas. A segunda visita e as consultas terapêuticas seguintes podem variar. A American Board of Psychiatry and Neurology, em seu exame oral clínico de psiquiatria, concede 30 minutos para que os candidatos conduzam um exame psiquiátrico. A forma de lidar com o tempo das consultas revela aspectos importantes da personalidade e das formas de enfrentamento. Com freqüência, os pacientes chegam alguns minutos antes de suas consultas. Um indivíduo ansioso, no entanto, pode chegar com até 30 minutos de antecedência. Quando isso acontece, o clínico pode explorar as razões para tal. Da mesma forma, aquele que chega muito atrasado também traz questões potenciais. Na primeira vez em que o paciente se atrasa, o clínico pode escutar a explicação oferecida e responder de maneira simpática se o atraso se dever a circunstâncias fora
do seu controle. O paciente que diz: “Esqueci da consulta” está oferecendo uma pista de que há algo em relação ao médico que o deixa ansioso ou desconfortável. Essa reação deve ser explorada de maneira mais profunda. O psiquiatra pode perguntar: “Você se sentiu relutante em vir hoje?”. Se a resposta for afirmativa, pode-se começar a explorar as razões para tal relutância. Se não, provavelmente seja melhor interromper o questionamento direto sobre o atraso e apenas ouvir o paciente. Ouvindo cuidadosamente, o psiquiatra em geral consegue detectar temas que o paciente não consegue reconhecer, que podem então ser explorados por ambos na tentativa de entender melhor o que o paciente está experimentando. A maneira como o psiquiatra lida com o tempo também é um fator importante na entrevista. A falta de cuidado com relação a esse aspecto indica falta de interesse para com o paciente. Caso se atrase para a consulta, é importante demonstrar que lamenta ter deixado o paciente esperando.
EXAME CLÍNICO DO PACIENTE PSIQUIÁTRICO
277
Organização e acomodações do consultório TABELA 7.1-10 Intervenções de apoio e obstrutivas
A disposição das poltronas no consultório interfere na consulta. As duas devem ter a mesma altura, para que nenhuma pessoa veja a outra com ares de superioridade. A maioria dos psiquiatras considera desejável colocá-las sem nenhum outro móvel entre eles e o paciente. Se a sala tiver várias poltronas, o psiquiatra indica qual é a sua e deixa o paciente escolher a que lhe parecer melhor. A avaliação deve ser conduzida em sala confortável, com iluminação agradável. É possível criar mais harmonia e fazer mais observações se o psiquiatra não estiver sentado atrás de uma escrivaninha. Apesar de não haver nenhuma razão para que a sala seja impessoal, pinturas muito mirabolantes, vistas panorâmicas espetaculares ou antigüidades caras podem distrair o paciente. Deve haver uma sala de espera confortável para os que chegam cedo. Não há como o psiquiatra permanecer totalmente desconhecido para os pacientes, e o consultório diz muito sobre sua personalidade. As cores, os quadros e os diplomas na parede, móveis, plantas, livros e fotografias pessoais – tudo isso descreve o psiquiatra de maneiras que não são verbalizadas diretamente. Os pacientes muitas vezes têm reações para com os consultórios de seus médicos, que podem ser distorções ou não, e ouvir esses comentários com atenção pode ajudar o psiquiatra a entendê-los. Estudos mostraram que os pacientes respondem de forma mais positiva a médicos do sexo masculino que usam terno e gravata do que aos que não usam. Não foram realizados estudos sobre as roupas de médicas, mas, por extensão, uma vestimenta profissional provavelmente gera uma resposta positiva. Tipos de intervenções Os psiquiatras fazem muito mais durante a entrevista do que apenas perguntar. Eles comentam e fornecem informações, reasseguram e respondem emocionalmente ao que o paciente está dizendo. Sua expressão facial e postura corporal também transmitem informações ao paciente. As intervenções são descritas como “de apoio” ou “obstrutivas”, dependendo do nível em que aumentam o fluxo de informações e interferem na harmonia. A Tabela 7.110 contém exemplos de ambas. O conceito de intervenções de apoio ou obstrutivas tem um uso amplo e geral, mas não pode ser aplicado de forma rígida. A entrevista psiquiátrica é uma tarefa complexa e multifacetada moldada pelas personalidades e pelas circunstâncias da entrevista. Acima de tudo, é uma atividade humana. A personalidade do entrevistador é um componente inevitável e desejável da entrevista e não deve ser ocultada por uma máscara de austeridade e indiferença. O conceito de “neutralidade” proposto na psiquiatria psicanalítica significa que o psiquiatra não assume posições nos conflitos intrapsíquicos do paciente. Isso não significa que o clínico é um robô que não responde. Terminando a entrevista Ao final da avaliação, o psiquiatra deve apresentar suas impressões e sugestões, mesmo que preliminares. Os pacientes que estão
Apoio Reconhecimento de emoções Médico: “Mesmo depois de todos esses anos, você enche os olhos de lágrimas quando fala sobre sua mãe”. Encorajamento Paciente: “Nunca fui muito bom em colocar as coisas em palavras”. Médico: “Acho que você descreveu a situação bem – de modo que ajuda a entender o que tem passado”. Tranqüilização Médico: “A desesperança que sente parece avassaladora. Acho muito provável que você torne a se sentir bem com o tratamento adequado”. Não-verbal Expressão facial e postura corporal que transmitem interesse, preocupação e atenção. Obstrutivas Perguntas compostas Médico: “Você tira férias todos os anos? Consegue relaxar?” Armadilhas para o paciente com suas próprias palavras Médico: “Quando perguntei antes, você disse que nada havia dado certo no ano passado, e agora está me dizendo que ganhou um aumento e está fazendo mais exercícios”. Perguntas com por quê Médico: “Por que você ainda acorda de madrugada?” Minimização Paciente: “No último mês, tive problemas sexuais”. Médico: “Isso acontece de vez em quando”. Conselhos prematuros Paciente: “Desde que eu e minha namorada rompemos no ano passado, não consigo sair com mais ninguém”. Médico: “Por que você não tenta passear em livrarias e cafés? Normalmente, há muitas pessoas solteiras nesses lugares”. Não seguir a pista do paciente Médico: “Há quanto tempo você está triste assim?” Paciente: “Por mais de seis meses. Não melhoro. Estou começando a questionar se vale a pena”. Médico: “Você tem dificuldade para dormir à noite?” Julgador Médico: “Você tem usado drogas?” Paciente: “Além de beber, fumo um baseado no fim de semana”. Médico: “Você não sabe que a maconha pode causar problemas graves para a motivação em longo prazo?” Não-verbal Expressão facial, postura corporal e comportamentos que indiquem falta de interesse ou desatenção, como bocejar ou olhar as horas. O médico que não demonstra reação emocional ao que o paciente está dizendo transmite a sensação de que não está escutando ou não está interessado.
consultando pela primeira vez normalmente estão apreensivos. Questionam se estão “loucos”, se seus problemas podem ser compreendidos, se serão julgados e, mais importante, se podem ser ajudados. Embora consigam experimentar um grande alívio apenas ao falar com outra pessoa sobre suas preocupações, esses medos devem ser abordados explicitamente, sendo tranqüilizados de forma realista em relação aos tratamentos disponíveis. Os momentos conclusivos da entrevista inicial preparam o paciente para o follow-up e, se forem bem-conduzidos, aumentarão a possibilidade de ajuda. É especialmente importante que as pessoas que ficaram emocionalmente perturbadas tenham alguns minutos para
278
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
se recomporem antes de saírem do consultório. Por exemplo, o psiquiatra pode dizer a um paciente que está chorando muito ao final da entrevista: “Está claro que essas coisas ainda são bastante dolorosas para você falar a respeito. Temos de terminar em alguns minutos, mas me dê um minuto para que eu possa lhe falar sobre minha impressão e dizer o que parece que seria melhor você fazer agora”. Fazendo anotações Por razões legais e médicas, deve ser feito um registro escrito adequado do tratamento de cada paciente. Isso também ajuda a memória do psiquiatra. Cada clínico deve estabelecer um sistema de registro e decidir que informações deve anotar. Muitos fazem anotações completas durante as primeiras sessões, enquanto obtêm dados da história do paciente. Depois disso, a maioria apenas registra dados novos, eventos importantes na vida do paciente, medicamentos prescritos, sonhos e comentários gerais sobre o progresso do tratamento. Alguns psiquiatras mantêm anotações detalhadas do processo (registros literais das sessões) para pacientes específicos, escrevendo o máximo que conseguirem lembrar imediatamente após a sessão. As notas do processo tornam muito mais fácil determinar tendências no tratamento (em relação a questões de transferência e contratransferência) e repassam a sessão para procurar idéias que possam ter negligenciado. As notas do processo também são úteis se o psiquiatra estiver trabalhando com um supervisor ou consultor que precise de um registro preciso de determinada consulta. A maioria dos psiquiatras não recomenda fazer anotações excessivas durante a sessão. O ato de escrever pode limitar a capacidade de ouvir. Contudo, é possível que alguns pacientes expressem ressentimento se o psiquiatra não tomar notas durante a sessão, temendo que seus comentários não sejam suficientemente importantes para registrar ou que não haja interesse neles. Como supostamente o ato de tomar notas durante a sessão não tem nenhuma relação com o fato de o psiquiatra estar escutando ou não, esse sentimento por parte do paciente pode ser explorado como um medo de não ser levado a sério. Um número cada vez maior de psiquiatras se comunica com os pacientes por correio eletrônico. O e-mail tem as vantagens de ser rápido, normalmente breve e muitas vezes menos perturbador do que uma ligação telefônica. Como resultado, essa comunicação pode parecer mais espontânea e casual do que um telefonema ou carta. Ainda assim, com toda a sua aparente casualidade, essas mensagens constituem uma parte formal do registro do tratamento e estão sujeitas à revisão em procedimentos judiciais. Entrevista sob pressão A entrevista sob pressão tem seus defensores e ocupa um lugar secundário entre as técnicas de entrevista. A maioria dos pacientes sente alguma ansiedade ou outra emoção ao falar com o psiquiatra. Com o seu jeito, uma palavra de tranqüilização ou um elogio, o psiquiatra muitas vezes pode diminuir essa emoção, de modo que o
paciente possa continuar a contar sua história. Entretanto, certos pacientes são repetitivos e monótonos ou demonstram emoção insuficiente para ter motivação. Apatia, indiferença e embotamento emocional não conduzem a uma discussão dos problemas da personalidade. Nesses casos, estimular as emoções pode ser construtivo. Esses pacientes podem necessitar de incentivo, desafio ou confrontação para estimular os sentimentos que promoverão progresso no entendimento. Por exemplo, a la belle indifférence do histérico pode ser convertida em ansiedade para que ele consiga experimentar desconforto suficiente para falar sobre seus conflitos. Entrevistas de follow-up As entrevistas que se seguem à primeira permitem que o paciente corrija qualquer informação fornecida no primeiro encontro. Muitas vezes, é bom começar a segunda entrevista perguntando se ele pensou sobre a primeira e quais foram suas reações a ela. Outra variação é dizer: “Com freqüência, as pessoas pensam em outras coisas que queriam discutir após irem embora. Que idéias você teve?”. Os psiquiatras muitas vezes apreendem algo de valor quando perguntam aos pacientes se eles discutiram a consulta com mais alguém. Se este foi o caso, os detalhes da conversa e a pessoa com quem o paciente conversou podem ser esclarecedores. Não existem regras estabelecidas sobre os temas que devem ser abordados na segunda consulta. De modo geral, à medida que o conforto e a familiaridade aumentam, os pacientes se tornam cada vez mais capazes de revelar detalhes íntimos de suas vidas. ENTREVISTANDO TIPOS ESPECIAIS DE PACIENTES PSIQUIÁTRICOS Pacientes psicóticos Pessoas sintomas psicóticos têm dificuldade para pensar de forma clara e raciocinar de forma lógica. Sua capacidade de se concentrar pode ser limitada, e eles podem ser distraídos por delírios, crenças e alucinações. Muitas vezes estão apavorados e podem se comportar de forma bastante cautelosa. Em geral, a avaliação deve ser mais concentrada e estruturada do que a de outros pacientes. Questões abertas e longos períodos de silêncio tendem a ser perturbadores. Questões curtas são mais fáceis do que as longas. As que exigem respostas abstratas ou conjecturas hipotéticas podem ser impossíveis de responder. Pacientes com alucinações devem descrever a fenomenologia de suas percepções sensoriais errôneas da melhor forma possível. Aqueles com alucinações auditivas devem ser questionados sobre o conteúdo, o contexto, o volume, a clareza e a sua resposta. A avaliação deve distinguir entre alucinações verdadeiras, por um lado, e ilusões e imaginações vívidas, hipnagógicas e hipnopômpicas, por outro. Os delírios são, por definição, crenças falsas fixas. Tentar afastar uma pessoa de uma crença delirante por meio do raciocínio não dará certo e será contraproducente. Os pacientes delirantes
EXAME CLÍNICO DO PACIENTE PSIQUIÁTRICO
muitas vezes chegam à avaliação psiquiátrica após suas crenças serem rejeitadas ou diminuídas por amigos e familiares, e serão cautelosos para com reações semelhantes do examinador. Pode-se discutir delírios sem transmitir crença ou descrença, e deve-se evitar o emprego descuidado de jargões psiquiátricos. Palavras como grandioso, paranóide e o próprio termo delírio parecem fortes e muito significativos, e provavelmente não ajudarão a obter informações. Pessoas com delírios paranóides ou com níveis elevados de suspeitas não-delirantes são melhor avaliadas com uma formalidade respeitosa, ainda que distante. Quaisquer tentativas de tranqüilizar ou agradar aumentarão a desconfiança. O psiquiatra deve ter em mente a possibilidade de ser incluído em uma crença delirante e deve perguntar diretamente a respeito: “Você está preocupado com o fato de eu também tentar machucá-lo?”. Os transtornos do pensamento podem limitar gravemente a comunicação. Sua presença normalmente exige questões concentradas e muito curtas, além de uma estrutura considerável. O psiquiatra deve proporcionar uma organização para o pensamento, que o paciente não conseguiria criar. Pacientes depressivos e potencialmente suicidas Os pacientes muito depressivos também podem ter dificuldade para se concentrar, pensar claramente e falar de maneira espontânea. A intensidade dos transtornos do humor pode parecer desgastante e levar a distorções no pensamento e na percepção. Alguns pacientes depressivos podem precisar que o médico seja mais vigoroso e diretivo do que o usual. Às vezes, parece que o examinador deve proporcionar toda a energia emocional e intelectual para que se dê o diálogo. Silêncios longos raramente são proveitosos, e o examinador pode precisar repetir algumas questões. Aqueles que são ruminativos devem ser interrompidos e redirecionados. É fundamental questionar todos os pacientes sobre pensamentos suicidas, e os depressivos devem ser abordados diretamente. Uma avaliação detalhada do potencial de suicídio atém-se a intenções, planos, meios e percepção de conseqüências, bem como: “Você já pensou em machucar a si mesmo?” ou “Alguma vez já lhe pareceu que não valia a pena viver?”. O psiquiatra deve se sentir confortável ao fazer perguntas diretas e simples. Questionar sobre o suicídio não aumenta os riscos. Pelo contrário, a maioria dos pacientes sente alívio por poder discutir pensamentos tão dolorosos abertamente, com os quais estão lutando. Pacientes agitados e potencialmente violentos O risco de violência e agressão é inerente ao se trabalhar com pacientes psiquiátricos. A coexistência de menor discernimento, maior impulsividade e pensamento paranóide aumenta muito o risco. Alguns problemas em que o potencial de violência é alto incluem intoxicação do sistema nervoso central com estimulantes e álcool, delirium, psicoses paranóides e estados maníacos. Ao confrontar um paciente potencialmente violento, a tarefa do psiquiatra é dobrada: conter o comportamento e limitar o potencial
279
de perigo, mas também conduzir uma avaliação e fornecer um tratamento. No caso de delirium, a necessidade de avaliação pode ser uma emergência médica. A maior parte da violência que não é premeditada é precedida por um pródomo de agitação psicomotora crescente. O paciente pode começar a caminhar e bater com o punho na mão (a maioria – mas nem todos – dos pacientes psiquiátricos é formada por homens). Sua fala se torna ruidosa, abusiva, obscena e ameaçadora. As artérias temporais começam a pulsar. O pródomo normalmente dura de 30 a 60 minutos, antes de explodir em violência física, oferecendo, assim, uma oportunidade de intervenção antes que isso corra. Diversos passos podem ser dados para minimizar o potencial de risco. A entrevista deve ser conduzida em um ambiente calmo e pouco estimulante. O médico e o paciente devem ter espaço suficiente para que fiquem confortáveis, sem barreiras que os impeçam de sair da sala. Durante a entrevista, o psiquiatra deve tentar se comportar de maneira não-ameaçadora, como projetar-se sobre ele, olhar demais ou tocar sem permissão. Deve-se fazer as perguntas que são essenciais para a avaliação. Barganhas, ameaças ou intimidações podem ser contraproducentes. Acima de tudo, o psiquiatra deve se sentir suficientemente seguro para realizar uma avaliação profissional. Um psiquiatra temeroso não poderá fazer o trabalho adequado. Às vezes, a ameaça será suficiente para terminar a entrevista. Na sala de emergência e nos serviços de internação, ocasionalmente, são necessários controles físicos para proteger a equipe médica e o paciente. Pacientes que mentem Os psiquiatras reconhecem que aquilo que os pacientes dizem pode não ser a verdade literal. A falta de confiabilidade da memória e as fantasias da psicopatologia, por meio das quais a narrativa é processada, podem distorcer e inventar informações. O examinador sabe que o que não é verdade do ponto de vista histórico ainda pode ser emocionalmente verdadeiro e, portanto, uma parte significativa da avaliação diagnóstica. Às vezes, os pacientes mentem conscientemente, com a intenção explícita de enganar o terapeuta. O propósito pode ser um ganho secundário, como dispensa, ganhos financeiros ou suprimento de drogas viciantes. Pessoas assim falsificam os sintomas (o fingimento não é listado como doença mental no DSM-IV-TR). A mentira também é um recurso para se obter outros benefícios possíveis decorrentes de se assumir o papel de doente ou para conseguir vantagens que não estejam tão óbvias. O diagnóstico de transtorno factício é usado para a maioria daqueles que fingem estar doentes por razões emocionais internas e obscuras. Como os psiquiatras não têm marcadores biológicos disponíveis para definir a patologia, devem aceitar o relato do paciente como declaração honesta da sua experiência. Não existe outra maneira para saber se ele está experimentando alucinações auditivas além do seu relato pessoal. Entretanto, um entrevistador experiente pode detectar discrepâncias sutis, inconsistências ou sintomas atípicos suspeitos, os quais podem ser investigados sem o pressuposto de que o paciente está mentindo.
280
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Ouvir mentiras é algo que irrita a maioria das pessoas, e certamente os psiquiatras, que dependem da confiança para fazer seu trabalho. Todavia, acreditar nelas não representa um fracasso profissional. Os psiquiatras são treinados para detectar, entender e tratar psicopatologias, e não para servir como detectores de mentiras. Enquanto um certo nível de suspeição é essencial na prática da psiquiatria, o clínico determinado a nunca ser enganado aborda os pacientes com um nível exagerado de desconfiança, impossibilitando o trabalho terapêutico. O Capítulo 1, sobre o relacionamento entre médico e paciente, discute outros tipos de pacientes difíceis (p. ex., os sedutores). Empatia Uma entrevista diagnóstica muitas vezes proporciona considerável alívio aos pacientes. Sintomas confusos e até assustadores são modelos no contexto do entendimento médico. As experiências bizarras podem ser compreendidas de maneira racional e organizadas de forma inteligente, permitindo que se façam previsões informadas sobre a resposta ao tratamento e a recuperação. Igualmente importante para a compreensão intelectual é um entendimento emocional daquilo que os pacientes têm atravessado. A empatia é uma capacidade essencial na psiquiatria. Sua expressão é uma habilidade que se torna mais refinada com a experiência. Enquanto afirmações empáticas podem ser extremamente importantes para fortalecer o relacionamento entre médico e paciente, também podem ser perturbadoras. Como são derivadas tanto da intuição quanto da observação, deve-se ter cuidado para garantir que não sejam apenas projeções dos próprios sentimentos do psiquiatra. Os pacientes cautelosos podem considerar essas observações intrusivas e ameaçadoras, sobretudo quando colocadas de maneira categórica (“Você está se sentindo ferido”), em vez de condicionalmente (“Parece que seus sentimentos foram feridos”). Afirmações prematuras de empatia, ditas enquanto o paciente ainda está se defendendo de um sentimento desagradável, provavelmente não funcionarão. Na maior parte, os pacientes não estão procurando alguém que sinta como eles sentem, mas uma pessoa que tente entender o que estão sentindo. REFERÊNCIAS Bjorkly S. Clinical assessment of dangerousness in psychotic patients: some risk indicators and pitfalls. Aggression Violent Behav. 1997;2:167. Corty E, Lehman AF, Myers CP. Influence of psychoactive substance use on the reliability of psychiatric diagnosis. J Consult Clin Psychol. 1993;61:165. Janca A, Hiller W. ICD-10 cheeklists–a tool for clinician’s use of the ICD-10 classification of mental and behavior disorders. Compr Psychiatry. 1996;37:180. Kosten TA, Rounsaville BJ. Sensitivity of psychiatric diagnosis based on the best estimate procedure. Am J Psychiatry. 1992;149:1225. Lewis NDC. Outlines for Psychiatric Examinations. 3rd ed. Albany: New York State Department of Mental Hygiene; 1943. MacKinnon RA, Yudofsky SC. The Psychiatric Interview in Clinical Practice. Philadelphia: JB Lippincott; 1986. Manley MRS. The psychiatric interview, history, and mental status examination. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadok’s Com-
prehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams &Wilkins; 2000:6520. Shaffer D, Gould MS, Fisher P, et al. Psychiatric diagnosis in child and adolescent suicide. Arch Gen Psychiatry. 1996;53:339. Tangalos EG, Smith GE, Ivnik RJ, et al. The Mini-Mental State Examination in general medical practice: clinical utility and aceptance. Mayo Clin Proc. 1996;71:829. Wiley SD. Deception and detection in psychiatric diagnosis. Psychiatr Clin North Am. 1998;21:869. Williams JW Jr, Noel PH, Cordes JA, et al. Is this patient clinically depressed? JAMA. 2002;287:1160. Zarin DA, Earls F. Diagnostic decision making in psychiatry. Am J Psychiatry. 1993;150:197.
7.2 Registro médico O prontuário médico inclui o relatório psiquiátrico, mas compreende muito mais informações. É uma narrativa que documenta todos os eventos que ocorrem no curso do tratamento, referindose à permanência do paciente no hospital. Contudo, aplica-se igualmente a casos tratados em consultórios médicos. As notas de progresso registram todas as interações entre o médico e o paciente (incluindo as sessões de psicoterapia), relatos dos estudos especiais, incluindo exames de laboratório e prescrições de medicamentos. No hospital, as notas da enfermagem são uma parte importante do prontuário médico, pois ajudam a descrever o curso do paciente: está começando a responder ao tratamento? Existem momentos durante o dia ou a noite em que os sintomas pioram ou melhoram? Há efeitos adversos ou queixas sobre a medicação receitada? Existem sinais de agitação, violência ou menção de suicídio? Se o paciente necessita de reclusão ou imobilização, os procedimentos de supervisão adequados são seguidos? Visto como um todo, o registro médico conta o que aconteceu com o paciente desde o primeiro contato com o sistema de saúde. Inicia com uma síntese feita na alta, que proporciona uma visão geral concisa do curso do paciente, com recomendações para tratamento futuro, se necessário. As evidências de contato com uma agência de apoio devem ser documentadas para estabelecer a continuidade do cuidado, no caso de haver necessidade de outras intervenções. USO DO REGISTRO Este instrumento é usado apenas por médicos, mas por agências reguladoras e empresas de managed care para determinar a duração da estadia, a qualidade do cuidado e o reembolso de médicos e hospitais. Teoricamente, o prontuário médico só é acessível a pessoas autorizadas, e sua confidencialidade é garantida. Porém, na prática, não há como garantir a confidencialidade absoluta. Diretrizes para necessidades materiais a serem incorporadas no registro médico são apresentadas na Tabela 7.2-1. O registro também é crucial em litígios por erro médico. Robert I. Simon sumarizou as questões de responsabilização da seguinte maneira: Prontuários médicos adequados podem ser os melhores aliados do psiquiatra em litígios por erro médico. Se não forem feitos, nume-
EXAME CLÍNICO DO PACIENTE PSIQUIÁTRICO
TABELA 7.2-1 Registro médico Deve haver um registro para cada pessoa admitida à unidade de internação psiquiátrica. Os dados devem ser confidenciais e acessíveis apenas a pessoas autorizadas. Cada registro de caso deve incluir: 1. Documentos legais relacionados à admissão 2. Informações de identificação sobre o indivíduo e sua família 3. Fonte de referência, data do início do serviço e nome da equipe com a responsabilidade geral do tratamento e do cuidado 4. Diagnóstico inicial, intermediário e final, incluindo diagnósticos psiquiátricos ou de retardo mental segundo terminologia oficial 5. Relatórios de todos os exames diagnósticos e avaliações, incluindo seus resultados e conclusões 6. Relatórios de todos os estudos especiais realizados, incluindo raios X, exames laboratoriais clínicos, exames psicológicos, eletroencefalogramas, testes psicométricos 7. Plano escrito de cuidado, tratamento e reabilitação individual 8. Notas de progresso escritas e assinadas por todos os membros da equipe que tiveram participação significativa no programa de tratamento e cuidado 9. Resumo de conferências de caso e consultas especiais 10. Prescrições ou ordens para todos os medicamentos, datadas e assinadas, com as indicações de término 11. Uma síntese final do curso do tratamento e do cuidado 12. Documentação de qualquer indicação a outra agência Adaptada das diretrizes do New York State Office of Mental Health, de 1995.
rosas questões podem ser levantadas com relação à competência e à credibilidade do psiquiatra. Essa falha também pode violar licenças ou estatutos médicos. Às vezes, o médico não mantém um registro pela preocupação em proteger as informações do tratamento do paciente. Embora esse seja um ideal admirável, na vida real, ele pode ser legalmente forçado, em determinadas circunstâncias, a testemunhar sobre questões confidenciais.
Os registros de pacientes externos também estão sujeitos a verificação por outras pessoas em certas circunstâncias, e psiquiatras em consultórios privados têm a mesma obrigação que psiquiatras em hospitais de manter essa documentação. A Tabela 7.2.2 apresenta questões relacionadas a documentação para órgãos financiadores. O médico não precisa guardar os prontuários indefinidamente. A duração varia conforme as leis locais. De modo geral, os registros de crianças são arquivados por mais tempo do que os de adultos. Notas e observações pessoais Conforme as leis relacionadas ao acesso aos registros médicos, algumas jurisdições têm normas que se aplicam às notas e às observações pessoais dos médicos (p. ex., a Lei de Saúde Pública do Estado de Nova York). Essas notas são definidas como as “especulações e impressões do profissional” (além do diagnóstico provisório ou real). Os dados são mantidos apenas pelo médico e não podem ser discutidos com outra pessoa. Os psiquiatras que se preocupam com material que possa ser prejudicial ou de alguma forma ferir o paciente caso seja liberado podem usar essas normas para garantir o sigilo.
281
TABELA 7.2-2 Questões de documentaçãoa 1. As áreas de disfunção do paciente foram descritas? Do ponto de vista biológico, psicológico e social? 2. O abuso de álcool ou substâncias foi tratado? 3. As atividades clínicas ocorrem no momento esperado? Se tarde demais ou nunca, por quê? 4. As questões são identificadas no plano de tratamento e acompanhadas nas notas de progresso? 5. Quando há variação no resultado do paciente: há alguma observação em relação a isso? Há também uma nota refletindo as estratégias clínicas recomendadas para superar os impedimentos a sua melhora? 6. Se novas estratégias clínicas são implementadas, como seu impacto é avaliado? Quando? 7. Há um sentido de informação e coordenação multidisciplinar do tratamento nas notas de progresso? 8. As indicações de progresso referem o funcionamento do paciente na comunidade terapêutica e seu relacionamento com os critérios para alta? 9. É possível prever, a partir do seu comportamento com a comunidade terapêutica, como o paciente funcionará na comunidade mais ampla? 10. Existem notas tratando do entendimento que o paciente tem acerca do planejamento de sua alta? A participação familiar em relação a esse aspecto deve ser incluída nas notas de progresso, assim com sua reação ao plano. 11. As notas de progresso reúnem as diferenças de pensamento de outras áreas? 12. As necessidades do paciente são abordadas no plano de tratamento? 13. As necessidades dos familiares são avaliadas e implementadas? 14. A satisfação do paciente e da família é avaliada de alguma forma? 15. O abuso de álcool e de outras substâncias é abordado como possível fator a contribuir para uma nova admissão? 16. Se o paciente foi readmitido, existem indicações de que os prontuários anteriores foram revisados e, se o mesmo estava tomando medicamentos além dos prescritos no momento da alta, existe uma razão para tal mudança? 17. As notas de progresso identificam os tipos de agentes usados e a razão para aumentar, diminuir, descontinuar ou potencializar a medicação. 18. Os efeitos da medicação são documentados, incluindo suas dosagens, respostas, efeitos adversos ou outros? aAs questões relacionadas à documentação dizem respeito a fontes pagadoras, como seguradoras e HMOs, que examinam as fichas dos pacientes para verificar se as áreas apresentadas estão cobertas. Porém, em muitos casos, a revisão é conduzida por pessoas com pouca ou nenhuma formação em psiquiatria ou psicologia, que não reconhecem as complexidades do diagnóstico e do tratamento psiquiátricos. Os pagamentos a hospitais, médicos e pacientes muitas vezes são negados devido ao que os revisores consideram “documentação inadequada”.
Acesso do paciente ao prontuário Os pacientes têm o direito legal de ter acesso a seus registros. Esse direito representa a crença da sociedade de que a responsabilidade pelo cuidado se torna um processo colaborativo entre o médico e o paciente. Os pacientes consultam com muitos profissionais diferentes e podem ser informantes e coordenadores mais efetivos de seu próprio cuidado com esses dados.
282
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Os psiquiatras devem ter cuidado ao liberar seus registros para o paciente se considerarem que o mesmo pode sofrer danos emocionais. Nessas circunstâncias, pode-se optar por oferecer-lhe um resumo do tratamento, ocultando a parte do material que pode ser prejudicial – sobretudo se for parar nas mãos de outras pessoas. Todavia, nos casos de erro médico, isso não será possível. Solicitação por outras pessoas Conforme mencionado, os prontuários de pacientes externos podem ser vistos por outras pessoas, como advogados e seguradoras. Em geral, eles permitem o acesso das seguradoras ao assinarem seus contratos, mas muitos podem não estar cientes dessa cláusula específica. Por isso, é prudente obter a autorização do paciente antes de fornecer qualquer informação. No caso de um pedido legal para liberar um prontuário, deve-se buscar orientação legal antes de aceitá-lo. Uma intimação não invalida necessariamente a confidencialidade entre médico e paciente. De maneira semelhante, um médico pode solicitar o prontuário de outro. Isso tende a facilitar o cuidado do paciente e é uma prática adequada, mas recomenda-se que se solicite uma nova autorização ao paciente antes de fazê-lo. Relatório médicos orientados para problemas Em 1969, Lawrence L. Weed publicou Medical Records, Medical Education and Patient Care, no qual descreveu o relatório médico orientado para os problemas dos pacientes, que lista todas as condições de saúde descobertas no exame inicial. Novas áreas de problemas são acrescentadas e corrigidas com o passar do tempo. Aqueles que estão ativos são listados em uma coluna e, à medida que vão sendo resolvidos, são transferidos para a coluna inativa. As notas de progresso são identificadas com a data, um título e um número de acordo com a lista de problemas. Como uma verificação final, o prontuário passa por uma revisão de sua eficácia, confiabilidade, eficiência, padrões de tratamento e resultados. O relatório médico orientado para problemas na formação médica Muitas faculdades de medicina estão usando técnicas educacionais com base no relatório médico orientado para os problemas do paciente. Organizações de ensino e testagem como o United States Medical Licensing Examination (USMLE) contam com a capacidade do estudante de usar esse recurso como ferramenta de avaliação. Nesses exercícios, os estudantes recebem informações gerais de um paciente, que podem envolver uma descrição do exame físico e dos elementos positivos do relatório psiquiátrico. Eles devem delinear as áreas de problema que necessitam de atenção, determinar opções preventivas e de tratamento e entender o paciente do ponto de vista biológico, social e psicológico. Embora o relatório médico orientado para os problemas não seja o formato padronizado que os psiquiatras usam, tem influen-
ciado a maneira como os pacientes são compreendidos. Por exemplo, no DSM-IV-TR, aspectos psicossociais e ambientais específicos que podem afetar o diagnóstico de transtornos mentais são registrados no Eixo IV. Os problemas são divididos em nove categorias capazes de atingir a pessoa de forma adversa: (1) problemas com o grupo de apoio primário (p. ex., a morte de um dos membros da família), (2) problemas relacionados ao ambiente social (p. ex., ausência de amigos), (3) problemas educacionais (p. ex., discordância com professores e colegas), (4) problemas ocupacionais (p. ex., estresse no trabalho), (5) problemas habitacionais (p. ex., bairro inseguro), (6) problemas econômicos (p. ex., dívidas excessivas), (7) problemas com o acesso a serviços de saúde (p. ex., falta de seguro), (8) problemas com o sistema legal (p. ex., litígios) e (9) outros (p. ex., enchentes, terremotos). Um homem casado, de 55 anos de idade, refere que teme ter de renunciar a seu emprego administrativo porque sua empresa está sendo reduzida. Reclama de ansiedade, insônia e irritabilidade. Nunca apresentou estados eufóricos. Após uma avaliação detalhada, torna-se claro que a causa de sua condição é a probabilidade de perder o emprego. A remoção dos sintomas é relativamente simples, com a ajuda de ansiolíticos ou hipnóticos. Porém, é necessária uma abordagem mais abrangente. O terapeuta deve lidar com o problema ocupacional, que pode incluir o fato de o paciente ter de enfrentar seus superiores, buscar uma transferência para outra área dentro da empresa, procurar outro emprego, avaliar seus recursos para uma aposentadoria precoce, uma nova formação ou outras abordagens direcionadas para a crise vocacional. Correio eletrônico É cada vez mais usado por médicos como uma maneira rápida e eficiente de se comunicar, não apenas com os pacientes, mas com outros médicos a respeito destes. Contudo, é um documento público e deve ser tratado assim. A máxima de não diagnosticar ou prescrever medicamentos pelo telefone para um paciente que ainda não foi examinado também se aplica ao correio eletrônico. Não apenas é perigoso, como antiético. Todas as mensagens devem ser impressas para constar no relatório, a menos que os arquivos eletrônicos sejam copiados e armazenados regularmente. QUESTÕES ÉTICAS Os psiquiatras continuamente fazem julgamentos sobre o que não é apropriado para incluir no relatório psiquiátrico, no prontuário médico, em relatos de caso e em outros documentos escritos sobre o paciente. Esses julgamentos muitas vezes incluem questões éticas. Por exemplo, em um relato de caso, o paciente não deve ser identificável, uma posição que foi deixada clara nos Principles of Medical Ethics with Annotations Especially Aplicable to Psychiatry, da American Psychiatric Association, que afirmam que os relatos de casos publicados devem ser adequadamente disfarçados para garantir a confidencialidade sem alterar o material, de maneira a
EXAME CLÍNICO DO PACIENTE PSIQUIÁTRICO
proporcionar um retrato completo da atual condição do paciente. Em alguns casos, é aconselhável obter uma autorização escrita permitindo que o psiquiatra publique o caso, mesmo que o paciente esteja adequadamente disfarçado. Os psiquiatras muitas vezes incluem material no relatório médico direcionado especificamente para evitar a culpabilidade futura, no caso de serem levantadas questões de responsabilidade. A seguinte vinheta ilustra um exemplo disso. Um psiquiatra observou na ficha que havia discutido com o paciente os importantes efeitos adversos de uma medicação que estava por prescrever. Na verdade, referiu apenas os dois efeitos adversos mais comuns. Preferiu não comentar sobre os outros efeitos porque estava preocupado que o paciente (que era muito sugestionável) os desenvolvesse, e escreveu isso na ficha. Quando o paciente desenvolveu um efeito adverso (embora de pouca importância e não-fatal), processou o psiquiatra por não adverti-lo dessa possibilidade. O caso foi julgado a favor do psiquiatra com base na nota registrada. Psiquiatria militar. Os psiquiatras do exército enfrentam problemas éticos únicos, pois não existe confidencialidade sob o código de conduta militar. Um jovem branco de 19 anos de idade, novo no serviço militar, apresentou episódios periódicos de ansiedade quando tomava banho juntamente com outros homens. Ele se identificava como gay e reconheceu que sua ansiedade estava relacionada ao medo de atuar segundo seus impulsos sexuais, correndo o risco de ser julgado pela corte marcial e ser expulso caso fosse descoberto. O psiquiatra enfrentava um dilema: se deveria relatar o fato ao comandante (como é obrigado segundo o código militar) ou impedir que o soldado agisse segundo seus impulsos, o que o colocaria em perigo (de acordo com a ética médica de não causar mal). Após discutir vários problemas, ele e o paciente concordaram com a segunda opção. Um diagnóstico de transtorno de ansiedade foi feito, permitindo que o paciente recebesse uma dispensa honrosa por motivos médicos, com base em um transtorno psiquiátrico reconhecido. Nenhum registro de sua orientação homossexual foi reconhecido.
Managed care. Com o advento do managed care e a necessidade de enviar relatórios periódicos e documentar sinais e sintomas para que as fontes pagadoras cumpram sua função, alguns psiquiatras reduzem ou exageram a sintomatologia. O próximo relato de caso ilustra as dificuldades éticas enfrentadas ao se lidar com o managed care. A sra. P. se internou no hospital porque estava com medo de que pudesse se matar. Sofria de um episódio depressivo, mas melhorou muito durante as primeiras semanas na clínica do dr. A. Embora este acreditasse que ela não apresentava mais o risco de se suicidar, considerava que ela se beneficiria se permanecesse no hospital. Como sabia que ela não poderia pagar pelo atendimento e que a seguradora somente pa-
283
garia se a mesma estivesse depressiva a ponto de cometer suicídio, o médico decidiu não documentar a melhora. Anotou o seguinte em sua ficha: “a paciente continua em risco de suicídio”. Esse caso ilustra uma das dificuldades causadas pelas limitações de custos e pelo managed care. O dr. A. responde a essa dificuldade preparando a ficha para as necessidades dos pacientes. Será que está cometendo algum tipo de fraude? Sim, intencionalmente prepara o que escreve e o que omite da ficha. Embora aquilo que escreva seja verdade no sentido literal, sua declaração é enganosa no contexto do tratamento. A sra. P. não se encontra depressiva a ponto de cometer suicídio, como antes. Aquilo que se omite da ficha também é enganoso. O fato de determinada omissão ser ou não fraudulenta depende, em parte, dos papéis e das expectativas das pessoas envolvidas. Não dizer a um colega que não gosta da gravata dele não é uma fraude, é agir com tato, a menos que seu papel no relacionamento envolva a expectativa de que você forneça uma opinião sincera. O caso do dr. A. é diferente. Seu papel profissional é documentar o curso do paciente e a expectativa de que ele tenha uma melhora significativa. Assim, o fato de não registrar o progresso da sra. P. com precisão é uma forma de fraude. A segunda e mais importante questão é se a fraude é justificada nesse caso. A resposta a esse impasse depende das razões a favor da fraude, as razões contra ela e as alternativas disponíveis. As razões a favor são óbvias. O objetivo e a principal obrigação do dr. A. é ajudar a paciente. Ele acredita que a sra. P. se beneficiaria muito se continuasse hospitalizada, o que não pode pagar. Ele talvez pense ainda que não é certo a seguradora se recusar a pagar pelo tratamento de internação da depressão não-suicida e que a fraude corrige uma prática injusta. Também existem importantes razões contra essa fraude. A primeira diz respeito à honestidade e à confiança social. É bom quando as pessoas podem confiar no que os outros dizem e escrevem. Sem um pouco de honestidade e confiança, muitas trocas e práticas sociais seriam impossibilitadas. A fraude, mesmo por razões beneficentes, tem o potencial real de prejudicar a confiança social. Há um risco de que possa prejudicar a confiança da pessoa em seu psiquiatra, e os danos decorrentes, por sua vez, podem comprometer o tratamento. Outra razão diz respeito a tratamentos médicos futuros. Se a sra. P. procurar tratamento médico no futuro, os médicos que a atenderem lerão as notas enganosas. Se acreditarem que se trata de uma narrativa precisa do tratamento anterior, podem sugerir um tratamento inadequado para o problema do momento. Mesmo que tenham dúvidas quando à precisão das notas em sua ficha, são privados da história precisa. Em ambos os casos, a fraude anterior pode prejudicar o tratamento. Há ainda o que se refere às obrigações e às políticas das companhias de seguros. O dr. A. parece ignorar a obrigação que tem com a população que é coberta pelas apólices de seguro. Ele transfere o ônus para essa população, forçando a
284
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
seguradora a arcar com um tratamento que não concordou em pagar. Talvez devesse se responsabilizar pelo tratamento de internação em casos como o da sra. P. Talvez suas políticas não sejam razoáveis e justas. Mas a fraude do dr. A. não desafia a seguradora ou a pressiona para que mude sua política, e não encoraja os pacientes e suas famílias a contestarem suas cláusulas. O uso de fraude é um simples logro improvisado de uma política que deve ser desafiada e discutida. O médico em questão também parece ignorar sua obrigação para com seus pacientes futuros. Introduzindo uma imprecisão na ficha, compromete o valor da pesquisa que avalia os prontuários. De maneira sutil, sua fraude priva os pacientes futuros dos benefícios da pesquisa com base nesse tipo de registro. O fato de a fraude ser justificável ou não não depende apenas do peso das razões a favor e contra ela, mas das alternativas disponíveis. Uma opção é fabricar a ficha. Outra é descrever a resposta da sra. P. com exatidão e transferi-la para um tratamento externo. Mas existe uma terceira possibilidade. O dr. A. pode documentar o curso da paciente precisamente e recomendar a continuação de sua hospitalização. Ele pode solicitar que a seguradora cubra a hospitalização. Se isso não for aprovado, o médico pode apelar contra essa decisão. Essa alternativa é mais demorada, e não há garantias de que tenha sucesso, mas evita todos os problemas associados a uma fraude (cortesia de J. Dwyer e A. Shih). As questões relacionadas à documentação e ao acesso a relatórios médicos serão muito mais estudadas nos próximos anos. Leis que envolvem a privacidade de pacientes foram apresentadas ao congresso norte-americano para proteger e limitar o acesso de terceiros aos registros médicos. Porém, apesar disso, a tendência a uma redução na privacidade continua. A legislação proposta daria a cada pessoa um identificador médico único, que gravaria em um microchip seu registro médico desde o nascimento até a morte. Se esta ou alguma lei semelhante for aprovada, a privacidade médica continuará a se erodir. Por fim, os críticos dos atuais processos de documentação alegam que preencher formulários desenvolvidos por agências governamentais – mais necessários para questões fiscais do que médicas – tira o tempo do cuidado do paciente. No futuro, a sociedade deverá determinar o quanto o processo de documentação deve avançar antes que a necessidade de arquivar material não diretamente relacionado ao tratamento do paciente interfira em seu cuidado. REFERÊNCIAS Baur C. Limiting factors on the transformative powers of e-mail in patient-physician relationships: a critical analysis. Health Commun. 2000;12:239. Botkin JR. Protecting the privacy of family members in survey and pedigree research. JAMA. 2001;285:207. Dunivin DL, Foust MJ Jr. A case study from the Department of Defense Psychopharmacology Demonstration Project: mania and neurosyphilis. Profess Psychol Res Pract. 1999;30:346.
Gostin LO. National health information privacy: regulations under the Health Insurance Portability and Accountability Act. JAMA. 2001;285:3015. Lowrance WW. Privacy and Research: A Report to the US Secretary of Health and Human Services. Washington, DC: Dept of Health and Human Services; 1997. Mitchell AC, McCabe EM, Brown KW. Psychiatrists’ attitudes to physical examination of new out-patients with a major depressive disorder. Psychiatr Bull. 1998;22:82. National Research Council. For the Record: Protecting Eletronic Health Information. Washington, DC: National Academy Press; 1997. Sadock BJ. Psychiatric report and medical record. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:665.
7.3 Exame físico do paciente psiquiátrico Embora os psiquiatras não realizem exames físicos de rotina com seus pacientes, o conhecimento e o entendimento de sinais e sintomas dessa natureza fazem parte de sua formação, o que proporciona o reconhecimento de sinais e sintomas que podem indicar possíveis doenças médicas ou cirúrgicas. Por exemplo, palpitações podem estar associadas a um prolapso da válvula mitral, que é diagnosticado por auscultação cardíaca. Também é possível reconhecer e tratar os efeitos adversos de medicamentos psicotrópicos, que são usados por um número crescente de pacientes atendidos por psiquiatras e médicos. Alguns psiquiatras insistem que todos os pacientes façam um exame médico completo, enquanto outros podem não fazer tal exigência. Seja qual for sua política, é importante considerar o estado médico do paciente no começo da avaliação psiquiátrica. Deve-se decidir se o mesmo necessita de um exame médico e, se for o caso, o que deve incluir – em geral, a história médica detalhada, bem como revisão de sistemas, exame físico e estudos diagnósticos de laboratório relevantes. Uma pesquisa recente com mil pacientes médicos verificou que, em 75% dos casos, nenhuma explicação aparente foi encontrada para os sintomas (i. e., queixas subjetivas) e houve a suposição de uma base psicológica em 10% dos casos. HISTÓRIA DA DOENÇA MÉDICA No curso da avaliação psiquiátrica, devem ser reunidas informações sobre doenças ou disfunções físicas conhecidas, hospitalizações e procedimentos cirúrgicos, medicamentos recentes ou atuais, hábitos pessoais e história ocupacional, doenças familiares e queixas físicas específicas. Informações quanto a doenças médicas devem ser obtidas com o paciente, o médico que o indicou e a família, se necessário. Dados em relação a episódios anteriores da doença podem proporcionar pistas valiosas sobre a natureza do transtorno atual. Por exemplo, um transtorno claramente delirante em um paciente com história de vários episódios semelhantes que responderam rapidamente a tratamentos variados sugere a possibilidade de trans-
EXAME CLÍNICO DO PACIENTE PSIQUIÁTRICO
torno psicótico induzido por digitálicos. Para seguir essa pista, o psiquiatra deve solicitar um teste de drogas. A história de procedimentos cirúrgicos também pode ser útil. Por exemplo, uma tireoidectomia sugere hipotireoidismo como causa da depressão. A depressão é um efeito adverso de vários medicamentos receitados para hipertensão. Em doses terapêuticas, ocasionalmente, atingem concentrações elevadas no sangue. A intoxicação por digitálicos, por exemplo, pode ocorrer nessas circunstâncias e resultar em problemas no funcionamento mental. Os medicamentos sintéticos podem causar ou contribuir para delirium anticolinérgico. Portanto, o psiquiatra deve questionar a respeito de remédios vendidos sem prescrição médica ou mesmo com receita. Um levantamento do consumo de produtos fitoterápicos e terapias alternativas é essencial, devido ao crescimento atual de seu uso. A história ocupacional também oferece informações essenciais. Exposição a mercúrio muitas vezes resulta em queixas que sugerem alguma psicose, e exposição ao chumbo, como em fundições, pode produzir um transtorno cognitivo. Esse quadro clínico também pode decorrer do consumo de uísque falsificado com um conteúdo elevado de chumbo. Ao obter dados sobre sintomas específicos, o psiquiatra coloca o conhecimento médico e psicológico em ação. Por exemplo, ele deve obter informações suficientes de um paciente que reclama de dor de cabeça para prever se isso resulta de uma condição intracraniana que exige exames neurológicos. Além disso, precisa ser capaz de reconhecer que a dor no ombro esquerdo de um paciente hipocondríaco com desconforto abdominal pode ser a clássica dor da vesícula biliar. REVISÃO DE SISTEMAS Após a investigação aberta, deve-se fazer uma revisão dos sistemas, que pode ser organizada de acordo com os sistemas de órgãos (p. ex., fígado, pâncreas), sistemas funcionais (p. ex., gastrintestinal), ou uma combinação de ambos, como no modelo seguinte. Em qualquer caso, a revisão deve ser abrangente e minuciosa. Mesmo que haja suspeita de um componente psiquiátrico, ainda se deve fazer um exame completo. Cabeça Muitos pacientes apresentam história de dor de cabeça. Sua duração, freqüência, caráter, localização e gravidade devem ser determinados. Essas dores muitas vezes resultam do abuso de substâncias tóxicas, incluindo álcool, nicotina e cafeína. As vasculares (enxaquecas) são precipitadas pelo estresse. A arterite temporal causa dores de cabeça pulsantes unilaterais, e pode levar à cegueira. Os tumores cerebrais estão associados a dores de cabeça como resultado de aumento na pressão intracraniana. História de lesões na cabeça pode resultar em hematomas subdurais e, em boxeadores, causar demência progressiva com sintomas extrapiramidais. A dor de cabeça da hemorragia subaracnóide é repentina, grave e associada a mudanças no sensório. A hidrocefalia com pressão normal pode ocorrer após lesão ou encefalite e estar associada a demências, andar arrastado e inconti-
285
nência urinária. Tontura ocorre em até 30% das pessoas, sendo difícil determinar sua causa (Tab. 7.3-1). Uma mudança no tamanho ou na forma da cabeça pode ser uma indicação de doença de Paget. Olhos, ouvidos, nariz e garganta Acuidade visual, diplopia, problemas auditivos, zumbido no ouvido, glossite e mau hálito são tratados nesta área. Um paciente que toma antipsicóticos e apresenta história de contrações musculares ao redor da boca ou movimentos inoportunos da língua pode estar em um estágio inicial e potencialmente reversível de discinesia tardia. Problemas de visão podem ocorrer com a tioridazina (Mellaril) em doses elevadas (mais de 800 mg por dia). Glaucoma traz contra-indicações para drogas com efeitos anticolinérgicos. A afonia pode ter uma natureza histérica. O estágio final do uso de cocaína pode resultar em perfuração do septo nasal e dificuldades para respirar. Um episódio transitório de diplopia pode preceder a esclerose múltipla. O transtorno delirante é mais comum em pessoas com problemas auditivos do que naquelas com audição normal. Queixas de odores desagradáveis podem ser um sintoma de epilepsia do lobo temporal, em vez de esquizofrenia. Sistema respiratório Nesta seção, são consideradas a tosse, a asma, a pleurisia, a hemoptise, a dispnéia e a ortopnéia. Há um indicativo de hiperventilação quando os sintomas relatados incluem todos ou alguns dos seguintes: início em repouso, respiração com suspiros, apreensão, ansiedade, despersonalização, palpitações, incapacidade de engolir, insensibilidade nos pés e nas mãos, espasmo carpopedal. Pode haver dispnéia e falta de ar na depressão. Em casos de doenças pulmonares ou de obstrução das vias aéreas, o início dos sintomas tende a ser insidioso, ao passo que, na depressão, é repentino. Nessa condição, experimenta-se ainda falta de ar em repouso, que apresenta pouca mudança com o esforço, e pode variar em questão de minutos. O início da falta de ar coincide com o início de um transtorno do humor e costuma ser acompanhado de ataques de tontura, suor, palpitações e parestesias. Nas doenças obstrutivas das vias aéreas, os pacientes com incapacidade respiratória mais avançada experimentam falta de ar em repouso. O mais marcante e mais proveitoso para se fazer um diagnóstico diferencial é o fato de que os depressivos dão ênfase à dificuldade de inspiração, aqueles com doenças pulmonares tendem a relatar problemas com a expiração. A asma brônquica às vezes é associada à história infantil de dependência extrema da mãe. Os pacientes com espasmos brônquicos não devem tomar propranolol (Inderal), pois esse agente pode bloquear a indução da broncodilatação por catecolaminas. É especificamente contra-indicado para pacientes com asma brônquica, pois a epinefrina usada para esses casos em emergências não será efetiva. Os que tomam inibidores de enzimas conversoras de angiotensina podem desenvolver tosse seca como efeito adverso da droga.
286
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 7.3-1 Abordagem para a diferenciação de subtipos de tontura Subtipo de tontura
Tipo de sensação
Características temporais
Outras especificações
Vertigem
Sensação de que a pessoa ou seu entorno está se movendo (normalmente girando)
A vertigem episódica ocorre em ataques que duram de segundos a dias A vertigem contínua está presente na maior parte ou em todo o tempo por pelo menos uma semana
Descrições de vertigem episódica devem incluir as características, a duração e a data do primeiro episódio; a duração dos episódios; os fatores que os exacerbam
Pré-síncope
Fraca sensação de tontura, como se a pessoa estivesse para desmaiar
Em geral ocorre em episódios que duram de segundos a horas
As seguintes questões devem ser respondidas: (1) A síncope já ocorreu durante um episódio? (2) Os episódios ocorrem apenas quando o paciente está de pé, ou também ocorrem em outras posições? (3) Estão associados a palpitações, medicamentos, refeições, banho, dispnéia ou desconforto no peito?
Desequilíbrio
Uma sensação de instabilidade que é (1) sentida principalmente nas extremidades inferiores, (2) mais proeminente quando de pé ou caminhando, e (3) aliviada ao sentar ou deitar
Costuma estar presente, embora possa variar em intensidade
Identificar se os sintomas ocorrem de maneira isolada ou acompanham outros subtipos de tontura; descrever os fatores exacerbadores
Demais tonturas: relacionadas a ansiedade, ocular, em ambientes inclinados, outras
Uma sensação que não é abrangida pelas definições anteriores. Pode incluir sensações de nadar ou flutuar, tontura vaga ou sensações de dissociação. Pode ser difícil para o paciente descrever
Tende a estar presente na maior parte ou em todo o tempo por dias ou semanas, às vezes por anos
As seguintes questões devem ser respondidas: (1) A tontura está associada a ansiedade ou a hiperventilação? (2) Houve alguma mudança na visão associada ao começo da tontura? (3) A tontura é a sensação de que o ambiente está inclinado (sugerindo um problema de otólito)?
De Sloane PD, Coeytaux RR, Beck RS, Dallara J. Dizziness. State of the science. Ann Intern Med. 2001,134:825.
Sistema cardiovascular Taquicardias, palpitações e arritmias cardíacas estão entre os sinais de ansiedade mais comuns relatados pelos pacientes. A feocromocitona em geral produz sintomas semelhantes aos dos transtornos da ansiedade, como batimentos cardíacos rápidos, tremores e palidez. Um aumento em catecolaminas urinárias serve como diagnóstico para essa condição. Os pacientes que tomam guanetidina (Ismelin) para hipertensão não devem consumir drogas tricíclicas, que reduzem ou eliminam o efeito anti-hipertensivo desse agente. Esse sintoma pode impedir o uso de inibidores da monoaminoxidase (IMAOs) devido ao risco de uma crise hipertensiva pela ingestão de alimentos com elevados teores de tiramina. Aqueles com suspeita de alguma doença cardíaca devem fazer um eletrocardiograma antes de tomarem triclíclicos ou lítio (Eskalith). É importante avaliar se há história de dor subesternal, e o clínico deve ter em mente que o estresse psicológico pode precipitar dores no peito semelhantes à angina na presença de artérias coronárias normais. Os pacientes que tomam opióides nunca devem usar IMAOs, pois essa combinação pode causar um colapso cardiovascular. Sistema gastrintestinal Esta área refere-se a tópicos como apetite, perturbações antes e depois das refeições, preferências alimentares, diarréia, vômitos,
obstipação, uso de laxantes e dores abdominais. Uma história de perda de peso é comum em transtornos depressivos, mas o sintoma pode acompanhar a perda de peso causada por colite ulcerosa, enterite regional e câncer. A anorexia nervosa é seguida por grave perda de peso na presença de apetite normal. Evitar certos alimentos pode ser um fenômeno fóbico ou parte de um ritual obsessivo. O uso abusivo de laxantes e a indução de vômito são comuns na bulimia nervosa. A obstipação pode decorrer de dependência de opiáceos e de psicotrópicos com efeitos colaterais anticolinérgicos. O abuso de cocaína e anfetaminas leva à perda de apetite e peso. Pode haver ganho de peso sob estresse ou em associação à depressão atípica. A polifagia, a poliúria e a polidipsia são a tríade do diabete melito. A poliúria, a polidipsia e a diarréia são sinais de intoxicação com lítio. Sistema geniturinário A freqüência urinária, nocturia, dor ou ardência ao urinar, bem como mudanças no volume e na força do jato são alguns dos sinais e sintomas nesta área. Os efeitos colaterais anticolinérgicos associados a antipsicóticos e tricíclicos podem causar retenção urinária em homens com hipertrofia da próstata. Dificuldade de ereção e ejaculação retardada também são efeitos adversos comuns dessas drogas, ocorrendo ejaculação retrógrada com a tioridazina. Um nível baseline da resposta sexual deve ser obtido antes
EXAME CLÍNICO DO PACIENTE PSIQUIÁTRICO
de se usarem agentes farmacológicos. Doenças sexualmente transmissíveis – por exemplo, gonorréia, cancro, herpes e piolho-dopúbis – podem indicar promiscuidade ou práticas sexuais inseguras. Em alguns casos, o primeiro sintoma da síndrome imunodeficiência adquirida (AIDS) é o início gradual de confusão mental que resulta em demência. A incontinência precisa ser avaliada de forma cuidadosa e, se persistir, a investigação de doenças mais amplas deve incluir um teste para infecção com o vírus da imunodeficiência humana (HIV). É importante evitar drogas com efeitos adversos anticolinérgicos em homens com prostatismo. História menstrual Deve incluir a idade no início da menarca e da menopausa; o intervalo, a regularidade, a duração e o volume de fluxo dos períodos; sangramentos irregulares; dismenorréias; abortos. A amenorréia é característica da anorexia nervosa e também ocorre em mulheres psicologicamente estressadas. Aquelas que têm medo de engravidar ou que desejam ficar grávidas podem ter períodos retardados. A pseudociese é uma gravidez falsa com a cessação completa das regras. Mudanças de humor perimenstruais (p. ex., irritabilidade, depressão e disforia) devem ser observadas. A menstruação dolorosa pode resultar de doenças uterinas (p. ex., miomas), de conflitos psicológicos com relação ao ciclo ou de uma combinação de ambos. Algumas mulheres relatam aumento prémenstrual no desejo sexual. A reação emocional associada ao aborto deve ser explorada, pois pode ser leve ou grave. OBSERVAÇÕES GERAIS Uma parte importante do exame médico é classificada sob a categoria ampla das observações gerais – visual, auditiva e olfativa. Pistas não-verbais, como postura, expressão facial e maneirismos, também devem ser observadas. Visão O exame principia no primeiro encontro. Quando o paciente passa da sala de espera para a de entrevista, o psiquiatra deve observar seu andar. Ele está estável? Ataxia sugere doenças cerebrais difusas, intoxicação com álcool ou outras substâncias tóxicas, coréia, degeneração espinocerebelar, fraqueza baseada em um processo debilitante e algum transtorno subjacente, como distrofia miotônica. O paciente caminha sem os movimentos normais dos braços e de maneira rígida, como um soldado de brinquedo, como se vê na doença de Parkinson? Tem o passo assimétrico, como torcer um pé para fora, arrastar uma perna ou não balançar um dos braços, sugerindo lesão cerebral focal? Assim que o paciente se senta, o psiquiatra deve voltar a atenção para seu modo de se arrumar. O cabelo está penteado, as unhas limpas e os dentes escovados? Suas roupas foram escolhidas com cuidado, e são apropriadas? Embora a desatenção à própria vestimenta e à higiene seja comum nas doenças mentais – em particular, nos transtornos depressivos – também é um indi-
287
cativo de transtornos cognitivos. Lapsos – como meias ou sapatos diferentes – também podem sugerir um transtorno desse tipo. A postura e os movimentos automáticos ou a sua falta devem ser observados. Uma postura arqueada e inclinada, com carência de movimentos automáticos, pode ocorrer devido à doença de Parkinson ou a doenças hemisféricas difusas, ou ainda como um efeito adverso de antipsicóticos. A inclinação da cabeça pode ser adotada para evitar o contato ocular, mas também resultar de diplopia, uma deficiência do campo visual, ou uma disfunção cerebelar focal. Movimentos despropositados rápidos e freqüentes são característicos de transtornos de ansiedade, mas também de coréia e hipertireoidismo. Os tremores, embora comumente vistos nos transtornos de ansiedade, podem indicar doença de Parkinson, apenas tremor ou efeitos adversos de psicotrópicos. Pacientes com tremor às vezes procuram tratamento psiquiátrico por acreditarem que essa condição se deve a alguma ansiedade ou medo não-reconhecido, como muitas vezes se sugere para outros tremores mais graves. A falta ou o excesso unilateral de movimentos sugere uma doença cerebral focal. A aparência do paciente é examinada para avaliar a saúde geral. Ele parece robusto, ou tem uma aparência de saúde fraca? Roupas frouxas indicam perda de peso recente? O paciente tem falta de ar ou tosse? Sua fisionomia geral sugere alguma doença específica? Homens com a síndrome de Klinefelter têm uma distribuição de gordura feminina e ausência de desenvolvimento das características sexuais secundárias. A acromegalia costuma ser reconhecida imediatamente por cabeça e maxilar grandes. Qual o estado nutricional do paciente? Uma perda de peso recente, ainda que vista muitas vezes em transtornos depressivos e na esquizofrenia, pode ocorrer devido a doenças gastrintestinais, carcinomatose difusa, doença de Addison, hipertireoidismo e muitos outros transtornos somáticos. A obesidade pode resultar de transtornos emocionais ou doenças orgânicas. A face de luacheia, obesidade no tronco e giba são sinais marcantes da síndrome de Cushing. A aparência inchada e túrgida vista no hipotireoidismo, e a obesidade massiva e a respiração periódica vistas na síndrome de Pickwick são facilmente reconhecidas em pacientes indicados para auxílio psiquiátrico. O hipertireoidismo é reconhecido pela presença de exoftalmos. A pele freqüentemente fornece informações valiosas. A descoloração amarelada da disfunção hepática, e a palidez da anemia são razoavelmente evidentes. Um enrubescimento intenso pode ocorrer por envenenamento com monóxido de carbono ou por fotossensibilidade resultante de porfiria ou fenotiazinas. Erupções cutâneas podem ser manifestações de transtornos como lúpus eritematoso sistêmico (p. ex., a borboleta no rosto), esclerose tuberosa com adenoma sebáceo e sensibilidade a drogas. Um aspecto apurpurado sombrio no rosto, com telangiectasia, é quase patognomônico do abuso de álcool. Uma jovem que reclamava de depressão e desatenção mencionou de maneira casual que estava com uma erupção cutânea. Um exame de sua pele revelou hemorragias petequiais em ambos os braços e pernas. Uma investigação mais aprofundada apresentou informações sobre sangramentos em diversos pontos. A contagem de plaquetas estava em 4.000/mm3, e o diagnóstico foi de trombocitopenia.
288
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Uma observação cuidadosa pode revelar pistas que levem ao diagnóstico correto em pacientes que se autolesionam. Por exemplo, o lugar e a forma das lesões e o momento de surgimento podem ser característicos de dermatite factícia. O rosto e a cabeça do paciente devem ser examinados em busca de evidências da doença. O branqueamento prematuro dos cabelos ocorre na anemia perniciosa, e a redução e a aspereza dos fios é comum no mixedema. Na alopecia areata, tufos de cabelo caem, deixando manchas carecas. A tricotilomania apresenta um quadro semelhante. Mudanças nas pupilas são produzidas por várias drogas – constrição por opiáceos e dilatação por agentes anticolinérgicos e alucinógenos. A combinação de pupilas dilatadas e fixas com pele e mucosas secas sugere imediatamente a probabilidade do uso de atropina ou intoxicação semelhante. A difusão da membrana conjuntiva sugere o uso abusivo de álcool, maconha ou uma obstrução da veia cava. O achatamento da prega nasolabial ou fraqueza em um dos lados do rosto – manifestadas ao falar, sorrir e mover o rosto – podem resultar de uma disfunção focal do hemisfério cerebral contralateral ou da paralisia de Bell. O estado de alerta e a resposta do paciente devem ser avaliados cuidadosamente. A sonolência e a falta de atenção podem ser causadas por um problema psicológico, mas é mais provável que estejam relacionadas com disfunção cerebral orgânica, seja ela secundária a uma doença cerebral intrínseca ou a um fator exógeno, como intoxicação com alguma substância. Audição Ouvir com atenção é tão importante quanto a atenção ao olhar, como evidência de transtornos somáticos. A fala lenta é característica da depressão, mas também de disfunções cerebrais difusas ou subcorticais. Uma fala rápida demais não representa apenas episódios maníacos e transtornos de ansiedade, pode ainda estar implicada no hipertireoidismo. Uma voz fraca e monótona pode ser uma pista de doença de Parkinson em pacientes que se queixam principalmente de depressão. Uma voz lenta e grossa, em tom baixo, sugere a possibilidade de hipotireoidismo, qualidade de voz descrita como uma pessoa levemente embriagada e sonolenta, com gripe e uma batata na boca. A dificuldade para começar a falar pode se dever a ansiedade ou gagueira, ou indicar doença de Parkinson ou afasia. Cansar-se de falar muitas vezes é a manifestação de um problema emocional, mas também é característica de miastenia grave. Os pacientes que têm essas queixas costumam ser atendidos por psiquiatras antes de se chegar ao diagnóstico correto. A produção de palavras é importante, assim como a qualidade do discurso. Quando as palavras são pronunciadas incorretamente ou usadas de forma equivocada, existe a possibilidade de afasia causada por lesão no hemisfério dominante. O mesmo se dá quando o paciente persevera, tem dificuldade em lembrar um nome ou uma palavra ou descreve um objeto ou evento de forma indireta (parafrasia). Quando destoam do nível socioeconômico e educacional do paciente, a falta de polidez, desrespeito ou revelações inadequadas podem indicar perda da inibição causada por demência.
Olfato Aprendemos muito menos pelo sentido do olfato do que pela visão e a audição, mas ele ocasionalmente fornece informações úteis. O odor desagradável de um paciente que não toma banho sugere um transtorno cognitivo ou depressivo. O cheiro de álcool ou de substâncias usadas para neutralizá-lo pode ser revelador de alguém que queira ocultar problemas com alcoolismo. Às vezes, um odor de urina chama a atenção para uma disfunção da bexiga, que pode ser secundária a uma doença do sistema nervoso. Odores característicos também são observados em pacientes com acidose diabética, uremia e coma hepático. A puberdade precoce pode ser associada ao cheiro do suor adulto produzido por glândulas apócrinas maduras. EXAME FÍSICO Seleção de pacientes A natureza das queixas é essencial para determinar se um exame físico completo é necessário. Podem ser divididas em três categorias de interações corporais, mentais e sociais. Os sintomas corporais (p. ex., dores de cabeça e palpitações) exigem um exame médico minucioso para especificar qual o papel dos processos somáticos na causa do problema. Pode-se dizer o mesmo dos sintomas mentais, como depressão, ansiedade, alucinações e delírios de perseguição, possivelmente expressões de processos somáticos. Se o problema se limitar claramente à esfera social (p. ex., dificuldades duradouras em interações com professores, empregadores, pais ou cônjuges), pode não haver indicação especial para exame físico. Todavia, mudanças na personalidade podem resultar de um transtorno médico (p. ex., doença de Alzheimer precoce) e causar conflitos interpessoais. Fatores psicológicos Mesmo um exame físico de rotina pode evocar reações adversas, pois os instrumentos, os procedimentos e a sala onde o exame é realizado podem ser assustadores. Uma simples narrativa do que está sendo feito pode prevenir uma ansiedade desnecessária. Além disso, se o paciente sempre for avisado do que será realizado, o medo de surpresas repentinas e dolorosas desaparece. Comentários como “Isso não é nada” e “Não precisa sentir medo porque não vai doer” deixam o paciente às cegas e são muito menos tranqüilizantes do que algumas palavras sobre o que será feito realmente. Embora seja provável que o exame físico cause ou intensifique uma reação de ansiedade, também pode estimular sentimentos sexuais. Algumas mulheres com temores ou fantasias de serem seduzidas podem interpretar um movimento comum no exame físico de forma errônea, como um avanço sexual. De maneira semelhante, um homem delirante com temores homossexuais pode perceber um exame retal como uma agressão dessa natureza. A demora no exame de um órgão específico porque uma va-
EXAME CLÍNICO DO PACIENTE PSIQUIÁTRICO
riação incomum, mas normal, estimulou a curiosidade científica do médico pode deixar o paciente em relação à possibilidade de que um processo patológico grave ter sido descoberto. Uma reação como essa pode ser profunda em um paciente ansioso ou hipocondríaco. O exame físico ocasionalmente tem uma função psicoterapêutica. Pacientes ansiosos podem ficar aliviados ao saberem que, apesar de seus sintomas perturbadores, não existem evidências da doença grave que tanto temem. O jovem que se queixa de dores no peito e está certo de que isso é o prenúncio de um ataque do coração normalmente pode ser tranqüilizado com resultados normais após o exame físico e o eletrocardiograma. Porém, a tranquilização apenas alivia a preocupação ocasionada pelo episódio imediato. A menos que o tratamento psiquiátrico consiga lidar com os determinantes da reação, é provável que haja episódios recorrentes. Em casos de pacientes com medo profundo de uma doença maligna, a indicação de exames adicionais, com o objetivo de tranquilizá-los, em geral não produz resultados positivos, pois alguns podem criar uma falsa crença acerca da existência de um transtorno. Apesar de exames repetidos, um paciente que também era médico estava convencido de que tinha câncer de faringe. Um colega seu, na tentativa de produzir uma prova positiva, realizou uma biópsia na área da queixa. Quando o paciente observou uma secção microscópica de tecido normal, imediatamente disse que a mesma havia sido trocada pela que apresentava células malignas. Durante a realização do exame físico, um médico observador pode anotar indicações de perturbações emocionais. Por exemplo, durante exames genitais, o comportamento de um paciente pode revelar informações sobre atitudes e problemas sexuais, e essas reações podem ser usadas em uma exploração posterior. O momento do exame físico Ocasionalmente, as circunstâncias tornam desejável ou necessário adiar a realização de uma avaliação médica completa. Por exemplo, um paciente delirante ou maníaco pode ser combativo ou resistente, ou ambos. Nesse caso, recomenda-se solicitar sua história médica para um familiar, se possível, mas, há menos que haja alguma razão urgente para continuar com o exame, ele deve ser adiado até que o paciente possa ser tratado. Por razões psicológicas, pode não ser recomendável uma avaliação médica na primeira consulta. Em vista da crescente sensibilidade e abertura quanto a questões sexuais e à tendência de procurar ajuda psiquiátrica rapidamente, os jovens podem reclamar de seu fracasso em sua primeira tentativa de coito. Após um relato detalhado, o psiquiatra pode concluir que o fracasso se deu por ansiedade situacional. Se esse for o caso, não se deve recomendar exame físico ou psicoterapia, pois teriam um efeito indesejável de reforçar a noção de patologia. Se o problema voltar a acontecer, uma avaliação mais aprofundada é justificável.
289
Exame neurológico Se o psiquiatra suspeitar que o paciente tem um transtorno somático subjacente, como diabete melito ou síndrome de Cushing, este costuma ser indicado a um médico para diagnóstico e tratamento. A situação é diferente quando existe suspeita de transtorno cognitivo. O psiquiatra muitas vezes prefere assumir a responsabilidade nesses casos. Todavia, em algum ponto, pode ser necessário um exame neurológico detalhado. Nesses casos, durante o processo de obtenção da história, observam-se o nível de consciência do paciente, a atenção aos detalhes do exame, a compreensão, a expressão facial, a fala, a postura e sua forma de caminhar. Também se pressupõe que um exame do estado mental detalhado será realizado. Este é conduzido tendo-se dois objetivos em mente: evocar sinais que apontem para uma disfunção cerebral restrita e focal e identificar sinais que sugiram doenças cerebrais bilaterais e difusas. O primeiro objetivo é cumprido pelo exame neurológico de rotina, projetado principalmente para revelar assimetrias nas funções motora, perceptiva e reflexiva nos dois lados do corpo, causadas por doenças hemisféricas focais. O segundo objetivo é satisfeito evocando-se sinais que foram atribuídos a disfunções cerebrais difusas e a doenças do lobo frontal, os quais incluem os reflexos de sucção, palmomental e de preensão, e a persistência da resposta glabelar. Infelizmente, com exceção do reflexo de preensão, essas condições não apresentam uma forte correlação com a presença de alguma patologia cerebral subjacente. Outros achados Os psiquiatras devem ser capazes de avaliar a importância de descobertas feitas em consultas médicas. Com um paciente que se queixa de um inchaço na garganta (globus hystericus) e que apresentou tecido linfático hipertrófico no exame, tem-se a tentação de procurar uma relação causal. Como o clínico pode ter certeza de que esse achado não é incidental? O paciente já tinha o tecido hipertrófico antes de fazer a queixa? É comum pessoas com essa condição nunca experimentarem a sensação de inchaço na garganta? No caso de alguém com esclerose múltipla que se queixa de incapacidade de caminhar, mas que, no exame neurológico, apresenta apenas espasmos leves e sinal de Babinski unilateral, é tentador atribuir os sintomas ao transtorno neurológico, ainda que o problema possa ser agravado por perturbações emocionais. O mesmo é verdadeiro para um paciente com demência profunda, para o qual um pequeno meningioma frontal é visto com tomografia computadorizada. A demência nem sempre apresenta correlação com os resultados. Uma atrofia cerebral significativa pode causar demência muito leve, e uma atrofia mínima pode causar uma demência significativa. Em geral, pode-se encontrar alguma lesão que explique os sintomas, mas o psiquiatra deve fazer todos os esforços possíveis para separar um achado incidental de um causativo, e para distinguir uma lesão que coincidentemente foi encontrada na área do sintoma de uma lesão produzida por ele.
290
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
PACIENTES SUBMETIDOS A TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO Enquanto os pacientes estão sendo tratados para transtornos psiquiátricos, os psiquiatras devem ficar alertas para a possibilidade de doenças concomitantes que necessitem de estudos diagnósticos. Os pacientes em psicoterapia, particularmente os que estão em psicanálise, pode estar predispostos a atribuir seus sintomas a causas emocionais. Deve-se ter atenção com o uso possível de negação, especialmente se os sintomas parecem não estar relacionados com os conflitos que estão sendo analisados no momento. Em um momento de maior estresse psicológico, uma paciente teve grande freqüência urinária, que atribuiu à sua situação. Somente após muita recomendação, concordou em procurar um urologista, que diagnosticou cistite. Os pacientes não apenas podem ser propensos a atribuir novos sintomas a causas emocionais, como, às vezes, até seus terapeutas o fazem. O perigo em dar explicações psicodinâmicas para sintomas físicos sempre está presente. Uma mulher perturbada em uma unidade psiquiátrica, que se enrolava dentro de um cesto de roupas e ficava lá por longos períodos, foi descrita como regressiva ao assumir a posição fetal. Posteriormente, quando o diagnóstico de meningoencefalite foi confirmado, uma explicação mais plausível para seu comportamento era a necessidade de aliviar a pressão nas raízes dos nervos. Sintomas como sonolência e tontura e sinais como erupções cutâneas e distúrbios no andar, efeitos adversos comuns de psicotrópicos, exigem uma reavaliação médica se o paciente não responder rapidamente a mudanças na dosagem ou ao tipo de medicação receitada. Se indivíduos tomando medicamentos tricíclicos ou antipsicóticos se queixarem de visão turva (um efeito adverso anticolinérgico comum) e o problema não melhorar com uma redução na dosagem ou mudança na medicação, devem ser avaliados para que outras causas sejam excluídas. Em um caso, o diagnóstico foi de coriorretinite por Toxoplasma. A ausência de efeitos adversos anticolinérgicos, como boca seca e obstipação, é uma pista adicional que alerta o psiquiatra da possibilidade de uma doença médica concomitante. No começo de uma doença, pode haver pouco ou nenhum resultado físico ou laboratorial positivo. Nesses casos, especialmente se houver evidências de traumas físicos ou conflitos emocionais, é provável que todos os sintomas sejam considerados de origem psicossocial, assim como aqueles que se desenvolverão no futuro. Indicações para repetir partes do exame médico podem ser ignoradas, a menos que o psiquiatra esteja alerta para fatos que sugiram que alguns sintomas não se encaixam no diagnóstico original, apontando para uma doença médica. Ocasionalmente, um paciente com doença aguda, como encefalite, é hospitalizado com um diagnóstico de esquizofrenia, ou um com doença subaguda, como carcinoma do pâncreas, é tratado em um consultório ou clínica privada com um diagnóstico de um transtor-
no depressivo. Embora talvez não seja possível fazer o diagnóstico correto no momento da avaliação psiquiátrica inicial, a vigilância e a atenção aos detalhes clínicos fornecem pistas que levam ao reconhecimento da causa. A probabilidade de doenças concomitantes é maior com certos transtornos psiquiátricos do que com outros. Os viciados em substâncias tóxicas, por exemplo, devido a seus padrões de vida, são mais suscetíveis a infecções e a efeitos adversos de traumas, deficiências alimentares e má higiene. A depressão reduz a resposta imunológica. Quando coexistem disfunções somáticas e psicológicas, o psiquiatra deve estar absolutamente familiarizado com o estado médico do pacientes. Em casos de descompensação cardíaca, neuropatia periférica e outros transtornos debilitantes, a natureza e o grau de problemas que podem ser atribuídos ao transtorno físico devem ser determinados. É importante responder à seguinte questão: O paciente tira proveito de sua deficiência, ou esta é ignorada ou negada, resultando em esforço excessivo? Para responder a isso, o psiquiatra deve avaliar suas capacidades e as limitações do paciente, em vez de fazer julgamentos amplos com base em um rótulo diagnóstico. Uma vigilância especial em relação ao estado médico é necessária para pacientes em tratamento para transtornos somatoformes e da alimentação. Esse é o caso daqueles com colite ulcerosa que sangram em abundância ou com anorexia nervosa que estejam perdendo muito peso. Essas condições podem se tornar fatais. A importância das doenças médicas Inúmeros artigos chamam a atenção para a necessidade de uma triagem médica minuciosa de pacientes atendidos em serviços e clínicas de internação psiquiátrica. (Uma necessidade semelhante foi demonstrada para a avaliação psiquiátrica de pacientes em serviços e clínicas de internação médica.) O conceito de clearance médica permanece ambíguo e tem significado no contexto da admissão psiquiátrica ou transferência de diferentes cenários ou instituições. Implica o fato de não existir nenhum problema médico que explique a condição do paciente. Entre os pacientes psiquiátricos identificados, de 24 a 60% sofrem de transtornos físicos associados. Em uma pesquisa com 2.090 pacientes clínicos psiquiátricos, 43% tinham distúrbios físicos associados. Quase metade das doenças não havia sido identificada pela fonte que as indicou. (Nesse estudo, 69 pacientes tinham diabete melito, mas apenas 12 haviam sido diagnosticados antes da indicação). Esperar que todos os psiquiatras sejam especialistas em medicina interna não corresponde à realidade, mas que reconheçam ou suspeitem que haja algum distúrbio físico certamente deveria corresponder. Além disso, os mesmos devem fazer indicações adequadas e colaborar no tratamento de pacientes com problemas físicos e mentais. Os sintomas psiquiátricos não são específicos. Podem indicar doenças médicas e psiquiátricas e, muitas vezes, precedem o surgimento de sintomas médicos definitivos. Alguns deles (p. ex., alucinações visuais, distorções e ilusões) devem produzir um nível elevado de suspeita de toxicidade médica.
EXAME CLÍNICO DO PACIENTE PSIQUIÁTRICO
A literatura médica é abundante com relatos de casos de pacientes cujos transtornos foram inicialmente considerados emocionais, mas que se mostraram secundários a problemas médicos. Os dados na maioria dos relatos revelaram aspectos que apontam para organicidade, e houve erros diagnósticos porque tais aspectos receberam pouca atenção. REFERÊNCIAS Aronowitz RA. When do symptoms become a disease? Ann Intern Med. 2001;134:803. Ellenhorn MJ, Baweloux DG. Medical Toxicology: Diagnosis and Treatment of Human Poisoning. New York: Elsevier; 1988. Kaaya S, Goldberg D, Gask L. Management of somatic presentations of psychiatric illness in general medical setting: evaluation of a new training course for general practitioners. Med Educ. 1992;26:138. Kroenke K. Studying symptoms: sampling and measurement issues. Ann Intern Med. 2001;134:844. Kroenke K. Harris L. Symptoms research: a fertile field. Ann Intern Med. 2001;134:801. Mitchell AC, McCabe EM, Brown KW. Psychiatrists‘ attitudes to physical examination of new out-patients with a major depressive disorder. Psychiatr Bull. 1998;22:82. Osterloh JD, Becker CE. Chemical dependency and drug testing in the workplace. West J Med. 1990;152:506. Rosse RB, Deutsch LH, Deutsch SI. Medical assessment and laboratory testing in psychiatry. In: Sadock BJ, Sadock VA. eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000;732. Waddington D. GP monitoring of lithium levels. Br J Psychiatry. 1996;168:383. Weinberger DR. Brain disease and psychiatric illness: when should a psychiatrist order a CT scan? Am J Psychiatry. 1984;141:1521. Wessely S. Chronic fatigue: symptom and syndrome. Ann Intern Med. 2001;134:838. Winston AP. Physical assessment of the eating disordered patient. Eur Eating Disord Rev. 2000;8:188.
7.4 Testes laboratoriais em psiquiatria Os exames de laboratório são uma parte integral da avaliação e do tratamento psiquiátrico. Porém, em comparação com outra especialidade médica, os psiquiatras dependem mais de exames clínicos e dos sinais e sintomas dos pacientes do que de exames de laboratório. Por exemplo, nenhum exame consegue estabelecer ou excluir um diagnóstico de esquizofrenia, transtorno bipolar I ou transtorno depressivo maior. Entretanto, os avanços na neuropsiquiatria e na psiquiatria biológica tornaram os exames laboratoriais cada vez mais úteis para os psiquiatras, bem como para os pesquisadores biológicos. HISTÓRIA MÉDICA Os psiquiatras devem ser sensíveis à possibilidade de doenças médicas co-mórbidas em seus pacientes, particularmente em ido-
291
sos, doentes mentais crônicos, indigentes e populações que usam substâncias tóxicas. A possibilidade de doenças ocultas sempre deve ser considerada quando os pacientes apresentam síndromes psiquiátricas. Doenças adrenais e da tireóide podem se manifestar como depressão. A Tabela 7.4-1 lista problemas médicos que podem se expressar na forma de sintomas psiquiátricos. Cada um desses diagnósticos pode exigir uma série de exames de laboratório ou testes diagnósticos. Esses recursos são usados para monitorar a dosagem, a adesão e os efeitos tóxicos de vários medicamentos psicotrópicos (p. ex. lítio [Eskalith] e outros estabilizadores do humor). A análise inicial sempre deve incluir uma avaliação minuciosa dos medicamentos com e sem prescrição que o paciente esteja tomando. Muitos transtornos psiquiátricos podem ter origem iatrogênica, ser causados por medicação (p. ex., depressão por hipertensivos, delirium por anticolinérgicos e psicose por esteróides). Se clinicamente possível, um limpeza da medicação pode auxiliar o diagnóstico. Testes de triagem para doenças médicas são apresentados na Tabela 7.4-2. TESTES NEUROENDÓCRINOS Testes do funcionamento da tireóide Existem diversos testes disponíveis para o funcionamento da tireóide, incluindo testes para tiroxina (T4) por ligação protéica competitiva (T4D) e por radioimunoensaio (T4RIA) que envolvem uma reação de antígenos para anticorpos específicos. A Tabela 7.4-3 apresenta uma lista de alguns testes comuns para essa condição. Mais de 90% da T4 são ligados a proteínas do soro e responsáveis pela secreção do hormônio estimulante da tireóide (TSH) e pelo metabolismo celular. Outras medidas da tireóide incluem o índice de T4 livre (FT4I), a absorção de triiodotironina e sua concentração sérica, medida por radioimunoensaio (T3RIA). Esses testes são usados para excluir o hipotireoidismo, que pode aparecer juntamente com os sintomas da depressão. Em certos estudos, até 10% dos pacientes que se queixavam de depressão e fadiga associada tinham hipotireóide incipiente. Outros sinais e sintomas associados comuns a ambas as condições incluem fraqueza, inflexibilidade, pouco apetite, obstipação, irregularidades menstruais, fala lenta, apatia, problemas de memória e até alucinações e delírios. O lítio pode causar hipotireoidismo e, mais raramente, hipertireoidismo. A Tabela 7.4-4 apresenta o monitoramento sugerido para pacientes que tomam esse medicamento. O hipotireoidismo neonatal resulta em retardo mental e pode ser prevenido se diagnosticado no momento do nascimento. A Tabela 7.4-5 refere as mudanças no teste do funcionamento da tireóide associadas ao hipotireoidismo. O teste de estimulação do hormônio liberador de tirotropina (TRH) é indicado para pacientes com resultados marginalmente anormais no teste da tireóide, sugerindo hipoteireoidismo subclínico, o que pode explicar uma depressão clínica. Ele também é usado para pacientes com possível hipotireoidismo induzido por lítio. O procedimento implica uma injeção intravenosa (IV) de 500 μg de TRH, que produz um aumento repentino no TSH sérico, quando medido a 15, 30, 60 e 90 minutos. A Tabela 7.4-6
292
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 7.4-1 Alguns problemas médicos que podem se manifestar sob forma de sintomas neuropsiquiátricos Neurológicos Transtornos cerebrovasculares (hemorragia, infarto) Traumas na cabeça (concussão, hematoma pós-traumático) Epilepsia (especialmente convulsões parciais complexas) Narcolepsia Neoplasmas cerebrais (primários ou metastáticos) Hidrocefalia com pressão normal Doença de Parkinson Esclerose múltipla Doença de Huntington Demência do tipo Alzheimer Leucodistrofia metacromática Enxaqueca Endócrinos Hipotireoidismo Hipertireoidismo Hipoadrenalismo Hiperadrenalismo Hipoparatireoidismo Hiperparatireoidismo Hipoglicemia Hiperglicemia Diabete melito Pan-hipopituitarismo Feocromocitona Distúrbios hormonais gonadotrópicos Gravidez Metabólicos e sistêmicos Distúrbios em fluidos e eletrólitos (p. ex., síndrome de secreção inadequada do hormônio antidiurético [SIADH]) Encefalopatia hepática Uremia Porfiria Degeneração hepatolenticular (doença de Wilson) Hipoxemia (doença pulmonar crônica)
Hipotensão Encefalopatia hipertensiva Tóxicos Intoxicação ou abstinência associada ao uso de drogas ou álcool Efeitos adversos de medicamentos com ou sem prescrição médica Toxinas ambientais (hidrocarbonetos voláteis, metais pesados, monóxido de carbono, organofosfatos) Nutricionais Deficiência de vitamina B12 (anemia perniciosa) Deficiência de ácido nicotínico (pelagra) Deficiência de folato (anemia megaloblástica) Deficiência de tiamina (síndrome de Wernicke-Korsakoff) Deficiência de metais-traço (zinco, magnésio) Desnutrição não-específica e desidratação Infecciosos AIDS Neurossífilis Meningite e encefalite virais (p. ex., herpes simples) Abscessos cerebrais Hepatite viral Mononucleose infecciosa Tuberculose Infecções bacterianas sistêmicas (especialmente pneumonia) e viremia Infecções com estreptococos Transtornos neuropsiquiátricos auto-imunes pediátricos desencadeados por infecções Auto-imunes Lúpus eritematoso sistêmico Neoplásicos Tumores primários e metastáticos no SNC Tumores endócrinos Carcinoma pancreático Síndromes paraneoplásticas
Adaptada de Darrell G. Kirch, M.D.
Teste de supressão da dexametasona TABELA 7.4-2 Testes de triagem para doenças médicas 1. Hemograma completo com contagem diferencial 2. Química sangüínea completa (incluindo medição de eletrólitos, glicose, cálcio e magnésio, e testes de função hepática e renal) 3. Testes de função da tireóide 4. Teste de reagente plasmático rápido (RPR) ou VDRL 5. Urinálise 6. Exame toxicológico de urina 7. ECG 8. Radiografia de tórax (para pacientes com mais de 35 anos) 9. Níveis plasmáticos de qualquer fármaco ingerido, se apropriado
sintetiza um protocolo sugerido para o teste de TRH. Um aumento em TSH sérico de 5 para 25 UI/mL acima nível baseline é normal. Um aumento de menos de 7 UI/mL é considerado uma resposta fraca, que pode estar correlacionada a um diagnóstico de transtorno depressivo. Oito por cento de todos os pacientes com esse tipo de transtorno têm alguma forma de doença da tireóide.
A dexametasona é um glicocorticóide sintético de ação prolongada a meia-vida longa. Cerca de 1 mg de dexametasona equivale a 25 mg de cortisol. O teste de supressão da dexametasona (TSD) é usado para confirmar a impressão diagnóstica de transtorno depressivo maior. Procedimento. O paciente recebe 1 mg de dexametasona por via oral às 23 horas, e o nível de cortisol no plasma é medido às 8, às 16 e novamente às 23 horas. Concentrações acima de 5 μg/dL (conhecidas como não-supressão) são consideradas anormais (i. e., um resultado positivo). A supressão indica que o eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal está funcionando de maneira adequada. Desde a década de 1930, sabe-se que a disfunção desse eixo está associada ao estresse. O teste de supressão da dexametasona pode ser usado para acompanhar a resposta do paciente depressivo ao tratamento. Porém, a normalização do resultado não é um indicativo para interromper o tratamento antidepressivo, pois o mesmo pode normalizar antes de a depressão ser resolvida.
EXAME CLÍNICO DO PACIENTE PSIQUIÁTRICO
293
TABELA 7.4-3 Testes comuns do funcionamento da tireóide Tipo de testea
Valores normais
Custo (dólar)
Interferência
4,5-13 µg/100 mL 58-167 nmol/L 25-35% Combinações de valores para T4 e absorção de T3 por resina 0-10 µUI/mL 2-7 µUI/mL 80-200 ng/100 mL Ausentes
7-22
Mudanças na tireoglobulina, drogas, etc.
3-10
Mudanças na tireoglobulina, drogas, etc.
39
Doença da hipófise
41 30-60
Mudanças na tireoglobulina, drogas, etc.
10-25%/24 horas
60-95
Exame da tireóide por iodo radioativo
Ambos os lobos homogêneos
80
Nunca usar na gravidez: terapia com iodetos de T3 e T4, drogas antitireóide, tireoidite Iodetos de T3, T4: nunca usar durante a gravidez
Injeção de TRH Estimulação de TSH Supressão de T4
Aumento de TSH em duas vezes o controle 115 Sem efeito ou aumento da absorção 115 Absorção reduzida à metade do valor 115 original
Doenças cardíacas ou outra contraindicação de terapia de T4
Citologia normal Citologia normal
Amostra inadequada Perigo significativo de hemorragia
In vitro (testes do soro) T4 Absorção de T3 por resina T7 e ETR TSH T3RIA Auto-anticorpos Testes in vivo Absorção de radioiodo (131I, 123I)
Histologia (biópsia) Biópsia por aspiração com agulha fina Biópsia com agulha cortante
28 b
aTestes
listados em ordem de freqüência decrescente de aplicação prática. Adaptada de Halsted JA, Halsted CH, eds. The Laboratory in Clinical Medicine: Interpretation and Application. 2nd ed. Philadelphia: WB Saunders, 1981. varia conforme o laboratório. Reimpressa, com permissão, de MacKinnon RA, Yudofsky SC. Principles of the Psychiatric Evaluation. Philadelphia: JB Lippincott, 1991:96. bCusto
TABELA 7.4-4 Monitoramento da tireóide para pacientes que tomam lítio Avaliação Médica 1. História médica e familiar minuciosa para detectar doença da tireóide na família 2. Revisão de sintomas de hiper e hipotireoidismo 3. Exame físico, incluindo apalpação da tireóide Laboratorial T3RU T4RIA T2I (índice de tiroxina livre) TSH Anticorpos antitireóide
Antes do tratamento
TABELA 7.4-5 Mudanças no teste do funcionamento da tireóide em pacientes com hipotireoidismo
Repetir em Repetir seis meses anualmente
×
×
×
×
×
×
× × ×
× × ×
× ×
×
× ×
Reimpressa, com permissão, de MacKinnon RA, Yudofsky SC. Principles of the Psychiatric Evaluation. Philadelphia: JB Lippincott, 1991:104.
Confiabilidade. Os problemas associados ao teste de supressão da dexametasona incluem relatos variados de sensibilidade e especificidade. Resultados falso-positivos e falso-negativos são comuns e estão listados na Tabela 7.4-7. A sensibilidade do teste chega a 45% para transtornos depressivos maiores e a 70% para episódios depressivos maiores com aspectos psicóticos. A especificidade é de 90% quando comparada aos controles e de 77%
1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8.
Concentração de T4 no soro diminui. Tiroxina livre no soro diminui. Concentração de T3 no soro diminui. Absorção de T3 no soro diminui. Iodo sérico diminui. Globulina ligada à tiroxina no soro é normal. Razão entre T3 e T4 no soro aumenta. TSH no soro aumenta.
Reimpressa, com permissão, de MacKinnon RA, Yudofsky SC. Principles of the Psychiatric Evaluation. Philadelphia: JB Lippincott, 1991: 97.
quando comparada a outros diagnósticos psiquiátricos. A Figura 7.4-1 ilustra a supressão de cortisol no plasma em um paciente com transtorno depressivo maior antes e seis semanas depois do tratamento com um medicamento tricíclico. Algumas evidências indicam que resultado positivo no teste de supressão de dexametasona (especialmente 10 μg/dL) está associado à resposta boa a tratamentos somáticos, como eletroconvulsoterapia ou terapia com antidepressivos cíclicos. Outros testes endócrinos Muitos outros hormônios afetam o comportamento. Verificou-se que a administração hormonal exógena está envolvida nesse aspecto, e que doenças endócrinas conhecidas têm trans-
294
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 7.4-6 Protocolo de teste de TRH 1. Paciente não ingere nada após a meia-noite e está em repouso às 8 horas e 30 minutos. 2. Cateter intravenoso é inserido, e inicia-se solução salina para manter a linha aberta. 3. Às 8 horas e 59 minutos, tira-se sangue por meio de uma válvula tripla para determinação dos níveis de T3RU, T3RIA, T4 e TSH (T3 reverso é opcional). 4. Às 9 horas, injetam-se 500 μg de TSH intravenoso (protirelina) lentamente por 30 segundos. Os efeitos colaterais dessa prática podem incluir uma sensação passageira de calor, vontade de urinar, náusea, gosto metálico na boca, dor de cabeça, boca seca, aperto no peito, ou uma sensação genital agradável. Esses efeitos tendem a ser leves e rápidos. 5. Amostras de sangue são tiradas pela válvula tripla antes de administrar o TRH e 15, 30, 60 e 90 minutos após as infusões para medir as mudanças. Reimpressa, com permissão, de MacKinnon RA, Yudofsky SC. Principles of the Psychiatric Evaluation. Philadelphia: JB Lippincott, 1991:94.
tornos mentais associados. Além dos hormônios da tireóide, incluem-se a prolactina hormonal da hipófise anterior, o hormônio do crescimento, a somatostatina, o hormônio liberador de gonadotropina (GnRH), os hormônios sexuais, o horTABELA 7.4-7 Problemas médicos e agentes farmacológicos que podem interferir nos resultados do teste de supressão da dexametasona Resultados falso-positivos são associados a: Fenitoína Barbitúricos Meprobamato Glutetimida Carbamazepina Insuficiência cardíaca Hipertensão Insuficiência renal Câncer e infecções sérias disseminadas Traumas ou cirurgias recentes Febre Náuseas Desidratação Doenças do lobo temporal Tratamento com doses elevadas de estrógeno Gravidez Doença de Cushing Diabete melito instável Perda de peso extrema (desnutrição, anorexia nervosa) Abuso de álcool Abstinência de benzodiazepínicos Abstinência de drogas tricíclicas Demência Bulimia nervosa Transtorno psicótico agudo Idade avançada Resultados falso-negativos são associados a: Hipopituitarismo Doença de Addison Terapia de longa duração com esteróides sintéticos Indometacina Tratamento com doses elevadas de ciproeptadina Tratamento com doses elevadas de benzodiazepínicos Reimpressa, com permissão, de Young M, Stanford J. The dexamethasone suppression test for the detection, diagnosis, and management of depression. Arch Intern Med. 1984, 100:309.
mônio luteinizante (LH), o hormônio folículoestimulante (FSH), a testosterona e o estrógeno. A melatonina da glândula pineal foi implicada no transtorno afetivo sazonal (chamado de transtorno do humor com padrão sazonal no texto revisado da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais [DSM-IV-TR]). Os sintomas de ansiedade ou depressão em alguns pacientes podem ser explicados com base em mudanças não-específicas no funcionamento endócrino ou na homeostase. Catecolaminas O nível do ácido 5-hidroxiindoleacético (5-HIAA), um metabólito da serotonina, é elevado na urina de pacientes com tumores carcinóides. Níveis altos são observados às vezes naqueles que tomam fenotiazinas e nos que ingerem alimentos com alto teor de serotonina (p. ex. nozes, banana e abacate). A concentração do 5-HIAA no líquido cerebrospinal é baixa em alguns indivíduos com depressão suicida e nos estudos póstumos daqueles que cometeram suicídio de modos particularmente violentos. Níveis baixos são associados à violência em geral. A noradrenalina e seus metabólitos – metanefrina, normetanefrina e ácido vanililmandélico (VMA) – podem ser mensurados na urina, no sangue e no plasma. Os níveis plasmáticos de catecolaminas são notavelmente elevados em um feocromocitoma, que está associado a ansiedade, agitação e hipertensão. Alguns pacientes com ansiedade crônica podem apresentar níveis exagerados de noradrenalina e adrenalina no sangue. Alguns têm baixa taxa de noradrenalina-adrenalina (NE:E) na urina. Foram encontrados níveis elevados de ambas as substâncias na urina de alguns pacientes com transtorno de estresse pós-traumático. A concentração de 3-metoxi-4-hidroxifenilglicol (MHPG), um metabólito da noradrenalina, é reduzida em pacientes com transtornos depressivos graves, sobretudo naqueles que tentam suicídio. Testes de função renal O clearance de creatinina detecta lesões precoces nos rins e pode ser monitorada de forma serial para acompanhar o curso de doenças renais. O teor de uréia no sangue também é elevado nessas condições, sendo excretada pelos rins. Os níveis de uréia e creatinina no soro são monitorados em pacientes que tomam lítio. Se anormal, testa-se clearance de creatinina em duas horas e, finalmente, em 24 horas. A Tabela 7.4-8 apresenta um protocolo proposto para monitorar o funcionamento renal em pacientes que tomam lítio. A Tabela 7.4-9 sintetiza outros exames laboratoriais para esses casos. Testes de função hepática Os valores de bilirrubina total e direta são elevados em lesões hepatocelulares e na estase da bile intra-hepática, que podem ocor-
EXAME CLÍNICO DO PACIENTE PSIQUIÁTRICO
Pré-tratamento Pós-tratamento
45 Cortisol no plasma (μg/100 mL)
295
40 35 30 25 20 FIGURA 7.4-1 Resultados do teste de supressão de dexametasona de paciente com transtorno depressivo maior. (Reimpressa, com permissão, de MacKinnon A, Yudofsky SC. Principles of the Psychiatric Evaluation. Philadelphia: JB Lippincott, 1991.)
15 10 5 0 23 horas
8 horas
rer com fenotiazina ou medicamento tricíclico e com o uso abusivo de álcool e outras substâncias. Certas drogas (p. ex., fenobarbital) podem reduzir a concentração de bilirrubina no soro. Lesões ou doenças hepáticas, que são refletidas em resultados anormais de testes do funcionamento do fígado, podem se manifestar com sinais e sintomas de um transtorno cognitivo, incluindo desorientação e delirium. Problemas no funcionamento hepático podem aumentar as meias-vidas de eliminação de certas drogas, incluindo alguns benzodiazepínicos, de modo que permanecem por mais tempo no sistema do paciente do que em circunstâncias normais. Os testes do funcionamento do fígado devem ser monitorados rotineiramente ao se usarem certos agentes, como carbamazepina e valproato.
EXAME DE SANGUE PARA DOENÇAS SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS O teste do Venereal Disease Research Laboratory (VDRL) é usado como exame para a sífilis. Se for positivo, o resultado é confirmado pelo teste de absorção de anticorpos treponemais fluorescentes específicos (FTA-ABS), no qual a espiroqueta Treponema pallidum é usada como antígeno. Um teste VRDL do sistema nervoso central (SNC) é realizado em pacientes com suspeita de neurossífilis. Um resultado positivo no exame de HIV indica exposição à infecção com o vírus que causa a síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS). EXAMES RELACIONADOS A MEDICAMENTOS PSICOTRÓPICOS
TABELA 7.4-8 Monitoramento renal para pacientes que tomam lítio Avaliação
Antes do tratamento
Médica 1. História médica e × familiar minuciosa para detectar a presença de doenças renais na família ou predisposição a (diabete, hipertensão) 2. Revisão completa e × específica dos sintomas do sistema geniturinário 3. Exame físico ×
Repetir em Repetir seis meses anualmente
×
× ×
Laboratorial Uréia
×
Creatinina × Clearance de creatinina × (urina de 24 horas) Volume de urina em × 24 horas Teste de privação de fluidos de 12 horas
× ×
Ao tratar de pacientes que tomam medicamentos psicotrópicos, a tendência é mensurar regularmente a concentração da droga receitada no plasma. Para algumas, como o lítio, o monitoramento é essencial. Para outras, como os antipsicóticos, ele tem um interesse principalmente acadêmico ou para a pesquisa. O clínico não precisa fazer medicina defensiva, insistindo que todos os pacientes que tomam psicotrópicos tenham seus níveis sangüíneos determinados por propósitos médico-legais. O status do tratamento psicofarmacológico é
× × ×
×
Reimpressa, com permissão, de MacKinnon RA, Yudofsky SC. Principles of the Psychiatric Evaluation. Philadelphia: JB Lippincott, 1991:103.
TABELA 7.4-9 Outros exames laboratoriais para pacientes que tomam lítio Exame
Freqüência
1. Hemograma completo 2. Eletrólitos séricos 3. Glicemia de jejum 4. Eletrocardiograma 5. Teste de gravidez para mulheres em idade fértila
Antes do tratamento e anualmente Antes do tratamento e anualmente Antes do tratamento e anualmente Antes do tratamento e anualmente Antes do tratamento
aFazer o exame com mais freqüência quando a adesão ao plano de tratamento é incerta. Reimpressa, com permissão, de MacKinnon RA, Yudofsky SC. Principles of the Psychiatric Evaluation. Philadelphia: JB Lippincott, 1991:106.
296
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
tal que o julgamento clínico e a experiência de um psiquiatra, exceto em casos raros, são melhores indicações da eficácia terapêutica de um medicamento do que determinar seu nível plasmático. Além disso, a confiança nos níveis plasmáticos não pode substituir a habilidade clínica e a necessidade de manter os aspectos humanitários do atendimento ao paciente. As principais classes de medicamentos e as diretrizes sugeridas são apresentadas a seguir.
dos, médicos e farmacêuticos que fornecem esse agente devem ser registrados no Clozaril National Registry (1-800-4485938). A Tabela 7.4-10 resume o manejo clínico de baixos níveis de leucócitos, leucopenia e agranulocitose em pacientes tratados com clozapina. Agentes tricíclicos e tetracíclicos
Benzodiazepínicos Não são necessários testes especiais para pacientes que os tomam. Problemas no funcionamento hepático aumentam a meia-vida dos benzodiazepínicos metabolizados no fígado por oxidação. Testes do funcionamento hepático são indicados para pacientes com suspeita de lesão no fígado. Exames de urina são feitos com certa freqüência em pacientes que consomem substâncias tóxicas. Antipsicóticos Não são necessários testes especiais para aqueles que tomam antipsicóticos, embora seja aconselhável obter os valores de base da função hepática e um hemograma completo. Esses agentes são metabolizados principalmente no fígado, com seus metabólitos excretados na urina. Muitos deles são ativos. A concentração máxima no plasma é atingida de 2 a 3 horas após uma dose oral. A meia-vida de eliminação é de 12 a 30 horas, mas pode ser muito maior. Para se atingir uma posição estável, é necessária pelo menos uma dose constante por uma semana (meses em doses constantes para antipsicóticos depot). Com exceção da clozapina (Clozaril), todos os antipsicóticos causam rápida elevação da concentração de prolactina no soro (secundária à atividade tuberoinfundibular). Um nível normal de prolactina muitas vezes indica falta de adesão ao tratamento ou falta de absorção. Os efeitos adversos incluem leucocitose, leucopenia, problemas no funcionamento das plaquetas, anemia leve (aplástica e hemolítica) e agranulocitose. Podem ocorrer efeitos abruptos na medula óssea e em elementos do sangue, mesmo quando a dose permanece constante. Os antipsicóticos de baixa potência apresentam maior probabilidade de causar agranulocitose, que é o efeito adverso mais comum sobre a medula óssea. Esses agentes podem causar lesões hepatocelulares e estase biliar intra-hepática (indicada por elevação em bilirrubina total e direta e em transaminases). Também podem implicar mudanças eletrocardiográficas (não tão freqüentes como com antidepressivos tricíclicos), incluindo um intervalo QT prolongado, ondas T planas, invertidas ou bífidas, e ondas U. A relação entre a dose e a concentração plasmática difere amplamente entre os pacientes. Clozapina. Devido ao risco de agranulocitose (1 a 2%), os pacientes que estão sendo tratados com esse agente devem fazer uma contagem de leucócitos e outra diferencial antes de iniciar o tratamento, uma de leucócitos a cada semana durante o mesmo, e outra semanal por quatro semanas após a descontinuação do tratamento com clozapina. Nos Estados Uni*N.
de R.T.: No Brasil, Leponex.
Deve-se fazer um eletrocardiograma antes de começar qualquer regime de agentes cíclicos para avaliar retardos na condução cardíaca, que podem culminar em bloqueio cardíaco em níveis terapêuticos. Alguns clínicos acreditam que todos os pacientes que recebem terapia com esses agentes devem fazer um ECG anual. Em níveis terapêuticos, elas suprimem arritmias por meio de um efeito semelhante ao da quinidina. Os níveis sangüíneos devem ser determinados rotineiramente quando se usa imipramina (Tofranil), desipramina ou nortriptilina (Pamelor) no tratamento de transtornos depressivos. Essa medição também pode ser útil para pacientes com resposta fraca a faixas normais de dosagem e para os de alto risco, para os quais existe uma necessidade urgente de saber se foi atingido um nível plasmático terapêutico ou tóxico do agente. As determinações dos níveis sangüíneos também devem incluir a mensuração de metabólitos ativos (p. ex., a imipramina é convertida em desipramina; a amitriptilina, em nortriptilina). Algumas características dos níveis plasmáticos das drogas tricíclicas são descritas a seguir. Imipramina. A porcentagem de respostas favoráveis apresenta correlação linear com níveis plasmáticos entre 200 e 250 ng/mL, mas alguns pacientes respondem em um nível inferior. Acima desses valores não há uma resposta mais favorável, e os efeitos adversos aumentam. Nortriptilina. A janela terapêutica (a faixa na qual o agente é mais efetivo) fica entre 50 e 150 ng/mL. A taxa de resposta diminui em níveis acima disso. Desipramina. Níveis maiores do que 125 ng/mL apresentam correlação com uma porcentagem mais alta de respostas favoráveis. Amitriptilina. Diferentes estudos produziram resultados conflitantes em relação aos níveis sangüíneos, mas variam de 75 a 175 ng/mL. Procedimento para determinar as concentrações sangüíneas. A amostra de sangue deve ser tirada entre 10 e 14 horas após a última dose, normalmente na manhã seguinte, após ingeri-la antes de dormir. Os pacientes devem ter recebido uma dose diária estável por pelo menos cinco dias para que o exame seja válido. Alguns que metabolizam agentes cíclicos de forma inusitadamente deficiente podem ter níveis de até 2.000 ng/mL enquanto estiverem tomando doses normais e antes de apresentarem uma resposta clínica favorável. Estes precisam ser monitorados de perto para efeitos cardíacos ad-
EXAME CLÍNICO DO PACIENTE PSIQUIÁTRICO
versos. Pacientes com níveis acima de 1.000 ng/mL geralmente estão em risco de cardiotoxicidade. Inibidores da monoaminoxidase Os pacientes que tomam inibidores da monoaminoxidase (IMAOs) são instruídos a evitar alimentos que contenham tiramina devido ao perigo de uma crise hipertensiva. A pressão arterial normal também deve ser registrada como linha de base, e monitorada durante o tratamento. Os IMAOs podem causar ainda hipotensão ortostática como efeito adverso direto que não apresenta relação com a dieta. Além de seu potencial para elevar a pressão arterial quando tomados com certos alimentos, os IMAOs são relativamente livres de outros efeitos adversos. Um teste usado em cenários de pesquisa e na prática clínica atual envolve correlacionar a resposta terapêutica com o grau de inibição das plaquetas pela MAO.
297
Lítio Os pacientes que tomam lítio devem fazer exames de linha de base do funcionamento da tireóide, monitoramento de eletrólitos, contagem de leucócitos, testes do funcionamento renal (densidade, uréia e creatinina) e ECG. As razões para esses exames é que o lítio pode causar deficiências na concentração renal, hipotireoidismo e leucocitose, a depleção do sódio pode causar níveis tóxicos de lítio, e cerca de 95% do lítio é excretado na urina. Além disso, ele também causa alterações no ECG, incluindo várias deficiências na condução cardíaca. Esse agente é mais indicado no tratamento profilático de episódios maníacos (seu efeito antimaníaco direto pode levar até duas semanas) e costuma ser usado juntamente com antipsicóticos para o tratamento dos casos mais agudos. O próprio lítio pode ter atividade antipsicótica. Seu nível de manutenção é de 0,6 a 1,2 mEq/L, embora pacientes maníacos agudos possam tolerar
TABELA 7.4-10 Manejo clínico da baixa contagem de leucócitos, leucopenia e agranulocitose Fase do problema
Resultados da contagem de leucócitos
Resultados clínicos
Plano de tratamento
Baixa contagem de leucócitos
A contagem de leucócitos revela uma queda signiticativa (mesmo que ainda esteja na faixa normal). Uma “queda significativa” é (1) uma redução de mais de 3.000 células do exame anterior ou (2) três ou mais reduções consecutivas em contagens de leucócitos
Não há sintoma de infecção
1. Monitore o paciente de perto 2. Institua contagens sangüíneas com diferencial duas vezes por semana se parecer apropriado 3. A terapia com clozapina pode ser continuada
Leucopenia leve
Contagem de leucócitos = 3.0003.500
Paciente pode ou não apresentar sintomas clínicos, como letargia, febre, dor de garganta, fraqueza
1. Monitore o paciente de perto 2. Institua um mínimo de contagens sangüíneas duas vezes por semana com diferencial 3. A terapia com clozapina pode ser continuada
Leucopenia ou agranulocitose
Contagem de leucócitos = 2.0003.000 ou granulócitos = 1.0001.500
Paciente pode ou não apresentar sintomas clínicos, como febre, dor de garganta, letargia, fraqueza
1. Interrompa a clozapina imediatamente 2. Institua contagens diárias de leucócitos com diferencial 3. Aumente a vigilância, considere hospitalização 4. A terapia com clozapina pode ser reinstituída após a normalização da contagem de leucócitos
Agranulocitose (simples)
Contagem de leucócitos abaixo de 2.000 ou de granulócitos abaixo de 1.000
Paciente pode ou não apresentar sintomas clínicos, como febre, dor de garganta, letargia, fraqueza
1. Descontinue a clozapina imediatamente 2. Coloque o paciente em isolamento em uma unidade médica com instalações modernas 3. Colha uma amostra da medula óssea para determinar se as células progenitoras estão sendo suprimidas 4. Monitore o paciente a cada dois dias até que as contagens de leucócitos e diferencial retornem ao normal (por volta de duas semanas) 5. Evite o uso de medicamentos concomitantes com potencial de supressão da medula óssea
Agranulocitose (com complicações)
Contagem de leucócitos abaixo de 2.000 ou de granulócitos abaixo de 1.000
Evidências definitivas de infecção, como febre, dor de garganta, letargia, fraqueza, mal-estar, ulcerações cutâneas, etc.
1. Consulte um hematologista ou outro especialista para determinar o regime de antibiótico apropriado 2. Comece a terapia apropriada; monitore de perto
Recuperação
Contagem de leucócitos acima de 4.000 e de granulócitos acima de 2.000
Nenhum sintoma de infecção
1. Contagem semanal de leucócitos com contagens diferenciais para quatro valores normais consecutivos 2. Não reiniciar clozapina
Reimpressa, com permissão, de MacKinnon RA, Yudofsky SC. Principles of the Psychiatric Evaluation. Philadelphia: JB Lippincott, 1991:118.
298
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 7.4-11 Monitoramento laboratorial de pacientes que tomam carbamazepina Exame 1. Contagem sangüínea completa
2. Contagem de plaquetas e reticulócitos 3. Eletrólitos no soro 4. Eletrocardiograma 5. SGOT, SGPT, fosfatase alcalina LDH
6. Teste de gravidez para mulheres em idade fértil
Freqüência Antes do acompanhamento e a cada duas semanas pelos primeiros três meses do tratamento; depois disso, a cada três meses Antes do tratamento e anualmente Antes do tratamento e anualmente Antes do tratamento e anualmente Antes de iniciá-lo e a cada mês durante os primeiros três meses de tratamento; depois disso, a cada três meses Antes do tratamento e mensalmente em pacientes que não aderem ao tratamento
Reimpressa, com permissão, de MacKinnon RA, Yudofsky SC. Principles of the Psychiatric Evaluation. Philadelphia: JB Lippincott, 1991:108.
até 1,5 a 1,8 mEq/L. Alguns conseguem responder a níveis mais baixos, outros podem exigir níveis superiores. Uma resposta abaixo de 0,4 mEq/L provavelmente indica um efeito placebo. Podem ocorrer reações tóxicas com níveis acima de 2 mEq/L. O monitoramento regular é essencial, pois há uma janela terapêutica limitada, além da qual podem ocorrer problemas cardíacos e efeitos sobre o SNC. Para a determinação do lítio, o sangue deve ser tirado entre 8 e 12 horas após a última dose, normalmente na manhã após uma dose antes de dormir. O nível deve ser medido pelo menos duas vezes por semana enquanto o paciente é estabilizado, e pode ser determinado mensalmente após a estabilização.
ocorrem efeitos adversos, incluindo trombocitopenia. Os níveis devem ser determinados periodicamente; além disso, devem ser realizados testes do funcionamento do fígado a cada 6 a 12 meses. Tacrina A tacrina (Cognex) pode causar lesões no fígado. Um teste de função hepática de base deve ser feito, e recomenda-se determinar os níveis de transaminase no soro a cada duas semanas, por cinco meses. O tratamento deve ser interrompido para pacientes que desenvolvam icterícia ou que apresentem níveis de bilirrubina ao tratamento acima de 3 mg/dL. ATAQUES DE PÂNICO PROVOCADOS POR LACTATO DE SÓDIO Até 72% dos pacientes com transtorno de pânico têm um ataque ao se administrar lactado de sódio por via intravenosa. Portanto, é usado para confirmar o diagnóstico de transtorno de pânico, como também para desencadear memórias repentinas naqueles com transtorno de estresse pós-traumático. A hiperventilação, outro fator conhecido por desencadear ataques de pânico em pessoas predispostas, não é tão sensível quanto o lactato. A inalação de dióxido de carbono (CO2) também precipita os ataques em indivíduos predispostos. Os ataques de pânico desencadeados pelo lactato de sódio não são inibidos por antagonistas β-adrenérgicos de ação periférica (betabloqueadores), mas pelo alprazolam e por agentes tricíclicos. ENTREVISTA COM O AUXÍLIO DE MEDICAMENTOS
Carbamazepina Deve-se fazer um hemograma completo, incluindo as plaquetas, sendo também desejáveis contagens de reticulócitos e do íon ferro no soro. Esses exames devem ser repetidos semanalmente durante os três primeiros meses de tratamento, e mensalmente a partir daí. A carbamazepina pode causar anemia aplástica, agranulocitose, trombocitopenia e leucopenia. Devido ao pequeno risco de hepatoxicidade, devem ser feitos testes de função hepática a cada 3 a 6 meses, descontinuando-se a medicação se o paciente apresentar sinais de supressão da medula óssea, mensurada com contagens completas e periódicas de células sangüíneas. Seu nível terapêutico é de 8 a 12 ng/mL, com a toxicidade normalmente alcançada em níveis de 15 ng/mL. A maior parte dos clínicos relata que 12 ng/mL já são difíceis de alcançar. A Tabela 7.4-11 apresenta um protocolo para o monitoramento laboratorial de pacientes que tomam carbamazepina.
As entrevistas com o uso de amobarbital (Amytal) têm indicações diagnósticas e terapêuticas. Do ponto de vista diagnóstico, são úteis para diferenciar problemas orgânicos de não-orgânicos, particularmente em pacientes com sintomas de catatonia, estupor e mutismo. Os problemas orgânicos tendem a piorar com infusões de amobarbital, mas as condições não-orgânicas e psicogênicas tendem a melhorar, devido a desinibição, menor ansiedade ou maior relaxamento que causa. Do ponto de vista terapêutico, são importantes em transtornos de repressão e dissociação – por exemplo, para recuperar a memória em transtornos amnésticos psicogênicos e na fuga, para recuperar o funcionamento em transtornos conversivos e para facilitar a expressão emocional no transtorno de estresse pós-traumático. Os benzodiazepínicos podem ser substituídos por amobarbital na infusão. O procedimento é apresentado na Tabela 7.4-12. PUNÇÃO LOMBAR
Valproato Os níveis séricos do ácido valpróico e do divalproex (Depakote) são terapêuticos na faixa de 45 a 50 ng/mL. Acima de 125 ng/mL,
A punção lombar é útil para pacientes que tenham uma manifestação repentina de sintomas psiquiátricos novos, especialmente alterações cognitivas. O clínico deve ficar especialmente atento se houver febre ou sintomas neurológicos, como convulsões. A
EXAME CLÍNICO DO PACIENTE PSIQUIÁTRICO
TABELA 7.4-12 Procedimento de entrevista com o auxílio de medicamentos 1. O paciente deve se recostar em um ambiente no qual haja ressuscitação cardiopulmonar disponível, para o caso de hipotensão ou depressão respiratória. 2. Explique a ele que a medicação o ajudará a relaxar e sentir vontade de falar. 3. Instale um acesso venoso periférico. 4. Injete uma solução de amobarbital sódico a 5% (500 mg dissolvidos em 10 mL de água destilada) a um ritmo de, no máximo, 1 mL/ min (50 mg/min). 5. Comece a entrevista discutindo temas neutros. Muitas vezes, pode ser necessário estimular o paciente com fatos conhecidos de sua vida. 6. Continue a infusão até haver nistagmo lateral ou sonolência. 7. Para manter o nível de narcose, continue a infusão a um ritmo de 0,5 a 1 mL/5 min (25 a 50 mg/5 min). 8. Deixe o paciente recostado por pelo menos 15 minutos após a entrevista terminar, até que consiga caminhar sem ajuda. 9. Use sempre o mesmo método para evitar erros de dosagem.
299
TABELA 7.4-13 Substâncias tóxicas que podem ser encontradas no exame de urina Substância
Tempo de detecção na urina
Álcool Anfetaminas Barbitúricos
7 a 12 horas 48 horas 24 horas (ação rápida) 3 semanas (ação prolongada) 3 dias 6 a 8 horas (metabólitos, 2 a 4 dias) 48 horas 8 dias 36 a 72 horas 3 dias a 4 semanas (dependendo do uso) 3 dias 7 dias 48 a 72 horas 6 a 48 horas
Benzodiazepínicos Cocaína Codeína Fenciclidina Heroína Maconha Metadona Metaqualona Morfina Propoxifena
cos e letais das substâncias mais implicadas em transtornos cognitivos. punção lombar é usada para diagnosticar infecções do SNC (p. ex., meningite). OUTROS EXAMES LABORATORIAIS EXAMES DE URINA PARA SUBSTÂNCIAS TÓXICAS Inúmeras substâncias podem ser detectadas se a urina for examinada dentro de um período específico (e variável) após a ingestão. O conhecimento dos exames de substâncias na urina está se tornando crucial para médicos, em vista da controversa questão dos exames de substâncias obrigatórios ou aleatórios. A Tabela 7.4-13 oferece uma relação de substâncias tóxicas que podem ser detectadas na urina. Os exames laboratoriais também são usados para identificar substâncias que possam contribuir para transtornos cognitivos. A Tabela 7.4-14 é um resumo dos níveis terapêuticos, tóxi-
Os exames laboratoriais que não foram discutidos são tratados na Tabela 7.4-15 em relação a suas indicações e importância para problemas médicos que afetam o comportamento. Ver Capítulo 11 para informações sobre testes para HIV. MARCADORES BIOQUÍMICOS Muitos marcadores bioquímicos potenciais, incluindo os neurotransmissores e seus metabólitos, podem ajudar no diagnóstico e no tratamento de transtornos psiquiátricos. A pesquisa nessa área ainda está evoluindo. A Tabela 7-4.16 sintetiza alguns dos novos avanços.
TABELA 7.4-14 Dados do nível sangüíneo para a avaliação clínica Níveis sangüíneos Substância
Terapêutico ou normal (%)
Tóxico (%)
Letal (%)
Acetaminofem Ácido acetilsalicílico Aminofilina Amitriptilina Anfetaminas Arsênico Barbitúricos Ação rápida Ação intermediária Fenobarbital Barbital Brometo Carbamazepina Chumbo Clordiazepóxida
1-2 mg 10-30 mg 1-2 mg 5-20 μg 2-3 μg 0-2 μg
15 mg >39 mg 3-4 mg >50 μg 50 μg 0,10 mg
150 mg 50 mg 21-25,0 mg 1-2 mg 200 μg 1,5 mg
0,1 mg 0,1-0,5 mg 1,5-3,9 mg 1 mg 5-30 mg 0,8-1,2 mg 0-30 μg 0,1-0,3 mg
0,7 mg 1,0-3,0 mg 4-6 mg 6-8 mg 50-150 mg >1,5 mg 130 pg 0,55 mg
1 mg >3 mg 8->15 mg >10 mg 200 mg – 110-350 μg 2 mg
(Continua)
300
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 7.4-14 (Continuação) Níveis sangüíneos Substância
Terapêutico ou normal (%)
Tóxico (%)
Letal (%)
Clorpromazina Cocaína Codeína Desipramina Diazepam Difenidramina Digoxina Doxepina Etanol Fenciclidina Fenitoína Glutetimida Haloperidol Hidrato de cloral Imipramina Lítio LSD Meperidina Meprobamato Mercúrio Metadona Metanfetamina Metanol Metaqualona Metilfenidato Morfina
0,05 mg 5-15 μg 2,5-12 pg 15-30 μg 0,05-0,25 mg 1-10 μg 0,06-0,20 μg 10-25 μg – – 1-2 mg 0,02-0,08 mg 0,05-0,9 μg 0,2-1 mg 15,0-25 μg 0,42-0,83 mg (0,6-1,2 mEq/L) – 0,03-0,10 mg 0,8-2,4 mg 0,0-8 μg 30-110,0 μg 0,02-0,06 mg – 0,3-0,6 mg 1-6 μg 10 μg
0,1-0,2 mg 90 μg – >50 μg 0-2 mg 0,5 mg 0,21-0,90 μg 50-200 μg 100 mg (legal intoxication) 0,7-24 μg 2-5 mg 1-8 mg 1-4 mg 10 mg 50-150 μg 1,39 mg (2 mEq/L) 0,1-0,4 μg 0,5 mg 6-10 mg 100 μg 0,2 mg 0,06-0,5 mg 20 mg 1-3 mg 80 μg –
Nortriptilina Oxicodona Paraldeído Pentazocina Perfenazina Primidona Propoxifena Propranolol Quinidina Quinina Tioridazina Trifluoperazina
12-16 μg 1,7-3,6 μg 2-11,0 mg 0,01-0,06 mg 0,5 μg 0,5-1,2 mg 5-20 μg 2,5-20 μg 0,03-0,6 mg 0,18 mg 0,10-0,15 mg 0,08 mg
0,05 mg 20-500 μg 20-40 mg 0,2-0,5 mg 100 μg 5-8,0 mg 30-60 μg – 1 mg – 1 mg 0,12-0,3 mg
0,3-1,2 mg 0,1-2 mg 20-60 μg 1-2 mg >2 mg >1 mg 1,5 pg >1 mg 350 mg 100-500 μg >10 mg 3-10 mg – 25 mg 0,2 mg >3,47 mg (>4 mEq/L) – 3 mg 14-35 mg 600 μg >0,4 mg 1-4 mg >89 mg >3 mg 230 μg 5-400 μg (morfina livre de heroína) 1,3 mg – >50 mg 1-2 mg – 10 mg 80-200 μg 0,8-1,2 mg 3-5 mg 1,2 mg 2-8 mg 0,3-0,8 mg
Reimpressa, com permissão, de Winek L. Drug and Chemical Blood-level Data. Pittsburgh: Fisher Scientific, 1985.
TABELA 7.4-15 Outros exames laboratoriais Exame
Principais indicações psiquiátricas
17-hidroxi-corticosteróides
Depressão
Desvios detectam hiperadrenocorticalismo, que pode estar associado a transtorno depressivo maior Aumento no uso de esteróides
3-metoxi-4-hidroxifenilglicol (MHPG)
Depressão Ansiedade
Mais útil para pesquisa; diminuição na urina pode indicar reduções centrais
Ácido 5-hidroxiindoleacético (5HIAA)
Depressão Suicídio Violência
Redução no líquido cerebrospinal em pacientes agressivos ou violentos com impulsos suicidas ou homicidas Pode indicar menor controle de impulsos e prever suicídio
Alanina-aminotransferase (ALT) (antes chamada transaminase glutamato-pirúvica do soro [SGPT])
Exame orgânico
Aumento em hepatite, cirrose, metástases do fígado
Albumina
Exame orgânico
Aumento em desidratação Redução em desnutrição, insuficiência hepática, queimaduras, mieloma múltiplo, carcinomas
Aldolase
Transtornos da alimentação Esquizofrenia
Aumento em pacientes que consomem ipeca (p. ex., pacientes bulímicos), esquizofrenia (60-80%)
Amilase, soro
Transtornos da alimentação
Pode aumentar na bulimia nervosa
Comentários
(Continua)
EXAME CLÍNICO DO PACIENTE PSIQUIÁTRICO
301
TABELA 7.4-15 (Continuação) Exame
Principais indicações psiquiátricas
Comentários
Amônio, soro
Exame orgânico
Aumento na encefalopatia hepática
Anticoagulante do lúpus (LA)
Uso de fenotiazinas
Anticorpo antifosfolipídeos descrito em alguns pacientes que usam fenotiazinas, especialmente clorpromazina
Anticorpos antinucleares
Exame orgânico
Encontrados no lúpus eritematoso sistêmico e no lúpus induzido por fármacos (p. ex., secundário a fenotiazinas, anticonvulsivantes); o primeiro pode estar associado a delirium, transtornos psicóticos, transtornos do humor
Antígeno superficial da hepatite B (HBsAg); antígeno da hepatite Bc (HBcAg)
Transtornos do humor Exame orgânico
Infecção ativa da hepatite B indica maior infecciosidade e progressão para doenças crônicas do fígado Pode ocorrer com depressão
Antígeno viral da hepatite A (HAAg)
Transtornos do humor Exame orgânico
Prognóstico melhor e menos grave do que hepatite B; pode estar presente com anorexia nervosa, depressão
Aspartato-aminotransferase (AST) (antes SGOT)
Exame orgânico Transtorno de pânico
Aumento na falência cardíaca, doenças hepáticas, pancreatite, eclampsia, lesões cerebrais, dependência de álcool
Bicarbonato, soro
Transtornos da alimentação
Redução na síndrome de hiperventilação, transtorno de pânico, uso de esteróides anabolizantes
Bilirrubinas
Exame orgânico
Aumento em doenças hepáticas
Brometo, soro
Demência Psicose
Intoxicação com brometo pode causar psicose, alucinações, delirium Parte da investigação para demência, especialmente quando o cloreto sérico está aumentado
Cálcio (Ca), soro
Exame orgânico Transtornos do humor Psicose Transtornos da alimentação
Aumento em hiperparatireoidismo, metástases ósseas Aumento associado a delirium, depressão, psicose Redução em hipoparatireoidismo, insuficiência renal Redução associada a depressão, irritabilidade, delirium, uso de laxantes em longo prazo
Catecolaminas, urina e plasma
Ataques de pânico Transtornos de ansiedade
Elevadas no feocromocitoma
Ceruloplasmina, soro; cobre, soro
Exame orgânico
Baixo na doença de Wilson (doença hepatolenticular)
Cloreto, soro
Transtornos da alimentação Transtorno de pânico
Redução em pacientes com bulimia nervosa e vômitos psicogênicos Leve elevação em síndrome de hiperventilação, transtorno de pânico
Cobre, urina
Exame orgânico
Avaliação na doença de Wilson
Colecistoquinina (CCK)
Transtornos da alimentação
Em comparação com os controles, moderada em pacientes bulímicos, após refeições (pode normalizar após tratamento com antidepressivos)
Contagem de leucócitos
Uso de medicamentos psicotrópicos
Leucopenia e agranulocitose associadas a certos medicamentos psicotrópicos, como fenotiazinas, carbamazepina, clozapina Leucocitose associada a lítio e síndrome neuroléptica maligna
Contagem de plaquetas
Uso de medicamentos psicotrópicos
Redução por certos medicamentos psicotrópicos (carbamazepina, clozapina, fenotiazinas)
Contagem de reticulócitos (estimativa da produção de hemácias na medula óssea)
Exame orgânico Uso de carbamazepina
Baixa em anemia megaloblástica ou ferropriva e anemia de doenças crônicas Deve ser monitorada em pacientes que tomam carbamazepina
Cortisol (hidrocortisona)
Exame orgânico Transtornos do humor
Nível excessivo pode indicar doença de Cushing associada com ansiedade, depressão e uma variedade de outras condições
Creatinafosfoquinase (CPK)
Uso de antipsicóticos Uso de imobilização Uso de substâncias tóxicas
Aumento em síndrome neuroléptica maligna, injeção intramuscular, rabdomiólise (secundária ao uso de substâncias tóxicas), pacientes imobilizados ou que experimentam reações distônicas; elevações assintomáticas observadas com o uso de antipsicóticos
Creatinina urinária
Exame orgânico Uso de substâncias tóxicas Uso de lítio
Aumento na insuficiência renal, desidratação Parte do exame pré-tratamento para lítio
Creatinina, soro
Exame orgânico
Elevada em doenças renais
Dopamina (estimulação da dopamina por L-dopa)
Depressão
Inibe a prolactina Exame usado para avaliar integridade funcional do sistema dopaminérgico, que é debilitado na doença de Parkinson e na depressão
Ecocardiograma
Transtorno de pânico
10 a 40% dos pacientes com transtorno de pânico apresentam prolapso da válvula mitral
(Continua)
302
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 7.4-15 (Continuação) Exame
Principais indicações psiquiátricas
Eletroencefalograma (EEG)
Exame orgânico
Convulsões, morte cerebral, lesões; latência do sono REM reduzida na depressão Atividade de alta potência no estupor; atividade rápida de baixa voltagem na excitação; em casos funcionais não-orgânicos (p. ex., transtornos dissociativos), atividade alfa presente ao fundo, que responde a estímulos auditivos e visuais Picos bifásicos ou trifásicos observados na demência da doença de Creutzfeldt-Jakob
Enzima sintetizadora de porfiria
Psicose Exame orgânico
Ataque agudo de pânico ou transtorno cognitivo pode ocorrer em uma crise de porfiria, a qual pode ser precipitada por barbitúricos, imipramina
Estrógeno
Transtornos do humor
Redução na depressão da menopausa e na síndrome pré-menstrual; mudanças variáveis na ansiedade
Exame de urina
Exame orgânico Exame pré-tratamento para lítio Triagem de drogas
Proporciona pistas para a causa de vários transtornos cognitivos (avaliando aparência geral, pH, densidade, bilirrubina, glicose, sangue, cetonas, proteínas, etc.); densidade pode ser afetada pelo lítio
Ferritina, soro
Exame orgânico
Exame mais sensível para deficiência de ferro
Ferro, soro
Exame orgânico
Anemia por deficiência de ferro
Folato (ácido fólico), soro
Consumo abusivo de álcool Uso de medicamentos específicos
Normalmente medido com vitamina B12, deficiências associadas a transtornos psicóticos, paranóia, fadiga, agitação, demência, delirium Associado a dependência de álcool, uso de fenitoína, contraceptivos orais, estrógeno
Fosfatase ácida
Exame orgânico para transtornos cognitivos
Aumento em câncer de próstata, hipertrofia prostática benigna, destruição excessiva de plaquetas e doenças ósseas
Fosfatase alcalina
Exame orgânico Uso de medicamentos psicotrópicos
Aumento em doença de Paget, hiperparatireoidismo, doenças hepáticas, metástases hepáticas, insuficiência cardíaca, uso de fenotiazina Redução na anemia perniciosa (deficiência de vitamina B12)
Fósforo, soro
Exame orgânico Transtorno de pânico
Aumento na insuficiência renal, acidose diabética, hipoparatireoidismo, hipervitamina D Redução na cirrose, hipocalemia, hiperparatireoidismo, ataque de pânico, síndrome de hiperventilação
Glicose, sangue em jejum
Ataques de pânico Ansiedade Delirium Depressão
Glicose muito alta associada a delirium Muito baixa, associada a delirium, agitação, ataques de pânico, ansiedade, depressão
Glutamil-transferase, soro
Consumo abusivo de álcool Exame orgânico
Aumento no consumo de álcool, cirrose, doenças do fígado
Hematócrito (Hct); hemoglobina (Hb)
Exame orgânico
Avaliação de anemia (associada a transtornos depressivos e psicóticos)
Hormônio adrenocor ticotrópico (ACTH)
Exame orgânico
Aumento em uso de esteróides; pode aumentar em convulsões, transtornos psicóticos, doença de Cushing e em resposta ao estresse Redução na doença de Addison
Hormônio da paratireóide (paratormônio)
Ansiedade Exame orgânico
Nível baixo causa hipocalcemia e ansiedade Desregulação associada a uma ampla variedade de transtornos cognitivos
Hormônio do crescimento (GH)
Depressão Esquizofrenia
Respostas moderadas a hipoglicemia induzida por insulina em pacientes depressivos; respostas elevadas ao teste com agonistas de dopamina em pacientes esquizofrênicos; aumento em alguns indivíduos com anorexia nervosa
Hormônio folículo-estimulante (FSH)
Depressão
Elevado normal na anorexia nervosa, valores altos em mulheres na pósmenopausa; níveis baixos em pacientes com pan-hipopituitarismo
Hormônio liberador de gonadotropina (GnRH)
Depressão Ansiedade Esquizofrenia
Redução na esquizofrenia; aumento na anorexia nervosa; variável na depressão, ansiedade
Hormônio luteinizante (LH)
Depressão
Baixo em pacientes com pan-hipopituitarismo; redução associada à depressão
Inalação de CO2; infusão de bicarbonato de sódio
Ansiedade
Ataques de pânico produzidos em subgrupos de pacientes
Comentários
(Continua)
EXAME CLÍNICO DO PACIENTE PSIQUIÁTRICO
303
TABELA 7.4-15 (Continuação) Exame
Principais indicações psiquiátricas
Comentários
Intoxicação por metais (pesados) (soro ou urina)
Exame orgânico
Chumbo – apatia, irritabilidade, anorexia nervosa, confusão Mercúrio – psicose, fadiga, apatia, perda de memória, instabilidade emocional, “chapeleiro maluco” Manganês – loucura do manganês, síndrome semelhante à de Parkinson Alumínio – demência Arsênico – fadiga, apagamentos, perda de cabelo
Lactato-desidrogenase (LDH)
Exame orgânico
Aumento em infarto do miocárdio, infarto pulmonar, doenças hepáticas, infarto renal, convulsões, lesões cerebrais, anemia megaloblástica (perniciosa), elevações factícias secundárias a manuseio indevido da amostra
Líquido cerebrospinal (LCS)
Exame orgânico
Aumento de proteína e células em infecções, resultado do VDRL positivo na neurossífilis, líquido com sangue em condições hemorrágicas
Magnésio, soro
Uso abusivo de álcool Exame orgânico
Redução na dependência do álcool; níveis baixos associados a agitação, delirium, convulsões
MAO, plaquetas
Depressão
Baixo na depressão
Melatonina
Transtorno do humor com padrão sazonal
Produzida pela luz e pela glândula pineal e reduzida em transtornos do humor com padrão sazonal
Mioglobina, urina
Uso de fenotiazina Uso de substâncias tóxicas Uso de imobilização
Aumento em síndrome neuroléptica maligna; em intoxicação com PCP, cocaína ou ácido lissérgico dietilamida (LSD); em pacientes imobilizados
Monitor Holter
Transtorno de pânico
Avaliação de pacientes com transtorno de pânico com palpitações e outros sintomas cardíacos
Nicotina
Ansiedade Vício em nicotina
Ansiedade, tabagismo
Nível de cafeína, soro
Ansiedade
Avaliação de pacientes com suspeita de cafeinismo
Porfobilinogênio (PBG)
Exame orgânico
Aumento em porfiria aguda
Potássio (K), soro
Exame orgânico Transtornos da alimentação
Aumento na acidose hipercalêmica; aumento associado a ansiedade em arritmias cardíacas Redução em cirrose, alcalose metabólica, uso de laxantes, uso abusivo de diuréticos; redução comum em pacientes bulímicos e no vômito psicogênico, uso de esteróides anabolizantes
Prolactina, soro
Uso de medicamentos antipsicóticos Uso de cocaína Pseudoconvulsões
Os antipsicóticos, reduzindo a dopamina, aumentam a síntese e a liberação de prolactina, sobretudo em mulheres Níveis elevados podem ser secundários à abstinência da cocaína A ausência de aumento em prolactina após uma convulsão sugere uma pseudoconvulsão
Proteína, soro total
Exame orgânico Uso de medicamentos psicotrópicos
Aumento em mieloma múltiplo, mixedema, lúpus Redução em cirrose, desnutrição, super-hidratação Baixo nível de proteínas no soro pode resultar em maior sensibilidade a doses convencionais de medicamentos que se ligam a proteínas (o lítio não tem essa propriedade)
Salicilato, soro
Transtornos psicóticos devido a uma condição médica geral com alucinações Tentativas de suicídio
Níveis tóxicos podem ser observados em tentativas de suicídio e causar transtornos psicóticos devido a uma condição médica geral com alucinações
Sódio (Na), soro
Exame orgânico
Redução com intoxicação com água; SIADH Aumento com consumo excessivo de sal; diabete Redução em hipoadrenalismo, mixedema, insuficiência cardíaca congestiva, diarréia, polidipsia, uso de carbamazepina, esteróides anabolizantes Níveis baixos associados com maior sensibilidade a doses convencionais de lítio
Taxa de sedimentação de eritrócitos
Exame orgânico
Um aumento na taxa representa um teste não-específico para doenças infecciosas, inflamatórias, auto-imunes ou malignas; às vezes recomendada na avaliação da anorexia nervosa
Tempo de protrombina (TP)
Exame orgânico
Elevado em lesões do fígado (cirrose), pacientes com lúpus anticoagulante, que pode ser encontrado em pessoas que tomam medicamentos antipsicóticos, sobretudo clorpromazina
Teste de Coombs, direto e indireto
Anemias hemolíticas secundárias a medicamentos psicotrópicos
Avaliação de anemias hemolíticas induzidas por fármacos, como as secundárias a clorpromazina, fenitoína, levodopa e metildopa
(Continua)
304
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 7.4-15 (Continuação) Principais indicações psiquiátricas
Comentários
Teste do lúpus eritematoso (LE)
Depressão Psicose Delirium Demência
Resultado positivo associado a lúpus eritematoso sistêmico, que pode se manifestar com vários transtornos psiquiátricos, como transtornos psicóticos, depressivos, delirium, demência; também avaliado com testes de anticorpos antinucleares (ANA) e anticorpos anti-DNA
Testes do funcionamento da tireóide
Exame orgânico Depressão
Detecção de hipo ou hipertireoidismo Anormalidades podem ser associadas a depressão, ansiedade, psicose, demência, delirium
Testosterona, soro
Impotência Transtorno do desejo sexual hipoativo
Aumento com uso de esteróides anabolizantes Acompanhamento de agressores sexuais tratados com medroxiprogesterona Pode ser reduzida no exame orgânico para impotência Redução pode ser observada no transtorno do desejo sexual hipoativo Reduzida com tratamento com medroxiprogesterona
Tumescência peniana noturna
Impotência
Quantificação de mudanças em relação à circunferência peniana, rigidez, freqüência de tumescência Avaliação da função erétil durante o sono Ereções associadas ao sono REM Útil para diferenciar causas orgânicas e funcionais da impotência
Ultra-som com doppler
Impotência Exame orgânico
Oclusão da carótida, ataque isquêmico passageiro, redução do fluxo sangüíneo peniano na impotência
Ultra-som da carótida
Demência
Incluído às vezes no exame para demência, especialmente para excluir demência por multiinfartos Valor primário na busca de possíveis causas de enfarto
Uréia
Delirium Uso de medicamentos psicotrópicos
Elevada em doenças renais, desidratação Elevações associadas a letargia, delirium se elevada, pode aumentar o potencial tóxico de medicamentos psiquiátricos, principalmente lítio e amantadina
Venereal Disease Research Laboratory (VDRL)
Sífilis
Positivo (titulação alta) em sífilis secundária (pode ser positivo ou negativo na sífilis primária Titulação baixa (ou negativa) na do tipo terciário
Vírus da imunodeficiência humana (HIV)
Exame orgânico
Envolvimento do SNC: demência da AIDS, mudanças de personalidade por algum problema médico geral, transtornos psicóticos agudos
Vírus de Epstein-Barr; citomegalovírus (CMV)
Exame orgânico Fadiga crônica Transtornos do humor
Parte do grupo do vírus do herpes Epstein-Barr causa mononucleose infecciosa, que pode se manifestar com depressão e mudanças de personalidade Citomegalovírus pode produzir ansiedade, confusão, transtornos do humor Epstein-Barr associado a uma síndrome semelhante à mononucleose com depressão crônica e fadiga; pode haver associação entre o vírus e o transtorno depressivo maior
Vitamina A, soro
Depressão Delirium
Hipervitaminose A associada a uma variedade de alterações no estado mental
Vitamina B12, soro
Exame orgânico Demência
Deficiência de B12 associada a psicose, paranóia, fadiga, agitação, demência, delirium Associada muitas vezes ao uso crônico de álcool
Volume corpuscular médio (volume médio de uma hemácia)
Uso abusivo de álcool
Elevado em dependência de álcool, deficiência de folato, vitamina B12
Exame
TABELA 7.4-16 Marcadores bioquímicos em psiquiatria A. Monoaminas 1. Ácido homovanílico no plasma (pHVA), um importante metabólito da dopamina, pode ter valor para identificar pacientes esquizofrênicos que respondem a antipsicóticos 2. O 3-metoxi-4-hidroxifenilglicol (MHPG) é um metabólito da noradrenalina 3. Ácido 5-hidroxi-indoleacético (5-HIAA) está associado a comportamentos suicidas, agressividade, pouco controle de impulsos e depressão; níveis elevados podem estar relacionados a comportamentos ansiosos, obsessivos e inibidos B. Doença de Alzheimer 1. Alelo da apolipoproteína E – associado a um risco maior da doença de Alzheimer; certas pessoas assintomáticas de meia-idade apresentam metabolismo da glicose reduzido na tomografia por emissão de pósitrons (PET), semelhante aos resultados de pacientes com Alzheimer
(Continua)
EXAME CLÍNICO DO PACIENTE PSIQUIÁTRICO
305
TABELA 7.4-16 (Continuação) 2. Proteínas dos filamentos neurais – aumentam em pacientes com essa condição; as proteínas dos filamentos neurais do líquido cerebrospinal são comercializadas como teste diagnóstico 3. Outros testes potenciais para o líquido cerebrospinal incluem LCS tau (aumento), LCS amilóide (redução), razão entre albumina no LCS e no soro (normal na doença de Alzheimer, elevada na demência vascular), e marcadores inflamatórios (p. ex., proteínas reativas de fase aguda no líquido cerebrospinal); acredita-se que o gene da proteína precursora de amilóide tenha uma possível relevância etiológica, mas são necessárias pesquisas mais aprofundadas
REFERÊNCIAS Anfinson TJ, Kathol RG. Screening laboratory evaluation in pychiatric patients: a review. Gen Hosp Psychiatry. 1992;14 (suppl 4):248. Belkin B, Miller NS. Agreement among laboratory tests, self-reports, and collateral reports of alcohol and drug use. Ann Clinn Psychiatry. 1922;4:33. Bowden CL, Janicak PG, Orsulak P, et al. Relation of serum valproate concentration to response in mania. Am J Psychiatry. 1996;153:765. Brower KJ, Catlin DH, Blow FC, Eliopulos GA, Beresford TP. Clinical assessment and urine testing for anabolic-androgenic steroid abuse and dependence. Am J Drug Alcohol Abuse. 1991;17:161. Davidson M, Kahn RS, Knott P, et al. Effects of neuroleptic treatment on symptoms of schizophrenia and plasma homovanillic acid concentrations. Arch Gen Psychiatry. 1991;48:910.
Dunivin DL, Foust MJ Jr. A case study from the Department of Defence Psychopharmacology Demonstration Project: mania and neuroyphilis. Profess Psychol Res Pract. 1999;30:346. Heuser I, Yassouridis A, Holsboer F. The combined dexamethasone/ CRH test: a refined laboratory test for psychiatric disorders. J Psychiatr Res. 1994;28:341. Hughes JR. A review of the usefulness of the standard EEG in psychiatry. Clin Eletroencephalogr. 1996;27:35. Mookhoek EJ, Sterrenburg CM. Annual laboratory screening for chronic hospitalized elderly psychiatry patients: habit or necessity? Int J Geriatr Psychiatry. 1996;11:477. Rosse RB, Deutsch LH, Deutsch SI. Medical assessment and laboratory testing in psychiatry. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000;2329.
8 Sinais e sintomas em psiquiatria
N
esta seção, o leitor encontrará mais de 350 termos usados para descrever os sinais e os sintomas de doenças psiquiátricas. Os psiquiatras experientes já se depararam com a maioria deles, mas é raro aquele que já viu todos. Conforme escreveu John Nemiah, “a psiquiatria é uma ciência de uma complexidade inesgotável. É tão infinita quanto a variedade de emoções e comportamentos humanos. Ninguém pode conhecê-la completamente”. Sua linguagem é precisa, o que permite que os clínicos articulem suas observações de forma confiável e segura. Isso facilita a precisão do diagnóstico, que informa o tratamento efetivo. Essa característica da linguagem psiquiátrica possibilita que psiquiatras e outros clínicos se comuniquem de maneira produtiva não apenas entre si, mas com seus pacientes. Os sinais são observações e descobertas objetivas, como os afetos constritos ou retardos psicomotores do paciente. Os sintomas são as experiências subjetivas descritas por este, expressadas muitas vezes como suas principais queixas, como humor depressivo ou falta de energia. Uma síndrome é um grupo de sinais e sintomas que, juntos, formam uma condição reconhecível, que pode ser mais ambígua do que uma doença ou um transtorno específico. Muitos dos sinais e sintomas listados a seguir podem ser compreendidos como vários pontos em um espectro de comportamentos que variam do normal ao anormal. É extremamente raro haver um sinal ou sintoma patognomônico na psiquiatria. Na medicina interna, no entanto, é mais provável de serem encontrados sinais que indiquem um transtorno específico (p. ex., o anel de Kayser-Fleischer da doença de Wilson). FENOMENOLOGIA A fenomenologia é uma escola de filosofia e psiquiatria desenvolvida por Edmund Husserl (1859-1938) e pelo psiquiatra e filósofo Karl Jaspers (1883-1969) que se concentra em sinais ou sintomas como eventos que podem ser descritos e experimentados. Os fenomenologistas tentam não julgar se um dado fenômeno, como alucinação, é anormal. Em vez disso, tentam entendê-lo pela intuição e experimentá-lo pela empatia. Escutando cuidadosamente, o psiquiatra experiencia, por um momento, a vida mental do paciente. Jaspers descreveu um “mundo pessoal” – a maneira como a pessoa sente ou pensa – que pode ser normal ou anormal. Segundo ele, é anormal quando (1) parte de uma condição universalmente reconhecida como anormal, como a esquizofrenia, (2) se-
para a pessoa emocionalmente das outras, e (3) não proporciona um sentido de segurança “material e espiritual”. Jaspers acreditava que, para obter uma compreensão total dos sinais e sintomas observados no paciente, o clínico não pode ter pressupostos. A pessoa que relata uma alucinação não deve ser julgada por isso como anormal ou psicótica. Para que possa ser considerado importante no diagnóstico, o fenômeno deve ocorrer repetidamente e ser característico de algum transtorno conhecido. TERMOS DESCRITIVOS As descrições de sinais e sintomas em psiquiatria permaneceram razoavelmente constantes ao longo dos anos. Contudo, alguns termos adquirem predileção ou são desfavorecidos. Nas várias edições do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM), por exemplo, alguns foram mantidos e outros, retirados, e há ainda aqueles termos que não são comuns ao DSM e à Classificação internacional de doenças (CID). A quarta edição do DSM (DSM-IV) eliminou o diagnóstico de transtorno mental orgânico na tentativa de indicar que todos os transtornos mentais podem ter uma base biológica ou uma causa médica. Assim, passou a ser considerado nas categorias de “transtorno de delirium, demência e amnésticos e outros transtornos cognitivos”. Todavia, a décima revisão da Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-10) mantém a categoria diagnóstica de transtornos mentais orgânicos para se referir a essas condições. Em mais uma tentativa de enfatizar os aspectos biológicos das doenças mentais, o DSM-IV e o seu texto revisado (DSMIV-TR) evitam o termo psicogênico. Entretanto, o mesmo ainda aparece na CID-10 para se referir ao fato de que os eventos e as dificuldades da vida desempenham um papel importante na gênese de muitos transtornos psiquiátricos. De maneira semelhante, o DSM eliminou o termo neurose, que também é usado na CID-10. Contudo, ambos os termos – orgânico e neurose – permanecem no vocabulário comum dos profissionais da saúde. Neurose Trata-se de um transtorno não-psicótico crônico ou recorrente que se caracteriza principalmente por ansiedade, a qual é experimentada ou expressada diretamente ou alterada por mecanismos
SINAIS E
SINTOMAS EM PSIQUIATRIA
307
TABELA 8.1 Índice de sinais e sintomas de doenças psiquiátricas. (Esta tabela lista, em ordem alfabética, os fenômenos mentais e os sinais e sintomas das doenças psiquiátricas discutidas neste capítulo. Os números e as letras na coluna à direita referem-se ao lugar no capítulo onde cada item é definido.) Ab-reação Abulia Acalculia Acatexe Acatisia Acinesia Acrofobia Aculalia Adiadocoquinesia Adinâmico Afasia amnéstica Afasia de Broca Afasia de jargão Afasia de Wernicke Afasia expressiva Afasia fluente Afasia global Afasia motora Afasia não-fluente Afasia nominal Afasia receptiva Afasia sensorial Afasia sintática Afeto adequado Afeto constrito Afeto embotado Afeto inadequado Afeto instável Afeto plano Afeto restrito Afeto Afrouxamento de associações Agitação psicomotora Agitação Agnosia visual Agnosia Agorafobia Agrafia Agressividade Ailurofobia Alexia Alexitimia Algofobia Alogia Alucinação auditiva Alucinação cinestésica Alucinação congruente com o humor Alucinação de comando Alucinação de liliputiana Alucinação gustativa Alucinação háptica Alucinação hipnagógica Alucinação hipnopômpica Alucinação incongruente com o humor Alucinação olfativa Alucinação somática Alucinação tátil (háptica) Alucinação visual Alucinação Alucinose Ambivalência Amimia Amnésia anterógrada Amnésia retrógrada Amnésia Anedonia Anergia Anestesia histérica
II, C, 9 III, 15 VIII, B, 1 II, C, 14 III, 10e III, 2g IV, C, 11c V, A, 11 VI, B, 9 II, D, 12 V, B, 3 V, B, 1 V, B, 5 V, B, 2 V, B, 1 V, B, 2 V, B, 6 V, B, 1 V, B, 1 V, B, 3 V, B, 2 V, B, 2 V, B, 4 II, A, 1 II, A, 4 II, A, 3 II, A, 2 II, A, 6 II, A, 5 II, A, 4 II, A IV, B, 11 III, 10a II, C, 4 VI, B, 4 VI, B, 1 IV, C, 11d VIII, B, 2 III,13 IV, C, 11f VIII, B, 3 II, B, 12 IV, C, 11e V, B, 7 VI, A, 1c VI, A, 1h VI, A, 1j VI, A, 1o VI, A, 1i VI, A, 1f VI, A, 1g VI, A, 1a VI, A, 1b VI, A, 1k VI, A, 1e VI, A, 1h VI, A, lg VI, A, 1d VI, A, 1 VI, A, 1l II, C, 8 III, 27 VII, A, 1a VII, A, 1b VII, A, 1 II, B, 10 III,16 VI, C, 1
Anomia Anorexia Anosognosia Ansiedade flutuante Ansiedade Apagamento Apatia Apercepção Apraxia Associação por assonância Astasia-abasia Astereognose Ataque Ataxia Atenção Ato falho Atuação Aura Automatismo de comando Automatismo Autotopagnosia Bloqueio Bradicinesia Bradilalia Bulimia Catalepsia Cataplexia Catatonia Catexe Cerea flexibilitas (flexibilidade cérea) Circunstancialidade Ciúme delirante Ciúme patológico Claustrofobia Cleptomania Coma vigil Coma Complexo de Clérambault-Kandinsky Comportamento motor (conação) Compulsão Conação Condensação Confabulação Confusão Consciência Controle de impulsos Controle do pensamento Convulsão clônica Convulsão parcial complexa Convulsão parcial simples Convulsão tônico-clônica generalizada Convulsão Convulsões tônicas Coprofagia Coprofrasia Coprolalia Coréia Crepuscular Criptolalia Culpa Decatexe Déjà entendu Déjà pensé Déjà vu Delírio congruente com o humor Delírio de auto-acusação Delírio de controle Delírio de grandeza
V, B, 3 II, D, 1 VI, B, 2 II, C, 2 II, C, 1 VII, A, 8 II, C, 7 I VI, B, 7 IV, B, 14 III, 17 VI, B, 4 III, 25 III, 10g I, B IV III,14 VI, B, 10 III, 8 III, 7 VI, B, 2 IV, B, 15 III, 22 V, A, 12 II, D, 11 III, 2a III, 4 III, 2 II, C, 14 III, 21 IV, B, 3 IV, C, 3k IV, C, 3k IV, C, 11i III, 10f, ii I, A, 6 I, A, 5 IV, C, 3l III IV, C, 9; III, 10f III IV, B, 9 VII, A, 2c I, A, 10 I II, C, 12 IV, C, 3j, iv III, 24a III, 25, c III, 25b III, 25, a III, 24 III, 24, b III, 18 V, B, 8 IV, C, 10 III, 23 I, A, 12 IV, B, 16 II, C, 11 II, C, 15 VII, A, 2e VII, A, 2f VII, A, 2d IV, C, 3c IV, C, 3i IV, C, 3j IV, C, 3h, ii
(Continua)
308
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 8.1 (Continuação) Delírio de infidelidade Delírio de perseguição Delírio de pobreza Delírio de referência Delírio incongruente com o humor Delírio niilista Delírio sistematizado Delírio somático Delírio Delírios bizarros Delírios paranóides Delirium tremens Delirium Demência Depressão Dereísmo Derrealização Desatenção seletiva Descarrilamento Desinibição Desorientação Despersonalização Dipsomania Disartria Discalculia Discinesia Disforia Disgrafia Disprosódia Dissociação Distonia Distração Distúrbios associados a transtornos cognitivos Distúrbios fisiológicos associados ao humor Ecolalia Ecopraxia Egomania Elação Emoção Eritrofobia Erotomania Estado crepuscular Estado onírico Estereotipia Estupor catatônico Estupor Euforia Excitação catatônica Êxtase Fadiga Fala excessivamente alta ou baixa Falsa memória Falsificação retrospectiva Falso reconhecimento Fenômenos de conversão Fenômenos de trilhas Flexibilidade cérea Flocilação Fobia a agulhas Fobia a injeção Fobia social Fobia Fobias específicas Folie à deux (folie à trois) Formigamento Fuga de idéias Fuga Glossolalia Hiperatividade (hipercinese)
IV, C, 3k IV, C, 3h, i IV, C, 3f IV, C, 3h, iii IV, C, 3d IV, C, 3e IV, C, 3b IV, C, 3g IV, C, 3 IV, C, 3a IV, C, 3h VI, A, 1I I, A,4 VIII, B II, B, 9 IV, A, 6 VI, C, 5 I, B, 2 IV, B, 12 I, B, 5 I, A, 1 VI, C, 4 III, 10f, i V, A, 7 VIII, B, 1 III, 19 V, A, 13 VIII, B, 2 V, A, 6 VI, C, 8 III, 26 I, B, 1 VI, B II, D IV, B, 8 III, 1 IV, C, 5 II, B, 14 II IV, C, 11g IV, C, 31 I, A, 7 I, A, 8 III, 5 III, 2c I, A, 3; III, 2c II, B, 7 III, 2b II, B, 8 II, D, 8 V, A, 8 VII, A, 2h VII, A, 2b VII, A, 2a VI, C VI, A, 1n III, 2f III, 10j IV, C, 111 IV, C, 11l IV, C, 11b IV, C, 11 IV, C, 11a I, C, 1 VI, A, 1g IV, B, 13 VI, C, 6 IV, B, 16 III, 10b
Hiperfagia Hipermnésia Hiperpragia Hipersonia Hipervigilância Hipnose Hipoatividade (hipocinese) Hipocondria Hipomania Humor Humor disfórico Humor elevado Humor eutímico Humor expansivo Humor instável Humor irritável Ideação paranóide Ideação suicida Idéias de referência Idéias supervalorizadas Ilusão Imagem eidética Incoerência Inefabilidade Inserção de pensamentos Insight comprometido Insight emocional Insight intelectual Insight verdadeiro Insight Insônia inicial Insônia intermediária Insônia terminal Insônia Inteligência Irradiação do pensamento Irritabilidade Jamais vu Juízo automático Juízo comprometido La belle indifférence Letológica Libido acentuada Libido reduzida Logorréia Luto Macropsia Maneirismo Mania Medo Melancolia Membro fantasma Memória do passado recente Memória imediata Memória recente Memória remota Memória seletiva Memória Micropsia Mímica Monomania Mutismo acinético Mutismo Negativismo Neologismo Ninfomania Noese Obediência automática Obsessão
II, D, 2 VII, A, 3 I, B,3 II, D, 4 I, B, 3 I, C, 2 III, 11 IV, C, 7 II, B, 15 II, B II, B, 1 II, B, 6 II, B, 2 II, B, 3 II, B, 5 II, B, 4 IV, C, 3h II, B, 13 IV, C, 3h, iii IV, C, 2 VI, A, 2 VII, A, 4 IV, B, 5 II, C, 13 IV, C, 3j, ii IX, C IV, A, 10 IX, A IX, B IX II, D, 3a II, D, 3b II, D, 3c II, D, 3 VIII IV, C, 3j, iii II, C, 4 VII, A, 2g X, B X, C II, B, 18 VII, A, 7 II, D, 6 II, D, 6 V, A, 2 II, B, 11 VI, C, 2 III, 6 II, B, 16 II, C, 3 II, C, 13 VI, A, 1g VII, B, 3 VII, B, 1 VII, B, 2 VII, B, 4 VII, A, 5 VII VI, C, 3 III, 12 IV, C, 6 I, A, 6 III, 9 III, 3 IV, B, 1 III, 10f, iii IV, C, 12 III, 8 IV, C, 8
(Continua)
SINAIS E
SINTOMAS EM PSIQUIATRIA
309
TABELA 8.1 (Continuação) Obstipação Orientação Panfobia Pânico Paramnésia Parapraxia Pensamento Pensamento abstrato Pensamento autista Pensamento concreto Pensamento de processo primário Pensamento ilógico Pensamento mágico Percepção Perseveração Personalidade múltipla Pica Pobreza da fala Pobreza do conteúdo da fala Polifagia Postura catatônica Posturas Preocupação de pensamento Pressão da fala Prosopagnosia Pseudociese Pseudodemência Pseudologia fantástica Psicose Repressão Resposta irrelevante Retardo mental Rigidez catatônica Rigidez muscular Rigidez Ritual Rodopio Roubo do pensamento Roubo do pensamento Ruminação Salada de palavras Satiríase Sensório
II, D, 7 VII IV, C, 11h II, C, 6 VII, A, 2 IV IV IV IV, A, 7 VIII, D IV, A, 9 IV, A, 5 IV, A, 8 VI IV, B, 6 VI, C, 7 II, D, 9 V, A, 3 V, A, 5 III, 10h III, 2e III, 2e IV, C, 4 V, A, 1 VI, B, 6 II, D, 10 VIII, C IV, C, 3m IV, A, 2 VII, A, 6 IV, B, 10 VIII, A III, 2d III, 20 III, 2d III, 10f, vi III, 21 IV, B, 15 IV, C, 3j, i IV, C, 8 IV, B, 2 III, 10f, iv I
de defesa. Ela aparece como um sintoma, como uma obsessão, uma compulsão, uma fobia ou uma disfunção sexual. Na terceira edição do DSM (DSM-III), um transtorno neurótico era definido da seguinte maneira: Um transtorno mental no qual a perturbação predominante é um sintoma ou grupo de sintomas perturbador para o indivíduo e que ele reconhece como inaceitável e estranho (egodistônico); o teste da realidade está totalmente intacto. O comportamento não infringe as regras sociais (embora possa ser bastante debilitante). A perturbação é relativamente duradoura ou recorrente sem tratamento, e não se limita a uma reação transitória a estressores. Não há uma etiologia ou fator orgânico demonstrável.
O termo neurose abrange uma ampla variedade de transtornos, com sinais e sintomas variados. Dessa forma, perdeu a preci-
Simultagnosia Sinais vegetativos Síndrome da depressão da demência Síndrome de Munchausen Sinestesia Somatopagnosia Sonambulismo Sonambulismo Sonolência Tangencialidade Tartamudez Tartamudez Tendência de pensamento Tensão Teste da realidade Tiques Torpor Transe Transtorno dissociativo de identidade Transtorno do pensamento formal Transtorno mental Transtornos afásicos Transtornos associados a fenômenos de conversão e dissociativos Transtornos da atenção Transtornos da consciência Transtornos da fala Transtornos da memória Transtornos em sugestibilidade Transtornos específicos na forma do pensamento Transtornos na forma do pensamento Transtornos no conteúdo do pensamento Tremor Tricotilomania Turvação da consciência Unio mystica Variação diurna Variações de humor Verbigeração Vergonha Volubilidade Xenofobia Zoofobia
VI, B, 8 II, D VIII, C IV, C, 3m VI, A, 1m VI, B, 3 III, 10d III, 10d I, A, 9 IV, B, 4 V, A, 10 V, A, 9 IV, C, 4 II, C, 5 IV, A, 3 III, 10C I, A, 10 I, B, 4 VI, C, 7 IV, A, 4 IV, A, 1 V, B VI, C I, B I, A V, A VII, A I, C IV, B IV, A IV, C III, 10i III, 10f, v I, A, 2 IV, C, 13 II, D, 5 II, B, 5 IV, B, 7 II, C, 10 V, A, 2 IV, C, 11j IV, C, 11k
são, exceto para significar que o teste da realidade e a organização da personalidade estão intactos. Todavia, uma neurose pode ser e normalmente é suficiente para limitar o funcionamento do indivíduo em diversas áreas. O termo permanece útil, em especial quando comparado ao termo psicose, descrito a seguir, que ainda é usado no DSM-IV-TR. Psicose O significado tradicional do termo psicótico enfatizava a perda da capacidade de teste de realidade e limitações no funcionamento mental – manifestadas por delírios, alucinações, confusão e perda de memória. No uso psiquiátrico mais comum, psicótico tornou-se sinônimo de limitações graves no funcionamento social e pessoal, caracterizadas por retraimento social e incapacidade de
310
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
cumprir com papéis domésticos e ocupacionais comuns. Outro uso para ele – a partir de conceitos psicanalíticos – especifica o grau de regressão do ego como critério para a doença psicótica. Como conseqüência desses significados múltiplos, o termo perdeu a sua precisão na prática e na pesquisa clínicas atuais. Segundo o American Psychiatric Glossary, da American Psychiatric Association, psicótico significa uma limitação ampla no teste da realidade. O termo pode ser usado para descrever o comportamento de uma pessoa em um dado momento ou um transtorno mental no qual, em algum momento de seu curso, é responsável por uma limitação ampla no teste da realidade. Devido a essa limitação, as pessoas avaliam de forma incorreta a exatidão de suas percepções e pensamentos e fazem inferências equivocadas sobre a realidade externa, mesmo diante de evidências contrárias. O termo psicótico não se aplica a pequenas distorções da realidade que envolvam raciocínio relativo. Por exemplo, pessoas depressivas que subestimam suas realizações não são descritas como psicóticas, ao contrário daquelas que acreditam que causaram catástrofes naturais. Classificação Os pacientes são mais do que simples conjuntos de sinais e sintomas. A tendência de reunir sintomas e seus possíveis efeitos desumanizadores foi descrita por Karl Menninger há mais de 35 anos. Como se antecipasse o mecanismo matemático usado atualmente no DSM-IV, escreveu: “Se o paciente tem, digamos, cinco sintomas, pode-se analisar cada um deles e encontrar a doença caracterizada por eles nas cinco categorias. E voilà! O diagnóstico!”. Ele sugeriu que a tendência de tabular estados de doença é antitética para o entendimento da pessoa que experimentava a doença e minimiza a abordagem compassiva para com o paciente, que é a marca da psiquiatria. Algoritmos e árvores de decisão usados no DSM-IV-TR e nos diversos programas de computador que registram sinais e sintomas para fazer o diagnóstico são úteis, mas não se deve esquecer a nota de precaução de Menninger. A descrição dos sinais e sintomas é a ciência da psiquiatria, enquanto a habilidade dos observadores, suas imaginações criativas e sua capacidade de ter empatia é a arte. A relação apresentada a seguir é uma lista abrangente de sinais e sintomas que têm uma definição ou descrição. Conforme mencionado, a maioria deles baseia-se no comportamento normal e pode ser compreendida como diversos pontos em um espectro de comportamento que varia do normal ao patológico. A Tabela 8-1 apresenta uma lista em ordem alfabética dos fenômenos mentais e dos sinais e sintomas de doenças psiquiátricas apresentados no capítulo. Os números e as letras na coluna à direita referem-se ao lugar no capítulo onde cada item é definido. I.
Consciência: estado de consciência A. Transtornos da consciência: a apercepção é a percepção modificada pelas emoções e pelos pensamentos; o sensório é o estado de funcionamento cognitivo dos sentidos especiais (usado às vezes como sinônimo de consciência); os transtornos da consciência costumam estar associados a patologias cerebrais.
B.
C.
1. Desorientação: transtorno da orientação para tempo, local ou pessoa. 2. Perturbação da consciência: clareza mental incompleta com transtornos da percepção e de atitudes. 3. Estupor: falta de reação e de consciência do próprio entorno. 4. Delirium: reação de espanto, agitação, confusão e desorientação associada a medo e alucinações. 5. Coma: falta de consciência profunda. 6. Coma vigil: coma no qual o paciente parece estar acordado e com os olhos abertos, mas não pode ser estimulado (também conhecido como mutismo acinético). 7. Estado crepuscular: consciência perturbada por alucinações. 8. Estado onírico: normalmente usado como sinônimo de convulsão parcial complexa ou epilepsia psicomotora. 9. Sonolência: torpor anormal. 10. Confusão: transtorno da consciência no qual as reações aos estímulos ambientais são inadequadas. Manifestado por orientação desordenada em relação a tempo, lugar ou pessoa. 11. Torpor: estado de consciência limitada associado a desejo ou inclinação para dormir. 12. Crepuscular: síndrome de pessoas idosas que normalmente ocorre à noite e se caracteriza por torpor, confusão, ataxia e quedas como resultado de sedação exagerada por medicamentos. Também chamada de síndrome crepuscular. Transtornos da atenção: a atenção é a quantidade de esforço exercido para se concentrar em determinadas partes de uma experiência; capacidade de manter o foco em uma atividade e de se concentrar. 1. Distração: incapacidade de concentrar a atenção; estado em que a atenção é desviada para estímulos externos sem importância ou irrelevantes. 2. Atenção seletiva: bloquear apenas as coisas que geram ansiedade. 3. Hipervigilância: atenção e foco excessivos em todos os estímulos internos e externos, normalmente secundária a estados delirantes ou paranóides; semelhante a hiperpragia, pensamentos e atividade mental excessivos. 4. Transe: atenção concentrada e consciência alterada, em geral vista na hipnose, em transtornos dissociativos e em experiências de êxtase religioso. 5. Desinibição: remoção de um efeito inibitório que permite que as pessoas percam o controle dos impulsos, como ocorre na intoxicação por álcool. Transtornos em sugestionabilidade: resposta obediente e acrítica a uma idéia ou influência. 1. Folie à deux (ou folie à trois): doença emocional compartilhada por duas (ou três) pessoas. 2. Hipnose: modificação da consciência induzida artificialmente, caracterizada por sugestionabilidade elevada.
SINAIS E
II.
Emoção: estado complexo de sentimentos, com componentes psíquicos, somáticos e comportamentais, relacionado ao afeto e ao humor. A. Afeto: expressão observada de emoção, possivelmente incongruente com sua descrição feita pelo paciente. 1. Afeto adequado: condição em que o tom emocional está em harmonia com as idéias, os pensamentos ou os discursos que o acompanham; também descrito como afeto amplo ou total, em que uma ampla variedade de emoções é expressada de maneira apropriada. 2. Afeto inadequado: desarmonia entre o tom emocional e a idéia, o pensamento ou o discurso que o acompanham. 3. Afeto embotado: transtorno do afeto manifestado por uma redução grave na intensidade do tom sentimental externalizado. 4. Afeto restrito ou constrito: redução em intensidade ou tom sentimental, menos grave do que o afeto embotado, mas claramente reduzido. 5. Afeto plano: ausência ou quase ausência de quaisquer sinais de expressão afetiva; voz monótona, rosto imóvel. 6. Afeto instável: mudanças rápidas e abruptas no tom sentimental emocional, sem relação com estímulos externos. B. Humor: emoção global e prolongada que o paciente experimenta e relata de maneira subjetiva e que é observada por outras pessoas; exemplos incluem depressão, entusiasmo e raiva. 1. Humor disfórico: humor desagradável. 2. Humor eutímico: variação normal do humor, implicando ausência de humor elevado ou depressivo. 3. Humor expansivo: expressão de sentimentos sem limitações, freqüentemente com superestimação de seu significado ou importância. 4. Humor irritável: estado em que a pessoa é facilmente incomodada ou provocada até sentir raiva. 5. Flutuações do humor (humor instável): oscilações entre euforia e depressão ou ansiedade. 6. Humor elevado: ar de confiança e prazer; humor mais alegre do que o usual. 7. Euforia: intenso entusiasmo com sentimentos de grandiosidade. 8. Êxtase: sentimento de arrebatamento intenso. 9. Depressão: sentimento psicopatológico de tristeza. 10. Anedonia: perda de interesse e retraimento de todas as atividades regulares e prazerosas, muitas vezes associada à depressão. 11. Luto: tristeza apropriada para uma perda real. 12. Alexitimia: incapacidade ou dificuldade de descrever ou ter consciência de emoções ou humores. 13. Ideação suicida: pensamentos ou o ato de tirar a própria vida.
SINTOMAS EM PSIQUIATRIA
311
14. Júbilo: sentimentos de alegria, euforia, triunfo, satisfação pessoal intensa ou otimismo. 15. Hipomania: anormalidade do humor com características qualitativas de mania, mas um pouco menos intenso. 16. Mania: estado de humor caracterizado por êxtase, agitação, hiperatividade, hipersexualidade e pensamento e fala acelerados. 17. Melancolia: estado depressivo grave; usado no termo melancolia abúlica, tanto de maneira descritiva, quanto em referência a uma entidade diagnóstica distinta. 18. La belle indifférence: atitude inadequada de calma ou falta de preocupação com a própria deficiência. C. Outras emoções 1. Ansiedade: sentimento de apreensão causado por antecipação de perigo, que pode ser interno ou externo. 2. Ansiedade flutuante: medo global e sem foco, desconectado de qualquer idéia. 3. Medo: ansiedade causada por perigo conscientemente reconhecido e realista. 4. Agitação: ansiedade grave associada à inquietação motora; semelhante à irritabilidade caracterizada por excitabilidade excessiva, com raiva ou irritação desencadeadas facilmente. 5. Tensão: atividade motora e psicológica acentuada e desagradável. 6. Pânico: ataque de ansiedade agudo, episódico e intenso associado a sentimentos avassaladores de medo e descarga do sistema nervoso autônomo. 7. Apatia: tom emocional embotado associado ao desapego ou à indiferença. 8. Ambivalência: coexistência de dois impulsos opositores em relação à mesma coisa, na mesma pessoa e ao mesmo tempo. 9. Ab-reação: liberação ou descarga emocional após lembrar uma experiência dolorosa. 10. Vergonha: incapacidade de cumprir com expectativas para consigo mesmo. 11. Culpa: emoção secundária a fazer algo percebido como errado. 12. Controle de impulsos: capacidade de resistir a impulso, motivação ou tentação para realizar uma ação. 13. Inefabilidade: estado de êxtase em que os estados pessoais são indescritíveis, inexpressáveis e impossíveis de transmitir a outra pessoa. 14. Acatexe: falta de sentimentos associados a um objeto com carga emocional normal; na catexe, o sentimento está conectado. 15. Decatexe: dissociar emoções de pensamentos, idéias ou pessoas. D. Distúrbios fisiológicos associados ao humor: sinais de disfunção somáticas (normalmente autônoma), muitas vezes associados à depressão (também chamados sinais vegetativos).
312
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
1. Anorexia: perda ou redução do apetite. 2. Hiperfagia: aumento do consumo de alimentos. 3. Insônia: falta ou redução da capacidade de dormir. a. Inicial: dificuldade para conciliar o sono. b. Intermediária: dificuldade para manter o sono a noite toda sem acordar e dificuldade para voltar a dormir. c. Terminal: despertar na madrugada. 4. Hipersonia: sono excessivo. 5. Variação diurna: em geral, o humor é pior pela manhã, logo após acordar, e melhora à medida que o dia avança. 6. Libido reduzida: menor interesse, impulso e desempenho sexual (libido aumentada costuma ser associada a estados maníacos). 7. Obstipação: incapacidade ou dificuldade para defecar. 8. Fadiga: sentimento de cansaço, sonolência ou irritabilidade após período de atividade mental ou corporal. 9. Pica: vontade e ato de comer substâncias não-alimentares, como tinta e argila. 10. Pseudociese: condição rara em que a paciente tem os sinais e os sintomas da gravidez, como distensão abdominal, aumento dos seios, pigmentação, cessação das regras e enjôos matinais. 11. Bulimia: fome insaciável e ato de comer com voracidade; vista na bulimia nervosa e na depressão atípica. 12. Adinamia: fraqueza e fadiga. III. Comportamento motor (conação): aspecto da psique que inclui impulsos, motivações, desejos, instintos e vontades, conforme expressados pelo comportamento ou pela atividade motora do indivíduo. 1. Ecopraxia: imitação patológica de movimentos de outra pessoa. 2. Catatonia e anormalidades posturais: vistas na esquizofrenia catatônica e em alguns pacientes com doenças cerebrais, como encefalite. a. Catalepsia: termo geral para uma posição imóvel, mantida constantemente. b. Excitação catatônica: atividade motora agitada e despropositada. Não sofre influência de estímulos externos. c. Estupor catatônico: atividade motora notavelmente reduzida, muitas vezes a ponto de ter imobilidade e desconhecimento do entorno. d. Rigidez catatônica: postura rígida voluntária, mantida contra todas e quaisquer tentativas de ser movido. e. Postura catatônica: postura inadequada ou bizarra voluntária, em geral mantida por longos períodos. f. Cerea flexibilitas (flexibilidade cérea): condição em que a pessoa pode ser moldada e depois mantida em uma posição; quando o examinador move um de seus membros, este parece ser feito de cera.
g.
3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10.
Acinesia: falta de movimento físico, como na imobilidade extrema da esquizofrenia catatônica; também pode ocorrer como efeito extrapiramidal adverso de medicação antipsicótica. Negativismo: resistência despropositada a todas as tentativas de ser movido ou a quaisquer instruções. Cataplexia: perda temporária do tônus muscular e fraqueza precipitada por uma variedade de estados emocionais. Estereotipia: padrão receptivo fixo de ação física ou fala. Maneirismo: movimento involuntário habitual e arraigado. Automatismo: ato ou atos automáticos, geralmente representando atividades simbólicas inconscientes. Automatismo de comando: automatismo seguido de sugestões (também denominado obediência automática). Mutismo: mudez sem anormalidades estruturais. Atividade exagerada. a. Agitação psicomotora: atividade motora e cognitiva excessiva, em grande parte improdutiva e decorrente de tensões internas. b. Hiperatividade (hipercinese): inquietação, agressividade, atividade destrutiva, muitas vezes associada a uma patologia cerebral subjacente. c. Tiques: movimentos motores espasmódicos e involuntários. d. Andar dormindo (sonambulismo): atividade motora durante o sono. e. Acatisia: sentimento subjetivo de tensão muscular secundário a medicamentos antipsicóticos ou outros, que pode fazer com que o indivíduo fique inquieto, caminhe, se sente e se levante repetidamente; pode ser confundida com agitação psicótica. f. Compulsão: impulso incontrolável para realizar um ato repetidamente. i. Dipsomania: compulsão para ingerir bebidas alcoólicas. ii. Cleptomania: compulsão para roubar. iii. Ninfomania: necessidade excessiva e compulsiva de sexo sentida pela mulher. iv. Satiríase: necessidade excessiva e compulsiva de sexo sentida pelo homem. v. Tricotilomania: compulsão para arrancar fios de cabelo. vi. Ritual: atividade compulsiva automática, reduzindo a ansiedade. g. Ataxia: ausência de coordenação muscular; irregularidade da ação dos músculos. h. Polifagia: hiperfagia patológica. i. Tremor: alteração rítmica no movimento, normalmente mais rápida do que uma batida por segundo; na maioria dos casos, os tremores diminuem durante períodos de relaxamento e sono e aumentam em períodos de raiva e maior tensão. j. Flocilação: beliscar as vestes ou a roupa de cama sem objetivo, comum no delirium.
SINAIS E
11. Hipoatividade (hipocinese): menor atividade motora e cognitiva, como no retardo psicomotor; redução visível no pensamento, na fala e nos movimentos. 12. Mímica: simples atividade motora imitativa da infância. 13. Agressão: ação forçosa e direcionada para um objetivo, que pode ser física ou verbal: o correlato motor dos afetos de raiva, ira ou hostilidade. 14. Atuação: expressão direta de um desejo inconsciente ou impulso em uma ação; expressar fantasias inconscientes de forma impulsiva no comportamento. 15. Abulia: impulso reduzido para agir e pensar, associado à indiferença quanto às conseqüências das ações; resultado de déficits neurológicos. 16. Anergia: falta de energia. 17. Astasia-abasia: incapacidade de ficar de pé ou caminhar de maneira normal, mesmo que os movimentos das pernas possam ser realizados na posição sentada ou deitada. O andar é bizarro e não sugere uma lesão orgânica específica; vista no transtorno conversivo. 18. Coprofagia: comer sujeira ou fezes. 19. Discinesia: dificuldade para realizar movimentos voluntários, como em transtornos extrapiramidais. 20. Rigidez muscular: estado em que os músculos permanecem imóveis; vista na esquizofrenia. 21. Rodopio: um sinal presente em crianças autistas, as quais giram continuamente na direção para a qual sua cabeça está voltada. 22. Bradicinesia: atividade motora lenta com movimentos espontâneos e normais reduzidos. 23. Coréia: movimentos rápidos, espasmódicos e despropositados aleatórios e involuntários. 24. Convulsão: contração ou espasmo muscular violento e involuntário. a. Convulsão clônica: convulsão na qual os músculos relaxam e se contraem alternadamente. b. Convulsão tônica: convulsão na qual a contração muscular é mantida. 25. Ataque: acesso ou início repentino de certos sintomas, como convulsões, perda de consciência e transtornos psíquicos e sensoriais; visto na epilepsia; pode ser induzido por substâncias. a. Ataque tônico-clônico generalizado: início generalizado de movimentos tônico-clônicos dos membros, mordidas na língua e incontinência, seguido por recuperação lenta e gradual da consciência e da cognição; também chamado ataque grande mal e ataque psicomotor. b. Ataque parcial simples: ataque com início ictal localizado sem alteração da consciência. c. Ataque parcial complexo: ataque com início ictal localizado com alteração da consciência. 26. Distonia: contrações lentas e prolongadas do tronco ou dos membros; vista na distonia induzida por medicamentos. 27. Amimia: incapacidade de fazer gestos ou de compreender aqueles feitos por outras pessoas. IV. Pensamento. Fluxo de idéias, símbolos e associações direcionado para um objetivo e iniciado por um problema ou
SINTOMAS EM PSIQUIATRIA
313
tarefa, que leva a uma conclusão orientada para a realidade; quando há uma seqüência lógica, o pensamento é normal; a parapraxias (lapso inconsciente da lógica, também chamado ato falho) é considerada parte do pensamento normal. O pensamento abstrato é a capacidade de entender o essencial como um todo, de decompor o todo em suas partes e de discernir propriedades comuns. A. Transtornos gerais na forma ou no processo do pensamento 1. Transtorno mental: síndrome psicológica ou comportamento clinicamente significativo associado a perturbações ou deficiências, não apenas uma resposta esperada a determinado evento ou limitada a relações entre o indivíduo e a sociedade. 2. Psicose: incapacidade de distinguir a realidade da fantasia; teste da realidade limitado, com a criação de uma nova realidade (em oposição à neurose: transtorno mental no qual o teste da realidade está intacto; o comportamento pode não violar as normas sociais, mas é relativamente duradouro ou recorrente se não houver tratamento). 3. Teste da realidade: avaliação e apreciação objetiva do mundo fora do self. 4. Transtorno do pensamento formal: alteração na forma do pensamento, não no seu conteúdo; pensamento caracterizado por associações frouxas, neologismos e construtos ilógicos; o processo de pensamento é desordenado, e a pessoa é definida como psicótica. 5. Pensamento ilógico: pensamento que contém conclusões errôneas ou contradições internas; psicopatológico somente quando acentuado; não é causado por valores culturais ou déficits intelectuais. 6. Dereísmo: atividade mental discordante da lógica ou da experiência. 7. Pensamento autista: preocupação com o mundo interior e privado; termo usado de forma um tanto semelhante a dereísmo. 8. Pensamento mágico: forma de pensamento dereístico; pensamento semelhante ao da fase pré-operacional em crianças (Jean Piaget), na qual pensamentos, palavras ou ações assumem poder (p. ex., de causar ou prevenir eventos). 9. Pensamento de processo primário: termo geral para o pensamento que não é dereístico, ilógico, mágico; normalmente encontrado em sonhos, e de forma anormal na psicose. 10. Insight emocional: nível profundo de entendimento ou consciência que pode levar a mudanças positivas na personalidade e no comportamento. B. Transtornos específicos na forma do pensamento 1. Neologismo: palavra criada pelo paciente, muitas vezes combinando sílabas de outras palavras, por razões psicológicas idiossincráticas. 2. Salada de palavras: mistura incoerente de palavras e frases.
314
C.
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
3. Circunstancialidade: discurso indireto que demora para chegar à questão, mas que, por fim, acaba chegando ao objetivo desejado; caracterizado pela inclusão exagerada de detalhes e comentários parentéticos. 4. Tangencialidade: incapacidade de ter associações de pensamentos direcionadas para objetivos; o falante nunca chega ao objetivo desejado. 5. Incoerência: pensamento que não costuma ser compreensível; agrupamento de palavras ou pensamentos sem conexão lógica ou gramatical, resultando em desorganização. 6. Perseverança: resposta persistente a um estímulo anterior após um novo estímulo ter sido apresentado: em geral associada a transtornos cognitivos. 7. Verbigeração: repetição sem sentido de palavras ou expressões específicas. 8. Ecolalia: repetição patológica de palavras ou expressões de outra pessoa; tende a ser repetitiva e persistente; pode ser falada com entonação de zombaria ou staccato. 9. Condensação: fusão de vários conceitos em um só. 10. Resposta irrelevante: resposta que não está em harmonia com a questão feita (a pessoa parece ignorar ou não prestar atenção ao que foi perguntado). 11. Afrouxamento de associações: fluxo de pensamento em que as idéias mudam de um objeto para outro de maneira completamente desconexa; quando grave, a fala pode ser incoerente. 12. Descarrilamento: desvio gradual ou repentino do fluxo de pensamento; usado às vezes como sinônimo de afrouxamento de associações. 13. Fuga de idéias: verbalizações e trocadilhos rápidos e contínuos que produzem mudança constante de uma idéia para outra; as idéias tendem a ser conectadas e, mesmo na forma mais grave, o ouvinte pode chegar a acompanhá-las. 14. Associações por assonância: associações de palavras semelhantes em som, mas não em significado; as palavras não têm conexão lógica; podem incluir rimas e trocadilhos. 15. Bloqueio: interrupção abrupta no fluxo de pensamento antes que o pensamento ou idéia termine; após uma breve pausa, a pessoa indica não recordar o que estava dizendo ou o que ia dizer (também conhecido como privação do pensamento). 16. Glossolalia: expressão de uma mensagem reveladora por meio de palavras ininteligíveis (também conhecida como falar em línguas); não é considerada um transtorno do pensamento se estiver associado a práticas de religiões específicas; também conhecida como criptolalia, uma língua própria. Transtornos específicos no conteúdo do pensamento 1. Pobreza de conteúdo: pensamento que transmite pouca informação por sua imprecisão, repetições vazias ou frases obscuras.
2. 3.
Idéia supervalorizada: crença falsa irracional, mantida com menos firmeza do que um delírio. Delírio: crença falsa, baseada em inferências incorretas sobre a realidade externa, incongruente com a inteligência e a base cultural do paciente; não pode ser corrigida com o raciocínio. a. Delírio bizarro: a crença falsa, estranha, absurda e totalmente implausível (p. ex., invasores do espaço implantaram eletrodos no cérebro de alguém). b. Delírio sistematizado: crença ou crenças falsas unidas por um único evento ou tema (p. ex., uma pessoa está sendo perseguida pela CIA, pelo FBI ou pela máfia). c. Delírio congruente com o humor: delírio com conteúdo apropriado ao humor (p. ex, um paciente depressivo acredita que é responsável pela destruição do mundo). d. Delírio incongruente com o humor: delírio cujo conteúdo não tem associação com o humor ou é neutro em relação a este (p. ex., um paciente depressivo tem delírios de controle do pensamento ou sobre a irradiação do mesmo). e. Delírio niilista: sentimento falso de que o indivíduo, os outros ou o mundo não existem ou estão prestes a acabar. f. Delírio de pobreza: falsa crença de que se está pobre ou privado de qualquer posse material. g. Delírio somático: falsa crença envolvendo o funcionamento do corpo (p. ex., o cérebro está apodrecendo ou derretendo). h. Delírios paranóides: incluem delírios de perseguição, referência, controle e grandeza (diferenciados da ideação paranóide, que é uma desconfiança de proporções menores do que os delirantes). i. Delírio de perseguição: falsa crença de que se está sendo assediado, enganado ou perseguido; encontrado muitas vezes em pacientes litigiosos que apresentam tendência patológica de mover ações legais devido a maus-tratos imaginados. ii. Delírio de grandeza: concepção exagerada acerca da própria importância, poder ou identidade. iii. Delírio de referência: falsa crença de uma pessoa de que o comportamento dos outros se refere a ela; de que eventos, objetos ou outras pessoas têm um significado particular e incomum, normalmente de natureza negativa; derivado da idéia de referência, na qual a pessoa sente equivocadamente que os outros estão falando dela (p. ex., cren-
SINAIS E
4.
5. 6. 7.
8.
9.
10.
ça de que alguém na televisão ou no rádio está falando dela). i. Delírio de autoacusação: falso sentimento de remorso e culpa. j. Delírio de controle: falso sentimento de que a vontade, os pensamentos ou os sentimentos estão sendo controlados por forças externas. i. Roubo de pensamento: delírio de que os pensamentos estão sendo removidos da mente por outras pessoas ou forças. ii. Inserção de pensamentos: delírio de que pensamentos estão sendo implantados na mente por outras pessoas ou forças. iii. Irradiação do pensamento: delírio de que os pensamentos da pessoa podem ser ouvidos por outras, como se estivessem sendo transmitidos pelo ar. iv. Controle do pensamento: delírio de que os pensamentos estão sendo controlados por outras pessoas ou forças. k. Delírio de infidelidade (ciúme delirante): falsa crença associada a ciúme patológico decorrente de achar que o próprio amante é infiel. l. Erotomania: crença delirante, mais comum em mulheres do que em homens, de que alguém está profundamente apaixonado por si (também conhecido como complexo de Clérambault-Kandinsky). m. Pseudologia fantástica: um tipo de mentira em que a pessoa parece acreditar na realidade de suas fantasias e age de acordo com elas; associada à síndrome de Munchausen, fingimento repetido de doenças. Pensamento tendencioso ou preocupado: o conteúdo do pensamento gira em torno de determinada idéia, associada a um forte tom afetivo, como tendência paranóide ou preocupação suicida ou homicida. Egomania: autopreocupação patológica. Monomania: preocupação com um único objeto. Hipocondria: preocupação exagerada com a saúde, com base não em uma patologia real, mas em interpretações irreais de sinais físicos ou sensações como sendo anormais. Obsessão: persistência patológica de um pensamento ou sentimento irresistível que não pode ser eliminado da consciência por um esforço lógico; associada à ansiedade. Compulsão: necessidade patológica de agir segundo um impulso que, se resistido, produz ansiedade; comportamento repetitivo em resposta a uma obsessão ou realizado a partir de determinadas regras, sem uma finalidade real em si mesma além de prevenir que algo ocorra no futuro. Coprolalia: falar palavras obscenas compulsivamente.
V.
SINTOMAS EM PSIQUIATRIA
315
11. Fobia: medo persistente, irracional, exagerado e invariavelmente patológico de determinado estímulo ou situação; resulta em forte desejo de evitar o estímulo temido. a. Fobia específica: medo restrito de um objeto ou situação específica (p. ex., aranhas ou cobras). b. Fobia social: medo de humilhação pública, como falar, se apresentar ou comer em público. c. Acrofobia: medo de lugares altos. d. Agorafobia: medo de lugares abertos. e. Algofobia: medo da dor. f. Ailurofobia: medo de gatos. g. Eritrofobia: medo da cor vermelha (referese ao medo de corar). h. Panfobia: medo de tudo. i. Claustrofobia: medo de lugares fechados. j. Xenofobia: medo de estranhos. k. Zoofobia: medo de animais. l. Fobia de agulhas: medo patológico, intenso e persistente de receber uma injeção; também chamado fobia de injeção. 12. Noese: revelação na qual ocorre uma grande iluminação em associação a um entendimento de que a pessoa foi escolhida para liderar e comandar. 13. Unio mystica: sensação imensa de unidade mística com um poder infinito; não é considerada um transtorno do pensamento se for congruente com o meio religioso ou cultural da pessoa. Fala: idéias, pensamentos e sentimentos expressados por meio da linguagem; comunicação pelo uso da linguagem. A. Transtornos da fala 1. Pressão da fala: fala rápida que aumenta em quantidade e é difícil de interromper. 2. Volubilidade (logorréia): fala copiosa, coerente e lógica. 3. Pobreza da fala: restrição na quantidade da fala; as respostas podem ser monossilábicas. 4. Fala não-espontânea: respostas verbais somente quando alguém questiona ou fala diretamente com a pessoa; não inicia a fala. 5. Pobreza de conteúdo: fala adequada em quantidade, mas que transmite poucas informações por imprecisão, vazio ou frases estereotipadas. 6. Disprosódia: perda da melodia normal da fala (chamada prosódia). 7. Disartria: dificuldade em articulação, não em encontrar palavras ou na gramática. 8. Fala excessivamente alta ou baixa: perda da modulação do volume normal da fala; pode refletir uma variedade de condições patológicas, como psicose, depressão ou surdez. 9. Tartamudez: repetição ou prolongação freqüente de um som ou sílaba, levando a limitações pronunciadas na fluência do discurso.
316
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
10. Cluttering: fala errática e disrítmica, a qual se dá de forma rápida e truncada. 11. Aculalia: fala absurda associada a limitações significativas na compreensão. 12. Bradilalia: fala lenta em níveis anormais. 13. Disfonia: dificuldade ou dor ao falar. B. Transtornos afásicos: alterações na produção da linguagem. 1. Afasia motora: transtorno da fala causado por um transtorno cognitivo em que a compreensão permanece, mas a capacidade de falar é bastante limitada; fala interrompida, difícil e imprecisa (também conhecida como afasia de Broca, não-fluente e expressiva). 2. Afasia sensorial: perda orgânica da capacidade de compreender o significado das palavras; fala fluida e espontânea, mas incoerente e sem sentido (também conhecida como afasia de Wernicke, fluente e receptiva). 3. Afasia nominal: dificuldade para encontrar o nome correto para os objetos (também denominada anomia e afasia amnéstica). 4. Afasia sintática: incapacidade de organizar as palavras na seqüência apropriada. 5. Afasia de jargão: as palavras produzidas são totalmente neologísticas; palavras sem sentido repetidas com várias entonações e inflexões. 6. Afasia global: combinação de uma afasia grosseiramente não-fluente e uma afasia fluente grave. 7. Alogia: incapacidade de falar devida a deficiência mental ou episódio de demência. 8. Coprofrasia: uso involuntário de linguagem vulgar ou obscena; vista no transtorno de Tourette e em alguns pacientes com esquizofrenia. VI. Percepção: processo de transferir a estimulação física para a informação psicológica; processo mental no qual os estímulos sensoriais são trazidos à consciência. A. Transtornos da percepção 1. Alucinação: percepção sensorial falsa, sem associação a estímulos externos reais; pode ou não haver uma interpretação delirante da experiência alucinatória. a. Alucinação hipnagógica: percepção sensorial falsa que ocorre ao pegar no sono; geralmente considerada não-patológica. b. Alucinação hipnopômpica: falsa percepção que ocorre ao despertar do sono; geralmente considerada não-patológica. c. Alucinação auditiva: falsa percepção do som, em sua maioria vozes, mas também de outros sons, como música; mais comum em transtornos psiquiátricos. d. Alucinação visual: falsa percepção que envolve visão de imagens formadas (p. ex., pessoas) e não-formadas (p. ex., clarões de luz); mais comum em distúrbios médicos.
e.
B.
Alucinação olfativa: falsa percepção do cheiro; mais comum em distúrbios médicos. f. Alucinação gustativa: falsa percepção do paladar, como um gosto desagradável, causada por epilepsia do uncus; mais comum em transtornos médicos. g. Alucinação tátil (háptica): falsa percepção de toque ou sensação de superfície, como a de um membro amputado (membro-fantasma); sensação de formigamento sobre ou abaixo da pele. h. Alucinação somática: falsa sensação de que algo está ocorrendo no corpo ou em relação a ele, normalmente de origem visceral (também conhecida como alucinação cenestésica). i. Alucinação liliputiana: falsa percepção na qual os objetos são vistos como de tamanho reduzido (também denominada micropsia). j. Alucinação congruente com o humor: alucinação cujo conteúdo é consistente com um humor depressivo ou maníaco (p. ex., um paciente depressivo escuta vozes dizendo que ele é uma pessoa má; um paciente maníaco escuta vozes dizendo que ele tem grande valor, poder e conhecimento). k. Alucinação incongruente com o humor: alucinação cujo conteúdo não condiz com um humor depressivo ou maníaco (p. ex., na depressão, alucinações que não envolvam temas como culpa, punição merecida ou inadequação; na mania, alucinações que não envolvam temas como valor ou poder elevados). l. Alucinose: alucinações, freqüentemente auditivas, associadas ao abuso crônico de álcool e que ocorrem dentro de um sensório claro, ao contrário do delirium tremens, alucinações que ocorrem no contexto de um sensório nebuloso. m. Sinestesia: sensação ou alucinação causada por outra sensação (p. ex., sensação auditiva acompanhada ou desencadeada por sensação visual; experiência sonora vista ou experiência visual ouvida). n. Fenômeno de trilhas: anormalidade perceptiva associada a drogas alucinógenas em que objetos em movimento são vistos como uma série de imagens discretas e descontínuas. o. Alucinação de comando: falsa percepção de ordens, às quais a pessoa pode se sentir obrigada a obedecer ou incapaz de resistir. 2. Ilusão: percepção ou interpretação errônea de estímulos sensoriais reais. Transtornos associados a transtornos cognitivos e a condições médicas. 1. Agnosia: incapacidade de reconhecer e interpretar o significado de impressões sensoriais.
SINAIS E
C.
2. Anosognosia (ignorância da doença): incapacidade de reconhecer um déficit neurológico em si mesmo. 3. Somatopagnosia (ignorância do corpo): incapacidade de reconhecer uma parte do corpo como sua (também chamada autotopagnosia). 4. Agnosia visual: incapacidade de reconhecer objetos ou pessoas. 5. Astereognose: incapacidade de identificar objetos pelo tato. 6. Prosopagnosia: incapacidade de reconhecer rostos. 7. Apraxia: incapacidade de realizar determinadas tarefas. 8. Simultagnosia: incapacidade de compreender mais de um elemento de uma cena visual de cada vez ou de integrar as partes ao todo. 9. Adiadococinesia: incapacidade de realizar movimentos alternados rápidos. 10. Aura: sensações de advertência, como automatismos, estômago cheio, rubor e mudanças na respiração, sensações cognitivas e estados afetivos que normalmente ocorrem antes de um ataque; um pródromo sensorial que precede uma enxaqueca clássica. Transtornos associados a fenômenos de conversão e dissociação: somatização de material reprimido ou desenvolvimento de sintomas físicos e distorções envolvendo músculos voluntários ou órgãos sensoriais especiais; não ocorrem sob controle voluntário e não são explicados por nenhum transtorno físico. 1. Anestesia histérica: perda de modalidades sensoriais que resultam de conflitos emocionais. 2. Macropsia: estado em que os objetos parecem maiores do que são. 3. Micropsia: estado em que os objetos parecem menores do que são (a macropsia e a micropsia podem estar associadas a condições orgânicas claras, como ataques parciais complexos). 4. Despersonalização: sensação subjetiva de ser irreal, estranho ou desconhecido. 5. Desrealização: sensação subjetiva de que o ambiente é estranho ou irreal; sensação de mudança na realidade. 6. Fuga: assumir uma nova identidade, com amnésia da identidade antiga; normalmente envolve viajar ou vagar por novos ambientes. 7. Personalidade múltipla: uma pessoa que aparece em momentos diferentes como duas ou mais personalidades e caráteres diferentes (chamada transtorno dissociativo de identidade no DSM-IV). 8. Dissociação: mecanismo de defesa inconsciente que envolve a segregação de qualquer grupo de processos mentais ou comportamentais do resto da atividade psíquica do indivíduo; pode implicar separação de uma idéia de seu tom emocional, como observado nos transtornos dissociativos e conversivos.
SINTOMAS EM PSIQUIATRIA
317
VII. Memória: função pela qual as informações armazenadas no cérebro são trazidas à consciência posteriormente. A orientação é o estado normal do indivíduo em relação a seu entorno em termos de tempo, lugar e pessoa. A. Transtornos da memória: 1. Amnésia: incapacidade parcial ou total de recordar experiências passadas; pode ter origem orgânica ou emocional. a. Anterógrada: amnésia para eventos que ocorrem após determinado momento. b. Retrógrada: amnésia para eventos que ocorrem antes de determinado momento. 2. Paramnésia: falsificação da memória pela distorção da recordação. a. Fausse reconnaissance: falso reconhecimento. b. Falsificação retrospectiva: a memória é distorcida involuntariamente (inconscientemente), sendo filtrada pelo estado emocional, cognitivo e experimental atual do indivíduo. c. Confabulação: preenchimento inconsciente de lacunas na memória, por experiências imaginadas ou falsas em que a pessoa acredita, mas que não se baseiam em fatos; freqüentemente associada a patologias orgânicas. d. Déjà vu: ilusão de reconhecimento visual em que uma nova situação é considerada incorretamente como repetição de uma memória anterior. e. Déjà entendu: ilusão de reconhecimento auditivo. f. Déjà pensé: ilusão de que um novo pensamento é reconhecido como algo que já foi sentido ou expressado. g. Jamais vu: falsa sensação de desconhecimento de uma situação real que a pessoa experimentou. h. Falsa memória: recordação e crença em um evento que não aconteceu de fato. 3. Hipermnésia: grau exagerado de retenção e recuperação de memórias. 4. Imagem eidética: memória visual de nitidez quase alucinatória. 5. Memória seletiva: memória conscientemente tolerável que encobre memória dolorosa. 6. Repressão: mecanismo de defesa caracterizado por esquecimento inconsciente de idéias ou impulsos inaceitáveis. 7. Letológica: incapacidade temporária de lembrar palavras ou nomes. 8. Apagamento: amnésia experimentada por alcoolistas quanto ao comportamento durante bebedeiras; normalmente indica lesão cerebral reversível. B. Níveis de memória 1. Imediata: reprodução ou recuperação de material percebido de segundos a minutos atrás. 2. Recente: recuperação de eventos dos últimos dias.
318
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
3.
Passado recente: recuperação de eventos ao longo dos últimos meses. 4. Remota: recuperação de eventos do passado distante. VIII. Inteligência: capacidade de entender, recuperar, mobilizar e integrar de maneira construtiva os aprendizados anteriores ao deparar-se com situações novas. A. Retardo mental: falta de inteligência a ponto de interferir no desempenho social e vocacional: leve (QI de 50 ou 55 a aproximadamente 70), moderado (QI de 35 ou 40 a 50 ou 55), grave (QI de 20 ou 25 a 35 ou 40) ou profundo (QI abaixo de 20 ou 25); termos obsoletos são idiota (idade mental abaixo de 3 anos), imbecil (idade mental de 3 a 7 anos) e cretino (idade mental em torno de 8 anos). B. Demência: deterioração orgânica e global do funcionamento intelectual sem turvação da consciência. 1. Discalculia (acalculia): perda da capacidade de fazer cálculos; não é causada por ansiedade ou problemas de concentração. 2. Disgrafia (agrafia): perda da capacidade de escrever em estilo cursivo; perda da estrutura das palavras. 3. Alexia: perda da capacidade de leitura que não é explicada por deficiências visuais. C. Pseudodemência: aspectos clínicos que lembram uma demência que não seja causada por uma condição orgânica; freqüentemente causada por depressão (síndrome da demência da depressão) D. Pensamento concreto: pensamento literal; uso limitado de metáforas sem entender as nuances do significado; pensamento unidimensional. E. Pensamento abstrato: capacidade de apreciar as nuances do significado; pensamento multidimensional com capacidade de usar metáforas e hipóteses de forma adequada. IX. Insight: capacidade de entender a causa e o significado real de uma situação (como um conjunto de sintomas). A. Insight intelectual: entendimento da realidade objetiva de um conjunto de circunstâncias sem a capacidade de aplicá-lo de qualquer maneira útil para lidar com a situação.
B.
X.
Insight verdadeiro: entendimento da realidade objetiva de uma situação, juntamente com a motivação e o ímpeto emocional para lidar com ela. C. Insight limitado: capacidade reduzida de entender a realidade objetiva de uma situação. Julgamento: capacidade de avaliar corretamente uma situação e de agir de forma adequada em relação a ela. A. Julgamento crítico: capacidade de avaliar, discernir e escolher entre várias opções em uma situação. B. Julgamento automático: ação realizada como um reflexo. C. Julgamento limitado: capacidade reduzida de entender corretamente uma situação e de agir de forma adequada.
REFERÊNCIAS American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text revision. Washington, DC: American psychiatric Association; 2000. Andreasen NC. The clinical assessment of thought, language, and communication disorders: I. The definition of terms and evaluation of their reliability. Arch Gen Psychiatry 1979;36:1315. Campbell RJ. Psychiatric Dictionary. 7th ed. New York: Oxford University Press; 1996. Cassano GB, Perugi G, Musetti L, Akiskal HS. The nature of depression presenting concomitantly with panic disorder. Compr Psychiatry. 1989;30:473. Coleman M. Gillberg C. The Schizophrenias; A Biological Approach to the Schizophrenia Spectrum Disorders. New York: Springer: 1996. Geschwind N. Aphasia. N. Engl J Med. 1971;284:654. McConville M. Let the straw man speak: Husserl’s phenomenology in contest. Gestalt Rev. 2001; 5: 195. Rapaport MH. Judd LL, Schettler PJ, et al. A descriptive analysis of minor depression. Am J Psychiatry. 2002;159:637. Sadler JZ, Hulgus UF. Clinical problem solving and the biopsychosocial model. Am J Psychiatry. 1992;149:1315. Sadock BJ. Signs and symptoms in psychiatry. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. vol.1. Baltimore: Limppincott Williams & Wilkins: 2000. Sadock BJ, Sadock VA. Kaplan & Sadock’s Pocket Handbook of Clinical Psychiatry. 3rd ed. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2001. Spitzer RL, Gibbon M. Skodol AE, Williams JBW, First MB. DSM-IV Casebook: A Learning Companion to the Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Washington, DC: American Psychiatric Press: 1994.
9 Classificação em psiquiatria e escalas de avaliação psiquiátrica
O
s avanços da psiquiatria científica são, até certo ponto, moldados por seu sistema de classificação. Os sistemas de classificação são fundamentais para todas as ciências, contendo os conceitos sobre os quais a teoria se baseia e influenciando o que pode ou não ser observado. A classificação de doenças (nosologia) sempre foi uma parte integral da teoria e da prática da medicina. Os sistemas de classificação para diagnósticos psiquiátricos têm vários propósitos: distinguir um diagnóstico psiquiátrico de outro, de modo que os clínicos possam oferecer o tratamento mais efetivo; proporcionar uma linguagem comum entre os profissionais da saúde; explorar as causas ainda desconhecidas de muitos transtornos mentais. As duas classificações psiquiátricas mais importantes são o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM), desenvolvido pela American Psychiatric Association em colaboração com outros grupos de profissionais da saúde mental, e a Classificação internacional de doenças (CID), desenvolvida pela Organização Mundial da Saúde.
lado a sua própria classificação psiquiátrica. A primeira sistematização a surgir nos Estados Unidos foi apresentada em 1869 no encontro anual da American Medico-Psychological Association, que veio a se tornar a American Psychiatric Association (APA). Em 1952, o comitê de nomenclatura e estatística da APA publicou a primeira edição do DSM (DSM-I). Cinco edições foram apresentadas desde então: o DSM-II (1968), o DSM-III (1980), um DSM-III revisado, o DSM-III-R (1987), o DSM-IV (1994) e o DSM-IV-TR (2000).
DSM-IV-TR É o sistema de codificação psiquiátrica oficial usado nos Estados Unidos, embora alguns psiquiatras tenham criticado as muitas versões do DSM desde o seu surgimento, em 1952. Toda a terminologia usada neste livro está de acordo com o DSM-IV-TR.
A RELAÇÃO DO DSM-IV-TR COM A CID-10 Características básicas O texto revisado da quarta edição do DSM (DSM-IV-TR) foi projetado para corresponder à décima revisão da Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-10), desenvolvida em 1992. Havia um forte consenso de que os sistemas diagnósticos usados nos Estados Unidos deveriam ser compatíveis com a CID para garantir a uniformidade nos relatórios de estatísticas nacionais e internacionais. Além disso, a Medicare exige que os códigos de cobrança para reembolso sigam a CID. A CID-10 é o sistema de classificação oficial usado na Europa e em muitas outras partes do mundo. Todas as categorias usadas no DSM-IV-TR são encontradas na CID-10, mas nem todas as categorias desta estão no DSM-IV-TR. Os códigos numéricos dos transtornos encontrados no DSM são inteiramente compatíveis com a CID, sendo listados em um apêndice.
História Os diversos sistemas de classificação usados na psiquiatria datam de Hipócrates, que introduziu, no século V a.C., os termos mania e histeria como formas de doenças mentais. Desde então, cada era tem formu-
Abordagem descritiva. A abordagem do DSM-IV-TR é ateórica em relação a causas. Assim, visa a descrever as manifestações dos transtornos mentais e apenas raramente tenta explicar como ocorrem. As definições dos transtornos consistem de descrições de aspectos clínicos. Critérios diagnósticos. São determinados critérios diagnósticos para cada transtorno mental específico, que incluem uma lista de aspectos que devem estar presentes para que se faça o diagnóstico. Isso aumenta a confiabilidade do processo de determinação das condições. Descrição sistemática. O DSM-IV-TR também descreve cada transtorno de maneira sistemática, em termos de suas características associadas: aspectos referentes a idade, cultura e gênero; prevalência, incidência e risco; curso; complicações; fatores de predisposição; padrão familiar; diagnóstico diferencial. Em certos casos, quando muitos transtornos específicos têm aspectos comuns, essas informações são incluídas na introdução da seção. Achados laboratoriais e sinais e sintomas encontrados em exames
320
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 9-1 Eixo I do DSM-IV-TR: Transtornos clínicos e outros transtornos que possam ser foco de atenção clínica Transtornos geralmente diagnosticados pela primeira vez na infância ou na adolescência (excluindo retardo mental) Delirium, demência, transtornos amnésticos e outros transtornos cognitivos Transtornos mentais devidos a uma condição médica geral não classificados em outro local Transtornos relacionados a substâncias Esquizofrenia e outros transtornos psicóticos Transtornos do humor Transtornos de ansiedade Transtornos somatoformes Transtornos factícios Transtornos dissociativos Transtornos sexuais e da identidade de gênero Transtornos da alimentação Transtornos do sono Transtornos do controle dos impulsos não classificados em outro local Transtornos da adaptação Outras condições que possam ser foco de atenção clínica American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
físicos são descritos, quando relevantes. O DSM-IV-TR não é e não pretende ser um livro didático: não se faz menção a teorias de causa, manejo ou tratamento, e as controversas questões que envolvem determinadas categorias diagnósticas não são discutidas. Incertezas diagnósticas. O DSM-IV-TR proporciona regras explícitas para serem usadas quando as informações forem insuficientes (diagnóstico adiado ou provisório) ou o quadro clínico do paciente e sua história não satisfizerem todos os critérios de uma categoria prototípica (uma forma atípica, residual ou sem outra especificação dentro da categoria geral). Avaliação multiaxial O DSM-IV-TR é um sistema multiaxial que avalia os pacientes a partir de diversas variáveis disposto em cinco eixos. Os Eixos I e II compreendem toda a classificação de transtornos mentais: 17 classificações principais (Tab. 9-1 e 9-2) e mais de 300 transtornos específicos. Em muitos casos, os pacientes têm transtornos em ambos os eixos. Por exemplo, podem ter um transtorno depressivo maior no Eixo I e um transtorno da personalidade obsessivo-compulsiva no Eixo II. Eixo I. Consiste de distúrbios clínicos e de outras condições que possam ser foco de atenção clínica (Tab. 9-1). Eixo II. Consiste de transtornos da personalidade e retardo mental (Tab. 9-2). O uso habitual de determinado mecanismo de defesa pode ser indicado no Eixo II. Eixo III. Lista qualquer transtorno físico ou condição médica geral que esteja presente além do transtorno mental. A condição
TABELA 9-2 Eixo II do DSM-IV-TR: Transtornos da personalidade e retardo mental Transtorno da personalidade paranóide Transtorno da personalidade esquizóide Transtorno da personalidade esquizotípica Transtorno da personalidade anti-social Transtorno da personalidade borderline Transtorno da personalidade histriônica Transtorno da personalidade narcisista Transtorno da personalidade esquiva Transtorno da personalidade dependente Transtorno da personalidade obsessivo-compulsiva Transtorno da personalidade sem outra especificação Retardo mental American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
física pode ser causativa (p. ex., falência renal que causa delirium), resultado de um transtorno mental (p. ex., gastrite alcoólica secundária à dependência de álcool) ou não estar relacionada ao transtorno mental. Quando uma condição médica for causativa ou tiver uma relação causal com o transtorno mental, classifica-se o transtorno mental devido a uma condição médica geral no Eixo I, e a condição médica geral é referida nos Eixos I e III. No exemplo do DSM-IV-TR – um caso em que um hipotireoidismo é o responsável direto por um transtorno depressivo maior – a designação no Eixo I é transtorno do humor devido a hipotireoidismo com aspectos depressivos, e o hipotireoidismo é classificado novamente no Eixo III (Tab. 9-3). Eixo IV. Codificar os problemas psicossociais e ambientais que contribuem significativamente para o desenvolvimento ou a exacerbação do transtorno atual (Tab. 9-4). A análise dos estressores
TABELA 9-3 Eixo III do DSM-IV-TR: Condições médicas gerais (com códigos da CID-9-MC) Doenças infecciosas e parasitárias (001-139) Neoplasias (140-239) Doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas e distúrbios da imunidade (240-279) Doenças do sangue e de órgãos hematopoiéticos (280-289) Doenças do sistema nervoso e dos órgãos sensoriais (320-389) Doenças do sistema circulatório (390-459) Doenças do sistema respiratório (460-519) Doenças do sistema digestório (520-579) Doenças do sistema geniturinário (580-629) Complicações da gravidez, do parto e do pós-parto (630-676) Doenças da pele e do tecido subcutâneo (680-709) Doenças do sistema musculoesquelético e do tecido conjuntivo (710-739) Anomalias congênitas (740-759) Condições originadas no período perinatal (760-779) Sintomas, sinais e condições mal-definidas (780-799) Ferimentos e envenenamento (800-999) American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
CLASSIFICAÇÃO EM PSIQUIATRIA E ESCALAS DE AVALIAÇÃO PSIQUIÁTRICA
TABELA 9-4 Eixo IV do DSM-IV-TR: Problemas psicossociais e ambientais Problemas com o grupo primário de apoio Problemas relacionados com o ambiente social Problemas educacionais Problemas ocupacionais Problemas habitacionais Problemas econômicos Problemas com o acesso a serviços de saúde Problemas relacionados à interação com sistema judicial/criminalidade Outros problemas psicossociais e ambientais Extraído de American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4 th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, 2000, com permissão.
baseia-se na avaliação que o clínico faz do estresse que uma pessoa média, com valores e circunstâncias socioculturais semelhantes, experimentaria com os estressores psicossociais. Isso parte da percepção de quanta mudança o estressor causa na vida da pes-
321
soa, o grau em que o evento é desejado e está sob controle, bem como o número de estressores. Estes podem ser positivos (como uma promoção no trabalho) ou negativos (como a perda de um ente querido). As informações sobre eles podem ser importantes para formular um plano de tratamento que inclua tentativas de remover os estressores psicossociais ou de ajudar o paciente a enfrentá-los. Eixo V. Escala de avaliação global do funcionamento pela qual os clínicos analisam os níveis gerais de funcionamento dos pacientes durante determinado período (p. ex., o período de avaliação ou o nível mais elevado de funcionamento em alguns meses durante o último ano). O funcionamento é considerado uma composição de três áreas principais: funcionamento social, funcionamento ocupacional e funcionamento psicológico. A escala de avaliação global do funcionamento (AGF), com base em um espectro de saúde e doença mental, constitui-se de 100 pontos, em que 100 representa o nível mais elevado de funcionamento em todas as áreas (Tab. 9-5). As pessoas com um nível elevado de
TABELA 9-5 Escala de avaliação global do funcionamento (AGF) Considerar o funcionamento psicológico, social e ocupacional em um espectro hipotético de saúde-doença mental. Não incluir prejuízo no funcionamento devido a limitações físicas (ou ambientais). Código
(Obs.: Usar códigos intermediários, quando apropriado, como 45, 68, 72.)
100
Funcionamento superior em uma ampla faixa de atividades; problemas nunca fora do controle; é procurado por outros em vista de suas muitas qualidades positivas. Assintomático. Sintomas ausentes ou mínimos (p. ex., leve ansiedade antes de um exame), bom funcionamento em todas as áreas, interessado e envolvido em uma ampla faixa de atividades, socialmente eficiente, em geral satisfeito com a vida, nada além de problemas ou preocupações cotidianos (p. ex., uma discussão ocasional com membros da família). Se estão presentes, os sintomas são temporários e consistem de reações previsíveis a estressores psicossociais (p. ex., dificuldade para concentrar-se após uma discussão em família); não mais do que leve prejuízo no funcionamento social, ocupacional ou escolar (p. ex., apresenta declínio temporário na escola). Alguns sintomas leves (p. ex., humor depressivo e insônia leve) OU alguma dificuldade no funcionamento social, ocupacional ou escolar (p. ex., faltas injustificadas à escola ocasionalmente, ou furto dentro de casa), mas em geral funcionando muito bem; possui alguns relacionamentos interpessoais significativos. Sintomas moderados (p. ex., afeto embotado e fala circunstancial, ataques de pânico ocasionais) OU dificuldade moderada no funcionamento social, ocupacional ou escolar (p. ex., poucos amigos, conflitos com companheiros ou colegas de trabalho). Sintomas graves (p. ex., ideação suicida, rituais obsessivos graves, freqüentes furtos em lojas) OU qualquer prejuízo no funcionamento social, ocupacional ou escolar (p. ex., nenhum amigo, incapaz de manter um emprego).
91 90
81 80
71 70
61 60
51 50
41
40
31 30
21 20
11 10 1 0
Algum prejuízo no teste de realidade ou na comunicação (p. ex., fala às vezes ilógica, obscura ou irrelevante) OU prejuízo importante em diversas áreas, tais como emprego ou escola, relações familiares, julgamento, pensamento ou humor (p. ex., um homem deprimido evita amigos, negligencia a família e é incapaz de trabalhar; uma criança freqüentemente bate em crianças menores, é desafiadora em casa e vai mal na escola). Comportamento influenciado de forma considerável por delírios ou alucinações OU grave prejuízo na comunicação ou no julgamento (p. ex., incoerente em algumas ocasiões, age de forma amplamente imprópria, preocupação suicida) OU incapacidade de funcionar na maioria das áreas (p. ex., permanece na cama o dia inteiro, sem emprego, casa ou amigos). Algum perigo de ferir a si mesmo ou a terceiros (p. ex., tentativas de suicídio sem clara intenção de morte; freqüentemente violento; excitação maníaca) OU às vezes não consegue manter o mínimo de higiene pessoal (p. ex., suja-se de fezes) OU amplo prejuízo na comunicação (p. ex., incoerência ou mutismo). Perigo persistente de ferir gravemente a si mesmo ou a terceiros (p. ex., violência recorrente) OU incapacidade persistente de manter a mínima higiene pessoal OU grave ato suicida com intenção clara. Informações inadequadas.
A escala AGF é uma revisão da GAS (Endicott J, Spitzer RL, Fleiss JL, Cohen I. The Global Assessment Scale: a procedure for measuring overall severity of psychiatric disturbance. Arch Gen Psychiatry. 1976,33:766) e da CGAS (Shaffer D, Gould MS, Brasio J, et al. Children’s Global Assessment Scale (CGAS). Arch Gen Psychiatry. 1983,40:1228). Ambas derivam da Global Scale of the Health-Sickness Rating Scale (Luborsky I. Clinicians’ judgments of mental health. Arch Gen Psychiatry, 1962,7:407). American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
322
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
funcionamento antes de um episódio de doença geralmente têm prognóstico melhor do que aquelas que tiveram um nível mais baixo de funcionamento. Formulário de relato da avaliação multiaxial. A Tabela 9-6 apresenta o formulário de relato da avaliação multiaxial do DSM-IV-TR. Exemplos de como relatar os resultados de uma avaliação multiaxial são referidos na Tabela 9-7.
TABELA 9-6 Formulário de relato de avaliação multiaxial do DSM-IV-TR O seguinte formulário é oferecido como possibilidade de relato de avaliações multiaxiais. Em alguns contextos, poderá ser usado exatamente como está; em outros, exige adaptação para atender a necessidades especiais. EIXO I: Transtornos clínicos Outras condições que podem ser foco de atenção clínica Código diagnóstico
TABELA 9-7 Exemplos de como registrar os resultados de uma avaliação multiaxial segundo o DSM-IV Exemplo 1: Eixo I
296.23
Eixo II
305.00 301.6
Eixo III Eixo IV Eixo V Exemplo 2: Eixo I
AGF = 35
Eixo II Eixo III Eixo IV Eixo V Exemplo 3: Eixo I
AGF = 53 293.83
Nome no DSM-IV
___ ___ ___ . ___ ____________________________________ ___ ___ ___ . ___ ____________________________________
Eixo II
V71.09
Eixo III
244.9 365.23
___ ___ ___ . ___ ____________________________________ Eixo IV Eixo V
EIXO II: Transtornos da personalidade Retardo mental Código diagnóstico
300.4 315.00 V71.09 382.9
Nome no DSM-IV
___ ___ ___ . ___ ____________________________________ ___ ___ ___ . ___ ____________________________________ EIXO III: Condições médicas gerais Código da CID-9-MC Nome na CID-9-MC ___ ___ ___ . ___ ____________________________________ ___ ___ ___ . ___ ____________________________________
Exemplo 4: Eixo I Eixo II Eixo III Eixo IV Eixo V
AGF = 45 AGF = 65 V61.1 V71.09 AGF = 83
Transtorno depressivo maior, episódio único, grave sem características psicóticas Abuso de álcool Transtorno da personalidade dependente Uso freqüente de negação Nenhum Ameaça de perda do emprego (atual) Transtorno distímico Transtorno da leitura Nenhum diagnóstico Otite média, recorrente Vítima de negligência na infância (atual) Transtorno do humor devido a hipotireoidismo com características depressivas Nenhum diagnóstico, características de personalidade histriônica Hipotireoidismo Glaucoma crônico de ângulo estreito Nenhum (na admissão) (na alta) Problemas de relacionamento com parceiro Nenhum diagnóstico Nenhum Desemprego (nível mais alto do último ano)
American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
___ ___ ___ . ___ ____________________________________ EIXO IV: Problemas psicossociais e ambientais Verificar: Problemas com o grupo primário de apoio. Especificar: _____________ Problemas relacionados ao ambiente social. Especificar: ______________ Problemas educacionais. Especificar: ________________ Problemas ocupacionais. Especificar: ________________ Problemas de moradia. Especificar: ________________ Problemas econômicos. Especificar: ________________ Problemas com o acesso aos serviços de assistência à saúde. Especificar: __ Problemas relacionados ao envolvimento com o sistema judicial. Especificar: __ Outros problemas psicossociais e ambientais. Especificar: ________________ EIXO V: Escala de avaliação global do funcionamento Pontuação: ____________ Data:
____________
American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
Formato não-axial O DSM-IV-TR também permite que clínicos que não desejam usar o formato multiaxial listem os diagnósticos de modo serial, com o principal diagnóstico mencionado em primeiro lugar (Tab. 9-8). Gravidade do transtorno Dependendo do quadro clínico e da presença ou ausência de sinais e sintomas e de sua intensidade, a gravidade de um transtorno pode ser leve, moderada ou grave, e o transtorno pode estar em remissão parcial ou total. As seguintes diretrizes são usadas pelo DSM-IV-TR. Leve. Presença de pouco ou nenhum sintoma além do necessário para fazer o diagnóstico. Os sintomas resultam em nada mais do que pequenas limitações no funcionamento social ou ocupacional.
CLASSIFICAÇÃO EM PSIQUIATRIA E ESCALAS DE AVALIAÇÃO PSIQUIÁTRICA
TABELA 9-8 Formato não-axial do DSM-IV Os clínicos que não desejam usar o formato multiaxial podem simplesmente enumerar os diagnósticos apropriados. Para tanto, devem seguir a regra de registrar tantos transtornos mentais, condições médicas gerais e outros fatores coexistentes quantos sejam relevantes para os cuidados e o tratamento do indivíduo. O diagnóstico principal ou o motivo da consulta devem ser listados em primeiro lugar. Os exemplos a seguir ilustram o relato de diagnósticos em um formato que não faz uso do sistema multiaxial. Exemplo 1: 296.23 305.00 301.6 Exemplo 2: 300.4 315.00 382.9 Exemplo 3: 293.83 244.9 365.23 Exemplo 4: V61.1
Transtorno depressivo maior, episódio único, grave, sem características psicóticas Abuso de álcool Transtorno da personalidade dependente Uso freqüente da negação Transtorno distímico Transtorno da leitura Otite média, recorrente Transtorno do humor devido a hipotireoidismo com características depressivas Hipotireoidismo Glaucoma crônico de ângulo estreito Características de personalidade histriônica
323
como dependência de anfetaminas, a uma condição principal, como esquizofrenia). O DSM-IV-TR refere que: “Por exemplo, pode não estar claro qual diagnóstico deve ser considerado o ‘principal’ para um indivíduo hospitalizado com esquizofrenia e intoxicação com anfetaminas, pois cada condição pode ter contribuído igualmente para a necessidade de admissão e tratamento”. Diagnóstico provisório. Se houver incerteza quanto à condição, o clínico pode escrever “(provisório)” após o diagnóstico. Uma pessoa pode parecer ter um transtorno depressivo maior, mas não conseguir fornecer dados adequados para determinar se os critérios necessários foram satisfeitos. O diagnóstico diferencial depende da duração da doença. Por exemplo, o DSM-IV-TR defende que “um diagnóstico de transtorno esquizofreniforme requer pelo menos seis meses, e somente pode ser feito de maneira provisória antes de haver remissão”. História. Para alguns propósitos, pode ser útil observar a história de um transtorno. O DSM afirma que um diagnóstico passado de transtorno mental pode “ser indicado usando-se o especificador História Prévia (p. ex., Transtorno de Ansiedade de Separação, História Prévia, para um indivíduo que já teve transtorno de ansiedade de separação, mas que não o tem no momento ou que satisfaz os critérios para o transtorno de pânico)”.
Problemas de relacionamento com parceiro
American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
Moderada. Presença de sintomas ou limitações funcionais entre “leve” e “grave”.
Grave. Presença de muitos sintomas além dos necessários para fazer o diagnóstico, ou de vários sintomas particularmente graves, ou ainda que resultem em limitações acentuadas no funcionamento social ou ocupacional. Em remissão parcial. Todos os critérios para o transtorno foram satisfeitos anteriormente, mas, no momento, apenas alguns dos sintomas ou sinais permanecem. Em remissão total. Não existem mais sintomas ou sinais do transtorno, mas ainda é clinicamente relevante que o mesmo seja observado. A diferenciação entre Em remissão total e Recuperado exige considerar muitos fatores, incluindo o curso característico do transtorno, o tempo desde o último período de perturbação, a duração total desta e a necessidade de avaliação continuada ou de tratamento profilático. Outros critérios Diagnósticos múltiplos. Quando uma pessoa tem mais de um transtorno do Eixo I, o principal diagnóstico é indicado em primeiro lugar. Segundo o DSM-IV-TR, o diagnóstico principal é a condição fundamentalmente responsável pelos sinais e sintomas do indivíduo. Ele pode ser difícil de se estabelecer em situações de “diagnóstico duplo” (relacionado ao uso de substâncias,
Categorias sem outra especificação Cada diagnóstico tem uma categoria “sem outra especificação”. Segundo o DSM-IV-TR, essa classificação pode ser adequada quando (1) os sintomas estiverem abaixo do patamar diagnóstico para um dos transtornos específicos ou quando houver um quadro atípico ou misto, (2) o padrão de sintomas não estiver incluído na classificação do DSM-IV-TR, mas causar limitações ou transtornos clinicamente significativos (os critérios de pesquisa para alguns desses padrões de sintomas foram incluídos em um apêndice) ou (3) a causa for incerta (i. e., se é primário ou secundário). Critérios usados com freqüência Critérios usados para excluir outros diagnósticos e para sugerir diagnósticos diferenciais. A maioria dos conjuntos de critérios empregados no DSM-IV-TR inclui alguns de exclusão para estabelecer limites entre transtornos e esclarecer diagnósticos diferenciais. A formulação dos critérios de exclusão reflete os vários tipos de relações entre os transtornos: “Critérios jamais satisfeitos para...” Este critério de exclusão é usado para definir uma hierarquia entre os transtornos no decorrer da vida. Por exemplo, um diagnóstico de transtorno depressivo maior não pode ser feito após a ocorrência de um episódio maníaco, e deve ser alterado para o diagnóstico de transtorno bipolar I. “Critérios não satisfeitos para...” Este critério de exclusão é usado para estabelecer uma hierarquia entre transtornos (ou subtipos) definidos de forma transversal. Por exemplo, o especificador Com ca-
324
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
racterísticas melancólicas tem precedência sobre Com características atípicas para descrever o atual episódio depressivo maior. “Não ocorre exclusivamente durante o curso de...” Este critério de exclusão impede que um transtorno seja diagnosticado quando seu quadro sintomático ocorre apenas durante o curso de outro transtorno. Por exemplo, a demência não é diagnosticada separadamente se ocorre apenas durante o delirium, assim como o transtorno conversivo não é considerado à parte se ocorre apenas durante a anorexia nervosa. Tal critério costuma ser usado em situações nas quais os sintomas são características associadas ou um subconjunto de sintomas do primeiro transtorno. O clínico deve considerar períodos de remissão parcial como parte do “curso de outro transtorno”. Deve-se observar que o diagnóstico excluído pode ser feito às vezes, quando ocorre de maneira independente (p. ex., quando o transtorno excludente estiver em remissão total). “Não devido a efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., droga de abuso, medicamento) ou a uma condição médica geral”. Este critério de exclusão indica que uma etiologia induzida por substâncias ou uma etiologia médica geral deve ser considerada e excluída antes que o transtorno possa ser diagnosticado (p. ex., o transtorno depressivo maior somente pode ser diagnosticado após a exclusão de etiologias baseadas no uso de substâncias e em condições médicas gerais). “Não é melhor explicado por...” Este critério de exclusão é usado para especificar que os transtornos mencionados no critério devem ser considerados no diagnóstico diferencial da psicopatologia em questão e que, em casos-limite, o julgamento clínico será necessário para determinar o transtorno que representa o diagnóstico mais adequado. Nesses casos, a seção “Diagnóstico diferencial” do texto deve ser consultada. A convenção no DSM-IV é permitir que diagnósticos múltiplos sejam atribuídos a quadros que satisfaçam os critérios para mais de um transtorno. Em três situações, os critérios de exclusão anteriores ajudam a estabelecer uma hierarquia diagnóstica (e, assim, prevenir diagnósticos múltiplos) ou a enfatizar considerações relacionadas ao diagnóstico diferencial (e, assim, desestimular diagnósticos múltiplos): Quando um transtorno mental devido a uma condição médica geral ou a um transtorno induzido por substâncias é responsável pelos sintomas, precede o diagnóstico para um transtorno primário correspondente com os mesmos sintomas (p. ex., o transtorno do humor induzido por cocaína tem precedência sobre o transtorno depressivo maior). Em casos como esse, um critério de exclusão que contenha a frase “não devido aos efeitos diretos de...” é incluído nos critérios para o transtorno primário. Quando um transtorno mais global (p. ex., esquizofrenia) tem, entre os sintomas que o definem (ou associados), os sintomas de um transtorno menos global (p. ex., transtorno distímico), um dos três critérios de exclusão seguintes aparece entre os do conjunto do transtorno menos global, indicando que apenas este deve ser diagnosticado: “Critérios jamais satisfeitos para...”, “Critérios não satisfeitos para...”, “Não ocorre exclusivamente durante o curso de...”. Quando existem limites particularmente difíceis no diagnóstico diferencial, inclui-se a frase “não é melhor explicado por...”, para indicar que é necessário julgamento clínico para determinar o diagnóstico mais adequado. Por exemplo, o transtorno de pânico com agorafobia inclui o critério “não é explicado por fobia social”, e a fobia social inclui o critério “não é melhor explicada por transtorno de pânico com agorafobia”, em reconhecimento ao fato de que é uma relação complexa
de estabelecer. Em alguns casos, ambos os diagnósticos podem ser adequados.
Critérios para transtornos induzidos por substâncias. Muitas vezes, é difícil determinar se a sintomatologia é induzida pelo uso de substâncias, ou seja, uma conseqüência fisiológica direta de intoxicação ou da abstinência, do uso de medicamentos ou da exposição a toxinas. Na tentativa de proporcionar auxílio para essa determinação, dois critérios foram acrescentados a cada um dos transtornos induzidos por substâncias. Os mesmos pretendem proporcionar diretrizes gerais, mas, ao mesmo tempo, permitem que o clínico determine se os sintomas são explicados pelos efeitos fisiológicos diretos da substância: Na história, no exame físico ou em exames laboratoriais, podem ser encontradas evidências de que: 1. Os sintomas desenvolveram-se durante ou um mês depois de uma intoxicação ou abstinência de substâncias. 2. O uso de medicamentos tem relação etiológica com o transtorno. A condição não é melhor explicada por algum transtorno que não seja induzido pelo uso de substâncias. As evidências para tanto podem incluir as seguintes: os sintomas precedem o início do uso da substância (ou da medicação); os sintomas persistem por um período substancial (cerca de um mês) após a cessação da abstinência aguda ou da intoxicação grave ou são substancialmente piores do que seria de esperar pelo tipo, pela duração ou pela quantidade da substância usada, ou ainda outras evidências sugerem a existência de um transtorno independente não induzido por substâncias (história de episódios recorrentes sem relação com o uso de substâncias). Critérios para um transtorno mental devido a uma condição médica geral. O seguinte critério é necessário para estabelecer os requisitos etiológicos para cada um dos transtornos mentais que se devem a alguma condição médica geral (como transtorno do humor devido a hipotireoidismo): “Existem evidências da história, do exame físico e de achados laboratoriais de que a perturbação é uma conseqüência fisiológica direta de uma condição médica geral”. Classificação de transtornos mentais segundo o DSM-IV-TR A classificação de transtornos mentais do DSM-IV-TR (Eixos I e II) é fornecida ao final do capítulo. Definição de transtorno mental. Segundo o DSM-IV-TR: Os transtornos mentais são concebidos como síndromes ou padrões comportamentais ou psicológicos clinicamente importantes, que ocorrem no indivíduo e estão associados a sofrimento (p. ex., sintoma doloroso) ou a incapacitação (p. ex., prejuízo em uma ou mais áreas importantes do funcionamento) ou a um risco significativamente aumentado de sofrimento, morte, dor, deficiência ou perda importante da
CLASSIFICAÇÃO EM PSIQUIATRIA E ESCALAS DE AVALIAÇÃO PSIQUIÁTRICA
liberdade. Além disso, essa síndrome ou padrão não deve constituir meramente uma resposta previsível e culturalmente aceita diante de determinado evento, por exemplo, a morte de um ente querido. Qualquer que seja a causa original, a síndrome deve ser considerada no momento como manifestação de uma disfunção comportamental, psicológica ou biológica. Nem o comportamento desviante (p. ex., político, religioso ou sexual) nem conflitos entre o indivíduo e a sociedade são transtornos mentais, a menos que sejam sintomas de uma disfunção no indivíduo, como descrito anteriormente... Distinção entre transtorno mental e condição médica geral Os termos transtorno mental e condição médica geral são usados ao longo do livro. O primeiro já foi explicado. O termo condição médica geral é usado meramente como um atalho conveniente para se referir a condições e transtornos listados fora do capítulo de “Transtornos mentais e comportamentais” da CID. Deve-se reconhecer que ambos são simples termos de conveniência e não implicam que haja uma distinção fundamental entre os transtornos mentais e as condições médicas gerais, que aqueles não estejam relacionados a fatores ou processos físicos ou biológicos, ou que estas não estejam relacionadas a fatores ou processos comportamentais ou psicossociais. Organização. O plano organizacional do DSM-IV-TR é descrito da seguinte maneira: A primeira seção é dedicada a “Transtornos geralmente diagnosticados pela primeira vez na infância ou na adolescência”. Essa divisão da classificação segundo a idade de apresentação se dá apenas por conveniência e não é absoluta. Embora os transtornos nessa seção geralmente sejam evidenciados pela primeira vez na infância e na adolescência, alguns indivíduos com esses transtornos (p. ex., transtorno de déficit de atenção/hiperatividade) podem não atrair a atenção clínica até a idade adulta. Além disso, não é incomum que a idade de início para muitos transtornos colocados em outras seções seja durante a infância ou a adolescência (p. ex., transtorno depressivo maior, esquizofrenia, transtorno de ansiedade generalizada). Os clínicos que trabalham principalmente com crianças e adolescentes devem estar familiarizados com todo o manual, e aqueles que se dedicam ao cuidado de adultos também devem conhecer essa seção em particular. As próximas três seções – “Delirium, demência, transtornos amnésticos e outros transtornos cognitivos”; “Transtornos mentais devido a uma condição médica geral”; e “Transtornos relacionados a substâncias” – foram agrupadas no DSM-III-R sob a categoria única de “Síndromes e transtornos mentais orgânicos”. Estas precedem os demais transtornos em função de sua prioridade no diagnóstico diferencial (p. ex., causas de humor depressivo relacionadas a substâncias devem ser excluídas antes de se estabelecer um diagnóstico de transtorno depressivo maior). Para facilitar o diagnóstico diferencial, essas seções trazem listas completas de transtornos mentais devido a uma condição médica geral e de transtornos
325
relacionados a substâncias, enquanto o texto e os critérios para eles são referidos nas seções diagnósticas com transtornos cuja fenomenologia compartilham. Por exemplo, o texto e os critérios para o transtorno do humor induzido por substâncias e o transtorno do humor devido a uma condição médica geral são incluídos na seção de transtornos do humor. O princípio organizador de todas as demais seções (exceto para transtornos da adaptação) é agrupar os transtornos com base em suas características fenomenológicas compartilhadas para facilitar o diagnóstico diferencial. A seção “Transtornos da adaptação” é organizada de maneira diferente, no sentido de que esses transtornos são agrupados com base em sua etiologia comum (p. ex., reações mal-adaptativas a um estressor). Portanto, estes incluem uma variedade de quadros clínicos heterogêneos (p. ex., transtorno da adaptação com humor depressivo, transtorno da adaptação com ansiedade, transtorno da adaptação com transtorno da conduta). Por fim, o DSM-IV-TR inclui uma seção para outras condições que possam ser foco de atenção clínica. CID-10. Nela, uma classe chamada transtornos neuróticos relacionados ao estresse e somatoformes abrange os seguintes: transtorno de ansiedade fóbica, outros transtornos de ansiedade (incluindo transtorno de pânico, transtorno de ansiedade generalizada e transtorno misto de ansiedade e depressão), transtorno obsessivo-compulsivo, transtornos da adaptação, transtornos dissociativos (conversivos) e transtornos somatoformes. Além disso, a CID-10 inclui a neurastenia como um transtorno neurótico, caracterizada por propensão a fadiga mental e física, um sentido de instabilidade geral, irritabilidade, anedonia e transtornos do sono. Muitos dos casos diagnosticados fora dos Estados Unidos se encaixam nas descrições de transtornos de ansiedade e transtornos depressivos e são diagnosticados dessa forma por psiquiatras norte-americanos. Foi acrescentado um apêndice ao DSM-IV para refletir a influência da cultura e da etnia na avaliação e no diagnóstico psiquiátricos. Esse apêndice descreve os padrões de sintomas culturalmente específicos, as expressões preferidas para descrever problemas e a prevalência, quando tais informações estão disponíveis. Além disso, proporciona orientação aos clínicos sobre como os cenários culturais podem influenciar os quadros clínicos dos pacientes. Categorias novas e controversas As novas categorias propostas que foram consideradas controversas ou para as quais existem informações insuficientes para justificar sua inclusão no DSM-IV-TR foram colocadas no Apêndice B, “Conjuntos de critérios e eixos propostos para estudos adicionais”. Nem todos os psiquiatras aceitam essas categorias como transtornos psicológicos distintos, e não concordam com as características diagnósticas essenciais. Cada categoria exige pesquisas sistemáticas para determinar se será incluída na nomenclatura oficial. Entretanto, os clínicos devem se familiarizar com as condições, algumas das quais já foram incluídas na CID-10. Elas serão brevemente descritas a seguir. Transtorno pós-concussão. É discutido na Seção 10.5 do Capítulo 10. Na CID-10, é chamado de síndrome pós-concussão,
326
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
que ocorre após traumas na cabeça suficientemente graves para resultar em perda da consciência. Seus sintomas incluem dor de cabeça, tontura (normalmente sem as características da vertigem verdadeira), fadiga, irritabilidade, dificuldade para concentrar-se e realizar tarefas mentais, problemas de memória, insônia, menor tolerância ao estresse, excitação emocional e consumo abusivo de álcool. Transtorno neurocognitivo leve. É discutido no Capítulo 10, Seção 10.1. Abstinência de cafeína. É discutido no Capítulo 12, Seção 12.4. Transtorno depressivo pós-psicótico da esquizofrenia. É discutido no Capítulo 15, Seção 15.3. Na CID-10, a depressão pós-psicótica é descrita da seguinte maneira: Um episódio depressivo, podendo ser prolongado, que surge após um quadro esquizofrênico. Alguns sintomas esquizofrênicos podem ainda estar presentes, mas não dominam mais o quadro clínico. Os sintomas persistentes podem ser “positivos” ou “negativos”, embora estes sejam menos comuns. Não está certo, e não importa para o diagnóstico, até que ponto os sintomas depressivos foram revelados pela resolução de sintomas psicóticos anteriores (em vez de ser um acontecimento novo) ou se são uma parte intrínseca da esquizofrenia, não uma reação psicológica a ela. Eles raramente são graves ou amplos a ponto de satisfazer os critérios para um episódio depressivo grave, sendo difícil decidir quais dos sintomas se devem à depressão e quais se devem à medicação neuroléptica ou à volição limitada e ao embotamento afetivo da própria esquizofrenia. Esse transtorno depressivo está associado a maior risco de suicídio.
Transtorno factício por procuração. Também conhecido como síndrome de Munchausen por procuração, é discutido no Capítulo 19. Nele, os pais simulam uma doença em seus filhos. Transtorno de transe dissociativo. Os transtornos dissociativos são discutidos no Capítulo 20. A CID-10 apresenta uma lista de transtornos de transe e possessão, nos quais o paciente apresenta perda temporária do sentido de identidade pessoal, com total consciência do seu entorno. Essa condição é involuntária ou indesejada. Em alguns casos, os pacientes agem como se tivessem sido possuídos por outra personalidade, um espírito ou uma força. Transtorno de compulsão periódica. Trata-se de uma variação da bulimia nervosa, discutida no Capítulo 23, Seção 23.2. Consiste de episódios recorrentes de compulsão alimentar sem comportamentos compensatórios, como vômitos auto-induzidos e uso abusivo de laxantes. Transtorno da personalidade depressiva e transtorno da personalidade passivo-agressiva. São classificados na categoria “sem outra especificação” (SOE) nos transtornos da personalidade, sendo abordados no Capítulo 27. Transtornos do movimento induzidos por medicamentos. São causados pelos efeitos adversos de medicamentos. Incluem parkinsonismo, síndrome neuroléptica maligna, distonia aguda, acatisia aguda, discinesia tardia, tremor postural e transtorno do movimento SOE. Todos são discutidos no Capítulo 36, Seção 36.3. Síndromes ligadas à cultura
Transtorno deteriorativo simples. É discutido nos Capítulos 13 e 14, Seção 14.4. Na CID-10, sendo descrito como um transtorno incomum, caracterizado por conduta estranha, incapacidade de cumprir com as demandas da sociedade, embotamento afetivo, perda da volição e empobrecimento social. Delírios e alucinações não são evidentes. Transtorno depressivo menor, transtorno depressivo breve recorrente e transtorno disfórico prémenstrual. São discutidos no Capítulo 15, Seção 15.3. O transtorno depressivo menor é associado a sintomas comparativamente leves, como uma preocupação exagerada com sintomas autônomos menores (p. ex., tremores e palpitações). A maioria dos casos nunca recebe atenção médica ou psiquiátrica. Na CID-10, o transtorno depressivo breve recorrente é caracterizado por episódios recorrentes de depressão, que duram menos de duas semanas (em geral, de 2 a 3 dias) e termina com uma recuperação completa. Transtorno misto de ansiedade e depressão. É discutido no Capítulo 16, Seção 16.7. O transtorno misto de ansiedade e depressão é listado na CID-10, cuja descrição abrange os sintomas de ansiedade e depressão, e nenhuma delas predomina.
Um apêndice de síndromes relacionadas à cultura inclui o nome de cada condição, a cultura em que foi relatada pela primeira vez, uma breve descrição de sua psicopatologia e uma lista de categorias do DSM-IV-TR que possam estar relacionadas. A Seção 14.5 do Capítulo 14 apresenta uma discussão dessas síndromes. As implicações da cultura e sua relação com o diagnóstico são discutidas no DSM-IV-TR da seguinte maneira: A avaliação diagnóstica pode ser especialmente difícil quando um clínico de determinado grupo étnico ou cultural usa a classificação do DSM para avaliar um indivíduo de um grupo diferente. O profissional que não está familiarizado com as nuances do modelo de referência cultural de um indivíduo pode julgar incorretamente como psicopatológicas as variações normais de comportamento, crenças ou experiências particulares da cultura. Por exemplo, certas práticas ou crenças religiosas (p. ex., ouvir ou enxergar um parente morto durante o luto) podem ser erroneamente diagnosticadas como manifestações de um transtorno psicótico. Pode ser difícil aplicar critérios para transtornos da personalidade em diferentes cenários culturais, devido à ampla variação cultural nos conceitos de self, estilos de comunicação e mecanismos de enfrentamento.
CLASSIFICAÇÃO EM PSIQUIATRIA E ESCALAS DE AVALIAÇÃO PSIQUIÁTRICA
Diretrizes Nota de precaução. A American Psychiatric Association publicou uma nota de precaução sobre o uso e a interpretação adequados das categorias diagnósticas do DSM-IV. Refere o seguinte: Esses critérios diagnósticos e a classificação dos transtornos mentais do DSM-IV refletem um consenso de formulações atuais do conhecimento em evolução em nosso campo. Contudo, não abrangem todas as condições para as quais as pessoas podem se tratar ou todos os tópicos apropriados para iniciativas de pesquisa. Advertências. O DSM-IV-TR traz advertências específicas quanto ao seu uso: LIMITAÇÕES DA ABORDAGEM CATEGÓRICA. Não há um pressuposto de que cada categoria de transtorno mental seja uma entidade completamente autônoma, com limites absolutos que a separem de outros transtornos mentais ou da ausência destes. Também não existe um pressuposto de que todos os indivíduos que possuem o mesmo transtorno mental sejam semelhantes em relação a aspectos importantes. Portanto, o clínico que usa o DSM-IV-TR deve considerar que indivíduos que compartilham um diagnóstico provavelmente sejam heterogêneos, mesmo em relação às características que definem sua condição e que casos-limite serão difíceis de diagnosticar de uma maneira mais do que probabilística.
Os critérios diagnósticos específicos fornecidos no DSM-IV pretendem servir como diretrizes para informar o julgamento clínico e não devem ser usados como um livro de receitas. Por exemplo, o exercício do julgamento clínico pode justificar determinado diagnóstico para um indivíduo, ainda que o quadro clínico não satisfaça todos os critérios para o diagnóstico, mas desde que os sintomas presentes sejam persistentes e graves.
USO DO JULGAMENTO CLÍNICO.
Na maioria das situações, o diagnóstico clínico de um transtorno mental segundo o DSM-IV não é suficiente para estabelecer a existência de “transtorno mental”, “incapacidade mental” ou “deficiência mental” para propósitos legais. Para determinar se alguém corresponde a um padrão legal específico (p. ex., para competência, responsabilidade criminal ou incapacidade), normalmente são necessárias mais informações além das contidas neste manual. USO DO DSM-IV EM CENÁRIOS FORENSES.
Árvores de decisão. As árvores de decisão, também conhecidas como algoritmos, são caminhos diagramáticos que organizam o pensamento do clínico, de forma que todos os diagnósticos sejam considerados e excluídos ou aceitos, resultando em um julgamento final. A começar com sinais ou sintomas específicos, o psiquiatra segue o caminho positivo ou negativo ao longo da árvore (respondendo sim ou não) até o ponto em que não se encontram mais ramos abertos (conhecidos como folhas). Esse ponto é o diagnóstico final. A Figura 9-1 exemplifica de uma árvore de
327
decisão para transtornos psicóticos. O DSM-IV-TR traz um apêndice com árvores de decisão diagnósticas. ESCALAS DE AVALIAÇÃO PSIQUIÁTRICAS As escalas de avaliação psiquiátricas, também chamadas de instrumentos de avaliação, proporcionam uma forma de quantificar aspectos da psique, do comportamento e dos relacionamentos do paciente com os indivíduos e a sociedade. A mensuração da patologia nessas áreas da vida pode, inicialmente, parecer menos exata do que a mensuração de patologias – hipertensão, por exemplo – realizada por outros especialistas médicos. Entretanto, muitas escalas de classificação psiquiátricas conseguem medir características cuidadosamente escolhidas de conceitos bem-formulados. Além disso, os psiquiatras que não se valem desses instrumentos ficam apenas com suas impressões clínicas, difíceis de registrar de modo que permita comparações e comunicação no futuro. Sem as escalas de avaliação, os dados psiquiátricos são brutos (p. ex., o tempo de hospitalização ou outro tratamento, alta e readmissão no hospital, duração de relacionamentos ou empregos e presença de problemas legais). A Tabela 9-9 lista uma variedade de escalas de avaliação e a fonte de referência inicial para cada uma delas. Alguns instrumentos de uso comum são encontrados nas Tabelas 9-10 a 9-15. Características As escalas de avaliação podem ser específicas ou abrangentes, e podem mensurar variáveis que são experimentadas internamente (p. ex., humor) e variáveis externas observáveis (p. ex., comportamento). As escalas específicas avaliam pensamentos, humores ou comportamentos bastante evidentes, como pensamentos obsessivos e acessos temperamentais. As escalas abrangentes avaliam abstrações amplas, como depressão e ansiedade. Sinais e sintomas. Os itens clássicos do exame do estado mental são aqueles avaliados com mais freqüência nas escalas de avaliação, incluindo transtornos do pensamento, perturbações do humor e comportamentos brutos. As escalas também compreendem a avaliação de efeitos adversos de medicamentos psicoterapêuticos. Conceitos psicanalíticos (p. ex., força do ego e mecanismos de defesa) e adaptações sociais (p. ex., sucesso ocupacional e qualidade de relacionamentos) também são mensurados por algumas delas, embora sua confiabilidade e validade sejam reduzidas pela ausência de normas estabelecidas, pelo alto nível de inferência que alguns itens exigem e pela falta de independência entre as medidas. Outras características. Outras características das escalas de avaliação incluem o tempo que abrangem, o nível de discernimento exigido e o método de registrar as respostas. O tempo que uma escala abrange deve ser especificado, e a classificação deve corresponder a esse período. Por exemplo, determinada escala de avaliação pode cobrir um período de observação de cinco minutos, um período de uma semana ou toda a vida do paciente.
328
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Delírios, alucinações, discurso desorganizado ou comportamento extremamente desorganizado
Devido aos efeitos fisiológicos diretos de uma condição médica geral
Sim TRANSTORNO PSICÓTICO DEVIDO A UMA CONDIÇÃO MÉDICA GERAL
Não Devido aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., droga de abuso, medicamento ou toxina)
Sim
TRANSTORNO PSICÓTICO INDUZIDO POR SUBSTÂNCIA
Não Sintomas de fase ativa da esquizofrenia, com duração mínima de um mês
Sim
Não
Episódio maníaco-depressivo maior concomitante com sintomas da fase ativa
Não
Sim Duração total dos episódios de humor em relação à duração dos períodos ativos e residuais
Sim
Duração mínima de seis meses
Sim ESQUIZOFRENIA
Não
Não TRANSTORNO ESQUIZOFRENIFORME
Pelo menos duas semanas de delírios ou alucinações na ausência de sintomas proeminentes do humor
Sim TRANSTORNO ESQUIZOAFETIVO
Não
TRANSTORNO DO HUMOR COM ASPECTOS PSICÓTICOS (ver árvore de transtornos do humor) Delírios nãobizarros com duração mínima de um mês
Sim
Duração total de episódios de humor breve em relação a períodos delirantes
Sim
Com exceção dos delírios, o funcionamento não é muito prejudicado
Sim
TRANSTORNO DELIRANTE
Não
Não
Não
Delírios somente ocorrem durante episódios de humor
Não
TRANSTORNO PSICÓTICO SOE
Sim TRANSTORNO DO HUMOR COM ASPECTOS PSICÓTICOS (ver árvore de transtornos do humor)
Duração maior do que um dia, mas menor do que um mês
Sim
TRANSTORNO PSICÓTICO BREVE
Não TRANSTORNO PSICÓTICO SOE
FIGURA 9-1 Diagnóstico diferencial de transtornos psicóticos. (Reimpressa, com permissão, de American Psychiatric Association: Diagnostic and Statistic Manual of Mental Disorders. 4th ed. Washington, DC: American Psychiatric Association, 2000.)
CLASSIFICAÇÃO EM PSIQUIATRIA E ESCALAS DE AVALIAÇÃO PSIQUIÁTRICA
329
TABELA 9-9 Escalas de avaliação psiquiátrica Escala
Fonte
Escalas de avaliação usadas para esquizofrenia e psicose Escala de avaliação psiquiátrica breve Escala de transtornos afetivos e esquizofrenia (SADS) Escala de avaliação de sintomas negativos (SANS) Escala de avaliação de pensamento, linguagem e comunicação (TLC) Índice de distúrbio do pensamento (TDI) Escala de qualidade de vida (QLS) Escala prognóstica para esquizofrenia crônica de Chestnut Lodge Escalas usadas para transtornos do humor Escala de depressão de Beck Avaliação padronizada dos transtornos depressivos (SADD) Escala de auto-avaliação de Zung para depressão Escala de avaliação da depressão de Carroll Escala de Motgomery-Asberg Escala de avaliação da depressão de Raskin Inventário de diagnóstico da depressão Escala de avaliação da mania Escala de avaliação do estado maníaco Escalas usadas para transtornos de ansiedade Escala breve de psicopatologia em ambulatório Questionário médico Escala de ansiedade de Covi Inventário de estados de ansiedade Questionário sobre medo Inventário de mobilidade para agorafobia Escala de esquiva social e sofrimento Inventário de pânico sgudo Inventário de obsessivos de Leyton Inventário obsessivo-compulsivo de Maudsley Termômetro do medo Escala de impacto de eventos Outras escalas de avaliação Crianças e adolescentes As referências gerais para escalas de adultos foram modificadas para crianças Efeitos adversos de drogas Avaliação sistemática do tratamento de eventos emergenciais (SAFTEE): Investigação geral Investigação sistemática Qualidade de vida Escala de padrões de mudança individual (PICS) Transtornos dissociativos Entrevista clínica estruturada para transtornos dissociativos do DSM-IV (SCID-IV)
As escalas mais confiáveis exigem uma quantidade limitada de discernimento ou inferência por parte do observador. Independentemente do nível exigido, quem cria um instrumento desses deve fornecer definições claras acerca das respostas, de preferência com exemplos clínicos, para auxiliar o avaliador. A resposta dada pode ser registrada como uma variável dicotômica (p. ex., verdadeiro ou falso, presente ou ausente) ou uma variável contínua. Itens contínuos podem exigir que o avaliador escolha um termo para descrever a gravidade (ausência, mínima, leve, moderada, grave ou extrema) ou a freqüência (nunca, raramente, ocasionalmente, com freqüência, com muita freqüência ou sempre). Embora muitos sintomas psiquiátricos existam em estados dicotômicos – por exemplo, a presença ou ausência de delírios –, os clínicos mais experientes sabem que as coisas não são tão simples assim.
Psychological Reports 1962, 10:799 Archives of General Psychiatry 1978, 35:837 University of Iowa Press, 1983 University of Iowa Press, 1978. Archives of General Psychiatry 1983, 40:1281 Schizophrenia Bulletin 1984, 10:383 Schizophrenia Bulletin 1987, 13:277 Archives of General Psychiatry 1961, 4:561 Psychological Medicine 1979, 10:743 Archives of General Psychiatry 1965, 12:63 British Journal of Psychiatry 1981, 138:194 British Journal of Psychiatry 1979, 134:382 Journal of Nervous and Mental Disease 1969, 148:87 Archives of General Psychiatry 1986, 43:976 Journal of Clinical Psychiatry 1983, 44:98 Archives of General Psychiatry 1971, 25:256 Journal of Clinical Pharmacology 1969, 9:187 Psychopharmacologia 1970, 17:338 Psychopharmacology Bulletin 1982, 18:69 Psychosomatics 1971, 12:371 Behavioral Research and Therapeutics 1979, 17:263 Behavioral Research and Therapeutics 1985, 23:35 Journal of Consulting and Clinical Psychology 1969, 33:448 Archives of General Psychiatry 1984, 41:764 Psychological Medicine 1970, 1:48 Behavioral Research and Therapeutics 1977, 15:389 Journal of Consulting and Clinical Psychiatry 1983, 15:488 Psychosomatic Medicine 1979, 41:209
Psychopharmacology Bulletin 1985, 21:737 Psychopharmacology Bulletin 1986, 22:343
Archives of General Psychiatry 1985, 42:703 American Journal of Psychiatry 1993, 150:1011
Escalas de avaliação usadas no DSM-IV-TR As escalas de avaliação formam uma parte integral do DSM-IVTR. Elas são amplas e mensuram a gravidade geral da doença do paciente. Escala AGF. O Eixo IV do DSM-IV usa a escala AGF (Tab. 9-5). Esse eixo é usado para relatar o julgamento do clínico sobre o nível geral de funcionamento do paciente. A informação contribui para a decisão a respeito de um plano de tratamento e para a sua avaliação. Escala de avaliação do funcionamento social e ocupacional. Essa escala pode ser usada para acompanhar o progresso do paciente nas áreas social e ocupacional (Tab. 9-16). Ela
330
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 9-10 Escala de classificação psiquiátrica breve (Brief Psychiatric Rating Scale) Instruções: Marque com um X no lugar apropriado para representar o nível de gravidade de cada sintoma. PACIENTE _____________________________________________________ AVALIADOR ____________________________________________________ Nº ____________________________________________________________ DATA __________________________________________________________ Muito Ausente = 0 leve = 1
1. Queixa somática – preocupação com saúde física, medo de doença física, hipocondria 2. Ansiedade – preocupação, medo, preocupação exagerada com presente ou futuro 3. Retraimento emocional – falta de interação espontânea, isolamento, dificuldade para se relacionar com outras pessoas 4. Desorganização conceitual – processos de pensamento confusos, desconectados, desorganizados, perturbados 5. Sentimentos de culpa – autoculpa, vergonha, remorso por comportamentos passados 6. Tensão – manifestações físicas e motoras ou nervosismo, superatividade, tensão 7. Maneirismos e posturas – peculiares, bizarros, comportamento motor artificial (excluindo tiques) 8. Grandiosidade – opinião pessoal exagerada, arrogância, convicção de poder ou habilidades incomuns 9. Humor depressivo – mágoa, tristeza, desânimo, pessimismo 10. Hostilidade – animosidade, desprezo, beligerância, desdém para com outras pessoas 11. Suspeição – desconfiança, crença de que os outros são mal-intencionados ou discriminatórios 12. Comportamento alucinatório – percepções sem a correspondência de estímulos externos normais 13. Retardo motor – movimentos e discurso lentos e enfraquecidos, tônus corporal reduzido 14. Falta de cooperação – resistência, proteção, rejeição da autoridade 15. Conteúdo do pensamento incomum – inusitado, estranho, bizarro 16. Afeto embotado – tônus emocional reduzido, redução na intensidade normal dos sentimentos, afeto plano 17. Excitação – tônus emocional elevado, agitação, maior receptividade 18. Desorientação – confusão ou falta de associação adequada para pessoa, lugar ou tempo Cortesia de John E. Overall, Ph.D.
Leve = 2
Moderado = 3
Moderado a Grave = 5 grave = 4
Extremamente grave = 6
0
1
2
3
4
5
6
CLASSIFICAÇÃO EM PSIQUIATRIA E ESCALAS DE AVALIAÇÃO PSIQUIÁTRICA
331
TABELA 9-11 Escala de classificação de ansiedade de Hamilton (Hamilton Anxiety Rating Scale)
Instruções: Esta lista de verificação ajuda o médico ou o psiquiatra a avaliar cada paciente em relação ao seu grau de ansiedade e condição patológica. Preencha a avaliação apropriada: NENHUM = 0
LEVE = 1
MODERADO = 2
Item Ansiedade
Tensão
Medos
Insônia
Intelectual (cognitivo) Humor depressivo
Somático (muscular)
Preocupa-se, antecipação do pior, antecipação temerosa, irritabilidade Sentimentos de tensão, fadiga, resposta de choque, chora com facilidade, treme, sentimentos de inquietação, incapacidade de relaxar Do escuro, de estranhos, de ser abandonado, de animais, do trânsito, de multidões Dificuldade para pegar no sono, sono fragmentado, sono insatisfatório e fadiga ao caminhar, sonhos, pesadelos, terrores noturnos Dificuldade para se concentrar, memória fraca Perda de interesse, falta de prazer em passatempos, depressão, despertar precoce, variações diurnas Dores, contrações, rigidez, contrações mioclônicas, ranger dos dentes, voz instável, aumento do tônus muscular
GRAVE = 3
GRAVE, MUITO DEBILITANTE = 4
Avaliação
Item
–––––––
Somático (sensorial)
Avaliação
––––––– Sintomas cardiovasculares
Zumbido nos ouvidos, perturbação da visão, calafrios e calores, sensação de fraqueza, sensação de formigamento Taquicardia, palpitações, dores no peito, pulsação de veias, sensação de desmaio
–––––––
–––––––
––––––– –––––––
Sintomas respiratórios
–––––––
Sintomas gastrintestinais
–––––––
Sintomas geniturinários
–––––––
–––––––
Sintomas autônomos Comportamento na entrevista
Pressão ou constrição no peito, sensação de asfixia, suspiros, dispnéia Dificuldade para engolir, gases, dores abdominais, azia, saciedade abdominal, náusea, vômito, borborigmo, diarréia, perda de peso, obstipação Freqüência e/ou urgência de micturição, amenorréia, menorragia, desenvolvimento de frigidez, ejaculação precoce, perda da libido, impotência Boca seca, rubor, palidez, tendência a suar, tontura, dor de cabeça por tensão, pêlos arrepiados Agitação, inquietação ou caminhar, tremor nas mãos, testa franzida, tensão facial, suspiros ou respiração rápida, palidez facial, engolimento, eructação, contrações rápidas dos tendões, pupilas dilatadas, exoftalmo
–––––––
–––––––
–––––––
COMENTÁRIOS ADICIONAIS Assinatura do avaliador: Reimpressa, com permissão, de Hamilton M. The assessment of anxiety states by rating. Br J Psychiatry. 1959,32:50.
TABELA 9-12 Escala de classificação de Hamilton para depressão (Hamilton Rating Scale for Depression) Para cada item, selecione a “pista” que melhor caracteriza o paciente. 1: Humor depressivo (tristeza, desesperança, desamparo, inutilidade) 0 Ausente 1 Sentimentos indicados apenas por questionamento 2 Sentimentos relatados verbalmente de maneira espontânea 3 Comunica sentimentos de forma não-verbal – isto é, por meio de expressão facial, postura, voz e tendência de chorar 4 Paciente relata PRATICAMENTE APENAS esses sentimentos em sua comunicação verbal e não-verbal espontânea 2: Sentimentos de culpa 0 Ausente 1 Auto-repreensão, sente que desaponta outras pessoas 2 Idéias de culpa ou ruminação por erros passados ou atos pecaminosos 3 Doença presente é uma punição. Delírios de culpa 4 Ouve vozes acusadoras e denunciadoras e/ou experimenta alucinações visuais ameaçadoras 3: Suicídio 0 Ausente
1 2 3 4
Sente que não vale a pena viver Deseja estar morto ou pensa em morrer Idéias ou gestos suicidas Tentativas de suicídio (qualquer tentativa grave justifica um escore 4) 4: Insônia inicial 0 Sem dificuldade para pegar no sono 1 Queixas de dificuldade ocasional para pegar no sono – isto é, mais de 15 minutos 2 Queixas de dificuldade para pegar no sono todas as noites 5: Insônia média 0 Nenhuma dificuldade 1 Paciente se queixa de ficar agitado e perturbado durante a noite 2 Acorda durante a noite – levantar-se da cama justifica um escore 2 (exceto com o propósito de evacuar) 6: Insônia tardia 0 Nenhuma dificuldade 1 Acorda na madrugada, mas volta a dormir
(Continua)
332
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 9-12 (Continuação) 2 Incapaz de pegar no sono novamente caso levante da cama 7: Trabalho e atividades 0 Nenhuma dificuldade 1 Pensamentos e sentimentos de incapacidade, fadiga ou fraqueza relacionados a atividades, trabalho ou passatempos 2 Perda do interesse por atividades, passatempos ou trabalho – seja relatada diretamente pelo paciente ou percebida ao serem observados desatenção, indecisão e vacilo (sente que precisa se forçar para trabalhar ou participar de atividades) 3 Redução no tempo gasto com atividades ou em produtividade. No hospital, escore 3 se o paciente não passar pelo menos três horas por dia em atividades (trabalho hospitalar ou passatempos), excluindo deveres diários 4 Parou de trabalhar devido à doença atual. No hospital, um escore 4 se o paciente não participa de atividades além dos deveres diários, ou se não consegue cumprir com seus deveres sem ajuda 8: Retardo (lentidão de pensamento e discurso; capacidade limitada de se concentrar; atividade motora reduzida) 0 Discurso e pensamento normais 1 Leve retardo na entrevista 2 Retardo óbvio na entrevista 3 Entrevista difícil 4 Estupor total 9: Agitação 0 Nenhuma 1 “Brinca” com mãos, cabelos, etc. 2 Torce as mãos, roe unhas, puxa os cabelos, morde os lábios 10: Ansiedade psíquica 0 Nenhuma dificuldade 1 Tensão subjetiva ou irritabilidade 2 Preocupação com questões sem importância 3 Atitude apreensiva na expressão facial ou na fala 4 Medos expressados sem questionamento 11: Ansiedade somática 0 Ausente Concomitantes fisiológicos da ansiedade, 1 Leve como: 2 Moderada Gastrintestinais – boca seca, gases, indiges3 Grave tão, diarréia, cãibras, eructação 4 Incapacitante Cardiovasculares – palpitações, dores de cabeça Respiratórios – hiperventilação, suspiros Freqüência urinária Suores 12: Sintomas somáticos gastrintestinais 0 Nenhum 1 Perda do apetite, mas come sem encorajamento da equipe 2 Dificuldade para comer sem encorajamento da equipe; solicita ou exige laxantes ou medicamento para o intestino ou para sintomas gastrintestinais 13: Sintomas somáticos gerais 0 Nenhum 1 Membros, costas ou cabeça pesados. Dores nas costas, de cabeça e musculares. Perda de energia e fadiga 2 Qualquer sintoma claro justifica escore 2 14: Sintomas genitais 0 Ausentes Sintomas como: 1 Leves Perda da libido 2 Graves Distúrbios menstruais 15: Hipocondria 0 Ausente 1 Auto-absorção (corporal) 2 Preocupação com a saúde 3 Queixas freqüentes, pedidos de ajuda, etc. 4 Delírios hipocondríacos
16: Perda de peso A: Quando avaliada pela história 0 Sem perda de peso 1 Provável perda de peso associada à doença atual 2 Perda de peso definitiva (segundo o paciente) B: Em avaliações semanais pelo psiquiatra da clínica, quando são verificadas mudanças reais 0 Menos de meio quilo perdido na semana 1 Mais de meio quilo perdido na semana 2 Mais de um quilo perdido na semana 17: Insight 0 Reconhece estar doente 1 Reconhece a doença, mas atribui a causa a: má alimentação, clima, excesso de trabalho, vírus, necessidade de repouso, etc. 2 Nega estar doente 18: Variação diurna Manhã Tarde 0 0 Ausente Se os sintomas forem piores pela 1 1 Leve manhã ou à tarde, observe e 2 2 Grave avalie a gravidade da variação 19: Despersonalização e desrealização 0 Ausente 1 Leve Como: 2 Moderada Sentimento de irrealidade 3 Grave Idéias niilistas 4 Incapacitante 20: Sintomas paranóicos 0 Nenhum 1 Desconfiança 2 3 Idéias de referência 4 Delírios de referência e perseguição 21: Sintomas obsessivos e compulsivos 0 Ausentes 1 Leves 2 Graves 22: Desamparo 0 Ausente 1 Sentimentos subjetivos apenas evocados por questionamento 2 Paciente relata voluntariamente sentimentos de desamparo 3 Exige encorajamento, orientação e tranqüilização para cumprir com deveres cotidianos ou higiene pessoal 4 Exige ajuda física para se vestir, arrumar, comer, arrumar a cama ou higiene pessoal 23: Desesperança 0 Ausente 1 Duvida intermitentemente que as “coisas possam melhorar”, mas pode ser tranqüilizado 2 Sente-se consistentemente “desesperançoso”, mas aceita tranqüilização 3 Expressa sentimentos de desencorajamento, desespero, pessimismo quanto ao futuro, que não são dispersados 4 Manifesta perseverança espontânea e inadequada: “Nunca vou melhorar”, ou idéias equivalentes 24: Inutilidade (varia de perda leve da estima, sentimentos de inferioridade e autodepreciação até noções delirantes de inutilidade) 0 Ausente 1 Indica sentimentos de inutilidade (perda da auto-estima) somente quando questionado 2 Indica sentimentos de inutilidade (perda da auto-estima) espontaneamente 3 Diferente do item 2 apenas em grau. Paciente diz que “não presta”, que é “inferior”, etc. 4 Noções delirantes de inutilidade – isto é, “sou um monte de lixo”, ou equivalentes
Reimpressa, com permissão, de Hamilton M. A rating scale for depression. J. Neurol Neurosurg Psychiatry. 1960,23:56.
CLASSIFICAÇÃO EM PSIQUIATRIA E ESCALAS DE AVALIAÇÃO PSIQUIÁTRICA
333
TABELA 9-13 Escala obsessivo-compulsiva de Yale-Browm (Yale-Brown Obsessive-Compulsive Scale) Para cada item, circule o número que identifica a resposta que melhor caracteriza o paciente. 1: Tempo ocupado por pensamentos obsessivos Quanto do seu tempo é ocupado por pensamentos obsessivos? Com que freqüência lhe ocorrem pensamentos obsessivos? 0 Nada 1 Leve (menos de 1 hora/dia) ou ocasional (intrusão ocorre não mais de oito vezes por dia) 2 Moderada (1 a 3 horas/dia) ou freqüente (intrusão ocorre mais de oito vezes ao dia, mas a maior parte das horas do dia são livres de obsessões) 3 Grave (mais de 3 e até 8 horas/dia) ou muito freqüente (intrusão ocorre mais de oito vezes por dia e na maior parte das horas do dia) 4 Extrema (mais de 8 horas/dia) ou intrusão quase contínua (numerosas demais para contar e raramente uma hora passa sem que ocorram várias obsessões) 2: Interferência por pensamentos obsessivos Quanto os seus pensamentos obsessivos interferem em seu funcionamento (ou papel) social ou ocupacional? Você deixa de fazer alguma coisa por causa deles? 0 Nada 1 Leve interferência em atividades sociais ou ocupacionais, mas o desempenho geral não é prejudicado 2 Moderada interferência em desempenho social ou ocupacional, mas ainda administrável 3 Grave, causa limitações substanciais no desempenho social ou ocupacional 4 Extrema, incapacitante 3: Perturbação associada a pensamentos obsessivos Quanta perturbação os seus pensamentos obsessivos lhe causam? 0 Nenhuma 1 Leve, infreqüente, não muita 2 Moderada, freqüente e perturbadora, mas ainda administrável 3 Grave, muito freqüente e perturbadora 4 Extrema, quase constante e perturbadora 4: Resistência a obsessões Quanto você se esforça para resistir a seus pensamentos obsessivos? Com que freqüência tenta desconsiderar ou afastar sua atenção desses pensamentos, quando eles lhe vêem à cabeça? 0 Tenta resistir sempre, ou os sintomas são tão mínimos que não precisa resistir ativamente 1 Tenta resistir na maior parte das vezes 2 Faz esforço para resistir 3 Cede a todas as obsessões sem tentar controlá-las, mas o faz com uma certa relutância 4 Cede pronta e completamente a todas as obsessões 5: Grau de controle sobre pensamentos obsessivos Quanto controle você tem sobre seus pensamentos obsessivos? Você consegue prevenir ou desviar seu pensamento obsessivo? 0 Controle completo 1 Muito controle, normalmente consegue prevenir ou desviar obsessões com um pouco de esforço e concentração 2 Controle moderado, às vezes consegue prevenir ou desviar obsessões 3 Pouco controle, raramente tem sucesso em prevenir obsessões 4 Nenhum controle, experimentado como completamente involuntário, raramente consegue desviar o pensamento (nem sequer por um breve momento) 6: Tempo ocupado em comportamentos compulsivos Quanto tempo você gasta com comportamentos compulsivos? Com que freqüência tem compulsões? 0 Nada 1 Leve (menos de 1 hora/dia em compulsões) ou ocasional (compulsões ocorrem não mais de oito vezes ao dia)
7:
8:
9:
10:
2 Moderado (1 a 3 horas/dia em compulsões) ou freqüente (compulsões ocorrem mais de oito vezes ao dia, mas a maior parte do tempo é livre de comportamentos compulsivos) 3 Grave (mais de 3 e até 8 horas/dia em compulsões) ou muito freqüente (compulsões ocorrem mais de oito vezes por dia e na maior parte das horas do dia) 4 Extremo (mais de 8 horas/dia em compulsões) ou comportamentos compulsivos quase contínuos (numerosos demais para contar e raramente uma hora se passa sem que ocorram vários deles) Interferência por pensamentos compulsivos Quanto os seus pensamentos compulsivos interferem em seu funcionamento (ou papel) social ou ocupacional? Você deixa de fazer alguma coisa por causa deles? 0 Nada 1 Leve interferência em atividades sociais ou ocupacionais, mas o desempenho geral não é prejudicado 2 Moderada interferência em desempenho social ou ocupacional, mas ainda administrável 3 Grave, causa limitações substanciais no desempenho social ou ocupacional 4 Extrema, incapacitante Perturbação associada a comportamentos compulsivos Como você se sentiria se fosse impedido de ter comportamentos compulsivos? Ficaria ansioso? Você fica ansioso quando tem comportamentos compulsivos até ter certeza de que foram concluídos? 0 Nenhuma 1 Leve, apenas levemente ansioso se compulsões são impedidas ou apenas levemente ansioso durante comportamentos compulsivos 2 Moderada, relata que a ansiedade aumentaria, mas continuaria sendo administrável se os comportamentos compulsivos fossem prevenidos, ou que a ansiedade aumenta, mas permanece administrável durante os mesmos 3 Grave, aumento de ansiedade proeminente e bastante perturbador se compulsões são interrompidas ou aumento proeminente e bastante perturbador em ansiedade durante comportamentos compulsivos 4 Extrema, ansiedade incapacitante por qualquer intervenção que vise a modificar atividade ou ansiedade incapacitante ocorre durante comportamentos compulsivos Resistência a compulsões Quanto você se esforça para resistir a suas compulsões? 0 Tenta resistir sempre, ou sintomas são tão mínimos que não precisa resistir ativamente 1 Tenta resistir na maior parte das vezes 2 Faz esforço para resistir 3 Cede a todas as compulsões sem tentar controlá-las, mas o faz com uma certa relutância 4 Cede pronta e completamente a todas as compulsões Grau de controle sobre comportamentos compulsivos 0 Controle completo 1 Muito controle, sente pressão para realizar o comportamento, mas normalmente consegue exercer controle voluntário sobre ele 2 Controle moderado, forte pressão para realizar o comportamento, somente consegue controlá-lo com dificuldade 3 Pouco controle, impulso muito forte para realizar o comportamento, que deve ser concluído, somente adiado com dificuldade 4 Nenhum controle, impulso para realizar o comportamento experimentado como completamente involuntário
Reproduzida, com permissão, de Goodman WK, Price LH, Rasmussen AS, et al. The Yale-Brown Obsessive-Compulsive Scale, I: Development, use and reliability. Arch Gen Psychiatry. 1989,46:1006.
334
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 9-14 Escala para avaliação de sintomas negativos (Scale for Assessmentent of Negative Symptoms, SANS) 0 = NENHUM
1 = QUESTIONÁVEL
2 = LEVE
Embotamento afetivo ou afeto plano 1 Expressão facial inalterada O rosto do paciente parece feito de madeira, muda menos do que o esperado à medida que se altera o conteúdo emocional da fala. 2 Movimentos espontâneos reduzidos O paciente apresenta pouco ou nenhum movimento espontâneo, não muda de posição nem move extremidades, etc. 3 Pobreza de gestos expressivos O paciente não usa gestos manuais, postura corporal, etc., como apoio para expressar suas idéias. 4 Pouco contato visual O paciente evita o contato visual ou “olha através” do entrevistador, mesmo quando fala. 5 Ausência de resposta afetiva O paciente não sorri nem ri quando deveria. 6 Ausência de inflexões vocais O paciente não apresenta padrões normais de ênfase vocal, costuma ser monotônico. 7 Avaliação global do afeto embotado Essa avaliação deve se concentrar na gravidade geral dos sintomas, como falta de resposta, contato visual, expressão facial e inflexões vocais. Alogia 8 Pobreza da fala As respostas do paciente a questões são restritas em quantidade, tendem a ser breves, concretas e pouco elaboradas. 9 Pobreza do conteúdo da fala As respostas do paciente são adequadas em quantidade, mas tendem a ser vagas, concretas ou generalizadas demais, transmitindo poucas informações. 10 Bloqueio O paciente indica, de forma espontânea ou por indução, que seu fluxo de pensamento foi interrompido. 11 Maior latência de resposta O paciente demora muito para responder a perguntas. A indução indica que o paciente está ciente da pergunta. 12 Avaliação global da alogia As características fundamentais da alogia são a pobreza da fala e de conteúdo
3 = MODERADO
0 1 2 3 4 5
0 1 2 3 4 5
0 1 2 3 4 5
0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5
0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5
0 1 2 3 4 5
0 1 2 3 4 5
0 1 2 3 4 5
0 1 2 3 4 5
0 1 2 3 4 5
4 = ACENTUADO
5 = GRAVE
Abulia-apatia 13 Cuidados pessoais e higiene 0 As roupas do paciente podem estar desarrumadas ou sujas, e ele pode se encontrar com o cabelo sujo, mau odor corporal, etc. 14 Falta de persistência no trabalho ou na escola 0 O paciente tem dificuldade para procurar ou manter um emprego, concluir trabalhos escolares, manter a casa, etc. Se estiver internado, não tem persistência em atividades da clínica, como terapia ocupacional, jogo de cartas, etc. 15 Anergia física 0 O paciente tende a ser fisicamente inerte. Pode ficar sentado por horas e não iniciar nenhuma atividade espontânea. 16 Avaliação global de abulia-apatia 0 Deve-se atribuir um peso forte a um ou dois sintomas proeminentes, se particularmente notáveis. Anedonia-associalidade 17 Interesses e atividades recreativas O paciente pode ter pouco ou nenhum interesse. A qualidade e a quantidade dos interesses devem ser levadas em consideração. 18 Atividade sexual O paciente pode apresentar uma redução no interesse e na atividade sexual ou no prazer quando ativo. 19 Capacidade de sentir intimidade e proximidade O paciente pode se mostrar incapaz de formar relacionamentos próximos ou íntimos, especialmente com o sexo oposto e a família. 20 Relacionamentos com amigos e colegas O paciente pode ter poucos ou nenhum amigo, preferindo passar todo o tempo isolado 21 Avaliação global de anedonia-associalidade Essa avaliação deve refletir a gravidade geral, levando em conta a idade do paciente, o status familiar, etc.
1 2 3 4 5
1 2 3 4 5
1 2 3 4 5
1 2 3 4 5
0 1 2 3 4 5
0 1 2 3 4 5
0 1 2 3 4 5
0 1 2 3 4 5
0 1 2 3 4 5
Atenção 22 Desatenção social 0 1 2 3 4 5 O paciente parece desinteressado e descomprometido. Pode se mostrar aéreo. 0 1 2 3 4 5 23 Desatenção durante exame do estado mental Teste de “séries de 7” (pelo menos cinco subtrações) e soletrar uma palavra de trás para diante: Escore: 2 = 1 erro; 3 = 2 erros; 4 = 3 erros. 24 Avaliação global da atenção 0 1 2 3 4 5 Essa avaliação deve avaliar a concentração geral do paciente, do ponto de vista clínico e em testes.
Reimpressa, com permissão, de Nancy C. Andreasen, M.D., Ph.D., Department of Psychiatry, College of Medicine, The University of Iowa, Iowa City, IA 52242. Copyright 1984, Nancy C. Andreasen.
independe do diagnóstico psiquiátrico e da gravidade dos sintomas psicológicos. Outras escalas. Duas outras escalas que podem ser usadas são a Escala de Avaliação Global de Funcionamento nos Relacionamentos (AGFR) (Tab. 9-17) e a Escala de Funcionamento Defensivo (Tab. 9-18).
Classificações e códigos do DSM-IV-TR e da CID-10 A Tabela 9-19 apresenta uma lista da classificação do DSM-IVTR com os códigos da CID-9-MC. Por sua vez, a Tabela 9-20 traz uma lista da classificação e dos códigos de transtornos mentais segundo a CID-10.
CLASSIFICAÇÃO EM PSIQUIATRIA E ESCALAS DE AVALIAÇÃO PSIQUIÁTRICA
335
TABELA 9-15 Escala para avaliação de sintomas positivos (Scale for Assessment of Positive Symptoms, SAPS) 0 = NENHUM
1 = QUESTIONÁVEL
2 = LEVE
Alucinações 1 Alucinações auditivas O paciente relata ouvir vozes, ruídos ou outros sons que ninguém mais ouve. 2 Vozes comentando O paciente relata ouvir uma voz que faz comentários constantes sobre seus comportamentos ou pensamentos. 3 Vozes conversando O paciente relata ouvir duas ou mais vozes conversando. 4 Alucinações somáticas ou táteis O paciente relata experimentar sensações físicas peculiares no corpo. 5 Alucinações olfativas O paciente relata sentir cheiros incomuns que ninguém mais sente. 6 Alucinações visuais O paciente enxerga formas ou pessoas que não estão presentes. 7 Avaliação global de alucinações Essa avaliação deve se basear na duração e na gravidade das alucinações e em seus efeitos sobre a vida do paciente. Delírios 8 Delírios de perseguição O paciente acredita que há alguma forma de conspiração ou perseguição contra si. 9 Delírios de ciúme O paciente acredita que seu cônjuge está tendo um caso com outra pessoa. 10 Delírios de culpa ou pecado O paciente acredita que cometeu algum pecado terrível ou fez algo imperdoável. 11 Delírios de grandiosidade O paciente acredita que tem poderes ou habilidades especiais. 12 Delírios religiosos O paciente se preocupa com crenças falsas de natureza religiosa. 13 Delírios somáticos O paciente acredita que, de alguma forma, seu corpo está doente, anormal ou mudado. 14 Delírios de referência O paciente acredita que comentários ou eventos insignificantes se referem a ele ou têm algum significado especial. 15 Delírios de ser controlado O paciente sente que seus sentimentos ou ações são controlados por forças externas. 16 Delírios de leitura da mente O paciente sente que as pessoas podem ler sua mente ou conhecer seus pensamentos. 17 Irradiação do pensamento O paciente acredita que seus pensamentos são irradiados, de modo que ele próprio e outras pessoas podem ouvi-los. 18 Inserção de pensamento O paciente acredita que pensamentos que não são seus foram inseridos em sua mente. 19 Roubo do pensamento O paciente acredita que pensamentos foram roubados de sua mente.
3 = MODERADO
0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5
0 1 2 3 4 5 012345 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5
0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5
0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5
0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5
4 = ACENTUADO
5 = GRAVE
20 Avaliação global de delírios Essa avaliação deve se basear na duração e na persistência dos delírios e em seu efeito sobre a vida do paciente. Comportamento bizarro 21 Roupas e aparência O paciente se veste de maneira incomum ou faz outras coisas estranhas para alterar sua aparência. 22 Comportamento social e sexual O paciente pode fazer coisas consideradas inadequadas pelas normas sociais usuais (p. ex., masturbar-se em público). 23 Comportamento agressivo e agitado O paciente pode se comportar de maneira agressiva e agitada e, muitas vezes, imprevisível. 24 Comportamento repetitivo ou estereotipado O paciente pode desenvolver um conjunto de ações ou rituais que deve repetir muitas vezes. 25 Avaliação global do comportamento bizarro Essa avaliação deve refletir o tipo de comportamento e o nível em que ele se afasta das normais sociais. Transtorno do pensamento formal positivo 26 Descarrilamento Um padrão de discurso em que as idéias saem do rumo, mudando para idéias oblíquas ou não-relacionadas. 27 Tangencialidade Responder a uma questão de maneira oblíqua ou irrelevante. 28 Incoerência Padrão de discurso essencialmente incompreensível em certos momentos. 29 Ilogicidade Padrão de discurso que chega a conclusões ilógicas. 30 Circunstancialidade Padrão de discurso muito indireto e que demora a chegar à sua idéia-alvo. 31 Pressão de discurso Fala rápida e difícil de interromper. A quantidade de discurso produzida é maior do que seria considerada normal. 32 Discurso distraído O paciente é distraído por estímulos próximos que interrompem o fluxo de seu discurso. 33 Assonância Padrão de discurso em que os sons, e não as relações significativas, governam a escolha de palavras. 34 Avaliação global do transtorno do pensamento formal positivo Essa avaliação deve refletir a freqüência da anormalidade e o grau em que afeta a capacidade do paciente de se comunicar. Afeto inadequado 35 Afeto inadequado O afeto do paciente é inadequado ou incongruente, e não simplesmente plano ou embotado.
0 1 2 3 4 5
0 1 2 3 4 5
0 1 2 3 4 5
0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5
0 1 2 3 4 5
0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5
0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5
0 1 2 3 4 5
0 1 2 3 4 5
Reproduzida, com permissão, de Nancy C. Andreasen, M.D., Ph.D., Department of Psychiatry, College of Medicine, The University of Iowa, Iowa City, IA 52242. Copyright 1984, Nancy C. Andreasen.
336
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 9-16 Escala de avaliação do funcionamento social e ocupacional (Social and Occupational Functionning Assessment Scale, SOFAS) Considere os funcionamentos social e ocupacional em um espectro, desde o funcionamento excelente até o amplamente prejudicado. Inclua prejuízos decorrentes de limitações físicas, bem como aqueles devido a problemas mentais. A fim de ser considerado, o prejuízo deve ser uma conseqüência direta de problemas de saúde mental ou física; os efeitos da falta de oportunidade e outras limitações ambientais não devem ser considerados. Código (Obs.: Usar códigos intermediários, quando apropriado, p. ex., 45, 68, 72.) 100 91 90
Funcionamento superior em uma ampla faixa de atividades.
50
Bom funcionamento em todas as áreas, ocupacional e socialmente efetivo.
41 40
Não mais que um leve prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou escolar (p. ex., conflitos interpessoais infreqüentes, rendimento escolar temporariamente baixo). Alguma dificuldade no funcionamento social ou ocupacional ou escolar, mas geralmente funciona bem; possui alguns relacionamentos interpessoais significativos.
31
81 80 71 70 61 60 51
Dificuldade moderada no funcionamento social ou ocupacional ou escolar (p. ex., poucos amigos, conflitos com seus pares ou colegas de trabalho).
30
21 20 11 10
1 0
Prejuízo grave no funcionamento social ou ocupacional ou escolar (p. ex., não tem amigos, é incapaz de manter um emprego). Prejuízo importante em diversas áreas, tais como trabalho, escola ou relacionamentos familiares (p. ex., um homem deprimido evita os amigos, negligencia a família e é incapaz de trabalhar; uma criança freqüentemente bate em crianças menores, mostra-se desafiadora em casa e vai mal na escola). Incapacidade de funcionar em praticamente todas as áreas (p. ex., permanece na cama o dia inteiro; não possui emprego, lar ou amigos). Ocasionalmente não consegue manter uma higiene pessoal mínima; é incapaz de funcionar de maneira independente. Incapacidade persistente de manter uma higiene pessoal mínima. Incapacidade de funcionar sem ferir a si ou a terceiros sem apoio externo considerável (p. ex., cuidados de enfermagem e supervisão) Informações inadequadas
Nota: A classificação do funcionamento psicológico geral em uma escala de 0 a 100 foi operacionalizada por Luborsky na Escala de Avaliação de Saúde-doença. Luborsky L. Clinician’s judgements of mental health. Arch Gen Psychiatry. 1962,7:407. Spitzer e colaboradores desenvolveram uma revisão desta, que se chamou Escala de Avaliação Global (Global Assessment Scale, GAS) (Endicott J, Spitzer RL, Fleiss JL, et al. The Global Assessment Scale: a procedure for measuring overall severity of psychiatric disturbance. Arch Gen Psychiatry. 1976,33:766). A SOFAS é derivada da GAS e sua criação é descrita por Goldman HH, Skodol AE, Lave TR. Revising Axis V for DSM-IV: a review of measures of social functioning. Am J Psychiatry. 1992,149:1148. American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistic Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
TABELA 9-17 Escala de avaliação global de funcionamento nos relacionamentos (AGFR)
INSTRUÇÕES: A escala AGFR pode ser usada para indicar um julgamento geral do funcionamento de uma família ou outro relacionamento duradouro em um espectro hipotético, de um funcionamento competente e favorável até um relacionamento perturbado e disfuncional. Ela é análoga ao Eixo V (Escala de Avaliação Global do Funcionamento) do DSM-IV. Permite que o clínico classifique o grau em que uma família ou outra unidade de relacionamento contínuo satisfaz as necessidades afetivas ou instrumentais de seus membros nas seguintes áreas: A. Resolução de problemas – habilidades na negociação de objetivos, regras e rotinas; adaptabilidade ao estresse; habilidades de comunicação; capacidade de resolver conflitos. B. Organização – manutenção de papéis interpessoais e limites entre os subsistemas; funcionamento hierárquico; coalizões e distribuição do poder, controle e responsabilidades. C. Clima emocional – tom e amplitude dos sentimentos; qualidade dos cuidados, empatia, envolvimento e vinculação/compromisso; compartilhamento de valores; resposta afetiva mútua, respeito e consideração; qualidade do funcionamento sexual. Na maioria dos casos, essa escala deve ser usada na determinação do funcionamento durante o período atual (i. e., o nível de funcionamento do relacionamento à época da avaliação). Em alguns contextos, também pode ser usada para avaliar o funcionamento em outros períodos de tempo (i. e., o mais alto nível de funcionamento no relacionamento por pelo menos alguns meses durante o ano anterior). Nota: Utilizar códigos específicos e intermediários quando possível, por exemplo, 45, 68, 72. Se não houver informações adequadas para determinações específicas, recomendam-se pontuações intermediárias das cinco faixas, isto é, 90, 70, 50, 30 ou 10. Total 81-100: A unidade de relacionamento está funcionando satisfatoriamente, a julgar pela autodescrição dos participantes e pelo ponto de vista dos observadores. Existem padrões ou rotinas consensuais que ajudam a satisfazer as necessidades habituais de cada membro da família/casal; há flexibilidade para a mudança em resposta a exigências ou acontecimentos incomuns; conflitos e transições estressantes ocasionais são resolvidos por meio de comunicação e negociação para a resolução de problemas. Há entendimento compartilhado e concordância quanto a papéis e tarefas adequadas, a tomada de decisões está estabelecida para cada área funcional, e existe reconhecimento das características e dos méritos de cada subsistema (p. ex., pais/cônjuges, irmãos e indivíduos). Há, na família, uma atmosfera otimista adequada à situação; uma ampla faixa de sentimentos é livremente expressada e manejada; além disso, existe uma atmosfera geral de afeto, carinho e compartilhamento de valores entre todos os membros. As relações sexuais dos adultos são satisfatórias. Total 61-80: O funcionamento da unidade de relacionamento é um tanto insatisfatório. Ao longo de determinado período, muitas, mas nem todas as dificuldades são resolvidas sem queixas. As rotinas diárias estão presentes, mas existe alguma dor e dificuldade ao responder a situações incomuns. Certos conflitos permanecem sem solução, mas não perturbam o funcionamento familiar. (Continua)
CLASSIFICAÇÃO EM PSIQUIATRIA E ESCALAS DE AVALIAÇÃO PSIQUIÁTRICA
337
TABELA 9-17 (Continuação) A tomada de decisões geralmente é competente, mas os esforços no sentido de controlar uns aos outros são freqüentemente maiores do que o necessário ou ineficazes. Os indivíduos e os relacionamentos são claramente demarcados; às vezes, porém, determinado subsistema é depreciado ou serve de bode expiatório. Uma faixa de emoções é expressada, mas há casos evidentes de bloqueio ou tensão emocional. Existe afeto e carinho, mas são prejudicados pela irritabilidade e por frustrações de um dos membros da família. A atividade sexual dos adultos pode ser reduzida ou problemática. Total 41-60: A unidade de relacionamento tem momentos ocasionais de satisfação e funcionamento competente em conjunto, mas relacionamentos claramente disfuncionais e insatisfatórios tendem a predominar. A comunicação freqüentemente é inibida por conflitos não-resolvidos que costumam interferir nas rotinas diárias; existe dificuldade significativa para se adaptar ao estresse familiar e à mudança transicional. A tomada de decisões é intermitentemente competente e efetiva; rigidez excessiva ou significativa falta de estrutura evidenciam-se nesses momentos. As necessidades dos indivíduos são, com freqüência, sobrepujadas por um dos membros ou por uma coalizão. Dor ou raiva inefetiva ou torpor emocional interferem no prazer em família. Embora exista algum afeto e apoio, estes com freqüência são desigualmente distribuídos. Dificuldades sexuais perturbadoras costumam estar presentes entre os adultos. Total 21-40: A unidade de relacionamento é gravemente disfuncional; formas e períodos de relacionamento satisfatório são raros. As rotinas da família/casal não satisfazem as necessidades dos seus membros, sendo acatadas com relutância ou completamente ignoradas. As mudanças do ciclo vital, como a saída ou a entrada de pessoas na unidade de relacionamento, geram conflitos dolorosos e fracassos frustrantes na resolução de problemas. A tomada de decisões é tirânica ou totalmente inefetiva. As características singulares dos indivíduos não são valorizadas ou são ignoradas por coalizões rígidas ou confusamente fluidas. Existem poucos períodos de prazer na vida conjunta; distanciamentos ou hostilidade aberta refletem conflitos significativos que permanecem sem resolução e são bastante dolorosos. A disfunção sexual entre os membros adultos é comum. Total 1-20: A unidade de relacionamento tornou-se demasiadamente disfuncional para manter uma continuidade do contato e do vínculo. As rotinas da família/casal são mínimas (p. ex., não existem horários para comer, dormir ou despertar); os membros da família raramente sabem onde os outros estão ou quando estarão ou não em casa; há pouca comunicação efetiva entre eles. Os membros da família/casal não são organizados de modo a haver um reconhecimento das responsabilidades pessoais ou entre as gerações. Os limites entre a unidade de relacionamento como um todo e os subsistemas não podem ser identificados ou estabelecidos consensualmente. Membros da família são expostos a perigo ou dano físico ou sofrem ataques sexuais. Desespero e cinismo generalizados; existe pouca atenção às necessidades emocionais dos outros; praticamente não há sentimento de vínculo, compromisso ou preocupação acerca do bem-estar comum. 0: Informações inadequadas. American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistic Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
TABELA 9-18 Escala de funcionamento defensivo Alto nível adaptativo. Trata-se de um nível de funcionamento defensivo que resulta em adaptação favorável no manejo de estressores. Essas defesas geralmente maximizam a gratificação e permitem a conscientização de sentimentos, idéias e suas conseqüências. Além disso, promovem um equilíbrio favorável entre motivos conflitantes. Exemplos de defesas desse nível: • Afiliação • Altruísmo • Antecipação • Auto-afirmação • Auto-observação • Humor • Sublimação • Supressão
Nível da negação. Caracteriza-se pela exclusão de estressores, impulsos, idéias, afetos ou responsabilidades desagradáveis ou inaceitáveis da consciência, com ou sem uma atribuição incorreta destes a causas externas. Exemplos: • Negação • Projeção • Racionalização
Nível das inibições mentais (formação de compromisso). Aqui, o funcionamento defensivo mantém idéias, sentimentos, recordações, desejos ou temores potencialmente ameaçadores fora da consciência. Exemplos: • Anulação • Deslocamento • Dissociação • Formação reativa • Intelectualização • Isolamento do afeto • Repressão
Nível da ação. É referido por um funcionamento defensivo que lida com os estressores internos ou externos mediante ação ou retraimento. Exemplos: • Atuação (acting out) • Agressividade passiva • Queixa com rejeição de ajuda • Retraimento apático
Nível leve de distorção da imagem. Caracteriza-se por distorções na imagem de si mesmo, do corpo ou de outros, podendo ser empregado para regular a auto-estima. Exemplos: • Desvalorização • Idealização • Onipotência
Nível de importante distorção da imagem. Caracteriza-se por uma ampla distorção ou descrição incorreta da imagem, própria ou de outros. Exemplos: • Cisão da auto-imagem ou da imagem alheia • Fantasia autista • Identificação projetiva
Nível da desregulação defensiva. Caracteriza-se pelo fracasso da regulação defensiva em conter a reação do indivíduo a estressores, levando a uma ruptura pronunciada com a realidade. Exemplos: • Distorção psicótica • Negação psicótica • Projeção delirante
American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistic Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
338
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 9-19 Classificação do DSM-IV-TR (com códigos numéricos da CID-9) SOE = sem outra especificação Um x incluído em um código diagnóstico indica a necessidade de um código numérico específico. A elipse (...) é usada em certos transtornos para indicar que o nome de um transtorno mental específico ou de uma condição médica geral deve ser inserido ao registrá-lo (p. ex., 293.0 Delirium devido a hipotireoidismo). Se os critérios são satisfeitos atualmente, um dos seguintes especificadores de gravidade pode ser anotado após o diagnóstico: Leve Moderado Grave
Se não são mais satisfeitos, um dos seguintes especificadores pode ser anotado: Em remissão parcial Em remissão completa História prévia
Transtornos Geralmente Diagnosticados pela Primeira Vez na Infância ou na Adolescência
307.7 307.6
RETARDO MENTAL Nota: Codificados no Eixo II. 317 Retardo Mental Leve 318.0 Retardo Mental Moderado 318.1 Retardo Mental Grave 318.2 Retardo Mental Profundo 319 Retardo Mental, Gravidade Inespecificada TRANSTORNOS DA APRENDIZAGEM 315.00 Transtorno da Leitura 315.1 Transtorno da Matemática 315.2 Transtorno da Expressão Escrita 315.9 Transtorno da Aprendizagem SOE TRANSTORNO DAS HABILIDADES MOTORAS 315.4 Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação TRANSTORNOS DA COMUNICAÇÃO 315.31 Transtorno da Linguagem Expressiva 315.32 Transtorno Misto da Linguagem Receptivo-expressiva 315.39 Transtorno Fonológico 307.0 Tartamudez (gagueira) 307.9 Transtorno da Comunicação SOE TRANSTORNOS GLOBAIS DO DESENVOLVIMENTO 299.00 Transtorno Autista 299.80 Transtorno de Rett 299.10 Transtorno Desintegrativo da Infância 299.80 Transtorno de Asperger 299.80 Transtorno Global do Desenvolvimento SOE TRANSTORNOS DE DÉFICIT DE ATENÇÃO E DE COMPORTAMENTO DIRUPTIVO 314.xx Transtorno de Déficit de Atenção/ Hiperatividade .01 Tipo Combinado .00 Tipo Predominantemente Desatento .01 Tipo Predominantemente Hiperativo-impulsivo 314.9 Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade SOE 312.xx Transtorno da Conduta .81 Tipo com Início na Infância .82 Tipo com Início na Adolescência .89 Início Inespecificado 313.81 Transtorno Desafiador de Oposição 312.9 Transtorno de Comportamento Diruptivo SOE TRANSTORNOS DA ALIMENTAÇÃO DA PRIMEIRA INFÂNCIA 307.52 Pica 307.53 Transtorno de Ruminação 307.59 Transtorno da Alimentação da Primeira Infância TRANSTORNOS DE TIQUE 307.23 Transtorno de Tourette 307.22 Transtorno de Tique Motor ou Vocal Crônico 307.21 Transtorno de Tique Transitório Especificar se: Episódio Único/Recorrente 307.20 Transtorno de Tique SOE TRANSTORNOS DA EXCREÇÃO —.— Encoprese 787.6 Com Obstipação e Incontinência por Extravasamento
Sem Obstipação e Incontinência por Extravasamento Enurese (Não devida a uma Condição Médica Geral) Especificar tipo: Exclusivamente Noturna/Exclusivamente Diurna/Noturna e Diurna OUTROS TRANSTORNOS DA INFÂNCIA OU DA ADOLESCÊNCIA 309.21 Transtorno de Ansiedade de Separação Especificar se: Início Precoce 313.23 Mutismo Seletivo 313.89 Transtorno de Apego Reativo da Infância Especificar tipo: Tipo Inibido/Tipo Desinibido 307.3 Transtorno de Movimento Estereotipado Especificar se: Com Comportamento Autodestrutivo 313.9 Transtorno da Infância ou Adolescência SOE
Delirium, Demência, Transtorno Amnéstico e Outros Transtornos Cognitivos DELIRIUM 293.0 Delirium Devido a... [Indicar a Condição Médica Geral] —.— Delirium por Intoxicação com Substância (consultar Transtornos Relacionados a Substâncias para códigos específicos) —.— Delirium por Abstinência de Substância (consultar Transtornos Relacionados a Substâncias para códigos específicos) Delirium Devido a Múltiplas Etiologias (codificar cada —.— uma das etiologias específicas) 780.09 Delirium SOE DEMÊNCIA 294.xx Demência do Tipo Alzheimer com Início Precoce (codificar também 331.0 Doença de Alzheimer no Eixo III).10 .10 Sem Perturbação do Comportamento .11 Com Perturbação do Comportamento 294.xx Demência do Tipo Alzheimer, com Início Tardio (codificar também 331.0 Doença de Alzheimer no Eixo III) .10 Sem Perturbação do Comportamento .11 Com Perturbação do Comportamento 290.xx Demência Vascular .40 Sem Complicações .41 Com Delirium .42 Com Delírios .43 Com Humor Depressivo Especificar se: Com Perturbação do Comportamento Codificar presença ou ausência de uma perturbação do comportamento no quinto dígito para Demência Devido a uma Condição Médica Geral: 0 = Sem Perturbação do Comportamento 1 = Com Perturbação do Comportamento 294.1x Demência Devida à Doença do HIV (codificar também 042 HIV no Eixo III) 294.1x Demência Devida a Traumatismo Craniano (codificar também 854.00 Dano Craniano no Eixo III) 294.1x Demência Devida à Doença de Parkinson (codificar também 332.0 Doença de Parkinson no Eixo III) 294.1x Demência Devida à Doença de Huntington (codificar também 333.4 Doença de Huntington no Eixo III) (Continua)
CLASSIFICAÇÃO EM PSIQUIATRIA E ESCALAS DE AVALIAÇÃO PSIQUIÁTRICA
339
TABELA 9-19 (Continuação) 294.1x 294.1x 294.1x
—.— —.— 294.8
Demência Devida à Doença de Pick (codificar também 331.1 Doença de Pick no Eixo III) Demência Devida à Doença de Creutzfeldt-Jakob (codificar também 046.1 Doença de Creutzfeldt-Jakob no Eixo III) Demência Devida a... [Indicar a Condição Médica Geral não listada antes] (codificar também a condição médica geral no Eixo III) Demência Persistente Induzida por Substância (consultar Transtornos Relacionados a Substâncias para códigos específicos Demência Devida a Múltiplas Etiologias (codificar cada uma das etiologias específicas) Demência SOE
TRANSTORNOS AMNÉSTICOS (189) 294.0 Transtorno Amnéstico Devido a [Indicar a Condição Médica Geral] Especificar se: Transitório/Crônico —.— Transtorno Amnéstico Persistente Induzido por Substância (consultar Transtornos Relacionados a Substâncias para códigos específicos) 294.8 Transtorno Amnéstico SOE OUTROS TRANSTORNOS COGNITIVOS (195) 294.9 Transtorno Cognitivo SOE Transtornos Mentais Causados por uma Condição Médica Geral Não Classificados em Outro Local 293.89 310.1
293.9
Transtorno Catatônico Devido a... [Indicar a Condição Médica Geral] Alteração da Personalidade Devida a... (Indicar a Condição Médica Geral) Especificar tipo: Tipo Instável/Tipo Desinibido/Tipo Agressivo/Tipo Apático/Tipo Paranóide/ Outro Tipo/ Tipo Combinado/Tipo Não-especificado Transtorno Mental SOE Devido a... (Indicar a Condição Médica Geral)
Transtornos Relacionados a Substâncias
Os especificadores seguintes aplicam-se à Dependência de Substância: aCom Dependência Fisiológica/Sem Dependência Fisiológica bRemissão Completa Inicial/Remissão Parcial Inicial/Remissão Completa Mantida/Remissão Parcial Mantida cEm Ambiente Protegido dEm Terapia com Agonista Os especificadores seguintes aplicam-se aos Transtornos Induzidos por Substâncias: ICom Início Durante a Intoxicação/ ACom Início Durante a Abstinência TRANSTORNOS RELACIONADOS AO ÁLCOOL Transtornos por Uso de Álcool 303.90 Dependência de Álcoola,b,c 305.00 Abuso de Álcool Transtornos Induzidos pelo Álcool 303.00 Intoxicação com Álcool 291.81 Abstinência de Álcool
Especificar se: Com Perturbações da Percepção 291.0 Delirium por Intoxicação com Álcool 291.0 Delirium por Abstinência de Álcool 291.2 Demência Persistente Induzida por Álcool 291.1 Transtorno Amnéstico Persistente Induzido por Álcool 291.x Transtorno Psicótico Induzido por Álcool .5 Com DelíriosI,A
.3 291.89 291.89 291.89 291.89 291.9
Com AlucinaçõesI,A Transtorno do Humor Induzido por ÁlcoolI,A Transtorno de Ansiedade Induzido por ÁlcoolI,A Disfunção Sexual Induzida por ÁlcoolI Transtorno do Sono Induzido por ÁlcoolI,A Transtorno Relacionado ao Álcool SOE
TRANSTORNOS RELACIONADOS A ANFETAMINAS (OU SUBSTÂNCIAS TIPO ANFETAMINA) Transtornos por Uso de Anfetamina 304.40 Dependência de Anfetaminaa,b,c 305.70 Abuso de Anfetamina Transtornos Induzidos por Anfetamina 292.89 Intoxicação com Anfetamina
Especificar se: Com Perturbação da Percepção 292.0 Abstinência de Anfetamina 292.81 Delirium por Intoxicação com Anfetamina 292.xx Transtorno Psicótico Induzido por Anfetamina .11 Com DelíriosI .12 Com AlucinaçõesI 292.84 Transtorno do Humor Induzido por AnfetaminaI,A 292.89 Transtorno de Ansiedade Induzido por AnfetaminaI 292.89 Disfunção Sexual Induzida por AnfetaminaI,A 292.89 Transtorno do Sono Induzido por AnfetaminaI,A 292.9 Transtorno Relacionado à Anfetamina SOE TRANSTORNOS RELACIONADOS À CAFEÍNA Transtornos Induzidos pela Cafeína 305.90 Intoxicação com Cafeína 292.89 Transtorno de Ansiedade Induzido por CafeínaI 292.89 Transtorno do Sono Induzido por CafeínaI 292.9 Transtorno Relacionado a Cafeína SOE TRANSTORNOS RELACIONADOS À CANNABIS Transtornos por Uso de Cannabis 304.30 Dependência de Cannabisa,b,c 305.20 Abuso de Cannabis Transtornos Induzidos por Cannabis 292.89 Intoxicação com Cannabis
Especificar se: Com Perturbações da Percepção 292.81 Delirium por Intoxicação com Cannabis 292.xx Transtorno Psicótico Induzido por Cannabis .11 Com DelíriosI .12 Com AlucinaçõesI 292.89 Transtorno de Ansiedade Induzido por CannabisI 292.9 Transtorno Relacionado a Cannabis SOE TRANSTORNOS RELACIONADOS À COCAÍNA Transtornos por Uso de Cocaína 304.20 Dependência de Cocaínaa,b,c 305.60 Abuso de Cocaína Transtornos Induzidos por Cocaína 292.89 Intoxicação com Cocaína
Especificar se: Com Perturbações da Percepção 292.0 Abstinência de Cocaína 292.81 Delirium por Intoxicação com Cocaína 292.xx Transtorno Psicótico Induzido por Cocaína .11 Com DelíriosI .12 Com AlucinaçõesI 292.84 Transtorno do Humor Induzido por CocaínaI,A 292.89 Transtorno de Ansiedade Induzido por CocaínaI,A 292.89 Disfunção Sexual Induzida por CocaínaI (Continua)
340
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 9-19 (Continuação) 292.89 292.9
Transtorno do Sono Induzido por CocaínaI,A Transtorno Relacionado a Cocaína SOE
TRANSTORNOS RELACIONADOS A ALUCINÓGENOS Transtornos por Uso de Alucinógenos 304.50 Dependência de Alucinógenosb,c 305.30 Abuso de Alucinógenos Transtornos Induzidos por Alucinógenos 292.89 Intoxicação com Alucinógenos 292.89 Transtorno Persistente da Percepção Induzido por Alucinógenos (flashbacks) 292.81 Delirium por Intoxicação com Alucinógenos 292.xx Transtorno Psicótico Induzido por Alucinógenos .11 Com DelíriosI .12 Com AlucinaçõesI 292.84 Transtorno do Humor Induzido por AlucinógenosI 292.89 Transtorno de Ansiedade Induzido por AlucinógenosI 292.9 Transtorno Relacionado a Alucinógenos SOE TRANSTORNOS RELACIONADOS A INALANTES Transtornos por Uso de Inalantes 304.60 Dependência de Inalantesa 305.90 Abuso de Inalantes Transtornos Induzidos por Inalantes 292.89 Intoxicação com Inalantes 292.81 Delirium por Intoxicação com Inalantes 292.82 Demência Persistente Induzida por Inalantes 292.xx Transtorno Psicótico Induzido por Inalantes .11 Com DelíriosI .12 Com AlucinaçõesI 292.84 Transtorno do Humor Induzido por InalantesI 292.89 Transtorno de Ansiedade Induzido por InalantesI 292.9 Transtorno Relacionado a Inalantes SOE TRANSTORNOS RELACIONADOS À NICOTINA Transtorno por Uso de Nicotina 305.1 Dependência de Nicotina Transtorno Induzido por Nicotina 292.0 Abstinência de Nicotina 292.9 Transtorno Relacionado à Nicotina SOE TRANSTORNOS RELACIONADOS A OPIÓIDES Transtornos por Uso de Opióides 304.00 Dependência de Opióidesa 305.50 Abuso de Opióides Transtornos Induzidos por Opióides 292.89 Intoxicação com Opióides Especificar se: Com Perturbações da Percepção 292.0 Abstinência de Opióides 292.81 Delirium por Intoxicação com Opióides 292.xx Transtorno Psicótico Induzido por Opióides .11 Com DelíriosI .12 Com AlucinaçõesI 292.84 Transtorno do Humor Induzido por OpióidesI 292.89 Disfunção Sexual Induzida por OpióidesI 292.89 Transtorno do Sono Induzido por OpióidesI,A 292.9 Transtorno Relacionado a Opióides SOE TRANSTORNOS RELACIONADOS À FENCICLIDINA (OU SUBSTÂNCIAS SEMELHANTES) Transtornos por Uso de Fenciclidina (286) 304.60 Dependência de Fenciclidinaa 305.90 Abuso de Fenciclidina
Transtornos Induzidos por Fenciclidina 292.89 Intoxicação com Fenciclidina Especificar se: Com Perturbações da Percepção 292.81 Delirium por Intoxicação com Fenciclidina 292.xx Transtorno Psicótico Induzido por Fenciclidina .11 Com DelíriosI .12 Com AlucinaçõesI 292.84 Transtorno do Humor Induzido por FenciclidinaI 292.89 Transtorno de Ansiedade Induzido por FenciclidinaI 292.9 Transtorno Relacionado à Fenciclidina SOE TRANSTORNOS RELACIONADOS A SEDATIVOS, HIPNÓTICOS OU ANSIOLÍTICOS Transtornos por Uso de Sedativos, Hipnóticos ou Ansiolíticos 304.10 Dependência de Sedativos, Hipnóticos ou Ansiolíticosa 305.40 Abuso de Sedativos, Hipnóticos ou Ansiolíticos Transtornos Induzidos por Sedativos, Hipnóticos ou Ansiolíticos 292.89 Intoxicação com Sedativos, Hipnóticos ou Ansiolíticos 292.0 Abstinência de Sedativos, Hipnóticos ou Ansiolíticos Especificar se: Com Perturbações da Percepção Delirium por Intoxicação com Sedativos, Hipnóticos 292.81 ou Ansiolíticos 292.81 Delirium por Abstinência de Sedativos, Hipnóticos ou Ansiolíticos 292.82 Demência Persistente Induzida por Sedativos, Hipnóticos ou Ansiolíticos 292.83 Transtorno Amnéstico Persistente Induzido por Sedativos, Hipnóticos ou Ansiolíticos 292.xx Transtorno Psicótico Induzido por Sedativos, Hipnóticos ou Ansiolíticos .11 Com DeliriosI,A .12 Com AlucinaçõesI,A 292.84 Transtorno do Humor Induzido por Sedativos, Hipnóticos ou AnsiolíticosI,A 292.89 Transtorno de Ansiedade Induzido por Sedativos, Hipnóticos ou AnsiolíticosA 292.89 Disfunção Sexual Induzida por Sedativos, Hipnóticos ou AnsiolíticosA 292.89 Transtorno do Sono Induzido por Sedativos, Hipnóticos ou AnsiolíticosI,A 292.9 Transtorno Relacionado a Sedativos, Hipnóticos ou Ansiolíticos SOE TRANSTORNO RELACIONADO A MÚLTIPLAS SUBSTÂNCIAS 304.80 Dependência de Múltiplas Substânciasa TRANSTORNOS RELACIONADOS A OUTRAS SUBSTÂNCIAS (OU A SUBSTÂNCIAS DESCONHECIDAS) Transtornos por Uso de Outras Substâncias (ou de Substâncias Desconhecidas) 304.90 Dependência de Outra Substância (ou de Substância Desconhecida)a 305.90 Abuso de Outra Substância (ou de Substância Desconhecida) Transtornos Induzidos por Outras Substâncias (ou por Substâncias Desconhecidas) 292.89 Intoxicação com Outra Substância (ou com Substância Desconhecida) Especificar se: Com Perturbações da Percepção 292.0 Abstinência de Outra Substância (ou de Substância Desconhecida) Especificar se: Com Perturbações da Percepção 292.81 Delirium Induzido por Outra Substância (ou por Substância Desconhecida) 292.82 Demência Persistente Induzida por Outra Substância (ou por Substância Desconhecida)
(Continua)
CLASSIFICAÇÃO EM PSIQUIATRIA E ESCALAS DE AVALIAÇÃO PSIQUIÁTRICA
341
TABELA 9-19 (Continuação) 292.83 292.xx .11 .12 292.84 292.89 292.89 292.89 292.9
Transtorno Amnéstico Persistente Induzido por Outra Substância (ou por Substância Desconhecida) Transtorno Psicótico Induzido por Outra Substância (ou por Substância Desconhecida) Com DelíriosI,A Com AlucinaçõesI,A Transtorno do Humor Induzido por Outra Substância (ou por Substância Desconhecida)I,A Transtorno de Ansiedade Induzido por Outra Substância (ou por Substância Desconhecida)I,A Disfunção Sexual Induzida por Outra Substância (ou por Substância Desconhecida)I Transtorno do Sono Induzido por Outra Substância (ou por Substância Desconhecida)I,A Transtorno Relacionado com Outra Substância (ou Substância Desconhecida) SOE
Esquizofrenia e Outros Transtornos Psicóticos 295.xx
Esquizofrenia
A seguinte Classificação do Curso Longitudinal aplica-se a todos os subtipos de Esquizofrenia: Episódico Com Sintomas Residuais Entre os Episódios (Especificar se: Com Predomínio de Sintomas Negativos)/ Episódico Sem Sintomas Residuais Entre os Episódios Contínuo (Especificar se: Com Predomínio de Sintomas Negativos) Episódio Único em Remissão Parcial (Especificar se: Com Predomínio de Sintomas Negativos)/Episódio Único em Remissão Completa Outro Padrão ou Padrão Não-especificado .30 .10 .20 .90 .60 295.40 295.70 297.1
298.8 297.3 293.xx
.81 .82 —.—
298.9
Tipo Paranóide Tipo Desorganizado Tipo Catatônico Tipo Indiferenciado Tipo Residual Transtorno Esquizofreniforme Especificar se: Sem Bons Aspectos Prognósticos/Com Bons Aspectos Prognósticos Transtorno Esquizoafetivo Especificar se: Tipo Bipolar/Tipo Depressivo Transtorno Delirante Especificar se: Tipo Erotomaníaco/Tipo Grandioso/ Tipo Ciumento/Tipo Persecutório/Tipo Somático/ Tipo Misto/Tipo Não-especificado Transtorno Psicótico Breve Especificar se: Com Estressor(es) Acentuado(s)/ Sem Estressor(es) Acentuado(s)/Com Início no Pós-parto Transtorno Psicótico Induzido Transtorno Psicótico Devido a... [Indicar a Condição Médica Geral] Com Delírios Com Alucinações Transtorno Psicótico Induzido por Substâncias (consultar Transtornos Relacionados a Substâncias para códigos específicos) Especificar se: Com Início Durante a Intoxicação/Com Início Durante a Abstinência Transtorno Psicótico SOE
Transtornos do Humor
Codificar o estado atual do Transtorno Depressivo Maior ou Transtorno Bipolar I no quinto dígito: 1 = Leve 2 = Moderado 3 = Grave Sem Características Psicóticas 4 = Grave Com Características Psicóticas
Especificar: Características Psicóticas Congruentes com o Humor/ Características Psicóticas Incongruentes com o Humor 5 = Em Remissão Parcial 6 = Em Remissão Completa 0 = Não-especificado Os especificadores seguintes aplicam-se (para o episódio atual ou mais recente) aos Transtornos do Humor: aEspecificadores de Gravidade/Psicótico/de Remissão/ bCrônico/ c Com Características Catatônicas/ d Com Características Melancólicas/eCom Características Atípicas/fCom Início no Pósparto Os seguintes especificadores aplicam-se aos Transtornos do Humor: gCom ou Sem Recuperação Completa Entre os Episódios/ hCom Padrão Sazonal/iCom Ciclos Rápidos TRANSTORNOS DEPRESSIVOS 296.xx Transtorno Depressivo Maior .2x Episódio Únicoa,b,c,d,e,f .3x Recorrentea,b,c,d,e,f,g,h 300.4 Transtorno Distímico Especificar se: Início Precoce/Início Tardio Especificar se: Com Características Atípicas 311 Transtorno Depressivo SOE TRANSTORNOS BIPOLARES 296.xx Transtorno Bipolar I .0x Episódio Maníaco Únicoa,c,f Especificar se: Misto .40 Episódio Mais Recente Hipomaníacog,h,i .4x Episódio Mais Recente Maníacoa,c,f,g,h,i .6x Episódio Mais Recente Mistoa,c,f,g,h,i .5x Episódio Mais Recente Depressivoa,b,c,d,e,f,g,h,i .7x Episódio Mais Recente Não-especificadog,h,i 296.89 Transtorno Bipolar IIa,b,c,d,e,f,g,h,i Especificar (para o episódio atual ou mais recente): Hipomaníaco/Depressivo 301.13 Transtorno Ciclotímico 296.80 Transtorno Bipolar SOE 293.83 Transtorno do Humor Devido a... [Indicar a Condição Médica Geral] Especificar se: Com Características Depressivas/Com Episódio Tipo Depressivo Maior/Com Características Maníacas/Com Características Mistas —.— Transtorno do Humor Induzido por Substâncias (Consultar Transtornos Relacionados a Substâncias para códigos específicos) Especificar se: Com Características Depressivas/Com Características Maníacas/Com Características Mistas Especificar se: Com Início Durante a Intoxicação/ Com Início Durante a Abstinência 296.90 Transtorno do Humor SOE Transtornos de Ansiedade 300.01 Transtorno de Pânico Sem Agorafobia 300.21 Transtorno de Pânico Com Agorafobia 300.22 Agorafobia Sem História de Transtorno de Pânico 300.29 Fobia Específica Especificar se: Tipo Animal/Tipo Ambiente Natural/Tipo Sangue-injeção-ferimentos/Tipo Situacional/Outro Tipo 300.23 Fobia Social Especificar se: Generalizada 300.3 Transtorno Obsessivo-compulsivo Especificar se: Com Insight Pobre 309.81 Transtorno de Estresse Pós-traumático Especificar se: Agudo/Crônico
(Continua)
342
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 9-19 (Continuação) 308.3 300.02 293.84
—.—
300.00
Especificar se: Com Início Tardio Transtorno de Estresse Agudo Transtorno de Ansiedade Generalizada Transtorno de Ansiedade Devido a... [Indicar a Condição Médica Geral] Especificar se: Com Ansiedade Generalizada/Com Ataques de Pânico/Com Sintomas Obsessivocompulsivos Transtorno de Ansiedade Induzido Por Substâncias (Consultar Transtornos Relacionados a Substâncias para códigos específicos) Especificar se: Com Ansiedade Generalizada/Com Ataques de Pânico/Com Sintomas Obsessivocompulsivos/Com Sintomas Fóbicos Especificar se: Com Início Durante a Intoxicação/ Com Início Durante a Abstinência Transtorno de Ansiedade SOE
Transtornos Somatoformes 300.81 300.82 300.11
307.xx .80 .89 300.7 300.7 300.82
Transtorno de Somatização Transtorno Somatoforme Indiferenciado Transtorno Conversivo Especificar se: Com Sintoma ou Déficit Motor/ Com Sintoma ou Déficit Sensorial/Com Ataques ou Convulsões/Com Quadro Misto Transtorno Doloroso Associado a Fatores Psicológicos Associado tanto a Fatores Psicológicos quanto a uma Condição Médica Geral Especificar se: Agudo/Crônico Hipocondria Especificar se: Com Insight Pobre Transtorno Dismórfico Corporal Transtorno Somatoforme SOE
Transtornos Factícios 300.xx .16 .19 .19 300.19
Transtorno Factício Com Predomínio de Sinais e Sintomas Psicológicos Com Predomínio de Sinais e Sintomas Físicos Com Combinação de Sinais e Sintomas Psicológicos e Físicos Transtorno Factício SOE
Transtornos Dissociativos 300.12 300.13 300.14 300.6 300.15
Amnésia Dissociativa Fuga Dissociativa Transtorno Dissociativo de Identidade Transtorno de Despersonalização Transtorno Dissociativo SOE
Transtornos Sexuais e da Identidade de Gênero DISFUNÇÕES SEXUAIS Os seguintes especificadores aplicam-se a todas as Disfunções Sexuais primárias: Tipo ao Longo da Vida/Tipo Adquirido/Tipo Generalizado/Tipo Situacional Devido a Fatores Psicológicos/Devido a Fatores Combinados Transtornos do Desejo Sexual 302.71 Transtorno de Desejo Sexual Hipoativo 302.79 Transtorno de Aversão Sexual Transtornos da Excitação Sexual 302.72 Transtorno da Excitação Sexual Feminina 302.72 Transtorno Erétil Masculino Transtornos Orgásmicos 302.73 Transtorno do Orgasmo Feminino
302.74 302.75
Transtorno do Orgasmo Masculino Ejaculação Precoce
Transtornos Sexuais Dolorosos 302.76 Dispareunia (Não Devida a uma Condição Médica Geral) 306.51 Vaginismo (Não Devido a uma Condição Médica Geral) Disfunção Sexual Devido a uma Condição Médica Geral 625.8 Transtorno do Desejo Sexual Feminino Hipoativo Devido a... [Indicar a Condição Médica Geral] 608.89 Transtorno do Desejo Sexual Masculino Hipoativo Devido a... [Indicar a Condição Médica Geral] 607.84 Transtorno Erétil Masculino Devido a... [Indicar a Condição Médica Geral] 625.0 Dispareunia Feminina Devido a... [Indicar a Condição Médica Geral] 608.89 Dispareunia Masculina Devido a... [Indicar a Condição Médica Geral] 625.8 Outra Disfunção Sexual Feminina Devido a... [Indicar a Condição Médica Geral] 608.89 Outra Disfunção Sexual Masculina Devido a... [Indicar a Condição Médica Geral] —.— Disfunção Sexual Induzida por Substância (consultar Transtornos Relacionados a Substâncias para códigos específicos) Especificar se: Com Prejuízo do Desejo/Com Prejuízo da Excitação/Com Prejuízo do Orgasmo/Com Dor Sexual Especificar se: Com Início Durante a Intoxicação 302.70 Disfunção Sexual SOE PARAFILIAS 302.4 Exibicionismo 302.81 Fetichismo 302.89 Frotteurismo 302.2 Pedofilia Especificar se: Atração Sexual pelo Sexo Masculino/ Atração Sexual pelo Sexo Feminino/ Atração Sexual por Ambos os Sexos Especificar se: Restrita ao Incesto Especificar se: Tipo Exclusivo/Tipo Não-exclusivo 302.83 Masoquismo Sexual 302.84 Sadismo Sexual 302.3 Transvestismo Fetichista Especificar se: Com Disforia quanto ao Gênero 302.82 Voyeurismo 302.9 Parafilia SOE TRANSTORNOS DE IDENTIDADE DE GÊNERO 302.xx Transtorno de Identidade de Gênero .6 em Crianças .85 em Adolescentes ou Adultos Especificar se: Atração Sexual pelo Sexo Masculino/ Atração Sexual pelo Sexo Feminino/ Atração Sexual por Ambos os Sexos/Ausência de Atração por Qualquer Sexo 302.6 Transtorno de Identidade de Gênero SOE 302.9 Transtorno Sexual SOE Transtornos da Alimentação 307.1 307.51 307.50
Anorexia Nervosa Especificar tipo: Tipo Restritivo; Tipo Compulsão Periódica/Purgativo Bulimia Nervosa Especificar tipo: Tipo Purgativo/Tipo Não-purgativo Transtorno da Alimentação SOE
(Continua)
CLASSIFICAÇÃO EM PSIQUIATRIA E ESCALAS DE AVALIAÇÃO PSIQUIÁTRICA
343
TABELA 9-19 (Continuação) Transtornos do Sono TRANSTORNOS PRIMÁRIOS DO SONO Dissonias 307.42 Insônia Primária 307.44 Hipersonia Primaria Especificar se: Recorrente 347 Narcolepsia 780.59 Transtorno do Sono Relacionado à Respiração 307.45 Transtorno do Ritmo Circadiano do Sono Especificar tipo: Tipo Fase de Sono Atrasada/Tipo Mudança de Fuso Horário/Tipo Mudanças Freqüentes de Turno de Trabalho/Tipo Não-especificado 307.47 Dissonia SOE Parassonias 307.47 Transtorno de Pesadelo 307.46 Transtorno de Terror Noturno 307.46 Transtorno de Sonambulismo 307.47 Parassonia SOE TRANSTORNOS DO SONO RELACIONADOS A OUTRO TRANSTORNO MENTAL 307.42 Insônia Relacionada a... [Indicar o Transtorno dos Eixos I ou II] 307.44 Hipersonia Relacionada a... [Indicar o Transtorno dos Eixos I ou II] OUTROS TRANSTORNOS DO SONO 780.xx Transtorno do Sono Devido a... [Indicar a Condição Médica Geral] .52 Tipo Insônia .54 Tipo Hipersonia .59 Tipo Parassonia .59 Tipo Misto Transtorno do Sono Induzido por Substâncias (consultar Transtornos Relacionados a Substâncias para códigos específicos) Especificar tipo: Tipo Insônia/Tipo Hipersonia/ Tipo Parassonia/Tipo Misto Especificar se: Com Início Durante a Intoxicação/ Com Início Durante a Abstinência Transtornos do Controle dos Impulsos Não Classificados em Outro Local 312.34 312.32 312.33 312.31 312.39 312.30
Transtorno Explosivo Intermitente Cleptomania Piromania Jogo Patológico Tricotilomania Transtorno do Controle dos Impulsos SOE
Transtornos da Adaptação 309.xx .0 .24 .28 .3 .4 .9
Transtorno da Adaptação Com Humor Depressivo Com Ansiedade Misto de Ansiedade e Depressão Com Perturbação da Conduta Com Perturbação Mista das Emoções e da Conduta Inespecificado Especificar se: Agudo/Crônico
Transtornos da Personalidade
Nota: Classificados no Eixo II. 301.0 Transtorno da Personalidade Paranóide 301.20 Transtorno da Personalidade Esquizóide 301.22 Transtorno da Personalidade Esquizotípica
301.7 301.83 301.50 301.81 301.82 301.6 301.4 301.9
Transtorno da Personalidade Anti-social Transtorno da Personalidade Borderline Transtorno da Personalidade Histriônica Transtorno da Personalidade Narcisista Transtorno da Personalidade Esquiva Transtorno da Personalidade Dependente Transtorno da Personalidade Obsessivo-compulsiva Transtorno da Personalidade SOE
Outras Condições que Podem Ser Foco de Atenção Clínica FATORES PSICOLÓGICOS QUE AFETAM A CONDIÇÃO CLÍNICA 316 ...[Fator Psicológico Especificado] Afetando... [Indicar a Condição Médica Geral] Escolha o nome com base na natureza dos fatores: Transtorno Mental Afetando Condição Médica Sintomas Psicológicos Afetando Condição Médica Traços da Personalidade ou Forma de Manejo Afetando Condição Médica Comportamentos de Saúde Mal-adaptativos Afetando Condição Médica Resposta Fisiológica Relacionada a Estresse Afetando Condição Médica Outros ou Inespecificados Fatores Psicológicos Afetando Condição Médica TRANSTORNOS DOS MOVIMENTOS INDUZIDOS POR MEDICAMENTOS 332.1 Parkinsonismo Induzido por Neuroléptico 333.92 Sindrome Neuroléptica Maligna 333.7 Distonia Aguda Induzida por Neuroléptico 333.99 Acatisia Aguda Induzida por Neuroléptico 333.82 Discinesia Tardia Induzida por Neuroléptico 333.1 Tremor Postural Induzido por Medicamento 333.90 Transtorno do Movimento Induzido por Medicamento SOE OUTROS TRANSTORNOS INDUZIDOS POR MEDICAMENTOS 995.2 Efeitos Adversos de Medicamentos SOE PROBLEMAS DE RELACIONAMENTO V61.9 Problema de Relacionamento Associado a um Transtorno Mental ou Condição Médica Geral V61.20 Problema de Relacionamento entre Pai/Mãe-criança V61.10 Problema de Relacionamento com Parceiro V61.8 Problema de Relacionamento Com Irmãos V62.81 Problema de Relacionamento SOE PROBLEMAS RELACIONADOS A ABUSO OU NEGLIGÊNCIA V61.21 Abuso Físico de Criança (código 995.54 se o foco de atenção clínica for a vítima) V61.21 Abuso Sexual de Criança (código 995.53 se o foco de atenção clínica for a vítima) V61.21 Negligência para com a Criança (código 995.52 se o foco de atenção clinica for a vítima) —.— Abuso Físico de Adulto V61.12 (se praticado pelo parceiro) V62.83 (se praticado por outra pessoa que não o parceiro) (codificar 995.81 se o foco de atenção for a vítima) —.— Abuso Sexual de Adulto V61.12 (se praticado pelo parceiro) V62.83 (se praticado por outra pessoa que não o parceiro) (codificar 995.83 se o foco de atenção for a vítima) OUTRAS CONDIÇÕES QUE PODEM SER FOCO DE ATENÇÃO CLÍNICA V15.81 Falta de Aderência ao Tratamento V65.2 Simulação V71.01 Comportamento Anti-social em Adulto V71.02 Comportamento Anti-social em Criança ou Adolescente
(Continua)
344
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 9-19 (Continuação) V62.89 780.9 V62.82 V62.3 V62.2 313.82 V62.89 V62.4 V62.89
Funcionamento Intelectual Borderline Nota: Codificado no Eixo II. Declínio Cognitivo Relacionado à Idade Luto Problema Acadêmico Problema Ocupacional Problema de Identidade Problema Religioso ou Espiritual Problema de Aculturação Problema de Fase da Vida
Códigos Adicionais 300.9 V71.09
799.9 V71.09 799.9
Diagnóstico ou Transtorno Protelado no Eixo I Nenhum Diagnóstico no Eixo II Diagnóstico Protelado no Eixo II
Sistema Multiaxial Eixo I Eixo II Eixo III Eixo IV Eixo V
Transtornos Clínicos Outras Condições que Podem Ser Foco de Atenção Clínica Transtornos da Personalidade, Retardo Mental Condições Médicas Gerais Problemas Psicossociais e Ambientais Avaliação Global do Funcionamento
Transtorno Mental Inespecificado (Não-psicótico) Nenhum Diagnóstico ou Condição no Eixo I
American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistic Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
TABELA 9-20 Classificação de transtornos mentais da CID-10 F00 – F09 Transtornos mentais orgânicos, incluindo sintomáticos F00 Demência na doença de Alzheimer F00.0 Demência na doença de Alzheimer de início precoce F00.1 Demência na doença de Alzheimer de início tardio F00.2 Demência na doença de Alzheimer, tipo misto ou atípica F00.9 Demência na doença de Alzheimer não-especificada F01 Demência vascular F01.0 Demência vascular de início agudo F01.1 Demência por múltiplos infartos F01.2 Demência vascular subcortical F01.3 Demência vascular mista cortical e subcortical F01.8 Outra demência vascular F01.9 Demência vascular não-especificada F02 Demência em outras doenças classificadas em outros locais F02.0 Demência na doença de Pick F02.1 Demência na doença de Creutzfeldt-Jakob F02.2 Demência na doença de Huntington F02.3 Demência na doença de Parkinson F02.4 Demência na doença causada pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) F02.8 Demência em outras doenças específicas classificadas em outros locais F03 Demência não-especificada Um quinto elemento pode ser acrescentado para especificar Demência em F00-F03, como se segue: .x0 Sem sintomas adicionais .x1 Outros sintomas, predominantemente delirantes .x2 Outros sintomas, predominantemente alucinatórios .x3 Outros sintomas, predominantemente depressivos .x4 Outros sintomas mistos F04 Síndrome amnéstica orgânica, não induzida por álcool e outras substâncias psicoativas F05 Delirium, não induzido por álcool e outras substâncias psicoativas F05.0 Delirium, não sobreposto a demência, como descrito F05.1 Delirium, sobreposto a demência F05.8 Outro delirium F05.9 Delirium não-especificado F06 Outros transtornos mentais decorrentes de lesão e disfunção cerebrais e de doença física F06.0 Alucinose orgânica F06.1 Transtorno catatônico orgânico
F06.2 F06.3 .30 .31 .32 .33 F06.4 F06.5 F06.6 F06.7 F06.8
Transtorno delirante (esquizofreniforme) orgânico Transtornos orgânicos do humor (afetivos) Transtorno maníaco orgânico Transtorno bipolar orgânico Transtorno depressivo orgânico Transtorno afetivo misto orgânico Transtorno orgânico de ansiedade Transtorno dissociativo orgânico Transtorno astênico (de labilidade emocional) orgânico Transtorno cognitivo leve Outros transtornos mentais especificados, decorrentes de lesão e disfunção cerebrais e de doença física F06.9 Transtorno mental decorrente de lesão e disfunção cerebrais e de doença física não-especificado F07 Transtornos da personalidade e do comportamento decorrentes de doença, lesão e disfunção cerebrais F07.0 Transtorno orgânico da personalidade F07.1 Síndrome pós-encefalítica F07.2 Síndrome pós-concussional F07.8 Outros transtornos orgânicos da personalidade e do comportamento decorrentes de doença, lesão e disfunção cerebrais F07.9 Transtorno orgânico da personalidade e do comportamento decorrentes de doença, lesão e disfunção cerebrais não-especificado F09 Transtorno mental orgânico ou sintomático não-especificado F10 – F19 Transtornos mentais e de comportamento decorrentes do uso de substância psicoativa F10 – Transtornos mentais e do comportamento decorrentes do uso de álcool F11 – Transtornos mentais e do comportamento decorrentes do uso de opióides F12 – Transtornos mentais e do comportamento decorrentes do uso de canabinóides F13 – Transtornos mentais e do comportamento decorrentes do uso de sedativos ou hipnóticos F14 – Transtornos mentais e do comportamento decorrentes do uso de cocaína F15 – Transtornos mentais e do comportamento decorrentes do uso de outros estimulantes, incluindo cafeína
(continua)
CLASSIFICAÇÃO EM PSIQUIATRIA E ESCALAS DE AVALIAÇÃO PSIQUIÁTRICA
345
TABELA 9-20 (Continuação) F16 – Transtornos mentais e do comportamento decorrentes do uso de alucinógenos F17 – Transtornos mentais e do comportamento decorrentes do uso de tabaco F18 – Transtornos mentais e do comportamento decorrentes do uso de solventes voláteis F19 – Transtornos mentais e do comportamento decorrentes do uso de múltiplas drogas e de outras substâncias psicoativas Categorias de 4 a 5 caracteres podem ser usadas para especificar as condições clínicas, como se segue: F1x.0 Intoxicação aguda .00 Não-complicada .01 Com trauma ou outra lesão corporal .02 Com outras complicações médicas .03 Com delirium .04 Com distorções perceptuais .05 Com coma .06 Com convulsões .07 lntoxicação patológica F1x.1 Uso nocivo F1x.2 Síndrome de dependência .20 Atualmente abstinente .21 Atualmente abstinente, porém em ambiente protegido .22 Atualmente em regime de manutenção ou substituição clinicamente supervisionado (dependência controlada) .23 Atualmente abstinente, porém recebendo tratamento com drogas aversivas ou bloqueadoras .24 Atualmente usando a substância (dependência ativa) .25 Uso contínuo .26 Uso episódico (dipsomania) F1x.3 Estado de abstinência .30 Sem complicações .31 Com convulsões F1x.4 Estado de abstinência com delirium .40 Sem convulsões .41 Com convulsões F1x.5 Transtorno psicótico .50 Esquizofreniforme .51 Predominantemente delirante .52 Predominantemente alucinatório .53 Predominantemente polimórfico .54 Predominantemente depressivo .55 Predominantemente maníaco .56 Misto F1x.6 Síndrome amnéstica F1x.7 Transtorno psicótico residual e de início tardio .70 Flashbacks .71 Transtorno da personalidade e do comportamento .72 Transtorno afetivo residual .73 Demência .74 Outro comprometimento cognitivo persistente .75 Transtorno psicótico de início tardio F1x.8 Outros transtornos mentais e do comportamento F1x.9 Transtorno mental e do comportamento não-especificado F20 – F29 Esquizofrenia, transtornos esquizotípicos e delirantes F20 Esquizofrenia F20.0 Esquizofrenia paranóide F20.1 Esquizofrenia hebefrênica F20.2 Esquizofrenia catatônica F20.3 Esquizofrenia indiferenciada F20.4 Depressão pós-esquizofrênica F20.5 Esquizofrenia residual F20.6 Esquizofrenia simples F20.8 Outra esquizofrenia F20.9 Esquizofrenia não-especificada
Um quinto elemento pode ser usado para classificar o curso: .x0 Contínuo .x1 Episódico com déficit progressivo .x2 Episódico com déficit estável .x3 Episódico remitente .x4 Remissão incompleta .x5 Remissão completa .x8 Outros .x9 Período de observação menor do que um ano F21 Transtorno esquizotípico F22 Transtornos delirantes persistentes F22.0 Transtorno delirante F22.8 Outros transtornos delirantes persistentes F22.9 Transtorno delirante persistente não-especificado F23 Transtornos psicóticos agudos e transitórios F23.0 Transtorno psicótico polimórfico agudo sem sintomas de esquizofrenia F23.1 Transtorno psicótico polimórfico agudo com sintomas de esquizofrenia F23.2 Transtorno psicótico esquizofreniforme agudo F23.3 Outros transtornos psicóticos agudos predominantemente delirantes F23.8 Outros transtornos psicóticos agudos e transitórios F23.9 Transtorno psicótico agudo e transitório não-especificado Um quinto elemento pode ser usado para identificar a presença ou a ausência de estresse agudo associado: .x0 Sem estresse agudo associado .x1 Com estresse agudo associado F24 Transtorno delirante induzido F25 Transtornos esquizoafetivos F25.0 Transtorno esquizoafetivo, tipo maníaco F25.1 Transtorno esquizoafetivo, tipo depressivo F25.2 Transtorno esquizoafetivo, tipo misto F25.8 Outros transtornos esquizoafetivos F25.9 Transtorno esquizoafetivo não-especificado F28 Outros transtornos psicóticos não-orgânicos F29 Psicose não-orgânica não-especificada F30 – F39 Transtornos do humor (afetivos) F30 Episódio Maníaco F30.0 Hipomania F30.1 Mania sem sintomas psicóticos F30.2 Mania com sintomas psicóticos F30.8 Outros episódios maníacos F30.9 Episódio maníaco não-especificado F31 Transtorno afetivo bipolar F31.0 Transtorno afetivo bipolar, episódio atual hipomaníaco F31.1 Transtorno afetivo bipolar, episódio atual maníaco sem sintomas psicóticos F31.2 Transtorno afetivo bipolar, episódio atual maníaco com sintomas psicóticos F31.3 Transtorno afetivo bipolar, episódio atual depressivo leve ou moderado .30 Sem sintomas somáticos .31 Com sintomas somáticos F31.4 Transtorno afetivo bipolar, episódio atual depressivo grave sem sintomas psicóticos F31.5 Transtorno afetivo bipolar, episódio atual depressivo grave com sintomas psicóticos F31.6 Transtorno afetivo bipolar, episódio atual misto F31.7 Transtorno afetivo bipolar, atualmente em remissão F31.8 Outros transtornos afetivos bipolares F31.9 Transtorno afetivo bipolar não-especificado
(Continua)
346
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 9-20 (Continuação) F32 Episódio depressivo F32.0 Episódio depressivo leve .00 Sem sintomas somáticos .01 Com sintomas somáticos F32.1 Episódio depressivo moderado .10 Sem sintomas somáticos .11 Com sintomas somáticos F32.2 Episódio depressivo grave sem sintomas psicóticos F32.3 Episódio depressivo grave com sintomas psicóticos F32.8 Outros episódios depressivos F32.9 Episódio depressivo não-especificado F33 Transtorno depressivo recorrente F33.0 Transtorno depressivo recorrente, episódio atual leve .00 Sem sintomas somáticos .01 Com sintomas somáticos F33.1 Transtorno depressivo recorrente, episódio atual moderado .00 Sem sintomas somáticos .01 Com sintomas somáticos F33.2 Transtorno depressivo recorrente, episódio atual grave sem sintomas psicóticos F33.3 Transtorno depressivo recorrente, episódio atual grave com sintomas psicóticos F33.4 Transtorno depressivo recorrente, atualmente em remissão F33.8 Outros transtornos depressivos recorrentes F33.9 Transtorno depressivo recorrente não-especificado F34 Transtornos persistentes do humor (afetivos) F34.0 Ciclotimia F34.1 Distimia F34.8 Outros transtornos persistentes do humor (afetivos) F34.9 Transtorno persistente do humor (afetivo) não-especificado F38 Outros transtornos do humor (afetivos) F38.0 Outros transtornos únicos do humor (afetivos) .00 Episodio afetivo misto F38.1 Outros transtornos recorrentes do humor (afetivos) .10 Transtorno depressivo breve recorrente F38.8 Outros transtornos do humor (afetivos) especificados F39 Transtorno do humor (afetivo) não-especificado F40 – F48 Transtornos neuróticos relacionados ao estresse e somatoformes F40 Transtornos fóbico-ansiosos F40.0 Agorafobia .00 Sem transtorno de pânico .01 Com transtorno de pânico F40.1 Fobias sociais F40.2 Fobias específicas (isoladas) F40.8 Outros transtornos fóbico-ansiosos F40.9 Transtorno fóbico-ansioso não-especificado F41 Outros transtornos de ansiedade F41.0 Transtorno de pânico (ansiedade paroxística episódica) F41.1 Transtorno de ansiedade generalizada F41.2 Transtorno misto de ansiedade e depressão F41.3 Outros transtornos mistos de ansiedade F41.8 Outros transtornos ansiosos especificados F41.9 Transtorno de ansiedade não-especificado F42 Transtorno obsessivo-compulsivo F42.0 Predominantemente pensamentos obsessivos ou ruminações F42.1 Predominantemente atos compulsivos (rituais obsessivos) F42.2 Pensamentos e atos obsessivos mistos F42.8 Outros transtornos obsessivo-compulsivos F42.9 Transtorno obsessivo-compulsivo não-especificado F43 Reação a estresse grave e transtornos de ajustamento
F43.0 F43.1 F43.2 .20 .21 .22 .23 .24 .25 .28 F43.8 F43.9
Reação aguda a estresse Transtorno de estresse pós-traumático Transtornos de ajustamento Reação depressiva breve Reação depressiva prolongada Reação mista ansiosa e depressiva Com perturbação predominante de outras emoções Com perturbação predominante da conduta Com perturbação mista de emoções e conduta Com outros sintomas predominantes especificados Outras reações a estresse grave Reação a estresse grave não-especificada
F44 Transtornos dissociativos (ou conversivos) F44.0 Amnésia dissociativa F44.1 Fuga dissociativa F44.2 Estupor dissociativo F44.3 Transtornos de transe e possessão F44.4 Transtornos motores dissociativos F44.5 Convulsões dissociativas F44.6 Anestesia e perda sensorial dissociativas F44.7 Transtornos dissociativos (ou conversivos) mistos F44.8 Outros transtornos dissociativos (ou conversivos) .80 Síndrome de Ganser .81 Transtorno da personalidade múltipla .82 Transtornos dissociativos (ou conversivos) transitórios ocorrendo na infância ou na adolescência .88 Outros transtornos dissociativos (ou conversivos) especificados F44.9 Transtorno dissociativo (ou conversivo) não-especificado F45 Transtornos somatoformes F45.0 Transtorno de somatização F45.1 Transtorno somatoforme indiferenciado F45.2 Transtorno hipocondríaco F45.3 Disfunção autonômica somatoforme .30 Coração e sistema cardiovascular .31 Trato gastrintestinal superior .32 Trato gastrintestinal inferior .33 Sistema respiratório .34 Sistema geniturinário .38 Outro órgão ou sistema F45.4 Transtorno doloroso somatoforme persistente F45.8 Outros transtornos somatoformes F45.9 Transtorno somatoforme não-especificado F48 Outros transtornos neuróticos F48.0 Neurastenia F48.1 Síndrome de despersonalização-desrealização F48.8 Outros transtornos neuróticos especificados F48.9 Transtorno neurótico não-especificado F50 – F59 Síndromes comportamentais associadas a perturbações fisiológicas e fatores físicos F50 Transtornos alimentares F50.0 Anorexia nervosa F50.1 Anorexia nervosa atípica F50.2 Bulimia nervosa F50.3 Bulimia nervosa atípica F50.4 Hiperfagia associada a outras perturbações psicológicas F50.5 Vômitos associados a outras perturbações psicológicas F50.8 Outros transtornos alimentares F50.9 Transtorno alimentar não-especificado F51 Transtornos não-orgânicos do sono F51.0 Insônia não-orgânica F51.1 Hipersonia não-orgânica
(Continua)
CLASSIFICAÇÃO EM PSIQUIATRIA E ESCALAS DE AVALIAÇÃO PSIQUIÁTRICA
347
TABELA 9-20 (Continuação) F51.2 F51.3 F51.4 F51.5 F51.8 F51.9
Transtorno não-orgânico do ciclo de sono-vigília Sonambulismo Terrores noturnos Pesadelos Outros transtornos não-orgânicos do sono Transtorno não-orgânico do sono não-especificado
F52 Disfunção sexual, não causada por transtorno ou doença orgânica F52.0 Falta ou perda de desejo sexual F52.1 Aversão sexual e falta de prazer .10 Aversão sexual .11 Falta de prazer F52.2 Falta de resposta genital F52.3 Disfunção orgásmica F52.4 Ejaculação precoce F52.5 Vaginismo não-orgânico F52.6 Dispareunia não-orgânica F52.7 Impulso sexual excessivo F52.8 Outras disfunções sexuais, não causadas por transtorno ou doença orgânica F52.9 Disfunção sexual, não causada por transtorno ou doença orgânica não-especificada F53 Transtornos mentais e do comportamento associados ao puerpério não classificados em outros locais F53.0 Transtornos mentais e do comportamento leves associados ao puerpério não classificados em outros locais F53.1 Transtornos mentais e do comportamento graves associados ao puerpério não classificados em outros locais F53.8 Outros transtornos mentais e do comportamento associados ao puerpério não classificados em outros locais F53.9 Transtorno mental puerperal não-especificado F54 Fatores psicológicos e do comportamento associados a transtornos ou doenças classificados em outros locais F55 Abuso de substâncias que não produzem dependência F55.0 Antidepressivos F55.1 Laxantes F55.2 Analgésicos F55.3 Antiácidos F55.4 Vitaminas F55.5 Esteróides ou hormônios F55.6 Ervas ou remédios populares específicos F55.8 Outras substâncias que não produzem dependência F55.9 Não-especificado F59 Síndromes comportamentais associadas a perturbações fisiológicas e a fatores físicos não-especificados F60 – F69 Transtornos da personalidade e do comportamento em adultos F60 Transtornos específicos da personalidade F60.0 Transtorno da personalidade paranóide F60.1 Transtorno da personalidade esquizóide F60.2 Transtorno da personalidade anti-social F60.3 Transtorno da personalidade emocionalmente instável .30 Tipo impulsivo .31 Tipo bordeline F60.4 Transtorno da personalidade histriônica F60.5 Transtorno da personalidade anancástica F60.6 Transtorno da personalidade ansiosa (de evitação) F60.7 Transtorno da personalidade dependente F60.8 Outros transtornos específicos da personalidade F60.9 Transtorno da personalidade não-especificado F61 Transtornos da personalidade mistos e outros F61.0 Transtornos mistos da personalidade F61.1 Alterações preocupantes da personalidade
F62 Alterações permanentes da personalidade, não atribuíveis a lesão ou doença cerebral F62.0 Alteração permanente da personalidade após experiência catastrófica F62.1 Alteração permanente da personalidade após doença psiquiátrica F62.8 Outras alterações permanentes da personalidade F62.9 Alteração permanente da personalidade não-especificada F63 Transtornos de hábitos e impulsos F63.0 Jogo patológico F63.1 Comportamento incendiário patológico (piromania) F63.2 Roubo patológico (cleptomania) F63.3 Tricotilomania F63.8 Outros transtornos de hábitos e impulsos F63.9 Transtorno de hábitos e impulsos não-especificado F64 Transtornos de identidade sexual F64.0 Transexualismo F64.1 Transvestismo de duplo papel F64.2 Transtorno de identidade sexual na infância F64.8 Outros transtornos de identidade sexual F64.9 Transtorno de identidade sexual não-especificado F65 Transtornos de preferência sexual F65.0 Fetichismo F65.1 Travestismo fetichista F65.2 Exibicionismo F65.3 Voyeurismo F65.4 Pedofilia F65.5 Sadomasoquismo F65.6 Transtornos múltiplos de preferência sexual F65.8 Outros transtornos de preferência sexual F65.9 Transtorno de preferencia sexual não-especificado F66 Transtornos psicológicos e do comportamento associados ao desenvolvimento e à orientação sexuais F66.0 Transtorno de maturação sexual F66.1 Orientação sexual egodistônica F66.2 Transtorno de relacionamento sexual F66.8 Outros transtornos do desenvolvimento psicossexual F66.9 Transtorno do desenvolvimento psicossexual não-especificado Um quinto elemento pode ser usado para indicar associação a: .x0 Heterossexualidade .x1 Homossexualidade .x2 Bissexualidade .x3 Outros, incluindo pré-puberal F68 Outros transtornos da personalidade e do comportamento em adultos F68.0 Elaboração de sintomas físicos por razões psicológicas F68.1 Produção intencional ou invenção de sintomas ou incapacidades físicas ou psicológicas (transtorno factício) F68.8 Outros transtornos especificados da personalidade e do comportamento em adultos F69 Transtorno não-especificado da personalidade e do comportamento em adultos F70-F79 Retardo mental F70 Retardo mental leve F71 Retardo mental moderado F72 Retardo mental grave F73 Retardo mental profundo F78 Outro retardo mental
(Continua)
348
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 9-20 (Continuação) F79 F7x.0 F7x.1 F7x.8 F7x.9
Retardo mental não-especificado Um quarto elemento pode ser usado para especificar a extensão do comprometimento associado: Nenhum ou mínimo comprometimento do comportamento Comprometimento significativo do comportamento requerendo atenção ou tratamento Outros comprometimentos do comportamento Sem menção a comprometimento do comportamento
F80-89 Transtornos do desenvolvimento psicológico F80 Transtornos específicos do desenvolvimento da fala e da linguagem F80.0 Transtorno especifico de articulação da fala F80.1 Transtorno da linguagem expressiva F80.2 Transtorno da linguagem receptiva F80.3 Afasia adquirida com epilepsia (síndrome de Landau-Kleffner) F80.8 Outros transtornos do desenvolvimento da fala e da linguagem F80.9 Transtorno do desenvolvimento da fala e da linguagem, não-especificado F81 Transtornos específicos do desenvolvimento das habilidades escolares F81.0 Transtorno especifico da leitura F81.1 Transtorno especifico do soletrar F81.2 Transtorno especifico das habilidades aritméticas F81.3 Transtorno misto das habilidades escolares F81.8 Outros transtornos do desenvolvimento das habilidades escolares F81.9 Transtorno do desenvolvimento das habilidades escolares não-especificado F82 Transtorno específico do desenvolvimento da função motora F83 Transtornos específicos mistos do desenvolvimento F84 Transtornos invasivos do desenvolvimento F84.0 Autismo infantil F84.1 Autismo atípico F84.2 Síndrome de Rett F84.3 Outro transtorno desintegrativo da infância F84.4 Transtorno de hiperatividade associado a retardo mental e a movimentos estereotipados F84.5 Síndrome de Asperger F84.8 Outros transtornos invasivos do desenvolvimento F84.9 Transtorno invasivo do desenvolvimento não-especificado F88 Outros transtornos do desenvolvimento psicológico F89 Transtorno não-especificado do desenvolvimento psicológico F90 – F98 Transtornos emocionais e do comportamento com início geralmente na infância ou na adolescência F90 Transtornos hipercinéticos F90.0 Perturbação da atividade e da atenção F90.1 Transtorno da conduta hipercinética
F90.8 Outros transtornos hipercinéticos F90.9 Transtorno hipercinético não-especificado F91 Transtornos da conduta F91.0 Transtorno da conduta restrito ao contexto familiar F91.1 Transtorno da conduta não-socializado F91.2 Transtorno da conduta socializado F91.3 Transtorno desafiador de oposição F91.8 Outros transtornos da conduta F91.9 Transtorno da conduta não-especificado F92 Transtornos mistos da conduta e das emoções F92.0 Transtorno depressivo da conduta F92.8 Outros transtornos mistos da conduta e das emoções F92.9 Transtorno misto da conduta e das emoções não-especificado F93 Transtornos emocionais com início específico na infância F93.0 Transtorno de ansiedade de separação na infância F93.1 Transtorno fóbico-ansioso na infância F93.3 Transtorno de rivalidade entre irmãos F93.8 Outros transtornos emocionais na infância F93.9 Transtorno emocional na infância não-especificado F94 Transtornos do funcionamento social com início específico na infância ou na adolescência F94.0 Mutismo eletivo F94.1 Transtorno reativo de vinculação na infância F94.2 Transtorno de vinculação com desinibição na infância F94.8 Outros transtornos do funcionamento social na infância F94.9 Transtorno do funcionamento social na infância não-especificado F95 Transtornos de tique F95.0 Transtorno de tique transitório F95.1 Transtorno de tique motor ou vocal F95.2 Transtorno de tiques vocais e motores múltiplos combinados (síndrome de Gilles de la Tourette) F95.8 Outros transtornos de tique F95.9 Transtorno de tique não-especificado F98 Outros transtornos emocionais e do comportamento com início geralmente na infância ou na adolescência F98.0 Enurese não-orgânica F98.1 Encoprese não-orgânica F98.2 Transtorno alimentar na infância F98.3 Pica na infância F98.4 Transtorno de movimento estereotipado F98.5 Gagueira (tartamudez) F98.6 Fala desordenada (taquifemia) F98.8 Outros transtornos emocionais e do comportamento especificados com início geralmente na infância ou na adolescência F98.9 Transtornos emocionais e do comportamento com início geralmente na infância ou na adolescência não-especificados F99 Transtorno mental, sem outra especificação
Reimpressa com permissão da World Health Organization. The ICD-10 Classification of Mental and Behavioral Disorders: Clinical Descriptions and Diagnostic Guidelines. Geneva: World Health Organization, 1992.
REFERÊNCIAS American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text revision. Washington, DC: American Psychiatric Association; 2000. Berrios GE, Hauser R. The early development of Kraepelin’s ideas on classification: a conceptual history. Psychol Med. 1988;18:813.
Bryan KJ, Rounsaville B, Spitzer RL, Williams JB. Reliability of dual diagnosis: substance dependence and psychiatric disorders. J Nerv Ment Dis. 1992;180:251. Burros OK, ed. Personality Tests and Reviews. Highland Park, NJ: Gryphon; 1970. Frances A. An introduction of DSM-IV. Hosp Community Psychiatry. 1990;41:49.
CLASSIFICAÇÃO EM PSIQUIATRIA E ESCALAS DE AVALIAÇÃO PSIQUIÁTRICA
Janca A, Hiller W. ICD-10 checklists–a tool for clinician’s use of the ICD-10 classification of mental and behavioral disorders. Compr Psychiatry. 1996;37:180. Liddle PF, Ngan ET, Duffield G, et al. Signs and Symptoms of Pychotic Illness (SSPI): a rating scale. Br J Psychiatry. 2002;180:45. Lyerly SB. Handbook of Psychiatric Rating Scales. 2nd ed. Bethesda, MD: National Institute of Mental Health; 1973. Ventureyra VAG, Yao S-N, Cottraux J, et al. The validation of the Posttraumatic Stress Disorder Checklist Scale in posttraumatic stress disorder and nonclinical subjects. Psychother Psychosom. 2002;71:47. Wilson M. DSM-III and the transformation of American psychiatry. A history. Am Psychiatry. 1993;150:399.
349
World Health Organization. The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural Disorders: Clinical Descriptions and Diagnostic Guidelines. Geneva: World Health Organization; 1992. World Health Organization. The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural Disorders: Diagnostic Criteria for Research. Geneva: World Health Organization; 1992. Zarin DA. Earls F. Diagnostic decision making in psychiatry. Am J Psychiatry. 1993;150:197. Zimmerman M. Is DSM-IV needed at all? Am J Psychiatry. l990;147:974. Zimmerman M, Coryell W, Black D. Variability in the application of contemporary diagnostic criteria: endogenous depression as an example. Am J Psychiatry. 1990;147:1173.
10 Delirium, demência, transtornos amnésticos e outras psicopatologias devido a uma condição médica geral
10.1 Visão geral Na revisão da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR), três grupos de transtornos – delirium, demência e transtornos amnésticos – são caracterizados por um sintoma primário comum, que é o comprometimento da cognição (memória, linguagem ou atenção). Embora reconheça que outras condições psiquiátricas possam apresentar limitações cognitivas, esse comprometimento cognitivo é o principal sintoma do delirium, da demência e dos transtornos amnésticos. Em cada diagnóstico, o DSM-IV-TR delimita tipos específicos (Tab. 10.1-1). No passado, essas condições eram classificadas sob a categoria de “transtornos mentais orgânicos” ou “cerebrais orgânicos”. Tradicionalmente, eram definidos como transtornos que tinham condição patológica identificável, como tumor cerebral, doença cerebrovascular ou intoxicação por substância. Aqueles que não apresentavam base orgânica aceita (como a depressão) eram denominados transtornos funcionais. Essa distinção secular entre transtornos orgânicos e funcionais está desatualizada e foi abolida da nomenclatura. A única conclusão imparcial a ser feita na avaliação dos dados disponíveis é que todos os transtornos psiquiátricos possuem componente orgânico (i.e., biológico ou químico). Em decorrência dessa reavaliação dos dados, o conceito de transtorno funcional foi considerado enganoso, e o termo funcional e seu oposto histórico, orgânico, não são mais usados nesse contexto no DSM-IV-TR. Outra indicação de que a dicotomia não é mais válida é a atualização do termo neuropsiquiatria. Conforme definido na sétima edição do Dicionário de psiquiatria de Campbell, o termo enfatiza a subestrutura somática sobre a qual se baseiam as operações mentais e as emoções. Neuropsiquiatria diz respeito aos componentes psicopatológicos da disfunção cerebral, conforme observado em distúrbios convulsivos, por exemplo. Concentra-se nos aspectos psiquiátricos dos distúrbios neurológicos e no papel da disfunção cerebral nos transtornos psiquiátricos. CLASSIFICAÇÃO Para cada um dos três grupos principais – delirium, demência e transtornos amnésticos – existem subcategorias baseadas em sua etiologia, definidas e resumidas da seguinte maneira:
Delirium É marcado por confusão e mudanças a curto prazo na cognição e se divide em quatro subcategorias com base em diversas causas: (1) condição médica geral, como infecções; (2) induzido por substâncias, como cocaína, opióides, fenciclidina (PCP); (3) causas múltiplas, como traumatismo craniano e doenças renais; e (4) delirium sem outra especificação, como privação do sono. Demência É marcada por limitações graves na memória, no julgamento, na orientação e na cognição, e se divide em seis subcategorias: (1) demência do tipo Alzheimer, que normalmente ocorre em pessoas acima de 65 anos e se manifesta por desorientação intelectual progressiva e demência, delírios ou depressão; (2) demência vascular, causada por trombose ou hemorragia; (3) outras condições médicas, como doença do vírus da imunodeficiência humana (HIV), traumatismo craniano, doença de Pick, doença de Creutzfeldt-Jakob (causada por vírus transmissível de crescimento rápido); (4) induzida por substâncias, causada por toxinas ou medicamentos, como vapores de gasolina, atropina; (5) etiologias múltiplas; e (6) sem outra especificação (se a causa for desconhecida). Transtorno amnéstico Caracteriza-se por problemas de memória e esquecimento e se divide em três subcategorias: (1) causado por condição médica (hipoxia); (2) produzido por toxinas ou medicamentos, como maconha, diazepam; e (3) sem outra especificação. Transtorno cognitivo sem outra especificação Essa é a categoria do DSM-IV-TR que permite o diagnóstico de uma condição cognitiva que não satisfaça os critérios para delirium, demência ou transtornos amnésticos (Tab. 10.1-2). Presume-se que a causa dessas síndromes envolva condição médica geral específica, agente farmacológico ativo ou, possivelmente, ambos.
DELIRIUM, DEMÊNCIA,
TRANSTORNOS AMNÉSTICOS E OUTRAS PSICOPATOLOGIAS DEVIDO A UMA CONDIÇÃO MÉDICA GERAL
TABELA 10.1-1 Transtornos cognitivos segundo o DSM-IV
Delirium Delirium devido a uma condição médica geral Delirium induzido por substância Delirium devido a múltiplas etiologias Delirium sem outra especificação Demência Demência do tipo Alzheimer Demência vascular Demência devida a outras condições médicas gerais Demência devida à doença do HIV Demência devida a traumatismo craniano Demência devida à doença de Parkinson Demência devida à coréia de Huntington Demência devida à doença de Pick Demência devida à doença de Creutzfeldt-Jakob Demência devida a outras condições médicas gerais Demência persistente induzida por substância Demência devida a múltiplas etiologias Demência sem outra especificação Transtornos amnésticos Transtorno amnéstico devido a uma condição médica geral Transtorno amnéstico persistente induzido por substância Transtorno amnéstico sem outra especificação Transtorno cognitivo sem outra especificação
TABELA 10.1-2 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtornos cognitivos sem outra especificação Esta categoria aplica-se a transtornos caracterizados por disfunção cognitiva que ocorre presumivelmente devido ao efeito fisiológico direto de uma condição médica geral, mas não satisfazem os critérios para qualquer dos tipos de delirium, demência ou transtornos amnésticos específicos listados nesta seção, nem são melhor classificados como delirium sem outra especificação, demência sem outra especificação ou transtorno amnéstico sem outra especificação. Para uma disfunção cognitiva devido a uma substância específica ou desconhecida, aplica-se a categoria específica de transtorno relacionado a substância sem outra especificação. Exemplos: 1. Transtorno neurocognitivo leve: comprometimento do funcionamento cognitivo comprovado por testagem neuropsicológica ou avaliação clínica quantitativa, acompanhado por evidências objetivas de uma condição médica geral sistêmica ou disfunção do sistema nervoso central. 2. Transtorno pós-concussão: após traumatismo craniano, comprometimento da memória ou da atenção com sintomas associados. American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
AVALIAÇÃO CLÍNICA História psiquiátrica Durante a obtenção da história, o clínico busca identificar o desenvolvimento da doença. Transtornos cognitivos leves, sintomas oscilantes e processos progressivos de doença podem ser rastreados de maneira efetiva. É importante obter-se o quadro detalhado das mudanças na rotina do paciente, envolvendo fatores como
351
cuidados pessoais, responsabilidades e hábitos de trabalho; preparação de refeições; suprimentos e apoio; interação com amigos; passatempos e esportes; interesses de leitura; atividades religiosas, sociais e recreativas; e capacidade de manter suas finanças pessoais. O entendimento da vida passada de cada paciente proporciona fonte valiosa de dados básicos relacionados a mudanças no funcionamento, como atenção e concentração, habilidades intelectuais e motoras, personalidade, humor e percepção. O examinador pretende encontrar as atividades específicas que o paciente considera mais importantes ou centrais ao seu estilo de vida e tenta discernir como foram afetadas pela condição clínica emergente. Esse método proporciona oportunidade para avaliar o impacto da doença e a condição basal do paciente para monitorar os efeitos de terapias futuras. Exame do estado mental Após obter a história detalhada, a principal ferramenta do clínico é o exame do estado mental. Assim como o exame físico, é a forma de verificar funções e capacidades, de permitir a definição de pontos fortes e fracos da pessoa. Trata-se de avaliação estruturada e reproduzível de sintomas e sinais que promove a comunicação efetiva entre os clínicos. Além disso, estabelece a base para comparações futuras, essencial para documentar a efetividade terapêutica, com a generalização dos achados de um paciente para outro. A Tabela 10.1-3 apresenta uma lista dos componentes de um exame neuropsiquiátrico abrangente do estado mental. Cognição Ao testar o funcionamento cognitivo, o clínico deve avaliar a memória, as capacidades visuoespaciais e construtivas, além de habilidades em leitura, escrita e matemática. A avaliação da capacidade de abstrair também é importante, mas, embora o desempenho do paciente em tarefas como interpretação de provérbios possa ser um teste projetivo rápido e eficaz para alguns indivíduos, a interpretação específica resulta de uma variedade de fatores, como nível baixo de instrução, pouca inteligência e falta de compreensão do conceito de provérbio, bem como de ampla variedade de condições psicopatológicas primárias e secundárias. Ainda que a avaliação formal de limitações cognitivas exija consultas demoradas com especialista em testagem psicológica, um teste prático e de utilidade clínica é o Miniexame do Estado Mental (MMSE) (Tab. 10.1-4), instrumento de triagem que pode ser usado durante o exame clínico do paciente. Também constitui recurso prático para identificar as mudanças ocorridas no estado cognitivo do mesmo. Do total possível de 30 pontos, escore abaixo de 25 sugere possível comprometimento e o abaixo de 20, comprometimento certo. EXAME PATOLÓGICO E LABORATORIAL Como todos os testes médicos, avaliações psiquiátricas, como o exame do estado mental, devem ser interpretadas no contexto
352
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 10.1-3 Exame neuropsiquiátrico do estado mental A. Descrição geral 1. Aparência, roupas, acessórios sensoriais (óculos, aparelho auditivo) 2. Nível de consciência e excitação 3. Atenção ao ambiente 4. Postura (de pé e sentado) 5. Marcha 6. Movimentos dos membros, do tronco e do rosto (espontâneo, em repouso e após instrução) 7. Comportamento geral (incluindo evidências de respostas a estímulos internos) 8. Resposta ao examinador (contato visual, cooperação, capacidade de concentrar-se no processo da entrevista) 9. Língua nativa ou primeira língua B. Linguagem e fala 1. Compreensão (palavras, sentenças, comandos simples e complexos e conceitos) 2. Produção (espontaneidade, velocidade, fluência, melodia ou prosódia, volume, coerência, vocabulário, erros parafrásicos, complexidade) 3. Repetição 4. Outros aspectos a. Nomes de objetos b. Nomes de cores c. Identificação de partes do corpo d. Prática ideomotora de comandos C. Pensamento 1. Forma (coerência e coesão) 2. Conteúdo a. Ideação (preocupações, idéias supervalorizadas, delírios) b. Percepção (alucinações) D. Humor e afeto 1. Estado do humor interno (espontâneo e evocado; senso de humor) 2. Perspectiva futura 3. Idéias e planos suicidas 4. Estado mental demonstrado (congruência com o humor) E. Insight e julgamento 1. Insight a. Auto-avaliação e auto-estima b. Compreensão de circunstâncias atuais c. Capacidade de descrever estados psicológico e físico pessoais 2. Julgamento a. Avaliação de relacionamentos sociais importantes b. Compreensão de papéis e responsabilidades pessoais F. Cognição 1. Memória a. Espontânea (conforme evidenciado na entrevista) b. Testada (incidental, repetição imediata, recuperação retardada, recuperação induzida, reconhecimento; verbal, nãoverbal; explícita, implícita) 2. Habilidades visuoespaciais 3. Habilidade construtiva 4. Matemática 5. Leitura 6. Escrita 7. Funcionamento sensorial fino (estereognose, grafestesia, discriminação de dois pontos) 8. Gnosia dos dedos 9. Orientação entre direita e esquerda 10. “Funções executivas” 11. Abstração Cortesia de Eric D. Caine, M.D., e Jeffrey M. Lyness, M.D.
TABELA 10.1-4 Questionário do Miniexame do Estado Mental (MMSE) Orientação (pontue 1 se correto) Nome deste hospital ou prédio. Em que cidade você está agora? Em que ano estamos? Em que mês estamos? Qual é a data de hoje? Que país é este? Em que estado você está? Em que andar do prédio você está? Que dia da semana é este? Que estação do ano é esta? Registro (pontue 1 para cada objeto repetido corretamente) Diga o nome de três objetos e solicite que o paciente os repita. Marque o número de objetos repetidos. Diga o nome dos três objetos várias vezes se necessário para que o paciente os repita corretamente (número de tentativas___). Atenção e cálculos Subtrair 7 de 100 de maneira serial até 65. Escore máximo = 5 Recuperação (pontue 1 para cada objeto lembrado) Você lembra dos três objetos anteriores? Testes de linguagem Confrontação de nomes: relógio, caneta = 2 Repetição: “Sem usar se, e e mas” = 1 Compreensão: pegue o papel com a mão direita, dobre ao meio, e coloque-o no chão = 3 Ler e obedecer o comando “feche os olhos” = 1 Escrever qualquer sentença (sujeito, verbo, objeto) = 1 Construção Copiar o modelo abaixo = 1
Escore total do questionário do MMSE (máximo = 30)
___ ___ ___ ___ ___ ___ ___ ___ ___ ___ ___
___ ___ ___ ___ ___ ___ ___ ___
___
Adaptada de Folstein MF, Folstein S, McHugh PR. Mini-mental state: a practical method for grading the cognitive state of patients for the clinician. J Psychiatr Res. 1975;12:189.
geral de uma análise clínica e laboratorial detalhada. Os pacientes psiquiátricos e neuropsiquiátricos exigem exame físico cuidadoso (Tab. 10.1-5), especialmente quando houver questões envolvendo condições médicas co-mórbidas ou com relação etiológica. Ao consultar especialistas em medicina interna e em outras áreas médicas, o clínico deve fazer perguntas específicas para focar o processo de diagnóstico diferencial e usar a consulta da forma mais efetiva. Em particular, a maioria das doenças médicas sistêmicas ou cerebrais primárias que levam a transtornos psicopatológicos também se manifesta com diversas anormalidades periféricas ou centrais. Inicialmente, sugere-se fazer a triagem laboratorial, que pode ser seguida por vários exames auxiliares para aumentar a especificidade do diagnóstico. A Tabela 10.1-6 apresenta uma lista de procedimentos, alguns dos quais serão descritos a seguir. ELETROENCEFALOGRAMA O eletroencefalograma (EEG) é um teste facilmente acessível e nãoinvasivo para disfunções cerebrais que apresenta sensibilidade eleva-
DELIRIUM, DEMÊNCIA,
TRANSTORNOS AMNÉSTICOS E OUTRAS PSICOPATOLOGIAS DEVIDO A UMA CONDIÇÃO MÉDICA GERAL
TABELA 10.1-5 Exame completo para demência e outros transtornos cognitivos Exame físico, incluindo exame neurológico detalhado Sinais vitais Exame do estado mental Mniexame do Estado Mental (MMSE) Revisão da medicação e seus níveis de medicamento Exames de urina e sangue para álcool, drogas e metais pesadosa Exame fisiológico Eletrólitos/glicose/Ca2+, Mg2+ séricos Exames dos funcionamentos hepático e renal SMA-12 ou perfil equivalente da química sérica Exame qualitativo de urina Contagem completa de células sangüíneas com contagem diferencial Exames da tireóide (incluindo nível de TSH) RPR (soro) FTA-ABS (se houver suspeita de doenças do SNC) B12 sérico Níveis de folato Corticosteróides na urinaa Taxa de sedimentação de eritrócitos (Westergren) Anticorpos antinuclearesa (ANA), C3C4, anti-DS DNAa Gases no sangue arteriala Exame de HIVa, b Porfobilinogênios na urinaa Radiografia peitoral Eletrocardiograma Exame neurológico TC ou RM da cabeçaa SPECTb, c Punção lombara EEGa Exame neurológicod aIndicados
por história e exame físico. consentimento especial e orientação. detectar déficits em perfusão do fluxo sangüíneo cerebral. dPode ser usado para diferenciar a demência de outras síndromes neuropsiquiátricas se não puder ser feito clinicamente. Adaptada, com permissão, de Stoudemire A, Thompson TL. Recognizing and treating dementia. Geriatrics. 1981;36:112. bExige cPode
da em muitos transtornos, mas especificidade relativamente baixa. Além de seus usos reconhecidos na epilepsia, sua maior utilidade está associada ao fato de detectar ritmos elétricos alterados relacionados a delirium leve, lesões expansivas e crises parciais complexas (nas quais o paciente permanece consciente, mas com limitações comportamentais). O EEG também é sensível em estados metabólicos e tóxicos, muitas vezes apresentando redução difusa na atividade cerebral. Redução focal pode indicar uma variedade de causas, como lesões expansivas (tumores, abscessos cerebrais) ou hematomas subdurais. Entretanto, o EEG superficial (registrado através do crânio) costuma ser insuficiente para localizar a fonte e pode se mostrar insensível a diversos processos anormais. Os registros nasofaríngeos podem definir melhor as anormalidades geradas pelos lobos temporais. Os registros corticais diretos (superficiais) também são usados para localizar focos de crises. Os resultados do EEG mudam com o envelhecimento, com redução geral na atividade das ondas alfa e aumentos nas quantidades relativas de atividade das ondas teta e delta. No começo do curso de patologias como a doença de Alzheimer, o EEG típico geralmente permanece normal e, assim, muitas vezes não produz resultados. Como parte da polissonografia, estudos recentes sugeriram que poderá, no futuro, ajudar a distinguir idosos com transtorno depressivo maior associado a limitações cog-
353
TABELA 10.1-6 Exames laboratoriais Exames gerais Contagem completa de células sangüíneas Taxa de sedimentação de eritrócitos Eletrólise Glicose Uréia sangüínea e creatinina sérica Exames do funcionamento hepático Cálcio e fósforo séricos Exames do funcionamento da tireóide Proteína sérica Níveis de todas as drogas Exame qualitativo de urina Teste de gravidez para mulheres em idade fértil Eletrocardiografia Exames complementares Sangue Culturas de sangue RPR (rapid plasma reagin) Teste de HIV (ELISA e Western blot) Metais pesados no soro Cobre no soro Ceruloplasmina Níveis de folato RBC e B12 Urina Cultura Toxicologia Exame de metais pesados Eletrografia Eletroencefalograma Potenciais evocados Polissonografia Tumescência peniana noturna Líquido cerebrospinal Glicose, proteína Contagem celular Culturas (bacteriana, viral, fúngica) Antígeno criptococal Teste VDRL Radiografia Tomografia computadorizada Ressonância magnética Tomografia por emissão de pósitrons Tomografia computadorizada por emissão de fóton único Cortesia de Eric D. Caine, M.D., e Jeffrey M. Lyness, M.D.
nitivas de indivíduos com algum processo neurodegenerativo primário subjacente à sua demência.
TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA E RESSONÂNCIA MAGNÉTICA A tomografia computadorizada (TC) e a ressonância magnética (RM) são ferramentas poderosas na pesquisa neuropsiquiátrica. Avanços recentes em relação a esta última permitiram a medição direta de estruturas como o tálamo, os gânglios da base, o hipocampo e a amígdala, assim como as áreas temporal e apical do cérebro e as estruturas da fossa posterior. A RM substituiu a TC como o método mais útil e efetivo em relação ao custo/benéfico da imagem em neuropsiquiatria. Pacientes com hemorragia ou hematomas cerebrais agudos podem continuar a ser avaliados por meio da TC, mas casos como esses ocorrem com pouca freqüência em cenários psiquiátricos. A RM discrimina melhor a in-
354
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
terface entre as substâncias cinzenta e branca, e é útil para detectar muitas lesões na substância branca das regiões periventricular e subcortical. A significância fisiopatológica desses achados ainda está por ser definida. Anormalidades na substância branca são detectadas em pacientes mais jovens com esclerose múltipla ou infecções causadas pelo HIV e em idosos com hipertensão, demência vascular ou do tipo Alzheimer. Porém, a prevalência dessas anormalidades também é maior em indivíduos idosos saudáveis que não apresentam processo patológico definido. Como a TC, a maior utilidade da RM na avaliação de indivíduos com demência está naquilo que consegue excluir (tumores, doenças vasculares), e não no que pode demonstrar especificamente.
TOMOGRAFIA POR EMISSÃO DE PÓSITRONS, TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA POR EMISSÃO DE FÓTON ÚNICO E RESSONÂNCIA MAGNÉTICA FUNCIONAL As técnicas de base funcional para visualização do cérebro, como a tomografia por emissão de pósitrons (PET) e a tomografia computadorizada por emissão de fóton único (SPECT), envolvem a injeção de compostos naturais radioativamente rotulados ou de radiofármaco, com a demonstração subseqüente do fluxo sangüíneo cerebral ou a incorporação dos compostos rotulados em vias metabólicas específicas. Esses métodos mostraram-se promissores para o estudo das bases neuroquímicas e fisiológicas de uma variedade de transtornos neuropsiquiátricos. Contudo, o custo da PET atualmente impede seu uso como procedimento diagnóstico de rotina, e ainda existem dados insuficientes para projetar sua utilidade futura para a avaliação clínica. A SPECT pode ser realizada de forma mais rápida e com menos custo, mas sua utilidade diagnóstica específica ainda está por ser determinada. A RM funcional (RMf ) é a grande promessa como ferramenta de pesquisa para explorar as bases fisiológicas de processos comportamentais complexos. Entretanto, sua utilidade potencial como instrumento diagnóstico clínico ainda não foi definida. TESTAGEM NEUROPSICOLÓGICA A testagem neuropsicológica proporciona avaliação padronizada, quantitativa e reproduzível das capacidades cognitivas do paciente. Esses procedimentos podem ser úteis nas avaliações inicial e periódica. Existem testes disponíveis que examinam as capacidades em ampla variedade de domínios cognitivos, e muitos oferecem grupos normativos comparativos ou escores adaptados com base em amostras normativas. O clínico que faz consulta neuropsicológica deve entender o suficiente sobre os pontos fortes e fracos do procedimento escolhido, a fim de se beneficiar integralmente dos resultados obtidos. (O Capítulo 5 inclui avaliação completa dos testes neuropsicológicos.) CID-10 Ao contrário do DSM-IV-TR, os transtornos mentais orgânicos (incluindo sintomáticos) são organizados na décima edição da Classifi-
cação internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID10) com base em sua “etiologia comum e demonstrável em doenças e lesões cerebrais ou em outras lesões que ocasionem disfunções cerebrais”. Nela, em vez de ser excluído, o termo orgânico implica apenas que “a síndrome... pode ser atribuída a uma doença ou transtorno cerebral ou sistêmico independentemente diagnosticável”. A disfunção primária afeta o cérebro diretamente, e a secundária ocorre como resultado de doenças ou transtornos que atingem vários órgãos ou sistemas do corpo, incluindo o cérebro. Segundo a CID-10, todos os transtornos podem ser divididos em dois grupos: um em que as características invariáveis e mais proeminentes são alterações das funções cognitivas ou sensoriais e outro em que as manifestações mais óbvias estão ou nas áreas de percepção e no conteúdo do pensamento, ou no humor e na emoção, ou no padrão de personalidade e comportamento. Como conseqüência, as categorias sistematizadas como transtornos mentais orgânicos na CID-10, incluindo os sintomáticos, são a demência da doença de Alzheimer, a demência vascular, a demência em doenças sem outra especificação (como a demência da doença de Pick), demência não-especificada, síndrome de amnésia orgânica nãoinduzida por álcool ou outras substâncias psicoativas, delirium nãoinduzido por álcool ou outras substâncias psicoativas, outros transtornos mentais devido a lesões e disfunções cerebrais e a doenças físicas (como transtornos do humor devido a doenças, lesões e disfunções cerebrais) e transtornos mentais orgânicos ou sintomáticos não-especificados. Os transtornos cerebrais causados por substâncias são discutidos em seção própria.
REFERÊNCIAS Caine ED. Should age-associated cognitive decline be included in DSMIV? J Neuropsychiatry Clin Neurosci. 1993;5:1. Caine ED, Lyness JM. Delirium, dementia, and amnestic and other cognitive disorders. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:854. Janicki MP, Dalton AJ, eds. Dementia, Aging and Intellectual Disabilities: A Handbook. Philadelphia: Brunner/Mazel; 1999. Kawas CH, Brookmeyer R. Aging and the public health effects of dementia. N Engl J Med. 2001;344:1160. Newman MF. Coronary-artery bypass surgery and the brain. N Engl J Med. 2001;344:451. Reynolds EH. Structure and function neurology and psychiatry. Br J Psychiatry. 1990;157:481. Rowland LP. Merritt’s Neurology. 10th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2000.
10.2 Delirium O delirium é uma síndrome, não uma doença, e tem muitas causas que resultam em padrão similar de sinais e sintomas relacionados ao nível de consciência e à limitação cognitiva do paciente. Tal condição permanece sendo um transtorno clínico sub-reconhecido e subdiagnosticado. Uma parte do problema é que a síndrome possui denominações diferentes, por exemplo, estado de confusão aguda, síndrome cerebral aguda, encefalopatia metabólica, psicose tóxica e insuficiência
DELIRIUM, DEMÊNCIA,
TRANSTORNOS AMNÉSTICOS E OUTRAS PSICOPATOLOGIAS DEVIDO A UMA CONDIÇÃO MÉDICA GERAL
cerebral aguda. A intenção do texto revisado da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSMIV-TR) foi ajudar a consolidar a variedade de termos em apenas uma nômina diagnóstica. No DSM-IV-TR, o delirium é caracterizado por “perturbação da consciência e alteração na cognição que se desenvolvem em curto período de tempo”. Seu principal sintoma é a limitação da consciência, que, em geral, ocorre associada a limitações globais em funções cognitivas. Anormalidades do humor, da percepção e do comportamento são sintomas psiquiátricos comuns. Tremores, asterixe, nistagmo, falta de coordenação e incontinência urinária constituem sintomas neurológicos comuns. Do ponto de vista clássico, o delirium tem início repentino (horas ou dias), curso breve e oscilante e melhora rápida quando o fator causador é identificado e eliminado, mas cada uma dessas características pode variar conforme cada paciente. Os médicos devem reconhecer essa condição para identificar e tratar sua causa subjacente e evitar o desenvolvimento de complicações relacionadas a ela, como ferimentos acidentais devidos à consciência nebulosa do paciente. EPIDEMIOLOGIA O delirium não é um transtorno comum. Segundo o DSMIV-TR, sua prevalência na população geral é de 0,4% para pessoas a partir dos 18 anos e de 1,1% para aquelas a partir dos 55 anos. Aproximadamente 10 a 30% dos indivíduos com doenças médicas que são hospitalizados apresentam delirium. Em torno de 30% dos pacientes em unidades de tratamento intensivo cirúrgicas e cardíacas e 40 a 50% dos que estão se recuperando de cirurgia por fraturas nos quadris sofrem episódio de delirium. A taxa mais alta é encontrada em indivíduos que fizeram cardiotomia, chegando a mais de 90% em alguns estudos. Estima-se que 20% dos pacientes com queimaduras graves e 30 a 40% daqueles com síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) têm episódios de delirium quando estão hospitalizados. Esta condição ocorre ainda em 80% dos doentes terminais. As causas do delirium pós-operatório incluem estresse da cirurgia, dores pós-operatórias, insônia, analgésicos, desequilíbrios eletrolíticos, infecções, febre e perda de sangue. A idade avançada é um importante fator de risco para o desenvolvimento de delirium. Cerca de 30 a 40% dos pacientes hospitalizados com mais de 65 anos têm um episódio, e outros 10 a 15% o apresentam na baixa hospitalar. Entre residentes de clínicas geriátricas com mais de 75 anos, 60% sofrem episódios repetidos de delirium. Outros fatores que predispõem ao seu desenvolvimento são lesões cerebrais preexistentes (como demência, doenças cerebrovasculares, tumores), história de delirium, dependência de álcool, diabete, câncer, limitações sensoriais (como cegueira) e desnutrição. Ser do sexo masculino constitui fator de risco independente, segundo o DSM-IV-TR. O delirium é um sinal prognóstico ruim. As taxas de institucionalização são três vezes maiores para pacientes acima de 65 anos que manifestam o sintoma enquanto ainda estão no hospi-
355
tal. A taxa de mortalidade em três meses para indivíduos que têm episódio de delirium é estimada em 23 a 33%, e em um ano pode ser de até 50%. Os pacientes idosos que experimentam delirium durante a hospitalização apresentam taxa de mortalidade de 20 a 75%. Após a alta, até 15% deles morrem dentro de um mês, e 25% em seis meses. ETIOLOGIA As principais causas de delirium são doenças do sistema nervoso central (como epilepsia), doenças sistêmicas (como insuficiência cardíaca) e intoxicação ou abstinência de agentes farmacológicos ou tóxicos (Tab. 10.2-1). Ao avaliar pacientes com delirium, os clínicos devem estar atentos que qualquer fármaco usado pode ser etiologicamente relevante para causá-lo. DIAGNÓSTICO E CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS A síndrome do delirium quase sempre é causada por um ou mais desajustes sistêmicos ou cerebrais que afetam o funcionamento do cérebro. A sra. Richardson, mulher afro-americana de 74 anos de idade, foi trazida à sala de emergência do hospital municipal pela polícia. Estava mal vestida, suja e cheirando mal. Não olhava nos olhos da pessoa que a entrevistava, parecia estar confusa e não respondia à maioria das questões. Sabia seu nome e endereço, mas não o dia ou o mês, e não conseguia descrever os eventos que a levaram ao hospital. Os policiais relataram que foram chamados pelos vizinhos, pois a sra. Richardson estava caminhando a esmo pelo bairro, aparentando desleixo. A unidade móvel do centro médico foi duas vezes à sua casa, mas não conseguiu entrar, presumindo que ela não se encontrava. Por fim, a polícia chegou e arrombou a porta, encontrando um pastor alemão a rosnar. Deram um tiro de tranqüilizante no cão e acharam a sra. Richardson escondida em um canto, vestindo apenas o sutiã. O lugar estava sujo, e o chão estava coberto de fezes do cão. A polícia encontrou uma arma, que levou sob custódia. No dia seguinte, enquanto a paciente estava esperando ser transferida para uma unidade médica para tratar seu diabete descontrolado, o supervisor psiquiátrico tentou entrevistá-la. Sua expressão facial ainda não respondia, ela não sabia o mês e não conseguia dizer em que hospital se encontrava. Disse que os vizinhos haviam chamado a polícia porque ela estava “doente” e, de fato, sentia-se enferma e fraca, com dores nos ombros. Além disso, não comia há três dias. Lembrava que o cachorro não estava “na loja” e que seria devolvido quando ela fosse para casa. Negou-se a dar o nome de um vizinho que era seu amigo, dizendo: “Ele já tem problemas suficientes”. Negou ter estado em hospital psiquiátrico ou ouvir vozes, mas reconhecia que, em determinado momento, havia consultado com um psiquiatra “perto do Lincoln Center” porque não conseguia dormir. O mesmo receitara um medicamento forte demais, e ela não tomou. A
356
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 10.2-1 Causas do delirium Causas intracranianas Epilepsia e estados pós-ictais Traumatismo craniano (especialmente concussões) Infecções Meningite Encefalite Neoplasias Distúrbios vasculares Causas extracranianas Substâncias (ingestão ou abstinência e venenos) Agentes anticolinérgicos Anticonvulsivantes Agentes hipertensivos Agentes antiparkinsonianos Medicamentos antipsicóticos Glicosídeos cardíacos Cimetidina Clonidina Dissulfiram Insulina Opiáceos Fenciclidina Fenitoína Ranitidina Salicilatos Sedativos (incluindo o álcool) e hipnóticos Esteróides Venenos Monóxido de carbono Metais pesados e outros venenos industriais Disfunções endócrinas (hipofunção ou hiperfunção) Hipófise Pâncreas Adrenal Paratireóide Tireóide Doenças de órgãos não-endócrinos Fígado Encefalopatia hepática Rim e trato urinário Encefalopatia urêmica Pulmão Narcose por monóxido de carbono Hipoxia Sistema cardiovascular Insuficiência cardíaca Arritmias Hipotensão Doenças por deficiência Deficiências de tiamina, ácido nicotínico, B12 ou ácido fólico Infecções sistêmicas com febre e septicemia Desequilíbrios eletrolíticos por qualquer causa Estados pós-operatórios Traumatismos (cabeça ou corpo em geral) Adaptada de Charles E. Wells, M.D.
paciente não lembrava o nome do remédio, e o entrevistador perguntou se era Torazina. Ela disse que não, que era “allal”. “Haldol?”, perguntou o entrevistador. Ela concordou sacudindo a cabeça. O entrevistador estava convencido de que se
tratava desse medicamento, mas outros observadores acreditaram que ela poderia ter dito sim para qualquer coisa que soasse parecida, como “Elavil”. Quando questionada sobre a arma, negou, com certa irritação, que era real, dizendo que seu irmão havia trazido uma arma de brinquedo para casa, e que ele tinha morrido há oito anos. Ela ainda se sentia fraca e doente, queixando-se de dor no ombro e, aparentemente, apresentava dificuldade para engolir. Mas ainda conseguiu sorrir quando a equipe retirou-se. (Reimpresso, com permissão, de DSM-IV Casebook.) A DSM-IV-TR apresenta critérios diagnósticos para cada tipo de delirium: (1) delirium devido a uma condição médica geral (Tab. 10.2-2), (2) delirium devido à intoxicação por substância (Tab. 10.23), (3) delirium por abstinência de substância (Tab. 10.2-4), (4) delirium devido a múltiplas etiologias (Tab. 10.2-5) e (5) delirium sem outra especificação (Tab. 10.2-6) para manifestações com causa desconhecida ou que não foi listada, como déficits sensoriais. As características fundamentais do delirium incluem consciência alterada, como nível de consciência reduzido; atenção alterada, que pode incluir capacidade menor de focalizar, manter ou direcionar a atenção; incapacitações em outros domínios do funcionamento cognitivo, que podem se manifestar como desorientação (sobretudo para tempo e espaço) e memória reduzida; início relativamente rápido (em geral de horas a dias); duração breve (em geral, de dias a semanas); e oscilações freqüentemente pronunciadas e imprevisíveis em gravidade e outras apresentações clínicas durante o curso do dia, às vezes piorando à noite (entardecer), que podem variar de períodos de lucidez a incapacitações e desorganização cognitiva bastante graves. Muitas vezes, existem aspectos clínicos associados que podem ser proeminentes, incluindo desorganização dos processos de pensamento (variando de leve tangencialidade a plena incoerência), perturbações perceptivas, como ilusões e alucinações; hiper e hipoatividade psico-
TABELA 10.2-2 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para 293.0 delirium devido a uma condição médica geral A. Perturbação da consciência (i.e., redução da clareza da consciência em relação ao ambiente), com diminuição da capacidade de focalizar, manter ou direcionar a atenção. B. Alteração na cognição (tal como déficit de memória, desorientação, perturbação da linguagem) ou desenvolvimento de perturbação da percepção que não é melhor explicada por demência preexistente, estabelecida ou em evolução. C.A perturbação desenvolve-se ao longo de curto período de tempo (geralmente em horas ou dias), com tendência a oscilações no decorrer do dia. D. Existem evidências, a partir da história, do exame físico ou de achados laboratoriais, de que a perturbação é causada por conseqüências fisiológicas diretas de uma condição médica geral. Nota para a codificação: Se estiver sobreposto à demência vascular preexistente, indicar o delirium codificando demência vascular, com delirium. Nota para a codificação: Incluir a denominação da condição médica geral no Eixo I, por exemplo, delirium devido à encefalopatia hepática; codificar também a condição médica geral no Eixo III. American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
DELIRIUM, DEMÊNCIA,
TRANSTORNOS AMNÉSTICOS E OUTRAS PSICOPATOLOGIAS DEVIDO A UMA CONDIÇÃO MÉDICA GERAL
TABELA 10.2-3 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para delirium por intoxicação com substância A. Perturbação da consciência (i.e., redução da clareza da consciência em relação ao ambiente), com capacidade reduzida para focalizar, manter ou direcionar a atenção. B. Alteração na cognição (como déficit de memória, desorientação, perturbação da linguagem) ou desenvolvimento de perturbação da percepção que não é melhor explicada por uma demência preexistente, estabelecida ou em evolução. C.A perturbação desenvolve-se ao longo de um curto período de tempo (geralmente em horas ou dias), com tendência a flutuações no decorrer do dia. D. Existem evidências, a partir da história, do exame físico ou de achados laboratoriais, de (1) ou (2): (1) os sintomas nos Critérios A e B desenvolveram-se durante a intoxicação por substância (2) o uso de medicamentos está etiologicamente relacionado à perturbação* Nota: Este diagnóstico deve ser feito em vez daquele relacionado à intoxicação por substância apenas quando os sintomas cognitivos excederem os habitualmente associados à síndrome de intoxicação ou forem suficientemente graves a ponto de indicar atenção clínica independente. *Nota: O diagnóstico deve ser registrado como delirium induzido por substância se estiver relacionado ao uso de medicamentos. Codificar delirium por intoxicação por [substância específica]: (álcool; anfetamina [ou substância semelhante]; cannabis; cocaína; alucinógenos; inalantes; opiáceos; fenciclidina [ou substância semelhante]; sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos; outra substância [ou substância desconhecida] [p. ex., cimetidina, digitálicos, benzotropina]). American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
motora; perturbação do ciclo de sono-vigília (muitas vezes manifestado na forma de sono fragmentado à noite, com ou sem torpor durante o dia); alterações do humor (desde irritabilidade sutil a disforia clara, ansiedade e até euforia); e outras manifestações de funcionamento neurológico alterado (p. ex., hiperatividade autônoma ou instabilidade, mioclonias e disartria). O eletroencefalograma (EEG) tende a apresentar uma lentificação difusa, embora os pacientes com delirium devido a abstinência de álcool ou sedativos tenham atividade rápida de baixa voltagem. O principal neurotransmissor supostamente envolvido no delirium é a acetilcolina, e a área neuroanatômica mais incluída é a formação reticular. A formação reticular do tronco encefálico é a área que regula a atenção e a excitação, e a principal via implicada no delirium é a tegmentar dorsal, que se projeta da formação reticular mesencefálica para o teto e o tálamo. Diversos estudos relataram que vários fatores que induzem o delirium resultam em menor atividade da acetilcolina no cérebro. Uma das causas mais comuns dessa síndrome é a toxicidade por excesso de medicamentos com atividade anticolinérgica. Além destes, muitos outros fármacos mais comuns usados na psiquiatria têm efeitos semelhantes, como atropina,* amitriptilina (Elavil), doxepina (Sinequan), nortriptilina (Aventyl), imipramina (Tofranil), tioridazina (Mellaril) e clorpromazina (Torazina). Os pesquisadores su* N. de R.T. No Brasil, amitriptilina (Tryptanol), nortriptilina (Pamelor), imipramina (Tofranil), tioridazina (Meleril) e clorpromazina (Amplictil). A doxepina não está disponível.
357
TABELA 10.2-4 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para delirium por abstinência de substância A. Perturbação da consciência (i.e., redução da clareza da consciência em relação ao ambiente), com diminuição da capacidade de focalizar, manter ou direcionar a atenção. B. Alteração na cognição (como déficit de memória, desorientação, perturbação da linguagem) ou desenvolvimento de perturbação da percepção que não seja melhor explicada por uma demência preexistente, estabelecida ou em evolução. C.A perturbação desenvolve-se ao longo de um curto período de tempo (geralmente em horas ou dias), com tendência a flutuações no decorrer do dia. D. Existem evidências, a partir da história, do exame físico ou de achados laboratoriais, de que os sintomas nos Critérios A e B desenvolveram-se durante ou logo após síndrome de abstinência. Nota: Este diagnóstico deve ser feito em vez daquele relacionado à abstinência de substância apenas quando os sintomas cognitivos excederem os habitualmente associados à síndrome de abstinência ou forem graves o suficiente a ponto de indicar atenção clínica independente. Codificar delirium por abstinência de [substância específica]: (álcool; sedativo, hipnótico ou ansiolítico; outra substância [ou substância desconhecida]). American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
TABELA 10.2-5 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para delirium devido a múltiplas etiologias A. Perturbação da consciência (i.e., redução da clareza da consciência em relação ao ambiente) com diminuição da capacidade de focalizar, manter ou direcionar a atenção. B. Alteração na cognição (como déficit de memória, desorientação ou perturbação da linguagem) ou desenvolvimento de perturbação da percepção, que não seja melhor explicada por uma demência preexistente, estabelecida ou em evolução. C.A perturbação desenvolve-se ao longo de um curto período de tempo (geralmente em horas ou dias), com tendência a flutuações no decorrer do dia. D. Existem evidências, a partir da história, do exame físico ou de achados laboratoriais, de que o delirium possui mais de uma etiologia (p. ex., mais de uma condição médica geral etiológica, uma condição médica geral associada à intoxicação com substância ou ao efeito colateral de medicamento). Nota para codificação: Utilizar múltiplos códigos refletindo o delirium e as etiologias específicos, por exemplo, delirium devido à encefalite viral; delirium por abstinência de álcool. American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
TABELA 10.2-6 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para delirium sem outra especificação Esta categoria destina-se ao diagnóstico do delirium que não satisfaz os critérios para nenhum dos tipos específicos descritos nesta seção. Exemplos: 1. Um quadro clínico de delirium supostamente devido a uma condição médica geral ou uso de substância, no qual, contudo, não há evidências suficientes para estabelecer etiologia específica. 2. Delirium devido a causas não relacionadas nesta seção (p. ex., privação sensorial). American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
358
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
geriram outros mecanismos fisiopatológicos para o delirium. Em particular, sua forma associada à abstinência do álcool foi relacionada à hiperatividade do locus ceruleus e de neurônios noradrenérgicos. Outros neurotransmissores implicados são a serotonina e o glutamato.
TABELA 10.2-7 Exame físico de pacientes delirantes Parâmetro
Achado
Implicação clínica
1. Pulso
Bradicardia
Hipotireoidismo Síndrome de Stokes-Adams Aumento na pressão intracraniana Hipertireoidismo Infecção Insuficiência cardíaca Septicemia Crise tireotóxica Vasculite Choque Hipotireoidismo Doença de Addison Encefalopatia Massa intracraniana Diabete Pneumonia Insuficiência cardíaca Febre Acidose (metabólica) Intoxicação com álcool ou outra substância Isquemia cerebral passageira
Taquicardia
EXAMES FÍSICOS E LABORATORIAIS O delirium geralmente é diagnosticado pelo médico e se caracteriza por sintomas com início repentino. O exame do estado mental – como o MMSE (ver Tab. 10.1-4) ou sinais neurológicos – pode ser usado para documentar a limitação cognitiva e proporcionar nível basal para a comparação do curso clínico do paciente. O exame físico, muitas vezes, revela pistas para a causa do delirium (Tab. 10.2-7). A presença de doença física conhecida ou de história de traumatismo craniano ou dependência de substâncias aumenta a probabilidade do diagnóstico. O exame laboratorial deve incluir testes padronizados e estudos adicionais indicados pela situação clínica (Tab. 10.2-8). No delirium, o EEG caracteristicamente apresenta atividade lentificada de forma difusa e pode ser útil para diferenciar esta condição de depressão ou psicose. O EEG da paciente delirante, às vezes, apresenta áreas focais de hiperatividade. Em casos raros, pode ser difícil diferenciar delirium relacionado à epilepsia daquele relacionado a outras causas.
2. Temperatura
Febre
3. Pressão arterial
Hipotensão Hipertensão
4. Respiração
Superficial 5. Vasos ligados à carótida 6. Couro cabeludo e rosto 7. Pescoço 8. Olhos
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Delirium versus demência Diversas características clínicas ajudam a distinguir o delirium da demência (Tab. 10.2-9). Em comparação ao início repentino daquele, o começo desta costuma ser insidioso. Embora ambas as condições incluam incapacitações cognitivas, as alterações na demência são mais estáveis ao longo do tempo e, por exemplo, não oscilam no decorrer de um dia. Um paciente com demência geralmente está alerta, ao passo que aquele com delirium tem momentos de consciência reduzida. Às vezes, o delirium ocorre em pacientes com demência, condição conhecida como demência nebulosa. Pode-se fazer o diagnóstico de delirium quando houver história definida de demência preexistente.
Delirium versus esquizofrenia ou depressão O delirium também pode ser diferenciado de esquizofrenia e depressão. Alguns pacientes com transtornos psicóticos, geralmente esquizofrenia ou episódios maníacos, podem ter períodos de comportamento extremamente desorganizado difíceis de distinguir do delirium. Porém, de modo geral, suas alucinações e delírios são mais constantes e melhor organizados no caso de indivíduos com delirium. Os pacientes com esquizofrenia geralmente não apresentam alterações no nível de consciência ou na orientação. Pessoas com sintomas hipoati-
Taquipnéia
9. Boca
10. Tireóide 11. Coração
12. Pulmões
13. Respiração 14. Fígado
Ruído ou pulso reduzido Evidências de traumatismo Evidência de rigidez na nuca Papiledema
Meningite Hemorragia subaracnóide Tumor Encefalopatia hipertensiva Dilatação da pupila Ansiedade Hiperatividade autônoma (p. ex., delirium tremens) Lacerações na Evidência de crises língua ou nas tônico-clônicas bochechas generalizadas Aumentada Hipertireoidismo Arritmia Produção cardíaca inadequada, possibilidade de embolia Cardiomegalia Insuficiência cardíaca Doenças hipertensivas Congestão Insuficiência pulmonar primária Edema pulmonar Pneumonia Álcool Cetonas Diabete Aumentado Cirrose Insuficiência hepática
15. Sistema nervoso a. Reflexos – Assimetria com extensão sinais de muscular Babinski Protração labial b. Nervo adutor (sexto nervo craniano) c. Força dos membros d. Autônomo
Olhar lateral fraco Assimétrica Hiperatividade
Lesão da massa muscular Doenças cerebrovasculares Demência preexistente Massa frontal Oclusão de artéria cerebral posterior bilateral Maior pressão intracraniana Lesão da massa muscular Doenças cardiovasculares Ansiedade Delirium
Reimpressa, com permissão, de Strub RL, Black FW. Neurobehavioral Disorders: A Clinical Approach. Philadelphia: FA Davis; 1981:120.
DELIRIUM, DEMÊNCIA,
TRANSTORNOS AMNÉSTICOS E OUTRAS PSICOPATOLOGIAS DEVIDO A UMA CONDIÇÃO MÉDICA GERAL
TABELA 10.2-8 Exame laboratorial de pacientes com delirium Estudos padronizados Química do sangue (incluindo eletrólitos, índices renais e hepáticos e glicose) Contagem completa de células sangüíneas com contagem diferencial de leucócitos Testes do funcionamento da tireóide Testes sorológicos para sífilis Teste de anticorpos do vírus da imunodeficiência humana (HIV) Exame qualitativo de urina Eletrocardiograma Eletroencefalograma Radiografia peitoral Exames de drogas no sangue e na urina Testes adicionais, quando indicados Culturas de sangue, urina e líquido cerebrospinal (LCS) Concentrações de B12 e ácido fólico Tomografia computadorizada e ressonância magnética Punção lombar e exame do LCS
TABELA 10.2-9 Comparação entre freqüência das características clínicas do delirium e da demência Característica
Delirium
Demência
Memória comprometida Pensamento comprometido Julgamento comprometido Perturbação da consciência Déficits de atenção importantes Oscilação ao longo do dia Desorientação Transtornos perceptivos vívidos Fala incoerente Ciclo sono-vigília perturbado Exacerbação noturna Insight Início agudo ou subagudo
+++ +++ +++ +++ +++ +++ +++ ++ ++ ++ ++ ++b ++
+++ +++ +++ +a + ++a + +a +a +a +b -c
+++, sempre presente; ++, geralmente presente; +, ocasionalmente presente; –, geralmente ausente. aMais freqüente nos estágios avançados da demência. bPresente durante intervalos lúcidos ou na recuperação do delirium; presente durante os primeiros estágios da demência. cInício pode ser agudo ou subagudo em certas demências, por exemplo, multiinfartos, hipoxemia, algumas demências reversíveis. Reimpressa, com permissão, de Liston EH. Diagnosis and management of delirium in the elderly patient. Psychiatr Ann. 1984;14:117.
vos de delirium podem se parecer com as gravemente depressivas, porém é possível distingui-las por meio de EEG. Outras diagnoses psiquiátricas a considerar no diagnóstico diferencial do delirium são o transtorno psicótico breve, o transtorno esquizofreniforme e os transtornos dissociativos. Indivíduos com transtornos factícios podem tentar simular os sintomas de delirium, mas em geral revelam a natureza factícia de seus sintomas por inconsistências no exame do estado mental, e o EEG pode esclarecer os dois diagnósticos com facilidade. CURSO E PROGNÓSTICO Embora o início do delirium costume ser súbito, podem ocorrer sintomas prodnômicos (como inquietação e medo) nos dias que
359
precedem a manifestação dos sintomas. Os sintomas do delirium em geral persistem enquanto os fatores causais floridos estiverem presentes, entretanto o quadro de delirium costuma durar menos de uma semana. Após a identificação e a remoção dos fatores causais, os sintomas em geral desaparecem dentro de três a sete dias, embora alguns possam levar até duas semanas para melhorar completamente. Quanto mais velho o paciente e quando mais tempo estiver delirante, mais tempo o delirium levará para se resolver. Após terminado, a lembrança do que aconteceu durante o delirium é caracteristicamente fragmentada. O paciente pode se referir ao episódio como um sonho ruim ou um pesadelo que lembra apenas vagamente. Epidemiologicamente, sua ocorrência está associada à taxa de mortalidade alta no ano seguinte ao evento, sobretudo por causa da natureza séria das condições médicas relacionadas. A progressão para demência ainda não foi demonstrada em estudos cuidadosamente controlados, embora muitos clínicos acreditem que já viram essa progressão. Contudo, a observação clínica validada em alguns estudos é que os períodos de delirium, às vezes, são seguidos por depressão ou transtorno de estresse póstraumático. TRATAMENTO Ao abordar o delirium, o principal objetivo é tratar a causa subjacente. Quando a condição subjacente for toxicidade anticolinérgica, pode-se indicar o uso de salicilato de fisostigmina (Antilirium), 1 a 2 mg por via intravenosa ou intramuscular, com doses repetidas em 15 a 30 minutos. Outro objetivo importante é proporcionar apoios físico, sensorial e ambiental. O apoio físico é necessário para que os pacientes delirantes não fiquem tão suscetíveis a situações nas quais possam se ferir. Eles não devem ter privações sensoriais ou ser estimulados demais pelo ambiente. É importante que tenham amigo ou parente no quarto ou a presença regular de acompanhante. Imagens e decorações familiares, relógio ou calendário e orientações regulares com relação a pessoas, lugares e tempo ajudam a deixar os doentes confortáveis. O delirium pode, às vezes, ocorrer em idosos que usam curativos oclusivos no olho após cirurgia de catarata. Eles podem ser ajudados fazendo-se pequenas aberturas nos curativos, para deixar algum estímulo entrar, ou removendo-os um curativo oclusivo de cada vez, ocasionalmente, durante a recuperação. Farmacoterapia Os dois principais sintomas do delirium que podem exigir tratamento farmacológico são a psicose e a insônia. O medicamento que costuma ser usado é o haloperidol (Haldol), antipsicótico do grupo dos butirofenonas. Dependendo da idade, do peso e da condição física do paciente, a dose inicial pode variar de 2 a 10 mg por via intramuscular, repetida em uma hora se o paciente permanecer agitado. Logo que se acalmar, deve-se começar medicamento via oral, em forma líquida concentrada ou tablete. Duas doses diárias via oral devem ser suficientes, com dois terços da mesma na hora de dormir. Para se obter o mesmo efeito terapêu-
360
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
tico, a dose via oral deve ser de aproximadamente uma vez e meia a dose parenteral. A dose diária total efetiva de haloperidol pode variar de 5 a 50 mg para a maioria dos pacientes com delirium. O droperidol é uma butirofenona disponível para aplicação intravenosa alternativa, entretanto o monitoramento eletrocardiográfico é prudente neste tratamento. Deve-se evitar as fenotiazinas com pacientes delirantes, pois essa classe está associada à atividade anticolinérgica significativa. A insônia é melhor tratada com benzodiazepínicos com meiavida curta ou intermediária, por exemplo, 1 a 2 mg de lorazepam (Lorax) antes de dormir. Os de meia-vida longa e os barbitúricos devem ser evitados, a menos que estejam sendo usados como parte do tratamento de transtorno subjacente (como abstinência de álcool). Já houve relatos de casos de melhora ou remissão de estados delirantes devido a doenças médicas com a eletroconvulsote-
rapia (ECT). Porém, não é aconselhado o uso rotineiro da ECT para tratar o delirium. Se este for produzido por dor grave ou dispnéia, o médico não deve hesitar em prescrever opiáceos, por seus efeitos analgésicos e sedativos. CID-10 Os critérios da décima revisão da Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-10) para o delirium não induzido por álcool ou por outras substâncias psicoativas são apresentados na Tabela 10.2-10. O delirium associado ao uso de substâncias é referido no Capítulo 12, na Tabela 12.1-8.
REFERÊNCIAS TABELA 10.2-10 Critérios diagnósticos da CID-10 para delirium não induzido por álcool ou por outras substâncias psicoativas A. Perturbação da consciência, isto é, clareza reduzida da consciência do ambiente, com habilidade diminuída de focalizar, manter ou desviar a atenção. B. Perturbação da cognição manifestada por: (1) limitação da memória imediata e memória recente, com memória remota relativamente intacta; (2) desorientação em relação a tempo, lugar ou pessoa. C. Pelo menos uma das perturbações psicomotoras seguintes está presente: (1) alterações rápidas e imprevisíveis de hipoatividade para hiperatividade; (2) maior tempo de reação; (3) fluxo de fala aumentado ou reduzido; (4) maior reação de choque. D. Perturbação do sono ou do ciclo de sono-vigília manifestada por pelo menos um dos seguintes: (1) insônia que, em casos graves, pode envolver perda total do sono, com ou sem torpor durante o dia, ou reversão do ciclo de sono-vigília; (2) piora noturna dos sintomas; (3) sonhos e pesadelos perturbadores, que podem continuar como alucinações ou ilusões após acordar. E. Sintomas têm início rápido e apresentam oscilações ao longo do dia. F. Existem evidências objetivas a partir da história, dos exames físico e neurológico ou de exames laboratoriais, de doença cerebral ou sistêmica subjacente (que não seja relacionada a substâncias psicoativas) que pode ser responsável pelas manifestações clínicas nos Critérios A a D. Comentários Perturbações emocionais como depressão, ansiedade ou medo, irritabilidade, euforia, apatia ou perplexidade divagante, perturbações da percepção (ilusões ou alucinações, muitas vezes visuais) e delírios transitórios são típicas, mas não constituem indicações específicas para o diagnóstico. Um quarto elemento pode ser usado para indicar se o delirium é sobreposto à demência: Delirium, não sobreposto à demência Delirium, sobreposto à demência Outro delirium Delirium, não-especificado Reimpressa, com permissão, da Organização Mundial de Saúde. The ICD10 Classification of Mental and Behavioural Disorders: Diagnostic Criteria for Research. Copyright, World Health Organization, Geneva, 1993.
Breitbart W, Gibson C, Tremblay A. The delirium experience: delirium recall and delirium-related distress in hospitalized patients with cancer, their spouses/caregivers, and their nurses. Psychosomatics. 2002; 43:183. Caine ED, Lyness JM. Delirium, dementia, and amnestic and other cognitive disorders. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed, Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:854. Flacker JM, Lipsitz LA. Neural mechanisms of delirium: Current hypotheses and evolving concepts. J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 1999; 54:B239–246. Fleminger S. Remembering delirium. Br J Psychiatry. 2002:180:4. Francis J, Kapoor WN. Delirium in hospitalized elderly. J Gen Intern Med. 1990;5:65. Liptzin B, Levkoff SE, Cleary PD. Pilgrim DM, Reilly CH, Albert M, Wetle TT. An empirical study of diagnostic criteria for delirium. Am J Psychiatry. 1991;148:454. Meagher DJ. Delirium: Optimising management. BMJ. 2001;322:144– 149. Parikh SS, Chung F. Postoperative delirium in the elderly. Anesth Analg. 1995;80:1223. Pompei P. Delirium in hospitalized elderly patients. Hosp Pract Off Ed. 1993;28:69. Rockwood K. Educational interventions in delirium. Demential & Geriatric Cognitive Disorders. 1999;10:426–429. Rummans TA, Evans JM, Krahn LE, Fleming KC. Delirium in elderly patients: evaluation and management. Mayo Clin Proc. 1995;70:989. Shapira J, Roper J, Schulzinger J. Managing delirious patients. Nursing. 1993;23:78. Taylor D, Lewis S. Delirium. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 1993; 56:742. Trzepacz PT. The delirium rating scale: its use in consultation-liaison research. Psychosomatics. 1999;40:193–204.
10.3 Demência A demência caracteriza-se por déficit cognitivo na presença de nível estável de consciência. A persistência e a natureza constante do comprometimento distinguem-na da consciência alterada e dos déficits oscilantes do delirium. No texto revisado da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR), a demência é caracterizada por “déficits cogniti-
DELIRIUM, DEMÊNCIA,
TRANSTORNOS AMNÉSTICOS E OUTRAS PSICOPATOLOGIAS DEVIDO A UMA CONDIÇÃO MÉDICA GERAL
vos múltiplos que incluem comprometimento da memória”, sem consciência prejudicada. As funções cognitivas que podem ser afetadas na demência incluem a inteligência geral, a percepção, a atenção e a concentração, o julgamento e as habilidades sociais. A personalidade também é atingida. O diagnóstico de demência, segundo o DSM-IV-TR, exige que os sintomas resultem em comprometimento significativo no funcionamento social ou ocupacional e que representem declínio considerável, comparado ao nível de funcionamento anterior. As questões clínicas fundamentais da demência são a identificação da síndrome e o exame clínico de sua causa. O transtorno pode ser progressivo ou estático, permanente ou reversível. Sempre se supõe causa subjacente, embora, em casos raros, seja impossível determiná-la. A reversibilidade potencial da demência está relacionada à condição patológica subjacente e à disponibilidade e à aplicação de tratamento efetivo. Aproximadamente 15% das pessoas com essa condição têm doenças reversíveis se a abordagem terapêutica iniciar antes que ocorram lesões irreversíveis.
361
O segundo tipo mais comum de demência é a vascular, que tem relação causal com doenças cerebrovasculares. A hipertensão predispõe a pessoa à síndrome. As demências vasculares explicam de 15 a 30% de todos os casos de demência. São mais comuns em indivíduos entre as idades de 60 e 70 anos, com maior recorrência entre homens do que entre mulheres. Cerca de 10 a 15% dos pacientes têm demência vascular e do tipo Alzheimer coexistentes. Outras causas comuns da demência, cada uma representando de 1 a 5% de todos os casos, incluem traumatismo craniano, demências relacionadas ao álcool e várias demências associadas a transtornos do movimento, como coréia de Huntington e doença de Parkinson (Tab. 10.3-1). Como a demência é uma síndrome bastante geral, ela possui muitas causas, e os médicos devem realizar exame clínico detalhado do paciente com demência para estabelecer a causa. ETIOLOGIA
EPIDEMIOLOGIA Essencialmente, a demência é uma doença de pessoas idosas. Nos Estados Unidos, a taxa de prevalência é de 1,5% para aqueles com mais de 65 anos de idade e aumenta para 16 a 25% depois dos 85 anos. Aproximadamente 5% das pessoas com mais de 65 anos têm demência grave, e 15%, demência leve. Entre os pacientes com mais de 80 anos, cerca de 20% têm demência grave. De todos os indivíduos com demência, cerca de 50 a 60% têm o tipo mais comum, a demência do tipo Alzheimer (doença de Alzheimer). Sua prevalência aumenta com o avanço da idade. Entre as pessoas com mais de 65 anos, os homens apresentam taxa de prevalência de 0,6% e as mulheres, de 0,8%. Aos 90 anos, as taxas são de 21%. Para todos esses números, 40 a 60% dos casos são de moderados a graves. As taxas de prevalência (homens e mulheres, respectivamente) são de 11 e 14% aos 85 anos, 21 e 25% aos 90, e 36 e 41% aos 95. Os pacientes com demência do tipo Alzheimer ocupam mais de 50% dos leitos em instituições de saúde, onde são tratados mais de 2 milhões de pessoas com demência. Os fatores de risco para o desenvolvimento da doença incluem ser do sexo feminino, ter parente em primeiro grau com o transtorno e apresentar história de lesão na cabeça. A síndrome de Down também costuma estar associada ao desenvolvimento de demência do tipo Alzheimer. Conforme as Practice Guidelines for the Treatment of Patients with Alzheimer’s Disease and Other Dementias of Late Life, da American Psychiatric Association (APA), o início da doença geralmente ocorre na velhice, em torno dos 60, 70 e 80 anos de idade ou mais, mas, em casos raros, pode aparecer aos 40 ou 50 anos (conhecida como demência de início precoce). A incidência da doença de Alzheimer também aumenta com a idade, e estimase que seja de 0,5% ao ano entre 65 e 69 anos, 1% ao ano entre 75 e 79 anos, 3% ao ano entre 80 e 84 anos e 8% ao ano a partir dos 85 anos. A doença apresenta progressão gradual, mas estável. Estimativas do tempo de morte após o início dos sintomas variam de 5 a 9 anos. Porém, em um estudo com pacientes com doença de Alzheimer realizado em 2001, a sobrevivência média foi de apenas três anos após o início dos sintomas.
A demência possui muitas causas (ver Tab. 10.3-1), mas a do tipo Alzheimer e a vascular juntas representam até 75% de todos os casos. Outras causas de demência, as quais estão especificadas no DSM-IV-TR, são a doença de Pick, a doença de CreutzfeldtJakob, a coréia de Huntington, a doença de Parkinson, o vírus da imunodeficiência humana (HIV) e o traumatismo craniano. Demência do tipo Alzheimer Em 1907, Alois Alzheimer descreveu a condição que posteriormente recebeu seu nome. Ele relatou o caso de uma mulher de 51 anos com curso de quatro anos e meio de demência progressiva. O diagnóstico final de doença de Alzheimer exige exame neuropatológico do cérebro. Porém, ela costuma ser diagnosticada no cenário clínico após outras causas de demência terem sido descartadas. Fatores genéticos. Embora sua causa permaneça desconhecida, houve progresso na compreensão da base molecular dos depósitos de amilóide, as quais são a marca da neuropatologia do transtorno. Alguns estudos indicaram que até 40% dos pacientes têm história familiar de demência do tipo Alzheimer. Assim, presume-se que fatores genéticos interfiram no desenvolvimento da doença, pelo menos em alguns casos. Uma evidência adicional para a influência genética é a taxa de concordância para gêmeos monozigóticos, a qual é mais alta do que aquela para gêmeos dizigóticos (43% vs. 8%, respectivamente). Em diversos casos bem-documentados, a condição foi transmitida por meio de gene autossômico dominante, embora essa transmissão seja rara. A demência do tipo Alzheimer apresenta ligações com os cromossomos 1, 14 e 21. PROTEÍNA PRECURSORA DE AMILÓIDE O gene para a proteína precursora de amilóide localiza-se no braço longo do cromossomo 21. O processo de cisão diferencial produz quatro
362
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 10.3-1 Condições que podem produzir demência Doença de Alzheimera Demência vascular Variedades: Multiinfartos (chamada demência multiinfarto) Lacunas Doença de Binswanger Microinfarto cortical Drogas e toxinas (incluindo demência alcoólica crônica)c Massas intracranianas: tumores, massas subdurais, abscessos cerebraisc Anoxia Traumatismo Lesões na cabeçac Demência pugilística (síndrome do boxeador) Hidrocefalia com pressão normalc Distúrbios neurodegenerativos Doença de Parkinsond Coréia de Huntingtond Paralisia supranuclear progressivad Doença de Pickd Esclerose lateral amiotrófica Degenerações espinocerebelares Degeneração olivopontocerebelar Oftalmoplegia plus Leucodistrofia metacromática (forma adulta) Doença de Hallervorden-Spatz Doença de Wilson Infecções Doença de Creutzfeldt-Jakob AIDSd Encefalite viral Leucoencefalopatia multifocal progressiva Síndrome de Behçet Neurossífilis Meningite bacteriana crônica Meningite criptocócica Outras meningites fúngicas Distúrbios nutricionais Síndrome de Wernicke-Korsakoff (deficiência de tiamina) Deficiência de vitamina B12 Deficiência de folato Pelagra Doença de Marchiafava-Bignami Deficiência de zinco Distúrbios metabólicos Leucodistrofia metacromática Leucodistrofia adrenal Demência por diálise Hipo e hipertireoidismo Insuficiência renal, grave Síndrome de Cushing Insuficiência hepática Doença da paratireóide Doenças inflamatórias crônicasd Lúpus e outras doenças colagenovascularesd com vasculite intracerebral Esclerose múltipla Doença de Whipple aExplica
50 a 60% dos casos. 10 a 20% dos casos. cExplica 1 a 5% dos casos. dExplica em torno de 1% dos casos. Os demais: menos de 1% dos casos. Reimpressa, com permissão, de Bosser M. Dementia. In: Asbury AK, McKhann GM, McDonald WI, eds. Diseases of the Nervous System: Clinical Neurology. 2nd ed. Philadelphia: WB Saunders; 1992:789. bExplica
formas de proteína precursora de amilóide. A proteína β/A4, o principal componente das placas senis, é um peptídeo com 42 aminoácidos que é subproduto da proteína precursora de amilóide. Na síndrome de Down (trissomia do 21), existem três cópias do gene dessa proteína, e, em uma doença na qual há mutação do códon 717 no gene da proteína precursora de amilóide, o processo patológico resulta na deposição excessiva de proteína β/A4. Não se sabe se o processamento de proteína anormal tem significância causativa primária na doença de Alzheimer ou não, mas muitos grupos de pesquisa estudam o processamento metabólico normal da proteína precursora de amilóide e seu processamento em pacientes com essa demência, na tentativa de responder a tal questão.
GENES E4 MÚLTIPLOS Um estudo implicou o gene E4 na origem da doença de Alzheimer. Pessoas com uma cópia do gene têm a condição com freqüência três vezes maior do que as que não a apresentam, e pessoas com dois genes E4 têm a doença com freqüência oito vezes maior do que as que não a possuem. Atualmente, se recomenda testagem diagnóstica para esse gene, pois o mesmo é encontrado em indivíduos sem demência, assim como não é detectado em todos os casos de demência.
Neuropatologia. A observação neuroanatômica clássica do cérebro de um paciente com demência do tipo Alzheimer é a atrofia difusa (Fig. 10.3-1), com sulcos corticais achatados e ventrículos cerebrais aumentados. Os achados microscópicos patognomônicos são placas senis, emaranhados neurofibrilares, perda neuronal (particularmente no córtex e no hipocampo), perda sináptica (até 50% no córtex) e degeneração granulovascular dos neurônios. Os emaranhados neurofibrilares (Fig. 10.3-2) são compostos de elementos citoesqueléticos, sobretudo a proteína tau fosforilada, embora outras proteínas citoesqueléticas também estejam presentes. Esses emaranhados não são patognomônicos da doença de Alzheimer, pois também ocorrem na síndrome de Down, na demência pugilística, no complexo de Guam da demência de Parkinson, na doença de Hallervorden-Spatz e nos cérebros de pessoas normais, à medida que envelhecem. São encontrados geralmente no córtex, no hipocampo, na substância negra e no locus ceruleus. As placas senis, também chamadas de placas de amilóide, indicam a doença de Alzheimer com mais certeza, embora também sejam vistas na síndrome de Down e, até certo ponto, no envelhecimento normal. Elas são compostas de determinada proteína, a β/A4, e de astrócitos, processos neuronais distróficos e microglia. Seu número e densidade em cérebros post-mortem foi correlacionado à gravidade da doença apresentada. Neurotransmissores. Os que são implicados com mais freqüência na condição fisiopatológica da doença de Alzheimer são a acetilcolina e a noradrenalina, ambas tidas como hipoativas nessa condição. Vários estudos relataram dados condizentes com a hipótese de que a degeneração específica dos neurônios colinérgicos está presente no núcleo basal de Meynert em pessoas com a doença de Alzheimer. Outros dados apoiando déficit colinérgico demonstram concentrações menores de
DELIRIUM, DEMÊNCIA,
TRANSTORNOS AMNÉSTICOS E OUTRAS PSICOPATOLOGIAS DEVIDO A UMA CONDIÇÃO MÉDICA GERAL
363
FIGURA 10.3-1 Aparência externa bruta do cérebro de um paciente que tinha demência do tipo Alzheimer com início tardio. As leptomeninges foram removidas para que a atrofia generalizada pudesse ser completamente apreciada. (Cortesia de Daniel P. Perl, M.D.)
acetilcolina e colina acetiltransferase no cérebro. Esta última é a enzima-chave para a síntese da acetilcolina, e a redução em sua concentração sugere diminuição no número de neurônios colinérgicos presentes. Há, ainda, evidências acerca da observação de que antagonistas colinérgicos, como a escopolamina e a atropina, comprometem as capacidades cognitivas, ao passo que os agonistas colinérgicos, como a fisostigmina e a arecolina, aumentam a capacidade cognitiva. A atividade reduzida da noradrenalina na doença de Alzheimer é sugerida pela redução em neurônios que contêm essa substância no locus ceruleus em alguns exames patológicos do cérebro. Dois outros neurotransmissores implicados na condição fisiopatológica da doença de Alzheimer são os peptídeos neuroativos so-
matostatina e corticotropina. Foram observadas concentrações reduzidas de ambos em pessoas com essa doença. Outras causas. Outra teoria para explicar o desenvolvimento da doença de Alzheimer é que a anormalidade na regulação do metabolismo de fosfolipídeos das membranas resulta em membranas menos fluidas – ou seja, mais rígidas. Diversos investigadores estão usando espectroscopia por ressonância molecular para avaliar essa hipótese diretamente em pacientes com demência do tipo Alzheimer. A toxicidade do alumínio também foi proposta como fator causador, pois níveis elevados foram encontrados nos cérebros de alguns doentes. No entanto, este não é mais considerado fator etiológico significativo. A estimulação excessiva pelo
FIGURA 10.3-2 Doença de Alzheimer. Placas senis proeminentes à esquerda. Vários neurônios com emaranhados neurofibrilares à direita. Observe também a irregularidade na organização cortical. (Reimpressa de Mayeux R, Chun MR. Acquired and hereditary dementias. In: Rowland LP, ed. Merritt’s Textbook of Neurology. 10th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2000:636.)
364
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
neurotransmissor glutamato, que poderia prejudicar os neurônios, é outra alternativa para a causação. Taupatia sistêmica familiar múltipla com demência pré-senil. Tipo de demência descoberto recentemente, a taupatia sistêmica familiar múltipla, compartilha algumas anormalidades cerebrais encontradas em pessoas com a doença de Alzheimer. Acredita-se que o gene responsável pelo transtorno esteja no cromossomo 17. Seus sintomas incluem problemas na memória de curta duração e dificuldade para manter o equilíbrio e caminhar. O início da doença ocorre nas faixas de 40 e 50 anos, e as pessoas com a doença vivem em média 11 anos após o início dos sintomas. Como em indivíduos com a doença de Alzheimer, a proteína tau acumula-se em neurônios e células da glia de pessoas com taupatia sistêmica familiar múltipla. Conseqüentemente, o acúmulo de proteína mata as células cerebrais. O transtorno não está associado às placas senis da doença de Alzheimer. Demência vascular Presume-se que a principal causa de demência vascular, anteriormente chamada de demência multiinfarto, seja uma doença vascular cerebral múltipla, resultando no padrão de sintomas de demência. Ela é mais comum em homens, especialmente naqueles com hipertensão preexistente ou outros fatores de risco cardiovascular. O transtorno afeta principalmente os vasos cerebrais pequenos e médios, que infartam e produzem lesões parenquimais múltiplas ao longo de amplas áreas do cérebro (Fig. 10.3-3). As causas dos infartos podem incluir a oclusão dos vasos por placas arterioscleróticas ou tromboembolia de origem distante (como válvulas cardíacas). Um exame pode revelar ruídos na carótida, anormalidades no exame de fundo de olho ou alargamento das câmaras cardíacas.
Doença de Binswanger. Também conhecida como encefalopatia arteriosclerótica subcortical, caracteriza-se pela presença de múltiplos infartos pequenos na substância branca, que poupam as regiões corticais. Embora essa condição fosse considerada rara, o advento de técnicas de imagem sofisticadas e poderosas, como a ressonância magnética, revelou que é mais comum do que se pensava. Doença de Pick Ao contrário da distribuição parietotemporal dos achados patológicos da doença de Alzheimer, a doença de Pick caracteriza-se pela preponderância de atrofia nas regiões frontotemporais. Essas áreas também apresentam perda de neurônios, gliose e corpos de Pick neuronais, que são massas de elementos citoesqueléticos. Os corpos de Pick são observados em alguns espécimes post-mortem, mas não são necessários para o diagnóstico. Sua causa é desconhecida, mas constitui aproximadamente 5% de todas as demências irreversíveis. É comum em homens, especialmente naqueles que possuem parente em primeiro grau com a condição. A doença de Pick é difícil de distinguir da demência do tipo Alzheimer, embora os estágios iniciais daquela sejam caracterizados com mais freqüência por alterações de personalidade e comportamento, com preservação relativa de outras funções cognitivas. Aspectos da síndrome de Klüver-Bucy (como hipersexualidade, placidez e hiperoralidade) são muito mais comuns na doença de Pick do que na de Alzheimer. Doença dos corpos de Lewy Trata-se de demência clinicamente semelhante à doença de Alzheimer e, muitas vezes, é evidenciada por alucinações, características parkinsonianas e sinais extrapiramidais. Os cor-
FIGURA 10.3-3 Aparência bruta do córtex cerebral em secção coronal em caso de demência vascular. Os múltiplos infartos lacunares bilaterais envolvem o tálamo, a cápsula interna e o globo pálido. (Cortesia de Daniel P. Perl, M.D.)
DELIRIUM, DEMÊNCIA,
TRANSTORNOS AMNÉSTICOS E OUTRAS PSICOPATOLOGIAS DEVIDO A UMA CONDIÇÃO MÉDICA GERAL
pos de inclusão de Lewy são encontrados no córtex cerebral, mas sua incidência exata é desconhecida. Pacientes com a condição apresentam efeitos adversos pronunciados quando tomam medicamentos antipsicóticos.
365
depressão. Estima-se que 20 a 30% dos pacientes com essa condição tenham demência, e 30 a 40%, comprometimento mensurável em capacidades cognitivas. Os movimentos lentos de pessoas com a doença de Parkinson são análogos ao pensamento lento aspecto que os clínicos chamam de bradifrenia.
Coréia de Huntington A coréia de Huntington é classicamente associada ao desenvolvimento de demência do tipo subcortical, caracterizado por mais anormalidades motoras e menos disfunções da linguagem do que no tipo cortical (Tab. 10.3-2). A demência da coréia de Huntington apresenta retardo psicomotor e dificuldade em tarefas complexas, mas a memória, a linguagem e o insight permanecem relativamente intactos nos estágios iniciais e intermediários da doença. Contudo, à medida que a patologia avança, a demência se torna completa. As características que a diferenciam da demência do tipo Alzheimer são a alta incidência de depressão e psicose, além de transtorno do movimento coreoatetóide clássico.
Demência relacionada ao HIV
Doença de Parkinson
Demência relacionada a traumatismo craniano
Como a coréia de Huntington, o parkinsonismo é uma doença dos gânglios da base, comumente associada à demência e à
A demência pode dar-se devido à seqüela de traumatismo craniano. A chamada síndrome do boxeador (demência pugilística)
A infecção por HIV geralmente leva à demência e a outras condições psiquiátricas. Os pacientes infectados apresentam taxa anual de demência de aproximadamente 14%. Calcula-se que 75% dos pacientes com a síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) apresentem comprometimento do sistema nervoso central na autópsia. O desenvolvimento de demência nesses casos acompanha o surgimento de anormalidades parenquimais em ressonâncias magnéticas. Outras demências infecciosas são causadas por Cryptococcus e Treponema pallidum.
TABELA 10.3-2 Características que diferenciam a demência subcortical da cortical Característica
Demência subcortical
Demência cortical
Testes recomendados
Linguagem
Não há afasia (anomia, se grave)
Afasia precoce
Teste FAZ “Teste de Nomeação de Boston” Teste de vocabulário WAIS-R
Memória
Recordação comprometida (recuperação) > reconhecimento (codificação)
Recordação e reconhecimento comprometidos
Escala de memória Weschler; Symbol Digit Paired Associate Learning (Brandt)
Atenção e recordação imediata
Comprometidas
Comprometidas
Números da WAIS-R
Habilidades visuoespaciais
Comprometidas
Comprometidas
Arranjo de imagens, montagem de objetos e blocos; subtestes da WAIS-R
Cálculo
Preservado até estágios finais
Envolvimento precoce
MMSE
Habilidades dos sistemas frontais (funcionamento executivo)
Desproporcionalmente afetadas
Grau de comprometimento condizente com outros envolvimentos
Teste da Escolha do Cartão de Wisconsin; Odd Man Out Test; Picture Absurdities
Velocidade do processamento cognitivo
Lento precocemente
Normal até estágios avançados da doença
Construção de trilha A e B:Teste Auditivo Cronometrado de Somas Seriadas (PASAT)
Personalidade
Apática, inerte
Desinteressada
MMPI
Humor
Depressivo
Eutímico
Escalas de depressão de Beck e Hamilton
Fala
Disártrica
Articulada até estágios avançados
Fluência verbal (Rosen, 1980)
Postura
Curvada ou estendida
Ereta
Coordenação
Comprometida
Normal até estágios avançados
Velocidade e controle motores
Lenta
Normal
Movimentos adventícios
Coréia, tiques motores, distonia
Ausentes (demência de Alzheimer – alguma mioclonia)
Abstração
Comprometida
Comprometida
Bater com os dedos; prancha de pinos
Teste de categorias (Halstead Battery)
Reimpressa, com permissão, de Pajeau AK, Román GC. HIV encephalopathy and dementia. In: J Biller, RG Kathol, eds. The Psychiatric Clinics of North America: The Interface of Psychiatry and Neurology. Vol. 15. Philadelphia: WB Saunders; 1992:457.
366
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
ocorre em boxeadores após traumatismo craniano repetido ao longo de muitos anos. Caracteriza-se por instabilidade emocional, disartria e impulsividade. DIAGNÓSTICOS E CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS Os diagnósticos referidos pelo DSM-IV-TR são de demência do tipo Alzheimer (Tab. 10.3-3), demência vascular (Tab. 10.3-4), demência devida a outras condições médicas gerais (Tab. 10.3-5),
TABELA 10.3-3 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para demência do tipo Alzheimer A. Desenvolvimento de múltiplos déficits cognitivos manifestados tanto por (1) quanto por (2): (1) comprometimento da memória (capacidade prejudicada de aprender novas informações ou recordar aquelas anteriormente aprendidas) (2) uma (ou mais) das seguintes perturbações cognitivas: (a) afasia (perturbação da linguagem) (b) apraxia (capacidade prejudicada de executar atividades motoras, apesar de funcionamento motor intacto) (c) agnosia (incapacidade de reconhecer ou identificar objetos, apesar de funcionamento sensorial intacto) (d) perturbação do funcionamento executivo (i.e., planejamento, organização, seqüenciamento, abstração) B. Os déficits cognitivos nos Critérios A1 e A2 causam comprometimento significativo do funcionamento social ou ocupacional e representam declínio significativo em relação a um nível anteriormente superior de funcionamento. C. O curso caracteriza-se por início gradual e declínio cognitivo contínuo. D. Os déficits cognitivos nos Critérios A1 e A2 não se devem a quaisquer dos seguintes fatores: (1) outras condições do sistema nervoso central que causam déficits progressivos de memória e cognição (p. ex., doença cerebrovascular, doença de Parkinson, coréia de Huntington, hematoma subdural, hidrocefalia de pressão normal, tumor cerebral) (2) condições sistêmicas comprovadamente causadoras de demência (p. ex., hipotireoidismo, deficiência de vitamina B12 ou acido fólico, deficiência de niacina, hipercalcemia, neurossífilis, infecção por HIV) (3) condições induzidas por substâncias E. Os déficits não ocorrem exclusivamente durante o curso de delirium. F. A perturbação não é melhor explicada pela presença de outro transtorno do Eixo I (p. ex., transtorno depressivo maior, esquizofrenia). Codificar com base na presença ou ausência de perturbação clinicamente significativa do comportamento: Sem perturbação do comportamento: A perturbação cognitiva não é acompanhada de nenhuma alteração comportamental clinicamente significativa. Com perturbação do comportamento: A perturbação cognitiva é acompanhada de alteração comportamental clinicamente significativa (p. ex., agitação, vaguear pelas ruas). Especificar subtipo: Com início precoce: Início anterior à idade de 65 anos Com início tardio: Início posterior à idade de 65 anos Nota para codificação: Codificar também doença de Alzheimer no Eixo III. Indicar outras características clínicas proeminentes relacionadas à doença de Alzheimer no Eixo I (p. ex., transtorno do humor devido à doença de Alzheimer, com características depressivas; e alteração de personalidade devido à doença de Alzheimer, tipo agressivo). American Psychiatric Association: Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
TABELA 10.3-4 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para demência vascular A. Desenvolvimento de múltiplos déficits cognitivos manifestados tanto por (1) quanto por (2): (1) comprometimento da memória (capacidade prejudicada de aprender novas informações ou de recordar aquelas anteriormente aprendidas) (2) uma (ou mais) das seguintes perturbações cognitivas: (a) afasia (perturbação da linguagem) (b) apraxia (capacidade prejudicada de executar atividades motoras, apesar de função motora intacta) (c) agnosia (fracasso em reconhecer ou identificar objetos, apesar de função sensorial intacta) (d) perturbação do funcionamento executivo (i.e., planejamento, organização, seqüenciamento, abstração) B. Os déficits cognitivos nos Critérios A1 e A2 provocam comprometimento significativo do funcionamento social ou ocupacional e representam declínio significativo em relação a um nível anterior de funcionamento. C. Sinais e sintomas neurológicos focais (p. ex., exagero dos reflexos tendinosos profundos, resposta extensora plantar, paralisia pseudobulbar, anormalidades da marcha, fraqueza em uma das extremidades) ou evidências laboratoriais indicativas de doença cerebrovascular (p. ex., múltiplos infartos envolvendo o córtex e a substância branca) considerados etiologicamente relacionados à perturbação. D. Os déficits não ocorrem exclusivamente durante o curso de delirium. Codificar com base nas características predominantes: Com delirium: se houver delirium sobreposto à demência. Com delírios: se delírios forem a característica predominante. Com humor deprimido: humor deprimido (incluindo quadros que satisfaçam todos os critérios sintomáticos para episódio depressivo maior) é a característica predominante. Um diagnóstico separado de transtorno do humor devido a uma condição médica geral não é fornecido. Sem complicações: nenhuma das características anteriores predomina no quadro clínico atual. Especificar se: Com perturbação do comportamento Nota para codificação: Codificar também a doença cerebrovascular no Eixo III. American Psychiatric Association: Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
demência persistente induzida por substância (Tab. 10.3-6), demência devida a múltiplas etiologias (Tab. 10.3-7) e demência sem outra especificação (Tab. 10.3-8). O diagnóstico baseia-se no exame clínico, incluindo o exame do estado mental, e em informações da família, de amigos e de pessoas ligadas ao paciente. Queixas de alterações de personalidade em indivíduo com mais de 40 anos sugere que o diagnóstico de demência deve ser considerado. Os clínicos devem observar queixas acerca de limitações intelectuais e esquecimento, bem como evidências de evasão, negação ou racionalização por parte do paciente, visando ocultar déficits cognitivos. Excesso de organização, retraimento social ou tendência a contar eventos em detalhes são característicos, podendo ocorrer crises repentinas de raiva ou sarcasmo. A aparência e o comportamento do paciente devem ser observados. Instabilidade emocional, aparência desleixada, comentários desinibidos, piadas tolas ou expressão facial embotada, apática ou vaga sugerem a presença de demência, especialmente quando ocorrem associados com problemas de memória.
DELIRIUM, DEMÊNCIA,
TRANSTORNOS AMNÉSTICOS E OUTRAS PSICOPATOLOGIAS DEVIDO A UMA CONDIÇÃO MÉDICA GERAL
TABELA 10.3-5 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para demência devida a outras condições médicas gerais A. Desenvolvimento de múltiplos déficits cognitivos manifestados por (1) ou (2): (1) comprometimento da memória (capacidade prejudicada de aprender novas informações ou de recordar aquelas anteriormente aprendidas) (2) uma (ou mais) das seguintes perturbações cognitivas: (a) afasia (perturbação da linguagem) (b) apraxia (capacidade prejudicada de executar atividades motoras, apesar de função motora intacta) (c) agnosia (fracasso em reconhecer ou identificar objetos, apesar de função sensorial intacta) (d) perturbação no funcionamento executivo (i.e., planejamento, organização, seqüenciamento, abstração) B. Os déficits cognitivos nos Critérios A1 e A2 provocam comprometimento significativo do funcionamento social ou ocupacional e representam declínio significativo a partir de um nível anterior de funcionamento. C. Existem evidências, a partir da história, do exame físico ou de achados laboratoriais, de que a perturbação é conseqüência fisiológica direta de uma condição médica geral que não doença de Alzheimer ou vascular cerebral (p. ex., infecção por HIV, lesão cerebral traumática, doença de Parkinson, coréia de Huntington, doença de Pick, doença de Creutzfeldt-Jakob, hidrocefalia de pressão normal, hipotireoidismo, tumor cerebral ou deficiência de vitamina B12). D. Os déficits não ocorrem exclusivamente durante o curso de delirium. Codificar com base na presença ou ausência de perturbação clinicamente significativa do comportamento: Sem perturbação do comportamento: a perturbação cognitiva não é acompanhada de nenhuma alteração comportamental clinicamente significativa. Com perturbação do comportamento: a perturbação cognitiva é acompanhada de alteração comportamental clinicamente significativa (p. ex., agitação, vaguear pelas ruas). Nota para codificação: Codificar também a condição médica geral no Eixo III (p. ex., infecção por HIV, traumatismo craniano, doença de Parkinson, coréia de Huntington, doença de Pick, doença de Creutzfeldt-Jakob). American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
Alterações na memória costumam ser característica precoce e proeminente da demência, em especial de tipos que envolvam o córtex, como a do tipo Alzheimer. No começo do curso, o comprometimento da memória é leve e geralmente mais pronunciado para eventos recentes. As pessoas esquecem números de telefones, conversas e eventos do dia. À medida que avança, o comprometimento se torna grave, e somente informações mais antigas (p.ex., o local de nascimento) são mantidas. A orientação referente a lugar, tempo e pessoa pode ser afetada progressivamente durante o curso da demência, visto que a memória é importante para a orientação. Por exemplo, os pacientes podem esquecer como voltar para seus quartos após irem ao banheiro. Contudo, independentemente da gravidade que a desorientação pareça ter, eles não apresentam comprometimento de seu nível de consciência. Os processos de demência que afetam o córtex, em especial as do tipo Alzheimer e vascular, podem atingir as capacidades lingüísticas dos pacientes. O DSM-IV-TR inclui a afasia como um dos critérios diagnósticos. A dificuldade da linguagem pode se
367
TABELA 10.3-6 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para demência persistente induzida por substância A. Desenvolvimento de múltiplos déficits cognitivos manifestados tanto por (1) quanto por (2): (1) comprometimento da memória (capacidade prejudicada de aprender novas informações ou de recordar aquelas anteriormente aprendidas) (2) uma (ou mais) das seguintes perturbações cognitivas: (a) afasia (perturbação da linguagem) (b) apraxia (capacidade prejudicada de executar atividades motoras, apesar de função motora intacta) (c) agnosia (incapacidade de reconhecer ou identificar objetos, apesar de função sensorial intacta) (d) perturbação no funcionamento executivo (i.e., planejamento, organização, seqüenciamento, abstração) B. Os déficits cognitivos nos Critérios A1 e A2 produzem comprometimento significativo do funcionamento social ou ocupacional e representam declínio significativo a partir de um nível anterior de funcionamento. C. Os déficits não ocorrem exclusivamente durante o curso de delirium e persistem além da duração habitual da intoxicação ou da abstinência de substância. D. Existem evidências, a partir da história, do exame físico e dos achados laboratoriais, de que os déficits estão etiologicamente relacionados a efeitos persistentes do uso de uma substância (p. ex., droga de abuso, medicamento). Codificar demência persistente induzida por substância [específica]: (álcool; inalante; sedativo, hipnótico ou ansiolítico; outra substância [ou substância desconhecida]). American Psychiatric Association: Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
TABELA 10.3-7 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para demência devida a múltiplas etiologias A. Desenvolvimento de múltiplos déficits cognitivos manifestados tanto por (1) quanto por (2): (1) comprometimento da memória (capacidade prejudicada de aprender novas informações ou de recordar aquelas aprendidas anteriormente) (2) uma (ou mais) das seguintes perturbações cognitivas: (a) afasia (perturbação da linguagem) (b) apraxia (capacidade prejudicada de executar atividades motoras, apesar de função motora intacta) (c) agnosia (incapacidade de reconhecer ou identificar objetos, apesar de função sensorial intacta) (d) perturbação do funcionamento executivo (i.e., planejamento, organização, seqüenciamento, abstração) B. Os déficits cognitivos nos Critérios A1 e A2 produzem comprometimento significativo do funcionamento social ou ocupacional e representam declínio significativo a partir de um nível anterior de funcionamento. C. Existem evidências, a partir da história, do exame físico ou de achados laboratoriais, de que a perturbação possui mais de uma etiologia (p. ex., traumatismo craniano acrescido de uso crônico de álcool, demência do tipo Alzheimer com o desenvolvimento subseqüente de demência vascular). D. Os déficits não ocorrem exclusivamente durante o curso de delirium. Nota para codificação: Utilizar múltiplos códigos com base em demências e etiologias específicas, por exemplo, demência do tipo Alzheimer com início tardio sem complicações; demência vascular sem complicações. American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
368
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 10.3-8 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para demência sem outra especificação Esta categoria destina-se ao diagnóstico de uma demência que não satisfaça os critérios para qualquer um dos tipos específicos descritos nesta seção, por exemplo, no caso de quadro clínico de demência sem evidências suficientes para o estabelecimento de uma etiologia específica. American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
caracterizar por locução vaga, estereotipada, imprecisa ou circunstancial, e os doentes muitas vezes apresentam ainda dificuldade para recordar nomes de objetos. Alterações psiquiátricas e neurológicas Personalidade. As mudanças na personalidade de alguém com demência são especialmente perturbadoras na família. Os traços de personalidade preexistentes podem ser acentuados durante o desenvolvimento da demência. Além disso, as pessoas afetadas podem se tornar introvertidas e parecer menos preocupadas do que antes com os efeitos de seu comportamento sobre os outros. Manifestam ainda delírios paranóides com características hostis para com seus familiares e cuidadores. Os pacientes com comprometimento frontal e temporal são candidatos a ter alterações de personalidade e podem apresentar-se irritáveis e explosivos. Alucinações e delírios. Estima-se que de 20 a 30% dos pacientes com demência (principalmente do tipo Alzheimer) tenham alucinações e que de 30 a 40% tenham delírios, em sua maioria de natureza paranóide ou persecutória e não-sistematizada, embora também relatem delírios complexos, prolongados e sistematizados. A agressividade física e outras formas de violência são comuns em indivíduos dementes com sintomas psicóticos associados. Humor. Além da psicose e das alterações na personalidade, a depressão e a ansiedade são importantes sintomas entre aproximadamente 40 a 50% dos pacientes com demência, embora a síndrome completa possa estar presente em apenas 10 a 20%. Os indivíduos dementes também podem apresentar riso ou choro patológico – ou seja, extremos de emoções – sem qualquer provocação aparente. Alterações cognitivas. Além das afasias em pacientes com demência, as apraxias e as agnosias são comuns, sendo incluídas como critérios diagnósticos potenciais no DSM-IV-TR. Outros sinais neurológicos que podem estar associados a demências são as convulsões, vistas em aproximadamente 10% dos pacientes com demência do tipo Alzheimer e em 20% daqueles com demência vascular, e os quadros neurológicos atípicos, como síndrome do lobo parietal não-dominante. Os reflexos primitivos – como segurar, protração labial, sucção, tônico do pé e palmomental – podem ser detectados no exame
neurológico, e as mioclonias estão presentes em 5 a 10% dos pacientes. Pessoas com demência vascular podem ter sintomas neurológicos adicionais, como cefaléia, tontura, fraqueza, languidez, sinais neurológicos focais e perturbações do sono, possivelmente atribuídos à localização da doença cerebrovascular. A paralisia pseudobulbar, a disartria e a disfagia também são mais comuns na demência vascular do que em outras condições de demência. Reação catastrófica. Os pacientes com demência também exibem a capacidade reduzida de aplicar aquilo que Kurt Goldstein chamava de “atitude abstrata”. Eles têm dificuldade para generalizar a partir de um momento único, formar conceitos e entender as semelhanças e diferenças entre eles. Além disso, a capacidade de resolver problemas, de raciocinar de forma lógica e de fazer julgamentos sensatos é comprometida. Goldstein também descreveu reação catastrófica marcada por agitação secundária à consciência subjetiva de déficits intelectuais em condições estressantes. Em geral as pessoas tentam compensar seus déficits usando estratégias para evitar demonstrar suas falhas em desempenho intelectual. Podem mudar de assunto, fazer piadas ou desviar a atenção do entrevistador. A falta de julgamento e de controle dos impulsos é comum, particularmente em demências que afetam os lobos frontais. Exemplos dessas limitações incluem linguagem grosseira, piadas inadequadas, negligência à aparência e à higiene pessoal, além de desconsideração geral para com as regras convencionais de conduta social. Síndrome de sundowner. Caracteriza-se por tontura, confusão, ataxia e quedas acidentais. Ocorre em idosos com excesso de sedação e em pacientes com demência que reagem de maneira adversa à menor dose de medicamento psicoativo. Ocorre, ainda, em pessoas dementes quando os estímulos externos, como luz e pistas de orientação interpessoal, são diminuídos. Demência do tipo Alzheimer Os critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para a demência do tipo Alzheimer enfatizam a presença de comprometimento da memória e a associação de pelo menos um outro sintoma de declínio cognitivo (afasia, apraxia, agnosia ou funcionamento executivo anormal). Além disso, exigem declínio gradual e continuado do funcionamento geral, comprometimento do funcionamento social ou ocupacional e exclusão de outras causas de demência. Segundo o DSM-IV-TR, a idade de início pode ser caracterizada como precoce (aos 65 anos de idade ou antes) ou tardia (após 65 anos) e qualquer sintoma comportamental predominante deve ser codificado com o diagnóstico, se apropriado. O sr. E. é um homem casado de 68 anos de idade, com dois filhos, que foi atendido por uma equipe multidisciplinar do centro clínico e de pesquisa do Department of Veterans Affairs durante os últimos seis anos. A avaliação foi solicitação feita por sua esposa para uma vaga em clínica residencial.
DELIRIUM, DEMÊNCIA,
TRANSTORNOS AMNÉSTICOS E OUTRAS PSICOPATOLOGIAS DEVIDO A UMA CONDIÇÃO MÉDICA GERAL
O sr. E. foi avaliado há nove anos, quando sua esposa observou alterações em sua memória e comportamento, sugerindo que procurasse orientação médica. Naquela época, ele ainda trabalhava como segurança. Durante a consulta inicial com o médico, o sr. E. reconheceu que estava com problemas crescentes de memória há pelo menos dois anos. Disse que, com freqüência, esquecia as chaves ou ia em casa buscar algo e não lembrava o que era. A sra. E. observou que ele havia mudado, de pessoa extrovertida e agradável para uma que evitava conversar. Ele também parecia hostil às vezes, sem razão aparente. O sr. E. estava em boa saúde geral e não tomava medicamentos. Seu consumo de álcool se limitava a duas ou três latinhas de cerveja por dia. Não apresentava história médica ou psiquiátrica significativa, nem história familiar de transtornos cognitivos ou psiquiátricos. Três anos depois, a sra. E. contatou o centro clínico para solicitar tratamento para os sintomas cognitivos e comportamentais do marido. O exame neurológico demonstrou a ausência de anormalidades focais, mas respostas glabelares, de protração labial e palmomentais estavam presentes. O sr. E. era hesitante e tinha dificuldade para prestar atenção prolongada, o que dificultou a determinação de seus campos visuais. Não havia evidências de perturbações do humor. No exame sensorial, estava desorientado quanto a pessoas e datas, errando a data atual por dois anos e um mês. No entanto, parecia compreender a maioria das questões e estava ciente de que experimentava dificuldades cognitivas. No exame neuropsicológico, o sr. E. apresentou comprometimento de moderado a grave da memória, da atenção, do raciocínio espaçovisual, da mudança de cenário e das capacidades de julgamento e planejamento. Seu eletroencefalograma apresentou-se levemente anormal, com ondas teta nãoespecíficas e descarga bilateral aguda. A tomografia computadorizada indicou leve alargamento dos ventrículos laterais e do terceiro ventrículo, que condiz com atrofia leve. O sr. E. começou a tomar 1 mg de haloperidol antes de dormir. Logo depois, sua esposa passou a se preocupar com o fato de o medicamento estar, na verdade, aumentando sua agitação, pois ele havia começado a se trancar no quarto e não deixava que ela o limpasse após defecar nas calças. A dose foi reduzida para 0,5 mg por dia. Como o comportamento do sr. E. não melhorou após quatro meses, o medicamento foi descontinuado, a pedido da esposa. Um ano e meio depois da primeira visita do sr. E. ao centro geriátrico (e seis anos após ele ter começado a experimentar sintomas cognitivos e comportamentais), a sra. E. discutiu com a equipe a possibilidade de um tratamento de longa duração para o seu marido. Nessa época, a demência era grave. Ele caminhava a maior parte da noite, apresentando crises de choro freqüentes, e havia se tornado fisicamente ameaçador. Em uma ocasião, a esposa levantou durante a noite e constatou que seu marido havia regulado o termostato da casa à temperatura máxima, acendido todos os queimadores do fogão e o forno a 500º.
369
Porém, após explorar as opções de apoio familiar com a equipe, ela decidiu continuar a cuidar de seu marido em casa. Foi receitado um inibidor seletivo da recaptação de serotonina (ISRS), resultando em redução no choro, melhora no sono, e disposição maior para ajudar em algumas das tarefas domésticas. Contudo, a sra. E. logo sentiu que o medicamento estava deixando o marido mais confuso e difícil de tratar, sendo assim, após quatro meses o remédio foi descontinuado. Por volta de sete meses depois, a sra. E. trouxe seu marido para esta avaliação, a fim de investigar seriamente a possibilidade de uma vaga residencial. Ela disse que chegou ao seu limite, pois o sr. E. desaparece cada vez que ela não está olhando, e quase foi atropelado em diversas ocasiões. Embora diga se sentir terrivelmente culpada por “abandoná-lo”, acha que não consegue mais lidar com a responsabilidade de garantir a segurança do marido, e não vê outra alternativa senão colocá-lo em uma clínica residencial. O sr. E. foi transferido do centro geriátrico para o centro de tratamento de longa duração a quase 200 quilômetros de distância. DIAGNÓSTICO SEGUNDO O DSM-IV-TR Eixo I: Eixo II: Eixo III: Eixo IV: Eixo V:
Demência do tipo Alzheimer, com início precoce, sem complicações Nenhum diagnóstico Doença de Alzheimer Dificuldades financeiras AGF = 15 (atual); 20 (nível mais alto no último ano)
(De DSM-IV Case Studies.) Demência vascular Os sintomas gerais de demência vascular são os mesmos daquela do tipo Alzheimer, mas seu diagnóstico exige evidências clínicas ou laboratoriais para a causa da demência. Na demência vascular é mais provável de ocorrer deterioração gradual progressiva do que na doença de Alzheimer. Demência devida a outras condições médicas gerais O DSM-IV-TR apresenta uma lista de seis causas específicas de demência, que podem ser codificadas diretamente: doença causada por HIV, traumatismo craniano, doença de Parkinson, coréia de Huntingon, doença de Pick e doença de Creutzfeldt-Jakob. Uma sétima categoria permite que os clínicos especifiquem outras condições médicas não-psiquiátricas associadas. Demência persistente induzida por substância Para facilitar o raciocínio do clínico em relação ao diagnóstico diferencial, a demência persistente induzida por substância é listada em dois lugares no DSM-IV-TR, juntamente com as demências e com os transtornos relacionados a substâncias. As subs-
370
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
tâncias específicas referidas no manual são álcool; inalantes, sedativos, hipnóticos, ansiolíticos; e outras substâncias não-especificadas ou desconhecidas. PATOLOGIA, ACHADOS FÍSICOS E EXAME LABORATORIAL Ao se avaliar um paciente com demência, deve-se fazer exame laboratorial abrangente. Seus propósitos são detectar as causas reversíveis da demência e fornecer diagnóstico definitivo para o paciente e sua família. A variedade de causas possíveis da demência exige o uso seletivo de exames laboratoriais. A avaliação deve se apoiar em suspeitas clínicas informadas, com base na história e em resultados do exame físico e do estado mental. A Tabela 10.16 apresenta lista de exames laboratoriais úteis para avaliar doenças específicas que se manifestam como demência. Os avanços constantes em técnicas de visualização cerebral, particularmente a RM, em alguns casos, diferenciam a demência do tipo Alzheimer e da vascular de maneira mais clara do que no passado. Uma área ativa de pesquisa é o uso de tomografia computadorizada por emissão de fóton único (SPECT) para detectar padrões de metabolismo cerebral em diversos tipos de demências. O uso de imagens de SPECT pode vir a ajudar no diagnóstico diferencial clínico das demências. O exame físico geral é um componente de rotina na abordagem da demência, podendo revelar evidências de doenças sistêmicas que causem disfunções cerebrais, como crescimento do fígado e encefalopatia hepática, ou demonstrar patologia sistêmica relacionada a processos específicos do SNC. A detecção de sarcoma de Kaposi, por exemplo, deve alertar o clínico para a provável presença de AIDS e a possibilidade associada do complexo de demência da AIDS. Achados neurológicos focais, como hiperreflexia assimétrica ou fraqueza, são encontrados com mais freqüência em doenças vasculares do que nas degenerativas. Sinais no lobo frontal e reflexos primitivos ocorrem em muitos transtornos e podem indicar progressão maior. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Demência do tipo Alzheimer versus demência vascular
5 a 15 minutos). Embora uma variedade de mecanismos possa ser responsável por elas, muitas vezes são resultado de microembolização de lesões arteriais proximais intracranianas, que produz isquemia cerebral transitória, e os episódios tendem a ser resolvidos sem alterações patológicas significativas do tecido parenquimal. Cerca de um terço das pessoas cujas crises isquêmicas transitórias não são tratadas experimenta acidente vascular cerebral (AVC) posteriormente. Portanto, o reconhecimento dessas crises configura estratégia clínica importante para prevenir AVCs. Os clínicos devem distinguir episódios que envolvem o sistema vertebrobasilar dos que englobam o sistema arterial da carótida. De modo geral, os sintomas associados a doenças que afetam o primeiro refletem perturbação funcional transitória no tronco encefálico ou no lobo occipital. Sintomas que atingem a distribuição da carótida refletem anormalidades retinais ou hemisféricas unilaterais. A terapia com anticoagulantes, medicamentos aglutinadores antiplaquetas, como a aspirina, e cirurgias de reconstrução vascular extracranianas e intracranianas mostraram-se efetivas para reduzir o risco de AVC em paciente com crises isquêmicas transitórias.
Delirium Diferenciar delirium de demência pode ser mais difícil do que indica a classificação do DSM-IV-TR. Em linhas gerais, o delirium se diferencia por início rápido, duração breve, oscilação de limitações cognitivas durante o dia, exacerbação noturna dos sintomas, perturbação pronunciada do ciclo de sono-vigília e distúrbios proeminentes da atenção e da percepção. Depressão Alguns pacientes com depressão apresentam sintomas de comprometimento cognitivo difíceis de diferenciar daqueles relacionados à demência. O quadro clínico, às vezes, é chamado de pseudodemência, embora a expressão disfunção cognitiva relacionada à depressão seja preferível e mais descritivo (Tab. 10.3-9). Os pacientes com disfunção cognitiva relacionada à depressão em geral apresentam sintomas depressivos proeminentes, têm mais noção de seus sintomas do que indivíduos com demência e, muitas vezes, possuem história de episódios depressivos passados. Transtorno factício
Do ponto de vista clássico, a demência vascular é distinguida da do tipo Alzheimer pela deterioração gradual que pode acompanhar as doenças cerebrovasculares ao longo do tempo. Embora essa deterioração discreta possa não estar aparente em todos os casos, os sintomas neurológicos focais são mais comuns na demência vascular do que na do tipo Alzheimer, bem como os fatores de risco triviais de doenças cerebrovasculares.
Pessoas que tentam simular perda de memória, como no transtorno factício, o fazem de maneira errática e inconsistente. Na demência verdadeira, a memória para tempo e lugar é perdida antes do que a memória para pessoa, e a memória recente é perdida antes do que a remota.
Demência vascular versus crises isquêmicas transitórias
Esquizofrenia
As crises isquêmicas transitórias são episódios breves de disfunção neurológica focal que duram menos de 24 horas (em geral de
Embora esta possa ser associada a comprometimento intelectual adquirido, seus sintomas são muito mais graves do que os de psicose e transtorno do pensamento vistos na demência.
DELIRIUM, DEMÊNCIA,
TRANSTORNOS AMNÉSTICOS E OUTRAS PSICOPATOLOGIAS DEVIDO A UMA CONDIÇÃO MÉDICA GERAL
371
TABELA 10.3-9 Principais aspectos clínicos que diferenciam pseudodemência de demência Pseudodemência
Demência
Curso e história clínica Família sempre ciente da disfunção e de sua gravidade Início pode ser identificado com precisão Sintomas de curta duração antes de procurar ajuda médica Progressão rápida de sintomas após o início História de transtorno psiquiátrico anterior é comum
Família muitas vezes não sabe da disfunção e de sua gravidade Início pode ser identificado apenas dentro de limites amplos Sintomas geralmente de longa duração antes de procurar ajuda médica Progressão lenta dos sintomas no decorrer do curso História de transtorno psiquiátrico anterior é incomum
Queixas e comportamento clínico Pacientes geralmente reclamam muito de perda cognitiva Queixas de disfunção cognitiva costumam ser detalhadas Pacientes enfatizam a deficiência Pacientes ressaltam fracassos Pacientes se esforçam pouco para cumprir tarefas simples Pacientes normalmente comunicam forte sensação de perturbação Alteração afetiva geralmente global Perda de habilidades sociais precoce e proeminente Comportamento em geral é incongruente com a gravidade da disfunção cognitiva Acentuação noturna da disfunção é incomum Aspectos clínicos relacionados a disfunções de memória, cognitivas e intelectuais Atenção e concentração bem-preservadas Resposta “Não sei” é típica Em testes de orientação, os pacientes muitas vezes respondem “Não sei” Perda de memória para eventos recentes e remotos geralmente grave Lacunas na memória para períodos ou eventos específicos são comuns Variabilidade pronunciada no desempenho de tarefas de dificuldade semelhante
Pacientes geralmente reclamam pouco de perda cognitiva Queixas de disfunção cognitiva costumam ser vagas Pacientes ocultam a deficiência Pacientes alegram-se com realizações, por mais triviais que sejam Pacientes lutam para realizar tarefas Pacientes usam anotações, calendários, etc. Pacientes muitas vezes não parecem preocupados Afeto instável e superficial Habilidades sociais mantidas Comportamento em geral compatível com a gravidade da disfunção cognitiva Acentuação noturna da disfunção é comum
Atenção e concentração geralmente deficientes Respostas quase certas freqüentes Em testes de orientação, pacientes geralmente trocam o incomum pelo comum Perda de memória para eventos recentes geralmente mais grave do que para eventos remotos Lacunas na memória para períodos específicos são incomunsa Desempenho consistentemente fraco em tarefas de dificuldade semelhante
aExceto
quando causadas por delirium, traumatismo, convulsões, etc. Reimpressa, com permissão, de Wells CE. Pseudodementia. Am J Psychiatry. 1979;36:898.
Envelhecimento normal
CURSO E PROGNÓSTICO
O envelhecimento não está necessariamente associado a declínio cognitivo significativo, mas podem ocorrer problemas menores de memória como parte do envelhecimento normal. Essas ocorrências, às vezes, são chamadas de esquecimento benigno senescente ou perda de memória associada à idade. Ambos são distinguidos da demência por sua menor gravidade e pelo fato de que não interferem de forma tão insidiosa no comportamento social ou ocupacional da pessoa.
O curso clássico da demência tem início nas faixas de 50 ou 60 anos de idade, com deterioração gradual ao longo de 5 a 10 anos, levando, enfim, à morte. A idade de início e a rapidez da deterioração variam entre os diferentes tipos de demência e dentro de categorias diagnósticas individuais. A expectativa de sobrevivência média para pacientes com demência do tipo Alzheimer é de cerca de oito anos, com faixa de variação de 1 a 20 anos. Os dados sugerem que pessoas com início precoce ou com história familiar de demência são prováveis de apresentar curso rápido. Em um estudo recente com 821 pessoas portadores de doença de Alzheimer, o tempo médio de sobrevivência foi de 3,5 anos. Quando a demência é diagnosticada, os pacientes devem se submeter a exames médico e neurológico completos, pois entre 10 e 15% possuem condição potencialmente reversível se o tratamento iniciar antes que ocorra lesão cerebral permanente. O curso mais comum começa com alguns sinais sutis que podem, em princípio, ser ignorados pelo paciente e pelas pessoas mais próximas a ele. O início gradual de sintomas costuma estar mais associado a demência do tipo Alzheimer, demência vascular, endocrinopatias, tumores cerebrais e distúrbios metabólicos. Em
Outros transtornos O retardo mental não inclui perda da memória e ocorre na infância. O transtorno amnéstico se caracteriza por perda limitada da memória e pela ausência de deterioração. A depressão maior, na qual há perda da memória, responde a medicamento antidepressivo. Deve ser excluída a possibilidade de simulação e de distúrbio da hipófise, mas ambos são improváveis.
372
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
contrapartida, o início da condição que resulta de traumatismo craniano, ataque cardíaco com hipoxia cerebral ou encefalite pode ser repentino. Ainda que os sintomas da primeira fase da demência sejam sutis, tornam-se mais claros à medida que a doença avança, e os familiares podem, então, submeter o paciente à atenção médica. As pessoas com demência, às vezes, são sensíveis ao uso de benzodiazepínicos ou álcool, os quais precipitam comportamentos agitados, agressivos ou psicóticos. Nos estágios terminais da demência, os pacientes se tornam “cascas vazias” de seu antigo self – profundamente desorientados, incoerentes, amnésticos e incontinentes de urina e fezes. Com os tratamentos psicossocial e farmacológico, e possivelmente por causa das propriedades de autocura do cérebro, os sintomas podem progredir lentamente por um tempo ou até retroceder. A regressão certamente é uma possibilidade em demências reversíveis (causadas por hipotireoidismo, hidrocefalia com pressão normal e tumores cerebrais) após iniciar tratamento. O curso da demência varia de progressão constante (normalmente vista na demência do tipo Alzheimer) a cada vez pior (normalmente vista na demência vascular) até mais estável (como pode ser visto na demência relacionada a traumatismo craniano). Determinantes psicossociais A gravidade e o curso da demência podem ser afetados por fatores psicossociais. Quanto maiores a inteligência e o nível de instrução pré-mórbidos da pessoa, maior sua capacidade de compensar déficits de inteligência. Aquelas que têm início de demência rápido usam menos defesas do que as que experimentam começo insidioso. A ansiedade e a depressão podem intensificar e agravar os sintomas. A pseudodemência ocorre em pessoas depressivas que se queixam de perda de memória, mas que, de fato, estão sofrendo de transtorno cognitivo. Quando se trata a depressão, as deficiências cognitivas desaparecem. TRATAMENTO O primeiro passo no tratamento da demência é verificar o diagnóstico. O diagnóstico preciso é imperativo, pois a progressão pode ser interrompida ou até revertida com a terapia adequada. Medidas preventivas são importantes, particularmente na demência vascular. Essas podem incluir mudanças na dieta, exercícios e controle de diabete e hipertensão. Os agentes farmacológicos podem incluir anti-hipertensivos, anticoagulantes ou antiplaquetários. A pressão arterial não deve ultrapassar o limite superior da faixa normal, pois foi demonstrado que isso melhora o funcionamento cognitivo em pacientes com demência vascular. Também foi referido que a pressão arterial abaixo da faixa normal prejudica o funcionamento cognitivo desses doentes. A escolha do agente anti-hipertensivo pode ser significativa, pois os antagonistas βadrenérgicos foram associados à exacerbação do comprometimento cognitivo. Os inibidores da enzima conversora de angiotensina (ACE) e os diuréticos não foram implicados no aumento do comprometimento cognitivo e supostamente reduzem a pressão
arterial sem afetar o fluxo sangüíneo cerebral, que se presume estar relacionado ao funcionamento cognitivo. A remoção cirúrgica de placas da carótida pode prevenir eventos vasculares subseqüentes em pacientes cuidadosamente selecionados. A abordagem terapêutica geral é proporcionar cuidados médicos, apoio emocional para os pacientes e suas famílias e tratamento farmacológico para sintomas específicos, incluindo comportamentos perturbadores. Terapias psicossociais A deterioração das faculdades mentais possui significado psicológico importante para os pacientes com demência. A experiência de sentido de continuidade ao longo do tempo depende da memória. A memória recente é perdida antes da remota na maioria dos casos, e muitos pacientes ficam profundamente perturbados, lembrando de forma clara como costumavam funcionar, enquanto observam a própria deterioração. No nível mais fundamental, o self é produto do funcionamento cerebral. A identidade começa a se desvanecer à medida que a doença avança, e os pacientes lembram cada vez menos de seu passado. Reações emocionais que variam de depressão e ansiedade graves a terror catastrófico podem ocorrer com a compreensão de que o sentido de self está desaparecendo. Os pacientes muitas vezes se beneficiam com psicoterapia de apoio e educativa, na qual a natureza e o curso da doença são explicados de forma clara. Além disso, podem se beneficiar do apoio ao luto, aceitando o nível de sua deficiência e prestando atenção a questões relacionadas à auto-estima. Todas as áreas de funcionamento intacto devem ser maximizadas, ajudando-se os pacientes a identificar atividades em que seja possível atuar. Avaliação psicodinâmica das deficiências nas funções do ego e limitações cognitivas também pode ser útil. Os clínicos podem ajudar os pacientes a encontrar maneiras de lidar com funções do ego deficientes, mediante calendários para problemas de orientação, agendas para favorecer a estruturação de atividades e anotações para incapacitações de memória. As intervenções psicodinâmicas com os familiares podem ser de grande benefício. Aqueles que cuidam de um paciente lutam contra sentimentos de culpa, pesar, raiva e exaustão, à medida que olham seu familiar se deteriorar gradualmente. A questão comum entre os cuidadores envolve o sacrifício pessoal ao cuidar do doente. O ressentimento crescente que acompanha essa situação muitas vezes é suprimido por causa da culpa que ele produz. Os clínicos podem ajudar os cuidadores a entender a mistura complexa de sentimentos associados ao fato de ver o declínio de um ente querido e propiciar entendimento, bem como a permissão para expressar esses sentimentos. Tais profissionais devem estar cientes das tendências dos cuidadores de culparem a si ou a outras pessoas pelas doenças dos pacientes e entender o papel que estes desempenham na vida dos familiares. Farmacoterapia É possível prescrever benzodiazepínicos para insônia e ansiedade, antidepressivos para depressão, e antipsicóticos para delírios e alu-
DELIRIUM, DEMÊNCIA,
TRANSTORNOS AMNÉSTICOS E OUTRAS PSICOPATOLOGIAS DEVIDO A UMA CONDIÇÃO MÉDICA GERAL
cinações, mas deve-se estar ciente dos possíveis efeitos idiossincráticos desses medicamentos em idosos (como excitação paradoxal, confusão e maior sedação). De modo geral, recomenda-se evitar fármacos com atividade anticolinérgica. O donezepil (Aricept), a rivastigmina (Exelon), a galantamina (Remiryl) e a tacrina (Cognex) são inibidores de colinesterase usados para tratar problemas cognitivos leves a moderados na doença de Alzheimer. Eles reduzem a inativação do neurotransmissor acetilcolina e, assim, potencializam o neurotransmissor colinérgico, que então produz melhora modesta na memória e no pensamento voltado para objetivos. Esses agentes são mais úteis para pessoas com perda de memória leve a moderada com suficiente preservação dos neurônios do prosencéfalo basal, que se beneficiam do aumento no neurotransmissor colinérgico. O donezepil tem boa tolerância e é amplamente utillizado. A tacrina é empregada raramente, por causa de seu potencial de hepatotoxicidade. Existem menos dados clínicos disponíveis para a rivastigmina e a galantamina, que parecem mais prováveis de causar efeitos adversos gastrintestinais e neuropsiquiátricos do que o donezepil. Nenhum desses medicamentos previne a degeneração neuronal progressiva do transtorno. Informações para a prescrição de inibidores anticolinérgicos podem ser encontradas no Capítulo 36, Seção 36.4.13. Outras abordagens de tratamento. Outros medicamentos usados para melhorar a atividade cognitiva incluem potencializadores de metabolismo cerebral, inibidores dos canais de cálcio e agentes serotonérgicos. Alguns estudos mostraram que a selegi-
373
lina (Eldepryl), inibidor da monoaminoxidase tipo B (MAOB), pode reduzir o avanço da doença. A memantina (EBIX) protege os neurônios de quantidades excessivas de glutamato, que podem ser neurotóxicas. A ondansetrona (Zofran), antagonista de receptores de 5-HT3, está sob investigação. A terapia de reposição de estrógeno pode reduzir o risco de declínio cognitivo em mulheres após a menopausa. Porém, são necessários mais estudos para confirmar esse efeito. Pesquisas sobre medicina alternativa e complementar estão examinando o Gingko Biloba e outros fitomedicamentos para verificar se apresentam algum impacto positivo sobre a cognição. Houve, ainda, relatos de pacientes que usaram agentes antiinflamatórios não-esteróides e tiveram risco menor de desenvolver doença de Alzheimer. CID-10 Com exceção da demência devido a traumatismo craniano, todas as outras incluídas no DSM-IV-TR também estão na décima revisão da Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-10). Esta apresenta ainda critérios gerais para a demência (Tab. 10.3-10). A demência da doença de Alzheimer é dividida em quatro tipos (Tab. 10.3-11). A CID-10 divide a demência vascular em nove tipos, com base na natureza da doença vascular (Tab. 10.3-12). Inclui também duas categorias residuais – demência em doenças específicas classificadas em outros locais (como na doença de Pick) (Tab. 10.3-13) e demência não-especificada (com causa desconhecida).
TABELA 10.3-10 Critérios diagnósticos da CID-10 para demência G1. Existe evidência de cada um dos seguintes critérios: (1) Declínio da memória, que é mais evidente na aprendizagem de novas informações, embora, em casos mais graves, a recordação de informações aprendidas anteriormente também possa ser afetada. O comprometimento se aplica a conteúdo verbal e não-verbal. O declínio deve ser verificado de forma objetiva, obtendo-se história confiável de um informante, complementada, se possível, por exames neuropsicológicos ou avaliações cognitivas quantificadas. A gravidade do declínio, com comprometimento leve como limiar para o diagnóstico, deve ser avaliada da seguinte maneira: Leve. O grau de perda da memória é suficiente para interferir em atividades cotidianas, mas não tão grave a ponto de ser incompatível com vida independente. A principal função afetada é a aprendizagem de novo conteúdo. Por exemplo, o indivíduo tem dificuldade para registrar, armazenar e lembrar elementos da vida cotidiana, como onde colocou seus pertences, ajustamento social ou informações recentemente transmitidas por familiares. Moderado. O grau de perda da memória representa limitação séria na vida independente. Somente conteúdo profundamente aprendido ou muito familiar é preservado. Novas informações são mantidas apenas ocasionalmente e de forma muito breve. Os indivíduos não conseguem lembrar de dados básicos sobre sua localização geográfica, o que fizeram recentemente ou os nomes de pessoas conhecidas. Grave. O grau de perda da memória é caracterizado pela completa incapacidade de manter novas informações. Somente fragmentos de informações anteriormente aprendidas permanecem. O indivíduo não consegue reconhecer nem seus parentes próximos.
(2) Declínio em outras capacidades cognitivas evidenciado pela deterioração no julgamento e no raciocínio, como planejamento e organização, e no processamento geral de informações. Evidências para isso devem ser idealmente obtidas de um informante e complementadas, se possível, com exames neuropsicológicos ou avaliações objetivas quantificadas. Deve ser estabelecida a deterioração a partir de nível de desempenho superior. A gravidade do declínio, com comprometimento leve como limiar para o diagnóstico, deve ser avaliada da seguinte maneira: Leve. O declínio em habilidades cognitivas causa prejuízo no desempenho cotidiano, mas não em grau que torne o indivíduo dependente de outras pessoas. Tarefas recorrentes ou atividades recreativas complicadas não podem ser realizadas. Moderado. O declínio em habilidades cognitivas torna o indivíduo incapaz de funcionar sem a assistência de outra pessoa, incluindo fazer compras e lidar com dinheiro. Dentro de casa, somente tarefas simples podem ser realizadas. As atividades são cada vez mais restritas e mantidas de forma precária. Grave. O declínio se caracteriza pela ausência de ideação inteligível. A gravidade geral da demência é melhor expressa como o nível de declínio em memória ou em outras habilidades cognitivas, o que for mais grave (p. ex., declínio leve na memória e moderado em habilidades cognitivas indica demência de gravidade moderada). G2. A consciência do ambiente (i.e., a ausência de perturbação da consciência [como definida no delirium, não induzido por álcool
(Continua)
374
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 10.3-10 (Continuação) ou outras substâncias psicoativas, Critério A]) é preservada durante período suficientemente longo para permitir a demonstração inequívoca dos sintomas do Critério G1. Quando houver episódios de delirium sobrepostos, o diagnóstico de demência deve ser protelado. G3. Há declínio em controle emocional ou motivação, ou mudança no comportamento social manifestada por pelo menos um dos seguintes: (1) labilidade emocional (2) irritabilidade (3) apatia (4) embrutecimento do comportamento social G4. Para o diagnóstico clínico confiável, os sintomas do critério G1 devem estar presentes por pelo menos seis meses; se o período desde o início for mais curto, o diagnóstico pode ser apenas provisório. Comentários O diagnóstico é sustentado por evidências de lesões em outras funções corticais superiores, como afasia, agnosia, apraxia. O julgamento sobre a vida independente ou o desenvolvimento de dependência (de outras pessoas) deve levar em conta a expectativa e o contexto cultural.
A demência é especificada aqui a partir da duração mínima de seis meses para evitar confusão com estados reversíveis de síndromes comportamentais idênticas, como hemorragia subdural traumática, hidrocefalia com pressão normal e lesões cerebrais difusas ou focais. Um quinto elemento pode ser usado para indicar a presença de sintomas adicionais: demência da doença de Alzheimer, demência vascular, demência específica classificada em outros locais, demência sem especificação, da seguinte maneira: Sem sintomas adicionais Com outros sintomas, predominantemente delirante Com outros sintomas, predominantemente alucinatória Com outros sintomas, predominantemente depressiva Com outros sintomas mistos Um sexto elemento pode ser usado para indicar a gravidade da demência: Leve Moderada Grave Conforme mencionado, a gravidade depende do nível de comprometimento da memória ou intelectual, o que for mais significativo.
Reimpressa, com permissão, da Organização Mundial de Saúde. The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural Disorders: Diagnostic Criteria for Research. Copyright, World Health Organization, Geneva, 1993.
TABELA 10.3-11 Critérios diagnósticos da CID-10 para demência do tipo Alzheimer A. Os critérios gerais para demência G1 a G4 devem ser satisfeitos. B. Não existe evidência, a partir da história, do exame físico ou de investigações especiais, de nenhuma outra causa possível de demência (p. ex. doença cerebrovascular, doença do HIV, doença de Parkinson, coréia de Huntington, hidrocefalia com pressão normal), transtorno sistêmico (p. ex., hipotireoidismo, deficiência de vitamina B12 ou ácido fólico, hipercalcemia) ou abuso de substâncias. Comentários O diagnóstico é confirmado por evidências post-mortem de emaranhados neurofibrilares e placas neuríticas além dos encontrados no envelhecimento normal do cérebro. As seguintes características sustentam o diagnóstico, mas não são elementos necessários: envolvimento de funções corticais, evidenciado por afasia, agnosia ou apraxia; redução da motivação, levando à apatia e à falta de espontaneidade; irritabilidade e desinibição do comportamento social; evidências de investigações de que há atrofia cerebral, particularmente se for demonstrado que ela está aumentando com o tempo. Em casos graves, pode haver alterações extrapiramidais do tipo Parkinson, logoclonia e crises epiléticas. Especificação de características para possíveis subtipos Como há a possibilidade de existirem subtipos, recomenda-se que as seguintes características sejam verificadas como base para a classificação: idade no início; taxa de progressão; configuração dos aspectos clínicos, particularmente a proeminência relativa (ou sua falta) de sinais nos lobos temporal, parietal ou frontal; qualquer anormalidade neuropatológica ou neuroquímica e seu padrão. A divisão da doença de Alzheimer em subtipos atualmente pode ser realizada de duas maneiras: primeiro, usando-se apenas a idade de início e rotulando a doença como precoce ou tardia, com ponto de corte aproximado em 65 anos; segundo, avaliando como o indivíduo corresponde a uma das duas síndromes possíveis, de início precoce ou tardio.
Deve-se observar que a distinção nítida entre ambos os tipos é improvável. O tipo de início precoce por ocorrer na vida tardia, assim como o tipo de início tardio pode começar antes dos 65 anos de idade. Os seguintes critérios podem ser usados para diferenciar a demência da doença de Alzheimer com início precoce e tardio, mas deve-se lembrar que o status dessa subdivisão ainda é controverso. Demência da doença de Alzheimer com início precoce 1. Os critérios para demência da doença de Alzheimer devem ser satisfeitos, e a idade de início deve ser inferior a 65 anos. 2. Além disso, pelo menos uma das seguintes exigências deve ser cumprida: (a) evidência de início e progressão relativamente rápidos; (b) além do comprometimento da memória, deve haver afasia (amnésica ou sensorial), agrafia, alexia, acalculia ou apraxia (indicando a presença de envolvimento dos lobos temporal, parietal e/ou frontal). Demência da doença de Alzheimer com início tardio 1. Os critérios para demência da doença de Alzheimer devem ser satisfeitos, e a idade de início deve ser de 65 anos ou mais. 2. Além disso, pelo menos uma das seguintes exigências deve ser cumprida: (a) evidência de início e progressão muito lentos e graduais (a taxa de progressão apenas pode ser conhecida retrospectivamente após curso de três anos ou mais); (b) predominância de comprometimento da memória G1 (1) sobre comprometimento intelectual G1 (2) (ver critérios gerais para demência). Demência da doença de Alzheimer, tipo atípico ou misto Este termo deve ser usado para demências que tenham características atípicas importantes ou que satisfaçam os critérios para os tipos de doença de Alzheimer de início precoce e tardio. As demências de Alzheimer mista e vascular também são incluídas aqui. Demência da doença de Alzheimer sem especificação
Reimpressa, com permissão, da Organização Mundial de Saúde. The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural Disorders: Diagnostic Criteria for Research. Copyright, World Health Organization, Geneva, 1993.
DELIRIUM, DEMÊNCIA,
TRANSTORNOS AMNÉSTICOS E OUTRAS PSICOPATOLOGIAS DEVIDO A UMA CONDIÇÃO MÉDICA GERAL
375
TABELA 10.3-12 Critérios diagnósticos da CID-10 para demência vascular G1. Os critérios gerais para demência (G1 a G4) devem ser satisfeitos. G2. Déficits em funções cognitivas superiores são distribuídos de forma irregular, com algumas funções afetadas e outras relativamente poupadas. Assim, a memória pode ser profundamente afetada, enquanto o pensamento, o raciocínio e o processamento de informações podem apresentar apenas leve declínio. G3. Existem evidências clínicas de lesão cerebral focal, manifestada por pelo menos um dos seguintes: (1) fraqueza espasmódica unilateral dos membros; (2) reflexos dos tendões unilateralmente aumentados; (3) resposta plantar extensora; (4) paralisia pseudobulbar. G4. Existem evidências, a partir da história, de exames ou de testes, de doença cerebrovascular significativa, que pode ser considerada etiologicamente relacionada à demência (p. ex., história ou evidências de derrame). Os seguintes critérios podem ser usados para diferenciar subtipos de demência vascular, mas deve-se lembrar que a utilidade dessa subdivisão pode não ser aceita de modo geral. Demência vascular de início agudo A. Os critérios gerais para demência vascular devem ser satisfeitos. B. A demência se desenvolve rapidamente (i.e., em geral dentro de um mês, mas não mais de três meses) após sucessão de derrames ou (raramente) após único infarto significativo.
Demência multiinfarto A. Os critérios gerais para demência vascular devem ser satisfeitos. B. O início da demência é gradual (i.e., dentro de três a seis meses), após alguns episódios isquêmicos menores. Comentários Presume-se que haja acúmulo de infartos no parênquima cerebral. Entre os episódios isquêmicos, pode haver períodos de melhora clínica real. Demência vascular subcortical A. Os critérios gerais para demência vascular devem ser satisfeitos. B. Há história de hipertensão. C. Há evidências, a partir de exames clínicos e investigações especiais, de doença vascular localizada na substância branca profunda dos hemisférios cerebrais, com preservação do córtex cerebral. Demência vascular cortical e subcortical mista Pode haver suspeita de componentes corticais e subcorticais mistos da demência vascular a partir de características clínicas, dos resultados de investigações (incluindo autópsia) ou de ambos. Outras demências vasculares Demência vascular, sem especificação
Reimpressa, com permissão, da Organização Mundial de Saúde. The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural Disorders: Diagnostic Criteria for Research. Copyright, World Health Organization, Geneva, 1993.
TABELA 10.3-13 Critérios diagnósticos da CID-10 para demência em outras doenças Classificadas em outros locais Demência da doença de Pick A. Os critérios gerais para demência (G1 a G4) devem ser satisfeitos. B. O início é lento, com deterioração constante. C. Predominância de envolvimento do lobo frontal evidenciada por dois ou mais dos seguintes critérios: (1) embotamento emocional; (2) embrutecimento do comportamento social; (3) desinibição; (4) apatia ou inquietação; (5) afasia. D. Nos estágios iniciais, a memória e as funções do lobo parietal são relativamente preservadas. Demência da doença de Creutzfeldt-Jakob A. Os critérios gerais para demência (G1 a G4) devem ser satisfeitos. B. Há progressão muito rápida da demência, com desintegração de praticamente todas as funções cerebrais superiores. C. Um ou mais dos seguintes tipos de sintomas e sinais neurológicos emergem, após ou simultaneamente com a demência: (1) sintomas piramidais; (2) sintomas extrapiramidais; (3) sintomas cerebelares; (4) afasia; (5) comprometimento visual. Comentários O estado acinético e mudo é o estágio terminal típico. Variação amiotrófica pode ser observada, na qual os sinais neurológicos precedem o início da demência. O eletroencefalograma característico (picos periódicos em relação a fundo lento e de baixa voltagem), se presente em associação com os sinais clínicos acima, aumenta a probabilidade do diagnóstico. Entretanto, este somen-
te pode ser confirmado por exames neuropatológicos (perda neuronal, astrocitose e alterações espongiformes). Devido ao risco de infecção, somente deve ser conduzido sob condições especiais de proteção. Demência da coréia de Huntingon A. Os critérios gerais para demência (G1 a G4) devem ser satisfeitos. B. As funções subcorticais são afetadas primeiramente e dominam o quadro de demência; o envolvimento subcortical é manifesto por lentidão de raciocínio ou movimento e alteração da personalidade com apatia ou depressão. C. Presença de movimentos coreiformes involuntários, tipicamente do rosto, das mãos ou dos ombros ou da marcha. O paciente pode tentar ocultá-los, convertendo-os em ação voluntária. D. Há história de Huntington de um dos pais ou irmãos, ou história familiar que sugira a doença. E. Não existem características clínicas que expliquem os movimentos anormais. Comentários Além dos movimentos coreiformes involuntários, pode haver desenvolvimento de rigidez extrapiramidal ou de espasmos com sinais piramidais. Demência da doença de Parkinson A. Os critérios gerais para demência (G1 a G4) devem ser satisfeitos. B. O diagnóstico de doença de Parkinson foi estabelecido. C. Nenhuma parte do comprometimento cognitivo pode ser atribuída a medicamentos antiparkinsonianos. D. Não existem evidências, a partir da história, do exame físico ou de investigações especiais, de outra causa possível de demência, incluindo outras formas de doenças, lesões ou disfunções cerebrais (p. ex., doenças cerebrovasculares, doença do HIV,
(Continua)
376
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 10.3-13 (Continuação) coréia de Huntington, hidrocefalia com pressão normal), transtorno sistêmico (p. ex., hipotireoidismo, deficiência de vitamina B12 ou ácido fólico, hipercalcemia) ou abuso de substâncias. Se também forem satisfeitos os critérios para demência da doença de Alzheimer com início tardio, essa categoria deve ser usada em combinação com a doença de Parkinson.
de demência, incluindo outras formas de doenças, lesões ou disfunções cerebrais (p. ex., doença de Alzheimer, doenças cerebrovasculares, doença de Parkinson, coréia de Huntington, hidrocefalia com pressão normal), transtorno sistêmico (p. ex., hipotireoidismo, deficiência de vitamina B12 ou ácido fólico, hipercalcemia) ou abuso de substâncias.
Demência da doença do vírus da imunodeficiência humana (HIV) A. Os critérios gerais para demência (G1 a G4) devem ser satisfeitos. B. O diagnóstico de infecção por HIV foi estabelecido. C. Não existem evidências, a partir da história, do exame físico ou de investigações especiais, de nenhuma outra causa possível
Demência em doenças específicas classificadas em outros locais A demência pode ocorrer como manifestação ou conseqüência de uma variedade de condições cerebrais ou somáticas. Para especificar a etiologia, deve-se acrescentar o código da CID-10 para a condição subjacente.
Reimpressa, com permissão, da Organização Mundial de Saúde. The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural Disorders: Diagnostic Criteria for Research. Copyright, World Health Organization, Geneva, 1993.
REFERÊNCIAS Almkvist O, Bäckman L. Detection and staging of early clinical dementia. Acta Neurol Scand. 1993;88:10. Bookheimer SY. Patterns of brain activation in people at risk for Alzheimer’s disease. N Engl J Med. 2001;345:450. Caine ED, Lyness JM. Delirium, dementia, and amnestic and other cognitive disorders. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:854. Corder EH, Saunders AM, Strittmatter WJ, et al. Gene dose of apolipoprotein E type 4 allele and the risk of Alzheimer’s disease in late onset families. Science. 1993;261:921. Davis RE, Emmerling MR, Jaen JC, Moos WH, Spiegel K. Therapeutic intervention in dementia. Crit Rev Neurobiol. 1993;7:41. Ghetti B. Familial multiple system taupath with presenile dementia. Proc Natl Acad Sci U S A. 1997;94:4113. Gold G, Bouras C, Canuto A, et al. Clinicopathological validation study of four sets clinical criteria for vascular dementia. Am J Psychiatry. 2002;159:82. Kawas CH, Brookmeyer R. Aging and the public health effects of dementia. N Engl J Med. 2001;344:1160. Krasuski J, Alexander G, Horwitz B, et al. Relation of medial temporal lobe volumes to age and memory function in nondemented adults with Down’s syndrome: implications for the prodromal phase of Alzheimer’s disease. Am J Psychiatry. 2002;159:74. Luchins DJ, Cohen D, Hanrahan P, et al. Are there clinical differences between familial and non familial Alzheimer’s disease? Am J Psychiatry. 1992;149:1023. Moulignier A, Allo S, Zittoun R, Gout O. Recombinant interferonalpha-induced chorea and frontal subcortical dementia. Neurology. 2002;58:328. Pajeau AK, Roman GC. HIV encephalopathy and dementia. Psychiatr Clin North Am. 1992;15:455. Sano M, Ernesto C, Thomas RG, et al., for the Alzheimer’s Disease Cooperative Study. A controlled trial of selegiline, alpha-tocopherol, or both as treatment for Alzheimer’s disease. N Engl J Med. 1997;336:1216. Serby M, Samuels SC. Diagnostic criteria for dementia with Lewy bodies reconsidered. Am J Geriatr Psychiatry. 2001;9:212. Will RG, Ironside JW, Zeidler M, et al. A new variant of CreutzfeldtJakob disease in the UK. Lancet. 1996;347:921. Wolfson C, Wolfson DB. A reevaluation of the duration of survival after the onset of dementia. N Engl J Med. 2001;344:1111. World Health Organization consultation on public health issues related to bovine apongiform encephalopathy and the emergence of a new variant of Creutzfeldt-Jakdo disease. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 1996;45:295
10.4 Transtornos amnésticos A natureza essencial dos transtornos amnésticos é a limitação adquirida na capacidade de aprender e lembrar de informações novas ou a incapacidade de lembrar conhecimento aprendido ou eventos passados. A incapacitação deve ser suficientemente grave, a ponto de comprometer o funcionamento pessoal, social ou ocupacional. O diagnóstico não é feito se a disfunção da memória existir no contexto de capacidade reduzida de manter e direcionar a atenção, como encontrado no delirium, ou em associação a problemas funcionais significativos devido ao comprometimento de diversas habilidades intelectuais, como encontrado na demência. Os transtornos amnésticos são síndromes secundárias causadas por doenças médicas sistêmicas ou cerebrais primárias, transtornos por uso de substâncias ou efeitos adversos de medicamentos, conforme evidenciado pelos achados da história clínica, dos exames físicos ou dos exames laboratoriais. EPIDEMIOLOGIA Não foram relatados estudos adequados sobre a incidência ou a prevalência de transtornos amnésticos. A amnésia é encontrada com mais freqüência em transtornos relacionados ao uso de álcool e a traumatismo craniano. Na prática e em cenários hospitalares, a recorrência da amnésia associada ao abuso crônico de álcool diminuiu, enquanto a da amnésia associada ao traumatismo craniano aumentou. ETIOLOGIA As principais estruturas neuroanatômicas envolvidas na memória e no desenvolvimento de transtornos amnésticos são estruturas diencefálicas específicas, como os núcleos dorsomediais e da linha média do tálamo, e componentes do lobo mediotemporal, como o hipocampo, os corpos mamilares e a amígdala. Embora a amnésia em geral resulte de lesões bilate-
DELIRIUM, DEMÊNCIA,
TRANSTORNOS AMNÉSTICOS E OUTRAS PSICOPATOLOGIAS DEVIDO A UMA CONDIÇÃO MÉDICA GERAL
rais nessas estruturas, alguns casos de lesão unilateral também podem estar associados a transtornos amnésticos, e as evidências indicam que o hemisfério esquerdo pode ser mais crítico do que o direito para o desenvolvimento desses transtornos. Muitos estudos a esse respeito feitos com animais sugeriram que outras áreas do cérebro também podem estar envolvidas nos sintomas que acompanham a amnésia. O envolvimento do lobo frontal pode resultar em sintomas como confabulação e apatia, que podem ser vistos em pacientes com transtornos amnésticos. Os transtornos amnésticos podem ter muitas causas potenciais (Tab. 10.4-1). A deficiência de tiamina, a hipoglicemia, a hipoxia (incluindo envenenamento com monóxido de carbono) e a encefalite por herpes simples apresentam tendência para causar lesões nos lobos temporais, particularmente o hipocampo, e, por isso, podem estar associadas ao desenvolvimento desses transtornos. De maneira semelhante, quando tumores, doenças cerebrovasculares, procedimentos cirúrgicos ou placas da esclerose múltipla envolvem as regiões diencefálicas ou temporais do cérebro, podem se desenvolver sintomas de transtorno amnéstico. Lesões gerais no cérebro, como as causadas por convulsões, ECT e traumatismo craniano, também podem implicar problemas de memória. Presume-se que a amnésia global transitória seja um transtorno cerebrovascular que envolva o comprometimento transitório do fluxo sangüíneo nas artérias vertebrobasilares. Muitos medicamentos foram associados ao desenvolvimento de amnésia. No exame diagnóstico, os clínicos devem revisar todos os fármacos tomados pelo paciente, incluindo aqueles vendidos sem prescrição médica. Os benzodiazepínicos são os agentes mais comuns associados à amnésia, especialmente se combinados com álcool. Quando se usa triazolam (Halcion) em doses de 0,25 mg ou menos, que costumam ser equi-
377
valentes às doses comuns de outros benzodiazepínicos, a associação da amnésia com o triazolam não é maior do que com outros agentes dessa classe. Com álcool e doses mais altas, há relatos de amnésia anterógrada. DIAGNÓSTICO Para o diagnóstico de transtorno amnéstico, o texto revisado da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR) exige o “desenvolvimento de comprometimento da memória manifestado por alteração da capacidade de aprender novas informações ou da incapacidade de recordar informações aprendidas anteriormente”, e a “perturbação da memória deve causar prejuízo acentuado no funcionamento social ou ocupacional”. O diagnóstico de transtorno amnéstico devido a uma condição médica geral (Tab. 10.4-2) é feito quando houver evidências de condição médica específica relevante (incluindo trauma físico). O DSM-IV-TR também categoriza o diagnóstico como transitório ou crônico. Transtorno amnéstico persistente induzido por substância é definido a partir de evidências de que os sintomas tenham relação causal com o uso de substância (Tab. 10.4-3). O manual refere diagnósticos específicos em relação a transtornos relacionados a substâncias: transtorno amnéstico persistente induzido por álcool; transtorno amnéstico persistente induzido por sedativo, hipnótico ou ansiolítico; e transtorno amnéstico persistente induzido por outra substância (ou substância desconhecida). Apresenta, ainda, o diagnóstico de transtorno amnéstico sem outra especificação (Tab. 10.4-4).
TABELA 10.4-2 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno amnéstico devido a uma condição médica geral TABELA 10.4-1 Principais causas de transtornos amnésticos Condições médicas sistêmicas Deficiência de tiamina (síndrome de Korsakoff) Hipoglicemia Condições cerebrais primárias Convulsões Traumatismo craniano (fechado e penetrante) Tumores cerebrais (especialmente talâmicos e no lobo temporal) Doenças cerebrovasculares (especialmente talâmicas e no lobo temporal) Procedimentos cirúrgicos no cérebro Encefalite devido a herpes simples Hipoxia (incluindo tentativas não-fatais de enforcamento e envenenamento com monóxido de carbono) Amnésia global transitória Eletroconvulsoterapia Esclerose múltipla Causas relacionadas ao uso de substâncias Transtornos por uso de álcool Neurotoxinas Benzodiazepínicos (e outros sedativos e hipnóticos) Muitas fórmulas vendidas sem prescrição médica
A. Desenvolvimento de comprometimento da memória manifestado por fracasso em aprender novas informações ou de recordar aquelas aprendidas anteriormente. B. A perturbação da memória causa prejuízo significativo no funcionamento social ou ocupacional e representa declínio significativo a partir de um nível anterior de funcionamento. C. O transtorno da memória não ocorre exclusivamente durante o curso de delirium ou demência. D. Existem evidências, a partir da história, do exame físico ou de achados laboratoriais, de que a perturbação é conseqüência fisiológica direta de uma condição médica geral (incluindo trauma físico).
Especificar se: Transitório: comprometimento de memória com duração inferior a um mês. Crônico: comprometimento de memória com duração superior a um mês. Nota para codificação: Incluir o nome da condição médica geral no Eixo I, por exemplo, Transtorno amnéstico devido a traumatismo craniano; codificar também a condição médica geral no Eixo III. American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
378
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 10.4-3 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno amnéstico persistente induzido por substância A. Desenvolvimento de comprometimento da memória manifestado por fracasso em aprender novas informações ou de recordar aquelas aprendidas anteriormente. B. O transtorno da memória causa prejuízo significativo no funcionamento social ou ocupacional e representa declínio significativo a partir de um nível anterior de funcionamento. C. A perturbação da memória não ocorre exclusivamente durante o curso de delirium ou demência e persiste além da duração habitual da intoxicação ou abstinência de substância. D. Existem evidências, a partir da história, do exame físico ou de achados laboratoriais, de que a perturbação da memória está etiologicamente relacionada aos efeitos persistentes do uso de substância (p. ex., droga de abuso, medicamento). Codificar transtorno amnéstico persistente induzido por (substância específica): (álcool; sedativo, hipnótico ou ansiolítico; outra substância (ou substância desconhecida). American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
TABELA 10.4-4 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno amnéstico sem outra especificação Esta categoria destina-se ao diagnóstico de transtorno amnéstico que não satisfaça os critérios para qualquer um dos tipos específicos descritos anteriormente, como, por exemplo, quadro clínico de amnésia no qual não existem evidências suficientes para o estabelecimento de etiologia específica (i.e., dissociativa, induzida por substância ou devido a uma condição médica geral). American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS E SUBTIPOS O sintoma central dos transtornos amnésticos é o desenvolvimento de perturbação na memória caracterizado por comprometimento da capacidade de recordar novas informações (amnésia anterógrada) e incapacidade de recordar conhecimento aprendido anteriormente (amnésia retrógrada). O sintoma deve resultar em problemas significativos para os pacientes em seu funcionamento social ou ocupacional. O momento em que o paciente fica amnéstico pode começar diretamente no trauma ou anterior a ele. A memória do tempo durante o ferimento físico (p. ex., evento cerebrovascular) também pode ser perdida. As memórias de curta duração e recente normalmente são prejudicadas. Os pacientes não conseguem recordar o que comeram no café-da-manhã ou no almoço, o nome do hospital ou de seus médicos. Em certos casos, a amnésia é tão profunda que não é possível se orientarem em relação à cidade e à data em que estão, embora a orientação para pessoa raramente seja perdida. A memória para informações fixas ou eventos do passado remoto, como experiências da infância, é satisfatória, mas a memória para eventos do passado menos remoto (da última década) é prejudicada. A memória imediata (testada, p. ex., solicitando-se que o
paciente repita seis números) permanece intacta. Com a melhora, os pacientes podem experimentar redução gradual do tempo para o qual a memória foi perdida, embora alguns apresentem melhora gradual da memória de todo o período. O início dos sintomas pode ser repentino, como em traumas, eventos cerebrovasculares e lesões por substâncias químicas neurotóxicas, ou gradual, como em deficiências nutricionais e tumores cerebrais. A amnésia pode ser de curta duração (especificada pelo DSM-IV-TR como um mês de duração ou menos) ou de longa duração (especificada como persistente se durar mais de um mês). Diversos outros sintomas pode estar associados aos transtornos amnésticos. Para pacientes com outras limitações cognitivas, o diagnóstico de demência ou delirium é mais apropriado do que o de transtorno amnéstico. Alterações sutis ou intensas na personalidade podem acompanhar os sintomas de comprometimento da memória nessas psicopatologias. Os pacientes podem ficar apáticos, sem iniciativa, ter episódios espontâneos de agitação ou parecer amigáveis ou agradáveis demais. Além disso, podem parecer confusos e desnorteados e tentar ocultar a confusão com respostas elaboradas a perguntas. De maneira característica, não possuem bom insight de suas condições neuropsiquiátricas. A sra. R. é uma mulher divorciada de 48 anos que tem três filhos adolescentes. Há três anos, trabalhava como compradora para uma loja de departamentos. Naquela época, tinha fadiga, esquecimento, sensação de apatia e dores de cabeça, que atribuía à enxaqueca preexistente. Ela consultou com psiquiatra, que receitou um antidepressivo, ao qual não respondeu. As dores de cabeça pioraram, e a sra. R. consultou o neurologista, o qual não encontrou nada no exame neurológico, mas recomendou tomografia computadorizada como medida de precaução. A tomografia revelou grande glioma frontal direito com grau II de IV, que foi ressecado cirurgicamente, seguido por 7.500 rads de radioterapia concentrada no quadrante frontal direito. A paciente se recuperou bem da cirurgia e da radiação, sem déficits neurológicos focais. Teve curso surpreendentemente benigno e conseguiu voltar a trabalhar. O único medicamento que estava tomando era carbamazepina, como profilaxia contra convulsões, que nunca teve. Três anos após a cirurgia, a paciente e sua família começaram a notar problema em sua memória de curta duração, que iniciou com o esquecimento de tarefas e a perda de objetos. Em uma ocasião, não conseguiu encontrar o carro no estacionamento do aeroporto porque havia esquecido a marca e onde o havia estacionado. Com o passar do tempo, seu esquecimento progrediu e se tornou grave a ponto de interferir em seu trabalho. Por exemplo, esquecia onde havia colocado as ordens de compra e precisava repeti-las. No começo, ficava irritada com esses incidentes e muitas vezes culpava os outros por seus problemas (p. ex., sua secretária por perder seus papéis, seus filhos por colocarem as coisas fora do lugar em casa). Seus problemas eram especialmente perturbadores porque ela sempre se orgulhava de sua memória e era quem encontrava coisas perdidas para os outros em casa.
DELIRIUM, DEMÊNCIA,
TRANSTORNOS AMNÉSTICOS E OUTRAS PSICOPATOLOGIAS DEVIDO A UMA CONDIÇÃO MÉDICA GERAL
Porém, com o tempo, passou a compreender e a aceitar seu problema como resultado da radiação que havia recebido. Sua memória de longa duração está intacta, assim como outras habilidades cognitivas, exceto pela redução em sua capacidade de planejar as coisas com antecedência, mas como ela havia sido bastante desenvolvida antes, a paciente ainda consegue funcionar melhor do que a média das pessoas. A sra. R. finalmente cometeu tantos erros no trabalho que ficou claro que não poderia mais continuar no emprego, mas consegue funcionar razoavelmente no lar, com a ajuda de listas de “coisas a fazer” e quadros de avisos em muitas peças da casa. DIAGNÓSTICO SEGUNDO O DSM-IV-TR Eixo I: Eixo II: Eixo III: Eixo IV: Eixo V:
Transtorno amnéstico devido à radiação no sistema nervoso central, crônico Nenhum diagnóstico Pós-radiação para tumor cerebral Incapacidade de trabalhar, causando prejuízo financeiro AGF = 55
379
nico de álcool. Outras causas de má nutrição (como inanição), carcinoma gástrico, hemodiálise, hiperemese gravídica, hiperalimentação intravenosa prolongada e fundoplicatura gástrica também podem resultar em deficiência de tiamina. A síndrome de Korsakoff costuma estar associada à encefalopatia de Wernicke, condição que envolve confusão, ataxia e oftalmoplegia. Em pacientes com sintomas relacionados à deficiência de tiamina, os achados neuropatológicos incluem hiperplasia dos vasos sangüíneos menores com hemorragias ocasionais, hipertrofia dos astrócitos e alterações sutis em axônios neuronais. Embora o delirium desapareça dentro de um mês, a síndrome amnéstica acompanha ou ocorre após encefalopatia de Wernicke não-tratada em aproximadamente 85% dos casos. O início dessa doença pode ser gradual. A memória recente tende a ser mais afetada do que a memória remota, mas essa característica é variável. Confabulação, apatia e passividade costumam ser sintomas proeminentes da síndrome. Com o tratamento, os pacientes podem permanecer amnésticos por até três meses e melhorar gradualmente ao longo do ano seguinte. A administração de tiamina pode prevenir o desenvolvimento de sintomas amnésticos adicionais, mas o tratamento raramente consegue reverter os mais graves. Cerca de um terço a um quarto dos pacientes se recuperam completamente, e em torno de um quarto deles não apresenta melhora em seus sintomas.
Doenças cerebrovasculares
Blackouts alcoólicos
As doenças cerebrovasculares que afetam o hipocampo envolvem as artérias cerebrais posteriores e basilares e suas ramificações. Os infartos raramente se limitam ao hipocampo, muitas vezes atingindo o lobo occipital ou o parietal. Assim, sintomas comuns de perturbações nessa região são sinais neurológicos focais envolvendo a visão ou as modalidades sensoriais. As doenças cerebrovasculares que afetam o tálamo medial bilateral, particularmente as porções anteriores, costumam estar associadas a sintomas de transtornos amnésticos. Alguns estudos de caso relataram transtornos amnésticos causados por ruptura de aneurisma da artéria comunicante anterior, resultando em infarto da região do prosencéfalo basal.
Algumas pessoas com abuso de álcool grave podem apresentar a síndrome freqüentemente chamada blackout alcoólico. Essas pessoas tendem a acordar pela manhã sem se recordar de certo período da noite anterior, quando estavam intoxicadas. Às vezes, comportamentos específicos (esconder dinheiro em local secreto e provocar brigas) estão associados a essa condição.
Esclerose múltipla O processo fisiopatológico da esclerose múltipla envolve a formação aparentemente aleatória de placas no parênquima cerebral. Quando as placas ocorrem no lobo temporal e nas regiões diencefálicas, podem manifestar-se sintomas de perda de memória. De fato, as queixas cognitivas mais comuns em pacientes com esclerose múltipla envolvem perda de memória, que ocorre em 40 a 60% dos pacientes. Caracteristicamente, a memória para números é normal, mas a memória imediata e a recordação posterior de informações são prejudicadas. Esse comprometimento pode afetar tanto conteúdo verbal quanto não-verbal.
Síndrome de Korsakoff Trata-se de síndrome amnéstica causada por deficiência de tiamina, em geral associada aos maus hábitos nutricionais de pessoas com abuso crô-
Eletroconvulsoterapia Os tratamentos com ECT geralmente estão associados a amnésia retrógrada por alguns minutos antes do procedimento e a amnésia anterógrada após este. A primeira costuma desaparecer dentro de cinco horas. Déficits leves de memória podem permanecer por um a dois meses após o período desse tipo de terapia, mas os sintomas são completamente resolvidos entre seis e nove meses após o tratamento.
Traumatismo craniano Traumatismos cranianos (fechados e penetrantes) podem resultar em ampla variedade de sintomas neuropsiquiátricos, incluindo demência, depressão, alterações da personalidade e transtornos amnésticos. Os transtornos amnésticos causados por traumatismos cranianos geralmente estão associados a período de amnésia retrógrada para os momentos que antecedem o incidente traumático e amnésia do próprio incidente. A gravidade da lesão cerebral tem certa correlação com a duração e a gravidade da síndrome amnéstica, mas o melhor correlato é o grau de melhora clínica da amnésia durante a primeira semana após o paciente recuperar a consciência.
380
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Amnésia global transitória A amnésia global transitória se caracteriza pela perda abrupta da capacidade de recordar eventos recentes ou de lembrar novas informações. A síndrome costuma ser definida por leve confusão e pela falta de compreensão do problema, sensório intacto e, ocasionalmente, incapacidade de realizar tarefas complexas já aprendidas. Os episódios duram de 6 a 24 horas. Estudos sugerem que a amnésia global transitória ocorra em 5 a 10 casos por 100.000 pessoas ao ano, mas, para pacientes com mais de 50 anos de idade, a taxa pode ser de até 30 casos por 100.000 pessoas ao ano. Sua fisiopatologia é desconhecida, mas é provável que envolva isquemia do lobo temporal e regiões cerebrais diencefálicas. Diversos estudos com tomografia computadorizada por emissão de fóton único (SPECT) apresentaram redução do fluxo sangüíneo nas regiões temporal e parietotemporal, em especial no hemisfério esquerdo (Fig. 10.4-1). Os pacientes com amnésia global transitória quase universalmente experimentam melhora completa, embora um estudo tenha verificado que cerca de 20% podem ter recorrência, e outro tenha evidenciado que em torno de 7% podem apresentar epilepsia. Os pacientes com amnésia global transitória foram diferenciados daqueles com crises isquêmicas transitórias porque poucos têm diabete, hipercolesterolemia e hipertrigliceridemia, mas muitos manifestam episódios de hipertensão e enxaqueca.
públicas disponíveis para avaliar a memória, a fim de caracterizar a incapacidade do indivíduo de recordar informações aprendidas. O desempenho varia entre pessoas com transtornos amnésticos, podendo ser observados ainda déficits sutis em outras funções cognitivas. Porém, as perturbações de memória constituem a característica predominante do exame do estado mental e explicam possíveis incapacitações funcionais. Nenhuma característica específica ou diagnóstica pode ser detectada em estudos com técnicas de visualização, como a ressonância magnética e a tomografia computadorizada. Todavia, lesões nas estruturas do lobo mediotemporal são comuns e podem ser refletidas por alargamento do terceiro ventrículo ou dos cornos temporais ou atrofia estrutural, detectados por ressonância magnética. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL A Tabela 10.4-1 apresenta uma lista das principais causas de transtornos amnésticos. Para fazer o diagnóstico, os clínicos devem obter a história do paciente, conduzir exame físico completo e solicitar todos os testes laboratoriais apropriados. Contudo, alguns diagnósticos podem ser confundidos com os transtornos em questão. Demência e delirium
PATOLOGIA E EXAMES LABORATORIAIS Evidências laboratoriais diagnósticas do transtorno podem ser obtidas usando-se testes neuropsicológicos quantitativos. Também há testes padronizados de eventos históricos conhecidos e figuras
Recomenda-se diferenciar os transtornos amnésticos da demência e do delirium. O comprometimento da memória também costuma estar presente no delirium, mas manifesta-se pelo comprometimento da atenção e da consciência.
FIGURA 10.4-1 Imagens de tomografia computadorizada por emissão de fóton único usando tecnécio-99m HP-PAO. Hipoperfusão temporal esquerda é vista nos pacientes 2 (superior esquerdo), 3 (superior direito), 4 (inferior esquerdo) e 5 (inferior direito), 18 meses, quatro dias, um dia e quatro dias, respectivamente, após crise amnéstica global transitória. O lado direito do paciente é representado no lado esquerdo da figura. (Reimpressa, com permissão, de Laloux P, Brichant C, Cauwe F, Decoster P. Technetium-99m HM-PAO single photon computed tomography imaging in transient global amnesia. Arch Neurol. 1992;49:545.)
DELIRIUM, DEMÊNCIA,
TRANSTORNOS AMNÉSTICOS E OUTRAS PSICOPATOLOGIAS DEVIDO A UMA CONDIÇÃO MÉDICA GERAL
381
Envelhecimento normal
Psicoterapia
Alguma perda de memória pode acompanhar o envelhecimento normal, mas a exigência do DSM-IV de que a limitação na memória cause prejuízo significativo no funcionamento social ou ocupacional deve excluir esta variável do diagnóstico.
As intervenções psicodinâmicas podem ser de considerável valor para pacientes que sofrem de transtornos amnésticos que resultam de lesões no cérebro. Entender seu curso de recuperação ajuda os clínicos a serem sensíveis para com a aflição narcisista em lesões no sistema nervoso central. A primeira fase de recuperação, na qual os pacientes são incapazes de processar o que aconteceu, porque as defesas de seu ego estão saturadas, exige que os clínicos atuem como egos auxiliares, que explicam o que está acontecendo e substituem as funções ausentes do ego. Na segunda fase de recuperação, à medida que começam a compreender a lesão, os pacientes podem ficar bravos e se sentir vitimados pela “malévola mão do destino”. Podem considerar as outras pessoas, incluindo o médico, como más ou destrutivas, sendo importante conter essas projeções sem se tornar punitivo ou retaliatório. Os clínicos devem construir aliança terapêutica com os pacientes, relatando lenta e claramente o que aconteceu e oferecendo explicação para a experiência interna do doente. A terceira fase da recuperação é integrativa. À medida que o paciente aceita o que aconteceu, o clínico pode ajudá-lo a formar uma nova identidade, conectando experiências atuais do self a experiências passadas. O luto pelas faculdades perdidas constitui o importante aspecto desse período. A maioria dos pacientes que estão amnésticos por causa de lesões cerebrais usa a negação. Os clínicos devem respeitar e ter empatia para com essa necessidade de negar o que aconteceu. Confrontações brutas e intensas destroem qualquer aliança terapêutica e podem fazer com que os pacientes se sintam agredidos. Por meio de abordagem sensível, os clínicos os ajudam a aceitar suas limitações cognitivas, expondo-os a esses déficits de forma gradual, à medida que o tempo passa. Quando os pacientes aceitam, de fato, o que aconteceu, podem necessitar de auxílio para perdoar a si mesmos e a outras pessoas envolvidas, a fim de continuar suas vidas. Os clínicos também devem se precaver da possibilidade de serem seduzidos a pensar que todos os sintomas estão diretamente relacionados à lesão cerebral. A consideração de transtornos da personalidade preexistentes, como os tipos borderline, anti-social e narcisista, deve fazer parte da avaliação geral. Muitos pacientes com tais condições se colocam em situações que os predispõem a sofrer lesões. Essas características da personalidade constituem aspecto crucial da terapia psicodinâmica. Recentemente, foram estabelecidos centros de reabilitação cognitiva cujo ambiente terapêutico para reabilitação visa à promoção da recuperação de lesões cerebrais, especialmente com causas traumáticas. Apesar do elevado custo do tratamento nesses locais, que prestam serviços diários e de internação a longo prazo, não foram produzidos dados para definir a efetividade terapêutica para os grupos heterogêneos de pacientes que participam de tarefas, como retenção de memória.
Transtornos dissociativos Os transtornos dissociativos, às vezes, podem ser difíceis de diferenciar dos transtornos amnésticos. Contudo, os pacientes com transtornos dissociativos são mais prováveis de perder a orientação para o self e ter déficits de memória mais seletivos do que aqueles com transtornos amnésticos. Por exemplo, podem não saber seus nomes e endereços, mas ainda conseguir aprender novas informações e recordar memórias passadas selecionadas. Os transtornos dissociativos também costumam estar associados a eventos emocionalmente estressantes envolvendo dinheiro, sistema judicial ou relacionamentos problemáticos. Transtornos factícios Os pacientes com transtornos factícios que simulam transtorno amnéstico, muitas vezes, têm resultados inconsistentes em testes de memória e não apresentam evidência de causa identificável. Esses aspectos, juntamente com evidências de benefícios primários ou secundários para o paciente, devem sugerir tal condições. CURSO E PROGNÓSTICO A causa específica do transtorno amnéstico determina seus curso e prognóstico. O início pode ser repentino ou gradual, os sintomas podem ser transitórios ou persistentes, e o resultado pode variar de ausência de melhora a recuperação completa. O transtorno amnéstico transitório com recuperação total é comum na epilepsia do lobo temporal, na ECT, no consumo de substâncias, como benzodiazepínicos e barbitúricos, e na ressuscitação de ataque cardíaco. As síndromes amnésticas permanentes podem ocorrer após traumatismo craniano, envenenamento com monóxido de carbono, infarto cerebral, hemorragia subaracnóide e encefalite por herpes simples. TRATAMENTO A principal abordagem para tratar transtornos amnésticos é aterse à sua causa subjacente. Embora o paciente esteja amnéstico, oferecer-lhe orientações quanto a data, tempo e localização podem ajudar a reduzir sua ansiedade. Após a resolução do episódio amnéstico, alguma forma de psicoterapia (cognitiva, psicodinâmica ou de apoio) pode auxiliá-lo a incorporar a experiência amnéstica em sua vida.
CID-10 Os critérios para síndrome amnéstica orgânica não induzida por álcool ou outras substâncias psicoativas segundo a décima revisão da Classifi-
382
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
cação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-10) são apresentados na Tabela 10.4-5. Nela, o delirium associado ao uso de substância é classificado na categoria de transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de substâncias psicoativas como um estado de abstinência com delirium, como subtipo de intoxicação aguda (p. ex., intoxicação aguda devido ao uso de álcool com delirium) e como especificador adicional para o estado de abstinência de álcool ou de sedativos ou hipnóticos. TABELA 10.4-5 Critérios diagnósticos da CID-10 para síndrome amnéstica orgânica não induzida por álcool ou outras substâncias psicoativas A. Existe comprometimento da memória, manifestado por: 1. Defeito na memória recente (aprendizagem de conteúdo novo comprometida), em grau suficiente para interferir na vida cotidiana. 2. Capacidade reduzida de recordar experiências passadas. B. Ausência de: 1. Déficit na memória imediata (testado, p. ex., por conjunto de números). 2. Perturbação da atenção e da consciência. Delirium não induzido por álcool ou outras substâncias psicoativas. 3. Declínio intelectual global (demência). C. Existem evidências objetivas (a partir de exames físicos, neurológicos e laboratoriais) e/ou história de lesão ou doença no cérebro (especialmente envolvendo as estruturas diencefálicas e temporais mediais bilateralmente, mas sem encefalopatia alcoólica) que podem ser considerados responsáveis pelas manifestações clínicas. Comentários Características associadas, incluindo confabulações, alterações emocionais (apatia, falta de iniciativa) e falta de insight, são indicadores para o diagnóstico, mas não estão invariavelmente presentes. Reimpressa, com permissão, da Organização Mundial de Saúde. The ICD10 Classification of Mental and Behavioural Disorders: Diagnostic Criteria for Research. Copyright, World Health Organization, Geneva, 1993.
REFERÊNCIAS Ahmed S, Bierley R, Sheikh JI, et al. Post-traumatic amnesia after closed head injury. A review of the literature and some suggestions for further research. Brain Inj. 2000;14:765–780. Caine ED, Lyness JM. Delirium, dementia, and amnestic and other cognitive disorders. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins: 2000:854. Erickson KR. Amnestic disorders: pathophysiology and patterns of memory dysfunction. West J Med. 1990;152:159. Farah MJ, Feinberg TE. Patient-Based Approaches to Cognitive Neuroscience. Issues in Clinical and Cognitive Neuropsychology. Cambridge: The MIT Press; 2000:291–299. Feinstein A, Hershkop S, Ouchterlony D, et al. Posttraumatic amnesia and recall of a traumatic event following traumatic brain surgery. J Neuropsychiatry Clin Neurosci. 2002;14:25. Gasquonine PG. Learning in post-traumatic amnesia following extremely severe closed head injury. Brain Inj. 1991;5:169. Hodges JR, McCarthy RA. Loss of remote memory: a cognitive neuropsychological perspective. Curr Opin Neurobiol. 1995;5:178. Hodges JR. Warlow CP. The aetiology of transient global amnesia: a case-control study of 114 cases with prospective follow-up. Brain. 1990;113:639.
Kin JJ. Fanselow MS. Modality-specific retrograde amnesia of fear. Science. 1992;256:675. Kopelman MD. Focal retrograde aminesia and the attribution of causality: an exceptionally critical review. Cognitive Neuropsichology. 2000;17:585–621. Laloux P, Brichant C, Cauwe F, Decoster P. Technetium-99m HM-PAO single photon emission computed tomography imaging in transient global amnesia. Arch Neurol. 1992;49:543. Paul RH, Graber JR, Bowlby DC, et al. Remote memory in neurodegenerative disease. In: Troester AI, ed. Memory in Neurodegenerative Disease: Biological, Cognitive, and Clinical Perspectives. New York: Cambridge University Press; 1998:184–196. Squire LR, Zola-Morgan S. The medical temporal lobe memory system. Science. 1991;253:1380.
10.5 Transtornos mentais devido a uma condição médica geral Como regra, o diagnóstico diferencial para síndrome mental sempre deve incluir a consideração de qualquer condição médica geral que o paciente possa ter e de quaisquer substâncias, prescritas, não-prescritas ou ilegais, que possa estar tomando. Ainda que certas condições médicas específicas tenham sido classicamente associadas a transtornos mentais, um número muito maior de doenças médicas gerais foi relacionado a eles em relatos de casos e em pequenos estudos. Na revisão de texto da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR), cada transtorno mental devido a uma condição médica geral é classificado dentro da categoria que mais lembra os sintomas (Tabela 10.5-1). Por exemplo, o diagnóstico de transtorno psicótico devido a uma condição médica geral é encontrado na seção do DSM-IV-TR sobre esquizofrenia e outros transtornos psicóticos. Um médico que avalia um paciente com depressão pode dirigir-se à seção do DSM-IV-TR sobre transtornos do humor e encontrar transtorno do humor devido a uma condição médica geral como um dos diagnósticos. TRANSTORNO DO HUMOR DEVIDO A UMA CONDIÇÃO MÉDICA GERAL Também conhecidas como transtornos do humor secundários, essas condições se caracterizam por alteração proeminente do humor, embora sejam o efeito fisiológico direto de doença médica ou agente específico. Em geral, são difíceis de definir e não foram amplamente pesquisadas. Porém, a característica fundamental desse tipo de transtorno é um humor depressivo proeminente, persistente, perturbador ou que cause problemas funcionais (anedonia) ou um humor elevado, expansivo ou irritável, supostamente causado por doenças médicas ou cirúrgicas ou por intoxicação ou abstinência de substâncias. A limitação cognitiva não é a condição clínica predominante. De outra forma, o transtorno seria considerado parte de delirium, demência ou outra psicopatologia com déficit cognitivo. O especialista que faz o diagnóstico deve especificar se o transtorno do humor é maníaco, depressivo ou misto e se satisfaz os critérios para transtorno maníaco ou depressivo maior sintomático e completo.
DELIRIUM, DEMÊNCIA,
TRANSTORNOS AMNÉSTICOS E OUTRAS PSICOPATOLOGIAS DEVIDO A UMA CONDIÇÃO MÉDICA GERAL
383
TABELA 10.5-1 Transtornos mentais devido a uma condição médica geral Categoria do DSM-IV-TR
Transtornos mentais devido a uma condição médica geral
Seção
Delirium, demência, transtornos amnésticos e outros transtornos cognitivos
Delirium devido a uma condição médica geral Demência devida a outras condições médicas gerais Transtorno amnéstico devido a uma condição médica geral Transtorno psicótico devido a uma condição médica geral Transtorno do humor devido a uma condição médica geral Transtorno de ansiedade devido a uma condição médica geral Disfunção sexual devido a uma condição médica geral Transtorno do sono devido a uma condição médica geral Transtorno catatônico devido a uma condição médica geral Alteração da personalidade devida a uma condição médica geral Transtorno mental sem outra especificação devido a uma condição médica geral
10.2 10.3 10.4 14.1 15.1 16.1 21.2 24.2 10.5 10.5
Esquizofrenia e outros transtornos psicóticos Transtornos do humor Transtornos de ansiedade Transtornos sexuais Transtornos do sono Transtornos mentais devido a uma condição médica geral não classificados em outros locais
Epidemiologia A incidência e a prevalência de transtornos do humor secundários são desconhecidas. A depressão em pessoas com doenças médicas parece ser igualmente prevalente por gênero ou talvez um pouco mais alta em homens do que em mulheres. Episódios depressivos maiores e menores são comuns após determinadas doenças, como AVC, doença de Parkinson, coréia de Huntington, infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) e esclerose múltipla. A mania secundária é menos prevalente em condições neurológicas do que a depressão. Porém, muitos clínicos experientes relatam taxa elevada de euforia em indivíduos com esclerose múltipla. Etiologia A lista de causas potenciais para os transtornos depressivos e maníacos é longa. A Tabela 10.5-2 apresenta algumas das causas consideradas com mais freqüência. Diagnóstico e características clínicas Os sintomas depressivos ou maníacos encontrados em transtornos do humor secundários são fenomenologicamente semelhantes aos detectados em transtornos primários (idiopáticos). Não se sabe se alguns ocorrem mais nos transtornos secundários, mas presume-se que sua prevalência possa variar conforme a etiologia específica da doença psicológica. Por exemplo, a ansiedade foi descrita como proeminente em transtornos depressivos maiores em pacientes com doença de Parkinson. Porém, nenhum estudo comparou indivíduos depressivos com doença de Parkinson àqueles com idades semelhantes que estivessem experimentando transtorno depressivo maior idiopático. Diagnóstico diferencial Dois domínios amplos de diagnóstico diferencial devem ser considerados ao se estabelecer a presença de transtorno do humor
10.5
TABELA 10.5-2 Causas de transtornos do humor secundários Intoxicação por substâncias Álcool ou sedativo-hipnóticos Antipsicóticos Antidepressivos Metoclopramida, bloqueadores de receptores de H2 Anti-hipertensivos (especialmente agentes de ação central, como metildopa, clonidina, reserpina) Esteróides sexuais (p. ex., contraceptivos orais, esteróides anabolizantes) Glucocorticóides Levodopa Bromocriptina Abstinência de substâncias Nicotina, cafeína, álcool ou sedativo-hipnóticos, cocaína, anfetaminas Tumor Cerebral primário Neoplasia sistêmica Trauma Contusão cerebral Hematoma subdural Infecção Cerebral (p. ex., meningite, encefalite, HIV, sífilis) Sistêmica (p. ex., septicemia, infecção do trato urinário, pneumonia) Cardíacas e vasculares Cerebrovascular (p. ex., infartos, hemorragia, vasculite) Cardiovascular (p. ex., estados de baixa produção, insuficiência cardíaca congestiva, choque) Fisiológicas ou metabólicas Hipoxemia, perturbações eletrolíticas, insuficiência renal ou hepática, hipo ou hiperglicemia, estados pós-ictais Endócrinas Distúrbios da tireóide ou glucocorticóides Nutricionais Deficiência de vitamina B12 ou de folato Desmielinização Esclerose múltipla Neurodegenerativas Doença de Parkinson, coréia de Huntington Cortesia de Eric D. Caine, M.D. e Jeffrey M. Lyness, M.D.
384
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
secundário. O primeiro está relacionado aos sintomas: O paciente tem sintomas maníacos ou depressivos de relevância clínica na ausência de evidências de déficit cognitivo predominante? Essa avaliação exige atenção aos sintomas e ao funcionamento na história e no exame do estado mental. Como parte do processo, o clínico também estabelece se há transtorno do humor que justifique teste empírico com medicamentos antidepressivos. O segundo domínio é etiológico: O paciente apresenta condição do Eixo III ou estado de intoxicação ou abstinência de substâncias que possa estar causando a perturbação? Para se estabelecer a presença da condição relevante, depende-se de avaliações psiquiátricas e médico-neurológicas padronizadas, podendo ser difícil evidenciar relação causal com o transtorno do humor.
mência do tipo Alzheimer). Os transtornos desta categoria em geral não estão associados a mudanças no sensório. Epidemiologia A incidência e a prevalência de transtornos psicóticos secundários na população geral são desconhecidas. A prevalência é maior em populações clínicas selecionadas, como residentes de casas de repouso, mas não está claro como se pode estender esses achados para outros grupos de pacientes. Etiologia
Curso e prognóstico As condições depressivas co-mórbidas com doenças médicas gerais ou transtornos relacionados a substâncias têm prognósticos piores do que as que não apresentam associações. A doença depressiva secundária costuma ser crônica e se caracterizar por períodos de remissão, seguidos por recorrências ou, até, por curso contínuo. O prognóstico varia conforme o estado etiológico. A depressão secundária à doença facilmente tratável (p. ex., hipotireoidismo) possui resultado melhor do que se estiver associada à condição terminal, de natureza intratável (p. ex., carcinoma pancreático metastático). Tratamento Os medicamentos antidepressivos padronizados, incluindo os tricíclicos, inibidores seletivos de monoaminoxidase (IMAOs), inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs) e psicoestimulantes, são efetivos para muitos pacientes depressivos com doenças médicas e neurológicas ou com transtornos devido ao uso de substâncias. Pode-se usar ECT em casos nos quais não há resposta ao medicamento. O clínico que trata um paciente com transtorno secundário do humor deve abordar a causa médica subjacente da maneira mais efetiva possível, mediante terapias padronizadas para o transtorno correspondente, ainda que o risco de efeitos tóxicos dos psicotrópicos possa exigir aumentos graduais em sua dosagem. No mínimo, devese fazer psicoterapia, enfocando questões psicoeducacionais. O conceito de transtorno comportamental secundário a uma doença médica pode ser novo ou difícil de entender para muitos dos pacientes e seus familiares. Questões intrapsíquicas, interpessoais e familiares específicas devem ser abordadas na psicoterapia. TRANSTORNO PSICÓTICO DEVIDO A UMA CONDIÇÃO MÉDICA GERAL Para estabelecer o diagnóstico de transtorno psicótico devido a uma condição médica geral, o clínico deve, primeiramente, excluir síndromes em que sintomas psicóticos possam estar presentes em associação a limitações cognitivas (p. ex., delirium e de-
Praticamente todas as doenças cerebrais ou sistêmicas que afetam o funcionamento cerebral podem produzir sintomas psicóticos. A Tabela 10.3-1 lista exemplos em cada uma das categorias de doenças que podem produzir demência. Todas essas patologias também podem levar a sintomas psicóticos, na presença e na ausência de problemas cognitivos. Os transtornos degenerativos, como a doença de Alzheimer ou a coréia de Huntington, podem se apresentar inicialmente como psicose de início precoce, com evidências mínimas de limitações cognitivas nos primeiros estágios. Diagnóstico e características clínicas Para estabelecer o diagnóstico de síndrome psicótica secundária, o clínico deve determinar, em princípio, que o paciente não está delirante, evidenciado por seu nível estável de consciência. A avaliação cuidadosa do estado mental deve ser conduzida para excluir limitações cognitivas significativas, como as encontradas na demência ou nos transtornos amnésticos. O próximo passo é procurar doenças sistêmicas ou cerebrais possivelmente envolvidas na psicose. A sintomatologia psicótica em si não ajuda a distinguir a causa secundária da primária (idiopática). Os exames físico e neurológico sistemáticos devem ser realizados, mas o examinador deve ter em mente que sinais neurológicos difusos e não-localizados e uma variedade de discinesias podem estar presentes na esquizofrenia. Recomenda-se avaliação com ressonância magnética (RM) para qualquer psicose de início precoce, independentemente da idade do paciente. A detecção de anormalidade sistêmica ou cerebral, como tumor cerebral, pode levar à determinação de psicose secundária, mas o estabelecimento de diagnóstico de síndrome psicótica secundária exige raciocínio clínico minucioso. A Tabela 10.5-3 lista diversos sintomas psicóticos específicos associados a doenças em determinadas regiões cerebrais. Curso e prognóstico O curso e o prognóstico de síndromes psicóticas secundárias dependem de sua etiologia. Sintomas psicóticos vívidos em decorrência de traumatismos podem melhorar de forma significativa durante a recuperação. Delírios associados a doenças degenerativas tendem a diminuir à medida que a condição
DELIRIUM, DEMÊNCIA,
TRANSTORNOS AMNÉSTICOS E OUTRAS PSICOPATOLOGIAS DEVIDO A UMA CONDIÇÃO MÉDICA GERAL
TABELA 10.5-3 Sintomas psicóticos associados a anormalidades em regiões cerebrais específicas Sintomas
Local
Lateralidade
Sintomas de primeira ordem Pensamentos expressados em voz alta Vozes comentando Vozes de outras pessoas discutindo Ações formadas Sentimentos formados Roubo do pensamento Irradiação do pensamento Percepção delirante Delírios complexos
Lobo temporal
Hemisfério dominante
Síndrome de Anton Anosognosia
385
Epidemiologia A prevalência de sintomas de ansiedade é alta em pacientes médicos gerais e naqueles com doenças específicas que são causas potenciais de transtornos de ansiedade secundários. Etiologia
Subcorticais ou límbicos Lobo occipital, trato óptico Lobo parietal
Síndromes de falta de Lobos parietal, identificação temporal e Síndrome de Capgras frontal Paramnésia reduplicativa Síndrome de Fregoli Síndrome de intermetamorfose
Bilateral Hemisfério nãodominante Hemisfério nãodominante, bilateral
Cortesia de Eric D. Caine, M.D., e Jeffrey M. Lyness, M.D.
piora, pois o indivíduo perde gradualmente a capacidade de gerar cognições mais complexas. Alguns transtornos psicóticos secundários melhoram com o tratamento da condição subjacente, como a psicose interictal da epilepsia, cujos sintomas são atenuados mediante o controle farmacológico ou cirúrgico das crises. Os transtornos psicóticos secundários a doenças infecciosas podem não melhorar, apesar da erradicação do organismo infeccioso, por causa de lesões tissulares irreversíveis produzidas durante a infecção aguda.
As causas descritas com mais freqüência incluem estados relacionados a substâncias (intoxicação com cafeína, cocaína, anfetaminas e outros agentes simpatomiméticos; abstinência de nicotina, sedativo-hipnóticos e álcool); endocrinopatias (especialmente feocromocitoma, hipertireoidismo, estados hipercortisolêmicos e hiperparatireoidismo), desequilíbrios metabólicos (p. ex., hipoxemia, hipercalcemia e hipoglicemia) e doenças neurológicas (incluindo vasculares, traumáticas e degenerativas). Muitas dessas condições são transitórias ou facilmente remediáveis. Não se sabe se isso reflete a fisiopatologia da ansiedade secundária ou se é um artefato da comunicação (p. ex., ansiedade com início subagudo e resolução completa após a remoção de feocromocitoma é mais provável de ser relatada como exemplo de ansiedade devido a uma doença médica do que como ansiedade crônica no contexto de doença pulmonar obstrutiva crônica). Deve-se prestar bastante atenção à associação entre crises de pânico e prolapsos da válvula mitral. A natureza dessa relação é desconhecida, e, portanto, o diagnóstico de crises de pânico secundários a prolapso da válvula mitral ainda é prematuro. De maneira interessante, vários relatos recentes buscam relacionar sintomas obsessivo-compulsivos ao desenvolvimento de patologias dos gânglios da base. Diagnóstico e características clínicas Por definição, os sintomas de transtornos de ansiedade secundários são fenomenologicamente semelhantes aos encontrados no transtorno de ansiedade primária correspondente (p. ex., crises de pânico e obsessões).
Tratamento Os princípios da abordagem terapêutica para o transtorno psicótico secundário assemelham-se aos de qualquer doença neuropsiquiátrica secundária, ou seja, a identificação rápida do agente etiológico e o tratamento da causa subjacente. Medicamentos antipsicóticos podem proporcionar alívio sintomático.
Curso e prognóstico O resultado possivelmente depende da causa específica. Assim, ansiedade devido a hipertireoidismo pode ter remissão tratandose o estado de hipertireoidismo, ao passo que ansiedade por cardiomiopatia com estado de baixa produção pode apresentar curso mais crônico.
TRANSTORNO DE ANSIEDADE DEVIDO A UMA CONDIÇÃO MÉDICA GERAL Tratamento Definição Sua principal característica é a presença de sintomas de ansiedade proeminentes, que podem incluir ansiedade generalizada, crises de pânico, obsessões, compulsões ou fobias causadas por uma condição médica ou cirúrgica (Eixo III) ou por intoxicação ou abstinência de substâncias.
Além de tratar as causas subjacentes, os clínicos consideram os benzodiazepínicos úteis para reduzir os sintomas da ansiedade. Psicoterapia de apoio (incluindo psicoeducação concentrando-se no diagnóstico e no prognóstico) também pode ser proveitosa. A eficácia de outras terapias mais específicas para síndromes secundárias (p. ex., medicamentos antidepressivos para crises de pânico, ISRSs para sin-
386
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
tomas obsessivo-compulsivos, terapia comportamental para fobias simples) é desconhecida, mas tais abordagens podem ter utilidade.
TABELA 10.5-5 Causas de disfunções sexuais secundárias Medicamentos
TRANSTORNO DO SONO DEVIDO A UMA CONDIÇÃO MÉDICA GERAL Diagnóstico Os transtornos do sono podem se manifestar de quatro maneiras: por excesso (hipersonia) ou deficiência de sono (insônia), por comportamento ou atividade anormal durante o sono (parassonia) e por perturbação no tempo do sono (transtornos do ritmo circadiano do sono). Os transtornos primários ocorrem sem relação com qualquer outra doença médica ou psiquiátrica. Etiologia e diagnóstico diferencial A Tabela 10.5-4 refere algumas das condições em que o transtorno do sono costuma ser descrito. Tratamento O diagnóstico de transtorno secundário do sono depende da identificação do processo ativo de doença, conhecido por exercer o efeito observado sobre o sono. O tratamento aborda primeiramente a doença neurológica ou médica subjacente. Os tratamentos sintomáticos concentram-se na modificação do comportamento, como melhorar a higiene do sono. Também podem ser usadas opções farmacológicas, como benzodiazepínicos para síndrome das pernas inquietas ou para mioclonia noturna, estimulantes para hipersonia e antidepressivos tricíclicos para a manipulação do sono REM.
Fármacos cardíacos, anti-hipertensivos (p. ex., reserpina, antagonistas de receptores β-adrenérgicos, clonidina, α-metildopa, diuréticos) Bloqueadores de receptores de H2 Inibidores de anidrase carbônica Anticolinérgicos Anticonvulsivantes (p. ex., carbamazepina, fenitoína, primidona) Antipsicóticos Antidepressivos (p. ex., tricíclicos, inibidores de monoaminoxidase, trazadona, ISRSs) Sedativo-hipnóticos Substâncias de abuso Álcool Opiáceos Estimulantes Cannabis Sedativo-hipnóticos Processos patológicos locais que afetam órgãos sexuais primários ou secundários Anomalias ou malformações congênitas Traumas Tumores Infecções Patologias neurológicas e vasculares pós-cirúrgicas ou pós-irradiação Processos de doenças sistêmicas Neurológicas Sistema nervoso central (p. ex., acidentes vasculares cerebrais, esclerose múltipla) Sistema nervoso periférico (p. ex., neuropatia periférica) Vasculares Aterosclerose, vasculite (p. ex.) Endócrinas Diabete melito, distúrbios da tireóide, da adrenal, do córtex, das gonadotropinas, dos hormônios gonadais (p. ex.) Cortesia de Eric D. Caine, M.D., e Jeffrey M. Lyness, M.D.
DISFUNÇÃO SEXUAL DEVIDO A UMA CONDIÇÃO MÉDICA GERAL
lino, a dispareunia e outras disfunções sexuais masculinas ou femininas.
Exemplos de síndromes específicas caracterizadas por disfunção sexual fisiologicamente causada por condição médica geral são o transtorno do desejo sexual hipoativo, o transtorno erétil mascu-
Epidemiologia
TABELA 10.5-4 Condições médicas geralmente associadas a transtorno secundário do sono Condição
Sintomas relacionados sono
Parkinsonismo
Despertar freqüente, perturbação do ritmo circadiano Demência Piora ao anoitecer, despertar freqüente Epilepsia Dificuldade para iniciar o sono, despertar freqüente, parassonias Doenças cerebrovasculares Dificuldade para iniciar o sono, despertar freqüente Coréia de Huntington Despertar freqüente Síndrome de Kleine-Levin Hipersonia Uremia Pernas inquietas, mioclonia noturna Cortesia de Eric D. Caine, M.D., e Jeffrey M. Lyness, M.D.
Embora as pesquisas demonstrem elevada prevalência de disfunções sexuais na população geral, há falta de dados válidos sobre disfunções secundárias. De maneira semelhante, certos medicamentos podem estar associados a taxas específicas de sintomas sexuais, mas a porcentagem de pacientes com síndromes secundárias verdadeiras não é conhecida. Etiologia Algumas causas potenciais de disfunções sexuais são listadas na Tabela 10.5-5. O tipo de disfunção sexual é afetado pela causa, mas sua especificidade é rara. Ou seja, determinada causa pode se manifestar como uma (ou mais de uma) entre várias síndromes. As categorias gerais incluem medicamentos e drogas de abuso, processos patológi-
DELIRIUM, DEMÊNCIA,
TRANSTORNOS AMNÉSTICOS E OUTRAS PSICOPATOLOGIAS DEVIDO A UMA CONDIÇÃO MÉDICA GERAL
cos locais que afetam os órgãos sexuais primários ou secundários e doenças sistêmicas que atingem órgãos sexuais por meio de vias neurológicas, vasculares ou endocrinológcas. Curso e prognóstico O curso e o prognóstico das disfunções sexuais secundárias variam amplamente, dependendo da causa. As síndromes induzidas por substâncias em geral apresentam remissão com a descontinuação (ou redução da dosagem) do agente ofensivo. Disfunções de base endócrina também costumam melhorar com a restauração da fisiologia normal. Todavia, disfunções decorrentes de doenças neurológicas podem ter cursos prolongados e até progressivos. Tratamento A abordagem de tratamento não é fixa, depende da etiologia. Quando não é possível reverter a causa subjacente, psicoterapias de apoio e comportamental com o paciente (e talvez com parceiros) podem minimizar a perturbação e aumentar a satisfação sexual (p. ex., desenvolvendo interações sexuais que não sejam limitadas pela disfunção específica). Existem grupos de apoio disponíveis para pessoas com determinados tipos de disfunções. Outros tratamentos com base nos sintomas podem ser usados em algumas condições. Por exemplo, a administração de sildenafil (Viagra) ou o implante cirúrgico de prótese peniana constituem recursos no tratamento de disfunção erétil. TRANSTORNOS MENTAIS DEVIDO A UMA CONDIÇÃO MÉDICA GERAL NÃO CLASSIFICADOS EM OUTROS LOCAIS O DSM-IV-TR apresenta três categorias diagnósticas adicionais para quadros clínicos de transtornos mentais devido a uma condição médica geral que não satisfaçam os critérios para diagnósticos específicos. A primeira é de transtorno catatônico devido a uma condição médica geral (Tab. 10.5-6), a segunda é de altera-
TABELA 10.5-6 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno catatônico devido a uma condição médica geral A. Presença de catatonia, manifestada por imobilidade, atividade motora excessiva (aparentemente sem sentido e não influenciada por estímulos externos), extremo negativismo ou mutismo, peculiaridades do movimento voluntário, ecolalia ou ecopraxia. B. Existem evidências, a partir da história, do exame físico ou de achados laboratoriais, de que a perturbação é conseqüência fisiológica direta de uma condição médica geral. C. A perturbação não é melhor explicada por outro transtorno mental (p. ex., episódio maníaco). D. A perturbação não ocorre exclusivamente durante o curso de delirium. Nota para codificação: Incluir o nome da condição médica geral no Eixo I, por exemplo, transtorno catatônico devido à encefalopatia hepática; codificar também a condição médica geral no Eixo III. American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
387
TABELA 10.5-7 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno mental sem outra especificação devido a uma condição médica geral Esta categoria residual destina-se a situações nas quais foi estabelecido que a perturbação é causada pelos efeitos fisiológicos diretos de uma condição médica geral, mas não foram satisfeitos os critérios para transtorno mental devido a uma condição médica geral específica (p. ex., sintomas dissociativos relacionados a convulsões parciais complexas). Nota para codificação: Incluir o nome da condição médica geral no Eixo I, por exemplo, transtorno mental sem outra especificação devido à doença do HIV; codificar também a condição médica geral no Eixo III. American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
ção da personalidade devido a uma condição médica geral, e a terceira é de transtorno mental sem outra especificação devido a uma condição médica geral (Tab. 10.5-7). Catatonia devido a uma condição médica Podendo ser causada por uma variedade de condições médicas e cirúrgicas, a catatonia se caracteriza por postura fixa e flexibilidade cérea. O mutismo, o negativismo e a ecolalia configuram aspectos associados. Epidemiologia. A incidência de catatonia devido a uma condição médica generalizada é desconhecida. Os sintomas catatônicos provavelmente estejam mais associados à esquizofrenia do que a outros transtornos. Diagnóstico e características clínicas. O aspecto mais característico de catatonia é a manifestação de peculiaridades de movimento, em geral rigidez, podendo também ocorrer neoplasias, encefalite e agitação psicomotora (Tab. 10.5-7). O exame médico minucioso é necessário para confirmar o diagnóstico. Curso e prognóstico. Estão intimamente relacionados à causa. Neoplasias, encefalites, traumatismos cranianos, diabete e outros transtornos metabólicos podem se manifestar com aspectos catatônicos. Se o transtorno subjacente for tratável, a síndrome catatônica será resolvida. Tratamento. Deve ser direcionado para a causa subjacente. Os medicamentos antipsicóticos podem diminuir as anormalidades posturais, embora não tenham efeito sobre a condição subjacente. Sempre se recomenda excluir a possibilidade de esquizofrenia em pacientes que apresentam sintomas catatônicos. Alteração da personalidade devido a uma condição médica geral As alterações da personalidade significam que a forma fundamental de a pessoa se relacionar e se comportar sofreu modificação. Quan-
388
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
do houver mudança verdadeira da personalidade na idade adulta, o clínico deve suspeitar de lesão cerebral. No entanto, quase todos os distúrbios médicos podem ser acompanhados por mudanças na personalidade. Epidemiologia. Não existem dados epidemiológicos confiáveis sobre alterações em traços da personalidade em condições médicas. Foram relatadas mudanças específicas em determinadas doenças cerebrais – por exemplo, comportamentos passivos e autocentrados em pacientes com demência do tipo Alzheimer. De maneira semelhante, apatia foi descrita naqueles com lesões nos lobos frontais. Etiologia. Doenças que afetam preferencialmente os lobos frontais ou as estruturas subcorticais são mais prováveis de se manifestar com alterações proeminentes da personalidade. O traumatismo craniano é uma causa comum. Tumores nos lobos frontais, como meningiomas e gliomas, podem crescer a tamanho considerável antes de chegarem à atenção médica, pois tendem a ser neurologicamente silenciosos (i.e., sem sinais focais). As síndromes progressivas de demênTABELA 10.5-8 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para alteração da personalidade devido a uma condição médica geral A. Perturbação persistente da personalidade que representa uma alteração a partir de um padrão anterior da personalidade característica do indivíduo (em crianças, envolve um desvio acentuado do desenvolvimento normal ou uma alteração significativa nos padrões habituais de comportamento, com duração mínima de um ano). B. Existem evidências, a partir da história, do exame físico ou de achados laboratoriais, de que a perturbação é conseqüência fisiológica direta de uma condição médica geral. C. A perturbação não é melhor explicada por outro transtorno mental (inclusive outros transtornos mentais causados por uma condição médica geral). D. A perturbação não ocorre exclusivamente durante o curso de delirium. E. A perturbação causa sofrimento ou prejuízo clinicamente significativo no funcionamento social, ocupacional ou em outras áreas importantes.
Especificar tipo: Tipo instável: se o aspecto predominante for uma instabilidade afetiva. Tipo desinibido: se o aspecto predominante for um controle fraco dos impulsos, evidenciado por indiscrições sexuais, etc. Tipo agressivo: se o aspecto predominante for um comportamento agressivo. Tipo apático: se o aspecto predominante for apatia acentuada e indiferença. Tipo paranóide: se o aspecto predominante for desconfiança ou ideação paranóide. Outro tipo: se o aspecto predominante não for nenhum dos anteriores. Tipo combinado: se houver predomínio de mais de um aspecto no quadro clínico. Tipo inespecificado. Nota para codificação: Incluir o nome da condição médica geral no Eixo I, por exemplo, alteração da personalidade devido à epilepsia do lobo temporal; codificar também a condição médica geral no Eixo III. American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
cia, especialmente as que apresentam padrão de degeneração subcortical, como o complexo de demência da AIDS, a coréia de Huntington ou a paralisia supranuclear progressiva, muitas vezes causam alterações significativas da personalidade. A esclerose múltipla pode afetar a personalidade, refletindo degeneração da substância branca. A exposição a toxinas que afetam a substância branca, como a irradiação, também pode produzir mudanças significativas na personalidade, desproporcionais ao problema cognitivo ou motor. Diagnóstico e características clínicas. Os critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para alteração da personalidade devido a uma condição médica geral são listados na Tabela 10.5-8. Curso e prognóstico. As alterações da personalidade decorrentes de lesões da massa cerebral ou de hidrocefalia podem melhorar radicalmente com cirurgia, quimioterapia ou radioterapia. Aquelas secundárias a traumatismos cranianos podem melhorar lenta e gradualmente ao longo de alguns meses ou anos, ainda que permaneçam perturbações residuais. As alterações da personalidade decorrentes de processos degenerativos podem ser diruptivas no começo da doença. Contudo, o manejo desses pacientes torna-se mais fácil à medida que a doença avança e a personalidade evolui para maior apatia, falta de resposta e acinesia. As alterações relacionadas à epilepsia podem melhorar consideravelmente com o controle das crises mediante farmacoterapia ou cirurgia. Tratamento. É direcionado primeiramente para corrigir a causa subjacente. O carbonato de lítio (Carbolitium), a carbamazepina (Tegretol) e o ácido valpróico (Depavene) foram usados para o controle da instabilidade afetiva e da impulsividade. A agressividade ou a propensão a explodir podem ser tratadas com lítio, anticonvulsivantes ou a combinação de ambos. Antagonistas de receptores β-adrenérgicos de ação central, como o propranolol (Inderal), também têm certo grau de eficácia. A apatia e a inércia ocasionalmente melhoram com agentes psicoestimulantes. Como a cognição e as capacidades verbais podem estar bem-preservadas em pacientes com alterações secundárias da personalidade, os mesmos constituem bons candidatos para psicoterapia. As famílias devem ser envolvidas no processo terapêutico, com foco na educação e no entendimento das origens dos comportamentos inadequados do paciente. Questões como competência, deficiência e amparo costumam ser de interesse clínico, à luz das alterações imprevisíveis e globais do comportamento. TRANSTORNOS ESPECÍFICOS Epilepsia A epilepsia é a doença neurológica crônica mais comum na população geral e afeta aproximadamente 1% dos norte-americanos. Para os psiquiatras, as principais preocupações relacionadas com essa condição são: diagnóstico de epiléptico para pacientes psiquiátricos, as ramificações psicossociais desse diagnóstico e os efeitos psicológicos e cognitivos dos anticonvulsivantes. Com relação à primeira dessas questões, 30 a 50% de todas as pessoas com epilepsia apresentam dificuldades psiquiátricas em algum momento no curso de sua doença. O sintoma comportamen-
DELIRIUM, DEMÊNCIA,
TRANSTORNOS AMNÉSTICOS E OUTRAS PSICOPATOLOGIAS DEVIDO A UMA CONDIÇÃO MÉDICA GERAL
tal mais comum é a alteração na personalidade. Psicose e violência ocorrem muito menos do que se acreditava. Definições. O ataque epilético é uma perturbação fisiopatológica paroxística transitória, causada por descarga espontânea e excessiva aos neurônios. Diz-se que um paciente apresenta epilepsia quando tem condição crônica, caracterizada por ataques recorrentes. O icto, ou evento ictal, é o próprio ataque. Os períodos não-ictais são categorizados como pré-ictais, pós-ictais e interictais. Os sintomas durante o evento ictal são determinados principalmente pelo local de origem do ataque no cérebro e pelo padrão de disseminação da atividade convulsiva. Os sintomas interictais são influenciados pelo evento ictal e por outros fatores neuropsiquiátricos e psicossociais, como transtornos psiquiátricos e neurológicos coexistentes, presença de estressores psicossociais e traços de personalidade pré-mórbidos.
389
quiatra na sala de emergência. O período de recuperação varia de alguns minutos a muitas horas, e o quadro clínico é o de delirium em recuperação gradual. Os problemas psiquiátricos mais comuns associados aos ataques generalizados envolvem ajudar os pacientes a se adaptarem ao distúrbio neurológico crônico e avaliar os efeitos cognitivos e comportamentais dos anticonvulsivantes.
Classificação. As duas principais categorias de ataques epiléticos são parciais e generalizadas. A primeira envolve atividade epiletiforme em regiões cerebrais localizadas. A segunda envolve todo o cérebro (Fig. 10.5-1). A Tabela 10.5-9 apresenta sistema de classificação para ataques epiléticos.
Ataque com ausência (pequeno mal). Tipo de ataque generalizado difícil de se diagnosticar. A natureza epilética dos episódios pode não ser reconhecida, pois as manifestações motoras ou sensoriais características da epilepsia tendem a estar ausentes ou ser tão leves que não causam suspeita. A epilepsia do tipo pequeno mal começa na infância, entre as idades de cinco e sete anos, e cessa na puberdade. Perturbações breves da consciência, durante as quais se perde repentinamente o contato com o ambiente, são características, mas o paciente não tem perda verdadeira da consciência ou movimentos convulsivos durante os episódios. O eletroencefalograma (EEG) produz padrão característico de três picos e ondas por segundo (Fig. 10.5-2). Em casos raros, a epilepsia do tipo pequeno mal pode começar na idade adulta, caracterizando-se por episódios psicóticos recorrentes e repentinos ou delirium que aparece e some de maneira abrupta. Os sintomas podem ser acompanhados por quedas ou desmaios.
Os ataques tônico-clônicos generalizados apresentam os sintomas clássicos de perda da consciência, movimentos tônico-clônicos generalizados dos membros, morder a língua e incontinência. Embora o diagnóstico dos eventos ictais do ataque seja relativamente direto, o estado pós-ictal, caracterizado pela recuperação lenta e gradual da consciência e da cognição, às vezes, representa um dilema diagnóstico para o psi-
ATAQUES PARCIAIS. Os ataques parciais são classificados como simples (sem alterações na consciência) ou complexos (com alteração na consciência). Mais da metade de todos os pacientes com ataques parciais tem a forma complexa. Outros termos usados para ataques parciais complexos são epilepsia do lobo temporal, crises psicomotoras e epilepsia límbica. Porém, esses termos não são descrições precisas da situação clínica. A epilepsia parcial complexa, a forma mais
ATAQUES GENERALIZADOS.
Idade: 15 anos FP1-A1 FP2-A2 F3-A1 F4-A2 C3-A1 C4-A2 P3-A1 P4-A2 Extensão clônica generalizada
Movimentos clônicos generalizados
(continuação)
1 sec
50 μV
Pausas
Estado pós-ictal
FIGURA 10.5-1 Registro eletroencefalográfico durante ataque tônico-clônico generalizado, apresentando ondas rítmicas nítidas e artefatos musculares durante a fase clônica, picos e descargas de ondas durante a fase tônica e atenuação da atividade durante o estado pósictal. (Cortesia de Barbara F. Westmoreland, M.D.)
390
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 10.5-9 Classificação internacional de ataques epiléticos I.
Ataques parciais (começo local) A. Ataques parciais com sintomas elementares (geralmente sem limitação da consciência) 1. Com sintomas motores 2. Com sintomas sensoriais 3. Com sintomas autônomos 4. Formas compostas B. Ataques parciais com sintomas complexos (geralmente com comprometimento da consciência; ataques do lobo temporal ou psicomotores) 1. Apenas com comprometimento da consciência 2. Com sintomas cognitivos 3. Com sintomas afetivos 4. Com sintomas psicossensoriais 5. Com sintomas psicossensoriais (automatismos) 6. Formas compostas C. Ataques parciais secundariamente generalizados II. Ataques generalizados (bilateralmente simétricos e sem início local) A. Ausências (pequeno mal) B. Mioclonia C. Espasmos infantis D. Ataques clônicos E. Ataques tônicos F. Ataques tônico-clônicos (grande mal) G. Ataques atônicos H. Ataques acinéticos III. Ataques unilaterais IV. Ataques não-classificados (por ausência de dados completos) Adaptada de Gastaud H. Clinical and electroencefalographical classification of epileptic seizures. Epilepsia. 1970;11:102.
comum em adultos, afeta aproximadamente três em cada mil pessoas. Em torno de 30% dos pacientes com esse tipo de ataque portam doenças mentais importantes, como depressão. Sintomas. SINTOMAS PRÉ-ICTAIS. Os eventos pré-ictais (auras) na epilepsia parcial complexa incluem sensações autônomas (p.
ex., sensação de estômago cheio, rubor e alterações da respiração), sensações cognitivas (p. ex., déjà-vu, jamais-vu, pensamento forçado e estados divagantes), estados afetivos (p. ex., medo, pânico, depressão e entusiasmo) e, classicamente, automatismos (p. ex., estalar, esfregar e morder os lábios). SINTOMAS ICTAIS. Comportamentos breves, desorganizados e desinibidos caracterizam o evento ictal. Embora alguns advogados de defesa aleguem o contrário, raramente uma pessoa exibe comportamento violento dirigido e organizado durante episódio epilético. Os sintomas cognitivos incluem amnésia do tempo do ataque e período de resolução do delirium após sua ocorrência. O foco do ataque pode ser encontrado no EEG em 25 a 50% de todos os pacientes com epilepsia parcial complexa (Fig. 10.5-3). O uso de eletrodos temporais anteriores ou esfenoidais e de EEGs em privação do sono pode aumentar a probabilidade de se encontrar a anormalidade. Diversos EEGs normais são obtidos em paciente com epilepsia parcial complexa, de maneira que não podem ser usados para excluir esse diagnóstico. Registros de longo prazo (normalmente de 24 a 72 horas) podem ajudar a detectar o foco do ataque em alguns pacientes. A maioria dos estudos mostra que o uso de eletrodos nasofaríngeos não acrescenta muito à sensibilidade do EEG, além de aumentar o desconforto do procedimento.
Transtornos da personalidade. As anormalidades psiquiátricas mais freqüentes relatadas em pacientes epiléticos são os transtornos da personalidade, os quais são especialmente prováveis de ocorrer naqueles com epilepsia originada no lobo temporal. As características mais comuns são religiosidade, experiência emocional elevada – qualidade geralmente chamada de viscosidade da personalidade – e mudanças no comportamento sexual. Em sua forma completa, a síndrome é relativamente rara, mesmo em pacientes com ataques parciais complexos originados no lobo temporal. Muitos não são afetados por transtornos da personalidade, e outros sofrem de diversas perturbações que diferem notavelmente da síndrome clássica.
SINTOMAS INTERICTAIS.
Fp2
F4 A2 C4
P4
Fp1 F3 A1 C3 50 μV I sec P3
FIGURA 10.5-2 Epilepsia do tipo pequeno mal, caracterizada por atividade bilateralmente síncrona de picos e ondas lentas de 3 Hz.
DELIRIUM, DEMÊNCIA,
GAIN 100%
TRANSTORNOS AMNÉSTICOS E OUTRAS PSICOPATOLOGIAS DEVIDO A UMA CONDIÇÃO MÉDICA GERAL
391
LB-31.1
NZ-F9 F9-T9 T9-P9 P9-IZ FP1-F7 F7-T3 T3-T5 T5-01 FP1-F3 F3-C3 C3-P3 P3-01 FP2-F4 F4-C4 C4-P4 P4-02 FP2-F8 F8-T4 T4-T6 T6-02 NZ-F10 F10-T10 T10-P10 P10-IZ
50 μV 1 sec
Religiosidade forte pode ser manifestada não apenas pela participação maior em atividades nitidamente religiosas, mas também pela preocupação incomum com questões morais e éticas, com certo e errado e interesse elevado em questões globais e filosóficas. As características hiper-religiosas podem, às vezes, se parecer com os sintomas prodrômicos da esquizofrenia, e resultar em problema diagnóstico em adolescentes ou jovens adultos. O sintoma da viscosidade da personalidade é mais notável na conversa do paciente, que provavelmente será lenta, séria, ponderada, pedante, repleta de detalhes supérfluos e, muitas vezes, circunstancial. O ouvinte pode ficar aborrecido e não conseguir encontrar forma cortês de se livrar da conversa. As tendências da fala, em geral representadas também na escrita, resultam no sintoma conhecido como hipergrafia, que alguns clínicos consideram patognomônico da epilepsia parcial complexa. As alterações em comportamento sexual podem se manifestar por hipersexualidade, desvios no interesse sexual, como fetichismo e travestismo, e, de forma mais comum, hipossexualidade. Esta última caracteriza-se por falta de interesse em questões sexuais e por redução na excitação sexual. Alguns pacientes que têm o início da epilepsia parcial complexa antes da puberdade podem não atingir nível normal de interesse sexual após esse período, embora tal característica possa não perturbar o doente. Com o início da epilepsia parcial complexa após a puberdade, a mudança no interesse sexual pode ser problemática e preocupante.
Sintomas psicóticos. Os estados psicóticos interictais são mais comuns do que os ictais. Os do tipo esquizofrênico podem ocorrer em pacientes com epilepsia, particularmente naquela com origem no lobo temporal. Estima-se que 10% de todos os pacientes com epilepsia parcial complexa tenham sintomas psicóticos. Os fatores de risco incluem ser do sexo feminino, ser canhoto, ter o início dos ataques durante a puberdade e apresentar lesão no lado esquerdo.
FIGURA 10.5-3 O encefalograma interictal de paciente com ataque parcial complexo revela descargas freqüentes de picos temporais esquerdos e atividade rara e independente de ondas temporais direitas agudas. (Reimpressa, com permissão, de Cascino GD. Complex parcial seizures: clinical features and differential diagnosis. Psychiatr Clin North Am. 1992;15:377.)
O início dos sintomas psicóticos é variável. Classicamente, aparecem em pacientes que tiveram epilepsia por longo tempo, sendo precedidos pelo desenvolvimento de alterações da personalidade relacionadas à atividade cerebral epilética. Os sintomas mais característicos das psicoses são alucinações e delírios paranóides. Os pacientes tendem a permanecer cordiais e com afeto adequado, ao contrário das anormalidades afetivas que são vistas em esquizofrênicos. Os sintomas de transtorno do pensamento mais comuns em pacientes com epilepsia psicótica são aqueles que envolvem a conceituação e a circunstancialidade, e não os sintomas esquizofrênicos clássicos de bloqueios e afrouxamento.
Violência. A violência episódica é um problema para alguns pacientes com epilepsia, especialmente se for de origem temporal e frontal. Não se sabe ao certo se a violência é a manifestação do próprio ataque ou se tem origem psicopatológica interictal. A maioria das evidências aponta para a raridade extrema da violência como fenômeno ictal. Apenas em casos raros pode ser atribuída ao ataque epilético. Sintomas de transtornos do humor. Os sintomas de transtornos do humor, como depressão e mania, são vistos com menos freqüência na epilepsia do que os sintomas do tipo esquizofrênico. Aqueles, se ocorrerem, tendem a ser episódicos e a se manifestar principalmente quando os focos epiléticos afetam o lobo temporal do hemisfério cerebral nãodominante. A importância dos sintomas de transtornos do humor pode ser atestada pela maior incidência de tentativas de suicídio em pessoas com epilepsia. Diagnóstico. O diagnóstico correto de epilepsia pode ser particularmente difícil quando os sintomas interictais são manifestações graves de sintomas psiquiátricos na ausência de alterações significativas da consciência e de capacidades cognitivas. Portan-
392
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
to, os psiquiatras devem manter nível elevado de suspeição durante a avaliação de paciente novo e considerar a possibilidade de epilepsia, mesmo na ausência de sinais e sintomas clássicos. Outro diagnóstico diferencial a considerar é o pseudo-ataque, no qual o paciente tem controle consciente e imita os sintomas do ataque (Tab. 10.5-10). Para doentes que haviam recebido diagnóstico anterior de epilepsia, o surgimento de novos sintomas psiquiátricos deve ser considerado como possível indicativo de evolução dos sintomas epiléticos. O surgimento de sintomas psicóticos, transtornos do humor, alterações da personalidade ou sintomas de ansiedade (p. ex., crises de pânico) deve fazer o clínico avaliar o controle do paciente sobre a epilepsia e se este possui, de fato, transtorno mental independente. Nessas circunstâncias, o clínico deve analisar a adesão ao regime de medicamentos anticonvulsivantes e considerar se os sintomas psiquiátricos podem ser efeitos adversos dos próprios remédios antiepiléticos. Quando esses sintomas aparecem em um paciente diagnosticado com epilepsia ou quanTABELA 10.5-10 Características que diferenciam pseudoataques de ataques epiléticos Característica Características clínicas Ataque noturno Aura estereotipada Alterações cianóticas da pele durante o ataque Auto-agressão Incontinência Confusão pós-ictal Movimentos corporais Afetado por sugestão Características do EEG Picos e formas de onda Lentidão pós-ictal Anormalidades interictais
Ataques epiléticos
Pseudo-ataques
Comum Geralmente Comum
Incomum Não Não
Comum Comum Presente Tônicos, clônicos ou ambos Não
Rara Rara Não Não-estereotipados e assíncronos Sim
Presente Presente Variáveis
Ausente Ausente Variáveis
Reimpressa, com permissão, de Stevenson JM, King JH. Neuropsychiatric aspects of epilepsy and epileptic seizures. In: Hales RE, Yudofsky SC, eds. American Psichiatric Textbook of Neuropsychiatry. Washington, DC: American Psychiatric Press;1987:220.
do tal diagnóstico foi considerado no passado, recomenda-se obter resultados de um ou mais EEGs. Naqueles que não tiveram diagnóstico anterior de epilepsia, quatro características devem fazer com que o clínico suspeite da possibilidade: início abrupto de psicose em pessoa considerada psicologicamente saudável, início abrupto de delirium sem causa reconhecida, história de episódios semelhantes com início abrupto e recuperação espontânea e história de quedas ou desmaios inexplicados. Tratamento. Os medicamentos de primeira linha para ataques tônico-clônicos generalizados são o valproato e a fenitoína (Dilantin). No caso de ataques parciais, incluem-se a carbamazepina, a oxcarbazepina (Trileptal) e a fenitoína. A etosuximida (Zarontin) e o valproato são os fármacos recomendados para ataques por ausência (pequeno mal). Agentes usados para vários tipos de ataques epiléticos são listados na Tabela 10.5-11. A carbamazepina e o ácido valpróico podem ser úteis no controle de sintomas da irritabilidade e explosões agressivas, assim como os antipsicóticos típicos. Psicoterapia, orientação familiar e terapia de grupo são benéficos para abordar as questões psicossociais associadas à epilepsia. Além disso, os clínicos devem estar cientes de que muitos medicamentos antiepiléticos podem causar limitações cognitivas leves a moderadas e considerar adaptação da dose ou mudança no fármaco se os sintomas de comprometimento cognitivo se tornarem problemáticos para o paciente. Tumores cerebrais Os tumores cerebrais e as doenças cerebrovasculares podem causar praticamente qualquer síndrome ou sintoma psiquiátrico, mas, pela natureza de seu início e pelo padrão de sintomas, raras vezes são diagnosticados incorretamente como transtornos mentais. De modo geral, os tumores sempre estão associados a menos sinais e sintomas psicopatológicos do que as doenças cerebrovasculares que afetam volume semelhante de tecido cerebral. As duas abordagens fundamentais para o diagnóstico de ambas as condições são história clínica abrangente e exame neurológico completo. A realização de técnica apropriada de visualização cerebral é o pro-
TABELA 10.5-11 Medicamentos anticonvulsivantes geralmente usados Medicamento
Uso
Dose de manutenção (mg/dia)
Carbamazepina (Tegretol, Carbatrol) Clonazepam (Klonopin) Etosuximida (Zarontin) Gabapentina (Neurontin) Lamotrigina (Lamictal) Oxcarbazepina (Trileptal) Fenobarbital Fenitoína (Dilantin) Primidona (Mysoline) Tiagabina (Gabitril) Topiramato (Topamax) Valproato Zonisamida (Zonegran)
Tônico-clônico generalizado, parcial Ausência, mioclônico atípico Ausência Ataques parciais complexos (potencialização) Ataques parciais complexos, generalizados (potencialização) Parcial Tônico-clônico generalizado Tônico-clônico generalizado, parcial, estado epilético Parcial Generalizado Ataques parciais complexos (potencialização) Ausência, acinético tônico-clônico generalizado mioclônico, ataques parciais Generalizado
600 a 1.200 2 a 12 1.000 a 2.000 900 a 3.600 300 a 500 600 a 2.400 100 a 200 300 a 500 750 a 1.000 32 a 56 200 a 400 750 a 1.000 400 a 600
DELIRIUM, DEMÊNCIA,
TRANSTORNOS AMNÉSTICOS E OUTRAS PSICOPATOLOGIAS DEVIDO A UMA CONDIÇÃO MÉDICA GERAL
cedimento diagnóstico final, e a imagem deve confirmar o diagnóstico clínico. Características clínicas, curso e prognóstico. Aproximadamente 50% dos pacientes com tumores cerebrais experimentam sintomas mentais em algum momento do curso de suas doenças. Em cerca de 80% desses pacientes com sintomas mentais, os tumores se localizam nas regiões cerebrais frontal ou límbica, e não nas áreas parietal ou temporal. Os meningiomas podem causar sintomas focais, comprimindo região limitada do córtex, ao passo que os gliomas podem causar sintomas difusos. O delirium costuma complementar tumores metastáticos grandes e de crescimento rápido. Se a história do paciente e o exame físico revelarem incontinência intestinal ou urinária, deve-se suspeitar de tumor no lobo frontal. Se apresentarem anormalidades na memória e na fala, deve-se suspeitar de tumor no lobo temporal. COGNIÇÃO. O comprometimento do funcionamento intelectual muitas vezes acompanha a presença de tumor cerebral, independentemente de seu tipo ou localização.
393
craniano ou de transtorno mental sem outra especificação devido a uma condição médica geral (como transtorno pós-concussão). A síndrome pós-concussão permanece controversa, pois se concentra na ampla variedade de sintomas psiquiátricos, alguns sérios, que pode ocorrer após algo que parecia ser trauma craniano sem importância. O DSM-IV-TR traz um conjunto de critérios de pesquisa para transtorno pós-concussão nos seus apêndices (Tab. 10.5-12). Fisiopatologia. O trauma craniano é um problema médico comum. Estima-se que 2 milhões de incidentes envolvam traumas na cabeça todos os anos. Ocorre com mais freqüência em pessoas de 15 a 25 anos de idade e tem predominância de aproximadamente 3 para 1 para as mulheres. Estimativas brutas baseadas na gravidade do trauma craniano sugerem que praticamente todos os pacientes com traumas cranianos sérios, mais da metade daqueles com traumas moderados e cerca de 10% dos com traumas leves apresentem seqüelas neuropsiquiátricas como resultado do trauma. O trauma pode ser dividido superficialmente em penetrante (como o produzido por bala) e externo fechado, no
HABILIDADES LINGÜÍSTICAS.
Os transtornos do funcionamento da linguagem podem ser graves, em especial se o crescimento do tumor for rápido. De fato, deficiências nesse aspecto muitas vezes ocultam todos os outros sintomas mentais.
MEMÓRIA.
A perda da memória é um sintoma freqüente dos tumores cerebrais. Pacientes com tumores apresentam a síndrome de Korsakoff e não mantêm memórias de eventos que ocorreram após a doença começar. Eventos do passado imediato, mesmo os dolorosos, são perdidos. No entanto, as memórias antigas são retidas, e o paciente não tem consciência da perda da memória recente. PERCEPÇÃO. Deficiências perceptivas proeminentes muitas vezes estão associadas a transtornos comportamentais, especialmente porque os pacientes devem integrar percepções táteis, auditivas e visuais para funcionar de forma satisfatória. CONSCIÊNCIA.
Alterações na consciência são sintomas tardios comuns da pressão intracraniana causada por tumores cerebrais. Aqueles que surgem na parte superior do tronco encefálico podem produzir sintoma peculiar, chamado mutismo acinético ou coma vigilante. O paciente fica imóvel e mudo, mas alerta.
Cistos colóides. Embora não sejam tumores cerebrais, os cistos colóides localizados no terceiro ventrículo podem exercer pressão física sobre as estruturas dentro do diencéfalo e produzir sintomas mentais como depressão, instabilidade emocional, sintomas psicóticos e mudanças de personalidade. Os sintomas neurológicos clássicos associados são dores de cabeça intermitentes, as quais dependem da posição em que o indivíduo se encontra. Trauma craniano O trauma craniano pode resultar em diversos sintomas mentais, sendo possível o diagnóstico de demência devida a traumatismo
TABELA 10.5-12 Critérios de pesquisa para transtorno pósconcussão segundo o DSM-IV-TR A. História de trauma craniano que causou concussão cerebral significativa. Nota: As manifestações de concussão incluem perda da consciência, amnésia pós-traumática e, menos habitualmente, início pós-traumático de convulsões. O método específico para a definição deste critério precisa ser estabelecido por pesquisas adicionais. B. Evidências, a partir de testes neuropsicológicos ou avaliação cognitiva quantificada, de dificuldade na atenção (concentração, direcionamento da atenção, execução de tarefas cognitivas simultâneas) ou na memória (aprendizagem ou recordação de informações). C. No mínimo três dos seguintes sintomas ocorrem logo após o trauma e duram pelo menos três meses: (1) fadiga fácil (2) perturbação do sono (3) cefaléia (4) vertigem ou tontura (5) irritabilidade ou agressividade com pouca ou nenhuma provocação (6) ansiedade, depressão ou instabilidade afetiva (7) alterações da personalidade (p. ex., inadequação do comportamento social ou sexual) (8) apatia ou falta de espontaneidade D. Os sintomas nos Critérios B e C se manifestam após o trauma craniano ou representam uma piora substancial em sintomas preexistentes. E. A perturbação causa prejuízo significativo no funcionamento social ou ocupacional e representa um declínio significativo a partir de um nível anterior de funcionamento. Em crianças em idade escolar, o prejuízo pode ser manifestado por queda significativa do rendimento escolar, datando desde o trauma. F. Os sintomas não satisfazem os critérios para demência devido a um trauma craniano, nem são melhor explicados por outro transtorno mental (p. ex., transtorno amnéstico devido a um trauma craniano, alteração da personalidade devido a um trauma craniano). American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
394
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
qual não há penetração do crânio. O último é muito mais comum do que o primeiro. Os acidentes automobilísticos contabilizam mais da metade de todos os incidentes de trauma externo no sistema nervoso central (SNC). Quedas, violência e traumas cranianos relacionados à prática de esportes representam os casos restantes (Fig. 10.5-4). Enquanto as lesões cerebrais causadas por ferimentos penetrantes em geral são localizadas nas áreas afetadas diretamente pelo projétil, as causadas por traumas superficiais envolvem diversos mecanismos. Durante o trauma craniano, a cabeça normalmente se move de forma violenta, de modo que o cérebro bate algumas vezes contra o crânio, à medida que ambos se desalinham em sua aceleração e desaceleração alternadas. Esse choque resulta em contusões focais, e o estiramento do parênquima cerebral produz lesões axonais difusas. Outros processos posteriores, como edemas e hemorragias, podem resultar em lesões no cérebro. Sintomas. Os dois principais grupos de sintomas relacionados a traumas cerebrais são o comprometimento cognitivo e as seqüelas comportamentais. Após período de amnésia pós-traumática, há o período de recuperação de 6 a 12 meses, após o qual os sintomas remanescentes provavelmente serão permanentes. Os problemas cognitivos mais comuns são redução na velocidade do processamento de informações, menor atenção, maior distratibi-
lidade, déficits na resolução de problemas e na capacidade de manter o esforço e limitações em relação à memória e à aprendizagem de novas informações. Diversas deficiências lingüísticas também podem ocorrer. Do ponto de vista comportamental, os principais sintomas envolvem depressão, maior impulsividade, maior agressividade e alterações na personalidade. Esses também podem ser exacerbados pelo uso de álcool, que muitas vezes está envolvido com o próprio evento que causou o trauma. Há debate sobre o quanto características e traços da personalidade preexistentes afetam o desenvolvimento de sintomas comportamentais após traumas cranianos. Os estudos críticos necessários para responder a essa questão ainda não foram feitos definitivamente, mas as opiniões se inclinam para associação biológica e neuroanatômica entre o trauma e as seqüelas comportamentais. Tratamento. O tratamento de transtornos cognitivos e comportamentais em pacientes que sofreram traumatismos cranianos é basicamente semelhante às abordagens empregadas em outros indivíduos com esses sintomas. Uma diferença é que os que sofreram traumatismo podem ser particularmente suscetíveis aos efeitos colaterais associados a medicamentos psicotrópicos. Portanto, o tratamento com esses agentes deve ser iniciado em doses mais baixas do que o normal, tituladas de forma mais lenta. Também podem ser usados antidepressivos padronizados para tratar a depressão e anticonvulsivantes ou antipsicóticos para abordar a agressividade e a impulsividade. Outras alternativas terapêuticas incluem lítio, bloqueadores dos canais de cálcio e antagonistas de receptores β-adrenérgicos. Os clínicos devem amparar seus pacientes, por meio de psicoterapia individual ou em grupo, e auxiliar os principais cuidadores com terapia de casal e familiar. Pacientes com traumas menores a moderados muitas vezes retornam à família e a seus trabalhos. Portanto, todos os envolvidos devem procurar ajuda para se adaptarem a quaisquer mudanças possíveis na personalidade e nas capacidades mentais dos pacientes. Doenças desmielinizantes A esclerose múltipla é a principal doença desmielinizante. Outras incluem ainda a esclerose lateral amiotrópica, a leucodistrofia metacromática, a adrenoleucodistrofia, a gangliosidose, a panencefalite esclerosada subaguda e a doença de Kufs. Todas essas condições podem ser associadas a sintomas neurológicos, cognitivos e comportamentais.
FIGURA 10.5-4 A contusão grave nos pólos frontais resultou em sua atrofia e distorção. (Cortesia do dr. H. M. Zimmerman.)
Esclerose múltipla. Caracteriza-se por episódios múltiplos de sintomas, com relação fisiopatológica com lesões multifocais da substância branca do SNC (Fig. 10.5-5). Sua causa permanece desconhecida, mas alguns estudos se concentram em infecções virais e distúrbios do sistema imunológico. Sua prevalência no Ocidente é de 50 por 100.000 pessoas. A doença é muito mais freqüente em climas frios e temperados do que nos tropicais ou subtropicais, e mais comum em mulheres do que em homens. Ela é uma condição predominantemente de adultos jovens, que inicia na maioria dos casos entre as idades de 20 e 40 anos.
DELIRIUM, DEMÊNCIA,
TRANSTORNOS AMNÉSTICOS E OUTRAS PSICOPATOLOGIAS DEVIDO A UMA CONDIÇÃO MÉDICA GERAL
Os sintomas neuropsiquiátricos da esclerose múltipla podem ser divididos em tipos cognitivos e comportamentais. Pesquisas relatam que de 30 a 50% dos pacientes com esclerose múltipla têm comprometimento cognitivo leve, e que de 20 a 30% apresentam problemas cognitivos sérios. Embora as evidências indiquem que esses pacientes experimentam declínio em sua inteligência geral, a memória é a função cognitiva que mais costuma ser afetada. A gravidade do seu comprometimento não parece estar correlacionada com a gravidade dos sintomas cognitivos ou com a duração da doença. Os sintomas comportamentais associados à condição são variados e podem incluir euforia, depressão e alterações da personalidade. A psicose é uma complicação rara. Cerca de 25% das pessoas com esclerose múltipla apresentam humor eufórico que não é hipomaníaco, mas algo mais entusiástico do que a situação justificaria, e não corresponde necessariamente à sua disposição antes do início da doença. Apenas 10% manifestam humor elevado prolongado, embora ainda não seja verdadeiramente hipomaníaco. Porém, a depressão é comum, afetando de 25 a 50% e resultando em taxa mais alta de suicídio do que se vê na população em geral. Os fatores de risco para suicídio em pacientes com esclerose múltipla são: sexo masculino, início antes dos 30 anos e diagnóstico relativamente recente do transtorno. Alterações da personalidade também são comuns, afetando de 20 a 40% dos pacientes, e caracterizadas por aumento em irritabilidade ou apatia. Esclerose lateral amiotrópica. A esclerose lateral amiotrópica é uma doença progressiva e não-hereditária, com atrofia muscular assimétrica. Começa na vida adulta e progride por meses ou anos até envolver todos os músculos estriados, exceto os cardíacos e os oculares. Além da atrofia muscular, os pacientes têm sinais de envolvimento do trato piramidal. A doença é rara e ocorre em aproximadamente 1,6 pessoas por 100.000 a cada ano. Alguns pacientes apresentam demência concomitante. A doença progride rapidamente e a morte costuma ocorrer dentro de quatro anos após o início. Doenças infecciosas Encefalite por herpes simples. A encefalite por herpes simples é o tipo mais comum de encefalite focal e em geral afeta os
395
lobos frontais e temporais. Os sintomas incluem anosmia, alucinações olfativas e gustativas e alterações da personalidade, podendo envolver também comportamentos bizarros ou psicóticos. Epilepsia parcial complexa também pode se manifestar em pacientes com encefalite por herpes simples. Embora a taxa de mortalidade da infecção tenha diminuído, muitos apresentam mudanças na personalidade, sintomas de perda de memória e sintomas psicóticos. Encefalite por raiva. O período de incubação para a raiva varia de 10 dias a um ano, após o qual podem ocorrer sintomas de inquietação, hiperatividade e agitação. A hidrofobia, presente em até 50% dos casos, é caracterizada por medo intenso de beber água, o qual se desenvolve com graves espasmos da laringe e do diafragma, experimentados quando o paciente toma água. Se houver encefalite por causa da raiva, a doença é fatal dentro de dias ou semanas. Neurossífilis. Também conhecida como paresia geral, aparece 10 a 15 anos após a infecção primária com Treponema. Desde o advento da penicilina, a neurossífilis se tornou uma doença rara, embora a AIDS possa estar associada à sua reintrodução na prática médica em alguns cenários urbanos. Ela geralmente afeta os lobos frontais e resulta em alterações da personalidade, no desenvolvimento de deficiências de julgamento, irritabilidade e menor cuidado pessoal. Delírios de grandeza desenvolvem-se em 10 a 20% dos pacientes afetados. A doença progride com o desenvolvimento de demência e tremor, até que se atinge o estágio parético. Os sintomas neurológicos incluem pupilas de ArgyllRobertson, que são pequenas, irregulares e desiguais e apresentam ma dissociação como reflexo da proximidade da luz, tremores, disartria e hiper-reflexia. O exame do líquido cerebrospinal (LCS) apresenta linfocitose, aumento em proteína e resultado positivo no teste VDRL. Meningite crônica. Atualmente, é encontrada com mais freqüência do que no passado recente, por causa do comprometimento da imunidade em pessoas com AIDS. Os agentes causais comuns são o Mycobacterium tuberculosis, o Cryptococcus e o Coccidioides. Os sintomas comuns são cefaléia, perda de memória, confusão e febre. Panencefalite esclerosada subaguda. Trata-se de uma doença da infância e da pré-adolescência, com taxa de 3 para 1 para mulheres, em comparação aos homens. Seu início costuma se dar após infecção com sarampo ou vacina para a doença. Os sintomas iniciais incluem mudanças comportamentais, crises temperamentais, torpor e alucinações, mas os sintomas clássicos de mioclonia, ataxia, convulsões e deterioração intelectual também ocorrem. A doença progride de forma inexorável, levando ao coma e à morte em um ou dois anos.
FIGURA 10.5-5 Esclerose múltipla. Zonas irregulares e aparentemente desmielinizadas são evidentes nesta secção no nível do quarto ventrículo. Corante de mielina. 2,6x. (Cortesia do dr. H. M. Zimmerman.)
Doença de Lyme. A doença de Lyme é causada por infecção com a espiroqueta Borrelia burgdorferi, transmitida pela picada do carrapato Ixodes scapularis, que se alimenta de veados e camundongos infectados. Anualmente, cerca de 16 mil casos são relatados nos Estados Unidos.
396
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Erupção cutânea característica (Fig. 10.5-6) é encontrada no local da picada do carrapato, seguida por sintomas de gripe. Problemas de funcionamento cognitivo e alterações do humor, como lapsos de memória, dificuldade para concentrar-se, irritabilidade e depressão, estão associados à doença, podendo ser a queixa principal do paciente. Não existe teste diagnóstico claro disponível. Em torno de 50% dos pacientes mostraram-se soropositivos para B. burgdorferi. A vacina profilática nem sempre é efetiva e seu uso é controverso. O tratamento consiste de 14 a 21 dias com doxiciclina (Vibramicina), que resulta em taxa de cura de 90%. Medicamentos psicotrópicos específicos podem ser usados para tratar o sinal ou o sintoma psiquiátrico (p. ex., diazepam [Valium] para ansiedade). Se não forem tratadas, cerca de 60% das pessoas desenvolvem condição crônica, podendo receber o diagnóstico errôneo de depressão primária, em vez de depressão secundária a uma condição médica. Os grupos de apoio para pacientes com doença de Lyme crônica são importantes, pois os participantes proporcionam apoio emocional uns aos outros, o que ajuda a melhorar a qualidade de vida. Doença por príons. A doença por príons é um grupo de transtornos relacionados, causados por proteína infecciosa transmissí-
vel, conhecida como príon. Nesse grupo, incluem-se a doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ), a doença de Gertsmann-StraüsslerScheinker, a insônia familiar fatal e o kuru. A variação da doença de Creutzfeldt-Jakob (vDCJ), também chamada “mal da vaca louca”, surgiu em 1995 no Reino Unido e é atribuída à transmissão da encefalopatia espongiforme bovina do gado para humanos. Coletivamente, esses transtornos também são conhecidos como encefalopatia espongiforme subaguda por causa de suas alterações neuropatológicas compartilhadas, que consistem em (1) vacuolização espongiforme, (2) perda neuronal e (3) proliferação de astrócitos no córtex cerebral, podendo também haver a presença de placas amilóides. ETIOLOGIA. Os príons são agentes transmissíveis, mas diferem dos vírus no sentido de que não possuem ácidos nucléicos. São proteínas que sofreram mutação, geradas a partir do gene da proteína príon humana (PrP), que se localiza no braço curto do cromossomo 20. Não existe ligação direta entre a doença por príons e a de Alzheimer, ligada ao cromossomo 21. O PrP sofre mutação, transformando-se em PrP-Super-C (PrPSc) isomórfico ligado à doença, que pode se replicar e é infeccioso. Presume-se que as alterações neuropatológicas que ocorrem na doença por príons sejam causadas pelos efeitos neurotóxicos diretos do PrPSc. A doença específica que se desenvolve depende da mutação do PrP. Mutações no PrP 178N/129V causam a doença de Creutzfeldt-Jakob; mutações no 178N/129M causam insônia familiar fatal e mutações no 102L/129M causam a doença de GertsmannStraüssler-Scheinker e o kuru. Outras mutações já foram descritas, e as pesquisas continuam na importante área de identificação genômica. Algumas mudanças são penetrantes e autossômicodominantes e acarretam formas hereditárias da doença por príons. Por exemplo, a síndrome de Gertsmann-Straüssler-Scheinker e a insônia familiar fatal são doenças hereditárias, assim como cerca de 10% dos casos da doença de Creutzfeldt-Jakob. Existe exame pré-natal para o gene PrP anormal. A questão em torno de se esse tipo de exame deve ser feito rotineiramente encontra-se aberta para debate.
Descrita pela primeira vez em 1920, é um transtorno com progressão rápida e invariavelmente fatal, que ocorre, quase sempre, em pessoas de meia-idade ou idosos. Manifesta-se inicialmente com sintomas semelhantes aos de gripe, fadiga e comprometimento cognitivo. À medida que a doença avança, ocorrem problemas neurológicos focais, como afasia e apraxia. Suas manifestações psiquiátricas são multiformes e incluem instabilidade emocional, ansiedade, euforia, depressão, delírios, alucinações ou alterações da personalidade. A doença progride por meses, levando a demência, mutismo acinético, coma e morte. As taxas de ocorrência da doença variam de um a dois casos por cada milhão de pessoas por ano, em todo o mundo. Os agentes infecciosos se auto-replicam e podem ser transmitidos para humanos por meio de inoculação com tecido infectado ou, até, por ingestão de comida contaminada. Há relatos de transmissão iatrogênica por meio de transplante de córnea ou dura-máter contaminada ou, para crianças, por meio de hormônio do cresci-
DOENÇA DE CREUTZFELDT-JAKOB.
FIGURA 10.5-6 Eritema migratório (“bull’s-eye” rash) na coxa. (De Barbour R. Lyme disease. In: Hoeprich PD, Jordan MC, Ronald AR, eds. Infectious Diseases: A Treatise of Infectious Processes. Philadelphia: JB Lippincott; 1994:1329.)
DELIRIUM, DEMÊNCIA,
TRANSTORNOS AMNÉSTICOS E OUTRAS PSICOPATOLOGIAS DEVIDO A UMA CONDIÇÃO MÉDICA GERAL
mento contaminado derivado de pessoas infectadas. Também foi comentada transmissão neurocirúrgica. Contatos domésticos não apresentam risco maior de desenvolver a doença do que a população geral, a menos que haja inoculação direta. O diagnóstico exige exame patológico do córtex, que revela a tríade clássica de vacuolização espongiforme, perda de neurônios e proliferação de astrócitos. O córtex e os gânglios da base são mais afetados. Existe um imunoensaio promissor para a doença de Creutzfeldt-Jakob no LCS para confirmar o diagnóstico. Entretanto, deve ser testado de forma mais ampla. Embora não sejam específicas desta doença, anormalidades no EEG estão presentes em quase todos os casos, consistindo em ritmo de fundo lento e irregular, com descargas complexas periódicas. Estudos com TC e RM podem revelar atrofia cortical mais adiante no curso da doença. SPECT e PET revelam absorção reduzida e heterogênea pelo córtex. Não há tratamento conhecido para a doença de CreutzfeldtJakob, e a morte geralmente ocorre dentro de seis meses após o diagnóstico. VARIAÇÃO DA DOENÇA DE CREUTZFELDT-JAKOB. Em 1995, a varia-
ção da doença de Creutzfeldt-Jakob (vDCJ) surgiu no Reino Unido. Todos os pacientes afetados morreram. Eles eram jovens (menos de 40 anos) e nenhum apresentava fatores de risco para a doença. Na autópsia, encontrou-se a doença por príons, que foi atribuída à transmissão de encefalopatia espongiforme bovina do gado para humanos na década de 1980. A encefalopatia espongiforme bovina parece ter se originado em ração contaminada com scrapie de ovelha fornecida ao gado. Scrapie é uma forma de encefalopatia espongiforme encontrada em ovelhas e cabras, que não causa a doença humana. No entanto, é transmissível para outras espécies animais. Ao final de 2001, cerca de 100 casos já haviam sido relatados, com idade média de 29 anos no início. Os clínicos devem ficar alertas para o diagnóstico em pessoas jovens com anormalidades comportamentais e psiquiátricas em associação a sinais cerebelares como ataxia ou mioclonia. O quadro psiquiátrico da vDCJ não é específico. A maioria dos pacientes relata depressão, retraimento, ansiedade e perturbações do sono, assim como delírios paranóides. As alterações neuropatológicas são semelhantes às encontradas na DCJ, com adição de placas amilóides. Dados epidemiológicos ainda estão sendo reunidos. O período de incubação da vDCJ e a quantidade de produtos de carne infectada necessária para produzir a patologia ainda são desconhecidos. Um paciente relatou ter sido vegetariano nos cinco anos antes de sua doença ser diagnosticada. A condição pode ser diagnosticada antes da morte, examinado-se as amígdalas por meio de imunoensaios com western blot para detectar o PrPSc no tecido linfático. O diagnóstico baseia-se no desenvolvimento de aspectos neurodegenerativos progressivos em pessoas que ingeriram carne contaminada. Não existe cura para a DCJ, e a morte tende a ocorrer dentro de dois a três anos após o diagnóstico. KURU . Refere-se à doença por príons epidêmica encontrada na Nova Guiné, a qual é causada por rituais funerários canibalísticos, em que
397
se comem os cérebros dos mortos. As mulheres são mais afetadas do que os homens, supostamente porque o nível de participação na cerimônia é maior. A morte normalmente ocorre dentro de dois anos após a manifestação da doença. Os sinais e sintomas neuropsiquiátricos consistem em ataxia, coréia, estrabismo, delirium e demência. As mudanças patológicas são semelhantes às observadas em outras doenças por príons: perda neuronal, lesões espongiformes e proliferação de astrócitos. O cerebelo é a parte mais afetada. A transmissão iatrogênica ocorre quando material cadavérico, como dura-máter e córneas, é transplantado para pessoas normais. Desde o fim do canibalismo na Nova Guiné, a incidência da doença diminuiu drasticamente. DOENÇA DE GERSTMANN-STRAUSSLER-SCHEINKER.
Primeiramente descrita em 1928, esta condição é uma síndrome neurodegenerativa caracterizada por ataxia, coréia e declínio cognitivo que leva à demência. É causado pela mutação no gene PrP totalmente penetrante e autossômico-dominante. Assim, a doença é hereditária, e as famílias afetadas são identificadas por várias gerações. Testes genéticos podem confirmar a presença dos genes anormais antes do início da enfermidade, havendo a presença de alterações patológicas características da doença por príons: lesões espongiformes, perda neuronal e proliferação de astrócitos. Placas amilóides foram encontradas no cerebelo. O início da doença ocorre entre as idades de 30 e 40 anos, sendo fatal dentro de cinco anos após sua manifestação.
INSÔNIA FAMILIAR FATAL. Condição hereditária que afeta principalmente o tálamo. Há síndrome debilitante de insônia e disfunção do sistema nervoso autônomo, que consiste em febre, sudorese, pressão arterial estável e taquicardia. O início se dá na infância média, e a morte geralmente ocorre em um ano. Não existe tratamento. DIREÇÕES FUTURAS . A determinação de como os príons sofrem mutação para produzir os fenótipos da doença e de como são transmitidos entre diferentes espécies de mamíferos são importantes áreas de pesquisa. Medidas de saúde pública para prevenir a transmissão da doença de animais para humanos devem ser contínuas e implacáveis, especialmente porque essas condições são fatais dentro de alguns anos após seu início. O desenvolvimento de intervenções genéticas para prevenir ou reparar danos no gene príon normal oferece a principal esperança de cura. Os psiquiatras devem lidar com pacientes que contraíram a doença e com aqueles que têm medos hipocondríacos de a ter contraído. Em certos casos, esses temores podem alcançar proporções delirantes. O tratamento é sintomático e envolve ansiolíticos, antidepressivos e psicoestimulantes, dependendo dos sintomas. Psicoterapia de apoio pode ser útil nos estágios iniciais para ajudar os pacientes e suas famílias a enfrentarem a doença. Prevenir a transmissão involuntária de príons entre humanos ou de animais para humanos ainda é a melhor maneira de limitar o alcance dessas patologias. Porém, casos esporádicos da doença de Creutzfeldt-Jakob ainda devem aparecer, por causa da mutação espontânea rara da proteína príon normal para a forma anormal. No momento, existe pouco a oferecer para pacientes com tais condições, além de terapia de apoio e de amparo emocional.
398
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Doenças imunológicas A principal doença imunológica na sociedade contemporânea é a AIDS, mas há outras que também podem representar desafios para o diagnóstico e para o tratamento. Lúpus eritematoso sistêmico (SLE). Representa uma doença auto-imune que envolve a inflamação de diversos sistemas de órgãos. O diagnóstico oficialmente aceito exige que o paciente tenha quatro de 11 critérios que foram definidos pela American Rheumatism Association. Entre 5 e 50% dos pacientes com lúpus têm sintomas mentais no quadro inicial, e aproximadamente metade deles acaba por apresentar manifestações neuropsiquiátricas. Os principais sintomas são depressão, insônia, instabilidade emocional, nervosismo e confusão. O tratamento com esteróides normalmentre induz outras complicações psiquiátricas, incluindo mania e psicose. Distúrbios endócrinos Distúrbios da tireóide. O hipertireoidismo se caracteriza por confusão, ansiedade e síndrome agitada e depressiva. Os pacientes também podem reclamar de cansaço e fraqueza. Outros sintomas comuns são insônia, perda de peso com maior apetite, tremores, palpitações e perspiração. Os sintomas psiquiátricos sérios incluem problemas de memória, orientação e julgamento, bem como excitação maníaca, delírios e alucinações. Em 1949, Irvin Asher chamou o hipotireoidismo de “loucura mixedematosa”. Em sua forma mais grave, essa condição caracteriza-se por paranóia, depressão, hipomania e alucinações. Raciocínio lento e delirium também podem ser características associadas. Seus sintomas físicos incluem ganho de peso, voz grave, cabelos finos e secos, perda da sobrancelha lateral, rosto estufado, intolerância ao frio e problemas auditivos. Cerca de 10% dos pacientes têm sintomas neuropsiquiátricos residuais após terapia de reposição hormonal. Distúrbios da paratireóide. A disfunção da glândula paratireóide resulta na regulação anormal do metabolismo do cálcio. A secreção excessiva do hormônio da paratireóide causa hipercalcemia, a qual pode levar a delirium, alterações da personalidade e apatia em 50 a 60% dos pacientes, e limitações cognitivas em aproximadamente 25%. A excitabilidade neuromuscular, que depende de concentração adequada do íon cálcio, é reduzida, podendo desenvolver fraqueza muscular. Os distúrbios da paratireóide podem causar hipocalcemia, resultando em sintomas neuropsiquiátricos de delirium e alterações da personalidade. Se o nível de cálcio diminui de forma gradual, os clínicos podem observar sintomas psiquiátricos sem a tetania característica da hipocalcemia. Outros sintomas são catarata, convulsões, sintomas extrapiramidais e aumento na pressão intracraniana. Distúrbios adrenais. Os distúrbios adrenais causam perturbação na secreção normal de hormônios do córtex adrenal e pro-
duzem alterações neurológicas e psicológicas significativas. Os pacientes com insuficiência adrenocortical crônica (doença de Addison), que freqüentemente é o resultado de atrofia adrenocortical ou invasão granulomatosa causada por tuberculose ou infecção por fungos, apresentam sintomas mentais leves, como apatia, fadiga fácil, irritabilidade e depressão. Às vezes, desenvolvem-se reações psicóticas ou confusão. A cortisona ou um de seus derivados podem ser efetivos para sanar tais anormalidades. Quantidades excessivas de cortisol endógeno produzidas por tumores adrenocorticais ou hiperplasia (síndrome de Cushing) levam a um transtorno do humor secundário, síndrome de depressão agitada ou até suicídio, podendo também haver concentração reduzida e déficits de memória. Reações psicóticas, com sintomas semelhantes aos da esquizofrenia, são vistas em pequeno número de casos. A administração de doses altas de corticosteróides exógenos geralmente leva a transtorno secundário do humor semelhante à mania. Depressão grave pode acompanhar o término do tratamento com esteróides. Distúrbios da hipófise. Os pacientes com insuficiência total dessa glândula podem apresentar sintomas psiquiátricos, particularmente mulheres no pós-parto que tiveram hemorragia na hipófise, condição conhecida como síndrome de Sheehan. Os pacientes apresentam combinação de sintomas, sobretudo de distúrbios da tireóide e adrenais, e podem manifestar praticamente qualquer sintoma psiquiátrico. Doenças metabólicas Uma causa comum de disfunção cerebral orgânica, a encefalopatia metabólica, pode produzir alterações nos processos mentais, no comportamento e em funções neurológicas. O diagnóstico deve ser considerado sempre que houver mudanças rápidas e recentes no comportamento, no raciocínio e na consciência. Os primeiros sinais geralmente são problemas de memória, em especial da memória recente, e dificuldade de orientação. Alguns pacientes ficam agitados, ansiosos e hiperativos. Outros se tornam quietos, retraídos e inativos. À medida que as encefalopatias metabólicas progridem, a confusão e o delirium abrem caminho para diminuição na resposta, estupor e, por fim, morte.
Encefalopatia hepática. A insuficiência hepática grave pode resultar em encefalopatia hepática, caracterizada por asterixe, hiperventilação, anormalidades no EEG e alterações da consciência, as quais podem variar de apatia a tontura e coma. Os sintomas psiquiátricos associados são mudanças na memória, em habilidades intelectuais gerais e na personalidade.
Encefalopatia urêmica. A insuficiência renal está relacionada a alterações na memória, na orientação e na consciência. Alguns sintomas associados são inquietação, sensações de formigamento nos membros, contrações musculares e soluços persistentes. Em pessoas jovens com episódios breves de uremia, os sintomas neuropsiquiátricos tendem a ser reversíveis, em idosos com episódios longos de uremia, já não é mais possível. Encefalopatia hipoglicêmica. A encefalopatia hipoglicêmica pode ser causada pela produção endógena excessiva de insulina ou
DELIRIUM, DEMÊNCIA,
TRANSTORNOS AMNÉSTICOS E OUTRAS PSICOPATOLOGIAS DEVIDO A UMA CONDIÇÃO MÉDICA GERAL
por sua administração exógena excessiva. Os sintomas premonitórios, que não ocorrem em todos os pacientes, podem incluir náusea, sudorese, taquicardia e sensação de fome, apreensão e inquietação. À medida que a condição avança, podem se desenvolver desorientação, confusão e alucinações, bem como outros sintomas neurológicos e médicos. Também podem ocorrer estupor e coma, e demência residual e persistente, às vezes, manifesta-se como seqüela neuropsiquiátrica séria da doença.
399
Cetoacidose diabética. Começa com sensação de fraqueza, fa-
são observadas em 80% dos pacientes. Essas mudanças costumam estar associadas à anemia megaloblástica, mas também podem preceder anormalidades hematológicas. Alterações mentais como apatia, depressão, irritabilidade e alterações do humor são comuns. Em alguns pacientes, encefalopatia, delirium, delírios, alucinações, demência e características paranóides associadas são proeminentes e, às vezes, chamados de loucura megaloblástica. As manifestações neurológicas da deficiência de vitamina B12 podem ser rápidas e completamente interrompidas pela administração imediata e continuada de tratamento parenteral com vitamina.
diga fácil e desatenção, com poliúria e polidipsia. Às vezes, há cefaléia, náuseas e vômitos. Os pacientes com diabete melito têm probabilidade maior de apresentar demência crônica com arteriosclerose geral.
Toxinas
Porfiria intermitente aguda. As porfirias são transtornos da biossíntese de heme que resultam no acúmulo excessivo de porfirinas. A tríade de sintomas é aguda, envolvendo cólicas abdominais, polineuropatias motoras e psicose. A porfiria intermitente aguda é uma doença autossômica dominante que afeta mais mulheres do que homens e inicia entre as idades de 20 e 50 anos. Os sintomas psiquiátricos incluem ansiedade, insônia, instabilidade do humor, depressão e psicose. Alguns estudos verificaram que entre 0,2 e 0,5% dos pacientes psiquiátricos crônicos podem ter porfiria não-diagnosticada. Os barbitúricos precipitam ou agravam as crises, e seu uso por qualquer razão é absolutamente contra-indicado em pessoa com porfiria intermitente aguda e em qualquer indivíduo que tenha parente com a doença. Distúrbios nutricionais
As toxinas ambientais estão se tornando ameaça cada vez mais séria para a saúde física e mental na sociedade contemporânea.
Mercúrio. O envenenamento com mercúrio pode ser causado por formas inorgânica ou orgânica. O envenenamento com mercúrio inorgânico resulta na síndrome do “chapeleiro maluco” (vista em trabalhadores de fábricas de chapéus, que amoleciam o feltro colocando-o na boca), em depressão, em irritabilidade e em psicose. Sintomas neurológicos associados são cefaléia, tremores e fraqueza. O envenenamento com mercúrio orgânico pode ser causado por peixe ou grãos contaminados e resultar em depressão, irritabilidade e comprometimento cognitivo. Sintomas associados são neuropatias sensoriais, ataxia cerebelar, disartria, parestesias e defeitos do campo visual. O envenenamento de mulheres grávidas causa desenvolvimento fetal anormal. Não existe tratamento específico, embora a terapia de quelação com dimercaprol tenha sido usada em casos de envenenamento agudo.
Deficência de niacina. A insuficiência alimentar de niacina (ácido nicotínico) e seu precursor, o triptofano, está associada à pelagra, doença causada por deficiência nutricional de ocorrência global que é vista em associação a abuso de álcool, dietas vegetarianas e pobreza e fome extremas. Seus sintomas neuropsiquiátricos incluem apatia, irritabilidade, insônia, depressão e delirium. Seus sintomas médicos incluem dermatites, neuropatias periféricas e diarréia. A resposta ao tratamento com ácido nicotínico é rápida, mas a demência decorrente de doença prolongada apenas apresenta melhora lenta e incompleta.
Deficiência de tiamina. A deficiência de tiamina (vitamina B1) causa beribéri, caracterizado principalmente por alterações cardiovasculares e neurológicas, e síndrome de Wernicke-Korsakoff, que costuma estar associada ao abuso crônico de álcool. O beribéri ocorre principalmente na Ásia e em áreas de fome e pobreza. Seus sintomas psiquiátricos incluem apatia, depressão, irritabilidade, nervosismo e falta de concentração, podendo também se desenvolver transtornos da memória graves com deficiências prolongadas.
Deficiência de cobalamina. As deficiências de cobalamina (vitamina B 12) surgem porque as células da mucosa gástrica não conseguem secretar uma substância específica, fator intrínseco necessário para a absorção normal dessa vitamina no íleo. O estado de deficiência se caracteriza pelo desenvolvimento de anemia megaloblástica macrocítica crônica (anemia perniciosa) e por manifestações neurológicas que resultam de alterações degenerativas nos nervos periféricos, na medula espinal e no cérebro. Alterações neurológicas
Chumbo. O envenenamento com chumbo ocorre quando a quantidade ingerida excede a capacidade do corpo de eliminá-lo. Os sintomas tóxicos podem levar vários meses para aparecer. Os sinais e sintomas do envenenamento dependem do nível de chumbo no sangue. Quando ultrapassa 200 mg/mL, ocorrem sintomas de encefalopatia grave, com tontura, desajuste, ataxia, irritabilidade, inquietação, cefaléia e insônia. Posteriormente, há delirium excitado, com vômitos e distúrbios visuais associados, que progride para convulsões, letargia e coma. O tratamento da encefalopatia do chumbo deve ser instituído o mais rápido possível, mesmo sem confirmação laboratorial, por causa de sua mortalidade elevada. O recurso para facilitar a excreção do chumbo é a administração intravenosa de edetato de cálcio dissódico (EDTA) diariamente por cinco dias.
Manganês. O envenenamento inicial com manganês (às vezes, chamado de loucura do manganês) causa os sintomas de cefaléia, irritabilidade, dores nas articulações e torpor. A seguir, surge o quadro de instabilidade emocional, riso patológico, pesadelos, alucinações e atos compulsivos e impulsivos associados a períodos de confusão e agressividade. Lesões envolvendo os gânglios da base e o sistema piramidal resultam em comprometimento da marcha, rigidez, fala monótona ou sussurrada, tremores das extremidades e da língua, expressões faciais patológicas (máscara do manganês), micrografia, distonia, disartria e perda do equilíbrio. Os efeitos psicológicos tendem a desaparecer três a quatro meses após o paciente ter sido removido do local de exposição, mas os sinto-
400
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
mas neurológicos em geral permanecem estacionários ou progridem. Não existe tratamento específico para esse tipo de envenenamento, além da remoção da fonte que o está causando. A condição é encontrada entre pessoas que trabalham refinando minérios, operários da construção civil ou que fabricam esquadrias de aço.
das. A terapia de quelação com dimercaprol tem sido usada com sucesso para tratar essa condição.
Arsênico. O envenenamento crônico com arsênico costuma resultar da exposição prolongada a herbicidas que contenham arsênico ou do consumo de água contaminada. O arsênico também é usado na fabricação de chips de computador com silício. Os primeiros sinais da intoxicação são a pigmentação da pele, problemas gastrintestinais, disfunções renal e hepática, perda de cabelo e odor de alho característico no hálito. Por fim, há encefalopatia, com perdas sensoriais e motoras generaliza-
Na décima revisão da Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-10), os transtornos mentais relacionados a condições médicas são tratados em duas categorias: transtornos da personalidade e do comportamento devido a doenças, lesões e disfunções cerebrais (Tab. 10.5-13) e outros transtornos mentais devido a lesões e disfunções cerebrais e a doenças físicas (Tab. 10.5-14).
CID-10
TABELA 10.5-13 Critérios diagnósticos da CID-10 para transtornos da personalidade e do comportamento devido a doenças, lesões e disfunções cerebrais G1. Deve haver evidências objetivas (de exames físicos, neurológicos e laboratoriais) e/ou história de doenças, lesões ou disfunções cerebrais. G2. Não há comprometimento da consciência ou déficit de memória significativo. G3. Existem evidências suficientes para causa alternativa do transtorno da personalidade ou do comportamento que justifique sua classificação na categoria de transtornos adultos da personalidade e do comportamento. Transtorno orgânico da personalidade A. Os critérios gerais para transtornos da personalidade e do comportamento devidos a doenças, lesões e disfunções cerebrais devem ser satisfeitos. B. Pelo menos três das seguintes características devem estar presentes por seis meses ou mais: (1) capacidade consistentemente reduzida de perseverar em atividades direcionadas para objetivos, em especial as que envolvem períodos relativamente longos de gratificação retardada; (2) uma ou mais das seguintes alterações emocionais: (a) instabilidade emocional (expressão descontrolada, instável e oscilante de emoções); (b) euforia e jocosidade superficial e inadequada, injustificada pelas circunstâncias; (c) irritabilidade e/ou explosões de raiva e agressão; (d) apatia. (3) expressão desinibida de necessidades ou impulsos sem considerar as conseqüências ou as convenções sociais (o indivíduo pode cometer atos anti-sociais, como roubar, avanços sexuais inadequados ou comer vorazmente, ou apresentar desinteresse extremo pela higiene pessoal); (4) perturbações cognitivas, normalmente na forma de: (a) desconfiança excessiva e idéias paranóides; (b) preocupação excessiva com tema único, como religião, ou categorização rígida do comportamento das outras pessoas em termos de “certo” ou “errado”. (5) alteração acentuada da taxa e do fluxo da produção da linguagem, com aspectos como circunstancialidade, inclusão exagerada, viscosidade e hipergrafia; (6) comportamento sexual alterado (hipossexualidade ou mudança de preferência sexual). Especificação de características para possíveis subtipos Opção 1. Predomínio acentuado dos sintomas dos Critérios (1) e (2)(d) define tipo pseudo-retardado ou apático; predomínio de (1), (2)(c) e (3) é considerado tipo pseudopsicopata; e a combinação de (4), (5) e (6) é vista como característica da síndrome de personalidade da epilepsia límbica. Nenhuma dessas entidades já foi suficientemente validada para justificar descrição específica.
Opção 2. Se desejado, os seguintes tipos podem ser especificados: tipo lábil, tipo desinibido, tipo agressivo, tipo apático, tipo paranóide, tipo misto ou outros. Síndrome pós-encefálica A. Os critérios gerais para transtornos da personalidade e do comportamento devidos a doenças, lesões e disfunções cerebrais devem ser satisfeitos. B. Pelo menos uma das seguintes disfunções neurológicas residuais deve estar presente: (1) paralisia; (2) surdez; (3) afasia; (4) apraxia construcional; (5) acalculia. C. A síndrome é reversível, e sua duração raramente excede 24 meses. Comentários O Critério C constitui a principal diferença entre este e o transtorno orgânico da personalidade. Sintomas residuais e alterações comportamentais após encefalites virais ou bacterianas não são específicos e não proporcionam base suficiente para o diagnóstico clínico, podendo incluir: malestar geral, apatia ou irritabilidade; redução do funcionamento cognitivo (dificuldades de aprendizagem); perturbações do padrão de sono-vigília; ou comportamento sexual alterado. Síndrome pós-concussão Nota: O status nosológico dessa síndrome é incerto, e o Critério G1 nem sempre pode ser confirmado. Contudo, para aqueles que realizam pesquisas sobre tal condição, recomendam-se os seguintes critérios: A. Os critérios gerais de transtornos da personalidade e do comportamento devido a doenças, lesões e disfunções cerebrais devem ser satisfeitos. B. Deve haver história de trauma craniano com perda da consciência precedendo o início dos sintomas por até quatro semanas. (Pode não haver evidências objetivas de EEG, imagem cerebral ou oculonistagmográficas de lesões cerebrais.) C. Pelo menos uma das três características seguintes deve estar presente: (1) queixas de sensações e dores desagradáveis, como cefaléia, tontura (normalmente sem as características da vertigem verdadeira) e mal-estar geral, e fadiga excessiva ou intolerância a ruídos; (2) alterações emocionais, como irritabilidade, instabilidade emocional (ambas facilmente provocadas ou exacerbadas por excitação ou estresse emocional), ou algum grau de depressão e/ou ansiedade;
(Continua)
DELIRIUM, DEMÊNCIA,
TRANSTORNOS AMNÉSTICOS E OUTRAS PSICOPATOLOGIAS DEVIDO A UMA CONDIÇÃO MÉDICA GERAL
401
TABELA 10.5-13 (Continuação) (3) queixas subjetivas de dificuldade para se concentrar e realizar tarefas mentais e de problemas de memória (sem evidências objetivas claras de comprometimento acentuado a partir de testes psicológicos); (4) insônia; (5) tolerância reduzida ao álcool; (6) preocupação com os sintomas anteriores e medo de lesões cerebrais permanentes, a ponto de ter idéias hipocondríacas supervalorizadas e de adotar o papel de doente. Outros transtornos orgânicos da personalidade devido a doenças, lesões e disfunções cerebrais
Doenças, lesões ou disfunções cerebrais podem produzir vários transtornos cognitivos, emocionais, da personalidade e do comportamento, alguns dos quais não podem ser classificados como transtorno orgânico da personalidade, síndrome pós-encefálica ou síndrome pós-concussão. Entretanto, como o status nosológico das síndromes experimentais é incerto, estas devem ser codificadas como “outras”. Um quinto elemento pode ser acrescentado, se necessário, para identificar entidades individuais presumíveis. Transtorno orgânico da personalidade e do comportamento devido a doenças, lesões e disfunções cerebrais não-especificado
Reimpressa, com permissão, da Organização Mundial de Saúde. The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural Disorders: Diagnostic Criteria for Research. Copyright, World Health Organization, Geneva, 1993.
TABELA 10.5-14 Critérios diagnósticos da CID-10 para outros transtornos mentais devido a lesões e a disfunções cerebrais e a doenças físicas G1. Existem evidências objetivas (de exames físicos, neurológicos e laboratoriais) e/ou história de doenças, lesões e disfunções cerebrais, ou de algum transtorno físico sistêmico que cause disfunção cerebral, incluindo distúrbios hormonais (além de transtornos relacionados ao uso de álcool ou de outras substâncias psicoativas) e efeitos de drogas não-psicoativas. G2. Existe relação presumida entre o desenvolvimento (ou a exacerbação acentuada) da doença, da lesão ou da disfunção subjacente e o transtorno mental, cujos sintomas podem ter início imediato ou retardado. G3. Houve recuperação ou melhora significativa do transtorno mental após a remoção ou a melhora da causa subjacente. G4. Existem evidências suficientes de causa alternativa do transtorno mental, como forte história familiar de algum transtorno clinicamente semelhante ou relacionado. Se os Critérios G1, G2 ou G4 forem satisfeitos, justifica-se o diagnóstico provisório. Se, além disso, houver evidências de G3, o mesmo pode ser considerado certo.
Comentários A confiança no diagnóstico é aumentada se houver a presença de fenômenos catatônicos adicionais, como estereótipos, flexibilidade cérea e atos impulsivos. Deve-se ter cuidado para excluir o delirium. Contudo, não se sabe se o estado orgânico catatônico sempre ocorre com consciência clara ou se representa manifestação atípica de delirium em que os Critérios A, B e D sejam satisfeitos apenas de forma parcial, mas o Critério C seja proeminente.
Alucinose orgânica A. Os critérios gerais para outros transtornos mentais devido a lesões ou a disfunções cerebrais e a doenças físicas devem ser satisfeitos. B. O quadro clínico é dominado por alucinações persistentes ou recorrentes (em geral visuais ou auditivas). C. As alucinações ocorrem com consciência clara.
Comentários Outras características que completam o quadro clínico, mas que não estão invariavelmente presentes, incluem: alucinações (em qualquer modalidade); transtorno do pensamento do tipo esquizofrênico; fenômenos catatônicos isolados, como estereótipos, negativismo ou atos impulsivos. O quadro clínico pode satisfazer os critérios sintomáticos para esquizofrenia, transtorno delirante persistente ou transtornos psicóticos transitórios. Entretanto, se o estado também corresponder aos critérios gerais para etiologia orgânica presumível para outros transtornos mentais devido a lesões e a disfunções cerebrais e a doenças físicas, deve ser classificado aqui. Características marginais e não-específicas, como ventrículos cerebrais aumentados ou sinais neurológicos “suaves”, não qualificam como evidência para o Critério G1 de outros transtornos mentais devido a lesões e a disfunções cerebrais e a doenças físicas.
Comentários A elaboração delirante das alucinações, bem como insight total ou parcial, podem ou não estar presentes, mas essas características não são essenciais para o diagnóstico. Transtorno orgânico catatônico A. Os critérios gerais para outros transtornos mentais devido a lesões e a disfunções cerebrais e a doenças físicas devem ser satisfeitos. B. Um dos seguintes critérios deve estar presente: (1) estupor, ou seja, a diminuição profunda ou a ausência de movimentos voluntários e da fala, e de resposta normal a luz, ruídos e toque, mas com manutenção do tônus muscular normal, da postura estática e da respiração (e freqüentemente com limitação dos movimentos oculares coordenados); (2) negativismo (resistência positiva ao movimento passivo dos membros ou do corpo ou postura rígida). C. Presença de excitação catatônica (hipermotilidade bruta de qualidade caótica, com ou sem tendência para investidas). D. Há alternância rápida e imprevisível de estupor e excitação.
Transtorno orgânico delirante (do tipo esquizofrênico) A. Os critérios gerais para outros transtornos mentais devido a lesões e a disfunções cerebrais e a doenças físicas devem ser satisfeitos. B. O quadro clínico é dominado por delírios (perseguição, alterações corporais, doenças, morte, ciúme), que podem apresentar grau variado de sistematização. C. A consciência está clara, e a memória, intacta.
Transtorno orgânico do humor (afetivo) A. Os critérios gerais para outros transtornos médicos devido a lesões e a disfunções cerebrais e a doenças físicas devem ser satisfeitos. B. A condição deve satisfazer os critérios para transtorno afetivo. O diagnóstico de transtorno afetivo pode ser especificado usandose um quinto elemento: Transtorno maníaco orgânico Transtorno bipolar orgânico Transtorno depressivo orgânico Transtorno afetivo misto orgânico
(Continua)
402
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 10.5-14 (continuação) Transtorno de ansiedade orgânico A. Os critérios gerais para outros transtornos médicos devido a lesões e a disfunções cerebrais e a doenças físicas devem ser satisfeitos. B. A condição deve satisfazer os critérios para transtorno de pânico ou transtorno de ansiedade generalizada. Transtorno dissociativo orgânico A. Os critérios gerais para outros transtornos mentais devido a lesões e a disfunções cerebrais e a doenças físicas devem ser satisfeitos. B. A condição deve satisfazer os critérios para uma das categorias de transtornos dissociativos (de conversão). Transtorno emocionalmente lábil (astênico) orgânico A. Os critérios gerais para outros transtornos mentais devido a lesões e a disfunções cerebrais e a doenças físicas devem ser satisfeitos. B. O quadro clínico é dominado por labilidade emocional (expressão descontrolada, instável e oscilante de emoções). C. Há uma variedade de sensações físicas desagradáveis, como tonturas ou dores. Comentários Fadigabilidade e languidez (astenia) costumam estar presentes, mas não são essenciais para o diagnóstico. Transtorno cognitivo leve
Nota: O status desse constructo está sendo examinado. Os critérios de pesquisa específicos devem ser considerados provisórios. Uma das principais razões para sua inclusão é o fato de implicar mais evidências, permitindo sua diferenciação de transtornos como demência, síndrome amnéstica orgânica, delirium e diversas perturbações em transtornos da personalidade e do comportamento devido a doenças, lesões e disfunções cerebrais. A. Os critérios gerais para outros transtornos mentais devido a lesões e a disfunções cerebrais e a doenças físicas devem ser satisfeitos. B. Há alteração do funcionamento cognitivo na maior parte do tempo por pelo menos duas semanas, conforme relatado pelo indi-
víduo ou por informante confiável. O transtorno é exemplificado por dificuldades em qualquer uma das seguintes áreas: (1) memória (particularmente a recuperação) ou aprendizagem nova; (2) atenção ou concentração; (3) raciocínio (p. ex., lentidão na resolução de problemas ou abstração); (4) linguagem (p. ex., compreensão, escolha de palavras); (5) funcionamentos visual e espacial. C. Presença de anormalidade ou declínio do desempenho em avaliações cognitivas quantificadas (p. ex., testes neuropsicológicos ou exame do estado mental). D. Nenhuma das dificuldades listadas no Critério B(1)-(5) para um diagnóstico de demência, síndrome amnéstica orgânica, delirium, síndrome pós-encefálica, síndrome pós-concussão ou outro problema cognitivo persistente devido ao uso de substâncias psicoativas. Comentários Se o Critério G1 para outros transtornos mentais devido a lesões e a disfunções cerebrais e a doenças físicas for sastisfeito pela presença de disfunção do sistema nervoso central, presume-se que essa seja a causa do transtorno cognitivo leve. Se o Critério G1 for satisfeito para a presença de doença física sistêmica, justifica-se supor que há relação causal direta. Porém, pode ser útil, nesses casos, registrar a presença da condição física sistêmica como “associado”, sem implicar necessariamente causação. Um quinto elemento adicional pode ser usado para esse fim: Não associado a doença física sistêmica Associado a doença física sistêmica A doença física sistêmica deveria ser registrada separadamente por seu código da CID-10 adequado. Outros transtornos mentais especificados devido a lesões e a disfunções cerebrais e a doenças físicas Exemplos desta categoria são estados de humor anormal leves ou transitórios que ocorrem durante o tratamento com esteróides ou antidepressivos, que não satisfaçam os critérios para transtorno do humor orgânico. Transtorno mental devido a lesões e a disfunções cerebrais e a doenças físicas sem outra especificação
Reimpressa, com permissão, da Organização Mundial de Saúde. The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural Disorders: Diagnostic Criteria for Research. Copyright, World Health Organization, Geneva, 1993.
REFERÊNCIAS Biller J, Kathol RH. The interface of psychiatry and neurology. Psychiatr Clin North Am. 1992;15(2):283. Caine ED, Lyness JM. Delirium, dementia, and amnestic and other cognitive disorders. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:854. Chiu HF. Psychiatric aspects of progressive supranuclear palsy. Gen Hosp Psychiatry. 1995;17:135. Currier MB, Murray GB, Elch CC. Electroconvulsive therapy for poststroke depressed geriatric patients. J Neuropsychiatry Clin Neurosci. 1992;4:140. Fedoroff JP, Startstein SE, Forrester AW, et al. Depression in patients with acute traumatic brain injury. Am J Psychiatry. 1992;149:918. Fornazzari L, Farcnik K, Smith I, Heasman GA, lchise M. Violent visual hallucinations and aggression in frontal lobe dysfunction: clinical manifestations of deep orbitofrontal foci. J Neuropsychiatry Clin Neurosci. 1992;4:42.
Hajet T. Higher prevalence of antibiodies to Borrelia Burgdorferi in psychiatric patients than in healthy subjects. Am J Psych. 2002;159:297. Herman BP, Seidenberg M, Haltiner A, Wyler AR. Mood state in unilateral temporal lobe epilepsy. Biol Psychiatry. 1991;30:1205. Iverson GL. Psychopathology associated with systemic lupus erythematosus: a methodological review. Semin Arthritis Rheum. 1993;22:242. Jorge RE, Robinson RG, Starkstein SE, Arndt SV. Depression and anxiety following traumatic brain injury. J Neuropsychiatry. 1993;5:369. Kanemoto K, Kim Y, Miyamoto T, Kawasaki J. Presurgical postictal and acute interictal psychoses are differentially associated with postoperative mood and psychotic disorders. J Neuropsychiatry Clin Neurosci. 2001;13:243. Lendvai I, Sarvay SM, Steinberg MD. Creutzfeldt-Jakob disease presenting as secondary mania. Psychosomatics. 1999;40:524. Masand P, Murray GB, Pickett P. Psychostimulants in post-stroke depression. J Neuropsychiatry Clin Neurosci. 1991;3:23. Steere AC. Medical progress: Lyme disease. N Engl J Med. 2001;345:115. Stenager EN, Stenager E, Kock-Henriksen N, et al. Suicide and multiple sclerosis: an epidemiological investigation. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 1992;55:542.
11 Aspectos neuropsiquiátricos da infecção pelo HIV e da AIDS
A
síndrome de imunodeficiência adquirida (AIDS) é a doença neuromédica letal associada à infecção pelo vírus da família Retroviridae, conhecido como vírus da imunodeficiência humana (HIV). Embora o aspecto central da infecção envolva o colapso gradativo da capacidade de produzir resposta imunológica apropriada, intermediada por células, com as complicações sistêmicas concomitantes, os fenômenos neuropsiquiátricos também podem ser proeminentes. O primeiro caso de AIDS foi relatado em 1981. A análise de espécimes retirados de indivíduos que morreram antes desse ano, contudo, demonstraram que esse tipo de infecção estava presente desde 1959. Isso sugere que nos anos 1960 e 1970 doenças relacionadas ao HIV e à AIDS estavam cada vez mais comuns, mas ainda não-reconhecidas, particularmente na África e na América do Norte. De acordo com o Centro para Controle e Prevenção de Doenças (Center for Disease Control and Prevetion – CDC), em 2001, cerca de 500 a 600 mil norte-americanos estavam infectados pelo HIV e outros 320 mil tinham o quadro completo de AIDS. Novas infecções, que tiveram o pico acima de 150 mil por ano em meados dos anos 1980, foram reduzidas à média de 40 mil por ano no início da década seguinte. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que, em todo o mundo, 2,5 milhões de adultos e 1 milhão de crianças têm AIDS e cerca de 30 milhões estejam infectados pelo HIV. As doenças relacionadas a essas condições alteraram profundamente a assistência à saúde. Os clínicos de saúde mental tiveram importante papel nos esforços para lidar com elas em três áreas. Primeiro, pesquisadores relataram o envolvimento patológico do cérebro em 75 a 90% de autópsias realizadas nos que possuíam AIDS. Pelo menos 50% dos pacientes manifestam complicações neuropsiquiátricas, como encefalopatia pelo HIV; em cerca de 10% deles, tais complicações são o primeiro sinal da doença. Segundo, pelo fato das síndromes psiquiátricas clássicas, como transtornos de ansiedade e depressão e os transtornos psicóticos, estarem, com freqüência, associadas a doenças relacionadas ao HIV, os clínicos de saúde mental precisam avaliar e tratar essas condições tanto com farmacologia como com psicoterapia. Terceiro, cada profissional da saúde mental está envolvido em auxiliar a sociedade a lidar com essa praga moderna. Organizações e pessoas envolvidas com a saúde mental têm trabalhado para educar as pessoas acerca dos efeitos dessas doenças sobre a sociedade e da necessidade de modificar comportamentos, como os sexuais e os de abuso de drogas.
TRANSMISSÃO O HIV é um retrovírus relacionado ao vírus da leucemia humana de células T (human T-cell leukemia vírus – HTLV) e a retrovírus que infectam animais, inclusive primatas não-humanos. Pelo menos dois tipos foram identificados, o HIV-1 e o HIV-2. O primeiro é o agente causador da maioria das doenças relacionadas ao HIV; já o último, parece estar causando um número crescente de infecções na África. É possível que haja outros subtipos, que são atualmente classificados como HIV-0. O vírus está presente no sangue, no sêmen, nas secreções cervicais e vaginais e, em menos extensão, na saliva, nas lágrimas, no leite materno e no líquido cerebrospinal dos que estão infectados. Na maioria das vezes, sua transmissão se dá pela relação sexual ou pela transfusão de sangue contaminado. O sexo anal ou vaginal não-protegidos são as atividades sexuais com maior probabilidade de transmitir o vírus. O sexo oral também tem sido implicado, mas não com tanta recorrência. Os profissionais da saúde devem estar a par das diretrizes para as práticas sexuais seguras e advertir seus pacientes para que pratiquem sexo seguro (Tab. 11-1). A possibilidade de contágio após única exposição a alguém infectado com o HIV é relativamente baixa: 0,8 a 3,2% na relação anal receptiva não-protegida; 0,05 a 0,15% com sexo vaginal nãoprotegido; 0,32% após punção com agulha contaminada; e 0,67% quando da utilização de agulha contaminada para consumir drogas. Contudo, a probabilidade de transmissão pode ser mais alta, dependendo da carga viral que a pessoa apresenta (que tende a ser mais elevada no início e no fim do curso da doença) e de outros fatores, como as doenças sexualmente transmissíveis. Condições, como o herpes ou a sífilis, ou outras lesões que comprometam a integridade da pele ou da mucosa, aumentam ainda mais o risco de transmissão, a qual também ocorre pela exposição a agulhas contaminadas, sendo responsável pela alta incidência de infecção entre usuários de drogas. O HIV também é transmitido por transfusões de sangue total, plasma e fatores de coagulação, mas não pela imunoglobulina do soro ou pela vacina da hepatite B. Embora a transmissão sexual de homem para homem tenha sido a rota mais comum na América do Norte, a transmissão de homem para mulher e de mulher para homem está crescendo e representa o meio mais significativo em todo o mundo. Alguns estudos mostraram que cerca de 50% dos parceiros sexuais regulares de indivíduos com infec-
404
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
ção pelo HIV se tornam infectados, estatística que sugere ainda não haver total compreensão sobre a imunidade e a resistência à infecção. A transmissão por sangue contaminado ocorre com mais freqüência quando os que abusam de drogas intravenosas (IV) compartilham agulhas hipodérmicas sem as técnicas de esterilização apropriadas. Contaminação por transfusões sangüíneas, bem como por transplante de órgãos ou por inseminação artificial, não é mais problema agora que os doadores são testados previamente. No entanto, muitos pacientes hemofílicos receberam transfusões de produtos de sangue infectado, antes que o HIV fosse identificado como agente causador. O risco de infecção em profissionais de assistência de saúde após picada de agulha é raro, cerca de um em 300 incidentes. As crianças podem ser infectadas in utero ou pela amamentação, quando suas mães estão contaminadas. A zidovudina (Retrovir) e os inibidores da protease, ingeridos por mulheres grávidas, previnem a transmissão perinatal em mais de 95% dos casos. Os trabalhadores da saúde estão teoricamente em risco por causa do contato potencial com fluidos corporais de pacientes infectados com o HIV. Na prática, contudo, a incidência dessa transmissão é muito baixa, e quase todos os casos relatados referiam-se a picadas acidentais com agulhas hipodérmicas contaminadas. Não foi encontrada evidência de que o HIV possa ser contraído por contato casual, como compartilhando espaço ou sala de aula, embora o contato direto ou indireto com líquidos de indivíduo infectado, como sangue e sêmen, deva ser evitado (Tab. 11-2).
Após a infecção, estima-se que a AIDS se desenvolva em 8 a 11 anos, embora esse tempo esteja aumentando gradativamente por causa do tratamento precoce. Uma vez que um indivíduo seja infectado com o HIV, o vírus se dirige principalmente para os linfócitos T4 (helper), também denominados de linfócitos CD4+, aos quais se une porque uma glicoproteína (gp-120) na superfície viral tem alta afinidade para o receptor CD4 dos linfócitos T4. Quando se dá a ligação, o vírus pode injetar seu RNA no linfócito infectado, do qual é transmitido ao ácido desoxirribonucléico (DNA) pela ação da transcriptase reversa. O DNA resultante, a seguir, é incorporado ao genoma das células do hospedeiro e copiado, ou eventualmente transcrito, uma vez que os linfócitos são estimulados a se dividir. Após as proteínas virais terem sido produzidas, os vários componentes do vírus se acoplam, originando um novo vírus a partir da célula hospedeira. Embora o processo de formação de novos vírus possa causar a lise do linfócito, outros mecanismos fisiopatológicos do HIV, aos poucos, incapacitam todo o conjunto de linfócitos T4 do paciente. Diagnóstico Testes sorológicos. No momento, duas técnicas de exame estão amplamente disponíveis para se detectar a presença de anticorpos anti-HIV no soro humano. Tanto os profissionais de assistência à saúde como seus pacientes devem compreender que a presença desses anticorpos indica infecção, não imunidade contra ela. Os que têm achado positivo em teste de HIV foram expostos ao vírus, têm-no em seu organismo, apresentam o potencial de transmiti-lo a outras pessoas e, eventualmente, desenvolverão AIDS. Aqueles com resultados negativos para HIV ou não foram expostos ao vírus e não estão infectados ou foram expostos, mas ainda não desenvolveram
TABELA 11-1 Diretrizes para sexo seguro em relação à AIDS Lembrete: Qualquer atividade que possibilite a troca de fluidos corporais com uma pessoa considerada de risco, seja por meio da boca, do ânus, da vagina, da corrente sangüínea, de cortes ou de feridas é considerada arriscada nesse momento Práticas de sexo seguro Massagens, abraços, esfregar os corpos um no outro Beijo social seco Masturbação Por em prática fantasias sexuais (que não incluam prática sexual não-segura) Utilizar vibradores ou outros instrumentos (desde que não sejam compartilhados) Práticas sexuais de baixo risco Estas atividades não são consideradas completamente seguras: Beijo de língua (úmido) (sem feridas na boca) Masturbação mútua Intercurso sexual vaginal e anal desde que utilizando preservativo Sexo oral masculino (felação), desde que utilizando preservativo Sexo oral feminino (cunilíngua) desde que utilizando barreira Contato externo com sêmen ou urina, desde que não haja escoriações na pele Práticas sexuais não-seguras Intercurso sexual vaginal ou anal sem preservativo Sêmen, urina ou fezes na boca ou na vagina Sexo oral não-protegido (felação ou cunilíngua) Contato com sangue de qualquer tipo Compartilhar instrumentos sexuais ou agulhas Reimpressa, com permissão, de Moffatt B, Spiegel J, Parrish S, Helquist M. AIDS: A Self-Care Manual, Santa Monica, CA: IBS Press, 1987:125.
TABELA 11-2 Diretrizes do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) para a prevenção da transmissão do HIV As pessoas infectadas devem ser aconselhadas a prevenir a transmissão adicional do HIV ao: 1. Informar os parceiros sexuais prospectivos da infecção pelo HIV, de modo que possam tomar as precauções apropriadas. Abstenção de atividade sexual é a opção que eliminaria qualquer risco de contágio sexual. 2. Proteger o parceiro durante qualquer atividade sexual, tomando as precauções apropriadas para evitar contato com sangue, sêmen, urina, fezes, saliva, secreções cervicais ou vaginais infectados. Embora a eficácia da utilização de preservativo ainda esteja em estudo, sua utilização consistente reduz a transmissão do HIV por prevenir a exposição ao sêmen e aos linfócitos infectados. 3. Informar previamente parceiros sexuais e qualquer pessoa com quem for compartilhar agulhas acerca de exposição potencial ao HIV e encorajá-los a procurar aconselhamento e exames. 4. Para os que abusam de drogas IV, recomenda-se a participação em programas para mudar esse comportamento. Agulhas, outros aparelhos e drogas não devem ser compartilhados. 5. Nunca compartilhar escovas de dentes, lâminas de barbear ou outros itens que possam ser contaminados com sangue. 6. Evitar doar sangue, plasma, órgãos, outros tecidos ou sêmen. 7. Evitar a gravidez até que seja conhecido mais sobre o risco de transmissão do HIV para o feto ou para o recém-nascido. 8. Limpar e desinfetar as superfícies em que se tenham derramado sangue ou outros líquidos corporais, de acordo com as recomendações prévias. 9. Informar médicos, dentistas e outros profissionais de saúde apropriados do estado dos anticorpos, quando da procura de assistência médica, de modo que, como paciente, possa ser avaliado de forma adequada. Reimpressa de MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 1986, 35:152.
ASPECTOS NEUROPSIQUIÁTRICOS DA INFECÇÃO PELO HIV E
anticorpos, possibilidade que existe se a exposição ocorreu há menos de um ano antes do teste. As duas técnicas referidas são o enzyme-linked immunosorbent assay (ELISA) e o teste western blot assay. O primeiro é utilizado como triagem inicial porque é menos dispendioso e mais apropriado para avaliação em grande escala. Além disso, é sensível e razoavelmente específico; é improvável que relate resultado falsonegativo, mas pode indicar falso-positivo. Por essa razão, os resultados positivos do teste ELISA são confirmados utilizando-se avaliação mais cara e mais trabalhosa: o teste western blot, o qual é sensível e específico. Soroconversão é a mudança, após a infecção, de teste negativo de anticorpos para o HIV para teste positivo. Com mais freqüência, ocorre de 6 a 12 semanas após a infecção, embora, em casos raros, possa levar de 6 a 12 meses. Aconselhamento. As maiores questões no aconselhamento sobre o teste sorológico para o HIV estão relacionadas ao fato de quem deve ser testado, por que uma pessoa em particular deve ou não ser testada, o que significa o resultado do teste e quais são as implicações. Embora grupos específicos estejam em alto risco para contrair o HIV e devam ser testados (Tab. 11-3), qualquer indivíduo que deseje ser testado deve fazê-lo. As razões para se solicitar um teste devem ser avaliadas, a fim de se detectar as preocupações e a motivação não-expressas, as quais talvez mereçam intervenção psicoterapêutica. O aconselhamento tanto antes como após o teste deve ser feito pessoalmente, não pelo telefone, abordando o significado dos resultados do teste, assim como possíveis modificações do comportamentais. Recomenda-se explicar os resultados e suas implicações várias vezes nas entrevistas antes e depois do teste; muitas pessoas ficam tão ansiosas nas sessões que podem não prestar a atenção devida a algo informado a elas. Durante o aconselhamento pré-teste, é importante revisar as práticas passadas que possam ter posto o indivíduo em risco para infecção e discutir procedimentos sexuais seguros (Tab. 11-4). No aconselhamento pós-teste (Tab. 11-5), deve-se explicar que o achado negativo implica que é recomendado comportamento sexual seguro e o não-compartilhamento de agulhas hipodérmicas, para que o indivíduo permaneça livre da infecção. Resultado positivo indica infecção pelo HIV e possibilidade de transmissão da doença. Aqueles com tal prognóstico devem receber aconselhamento sobre práticas de sexo seguro e opções potenciais de tratamento. Podem necessitar de intervenções psicoterapêuticas adicionais se desenvolverem transtornos de ansiedade ou depressão após a descoberta de que estão infectados. Questões e preocupações comuns são o medo da revelação, as relações com amigos e com a família, emprego e segurança financeira, condição médica e temas psicológicos, como auto-estima e auto-acusação. O indivíduo pode reagir ao achado de teste positivo com síndrome semelhante ao transtorno de estresse pós-traumático. Preocupações sobre sintomas físicos menores, insônia e dependência de profissionais de saúde com freqüência se desenvolvem. Transtorno da adaptação com ansiedade e humor depressivo pode se manifestar em até 25% dos informados de que estão contaminados. As interações clínicas com o paciente devem enfatizar o significado do resultado positivo e encorajar o restabelecimento da estabilidade emocional e do desempenho.
DA
AIDS
405
TABELA 11-3 Possíveis indicações para o teste de HIV 1. Pacientes que pertencem a grupo de alto risco: (1) homens que fizeram sexo com outro homem desde 1977; (2) pessoas que abusam de drogas intravenosas desde 1977; (3) hemofílicos e outros pacientes que receberam, desde 1977, transfusões ou produtos do sangue não avaliados para HIV; (4) parceiros sexuais de pessoas de quaisquer desses grupos; (5) parceiros sexuais de pessoas com exposição conhecida ao HIV – cortes, chagas, feridas ou picadas de agulha, cujas lesões tiveram contato direto com sangue infectado. 2. Pacientes que solicitam o teste. Nem todos admitem a presença de fatores de risco (p. ex., vergonha, medo). 3. Pacientes com sintomas de AIDS. 4. Mulheres pertencentes a grupo de alto risco que estejam planejando engravidar ou que estejam grávidas. 5. Doadores de sangue, sêmen ou órgãos. Adaptada, com permissão, de Rosse RB, Giese AA, Deutsch S, Morihisa JM. Laboratory and Diagnostic Testing in Psychiatry. Washington, DC: American Psychiatric Press; 1989:54.
Os casais que estejam considerando fazer o teste de anticorpos contra o HIV decidem quem será testado e se vão fazê-lo separados ou juntos. O terapeuta deve perguntar por que estão solicitando o teste; em alguns casos, os parceiros discutem pela primeira vez questões relacionadas a comprometimento, honestidade e confiança, como contatos sexuais fora do relacionamento. Os casais necessitam estar preparados para a possibilidade de que um ou ambos estejam infectados e devem discutir que efeito isso terá sobre o relacionamento.
TABELA 11-4 Aconselhamento pré-teste 1. Discutir o significado de resultado positivo e esclarecer distorções (p. ex., o teste detecta exposição ao vírus da AIDS; não é um teste para essa doença). 2. Discutir o significado de resultado negativo (p. ex., a soroconversão necessita de tempo, o comportamento recente de alto risco pode exigir acompanhamento [follow-up]). 3. Ficar disponível para discutir os medos e as preocupações do paciente (temores não-realísticos podem necessitar de intervenção psicológica apropriada). 4. Discutir por que o teste é necessário. (Nem todos os pacientes admitirão comportamento de alto risco.) 5. Explorar as reações potenciais ao resultado positivo (p. ex., “Eu me mato se for positivo”). Seguir os passos apropriados para intervir em reação potencialmente catastrófica. 6. Explorar reações anteriores a estresse grave. 7. Discutir questões de confidencialidade relevantes à situação de teste (p. ex., é situação anônima ou não?). Informar o paciente sobre outras opções possíveis de teste, nas quais o aconselhamento e o teste podem ser realizados de forma completamente anônima (p. ex., instituições onde os resultados não se tornam parte permanente do registro). Discutir quem tem acesso aos resultados do teste. 8. Abordar com o paciente como o fato de ser soropositivo pode afetar seu status social (p. ex., cobertura de seguro de saúde e de vida, emprego, habitação). 9. Explorar comportamentos de alto risco e recomendar intervenções que os reduzam. 10. Documentar as discussões no prontuário. 11. Disponibilizar tempo para o paciente fazer perguntas. Adaptada, com permissão, de Rosse RB, Giese AA, Deutsch S, Morihisa JM. Laboratory and Diagnostic Testing in Psychiatry. Washington, DC: American Psychiatric Press; 1989:55.
406
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 11-5 Aconselhamento pós-teste 1. Interpretação do resultado: Esclarecer distorções (p. ex., “o teste negativo não anula a possibilidade de você contrair o vírus no futuro; não significa que está imune à AIDS”). Fazer perguntas sobre a compreensão do paciente e sua reação emocional ao resultado do teste. 2. Recomendações para prevenção da contaminação (discussão cuidadosa acerca dos comportamentos de alto risco e das diretrizes para a prevenção de transmissão). 3. Recomendações sobre o acompanhamento de parceiros sexuais e o contato com agulhas. 4. Se o resultado for positivo, recomendações para evitar doação de sangue, sêmen ou órgãos, bem como o compartilhamento de navalhas, escovas de dentes e qualquer objeto que possa conter sangue. 5. Encaminhamento para apoio psicológico adequado: os pacientes soropositivos, por vezes, precisam da ajuda da equipe de saúde mental (avaliar a necessidade de tratamento hospitalizado vs. ambulatorial; considerar terapia individual ou de grupo). Temas comuns incluem o choque do diagnóstico, o medo da morte, conseqüências sociais, luto por perdas potenciais e esperanças frustradas de boas notícias. Avaliar também depressão, desespero, raiva, frustração, culpa e temas obsessivos. Acionar apoio disponível para o paciente (família, amigos, serviços da comunidade). Adaptada, com permissão, de Rosse RB, Giese AA, Deutsch S, Morihisa JM. Laboratory and Diagnostic Testing in Psychiatry. Washington, DC: American Psychiatric Press; 1989:58.
Confidencialidade. Questão-chave no teste sorológico. Não se deve realizar o teste para HIV sem conhecimento e consentimento prévios, embora várias jurisdições e organizações, como a militar, atualmente exijam sua realização. O resultado pode ser compartilhado com outros membros da equipe médica, embora a informação não deva ser fornecida a mais ninguém, exceto nas circunstâncias especiais discutidas acima. O paciente deve ser advertido para não revelar os resultados do teste desnecessariamente a empregadores, amigos e membros da família; a informação pode ocasionar discriminação. A principal exceção à restrição ao fato de revelar tal informação é a necessidade de notificar parceiros potenciais e passados, tanto sexuais quanto de uso de drogas IV. A maioria dos pacientes HIV-positivos age com responsabilidade. Se, contudo, o médico assistente sabe que uma pessoa infectada está colocando outro indivíduo em risco, pode tentar hospitalizá-la involuntariamente (para evitar o risco a terceiros) ou notificar a vítima potencial. Para tanto, deve-se estar ciente das leis acerca dessas questões. Tais diretrizes se aplicam também a unidades de internação psiquiátrica, na detecção de paciente infectado em contato sexual com outros. CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS Fatores não-neurológicos Cerca de 30% das pessoas infectadas experimentam síndrome semelhante à gripe três a seis semanas após a transmissão; a maioria não observa alteração imediatamente ou logo após a infecção. Quando os sintomas aparecem, a síndrome inclui
febre, mialgias, cefaléias, fadiga, sintomas gastrintestinais e, por vezes, exantema. Pode ser acompanhada por esplenomegalia e linfadenopatia. Raramente, desenvolve-se meningite asséptica aguda logo após a infecção, bem como encefalopatia ou síndrome de Guillain-Barré. Nos Estados Unidos, a duração média do estágio assintomático é de 10 anos, ainda que sintomas inespecíficos – linfadenopatia, diarréia crônica, perda de peso, mal-estar, fadiga, febres e suores noturnos – possam aparecer de forma variável. Durante esse período, contudo, a contagem de células T4 quase sempre declina dos valores normais (>1.000/mm3) para valores grosseiramente anormais (<200/mm3). A infecção mais comum daqueles que têm AIDS é a pneumonia por Pneumocystis carinii, que se caracteriza por tosse crônica nãoprodutiva e dispnéia, por vezes suficientemente grave para desenvolver hipoxemia e a seus efeitos cognitivos resultantes. O diagnóstico é feito por meio de broncoscopia com fibra óptica e lavagem alveolar. A pneumonia em geral é tratável com trimetoprim e sulfametoxazol (Bactrim) ou isetionato de pentamidina (Pentacarinat), que também podem ser utilizados na profilaxia. Outra doença inicialmente associada ao desenvolvimento da AIDS era o sarcoma de Kaposi, lesão de pele rara, azul-púrpura. Por razões desconhecidas, associa-se com menos freqüência a casos recentemente diagnosticados de AIDS. Ainda que as condições mencionadas sejam as mais consistentemente relacionadas à AIDS, o sistema imunológico celular comprometido de forma grave permite o desenvolvimento de uma gama impressionante de infecções e neoplasias. As infecções mais comuns são com protozoários como o Toxoplasma gondii, fungos como o Cryptococcus neoformans e a Candida albicans, bactérias como o Mycobacterium avium-intracellulare e vírus como o citomegalovírus e o vírus do herpes simples. sPara os psiquiatras, a importância dessas complicações não-neurológicas, não-psiquiátricas, está em seus efeitos biológicos sobre a função cerebral do paciente (p. ex., hipoxia decorrente de pneumonia pelo Pneumocystis carinii) e sobre seus efeitos psicológicos nos estados de humor e ansiedade. Ainda mais, em vista dessas condições serem, em geral, tratadas com medicamentos adicionais, o psiquiatra precisa estar a par dos efeitos adversos de vários fármacos.
Fatores neurológicos Vários processos patológicos podem afetar o cérebro do paciente infectado pelo HIV (Tab. 11-6). As doenças que devem receber maior atenção dos profissionais de saúde mental são o transtorno neurocognitivo leve devido ao HIV e a demência associada ao HIV. Esta última é uma condição do tipo cortical ou subcortical que pode afetar 50% dos indivíduos infectados em algum grau. Outras doenças e complicações do tratamento também precisam ser consideradas no diagnóstico diferencial de pacientes com sintomas neuropsiquiátricos. Sintomas como fotofobia, cefaléia, rigidez de nuca, fraqueza motora, perda sensorial e modificações no nível de consciência devem alertar para o fato de que o doente deve ser examinado para o possível desenvolvimento de infecção oportunista ou neoplasia do SNC. A infecção pelo HIV pode levar ainda à multiplicidade de neuropatias
ASPECTOS NEUROPSIQUIÁTRICOS DA INFECÇÃO PELO HIV E
TABELA 11-6 Condições associadas à infecção pelo HIV Infecções bacteriológicas múltiplas ou recorrentesa Candidíase de brônquios, traquéia ou pulmões Candidíase esofágica Câncer cervical invasivob Coccidioidomicose disseminada ou extrapulmonar Criptococose extrapulmonar Criptosporidiose crônica intestinal (>1 mês de duração) Doença associadas ao citomegalovírus (outras que não no fígado, baço ou linfonódios) Retinite associada ao citomegalovírus (com perda de visão) Encefalopatia relacionada ao HIV Herpes simples, úlceras crônicas (>1 mês de duração); ou bronquite, pneumonite ou esofagite Histoplasmose disseminada ou extrapulmonar Isosporíase crônica intestinal (>1 mês de duração) Sarcoma de Kaposi Pneumonia intersticial linfóide e/ou hiperplasia linfóide pulmonara Linfoma de Burkitt (ou nomenclatura equivalente) Linfoma imunoblástico (ou nomenclatura equivalente) Linfoma primário do cérebro Complexo Mycobacterium avium ou M. kansasii disseminado ou extrapulmonar Mycobacterium tuberculosis em qualquer local (pulmonarb ou extrapulmonar) Mycobacterium de outras espécies ou de espécie não-identificada disseminada ou extrapulmonar Pneumonia por Pneumocystis carinii Pneumonia recorrenteb Leucoencefalopatia multifocal progressiva Septicemia por salmonella recorrente Toxoplasmose cerebral Síndrome de desgaste (wasting syndrome) devido ao HIV aCrianças
com <13 anos de idade. na expansão, de 1993, da definição para supervisão de casos de AIDS para adolescentes e adultos. Adaptada de 1993 revised classification system for HIV infection and expanded surveillance, case definition for AIDS among adolescents and adults. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 1992:41. bAcrescentado
periféricas, as quais devem induzir os clínicos a reconsiderarem a extensão do envolvimento do SNC.
DA
AIDS
407
vido ao HIV, também conhecido como encefalopatia pelo HIV. Caracteriza-se por comprometimento do desempenho cognitivo e redução da atividade mental que interferem no trabalho, no cuidado da casa e no desempenho social. Não há achados laboratoriais específicos para essa doença, que ocorre independentemente de ansiedade e depressão. A progressão da demência associada ao HIV costuma se manifestar, mas pode ser prevenida com tratamento precoce. CID-10. Na décima revisão da Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-10), a demência associada ao HIV é descrita brevemente entre as doenças orgânicas, incluindo as que são mentais e outras condições sintomáticas (ver Cap. 10). Nesta seção, a demência é definida como “transtorno caracterizado por déficits cognitivos que satisfazem os critérios diagnósticos para demência, na ausência de doença ou condição concomitante, não sendo a infecção pelo HIV, que poderia explicar os achados”. O complexo demênciaAIDS e a encefalopatia ou encefalite subaguda devido ao HIV também estão incluídos sob essa definição.
Delirium. Pode resultar das mesmas causas que levam à demência em pacientes infectados pelo HIV (Tab. 11-6). Os clínicos classificaram os estados de delirium caracterizados tanto por aumento como por redução da atividade. No caso de indivíduo infectado pelo HIV, ele provavelmente é subdiagnosticado, mas deve sempre mobilizar revisão médica, a fim de determinar o possível início de novo processo relacionado no SNC. Transtorno de ansiedade. Pacientes com infecção pelo HIV têm qualquer um dos subtipos, mas os transtornos de ansiedade generalizada, de estresse pós-traumático e o obsessivo-compulsivo são particularmente comuns. Transtorno da adaptação. O transtorno da adaptação com ansiedade ou humor depressivo tem sido relatado em 5 a 20% dos pacientes infectados. Sua incidência é mais elevada do que o habitual em algumas populações especiais, como em recrutas militares ou indivíduos encarcerados.
Síndromes psiquiátricas Demência associada ao HIV. A revisão da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IVTR) possibilita o diagnóstico de demência devido ao HIV quando há “presença de demência que se julga ser conseqüência fisiopatológica direta da doença pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV)”. (Ver Tab. 10.3-5, Cap. 10.) Ainda que a demência associada ao HIV seja encontrada em muitos pacientes infectados, outras causas que produzem os mesmos sintomas devem ser consideradas. Estas incluem infecções, neoplasias e anormalidades do SNC decorrentes de doenças sistêmicas e endocrinopatias, bem como respostas adversas do SNC a medicamentos. O desenvolvimento de demência costuma ser sinal de mau prognóstico, e entre 50 e 75% daqueles com a condição morrem em seis meses. Distúrbio neurocognitivo leve. Forma menos grave de envolvimento do cérebro é denominada distúrbio neurocognitivo de-
Transtorno depressivo. Relatou-se que 4 a 40% desses pacientes satisfaz os critérios diagnósticos para transtornos depressivos. A prevalência pré-infecção pode ser mais alta do que a média em alguns grupos de risco. Outra razão para a amplitude na prevalência é a aplicação variável de critérios diagnósticos; alguns dos critérios exigidos para transtorno depressivo (p. ex., transtornos do sono e perda de peso) também podem ser causados pela própria infecção pelo HIV. A depressão é mais elevada em mulheres do que em homens. Mania. Transtorno de humor com manifestações maníacas, com ou sem alucinações, com delírios ou com transtorno do pensamento pode afetar qualquer estágio da infecção, mas ocorre com mais freqüência em fase terminal complicada por comprometimento neurocognitivo. Abuso de drogas. Esse é um problema não apenas para os adictos de drogas IV que contraem doenças relacionadas ao
408
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
HIV, mas também para aquelas pessoas infectadas que consumiram drogas ilegais apenas ocasionalmente no passado e que agora estão tentadas a usá-las para lidar com depressão e ansiedade. Suicídio. Ideação e tentativas de suicídio podem aumentar em pacientes com infecção pelo HIV e com AIDS. Os fatores de risco compreendem ter amigos que morreram de AIDS, notificação recente de soropositividade, recaídas, questões sociais difíceis relacionadas à homossexualidade, apoio social e financeiro inadequados e presença de demência ou delirium. Transtorno psicótico. Sintomas psicóticos são, em geral, complicações em estágios tardios da infecção pelo HIV. Necessitam de avaliações médica e neurológica imediatas e, por vezes, de medicamentos antipsicóticos.
A comunidade homossexual criou um sistema de apoio significativo para os infectados pelo HIV, particularmente para homo ou bissexuais. Campanhas de educação pública produziram a uma redução importante (de mais de 50%) nas práticas sexuais de alto risco, embora alguns homens homossexuais ainda pratiquem sexo de alto risco. É provável que homossexuais masculinos pratiquem sexo seguro quando conhecem diretrizes de proteção, têm acesso a um grupo de apoio, estabelecem um relacionamento estável ou têm uma relação íntima com um indivíduo com AIDS. Em parte por causa do preconceito, os usuários de drogas IV infectados têm recebido apoio escasso, e tem havido pouco progresso em instruir essa população, que representa o maior contingente para a difusão do vírus para mulheres, homens heterossexuais e crianças. FARMACOTERAPIA
Sadios preocupados. Os assim denominados são aqueles pertencentes a grupos de alto risco que, embora estejam soronegativos e livres de doença, ficam ansiosos em relação a contraírem o vírus. Alguns são reassegurados pelos resultados repetidamente negativos dos testes, mas outros não ficam satisfeitos apenas com isso. O estado de sadio preocupado pode progredir para ansiedade generalizada, crises de pânico, transtorno obsessivo-compulsivo e hipocondria. TRATAMENTO A prevenção é a principal abordagem para a infecção pelo HIV. A prevenção primária envolve proteger as pessoas de contrairem a doença; a secundária envolve modificações no curso da patologia. Todas as pessoas em risco devem ser informadas sobre práticas de sexo seguro e sobre a necessidade de não compartilhar agulhas hipodérmicas. As estratégias preventivas, contudo, são complicadas por valores sociais complexos envolvendo atos sexuais, orientação sexual, controle da natalidade e abuso de drogas. Vários oficiais de saúde pública têm defendido a distribuição de preservativos em escolas e de agulhas descartáveis para adictos. Essas questões permanecem controversas, embora o uso de preservativo tenha demonstrado ser estratégia preventiva bastante (embora não completamente) segura e eficiente. Os que são conservadores e religiosos argumentam que a mensagem educativa deve ser a abstinência sexual. Vários laboratórios universitários e farmacêuticos estão tentando desenvolver uma vacina para proteger as pessoas da infecção. Seu desenvolvimento, contudo, ainda está longe. A avaliação de pacientes infectados com o HIV deve incluir história sexual, de abuso de drogas e psiquiátrica e avaliação dos sistemas de apoio disponíveis. Os clínicos precisam compreender a posição do paciente com relação à orientação sexual e ao abuso de drogas, e este precisa sentir que o terapeuta não está julgando o comportamento passado ou atual. O profissional pode despertar confiança e empatia ao fazer perguntas específicas, bem-informadas e diretas sobre a cultura homossexual ou de uso de drogas ao paciente. Além disso, deve certificar-se do conhecimento do paciente sobre o HIV e a AIDS.
Uma lista crescente de agentes que atuam sobre pontos diferentes da replicação viral nutre a esperança de que o HIV possa ser suprimido ou erradicado do corpo. No momento da elaboração deste capítulo, os fármacos ativos se dividem em duas classes gerais: os inibidores da transcriptase reversa e os inibidores da protease. Os primeiros são subdivididos no grupo de nucleosídeos inibidores da transcriptase reversa e no de inibidores da transcritptase reversa não-nucleosídicos. A Tabela 11-7 lista os agentes disponíveis em cada uma das categorias. As recomendações atuais são de que o tratamento deve ser iniciado de forma tripla, isto é, com a combinação de dois inibidores da transcriptase reversa mais um inibidor da protease. Três agentes são recomendados porque o indivíduo, com carga viral plasmática de 20 mil cópias por milímetro, tem a probabilidade de hospedar todos os genótipos resistentes possíveis do HIV que possam ser resultado de um ou dois pontos de mutação. Dessa forma, mesmo a utilização de dois agentes deixa a possibilidade remota de que algumas cepas resistentes escapem, levando ao fracasso do tratamento. A probabilidade de que o indivíduo infectado hospede genótipos do HIV com três mutações independentes
TABELA 11-7 Agentes anti-retrovirais Nome genérico
Nome comercial
Abreviação usual
Nucleosídeos inibidores da transcriptase reversa Zidovudina Retrovir, Zidovir AZT Didanosine Videx ddl Zalcitabina Hividi, Citavir ddC Estavudina Zeritavir d4T Lamivudina Epivir 3TC Abacavir Ziagenavir Inibidores de transcriptase reversa não-nucleosídeos Nevirapina Viramune, Neviral NVP Delavirdina Rescriptor* DLV Efavirenz Stocrin EFZ Inibidores da protease Saquinavir Invirase SQV Ritonavir Norvir RTV Indinavir Crixivan IDV Nelfinavir Viracept NFV *N.
de R.T. Não comercializado no Brasil.
ASPECTOS NEUROPSIQUIÁTRICOS DA INFECÇÃO PELO HIV E
é muito baixa; assim, o tratamento triplo deve ser iniciado logo que possível. Ao escolher certas combinações de medicamentos, os clínicos levam em consideração tanto o modo de ação de agentes específicos como suas interações medicamentosas. Por exemplo, a zidovudina e a lamivudina (Epivir) são ambas inibidores da transcriptase reversa; contudo, aquela parece atuar melhor nas células em replicação ativa, enquanto esta é mais ativa em células infectadas em repouso. Além disso, a zidovudina penetra no SNC com facilidade, ao contrário da lamivudina. O tratamento triplo pode ser utilizado para pessoas que tiveram contato sexual inesperado com parceiro potencialmente infectado. É utilizado também por profissionais de saúde que tenham sido picados por agulha contaminada. Em ambas as circunstâncias, esse recurso é iniciado imediatamente após o evento e, em geral, é continuado por três meses.
Os agentes anti-retrovirais apresentam vários efeitos adversos, numerosos demais para serem descritos. De importância para os psiquiatras é que os inibidores da protease são metabolizados pelo sistema da oxidase do citocromo P450, podendo aumentar os níveis de certos psicotrópicos metabolizados de forma similar. Estes incluem a bupropiona (Wellbutrin), a meperidina (Dolosal); vários benzodiazepínicos e inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs). Por isso, é necessário cuidado ao prescrevê-los a pessoas que estejam tomando inibidores da protease. Além dos novos inibidores nucleosídicos da transcriptase reversa, dos não-nucleosídicos e dos inibidores da protease que possam se tornar disponíveis em breve, outras classes estão sob investigação. Estas incluem agentes que interferem na ligação e na fusão do HIV à célula, na ação da integrase e em certos genes deste vírus, como o gag. Além do tratamento dirigido especificamente ao HIV, várias intervenções encontram-se disponíveis para prevenir e tratar as complicações da imunodeficiência, causadas por infecções oportunistas virais, bacteriológicas, fúngicas e de protozoários. Tanto a sobrevivência como a qualidade de vida melhorou substancialmente por causa do diagnóstico e do tratamento precoces dessas condições oportunistas. A utilização de regimes de combinação de anti-retrovirais com tratamentos mais específicos para complicações tem prolongado a sobrevida de pessoas infectadas, tanto assintomáticas como sintomáticas. Contudo, a despeito do progresso na manutenção dos pacientes por mais tempo e em melhor estado de saúde, o resultado ainda é incerto, isto é, não está claro se qualquer indivíduo infectado pode esperar ficar livre da AIDS e da morte subseqüente. As pessoas, em geral, estão bastante conscientes desse prognóstico, e sua preocupação, por vezes, culmina em transtorno psiquiátrico. Tais fenômenos e suas complicações neurocognitivas primárias e secundárias relacionadas à infecção pelo HIV são discutidos a seguir. A introdução de combinações de potentes medicamentos antiretrovirais e o desenvolvimento de exames quantitativos sensíveis das concentrações do RNA do HIV começaram a revolucionar o tratamento dos transtornos cognitivos associados ao HIV, como tem sido feito no caso de doenças sistêmicas. Há esperança de que a medição da carga viral no LCS seja uma janela para a infecção no cérebro e um guia para a monitoração da resposta terapêutica.
DA
AIDS
409
Concentrações elevadas de RNA no LCS estão relacionadas a comprometimento neurocognitivo na AIDS. A monoterapia em altas doses com a zidovudina pode melhorar esse estado, em parte porque atravessa bem a barreira hematencefálica. Desde a introdução dos inibidores da protease e das combinações no tratamento anti-retroviral, a monoterapia com zidovudina não é mais opção terapêutica; a despeito disso, permanece componente importante dos regimes de combinação. Os inibidores da protease não podem atravessar a barreira hematencefálica em quantidades terapêuticas e, assim, não se pode esperar que sejam eficientes no tratamento de transtornos neurocognitivos. Apesar disso, a combinação desses medicamentos com outros agentes da primeira geração, como a zidovudina, parece prevenir ou, até mesmo, reverter a progressão desses transtornos. A melhora clínica, tanto em termos de melhora do desempenho em testes neuropsicológicos como no padrão e na gravidade das anormalidades do sinal da substância branca em imagens por ressonância magnética (RM), pode ser observada em dois a três meses a partir do início do tratamento. Talvez um em cada três pacientes afetados exibirá melhora clinicamente significativa no desempenho neurocognitivo. Não está claro como os inibidores da protease podem deter ou até mesmo reverter essa alteração. Pode ser que a carga viral notavelmente reduzida não desencadeie mais a produção de citocinas neurotóxicas, neurotransmissores excitadores e agentes inflamatórios pelo sistema imunológico. Os tratamentos novos também podem ser úteis. A exicitotoxicidade neuronal, intermediada pela ativação de receptores glutamatérgicos pela proteína gp120 do envelope do HIV, é o mecanismo potencialmente importante pelo qual a disfunção cerebral poderia ocorrer na infecção pelo HIV. A memantina é um antagonista dos receptores de tipo N-metil-D-aspartato (NMDA) facilitadores de canais (de íons) que costuma ser bem-tolerada. Na Europa, está atualmente sendo utilizada como tratamento para a demência do tipo Alzheimer. Na intenção de que um agente que deslocasse a gp120 dos receptores neurais pudesse ser útil, o octapeptídeo denominado d-alapeptídeo-t-amida (peptídeo t) tem sido utilizado em ensaios clínicos da fase II. Comparado ao placebo, foi associado à melhora neuropsicológica em indivíduos cognitivamente comprometidos (com contagens de CD4 <200) e reduziu a probabilidade de progressão do comprometimento no acompanhamento de seis meses. Inibidores dos canais de cálcio, que pareciam potencialmente úteis, não demonstraram efetividade. As formas remanescentes de tratamento são principalmente de apoio. O passo mais importante é excluir outras condições tratáveis, como infecções ou neoplasias secundárias, anormalidades metabólicas com delirium de intensidade leve, ou outros transtornos psiquiátricos (p. ex., depressão maior). Uma vez que o diagnóstico esteja claro, as medidas habituais de apoio para aqueles com comprometimento neurocognitivo devem ser utilizadas. Estas incluem: identificação de áreas funcionais e de déficit cognitivo, redução da ênfase na área que está comprometida (p. ex., atenção dividida, processamento acelerado), destaque em esforços para manter orientação eficiente e teste da realidade e supressão de medicamentos que possam comprometer ainda mais as funções cognitivas, em particular os benzodiazepínicos. Se for indispensável utilização desses fármacos, devem ser administrados em doses mais baixas do que as habituais. Agentes antidepressivos e antipsicóticos, se indicados, também devem
410
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
ser prescritos em doses mais baixas (p. ex., 25% da dose que costuma ser recomendada). INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS ENTRE PSICOTRÓPICOS E ANTI-RETROVIRAIS Alguns fabricantes têm, como primeiro passo, listado vários medicamentos psicotrópicos como relativa ou absolutamente contra-indicados em combinação com inibidores da protease, o que pode ser afirmação exagerada. Em vista dessas interações medicamentosas presumidas não terem sido estudadas de forma sistemática, seria inadequado negar aos pacientes classes inteiras de psicotrópicos potencialmente seguros e benéficos. Por enquanto, a política mais sensata é estar consciente das principais interações medicamentosas e monitorar possíveis efeitos adversos decorrentes do tratamento e, quando viável, suas concentrações no plasma. As interações mais prováveis são relatadas a seguir. Todos os inibidores da protease aumentam as concentrações dos psicotrópicos se a via principal de metabolismo para o agente psicotrópico envolver a isoenzima 3A do citocromo P450 (CYP) (sistema CYP 3A). Se o sistema CYP 2D6 for a via principal (p. ex., tricíclicos, ISRSs), o ritonavir (Norvir) afetará especificamente esse metabolismo. Dessa forma, os inibidores da protease podem impedir o metabolismo de vários agentes antidepressivos e antipsicóticos, bem como o dos benzodiazepínicos. Por exemplo, as concentrações no plasma do alprazolam (Frontal), do midazolam (Dormonid), do triazolam (Halcion) e do zolpidem (Stilnox) podem ser aumentadas, sendo necessárias a redução da dose e a monitoração cuidadosa, a fim de se evitar sedação excessiva ou outros efeitos tóxicos. Relatou-se que os inibidores da protease aumentam as concentrações da bupropiona, da nefazodana (Serzone) e da fluoxetina (Prozac) a níveis tóxicos e aumentam em 100 a 150% a concentração da desipramina* no plasma. As interações medicamentosas com os antipsicóticos não foram tão bem-estudadas, mas o ritonavir pode aumentar suas concentrações. Também se relatou que as concentrações da metadona (Metadon) e da meperidina são elevadas. O mesmo pode ocorrer com algumas drogas de abuso, como a metilenodioximetanfetamina (MDMA). Por sua vez, os inibidores da protease podem induzir o metabolismo do valproato (Depakene) e do lorazepam (Lorax), reduzindo suas concentrações no plasma.
Alguns psicotrópicos podem induzir o metabolismo de inibidores da protease. A carbamazepina (Tegretol) e o fenobarbital (Gardenal) diminuem suas concentrações no soro. A relevância clínica dessa interação potencial não está clara, mas a utilização de estabilizador do humor alternativo é indicada. Não foram relatadas interações com o lítio (Carbolitium) ou com a gabapentina (Neurontin). Por fim, os psicotrópicos podem reduzir o metabolismo de alguns inibidores da protease, com aumento dos seus efeitos adversos. Isso tem sido relatado com a nefazodona e a fluoxetina. PSICOTERAPIA Abordagens. Os principais temas psicodinâmicos relacionados a pacientes infectados pelo HIV envolvem auto-acusação, *N.
de R.T. Não comercializado no Brasil.
auto-estima e morte. O psiquiatra pode auxiliá-los a lidar com sentimentos de culpa relativa a comportamentos que contribuíram para a infecção ou para a AIDS. Alguns desses doentes sentem que estão sendo punidos. Decisões difíceis de assistência médica, como iniciar ou continuar a farmacoterapia e assistência terminal ou sistemas de apoio à vida devem ser abordados, assim como a evidente negação da doença. Temas práticos envolvem emprego, benefícios médicos, seguro de vida, planos de carreira, namoro e sexo, bem como relações com a família e os amigos. Toda a gama de abordagens psicoterapêuticas pode ser apropriada para pacientes com doenças relacionadas ao HIV. Tanto a terapia individual como a de grupo podem ser eficientes. A primeira pode se dar em curto ou longo prazo, a partir de enfoque de apoio, cognitivo, comportamental ou psicodinâmico. Técnicas de terapia de grupo podem compreender desde as abordagens psicodinâmicas até as totalmente de apoio. No momento em que recebe o teste positivo, o indivíduo está a ponto de se defrontar com questões sobre a revelação do seu estado de saúde. A maioria dos conselheiros sugere que sujeitos infectados há pouco abstenham-se de revelar aos outros até que se sintam suficientemente informados sobre sua condição e o tratamento e que estejam prontos para responder a questões que possam surgir. Alguns, no entanto, podem solicitar esclarecimentos relacionados a segurança, diferenças entre HIV e AIDS, estágio da doença e duração da vida. A prontidão do paciente para aceitar as conseqüências emocionais da revelação – como a fúria ou a rejeição dos outros – também deve ser antecipada. Em suma, o indivíduo infectado deve avaliar não só sua disponibilidade, mas também a dos outros para ouvirem o anúncio da soropositividade. Entre os medos que devem ser confrontados está a preocupação de que, uma vez que seu estado tenha sido revelado, o indivíduo perca o controle sobre quem, a seguir, saberá da sua doença. Ao decidir contar ou não a terceiros, o paciente também precisa enfocar o sentimento de traição oriundo da omissão. As mesmas dúvidas se aplicam ao seu ambiente de trabalho. Como questão prática, o indivíduo pode precisar decidir se revela a doença a colega confiável no caso de acidente de serviço que possa colocar outras pessoas em risco de infecção. De forma similar, os pais devem decidir se ou quando contar a seus filhos. Alguns querem dizer a crianças muito novas logo que possível, enquanto outros preferem suspender tal informação até à adolescência pelo medo de “tirar-lhes a infância”. A custódia dos filhos após a morte dos pais deve ser considerada. Surge, ainda, a dúvida sobre quando contar aos filhos que eles próprios são soropositivos. O pai (ou mãe) deve ponderar os medos de comunicar à escola, cogitando possível discriminação associada à política de segurança dos alunos em caso de acidente. O psiquiatra têm papel especial relativo ao tratamento do HIV. O advento dos inibidores da protease e a promessa de abordagens terapêuticas cada vez mais eficientes reavivou a esperança de “cura” tanto entre os pacientes como entre os médicos. Mesmo doentes para os quais uma ou mais tentativas de tratamento de combinação fracassaram podem verificar que a família, os amigos e os médicos continuam otimistas. O psiquiatra pode ser a única pes-
ASPECTOS NEUROPSIQUIÁTRICOS DA INFECÇÃO PELO HIV E
soa “segura” a quem o paciente possa expressar desesperança, cansaço, medo do fracasso e fúria ou culpa por não ter sido capaz de tolerar o tratamento com êxito e por não responder a regimes que foram benéficos para outros. Também pode ser o único a confrontar as expectativas não-realísticas de cura ou a presunção de que as práticas de sexo seguro não são mais relevantes. Paradoxalmente, a tarefa terapêutica pode ser ainda a de examinar a reação do doente à morte certa. O aconselhamento direto relativo ao uso de drogas e a seus potenciais efeitos adversos sobre a saúde do paciente infectado pelo HIV também está indicado. Tratamentos específicos para transtornos relacionados a substâncias devem ser iniciados, se necessário, para o bem-estar pleno do doente. Questões relacionadas ao terapeuta. Questões de contratransferência e esgotamento de terapeutas que tratam pacientes infectados pelo HIV devem ser avaliadas regularmente. Os médicos devem ter noção clara das próprias concepções predeterminadas sobre orientação sexual e uso de drogas, de modo que não interfiram no tratamento. Questões relativas à identidade sexual do terapeuta, comportamentos passados e a morte iminente podem gerar questões de contratransferência. Os psicoterapeutas com prática podem começar a ter sua eficiência comprometida pelo esgotamento profissional. Alguns estudos verificaram que ver muitos pacientes infectados pelo HIV em curto período parece ser mais estressante aos terapeutas do que vê-los em número menor, mas por tempo mais longo. Envolvimento com pessoas significativas. A família, o parceiro e os amigos íntimos do paciente são, por vezes, importantes aliados no tratamento. O cônjuge ou o parceiro pode ter sentimentos de culpa por ter infectado o paciente ou experimentar raiva por ter sido infectado. O envolvimento de membros do grupo de apoio pode auxiliar o terapeuta a avaliar o desempenho cognitivo do doente, além de contribuir para o planejamento dos ajustes financeiros e de habitação. Essas pessoas podem elas próprias se beneficiar da atenção do terapeuta ao auxiliá-las a lidar com a doença e a perda iminente de amigo ou membro da família. REFERÊNCIAS Angrist B, d’Hollosy M, Sanfilipo M, et al. Central nervous system stimulants as symptomatic treatments for AIDS-related neuropsychiatric impairments. J Clin Psychopharmacol. 1992;12:268. Castellon SA, Hinkin CH, Myers HF. Neuropsychiatric disturbance is associated with executive dysfunction in HIV-1 infection. J Int Neuropsychol Soc. 2000;6:336. Graham NMH, Zeger SL, Park LP, et al. The effects on survical of early treatment of human immunodeficiency virus infection. N Engl J Med. 1992;326:1037. Grant I, Atkinson JH Jr. Neuropsychiatric aspects of HIV infection and AIDS. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Com-
DA
AIDS
411
prehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol II. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:308. Handelsman L, Aronson M, Maurer G, et al. Neuropsychological and neurological manifestations of HIV-1 dementia in drug users. J Neuropsychiatry Clin Neurosci. 1992;4:21. Harris MJ. Jests DV, Gleghorn A, Sewell DD. New-onset psychosis in HIV-infected patients. J Clin Psychiatry. 1991;52:369. Hirsch MS, D’Aquilla RT. Therapy for human immunodeficiency virus infection. N Engl J Med. 1993;328:1686. Jansen RS, St Louis ME, Satten GA, et al. HIV infection among patients in US acute care hospitals. The Hospital HIV Surveillance Group. N Engl J Med. 1992;327:445. Katz MH, Gerberding JL. Postexposure treatment of people exposed to the human immunodeficiency virus through sexual contact or injection-drug use. N Engl J Med. 1997;336:1097. Kieburtz K, Zettelmaier AE, Ketonen L, Tuite M, Caine ED. Manic syndrome in AIDS. Am J Psychiatry. 1991;148:1068. Levy JK, Fernandez F, Lachar BL, et al. Neuropsychiatry of human immunodeficiency virus infection. In: Ovsiew F, ed. Neuropsychiatry and Mental Health Services. Washington, DC: American Psychiatric Press; 1999:221. LoPiccolo CJ, Goodkin K. The role of precise conceptualization in the treatment of a complicated HIV-1 infected neuropsychiatric patient. J Neuropsychiatry Clin Neurosci. 1999;11:234. Maldonado JL, Fernandez F, Levy JK. Acquired immunodeficiency syndrome. In: Lauterbach EC, ed. Psychiatric Management in Neurological Disease. Washington, DC: American Psychiatric Press; 2000:271. Mapou RL, Law WA, Martin A, Kampen D, Salazar AM, Rundell JR. Neuropsychological performance, mood, and complaints of cognitive and motor difficulties in individuals infected with the human immunodeficiency virus. J Neuropsychiatry Clin Neurosci. 1993;5:86. Martin L, Tummala R, Fernandez F. Psychiatric management of HIV infection and AIDS. Psychiatr Ann. 2002;32:133. Morrison MF, Petitto JM, Have TT. et al. Depressive anxiety disorders in women with HIV infection. Am J Psychiatry. 2002;159:789. Norton J. The neuropsychiatric symptoms of AIDS. Am J Psychiatry. 2000;157:2059. Pajeau AK, Roma Román GC. HIV encephalopathy and dementia. Psychiatr Clin North Am. 1992;15:455. Ricart F, Cohen M, Alfonso CA, et al. Understanding the psychodinamics of nonadherence to medical treatment in persons with HIV infection. Gen Hosp Psychiatry. 2002;24:176. Rourke SB, Halman MH, Bassel C. Neuropsychiatric correlates of memory-metamemory dissociations in HIV-infection. J Clin Exp Neuropsychol. 1999;21:757. Ruiz P. Living and dying with HIV/AIDS: a psychosocial perspective. Am J Psychiatry. 2000;157:1101. Sacks M, Dermatis H, Looser-Ott S, Burton W, Perry S. Undetected HIV infection among acutely ill psychiatric inpatients. Am J Psychiatry. 1992;149:544. Sepkowtz KA. AIDS—the first 20 years. N Engl J Med. 2001;344:1764. Silverman DC. Psychosocial impact of HIV-related caregiving on health providers: a review and recommendations for the role of psychiatr. Am J Psychiatry. 1993;150:705. Steinbrook R, Drazen JM. AIDS—will the next 20 years be different? N Engl J Med. 2001;344:1781. Van Gorp EG, Mandlekern MA, Gee M, et al. Cerebral metabolic dysfunction in AIDS: findings in a sample with and without dementia. J Neuropsychiatry Clin Neurosci. 1992;4:280.
12 Transtornos relacionados a substâncias
12.1 Introdução e visão geral Independentemente de a sociedade considerar o uso de substâncias um problema moral ou legal, quando este cria dificuldades para o usuário ou deixa de ser algo inteiramente volitivo, torna-se preocupação para todos os profissionais de saúde, incluindo psiquiatras. Este capítulo sobre os transtornos relacionados a substâncias é composto de seções específicas, organizadas por síndromes causadas pelo uso de cada um dos principais grupos de agentes farmacológicos que costumam ser consumidos de forma indevida (abuso). Além da porcentagem da população que relata usar uma ou mais substâncias ilícitas durante sua vida (quase 40%) e do alarmante custo para a sociedade (mais de 200 bilhões de dólares por ano), esse fenômeno tem muitas implicações para a pesquisa sobre o cérebro e a psiquiatria clínica. Algumas substâncias podem afetar estados mentais percebidos internamente, como o humor, e atividades observadas de forma externa, como o comportamento. Podem causar certos sintomas neuropsiquiátricos indistinguíveis de psicopatologias comuns sem causas conhecidas (p. ex., esquizofrenia e transtornos do humor), o que permite concluir que há relação entre os transtornos psiquiátricos primários e os que envolvem o uso de substâncias. Uma vez que os sintomas depressivos observados em algumas pessoas que não tomaram substâncias que alteram o cérebro não podem ser distinguidos dos sintomas depressivos daquela que tomou, pode haver algo em comum entre o comportamento de consumir substâncias e a depressão. A própria existência de substâncias com o poder de alterar o cérebro já constitui pista fundamental para perceber como este funciona em estados normais e anormais. Existe o debate constante nos Estados Unidos sobre a maneira mais efetiva de lidar com as drogas. Nos últimos anos, um grupo pequeno, mas crescente, de autoridades governamentais, comentaristas e acadêmicos tem argumentado que a política atual de processar traficantes e usuários de forma agressiva deve ser reconsiderada. Eles comparam a atual política para as drogas com a proibição do álcool de 1920 a 1934, e argumentam que a abolição das leis antidrogas eliminaria o motivo do lucro, as gangues e os traficantes. Apesar de não ter endossado reversão tão radical da política nacional acerca do assunto, a ex-ministra da saúde, dra. Joycelyn Elders, recomendou que se estude a possibilidade
de legalizar as drogas de abuso, pois, segundo ela, isso pode reduzir a incidência de crimes violentos. TERMINOLOGIA A complexidade do tema relacionado ao uso de substâncias ilícitas é refletida na terminologia associada, que parece mudar toda vez que comitês profissionais e governamentais se reúnem para discutir o problema. Uma questão é como denominar as substâncias que alteram o cérebro. O texto revisado da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IVTR) refere-se a elas como substâncias e às psicopatologias relacionadas como transtornos relacionados a substâncias. Nesse manual, o conceito de substância psicoativa não inclui agentes com propriedades de alterar o cérebro, como solventes orgânicos, que podem ser ingeridos de propósito ou por acidente. As substâncias legais não podem ser separadas das ilegais. Muitas daquelas, como a morfina, podem ser obtidas por meios ilícitos e usadas sem prescrição médica. A palavra substância costuma ser preferida ao termo droga, pois droga implica substância manufaturada, ao passo que muitas substâncias associadas a padrões de abuso surgem naturalmente (p. ex., ópio) ou não se aplicam ao consumo humano (p. ex., cola de aviação). Assim, no DSM-IV-TR, o tópico é descrito na categoria geral dos transtornos relacionados a substâncias. Os transtornos relacionados a substâncias são referidos nas categorias do DSM-IV-TR que tratam desses sintomas ou de síndromes particulares (Tab. 12.1-1). Por exemplo, o paciente com depressão relacionada à abstinência de cocaína recebe o diagnóstico de transtorno do humor induzido por cocaína com aspectos depressivos, com início durante a abstinência. Esse diagnóstico também é referido na seção sobre transtornos do humor. O referenciamento enfatiza o diagnóstico diferencial de sintomas do transtorno do humor, enquanto evidencia que uma única substância de abuso pode resultar em muitas síndromes e sintomas neuropsiquiátricos. Embora todas as substâncias consideradas pelo DSM-IV-TR na categoria de transtornos relacionados a substâncias estejam associadas a estado patológico de intoxicação, elas variam quanto ao fato de o estado patológico estar relacionado à abstinência ou persistir após sua eliminação (Tab. 12.1-2). No sistema do DSMIV-TR, os pacientes que experimentam intoxicação ou abstinên-
TRANSTORNOS RELACIONADOS A
SUBSTÂNCIAS
413
TABELA 12.1-1 Transtornos induzidos por substâncias fora da categoria de transtornos relacionados a substâncias, segundo o DSM-IV-TR Diagnóstico
Categoria do DSM-IV
Seção
Delirium por intoxicação com substâncias Delirium por abstinência de substâncias Demência persistente induzida por substâncias Transtorno amnéstico persistente induzido por substâncias Transtorno psicótico induzido por substâncias Transtorno do humor induzido por substâncias Transtorno de ansiedade induzido por substâncias Disfunção sexual induzida por substâncias Transtorno do sono induzido por substâncias
Delirium, demência e transtornos amnésticos e outros transtornos cognitivos Delirium, demência e transtornos amnésticos e outros transtornos cognitivos Delirium, demência e transtornos amnésticos e outros transtornos cognitivos Delirium, demência e transtornos amnésticos e outros transtornos cognitivos
10.2 10.2 10.3 10.4
Esquizofrenia e outros transtornos psicóticos Transtornos do humor Transtornos de ansiedade Disfunções sexuais e transtorno da identidade de gênero Transtornos do sono
14 15.3 16.7 21.2 24.2
Transtornos de ansiedade
Transtorno amnéstico
I I I I
I/A I
I/A I/A
P
I I Ia I
I/A I I
I/A I I I I/A I I
I I I/A
I A
I/A
I/A
X
I I I
A
P
P
I I I/A
X
I
A
P
P
I/A
Transtornos do sono
X
P
Disfunções sexuais
X
P
Transtornos do humor
X X X
X X
A
Transtornos psicóticos
X X X
X
I I
Demência
X X X X
X X
Delirium por abstinência
X X X X X X X X
X X X X X X X
Delirium por intoxicação
X X
Abstinência
X X
Intoxicação
Abuso
Álcool Anfetaminas Cafeína Cannabis Cocaína Alucinógenos Inalantes Nicotina Opióides Fenciclidina Sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos Múltiplas substâncias Outras
Dependência
TABELA 12.1-2 Diagnósticos associados a classes de substâncias
I I
I/A I/A I
I
I/A
I
I/A
I
I/A
I
I/A
X X
aTambém
transtorno persistente da percepção por alucinógenos (flashbacks). Nota: X, I, A, I/A e P indicam que a categoria é reconhecida pelo DSM-IV. Além disso, I indica que pode ser anotado para a categoria o especificador Com início durante a intoxicação (exceto para delirium por intoxicação); A indica que pode constar na categoria o especificador Com início durante a abstinência (exceto para delirium por abstinência); I/A indica que tanto o especificador Com início durante a intoxicação quanto o Com início durante a abstinência podem constar na categoria; P indica que o transtorno é persistente. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
cia de substâncias acompanhadas de sintomas psiquiátricos, mas que não satisfazem os critérios para padrão sindrômico de sintomas específicos (p. ex., depressão), recebem o diagnóstico de intoxicação por substância (Tab. 12.1-3) ou abstinência de substância (Tab. 12.1-4), possivelmente em associação com dependência ou abuso. Dependência e abuso de substâncias Em 1964, a Organização Mundial de Saúde concluiu que o termo adicção não era científico e recomendou sua substituição pelo termo dependência de drogas. O conceito de dependência de substâncias teve muitos significados reconhecidos e usados comumente
com o passar das décadas. Dois conceitos têm sido empregados para definir diferentes aspectos da dependência: comportamental e físico. Na dependência comportamental, enfatizam-se as atividades de procurar substâncias e evidências relacionadas de padrões de uso patológico, ao passo que a dependência física referese aos efeitos físicos (fisiológicos) de episódios múltiplos do uso de substâncias. Em definições que destacam essa última, idéias relacionadas à tolerância ou à abstinência aparecem nos critérios de classificação. Em associação com dependência, são usadas as palavras vício e viciado. Estes termos adquiriram conotação diferente, imprópria e pejorativa, que ignora o conceito de abuso de substâncias como condição médica. Viciado também foi banalizado no uso popular, como nas expressões viciado em televisão e viciado em dinheiro.
414
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 12.1-3 Critérios para intoxicação com substância segundo o DSM-IV-TR A. Desenvolvimento de uma síndrome reversível específica de determinada substância que ocorreu devido à recente ingestão (ou exposição a ela). Obs: Diferentes substâncias podem produzir síndromes similares ou idênticas. B. Alterações comportamentais ou psicológicas clinicamente significativas e mal-adaptativas devido ao efeito da substância sobre o sistema nervoso central (p. ex., beligerância, humor instável, prejuízo cognitivo, comprometimento da memória, prejuízo no funcionamento social ou ocupacional) que se desenvolvem durante ou logo após o uso da substância. C. Os sintomas não se devem a uma condição médica geral nem são melhor explicados por outro transtorno mental. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
TABELA 12.1-4 Critérios para abstinência de substâncias segundo o DSM-IV-TR A. Desenvolvimento de uma síndrome específica de determinada substância devido à cessação (ou redução) do uso pesado e prolongado desta. B. A síndrome específica causa sofrimento ou prejuízo clinicamente significativos no funcionamento social, ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. C. Os sintomas não se devem a uma condição médica geral nem são melhor explicados por outro transtorno mental. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
TABELA 12.1-5 Critérios para abuso de substâncias segundo o DSM-IV-TR A. Padrão mal-adaptativo de uso de uma substância levando a prejuízo ou sofrimento clinicamente significativos, manifestados por um (ou mais) dos seguintes aspectos, ocorrendo dentro do período de 12 meses: (1) uso recorrente da substância acarretando incapacidade de cumprir obrigações importantes no trabalho, na escola ou em casa (p. ex., repetidas ausências ou fraco desempenho ocupacional relacionados ao uso da substância; faltas, suspensões ou expulsões da escola relacionadas à sua utilização; negligência para com os filhos ou afazeres domésticos) (2) uso recorrente da substância em situações nas quais isso representa perigo para a integridade física (p. ex., dirigir veículo ou operar máquina quando prejudicado pelo uso da substância) (3) problemas legais recorrentes relacionados a substâncias (p. ex., detenções por conduta desordeira) (4) uso continuado da substância, apesar de problemas sociais ou interpessoais persistentes ou recorrentes causados ou exacerbados por seus efeitos (p. ex., discussões com o cônjuge acerca das conseqüências da intoxicação, lutas corporais) B. Os sintomas jamais satisfizeram os critérios para Dependência de substância relacionados a esta classe de substância. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
Ainda que essas conotações tenham ajudado a nomenclatura oficial a evitar a palavra vício, pode haver substratos neuroquímicos e neuroanatômicos em todas as adicções, sejam elas em substâncias, jogo, sexo, roubo ou comida, todos os quais exercem efeitos
semelhantes sobre as atividades de áreas de recompensa específicas do cérebro, como a área tegmentar ventral, o locus ceruleus e o nucleus accumbens. O DSM-IV-TR permite que os clínicos especifiquem a presença de sintomas de dependência fisiológica (Tabs. 12.1-5 e 12.1-6). A presença ou a ausência de dependência fisiológica não precisa ser distinguida de dependência física e psicológica, respectivamente. Essa distinção assemelha-se à fracassada diferenciação entre orgânico e funcional. A dependência psicológica ou comportamental reflete sem dúvida mudanças fisiológicas nos centros comportamentais do cérebro. Com o manual também é possível avaliar o estado atual da dependência, por meio de lista de especificadores de curso (Tab. 12.1-7). A dependência psicológica, muitas vezes chamada de habituação, é caracterizada pelo desejo contí-
TABELA 12.1-6 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para dependência de substância Padrão mal-adaptativo de uso de substância, levando a comprometimento ou sofrimento clinicamente significativos, manifestados por três (ou mais) dos seguintes critérios, ocorrendo em qualquer momento no mesmo período de 12 meses: (1) tolerância, definida por qualquer um dos seguintes aspectos: (a) necessidade de quantidades progressivamente maiores da substância para obter a intoxicação ou o efeito desejado (b) acentuada redução do efeito com o uso continuado da mesma quantidade de substância (2) abstinência, manifestada por qualquer dos seguintes aspectos: (a) síndrome de abstinência característica da substância (consultar os Critérios A e B dos conjuntos de critérios para abstinência de substâncias específicas) (b) a mesma substância (ou uma estreitamente relacionada) é consumida para aliviar ou evitar sintomas de abstinência (3) a substância costuma ser consumida em maiores quantidades ou por período mais longo do que o pretendido (4) existe desejo persistente ou esforços malsucedidos no sentido de reduzir ou controlar o uso da substância (5) muito tempo é gasto em atividades necessárias para a obtenção (p. ex., consultas a vários médicos ou longas viagens de automóvel), a utilização (p. ex., fumar em grupo) ou a recuperação dos efeitos da substância (6) importantes atividades sociais, ocupacionais ou recreativas são abandonadas ou reduzidas em virtude do uso da substância (7) o uso da substância continua, apesar da consciência de ter problema físico ou psicológico persistente ou recorrente que tende a ser causado ou exacerbado por ela (p. ex., uso atual de cocaína, embora o indivíduo a reconheça como indutora da sua depressão, ou consumo continuado de bebidas alcoólicas, apesar de reconhecer que uma úlcera piorou devido ao consumo) Especificar se: Com dependência fisiológica: evidências de tolerância ou abstinência (i.e., presença do Item 1 ou 2) Sem dependência fisiológica: não existem evidências de tolerância ou abstinência (i.e., nem Item 1 nem Item 2 estão presentes) Especificadores de curso (ver texto para definições): Remissão completa inicial Remissão parcial inicial Remissão completa mantida Remissão parcial mantida Em terapia com agonista Em ambiente protegido De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
TRANSTORNOS RELACIONADOS A
SUBSTÂNCIAS
415
TABELA 12.1-7 Especificadores de curso para dependência de substâncias segundo o DSM-IV-TR Seis especificadores de curso estão disponíveis para a dependência de substância. Os quatro especificadores da remissão podem ser aplicados apenas depois que todos os critérios para dependência ou abuso de substâncias estiveram ausentes pelo período mínimo de um mês. Para os critérios que requerem problemas recorrentes, um especificador de remissão se aplica somente se nenhum aspecto do critério esteve presente (p. ex., um incidente ao dirigir enquanto intoxicado seria suficiente para impedir que o indivíduo seja considerado em remissão). A definição desses quatro tipos de remissão se baseia no intervalo de tempo passado desde a cessação da dependência (remissão inicial versus mantida) e na persistência de um ou mais dos itens incluídos nos conjuntos de critérios para dependência ou abuso (remissão parcial versus remissão completa). Uma vez que os 12 primeiros meses após a dependência são um tempo de risco particularmente alto de recaída, este período é chamado de remissão inicial. Decorridos 12 meses de remissão inicial sem recaída para dependência, a pessoa ingressa na remissão mantida. Tanto para uma quanto para outra, uma designação adicional de completa é dada, se nenhum critério para dependência ou abuso foi satisfeito durante o período de remissão; a designação de parcial é adequada se pelo menos um dos critérios para dependência ou abuso tiver sido satisfeito, intermitente ou continuamente, durante o período de remissão. A diferenciação entre remissão completa mantida e recuperado (ausência atual de transtorno por uso de substâncias) exige a consideração da extensão de tempo desde o último período da perturbação, sua duração total e a necessidade de continuidade da avaliação. Se, após período de remissão ou recuperação, o indivíduo novamente se torna dependente, a aplicação do especificador remissão inicial exige, outra vez, que haja pelo menos um mês no qual os critérios para dependência ou abuso não foram satisfeitos. Dois especificadores adicionais são oferecidos: em terapia com agonista e em ambiente protegido. Para que um indivíduo qualifique-se para remissão inicial após a cessação de terapia com agonista ou alta de um ambiente protegido, deve haver decorrido um mês no qual nenhum dos critérios para dependência ou abuso tenha sido satisfeito. Os seguintes especificadores de remissão podem ser aplicados apenas depois que nenhum critério para dependência ou abuso foi satisfeito pelo período mínimo de um mês. Observe que esses especificadores não se aplicam se o indivíduo estiver em terapia com agonista ou em ambiente protegido (ver adiante). Remissão completa inicial: pelo período mínimo de um mês, porém inferior a 12 meses, nenhum critério para dependência ou abuso foi satisfeito.
Dependência
1 mês
0-11 meses
Remissão parcial inicial: pelo período mínimo de um mês, porém inferior a 12 meses, um ou mais critérios para dependência ou abuso foram satisfeitos (mas os critérios completos para dependência não foram satisfeitos).
Dependência
1 mês
0-11 meses
Remissão completa mantida: nenhum dos critérios para dependência ou abuso foi satisfeito em qualquer época durante período igual ou superior a 12 meses.
Dependência
1 mês
11+ meses
Remissão parcial mantida: não foram satisfeitos todos os critérios para dependência por período igual ou superior a 12 meses; entretanto, um ou mais critérios para dependência ou abuso foram atendidos.
Dependência
1 mês
11+ meses
Os seguintes especificadores aplicam-se caso o indivíduo esteja em terapia com agonista ou em ambiente protegido: Em terapia com agonista: o indivíduo está usando medicamento agonista prescrito, e nenhum critério para dependência ou abuso foi satisfeito para esta classe de medicamentos pelo menos durante o ultimo mês (exceto tolerância ou abstinência). Esta categoria também se aplica aos indivíduos que estão sendo tratados para dependência com agonista parcial ou agonista/antagonista. Em ambiente protegido: o indivíduo está em ambiente onde o acesso ao álcool e a substâncias controladas é restrito, e nenhum critério para dependência ou abuso foi satisfeito pelo menos no último mês. Exemplos desses ambientes incluem prisões rigorosamente vigiadas e livres de substâncias, comunidades terapêuticas ou unidades hospitalares fechadas.
De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
nuo ou intermitente pela substância, para evitar estado disfórico. O DSM-IV-TR define o abuso de substâncias a partir da presença de pelo menos um sintoma específico, indicando que o uso da substância interfere na vida da pessoa (Tab. 12.1-5). Não se pode satisfazer o diagnóstico de abuso de substâncias para determinada substância antes de satisfazer os critérios para dependência da mesma. Co-dependência Os termos co-adicção, co-alcoolismo e, mais comum, co-dependência são usados para designar os padrões comportamentais de pessoas afetadas de forma significativa pelo uso ou pela dependência
de substâncias de um de seus familiares. Os termos são empregados de várias maneiras, e não há critérios estabelecidos para tal condição. Facilitação. Uma das primeiras e mais aceitas características da co-dependência ou co-adicção. Às vezes, os familiares sentem que têm pouco ou nenhum controle sobre os atos de facilitação. Seja por causa de pressões sociais para proteger e amparar os parentes ou por causa de interdependências patológicas, ou ambas, tal comportamento em geral resiste a modificações. Outras características da co-dependência incluem a falta de disposição em aceitar a dependência como doença. Os familiares continuam a se comportar como se usar a substância fosse voluntário e intencional (se não for malevolente) e como se o usuário se interessasse mais pelo álcool ou por drogas do que pelos membros de sua família.
416
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Isso resulta em sentimentos de raiva, rejeição e fracasso. Além desses sentimentos, os parentes podem se sentir culpados e deprimidos, uma vez que os dependentes, na tentativa de negar a perda do controle sobre as drogas e afastar o foco de preocupação do uso, muitas vezes responsabilizam outros membros da família, que, com freqüência, parecem dispostos a aceitar parte ou toda a responsabilidade. Negação. Os familiares, assim como os próprios usuários de substâncias, podem se comportar como se o uso da substância que está causando problemas óbvios não fosse realmente uma preocupação. Ou seja, negam sua existência. As razões para a indisposição em aceitar algo tão evidente variam. Às vezes, a negação é autoprotetora, no sentido de que os membros da família acreditam ser responsáveis pelo possível problema com álcool ou drogas. Como os próprios dependentes, os familiares co-dependentes não parecem dispostos a aceitar a noção de que é necessária uma intervenção externa e, apesar de fracassos repetidos, continuam a acreditar que maior força de vontade e esforços mais intensos de controle poderão restaurar a tranqüilidade. Quando as tentativas de controlar fracassam, atribuem o insucesso a si mesmos, e não ao dependente ou ao processo de doença, e, juntamente com o fracasso, surgem sentimentos de raiva, baixa autoestima e depressão.
EPIDEMIOLOGIA O Instituto Nacional de Abuso de Drogas (National Institute of Drug Abuse; NIDA) e outras agências conduzem pesquisas periódicas sobre o uso de substâncias ilícitas nos Estados Unidos. De modo geral, cerca de 40% da população relatam usar uma ou mais substâncias ilícitas em sua vida, e por volta de 15% o fizeram no último ano. A prevalência do abuso de substâncias é de 20%. Graus de escolaridade e níveis de renda mais baixos indicam história de dependência na vida (razão de chance acima de 2), mas a raça, a etnia ou o fato de viver em ambiente urbano, não. Também existem diferenças na probabilidade de que os usuários de determinada substância se tornem dependentes. Por exemplo, para a heroína, a taxa de dependência na vida para opiáceos é de 23%, para o tabaco, é de 32%, para a cocaína e o álcool é de 17%, mas para os agentes psicodélicos é de apenas 5%. Os homens que usam álcool são mais prováveis de se tornarem dependentes (21,4%) do que as mulheres (9,2%), possivelmente porque bebem mais, embora a genética também desempenhe papel importante. A Tabela 12.1-8 apresenta dados da National Household Survey on Drug Abuse (NHSDA) de 1998 sobre a porcentagem de respondentes que relatou usar várias drogas. Os números são apresentados para quatro grupos etários. Pessoas entre 18 e 25 anos de idade relataram o nível mais alto de uso de drogas ilícitas durante os 30 dias que precederam a entrevista, enquanto pessoas entre 26 e 34 anos tiveram a segunda taxa mais alta e marcaram experiência maior com cocaína. O uso de drogas ilícitas nos 30 dias anteriores à entrevista é muito mais prevalente entre os adultos jovens (idades de 18 a 34, particularmente entre 18 e 25 anos) do que entre aqueles com mais de 35 anos ou com menos de 18. Além disso, enquanto o uso recente é
mais comum em grandes áreas metropolitanas do que em áreas rurais, as diferenças regionais, raciais e étnicas variam conforme o grupo etário considerado. Com exceção do tabaco, todas as formas de abuso ou dependência de substâncias são mais comuns entre os homens do que entre as mulheres. Nos Estados Unidos, contudo, dados recentes indicam que quando se fazem ajustes para diferenças em taxas de uso e experimentação com drogas ilícitas, as mulheres são quase tão prováveis quanto os homens de se tornarem dependentes. O uso presente de substâncias ilícitas (nos últimos 30 dias) foi mais comum entre os homens (8,1%) do que entre as mulheres (4,2%), mais recorrente entre desempregados, e levemente mais comum entre negros e nos estados do oeste. Os dados epidemiológicos do DSM-IV-TR são apresentados nas seções sobre substâncias específicas.
Tendências A NHSDA de 2000 verificou que as taxas de uso de drogas ilícitas na população norte-americana permaneceram estáveis até 1999. Leve queda foi observada entre os adolescentes mais jovens. A pesquisa também mostrou que o consumo de cigarro decaiu entre jovens de 12 a 17 anos e nos adultos jovens entre 18 e 25 anos. O número estimado de 14 milhões de norte-americanos, ou 6,3% da população com 12 anos ou mais, relatou ter usado droga ilícita pelo menos uma vez durante os 30 dias que antecederam a entrevista. Entre os jovens com 12 a 17 anos, 9,7% eram usuários de drogas ilícitas em 2000, em comparação a 9,8% em 1999. O importante indicador do uso de drogas – a taxa de consumo no grupo mais jovem – sugere que esses números podem diminuir no futuro. Entre os jovens com 12 e 13 anos de idade, parte fundamental do público-alvo da National Youth Anti-Drug Media Campaign, a taxa de uso de drogas ilícitas no mês anterior reduziu de 3,9% em 1999 para 3% em 2000. Os padrões de uso apresentam variação substancial de acordo com a idade. Entre os jovens, as taxas aumentam com o passar dos anos, atingindo pico no grupo de 18 a 20 anos, com 19,6%. Após essa idade, tendem a ir diminuindo, exceto para os adultos entre 40 e 44 anos, cujas taxas de uso de drogas foram mais altas do que no grupo de 35 a 39 anos. As pessoas que estavam no começo da faixa de 40 anos em 2000 eram adolescentes na década de 1970, período em que a incidência e a prevalência do uso de drogas aumentaram de forma drástica. Cerca de 15,4% dos adultos desempregados eram usuários de substâncias ilícitas no ano 2000, comparados a 6,3% daqueles com empregos em tempo integral e a 7,8% dos com empregos em meio expediente. Dos 11,8 milhões de adultos usuários de drogas em 2000, 9,1 milhões (77%) tinham algum tipo de emprego. A maconha é a droga ilícita mais usada. Em 2000, era consumida por 76% dos usuários de substâncias ilícitas. Aproximadamente 59% dos usuários consumiam apenas maconha, 17% usavam maconha e outra droga ilícita, e os 24% restantes relataram usar substância ilícita além dessa. Um número estimado de 65,5 milhões de norte-americanos com 12 anos ou mais – 29,3% – relatou usar produto de tabaco no ano 2000. Destes, 55,7 milhões (24,9%) fumavam cigarros; 10,7 milhões
TRANSTORNOS RELACIONADOS A
SUBSTÂNCIAS
417
TABELA 12.1-8 Uso de substâncias ilícitas, álcool e tabaco na população norte-americana por grupos etários Uso ao longo da vida (%)
Uso no último ano (%)
12 a 17
18 a 25
26 a 34
>35
12 a 17
18 a 25
26 a 34
Qualquer substância 23,7 Maconha e haxixe 16,8 Cocaína 1,9 Crack 0,7 Inalantes 5,9 Alucinógenos 5,6 PCP 1,2 LSD 4,3 Heroína 0,5 Uso não-médico de 6,8 qualquer psicofármacoc Estimulantes 2,2 Sedativos 1,1 Tranqüilizantes 1,7 Analgésicos 5,5 Qualquer substância ilícita 13,0 além da maconhad Álcool 38,8 Uso “compulsivo” f de álcoole Uso pesado de álcoolc Cigarros 36,3 Tabaco sem fumaça 10,0
48,0 44,0 10,2 3,0 10,8 16,3 2,3 13,9 1,3 12,7
53,1 50,5 20,9 4,4 8,3 15,4 4,2 11,7 1,3 13,4
29,0 27,0 8,9 1,6 3,6 7,3 3,4 5,8 1,2 8,3
16,7 13,0 1,4 0,4 4,0 4,3 0,7 2,8 0,3 4,7
26,8 23,8 4,7 1,3 3,0 6,9 0,5 4,6 0,9 6,7
14,6 11,3 3,5 1,1 0,7 1,1 0,0 0,5 0,2 4,2
4,3 1,3 5,0 8,9
6,5 2,9 5,8 7,5
4,7 2,5 3,1 4,2
1,5 0,4 1,0 3,7
2,0 0,7 2,6 4,9
26,6 83,8
30,2 90,3
15,1 87,8
9,3 32,7
12,7 75,3
Substância ilícitaa
68,5 23,4
73,8 24,4
77,8 14,8
24,2 4,6
44,7 9,7
Uso no último mês (%) 12 a 17
18 a 25
26 a 34
15,6 13,2 2,0 0,6 1,0 2,3 0,1 0,9 0,4 2,9
8,4 6,3 1,5 0,5 0,3 0,2
0,0 1,8
9,0 7,1 0,6 0,2 1,7 2,0 0,2 0,8 0,2 1,9
0,1 0,1 1,9
0,0 0,9
1,3 0,5 1,6 2,5
0,4 0,2 0,7 1,1
0,5 0,2 0,2 1,5
0,6 0,3 0,9 2,0
0,4 0,2 0,5 1,1
0,3 0,0 0,4 0,5
7,2 77,2
2,7 64,9
4,6 18,8
6,3 60,0
3,6 61,6
1,4 51,7
29,1 2,9
7,2 2,9 18,3 1,9
32,0 12,9 38,3 6,1
22,8 7,1 35,0 4,9
11,3 3,8 27,0 2,3
39,2 7,2
>35 5,3 3,8 0,9 0,4 0,3 0,2 0,1 b
b
>35 2,9 2,0 0,4 0,2 0,1 0,1 0,0 b
aUso,
pelo menos uma vez, de maconha ou haxixe, cocaína (incluindo crack), inalantes, alucinógenos (incluindo PCP, LSD), heroína ou qualquer psicofármaco vendido sob prescrição e usado de forma não-médica. bBaixa precisão; sem estimativa relatada. cUso não-médico de qualquer estimulante, sedativo, tranqüilizante ou analgésico vendido sob prescrição, exceto substâncias vendidas sem prescrição. dUso, pelo menos uma vez, de qualquer uma dessas substâncias listadas, independentemente do consumo de maconha; usuários desta que também já usaram outras substâncias listadas são incluídos. eBeber cinco ou mais doses na mesma ocasião em pelo menos um dia nos últimos 30 dias. “Ocasião” significa ao mesmo tempo ou dentro de algumas horas. O uso pesado de álcool é definido como beber cinco ou mais doses na mesma ocasião em cinco ou mais dias seguidos nos últimos 30 dias; todos os usuários pesados de álcool também são “compulsivos”. fIndisponível. De National Household Survey on Drug Abuse, Substance Abuse and Mental Health Services Administration (SAMHSA). Office of Applied Studies, Department of Health and Human Services, dados preliminares, junho de 1997.
(4,8%), charutos; 7,6 milhões (3,4%), tabaco de mastigar; e 2,1 milhões (1%), cachimbos. Para os jovens entre 12 e 17 anos, a taxa de uso de cigarros caiu de 14,9% em 1999 para 13,4% em 2000. Essa redução resultou principalmente do declínio verificado entre meninos. Entre os jovens, a taxa de tabagismo foi mais alta em 2000 para as mulheres do que para os homens – 14,1 e 12,8%, respectivamente. As taxas de uso de cigarros entre os adultos jovens passaram de 39,7% em 1999 para 38,3% em 2000. As taxas de uso de álcool dos jovens de 12 a 20 anos e da população em geral permaneceram relativamente iguais nos últimos anos. Em 2000, quase a metade dos norte-americanos com 12 anos ou mais – 46,6%, ou 104 milhões de pessoas – relatou beber. A prevalência do uso de álcool aumenta com a idade, de 2,4% aos 12 anos para o pico de 65,2% entre jovens com 21 anos de idade. Por volta de 9,7 milhões de pessoas no grupo etário de 12 a 20 anos, ou 27,5%, relataram ter bebido álcool no último mês. Destes, 6,6 milhões, ou 18,7%, eram usuários compulsivos, e 2,1 milhões, ou 6%, consumidores pesados. A porcentagem de pessoas que relataram ter dirigido sob influência do álcool durante o último ano caiu de 10,9% em 1999 para 10% em
2000. Aqueles que dirigiram sob influência de drogas também apresentaram redução – de 3,4% em 1999 para 3,1% em 2000. O relatório observa que o uso de uma substância muitas vezes está ligado ao consumo de outras. Por exemplo, 4,6% dos jovens que fumaram cigarros também relataram usar substâncias ilícitas. A pesquisa baseia-se em amostra representativa da população norte-americana com 12 anos ou mais, incluindo pessoas que vivem em casa com a família e em residências de grupo, como dormitórios e albergues. No ano 2000, foram conduzidas entrevistas com mais de 71 mil indivíduos. Os resultados completos estão disponíveis no endereço www.samhsa.gov. (Também indica-se o Cap. 60, Atendimento de saúde em psiquiatria e medicina.)
ETIOLOGIA Sob determinado ponto de vista, o abuso e a dependência de substâncias resultam do ato de consumir determinada substância segundo padrão abusivo, mas esse tipo de simplificação não explica por que algumas pessoas desenvolvem abuso ou dependência e outras não. Como com todos os transtornos psiquiátricos,
418
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
as teorias causais iniciais partiram de modelos psicodinâmicos. Modelos subseqüentes sugeriram explicações comportamentais, genéticas ou neuroquímicas. Os modelos causais mais recentes para o abuso de substâncias estão relacionados à ampla variedade de teorias (Fig. 12.1-1). Fatores psicodinâmicos A variedade de teorias psicodinâmicas sobre o abuso de substâncias reflete as várias hipóteses populares que surgiram durante os últimos 100 anos. Segundo as teorias clássicas, o abuso de substâncias é o equivalente da masturbação (i.e., a necessidade de orgasmo), a defesa contra impulsos ansiosos ou a manifestação de regressão oral (i.e., dependência). Formulações psicodinâmicas recentes relacionam o uso de substâncias com a depressão ou o tratam como a reflexão de funções perturbadas do ego (i.e., a incapacidade de lidar com a realidade). As abordagens psicodinâmicas para pessoas que abusam de drogas são mais valorizadas e aceitas do que no tratamento daquelas com abuso de álcool. Ao contrário de “alcolista”, os indivíduos com abuso de múltiplas substâncias são mais prováveis de ter vivido infâncias instáveis, de se automedicar e de se beneficiar com psicoterapia. Quantidade considerável de pesquisas relaciona os transtornos da personalidade ao desenvolvimento de dependência de substâncias. Outras teorias psicossociais sugerem relações com a família e a sociedade em geral, e existem muitas razões para suspeitar de influência da sociedade no desenvolvimento de padrões de abuso e dependência. Os jornais estão cheios de histórias fascinantes sobre a cultura das drogas que permeia as áreas de pobreza urbana. As matérias, muitas vezes, descrevem crianças que são atraídas para esse contexto desde muito cedo. Ainda assim, mesmo com as pressões sociais, nem todas recebem diagnóstico de abuso
ou dependência de substâncias, fato que indica envolvimento de outros fatores causais. Teorias comportamentais Alguns modelos comportamentais do abuso de substâncias concentram-se no comportamento de buscar substâncias, e não nos sintomas da dependência física (Fig. 12.1-1). Para que um modelo comportamental tenha relevância para todas as substâncias, não pode estar sujeito à presença de sintomas de abstinência ou de tolerância. Muitas substâncias de abuso não estão associadas ao desenvolvimento de dependência fisiológica. Alguns pesquisadores levantam a hipótese de que quatro princípios comportamentais importantes operam para induzir o comportamento de busca. Os dois primeiros são as qualidades de algumas substâncias, como reforço positivo e seus efeitos adversos. A maioria produz experiência positiva após o primeiro uso e, assim, agem como reforço positivo para o comportamento de busca. Entretanto, muitas substâncias resultam em efeitos adversos, que reduzem o comportamento de busca. Conforme o terceiro e o quarto princípios, uma pessoa deve ser capaz de discriminar a substância de abuso de outras, e quase todo o comportamento de busca está associado a pistas relacionadas à experiência de consumir a substância. Fatores genéticos Evidências de estudos com gêmeos, adotados e irmãos que cresceram separadamente indicam que a causa do abuso de álcool tem componente genético. Dados menos conclusivos mostram que outros tipos de abuso ou dependência apresentam padrão genético de desenvolvimento. Pesquisadores recentemente
Comportamento de buscar substâncias Efeitos adversos Estímulos condicionados aos efeitos das substâncias
Efeitos característicos (dica) Efeito positivo (euforia) Alívio da ansiedade Aumento funcional
Contexto social
Mecanismos comportamentais
Efeito das substâncias como reforço positivo
Variáveis moduladoras
Mecanismos neurais
Alívio da abstinência
Monoaminas
Fatores genéticos História comportamental História farmacológica
Neuropeptídeos
FIGURA 12.1-1 Modelo psicofarmacológico da dependência como comportamento de consumir substâncias por meio de quatro processos: reforço positivo e efeitos característicos de substâncias e dos estímulos associados a elas (que facilitam a procura de substâncias) e efeitos adversos das mesmas (que enfraquecem o comportamento). Tais processos são comuns a substâncias de muitas classes. Um modelo detalhado para analisar efeitos, como o reforço positivo, é apresentado (análises semelhantes podem ser feitas para efeitos característicos e adversos); nesse nível, a importância relativa dos fatores apresentados no diagrama varia de forma considerável entre as classes de substâncias. (Reimpressa, com permissão, de Stolerman I. Drugs of abuse: Behavior principles, methods and terms. Trends Pharmacol Sci. 1992;13:171.)
TRANSTORNOS RELACIONADOS A
usaram o polimorfismo no comprimento de fragmento de restrição (RFLP – restriction fragment lenght polymorphism) no estudo do abuso e dependência de substâncias, e já foram publicados alguns relatos de associações a ele.
SUBSTÂNCIAS
419
dependência de álcool ou drogas (excluindo dependência de tabaco) também são muito mais prováveis de preencher os critérios para outros transtornos psiquiátricos. Transtorno da personalidade anti-social
Fatores neuroquímicos Receptores e sistemas de receptores. Com exceção do álcool, foram identificados determinados neurotransmissores ou receptores envolvidos com a maioria das substâncias de abuso, e alguns pesquisadores baseiam seus estudos nessas hipóteses. Os opiáceos, por exemplo, atuam sobre os receptores opiáceos. Uma pessoa com pouca atividade de opiáceos endógenos (p. ex., baixa concentração de endorfinas) ou com atividade excessiva de um de seus antagonistas pode apresentar risco de desenvolver dependência de opiáceos. Mesmo em indivíduo com funcionamento dos receptores endógenos e concentração de neurotransmissores completamente normais, o consumo de determinada substância de abuso a longo prazo pode modular os sistemas de receptores no cérebro, de modo que a presença da substância exógena seja necessária para manter a homeostase. Atuando no nível dos receptores, esse processo pode consistir no mecanismo para desenvolver tolerância no sistema nervoso central (SNC). Contudo, é difícil demonstrar a modulação da liberação de neurotransmissores e do funcionamento dos receptores, e as pesquisas recentes se concentram nos efeitos de substâncias sobre o sistema de segundos-mensageiros e sobre a regulação genética. Vias e neurotransmissores. Os principais neurotransmissores que podem estar envolvidos no desenvolvimento de abuso e dependência de substâncias são os sistemas de opiáceos, de catecolaminas (sobretudo a dopamina) e do ácido γ-aminobutírico (GABA) (Fig. 12.1-2). Os neurônios dopaminérgicos da área tegmentar ventral são particularmente importantes. Estes se projetam para as regiões cortical e límbica, em especial o nucleus accumbens. Tal via provavelmente esteja envolvida na sensação de recompensa e pode ser o principal mediador dos efeitos de substâncias como a anfetamina e a cocaína. O locus ceruleus, o maior núcleo de neurônios adrenérgicos, regula os efeitos dos opiáceos e dos opióides. Essas vias são coletivamente chamadas de circuitos de recompensa do cérebro.
Em vários estudos, de 35 a 60% dos pacientes com abuso ou dependência de substâncias também satisfizeram os critérios diagnósticos para transtorno da personalidade anti-social. A proporção é ainda mais alta quando os investigadores incluem aqueles que preenchem todos os critérios diagnósticos para o transtorno, exceto o requisito de que os sintomas tenham iniciado em idade precoce. Ou seja, uma porcentagem elevada de pacientes com diagnósticos de abuso ou dependência de substâncias apresentam padrão de comportamento anti-social, independentemente de o transtorno estar presente antes de começar o uso da substância ou se iniciou durante seu curso. É mais provável que os pacientes com esse diagnóstico usem mais substâncias ilegais, tenham mais psicopatologias, estejam menos satisfeitos com suas vidas e sejam mais impulsivos, isolados e depressivos do que aqueles que sofrem de apenas o transtorno da personalidade anti-social. Depressão e suicídio Os sintomas depressivos são comuns entre pessoas diagnosticadas com abuso e dependência de substâncias. Entre um terço e metade de todos aqueles com abuso ou dependência de opiáceos e em torno de 40% dos que têm abuso ou dependência de álcool satisfazem os critérios para transtorno depressivo maior em algum momento de suas vidas. O uso de substâncias também é um importante fator precipitador do suicídio. As pessoas que consomem substâncias em níveis abusivos têm 20 vezes mais chance de morrer de suicídio do que a população em geral. Por volta de 15% desse grupo comete suicídio. Essa freqüência somente fica atrás da observada em indivíduos com transtorno depressivo maior. TRATAMENTO E REABILITAÇÃO
CO-MORBIDADE A co-morbidade é a co-ocorrência de dois ou mais transtornos psiquiátricos em um único paciente. Alta prevalência de transtornos psiquiátricos adicionais é encontrada em pessoas que procuram tratamento para dependência de álcool, cocaína ou opiáceos. Embora os indivíduos com problemas psiquiátricos sejam os mais prováveis de procurar tratamento, aqueles que não o fazem não estão necessariamente livres de psicopatologias co-mórbidas. Estes últimos podem ter grupos de apoio social que lhes possibilite negar o impacto que o uso da droga está tendo em suas vidas. Dois grandes estudos epidemiológicos mostraram que, mesmo entre amostras representativas da população, aqueles que satisfazem os critérios para abuso e
Algumas pessoas que desenvolvem problemas relacionados ao uso de substâncias se recuperam sem tratamento formal, especialmente à medida que envelhecem. Para aquelas com transtornos menos graves, como a dependência de nicotina, intervenções relativamente breves costumam ser tão efetivas quanto tratamentos mais intensivos. Como essas intervenções não interferem no ambiente, não alteram as mudanças cerebrais induzidas pelas substâncias e não proporcionam novas habilidades, a melhor explicação para seu impacto sobre o comportamento de usar drogas provavelmente seja na motivação do paciente (alterações cognitivas). Para indivíduos que não respondem ou cuja dependência é mais grave, diferentes abordagens parecem ser efetivas. É importante distinguir técnicas ou procedimentos específicos (p. ex., terapia individual, terapia familiar, terapia de
420
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
ICSS
GABA ENK GABA Acc DA VTA Anfetamina Cocaína Opiáceos THC Fenciclidina Cetamina Nicotina
NE
Opiáceos Álcool? Barbitúricos? Benzodiazepínicos?
LC
Barbitúricos? Benzodiazepínicos?
FIGURA 12.1-2 Circuitos de recompensa do cérebro de um mamífero (rato de laboratório), com sítios nos quais várias substâncias de abuso parecem agir para aumentar a recompensa cerebral e, assim, induzir o comportamento de usar substâncias e, possivelmente, o desejo. ICSS, o componente descendente, mielinizado e de condução moderadamente rápida do circuito de recompensa cerebral que é ativado por autoestimulação elétrica intracraniana; DA, o subcomponente do sistema dopaminérgico mesolímbico ascendente que parece ser ativado por substâncias de abuso; LC, locus ceruleus; VTA, área tegmentar ventral; Acc, nucleus accumbens; ENK, encefalinas; NE, fibras noradrenérgicas, que se originam no locus ceruleus e fazem sinapse nas adjacências dos campos celulares mesencefálicos ventrais do DA; GABA, os sistemas de fibras inibitórias GABAérgicas que realizam sinapses nas fibras noradrenérgicas do locus ceruleus e nos campos celulares mesencefálicos ventrais do DA. (Reimpressa, com permissão, de Gardner E. Brain reward mechanism. In: Lowinson JH, Ruiz P, Millman RB, eds. Substance Abuse: A Comprehensive Textbook. 2nd ed. Baltimore: Williams & Wilkins; 1992:87.)
grupo, prevenção de recaídas e farmacoterapia) de programas de tratamento. A maioria dos programas usa vários procedimentos específicos e envolve diversas áreas profissionais e nãoprofissionais com habilidades especiais ou experiências pessoais com o problema a ser tratado. Os melhores programas de tratamento combinam procedimentos específicos para atender as necessidades individuais do paciente após diagnóstico minucioso. Não existe classificação única aceita para os procedimentos específicos usados no tratamento ou para programas que empregam várias combinações de abordagens. A falta de terminologia padronizada representa limitação, mesmo quando o campo de interesse se restringe ao tratamento de problemas com uma única substância, como o álcool, o tabaco ou a cocaína. Com exceção de projetos de pesquisa cuidadosamente monitorados, mesmo as definições de procedimentos específicos (p. ex., orientação individual, terapia de grupo e manutenção com metadona) tendem a ser tão imprecisas que não há como inferir que efeitos estão ocorrendo. Todavia, por razões descritivas, os programas são agrupados de forma simples, com base em uma ou mais de suas características visíveis: se visa apenas a controlar a abstinência aguda e as conseqüências de seu uso recente (desintoxicação) ou se concentra-se em
mudanças comportamentais de longo prazo; se faz um uso intensivo de intervenções farmacológicas; e o grau em que se apóia em psicoterapia individual, Alcoólatras Anônimos (AA) ou outros grupos que seguem princípios de 12 passos ou em diretrizes terapêuticas comunitárias. Por exemplo, as agências governamentais recentemente categorizaram programas públicos de tratamento, como a manutenção com metadona (a maioria para pacientes ambulatoriais), programas para pessoas em abstinência, comunidades terapêuticas ou programas de curta duração para indivíduos internados. Selecionando o tratamento Nem todas as intervenções são aplicáveis a todas as variedades de uso ou dependência de substâncias, e algumas das mais coercitivas usadas para drogas ilícitas não se aplicam a substâncias legalmente disponíveis, como o tabaco. Os comportamentos adictivos não mudam de forma abrupta, mas mediante uma série de estágios, divididos em cinco níveis: pré-contemplação, contemplação, preparação, ação e manutenção. Para alguns tipos de dependências, a aliança terapêutica é aperfeiçoada quando a abordagem de tratamento é projetada para o
TRANSTORNOS RELACIONADOS A
estágio de disponibilidade do paciente para a mudança. Intervenções para certos transtornos causados pelo uso de substâncias podem ter agente farmacológico específico como componente importante, por exemplo, dissulfiram, naltrexona ou acamprosato para alcoolismo; metadona, acetato de levometadil (LAAM) ou buprenorfina para a dependência de heroína; e dispositivos de injeção de nicotina ou bupropiona para a dependência de tabaco. Nem todas as intervenções são úteis para os profissionais de saúde. Por exemplo, muitos jovens infratores com história de uso ou dependência de drogas hoje são remanejados para estabelecimentos especiais (casa de correção disciplinar), outros programas para infratores (e, às vezes, para empregados) baseiam-se quase exclusivamente no efeito de intimidação por meio de exames de urina freqüentes, e uma terceira alternativa emprega a conversão religiosa ou a dedicação a seita ou grupo religioso específico como recurso para vetar tal comportamento. Ao contrário dos numerosos achados que sugerem algum valor em intervenções breves para o tabagismo e o alcoolismo, existem poucos estudos controlados de abordagens breves para dependência de drogas ilícitas. De modo geral, essas intervenções (como algumas semanas de desintoxicação, dentro ou fora do hospital) usadas por pessoas gravemente dependentes de opiáceos ilícitos têm efeito limitado sobre o resultado verificado alguns meses depois. Reduções substanciais no uso de drogas ilícitas, comportamentos anti-sociais e transtornos psiquiátricos em pacientes dependentes de cocaína ou heroína são muito mais prováveis de ocorrer após tratamentos que durem pelo menos três meses. O efeito do tempo de tratamento é visto em muitas modalidades diferentes, desde comunidades terapêuticas residenciais a programas ambulatoriais de manutenção com metadona. Embora alguns pareçam se beneficiar com dias ou semanas de tratamento, uma porcentagem substancial de usuários de drogas ilícitas abandona (ou é desligada) o programa antes de alcançar benefícios significativos. Parte da variância observada nos resultados terapêuticos pode ser atribuída a diferenças nas características de pacientes que começam o tratamento e a eventos e condições após o mesmo. Todavia, programas com base em princípios filosóficos semelhantes e que usam procedimentos terapêuticos com certas características em comum podem variar bastante em efetividade. Algumas dessas diferenças refletem a variedade e a intensidade dos serviços oferecidos. Os programas que têm pessoal com formação profissional e que prestam serviços mais abrangentes a pacientes com dificuldades psiquiátricas mais graves têm mais chances de conseguir mantê-los em tratamento e ajudá-los a fazer mudanças mais positivas. Essas generalizações com relação aos programas para usuários de drogas ilícitas podem não se aplicar a abordagens que lidam com aqueles que procuram tratamento para problemas com álcool, tabaco e até maconha, sem complicações devido ao uso pesado. Nesses casos, períodos relativamente breves de orientação individual ou em grupo podem produzir reduções duradouras no uso de drogas. Os resultados esperados em programas que lidam com drogas ilícitas costumam incluir medidas de funcionamento social, emprego e atividade criminal, bem como redução do uso da droga.
SUBSTÂNCIAS
421
Tratamento de co-morbidade – integrado versus concomitante O tratamento de doentes mentais graves (principalmente aqueles com esquizofrenia e transtornos esquizoafetivos) que também são dependentes de substâncias continua a representar um desafio para os clínicos. Mesmo tendo sido desenvolvidas instalações especiais para usar princípios de comunidade terapêutica e drogas antipsicóticas, em sua maioria, os órgãos especializados na intervenção da dependência têm dificuldade para tratar esses pacientes. Em geral, o tratamento integrado, no qual a mesma equipe trata o transtorno psiquiátrico e a dependência, é mais efetivo do que abordagem paralela (programa de saúde mental e dependência que proporciona cuidados de forma concomitante) ou seqüencial (tratar a dependência ou o transtorno psiquiátrico primeiramente e depois lidar com a condição co-mórbida). Serviços e resultado A extensão do managed care ao setor público produziu grande redução no uso de serviços hospitalares de desintoxicação e o quase desaparecimento dos programas residenciais de reabilitação para alcoolistas. Infelizmente, essas organizações tendem a supor que os cursos de orientação breve que são efetivos para alcoolistas do setor privado também sejam eficazes para dependentes de drogas ilícitas com apoios sociais mínimos. No momento, a tendência é proporcionar o cuidado com o menor custo no período mais curto e ignorar os estudos que mostram que mais serviços produzem resultados melhores a longo prazo. O tratamento constitui gasto social que vale a pena. Por exemplo, o tratamento ambulatorial de usuários de drogas que são anti-sociais pode reduzir tal comportamento e as taxas de contágio com HIV, de maneira a compensar o custo da abordagem terapêutica. O tratamento em penitenciárias pode diminuir os custos associados ao uso de drogas e a novas detenções após a saída. Apesar dessas evidências, existem dificuldades para obter o apoio dos setores público e privado para tal abordagem. Isso sugere que esses problemas continuam a ser vistos, pelo menos em parte, mais como falhas morais do que como condições médicas. CID-10 A abordagem usada na décima revisão da Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-10) difere um pouco do enfoque do DSM-IV-TR. Na seção intitulada “Transtornos mentais e do comportamento devido ao uso de substâncias psicoativas”, o termo substâncias psicoativas refere-se a álcool, opiáceos, canabinóides, sedativos e hipnóticos, cocaína, outros estimulantes, como cafeína, alucinógenos, tabaco, solventes voláteis, drogas múltiplas e outras substâncias psicoativas (Tab. 12.1-9). Assim, os solventes são considerados psicoativos, embora sua ingestão acidental não seja mencionada. A CID-10 não faz distinção entre substâncias legais ou ilegais, mas estipula que as mesmas podem ou não ter sido prescritas pelo médico.
422
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Os transtornos relacionados ao uso de substâncias psicoativas são descritos como mentais ou comportamentais, com diretrizes diagnósticas para identificar a substância e para determinar a natureza específica do transtorno. Quando adequado, são apresentadas referências a outras categorias. Por exemplo, em transtorno psicótico, na seção sobre o uso de substâncias, a CID-10 menciona esquizofrenia, transtorno do humor e
transtorno da personalidade paranóide ou esquizóide como possíveis diagnósticos para transtornos mentais “agravados ou precipitados pelo uso de substâncias psicoativas”. Além disso, traz uma categoria separada para substâncias que não produzem dependência (Tab. 12.1-10), incluindo antidepressivos, laxantes, analgésicos e vitaminas, entre outros. O DSM-IV-TR não contém categoria semelhante.
TABELA 12.1-9 Critérios diagnósticos da CID-10 para transtornos mentais e do comportamento devido ao uso de substâncias psicoativas Transtorno mental e do comportamento devido ao uso de álcool Transtorno mental e do comportamento devido ao uso de opiáceos Transtorno mental e do comportamento devido ao uso de canabinóides Transtorno mental e do comportamento devido ao uso de sedativos ou hipnóticos Transtorno mental e do comportamento devido ao uso de cocaína Transtorno mental e do comportamento devido ao uso de outros estimulantes, incluindo cafeína Transtorno mental e do comportamento devido ao uso de alucinógenos Transtorno mental e do comportamento devido ao uso de tabaco Transtorno mental e do comportamento devido ao uso de solventes voláteis Transtorno mental e do comportamento devido ao uso de drogas múltiplas e outras substâncias psicoativas Intoxicação aguda G1. Deve haver evidência clara do uso recente de substância psicoativa (ou mais) em doses suficientemente altas para ser condizente com intoxicação. G2. Deve haver sintomas ou sinais de intoxicação compatíveis com as ações conhecidas de determinada substância (ou substâncias), conforme especificado a seguir, e de gravidade suficiente para produzir perturbações no nível de consciência, cognição, percepção, afeto ou comportamento que sejam de importância clínica. G3. Os sintomas ou sinais presentes não podem ser explicados por distúrbio médico não relacionado ao uso de substâncias, e não são melhor explicados por outro transtorno mental ou do comportamento. A intoxicação aguda ocorre com freqüência em pessoas que têm problemas mais persistentes relacionados à dependência de álcool ou drogas. Quando tais problemas estiverem presentes, por exemplo, uso prejudicial, síndrome de dependência ou transtorno psicótico, devem ser registrados. Os seguintes especificadores podem ser usados para indicar se a intoxicação aguda estava associada a alguma complicação: Não-complicada Sintomas de gravidade variada, em geral dependente da dose Com trauma ou outro ferimento corporal Com outras complicações médicas. Exemplos são hematêmese, inalação de vômito Com delirium Com distorções perceptivas Com coma Com convulsões Intoxicação patológica Aplica-se apenas ao álcool Intoxicação aguda devido ao uso de álcool A. Os critérios gerais para intoxicação aguda devem ser satisfeitos. B. Deve haver comportamento disfuncional, conforme evidenciado por pelo menos um dos seguintes: (1) desinibição (2) argumentação (3) agressividade (4) instabilidade do humor
(5) atenção comprometida (6) julgamento comprometido (7) interferência no funcionamento pessoal C. Pelo menos um dos seguintes sinais deve estar presente: (1) marcha instável (2) dificuldade para ficar de pé (3) fala arrastada (4) nistagmo (5) nível de consciência reduzido (p. ex., estupor, coma) (6) rubor facial (7) injeção conjuntiva
Comentário Quando grave, a intoxicação aguda pode vir acompanhada de hipotensão, hipotermia e depressão do reflexo do palato que previne afogamento. Se desejado, o nível de álcool no sangue pode ser especificado. Intoxicação patológica com álcool Nota. O status dessa condição está sendo examinado. Os critérios de pesquisa devem ser considerados experimentais. A. O critério geral para intoxicação aguda deve ser satisfeito, com exceção de que a intoxicação patológica ocorre após beber quantidades de álcool insuficientes para causar intoxicação na maioria das pessoas. B. Presença de comportamento agressivo ou fisicamente violento que não é típico da pessoa, quando sóbria. C. A intoxicação ocorre muito rapidamente (em geral alguns minutos) após o consumo. D. Não existem evidências de distúrbio cerebral orgânico ou transtornos mentais. Comentário Esta condição é incomum. Os níveis de álcool no sangue encontrados neste transtorno são mais baixos do que os que causariam intoxicação na maioria das pessoas, isto é, abaixo de 40 mg/100 mL. Intoxicação aguda devido ao uso de opiáceos A. Os critérios gerais para intoxicação aguda devem ser satisfeitos. B. Deve haver comportamento disfuncional, conforme evidenciado por pelo menos um dos seguintes: (1) apatia e sedação (2) desinibição (3) retardo psicomotor (4) atenção comprometida (5) julgamento comprometido (6) interferência no funcionamento pessoal C. Pelo menos um dos seguintes sinais deve estar presente: (1) torpor (2) fala arrastada (3) miose (exceto na anoxia por superdosagem grave, quando há midríase) (4) redução no nível de consciência (p. ex., estupor, coma) Comentário Quando grave, a intoxicação aguda pode vir acompanhada por depressão respiratória (e hipoxia), hipotensão e hipotermia. Intoxicação aguda devido ao uso de canabinóides (continua)
TRANSTORNOS RELACIONADOS A
SUBSTÂNCIAS
423
TABELA 12.1-9 (continuação) A. Os critérios gerais para intoxicação aguda devem ser satisfeitos. B. Deve haver comportamento disfuncional ou anormalidades perceptivas, incluindo pelo menos um dos seguintes: (1) euforia e desinibição (2) ansiedade ou agitação (3) desconfiança ou ideação paranóide (4) retardamento temporal (sensação de que o tempo está passando muito lentamente, e/ou que a pessoa está experimentando fluxo de idéias rápido) (5) julgamento comprometido (6) atenção comprometida (7) tempo de reação comprometido (8) ilusões auditivas, visuais ou táteis (9) alucinações com orientação preservada (10) despersonalização (11) desrealização (12) interferência no funcionamento pessoal C. Pelo menos um dos seguintes sinais deve estar presente: (1) maior apetite (2) boca seca (3) injeção conjuntiva (4) taquicardia Intoxicação aguda devido ao uso de sedativos ou hipnóticos A. Os critérios gerais para intoxicação aguda devem ser satisfeitos. B. Presença de comportamento disfuncional, conforme evidenciado por pelo menos um dos seguintes: (1) euforia e desinibição (2) apatia e sedação (3) abuso ou agressividade (4) instabilidade do humor (5) atenção comprometida (6) amnésia anterógrada (7) desempenho psicomotor comprometido (8) interferência no funcionamento pessoal C. Pelo menos um dos seguintes sinais deve estar presente: (1) marcha instável (2) dificuldade para ficar de pé (3) fala arrastada (4) nistagmo (5) nível de consciência reduzido (p. ex., estupor, coma) (6) lesões cutâneas eritematosas ou bolhas
Comentário Quando grave, a intoxicação pode vir acompanhada de hipotensão, hipotermia e depressão do reflexo do palato que previne afogamento. Intoxicação aguda devido ao uso de cocaína A. Os critérios gerais para intoxicação aguda devem ser satisfeitos. B. Deve haver comportamento disfuncional ou anormalidades perceptivas, conforme evidenciado por pelo menos um dos seguintes: (1) euforia e sensação de maior energia (2) hipervigilância (3) crenças ou atos grandiosos (4) abuso ou agressividade (5) argumentação (6) instabilidade do humor (7) comportamentos estereotipados repetitivos (8) ilusões auditivas, visuais ou táteis (9) alucinações, geralmente com orientação intacta (10) ideação paranóide (11) interferência no funcionamento pessoal C. Pelo menos dois dos seguintes sinais devem estar presentes: (1) taquicardia (às vezes bradicardia) (2) arritmias cardíacas (3) hipertensão (às vezes hipotensão)
(4) (5) (6) (7) (8) (9) (10) (11)
sudorese e calafrios náuseas ou vômitos perda de peso midríase agitação psicomotora (às vezes retardo) fraqueza muscular dores torácicas convulsões
Comentário A interferência no funcionamento pessoal é mais visível nas interações sociais de usuários de cocaína, que variam de gregarismo extremo a retraimento social. Intoxicação agudo devido ao uso de outros estimulantes, incluindo cafeína A. Os critérios gerais para intoxicação aguda devem ser satisfeitos. B. Deve haver comportamento disfuncional ou anormalidades perceptivas, conforme evidenciado por um dos seguintes: (1) euforia e sensação de maior energia (2) hipervigilância (3) crenças e atos grandiosos (4) abuso ou agressividade (5) argumentação (6) instabilidade do humor (7) comportamentos estereotipados repetitivos (8) ilusões auditivas, visuais ou táteis (9) alucinações, geralmente com orientação intacta (10) ideação paranóide (11) interferência no funcionamento pessoal C. Pelo menos dois dos seguintes sinais devem estar presentes: (1) taquicardia (às vezes bradicardia) (2) arritmias cardíacas (3) hipertensão (às vezes hipotensão) (4) sudorese e calafrios (5) náuseas ou vômitos (6) perda de peso (7) midríase (8) agitação psicomotora (às vezes retardo) (9) fraqueza muscular (10) dores torácicas (11) convulsões Comentário A interferência no funcionamento pessoal é mais visível nas interações sociais de usuários de substâncias, que variam de gregarismo extremo a retraimento social. Intoxicação aguda devido ao uso de alucinógenos A. Os critérios gerais para intoxicação aguda devem ser satisfeitos. B. Deve haver comportamento disfuncional ou anormalidades perceptivas, conforme evidenciado por pelo menos um dos seguintes: (1) ansiedade e medo (2) ilusões auditivas, visuais ou táteis ou alucinações que ocorrem em estado de vigília ou alerta total (3) despersonalização (4) desrealização (5) ideação paranóide (6) idéias de referência (7) instabilidade do humor (8) hiperatividade (9) atos impulsivos (10) atenção comprometida (11) interferência no funcionamento pessoal C. Pelo menos um dos seguintes sinais deve estar presente: (1) taquicardia (2) palpitações (3) sudorese e calafrios (4) tremor (continua)
424
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 12.1-9 (continuação) (5) visão turva (6) midríase (7) descoordenação Intoxicação aguda devido ao uso de tabaco (intoxicação aguda com nicotina) A. Os critérios gerais para intoxicação aguda devem ser satisfeitos. B. Deve haver comportamento disfuncional ou anormalidades perceptivas, conforme evidenciado por pelo menos um dos seguintes: (1) insônia (2) sonhos bizarros (3) instabilidade do humor (4) desrealização (5) interferência no funcionamento pessoal C. Pelo menos um dos seguintes sinais deve estar presente: (1) náuseas ou vômitos (2) sudorese (3) taquicardia (4) arritmias cardíacas Intoxicação aguda devido ao uso de solventes voláteis A. Os critérios gerais para intoxicação aguda devem ser satisfeitos. B. Deve haver comportamento disfuncional ou anormalidades perceptivas, conforme evidenciado por pelo menos um dos seguintes: (1) apatia e letargia (2) argumentação (3) abuso ou agressividade (4) instabilidade do humor (5) julgamento comprometido (6) atenção e memória comprometidas (7) retardo psicomotor (8) interferência no funcionamento pessoal C. Pelo menos um dos seguintes sinais deve estar presente: (1) marcha instável (2) dificuldade para ficar de pé (3) fala arrastada (4) nistagmo (5) nível de consciência reduzido (p. ex., estupor, coma) (6) fraqueza muscular (7) visão turva ou diplopia
Comentário A intoxicação aguda por inalação de substâncias além de solventes também deve ser codificada. Quando grave, a intoxicação aguda com solventes voláteis pode vir acompanhada de hipotensão, hipotermia e depressão do reflexo do palato que previne afogamento. Intoxicação aguda devido ao uso de drogas múltiplas e de outras substâncias psicoativas Esta categoria deve ser usada quando houver evidência de intoxicação causada pelo uso recente de outras substâncias psicoativas (p. ex., fenciclidina) ou de múltiplas substâncias psicoativas, quando a substância predominante estiver incerta. Uso prejudicial A. Deve haver evidências claras de que o uso da substância foi responsável (ou contribuiu de forma substancial) pelo prejuízo físico ou psicológico, incluindo julgamento comprometido ou comportamento disfuncional, que pode levar a incapacitações ou conseqüências adversas para relacionamentos interpessoais. B. A natureza do prejuízo deve ser claramente identificada (e especificada). C. O padrão de uso persiste há, pelo menos, um mês ou ocorreu repetidamente em 12 meses.
D. O transtorno não satisfaz os critérios para qualquer outra doença mental ou do comportamento relacionada à mesma substância no mesmo período (exceto intoxicação aguda). Síndrome de dependência A. Três ou mais das seguintes manifestações devem ter ocorrido juntas por, pelo menos, um mês ou, se persistindo por períodos inferiores a este, devem ter ocorrido juntas várias vezes em 12 meses: (1) forte desejo ou compulsão de ingerir a substância (2) capacidade comprometida de controlar o comportamento de consumir a substância no início, no término ou nos níveis de uso, evidenciada por consumo em quantidades maiores ou por período mais longo do que o pretendido; ou por desejo persistente ou esforços malsucedidos para reduzir ou controlar o consumo (3) estado de abstinência psicológica quando o uso da substância é reduzido ou interrompido, evidenciado pela síndrome de abstinência característica da substância, ou pelo uso da mesma (ou alguma relacionada) com a intenção de aliviar ou evitar os sintomas de abstinência (4) evidências de tolerância aos efeitos da substância, de modo que haja a necessidade de quantidades muito maiores para alcançar a intoxicação ou o efeito desejado ou efeito notavelmente reduzido com o uso continuado da mesma quantidade da substância (5) preocupação com o uso da substância, manifestada pelo abandono ou redução de prazeres importantes ou interesses alternativos por causa da droga; ou grande quantidade de tempo gasta em atividades necessárias para obter, ingerir e se recuperar dos seus efeitos (6) uso persistente da substância, apesar de evidências claras de conseqüências prejudiciais, evidenciadas pelo uso continuado quando o indivíduo está ciente, ou pode-se esperar que esteja, da natureza e da extensão do dano O diagnóstico de síndrome de dependência também pode ser especificado pelo seguinte: Abstinente atual Remissão inicial Remissão parcial Remissão completa Abstinente atual, mas em ambiente protegido (p. ex., hospital, comunidade terapêutica, penitenciária, etc.) Atualmente em regime de substituição ou manutenção com supervisão clínica (dependência controlada) (p. ex., metadona; goma de mascar ou emplastro de nicotina) Abstinente atual recebendo tratamento com substâncias adversas ou bloqueadoras (p. ex., naltrexona ou dissulfiram) Atualmente usando a substância (dependência ativa) Sem características físicas Com características físicas O curso da dependência também pode ser especificado, se desejado, da seguinte maneira: Uso contínuo Uso episódico (dipsomania) Estado de abstinência G1. Deve haver evidência clara de cessação ou redução recente do uso da substância após consumo prolongado e/ou em doses elevadas. G2. Os sintomas e sinais são compatíveis com as características conhecidas do estado de abstinência da substância ou de substâncias específicas (ver a seguir). G3. Os sintomas e sinais não são explicados por distúrbio médico não-relacionado a uso de substância, e não são melhor explicados por outro transtorno mental ou comportamental.
(continua)
TRANSTORNOS RELACIONADOS A
SUBSTÂNCIAS
425
TABELA 12.1-9 (continuação) O diagnóstico de estado de abstinência também pode ser especificado pelo uso dos seguintes especificadores: Não-complicado Com convulsões Estado de abstinência de álcool A. Os critérios gerais para o estado de abstinência devem ser satisfeitos. B. Qualquer um dos seguintes sinais deve estar presente: (1) tremor de língua, pálpebras ou mãos estendidas (2) sudorese (3) náuseas, ânsia ou vômito (4) taquicardia ou hipertensão (5) agitação psicomotora (6) cefaléia (7) insônia (8) mal-estar ou fraqueza (9) alucinações ou ilusões visuais, táteis ou auditivas transitórias (10) convulsões de grande mal
Comentário Se houver presença de delirium, o diagnóstico deve ser de estado de abstinência de álcool com delirium (delirium tremens). A. Os critérios gerais para estado de abstinência devem ser satisfeitos. (Observe que o estado de abstinência de opióide também pode ser induzido pela administração de um antagonista de opióide após breve episódio de uso da substância.) B. Três dos seguintes sinais devem estar presentes: (1) desejo de droga opióide (2) rinorréia ou espirros (3) lacrimação (4) dores e cãibras musculares (5) cólicas abdominais (6) náusea ou vômito (7) diarréia (8) midríase (9) piloereção ou calafrios recorrentes (10) taquicardia ou hipertensão (11) bocejos (12) sono agitado Estado de abstinência de canabinóides Nota. Esta é uma síndrome mal definida para a qual não podem ser estabelecidos critérios diagnósticos definitivos no momento. Ocorre após a cessação do uso prolongado de cannabis em doses elevadas, e dura de algumas horas a sete dias. Seus sintomas e sinais incluem ansiedade, irritabilidade, tremor das mãos estendidas, sudorese e dores musculares. Estado de abstinência de sedativos ou hipnóticos A. Os critérios gerais para o estado de abstinência devem ser satisfeitos. B. Três dos seguintes sinais devem estar presentes: (1) tremor de língua, pálpebras ou mãos estendidas (2) náusea ou vômito (3) taquicardia (4) hipotensão postural (5) agitação psicomotora (6) cefaléia (7) insônia (8) mal-estar ou fraqueza (9) alucinações ou ilusões visuais, táteis ou auditivas transitórias (10) ideação paranóide (11) convulsões de grande mal Comentário Se houver presença de delirium, o diagnóstico deve ser estado de abstinência de sedativo ou hipnótico com delirium.
Estado de abstinência de cocaína A. Os critérios gerais para estado de abstinência devem ser satisfeitos. B. Presença de humor disfórico (p. ex., tristeza ou anedonia). C. Dois dos seguintes sinais devem estar presentes: (1) letargia e fadiga (2) retardo ou agitação psicomotores (3) desejo por cocaína (4) maior apetite (5) insônia ou hipersônia (6) sonhos bizarros ou desagradáveis Estado de abstinência de outros estimulantes, incluindo cafeína A. Os critérios gerais para estado de abstinência devem ser satisfeitos. B. Presença de humor disfórico (p. ex., tristeza ou anedonia). C. Dois dos seguintes sinais devem estar presentes: (1) letargia e fadiga (2) retardo ou agitação psicomotores (3) desejo por substâncias estimulantes (4) maior apetite (5) insônia ou hipersonia (6) sonhos bizarros ou desagradáveis Estado de abstinência de alucinógenos Nota. Não existe estado de abstinência de alucinógenos reconhecido. Estado de abstinência de tabaco A. Os critérios gerais para estado de abstinência devem ser satisfeitos. B. Dois dos seguintes sinais devem estar presentes: (1) desejo por tabaco (ou outros produtos que contenham nicotina) (2) mal-estar ou fraqueza (3) ansiedade (4) humor disfórico (5) irritabilidade ou inquietação (6) insônia (7) maior apetite (8) tosse (9) ulceração na boca (10) dificuldade para se concentrar Estado de abstinência de solventes voláteis Nota. Não existem informações adequadas sobre estados de abstinência de solventes voláteis. Estado de abstinência de drogas múltiplas Estado de abstinência com delirium A. Os critérios gerais para estado de abstinência devem ser satisfeitos. B. Os critérios para delirium devem ser satisfeitos. O diagnóstico de estado de abstinência com delirium também pode ser delimitado usando os seguintes especificadores: Sem convulsões Com convulsões Transtorno psicótico A. O início de sintomas psicóticos deve ocorrer durante ou dentro de duas semanas após o abuso de substâncias. B. Os sintomas psicóticos devem persistir por mais de 48 horas. C. A duração do transtorno não deve exceder seis meses. O diagnóstico de transtorno psicótico também pode ser delimitado usando os seguintes especificadores: Do tipo esquizofrênico Predominantemente delirante Predominantemente alucinatório Predominantemente polimórfico
(continua)
426
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 12.1-9 (Continuação) Com sintomas predominantemente depressivos Com sintomas predominantemente maníacos Misto Para propósitos de pesquisa, recomenda-se que a mudança do transtorno de estado não-psicótico para claramente psicótico deva ser especificada como abrupta (início dentro de 48 horas) ou aguda (início em mais de 48 horas, mas menos de duas semanas). Síndrome amnéstica A. O comprometimento da memória se manifesta por: (1) déficit da memória recente (aprendizagem comprometida de novo conteúdo) em grau suficiente para interferir na vida cotidiana (2) capacidade reduzida de recordar experiências passadas B. Todos os seguintes sinais estão ausentes (ou relativamente ausentes): (1) déficit na memória imediata (testado, p. ex., por conjunto de números) (2) perturbação da atenção e da consciência, conforme definida em delirium não induzido por álcool e outras substâncias psicoativas, Critério A (3) declínio intelectual global (demência) C. Não existem evidências objetivas a partir de exames físicos, neurológicos e laboratoriais e/ou história de transtorno ou doença no cérebro (em especial envolvendo bilateralmente as estruturas diencefálicas e temporais mediais), além das prováveis responsáveis pelas manifestações clínicas descritas no Critério A. Transtorno psicótico residual e de início tardio A. Condições e transtornos que satisfazem os critérios para as síndromes individuais listadas a seguir devem estar claramente relacionados ao uso da substância. Quando o início da condição ou do transtorno ocorre subseqüentemente ao uso de substân-
cias psicoativas, devem-se apresentar evidências fortes para demonstrar a relação.
Comentários Em vista da considerável variação nesta categoria, as características desses estados ou condições residuais devem ser documentadas de forma clara, em relação a seu tipo, gravidade e duração. Para propósitos de pesquisa, devem ser especificados detalhes descritivos completos. Se necessário, use os seguintes especificadores: Flashbacks Transtorno da personalidade ou do comportamento B. Os critérios gerais para transtorno da personalidade ou do comportamento devido a doenças, lesões ou disfunções cerebrais devem ser satisfeitos. Transtorno afetivo residual B. Os critérios para transtorno do humor (afetivo) orgânico devem ser satisfeitos. Demência B. Os critérios gerais para demência devem ser satisfeitos. Outras limitações cognitivas persistentes B. Os critérios para transtorno cognitivo leve devem ser satisfeitos, exceto pela exclusão do uso de substâncias psicoativas no Critério D. Transtorno psicótico de início tardio B. Os critérios gerais para transtorno psicótico devem ser satisfeitos, exceto com relação ao início da condução, que é de mais de duas semanas, mas não mais de seis semanas após o uso da substância. Outros transtornos mentais e do comportamento Transtorno mental e do comportamento sem especificação
Reimpressa, com permissão, de World Health Organization. The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural Disorders: Diagnostic Criteria for Research. Copyright, World Health Organization, Geneva, 1993.
As seções a seguir tratam as substâncias de abuso como drogas específicas (p. ex., álcool, cafeína) e discutem em profundidade seu diagnóstico, etiologia, farmacologia e tratamento. REFERÊNCIAS Akil H, Owens C, Gutstein H, Taylor L, Curran E, Watson S. Endogenous opioids: overview and current issues. Drug Alcohol Depend. 1998;51:127. Anglin MD, HserY-I, Grella CE. Drug addiction and treatment careers among clients in the Drug Abuse Treatment Outcome Study (DATOS). Psychol Addict Behav. 1997;11:308. Baumohl J, Jaffe JH. History of alcohol and drug abuse treatment in the United States. In Jaffe JH. ed. Encyclopedia of Drugs and Alcohol. Vol 3. New York: Macmillan; 1995:432. Beirut LJ, Dinwiddie SH, Begleiter H, et al. Familial transmission of substance dependence: alcohol, marijuana, cocaine, and habitual smoking. Arch Gen Psychiatry. 1998;55:982. Gerstein DR, Harwood HJ, eds. Treating Drug Problems. Vol 1. Committee for the Substance Abuse Coverage Study, Division of Health Care Services, Institute of Medicine. Washington, DC: National Academy Press; 1990. Goldman D, Bergen A. General and specific inheritance of substance abuse and alcoholism. Arch Gen Psychiatry. 1998;55:964.
Harrison PA, Fulkerson JA, Beebe TJ. DSM-IV substance use disorder criteria for adolescents: a critical examination based on a statewide school survey. Am J Psychiatry. 1998;155:486. Institute of Medicine. Broadening the Base of Treatment for Alcohol Problems. Washington, DC: National Academy Press; 1990. Institute of Medicine. Pathways of Addiction. Washington, DC: National Academy Press; 1996. Inturrisi CE. Preclinical evidence for a role of glutamatergic systems in opioid tolerance and dependence. Semin Neurosci. 1997;9:110. Jaffe JH. Substance-related disorders: introduction and overview. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol I. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:924. Jaffe JH, Knapp CM, Ciraulo DA. Opiates: clinical aspects. In: Lowinson JH, Ruiz P, Millman RB, Langrod JG, eds. Substance Abuse: A Comprehensive Texbook. 3rd ed. Baltimore: Williams & Witkins; 1997. Johnston LD, O’Malley PM, Bachman JG. National Survey Results on Drug Use from the Monitoring the Future Study. College Students and Young Adults. Rockville, MD: National Institute on Drug Abuse; 1999. Prescott CA, Kendler KS. Genetic and environmental contributions to alcohol abuse and dependence in a population-based sample of male twins. Am J Psychiatry. 1999;156:34. Project MATCH Research Group. Matching alcoholism treatment to client heterogeneity: Project MATCH posttreatment drinking outcomes. J Stud Alcohol. 1997;58:2.
TRANSTORNOS RELACIONADOS A
TABELA 12.1-10 Critérios diagnósticos da CID-10 para abuso de substâncias que não produzem dependência Muitos medicamentos e remédios populares podem estar envolvidos, mas os grupos particularmente importantes são: substâncias psicotrópicas que não causam dependência, como antidepressivos, laxantes e analgésicos que podem ser comprados sem prescrição médica, como aspirina e paracetamol. Ainda que o medicamento possa ser prescrito ou recomendado em primeiro momento, desenvolve-se dosagem prolongada, desnecessária e muitas vezes excessiva, que é facilitada pela disponibilidade das substâncias vendidas sem prescrição médica. O uso persistente e injustificado dessas substâncias costuma estar associado a gastos supérfluos, envolve contatos desnecessários com médicos e pessoal de apoio e, às vezes, é marcado por efeitos físicos prejudiciais. Tentativas de desencorajar ou proibir o uso da substância costumam ser enfrentadas com resistência; para laxantes e analgésicos, isso pode ocorrer apesar de advertências sobre (ou mesmo o desenvolvimento) prejuízos físicos, como disfunção renal ou perturbações eletrolíticas. Embora fique claro que o paciente apresenta forte motivação para o consumo, não se desenvolvem sintomas de dependência ou abstinência como no caso das substâncias psicoativas especificadas nos transtornos mentais e do comportamento devido ao uso destas substâncias. Identifique o tipo da substância envolvido: Antidepressivos (como antidepressivos tricíclicos e tetracíclicos e inibidores de monoaminoxidase) Laxantes Analgésicos (como aspirina, paracetamol, fenacetina, sem especificação, como transtorno mental e do comportamento devido ao uso de substância psicoativa) Antiácidos Vitaminas Esteróides ou hormônios Remédios populares ou ervas Outras substâncias que não causam dependência (como diuréticos) Sem especificação Reimpressa, com permissão, da World Health Organization. The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural Disorders: Diagnostic Criteria for Research. Copyright, World Health Organization, Geneva, 1993.
Simkin DR. Adolescent substance abuse disorders and comorbidity. Pediatr Clin North Am. 2002;49:463. Staines GL, Magura S, Foote J, Deluca A, Kosanke N. Polysubstance use among alcoholics. J Addict Dis. 2001;20:53. Substance Abuse and Mental Health Services Administration Office of Applied Studies. Preliminary Results from the 1996 National Household Survey on Drug Abuse. National Household Survey on Drug Abuse series: H-3. DHHS publ no. (SMA) 97-3149. Rockville, MD: SAMHSA, Office of Applied Studies; 1997. Tucker, JA, Vuchinich RE, Murphy G. Substance use disorders. In: Antony MM, Barlow DH, ed. Handbook of Assesment and Treatment Planning for Psychological Disorders. New York: Guilford Press;2002:415. Uhl GR. Molecular genetics of substance abuse vulnerability: a current approach. Neuropsychopharmacology. 1999;20:1. Wise RA. Drug-activation of brain reward pathways. Drug Alcohol Depend. 1998;51:13.
SUBSTÂNCIAS
427
12.2 Transtornos relacionados ao álcool O entendimento acerca dos efeitos do álcool e da importância clínica dos transtornos relacionados a ele é essencial para a prática da psiquiatria. A intoxicação pode causar irritação, comportamento violento, sentimentos de depressão e, raramente, alucinações e delírios. Níveis crescentes de consumo a longo prazo podem produzir tolerância e adaptação tão intensa do corpo que a cessação do uso pode precipitar síndrome de abstinência geralmente marcada por insônia, evidência de hiperatividade do sistema nervoso autônomo e sentimentos de ansiedade. Assim, para fazer a avaliação adequada dos problemas de vida e sintomas psiquiátricos do paciente, o médico deve considerar a possibilidade de que a situação clínica reflita os efeitos do álcool. Ainda que o abuso e a dependência do álcool sejam comumente chamados de alcoolismo, a quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR) não usa o termo, pois não possui definição precisa. A Tabela 12.2-1 lista várias categorias e definições para o uso de álcool. EPIDEMIOLOGIA Consumir bebidas que contenham álcool é considerado hábito comum e aceitável. Em torno de 90% dos norte-americanos já tomaram pelo menos uma bebida que contivesse álcool, e cerca de 51% de todos os adultos são usuários. Depois das doenças cardíacas e do câncer, os transtornos relacionados ao álcool constituem, no momento, o terceiro maior problema de saúde dos Estados Unidos. A cerveja representa a metade de todo o consumo; os destilados, um terço, e o vinho, um sexto. Entre 30 e 45% de todos os adultos já tiveram pelo menos um episódio passageiro de problema relacionado ao álcool, geralmente condição amnéstica induzida por ele, como apagão, dirigir embriagado ou faltar ao trabalho ou à escola por ter bebido demais. Em torno de 10% das mulheres e 20% dos homens satisfazem os critérios diagnósticos para abuso de álcool durante algum ponto de suas vidas, e de 3 a 5% delas e 10% deles preenchem os critérios para o diagnóstico mais sério de dependência de álcool durante suas vidas. Cerca de 200 mil mortes por ano estão diretamente relacionadas ao abuso de álcool. As causas de morte comuns entre pessoas com transtornos relacionados ao álcool são suicídio, doenças cardíacas e hepáticas. Embora os envolvidos em fatalidades automobilísticas nem sempre satisfaçam os critérios diagnósticos para transtorno relacionado ao álcool, motoristas embriagados estão envolvidos em 50% de todas as mortes por acidentes de trânsito, e essa porcentagem aumenta para 75% quando se consideram apenas os que ocorrem na madrugada. O uso e os transtornos relacionados ao álcool também estão associados a 50% de todos os homicídios e a 25% de todos os suicídios. O abuso reduz a expectativa de vida em 10 anos, e o álcool é a primeira causa de morte relacionada ao uso de substâncias.
428
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 12.2-1 Categorias e definições para padrões de uso do álcool Categoria
Definição
Organização
Moderado
Homens, < 2 drinques/dia Mulheres, < 1 drinque/dia Pessoas >65 anos de idade, ≤1 drinque/dia
NIAAA
Em risco
Homens, >14 drinques/semana ou >4 drinques por ocasião Mulheres, >7 drinques/semana ou >3 drinques por ocasião
NIAAA
Perigo
Em risco de conseqüências adversas
OMS
Nocivo
Álcool causa prejuízo físico ou psicológico
OMS
Abuso
< 1 dos seguintes eventos em um ano: uso recorrente resulta em incapacidade de cumprir com obrigações do papel, uso recorrente em situações de risco, problemas legais recorrentes relacionados ao álcool (p. ex., multas por dirigir embriagado), continuação do uso apesar de ter problemas sociais ou interpessoais causados ou exacerbados pela substância)
APA
< 3 dos seguintes eventos em um ano: tolerância; quantidades maiores para atingir efeito; efeitos da mesma quantidade reduzidos; abstinência; grande quantidade de tempo gasta obtendo, usando ou se recuperando dos efeitos do álcool; atividades importantes abandonadas ou reduzidas por causa do álcool; beber mais ou por mais tempo do que pretendia; desejo persistente ou esforços fracassados para reduzir ou controlar o uso; continuação do uso apesar do conhecimento de problema psicológico causado ou exacerbado pelo álcool
APA
Dependência
Região e urbanicidade A taxa de uso de álcool nos Estados Unidos em 1995 foi de 59% na região Centro-norte, 54% na região Nordeste, 53% na Oeste e 47% na Sul. O uso compulsivo respondeu por 20% na região Centro-norte, 16% na Oeste e 14% nas Sul e Nordeste. As taxas de uso pesado foram de 7% na região Centro-norte, 5,6% na Oeste, 4,9% na Nordeste e 4,8% na Sul. O uso de álcool no mês anterior representou 56% nas grandes áreas metropolitanas, 52% nas pequenas áreas metropolitanas e 46% nas áreas não-metropolitanas. Houve pouca variação nas taxas de uso compulsivo e pesado de álcool por densidade populacional.
Educação Ao contrário do padrão para drogas ilícitas, quanto mais alto o nível educacional, mais provável é o uso atual de álcool. Cerca de 70% daqueles com diplomas universitários bebem álcool, em comparação a apenas 40% das pessoas com formação abaixo do ensino médio. A taxa de uso compulsivo de álcool, contudo, é de 4% entre os adultos que concluíram a faculdade e 7% entre os que não concluíram o ensino médio.
De Fiellin DA, Reid C, O’Connor PG. Outpatient management of patients with alcohol problems. Ann Intern Med. 2000;133:815.
Classe socioeconômica Os transtornos relacionados ao álcool aparecem entre pessoas de todas as classes socioeconômicas. De fato, pessoas que são o estereótipo do alcoolista de rua constituem menos de 5% da população com transtornos relacionados ao álcool nos Estados Unidos. Além disso, esses transtornos são particularmente freqüentes em indivíduos com graus acadêmicos avançados e níveis socioeconômicos superiores. Entre os estudantes do ensino médio, os problemas relacionados ao álcool apresentam correlação com ter história de dificuldades escolares. Aqueles que abandonam os estudos ou que faltam às aulas e possuem história de delinqüência parecem ter risco particularmente alto para abuso. Esses dados epidemiológicos condizem com a elevada co-morbidade entre os transtornos relacionados ao álcool e o da personalidade anti-social.
CO-MORBIDADE Raça e etnia Em comparação a outros grupos, os brancos têm as taxas mais altas de uso de álcool (56%). As taxas para hispânicos e negros são semelhantes. O uso compulsivo é menor entre os negros do que entre brancos e hispânicos. O uso pesado não apresenta diferenças estatisticamente significativas por raça ou etnia (5,7% para brancos; 6,3% para hispânicos; e 4,6% para negros).
Os diagnósticos psiquiátricos que costumam estar mais associados aos transtornos relacionados ao álcool são os transtornos relacionados a outras substâncias, o da personalidade anti-social, os do humor e os da ansiedade. Embora os dados sejam controversos, a maior parte deles sugere que as pessoas com transtornos relacionados ao álcool apresentam taxa de suicídio notavelmente mais alta do que a população em geral.
Gênero
Transtorno da personalidade anti-social
Sessenta por cento dos homens beberam álcool no mês passado, em comparação a 45% das mulheres. Eles têm muito mais probabilidade de beber de forma compulsiva (23,8 e 8,5%, respectivamente) e de ser usuários pesados (9,4 e 2%, respectivamente).
A relação entre o transtorno da personalidade anti-social e aqueles relacionados ao álcool é referida com freqüência. Alguns estudos sugerem que o transtorno da personalidade anti-social é particularmente comum em homens com transtorno relacionado ao álcool e
TRANSTORNOS RELACIONADOS A
pode preceder o desenvolvimento deste. Todavia, outros estudos sugerem que se trata de entidades completamente distintas, que não apresentam relação causal.
Transtornos do humor Cerca de 30 a 40% das pessoas com transtorno relacionado ao álcool satisfazem os critérios diagnósticos para depressão maior em algum momento de suas vidas. A depressão é mais comum em mulheres do que em homens com esses transtornos. Diversos estudos relataram que esta é provável de ocorrer em pacientes com transtornos relacionados ao álcool que tenham consumo diário elevado e história familiar de abuso de álcool. Indivíduos com transtornos relacionados ao álcool e depressão maior apresentam grande risco de cometer suicídio e probabilidade elevada de ter diagnósticos de transtornos relacionados a outras substâncias. Alguns clínicos recomendam que os sintomas depressivos que permanecerem após duas a três semanas de sobriedade sejam tratados com antidepressivos. Os pacientes com transtorno bipolar I são considerados em risco de desenvolver transtorno relacionado ao álcool, podendo consumí-lo para automedicar seus episódios maníacos. Alguns estudos mostraram que indivíduos com diagnósticos de transtorno relacionado ao álcool e transtorno depressivo têm concentração elevada de metabólitos da dopamina (ácido homovanílico) e do ácido γ-aminobutírico (GABA) no líquido cerebrospinal (LCS).
Transtornos de ansiedade Muitas pessoas usam o álcool por sua eficácia para aliviar a ansiedade. Embora a co-morbidade entre os transtornos relacionados ao álcool e os transtornos do humor seja bastante reconhecida, entre 20 e 50% de todos os indivíduos com transtornos relacionados ao álcool também satisfazem os critérios diagnósticos para transtorno de ansiedade. As fobias e o transtorno de pânico são diagnósticos co-mórbidos particularmente freqüentes. Alguns dados indicam que o álcool pode ser usado na tentativa de automedicar os sintomas de agorafobia ou fobia social, mas é provável que o transtorno relacionado ao álcool preceda o desenvolvimento do transtorno de pânico ou do transtorno de ansiedade generalizada.
SUBSTÂNCIAS
429
gêneo de processos de doença. Em qualquer caso individual, os fatores psicossociais, genéticos ou comportamentais podem ser mais importantes do que quaisquer outros. Dentro de determinado conjunto de fatores, como os aspectos biológicos, um elemento, como um gene para um receptor de neurotransmissor, pode estar mais envolvido do que outro elemento, como uma bomba de captação do neurotransmissor. Com exceção da pesquisa, não é necessário identificar o fator causativo único. O tratamento dos transtornos relacionados ao álcool exige adotar abordagens que se mostrem efetivas, independentemente da teoria. História da infância Os pesquisadores identificaram diversos fatores relacionados à infância de pessoas com transtornos relacionados ao álcool e em crianças que têm risco elevado de desenvolver condição desse tipo porque um dos seus pais ou ambos são afetados. Em estudos experimentais, verificou-se que as crianças com risco elevado de possuir transtornos relacionados ao álcool apresentam, em média, diversos déficits em testes neurocognitivos, baixa amplitude da onda P300 no teste do potencial evocado e uma variedade de anormalidades nos registros eletroencefalográficos. Estudos de filhos com alto risco na faixa dos 20 anos também demonstraram efeito direto do álcool, em comparação ao observado naqueles cujos pais não foram diagnosticados com transtornos relacionados ao álcool. História infantil de transtorno de déficit de atenção/hiperatividade ou transtorno da conduta, ou ambos, aumenta o risco de desenvolver dependência relacionada ao álcool. Os transtornos da personalidade, especialmente o tipo anti-social, conforme observado anteriormente, também predispõem a essa condição. Teorias psicodinâmicas
A maioria das estimativas da prevalência do suicídio entre pessoas com transtornos relacionados ao álcool varia de 10 a 15%, embora o uso em si possa estar envolvido em porcentagem muito mais alta de suicídios. Alguns investigadores questionam se a taxa de suicídio entre esses indivíduos é tão alta quanto os números sugerem. Os fatores associados ao suicídio incluem a presença de episódio depressivo maior, sistemas de apoio psicossocial fracos, condição médica coexistente, desemprego e o fato de viver só.
As teorias psicodinâmicas dos transtornos relacionados ao álcool giram em torno de hipóteses sobre superegos excessivamente punitivos e fixação no estágio oral do desenvolvimento psicossexual. Segundo a teoria psicanalítica, as pessoas com superegos rígidos e que são autopunitivas voltam-se para o álcool como forma de reduzir o estresse inconsciente. A ansiedade em pessoas fixadas no estágio oral pode ser reduzida ingerindo substâncias como o álcool. Alguns psiquiatras psicodinâmicos descrevem a personalidade geral de pessoas com o transtorno como tímida, isolada, impaciente, irritável, ansiosa, hipersensível e sexualmente reprimida. Segundo um provérbio psicanalítico comum, o superego é solúvel em álcool. Em perspectiva menos teórica, certas pessoas podem consumir álcool em níveis abusivos para reduzir a tensão, a ansiedade e a dor psíquica. O consumo também pode ocasionar sensação de poder e maior auto-estima.
ETIOLOGIA
Teorias socioculturais
Os transtornos relacionados ao álcool, como praticamente todas as outras condições psiquiátricas, representam um grupo hetero-
Alguns ambientes sociais levam ao consumo excessivo de álcool. Dormitórios universitários e bases militares são exemplos comuns.
Suicídio
430
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Nesses cenários, o consumo freqüente e excessivo costuma ser completamente normal e socialmente esperado. Há pouco, algumas faculdades e universidades tentaram educar os estudantes sobre os riscos para a saúde de beber grandes quantidades de álcool. Alguns grupos culturais e étnicos são mais reservados do que outros quanto ao consumo. Por exemplo, os asiáticos e os protestantes conservadores usam-no com menos freqüência do que os liberais e os católicos. Fatores comportamentais e de aprendizagem Assim como os fatores culturais, os hábitos familiares, em especial dos pais para com a bebida, podem afetar os hábitos das pessoas em relação ao álcool. Contudo, algumas evidências indicam que esse processo está menos ligado ao desenvolvimento de transtornos relacionados ao álcool do que se pensava anteriormente. Do ponto de vista comportamental, os aspectos de reforço positivo do álcool induzir sentimentos de bem-estar e euforia e reduzir o medo e a ansiedade encorajam ainda mais o consumo. Teorias genéticas A teoria biológica de maior aceitação para o alcoolismo gira em torno da genética (Tab. 12.2-2). O achado que sustenta a conclusão genética é o risco 3 a 4 vezes maior de problemas graves com o álcool verificado em parentes próximos de alcoolistas. Essa taxa aumenta com o número de parentes alcoolistas, a gravidade de sua doença e a proximidade da relação genética com a pessoa estudada. As investigações familiares não separam a importância da genética e do ambiente, mas os estudos de gêmeos apresentam dados mais consistentes. Na maioria dos estudos, a taxa de similaridade, ou concordância, para problemas graves relacionados ao álcool é mais alta em gêmeos idênticos de indivíduos alcoolistas do que em gêmeos fraternos. Os estudos de adoção revelaram risco significativamente maior de alcoolismo nos filhos de pais alcoolistas, mesmo quando as crianças foram separadas perto do nascimento e criadas sem conhecimento dos problemas da família biológica. Já o risco de dificuldades graves decorrentes do álcool não aumenta por ser criado por família adotiva alcoolista. Esses dados não apenas sustentam a importância de fatores genéticos no alcoolismo, como também enfatizam a complexidade do fenômeno. A ausência de evidências de um único locus importante indica a possibilidade de que um número limitado de genes opere com penetração incompleta ou que a combinação destes seja necessária para que o transtorno se expresse (modo de hereditariedade poligênica). Para complicar a questão ainda mais,
TABELA 12.2-2 Dados em apoio às influências genéticas no alcoolismo Familiares próximos têm risco quatro vezes maior. Gêmeo idêntico de alcoolista tem risco maior do que gêmeo fraterno. Filhos adotados de pessoas alcoolistas têm risco quatro vezes maior.
existe a probabilidade de que o transtorno seja a simples manifestação de eventos ambientais em algumas famílias e que diferentes fatores genéticos operem em famílias distintas para produzir o quadro de heterogeneidade genética. Algumas evidências indicam que o cérebro de crianças com pais com transtornos relacionados ao álcool exibem qualidades incomuns em medidas eletrofisiológicas – por exemplo, potenciais evocados e EEG – e resposta a infusões de álcool. Os receptores de neurotransmissores, como os de dopamina tipo 2 (D2), podem ser fatores que influenciam a hereditariedade desses transtornos. Alguns estudos encontraram concentrações anormais de neurotransmissores e metabólitos de neurotransmissores no líquido cerebrospinal de tais pacientes. Os resultados de muitos estudos demonstraram concentrações baixas de serotonina, dopamina e GABA ou de seus metabólitos. EFEITOS DO ÁLCOOL O termo álcool refere-se a um grande grupo de moléculas orgânicas que possuem um grupo hidroxila (-OH) ligado a um átomo de carbono saturado. O álcool etílico, também chamado etanol, é a forma comum do álcool, às vezes chamado de álcool de bebida, e é usado para beber. Sua fórmula química é CH3-CH2-OH. Os paladares e sabores característicos das bebidas que contêm álcool resultam de seus métodos de produção, que geram vários congêneres no produto final, incluindo metanol, butanol, aldeídos, fenóis, taninos e quantidades-traço de vários metais. Embora os congêneres possam conferir alguns efeitos psicoativos diferenciais nas bebidas que contêm álcool, essas diferenças são mínimas em comparação aos efeitos do próprio etanol. Considera-se que uma dose individual contenha cerca de 12 g de álcool, que é o conteúdo de 350 mL de cerveja (teor alcoólico 7,2; ou 3,6% de álcool nos Estados Unidos), uma taça de 120 mL de vinho não-fortificado ou de 30 a 45 mL de destilado com teor 80 (40% de álcool) (p. ex., uísque ou gim). Todavia, para calcular o consumo de álcool, os clínicos devem estar cientes de que as cervejas variam em seu conteúdo alcoólico e estão disponíveis em latas e garrafas grandes ou pequenas, que as taças de vinho variam de 60 a 180 mL e que as bebidas misturadas em alguns bares e casas noturnas contêm de 60 a 90 mL de alguma bebida destilada. Entretanto, usando os tamanhos médios das doses, os clínicos podem estimar que uma dose única aumenta o nível de álcool no sangue de um homem de 70 kg em 15 a 20 mg/dL, que é a concentração metabolizado em uma hora. Os possíveis efeitos benéficos do álcool já foram anunciados, especialmente por seus fabricantes e distribuidores. A maior parte da atenção concentra-se em dados epidemiológicos, os quais sugerem que uma ou duas taças de vinho tinto por dia reduzem a incidência de doenças cardiovasculares. Contudo, esses achados são bastante controversos.
Absorção Em média, 10% do álcool consumido é absorvido no estômago, e o restante, no intestino delgado. Sua concentração máxima no sangue é atingida entre 30 e 90 minutos e, em geral, entre 45 e 60 minutos, dependendo de a pessoa ter bebido com o estômago vazio (que aumenta a
TRANSTORNOS RELACIONADOS A
absorção) ou cheio (que retarda a absorção). O momento da concentração máxima também depende do tempo durante o qual o álcool foi consumido. Beber rapidamente reduz o tempo até a concentração máxima, beber com mais lentidão aumenta. A absorção é mais rápida com bebidas que contenham de 15 a 30% de álcool. Existem divergências quanto ao fato de a carbonação (p. ex., champanha e bebidas misturadas com soda) aumentar a absorção do álcool ou não. O corpo tem mecanismos protetores contra o álcool, por exemplo, se a concentração no estômago se tornar elevada demais, há secreção de muco, e a válvula pilórica se fecha. Essas ações reduzem a absorção e impedem que o álcool passe para o intestino delgado, onde não existem restrições significativas à absorção. Assim, grande quantidade de álcool pode permanecer por horas no estômago sem ser absorvida. Além disso, o espasmo pilórico muitas vezes resulta em náusea e vômito. Quando absorvido pela corrente sangüínea, é distribuído para todos os tecidos do corpo. Como se dissolve uniformemente na água do corpo, os tecidos que contêm proporção elevada de água recebem concentração maior de álcool. Os efeitos da intoxicação são maiores quando a concentração no sangue está subindo do que quando está caindo (efeitos de Mellanby). Por isso, a taxa de absorção está diretamente relacionada à resposta de intoxicação.
Metabolismo Em torno de 90% do álcool absorvido é metabolizado por oxidação no fígado, e os 10% restantes são excretados pelos rins e pulmões sem sofrer alteração. A taxa de oxidação pelo fígado é constante e não depende de requisitos energéticos. O corpo pode metabolizar aproximadamente 15 mg/dL por hora, na faixa de 10 a 34 mg/dL por hora. Colocado de outra forma, a pessoa média oxida 25 mL de bebida com 40% de álcool em uma hora. Entre pessoas com história de consumo excessivo de álcool, a upregulation das enzimas necessárias resulta em metabolismo rápido. O álcool é metabolizado por duas enzimas: a álcool desidrogenase (ADH) e a aldeído desidrogenase. A primeira cataliza a conversão do álcool em acetaldeído, que é um composto tóxico. A segunda cataliza a conversão de acetaldeído em ácido acético. Ela é inibida pelo dissulfiram (Antietanol), usado no tratamento de transtornos relacionados ao álcool. Alguns estudos demonstraram que as mulheres têm conteúdo sangüíneo de álcool desidrogenase mais baixo do que os homens. Esse fato pode explicar a tendência de elas ficarem mais intoxicadas do que os homens após beberem a mesma quantidade. A redução no funcionamento das enzimas que metabolizam o álcool em asiáticos também pode levar facilmente à intoxicação e a sintomas tóxicos.
SUBSTÂNCIAS
431
do-se nas membranas e, assim, aumentando sua fluidez em curto prazo. Com o uso a longo prazo, todavia, a hipótese refere que as membranas se tornam rígidas ou inflexíveis. Sua fluidez é essencial para o funcionamento normal dos receptores, dos canais iônicos e de outras proteínas funcionais ligadas às membranas. Em estudos recentes, os pesquisadores tentaram identificar alvos moleculares específicos para os efeitos do álcool. A atenção se concentrou mais nos seus impactos sobre os canais iônicos. Especificamente, verificou-se que as atividades dos canais iônicos associadas aos receptores nicotínicos de acetilcolina, serotonina 5HT3 e GABA tipo A (GABAA) são potencializadas pelo álcool, ao passo que as atividades dos canais iônicos associadas a receptores de glutamato e a canais de cálcio são inibidas. Efeitos comportamentais. Como resultado das atividades moleculares, o álcool funciona como depressivo, assim como os barbitúricos e benzodiazepínicos, com os quais tem tolerância e dependência cruzada. Em nível de 0,05% de álcool no sangue, o raciocínio, o julgamento e a sensura são afrouxados e, às vezes, perturbados. Em concentração de 0,1%, as ações motoras voluntárias tornam-se perceptivelmente desajeitadas. Na maioria dos estados norte-americanos, a intoxicação legal varia de 0,1 a 0,15% de álcool no sangue. Com 0,2%, o funcionamento de toda a área motora é mensuravelmente deprimido, e as partes do cérebro que controlam o comportamento emocional também são afetadas. Com 0,3%, a pessoa fica confusa ou estuporada e com 0,4 a 0,5%, entra em coma. Em níveis mais elevados, os centros primitivos do cérebro que controlam a respiração e a freqüência cardíaca são afetados, e a morte ocorre após depressão respiratória direta ou aspiração de vômito. Pessoas com história de abuso de álcool de longa duração, todavia, conseguem tolerar concentrações muito mais elevadas do que aquelas que bebem pouco. A tolerância pode fazer com que pareçam menos intoxicadas do que realmente estão. A Tabela 12.23 apresenta informações sobre a relação entre a concentração de álcool no sangue e seu efeito sobre a capacidade de dirigir. Os profissionais costumam considerar essas tabelas ferramentas educativas úteis para informar seus pacientes. Efeitos sobre o sono. Embora o álcool consumido à noite tenda a aumentar a facilidade para pegar no sono (menor latência), também tem efeitos adversos sobre a arquitetura deste. O uso do álcool está associado à redução no sono REM (estágio dos sonhos) e no sono profundo (estágio 4) e à fragmentação do sono, com episódios mais freqüentes e mais longos de despertar. Portanto, a idéia de que ele ajuda as pessoas a pegarem no sono é mito.
Efeitos sobre o cérebro Outros efeitos fisiológicos Bioquímica. Ao contrário da maioria das outras substâncias de abuso com alvos receptores identificados – como o receptor N-metil-D-aspartato (NMDA) da fenciclidina – não foi detectado alvo molecular como mediador para os efeitos do álcool. A teoria aceita sobre seus efeitos bioquímicos diz respeito aos impactos sobre as membranas dos neurônios. Os dados corroboram a hipótese de que o álcool atue intercalan-
Fígado. Os principais efeitos adversos do uso de álcool estão relacionados a lesões no fígado. Seu uso, mesmo em episódios curtos de uma semana bebendo bastante, pode resultar em acúmulo de gorduras e proteínas, que produz a aparência de fígado adiposo, às vezes observada no exame físico. A associação entre infiltração de gordura e lesões sérias nesse órgão ainda não está clara. Ainda assim, o uso
432
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 12.2-3 Tabelas de comprometimento pelo álcool N U N C A D I R I J A A P Ó S B E B E R
N U N C A D I R I J A A P Ó S B E B E R
Para homens: porcentagem aproximada de álcool no sangue Drinques
Peso corporal em quilos 50
60
70
80
90
100
110
120
0
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
Único limite seguro para dirigir
1
0,04
0,03
0,03
0,02
0,02
0,02
0,02
0,02
Início do comprometimento
2
0,08
0,06
0,05
0,05
0,04
0,04
0,03
0,03
3
0,11
0,09
0,08
0,07
0,06
0,06
0,05
0,05
4
0,15
0,12
0,11
0,09
0,08
0,08
0,07
0,06
Capacidade de dirigir afetada de forma significativa
5
0,19
0,16
0,13
0,12
0,11
0,09
0,09
0,08
6
0,23
0,19
0,16
0,14
0,13
0,11
0,10
0,09
Possíveis penalidades criminais
7
0,26
0,22
0,19
0,16
0,15
0,13
0,12
0,11
8
0,30
0,25
0,21
0,19
0,17
0,15
0,14
0,13
Legalmente intoxicado
9
0,34
0,28
0,24
0,21
0,19
0,17
0,15
0,14
Penalidades criminais
10
0,38
0,31
0,27
0,23
0,21
0,19
0,17
0,16
Seu corpo consegue excretar um drinque por hora. Cada 45 mL de destilado com teor 80, 350 mL de cerveja ou 150 mL de vinho de mesa = 1 drinque.
Para mulheres: porcentagem aproximada de álcool no sangue Drinques
Peso corporal em quilos 45
50
60
70
80
90
100
110
120
0
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
Único limite seguro para dirigir
1
0,05
0,05
0,04
0,03
0,03
0,03
0,02
0,02
0,02
Início do comprometimento Capacidade de dirigir afetada
2
0,10
0,09
0,08
0,07
0,06
0,05
0,05
0,04
0,04
3
0,15
0,14
0,11
0,10
0,09
0,08
0,07
0,06
0,06
4
0,20
0,18
0,15
0,13
0,11
0,10
0,09
0,08
0,08
5
0,25
0,23
0,19
0,16
0,14
0,13
0,11
0,10
0,09
6
0,30
0,27
0,23
0,19
0,17
0,15
0,14
0,12
0,11
7
0,35
0,32
0,27
0,23
0,20
0,18
0,16
0,14
0,13
Legalmente intoxicada
8
0,40
0,36
0,30
0,26
0,23
0,20
0,18
0,17
0,15
Penalidades criminais
9
0,45
0,41
0,34
0,29
0,26
0,23
0,20
0,19
0,17
10
0,51
0,45
0,38
0,32
0,28
0,25
0,23
0,21
0,19
de forma significativa Possíveis penalidades criminais
Seu corpo consegue excretar um drinque por hora. Cada 45 mL de destilado com teor 80, 350 mL de cerveja ou 150 mL de vinho de mesa = 1 drinque.
Nota: São fornecidas tabelas separadas para homens e mulheres porque uma mulher que beba a mesma quantidade de álcool no mesmo período que um homem de peso equivalente pode apresentar nível de álcool no sangue mais alto. Esta tabela é apenas um guia, não uma garantia. O álcool afeta os indivíduos de maneira diferente. O nível de álcool no sangue pode variar conforme idade, gênero, condição física, quantidade de alimento, drogas ou medicamentos consumidos. Além disso, diferentes bebidas podem conter quantidades diversas de álcool, sendo assim, é importante saber qual é a concentração de álcool consumida. Para os propósitos deste guia, “um drinque” equivale a 45 mL de destilado com teor 80, 350 mL de cerveja ou 150 mL de vinho de mesa. Na Pensilvânia, a concentração de álcool no sangue de 0,10% ou superior já é suficiente para condenar alguém por beber embriagado. Você pode ser condenado por beber embriagado com 0,05% ou mais se houver evidências de comprometimento da capacidade de dirigir. Alguns estados norte-americanos estabelecem o nível de álcool no sangue de 0,08% como o limite legal. Para motoristas comerciais, o nível de 0,04% pode resultar em condenação por dirigir embriagado, valendo em todo o país. O comprometimento começa com a primeira dose. Por segurança, nunca dirija após beber! De Pennsylvania Liquor Control Board (reimpressa sob permissão). *N.
de R.T. No Brasil, o limite legal de alcoolemia é de 0,6 g/L.
do álcool está relacionado ao desenvolvimento de hepatite alcoólica e cirrose hepática. Sistema gastrintestinal. O consumo pesado de álcool a longo prazo está associado ao desenvolvimento de esofagite, gastrite, acloridria e úlceras gástricas. Varizes esofagianas podem acompanhar o abuso nesse grau, e a ruptura destas é uma emergência médica que muitas vezes
resulta em morte por hemorragia. Às vezes, podem ocorrer distúrbios do intestino delgado, bem como pancreatite, insuficiência e câncer pancreáticos associados ao uso pesado de álcool. O consumo em excesso pode interferir nos processos normais de digestão e absorção alimentar. Como resultado, o alimento consumido é digerido de forma inadequada. Também parece inibir a capacidade do intestino de absorver vários nutrientes, como vitaminas e aminoácidos. Esse efeito, juntamente com
TRANSTORNOS RELACIONADOS A
os maus hábitos alimentares de pessoas com transtornos relacionados ao álcool, pode causar sérias deficiências vitamínicas, em especial do complexo B. Outros sistemas corporais. O consumo significativo de álcool foi associado a aumento na pressão arterial, desregulação do metabolismo de lipoproteínas e triglicerídeos e maior risco de infarto do miocárdio e de doenças cerebrovasculares. O álcool afeta o coração de pessoas que não costumam beber com freqüência, aumentando a produção cardíaca em repouso, a freqüência cardíaca e o consumo de oxigênio pelo miocárdio. As evidências indicam que o consumo pode afetar o sistema hematopoiético de forma adversa, além de aumentar a incidência de câncer, particularmente da cabeça, pescoço, esôfago, estômago, fígado, colo e pulmão. A intoxicação aguda também está associada à hipoglicemia que, quando não reconhecida, pode ser responsável por algumas mortes súbitas. A fraqueza muscular é outro efeito colateral do alcoolismo. Evidências recentes mostram que o consumo de álcool aumenta a concentração sangüínea de estradiol em mulheres, que apresenta correlação com o nível de álcool no sangue. Exames laboratoriais. Os efeitos adversos do álcool aparecem em exames laboratoriais comuns, que podem ser úteis ferramentas diagnósticas para identificar pessoas com transtornos relacionados ao álcool. Os níveis de γ-glutamil-transpeptidase são elevados em 80% dos indivíduos com transtornos relacionados ao álcool, e o volume corpuscular médio é alto em cerca de 60%, mais ainda em mulheres do que em homens. Outros resultados de exames laboratoriais que podem estar altos em decorrência do abuso são os do ácido úrico, dos triglicerídeos, do aspartato aminotransferase (AST) e da alanina aminotransferase (ALT).
Interações medicamentosas A interação entre o álcool e outras substâncias pode ser perigosa e até fatal. Certas substâncias, como o álcool e o fenobarbital (Gardenal), são metabolizadas pelo fígado, e seu uso prolongado pode levar à aceleração do metabolismo. Quando as pessoas com transtornos relacionados ao álcool estão sóbrias, esse metabolismo acelerado as torna inusitadamente tolerantes a muitas substâncias, como sedativos e hipnóticos. No entanto, quando intoxicadas, os fármacos competem com o álcool pelos mesmos mecanismos de desintoxicação, podendo se acumular no sangue concentrações potencialmente tóxicas de todas as substâncias envolvidas. Os efeitos do álcool e de outros depressivos no sistema nervoso central (SNC) costumam ser sinérgicos. Sedativos, hipnóticos e medicamentos que aliviam dor, enjôo de viagem, resfriados e sintomas de alergia devem ser usados com cuidado por pessoas com transtornos relacionados ao álcool. Os narcóticos deprimem as áreas sensoriais do córtex cerebral e podem produzir alívio da dor, sedação, apatia, tontura e sono. Doses elevadas podem causar insuficiência respiratória e morte. Aumentar as doses de sedativo-hipnóticos como o hidrato de cloral e os benzodiazepínicos, especialmente quando combinados com álcool, produz uma variedade de efeitos, desde sedação e comprometimentos motor e
SUBSTÂNCIAS
433
intelectual a estupor, coma e morte. Como os sedativos e outros psicotrópicos podem potencializar os efeitos do álcool, os pacientes devem ser instruídos sobre os riscos de combinar esses agentes, em especial quando estão dirigindo ou operando máquinas. TRANSTORNOS O DSM-IV-TR lista os transtornos relacionados ao álcool (Tab. 12.2-4) e especifica os critérios diagnósticos para a intoxicação (Tab. 12.2-5) e a abstinência (Tab. 12.2-6). Os critérios diagnósticos para os outros transtornos relacionados ao álcool são listados no DSM-IV-TR conforme o principal sintoma. Por exemplo, os critérios diagnósticos para transtorno de ansiedade induzido pelo álcool são encontrados na categoria de transtornos de ansiedade, em “Transtorno de ansiedade induzido por substâncias”.
TABELA 12.2-4 Transtornos relacionados ao álcool segundo o DSM-IV-TR
Transtornos por uso de álcool Dependência de álcool Abuso de álcool Transtornos induzidos pelo álcool Intoxicação com álcool Abstinência de álcool Especificar se: Com perturbações da percepção Delirium por intoxicação com álcool Delirium por abstinência de álcool Demência persistente induzida pelo álcool Transtorno amnéstico persistente induzido pelo álcool Transtorno psicótico induzido por álcool, com delírios Especificar se: Com início durante a intoxicação Com início durante a abstinência Transtorno psicótico induzido pelo álcool, com alucinações Especificar se: Com início durante a intoxicação Com início durante a abstinência Transtorno do humor induzido por álcool Especificar se: Com início durante a intoxicação Com início durante a abstinência Transtorno da ansiedade induzido por álcool Especificar se: Com início durante a intoxicação Com início durante a abstinência Disfunção sexual induzida por álcool Especificar se: Com início durante a intoxicação Transtorno do sono induzido por álcool Especificar se: Com início durante a intoxicação Com início durante a abstinência Transtorno relacionado ao álcool sem outra especificação De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
434
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Dependência e abuso de álcool Diagnóstico e características clínicas. No DSM-IV-TR, todos os transtornos relacionados a substâncias usam os mesmos critérios para dependência e abuso (ver Tabs. 12.1-5 e 12.1-6). A necessidade do uso diário de grandes quantidades de álcool para funcionar de forma adequada, o padrão regular de consumo pesado limitado aos fins de semanas e os longos períodos de sobriedade intercalados com os surtos de consumo pesado por semanas ou meses sugerem dependência e abuso de álcool. Os padrões de consumo costumam estar associados a certos comportamentos: incapacidade de reduzir ou parar de beber; tentativas repetidas de controlar ou reduzir o consumo excessivo; abster-se com-
TABELA 12.2-5 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para intoxicação por álcool A. Ingestão recente de álcool. B. Alterações comportamentais ou psicológicas clinicamente significativas e mal-adaptativas (p. ex., comportamento sexual ou agressivo inadequado, humor instável, prejuízo no julgamento, prejuízo no funcionamento social ou ocupacional) desenvolvidas durante ou logo após a ingestão de álcool. C. Um ou mais dos seguintes sinais, desenvolvidos durante ou logo após o uso de álcool: (1) fala arrastada (2) incoordenação (3) marcha instável (4) nistagmo (5) comprometimento da atenção ou da memória (6) estupor ou coma D. Os sintomas não se devem a uma condição médica geral, nem são melhor explicados por outro transtorno mental. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
TABELA 12.2-6 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para abstinência de álcool A. Cessação (ou redução) do uso pesado ou prolongado de álcool. B. Dois (ou mais) dos seguintes sintomas, desenvolvidos dentro de algumas horas a alguns dias após o Critério A: (1) hiperatividade autonômica (p. ex., sudorese ou freqüência cardíaca acima de 100) (2) tremor intenso (3) insônia (4) náuseas ou vômitos (5) alucinações ou ilusões visuais, táteis ou auditivas transitórias (6) agitação psicomotora (7) ansiedade (8) convulsões de grande mal C. Os sintomas no Critério B causam sofrimento ou prejuízo clinicamente significativo ao funcionamento ocupacional ou a outras áreas importantes na vida do indivíduo. D. Os sintomas não se devem a uma condição médica geral, nem são melhor explicados por outro transtorno mental. Especificar se: Com perturbações da percepção De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
pletamente de beber ou restringir o consumo a determinados períodos do dia; compulsões (permanecer intoxicado por pelo menos dois dias) consumo ocasional de uma dose de destilado (ou seu equivalente em cerveja ou vinho); períodos amnésticos para eventos que ocorreram enquanto embriagado (apagões); continuar a beber apesar de distúrbio físico sério que se sabe ser exacerbado pelo uso de álcool; e consumi-lo sob outras formas, como produtos comerciais e combustíveis. Além disso, pessoas com dependência e abuso apresentam funcionamento social ou ocupacional comprometido (p. ex., violência enquanto embriagado, ausência do trabalho, perda do emprego), dificuldades legais (p. ex., detenção por comportamento embriagado e acidentes de trânsito) e brigas ou dificuldades com familiares ou amigos em relação ao consumo excessivo. Segundo o DSM-IV-TR, a taxa atual de dependência de álcool é de 5%. Uma estudante de pós-graduação em física com 25 anos de idade foi indicada para avaliação por seu orientador, que estava preocupado com seus atrasos para o trabalho e com problemas recentes devido à falta de clareza em seu raciocínio. À medida que discutiam tais problemas, a estudante admitiu estar envolvida com bebida, o que havia sido enfatizado em recente intervenção de seus pais. Ela relatou que, nos últimos cinco anos, tem consumido regularmente entre 1,5 a 2 ou 3 garrafas de vinho todas as noites (em torno de 9 a 18 doses). Nos últimos dois anos, observou um aumento acentuado na quantidade de álcool necessária para obter os mesmos efeitos e disse ter abandonado atividades com sua família para beber, passando grande parte de seu tempo bebendo e andando longos percursos de carro para obter álcool. Tentou reduzir muitas vezes, estabelecendo o limite de duas taças por noite, mas chegando regularmente a nove ou mais antes de parar. Apesar de seu nível de funcionamento geral elevado, a participação ativa no programa de pós-graduação e relacionamentos interpessoais íntimos, essa história de dependência de álcool é bastante típica de pessoas com essa condição. (Cortesia de Marc A. Schuckit, M.D.) Subtipos de dependência de álcool. Vários pesquisadores tentaram dividir a dependência de álcool em subtipos com base principalmente nas características fenomenológicas. Uma classificação recente observa que a dependência de álcool tipo A é definida por início tardio, poucos fatores de risco na infância, dependência relativamente leve, poucos problemas relacionados ao álcool e poucas psicopatologias. A dependência de álcool tipo B está associada a muitos fatores de risco na infância, dependência grave, início precoce dos problemas relacionados ao álcool, muitas psicopatologias, história familiar de abuso de álcool, abuso freqüente de múltiplas substâncias, longa história de tratamento para o álcool e número elevado de situações estressantes graves na vida. Alguns pesquisadores verificaram que as pessoas do tipo A podem responder a psicoterapias interacionais, ao passo que as do tipo B, a treinamento em habilidades de enfrentamento. Há pouco, outros esquemas de subdivisão da dependência de álcool foram reconhecidos na literatura. Um grupo de investiga-
TRANSTORNOS RELACIONADOS A
dores propôs três subtipos: os usuários-problema em estágio inicial, que ainda não têm síndromes completas de dependência; os usuários afiliativos, que tendem a beber diariamente em quantidades moderadas e cenários sociais; e os usuários esquizóide-isolados, que têm dependência grave e tendem a beber compulsivamente e, com freqüência, sozinhos. Outro investigador descreveu a dependência de álcool gama, que se acredita ser comum nos Estados Unidos e representa a dependência observada em pessoas ativas nos Alcoólicos Anônimos (AA). Essa variação diz respeito a problemas de controle em que as pessoas não conseguem parar de beber após começarem. Quando o fazem por problemas de saúde ou financeiro, podem se abster por vários períodos. Na dependência delta, talvez mais comum na Europa do que nos Estados Unidos, os dependentes precisam beber certa quantidade todos os dias, mas não estão cientes de sua falta de controle. O transtorno de uso de álcool pode não ser descoberto até que o indivíduo precise parar de beber por alguma razão e apresente sintomas de abstinência. Outro pesquisador sugeriu uma variedade de dependência de álcool do tipo I limitada a homens, que se caracteriza por início tardio, com mais evidência de dependência psicológica do que física e presença de sentimentos de culpa. A dependência do tipo II limitada a homens se caracteriza por início com pouca idade, procura espontânea de álcool e comportamentos socialmente perturbadores quando intoxicado. Quatro subtipos foram postulados por outro investigador. O primeiro é o alcoolismo anti-social, com predominância típica entre homens, prognóstico desfavorável, início precoce de problemas relacionados ao álcool e associação íntima com o transtorno da personalidade anti-social. O segundo é o alcoolismo cumulativo no desenvolvimento, com tendência principal de abuso exacerbada com o tempo, à medida que as expectativas culturais propiciam oportunidades para beber. O terceiro é o alcoolismo de afeto negativo, mais comum em mulheres do que em homens. Segundo essa hipótese, as mulheres têm a maior probabilidade de usar álcool para a regulação do humor e para ajudar a tornar os relacionamentos sociais mais naturais. O quarto é o alcoolismo limitado pelo desenvolvimento, com períodos freqüentes de consumo de grandes quantidades de álcool. As bebedeiras se tornam menos recorrentes à medida que as pessoas amadurecem e respondem às expectativas crescentes da sociedade com relação a emprego e família. Intoxicação O DSM-IV-TR estabelece critérios formais para diagnosticar a intoxicação com álcool (Tab. 12.2-5): consumo suficiente de álcool, alterações comportamentais mal-adaptativas específicas, sinais de comprometimento neurológico e ausência de outros diagnósticos ou condições que possam causar confusão. A intoxicação não é condição trivial e, em casos extremos, pode levar a coma, depressão respiratória e morte por parada respiratória ou por aspiração de vômito. O tratamento exige ventilação mecânica em unidade de tratamento intensivo, com atenção para o equilíbrio ácido-base, os eletrólitos e a temperatura do paciente. Alguns estudos do fluxo sangüíneo cerebral (FSC) durante a intoxicação com álcool encontraram aumento discreto no fluxo sangüíneo
SUBSTÂNCIAS
435
cerebral após a ingestão de pequenas quantidades, mas reduções à medida que se continua a beber. A gravidade dos sintomas de intoxicação está correlacionada, em parte, à concentração de álcool no sangue, que reflete sua concentração no cérebro. Com o início da intoxicação, algumas pessoas ficam falantes e gregárias, ao passo que outras se tornam retraídas e taciturnas ou agressivas. Certos indivíduos apresentam humor instável, com episódios intermitentes de riso ou choro. A pessoa pode apresentar tolerância de curto prazo ao álcool e parecer menos intoxicada após beber por muitas horas do que por apenas algumas. As complicações médicas da intoxicação incluem as que resultam de quedas, como hematomas subdurais e fraturas. Sinais de intoxicação freqüente são hematomas faciais, particularmente ao redor dos olhos, que resultam de quedas ou brigas enquanto embriagado. Em climas frios, pode haver hipotermia e morte quando a pessoa é exposta às intempéries. Essa condição também pode predispor a infecções secundárias à supressão do sistema imunológico. Abstinência A abstinência de álcool, mesmo sem delirium, pode ser séria e incluir convulsões e hiperatividade autonômica. Condições que podem predispor ou agravar os sintomas são: fadiga, desnutrição, doenças físicas e depressão. Os critérios do DSM-IV-TR para abstinência de álcool (Tab. 12.2-6) exigem a cessação ou a redução do uso pesado e prolongado de álcool, bem como a presença de sintomas físicos e neuropsiquiátricos específicos. O diagnóstico também permite a especificação “com perturbações da percepção”. Estudo com tomografia por emissão de pósitrons (PET) para avaliar o fluxo sangüíneo durante a abstinência em pessoas saudáveis, mas dependentes do álcool, relatou taxa globalmente baixa de atividade metabólica (Fig. 12.2-1), embora, com inspeção mais aprofundada dos dados, os autores tenham concluído que a atividade estava especialmente baixa nas áreas parietal esquerda e frontal direita. O sinal clássico da abstinência de álcool é o tremor, embora o espectro de sintomas possa se expandir e incluir condições psicóticas e alterações da percepção (p. ex., delírios e alucinações), convulsões e sintomas de delirium tremens, considerado delirium por abstinência de álcool pelo DSM-IV-TR. O tremor se desenvolve entre seis e oito horas após a cessação da bebida, os sintomas psicóticos e perceptivos começam após 8 a 12 horas, as convulsões, em 12 a 24 horas, e o delirium tremens, em 72 horas, embora os médicos devam observar o desenvolvimento deste durante a primeira semana de abstinência. A síndrome, às vezes, não segue a progressão usual, por exemplo, passando diretamente para o delirium tremens. O tremor da abstinência de álcool pode ser semelhante ao tremor fisiológico, contínuo, de grande amplitude e mais de 8 Hz, ou familial, com surtos de tremor com menos de 8 Hz. Outros sintomas da abstinência incluem irritabilidade geral, distúrbios gastrintestinais (p. ex., náuseas e vômitos) e hiperatividade autonômica simpática, incluindo ansiedade, excitação, sudorese, rubor facial, midríase, taquicardia e hipertensão leve. Os pacientes que experimentam abstinência de álcool tendem a ficar alertas, mas podem se alarmar com facilidade.
436
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Um consultor de informática de 23 anos de idade com dependência de álcool não conseguia manter 24 horas de sobriedade como paciente ambulatorial. Por não conseguir parar de beber, foi enviado para internação hospitalar. Após quase 10 horas de abstinência e com concentração documentada de álcool no sangue de 0 mg/dL, estava levemente diafórico, com freqüência respiratória de 25 inspirações por minuto, pressão arterial de 13/9, leve tremor bilateral das mãos e pulso com 85 batimentos por minuto. Corria 3 a 8 quilômetros por dia, e esses números representavam elevação moderada de seus sinais vitais normais. Tratados com múltiplas vitaminas, boa nutrição, fluidos orais e benzodiazepínicos, os sintomas reduziram rapidamente e os sinais vitais aproximaram-se do normal no quarto dia de abstinência. (Cortesia de Marc A. Schuckit, M.D.)
Convulsões por abstinência. As convulsões associadas à abstinência de álcool são estereotipadas, generalizadas e tônicoclônicas em sua natureza. Muitas vezes, após a primeira convulsão, os pacientes têm mais de uma entre três e seis horas. O estado de mal epilético é relativamente raro e ocorre em menos de 3% dos casos. Embora não sejam necessários medicamentos anticonvulsivantes no manejo de convulsões por abstinência de álcool, é difícil estabelecer a causa destas quando o paciente é avaliado na sala de emergência. Assim, muitos indivíduos com convulsões por abstinência recebem anticonvulsivantes, que são descontinuados quando a causa é reconhecida. A atividade convulsiva em pessoas com história conhecida de abuso de álcool ainda deve levar os clínicos a considerar outros fatores causativos, como lesões cerebrais, infecções, neoplasias do SNC e outras doenças cerebrovasculares. O abuso de álcool a longo prazo pode resultar
em hipoglicemia, hiponatremia e hipomagnesemia – que estão associadas a convulsões. Tratamento. Os principais medicamentos para o controle dos sintomas da abstinência de álcool são os benzodiazepínicos (Tab. 12.27). Muitos estudos verificaram que eles ajudam a controlar a atividade convulsiva, o delirium, a ansiedade, a taquicardia, a hipertensão, a diaforese e o tremor associados à abstinência do álcool. Esses agentes podem ser administradas por via oral ou parenteral. Porém, o diazepam (Valium) e o clordiazepoxido (Psicossedin) não devem ser administrados por via intramuscular devido à absorção irregular por essa rota. Os clínicos devem titular a dosagem, começando com dose elevada e reduzindo-a à medida que o paciente se recuperar. Deve-se administrar quantidade suficiente para manter os pacientes calmos e sedados, mas não tanto a ponto de não poderem acordar para que o clínico possa realizar os procedimentos necessários, incluindo exames neurológicos. Ainda que os benzodiazepínicos sejam o tratamento padronizado para a abstinência de álcool, estudos mostraram que a carbamazepina (Tegretol) em doses diárias de 800 mg é tão efetiva quanto aqueles, com o benefício extra de ter pouco risco de abuso. O uso da carbamazepina está gradualmente se tornando comum nos Estados Unidos e na Europa. Os antagonistas de receptores β-adrenérgicos e a clonidina (Atensina) também são empregados para bloquear os sintomas de hiperatividade simpática, mas não são tratamentos efetivos para convulsões ou delirium.
Delirium Diagnóstico e características clínicas. O DSM-IV-TR apresenta critérios diagnósticos para delirium por intoxicação
FIGURA 12.2-1 Imagens metabólicas de PET do cérebro de um sujeito normal e de um alcoolista examinado duas semanas após o último uso de álcool. Observe a redução em atividade metabólica cortical no alcoolista. (Reimpressa, com permissão, de Volkow ND, Hitzemann R, Wang G-J, et al. Decreased brain metabolism in neurologically intact healthy alcoholics. Am J Psychiatry. 1992; 149:1019.)
TRANSTORNOS RELACIONADOS A
SUBSTÂNCIAS
437
TABELA 12.2-7 Farmacoterapia para intoxicação e abstinência de álcool Problema clínico
Medicamento
Rota
Dosagem
Comentário
Tremor e agitação leve a moderada
Clordiazepoxido
Oral
25 a 100 mg cada 4 a 6 horas
A dose inicial pode ser repetida a cada duas horas até que o paciente se acalme; doses subseqüentes devem ser individualizadas e tituladas
Alucinose Agitação extrema
Diazepam Lorazepam Clordiazepoxido
Oral Oral Intravenosa
5 a 20 mg cada 4 a 6 horas 2 a 10 mg cada 4 a 6 horas 0,5 mg/kg a 12,5 mg/min
Convulsões por abstinência Delirium tremens
Diazepam Lorazepam
Intravenosa Intravenosa
0,15 mg/kg a 2,5 mg/min 0,1 mg/kg a 2 mg/min
Administrada até o paciente se acalmar; doses subseqüentes devem ser individualizadas e tituladas
Adaptada de Koch-Weser J, Sellers EM, Kalant J. Alcohol intoxication and withdrawal. N Engl J Med.1976; 294:757.
com álcool na categoria de delirium por abstinência de substâncias (ver Tabs. 10.2-3 e 10.2-4, Cap. 10). Os pacientes com sintomas reconhecidos de abstinência devem ser cuidadosamente monitorados para prevenir a progressão para delirium por abstinência de álcool, a forma mais grave da síndrome, também conhecido como delirium tremens. Trata-se de uma emergência médica que pode resultar em morbidade e mortalidade significativas. Os pacientes com delirium constituem risco para si mesmos e para os outros. Devido à imprevisibilidade de seu comportamento, podem ser agressivos ou suicidas, ou agir segundo suas alucinações ou pensamentos delirantes como se fossem perigos reais. Se não for tratado, o delirium tremens apresenta taxa de mortalidade de 20%, geralmente como resultado de patologia médica concomitante, como pneumonia, doenças renais, insuficiência hepática ou cardíaca. Embora as convulsões costumem preceder o desenvolvimento de delirium por abstinência de álcool, este também pode aparecer sem sinal prévio. A característica essencial da síndrome é o delirium que ocorre dentro de uma semana após a pessoa parar de beber ou reduzir o consumo de álcool. Além dos sintomas do delirium, as características do delirium por intoxicação com álcool incluem hiperatividade autonômica na forma de taquicardia, diaforese, febre, ansiedade, insônia e hipertensão; distorções da percepção, como alucinações visuais ou táteis; e níveis oscilantes de atividade psicomotora, variando de hiperexcitabilidade a letargia. Cerca de 5% das pessoas com transtornos relacionados ao álcool que são hospitalizadas têm delirium tremens. Como a síndrome costuma se desenvolver no terceiro dia no hospital, um paciente internado por outra condição pode ter episódio inesperado de delirium, o primeiro sinal de transtorno relacionado ao álcool que não tenha sido diagnosticado. Os episódios geralmente começam quando o indivíduo tem em média 30 ou 40 anos, após 5 a 15 anos de consumo pesado, na maioria dos casos do tipo compulsivo. As doenças físicas (p. ex., hepatite ou pancreatite) predispõem à síndrome. O indivíduo em boa saúde física raramente tem delirium tremens durante a abstinência de álcool.
O sr. T. é um operário francês de 35 anos, casado e com três filhos de 7, 9 e 11 anos. PROBLEMA Após cair da escada e quebrar a perna, o sr. T. foi internado no departamento ortopédico de um hospital geral. No terceiro dia de estadia, começou a ficar cada vez mais nervoso e tremer. Ao ser questionado sobre seus hábitos com a bebida, negou ter qualquer problema com o álcool. Disse aos médicos que ocasionalmente tomava um copo de cerveja. Durante a noite, não conseguiu dormir e as enfermeiras começaram a se preocupar, pois ele falava de maneira incoerente e estava visivelmente ansioso. HISTÓRIA Segundo a esposa, o sr. T. havia bebido grandes quantidades de cerveja por mais de três anos. Durante o ano anterior, faltara ao trabalho várias vezes e havia sido ameaçado de demissão. Todos os dias, começava a beber assim que chegava do trabalho e não parava até pegar no sono. Na noite em que foi internado, chegou em casa como sempre, mas escorregou na escada e quebrou a perna antes de começar a beber. Em conseqüência, não bebera antes da baixa hospitalar. Ela ficou com vergonha do problema de seu marido e não teve coragem de contar ao ortopedista na hospitalização. Três dias depois, quando os médicos a questionaram diretamente, relatou toda a história. Ela disse que o seu marido havia comido muito pouco nas últimas semanas. Como notara em várias ocasiões, ele não conseguia lembrar de eventos importantes do dia anterior. Dois anos antes, sofrera um acidente automobilístico enquanto estava embriagado, mas sem ferimentos graves. O sr. T. nunca teve problemas importantes de saúde no passado. Contudo, o relacionamento com a esposa se tornou extremamente difícil desde que começou a beber, e ela estava pensando seriamente em divórcio. O rela-
438
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
cionamento com os filhos era tenso. Havia brigas com freqüência, mas, recentemente, eles tentavam evitá-lo o máximo possível. De acordo com a sra. T., o pai de seu marido tinha sido alcoolista crônico e morrera de cirrose hepática quando o sr. T. tinha 24 anos de idade. DISCUSSÃO O sr. T. apresenta longa história de uso pesado de álcool e desenvolveu sintomas de abstinência graves. Manifestou os sinais característicos de delirium: perturbação da consciência, perturbação global da cognição, agitação psicomotora, perturbações do ciclo de sono-vigília (insônia), início rápido e oscilação de sintomas. A presença de estado de abstinência, associado a delirium, logo após a cessação do consumo pesado de álcool indica estado de abstinência com delirium. Como o paciente não teve convulsões, o diagnóstico segundo a CID10 é de estado de abstinência de álcool com delirium, sem convulsões. O problema deste paciente com a bebida já dura pelo menos três anos, e as informações que sua esposa forneceu são evidências de que ele aponta para diagnóstico adicional de síndrome de dependência de álcool. Os problemas de memória observados indicam que ele também pode ter síndrome amnéstica causada pelo uso do álcool. Porém, a descrição não proporciona informações suficientes para o estabelecimento de diagnóstico adicional confiável de síndrome amnéstica devido ao uso de álcool, que deve ser avaliada após o delirium e outros sintomas de abstinência haverem passado, pois o comprometimento da memória também é característica proeminente do delirium.
Tratamento. O melhor tratamento para o delirium tremens é a prevenção. Pacientes com sintomas manifestados abstinência de álcool devem tomar benzodiazepínico, como 25 a 50 mg de clordiazepoxido a cada duas ou quatro horas até que pareçam estar fora de perigo. Contudo, quando o delirium aparece, 50 a 100 mg do mesmo agente devem ser administrados oralmente a cada quatro horas, ou lorazepam (Lorax) por via intravenosa se não for possível tomar medicamento oral (Tab. 12.2-7). Medicamentos antipsicóticos que possam reduzir o patamar convulsivo devem ser evitados. Dieta com alto teor de calorias e carboidratos suplementada com multivitaminas também é importante. A imobilização física de pacientes com delirium tremens é arriscada, pois podem se debater em nível perigoso de exaustão. Quando são desordeiros e descontrolados, recomenda-se sala de reclusão. A desidratação, muitas vezes exacerbada por diaforese e febre, pode ser corrigida com líquidos administrados por via oral ou intravenosa. Anorexia, vômitos e diarréia ocorrem com freqüência durante a abstinência. Surgimento de sintomas neurológicos focais, convulsões lateralizadas, aumento na pressão intracraniana ou evidências de fraturas cranianas ou outras indicações
de patologias do SNC devem ser examinadas em busca de outras doenças neurológicas. Medicamentos anticonvulsivantes além dos benzodiazepínicos não são úteis para prevenir ou tratar as convulsões causadas pela abstinência de álcool, embora estes últimos costumem ser efetivos. Psicoterapia afetuosa e solidária é essencial no tratamento do delirium tremens. Os pacientes muitas vezes estão confusos, assustados e ansiosos por causa de seus sintomas tumultuosos, e o apoio verbal hábil é imperativo. Demência persistente induzida pelo álcool A legitimidade do conceito de demência persistente induzida pelo álcool permanece controversa. Alguns clínicos e pesquisadores acreditam que é difícil separar os efeitos tóxicos do abuso de álcool de lesões no SNC por má nutrição e traumas múltiplos decorrentes de mau funcionamento de outros órgãos do corpo, como o fígado, o pâncreas e os rins. Ainda que vários estudos tenham encontrado ventrículos aumentados e atrofia cortical em pessoas com demência e história de dependência do álcool, não ajudam a esclarecer as causas da demência. Entretanto, o DSM-IV-TR inclui o diagnóstico de demência persistente induzida pelo álcool (Tab. 10.3-6). A controvérsia quanto ao diagnóstico deve encorajar os clínicos a realizarem avaliação diagnóstica completa da demência antes de concluírem que a mesma foi causada pelo álcool. Transtorno amnéstico persistente induzido pelo álcool Diagnóstico e características clínicas. Os critérios de transtorno amnéstico persistente induzido pelo álcool são apresentados na categoria do DSM-IV de transtorno amnéstico persistente induzido por substâncias (Tab. 10.4-3). A característica essencial dessa condição é perturbação da memória de curta duração causada pelo uso pesado e prolongado de álcool. Como costuma ocorrer em pessoas que bebem há muitos anos, o transtorno é raro em indivíduos com menos de 35 anos. Síndrome de Wernicke-Korsakoff. Os nomes clássicos para o transtorno amnéstico persistente induzido pelo álcool são encefalopatia de Wernicke (conjunto de sintomas agudos) e síndrome de Korsakoff (condição crônica). Enquanto a primeira é completamente reversível com o tratamento, somente cerca de 20% dos pacientes com a segunda se recuperam. A conexão fisiopatológica entre ambas é a deficiência de tiamina, causada por hábitos nutricionais inadequados ou problemas de absorção. A tiamina é um co-fator para diversas enzimas importantes e também pode estar envolvida na condução do potencial ao longo do axônio e na transmissão sináptica. As lesões neuropatológicas são simétricas e paraventriculares, envolvendo os corpos mamilares, o tálamo, o hipotálamo, o mesencéfalo, a ponte, a medula, o fórnice e o cerebelo. A encefalopatia de Wernicke, também chamada encefalopatia alcoólica, é um transtorno neurológico agudo que se caracteriza por ataxia (que afeta principalmente a marcha), disfunção vesti-
TRANSTORNOS
bular, confusão e uma variedade de anormalidades na motilidade ocular, incluindo nistagmo horizontal, paralisias orbital lateral e do olhar. Esses sinais oculares são, em sua maioria, bilaterais, mas não necessariamente simétricos. Outros sinais oculares incluem reação lenta à luz e anisocoria. A encefalopatia de Wernicke pode desaparecer de forma espontânea em alguns dias ou semanas ou pode progredir para a síndrome de Korsakoff. Tratamento. Nos primeiros estágios, a encefalopatia de Wernicke responde logo a grandes doses de tiamina parenteral, que se acredita ser efetiva para prevenir a progressão para a síndrome de Korsakoff. A dosagem de tiamina começa com 100 mg por via oral 2 a 3 vezes por dia e continua por 1 a 2 semanas. Em pacientes com transtornos relacionados ao álcool que estejam recebendo administração intravenosa de glicose, deve-se incluir 100 mg de tiamina em cada litro da solução de glicose. A síndrome de Korsakoff é a doença amnéstica crônica que pode acompanhar a encefalopatia de Wernicke, e acredita-se que ambas tenham relação fisiopatológica. Os principais aspectos da síndrome de Korsakoff são condição de comprometimento mental (em especial da memória recente) e amnésia anterógrada em indivíduo atento e responsivo, o qual pode ou não ter o sintoma da confabulação. O tratamento desta também é feito com 100 mg de tiamina por via oral, 2 a 3 vezes ao dia. O tratamento deve continuar por 3 a 12 meses. Poucos pacientes que avançam para a síndrome de Korsakoff chegam a se recuperar completamente, embora uma proporção substancial deles apresente melhora em suas capacidades cognitivas com o uso de tiamina e apoio nutricional. Apagões. Os apagões relacionados ao álcool não são incluídos na classificação diagnóstica do DSM-IV-TR, embora esse sintoma de intoxicação seja comum. Os apagões assemelham-se a episódios de amnésia global transitória (ver Cap. 10, Seção 10.4), no sentido de que consiste em discreta amnésia anterógrada que ocorre associada à intoxicação com álcool. Os períodos de amnésia podem ser particularmente perturbadores quando as pessoas temem que tenham causado algum mal a alguém contra a própria vontade ou que se comportaram de maneira imprudente enquanto estavam embriagadas. Durante o apagão, a memória permanece relativamente intacta, mas se experimenta déficit específico da memória de curta duração, no qual há incapacidade de recordar eventos que aconteceram nos últimos 5 a 10 minutos. Como suas faculdades intelectuais são preservadas, essas pessoas podem realizar tarefas complicadas e parecer normais para observadores casuais. Os mecanismos neurobiológicos dos apagões alcoólicos são hoje conhecidos no nível molecular. O álcool bloqueia a consolidação de novas memórias em memórias antigas, processo que envolve o hipocampo e as estruturas do lobo temporal.
RELACIONADOS A SUBSTÂNCIAS
439
14.4-7). O manual também permite a especificação do início (durante a intoxicação ou a abstinência) e a presença de delírios ou alucinações. As alucinações mais comuns são as auditivas, geralmente vozes, mas não costumam ser estruturadas. As vozes tendem a ser maldosas, repreensivas ou ameaçadoras, embora alguns pacientes relatem que elas são agradáveis e não os perturbam. Costumam durar menos de uma semana, mas, durante esse período, é comum o comprometimento da capacidade de testar a realidade. Após o episódio, a maioria dos doentes entende a natureza alucinatória dos sintomas. As alucinações após a abstinência do álcool são consideradas raras, e a síndrome é diferente de delirium por abstinência de álcool. Podem ocorrer em qualquer idade, mas em geral se manifestam em pessoas que consomem álcool em níveis abusivos por muito tempo. Embora as alucinações desapareçam em uma semana, algumas podem permanecer. Nesses casos, os clínicos devem considerar outros transtornos psicóticos no diagnóstico diferencial. As alucinações relacionadas à abstinência são diferenciadas daquelas da esquizofrenia pela associação temporal no caso da primeira, pela ausência de história clássica de esquizofrenia e por sua duração, que costuma ser curta. As alucinações relacionadas à abstinência de álcool são diferenciadas de delirium tremens pela presença de sensório claro. Um carteiro de 39 anos foi trazido à sala de emergência pela polícia após se comportar de maneira anormal em casa e reclamar que seus vizinhos estavam tentando matá-lo. A história obtida do paciente e de sua esposa revelou que seu raciocínio psicótico havia se desenvolvido lentamente nas três semanas anteriores. Começou a ter sensações de que as pessoas estavam contra ele e passou a apresentar alucinações auditivas claras de que no trabalho e nas casas vizinhas estavam tramando planos para matá-lo. Ele não tinha consciência de seus delírios paranóides e alucinações auditivas. O início relativamente abrupto da síndrome – tinha quase 40 30 anos – apontava para causa orgânica potencial, e investigação mais aprofundada documentou que o mesmo vinha bebendo de seis a 18 cervejas long neck por dia pelo menos nas últimas 10 semanas. O diagnóstico de transtorno psicótico induzido pelo álcool com início durante a intoxicação foi dado, e as alucinações e os delírios desapareceram após três semanas de abstinência. Após o tratamento, o homem permaneceu sóbrio pelos próximos oito meses. Infelizmente, voltou a beber muito e ter recorrência de suas alucinações e delírios. (Cortesia de A.Schuckit, Schuckit,M.D.) M.D.) Marc A. Tratamento. O tratamento das alucinações relacionadas à abstinência de álcool é parecido com o de delirium tremens – benzodiazepínicos, nutrição adequada e líquidos, se necessários. Caso esse regime fracasse ou em situações de longa duração, podem ser usados antipsicóticos.
Transtorno psicótico induzido pelo álcool Diagnóstico e características clínicas. Os critérios diagnósticos para transtornos psicóticos induzidos pelo álcool, como delírios e alucinações, são encontrados na categoria do DSM-IVTR de transtorno psicótico induzido por substâncias (ver Tab.
Transtorno do humor induzido pelo álcool O DSM-IV-TR possibilita o diagnóstico de transtorno do humor induzido pelo álcool com características maníacas, depressi-
440
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
vas ou mistas (ver Tab. 15.3-10, Cap. 15) e também a especificação de início durante a intoxicação ou a abstinência. Como em todos os transtornos secundários ou induzidos por substâncias, os clínicos devem considerar se a substância consumida em abuso e os sintomas têm relação causal. Uma consulta foi solicitada para uma mulher de 42 anos com dependência de álcool que reclamava de sintomas depressivos graves persistentes apesar de estar há cinco dias em abstinência. No estágio inicial da entrevista, disse que “sempre havia sido depressiva” e sentia que “bebia para enfrentar os sintomas depressivos”. Sua queixa atual incluía tristeza proeminente que persistia há semanas, dificuldade para se concentrar, insônia inicial e terminal e sentimento de desesperança e culpa. Na tentativa de distinguir transtorno do humor induzido pelo álcool de episódio depressivo mais independente, foi obtida a história baseada em uma linha do tempo, concentrando-se na idade do início da dependência de álcool, nos períodos de abstinência que duravam vários meses desde o início da dependência e na idade de ocorrência de episódios depressivos claros, que duravam algumas semanas de cada vez. Apesar da queixa original da paciente, ficou claro que ela não havia tido episódios depressivos maiores antes dos seus 20 anos, quando a dependência de álcool começou, e que, durante a abstinência de um ano relacionada à gestação e ao período neonatal de seu filho, seu humor havia melhorado (de forma significativa). O diagnóstico provisório de transtorno do humor induzido pelo álcool foi feito. A paciente recebeu instrução e terapia cognitiva para ajudá-la a lidar com os sintomas depressivos, mas não foram prescritos medicamentos para tanto. Os sintomas depressivos permaneceram em sua intensidade original por vários dias, mas começaram a melhorar. Em cerca de três semanas de abstinência, ela já não satisfazia os critérios para episódio depressivo maior, embora tenha demonstrado alterações de humor semelhantes à distimia por mais algumas semanas. Este caso é um exemplo bastante típico de transtorno do humor induzido pelo álcool. (Cortesia de Marc A. Shuckit, M.D.) Transtorno de ansiedade induzido pelo álcool O DSM-IV-TR permite o diagnóstico de transtorno de ansiedade induzido pelo álcool (ver Tab. 16.7-3, Cap. 16) e sugere que os diagnósticos especifiquem se os sintomas são ansiedade generalizada, crises de pânico, sintomas obsessivo-compulsivos ou sintomas fóbicos, e se o início foi durante a intoxicação ou a abstinência. A associação entre o uso de álcool e os sintomas de ansiedade foi discutida anteriormente. Pode ser difícil decidir se esses sintomas são primários ou secundários. Um advogado afro-americano de 52 anos de idade começou tratamento para dependência de álcool com a queixa principal de “crises de pânico”, além de seus problemas com o álcool. À luz das evidências de transtorno de pânico e dependência de álcool concomitantes, foi obtida a história cronológi-
ca. Tal indivíduo satisfez os critérios para transtorno de pânico com aproximadamente 18 anos, e suas crises ocasionais intensificaram-se quando foi para a faculdade. Após diversas visitas à sala de emergência durante seu primeiro ano, foi feito o diagnóstico de transtorno de pânico, e a história retrospectiva não revelou evidências de dependência de álcool ou de qualquer outra substância naquela época. O transtorno foi tratado com terapia comportamental e antidepressivos e estava controlado quando, com 33 anos de idade, o advogado aumentou o consumo de álcool e desenvolveu problemas associados. Ele parece ter satisfeito os critérios para dependência de álcool. Durante o curso do alcoolismo, os sintomas do transtorno aumentavam e diminuíam em intensidade, com exacerbações óbvias quando tentava reduzir o consumo de álcool. O diagnóstico foi dependência de álcool com transtorno de pânico independente. O tratamento concentrou-se na continuação da terapia cognitivo-comportamental, em medicamento antidepressivo (quando necessário) para o transtorno de pânico e na reabilitação para o alcoolismo. (Cortesia de Marc A. Schuckit, M.D.) Disfunção sexual induzida pelo álcool No DSM-IV-TR, o diagnóstico formal de sintomas de disfunção sexual associada à intoxicação por álcool é de disfunção sexual induzida pelo álcool (ver Tab. 21.2-7, Cap. 21). Transtornos do sono induzidos pelo álcool No DSM-IV-TR, os critérios diagnósticos para transtornos do sono induzidos pelo álcool com início durante a intoxicação ou a abstinência são encontrados na seção sobre transtornos do sono (ver Tabela 24.2-21, Cap. 24). Transtorno relacionado ao álcool sem outra especificação O DSM-IV-TR permite o diagnóstico de transtorno relacionado ao álcool sem outra especificação para psicopatologias relacionadas ao álcool que não satisfaçam os critérios para nenhum dos outros diagnósticos (Tab. 12.2-8) Intoxicação idiossincrática com álcool. A existência da entidade diagnóstica intoxicação idiossincrática com álcool está em debate. O DSM-IV-TR não reconhece essa categoria como diagnóstico oficial. Vários estudos bem-controlados de pessoas que supostamente tinham o transtorno levantaram questões sobre a validade da designação. A condição tem sido chamada de várias formas, como intoxicação com álcool patológica, complicada, atípica e paranóide. Todos esses termos indicam que síndrome comportamental grave desenvolve-se logo após a pessoa consumir pequena quantidade de álcool, que teria efeitos comportamentais mínimos sobre a maioria das pessoas. O diagnóstico é importante na área forense, pois a intoxicação com álcool
TRANSTORNOS RELACIONADOS A
TABELA 12.2-8 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno relacionado ao álcool sem outra especificação A categoria Transtorno relacionado ao álcool sem outra especificação serve para os transtornos associados ao uso de álcool que não podem ser classificados como dependência de álcool, abuso de álcool, intoxicação com álcool, abstinência de álcool, delirium por intoxicação com álcool, delirium por abstinência de álcool, demência persistente induzida pelo álcool, transtorno amnéstico persistente induzido pelo álcool, transtorno psicótico induzido pelo álcool, transtorno do humor induzido por álcool, transtorno de ansiedade induzido por álcool, disfunção sexual induzida por álcool ou transtorno do sono induzido por álcool. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
não costuma ser aceita como razão para considerar que as pessoas não sejam responsáveis por seus atos. Contudo, a intoxicação idiossincrática pode ser usada na defesa caso o advogado conseguir argumentar que o réu tem reação inesperada, idiossincrática e patológica à quantidade mínima de álcool. Em relatos informais, pessoas com intoxicação idiossincrática foram descritas como confusas e desorientadas, que experimentam ilusões, delírios passageiros e alucinações visuais. Podem apresentar atividade psicomotora bastante aumentada e comportamento agressivo e impulsivo. Tendem a ser perigosas para terceiros, exibir ideação suicida e tentar cometer suicídio. O transtorno, descrito em geral com a duração de algumas horas, termina em sono prolongado, e as pessoas afetadas não conseguem recordar os episódios ao acordar. A causa da condição é desconhecida, mas é mais comum entre aqueles com níveis elevados de ansiedade. Segundo uma hipótese, o álcool causa desorganização e perda do controle suficientes para liberar impulsos agressivos. Outra sugestão é que lesões cerebrais, particularmente encefalíticas ou traumáticas, predispõem certos indivíduos à intolerância ao álcool e, assim, a comportamentos anormais após ingerirem pequenas quantidades. Outros fatores de predisposição podem incluir idade avançada, uso de substâncias sedativo-hipnóticas e fadiga. O comportamento da pessoa enquanto intoxicada tende a ser atípico. Após bebida fraca, alguém calmo e tímido se torna beligerante e agressivo. Ao tratar a intoxicação idiossincrática com álcool, os clínicos devem ajudar a impedir que os pacientes machuquem a si mesmos e a terceiros. Pode ser necessária imobilização física, mas ela é dificultada por causa do início abrupto da condição. Quando o paciente é imobilizado, a injeção de antipsicótico, como o haloperidol (Haldol), é útil para controlar a agressividade. Essa condição deve ser diferenciada de outras causas de mudança comportamental abrupta, como a epilepsia parcial complexa. Alguns indivíduos com o transtorno apresentam picos temporais no EEG após ingerirem pequenas quantidades de álcool. Outros transtornos neurológicos relacionados ao álcool Somente as principais síndromes neuropsiquiátricas associadas ao uso do álcool foram discutidas aqui. A lista completa é longa
SUBSTÂNCIAS
441
(Tab. 12.2-9). A encefalopatia com pelagra alcoólica é um diagnóstico de interesse potencial para os psiquiatras que enfrentam pacientes que parecem ter a síndrome de Wernicke-Korsakoff, mas que não respondem ao tratamento com tiamina. Seus sintomas incluem confusão, perturbação da consciência, mioclonia, hipertonias opositoras, fadiga, apatia, irritabilidade, anorexia, insônia e, às vezes, delirium. Os doentes sofrem de deficiência de niacina (ácido nicotínico), e o tratamento específico é 50 mg de niacina por via oral quatro vezes ao dia ou 25 mg por via parenteral duas ou três vezes por dia. Síndrome alcoólica fetal Os dados indicam que mulheres grávidas ou que estejam amamentando não devem consumir álcool. A síndrome alcoólica fetal, a principal causa de retardo mental nos Estados Unidos, ocorre quando mães que bebem expõem os fetos ao álcool. A substância inibe o crescimento intra-uterino e o desenvolvimento pós-natal. Microencefalia, malformações craniofaciais e defeitos dos membros e do coração são comuns em bebês afetados. Estatura reduzida quando adulto e desenvolvimento de uma variedade de comportamentos mal-adaptativos também foram associados a esta síndrome. As mulheres com transtornos relacionados ao álcool apresentam risco de 35% de ter filho com defeitos. Embora o mecanismo exato de prejuízo ao feto seja desconhecido, parece resultar da exposição intra-uterina ao álcool ou a seus metabólitos. O álcool também pode causar desequilíbrios hormonais que aumentam o risco de anormalidades.
Prognóstico Entre 10 e 40% das pessoas começam algum tipo de programa de tratamento formal no decorrer de seus problemas com o álcool. Alguns sinais prognósticos são favoráveis. O primeiro é a ausência de transtorno da personalidade anti-social preexistente ou de diagnóstico de abuso ou dependência de outras substâncias. Em segundo lugar, evidências de estabilidade geral na vida, com emprego, contatos familiares próximos e continuados, e a ausência de problemas legais graves também são favoráveis. Em terceiro, se o paciente permanecer por todo o curso da reabilitação inicial (talvez de duas a quatro semanas), as chances de manter a abstinência são boas. A combinação desses três atributos prevê uma chance de pelo menos 60% de ter um ou mais anos de abstinência. Poucos estudos documentaram o curso a longo prazo, mas os pesquisadores concordam que um ano de abstinência está associado à boa chance de abstinência continuada por período longo. Todavia, as alcoolistas com problemas graves com drogas (em especial o uso de drogas injetáveis ou dependência de cocaína ou anfetaminas) e sem teto podem apresentar chance de 10 a 15% de atingir um ano de abstinência. É impossível prever com precisão se determinada pessoa irá atingir ou manter a abstinência, mas os fatores prognósticos listados estão associados à maior probabilidade de consegui-lo. Contudo, os fatores que refletem estabilidade na vida provavelmente
442
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 12.2-9 Complicações médicas e neurológicas decorrentes do uso de álcool Intoxicação com álcool Intoxicação aguda Intoxicação patológica (atípica, complicada, incomum) Apagões Síndromes de abstinência do álcool Tremor Alucinose alcoólica Convulsões por abstinência Delirium tremens Doenças nutricionais do sistema nervoso secundárias ao abuso de álcool Síndrome de Wernicke-Korsakoff Degeneração cerebelar Neuropatia periférica Neuropatia óptica (ambliopia de tabaco e álcool) Pelagra Doenças alcoólicas de patogênese incerta Mielinose da ponte central Doença de Marchiafava-Bignami Síndrome alcoólica fetal Miopatia Demência alcoólica (?) Atrofia cerebral alcoólica Doenças sistêmicas devido ao álcool com complicações neurológicas secundárias Doenças hepáticas Encefalopatia hepática Degeneração hepatocerebral crônica adquirida (não-wilsoniana) Doenças gastrintestinais Síndromes de mal-absorção Síndromes de pós-gastrectomia Possível encefalopatia pancreática
Doenças cardiovasculares Cardiomiopatia com embolia cardiogênica potencial e doenças cerebrovasculares Arritmias e pressão arterial anormal levando a doenças cerebrovasculares Distúrbios hematológicos Anemia, leucopenia, trombocitopenia (podendo levar a doenças cerebrovasculares hemorrágicas) Doenças infecciosas, especialmente meningite (pneumococo e meningococo) Hipotermia e hipertermia Hipotensão e hipertensão Depressão respiratória e hipoxia associada Encefalopatias tóxicas, incluindo álcool e outras substâncias Desequilíbrio eletrolítico ocasionando estados agudos de confusão e, raramente, sinais e sintomas neurológicos focais Hipoglicemia Hiperglicemia Hiponatremia Hipercalcemia Hipomagnesemia Hipofosfatemia Maior incidência de trauma Hematoma epidural, subdural e intracerebral Lesões na medula espinal Distúrbios com convulsões pós-traumáticas Neuropatias compressivas e lesões no plexo braquial (paralisias de sábado à noite) Hidrocefalia sintomática pós-traumática (hidrocefalia com pressão normal) Lesões musculares e síndromes compartimentalizadas
Reimpressa, com permissão, de Rubino FA. Neurologic complications of alcoholism. Psychiatr Clin North Am. 1992;15:361.
expliquem apenas 20% ou menos do curso dos transtornos por uso de álcool. Muitas forças difíceis de mensurar afetam o curso clínico de maneira significativa, as quais provavelmente incluem elementos intangíveis, como o nível motivacional e a qualidade do sistema de apoio social do paciente. De modo geral, os alcoolistas com psicopatologias maiores preexistentes – como transtorno da personalidade anti-social, esquizofrenia e transtorno bipolar I – são prováveis de seguir o curso de seu transtorno independente. Assim, por exemplo, os clínicos devem tratar o paciente com transtorno bipolar I que tenham alcoolismo secundário com psicoterapia apropriada e lítio (Carbolitium), usar técnicas psicológicas e comportamentais relevantes para o indivíduo com transtorno da personalidade anti-social e oferecer os medicamentos antipsicóticos adequados a longo prazo para o esquizofrênico. O objetivo é minimizar os sintomas do transtorno psiquiátrico independente na esperança de que a maior estabilidade esteja associada a melhor prognóstico para os problemas relacionados ao álcool.
dos os esforços possíveis foram feitos para otimizar o funcionamento médico e para tratar as emergências psiquiátricas. Assim, por exemplo, o alcoolista com sintomas de depressão suficientemente graves a ponto de tornar-se suicida necessita de internação hospitalar por pelo menos alguns dias até que a ideação desapareça. De maneira semelhante, alguém que apresente cardiomiopatia, dificuldades hepáticas ou sangramento gastrintestinal primeiramente requer tratamento adequado para a emergência médica. O paciente com abuso ou dependência de álcool deve então confrontar a realidade do transtorno (intervenção), ser desintoxicado, se necessário, e começar a reabilitação. Os princípios desses três passos para o alcoolista com síndromes psiquiátricas independentes assemelham-se muito às abordagens usadas para o alcoolista primário sem síndromes psiquiátricas independentes. Contudo, no primeiro caso, os tratamentos são aplicados após o transtorno psiquiátrico ter sido estabilizado ao máximo possível.
Intervenção TRATAMENTO E REABILITAÇÃO Três passos gerais estão envolvidos no tratamento de alcoolistas após o transtorno ser diagnosticado – intervenção, desintoxicação e reabilitação. Essas abordagens pressupõem que to-
O objetivo dessa etapa, que também é chamada de confrontação, é romper sentimentos de negação e ajudar o paciente a reconhecer as conseqüências adversas prováveis se o transtorno não for tratado. É um processo que visa a maximizar a motivação para o tratamento e para a abstinência continuada.
TRANSTORNOS RELACIONADOS A
Isso muitas vezes envolve convencer os pacientes de que são responsáveis por seus próprios atos, lembrando-os de como o álcool criou problemas significativos para suas vidas. Pode ser útil aproveitar a queixa principal do alcoolista, seja ela insônia, dificuldades com o desempenho sexual, incapacidade de enfrentar o estresse da vida, depressão, ansiedade ou sintomas psicóticos. O psiquiatra pode então explicar como o álcool criou ou contribuiu para esses problemas e garantir ao paciente que a abstinência pode ser alcançada com o mínimo de desconforto. Um empresário de 43 anos de idade consultou um médico porque estava preocupado com sua esposa. Ele havia sido confrontado por sua filha de 21 anos, que pensava que sua mãe era alcoolista. A filha notou a fala arrastada da mãe em diversas ocasiões em que telefonou para casa, observou momentos durante o dia em que deveria estar em casa, mas não atendia o telefone e observou níveis elevados de consumo de álcool. A história mais detalhada revelou que o marido estava preocupado com o padrão de bebida da esposa há pelo menos cinco anos. Ele relatou sua prática de ficar acordada após ele ir dormir e surgir mais tarde com hálito de álcool, e também observou que ela tomava de 10 a 12 doses em festas, com a tendência resultante de se isolar dos outros convidados, seu comportamento de pânico com relação à necessidade de levar bebidas quando viajavam para locais onde talvez não pudessem comprá-las e algo que julgou ser tremor em suas mãos em certas manhãs durante o café. Algumas linhas de ação foram sugeridas ao marido, incluindo a possibilidade de indicar a esposa para tratamento médico. Ele foi aconselhado a compartilhar suas preocupações com ela quando não estivesse ativamente intoxicada, enfatizando momentos e eventos específicos em que o seu problema com o álcool foi observado. Ele também deveria considerar se alguma amiga próxima ou a filha adulta poderiam ser incluídas nessa intervenção, e sugeriu-se consulta experimental com o clínico (ou com programa de tratamento para álcool e drogas), para que um próximo passo pudesse ser estabelecido se a intervenção fosse bem-sucedida. O médico pode usar a mesma abordagem neutra, mas persistente, cada vez que um problema relacionado ao álcool for identificado em um paciente. A persistência, em vez de habilidades interpessoais excepcionais, é o que traz resultados. Uma intervenção única raramente é suficiente. A maioria dos alcoolistas necessita de uma série de lembretes de como a substância contribuiu para cada crise evolutiva antes de considerar a abstinência como opção de longo prazo. Família Os familiares representam grande ajuda na intervenção. Devem aprender a não proteger o paciente dos problemas causados pelo álcool. De outra forma, ele não conseguirá reunir a energia necessária para parar de beber. Durante o estágio de tratamento, a família também pode sugerir que o paciente se
SUBSTÂNCIAS
443
reúna com pessoas que estão se recuperando do alcoolismo, talvez em grupos como o AA, e ela mesma pode se reunir com grupos como o Al-Anon. Esses grupos de apoio encontram-se muitas vezes por semana e ajudam familiares e amigos a ver que não estão sozinhos em seus medos, preocupações e sentimentos de culpa. Os participantes compartilham estratégias de enfrentamento e ajudam a encontrar recursos na comunidade. Essa alternativa é bastante proveitosa para auxiliar os familiares a reconstruírem suas vidas, mesmo que o alcoolista se recuse a buscar ajuda. Desintoxicação A maioria das pessoas com dependência de álcool tem sintomas relativamente leves quando pára de beber. Se o paciente estiver com a saúde boa, bem-nutrido e dispuser de sistema de apoio social, a síndrome de abstinência depressiva parece uma leve gripe. Mesmo as mais intensas raramente se aproximam da gravidade dos sintomas descritos nas primeiras obras sobre o assunto. O primeiro passo essencial na desintoxicação é o exame físico minucioso. Na ausência de distúrbio médico sério ou abuso de outras drogas, é improvável que haja abstinência de álcool grave. O segundo passo é oferecer repouso, nutrição adequada e vitaminas, em especial as que contêm tiamina. Abstinência leve ou moderada A abstinência se desenvolve porque o cérebro adaptou-se fisicamente à presença de substância depressiva cerebral e não pode funcionar de forma adequada na ausência dela. O fornecimento de depressivo cerebral no primeiro dia, suficiente para reduzir os sintomas, e depois retirar a substância de forma gradual ao longo dos próximos cinco dias, oferece a melhor forma de alívio e minimiza a possibilidade de desenvolver abstinência grave. Qualquer substância depressiva – incluindo álcool, barbitúricos ou benzodiazepínicos – pode funcionar, mas a maioria dos clínicos escolhe um agente desta última classe por sua relativa segurança. O tratamento adequado pode ser feito com fármacos de ação rápida (p. ex., lorazepam) ou de ação prolongada (p. ex., clordiazepóxido e diazepam). Um exemplo de tratamento é a administração de 25 mg de clordiazepoxido por via oral, três ou quatro vezes no primeiro dia, com a observação de omitir a dose se o paciente estiver dormindo ou sentindo-se sonolento. Uma ou duas doses adicionais de 25 mg podem ser administradas durante as primeiras 24 horas se o paciente estiver trêmulo ou apresentar sinais de tremor ou disfunção autonômica. A dose de benzodiazepínico necessária no primeiro dia pode ser reduzida em 20% a cada dia subseqüente, sem necessidade de medicamento após quatro ou cinco dias. Ao administrar agente de longa duração, como o clordiazepoxido, o clínico deve evitar produzir torpor excessivo por supermedicação. Se o paciente estiver sonolento, deve-se omitir a próxima dose marcada. Ao tomar um agente farmacológico de ação rápida, como o lorazepam, o paciente não deve omitir nenhuma dose, pois alterações rápidas nas concentrações de benzodiazepínicos no sangue podem precipitar abstinência grave.
444
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Os programas de modelo social para desintoxicação economizam dinheiro, evitando medicamentos enquanto se emprega apoio social. Esses regimes menos dispendiosos podem ser úteis para síndromes de abstinência leves ou moderadas. Alguns clínicos também recomendam antagonistas de receptores β-adrenégicos (p. ex., propranolol [Inderal]) ou agonistas de receptores α-adrenérgicos (p. ex., clonidina), ainda que não pareçam ser superiores aos benzodiazepínicos. Ao contrário das substâncias depressivas cerebrais, estes agentes contribuem pouco para diminuir o risco de convulsões ou delirium.
Abstinência grave Para a quantidade aproximada de 1 a 3% dos alcoolistas com disfunção autonômica, agitação e confusão extremas – ou seja, com delirium por abstinência alcoólica, ou delirium tremens – ainda não foi desenvolvido tratamento adequado. O primeiro passo é perguntar por que ocorreu síndrome de abstinência relativamente incomum. A resposta costuma estar relacionada a algum problema médico grave concomitante que necessita de tratamento imediato. Os sintomas da abstinência podem ser minimizados pelo uso de benzodiazepínicos (em cujos casos, às vezes, recomendam-se doses elevadas) ou de antipsicóticos, como o haloperidol. Novamente, no primeiro ou segundo dia, são usadas doses para controlar o comportamento, e o paciente pode ser retirado do medicamento aos poucos por volta do quinto dia. Há também 1 a 3% dos pacientes que apresentam uma única convulsão de grande mal. Raras pessoas têm crises múltiplas, com a incidência máxima no segundo dia da abstinência. Estas necessitam de avaliação neurológica, mas, na ausência de evidências de transtorno convulsivo, não se beneficiam com anticonvulsivantes.
Reabilitação Para a maioria dos pacientes, a reabilitação inclui três componentes principais: (1) esforços continuados para aumentar e manter níveis elevados de motivação para abstinência, (2) trabalho para ajudar o paciente a se reajustar a estilo de vida livre do álcool e (3) prevenção de recaídas. Como esses passos são conduzidos no contexto de síndromes de abstinência e crises agudas e prolongadas, o tratamento requer a apresentação repetida de conteúdos semelhantes que lembrem ao paciente o quanto a abstinência é importante e que o ajudem a desenvolver novos sistemas de apoio e estilos de enfrentamento. Não se conhece evento importante, período traumático ou transtorno psiquiátrico identificável que seja a causa única do alcoolismo. Além disso, é provável que o impacto de suas causas tenham se diluído nos efeitos do álcool no cérebro e nos anos de estilo de vida alterado, de modo que o alcoolismo terá desenvolvido existência própria. Isso é verdadeiro mesmo que muitos alcoolistas acreditem que a causa é depressão, ansiedade, estresse ou síndrome de dor. As pesquisas, os dados de prontuários médicos e as próprias pessoas geralmente revelam que o álcool contribuiu para transtorno do humor, acidente ou estresse, e não o contrário. A mesma abordagem terapêutica é usada em cenários internos e externos. A seleção do modo mais caro e intensivo de inter-
nação depende de evidências de síndromes médicas ou psiquiátricas graves, da ausência de instalações e grupos externos apropriados e próximos e da história do paciente de ter fracassado no cuidado externo. O processo de tratamento em qualquer cenário envolve intervenção, otimização do funcionamento físico e psicológico, aumento da motivação, amparo da família e uso das primeiras duas a quatro semanas de tratamento como período de ajuda intensiva. Esses esforços devem ser seguidos por pelo menos três a seis meses de cuidados externos menos freqüentes. O tratamento externo usa a combinação de orientação individual e em grupo – evitando medicamentos psicotrópicos, a menos que sejam necessários para transtornos independentes – e o envolvimento em grupos de auto-ajuda, como o AA. Orientação As iniciativas de orientação nos primeiros meses devem se concentrar em questões da vida cotidiana para ajudar os pacientes a manterem nível elevado de motivação para a abstinência e para melhorar seu funcionamento. Técnicas de psicoterapia que provocam ansiedade ou que exigem insights profundos não apresentaram benefícios durante os primeiros meses de recuperação e, pelo menos do ponto de vista teórico, podem até atrapalhar os esforços de manter a abstinência. Assim, essa discussão concentra-se nos esforços que provavelmente caracterizam os três a seis primeiros meses de tratamento. A orientação ou terapia pode ser realizada individualmente ou em grupo. Poucos dados indicam que qualquer uma das abordagens seja superior. É improvável que a técnica usada faça diferença, tratando em geral de orientação diária ou quase qualquer abordagem comportamental ou psicoterapêutica que se concentre no aqui e agora. Para otimizar a motivação, as sessões de tratamento devem explorar as conseqüências da bebida, o provável curso futuro dos problemas relacionados ao álcool e a melhora acentuada que se pode esperar com a abstinência. Seja em contexto interno ou externo, a orientação individual ou de grupo é oferecida no mínimo três vezes por semana pelas primeiras 2 a 4 semanas, seguida por esforços menos intensos, talvez uma vez por semana pelos 3 a 6 meses subseqüentes. Grande parte da orientação lida com a construção de estilo de vida livre do álcool. As discussões tratam da necessidade de grupo de amigos sóbrio, plano para eventos sociais e recreativos sem bebida e abordagens para restabelecer a comunicação com familiares e amigos. Outro componente importante, a prevenção de recaídas, primeiramente identifica situações em que o risco para tanto é alto. O orientador deve ajudar o paciente a desenvolver modos de enfrentamento para serem usados quando o desejo pelo álcool aumentar ou quando um evento ou estado emocional tornar provável a volta à bebida. Uma parte importante da prevenção de recaídas é lembrar o paciente da atitude apropriada para com os deslizes. Experiências rápidas com álcool nunca podem ser usadas como desculpa para retornar ao hábito de beber com regularidade. Os esforços para atingir e manter o estilo de vida sóbrio não são um jogo em que todos os benefícios se perdem com o primeiro gole. Em vez disso, a recuperação é um processo de ten-
TRANSTORNOS RELACIONADOS A
tativa e erro. Os pacientes valem-se dos deslizes para identificar as situações de alto risco e desenvolver técnicas de enfrentamento mais adequadas. A maioria dos esforços de tratamento reconhece os efeitos do alcoolismo sobre as pessoas importantes na vida do paciente, e um aspecto importante da recuperação envolve ajudar familiares e amigos próximos a entender o alcoolismo e a compreender que a reabilitação é um processo contínuo que dura de 6 a 12 meses ou mais. A orientação familiar e de casal e grupos de apoio para parentes e amigos ajudam essas pessoas a reconstruir os relacionamentos, a aprender como proteger o paciente das conseqüências da bebida no futuro e como ajudar na recuperação do alcoolista. Medicamentos Se a desintoxicação for concluída e o paciente não for um dos 10 a 15% dos alcoolistas que têm transtorno do humor independente, esquizofrenia ou transtorno de ansiedade, poucas evidências favorecem receitar medicamentos psicotrópicos para o tratamento do alcoolismo. Níveis remanescentes de ansiedade e insônia como parte de reação aos estresses da vida e à abstinência prolongada devem ser tratados com abordagens de modificação do comportamento e tranqüilização. Os medicamentos para esses sintomas (incluindo benzodiazepínicos) são prováveis de perder sua efetividade muito antes de a insônia desaparecer. Assim, o paciente pode aumentar a dose e ter problemas subseqüentes. De maneira semelhante, pode haver tristeza e pequenas variações de humor por vários meses. Entretanto, testes clínicos controlados não indicam benefícios na prescrição de medicamentos antidepressivos ou lítio para tratar alcoolista que não tenha transtorno psiquiátrico independente ou prolongado. O transtorno do humor desaparecerá antes que os medicamentos façam efeito, e os pacientes que voltam a beber enquanto estão medicados correm grandes riscos. Com pouca ou nenhuma evidência de que esses agentes sejam efetivos, os perigos ultrapassam quaisquer benefícios potenciais de seu uso rotineiro. A possível exceção à proibição do uso de medicamentos é o dissulfiram, agente sensibilizador do álcool. É administrado em doses diárias de 250 mg antes que o paciente receba alta da primeira fase intensiva de reabilitação externa ou do tratamento interno. O objetivo é colocar o alcoolista em condição na qual o ato de beber precipita reação física desconfortável, incluindo náusea, vômito e sensação de ardência no rosto e no estômago. Infelizmente, poucos dados provam que o dissulfiram seja mais efetivo do que placebo, talvez porque a maioria das pessoas pára de tomar o medicamento quando volta a beber. Muitos clínicos pararam de prescrevê-lo com tanta freqüência, em parte pelo reconhecimento dos perigos associados ao próprio fármaco: variações de humor, casos raros de psicose, possibilidade de neuropatias periféricas, ocorrência algo rara de outras neuropatias significativas e hepatite potencialmente fatal. Além disso, pacientes com doenças cardíacas, trombose cerebral, diabete e diversas outras condições preexistentes não podem tomar dissulfiram porque a reação alcoólica a ele pode ser fatal.
SUBSTÂNCIAS
445
Duas intervenções farmacológicas promissoras foram estudadas recentemente. A primeira envolve o antagonista de opióides naltrexone (ReVia), que, pelo menos teoricamente, acredita-se reduzir o desejo pelo álcool ou amainar os efeitos de recompensa da bebida. De qualquer forma, dois estudos pequenos (90 pacientes tomando o medicamento) e curtos (três meses de tratamento ativo) usando 50 mg por dia tiveram resultados potencialmente promissores. Todavia, para avaliar o impacto global desse agente, serão necessários estudos mais longos com grupos maiores e sujeitos mais diversificados. A segunda intervenção está relacionada ao acamprosato (Campral), sendo testada em mais de 5 mil pacientes dependentes de álcool na Europa. Esse fármaco ainda não está disponível nos Estados Unidos. Usada em doses de aproximadamente 2.000 mg por dia, foi associada a resultados 10 a 20% mais positivos do que o placebo, quando empregada em regimes de tratamento psicológico e comportamental comuns para o alcoolismo. O mecanismo de ação do acamprosato não é conhecido, mas pode agir direta ou indiretamente nos receptores de GABA ou nos sítios de NMDA, cujos efeitos alteram o desenvolvimento de tolerância ou dependência física do álcool. Outro medicamento com potencial no tratamento do alcoolismo é o ansiolítico buspirona (BuSpar), ainda que seu efeito sobre a reabilitação do álcool seja inconsistente entre os estudos. Todavia, não existem evidências de que medicamentos antidepressivos, como os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs), o lítio ou os antipsicóticos, sejam tão efetivos no tratamento do alcoolismo. Grupos de auto-ajuda Os clínicos devem reconhecer a importância potencial dos grupos de auto-ajuda, como o AA. Seus participantes têm amparo 24 horas por dia, associado a grupo de amigos sóbrio, aprendem que é possível participar de reuniões sociais sem beber, e contam com um modelo de recuperação, observando as realizações de membros sóbrios do grupo. As pessoas costumam inteirar-se do AA durante a internação ou a reabilitação externa. O clínico pode desempenhar o importante papel de ajudar os pacientes a entenderem as diferenças entre grupos específicos. Alguns são compostos apenas por homens ou mulheres, e outros são mistos. Há encontros para operários, outros específicos para profissionais liberais. Alguns grupos colocam maior ênfase na religião, outros são ecléticos. Os pacientes com transtornos psiquiátricos coexistentes podem necessitar de instrução adicional sobre o AA. O médico deve lembrar que alguns membros do AA podem não entender a necessidade especial por medicamentos e deve fornecer aos pacientes formas de lidar com sugestões inadequadas de que os fármacos necessários devam ser interrompidos.
REFERÊNCIAS Bierut LJ, Dinwiddie SH, Begleiter H, et al. Familial tranmission of substance dependence: alcohol, marijuana, cocaine, and habitual
446
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
smoking: a report from the Collaborative Study on the Genetics of Alcoholism. Arch Gen Psychiatry. 1998;55:982. Blane HT, Leonard KE, eds. Psychological Theories of Drinking and Alcoholism. 2nd ed. New York: Guilford Press; 1999. Heather N, Peters TJ, eds. International Handbook of Alcohol Dependence and Problems. New York: John Wiley & Sons; 2001:497. Helander A, Carlsson AV, Borg S. Longitudinal comparison of carbohidrate-deficient transferrin and gamma-glutamyl transferase: complementary markers of excessive alcohol consumption. Alcohol Alcohol. 1996;31:101. Kabel DI, Petty F. A placebo-controlled, double-blind study of fluoxetine in severe alcohol dependence: adjunctive pharmacotherapy during and after inpatient treatment. Alcohol Clin Exp Res. 1996;20:780. Koob GF, Roberts AJ. Brain reward circuits in alcoholism CNS Spectrums. 1999;4:23. Kranzler HR, Burleson JA, Del Boca FK, et al. Buspirone treatment of anxious alcoholics: a placebo-controlled trial. Arch Gen Psychiatry. 1994;51:720. Pfefferbaum A, Lim KO, Desmond JE, Sullivan EV. Thinning of the corpus callosum in older alcoholic men: a magnetic resonance imaging study. Alcohol Clin Exp. Res. 1996;20:752. Prescott CA, Kendler KS. Genetic and environmental contributions to alcohol abuse and dependence in a population-based sample of male twins. Am J Psychiatry, 1999;156:34. Project MATCH Research Group. Matching alcoholism treatments to client heterogeneity. Project MATCH posttreatment drinking outcomes. J Stud Alcohol. 1997;58:7. Roberts LJ, Linney KD. Alcohol problems and couples: drinking in an intimate relational context. In: Schmaling KB, Sher TG, eds. The Psychology of Couples and Illness: Theory, Research, & Practice. Washington, DC: American Psychological Association; 2000:269. Schuckit MA. Alcohol-related disorders. In: Sadock BJ, Sadock VA, editors. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:953. Schuckit MA, Daeppen J-B, Tipp JE, Hesselbock M, Bucholz KK. The clinical course of alcohol-related problems in alcohol dependent and nonalcohol dependent drinking women and men. J Stud Alcohol. 1998;59:81. Schuckit MA, Smith TL, Daeppen J-B, et al. Clinical revelance of the distinction between alcohol dependence with and without a physiological component. Am J Psychiatry. 1998;155:733. Schuckit MA, Tipp JE, Bergman M, Reich W, Hesselbrock VM, Smith TL. Comparison of induced and independent major depressive disorders in 2945 alcoholics. Am J Psychiatry. 1997;154:948. Schuckit MA, Tipp JE, Bucholz KK, et al. The lifetime rates of three major mood disorders and four major anxiety disorders in alcoholics and controls. Addiction. 1997;92:1289. Thun MJ, Peto R, Lopez AD, et al. Alcohol consumption and mortality among middle-aged and elderly U.S. adults. N Engl J Med. 1997;337:1705. Tsai G, Gastfriend DR, Coyle JT. The glutamatergic basis of human alcoholism. Am J Psychiatry. 1995;152:332. Vaillant GE. A long-term follow-up of male alcohol abuse. Arch Gen Psychiatry. 1996;53:243. Yeastedt J, La Grange L, Anton RF. Female alcoholic outpatients and female college students: a correlational study of self-reported alcohol consumption and carbohydrate-deficient transferrin levels. J Stud Alcohol. 1998;59:555. Zernig G, Saria A, eds. Handbook of Alcoholism. Pharmacology and Toxicology. Boca Raton, FL: CRC Press;2000:363.
12.3 Transtornos relacionados a anfetaminas (ou substâncias assemelhadas) As anfetaminas são as substâncias ilícitas usadas de forma mais ampla, ficando atrás apenas da cannabis, na Grã-Bretanha, na Austrália e em vários países do leste da Europa. Nos Estados Unidos, o uso de cocaína ainda excede o uso não-médico de anfetaminas. Alguns estudos relatam até 600 mil usuários. Além disso, a metanfetamina (congênero da anfetamina) também se tornou importante substância de abuso. O sulfato de racemato anfetamina (Benzedrina) foi sintetizado em 1887 e introduzido na prática clínica em 1932 como inalante vendido sem prescrição médica para o tratamento de congestão nasal e asma. Em 1937, foram introduzidos tabletes de sulfato de anfetamina para o tratamento de narcolepsia, parkinsonismo pós-encefalítico, depressão e letargia. Na década de 1970, uma variedade de fatores sociais e regulatórios começou a limitar sua distribuição. As indicações aprovadas atualmente pela U.S. Food and Drug Administration (FDA) para anfetaminas se limitam ao transtorno de déficit de atenção/hiperatividade e à narcolepsia. Elas também são usadas no tratamento de obesidade, depressão, distimia, síndrome de fadiga crônica, síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) e neurastenia como terapia complementar para depressão resistente ao tratamento para drogas. FÓRMULAS As principais anfetaminas disponíveis e usadas nos Estados Unidos são a dextroanfetamina (Dexedrina), a metanfetamina (Desoxina), um sal misto de dextroanfetamina e anfetamina (Adderall) e o metilfenidato (Ritalina). Essas substâncias são chamadas nas ruas de ice, cristal e speed. Como classe geral, também são denominadas de analépticos, simpatomiméticos, estimulantes e psicoestimulantes. As anfetaminas típicas são usadas para aumentar o desempenho e induzir sensação de euforia, por exemplo, por estudantes durante exames, por motoristas de caminhão em viagens longas, por empresários com prazos importantes e por atletas em competições. Embora não o sejam tanto quanto a cocaína, ainda são substâncias que causam dependência. Outras substâncias assemelhadas às anfetaminas são a efedrina e a pseudo-efedrina, que podem ser compradas sem prescrição médica nos Estados Unidos como descongestionantes nasais. A fenilpropanolamina é um psicoestimulante que, embora menos potente do que as anfetaminas clássicas e a efedrina, está sujeito a abusos, em parte por causa de sua disponibilidade e preço baixo. Esses agentes, em especial a fenilpropanolamina, podem exacerbar a hipertensão de maneira perigosa, precipitar psicose tóxica ou resultar em morte. A margem de segurança para a fenilpropanolamina é particularmente limitada, e três ou quatro vezes a dose normal podem ocasionar hipertensão fatal.
TRANSTORNOS RELACIONADOS A
Metanfetamina A metanfetamina (também chamada “ice”) é uma forma pura que os usuários da substância inalam, fumam ou injetam nas veias. Seus efeitos psicológicos duram horas e são descritos como particularmente fortes. Ao contrário do crack (ver Seção 12.6), ela é uma droga sintética que pode ser fabricada em laboratórios ilícitos. Substâncias assemelhadas a anfetaminas As anfetaminas clássicas (p. ex., dextroanfetamina, metanfetamina e metilfenidato) exercem seus principais efeitos por meio do sistema dopaminérgico. As substitutas chamadas anfetaminas designer (discutidas a seguir) têm efeitos neuroquímicos sobre os sistemas serotonérgicos e dopaminérgicos e características comportamentais que refletem a combinação de atividades do tipo anfetamínico e do tipo alucinógeno. Alguns psicofarmacologistas classificam as anfetaminas substitutas como alucinógenos. Contudo, neste livro, são classificadas em associação às anfetaminas das quais são estruturalmente mais próximas. Exemplos incluem a 3,4-metilenodioximetanfetamina (MDMA), também chamada “ecstasy”, “XTC” e “Adão”; a N-etil-3,4-metilenodioxietanfetamina (MDEA), também chamada “Eva”; a 5-metoxi-3,4-metilenodioxianfetamina (MMDA); e a 2,5-dimetoxi-4-metilanfetamina (DOM), também chamada “STP”. Dessas drogas, a MDMA foi a mais estudada e talvez seja a mais disponível. Todas são discutidas em mais detalhes a posteriori. EPIDEMIOLOGIA Em 2000, cerca de 4% da população norte-americana usaram psicoestimulantes. O grupo etário dos 18 aos 25 anos de idade relatou o nível mais alto de uso, seguido pelo grupo de 12 a 17 anos. O consumo de anfetaminas ocorre em todos os grupos socioeconômicos, e está aumentando entre profissionais liberais brancos. Como são disponíveis com prescrição para indicações específicas, os médicos que as receitam devem estar cientes do risco de abuso por outras pessoas, incluindo amigos e familiares do paciente que toma a anfetamina. Não existem dados confiáveis sobre a epidemiologia do uso de anfetaminas designer, mas elas são objeto de grande abuso. Segundo o texto revisado da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR), a prevalência da dependência e abuso ao longo da vida é de 1,5%, e a razão entre homens e mulheres é 1.
SUBSTÂNCIAS
447
do mais droga. As anfetaminas são menos adictivas do que a cocaína, conforme evidenciado em experimentos com ratos, nos quais nem todos os animais auto-administraram doses baixas de anfetamina de forma espontânea. As anfetaminas clássicas (i.e., dextroanfetamina, metanfetamina e metilfenidato) produzem seus efeitos primários causando a liberação de catecolaminas, particularmente dopamina, nos terminais pré-sinápticos. Os efeitos são potentes para os neurônios dopaminérgicos que se projetam da área tegmentar ventral para o córtex cerebral e as áreas límbicas. Essa via foi chamada de circuito de recompensa cerebral, e sua ativação é o principal mecanismo de adicção para as anfetaminas. As anfetaminas designer (p. ex., MDMA, MDEA, MMDA e DOM) causam a liberação de catecolaminas (dopamina e noradrenalina) e de serotonina, o neurotransmissor implicado como a principal via neuroquímica para os alucinógenos. Portanto, seus efeitos clínicos são a mistura dos efeitos das anfetaminas clássicas com os dos alucinógenos. A farmacologia da MDMA é a mais compreendida desse grupo. Ela é absorvida em neurônios serotonérgicos pelo transportador de serotonina responsável por sua recaptação. Uma vez no neurônio, a droga causa a liberação rápida de serotonina e inibe a atividade das enzimas que a produzem. DIAGNÓSTICO O DSM-IV-TR lista muitos transtornos relacionados a anfetaminas (ou substâncias assemelhadas) (Tab. 12.3-1), especificando critérios diagnósticos para a intoxicação (Tab. 12.32), abstinência (Tab. 12.3-3) e transtorno relacionado a anfetaminas sem outra especificação (Tab. 12.3-4). Também são encontrados outros critérios diagnósticos para esse transtorno na seção do DSM-IV-TR que trata do sintoma fenomenológico primário (p. ex., psicose). Dependência e abuso Os critérios do DSM-IV-TR para dependência e abuso são aplicados a anfetaminas e a substâncias assemelhadas a elas (ver Tabs. 12.1-5, 12.1-6 e 12.1-7). A dependência pode resultar no rápido declínio das capacidades de enfrentar as obrigações relacionadas à família, ao trabalho e ao estresse. Uma pessoa que abuse de anfetaminas exige doses cada vez mais altas para obter a sensação de prazer usual, e os sinais físicos (p. ex., perda de peso e idéias paranóides) sempre se desenvolvem com abuso constante.
NEUROFARMACOLOGIA Intoxicação Todas as anfetaminas são absorvidas rapidamente por via oral e têm início de ação rápido, em geral dentro de uma hora. As mais clássicas também são administradas por via intravenosa e têm efeito quase imediato por essa rota. As vendidas sem prescrição e as do tipo designer também são inaladas. A tolerância desenvolve-se logo, embora os usuários muitas vezes ultrapassem-na consumin-
As síndromes de intoxicação com cocaína (que bloqueia a recaptação de dopamina) e anfetaminas (que causa a liberação de dopamina) são semelhantes. Como foram realizadas pesquisas mais rigorosas e aprofundadas sobre o abuso de cocaína do que de anfetaminas, a literatura clínica sobre o abuso destas foi muito influenciada pelos
448
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 12.3-1 Transtornos relacionados à anfetamina (ou substâncias assemelhadas) segundo o DSM-IV-TR
Transtornos por uso de anfetamina Dependência de anfetamina Abuso de anfetamina Transtornos induzidos por anfetamina Intoxicação com anfetamina Especificar se: Com perturbações da percepção Abstinência de anfetamina Delirium por intoxicação com anfetamina Transtorno psicótico induzido por anfetamina, com delírios Especificar se: Com início durante a intoxicação Transtorno psicótico induzido por anfetamina, com alucinações Especificar se: Com início durante a intoxicação Transtorno do humor induzido por anfetamina Especificar se: Com início durante a intoxicação Com início durante a abstinência Transtorno de ansiedade induzido por anfetamina Especificar se: Com início durante a intoxicação Disfunção sexual induzida por anfetamina Especificar se: Com início durante a intoxicação Transtorno do sono induzido por anfetamina Especificar se: Com início durante a intoxicação Com início durante a abstinência Transtorno relacionado à anfetamina sem outra especificação De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
resultados clínicos do abuso daquela. No DSM-IV-TR, os critérios diagnósticos para intoxicação com anfetaminas (Tab. 12.3-2) e com cocaína (ver Tab. 12.6-2) estão separados, mas são praticamente os mesmos. O manual especifica as perturbações da percepção como sintoma de intoxicação com anfetamina. Na ausência de teste da realidade intacto, o diagnóstico de transtorno psicótico induzido por anfetaminas na vigência da intoxicação é indicado. A maioria dos sintomas de intoxicação com anfetamina se resolve após 24 horas e desaparece completamente após 48 horas.
TABELA 12.3-2 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para intoxicação com anfetamina A. Uso recente de anfetamina ou substância correlata (p. ex., metilfenidato). B. Alterações comportamentais ou psicológicas mal-adaptativas e clinicamente significativas (p. ex., euforia ou embotamento afetivo; alterações na sociabilidade; hipervigilância; sensibilidade interpessoal; ansiedade, tensão ou raiva; comportamentos estereotipados; prejuízo no julgamento; funcionamento social ou ocupacional prejudicado) desenvolvidas durante ou logo após o uso de anfetamina ou substância correlata. C. Dois (ou mais) dos seguintes sintomas, desenvolvidos durante ou logo após o uso de anfetamina ou substância correlata: (1) taquicardia ou bradicardia (2) midríase (3) pressão arterial elevada ou baixa (4) sudorese ou calafrios (5) náuseas ou vômitos (6) evidência de perda de peso (7) agitação ou retardo psicomotor (8) fraqueza muscular, depressão respiratória, dor torácica ou arritmias cardíacas (9) confusão, convulsões, discinesias, distonias ou coma D. Os sintomas não se devem a uma condição médica geral, nem são melhor explicados por outro transtorno mental. Especificar se: Com perturbações da percepção De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
TABELA 12.3-3 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para abstinência de anfetamina A. Cessação (ou redução) de um uso pesado e prolongado de anfetamina (ou substância correlata). B. Humor disfórico e no mínimo duas das seguintes alterações fisiológicas, desenvolvidas dentro de horas ou dias após o Critério A: (1) fadiga (2) sonhos vívidos e desagradáveis (3) insônia ou hipersonia (4) apetite aumentado (5) retardo ou agitação psicomotora C. Os sintomas no Critério B causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. D. Os sintomas não se devem a uma condição médica geral, nem são melhor explicados por outro transtorno mental. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
Abstinência Após a intoxicação com anfetamina, ocorre uma crise de abstinência inicial (crash) com sintomas de ansiedade, tremor, humor disfórico, letargia, fadiga, pesadelos (acompanhados de volta ao sono REM), cefaléia, sudorese extrema, cãibras musculares, cólicas estomacais e fome insaciável. Esses sintomas geralmente atingem pico em dois a quatro dias e desaparecem em uma semana. O mais sério sintoma da abstinência é a depressão, particularmente grave após o uso prolongado de doses elevadas, que pode estar associada à ideação ou a comportamento suicida. Os critérios diagnósticos do DSM-IVTR para abstinência de anfetaminas (Tab. 12.3-3) especificam que
humor disfórico e alterações fisiológicas são necessários para o diagnóstico.
Delirium por intoxicação com anfetamina Na categoria de transtornos relacionados a substâncias, o DSMIV-TR inclui diagnóstico de delirium por intoxicação com anfetaminas (ver Tab. 10.2-3). O delirium associado ao uso de anfetaminas em geral resulta de doses elevadas da substância ou do
TRANSTORNOS RELACIONADOS A
TABELA 12.3-4 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno relacionado à anfetamina sem outra especificação A categoria transtorno relacionado a anfetaminas sem outra especificação aplica-se a transtornos associados ao uso de anfetaminas (ou substâncias assemelhadas) não classificáveis como dependência de anfetaminas, abuso de anfetaminas, intoxicação com anfetaminas, abstinência de anfetaminas, delirium por intoxicação com anfetaminas, transtorno psicótico induzido por anfetaminas, transtorno do humor induzido por anfetaminas, transtorno de ansiedade induzido por anfetaminas, disfunção sexual induzida por anfetaminas ou transtorno do sono induzido por anfetaminas. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
seu uso prolongado, de modo que a privação do sono afeta o quadro clínico. A combinação de anfetaminas com outras substâncias e o seu uso por pessoa com lesão cerebral preexistente também pode causar delirium. É comum que estudantes universitários que usam anfetaminas para estudar para exames apresentem esse tipo de condição.
SUBSTÂNCIAS
449
camente fechados”. Por fim, o paciente disparou uma arma contra o pátio de sua casa numa noite quando ouviu ruídos e se convenceu de que intrusos estavam invadindo o local para matá-lo. Um ano e meio antes, o paciente havia sido diagnosticado com narcolepsia, pois tinha crises irresistíveis de sono e episódios de perda repentina do tônus muscular quando ficava emocionalmente excitado, e começou a tomar uma anfetamina estimulante, o metilfenidato. Ele ficou assintomático e voltou a trabalhar de forma bastante efetiva como gerente de vendas de uma empresa de máquinas de escritório e desfrutar de vida social ativa com sua família e pequeno grupo de amigos. Nos quatro meses antes da admissão, vinha usando doses cada vez mais altas de metilfenidato para se manter acordado à noite por causa da quantidade crescente de trabalho que não conseguia terminar durante o dia. Relatou que, durante esse tempo, podia sentir seu coração disparar e tinha dificuldade para ficar sentado. DISCUSSÃO
Transtorno psicótico induzido por anfetaminas A semelhança clínica da psicose induzida por anfetaminas com a esquizofrenia paranóide gerou amplo estudo da neuroquímica daquela para elucidar a fisiopatologia da esquizofrenia paranóide. O sintoma mais marcante do transtorno psicótico induzido por anfetaminas é a presença de paranóia. Esse transtorno pode ser distinguido da esquizofrenia paranóide por diversas características associadas ao primeiro, incluindo a predominância de alucinações visuais, afetos geralmente adequados, hiperatividade, hipersexualidade, confusão e incoerência e pouca evidência de pensamento desorganizado (como afrouxamento de associações). Em diversos estudos, os investigadores também observaram que, embora os sintomas positivos do transtorno psicótico induzido por anfetaminas e da esquizofrenia sejam semelhantes, a psicopatologia não costuma apresentar o afeto embotado e a alogia da esquizofrenia. Porém, do ponto de vista clínico, pode ser completamente indistinguível da esquizofrenia, e somente a resolução dos sintomas em alguns dias ou o resultado positivo em exame de urina revelam o diagnóstico correto. O tratamento de escolha para o transtorno psicótico induzido por anfetaminas é o uso de antipsicótico como o haloperidol (Haldol) em curto prazo. O DSM-IV-TR lista os critérios diagnósticos para o transtorno psicótico induzido por anfetaminas juntamente com as outras psicoses (ver Tab. 14.4-7) e permite que os clínicos especifiquem se os sintomas predominantes são delírios ou alucinações.
Os sintomas primários são palpitação, agitação psicomotora, hipervigilância, ideação paranóide em relação aos colegas de trabalho e delírios de referência (o paciente agiu segundo sua crença de que os ruídos indicavam a presença de intrusos que queriam matá-lo). A manifestação de sintomas psicóticos durante esses períodos de intoxicação induzida pelo medicamento e a ausência de transtorno psicótico preexistente indicam transtorno psicótico induzido por metilfenidato. Como o quadro clínico é dominado por delírios, e não por alucinações, especifica-se “com delírios”. Se não houvesse sintomas psicóticos e o paciente tivesse procurado ajuda para os outros sintomas, como hipervigilância e agitação psicomotora, o diagnóstico teria a categoria residual “intoxicação com metilfenidato”. A narcolepsia, embora tradicionalmente considerada distúrbio neurológico, é um transtorno do sono segundo o DSMIV, especificado no Eixo I. (De DSM-IV Casebook.) Transtorno do humor induzido por anfetaminas Segundo o DSM-IV-TR, o início do transtorno do humor induzido por anfetaminas pode ocorrer durante a intoxicação ou a abstinência (ver Tab. 15.3-10). De modo geral, a intoxicação está associada a características maníacas ou mistas; a abstinência, a características de humor depressivo. Transtorno de ansiedade induzido por anfetaminas
Um agitado empresário de 42 anos de idade foi admitido no serviço psiquiátrico após dois meses e meio em que ficou cada vez mais desconfiado dos outros e de seus sócios. Tirava suas declarações do contexto, “distorcendo” suas palavras, fazendo comentários inadequadamente hostis e acusatórios. De fato, havia perdido vários negócios que já estavam “prati-
No DSM-IV-TR, o início do transtorno do humor induzido por anfetaminas também pode ocorrer durante a intoxicação ou a abstinência (ver Tab. 16.7-3). A anfetamina, como a cocaína, pode induzir sintomas semelhantes aos observados no transtorno obsessivo-compulsivo, no transtorno de pânico e nos transtornos fóbicos, em particular.
450
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Disfunção sexual induzida por anfetaminas As anfetaminas costumam ser usadas para melhorar as experiências sexuais. Porém, doses altas e o uso a longo prazo estão associados a distúrbios eréteis e a outras disfunções sexuais. Essas alterações são classificadas no DSM-IV-TR como disfunção sexual induzida por anfetaminas com início durante a intoxicação (ver Tab. 21.2-17).
peso natal, circunferência craniana pequena, idade gestacional precoce e retardos do crescimento. PSICOLÓGICOS. Os efeitos adversos psicológicos associados ao uso de anfetaminas incluem inquietação, disforia, insônia, irritabilidade, hostilidade e confusão. O uso persistente também pode induzir sintomas de transtornos de ansiedade, como o de ansiedade generalizada e o de pânico, bem como idéias de referência, delírios paranóides e alucinações.
Transtorno do sono induzido por anfetaminas Outros agentes Os critérios diagnósticos para transtorno do sono induzido por anfetaminas com início durante a intoxicação ou a abstinência são encontrados na seção do DSM-IV-TR sobre os transtornos do sono (ver Tab. 24.2-21). A intoxicação com anfetamina pode produzir insônia e privação do sono, ao passo que pessoas com abstinência podem experimentar hipersonolência e pesadelos.
Anfetaminas substitutas. A MDMA é a primeira de uma série de anfetaminas substitutas que também inclui a MDEA, a 3,4-metilenodioxianfetamina (MDA), a 2,5-dimetoxi-4-bromoanfetamina (DOB), a parametoxianfetamina (PMA) e outras. Essas substâncias produzem efeitos subjetivos que lembram os da anfetamina e dietilamida de ácido lisérgico (LSD) e, nesse sentido, a MDMA e seus análogos podem representar categoria distinta.
Transtorno sem outra especificação Se uma psicopatologia relacionada a anfetaminas (ou substâncias assemelhadas) não satisfaz os critérios de uma ou mais das categorias discutidas, pode ser diagnosticado como transtorno relacionado a anfetaminas sem outra especificação (Tab. 12.3-4). CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS Em pessoas que nunca usaram anfetaminas, uma dose única de 5 mg aumenta a sensação de bem-estar e induz alegria, euforia e simpatia. Doses pequenas tendem a aumentar a atenção e o desempenho em tarefas escritas, orais e de execução. Também há redução associada em fadiga, indução de anorexia e elevação do limiar de dor. Efeitos indesejáveis resultam do uso de doses elevadas por longos períodos. Efeitos adversos Anfetaminas. FÍSICOS. O abuso de anfetaminas pode provocar efeitos adversos, sendo os mais sérios de ordem cerebrovascular, cardíaca e gastrintestinal. Entre as condições fatais específicas estão o infarto do miocárdio, a hipertensão grave, doenças cerebrovasculares e a colite isquêmica. Um continuum de sintomas neurológicos, desde coceira e tetania a coma e morte, está associado a doses levadas e crescentes de anfetaminas. O uso intravenoso pode transmitir o vírus da imunodeficiência humana (HIV) e hepatite, bem como promover o desenvolvimento de abscessos pulmonares, endocardite e angiite necrotizante. Vários estudos já mostraram que aqueles que abusam de anfetaminas sabem pouco – ou não se interessam – sobre as práticas de sexo seguro. Os efeitos adversos não-fatais do abuso incluem rubor, palidez, cianose, febre, cefaléia, taquicardia, palpitações, náuseas, vômitos, bruxismo, falta de ar, tremor e ataxia. Mulheres grávidas que usam anfetaminas muitas vezes têm bebês com baixo
O derivado da metanfetamina que passou a ser usado na década de 1980, a MDMA, não era tecnicamente sujeito à regulação legal na época. Embora tenha sido rotulado como droga “designer” pela crença de que havia sido sintetizado deliberadamente para evadir a regulação legal, na verdade, foi sintetizado e patenteado em 1914. Vários psiquiatras usaram a MDMA como auxiliar na psicoterapia e concluíram que ela tinha algum valor. Em certo momento, chegou a ser anunciada como legal e foi usada na psicoterapia por seus efeitos subjetivos. Porém, nunca foi aprovada pela FDA. Seu uso levantou questões relacionadas a segurança e legalidade, pois os derivados da anfetamina MDA, DOB e PMA haviam causado diversas mortes por superdosagem, e sabia-se que a MDA causava a ampla destruição de terminais nervosos serotonérgicos no sistema nervoso central (SNC). Usando sua autoridade em emergências, a Drug Enforcement Agency classificou a MDMA uma droga do tipo I segundo a CSA, juntamente com o LSD, a heroína e a maconha. Apesar de seu status ilegal, a MDMA continua a ser fabricada, distribuída e usada nos Estados Unidos, na Europa e na Austrália. Seu consumo é comum na Austrália e na Grã-Bretanha em grandes festas (“raves”) populares entre adolescentes e jovens adultos. MECANISMOS DE AÇÃO. As propriedades incomuns das drogas podem ser conseqüência das diferentes ações dos isômeros ópticos: os isômeros R(-) produzem efeitos semelhantes aos do LSD, e as propriedades das anfetaminas são ligadas a isômeros S(+). As ações do tipo LSD, por sua vez, podem estar ligadas à capacidade de liberar serotonina. Os vários derivados apresentam diferenças significativas em efeitos subjetivos e toxicidade. Os animais em experimentos laboratoriais auto-administram as drogas, sugerindo efeitos proeminentes do tipo anfetamina. EFEITOS SUBJETIVOS.
Após tomar doses usuais (100 a 150 mg), os usuários de MDMA experimentam humor elevado e, segundo vários relatos, maior autoconfiança e sensibilidade sensorial; sentimentos de paz, juntamente com insight, empatia e proximidade com as pessoas; e diminuição do apetite. Foram relatadas dificuldades para se concentrar e capacidade maior para focalizar, além de reações disfóricas, efeitos psicotomiméticos e psicose. Doses maiores parecem mais prováveis
TRANSTORNOS RELACIONADOS A
de produzir efeitos psicotomiméticos, sendo comuns efeitos simpatomiméticos de taquicardia, palpitação, pressão arterial elevada, sudorese e bruxismo. Os efeitos subjetivos são proeminentes por quatro a oito horas, mas podem não durar tanto ou durar mais, dependendo da dose e da rota de administração. A droga costuma ser consumida por via oral, mas também é inalada e injetada. Os usuários relatam taquifilaxia e certa tolerância. TOXICIDADE. Embora não seja tão tóxica quando a MDA, diversas toxicidades somáticas são atribuídas ao uso de MDMA, bem como superdosagens fatais. Ela não parece ser neurotóxica quando injetada nos cérebros de animais, mas é metabolizada em MDA em animais e humanos. Em animais, produz lesões seletivas e duradouras em terminais nervosos serotonérgicos. Não se sabe se os níveis do metabólito MDA alcançados em humanos após as doses usuais de MDMA são suficientes para produzir lesões duradouras. Os primatas não-humanos são mais sensíveis do que os roedores aos efeitos tóxicos da MDMA e apresentam neurotoxicidade mais prolongada ou permanente em doses não muito maiores do que as usadas por humanos (Fig. 12.3-1). Os usuários de MDMA apresentam diferenças em respostas neuroendócrinas a sondas serotonérgicas, e estudos com ex-usuários indicam reduções globais e regionais em ligações com o transportador de serotonina, conforme mensurado por tomografia por emissão de pósitrons.
Khat. As folhas frescas da Catha edulis, arbusto nativo do leste da África, têm sido usadas como estimulante no Oriente Médio, na África e na península arábica há pelo menos 1.000 anos. O khat ainda é amplamente utilizado na Etiópia, no Quênia, na Somália e no Iêmen. Seus efeitos, semelhantes aos da anfetamina, são reconhecidos há muito tempo e, embora tentativas de isolar o ingrediente ativo tenham sido realizadas já no século XIX, somente na década de 1970 a catinona (S[-]α-aminopropiofenona ou S[-]2-amino-1-fenil-1-propanona) foi identificada como a substância responsável. Trata-se de um precursor que enzimas da planta convertem normalmente em noradrenalina e catina (norpseudo-efedrina), entidades menos ativas, o que explica por que somente as folhas frescas da planta são valorizadas por seus efeitos estimulantes. A catinona é responsável pela maioria das ações
SUBSTÂNCIAS
451
periféricas e sobre o SNC da anfetamina, e parece ter o mesmo mecanismo de ação. Em humanos, eleva o humor, reduz a fome e alivia a fadiga. Em doses elevadas, pode induzir psicose do tipo anfetamínico. Como é tipicamente absorvida pela boca após mastigar a folha e como o alcalóide é metabolizado de forma relativamente rápida, raras vezes são alcançados níveis sangüíneos tóxicos elevados. A preocupação com o uso de khat está ligada às suas propriedades de dependência, e não à sua toxicidade aguda. Estima-se que 5 milhões de doses sejam consumidas todos os dias, apesar da proibição de consumo em vários países africanos e árabes. Na década de 1990, diversos laboratórios clandestinos começaram a sintetizar a metacatinona, substância com ações bastante semelhantes às da catinona. Conhecida por diversos nomes comuns (p. ex., “CAT”, “goob” e “crank”), sua popularidade se deve principalmente à facilidade de síntese a partir da efedrina ou da pseudo-efedrina, que costumavam ser de fácil acesso, até ficarem sob controle especial. A metacatinona passou para o nível I de controle da CSA. O padrão de uso, efeitos adversos e complicações lembram os relatados para as anfetaminas. TRATAMENTO E REABILITAÇÃO O tratamento de transtornos relacionados a anfetaminas (ou substâncias assemelhadas) tem em comum com aqueles relacionados à cocaína a dificuldade de ajudar os pacientes a permanecerem abstinentes da droga, que possui reforço poderoso e induz a fissura (desejo intenso). Internação e o uso de métodos terapêuticos múltiplos (psicoterapia individual, familiar e de grupo) costumam ser importantes para atingir abstinência duradoura. O tratamento de transtornos induzidos por anfetaminas (p. ex., transtorno psicótico induzido por anfetaminas e transtorno da ansiedade induzido por anfetaminas) com drogas específicas (p. ex., antipsicóticos e ansiolíticos) pode ser necessário a curto prazo, podendo ser receitados antipsicóticos para os primeiros dias. Na ausência de psicose, o diazepam (Valium) é útil para tratar a agitação e a hiperatividade.
Terminais axônicos
Axônio
Corpo celular Núcleo
Normal
Curto prazo
Longo prazo
FIGURA 12.3-1 Efeitos neurotóxicos da MDMA. Estudos verificaram que a substância prejudica os neurônios produtores de serotonina nos cérebros de primatas nãohumanos. A ilustração à esquerda mostra um neurônio normal. A área sombreada na ilustração do meio mostra os terminais axônicos do neurônio que foram danificados pela MDMA. A ilustração à direita mostra como, de 12 a 18 meses depois de serem danificadas, as fibras nervosas produtoras de serotonina cresceram excessivamente em algumas áreas, mas nada em outras. (Reimpressa de Mathias R. Like methamphetamine, “ecstasy” may cause long-term brain damage. NIDA Notes. 1996;11:7.)
452
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Os médicos devem estabelecer aliança terapêutica com os pacientes, para lidar com a depressão ou o transtorno da personalidade subjacente, ou ambos. Porém, como muitos doentes são bastante dependentes da droga, a psicoterapia pode ser especialmente difícil. Condições co-mórbidas, como a depressão, podem responder a medicamentos antidepressivos. A bupropiona (Wellbutrin) é proveitosa após ser atingida a abstinência de anfetaminas, com o efeito de produzir sensações de bem-estar à medida que se enfrenta a disforia que pode acompanhar a abstinência. REFERÊNCIAS Ail SF, ed. Neurobiological mechanisms of drugs of abuse: cocaine, ibogaine, and substituted amphetamines. Ann Acad Sci. 2000;914:1. Anthony JC, Warner LA, Kessler RC. Comparative epidemiology of dependence on tobacco, alcohol, controlled substances, and inhalants: basic findings from the National Comorbidity Survey. Exp Clin Psychopharmacol. 1994;2:244. Battaglia G, Napier TC. The effects of cocaine and the amphetamines on brain and behavior: a conference report. Drug Alcohol Depend. 1998;52:41. Castner SA, Goldman-Rakic PS. Long-lasting psychotomimetic consequences of repeated low-dose amphetamine exposure in rhesus monkeys. Neuropsychopharmacology. 1999;20:10. Center for Substance Abuse Treatment. Proceeding of the National Consensus Meeting on the Use, Abuse and Sequelae of Abuse of Methamphetamine with Implications for Prevention, Treatment and Research. DHHS publ. no. SMA 96–8013. Rockville, MD: Substance Abuse and Mental Health Services Administration; 1997. Curran HV, Travill RA. Mood and cognitive effects of +/–3,4-methylene-dioxymethamphetamine (MDMA, “ecstasy”): weekend “high” followed by mid-week low. Addiction. 1997;92:821. Gawin FH, Ellinwood EH. Cocaine and other stimulants. N Engl J Med. 1988;318:1173. Gorelick DA. Pharmacologic therapies for cocaine and other stimulant addiction. In: Graham AW, Schultz TK, eds. Principles of Addiction Medicine. 2nd ed. Chevy Chase, MD: American Society of Addiction Medicine; 1998. Hall W, Hando J. Patterns of amphetamine use in Australia. In: Klee H, ed. Amphetamine Misuse. International Perpectives on Current Trends. Reading, Australia: Harwood Academic; 1997. Hyman SE, Nestler EJ. Initiation and adaptation: a paradigm for understanding psychotropic drug action. Am J Psychiatry. 1996;153:151 Jaffe JH. Amphetamine (or amphetamine-like)-related disorders. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Texbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:924. Jaffe JH. Drug addiction and drug abuse. In: Gilman AG, Rall TW, Nies AS, Taylor P, eds. Goodman and Gilman’s The Pharmacological Basis of Therapeutics. 8th ed. New York: Pergamon; 1990. Jansen KLR. Ecstasy (MDMA) dependence. Drug Alcohol Dependend. 1999;53:121. McCann UD, Szabo Z, Scheffel U, Dannals RF; Ricaurte GA. Positron emission tomographic evidence of toxic effects of MDMA (“ecstasy”) on brain serotonin neurons in human beings. Lancet. 1998;352:1433. Meng Y, Dukat M, Bridgen DT, Martin BR, Lichtman AH. Pharmacological effects of methamphetamine and other stimulants via inhalation exposure. Drug Alcohol Depend. 1999;53:111. Office of Applied Studies. Preliminary Results from the 1997 National Household Survey on Drug Abuse. National Household Survey on
Drug Abuse Series: H6, DHHS publ. no. SMA 98–3251. Rockville, MD: Substance Abuse and Mental Health Services Administration; 1998. Pope HG Jr, Kouri EM, Hudson JI. The effects of supraphisiologic doses of testosterone on mood and aggression in normal men: a randomized controlled trial. Arch Gen Psychiatry. 2000;57:133. Self DW, Nestler EJ. Relapse to drug-seeking: neural and molecular mechanisms. Drug Alcohol Depend. 1998;51:49. Strang J, Sheridan J. Prescribing amphetamines to drug misusers: data from the 1995 national survey of community pharmacies in England and Wales. Addiction. 1997;92:833. Volkow ND, Wang G-J, Fowler JS, et al. Dopamine transporter occupancies in the human brain induced by therapeutic doses of oral methylphenidade. Am J Psychiatry. 1998;155:10.
12.4 Transtornos relacionados à cafeína A substância psicoativa mais consumida no mundo é a cafeína. Estima-se que mais de 80% dos adultos nos Estados Unidos a consumam regularmente e, em todo o mundo, o uso é bastante integrado às práticas culturais cotidianas (p. ex., o coffee break nos Estados Unidos, a hora do chá no Reino Unido e a mastigação da noz da cola na Nigéria). Como o uso da cafeína é amplo e aceito, os transtornos associados a essa substância podem ser subestimados. Entretanto, deve-se reconhecer que a cafeína é um composto psicoativo que pode produzir muitas síndromes, e o texto revisado da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IVTR) reconhece diversas psicopatologias relacionadas à cafeína (p. ex., intoxicação com cafeína, transtorno de ansiedade induzido por cafeína, transtorno do sono induzido por cafeína). Outros transtornos associados, como a abstinência e a dependência de cafeína, não são diagnósticos oficiais no DSM-IVTR, mas podem ser de interesse clínico. EPIDEMIOLOGIA A cafeína é encontrada em bebidas, alimentos e medicamentos vendidos com ou sem prescrição médica (Tab. 12.4-1). O adulto norte-americano consome, em média, 200 mg de cafeína por dia, embora de 20 a 30% de todos eles consumam mais de 500 mg por dia. O uso per capita de café é de 4,6 quilos por ano. Uma xícara de café contém em média entre 100 e 150 mg de cafeína, e o chá, um terço disso. Muitos medicamentos vendidos sem prescrição contêm entre um terço e metade da cafeína de uma xícara de café, e alguns remédios para enxaqueca apresentam mais cafeína do que uma xícara de café. O chocolate quente, o cacau e os refrigerantes contêm quantidades suficientes para causar sintomas de intoxicação com cafeína em crianças pequenas quando ingerem uma barra de chocolate e um refrigerante de cola. O consumo também varia com a idade. A Figura 12.4-1 mostra estimativas do consumo de café per capita nos Estados
TRANSTORNOS RELACIONADOS A
TABELA 12.4-1 Fontes comuns de cafeína e produtos descafeinados representativos Fonte Bebidas e alimentos (150-180 g) Café passado Café instantâneo Chá (folha ou saquinhos) Cacau Café descafeinado Barra de chocolate Alguns refrigerantes (tamanho médio) Pepsi, Coca-cola, Mountain Dew Coca-cola descafeinada, 7-Up, Sprite Medicamentos vendidos sob prescrição médica (1 comprimido ou cápsula) Cafergot, Ormugrein Analgésicos e preparações antigripais vendidos sem prescrição médica Associações medicamentosas à base de ácido acetilsalicílico Estimulantes e supressores de apetite vendidos sem receita médica (nos EUA) Caffin-TD, Caffedrine Vivarin, Cápsulas Ver Quick-Pep Amostat, Anorexin, Appedrine, Nodoz, Wakoz
Cafeína por unidade (mg) 90-140 mg 66-100 mg 30-100 mg 5-50 mg 2-4 mg 25-35 mg 25-50 mg 0 mg
100 mg
~30 mg
250 mg 200 mg 140-150 mg 100 mg
SUBSTÂNCIAS
453
fato de adenosina cíclico (AMPc). Seu consumo, portanto, resulta em aumento nas concentrações intraneuronais de AMPc em neurônios com receptores de adenosina. Estima-se que três xícaras de café forneçam tanta cafeína ao cérebro que cerca de 50% dos receptores de adenosina ficam ocupados por ela. Diversos experimentos indicam que a cafeína, especialmente em doses ou concentrações elevadas, pode afetar os neurônios dopaminérgicos ou noradrenérgicos. De maneira específica, a atividade dopaminérgica pode ser aumentada pela cafeína, hipótese que poderia explicar relatos clínicos que associam o consumo à exacerbação dos sintomas psicóticos em esquizofrênicos. A ativação de neurônios noradrenérgicos pode estar envolvida na mediação de alguns sintomas da abstinência da cafeína.
Genética e uso de cafeína Algumas pesquisas que compararam o consumo de café entre gêmeos monozigóticos e dizigóticos apresentaram taxas de concordância mais altas para os monozigóticos, sugerindo predisposição genética ao uso continuado após exposição ao café.
Adaptada de Jerome H. Jaffe, M.D.
A cafeína como substância de abuso Unidos. Essas estimativas demonstram a ampla variabilidade no consumo por diferentes grupos etários. A figura ilustra que o consumo médio diário de cafeína em todas as idades é de 2,79 mg/kg de peso corporal. Mesmo crianças pequenas apresentam consumo substancial de cafeína (i.e., mais de 1 mg/kg para crianças entre as idades de 1 e 5 anos). Em todo o mundo, as estimativas referem a média diária per capita de consumo de cafeína de 70 mg. Segundo o DSM-IV-TR, a prevalência real dos transtornos relacionados à cafeína é desconhecida, mas até 85% dos adultos a consomem ao longo de um ano.
A cafeína evidencia todos os traços associados às substâncias de abuso que costumam ser aceitas. Em primeiro lugar, pode agir como reforço positivo, particularmente em doses baixas. Doses de cafeína de 100 mg induzem leve euforia em humanos e comportamento de busca em outros animais. Porém, doses de 300 mg não agem como reforços positivos e podem produzir ansiedade e disforia leve. Em segundo lugar, os estudos com animais e humanos relatam que ela pode ser diferenciada do placebo em experimentos cegos. Em terceiro, estudos com animais e humanos mostraram que há tolerância física a alguns efeitos da cafeína e que ocorrem sintomas de abstinência.
CO-MORBIDADE Pessoas com transtornos relacionados à cafeína são mais prováveis de ter outras psicopatologias relacionadas a substâncias do que as que não têm tal diagnóstico. Cerca de dois terços dos que consomem grandes quantidades de cafeína diariamente também usam substâncias sedativas e hipnóticas. NEUROFARMACOLOGIA A cafeína, uma metilxantina, é mais potente do que outra substância da mesma classe comumente usada, a teofilina (Primatene). A meia-vida da cafeína no corpo humano é de 3 a 10 horas, e o tempo da concentração máxima é de 30 a 60 minutos. A cafeína atravessa com facilidade a barreira hematencefálica. Age principalmente como antagonista dos receptores de adenosina, que ativam a proteína inibitória G (Gi) e, assim, impedem a formação do segundo-mensageiro monofos-
Efeitos sobre o fluxo cerebral sangüíneo A maioria dos estudos verificou que a cafeína ocasiona vasoconstrição cerebral global, com redução resultante no fluxo sangüíneo cerebral, embora esse efeito possa não ocorrer em pessoas com mais de 65 anos de idade. Segundo um estudo recente, não se desenvolve tolerância a esses efeitos vasoconstritores, e o fluxo sangüíneo cerebral apresenta aumento-rebote após a abstinência. Alguns clínicos acreditam que o uso de cafeína pode causar constrição semelhante nas artérias coronárias. DIAGNÓSTICO O diagnóstico de intoxicação com cafeína ou outros transtornos relacionados a ela dependem inicialmente de história abrangente
454
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Consumo diário médio (mg/kg)
4
3
2
1
0 1–5
6–9
10–14 15–19
20–24 25–34 35–49 50–64
65+ Todas as idades
FIGURA 12.4-1 Consumo diário médio de cafeína (mg/kg) para diferentes grupos etários e todas as idades nos Estados Unidos. (Adaptada de Barone JJ, Roberts HR. Caffeine consumption. Food Chem Toxicol. 1996;34:119.)
Idade (anos)
de consumo de produtos que contenham a substância. Essas informações devem revelar se o paciente experimentou sintomas de abstinência de cafeína durante períodos em que o consumo foi interrompido ou muito reduzido. O diagnóstico diferencial para transtornos relacionados à cafeína deve incluir as seguintes condições psiquiátricas: transtorno de ansiedade generalizada, transtorno de pânico com ou sem agorafobia, transtorno bipolar II, transtorno de déficit de atenção/hiperatividade e transtorno do sono. O diagnóstico diferencial deve incluir o abuso de medicamentos que contenham cafeína, esteróides anabolizantes ou outros estimulantes, como anfetaminas e cocaína. Pode ser necessário exame de urina para essas substâncias. Esse diagnóstico também deve incluir hipertireoidismo e feocromocitoma. O DSM-IV-TR lista os transtornos relacionados à cafeína (Tab. 12.4-2) e proporciona critérios diagnósticos para intoxicação com cafeína (Tab. 12.4-3), mas não reconhece formalmente o diagnóstico de abstinência, que é classificada como transtorno relacionado à cafeína sem outra especificação (Tab. 12.4-4). Os critérios diagnósticos para outros transtornos relacionados à cafeína são apresentados nas seções específicas para o sintoma principal (p. ex., como transtorno de ansiedade induzido por substâncias para transtorno de ansiedade induzido por cafeína).
Intoxicação O DSM-IV-TR especifica os critérios diagnósticos para intoxicação com cafeína (Tab. 12.4-3), incluindo consumo recente, em geral acima de 250 mg. A incidência anual de intoxicação é estimada em 10%, embora alguns clínicos e investigadores suspeitem que a incidência real seja muito mais alta. Os sintomas comuns associados à intoxicação com cafeína incluem ansiedade, agitação psicomotora, inquietação, irritabilidade e queixas psicofisiológicas como abalo muscular, rubor facial, náusea, diurese, perturbação gastrintestinal, perspiração ex-
TABELA 12.4-2 Transtornos relacionados à cafeína segundo o DSM-IV-TR
Transtornos induzidos por cafeína Intoxicação com cafeína Transtorno de ansiedade induzido por cafeína Especificar se: Com início durante a intoxicação Transtorno do sono induzido por cafeína Especificar se: Com início durante a intoxicação Transtorno relacionado à cafeína sem outra especificação De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
TABELA 12.4-3 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para intoxicação com cafeína A. Consumo recente de cafeína, em geral excedendo 250 mg (p. ex. mais de 2 a 3 xícaras de café coado). B. Cinco (ou mais) dos seguintes sinais, desenvolvidos durante ou logo após o uso de cafeína: (1) inquietação (2) nervosismo (3) excitação (4) insônia (5) rubor facial (6) diurese (7) perturbação gastrintestinal (8) abalos musculares (9) fluxo errático de pensamento e do discurso (10) taquicardia e arritmia cardíaca (11) períodos de inexaustibilidade (12) agitação psicomotora C. Os sintomas no Critério B causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. D. Os sintomas não se devem a uma condição médica geral, nem são melhor explicados por outro transtorno mental (p. ex., transtorno de ansiedade). De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
TRANSTORNOS RELACIONADOS A
TABELA 12.4-4 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno relacionado à cafeína sem outra especificação A categoria transtorno relacionado à cafeína sem outra especificação aplica-se a transtornos associados ao uso de cafeína que não sejam classificáveis como intoxicação com cafeína, transtorno de ansiedade induzido por cafeína ou transtorno do sono induzido por cafeína. Um exemplo é a abstinência de cafeína. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
cessiva, formigamento nos dedos das mãos e dos pés e insônia. O consumo de mais de 1 g de cafeína pode produzir discurso errático, raciocínio confuso, arritmias cardíacas, inexaustibilidade, agitação acentuada, zumbido no ouvido e alucinações visuais leves (lampejos de luz). O consumo de mais de 10 g pode causar convulsões tônico-clônicas generalizadas, insuficiência respiratória e morte. Abstinência Apesar do DSM-IV-TR não fornecer diagnóstico de abstinência de cafeína, vários estudos bem-controlados indicam que este é um fenômeno real, e o DSM-IV-TR oferece critérios de pesquisa para abstinência de cafeína (Tab. 12.4-5). O surgimento de sintomas de abstinência reflete a tolerância e a dependência fisiológica que ocorrem com o uso continuado de cafeína. Vários estudos epidemiológicos relataram esses sintomas em 50 a 75% de todos os usuários estudados. Os mais comuns são cefaléia e fadiga. Outros sintomas incluem ansiedade, irritabilidade, sintomas depressivos leves, prejuízo do desempenho psicomotor, náusea, vômito, desejo por cafeína, dor e rigidez muscular. O número e a gravidade dos sintomas da abstinência estão correlacionados à quantidade de cafeína ingerida e à velocidade de instalação da abstinência. Os sintomas da abstinência iniciam de 12 a 24 horas após a última dose e têm seu pico em 24 a 48 horas, desaparecendo em uma semana.
TABELA 12.4-5 Critérios de pesquisa para abstinência de cafeína segundo o DSM-IV-TR A. Uso diário prolongado de cafeína. B. Cessação abrupta do uso de cafeína ou redução do consumo prontamente seguidas por cefaléia e no mínimo um dos seguintes sintomas: (1) fadiga ou torpor acentuado (2) ansiedade ou depressão acentuada (3) náusea ou vômito C. Os sintomas no Critério B causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo ao funcionamento social, ocupacional ou a outras áreas importantes da vida do indivíduo. D. Os sintomas não se devem a uma condição médica geral (p. ex., enxaqueca, doença viral), nem são melhor explicados por outro transtorno mental. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
SUBSTÂNCIAS
455
A indução de abstinência, às vezes, pode ser iatrogênica. Os médicos geralmente solicitam que seus pacientes descontinuem o consumo de cafeína antes de certos procedimentos, como endoscopia, colonoscopia e cateterismos cardíacos. Também recomendam que aqueles com sintomas de ansiedade, arritmias cardíacas, esofagite, hérnias hiatais, doença fibrocística da mama e insônia parem de ingeri-la. Algumas pessoas simplesmente decidem que seria bom para elas parar de tomar produtos que contenham cafeína. Em todas essas situações, os usuários devem reduzir de forma gradual o uso de produtos que contenham a substância ao longo do período de 7 a 14 dias, em vez de parar de forma abrupta. E. é uma mulher solteira de 32 anos de idade, empregada em turno integral em uma fábrica local. Ela, às vezes, usava antiinflamatórios não-esteróides, mas não estava tomando medicamento prescrito regularmente. Apresentava história de dependência de álcool, em remissão por nove anos, e estava com boa saúde. Passou a consumir cafeína quando foi para a faculdade, e sua bebida preferida era o café. Normalmente, ingeria de 4 a 5 canecas de café por dia e preferia bebê-lo sem leite, creme ou açúcar. Segundo sua estimativa, não se passavam mais de cinco minutos entre o momento que ela levantava pela manhã e a sua primeira xícara de café. Sua colega de quarto já o preparava antes de ela acordar e ela servia uma xícara imediatamente após levantar. Ela tentava espaçar as canecas ao longo do dia, tomando a última após o almoço ou com o jantar. Os médicos haviam recomendado que ela reduzisse ou parasse de tomar café, devido a suas queixas de indigestão, mas ela não conseguia. Sua colega também reclamava da quantidade de café consumida. E. costumava beber café quente enquanto dirigia, e uma vez o derramou e se queimou. Quando parou de consumir cafeína de maneira repentina, experimentou forte irritabilidade, falta de concentração e dor de cabeça intensa e generalizada. Quando solicitaram que avaliasse sua dor de cabeça em uma escala de 1 a 10, sua resposta foi 12. Ela também tinha dores musculares, pouca energia, letargia e forte desejo de tomar café. No dia em que parou de tomar, saiu do trabalho duas horas antes porque não conseguia se concentrar e foi para a cama várias horas antes. Acabou voltando ao seu padrão normal de consumo de café. (Cortesia de Eric C. Strain, M.D., e Roland R. Griffiths, Ph.D.) Transtorno de ansiedade induzido por cafeína O transtorno de ansiedade induzido por cafeína, que pode ocorrer durante a intoxicação, é um diagnóstico do DSM-IVTR (ver Tab. 16.7-3, Cap. 16). A ansiedade relacionada ao uso de cafeína pode se parecer com a do transtorno de ansiedade generalizada. Os pacientes podem ser percebidos como “ligados”, muito falantes e irritados. Muitas vezes, queixam-se de não dormir bem e de ter energia demais para gastar. A cafeína pode induzir e exacerbar crises de pânico em pessoas com
456
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
transtorno de pânico e, embora ainda não tenha sido demonstrada associação causal entre os dois, os pacientes com tal condição devem evitar consumi-la. B. é um estudante de pós-graduação afro-americano de 28 anos de idade que tinha boa saúde e não apresentava história de avaliações ou tratamentos psiquiátricos anteriores. Não tomava medicamentos, não fumava ou consumia álcool, e não tinha história de uso atual ou passado de consumo de substâncias ilícitas. Sua principal queixa era de que havia começado a sentir “ansiedade” crescente quando estava trabalhando no laboratório onde desenvolvia seus estudos de pós-graduação. Seu trabalho estava progredindo, sua relação com o orientador era boa e solidária, e ele não conseguia identificar nenhum problema com colegas ou funcionários que pudesse explicar a ansiedade. Trabalhava bastante, mas achava o trabalho interessante e recentemente teve seu primeiro artigo científico aceito para publicação. Apesar de seu sucesso, relatou sentir “ansiedade crescente” à medida que o dia avançava. Observou que à tarde tinha palpitações, disparos na freqüência cardíaca, tremores nas mãos e a sensação geral de “estar para explodir”. Também evidenciou disposição nervosa à tarde. Essas experiências estavam ocorrendo diariamente e pareciam confinadas ao laboratório. A revisão do seu consumo de cafeína revelou que ele consumia quantidades excessivas de café. Um dos funcionários preparava uma cafeteira todas as manhãs, e ele rotineiramente começava o dia com uma grande caneca de café. Durante a manhã, tomava três ou quatro canecas (o equivalente a 6 a 8 xícaras), e continuava nesse nível de consumo no decorrer da tarde. Ocasionalmente, tomava uma lata de refrigerante e não consumia outras formas de cafeína. B. estimou que bebia um total de 6 a 8 canecas de café por dia (calculando uma quantidade de pelo menos 1.200 mg de cafeína por dia). Esclarecido disto, compreendeu que esse nível de consumo de cafeína era consideravelmente mais alto do que o de qualquer outro momento de sua vida. Admitiu que gostava do sabor do café e que tinha uma explosão de energia pela manhã quando ingeria a bebida, o que o ajudava a começar o dia. Ele e seu médico desenvolveram um plano para diminuir o seu uso de cafeína por meio de redução gradual, cujos detalhes podem ser encontrados na seção sobre o tratamento de dependência de cafeína. O paciente conseguiu diminuir o consumo e os sintomas da ansiedade desapareceram após diminuição significativa. (Cortesia de Eric Strain, M.D.) Transtorno do sono induzido por cafeína O transtorno do sono induzido por cafeína, que pode ocorrer durante a intoxicação, é um diagnóstico do DSM-IV-TR (ver Tab. 24.2-21). A cafeína está associada a dificuldade para pegar no sono, incapacidade de permanecer adormecido e despertar matinal precoce.
Transtorno relacionado à cafeína sem outra especificação O DSM-IV-TR contém uma categoria residual para transtornos relacionados à cafeína que não satisfaçam os critérios para intoxicação com esta substância, transtorno de ansiedade induzido por cafeína ou transtorno do sono induzido por cafeína (Tab. 12.4-4). CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS Sinais e sintomas Após a ingestão de 50 a 100 mg de cafeína, os sintomas comuns incluem estado de maior atenção, leve sensação de bem-estar e sensação de melhor desempenhos verbal e motor. O consumo também está associado a diurese, estimulação do músculo cardíaco, aumento nos movimentos peristálticos intestinais, maior secreção de ácidos gástricos e aumento (geralmente leve) na pressão arterial. Efeitos adversos Embora a cafeína não seja associada a riscos cardíacos em pessoas saudáveis, indivíduos com doenças cardíacas preexistentes muitas vezes são aconselhados a limitar o consumo por causa de possível relação a arritmias. A cafeína está claramente associada a aumento na secreção de ácidos gástricos, e os clínicos aconselham pacientes com úlceras gástricas a não ingerir produto que contenha a substância. Alguns dados limitados sugerem que ela pode estar associada à doença fibrocística da mama em mulheres. Embora a questão da associação entre a cafeína e os defeitos natais permaneça controversa, gestantes ou lactantes devem evitar produtos que contenham cafeína. Não existe relação sólida entre o seu consumo e o câncer. TRATAMENTO Os analgésicos, como a aspirina, quase sempre são suficientes para controlar as dores de cabeça e musculares que podem acompanhar a abstinência de cafeína. Raramente os pacientes necessitam de benzodiazepínicos para aliviar os sintomas. Se forem usados para esse propósito, devem ser administrados em doses pequenas por período breve, cerca de 7 a 10 dias, no máximo. O primeiro passo para reduzir ou eliminar o uso de cafeína é fazer com que os indivíduos determinem seu consumo diário. O paciente pode fazer isso mantendo diário de consumo alimentar. Deve reconhecer todas as fontes de cafeína em sua dieta, incluindo as formas (p. ex., bebidas, medicamentos), e registrar a quantidade exata consumida. Após alguns dias mantendo esse diário, o clínico pode se encontrar com o paciente, revisar as anotações e determinar a dose média diária de cafeína em miligramas. O paciente e o médico devem então decidir um protocolo de redução gradual do consumo de cafeína. Esse protocolo
TRANSTORNOS RELACIONADOS A
pode envolver redução em incrementos de 10% a cada poucos dias. Como a cafeína costuma ser consumida na forma de bebida, o paciente pode usar procedimento de substituição, no qual bebida descafeinada é gradualmente usada no lugar da cafeinada. Deve-se manter o diário durante esse período, de modo a monitorar o progresso do paciente. A redução gradual deve ser estabelecida conforme cada caso, para que a taxa de redução do consumo minimize os sintomas da abstinência. Deve-se evitar parar de forma abrupta, pois é provável que haja sintomas de abstinência.
SUBSTÂNCIAS
457
nol (Δ9-THC). As formas mais potentes são as das florescências das plantas ou do exudato seco e resinoso das folhas, que é chamado haxixe. A planta da cannabis é cortada, seca, picada e enrolada em cigarros (chamados “baseados”). Os nomes comuns para a cannabis são maconha, marijuana, Mary Jane, chá, erva. Outras denominações que apresentam tipos de cannabis com vários níveis de potência são hemp, chasra, bhang, ganja, dagga e sinsemilla. EPIDEMIOLOGIA Prevalência e tendências recentes
REFERÊNCIAS Dager SR, Layton ME, Strauss W, et al. Human brain metabolic response to caffeine and the effects of tolerance. Am J Psychiatry. 1999;156:229. Evans SM, Griffiths RR. Dose-related caffeine discrimination in normal volunteers: individual differences in subjective effects and selfreported cues. Behav Pharmacol. 1991;2:345. Gritfiths RR, Mumford GK. Caffeine—a drug of abuse? In: Bloom FE, Kupfer DJ, eds. Psychopharmacology: The Fourth Generation of Progress. New York: Raven; 1995. Griffiths RR, Woodson PP. Caffeine physical dependence: a review of human and laboratory animal studies. Psychopharmacolog y. 1988;94:437. Hughes JR, Oliveto AH, Helzer JE, Higgins ST, Bickel WK. Should caffeine abuse, dependence, or withdrawal be added to DSM-IV and ICD 10? Am J Psychiatry. 1992;149:33. James JE. Understanding Caffeine: A Biobehavioral Analysis. Thousand Oaks, CA: Sage; 1997. Nehlig A. Are we dependent upon coffee and caffeine? A review on human and animal data. Neurosci Biobehav Rev. 1999;23:563. Schuh KJ, Griffiths RR. Caffeine reinforcement: the role of withdrawal. Psychopharmacology. 1997;130:320. Stanton CK, Gray RH. Effects of caffeine consumption on delayed conception. Am J Epidemiol. 1995;142:1322. Strain EC, Griffiths RR. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatrs. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:982. Strain EC, Mumford GK, Silverman K, Griffiths RR. Caffeine dependence syndrome: evidence from case histories and experimental evaluations. JAMA. 1994;272:1043. Tanda G, Golden SR. Alteration of the behavioral effects of nicotine by chronic caffeine exposure. Pharmacol Biochem Behav 2000;66:47. Weber JG, Ereth MH, Danielson DR. Perioperative ingestion of caffeine and post operative headache. Mayo Clin Proc. 1993;68:842.
A pesquisa Monitorando o futuro, realizada com estudantes adolescentes, indica aumentos recentes no uso de maconha diário, atual (dentro dos últimos 30 dias), anual e ao longo da vida por alunos da oitava série e do ensino médio, dando seguimento à tendência que começou no início da década de 1990. Em 1996, 23,1% dos estudantes da oitava série e 39,8% dos do ensino médio relataram ter fumado maconha. Outra medida da prevalência do uso de maconha vem da National Household Survey on Drug Abuse, uma amostra populacional aleatória em residências em todo os Estados Unidos. A maconha foi a droga ilícita mais usada no estudo. Sua prevalência
12.5 Transtornos relacionados à cannabis Conhecida na Ásia Central e na China há pelo menos 4 mil anos, a planta indiana Cannabis sativa é uma erva aromática perene e robusta (Fig. 12.5-1). As substâncias bioativas derivadas dela são coletivamente chamadas de cannabis. Na maioria das estimativas, é referida como a droga ilícita mais consumida. Todas as partes da Cannabis sativa contêm canabinóides psicoativos, dos quais o mais abundante é o (-)-Δ9-tetraidrocanabi-
FIGURA 12.5-1 Maconha (Cannabis sativa).
458
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
ao longo da vida aumentou em cada grupo etário até a idade de 34 anos, e depois diminuiu gradualmente. Pessoas entre 18 e 21 anos são mais prováveis de ter fumado maconha no ano passado (25%) ou no mês passado (14%), e o uso foi mais baixo entre indivíduos com 50 anos ou mais (1% ou menos). Segundo o texto revisado da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR), a taxa de abuso ou dependência de cannabis ao longo da vida é de 5%. Correlatos demográficos Entre pessoas a partir de 26 anos, a taxa de uso de maconha no ano passado e atual por homens foi quase duas vezes maior do que a de mulheres. Essa diferença entre os sexos diminuiu com usuários mais jovens. Entre 12 e 17 anos, não existem diferenças significativas. A raça e a etnia também apresentaram relação com o uso de maconha, mas houve variação entre os grupos etários. Na faixa dos 12 aos 17 anos, os brancos apresentaram taxas maiores de uso de maconha ao longo da vida e no ano passado do que os negros. Entre os adultos de 17 a 34 anos, os brancos relataram níveis mais altos de uso ao longo da vida do que negros e hispânicos, mas, entre pessoas a partir de 35 anos, brancos e negros tiveram os mesmos níveis de uso. As taxas de consumo ao longo da vida para adultos negros foram significativamente maiores do que para hispânicos. NEUROFARMACOLOGIA Conforme observado anteriormente, o principal componente da cannabis é o Δ9-THC. Contudo, a planta da cannabis contém
mais de 400 químicos, 60 dos quais estão relacionados ao Δ9THC. Em humanos, o Δ9-THC é rapidamente convertido em 11-hidroxi-Δ9-THC, metabólito que age no sistema nervoso central (SNC). Um receptor específico foi identificado, clonado e caracterizado para os canabinóides. O receptor de canabinóides, membro da família de receptores ligados à proteína G, é conectado à proteína G inibitória (Gi), que se associa à adenilil ciclase. O receptor de canabinóide é encontrado em concentrações mais elevadas nos gânglios basais, no hipocampo e no cerebelo, e em concentrações mais baixas no córtex cerebral (Fig. 12.5-2). Ele não é detectado no tronco encefálico, fato que condiz com os efeitos mínimos da cannabis sobre as funções cardíacas e respiratórias. Estudos com animais mostraram que os canabinóides afetam os neurônios que produzem monoaminas e o ácido γ-aminobutírico (GABA). Segundo a maioria dos estudos, os animais não auto-administram cannabis como fazem com muitas substâncias de abuso. Além disso, existe controvérsia com relação a se os canabinóides estimulam os chamados centros de recompensa do cérebro, como os neurônios dopaminérgicos da área tegmentar ventral. Contudo, existe tolerância à cannabis, e é observada dependência psicológica, embora as evidências de dependência fisiológica não sejam consistentes. Os sintomas de abstinência em humanos se limitam a aumentos modestos em irritabilidade, inquietação, insônia, anorexia e leve náusea, os quais aparecem apenas quando a pessoa pára de consumir doses elevadas de forma abrupta. Quando fumada, seus efeitos eufóricos surgem em minutos, atingem pico em 30 minutos e duram de 2 a 4 horas. Alguns efeitos motores e cognitivos duram de 5 a 12 horas. A cannabis também pode ser ingerida por via oral quando preparada com
FIGURA 12.5-2 Auto-radiografia da distribuição de receptores de canabinóides em secção sagital do cérebro do rato. A ligação do ligando tritiado é densa no hipocampo (Hipp), no globo pálido (GP), no núcleo entopeduncular (EP), na substância negra pars reticulata (SNr) e no cerebelo (Cer). A ligação é moderada no córtex cerebral (Cx) e no putame caudado (CP) e esparsa no tronco encefálico (Br St) e na medula espinal. (Reimpressa, com permissão, de Howlett AC, Bidaut-Russell M, Devane WA, et al. The cannabinoid receptor: biochemical, anatomical, and behavioral characterization. Trends Neurosci. 1990;13:422.)
TRANSTORNOS RELACIONADOS A
alimentos, como bolos e brownies. A quantidade de 2 a 3 vezes maior deve ser consumida por via oral para se conseguir os mesmos efeitos obtidos inalando-se a fumaça. Muitas variáveis afetam suas propriedades psicoativas, incluindo a potência da cannabis usada, a via de administração, a técnica de fumar, os efeitos da pirólise sobre o conteúdo canabinóide, o contexto, a experiência do usuário, suas expectativas e vulnerabilidade aos efeitos dos canabinóides.
SUBSTÂNCIAS
459
intoxicação na seção sobre transtornos relacionados à cannabis (Tab. 12.5-2). Os critérios diagnósticos para outros transtornos relacionados à cannabis são apresentados nas seções que se concentram no principal sintoma fenomenológico – por exemplo, transtorno psicótico induzido por cannabis, com delírios, na seção sobre transtornos psicóticos induzidos por substâncias (ver Tab. 14.1-1, Cap. 14). Dependência e abuso
DIAGNÓSTICOS E CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS Os efeitos físicos mais comuns da cannabis são a dilatação dos vasos sangüíneos da conjuntiva (olho vermelho) e leve taquicardia. Em doses elevadas, pode haver hipotensão ortostática. O aumento no apetite – freqüentemente chamado “larica” – e boca seca são efeitos comuns da intoxicação. O fato de que nunca houve caso documentado de morte causada por intoxicação apenas com cannabis já reflete a ausência de efeitos da substância sobre a freqüência respiratória. Os efeitos potencialmente adversos mais sérios são os causados pela inalação dos mesmos hidrocarbonetos carcinogênicos presentes no tabaco, e alguns dados indicam que os usuários pesados de cannabis têm risco de doenças respiratórias crônicas e câncer de pulmão. A prática de fumar cigarros de cannabis até o final, as chamadas baganas, aumenta ainda mais o consumo de alcatrão (material particulado). Muitos relatos indicam que o uso de cannabis a longo prazo está associado a atrofia cerebral, suscetibilidade a convulsões, lesões cromossômicas, defeitos neonatais, redução da reatividade imunológica, alterações nas concentrações de testosterona e desregulação dos ciclos menstruais. Todavia, esses relatos não foram reproduzidos de maneira conclusiva, e a associação entre tais resultados e uso da cannabis é incerta. O DSM-IV-TR lista os transtornos relacionados à cannabis (Tab. 12.5-1), mas apenas apresenta critérios específicos para a
TABELA 12.5-1 Transtornos relacionados à cannabis segundo o DSM-IV-TR
O DSM-IV-TR inclui os diagnósticos de dependência e abuso de cannabis (ver Tabs. 12.1-7, 12.1-8 e 12.1-9). Os dados experimentais mostram claramente tolerância a muitos dos efeitos da cannabis, mas são menos favoráveis à existência de dependência física. Os usuários de longa duração desenvolvem dependência psicológica em relação ao uso. Intoxicação O DSM-IV-TR formaliza os critérios diagnósticos para intoxicação com cannabis (Tab. 12.5-2). Esses critérios afirmam que o diagnóstico pode ser complementado por meio do especificador “com perturbações da percepção”. Na ausência de teste da realidade intacto, o diagnóstico é de transtorno psicótico induzido por cannabis. A intoxicação costuma aumentar a sensibilidade dos usuários a estímulos externos, revelar novos detalhes, fazer as cores parecerem mais brilhantes e ricas do que antes e retardar a apreciação subjetiva do tempo. Em doses elevadas, os usuários podem experimentar despersonalização e desrealização. As habilidades motoras são prejudicadas e, o prejuízo permanece após os efeitos eufóricos e subjetivos terem passado. Por 8 a 12 horas após usarem cannabis, as habilidades motoras reduzidas dos usuários interferem na operação de veículos motores e outras máquinas pesadas. Além disso, esses efeitos somam-se aos do álcool, o qual costuma ser usado em combinação com a cannabis.
Transtornos por uso de cannabis Dependência de cannabis Abuso de cannabis Transtornos induzidos por cannabis Intoxicação com cannabis Especificar se: Com perturbações da percepção Delirium por intoxicação com cannabis Transtorno psicótico induzido por cannabis, com delírios Especificar se: Com início durante a intoxicação Transtorno psicótico induzido por cannabis, com alucinações Especificar se: Com início durante a intoxicação Transtorno de ansiedade induzido por cannabis Especificar se: Com início durante a intoxicação Transtorno relacionado à cannabis sem outra especificação
A. Uso recente de cannabis. B. Alterações comportamentais ou psicológicas mal-adaptativas e clinicamente significativas (p. ex., prejuízo na coordenação, euforia, ansiedade, sensação de lentidão do tempo, prejuízo do julgamento, retraimento social) que se desenvolveram durante ou logo após o uso de cannabis. C. Dois ou mais dos seguintes sinais, desenvolvendo-se no período de duas horas após o uso de cannabis: (1) conjuntivas hiperêmicas (2) apetite aumentado (3) boca seca (4) taquicardia D. Os sintomas não se devem a uma condição médica geral, nem são melhor explicados por outro transtorno mental. Especificar se: Com perturbações da percepção
De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
TABELA 12.5-2 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para intoxicação com cannabis
460
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Delirium por intoxicação com cannabis O delirium por intoxicação com cannabis é um diagnóstico do DSM-IV-TR (ver Tab. 10.2-3). Caracteriza-se por comprometimento acentuado da cognição e do desempenho. Mesmo doses modestas prejudicam a memória, o tempo de reação, a percepção, a coordenação motora e a atenção. Doses elevadas comprometem e interferem significativamente sobre os níveis de consciência dos usuários medidas cognitivas.
cados como transtornos relacionados à cannabis sem outra especificação (Tab. 12.5-3). A intoxicação pode estar associada a sintomas depressivos, embora sugiram uso prolongado. Todavia, a hipomania é um sintoma comum na intoxicação com cannabis. O DSM-IV-TR também não reconhece com objetividade os transtornos do sono ou a disfunção sexual induzidos por cannabis. Portanto, ambos são classificados como transtornos relacionados à cannabis sem outra especificação. Quando os sintomas de transtorno do sono ou de disfunção sexual estão relacionados ao uso de cannabis, quase sempre desaparecem dentro de alguns dias ou uma semana após a cessação do uso.
Transtorno psicótico induzido por cannabis O transtorno psicótico induzido por cannabis (ver Tab. 14.12) é diagnosticado na presença de psicose induzida por cannabis. Trata-se de uma condição rara, sendo a ideação paranóide transitória mais comum. A psicose florida é um pouco mais comum nos países em que as pessoas tenham acesso prolongado a cannabis de potência particularmente elevada. Os episódios psicóticos, às vezes, são chamados de “insanidade de hemp”. O uso de cannabis raramente causa experiência de “má viagem”, que costuma estar associada à intoxicação com alucinógenos. Quando ocorre transtorno psicótico induzido por cannabis, ele pode estar correlacionado com transtorno da personalidade preexistente. Transtorno de ansiedade induzido por cannabis O transtorno de ansiedade induzido por cannabis (ver Tab. 16.1-5) é um diagnóstico comum para a intoxicação com cannabis que, em muitas pessoas, induz estados de ansiedade rápidos provocados por pensamentos paranóides. Nessas circunstâncias, é possível ocorrerem crises de pânico, com base em temores desorganizados e mal definidos. O surgimento de sintomas de ansiedade está correlacionado à dose e é a reação adversa mais freqüente ao uso moderado da cannabis fumada. Os usuários inexperientes são muito mais prováveis de experimentar sintomas de ansiedade do que os experientes. Transtorno de ansiedade relacionado à cannabis sem outra especificação O DSM-IV-TR não reconhece formalmente os transtornos do humor induzidos por cannabis. Portanto, os mesmos são classifiTABELA 12.5-3 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno relacionado à cannabis sem outra especificação A categoria transtorno relacionado à cannabis sem outra especificação aplica-se a transtornos associados ao uso de canabinóides que não sejam classificados como dependência de cannabis, abuso de cannabis, intoxicação com cannabis, delirium por intoxicação com cannabis , transtorno psicótico induzido por cannabis ou transtorno de ansiedade induzido por cannabis. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
Flashbacks. Anormalidades persistentes da percepção que ocorrem após o uso de cannabis não são formalmente classificadas no DSM-IV-TR, embora existam relatos de casos de pessoas que experimentaram – às vezes de maneira significativa – sensações relacionadas após os efeitos de curto prazo da substância terem passado. Existe o debate contínuo quanto à relação dos flashbacks ao uso de cannabis isoladamente ou ao uso concomitante de alucinógenos ou cannabis com fenciclidina (PCP).13 Síndrome amotivacional. Outra síndrome controversa relacionada à cannabis é a síndrome amotivacional. O fato de estar relacionada ao uso da cannabis ou refletir traços de caráter em um subgrupo de pessoas, independentemente do uso de cannabis, é tema de amplos debates. Em geral, a síndrome tem sido associada ao uso pesado a longo prazo e se caracteriza pela falta de disposição da pessoa para persistir em uma tarefa – seja na escola, no trabalho ou em qualquer circunstância que exija atenção prolongada ou tenacidade. Os indivíduos ficam apáticos e sem energia, ganham peso e parecem desleixados. TRATAMENTO E REABILITAÇÃO O tratamento do uso de cannabis baseia-se nos mesmos princípios da abordagem terapêutica de outras substâncias de abuso – abstinência e apoio. A abstinência pode ser alcançada por intervenções diretas, como hospitalização, ou pelo monitoramento externo cuidadoso, com o uso de exames de urina, que podem detectar a cannabis até quatro semanas após o uso. O apoio pode ser obtido por meio de psicoterapias individuais, familiares ou de grupo. A educação deve ser a base dos programas de abstinência e de apoio. Um paciente que não entende as razões intelectuais para lidar com o problema de abuso de substâncias tem pouca motivação para parar. Para alguns indivíduos, medicamento ansiolítico pode ser útil para obter o alívio rápido dos sintomas de abstinência. Para outros, o uso de cannabis pode estar relacionado a transtorno depressivo subjacente, que pode responder a tratamento antidepressivo específico. O uso médico da maconha A maconha tem sido usada como erva medicinal por séculos, e a cannabis era listada na farmacopéia norte-americana até o final do século XIX como remédio para a ansiedade, depressão e dis-
TRANSTORNOS RELACIONADOS A
túrbios gastrintestinais, entre outros. Nos dias de hoje, a cannabis é uma substância controlada, com potencial elevado de abuso e nenhum uso médico reconhecido pela Drug Enforcement Agency (DEA). Entretanto, é empregada para tratar vários distúrbios, como a náusea secundária à quimioterapia, esclerose múltipla, dores crônicas, síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) e glaucoma. Em 1996, residentes da Califórnia aprovaram o California Compensation Use Act, que permitia a plantação e o consumo de maconha para essas condições médicas, mas, em 2001, a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu por oito votos a zero que a produção e distribuição são ilegais sob quaisquer circunstâncias. Não está claro como a decisão irá afetar a Califórnia. O Dronabinol, forma sintética de THC, foi aprovado pela FDA, mas, quando tomado por via oral, não é considerado tão efetivo quanto fumar todo o produto da planta. Em 1996, um relatório de especialistas do Medicine Institute sugeriu que a maconha fosse convertida em substância do nível II, com controles estabelecidos para uso médico. Isso possibilitaria a realização de testes científicos controlados para determinar se ela tem eficácia terapêutica inequívoca em diferentes condições. A oposição baseia-se em seu uso recreativo ilícito, que obscurece a aplicação médica legítima. Além da decisão da suprema corte, a secretária da Saúde do Governo Clinton, Donna Shalala, e a ex-ministra da Justiça, Janet Reno, anunciaram que qualquer médico que receitar a droga será processado por crime federal e pode perder a licença e ser preso. Em editorial escrito com palavras fortes, o New England Journal of Medicine afirmou que “as autoridades federais devem rescindir sua proibição do uso médico da maconha para pacientes graves e permitir que os médicos decidam quais indivíduos devem tratar”. Eles concluíram o editorial com um comentário sobre o papel do médico: Alguns médicos terão a coragem necessária para desafiar a proibição da maconha para pessoas doentes. Um dia, seus atos forçarão os tribunais a decidir entre os direitos dos que se encontram às portas da morte e o poder absoluto dos burocratas, cujas decisões se baseiam mais em ideologia reflexiva e no politicamente correto do que na compaixão.
Para discussão mais aprofundada sobre a intrusão do governo federal na prática médica, indicamos o Capítulo 56, “Cuidados no final da vida e medicina preventiva”.
REFERÊNCIAS Bailey SL, Flewelling RL, Rachal JV. Predicting continued use of marijuana among adolescents: the relative influence of drug-specific and social context factors. J Health Soc Behav. 1992;33:51. Chait LD, Zacny JP. Reinforcing and subjective effects of oral delta 9THC and smoked marijuana in humans. Psychopharmacology. 1992;107:255. Friedman H, Klein TW, Newton C, Daaka Y. Marijuana, receptors and immunomodulation. Adv Exp Med Biol. 1995;373:103. Gardner EL, Lowinson JH. Marijuana’s interaction with brain reward systems: update 1991. Pharmacol Biochem Behav. 1991;40:571. Kassirer JP. Federal foolishness and marijuana [editorial]. N Engl J Med. 1997;5:336. MacFadden W, Woody GE. Cannabis-related disorders. In: Sadock BJ, Sadock VA. eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychia-
SUBSTÂNCIAS
461
try. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:990. Munro S, Thomas KL, Abu-Shaar M. Molecular characterization of a peripheral receptor for cannabinoids. Nature. 1993;365:61. National Institute on Drug Abuse. Nature Househol Survey on Drug Abuse: Highlights. 1991. Washington, DC: US Government Printing Office, 1991. Stacy AW, Newcomb MD, Bentler PM. Cognitive motivation and drug use: a 9-year longitudinal study. J Abnorm Psychol. 1991;100:502. Stenbacka M, Allebeck P, Romelsjo A. Do cannabis drug abusers differ from intravenous drug abusers? The role of social and behavioral risk factors. Br J Addict. 1992;87:259. Tashkin DP, Gliederer F, Rose J, et al. Tar, CO and delta 9 THC delivery from the 1st to 2nd halves of a marijuana cigarette. Pharmacol Biochem Behav. 1991;40:657. Vulcano BA, Barnes GE, Langstaff P. Predicting marijuana use among adolescents. Int J Addict. 1990;25:531. Woody GE, MacFadden W. Cannabis-related disorders. In: Kaplan HI, Sadock BJ, eds. Comprehensive Textbook Psychiatry. 6th ed. Vol 1. Baltimore: Williams & Wilkins; 1995:810.
12.6 Transtornos relacionados à cocaína A cocaína é um alcalóide derivado do arbusto Erythroxylon coca, que é nativo da América do Sul, onde habitantes locais mascam suas folhas para obter efeitos estimulantes (Fig. 12.6-1). O alcalóide da cocaína foi isolado pela primeira vez em 1860 e usado como anestésico local em 1880. Ele ainda é empregado para este uso, especialmente em cirurgias de olhos, nariz e garganta, para as quais seus efeitos vasoconstritores e analgésicos são valiosos. Em 1884, Sigmund Freud fez um estudo dos efeitos farmacológicos gerais da cocaína e, por um período, segundo seus biógrafos, foi viciado na droga. Nas décadas de 1880 e 1890, a cocaína era elogiada como a cura para muitas doenças e foi listada no Merck Manual de 1899. Contudo, em 1914, quando seus efeitos adictivos e adversos foram reconhecidos, foi classificada como narcótico, juntamente com a morfina e a heroína. Mais de 25 milhões de pessoas nos Estados Unidos usaram cocaína pelo menos uma vez na década de 1990. Para muitas delas, o uso progrediu para abuso e dependência. No começo da década de 1990, era mais comum ter história de dependência de cocaína do que de transtorno bipolar (2,7% vs. 1,6%). Apesar da epidemia do século XX parecer ter passado, o uso ainda é prevalente, e as pessoas com abuso e dependência de cocaína continuam a procurar tratamento. Atualmente, há grande quantidade de informações com relação aos seus efeitos sobre o cérebro e o comportamento, bem como à toxicidade e à dependência da substância e à eficácia do tratamento. DEFINIÇÕES O uso de substâncias pode estar associado a inúmeros transtornos diferentes, entre eles a dependência e o abuso. O texto revisado da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR) descreve outros dez para a cocaína. A dependência é definida como grupo de sintomas
462
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
sociais adversas de vários tipos. O fato de que um padrão de uso ou uma substância em particular não seja aprovado por outra pessoa, pela cultura ou possa ter levado a conseqüências socialmente negativas, tais como prisão ou brigas conjugais, não é por si só evidência de uso nocivo. EPIDEMIOLOGIA Segundo o DSM-IV-TR, cerca de 10% da população dos Estados Unidos já experimentaram cocaína, com 2% relatando que o fizeram no último ano, 0,8% no último mês, e a taxa de abuso ou dependência de cocaína ao longo da vida é de 2%. O uso é mais alto entre pessoas de 18 a 25 anos (1,3%) e de 26 a 34 anos (1,2%). Contudo, o uso de cocaína está diminuindo, principalmente por causa da consciência crescente dos seus riscos e de ampla campanha pública sobre a substância e seus efeitos. Todavia, as conseqüências da redução no uso de cocaína para a sociedade têm sido algo prejudicado pelo aumento no uso de crack, uma forma muito potente de cocaína. Seu consumo é mais comum em pessoas de 18 a 25 anos, que são particularmente atraídas pelo baixo custo da dose de 50 a 100 mg. Os homens são duas vezes mais prováveis de usar cocaína em abuso do que as mulheres, e todas as raças e grupos socioeconômicos são afetados nas mesmas proporções. CO-MORBIDADE
FIGURA 12.6-1 A cocaína é um alcalóide obtido das folhas de coca.
fisiológicos, comportamentais e cognitivos que, juntos, indicam o uso contínuo de cocaína apesar de problemas significativos de saúde relacionados ao uso. Na décima revisão da Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-10), a dependência é referida como um grupo de fenômenos fisiológicos, comportamentais e cognitivos em que a pessoa prioriza o uso da cocaína a outros comportamentos que antes eram de grande valor. Central a essas definições é a ênfase colocada no comportamento de usar a droga, na sua natureza mal-adaptativa e na questão como, ao longo do tempo, a escolha voluntária muda e se torna obrigatória como resultado das interações com a droga. A CID-10 e o DSM-IV-TR diferem em classificação e em relação àquilo que se chama abuso de substâncias no DSM-IVTR. A CID-10 não usa o termo abuso e inclui a categoria de uso nocivo, que difere substancialmente do conceito de abuso. Entretanto, o conceito de prejuízo se limita à saúde física e mental (p. ex., hepatite, problemas cardíacos, episódios de depressão ou psicose tóxica), excluindo especificamente os problemas sociais, conforme explicitado a seguir: Padrões nocivos de uso costumam ser criticados por outras pessoas e estão, com freqüência, associados a conseqüências
Como outros transtornos relacionados a substâncias, aqueles relacionados à cocaína muitas vezes são acompanhados por condições psiquiátricas adicionais. O desenvolvimento de transtornos do humor e daqueles relacionados ao álcool costuma ocorrer após o início dos transtornos relacionados à cocaína, ao passo que se acredita que os transtornos de ansiedade, da personalidade anti-social e de déficit de atenção/hiperatividade o precedam. A maioria dos estudos de co-morbidade mostra que o transtorno depressivo maior, o bipolar II, o ciclotímico, os de ansiedade e o da personalidade anti-social são os diagnósticos psiquiátricos associados com mais freqüência ao uso de cocaína. As porcentagens de co-morbidade são apresentadas na Tabela 12.6-1. ETIOLOGIA Fatores genéticos As cobaias de laboratório diferem muito em sua disposição para auto-administrarem substâncias psicoativas, incluindo a cocaína, e podem ser desenvolvidas variedades que difiram de forma ainda mais acentuada. As evidências mais convincentes de influência genética sobre a dependência de cocaína vêm de estudos com gêmeos. Os gêmeos monozigóticos apresentam taxas de concordância mais altas para dependência de estimulantes (cocaína, anfetaminas e substâncias assemelhadas a estas) do que os dizigóticos. As análises indicam que fatores ge-
TRANSTORNOS RELACIONADOS A
TABELA 12.6-1 Diagnósticos psiquiátricos adicionais entre usuários de cocaína que procuram tratamento (resultados do New Haven Cocaine Diagnostic Study)
Diagnóstico psiquiátrico Depressão maior Ciclotimia/hipertimia Mania Hipomania Transtorno de pânico Transtorno de ansiedade generalizada Fobia Esquizofrenia Transtorno esquizoafetivo Alcoolismo Transtorno da personalidade anti-social – RDC Transtorno da personalidade anti-social – DSM-III Transtorno de déficit de atenção
Transtorno Transtorno ao longo atual (%) da vida (%)
SUBSTÂNCIAS
463
como a amígdala, o giro para-hipocampal e o córtex pré-frontal dorsolateral, e o desejo por cocaína, mas sem grau de excitação no EEG. Fatores farmacológicos
4,7 19,9 0,0 2,0 0,3 3,7 11,7 0,0 0,3 28,9 7,7
30,5 19,9 3,7 7,4 1,7 7,0 13,4 0,3 1,0 61,7 7,7
Como resultado de ações no sistema nervoso central (SNC), a cocaína pode produzir sensação de alerta, euforia e bem-estar. Pode haver menos fome e menos necessidade de dormir. O desempenho prejudicado pela fadiga tende a melhorar, e alguns usuários acreditam que a substância favoreça a performance sexual.
32,9
32,9
NEUROFARMACOLOGIA
34,9
Adaptada de Rounsaville BJ, Anton SI, Caroll K, et al. Psychiatric diagnoses of treatment-seeking cocaine abusers. Arch Gen Psychiatry. 1991;48:43.
néticos e ambientais únicos (não-compartilhados) contribuem da mesma forma para o desenvolvimento de dependência de estimulantes. Fatores socioculturais Os fatores sociais, culturais e econômicos são poderosos determinantes do uso inicial, do uso continuado e da recaída. O uso excessivo é muito mais provável de ocorrer em países onde a cocaína seja facilmente disponível. Diferentes oportunidades econômicas podem influenciar certos grupos mais do que outros no envolvimento com a venda de drogas ilícitas, que é mais provável em comunidades conhecidas do que naquelas em que o vendedor corre o risco de ser preso. Aprendizagem e condicionamento A aprendizagem e o condicionamento também são considerados importantes para perpetuar o uso de cocaína. Cada inalação ou injeção de cocaína produz “rush” e experiência eufórica que reforça o comportamento anterior de consumir drogas. Além disso, os estímulos ambientais associados ao uso de substâncias estão relacionados ao estado eufórico, de modo que, bastante tempo após a cessação, essas pistas (p. ex., pó branco e equipamentos) podem evocar memórias do estado eufórico e despertar o desejo por cocaína. Em indivíduos que usam cocaína (mas não em sujeitos de controle normais), os estímulos relacionados a ela ativam regiões cerebrais que auxiliam a memória episódica e de trabalho e produzem excitação eletroencefalográfica (dessincronização). Existe a suposta correlação entre o aumento na atividade metabólica em regiões relacionadas ao sistema límbico,
A ação farmacodinâmica primária da cocaína, relacionada a seus efeitos comportamentais, é o bloqueio competitivo da recaptação de dopamina pelo transportador de dopamina. Esse bloqueio aumenta a concentração dopaminérgica na fenda sináptica e resulta em maior ativação dos receptores dos tipos 1 (D1) e 2 (D2). Os efeitos da cocaína sobre a atividade mediada pelos receptores D3, D4 e D5 ainda não foram bemcompreendidos, mas pelo menos um estudo pré-clínico implicou o receptor D3. Embora os efeitos comportamentais sejam principalmente atribuídos ao bloqueio da recaptação de dopamina, a cocaína também barra a recaptação de outras catecolaminas importantes, noradrenalina e serotonina. Os efeitos comportamentais relacionados a essas atividades estão recebendo maior atenção na literatura científica. A intervenção da cocaína no fluxo sangüíneo cerebral e no uso de glicose pelo cérebro também foram estudados. Os resultados da maioria dos estudos mostram que a cocaína está associada à redução no fluxo sangüíneo cerebral e, talvez, ao desenvolvimento de áreas fragmentadas de menor uso de glicose. Os efeitos comportamentais da cocaína são sentidos quase imediatamente e duram um tempo relativamente breve (30 a 60 minutos). Assim, os usuários necessitam de doses repetidas da droga para manter a sensação de intoxicação. Apesar dos efeitos comportamentais rápidos, os metabólitos da cocaína podem estar presentes no sangue e na urina por até 10 dias. A cocaína tem qualidades adictivas poderosas. Devido à sua potência como reforço positivo para o comportamento, a dependência psicológica pode se desenvolver após único uso. Com a administração repetida, podem surgir tolerância ou sensibilidade a vários efeitos da cocaína, embora o desenvolvimento dessas condições aparentemente se deva a muitos fatores e não seja previsto com facilidade. A cocaína causa dependência fisiológica, embora a abstinência seja leve, em comparação à de opiáceos e opióides. Os pesquisadores há pouco relataram que imagens de tomografia por emissão de pósitrons (PET) do cérebro de pacientes tratados para dependência de cocaína mostram ativação elevada no sistema mesolímbico de dopamina quando os mesmos desejam a droga profundamente. Os pesquisadores expuseram pacientes a pistas que anteriormente os faziam desejar a droga, e estes descreveram sensação de desejo intenso pela substância enquanto as imagens de PET mostravam ativação em áreas desde a amígdala e o cingulado anterior até a borda dos lobos temporais. Alguns pesquisadores alegam que o
464
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
sistema mesolímbico de dopamina também está ativo em dependentes de nicotina, e o mesmo sistema foi ativado ao desejo por heroína, morfina, anfetaminas, maconha e álcool. Os receptores D 2 no sistema mesolímbico de dopamina foram considerados responsáveis pela maior atividade nos períodos de desejo. As imagens de PET de pacientes em recuperação apresentam redução na atividade neuronal, que é consistente com a capacidade menor de receber dopamina, e o decréscimo nessa capacidade, embora diminua com o tempo, dura aparentemente um ano e meio após a abstinência. O padrão de redução na atividade cerebral reflete o curso do desejo. Entre a terceira e a quarta semanas de abstinência, a atividade está em seu nível mais baixo, e o risco de recaída é o mais alto. Após um ano, os cérebros de ex-adictos estão quase de volta ao normal, embora se debata se as células dopaminérgicas alcançam o estado completamente normal.
MÉTODOS DE USO Como os traficantes diluem a cocaína com açúcar ou procaína, a droga encontrada nas ruas difere muito em pureza. Às vezes, ela é misturada com anfetamina. O método mais comum de uso é inalar o pó fino pelo nariz, prática denominada “cheirar”. Outros métodos são injeção subcutânea ou intravenosa (IV) e fumar (free base). Para o último, mistura-se a cocaína comum com o alcalóide da cocaína puro obtido por extração química para ter efeito maior. Fumar também é o método usado para consumir crack. A inalação é o método menos perigoso de uso de cocaína, e os mais letais são a injeção e o fumo da substância. Os métodos mais diretos de consumo costumam estar associados a doenças cerebrovasculares, anormalidades cardíacas e morte. Embora a cocaína possa ser ingerida por via oral, essa rota menos efetiva raramente é usada.
TABELA 12.6-2 Transtornos relacionados à cocaína segundo o DSM-IV-TR
Transtornos por uso de cocaína Dependência de cocaína Abuso de cocaína
Transtornos induzidos por cocaína Intoxicação com cocaína Especificar se: Com perturbações da percepção Abstinência de cocaína
Delirium por intoxicação com cocaína Transtorno psicótico induzido por cocaína, com delírios Especificar se: Com início durante a intoxicação Transtorno psicótico induzido por cocaína, com alucinações Especificar se: Com início durante a intoxicação Transtorno do humor induzido por cocaína Especificar se: Com início durante a intoxicação Com início durante a abstinência Transtorno de ansiedade induzido por cocaína Especificar se: Com início durante a intoxicação Com início durante a abstinência Disfunção sexual induzida por cocaína Especificar se: Com início durante a intoxicação Transtorno do sono induzido por cocaína Especificar se: Com início durante a intoxicação Com início durante a abstinência Transtorno relacionado à cocaína sem outra especificação De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
Crack O crack, a forma de cocaína aquecida, é extremamente potente. É vendido em pequenas quantidades prontas para fumar, chamadas de “pedras”. Ele é muito adctivo, e uma ou duas experiências com a droga podem causar o desejo intenso por mais. Os usuários chegam a comportamentos extremos para obter meios de adquiri-lo. Os relatos das salas de emergência estão associados à violência extrema com o abuso de crack.
DIAGNÓSTICO E CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS O DSM-IV-TR lista muitos transtornos relacionados à cocaína (Tab. 12.6-2), mas somente especifica critérios para intoxicação (Tab. 12.6-3) e abstinência de cocaína (Tab. 12.6-4) na seção dos transtornos relacionados à cocaína. Os critérios diagnósticos para outras condições relacionadas à cocaína estão nas seções que enfocam o sintoma principal – por exemplo, transtorno do humor induzido por cocaína na seção de transtornos do humor (ver Tab. 15.3-10, Cap. 15).
Dependência e abuso de cocaína O DSM-IV-TR usa as diretrizes gerais para dependência e abuso de substâncias para diagnosticar a dependência e o abuso de cocaína (ver Tabs. 12.1-5, 12.1-6 e 12.1-7). Dos pontos de vista clínico e prático, pode haver suspeita de dependência e abuso em pacientes que evidenciem mudanças inexplicadas na personalidade. Alterações comuns associadas ao uso de cocaína são: irritabilidade, dificuldade para se concentrar, comportamento compulsivo, insônia grave e perda de peso. Colegas de trabalho e familiares podem notar a incapacidade geral e crescente de realizar as tarefas associadas ao trabalho e à vida familiar. O paciente pode apresentar novas evidências de dúvidas ou incapacidade de pagar as contas em dia por causa da grande quantidade de dinheiro empregada na aquisição de cocaína. Esses indivíduos muitas vezes se ausentam do trabalho ou de situações sociais a cada 30 ou 60 minutos para inalar a droga. Devido aos seus efeitos vasoconstritores, os usuários quase sempre desenvolvem congestão nasal, que podem tentar automedicar com descongestionantes.
TRANSTORNOS RELACIONADOS A
TABELA 12.6-3 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para intoxicação com cocaína A. Uso recente de cocaína. B. Alterações comportamentais ou psicológicas mal-adaptativas e clinicamente significativas (p. ex., euforia ou embotamento afetivo; alterações na sociabilidade; hipervigilância; sensibilidade interpessoal; ansiedade; tensão ou raiva; comportamentos estereotipados; julgamento prejudicado; comprometimento no funcionamento social ou ocupacional), que se desenvolvem durante ou logo após o uso de cocaína. C. No mínimo dois dos seguintes sintomas, desenvolvendo-se durante ou logo após o uso de cocaína: (1) taquicardia ou bradicardia (2) midríase (3) hipertensão ou hipotensão arterial (4) sudorese ou calafrios (5) náusea ou vômitos (6) evidências de perda de peso (7) agitação ou retardo psicomotor (8) fraqueza muscular, depressão respiratória, dor torácica ou arritmias cardíacas (9) confusão, convulsões, discinesias, distonias ou coma D. Os sintomas não se devem a uma condição médica geral, nem são melhor explicados por outro transtorno mental. Especificar se: Com perturbações da percepção De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
TABELA 12.6-4 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para abstinência de cocaína A. Cessação (ou redução) do uso pesado e prolongado de cocaína. B. Humor disfórico e no mínimo duas das seguintes alterações fisiológicas, desenvolvidas de algumas horas a alguns dias após o Critério A: (1) fadiga (2) sonhos vívidos e desagradáveis (3) insônia ou hipersonia (4) aumento do apetite (5) retardo ou agitação psicomotores C. Os sintomas no Critério B causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no desenvolvimento social, ocupacional ou em outras áreas importantes do funcionamento. D. Os sintomas não se devem a uma condição médica geral nem são melhor explicados por outro transtorno mental. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
Al S., um proprietário de restaurante de 39 anos de idade, foi indicado por um orientador conjugal para programa privado de tratamento para abuso de substâncias para avaliação e tratamento de possível “problema com cocaína”. Segundo o orientador, as tentativas de lidar com os problemas conjugais do casal não conseguiram produzir sinal de progresso nos últimos seis ou sete meses. O casal continua a ter brigas freqüentes e explosivas, algumas das quais resultaram em violência física. Felizmente, nenhum dos cônjuges ficou ferido, mas o caos contínuo no relacio-
SUBSTÂNCIAS
465
namento criou grande tensão em casa, e parece estar contribuindo para o comportamento de atuação e problemas escolares de seus dois filhos, de 9 e 13 anos. Há alguns dias, o paciente admitiu ao orientador e à esposa que vinha usando cocaína “ocasionalmente” no último ano. Ela ficou brava e começou a chorar, dizendo que se o marido não fizesse um tratamento para o problema, ela se separaria e contaria aos pais dele sobre o que estava se passando. Relutante, ele concordou em procurar ajuda profissional, insistindo que seu uso de cocaína “não era um problema” e que se sentia capaz de parar de usar a droga sem fazer tratamento. Durante a entrevista inicial de avaliação, Al relatou que usa cocaína por via nasal 3 a 5 dias por semana, e que esse padrão ocorre há dois anos. Em média, consome um total de 1 ou 2 g por semana, pelos quais paga 80 dólares por grama. A maior parte do uso ocorre no trabalho, em seu escritório, ou no banheiro. Ele normalmente começa a pensar na “coca” enquanto vai para o trabalho pela manhã. Quando chega, é quase impossível resistir aos tubos de cocaína em sua gaveta. Embora tente se distrair e retardar o uso ao máximo possível, cheira sua primeira “carreira” dentro de uma hora após chegar ao trabalho. Em alguns dias, cheira mais duas ou três carreiras ao longo do dia. Em outros, especialmente se fica estressado ou frustrado, cheira uma ou duas carreiras por hora, desde a manhã até o final da tarde. O uso de cocaína, às vezes, é incentivado quando seu sócio lhe oferece a droga, o qual ele descreve como usuário mais controlado e menos freqüente. Al raramente cheira cocaína em casa e nunca na presença da esposa e dos filhos. Às vezes, cheira uma ou duas carreiras à noite ou no fim de semana em casa, quando todos saíram. Ele nega usar qualquer outra droga ilícita atualmente, mas relata tomar de 10 a 20 mg de um ansiolítico, o diazepam (receitado por um médico amigo), antes de ir dormir nos dias em que a cocaína o deixa muito inquieto, irritado e insone. Quando não há diazepam disponível, bebe duas ou três cervejas. Experimentou cocaína há cinco anos em uma festa, e gostou da sensação de energia e euforia e da ausência de efeitos colaterais desagradáveis, exceto pela leve sensação desconfortável de “aceleração” no peito. Por quase três anos depois disso, somente usou cocaína quando alguém lhe ofereceu e nunca comprou suprimento próprio ou se encontrou pensando na droga entre os episódios de uso. Era raro cheirar mais de quatro ou cinco carreiras em qualquer ocasião. Durante os últimos dois anos, o uso cresceu até o nível atual, coincidente com diversas mudanças significativas em sua vida. Seu restaurante atingiu sucesso financeiro, ele comprou uma casa, teve acesso a grandes quantias de dinheiro e as pressões crescentes do negócio justificaram seu direito ao alívio e aos prazeres oferecidos pela cocaína. Ele nega qualquer história de problemas com álcool ou abuso de substâncias. A única outra droga que já usou foi a maconha, que fumava de vez em quando na faculdade, mas nunca gostou de fato. Também não refere qual-
466
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
quer problema emocional e, com exceção da orientação conjugal, diz que nunca precisou da ajuda de profissional de saúde mental. Durante a entrevista, Al comentou várias vezes que, embora pense que seu uso de cocaína “possa ser um problema”, não se considera “viciado” e ainda não tem certeza se realmente precisa de tratamento. Como apoio para essa visão, lista as seguintes evidências: (1) seu uso atual de cocaína não está causando problema financeiro ou afetando seu padrão de vida, (2) ele não está experimentando problema de saúde significativo relacionado à droga, com a possível exceção da sensação letárgica no dia seguinte após uso pesado, (3) em muitas ocasiões, conseguiu parar de usar cocaína por vários dias de cada vez, (4) quando pára de usar a droga, não experimenta síndrome de abstinência e desejos contínuos por consumi-la. No entanto, admite o seguinte: (1) com freqüência usa mais cocaína do que pretendia, (2) o consumo está atrapalhando seu funcionamento no trabalho, por causa dos efeitos negativos em memória, atenção e atitude para com empregados e clientes, (3) mesmo quando não está ativamente intoxicado com cocaína, os efeitos da droga fazem com que ele fique irritado, mau-humorado e argumentativo com a esposa e os filhos, levando a inúmeros problemas familiares, incluindo possível rompimento matrimonial, (4) embora pareça capaz de parar de usar cocaína por alguns dias de cada vez, sempre volta a ela, (5) logo que ele recomeça a usar cocaína, o desejo e a preocupação com a droga ficam imediatamente tão intensos quanto antes de parar de consumir. Ao final da entrevista, Al concordou que, embora tenha vindo para a avaliação principalmente por pressão de sua esposa, consegue enxergar os benefícios potenciais de tentar parar de usar cocaína de forma mais permanente. Com expressão entristecida, explica que se sente mal e assustado com os problemas envolvendo a esposa e os filhos. Ele diz que apesar das dificuldades conjugais já existirem antes de começar a cheirar cocaína, o uso contínuo da droga as fez piorar, e ele agora teme que a esposa o deixe. Ele também se sente extremamente culpado por não ser um “bom pai”, pois passa pouco tempo com os filhos e está sempre distraído e irritado com eles, por causa da cocaína. DISCUSSÃO Al, como muitas pessoas com problema sério com drogas, não gosta de pensar em si mesmo como um “viciado”. Entretanto, seu uso de cocaína ilustra o conceito fundamental de dependência de substância psicoativa: um grupo de sintomas cognitivos, comportamentais e fisiológicos que indicam que a pessoa tem pouco controle sobre a substância psicoativa, apesar das conseqüências adversas. Al não consegue não cheirar a primeira carreira de cocaína pela manhã; ele a usa mais do que planeja fazer; sempre retorna à droga após parar por alguns dias; experimenta sintomas de abstinência (letargia); e tem poucas atividades sociais importantes com sua família por causa das mudanças de
humor que o uso de cocaína causa. Portanto, o diagnóstico é de “dependência de cocaína, com dependência fisiológica”. ACOMPANHAMENTO Al entrou para o programa de tratamento ambulatorial, o qual incluía orientação individual, em grupo e conjugal combinada com exames de urina supervisionados e participação em um grupo de auto-ajuda (Cocaine Anonymous). Inicialmente, teve dificuldade para reconhecer e aceitar por completo a seriedade do seu problema com dependência da droga. Ele tinha fantasias de retornar ao uso “controlado” de cocaína e desconfiava da exigência de abstinência total de qualquer substância que altere o humor, argumentando que, como nunca havia experimentado problemas com o álcool, não via razão para rejeitar um drinque ocasional com o jantar ou em reuniões sociais. Durante os três primeiros meses de tratamento, teve dois “deslizes”, voltando a usar cocaína, um dos quais foi precipitado por uma taça de vinho, que levou ao desejo intenso pela substância. Em seguida, Al permaneceu completamente abstinente pela duração do programa (12 meses) e se tornou cada vez mais comprometido em manter um estilo de vida livre de drogas. Seu relacionamento com a esposa e os filhos melhorou de forma considerável. As brigas violentas pararam imediatamente com a cessação do uso de cocaína, e ficou muito mais fácil passar mais tempo com os filhos, sem a influência negativa da cocaína sobre o seu humor e seu estado mental. Três anos depois, Al ainda estava abstinente. Ele não se encontrava mais em tratamento, e continuava a freqüentar as reuniões do Cocaine Anonymous pelo menos 2 a 3 vezes por semana. Se fosse diagnosticada agora, a “dependência de cocaína” seria especificada como “em remissão completa mantida”, devido à ausência de sinais ou sintomas de dependência de cocaína por mais de 12 meses. (De DSM-IV Casebook.)
Intoxicação O DSM-IV-TR especifica os critérios diagnósticos para intoxicação com cocaína (Tab. 12.6-3), que enfatizam os sinais e sintomas comportamentais e físicos do uso da substância. Os critérios diagnósticos do manual permitem a especificação da presença de perturbações da percepção. Se houver alucinações na ausência de teste da realidade intacto, o diagnóstico adequado é “transtorno psicótico induzido por cocaína, com alucinações”. As pessoas usam a cocaína por causa de seus efeitos característicos de alegria, euforia, maior auto-estima e percepção de melhora em tarefas mentais e físicas. Alguns estudos indicaram que doses baixas podem estar associadas a desempenho melhor em algumas atividades cognitivas. Porém, com doses elevadas, os sintomas de intoxicação incluem agitação, irritabilidade, julgamento prejudicado, comportamento sexual impulsivo e perigoso, agressividade, aumento generalizado em atividade psicomotora e, potencial-
TRANSTORNOS RELACIONADOS A
mente, sintomas de mania. Os principais sintomas físicos associados são taquicardia, hipertensão e midríase. Abstinência Após cessação do uso de cocaína ou após intoxicação aguda, depressão pós-intoxicação (crash) pode estar associada a sintomas de disforia, anedonia, ansiedade, irritabilidade, fadiga, hipersonolência e, às vezes, agitação. Com uso leve ou moderado, esses sintomas desaparecem dentro de 18 horas. Com uso pesado, como na dependência de cocaína, os sintomas podem durar até uma semana, mas em geral atingem seu pico em 2 a 4 dias. Alguns pacientes em relatos informais foram descritos com síndromes de abstinência que duraram semanas ou meses. Os sintomas também podem estar associados à ideação suicida. Uma pessoa no estado de abstinência pode experimentar desejo intenso por cocaína, especialmente porque ela elimina os desagradáveis sintomas da abstinência. Indivíduos que experimentam abstinência de cocaína, muitas vezes, tentam se automedicar com álcool, sedativos, hipnóticos ou agentes ansiolíticos, como o diazepam (Valium). Os critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para abstinência de cocaína são listados na Tabela 12.6-4.
Delirium por intoxicação com cocaína O DSM-IV-TR especificou o diagnóstico para delirium por intoxicação com cocaína (ver Tab. 10.2-3). Esta condição é mais comum quando se usam doses elevadas de cocaína, quando ela é usada por período curto, de modo que suas concentrações no sangue aumentem rapidamente, ou quando é misturada com outras substâncias psicoativas (p. ex., anfetamina, opiáceos, opióides e álcool). Pessoas com lesões cerebrais preexistentes (resultantes de episódios anteriores de intoxicação) também apresentam risco maior de delirium por intoxicação com cocaína. Transtorno psicótico induzido por cocaína Delírios paranóides e alucinações podem ocorrer em até 50% de todas as pessoas que usam cocaína. A ocorrência desses sintomas psicóticos depende da dose, da duração do uso e da sensibilidade à substância. Os transtornos psicóticos induzidos por cocaína são mais comuns entre usuários intravenosos e de crack. Os homens são muito mais prováveis de ter sintomas psicóticos do que as mulheres. Os delírios paranóides são os efeitos psicóticos mais freqüentes. As alucinações auditivas também são comuns; as visuais e táteis podem ser menos recorrentes do que os delírios paranóides. A sensação de ter insetos caminhando sob a pele (formigamento) é associada ao uso de cocaína. Os transtornos psicóticos podem desenvolver comportamento sexual inadequado e geralmente bizarro ou homicida ou outros atos violentos relacionados ao conteúdo dos delírios paranóides ou das alucinações. Os critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtornos psicóticos induzidos por cocaína são listados na Tabela 14.4-7. Os clínicos também podem especificar se os delírios ou as alucinações são os sintomas predominantes.
SUBSTÂNCIAS
467
Transtorno do humor induzido por cocaína O DSM-IV-TR permite o diagnóstico de transtorno do humor induzido por cocaína (ver Tab. 15.3-10), que pode começar durante a intoxicação ou a abstinência. Do ponto de vista clássico, os sintomas do transtorno do humor associado à intoxicação são hipomaníacos ou maníacos, e aqueles relacionados à abstinência são característicos da depressão. Transtorno de ansiedade induzido por cocaína O DSM-IV-TR também permite o diagnóstico de transtorno de ansiedade induzido por cocaína (ver Tab. 16.7-3). Os sintomas comuns são os mesmos do transtorno obsessivo-compulsivo, do de pânico e das fobias. Disfunção sexual induzida por cocaína O diagnóstico de disfunção sexual induzida por cocaína (ver Tab. 21.2-17) pode começar quando a pessoa está intoxicada. Embora a cocaína seja usada como afrodisíaco e como uma maneira de prolongar o orgasmo, seu consumo repetido pode resultar em impotência. Transtorno do sono induzido por cocaína O transtorno do sono induzido por cocaína, que pode começar durante a intoxicação ou a abstinência, é descrito nos transtornos do sono induzidos por substâncias (ver Tab. 24.2-21). A intoxicação está associada à incapacidade de dormir, e a abstinência está relacionada a perturbações do sono ou à hipersonolência. Transtorno relacionado à cocaína sem outra especificação O DSM-IV-TR proporciona o diagnóstico de transtorno relacionado à cocaína sem outra especificação para psicopatologias relacionadas à cocaína que não possam ser classificadas em um dos diagnósticos discutidos anteriormente (Tab. 12.6-5).
TABELA 12.6-5 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtornos relacionados à cocaína sem outra especificação A categoria transtorno relacionado à cocaína sem outra especificação aplica-se a transtornos associados ao uso de cocaína que não possam ser classificados como dependência de cocaína, abuso de cocaína, intoxicação com cocaína, abstinência de cocaína, delirium por intoxicação com cocaína, transtorno psicótico induzido por cocaína, transtorno do humor induzido por cocaína, transtorno de ansiedade induzido por cocaína, disfunção sexual induzida por cocaína ou transtorno do sono induzido por cocaína. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
468
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Efeitos adversos O efeito adverso comum associado ao uso de cocaína é a congestão nasal, podendo também ocorrer inflamação séria, inchaço, sangramento e ulceração da mucosa nasal. O uso de cocaína a longo prazo também pode levar à perfuração do septo nasal. Fumar crack e cocaína prejudica as vias brônquicas e os pulmões. O uso intravenoso pode resultar em infecção, embolias e transmissão do vírus da imunodeficiência humana (HIV). Complicações neurológicas menores verificadas com o uso de cocaína incluem o desenvolvimento de distonia aguda, tiques e enxaquecas. Porém, as complicações mais significativas são cerebrovasculares, epiléticas e cardíacas. Cerca de dois terços desses efeitos tóxicos agudos ocorrem dentro de uma hora da intoxicação, um quinto, de 1 a 3 horas e o restante, até alguns dias depois. Efeitos cerebrovasculares. As doenças cerebrovasculares mais comuns associadas ao uso de cocaína são os infartos cerebrais nãohemorrágicos. Quando ocorrem infartos hemorrágicos, podem incluir hemorragias subaracnóides, intraparenquimais e intraventriculares. As crises isquêmicas transitórias também foram associadas a esse uso. Embora tais distúrbios vasculares geralmente afetem o cérebro, também foram relatadas hemorragias na medula espinal. O mecanismo fisiopatológico evidente para essas disfunções vasculares é a vasoconstrição, mas também foram propostos outros mecanismos. Convulsões. As convulsões explicam de 3 a 8% das internações em emergências relacionadas à cocaína. Esta é a substância de abuso mais associada a convulsões, seguida pelas anfetaminas. As convulsões induzidas por cocaína costumam ser eventos únicos, embora convulsões múltiplas e estados epiléticos também sejam possíveis. A complicação rara e facilmente mal diagnosticada do uso de cocaína é o estado epilético complexo parcial, que deve ser considerado como diagnóstico em paciente que pareça ter transtorno psicótico induzido por cocaína com curso osciante inusitado. O risco de desenvolver convulsões induzidas por cocaína é maior em indivíduos com história de epilepsia que usem doses elevadas de cocaína e de crack. Efeitos cardíacos. O infarto do miocárdio e a arritmia talvez sejam as anormalidades cardíacas mais comuns induzidas pela cocaína. Cardiomiopatias podem se desenvolver com o uso a longo prazo, e o AVC cardioembólico pode ser outra complicação da disfunção do miocárdio induzida pela droga. Morte. Doses elevadas de cocaína estão associadas a convulsões, depressão respiratória, doenças cerebrovasculares e infarto do miocárdio – que levam à morte. Os usuários podem experimentar sinais de aviso de síncope ou dores torácicas, mas podem ignorar esses indicadores em função do desejo irreprimível de inalar mais cocaína. Também foram relatadas mortes com a ingestão de “speedballs”, combinações de opióides e cocaína. TRATAMENTO E REABILITAÇÃO A maioria dos usuários de cocaína não procura tratamento de forma voluntária. Sua experiência com a substância é bastante
positiva, e os efeitos negativos são percebidos como mínimos para justificar o tratamento. Aqueles que não procuram ajuda, muitas vezes, têm transtornos relacionados a múltiplas substâncias, menos conseqüências negativas associadas ao uso de cocaína, menos obrigações relacionadas à família e ao trabalho e maior contato com o sistema legal e atividades ilegais. O principal obstáculo a superar no tratamento de transtornos relacionados à cocaína é o desejo intenso pela droga. Ainda que pesquisas com animais tenham mostrado que a cocaína é um poderoso indutor de auto-administração, estudos também indicam que os animais limitam seu uso de cocaína quando reforços negativos são ligados ao consumo. Em humanos, os reforços negativos podem assumir a forma de dificuldades no trabalho e na família. Portanto, os clínicos devem adotar uma abordagem terapêutica ampla e incluir estratégias sociais, psicológicas e talvez biológicas no programa de tratamento. A abstinência pode exigir hospitalização completa ou parcial, a fim de remover os pacientes dos cenários sociais em que costumavam obter ou usar cocaína. Exames de urina freqüentes e aleatórios quase sempre são necessários para monitorar a abstinência, em especial nas primeiras semanas e meses de tratamento. A terapia de prevenção de recaídas baseia-se em técnicas cognitivas e comportamentais, além de hospitalização e terapia externa para alcançar o objetivo da abstinência. A intervenção psicológica, em geral, envolve modalidades individuais, de grupo e familiares. Na abordagem individual, os terapeutas devem se concentrar na dinâmica que leva ao uso de cocaína, nos efeitos positivos percebidos e em outras maneiras de obter esses efeitos. A terapia de grupo e os grupos de apoio, como os Narcóticos Anônimos, muitas vezes se concentram em discussões com outras pessoas que usam a substância e em compartilhar experiências e métodos efetivos de enfrentamento. A terapia familiar é um componente essencial da estratégia de tratamento. Questões comuns discutidas na terapia familiar são a maneira como o comportamento do paciente prejudicou a família e as respostas desta a tal comportamento. Contudo, a terapia deve se concentrar no futuro e nas mudanças nas atividades da família que possam ajudar o paciente a se afastar da droga e direcionar as energias para outras fontes. Essa abordagem pode ser usada com pacientes externos. Auxiliares farmacológicos No momento, nenhum tratamento farmacológico produz reduções no uso de cocaína comparáveis às diminuições no uso de opióides observadas quando usuários de heroína se tratam com metadona, acetato de levometadil (ORLAAM) (normalmente chamado L-α-acetilmetadol [LAAM]) ou buprenorfina (Buprenex). Entretanto, uma variedade de agentes farmacológicos, cuja maioria foi aprovada para outros usos, foi e está sendo testada clinicamente para o tratamento de dependência e recaída de cocaína. Usuários de cocaína que supostamente tinham transtorno de déficit de atenção/hiperatividade ou do humor foram tratados com metilfenidato (Ritalina) e lítio (Eskalith). Esses medicamentos são de pouco ou nenhum benefício para pacientes sem os transtornos, e os clínicos devem aderir aos critérios diagnósticos máximos antes de
TRANSTORNOS RELACIONADOS A
SUBSTÂNCIAS
469
usar qualquer um deles no tratamento de dependência de cocaína. Em indivíduos com transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, as formas de liberação lenta do metilfenidato podem ser menos prováveis de desencadear desejo por cocaína, mas o impacto dessa farmacoterapia ainda deve ser demonstrado.
parece hidrolisar a cocaína de maneira seletiva e costuma ser encontrada no corpo.
Muitos agentes farmacológicos foram avaliados com a premissa de que o uso crônico de cocaína altera o funcionamento de múltiplos sistemas de neurotransmissores, em especial os transmissores dopaminérgicos e serotonérgicos que regulam o tônus hedônico, e de que a substância induz estado de relativa deficiência de dopamina. Embora as evidências dessas alterações estejam crescendo, é difícil demonstrar que agentes teoricamente capazes de modificar o funcionamento da dopamina podem alterar o curso do tratamento, mesmo quando estudos com modelos animais e de rótulo nãocegos sugerem essa possibilidade. Em testes controlados e bem-projetados que obtiveram evidências objetivas do uso de substâncias, os seguintes agentes estão entre aqueles que não reduziram o consumo: precursores de neurotransmissores (p. ex., dopa, tirosina); agonistas dopaminérgicos (p. ex., bromocriptina [Parlodel]; lisurida [Dopergin]; pergolida [Permax]); e medicamentos antiparkinsonianos que também podem afetar o sistema dopaminérgico (amantadina [Symmetrel]). Também foram experimentados fármacos antidepressivos tricíclicos como a desipramina (Norpramin) e a imipramina (Tofranil). Embora alguns estudos duplo-cegos que se basearam em auto-avaliações de usuários das drogas tenham produzido alguns resultados positivos, outros não as consideraram significativamente benéficas para induzir abstinência ou prevenir recaídas. Contudo, se usadas no começo do tratamento, representam benefícios transitórios para pacientes que não estejam dependentes em nível tão grave. Outros antidepressivos também foram testados em estudos controlados, mas também não foram confirmados como efetivos, como a bupropiona (Wellbutrin), os inibidores da monoaminoxidase (IMAO) (selegilina [Eldepryl]), os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs; p. ex., fluoxetina [Prozac]), o mazindol (Sanorex), a pemolina (Cylert), os antipsicóticos (p. ex., flupentixol [Depixol]); o lítio, vários inibidores dos canais de cálcio, os anticonvulsivantes (p. ex., carbamazepina [Tegretol] e ácido valpróico [Depakene]. Um estudo que verificou que 300 mg por dia de fenitoína (Dilantin) reduziram o uso de cocaína deve ser replicado. Estão em desenvolvimento diversos agentes que ainda não foram testados por estudos com humanos, incluindo fármacos que bloqueariam ou estimulariam os subtipos de receptores de dopamina de forma seletiva (p. ex., agonistas D1 seletivos) e substâncias que podem bloquear o acesso da cocaína aos transportadores de dopamina, mas ainda permitir que estes removam a cocaína da sinapse. Outra abordagem visa a impedir que a cocaína chegue ao cérebro, usando anticorpos para se ligarem a ela na corrente sangüínea (vacina para a cocaína). Em modelos animais, esses anticorpos reduzem os efeitos de reforço da substância. Também estão em estudo os anticorpos catalíticos que aceleram a hidrólise da cocaína, e a butirilcolinesterase (pseudocolinesterase), que
A síndrome de abstinência da cocaína é diferente da de opióides, álcool e agentes sedativo-hipnóticos, pois não há perturbações fisiológicas que necessitem internação ou tratamento residencial na abstinência. Assim, é possível fazer uma experiência terapêutica de abstinência ambulatorial antes de decidir se um local mais intensivo ou controlado é necessário para pacientes que não consigam parar sem apoio para limitar seu acesso à cocaína. Muitos indivíduos que estão em abstinência experimentam fadiga, disforia, sono perturbado e desejo de consumir a droga, enquanto outros podem experienciar depressão. Nenhum agente farmacológico reduz a intensidade da abstinência de forma segura, mas a recuperação ao longo de uma ou duas semanas costuma ser tranqüila. Todavia, pode demorar um pouco mais para que o sono, o humor e o funcionamento cognitivo se recuperem de forma mais consistente.
Desintoxicação
REFERÊNCIAS Annas GJ. Testing poor pregnant patients for cocaine. N Engl J Med. 2001;344:152. Ashton CH. Pharmacology and effects of cannabis: a brief review. Br J Psychiatry. 2001;178:10. Crosby RD, Pearson VL, Eller C, Winegarden T, Graves NL. Phenytoin in the treatment of cocaine abuse: a double-blind study. Clin Pharmacol Ther. 1996;59:458. Gallanter M, Egelko S, De Leon G, Rohrs C, Franco H. Crack-cocaine abusers in the general hospital: assessment and initiation of care. Am J Psychiatry. 1992;149:810. Higgins ST, Budney AJ, Bickel WK, Hughes JR, Foerg F, Badger G. Achieving cocaine abstinence with a behavioral approach. Am J Psychiatry. 1993;150:763. Jaffe JH. Cocaine-related disorders. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:999. Self DW. Cocaine abuse takes a shot. Nature. 1995;378:666. Silverman K, Higgins ST, Brooder RK, et al. Sustained cocaine abstinence in methadone maintenance patients throughs voucher-based reinforcement therapy. Arch Gen Psychiatry. 1996;53:409. Strung J, Johns A, Can W. Cocaine in the UK—1991. Br J Psychiatry. 1993;162:1. Substance Abuse and Mental Health Services Administration Office of Applied Studies. Preliminary Estimates from the 1995 National Household Survey on Drug Abuse. Washington, DC: US Government Printing Office; 1995. Tims FM, Leukefeld CG, ed. Relapse and Recovery in Addictions. New Haven: Yale University Press; 2001:355. Withers NW, Pulvirenti L, Koob GF, Gillin JC. Cocaine abuse and dependence. J Clin Psychopharmacol. 1995;15:63.
470
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
12.7 Transtornos relacionados a alucinógenos Os alucinógenos são substâncias naturais e sintéticas também chamadas psicodélicos ou psicotomiméticos, pois, além de alucinações, produzem perda de contato com a realidade e experiência de consciência ampliada e elevada. São classificados como drogas de nível I. A Food and Drug Administration (FDA) decretou que eles não dispõem de uso médico e apresentam potencial de abuso elevado. Os mais clássicos e de ocorrência natural são a psilocibina (de alguns cogumelos) e a mescalina (do cacto peyote). Outros são a harmina, a harmalina, a ibogaína e a dimetiltriptamina (DMT). O alucinógeno sintético clássico é a dietilamida de ácido lisérgico (LSD), sintetizado em 1938 por Albert Hoffman, que ingeriu um pouco da droga acidentalmente e experimentou o primeiro episódio alucinógeno induzido por ela. Alguns pesquisadores clas-
sificam as anfetaminas substitutas ou ditas designer, como a 3,4metilenodioximetanfetamina (MDMA), como alucinógenos. Entretanto, como essas drogas são estruturalmente relacionadas a anfetaminas, este livro as classifica como substâncias assemelhadas às anfetaminas, e são tratadas na Seção 12.3. A Tabela 12.7-1 lista alguns alucinógenos representativos. EPIDEMIOLOGIA Segundo o texto revisado da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR), 10% das pessoas nos Estados Unidos já usaram algum alucinógeno pelo menos uma vez. Seu uso é mais comum entre homens brancos jovens (15 a 35 anos de idade). A proporção de brancos para negros que usaram alucinógenos é de 2 para 1, e a de brancos para hispânicos é de 1,5 para 1. Os homens representam 62% dos usuários em algum momento da vida e 75% dos que consumiram no último mês. Pessoas de 26 a 34 anos de idade apresentam o maior uso de alucinógenos, com 15,5% tendo usado
TABELA 12.7-1 Panorama de alguns alucinógenos representativos Classificação química
Agente
Local
Dielamida de de ácido lisérgico Mescalina
Distribuído glo- Indolalquilamina balmente, semi-sintético Sudoeste dos Fenetilamina Estados Unidos
MetilenodioEstados Unidos, Fenetilamina xianfetamina sintético (MDA) MetilenodioEstados Unidos, Fenetilamina ximetanfetasintético mina (MDMA) Psilocibina Sul dos Estados DMT fosforilado Unidos, hidroxilado México, América do Sul Ibogaína Centro-oeste da Indolalquilamina África Ayahuasca Trópicos sulHarmina, outras americanos β-carbolinas Dimetiltriptamina Ipoméia Noz-moscada e sua flor
Yopo/Cohoba Bufotenina
Fontes biológicas
Fungo em ceva- Oral da produz ácido lisérgico Oral Cacto peyote, L. williamsii
Cortesia de Henry David Abraham, M.D.
β-carbolinas e triptaminas 5-OH-dimetiltriptamina
Dose típica
Duração dos efeitos
Reações adversas
100 μg
6 a 12 horas
Amplas, incluindo pandemia 1965-1975 Poucas ou nenhuma verificada Documentadas Documentadas
Sintético
Oral
200 a 400 mg ou 10 a 12 horas 4 a 6 botões do cacto 80 a 160 mg 8 a 12 horas
Sintético
Oral
80 a 150 mg
Cogumelos com Oral psilocibina
Tabernanthe iboga Casca ou folhas de Banisteriopsis caapi América do Sul, Triptamina substi- Folhas de Virola sintético tuta calophylla Trópicos norteAlcalóides do Sementes de I. americanos e ácido D-lisérviolacea, T. zonas quentes gico corymbosa Zonas quentes Miristicina e éte- Fruta de M. frada Europa, res aromáticos grans, tempeÁfrica e Ásia ros comerciais Norte da América do Sul, Argentina Norte da América do Sul, Argentina
Rota comum
4 a 6 horas
4 a 6 mg ou 5 a 4 a 6 horas 10 g de cogumelos secos
Psicose
Comer pó da raiz Como chá
200 a 400 mg
8 a 48 horas
300 a 400 mg
4 a 8 horas
Excitação do SNC, morte? Nenhuma relatada
Cheirar, IV
0,2 mg/kg IV
30 minutos
Oral como infusão
7 a 13 sementes 3 horas
Oral ou cheirar
1 colher de chá, Desconhecida 5 a 15 g
Vagens de Ana- Fumada ou denanthera cheirada peregrina Glândulas cutâ- Cheirada ou neas de saIV pos; sementes de A. peregrina
Desconhecida
Desconhecida
Desconhecida
15 minutos
Nenhuma relatada Delirium tóxico Semelhante ao atropinismo, com convulsões, morte Ataxia, alucinações, convulsões? Nenhuma relatada
TRANSTORNOS RELACIONADOS A
alucinógeno pelo menos uma vez. Pessoas de 18 a 25 anos de idade têm a taxa mais alta de uso recente. Alguns fatores culturais influenciam o uso. Seu consumo no oeste dos Estados Unidos é significativamente maior do que no sul. O uso de alucinógenos está associado a menos morbidade e mortalidade do que outras substâncias. Por exemplo, um estudo verificou que apenas 1% dos atendimentos em salas de emergência estava relacionado a alucinógenos, em comparação a 40% para problemas relacionados à cocaína. Porém, das pessoas recebidas em emergências por razões relacionadas ao uso de alucinógenos, mais de 50% tinham menos de 20 anos. Foi relatado o ressurgimento de sua popularidade. Segundo o DSM-IV-TR, a taxa de abuso ao longo da vida é de 0,6%, com prevalência de 0,1% em 12 meses. NEUROFARMACOLOGIA Embora a maioria das substâncias alucinógenas varie em seus efeitos farmacológicos, o LSD pode servir como protótipo de alucinógeno. Seu efeito farmacodinâmico permanece controverso, embora concorde-se que a droga atue sobre o sistema serotonérgico, seja como antagonista ou agonista. Os dados obtidos até o momento sugerem que o LSD atue como agonista parcial nos receptores de serotonina pós-sinápticos. A maior parte dos alucinógenos é bem-absorvida após a ingestão oral, embora alguns sejam consumidos por inalação, fumados ou injetados. A tolerância para o LSD e para outros alucinógenos desenvolve-se rapidamente e está quase completa após 3 a 4 dias de uso contínuo. A tolerância também se reverte rapidamente, em geral em 4 a 7 dias. Os alucinógenos não causam dependência física ou sintomas de abstinência, mas o usuário pode desenvolver dependência psicológica de experiências que aumentem o insight, obtidas durante os episódios de uso.
SUBSTÂNCIAS
471
TABELA 12.7-2 Transtornos relacionados a alucinógenos segundo o DSM-IV-TR
Transtorno por uso de alucinógenos Dependência de alucinógenos Abuso de alucinógenos Transtornos induzidos por alucinógenos Intoxicação com alucinógenos Transtorno persistente da percepção induzido por alucinógenos (flashbacks) Delirium por intoxicação com alucinógenos Transtorno psicótico induzido por alucinógenos, com delírios Especificar se: Com início durante a intoxicação Transtorno psicótico induzido por alucinógenos, com alucinações Especificar se: Com início durante a intoxicação Transtorno do humor induzido por alucinógenos Especificar se: Com início durante a intoxicação Transtorno de ansiedade induzido por alucinógenos Especificar se: Com início durante a intoxicação Transtorno relacionado a alucinógenos sem outra especificação De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
Intoxicação A intoxicação com alucinógenos é definida no DSM-IV-TR por alterações mal-adaptativas do comportamento e da percepção e por certos sinais fisiológicos (Tab. 12.7-3). O diagnóstico diferencial para intoxicação com alucinógenos inclui intoxicação anticolinérgica e com anfetaminas e abstinência de álcool. O tratamento preferido para tal condição é conversar e acalmar o usuá-
TABELA 12.7-3 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para intoxicação com alucinógenos
DIAGNÓSTICO O DSM-IV-TR lista diversos transtornos relacionados a alucinógenos (Tab. 12.7-2), mas somente contém critérios específicos para intoxicação (Tab. 12.7-3) e para transtorno persistente da percepção induzido por alucinógenos (flashbacks) (Tab. 12.7-4). Os critérios diagnósticos para outras psicopatologias por uso de alucinógenos são encontrados nas seções específicas para cada sintoma – por exemplo, transtorno do humor induzido por alucinógeno (ver Tab. 15.3-10, Cap. 15). Dependência e abuso O uso de alucinógenos de longa duração não é comum. Conforme observado anteriormente, eles não causam dependência física. Ainda que ocorra dependência psicológica, ela é rara, por um lado porque cada experiência com LSD é diferente, por outro porque não há garantia de euforia. Entretanto, a dependência e o abuso de alucinógenos são síndromes genuínas, definidas por critérios do DSM-IV-TR (ver Tabs. 12.1-5, 12.1-6 e 12.1-7).
A. Uso recente de alucinógeno. B. Alterações comportamentais ou psicológicas mal-adaptativas e clinicamente significativas (p. ex., ansiedade ou depressão acentuada, idéias de referência, medo de perder o juízo, ideação paranóide, prejuízo da capacidade de julgamento ou do funcionamento social ou ocupacional) desenvolvidas durante ou logo após o uso de alucinógenos. C. Alterações da percepção ocorrendo em estado de plena vigília e alerta (p. ex., intensificação subjetiva de percepções, despersonalização, desrealização, ilusões, alucinações, sinestesias) que se desenvolveram durante ou logo após o uso de alucinógenos. D. No mínimo dois dos seguintes sinais, desenvolvidos durante ou logo após o uso de alucinógenos: (1) midríase (2) taquicardia (3) sudorese (4) palpitações (5) visão turva (6) tremores (7) falta de coordenação E. Os sintomas não se devem a uma condição médica geral, nem são melhor explicados por outro transtorno mental. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
472
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 12.7-4 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno persistente da percepção induzido por alucinógenos A. Experiência recorrente, após a cessação do uso de alucinógeno, de no mínimo um dos sintomas perceptivos experimentados durante a intoxicação (p. ex., alucinações geométricas, falsas percepções de movimentos nos campos visuais periféricos, lampejos coloridos, cores intensificadas, rastros de imagens de objetos em movimento, pós-imagens positivas, halos em torno dos objetos, macropsia e micropsia). B. Os sintomas no Critério A causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo do funcionamento social, ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. C. Os sintomas não se devem a uma condição médica geral (p. ex., lesões anatômicas e encefalites, epilepsias visuais), nem são melhor explicados por outro transtorno mental (p. ex., delirium, demência, esquizofrenia) ou por alucinações hipnopômpicas. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
rio. Durante esse processo, os orientadores podem tranqüilizar o paciente de que os sintomas são induzidos pela droga, de que ele não está enlouquecendo e que os sintomas passarão em seguida. Nos casos mais graves, podem ser usados antagonistas dopaminérgicos – por exemplo, haloperidol (Haldol) – ou benzodiazepínicos – por exemplo, diazepam (Valium) – por período limitado. A intoxicação em geral não apresenta síndrome de abstinência. Transtorno persistente da percepção induzido por alucinógenos Bastante tempo depois de ingerir alucinógeno, a pessoa pode experimentar flashback de sintomas alucinógenos. Essa síndrome é diagnosticada como transtorno persistente da percepção induzido por alucinógenos (Tab. 12.7-4) no DSM-IV-TR. Segundo alguns estudos, de 15 a 80% dos usuários de alucinógenos relatam ter experimentado flashbacks. O diagnóstico diferencial para essa apresentação inclui enxaquecas, convulsões, anormalidades no sistema visual e transtorno de estresse pós-traumático. Os seguintes fatores podem desencadear flashback: estresse emocional, privação sensorial, como uma viagem monótona, ou o uso de outra substância psicoativa, como álcool ou maconha. Os flashbacks são recorrências espontâneas e transitórias da experiência induzida pela substância. A maioria deles é formada por episódios de distorção visual, alucinações geométricas, alucinações de sons e vozes, percepções falsas de movimento em campos periféricos, lampejos de cor, rastros de imagens de objetos em movimento, pós-imagens positivas e halos, macropsia, micropsia, expansão do tempo, sintomas físicos ou emoções intensas revividas. Os episódios costumam durar alguns segundos ou minutos, mas, às vezes, podem ser mais longos. Com freqüência, mesmo na presença de perturbações diferentes da percepção, a pessoa tem insight da natureza patológica do transtorno. O comportamento suicida, os transtornos depressivo maior e de pânico são complicações potenciais.
Delirium por intoxicação com alucinógenos O DSM-IV-TR permite o diagnóstico de delirium por intoxicação com alucinógenos (ver Tab. 10.2-3), um transtorno relativamente raro que começa durante a intoxicação em pessoas que ingeriram alucinógenos puros. Contudo, esses agentes costumam ser misturados com outras substâncias, e estas ou suas interações com os alucinógenos podem produzir o delirium. Transtorno psicótico induzido por alucinógenos Se houver presença de sintomas psicóticos na ausência de teste da realidade intacto, pode-se justificar diagnóstico de transtorno psicótico induzido por alucinógenos (ver Tab. 14.4-7, Cap. 14). O DSM-IV-TR também permite que os clínicos especifiquem se alucinações ou delírios são os sintomas proeminentes. O efeito adverso mais comum do LSD e de substâncias assemelhadas é a “viagem ruim”, experiência que lembra a reação aguda de pânico à cannabis, mas que, às vezes, pode ser mais grave. A viagem ruim pode produzir sintomas psicóticos verdadeiros. Eles geralmente terminam quando os efeitos imediatos do alucinógeno passam, mas o curso é variável. Há casos em que é difícil distinguir o episódio psicótico prolongado do transtorno psicótico não-orgânico. Ainda não se sabe se a ocorrência de psicose crônica após o consumo de drogas é resultado da ingestão, se não está relacionada à ingestão ou se é a combinação da ingestão e de fatores de predisposição. Às vezes, o transtorno psicótico é prolongado, reação que se acredita ser comum em pessoas com transtorno da personalidade esquizóide e personalidades pré-psicóticas preexistentes, equilíbrio do ego instável ou muita ansiedade. Esses indivíduos não conseguem lidar com alterações da percepção, distorções da imagem corporal e material simbólico inconsciente estimulado pelo alucinógeno. A taxa de instabilidade mental anterior em pessoas hospitalizadas por reações ao LSD é alta. No final da década de 1960, quando era promovido como psicoterapia autoprescrita para crises emocionais, muitas reações adversas eram observadas em indivíduos gravemente perturbados. Hoje, sendo a prática menos freqüente, as reações adversas prolongadas são menos comuns. Uma estudante de fotografia de 22 anos de idade chegou ao hospital com humor alterado e raciocínio bizarro. Ela não tinha história psiquiátrica anterior. Nove dias antes da admissão, havia ingerido um ou dois cogumelos e começou a rir. Então descreveu grande euforia, que progrediu para alucinações auditivas e para a crença na sua capacidade de transmitir seus pensamentos na mídia. Dois dias depois, repetiu a ingestão e continuou a apresentar sintomas psicóticos até o dia da admissão. Quando foi examinada, ouvia vozes dizendo que ela podia ser presidente e relatava ouvir “ovelhas chorando”. Continuava rindo de maneira inadequada, oscilando a cabeça de forma bizarra e ritualística. Relatou novamente euforia, mas com sentido de desesperança intermitente em contexto de bloqueio do pensamento. Sua autodescrição era
TRANSTORNOS RELACIONADOS A
“estou com sorte”. Tomou 10 mg de haloperidol duas vezes ao dia, juntamente com 1 mg de benzotropina (Cogentin) três vezes ao dia e 300 mg de carbonato de lítio (Carbolitium) duas vezes ao dia. Com esse regime, a psicose passou após cinco dias. Transtorno do humor induzido por alucinógenos O DSM-IV-TR proporciona uma categoria diagnóstica para transtorno do humor induzido por alucinógenos (ver Tab. 15.3-10). Ao contrário do transtorno do humor induzido por cocaína ou por anfetaminas, nos quais os sintomas são previsíveis, os sintomas do transtorno do humor que acompanham o abuso de alucinógenos podem variar. Os usuários experimentam sintomas do tipo maníaco, com delírios grandiosos ou idéias e sentimentos depressivos ou sintomas mistos. Como no caso dos sintomas do transtorno psicótico induzido por alucinógenos, os sintomas do transtorno do humor induzido por alucinógenos tendem a desaparecer quando a droga é eliminada. Transtorno de ansiedade induzido por alucinógenos O transtorno de ansiedade induzido por alucinógenos (ver Tab. 16.7-3) também varia em seu padrão de sintomas, mas existem poucos dados disponíveis. De maneira informal, os médicos que tratam pacientes com transtornos relacionados a alucinógenos em salas de emergência relatam a ocorrência de transtorno de pânico com agorafobia. Um homem de 20 anos de idade tinha história de sete anos de abuso de múltiplas substâncias, incluindo o uso de LSD cerca de 400 vezes. Enquanto andava de carro com a namorada, ingeriu uma quantidade desconhecida de LSD e ficou intoxicado. Disse não ter usado outras drogas na ocasião. Dentro de alguns minutos após a ingestão, começou a experimentar alucinações visuais que se intensificaram enquanto dirigia. Quando tentou falar com a namorada, viu que ela havia se transformado em lagarta gigante. Ficou apavorado e tentou matá-la batendo com o carro, ferindo a si mesmo e à passageira. Três dias depois, quando teve alta do hospital, o pânico havia passado. Transtorno relacionado a alucinógenos sem outra especificação Quando um paciente com transtorno relacionado a alucinógenos não satisfaz os critérios diagnósticos para qualquer uma das condições relacionadas a alucinógenos, pode ser classificado na categoria de transtorno relacionado a alucinógenos sem outra especificação (Tab. 12.7-5). O DSM-IV-TR não apresenta categoria diagnóstica para abstinência de alucinógenos, mas alguns clínicos relatam, de maneira informal, síndrome com depressão e ansiedade após a cessação do uso freqüente. Essa condição se encaixa melhor no diagnóstico de transtorno relacionado a alucinógenos sem outra especificação.
SUBSTÂNCIAS
473
TABELA 12.7-5 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno relacionado a alucinógenos sem outra especificação A categoria transtorno relacionado a alucinógenos sem outra especificação aplica-se a transtornos associados ao uso de alucinógenos que não possam ser classificados como dependência de alucinógenos, abuso de alucinógenos, intoxicação com alucinógenos, transtorno persistente da percepção induzido por alucinógenos, delirium por intoxicação com alucinógenos, transtorno psicótico induzido por alucinógenos, transtorno do humor induzido por alucinógenos ou transtorno de ansiedade induzido por alucinógenos. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association. copyright 2000, com permissão.
CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS O início da ação do LSD ocorre dentro de uma hora, atinge seu pico em 2 a 4 horas e dura de 8 a 12 horas. Seus efeitos simpatomiméticos incluem tremores, taquicardia, hipertensão, hipertermia, sudorese, perturbação da visão e midríase. O uso de alucinógenos pode levar à morte, que é causada por doenças cardíacas ou cerebrovasculares relacionadas à hipertensão ou à hipertermia. Uma condição semelhante à síndrome neuroléptica maligna supostamente está associada ao uso de LSD. A morte também pode ser causada por algum ferimento físico quando a substância prejudica o julgamento sobre, por exemplo, o trânsito ou a capacidade de voar. Os efeitos psicológicos normalmente são bem-tolerados, mas quando os indivíduos não conseguem lembrar de suas experiências ou entender que elas são induzidas por uma substância, podem temer a insanidade. Com o uso de alucinógenos, as percepções se tornam inusitadamente brilhantes e intensas. Cores e texturas parecem mais ricas do que antes, os contornos são mais nítidos e a música assume profundidade emocional, enquanto odores e sabores ficam mais aguçados. A ocorrência de sinestesia é comum, e as cores podem ser ouvidas e os sons, vistos. Também há mudanças na imagem corporal e alterações da percepção de tempo e espaço. As alucinações costumam ser visuais, freqüentemente com formas e figuras geométricas, mas, às vezes, ocorrem alucinações auditivas e táteis. As emoções se tornam intensas e podem mudar de forma abrupta e freqüente. Dois sentimentos aparentemente incompatíveis podem ser experimentados ao mesmo tempo. A sugestibilidade é bastante elevada, podendo haver sensibilidade ou desapego para com terceiros. Outras características comuns são a consciência aparente dos órgãos internos, a recuperação de memórias antigas perdidas, a liberação de conteúdo inconsciente na forma simbólica e regressão, como se estivesse revivendo eventos passados, incluindo o nascimento. A reflexão introspectiva e sentimentos de insight religioso e filosófico são comuns. O sentido de individualidade é bastante modificado, às vezes a ponto de ter despersonalização, fusão com o mundo externo, separação do corpo ou dissolução total do ego no êxtase místico. Não existem evidências claras de mudanças drásticas na personalidade ou de psicose crônica produzidas pelo uso moderado de LSD a longo prazo por pessoas que não tenham predisposição para essas condições. Porém, alguns usuários pesados podem experimentar ansiedade ou depressão crônica
474
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
e se beneficiar de abordagem psicológica ou farmacológica que trate o problema subjacente. Muitas pessoas sustentam que apenas uma experiência com LSD proporcionou mais criatividade, novos insights psicológicos, alívio de sintomas neuróticos ou psicossomáticos ou mudança desejável na personalidade. Nas décadas de 1950 e 1960, os psiquiatras demonstravam grande interesse no LSD e em substâncias correlatas como modelos potenciais para psicose funcional e como possíveis agentes farmacoterapêuticos. A disponibilidade desses compostos aos pesquisadores nas neurociências básicas levou a muitos avanços científicos. TRATAMENTO Intoxicação Historicamente, as pessoas têm sido tratadas para intoxicação com alucinógenos com apoio psicológico durante a “viagem”, mediante tranqüilização e conversa. Esse é um empreendimento demorado e potencialmente perigoso, devido à instabilidade do paciente com delírios relacionados ao uso de alucinógenos. Dessa forma, o tratamento para intoxicação é a administração oral de 20 mg de diazepam. Esse medicamento interrompe a experiência do LSD e qualquer pânico associado a ela dentro de 20 minutos e deve ser considerado superior a “conversar” com o paciente por horas ou à administração de agentes antipsicóticos. A venda de doses mais baixas de LSD e a visão mais sofisticada com relação à morte dos usuários reduziram o surgimento desse transtorno psiquiátrico, que já foi comum em instalações de tratamento psiquiátrico. Transtorno persistente da percepção induzido por alucinógenos O tratamento do transtorno persistente da percepção induzido por alucinógenos é paliativo. O primeiro passo no processo é a identificação correta da condição, e é comum o paciente consultar diversos especialistas antes que o diagnóstico seja feito. As abordagens farmacológicas incluem benzodiazepínicos de ação prolongada como o clonazepam (Rivotril) e, em grau menor, anticonvulsivantes como o ácido valpróico (Depakene) e a carbamazepina (Tegretol). No momento, nenhum medicamento é completamente efetivo para remover os sintomas. Os agentes antipsicóticos apenas devem ser usados no tratamento de psicoses induzidas por alucinógenos, pois podem ter efeito paradoxal e exacerbar os sintomas. Uma segunda dimensão do tratamento é a comportamental. O paciente deve ser instruído a abster-se de estimulação gratuita na forma de fármacos vendidos sem prescrição médica, cafeína, álcool e estressores físicos e emocionais que possam ser evitados. A maconha é um intensificador particularmente forte do transtorno, mesmo quando consumida de forma passiva. Por fim, três condições comórbidas estão associadas ao transtorno persistente da percepção induzido por alucinógenos – o transtorno de pânico, a depressão maior e a dependência do álcool. Todas essas condições exigem prevenção primária e intervenção imediata.
Psicose induzida por alucinógenos O tratamento da psicose induzida por alucinógenos não é diferente da intervenção convencional para outras psicoses. Entretanto, além dos medicamentos antipsicóticos, diversos agentes são efetivos, incluindo o carbonato de lítio, a carbamazepina e a eletroconvulsoterapia. Os antidepressivos, os benzodiazepínicos e os agentes anticonvulsivantes também podem apresentar utilidade terapêutica. Uma característica desse transtorno é que, ao contrário da esquizofrenia, na qual sintomas negativos e dificuldades interpessoais podem ser encontrados com recorrência, os pacientes com psicose induzida por alucinógenos manifestam os sintomas positivos de alucinações e delírios, enquanto mantêm a capacidade de se relacionar com o psiquiatra. As intervenções médicas são melhor aplicadas no contexto de terapias de apoio, educacionais e familiares. Os objetivos do tratamento são controle dos sintomas, uso mínimo de hospitais, trabalho diário, desenvolvimento e preservação de relacionamentos sociais e manejo de doenças co-mórbidas, como dependência do álcool. REFERÊNCIAS Abraham HD. Hallucinogen-related disorders. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:1015. Behan WM, Bakheit AM, Behan PO, More IA. The muscle findings in the neuroleptic malignant syndrome associated with lysergic acid diethylamide. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 1991;54:741. Cousineau D, Savard M, Allard D. Illicit drug use among adolescent students. A peer phenomenon? Can Fam Psysician Med Fam Can. 1993;39:523. Dinges MM, Oetting ER. Similarity in drug use patterns between adolescents and their friends. Adolescence. 1993;28:253. Glennon RA. Do classical hallucinogens act as 5-HT2 agonists or antagonists? Neuropsychopharmacology. 1990;3:509. Johnston LD, O’Malley PM, Bachman JG. Drug Abuse among American High School Seniors, College Students, and Young Adults, 1975–1990. Washington, DC: Department of Health and Human Services; 1991. Kulig K. LSD. Emerg Med Clin North Am. 1990;8:551. Lerner AG, Skladman I, Kodesh A, Sigal M, Shufman E. LSD-induced hallucinogen persisting perception disorder treated with clonazepam: two case reports. Isr J Psychiatry Relat Sci. 2001;38:133. National Institute on Drug Abuse. National Household Survey on Drug Abuse: Highlights, 1991. Washington, DC: US Government Priting Office, 1991. Pierce PA, Peroutka SJ. Antagonist properties of d-LSD at 5-hydroxytryptamine 2 receptors. Neuropsychopharmacology. 1990;3:503. Popik P, Layer RT, Skolnick P. 100 years of ibogaine: neurochemical and pharmacological actions of a putative anti-addictive drug. Pharmacol Rev. 1995;47:235. Schwartz RH. LSD: its rise, fall, and renewed popularity among high school students. Pediatr Clin North Am. 1995;42:403. Spoerke DG, Hall AH. Plants and mushrooms of abuse. Emerg Med Clin North Am. 1990;8:579. Stephens RS. Cannabis and hallucinogens. In: McCrady BS, Epstein EE, eds. Addictions: A Comprehensive Guidebook. New York: Oxford University Press; 1999:121. Substance Abuse and Mental Health Services Administration Office of Applied Studies. Preliminary Estimates from the 1995 National Household Survey on Drug Abuse. Washington, DC: US Government Printing Office; 1995. Ulrich RF, Patten BM. The rise, decline, and fall of LSD. Perspect Biol Med. 1991;34:561.
TRANSTORNOS RELACIONADOS A
12.8 Transtornos relacionados a inalantes A categoria de transtornos relacionados a inalantes inclui as síndromes psiquiátricas que resultam do uso de solventes, colas, adesivos, propelente de aerossóis, thinner e combustíveis. Entre os exemplos específicos dessas substâncias estão a gasolina, o removedor de verniz, o fluido de isqueiro, a cola de modelagem, o cimento de borracha, produtos de limpeza, tinta spray, condicionador para sapatos e corretor líquido. Foi observado o ressurgimento da popularidade dos inalantes entre os jovens. Os compostos ativos destes incluem o tolueno, a acetona, o benzeno, o tricloroetano, o percloroetileno, o tricloroetileno, o 1,2-dicloropropano e os hidrocarbonetos halogenados. O texto revisado da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR) exclui especificamente os gases anestésicos (p. ex., óxido nitroso e éter) e os vasodilatadores de ação rápida (p. ex., amil nitrito) dos transtornos relacionados a inalantes, sendo classificados como transtornos relacionados a outras substâncias (ou a substâncias desconhecidas), discutidos na Seção 12.14.
SUBSTÂNCIAS
475
volver tolerância a eles, embora os sintomas da abstinência, as quais são bastante leves, não sejam considerados transtorno pelo DSM-IV-TR. Esses agentes são absorvidos rapidamente pelos pulmões e levados ao cérebro. Os efeitos aparecem em cinco minutos e podem durar de 30 minutos a algumas horas, dependendo da substância inalada e da dose. Por exemplo, 15 a 20 inaladas de uma solução de gasolina a 1% podem resultar em viagem de algumas horas. As concentrações de muitos inalantes no sangue aumentam quando usadas em combinação com o álcool, talvez por causa da competição com enzimas hepáticas. Ainda que cerca de um quinto da substância inalante seja excretado sem sofrer modificação, o restante é metabolizado pelo fígado. Os inalantes podem ser detectados no sangue por 4 a 10 horas após o uso e, na sala de emergência, quando houver suspeita de uso de inalante, deve-se fazer exame de sangue. Assim como o álcool, os inalantes têm efeitos farmacodinâmicos específicos que não são muito compreendidos. Como esses efeitos tendem a ser semelhantes e aditivos aos de outros depressores do SNC (p. ex., álcool, barbitúricos e benzodiazepínicos), alguns investigadores sugerem que eles operam acelerando o sistema do ácido γ-aminobutírico (GABA). Outros referem que os inalantes funcionam pela fluidização das membranas, que também se acredita ser efeito farmacodinâmico do álcool.
EPIDEMIOLOGIA DIAGNÓSTICO As substâncias inalantes, encontradas com facilidade, são legais e baratas. Fato que contribui para o uso elevado entre pessoas pobres e jovens. Segundo o DSM-IV-TR, cerca de 6% da população norte-americana usam inalantes pelo menos uma vez, e 1% consome atualmente. Entre os adultos jovens de 18 a 25 anos, 11% já usaram pelo menos uma vez, e 2% consomem atualmente. Entre os adolescentes de 12 a 17 anos, 7% usaram pelo menos uma vez, e 2% consomem atualmente. Em um estudo de formandos do ensino médio, 18% relataram ter usado inalantes pelo menos uma vez e 2,7% relataram ter consumido inalantes no último mês. Usuários brancos são mais comuns do que negros ou hispânicos. Os homens constituem a maioria dos usuários (até 80%). Alguns dados sugerem que o uso de inalantes pode ser mais comum em comunidades urbanas do que nas rurais nos Estados Unidos. O uso de inalantes representa 1% de todas as mortes relacionadas a substâncias e menos de 0,5% de todos os atendimentos em emergências relacionados ao uso de substâncias. Cerca de 20% desses atendimentos envolvem pessoas com menos de 18 anos de idade. O uso entre os adolescentes pode ser mais comum entre aqueles cujos pais ou irmãos mais velhos usam substâncias ilegais. Seu consumo nessa população também está associado à maior probabilidade de transtorno da conduta ou da personalidade anti-social. NEUROFARMACOLOGIA As pessoas costumam usar inalantes por meio de tubo, lata, saco plástico ou pano embebido, com os quais podem aspirar pelo nariz ou pela boca. Os inalantes, em geral, agem como depressores do sistema nervoso central (SNC). Pode-se desen-
O DSM-IV-TR lista diversos transtornos relacionados a inalantes (Tab. 12.8-1), mas apenas contém critérios específicos para a intoxicação com inalantes (Tab. 12.8-2) dentro da seção sobre transtornos relacionados a inalantes. Os critérios diagnósticos para outras condições associadas são especificados nas seções que abordam os principais sintomas – por exemplo, transtornos psicóticos induzidos por inalantes (ver Tab. 14.4-7, Cap. 14). TABELA 12.8-1 Transtornos relacionados a inalantes segundo o DSM-IV-TR
Transtornos por uso de inalantes Dependência de inalantes Abuso de inalantes Transtornos induzidos por inalantes Intoxicação com inalantes Delirium por intoxicação com inalantes Demência persistente induzida por inalantes Transtorno psicótico induzido por inalantes, com delírios Especificar se: Com início durante a intoxicação Transtorno psicótico induzido por inalantes, com alucinações Especificar se: Com início durante a intoxicação Transtorno do humor induzido por inalantes Especificar se: Com início durante a intoxicação Transtorno de ansiedade induzido por inalantes Especificar se: Com início durante a intoxicação Transtorno relacionado a inalantes sem outra especificação De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
476
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 12.8-2 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para intoxicação com inalantes A. Uso recente intencional ou exposição breve a doses elevadas de inalantes voláteis (excluindo gases anestésicos ou vasodilatadores de curta ação). B. Alterações comportamentais ou psicológicas mal-adaptativas e clinicamente significativas (p. ex., beligerância, agressividade, apatia, prejuízo do julgamento, do funcionamento social ou ocupacional) desenvolvidas durante ou logo após o uso ou a exposição a inalantes voláteis. C. No mínimo dois dos seguintes sinais, desenvolvidos durante ou logo após o uso ou a exposição a inalantes: (1) tontura (2) nistagmo (3) falta de coordenação (4) fala arrastada (5) marcha instável (6) letargia (7) reflexos deprimidos (8) retardo psicomotor (9) tremor (10) fraqueza muscular generalizada (11) visão turva ou diplopia (12) estupor ou coma (13) euforia D. Os sintomas não se devem a uma condição médica geral, nem são melhor explicados por outro transtorno mental. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
Dependência e abuso A maioria das pessoas usa inalantes por período curto, sem desenvolver padrão de uso de longa duração que resulte em dependência e abuso. Porém, a dependência e o abuso de inalantes podem ocorrer e são diagnosticados segundo os critérios padronizados do DSM-IV-TR para essas síndromes (ver Tabs. 12.1-5, 12.16 e 12.1-7, Cap. 12). Intoxicação Os critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para intoxicação com inalantes (Tab. 12.8-2) especificam a presença de alterações comportamentais mal-adaptativas e pelo menos dois sintomas físicos. O estado de intoxicação costuma manifestar-se por apatia, funcionamentos social e ocupacional prejudicado, julgamento prejudicado e comportamento impulsivo e agressivo, e pode ser acompanhado por náusea, anorexia, nistagmo, reflexos deprimidos e diplopia. Com doses elevadas e exposições prolongadas, o estado neurológico do usuário pode progredir para estupor e perda da consciência, deixando-o amnéstico durante a intoxicação. Os clínicos podem identificar um usuário recente de inalantes por erupções ao redor do nariz e da boca, odores inusitados na respiração, resíduos das substâncias no rosto, nas mãos ou nas roupas e irritação de olhos, garganta, pulmões e nariz. Uma clínica enviou uma jovem hispânica de 16 anos para um programa de tratamento de substâncias de uma universidade para avaliação e recomendações com relação a proble-
mas com uso de inalantes. A paciente havia sido enviada para a clínica por roubo de carro, ameaças com arma e por estar fora do controle de sua família. Aos 15 anos, começara a usar inalantes e a beber com regularidade. Havia experimentado corretor líquido, clorofina, limpador de azulejos, laquê, esmalte, cola e gasolina, mas preferia tinta spray. Cheirou tinta muitas vezes por dia durante seis meses quando tinha 15 anos, usando até oito latas por dia. A paciente disse: “Tudo apaga”. Às vezes, perdia a consciência e acreditava que a tinta causava problemas à sua memória e a deixava “burra”. Ela relatou ter sofrido abuso sexual de um parente mais velho a partir dos três anos, o que continuou por muitos anos depois. Na quinta série, começou a apresentar problemas de conduta, incluindo brigas, cábula, fugas diversas e envolvimento com gangues, chegando a trazer armas para a escola. Sua família relatou a ocorrência de reuniões de gangues em sua casa. A paciente disse ter agredido uma pessoa com uma chave de fenda, esfaqueado outra e deixado uma terceira inconsciente com um porrete. Revelou que a violência era maior quando estava intoxicada e listou seus pontos fortes e habilidades, como desenhar, cozinhar, manter-se limpa, lutar e fazer boas tatuagens. Em testes formais, seu raciocínio pareceu lento, e teve dificuldade para entender as questões. Seus escores de quociente de inteligência (QI) foram: Verbal, 72; Desempenho, 87; e Escala geral, 77. Satisfez os critérios diagnósticos para dependência de inalante, abuso de álcool e transtorno da conduta. O programa de avaliação recomendou: (1) tratamento individual e em grupo para substâncias, enfatizando os efeitos adversos cognitivos e físicos; (2) monitoramento da urina; (3) análise neurológica e neuropsicológica; (4) avaliação e tratamento familiar com relação à raiva da paciente pelo abuso sexual e sua rebeldia; (5) atenção específica ao tratamento de raiva e agressividade; (6) psicoeducação com relação à contracepção e proteção de doenças sexualmente transmissíveis; e (7) apoio ativo para a escola, considerandose sua colocação em educação especial. A paciente retornou à clínica por alguns meses, e não se sabe se as recomendações foram implementadas. Depois voltou à casa dos pais em uma comunidade distante. Um ano após a avaliação, ela e duas amigas morreram quando bateram em uma árvore ao correr de carro. O policial que investigou o caso disse: “parece que todas haviam cheirado tinta”. (Cortesia de Thomas J. Crowley, M.D.)
Delirium por intoxicação com inalantes O DSM-IV-TR proporciona categoria diagnóstica para o delirium por intoxicação com inalantes (ver Tab. 10.2-3). A condição pode ser induzida pelos efeitos dos próprios inalantes, por interações farmacodinâmicas com outras substâncias e pela hipoxia associada ao inalante ou a seu método de inalação. Se o delirium resultar em perturbações comportamentais graves, pode ser necessário tratamento de curto prazo com antagonista de recep-
TRANSTORNOS RELACIONADOS A
tores de dopamina, como o haloperidol (Haldol). Recomenda-se evitar benzodiazepínicos por causa da possibilidade de aumentar a depressão respiratória. Demência persistente induzida por inalantes A demência persistente induzida por inalantes (ver Tab. 10.3-6), como o delirium, pode se dever aos efeitos neurotóxicos dos próprios inalantes, aos efeitos neurotóxicos dos metais (p. ex., chumbo) que costumam ser usados nos inalantes ou aos efeitos de períodos freqüentes e prolongados de hipoxia. A demência causada provavelmente seja irreversível, exceto nos casos mais leves. Transtorno psicótico induzido por inalantes O transtorno psicótico induzido por inalantes é um diagnóstico do DSM-IV-TR (ver Tab. 14.4-7), e os clínicos podem especificar alucinações ou delírios como sintomas predominantes. Os estados paranóides são as síndromes psicóticas mais comuns durante a intoxicação. Transtornos do humor e de ansiedade induzidos por inalantes Os transtornos do humor (ver Tab. 15.3-10) e de ansiedade induzidos por inalantes (ver Tab. 16.7-3) são diagnósticos do DSM-IV-TR que permitem a classificação de psicopatologias relacionadas a inalantes caracterizadas por sintomas proeminentes de humor e de ansiedade. As condições depressivas são os transtornos do humor mais comuns associados ao uso de inalantes, enquanto os transtornos de pânico e de ansiedade generalizada são as doenças de ansiedade mais recorrentes. Transtorno relacionado a inalantes sem outra especificação O transtorno relacionado a inalantes sem outra especificação é o diagnóstico recomendado pelo DSM-IV-TR para as condições relacionadas a inalantes que não se encaixam em uma das categorias diagnósticas discutidas anteriormente (Tab. 12.8-3).
SUBSTÂNCIAS
477
CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS Em pequenas doses iniciais, os inalantes podem desinibir e produzir sentimentos de euforia e excitação e sensações agradáveis de estar flutuando, cujos efeitos supostamente fazem as pessoas usarem tais substâncias. Doses elevadas podem causar sintomas psicológicos de medo, ilusões sensoriais, alucinações auditivas e visuais e distorções do tamanho corporal. Os sintomas neurológicos incluem fala arrastada, menor velocidade da fala e ataxia. O uso a longo prazo está associado a irritabilidade, instabilidade emocional e problemas de memória. A tolerância para os inalantes é comum. Embora não seja reconhecida pelo DSM-IV-TR, a síndrome de abstinência pode acompanhar a cessação do uso de tais substâncias. Esta não ocorre com freqüência, mas, quando se manifesta, pode se caracterizar por perturbações do sono, irritabilidade, agitação, sudorese, náusea, vômito, taquicardia e (às vezes) delírios e alucinações. Efeitos adversos Os inalantes são associados a muitos efeitos adversos potencialmente graves. A morte pode resultar de depressão respiratória, arritmias cardíacas, asfixia, aspiração de vômito ou acidentes e ferimentos (p. ex., dirigir enquanto intoxicado). Outros efeitos adversos sérios a longo prazo incluem lesões hepáticas ou renais irreversíveis e lesões musculares permanentes associadas à rabdomiólise. A combinação de solventes orgânicos e concentrações elevadas de cobre, zinco e metais pesados está associada ao desenvolvimento de atrofia cerebral, epilepsia dos lobos frontais, QI mais baixo e alterações no eletroencefalograma. Diversos estudos com pintores e operários expostos a solventes por longos períodos apresentaram evidências de atrofia cerebral em tomografias computadorizadas e de reduções no fluxo sangüíneo cerebral. Outros efeitos adversos incluem sintomas cardiovasculares e pulmonares (p. ex., dor torácica e espasmo brônquico), gastrintestinais (p. ex., dor, náusea, vômito e hematêmese) e neurológicos (p. ex., neurite periférica, cefaléia, parestesia, sinais cerebelares e encefalopatia por chumbo). Existem relatos de atrofia cerebral, acidose tubular renal e problemas motores de longo prazo em usuários de tolueno. Vários relatos referem-se aos efeitos adversos graves sobre o desenvolvimento fetal que ocorrem quando a mulher grávida usa ou é exposta a substâncias inalantes. TRATAMENTO
TABELA 12.8-3 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtornos relacionados a inalantes sem outra especificação A categoria transtorno relacionado a inalantes sem outra especificação aplica-se a transtornos associados ao uso de inalantes que não possam ser classificados como dependência de inalantes, abuso de inalantes, delirium por intoxicação com inalantes, demência persistente induzida por inalantes, transtorno psicótico induzido por inalantes, transtorno do humor induzido por inalantes ou transtorno de ansiedade induzido por inalantes. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
Em geral, a intoxicação com inalantes, assim como com álcool, não requer atenção médica e passa de forma espontânea. Contudo, os efeitos como, espasmos brônquico e laringeanos, arritmias cardíacas, coma, traumatismos ou queimaduras necessitam de tratamento. De outra forma, os cuidados envolvem principalmente tranqüilização e apoio ao usuário, bem como atenção aos seus sinais vitais e ao nível de consciência. Não existe tratamento estabelecido para os problemas cognitivos e de memória resultantes de demência persistente induzida por inalantes. Programas de serviço social e apoio nas comunidades são ofe-
478
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
recidos a adultos dependentes de inalantes gravemente acometidos e sem-teto. Os pacientes podem requerer apoio extensivo dentro de suas famílias ou em clínicas domiciliares. O curso e o tratamento do transtorno psicótico induzido por inalantes são semelhantes aos da intoxicação. A condição é breve, durando de algumas horas a (no máximo) algumas semanas após a intoxicação. O tratamento vigoroso de complicações fatais, como paradas respiratórias ou cardíacas, juntamente com o manejo da intoxicação em si, é bastante apropriado. A confusão, o pânico e a psicose exigem atenção especial visando à segurança do paciente. A agitação grave pode demandar controle cuidadoso com haloperidol (5 mg para cada 70 kg de peso corporal por via intramuscular). Medicamentos sedativos devem ser evitados, pois podem agravar a psicose. Os transtornos de ansiedade e do humor induzidos por inalantes podem precipitar ideação suicida, e essa possibilidade deve ser avaliada com cuidado. Medicamentos ansiolíticos e antidepressivos não são adequados para a fase aguda do transtorno, sendo úteis se houver doença depressiva ou ansiedade coexistentes. REFERÊNCIAS Brouette T, Anton R. Clinical review of inhalants. Am J Addict. 2001;10:79. Crowley TJ. Inhalant-related disorders. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:982. Dinwiddie SH, Reich T, Cloninger CR. The relationship of solvent use to other substance use. Am J Drug Alcohol Abuse. 1991;17:173. Donnelly N, Oldenburg B, Quine S, et al. Changes in reported drug prevalence among New South Wales secondary school students, 1983–1989. Aust J Public Health. 1992;16:50. Espeland K. Identifying the manifestations of inhalant abuse. Nurs Pract. 1995;20:49. Espeland K. Inhalant abuse: assessment guidelines. J Psychosoc Nurs Ment Health Serv. 1993;31:11. Keriotis AA, Upadhyaya HP. Inhalant dependence and withdrawal symptoms. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2000;39:679. Lindren CH. Volatile substances of abuse. Emerg Med Clin North Am. 1990;8:559. Miller NS, Gold MS. Organic solvent and aerosol abuse. Am Fam Physician. 1991;44:183. Pollard TG. Relative addiction potential of major centrally-active drugs and drug classes: inhalants and anesthetics. Adv Alcohol Subst Abuse. 1990;9:149. Substance Abuse and Mental Health Services Administration Office of Applied Studies. Preliminary Estimates from the 1995 National Household Survey on Drug Abuse. Washington, DC: US Government Printing Office; 1995. Tenenbein M, Pillay N. Sensory evoked potentials in inhalant (volatile solvent) abuse. J Pediatr Child Health. 1993;29:206.
12.9 Transtornos relacionados à nicotina A importante publicação, em 1988, do The Surgeon General’s Report on the Health Consequences of Smoking: Nicotine Addiction aumentou a consciência sobre os perigos do tabagismo entre a
população norte-americana. Porém, o fato de que cerca de 30% continuam a fumar, apesar da quantidade de dados que mostram o quanto esse hábito é perigoso para a saúde, é testemunho das poderosas propriedades viciantes da nicotina. Os efeitos nocivos de cigarros e charutos se refletem na estimativa de que 60% dos custos diretos de cuidados de saúde nos Estados Unidos são destinados a tratar doenças relacionadas ao tabaco e chegam ao valor estimado de 1 bilhão de dólares por dia. EPIDEMIOLOGIA A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que exista 1 bilhão de fumantes em todo o mundo e que eles fumem 6 trilhões de cigarros por ano. A OMS também calcula que o tabaco mate mais de 3 milhões de pessoas por ano. Embora o número de fumantes nos Estados Unidos esteja diminuindo, ele está aumentando em países em desenvolvimento. A taxa de cessação do tabagismo é mais alta entre homens brancos com bom nível de instrução e mais baixa entre mulheres, negros, adolescentes e pessoas com níveis baixos de instrução. O tabaco é a forma mais comum de nicotina. Ele é fumado em cigarros, charutos e cachimbos e usado como rapé ou tabaco de mascar (também chamado tabaco sem fumaça), cada vez mais populares nos Estados Unidos. Cerca de 3% de todas as pessoas nos Estados Unidos atualmente usam rapé ou mascam tabaco, mas, em média, 6% dos adultos jovens entre 18 e 25 anos usam outras apresentações de tabaco. No momento, cerca de 25% dos norte-americanos fumam, 25% são ex-fumantes e 50% nunca fumaram. A prevalência do uso de cachimbos, charutos e tabaco sem fumaça é de menos de 2%. O tabagismo nos Estados Unidos estava diminuindo em torno de 1% ao ano, mas não apresentou mudanças nos últimos quatro anos. A idade média para começar a fumar é de 16 anos, e poucas pessoas começam após os 20. As características da dependência parecem desenvolver-se rapidamente. Programas em sala de aula e outros para prevenir que se comece a fumar são pouco efetivos, mas o aumento dos impostos sobre o cigarro diminui o número de pessoas que aderem ao fumo. Em torno de 75% dos fumantes já tentaram parar, e 40% tentam abandonar o fumo a cada ano. Em determinada tentativa, somente 30% permanecem abstinentes por dois dias, e apenas de 5 a 10% param de forma definitiva. Entretanto, a maioria dos fumantes tenta de 5 a 10 vezes, de modo que 50% deles acabam parando. No passado, 90% das tentativas bem-sucedidas de parar de fumar não envolviam forma de tratamento. Porém, com o advento de medicamentos sem nicotina vendidos sem prescrição médica, em 1998, aproximadamente um terço de todas as tentativas passou a envolver o uso de medicamento. Em relação ao diagnóstico de dependência de nicotina em si, 20% da população desenvolvem dependência de nicotina em algum ponto, tornando-a o transtorno psiquiátrico mais prevalente. Segundo o texto revisado da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR), aproximadamente 85% dos atuais fumantes diários são dependentes de nicotina. O tabagismo, hoje, é tão comum em mulheres quanto em homens, sendo mais prevalente em pessoas com menos instrução
TRANSTORNOS RELACIONADOS A
e renda e na maioria dos grupos de minorias étnicas. Segundo a CDC, existem diferenças regionais em relação ao tabagismo nos Estados Unidos. A prevalência do uso de cigarros por região varia por um fator de dois. As 12 áreas de maior prevalência atual (Kentucky, Nevada, Missouri, Indiana, Ohio, West Virginia, Carolina do Norte, Tennessee, New Hampshire, Alabama, Arkansas e Alaska) diferem de forma significativa das 12 áreas com a menor prevalência (Utah, Porto Rico, Califórnia, Arizona, Montana, Havaí, Minnesota, Connecticut, Massachusetts, Colorado, Maryland e Washington). A prevalência média do tabagismo entre os homens é de 24,4% (variação de 14,5 a 33,3%) e entre mulheres é de 21,2% (variação de 9,9 a 29,5%). Utah teve a prevalência mais baixa para os homens (14,5%) e Porto Rico, a mais baixa para as mulheres (9,9%). Educação O nível educacional está correlacionado ao uso de tabaco. Trinta e sete por cento dos adultos que não concluíram o ensino médio fumam, contra apenas 17% dos universitários diplomados. Pacientes psiquiátricos Os psiquiatras devem preocupar-se particularmente com a dependência de nicotina, devido à elevada proporção de pacientes psiquiátricos que fumam. Cerca de 50% de todos os pacientes psiquiátricos ambulatoriais, 70% dos ambulatoriais com transtorno bipolar I, quase 90% dos esquizofrênicos e 70% daqueles com transtornos por uso de substâncias fumam. Além disso, os dados indicam que os indivíduos com transtornos depressivos e de ansiedade têm menos sucesso em suas tentativas de parar de fumar do que outras pessoas. Assim, a abordagem holística de saúde para esses indivíduos inclui ajudá-los a lidar com o hábito de fumar, além do transtorno mental primário. A elevada porcentagem de pacientes esquizofrênicos que fumam foi atribuída à capacidade da nicotina de reduzir sua extraordinária sensibilidade aos estímulos sensoriais externos e de aumentar sua concentração.
SUBSTÂNCIAS
479
esôfago, da bexiga e do pâncreas, e provavelmente do estômago, do fígado e dos rins. Os fumantes têm oito vezes mais probabilidade do que os não-fumantes de desenvolver câncer de pulmão, que ultrapassou o câncer de mama como a principal causa de mortes relacionadas ao câncer em mulheres. Mesmo fumar passivamente (discutido a seguir) causa milhares de mortes a cada ano nos Estados Unidos, quase o mesmo número das causadas por exposição a radônio. Apesar dessas estatísticas alarmantes, os fumantes podem reduzir de forma significativa suas chances de desenvolver cânceres relacionados à fumaça simplesmente parando de fumar. NEUROFARMACOLOGIA O componente psicoativo do tabaco é a nicotina, que afeta o sistema nervoso central agindo como agonista sobre os receptores de acetilcolina do subtipo nicotínico. Cerca de 25% da nicotina inalada durante o ato de fumar chegam à corrente sangüínea, por meio da qual atinge o cérebro em 15 segundos. Sua meia-vida é de duas horas. Acredita-se que a nicotina produza suas propriedades viciantes e de reforço positivo ativando a via dopaminérgica, projetando-se da área tegmentar ventral para o córtex cerebral e o sistema límbico. Além de ativar esse sistema de recompensa da dopamina, a nicotina causa aumento nas concentrações de noradrenalina e adrenalina circulantes, e aumento na liberação de vasopressina, β-endorfina, hormônio adrenocorticotrópico (ACTH) e cortisol. Acredita-se que esses hormônios contribuam para os efeitos estimulantes básicos da nicotina sobre o SNC. DIAGNÓSTICO O DSM-IV-TR lista três transtornos relacionados à nicotina (Tab. 12.9-1), mas apenas contém critérios específicos para a abstinência (Tab. 12.9-2) na seção de transtornos relacionados à nicotina. Outras condições reconhecidas pelo DSM-IV-TR são a dependência de nicotina e o transtorno relacionado à nicotina sem outra especificação.
Morte Dependência A morte é o principal efeito adverso do cigarro. O uso de tabaco está associado à média de 400 mil mortes prematuras a cada ano nos Estados Unidos – 25% de todas as mortes. As causas incluem bronquite crônica e enfisema (51 mil mortes), câncer broncogênico (106 mil mortes), 35% dos infartos do miocárdio fatais (115 mil mortes), doenças cerebrovasculares, condições cardiovasculares e quase todos os casos de doenças pulmonares obstrutivas crônicas e câncer de pulmão. O uso crescente de tabaco para mascar e rapé está associado ao desenvolvimento de câncer orofaringeano, e é provável que a volta do charuto leve ao aumento na ocorrência deste último. Os pesquisadores verificaram que 30% das mortes nos Estados Unidos são causadas pela fumaça do tabaco, um dos carcinogênicos mais letais. O hábito de fumar (sobretudo cigarros) causa câncer de pulmão, do trato respiratório superior, do
O DSM-IV-TR possibilita o diagnóstico de dependência (ver Tabs. 12.1-6 e 12.1-7), mas não de abuso de nicotina. A dependência ocorre de forma rápida, provavelmente porque a nicotina ativa o sistema dopaminérgico da área tegmentar ventral, o mesmo sistema afetado pela cocaína e pelas anfetaminas. O desenvolvimento de dependência é potencializado por fortes fatores sociais que encorajam o tabagismo em certos cenários e pelos poderosos efeitos das propagandas de empresas de cigarros. As pessoas têm maior probabilidade de fumar se pais ou irmãos fumam e atuam como modelos. Diversos estudos recentes também sugeriram diátese genética para a dependência. A maioria dos fumantes quer parar e já tentou fazê-lo muitas vezes, mas não obteve sucesso.
480
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 12.9-1 Transtornos relacionados à nicotina segundo o DSM-IV-TR
Transtorno por uso de nicotina Dependência de nicotina Transtorno induzido por nicotina Abstinência de nicotina Transtorno relacionado à nicotina sem outra especificação De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
TABELA 12.9-2 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para abstinência de nicotina A. Uso diário de nicotina pelo período mínimo de algumas semanas. B. Cessação abrupta ou redução da quantidade de nicotina usada, seguidas, dentro de 24 horas, por no mínimo quatro dos seguintes sinais e sintomas: (1) humor disfórico ou deprimido (2) insônia (3) irritabilidade, frustração ou raiva (4) ansiedade (5) dificuldade de concentração (6) inquietação (7) bradicardia (8) aumento do apetite ou ganho de peso C. Os sintomas do Critério B causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo do funcionamento social, ocupacional ou em outras áreas importantes do funcionamento. D. Os sintomas não se devem a uma condição médica geral, nem são melhor explicados por outro transtorno mental. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
Abstinência O DSM-IV-TR não apresenta categoria diagnóstica para intoxicação, mas oferece uma para abstinência de nicotina (Tab. 12.9-2). Os sintomas da abstinência podem se desenvolver dentro de duas horas após fumar o último cigarro e costumam atingir seu pico nas primeiras 24 a 48 horas, podendo durar semanas ou meses. Os sintomas comuns incluem desejo intenso por nicotina, tensão, irritabilidade, dificuldade para se concentrar, torpor e dificuldade paradoxal para dormir, redução na freqüência cardíaca e na pressão arterial, maior apetite e ganho de peso, desempenho motor comprometido e maior tensão muscular. Síndrome leve de abstinência pode surgir quando o fumante muda de um cigarro regular para outro com baixo teor de nicotina. Transtorno relacionado à nicotina sem outra especificação O transtorno relacionado à nicotina sem outra especificação é a categoria diagnóstica para transtornos relacionados à nicotina que não se encaixam em nenhuma das categorias discutidas anteriormente (Tab. 12.9-3). Esse diagnóstico pode incluir intoxicação, abuso de nicotina e transtornos do humor e de ansiedade associados ao uso dessa substância.
TABELA 12.9-3 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno relacionado à nicotina sem outra especificação A categoria transtorno relacionado à nicotina sem outra especificação aplica-se a transtornos associados ao uso de nicotina que não possam ser classificados como dependência ou abstinência de nicotina. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS Do ponto de vista comportamental, os efeitos estimulantes da nicotina melhoram a atenção, a aprendizagem, o tempo de reação e a capacidade de resolver problemas. Os usuários de tabaco também relatam que o cigarro eleva seu humor, diminui a tensão e reduz os sentimentos depressivos. Os resultados de estudos dos efeitos da nicotina sobre o fluxo sangüíneo cerebral sugerem que a exposição à nicotina a curto prazo aumenta o fluxo sem alterar o metabolismo cerebral do oxigênio, mas que a exposição a longo prazo diminui o fluxo sangüíneo cerebral. Em oposição a seus efeitos de estimulante do SNC, a nicotina age como relaxante dos músculos esqueléticos. Efeitos adversos A nicotina é um alcalóide altamente tóxico. Doses de 60 mg em adultos são fatais, secundárias à paralisia respiratória. Um cigarro médio contém a dose de 0,5 mg. Em doses baixas, os sinais e os sintomas da toxicidade da nicotina incluem náusea, vômito, salivação, palidez (causada por vasoconstrição periférica), fraqueza, dor abdominal (causada por aumento nos movimentos peristálticos), diarréia, tontura, cefaléia, aumento na pressão arterial, taquicardia, tremor e suores frios. A toxicidade implica incapacidade de se concentrar, confusão e perturbações sensoriais. A nicotina também está associada à redução na quantidade de sono REM. O uso de tabaco durante a gravidez está relacionado à incidência maior de bebês com baixo peso ao nascer e de neonatos com hipertensão pulmonar persistente. Benefícios de parar de fumar A cessação do tabagismo tem resultados importantes e imediatos para pessoas de todas as idades e proporciona benefícios para indivíduos com e sem doenças relacionadas ao tabagismo. Os exfumantes vivem mais tempo do que aqueles que continuam a fumar. A cessação do tabagismo reduz o risco de câncer de pulmão e de outras formas de câncer, infarto do miocárdio, doenças cerebrovasculares e pulmonares crônicas. As mulheres que param de fumar antes da gravidez ou durante os primeiros três ou quatro meses reduzem o risco de terem bebês com baixo peso ao nascer em comparação a mulheres que nunca fumaram. Os benefícios para a saúde excedem substancialmente os riscos do ganho de peso médio de 2,3 kg ou dos efeitos adversos psicológicos de parar.
TRANSTORNOS RELACIONADOS A
TRATAMENTO Os psiquiatras devem aconselhar todos os pacientes que não estejam em crise a parar de fumar. Para aqueles que estejam prontos para parar, é melhor estabelecer data. A maioria dos clínicos e fumantes prefere a cessação abrupta, mas como não existem dados adequados para indicar que essa forma seja melhor do que a cessação gradual, a preferência do paciente deve ser respeitada. A orientação breve deve enfocar a necessidade de medicamento ou terapia de grupo, preocupações com o ganho de peso, situações de risco, tornar o cigarro indisponível, e assim por diante. Como a recaída costuma ser rápida, o primeiro telefonema ou consulta de acompanhamento deve ocorrer dois ou três dias após a data de parar. Essas estratégias dobram as taxas de cessação auto-iniciada (Tab. 12.9-4). A sra. H., 55 anos, era esquizofrênica e fumava 35 cigarros por dia, cada um dos quais com grande intensidade. Desenvolveu o hábito aos 20 anos, durante os estágios prodrômicos de seu primeiro surto psicótico. Ao longo dos próximos 35 anos, teve vários surtos psicóticos e foi tratada com agentes antipsicóticos convencionais. Durante os primeiros 30 anos de tratamento, nenhum psiquiatra ou médico a aconselhou a parar de fumar, principalmente porque não acreditavam que ela conseguiria. Aos 53 anos, foram diagnosticados diabete e começo de doença cardíaca isquêmica. Nessa época, o médico recomendou que ela parasse de fumar. A paciente tentou parar sozinha, mas durou apenas 48 horas, em parte porque suas amigas de casa e amigas fumavam. Após o segundo fracasso da tentativa por conta própria, sentiu-se desencorajada e concluiu que não conseguiria parar de fumar. Durante consulta de avaliação do medicamento, o psiquiatra recomendou que parasse de fumar, e ela descreveu suas tentativas. Ambos discutiram maneiras de evitar fumantes e a paciente anunciou sua intenção de parar e pediu que suas amigas não fumassem perto dela e que a encorajassem. O psiquiatra também observou que ela havia se tornado irritada, levemente deprimida e inquieta, e que havia tido insônia durante as tentativas anteriores. Assim, recomendou medicamentos, usando o livro Treatment Works, da American Psychiatric Association (APA), para ajudá-la a decidir qual o remédio mais adequado. Ela escolheu adesivo de nicotina. O psiquiatra solicitou que ela telefonasse dois dias depois de parar. Nesse ponto, a paciente disse que o adesivo e o
TABELA 12.9-4 Taxas de cessação típicas para terapias comuns Terapia Autocessação Livros de auto-ajuda Orientação do médico Adesivo ou chiclete de nicotina Medicamento com orientação Terapia comportamental apenas Medicamento com terapia de grupo
Taxa (%) 5 10 10 15 20 20 30
SUBSTÂNCIAS
481
chiclete estavam ajudando, mas se sentia excluída quando suas amigas fumavam e conversavam. Uma semana depois, a paciente retornou após ter tido recaída e voltado a fumar. O psiquiatra a elogiou por não fumar por quatro dias e sugeriu que o contatasse novamente se decidisse parar outra vez. Sete meses depois, durante outra consulta para verificar o medicamento, o psiquiatra novamente a aconselhou a pensar em parar, mas ela estava relutante. Dois meses depois, a paciente telefonou e disse que gostaria de tentar de novo. Encontrou-se com o psiquiatra e, desta vez, listaram várias atividades que ela poderia fazer para evitar andar com amigos que fumassem, telefonaram para o namorado da paciente para pedir que ele a ajudasse a parar, solicitaram o apoio dos enfermeiros da unidade de internação e decidiram colocá-la em grupo de apoio pelas próximas quatro semanas. O adesivo de nicotina foi usado novamente, mas desta vez com a adição de bupropiona (Zyban), medicamento sem nicotina. A paciente foi acompanhada em consultas de 15 minutos nas três primeiras semanas e ligações telefônicas a partir daí. Ela teve dois deslizes quando ficou brava com o namorado, mas não voltou a fumar, permanecendo ex-fumante. Um resultado inesperado de sua cessação bem-sucedida foi o aprofundamento da aliança terapêutica entre ela e seu psiquiatra. DISCUSSÃO Muitos psiquiatras deixam de diagnosticar e tratar a dependência de nicotina. Infelizmente, alguns consideram que, embora tenham tratado adequadamente o transtorno que trouxe o paciente à consulta, ele tem um nível tal de morbidade ou mortalidade por tabagismo que não consegue usufruir dos benefícios da intervenção psiquiátrica. O psiquiatra da sra. H. foi correto ao usar planos pragmáticos para ajudá-la a superar determinados problemas, ao acompanhála por meio de consultas rápidas ou telefonemas e ao recomendar reposição de nicotina. A quantidade total de tempo gasta com o tabagismo da paciente foi de três horas. Embora esse tempo não seja reembolsado, o psiquiatra sabia que essa intervenção seria uma contribuição importante para a saúde dela e dificilmente seria oferecida por outros provedores de cuidados de saúde. Terapias psicossociais A terapia comportamental é a abordagem psicológica mais aceita e comprovada para o tabagismo. Ela consiste de diversas técnicas, três das quais têm boas evidências de apoio. O treinamento em habilidades e a prevenção de recaídas identificam situações de risco e planejam e praticam habilidades de enfrentamento cognitivas e comportamentais para tais circunstâncias. O controle de estímulos envolve eliminar do ambiente as pistas para o cigarro. Na técnica de fumar rapidamente, os fumantes fumam várias vezes até sentirem náusea em sessões para associar o ato de fumar a sensações desagradáveis, em vez de a situações agradáveis. Esse último recurso parece ser efetivo, mas exige boa aliança terapêutica e adesão por parte do paciente.
482
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Terapias psicofarmacológicas Terapias de reposição de nicotina. Todas as terapias de reposição de nicotina duplicam as taxas de cessação, talvez porque reduzem a abstinência. Essas terapias também podem ser usadas para diminuir a abstinência em pacientes internados em alas livre de cigarros no hospital. As terapias de reposição usam período curto de manutenção (6 a 12 semanas), seguido por período de redução gradual (6 a 12 semanas). O chiclete de nicotina (Nicorette) é vendido sem prescrição médica, que libera nicotina por meio da mastigação e da absorção bucal. Existem duas variedades disponíveis, a de 2 mg para pessoas que fumam menos de 25 cigarros por dia e a de 4 mg para aquelas que fumam mais de 25 cigarros por dia.* Os fumantes devem usar um ou dois chicletes por hora após a cessação abrupta. As concentrações obtidas no sangue venoso são entre um terço e a metade dos níveis encontrados entre dois cigarros. Bebidas ácidas (café, chá, refrigerante e suco) não devem ser consumidas antes, durante e após o chiclete, pois reduzem a absorção. A adesão a esse recurso costuma ser um problema. Os efeitos adversos são pequenos e incluem mau hálito e dor nos maxilares. Por volta de 20% das pessoas que param de fumar usam o chiclete por períodos longos, e 2% o utilizam por mais de um ano. O seu uso de longa duração não parece ser prejudicial. A principal vantagem do chiclete de nicotina é sua capacidade de proporcionar alívio em situações de risco. Os adesivos de nicotina, também vendidos sem prescrição médica, estão disponíveis em fórmula de liberação gradual de 16 horas (Habitrol) e fórmula de 24 ou 16 horas sem liberação gradual (Nicoderm CQ).** Os adesivos são colocados pela manhã e produzem concentrações em torno da metade da obtida com o cigarro. A adesão é alta, e os únicos efeitos adversos importantes são a ocorrência de erupções cutâneas e, após 24 horas, insônia. Não existe uso a longo prazo. O uso de chicletes e adesivos em situações de risco aumenta as taxas de cessação em mais 5 a 10%. Não foram realizados estudos para determinar as eficácias relativas de adesivos de 24 ou 16 horas ou de adesivos de liberação gradual ou não-gradual. O spray nasal de nicotina (Nicotrol),*** disponível apenas sob prescrição médica, produz concentrações de nicotina no sangue semelhantes às obtidas ao se fumar um cigarro e parece ser especialmente útil para fumantes muito dependentes. Todavia, causa rinite, olhos lacrimejantes e tosse em mais de 70% dos pacientes. Embora os dados iniciais sugiram risco de abuso, testes mais aprofundados não confirmaram tal achado. O inalador de nicotina,*** um produto vendido sob prescrição médica, foi projetado para injetar nicotina nos pulmões, mas ela acaba sendo absorvida na porção superior da garganta. Os níveis resultantes de nicotina são baixos. Seu principal recurso é que proporciona substituto comportamental para o ato de fumar. O inalador também duplica as taxas de cessação. Esses dispositivos exigem sopros freqüentes, que podem causar efeitos adversos menores.
*N.
de R.T. No Brasil só dispomos do chiclete de 2 mg. de R.T. No Brasil dispomos de adesivos de 24h de 21,14 e 7 mg (Niquetin). de R.T. Não disponível no Brasil.
**N.
***N.
Medicamentos sem nicotina. A terapia sem nicotina pode ajudar fumantes que têm objeções filosóficas à noção da terapia de reposição e aqueles que fracassam na terapia de reposição. A bupropiona (Zyban) (vendida como Wellbutrin para a depressão) é um medicamento antidepressivo que tem ações dopaminérgicas e adrenérgicas. Doses diárias de 300 mg duplicam as taxas de cessação em fumantes com e sem história de depressão. Em um estudo, a combinação de bupropiona e adesivo de nicotina apresentou taxas de cessação mais altas do que qualquer um dos dois isoladamente. Seus efeitos adversos incluem insônia e náusea, mas não são significativas. Não houve convulsões em testes com tabagismo. De maneira interessante, a nortriptilina (Pamelor) parece ser efetiva para parar de fumar. A clonidina (Atensina) diminui a atividade simpática do locus ceruleus e, portanto, acredita-se que ela reduza os sintomas da abstinência. Administrada como adesivo ou por via oral, 0,2 a 0,4 mg do agente parecem duplicar as taxas de cessação. Entretanto, os dados científicos para sua eficácia não são tão amplos ou confiáveis quanto os da reposição de nicotina. Além disso, a clonidina pode causar torpor e hipotensão. Alguns pacientes beneficiam-se com benzodiazepínicos (10 a 30 mg por dia) pelas primeiras duas ou três semanas de abstinência. Uma vacina que produz anticorpos específicos para a nicotina no cérebro está sob investigação no National Institute on Drug Abuse (NIDA). Terapias psicossocial e farmacológica combinadas Vários estudos mostraram que a combinação de reposição de nicotina e terapia comportamental aumenta as taxas de cessação mais do que qualquer uma das abordagens individualmente (Tab. 12.12-4). Ambiente livre de tabaco O tabagismo passivo pode contribuir para a morte por câncer de pulmão e doença arterial coronariana em não-fumantes adultos. Todos os anos, um número estimado de 3 mil mortes por câncer de pulmão e 62 mil mortes por doença arterial coronariana em adultos não-fumantes é atribuído ao tabagismo passivo. Entre as crianças, o tabagismo passivo é implicado na síndrome da morte súbita infantil, no baixo peso ao nascer, em infecções crônicas do ouvido médio e em doenças respiratórias (p. ex., asma, bronquite e pneumonia). Nos Estados Unidos, dois objetivos de saúde para 2010 são reduzir o tabagismo entre adultos para 12% e a proporção de não-fumantes expostos à fumaça de tabaco ambiental para 45%. A exposição involuntária ao tabagismo passivo permanece um risco comum à saúde pública, que pode ser prevenido com as políticas reguladoras adequadas. Proibições de cigarros em locais públicos reduzem a exposição à fumaça de segunda mão e o número de cigarros consumidos. Existe o apoio quase universal para proibições em escolas e creches e o forte apoio para proibições em locais de trabalho e restaurantes fechados. As políticas de ar limpo em locais fechados são a forma de mudar as normas sociais quanto ao tabagismo e reduzir o consumo.
TRANSTORNOS RELACIONADOS A
SUBSTÂNCIAS
483
REFERÊNCIAS TABELA 12.10-1 Opióides
Bolliger CT, Zellweger J-P, Danielsson T, et al. Smoking reduction with oral nicotine inhalers: double blind, randomised clinical trial of efficacy and safety. BMJ. 2000;321:329. Brautbar N. Direct effects of nicotine on the brain: evidence for chemical addiction. Arch Environ Health. 1995;50:263. Centers for Disease Control and Prevention. Prevalence of current cigarette smoking. JAMA. 2002;287:309. Fiore MC. Trends in cigarette smoking in the United States; the epidemiology of tobacco use. Med Clin North Am. 1992;76:289. Ginsberg D, Hall SM, Rosinski M. Partner support, psychological treatment, and nicotine gum in smoking treatment: an incremental study. Int J Addict. 1992;27:503. Hughes JR. Nicotine-related disorders. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:1033. Kessler DA. Nicotine addiction in young people. N Engl J Med. 1995;333:186. Miller GH, Golish JA, Cox CE. A physician’s guide to smoking cessation. J Fam Pract. 1992;34:759. Newhouse PA, Hughes JR. The role of nicotine and nicotinic mechanisms in neuropsychiatric disease. Br J Addict. 1991;86:521. Pettegrew JW, Panchalingam K, McClure RJ, Levine J. Brain metabolic effects of acute nicotine. Neurochem Res. 2001;26:181. Rigotti NA. Treatment of tobacco use and dependence. N Engl J Med. 2002;346:506. Russell MA, Stapleton JA, Feyerabend C, et al. Targeting heavy smokers in general practice: randomised controlled trial of transdermal nicotine patches. Br Med J. 1993;306:1308. Schelling TC. Addictive drugs: the cigarette experience. Science. 1992;255:430. Srivastava ED, Russel MA, Feyerabend C, Masterson JG, Rhodes J. Sensitivity and tolerance to nicotine in smokers and nonsmokers. Psychopharmacology. 1991;105:63. Stolerman IP, Shoaib M. The neurobiology of tobacco addiction. Trends Pharmacol Sci. 1991;12:467. Substance Abuse and Mental Health Services Administration Office of Applied Studies. Preliminary Estimates from the 1995 National Household Survey on Drug Abuse. Washington, DC: US Government Printing Office; 1995. Vaughan DA. Frontiers in pharmacologic treatment of alcohol, cocaine, and nicotine dependence. Psychiatr Ann. 1990;20:695.
12.10 Transtornos relacionados a opióides Os opióides são usados há pelo menos 3.500 anos, principalmente na forma bruta de ópio ou em soluções alcoólicas. A morfina foi isolada em 1806 e a codeína, em 1832. No século seguinte, a morfina e a codeína substituíram o ópio bruto para usos medicinais, embora o uso não-médico de ópio (para fumar) ainda persista em algumas regiões. Em todo o mundo, mais de 20 substâncias opióides quimicamente diferentes estão em uso clínico. Nos países desenvolvidos, o opióide mais associado a abuso e dependência é a heroína – droga que não é usada para propósitos terapêuticos nos Estados Unidos. A Tabela 12.10-1 lista vários opióides. O texto revisado da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR) divide os trans-
Nome registrado
Nome comercial
Morfina Heroína (diacetilmorfina) Hidromorfona (diidromorfinona) Oximorfona (diidroidroximorfinona) Levorfanol Metadona Meperidina (petidina) Fentanil Codeína
Morfina, Dimorf Sem uso médico Dilaudid* Numorphan* Levo-Dromoran* Metadon Demerol, Dolantina Fentanil, Inoval Belacodid, Setux, Tylex, codein, Bromalgina, Codaten Hycodan, outros* Synalgos-DC, Compal* OxyContin Algafan, Doloxene Tangesic Talwin* Nubaim* Stadol*
Hidrocodona (diidrocodeinona) Drocode (diidrocodeína) Oxicodona (diidroidroxicodeinona) Propoxifeno Buprenorfina Pentazocina Nalbufina Butorfanol
* Medicamentos indisponiveis no Brasil. Os demais são comercializados no país.
tornos relacionados a opióides em transtornos por uso de opióides (abuso e dependência) e outros nove transtornos induzidos por opióides (p. ex., intoxicação, abstinência). A dependência de opióides é o agrupamento de sintomas fisiológicos, comportamentais e cognitivos que, juntos, indicam o uso repetido e continuado de drogas opióides, apesar de problemas significativos relacionados a tal uso. A dependência de substâncias também foi definida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como síndrome em que o uso de uma droga ou classe de drogas assume prioridade muito maior para determinada pessoa do que comportamentos que antes tinham mais valor. Essas definições breves têm como características centrais a ênfase no próprio comportamento de usar a substância, sua natureza mal-adaptativa e o modo como a escolha de ter esse comportamento muda e se torna compulsória como resultado da interação com a droga ao longo do tempo. Abuso de opióides é a expressão usada para designar um padrão de uso mal-adaptativo de droga opióide, que promove comprometimento ou perturbação clinicamente significativos e que ocorre dentro de 12 meses, mas cujos sintomas nunca satisfazem os critérios para dependência de opióides. Os transtornos induzidos por opióides, conforme definidos pelo DSM-IV-TR, incluem fenômenos comuns como a intoxicação, a abstinência, o transtorno do sono induzido por opióides e a disfunção sexual induzida por opióides. O delirium por intoxicação com opióides é visto ocasionalmente em pacientes hospitalizados. Os transtornos psicótico, do humor e de ansiedade induzidos por opióides, por sua vez, são bastante incomuns com opióides µ-agonistas, mas já foram observados com certos opióides agonistas-antagonistas mistos que agem sobre outros receptores. O DSM-IV-TR também identifica o transtorno induzido por opióides sem outra especificação para situações que não satisfazem os critérios para nenhuma das outras condições relacionadas a opióides. Além da morbidade e da mortalidade associadas diretamente aos transtornos relacionados a opióides, a relação entre a transmissão do vírus da imunodeficiência humana (HIV) e o uso intravenoso de
484
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
opióides e opiáceos hoje é reconhecida como importante preocupação para a saúde nacional. As palavras opióide e opiáceo vêm de ópio, o suco da papoula, Papaver somniferum, que contém aproximadamente 20 alcalóides do ópio, incluindo a morfina. Muitos opióides sintéticos foram fabricados, tais como a meperidina (Demerol), a metadona (Metadon), a pentazocina (Talwin) e a propoxifena (Algafan). A metadona é o atual padrão ouro no tratamento de dependência de opióides. Os antagonistas de opióides foram sintetizados para tratar a superdosagem e a dependência. Essa classe de fármacos inclui a naloxona (Narcan), a naltrexona (ReVia), a nalorfina, o levalorfan e a apomorfina. Compostos com atividade agonista e antagonista mista sobre os receptores de opióides foram sintetizados e incluem a pentazocina, o butorfanol (Stadol) e a buprenorfina (Tangesic). Estudos identificaram essa última como um tratamento efetivo para a dependência de opióides.
das na transmissão neural e na supressão da dor. São naturalmente liberadas no corpo quando a pessoa sofre ferimentos físicos e explicam, em parte, a ausência de dor durante traumas agudos. Os opióides também têm efeitos significativos sobre os sistemas de neurotransmissores dopaminérgicos e noradrenérgicos. Diversos dados indicam que as propriedades de recompensa dos opióides são mediadas pela ativação de neurônios dopaminérgicos da área tegmentar ventral que se projetam para o córtex cerebral e para o sistema límbico (Fig. 12.10-1). A heroína é o opióide mais consumido em abuso e é mais potente e solúvel em lipídeos do que a morfina. Devido a essas propriedades, ela atravessa a barreira hematencefálica mais rapidamente e tem um efeito mais imediato do que a morfina. A heroína foi introduzida a princípio como tratamento para a dependência de morfina. A codeína, que ocorre naturalmente, asMorfina
EPIDEMIOLOGIA Conforme observado anteriormente, pessoas com dependência de opióides usam heroína de forma mais ampla. Segundo o DSMIV-TR, a prevalência do uso ao longo da vida é de aproximadamente 1%, com 0,2% tendo tomado a droga no último ano. O número de usuários foi estimado de maneira questionável entre 600 e 800 mil. O número de pessoas que se calcula ter usado heroína pelo menos uma vez na vida (“usuários ao longo da vida”) é de aproximadamente 2 milhões. A razão de homens para mulheres com dependência de heroína é de 3 para 1. Os usuários de opióides em geral começam a usar substâncias na adolescência e, atualmente, a maioria das pessoas com dependência está na faixa dos 30 a 40 anos. Segundo o DSM-IV-TR, a tendência de remissão da dependência começa após os 40 anos e é chamada de “amadurecimento”. Entretanto, muitas pessoas permanecem dependentes por 50 anos ou mais. Nos Estados Unidos, os indivíduos tendem a ter sua primeira experiência induzida por opióides no começo da adolescência ou até com 10 anos de idade. A indução precoce na cultura da droga é provável em comunidades nas quais o abuso seja desenfreado e em famílias cujos pais são usuários de substâncias. O hábito de usar heroína pode custar centenas de dólares por dia. Assim, o dependente de opióides precisa obter dinheiro por meio de atividades criminosas e prostituição. O envolvimento de pessoas com dependência de opióides na prostituição explica grande parte da disseminação do HIV. NEUROFARMACOLOGIA Seus principais efeitos são mediados pelos receptores de opióides, descobertos na segunda metade da década de 1970. Os receptores μ-opióides estão envolvidos na regulação e na mediação da analgesia, da depressão respiratória, da constipação e da dependência; os receptores κ-opióides, na analgesia, na diurese e na sedação; e os receptores δ-opióides, possivelmente na analgesia. Em 1974, a encefalina, pentapeptídeo endógeno com ações semelhantes às de opióides, foi identificada. Essa descoberta levou ao estabelecimento de três classes de opióides endógenos no cérebro, incluindo as endorfinas e as encefalinas. As endorfinas estão envolvi-
K+
Receptor µ-opióide
Adenilil ciclase
Gi/o -
Membrana celular Citoplasma
+
Excitabilidade elétrica
AMPc +
+
Regulação de diversos processos celulares
PKA
+
Na+
? Outros
CREB Expressão genética alterada Núcleo FIGURA 12.10-1 Esquema ilustrativo da ação de opióides no locus ceruleus. Os opióides inibem os neurônios ativamente, aumentando a condutividade do canal de K+ por união com subtipos de Gi e/ou Go e reduzindo a entrada, que depende do Na+, pela união com Gi/o e a conseqüente inibição da adenilil ciclase. Níveis reduzidos de AMPc diminuem a PKA e a fosforilação do canal ou bomba responsável. A inibição da via de AMPc também diminui a fosforilação de diversas outras proteínas e, assim, afeta muitos processos no neurônio. Por exemplo, reduz o estado de fosforilação de CREB, podendo dar início a mudanças mais duradouras na função do locus ceruleus. As setas em negrito indicam os efeitos da administração repetida de morfina no locus ceruleus. Tal administração aumenta os níveis de adenilil ciclase, PKA e várias fosfoproteínas, incluindo a CREB. Essas alterações contribuem para o fenótipo modificado do estado de dependência. Por exemplo, a excitabilidade intrínseca dos neurônios do locus ceruleus é aumentada pela maior atividade da via de AMPc e da entrada, que depende do Na+, contribuindo para a tolerância, a dependência e a abstinência que esses neurônios apresentam. Esse estado fenotípico parece ser mantido em parte pela upregulation da expressão de CREB. (Reimpressa, com permissão, de Nestler EJ. Molecular mechanisms underlying opiate addiction: implications for medications development. Semin Neurosci. 1997,0:84.)
TRANSTORNOS RELACIONADOS A
sim como 0,5% dos alcalóides opiáceos, é absorvida com facilidade pelo trato gastrintestinal, e é transformada em morfina no corpo. Os resultados de pelo menos um estudo com tomografia por emissão de pósitrons (PET) sugerem que o efeito de todos os opióides é reduzir o fluxo sangüíneo cerebral em regiões específicas em pessoas com dependência. Tolerância e dependência Não existe tolerância uniforme para todas as ações dos opióides. A tolerância a algumas ações pode ser tão alta que é necessário aumentar a dose em cem vezes para produzir o efeito original. Por exemplo, pacientes terminais de câncer podem necessitar de 200 a 300 mg de morfina por dia, ao passo que a dose de 60 mg pode ser facilmente fatal para uma pessoa que nunca tomou opióides. Os sintomas da abstinência não aparecem a não ser que a pessoa use opióides há bastante tempo ou quando a cessação for abrupta, como ocorre no sentido funcional quando se administra antagonista de opióides. O uso desses agentes a longo prazo resulta em alterações no número e na sensibilidade dos receptores de opióides, que regulam pelo menos alguns dos efeitos da tolerância e da abstinência. Embora o uso a longo prazo esteja associado à maior sensibilidade dos neurônios dopaminérgicos, colinérgicos e serotonérgicos, o efeito dos opióides sobre os neurônios noradrenérgicos talvez seja o primeiro mediador dos sintomas da abstinência. O uso a curto prazo, a princípio, diminui a atividade dos neurônios noradrenégicos no locus ceruleus, o uso a longo prazo ativa mecanismo homeostático compensatório dentro dos neurônios, e a abstinência resulta em hiperatividade. Essa hipótese também fornece explicação para a utilidade da clonidina (Atensina), agonista de receptores α-adrenérgicos que diminui a liberação de noradrenalina, no tratamento dos sintomas da abstinência de opióides. CO-MORBIDADE Cerca de 90% das pessoas dependentes de opióides têm um outro transtorno psiquiátrico. Os diagnósticos co-mórbidos mais comuns são transtorno depressivo maior, transtornos por uso de álcool, transtorno da personalidade anti-social e transtornos de ansiedade. Em torno de 15% das pessoas com dependência de opióides tentam cometer suicídio pelo menos uma vez. A elevada prevalência de co-morbidade com outros diagnósticos psiquiátricos ressalta a necessidade de desenvolver programa de tratamento amplo que também aborde esses déficts (Tab. 12.10-2).
SUBSTÂNCIAS
485
TABELA 12.10-2 Transtornos psiquiátricos do Eixo I não relacionados a substâncias em usuários de opióides Taxa ao longo da vida % (taxa atual %) Categoria diagnósticaa Qualquer transtorno do Eixo I Transtornos do humor Transtorno depressivo maior Transtorno distímico Transtorno bipolar I Transtorno de ansiedade Fobia simples Fobia social Transtorno de pânico Agorafobia Transtorno obsessivocompulsivo Transtorno de ansiedade generalizada Transtornos da alimentação Bulimia nervosa Anorexia nervosa Esquizofrenia
Homens (N = 378)
Mulheres (N = 338)
Total
15,6 (5,0) 11,4 (2,1) 8,7 (1,3) 2,4 (2,4) 0,8 (0,8) 6,1 (3,4) 1,9 (1,9) 1,9 (0,8) 2,1 (0,3) 0,0 (0,0) 0,5 (0,5)
33,4 (11,2) 27,5 (5,3) 23,7 (5,3) 4,4 (4,4) 0,0 (0,0) 10,7 (6,8) 5,3 (3,6) 3,6 (2,7) 1,8 (0,9) 0,6 (0,3) 0,0 (0,0)
24,0 (8,0) 19,0 (3,6) 15,8 (3,2) 3,4 (3,4) 0,4 (0,4) 8,2 (5,0) 3,5 (2,7) 2,7 (1,7) 2,0 (0,6) 0,3 (0,1) 0,3 (0,3)
0,8 (0,8)
0,0 (0,0)
0,1 (0,1)
0,0 0,0 0,0 0,0
1,5 0,9 0,6 0,3
0,7 0,4 0,3 0,1
(0,0) (0,0) (0,0) (0,0)
(0,0) (0,0) (0,0) (0,3)
(0,0) (0,0) (0,0) (0,1)
aTranstornos múltiplos possíveis. Adaptada de Brooner RK, King VL, Kidorf M, Schmidt CW, Bigelow GE. Psychiatric and substance use comorbidity among treatment-seeking opioid abusers. Arch Gen Psychiatry. 1997;54:71.
dos usuários urbanos de heroína são filhos de pais solteiros ou divorciados e vêm de famílias nas quais pelo menos um membro sofre de transtorno relacionado a substâncias. Os filhos desses cenários apresentam risco alto de dependência de opióides, especialmente se também houver evidências de problemas de comportamento na escola ou outros sinais de transtorno da conduta. Alguns padrões de comportamento consistentes parecem ser mais pronunciados em adolescentes com dependência de opióides, e foram chamados de síndrome comportamental da heroína: depressão subjacente, em geral do tipo agitado e acompanhada de sintomas de ansiedade; impulsividade expressada por orientação passivo-agressiva; medo de fracassar; uso de heroína como agente antiansiedade para mascarar sentimentos de baixa autoestima, desesperança e agressividade; estratégias de enfrentamento limitadas e pouca tolerância a frustrações, acompanhada pela necessidade de gratificação imediata; sensibilidade às contingências da droga, com consciência aguçada da relação entre sentimentos positivos e o ato de consumi-las; sentimentos de impotência comportamental contrabalançados por controle momentâneo sobre a vida mediante as substâncias; perturbações em relacionamentos sociais e interpessoais com amigos mantidos por experiências mútuas com substâncias.
ETIOLOGIA Fatores psicossociais
Fatores biológicos e genéticos
A dependência de opióides não se limita às classes socioeconômicas inferiores, embora a incidência de dependência seja maior nesses grupos do que em classes com maior poder aquisitivo. É possível que fatores sociais associados à pobreza urbana contribuam para essa dependência. Uma média de 50%
No momento, existem evidências de fatores de vulnerabilidade a substâncias específicas que são geneticamente transmitidos e que aumentam a probabilidade de desenvolver dependência. Os indivíduos que abusam de uma substância são mais prováveis de abusar de outras. Os gêmeos monozigóticos são mais prováveis do que
486
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
os dizigóticos de serem concordantes para dependência de opióides. Técnicas de modelagem multivariada indicaram que a contribuição genética não apenas foi alta para o abuso de heroína, como uma proporção maior da variância devido a fatores genéticos não foi compartilhada com o fator de vulnerabilidade comum – ou seja, foi específica para os opióides. Uma pessoa com um transtorno relacionado a opióides pode ter tido hipoatividade geneticamente determinada do sistema de opiáceos. Os pesquisadores estão investigando a possibilidade de que essa hipoatividade possa ser causada por número pequeno demais ou pouco sensível de receptores de opióides, pela liberação de quantidade pequena demais de opióide endógeno ou por concentrações extremamente altas de suposto antagonista de opióides endógenos. A predisposição biológica a transtorno relacionado a opióides também pode ser associada ao funcionamento anormal dos sistemas de neurotransmissores dopaminérgicos ou noradrenérgicos. Teoria psicodinâmica Na literatura psicanalítica, o comportamento de pessoas adictas em narcóticos foi descrito como fixação libidinal, com regressão aos níveis pré-genital, oral ou ainda mais arcaicos de desenvolvimento psicossexual. A necessidade de explicar a relação entre abuso de substâncias, mecanismos de defesa, controle de impulsos, perturbações afetivas e mecanismos de adaptação levou à mudança de formulações psicossexuais para formulações que enfatizassem a psicologia do ego. Com freqüência, considera-se que patologias sérias do ego podem estar associadas ao abuso de substâncias e indicar transtornos evolutivos profundos. Os problemas da relação entre o ego e o afeto emergem como importante área de dificuldade. DIAGNÓSTICO O DSM-IV-TR lista vários transtornos relacionados a opióides (Tab. 12.10-3), mas apenas contém critérios específicos para a intoxicação (Tab. 12.10-4) e a abstinência de opióides (Tab. 12.10-5) na seção sobre os transtornos relacionados a opióides. Os critérios diagnósticos para as condições associadas são encontrados nas seções que tratam especificamente do sintoma predominante – por exemplo, transtorno do humor induzido por opióides (ver Tab. 15.3-10, Cap. 15).
TABELA 12.10-3 Transtornos relacionados a opióides segundo o DSM-IV-TR
Transtornos por uso de opióides Dependência de opióides Abuso de opióides Transtornos induzidos por opióides Intoxicação com opióides Especificar se: Com perturbações da percepção Abstinência de opióides Delirium por intoxicação com opióides Transtorno psicótico induzido por opióides, com delírios Especificar se: Com início durante a intoxicação Transtorno psicótico induzido por opióides, com alucinações Especificar se: Com início durante a intoxicação Transtorno do humor induzido por opióides Especificar se: Com início durante a intoxicação Disfunção sexual induzida por opióides Especificar se: Com início durante a intoxicação Transtorno do sono induzido por opióides Especificar se: Com início durante a intoxicação Com início durante a abstinência Transtorno relacionado a opióides sem outra especificação De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
TABELA 12.10-4 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para intoxicação com opióides A. Uso recente de opióide. B. Alterações comportamentais ou psicológicas mal-adaptativas e clinicamente significativas (p. ex., euforia inicial seguida por apatia, disforia, agitação ou retardo psicomotor, julgamento prejudicado ou prejuízo do funcionamento social ou ocupacional) desenvolvidas durante ou logo após o uso de opióides. C. Miose (ou midríase devido à anoxia por superdosagem grave) e um (ou mais) dos seguintes sinais, desenvolvidos durante ou logo após o uso de opióides: (1) torpor ou coma (2) fala arrastada (3) prejuízo na atenção ou na memória D. Os sintomas não se devem a uma condição médica geral, nem são melhor explicados por outro transtorno mental. Especificar se: Com perturbações da percepção De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
Dependência e abuso A dependência e o abuso de opióides são definidos no DSM-IVTR segundo os critérios gerais para esses transtornos (ver Tabs. 12.1-6, 12.1-7 e 12.1-8).
alterado, retardo psicomotor, torpor, fala arrastada e memória e atenção prejudicadas na presença de outros indicadores de uso recente de opióides sugerem o diagnóstico de intoxicação. O manual possibilita a especificação de “com perturbações da percepção”.
Intoxicação Abstinência O DSM-IV-TR define a intoxicação com opióides como mudanças comportamentais mal-adaptativas e alguns sintomas físicos específicos do uso das substâncias (Tab. 12.10-4). De modo geral, humor
A regra sobre o início e a duração dos sintomas da abstinência é que as substâncias com ação curta tendem a produzir sín-
TRANSTORNOS RELACIONADOS A
TABELA 12.10-5 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para abstinência de opióides A. Qualquer um dos seguintes quesitos: (1) cessação (ou redução) do uso pesado e prolongado de opióides (algumas semanas ou mais) (2) administração de um antagonista de opióides após um período de uso de opióides B. Três (ou mais) dos seguintes sintomas, desenvolvidos dentro de alguns minutos a alguns dias após o Critério A: (1) humor disfórico (2) náusea ou vômito (3) dores musculares (4) lacrimejamento ou rinorréia (5) midríase, piloereção ou sudorese (6) diarréia (7) bocejos (8) febre (9) insônia C. Os sintomas no Critério B causam sofrimento significativo ou prejuízo ao funcionamento social, ocupacional ou a outras áreas importantes de funcionamento. D. Os sintomas não se devem a uma condição médica geral, nem são melhor explicados por outro transtorno mental. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
dromes de abstinência curtas e intensas, e aquelas com ação longa geram síndromes de abstinência prolongadas, mas leves. Como exceção a essa regra, a abstinência precipitada por antagonistas de narcóticos após dependência prolongada de opióides pode ser grave. A administração de antagonista de opióides pode precipitar síndrome de abstinência cujos sintomas começam em segundos após a injeção intravenosa e podem atingir o pico em uma hora. Apenas raramente, há o desejo por opióides no contexto da administração de analgésicos para a dor causada por distúrbios físicos ou cirurgias. A síndrome de abstinência completa, incluindo o desejo intenso por opióides, costuma ser secundária à cessação abrupta do uso em pessoas com dependência de opióides. Morfina e heroína. A síndrome de abstinência da morfina e da heroína começa entre seis e oito horas após a última dose, em geral depois de uma ou duas semanas de uso contínuo ou após a administração de antagonista de narcóticos. Atinge seu pico durante o segundo ou terceiro dia e diminui durante os próximos 7 a 10 dias, mas alguns sintomas podem persistir por seis meses ou mais. Rafiq é um vendedor de frutas egípcio de 43 anos de idade. Ele é casado e tem três filhos. PROBLEMA Rafiq chegou à clínica pedindo para ser admitido para tratar sua dependência de heroína. Ele havia sido apresentado à heroína aos 27 anos, quando um amigo ofereceu-lhe a substância para cheirar. Ele gostou do efeito e, por um período, cheirava um oitavo de grama com freqüência. Quando ten-
SUBSTÂNCIAS
487
tou parar por medo de ficar dependente, teve sintomas de abstinência. Com medo de contar a qualquer pessoa, continuou a consumir heroína. Com o tempo, sentiu necessidade de aumentar a quantidade para ter o mesmo efeito. Durante os anos seguintes, tentou parar diversas vezes, sendo internado no hospital para desintoxicação quando tinha 31, 32, 33 e novamente aos 34 anos. Seu período de abstinência mais longo após alta foi de seis meses. Em sua última visita à clínica, Rafiq disse que não podia mais conviver com a idéia de ser dependente da droga. Isso estava perturbando seu relacionamento com a esposa, e ele se odiava por não ser um modelo melhor para os filhos, que já começavam a suspeitar de sua dependência de drogas. Antes de chegar ao hospital, havia atingido a dose de quatro gramas de heroína por dia. HISTÓRIA Rafiq tinha história de desenvolvimento normal. Sua infância e adolescência foram miseráveis por causa de seu pai agressivo, que causava problemas na escola, e os professores descontavam no garoto. Ele deixou a escola após apenas três anos de educação e passava o tempo em casa fazendo nada, até que, aos 14 anos, seu pai começou a comprar frutas para ele vender no mercado. Durante o serviço militar, Rafiq fugiu e teve que servir por mais seis meses como punição. Após concluir o serviço militar, conheceu um idoso que estava procurando alguém para ajudar em sua fruteira. Rafiq trabalhou alguns anos para ele e, quando o homem morreu, deixou-lhe a fruteira. Ele sempre foi introvertido e preferia estar só. Com 26 anos, casou-se, tendo três filhos saudáveis e que freqüentavam a escola. AVALIAÇÃO Rafiq procurou a clínica por conta própria. Ele estava vestido de forma adequada, mas parecia exausto. Apresentava sintomas de abstinência na forma de lacrimejamento, espirros, vômitos, diarréia, cólicas abdominais, dores no corpo, palpitações, calafrios e ansiedade grave. Seu humor estava disfórico, e ele tinha sentimentos de culpa para com sua família, especialmente os filhos. Sentia vergonha e estava perturbado. Interrompeu a entrevista diversas vezes, solicitando sedativos para evitar as dores da abstinência. Não apresentava evidências de perturbações do pensamento ou da percepção, estava bem-orientado para tempo, local e pessoa, e sua memória para eventos recentes e remotos estava intacta. DISCUSSÃO Rafiq estava em estado claro de abstinência de heroína sem complicações. Este é um dos indicadores da síndrome de dependência. Os sintomas no caso de Rafiq eram principalmente físicos: rinorréia, diarréia, lacrimejamento e dores generalizadas. A dependência também é evidenciada por sua necessidade prolongada de heroína, pelo desenvolvimento de tolerância e pela incapacidade de controlar o consumo. (ICD-10 Casebook.)
488
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Meperidina. A síndrome de abstinência da meperidina começa rapidamente, alcança seu pico em 8 a 12 horas e termina em quatro ou cinco dias. Metadona. A abstinência em geral começa entre um e três dias depois da última dose e termina em 10 ou 14 dias. Sintomas. A abstinência de opióides (Tab. 12.10-5) consiste de cãibras musculares fortes e dores pelo corpo, diarréia profusa, cólicas abdominais, rinorréia, lacrimejamento, piloereção ou pele arrepiada, bocejo, febre, midríase, hipertensão, taquicardia e desregulação da temperatura, incluindo hipotermia e hipertermia. As pessoas dependentes de opióides raramente morrem de abstinência, a menos que tenham alguma disfunção física preexistente, como doença cardíaca. Os sintomas residuais – como insônia, bradicardia, desregulação da temperatura e desejo por opióides – podem persistir por meses. As caracteríscas associadas à abstinência de opióides incluem inquietação, irritabilidade, depressão, tremor, fraqueza, náusea e vômito. A qualquer momento durante a síndrome de abstinência, uma única injeção de morfina ou heroína elimina todos os sintomas.
Delirium por intoxicação com opióides O delirium por intoxicação com opióides (Tab. 10.2-3) é mais provável de acontecer quando os opióides são usados em doses elevadas, são misturados com outros compostos psicoativos ou consumidos por pessoa com lesões cerebrais preexistentes ou distúrbio do sistema nervoso central (p. ex., epilepsia). Transtorno psicótico induzido por opióides O transtorno psicótico induzido por opióides pode começar durante a intoxicação. Os critérios diagnósticos do DSM-IV-TR são encontrados na seção sobre esquizofrenia e outros transtornos psicóticos (ver Tab. 14.4-7). Os clínicos podem especificar se os sintomas predominantes são alucinações ou delírios. Transtorno do humor induzido por opióides O transtorno do humor induzido por opióides pode começar durante a intoxicação (ver Tab. 15.3-10). Os sintomas podem ser de natureza maníaca, depressiva ou mista, dependendo da resposta do indivíduo aos opióides. Uma pessoa atendida para transtorno do humor induzido por opióides costuma ter sintomas mistos, combinando irritabilidade, expansividade e depressão. Transtorno do sono e disfunção sexual induzidos por opióides O transtorno do sono induzido por opióides (ver Tab. 24.2-20) e a disfunção sexual induzida por opióides (ver Tab. 21.2-12) são
categorias diagnósticas do DSM-IV-TR. A hipersonia é provável de ser mais comum com o uso de opióides do que a insônia. A disfunção sexual mais recorrente é a impotência.
Transtorno relacionado a opióides sem outra especificação O DSM-IV-TR contém diagnósticos para transtornos relacionados a opióides com sintomas de delirium, humor anormal, psicose, sono inadequado e disfunção sexual. Situações clínicas que não se encaixem nessas categorias exemplificam casos apropriados para o uso do diagnóstico de transtorno relacionado a opióides sem outra especificação (Tab. 12.10-6).
CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS Os opióides podem ser consumidos por via oral, por via intranasal e injetados por via intravenosa (IV) (Fig. 12.10-2) ou subcutânea (Fig. 12.10-3). Eles causam dependência subjetiva, devido à viagem eufórica (o rush) que os usuários experimentam, em especial os que usam as substâncias por via intravenosa. Os sintomas associados incluem sensação de calor, peso nas extremidades, boca seca, coceira no rosto (com mais freqüência no nariz) e rubor facial. A euforia inicial é seguida por período de sedação, conhecido na linguagem das ruas como “tonteira”. O uso de opióides pode causar disforia, náusea e vômito em pessoas que não estejam acostumadas. Os efeitos físicos incluem depressão respiratória, miose, contração dos músculos lisos (incluindo os ureteres e os canais biliares), constipação, e alterações na pressão arterial, na freqüência cardíaca e na temperatura corporal. Os efeitos de depressão respiratória são mediados no tronco encefálico.
Efeitos adversos O efeito adverso mais comum e mais sério associado a transtornos relacionados a opióides é o potencial de transmissão de hepatite e HIV pelo uso compartilhado de agulhas contaminadas. As pessoas podem experimentar reações idiossincráticas aos opióides, que resultam em choque anafilático, edema
TABELA 12.10-6 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno relacionado a opióides sem outra especificação A categoria transtorno relacionado a opióides sem outra especificação aplica-se a transtornos associados ao uso de opióides que não possam ser classificados como dependência de opióides, abuso de opióides, intoxicação com opióides, abstinência de opióides, delirium por intoxicação com opióides, transtorno psicótico induzido por opióides, transtorno do humor induzido por opióides, disfunção sexual induzida por opióides ou transtorno do sono induzido por opióides. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
TRANSTORNOS RELACIONADOS A
SUBSTÂNCIAS
489
FIGURA 12.10-3 Heroína subcutânea. Cicatizes circulares e profundas, com abscessos crônicos subjacentes, podem resultar de heroína subcutânea. (Cortesia de Michael Baden, M.D.)
Parkinsonismo induzido por MPTP
FIGURA 12.10-2 A usuária de heroína infla a bochecha para forçar o sangue para a veia jugular. (Cortesia de Steve Raymer, copyright, National Geographic Society, 1985.)
pulmonar e morte se não receberem tratamento rápido e adequado. Outro efeito adverso importante é a interação medicamentosa idiossincrática entre a meperidina e os inibidores de monoaminoxidase (IMAOs), que produz grave instabilidade autonômica, agitação comportamental, coma, convulsões e morte. Por isso, opióides e IMAOs não devem ser administrados juntos. Superdosagem A morte por superdosagem de opióide em geral é atribuída à parada respiratória causada pelo efeito depressivo respiratório da droga. Os sintomas incluem falta de resposta, coma, respiração lenta, hipotermia, hipotensão e bradicardia. Quando o quadro clínico vem com a tríade clínica de coma, pupilas pequenas e depressão respiratória, os médicos devem considerar a superdosagem de opióides como o diagnóstico principal. Também pode-se inspecionar o corpo do paciente em busca de marcas de agulha nos braços, nas pernas, nos tornozelos, na virilha e, até mesmo, na veia dorsal do pênis.
Em 1976, após ingerirem opióide contaminado com N-metil4-fenil-1,2,3,6-tetraidropiridina (MPTP), várias pessoas desenvolveram síndrome de parkinsonismo irreversível. O mecanismo para o efeito neurotóxico é o seguinte: a MTPT é convertida em 1-metil-4-fenilpiridínio (MPP+) pela enzima monoaminoxidase e absorvida por neurônios dopaminérgicos. Como o MPP+ se liga à melanina nos neurônios da substância negra, é concentrado nesses neurônios e acaba matando as células. Estudos com PET de pessoas que ingeriram MTPT, mas permaneceram assintomáticas, apresentam número reduzido de sítios de ligação com dopamina na substância negra. Essa diminuição reflete perda em neurônios dopaminérgicos na região. TRATAMENTO E REABILITAÇÃO Tratamento para superdosagem A primeira tarefa é garantir via aérea adequada. As secreções da traquéia e da faringe devem ser aspiradas, podendo-se inserir tubo, se necessário. O paciente deve estar sob ventilação mecânica até que se possa administrar naloxona, antagonista de opióides específico, a qual é administrada por via intravenosa em taxa lenta – inicialmente, 0,8 mg por 70 kg de peso corporal. Os sinais de melhora (aumento na freqüência respiratória e midríase) devem ocorrer logo. Em dependentes de opióides, uma quantidade grande de naloxona pode produzir sinais de abstinência e reversão da superdosagem. Se não houver resposta à dose inicial, a administração pode ser repetida após intervalos de alguns minutos. No passado, acreditava-se que, se não fosse observada uma resposta após 4 a 5 mg, a depressão do SNC não se devia unicamente a opióides. A duração da ação da naloxona é curta, em comparação à de muitos opióides, como a metadona e o acetato de levometa-
490
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
dil, e pode ser necessário repetir a administração para prevenir a recorrência da toxicidade. Abstinência e desintoxicação
Mulheres grávidas com dependência de opióides A dependência neonatal é um problema importante. Aproximadamente três quartos de todos os bebês que nascem de mulheres dependentes experimentam uma síndrome de abstinência.
Metadona. A metadona é um narcótico sintético (opióide) que substitui a heroína e pode ser tomado por via oral. Quando administrado a dependentes para substituir a substância de abuso normal, o medicamento suprime os sintomas da abstinência. A dosagem diária de 20 a 80 mg é suficiente para estabilizar o paciente, embora administrações diárias de até 120 mg já tenham sido usadas. A ação da metadona excede 24 horas, tornando adequada uma dose única diária. A manutenção é continuada até que o paciente possa interromper o tratamento, pois o fármaco também causa dependência. A cessação do uso provoca síndrome de abstinência, mas os pacientes são desintoxicados com mais facilidade da metadona do que da heroína. Durante o período de desintoxicação, em geral se administra clonidina (0,1 a 0,3 mg, 3 a 4 vezes por dia). A manutenção com esse agente apresenta diversas vantagens. Primeiro, libera as pessoas com dependência de opióides do uso de heroína injetável, reduzindo a chance de transmissão do HIV com agulhas contaminadas. Segundo, produz pouca euforia e raramente causa torpor ou depressão quando tomada por muito tempo. Terceiro, permite que os pacientes trabalhem em vez de se dedicarem a atividades criminosas. A principal desvantagem do uso de metadona é que os pacientes permanecem dependentes de narcótico.
Abstinência neonatal. Ainda que a abstinência de opióides raramente seja fatal para adultos saudáveis, é perigosa para o feto e pode ocasionar aborto ou morte fetal. Manter a gestante com dependência de opióide em dose baixa de metadona (10 a 40 mg diárias) pode ser o melhor curso a seguir. Com essa dosagem, a abstinência neonatal tende a ser leve e pode ser tratada com doses baixas de paregórico. Se a gravidez começar quando a mulher estiver tomando doses altas de metadona, a dosagem deve ser reduzida de forma lenta (p. ex., 1 mg a cada três dias) e os movimentos do feto devem ser monitorados. Se a abstinência for necessária ou desejada, ela é menos perigosa no segundo trimestre.
Outros substitutos de opióides. O levometadil (ORLAAM), também chamado L-α-acetilmetadol (LAMM), opióide de ação mais longa que a metadona, também é usado para tratar pessoas com dependência de opióides. Ao contrário da terapia diária com metadona, o LAMM pode ser administrado em dosagens de 30 a 80 mg três vezes por semana. Devido a esse regime menos freqüente, cada vez mais os programas estão usando o LAMM. A buprenorfina é agonista de opióides parcial e analgésico com atividade antagonista de opióides aprovado apenas para o tratamento de dor moderada a grave. Em dose diária de 8 a 10 mg, ela parece reduzir o uso de heroína. Também é efetiva em dose dividida em três vezes por semana, devido à sua lenta dissociação dos receptores de opióides.
Psicoterapia
Transmissão de AIDS para o feto. A síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) é outro grande fator de risco para o feto de mulher com dependência de opióides. Pode-se transmitir o HIV, o agente causador da AIDS, para o feto, por meio da circulação placentária. A mãe infectada também pode passar o vírus para o bebê pela amamentação. O uso isolado de zidovudina (Retrovir) ou em combinação com outros medicamentos antiHIV em mulheres infectadas pode diminuir a incidência da doença em recém-nascidos.
Todo o espectro de modalidades psicoterapêuticas é apropriado para tratar os transtornos relacionados a opióides. A psicoterapia individual, a terapia comportamental, a terapia cognitivo-comportamental, a terapia familiar, os grupos de apoio (p. ex., Narcóticos Anônimos) e o treinamento em habilidades sociais se mostraram efetivos para determinados pacientes. Este último deve ser particularmente enfatizado para indivíduos com poucas habilidades sociais. A terapia familiar é mais indicada quando o paciente reside com seus familiares. Comunidades terapêuticas
Antagonistas de opióides. Os antagonistas de opióides bloqueiam ou antagonizam os efeitos dessas substâncias. Ao contrário da metadona, eles não exercem efeitos narcóticos e não causam dependência. Esses antagonistas incluem a naloxona, que é usada no tratamento da superdosagem de opióides, pois reverte os efeitos dos narcóticos, e a naltrexona, o antagonista de ação mais prolongada (72 horas). A teoria para o uso de antagonista para transtornos relacionados a opióides é que o bloqueio dos efeitos de agonistas, particularmente a euforia, desencoraja as pessoas com dependência de opióides do comportamento de busca da substância e, assim, descondiciona o comportamento. A principal fraqueza do modelo terapêutico com antagonistas é a falta de qualquer mecanismo que force o indivíduo a continuar a tomar o antagonista.
As comunidades terapêuticas são residências nas quais todos os membros têm problema de abuso de substância. A abstinência é a regra. Para ser admitido em uma dessas comunidades, a pessoa deve demonstrar nível elevado de motivação. Os objetivos são efetuar mudança completa no estilo de vida, incluindo abstinência, desenvolver honestidade, responsabilidade e habilidades sociais úteis e eliminar atitudes anti-sociais e o comportamento criminoso. Os membros da equipe na maioria das comunidades terapêuticas são pessoas que já foram dependentes de substâncias, que muitas vezes colocam os candidatos em rigoroso processo de triagem para testar sua motivação. A auto-ajuda por inter-
TRANSTORNOS RELACIONADOS A
médio de grupos de confrontação e o isolamento do mundo externo e dos amigos associados à vida de adicto são enfatizados. Nos Estados Unidos, a comunidade prototípica para pessoas com dependência de substâncias é a Phoenix House, na qual os residentes vivem por longos períodos (em geral de 12 a 18 meses) enquanto fazem o tratamento. Eles somente recebem permissão para retornar a seus antigos ambientes após demonstrarem capacidade de lidar com maiores responsabilidades dentro da comunidade terapêutica. As comunidades terapêuticas podem ser efetivas, mas exigem equipes numerosas e instalações amplas. Além disso, as taxas de abandono são altas. Até 75% das pessoas que entram nesses grupos abandonam o tratamento no primeiro mês. Auto-ajuda O Narcóticos Anônimos (NA) é um grupo de auto-ajuda para dependentes abstinentes, moldado nos princípios de 12 passos do Alcoólicos Anônimos (AA). O resultado costuma ser bom, mas o anonimato, que é central para o modelo de 12 passos, dificulta a avaliação detalhada de sua eficácia no tratamento da dependência de opióides. Educação e troca de seringas Embora o tratamento essencial para os transtornos por uso de opióides seja encorajar as pessoas a se absterem da droga, a educação sobre a transmissão do HIV deve receber igual atenção. Os dependentes que usam vias IV ou subcutâneas de administração devem conhecer as práticas de sexo seguro disponíveis. Os programas de troca gratuita de seringas estão sujeitos, muitas vezes, a fortes pressões políticas e da sociedade, mas, quando possível, devem ser disponibilizados para dependentes químicos. Diversos estudos indicaram que o compartilhamento de agulhas é comum quando é difícil obter agulhas limpas e também entre pessoas com dificuldades legais, dependência grave e sintomas psiquiátricos, que são exatamente as mais prováveis de transmitir o HIV. REFERÊNCIAS Darke S, Wodak A, Hall W, Heather N, Ward J. Prevalence and predictors of psychopathology among opioid users. Br J Addict. 1992;87:771. Di Chiara G, North RA. Neurobiology of opiate abuse. Trends Pharmacol Sci. 1992;13:185. Gintzler AR. Relevance of opioid bimodality to tolerance/dependence formation: from transmitter release to second messenger formation. Adv Exp Med Biol. 1995;373:73. Hurt PH, Ritchie EC. A case of ketamine dependence. Am J Psychiatry. 1994;151:779. Jaffe JH. Opioid-related disorders. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Willlams & Wilkins; 2000:1038. Koob GF, Maldonado R, Stinus L. Neural substrates of opiate withdrawal. Trends Neurosci. 1992;15:186. Kosten TA, Bianchi MS, Kosten TR. The predictive validity of the dependence syndrome in opiate abusers. Am J Drug Alcohol Abuse. 1992;18:145.
SUBSTÂNCIAS
491
Kreek MJ. Rationale for maintenance pharmacotherapy of opiate dependence. Res Publ Assoc Res Nerv Ment Dis. 1992;70:2. Luthar SS, Anton SF, Merikangas KR, Rounsaville BJ. Vulnerability to substance abuse and psychopathology among siblings of opioid abusers. J Nerv Ment Dis. 1992;180:153. Neslter EJ. Molecular mechanisms of drug addiction. J Neurosci. 1992;12:2439. Robinson RC, Gatchel RJ, Polatin P, Deschner M, Noe C, Gajraj N. Screening for problematic prescription opioid use. Clin J Pain. 2001;17:220. Substance Abuse and Mental Health Services Administration Office of Applied Studies. Preliminary Estimates from the 1995 National Household Survey on Drug Abuse. Washington, DC: US Government Printing Office; 1995.
12.11 Transtornos relacionados à fenciclidina (ou substâncias assemelhadas) A fenciclidina (1,1[fenilcicloexil]piperidina; PCP), também conhecida como “pó de anjo” foi desenvolvida e classificada como anestésico dissociativo. Seu uso como anestésico em humanos, todavia, foi associado a desorientação, agitação, delirium e alucinações desagradáveis ao despertar. Por isso, a fenciclidina não é mais empregada para esse fim, embora seja usada em alguns países como anestésico veterinário. Apesar de ter ação prolongada e ser bastante potente por qualquer via de administração, o uso de fenciclidina tem risco elevado de toxicidades comportamental, fisiológica e neurológica, e é extremamente reforçador. O composto correlato, quetamina (Ketalar), ainda é usado como anestésico humano nos Estados Unidos, mas não é associado aos mesmos efeitos adversos, embora também esteja sujeito a abuso. A fenciclidina foi usada ilicitamente pela primeira vez em São Francisco, no final da década de 1960. Desde então, cerca de 30 análogos químicos foram produzidos e são encontrados intermitentemente nas ruas das principais cidades norte-americanas. Seus efeitos são semelhantes aos de alucinógenos como o dietilamida de ácido lisérgico (LSD). Devido à sua farmacologia própria e a algumas diferenças em efeitos clínicos, o texto revisado da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR) classifica as arilcicloexaminas como categoria separada. A fenciclidina também é de interesse para pesquisadores da esquizofrenia, que usam alterações químicas e comportamentais induzidas por tal substância em animais como possível modelo para a doença. EPIDEMIOLOGIA A fenciclidina e algumas substâncias assemelhadas são fáceis de sintetizar em laboratórios ilegais e baratas. Contudo, a qualidade variável dos laboratórios resulta em potências e graus de pureza diferentes. O uso de fenciclidina varia muito com a geografia. Certas áreas de algumas cidades têm taxa de uso 10 vezes maior
492
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
do que outras. O uso mais elevado nos Estados Unidos ocorre em Washington, D.C., onde a fenciclidina é responsável por 18% de todas as mortes relacionadas a substâncias. Em Los Angeles, Chicago e Baltimore, o número comparável é de 6%. A maioria dos usuários também usa outras substâncias, particularmente o álcool, mas também opiáceos, opióides, maconha, anfetaminas e cocaína. A fenciclidina é adicionada à maconha, com efeitos negativos graves. Segundo o DSM-IV-TR, a taxa atual de dependência e abuso de fenciclidina é desconhecida, mas ela está associada a 3% das mortes por abuso de substâncias e a 32% das internações em emergências relacionadas a substâncias em todo o país. NEUROFARMACOLOGIA A fenciclidina e seus compostos correlatos são vendidos como pó cristalino, pasta, líquido ou papel embebido na droga (mata-borrão). Ela é usada normalmente como aditivo em cigarros contendo cannabis ou salsa. Os usuários experientes relatam que os efeitos de fumar 2 a 3 mg de fenciclidina ocorrem em aproximadamente cinco minutos e atingem o platô em 30 minutos. Sua biodisponibilidade é de 75% quando administrado por via intravenosa e de 30% quando fumada. Sua meia-vida em humanos é de 20 horas, e a meia-vida da quetamina é de duas horas. O principal efeito farmacodinâmico da fenciclidina e da quetamina é como antagonista no subtipo N-metil-D-aspartato (NMDA) dos receptores de glutamato. A fenciclidina se liga a um sítio dentro do canal de cálcio associado ao NMDA e impede o fluxo de íons de cálcio. Ela também ativa os neurônios dopaminérgicos da área tegmentar ventral, que se projetam para o córtex cerebral e o sistema límbico. A ativação desses neurônios costuma estar envolvida nas propriedades de reforço da fenciclidina. Em humanos, há tolerância aos efeitos da fenciclidina, embora geralmente não haja dependência física. Porém, em animais que recebem mais fenciclidina por quilo por períodos mais longos do que qualquer humano, ela induz dependência física, com sintomas de abstinência acentuados de letargia, depressão e desejo pela droga. Sintomas físicos de abstinência são raros em humanos, provavelmente em função da dose e da duração do uso. Embora a dependência física seja incomum em humanos, a dependência psicológica da fenciclidina e da quetamina não o é, e alguns usuários ficam dependentes do estado psicológico induzido pela substância. O fato de que a fenciclidina é fabricada em laboratórios ilícitos contribui para a maior probabilidade de haver impurezas no produto final. Um desses contaminantes é o carbonitrito de 1piperidenocicloexano, que libera cianeto de hidrogênio em pequenas quantidades quando ingerido. Outro contaminante é a piperidina, que pode ser reconhecida por seu forte cheiro de peixe.
TABELA 12.11-1 Transtornos relacionados à fenciclidina segundo o DSM-IV-TR
Transtornos por uso de fenciclidina Dependência de fenciclidina Abuso de fenciclidina Transtornos induzidos por fenciclidina Intoxicação com fenciclidina Especificar se: Com perturbações da percepção Delirium por intoxicação com fenciclidina Transtorno psicótico induzido por fenciclidina, com delírios Especificar se: Com início durante a intoxicação Transtorno psicótico induzido por fenciclidina, com alucinações Especificar se: Com início durante a intoxicação Transtorno do humor induzido por fenciclidina Especificar se: Com início durante a intoxicação Transtorno de ansiedade induzido por fenciclidina Especificar se: Com início durante a intoxicação Transtorno relacionado à fenciclidina sem outra especificação De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
TABELA 12.11-2 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para intoxicação com fenciclidina A. Uso recente de fenciclidina (ou substância correlata). B. Alterações comportamentais mal-adaptativas e clinicamente significativas (p. ex., beligerância, agressividade, impulsividade, imprevisibilidade, agitação psicomotora, prejuízo na capacidade de julgamento ou no funcionamento social ou ocupacional) desenvolvidas durante ou logo após o uso de fenciclidina. C. Dentro de uma hora (menos quando fumada, cheirada ou usada intravenosamente), no mínimo dois dos seguintes sinais: (1) nistagmo vertical ou horizontal (2) hipertensão ou taquicardia (3) torpor ou resposta diminuída à dor (4) ataxia (5) disartria (6) rigidez muscular (7) convulsões ou coma (8) hiperacusia D. Os sintomas não se devem a uma condição médica geral, nem são melhor explicados por outro transtorno mental. Especificar se: Com perturbações da percepção De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
das). Seus critérios diagnósticos para transtornos relacionados são listados nas seções que tratam de sintomas específicos – por exemplo, transtorno de ansiedade induzido por fenciclidina na seção de transtornos de ansiedade (ver Tab. 16.7-3, Cap. 16).
DIAGNÓSTICO Dependência e abuso O DSM-IV-TR lista diversos transtornos relacionados à fenciclidina (ou substâncias assemelhadas) (Tab. 12.11-1), mas enfatiza os critérios específicos apenas para a intoxicação (Tab. 12.11-2) na seção de transtornos relacionados à fenciclidina (ou substâncias assemelha-
O DSM-IV-TR apresenta os critérios gerais para dependência e abuso de fenciclidina (ver Tabs. 12.1-5, 12.1-6 e 12.1-7). Diz-se que alguns usuários de longa duração estão “cristalizados”, sín-
TRANSTORNOS RELACIONADOS A
drome caracterizada por raciocínio embotado, reflexos comprometidos, perda de memória, perda do controle de impulsos, depressão, letargia e comprometimento da concentração. Segundo o manual, nos Estados Unidos, mais de 3% das pessoas a partir de 12 anos reconheceram já ter usado fenciclidina, com 0,2% relatando que o fizeram no último ano. A prevalência mais elevada ao longo da vida foi identificada entre indivíduos de 26 a 34 anos (4%), enquanto a proporção mais alta de uso no último ano (0,7%) foi entre pessoas de 12 a 17 anos. Intoxicação A intoxicação com fenciclidina em curto prazo pode ter complicações potencialmente graves e deve ser considerada emergência psiquiátrica. O DSM-IV-TR fornece critérios específicos para a substância (Tabela 12.11-2), e os clínicos podem especificar a presença de perturbações da percepção. Alguns pacientes podem ser encaminhados a atendimento psiquiátrico dentro de horas após ingerirem fenciclidina, mas é comum passarem 2 a 3 dias antes de procurarem ajuda psiquiátrica. O longo intervalo entre a ingestão da droga e a chegada do paciente à clínica usualmente reflete as tentativas de amigos para lidar com a psicose “conversando e acalmando” o usuário. As pessoas que perdem a consciência são trazidas para ajuda antes do que as que permanecem conscientes. A maioria dos pacientes se recupera completamente dentro de um ou dois dias, mas alguns permanecem psicóticos por até duas semanas. Aqueles atendidos em coma, em geral, apresentam desorientação, alucinação, confusão e dificuldade para se comunicar quando recuperam a consciência. Esses sintomas também podem ser vistos em pacientes que não entram em coma. As alterações comportamentais podem ser graves, incluindo masturbar-se e despir-se em público, violência, incontinência urinária, choro e riso inadequado. Os pacientes, com freqüência, têm amnésia durante a psicose. Um jovem de 17 anos foi trazido à sala de emergência pela polícia após ser encontrado perdido na rua. Quando a polícia tentou questioná-lo, ficou agitado. Quando tentaram imobilizá-lo, tornou-se agressivo. As tentativas de questioná-lo e examiná-lo na sala de emergência produziram maior agitação. Inicialmente, foi impossível determinar seus sinais vitais ou coletar sangue. Com base na observação de nistagmos horizontal, vertical e rotacional, fezse o diagnóstico de intoxicação com fenciclidina. Alguns minutos depois de ser colocado em uma sala escura, a agitação diminuiu bastante. Sua pressão arterial era de 170/100, e os outros sinais vitais estavam dentro dos limites normais. O sangue foi amostrado para exame toxicológico. O paciente concordou em tomar 20 mg de diazepam (Valium) por via oral. Trinta minutos depois, estava menos agitado e pôde ser entrevistado, embora respondesse às questões de maneira fragmentada e estivesse levemente disártrico. Disse que devia ter consumido uma dose inadvertidamente maior do que a dose normal
SUBSTÂNCIAS
493
de “pó”, que relatou usar uma ou duas vezes por semana há vários anos. Negou o uso de qualquer outra substância e história de transtornos mentais. O jovem estava desorientado para tempo e espaço. O exame toxicológico qualitativo revelou apenas uso de fenciclidina. Os resultados do exame neurológico estavam dentro dos limites normais, mas foram observados reflexos rápidos demais dos tendões. Cerca de 90 minutos após a chegada, sua temperatura, antes normal, estava em 38º C, sua pressão havia subido para 182/110, e ele não respondia bem a estímulos, sendo colocado em leito médico. Sua pressão arterial e seu nível de consciência continuaram a oscilar durante 18 horas. Os resultados de exames hematológicos, bioquímicos e de urina permaneceram dentro dos limites normais. A história obtida de sua família revelou que ele já tinha estado diversas vezes em emergências por complicações devido ao uso de fenciclidina nos últimos anos. Havia feito um programa de tratamento residencial de 30 dias e participado de diversos programas para pacientes externos, mas tinha recaídas constantes. O paciente recebeu alta após os sinais vitais e o nível de consciência permanecerem nos limites normais por oito horas. No momento da alta, não havia mais nistagmo ou disartria, e ele foi indicado para programa de tratamento externo. (Cortesia de Steven R. Zukin, M.D.)
Delirium por intoxicação com fenciclidina O delirium por intoxicação com fenciclidina é incluído como categoria diagnóstica no DSM-IV-TR (ver Tab. 10.2-3). Estimase que 25% de todos os pacientes de salas de emergência envolvidos com fenciclidina podem satisfazer os critérios para o transtorno, que se caracteriza por comportamento agitado, violento e bizarro. Transtorno psicótico induzido por fenciclidina O transtorno psicótico induzido por fenciclidina é incluído como categoria diagnóstica no DSM-IV-TR (ver Tab. 14.4-7, Cap. 14). Os clínicos podem especificar se os sintomas predominantes são delírios ou alucinações. Estima-se que 6% dos pacientes atendidos em salas de emergência por causa da fenciclidina satisfazem os critérios para o transtorno. Em torno de 40% deles têm sinais físicos de hipertensão e nistagmo, e 10% se ferem acidentalmente durante a psicose. Esta pode durar de 1 a 30 dias, com média de 4 a 5 dias. Transtorno do humor induzido por fenciclidina O transtorno do humor induzido por fenciclidina é incluído como categoria diagnóstica no DSM-IV-TR (ver Tab. 15.3-10, Cap. 15). Estima-se que 3% dos pacientes atendidos em salas de emergência por causa da fenciclidina satisfaçam os critérios para o trans-
494
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
torno, com a maioria se encaixando nos critérios para episódio do tipo maníaco. De 40 a 50% deles se ferem acidentalmente durante o curso de seus sintomas maníacos. Transtorno de ansiedade induzido por fenciclidina O transtorno de ansiedade induzido por fenciclidina é incluindo como categoria diagnóstica no DSM-IV-TR (ver Tab. 16.7-3, Cap. 16). A ansiedade talvez seja o sintoma mais comum que faz com que a pessoa intoxicada procure atendimento médico. Transtorno relacionado à fenciclidina sem outra especificação O diagnóstico de transtorno relacionado à fenciclidina sem outra especificação é adequado para o paciente que não se enquadra em nenhum dos diagnósticos já descritos (Tab. 12.11-3).
Os efeitos de curta duração duram de 3 a 6 horas e até abrem caminho para leve depressão, na qual o usuário fica irritado, às vezes paranóide e, ocasionalmente, beligerante, agressivo, suicida ou homicida. Os efeitos podem durar vários dias. Os usuários levam de 1 a 2 dias para se recuperar completamente. Exames laboratoriais mostram que a fenciclidina pode permanecer no sangue e na urina do paciente por mais de uma semana. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Dependendo do estado do paciente no momento da admissão, o diagnóstico diferencial pode incluir superdosagem com narcóticos ou sedativos, transtorno psicótico secundário ao uso de drogas psicodélicas e transtorno psicótico breve. Análises laboratoriais podem ajudar a estabelecer o diagnóstico, em especial nos muitos casos em que a história de abuso não é confiável ou não pode ser obtida. TRATAMENTO E REABILITAÇÃO
CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS A quantidade de fenciclidina varia muito em cada cigarro. Podese usar 1 g para fazer desde quatro a algumas dúzias de cigarros. Menos de 5 mg é considerado dose baixa, e doses acima de 10 mg são tidas como elevadas. A variabilidade da dose dificulta a previsão de seu efeito, embora a fenciclidina fumada seja a forma mais fácil e confiável de regulá-la. Logo após a administração de fenciclidina, as pessoas tendem a ficar pouco comunicativas, parecem estar alheias à situação e relatam a produção ativa de fantasias. Experimentam sentimentos de aceleração, euforia, calor corporal, formigamento, sensação de flutuação e, eventualmente, sentimentos de despersonalização, isolamento e estranhamento. Às vezes, têm alucinações visuais e auditivas, sendo ainda comuns alterações marcantes na imagem corporal, distorções da percepção de tempo e espaço e delírios. Elas podem experimentar sentimentos intensificados de dependência, confusão e desorganização do pensamento. Os usuários podem estar simpáticos, sociáveis e falantes em um momento, mas hostis e negativos em outro. Às vezes, há ansiedade, que é o sintoma mais proeminente durante as reações adversas. O nistagmo, a hipertensão e a hipertermia são efeitos comuns da fenciclidina. Movimentos de girar e tocar na cabeça, fazer caretas, rigidez muscular quando estimulado, episódios repetidos de vômito e fala cantada e repetitiva são observados eventualmente. TABELA 12.11-3 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno relacionado à fenciclidina sem outra especificação A categoria transtorno relacionado à fenciclidina sem outra especificação aplica-se a transtornos associados ao uso de fenciclidina que não possam ser classificados como dependência de fenciclidina, abuso de fenciclidina, intoxicação com fenciclidina, delirium por intoxicação com fenciclidina, transtorno psicótico induzido por fenciclidina, transtorno do humor induzido por fenciclidina ou transtorno de ansiedade induzido por fenciclidina. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
O tratamento para cada um dos transtornos relacionados à fenciclidina (ou substâncias assemelhadas) é sintomático. Conversar e acalmar o paciente, que pode funcionar após o uso de alucinógenos, geralmente não produz resultados para a intoxicação com fenciclidina. Os benzodiazepínicos e os antagonistas dos receptores de dopamina são os medicamentos de escolha para controlar o comportamento por meio farmacológico. Os médicos devem monitorar o nível de consciência, a pressão arterial, a temperatura e a atividade muscular do paciente e devem estar prontos para tratar anormalidades médicas graves, se necessário. Os clínicos devem monitorar cuidadosamente pacientes inconscientes, em especial aqueles que têm reações tóxicas à fenciclidina. Secreções excessivas podem interferir na respiração, que já está comprometida. Em paciente alerta que tomou a substância há pouco, lavagem gástrica pode ter o risco de induzir espasmos laringeanos e aspiração da êmese. Os espasmos musculares e as convulsões devem ser tratados com diazepam. O ambiente deve ter o mínimo de estimulação sensorial. De forma ideal, recomenda-se que alguém permaneça com o paciente em quarto escuro e silencioso. A imobilização em quatro pontos é perigosa, pois pode levar à rabdomiólise, podendo ser necessária imobilização corporal total em certos casos. O benzodiazepínico geralmente é efetivo para reduzir a agitação, mas pacientes com perturbações graves do comportamento podem necessitar de tratamento de curta duração com antagonista de receptores de dopamina – por exemplo, haloperidol (Haldol). Para pacientes com hipertensão grave, pode ser necessário indutor de hipotensão, como a fentolamina (Regitina). Cloreto de amônio no estágio inicial e ácido ascórbico ou suco de cranberry posteriormente são usados para acidificar a urina e promover a eliminação da substância, embora a eficácia do procedimento seja controversa. Se os sintomas não forem graves e se o clínico tiver certeza de que já passou tempo suficiente para que toda a fenciclidina tenha sido absorvida, o usuário pode ser monitorado no am-
TRANSTORNOS RELACIONADOS A
bulatório e, se os sintomas melhorarem, liberado. Todavia, mesmo em doses baixas, os sintomas podem piorar e a pessoa deve ser hospitalizada para prevenir a ocorrência de violência e tentativas de suicídio. Na maioria dos casos, quando as complicações médicas agudas são tratadas com sucesso, as complicações periféricas e do sistema nervoso central, incluindo psicoses, passam completamente em 24 a 72 horas. No caso de transtorno psicótico induzido por fenciclidina prolongado, a regra é recuperação completa em 4 a 6 semanas, independentemente da administração de antipsicóticos. Todavia, a taxa de recaídas subseqüentes ao uso de fenciclidina é muito alta. A persistência de transtorno psicótico além de oito semanas indica a possível presença de condição psicótica exacerbada, mas não causada pela fenciclidina. Quetamina A quetamina é um agente anestésico dissociativo, derivado da fenciclidina, que está disponível para uso humano e veterinário. Ela se tornou droga de abuso, com fontes exclusivas de suprimentos roubados, e está disponível em pó ou em solução para uso intranasal, oral, por inalação ou (raramente) intravenoso. Ela age no receptor de NMDA e, assim como a fenciclidina, pode causar alucinações e estado dissociado em que o paciente tem sentido alterado do corpo e da realidade e pouco interesse no ambiente que o rodeia. A substância causa estimulação cardiovascular, mas não é responsável por depressão respiratória. No exame físico, o paciente pode apresentar hipertensão e taquicardia, maior salivação e nistagmo bidirecional e/ou rotacional. O início da ação ocorre em segundos quando usada por via intravenosa, e foram descritos analgesia por 40 minutos e efeitos dissociativos por horas. O estado cardiovascular deve ser monitorado por meio de tratamento de apoio. Reação distônica foi descrita, assim como ocorrência de flashbacks, mas a complicação mais comum é a falta de preocupação com o ambiente ou com a segurança pessoal. REFERÊNCIAS Baldridge EB, Bessen HA. Phencyclidine. Emerg Med Clin North Am. 1990;8:541. Gorelick DA, Wilkins JN. Inpatient treatment of PCP abusers and users. Am J Drug Alcohol Abuse. 1989;15:1. Gorelick DA, Wilkins JN, Wong C. Outpatient treatment of PCP abusers. Am J Drug Alcohol Abuse. 1989;15:367. Jansen KL. Ketamine: can chronic use impair memory? Int J Addict. 1990;25:133. Janvitt DC, Zukin SR. Recent advances in the phencyclidine model of schizophrenia. Am J Psychiatry. 1991;148:1301. National Institute on Drug Abuse. National Household Survey on Drug Abuse: Highlights, 1991. Washington, DC; US Government Printing Office; 1991. Polkis A, Graham M, Maginn D, Branch CA, Gantner GE. Phencyclidine and violent deaths in St. Louis. Missouri: a survey of medical examiners’ cases from 1977 through 1986. Am J Drug Alcohol Abuse. 1990;16:265.
SUBSTÂNCIAS
495
Rahbar F, Fomufod A, White D, Westney LS. Impact of intrauterine exposure to phencyclidine (PCP) and cocaine on neonates. J Natl Med Assoc. 1993;85:349. Tabor BL, Smith-Wallace T, Yonekura ML. Perinatal outcome associated with PCP versus cocaine use. Am J Drug Alcohol Abuse. 1990;16:337. Ubogu EE. Amaurosis fugax associated with phencyclidine inhalation. Eur Neurol. 2001;46:98. Zukin SR. Phencyclidine (or phencyclidine-like)-related disorders. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore; Lippincott Williams & Wilkins; 2000:1063.
12.12 Transtornos relacionados a sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos As drogas associadas a esta classe de transtornos relacionados a substâncias são os benzodiazepínicos (p. ex., diazepam [Valium], flunitrazepam [Rohypnol]), os barbitúricos (p. ex., secobarbital [Seconal]) e substâncias assemelhadas a estes, que incluem a metaqualona (antes conhecida como Quaalude) e o meprobamato (Equanil). As principais indicações não-psiquiátricas para essas drogas são como antiepiléticos, relaxantes musculares, anestésicos e anestésicos adjuvantes. O álcool e todas as substâncias desta classe têm tolerância cruzada e seus efeitos são aditivos. As dependências física e psicológica se desenvolvem para todas as drogas, as quais ainda estão associadas a sintomas de abstinência. Os sedativos reduzem a tensão subjetiva e induzem calma mental. O termo sedativo é praticamente sinônimo de ansiolítico, medicamento que reduz a ansiedade. Os hipnóticos são usados para induzir o sono. A diferenciação entre ansiolíticos e sedativos como fármacos diurnos e os hipnóticos como fármacos noturnos não está correta. Quando sedativos e ansiolíticos são administrados em doses elevadas, podem induzir sono tanto quanto os hipnóticos. Da mesma forma, quando os hipnóticos são administrados em doses baixas, podem induzir sedação durante o dia, assim como os sedativos e os ansiolíticos. Em algumas referências bibliográficas, principalmente as mais antigas, os sedativos, os ansiolíticos e os hipnóticos são agrupados como tranqüilizantes menores. Este termo não é muito bem-definido, estando sujeito a significados ambíguos e, portanto, deve ser evitado. SUBSTÂNCIAS Benzodiazepínicos Existem muitos benzodiazepínicos disponíveis nos Estados Unidos, os quais diferem principalmente em suas meias-vidas. Exemplos são o diazepam, o flurazepam (Dalmadorm), o oxazepam (Serax) e o clordiazepóxido Limbritol, Psicosedim (Librium). Esses agentes são usados em maior proporção como ansiolíticos, hipnóticos, antiepiléticos e anestésicos, bem como para a abstinência de álcool. Após sua introdução nos Estados Unidos na década de 1960, os
496
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
benzodiazepínicos rapidamente se tornaram os medicamentos mais prescritos. Cerca de 15% de todas as pessoas nos Estados Unidos já receberam receita para benzodiazepínico de seu médico. Contudo, a consciência crescente dos riscos de dependência e as exigências regulatórias mais rígidas diminuíram o número de prescrições para essa classe. A Drug Enforcement Agency (DEA) classifica todos os benzodiazepínicos como substâncias controladas de nível IV. O flunitrazepam, benzodiazepínico usado no México, na América do Sul e na Europa, mas indisponível nos Estados Unidos, tornou-se substância de abuso. Quando tomado com álcool, é associado a comportamentos sexuais promíscuos e estupro. Levar flunitrazepam para os Estados Unidos é ilegal. Embora usado de forma indevida, permanece sendo um ansiolítico comum em muitos países. Barbitúricos Antes da introdução dos benzodiazepínicos, os barbitúricos eram prescritos com freqüência, mas devido ao alto potencial de abuso, seu uso é muito mais raro atualmente do que no passado. O secobarbital (popularmente conhecido como “vermelhos”, “demônios vermelhos”, “seggies” e “pancas”), o pentobarbital (Hypnol) (conhecido como “jaquetas amarelas”, “amarelos” e “nembies”) e a combinação de secobarbital e amobarbital (conhecida como “vermelho e azul”, “arco-íris”, “double-trouble” e “tooies”) são encontrados com facilidade nas ruas com traficantes. O pentobarbital, o secobarbital e o amobarbital (Amytal) hoje estão sob controles legais federais, como a morfina. O primeiro barbitúrico, o barbital (Veronal), foi introduzido nos Estados Unidos em 1903. Ele e o fenobarbital (Gardenal), introduzido logo depois, são substâncias de ação prolongada com meia-vida de 12 a 24 horas. O amobarbital é um barbitúrico de ação intermediária, com meia-vida de 6 a 12 horas. O pentobarbital e o secobarbital têm ação curta, com meia-vida de 3 a 6 horas. Substâncias assemelhadas a barbitúricos A substância assemelhada aos barbitúricos mais consumida em abuso é a metaqualona, que não é mais fabricada nos Estados Unidos. Costuma ser usada por jovens que acreditam que a substância eleva o prazer sexual. Os usuários normalmente ingerem um ou dois tabletes (em geral com 300 mg cada) para obter os efeitos desejados. Os nomes populares da metaqualona incluem “mandrakes” (pela fórmula inglesa Mandrax) e “soapers” (pela marca Sopor). “Luding out” (por causa da marca Quaalude) significa se drogar com metaqualona, que costuma ser combinada com o consumo excessivo de álcool. EPIDEMIOLOGIA Segundo o DSM-IV-TR, cerca de 6% dos indivíduos já usaram sedativos ou tranqüilizantes de forma ilícita, incluindo
0,3% que relataram uso ilícito no último ano e 0,1% no último mês. O grupo etário com a mais alta prevalência de uso de sedativos (3%) ou tranqüilizantes (6%) ao longo da vida foi o de 26 a 34 anos, enquanto as idades de 18 a 25 anos foram mais prováveis de tê-los usado no último ano. Entre um quarto e um terço de todas as visitas a salas de emergência relacionadas ao uso de substâncias envolve agentes desta classe. Os pacientes têm a razão de mulheres para homens de 3 para 1, e a razão de brancos para negros de 2 para 1. Algumas pessoas usam benzodiazepínicos isoladamente, mas aquelas que consomem cocaína tendem a usá-los para reduzir os sintomas da abstinência, e os usuários de opióides os usam para aumentar os efeitos eufóricos dos mesmos. Como podem ser obtidos com facilidade, os benzodiazepínicos também são usados por indivíduos que consomem estimulantes, alucinógenos e fenciclidina para ajudar a reduzir a ansiedade que essas substâncias causam. Enquanto o abuso de barbitúricos é comum entre adultos maduros, os benzodiazepínicos são consumidos em abuso por um grupo mais jovem, em geral com menos de 40 anos de idade. Esse grupo apresenta leve predominância masculina e razão de brancos para negros de 2 para 1. Essa classe provavelmente não seja consumida em abuso com a mesma freqüência do que outras para o propósito de “se chapar” ou para induzir sensação de euforia. Em vez disso, os benzodiazepínicos são usados quando a pessoa quer experimentar sensação geral de relaxamento. NEUROFARMACOLOGIA Os benzodiazepínicos, os barbitúricos e as substâncias assemelhadas a barbitúricos têm seus principais efeitos no complexo receptor de ácido γ-aminobutírico (GABA) tipo A (GABAA), que contém um canal de íon cloreto, um sítio de ligação para GABA e um sítio de ligação definido para benzodiazepínicos. Acredita-se que os barbitúricos e as substâncias assemelhadas também se liguem em algum ponto do complexo receptor de GABAA. Quando um benzodiazepínico, um barbitúrico ou uma substância assemelhada a barbitúricos se ligam ao complexo, o efeito é aumentar a afinidade do receptor por seu neurotransmissor endógeno, o GABA, e aumentar a entrada de íons cloreto no neurônio pelo canal. A entrada de íons cloreto negativos no neurônio é inibitória e hiperpolariza o neurônio com relação ao meio extracelular. Embora todas as substâncias desta classe induzam tolerância e dependência física, os mecanismos subjacentes desses efeitos são melhor compreendidos para os benzodiazepínicos. Após o uso a longo prazo, os efeitos causados pelo agonista sobre os receptores são atenuados. De maneira específica, a estimulação dos receptores de GABAA resulta em menos entrada de cloreto do que a estimulação do GABA proporciona antes da administração do benzodiazepínico. Essa downregulation da resposta receptora não se deve à redução no número de receptores ou à menor afinidade do receptor por GABA. A base para isso parece estar na união entre o sítio de ligação de GABA e a ativação do canal de íon cloreto. Essa diminuição na eficiência de ligação pode ser regulada dentro do
TRANSTORNOS RELACIONADOS A
próprio complexo receptor de GABAA ou por outros mecanismos neuronais. DIAGNÓSTICO O texto revisado da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR) lista diversos transtornos relacionados a sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos (Tab. 12.12-1), mas somente inclui critérios específicos para intoxicação (Tab. 12.12-2) e abstinência de sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos (Tab. 12.12-3). Os critérios diagnósticos para outros transtornos relacionados a sedativos, hipnóticos e ansiolíticos são apresentados nas seções do DSM-IV-TR específicas para o principal sintoma – por exemplo, transtorno psicótico induzido por sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos (ver Tab. 14.4-7, Cap. 14).
SUBSTÂNCIAS
497
TABELA 12.12-2 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para intoxicação com sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos A. Uso recente de um sedativo, hipnótico ou ansiolítico. B. Alterações comportamentais ou psicológicas mal-adaptativas e clinicamente significativas (p. ex., comportamento sexual ou agressivo inadequado, humor instável, prejuízo da capacidade de julgamento, do funcionamento social ou ocupacional), desenvolvidas durante ou logo após o uso de um sedativo, hipnótico ou ansiolítico. C. No mínimo um dos seguintes sinais, desenvolvidos durante ou logo após o uso de um sedativo, hipnótico ou ansiolítico: (1) fala arrastada (2) falta de coordenação (3) marcha instável (4) nistagmo (5) prejuízo da atenção ou da memória (6) estupor ou coma D. Os sintomas não se devem a uma condição médica geral, nem são melhor explicados por outro transtorno mental. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
TABELA 12.12-1 Transtornos relacionados a sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos segundo o DSM-IV-TR
Transtornos por uso de sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos Dependência de sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos Abuso de sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos Transtornos induzidos por sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos Intoxicação com sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos Abstinência de sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos Especificar se: Com perturbações da percepção Delirium por intoxicação com sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos Delirium por abstinência de sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos Demência persistente induzida por sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos Transtorno amnéstico persistente induzido por sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos Transtorno psicótico induzido por sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos, com delírios Especificar se: Com início durante a intoxicação Com início durante a abstinência Transtorno psicótico induzido por sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos, com alucinações Especificar se: Com início durante a intoxicação Com início durante a abstinência Transtorno do humor induzido por sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos Especificar se: Com início durante a intoxicação Com início durante a abstinência Transtorno de ansiedade induzido por sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos Especificar se: Com início durante a abstinência Disfunção sexual induzida por sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos Especificar se: Com início durante a intoxicação Transtorno do sono induzido por sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos Especificar se: Com início durante a intoxicação Com início durante a abstinência Transtorno relacionado a sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos sem outra especificação De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
TABELA 12.12-3 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para abstinência de sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos A. Cessação (ou redução) do uso pesado e prolongado de sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos. B. No mínimo dois dos seguintes sintomas, desenvolvidos dentro de algumas horas a alguns dias após o Critério A: (1) hiperatividade autonômica (p. ex., sudorese ou freqüência cardíaca acima de 100 bpm) (2) tremor aumentado das mãos (3) insônia (4) náusea ou vômitos (5) alucinações ou ilusões visuais, táteis ou auditivas transitórias (6) agitação psicomotora (7) ansiedade (8) convulsões de grande mal C. Os sintomas no Critério B causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo ao funcionamento social, ocupacional ou em outras áreas importantes. D. Os sintomas não se devem a uma condição médica geral, nem são melhor explicados por outro transtorno mental. Especificar se: Com perturbações da percepção De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
Dependência e abuso A dependência e o abuso de sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos são diagnosticados conforme os critérios gerais do DSMIV-TR para dependência e abuso de substâncias (ver Tabs. 12.15, 12.1-6 e 12.1-7). Intoxicação O DSM-IV-TR contém um único grupo de critérios diagnósticos para intoxicação com qualquer substância sedativa, hipnótica ou ansiolítica (Tab. 12.12-2). Embora as síndromes de intoxicação induzidas por todas essas substâncias sejam semelhantes, di-
498
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
ferenças clínicas sutis são observadas, em especial nas intoxicações que envolvem doses baixas. O diagnóstico de intoxicação por substância dessa classe é melhor confirmado obtendo-se amostra de sangue para triagem. Benzodiazepínicos. A intoxicação com benzodiazepínicos pode estar associada à desinibição comportamental, resultando potencialmente em comportamento hostil ou agressivo. O efeito talvez seja mais comum quando esses agentes são consumidos em combinação com álcool. A intoxicação por benzodiazepínicos está associada a menos euforia do que se observa com outras drogas desta classe. Essa característica é a base para o potencial menor de abuso e dependência de benzodiazepínicos do que de barbitúricos. Barbitúricos e substâncias assemelhadas. Quando barbitúricos e substâncias assemelhadas são tomados em doses relativamente baixas, a síndrome clínica de intoxicação não pode ser distinguida da associada à intoxicação com álcool. Os sintomas incluem preguiça, falta de coordenação, dificuldade para pensar, memória fraca, fala e compreensão lentas, julgamento prejudicado, impulsos sexuais agressivos e desinibidos, atenção limitada, instabilidade emocional e traços de personalidade exagerados. A preguiça tende a desaparecer em algumas horas, mas, dependendo da meia-vida da substância consumida, o comprometimento do julgamento, o humor distorcido e os problemas com as habilidades motoras podem permanecer por 12 a 24 horas. Outros sintomas potenciais são hostilidade, argumentatividade, morosidade e, às vezes, ideações paranóide e suicida. Os efeitos neurológicos incluem nistagmo, diplopia, estrabismo, marcha atáxica, sinal de Romberg positivo, hipotonia e redução em reflexos superficiais. Abstinência O DSM-IV-TR contém um grupo único de critérios diagnósticos para abstinência de substâncias sedativas, hipnóticas e ansiolíticas (Tab. 12.12-3). Os clínicos podem especificar “com perturbações da percepção” se ilusões, percepções alteradas ou alucinações estiverem presentes, mas acompanhadas por teste da realidade intacto. Lembre-se de que os benzodiazepínicos são associados à síndrome de abstinência que pode resultar em complicações médicas sérias, como convulsões. Benzodiazepínicos. A gravidade da síndrome de abstinência associada aos benzodiazepínicos varia de maneira significativa, dependendo da dose média e da duração do uso, mas pode ocorrer após o uso a curto prazo de doses relativamente baixas. Uma síndrome de abstinência significativa pode surgir com a cessação de doses na faixa de 40 mg de diazepam, por exemplo, embora doses de 10 a 20 mg por dia, consumidas durante um mês, também resultem em síndrome de abstinência quando a administração é interrompida. É usual os sintomas iniciarem de 2 a 3 dias depois da cessação do uso, mas, com drogas de ação prolongada, como o diazepam, a latência antes do início pode ser de 5 a 6 dias. Os sintomas incluem ansiedade, disforia, intolerância a luzes fortes e ruídos altos, náusea, sudorese, contração muscular e,
às vezes, convulsões (em geral com doses de 50 mg ou mais de diazepam por dia). Barbitúricos e substâncias assemelhadas. A síndrome de abstinência para barbitúricos e substâncias assemelhadas varia de sintomas leves (p. ex., ansiedade, fraqueza, sudorese e insônia) a graves (p. ex., convulsões, delirium, colapso cardiovascular e morte). Pessoas que consomem fenobarbital na faixa de 400 mg por dia podem experimentar sintomas de abstinência leves. Aquelas que abusam da substância na faixa de 800 mg por dia desenvolvem hipotensão ortostática, fraqueza, tremor e ansiedade grave. Cerca de 75% desses indivíduos têm convulsões relacionadas à abstinência. Os usuários de doses acima de 800 mg por dia podem apresentar anorexia, delirium, alucinações e convulsões repetidas. A maior parte dos sintomas aparece nos três primeiros dias de abstinência, e as convulsões tendem a ocorrer no segundo ou terceiro dia, quando os sintomas são piores. Se houver convulsões, elas sempre precedem o desenvolvimento de delirium. Os sintomas raramente ocorrem mais de uma semana após a interrupção da substância. Quando há transtorno psicótico, ele começa entre o terceiro e o oitavo dia. Os sintomas associados, em geral, duram entre dois e três dias, mas podem durar até duas semanas. O primeiro episódio da síndrome costuma se manifestar após 5 a 15 anos de uso pesado da substância.
Delirium O DSM-IV-TR permite o diagnóstico de delirium por intoxicação e por abstinência de sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos (ver Tabs. 10.2-3 e 10.2-4). O delirium que não pode ser distinguido do delirium tremens associado à abstinência de álcool é visto com mais freqüência na abstinência de barbitúricos do que na de benzodiazepínicos. O delirium associado à intoxicação pode ser observado com ambas as classes se as doses forem suficientemente elevadas. Demência persistente O DSM-IV-TR permite o diagnóstico de demência persistente induzida por sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos (ver Tab. 10.35). A existência do transtorno é controversa, pois há incertezas quando ao fato de se a demência persistente se deve ao abuso em si ou a outros aspectos do uso da substância. É importante avaliar o diagnóstico usando os critérios do DSM-IV-TR para garantir sua validade. Transtorno amnéstico persistente O DSM-IV-TR refere o diagnóstico de transtorno amnéstico persistente induzido por sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos (ver Tab. 10.4-3). Os transtornos amnésticos associados a sedativos, hipnóticos e ansiolíticos podem ser subdiagnosticados. Uma exceção é o grande número de relatos de episódios amnésticos associados ao uso a curto prazo de benzodiazepínicos com meiasvidas curtas (p. ex., triazolam [Halcion]).
TRANSTORNOS RELACIONADOS A
Transtornos psicóticos Os sintomas psicóticos da abstinência de barbitúricos podem não ser distinguidos dos sintomas de delirium tremens associado ao álcool. A agitação, os delírios e as alucinações em geral são visuais, mas, às vezes, desenvolvem-se aspectos táteis ou auditivos após uma semana de abstinência. Os sintomas psicóticos associados à intoxicação ou à abstinência são mais comuns com os barbitúricos, sendo diagnosticados como transtornos psicóticos induzidos por sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos (ver Tab. 14.47, Cap. 14). Os clínicos também podem especificar se os sintomas predominantes são delírios ou alucinações. Outros transtornos O uso de sedativos, hipnóticos e ansiolíticos também foi associado a transtornos do humor (ver Tab. 15.3-10), transtornos de ansiedade (ver Tab. 16.7-3), transtornos do sono (ver Tab. 24.220) e disfunções sexuais (ver Tab. 21.2-12). Quando nenhuma das categorias discutidas for adequada para uma pessoa com transtorno por uso de sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos, o diagnóstico adequado é transtorno relacionado a sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos sem outra especificação (Tab. 12.12-4). CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS Padrões de abuso Uso oral. Sedativos, hipnóticos e ansiolíticos podem ser consumidos por via oral, seja de forma ocasional, para obter efeito específico e temporário, ou regular, para obter estado de intoxicação constante e leve. O padrão de uso ocasional é associado a pessoas jovens que tomam a substância para ter efeitos específicos – relaxamento por uma noite, intensificação de atividades sexuais e período rápido de euforia leve. A personalidade e as expectativas do usuário quanto aos efeitos da substância, bem
SUBSTÂNCIAS
499
como o cenário em que é consumida, também afetam a experiência que ela induz. O padrão de uso regular é associado a pessoas de meia-idade e classe média que geralmente obtêm a substância com o médico da família como prescrição para insônia ou ansiedade. Os usuários desse tipo podem obter prescrições com vários profissionais, e o padrão de abuso pode passar despercebido até que sinais óbvios de abuso ou dependência sejam notados pela família, por colegas de trabalho ou pelos médicos. Uso intravenoso. Uma forma grave de abuso envolve o uso intravenoso desta classe de substâncias. Os usuários são, em sua maioria, jovens com envolvimento íntimo com substâncias ilegais. O uso intravenoso de barbitúricos está associado à sensação agradável de letargia, e os usuários podem ficar inclinados a usálos mais do que opióides, pois são mais baratos. Os perigos físicos do uso injetável incluem a transmissão do vírus da imunodeficiência humana (HIV), celulite, complicações vasculares com a injeção acidental em uma artéria, infecções e reações alégicas a contaminantes. O uso intravenoso está associado à tolerância e à dependência profundas e à grave síndrome de abstinência. Superdosagem Benzodiazepínicos. Ao contrário dos barbitúricos e de substâncias assemelhadas, os benzodiazepínicos têm ampla margem de segurança quando consumidos em superdosagem, característica que contribuiu de forma significativa para sua rápida aceitação. A razão da dose letal para a dose efetiva é de 200 para 1 ou mais, por causa do grau mínimo de depressão respiratória associado a esta classe. Uma lista de doses terapêuticas equivalentes de benzodiazepínicos é apresentada na Tabela 12.12-5. Mesmo quando quantidades muito excessivas (mais de 2 g) são ingeridas em tentativas de suicídio, os sintomas são apenas torpor, letargia, ataxia, confusão e depressão leve dos sinais vitais do usuário. Uma condição muito mais séria ocorre quando são consumidas em superdosagem combinados com outras substâncias sedativo-hipnóticas, como o álcool. Nesses casos, pequenas doses de benzodiazepínicos po-
TABELA 12.12-4 Transtorno relacionado a sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos sem outra especificação segundo o DSM-IV-TR A categoria transtorno relacionado a sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos sem outra especificação aplica-se a transtornos associados ao uso de sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos que não possam ser classificados como dependência de sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos; abuso de sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos; intoxicação com sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos; abstinência de sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos; delirium por intoxicação com sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos; delirium por abstinência de sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos; demência persistente induzida por sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos; transtorno amnéstico persistente induzido por sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos; transtorno psicótico induzido por sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos; transtorno do humor induzido por sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos; transtorno de ansiedade induzido por sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos; disfunção sexual induzida por sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos ou transtorno do sono induzido por sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
TABELA 12.12-5 Doses terapêuticas equivalentes aproximadas de benzodiazepínicos Nome genérico
Nome comercial
Dose (mg)
Alprazolam Clordiazepóxido Clonazepam Clorazepato Diazepam Estazolam Flurazepam Lorazepam Oxazepam Prazepam Temazepam Triazolam Quazepam Zolpidema
Frontal, Apraz Psicosedin Rivotril Tranxilene Valium Noctal Dalmadorm Lorax Serax Paxipam Restoril Halcion Doral Stinox
1 25 0,5 a 1 15 10 1 30 2 30 80 20 0,25 15 10
aImidazopiridina
agonista de benzodiazepínicos
500
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
dem causar a morte. A disponibilização do flumazenil (Romazicon), antagonista de benzodiazepínicos específico, reduziu a letalidade de agentes desta classe. Ele pode ser usado em salas de emergência para reverter os efeitos desses fármacos. Barbitúricos. Os barbitúricos são letais quando tomados em superdosagem, pois induzem depressão respiratória. Além de tentativas de suicídio intencionais, a ocorrência de superdosagens acidentais ou involuntárias é comum. O fato de estarem guardados em armários e gavetas de remédios em casa são uma das causas de superdosagens fatais em crianças. Como no caso dos benzodiazepínicos, seus efeitos letais são aditivos aos de outros sedativos ou hipnóticos, incluindo o álcool e os benzodiazepínicos. A superdosagem de barbitúricos se caracteriza por indução de coma, parada respiratória, insuficiência cardiovascular e morte. A dose letal varia segundo a via de administração e o grau de tolerância para a substância após abuso prolongado. Para os barbitúricos mais consumidos, a razão da dose letal para a dose efetiva varia entre 3 para 1 e de 30 para 1. Os usuários dependentes tomam dose diária média de 1,5 g de algum barbitúrico de ação rápida, e alguns tomam até 2,5 g por dia durante meses. A dose letal não é muito maior para o usuário de longo prazo do que para o neófito. A tolerância se desenvolve rapidamente até o ponto em que se torna necessário forçar a abstinência em hospital para prevenir a morte por superdosagem. Substâncias assemelhadas a barbitúricos. Estas variam em sua letalidade e geralmente são intermediárias entre a relativa segurança dos benzodiazepínicos e a elevada letalidade dos barbitúricos. A superdosagem de metaqualona, por exemplo, pode resultar em inquietação, delirium, hipertonia, espasmos musculares, convulsões e, em doses muito altas, morte. Ao contrário dos barbitúricos, a metaqualona raramente causa depressão cardiovascular ou respiratória, e a maioria das mortes resulta da combinação entre metaqualona e álcool. TRATAMENTO E REABILITAÇÃO Abstinência Benzodiazepínicos. Como alguns benzodiazepínicos são eliminados de forma lenta, os sintomas da abstinência podem continuar por várias semanas. Para prevenir a ocorrência de convulsões e outros sintomas da abstinência, os clínicos devem reduzir a dose de modo gradual. Diversos relatos indicam que a carbamazepina (Tegretol) pode ser útil no tratamento da abstinência. A Tabela 12.12-6 lista diretrizes para tratar a abstinência de benzodiazepínicos. Barbitúricos. Para evitar a morte súbita durante a abstinência de barbitúricos, os clínicos devem seguir diretrizes clínicas conservadoras. Não se recomenda administrar barbitúricos a pacientes em coma ou muito intoxicados. Deve-se tentar determinar a dose diária usual consumida pelo indivíduo e verificar clinicamente a dosagem. Por exemplo, o clínico pode dar uma dose experimental de 200 mg de pentobarbital a cada
TABELA 12.12-6 Diretrizes para o tratamento de abstinência de benzodiazepínicos 1. Avalie e trate condições médicas e psiquiátricas concomitantes. 2. Obtenha a história da droga e amostras de urina e sangue para exame a fim de detectar substâncias e álcool. 3. Determine a dose necessária de benzodiazepínico ou barbitúrico para a estabilização, orientado pela história, pelo quadro clínico, pelo exame de drogas e álcool e (em alguns casos) por dose experimental. 4. Desintoxicação de dosagens supraterapêuticas: a. Hospitalize se houver indicações médicas ou psiquiátricas, pouco apoio social, dependência de substâncias múltiplas ou se o paciente não for confiável. b. Alguns clínicos recomendam trocar para benzodiazepínico de ação mais prolongada para a abstinência (p. ex., diazepam, clonazepam); outros aconselham estabilizar com a substância que o paciente estava tomando ou com fenobarbital. c. Após a estabilização, reduza a dosagem em 30% no segundo ou terceiro dia e avalie a resposta, tendo em mente que os sintomas que ocorrem após reduções de benzodiazepínicos com meias-vidas de eliminação curtas (p. ex., lorazepam) surgem antes dos de meias-vidas de eliminação mais longas (p. ex., diazepam). d. Reduza a dosagem ainda mais, em 10 a 25% em alguns dias, se houver tolerância. e. Use outros medicamentos, se necessário – carbamazepina, antagonistas de receptores β-adrenérgicos, valproato, clonidina e antidepressivos sedativos já foram usados, mas sua eficácia no tratamento da síndrome de abstinência não foi estabelecida. 5. Desintoxicação de dosagens terapêuticas: a. Inicie com redução de 10 a 25% na dose e avalie a resposta. b. A dose, a duração da terapia e a gravidade da ansiedade influenciam a taxa de redução e a necessidade de medicamentos de apoio. c. A maioria dos pacientes que tomam doses terapêuticas tem descontinuação descomplicada. 6. As intervenções psicológicas podem ajudar os pacientes em desintoxicação e o manejo da ansiedade a longo prazo. Cortesia de Domenic A. Ciraulo, M.D., e Ofra Sarid-Segal, M.D.
hora até que leve intoxicação ocorra, mas os sintomas de abstinência estejam ausentes (Tab. 12.12-7). Então pode reduzir de forma gradual a dose total à taxa de 10% ao dia. Quando a dose correta for determinada, pode-se usar barbitúrico de ação prolongada para o período de desintoxicação. Durante esse processo, o paciente pode começar a experimentar sintomas de abstinência, em cujo caso o clínico deve reduzir o decremento diário à metade. No processo de retirada, o fenobarbital pode substituir barbitúricos de ação curta que costumam ser consumidos em abuso. Os efeitos desse agente duram mais tempo, e como há menos oscilação nos níveis sangüíneos do barbitúrico, ele não causa sinais tóxicos observáveis ou superdosagem séria. A dose adequada seria de 30 mg de fenobarbital para cada 100 mg da substância de ação curta. O usuário deve ser mantido por pelo menos dois dias nesse nível antes que a dosagem possa ser reduzida. O regime é análogo ao da substituição de heroína por metadona. Após a abstinência estar completa, o paciente deve superar o desejo de começar a consumir a droga novamente. Mesmo que a substituição de sedativos ou hipnóticos não-barbitúricos por barbitúricos tenha sido sugerida como medida terapêutica pre-
TRANSTORNOS RELACIONADOS A
TABELA 12.12-7 Procedimento de teste de dosagem de pentobarbital para abstinência de barbitúricos
Sintomas após doseteste oral com 200 mg de pentobarbital Nível I: Adormecido, mas excitável; sintomas de abstinência improváveis Nível II: Leve sedação; paciente pode ter fala arrastada, ataxia, nistagmo Nível III: Paciente está confortável: sem evidências de sedação; pode ter nistagmo Nível IV: Sem efeitos da substância
Dose oral estimada de pentobarbital para 24 horas (mg)
Dose oral estimada de fenobarbital para 24 horas (mg)
0
0
500 a 600
150 a 200
800
250
1.000 a 1.200
300 a 600
Modificada de Ciraulo DA, Shader RI, eds. Clinical Manual of Chemical Dependence. Washington, DC: American Psychiatric Press; 1991. A partir de dados de Ewing JA, Bakewell WE. Diagnosis and management of depressant drug dependence. Am J Psychiatry 1967;123:909.
SUBSTÂNCIAS
501
substâncias com benefícios terapêuticos valiosos e inquestionáveis exemplifica a crescente interferência do governo na prática da medicina e no relacionamento confidencial entre médicos e pacientes. Essas restrições contribuem pouco para reduzir o abuso de cocaína, opióides ou benzodiazepínicos. O número de prescrições diminuiu no Estado de Nova York após o uso dos formulários governamentais ser aprovado. Se isso decorreu de padrões melhores para a prática da prescrição ou da intimidação dos médicos – ou de ambos – permanece em aberto. Nova York está entre os 18 estados que regulam as substâncias controladas do nível II com formulários fornecidos pelo estado. Em 1991, um simpósio patrocinado pela Sociedade Médica do Estado de Nova York concluiu que as prescrições em triplicata prejudicam o tratamento do paciente. As desvantagens do programa foram sintetizadas após a condução de pesquisa com 1.513 médicos (Tab. 12.12-8).
TABELA 12.12-8 Desvantagens do programa de prescrição em triplicata de Nova York %a
ventiva, isso muitas vezes resulta em trocar a dependência de uma substância por outra. Para que o usuário permaneça livre de substâncias, é vital que haja acompanhamento, em geral com apoio psiquiátrico e da comunidade. De outra forma, é quase certo que o paciente retornará aos barbitúricos ou à substância com riscos semelhantes. Superdosagem O tratamento da superdosagem desta classe de substâncias envolve lavagem gástrica, carvão ativado e o monitoramento cuidadoso de sinais vitais e da atividade do sistema nervoso central (SNC). Os pacientes que procuram atenção médica enquanto estão conscientes devem ser impedidos de perder a consciência. Recomenda-se induzir vômito e administrar carvão ativado para retardar a absorção gástrica. Se o paciente está em coma, o clínico deve estabelecer o acesso intravenoso, monitorar os sinais vitais, inserir tubo endotraqueal para manter uma via aérea aberta e proporcionar ventilação mecânica, se necessário. A hospitalização de pacientes comatosos em unidade de tratamento intensivo costuma ser necessária durante os primeiros estágios da superdosagem. QUESTÕES LEGAIS As agências estaduais e federais têm tentado restringir a distribuição de benzodiazepínicos, exigindo o preenchimento de formulários especiais. Por exemplo, por meio dos formulários de prescrição oficiais do estado de Nova York (anteriormente chamados de formulários em triplicata), os nomes dos médicos e dos pacientes são arquivados em banco de dados. Os governos adotaram medidas para bloquear o abuso, mas a maior parte do consumo para tal fim parte da fabricação e da venda ilícitas e do desvio de substâncias, particularmente para adictos em cocaína e opióides, e não das receitas de médicos ou de empresas farmacêuticas legítimas. A tentativa de reduzir o uso de
Permite, de forma inadequada, que os legisladores 75 comandem a prática da medicina Consome muito tempo do médico 74 Viola a confidencialidade entre médico e paciente 64 Impõe monitoramento desnecessário sobre o médico 56 Aumenta o custo para os pacientes 49 Cria preocupações relacionadas à abstinência do 29 benzodiazepínico Outras desvantagens 20 Aumenta a possibilidade de roubo ou agressão Exige que o médico pratique medicina defensiva ou reativa Aumenta o custo para o médico Não provou eliminar o abuso de substâncias Aumenta a probabilidade de responsabilização por erro médico Força a prescrição de medicamentos menos eficazes e mais perigosos Cria precedente para mais controles governamentais Força os pacientes a buscarem fontes alternativas de substâncias aPorcentagens
refletem a proporção daqueles (N = 1.185) que consideravam que o programa de prescrição em triplicata tem desvantagens. Reimpressa, com permissão, dos anais do simpósio, “Triplicate Prescription: Issues and Answers”, patrocinado pela Medical Society of the State of New York, February 28, 1991.
Pesquisas recentes com pacientes psiquiátricos (exceto os diagnosticados como pessoas que abusam de substâncias) demonstraram taxas elevadas de uso de prescrições para benzodiazepínicos, mas nível uniformemente baixo de abuso. Assim, os médicos não devem negar o fornecimento desses agentes para seus pacientes com problemas emocionais por medo de abuso. REFERÊNCIAS American Psychiatric Association. Benzodiazepine Dependence, Toxicity, and Abuse. Washington, DC: American Psychiatric Association; 1990. Ciraulo, DA, Sarid-Segal O. Sedative-, hypnotic-, or anxiolytic-related disorders. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:1071.
502
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Cole JO. Chaiarello RJ. The benzodiazepines as drugs of abuse. J Psychiatry Res. 1990;24(3 suppl 2):135. Juergens SM. Benzodiazepines and addiction. Psychiatr Clin North Am. 1993;16:75. Klein RL, Whiting PJ, Harris RA. Benzodiazepine treatment causes uncoupling of recombinant GABA-A receptors expressed in stably transfected cells. J Neurochem. 1994;63:2349. Lader M, Farr I, Morton S. A comparison of alpidem and placebo in relieving benzodiazepine withdra wal symptoms. Int Clin Psychopharmacol. 1993;8:31. Nutt DJ. Pharmacological mechanisms of benzodiazapine withdrawal. J Psychiatr Res. 1990;24(3 suppl 2):105. Pandit SA, Argyropoulos S, Nutt DJ. Current status of anxiolytic drugs. Prim Care Psychiatry. 2001;7:1. Patterson JF. Withdrawal from alprazolam dependency using clonazepam: clinical observations. J Clin Psychiatry. 1990;51(9 suppl):47. Piper A Jr. Addiction to benzodiazepines—how common? Arch Fam Med. 1995;4:964. Rickels K, Schweizer E, Case WG, Greenblatt DJ. Long-term therapeutic use of benzodiazepines: I. Effects of abrupt discontinuation. Arch Gen Psychiatry. 1990;47:899. Romach M, Busto U, Somer G, Kaplan HL, Sellers E. Clinical aspects of chronic use of alprazolam and lorazepam. Am J Psychiatry. 1995;152:1161. Schweizer E, Rickels K, Case WG, Greenblatt DJ. Long-term therapeutic use of benzodiazepines: II. Effects of gradual taper. Arch Gen Psychiatry. 1990;47:908. Schweizer E, Rickels K, Case WG, Greenblatt DJ. Carbamazepine treatment in patients discontinuing long-term benzodiazepine therapy: effects on withdrawal severity and outcome. Arch Gen Psychiatry. 1991;48:448. Seiverwright N, Dougal W. Withdrawal symptoms from high dose benzodiazepines in poly drug users. Drug Alcohol Depend. 1993;32:15. Staley KJ, Soldo BL, Proctor WR. Ionic mechanisms of neuronal excitation by inhibitory GABAA receptors. Science. 1995;269:977.
12.13 Abuso de esteróides anabolizantes Os esteróides anabolizantes são uma família de drogas que inclui o hormônio masculino natural testosterona e o grupo de muitos sintéticos análogos à testosterona, sintetizados desde a década de 1940 (Tab. 12.13-1). Todas essas drogas possuem vários graus de efeitos anabolizantes (formação muscular) e androgênicos (masculinizantes). Muitos esteróides anabolizantes sintéticos, como o Dianabol, o Anavar e o Winstrol-V, estão disponíveis em fórmulas orais, transdérmicas e intramusculares. Os esteróides anabolizantes são drogas do nível III e, portanto, estão sujeitos aos mesmos requerimentos regulatórios que os narcóticos. Embora tenham usos médicos legítimos, são utilizados de maneira ilegal para aumentar o desempenho físico e a massa muscular. EPIDEMIOLOGIA Um número estimado de 1 milhão de pessoas nos Estados Unidos já usou esteróides ilegais pelo menos uma vez. Os usuários são principalmente de classe média e brancos. O número de usuá-
TABELA 12.13-1 Exemplos de esteróides anabolizantes de uso comuma Compostos geralmente administrados por via oral Fluoximesterona (Halotestin, Android-F, Ultandren) Metandienona (anteriormente chamada de metandrostenolona) (Dianabol) Metiltestosterona (Android, Testred, Virilon) Mibolerona (Cheque Dropsb) Oxandrolona (Anavar) Oximetolona (Anadrol, Hemogenin) Mesterolona (Mestoranum, Proviron) Stanozolol (Winstrol) Compostos geralmente administrados por via intramuscular Decanoato de nandrolona (Deca-Durabolin) Fenpropionato de nandrolona (Durabolin) Enantato de metenolona (Primobolan depot) Undecilenato de boldenona (Equipoiseb) Stanozolol (Winstrol-Vb) Misturas de ésteres de testosterona (Sustanon, Sten) Cipionato de testosterona Enantato de testosterona (Delatestryl) Propionato de testosterona (Testoviron, Androlan) Undecanoato de testosterona (Andriol, Restandol) Acetato de trenbolona (Finajet, Finaplixb) Hexaidrobencilcarbonato de trenbolona (Parabolan) aMuitas das marcas são estrangeiras, mas são incluídas pelo uso disseminado de fórmulas esteróides ilícitas nos Estados Unidos. bComposto veterinário.
rios masculinos de esteróides anabolizantes é muito maior do que o de mulheres, em razão de aproximadamente 6 para 1. Cerca da metade dos usuários começou antes dos 16 anos. Em uma pesquisa, 1,5% das pessoas entrevistadas relatou uso não-médico dessas drogas. O uso mais elevado foi entre pessoas de 18 a 25 anos, e aquelas entre 26 e 34 tiveram a segunda maior taxa de uso. Estimativas de uso entre fisicultores variaram de 50 a 80%. NEUROFARMACOLOGIA Após a administração oral de testosterona, apenas quantidades pequenas da droga atingem a circulação sistêmica inalteradas. A baixa biodisponibilidade desse tipo de administração resulta do metabolismo da droga na mucosa gastrintestinal durante a primeira passagem pelo fígado. Os andrógenos sintéticos (p. ex., a fluoximesterona e a metiltestosterona) também são menos metabolizadas após a administração oral. No plasma, a testosterona é 98% ligada à globulina específica para testosterona e estradiol. Sua meia-vida plasmática varia de 10 a 100 minutos. Ela é metabolizada principalmente no fígado, em diversos 17-cetoesteróides. ETIOLOGIA As pessoas que usam essas drogas costumam estar envolvidas em atividades que exigem força e resistência. Esses usuários incluem atletas que participam de provas de atletismo, halterofilistas e outros que desejam desempenho extraordinário, geralmente em cenários esportivos competitivos. O uso é reforçado pelos resultados do comportamento de tomar a droga, como maior massa muscular ou resistência prolongada. A vulnerabilidade psicodi-
TRANSTORNOS RELACIONADOS A
nâmica ao uso indevido de esteróides anabolizantes inclui baixa auto-estima e perturbações da imagem e da aparência do corpo. Os usuários adolescentes – tanto hetero quanto homossexuais – equiparam ter um corpo de Adônis à capacidade de atrair parceiros sexuais. Essas drogas também podem ser usadas para negar deficiências narcisistas percebidas. DIAGNÓSTICO E CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS Devido a seus efeitos psiquiátricos, os esteróides anabolizantes receberam atenção de psiquiatras. Eles podem, em um primeiro momento, induzir euforia e hiperatividade. Contudo, após períodos relativamente curtos, seu uso pode se tornar associado a raiva, excitação, irritabilidade, hostilidade, ansiedade, somatização e depressão (em especial durante épocas em que não são usados). Diversos estudos demonstraram que de 2 a 15% dos que abusam de esteróides anabolizantes experimentam episódios hipomaníacos ou maníacos, e uma porcentagem menor pode ter sintomas claramente psicóticos. Algo que também perturba é a correlação entre o abuso de esteróides e a violência. Usuários de esteróides sem registro de comportamento anti-social ou violência já cometeram assassinatos ou outros crimes violentos. Os esteróides são substâncias adictivas. Quando os usuários param de consumi-los, podem ficar deprimidos, ansiosos e preocupados com o estado físico de seus corpos. Algumas semelhanças foram observadas entre as visões de atletas sobre seus músculos e as visões de pacientes com anorexia nervosa sobre seus corpos. Para um observador externo, ambos os grupos parecem distorcer a avaliação realista do corpo. A dependência iatrogênica deve ser considerada, em vista do número crescente de pacientes geriátricos que estão recebendo testosterona para aumentar a libido e reverter alguns aspectos do envelhecimento. Efeitos adversos Esteróides anabolizantes. O uso de esteróides anabolizantes tem efeitos físicos óbvios. Podem causar o rápido desenvolvimento, definição e aumento da massa muscular. Homens que abusam de esteróides podem ter acne, calvície prematura, amarelamento da pele e dos olhos, ginecomastia e redução dos testículos e da próstata. Jovens que abusam de esteróides podem ter aumento doloroso dos órgãos genitais. O uso dessas substâncias por adolescentes também pode levar à atrofia do crescimento, causando fechamento prematuro das placas ósseas. Em mulheres, pode haver aprofundamento da voz, alopecia ou hirsutismo, acne, encolhimento dos seios, aumento do clitóris (que pode ser irreversível) e irregularidades no ciclo menstrual. Além disso, podem produzir resultados anormais em testes de função hepática, diminuir os níveis de lipoproteínas de alta densidade no sangue e aumentar os níveis de proteínas de baixa densidade. Foi relatada menor espermogênese, bem como associação entre o abuso de esteróides anabolizantes e infarto do miocárdio e doenças cerebrovasculares.
SUBSTÂNCIAS
503
Desidroepiandrosterona (DHEA) e androstenediona. A DHEA e a androstenediona são andrógenos adrenais vendidos como suplementos alimentares em lojas de alimentos naturais, mas que não foram aprovadas ou reguladas pela Food and Drug Administration. São esteróides precursores de andrógenos e estrógenos. As pessoas que tomam essas substâncias relatam maior bem-estar físico e psicológico. Seus efeitos adversos em doses elevadas são semelhantes aos dos esteróides anabolizantes e incluem mudanças na voz, acne, hirsutismo e câncer de próstata. Como a DHEA está disponível em lojas de produtos naturais nos Estados Unidos e pode ter potencial dependência, deve-se esperar o aumento nos relatos de uso indevido e efeitos adversos. A. é um homem branco de 26 anos de idade. Ele mede 1,75 e pesa 92 kg, com 11% de gordura corporal. Afirma ter começado a levantar pesos com 17 anos, quando pesava 70 kg. Dentro de um ano após começar a praticar halterofilismo, começou a tomar esteróides anabolizantes fornecidos por um amigo da academia. Seu primeiro ciclo de esteróides, que durou nove semanas, envolveu 30 mg de metandienona por dia por via oral e 600 mg de testosterona por semana por via intramuscular. Durante esse período, ganhou nove quilos de massa muscular. Ele estava tão contente com os resultados que tomou outros cinco ciclos de esteróides anabolizantes nos próximos seis anos. Durante seu ciclo mais ambicioso, há aproximadamente um ano, usou 600 mg de cipionato de testosterona e 400 mg de decanoato de nandrolona (Deca-Durabolin) por semana, e 12 mg de stanozolol (Winstrol) e 10 mg de oxandrolona (Anavar) por dia. Durante cada um dos ciclos, A. teve euforia, irritabilidade e sentimentos grandiosos. Esses sintomas foram mais proeminentes durante seu ciclo mais recente, quando se sentiu invencível. Durante essa fase, também notou necessidade menor de dormir, pensamentos rápidos e tendência de gastar grandes quantidades de dinheiro. Por exemplo, de maneira impulsiva, comprou um aparelho de som de 2.700 dólares, quando não poderia gastar mais de 500. Também ficou irritadiço com sua namorada e, em uma ocasião, deu um soco na janela lateral do carro dela durante uma briga – um ato que não condiz com sua personalidade normalmente calma. Após esse ciclo acabar, ele ficou moderadamente deprimido por dois meses, com hipersonia, anorexia e libido notavelmente reduzida, além de ideação suicida ocasional. Ele fumava maconha quase diariamente durante seus dois últimos anos do ensino médio, e continua a fumar pelo menos duas vezes por semana. Teve experiências breves com alucinógenos, cocaína, opiáceos e estimulantes, mas raramente os consumiu nos últimos anos. Entretanto, usou diversas substâncias para perder peso para se preparar para concursos de fisiculturismo, incluindo efedrina, anfetamina, triiodotironina e tiroxina. Recentemente, começou a usar o agonistaantagonista de opióides nalbufina (Nubain) por via intravenosa para tratar dores musculares causadas pelo levantamento de peso. Ele relata que o uso de nalbufina intravenosa é disseminado entre os outros usuários de esteróides anabolizantes que conhece.
504
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
A. apresenta as características típicas de dismorfia muscular. Confere sua aparência dezenas de vezes por dia em espelhos, quando enxerga seu reflexo em vitrines de lojas ou mesmo em uma colher. Fica ansioso se faltar um dia da malhação na academia e reconhece que essa preocupação com o levantamento de peso já lhe custou várias oportunidades sociais e ocupacionais. Embora tenha um peito de 125 cm e bíceps de 48 cm, freqüentemente recusa convites para ir à praia ou à piscina por medo de parecer pequeno em roupa de banho. Ele está ansioso porque perdeu peso desde o seu último ciclo com esteróides, e não vê a hora de tomar outra rodada de esteróides anabolizantes em futuro próximo. (Cortesia de Harrison G. Pope Jr., M.D., e Kirk J. Brower, M.D.)
imprevisível de sua ação limita seu uso. Recentemente, foi estudado para o tratamento de abstinência de álcool e opióides e narcolepsia. Até 1990, era vendido em lojas de suplementos alimentares nos Estados Unidos, e os fisiculturistas o usavam como alternativa aos esteróides. Porém, relatos indicam que o GHB é consumido em abuso por seus efeitos intoxicantes e propriedades de alterar a consciência. Ele é chamado de “GBH” e “êxtase líquido” e vendido ilegalmente em várias formas (p. ex., pó e líquido). Químicos semelhantes, que o corpo converte em GHB, incluem gama butirolactona (GBL) e 1,4-butanediol. Seus efeitos adversos incluem náusea, vômito, problemas respiratórios, convulsões, coma e morte. Em alguns relatos, o uso de GHB foi ligado a uma síndrome semelhante à de Wernicke-Korsakoff. NITRITOS INALANTES
REFERÊNCIAS Abromowitz M. Dehydroepiandrosterone (DHEA). Med Lett Drug Ther. 1996;38:91. Brower KJ. Anabolic steroids: a mind-body problem. Psychiatry Ann. 1992;22:2. Clancy GP, Yates WR. Anabolic steroid use among substance abusers in treatment. J Clin Psychiatry. 1992;53:97. DuRant RH, Rickert VI, Ashworth CS, et al. Use of multiple drugs among adolescents who use anabolic steroids. N Engl J Med. 1993;328:922. Gonzalez A, McLachlan S, Keaney F. Anabolic steroid misuse: how much should we know? Int J Psychiatry Clin Pract. 2001;5:159. Gruber AJ, Pope HG Jr. Psychiatric and medical effects of anabolic-androgenic steroid use in women. Psychoter Psychosom. 2000; 16:195. Pope HG, Brower KJ. Anabolic-androgenic steroid abuse. In: Sadock BJ. Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:1985.
12.14 Transtornos relacionados a outras substâncias As substâncias que podem ser categorizadas segundo algum esquema foram descritas nas seções anteriores. Esta seção trata de um grupo diverso de drogas que não foram discutidas e que não podem ser agrupadas. O texto revisado da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR) inclui categoria para essas substâncias, chamada de transtornos relacionados a outras substâncias (ou substâncias desconhecidas) (Tab. 12.14-1). Algumas delas são discutidas a seguir. GAMA HIDROXIBUTIRATO (GHB) O GHB é um transmissor de ocorrência natural no cérebro que está relacionado à regulação do sono e que aumenta os níveis de dopamina cerebrais. De modo geral, ele é um calmante do sistema nervoso central (SNC) que atua sobre o sistema de opióides endógenos. É usado para induzir anestesia e sedação prolongada, mas a duração
Os nitritos inalantes incluem amila, butila e nitrito de isobutila, que são chamados de “poppers” na linguagem popular. As síndromes de intoxicação observadas com esses agentes podem diferir muito daquelas detectadas com as substâncias inalantes padronizadas, como fluido de isqueiro e cola de aeromodelismo. Os nitritos inalantes são usados por pessoas que procuram uma euforia leve, sentido alterado de tempo, sensação de cabeça cheia e, possivelmente, intensificação das sensações sexuais. Esses compostos são usados por gays e usuários de outras drogas para aumentar a estimulação sexual durante o orgasmo e, em alguns casos, para relaxar o esfincter anal para penetração do pênis. Nessas circunstâncias, a pessoa pode usar a substância dezenas de vezes em algumas horas. Reações adversas incluem síndrome tóxica caracterizada por náusea, vômito, cefaléia, hipotensão, tontura e instabilidade do trato respiratório. Algumas evidências indicam que os nitritos inalantes podem afetar a função imunológica. O uso combinado de compostos de nitritos com sildenofil (Viagra) é letal, e pessoas em risco devem ser alertadas para tal. ÓXIDO NITROSO O óxido nitroso, conhecido como “gás do riso”, é agente anestésico amplamente disponível que está sujeito a abuso por causa de sua capacidade de produzir sensações de tontura e de estar flutuando, às vezes experimentadas como prazerosas ou especificamente sexuais. Com padrões de abuso de longa duração, é associado a delirium e paranóia. Mulheres que trabalham como assistentes odontológicas e são expostas a níveis altos de óxido nitroso experimentam redução na fertilidade. Um dentista de 35 anos sem história de problemas com outras substâncias queixou-se de problemas com abuso de óxido nitroso por 10 anos. Tudo começou com a experiência com algo que ele considerava ser inofensivo. Contudo, sua taxa de uso aumentou ao longo dos anos, tornando-se quase diária. Ele sentia desejo antes das sessões de uso. Usando o gás em seu consultório, imediatamente sentia insensibilidade, mudança na temperatura e freqüência cardíaca e alívio de sentimentos de depressão. “As coisas voavam pela minha cabeça. O tempo se apaga-
TRANSTORNOS RELACIONADOS A
SUBSTÂNCIAS
505
TABELA 12.14-1 Critérios para transtornos relacionados a outras substâncias (ou a substâncias desconhecidas) segundo o DSM-IV-TR A categoria transtornos relacionados a outras substâncias (ou a substâncias desconhecidas) serve para a classificação de transtornos relacionados a substâncias associados a substâncias que não foram relacionadas anteriormente. Exemplos destas, as quais são descritas em maiores detalhes, incluem esteróides anabolizantes, nitritos inalantes (“poppers”), óxido nitroso, medicamentos vendidos com ou sem prescrição e que não são cobertos pelas 11 categorias (p. ex., cortisol, anti-histamínicos, benzotropina) e outras substâncias com efeitos psicoativos. Além disso, esta categoria pode ser usada quando a substância específica for desconhecida (p. ex., intoxicação após consumir um vidro de comprimidos sem rótulo). Os esteróides anabolizantes às vezes produzem sensação inicial de maior bem-estar (ou até mesmo de euforia), que é substituída, após o uso repetido, por falta de energia, irritabilidade e outras formas de disforia. O uso continuado dessas substâncias pode provocar sintomas mais graves (p. ex., sintomatologia depressiva) e condições médicas gerais (doença hepática). Os nitritos inalantes (“poppers”) (formas de amila, butila e nitrito de isobutila) produzem a intoxicação caracterizada por sensação de “cabeça cheia”, leve euforia, alteração na percepção do tempo, relaxamento dos músculos lisos e uma possível intensificação das sensações sexuais. Além do possível uso compulsivo, essas substâncias trazem perigos de prejuízo potencial ao funcionamento imunológico, irritação do sistema respiratório, diminuição na capacidade de transporte de oxigênio do sangue e reação tóxica que pode incluir vômitos, cefaléia intensa, hipotensão e tonturas. O oxido nitroso (“gás do riso”) causa o início rápido de intoxicação caracterizada por sensação de tontura e de estar flutuando, que desaparece em questão de minutos após a administração. Existem relatos de confusão temporária, mas clinicamente relevante, e estados paranóides reversíveis quando a substância é usada com regularidade. Outras substâncias capazes de produzir intoxicações leves incluem um tipo de menta (Nepeta cataria), que pode produzir estados similares aos observados com a maconha e que, em doses altas, pode resultar em percepções tipo LSD; noz-de-areca, que é mascada em muitas culturas para a produção de euforia leve e sensação de flutuar; e kava (substância extraída da pimenteira do Pacífico Sul), que produz sedação, falta de coordenação, perda de peso, formas leves de hepatite e anormalidades pulmonares. Além disso, os indivíduos podem desenvolver dependência e prejuízo por meio da auto-administração repetida de fármacos vendidos sem prescrição e prescritos, incluindo cortisol, agentes antiparkinsonianos com propriedades anticolinérgicas e anti-histamínicos. Já foram oferecidos textos e conjuntos de critérios para a definição dos aspectos genéricos de dependência de substâncias, abuso de substâncias, intoxicação com substâncias e abstinência de substâncias, aplicáveis a todas as classes. Os transtornos induzidos por outras substâncias (ou substâncias desconhecidas) são descritos em outras seções do manual, junto a transtornos com os quais compartilham fenomenologia (p. ex., transtorno do humor induzido por outra substância [ou substância desconhecida] está incluído na seção “transtornos do humor”). A seguir, estão relacionados os transtornos por uso de outras substâncias (ou substâncias desconhecidas) e os transtornos induzidos por outras substâncias (ou substâncias desconhecidas).
Transtornos por uso de outras substâncias (ou por substâncias desconhecidas) Dependência de outras substâncias (ou por substâncias desconhecidas) Abuso de outras substâncias (ou por substâncias desconhecidas) Transtornos induzidos por outras substâncias (ou por substâncias desconhecidas) Intoxicação com outra substância (ou por substância desconhecida) Especificar se: Com perturbações da percepção Abstinência de outra substância (ou por substância desconhecida) Especificar se: Com perturbações da percepção Delirium induzido por outra substância (ou por substância desconhecida) Demência persistente induzida por outra substância (ou por substância desconhecida) Transtorno amnéstico persistente induzido por outra substância (ou por substância desconhecida) Transtorno psicótico induzido por outra substância (ou por substância desconhecida), com delírios Especificar se: Com início durante a intoxicação Com início durante a abstinência Transtorno psicótico induzido por outra substância (ou por substância desconhecida), com alucinações Especificar se: Com início durante a intoxicação Com início durante a abstinência Transtorno do humor induzido por outra substância (ou por substância desconhecida) Especificar se: Com início durante a intoxicação Com início durante a abstinência Transtorno de ansiedade induzido por outra substância (ou por substância desconhecida) Especificar se: Com início durante a intoxicação Com início durante a abstinência Disfunção sexual induzida por outra substância (ou por substância desconhecida) Especificar se: Com início durante a intoxicação Transtorno do sono induzido por outra substância (ou por substância desconhecida) Especificar se: Com início durante a intoxicação Com início durante a abstinência Transtorno relacionado a outra substância (ou à substância desconhecida) sem outra especificação
De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
va.” Às vezes, pegava no sono. As sessões duravam de alguns minutos a oito horas e terminavam quando acabavam o desejo e a euforia. Ele tentou parar ou diminuir algumas vezes, consultando o médico quanto ao problema.
OUTRAS SUBSTÂNCIAS O tempero noz-moscada pode ser ingerido em diversas fórmulas. Quando se consome noz-moscada em doses suficientemente eleva-
506
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
das, pode-se induzir despersonalização, desrealização e sensações de peso nos membros. Em doses suficientemente altas, as sementes da ipoméia podem produzir uma síndrome parecida com a observada com o dietilamida de ácido lisérgico (LSD), caracterizada por percepções sensoriais alteradas e alucinações visuais leves. Um tipo de menta (Nepeta cataria) pode produzir intoxicação semelhante à observada com cannabis em doses baixas, e LSD em doses elevadas. A noz-de-areca, quando mascada, pode produzir leve euforia e sensação de estar flutuando. A kava, derivada de uma pimenteira nativa do Pacífico Sul, produz sedação e falta de coordenação, e está associada a hepatite, anormalidades pulmonares e perda de peso. Algumas pessoas desenvolvem abuso de medicamentos vendidos com e sem prescrição, como o cortisol, agentes antiparkinsonianos e anti-histamínicos. A efedrina, a substância natural encontrada no chá de ervas, age como a adrenalina e, quando consumida em quantidades abusivas, produz arritmias cardíacas e morte. CHOCOLATE De forma controversa o chocolate derivado do cacau constitui uma possível substância de abuso. A anandamina, ingrediente do chocolate, estimula os mesmos receptores que a maconha. Outros compostos encontrados no chocolate incluem o triptofano, o precursor da serotonina e a fenilalanina, substância assemelhada à anfetamina, os quais melhoram o humor. Os chamados chocólatras podem se automedicar por causa de diátese depressiva. TRANSTORNO RELACIONADO A MÚLTIPLAS SUBSTÂNCIAS Os usuários de substâncias muitas vezes consomem mais de um agente em níveis abusivos. No DSM-IV-TR, o diagnóstico de dependência de múltiplas substâncias é adequado se, pelo período de pelo menos 12 meses, a pessoa usar várias vezes substâncias de pelo menos três categorias (sem incluir cafeína e nicotina), mesmo que os critérios diagnósticos para transtorno relacionado a substâncias não sejam satisfeitos para nenhum agente individual, desde que, durante esse período, os critérios para dependência de substâncias sejam satisfeitos para aquelas consideradas como grupo (Tab. 12.14-2). TRATAMENTO E REABILITAÇÃO As abordagens de tratamento para as substâncias abordadas nesta seção variam de acordo com cada uma delas, com os
TABELA 12.14-2 Critérios para dependência de múltiplas substâncias segundo o DSM-IV-TR Este diagnóstico é reservado para o comportamento, durante o mesmo período de 12 meses, no qual o indivíduo fez uso repetido de pelo menos três grupos de substâncias (não incluindo cafeína e nicotina) sem predomínio de nenhuma substância isolada. Além disso, durante este período, os critérios para dependência foram satisfeitos para as substâncias como um grupo, mas não para qualquer substância específica. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
padrões de abuso, com a disponibilidade de sistemas de apoio psicossocial e com as características de cada paciente. Foram determinados dois objetivos importantes para o tratamento do abuso de substâncias: o primeiro é a abstinência, o segundo é o bem-estar físico, psiquiátrico e psicossocial do paciente. Durante períodos de abuso, os sistemas de apoio para o paciente sofrem danos significativos. Para que o padrão de abuso de substância seja interrompido deve haver apoios psicossociais adequados para promover a difícil mudança de comportamento. Em casos raros, pode ser necessário iniciar o tratamento em unidade de internação. Embora o cenário de tratamento externo seja mais desejável do que interno, as tentações disponíveis de uso repetido podem ser um obstáculo grande demais para o início da terapia. O atendimento hospitalar também é indicado no caso de sintomas médicos ou psiquiátricos graves, a história de tratamentos externos fracassados, falta de apoio psicossocial ou história particularmente longa ou grave de abuso de substâncias. Após período inicial de desintoxicação, os pacientes necessitam de tempo prolongado de reabilitação. Ao longo do tratamento, terapias individuais, familiares ou de grupo podem ser efetivas. A educação quanto ao abuso de substâncias e o apoio aos esforços do paciente são fatores essenciais para o sucesso da intervenção. REFERÊNCIAS Brouette T, Anton R. Clinical review of inhalants. Am J Addict. 2001;10:79. Jaffe JH. Substance-related disorders: introduction and overview. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:924. Zvosec DL. Abuse of GHB-related compounds. N Engl J Med. 2001;344:87.
13 Esquizofrenia
A
esquizofrenia, que atinge cerca de 1% da população, normalmente inicia antes dos 25 anos de idade, persiste por toda a vida e afeta pessoas de todas as classes sociais. Tanto os pacientes quanto suas famílias muitas vezes recebem cuidados insuficientes e são submetidos a ostracismo social devido à grande ignorância a respeito do transtorno. Embora seja discutida como uma única doença, engloba um grupo de transtornos com etiologias heterogêneas e inclui pacientes com apresentação clínica, resposta ao tratamento e curso da doença muito variados. Os clínicos devem estar cientes de que o diagnóstico de esquizofrenia baseia-se fundamentalmente na história psiquiátrica e no exame do estado mental, uma vez que não existe um exame laboratorial para tal condição. Avanços importantes em sua compreensão ocorreram em três áreas principais. Primeiro, nas técnicas de neuroimagens, em especial nas imagens de ressonância magnética (IRM), e o refinamento das técnicas neuropatológicas focalizaram o interesse em importantes áreas do cérebro para a fisiopatologia da esquizofrenia, particularmente o lobo frontal, a amígdala, o hipocampo, o giro para-hipocampal e o cerebelo. Esse enfoque pode gerar hipóteses que expandam a base de conhecimento a respeito da doença. Segundo, desde a introdução da clozapina (Leponex), um antipsicótico atípico com efeitos neurológicos adversos mínimos, houve uma quantidade significativa de pesquisas a respeito de outros agentes eficazes para reduzir os sintomas negativos da esquizofrenia e com baixa incidência de efeitos neurológicos adversos. Terceiro, à medida que os tratamentos medicamentosos melhoram e a base biológica sólida de esquizofrenia é reconhecida, existe maior interesse nos fatores psicossociais que influenciam o transtorno e em abordagens de tratamento, incluindo a psicoterapia. HISTÓRIA
A magnitude do problema clínico da esquizofrenia atraiu a atenção de figuras importantes da psiquiatria e da neurologia ao longo da história, com destaque para Emil Kraepelin (1856-1926) e Eugen Bleuler (1857-1939). Antes deles, Benedict Morel (18091873), um psiquiatra francês, aplicara o termo démence précoce para pacientes deteriorados cuja doença havia se iniciado na adolescência. Karl Ludwig Kahlbaum (1828-1899) descreveu os sin-
tomas da catatonia. Ewold Hacker (1843-1909), por sua vez, ateve-se ao comportamento bizarro de pessoas com hebefrenia. Emil Kraepelin Kraepelin (Fig. 13-1) traduziu a démence précoce de Morel como dementia precox, um termo que enfatizava o processo cognitivo distinto (dementia) e o início precoce (precox) do transtorno. Os pacientes afetados tinham curso deteriorante a longo prazo e sintomas clínicos comuns de alucinações e delírios. Estes foram distinguidos daqueles pacientes classificados como portadores de psicose maníaco-depressiva, os quais sofriam episódios distintos de doença alternados com períodos de funcionamento normal. Os principais sintomas dos pacientes com paranóia eram delírios persecutórios persistentes, não se verificando o curso deteriorante da dementia precox nem os sintomas intermitentes da psicose maníaco-depressiva. Embora Kraepelin reconhecesse que cerca de 4% de seus pacientes se recuperavam completamente e 13% tinham remissões significativas, alguns pesquisadores afirmaram, de modo equivocado, que ele acreditava que a dementia precox tivesse curso inevitavelmente deteriorante.
Eugen Bleuler Bleuler (Fig. 13-2) cunhou o termo esquizofrenia, que substituiu a dementia precox na literatura. O termo foi escolhido para expressar a presença de cisões (schisms) entre pensamento, emoção e comportamento. Enfatizou que, ao contrário do conceito de Kraepelin, a esquizofrenia não precisa ter curso deteriorante. Antes da publicação da terceira edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-III), a incidência de esquizofrenia era aproximadamente duas vezes maior nos Estados Unidos (onde os psiquiatras seguiam os princípios de Bleuler) do que na Europa (onde seguiam os princípios de Kraepelin). Após a publicação do DSM-III, o diagnóstico nos Estados Unidos aproximou-se do conceito de Kraepelin, mas o termo de Bleuler tornou-se o rótulo internacionalmente aceito para o transtorno. Este termo muitas vezes é compreendido de forma equivocada, em especial por leigos, como dupla personalidade. A dupla personalidade, agora denominada transtorno dissociativo de identidade, é categorizada na revisão da quarta edição do DSM
508
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
vas, especialmente frouxidão, perturbações afetivas, autismo e ambivalência, resumidos como os quatro As: associações, afeto, autismo e ambivalência. Também identificou sintomas acessórios (secundários), que incluíam aqueles que Kraepelin considerava os principais indicadores de dementia precox: alucinações e delírios.
FIGURA 13-1 Emil Kraepelin. (Reproduzida, com permissão, de Davison GC, Neale JM. Abnormal Psychology: An Experimental Clinical Approach. New York, Wiley, 1974.)
FIGURA 13-2 Eugen Bleuler. (Reproduzida, com permissão, de Davison GC, Neale JM. Abnormal Psychology: An Experimental Clinical Approach. New York, Wiley, 1974.)
(DSM-IV-TR) como um transtorno dissociativo e, portanto, difere completamente da esquizofrenia.
Os quatro As. Bleuler identificou sintomas fundamentais (ou primários) específicos da esquizofrenia para desenvolver sua teoria a respeito das cisões mentais. Estes sintomas incluíam perturbações associati-
Outros teóricos. Adolf Meyer, Harry Stack Sullivan, Ernst Kretschmer, Gabriel Langfeldt, Kurt Schneider e Karl Jaspers acrescentaram muito à compreensão da esquizofrenia. Meyer, o fundador da psicobiologia, via a esquizofrenia e outros transtornos mentais como reações aos estresses da vida e denominava a síndrome uma reação esquizofrênica. Sullivan, que fundou a escola psicanalítica interpessoal, enfatizava o isolamento social como causa e sintoma da condição. Kretschmer compilou dados para corroborar a idéia de que ela ocorria com maior freqüência entre pessoas com tipo corporal astênico (i.e., físico esguio, com poucos músculos), atlético ou displástico do que entre aquelas com o tipo corporal pícnico (i.e., físico baixo e atarracado), as quais teriam maior probabilidade de sofrer de transtornos bipolares. Suas observações podem parecer estranhas, mas não são inconsistentes com uma impressão superficial dos tipos corporais de muitas pessoas com esquizofrenia. Langfeldt classificou pacientes com sintomas psicóticos maiores em dois grupos, aqueles com esquizofrenia genuína e aqueles com psicose semelhante a ela. Em sua descrição da esquizofrenia genuína, Langfeldt enfatizou diversos fatores: início insidioso, sentimentos de desrealização e despersonalização, autismo e embotamento emocional (Tab. 13-1). Seus sucessores deram outros nomes à esquizofrenia genuína: esquizofrenia nuclear, esquizofrenia de processo e esquizofrenia sem remissão. Schneider contribuiu com a descrição de sintomas de primeira ordem, os quais enfatizava que não eram específicos da esquizofrenia e não deveriam ser aplicados rigidamente, mas eram úteis para o diagnóstico (Tab. 13-1). Ele afirmava que, em pacientes que não mostravam tais sintomas, o transtorno poderia ser diagnosticado exclusivamente a partir de sintomas de segunda ordem, juntamente com um quadro clínico típico. Os clínicos muitas vezes ignoram suas advertências ou até vêem a ausência de sintomas de primeira ordem durante uma única entrevista como evidência de que o paciente não tem esquizofrenia. Jaspers, psiquiatra e filósofo, desempenhou um papel importante no desenvolvimento da psicanálise existencial. Ele se interessava pela fenomenologia da doença mental e pelos sentimentos subjetivos dos pacientes. Seu trabalho abriu caminho para a tentativa de se compreender o significado psicológico dos sinais e sintomas esquizofrênicos, como delírios e alucinações. EPIDEMIOLOGIA Nos Estados Unidos, a prevalência para a vida toda de esquizofrenia é de cerca de 1%, o que significa que uma pessoa em cada cem vai desenvolver o transtorno durante sua vida. O estudo de Área de Captação Epidemiológica (ECA), realizado pelo Instituto Nacional de Saúde Mental, relatou uma prevalência para a vida toda de 0,6 a 1,9%. Segundo o DSM-IV-TR, a incidência anual de esquizofrenia fica entre de 0,5 a 5 por 10 mil, com algumas variações geográficas (p. ex., é mais alta entre pessoas nascidas em áreas urbanas de países industrializados). A esquizofrenia
ESQUIZOFRENIA
509
TABELA 13-1 Características essenciais de vários critérios diagnósticos para esquizofrenia Critérios de Kurt Schneider 1. Sintomas de primeira ordem a. Pensamentos audíveis b. Vozes que conversam ou discutem, ou ambos c. Vozes que fazem comentários d. Experiências de passividade somática e. Roubo de pensamentos ou outras experiências de influência no pensamento f. Transmissão de pensamentos g. Percepções delirantes h. Todas as outras experiências envolvendo volição, afetos e impulsos fabricados 2. Sintomas de segunda ordem a. Outros transtornos da percepção b. Idéias delirantes súbitas c. Perplexidade d. Alterações de humor depressivas e eufóricas e. Sentimentos de empobrecimento emocional f. “... e diversos outros” Critérios de Gabriel Langfeldt 1. Critério de sintomas São pistas significativas para o diagnóstico de esquizofrenia (se nenhum sinal de comprometimento cognitivo, infecção ou intoxicação puder ser demonstrado): a. Mudanças de personalidade, que se manifestam como um tipo especial de embotamento emocional, seguido de falta de iniciativa, e comportamento alterado, freqüentemente peculiar. (Em especial na hebefrenia, as alterações características são a principal pista para o diagnóstico.) b. Nos tipos catatônicos, a história e os sinais típicos em períodos de inquietação e estupor (com negativismo, catalepsia, sintomas vegetativos especiais, etc.) c. Nas psicoses paranóides, sintomas de dupla personalidade (ou sintomas de despersonalização) e perda do sentimento da realidade (sintomas de desrealização) ou delírios primários d. Alucinações crônicas 2. Critério de curso A decisão quanto ao diagnóstico não pode ser tomada antes que um período de acompanhamento de pelo menos cinco anos tenha demonstrado um curso de longo prazo da doença. Índice de esquizofrenia de New Haven 1. a. Delírios: não-especificados ou não-depressivos 2 pontos b. Alucinações auditivas c. Alucinações visuais Qualquer uma: 2 pontos d. Outras alucinações 2. a. Pensamentos bizarros b. Autismo ou pensamentos extremamente não-realistas Qualquer um: 2 pontos c. Frouxidão de associações, pensamento ilógico, superinclusão d. Bloqueio } Um ou outro: 2 pontos e. Concretude f. Desrealização } Cada um: 1 ponto g. Despersonalização 3. Afeto impróprio 1 ponto 4. Confusão 1 ponto 5. Ideação paranóide (pensamento auto-referencial, desconfiança) 1 ponto 6. Comportamento catatônico a. Excitação b. Estupor c. Flexibilidade cérea Qualquer um: 1 ponto d. Negativismo e. Mutismo f. Ecolalia g. Atividade motora estereotipada Pontuação: Para ser considerado parte do grupo esquizofrênico, o paciente deve pontuar no ítem 1 ou nos ítens 2a, 2b ou 2c e receber uma pontuação total de pelo menos 4 pontos.
} }
}
(Continua)
é encontrada em todas as sociedades e áreas geográficas, e as taxas de incidência e prevalência são aproximadamente iguais no mundo inteiro. Nos Estados Unidos, cerca de 0,05% da
população é tratada para essa condição todos os anos, e apenas metade dos pacientes esquizofrênicos obtém tratamento, apesar da gravidade do transtorno.
510
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 13-1 (Continuação) Sistema flexível O número mínimo de sintomas requeridos pode ser de 4 a 8, dependendo da escolha do investigador: 1. Afeto restrito 2. Insight pobre 3. Pensamentos audíveis 4. Relações (rapport) pobres 5. Delírios disseminados 6. Fala incoerente 7. Informações não-confiáveis 8. Delírios bizarros 9. Delírios niilistas 10. Ausência de despertar precoce (de 1 a 3 horas) 11. Ausência de face deprimida 12. Ausência de elação Critérios diagnósticos de pesquisa Os critérios de 1 a 3 são necessários para o diagnóstico: 1. Pelo menos dois dos seguintes para uma doença bem-definida e um para doença provável (sem contar aqueles que ocorrem durante períodos de abuso ou abstinência de drogas ou álcool): a. Transmissão, inserção ou roubo de pensamentos b. Delírios de ser controlado ou influenciado, outros delírios bizarros ou delírios múltiplos c. Delírios não-persecutórios nem de ciúmes com duração de pelo menos um mês d. Delírios de qualquer tipo se acompanhados de alucinações de qualquer tipo por pelo menos uma semana e. Alucinações auditivas nas quais uma voz mantém um comentário constante sobre o comportamento ou os pensamentos do sujeito à medida que ocorrem, ou duas ou mais vozes conversam entre si f. Alucinações verbais não-afetivas faladas ao sujeito g. Alucinações de qualquer tipo durante o dia todo por vários dias ou intermitentes por pelo menos um mês h. Instâncias bem-definidas de transtornos do pensamento formal acompanhadas de afeto embotado ou inadequado, delírios ou alucinações de qualquer tipo ou comportamento fortemente desorganizado 2. Um dos seguintes: a. O período atual da doença durou pelo menos duas semanas desde o início das alterações perceptíveis na condição habitual do sujeito b. O sujeito teve episódios anteriores de doença que duraram pelo menos duas semanas, durante os quais satisfez os critérios, e sinais residuais da doença permaneceram (p. ex., extremo isolamento social, afeto embotado ou inadequado, transtorno do pensamento formal ou pensamentos ou experiências perceptivas incomuns) 3. Em nenhum momento durante o período ativo atual da doença o sujeito satisfez os critérios para uma síndrome maníaca ou depressiva provável ou bem-definida que fosse parte proeminente da doença. Critérios de St. Louis 1. Ambos são necessários: a. Doença crônica com pelo menos seis meses de sintomas antes da avaliação-índice sem retorno ao nível pré-mórbido de ajustamento psicossocial b. Ausência de um período de sintomas depressivos ou maníacos suficiente para qualificar o sujeito para um transtorno do humor concreto ou provável 2. Pelo menos um dos seguintes: a. Delírios ou alucinações sem perplexidade ou desorientação significativa b. Produção verbal que dificulta a comunicação devido à ausência de organização lógica ou compreensível (na presença de mutismo, a decisão diagnóstica deve ser protelada) 3. Pelo menos três para doença bem-definida, dois para doença provável: a. O paciente nunca foi casado b. História profissional ou de ajustamento social pré-mórbido pobres c. História familiar de esquizofrenia d. Ausência de abuso de álcool e outras substâncias dentro de um ano do início do transtorno e. Início antes dos 40 anos
(Continua)
Gênero e idade A esquizofrenia é igualmente prevalente em homens e mulheres. Ambos os sexos diferem, no entanto, quanto ao início e ao curso da doença. O início é mais precoce entre homens. Mais da metade dos pacientes esquizofrênicos do sexo masculino, e apenas um
terço dos pacientes do sexo feminino tem sua primeira baixa em hospital psiquiátrico antes dos 25 anos de idade. As idades de pico do início são entre 10 e 25 anos para os homens e entre 25 e 35 anos para as mulheres. Ao contrário deles, as mulheres exibem distribuição etária bimodal, com um segundo pico ocorrendo na meia-idade. Cerca de 3 a 10% das mulheres apresentam início da
ESQUIZOFRENIA
511
TABELA 13-1 (Continuação) Exame do estado atual Os seguintes itens do exame do estado atual correspondem a um sistema diagnóstico de 12 pontos para esquizofrenia, com níveis variáveis de certeza do diagnóstico baseados na pontuação de corte determinada pelo examinador. Nove dos sintomas equivalem a 1 ponto cada um quando presentes (+), e três deles equivalem a 1 ponto quando ausentes (-). 1. Afeto restrito (+) 2. Insight pobre (+) 3. Pensamentos audíveis (+) 4. Despertar precoce (-) 5. Relações (rapport) pobres (+) 6. Face deprimida (-) 7. Elação (-) 8. Delírios disseminados (+) 9. Fala incoerente (+) 10. Informações não-confiáveis (+) 11. Delírios bizarros (+) 12. Delírios niilistas (+) Critérios de Tsuang e Winokur I.
Hebefrênico (os Critérios de A a D devem estar presentes): A. Idade de início e dados sociofamiliares (um dos seguintes): 1. Idade de início antes dos 25 anos 2. Solteiro ou desempregado 3. História familiar de esquizofrenia B. Pensamento desorganizado C. Mudanças afetivas (1 ou 2): 1. Afeto inadequado 2. Afeto embotado D. Sintomas comportamentais (1 ou 2): 1. Comportamento bizarro 2. Sintomas motores (a ou b): a. Traços hebefrênicos b. Traços catatônicos (se estiverem presentes, o subtipo pode ser modificado para hebefrenia com traços catatônicos) II. Paranóide (os Critérios de A a C devem estar presentes): A. Idade de início e dados sociofamiliares (um dos seguintes): 1. Idade de início após os 25 anos 2. Casado ou empregado 3. Ausência de história familiar de esquizofrenia B. Critérios de exclusão: 1. O pensamento desorganizado deve estar ausente ou ser de grau leve, como quando a fala é inteligível 2. Sintomas afetivos e comportamentais, como os descritos na hebefrenia, devem estar ausentes ou ser de grau leve C. Preocupação com delírios ou alucinações extensos e bem-organizados Os critérios de Schneider e Langfeldt são reproduzidos com permissão da World Psychiatric Association. Diagnostic Criteria for Schizophrenic and Affective Psychoses. Washington, DC: American Psychiatric Press, 1983. Critérios de St. Louis, Critério diagnósticos de pesquisa, Índice de esquizofrenia de New Haven e Sistema flexível são reproduzidos com permissão de Endicott J, Nee J, Fleiss L, Cohen J, Williams JBW, Simon R. Diagnostic criteria for schizophrenia. Arch Gen Psychiatry. 1982,39:884. Os critérios de Tsuang e Winokur são reproduzidos com permissão de Tsuang MT, Winokur C. Criteria for hebephrenic and paranoid schizophrenia. Arch Gen Psychiatry. 1974,31:43.
doença após os 40 anos. Em torno de 90% dos pacientes em tratamento têm entre 15 e 55 anos de idade. O início da esquizofrenia antes dos 10 anos ou após os 60 anos é extremamente raro. Alguns estudos indicaram que os homens têm maior probabilidade de sofrer sintomas negativos (descritos a seguir) do que as mulheres, e que estas têm maior probabilidade de ter melhor funcionamento social antes do início da doença. Em geral, o resultado para os pacientes do sexo feminino é melhor do que para os do sexo masculino. Quando o início ocorre após os 45 anos de idade, o transtorno é caracterizado como esquizofrenia de início tardio. Infecções associadas à sazonalidade do nascimento Um achado significativo nas pesquisas sobre esquizofrenia é que pessoas que desenvolvem o transtorno têm maior pro-
babilidade de ter nascido no inverno e no início da primavera e menor probabilidade de ter nascido no fim da primavera e no verão. No hemisfério norte, incluindo os Estados Unidos, as pessoas afetadas nascem com maior freqüência nos meses de janeiro a abril, enquanto no hemisfério sul a maior freqüência se dá nos meses de julho a setembro. Uma hipótese é que um fator de risco específico da estação, como um vírus ou uma alteração alimentar sazonal, pode operar nesses casos. As hipóteses virais incluem vírus lentos, retrovírus e reações auto-imunes ativadas por vírus. Alguns estudos demonstram que a freqüência da esquizofrenia aumenta após a exposição à influenza – o que ocorre no inverno – durante o segundo trimestre da gravidez. Outra hipótese é que pessoas com predisposição genética para esquizofrenia têm menos vantagem biológica para sobreviver a adversidades específicas da estação.
512
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Distribuição geográfica A esquizofrenia não é distribuída de modo uniforme nos Estados Unidos ou em outros países do mundo. Historicamente, sua prevalência no nordeste e no oeste norte-americano foi maior do que em outras áreas, embora tal desigualidade tenha sido atenuada. Algumas regiões do mundo, como a Irlanda, têm uma prevalência incomumente alta de esquizofrenia, e pesquisadores interpretaram esses bolsões geográficos como uma possível confirmação para causa infecciosa (p. ex., viral).
persista durante toda vida. Os fatores de risco identificados em estudos anteriores podem ser úteis para avaliar o risco agudo de suicídio em um indivíduo específico. Mais pesquisas são necessárias para elucidar quais fatores predizem melhor o suicídio futuro em pessoas com esquizofrenia e quais intervenções são mais eficazes para preveni-lo. Uso de substâncias
Doenças médicas
Tabagismo. A maioria dos estudos relatou que mais de 75% dos pacientes com esquizofrenia fumam, comparados a menos da metade daqueles com problemas psiquiátricos como um todo. Além dos riscos de saúde bem-conhecidos associados ao tabagismo, o fumo afeta outros aspectos do atendimento dos pacientes esquizofrênicos. Diversos estudos relataram que o tabagismo está associado ao uso de altas dosagens de agentes antipsicóticos, possivelmente porque o metabolismo destas substâncias é aumentado. Por outro lado, o tabagismo foi relacionado a uma diminuição do parkinsonismo devido a antipsicóticos, talvez em decorrência da ativação dependente da nicotina dos neurônios dopamínicos. Estudos recentes demonstraram que ela pode diminuir sintomas positivos como alucinações, devido a seus efeitos nos receptores nicotínicos do cérebro, que reduzem a percepção de estímulos externos, especialmente ruídos. Nesse sentido, o tabagismo é uma forma de automedicação.
Pessoas com esquizofrenia têm taxa de mortalidade mais alta em decorrência de acidentes e de causas naturais do que a população geral. Variáveis relacionadas à institucionalização e ao tratamento não explicam esses dados, mas a mortalidade pode estar ligada ao fato de que o diagnóstico e o tratamento de condições médicas e cirúrgicas em pacientes com esquizofrenia pode representar um desafio clínico. Diversos estudos demonstraram que até 80% de todos os pacientes com a condição têm doenças médicas concomitantes significativas, e que até 50% destas podem não ser diagnosticadas.
Outras substâncias. A co-morbidade da esquizofrenia com outros transtornos relacionados a substâncias é comum, embora as implicações do abuso por estes pacientes não sejam claras. Cerca de 30 a 50% das pessoas com esquizofrenia podem satisfazer os critérios diagnósticos para abuso ou dependência de álcool. Outras substâncias usadas com muita freqüência são a maconha (cerca de 15 a 25%) e a cocaína (cerca de 5 a 10%). Pacientes relatam que usam as substâncias para obter prazer e reduzir a depressão e a ansiedade. A maioria dos estudos associou a co-morbidade dos transtornos relacionados a substâncias com mau prognóstico.
Risco de suicídio
Fatores populacionais
O suicídio é uma das causas principais de mortalidade entre pessoas que sofrem de esquizofrenia. As estimativas variam, mas até 15% dos pacientes podem morrer devido a uma tentativa de suicídio. Embora o risco seja maior do que na população geral, alguns fatores – como sexo masculino, raça branca e isolamento social – são semelhantes em ambos os grupos. Aspectos como doença depressiva, história de tentativas de suicídio, desemprego e rejeição recente também aumentam o risco de suicídio nas duas populações. Após a alta, um curso envolvendo altos níveis de psicopatologia e comprometimento funcional potencializa o risco. Além disso, pessoas que têm uma noção realista dos efeitos deteriorantes da doença e uma avaliação não-delirante de seu futuro comprometimento mental, desesperança, dependência excessiva do tratamento ou perda da fé neste são mais propensas a fazê-lo. O risco de mortalidade é especialmente alto entre os jovens, no período logo após a alta e no início do curso da doença, embora
A prevalência de esquizofrenia foi associada à densidade populacional local em cidades com populações de mais de um milhão de pessoas. A correlação é mais fraca em cidades com 100 a 500 mil habitantes, e é ausente em cidades com menos de 10 mil. O efeito da densidade populacional é consistente com a observação de que a incidência de esquizofrenia em filhos de um ou dois pais com o transtorno é duas vezes mais alta em cidades do que em comunidades rurais. Tais observações sugerem que estressores sociais do contexto urbano afetam o desenvolvimento da doença em pessoas em risco.
Fatores reprodutivos O uso de drogas psicoterapêuticas, as políticas de portas abertas dos hospitais, a desinstitucionalização dos hospitais públicos, a ênfase na reabilitação e o atendimento comunitário levaram ao aumento nos casamentos e nas taxas de fertilidade entre os portadores de esquizofrenia. Devido a esses fatores, o número de crianças nascidas de pais esquizofrênicos aumenta de forma contínua. A taxa de fertilidade desse grupo é próxima à da população geral. Parentes biológicos em primeiro grau têm um risco 10 vezes maior de desenvolver a doença do que a população em geral.
Fatores socioeconômicos e culturais A esquizofrenia foi descrita em todas as culturas e grupos socioeconômicos. Em nações industrializadas, um número despropor-
ESQUIZOFRENIA
cional de esquizofrênicos pertence a grupos de baixo nível socioeconômico, uma observação explicada por duas hipóteses alternativas. A hipótese do declínio sugere que as pessoas afetadas passam para um grupo socioeconômico mais baixo, ou não conseguem sair dele, devido à doença. A hipótese da causa social propõe que os estresses vivenciados por membros de grupos de baixa condição socioeconômica contribuem para o desenvolvimento da esquizofrenia. Alguns investigadores apresentaram dados indicando que, além do estresse da industrialização, o estresse da imigração pode levar a uma condição semelhante à esquizofrenia. Estudos relatam alta prevalência de esquizofrenia entre imigrantes recentes, um achado que implica mudanças culturais súbitas como um estressor envolvido na causa do transtorno. Talvez consistente com ambas as hipóteses seja a observação de que a prevalência de esquizofrenia aumenta entre populações do Terceiro Mundo à medida que cresce seu contato com culturas tecnologicamente avançadas. Teóricos que defendem uma causa social para a doença argumentam que as culturas podem ser mais ou menos esquizofrenogênicas, dependendo de suas percepções de doença mental, do papel do paciente, do sistema de apoio social e familiar e da complexidade da comunicação social. Foi relatado que a esquizofrenia é prognosticamente mais benigna nos países em desenvolvimento, onde os pacientes são reintegrados de forma mais consistente em suas comunidades e famílias do que nas sociedades altamente desenvolvidas. Economia. Estima-se que o custo financeiro da esquizofrenia nos Estados Unidos exceda o de todos os cânceres juntos. Fatores que contribuem para esta enorme demanda financeira incluem os seguintes: a doença afeta o indivíduo desde cedo, causa comprometimentos significativos e duradouros, faz exigências pesadas em termos de cuidados hospitalares e requer atenção clínica, reabilitação e serviços de apoio constantes. Cerca de 1% da renda nacional é utilizada no tratamento das doenças mentais (excluindo os transtornos relacionados a substâncias), sendo que a esquizofrenia responde por 2,5% de todos os gastos com saúde. Os custos do tratamento e os custos indiretos para a sociedade (p. ex., perda de produtividade e mortalidade) chegam a quase 50 bilhões de dólares por ano. Cerca de 75% dos portadores de esquizofrenia grave não podem trabalhar e estão desempregadas. Hospitalização. O desenvolvimento de agentes antipsicóticos eficazes e a mudança nas atitudes políticas e populacionais em relação ao tratamento e aos direitos das pessoas com doenças mentais mudaram de forma significativa os padrões de hospitalização para pacientes com esquizofrenia ao longo dos últimos 50 anos. Mesmo com a medicação antipsicótica, no entanto, a probabilidade de uma nova baixa dentro de dois anos após a alta da primeira hospitalização é de cerca de 40 a 60%. Pacientes com esquizofrenia ocupam cerca de 50% de todos os leitos de hospitais psiquiátricos e respondem por 16% de toda a população psiquiátrica que recebe algum tipo de tratamento. Moradia. O problema dos moradores de rua das grandes cidades parece estar relacionado à desinstitucionalização de pa-
513
cientes com esquizofrenia que não foram adequadamente acompanhados. Embora a porcentagem exata seja difícil de determinar, estima-se que de 1 a 2 terços dos moradores de rua sofram de esquizofrenia. ETIOLOGIA A esquizofrenia é discutida como se fosse uma doença única, mas a categoria diagnóstica inclui um grupo de transtornos com sintomas comportamentais um tanto semelhantes, mas com causas heterogêneas. Pacientes com esquizofrenia têm apresentação clínica, resposta ao tratamento e curso da doença diferentes. Modelo do diátese-estresse Segundo o modelo do diátese-estresse para a integração de fatores biológicos, psicossociais e ambientais, uma pessoa pode ter uma vulnerabilidade específica (diátese) que, quando influenciada por um estressor, permite que os sintomas da esquizofrenia se desenvolvam. Nesse modelo, a diátese ou o estresse podem ser biológicos, ambientais ou ambos. O componente ambiental pode ser biológico (p. ex., uma infecção) ou psicológico (p. ex., uma situação familiar estressante ou a morte de um parente próximo). A base biológica da diátese pode ser ainda mais modelada por influências epigenéticas, como abuso de substâncias, estresse psicossocial e trauma. Neurobiologia A causa da esquizofrenia é desconhecida. Na última década, no entanto, uma quantidade crescente de pesquisas indicou um papel fisiopatológico para determinadas áreas do cérebro, incluindo o sistema límbico, o córtex frontal, o cerebelo e os gânglios basais. Estas quatro áreas estão interligadas, de modo que uma disfunção em uma delas pode envolver um processo patológico primário em outra. Neuroimagens de pessoas vivas e exames neuropatológicos de tecidos cerebrais em autópsia envolveram o sistema límbico como um sítio potencial para o processo patológico primário em pelo menos alguns dos pacientes, o que, provavelmente, pode se entender para a maioria deles. Duas áreas ativas de pesquisa são o momento em que a lesão neuropatológica aparece no cérebro e a sua interação com estressores ambientais e sociais. A base para o aparecimento da anormalidade cerebral pode residir no desenvolvimento anormal (p. ex., migração anormal de neurônios ao longo das células gliais radiais durante o desenvolvimento) ou na degeneração de neurônios após o desenvolvimento (p. ex., morte celular pré-programada precoce, como parece ocorrer na doença de Huntington). O fato de que gêmeos monozigóticos apresentarem taxa de discordância de 50% para esquizofrenia, no entanto, implica uma interação ainda pouco clara entre o ambiente e o desenvolvimento do transtorno. No entanto, os fatores que regulam a expressão genética estão apenas começando a ser compreendidos. Ainda que gêmeos monozigóticos
514
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
tenham a mesma informação genética, diferenças na regulação genética durante suas vidas talvez permitam que um gêmeo tenha esquizofrenia e o outro não. Hipótese da dopamina. A formulação mais simples da hipótese da dopamina na esquizofrenia postula que o transtorno resulta do excesso de atividade dopaminérgica. A teoria evoluiu a partir de duas observações. Primeiro, a eficácia e a potência da maioria dos antipsicóticos (i.e., antagonistas do receptor da dopamina) estão correlacionadas à sua capacidade de agir como antagonistas do receptor de dopamina D2. Segundo, os agentes que aumentam a atividade dopaminérgica, notadamente a anfetamina, são psicotomiméticos. A teoria básica não indica se a hiperatividade dopaminérgica decorre de liberação excessiva de dopamina, do excesso de receptores de dopamina, da hipersensibilidade destes à dopamina ou a uma combinação de tais mecanismos, tampouco especifica quais tratos dopaminérgicos estão envolvidos, embora os tratos mesocortical e mesolímbico sejam implicados com maior freqüência. Os neurônios dopaminérgicos projetam-se de seus corpos celulares no mesencéfalo para neurônios dopaminoceptivos no sistema límbico e no córtex cerebral. Um papel significativo da dopamina na fisiopatologia da esquizofrenia é consistente com estudos que mediram concentrações plasmáticas do principal metabólito da dopamina, o ácido homovanílico. Diversas análises preliminares indicaram que, sob condições experimentais cuidadosamente controladas, as concentrações plasmáticas do ácido homovanílico podem refletir sua concentração no sistema nervoso central (SNC). Isso indica correlação positiva entre altas concentrações pré-tratamento e dois fatores: a gravidade dos sintomas psicóticos e a resposta ao tratamento com antipsicóticos. Estudos relataram ainda que, com o tratamento, as concentrações do ácido declinam regularmente, o que está correlacionado à melhora dos sintomas em pelo menos alguns pacientes. A hipótese da dopamina na esquizofrenia continua a ser aperfeiçoada e expandida, e novos receptores continuam a ser identificados. Um estudo relatou aumento nos receptores D4 em amostras cerebrais em autópsias de pacientes esquizofrênicos. Outros neurotransmissores. Mesmo que a dopamina tenha recebido maior atenção nas pesquisas sobre a esquizofrenia, outros neurotransmissores também têm sido estudados por pelo menos dois motivos. Primeiro, como a esquizofrenia é um transtorno heterogêneo, é possível que anormalidades em diferentes neurotransmissores levem à mesma síndrome comportamental. Por exemplo, substâncias alucinógenas que afetam a serotonina, como a dietilamida do ácido lisérgico (LSD), e altas doses de agentes que afetam a dopamina, como a anfetamina, podem causar sintomas psicóticos difíceis de distinguir da esquizofrenia. Segundo, pesquisas em neurociência demonstraram que um único neurônio pode conter mais de um neurotransmissor e dispor de receptores para mais meia dúzia de outros neurotransmissores. Uma vez que todos estes estão envolvidos em interações complexas, o funcionamento anormal pode resultar de alterações em qualquer um desses neurotransmissores.
A serotonina tem recebido muita atenção nas pesquisas sobre esquizofrenia desde a observação de que os antagonistas da serotonina-dopamina (ASDs) (p. ex., clozapina, risperidona, sertindol têm atividades potentes relacionadas à serotonina. Especificamente, o antagonismo no receptor 5-HT2 foi enfatizado como importante para reduzir sintomas psicóticos e mitigar o desenvolvimento de transtornos dos movimentos relacionados ao antagonismo de D2. O exame dos perfis de afinidade com receptores de cada um dos ASDs não revela padrão ou proporção de atividades uniformes além de sua afinidade um tanto mais alta com os receptores 5-HT2 do que com os do tipo D2. A clozapina tem maior afinidade com os receptores de histamina, enquanto a quetiapina liga-se mais fortemente a receptores α-adrenérgicos, e a ziprasidona é o único agente que interage de forma mais significativa com os receptores 5-HT1. A afinidade com os receptores 5-HT2 e D2 varia mais de cem vezes em relação a cada um desses agentes. Ainda assim, são antipsicóticos mais eficazes do que centenas de compostos relacionados que diferem apenas sutilmente em suas afinidades. Portanto, é provável que múltiplos sistemas de neurotransmissores interagem em um equilíbrio particular de níveis de atividade na regulação de sinais e sintomas da esquizofrenia, e as substâncias antipsicóticas podem modular estes circuitos perturbando qualquer um entre os diversos sistemas. Como foi sugerido pelas pesquisas sobre os transtornos do humor, a atividade da serotonina foi implicada no comportamento suicida e impulsivo que também pode ser visto em pacientes de esquizofrenia. SEROTONINA.
Diversos investigadores relataram que a administração de fármacos antipsicóticos a longo prazo diminui a atividade dos neurônios noradrenérgicos no locus ceruleus e que os efeitos terapêuticos de algumas dessas substâncias podem envolver suas atividades em receptores α1 e α2. Embora a relação entre as atividades dopaminérgica e noradrenérgica permaneça pouco clara, uma quantidade crescente de dados sugere que este sistema modula aquele de tal modo que anormalidades no primeiro podem predispor o paciente a recaídas freqüentes.
NORADRENALINA.
O aminoácido neurotransmissor inibitório ácido γ-aminobutírico (GABA) também foi implicado na fisiopatologia da esquizofrenia. Os dados disponíveis são consistentes com a hipótese de que alguns pacientes têm perda de neurônios GABAérgicos no hipocampo. Essa perda pode levar à hiperatividade dos neurônios dopaminérgicos e noradrenérgicos.
GABA.
GLUTAMATO. As hipóteses propostas a respeito do glutamato incluem a hiperatividade, a hipoatividade e a neurotoxicidade induzidas por ele. O glutamato foi implicado porque a ingestão de fenciclidina (PCP), um antagonista do glutamato, produz uma síndrome aguda semelhante à esquizofrenia. NEUROPEPTÍDEOS. Dois neuropeptídeos, a colecistocinina e a neu-
rotensina, são encontrados em diversas regiões cerebrais implicadas na esquizofrenia, e suas concentrações estão alteradas nos estados psicóticos.
ESQUIZOFRENIA
515
Neuropatologia. No século XIX, os neuropatologistas não conseguiram encontrar uma base neuropatológica para a esquizofrenia, e por isso a classificaram como um transtorno funcional. No final do século XX, no entanto, os pesquisadores tinham dado passos significativos no sentido de revelar uma base neuropatológica potencial para o transtorno, primariamente no sistema límbico e nos gânglios basais, incluindo anormalidades neuropatológicas ou neuroquímicas no córtex cerebral, no tálamo e no tronco cerebral. A perda de volume cerebral amplamente relatada em cérebros de esquizofrênicos parece resultar da densidade reduzida de axônios, dendritos e sinapses que medeiam as funções associativas do cérebro. A densidade sináptica é mais alta com 1 ano de idade, e depois diminui para valores adultos no início da adolescência. Uma teoria, baseada em parte na observação de que os pacientes muitas vezes desenvolvem sintomas esquizofrênicos durante a adolescência, sustenta que a esquizofrenia resulta da poda excessiva de sinapses durante esta fase do desenvolvimento. SISTEMA LÍMBICO . Devido ao seu papel no controle das emoções, formulou-se a hipótese de que o sistema límbico está envolvido na base fisiopatológica da esquizofrenia. De fato, esta área do cérebro provou ser a mais fértil para estudos neuropatológicos sobre o transtorno. Muitos destes, controlados com amostras cerebrais de pacientes esquizofrênicos em autópsia, demonstraram diminuição do tamanho da região, incluindo a amígdala, o hipocampo e o giro para-hipocampal. Este achado neuropatológico está em concordância com as observações feitas em estudos de RM com pacientes esquizofrênicos. A desorganização dos neurônios dentro do hipocampo também foi relatada (Fig. 13-3).
Os gânglios basais e o cerebelo têm sido de interesse teórico na esquizofrenia por pelo menos duas razões. Primeiro, muitos pacientes exibem movimentos bizarros, mesmo na ausência de transtornos dos movimentos induzidos por medicamentos (p. ex., discinesia tardia). Esses movimentos podem incluir marcha desajeitada, caretas e estereotipias. Uma vez que os gânglios basais e o cerebelo estão envolvidos no controle dos movimentos, doenças nestas áreas estão implicadas na fisiopatologia da esquizofrenia. Segundo, de todos os transtornos neurológicos que podem ter a psicose como um sintoma associado, os transtornos dos movimentos envolvendo os gânglios basais (p. ex., doença de Huntington) estão associados, com maior freqüência, à psicose nos pacientes afetados. Além disso, essas estruturas estão conectadas aos lobos frontais, e as anormalidades na função do lobo frontal vistas em alguns estudos de neuroimagens podem decorrer de doenças em alguma destas áreas, mais do que nos próprios lobos. Estudos neuropatológicos dos gânglios basais produziram relatos variáveis e inconclusivos a respeito da perda celular e da redução do volume do globo pálido e da substância negra. Em contraste, muitos estudos mostraram aumento no número de receptores D 2 no caudado, no putame e no nucleus accumbens. Permanece em aberto, no entanto, se o aumento é secundário à administração de antipsicóticos. Alguns investigadores começaram a estudar o sistema serotonérgico nos gânGÂNGLIOS BASAIS E CEREBELO.
FIGURA 13-3 Comparação dos padrões de orientação celular das pirâmides hipocampais na interface CA1 a CA2 entre sujeitos-controle não-esquizofrênicos (no alto) e pacientes com esquizofrenia (abaixo) (corante violeta de Cresylecht, ampliação original x250). Os positivos foram superexpostos para realçar o contraste. (Reproduzida, com permissão, de Conrad AJ, Abebe T, Austin R, Forsythe S, Scheibel AB. Hippocampal pyramidal cell disarray in schizophrenia as a bilateral phenomenon. Arch Gen Psychiatry.1991, 48:415.)
glios basais, e foi sugerido um papel para a serotonina nos transtornos psicóticos devido à utilidade clínica de fármacos antipsicóticos com atividade serotonérgica (p. ex., clozapina, risperidona). Neuroimagens. Antes do advento das tecnologias de neuroimagens, o estudo da esquizofrenia dependia da mensuração indireta da atividade cerebral – por exemplo, a medição dos neurotransmissores no líquido cerebrospinal, no plasma ou na urina – de pacientes vivos ou da mensuração direta do cérebro de pessoas mortas. Agora, as técnicas de neuroimagens permitem fazer mensurações específicas de neuroquímicos ou do funcionamento cerebral em pacientes vivos. No entanto, os cálculos feitos com dados derivados das máquinas de neuroimagem são construídos a partir de muitas premissas, e as diferenças entre os modelos matemáticos usados por diversos grupos de pesquisa podem levar a diferentes conclusões a respeito dos mesmos dados. Para se protegerem dessa possibilidade, os pesquisadores constantemente trocam idéias a respeito dos modelos matemáticos mais adequados.
516
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA.
Os estudos iniciais usando tomografia computadorizada (TC) em populações esquizofrênicas podem ter produzido os primeiros e mais convincentes dados acerca da constatação de que se trata de uma doença cerebral. Esses estudos demonstraram, de forma consistente, que o cérebro desses pacientes tem aumentos nos ventrículos laterais e no terceiro ventrículo e alguma redução do volume cortical. Tais achados podem ser interpretados em consonância com a diminuição da quantidade habitual de tecido cerebral nos pacientes afetados; não se sabe se a diminuição se deve ao desenvolvimento anormal ou à degeneração. Outros estudos com TC relataram assimetria cerebral anormal, volume cerebelar reduzido e alterações na densidade cerebral em pacientes com esquizofrenia. Muitos ainda correlacionaram a presença de anormalidades nas imagens com a presença de sintomas negativos ou deficitários, comprometimento neuropsiquiátrico, aumento dos sinais neurológicos, sintomas extrapiramidais freqüentes devido a fármacos antipsicóticos e ajustamento pré-mórbido pobre. Embora nem todos os estudos com TC tenham confirmado essas associações, faz sentido concluir que, quanto maiores as evidências de doença neuropatológica, mais graves os sintomas. As anormalidades relatadas, no entanto, também foram observadas em outras condições neuropsiquiátricas, incluindo transtornos do humor, transtornos relacionados ao álcool e demências. Portanto, é improvável que essas alterações sejam específicas dos processos fisiopatológicos subjacentes à esquizofrenia. Diversos investigadores tentaram determinar se os déficits detectados pela TC são progressivos ou estáticos. Alguns estudos concluíram que as lesões estão presentes no início da doença e não progridem. Ou-
1A
1B
2A
2B
tros, no entanto, evidenciaram que o processo patológico visualizado em imagens de TC continua a se desenvolver durante a doença. Portanto, ainda é incerto se existe um processo patológico em evolução contínua nesses pacientes. Ainda que o aumento dos ventrículos fique aparente quando são usados grupos de pacientes e controles, a diferença entre pessoas afetadas e não-afetadas varia e tende a ser pequena. Portanto, o uso de TC no diagnóstico da esquizofrenia é limitado. Alguns dados indicam, no entanto, que os ventrículos estão mais aumentados em pacientes com discinesia tardia do que naqueles sem esta condição, e também que o aumento ventricular é mais freqüente nos pacientes do sexo masculino do que naqueles do feminino. RESSONÂNCIA MAGNÉTICA.
A RM inicialmente foi usada para verificar os achados dos estudos com TC, mas depois serviu para expandir o conhecimento a respeito da fisiopatologia da esquizofrenia. Um dos mais importantes estudos utilizando a técnica examinou gêmeos monozigóticos que eram discordantes para esquizofrenia (Fig. 13-4) e constatou que praticamente todos os gêmeos afetados tinham ventrículos cerebrais maiores do que seus irmãos não-afetados, ainda que dentro da faixa normal de aumento. Investigadores usaram RM nas pesquisas sobre esquizofrenia pois a sua resolução é superior à da TC e porque informações qualitativas podem ser obtidas usando-se várias seqüências de sinais para obter imagens ponderadas em T1 e T2, por exemplo. Como resultado da sua resolução superior, diversos relatos mostraram que os volumes do complexo hipocampo-amígdala e do giro para-hipocampal são reduzidos
FIGURA 13-4 As vistas coronais de RM de dois conjuntos de gêmeos monozigóticos discordantes para esquizofrenia demonstram aumento sutil nos ventrículos laterais dos gêmeos afetados (imagens 1B e 2B), comparados aos gêmeos não-afetados (imagens 1A e 2A), mesmo quando aqueles apresentavam ventrículos pequenos. (Reproduzida, com permissão, de Suddath RL, Christison GW, Torrey EF, Casanova MF, Weinberger DR. Anatomical abnormalities in the brains of monozygotic twins discordant for schizophrenia. N Engl J Med. 1990,322:789.)
ESQUIZOFRENIA
em pacientes com esquizofrenia. Um estudo constatou diminuição desA sas áreas cerebrais no hemisfério esquerdo (Fig. 13-5) e não no direito, embora outros estudos tenham encontrado reduções bilaterais de volume. Alguns estudos correlacionaram a redução no volume do sistema límbico com o grau de psicopatologia ou outras medidas da gravidade da doença.
A
517
RM FUNCIONAL (RMf). A RMf é uma técnica de varredura ultra-rápida que permite a mensuração in vivo da atividade cerebral regional sem radiação ionizante ou procedimentos invasivos. Diversos estudos mostraram diferenças na ativação do córtex sensório-motor entre pacientes com esquizofrenia e sujeitos-controle normais, bem como a diminuição do fluxo sangüíneo para os lobos occipitais. A ativação cerebral regional está associada a alterações no fluxo e no volume sangüíneo. A RMf se correlaciona bem com imagens de tomografia por emissão de pósitron (PET) da captação da glicose e com imagens de tomografia computadorizada por emissão de fóton único (SPECT). ESPECTROSCOPIA DE RESSONÂNCIA MAGNÉTICA (ERM). Trata-se de uma técnica que permite a mensuração das concentrações de moléculas específicas no cérebro – por exemplo, adenosina trifosfato (ATP). Um estudo que usou imagens de ERM do córtex pré-frontal dorsolateral constatou que pacientes com esquizofrenia tinham níveis mais baixos de fosfomonoésteres e fosfato inorgânico e níveis mais altos de fosfodiésteres e ATP do que um grupo-controle. Esses dados relativos ao metabolismo de compostos de fosfato foram consistentes com a hipoatividade da região cerebral e corroboraram os achados de outros estudos de neuroimagens (p. ex., com PET). Além disso, as concentrações de Nacetil-aspartato (NAA), um marcador de neurônios, eram mais baixas no hipocampo e nos lobos frontais de esquizofrênicos e nos lobos temporais de pessoas em seu primeiro episódio de psicose. TOMOGRAFIA POR EMISSÃO DE PÓSITRONS. Embora tenham sido relata-
B
FIGURA 13-5 Secção coronal (1,5 mm) do lobo temporal de um sujeito-controle (A) e de um paciente com esquizofrenia (B). Em A, as regiões de interesse usadas para avaliar o lobo temporal foram delineadas: a substância cinzenta neocortical do giro temporal superior está na esquerda do sujeito (direita do leitor); em posição mais medial, o complexo amígdala-hipocampo é mostrado como uma forma amendoada, com o giro para-hipocampal logo abaixo. O lobo temporal está delineado na direita do sujeito. Em B, a quantidade de líquido cerebrospinal (área em negro) que cerca o giro temporal superior esquerdo (sulco lateral) é maior do que no controle. Há perda de tecido no giro para-hipocampal, e o corno temporal que cerca o complexo amígdalahipocampo (seta) é maior. (Reproduzida, com permissão, de Shenton ME, Kikinis R, Jolesz FA, et al. Abnormalities of the left temporal lobe and thought disorder in schizophrenia. N Engl J Med. 1992,327:606.)
dos muitos estudos sobre a esquizofrenia com o uso de PET, poucas conclusões claras podem ser tiradas no momento. A maioria desses estudos mediram o uso de glicose ou o fluxo sangüíneo cerebral, e os achados positivos incluem hipoatividade dos lobos frontais, comprometimento da ativação de determinadas áreas cerebrais após teste de estimulação psicológica e hiperatividade dos gânglios basais em relação ao córtex cerebral. Outros estudos, no entanto, não replicaram os achados, ainda que os resultados de ativação anormal pareçam consistentes. Nesses casos, o fluxo sangüíneo é medido com o uso de PET, SPECT ou sistemas de neuroimagens do fluxo sangüíneo cerebral regional (FSCr). Enquanto está sendo medido, o paciente realiza uma tarefa psicológica que possivelmente ativa uma parte específica do córtex cerebral em sujeitos normais. Um dos estudos melhor controlados com este delineamento constatou que pacientes com esquizofrenia, em contraste com o grupo-controle, não tinham aumento do fluxo sangüíneo para o córtex pré-frontal dorsolateral enquanto realizavam o Teste de Separação de Cartas de Wisconsin. Outra análise constatou que uma amostra de pacientes com esquizofrenia tinha atividade metabólica reduzida na porção anterior esquerda do tálamo, medida por PET com FDG-18F (fluorodeoxiglicose), e volume reduzido na mesma área, medido por imagens de RM. A arquitetura e a atividade talâmicas alteradas podem influenciar na esquizofrenia. Um segundo tipo de estudo com PET usou ligantes radioativos para estimar o número de receptores D2 presentes. Os dois estudos mais discutidos discordam. Um grupo relatou um número maior desses receptores nos gânglios basais, enquanto outro não indicou alteração nesse sentido. A diferença entre eles pode envolver o uso de ligantes diferentes, tipos diversos de pacientes com esquizofrenia ou outras diferenças de método ou análise de dados. Tal controvérsia continua sem solução, mas a técnica permanece sendo usada no estudo da doença, e relatos subseqüentes de pesquisa vão usar ligantes para outros sistemas de neurotransmissores, como os sistemas noradrenérgico e glutamatérgico.
518
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Eletrofisiologia aplicada. Estudos eletroencefalográficos indicam que muitos pacientes de esquizofrenia têm registros anormais, maior sensibilidade a procedimentos de ativação (p. ex., atividade de espícula freqüente após privação de sono), menos atividade alfa, mais atividade teta e delta e, possivelmente, mais atividade epileptiforme e anormalidades do lado esquerdo do que o habitual. Os pacientes também exibem incapacidade de filtrar sons irrelevantes e são extremamente sensíveis a ruídos de fundo. O excesso de sons resultante dificulta a concentração e pode ser um fator que propicia a produção de alucinações auditivas. Essa sensibilidade ao som pode estar associada a um defeito genético. EPILEPSIA PARCIAL COMPLEXA. Foi relatado que psicoses semelhantes à esquizofrenia ocorrem com mais freqüência do que o esperado em pacientes com crises parciais complexas, em especial aquelas envolvendo os lobos temporais. Os fatores associados ao desenvolvimento de psicose incluem foco esquerdo das crises, localização temporal medial da lesão e início precoce das mesmas. Os sintomas de primeira ordem descritos por Schneider podem ser semelhantes aos de pacientes com epilepsia parcial complexa e podem refletir a presença de um transtorno do lobo temporal quando vistos em pacientes com esquizofrenia. POTENCIAIS EVOCADOS. Foi descrito um grande número de anormalidades em potenciais evocados de pacientes com esquizofrenia. O P300 foi o mais estudado e definido como uma onda grande e positiva de potencial evocado que ocorre cerca de 300 ms após a detecção de um estímulo sensorial. A principal fonte desse tipo de onda pode estar localizada nas estruturas do sistema límbico dos lobos temporais mediais. Foi relatado que, em pacientes com esquizofrenia, a P300 é estatisticamente menor e mais tardia do que em grupos de comparação, e também suas anormalidades são mais comuns em crianças com alto risco de esquizofrenia por terem pais afetados. Continua a haver controvérsia acerca de se as características da P300 representam um fenômeno de estado ou traço. Outros potenciais evocados considerados anormais em pacientes com esquizofrenia são o N100 e a variação negativa contingente. O primeiro é uma onda negativa que ocorre cerca de 100 ms após o estímulo, e a segunda é uma mudança de voltagem negativa de desenvolvimento lento após a apresentação de um estímulo sensorial que alerta para outro estímulo iminente. Os dados de potenciais evocados foram interpretados como indicadores de que, embora os pacientes com esquizofrenia sejam incomumente sensíveis a estímulos sensoriais (potenciais evocados iniciais maiores), compensam essa maior sensibilidade embotando o processamento da informação nos níveis corticais superiores (indicado por potenciais evocados posteriores menores).
Disfunção dos movimentos oculares. A incapacidade de acompanhar um alvo visual em movimento com precisão é a base definidora dos transtornos do rastreamento visual contínuo e da desinibição dos movimentos oculares sacádicos vistos em pacientes com esquizofrenia. A disfunção dos movimentos oculares pode ser um marcador de traço para a doença, pois é independente do tratamento medicamentoso e do estado clínico e também é vista em parentes em primeiro grau de probandos afetados. Vários estudos relataram movimentos oculares anormais em 50 a 85% dos pacientes esquizofrênicos, comparados a cerca de 25% dos pa-
cientes psiquiátricos sem esquizofrenia e a menos de 10% dos sujeitos-controle sem doenças psiquiátricas. Como os movimentos oculares são parcialmente controlados por centros nos lobos frontais, estes transtornos são consistentes com as teorias que implicam um processo patológico do lobo frontal na esquizofrenia. Psiconeuroimunologia. Diversas anormalidades imunológicas foram associadas a pacientes com esquizofrenia, incluindo a diminuição da produção de interleucina-2 pelas células T, a redução do número e da responsividade dos linfócitos periféricos, a responsividade celular e humoral anormal a neurônios e a presença de anticorpos direcionados ao cérebro (anticerebrais). Esses dados podem ser interpretados como efeitos de um vírus neurotóxico ou de um transtorno auto-imune endógeno. A maioria das investigações cuidadosas que buscaram evidências de infecções virais neurotóxicas na esquizofrenia obteve resultados negativos, embora dados epidemiológicos demonstrem alta incidência do transtorno após exposição prénatal à influenza durante diversas epidemias da doença. Outros dados que corroboram a hipótese viral são o número maior de anomalias físicas no nascimento, taxa mais alta de complicações na gravidez e no nascimento, sazonalidade do nascimento consistente com infecções virais, agrupamento geográfico de casos adultos e sazonalidade de hospitalizações. Não obstante, a incapacidade de detectar evidências genéticas de infecção viral reduz a significância de todos os dados circunstanciais. A possibilidade de anticorpos cerebrais autoimunes tem alguns dados confirmatórios, mas o processo fisiopatológico, se é que existe, provavelmente explica apenas um subconjunto da população com esquizofrenia. Psiconeuroendocrinologia. Muitos relatos descrevem diferenças neuroendócrinas entre grupos de pacientes com esquizofrenia e grupos de sujeitos-controle. Por exemplo, foi relatado que os resultados do teste de supressão da dexametasona são anormais em vários grupos de esquizofrênicos, embora o valor prático ou preditivo do teste na esquizofrenia tenha sido questionado. Um relato cuidadoso, no entanto, correlacionou a não-supressão persistente com um resultado pobre a longo prazo. Alguns dados sugerem diminuição nas concentrações do hormônio luteinizante e do hormônio foliculoestimulante (LH/FSH), talvez correlacionada com a idade de início e a duração da doença. Duas anormalidades adicionais relatadas podem estar associadas à presença de sintomas negativos: liberação embotada de prolactina e de hormônio do crescimento com estimulação do hormônio liberador das gonadotropinas (GnRH) ou hormônio liberador da tireotropina (TRH) e liberação embotada de hormônio do crescimento com estimulação de apomorfina. Fatores genéticos Uma ampla gama de estudos sugere um componente genético para a hereditariedade da esquizofrenia. Na década de 1930, estudos clássicos mostraram que uma pessoa tem maior probabilidade de ter a doença quando outros membros de sua família são afetados, e que esta probabilidade está correlacionada à proximidade da relação (p. ex., parentes em primeiro ou segundo grau; Tab. 13-2). Gêmeos monozigóticos têm a taxa mais alta de con-
ESQUIZOFRENIA
TABELA 13-2 Prevalência da esquizofrenia em populações específicas População
Prevalência (%)
População geral Irmão não-gêmeo de um paciente com esquizofrenia Filho com um dos pais esquizofrênico Gêmeo dizigótico de um paciente com esquizofrenia Filho de dois pais com esquizofrenia Gêmeo monozigótico de paciente com esquizofrenia
1 8 12 12 40 47
cordância. Em estudos sobre gêmeos monozigóticos adotados, observou-se que aqueles criados por pais adotivos têm esquizofrenia na mesma taxa que seus irmãos gêmeos criados pelos pais biológicos. O achado sugere que a influência genética é mais decisiva do que a ambiental, o que é corroborado pela observação de que quanto mais grave a esquizofrenia, maior a probabilidade de que os gêmeos sejam concordantes para o transtorno. Um estudo reforça o modelo da diátese-estresse e demonstra que gêmeos monozigóticos adotados que mais tarde tiveram esquizofrenia tinham probabilidade de ter sido adotados por famílias com transtornos psicológicos. Muitas associações entre sítios cromossômicos e esquizofrenia foram relatadas a partir da disseminação das técnicas de biologia molecular. Mais da metade de todos os cromossomos foram associados à doença em vários relatos, mas os braços longos dos cromossomos 5, 11 e 18, o braço curto do cromossomo 19 e o cromossomo X foram implicados com maior freqüência. Loci nos cromossomos 6, 8 e 22 também foram referidos. A literatura, de modo geral, indica base genética potencialmente heterogênea para a esquizofrenia. Fatores psicossociais Se a esquizofrenia é uma doença do cérebro, é provável que, assim como patologias de outros órgãos (p. ex., infarto do miocárdio e diabete), tenha seu curso afetado pelo estresse psicossocial. Além disso, como em outras doenças crônicas (p. ex., doença pulmonar obstrutiva crônica), a terapia medicamentosa sozinha raramente é suficiente para se obter a melhora clínica adequada. Portanto, os clínicos devem considerar os fatores psicossociais que afetam a condição. Embora, historicamente, os teóricos tenham atribuído o desenvolvimento da esquizofrenia a fatores psicossociais, os clínicos contemporâneos podem beneficiar-se do uso das teorias e das diretrizes relevantes dessas observações e hipóteses anteriores. Apesar das controvérsias quanto às suas causas, o transtorno afeta pacientes individuais, cada um dos quais tem uma constituição psicológica singular. Embora muitas teorias psicodinâmicas a respeito da patogênese da esquizofrenia pareçam desatualizadas, observações clínicas sensíveis podem ajudar os clínicos contemporâneos a compreender como a doença afeta a psique do paciente. TEORIAS PSICANALÍTICAS .
Sigmund Freud postulou que a esquizofrenia resultava de fixações evolutivas mais precoces do que aquelas que culminavam no desenvolvimento de neuroses, e que um defeito do ego contribuía para seus sintomas. A desintegração do ego repre-
519
senta um retorno à época em que este ainda não havia sido consolidado, ou estava em consolidação. Os conflitos intrapsíquicos originados nas fixações precoces e o defeito do ego, que pode ser o resultado de relações de objeto iniciais deficientes, são, portanto, o combustível dos sintomas psicóticos. Para as teorias freudianas da esquizofrenia eram centrais a descatexia dos objetos e a regressão em resposta à frustração e aos conflitos com outros. Muitas das suas idéias a respeito da esquizofrenia foram influenciadas pela falta de envolvimento intensivo com pacientes esquizofrênicos. Na visão psicanalítica clássica, o defeito do ego afeta a interpretação da realidade e o controle dos impulsos internos, tais como a sexualidade e a agressividade, e resulta de distorções na relação recíproca entre o bebê e a mãe. Como foi descrito por Margaret Mahler, a criança é incapaz de superar-se e de separar-se da proximidade e da dependência completa que caracterizam sua relação com a mãe na fase oral do desenvolvimento. Uma pessoa com esquizofrenia nunca alcança a permanência de objeto, caracterizada pela noção de identidade segura e que resulta do apego forte à mãe durante a primeira infância. Paul Federn concluiu que a perturbação fundamental da esquizofrenia é a incapacidade precoce do paciente de alcançar a diferenciação self-objeto. Alguns psicanalistas sugerem a hipótese de que o defeito nas funções do ego primitivo permite que uma intensa hostilidade e agressividade distorçam a relação mãe-bebê e levem a uma organização de personalidade vulnerável ao estresse. O início dos sintomas durante a adolescência ocorre quando o jovem precisa de um ego forte para funcionar de maneira independente, separar-se dos pais, identificar tarefas, controlar impulsos internos mais fortes e lidar com a intensa estimulação externa. Harry Stack Sullivan via a esquizofrenia como uma perturbação das relações interpessoais. A ansiedade do paciente cria uma sensação de não-relação que é transformada em distorções persecutórias denominadas distorções paratáxicas. Para ele, a condição é um método adaptativo para evitar o pânico, o terror e a desintegração da noção de self. A fonte da ansiedade patológica resulta de traumas experimentais cumulativos durante o desenvolvimento. A teoria psicanalítica também postula que os vários sintomas da doença têm um sentido simbólico para cada paciente. Por exemplo, fantasias a respeito do fim do mundo podem indicar a percepção de que o mundo interno está se desintegrando. Sentimentos de grandeza refletem um narcisismo reativado, no qual as pessoas acreditam ser onipotentes. As alucinações podem ser substitutos para a incapacidade de lidar com a realidade objetiva e representar seus desejos ou medos mais íntimos. Os delírios, como as alucinações, são tentativas regressivas e restitutivas de criar uma nova realidade ou de expressar medos ou impulsos ocultos (Fig. 13-6). Independentemente do modelo teórico, todas as abordagens psicodinâmicas partem da premissa de que os sintomas psicóticos têm sentido na esquizofrenia. Por exemplo, os pacientes podem tornar-se grandiosos após um insulto à sua auto-estima. Da mesma forma, as teorias reconhecem que as relações humanas são apavorantes para pessoas com esquizofrenia. Embora as pesquisas sobre a eficácia da psicoterapia tenham resultados mistos, profissionais interessados que ofereçam compaixão e um refúgio diante de um mundo confuso são a base de qualquer plano de tratamento. Estudos de acompanhamento a longo prazo mostram que alguns pacientes que esquecem episódios psicóticos não se beneficiam da psicoterapia exploratória, mas aqueles que são capazes de integrar a experiência psicótica em suas vidas são beneficiados por
520
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
sal da esquizofrenia. Um exemplo de duplo vínculo é o pai que diz ao filho para oferecer biscoitos para seus amigos e depois o repreende por dar biscoitos demais. CISÕES E FAMÍLIAS ASSIMÉTRICAS. Theodore Lidz descreveu dois padrões anormais de comportamento familiar. Em um tipo de família, há uma cisão proeminente entre os pais, e um deles é excessivamente próximo de um dos filhos do sexo oposto. No outro tipo, uma relação assimétrica (skewed) entre um dos filhos e um dos pais envolve uma luta de poder entre os pais e a resultante dominância de um deles. Essas dinâmicas estressam a capacidade adaptativa já fragilizada da pessoa esquizofrênica.
FIGURA 13-6 Na esquizofrenia, idéias irracionais e idiossincráticas criam um mundo de temores que dificilmente pode ser vivenciado ou compreendido pelos outros, como simbolizado acima. (Cortesia de Arthur Tress.)
algumas abordagens orientadas para o insight. No momento, existe interesse renovado no uso da psicoterapia individual de longo prazo no tratamento da esquizofrenia, em especial quando combinada à medicação. TEORIAS DA APRENDIZAGEM. Segundo os teóricos da aprendizagem, crianças que mais tarde desenvolvem esquizofrenia aprendem reações e formas de pensar irracionais imitando pais com problemas emocionais significativos. Na teoria da aprendizagem, as relações interpessoais pobres de pessoas com esquizofrenia se desenvolvem devido aos modelos escassos de aprendizagem durante a infância.
Dinâmica familiar. Não há evidências consistentes que indiquem um padrão familiar específico com papel causal no desenvolvimento da esquizofrenia. Os clínicos devem compreender este ponto importante, pois muitos pais de filhos afetados têm ressentimentos em relação à comunidade psiquiátrica por correlacionar o desenvolvimento do transtorno a famílias disfuncionais. Organizações de defesa dos direitos de pacientes como a National Alliance for the Mentally Ill (Aliança Nacional em Prol dos Doentes Mentais [NAMI]) têm feito muito para educar os pais a não se culparem se um de seus filhos desenvolver esquizofrenia. Alguns pacientes esquizofrênicos realmente vêm de famílias disfuncionais, assim como muitas pessoas sem nenhuma doença psiquiátrica. Não obstante, também é clinicamente relevante não negligenciar um comportamento familiar patológico, que pode aumentar o estresse emocional com o qual um paciente vulnerável tem que lidar. DUPLO VÍNCULO.
O conceito do duplo vínculo foi formulado por Gregory Bateson e Donald Jackson para descrever uma família hipotética na qual os filhos recebem mensagens parentais conflitantes a respeito de seu comportamento, atitudes e sentimentos. Na hipótese de Bateson, as crianças se retraem para o estado psicótico para escapar da confusão insolúvel do duplo vínculo. Infelizmente os estudos conduzidos com famílias para validar a teoria tinham sérias falhas metodológicas. A teoria tem valor apenas como padrão descritivo, não como explicação cau-
FAMÍLIAS PSEUDO-ÍNTIMAS E PSEUDO-HOSTIS. Conforme descrito por Lyman Wynne, algumas famílias suprimem a expressão emocional utilizando consistentemente uma comunicação verbal pseudo-hostil ou pseudo-íntima. Nestes casos, desenvolve-se uma forma de expressão singular, e quando um dos filhos sai de casa e precisa se relacionar com outras pessoas, podem surgir problemas, pois sua comunicação verbal pode ser incompreensível para os de fora. EMOÇÃO EXPRESSADA. Os pais ou outros cuidadores podem ser críticos ou hostis em excesso ou terem um envolvimento exageradamente intenso com uma pessoa com esquizofrenia. Muitos estudos indicaram que, em famílias com altos níveis de emoção expressada (muitas vezes abreviada como EE), a taxa de recaída da doença é alta. A avaliação da emoção expressada envolve a análise tanto do conteúdo quanto da forma do que é dito.
Teorias sociais. Alguns pesquisadores sugeriram que a industrialização e a urbanização estão envolvidas nas causas da esquizofrenia. Ainda que alguns dados corroborem essas teorias, hoje se acredita que estressores dessa natureza têm seus principais efeitos no momento do início e na gravidade da doença. DIAGNÓSTICO Os critérios diagnósticos do DSM-IV-TR são listados na Tabela 13-3. Os critérios de outros sistemas diagnósticos aparecem na Tabela 13-1. Seus critérios incluem especificadores de curso (i. e., prognóstico) que oferecem aos clínicos diversas opções e descrevem situações clínicas reais (Tab. 13-3). A presença de alucinações ou delírios não é necessária para um diagnóstico de esquizofrenia; o transtorno é diagnosticado como tal quando o paciente exibe dois dos sintomas de 3 a 5 do Critério A (discutido a seguir). O Critério B requer que o funcionamento comprometido, embora não as deteriorações, esteja presente durante a fase ativa da doença. Os sintomas devem persistir por pelo menos seis meses e não deve haver diagnóstico de transtorno esquizoafetivo ou transtorno do humor. Subtipos O DSM-IV-TR classifica os subtipos da esquizofrenia como paranóide, desorganizada, catatônica, indiferenciada e residual (Tab.
ESQUIZOFRENIA
TABELA 13-3 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para esquizofrenia A. Sintomas característicos: No mínimo dois dos seguintes quesitos, cada qual presente por uma porção significativa de tempo durante um período de um mês (ou menos, se tratados com sucesso): (1) delírios (2) alucinações (3) discurso desorganizado (p. ex., freqüente descarrilamento ou incoerência) (4) comportamento acentuadamente desorganizado ou catatônico (5) sintomas negativos, isto é, embotamento afetivo, alogia ou abulia Nota: Apenas um sintoma do Critério A é necessário quando os delírios são bizarros ou as alucinações consistem em vozes que comentam o comportamento ou os pensamentos da pessoa, ou duas ou mais vozes conversando entre si. B. Disfunção social/ocupacional: Por uma porção significativa do tempo desde o início da perturbação, uma ou mais áreas importantes do funcionamento, tais como trabalho, relações interpessoais ou cuidados pessoais, estão acentuadamente abaixo do nível alcançado antes do início (ou quando o início se dá na infância ou adolescência, incapacidade de atingir o nível esperado de realização interpessoal, acadêmica ou profissional). C. Duração: Sinais contínuos da perturbação persistem pelo período mínimo de seis meses. Esse período de seis meses que deve incluir pelo menos um mês de sintomas (ou menos, se tratados com sucesso) que satisfazem o Critério A (i. e., sintomas da fase ativa) e pode incluir períodos de sintomas prodrômicos ou residuais. Durante estes períodos, os sinais da perturbação podem ser manifestados apenas por sintomas negativos ou por dois ou mais sintomas relacionados no Critério A presentes de uma forma atenuada (p. ex., crenças estranhas, experiências perceptuais incomuns). D. Exclusão de transtorno esquizoafetivo e transtorno do humor: O transtorno esquizoafetivo e o transtorno do humor com características psicóticas foram descartados porque (1) nenhum episódio depressivo maior, maníaco ou misto ocorreu concomitantemente aos sintomas da fase ativa; ou (2) se os episódios de humor ocorreram durante os sintomas da fase ativa, sua duração total foi breve com relação à duração dos períodos ativo e residual. E. Exclusão de substância/condição médica geral: A perturbação não se deve aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., droga de abuso, um medicamento) ou a uma condição médica geral. F. Relação com um transtorno global do desenvolvimento: Se existe história de transtorno autista ou de outro transtorno global do desenvolvimento, o diagnóstico adicional de esquizofrenia é feito apenas se delírios ou alucinações proeminentes também estão presentes pelo período mínimo de um mês (ou menos, se tratados com sucesso). Classificação do curso longitudinal (pode ser aplicada somente após um ano do aparecimento dos sintomas da fase ativa): Episódico com sintomas residuais entre os episódios (os episódios são definidos pelo ressurgimento de sintomas psicóticos proeminentes); especificar também se: Com predomínio de sintomas Episódico sem sintomas residuais entre os episódios Contínuo (sintomas psicóticos proeminentes estão presentes durante todo o período de observação); especificar também se: Com predomínio de sintomas negativos Episódio único em remissão parcial; especificar também se: Com predomínio de sintomas negativos Episódio único em remissão completa Outro padrão ou padrão inespecificado De American Psychiatric Association, Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000.
13-4), com base na apresentação clínica. Esses subtipos não estão fortemente correlacionados com prognósticos diferentes; para tal diferenciação, é preferível consultar preditores específicos de prognóstico (Tab. 13-5). A décima revisão da Classificação internacional estatística de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-
521
10), em contraste, usa nove subtipos: esquizofrenia paranóide, hebefrenia, esquizofrenia catatônica, esquizofrenia indiferenciada, depressão pós-esquizofrênica, esquizofrenia residual, esquizofrenia simples, outras esquizofrenias e esquizofrenia não-especificada, com oito possibilidades para a classificação do curso do transtorno, variando de contínua a remissão completa. Tipo paranóide. O tipo paranóide de esquizofrenia caracteriza-se pela preocupação com um ou mais delírios ou alucinações auditivas freqüentes, classicamente delírios de perseguição ou grandeza. Esses pacientes costumam ter seu primeiro episódio da doença em idade mais avançada do que aqueles com os tipos catatônico ou desorganizado. Pacientes nos quais a esquizofrenia ocorre ao final da segunda ou terceira décadas de vida geralmente já estabeleceram uma vida social que pode ajudá-los a enfrentar a
TABELA 13-4 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para subtipos de esquizofrenia Tipo paranóide Um tipo de esquizofrenia no qual são satisfeitos os seguintes critérios: A. Preocupação com um ou mais delírios ou alucinações auditivas freqüentes. B. Nenhum dos seguintes sintomas é proeminente: discurso desorganizado, comportamento desorganizado ou catatônico ou afeto embotado ou inadequado. Tipo desorganizado Um tipo de esquizofrenia no qual são satisfeitos os seguintes critérios: A. Todos os seguintes sintomas são proeminentes: (1) discurso desorganizado (2) comportamento desorganizado (3) afeto embotado ou inadequado B. Não são satisfeitos os critérios para o Tipo catatônico. Tipo catatônico Um tipo de esquizofrenia em cujo quadro clínico ocorre o predomínio de no mínimo dois dos seguintes sintomas: (1) imobilidade motora evidenciada por cataplexia (incluindo flexibilidade cérea ou estupor) (2) atividade motora excessiva (aparentemente desprovida de propósito e não influenciada por estímulos externos) (3) extremo negativismo (uma resistência aparentemente sem motivo a toda e qualquer instrução, ou manutenção de uma postura rígida contra tentativas de mobilização) ou mutismo (4) peculiaridades dos movimentos voluntários evidenciadas por posturas (adoção voluntária de posturas inadequadas ou bizarras), movimentos estereotipados, maneirismos ou trejeitos faciais proeminentes (5) ecolalia ou ecopraxia Tipo indiferenciado Um tipo de esquizofrenia no qual os sintomas que satisfazem o Critério A estão presentes, mas não satisfeitos os critérios para os Tipos paranóide, desorganizado ou catatônico. Tipo Residual Um tipo de esquizofrenia no qual são satisfeitos os seguintes critérios: A. Ausência de delírios e alucinações proeminentes, discurso desorganizado e comportamento amplamente desorganizado ou catatônico proeminentes. B. Existem evidências contínuas da perturbação, indicadas pela presença de sintomas negativos ou por dois ou mais sintomas relacionados no Critério A para esquizofrenia, presentes em forma atenuada (p. ex., crenças estranhas, experiências perceptuais incomuns). De American Psychiatric Association, Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000.
522
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 13-5 Fatores que contribuem para um bom ou mau prognóstico na esquizofrenia Bom prognóstico
Mau prognóstico
Início tardio Fatores precipitantes óbvios Início agudo Boa história social, sexual e profissional pré-mórbida Sintomas de transtorno do humor (especialmente transtornos depressivos) Estado civil casado
Início na juventude Ausência de fatores precipitantes Início insidioso História social, sexual e profissional pré-mórbida pobre Comportamento retraído, autista
História familiar de transtornos do humor Sistemas de apoio fortes Sintomas positivos
Estado civil solteiro, divorciado ou viúvo História familiar de esquizofrenia Sistemas de apoio fracos Sintomas negativos Sinais e sintomas neurológicos História de trauma perinatal Ausência de remissão durante três anos Muitas recaídas História de agressividade
doença, e seus recursos de ego tendem a ser maiores do que os de pacientes com esquizofrenia catatônica ou desorganizada. Além disso, demonstram menos regressão de suas faculdades mentais, respostas emocionais e comportamento do que em outros tipos de esquizofrenia. Estes pacientes tendem a ser tensos, desconfiados, resguardados, reservados e às vezes hostis ou agressivos, mas também capazes de se comportar adequadamente em algumas situações sociais. Sua inteligência nas áreas que não são invadidas pela psicose tende a permanecer intacta. Um homem solteiro, de 44 anos de idade, foi levado a um serviço de emergência pela polícia por ter batido em uma mulher idosa do seu prédio. Ele reclamava que a vizinha agredida era uma vadia e que ela e “os outros” mereciam muito mais pelo que haviam feito a ele. O paciente tinha estado continuamente doente desde os 22 anos de idade. Durante seu primeiro ano na faculdade de Direito, convenceu-se de que seus colegas estavam fazendo troça dele, notando que fungavam ou espirravam sempre que ele entrava na sala de aula. Quando uma namorada terminou a relação com ele, o paciente acreditou que ela havia sido substituída por outra mulher parecida e chamou a polícia para resolver o “seqüestro”. Seu desempenho acadêmico declinou drasticamente, e ele foi convidado a se desligar da faculdade e buscar atendimento psiquiátrico. Conseguiu um emprego como consultor de investimentos em um banco, o qual manteve por sete meses. No entanto, passou a perceber um número crescente de “sinais” de seus colegas de trabalho, e tornou-se cada vez mais desconfiado e retraído. Nessa época, relatou ouvir vozes pela primeira vez. Acabou sendo demitido e logo depois foi hospitalizado pela primeira vez, com 24 anos de idade. Desde então, não trabalhou mais.
Esteve hospitalizado 12 vezes, a mais longa por oito meses, mas nos últimos cinco anos foi hospitalizado apenas uma vez, por três semanas. Durante as hospitalizações, recebeu vários agentes antipsicóticos. Embora fossem prescritos em regime ambulatorial, ele geralmente parava de tomá-los logo depois de deixar o hospital. Exceto por almoços duas vezes por ano com um tio e pelo contato com os trabalhadores de saúde mental, vivia em total isolamento social. Morava sozinho e cuidava de seus próprios assuntos financeiros, incluindo uma herança modesta. Lia diariamente o Wall Street Journal, cozinhava e limpava a casa sozinho. O paciente afirmava que seu apartamento era o centro de um grande sistema de comunicação que envolvia três redes de televisão, seus vizinhos e centenas de “atores” das redondezas. Havia câmeras secretas em seu apartamento que monitoravam cuidadosamente todas as suas atividades. Quando assistia à televisão, muitas de suas pequenas ações (p. ex., levantar-se para ir ao banheiro) eram diretamente comentadas pelo apresentador. Sempre que ele saía, os “atores” estavam de prontidão para mantê-lo sob vigilância; todas as pessoas de sua rua o observavam. Seus vizinhos operavam duas “máquinas”, uma delas responsável por todas as vozes, exceto a do “piadista”. Ele não tinha certeza de quem controlava esta voz, que o visitava apenas ocasionalmente e era muito engraçada. As outras vozes, que escutava muitas vezes por dia, eram geradas pela máquina, que às vezes ele acreditava ser operada diretamente pela vizinha a quem tinha atacado. Por exemplo, quando estava analisando seus investimentos, as vozes “inoportunas” constantemente lhe diziam quais ações deveria comprar. A outra era “a máquina do sonho”, que colocava sonhos eróticos em sua cabeça, em sua maioria com mulheres negras. Eram descritas outras experiências incomuns. Por exemplo, ele fora recentemente a uma fábrica de sapatos a 50 km de sua casa na esperança de conseguir calçados que não tivessem sido “alterados”. No entanto, logo descobriu que, como o resto dos sapatos que comprava, pregos especiais haviam sido colocados nas solas para irritá-lo. Ele ficou impressionado com o fato de sua decisão já ser conhecida por seus “molestadores” antes mesmo do que por ele, de modo que eles tiveram tempo para alterar os sapatos feitos sob medida. Ele se dava conta de que grandes esforços e “milhões de dólares” estavam envolvidos na sua vigilância. Às vezes, pensava que tudo fazia parte de um grande experimento para descobrir o segredo de sua inteligência superior. Na entrevista, o paciente estava bem arrumado, e sua fala era coerente e direcionada. Seu afeto era, no máximo, apenas ligeiramente embotado. No início, expressava raiva da polícia. Após várias semanas de tratamento com antipsicóticos que não conseguiram controlar seus sintomas psicóticos, foi transferido para uma instituição de tratamento de longo prazo com vistas a lhe proporcionar uma situação de moradia estruturada.
ESQUIZOFRENIA
DISCUSSÃO A longa doença do paciente aparentemente começou com delírios de referência (seus colegas faziam troça dele fungando ou espirrando quando ele entrava na sala). Ao longo dos anos, tornaram-se cada vez mais complexos e bizarros (seus vizinhos na verdade eram atores; seus pensamentos eram monitorados; uma máquina colocava sonhos eróticos em sua cabeça). Além disso, tinha alucinações proeminentes com vozes que o importunavam. Delírios bizarros e alucinações proeminentes são os sintomas psicóticos característicos da esquizofrenia. O diagnóstico foi confirmado pela perturbação acentuada do funcionamento profissional e social e pela ausência de um transtorno do humor sustentado e de qualquer fator orgânico conhecido que pudesse explicar a condição. Todos os delírios e alucinações do paciente pareciam envolver o tema único de uma conspiração para atormentá-lo. Este delírio persecutório sistematizado – na ausência de incoerência, frouxidão acentuada das associações, afeto fortemente embotado ou impróprio ou comportamento desorganizado ou catatônico – indica o tipo paranóide. A esquizofrenia, tipo paranóide, é especificada como contínua se, como neste caso, todas as fases ativas presentes e pregressas da doença foram do mesmo tipo. O prognóstico desse tipo é melhor do que o dos tipos desorganizado e indiferenciado. O paciente de fato se desempenhava notavelmente bem a despeito de uma doença psicótica crônica: nos últimos cinco anos, havia sido capaz de tomar conta de si mesmo. Tipo desorganizado. O tipo desorganizado da esquizofrenia (anteriormente denominado hebefrênico) caracteriza-se por regressão acentuada para um comportamento primitivo, desinibido e desorganizado e pela ausência de sintomas que satisfaçam os critérios para o tipo catatônico. Seu início costuma ser precoce, antes dos 25 anos de idade. Os pacientes desorganizados em geral são ativos, mas de uma forma não-construtiva, sem objetivo. Seu transtorno do pensamento é pronunciado, e o contato com a realidade é pobre. Sua aparência pessoal é desleixada e o comportamento social e as respostas emocionais são inadequadas, freqüentemente explodindo em risos sem qualquer razão aparente. Sorrisos e caretas incongruentes também são comuns nestes pacientes, cujo comportamento pode ser melhor descrito como tolo ou insensato. Emílio é um homem de 40 anos de idade que parece ser 10 anos mais jovem. Foi trazido ao hospital por sua mãe para a décima segunda hospitalização. O paciente veste um sobretudo esfarrapado, pantufas e um boné, e tem várias medalhas penduradas no pescoço. Seu afeto varia da raiva em relação à mãe (“Ela me dá merda para comer... aquilo que sai do reto das pessoas”) a uma atitude sedutora risonha e obsequiosa em relação ao entrevistador. Sua fala e seus modos têm uma qualidade infantil, ele
523
caminha com passos requebrados e movimentos exagerados do quadril. Sua mãe relata que ele parou de tomar a medicação há cerca de um mês, e desde então começou a ouvir vozes e a apresentar comportamento e aparência cada vez mais bizarros. Quando indagado sobre o que andava fazendo, disse: “Comendo asneiras e acendendo fogueiras”. Sua fala espontânea geralmente é incoerente e marcada por freqüentes rimas e associações nas quais os sons, mais do que as relações de sentido, governam a escolha das palavras. Sua primeira hospitalização ocorreu depois que abandonou a escola, aos 16 anos, e desde aquela época não foi capaz de freqüentar cursos nem manter empregos. Foi tratado com neurolépticos durante suas hospitalizações, mas não continua a tomar a medicação quando sai do hospital e rapidamente se desorganiza outra vez. Mora com sua mãe idosa, mas às vezes desaparece por vários meses e acaba sendo encontrado pela polícia vagando pelas ruas. Não há história conhecida de abuso de drogas ou álcool. DISCUSSÃO A combinação de doença crônica com incoerência acentuada, afeto inadequado, alucinações auditivas e comportamento fortemente desorganizado deixa poucas dúvidas de que o diagnóstico é de esquizofrenia crônica. O curso seria considerado contínuo porque Emílio aparentemente nunca tem remissões prolongadas de sua psicose. A proeminência da fala e do comportamento desorganizados, o afeto fortemente impróprio e a ausência de sintomas catatônicos proeminentes indicam o tipo desorganizado. ACOMPANHAMENTO Emílio foi hospitalizado mais cinco vezes nos 10 anos seguintes à baixa mencionada acima. Em todas as hospitalizações foi tratado com altas doses de antipsicóticos e dentro de algumas semanas começou a se comportar apropriadamente e a ser capaz de ignorar as vozes de suas alucinações auditivas. Durante a primeira hospitalização, conseguiu estabelecer um relacionamento com a terapeuta e falar de forma ponderada e com a gama completa de afeto apropriado a respeito de sua vida infeliz, de sua incapacidade trabalhar porque “ninguém me quer” e de seu desejo de ser tratado. No entanto, logo depois de sair do hospital, parou de tomar a medicação, deixou de comparecer às consultas clínicas e dentro de alguns meses estava fortemente desorganizado e psicótico outra vez. Sua última hospitalização psiquiátrica ocorreu há dois anos, quando ele tinha 48 anos de idade. Sua mãe já estava frágil demais para cuidar dele, e foram tomadas providências para que ele passasse a morar em um lar para adultos depois que saísse do hospital – sustentado pela previdência social e com medicamentos administrados pela equipe da instituição. Neste ambiente, teve um desempenho bastante bom. (De DSM-IV Casebook, com permissão.)
524
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Tipo catatônico. O tipo catatônico de esquizofrenia, que era comum muitas décadas atrás, tornou-se raro na Europa e na América do Norte. Sua característica clássica é uma perturbação acentuada da função motora, que pode envolver estupor, negativismo, rigidez, excitação ou posturas bizarras (Fig. 13-7). Por vezes, o paciente exibe alternância rápida entre extremos de excitação e estupor. As características associadas incluem estereotipias, maneirismos e flexibilidade cérea. O mutismo é particularmente comum. Durante o estupor ou a excitação catatônica, exige-se supervisão constante para impedir que machuque a si mesmo ou a terceiros. Pode ser necessário atendimento médico devido a desnutrição, exaustão, hiperpirexia ou autolesões. Uma mulher solteira, de 20 anos de idade, foi internada em um hospital psiquiátrico porque tinha se tornado violenta em relação aos pais, fora observada fitando o espaço com uma expressão absorta e falava com pessoas invisíveis. Percebeu-se que mantinha posturas estranhas e sua fala tinha se tornado incoerente. Ela havia sido boa aluna na escola, depois cursou a faculdade de administração e, um ano antes da baixa hospitalar, começara a trabalhar em um escritório como estenógrafa. Sempre havia sido tímida e, embora fosse bastante atraente, não tinha namorado muito. Outra jovem que trabalhava no mesmo escritório contava à paciente a
respeito de homens e carícias e começou a exercer muita influência sobre ela. Sua voz era ouvida pela paciente mesmo estando do outro lado da sala. Até quando iam para casa ao fim do dia, continuava a receber mensagens de vozes que a mandavam fazer certas coisas. Depois, começaram a aparecer figuras nas paredes, a maioria delas feia e sarcástica. As figuras tinham nomes – uma delas se chamava timidez; outra, sofrimento; outra, inveja. A amiga do escritório mandava mensagens orientando-a a bater nas figuras nas paredes. A paciente permaneceu agitada, barulhenta e não-cooperativa no hospital por várias semanas depois de sua chegada, e demandou sedação. Recebeu diversos cursos de tratamento eletroconvulsivo que não conseguiram influenciar o processo esquizofrênico em grau significativo. Dez anos depois, quando os fármacos antipsicóticos se tornaram disponíveis, recebeu farmacoterapia. Apesar de todos esses esforços terapêuticos durante seus muitos anos de estada no hospital psiquiátrico, a paciente permaneceu em estupor catatônico crônico. Ela é muda e praticamente destituída de qualquer espontaneidade, mas reage a pedidos simples. Permanece na mesma posição durante horas ou se senta encurvada em uma cadeira. Sua expressão facial é fixa e pétrea. (Cortesia de Robert Cancro, M.D., Med.D.Sc. e Heinz E. Lehmann, M.D.) Tipo indiferenciado. Com freqüência, pacientes claramente esquizofrênicos não podem ser enquadrados em um subtipo com tanta facilidade. O DSM-IV-TR classifica esses pacientes como portadores de esquizofrenia de tipo indiferenciado.
FIGURA 13-7 Um paciente esquizofrênico crônico parado em posição cataléptica. Ele mantinha esta posição desconfortável durante horas. (Cortesia da New York Academy of Medicine, New York, NY.)
D. é um estudante universitário de 24 anos de idade, solteiro e desempregado, que foi admitido ao hospital três semanas após ter pintado de branco ou preto tudo que estava à vista, incluindo seu quarto, seus móveis, suas roupas e, finalmente, ele mesmo. Estava respondendo a uma voz masculina persistente que dizia que seu comportamento de alguma forma iria resolver o problema racial na América e trazer paz para sua família. Ele já esteve hospitalizado em pelo menos cinco ocasiões anteriores durante os últimos cinco anos por períodos que variaram entre 4 e 6 semanas. Cada hospitalização decorreu de uma exacerbação de sua doença, com alguma combinação de alucinações de comando, comportamento estranho e delírios persecutórios. Sempre respondeu bastante bem ao tratamento com neurolépticos, mas odeia tomar a medicação porque ela o faz se sentir “mais morto do que os mortos”. Entre as hospitalizações, ou toma a medicação de forma irregular ou deixa de tomá-la por completo, e falta a mais consultas ambulatoriais do que comparece. É o quarto de cinco filhos de uma família extremamente unida, com forte tendência à provocação de culpa e discussões. Sua mãe foi hospitalizada duas vezes por alucinações e delírios persecutórios, mas agora vive razoavelmente bem sem
ESQUIZOFRENIA
medicação. Ela acredita que sabe melhor do que os médicos o que é bom para seu filho. Seus outros filhos deixaram o apartamento da família, e a sra. D. se tornou cada vez mais apegada e dependente do “único filho que me restou”. O jovem reage às demonstrações de apego da mãe com irritação e esquiva, mas, quando elas não acontecem, também fica contrariado. Ele passa a maior parte do tempo no apartamento fazendo ioga e lendo a respeito de arquétipos junguianos e opressão social. Dorme o dia inteiro e fica acordado na maior parte da noite e, exceto quando hospitalizado, raramente fala com pessoas fora do seu círculo familiar imediato. Tem medo de sair, especialmente durante o dia, pois acredita que os estranhos da rua estão conversando a respeito dele e são capazes de controlar seus pensamentos e ações. Está convencido de que a transmissão de comandos de pensamento requer energia solar, e por isso se sente mais seguro à noite. Também acredita que um grupo “neonazista de direita” está tentando arruinar sua reputação espalhando boatos de que ele tem um oitavo de sangue judeu. Como sempre, D. está respondendo bem à medicação neuroléptica durante esta hospitalização. Permanece convencido de seus delírios, mas de uma forma discreta, e consegue, em certo grau, entender que eles são irracionais. Também é capaz de conversar com a equipe com menos desconfiança e maior coerência do que quando chegou, e seu comportamento não é mais tão bizarro. Ele parece pronto para a alta. Sua mãe pintou o quarto novamente e está ansiosa para tê-lo de volta. O terapeuta focalizou a atenção na resistência a tomar a medicação e no impacto prejudicial que isso tem no tratamento e em sua vida. O paciente parece ter mais insight a respeito de seu comportamento do que no passado. Os esforços para obter a cooperação de sua mãe não foram totalmente bem-sucedidos. DIAGNÓSTICO Eixo I:
Esquizofrenia, tipo indiferenciado, episódica com sintomas residuais entre episódios Eixo II: Nenhum diagnóstico Eixo III: Nenhum Eixo IV: GAF* = 25 (atual); (nível mais alto no ano passado) (De DSM-IV Case Studies) Tipo residual. Segundo o DSM-IV-TR, o tipo residual da esquizofrenia caracteriza-se por evidências contínuas de transtorno esquizofrênico na ausência de um conjunto completo de sintomas ativos ou de sintomas suficientes para satisfazer o diagnóstico de outro tipo de esquizofrenia. Embotamento emocional, retraimento social, comportamento excêntrico, pensamento ilógico e frouxidão leve das associações são comuns neste tipo. Quando ocorrem delírios ou alucinações, não são nem proeminentes nem acompanhados de afeto forte. *N.
de T. Escala de avaliação de gravidade de sintomas.
525
Outros Subtipos A subtipagem da esquizofrenia tem uma longa história; outros esquemas aparecem na literatura, especialmente em outros países que não os Estados Unidos.
Bouffée délirante (psicose delirante aguda). Este conceito diagnóstico francês difere do diagnóstico de esquizofrenia primariamente devido à duração de sintomas de menos de três meses. Ele é semelhante ao transtorno esquizofreniforme do DSMIV-TR. Os clínicos franceses relataram que cerca de 40% dos pacientes com diagnóstico de bouffée délirante progridem na doença e acabam por ser classificados como portadores de esquizofrenia. Latente. O conceito de esquizofrenia latente foi desenvolvido em uma época na qual os teóricos concebiam o transtorno em termos diagnósticos amplos. Atualmente, os pacientes devem ter uma doença mental muito grave para justificar tal indicação, mas a mesma condição poderia receber o rótulo de esquizofrenia quando o conceito ainda não era tão estritamente definido. A esquizofrenia latente, por exemplo, muitas vezes era o diagnóstico usado para o que agora é denominado transtorno da personalidade esquizóide, esquizotípica ou borderline. Estes pacientes ocasionalmente exibem comportamentos peculiares ou transtornos do pensamento, mas não manifestam sintomas psicóticos de forma consistente. No passado, a síndrome também era denominada esquizofrenia borderline. Oniróide. O estado oniróide se refere a um estado onírico no qual os pacientes podem se encontrar profundamente perplexos e não muito orientados em termos de tempo e lugar. O termo esquizofrênico oniróide foi usado para pacientes tão profundamente envolvidos em suas experiências alucinatórias ao ponto de excluir qualquer envolvimento com o mundo real. Na presença de um estado desses, os clínicos devem ter o cuidado particular de buscar causas médicas ou neurológicas para os sintomas. Parafrenia. O termo parafrenia às vezes é usado como sinônimo de esquizofrenia paranóide ou para indicar um curso progressivamente deteriorante da doença ou a presença de um sistema delirante bem-sistematizado. Seus múltiplos sentidos o tornam pouco esclarecedor. Esquizofrenia pseudoneurótica. Às vezes, pacientes que, de início, apresentam sintomas de ansiedade, fobias, obsessões e compulsões posteriormente revelam sintomas de transtorno do pensamento e psicose. Estes são caracterizados por sintomas de pan-ansiedade, panfobia, pan-ambivalência e às vezes sexualidade caótica. Ao contrário das pessoas com transtornos de ansiedade, os pseudoneuróticos têm uma ansiedade flutuante que dificilmente desaparece. Nas descrições clínicas raramente apresentam sintomas psicóticos explícitos e graves. Esta condição atualmente é diagnosticada no DSM-IV-TR como transtorno da personalidade borderline. Transtorno deteriorante simples (esquizofrenia simples). O transtorno deteriorante simples caracteriza-se por uma perda insidiosa e gradual do impulso e da ambição. Pacientes com
526
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
o transtorno em geral não são francamente psicóticos e não vivenciam alucinações ou delírios persistentes. Seu sintoma primário é o retraimento das situações sociais e relacionadas ao trabalho. A síndrome deve ser diferenciada de depressão, fobia, demência ou exacerbação de traços de personalidade. Os clínicos devem ter certeza de que o paciente realmente satisfaz os critérios diagnósticos para esquizofrenia antes de fazer o diagnóstico. O transtorno deteriorante simples aparece como categoria diagnóstica em um apêndice do DSM-IV-TR (Tab. 13-6). Transtorno depressivo pós-psicótico da esquizofrenia. Após um episódio agudo de esquizofrenia, alguns pacientes tornam-se deprimidos (ver Tab. 15.3-5). Os sintomas do transtorno depressivo pós-psicótico da esquizofrenia podem se assemelhar aos da fase residual da esquizofrenia, bem como aos efeitos adversos de antipsicóticos de uso comum. O diagnóstico não deve ser feito se os sintomas forem induzidos por substâncias ou se fizerem parte de um transtorno do humor devido a uma condição médica geral. A CID-10 descreve uma categoria denominada de depressão pós-esquizofrenia que surge como resultado de uma doença esquizofrênica. Esses estados depressivos ocorrem em até 25% dos pacientes com esquizofrenia e estão associados a risco maior de suicídio. (Uma discussão mais aprofundada deste transtorno pode ser encontrada no Capítulo 15, Seção 15.3.) Esquizofrenia de início precoce. Um pequeno número de pacientes manifesta esquizofrenia na infância. As crianças podem inicialmente apresentar problemas diagnósticos, em especial quanto à diferenciação do retardo mental e do transtorno autista. Estudos recentes estabeleceram que o diagnóstico de esquizofrenia na infância pode basear-se nos mesmos sintomas usados para avaliar adultos. Seu início costuma ser insidioso, o curso tende a ser crônico e o prognóstico é, em grande parte, desfavorável. (O Capítulo 50 apresenta uma abordagem mais aprofundada da esquizofrenia de início precoce.) Esquizofrenia de início tardio. A esquizofrenia de início tardio é clinicamente indistinguível da doença como um todo, mas tem início após os 45 anos de idade. Esta condição tende a TABELA 13-6 Critérios diagnósticos de pesquisa do DSM-IVTR para transtorno deteriorante simples (esquizofrenia simples) A. Desenvolvimento progressivo, ao longo de um período de pelo menos um ano, de todos os seguintes sintomas: (1) acentuado declínio do funcionamento ocupacional ou acadêmico (2) início e aprofundamento gradual de sintomas negativos, tais como afeto embotado, alogia e abulia (3) fraco relacionamento interpessoal, isolamento social ou retraimento social B. O Critério A para esquizofrenia nunca foi satisfeito. C. Os sintomas não são mais bem explicados por transtorno da personalidade esquizotípica ou esquizóide, transtorno psicótico, transtorno do humor, transtorno de ansiedade, demência ou retardo mental, nem são devidos aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância ou de uma condição médica geral. De American Psychiatric Association, Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000.
aparecer com mais freqüência em mulheres e tende a ter como característica a predominância de sintomas paranóides. O prognóstico é favorável, e os pacientes geralmente têm bons resultados com medicação antipsicótica. Outros critérios diagnósticos Vários clínicos e pesquisadores elaboraram seus próprios critérios para descrever as características essenciais da esquizofrenia. A Tabela 13-1 lista alguns desses esquemas, muitos dos quais ainda estão sendo usados ativamente. O Exame do Estado Atual está entre os mais usados. Testagem psicológica Pacientes com esquizofrenia em geral têm baixo desempenho em uma ampla gama de testes neuropsicológicos. A vigilância, a memória e a formação de conceitos são os aspectos mais afetados, o que é consistente com o envolvimento patológico do córtex frontotemporal. Medidas objetivas do desempenho neuropsicológico, como as baterias Halstead-Reitan e Luria-Nebraska, muitas vezes produzem achados anormais, tais como disfunção bilateral do lobo frontotemporal, incluindo comprometimento da atenção, do tempo de retenção e da capacidade de resolução de problemas. A capacidade motora também é comprometida, possivelmente devido à assimetria cerebral. Testes de inteligência. Quando comparados a grupos de pacientes psiquiátricos sem esquizofrenia ou à população geral, pacientes com a condição tendem a apresentar pontuação mais baixa nos testes de inteligência. Estatisticamente, as evidências sugerem que a baixa inteligência muitas vezes está presente desde o início do transtorno, podendo deteriorar-se ainda mais com sua progressão. Testes projetivos e de personalidade. Testes projetivos, como o teste de Rorschach e o Teste de Apercepção Temática (TAT), podem indicar ideação bizarra. Inventários de personalidade, tais como o Inventário Multifásico de Personalidade de Minnesota (MMPI), têm resultados anormais na esquizofrenia, mas sua contribuição para o diagnóstico e o planejamento do tratamento é mínima. CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS A discussão dos sinais e sintomas clínicos da esquizofrenia levanta três questões-chave. Primeiro, não existe um sinal ou sintoma clínico patognomônico; todos os sinais ou sintomas observados na esquizofrenia ocorrem em outros transtornos psiquiátricos e neurológicos. Esta observação é contrária à opinião clínica comum de que alguns aspectos são diagnósticos da esquizofrenia. Portanto, a história do paciente é essencial para o diagnóstico do transtorno, e os clínicos não podem afirmar sua existência simplesmente a partir dos resultados de um exame do estado mental,
ESQUIZOFRENIA
os quais podem variar. Segundo, os sintomas do paciente alteram-se ao longo do tempo. Por exemplo, um paciente pode ter alucinações intermitentes e capacidade variável de desempenho adequado em situações sociais, ou sintomas significativos de transtorno do humor podem ir e vir durante o curso da esquizofrenia. Terceiro, os clínicos devem levar em conta o nível de escolaridade do paciente, sua capacidade intelectual e sua filiação cultural e subcultural. A pouca capacidade de compreender conceitos abstratos, por exemplo, pode refletir a escolaridade do paciente ou sua inteligência. Organizações e cultos religiosos podem ter costumes que parecem estranhos para pessoas de fora, mas que são normais para aquelas que compartilham desse contexto cultural.
527
ção do DSM-IV, essa distinção clínica influenciou de forma significativa as pesquisas psiquiátricas. Os sintomas positivos incluem delírios e alucinações, e os sintomas negativos incluem embotamento afetivo, pobreza da fala (alogia) ou de seu conteúdo, bloqueio, auto-higiene pobre, falta de motivação, anedonia e retraimento social. Os pacientes do tipo I tendem a ter principalmente sintomas positivos, estruturas cerebrais normais em imagens de TC e resposta relativamente boa ao tratamento. Os do tipo II apresentam, em sua maioria, sintomas negativos, anormalidades cerebrais estruturais em imagens de TC e resposta pobre aos tratamentos. Uma terceira categoria, a desorganizada, inclui fala desorganizada (transtorno do pensamento), comportamento desorganizado, defeitos cognitivos e déficit de atenção. Nancy Andreason estudou extensamente os sintomas positivos e negativos (Tab. 13-7).
Sinais e sintomas pré-mórbidos Nas formulações teóricas sobre o curso da esquizofrenia, sinais e sintomas pré-mórbidos aparecem antes da fase prodrômica da doença. Essa diferenciação implica que tais indicadores já existem antes do processo patológico se tornar evidente e que os sinais e sintomas prodrômicos fazem parte da evolução do transtorno. Na história pré-mórbida típica, porém não-invariável da esquizofrenia, os pacientes tinham personalidade esquizóide ou esquizotípica caracterizada como silenciosa, passiva e introvertida; na infância, dispunham de poucos amigos. Adolescentes préesquizofrênicos podem não ter amigos próximos nem interesses românticos, e também evitar esportes de equipe. Muitas vezes preferem assistir a filmes ou televisão, escutar música ou jogar games de computador a participar de atividades sociais. Alguns adolescentes podem exibir início súbito de comportamento obsessivo-compulsivo como parte do quadro prodrômico. A validade dos sinais e sintomas prodrômicos, quase invariavelmente reconhecidos após o diagnóstico de esquizofrenia, é incerta; depois que o transtorno é legitimado, a avaliação retrospectiva dos primeiros sinais e sintomas é afetada. Não obstante, embora muitas vezes se considere que a primeira hospitalização marca o início do transtorno, é comum que algumas características já estejam presentes há anos ou meses. Os sinais podem ter se iniciado com queixas de sintomas somáticos, tais como dores de cabeça, dores nas costas, dores musculares, fraqueza e problemas digestivos, e o diagnóstico inicial pode ser simulação, síndrome da fadiga crônica ou transtorno de somatização. A família e os amigos podem notar que a pessoa mudou e não está mais se comportando de forma adequada em suas atividades ocupacionais, sociais e pessoais. Durante esse estágio, pode haver o desenvolvimento do interesse em idéias abstratas, filosofia, ocultismo ou questões religiosas. Sinais e sintomas prodrômicos adicionais incluem comportamento acentuadamente peculiar, afeto anormal, discurso incomum, idéias bizarras e experiências perceptivas estranhas.
Exame do estado mental
Sintomas positivos e negativos
Humor, sentimentos e afeto. Dois sintomas afetivos comuns na esquizofrenia são a responsividade emocional reduzida, às vezes grave o bastante para justificar o rótulo de anedonia, e emoções exageradamente ativas e impróprias, tais como extremos de raiva, felicidade e ansiedade. O afeto embotado pode ser um sintoma da própria doença, dos efeitos adversos parkinsonia-
Em 1980, T. J. Crow propôs uma classificação dos pacientes esquizofrênicos em tipos I e II, a partir da presença ou ausência de sintomas positivos (ou produtivos) e negativos (ou deficitários). Embora o sistema não tenha sido aceito como parte da classifica-
Descrição geral. A aparência de um paciente com esquizofrenia pode variar desde uma pessoa completamente desleixada, aos gritos e agitada até alguém obsessivamente arrumado, silencioso e imóvel. Entre esses dois pólos, os pacientes podem ser falantes ou exibir posturas bizarras. Seu comportamento pode tornar-se agitado ou violento sem motivo aparente, mas isso costuma ocorrer em resposta a alucinações. Em contraste, no estupor catatônico, muitas vezes referido como catatonia, os pacientes parecem completamente sem vida e podem exibir sinais como mutismo, negativismo e obediência automática. A flexibilidade cérea, que já foi um sinal comum da catatonia, tornou-se rara, assim como o comportamento maneirístico (Fig. 13-8). Um paciente com um subtipo menos extremo de catatonia pode exibir retraimento social e egocentrismo acentuados, ausência de fala ou movimentos espontâneos e ausência de comportamento com metas definidas (Fig. 13-9). Esse sintoma leva os pacientes a ficarem imóveis e mudos em suas cadeiras, responder perguntas com monossílabos e se moverem somente quando comandados. Outros comportamentos podem incluir inépcia ou rigidez dos movimentos corporais, sinais agora vistos como possíveis indicadores de processo patológico dos gânglios basais. Pessoas com esquizofrenia muitas vezes são desleixadas, não tomam banho e vestem-se com roupas quentes demais para as temperaturas prevalentes. Outros comportamentos estranhos incluem tiques, estereótipos, maneirismos e, em alguns casos, ecopraxia, na qual imitam a postura ou os comportamentos do examinador. Alguns clínicos experientes descrevem um pressentimento, uma experiência intuitiva de sua incapacidade de estabelecer uma relação emocional com o paciente. Embora a experiência seja comum, não há dados que indiquem ser este um critério válido ou confiável para o diagnóstico da esquizofrenia.
PRESSENTIMENTO.
528
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 13-7 Porcentagem de pacientes com sintomas negativos e positivos (111 pacientes adultos com esquizofrenia hospitalizados consecutivamente) Sintomas Sintomas negativos Embotamento afetivo Expressão facial imutável Diminuição dos movimentos espontâneos Pobreza de gestos expressivos Pouco contato visual Ausência de resposta afetiva Afeto inadequado Falta de inflexões vocais Alogia Pobreza da fala Pobreza do conteúdo da fala Bloqueio Maior latência de resposta Abulia-apatia Cuidados pessoais e higiene Falta de persistência no trabalho ou nos estudos Anergia física Anedonia-associalidade Interesses e atividades recreativas Interesse e atividade sexuais Intimidade, proximidade Relacionamento com amigos e pares Atenção Desatenção social Desatenção durante testagem
Leves ou Graves ou moderados extremos
54 37 34 39 18 29 40
33 14 24 16 18 22 9
20 33 12 17
20 6 3 6
33
41
13 36
74 31
38 11 24 25
41 23 35 63
25 33
32 19
Sintomas Sintomas positivos Alucinações Auditivas Vozes que fazem comentários Vozes que conversam Somáticas-táteis Olfativas Visuais Delírios Persecutórios Ciúme Culpa, pecado Grandeza Religiosos Somáticos Delírios de referência Delírios de ser controlado Delírios de leitura da mente Transmissão de pensamentos Inserção de pensamentos Roubo de pensamentos Comportamento bizarro Roupas, aparência Comportamento social, sexual Comportamento agressivo/agitado Comportamento repetitivo/ estereotipado Transtorno positivo do pensamento formal Descarrilamento Tangencialidade Incoerência Ilogicidade Circunstancialidade Premência da fala Fala distraída Verbigeração
Leves ou Graves ou moderados extremos
19 22 27 10 5 16
51 12 12 6 1 15
19 2 16 15 12 11 13 25 19 11 15 11
47 1 2 15 11 11 21 12 14 2 4 6
8 17 14
4 7 6
7
4
30 28 9 10 14 14 12 1
4 4 1 1 0 0 1 0
Adaptada de Andreasen NC. The diagnosis of schizophrenia. Schizophr Bull. 1987,13:9.
nos de medicamentos antipsicóticos ou da depressão, e diferenciá-los pode ser um desafio clínico. Pacientes emotivos em excesso podem descrever sentimentos exultantes de onipotência, êxtase religioso, terror devido à desintegração de suas almas ou ansiedade paralisante em relação à destruição do universo. Outras nuances de sentimento incluem perplexidade, sensação de isolamento, ambivalência extrema e depressão. Transtornos perceptivos. ALUCINAÇÕES. Qualquer um dos cinco sentidos pode ser afetado por experiências alucinatórias no caso de pacientes com esquizofrenia. As alucinações mais comuns, no entanto, são as auditivas, com vozes muitas vezes ameaçadoras, obscenas, acusatórias ou insultosas. Duas ou mais vozes podem conversar entre si, ou uma voz pode comentar a vida ou o comportamento do paciente. Alucinações visuais são comuns, ao contrário de alucinações táteis, olfativas e gustativas, cuja presença deve levar o clínico a considerar a possibilidade de que um distúrbio médico ou neurológico subjacente esteja causando a síndrome. Alucinações cenestésicas. São sensações infundadas de estados
alterados em órgãos do corpo. Os exemplos incluem sensação de
ardência no cérebro, sensação de pressão nos vasos sangüíneos e sensação cortante na medula óssea. Distorções corporais também podem ocorrer (Fig. 13-10). As ilusões são distorções de imagens ou sensações reais, enquanto as alucinações não se baseiam na realidade. Aquelas podem ocorrer em pacientes com esquizofrenia durante as fases ativas, mas também durante fases prodrômicas e períodos de remissão. Sempre que ocorrerem ilusões ou alucinações, os clínicos devem levar em conta a possibilidade de elas serem causadas pelos efeitos de uma substância, mesmo quando o paciente já recebeu o diagnóstico de esquizofrenia.
ILUSÕES.
Pensamento. Os transtornos do pensamento são os sintomas de mais difícil compreensão para muitos clínicos e estudantes, mas podem ser essenciais na esquizofrenia. Dividi-los em transtornos do conteúdo, da forma e do processo do pensamento é uma maneira de esclarecê-los. CONTEÚDO DO PENSAMENTO. Os transtornos do conteúdo do pensamento refletem idéias, crenças e interpretações de estímulos feitas pelo paciente. Os delírios, o exemplo mais óbvio de transtorno do
ESQUIZOFRENIA
FIGURA 13-8 Paciente com história longa de catatonia. Ela está imóvel, demonstrando flexibilidade cérea. Seu braço está em posição desconfortável, elevado e sem apoio, e sua expressão facial pétrea exibe um Schnauzkrampf, ou muxoxo fixo. (Cortesia de Heinz E. Lehman, M.D.)
529
conteúdo do pensamento, são variados na esquizofrenia e podem assumir formas persecutórias, grandiosas, religiosas ou somáticas. Os pacientes podem acreditar que uma entidade externa controla seus pensamentos ou comportamentos, ou, inversamente, que eles controlam eventos externos de forma extraordinária (p. ex., fazendo com que o sol se levante e se ponha ou prevenindo terremotos). Podem demonstrar um interesse intenso e absorvente em idéias esotéricas, abstratas, simbólicas, psicológicas ou filosóficas. Também podem preocupar-se com condições somáticas supostamente fatais, porém bizarras e implausíveis, como a presença de alienígenas em seus testículos afetando sua capacidade de ter filhos. A expressão perda dos limites do ego descreve a ausência de noção clara de onde terminam o corpo, a mente e a influência do paciente e onde começam os limites de outros elementos animados e inanimados. Por exemplo, os pacientes podem pensar que outras pessoas, a televisão ou os jornais estão se referindo a eles (idéias de referência). Outros sintomas da perda dos limites do ego incluem a sensação de que se fundiu fisicamente a um objeto externo (p. ex., uma árvore ou outra pessoa) ou que se desintegrou e se fundiu ao universo inteiro (identidade cósmica). Neste estado psíquico, alguns pacientes com esquizofrenia têm dúvidas quanto ao seu sexo ou orientação sexual. Tais sintomas não devem ser confundidos com travestismo, transexualidade ou outros problemas de identidade de gênero. FORMA DO PENSAMENTO. Os transtornos da forma do pensamento são observáveis de modo objetivo na linguagem falada e escrita dos pacientes (Fig. 13-11), e incluem frouxidão de associações, descarrilamento, incoerência, tangencialidade, circunstancialidade, neologismos (Fig. 13-12), ecolalia, verbigeração, salada de palavras e mutismo. Embora a frouxidão de associações costume ser descrita como patognomônica para a esquizofrenia, o sintoma também é observado com freqüência na mania. Distinguir entre esta característica e a tangencialidade pode ser difícil mesmo para os clínicos mais experientes. PROCESSO DO PENSAMENTO. Os transtornos associados a este aspecto
dizem respeito ao modo como as idéias e a linguagem são formuladas. O examinador infere um transtorno a partir do que e de como o paciente fala, escreve ou desenha, e também pode avaliar seu processo de pensamento observando seu comportamento, em especial ao realizar tarefas simples (p. ex., na terapia ocupacional). Os transtornos do processo do pensamento incluem fuga de idéias, bloqueio do pensamento, comprometimento da atenção, pobreza de conteúdo do pensamento, baixa capacidade de abstração, perseveração, associações idiossincráticas (p. ex., predicados idênticos e associações por sons), inclusão excessiva e circunstancialidade. O controle dos pensamentos, no qual forças externas controlam o que o paciente pensa ou sente, é comum, bem como a transmissão de pensamentos, na qual acha que outras pessoas podem ler sua mente ou que seus pensamentos são transmitidos pela televisão ou pelo rádio.
FIGURA 13-9 “Retraimento esquizofrênico.” (Cortesia de Sid Bernstein, Research Facility, Orangeburg, NY.)
Impulsividade, violência, suicídio e homicídio. Pacientes com esquizofrenia podem ser agitados e ter pouco controle dos impulsos quando em surto. Também podem ter menos sensibilidade social e aparentar impulsividade quando, por exemplo, arrancam o cigarro de outro paciente, trocam o canal da televisão de forma
530
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
FIGURA 13-10 Desenho feito por um homem esquizofrênico de 40 anos de idade, que ilustra suas fantasias elaboradas de tortura física e exibe uma mistura peculiar de detalhes realistas e surrealistas.
a agir com violência. Nesses casos, a entrevista deve ser encerrada ou conduzida com um atendente de prontidão. Como mencionado, o suicídio é um risco. Cerca de 50% de todos os pacientes com esquizofrenia tentam cometê-lo, e de 10 a 15% o consumam. Talvez o fator mais subestimado envolvendo o suicídio destes pacientes seja a depressão diagnosticada equivocadamente como afeto embotado ou como efeito adverso da medicação. Outros precipitantes incluem sentimentos de vazio absoluto, necessidade de escapar da tortura mental ou das alucinações auditivas que comandam o suicídio. Os fatores de risco são consciência acerca da própria doença, sexo masculino, educação superior, menor idade, alteração no curso da doença ou melhora após recaída, dependência do hospital, ambições excessivamente altas, tentativas anteriores de suicídio no início do curso da doença e viver sozinho. No hospital, os pacientes devem ser monitorados com atenção caso se mostrem suicidas.
SUICÍDIO.
FIGURA 13-11 Amostra de escrita não-comunicativa de um esquizofrênico crônico. Este envelope endereçado ilustra a escrita maneirista, a verbigeração e, possivelmente, neologismos. Embora a escrita pareça exótica, observe os numerais arábicos e os nomes de ruas britânicas reconhecíveis. (Cortesia de Heinz E. Lehmann.)
abrupta ou atiram comida no chão. Alguns comportamentos aparentemente impulsivos, incluindo tentativas de suicídio e homicídio, podem ocorrer em resposta a alucinações de comando. O comportamento violento (excluindo o homicídio) é comum entre pacientes de esquizofrenia não-tratados. Delírios de natureza persecutória, episódios anteriores de violência e déficits neurológicos são fatores de risco para o comportamento violento ou impulsivo. O manejo inclui medicamentos antipsicóticos apropriados, e o tratamento de emergência consiste em contenção e isolamento. A sedação aguda com lorazepam, 1 a 2 mg por via intramuscular, repetida a cada hora conforme o necessário, pode ser essencial para impedir que o paciente ataque outras pessoas. Se o clínico sente medo na presença de um paciente esquizofrênico, isso deve ser tomado como uma indicação de que este pode estar prestes
VIOLÊNCIA.
HOMICÍDIO. Apesar do sensacionalismo promovido pela mídia quan-
do um paciente esquizofrênico comete um assassinato, os dados disponíveis indicam que este grupo não têm maior probabilidade de cometer homicídios do que um membro da população geral. O homicídio cometido por um paciente com esquizofrenia pode ter razões imprevisíveis ou bizarras, baseadas em alucinações e delírios. Possíveis preditores de atividade homicida são história de violência, comportamento perigoso durante a hospitalização e alucinações ou delírios envolvendo violência. SENSÓRIO E COGNIÇÃO Orientação. Pacientes com esquizofrenia geralmente são orientados em relação a pessoa, tempo e lugar. A ausência desta orien-
ESQUIZOFRENIA
531
FIGURA 13-12 Neste desenho, uma mulher esquizofrênica expressa seu pensamento incoerente, combinado a neologismos. (Cortesia de Heinz E. Lehmann.)
tação deve levar o clínico a investigar a possibilidade de um distúrbio cerebral médico ou neurológico. Alguns pacientes com esquizofrenia podem dar respostas incorretas ou bizarras a perguntas a respeito da orientação, como, por exemplo, “Eu sou Jesus Cristo, estamos no Paraíso no ano 35 d.C”.
dificuldade de se relacionar com as pessoas e os motivos para tais problemas. Essas informações podem ser clinicamente úteis na elaboração da estratégia de tratamento individual e para postular quais áreas do cérebro contribuem para a falta de insight observada (p. ex., os lobos parietais).
Memória. A memória, conforme testada no exame do estado mental, costuma estar intacta, mas pode haver deficiências cognitivas menores. Talvez seja impossível, no entanto, fazer com que o paciente preste atenção suficiente nos testes para avaliar adequadamente sua capacidade de memória.
Confiabilidade. Alguém com esquizofrenia não é menos confiável do que qualquer outro paciente psiquiátrico. A natureza do transtorno, no entanto, requer que o examinador verifique informações importantes por meio de fontes adicionais.
Julgamento e insight. Classicamente os pacientes com esquizofrenia são descritos como tendo insight pobre a respeito da natureza e da gravidade de seu transtorno, mas o aparente déficit está associado à baixa adesão ao tratamento. Ao examinar pacientes de esquizofrenia, os clínicos devem definir com cuidado vários aspectos do insight, tais como a consciência dos sintomas, a
Achados neurológicos Sinais neurológicos focais e não-focais são considerados mais comuns em pacientes com esquizofrenia do que em outros pacientes psiquiátricos. Os sinais não-focais incluem disdiadococinesia, estereognose, reflexos primitivos e destreza dimi-
532
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
nuída. A presença de sinais e sintomas neurológicos está correlacionada a maior gravidade da doença, embotamento afetivo e mau prognóstico. Outros sinais neurológicos anormais incluem tiques, estereotipias, caretas, habilidade motora fina comprometida, tônus motor anormal e movimentos anormais. Um estudo constatou que apenas cerca de 25% dos pacientes com esquizofrenia têm consciência de seus movimentos involuntários anormais e que a falta de consciência está relacionada à falta de insight a respeito do transtorno psiquiátrico primário e da duração da doença. Exame ocular. Além do transtorno do rastreamento ocular contínuo (movimento sacádico), pacientes com esquizofrenia têm taxa elevada de piscada, que se acredita refletir a atividade hiperdopaminérgica. Em primatas, esse efeito pode ser aumentado por agonistas da dopamina e reduzido por seus antagonistas. Linguagem. Embora sejam classicamente considerados indicadores de um transtorno do pensamento, os transtornos da linguagem na esquizofrenia (p. ex., frouxidão de associações) também podem indicar uma forma incompleta de afasia, talvez implicando o lobo parietal dominante. A incapacidade dos pacientes esquizofrênicos de perceber a prosódia da linguagem de outros ou de dar inflexão à sua própria fala pode ser vista como um sintoma neurológico de um transtorno do lobo parietal não-dominante. Outros sintomas semelhantes incluem a incapacidade de realizar tarefas (i. e., apraxia), desorientação direita-esquerda e falta de preocupação com o transtorno. Outros achados físicos Uma incidência elevada de anomalias físicas menores está associada ao diagnóstico de esquizofrenia. Tais anomalias, provavelmente relacionadas aos estágios iniciais do crescimento embrionário e fetal, em geral durante o primeiro trimestre, foram relatadas em 30 a 75% dos pacientes esquizofrênicos, comparados a 0 a 13% da população geral. Alguns estudos atuais sugerem que as anormalidades são mais comuns em homens do que em mulheres e talvez estejam associadas a fatores genéticos, embora complicações obstétricas não possam ser excluídas como fatores causais. A ingestão compulsiva de água pode ocorrer em alguns casos, com consumo de até 10 litros no mesmo dia, desenvolvendo-se hiponatremia. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Transtornos psicóticos secundários Uma ampla gama de condições médicas não-psiquiátricas e uma variedade de substâncias podem induzir sintomas de psicose e catatonia (Tab. 13-8). O diagnóstico mais apropriado para estes casos é o de transtorno psicótico devido a uma condição médica geral, transtorno catatônico devido a uma condição médica geral ou transtorno psicótico induzido por substâncias. As manifesta-
ções psiquiátricas de várias condições médicas não-psiquiátricas podem surgir no início do curso da doença, muitas vezes antes do desenvolvimento de outros sintomas. Por isso, os clínicos devem levar em conta uma ampla gama de condições médicas no diagnóstico diferencial da psicose, mesmo na ausência de sintomas físicos óbvios. Pacientes com distúrbios neurológicos costumam ter mais insight a respeito de sua doença e mais sofrimento devido aos sintomas psiquiátricos do que aqueles com esquizofrenia. Este fato pode ajudar o clínico a distinguir os dois grupos de pacientes. Ao avaliar um paciente com sintomas psicóticos, os clínicos devem seguir as diretrizes para a avaliação de condições não-psiquiátricas. Primeiro, devem buscar uma condição médica nãodiagnosticada quando o paciente exibe sintomas incomuns ou raros ou qualquer variação no nível de consciência. Segundo, devem tentar obter a história familiar completa, incluindo a história de distúrbios médicos e neurológicos e transtornos psiquiátricos. Terceiro, devem considerar a possibilidade de uma condição médica não-psiquiátrica mesmo em pacientes com diagnóstico pregresso de esquizofrenia. O paciente esquizofrênico tem a mesma probabilidade de ter um tumor cerebral que produza sintomas psicóticos quanto alguém sem o transtorno. Simulação e transtornos factícios Para um paciente que imita os sintomas da esquizofrenia mas não tem efetivamente o transtorno, a simulação ou o transtorno factício podem ser os diagnósticos apropriados. Há registros de pessoas que simularam sintomas esquizofrênicos e foram internadas e tratadas em hospitais psiquiátricos. Aqueles que estão controlando a produção de seus sintomas podem se qualificar para o diagnóstico de simulação; em geral, têm alguma razão financeira ou legal óbvia para serem considerados doentes mentais. Pacientes que têm menor controle da falsificação de sintomas psicóticos podem qualificar-se para um diagnóstico de transtorno factício. Alguns pacientes com esquizofrenia, no entanto, podem se queixar, de forma inverossímel, da exacerbação de sintomas psicóticos para obter mais assistência ou internação hospitalar. (Os transtornos factícios são o tema do Capítulo 19.) Outros transtornos psicóticos Os sintomas psicóticos da esquizofrenia podem ser idênticos aos do transtorno esquizofreniforme, do transtorno psicótico breve, do transtorno esquizoafetivo e dos transtornos delirantes. O transtorno esquizofreniforme difere da esquizofrenia porque seus sintomas têm duração de pelo menos um mês, mas menos de seis. O transtorno psicótico breve é o diagnóstico apropriado quando os sintomas duram pelo menos um dia, mas menos de um mês, e o paciente não retorna ao estado pré-mórbido de funcionamento neste período. Também pode haver um evento traumático precipitante. Quando uma síndrome maníaca ou depressiva se desenvolve ao mesmo tempo que os sintomas principais da esquizofrenia, o transtorno esquizoafetivo é o diagnóstico apropriado. Delírios não-bizarros presentes por pelo menos um mês sem outros
ESQUIZOFRENIA
TABELA 13-8 Diagnóstico diferencial de sintomas semelhantes aos da esquizofrenia Médicos e neurológicos Induzidos por substâncias – anfetamina, alucinógenos, alcalóides de beladona, alucinose do álcool, abstinência de barbitúricos, cocaína, fenciclidina (PCP) Epilepsia – especialmente epilepsia do lobo temporal Neoplasias, doença cerebrovascular ou trauma – especialmente frontal ou límbico Outras condições Síndrome da imunodeficiência adquirida Porfiria intermitente aguda Deficiência de B12 Intoxicação por monóxido de carbono Lipoidose cerebral Doença de Creutzfeldt-Jakob Doença de Fabry Doença de Fahr Doença de Hallevorden-Spatz Intoxicação por metais pesados Encefalite herpética Homocistinúria Doença de Huntington Leucodistrofia metacromática Neurossífilis Hidrocefalia de pressão normal Pelagra Lúpus eritematoso sistêmico Síndrome de Wernicke-Korsakoff Doença de Wilson Psiquiátricos Psicose atípica Transtorno autista Transtorno psicótico breve Transtorno delirante Transtorno factício com sinais e sintomas predominantemente psicológicos Simulação Transtornos do humor Adolescência normal Transtorno obsessivo-compulsivo Transtornos da personalidade – esquizotípica, esquizóide, borderline, paranóide Transtorno esquizoafetivo Esquizofrenia Transtorno esquizofreniforme
sintomas de esquizofrenia ou transtorno do humor justificam o diagnóstico de transtorno delirante. Transtornos do humor O diagnóstico diferencial entre esquizofrenia e transtornos do humor pode ser difícil, mas deve ser feito devido à disponibilidade de tratamentos específicos e eficazes para a mania e a depressão. Comparados com a duração dos sintomas primários, os sintomas afetivos ou do humor na esquizofrenia devem ser breves. Antes de fazer um diagnóstico prematuro sem mais informações do que aquelas obtidas em um único exame do estado mental, o clínico deve protelar sua definição ou pressupor a presença de um transtorno do humor. Após a remissão do episódio esquizofrênico, alguns pacientes apresentam depressão pós-psicótica ou secundária, para a qual é indicado o tratamento com um inibidor específico da recaptação da serotonina ou com um agente tricíclico.
533
Transtornos da personalidade Vários transtornos da personalidade podem ter algumas características da esquizofrenia, sendo os tipos esquizotípico, esquizóide e borderline os que possuem sintomas mais semelhantes. Um transtorno da personalidade obsessivo-compulsiva grave pode mascarar um processo esquizofrênico subjacente. Os transtornos da personalidade, ao contrário da esquizofrenia, têm sintomas leves e história de ocorrência durante toda a vida, não configurando uma data de início precisa. CURSO E PROGNÓSTICO Curso Um padrão pré-mórbido de sintomas pode ser a primeira evidência da doença, embora seu significado seja reconhecido apenas retrospectivamente. Em geral, os sintomas iniciam na adolescência e são seguidos pelo desenvolvimento de sintomas prodrômicos dentro de um intervalo de dias a alguns meses. Alterações sociais ou ambientais, tais como mudar-se para cursar a universidade em outra cidade, uso de substância ou a morte de um parente podem precipitar sintomas perturbadores, e a síndrome prodrômica pode durar um ano ou mais antes do início de sintomas psicóticos manifestos. O curso clássico da esquizofrenia é de exacerbações e remissões. Após o primeiro episódio psicótico, o paciente se recupera de forma gradual e funciona de modo relativamente normal por um longo tempo. As recaídas são comuns, e o padrão da doença durante os primeiros cinco anos após o diagnóstico costuma indicar o curso do paciente. A deterioração do funcionamento de linha de base é cada vez maior após cada recaída da psicose, e esse fracasso em retornar ao nível anterior de funcionamento é a principal distinção entre a esquizofrenia e os transtornos do humor. Às vezes, uma depressão pós-psicótica clinicamente observável se segue a um episódio psicótico, e a vulnerabilidade do paciente esquizofrênico ao estresse mantém-se por toda a sua vida. Os sintomas positivos tendem a tornar-se menos graves com o tempo, mas os sintomas deficitários ou negativos socialmente debilitantes podem aumentar em intensidade. Embora cerca de um terço dos pacientes esquizofrênicos tenha alguma existência social marginal ou integrada, a maioria tem vidas caracterizadas por falta de objetivos, ociosidade, hospitalizações freqüentes e, no contexto urbano, pobreza e falta de moradia fixa. Prognóstico Diversos estudos mostraram que, ao longo de um período de 5 a 10 anos após a primeira hospitalização psiquiátrica por esquizofrenia, somente cerca de 10 a 20% dos pacientes têm boa evolução, e mais de 50% apresentam resultado pobre, com hospitalizações repetidas, exacerbação de sintomas, episódios de transtornos maiores do humor e tentativas de suicídio. Apesar desses números desanimadores, a doença nem sempre tem curso deteriorante, e diversos fatores foram associados a um bom prognóstico (ver Tab. 13-5).
534
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
As taxas de remissão relatadas variam de 10 a 60%, e uma estimativa razoável é de que 20 a 30% de todos os esquizofrênicos sejam capazes de levar vidas relativamente normais. Cerca de 20 a 30% continuam a apresentar sintomas moderados, e entre 40 e 60% permanecem comprometidos de forma significativa pelo transtorno durante toda a vida. Pacientes com esquizofrenia têm resultados muito piores do que aqueles com transtornos do humor, embora entre 20 e 25% deles também sofram perturbações graves no acompanhamento a longo prazo. TRATAMENTO Três aspectos a respeito da esquizofrenia merecem atenção no que diz respeito ao tratamento do transtorno. Primeiro, independentemente da causa, a doença ocorre em indivíduos que têm perfil psicológico, familiar e social próprio. Dois fatores devem determinar a abordagem a ser adotada: como o paciente foi afetado pelo transtorno e como será ajudado pelo tratamento. Segundo, muitos investigadores acreditam que a taxa de concordância de 50% para esquizofrenia observada entre gêmeos monozigóticos sugere que fatores ambientais e psicológicos desconhecidos, mas provavelmente específicos, contribuam para seu desenvolvimento. Portanto, assim como os agentes farmacológicos são usados para tratar desequilíbrios químicos presumidos, estratégias nãofarmacológicas devem ser empregadas para tratar questões nãobiológicas. Terceiro, a complexidade da esquizofrenia torna qualquer abordagem terapêutica isolada inadequada para lidar com um transtorno multifacetado. Ainda que antipsicóticos sejam o esteio do tratamento da esquizofrenia, pesquisas constataram que intervenções psicossociais, incluindo a psicoterapia, favorecem a melhora clínica. Modalidades psicossociais devem ser integradas com o cuidado ao regime medicamentoso e lhe dar suporte. A maioria dos pacientes com esquizofrenia é beneficiada mais pelo uso combinado de antipsicóticos e tratamentos psicossociais do que de qualquer um dos tratamentos isoladamente.
ça e a disponibilidade de tratamento ambulatorial determinam a duração da estadia. Pesquisas mostraram que hospitalizações curtas, de 4 a 6 semanas, são tão eficazes quanto as de longo prazo e que o ambiente hospitalar com abordagens comportamentais ativas produz resultados melhores do que as instituições de moradia. O plano de tratamento hospitalar deve ser orientado para questões práticas de cuidados pessoais, qualidade de vida, emprego e relações sociais. Durante a hospitalização, deve-se orientar e articular contatos entre o paciente e as pessoas ou instituições que serão responsáveis pelos cuidados após a alta, incluindo a família, pensões protegidas e casas de passagem. Centros de atendimento-dia e visitas domiciliares de terapeutas às vezes ajudam os pacientes a permanecer fora do hospital por longos períodos, melhorando sua qualidade de vida diária. Terapias biológicas Farmacoterapia. Os medicamentos antipsicóticos, introduzidos no início da década de 1950, revolucionaram o tratamento da esquizofrenia. Um número de 2 a 4 vezes maior de pacientes tem recaídas quando tratados com placebo, comparados àqueles tratados com fármacos antipsicóticos. Estes agentes, no entanto, atêm-se aos sintomas do transtorno, mas não curam a esquizofrenia. Os fármacos antipsicóticos incluem duas classes principais: antagonistas do receptor da dopamina (p. ex., clorpromazina e haloperidol e ASDs (p. ex., risperidona e clozapina).
Hospitalização
São eficazes no tratamento da esquizofrenia, particularmente dos sintomas positivos (p. ex., delírios), mas têm duas deficiências principais. Primeiro, somente uma pequena porcentagem dos pacientes (talvez 25%) é auxiliada o suficiente para recuperar um funcionamento mental razoavelmente normal. Como foi dito, mesmo com o tratamento, cerca de 50% dos pacientes esquizofrênicos têm a vida debilitada de forma significativa. Segundo, os antagonistas do receptor de dopamina estão associados a efeitos adversos graves e incômodos. Os mais comuns são a acatisia e sintomas semelhantes aos do parkinsonismo, como rigidez e tremor. Os efeitos graves potenciais incluem discinesia tardia e síndrome neuroléptica maligna.
A hospitalização é indicada, em primeiro lugar, para fins diagnósticos, para a estabilização da medicação, para a segurança do paciente em caso de ideação suicida ou homicida e para o comportamento fortemente desorganizado ou impróprio, incluindo a incapacidade de lidar com necessidades básicas, como alimentação, vestuário e abrigo. Estabelecer uma associação efetiva entre o paciente e os sistemas de apoio da comunidade é uma das metas da hospitalização. Outros aspectos do manejo clínico derivam, logicamente, dos modelos médicos do transtorno. Uma vez que estão preocupados com a reabilitação e o ajustamento dos pacientes, os médicos devem avaliar as dificuldades específicas de cada um ao planejarem estratégias de tratamento, e também devem educar os pacientes, suas famílias e cuidadores a respeito da doença. Esse tipo de atendimento diminui o estresse do paciente e ajuda-o a estruturar suas atividades diárias. A gravidade da doen-
ANTAGONISTAS DA SEROTONINA-DOPAMINA. Os ASDs não produzem sintomas extrapiramidais ou o fazem em escala mínima, interagem com subtipos diferentes de receptores da dopamina em relação aos antipsicóticos-padrão e afetam os receptores serotonérgicos e glutamatérgicos. Também produzem menos efeitos adversos neurológicos e endócrinos e são eficazes para tratar os sintomas negativos da esquizofrenia (p. ex., retraimento). São chamados ainda de antipsicóticos atípicos, e parecem ser eficazes para uma gama mais ampla de pacientes com esquizofrenia do que os agentes antipsicóticos típicos antagonistas do receptor de dopamina. São pelo menos tão benéficos quanto o haloperidol para os sintomas positivos da esquizofrenia, sua eficácia em relação aos sintomas negativos é única, além de causarem poucos sintomas extrapiramidais. Os ASDs aprovados incluem clozapina, risperidona, olanzapina, sertindol, quetiapina e ziprasidona. Estes fármacos substituíram os antagonistas do receptor de dopa-
ANTAGONISTAS DO RECEPTOR DE DOPAMINA.
ESQUIZOFRENIA
mina como primeira escolha de medicamentos para o tratamento da esquizofrenia. Risperidona. É um antipsicótico eficaz com perfil leve de efeitos adversos. Nas doses habituais, não está associada a sintomas extrapiramidais, e causa menos sedação e efeitos anticolinérgicos do que os antagonistas do receptor de dopamina. Um conjunto de evidências crescente confirma seu papel como agente de primeira linha para pacientes com doença de leve a moderada em seu primeiro episódio e para aqueles com doença grave e refratária ao tratamento. Clozapina. É mais eficaz para pacientes com doença grave, mas seu uso é complicado pelo risco de efeitos adversos significativos, que não são encontrados em outros ASDs. A clozapina está associada à agranulocitose potencialmente fatal em 1 a 2% dos pacientes, o que requer o monitoramento semanal da contagem de neutrófilos. Também apresenta alto risco de convulsões e tem efeitos anticolinérgicos significativos. No entanto, permanece útil para pacientes refratários a qualquer outro fármaco antipsicótico e para aqueles com discinesia tardia. A clozapina tem pouca atividade antagonista do receptor D2 e parece reduzir os sintomas da discinesia tardia sem piorar a condição. Olanzapina. Trata-se de um medicamento benéfico para o tratamento da esquizofrenia, com perfil de efeitos adversos leves e um tanto diferentes da risperidona. Tem menor probabilidade de produzir efeitos extrapiramidais, porém maior probabilidade de produzir sedação, ganho de peso, hipotensão ortostática e constipação. É um agente de primeira linha importante, na proporção em que os pacientes que não respondem a um ASD podem responder a outro. Sertindol. É um agente eficaz, com perfil favorável de efeitos adversos, a maioria dos quais transitórios. Deve ser titulado lentamente para evitar hipotensão ortostática. Também pode causar taquicardia sinusal, congestão nasal e diminuição do volume ejaculatório. Implica pouco ganho de peso e não causa sintomas anticolinérgicos. Sua meia-vida de três dias o torna ideal para pacientes com baixa adesão. Quetiapina. Fármaco antipsicótico eficaz que não está associado ao aumento do risco de sintomas extrapiramidais. Seus principais efeitos adversos incluem sedação, taquicardia, ganho de peso e agitação. As doses iniciais devem ser tituladas ao longo de quatro dias para evitar hipotensão ortostática e síncope. Ziprasidona. É eficaz para o tratamento da esquizofrenia. Apresenta benefícios adicionais em potencial para pacientes com sintomas afetivos, pois bloqueia a recaptação da serotonina e da noradrenalina, e para aqueles com ansiedade, pois é antagonista para receptores de 5-HT1A. Seus efeitos adversos incluem sedação, náusea e tontura, mas não causa ganho de peso.
O uso de medicamentos antipsicóticos na esquizofrenia deve seguir cinco princípios. (1) Os clínicos devem definir com cuidado os sintomas-alvo a serem tratados. (2) Um antipsicótico que funcionou para o paciente no passado deve ser usado novamente. Na ausência de tal informação, a escolha do antipsicótico baseia-se no perfil de efeitos adversos. Os dados disponíveis no momento indicam que os ASDs podem oferecer um perfil superior
PRINCÍPIOS TERAPÊUTICOS.
535
de efeitos adversos e a possibilidade de maior eficácia. (3) A duração mínima de um ensaio com antipsicóticos é de 4 a 6 semanas em dosagens adequadas. Se não tiver sucesso, um antipsicótico diferente, em geral de outra classe, pode ser tentado. Reação desagradável à primeira dose de um antipsicótico, no entanto, está fortemente correlacionada à baixa resposta e à baixa adesão futuras. Experiências negativas incluem sentimento subjetivo negativo peculiar, excesso de sedação ou reação distônica aguda. Quando uma reação inicial negativa grave é observada, os clínicos devem considerar a troca para outro agente em menos de quatro semanas. (4) Em geral, o uso de mais de um medicamento antipsicótico ao mesmo tempo não costuma ser indicado. Em pacientes especialmente resistentes ao tratamento, no entanto, a combinação de antipsicóticos com outros agentes – por exemplo, carbamazepina – pode ser indicada. (5) Os pacientes devem ser mantidos na dosagem efetiva mais baixa possível da medicação. A dosagem de manutenção muitas vezes é inferior à usada para obter o controle dos sintomas durante um episódio psicótico. Uma árvore de decisão para o uso de medicamentos antipsicóticos é apresentada na Figura 13-13. Apesar do inconveniente dos efeitos neurológicos e da possibilidade sempre presente de discinesia tardia, os fármacos antipsicóticos são seguros, em especial quando administrados por um período relativamente curto. Por isso, em situações de emergência, os clínicos podem empregar estes agentes, com exceção da clozapina, sem conduzir um exame físico ou laboratorial do paciente. Na avaliação habitual, no entanto, devese obter um hemograma completo com índices de leucócitos, testes da função hepática e eletrocardiograma (ECG), principalmente de mulheres com mais de 40 anos e homens com mais de 30 anos de idade. As contra-indicações aos antipsicóticos são: (1) história de resposta alérgica grave, (2) possibilidade de o paciente ter ingerido uma substância que possa interagir com o antipsicótico e induzir depressão do SNC (p. ex., álcool, opióides, opiáceos, barbitúricos, benzodiazepínicos) ou delirium anticolinérgico (p. ex., substâncias contendo atropina, escopolamina e possivelmente PCP), (3) presença de anormalidade cardíaca grave, (4) alto risco de convulsões por causas orgânicas ou idiopáticas e (5) presença de glaucoma de ângulo estreito caso seja usado um antipsicótico com atividade anticolinérgica significativa.
INVESTIGAÇÃO INICIAL.
No estado agudo, praticamente todos os pacientes respondem a doses repetidas de um antipsicótico – administrado a cada uma ou duas horas por via intramuscular (IM) ou a cada duas ou três horas por via oral. Um benzodiazepínico pode ser necessário para sedar o paciente um pouco mais. A ausência de resposta no estado agudo deve levar o clínico a suspeitar de lesão orgânica. A não-adesão é uma forte razão para recaídas e para o fracasso de um ensaio medicamentoso, assim como a duração insuficiente do ensaio. Em geral, é um equívoco aumentar a dosagem ou alterar a medicação antipsicótica nas duas primeiras semanas do tratamento. Se o paciente está melhorando no regime atual ao final desse período, a terapia continuada com o mesmo regime provavelmente vai resultar em melhora clínica sustentada. Se, no entanto, o paciente demonstrou pouca ou nenhuma melhora, os motivos possíveis para o fracasso da medicação, incluindo a não-
TRATAMENTO DA DOENÇA REFRATÁRIA.
536
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Se um paciente tem contra-indicação específica a algum medicamento, remova-o da lista de possibilidades. Em cada ponto do algoritmo, os medicamentos são escolhidos com base em: • Respostas anteriores • Efeitos colaterais • Preferências do paciente • Via de administração prevista Grupo 1: Antipsicóticos convencionais Grupo 2: Risperidona Grupo 3: Clozapina Grupo 4: Novos medicamentos antipsicóticos – olanzapina, sertindol, quetiapina Escolher um medicamento do grupo 1, 2 ou 4
Efeitos colaterais intoleráveis
Resposta adequada; sem efeitos colaterais intoleráveis
Resposta inadequada dos sintomas positivos A
Continuar
Escolher um medicamento diferente do grupo 1, 2 ou 4; se houver problemas com efeitos colaterais extrapiramidais, discinesia tardia ou aumento da prolactina, considerar o grupo 4
Resposta adequada; sem efeitos colaterais intoleráveis B Continuar
Resposta adequada; sem efeitos colaterais intoleráveis Continuar
Efeitos colaterais intoleráveis
Escolher um medicamento diferente do grupo 2, 3 ou 4
Efeitos colaterais intoleráveis Ir para B
Escolher um medicamento diferente do grupo 1 (se um medicamento deste grupo não foi a primeira escolha), 2, 3 ou 4
Resposta inadequada dos sintomas positivos Ir para A
Resposta inadequada dos sintomas positivos Ir para A; considerar ECT; considerar recomendações para pacientes resistentes ao tratamento
FIGURA 13-13 Tratamento farmacológico da esquizofrenia. (Reproduzida, com permissão, da American Psychiatric Association. Practice guideline for the treatment of patients with schizophrenia. Am J Psychiatry. 1997,154[suppl 4]:1.)
adesão, devem ser examinados. Para pacientes com tais características, pode ser indicado o uso de uma preparação líquida ou formas depot de flufenazina ou haloperidol. Devido à diversidade do metabolismo das substâncias, os clínicos devem obter níveis plasmáticos quando houver disponibilidade laboratorial. Estes oferecem apenas uma medida aproximada da adesão, da absorção e do metabolismo, mas não existem faixas de nível sangüíneo terapêutico claramente definidas semelhantes às de alguns antidepressivos. Como os efeitos adversos neurológicos são um motivo comum para a não-adesão e uma das principais causas de recaída entre pacientes esquizofrênicos, os perfis de efeitos adversos mais favoráveis dos agentes atípicos podem produzir maior adesão e melhores resultados.
Depois de eliminar outras possíveis razões para o fracasso terapêutico de um antipsicótico, os clínicos pode tentar uma segunda opção, cuja estrutura química seja diferente da primeira. O uso da dita terapia antipsicótica com megadose (p. ex., de 100 a 200 mg de haloperidol) raramente é indicado porque não há dados suficientes que apóiem essa prática. Outros medicamentos. Se ensaios com um agente antipsicótico não tiverem sucesso, outro pode ser tentado, bem como a terapia combinada com um medicamento desta classe e outro adjuvante. Os adjuvantes com dados mais positivos são o lítio, dois anticonvulsivantes (carbamazepina e valproato) e os benzodiazepínicos.
ESQUIZOFRENIA
LÍTIO. Pode ser eficaz para reduzir ainda mais os sintomas psicóticos em até
50% dos pacientes com esquizofrenia, geralmente acrescentado a um fármaco antipsicótico que já esteja sendo tomado. Também é uma opção razoável para pacientes que não podem tomar nenhum antipsicótico, sendo benéfico para pacientes esquizofrênicos com oscilações de humor. ANTICONVULSIVANTES. A carbamazepina ou o valproato não costumam ser usados sozinhos, mas em combinação com o lítio ou um antipsicótico. Embora nenhum dos anticonvulsivantes tenha demonstrado ser eficaz para reduzir sintomas psicóticos na esquizofrenia quando usados sozinhos, dados sugerem que reduzem os episódios de violência em alguns casos. Devido a seus efeitos nas enzimas hepáticas, os anticonvulsivantes diminuem os níveis sangüíneos dos antipsicóticos. BENZODIAZEPÍNICOS. Dados apóiam a prática de co-administrar alprazolam e agentes antipsicóticos a pacientes que não responderam somente aos antipsicóticos. Também há relatos de pacientes esquizofrênicos que responderam a altas dosagens de diazepam. A gravidade da psicose pode, no entanto, ser exacerbada após a retirada de um benzodiazepínico. O lorazepam é preferível ao diazepam por ter ação mais curta e menos potencial de abuso.
537
bilidades práticas e a comunicação interpessoal de pacientes esquizofrênicos. A meta é capacitar indivíduos com doença grave a desenvolverem habilidades sociais e vocacionais para uma vida independente. Esses tratamentos são realizados em muitos locais: hospitais, clínicas ambulatoriais, centros de saúde mental, hospitais-dia, lares ou clubes. Treinamento de habilidades sociais. Este treinamento às vezes é referido como terapia de habilidades comportamentais (Tab. 13-9). A terapia pode ser útil e representar um apoio direto para o paciente, juntamente com a terapia farmacológica. Além dos sintomas vistos em indivíduos esquizofrênicos, alguns dos mais evidentes envolvem os relacionamentos com os outros, incluindo pouco contato visual, retardo incomum das reações, expressões faciais estranhas, falta de espontaneidade em situações sociais e percepções imprecisas ou falta de percepção das emoções das outras pessoas. O treinamento de habilidades comportamentais aborda esses comportamentos com o uso de vídeos de outras pessoas e do paciente, dramatizações na terapia e “lições de casa” com as habilidades específicas que estão sendo praticadas. O treinamento de habilidades sociais demonstrou reduzir as taxas de recaída medidas pela necessidade de hospitalização.
Outras terapias biológicas. Embora muito menos efetiva do que os medicamentos antipsicóticos, a eletroconvulsoterapia (ECT) pode ser indicada para pacientes catatônicos ou que, por algum motivo, não podem tomar antipsicóticos. Pacientes doentes há menos de um ano têm maior probabilidade de responder, e a ECT de manutenção pode ser valiosa para aqueles que não respondem a terapias farmacológicas. No passado, a psicocirurgia, particularmente a lobotomia frontal, era usada no tratamento da esquizofrenia com resultados variáveis. Ainda que abordagens sofisticadas nessa área possam vir a ser desenvolvidas, este recurso não é mais considerado um tratamento apropriado, sendo praticado de forma experimental e limitada apenas a casos graves e intratáveis.
Terapias psicossociais As terapias psicossociais incluem uma variedade de métodos para aumentar as habilidades sociais, a auto-suficiência, as ha-
Terapias de orientação familiar. Como os pacientes com esquizofrenia muitas vezes têm alta em estado de remissão apenas parcial, a família para a qual retornam pode ser beneficiada por um curso de terapia familiar breve, porém intensivo (até mesmo diário). A abordagem deve focalizar a situação imediata e ater-se a meios de identificar e evitar situações potencialmente problemáticas. Quando surgirem problemas com o paciente na família, o objetivo da terapia deve ser resolvê-los assim que possível. Ao querer ajudar, os membros da família com muita freqüência encorajam o paciente esquizofrênico a reassumir suas atividades regulares rápido demais, devido à ignorância a respeito do transtorno e à negação de sua gravidade. Sem serem abertamente desencorajadores, os terapeutas devem ajudá-los a compreender e a aprender sobre a esquizofrenia e estimular a discussão sobre o episódio psicótico e os eventos que leva-
TABELA 13-9 Metas e comportamentos-alvo da terapia de habilidades sociais Fase
Metas
Comportamentos-alvo
Estabilização e avaliação
Estabelecer a aliança terapêutica Avaliar o desempenho social e as habilidades de percepção Avaliar comportamentos que provocam emoção expressada Expressar sentimentos positivos em relação à família Ensinar estratégias eficazes para lidar com conflitos
Empatia e rapport Comunicação verbal e não-verbal
Desempenho social na família Percepção social na família
Identificar de forma adequada o conteúdo, o contexto e o sentido das mensagens
Relacionamentos extrafamiliares
Aprimorar habilidades de socialização Aprimorar habilidades vocacionais e pré-vocacionais
Manutenção
Generalizar as habilidades para situações novas
Elogios, apreço, interesse pelos outros Evitar responder a críticas, afirmar preferências e recusas Ler uma mensagem Rotular uma idéia Resumir as intenções de outros Habilidades de conversação Namoro Atividades recreativas Entrevistas de emprego, hábitos de trabalho
Adaptada, com permissão, de Hogarty GE, Anderson CM, Reiss DJ, et al. Family psychoeducation, social training and maintenance chemotherapy: I One-Year effects of a controlled study on relapse and expressed emotion. Arch Gen Psychiatry. 1986;43:633
538
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
ram a ele. Ignorar essas manifestações típicas da doença, uma situação comum, muitas vezes aumenta a vergonha associada, ao evento e impede que se aproveite o momento em que se da o episódio para compreendê-lo melhor. Os sintomas psicóticos muitas vezes assustam os membros da família, e falar abertamente com o psiquiatra e com o parente afetado ajuda a tranqüilizar todos os envolvidos. Os profissionais podem direcionar a terapia familiar posterior para a aplicação de estratégias de redução do estresse e para a reintegração gradual do paciente à vida cotidiana. Recomenda-se controlar a intensidade emocional das sessões familiares com pacientes esquizofrênicos. A expressão excessiva de emoção nesse momento pode prejudicar o processo de recuperação do paciente e o sucesso da terapia de família posterior. Diversos estudos demonstraram que a terapia familiar é especialmente efetiva para diminuir recaídas. NATIONAL ALLIANCE FOR THE MENTALLY ILL ( ALIANÇA NACIONAL
A NAMI norte-americana e organizações semelhantes são grupos de apoio para membros da família e amigos de pacientes com doenças mentais e para os próprios pacientes. Estas organizações oferecem aconselhamento emocional e prático para a obtenção de atendimento num sistema de saúde muitas vezes complexo, e são fontes úteis para as quais encaminhar as famílias. Nos Estados Unidos, a NAMI também patrocinou uma campanha para desestigmatizar as doenças mentais e aumentar a atenção governamental para as necessidades e direitos das pessoas doentes mentais e suas famílias.
EM PROL DOS DOENTES MENTAIS ).
Manejo de caso. Uma vez que vários profissionais com habilidades especializadas estão envolvidos no programa de tratamento do paciente esquizofrênico, tais como psiquiatras, assistentes sociais e terapeutas ocupacionais, entre outros, é útil haver uma pessoa ciente de todas as forças que agem sobre o paciente. O responsável pelo manejo do caso garante que os esforços sejam coordenados e que os pacientes compareçam às consultas e mantenham a aderência aos planos de tratamento, podendo fazer visitas domiciliares e até mesmo acompanhar o paciente no trabalho. O sucesso do programa depende da formação, do treinamento e da competência do indivíduo responsável pelo manejo do caso, fatores muito variáveis. Estas pessoas muitas vezes são encarregadas de um número excessivo de casos e não conseguem acompanhá-los efetivamente. Os benefícios do programa ainda precisam ser demonstrados. Tratamento comunitário assertivo. Este programa foi desenvolvido por pesquisadores de Madison, Wisconsin, na década de 1970, para oferecer serviços a pessoas com doenças mentais crônicas. Os pacientes são atendidos por uma equipe multidisciplinar (responsável pelo manejo do caso, psiquiatra, enfermeiro, clínico geral) encarregada de um número fixo de casos, que oferece todos os serviços quando e onde forem necessários, 24 horas por dia, sete dias por semana. Esta é uma intervenção móvel e intensiva que oferece tratamento, reabilitação e atividades de apoio, que incluem entrega de medicamentos em casa, monitoramento da saúde mental e física, prá-
tica de habilidades sociais in vivo e contato freqüentes com membros da família. A proporção paciente-equipe é alta (1:12) e estes programas podem diminuir efetivamente o risco de nova hospitalização para pessoas com esquizofrenia, apesar de serem intensivos e caros. Terapia de grupo. A terapia de grupo para pessoas com esquizofrenia geralmente tem seu foco nos planos, nos problemas e nos relacionamentos. Os grupos podem ter orientação comportamental, psicodinâmica ou de apoio. Alguns investigadores não acreditam que a interpretação dinâmica e a terapia voltada para o insight tenham valor para pacientes típicos com esquizofrenia, mas a terapia de grupo é eficaz para reduzir o isolamento social, aumentar a sensação de coesão e melhorar o teste de realidade. Os grupos voltados para o apoio parecem ser os mais benéficos. Terapia cognitivo-comportamental. Tem sido usada com pacientes esquizofrênicos para melhorar distorções cognitivas, reduzir a distratibilidade e corrigir erros de julgamento. Existem relatos de melhora dos delírios e das alucinações em alguns pacientes. Aqueles que podem se beneficiar geralmente têm algum insight acerca de sua doença. Psicoterapia individual. Estudos sobre os efeitos da psicoterapia individual no tratamento da esquizofrenia produziram dados de que a terapia é útil e seus efeitos se somam aos do tratamento farmacológico. Na psicoterapia com um paciente esquizofrênico, é fundamental desenvolver uma relação que o paciente veja como segura. A confiabilidade do terapeuta, a distância emocional entre ambos e a sinceridade do terapeuta, conforme interpretada pelo paciente, interferem na experiência terapêutica. A psicoterapia para paciente com esquizofrenia deve ser pensada em termos de décadas, em vez de sessões, meses ou mesmo anos. Alguns pesquisadores enfatizaram que a capacidade do paciente esquizofrênico de formar uma aliança terapêutica é preditiva de seu resultado. Os que são capazes de estabelecer uma relação têm probabilidade de continuar na psicoterapia, permanecer aderentes à medicação e ter bons resultados em avaliações após dois anos. A relação entre clínicos e pacientes difere daquela encontrada no tratamento de pacientes não-psicóticos. Estabelecer um relacionamento muitas vezes é difícil. Pessoas com esquizofrenia são solitárias, mas ainda assim evitam a proximidade e a confiança, tendo grande probabilidade de mostrarem-se desconfiadas, ansiosas ou hostis ou de regredirem quando alguém tenta se aproximar. Os terapeutas devem respeitar a distância e a privacidade do paciente e demonstrar simplicidade, paciência, franqueza e sensibilidade às convenções sociais em vez de optar pela preferência à informalidade prematura e pelo uso condescendente do primeiro nome. Os pacientes tendem a perceber uma ternura exagerada ou expressões de amizade como tentativas de suborno, manipulação ou exploração. No contexto da relação profissional, no entanto, a flexibilidade é essencial para estabelecer uma aliança de trabalho com o paciente. O terapeuta pode fazer refeições com ele, sentar-se no chão, sair para caminhar, ir a restaurantes, aceitar e dar
ESQUIZOFRENIA
presentes, jogar pingue-pongue, lembrar o aniversário do paciente ou simplesmente se sentar com ele em silêncio. O principal objetivo é transmitir a idéia de que se é confiável, de que se quer compreender o paciente e de que se tem fé no seu potencial como ser humano, por mais perturbado, hostil ou bizarro que ele possa parecer no momento. Um tipo flexível de psicoterapia denominado terapia pessoal é uma forma recentemente desenvolvida de tratamento individual para pacientes com esquizofrenia. Seu objetivo é melhorar o ajustamento pessoal e social e impedir recaídas mediante o uso de habilidades sociais e exercícios de relaxamento, psicoeducação, auto-reflexão, autoconsciência e exploração da vulnerabilidade individual ao estresse. O terapeuta proporciona um setting que enfatiza a aceitação e a empatia. Os pacientes que recebem terapia pessoal demonstram melhoras no ajustamento social (uma medida composta que inclui desempenho no trabalho, lazer e relacionamentos interpessoais) e têm taxas mais baixas de recaída após três anos. Terapia vocacional Uma variedade de métodos e contextos são usados para ajudar os pacientes a reconquistarem antigas habilidades ou desenvolverem novas, incluindo oficinas protegidas, clubes de emprego e programas de emprego em meio período ou de transição. Capacitá-los a se empregarem plenamente é, ao mesmo tempo, um meio e um sinal de recuperação. Muitas pessoas esquizofrênicas são capazes de realizar trabalhos de alta qualidade apesar da doença, e outras podem exibir habilidades excepcionais ou até mesmo brilhantismo em um campo limitado como resultado de algum aspecto idiossincrático do seu transtorno.
539
CID-10 Segundo a CID-10, nove grupos de sintomas são importantes para diagnosticar a esquizofrenia: (1) eco, inserção, retirada e transmissão de pensamentos; (2) delírios de controle, influência ou passividade; (3) vozes alucinatórias; (4) outros delírios persistentes culturalmente impróprios e impossíveis; (5) alucinações persistentes; (6) rupturas ou interpolação do pensamento; (7) comportamento catatônico; (8) sintomas “negativos” que resultam em retraimento e baixo desempenho social, mas que não são causados por depressão ou medicamentos; e (9) mudanças gerais e consistentes de comportamento. Ao contrário dos requisitos do DSM-IV-TR para o diagnóstico da esquizofrenia, a CID-10 requer a presença de um sintoma claro ou dois nem tanto de qualquer um dos grupos de 1 a 4, ou sintomas de pelo menos dois dos grupos de 5 a 8 na maior parte do tempo durante um mês ou mais. Condições semelhantes, com duração de menos de um mês, devem ser diagnosticadas como transtornos semelhantes à esquizofrenia. O DSM-IV-TR define a esquizofrenia como uma perturbação de pelo menos seis meses de duração com dois ou mais sintomas ativos por pelo menos um mês. Um transtorno diagnosticado como esquizofrenia pelos padrões da CID-10 pode ser diagnosticado como transtorno esquizofreniforme segundo o DSM-IV-TR, que define este como equivalente à esquizofrenia, exceto por sua duração, que é de 1 a 6 meses, e pela ausência de declínio funcional. Os critérios gerais da CID-10 para esquizofrenia se aplicam a todos os seus subtipos, exceto esquizofrenia simples, e são apresentados na Tabela 13-10. A CID-10 inclui duas categorias residuais: outra esquizofrenia (p. ex., esquizofrenia cenestopática [um transtorno no qual os pacientes se queixam ou têm delírios de uma sensação geral de existência corporal]) e esquizofrenia não-especificada.
TABELA 13-10 Critérios diagnósticos da CID-10 para esquizofrenia Esta categoria geral inclui as variedades comuns da esquizofrenia, bem como algumas menos comuns e transtornos relacionados. Critérios gerais para esquizofrenia paranóide, hebefrênica, catatônica e indiferenciada G1: Pelo menos um dos sinais e sintomas das síndromes listados a seguir no item (1) ou pelo menos dois dos sinais e sintomas listados no item (2) devem estar presentes durante a maior parte do tempo de um episódio de doença psicótica, durando pelo menos um mês (ou algum tempo durante a maior parte dos dias). (1) Pelo menos um dos seguintes: a) eco de pensamento, inserção ou bloqueio de pensamento ou transmissão de pensamento; b) delírios de controle, influência ou passividade claramente relacionados a movimentos do corpo, membros ou pensamentos, ações ou sensações específicos; percepção delirante; c) vozes alucinatórias fazendo comentários contínuos sobre o comportamento do paciente ou discutindo entre si, ou outros tipos de vozes alucinatórias vindas de alguma parte do corpo; d) delírios persistentes de outros tipos, culturalmente impróprios e impossíveis (p. ex., ser capaz de controlar o tempo ou entrar em comunicação com alienígenas).
(2) Ou pelo menos dois dos seguintes: a) alucinações persistentes de qualquer modalidade, que ocorram todos os dias durante pelo menos um mês, quando acompanhadas por delírios (que podem ser fugazes ou malformados) sem conteúdo afetivo claro, ou quando acompanhadas por idéias supervalorizadas persistentes; b) neologismos, quebras ou interpolação no curso do pensamento, resultando em incoerência ou fala irrelevante; c) comportamento catatônico, como excitação, postura inadequada ou flexibilidade cérea, negativismo, mutismo e estupor; d) sintomas “negativos” como apatia acentuada, pobreza de fala e embotamento ou incongruência de respostas emocionais (deve estar claro que estes não são decorrentes da depressão ou de medicação neuroléptica). G2: Critérios de exclusão mais comumente usados (1) Se o paciente também satisfaz os critérios para episódio maníaco ou episódio depressivo, os critérios listados em G1(1) e G1(2) devem ter sido satisfeitos antes do desenvolvimento do transtorno do humor. (2) O transtorno não deve ser atribuível a doença cerebral orgânica ou a intoxicação, dependência ou abstinência de drogas ou álcool.
(Continua)
540
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 13-10 (Continuação) Comentários Ao avaliar a presença destas experiências e comportamentos subjetivos anormais, deve-se tomar cuidado especial para evitar avaliações falso-positivas, especialmente quando estão envolvidas formas de expressão e de comportamento influenciadas pela cultura ou subcultura ou por um nível abaixo do normal de inteligência. Padrão de curso Em vista da considerável variação do curso dos transtornos esquizofrênicos, pode ser desejável (especialmente para fins de pesquisa) especificar o padrão utilizando um quinto elemento. O curso não deve ser codificado, a menos que tenha havido um período de observação de pelo menos um ano. Contínuo Sem remissão dos sintomas psicóticos ao longo do período de observação. Episódico com déficit progressivo Desenvolvimento progressivo de sintomas “negativos” nos intervalos entre os episódios psicóticos. Episódico com déficit estável Sintomas “negativos” persistentes, porém não-progressivos, nos intervalos entre os episódios psicóticos. Episódico remitente Remissões completas ou quase completas entre os episódios psicóticos. Remissão incompleta Remissão completa Outro Curso incerto, período de observação demasiadamente curto Esquizofrenia paranóide A. Os critérios gerais para esquizofrenia devem ser satisfeitos. B. Delírios ou alucinações devem ser proeminentes (tais como delírios de perseguição, referência, nascimento especial, missão especial, transformação corporal ou inveja; vozes ameaçadoras ou de comando, alucinações de odor ou sabor, sensações sexuais ou outras sensações corporais). C. Embotamento ou incongruência de afeto, sintomas catatônicos ou fala incoerente não devem dominar o quadro clínico, embora possam estar presentes em grau leve. Esquizofrenia hebefrênica A. Os critérios gerais para esquizofrenia devem ser satisfeitos. B. (1) ou (2) devem estar presentes: (1) afeto embotado ou superficial definido e sustentado; (2) afeto incongruente ou impróprio definido e sustentado. C. Um dos seguintes deve estar presente: (1) comportamento sem objetivo e desarticulado, em vez de direcionado para uma meta; (2) transtorno do pensamento definido manifestando-se como fala desarticulada, vaga ou incoerente. D. Alucinações ou delírios não devem dominar o quadro clínico, embora possam estar presentes em grau leve. Esquizofrenia catatônica A. Os critérios gerais para esquizofrenia devem ser satisfeitos em algum momento, embora isso possa não ser possível inicialmente se o paciente não estiver se comunicando. B. Durante um período de pelo menos duas semanas, um ou mais dos seguintes comportamentos catatônicos deve mostrar-se proeminente: (1) estupor (diminuição acentuada na capacidade de reação ao ambiente e redução de atividades e movimentos espontâneos) ou mutismo;
(2) excitação (atividade motora aparentemente sem propósito, não influenciada por estímulos externos); (3) postura inadequada (assumir e manter voluntariamente posturas inadequadas ou bizarras); (4) negativismo (resistência aparentemente sem motivo a todas as instruções ou tentativas de ser movido ou movimento na direção contrária); (5) rigidez (manutenção de uma postura rígida contra esforços para ser movido); (6) flexibilidade cérea (manutenção de membros e do corpo em posições externamente impostas); (7) automatismo de comando (obediência automática a instruções). Esquizofrenia indiferenciada A. Os critérios gerais para esquizofrenia devem ser satisfeitos. B. Um dos seguintes deve manifestar-se: (1) sintomas insuficientes para satisfazer os critérios de quaisquer dos subtipos; (2) presença de tantos sintomas que os critérios para mais de um dos subtipos listados acima são satisfeitos. Depressão pós-esquizofrênica A. Os critérios gerais para esquizofrenia devem ter sido satisfeitos em algum momento dos 12 meses anteriores, mas não são satisfeitos no presente. B. Uma das condições do Critério G1(2) a, b, c ou d para esquizofrenia geral ainda deve estar presente. C. Os sintomas depressivos devem ser suficientemente prolongados, graves e extensos para satisfazer os critérios de pelo menos um episódio depressivo leve. Esquizofrenia residual A. Os critérios gerais para esquizofrenia devem ter sido satisfeitos em algum momento do passado, mas não são satisfeitos no presente. B. Pelo menos quatro dos seguintes sintomas “negativos” estiveram presentes ao longo dos 12 meses anteriores: (1) lentidão psicomotora ou diminuição da atividade; (2) embotamento definido do afeto; (3) passividade e falta de iniciativa; (4) pobreza da quantidade ou do conteúdo da fala; (5) comunicação não-verbal pobre através de expressão facial, contato visual, modulação da voz ou postura; (6) desempenho social ou cuidados pessoais deficientes. Esquizofrenia simples A. Desenvolvimento lento, porém progressivo, ao longo de um período de pelo menos um ano, de todos os seguintes: (1) mudança significativa e consistente na qualidade geral de alguns aspectos do comportamento pessoal, manifestada como perda de impulso e interesses, falta de objetivos, ociosidade, atitude introspectiva e retraimento social; (2) surgimento e aprofundamento graduais de sintomas “negativos”, tais como apatia acentuada, pobreza da fala, redução da atividade, embotamento afetivo, passividade, falta de iniciativa e comunicação não-verbal pobre (através da expressão facial, do contato visual, da modulação da voz e da postura); (3) declínio acentuado no desempenho social, acadêmico ou ocupacional. B. Ausência total dos sintomas referidos no Critério G1 para esquizofrenia geral e de alucinações ou delírios bem-formados de qualquer tipo, ou seja, o indivíduo jamais deve ter satisfeito os critérios para qualquer outro tipo de esquizofrenia ou de qualquer outro transtorno psicótico. C. Ausência de evidências de demência ou qualquer outro transtorno mental orgânico. Outra esquizofrenia Esquizofrenia não-especificada
De World Health Organization. The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural Disorders: Diagnostic Criteria for Research. Copyright, World Health Organization, Geneva, 1993.
ESQUIZOFRENIA
REFERÊNCIAS Addington DE, Addington JM. Attempted suicide and depression in schizophrenia. Acta Psychiatr Scand. 1992;85:288. American Psychiatric Association. Practice guidelines for the treatment of patients with schizophrenia. In: Practice Guidelines for the Treatment of Psychiatric Disorders: Compendium 2000. Washington, DC: American Psychiatric Association; 2000. American Psychiatric Association. Tardive Dyskinesia: A Task Force Report of the American Psychiatric Association. Washington, DC: American Psychiatric Association: 1992. Bogerst B, Lieberman JA, Ashtari M, et al. Hippocampus–amygdala volumes and psychopathology schizophrenia. Biol Psychiatry. 1993;33:236. Breier A, Schreiber JL, Dyer J, Pickar D. National Institute of Mental Health longitudinal study of chronic schizophrenia: prognosis and predictors of outcome. Arch Gen Psychiatry. 1991;48:239. Cancro R, Lehman HE. Schizophrenia: clinical features. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000. Carone BJ, Harrow M, Westermeyer JF. Posthospital course and outcome in schizophrenia. Arch Gen Psychiatry. 1991;48:247. Carpenter WT. The deficit syndrome. Am J Psychiatry. 1994; 151:327. Dalman C, Thomas HV, David AS, Gentz J, Lewis G, Alleback P. Signs of asphyxia at birth and risk of schizophrenia: population-based case-control study. Br J Psychiatry. 2001;179:403. Gabbard GO. Psychodynamic Psychiatry in Clinical Practice; The DSMIV Edition. Washington, DC: American Psychiatric Press; 1994. Gaertner I, Gaertner, HJ, Vonthein R, Dietz K. Therapeutic drug monitoring of clozapine in retapse prevention. J Clin Pharmacol. 2001;305:21. George TP, Potenza MN, Degan K. Acute tryptophan depletion in schizophrenic patients treated with clozapine. Arch Gen Psychiatry. 2002;291:59. Goff DC, Henderson DC, Amico E. Cigarette smoking in schizophrenia: relationships to psychopathology and medication side effects. Am J Psychiatry. 1992;149:1189. Harrison G, Gunnell D, Glazebrook C, Page K, Kwiecinski R. Association between schizophrenia and social inequality at birth: case-control study. Br J Psychiatry. 2001;179:346. Harrison PJ. On the neuropathology of schizophrenia and its dementia: neurodevelopmental, neurodegenerative, or both? Neurodegeneration. 1995;4:1.
541
Harve PD. Vulnerability to schizophrenia in adulthood. In: Ingram RE, Price JM. eds. Vulnerability to Psychopathology: Risk across the Lifespan. New York: Guilford Press: 2001;355. Kane JM. Schizophrenia. N Engl J Med. 1996;334:34. Kapur S, Remington G. Serotonin–dopamine interaction and its relevance to schizophrenia. Am J Psychiatry. 1996;153:466. Kendler KS, Diehl SR. The genetics of schizophrenia: a current, genetic-epidemiologic perspective. Schizophr Bull. 1993;19:261. Kinon BJ, Lieberman JA. Mechanisms of action of atypical antipsychotic drugs: a critical analysis. Psychopharmacology. 1996;124:2. Kurumaji A, Okubo Y. D1 dopamine receptors, schizophrenia, and antipsychotic medications. In: Lidow MS, ed. Neurotransmitter Receptors in Actions of Antipsychotic Medications. Pharmacology and Toxicology. Boca Raton, FL: CRC Press; 2000:65. Limpert C, Amador XF. Negative symptoms and the experience of emotion. In: Keefe RSE, McEvoy JP, eds. Negative Symptom and Cognitive Deficit Treatment Response in Schizophrenia. Washington, DC: American Psychiatric Press; 2001:111. Lysaker PH, Bryson GJ, Bell MD. Insight and work performance in schizophrenia. J Nerv Ment Dis. 2002;190:142. McClellan J, Werry J. Practice parameters for lhe assessment and treatment of children and adolescents with schizophrenia. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1994;33:616. McGlashan TH, Fenton WS. Subtype progression and pathophysiologic deterioration in early schizophrenia. Schizophr Bull. 1993;19:17. Moldin SO. Gender and schizophrenia: an overview. In: Frank E, ed. Gender and Its Effects on Psychopathology. Washington. DC: American Psychiatric Press; 2000:169. Penn DL, Ritchie MF, Francis JC, Martin J. Social perception in schizophrenia: the role of context. Psychiatry Res. 2002;109:149. Prikhojan A, Davis KL. Dementia in schizophrenia. In: Breier A, Tran PV, eds. Current Issues in the Psychopharmacology of Schizophrenia. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2001:513. Sweeney JA, Haas G, Nimgaonkar V. Schizophrenia: etiology. In: Hersen M, Bellack AS. Psychopathologic in Adulthood. Needham Heights. MA: Allyn & Bacon; 2000:278. Yui K, lkemoto S, lshiguro T, Goto K. Studies of amphetamine or methamphetamine psychosis in Japan: relation of methamphetamine psychosis to schizophrenia. Ann N Y Acad Sci. 2000;914:1. Theme issue.
14 Outros transtornos psicóticos
14.1 Transtorno esquizofreniforme O transtorno esquizofreniforme é semelhante à esquizofrenia, exceto porque seus sintomas duram pelo menos um mês, mas menos de seis. Pacientes com o transtorno retornam ao seu nível de funcionamento de linha de base depois que a condição se resolve. Em contraste, para que se satisfaçam os critérios diagnósticos para esquizofrenia, os sintomas devem estar presentes por pelo menos seis meses. Gabriel Langfeldt usou pela primeira vez o termo esquizofreniforme em 1939, na Clínica Psiquiátrica da Universidade de Oslo, Noruega, para descrever um transtorno caracterizado por um episódio psicótico breve e isolado.
to outros têm sintomas semelhantes aos de um transtorno do humor. Devido à boa evolução na maioria dos casos, o transtorno provavelmente tem semelhanças com a natureza episódica dos transtornos do humor, mas alguns dados indicam relação próxima com a esquizofrenia. Confirmando a relação com os transtornos do humor, diversos estudos demonstraram que pacientes com transtorno esquizofreniforme têm mais sintomas afetivos (em especial mania) e resultado melhor do que aqueles com esquizofrenia. A maior ocorrência de transtornos do humor nos parentes de pacientes com transtorno esquizofreniforme também indica uma relação importante. Portanto, os dados biológicos e epidemiológicos são mais consistentes com a hipótese de que esta categoria diagnóstica define um grupo de pacientes, alguns dos quais têm um transtorno semelhante à esquizofrenia e outros, uma condição que lembra um transtorno do humor.
EPIDEMIOLOGIA Neuroimagens Pouco se sabe a respeito da incidência, da prevalência e da proporção entre os sexos do transtorno esquizofreniforme. Ele é mais comum em adolescentes e adultos jovens e sua incidência é quase a metade da esquizofrenia. Foram relatadas taxa de prevalência para a vida toda de 0,2% e taxa de prevalência para um ano de 0,1%. Diversos estudos mostraram que os parentes de pacientes com transtorno esquizofreniforme têm alto risco de ter outros transtornos psiquiátricos, mas a distribuição destes difere daquela registrada nos parentes de pacientes com esquizofrenia e transtornos bipolares. Especificamente, esses parentes apresentam maior probabilidade de ter transtornos do humor do que os parentes de pacientes com esquizofrenia, e maior probabilidade de ter diagnóstico de transtorno psicótico do humor do que os parentes daqueles com transtornos bipolares. ETIOLOGIA A causa do transtorno esquizofreniforme não é conhecida. Como Langfeldt observou em 1939, o grupo de pacientes com este diagnóstico tem grande probabilidade de ser heterogêneo. Em geral, manifestam um transtorno semelhante à esquizofrenia, enquan-
Um déficit relativo na ativação da região pré-frontal inferior do cérebro enquanto se está realizando uma tarefa psicológica específica da região (o Teste de Separação de Cartas de Wisconsin), relatado em pessoas com esquizofrenia, também foi observado em pacientes com transtorno esquizofreniforme (Fig. 14.1-1). Um estudo mostrou que o déficit limita-se ao hemisfério esquerdo e constatou comprometimento da supressão da atividade do estriado limitada ao hemisfério esquerdo durante o procedimento de ativação. Os dados podem ser interpretados como indicadores de uma semelhança fisiológica entre a psicose da esquizofrenia e a psicose do transtorno esquizofreniforme. Outros fatores do sistema nervoso central (SNC), ainda não identificados, podem levar ao curso de longo prazo da esquizofrenia ou ao curso mais abreviado do transtorno esquizofreniforme. Embora alguns relatos indiquem que os pacientes com transtorno esquizofreniforme podem ter ventrículos cerebrais aumentados, conforme determinado por imagens de tomografia computadorizada e ressonância magnética, outros dados indicam que, ao contrário do aumento visto na esquizofrenia, o aumento ventricular do transtorno esquizofreniforme não está correlacionado a medidas de resultados ou a outras medidas biológicas.
OUTROS TRANSTORNOS PSICÓTICOS
543
FIGURA 14.1-1 Distribuição do fluxo sangüíneo cerebral regional em repouso (esquerda) e durante ativação cerebral com o Teste de Separação de Cartas de Wisconsin (direita) em um paciente com transtorno esquizofreniforme (no alto) e um voluntário saudável (abaixo). OM indica a linha orbitomeatal. (Reproduzida, com permissão, de Rubin P, Holm S, Friberg L, et al. Altered modulation of prefrontal and subcortical brain activity in newly diagnosed schizophrenia and schizophreniform disorder. Arch Gen Psychiatry.1991,48:992.)
Outros parâmetros biológicos
DIAGNÓSTICO E CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS
Embora os estudos de neuroimagens apontem uma semelhança entre o transtorno esquizofreniforme e a esquizofrenia, pelo menos um estudo sobre a atividade eletrodérmica indicou uma diferença. Pacientes com esquizofrenia nascidos durante os meses de inverno e primavera (período de alto risco para o nascimento destes indivíduos) tiveram condutância hiporresponsiva de pele, mas esta associação estava ausente em pacientes com transtorno esquizofreniforme. A importância e o sentido deste único estudo são difíceis de interpretar, mas os resultados sugerem cautela ao se pressupor semelhanças entre pacientes com uma e outra condição. Dados de pelo menos um estudo sobre rastreamento visual nos dois grupos também indicam que podem diferir em alguns parâmetros biológicos.
Os critérios para transtorno esquizofreniforme da revisão da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR) são listados na Tabela 14.1-1. O transtorno esquizofreniforme em sua apresentação típica é um transtorno psicótico de início rápido e sem pródromo significativo. Alucinações, delírios ou ambos estão presentes; sintomas negativos de alogia e abulia podem manifestar-se. O afeto pode estar embotado, o que é visto como um sinal de mau prognóstico, a fala pode estar fortemente desorganizada e confusa, e o comportamento pode estar desorganizado ou catatônico. Os sintomas de psicose, os sintomas negativos e os que afetam a fala e o comportamento duram pelo menos um mês, mas podem persistir por mais tempo. O grau de perplexidade do paciente a respeito do que está acontecendo deve ser avaliado, pois é um sinal prognóstico diferenciador.
544
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 14.1-1 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno esquizofreniforme A. Satisfaz os critérios A, D e E para esquizofrenia. B. Um episódio do transtorno (incluindo as fases prodrômica, ativa e residual) dura no mínimo um mês e no máximo seis. (Quando o diagnóstico deve ser feito sem aguardar a recuperação, este deve ser qualificado como “provisório”.) Especificar se: Sem bons aspectos prognósticos Com bons aspectos prognósticos: evidenciados por dois ou mais dos seguintes critérios: (1) início dos sintomas psicóticos proeminentes dentro de quatro semanas após a primeira alteração perceptível no funcionamento ou no comportamento habitual (2) confusão ou perplexidade no auge do episódio psicótico (3) bom funcionamento ocupacional e social pré-mórbido (4) ausência de embotamento afetivo De American Psychiatric Association, Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000.
Embora a apresentação exposta seja típica, um quadro exatamente igual ao da esquizofrenia também pode ocorrer. Neste caso, o início pode ser insidioso, o funcionamento pré-mórbido pode ter sido pobre e o afeto estar bastante embotado. A única diferenciação em relação à esquizofrenia é a duração do episódio total da doença. Quando este dura seis meses, o diagnóstico passa a ser esquizofrenia. Ao fazer o diagnóstico no caso com início insidioso, os “sintomas atenuados” do episódio agudo podem perdurar por algum tempo. Se estiveram presentes por pelo menos cinco meses e depois o episódio agudo apresentar duração de um mês, evidencia-se esquizofrenia, sem diagnóstico anterior de transtorno esquizofreniforme. Na forma típica do transtorno, o paciente retorna ao funcionamento de linha de base ao final dos seis meses. Teoricamente, episódios repetidos de doença esquizofreniforme são possíveis, cada um deles durando menos de seis meses, mas raramente não há perda de funcionamento com episódios repetidos, e a esquizofrenia é uma consideração provável. L. J., de 29 anos de idade, era a segunda filha de uma família completa e estável de origem hispânica. Concluiu o ensino médio sem problemas e era descrita como simpática e extrovertida. Pensou em cursar uma faculdade, mas optou por trabalhar. Passou vários anos como funcionária de uma fábrica e tinha decidido voltar aos estudos e tornar-se professora. Cinco meses atrás, teve uma súbita “consciência” de que Deus estava presente e preenchia as almas das pessoas em torno dela. Foi tomada de uma perturbação aguda quando se deu conta de que Deus não iria “tocá-la”. Sua família ficou muito surpresa e alarmada com a súbita mudança de comportamento, e ela foi levada ao serviço de emergência local. Embora a paciente consumisse álcool algumas vezes e já tivesse fumado maconha no passado, a família não suspeitou de um problema de abuso de substâncias. A triagem toxicológica no serviço de emergência teve resultado negativo para substâncias, e a paciente foi internada para avaliação. Disse ao psiquiatra que sentia que havia feito
alguma coisa errada, e que era por isso que Deus havia lhe abandonado. Ela também relatou que achava que as pessoas da unidade estavam lendo sua mente. Estava particularmente preocupada com a possibilidade de que seus pensamentos críticos a respeito dos outros pudessem ser escutados e que então estas pessoas enfurecidas a atacassem. L. J. foi estabilizada com haloperidol (Haldol) e depois passou a tomar risperidona (Risperdal) devido a efeitos adversos. A família foi reunida para discutir o problema, e o psiquiatra recomendou a abordagem de esperar para ver. Ele orientou a paciente (e a família) a fazer um acompanhamento com um médico ambulatorial e continuar a tomar a medicação se este assim recomendasse. Dois meses após sua internação, não se encontrava mais perturbada por idéias religiosas, mas ainda sentia que as pessoas podiam ler sua mente. Três meses depois da internação, não mais sentia que as pessoas podiam ler sua mente e tinha retornado aos estudos em uma faculdade comunitária. Um mês depois, parou de tomar o agente antipsicótico porque sentia que não precisava mais dele. Duas semanas atrás, a família a trouxe ao serviço de emergência porque estava mais uma vez falando sobre Deus e “se escondendo” de pessoas que podiam ler seus pensamentos. No início, recusou a medicação, mas voltou a tomá-la com alguma melhora da psicose. A família foi novamente reunida para discutir o retorno da psicose e o fato de que a paciente pode vir a ser diagnosticada como esquizofrênica. (Cortesia de John Lauriello, M.D., Brenda R. Erickson, M.D. e Samuel J. Keith, M.D.) DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Embora os principais diagnósticos diferenciais sejam em relação ao transtorno psicótico breve e a esquizofrenia, o início rápido da psicose aguda pode ser o ponto mais importante no curso da doença. O clínico deve focalizar os seis meses anteriores, obtendo a história detalhada do funcionamento ocupacional e social, o padrão de início, a presença ou ausência de alterações de humor, abuso de álcool e substâncias, outras doenças e medicamentos prescritos. De especial interesse é qualquer história familiar de doença psiquiátrica, transtornos do humor ou doenças semelhantes à esquizofrenia em particular. Um estudo recente mostrou alta prevalência de transtornos da personalidade após a recuperação da psicose. Pode-se supor que o transtorno predisponha o indivíduo à psicose, em especial sob estresse. Um exame físico completo sempre é indicado quando da apresentação de uma doença psicótica. Sugestões de envolvimento endocrinológico, tais como do funcionamento da tireóide, devem ser esclarecidas com estudos laboratoriais. A suspeita de abuso de substâncias, mesmo que com possibilidade remota, requer um teste de triagem toxicológica. Alterações do sensório e início rápido dos sintomas devem despertar suspeita clínica de toxicidade. O álcool pode estar envolvido de diversas formas. Certamente a abstinência de álcool e o início de um delirium podem estar associados a sintomas psicóticos. Além disso, o abuso de álcool leva ao uso pouco confiável de medicamentos, mesmo os prescritos, o que pode implicar características psicóticas.
OUTROS TRANSTORNOS PSICÓTICOS
Distinguir transtornos do humor com características psicóticas de transtorno esquizofreniforme de início rápido pode ser difícil e representar um desafio para a habilidade do clínico. Sintomas negativos como alogia, abulia e embotamento afetivo são problemáticos no sentido da dificuldade em distingui-los da perda de interesse e do prazer vista nos episódios depressivos maiores. O apetite, o sono e outros sintomas neurovegetativos também podem ocorrer em ambos. Aspectos psicóticos da doença, na ausência destas características de humor, ajudam a fazer um diagnóstico de transtorno esquizofreniforme, mas isso pode levar algum tempo. Foi estabelecido um limite de tempo para diferenciar o transtorno esquizofreniforme do transtorno psicótico breve – mais de um dia, porém menos de um mês. Durante esse período, o diagnóstico deve ser de transtorno psicótico breve. Nos sistemas diagnósticos anteriores ao DSM-IV-TR, a presença ou a ausência de um estressor também era usada para distinguir essas duas condições, mas não é mais usada na nosologia, exceto como descritor ou modificador. A diferenciação baseiase apenas na cronologia. CURSO E PROGNÓSTICO O curso do transtorno esquizofreniforme está, em grande parte, definido nos critérios: é uma doença psicótica que dura mais de um mês e menos de seis. A verdadeira questão é, com o tempo, o que acontece às pessoas que têm essa doença. A maioria das estimativas de progressão para esquizofrenia varia entre 60 e 80%, e atualmente ainda não se sabe o que acontece com os outros 20 a 40% dos pacientes. Alguns vão ter um segundo ou terceiro episódio, durante há uma deterioração que culmina em condição mais crônica de esquizofrenia, mas outros podem ter apenas um único episódio e então continuar sua vida normalmente. Embora este seja claramente o resultado desejado pelos clínicos e familiares, é uma ocorrência rara e não deve ser considerado provável. TRATAMENTO A hospitalização costuma ser necessária para tratar os pacientes com transtorno esquizofreniforme e permite a avaliação, o tratamento e a supervisão efetiva de seu comportamento. Os sintomas psicóticos em geral são tratados com um curso de 3 a 6 meses de antipsicóticos (p. ex., risperidona). Diversos estudos mostraram que pacientes com transtorno esquizofreniforme respondem ao tratamento com antipsicóticos muito mais rápido do que aqueles com esquizofrenia. Em um estudo, cerca de 75% dos pacientes com transtorno esquizofreniforme e apenas 20% dos com esquizofrenia responderam a antipsicóticos dentro de oito dias. Um ensaio com lítio, carbamazepina ou valproato pode ser indicado para tratamento e profilaxia se houver episódio recorrente. A psicoterapia é necessária para ajudar os pacientes a relacionarem a experiência psicótica à compreensão de sua mente, de seu cérebro e da vida. A eletroconvulsoterapia pode ser indicada em alguns casos, especialmente naqueles em que há características catatônicas ou deprimidas acentuadas.
545
Por fim, a maioria dos pacientes com transtorno esquizofreniforme progride para a esquizofrenia apesar do tratamento. Nestes casos, deve ser formulado um curso de manejo consistente com uma doença crônica. REFERÊNCIAS Cannon M, Caspi A, Moffitt TE, et al. Evidence for early-childhood pandevelopmental impairmen specific to schizophreniform disorder: results from a longitudinal birth cohort. Arch Gen Psychiatry. 2002; 59:449. Lauriello J, Erickson BR, Keith SJ. Schizoaffective disorder. schizophreniform disorder, and brief psychotic disorder. In: Sadock BJ, Sadock VA. eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore; Lippincott Williams & Wilkins; 2000:1232. Marengo JT, Harrow M, Westermeyer JF. Early longitudinal course of acute chronic and paranoid-undifferentiated schizophrenia subtypes and schizophreniform disorder. J Abnorm Psychol. 1991; 100:600. Poulton R, Caspi A, Moffitt TE, Cannon M, Murray R, Harrington H. Children’s self-reported psychotic symptoms and adult schizophreniform disorder: a 15-year longitudinal study. Arch Gen Psychiatry. 2000; 57:1053. Pulver AE, Brown CH, Wolyniec PS, McGrath JA, Tam D. Psychiatric morbidity in the relatives of patients with DSM-III schizophreniform disorder: comparisons with the relatives of schizophrenic and bipolar disorder patients. J Psychiatr Res. 1991; 25:19. Rao ML, Gross G, Halaris A, et al. Hyperdopaminergia in schizophreniform psychosis: a chronobiological study. Psychiatry Res. 1993; 47:187.
14.2 Transtorno esquizoafetivo Como sugere o termo, o transtorno esquizoafetivo possui características tanto da esquizofrenia quanto dos transtornos afetivos (agora denominados transtornos do humor). Os critérios diagnósticos mudaram ao longo do tempo, em grande parte para refletir mudanças nos critérios diagnósticos da esquizofrenia e dos transtornos do humor, mas continua a ser o melhor indicativo para pacientes que apresentam uma associação de ambos. George H. Kirby, em 1913, e August Hoch, em 1921, descreveram pacientes com características mistas de esquizofrenia e transtornos afetivos (do humor). Como seus pacientes não tinham o curso deteriorante da dementia precox, os mesmos foram classificados no grupo da psicose maníaco-depressiva de Emil Kraepelin. Em 1933, Jacob Kasanin introduziu o termo transtorno esquizoafetivo em referência a um quadro com sintomas tanto de esquizofrenia quanto de transtornos do humor. Nestes pacientes, o início dos sintomas era súbito e muitas vezes ocorria na adolescência. Tendiam a ter um bom nível prémórbido de funcionamento, e um estressor específico costumava preceder o início dos sintomas. Sua história familiar incluía transtornos do humor. Uma vez que o conceito amplo de esquizofrenia de Eugen Bleuler tinha superado a definição mais limitada de Kraepelin, Kasanin acreditava que os pacientes tinham um tipo de esquizofrenia. Entre 1933 e mais ou menos 1970, aqueles cujos sintomas eram semelhantes aos dos pacientes deste úl-
546
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
timo estudioso eram classificados de várias formas, como portadores de transtorno esquizoafetivo, esquizofrenia atípica, esquizofrenia de bom prognóstico, esquizofrenia em remissão e psicose ciclóide – termos que enfatizavam a relação com a esquizofrenia. A partir dessa época, dois conjuntos de dados mudaram a visão do transtorno esquizoafetivo, de uma doença esquizofrênica para um transtorno do humor. Primeiro, o carbonato de lítio demonstrou ser um tratamento efetivo e específico para os transtornos bipolares e alguns casos de transtorno esquizoafetivo. Segundo, um estudo conjunto dos Estados Unidos e do Reino Unido, publicado em 1968 por John Cooper e colaboradores, mostrou que a variação no número de pacientes classificados como esquizofrênicos nos dois países resultava da ênfase exagerada na presença de sintomas psicóticos como critério diagnóstico para a esquizofrenia nos Estados Unidos.
Ainda que grande parte das pesquisas familiares e genéticas sobre o transtorno esquizoafetivo baseie-se na premissa de que a esquizofrenia e os transtornos do humor são entidades completamente separadas, alguns dados indicam que podem estar relacionados no que se refere ao viés genético. Estudos com familiares de pacientes com transtorno esquizoafetivo relataram resultados inconsistentes, mas, segundo o DSM-IVTR, existe risco maior de esquizofrenia entre os parentes de probandos com aquele transtorno. Como grupo, esses pacientes têm melhor prognóstico do que aqueles com esquizofrenia e prognóstico pior do que aqueles com transtornos do humor, e tendem a apresentar um curso não-deteriorante e a responder melhor ao lítio do que aqueles com esquizofrenia.
EPIDEMIOLOGIA
Consolidação dos dados
A prevalência do transtorno esquizoafetivo para a vida toda é de menos de 1%, provavelmente na faixa de 0,5 a 0,8%. Estes números, no entanto, são estimativas; vários estudos sobre o tema usaram critérios diagnósticos diferentes. Na prática clínica, o diagnóstico preliminar de transtorno esquizoafetivo costuma ser usado quando o clínico não tem certeza do diagnóstico.
Uma conclusão razoável a partir dos dados disponíveis é que os pacientes com transtorno esquizoafetivo constituem um grupo heterogêneo: alguns têm esquizofrenia com sintomas afetivos proeminentes, outros têm transtorno do humor com sintomas esquizofrênicos proeminentes, e ainda há aqueles com uma síndrome clínica distinta. A hipótese de que tenham ao mesmo tempo esquizofrenia e um transtorno do humor não se sustenta, pois a coocorrência dos dois transtornos é muito mais baixa do que a incidência do transtorno esquizoafetivo.
Diferenças de gênero e idade A literatura que descreve as diferenças de gênero e idade entre pacientes com transtorno esquizoafetivo é limitada. O tipo depressivo do transtorno é mais comum em pessoas mais velhas do que em jovens, e o tipo bipolar é mais comum em adultos jovens do que nos mais velhos. Foi relatado que a prevalência do transtorno é mais baixa em homens do que em mulheres, particularmente casadas; a idade de início para elas é mais tardia do que para os homens, assim como na esquizofrenia. Homens com transtorno esquizoafetivo têm probabilidade de exibir comportamento anti-social e de ter o afeto acentuadamente embotado ou impróprio. ETIOLOGIA A causa do transtorno esquizoafetivo é desconhecida. Ele pode ser um tipo de esquizofrenia, um tipo de transtorno do humor ou a expressão simultânea de ambos, bem como um terceiro tipo distinto de psicose, que não está relacionado nem à esquizofrenia nem aos transtornos do humor. O mais provável é que esta categoria seja um grupo heterogêneo de condições que inclua todas essas possibilidades. Estudos delineados para explorar a etiologia examinaram história familiar, marcadores biológicos, resposta de curto prazo ao tratamento e resultados a longo prazo. A maioria deles considerou os pacientes com transtorno esquizoafetivo como um grupo homogêneo, mas estudos recentes examinaram os tipos bipolar e depressivo em separado, e o DSM-IV-TR apresenta uma classificação para cada um.
Diagnóstico e características clínicas Os critérios diagnósticos do DSM-IV-TR são mostrados na Tabela 14.2-1. Eles são produto de diversas revisões que buscaram esclarecer vários diagnósticos, incluindo esquizofrenia, transtorno bipolar e transtorno depressivo maior. A esperança era de que, ao melhorar os diagnósticos, o transtorno esquizoafetivo começaria a se distinguir deles de forma mais clara. No entanto, ainda há muito a ser interpretado. O clínico deve diagnosticar com precisão a doença afetiva, certificando-se de que esta satisfaz os critérios para um episódio depressivo ou maníaco, mas também deve determinar a extensão exata de cada episódio (o que nem sempre é fácil ou mesmo possível). A duração de cada episódio é essencial por dois motivos. Primeiro, para satisfazer o Critério B (sintomas psicóticos na ausência de transtorno do humor) é preciso saber quando o episódio afetivo termina e a psicose continua. Segundo, para satisfazer o Critério C, a duração de todos os episódios de humor deve ser combinada e comparada à duração total da doença. Se o componente do humor está presente por uma porção substancial da doença total, então este critério é satisfeito. Calcular a duração total dos episódios pode ser difícil, e o termo “porção substancial” não é definido. Na prática, a maioria dos clínicos considera que o componente do humor deve representar entre 15 e 20% da doença total. Pacientes que têm um episódio maníaco completo com dois meses de duração, mas que sofreram sintomas de esquizofrenia por 10 anos, não satisfazem os critérios para transtorno esquizoafetivo, mas teriam diagnóstico de episódio de humor
OUTROS TRANSTORNOS PSICÓTICOS
TABELA 14.2-1 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno esquizoafetivo A. Um período de doença ininterrupto durante o qual, em algum momento, existe um episódio depressivo maior, um episódio maníaco ou um episódio misto, concomitante com sintomas que satisfazem o Critério A para Esquizofrenia. Nota: O episódio depressivo maior deve incluir o Critério A1: humor deprimido. B. Durante o mesmo período de doença, ocorreram delírios ou alucinações pelo período mínimo de duas semanas, na ausência de sintomas proeminentes de humor. C. Os sintomas que satisfazem os critérios para um episódio de humor estão presentes por uma porção substancial da duração total dos períodos ativo e residual da doença. D. A perturbação não se deve aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., uma droga de abuso, um medicamento) ou a uma condição médica geral. Especificar tipo: Tipo bipolar: se a perturbação inclui um episódio maníaco ou misto (ou um episódio maníaco ou misto e episódios depressivos maiores) Tipo depressivo: se a perturbação apenas inclui episódios depressivos maiores. De American Psychiatric Association, Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000.
sobreposto à esquizofrenia. Não está claro se os especificadores de tipo bipolar e depressivo são úteis neste caso, mas podem direcionar as opções de tratamento. Estes subtipos costumam ser confundidos com subtipos anteriores (tipo esquizofrênico ou tipo afetivo), que se acreditava terem implicações de curso e prognóstico. Como a maioria dos diagnósticos psiquiátricos, o transtorno esquizoafetivo não deve ser usado se os sintomas forem causados pelo abuso de substâncias ou se forem secundários a uma condição médica geral. Os critérios da décima revisão da Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-10) para o transtorno esquizoafetivo são listados na Tabela 14.2-2. A. D., de 29 anos, era uma mulher solteira com história de 10 anos de transtorno esquizoafetivo do tipo bipolar. Foi hospitalizada pela primeira vez depois que os serviços de proteção à infância a afastaram do filho por suposto abuso infantil. Quando a paciente foi entrevistada naquela época, foi descrita como “vestida como cigana”, com maquiagem pesada e fala premente. Disse à equipe de tratamento que seu filho havia sido abusado pelo pai, um conhecido astro do rock. Neste episódio, foi estabilizada com lítio e haloperidol (Haldol). Os sintomas maníacos se resolveram, mas sua crença de ser namorada de um astro do rock permaneceu. Desde a primeira hospitalização, perdeu a guarda do filho. Continua delirante a respeito do pai famoso da criança e, além disso, acredita que pessoas a perseguem. Teve três episódios distintos de mania, durante os quais precisa de pouco sono e tem pensamentos acelerados e fala premente. Adere à medicação de forma intermitente e no momento está recebendo haloperidol em forma de ação prolongada. Nos 10 anos de sua doença, nunca esteve livre de seus delírios. Não é capaz de trabalhar e recebe uma pensão por invalidez. (Cortesia de John Lauriello, M.D., Brenda R. Erickson, M.D. e Samuel J. Keith, M.D.)
547
TABELA 14.2-2 Critérios diagnósticos da CID-10 para transtornos esquizoafetivos Nota: Este diagnóstico depende de um “equilíbrio” aproximado entre o número, a gravidade e a duração dos sintomas esquizofrênicos e afetivos. G1. O transtorno satisfaz os critérios para um dos transtornos afetivos de grau moderado ou grave, conforme especificado para cada categoria. G2. Sintomas de pelo menos um dos grupos listados a seguir estão claramente presentes durante a maior parte do tempo por um período de pelo menos duas semanas (estes grupos são quase os mesmos que os da esquizofrenia): (1) eco, inserção, roubo ou transmissão de pensamentos (Critério G1(1)a para esquizofrenia paranóide, hebefrênica ou catatônica); (2) delírios de controle, influência ou passividade claramente relacionados a movimento de corpo, membros ou pensamentos, ações ou sensações específicas (Critério G1(1)b para esquizofrenia paranóide, hebefrênica ou catatônica); (3) vozes alucinatórias fazendo comentários sobre o comportamento do paciente ou discutindo entre si; ou outros tipos de vozes alucinatórias advindas de alguma parte do corpo (Critério G1(1)c para esquizofrenia paranóide, hebefrênica ou catatônica); (4) delírios persistentes de outros tipos culturalmente impróprios e impossíveis, porém não meramente megalomaníacos ou persecutórios (Critério G1(1)d para esquizofrenia paranóide, hebefrênica ou catatônica), como visitar outros mundos, ser capaz de controlar as nuvens inspirando e expirando, comunicar-se com animais ou plantas sem falar, etc.; (5) fala totalmente irrelevante ou incoerente ou uso freqüente de neologismos (uma forma acentuada do Critério G1(2)b para esquizofrenia paranóide, hebefrênica ou catatônica); (6) surgimento intermitente, porém freqüente, de algumas formas de comportamento catatônico, tais como postura inadequada, flexibilidade cérea e negativismo (Critério G1(2)c para esquizofrenia paranóide, hebefrênica ou catatônica). G3. Os Critérios G1 e G2 acima devem ser satisfeitos dentro do mesmo episódio do transtorno e ao mesmo tempo durante pelo menos parte do episódio. Sintomas tanto do Critério G1 como G2 devem ser proeminentes no quadro clínico. G4. Critérios de exclusão mais comumente usados: o transtorno não é atribuível a uma condição cerebral orgânica ou a intoxicação, dependência ou abstinência relacionada a uma substância psicoativa. Transtorno esquizoafetivo, tipo maníaco A. Os critérios gerais para transtorno esquizoafetivo devem ser satisfeitos. B. Os critérios para um transtorno maníaco devem ser satisfeitos. Outros transtornos esquizoafetivos Transtorno esquizoafetivo, não-especificado Comentários Se desejado, outros subtipos podem ser especificados, segundo o desenvolvimento longitudinal do transtorno, da seguinte forma: Somente sintomas afetivos e esquizofrênicos simultâneos Sintomas como os definidos no Critério G2 para transtornos esquizoafetivos Sintomas afetivos e esquizofrênicos simultâneos ultrapassando a duração dos sintomas afetivos Reproduzida, com permissão, de World Health Organization. The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural Disorders: Diagnostic Criteria for Research. Copyright, World Health Organization, Geneva, 1993.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL O diagnóstico diferencial psiquiátrico inclui todas as possibilidades geralmente consideradas para os transtornos do humor e para a esquizofrenia. Em qualquer diagnóstico diferencial de transtornos psicóticos, deve ser realizada uma investigação médica completa para excluir causas orgânicas. A história de uso de substân-
548
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
cias (com ou sem resultados positivos em testes de triagem toxicológica) pode indicar um transtorno induzido por substâncias. Condições médicas preexistentes, tratamento ou ambos podem levar a transtornos psicóticos e do humor. Qualquer suspeita de anormalidade neurológica justifica a consideração de uma varredura do cérebro para excluir patologias anatômicas e de um eletroencefalograma (EEG) para determinar algum transtorno convulsivo possível (p. ex., epilepsia do lobo temporal). Os transtornos psicóticos devido a um transtorno convulsivo são mais comuns do que os vistos na população geral e tendem a se caracterizar por paranóia, alucinações e idéias de referência. Pacientes epiléticos com psicose têm nível melhor de funcionamento do que aqueles com transtornos do espectro esquizofrênico. Um melhor controle das convulsões pode reduzir a psicose. CURSO E PROGNÓSTICO Considerando a incerteza e a evolução do diagnóstico de transtorno esquizoafetivo, é difícil determinar seu curso a longo prazo e seu prognóstico. Dada a definição do diagnóstico, pode-se esperar que pacientes com transtorno esquizoafetivo tenham curso semelhante ao de um transtorno do humor episódico, um curso esquizofrênico crônico ou algum resultado intermediário. Presume-se que a presença crescente de sintomas esquizofrênicos prediga um prognóstico pior. Depois de um ano, pacientes com transtorno esquizoafetivo tinham resultados diferentes, dependendo de seus sintomas serem predominantemente afetivos (prognóstico melhor) ou esquizofrênicos (prognóstico pior). Um estudo que acompanhou durante oito anos pacientes diagnosticados com transtorno esquizoafetivo constatou que seus resultados se assemelhavam mais à esquizofrenia do que ao transtorno do humor com características psicóticas. TRATAMENTO Os estabilizadores do humor são o esteio do tratamento para os transtornos bipolares, e é razoável supor que sejam importantes no tratamento de pacientes com transtorno esquizoafetivo. Um estudo recente que comparou lítio a carbamazepina constatou que esta era superior para o transtorno esquizoafetivo, tipo depressivo, mas não encontrou diferenças entre os dois agentes para o tipo bipolar. Na prática, no entanto, estes medicamentos são amplamente usados sozinhos, em combinação um com o outro ou com um agente antipsicótico. Em episódios maníacos, os pacientes esquizoafetivos devem ser tratados com dosagens de um estabilizador do humor na faixa de média a alta de concentração sangüínea terapêutica. Na fase de manutenção, a dosagem pode ser reduzida para a faixa de baixa a média para evitar efeitos adversos e potenciais efeitos em sistemas de órgãos (p. ex., tireóide e rins), para melhorar a adesão. Deve ser realizado um monitoramento laboratorial das concentrações plasmáticas e uma triagem periódica da tireóide, dos rins e do funcionamento hematológico. Por definição, muitos pacientes esquizoafetivos sofrem episódios depressivos maiores. O tratamento com antidepressivos espelha o tratamento da depressão bipolar. Deve-se ter cuidado para não preci-
pitar um ciclo de mudanças rápidas da depressão para a mania com o antidepressivo. A escolha do antidepressivo deve levar em conta sucessos e fracassos anteriores do tratamento. Inibidores seletivos da recaptação de serotonina (p. ex., fluoxetina e sertralina) costumam ser usados como agentes de primeira linha, pois têm menos efeito sobre o estado cardíaco e perfil favorável em superdosagem. No entanto, pacientes agitados ou insones podem se beneficiar de um agente tricíclico. Como em todos casos de mania intratável, o uso da eletroconvulsoterapia (ECT) deve ser considerado. Conforme já mencionado, os agentes antipsicóticos são importantes no tratamento dos sintomas psicóticos dos transtorno esquizoafetivo. Tratamento psicossocial Os pacientes são beneficiados por uma combinação de terapia familiar, treinamento de habilidades sociais e reabilitação cognitiva. Como o campo da psiquiatria tem dificuldade em decidir sobre o diagnóstico e o prognóstico exatos do transtorno esquizoafetivo, esta incerteza deve ser relatada ao paciente. A gama de sintomas pode ser bastante grande, na medida em que os pacientes enfrentam tanto psicose quanto estados de humor variáveis. Pode ser muito difícil para os membros da família acompanharem a natureza cambiante do transtorno e as necessidades destes pacientes. Os esquemas de medicação podem ser complicados, com múltiplos agentes de várias classes de fármacos. REFERÊNCIAS Goidstein JM, Faraone SV, Chen WJ, Tsuang MT. The role of gender in understanding the familial transmission schizoaffective disorder. Br J Psychiatry. 1993;163:763. Greil W, Ludwig-Mayerhofer W, Erazo N, et al. Lithium vs. carbamazepine in the maintenance treatment of schizoaffective disorder: a randomized study. Eur Arch Psychiatry Clin Neurosci. 1997;247:42. Hummel B, Dittmann S, Forsthoff A, et al. Clozapine as add-on medication in the maintenance treatment of bipolar and schizoaffective disorder. Neuropsychobiology. 2002;45:37. Keck PE, McElro SL, Strakowski SM. New developments in the pharmacological treatment of schizoaffective disorder. J Clin Psychiatr 1996;57:41. Keck PE, McElroy SL, Strakoviski SM, West SA. Pharmacological treatment of schizoaffective disorder. Psychopharmacology. 1994;114:529. Lapensee MA. A review of schizoaffective disorder, I. Current concepts. Can J Psychiatry. 1992;37:335. Lapensee MA. A review of schizoaffective disorder. II. Somatic treatment. Can J Psychiatry. 1992;37:347. Lauriello J, Erickson BR, Keith SJ. Schizoaffective disorder. schizophreniform disorder. In: Sadock BJ, Sadock VA. eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:1232. Levitt JJ. Tsuang MT. The heterogeneity of schizoaffective disorder: implication for treatment. Am J Psychiatry. 1988;145:20. Madhusoodanan S, Brenner R, Cohen CI. Risperidone for elderly patients with schizophrenia or schizoaffective disorder. Psychiatr Ann. 2000;30:175. Susser E, Wanderling J. Epidemiology of nonaffective acute remitting psychosis vs. schizophrenia. Arch Gen Psychiatry. 1994;51:20. Taylor MA, Amir N. Are schizophrenia and affective disorder related? The problem of schizoaffective disorder and the discrimination of the psychoses by signs and symptoms. Compr Psychiatry. 1994;35:420.
OUTROS TRANSTORNOS PSICÓTICOS
14.3 Transtorno delirante e transtorno psicótico compartilhado Segundo a revisão da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR), o diagnóstico de transtorno delirante é feito quando uma pessoa exibe delírios não-bizarros de pelo menos um mês de duração que não podem ser atribuídos a outros transtornos psiquiátricos. As definições do termo delírio e os tipos relevantes para os transtornos delirantes são apresentados na Tabela 14.3-1. Não-bizarro significa que o delírio deve estar relacionado a situações que podem ocorrer na vida real, como ser seguido, infectado, amado à distância, etc., isto é, seu conteúdo consiste de fenômenos que, embora não sejam reais, não deixam de ser possíveis. Existem diversos tipos de delírios, e o tipo predominante é especificado pelo diagnóstico.
549
EPIDEMIOLOGIA Uma avaliação precisa da epidemiologia do transtorno delirante é dificultada por sua relativa raridade, bem como pelas recentes alterações em sua definição. Além disso, o transtorno pode ser sub-relatado porque os pacientes delirantes raramente buscam ajuda psiquiátrica, a não ser que sejam forçados a isso por suas famílias ou por ordens judiciais. Mesmo com tais limitações, no entanto, a literatura corrobora o fato de que esta condição, embora incomum, tem taxa relativamente uniforme. Sua prevalência nos Estados Unidos é estimada em 0,025 a 0,03%. Portanto, o transtorno é muito mais raro do que a esquizofrenia, que tem taxa de prevalência de cerca de 1%, e os transtornos do humor, que têm taxa de cerca de 5%. A incidência anual do transtorno delirante é de 13 novos casos por 100 mil pessoas. Segundo o DSM-IV-TR, ele responde por apenas 1 a 2% de todas as baixas em instituições de saúde mental. A idade média de início é em torno dos 40 anos, mas varia entre os 18 e os 90. Existe leve preponderância de pacientes do sexo feminino. Os homens têm mais probabilidade de desenvolver delírios paranói-
TABELA 14.3-1 Definição de delírio segundo o DSM-IV-TR e certos tipos comuns associados aos transtornos delirantes Delírio. Falsa crença baseada em uma inferença incorreta acerca da realidade externa, firmemente mantida apesar do que quase todas as outras pessoas acreditam e apesar de provas ou evidências que provam o contrário. A crença não é habitualmente aceita por outros membros da cultura ou da subcultura (p. ex., ela não é parte da fé religiosa). Quando uma falsa crença envolve um julgamento de valor, é considerada um delírio apenas quando este julgamento é tão extremo a ponto de desafiar a credibilidade. A convicção delirante ocorre em um continuum e pode, às vezes, ser inferida a partir do comportamento do indivíduo. É difícil distinguir entre um delírio e uma idéia supervalorizada (em cujo caso o indivíduo tem uma crença ou idéia irracional, mas não a sustenta tão firmemente como ocorre em um delírio). Os delírios são subdivididos de acordo com seu conteúdo. Algum dos tipos mais comuns são listados a seguir: Bizarro. Delírio que envolve um fenômeno que a cultura da pessoa considera implausível. Ciúme delirante. Delírio de que o parceiro sexual está sendo infiel. Erotomaníaco. Delírio de que outra pessoa, geralmente de posição mais elevada, está apaixonada pelo indivíduo. Grandioso. Delírios de grande valor, poder, conhecimento ou identidade elevados ou de ter um relacionamento especial com uma divindade ou pessoa famosa. Congruente com o humor. Ver características psicóticas congruentes com o humor. Incongruentes com o humor. Ver características psicóticas incongruentes com o humor. De ser controlado. Delírio no qual sentimentos, impulsos, pensamentos ou ações são vivenciados como estando sob controle de alguma força externa, em vez de estarem sob controle do próprio indivíduo. De referência. Delírio associado à crença de que eventos, objetos ou outras pessoas no ambiente imediato do indivíduo têm um significado particular e incomum. Em geral, são de natureza negativa ou pejorativa, mas também podem ter conteúdo grandioso. Difere de uma idéia de referência porque nesta a falsa crença não é mantida tão firmemente e nem de forma tão completa e organizada como em uma crença verdadeira.
Persecutório. Delírio no qual o tema central é de que o próprio indivíduo (ou alguém chegado a ele) está sendo atacado, perseguido, enganado, assediado ou sendo vítima de uma conspiração. Somático. Delírio cujo conteúdo principal diz respeito à aparência ou ao funcionamento do próprio corpo. Irradiação do pensamento. Delírio de que os próprios pensamentos estão sendo irradiados em voz alta, de modo que podem ser percebidos por outros. Inserção de pensamentos. Delírio de que certos pensamentos não são seus, mas inseridos em sua mente. Características psicóticas congruentes com o humor. Delírios ou alucinações cujo conteúdo é inteiramente consistente com temas típicos de um humor deprimido ou maníaco. Se o humor é deprimido, o conteúdo dos delírios ou alucinações envolve temas de inadequação pessoal, culpa, doença, morte, niilismo ou punição merecida. Seu conteúdo pode incluir temas de perseguição, se estiverem baseados em conceitos autodepreciativos, como punição merecida. Se é maníaco, o conteúdo dos delírios ou alucinações envolve temas de exaltação do próprio valor, poder, conhecimento ou identidade ou um relacionamento especial com uma divindade ou pessoa famosa. Seu conteúdo pode incluir temas de perseguição, se estiverem baseados em conceitos como valor exaltado ou punição merecida. Características psicóticas incongruentes com o humor. Delírios ou alucinações cujo conteúdo não é consistente com os temas típicos de um humor deprimido ou maníaco. No caso da depressão, os delírios ou alucinações não envolvem temas de inadequação pessoal, culpa, doença, morte, niilismo ou punição merecida. No caso da mania, os delírios ou alucinações não envolvem temas de exaltação do próprio valor, poder, conhecimento ou identidade ou um relacionamento especial com uma divindade ou pessoa famosa. Exemplos de características psicóticas incongruentes com o humor incluem delírios persecutórios (sem conteúdo autodepreciativo ou grandioso), inserção de pensamentos, irradiação de pensamentos e delírios de estar sendo controlado, cujo conteúdo não têm um relacionamento aparente com qualquer dos temas listados acima.
Reproduzida, com permissão, de American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; Copyright 2000.
550
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
des do que as mulheres, que têm mais probabilidade de desenvolver delírios de erotomania. Muitos pacientes são casados e empregados, mas pode haver alguma associação com imigração recente e baixa condição socioeconômica.
passar a acreditar que estão, de fato, sendo seguidos. Tal hipótese postula a ocorrência de experiências do tipo alucinatório que precisam ser explicadas, mas sua presença no transtorno delirante não foi provada.
ETIOLOGIA
Fatores psicodinâmicos
Assim como em todos os principais transtornos psiquiátricos, a causa do transtorno delirante é desconhecida. Além disso, os pacientes atualmente classificados como portadores desta condição apresenta um grupo heterogêneo de condições com delírios como sintoma predominante. O conceito central pertinente à causa deste transtorno é sua distinção da esquizofrenia e dos transtornos do humor. Ele é muito mais raro do que qualquer um destes últimos, com início mais tardio do que a esquizofrenia e predominância feminina menos pronunciada do que os transtornos do humor. Os dados mais convincentes vêm de estudos com famílias, que relatam prevalência maior de transtorno delirante e traços de personalidade relacionados (p. ex., desconfiança, ciúmes e tendência ao sigilo) entre os parentes dos probandos. Os estudos familiares não relataram incidência maior de esquizofrenia nem de transtorno do humor nestes grupos, tampouco incidência maior de transtorno delirante nas famílias de probandos com esquizofrenia. O acompanhamento a longo prazo indica que o diagnóstico é relativamente estável, com menos de um quarto dos pacientes vindo a ser reclassificados como portadores de esquizofrenia e menos de 10% vindo a ser reclassificados como portadores de um transtorno do humor. Esses dados indicam que o transtorno delirante não é simplesmente um estágio inicial do desenvolvimento de um ou de ambos destes transtornos mais comuns.
Os profissionais têm uma forte impressão clínica de que muitos pacientes com transtorno delirante são socialmente isolados e atingiram níveis mais baixos do que o esperado de realização. As teorias psicodinâmicas específicas a respeito da causa e da evolução dos sintomas delirantes envolvem suposições quanto a pessoas hipersensíveis e mecanismos específicos do ego: formação reativa, projeção e negação.
Fatores biológicos Uma ampla gama de condições médicas não-psiquiátricas e de substâncias, incluindo fatores biológicos bem-definidos, podem causar delírios, mas nem todas as pessoas que têm tumor cerebral, por exemplo, manifestam delírios. Fatores singulares e ainda não compreendidos do cérebro e da personalidade provavelmente sejam relevantes para a fisiopatologia específica do transtorno delirante. As condições neurológicas associadas com maior freqüência a delírios são as que afetam o sistema límbico e os gânglios basais. Pacientes cujos delírios são causados por doenças neurológicas e que não demonstram comprometimento intelectual tendem a ter delírios complexos, semelhantes aos daqueles com transtorno delirante. Em vez disso, pacientes com distúrbio neurológico e comprometimento intelectual muitas vezes têm delírios simples, diferentes dos de pacientes com transtorno delirante. Portanto, este último pode envolver o sistema límbico ou os gânglios basais de pessoas com funcionamento cerebral cortical intacto. O transtorno delirante pode surgir como uma resposta normal a experiências anormais no ambiente, no sistema nervoso periférico ou no sistema nervoso central. Assim, são evidenciadas experiências sensoriais errôneas de serem seguidos (p. ex., ouvir passos), podem
As contribuições de Freud. Sigmund Freud acreditava que os delírios, mais do que sintomas do transtorno, eram parte de um processo de cura. Em 1896, descreveu a projeção como o principal mecanismo de defesa da paranóia. Mais tarde, leu Memórias de um doente dos nervos, relato autobiográfico de Daniel Paul Schreber, e, embora nunca tivesse encontrado tal autor pessoalmente, formulou a teoria de que a negação e a projeção são usadas pelo indivíduo para se defender de tendências homossexuais inconscientes. Segundo a teoria psicodinâmica clássica, a dinâmica subjacente à formação dos delírios em pacientes do sexo feminino é a mesma que nos do sexo masculino. Estudos cuidadosos de pessoas com delírios não conseguiram confirmar as teorias de Freud, embora estas possam ser relevantes em alguns casos individuais. De modo geral, não há uma incidência mais alta de ideação ou atividade homossexual em pacientes com delírios do que em outros grupos. A principal contribuição de Freud, no entanto, foi demonstrar o papel da projeção na formação do pensamento delirante.
A pseudocomunidade paranóide. Norman Cameron descreveu sete situações que favorecem o desenvolvimento de transtornos delirantes: uma forte expectativa de receber tratamento sádico, situações que aumentam a desconfiança e a suspeita, isolamento social, situações que aumentam a inveja e o ciúme, que diminuem a auto-estima, que fazem as pessoas verem seus próprios defeitos nos outros e situações que aumentam o potencial de ruminação a respeito de sentidos e motivações prováveis. Quando a frustração decorrente de qualquer combinação dessas condições excede o limite tolerável, as pessoas se tornam retraídas e ansiosas, percebem que algo está errado, buscam uma explicação para o problema e cristalizam um sistema delirante como solução. A inclusão de pessoas imaginárias no delírio e a atribuição de motivações malévolas a pessoas reais e imaginárias resulta na organização da pseudocomunidade – uma comunidade percebida de conspiradores. Esta entidade delirante hipoteticamente reúne medos e desejos projetados para justificar a agressividade do paciente e para oferecer à sua hostilidade um alvo tangível. Outros fatores psicodinâmicos. Observações clínicas indicam que muitos, senão todos os pacientes paranóides apresentam falta de confiança nos relacionamentos. Uma hipótese associa essa desconfiança a um ambiente familiar consistentemente hostil, muitas vezes
OUTROS TRANSTORNOS PSICÓTICOS
com a mãe supercontroladora e o pai distante ou sádico. O conceito de Erik Erikson de confiança versus desconfiança no desenvolvimento precoce é um modelo útil para explicar a suspeita do paranóide, que nunca teve a experiência saudável de ter suas necessidades satisfeitas pelo que denominou-se os “provedores externos”, e que por isso há uma desconfiança geral de seu ambiente.
Mecanismos de defesa. Pacientes com transtorno delirante usam principalmente os mecanismos de defesa da formação reativa, negação e projeção. A formação reativa é empregada como defesa contra a agressividade, a necessidade de dependência e sentimentos de afeição, transformando a necessidade de dependência em uma independência ferrenha. Os pacientes usam a negação para evitar a consciência de uma realidade dolorosa. Consumidos pela raiva e pela hostilidade e incapazes de encarar a responsabilidade por tais sentimentos, projetam seu ressentimento e raiva nos outros e usam esse recurso para se protegerem do reconhecimento de impulsos inaceitáveis em si mesmos. Outros fatores relevantes. Os delírios foram relacionados a uma variedade de fatores adicionais, como o isolamento social e sensorial, a privação socioeconômica e transtornos da personalidade. Os surdos, os deficientes visuais e possivelmente os imigrantes com pouca habilidade em uma nova língua podem ser mais vulneráveis à formação de delírios do que o resto da população. A vulnerabilidade aumenta com o avanço da idade, e o transtorno delirante e outras características paranóides são comuns em idosos. Em suma, múltiplos fatores estão associados à formação de delírios, e a fonte e a patogênese dos mesmos ainda precisam ser especificadas (Tab. 14.3-2).
DIAGNÓSTICO E CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS Os critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno delirante são listados na Tabela 14.3-3. Estado mental Descrição geral. Os pacientes costumam ter boa higiene e estar bem-vestidos, sem evidências de grande desintegração da personalidade ou das atividades diárias, mas podem parecer excêntricos, estranhos, desconfiados ou hostis. Às vezes, são beligerantes e podem tornar esta inclinação clara para o examinador. Sua característica mais notável é que o exame do estado mental mostra que esses indivíduos são bastante normais, exceto por um sistema delirante acentuadamente anormal. Eles podem tentar
TABELA 14.3-2 Fatores de risco associados ao transtorno delirante Idade avançada Comprometimento/isolamento sensorial História familiar Isolamento social Características de personalidade (p. ex., sensibilidade interpessoal incomum) Imigração recente
551
TABELA 14.3-3 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno delirante A. Delírios não-bizarros (i. e., envolvendo situações que ocorrem na vida real, como ser seguido, envenenado, infectado, amado a distância, traído por cônjuge ou par romântico ou ter uma doença) com duração mínima de um mês. B. O Critério A para esquizofrenia jamais foi satisfeito. Nota: Alucinações táteis e olfativas podem estar presentes no transtorno delirante, se relacionadas ao tema dos delírios. C. Exceto pelo impacto do(s) delírio(s) ou de seus desdobramentos, o funcionamento não está acentuadamente prejudicado, e o comportamento não é visivelmente esquisito ou bizarro. D. Se episódios de humor ocorreram durante os delírios, sua duração total deve ser breve com relação à duração dos períodos delirantes. E. A perturbação não se deve aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., uma droga de abuso, um medicamento) ou uma condição médica geral. Especificar tipo (os tipos seguintes são atribuídos com base no tema predominante do(s) delírio(s): Tipo erotomaníaco: delírios de que outra pessoa, geralmente de situação mais elevada, está apaixonada pelo indivíduo Tipo grandioso: delírios de grande valor, poder, conhecimento, identidade ou de relação especial com uma divindade ou pessoa famosa Tipo ciumento: delírios de que o parceiro sexual é infiel Tipo persecutório: delírios de que o indivíduo (ou alguém chegado a ele) está sendo, de algum modo, maldosamente tratado Tipo somático: delírios de que a pessoa tem algum defeito físico ou condição médica geral Tipo misto: delírios característicos de mais de um dos tipos acima, sem predomínio de nenhum deles Tipo inespecificado De American Psychiatric Association, Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000.
engajar os clínicos como aliados em seus delírios, mas estes não devem fingir aceitá-los, pois isso confunde ainda mais a realidade e arma o palco para o surgimento da desconfiança entre paciente e terapeuta. Humor, sentimentos e afeto. Os humores do paciente são consistentes com o conteúdo de seus delírios. O paciente com delírio de grandeza é eufórico; aquele com delírios persecutórios é desconfiado. Qualquer que seja a natureza do sistema delirante, o examinador pode perceber algumas qualidades depressivas leves. Distúrbios perceptivos. Por definição, pacientes com transtorno delirante não têm alucinações proeminentes ou sustentadas. Segundo o DSM-IV-TR, alucinações táteis ou olfativas podem estar presentes se forem consistentes com o delírio (p. ex., delírio somático de odores corporais). Alguns pacientes delirantes têm outras experiências alucinatórias – em geral, mais auditivas do que visuais. Pensamento. Um transtorno do conteúdo do pensamento, na forma de delírios, é o sintoma-chave do transtorno delirante. Os delírios tendem a ser sistematizados e caracterizados como possíveis, como, por exemplo, delírios de ser perseguido, de ter um cônjuge infiel, de estar infectado com um vírus ou de ser amado por uma pessoa famosa. Esses exemplos de conteúdo delirante contrastam com o conteúdo bizarro e im-
552
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
possível de alguns pacientes esquizofrênicos. O sistema delirante em si pode ser complexo ou simples. Os pacientes não apresentam outros sinais de transtorno do pensamento, embora alguns possam ser verborrágicos, circunstanciais ou idiossincráticos quando falam sobre os delírios. Os clínicos não devem pressupor que todos os cenários improváveis sejam delirantes, e a veracidade das crenças deve ser verificada antes de se rotular seu conteúdo como delirante. A Tabela 14.3-4 lista os critérios diagnósticos da CID-10 para o transtorno delirante. Sensório e cognição. ORIENTAÇÃO. Pacientes com transtorno delirante não costumam ter anormalidades na orientação, a menos que tenham um delírio específico a respeito de uma pessoa, lugar ou tempo.
homicídio ou outra violência. Embora a incidência desses comportamentos não seja conhecida, os terapeutas não devem hesitar em indagar a respeito de planos suicidas, homicidas ou de outras formas de violência. A agressividade destrutiva é mais comum entre aqueles com história de violência; se houve sentimentos agressivos no passado, os terapeutas devem investigar como os pacientes lidaram com esses sentimentos. Se o indivíduo não puder controlar seus impulsos, a hospitalização é necessária. Discutir abertamente como a hospitalização pode ajudar o paciente a obter mais controle sobre seus impulsos ajuda a promover a aliança terapêutica.
em pacientes com a condição.
Julgamento e insight. Pacientes com transtorno delirante praticamente não têm nenhum insight de sua condição e são quase sempre levados ao hospital pela polícia, por membros da família ou por empregadores. O julgamento pode ser melhor avaliado investigando-se o comportamento passado, presente e planejado do paciente.
Controle dos impulsos. Ao atenderem pacientes com este transtorno, os clínicos devem avaliar a presença de ideação ou planos de agir segundo o material delirante por meio de suicídio,
Confiabilidade. Pacientes com transtorno delirante tendem a fornecer informações confiáveis, exceto quando as mesmas contrariam seu sistema delirante.
MEMÓRIA. A memória e outros processos cognitivos estão intactos
TABELA 14.3-4 Critérios diagnósticos da CID-10 para transtornos delirantes Transtorno delirante A. A presença de um delírio ou de um conjunto de delírios relacionados que não os listados como tipicamente esquizofrênicos no Critério G1(1)b ou d para esquizofrenia paranóide, hebefrênica ou catatônica (i. e., delírios que não são impossíveis ou culturalmente impróprios). Os exemplos mais comuns são delírios persecutórios, megalomaníacos, hipocondríacos, de ciúme ou eróticos. B. O(s) delírio(s) do Critério A deve estar presente(s) durante pelo menos três meses. C. Os critérios gerais para esquizofrenia não são satisfeitos. D. Não deve haver alucinações persistentes em qualquer modalidade (mas pode haver alucinações auditivas transitórias ou ocasionais que não estejam na terceira pessoa nem façam comentários constantes). E. Sintomas depressivos (ou mesmo um episódio depressivo) podem estar presentes intermitentemente, desde que os delírios persistam nos momentos em que não há perturbação do humor. F. Critérios de exclusão mais comumente usados: Não deve haver evidência de transtorno cerebral orgânico primário ou secundário conforme listado em transtornos mentais orgânicos, incluindo sintomáticos, ou de um transtorno psicótico devido ao uso de uma substância psicoativa. Especificação para possíveis subtipos Os tipos seguintes podem ser especificados, se desejado: tipo persecutório, tipo litigioso, tipo auto-referencial, tipo megalomaníaco, tipo hipocondríaco (somático), tipo ciumento, tipo erotomaníaco. Outros transtornos delirantes persistentes Esta é uma categoria residual para transtornos delirantes persistentes que não satisfazem os critérios para transtorno delirante. Transtornos nos quais os delírios são acompanhados por vozes alucinatórias persistentes ou por sintomas esquizofrênicos insuficientes para satisfazer os critérios para esquizofrenia devem ser codificados aqui. Transtornos delirantes com duração inferior a três meses devem, no entanto, ser codificados pelo menos temporariamente como transtornos psicóticos agudos e transitórios. Transtorno delirante persistente, não-especificado Reproduzida, com permissão, de World Health Organization. The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural Disorders: Diagnostic Criteria for Research. Copyright, World Health Organization, Geneva, 1993.
Tipos Tipo persecutório. O delírio de perseguição é um sintoma clássico do transtorno delirante, sendo que os dos tipos persecutório e ciumento provavelmente são as formas vistas com maior freqüência pelos psiquiatras. Em contraste com os delírios persecutórios da esquizofrenia, a clareza, a lógica e a elaboração sistemática do tema persecutório no transtorno delirante são uma marca notável desta condição. A ausência de outra psicopatologia, deterioração da personalidade ou déficit na maioria das áreas do funcionamento também contrastam com as manifestações típicas da esquizofrenia. Uma técnica em radiologia de 56 anos de idade que tinha emigrado quando adulta da Europa e se casado em idade mais avançada apresentou-se ao serviço de emergência. Suas queixas eram de que o sócio de seu marido há muitos anos pretendia obrigar seu marido a abandonar a firma e destruir seu lar. Ao longo de vários meses, ela foi se dando conta de que uma variedade de incidentes aparentemente sem importância (tais como carros estranhos estacionados na sua rua, ver pessoas conhecidas em restaurantes e sentir-se seguida sempre que saía de carro) apontavam para uma conspiração para perturbar e destruir sua vida. Seu delírio era notavelmente sistematizado e detalhado, e seu humor ao descrevê-lo era tenso e irritado. Não havia evidências de alucinações, confusão, transtorno do pensamento ou do humor, e a cognição estava intacta. A paciente era bastante inteligente e via a consulta clínica como uma forma de ajudar seu marido a lidar com o sofrimento de ser o alvo de tal conspiração. (O marido acompanhava a esposa nesta consulta, e também havia experimentado alguns pensamentos delirantes concordantes com os dela.)
OUTROS TRANSTORNOS PSICÓTICOS
Ela não mostrava evidências que sugerissem potencial para suicídio ou violência contra terceiros. Em princípio, recusou qualquer medicação, mas, aos poucos, ao longo de vários meses de terapia e consultas concomitantes a advogados, concordou relutantemente em tomar risperidona e, mais tarde, para a depressão pós-psicótica, paroxetina. Respondeu dentro de semanas a 0,5 a 1mg de risperidona administrada diariamente ou em dias alternados, mas se recusou a tomar medicação continuamente. Dentro de um ano, começou a focalizar outras questões, e a intensidade emocional das preocupações delirantes diminuiu, embora pudesse ser revivida com pequenos estímulos em uma conversa ou eventos em seu lar ou na vizinhança. (Cortesia de Theo C. Manschreck, M.P.H., M.D.) Tipo ciumento. O transtorno delirante com delírios de infidelidade foi denominado paranóia conjugal quando limitado ao delírio de que o cônjuge foi infiel. O epônimo síndrome de Otelo foi usado para descrever um ciúme mórbido decorrente de múltiplas preocupações. O delírio tende a afetar mais homens, muitas vezes sem nenhuma história psiquiátrica. Pode aparecer subitamente e serve para explicar uma variedade de eventos presentes e passados envolvendo o comportamento do cônjuge. Esta condição é difícil de tratar e pode diminuir apenas com a separação, o divórcio ou a morte do cônjuge. O ciúme acentuado (ciúme patológico ou mórbido) é um sintoma de muitos transtornos – incluindo esquizofrenia (na qual pacientes do sexo feminino apresentam esta característica com maior freqüência), epilepsia, transtornos do humor, abuso de drogas e alcoolismo – cujo tratamento é direcionado ao transtorno primário. O ciúme é uma emoção poderosa, e quando ocorre no transtorno delirante ou como parte de outra condição pode ser potencialmente perigoso e foi associado à violência, com ênfase especial em suicídios e homicídios. Os aspectos legais do sintoma são evidenciados de forma mais imediata, em especial seu papel como motivo de assassinatos. No entanto, abusos físicos e verbais ocorrem com mais freqüência do que ações extremas entre indivíduos com este sintoma. Cautela e cuidado ao decidir como lidar com tais apresentações são essenciais não apenas para o diagnóstico, mas também do ponto de vista da segurança. Um carpinteiro de 47 anos de idade foi levado para exame psiquiátrico após seus vizinhos queixarem-se de gritos muito altos e abuso verbal contra sua namorada. O paciente não concordou com o encaminhamento psiquiátrico, mas estava disposto a explicar suas preocupações. A namorada, revelou ele, estava tendo um caso com alguém, mas ele não tinha certeza de quem era o intruso. Havia começado a reunir evidências: fios de cabelo encontrados no apartamento, fotografias de lençóis sujos e itens suspeitos no lixo, todos os quais afirmava provarem que um caso estava acontecendo. Revelou planos de filmar as atividades da namorada enquanto estava no trabalho. Ao revelar que havia dito que iria matá-la se o caso continuasse, foi internado no hospital. Foi tratado com um antagonista de serotonina-dopamina em dosagens baixas e respondeu com uma redução na intensidade da raiva e da preocupação. Terminou por deixar o
553
hospital, mas somente depois que a namorada já havia se mudado. Ele ainda alimentava suspeitas, mas aceitou o fim do relacionamento sem grande oposição. Tipo erotomaníaco. Pacientes com erotomania manifestam delírios de ter amantes secretos. Mais freqüentemente, são do sexo feminino, mas homens também são suscetíveis. A paciente acredita que um pretendente, em geral de maior proeminência social, está apaixonado por ela, e o delírio se torna o foco central de sua existência, podendo ter início súbito. A erotomania, a psychose passionelle, também é denominada síndrome de Clérambault para enfatizar sua ocorrência em diferentes transtornos. Além de ser o sintomachave em alguns casos de transtorno delirante, sabe-se que ocorre na esquizofrenia, nos transtornos do humor e em outros transtornos orgânicos. Pacientes com erotomania demonstram certas características com maior recorrência: costumam ser mulheres pouco atraentes com empregos de baixo nível e que levam vidas solitárias e retraídas, solteiras e com poucos contatos sexuais. Escolhem amantes secretos que diferem substancialmente de si mesmas. Exibem o que foi denominado conduta paradoxal, o fenômeno delirante de interpretar todas as negações do amor, por mais claras que sejam, como afirmações secretas do mesmo. O curso pode ser crônico, recorrente ou breve, e a separação do objeto de amor pode ser a única intervenção satisfatória. Embora os homens sejam menos atingidos por esta condição, podem ser mais agressivos e possivelmente violentos em sua busca. Por isso, eles predominam nas populações forenses. O objeto da agressividade pode não ser o indivíduo amado, mas seus companheiros ou protetores, que são vistos como obstáculos. A tendência para a violência entre homens com erotomania pode levar, em um primeiro momento, ao contato policial, e não psiquiátrico. Em certos casos, o ressentimento e a raiva em resposta à ausência de reação a todas as formas de comunicação do amor pode crescer o suficiente para colocar o objeto de amor em perigo. Os assediadores que seguem continuamente seus amantes imaginários, costumam ter delírios. Embora a maioria dos assediadores seja homens, as mulheres também apresentam esse comportamento, e ambos os grupos têm alto potencial para violência. Um analista financeiro de 29 anos de idade, enquanto almoçava em um restaurante do centro da cidade, observou a chegada de uma personalidade conhecida da mídia local, uma mulher atraente mais ou menos da sua idade. Ele experimentou diversos momentos de contato visual com ela e se convenceu de que ela tinha se apaixonado por ele. A isso seguiu-se uma enxurrada de flores, cartas, telefonemas e até mesmo várias tentativas de encontrar-se com ela em seu local de trabalho. A mulher rejeitou todos esses esforços e acabou por chamar a polícia. O homem foi preso e acusado de perseguição depois de ser observado seguindo a mulher até sua residência. Ele ficou furioso e ameaçou a polícia, finalmente admitindo que tinha comprado um revólver, mas se recusando a apresentar um motivo para a compra. Foi enviado para uma unidade psiquiátrica forense, tratado com pimozida (Orap) e, por fim, libertado com a condição de ser supervisionado pelo tribunal.
554
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Tipo somático. O transtorno delirante com delírios somáticos foi denominado psicose hipocondríaca monossintomática. A condição difere de outros transtornos com sintomas hipocondríacos devido ao grau de comprometimento da realidade. No transtorno delirante, o delírio é fixo, irremovível e apresentado de forma intensa, pois o paciente está convencido de sua natureza física. Em contraste, pessoas com hipocondria muitas vezes admitem que seu medo da doença é, em grande parte, infundado. O conteúdo do delírio somático pode variar amplamente, conforme cada caso. Existem três tipos principais: (1) delírios de infestação (incluindo parasitose), (2) delírios de dismorfofobia, como feiúra, deformação e tamanho exagerado de partes do corpo (esta categoria parece mais próxima do transtorno dismórfico corporal) e (3) delírios de odores corporais desagradáveis ou halitose. Esta terceira condição, às vezes denominada síndrome olfativa de referência, parece ser um tanto diferente da categoria dos delírios de infestação, uma vez que pacientes com a primeira têm idade mais precoce de início (média de 25 anos), predominância masculina, estado civil solteiro e ausência de tratamento psiquiátrico anterior. Em outros aspectos, os três grupos, embora individualmente baixos em prevalência, parecem se sobrepor. A freqüência dessas condições é mínima, mas podem ser subdiagnosticadas porque, na busca constante por um tratamento curativo, os pacientes consultam mais vezes dermatologistas, cirurgiões plásticos e infectologistas do que psiquiatras. Pessoas com esta condição, que afeta ambos os sexos de forma semelhante, têm mau prognóstico sem tratamento. A história pregressa ou a ocorrência familiar de transtorno psicótico são incomuns. Pacientes mais jovens costumam ter história de abuso de substâncias ou lesão cefálica. Embora a raiva e a hostilidade sejam freqüentes, vergonha, depressão e comportamento esquivo são ainda mais característicos. O suicídio, aparentemente motivado pela angústia, também pode manifestar-se. Um homem desempregado e solteiro de 40 anos de idade foi encaminhado pelo médico da rede básica devido a consultas repetidas relacionadas à sua queixa de perda de cabelos. A dermatologista avaliou o paciente, não encontrou patologia e disselhe que uma perda de cabelos mínima era normal. Ele se recusou a aceitar este julgamento e exigiu mais consultas. Devido a restrições de seu plano de saúde, consultou dois outros especialistas com seus próprios (e escassos) fundos, com resultados semelhantes. Havia deixado o emprego por se sentir constrangido com a perda de cabelos e ficava cada vez mais endividado. A consulta psiquiátrica o enfureceu, mas ele cooperou porque achava que a perda de cabelo tinha começado com algumas “pílulas” que lhe haviam sido prescritas vários anos antes para ansiedade e insônia, e que um psiquiatra poderia ajudá-lo a compreender seu caso e prescrever um antídoto que pudesse aliviar a perda de cabelos. O tratamento com um agente antidepressivo mostrou-se insatisfatório, e o paciente recebeu um antipsicótico atípico com sucesso modesto. Ele se queixava com menor freqüência da perda de cabelo e começou a expressar sua preocupação com a solidão e o medo de ser um fardo para seus pais idosos, com os quais morava por motivos financeiros. Seu insight, no entanto, permaneceu limitado, e ele expressava de forma intermitente para o psiquiatra a preocupação com a aparência e a perda de cabelo.
Tipo grandioso. Delírios de grandeza (megalomania) têm sido observados há décadas. Foram descritos na paranóia de Kraepelin e associados a condições que se enquadram na descrição do transtorno delirante. Um homem de 51 anos de idade foi detido por perturbação da ordem pública. A polícia havia sido chamada a um parque para impedi-lo de desenhar suas iniciais e o nome de um culto religioso recentemente formado em várias árvores que cercavam um lago. Quando confrontado, afirmou desdenhosamente que, como havia sido escolhido para iniciar um renascimento religioso na cidade, era necessário tornar pública sua intenção de forma permanente. A polícia não teve sucesso em impedi-lo de cortar outra árvore, e o prendeu. Foi solicitado um exame psiquiátrico, e o paciente foi observado em um hospital público por várias semanas. Ele negava qualquer dificuldade emocional e nunca tinha recebido tratamento psiquiátrico. Não havia história de euforia ou oscilações do humor. Ele estava furioso por ter sido hospitalizado e apenas aos poucos foi permitindo que o médico o entrevistasse. Em alguns dias, no entanto, já estava pregando para os outros pacientes e informando-os de que havia recebido um mandato especial de Deus para levar novos convertidos a ele através de sua capacidade de curar. Sua preocupação com poderes especiais acabou diminuindo, e nenhuma outra evidência de patologia foi observada. O paciente teve alta sem prescrição de medicação. Dois meses depois, foi detido no cinema local por perturbar a apresentação de um filme com um tema que ele acreditava ser satânico. Tipo misto. A categoria do tipo misto se aplica a pacientes com dois ou mais temas delirantes. Este diagnóstico deve ser reservado para casos em que não predomina um único tipo de delírio. Tipo inespecificado. Esta categoria é reservada para casos nos quais o delírio predominante não se encaixa nas categorias anteriores. Um exemplo possível são certos delírios de identificação equivocada, como, por exemplo, a síndrome de Capgras, que recebeu o nome do psiquiatra francês que descreveu a illusion des sosies, ou ilusão de sósias. O delírio desta síndrome é a crença de que uma pessoa familiar foi substituída por um impostor. Outros pesquisadores descreveram variantes da mesma, especificamente o delírio de que perseguidores ou familiares podem assumir a aparência de estranhos (fenômeno de Frégoli), e o delírio extremamente raro de que pessoas conhecidas podem se transformar em outras por vontade própria (intermetamorfose). Esses transtornos não são apenas raros, mas podem estar associados a esquizofrenia, demência, epilepsia e outros transtornos orgânicos. Os casos relatados foram predominantemente de mulheres, apresentavam características paranóides associadas e incluíam sentimentos de despersonalização ou desrealização. O delírio pode ser breve, recorrente ou persistente. Não está claro se um transtorno delirante pode aparecer com tal delírio. Os delírios de Frégoli e de intermetamorfose têm conteúdo bizarro e são improváveis, mas o delírio da síndrome de Capgras é um candidato possível para transtorno delirante. O papel da alucinação ou da perturbação perceptiva nesta condição ainda precisa ser explicado. Houve casos que se manifestaram após danos cerebrais súbitos.
OUTROS TRANSTORNOS PSICÓTICOS
No século XIX, o psiquiatra francês Jules Cotard descreveu diversos pacientes que sofriam de uma síndrome denominada délire de négation, às vezes também chamada de transtorno delirante niilista ou síndrome de Cotard. Pacientes com tal condição se queixam de ter perdido não apenas seus bens, o status social e a força, mas também seu coração, o sangue e os intestinos. O mundo para além deles é reduzido a nada. Esta síndrome relativamente rara é considerada um precursor de um episódio esquizofrênico ou depressivo. Nos dias de hoje, com o uso comum de fármacos antipsicóticos, a síndrome é vista cada vez menos. Transtorno psicótico compartilhado O transtorno psicótico compartilhado (também denominado ao longo dos anos de transtorno paranóide compartilhado, transtorno psicótico induzido, folie à deux, folie impose e insanidade dupla) foi descrito pela primeira vez por Lasegue e Falret em 1877. É raro, mas não existem números de incidência ou prevalência, e a literatura consiste quase inteiramente de relatos de casos. O transtorno caracteriza-se pela transferência de delírios de uma pessoa para outra. Ambas têm um relacionamento próximo por longo tempo e tipicamente vivem juntas em relativo isolamento social. Em sua forma mais comum (incluída nos critérios do DSM-IV-TR, conforme a Tab. 14.3-5), o indivíduo que começa a ter os delírios (o caso primário) costuma manifestar uma doença crônica e em geral é o membro mais influente de uma relação íntima com uma pessoa mais sugestionável (o caso secundário), que também desenvolve os delírios. O caso secundário costuma ser menos inteligente, mais ingênuo, mais passivo ou tem menos auto-estima do que o primário. Se o par se separa, o caso secundário pode abandonar o delírio, mas este resultado não é observado de maneira uniforme. A ocorrência do delírio é atribuída à forte influência do membro mais dominante. Idade avançada, inteligência baixa, comprometimento sensorial, doenças cerebrovasculares e abuso de álcool estão entre os fatores associados a essa forma peculiar de transtorno psicótico. Uma predisposição genética a psicoses idiopáticas também foi sugerida como possível fator de risco. Os critérios da CID-10 para transtorno delirante induzido são apresentados na Tabela 14.3-6. Outras formas especiais foram relatadas, tais como a folie simultanée, na qual duas pessoas se tornam psicóticas ao mesmo tempo e compartilham o mesmo delírio. Às vezes, mais de duas
TABELA 14.3-5 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno psicótico induzido A. Desenvolvimento de delírio em um indivíduo no contexto de um estreito relacionamento com outra(s) pessoa(s) com um delírio já estabelecido. B. O delírio é de conteúdo similar ao da pessoa com o delírio já estabelecido. C. A perturbação não é mais bem explicada por outro transtorno psicótico (p. ex., esquizofrenia) ou por um transtorno do humor com características psicóticas, nem se deve aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., uma droga de abuso, um medicamento) ou a uma condição médica geral. De American Psychiatric Association, Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
555
TABELA 14.3-6 Critérios diagnósticos da CID-10 para transtorno delirante induzido A. O(s) indivíduo(s) deve(m) desenvolver um delírio ou sistema delirante originalmente apresentado por outra pessoa com um transtorno classificado como esquizofrenia, transtorno esquizotípico, transtorno delirante persistente ou transtorno psicótico agudo e transitório. B. As pessoas envolvidas devem ter um relacionamento muito próximo e estar relativamente isoladas dos demais. C. O(s) indivíduo(s) não deve(m) ter mantido a crença em questão antes do contato com a outra pessoa e não deve(m) ter sofrido de nenhum outro transtorno classificado como esquizofrenia, transtorno esquizotípico, transtorno delirante persistente ou transtornos psicóticos agudos e transitórios no passado. Reproduzida, com permissão, de World Health Organization. The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural Disorders: Diagnostic Criteria for Research. Copyright, World Health Organization, Geneva, 1993.
estão envolvidas (p. ex., folie à trois, quatre, cinq, e também folie à famille), mas estes casos são especialmente raros. Os relacionamentos mais comuns na folie à deux são irmão e irmã, marido e esposa, e mãe e filho(a), mas outras combinações também foram descritas. Quase todos os casos envolvem membros de uma única família. Uma mulher de 40 anos de idade consultou médicos em busca da cura para seu problema de um odor corporal desagradável. Eles não conseguiram satisfazer as esperanças de diagnóstico e tratamento da mulher, pois não encontraram nada de errado com ela. Acabaram por recomendar uma consulta psiquiátrica, a qual foi recusada. Seu marido, um homem silencioso e retraído de 35 anos de idade, acompanhava a esposa a todas as consultas com especialistas médicos. Quando questionado, mostrou compartilhar as preocupações da esposa a respeito do odor corporal e ofereceu muitos exemplos de como o problema tinha se tornado um inconveniente. Quando lhe foi dito que não havia nada de errado com a esposa, ele objetou repetidamente e afirmou que os médicos eram incompetentes. Um psiquiatra foi chamado à clínica para ver o casal e obteve histórias consistentes de ambos. A mulher aceitou a recomendação de hospitalização na unidade psiquiátrica e o marido retornou para casa. Após semanas de avaliação e tratamento, a mulher teve alta. O marido tinha parado de visitá-la, e quando foi informado de que ela iria voltar para casa, disse que achava que ela havia sido curada de seu problema. No entanto, três meses mais tarde, estavam mais uma vez visitando diferentes especialistas. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Delirium, demência e transtornos relacionados a substâncias O delirium e a demência devem ser considerados no diagnóstico diferencial de um paciente com delírios. O primeiro pode ser diferenciado pela presença de um nível flutuante de consciência ou capacidades cognitivas comprometidas. Delírios no início do curso de uma doença demenciante, como na demência do tipo Alzheimer, podem dar a impressão de um transtorno delirante, mas
556
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
a testagem neuropsicológica costuma detectar comprometimento cognitivo. Embora o abuso de álcool seja uma característica associada em pacientes com transtorno delirante, este deve ser distinguido do transtorno psicótico induzido pelo álcool, com alucinações. A intoxicação com simpatomiméticos (incluindo anfetaminas), maconha ou L-dopa pode resultar em sintomas delirantes.
mostram diminuição dos sintomas e 30% não exibem mudanças. Os seguintes fatores estão correlacionados a um bom prognóstico: altos níveis de ajustamento ocupacional, social e funcional, sexo feminino, início antes dos 30 anos, início súbito, duração curta da doença e presença de fatores precipitantes. Embora os dados confiáveis sejam limitados, pacientes com delírios persecutórios, somáticos e eróticos costumam ter melhor prognóstico do que aqueles com delírios de grandeza ou ciúme.
Outros transtornos O diagnóstico diferencial psiquiátrico para transtorno delirante inclui simulação e transtorno factício com sinais e sintomas predominantemente psicológicos. Os transtornos não-factícios no diagnóstico diferencial são esquizofrenia, transtornos do humor, transtorno obsessivo-compulsivo, transtornos somatoformes e transtorno da personalidade paranóide. O transtorno delirante se distingue da esquizofrenia pela ausência de outros sintomas esquizofrênicos e pela qualidade não-bizarra dos delírios; pacientes com transtorno delirante também não apresentam o funcionamento comprometido observado naquela condição. O tipo somático do transtorno delirante pode lembrar um transtorno depressivo ou somatoforme, e se diferencia dos transtornos depressivos pela ausência de outros sinais de depressão e pela falta da qualidade global desta. Ele pode ainda ser diferenciado dos transtornos somatoformes pelo grau em que a crença somática é mantida. Pacientes com transtornos somatoformes aceitam a possibilidade de que seu transtorno não existe, enquanto aqueles com transtorno delirante não duvidam de sua realidade. Distinguir o transtorno da personalidade paranóide do transtorno delirante requer a diferenciação clínica muitas vezes difícil entre a extrema desconfiança e o franco delírio. Em geral, se o clínico duvida que um sintoma seja um delírio, o diagnóstico de transtorno delirante não deve ser feito.
TRATAMENTO Transtorno delirante. Em geral era considerado resistente ao tratamento e as intervenções muitas vezes focalizavam o manejo da morbidade do transtorno por meio da redução de impacto do delírio na vida do paciente (e de sua família). No entanto, mais recentemente, a visão acerca dele tornou-se menos pessimista e restrita no planejamento do tratamento efetivo. As metas do tratamento são estabelecer o diagnóstico, decidir quais as intervenções apropriadas e lidar com complicações (Tab. 14.3-7). Seu sucesso depende de uma relação médico-paciente efetiva e terapêutica, que é muito difícil de estabelecer. Os pacientes não se queixam de sintomas psiquiátricos e o tratamento tende a iniciar mesmo contra sua vontade; até mesmo o psiquiatra pode ser atraído para suas redes delirantes. No transtorno psiquiátrico compartilhado, os pacientes devem ser separados. Se a hospitalização de ambos for indicada, devem ser colocados em unidades diferentes, sem contato um com o outro. Em geral, o mais saudável dos dois vai abandonar a crença delirante (às vezes sem qualquer outra intervenção terapêutica), e o mais doente vai mantê-la de forma fixa. Psicoterapia
CURSO E PROGNÓSTICO Certos clínicos e alguns dados de pesquisa indicam que um estressor psicossocial identificável muitas vezes acompanha o início do transtorno. A natureza do estressor pode, de fato, justificar alguma desconfiança ou preocupação. Exemplos são imigração recente, conflitos sociais com membros da família ou amigos e isolamento social. Em geral, acredita-se que o início súbito seja mais comum do que o insidioso. Alguns clínicos acreditam que pessoas com transtorno delirante têm probabilidade de apresentar inteligência abaixo da média e personalidade pré-mórbida extrovertida, dominante e hipersensível. A suspeita ou as preocupações iniciais da pessoa aos poucos vão ficando mais elaboradas, consomem grande parte de sua atenção e, por fim, se tornam delirantes. As pessoas podem começar a discutir com colegas de trabalho, buscar proteção da polícia ou começar a consultar muitos médicos ou cirurgiões, pedir orientação a advogados para discutir processos judiciais ou procurar a polícia para denunciar suspeitas delirantes. Conforme já mencionado, o transtorno delirante é considerado um diagnóstico bastante estável. Cerca de 50% dos pacientes se recuperaram com acompanhamento a longo prazo, 20%
O elemento essencial da psicoterapia eficaz é estabelecer um relacionamento no qual os pacientes comecem a confiar no terapeuta. A terapia individual parece ser mais eficaz do que a de grupo: os tipos comportamental, cognitiva, de apoio e orientada para o insight muitas vezes são eficazes. Inicialmente, o terapeuta não deve nem concordar nem questionar os delírios do paciente, e,
TABELA 14.3-7 Diagnóstico e manejo do transtorno delirante Excluir outras causas para as características paranóides Confirmar a ausência de outras psicopatologias Avaliar as conseqüências do comportamento relacionado ao delírio Desmoralização Desesperança Raiva, medo Depressão Impacto da busca de “diagnóstico médico”, “solução legal”, “prova de infidelidade”, etc. (i. e., financeiras, legais, pessoais, ocupacionais) Avaliar a ansiedade e a agitação Avaliar o potencial para violência, suicídio Avaliar a necessidade de hospitalização Instituir terapias farmacológicas e psicológicas Manter contato durante toda a recuperação
OUTROS TRANSTORNOS PSICÓTICOS
embora deva fazer perguntas sobre o conteúdo para estabelecer sua extensão, o questionamento persistente deve ser evitado. Os médicos podem estimular a motivação para receber ajuda enfatizando a disposição de colaborar com os pacientes em sua ansiedade ou irritabilidade sem sugerir que os delírios sejam tratados, sem apoiar ativamente a noção de que os delírios são reais. A confiabilidade é essencial na psicoterapia. Os terapeutas devem ser pontuais e marcar consultas o mais regulares possíveis, com a meta de desenvolver um relacionamento sólido de confiança com o paciente. O excesso de gratificação pode, na verdade, aumentar a hostilidade e a desconfiança dos pacientes porque, em última análise, têm consciência de que nem todas as demandas podem ser satisfeitas. Os terapeutas podem evitar a gratificação excessiva não ampliando a duração da consulta, não oferecendo consultas extras, a não ser quando absolutamente necessário, e não sendo flexíveis quanto ao valor cobrado. O terapeuta deve evitar comentários depreciativos a respeito dos delírios e das idéias do paciente, mas pode indicar de forma empática que a preocupação decorrentes deles causa, ao mesmo tempo, sofrimento e interferência em uma vida construtiva. Quando as crenças delirantes começam a ser abandonadas, o terapeuta pode aumentar o teste da realidade pedindo ao paciente que esclareça suas preocupações. Uma abordagem útil para construir uma aliança terapêutica é enfatizar a experiência interna do paciente de sentir-se assoberbado pela perseguição, fazendo comentários como: “Você deve estar exausto, considerando o que tem passado”. Sem concordar com todas as percepções delirantes, reconhece-se que, na perspectiva do paciente, tais percepções geram muito sofrimento. A meta é ajudar o paciente a refletir sobre a possibilidade de dúvida quanto a suas percepções. À medida que se torna mais flexível, podem surgir sentimentos de fraqueza e inferioridade, associados a alguma depressão. Quando o paciente permite que sentimentos de vulnerabilidade surjam na terapia, uma aliança terapêutica positiva foi estabelecida, e a terapia construtiva se torna possível. Se membros da família estiverem disponíveis, os clínicos podem optar por envolvê-los no plano de tratamento. Tomando cuidado para não ser visto pelo paciente como “aliado do inimigo”, o profissional deve tentar obter a ajuda da família no processo de tratamento. Conseqüentemente, tanto o paciente quanto seus familiares precisam compreender que o terapeuta observa o sigilo médico e que todas as informações prestadas pelos familiares serão discutidas com o paciente. A família pode beneficiar-se do apoio do terapeuta e, assim, oferecer mais apoio à pessoa necessitada. O bom resultado terapêutico depende da capacidade do psiquiatra de responder à desconfiança do paciente em relação aos outros e a conflitos interpessoais, frustrações e fracassos resultantes. A marca do tratamento bem-sucedido pode ser um ajustamento social satisfatório, mais do que o desaparecimento dos delírios.
557
condição não-psiquiátrica está causando os sintomas delirantes. Segundo, os pacientes precisam de uma avaliação de sua capacidade de controlar impulsos violentos (p. ex., de cometer suicídio ou homicídio) que possam estar ligados ao material delirante. Terceiro, seu comportamento em relação aos delírios pode ter afetado significativamente a capacidade de funcionar dentro da família ou no contexto ocupacional, o que requer de intervenção profissional para estabilizar relacionamentos sociais ou profissionais. Se o médico está convencido de que o paciente vai receber o melhor tratamento para seu caso em um hospital, deve tentar persuadir o paciente a aceitar a hospitalização; caso isso não seja possível, uma ordem judicial para internação pode ser indicada. Se o médico convencê-lo de que a hospitalização é inevitável, ele vai para o hospital voluntariamente para evitar a ordem judicial. Farmacoterapia Em emergências, pacientes gravemente agitados devem receber um antipsicótico por via intramuscular. Embora não tenham sido conduzidos ensaios clínicos adequados com grande número de pessoas, a maioria dos clínicos considera esta classe o tratamento de escolha para o transtorno delirante. Os pacientes podem recusar a medicação porque podem incorporar a administração de fármacos em seus sistemas delirantes, e os médicos não devem insistir nela imediatamente após a hospitalização, mas passar alguns dias estabelecendo o rapport. Devem explicar potenciais efeitos adversos aos pacientes, para que mais tarde não suspeitem de terem sido enganados. A história de resposta à medicação é o melhor guia para a escolha de um medicamento. Muitas vezes, o médico deve começar com doses baixas (p. ex., 2 mg de haloperidol) e aumentá-las lentamente. Se não houver resposta a uma dosagem razoável em um ensaio de seis semanas, antipsicóticos de outras classes devem ser tentados. Alguns investigadores indicaram que a pimozida pode ser particularmente eficaz no transtorno delirante, em especial para pacientes com delírios somáticos. Uma causa comum do fracasso medicamentoso é a nãoadesão, que deve ser avaliada. A psicoterapia concomitante facilita esse processo de cooperação. Se o paciente não tiver benefícios com a medicação antipsicótica, seu uso deve ser descontinuado. Entre aqueles que respondem, alguns dados indicam que as doses de manutenção podem ser baixas. Embora essencialmente nenhum estudo tenha avaliado o uso de antidepressivos, lítio ou anticonvulsivantes (p. ex., carbamazepina e valproato) no tratamento do transtorno delirante, ensaios com estas substâncias podem ser justificados em pacientes que não respondem a antipsicóticos. As mesmas devem ser consideradas ainda quando o paciente tem características ou história familiar de transtornos do humor.
Hospitalização Pacientes com transtorno delirante podem submeter-se a tratamento ambulatorial, mas os clínicos devem considerar a hospitalização por diversos motivos. Primeiro, talvez seja necessária uma avaliação médica e neurológica completa para determinar se uma
REFERÊNCIAS Bentall RP, Kaney S, Dewey ME. Paranoia and social reasoning: an attribution theory analysis. Br J Clin Psychol. 1991;30:12.
558
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Block B, Pristach CA. Diagnosis and management of the paranoid patient. Am Fam Physician. 1992;45:2634. Conway CR, Bollini AM, Graham BG, et al. Sensory acuity and reasoning in delusional disorder. Compr Psychiatry. 2002;43:175. Gabbard GO. Psychodynamic Psychiatry in General Practice: The DSMIV Edition. Washington, DC: American Psychiatry Press: 1994. Gambini O, Colombo C, Cavallaro R, Scarone S. Smooth pursuit eye movements and saccadic eye movements in patients with delusional disorder. Am J Psychiatry. 1993;150:1411. Garfield D, Havens L. Paranoid phenomena and pathological narcissism. Am J Psychother. 1991;45:160. Kennedy HG, Kemp LI, Dyer DE. Fear and anger delusional (paranoid) disorder: the association with violence. Br J Psychiatry. 1992;160:488. Kennedy N, McDonough M, Kelly B, Berrios GE. Erotomania revisited: clinical course and treatment. Compr Psychiatry. 2002;43:1. Manschreck TC. Delusional disorder and shared psychotic disorder. In: Sadock BJ, VA. eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:1243. Marino C, Nobile M, Bellodi L, Smeraldi E. Delusional disorder and mood disorder: can they coexist? Psychopathology. 1993;26:53. Opjordsmoen S, Retterstol N. Delusional disorder: the predictive validity of the concept. Acta Psychiatr Scand. 1991;84:250. Opjordsmoen S, Retterstol N. Outcome in delusional disorder in different periods of time: possible implications for treatment with neuroleptics. Psychopathology. 1993;26:90. Retterstol N, Opjordsmoen S. Fatherhood, impeding or established, precipitating delusional disorders: long-term course and outcome. Psychopathology. 1991;24:232. Rippon G. Paranoid-nonparanoid differences psychophysiological parallels. Int J Psychiatry. 1992;13:79. Schanda H. Paranoia and dysphoria: historical developments, current concepts. Psychopathology. 2000;33:204. Statel SL, Southwick SM, Gawin FH. Clinical features of cocaine-induced paranoia. Am J Psychiatry. 1991;148:495.
14.4 Transtorno psicótico breve, transtorno psicótico sem outra especificação e transtornos psicóticos secundários
qüentes nos critérios diagnósticos durante os últimos 15 anos. O diagnóstico foi melhor apreciado e mais estudado na Escandinávia e em outros países europeus. Pacientes com transtornos semelhantes eram classificados anteriormente como portadores de psicoses reativas, histéricas, de estresse e congênitas. A psicose reativa muitas vezes era usada como sinônimo para esquizofrenia de bom prognóstico, mas o diagnóstico do DSMIV-TR de transtorno psicótico breve não sugere essa relação. Em 1913, Karl Jaspers descreveu diversas características essenciais para o diagnóstico da psicose reativa, incluindo um estressor identificável e extremamente traumático, uma relação temporal próxima entre o estressor e o desenvolvimento da psicose e curso em geral benigno para o episódio psicótico. Ele afirmou ainda que o conteúdo da psicose muitas vezes refletia a natureza da experiência traumática e que o seu desenvolvimento parecia servir a um objetivo do paciente, muitas vezes como fuga de uma condição traumática. Epidemiologia A incidência e a prevalência exatas do transtorno psicótico breve não são conhecidas, mas ele é considerado incomum. Ocorre com maior freqüência entre pacientes mais jovens (na segunda e terceira décadas de vida) do que em pacientes mais velhos. Dados confiáveis sobre sexo e determinantes socioculturais são limitados, embora alguns sugiram incidência mais alta entre mulheres e pessoas de países em desenvolvimento. Esses padrões epidemiológicos são claramente distintos dos da esquizofrenia. Alguns clínicos indicam que o transtorno pode ser observado com maior freqüência em pacientes de classe socioeconômica baixa ou que experimentaram tragédias ou grandes mudanças culturais (como imigrantes). Pessoas que passaram por grandes estressores psicossociais podem ter maior risco de transtorno psicótico breve subseqüente. Co-morbidade O transtorno é visto com freqüência em pacientes com transtornos da personalidade (mais comumente, os tipos histriônica, narcisista, paranóide, esquizotípica e borderline).
TRANSTORNO PSICÓTICO BREVE
Etiologia
Trata-se de uma síndrome psicótica aguda e transitória. Segundo o DSM-IV-TR, o transtorno dura de um dia até um mês, e os sintomas podem lembrar os da esquizofrenia (p. ex., delírios e alucinações). Além disso, pode se desenvolver em resposta a um estressor psicossocial grave ou a um grupo de estressores. Devido à sua natureza variável e instável, este é um diagnóstico difícil de ser feito na prática clínica.
A causa do transtorno psicótico breve não é conhecida. Pacientes que têm um transtorno da personalidade podem apresentar vulnerabilidade biológica ou psicológica para o desenvolvimento de sintomas psicóticos, particularmente aqueles com qualidades borderline, esquizóide, esquizotípica ou paranóide. Alguns pacientes com transtorno psicótico breve têm história de esquizofrenia ou transtorno do humor em suas famílias, mas isso não é conclusivo. Formulações psicodinâmicas enfatizaram a presença de mecanismos inadequados de enfrentamento e da possibilidade de ganhos secundários para pacientes com sintomas psicóticos. Outras teorias psicodinâmicas sugerem que os sintomas psicóticos são uma defesa contra fantasias proibidas, a satisfação de um desejo frustrado ou a fuga de uma situação psicossocial estressante.
História O transtorno psicótico breve tem sido pouco estudado na psiquiatria dos Estados Unidos, em parte devido às alterações fre-
OUTROS TRANSTORNOS PSICÓTICOS
Diagnóstico O DSM-IV-TR descreve um continuum de diagnósticos para os transtornos psicóticos, com base primariamente na duração dos sintomas. Para sintomas psicóticos que duram pelo menos um dia, mas menos de um mês, e que não estão associados a transtorno do humor, transtorno relacionado a substâncias ou transtorno psicótico devido a uma condição médica geral, o diagnóstico de transtorno psicótico breve pode ser apropriado (Tab. 14.4-1). Em contraste, na décima revisão da Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-10), os transtornos psicóticos agudos e transitórios são diagnosticados a partir do estabelecimento de uma “seqüência diagnóstica que reflete a ordem de prioridade dada a características-chave selecionadas”, incluindo o início súbito (dentro de 48 horas) ou abrupto (mais de 48 horas, mas dentro de duas semanas), síndromes típicas e sofrimento agudo associado. Para sintomas psicóticos que duram mais de um mês, o diagnóstico apropriado a considerar é de transtorno delirante (se os delírios forem o sintoma psicótico primário), transtorno esquizofreniforme (se os sintomas durarem menos de seis meses) e esquizofrenia (se os sintomas durarem mais de seis meses). A Tabela 14.4-2 lista os critérios diagnósticos da CID-10 para transtornos psicóticos agudos e transitórios.
O DSM-IV-TR descreve três subtipos: (1) presença de estressores, (2) ausência de estressores e (3) início no pós-parto (discutido a seguir). TABELA 14.4-1 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno psicótico breve A. Presença de no mínimo um dos seguintes sintomas: (1) delírios (2) alucinações (3) discurso desorganizado (p. ex., descarrilamento ou incoerência freqüentes) (4) comportamento amplamente desorganizado ou catatônico Nota: Não incluir sintoma que seja um padrão de resposta culturalmente aceito. B. A duração de um episódio da perturbação é de no mínimo 1 dia e de no máximo um mês, com retorno completo ao nível de funcionamento pré-mórbido. C. A perturbação não é melhor explicada por transtorno do humor com características psicóticas, transtorno esquizoafetivo ou esquizofrenia, nem se deve aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., droga de abuso, medicamento) ou a uma condição médica geral. Especificar se: Com estressor(es) acentuado(s) (psicose reativa breve): se os sintomas ocorrem logo após e aparentemente em resposta a eventos que, sozinhos ou em conjunto, seriam estressantes demais para qualquer pessoa em circunstâncias similares na cultura do indivíduo. Sem estressor(es) acentuado(s): se os sintomas psicóticos não ocorrem logo após ou aparentemente não consistem em respostas a eventos que, sozinhos ou em conjunto, seriam estressantes demais para qualquer pessoa em circunstâncias similares na cultura do indivíduo. Com início no pós-parto: se o início ocorre dentro de até quatro semanas do período pós-parto. De American Psychiatric Association, Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
559
Assim como em outros pacientes com doenças psiquiátricas agudas, a história necessária para se fazer o diagnóstico pode não ser obtida apenas do paciente. Embora os sintomas psicóticos possam ser óbvios, informações sobre sintomas prodrômicos, episódios anteriores de transtorno do humor e história recente de consumo de substâncias psicotomiméticas podem não estar disponíveis somente a partir da entrevista clínica. Além disso, os clínicos podem não ser capazes de obter informações precisas a respeito da presença ou ausência de estressores precipitantes. Tais informações costumam ser obtidas de forma mais precisa de um parente ou amigo. Características clínicas Os sintomas do transtorno psicótico breve sempre incluem pelo menos um dos principais sintomas da psicose, em geral com início abrupto, mas nem sempre incluem todo o padrão de características visto na esquizofrenia. Alguns clínicos observaram que humor lábil, confusão e comprometimento da atenção podem ser mais comuns no início do transtorno psicótico breve do que no início de transtornos psicóticos que vêm a se mostrar crônicos. Sintomas característicos daquele incluem volatilidade emocional, comportamento estranho ou bizarro, gritos ou mutismo e memória comprometida para eventos recentes. Alguns dos sintomas sugerem um diagnóstico de delirium e justificam uma investigação médica, em especial para excluir reações adversas a drogas. A literatura escandinava e de outros países da Europa descreve diversos padrões característicos de sintomas do transtorno psicótico breve, embora estes possam diferir um pouco na Europa e na América. Esses padrões incluem reações paranóides agudas, confusão, excitação e depressão reativas. Alguns dados sugerem que, nos Estados Unidos, a paranóia muitas vezes é o sintoma predominante. Na psiquiatria francesa, o bouffée délirante é semelhante ao transtorno psicótico breve. O seguinte caso retirado da CID-10 é um excelente exemplo do transtorno: C. é uma mulher francesa de 25 anos de idade. PROBLEMA Ela foi levada de ambulância ao serviço de emergência de um hospital da cidade em que morava. Seu marido relatou que ela havia sido perfeitamente normal até a noite anterior, quando tinha chegado do trabalho queixando-se de que “coisas estranhas estavam acontecendo” com ela no escritório. Havia notado que seus colegas estavam falando sobre ela, que de repente estavam muito diferentes e que tinham começado a se comportar como se fossem atores. C. estava convencida de que havia sido colocada sob vigilância e que alguém estava escutando suas conversas ao telefone. Durante o dia todo tinha se sentido como se estivesse em um sonho. Quando olhava no espelho, parecia irreal a si mesma. Ficara cada vez mais ansiosa, incoerente e agitada durante o curso do dia e não fora capaz de dormir durante a noite. Tinha passado parte da noite olhando pela janela, e apontara várias vezes para os
560
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 14.4-2 Critérios diagnósticos da CID-10 para transtornos psicóticos agudos e transitórios G1. Início agudo de delírios, alucinações, fala incompreensível ou incoerente ou qualquer combinação destes. O intervalo de tempo entre o aparecimento de quaisquer sintomas psicóticos e a apresentação do transtorno plenamente desenvolvido não deve exceder duas semanas. G2. Se estados transitórios de perplexidade, identificação errônea ou comprometimento da atenção e da concentração encontramse presentes, não satisfazem os critérios para obnubilação da consciência de causa orgânica, conforme especificado para delirium não induzido por álcool ou por outras substâncias psicoativas, Critério A. G3. O transtorno não satisfaz os critérios sintomáticos para episódio maníaco, episódio depressivo ou transtorno depressivo recorrente. G4. Existem evidências insuficientes de uso recente de substância psicoativa para satisfazer os critérios de intoxicação, uso prejudicial, dependência ou abstinência. O uso contínuo e moderado de álcool ou drogas, sem mudanças na quantidade ou na freqüência às quais o sujeito está acostumado não exclui, necessariamente, de transtornos psicóticos agudos e transitórios; isso deve ser decidido pelo julgamento clínico e pelas exigências do projeto de pesquisa em questão. G5. Critérios de exclusão mais comumente usados: ausência de transtorno mental orgânico ou distúrbios metabólicos graves que afetem o sistema nervoso central (isso não inclui parto). Um quinto elemento deve ser usado para especificar se o início do transtorno está associado a um estresse agudo (ocorrendo dentro de duas semanas das evidências dos primeiros sintomas psicóticos): Sem estresse agudo associado Com estresse agudo associado Para fins de pesquisa, recomenda-se especificar também a passagem de um transtorno não-psicótico para um estado claramente psicótico como abrupto (início dentro de 48 horas) ou agudo (início em mais de 48 horas, mas menos de duas semanas). Transtorno psicótico polimorfo agudo sem sintomas de esquizofrenia A. Os critérios gerais para transtornos psicóticos transitórios e agudos devem ser satisfeitos. B. Os sintomas se alteram rapidamente tanto em tipo como em intensidade de um dia para o outro ou dentro do mesmo dia. C. Presença de qualquer tipo de alucinação ou delírios, durante pelo menos algumas horas, em qualquer momento desde o início do transtorno. D. Sintomas de pelo menos duas das seguintes categorias ocorrendo ao mesmo tempo: (1) tumulto emocional caracterizado por sentimentos intensos de felicidade ou êxtase, ou ansiedade esmagadora ou irritabilidade acentuada;
(2) perplexidade ou identificação errônea de pessoas ou lugares; (3) aumento ou diminuição da motilidade em grau acentuado. E. Se algum dos sintomas listados para esquizofrenia, Critério G(1) e (2) estiverem presentes, devem ocorrer apenas por pouco tempo desde o início, isto é, o Critério B de transtorno psicótico polimorfo agudo com sintomas de esquizofrenia não é satisfeito. F. A duração total do transtorno não excede três meses. Transtorno psicótico polimorfo agudo com sintomas de esquizofrenia A. Os Critérios A, B, C e D para transtorno psicótico polimorfo agudo devem ser satisfeitos. B. Alguns dos sintomas especificados para esquizofrenia devem ter estado presentes pela maior parte do tempo desde o início do transtorno, mas não necessariamente satisfazendo todos os critérios, isto é, pelo menos um dos sintomas dos Critérios de G1(1) a G1(2)c. C. Os sintomas de esquizofrenia do Critério B acima não persistem por mais de um mês. Transtorno psicótico agudo semelhante à esquizofrenia A. Os critérios gerais para transtornos psicóticos transitórios e agudos devem ser satisfeitos. B. Os critérios para esquizofrenia são satisfeitos, com exceção do critério de duração. C. O transtorno não satisfaz os Critérios B, C e D para transtorno psicótico polimorfo agudo. D. A duração total do transtorno não ultrapassa um mês. Outros transtornos psicóticos agudos predominantemente delirantes A. Os critérios gerais para transtornos psicóticos transitórios e agudos devem ser satisfeitos. B. Delírios e/ou alucinações relativamente estáveis estão presentes, mas não satisfazem os critérios sintomáticos para esquizofrenia. C. O transtorno não satisfaz os critérios para transtorno psicótico polimorfo agudo. D. A duração total do transtorno não ultrapassa três meses. Outros transtornos psicóticos agudos e transitórios Quaisquer transtornos psicóticos agudos que não se classifiquem em qualquer outra categoria em transtornos psicóticos transitórios e agudos (tais como estados psicóticos nos quais ocorrem delírios definidos ou alucinações que persistem apenas por pequenos espaços de tempo) devem ser codificados aqui. Estados de excitação indiferenciada também devem ser codificados nesta categoria quando informações mais detalhadas sobre o estado mental do paciente não se encontrarem disponíveis, desde que não haja qualquer evidência de causa orgânica. Transtorno psicótico agudo e transitório inespecificado
Reproduzida, com permissão, de World Health Organization. The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural Disorders: Diagnostic Criteria for Research. Copyright, World Health Organization, Geneva, 1993.
corvos numa árvore próxima dizendo ao marido: “Os pássaros estão chegando”. Pela manhã, o marido encontrou a esposa ajoelhada com se estivesse rezando. Ela batia a cabeça repetidamente no chão e falava de forma incoerente, declarando que havia recebido uma missão especial, que seu chefe era um criminoso, que havia espiões por toda a parte e que alguma coisa terrível iria acontecer logo. Subitamente, acalmou-se, sorriu e disse que tinha decidido se converter do catolicismo para o islamismo. Naquele ponto, tornou-se bastante eufórica, começou a rir e a gritar e declarou que ambos podiam rezar para o mesmo deus dali por diante. Um pouco depois, estava apavorada outra vez, e acusou o marido de tentar envenená-la.
ACHADOS Ao chegar, estava assustada e desconcertada, mas orientada auto e alopsiquicamente. Permanecia inquieta e constantemente mudava de posição, ficando em pé e sentando-se, movendo-se pela sala, gritando, chorando, rindo. Falava de forma incoerente, passando de um tema para outro sem qualquer transição. Alguma atividade criminosa estava acontecendo no seu escritório, disse, e ela tinha descoberto uma trama secreta. Havia microfones escondidos por toda a parte, acrescentou, e “os pássaros estão chegando”. Ela não tinha certeza se o médico era de verdade ou “um espião disfarçado”. Passou a falar sobre “minha missão”, declarando que
OUTROS TRANSTORNOS PSICÓTICOS
Jesus havia sido um falso profeta, que Maomé era o profeta real e que ela iria convencer o mundo do que era certo e do que era errado. Começou então a explicar que a verdade pode ser encontrada nos números. O dígito “3” significa o bem, disse ela, e o dígito “8” representa o mal. De repente, começou a chorar, explicando que seus pais tinham morrido e que ela desejava juntar-se a eles no paraíso. Durante os primeiros dias de hospitalização, continuou a apresentar uma sintomatologia de mudança rápida. Seu humor freqüentemente passava da tristeza para a euforia, e o conteúdo de seus delírios mudava da perseguição para o misticismo. Em diversas ocasiões, saiu do quarto queixando-se de que tinha escutado pessoas falando sobre ela, mesmo quando não havia ninguém por perto. Quando solicitada a descrever o que estava escutando, falava de vozes que vinham do corredor. Negava firmemente que as vozes pudessem emanar de dentro do seu próprio corpo. O exame físico não revelou qualquer anormalidade. Resultados de exames de sangue, incluindo da função da tireóide, estavam dentro dos limites normais, assim como todas as demais investigações especiais, como o eletroencefalograma e a varredura cerebral. CURSO C. foi tratada com 30 mg de haloperidol durante a primeira semana e com metade desta dose na semana seguinte. Depois de duas semanas, todos os sintomas tinham desaparecido, e ela teve alta com prescrição de medicação. Foi atendida uma vez por semana no departamento ambulatorial durante um mês, período em que a medicação foi reduzida de forma progressiva até ser completamente retirada. Dois meses após o início do episódio delirante, a paciente continuava livre de sintomas. DISCUSSÃO As características significativas do transtorno de C. eram delírios polimorfos agudos, perturbações do humor de mudança rápida, perplexidade, despersonalização e desrealização sem obnubilação da consciência e alucinações auditivas ocasionais. O transtorno alcançou seu pico em 24 horas e foi resolvido em poucas semanas, com recuperação completa dentro de seis semanas. A paciente não tinha história psiquiátrica. O psiquiatra que atendeu este caso fez um diagnóstico de bouffée délirante. Este conceito remonta ao psiquiatra francês Valentin Magnan, cujo pupilo Paul Legrain propôs os seguintes critérios diagnósticos: início agudo do transtorno (“como um relâmpago no céu”); ausência de um estressor psicossocial; presença de delírios “polimorfos” não-sistematizados e de mudança rápida; presença de turbilhão emocional com sentimentos intensos e alternados de ansiedade, felicidade ou tristeza; presença de perplexidade, despersonalização ou desrealização sem obnubilação da consciência; e resolução do transtorno com recuperação completa dentro de dois meses.
561
Na CID-10, a determinação dos subtipos de transtornos psicóticos agudos e transitórios depende da qualidade do início, da presença de síndromes típicas e da presença de um estresse associado. No caso de C., o início foi abrupto (i. e., os sintomas apareceram em menos de 48 horas), a síndrome era polimorfa, não havia sintomas esquizofrênicos típicos e o início do transtorno não estava associado a um estresse agudo. Portanto, deve ser codificado como um transtorno psicótico polimorfo agudo, sem sintomas de esquizofrenia e sem estresse agudo associado. (Reproduzido com permissão de ICD-10 Casebook.) Estressores precipitantes. Os exemplos mais claros de estressores precipitantes são grandes eventos de vida que causariam impacto emocional significativo a qualquer pessoa. Tais eventos incluem a perda de um membro da família próximo ou um acidente automobilístico grave. Alguns clínicos argumentam que a gravidade do evento deve ser considerada em relação à vida do paciente. Esta visão, embora razoável, pode ampliar a definição de estressor precipitante até incluir eventos não relacionados ao episódio psicótico. Outros argumentam que o estressor pode ser uma série de eventos modestamente estressantes em vez de um único acontecimento com estresse acentuado, mas avaliar a quantidade de estresse causado por uma seqüência de eventos exige um grau quase impossível de julgamento clínico. R. S. era um homem haitiano de 44 anos de idade, internado para observação no serviço local de emergência. Estava agitado e combativo, exigindo contenção e várias doses intramusculares de droperidol e lorazepam. O psiquiatra não pôde entrevistá-lo nestas circunstâncias, mas sua mãe chegou em seguida e forneceu uma história corroborativa. Segundo ela, o paciente acabara de saber que a esposa e os dois filhos tinham morrido em um desastre natural no Haiti. Várias horas após a primeira avaliação, o paciente estava mais calmo. Disse à equipe que estava escutando sua mulher falar com ele e que iria “unir-se a ela”. Também acreditava que a polícia secreta do Haiti estava vindo prendê-lo. Ele foi hospitalizado e começou um curso de agentes antipsicóticos. No terceiro dia de hospitalização, já não havia evidências de psicose. Teve alta do hospital e, quando retornou no mês seguinte para acompanhamento, tinha se mantido bem sem medicação durante todo o período. Ainda estava elaborando o luto pela perda de sua família, mas não estava psicótico. Foi encaminhado para um grupo de luto, o qual freqüentou pelos seis meses seguintes. Neste período, permaneceu triste, mas não houve mais episódios de paranóia ou alucinações. (Cortesia de John Lauriello, M.D., Brenda R. Erickson, M.D. e Samuel J. Keith, M.D.) Diagnóstico diferencial Os clínicos não devem pressupor que o diagnóstico correto para o paciente que esteve brevemente psicótico seja transtorno psicótico breve, mesmo quando um fator psicossocial pre-
562
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
cipitante claro é identificado, pois este pode ser uma simples coincidência. Se os sintomas psicóticos estiverem presentes por mais de um mês, os diagnósticos de transtorno esquizofreniforme, transtorno esquizoafetivo, esquizofrenia, transtornos do humor com características psicóticas, transtorno delirante e transtorno psicótico sem outra especificação devem ser considerados. No entanto, se sintomas psicóticos de início súbito estiverem presentes por menos de um mês em resposta a um estressor óbvio, o diagnóstico de transtorno psicótico breve é fortemente sugerido. Outros transtornos a serem considerados no diagnóstico diferencial incluem transtorno factício com sinais e sintomas predominantemente psicológicos, simulação, transtorno psicótico causado por uma condição médica geral e transtorno psicótico induzido por substâncias. No transtorno factício, os sintomas são produzidos de maneira intencional; na simulação, existe uma meta específica a ser alcançada (p. ex., ser internado); e quando associada a uma condição médica ou a substâncias, a causa se torna aparente com investigações médicas ou medicamentosas próprias. Se o paciente admite usar substâncias ilícitas, o clínico pode fazer a avaliação de intoxicação ou abstinência sem o uso de testagens laboratoriais. Pacientes com epilepsia ou delirium também podem exibir sintomas psicóticos que lembram aqueles vistos no transtorno psicótico breve. Outros transtornos psiquiátricos a serem cogitados no diagnóstico diferencial incluem transtorno dissociativo de identidade e episódios psicóticos associados a transtornos da personalidade borderline e esquizotípica. Curso e prognóstico Por definição, o curso do transtorno psicótico breve é de menos de um mês. Não obstante, o desenvolvimento de um transtorno psiquiátrico tão significativo pode indicar vulnerabilidade mental. Cerca de metade dos pacientes classificados primeiramente como portadores de transtorno psicótico breve mais tarde passam a exibir síndromes psiquiátricas crônicas, como esquizofrenia ou transtornos do humor. O transtorno psicótico breve, no entanto, costuma indicar bom prognóstico, e estudos europeus referiram que entre 50 e 80% de todos pacientes não têm problemas psiquiátricos maiores posteriores. A duração dos sintomas agudos e residuais muitas vezes é de apenas alguns dias. Às vezes, sintomas depressivos se seguem à resolução dos sintomas psicóticos. O suicídio é uma preocupação tanto durante a fase psicótica quanto durante a fase depressiva pós-psicótica. Diversos indicadores foram associados a um bom prognóstico (Tab. 14.4-3), sendo improvável que pacientes com tais características tenham episódios subseqüentes ou que desenvolvam esquizofrenia ou outro transtorno do humor. Tratamento Hospitalização. Um paciente com psicose aguda pode necessitar de hospitalização breve para avaliação e proteção. A avaliação requer o monitoramento dos sintomas e a estimativa do nível
TABELA 14.4-3 Características de bom prognóstico para transtorno psicótico breve Bom ajustamento pré-mórbido Poucos traços esquizóides pré-mórbidos Estressor precipitante grave Início súbito dos sintomas Sintomas afetivos Confusão e perplexidade durante a psicose Pouco embotamento afetivo Duração breve dos sintomas Ausência de parentes esquizofrênicos
de perigo do paciente para si mesmo e para terceiros. Além disso, o ambiente calmo e estruturado de um hospital pode ajudar na recuperação da noção de realidade. Enquanto os clínicos esperam que o ambiente ou os medicamentos façam efeito, podem ser recomendáveis o isolamento, a contenção física ou ao monitoramento. Farmacoterapia. As duas principais classes de fármacos a serem considerados no tratamento de um transtorno psicótico breve são os antipsicóticos e os benzodiazepínicos. Quando se opta pelos primeiros, pode ser usado um agente de alta potência, como o haloperidol. Para pacientes em alto risco de desenvolvimento de efeitos adversos extrapiramidais (p. ex., homens jovens), um antagonista de serotonina-dopamina deve ser administrado como profilaxia contra sintomas de transtorno dos movimentos induzidos por medicação. Como alternativa, os benzodiazepínicos são um recurso no tratamento de curto prazo da psicose. Embora tenha pouca ou nenhuma utilidade no tratamento a longo prazo dos transtornos psicóticos, podem ser efetivos por um período curto e estão associados a menos efeitos adversos do que os antipsicóticos. Em alguns casos, relacionam-se a aumento da agitação e, ainda mais raramente, convulsões por abstinência, o que ocorre apenas com o uso prolongado de altas dosagens. O uso de outros agentes, embora relatado em análises de casos, não foi corroborado por qualquer estudo de grande porte. Os ansiolíticos, no entanto, costumam ser úteis durante as primeiras duas ou três semanas após a resolução do episódio psicótico. Os clínicos devem evitar o uso a longo prazo de qualquer medicação no tratamento do transtorno. Se for necessário algum agente de manutenção, o clínico pode ter que reconsiderar o diagnóstico. Psicoterapia. Ainda que a hospitalização e a farmacoterapia possivelmente controlem situações de curto prazo, a parte mais difícil do tratamento é a integração psicológica da experiência (e do trauma precipitante, caso exista um) na vida do paciente e de sua família. A psicoterapia é útil como oportunidade de discutir os estressores e o episódio psicótico. A exploração e o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento são os principais tópicos abordados. Questões associadas incluem ajudar os pacientes a lidar com a perda da auto-estima e reconquistar a autoconfiança. Uma estratégia individualizada de tratamento baseada na promoção de habilidades de resolução de problemas, ao mesmo tempo em que se fortalece a estrutura do ego através da psicoterapia, parece ser a mais eficaz. O envolvimento da família pode ser fundamental para o resultado bem-sucedido.
OUTROS TRANSTORNOS PSICÓTICOS
TRANSTORNO PSICÓTICO SEM OUTRA ESPECIFICAÇÃO A categoria do transtorno psicótico sem outra especificação é usada para pacientes que têm sintomas psicóticos (p. ex., delírios, alucinações e fala e comportamento desorganizados), mas que não satisfazem os critérios diagnósticos para outros transtornos psicóticos definidos especificamente. Em alguns casos, a definição de transtorno psicótico sem outra especificação pode ser usada quando não há informações suficientes para se fazer um diagnóstico específico. O DSM-IV-TR listou alguns exemplos para orientar os clínicos (Tab. 14.4-4). Os critérios da CID-10 são listados na Tabela 14.4-5. Psicose autoscópica O sintoma característico da psicose autoscópica é uma alucinação visual do todo ou de parte do corpo da própria pessoa. A percepção alucinatória, denominada fantasma, em geral não tem cor e é transparente, e como imita os movimentos da pessoa, é percebida como se aparecesse em um espelho. O fantasma tende a aparecer de repente e sem aviso.
Epidemiologia. A autoscopia é um fenômeno raro. Algumas pessoas têm uma experiência dessa natureza apenas uma vez ou algumas vezes, e outras a têm com maior freqüência. Embora os dados sejam limitados, o sexo, a idade, a hereditariedade e a inteligência não parecem estar relacionados à sua ocorrência.
Etiologia. A causa do fenômeno é desconhecida. Uma hipótese biológica sugere uma atividade anormal episódica em áreas dos lobos tem-
TABELA 14.4-4 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno psicótico sem outra especificação Esta categoria inclui uma sintomatologia psicótica (i. e., delírios, alucinações, discurso desorganizado, comportamento amplamente desorganizado ou catatônico) acerca da qual há informações inadequadas para fazer um diagnóstico específico ou contraditórias, ou transtornos com sintomas psicóticos que não satisfazem os critérios para qualquer transtorno psicótico específico: Exemplos: 1. Psicose pós-parto que não satisfaz os critérios para transtorno do humor com características psicóticas, transtorno psicótico breve, transtorno psicótico devido a uma condição médica geral ou transtorno psicótico induzido por substâncias. 2. Sintomas psicóticos com duração inferior a um mês, mas que ainda não apresentaram remissão, de modo que os critérios para transtorno psicótico breve não são satisfeitos. 3. Alucinações auditivas persistentes na ausência de quaisquer outras características. 4. Delírios não-bizarros persistentes, com períodos de episódios de humor sobrepostos, que estão presentes por uma porção substancial da perturbação delirante. 5. Situações nas quais o clínico concluiu pela presença de um transtorno psicótico, mas é incapaz de determinar se este é primário, devido a uma condição médica geral ou induzido por uma substância. De American Psychiatric Association, Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000.
563
TABELA 14.4-5 Critérios diagnósticos da CID-10 para outros transtornos psicóticos não-orgânicos Transtornos psicóticos que não satisfazem os critérios para esquizofrenia ou para os tipos psicóticos de transtornos do humor (afetivos) e que não satisfazem os critérios sintomáticos para transtorno delirante persistente devem ser codificados aqui (o transtorno alucinatório persistente é um exemplo). Combinações de sintomas não atendidas pelas categorias anteriores, tais como delírios diferentes dos listados como tipicamente esquizofrênicos no Critério G1(1)b ou d para esquizofrenia (i. e., que não sejam impossíveis ou culturalmente impróprios) aliados à catatonia também devem ser incluídos. Reproduzida com permissão de World Health Organization. The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural Disorders: Diagnostic Criteria for Research. Copyright, World Health Organization, Geneva, 1993.
poroparietais, envolvidos na noção de self, talvez combinada à atividade anormal em partes do córtex visual. Teorias psicológicas associaram a síndrome a personalidades caracterizadas por imaginação, sensibilidade visual e, possivelmente, traços de transtorno da personalidade narcisista. Estas pessoas podem experimentar fenômenos autoscópicos durante períodos de estresse.
Curso e prognóstico. As descrições clássicas do fenômeno indicam que, na maioria dos casos, a síndrome não é progressiva nem incapacitante. As pessoas afetadas tendem a manter alguma distância emocional do fenômeno, uma observação que sugere lesão neuroanatômica específica. Os sintomas raramente refletem o início de esquizofrenia ou de outros transtornos psicóticos. Psicose pós-parto A psicose pós-parto (às vezes denominada psicose puerperal) é um exemplo de transtorno psicótico sem outra especificação que ocorre em mulheres que tiveram filhos há pouco. A síndrome se caracteriza, em grande parte, por depressão, delírios e pensamentos de ferir o bebê ou a si mesma. Esta ideação de suicídio ou infanticídio deve ser monitorada com cuidado, uma vez que algumas mães agem a partir dessas idéias. A maioria dos dados disponíveis sugere uma relação próxima entre a psicose pós-parto e os transtornos do humor, em especial transtornos bipolares e transtorno depressivo maior. Epidemiologia. Sua incidência é de cerca de um por mil nascimentos, mas alguns relatos têm indicado que pode ser de até dois. Cerca de 50 a 60% das mulheres afetadas acabaram de ter seu primeiro filho, e em torno de 50% dos casos envolvem partos associados a complicações perinatais não-psiquiátricas. Cerca de 50% das mulheres afetadas têm história familiar de transtornos do humor. Embora esse tipo de psicose seja fundamentalmente um transtorno feminino, alguns casos raros afetam os pais. O marido pode se sentir substituído pela criança e tentar competir pelo amor e pela atenção da mãe. Esses homens, no entanto, provavelmente têm um transtorno mental maior coexistente que foi exacerbado pelo estresse da paternidade. Etiologia. Os dados mais significativos indicam que um episódio de psicose pós-parto é essencialmente uma manifestação de
564
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
transtorno do humor, em geral de um transtorno bipolar, mas talvez de um transtorno depressivo. Parentes de mulheres com psicose pós-parto têm incidência de transtornos do humor semelhante àquela verificada entre parentes de pessoas com transtornos do humor. Transtorno esquizoafetivo e transtorno delirante raramente são diagnósticos apropriados. A validade do diagnóstico de transtorno do humor é verificada ao longo do ano após o nascimento, quando até dois terços das pacientes têm um segundo episódio do transtorno subjacente. O processo do parto pode ser visto como um estresse não-específico que causa o desenvolvimento de um episódio de transtorno maior do humor, talvez devido a um mecanismo hormonal. Alguns casos de psicose pós-parto resultam de uma condição médica geral associada a eventos pré-natais, como infecções, intoxicações com substâncias como escopolamina e meperidina, toxemia e perda de sangue. A diminuição súbita das concentrações de estrógeno e progesterona logo após o parto também pode contribuir para o transtorno, mas o tratamento com esses hormônios não foi eficaz. Alguns investigadores afirmaram que um mecanismo causal apenas psicossocial é sugerido pela preponderância de mães primíparas e pela associação entre a psicose pós-parto e eventos estressantes recentes. Estudos psicodinâmicos de doenças mentais pós-parto também sugerem a presença de sentimentos conflitantes na mãe a respeito da experiência de maternidade. Algumas mulheres podem não ter querido engravidar, outras podem se sentir presas pela maternidade em casamentos infelizes. Problemas conjugais durante a gravidez foram associados a aumento na incidência da doença, embora os conflitos possam estar relacionados ao desenvolvimento lento dos sintomas de transtornos do humor.
que a criança está morta ou tem deficiências. A paciente pode negar o parto e expressar pensamentos de ser solteira, virgem, perseguida, influenciada ou perversa. Alucinações com conteúdo semelhante podem envolver vozes que mandam matar o bebê.
Diagnóstico. Critérios específicos não são incluídos no DSMIV-TR. O diagnóstico pode ser feito quando a psicose ocorre em associação temporal próxima ao parto, embora um diagnóstico de transtorno do humor deva ser considerado no diagnóstico diferencial. Sintomas característicos incluem delírios, déficits cognitivos, perturbações da motilidade, anormalidade do humor e alucinações ocasionais. O conteúdo do material psicótico gira em torno da maternidade e da gravidez. O DSM-IV-TR também permite o diagnóstico de transtorno psicótico breve e transtornos do humor com início no pós-parto (ver Tab. 15.1-24, no Capítulo 15).
Curso e prognóstico. O início de sintomas psicóticos floridos é precedido por sinais prodrômicos como insônia, inquietação, agitação, labilidade do humor e déficits cognitivos leves. Depois que a psicose ocorre, a paciente pode ser um perigo para si própria ou para o recém-nascido, dependendo do conteúdo do sistema delirante e do grau de agitação. Em um estudo, 5% cometeram suicídio e 4%, infanticídio. O resultado favorável está associado a um bom ajustamento pré-mórbido e a uma rede familiar de apoio. O curso da psicose pós-parto pode ser semelhante ao observado em pacientes com transtornos do humor. Estes costumam ser episódicos, e pacientes com psicose pós-parto muitas vezes vão experimentar outro episódio dos sintomas dentro de um ano. Partos subseqüentes estão associados a um risco maior de outro episódio, às vezes de até 50%.
Características clínicas. Os sintomas de psicose muitas vezes podem se iniciar dentro de dias do parto, ainda que o tempo médio de início seja de 2 a 3 semanas e quase sempre dentro de oito semanas do parto. Caracteristicamente, as pacientes começam a se queixar de fadiga, insônia e inquietação e podem ter episódios de choro e labilidade emocional. Mais tarde, pode haver desconfiança, confusão, incoerência, afirmações irracionais e preocupações obsessivas com a saúde e o bem-estar do bebê. Delírios também podem estar presentes em 50% dos casos, e alucinações em cerca de 25%. Queixas quanto à incapacidade de se mover, ficar de pé ou caminhar também são comuns. A paciente pode não querer cuidar do bebê, sentir que não o ama e, em alguns casos, sentir-se impelida a ferir o bebê, a si mesma ou a ambos. O material delirante pode envolver a idéia de
Diagnóstico diferencial. Assim como em qualquer transtorno psiquiátrico, os clínicos devem considerar a possibilidade de um transtorno psicótico devido a uma condição médica geral ou um transtorno psicótico induzido por substâncias. Condições médicas potenciais incluem hipotireoidismo e síndrome de Cushing. O transtorno psicótico induzido por substâncias pode estar associado ao uso de analgésicos como a pentazocina (Talwin) ou drogas anti-hipertensivas durante a gravidez. Outras causas significativas incluem infecções, toxemia e neoplasias. Mulheres com história de transtorno do humor devem ser classificadas como tendo uma recorrência do mesmo. A psicose pós-parto não deve ser confundida com a chamada tristeza pósparto, uma condição normal que ocorre em até 50% das parturientes. A tristeza pós-parto tem duração limitada a alguns dias e se caracteriza por lacrimosidade, fadiga, ansiedade e irritabilidade que começam logo após o parto e diminuem em gravidade ao longo de uma semana. A depressão não-psicótica pós-parto não apresenta atividade delirante ou alucinatória, é mais grave do que a tristeza pós-parto transitória, ocorre em 10 a 20% das mulheres e se caracteriza por humor desesperançado, sentimentos de inadequação como mãe e transtornos do sono. Pode haver pensamentos ruminativos ou obsessivos de ferir o bebê, mas sem a convicção delirante. Estas pacientes devem ser observadas com cuidado, pois às vezes é difícil diferenciar delírios de obsessões e predizer se vão ou não agir a partir do medo ou desejo de prejudicar o bebê.
Tratamento. A psicose pós-parto é uma emergência psiquiátrica. Antidepressivos e lítio, inclusive em combinação com um antipsicótico, são os tratamentos de escolha. Nenhum agente farmacológico deve ser prescrito para mulheres que estão amamentando. Pacientes suicidas podem requerer transferência para uma unidade psiquiátrica para evitar as tentativas. A mãe costuma se beneficiar do contato com o bebê caso o deseje, mas as visitas devem ser supervisionadas, especialmente se ela está preocupada com a possibilidade de feri-lo. A psicoterapia
OUTROS TRANSTORNOS PSICÓTICOS
é indicada após o período de psicose aguda, e em geral é dirigida às áreas de conflito que se tornaram evidentes durante a avaliação. A técnica pode ajudar a paciente a aceitar e sentir-se à vontade no papel de mãe. Mudanças em fatores ambientais também são recomendadas. O maior apoio do marido e de pessoas próximas pode contribuir para a redução do estresse da mulher. A maioria dos estudos relata altas taxas de recuperação. Mais informações sobre condições pós-parto podem ser encontradas no Capítulo 30, Psiquiatria e medicina reprodutiva. TRANSTORNOS PSICÓTICOS DEVIDO A UMA CONDIÇÃO MÉDICA GERAL E TRANSTORNO PSICÓTICO INDUZIDO POR SUBSTÂNCIAS A avaliação de um paciente psicótico requer a consideração da possibilidade de que seus sintomas resultem de uma condição médica geral, como um tumor cerebral, ou da ingestão de uma substância, como a fenciclidina (PCP). Epidemiologia São poucos os dados epidemiológicos relevantes a respeito do transtorno psicótico devido uma condição médica geral e do transtorno psicótico induzido por substâncias. Tais condições são encontradas com maior freqüência em pacientes que abusam de álcool e de outras substâncias a longo prazo. A síndrome delirante que pode acompanhar as crises parciais complexas é mais comum em mulheres. Etiologia Condições físicas, como neoplasias cerebrais, particularmente nas áreas occipital ou temporal, podem causar alucinações, assim como a privação sensorial em pessoas cegas ou surdas pode resultar em experiências alucinatórias ou delirantes. Lesões que envolvem o lobo temporal e outras regiões cerebrais, em especial o hemisfério direito do lobo parietal, estão associadas a delírios. As substâncias psicoativas são causas comuns de síndromes psicóticas. As envolvidas com maior freqüência são álcool, alucinógenos de indol, como a dietilamida do ácido lisérgico (LSD), anfetamina, cocaína, mescalina, PCP e cetamina. Muitas outras substâncias, incluindo esteróides e a tiroxina, podem produzir alucinações. (Ver Tab. 13-8 para uma lista de condições médicas gerais e substâncias que podem estar associadas a sintomas psicóticos.) Diagnóstico Transtorno psicótico devido a uma condição médica geral. O diagnóstico de transtorno psicótico devido a uma condição médica geral (Tab. 14.4-6) é definido no DSM-IVTR pela especificação dos sintomas predominantes. Quando esta denominação é usada, a condição médica deve ser incluída, juntamente com o padrão predominante de sintomas (p.
565
TABELA 14.4-6 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno psicótico devido a uma condição médica geral A. Alucinações ou delírios proeminentes. B. Existem evidências, a partir da história, do exame físico ou de achados laboratoriais, de que a perturbação é conseqüência fisiológica direta de uma condição médica geral. C. A perturbação não é mais bem explicada por outro transtorno mental. D. A perturbação não ocorre exclusivamente durante o curso de um delirium. Codificar com base no sintoma predominante: Com delírios: se delírios são o sintoma predominante Com alucinações: se alucinações são o sintoma predominante Nota para codificação: Incluir o nome da condição médica geral no Eixo I, por exemplo, transtorno psicótico devido a neoplasma pulmonar maligno, com delírios; codificar também a condição médica geral no Eixo III. Nota para codificação: Se os delírios fazem parte de uma demência vascular, indicar os delírios codificando o subtipo apropriado, por exemplo, demência vascular, com delírios. De American Psychiatric Association, Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000.
ex., transtorno psicótico devido a tumor cerebral, com delírios). Os critérios especificam ainda que o transtorno não ocorre exclusivamente enquanto o paciente está delirante ou demenciado e que os sintomas não são melhor explicados por outro transtorno mental. Transtorno psicótico induzido por substância A categoria diagnóstica de transtorno psicótico induzido por substâncias (Tab. 14.4-7) é reservada no DSM-IV-TR para pacientes com sintomas psicóticos induzidos por substâncias e teste da realidade comprometido. Pessoas com sintomas psicóticos induzidos por substâncias (p. ex., alucinações), mas com teste de realidade intacto, devem ser classificadas como tendo um transtorno relacionado a substâncias (p. ex., intoxicação com PCP com alterações perceptivas). No DSM-IV-TR, o diagnóstico de transtorno psicótico induzido por substância está incluído entre os transtornos psicóticos para que os clínicos considerem a possibilidade de que uma substância esteja envolvida na produção dos sintomas. O diagnóstico completo deve incluir o tipo de substância envolvida, o estágio do uso quando o transtorno começou (p. ex., durante intoxicação ou abstinência) e os fenômenos clínicos (p. ex., alucinações e delírios). Características clínicas Alucinações. Podem ocorrer em uma ou mais modalidades sensoriais. Alucinações táteis (tais como a sensação de insetos andando sobre a pele) são características do uso de cocaína. Alucinações auditivas geralmente estão associadas ao abuso de substâncias psicoativas e também podem ocorrer em pessoas surdas. As olfativas podem resultar de epilepsia do lobo temporal; as visuais podem ocorrer em pessoas cegas devido à catarata. Essas condições são recorrentes ou persistentes e ocorrem em estado de vigília e alerta completo, sendo que o paciente que está alucinan-
566
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 14.4-7 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno psicótico induzido por substâncias A. Alucinações ou delírios proeminentes. Nota: Não incluir alucinações se a pessoa possui insight de que essas são induzidas por uma substância. B. Existem evidências, a partir da história, do exame físico ou de achados laboratoriais, de (1) ou (2): (1) os sintomas no Critério A desenvolveram-se durante ou dentro de um mês da intoxicação ou abstinência da substância. (2) o uso de um medicamento está etiologicamente relacionado à perturbação C. A perturbação não é mais bem explicada por um transtorno psicótico não induzido por substâncias. As evidências de que os sintomas são mais bem explicados por um transtorno psicótico não induzido por substância podem incluir as seguintes características: os sintomas precedem o início do uso da substância (ou do medicamento); os sintomas persistem por um período substancial de tempo (p. ex., cerca de um mês) após a cessação da abstinência ou da intoxicação aguda, ou excedem substancialmente o que seria esperado tendo em vista o tipo ou a quantidade da substância usada ou a duração do uso; ou existem outras evidências sugerindo a existência de um transtorno psicótico independente, não induzido por substância (p. ex., história de episódios recorrentes não relacionados a substâncias). D. A perturbação não ocorre exclusivamente durante o curso de um delirium. Nota: Este diagnóstico deve ser feito em vez de um diagnóstico de intoxicação ou abstinência de substâncias apenas quando os sintomas excedem aqueles habitualmente associados com as síndromes de intoxicação ou abstinência e quando os mesmos são graves o bastante a ponto de indicar atenção clínica independente. Codificar transtorno psicótico induzido por [substância específica]: (álcool, com delírios; álcool, com alucinações; anfetamina [ou substância tipo anfetamina], com delírios; anfetamina [ou substância tipo anfetamina], com alucinações; cannabis, com delírios; cannabis, com alucinações; cocaína, com delírios; cocaína, com alucinações; alucinógenos, com delírios; alucinógenos, com alucinações; inalantes, com delírios; inalantes, com alucinações; opióides, com delírios; opióides, com alucinações; fenciclidina [ou substância tipo fenciclidina], com delírios; fenciclidina [ou substância tipo fenciclidina], com alucinações; sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos, com delírios; sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos, com alucinações; outra substância [ou substância desconhecida], com delírios; outra substância [ou substância desconhecida], com alucinações) Especificar se: Com início durante intoxicação: se são satisfeitos os critérios para intoxicação por substâncias e os sintomas se desenvolvem durante a síndrome de intoxicação Com início durante abstinência: se são satisfeitos os critérios para abstinência de substâncias e os sintomas se desenvolvem durante ou logo após uma síndrome de abstinência. De American Psychiatric Association, Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000.
do não demonstra alterações significativas nas funções cognitivas. Alucinações visuais muitas vezes assumem a forma de cenas envolvendo figuras humanas diminutas (liliputianas) ou pequenos animais. As alucinações musicais, muito raras, tipicamente apresentam canções religiosas. Pacientes com transtorno psicótico devido a uma condição médica geral ou transtorno psicótico induzido por substâncias podem agir de acordo com suas alucinações. Em alucinações relacionadas ao álcool, vozes ameaçadoras, críticas ou insultuosas falam sobre o paciente e podem ordenar que ele machuque a si mesmo ou a terceiros. Estes são casos perigosos e representam risco significativo de suicídio ou homicídio. Os pacientes podem acreditar ou não que as alucinações são reais.
Delírios. Delírios secundários e induzidos por substâncias costumam estar presentes em estado de vigília completa. Os pacientes não experimentam alterações no nível de consciência, embora um leve comprometimento cognitivo possa ser observado. Eles podem parecer confusos, desleixados ou excêntricos, com fala tangencial ou mesmo incoerente. Hiperatividade e apatia podem estar presentes, e o humor disfórico associado é considerado comum. Os delírios podem ser sistematizados ou fragmentados e ter conteúdo variável, mas temas persecutórios são os mais recorrentes. Diagnóstico diferencial O transtorno psicótico devido a uma condição médica geral e o transtorno psicótico induzido por substância devem ser distinguidos do delirium (no qual têm sensório obnubilado), da demência (na qual têm grandes déficits intelectuais) e da esquizofrenia (na qual têm outros sintomas de transtorno do pensamento e funcionamento comprometido). Também devem ser diferenciados dos transtornos psicóticos do humor (nos quais outros sintomas afetivos são acentuados). Tratamento O tratamento envolve identificar a condição médica geral ou a substância envolvida. Neste ponto, é direcionado para a condição subjacente e o controle comportamental imediato do paciente. A hospitalização pode ser necessária para avaliar os pacientes de forma mais completa e garantir sua segurança. Agentes antipsicóticos (p. ex., olanzapina ou haloperidol) podem ser necessários para o controle imediato e de curto prazo do comportamento psicótico ou agressivo, embora os benzodiazepínicos também possam ser úteis para controlar agitação e ansiedade. REFERÊNCIAS Beighley PS, Brown GR, Thompson JW. DSM-III-R brief reactive psychosis among Air Force recruits. J Clin Psychiatry. 1992;53:283. Jablensky A, Sartorius N, Ernberg G, et al. Schizophrenia: manifestations, incidence and course in different cultures; a World Health Organization ten-country study. Psychol Med. 1992:20(suppl). Johnson FA. African perspectives on mental disorder. In: Mezzich JE, Honda Y, Kastrup MC, eds. Psychiatric Diagnosis: A World Perspective. New York: Springer-Verlag; 1994. Karno M, Jenkins JH. Cultural considerations in the diagnosis of schizophrenia and related disorders and psychotic disorders not otherwise classified. In: Widiger TA, Frances A, Pincus HA, First MB, Ross R, Davis W, eds. DSM-IV Source Book. Washington, DC: American Psychiatric Press; 1994. Kulhara P, Chakrabarti S. Culture and schizophrenia and other psychotic disorders. Psychiatr Clin North Am. 2001; 24:449. Lauriello J, Erickson BR, Keith SJ. Schizoaffective disorders, schizophreniform disorder, and brief psychotic disorder. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippmncott Williams & Wilkins; 2000:1232.
OUTROS TRANSTORNOS PSICÓTICOS
Lin K-M. Cultural influences on the diagnosis of psychotic and organic disorders. In: Mezzich JE, Kleinman A, Fabrega H, Parron DL, eds. Culture and Psychiatric Diagnosis. Washington, DC: American Psychiatric Press; 1995. Miller LJ. Postpartum depression. JAMA. 2002; 287:762. Nomacs R, Cohen LS. Postpartum psyndromes. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Wiiliams & Wilkins; 2000:1276. Pull CB, Chaillet G. The nosological views of French-speaking psychiatry. In: Mezzich JE, Honda Y, Kastrup MC, eds. Psychiatric Diagnosis: A World Perspective. New York: Springer-Verlag; 1994. Rosen JL, Woods SW, MilIer TJ, McGlashan TH. Prospective observations of emerging psychosis. J Nerv Ment Dis. 2002;190:133. Susser E, Fennig S, Jandorf L, Amador A, Bromet E. Epidemiology, diagnosis and course of brief psychoses. Am J Psychiatry. 1995;152:20. Susser E, Wanderling E. Epidemiology of non-affective acute remitting psychosis vs schizophrenia. Arch Gen Psychiatry. 1994;51:294. Thweatt R. European interest in transient psychotic episodes. Am J Psychiatry. 1986;143:557. Vanderhart O, Witztum E, Friedman B. From hysterical psychosis to reactive dissociative psychosis. J Trauma Stress. l993;6:43.
14.5 Síndromes ligadas à cultura Ainda que todos os diagnósticos psiquiátricos sejam influenciados por seu contexto cultural, o exemplo mais dramático da dificuldade de aplicar conceitos nosológicos ocidentais pode ser encontrado nas síndromes ditas ligadas à cultura. (Ver o Capítulo 1 para uma discussão mais aprofundada da normalidade.) O conceito evoluiu de modo a denotar padrões recorrentes e geograficamente específicos de comportamento aberrante e das experiências perturbadoras que parecem não se encaixar nas categorias psiquiátricas ocidentais convencionais. Os termos descritivos usados anteriormente para se referir a tais fenômenos incluem “psicoses e neuroses culturais e étnicas” e “síndromes psicóticas atípicas e exóticas”. No momento, síndrome ligada à cultura é aceita em referência a sinais e sintomas de sofrimento mental ou comportamentos mal-adaptativos de base cultural que são proeminentes em crenças e práticas populares. Estes padrões são informados por premissas culturais nativas, feitiçaria, quebra de tabus, inclusão de um objeto de doença, inclusão de um espírito causador de doenças ou perda da alma. A avaliação das síndromes ligadas à cultura deve começar com o reconhecimento de que cada sociedade dispõe de um corpo próprio de crenças e práticas voltadas para explicar e tratar doenças e transtornos e que os pacientes internalizam esta visão de mundo durante o processo de aculturação, compartilhando suas experiências e lidando com sofrimento por meio de símbolos e sentidos mutuamente compreensíveis. À luz disto, o diagnóstico pode ser usado como um ponto de entrada no mundo do paciente. Não é possível tornar-se um especialista antropológico em todos os possíveis grupos culturais, mas é possível aprender pedindo aos pacientes que compartilhem suas normas culturais do modo como as compreendem.
567
SÍNDROMES REPRESENTATIVAS A Tabela 14.5-1 lista síndromes ligadas à cultura representativas do mundo inteiro, com algumas de suas características clínicas. Dois casos de condições interculturais compilados por Melvin Konner são relatados a seguir. A obra Nisa: The Life and Words of a!Kung Woman (Nisa: A Vida e as Palavras de uma Mulher!Kung), de Marjorie Shostak, descreve a história de uma mulher normal entre caçadores-coletores do noroeste de Botsuana. A delineação da cultura e do padrão de educação de crianças se encaixa no modelo descrito para os caçadores-coletores em geral. Nisa era a terceira filha de um casal estável com vida tradicional (o segundo filho tinha morrido ainda bebê). Ela se lembrava de sua vida como idílica até o momento do desmame, um pouco antes do nascimento de seu irmão mais novo, cujo parto ela assistiu e o qual afirmava ter salvo do infanticídio por parte da mãe. Nisa descreve uma intensa rivalidade com o irmão e atribui sua pequena estatura e outros problemas a um desmame supostamente precoce. O pai brigava violentamente com a mãe, mas permaneceram juntos até sua adolescência. Ela se casou várias vezes antes da menarca e (apesar do padrão de cultural típico de jogos sexuais durante toda a infância) teve uma introdução atribulada à sexualidade adulta, mas seus pais toleravam suas fugas dos maridos. Permaneceu com o quarto marido, Tashy, e teve quatro filhos; dois deles morreram ainda bebês ou na primeira infância, um morreu de doença quando jovem e a quarta foi assassinada pelo próprio marido um pouco depois do casamento. Essas perdas, juntamente com a morte de Tashy um pouco depois do nascimento da quarta filha, quando ela estava no final da segunda década de vida, modelaram sua vida adulta. Teve contatos ocasionais com amantes antes e depois da morte do marido, um hábito que não havia abandonado no momento em que foi entrevistada, com 50 e depois 55 anos, apesar de outros dois casamentos, o atual bastante estável. Sua menopausa, próxima dos 50 anos de idade, causou um período de tristeza e auto-avaliação, mas aos 55 anos já tinha aceitado o fato de não ter filhos e estava criando os dois filhos do seu irmão mais novo. Ela era vibrante e ligeiramente excêntrica, com um senso de humor malicioso, eloqüente a respeito de sua vida e de sua cultura, aberta a novos relacionamentos, incluindo a relação marcada pela auto-exploração com o entrevistador, e tinha orgulho de ter superado dificuldades e tragédias com forte disposição de seguir em frente e muita alegria de viver. O livro Guardians of the Flutes (Os Guardiões das Flautas), de Gilbert Herdt, é o mais conhecido de uma série de etnografias de subculturas de uma região da Nova Guiné (o cinturão do sêmen), onde a homossexualidade masculina é um aspecto universal do desenvolvimento dos adolescentes, e o referencial simbólico envolve a crença de que o sêmen deve ser absorvido, geralmente pela felação, embora, em algumas culturas, por penetração anal, para que o menino se torne homem. Entre os sambia estudados por Herdt, os meninos praticam exclusivamente atividades homossexuais a
568
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 14.5-1 Exemplos de síndromes ligadas à cultura
Amok. Episódio dissociativo caracterizado por um período de retraimento seguido de um surto de comportamento violento, agressivo ou homicida dirigido a pessoas e objetos. O episódio tende a ser precipitado por um suposto deslize ou insulto e parece ocorrer apenas entre homens. Costuma ser acompanhado de idéias persecutórias, automatismos, amnésia, exaustão e retorno ao estado pré-mórbido após o episódio. Alguns casos podem ocorrer durante um episódio psicótico breve ou constituir o início ou a exacerbação de um processo psicótico crônico. Os primeiros relatos a usarem este termo vieram da Malásia. Um padrão comportamental similar é encontrado no Laos, Filipinas, Polinésia (cafard ou cathard), Papua Nova Guiné, Porto Rico (mal de pelea) e entre os índios navajos (iich’aa). Ataque de nervios (ataque de nervos). Um meio de expressão do sofrimento relatado principalmente entre os latinos do Caribe, mas reconhecido entre muitos latino-americanos e grupos latinos do Mediterrâneo. Os sintomas relatados incluem gritos incontroláveis, ataques de choro, tremor, calor no tórax irradiando-se para a cabeça e agressão verbal e física. Experiências dissociativas, episódios tipo convulsões ou desmaios e gestos suicidas são proeminentes em alguns ataques, mas estão ausentes em outros. Uma característica geral é um senso de descontrole sobre as próprias emoções. O ataque de nervos costuma ocorrer como resultado direto de um acontecimento estressante relacionado à família (p. ex., notícias sobre a morte de um parente próximo, separação ou divórcio, conflitos com o cônjuge ou filhos ou presenciar um acidente envolvendo um membro da família). As pessoas podem experimentar amnésia para o ocorrido durante um ataque, mas, exceto por isso, voltam rapidamente a seu nível habitual de funcionamento. Embora as descrições de alguns ataques se ajustem mais à descrição de ataques de pânico do DSM-IV, sua relação com um acontecimento precipitador e a ausência freqüente de sintomas marcantes de medo agudo ou apreensão os diferenciam do transtorno de pânico. Os ataques abrangem uma faixa que vai desde exibições normais de sofrimento não associadas ao fato de ter um transtorno mental até apresentações sintomáticas associadas a diagnósticos de transtornos de ansiedade, do humor, dissociativos ou somatoformes. Bile ou cólera (também chamada de muina). A causa subjacente dessa síndrome supostamente é a experiência de um intenso sentimento de raiva. Esta é vista entre muitos grupos latinos como uma emoção particularmente poderosa, que pode ter efeitos diretos sobre o corpo e exacerbar sintomas existentes. Seu principal efeito é uma perturbação no equilíbrio corporal básico (que pode ser compreendido como um equilíbrio entre valências para calor e frio no organismo e entre os aspectos material e espiritual do corpo). Os sintomas podem incluir tensão nervosa aguda, dor de cabeça, tremores, gritos, perturbações gastrintestinais e, em casos mais graves, perda da consciência. Uma fadiga crônica pode resultar do episódio agudo. Bouffée délirante. Síndrome observada na África ocidental e no Haiti. Este termo francês refere-se a um súbito surto de comportamento agressivo e agitado, confusão acentuada e excitação psicomotora. Pode ser acompanhado de alucinações visuais e auditivas ou ideação paranóide. Os episódios podem lembrar uma crise de transtorno psicótico breve. Dhat. Termo diagnóstico popular usado na Índia para referir-se a uma ansiedade grave e a preocupações hipocondríacas associadas à descarga do sêmen, descoloração esbranquiçada da urina e sensações de fraqueza e exaustão. Similar a jiryan (Índia), sukra prameha (Sri Lanka) e shen-k’uei (China). Doença do fantasma. Uma preocupação com a morte e com os mortos (muitas vezes associada a feitiçaria) observada entre membros de muitas tribos de índios norte-americanos. Vários sintomas podem ser atribuídos à condição, incluindo pesadelos, fraqueza, sensações de perigo, perda de apetite, desmaios, tontura, medo, ansiedade, alucinações, perda da consciência, confusão, sensações de futilidade e de sufocamento. “Escurecimento” ou “apagão”. Esses episódios ocorrem primariamente no sul dos Estados Unidos e em grupos do Caribe e são caracterizados por um súbito colapso, que às vezes ocorre sem aviso, mas
que pode ser precedido por sensações de tontura. Os olhos em geral ficam abertos, mas a pessoa afirma uma incapacidade de ver. Ouve e entende o que está ocorrendo à sua volta, mas é incapaz de se mover. Pode corresponder a um diagnóstico de transtorno conversivo ou transtorno dissociativo. Estafa cerebral. Termo inicialmente usado na África Ocidental para referir-se a uma condição experimentada por estudantes de ensino médio ou universitário em resposta aos desafios da educação. Os sintomas incluem dificuldades para concentrar-se, lembrar e pensar. Os estudantes freqüentemente declaram que seus cérebros estão “fatigados”. Outros sintomas somáticos geralmente estão centralizados em torno da cabeça e pescoço e incluem dor, pressão ou aperto, visão borrada, calor, ou ardor. "Cansaço cerebral" ou fadiga por "pensar demais" é uma expressão de sofrimento em muitas culturas, e as síndromes resultantes podem lembrar alguns transtornos de ansiedade, depressivos ou somatoformes. Hwa-byung (também conhecida como wool-hwa-byung). Uma síndrome popular da Coréia, traduzida literalmente como “síndrome da raiva” e atribuída à supressão desta emoção. Os sintomas incluem insônia, fadiga, pânico, medo de morte iminente, afeto disfórico, indigestão, anorexia, dispnéia, palpitações, dores generalizadas e uma sensação de volume no epigástrio. Koro. Provavelmente original da Malásia, o termo se refere a um episódio de ansiedade súbita e intensa de que o pênis (ou, em mulheres, a vulva e os mamilos) irá retrair-se e penetrar no corpo, talvez causando a morte. A síndrome é relatada no sul e no leste da Ásia, onde é conhecida por uma variedade de termos locais, como shuk yang, shook yong e suo yang (China); jinjinia bemar (Assam) ou rok joo (Tailândia). Há casos de sua ocorrência no Ocidente. Em certas áreas da Ásia oriental, o koro se dá de forma epidêmica localizada. Este diagnóstico é incluído na Classificação Chinesa de Transtornos Mentais, segunda edição (CCMD-2). Latah. Hipersensibilidade ao susto súbito, muitas vezes com ecopraxia, ecolalia, obediência automática e comportamento dissociativo ou tipo transe. O termo latah têm origem na Malásia ou na Indonésia, mas a síndrome tem sido encontrada em muitas partes do mundo. Outras referências para esta condição incluem amurakh, irkunii, ikota, olam, myriachit e menkeiti (grupos da Sibéria); bah tschi, bah-tsi, baah-ji (Tailândia); imu (Ainu, Sakhalin, Japão); mali-mali e silok (Filipinas). Na Malásia, é mais freqüente em mulheres de meia-idade. Loucura. Termo usado por latinos nos Estados Unidos e na América Latina para referir-se a uma forma de psicose grave. A condição é atribuída a uma vulnerabilidade herdada, ao efeito de múltiplas dificuldades da vida ou a uma combinação desses fatores. Os sintomas apresentados por pessoas com “loucura” incluem incoerência, agitação, alucinações auditivas e visuais, incapacidade para obedecer regras de interação social, imprevisibilidade e possível violência. Mau-olhado. Conceito amplamente encontrado em culturas do Mediterrâneo e em outros locais do mundo. As crianças estão em risco especial. O sintomas incluem sono interrompido, choro sem causa aparente, diarréia, vômitos e febre em bebês ou crianças pequenas. Ocasionalmente, adultos (em especial mulheres) apresentam a condição. Nervios (nervos). Um termo comum para a expressão de sofrimento entre os latinos nos Estados Unidos e na América Latina. Outros grupos étnicos têm idéias relacionadas, embora um pouco diferentes (como nerva entre os gregos da América do Norte). O termo nervios refere-se tanto a um estado de vulnerabilidade geral a experiências estressantes quanto a uma síndrome causada por circunstâncias difíceis da vida. Inclui uma ampla gama de sintomas de sofrimento emocional, perturbação somática e incapacidade para funcionar. Sintomas comuns são: cefaléias e “dor no cérebro”, irritabilidade, perturbações estomacais, dificuldades com o sono, inquietação, choro fácil, incapacidade para concentrarse, tremores, sensações de formigamento no corpo e tontura, com ocasionais exacerbações tipo vertigem. Tende a ser um problema contínuo, embora variável no grau de incapacitação manifestado. É uma síndrome bastante ampla, que vai desde casos com ausência de um transtorno mental até apresentações semelhantes a transtornos da adaptação, de
(Continua)
OUTROS TRANSTORNOS PSICÓTICOS
569
TABELA 14.5-1 (Continuação) ansiedade, depressivos, dissociativos, somatoformes ou psicóticos. O diagnóstico diferencial dependerá da constelação de sintomas apresentados, do tipo de acontecimentos sociais associados ao início e à evolução do quadro e do nível de incapacitação demonstrada. Pibloktoq. Um episódio dissociativo abrupto acompanhado de extrema excitação por até 30 minutos e seguido de crises convulsivas e coma durando até 12 horas. A síndrome é observada primariamente em comunidades esquimós árticas e subárticas, embora existam variações regionais do termo. O indivíduo pode mostrar-se retraído ou levemente irritado por algumas horas ou dias antes do ataque e tipicamente relata completa amnésia para ele. Durante sua manifestação, o indivíduo pode rasgar e tirar as próprias roupas, quebrar móveis, gritar obscenidades, comer fezes, fugir de locais onde estaria protegido ou executar outros atos irracionais ou perigosos. Reação psicótica de qi-gong. Um termo que descreve um episódio agudo e de duração limitada, caracterizado por sintomas dissociativos, paranóides ou outros, psicóticos ou não, que podem ocorrer após a participação em práticas chinesas populares de qi-gong (“exercício da energia vital”) para a melhoria da saúde. Indivíduos que se envolvem demasiadamente na prática são mais vulneráveis. Este diagnóstico está incluído na Classificação Chinesa de Transtornos Mentais, segunda edição (CCMD-2). Sangue dormido. Esta síndrome é encontrada na população portuguesa da ilha de Cabo Verde (e em imigrantes portugueses nos Estados Unidos) e inclui dor, torpor, tremor, paralisia, convulsões, acidente cerebrovascular, cegueira, ataques de pânico, infecção e aborto espontâneo. Shenjing shuairuo (“neurastenia”). Na China, uma condição caracterizada por fadiga física e mental, tontura, cefaléias, outras dores, dificuldade de concentração, perturbação do sono e perda da memória. Outros sintomas incluem problemas gastrintestinais, disfunção sexual, irritabilidade, excitabilidade e vários sinais sugerindo perturbação do sistema nervoso autônomo. Em muitos casos, os sintomas satisfazem os critérios para transtornos de ansiedade ou do humor do DSM-IV. Esse diagnóstico está incluído na Classificação Chinesa de Transtornos Mentais, segunda edição (CCMD-2). Shen-k’uei (Taiwan); shenkui (China). Uma designação chinesa descrevendo acentuada ansiedade ou sintomas de pânico com queixas somáticas concomitantes, para os quais nenhuma causa física pode ser demonstrada. Os sintomas incluem tontura, dor lombar, cansaço, fraqueza geral, insônia, sonhos freqüentes e queixas de disfunção sexual (tais como ejaculação precoce e impotência). Essas condições são atribuídas à perda excessiva de sêmen por relações sexuais freqüentes, masturbação, polução noturna ou micção de “urina turva esbranquiçada”, que supostamente contém sêmen. A perda excessiva é temida em razão da crença de que isso representa a perda própria essência vital e pode, portanto, apresentar risco de vida. Shin-byung. Rótulo tradicional coreano para uma síndrome cujas fases iniciais são caracterizadas por ansiedade e queixas somáticas (fraqueza geral, tontura, medo, anorexia, insônia, problemas gastrintestinais), com dissociação subseqüente e possessão por espíritos ancestrais. Susto. Doença ligada à cultura predominante entre alguns latinos nos Estados Unidos e entre mexicanos, centro-americanos e sul-america-
nos. Também é chamado de espanto, pasmo, tripa ida, perdida del alma ou chibih. Trata-se de uma condição atribuída a um acontecimento assustador, que faz com que a alma abandone o corpo, provocando infelicidade e melancolia. Indivíduos com susto também experimentam tensão significativa em papéis sociais importantes. Os sintomas podem aparecer a qualquer momento, de dias até anos após a vivência do acontecimento atemorizante. Em casos extremos, pode resultar em morte. Sintomas típicos incluem perturbações do apetite, sono excessivo ou inadequado, sonhos ou sono perturbado, sentimentos de tristeza, falta de motivação para fazer qualquer coisa e sensações de indignidade ou sujeira. Os sintomas somáticos incluem dores musculares, cefaléia, dor abdominal e diarréia. As curas rituais buscam chamar a alma de volta ao corpo e “limpar” a pessoa para restaurar o equilíbrio corporal e espiritual. Diferentes experiências de susto podem estar relacionadas a transtorno depressivo maior, transtorno de estresse pós-traumático ou transtornos somatoformes. Crenças etiológicas e configurações sintomáticas similares são encontradas em muitas partes do mundo. Taijin kyofusho. Fobia culturalmente singular do Japão, assemelhando-se, em alguns aspectos, à fobia social do DSM-IV. Esta síndrome refere-se a um intenso medo de que seu corpo, partes ou funções dele desagradem, embaracem ou ofendam outras pessoas devido a sua aparência, odor, expressões faciais ou movimentos. Consta no sistema diagnóstico oficial do Japão para transtornos mentais. Trabalho. Um conjunto de interpretações culturais que atribui doença a feitiçaria, bruxaria, magia negra ou influência maléfica de uma outra pessoa. Os sintomas podem incluir ansiedade generalizada e queixas gastrintestinais (p. ex., náusea, vômito, diarréia, fraqueza), tontura, o medo de ter sido envenenado, e às vezes medo de ser morto (morte por vodu). Feitiços ou bruxarias podem ser lançados ou colocados sobre outra pessoa, causando uma variedade de problemas emocionais e psicológicos. A pessoa enfeitiçada pode mesmo temer a morte até que o feitiço tenha sido retirado (eliminado), geralmente através do trabalho de um feiticeiro (um curandeiro nesta tradição), que também pode ser chamado para enfeitiçar um inimigo. Trabalho de raiz é encontrado no sul dos Estados Unidos entre populações afro-americanas e euro-americanas e em sociedades caribenhas. Ele também é conhecido como mal puesto ou brujeria em sociedades latinas. Transe. Estado no qual os indivíduos “comunicam-se” com parentes falecidos ou com espíritos. Às vezes, tal condição está associada a breves períodos de alteração da personalidade. Esta síndrome específica da cultura é vista entre afro-americanos e euro-americanos do sul dos Estados Unidos. Os transes não são considerados eventos clínicos na tradição cultural, mas podem ser concebidos erroneamente como episódios psicóticos em contextos clínicos. Zar. Um termo geralmente aplicado na Etiópia, na Somália, no Egito, no Sudão, no Irã e em outras sociedades da África do Norte e do Oriente Médio para experiências de possessão por espíritos. As pessoas possuídas podem vivenciar episódios dissociativos que incluem gritar, dar risadas, bater a cabeça contra parede, cantar ou chorar. Os indivíduos podem demonstrar apatia e retraimento, recusando-se a comer ou executar atividades diárias, ou desenvolver um relacionamento duradouro com o espírito que os possui. Esse comportamento não é considerado patológico na cultura local.
De: American Psychiatric Association, Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000.
partir dos 7 a 10 anos de idade e continuam até se casarem, no final da adolescência ou no início da segunda década de vida. Devem chupar o pênis de meninos pós-púberes com a maior freqüência possível até passarem pela puberdade, depois da qual são chupados por meninos mais novos. Tudo isso ocorre em uma atmosfera de extrema misoginia e de preparações hipermasculinas para caçadas e guerras. Ao final deste período, casam-se e tornam-se exclusivamente heterossexuais em quase todos os casos – um desafio a diversas teorias sobre
a homossexualidade e uma resposta às óbvias objeções darwinianas a um padrão aparentemente tão mal-adaptativo. O psicanalista Robert Stoller e Herdt publicaram um caso curioso, Kalutwo, que tinha se casado quatro vezes antes dos 35 anos de idade – casamentos que foram inférteis ou talvez nem tenham se consumado. Ele era filho ilegítimo de uma viúva mais velha e um homem casado com outra mulher, que podia ter assumido a viúva como sua segunda esposa. Estigmatizado, Kalutwo foi criado pela mãe, que expressava
570
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
amargura em relação aos homens, e não teve contato com o pai. Demonstrava um gosto incomum pela felação, tinha sentimentos e apegos homoeróticos fortes e havia cometido a falta grave de continuar a chupar meninos mesmo depois de chegar à puberdade. Embora aparentasse virilidade, nunca exibiu o que eram consideradas realizações masculinas, tais como sofrer ferimentos em batalhas ou realizar atos de coragem. Stoller e Herdt defendem uma origem psicanalítica clássica para a homossexualidade neste caso, mas seja qual for sua causa, argumentam que Kalutwo seria homossexual em qualquer lugar, independentemente da cultura. CURSO E PROGNÓSTICO Dados limitados sobre o curso longitudinal de pacientes com síndromes ligadas à cultura sugerem que alguns deles acabam por desenvolver características clínicas compatíveis com diagnósticos de esquizofrenia, transtorno bipolar, transtorno cognitivo e outros transtornos psicóticos. Portanto, é essencial reunir informações de todas as fontes possíveis. Uma vez que os quadros clínicos evoluem com o tempo, reavaliações minuciosas devem ser conduzidas periodicamente para refinar o diagnóstico e melhorar o atendimento clínico. TRATAMENTO O tratamento das síndromes ligadas à cultura coloca diversos desafios diagnósticos, o primeiro dos quais é determinar se a sintomatologia representa uma resposta adaptativa culturalmente apropriada a uma situação. Os clínicos devem (1) conhecer ou pesquisar dados demográficos da população local ou da área de captação que atendem; (2) reconhecer que sempre existe um padrão local de conceitualização, identificação, vocabulário, explicação e tratamento dos padrões de sofrimento que afligem uma comunidade, incluindo transtornos mentais; e (3) conversar com a família dos pacientes e se informar sobre costumes locais ou pesquisar outros modos de documentação. Pessoas de dentro da cultura quase sempre vão reconhecer que um dos seus está agindo de forma desviante, e sua contribuição pode ser muito valiosa para a avaliação de um transtorno mental. Ao obter a história, deve-se perguntar ao paciente o que ele acha que pode ter causado o problema e como o explica para si mesmo. Algumas questões úteis são (1) O que você acha que causou seu problema? (2) Por que você acha que ele começou naquele momento? (3) O que acha que a sua doença faz com você? Como ela funciona? (4) Qual é a gravidade da doença? Ela vai durar muito ou pouco tempo? (5) Que tipo de tratamento acha que deve receber? O insight sobre a dinâmica de mundo do paciente facilita os esforços do clínico para adaptar suas técnicas (p. ex., nível geral de atividade, modo de intervenção verbal, conteúdo de comentários, tom de voz) à origem cultural do paciente. Isso implica a aceitação e o respeito pela referência cultural do outro e abre a possibilidade de uma intervenção direta na vida dos pacientes, que podem estar mais dispostos a cooperar quando se sentem compreendidos.
Curandeiros populares. Uma forma de atuação promissora é a colaboração de curandeiros populares. Diversos pesquisadores relataram sucesso com a contribuição destes no tratamento de pacientes psiquiátricos, especialmente aqueles cujas condições psicóticas estão ligadas a crenças específicas da sua cultura (p. ex., medo da morte vodu). As decisões a respeito do envolvimento dessas pessoas devem ser individualizadas e planejadas com cuidado, levando em consideração o contexto, a sensibilidade e a flexibilidade dos curandeiros disponíveis, o tipo de psicopatologia e as características do paciente. A Organização Mundial da Saúde (OMS) defende a implementação de uma política de colaboração entre o sistema convencional de saúde e a medicina tradicional, particularmente entre profissionais de saúde individuais e praticantes tradicionais. CULTURA E PSICOFARMACOLOGIA A relação entre cultura e psicofarmacologia é tão fascinante quanto complexa. Uma rede de relações ainda não completamente compreendida associa fatores puramente biológicos, como genes, a fatores de base mais social, como alimentação, nutrientes e ervas. Para completar o quadro, o clínico e o pesquisador devem considerar fatores adicionais, como as expectativas culturais do paciente a respeito do tratamento psiquiátrico satisfatório (farmacoterapia ou psicoterapia), a taxa esperada de recuperação (rápida ou lenta), sintomas-alvo e o limiar e a tolerância a efeitos adversos. Se um paciente hispânico tem a expectativa cultural de que os transtornos psicológicos apresentam base somática e são melhor tratados com drogas prescritas por um médico, recomendações alternativas de tratamento enfrentarão resistência e menor adesão, a não ser que sejam empregados esforços psicoeducacionais extensos. Por outro lado, profissionais urbanos e cultos de classe média podem rejeitar prescrições psicofarmacológicas para ansiedade ou síndromes depressivas por as considerarem simplistas, porque têm expectativa de psicoterapia ou psicanálise. Por isso, para que o relacionamento terapêutico supere as barreiras da linguagem e da cultura, este deve ser iniciado eliciando-se com cuidado o referencial explicativo do paciente em relação à doença, o caminho antecipado até a recuperação e as expectativas para o tratamento. Deve-se dedicar tempo e esforço a um diálogo educacional com pacientes e pessoas significativas e explicar os motivos para uma alternativa ao curso de tratamento preferido pelo paciente. O início lento de ação e a freqüência de efeitos adversos interferem na cooperação terapêutica de alguns pacientes hispânicos e asiáticos que esperam alívio rápido, temem toxicidade ou se preocupam com o potencial de dependência de medicação que deve ser tomada a longo prazo. Para obter a adesão adequada, o clínico deve fazer esforços cuidadosos para aprender as crenças latentes modeladas pela cultura do paciente (e de sua família imediata) a respeito da doença e de seu tratamento normativo, de modo a oferecer opções terapêuticas compatíveis com os modelos explicativos culturalmente prescritos do paciente e evitar equívocos ocultos na comunicação que podem prejudicar a adesão necessária.
Farmacogenética. O campo da farmacogenética se desenvolveu a partir de observações de diferenças étnicas significativas na resposta a medicamentos, no desenvolvimento diferencial e nos per-
OUTROS TRANSTORNOS PSICÓTICOS
fis de efeitos adversos, levando à descoberta de defeitos ou deficiências na atividade geneticamente controlada de sistemas de enzimas responsáveis pelo metabolismo de medicamentos psicotrópicos e toxinas como o álcool.
Estado de acetilação. Observações de diferenças étnicas no perfil de efeitos adversos do medicamento antituberculose isoniazida levaram à classificação de pessoas como acetiladoras lentas ou rápidas, o que, entre outros efeitos biológicos, determina o metabolismo de psicotrópicos como o clonazepam e a fenelzina.
Metabolismo do álcool. Ao estudar diferenças raciais na sensibilidade ao álcool, P.H. Wolf observou que cerca de 80% dos asiáticos e 50% dos índios americanos exibiam resposta de rubor ao álcool (comparados com 10% dos brancos) e concluiu que essas diferenças tinham base genética. Foi provado que elas estão relacionadas ao polimorfismo genético das isoenzimas do álcool desidrogenase (ADH) e do aldeído desidrogenase (ALDH), enzimas essenciais para o metabolismo completo do álcool e de outros neurotransmissores e que desempenham um papel importante no desenvolvimento do alcoolismo ou de sua evitação. Por exemplo, asiáticos homozigóticos ou heterozigóticos para o gene atípico ALDH2 do tipo asiático são sensíveis ao álcool e têm baixo risco de alcoolismo e doença hepática alcoólica. Os índios americanos apresentam alta freqüência tanto de rubor causado pelo álcool quanto de problemas relacionados a seu consumo. A equipe de pesquisa de Akira Yoshida relatou, em 1993, que eles praticamente não tinham genes ADH2 e ALDH2 tipo asiático detectáveis, um forte fator genético de rejeição ao álcool. Isoenzimas do citocromo P450. O sistema de enzimas do citocromo P450 é essencial para o metabolismo de substâncias psicotrópicas e não-psicotrópicas, bem como de uma grande variedade de toxinas ambientais que, de alguma forma, entram na alimentação de animais e humanos. Os defeitos genéticos que fazem com que estas enzimas sejam menos efetivas e que tornam os humanos baixos metabolizadores são distribuídos de forma desigual entre populações étnicas. Isso se aplica particularmente a duas isoenzimas do citocromo P450 (CYP): CYP 2D6 (debrisoquina hidroxilase) e CYP 2Cmp (mefenitoína hidroxilase). A porcentagem de baixos metabolizadores da CYP 2D6 é menor entre asiáticos (0,5 a 2,4%), e mais alta entre brancos (2,9 a 10%). Existem variâncias interétnicas semelhantes na freqüência de baixos metabolizadores de CYP 2Cmp, que é reduzida entre brancos (3%), intermediária para afro-americanos (18%) e mais alta (até 20%) entre populações asiáticas e japonesas. Essas diferenças nas isoenzimas P450 são de grande importância na psiquiatria e na psicofarmacologia devido seu papel no metabolismo de antipsicóticos, antidepressivos, sedativos como barbitúricos e benzodiazepínicos e antagonistas do receptor β-adrenérgico (betabloqueadores) como o propanolol.
Fatores ambientais. Além de serem geneticamente reguladas, as enzimas que participam do metabolismo de medicamentos psicotrópicos respondem a variáveis ambientais como alimentação, álcool, tabagismo e ingestão de cafeína. Todos esses fatores podem acelerar ou diminuir a taxa do metabolismo das substâncias através da indução ou da inibição de enzimas.
571
Fitoterápicos. Em paralelo com os serviços psiquiátricos orientados pela medicina ocidental, os imigrantes muitas vezes mantêm sua lealdade a sistemas de medicina popular de base étnica. Relatos de Vivian Garrison e Allan Hardwood documentam o uso extenso de curandeiros populares por porto-riquenhos na cidade de Nova York. Outros investigadores relataram que mexicano-americanos estão dispostos a aceitar fármacos prescritos de psiquiatras e remédios fitoterápicos de um curandeiro da comunidade, assim como jovens profissionais urbanos usam ervas naturais que aumentam a serotonina, como a erva-de-são-joão, além ou em vez de psicotrópicos mais convencionais prescritos por seus psiquiatras. Psicofarmacologistas culturalmente competentes precisam indagar a respeito do uso da medicina fitoterápica tradicional de asiáticos, afro-americanos, hispânicos e outros imigrantes. Muitas destas ervas possuem altos níveis de atividade psicoativa, como anticolinérgicos (Swertia japonica, usada por pacientes japoneses ou Datura candida, usada por cubanos), estimulantes (a Ibexguazusa dos latino-americanos, com altas concentrações de cafeína), sedativos (Schumanniophyton problematicans, dos nigerianos). Outros, como o ginseng e a glycyrrhiza, podem estimular ou inibir o citocromo P450. REFERÊNCIAS Collins PY, Wig NN, Day R, et al. Psychosocial and biological aspects of acute brief psychoses in three developing country sites. Psychiatr Q. 1996;67:177. Elmsley RA, Roberts MC, Rataemane S. Ethnicity and treatment response in schizophrenia: a comparison of 3 ethnic groups. J Clin Psychiatry. 2002;63:9. Hughes CC. Culture in clinical psychiatry. In: Gaw A, ed. Culture Ethnicity, and Mental Illness. Washington, DC: American Psychiatric Press; 1993. Hughes CC. The culture-bound syndromes and psychiatric diagnosis. In: Mezzich JE, Kleinman A, Fabrega H, Parron DL, eds. Culture and Psychiatry Diagnosis. Washington, DC: American Psychiatric Press; 1996. Jorge MR, Mezzich JE. Latin American contribution to psychiatric nosology and classification. In: Mezzich JE, Honda Y, Kastrup MC. eds. Psychiatric Diagnosis: A World Perspective. Berlin: Springer-Verlag: 1994. Lin K-M Cultural influences on the diagnosis of psychotic and organic disorders. In: Mezzich JE, Kleinman A, Fabrega H, Parron DL, eds. Culture and Psychiatry Diagnosis. Washington, DC: American Psychiatric Press; 1996. Manschrerk TC, Petri M. The atypical psychoses. Cult Med Psychiatry. 1978;2:233. Mezzich JE, Kleinman A, Fabrega H, Parron DL. Culture and Psychiatric Diagnosis. Washington, DC: American Psychiatric Press; 1996. Mezzich JE, Lin K-M. Hughes DC. Acute and transient psychotic disorders and culture-bound syndromes. In: Sadock BJ, Sadock VA. eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams &Wilkins; 2000:1264. Sartorius N, DeGirolano G, Andrews G, German GA, Eisenberg L. Treatment of Mental Disorder: A Review of Effectiveness. Washington, DC: World Health Organization and American Psychiatric Press; 1993. Shen YC. On the second edition of the Chinese Classification of Mental Disorder. In: Mezzich JE, Honda Y, Kastrup MC, eds. Psychiatric Diagnosis: A World Perspective. Berlin: Springer-Verlag; 1994. Truijillo M. Cultural psychiatry. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:492.
15 Transtornos do humor
15.1 Depressão maior e transtorno bipolar Os transtornos do humor englobam um grande grupo de transtornos em que o humor patológico e perturbações associadas dominam o quadro clínico. Conhecidos em algumas edições prévias do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM) como transtornos afetivos, o termo transtornos do humor é preferível porque se refere a estados emocionais persistentes, e não meramente à expressão externa (afetiva) de um estado emocional transitório. Os transtornos do humor são melhor considerados como síndromes (em vez de doenças distintas), consistindo de um conjunto de sinais e sintomas persistentes por semanas ou meses que representam um desvio marcante do desempenho habitual do indivíduo e que tendem a recorrer, por vezes, de forma periódica ou cíclica. O estado de humor pode apresentar-se normal, elevado ou deprimido. Os indivíduos normais experimentam uma ampla faixa de estados de humor e têm, da mesma forma, um grande repertório de expressões afetivas; sentem-se no controle de seus estados de humor e afetos. Nos transtornos do humor, a sensação de controle é perdida, e há uma experiência subjetiva de grande sofrimento. Os pacientes com estado de humor elevado demonstram expansividade, fugas de idéias, redução do sono, elevada auto-estima e idéias grandiosas. Os pacientes com humor deprimido exibem perda de energia e interesse, sentimentos de culpa, dificuldade de concentração, perda de apetite e pensamentos de morte ou suicídio. Outros sinais e sintomas incluem modificações do nível de atividade, das capacidades cognitivas, da fala e de funções vegetativas (p. ex., sono, atividade sexual e outros ritmos biológicos). Essas alterações quase sempre levam a comprometimento do desempenho interpessoal, social e ocupacional. Diz-se que pacientes afligidos somente por episódios depressivos maiores têm transtorno depressivo maior ou depressão unipolar. Aqueles com episódios tanto maníacos como depressivos ou somente com episódios maníacos têm transtorno bipolar. Os termos mania unipolar, mania pura ou mania eufórica são por vezes usados para os pacientes bipolares que não têm episódios depressivos. Hipomania é um episódio de sintomas maníacos que não satisfaz todos os critérios do DSM-IV-TR para episódio maníaco.
O campo da psiquiatria tem considerado a depressão maior e o transtorno bipolar como transtornos separados, particularmente nos últimos 20 anos. Contudo, a possibilidade de que o transtorno bipolar seja, na verdade, uma forma mais grave de depressão maior tem sido reconsiderada recentemente. Muitos pacientes que receberam o diagnóstico de depressão maior revelam, em um exame cuidadoso, episódios passados de comportamento maníaco ou hipomaníaco não-detectados. HISTÓRIA Situações de depressão são relatadas desde a Antigüidade. As descrições do que atualmente denominado transtornos do humor aparecem em muitos documentos antigos. No Velho Testamento, a história do rei Saul descreve uma síndrome depressiva, assim como a história do suicídio de Ajax na Ilíada de Homero. Cerca de 400 a.C., Hipócrates utilizou os termos mania e melancolia para descrever transtornos mentais. Em torno de 30 d.C., o médico romano Celsus, em sua obra De re medicina, descreveu melancolia (do grego melan [“negra”] e chole [“bile”]) como uma depressão causada pela bile negra. Em 1854, Jules Falret descreveu a condição denominada folie circulaire, em que os pacientes experimentam estados de humor alternantes de depressão e mania. Em 1882, o psiquiatra alemão Karl Kahlbaum, utilizando o termo ciclotimia, considerou mania e depressão como estágios da mesma doença. Em 1889, Emil Kraepelin, baseado no conhecimento de psiquiatras franceses e alemães, descreveu a psicose maníacodepressiva utilizando a maioria dos critérios que os psiquiatras atualmente empregam para estabelecer o diagnóstico de transtorno bipolar I. De acordo com Kraepelin último, a ausência de uma evolução que leva à demência e à deterioração na psicose maníaco-depressiva a diferencia da demência precoce (como era denominada a esquizofrenia). Kraepelin também descreveu uma depressão que veio a ser conhecida como melancolia involutiva, que desde então passou a ser vista como uma forma de transtorno do humor que se inicia na vida adulta tardia (Fig. 15.1-1).
CLASSIFICAÇÃO DOS TRANSTORNOS DO HUMOR SEGUNDO O DSM-IV-TR De acordo com a revisão de texto da quarta edição do DSM (DSM-IV-TR), um transtorno depressivo maior (também co-
TRANSTORNOS DO HUMOR
FIGURA 15.1-1 Melancolia (1514), por Albrecht Dürer.
nhecido como depressão unipolar) ocorre sem história de episódios maníacos, mistos ou hipomaníacos. Cada episódio deve durar no mínimo duas semanas, e tipicamente o indivíduo com o diagnóstico de episódio depressivo maior também experimenta pelo menos quatro sintomas de uma lista que inclui mudanças no apetite e no peso, alterações no sono e no nível de atividade, falta de energia, sentimentos de culpa, dificuldade para pensar e tomar decisões, além de pensamentos recorrentes de morte e suicídio. Um episódio maníaco é um período distinto de estado de humor anormal e persistentemente elevado, expansivo ou irritável, durando pelo menos uma semana, ou menos se o paciente precisa ser hospitalizado. Um episódio hipomaníaco dura pelo menos quatro dias e é similar ao episódio maníaco, exceto por não ser grave o suficiente para causar comprometimento do desempenho social e ocupacional e por não estarem presentes manifestações psicóticas. Tanto a mania como a hipomania associam-se a aumento da auto-estima, redução da necessidade de sono, distratibilidade, grande atividade física e mental e envolvimento excessivo em comportamento prazeroso. De acordo com o DSM-IV-TR, o transtorno bipolar I é definido como tendo um curso clínico com um ou mais episódios maníacos e, por vezes, episódios depressivos maiores. Um episódio misto é um período de, no mínimo, uma semana, em que tanto um episódio maníaco como um episódio depressivo maior ocorrem quase todos os dias. Uma variante do transtorno bipolar caracterizada por episódios de depressão maior e de hipomania em vez de mania é conhecida como transtorno bipolar II.
573
Dois transtornos do humor adicionais, o transtorno distímico e o transtorno ciclotímico (discutidos na Seção 15.2), também têm sido clinicamente considerados há algum tempo. Eles se caracterizam pela presença de sintomas menos graves do que os do transtorno depressivo maior e do transtorno bipolar I, respectivamente. O DSM-IV-TR define o transtorno distímico como caracterizado por pelo menos dois anos de estado de humor deprimido que não é grave o suficiente para se enquadrar no diagnóstico de episódio depressivo maior. O transtorno ciclotímico se caracteriza por pelo menos dois anos de sintomas hipomaníacos ocorrendo com freqüência, mas que não se enquadram no diagnóstico de episódio maníaco, e de sintomas depressivos que não podem se enquadrar no diagnóstico de transtorno depressivo maior. O DSM-IV-TR inclui três categorias de pesquisa de transtornos do humor (transtorno depressivo menor, transtorno depressivo breve recorrente e transtorno disfórico pré-menstrual). Outros diagnósticos são transtorno do humor devido a uma condição médica geral e transtorno do humor induzido por substâncias. Essas categorias são delineadas para ampliar o reconhecimento de diagnósticos de transtornos do humor, para descrever os sintomas de forma mais específica do que no passado e para facilitar o diagnóstico diferencial. Por fim, o DSMIV-TR inclui três transtornos residuais – transtorno bipolar sem outra especificação, transtorno depressivo sem outra especificação e transtorno do humor sem outra especificação (ver Seção 15.3). EPIDEMIOLOGIA Incidência e prevalência O transtorno depressivo maior é uma condição comum, com uma prevalência durante a vida de cerca de 15%, talvez de até 25% nas mulheres. Sua incidência é de 10% entre pacientes em atenção primária e 15% entre aqueles hospitalizados. O transtorno bipolar I é menos comum do que o transtorno depressivo maior, com uma prevalência durante a vida de cerca de 1%, semelhante às taxas para a esquizofrenia. A Tabela 15.1-1 lista a prevalência dos transtornos do humor durante a vida. Sexo Uma observação quase universal, independentemente de país ou cultura, é a da prevalência duas vezes maior do transtorno depressivo maior em mulheres do que em homens. Levantouse a hipótese de que as razões para isso envolvem diferenças hormonais, os efeitos de gerar filhos, estressores diferentes para os sexos e modelos comportamentais de desamparo aprendido. Em contraste com o transtorno depressivo maior, o transtorno bipolar I tem uma prevalência igual entre homens e mulheres. Os episódios maníacos são mais comuns em homens, e os depressivos, em mulheres. Quando os episódios maníacos ocorrem em mulheres, têm mais probabilidade de se apresentar com um quadro misto (p. ex., mania com depressão).
574
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 15.1-1 Prevalência durante a vida de alguns transtornos do humor segundo o DSM-IV-TR Transtorno do humor
Prevalência durante a vida
Transtornos depressivos Transtorno depressivo maior (TDM)
10-25% em mulheres; 5-12% em homens Recorrente, com recuperação com- Aproximadamente 3% pleta entre os episódios, superdas pessoas com posta ao transtorno distímico TDM Recorrente, sem recuperação com- Aproximadamente 20pleta entre os episódios, super25% das pessoas posta ao transtorno distímico com TDM (depressão dupla) Transtorno distímico Aproximadamente 6% Transtornos bipolares Transtorno bipolar I 0,4-1,6% Transtorno bipolar II Aproximadamente 0,5% Transtorno bipolar I ou transtorno 5-15% das pessoas com bipolar II com ciclos rápidos transtorno bipolar Transtorno ciclotímico 0,4-1%
Dados da American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text. rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
As mulheres também têm uma taxa mais alta de ciclagem rápida, com quatro ou mais episódios maníacos no período de um ano. Idade
Estado conjugal O transtorno depressivo maior ocorre com mais freqüência em pessoas sem relacionamentos interpessoais íntimos ou que são divorciadas ou separadas. O transtorno bipolar I é mais comum entre pessoas divorciadas e solteiras do que entre casadas, mas essa diferença pode refletir um início mais precoce e a discórdia conjugal resultante, características deste transtorno. Fatores socioeconômicos e culturais Não foi encontrada correlação entre o estado socioeconômico e o transtorno depressivo maior. Uma incidência mais alta do que a média do transtorno bipolar I é identificada entre pessoas de grupos socioeconômicos mais altos. A depressão é mais comum em áreas rurais do que urbanas. O transtorno bipolar I é mais recorrente entre pessoas que não concluíram o ensino médio do que entre as que concluíram, o que também pode refletir a idade relativamente precoce de início do transtorno. A prevalência do transtorno do humor não difere entre as raças. Há, contudo, uma tendência dos examinadores de subdiagnosticar esta condição e de superdiagnosticar esquizofrenia em pessoas cuja base racial ou cultural difere da sua. ETIOLOGIA
O início do transtorno bipolar I ocorre mais cedo do que o do transtorno depressivo maior. A idade de início do primeiro vai da infância (desde os 5 ou 6 anos) até os 50 anos ou mesmo mais tarde em casos raros, com uma idade média de 30 anos. A idade média de início do transtorno depressivo maior é de 40 anos, com 50% de todos os pacientes tendo o início entre 20 e 50 anos. O transtorno depressivo maior também pode iniciar na infância ou em idade avançada. Dados epidemiológicos recentes sugerem que sua incidência pode estar aumentando entre pessoas com menos de 20 anos de idade. Isso pode estar relacionado ao aumento do uso de álcool e drogas nesse grupo.
Fatores biológicos Vários estudos relataram anormalidades nos metabólitos das aminas biogênicas – como o ácido 5-hidroxindolacético (5-HIAA), o ácido homovanílico (HVA), e o 3-metóxi-4-hidroxifenilglicol (MHPG) – no sangue, na urina e no líquido cerebrospinal (LCS) de pacientes com transtornos do humor (Tab. 15.1-2). Os dados relatados são bastante consistentes com a hipótese de que esses transtornos se associam com desregulações heterogêneas das aminas biogênicas.
TABELA 15.1-2 Modificações de neurotransmissores e seus metabólitos freqüentemente relatadas em alguns pacientes deprimidos (comparados com controles normais) NE LCS
sd
Plasma
sd
Captação sd pelas plaquetas Urina ↑ ↔ Tecido sd cerebral
MHPG
NM
VMA
Epi
MET
DA
HVA
5-HT
5-HIAA
GABA
GAD
CRH
Endorfinas
sd
↓ ↔
↓
sd
↑
↑ mania ↔ dep.
↓
sd
↓
sd
sd
↓ ↑ ↔ sd
sd
sd
sd
sd
sd
sd
sd
sd
sd
sd
↓ ↑ dep. psicótica sd
sd
sd
sd
sd
sd
sd
sd
↓
sd
sd
sd
sd
↑ ↔ sd
↓
↑ ↔ sd
↑ ↔ sd
↑ ↔ sd
↑ ↔ sd
↑ mania
sd
sd
sd
sd
sd
sd
sd
sd
sd
↓
↓
sd
↓ ↔
sd
sd
sd
sd – sem dados nesta revisão; ↑ – níveis mais altos do que em controles; ↓ – níveis mais baixos do que em controles; ↔ – sem modificação dos níveis controles; NE – norepinefrina; MHPG – 3-metóxi-4-hidroxifenilglicol; NM – normetanefrina; VMA – ácido 3-metóxi-4-hidroximandélico; Epi – epinefrina; MET – metanefrina; DA – dopamina; HVA – ácido homovanílico; 5-HT – serotonina; 5-HIAA – ácido 5-hidroxindolacético; GABA – ácido γ-aminobutírico; GAD – decarboxilase do ácido glutâmico; CRH – hormônio liberador de corticotropina. Reimpressa com permissão de Caldecott-Hazard S, Morgan DG, DeLeon-Jones F, Overstreet DH, Janowsky D. Clinical and biochemical aspects of depressive disorders. II. Transmitter/receptor theories. Synapse. 1991;9:253.
TRANSTORNOS DO HUMOR
Aminas biogênicas. Das aminas biogênicas, a norepinefrina e a serotonina são os dois neurotransmissores mais implicados na fisiopatologia dos transtornos do humor (Tab. 15.1-3). A correlação sugerida pelos estudos de ciências básicas entre a downregulation dos receptores β-adrenérgicos e as respostas clínicas aos antidepressivos é, provavelmente, a evidência isolada mais convincente, indicando um papel direto do sistema noradrenérgico na depressão. Outras evidências implicaram também os receptores β2 pré-sinápticos na depressão, já que sua ativação leva a uma redução da quantidade de norepinefrina liberada. Os receptores β2 pré-sinápticos também estão localizados nos neurônios serotonérgicos e regulam a quantidade de serotonina liberada. A eficácia clínica dos antidepressivos com efeitos noradrenérgicos – como a venlafaxina (Efexor) – apóia ainda mais um papel da norepinefrina na fisiopatologia de pelo menos alguns dos sintomas da depressão. NOREPINEFRINA.
SEROTONINA. Com o forte impacto que os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs) – como a fluoxetina (Prozac) – têm tido sobre o tratamento da depressão, a serotonina tornou-se a amina biogênica associada com mais freqüência à
575
depressão. A identificação de vários subtipos de receptores de serotonina também aumentou a expectativa da comunidade de pesquisa sobre o desenvolvimento de tratamentos ainda mais específicos para a depressão. Além do fato de os ISRSs e outros antidepressivos serotonérgicos serem eficazes no tratamento da depressão, outros dados indicam que a serotonina está envolvida na fisiopatologia da depressão. A depleção da serotonina pode precipitar depressão, e alguns pacientes com impulsos suicidas têm baixas concentrações de metabólitos da serotonina no LCS e baixas concentrações de sítios de captação da mesma nas plaquetas. Embora a norepinefrina e a serotonina sejam as aminas biogênicas associadas com mais freqüência à fisiopatologia da depressão, estabeleceu-se a teoria de que a dopamina também tem um papel. Os dados sugerem que sua atividade pode estar reduzida na depressão e aumentada na mania. A descoberta de novos subtipos de receptores para a dopamina e o aumento da compreensão da regulação pré-sináptica e pós-sináptica de sua função enriqueceram ainda mais a pesquisa sobre a relação entre a dopamina e os transtornos do humor. Os medicamentos que reduzem as concentrações da dopamina – como a reserpina (Serpasil) – e as doenças que também têm esse efeito de diminuição (p. ex., doença de Parkinson) estão associa-
DOPAMINA.
TABELA 15.1-3 Modificações induzidas por antidepressivos nos neurotransmissores, em seus metabólitos e em seus receptores em humanos e animais Medicamentos O que foi medido Concentrações no tecido cerebral MHPG Encefalinas Concentrações no LCS MHPG HVA 5-HIAA β-endorfina Concentrações na urina MHPG Efeitos sobre a captação de NE 5-HT GABA Número de receptores α2 no cérebro α2 nas plaquetas α1 no cérebro β no cérebro 5-HT-2 no cérebro 5-HT-1 no cérebro mACh no cérebro dopamina 1 no cérebro GABAβ μ e Δ de opióides no cérebro Sensibilidade dos receptores DA somatodendríticos Efeito da estimulação de cAMP pela NE Efeito na estimulação do PI por agonistas muscarínicos Quantidade de sítios de receptores RNAm para glicocorticóides no cérebro
Tricíclicos
IMAOs
BCS
Iprindol
Li
ECT
↑ ↑
sd sd
sd sd
sd ↑
sd sd
sd ↑
↓ sd ↓ sd
↓ ↓ ↓ sd
↓ sd ↓ sd
sd sd sd sd
sd sd sd sd
sd sd sd ↑
↓↑↔
sd
sd
sd
sd
sd
↓ ↓ ↓
sd sd sd
↔ ↓ sd
↔ ↔ sd
sd sd sd
sd sd sd
↓↑↔ sd ↑↔ ↓ ↓ ↓↑↔ ↑ ↓ ↑↔ sd ↓↔ ↓ sd ↑↓
sd sd sd ↓ ↓ ↓ sd sd ↑ sd ↓ ↓ sd sd
sd sd sd ↓↔ ↓ ↓↔ sd sd ↑ sd sd ↓ sd sd
sd sd sd ↓ ↓ sd sd sd sd sd sd ↓ sd sd
sd ↓ ↑ sd sd sd ↑↔ sd sd sd sd sd ↓↔ sd
sd sd sd ↓ ↑ sd sd ↓ ↑ ↑↓ ↓ ↓ sd sd
sd – sem dados nesta revisão; ↑ – mais alta; ↓ – mais baixa; ↔ – sem modificação. As setas representam os efeitos observados com mais freqüência (não necessariamente todos) dos medicamentos em cada grupo. IMAOs – inibibores da monoaminoxidase; BCS – bloqueador de captação da serotonina; Li – lítio; ECT – eletroconvulsoterapia; LCS – líquido cerebrospinal; MHPG – 3-metóxi-4-hidroxifeniletilglicol; HVA – ácido homovanílico; 5-HIAA – ácido 5-hidroxindolacético; 5HT – serotonina; NE – norepinefrina; DA – dopamina; GABA – ácido γ−aminobutírico; mACh – colinérgico muscarínico; cAMP – adenosina monofosfato cíclica; PI – fosfoinositídeo; RNAm – ácido ribonucléico mensageiro. Reimpressa com permissão de Caldecott-Hazard S, Morgan DG, DeLeon-Jones F, Overstreet DH, Janowsky D. Clinical and biochemical aspects of depressive disorders. II. Transmitter/receptor theories. Synapse. 1991;9:254.
576
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
dos a sintomas depressivos. Em contraste, medicamentos que aumentam suas concentrações, como a tirosina, a anfetamina e a bupropiona (Wellbutrin) reduzem os sintomas de depressão. Duas teorias recentes sobre dopamina e depressão são que a via mesolímbica da dopamina pode estar disfuncional e que seus receptores D1 podem estar hipoativos na depressão. Outros fatores neuroquímicos. Ainda que os dados não sejam conclusivos, os aminoácidos neurotransmissores (particularmente o ácido γ-aminobutírico [GABA]) e os peptídeos neuroativos (em especial a vasopressina e os opióides endógenos) têm sido implicados na fisiopatologia dos transtornos do humor. Alguns investigadores sugeriram que os sistemas de segundos-mensageiros – como o da adenil ciclase, o do fosfatidil-inositol e a regulação do cálcio – também podem ser relevantes. Os aminoácidos glutamato e glicina parecem ser os principais neurotransmissores excitadores no sistema nervoso central. Eles se ligam a locais associados com o receptor do N-metil-D-aspartato (NMDA) e, em excesso, podem ter efeitos neurotóxicos. O hipocampo apresenta alta concentração de receptores para NMDA: dessa forma, é possível que o glutamato, em conjunto com hipercortisolemia, intermedeie os efeitos neurocognitivos do estresse crônico. Têm surgido evidências de que medicamentos que antagonizam os receptores NMDA têm efeitos antidepressivos. Regulação neuroendócrina. O hipotálamo é central na regulação dos eixos neuroendócrinos e ele próprio recebe muitos inputs neuronais que utilizam as aminas biogênicas neurotransmissoras. Várias desregulações neuroendócrinas foram relatadas em pacientes com transtornos do humor. Assim, a regulação anormal dos eixos neuroendócrinos pode se originar do funcionamento anormal dos neurônios contendo aminas biogênicas. Embora seja teoricamente possível o envolvimento de uma desregulação particular de um eixo neuroendócrino na causa de um transtorno do humor, as desregulações refletem com mais probabilidade um distúrbio cerebral subjacente fundamental. Os principais eixos neuroendócrinos de interesse nos transtornos do humor são os eixos das adrenais, da tireóide e do hormônio do crescimento. Outras anormalidades neuroendócrinas que têm sido descritas em pacientes com transtornos do humor incluem a redução da secreção noturna da melatonina, a redução da liberação de prolactina em resposta à administração do triptofano, a redução dos níveis basais do hormônio folículo-estimulante (FSH) e do hormônio luteinizante (LH), bem como a redução dos níveis de testosterona no homem. EIXO ADRENAL. Papel do cortisol. A correlação entre a hipersecre-
ção de cortisol e a depressão é uma das mais antigas observações na psiquiatria biológica. A pesquisa básica e clínica dessa correlação produziu a compreensão de como a liberação do cortisol é regulada em indivíduos com e sem depressão. Cerca de 50% dos pacientes deprimidos têm níveis corticais elevados. Os neurônios no núcleo paraventricular (NPV) liberam o hormônio liberador de corticotropina (CRH), que estimula a liberação do hormônio adrenocorticotrófico (ACTH), a partir da hipófise anterior. O ACTH é co-liberado com a β-endorfina e a β-lipotropina, dois peptídeos sintetizados a partir da mesma proteína precursora da qual o ACTH é sintetizado. Este, por sua vez, estimula a libera-
ção de cortisol a partir do córtex adrenal. A alça de retroalimentação (feedback) do cortisol atua por pelo menos dois mecanismos. O mecanismo de retroalimentação rápida, sensível à taxa do aumento de concentração do cortisol, opera com receptores para o cortisol no hipocampo e diminui a liberação de ACTH. O de retroalimentação lenta, sensível aos níveis estáveis da concentração do cortisol, operaria através de receptores na hipófise e nas adrenais. Teste de supressão da dexametasona. A dexametasona (Decadron) é um análogo sintético do cortisol. Vários pesquisadores observaram que uma proporção significativa, talvez 50%, dos pacientes deprimidos deixa de ter uma resposta normal do cortisol a uma dose isolada de dexametasona. Embora se pensasse inicialmente que o teste de supressão da dexametasona (TSD) teria utilidade diagnóstica, vários pacientes com outros transtornos psiquiátricos também exibem um resultado positivo (não-supressão do cortisol); dessa forma, o teste não é inteiramente válido para indicar transtornos do humor. Dados novos indicam que os resultados do TSD podem, contudo, se correlacionar com a probabilidade de recaída; pacientes deprimidos cujos resultados do TSD não se normalizam com a resposta clínica ao tratamento têm mais probabilidade de ter recaída do que aqueles cujos resultados são normalizados. Um avanço recente na avaliação do eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal (HHA) na depressão envolveu infusões de cortisol em indivíduos que estavam e que não estavam deprimidos. O cortisol, o hormônio que existe naturalmente, é uma substânciateste melhor do que a dexametasona, que não chega a ativar todos os receptores relevantes. Em um estudo, os pacientes deprimidos tinham comprometimento da função da alça rápida de retroalimentação; assim, em pelo menos alguns deles, o funcionamento dos receptores de cortisol do hipocampo podia estar anormal em algum momento. Outros pesquisadores verificaram que a hipercortisolemia pode danificar os neurônios do hipocampo; assim, um ciclo envolvendo estresse, estimulação da liberação do cortisol e incapacidade de interromper sua liberação pode levar a um dano crescente do já comprometido hipocampo. EIXO DA TIREÓIDE. Distúrbios da tireóide são, encontrados em cerca
de 5 a 10% das pessoas com depressão. Uma implicação clínica direta dessa associação é a importância de se determinar o estado da tireóide em todos os pacientes com transtornos do humor. Verificou-se que cerca de um terço daqueles com transtorno depressivo maior e eixo da tireóide normal tem uma liberação atenuada da tirotrofina, o hormônio estimulador da tireóide (TSH), em resposta a uma infusão do hormônio liberador da tirotrofina (TRH), a protirelina. Esta mesma anormalidade, contudo, foi relatada uma ampla gama de outros diagnósticos psiquiátricos, tornando sua utilidade diagnóstica limita. Além disso, tentativas de subclassificar os pacientes depressivos com base nos resultados de testes com o TRH foram contraditórias. Pesquisas recentes enfocaram a possibilidade de um subconjunto de pessoas deprimidas ter um distúrbio auto-imune nãoreconhecido que afete suas glândulas tireoideanas. Vários estudos relataram que cerca de 10% dos pacientes com transtornos do humor, talvez particularmente aqueles com transtorno bipolar I, têm concentrações detectáveis de anticorpos antitireóide.
TRANSTORNOS DO HUMOR
577
Ainda não foi determinado se os anticorpos estão, de fato, associados fisiopatologicamente à depressão. Existe outra associação potencial entre hipotireoidismo e o desenvolvimento de curso com ciclagem rápida em pacientes com transtorno bipolar I. Os dados disponíveis indicam que a associação é independente dos efeitos do tratamento com lítio (Carbolitium), que pode causar hipotireoidismo. Alguns pacientes deprimidos se beneficiam com a liotironina (Cytomel).
o ácido valpróico (Depakene) – são úteis no tratamento de transtornos do humor, em especial transtorno bipolar I, levou à teoria de que a fisiopatologia dos transtornos do humor pode envolver kindling dos lobos temporais. Ainda que isso tenha sido observado em animais de laboratório, nunca foi demonstrado de forma convincente em humanos, e os efeitos benéficos dos anticonvulsivantes no transtorno bipolar podem também decorrer de modificações eletroquímicas não relacionadas à epilepsia.
Vários estudos demonstraram uma diferença estatística entre pacientes deprimidos e outros no que se refere à regulação da liberação do hormônio do crescimento. Os pacientes deprimidos têm atenuada a estimulação induzida pelo sono da liberação do hormônio do crescimento. Embora anormalidades do sono sejam sintomas comuns de depressão, um marcador neuroendócrino relacionado ao sono é um aspecto importante para pesquisa. Os estudos verificaram também que os pacientes deprimidos têm uma resposta atenuada ao aumento da secreção do hormônio do crescimento pela clonidina (catapres).
Regulação neuroimune. Pesquisadores relataram anormalidades imunológicas em indivíduos deprimidos e entre aqueles em luto por um parente, esposo ou amigo íntimo. A desregulação do eixo do cortisol pode afetar o estado imunológico; pode haver regulação hipotalâmica anormal do sistema imunológico. Uma possibilidade menos provável é que, em alguns pacientes, um processo fisiopatológico primário envolvendo o sistema imune leve a sintomas psiquiátricos de transtornos do humor.
HORMÔNIO DO CRESCIMENTO.
Somatostatina. Além da inibição do hormônio do crescimento e
da liberação do CRH, a somatostatina inibe o GABA, o ACTH e o TSH. Os níveis da somatostatina são mais baixos no LCS de pessoas com depressão do que naquelas com esquizofrenia ou em controles normais, e níveis aumentados foram observados na mania. Prolactina. A liberação da prolactina pela hipófise é estimulada
pela serotonina e inibida pela dopamina. A maioria dos estudos não verificou anormalidades significativas na secreção basal ou circadiana da prolactina na depressão. Anormalidades do sono. Problemas com o sono – insônia inicial e terminal, despertares múltiplos, hipersonia – são sintomas clássicos e comuns da depressão, e uma redução percebida da necessidade de sono é um sintoma característico de mania. Pesquisadores há muito reconheceram que o eletroencefalograma do sono (EEGs) de muitos pacientes deprimidos exibe anormalidades. As mais comuns são atraso no início do sono, redução da latência do sono com movimentos rápidos dos olhos (REM) (o tempo entre o adormecer e o primeiro período de REM), um primeiro período de REM mais longo e sono delta anormal. Alguns investigadores tentaram utilizar o EEG do sono na avaliação diagnóstica de pacientes com transtornos do humor. Ritmos circadianos. As anormalidades da arquitetura do sono na depressão e as melhoras transitórias associadas à privação do sono levaram a teorias de que a depressão reflete uma regulação anormal dos ritmos circadianos. Alguns estudos experimentais com animais indicam que vários dos tratamentos antidepressivos usuais são eficientes para mudar o ajuste dos relógios biológicos internos (zeitgebers endógenos).
Kindling. Kindling é o processo eletrofisiológico em que repetidos estímulos subliminares de um neurônio acabam por gerar um potencial de ação. No nível do órgão, o estímulo repetido de uma área do cérebro leva a uma convulsão. A observação clínica de que anticonvulsivantes – por exemplo, a carbamazepina (Tegretol) e
Imagens do cérebro. Os estudos de imagens do cérebro com transtornos do humor forneceram indícios inconclusivos sobre o funcionamento anormal do cérebro nesses casos. Nenhum dado de imagens cerebrais sobre os transtornos do humor foi replicado de forma consistente, como o aumento do tamanho dos ventrículos cerebrais em pacientes com esquizofrenia. A despeito disso, estudos de imagens estruturais com tomografia computadorizada (TC) e imagens por ressonância magnética (RM) produziram dados interessantes. Embora os estudos não tenham relatado achados consistentes, os dados indicam o seguinte: um conjunto bastante grande de pacientes com transtorno bipolar I, predominantemente homens, tem ventrículos cerebrais aumentados; o aumento é menos comum em pacientes com transtorno depressivo maior do que naqueles com transtorno bipolar I, exceto em indivíduos com transtorno depressivo maior com manifestações psicóticas, que tendem a ter ventrículos cerebrais aumentados. Os estudos com RM indicaram também que pacientes com transtorno depressivo maior têm núcleos caudados e lobos frontais menores do que indivíduos-controle; os pacientes deprimidos também têm tempos de relaxamento T1 do hipocampo anormais, comparados com indivíduos-controle. Pelo menos um estudo com RM relatou que pessoas com transtorno bipolar I têm significativamente mais lesões da substância branca profunda do que indivíduos-controle. Vários relatos na literatura se referem ao fluxo sangüíneo cerebral nos transtornos do humor, em geral medido por tomografia computadorizada por emissão de fóton único (SPECT) ou tomografia por emissão de pósitrons (PET). Um pouco mais da metade dos estudos demonstrou redução do fluxo sangüíneo afetando o córtex cerebral em geral e áreas corticais frontais em particular. Em contraste, em um estudo os investigadores verificaram aumento do fluxo em pacientes com transtorno depressivo maior. Constataram ainda aumentos dependentes do estado no córtex, nos gânglios da base e no tálamo medial, com a sugestão de aumento dependente de traço na amígdala. São necessários mais estudos. Outra técnica de imagem cerebral que está sendo aplicada a uma ampla gama de transtornos mentais é a espectroscopia por ressonância magnética (ERM). Os estudos com ERM em pacientes
578
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
com transtorno bipolar I produziram dados consistentes com a hipótese de que a fisiopatologia desta condição pode envolver uma regulação anormal do metabolismo dos fosfolipídeos das membranas. A espectroscopia do 7Li também é utilizada para estudar as concentrações do lítio no cérebro e no plasma de pacientes com transtorno bipolar I. Considerações neuroanatômicas. Tanto os sintomas como os achados de pesquisa biológica apóiam a hipótese de que os transtornos do humor envolvem patologia do sistema límbico, dos gânglios basais, e do hipotálamo (Fig. 15.1-2). Pessoas com doenças neurológicas dos gânglios basais e do sistema límbico (especialmente lesões excitadoras do hemisfério não-dominante) apresentam probabilidade de exibir sintomas depressivos. O sistema límbico e os gânglios basais têm conexão íntima, e o sistema límbico pode muito bem ter um papel importante na produção das emoções. As alterações de sono, apetite e comportamento sexual dos pacientes deprimidos, bem como modificações biológicas nas medidas endócrinas, imunológicas e cronobiológicas, sugerem disfunção do hipotálamo. A postura curvada dos pacientes deprimidos, sua lentidão motora e o comprometimento cognitivo são semelhantes aos sinais de doenças dos gânglios basais, como a doença de Parkinson e outras demências subcorticais. Fatores genéticos Dados genéticos dão forte indicação de que um fator genético significativo está envolvido no desenvolvimento de um transtor-
no do humor, mas o padrão de herança genética é complexo. Não apenas é impossível excluir fatores psicossociais, como também fatores não-genéticos provavelmente têm papéis causais no desenvolvimento dos transtornos do humor em pelo menos alguns indivíduos. O componente genético exerce um papel mais significativo na transmissão do transtorno bipolar I do que no transtorno depressivo maior. Estudos de famílias. Estudos de famílias têm evidenciado que os parentes de primeiro grau de probandos (o primeiro sujeito doente identificado em uma família) com transtorno bipolar I têm 8 a 18 vezes mais probabilidade do que os parentes de primeiro grau de indivíduos-controle de ter transtorno bipolar I, e 2 a 10 vezes mais probabilidade de ter transtorno depressivo maior. Esses estudos verificaram também que os parentes de primeiro grau de probandos com transtorno depressivo maior têm 1,5 a 2,5 vezes mais probabilidade de ter transtorno bipolar I do que parentes de primeiro grau de indivíduos-controle normais, e 2 a 3 vezes mais de ter transtorno depressivo maior. A probabilidade de ter um transtorno do humor diminui à medida que o parentesco se afasta. Por exemplo, um parente de segundo grau, como um primo, tem menos probabilidade de ser afetado do que um parente de primeiro grau, como um irmão. A hereditariedade do transtorno bipolar I também é aparente pelo fato de que cerca de 50% de todos os pacientes com transtorno bipolar I apresentam pelo menos um parente com transtorno do humor, em geral transtorno depressivo maior. Se um dos pais tem transtorno bipolar I, há 25% de chance de que qualquer filho venha a ter um transtorno do humor; se ambos os pais têm o transtorno, a chance aumenta para 50 a 75%. Estudos de adoção. Os estudos de adoção também produziram dados apoiando a base genética para a herança de transtornos do humor. Dois deles verificaram um forte componente genético para a herança de transtorno depressivo maior; o único estudo sobre transtorno bipolar I também indicou uma base genética. Esses estudos de adoção mostraram que os filhos biológicos de pais afetados permanecem com risco aumentado de transtorno do humor mesmo quando são criados em famílias adotivas não-afetadas. A prevalência de transtornos do humor nos pais adotivos é semelhante à prevalência na população em geral. Estudos de gêmeos. Os estudos de gêmeos verificaram uma taxa de concordância para transtorno bipolar I em gêmeos monozigóticos de 33 a 90%, dependendo do estudo em particular; para o transtorno depressivo maior, a taxa de concordância em gêmeos monozigóticos é de quase 50%. Em contraste, as taxas de concordância para gêmeos dizigóticos são de 5 a 25% para o transtorno bipolar I e de 10 a 25% para o transtorno depressivo maior.
FIGURA 15.1-2 A imagem por ressonância magnética (RM) de um paciente com transtorno depressivo maior de início tardio exibe extensas hiperintensidades periventriculares associadas a doença cerebrovascular difusa.
Estudos de ligação. A disponibilidade de técnicas modernas de biologia molecular, incluindo polimorfismos de comprimento por restrição de fragmentos (RFLP), levou a muitos estudos que relataram, replicaram ou deixaram de replicar várias associações entre genes específicos ou marcadores de genes e transtornos do humor. Até o momento, nenhuma associação genética foi re-
TRANSTORNOS DO HUMOR
plicada de forma consistente. A interpretação mais razoável dos resultados dos estudos é que os genes particulares identificados nos possíveis resultados podem estar envolvidos na herança genética dos transtornos do humor nas famílias estudadas, mas não na herança genética dos transtornos do humor em outras famílias. As associações entre os transtornos do humor, em especial o transtorno bipolar I, e marcadores genéticos foram relatadas para os cromossomos 5, 11, 18 e X. O gene do receptor D2 se localiza no cromossomo 5. O gene da tirosina hidroxilase, a enzima que limita a taxa da síntese de catecolaminas, se localiza no cromossomo 11. Em um estudo, marcadores do cromossomo 18 foram encontrados em 28 famílias nucleares com transtorno bipolar. CROMOSSOMO 11 E TRANSTORNO BIPOLAR I. Em 1987, um estudo relatou uma associação entre transtorno bipolar I em membros de uma família da Velha Ordem Amish e marcadores genéticos no braço curto do cromossomo 11. Com a extensão subseqüente da linhagem e o desenvolvimento de transtorno bipolar I em membros previamente não-afetados, a associação estatística cessou. Esse exemplo ilustrou efetivamente a cautela que deve ser usada ao se conduzir e interpretar estudos de ligação genética envolvendo transtornos mentais.
Há longo tempo foi sugerida uma ligação entre o transtorno bipolar I e uma região do cromossomo X que contém genes para a cegueira para cores e para a deficiência da glicose-6-fosfato deidrogenase. Como na maioria dos estudos de ligação em psiquiatria, a aplicação de técnicas de genética molecular produziu resultados contraditórios; alguns estudos encontraram ligação, e outros não. A interpretação mais conservadora é a possibilidade de que o gene ligado ao X seja um fator no desenvolvimento do transtorno bipolar I em alguns pacientes e famílias.
CROMOSSOMO X E TRANSTORNO BIPOLAR I.
Fatores psicossociais Acontecimentos na vida e estresse ambiental. Há uma antiga e duradoura observação clínica de que acontecimentos estressantes da vida mais freqüentemente precedem o primeiro episódio de transtornos do humor, em vez dos subseqüentes. Essa associação tem sido relatada tanto em pacientes com transtorno depressivo maior como naqueles com transtorno bipolar I. Uma teoria proposta para explicar tal observação é que o estresse acompanhando o primeiro episódio leva a modificações duradouras na biologia do cérebro. Essas modificações podem alterar os estados funcionais de vários neurotransmissores e os sistemas intraneuronais de sinalização, modificações que podem até incluir a perda de neurônios e a redução excessiva de contatos sinápticos. Como resultado, o indivíduo fica com um alto risco de desenvolver episódios de um transtorno do humor mesmo sem um estressor externo. Alguns clínicos acreditam que os acontecimentos da vida têm um papel primário ou principal na depressão; outros sugerem que seu papel é apenas limitado no início e no momento da depressão. Os dados mais convincentes indicam que o acontecimento da vida associado com mais freqüência ao desenvolvimento da depressão é a perda de um dos pais antes dos 11 anos de
579
idade. O estressor ambiental associado com mais freqüência ao início de um episódio de depressão é a perda do cônjugue. Outro fator de risco é o desemprego – os indivíduos desempregados têm três vezes mais probabilidade de relatar sintomas de um episódio de depressão maior do que os que estão empregados. Fatores da personalidade. Nenhum traço ou tipo de personalidade isolado predispõe de forma única um indivíduo à depressão; todas as pessoas, com qualquer padrão de personalidade, podem e ficam deprimidas sob determinadas circunstâncias. Aquelas com certos transtornos da personalidade – obsessivo-compulsiva, histriônica e borderline – podem ter risco maior de depressão do que pessoas com personalidade anti-social e paranóide. Estas últimas podem utilizar projeção e outros mecanismos defensivos de externalização para se proteger de sua raiva. Nenhuma evidência indica que qualquer transtorno da personalidade em particular se associe com o desenvolvimento posterior de transtorno bipolar I; contudo, pacientes com transtorno distímico e transtorno ciclotímico têm risco de mais tarde desenvolver depressão maior ou transtorno bipolar I. Acontecimentos estressantes recentes são os preditores mais poderosos do início de um episódio depressivo. Sob uma perspectiva psicodinâmica, o clínico sempre está interessado no significado do estressor. Pesquisas demonstraram que estressores que se refletem mais negativamente na auto-estima têm maior probabilidade de produzir depressão. Mais ainda, o que parece ser um estressor relativamente leve para alguns pode ser devastador para o paciente devido aos significados idiossincráticos particulares ligados ao acontecimento. Fatores psicodinâmicos na depressão. A compreensão psicodinâmica da depressão definida por Sigmund Freud e expandida por Karl Abraham é conhecida como a visão clássica da depressão. A teoria envolve quatro pontos-chave: (1) problemas na relação mãe-bebê durante a fase oral (os primeiros 10 a 12 meses de vida) predispõem à vulnerabilidade subseqüente para depressão; (2) a depressão pode estar ligada à perda real ou imaginada do objeto; (3) a introjeção de objetos que partiram é um mecanismo de defesa invocado para lidar com o sofrimento ligado à perda do objeto; e (4) como o objeto perdido é percebido como uma mistura de amor e ódio, sentimentos de raiva são dirigidos contra o self. Melanie Klein, assim como Freud, compreendia a depressão como envolvendo a expressão de agressão contra entes queridos. Edward Bibring a considerava um fenômeno que se instala quando um indivíduo se dá conta da discrepância entre ideais extraordinariamente altos e a incapacidade de alcançar esses objetivos. Edith Jacobson via o estado de depressão como semelhante ao de uma criança impotente e desamparada, vítima de um pai atormentador. Silvano Arieti observou que muitos pacientes deprimidos viveram suas vidas para outro, em vez de para si mesmos. Ele se referia a esse indivíduo para quem o paciente depressivo vive como o outro dominante, que pode ser um princípio, um ideal ou uma instituição, bem como uma pessoa. A depressão se instala quando o indivíduo percebe que a pessoa ou o ideal por que estava vivendo nunca vai responder de forma a satisfazer suas expectativas. O conceito de depressão de Heinz Kohut, derivado
580
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
de sua teoria psicológica do self, apóia-se na suposição de que o self em desenvolvimento tem necessidades específicas que precisam ser satisfeitas pelos pais, para dar à criança um sentimento positivo de auto-estima e de autocoesão. Quando os outros não satisfazem essas necessidades, há perda massiva de auto-estima, que se apresenta como depressão. John Bowlby acreditava que apegos iniciais prejudicados e a separação traumática na infância predispõem à depressão. Diz-se que as perdas do adulto revivem a perda traumática na infância e, dessa forma, precipitam episódios depressivos no adulto. Fatores psicodinâmicos na mania. A maioria das teorias acerca da mania considera os episódios de mania como uma defesa contra a depressão subjacente. Karl Abraham, por exemplo, acreditava que esses episódios refletem uma incapacidade de tolerar uma tragédia no desenvolvimento, como a perda de um dos pais. O estado maníaco também pode ser resultado de um superego tirânico, que produz autocrítica intolerável, que é então substituída pela auto-satisfação eufórica. Bertram Lewin considerava o ego do paciente maníaco como sobrecarregado por impulsos prazerosos como o sexo ou por impulsos temidos como a agressão. Klein também percebia a mania como uma reação defensiva contra a depressão, utilizando mecanismos de defesa como onipotência, em que o indivíduo desenvolve delírios de grandeza.
TABELA 15.1-4 Elementos da teoria cognitiva Elemento
Definição
Tríade cognitiva
Crenças sobre si próprio, o mundo e o futuro Formas de organizar e interpretar as experiências
Esquemas Distorções cognitivas Inferência arbitrária Abstração específica
Generalização excessiva Maximização e minimização Personalização Pensamento absolutista, dicotômico
Estabelecimento de conclusões específicas sem evidência suficiente Enfoque em um único pormenor ao mesmo tempo em que ignora outros aspectos, mais importantes, de uma experiência Estabelecimento de conclusões baseadas em experiência muito pequena e limitada Super e subvalorização do significado de um acontecimento particular Tendência a conferir a si próprio acontecimentos externos sem base Tendência a colocar a experiência em categorias tipo tudo ou nada
Cortesia de Robert M.A. Hirschfeld, M.D., e M. Tracie Shea, Ph.D.
nos adversos. Os comportamentalistas que apóiam a teoria enfatizam que a melhora da depressão faz parte do desenvolvimento de um sentimento de controle e domínio sobre o ambiente.
Outras formulações de depressão Teoria cognitiva. De acordo com a teoria cognitiva, a depressão é o resultado de distorções cognitivas específicas presentes nas pessoas predispostas a desenvolvê-la. Essas distorções, referidas como esquemas depressogênicos, são moldes cognitivos que percebem tanto os dados internos como externos de formas alteradas por experiências precoces. Aaron Beck postulou a tríade cognitiva da depressão, que consiste de (1) visão de si próprio – uma autopercepção negativa, (2) visão do ambiente – uma tendência a experimentar o mundo como hostil e exigente, e (3) visão do futuro – a expectativa de sofrimento e fracasso. O tratamento consiste em modificar essas distorções. Os elementos da teoria cognitiva são resumidos na Tabela 15.1-4. Impotência aprendida. A teoria da impotência aprendida da depressão liga os fenômenos depressivos à experiência de acontecimentos incontroláveis. Por exemplo, cães em laboratório expostos a choques elétricos dos quais não conseguiam escapar exibiram comportamentos que os diferenciavam de cães que não foram expostos a tais eventos. Os cães expostos não cruzaram uma barreira para parar o fluxo do choque elétrico quando colocados em nova situação de aprendizado. Permaneceram passivos e não se moveram. De acordo com a teoria da impotência aprendida, os cães submetidos a choques apreenderam que os resultados eram independentes das respostas, de modo que tinham tanto déficit cognitivo motivacional (i. e., não tentariam escapar ao choque) quanto emocional (indicando uma reatividade diminuída ao choque). Na visão reformulada da impotência aprendida aplicada à depressão humana, acredita-se que explicações causais internas produzem uma perda de auto-estima após eventos exter-
DIAGNÓSTICO Além dos critérios diagnósticos para o transtorno depressivo maior e para os transtornos bipolares, o DSM-IV-TR inclui critérios específicos para transtornos do humor (Tab. 15.1-5 a 15.1-8) e critérios de gravidade (Tab. 15.1-9 a 15.1-11) para classificar o episódio mais recente. Transtorno depressivo maior O DSM-IV-TR lista os critérios para transtorno depressivo maior separadamente dos critérios de diagnósticos relacionados à depressão (Tab. 15.1-5) e também lista indicadores de gravidade para um episódio depressivo maior (Tab. 15.1-9). Transtorno depressivo maior, episódio único. O DSMIV-TR especifica os critérios diagnósticos para o primeiro episódio de transtorno depressivo maior (Tab. 15.1-12). A diferenciação entre esses pacientes e os que têm dois ou mais episódios de transtorno depressivo maior é justificada pelo curso incerto do transtorno prévio. Vários estudos relataram dados consistentes com a noção de que a depressão maior abarca um conjunto heterogêneo de transtornos. Um deles avaliou a estabilidade do diagnóstico de depressão maior em pacientes com o passar do tempo. De 25 a 50% dos pacientes foram mais tarde reclassificados como tendo uma condição psiquiátrica diferente ou uma condição médica não-psiquiátrica com sintomas psiquiátricos. Outro estudo avaliou os parentes de primeiro grau de pacientes
TRANSTORNOS DO HUMOR
TABELA 15.1-5 Critérios do DSM-IV-TR para episódio depressivo maior A. No mínimo cinco dos seguintes sintomas estiveram presentes durante o mesmo período de 2 semanas e representam uma alteração a partir do funcionamento anterior; pelo menos um dos sintomas é (1) humor deprimido ou (2) perda do interesse ou prazer. Nota: Não incluir sintomas nitidamente devidos a uma condição médica geral ou alucinações ou delírios incongruentes com o humor. (1) humor deprimido na maior parte do dia, quase todos os dias, indicado por relato subjetivo (p. ex., sente-se triste ou vazio) ou observação feita por terceiros (p. ex., chora muito). Nota: Em crianças e adolescentes, pode ser humor irritável. (2) acentuada diminuição do interesse ou prazer em todas ou quase todas as atividades na maior parte do dia, quase todos os dias (indicado por relato subjetivo ou observação feita por terceiros) (3) perda ou ganho significativo de peso sem estar em dieta (p. ex., mais de 5% do peso corporal em 1 mês), ou diminuição ou aumento do apetite quase todos os dias. Nota: Em crianças, considerar incapacidade de apresentar os ganhos de peso esperados (4) insônia ou hipersonia quase todos os dias (5) agitação ou retardo psicomotor quase todos os dias (observáveis por outros, não meramente sensações subjetivas de inquietação ou de estar mais lento) (6) fadiga ou perda de energia quase todos os dias (7) sentimento de inutilidade ou culpa excessiva ou inadequada (que pode ser delirante), quase todos os dias (não meramente auto-recriminação ou culpa por estar doente) (8) capacidade diminuída de pensar ou concentrar-se, ou indecisão, quase todos os dias (por relato subjetivo ou observação feita por outros) (9) pensamentos de morte recorrentes (não apenas medo de morrer), ideação suicida recorrente sem um plano específico, tentativa de suicídio ou plano específico para cometer suicídio B. Os sintomas não satisfazem os critérios para um episódio misto. C. Os sintomas causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. D. Os sintomas não se devem aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., droga de abuso ou medicamento) ou de uma condição médica geral (p. ex., hipotireoidismo). E. Os sintomas não são mais bem explicados por luto, ou seja, após a perda de um ente querido, os sintomas persistem por mais de 2 meses ou são caracterizados por acentuado prejuízo funcional, preocupação mórbida com desvalia, ideação suicida, sintomas psicóticos ou retardo psicomotor. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
com doença afetiva para determinar a presença e os tipos de diagnósticos psiquiátricos desses parentes com o passar do tempo. Constatou-se em ambos os estudos que os pacientes deprimidos com mais sintomas depressivos tinham maior probabilidade de ter diagnósticos estáveis com o passar do tempo e de ter parentes com doença afetiva do que os pacientes deprimidos com menos sintomas depressivos. Além disso, os pacientes com transtorno bipolar I ou II (episódios depressivos maiores com hipomania) têm mais probabilidade de ter um diagnóstico estável com o passar do tempo. Transtorno depressivo maior, recorrente. Os pacientes que estão experimentando pelo menos um segundo episódio de depressão são classificados no DSM-IV-TR como tendo transtorno depressivo maior, recorrente (Tab. 15.1-13). O principal
581
TABELA 15.1-6 Critérios do DSM-IV-TR para episódio maníaco A. Um período distinto de humor anormal e persistentemente elevado, expansivo ou irritável, com duração mínima de 1 semana (ou qualquer duração, se a hospitalização for necessária). B. Durante o período de perturbação do humor, três (ou mais) dos seguintes sintomas persistiram (quatro, se o humor é apenas irritável) e estiveram presentes em um grau significativo: (1) auto-estima inflada ou grandiosidade (2) redução da necessidade de sono (p. ex., sente-se refeito depois de apenas 3 horas de sono) (3) mais loquaz do que o habitual ou pressão por falar (4) fuga de idéias ou experiência subjetiva de que os pensamentos estão correndo (5) distratibilidade (i.e., a atenção é desviada com excessiva facilidade por estímulos externos insignificantes ou irrelevantes) (6) aumento da atividade dirigida a objetivos (socialmente, no trabalho, na escola ou sexualmente) ou agitação psicomotora (7) envolvimento excessivo em atividades prazerosas com um alto potencial para conseqüências dolorosas (p. ex., envolvimento em surtos incontidos de compras, indiscrições sexuais ou investimentos financeiros insensatos) C. Os sintomas não satisfazem os critérios para episódio misto. D. A perturbação do humor é suficientemente grave a ponto de causar prejuízo acentuado no funcionamento ocupacional, nas atividades sociais ou em relacionamentos costumeiros com outros, ou de exigir a hospitalização como um meio de evitar danos a si mesmo e a terceiros, ou existem características psicóticas. E. Os sintomas não se devem aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., uma droga de abuso, um medicamento ou outro tratamento) ou de uma condição médica geral (p. ex., hipertireoidismo). Nota: Episódios do tipo maníaco nitidamente causados por um tratamento antidepressivo somático (p. ex., medicamentos, fototerapia) não devem contar para um diagnóstico de transtorno bipolar I. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
problema ao se diagnosticar episódios recorrentes de transtorno depressivo maior é escolher o critério para designar a resolução de cada período. As duas variáveis são o grau de resolução dos sintomas e a duração da resolução. O DSM-IV-TR requer que episódios distintos de depressão sejam separados por pelo menos dois meses, durante os quais o paciente não tem sintomas significativos de depressão. Transtorno bipolar I O DSM-IV-TR apresenta uma lista separada de critérios para um episódio maníaco (Tab. 15.1-6). Ele requer a presença de um período distinto de estado de humor anormal durando no mínimo uma semana e inclui diagnósticos separados de transtorno bipolar I com um episódio maníaco único e um tipo específico de episódio recorrente, com base nos sintomas do episódio mais recente. A designação de transtorno bipolar I é sinônima ao que era anteriormente conhecido como transtorno bipolar – uma síndrome em que um conjunto completo de sintomas de mania ocorre durante o curso do transtorno. O DSM-IV-TR formalizou os critérios diagnósticos de transtorno bipolar II; é caracterizado por episódios depressivos e hipomaníacos (ver Tab. 15.1-7) durante
582
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 15.1-7 Critérios do DSM-IV-TR para episódio hipomaníaco A. Um período distinto de humor permanentemente elevado, expansivo ou irritável, com duração mínima de quatro dias, nitidamente diferente do humor habitual não-deprimido. B. Durante o período da perturbação do humor, três (ou mais) dos seguintes sintomas persistiram (quatro se o humor for apenas irritável) e estiveram presentes em um grau significativo: (1) auto-estima inflada ou grandiosidade (2) redução da necessidade de sono (p. ex., sente-se refeito depois de apenas três horas de sono) (3) maior loquocidade ou sentimento de pressão por falar (4) fuga de idéias ou sensação de que os pensamentos estão correndo (5) distratibilidade (i.e., a atenção é desviada com demasiada facilidade por estímulos externos insignificantes ou irrelevantes) (6) aumento da atividade dirigida a objetivos (socialmente, no trabalho, na escola ou sexualmente) ou agitação psicomotora (7) envolvimento excessivo em atividades prazerosas com alto potencial para conseqüências dolorosas (p. ex., envolverse em surtos desenfreados de compras, indiscrições sexuais ou investimentos financeiros insensatos) C. O episódio está associado com uma inequívoca alteração no funcionamento, que não é característica do indivíduo quando assintomático. D. A perturbação do humor e a alteração no funcionamento são observáveis por terceiros. E. O episódio não é suficientemente grave a ponto de causar prejuízo acentuado no funcionamento social ou ocupacional, ou de exigir hospitalização, nem existem características psicóticas. F. Os sintomas não se devem aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., droga de abuso, medicamento ou outro tratamento) ou de uma condição médica geral (p. ex., hipertireoidismo). Nota: Os episódios do tipo hipomaníaco nitidamente causados por um tratamento antidepressivo somático (p. ex., medicamentos, eletroconvulsoterapia e fototerapia) não devem contar para um diagnóstico de transtorno bipolar II. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
TABELA 15.1-8 Critérios do DSM-IV-TR para episódio misto A. Satisfazem-se os critérios tanto para episódio maníaco quanto para episódio depressivo maior (exceto pela duração), quase todos os dias, durante um período mínimo de 1 semana. B. A perturbação do humor é suficientemente grave a ponto de causar acentuado prejuízo no funcionamento ocupacional, em atividades sociais costumeiras ou em relacionamentos com terceiros ou de exigir a hospitalização para prevenir danos ao indivíduo ou a terceiros, ou existem características psicóticas. C. Os sintomas não se devem aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., droga de abuso, medicamento ou outro tratamento) ou de uma condição médica geral (p. ex., hipertireoidismo). Nota: Episódios do tipo misto causados por um tratamento antidepressivo somático (p. ex., medicamento, eletroconvulsoterapia, fototerapia) não devem contar para um diagnóstico de Transtorno Bipolar I. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
o curso do transtorno, mas os episódios de sintomas maníacosímiles não satisfazem inteiramente os critérios diagnósticos de uma síndrome maníaca completa. O DSM-IV-TR afirma que os episódios maníacos claramente precipitados por tratamento antidepressivo (p. ex., por farma-
TABELA 15.1-9 Critérios do DSM-IV-TR para especificadores de gravidade/psicótico/de remissão para episódio depressivo maior atual (ou mais recente) Nota: Codificar no quinto dígito. leve, moderado, grave sem características psicóticas e grave com características psicóticas podem ser aplicados somente se os critérios são atualmente satisfeitos para um episódio depressivo maior. Em remissão parcial e em remissão completa podem ser aplicados ao episódio depressivo maior mais recente no transtorno depressivo maior, e a um episódio depressivo maior no transtorno bipolar i ou no transtorno bipolar II, apenas se este é o tipo mais recente de episódio de humor. Leve: Poucos sintomas (se existem) além dos exigidos para o diagnóstico, e esses sintomas resultam apenas em pequeno prejuízo no funcionamento ocupacional, em atividades sociais habituais ou nos relacionamentos com os outros. Moderado: Sintomas de prejuízo funcional entre leve e grave. Grave sem características psicóticas: Diversos sintomas excedendo os necessários para fazer o diagnóstico, sendo que os sintomas interferem acentuadamente no funcionamento ocupacional, em atividades sociais habituais ou nos relacionamentos com os outros. Grave com características psicóticas: Delírios ou alucinações. Se possível, especificar se as características psicóticas são congruentes ou incongruentes com o humor. Características psicóticas congruentes com o humor: Delírios ou alucinações cujo conteúdo é inteiramente coerente com os temas depressivos típicos de inadequação pessoal, culpa, doença, morte, niilismo ou punição merecida. Características psicóticas incongruentes com o humor: Delírios ou alucinações cujo conteúdo não envolve os temas depressivos típicos de inadequação pessoal, culpa, doença, morte, niilismo ou punição merecida. Estão incluídos sintomas tais como delírios persecutórios (não diretamente relacionados aos temas depressivos), inserção de pensamentos, irradiação de pensamentos e delírios de controle. Em remissão parcial: Presença de sintomas de um episódio depressivo maior, porém não são satisfeitos todos os critérios ou existe um período sem quaisquer sintomas significativos de episódio depressivo maior, com duração mínima de dois meses após o término de um episódio depressivo maior. (Se o episódio depressivo maior esteve sobreposto a um transtorno distímico, o diagnóstico isolado de transtorno distímico é dado apenas quando não mais são satisfeitos todos os critérios para um episódio depressivo maior.) Em remissão completa: Durante os últimos dois meses, ausência de sinais ou sintomas significativos da perturbação. Inespecificado. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
coterapia ou eletroconvulsoterapia [ECT]) não indicam transtorno bipolar I. Transtorno bipolar I, episódio maníaco único. De acordo com o DSM-IV-TR, os pacientes precisam estar experimentando seu primeiro episódio maníaco para satisfazer os critérios para transtorno bipolar I, episódio maníaco único (Tab. 15.1-14). Este pré-requisito se apóia no fato de que pacientes que estão tendo seu primeiro episódio de depressão de transtorno bipolar I não podem ser distinguidos daqueles com transtorno depressivo maior. Transtorno bipolar I, recorrente. As questões relativas à definição do fim de um episódio de depressão também se aplicam à determinação do fim de um episódio de mania. No DSMIV-TR, os episódios são considerados distintos quando são separados por no mínimo dois meses sem sintomas significativos de
TRANSTORNOS DO HUMOR
TABELA 15.1-10 Critérios do DSM-IV-TR para especificadores de gravidade/psicótico/de remissão para episódio maníaco atual (ou mais recente) Nota: codificar no quinto dígito. Leve, moderado, grave sem características psicóticas e grave com características psicóticas podem ser aplicados somente se os critérios são atualmente satisfeitos para um episódio maníaco. Em remissão parcial e em remissão completa podem ser aplicados ao episódio maníaco no transtorno bipolar I apenas se é este o tipo mais recente de episódio de humor. Leve: Satisfaz os critérios sintomatológicos mínimos para um episódio maníaco. Moderado: Extremo aumento da atividade ou prejuízo no julgamento. Grave sem características psicóticas: É necessária supervisão quase contínua para evitar danos físicos ao próprio indivíduo ou a terceiros. Grave com características psicóticas: Delírios ou alucinações. Se possível, especificar se as características psicóticas são congruentes ou incongruentes com o humor: Características psicóticas congruentes com o humor: Delírios ou alucinações cujo conteúdo é inteiramente coerente com os temas maníacos típicos de aumento do valor, poder, conhecimentos ou identidade, ou é relativo a alguma divindade ou pessoa famosa. Características psicóticas incongruentes com o humor: Delírios ou alucinações cujo conteúdo não envolve os temas maníacos típicos de aumento do valor, poder, conhecimentos ou identidade nem possui relação especial com uma divindade ou pessoa famosa. São incluídos sintomas tais como delírios persecutórios (não diretamente relacionados com idéias ou temas grandiosos), inserção de pensamentos e delírios de ser controlado. Em remissão parcial: Presença de sintomas de um episódio maníaco que não satisfaça todos os critérios, ou existência de um período sem quaisquer sintomas significativos de episódio maníaco com duração inferior a dois meses após o término do episódio maníaco. Em remissão completa: Durante os últimos dois meses, ausência de sinais ou sintomas significativos da perturbação. Inespecificado. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
mania ou hipomania. O manual especifica os critérios diagnósticos para transtorno bipolar I recorrente com base nos sintomas do episódio mais recente: transtorno bipolar I, episódio mais recente maníaco (Tab. 15.1-15); transtorno bipolar I, episódio mais recente hipomaníaco (Tab. 15.1-16); transtorno bipolar I, episódio mais recente depressivo (Tab. 15.1-17); transtorno bipolar I, episódio mais recente misto (Tab. 15.1-18); e transtorno bipolar I, episódio mais recente inespecificado (Tab. 15.1-19). Transtorno bipolar II Os critérios diagnósticos de transtorno bipolar II especificam gravidade, freqüência e duração dos sintomas hipomaníacos. Os critérios diagnósticos para episódio hipomaníaco (Tab. 15.1-7) são listados separadamente daqueles para transtorno bipolar II (Tab. 15.1-20). Os critérios foram estabelecidos para diminuir o diagnóstico excessivo de episódios hipomaníacos e a classificação incorreta de pacientes com transtorno depressivo maior como portadores de transtorno bipolar II. Clinicamente, os psiquiatras podem achar difícil distinguir a eutimia da hipomania em um paciente que esteve deprimido de forma crônica por muitos meses ou anos. Como com o transtorno bipolar I, os episódios hipomaníacos induzidos por antidepressivos não são diagnósticos de transtorno bipolar II.
583
TABELA 15.1-11 Critérios do DSM-IV-TR para especificadores de gravidade/psicótico/de remissão para episódio misto atual (ou mais recente) Nota: Codificar no quinto dígito. Leve, moderado, grave sem características psicóticas e grave com características psicóticas podem ser aplicados somente se os critérios são atualmente satisfeitos para um episódio misto. Em remissão parcial e em remissão completa podem ser aplicados ao episódio misto no transtorno bipolar I apenas se este é o tipo mais recente de episódio de humor. Leve: Satisfaz os critérios sintomatológicos mínimos para um episódio maníaco ou um episódio depressivo maior. Moderado: Sintomas ou prejuízo funcional entre leve e grave. Grave sem características psicóticas: É necessária supervisão quase contínua para evitar danos físicos ao próprio indivíduo ou a terceiros. Grave com características psicóticas: Delírios ou alucinações. Se possível, especificar se as características psicóticas são congruentes ou incongruentes com o humor: Características psicóticas congruentes com o humor: Delírios ou alucinações cujo conteúdo é inteiramente coerente com os temas maníacos ou depressivos típicos. Características psicóticas incongruentes com o humor: Delírios ou alucinações cujo conteúdo não envolve temas maníacos ou depressivos típicos. São incluídos sintomas tais como delírios persecutórios (não diretamente relacionados com temas grandiosos ou depressivos), inserção de pensamentos e delírios de ser controlado. Em remissão parcial: Presença de sintomas de um episódio misto que não satisfaça todos os critérios, ou existência de um período sem quaisquer sintomas significativos de episódio com duração inferior a dois meses após o término de um episódio maníaco. Em remissão completa: Durante os dois últimos meses, ausência de sinais ou sintomas significativos da perturbação. Inespecificado. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
TABELA 15.1-12 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno depressivo maior, episódio único A. Presença de um único episódio depressivo maior. B. O episódio depressivo maior não é melhor explicado por um transtorno esquizoafetivo nem está sobreposto a esquizofrenia, transtorno esquizofreniforme, transtorno delirante ou transtorno psicótico sem outra especificação. C. Jamais houve um episódio maníaco, um episódio misto ou um episódio hipomaníaco. Nota: Esta exclusão não se aplica se todos os episódios de tipo maníaco, tipo misto ou tipo hipomaníaco são induzidos por substância ou tratamento ou se devem aos efeitos fisiológicos diretos de uma condição médica geral. Se os critérios são atualmente satisfeitos para um episódio depressivo maior, especificar sua condição clínica e/ou suas características: Leve, moderado, grave sem características psicóticas/grave com características psicóticas Crônico Com características catatônicas Com características melancólicas Com características atípicas Com início no pós-parto Se os critérios não são atualmente satisfeitos para um episódio depressivo maior, especificar a condição clínica atual do transtorno depressivo maior ou as características do episódio mais recente: Em remissão parcial, em remissão completa Crônico Com características catatônicas Com características melancólicas Com características atípicas Com início no pós-parto De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
584
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 15.1-13 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno depressivo maior, recorrente A. Presença de dois ou mais episódios depressivos maiores. Nota: Para serem considerados episódios distintos, deve haver um intervalo de pelo menos dois meses consecutivos durante os quais não são satisfeitos os critérios para episódio depressivo maior. B. Os episódios depressivos maiores não são melhor explicados por transtorno esquizoafetivo nem estão sobrepostos a esquizofrenia, transtorno esquizofreniforme, transtorno delirante ou transtorno psicótico sem outra especificação. C. Jamais houve um episódio maníaco, um episódio misto ou um episódio hipomaníaco. Nota: Esta exclusão não se aplica se todos os episódios de tipo maníaco, tipo misto ou tipo hipomaníaco são induzidos por substância ou tratamento ou se devem aos efeitos fisiológicos diretos de uma condição médica geral. Se os critérios são atualmente satisfeitos para um episódio depressivo maior, especificar sua condição clínica e/ou as características: Leve, moderado, grave sem características psicóticas/grave com características psicóticas Crônico Com característica catatônicas Com características melancólicas Com características atípicas Com início no pós-parto Se os critérios não são atualmente satisfeitos para um episódio depressivo maior, especificar a condição clínica atual do transtorno depressivo maior ou as características do episódio mais recente: Em remissão parcial, em remissão completa Crônico Com características catatônicas Com características melancólicas Com características atípicas Com início no pós-parto Especificar Especificadores de curso longitudinal (com e sem recuperação entre os episódios) Com padrão sazonal De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
Especificadores descrevendo o episódio mais recente Além de especificadores de gravidade/psicose/remissão (Tab. 15.19 a 15.1-11), o DSM-IV-TR define manifestações adicionais de sintomas que podem ser utilizadas para descrever pacientes com vários transtornos do humor. Duas das manifestações transversas (melancólica e atípica) limitam-se a descrever episódios depressivos. Duas outras (manifestações catatônicas e com início no pósparto) podem ser aplicadas a episódios depressivos e maníacos. Com manifestações psicóticas. A presença de manifestações psicóticas (Tab. 15.1-9) no transtorno depressivo maior reflete doença grave e é um indicador de mau prognóstico. Uma revisão da literatura comparando o transtorno depressivo maior psicótico com o não-psicótico indica que as duas condições podem ser distintas em sua patogênese. Uma diferença é que o transtorno bipolar I é mais comum em famílias de probandos com depressão psicótica do que em famílias de probandos com depressão não-psicótica. Os sintomas psicóticos são, por vezes, categorizados em congruentes com o humor, isto é, em harmonia com o transtorno do humor (“Mereço ser punido porque sou tão mau”),
TABELA 15.1-14 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno bipolar I, episódio maníaco único A. Presença de apenas um episódio maníaco e ausência de qualquer episódio depressivo maior no passado. Nota: A recorrência é definida como uma mudança de polaridade a partir da depressão ou depois de um intervalo de pelo menos dois meses sem sintomas maníacos. B. O episódio maníaco não é melhor explicado por transtorno esquizoafetivo nem está sobreposto a esquizofrenia, transtorno esquizofreniforme, transtorno delirante ou transtorno psicótico sem outra especificação. Especificar se: Misto: quando os sintomas satisfazem os critérios para um episódio misto. Se os critérios são atualmente satisfeitos para um episódio maníaco, misto ou depressivo maior, especificar sua condição clínica e/ou suas características: Leve, moderado, grave sem características psicóticas/grave com características psicóticas Com características catatônicas Com início no pós-parto Se os critérios não são atualmente satisfeitos para um episódio maníaco, misto ou depressivo maior, especificar a condição clínica atual do transtorno bipolar I ou as características do episódio mais recente: Em remissão parcial, em remissão completa Com características catatônicas Com início no pós-parto De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
TABELA 15.1-15 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno bipolar I, episódio mais recente maníaco A. Atualmente (ou mais recentemente) em episódio maníaco. B. Houve, anteriormente, no mínimo um episódio depressivo maior, episódio maníaco ou episódio misto. C. Os episódios de humor nos Critérios A e B não são melhor explicados por transtorno esquizoafetivo nem estão sobrepostos a esquizofrenia, transtorno esquizofreniforme, transtorno delirante ou transtorno psicótico sem outra especificação. Se os critérios são atualmente satisfeitos para um episódio maníaco, especificar a condição e/ou as características clínicas: Leve, moderado, grave sem características psicóticas/grave com características psicóticas Com características catatônicas Com início no pós-parto Se os critérios não são atualmente satisfeitos para um episódio maníaco, especificar a condição clínica atual do transtorno bipolar I e/ou as características do episódio maníaco mais recente: Em remissão parcial, em remissão completa Com características catatônicas Com início no pós-parto Especificar: Especificadores de curso longitudinal (com ou sem recuperação entre os episódios) Com padrão sazonal (aplica-se apenas ao padrão de episódios depressivos maiores) Com ciclagem rápida De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
ou incongruentes com o humor, em desarmonia com o transtorno do humor. Os pacientes com manifestações do primeiro tipo apresentam uma condição psicótica de transtorno do humor; con-
TRANSTORNOS DO HUMOR
TABELA 15.1-16 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno bipolar I, episódio mais recente hipomaníaco A. Atualmente (ou mais recentemente) em um episódio hipomaníaco. B. Houve, anteriormente, pelo menos um episódio maníaco ou episódio misto. C. Os sintomas de humor causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. D. Os episódios de humor nos Critérios A e B não são melhor explicados por transtorno esquizoafetivo nem estão sobrepostos a esquizofrenia, transtorno esquizofreniforme, transtorno delirante ou transtorno psicótico sem outra especificação. Especificar: Especificadores de curso longitudinal (com ou sem recuperação entre os episódios) Com padrão sazonal (aplica-se apenas ao padrão de episódios depressivos maiores) Com ciclagem rápida De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
TABELA 15.1-17 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno bipolar I, episódio mais recente depressivo A. Atualmente (ou mais recentemente) em um episódio depressivo maior. B. Houve, anteriormente, no mínimo um episódio maníaco ou episódio misto. C. Os episódios de humor nos Critérios A e B não são melhor explicados por transtorno esquizoafetivo nem estão sobrepostos a esquizofrenia, transtorno esquizofreniforme, transtorno delirante ou transtorno psicótico sem outra especificação. Se os critérios são atualmente satisfeitos para um episódio depressivo maior, especificar sua condição e/ou as características clínicas: Leve, moderado, grave sem características psicóticas/grave com características psicóticas Crônico Com características catatônicas Com características melancólicas Com características atípicas Com início no pós-parto Se os critérios não são atualmente satisfeitos para um episódio depressivo maior, especificar sua condição clínica atual do transtorno bipolar i e/ou as características do episódio depressivo maior mais recente: Em remissão parcial, em remissão completa Crônico Com características catatônicas Com características melancólicas Com características atípicas Com início no pós-parto Especificar: Especificadores de curso longitudinal (com ou sem recuperação entre os episódios) Com padrão sazonal (aplica-se apenas ao padrão de episódios depressivos maiores) Com ciclagem rápida De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
tudo, os pacientes com o segundo tipo podem ter transtorno esquizoafetivo ou esquizofrenia. Os seguintes fatores têm se associado a mau prognóstico para pacientes com transtornos do humor: longa duração dos episódios, dissociação temporal entre o transtorno do humor e sinto-
585
TABELA 15.1-18 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno bipolar I, episódio mais recente misto A. Atualmente (ou mais recentemente) em um episódio misto. B. Houve, anteriormente, pelo menos um episódio depressivo maior, episódio maníaco ou episódio misto. C. Os episódios de humor nos Critérios A e B não são melhor explicados por transtorno esquizoafetivo nem estão sobrepostos a esquizofrenia, transtorno esquizofreniforme, transtorno delirante ou transtorno psicótico sem outra especificação. Se os critérios são atualmente satisfeitos para um episódio misto, especificar a condição e/ou as características clínicas: Leve, moderado, grave sem características psicóticas/graves com características psicóticas Com características catatônicas Com início no pós-parto Se os critérios não são atualmente satisfeitos para um episódio misto, especificar a condição clínica atual do transtorno bipolar I e/ou as características do episódio misto mais recente: Em remissão parcial, em remissão completa Com características catatônicas Com início no pós-parto Especificar: Especificadores de curso longitudinal (com ou sem recuperação entre os episódios) Com padrão sazonal (aplica-se apenas ao padrão de episódios depressivos maiores) Com ciclagem rápida De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
TABELA 15.1-19 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno bipolar I, episódio inespecificado A. Os critérios, exceto pela duração, são atualmente (ou foram mais recentemente) satisfeitos para episódio maníaco, episódio hipomaníaco, episódio misto ou episódio depressivo maior. B. Houve, anteriormente, no mínimo um episódio maníaco ou episódio misto. C. Os sintomas de humor causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. D. Os sintomas de humor nos Critérios A e B não são melhor explicados por um transtorno esquizoafetivo nem estão sobrepostos a esquizofrenia, transtorno esquizofreniforme, transtorno delirante ou transtorno psicótico sem outra especificação. E. Os sintomas de humor nos Critérios A e B não se devem aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., droga de abuso, medicamento ou outro tratamento) ou de uma condição médica geral (p. ex., hipertireoidismo). Especificar: Especificadores de curso longitudinal (com ou sem recuperação entre os episódios) Com padrão sazonal (aplica-se apenas ao padrão de episódios depressivos maiores) Com ciclagem rápida De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
mas psicóticos e uma história de mau ajustamento social prémórbida. A presença de manifestações psicóticas também tem implicações significativas para o tratamento. Esses pacientes tipicamente necessitam de medicamentos antipsicóticos além dos antidepressivos e estabilizadores do humor e podem necessitar de ECT para conseguir melhora clínica.
586
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 15.1-20 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno bipolar II A. Presença (ou história) de um ou mais episódios depressivos maiores. B. Presença (ou história) de pelo menos um episódio hipomaníaco. C. Jamais houve um episódio maníaco ou um episódio misto. D. Os sintomas de humor nos Critérios A e B não são melhor explicados por transtorno esquizoafetivo nem estão sobrepostos a esquizofrenia, transtorno esquizofreniforme, transtorno delirante ou transtorno psicótico sem outra especificação. E. Os sintomas causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. Especificar episódio atual ou mais recente: Hipomaníaco: se atualmente (ou mais recentemente) em episódio hipomaníaco Depressivo: se atualmente (ou mais recentemente) em episódio depressivo maior Se os critérios são atualmente satisfeitos para um episódio depressivo maior, especificar a condição clínica atual e/ou as características: Leve, moderado, grave sem características psicóticas/grave com características psicóticas. Nota: Os códigos do quinto dígito não podem ser usados aqui, pois o código para o transtorno bipolar II já usa o quinto dígito Crônico Com características catatônicas Com características melancólicas Com características atípicas Com início no pós-parto Se os critérios não são atualmente satisfeitos para um episódio hipomaníaco ou uma depressivo maior, especificar a condição clínica do transtorno bipolar II e/ou as características do episódio depressivo maior mais recente (somente se este for o tipo mais recente de episódio de humor): Em remissão parcial, em remissão completa. Nota: Os códigos do quinto dígito não podem ser usados aqui, pois o código para o Transtorno Bipolar II já usa o quinto dígito Crônico Com características catatônicas Com características melancólicas Com características atípicas Com início no pós-parto Especificar: Especificadores de curso longitudinal (com ou sem recuperação entre os episódios). Com padrão sazonal (aplica-se apenas ao padrão de episódios depressivos maiores) Com ciclagem rápida De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
Com manifestações melancólicas. Melancolia é um dos termos mais antigos utilizados em psiquiatria, remontando a Hipócrates, no século IV a.C., para descrever o humor negro da depressão. Ainda é utilizado para se referir a uma depressão caracterizada por anedonia grave, despertar precoce na madrugada, perda de peso e sentimentos profundos de culpa (por vezes por acontecimentos triviais). Não é incomum pacientes melancólicos terem ideação suicida. A melancolia se associa a alterações no sistema nervoso autônomo e nas funções endócrinas. Por essa razão, a melancolia é algumas vezes referida como “depressão endógena” ou que se origina na ausência de estressores ou precipitantes externos da vida. As manifestações melancólicas do DSMIV-TR podem ser aplicadas a episódios depressivos maiores no transtorno depressivo maior, no transtorno bipolar I ou no transtorno bipolar II (Tab. 15.1-21).
TABELA 15.1-21 Critérios do DSM-IV-TR para especificador com características melancólicas
Especificar se: Com características melancólicas (pode ser aplicado ao episódio depressivo maior atual ou mais recente no transtorno depressivo maior, ou a um episódio depressivo maior no transtorno bipolar I ou transtorno bipolar II, apenas se este é o tipo mais recente de episódio de humor) A. Qualquer um dos seguintes quesitos, ocorrendo durante o período mais grave do episódio atual: (1) perda de prazer por todas (ou quase todas) as atividades (2) falta de reatividade a estímulos habitualmente agradáveis (não se sente muito melhor, mesmo temporariamente, quando acontece algo agradável) B. Três (ou mais) dos seguintes quesitos: (1) qualidade distinta de humor depressivo (i.e., o humor depressivo é vivenciado como nitidamente diferente do tipo de sentimento experimentado após a morte de um ente querido) (2) depressão regularmente pior pela manhã (3) despertar muito cedo pela manhã (pelo menos 2 horas antes do horário habitual) (4) acentuado retardo ou agitação psicomotora (5) anorexia ou perda de peso significativa (6) culpa excessiva ou inadequada De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
Com manifestações atípicas. A introdução de uma depressão formalmente definida com manifestações atípicas é uma resposta aos dados clínicos e de pesquisa indicando que pacientes com manifestações atípicas têm características específicas, predizíveis: excesso de apetite e de sono. Esses sintomas por vezes têm sido referidos como sintomas vegetativos reversos, e o seu padrão tem sido considerado como uma disforia histeróide. Quando os pacientes com um transtorno depressivo maior com essas manifestações são comparados a pacientes sem essas características, verifica-se que os primeiros têm idade mais jovem de início, lentificação psicomotora mais grave e diagnósticos coexistentes mais freqüentes de transtorno de pânico, abuso ou dependência de drogas e transtorno de somatização. A alta incidência e a gravidade de sintomas de ansiedade em pacientes com manifestações atípicas têm sido correlacionadas em algumas pesquisas com a probabilidade de serem classificados de forma equivocada como tendo um transtorno de ansiedade em vez de um transtorno do humor. Esses pacientes também têm a probabilidade de ter um curso de longo prazo, um diagnóstico de transtorno bipolar I ou um padrão sazonal de seu transtorno. A principal implicação para o tratamento de pacientes com manifestações atípicas é que eles têm mais probabilidade de responder aos inibidores da monoaminoxidase (IMAOs) do que aos medicamentos tricíclicos. O significado das manifestações atípicas permanece controverso, assim como a resposta preferencial ao tratamento com os IMAOs. Além disso, a ausência de critérios diagnósticos específicos limitou a capacidade dos pesquisadores em avaliar a validade dos critérios e a prevalência do transtorno, bem como a existência de quaisquer outros fatores biológicos ou psicológicos que possam diferenciá-lo de outros padrões de sintomas. As manifestações atípicas do DSM-IV-TR podem ser aplicadas aos episódios depressivos maiores mais recentes no transtorno depressivo maior, no transtorno bipolar I, no transtorno bipolar II ou no transtorno distímico (Tab. 15.1-22).
TRANSTORNOS DO HUMOR
TABELA 15.1-22 Critérios do DSM-IV-TR para especificador com características atípicas
Especificar se: Com características atípicas: (pode ser aplicado quando estas características predominam durante as duas semanas mais recentes de um episódio depressivo maior no transtorno depressivo maior ou no transtorno bipolar I ou transtorno bipolar II, quando o episódio depressivo maior é o tipo mais recente de episódio de humor, ou quando estas características predominam durante os dois anos mais recentes de transtorno distímico; se o episódio depressivo maior não é atual, aplica-se caso as características predominem durante um período de duas semanas) A. Reatividade do humor (i.e., o humor melhora em resposta a eventos positivos reais ou potenciais) B. Duas (ou mais) das seguintes características: (1) ganho de peso ou aumento do apetite significativos (2) hipersonia (3) paralisia “de chumbo” (i.e., sensações de peso, de ter chumbo nos braços ou nas pernas) (4) padrão persistente de sensibilidade à rejeição interpessoal (não limitado aos episódios de perturbação do humor) que resulta em prejuízo social ou ocupacional significativo C. Não são satisfeitos os critérios de características melancólicas ou de características catatônicas durante o mesmo episódio. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
G. é uma jovem de 17 anos, estudante do ensino médio, que foi encaminhada para avaliação após tentar suicídio com uma dose excessiva de comprimidos. Mais cedo, na noite da tentativa, teve um atrito com sua mãe devido a um pedido para encomendar pizza. A paciente se lembra de sua mãe dizer que ela era uma “moleca mimada” e perguntar se ela poderia ser mais feliz vivendo em outro lugar. A paciente, sentindo-se rejeitada e triste, foi para seu quarto e escreveu um bilhete dizendo que estava tendo uma crise mental e que amava seus pais, mas não conseguia se comunicar com eles. Acrescentou um pedido para que seus bichinhos de vidro favoritos fossem dados a uma amiga em particular. Os pais, que tinham ido ao cinema, voltaram para casa mais tarde naquela noite, encontraram-na em coma e imediatamente a levaram ao pronto-socorro do hospital. Durante os últimos dois meses, G. chorava com freqüência e tinha perdido o interesse em seus amigos, na escola e em atividades sociais. Ela vinha comendo cada vez mais e recentemente começara a aumentar de peso, com o que sua mãe estava muito descontente. G. diz que sua mãe está sempre a alfinetando sobre “cuidar de si própria”; de fato, o atrito na noite de sua tentativa de suicídio foi sobre o desejo de encomendar uma pizza, que sua mãe achava que ela não precisava. A mãe relata que tudo o que a filha parece querer é dormir e que ela nunca quer sair com seus amigos e auxiliá-la na casa. Quando questionada sobre mudanças em seu hábito de sono, G. admite que tem se sentido muito cansada ultimamente e que por vezes sente como se não houvesse nada por que valesse a pena se levantar da cama. Ela menciona que está excitada com a visita próxima de seu namorado, que freqüenta uma faculdade a uma distância considerável e que não vem para a casa há vários meses.
587
Na avaliação, é aparente que essa adolescente, a terceira de três filhos de pais muito inteligentes de classe média alta, está em luta com uma visão de si própria como menos brilhante, inteligente e atraente do que os dois irmãos. Ela se sente ignorada e rejeitada por sua mãe, aparentemente onipresente. A filha está tendo dificuldade em desenvolver um sentimento de separação da mãe e uma imagem de sua identidade individual. Experimentou as diretivas da mãe como uma interferência em seu esforço para expressar autonomia e independência. (De DSM-IV Case Studies). Com manifestações catatônicas. A decisão de incluir uma classificação específica para manifestações catatônicas (Tab. 15.123) na categoria de transtornos do humor foi motivada por dois fatores. Primeiro, como os autores pretendiam que o DSM-IVTR servisse de guia no diagnóstico diferencial de transtornos mentais, a inclusão de um tipo catatônico especificamente de transtornos do humor equilibra a presença de um tipo catatônico de esquizofrenia. Como sintoma, a catatonia pode estar presente em vários transtornos mentais, com mais freqüência na esquizofrenia e nos transtornos do humor. Segundo, embora ainda não completamente estudada, a presença de manifestações catatônicas em pacientes com transtornos do humor provavelmente mostrará ter um significado para o prognóstico e para o tratamento. Os sintomas capitais de catatonia – estupor, afetividade embotada, reclusão extrema, negativismo e lentificação psicomotora marcante – podem ser observados tanto na esquizofrenia catatônica como na não-catatônica, no transtorno depressivo maior (por vezes com manifestações psicóticas) e em doenças médicas e neurológicas, mas os sintomas são provavelmente associados com mais freqüência ao transtorno bipolar I. Os clínicos não costumam associar sintomas catatônicos com este transtorno devido ao contraste notável entre os sintomas da catatonia estuporosa e os sintomas clássicos de mania. Em vista de os sintomas catatônicos serem uma síndrome comportamental aparecendo em várias condições médicas e
TABELA 15.1-23 Critérios do DSM-IV-TR para especificador com características catatônicas
Especificar se: Com características catatônicas (pode ser aplicado a episódio depressivo maior, episódio maníaco ou episódio misto atual ou mais recente no transtorno depressivo maior, no transtorno bipolar I ou no transtorno bipolar II) Predomínio de no mínimo dois dos seguintes aspectos: (1) imobilidade evidenciada por catalepsia (incluindo flexibilidade cérea) ou estupor (2) atividade motora excessiva (aparentemente sem propósito e não influenciada por estímulos externos) (3) negativismo extremo (resistência aparentemente imotivada a todas as instruções ou manutenção de uma postura rígida, contrariando tentativas de mobilização) ou mutismo (4) peculiaridades dos movimentos voluntários, evidenciadas por posturas (adoção voluntária de posturas inadequadas ou bizarras), movimentos estereotipados, maneirismos ou trejeitos faciais proeminentes (5) ecolalia ou ecopraxia De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
588
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
psiquiátricas, não implicam um diagnóstico único. No DSMIV-TR, manifestações catatônicas podem ser associadas ao episódio mais recente, maníaco ou depressivo maior, no transtorno depressivo maior, no transtorno bipolar I ou no transtorno bipolar II. Com início no pós-parto. O DSM-IV-TR possibilita a especificação de transtorno do humor com início no pós-parto se os sintomas se manifestarem no período de quatro semanas do pós-parto (Tab. 15.1-24). Os transtornos mentais pós-parto comumente incluem sintomas psicóticos. (A psicose pós-parto é discutida no Capítulo 14, Seção 14.4). Crônico. O DSM-IV-TR apresenta a especificação de crônico para descrever episódios depressivos maiores que ocorrem como parte de um transtorno depressivo maior, transtorno bipolar I e transtorno bipolar II (Tab. 15.1-25). Descrição do curso de episódios recorrentes O DSM-IV-TR inclui critérios para três especificadores distintos do curso dos transtornos do humor. O especificador de curso com ciclagem rápida (Tab. 15.1-26) é restrito aos transtornos bipolar I e II. Dois outros especificadores de curso, com padrão sazonal (Tab. 15.127) e com ou sem recuperação interepisódica completa (Tab. 15.128), podem ser aplicados ao transtorno bipolar I, ao transtorno bipolar II e ao transtorno depressivo maior recorrente. O especificador de curso com início no pós-parto pode ser aplicado a episódios maníacos e depressivos de transtorno bipolar I, transtorno bipolar II, transtorno depressivo maior e transtorno psicótico breve.
TABELA 15.1-24 Critérios do DSM-IV-TR para especificador com início no pós-parto
Especificar se: Com início no pós-parto (pode ser aplicado a episódio depressivo maior, maníaco ou misto atual ou mais recente em transtorno depressivo maior, transtorno bipolar I ou II, ou a um transtorno psicótico breve) O início do episódio ocorre dentro de quatro semanas do período pós-parto De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
TABELA 15.1-25 Critérios do DSM-IV-TR para especificador crônico
Especificar se: Crônico (pode ser aplicado ao episódio depressivo maior atual ou ao mais recente no transtorno depressivo maior, e a um episódio depressivo maior no transtorno bipolar I ou II apenas se este for o tipo mais recente de episódio de humor) Todos os critérios para episódio depressivo maior foram satisfeitos continuamente, pelo período mínimo de dois anos. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
TABELA 15.1-26 Critérios do DSM-IV-TR para especificador com ciclagem rápida
Especificar se: Com ciclagem rápida (pode ser aplicado ao transtorno bipolar I ou II) Nos últimos 12 meses, no mínimo quatro episódios de perturbação do humor que satisfazem os critérios para episódio depressivo maior, episódio maníaco, misto ou hipomaníaco Nota: Os episódios são demarcados por uma remissão parcial ou completa com duração mínima de dois meses, ou por uma virada para um episódio de polaridade oposta (p. ex., de episódio depressivo maior para episódio maníaco). De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
TABELA 15.1-27 Critérios do DSM-IV-TR para especificador com padrão sazonal
Especificar se: Com padrão sazonal (pode ser aplicado ao padrão de episódios depressivos maiores no transtorno bipolar I, II ou transtorno depressivo maior, recorrente) A. Há uma relação temporal regular entre o início dos episódios depressivos maiores no transtorno bipolar I, II ou no transtorno depressivo maior, recorrente, e uma determinada estação do ano (p. ex., aparecimento regular do episódio depressivo maior no outono ou no inverno). Nota: Não incluir os casos nos quais existe um óbvio efeito de estressores psicossociais relacionados à estação (p. ex., estar regularmente desempregado a cada inverno). B. Remissões completas (ou uma mudança de depressão para mania ou hipomania) também ocorrem em uma época característica do ano (p. ex., a depressão desaparece na primavera). C. Nos últimos dois anos, ocorreram dois episódios depressivos Maiores, demonstrando as relações temporais sazonais definidas nos Critérios A e B, e nenhum episódio depressivo maior não-sazonal ocorreu durante o mesmo período. D. Os episódios depressivos maiores sazonais (como recémdescritos) superam em grande número os episódios depressivos maiores não-sazonais que podem ter ocorrido durante a vida do indivíduo. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
TABELA 15.1-28 Critérios do DSM-IV-TR para especificadores de curso longitudinal
Especificar se (pode ser aplicado a transtorno depressivo maior recorrente ou transtorno bipolar I ou II): Com recuperação completa entre os episódios: se a remissão completa é alcançada entre os dois episódios de humor mais recentes Sem recuperação completa entre os episódios: se a remissão completa não é alcançada entre os dois episódios de humor mais recentes De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
Ciclagem rápida. Os pacientes com transtorno bipolar I com ciclagem rápida têm probabilidade de ser mulheres e de ter tido episódios maníacos e depressivos. Nenhum dado indica que a ciclagem rápida apresenta padrão familiar de herança. Assim, um
TRANSTORNOS DO HUMOR
fator externo, como estresse ou tratamento medicamentoso, pode estar envolvido na sua patogênese. Os critérios do DSM-IV-TR especificam que o paciente precisa ter pelo menos quatro episódios dentro de um período de 12 meses (Tab. 15.1-26). Quando a desesperada esposa do Sr. E. finalmente conseguiu que ele concordasse com a hospitalização para uma avaliação abrangente, ele tinha 37 anos, estava desempregado e estivera incapacitado por vários anos. Após uma semana em que ele festejou todas as noites e fez compras todos os dias, a esposa disse que ia deixá-lo se ele não se internasse em um hospital psiquiátrico. O psiquiatra que o internou achou-o um homem de fala rápida, jovial, sedutor, sem evidências de delírios ou alucinações. Os problemas de E. começaram sete anos antes, quando estava trabalhando como coordenador de seguros e teve alguns meses de sintomas depressivos leves intermitentes, ansiedade, fadiga, insônia e perda do apetite. Naquela época, atribuiu esses sintomas a estresse no trabalho e, em poucos meses, voltou a ser o que era antes. Alguns anos mais tarde, foi detectado um tumor assintomático na tireóide durante um exame médico de rotina. Um mês após a remoção do tumor, um cisto papilar, E. observou mudanças drásticas do humor. Cerca de 25 dias de energia marcante, hiperatividade e euforia foram seguidos por cinco dias de depressão, durante os quais dormia muito e sentia que dificilmente poderia se movimentar. Esse padrão de períodos alternantes de euforia e depressão, aparentemente com poucos dias “normais”, se repetiu de forma contínua nos anos seguintes. Durante seus períodos ativos, E. era otimista e autoconfiante, mas facilmente estourado e irritado. Seu julgamento no trabalho era errático. Gastava grandes quantias de dinheiro em compras desnecessárias e que não tinham muito a ver com ele, como um sistema estéreo de preço elevado e vários cachorros pinschers Doberman. Teve também várias escapadas sexuais impulsivas. Durante seus períodos depressivos, por vezes ficava na cama todo o dia devido a fadiga, falta de motivação e humor depressivo. Sentia-se culpado sobre as irresponsabilidades e os excessos das semanas prévias. Parava de comer, tomar banho e fazer a barba. Após vários dias de reclusão, E. levantava da cama numa manhã se sentindo melhor e, em dois dias, voltava ao trabalho, por vezes trabalhando de forma compulsiva, embora sem eficiência, para recuperar o trabalho que tinha deixado atrasar nos períodos depressivos. Ainda que tanto ele como sua esposa negassem qualquer uso de drogas, exceto por surtos de beber nos períodos hiperativos, E. fora demitido de seu trabalho cinco anos antes porque seu supervisor estava convencido de que sua hiperatividade era decorrente do uso de drogas. Sua esposa o sustentou desde então. Quando finalmente concordou com uma avaliação psiquiátrica dois anos antes, ele não estava nada cooperativo e não aderia aos vários medicamentos que lhe foram prescritos, incluindo lítio, neurolépticos e antidepressivos. Suas oscilações de humor continuaram sem interrupção até a hospitalização corrente.
589
No hospital, os resultados de seu exame físico, exames de química do sangue, hemograma, tomografia computadorizada do encéfalo e testes cognitivos não apresentaram alterações. Os testes de função da tireóide revelaram alguma evidência de hipofunção, mas não havia sinais clínicos de doença da tireóide. Após uma semana, ele mudou para seu estado depressivo característico. DISCUSSÃO O diagnóstico de transtorno bipolar I, episódio mais recente maníaco, não é difícil de ser feito neste caso. Em seus períodos ativos, E. tinha sintomas característicos de um episódio maníaco: redução da necessidade de sono, hiperatividade, loquacidade e envolvimento excessivo em atividades prazerosas, sem pensar nas conseqüências. Em seus períodos depressivos, satisfazia os critérios para os sintomas, mas não para a duração de episódio depressivo maior. Como teve mais do que quatro episódios de mania no período de um ano, separados por períodos de depressão, o transtorno bipolar I se qualifica adicionalmente como de ciclagem rápida. De forma diferente de E., nem todas as pessoas com ciclagem rápida experimentam mudanças previsíveis de mania para depressão sem períodos intermediários de eutimia. A ciclagem rápida em geral envolve um ou mais episódios maníacos ou hipomaníacos, como neste caso, mas também é diagnosticada se todos os episódios são depressivos, maníacos ou hipomaníacos, desde que separados por períodos de remissão (ou mudanças para o pólo oposto). Como observado anteriormente, o comportamento anormal de E. foi atribuído por seus empregadores ao uso de drogas. É comum que esse padrão errático do estado do humor seja identificado de forma errônea como evidência de abuso de drogas, o que deve, inclusive, ser parte do diagnóstico diferencial quando a ciclagem rápida é considerada. O caso de E. é atípico entre pessoas com ciclagem rápida, dado que essa condição é muito mais comum em mulheres. O início de seus sintomas se seguiu a uma tireoidectomia parcial, havendo evidência de hipofunção leve da tireóide. Doença da tireóide tem sido relatada em alguns estudos como sendo um fator de risco para a ciclagem rápida. Um fator adicional de risco, de significado obscuro neste caso, é a utilização de medicamentos antidepressivos. Em vista das altas taxas de não-resposta ao lítio, a ciclagem rápida costuma ser tratada com anticonvulsivantes. ACOMPANHAMENTO Após três meses no hospital, o estado de humor de E. estava estável, com uso de lítio e tiroxina, a última sendo acrescentada mais para a estabilização do humor do que para o tratamento da evidência laboratorial de hipofunção da tireóide. Ele deixou o hospital, rapidamente encontrou um novo emprego e se deu bem no ano seguinte. Sentindo-se bem, decidiu que não necessitava mais da medicação e parou de tomar o lítio. Dentro de semanas, tornou-se extremamente maníaco e teve de ser hospitalizado de novo. (De DSM-IV Casebook.)
590
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Padrão sazonal. Pacientes com um padrão sazonal de seus transtornos do humor tendem a experimentar episódios depressivos durante uma estação particular, mais comumente o inverno. O padrão se tornou conhecido como transtorno afetivo sazonal (TAS), embora este termo não seja utilizado no DSM-IV-TR (Tab. 15.1-27). Dois tipos de evidência indicam que o padrão sazonal pode representar uma entidade diagnóstica separada. Primeiro, os pacientes têm uma probabilidade de se beneficiar com tratamento com luz, embora não se tenham conduzido estudos adequados para avaliar esse recurso em pacientes não-sazonalmente deprimidos. Segundo, um estudo com PET mostrou que os pacientes exibem redução da atividade metabólica no córtex orbitofrontal e no lobo parietal inferior esquerdo. É possível que estudos futuros enfoquem a diferenciação entre indivíduos deprimidos com padrão sazonal e outros indivíduos deprimidos.
CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS
Especificadores de curso longitudinal. O DSM-IVTR inclui descrições específicas do curso longitudinal do transtorno depressivo maior, do transtorno bipolar I e do transtorno bipolar II (Tab. 15.1-28). Esses especificadores possibilitam a clínicos e pesquisadores identificar prospectivamente qualquer significância de tratamento ou prognóstico nos vários cursos longitudinais. Embora estudos preliminares indiquem que os clínicos podem avaliar o curso longitudinal, são necessários mais e maiores estudos para se desenvolver uma apreciação sólida da avaliação e implicações de variações no curso longitudinal.
O humor depressivo e a perda de interesses ou de prazer são os sintomas-chave da depressão. Os pacientes podem dizer que se sentem tristes, desesperançados, na “fossa” ou desvalorizados. O humor deprimido por vezes adquire uma qualidade distinta que o diferencia das emoções normais de tristeza ou de luto. Os pacientes descrevem os sintomas de depressão como uma dor emocional tipo agonia e muitas vezes se queixam de serem incapazes de chorar, um sintoma que se resolve quando melhoram. Cerca de dois terços dos pacientes deprimidos cogitam o suicídio, e 10 a 15% cometem-no. Os que foram recentemente hospitalizados por uma tentativa ou ideação de suicídio têm um risco durante a vida mais alto de suicídio bem-sucedido do que aqueles que nunca foram hospitalizados. Alguns pacientes deprimidos não parecem conscientes de sua depressão e não se queixam de uma perturbação do humor, ainda que possam exibir reclusão da família, de amigos e de atividades que antes lhes interessavam. Quase todos eles (97%) se queixam de redução da energia; têm dificuldade de terminar suas tarefas, mau desempenho na escola e no trabalho e menos motivação para desenvolver novos projetos. Cerca de 80% reclamam de dificuldades com o sono, especialmente despertar precoce na madrugada (i. e., insônia terminal) e despertares múltiplos durante a noite, durante os quais ruminam sobre seus problemas. Muitos têm redução do apetite e perda de peso, mas há os que experimentam aumento do apetite e de peso e dormem por mais tempo do que o habitual. Estes pacientes são classificados pelo DSM-IV-TR como tendo manifestações atípicas. A ansiedade é um sintoma comum da depressão e afeta até 90% dos pacientes deprimidos. As várias modificações na ingestão de alimentos e no repouso podem agravar condições médicas coexistentes, como diabete, hipertensão, doença pulmonar obstrutiva crônica e doença cardíaca. Outros sintomas vegetativos incluem anormalidade na menstruação e redução do interesse e do desempenho nas atividades sexuais. Os problemas sexuais muitas vezes podem levar a encaminhamentos inapropriados, como terapia de casais ou terapia sexual, quando os clínicos deixam de reconhecer o transtorno depressivo subjacente. Ansiedade (incluindo ataques de pânico), abuso de álcool e queixas somáticas (p. ex., obstipação e cefaléia) tendem a complicar o tratamento da depressão. Cerca de 50% de todos os pacientes descrevem uma va-
Tipos não incluídos no DSM-IV-TR. Outros sistemas que identificam tipos de pacientes com transtornos do humor em geral distinguem pacientes com bom e mau prognóstico ou pacientes que podem responder a um ou outro tratamento. Também diferenciam esquemas endógeno-reativo e primário-secundário. O continuum endógeno-reativo é uma divisão controversa. Implica que as depressões endógenas são biológicas e que as depressões reativas são psicológicas, primariamente com base na presença ou ausência de um estresse precipitante identificável. Outros sintomas de depressão endógena foram descritos, como variação diurna, delírios, lentificação psicomotora, despertar precoce de madrugada e sentimentos de culpa; dessa forma, a depressão endógena é similar ao diagnóstico do DSM-IV-TR de transtorno depressivo maior com manifestações psicóticas, melancólicas ou ambas. Os sintomas de depressão reativa têm sido descritos como incluindo insônia inicial, ansiedade, labilidade emocional e queixas somáticas múltiplas. As depressões primárias são o que o DSM-IV-TR refere como transtornos do humor, exceto pelos diagnósticos de transtorno do humor causado por uma condição médica geral ou transtorno do humor relacionado a substâncias, que são considerados depressões secundárias. A depressão dupla é a condição em que um transtorno depressivo maior se superpõe a um transtorno distímico. Um equivalente depressivo é um sintoma ou síndrome que pode ser uma forma frusta de um episódio depressivo. Por exemplo, uma tríade de ociosidade, abuso de álcool e promiscuidade sexual em um adolescente que era bem-comportado pode se constituir em um equivalente depressivo.
Os dois padrões básicos de sintomas de transtornos do humor são depressão e mania. Os episódios depressivos podem ocorrer tanto no transtorno depressivo maior como no transtorno bipolar I. Em muitos estudos, os pesquisadores tentaram encontrar diferenças confiáveis entre um e outro, mas as diferenças são ilusórias. Em uma situação clínica, somente a história do paciente, a história familiar e a evolução futura podem auxiliar a diferenciar as duas condições. Alguns pacientes com transtorno bipolar I têm episódios mistos com manifestações tanto maníacas como depressivas, outros parecem experimentar episódios de depressão rápidos – de minutos a poucas horas – durante os episódios maníacos. Episódios depressivos
TRANSTORNOS DO HUMOR
591
riação diurna de seus sintomas, com aumento de gravidade pela manhã e redução dos sintomas à noite. Sintomas cognitivos incluem relato subjetivo da incapacidade de se concentrar (84% dos pacientes em um estudo) e dificuldades para pensar (67% em outro).
preocupam com idéias religiosas, políticas, financeiras, sexuais ou persecutórias que podem evoluir para sistemas delirantes complexos. Em certos casos, sofrem regressão e brincam com a urina e as fezes.
Depressão em crianças e adolescentes. Apego excessivo aos pais e fobia escolar podem ser sintomas de depressão em crianças. Mau desempenho escolar, abuso de drogas, comportamento anti-social, promiscuidade sexual, ociosidade e fuga de casa podem ser sintomas de depressão em adolescentes. (Esse tema é discutido no Capítulo 49.)
Mania em adolescentes. A mania em adolescentes costuma ser diagnosticada de forma errônea como personalidade anti-social ou esquizofrenia. Os sintomas podem incluir psicose, abuso de álcool ou outras drogas, tentativas de suicídio, problemas escolares, ruminação filosófica, sintomas de transtorno obsessivo-compulsivo, queixas somáticas múltiplas, irritabilidade notável levando a brigas e outros comportamentos anti-sociais. Embora vários desses sintomas sejam vistos em adolescentes normais, sintomas graves e persistentes devem levar os clínicos a considerar o transtorno bipolar I no diagnóstico diferencial.
Depressão em idosos. A depressão é mais comum em pessoas idosas do que na população em geral. Vários estudos relataram taxas de prevalência variando de 25 a quase 50%, embora a porcentagem dos casos causados por transtorno depressivo maior seja incerta. Vários estudos relataram dados indicando que a depressão em pessoas idosas pode se correlacionar ao status socioeconômico baixo, à perda de um cônjugue, a uma doença física concomitante e ao isolamento social. Outros estudos indicaram que a depressão em pessoas idosas é subdiagnosticada e subtratada, em especial por médicos clínicos gerais. O pouco reconhecimento em pessoas idosas pode ocorrer porque o transtorno aparece mais freqüentemente com queixas somáticas nos idosos do que nos grupos mais jovens. Além disso, a idade pode influenciar e levar os clínicos a aceitarem sintomas depressivos como normais em pessoas idosas.
Transtorno bipolar II As manifestações clínicas de transtorno bipolar II são as do transtorno depressivo maior combinadas com as de um episódio hipomaníaco. Ainda que os dados sejam limitados, alguns estudos indicam que o transtorno bipolar II se associa a mais problemas conjugais e costuma iniciar em uma idade mais precoce do que o transtorno bipolar I. A evidência também indica que esses pacientes têm risco maior tanto de tentar quanto de completar suicídio do que aqueles com transtorno bipolar I ou transtorno depressivo maior.
Episódios maníacos Transtornos coexistentes Um estado de humor elevado, expansivo ou irritável é a marcachave do episódio maníaco. O estado de humor eufórico é por vezes contagiante e pode até causar uma negação da doença de forma contratransferencial por um clínico inexperiente. Embora as pessoas não envolvidas possam não reconhecer a natureza incomum do estado de humor do paciente, os que o conhecem identificam-no como anormal. De forma alternativa, o estado de humor pode ser irritável, especialmente quando os planos ambiciosos do paciente são contrariados. Os pacientes muitas vezes exibem uma mudança do estado predominante do humor, de euforia no início do curso da doença para uma irritabilidade posterior. O tratamento de indivíduos maníacos em uma unidade hospitalar pode ser complicado pela tentativa de testar os limites das regras da unidade, por sua tendência a pôr a responsabilidade de seus atos em outros, por sua exploração das fraquezas dos outros e por sua tendência a criar conflitos entre membros da equipe de assistência. Se não hospitalizados, os pacientes maníacos tendem a consumir álcool em excesso, talvez em uma tentativa de automedicação. Sua natureza desinibida se reflete no uso excessivo do telefone, principalmente ao fazer chamadas de longa distância durante as primeiras horas da manhã. Jogo patológico, uma tendência a se despir em lugares públicos, usar roupas e jóias em cores brilhantes, em combinações incomuns ou extravagantes e falta de atenção a pormenores (p. ex., esquecer de pôr o telefone no gancho) também são sintomáticos do transtorno. Os pacientes agem impulsivamente e, ao mesmo tempo, com uma sensação de convicção e propósito. Por vezes se
Ansiedade. Nos transtornos de ansiedade, o DSM-IV-TR observa a existência de transtorno misto de ansiedade/depressão. Sintomas significativos de ansiedade podem e costumam coexistir com sintomas significativos de depressão. Ainda não está resolvido se os pacientes que exibem ambas as condições são afetados por dois processos diferentes de doença ou por um processo único que gera os dois conjuntos de sintomas. Pacientes de ambos os tipos podem constituir o grupo de pessoas com transtorno misto de ansiedade/depressão. Dependência de álcool. A dependência de álcool em geral coexiste com os transtornos do humor. Tanto pacientes com transtorno depressivo maior como aqueles com transtorno bipolar I têm probabilidade de satisfazer os critérios diagnósticos de um transtorno por uso de álcool. Os dados disponíveis indicam que a dependência é mais fortemente associada ao diagnóstico coexistente de depressão em mulheres do que em homens. Em contraste, os dados de genética e de família sobre homens que têm tanto transtorno do humor como dependência de álcool indicam que eles apresentam maior probabilidade de estar sofrendo de dois processos de doença geneticamente distintos. Outros transtornos relacionados a drogas. Além da dependência de álcool, os transtornos relacionados a drogas também são associados com freqüência a transtornos do humor. O
592
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
abuso de drogas pode estar envolvido na precipitação de um episódio de doença ou, de forma inversa, pode representar a tentativa do paciente de tratar a própria doença. Embora os pacientes maníacos raramente utilizem sedativos para atenuar sua euforia, os deprimidos costumam usar estimulantes como a cocaína e as anfetaminas para aliviar a depressão. Condições médicas. A depressão tende a ocorrer em associação com condições médicas, em especial em pessoas idosas. Quando isso acontece, os clínicos precisam tentar determinar se a condição médica subjacente está fisiopatologicamente relacionada à depressão ou se esta decorre de alguma droga que o paciente esteja tomando para sua condição médica. Vários estudos indicam que o tratamento de um transtorno depressivo maior coexistente pode melhorar o curso da condição médica subjacente, inclusive o câncer. EXAME DO ESTADO MENTAL Episódios depressivos Descrição geral. A lentificação psicomotora generalizada é o sintoma mais comum, embora também seja observada agitação psicomotora, em especial em pacientes idosos. Torcer as mãos e arrancar cabelos são os sintomas mais comuns de agitação. Em geral, o paciente deprimido tem uma postura encurvada, sem movimentos espontâneos e com o olhar desviado para baixo, sem encarar (Fig. 15.1-3 e 15.1-4). No exame clínico, esses pacientes
exibindo sintomas francos de lentificação psicomotora podem parecer idênticos àqueles com esquizofrenia catatônica. Esse fato é reconhecido no DSM-IV-TR pela inclusão do qualificador de sintomas “com manifestações catatônicas” para alguns transtornos do humor. Humor, afeto e sentimentos. A depressão é o sintoma-chave, ainda que cerca de 50% dos pacientes neguem sentimentos depressivos e não pareçam estar particularmente deprimidos. Membros da família ou empregadores muitas vezes conduzem os pacientes para tratamento devido à reclusão social e à redução generalizada da atividade. Fala. Muitos pacientes deprimidos evidenciam uma redução da taxa e do volume da fala; respondem a perguntas com palavras isoladas e demoram a responder. O examinador pode, literalmente, ter de esperar dois ou três minutos para obter a resposta de uma pergunta. Transtornos da percepção. Diz-se dos pacientes deprimidos com delírios ou alucinações que eles têm um episódio depressivo maior com manifestações psicóticas. Mesmo na ausência de delírios ou alucinações, alguns clínicos utilizam o termo depressão psicótica para alguns pacientes notavelmente regredidos – mudos, sem tomar banho e evacuando na roupa. É possível que esses casos sejam melhor descritos como tendo manifestações catatônicas. Delírios e alucinações consistentes com o humor depressivo são referidos como congruentes com o humor. Delírios congruen-
FIGURA 15.1-3 Uma mulher de 38 anos de idade durante um estado de depressão lentificada profunda (A) e dois meses mais tarde, após a recuperação (B). Os cantos da boca curvados para baixo, sua postura encurvada, suas vestes desmazeladas e seu penteado durante o episódio depressivo são notórios. (Cortesia de Heinz E. Lehmann, M.D.)
TRANSTORNOS DO HUMOR
593
FIGURA 15.1-4 O neuropsiquiatra suíço Otto Veraguth descreveu uma dobra peculiar em forma de triângulo no canto nasal da pálpebra superior. A dobra por vezes se associa à depressão e é referida como dobra de Veraguth. A fotografia ilustra essa manifestação fisionômica em um homem de 50 anos de idade, durante um episódio depressivo maior. A dobra pode ser observada também em pessoas que não estão clinicamente deprimidas, em geral quando estão com um afeto depressivo leve. Modificações distintas do tônus muscular facial corrugador e zigomático acompanham a depressão, como observado em eletromiografias. (Cortesia de Heinz E. Lehmann, M.D.)
tes com o humor em uma pessoa depressiva incluem os de culpa, pecado, desvalorização, pobreza, fracasso, perseguição e doenças somáticas terminais (tais como câncer ou “apodrecimento do cérebro”). O conteúdo dos delírios e das alucinações incongruentes com o humor não é consistente com o humor depressivo. Delírios incongruentes com o humor em uma pessoa depressiva envolvem temas grandiosos de poder exagerado, conhecimento e valor – por exemplo, a crença de que a pessoa está sendo perseguida porque é o Messias. Embora relativamente raras, também podem ocorrer alucinações em episódios depressivos maiores com manifestações psicóticas.
(suicídio paradoxal). De modo geral, é clinicamente imprudente dar a um paciente deprimido uma grande prescrição de antidepressivos, em especial medicamentos tricíclicos, no momento de sua alta.
Pensamento. Os pacientes deprimidos costumam ter uma visão negativa do mundo e de si próprios. O conteúdo de seus pensamentos por vezes inclui ruminações não-delirantes sobre perda, culpa, suicídio e morte. Cerca de 10% desses indivíduos têm sintomas notáveis de um transtorno do pensamento, em geral bloqueio do pensamento e uma profunda pobreza de conteúdo.
Confiabilidade. Em entrevistas e conversas, os pacientes deprimidos põem grande ênfase no ruim e minimizam o bom. Um erro clínico comum é acreditar no paciente, sem questionamento, quando afirma que uma tentativa prévia com medicamentos antidepressivos não teve êxito. Essas afirmações podem ser falsas e necessitam de confirmação de outras fontes. Os psiquiatras não devem ver a má informação como uma fabricação intencional; admitir qualquer informação que traga esperança pode ser impossível para uma pessoa com estado de humor deprimido.
Sensório e cognição. ORIENTAÇÃO. A maioria dos pacientes deprimidos está bem-orientada em relação a pessoa, lugar e tempo, ainda que alguns possam não ter energia ou interesse suficiente para responder perguntas sobre esses assuntos durante a entrevista. Cerca de 50 a 75% de todos os pacientes deprimidos têm um comprometimento cognitivo, algumas vezes referido como pseudodemência depressiva. Tais pacientes em geral se queixam de dificuldade de concentração e de esquecimento.
MEMÓRIA.
Controle dos impulsos. De 10 a 15% dos pacientes deprimidos cometem suicídio, e em torno de dois terços têm ideação suicida. Os pacientes deprimidos com manifestações psicóticas às vezes consideram matar alguém como resultado de seu sistema delirante, mas aqueles mais gravemente deprimidos muitas vezes não têm a motivação e a energia para atuar de forma impulsiva ou violenta. Os pacientes com transtornos depressivos têm aumento de risco de suicídio à medida que começam a melhorar e a readquirir a energia necessária para planejar e executar um suicídio
Julgamento e insight. O julgamento do paciente é melhor avaliado ao se revisar suas ações no passado recente e seu comportamento durante a entrevista. Seu insight sobre o próprio problema tende a ser excessivo; há ênfase excessiva nos sintomas, na doença e nos problemas da vida. É difícil convencer esses pacientes de que a melhora é possível.
Escalas objetivas de avaliação de depressão. Escalas objetivas de avaliação de depressão podem ser úteis na prática clínica para documentar o estado clínico deprimido do paciente. ZUNG.
A escala de auto-avaliação para depressão de Zung contém 20 itens. O escore normal é de 34 ou menos; o escore deprimido é de 50 ou mais. A escala fornece um índice global da intensidade dos sintomas depressivos do paciente, incluindo a expressão afetiva da depressão.
RASKIN. A escala de depressão de Raskin é avaliada pelo clínico, que mede a gravidade da depressão do paciente, como relatada por este e observada pelo médico, em uma escala com cinco pontos de três dimensões: relato verbal, comportamento exibido e sintomas secundários. A escala tem uma faixa de 3 a 13; o escore normal é de 3, e o escore deprimido é de 7 ou mais.
594
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
HAMILTON. A escala de avaliação de depressão de Hamilton (HAM-D) é
amplamente utilizada e dispõe de até 24 itens, cada um dos quais com contagem de 0 a 4 ou 0 a 2, com o escore total de 0 a 76. O clínico avalia as respostas do paciente a perguntas sobre sentimentos de culpa, pensamentos de suicídio, hábitos de sono e outros sintomas de depressão, e as contagens são derivadas da entrevista clínica.
Episódios maníacos Descrição geral. Os pacientes maníacos são excitados, tagarelas, às vezes divertidos e freqüentemente hiperativos. Por vezes estão francamente psicóticos e desorganizados, necessitando de contenção física e injeção intramuscular de sedativos. Humor, afeto e sentimentos. Pacientes maníacos classicamente são eufóricos, mas também podem ser irritáveis, em especial quando a mania esteve presente por algum tempo. Têm ainda uma baixa tolerância à frustração, que pode levar a sentimentos de raiva e hostilidade. Os pacientes maníacos podem estar emocionalmente lábeis, mudando do riso à irritabilidade e à depressão em minutos ou horas. Fala. Os pacientes maníacos não podem ser interrompidos quando estão falando e costumam ser intrusivos e desagradáveis para os demais ao seu redor. Sua fala tende a estar perturbada. À medida que a mania fica mais intensa, a fala se torna mais alta, mais rápida e difícil de interpretar. A seguir, fica cheia de trocadilhos, piadas, rimas, jogos de palavras e irrelevâncias, conforme aumenta o estado ativado. Em nível de atividade ainda maior, as associações se tornam frouxas, a habilidade de se concentrar se esvaece, e aparecem fugas de idéias, saladas de palavras e neologismos. Na excitação maníaca aguda, a fala pode ser totalmente incoerente e indistinguível da de uma pessoa com esquizofrenia. Transtornos da percepção. Delírios ocorrem em 75% de todos os pacientes maníacos. Delírios congruentes com o humor estão por vezes relacionados a grande riqueza, capacidades extraordinárias ou poder. Delírios e alucinações bizarras e incongruentes com o humor aparecem com freqüência na mania. Pensamento. O conteúdo do pensamento de pacientes maníacos inclui temas de autoconfiança e auto-engrandecimento. Esses indivíduos se distraem com facilidade, e o desempenho cognitivo no estado maníaco se caracteriza por um fluxo incontido e acelerado de idéias. Sensório e cognição. Embora os déficits cognitivos de pacientes com esquizofrenia tenham sido muito discutidos, menos tem sido escrito sobre déficits similares em indivíduos com transtorno bipolar I, que podem ter pequenos déficits cognitivos parecidos. Os déficits cognitivos relatados podem ser interpretados como resultado de disfunção cortical difusa; pesquisa subseqüente poderá localizar as áreas anormais. Grosso modo, a orientação e a memória estão intactas, embora alguns pacientes maníacos possam estar tão eufóricos que respondem de forma incorreta. Emil Kraepelin denominava esses sintomas de “mania delirante”.
Controle dos impulsos. Cerca de 75% de todos os pacientes maníacos são ameaçadores e agressivos. Eles tentam suicídio e homicídio, mas a incidência desses comportamentos é desconhecida. Os que ameaçam pessoas importantes (como o presidente dos Estados Unidos) têm transtorno bipolar I com mais freqüência do que esquizofrenia. Julgamento e insight. O comprometimento do julgamento é a marca fundamental de pacientes maníacos. Eles podem violar leis sobre cartões de crédito, atividades sexuais e finanças e por vezes envolvem suas famílias em ruína financeira. Também têm pouco insight sobre sua doença. Confiabilidade. Os pacientes maníacos são notoriamente nãoconfiáveis em suas informações. Como a mentira e o disfarce são comuns na mania, os clínicos inexperientes podem tratar esse grupo com um desdém inapropriado. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Transtorno depressivo maior Doenças médicas. Segundo o DSM-IV-TR, o diagnóstico de transtorno do humor devido a uma condição médica geral descreve um transtorno do humor causado por uma condição médica nãopsiquiátrica. O diagnóstico de transtorno do humor induzido por substâncias indica um transtorno do humor causado por substâncias. Ambas as categorias diagnósticas são discutidas na Seção 15.3. Deixar de obter uma boa história clínica ou de considerar o contexto da situação atual de vida do paciente pode levar a erros diagnósticos. Pacientes adolescentes deprimidos devem ser testados para mononucleose, e os pacientes que têm notável excesso ou redução de peso devem ser testados para disfunção da adrenal ou da tireóide. Homossexuais, bissexuais e pessoas que abusam de drogas intravenosas devem ser testados para a síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS). Pacientes idosos devem ser avaliados para pneumonia viral ou outras condições médicas. Várias doenças neurológicas e sistêmicas, bem como agentes farmacológicos, podem produzir sintomas de depressão (ver Tab. 15.3-8). Os pacientes com transtornos depressivos em geral fazem a primeira visita ao clínico com queixas somáticas. A maioria das causas médicas de transtornos depressivos pode ser detectada com uma história médica detalhada, exame físico e neurológico completos e exames de rotina de sangue e urina. A revisão deve incluir testes para as funções da tireóide e das adrenais, porque doenças de ambos os sistemas endócrinos podem aparecer como doenças depressivas. No transtorno do humor induzido por substâncias, uma regra razoável é que qualquer medicamento que o paciente deprimido esteja tomando deve ser considerado um fator potencial para o transtorno do humor. Medicamentos cardíacos, anti-hipertensivos, sedativos, hipnóticos, antipsicóticos, antiepilépticos, antiparkinsonianos, analgésicos, antibacterianos e antineoplásicos são todos associados com freqüência a sintomas depressivos. CONDIÇÕES NEUROLÓGICAS . Os problemas neurológicos mais comuns que manifestam sintomas depressivos são doença de
TRANSTORNOS DO HUMOR
Parkinson, doenças demenciais (incluindo a demência do tipo Alzheimer), epilepsia, doenças cerebrovasculares e tumores. Cerca de 50 a 75% dos pacientes com doença de Parkinson têm sintomas marcantes de transtornos depressivos, que não têm correspondência com a incapacidade física, a idade ou a duração da doença, mas que se correlacionam com a presença de anormalidades encontradas em testes neuropsicológicos. Os sintomas do transtorno depressivo podem ser mascarados pelos sintomas motores quase idênticos da doença de Parkinson. Os sintomas depressivos costumam responder a medicamentos antidepressivos ou a ECT. As alterações interictais associadas à epilepsia do lobo temporal podem imitar um transtorno depressivo, em especial se o foco epiléptico está no lado direito. Depressão é uma manifestação comum que complica as doenças cerebrovasculares, principalmente nos dois anos após o episódio. Ela é mais comum em lesões anteriores do cérebro do que em lesões posteriores e em ambos os casos responde a medicamentos antidepressivos. Os tumores da região diencefálica e temporal, em particular, têm probabilidade de se associar a sintomas de transtorno depressivo. PSEUDODEMÊNCIA . Os clínicos podem diferenciar a pseudodemência do transtorno depressivo maior da demência de uma doença, como a do tipo Alzheimer, a partir de dados clínicos. Os sintomas cognitivos do transtorno depressivo maior têm início súbito, e outros sintomas, como auto-acusação, também estão presentes. Pode ocorrer uma variação diurna dos problemas cognitivos, que não é observada nas demências primárias. Pacientes deprimidos com dificuldades cognitivas por vezes não tentam responder às perguntas (“não sei”), enquanto aqueles com demência podem confabular. Entre os primeiros, a memória recente é mais afetada do que a memória remota. Além disso, durante uma entrevista, podem ser impelidos ou encorajados a se recordar, uma capacidade que falta nos pacientes com demência.
Doenças mentais. A depressão pode ser uma manifestação de praticamente qualquer doença mental listada no DSM-IVTR, mas os transtornos mentais indicados na Tabela 15.1-29 devem ser considerados com atenção no diagnóstico diferencial. OUTROS TRANSTORNOS DO HUMOR . Os clínicos devem considerar a faixa disponível de categorias diagnósticas do DSM-IVTR antes de chegar a um diagnóstico final. Primeiro, precisam excluir transtornos do humor causados por uma condição médica geral ou por substâncias. A seguir, devem determinar se os pacientes têm tido episódios com sintomas semelhantes a mania, indicando o transtorno bipolar I (síndromes maníaca e depressiva completas), transtorno bipolar II (episódios depressivos maiores recorrentes com hipomania) ou transtorno ciclotímico (síndromes depressiva e maníaca incompletas). Se os sintomas são limitados aos de depressão, recomenda-se avaliar sua gravidade e duração para diferenciar entre transtorno depressivo maior (síndrome depressiva completa por duas semanas), transtorno depressivo menor (síndrome depressiva incompleta, mas episódica), transtorno depressivo breve recorrente (síndrome depressiva completa, mas por menos de
595
TABELA 15.1-29 Transtornos mentais que, com freqüência, têm manifestações depressivas Transtorno da adaptação com humor depressivo Transtornos por uso de álcool Transtornos de ansiedade Transtorno de ansiedade generalizada Transtorno misto de ansiedade e depressão Transtorno de pânico Transtorno de estresse pós-traumático Transtorno obsessivo-compulsivo Transtornos da alimentação Anorexia nervosa Bulimia nervosa Transtornos do humor Transtorno bipolar I Transtorno bipolar II Transtorno ciclotímico Transtorno distímico Transtorno depressivo maior Transtorno depressivo menor Transtorno do humor devido a uma condição médica geral Transtorno depressivo breve recorrente Transtorno do humor induzido por substâncias Esquizofrenia Transtorno esquizofreniforme Transtornos somatoformes (especialmente transtorno de somatização)
duas semanas por episódio) e transtorno distímico (síndrome depressiva incompleta sem episódios claros). Os transtornos relacionados a drogas, os transtornos psicóticos, os transtornos da alimentação, os transtornos da adaptação, os transtornos somatoformes e os transtornos de ansiedade são todos associados com freqüência a transtornos depressivos e devem ser considerados no diagnóstico diferencial de um paciente com sintomas depressivos. Talvez a diferenciação mais difícil seja entre transtorno de ansiedade com depressão e transtornos depressivos com ansiedade marcante. A dificuldade de distingui-los se reflete na inclusão do diagnóstico de transtorno misto de ansiedade e depressão no DSM-IV-TR. Resultado anormal no teste de supressão da dexametasona, presença de uma latência reduzida do sono REM no EEG de sono e teste negativo de infusão com o lactato apóiam o diagnóstico de transtorno depressivo maior em casos particularmente ambíguos.
OUTROS TRANSTORNOS MENTAIS.
LUTO NÃO-COMPLICADO. O luto não-complicado não é considerado um transtorno mental, ainda que cerca de um terço de todos os cônjugues enlutados em algum momento satisfaça os critérios diagnósticos para transtorno depressivo maior. Alguns pacientes com luto não-complicado desenvolvem transtorno depressivo maior, mas o diagnóstico não é feito a menos que não haja resolução do luto. A diferenciação se baseia na gravidade e na duração dos sintomas. No transtorno depressivo maior, sintomas comuns que evoluem a partir de um luto não-resolvido são uma preocupação mórbida com sentimento de falta de valor, ideação suicida, sentimentos de que a pessoa cometeu um ato (e não apenas uma omissão) que causou a morte do cônjugue, mumificação (manter os pertences do falecido exatamente como eram) e reações particularmente graves de aniversário que incluam uma tentativa de suicídio.
596
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Transtorno bipolar I
CURSO E PROGNÓSTICO
Quando um paciente com transtorno bipolar I tem um episódio depressivo, o diagnóstico diferencial é o mesmo do de um paciente considerado para o diagnóstico de transtorno depressivo maior. Se estiver maníaco, contudo, o diagnóstico diferencial inclui o transtorno bipolar I, o transtorno bipolar II, o transtorno ciclotímico, o transtorno do humor causado por uma condição médica geral e o transtorno do humor induzido por substâncias. Para sintomas maníacos, exigem consideração especial os transtornos da personalidade borderline, narcisista, histriônica e anti-social.
Os numerosos estudos sobre o curso e o prognóstico dos transtornos do humor têm, em geral, concluído que tais condições tendem a ter cursos longos e que os pacientes tendem a ter recaídas. Embora os transtornos do humor sejam considerados benignos, em comparação com a esquizofrenia, representam uma profunda carga sobre os pacientes afetados. Outra conclusão comum dos estudos é que estressores da vida precedem o primeiro episódio de transtorno do humor com mais freqüência que os episódios subseqüentes (Tab. 15.1-30). Este achado tem sido interpretado para indicar que o estresse psicossocial pode ter um papel na causa inicial dos transtornos do humor e que mesmo sendo resolvido o episódio inicial, uma modificação duradoura na biologia do cérebro coloca o paciente em risco elevado para episódios subseqüentes.
Esquizofrenia. Muito foi publicado sobre a dificuldade clínica de distinguir um episódio maníaco da esquizofrenia. Ainda que difícil, o diagnóstico diferencial é possível com algumas diretrizes clínicas. Alegria, entusiasmo e um humor contagiante são muito mais comuns nos episódios maníacos do que na esquizofrenia. A combinação de humor maníaco, fala rápida e pressionada e hiperatividade pesa consideravelmente para o diagnóstico de episódio maníaco. O início de um episódio maníaco costuma ser rápido e percebido como uma mudança marcante do comportamento prévio do paciente. Metade de todos os pacientes com transtorno bipolar I tem história familiar do transtorno do humor. Manifestações catatônicas podem ser parte de uma fase depressiva do transtorno bipolar I. Ao avaliar pacientes com catatonia, os clínicos devem examinar com cuidado a história pregressa de episódios maníacos ou depressivos e a história familiar quanto a transtornos do humor. Os sintomas maníacos de pessoas de grupos minoritários (negros e hispânicos) muitas vezes são diagnosticados de forma inapropriada como sintomas esquizofrênicos.
Transtorno depressivo maior Curso. INÍCIO. Cerca de 50% dos pacientes experimentando o primeiro episódio de transtorno depressivo maior exibiram sintomas depressivos significativos antes do primeiro episódio identificado. Essa observação implica que a identificação precoce e o tratamento dos sintomas iniciais podem prevenir o desenvolvimento do episódio pleno. Embora sintomas possam ter estado presentes, o paciente com transtorno depressivo maior em geral não tem transtorno da personalidade pré-mórbido. O primeiro episódio depressivo ocorre antes dos 40 anos em cerca de 50% dos casos. Início mais tardio se associa a ausência de história familiar de transtornos do humor, transtorno da personalidade anti-social ou abuso de álcool. Um episódio depressivo não-tratado dura de 6 a 13 meses; a maioria dos episódios tratados dura cerca de três meses. A retirada dos antidepressivos antes desse período quase sempre leva ao retorno dos sintomas. À medida que o curso do transtorno progride, os pacientes tendem a ter episódios cada vez mais freqüentes, que duram cada vez mais. Em um período de 20 anos, o número médio de episódios é de cinco ou seis.
DURAÇÃO.
Condições médicas. Em contraste com os sintomas depressivos, que estão presentes em quase todos os transtornos psiquiátricos, os sintomas maníacos são mais distintivos, embora possam ser causados por uma ampla gama de condições médicas ou neurológicas e por substâncias (ver Tab. 15.1-8). O tratamento antidepressivo também pode se associar à precipitação de mania em alguns casos. Transtorno bipolar II O diagnóstico diferencial de pacientes em avaliação para um transtorno do humor deve incluir outros transtornos do humor, transtornos psicóticos e transtorno da personalidade borderline. A diferenciação entre transtorno depressivo maior e transtorno bipolar I, por um lado, e transtorno bipolar II, por outro, baseia-se na avaliação clínica dos episódios semelhantes à mania. Os clínicos não devem tomar de forma equivocada a eutimia de um paciente cronicamente deprimido por um episódio hipomaníaco ou maníaco. Pacientes com transtorno da personalidade borderline muitas vezes têm vidas gravemente perturbadas, semelhantes às dos pacientes com transtorno bipolar II, devido aos vários episódios com sintomas significativos de transtorno do humor.
Cerca de 5 a 10% dos pacientes com o diagnóstico inicial de transtorno depressivo maior têm um episódio maníaco 6 a 10 anos após o primeiro episódio depressivo. A idade média dessa mudança é de 32 anos, e freqüentemente ocorre após 2 a 4 episódios depressivos. Embora os dados sejam inconsistentes e controversos, alguns clínicos relatam que a depressão de pacientes que mais tarde são classificados como tendo transtorno bipolar I é caracterizada por hipersonia, lentificação psicomotora, sintomas psicóticos, história de episódios no pós-parto, história familiar de transtorno bipolar I e história de hipomania induzida por antidepressivos.
DESENVOLVIMENTO DE EPISÓDIOS MANÍACOS.
Prognóstico. O transtorno depressivo maior não é uma doença benigna. Tende a ser crônico, e os pacientes costumam ter recaídas. Os pacientes hospitalizados no primeiro episódio de transtorno depressivo maior têm cerca de 50% de possibilidade de se recuperar no primeiro ano. A porcentagem de recuperação após hospitalizações repetidas decresce com o passar do tempo.
TRANSTORNOS DO HUMOR
597
TABELA 15.1-30 Estudos de associação entre acontecimentos da vida e o primeiro episódio de transtorno do humor versus episódios subseqüentes Porcentagem de pacientes para os quais um evento importante da vida antecede o episódio Autor
Transtorno
Matussek e colaboradores
Depressão
Angst
Depressão
Okuma e Shimoyama
Bipolar
Glassner e colaboradores
Bipolar
Ambelasb
Mania
Gutierrez e colaboradores
Depressão
Perris
Depressão
Dolan e colaboradores
Depressão
Ezquiaga e colaboradores Ambelas
Depressão
Ghaziuddin e colaboradores Cassano e colaboradores
Mania Depressão Depressão
Número de episódios 1 2 3 4 1 ≥4 1 2 3 1 >1a
N 242 135 82 119 103
Primeiro episódio
Episódio posterior
44 34 24 19 60 38
134 134 134 25
45 26 13 75
P
Avaliação
— — — — — — — — — —
Estressores (138 psicológicos; 58 somáticos) tinham claramente precedido o início do episódio
56
1 ≥2
14 67
50
1 2 3 ≥4 1 ≥2 1 ≥2
43 35 18 47 37 112 21 57
55,8
<3 ≥3 1 ≥2 1 ≥2 1 ≥2
52 45 50 40 33 40 94 173
50
<0,01 28
62 43 62
<0,05 40,0 38,8 29,7 50c 19d 29 16
66 20 91 50 66
Sem inventário Qualquer evento (3 meses antes) Evento classificado como estressante pela escala de Holmes e Rahe (1 ano antes; geralmente 2 a 24 dias); perda de papel importante em pacientes e indivíduos comparados Escala de eventos da vida de Paykel (4 semanas antes); um terço dos casos subseqüentes a luto Estressores sociais e somáticos; os pacientes com início tardio tinham mais acontecimentos do que os de início precoce
<0,02 Entrevista semi-estrururada; inventário de 56 <0,001 itens (3 meses antes) <0,05 Escala de acontecimentos e dificuldades da vida do Colégio Bedford (6 meses antes) (Brown, Harris, 1978) <0,01 Entrevista semi-estruturada (Brown, Harris); sem efeito do estresse crônico <0,001 Escala de eventos da vida de Paykel (4 semanas antes) <0,05 Escala de eventos da vida de Paykel (6 meses antes) <0,05 Escala de eventos da vida de Paykel
49,4
a
Para este grupo, a hospitalização mais recente foi precedida de um acontecimento da vida levando à perda de papel. b Dos pacientes cirúrgicos comparados, 6,6% experimentaram acontecimentos importantes na vida. c Porcentagem de acontecimentos negativos ou indesejáveis. d Porcentagem de acontecimentos envolvendo conflito psicológico. Reimpressa com permissão de Post RM. Transduction of psychosocial stress into the neurobiology of recurrent affective disorder. Am J Psychiatry. 1992;149:1000.
Vários pacientes não-recuperados se mantêm afetados com transtorno distímico. As recorrências dos episódios depressivos maiores também são comuns. Cerca de 25% dos pacientes experimentam uma recorrência nos primeiros seis meses após a alta do hospital, cerca de 30 a 50% nos primeiros dois anos, e de 50 a 75% em cinco anos. A incidência de recaída é menor do que em pacientes que continuam o tratamento psicotrópico profilático e naqueles que tiveram apenas um ou dois episódios depressivos. Em geral, à medida que se experimenta cada vez mais episódios depressivos, o tempo entre eles diminui, e a gravidade aumenta. INDICADORES PROGNÓSTICOS. Vários estudos se concentraram na identificação de bons e maus indicadores prognósticos no curso do transtorno depressivo maior. Episódios leves, ausência de sintomas psicóticos e a estadia curta no hospital são bons indicadores. Os indicadores psicossociais de um curso favorável incluem história de amizades sólidas durante a adolescência, funcionamento
familiar estável e um desempenho social geralmente bom nos cinco anos que precedem o transtorno. Sinais adicionais de bom prognóstico são ausência de transtornos psiquiátricos co-mórbidos e de transtornos da personalidade, não mais do que uma hospitalização prévia por transtorno depressivo maior e idade avançada de início. A possibilidade de um mau prognóstico aumenta com a coexistência de transtorno distímico, abuso de álcool ou outras drogas, sintomas de transtorno de ansiedade e a história de mais de um episódio depressivo prévio. Os homens têm mais probabilidade do que as mulheres de experimentar um curso cronicamente comprometido. Transtorno bipolar I Curso. A história natural do transtorno bipolar I é tal que, por vezes, é útil fazer um gráfico do transtorno do paciente e mantêlo atualizado à medida que o tratamento progride (Fig. 15.1-5).
598
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Ainda que o transtorno ciclotímico seja muitas vezes diagnosticado retrospectivamente em pacientes com transtorno bipolar I, não há traços identificados de personalidade especificamente associados ao transtorno bipolar I. O transtorno bipolar I com mais freqüência se inicia com depressão (75% das vezes em mulheres, 67% em homens) e é uma condição recorrente. A maioria dos pacientes experimenta tanto episódios depressivos como maníacos, embora 10 a 20% experimentem somente estes últimos. Os episódios maníacos costumam ter início rápido (horas ou dias), mas podem evoluir por poucas semanas. Um episódio maníaco nãotratado dura cerca de três meses; por isso, os clínicos não devem interromper a administração dos medicamentos antes desse tempo. Dos indivíduos que têm um episódio maníaco isolado, 90% apresentam probabilidade de ter outro. À medida que a doença progride, o tempo entre os episódios diminui. Após cerca de cinco episódios, contudo, o intervalo entre eles tende a se estabilizar em cerca de 6 a 9 meses. De 5 a 15% dos indivíduos com transtorno bipolar têm quatro ou mais episódios por ano e podem ser classificados como cicladores rápidos. TRANSTORNO BIPOLAR I EM CRIANÇAS E IDOSOS. O transtorno bipolar I pode afetar tanto os muito jovens como pessoas idosas. Sua incidência entre crianças e adolescentes é de cerca de 1%, e o início pode ocorrer já na idade de 8 anos. Diagnósticos errôneos comuns são esquizofrenia e transtorno desafiador de oposição.
O transtorno bipolar I de início precoce se associa a um mau prognóstico. Os sintomas maníacos são comuns em pessoas idosas, embora a faixa de causas seja ampla e inclua condições médicas não-psiquiátricas, demência, delirium e transtorno bipolar I. Os dados disponíveis atuais indicam que o início do transtorno em pessoas idosas é relativamente incomum. Prognóstico. Os pacientes com transtorno bipolar I têm um prognóstico pior do que aqueles com transtorno depressivo maior. Cerca de 40 a 50% dos pacientes com transtorno bipolar I podem ter um segundo episódio maníaco dentro de dois anos do primeiro episódio. Embora a profilaxia com lítio melhore o curso e o prognóstico do transtorno, provavelmente só 50 a 60% dos pacientes conseguem um controle significativo de seus sintomas com o lítio. Um estudo de acompanhamento verificou que um mau estado ocupacional prémórbido, dependência de álcool, manifestações psicóticas, manifestações depressivas entre os episódios e sexo masculino foram todos fatores que pesavam no sentido de um prognóstico pior. A curta duração dos episódios maníacos, a idade avançada de início, poucos pensamentos suicidas e poucos problemas psiquiátricos ou médicos contribuem para um bom prognóstico. Cerca de 7% de todos os pacientes com transtorno bipolar I não têm recorrência de seus sintomas; 45% apresentam mais de um episódio, e 40% têm um transtorno crônico. Pode haver de 2 a 30 episódios maníacos, embora o número médio seja nove. Em torno de 40% de todos os pacientes têm mais do que 10 episódios. No acompanhamento a longo prazo, 15% daqueles com transtorno
Psicoterapia
Depressão
Mania
Tratamentos
Tricíclicos Lítio Antipsicóticos Carbamazepina
Grave Moderada Leve Leve
Idade 35 74 Ano
75
76
77
78
40 79
80
81
Moderada Grave
Eventos da vida
a
b 20 de janeiro falece o pai
d
d
d
d e
f
Si = Tentativa de suicídio
a. Início da depressão após a morte do pai Comentários
c
O sombreado indica hospitalização
c.
Resolução da distimia com psicoterapia
b. Ciclagem rápida induzida por antidepressivos
d. Início do episódio no aniversário da morte do pai e.
Mania subseqüente à interrupção do lítio
f.
Tratamento bem-sucedido da depressão com carbamazepina, sem indução de ciclagem rápida
FIGURA 15.1-5 Gráfico do curso de um transtorno do humor. Protótipo de um gráfico da vida. (Cortesia de Robert M. Post, M.D.)
82
TRANSTORNOS DO HUMOR
bipolar I ficam bem, 45% estão bem, mas têm recaídas múltiplas, 30% estão em remissão parcial, e 10% são cronicamente doentes. Um terço de todos os pacientes com o transtorno desenvolve sintomas crônicos e evidência de um declínio social significativo. Transtorno bipolar II O curso e o prognóstico do transtorno bipolar II começaram a ser estudados recentemente. Os dados preliminares indicam, contudo, que o diagnóstico é estável, como demonstrado pela alta probabilidade de pacientes com transtorno bipolar II manterem o mesmo diagnóstico até cinco anos mais tarde. Isso mostra que o transtorno bipolar II é uma doença crônica que necessita de estratégias de tratamento a longo prazo. TRATAMENTO O tratamento de pacientes com transtornos, do humor deve ser orientado para vários objetivos. Primeiro, a segurança do paciente deve ser garantida. Segundo, deve ser conduzida uma avaliação diagnóstica completa. Terceiro, deve-se iniciar um plano de tratamento que vise não só tratar os sintomas imediatos, mas também contribuir para o bem-estar futuro do paciente. Embora o tratamento atual enfatize a farmacoterapia e a psicoterapia orientadas para o paciente individual, acontecimentos estressantes da vida também se associam a aumentos nas taxas de recaída. Dessa forma, o tratamento precisa reduzir o número e a gravidade dos estressores. De modo geral, o tratamento dos transtornos do humor é gratificante para os psiquiatras. Tratamentos mais específicos estão agora disponíveis tanto para episódios maníacos como para depressivos, e os dados indicam que o tratamento profilático também é eficiente. Em vista do bom prognóstico para cada episódio, o otimismo é sempre necessário e bem-vindo, tanto pelo paciente como por sua família, ainda que o tratamento inicial não seja promissor. Os transtornos do humor são crônicos, contudo, e o psiquiatra deve avisar o paciente e a família sobre estratégias futuras do tratamento. Hospitalização A primeira e mais crítica decisão que o médico precisa fazer é se hospitaliza o paciente ou tenta um tratamento ambulatorial. Indicações claras para a hospitalização são: a necessidade de procedimentos diagnósticos, o risco de suicídio ou homicídio e a capacidade marcadamente reduzida do paciente de conseguir alimento e abrigo. Uma história de sintomas progressivos e a ruptura do sistema de apoio habitual também são indicações para a hospitalização. O médico pode tratar com segurança a depressão ou a hipomania leves no consultório se avalia o paciente com freqüência. Sinais clínicos de dificuldade de julgamento, perda de peso ou insônia devem ser mínimos. O sistema de apoio do paciente precisa ser forte, nem envolvido nem evitativo demais. Qualquer mudança adversa nos sintomas ou no comportamento do paciente ou na atitude do sistema de apoio deve ser suficiente para indicar hospitalização.
599
Os pacientes com transtornos do humor por vezes não querem entrar no hospital de forma voluntária e podem ter de ser hospitalizados contra sua vontade. Estes muitas vezes não podem tomar decisões em função da lentificação do pensamento, de uma visão do mundo (Weltanschauung) negativa e da falta de esperança. Os pacientes maníacos em geral têm falta tão completa de insight sobre seu transtorno que a hospitalização lhes parece absurda. Terapia psicossocial Ainda que muitos estudos indiquem – e a maioria dos clínicos e pesquisadores acredite – que a combinação de psicoterapia com farmacoterapia é o tratamento mais eficiente para o transtorno depressivo maior, alguns dados sugerem outra visão: tanto uma quanto outra isoladamente são eficientes, pelo menos em pacientes com episódios depressivos maiores leves, e o uso regular da terapia combinada aumenta o custo do tratamento e expõe o paciente a efeitos adversos desnecessários. Três tipos de psicoterapia de curto prazo – terapia cognitiva, terapia interpessoal e terapia comportamental – têm sido estudados para se determinar sua eficiência no tratamento do transtorno depressivo maior. Ainda que sua eficácia para essa condição não seja tão bem pesquisada como a dessas três terapias, a psicoterapia de orientação psicanalítica tem sido considerada há muito para transtornos depressivos, e vários clínicos a utilizam como método principal. O que a diferencia dos três métodos de psicoterapia de curto prazo são os papéis ativo e diretivo do terapeuta, os objetivos diretamente reconhecíveis e os desfechos para a terapia de curto prazo. Embora menos pesquisa tenha sido conduzida sobre a teoria psicodinâmica da depressão do que sobre outras formas de psicoterapia, a evidência acumulada sobre sua eficiência é encorajadora. Em um ensaio aleatório controlado comparando a terapia psicodinâmica à terapia cognitivo-comportamental, os resultados de pacientes deprimidos não mostraram diferença entre os dois tratamentos. A Tabela 15.1-31 resume os aspectos das abordagens psicodinâmica, cognitiva e interpessoal; a Tabela 15.1-32 indica algumas variáveis seletivas e não-seletivas de pacientes para psicoterapia; a Tabela 15.1-33 resume as vantagens e limitações das três abordagens, e as Tabelas 15.1-34 e 15.1-35 listam aspectos capazes de afetar a escolha de farmacoterapia, psicoterapia ou terapia combinada. O Programa de Pesquisa Colaborativa para o Tratamento da Depressão do Instituto Nacional de Doenças Mentais (National Institute of Mental Health – NIMH) verificou os seguintes indicativos de resposta aos vários tratamentos: pouca disfunção social sugeriu boa resposta à terapia interpessoal; pouca disfunção cognitiva sugeriu boa resposta à terapia cognitivo-comportamental e à farmacoterapia; alta disfunção no trabalho sugeriu boa resposta à farmacoterapia; e gravidade intensa da depressão sugeriu boa resposta à terapia interpessoal e à farmacoterapia. Terapia cognitiva. A terapia cognitiva, desenvolvida originalmente por Aaron Beck, focaliza as distorções cognitivas consideradas presentes no transtorno depressivo maior. Essas distorções incluem atenção seletiva para os aspectos negativos das circuns-
600
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 15.1-31 Aspectos principais das três abordagens psicoterapêuticas para depressão Aspecto
Abordagem psicodinâmica
Principais teóricos
Freud, Abraham, Jacobson, Kohut Conceitos de causa Regressão do ego: auto-estima e de patologia perturbada e conflitos nãoresolvidos devido a perda ou desapontamento de objetos na infância Principais objetivos e me- Promover a mudança da persocanismos de mudança nalidade através da compreensão dos conflitos passados; conseguir insight sobre defesas, distorções do ego, defeitos do superego; prover um modelo de papéis; possibilitar a liberação da agressão por catarse Técnicas e práticas Expressiva-empática; análise principais completa ou parcial da transferência e da resistência; confrontação das defesas; clarificação de distorções do ego e do superego Papel do terapeuta– relacionamento terapêutico Papel conjugal-familiar
Abordagem cognitiva
Abordagem interpessoal
Platão, Adler, Beck, Rush
Meyer, Sullivan, Klerman, Weissman
Pensamento distorcido: disforia devido a visões negativas aprendidas de si próprio, dos outros e do mundo
Perturbação das relações interpessoais: elos sociais significativos ausentes ou insatisfatórios
Prover o alívio sintomático através Prover alívio sintomático através da da alteração dos pensamentosresolução dos problemas interpesalvo; identificar as soais; reduzir o estresse que encognições autodestrutivas; modificar volve a família ou o trabalho; melhorar pressupostos errôneos específicos; a capacidade de comunicação interpromover o autocontrole sobre pessoal padrões de pensamento
Cognitivo-comportamental: recordação e monitoramento das cognições; correção de temas distorcidos com testes lógicos e experimentais; provisão de conteúdo alternativo do pensamento; trabalho para casa Interpretador-refletor: estabeleEducador-modelador: relacionamento cimento e exploração da transpositivo em vez de transferência; ferência; aliança terapêutica empirismo cooperativo como base para dependência positiva e para tarefa científica (lógica) compreensão empática conjunta Confidencialidade individual Utilização do cônjuge como relator completa; exclusão de outros objetivo; terapia de casais para significativos, exceto em sicognições perturbadas mantidas tuações que ameacem a vida pela relação conjugal
Comunicativo-ambiental: clarificação e manejo dos relacionamentos mal-adaptativos e aprendizado de novos através do treinamento de comunicação e de habilidades sociais; provisão de informação sobre o transtorno Explorador-prescritor: relacionamentotransferência positivo sem interpretação; papel ativo do terapeuta para influência e defesa Papel integral do cônjuge no tratamento; exame do papel do cônjuge na predisposição do paciente à depressão e efeitos do transtorno sobre o casamento
Reimpressa, com permissão, de Karasu TB. Toward a clinical model of psychotherapy for depression. I. Systematic comparison of three psychotherapies. Am J Psychiatry. 1990;147:141.
TABELA 15.1-32 Variáveis seletivas e não-seletivas de pacientes para psicoterapia na depressão Variáveis seletivas Variáveis não-seletivas
Terapia psicodinâmica
Terapia cognitiva
Terapia interpessoal
Sentimentos de desespero e impotência Apatia, redução do prazer, desejo ou gratificação Ideais pessoais e expectativas demasiado elevados Excesso de sono, sonhos mórbidos ou pesadelos Sentimentos de inquietação ou de estar lentificado Falta de motivação ou vontade Baixa auto-estima, culpa inapropriada ou excessiva e auto-acusação Distratibilidade, pensamento ou tomada de decisões lentificados Desejo ou intenção de morrer Reclusão social, medo de rejeição ou fracasso Queixas psicossomáticas, hipocondria
Sentimento de longa data de vazio e subestima do próprio valor Perda ou separação longa na infância Conflitos em relações do passado (p. ex., com pais, parceiro sexual) Capacidade para insight Capacidade de modular regressão Acesso a sonhos e fantasias Pouca necessidade de direção e orientação Ambiente estável
Pensamentos distorcidos sobre si próprio, o mundo e o futuro Pensamento pragmático (lógico) Inadequações reais (inclusive má resposta a outras psicoterapias) Necessidade moderada ou alta de direção ou orientação Possibilidade de resposta a treinamento comportamental e de auto-ajuda (alto grau de autocontrole)
Disputa recente, focal, com o cônjuge ou outra pessoa significativa Problemas sociais ou de comunicação Recente transição de papéis ou mudança na vida Reação de luto anormal Necessidade modesta a moderada de direção e orientação Possibilidade de resposta à manipulação do ambiente (rede de apoio disponível)
Reimpressa, com permissão, de Karasu TB. Toward a clinical model of psychotherapy for depression. II. An integrative and selective treatment approach. Am J Psychiatry. 1990;147:275.
tâncias e inferências mórbidas não-realistas sobre suas conseqüências. Por exemplo, a apatia e o baixo nível de energia são resultados de uma expectativa que o paciente tem de fracasso em todas
as áreas. O objetivo da terapia cognitiva é aliviar os episódios depressivos e prevenir sua recorrência ao auxiliar na identificação e testagem das cognições negativas; desenvolver formas alternati-
TRANSTORNOS DO HUMOR
601
TABELA 15.1-33 Vantagens e limitações das três abordagens psicoterapêuticas para depressão Aspecto Teoria Vantagens
Limitações
Objetivos Vantagens
Limitações
Estrutura Vantagens
Limitações Papel do terapeuta Vantagens
Limitações
Técnicas Vantagens
Limitações
Abordagem psicodinâmica
Abordagem cognitiva
Abordagem interpessoal
A abordagem individual em profunA orientação cognitivocomportadidade encoraja o paciente a olhar mental é tangível e objetiva para dentro de si e buscar soluções, em vez de depender de fontes externas O enfoque nos fenômenos intrapsíA ênfase cognitivo-comportamental quicos obscurece outros fatores (p. pode negligenciar o indivíduo ex., interpessoais, ambientais); a como um todo, em especial o comteoria de agressão-depressão ponente afetivo; a perspectiva pode ser generalizada em excesso orientada para os sintomas dese levar à confiança demasiada na considera a história pregressa, catarse áreas de problemas complexos e conflitos ocultos
A orientação interpessoal enfoca um contexto mais amplo (p. ex., social e familiar), útil para enfatizar as relações homem-mulher
A mudança estrutural duradoura transcende o alívio sintomático; o fortalecimento da capacidade adaptativa pode ser útil além da patologia depressiva específica A alteração da personalidade pode ser demasiado ambiciosa, sendo desnecessária ou excessiva para a maioria dos diagnósticos de depressão
O objetivo primário do alívio sintomático é conveniente por si só e é o primeiro estágio da modificação do estilo cognitivo
A melhora das relações interpessoais é benéfica por si só e pode também levar ao alívio dos sintomas
A redução dos sintomas pode ser insuficiente, superficial ou temporária; o enfoque nos problemas atuais pode bloquear a modificação duradoura da personalidade ou a função profilática do tratamento
O alívio sintomático pode ser frágil e temporário se for muito dependente de fatores externos
A duração breve ou fixa é eficiente em termos de custo e pode promover resultados em período curto, aumentando as expectativas de mudança rápida e encorajando o otimismo A duração curta ou predeterminada pode ser insuficiente ou inflexível
A duração predeterminada é eficiente em termos de custo; a abordagem engaja a família e pode ter um efeito preventivo
A duração indefinida possibilita objetivos flexíveis a longo prazoa
O tratamento a longo prazo e com término em aberto não é econômico, sendo difícil de avaliara Neutro, a postura de aceitação assegura uma atitude de não-julgamento e objetividade; o ouvir receptivo encoraja a formação da transferência e o desenvolvimento do processo analítico A regressão pela transferência pode levar à superidealização do terapeuta e à subestimativa do valor próprio do paciente; o silêncio do terapeuta pode ser mal-entendida como rejeição, perpetuando a depressão e levando ao término prematuro A associação livre provê a catarse verbal; as interpretações provêem nova compreensão de conflitos e acontecimentos históricos depressogênicos
A ênfase nos quatro problemas interpessoais designados pode enviesar para temas preconcebidos; a orientação interpessoal pode ressaltar fatores conjugais/familiares ao mesmo tempo em que subestima os fatores intrapsíquicos
Limitações de tempo predeterminam a extensão do crescimento pessoal e da independência
O terapeuta ativo pode intervir direta- A postura do terapeuta, entre atividade mente para interromper os esquee reatividade, pode reassegurar o mas depressivos e sugerir alterpaciente e representar uma fonte de nativas para o pensamento probleapoio com quem o paciente se mático relaciona A sugestão e a direção ativas podem O papel do apoio interpessoal pode sabotar a responsabilidade e a encorajar a dependência e a raiva auto-estima do paciente ao impor com a retirada do terapeuta o ponto de vista ou os valores do terapeuta
A abordagem específica está diretamente ajustada para a população depressiva e visa a sintomas-alvo particulares; a identificação de pressupostos depressogênicos e a tarefa de casa para testar novos pensamentos promovem a modificação cognitiva Sem técnicas específicas desenvolA ênfase em esquemas cognitivos vidas; o enfoque nos acontecimenespecíficos pode enviesar para tos passados e as associações escertos temas preconcebidos; a pontâneas podem encorajar uma lisimplicidade própria das técnicas tania repetitiva de queixas deprespode levar à subestimativa da sivas às custas das tarefas teracapacidade técnica necessária pêuticas correntes
A abordagem específica está diretamente ajustada para a população depressiva e pode se dirigir a questões interpessoais mal-adaptativas particulares e atuais
A identificação de áreas específicas de problemas interpessoais pode ser restritiva em excesso; ainda assim, as técnicas são relativamente inespecíficas; a legitimação do papel de doente pode encorajar a passividade
(Continua)
602
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 15.1-33 (Continuação) Aspecto Estado da pesquisa Vantagens
Limitações
Relação com outras modalidades Vantagens
Limitações
Abordagem psicodinâmica
Abordagem cognitiva
Abordagem interpessoal
A abordagem longitudinal de estudo de caso é útil no exame pormenorizado e no acompanhamento de cada paciente A abordagem ideográfica ou anedótica de história de casos não possibilita a pesquisa controlada ou comparativa
O manual operacional permite a replicação do tratamento, o treinamento e o estabelecimento empírico da eficácia A abordagem operacionalizada orientada para a pesquisa pode se tornar uma fórmula simplificada demais para fenômenos clínicos complexos
O mesmo que para a abordagem cognitiva
A integridade da transferência é mantida pela eliminação de influências externas
A competição com a farmacoterapia encoraja a pesquisa sobre a eficácia relativa, especialmente em situações que a terapia cognitiva é mais eficiente sozinha A competição com a farmacoterapia promove a polarização de abordagens e a resistência partidária à integração com o tratamento medicamentoso
Abordagem designada para ser utilizada sozinha ou com medicamentos; possibilita principalmente a combinação com terapia familiar
A necessidade da neutralidade pode limitar a utilização de outras abordagens úteis de tratamento (p. ex., terapia familiar, tratamento medicamentoso)
O mesmo que para a abordagem cognitiva
A possibilidade de modalidades adicionais ou ecléticas requer um modelo teórico integrador, perícia clínica em mais de uma modalidade a capacidade de colaborar com outras disciplinas, o que pode levar a difusão de papéis e a conhecimento ou treinamento insuficientes
População de pacientes Vantagens Pré-requisitos especiais dos pacien- O pensamento lógico assegura o po- A orientação para as relações intertes (p. ex., orientação verbal, tencial máximo para lidar com a pessoais, especialmente para a intecapacidade psicológica de pensar) mudança de pressupostos e paração conjugal, pode enfocar quesgarantem melhor insight drões de pensamento depressogêtões de gênero no casamento, muito nicos importantes, dada a alta prevalência de mulheres entre os pacientes deprimidos Limitações Os pré-requisitos especiais do paA população cognitivamente compro- A orientação interpessoal pode enfaticiente podem limitar a utilidade à metida pode não se beneficiar; pazar em excesso o casamento; a popopulação com capacidade cientes sofisticados, introspectivos pulação principalmente feminina psicológica de pensar. podem achar a abordagem demapode predispor a favor das mulheres; siado simplista ou superficial o enfoque conjunto pode ser problemático em relação à população solteira a As vantagens e limitações da terapia psicodinâmica a curto prazo são semelhantes às das abordagens cognitiva e interpessoal. Reimpressa, com permissão, de Karasu TB. Toward a clinical model of psychotherapy for depression. I. Systematic comparison of three psychotherapies. Am J Psychiatry. 1990;147:142.
vas, flexíveis e positivas de pensar; e ensaiar novas respostas cognitivas e comportamentais. Estudos mostraram que a técnica é eficiente no tratamento do transtorno depressivo maior. A maioria deles verificou que sua eficiência é igual à da farmacoterapia, mas com menos efeitos adversos e melhor evolução. Alguns dos estudos melhor controlados indicaram que a combinação entre ambas é mais eficiente do que cada uma isoladamente, embora outros estudos não tenham encontrado esse efeito aditivo. Em pelo menos um estudo, do Programa de Pesquisa Colaborativa para o Tratamento da Depressão do NIMH, verificou-se que a farmacoterapia, tanto isolada como com a psicoterapia, pode ser o tratamento de escolha para pacientes com episódios depressivos maiores graves. Terapia interpessoal. A terapia interpessoal, desenvolvida por Gerald Klerman, enfoca um ou dois dos problemas interpessoais atuais do paciente. Ela se baseia em dois pressupostos. Primeiro,
há a probabilidade de os problemas interpessoais atuais terem suas raízes em relacionamentos disfuncionais precoces. Segundo, esses problemas podem estar envolvidos na precipitação e na perpetuação dos sintomas depressivos atuais. Vários estudos controlados compararam a terapia interpessoal com a terapia cognitiva, a farmacoterapia e a combinação de farmacoterapia e psicoterapia. Esses ensaios indicaram que a terapia interpessoal é eficiente no tratamento do transtorno depressivo maior e pode, não surpreendentemente, ser útil para a abordagem de problemas interpessoais. Os dados sobre a eficácia da terapia interpessoal no tratamento de episódios depressivos maiores graves são menos confiáveis, embora alguma informação indique que ela pode ser o método mais eficiente para episódios depressivos maiores graves quando o tratamento de escolha é a psicoterapia isoladamente. O programa de terapia interpessoal geralmente consiste de 12 a 16 sessões semanais que se caracterizam por uma abordagem terapêutica ativa. Os fenômenos intrapsíquicos, como os meca-
TRANSTORNOS DO HUMOR
603
TABELA 15.1-34 Indicações para psicoterapia e farmacoterapia no tratamento da depressão Indicações para o tratamentoa Variável Critérios de sintomas para episódio depressivo maior Humor deprimido Redução do interesse ou prazer Perda ou aumento de peso Insônia ou hipersonia Agitação psicomotora Fadiga ou falta de energia (anergia) Sentimentos de desvalorização ou culpa excessiva Redução da capacidade de pensar ou de se concentrar; indecisão Pensamento recorrentes de morte ou suicídio Manifestações associadas História familiar Fatores predisponentes Transtornos da personalidade
Farmacoterapia
Psicoterapia
Sintomas vegetativos marcantes; humor extremo ou descontrolado Anedonia; perda da libido; comprometimento da função ou do desempenho sexual Perda de peso significativa Despertar precoce de madrugada Hiperatividade ou lentificação motora Estupor depressivo Delírios niilistas ou de autodepreciação; alucinações auditivas de auto-repreensão Perda de controle sobre o pensamento, ruminação obsessiva, incapacidade de enfocar ou agir Atos ou planos suicidas agudos, episódicos ou descontroladosb Ataques de pânico (ansiedade) ou fobias; delírios persecutórios; pseudodemência; sintomas físicos ou delírios somáticos Carga genética (transtorno bipolar ou depressivo) Outros transtornos mentais, como esquizofrenia, dependência de álcool, anorexia nervosa Borderline, histriônica, obsessivo-compulsiva
Humor deprimido leve a moderado, situacional ou caracterológico Apatia, redução do prazer; redução do desejo ou da satisfação sexual Perda de peso insignificante Excesso de sono, sonhos mórbidos ou pesadelos Inquietação ou sensação de estar lentificado Falta de motivação ou vontade Baixa auto-estima; sentimentos inapropriados de culpa; autocensura Distração fácil, pensamento ou tomada de decisões lentos; cognições negativas Sentimentos crônicos de desesperança e impotênciac Reclusão social ou medo de rejeição ou fracasso; queixas psicossomáticas ou hipocondria Ausência de carga genética (transtorno distímico) Estressores psicossociais, por exemplo, perda de alguém significativo, mudança de status ou papel Dependente, inadequada, masoquista
a
Estas não são categorias mutuamente excludentes. Pode ser necessária hospitalização. c Medicação pode ser útil. Reimpressa com permissão de Karasu TB. Toward a clinical model of psychotherapy for depression. II. An integrative and selective treatment approach. Am J Psychiatry. 1990;147:274. b
TABELA 15.1-35 Abordagem da farmacoterapia nas três psicoterapias para depressão Aspectos do tratamento combinado Postura básica
Técnicas
Terapia psicodinâmica
Terapia cognitiva
Terapia interpessoal
A medicação é evitada, exA farmacoterapia e a terapia cogniti- A terapia interpessoal e a farmacoterapia ceto em situações de va isoladas estão em competição são consideradas como tendo efeitos ameaça à vida; utilizada corrente, mas os medicamentos e tempos de resposta diferentes (efeicriteriosamente para sinais são utilizados em caso de má restos precoces da medicação sobre os vegetativos graves posta à terapia cognitiva e para sintomas vegetativos, efeitos tardios romper impasses da psicoterapia da psicoterapia sobre a ideação na depressão grave quando é nesuicida, o trabalho e os interesses) cessário o alívio sintomático Os significados pessoais Provisão de informação e razões Provisão de informação e razões para (conscientes e inconscienpara sua utilização; são prescritas sua utilização, em consonância com tes) são explorados e intarefas especiais para aumentar a o modelo médico; é reservado um terpretados dentro da sesadesão, por exemplo, tarefa para tempo em cada sessão para dissão terapêutica casa após as sessões (lista de cutir questões farmacológicas efeitos colaterais); é encorajado o contato com o terapeuta por telefone
Reimpressa, com permissão, de Karasu TB. Toward a clinical model of psychotherapy for depression. II. An integrative and selective treatment approach. Am J Psychiatry. 1990;147:272.
nismos de defesa e os conflitos internos, não são enfocados. Comportamentos discretos – como falta de auto-afirmação, comprometimento das habilidades sociais e pensamento distorcido – podem ser enfocados apenas no contexto de seu significado ou de seu efeito sobre os relacionamentos interpessoais.
Terapia comportamental. A terapia comportamental baseiase na hipótese de que os padrões comportamentais mal-adaptativos levam o indivíduo a receber pouca retroalimentação positiva e talvez rejeição direta da sociedade. Ao enfocar os comportamentos mal-adaptativos no tratamento, o paciente aprende a fun-
604
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
cionar no mundo de uma forma que receba reforços positivos. Ainda que as terapias individuais e de grupo tenham sido estudadas em relação ao transtorno depressivo maior, a terapia comportamental ainda não foi o objeto de muitos estudos controlados. Os dados até o presente indicam que ela é um tratamento eficiente para o transtorno depressivo maior. Terapia de orientação psicanalítica. A abordagem psicanalítica dos transtornos do humor é fundamentada nas teorias psicanalíticas sobre depressão e mania. Seu objetivo é efetuar uma mudança na estrutura da personalidade ou do caráter do paciente, e não apenas aliviar sintomas. Melhoras na confiança interpessoal, na intimidade, nos mecanismos de manejo, na capacidade de se enlutar e na capacidade de experimentar uma ampla faixa de emoções são alguns dos objetivos da terapia psicanalítica. Essa abordagem geralmente requer que o paciente experimente períodos de aumento da ansiedade e do sofrimento durante o curso do tratamento, que pode se prolongar por vários anos. Terapia familiar. A terapia familiar não costuma ser vista como uma terapia principal para o tratamento de transtorno depressivo maior, mas evidência crescente indica que auxiliar um paciente com transtorno do humor a lidar com o estresse pode diminuir a possibilidade de recaída. A técnica é indicada se o transtorno ameaça o casamento do paciente ou o desempenho da família, ou se o transtorno do humor é promovido ou mantido pela situação familiar. A terapia examina o papel do membro com perturbação do humor e o bem-estar psicológico geral de toda a família; também examina o papel da família na manutenção dos sintomas do paciente. Aqueles com transtorno do humor têm uma alta taxa de divórcio, e cerca de 50% de todos os cônjugues relatam que não teriam se casado ou tido filhos se soubessem que o paciente iria desenvolver um transtorno do humor. Farmacoterapia Ainda que as psicoterapias específicas de curto prazo como a terapia interpessoal e a terapia cognitiva tenham influenciado as abordagens de tratamento do transtorno depressivo maior, a abordagem farmacoterapêutica revolucionou o tratamento dos transtornos do humor e afetou de forma drástica o seu curso, reduzindo seus custos inerentes para a sociedade. Os médicos devem integrar a farmacoterapia às intervenções psicoterápicas. Se consideram fundamentalmente o envolvimento de questões psicodinâmicas, sua ambivalência sobre a utilização de medicamentos pode levar a uma má resposta, à não-adesão ao tratamento e provavelmente a dosagens inadequadas, por períodos de tratamento curtos demais. Por outro lado, se ignoram as necessidades psicossociais do paciente, o resultado da farmacoterapia pode ser comprometido. Transtorno depressivo maior. Tratamentos específicos e eficientes para o transtorno depressivo maior, como os medicamentos tricíclicos, estão disponíveis há 40 anos. A utilização da farmacoterapia específica quase dobra a chance de que um paciente deprimido se recupere em um mês. A despeito disso, há ainda problemas no tratamento do transtorno depressivo maior. Alguns pacientes não
respondem ao primeiro tratamento; todos os antidepressivos atualmente disponíveis podem levar até 3 a 4 semanas para exercer efeitos terapêuticos significativos, embora possam começar a mostrá-los mais cedo; além disso, até um tempo relativamente recente, todos os antidepressivos disponíveis eram tóxicos em dose excessiva (overdose) e tinham efeitos adversos. A introdução dos ISRSs, como a fluoxetina, a paroxetina (Aropax) e a sertralina (Zoloft), bem como a bupropiona, a venlafaxina, a nefazodona (Serzone) e a mirtazapina (Remeron), oferece aos clínicos medicamentos igualmente eficientes, mas mais seguros e melhor tolerados do que os anteriores. Indicações recentes (p. ex., para transtornos da alimentação e de ansiedade) para os medicamentos antidepressivos tornam confusa a reunião desses agentes sob o rótulo único de antidepressivos. A principal indicação para os antidepressivos é um episódio depressivo maior. Os primeiros sintomas a melhorar costumam ser os distúrbios dos padrões do sono e do apetite. Agitação, ansiedade, episódios depressivos e falta de esperança são atenuados logo a seguir. Outros sintomas-alvo incluem a falta de energia, a dificuldade de concentração, o sentimento de impotência e a redução da libido. INSTRUÇÃO DO PACIENTE. A instrução adequada do paciente sobre os antidepressivos é tão importante para o êxito do tratamento quanto a escolha do medicamento e da dose mais apropriada. Quando discutem com o paciente a tentativa de um medicamento, os médicos devem enfatizar que o transtorno depressivo maior é uma combinação de fatores biológicos e psicológicos, ambos se beneficiando com o tratamento farmacológico. Deve-se ressaltar também que o paciente não se tornará dependente dos antidepressivos, porque estes não dão gratificação imediata. Além disso, provavelmente levará de 3 a 4 semanas para os efeitos do antidepressivo serem sentidos, e mesmo que o paciente não apresente melhora nesse período, existem outros agentes disponíveis. Alguns clínicos dizem que o surgimento de efeitos colaterais mostra que o medicamento está atuando, mas sua manifestação precisa ser explicada com pormenores. Por exemplo, alguns pacientes tomando ISRSs podem experimentar agitação, malestar gastrintestinal ou náuseas antes de qualquer redução da depressão. Os efeitos adversos passam com o tempo. Com os medicamentos tricíclicos e com os IMAOs, o médico pode achar útil dizer aos pacientes que o sono e o apetite melhorarão primeiro, seguidos por uma sensação de retorno da energia, e que o sentimento de depressão, infelizmente, será o último dos sintomas a se modificar. É importante considerar sempre o risco de suicídio em pacientes com transtorno do humor. A maioria dos antidepressivos é letal se tomada em grande quantidade. É imprudente fazer grandes prescrições à maioria desses pacientes quando têm alta do hospital, a menos que outra pessoa monitore a administração dos medicamentos.
Dois tratamentos orgânicos alternativos à farmacoterapia são a ECT e a fototerapia. A primeira costuma ser utilizada quando o paciente não responde à farmacoterapia, não pode tolerá-la ou a situação clínica é tão grave que é necessária a melhora rápida oferecida
ALTERNATIVAS PARA O TRATAMENTO MEDICAMENTOSO.
TRANSTORNOS DO HUMOR
pela ECT. Embora sua utilização seja geralmente limitada a essas três situações, é um tratamento antidepressivo eficiente e pode ser considerado a opção de escolha para alguns pacientes, como idosos deprimidos. A fototerapia é um tratamento novo que tem sido utilizado em pacientes com um padrão sazonal de seu transtorno do humor. Pode ser utilizada isoladamente em casos leves. Para os pacientes gravemente afetados, pode ser usada em combinação com farmacoterapia, embora estudos sobre a eficácia dessa combinação ainda não tenham produzido resultados definitivos. Os ISRSs são os medicamentos antidepressivos mais amplamente utilizados nos Estados Unidos. São agentes de escolha em função de sua eficiência, facilidade de utilização e falta relativa de efeitos adversos, mesmo em doses elevadas. Como são bem-tolerados, têm sido prescritos por clínicos de uma ampla faixa de especialidades. Entre os agentes novos, a bupropiona, a venlafaxina e a nefazodona adquiriram ampla utilização entre os psiquiatras. Cada um desses agentes é mais seguro do que medicamentos tricíclicos, tetracíclicos e IMAOs, demonstrando-se eficiente para a depressão em ensaios clínicos. Os tricíclicos e tetracíclicos, a trazodona (Donaren), o alprazolam (Frontal) e a mirtazapina podem causar sedação. Os IMAOs requerem restrições dietéticas. Os medicamentos simpaticomiméticos, como a dextroanfetamina (Dexedrine) e o metilfenidato (Ritalina), podem produzir uma melhora rápida do humor (dentro de uma semana), sendo indicados em situações estritamente monitoradas.
MEDICAMENTOS DISPONÍVEIS.
Em pacientes que toleram as doses terapêuticas plenas dos vários antidepressivos disponíveis, nenhum dos agentes demonstrou superioridade óbvia. Há diferenças marcantes, contudo, nos perfis de efeitos adversos, e cada paciente pode responder a um antidepressivo e não a outro. A maioria dos antidepressivos interage com a neurotransmissão serotonérgica, noradrenérgica ou com ambas. Além disso, demonstrou-se que a potencialização de qualquer um desses sistemas de neurotransmissores estimula o outro, o que torna difícil traduzir as particularidades da farmacodinâmica de cada medicamento em predição de eficácia. Há uma correlação bastante positiva entre a evidência in vitro de interação com um neurotransmissor particular e a evidência clínica de efeitos adversos particulares, indicados na Tabela 15.1-36. Os IMAOs são escolhidos com menos freqüência porque podem causar uma crise hipertensiva se os pacientes ingerem alimentos com conteúdo elevado de tiramina, o que requer uma adesão estrita a um conjunto simples de diretrizes dietéticas. O alprazolam, um benzodiazepínico, é aprovado pela Food and Drug Administration (FDA) para o tratamento da depressão, mas é raramente utilizado devido à preocupação com a sedação e porque pode provocar adicção e ser muito difícil de interromper. Os simpaticomiméticos, ainda que estejam entre os antidepressivos mais eficientes, são pouco utilizados em decorrência da preocupação com o abuso, embora improvável nas doses baixas geralmente necessárias para o tratamento da depressão.
AÇÕES FARMACOLÓGICAS.
EFEITOS ADVERSOS. Uma das preocupações mais sérias sobre os antidepressivos é sua letalidade quando ingeridos em doses exces-
605
sivas (overdose). Os medicamentos tricíclicos e tetracíclicos são, de longe, os mais letais dos antidepressivos; os ISRSs, a bupropiona, a trazodona, a nefazodona, a mirtazapina, a venlafaxina e os IMAOs são mais seguros, embora ainda letais quando ingeridos em excesso, em combinação com álcool e outras drogas. Outra preocupação em relação aos antidepressivos é sua segurança cardíaca. Novamente, tricíclicos e tetracíclicos são os menos seguros. Hipotensão é um efeito adverso potencialmente sério de vários antidepressivos, em especial em pessoas idosas. Entre os antidepressivos convencionais, a amoxapina (Asendin), a maprotilina (Ludromil), a nortriptilina (Pamelor) e a trazodona se associam a pouca hipotensão, e a bupropiona e os ISRSs são os menos associados a tal condição. Vários clínicos ignoram os efeitos sexuais adversos dos antidepressivos. Quase todos, exceto a nefazodona e a mirtazapina, têm relação com redução da libido, disfunção erétil ou anorgasmia. Os medicamentos serotonérgicos se associam mais intimamente com efeitos sexuais adversos do que os compostos noradrenérgicos. A Tabela 15.1-37 lista os efeitos adversos de vários antidepressivos. INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS. Outra preocupação crescente entre os clínicos que prescrevem medicamentos para transtornos e condições depressivas são as possíveis interações medicamentosas, especialmente com relação à enzima hepática do citocromo P450. O sistema das isoenzimas do citocromo P450 está envolvido no metabolismo da maioria dos medicamentos, mas alguns indivíduos têm risco genético de desenvolver concentrações elevadas de agentes metabolizados por uma das isoenzimas do citocromo P450, como o CYP 2D6 (Tab. 15.1-38).
Alguns tipos clínicos de episódios depressivos maiores podem ter respostas variáveis a antidepressivos específicos. Por exemplo, indivíduos com transtorno depressivo maior com manifestações atípicas (algumas vezes denominado disforia histeróide) podem responder com maior ênfase ao tratamento com IMAOs. Dois outros grupos específicos são pacientes com transtorno bipolar I deprimidos e aqueles com episódios depressivos maiores com manifestações psicóticas. O lítio é um agente farmacológico potencial de primeira linha para o tratamento da depressão em pacientes com transtorno bipolar I e em alguns pacientes com transtorno depressivo maior com uma periodicidade marcante de seu transtorno. Pacientes com transtorno bipolar I que estão sendo tratados com antidepressivos convencionais devem ser observados com cuidado em relação ao surgimento de sintomas maníacos. Os antidepressivos isolados têm a probabilidade de não serem eficientes no tratamento de episódios depressivos maiores com manifestações psicóticas. Uma exceção pode ser a amoxapina, um antidepressivo intimamente relacionado com a loxapina (Loxitane), um antipsicótico. Contudo, geralmente os clínicos utilizam uma combinação de um antidepressivo com um antipsicótico. Vários estudos demonstraram também que a ECT é eficiente para tal indicação – talvez mais do que a farmacoterapia. TRATAMENTOS ESPECÍFICOS.
DIRETRIZES CLÍNICAS GERAIS. O erro clínico mais comum, levando a uma tentativa malsucedida com um medicamento antide-
606
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 15.1-36 Efeitos dos antidepressivos sobre os neurotransmissores no SNC
Amitriptilina Amoxapina Bupropiona Clomipramina Desipraminaa Doxepina Todos os ISRSs Imipramina Lítio Maprotilina Moclobemida Nefazodona Nortriptilinaa Fenelzina/tranilcipromina Protriptilina Trazodona Trimipramina Venlafaxina a b
Serotonina
Noradrenalina
Dopamina
Atividade da MAO
Bloqueio tipo 2 da serotonina
+++ +++ 0 ++++ + ++++ +++++ (ou mais) +++ 0/++b 0 0 +++a ++ 0 + ++ ++ ++++
++++ +++ + +++ ++++ + 0/+ ++ – ++++ 0 0 +++ 0 ++++ 0 ++ +++
0 – ++ + 0/+ 0 0/+ 0/+ – 0 0 0 0 0 0 0 0 0/+
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 Reversível tipo A 0 0 Irreversível tipo A/B 0 0 0 0
++ +++ 0 ++ + + 0/+ ++ 0 NA 0 ++++ + 0 NA +++ ++ 0
A amina terciária é desmetilada em amina secundária. Aumenta com uso agudo; estabiliza com uso crônico.
TABELA 15.1-37 Efeitos adversos dos antidepressivos
Amitriptilina Amoxapina Bupropiona Clomipramina Desipramina Doxepina Fluoxetina Fluvoxamina Imipramina Lítio Maprotilina Moclobemida Nefazodona Nortriptilina Paroxetina Protriptilina Sertralina Trazodona Trimipramina Venlafaxina
Efeitos anticolinérgicos
Arritmias
Sedação
Convulsõesa
Hipotensão ortostática
GI
Disfunção sexual
Toxicidade em superdosagem
5 2 0 5 2 3 0 1 3 0 3 1 1 3 2 3 0 0 4 1
5 1 0 5 4 3 0 0 5 1 3 0 0 4 0 3 0 1 5 0
5 3 0 4 2 4 0/1 0/1 3 1 3 0 3 2 1/2 0 0/1 4 5 0/1
2 3 4 4 2 2 0 0 2 1 3 0 0 2 0 2 0 1 2 0
4 1 0 4 3 3 0 0 4 0 2 2 1 1 0 2 0 3 3 0/1c
2 1 1 3 1 1 4 5 2 3 1 1 3 2 4 1 4 1 2 5
3 3 0/1 4 3 3 4 4 3 1 3 2 1 3 4 3 4 2b 4 2/3
4 5 3 5 4 4 1 1 5 5 5 2 1 5 1 4 1 2 5 1
a
Embora com ordenação de 1-4, o “alto risco” para convulsões ainda é menor do que 1%. Priapismo. Também relatado leve aumento da pressão arterial relacionado à dose. 0, nenhum; 1, mínimo; 2, baixo; 3, moderado; 4, alto; 5, muito alto. b c
pressivo, é a utilização de doses muito baixas por tempo curto demais. A Tabela 15.1-39 lista as faixas de doses e indicações para uma gama de medicamentos. A menos que acontecimentos adversos o impeçam, a dose de um antidepressivo deve ser aumentada até o nível máximo recomendado e mantida aí por pelo menos 4 a 5 semanas antes que a tentativa com o medicamento seja considerada malsucedida. Por outro lado, se o paciente está melhorando clinicamente com uma dose baixa do medicamento, esta não deve ser aumentada a menos que a melhora pare antes de
se conseguir o benefício máximo. Quando não há resposta às doses apropriadas do medicamento após 2 a 3 semanas, os clínicos podem decidir obter a concentração plasmática do medicamento se o exame estiver disponível. O teste pode indicar tanto não-adesão como eliminação particularmente incomum do medicamento, o que pode sugerir uma dosagem alternativa. DURAÇÃO E PROFILAXIA. O tratamento com antidepressivos deve ser mantido por, no mínimo, seis meses ou pela duração de um
TRANSTORNOS DO HUMOR
607
TABELA 15.1-38 Interações medicamentosas e sistemas de isoenzimas do citocromo P450 Risco potencial de antidepressivos ilustrativos (in vitro e in vivo) Ordem relativa
CYP 1A2
CYP 2C
CYP 2D6
CYP 3A3/4
Elevada
Fluvoxamina
Fluvoxamina Fluoxetina
Paroxetina Fluoxetina
Moderada a mínima
ADTs terciários Fluoxetina Paroxetina
ADTs terciários
ADTs secundários Sertralina Nefazodona Fluvoxamina Venlafaxina (in vitro)
Fluvoxamina Nefazodona ADTs Sertralina Fluoxetina Venlafaxina (in vitro)
Baixa a mínima
Risco desconhecido Nefazodona Sertralina Venlafaxina
A maioria dos antidepressivos
Paroxetina
Medicamentos ilustrativos que podem interagir com os antidepressivos CYP 1A2
CYP 2C
CYP 2D6
CYP 3A3/4
Teofilina Imipramina (menor) Cafeína Fenacetina Acetaminofen Warfarin (menor) Fenotiazinas
Mefenitoína Diazepam Hexobarbital Imipramina Fenacetina Warfarin Propranolol ADTs terciários
Desipramina, ADTs secundários Flecainida/ecainida Risperidona Fenotiazinas Haloperidol (menor) Haloperidol reduzido Codeína Propranolol (menor) Quinidinaa
Terfenadina Astemizol Cetoconazol Alprazolam Triazolam Eritromicina Nifedipina Ciclosporina Corticosteróides
a
Inibidora de 2D6, não um substrato. O medicamento pode ser substrato e/ou inibidor de um dado sistema de enzimas.
TABELA 15.1-39 Medicamentos selecionados utilizados no tratamento da depressão Dosagem (mg/dia)a
Concentração plasmática terapêutica (ng/mL)
50-300 100-600
60-200b 180-600b
150-450 150-400 20-80 100-250 50-300 75-300 15-90
50-100b 50-100b — 200-300b 125-250b 110-250 80% de inibição da atividade da MAO nas plaquetas — — >180b,c 200-400b — — 50-150c — 100-200 — 800-1.600 — 80% de inibição da atividade da MAO nas plaquetas — —
Medicamento
Dose inicial (mg)
Amitriptilina (Tryptanol) Amoxapina
Citalopram (Cipramil) Clomipramina (Anafranil) Desipramina Doxepina Fenelzina
25 ao deitar a 25 três vezes ao dia 50 duas vezes ao diab – 50 três vezes ao dia 50-75 duas vezes ao dia SR: 150d 10-20 25 três vezes ao dia 25 ao deitar a 25 três vezes ao dia 25 ao deitar a 25 duas vezes ao dia 15 de manhã
Fluoxetina (Prozac) Fluvoxamina (Luvox) Imipramina (Tofranil) Maprotilina (Ludiomil) Mirtazapina (Remeron) Nefazodona (Serzone) Nortriptilina (Pamelor) Paroxetina (Aropax) Protriptilina Sertralina (Zoloft) Trazodona (Donaren) Trimipramina Tranilcipromina (Parnate)
20 de manhã 50-100 de manhã 25 ao deitar a 25 três vezes ao dia 25 ao deitar a 25 três vezes ao dia 15 100 três vezes ao dia 25 ao deitar a 25 três vezes ao dia 20 de manhã 10 de manhã 50 de manhã 50 três vezes ao dia 25 ao deitar a 25 três vezes ao dia 10 de manhã
10-80 100-300 50-300 50-225 15-45 100-600 50-200 10-50 15-60 50-200 50-600 75-300 10-60
Venlafaxina (Effexor)
37,5 duas vezes ao dia XR: 37,5 por diae
75-375 75-225
Bupropiona (Wellbutrin)
a Em pacientes geriátricos, a dose apropriada é amplamente variável, mas em geral é a metade da faixa da dose de adultos jovens para os antidepressivos tricíclicos e os compostos com toxicidade cardiovascular significativa. b Composto-mãe e metabólitos. c A monitoração terapêutica do medicamento está bem-estabelecida. d Formulação de manutenção prolongada. e Formulação de liberação prolongada.
608
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
episódio prévio, seja qual for o maior. Vários estudos demonstraram que o tratamento profilático com antidepressivos é eficiente na redução do número e da gravidade das recorrências. Um estudo concluiu que quando o intervalo entre os episódios é menor do que dois anos e meio, o tratamento profilático por cinco anos é indicado. Outro fator sugerindo o tratamento profilático é a gravidade do episódio prévio. Episódios que tenham envolvido ideação suicida significativa ou comprometimento do desempenho psicossocial podem indicar que o clínico deve considerar esse recurso. Quando o tratamento com antidepressivos é suspenso, a dose do medicamento deve ser reduzida de forma gradativa por 1 a 2 semanas, dependendo da meia-vida do composto em particular. Vários estudos indicam que a manutenção da medicação antidepressiva parece ser segura e eficiente para o tratamento da depressão crônica. FRACASSO DA TENTATIVA COM MEDICAMENTOS. Quando o primeiro medicamento antidepressivo foi utilizado em uma tentativa adequada e, se apropriado, os clínicos estão certos de que foram conseguidas concentrações plasmáticas adequadas, há duas opções caso os sintomas não tenham melhorado satisfatoriamente: potencializar o medicamento com lítio, liotironina (o isômero levorrotatório da triiodotironina [T3]) ou L-triptofano, ou mudar para um agente primário alternativo. Uma estratégia atualmente pouco utilizada é combinar um medicamento tricíclico ou tetracíclico com um IMAO. Ao mudar os agentes, os clínicos devem substituir um medicamento tricíclico ou tetracíclico por um ISRS (ou possivelmente um IMAO); no caso de se estar tomando um ISRS, trocar por bupropiona, venlafaxina, nefazodona, um medicamento tricíclico ou tetracíclico, mirtazapina, trazodona ou possivelmente um IMAO. Pelo menos duas semanas devem decorrer entre a utilização de um ISRS e a utilização de um IMAO, e os dois medicamentos nunca devem ser utilizados ao mesmo tempo, porque poderia se desenvolver uma síndrome da serotonina.
Lítio. O lítio (900 a 1.200 mg por dia, com níveis no soro entre 0,6 e 0,8 mEq/L) pode ser acrescido à dose do antidepressivo por 7 a 14 dias. Esta abordagem converte não-responsivos a antidepressivos em responsivos. O mecanismo de ação é desconhecido, embora o lítio possa potencializar o sistema serotonérgico neuronal. Alguns dados indicam que o pré-tratamento com o antidepressivo isoladamente é necessário para esse efeito e que iniciar o tratamento com os dois medicamentos ao mesmo tempo não é tão eficiente como começar com um antidepressivo para, a seguir, acrescentar o lítio. Liotironina. O acréscimo de 25 a 50 mg por dia de liotironina a
um regime com antidepressivos por 7 a 14 dias pode converter não-responsivos a antidepressivos em responsivos. Os efeitos adversos da liotironina são menores e podem incluir cefaléia e sensações de calor. O mecanismo de ação da potenciação pela liotironina não é conhecido, embora a modulação dos β-receptores e a presença de anormalidades não-detectáveis do eixo da tireóide no transtorno depressivo maior possam ter alguma relação. Se a potenciação pela liotironina é bem-sucedida, a utilização do agente pode ser continuada por dois meses e depois reduzida de forma gradual a uma taxa de 12,5 mg por dia a cada 3 a 7 dias.
L-triptofano. O L-triptofano, o aminoácido precursor da seroto-
nina, tem sido utilizado como auxiliar tanto para medicamentos antidepressivos no transtorno depressivo maior como para o lítio no transtorno bipolar I. Ele também tem sido empregado isoladamente como antidepressivo e como hipnótico. Os produtos contendo L-triptofano foram retirados do mercado nos Estados Unidos em vista de um surto da síndrome de eosinofilia-mialgia associada à sua utilização. Os sintomas da síndrome incluem fadiga, mialgia, dispnéia, exantemas e tumefação das extremidades. Podem ocorrer ainda insuficiência cardíaca congestiva e morte. Vários estudos indicaram que o L-triptofano é um auxiliar eficiente no tratamento dos transtornos do humor; contudo, não deve ser utilizado com qualquer propósito até que o problema dessa síndrome seja completamente resolvido. A síndrome pode estar relacionada a um contaminante em uma única fábrica, mas ainda assim a precaução deve ser mantida. Combinação de medicamentos tricíclicos ou tetracíclicos com IMAO. A combinação de medicamentos tricíclicos ou tetracícli-
cos com um IMAO costuma ser utilizada em pacientes que não respondem a vários outros tratamentos. Com a disponibilidade de uma ampla faixa de antidepressivos, contudo, esta combinação terapêutica é raramente utilizada. Em vista da alta incidência de efeitos adversos, não é um tratamento de escolha. Quando utilizada, os clínicos devem iniciar o tratamento com os dois medicamentos ao mesmo tempo em doses baixas de cada um e aumentar as doses lentamente. A imipramina (Tofranil) ou a trimipramina (Surmontil) não devem ser utilizadas em combinação com um IMAO em virtude da alta incidência de efeitos tóxicos, incluindo inquietação, tonturas, tremor, abalos musculares, sudorese, convulsões, hiperpirexia e até morte. Quando o paciente está tomando um medicamento tricíclico ou tetracíclico, os médicos devem reduzir a um quarto a dose do medicamento por 5 a 7 dias e a seguir acrescentar lentamente o IMAO ao regime. Quando o paciente está tomando um IMAO, os médicos devem parar de administrar o medicamento por duas semanas e depois iniciar os dois medicamentos ao mesmo tempo. A razão para essa estratégia é que são necessárias cerca de duas semanas para se conseguir a normalização dos níveis de atividade da MAO, após a utilização de um inibidor. A Figura 15.1-6 fornece um algoritmo útil para esse tratamento. Transtorno bipolar I. O lítio, o divalproato (Depakote) e a olanzapina (Zyprexa) são tratamentos-padrão para a fase maníaca do transtorno bipolar, mas a carbamazepina também é um tratamento bem-estabelecido. A gabapentina (Neurotin) e a lamotrigina (Lamictal) são opções promissoras para pacientes refratários ou intolerantes ao tratamento. A eficácia dos últimos dois agentes não está muito bem-definida, mas sua utilização clínica está se expandindo. O topiramato (Topamax) é outro anticonvulsivante que demonstrou benefício em pacientes bipolares. A ECT é altamente positiva em todas as fases do transtorno bipolar. A carbamazepina, o divalproato e o ácido valpróico parecem ser mais eficientes do que o lítio no tratamento de mania mista ou disfórica, na ciclagem rápida e na mania psicótica, bem como no tratamento de pacientes com história de episódios maníacos múltiplos ou abuso co-mórbido de drogas.
TRANSTORNOS DO HUMOR
Paciente ambulatorial fisicamente sadio, sem complicações, sem qualquer contraindicação para uma classe específica de antidepressivos
ADT ou ISRS, dependendo da preferência do médico
Tentativa sem sucesso devido a falta de resposta ou a efeito adverso limitante da dose
Resposta parcial
Substituir por um agente alternativo (ADT ↔ ISRS)
Mudar para um agente cruzado alternativo ou tentar potencialização
Remissão completa
Tentativa sem êxito
Manter como descrito acima
Tentar um agente de segunda linha com evidência de atividade em indivíduos nãoresponsivos aos ADTs. Tratar alternativamente com ECT.
Remissão completa
Manter o tratamento por, no mínimo, 4 a 6 meses no caso de primeiro episódio; mais tempo no caso de doença recorrente
FIGURA 15.1-6 Algoritmo para tratamento de um paciente com transtorno depressivo maior. ECT, eletroconvulsoterapia; ISRS, inibidor seletivo da recaptação de serotonina; ADT, antidepressivo tricíclico. (Reimpressa com permissão de Preskorn SH, Burke M. Somatic therapy for major depressive disorder: selection of an antidepressant. J Clin Psychiatry. 1992;53[suppl 9] 10.)
O tratamento dos episódios maníacos agudos por vezes requer a utilização adjunta de medicamentos sedativos potentes. Medicamentos comumente utilizados no início do tratamento incluem o clonazepam (Rivotril) (1 mg a cada 4 a 6 horas) e o lorazepam (Lorax) (2 mg a cada 4 a 6 horas). O haloperidol (Haldol) (2 a 10 mg por dia), a olanzapina (2,6 a 10 mg por dia) e a risperidona (Risperdal) (0,5 a 6 mg por dia) também são de utilidade. Os pacientes bipolares podem ser particularmente sensíveis aos efeitos colaterais dos antipsicóticos típicos. Os antipsicóticos atípicos (p. ex., a olanzapina [10 a 15 mg por dia]) tendem a ser utilizados como monoterapia no controle de curto prazo e podem ter propriedades antimaníacas intrínsecas. Os médicos devem tentar reduzir de forma gradativa as doses desses agentes auxiliares quando o paciente se estabiliza. Aqueles que não respondem de maneira adequada a um estabilizador do humor podem se dar bem com o tratamento combinado. O lítio e o ácido valpróico são, com freqüência, utilizados
609
em conjunto. O aumento da neurotoxicidade é um risco, mas a combinação é segura. Outras combinações incluem lítio mais carbamazepina mais ácido valpróico (o que requer monitoração laboratorial quanto a interações medicamentosas e toxicidade hepática) e combinações com os novos anticonvulsivantes. O lítio ainda é o tratamento-padrão para transtorno bipolar I. Os efeitos adversos que podem limitar sua utilização e levar os clínicos a considerar o uso da carbamazepina ou do valproato incluem efeitos renais (sede, poliúria), efeitos sobre o sistema nervoso central (tremor, perda de memória), efeitos metabólicos (aumento de peso), efeitos gastrintestinais (diarréia), efeitos dermatológicos (acne, psoríase) e efeitos sobre a tireóide (bócio, mixedema). De preocupação potencialmente séria são os efeitos do lítio sobre os rins, que podem incluir comprometimento moderado ou grave da função tubular; modificações morfológicas incomuns, moderadas e inespecíficas; e, raramente, síndrome nefrótica. Esses vários efeitos adversos requerem a monitoração cuidadosa do estado renal e tireoideano do paciente. Aumenta-se a adesão ao tratamento com o lítio por meio de início precoce do tratamento, tratamento adequado dos transtornos concomitantes e do abuso coexistente de drogas, detecção precoce e prevenção de efeitos adversos e participação do paciente em psicoterapia individual e de grupo. A resposta é aumentada quando níveis adequados do lítio são mantidos, quando a medicação auxiliar é utilizada como indicado e é realizada a monitoração laboratorial e clínica. A ausência de resposta ao tratamento é mais provável em casos de doença grave, presença de sintomas de transtorno esquizoafetivo, sintomas mistos maníacos e depressivos, sintomas somáticos, abuso de álcool e outras drogas, ciclagem rápida e ausência de história familiar de transtorno bipolar I. Um nível sangüíneo de 0,8 a 1,2 mEq/L é a faixa eficiente.
LÍTIO.
Os dados de eficácia do valproato agora são suficientes para indicar sua utilização como medicamento de primeira linha. Um número significativo de pacientes parece tolerar este agente melhor do que o lítio e a carbamazepina. O ácido valpróico e o divalproato têm um amplo índice terapêutico e parecem ser eficientes em níveis de 50 a 125 μg/mL. A revisão pré-tratamento inclui hemograma completo e testes da função hepática. Um teste de gravidez é necessário porque este medicamento pode causar defeitos no tubo neural nos fetos. Pode causar trombocitopenia e aumento dos níveis das transaminases, ambos geralmente benignos e autolimitados, mas que requerem aumento da monitoração sangüínea. Toxicidade hepática fatal foi relatada somente em crianças abaixo de 10 anos que recebiam anticonvulsivantes múltiplos. Os efeitos adversos típicos incluem perda de cabelo (que pode ser tratada com zinco e selênio), tremor, aumento de peso e sedação. Mal-estar gastrintestinal é comum, mas pode ser reduzido ao mínimo com a utilização de comprimidos revestidos entéricos (Depakote) e com o aumento gradativo. O ácido valpróico pode ser dosado para o controle a curto prazo de sintomas administrando-se 20 mg/kg em doses divididas. Essa estratégia também produz um nível terapêutico e pode melhorar os sintomas em sete dias. Para pacientes ambulatoriais, mais frágeis fisicamente ou para aqueles nem tão gravemente doentes, a
VALPROATO.
610
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
dose da medicação pode ser iniciada com 250 a 750 mg por dia e aumentada aos poucos até um nível terapêutico. Os níveis sangüíneos podem ser verificados após três dias de uma dose particular. Carbamazepina. A carbamazepina costuma ser aumentada de forma gradual até a resposta, em vez de até o nível sangüíneo, embora vários clínicos a aumentem até atingir níveis de 4 a 12 μg/mL. A avaliação pré-tratamento deve incluir testes da função hepática e hemograma completo, bem como eletrocardiograma (ECG), níveis de eletrólitos, contagem de reticulócitos e teste de gravidez. Os efeitos adversos incluem náuseas, sedação e ataxia. Toxicidade hepática, hiponatremia ou supressão da medula óssea podem ocorrer raramente. Exantemas manifestam-se em 10% dos pacientes. Os do tipo esfoliativo (síndrome de Stevens-Johnson) são raros, mas podem ser fatais. A dose do medicamento pode ser iniciada com 200 a 600 mg por dia, com reajustes a cada cinco dias, com base na resposta clínica. A melhora pode ser observada em 7 a 14 dias após ter se alcançado uma dose terapêutica. Interações medicamentosas complicam a utilização da carbamazepina e a relegam ao status de segunda linha. É uma potente indutora de enzimas e pode baixar os níveis de outros medicamentos psicotrópicos, como o haloperidol. Além disso, induz seu próprio metabolismo (auto-indução), e a dose por vezes necessita ser aumentada durante os primeiros meses de tratamento para manter o nível terapêutico e a resposta clínica. OUTROS ANTICONVULSIVANTES. A lamotrigina e a gabapentina são anticonvulsivantes que podem ter propriedades antidepressivas, antimaníacas e estabilizadoras do humor. Não necessitam de monitoração sangüínea. A gabapentina é excretada exclusivamente pelos rins. Tem um perfil de efeitos adversos benigno que pode incluir sedação, tonturas e fadiga. Não interage com outros medicamentos. A redução da dose é necessária em pacientes com insuficiência renal. Sua dose pode ser aumentada de forma intensa, tendo sido relatada resposta terapêutica em doses de 300 a 3.600 mg por dia. Possui vida média curta, e é necessária a dosagem três vezes ao dia. A lamotrigina requer aumento gradativo da dose para reduzir o risco de exantema, que ocorre em 10% dos pacientes. A síndrome de StevensJohnson ocorre em 0,1% dos casos. Outros efeitos adversos incluem náuseas, sedação, ataxia e insônia. A dose pode ser iniciada com 25 a 50 mg por dia por duas semanas e, a seguir, aumentada lentamente até 150 a 250 mg duas vezes ao dia. O valproato aumenta os níveis da lamotrigina. Na presença do valproato, o aumento da dose da lamotrigina deve ser mais lento, e as dosagens, mais baixas (p. ex., 25 mg por via oral quatro vezes ao dia por duas semanas, com aumentos de 25 mg a cada duas semanas até o máximo de 150 mg por dia). O topiramato tem mostrado eficácia nos transtornos bipolares. Seus efeitos adversos incluem fadiga e embotamento cognitivo. Este medicamento tem a propriedade especial de causar perda de peso. Uma série de pacientes com sobrepeso com transtorno bipolar perdeu uma média de 5% de seu peso corporal quando tomando o topiramato como auxiliar de outros medicamentos. A dose inicial costuma ser de 25 a 50 mg por dia até o máximo de 400 mg por dia.
Outros agentes. Outros agentes utilizados no transtorno bipolar incluem o verapamil (Dilacoron), a nimodipina, (Nimotop) a clonidina, o clonazepam e a levotiroxina (Levoxyl, Levothoroid, Synthroid). A clozapina (Leponex) tem demonstrado potentes propriedades antimaníacas e estabilizadoras do humor no tratamento de pacientes refratários. A ECT pode ser considerada como tratamento alternativo para o transtorno bipolar I em casos particularmente graves e resistentes aos medicamentos. O desenvolvimento de ciclagem rápida em pacientes com transtorno bipolar I tem se associado à utilização de antidepressivos convencionais, em especial os medicamentos tricíclicos, e à presença de hipotireoidismo. Além da utilização de tratamentos da tireóide, isto é, com levotiroxina 0,3 a 0,5 mg por dia, alguns pesquisadores e clínicos relataram resultados positivos com a utilização de outros agentes psicofarmacológicos, incluindo os ASDs, a bupropiona e a nimodipina.
CICLAGEM RÁPIDA.
MANUTENÇÃO. A decisão de manter um paciente com profilaxia com
lítio (ou outro medicamento) se baseia na gravidade da condição do paciente, no risco de efeitos adversos de um medicamento em particular e na qualidade dos seus sistemas de apoio. O tratamento de manutenção costuma ser indicado para a profilaxia do transtorno bipolar I em qualquer paciente que tenha tido mais de um episódio. A razão para essa prática é a segurança relativa dos medicamentos disponíveis, sua eficácia demonstrada e o potencial significativo de problemas psicossociais se ocorrer outro episódio de transtorno bipolar. Durante o tratamento a longo prazo, a monitoração é necessária para o lítio, o ácido valpróico e a carbamazepina. Transtorno bipolar II. O tratamento do transtorno bipolar II deve ser abordado com cuidado; o controle dos episódios depressivos com antidepressivos pode, com freqüência, precipitar um episódio maníaco. Ainda se encontra sob investigação se as estratégias típicas de medicação para o transtorno bipolar I (p. ex., lítio e anticonvulsivantes) são eficientes no tratamento do transtorno bipolar II. Uma tentativa com esses agentes parece estar indicada, em especial quando o tratamento com antidepressivos isoladamente não foi bem-sucedido. REFERÊNCIAS Akiskal HS, section ed. Mood disorders. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol I. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:1284. Baldessarini RJ, Tondo L. Does lithium treatment still work? Evidence of stable responses over three decades. Arch Gen Psychiatry. 2000;57:187. Coryell W, Endicott J, Keller M. Major depression in a nonclinical sample: demographic and clinical risk factors for first onset. Arch Gen Psychiatry. 1992;49:117. Coryell W, Endicott J, Keller M. Rapid cycling affective disorder: demographics, diagnosis, family history, and course. Arch Gen Psychiatry. 1992;49:126. Gallagher-Thompson D, Steffen AM. Comparative effects of cognitive-behavioral and brief psychodynamic psychotherapies for depressed family caregivers. J Consult Clin Psychol. 1994;62:543. Gotlib IH, Nolan SA. Depressive disorders. In: Hersen M, Bellack AS, ed. Psychopathology in Adulthood. 2nd ed. Needham Heights, MA: Allyn & Bacon; 2000:252.
TRANSTORNOS DO HUMOR
Hammen C. Vulnerability to depression in adulthood. In: Ingram RE, Price JM, eds. Vulnerability to Psychopathology: Risk across the Lifespan. New York: Guilford Press; 2001:226. Hammen C, Gitlin M. Stress reactivity in bipolar patients and its relation to prior history of disorder. Am J Psychiatry. 1997;154:856. Johnson SL, Hayes AM, et al., eds. Stress, Coping, and Depression. Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum Associates; 2000:35. Keck PE Jr, Nabulsi AA, Taylor JL, et al. A pharmacoeconomic model of divalproex vs. lithium in the acute and prophylactic treatment of bipolar I disorder. J Clin Psychiatry. 1996;57:213. Keitner GI, Ryan CE, Miller IW, Norman WH. Recovery and major depression: factors associated with twelve-month outcome. Am J Psychiatry. 1992;149:93. Kendler KS, Kessler RC, Walters EE, et al. Stressful life events, genetics liability, and onset of an episode of major depression in women. Am J Psychiatry. 1995;152:883. MacKinnon DF, Zandi PP, Cooper J, et al. Comorbid bipolar disorder and panic disorder in families with a high prevalence of bipolar disorder. Am J Psychiatry. 2002;159:30. Palmer KJ, ed. Controversies in Depression Management. Kwai Chung, Hong Kong: Adis International Publications; 2000:49. Post RM, Ketter TA, Denicoff K, Pazzaglia PJ. The place of anticonvulsant therapy in bipolar illness. Psychopharmacology. 1996;128:115. Power AC, Cowen PJ. Neuroendocrine challenge tests: assessment of 5-HT function in anxiety and depression. Mol Aspects Med. 1992;3:205. Rice JP, Rochberg N, Endicott J, Lavori PW, Miller C. Stability of psychiatric diagnoses: an application to the affective disorder. Arch Gen Psychiatry. 1992;49:824. Sachs GS, Thase ME. Bipolar disorder therapeutics maintenance treatment. Biol Psychiatry. 2000;48:573. Sands JR, Harrow M. Bipolar disorder: psychopathology, biology, and diagnosis. In: Hersen M, Bellack AS, ed. Psychopathology in Adulthood. 2nd ed. Needham Heights, MA: Allyn & Bacon; 2000:326.
15.2 Distimia e ciclotimia
611
Embora a distimia possa ocorrer como complicação secundária de outros transtornos psiquiátricos, o conceito fundamental do transtorno distímico se refere a um transtorno depressivo subafetivo ou subclínico com (1) cronicidade de baixo grau por pelo menos dois anos, (2) início insidioso, com início muitas vezes na adolescência, (3) um curso persistente ou intermitente. A história familiar de pacientes com distimia é tipicamente repleta de transtornos depressivos e bipolares, um dos achados mais consistentes a apoiar seu elo com os transtornos primários do humor. Epidemiologia O transtorno distímico é comum na população em geral e afeta 5 a 6% das pessoas. É observado entre pacientes em clínicas psiquiátricas gerais, onde afeta de metade a um terço de todos eles. Não há diferenças de gênero para as taxas de incidência. A condição é mais comum em mulheres com menos de 64 anos de idade do que em homens de qualquer idade, sendo mais freqüente em indivíduos solteiros e jovens e naqueles com menor renda. O transtorno distímico muitas vezes coexiste com outros transtornos mentais, particularmente transtorno depressivo maior; nas pessoas com transtorno depressivo maior, há menos probabilidade de remissão completa entre os episódios. Os pacientes podem também ter transtornos de ansiedade (em especial transtorno de pânico), abuso de drogas e transtorno da personalidade borderline co-mórbidos. Ele é mais comum entre aqueles que têm parentes de primeiro grau com transtorno depressivo maior. Pacientes com transtorno depressivo distímico têm mais probabilidade de estar tomando uma ampla gama de medicamentos psiquiátricos, incluindo antidepressivos e agentes antimaníacos como o lítio (Carbolitium), a carbamazepina (Tegretol) e os hipnóticos sedativos. Etiologia
TRANSTORNO DISTÍMICO O transtorno distímico é crônico e caracteriza-se pela presença de humor depressivo que dura a maior parte do dia e que está presente de forma quase contínua. De acordo com a revisão de texto da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR), as manifestações mais típicas do transtorno são sentimentos de inadequação, culpa, irritabilidade e raiva; reclusão da sociedade; perda de interesse; inatividade e falta de produtividade. O termo distimia, que significa “mal-humorado”, foi introduzido em 1980. Antes dessa data, a maioria dos pacientes atualmente classificados como tendo transtorno distímico eram considerados portadores de neurose depressiva (também chamada de depressão neurótica). O transtorno distímico se distingue do transtorno depressivo maior pelo fato de que os pacientes se queixam de que sempre estiveram deprimidos. Dessa forma, a maioria dos casos é de início precoce, começando na infância ou na adolescência e certamente na época em que os pacientes atingem os 20 anos de idade. Um subtipo de início tardio, muito menos prevalente e não muito bem caracterizado clinicamente, tem sido identificado entre populações de meia-idade e geriátricas, em grande parte através de estudos epidemiológicos.
Fatores biológicos. Alguns estudos de medidas biológicas no transtorno distímico apóiam sua classificação dentro dos transtornos do humor; outros questionam essa associação. Uma hipótese derivada dos dados é que a base biológica para os sintomas do transtorno distímico e do transtorno depressivo maior seja similar, mas que a base biológica para fisiopatologia subjacente dos dois transtornos seja diferente. ESTUDOS DO SONO. A redução da latência de movimentos rápidos dos olhos (REM) e o aumento da sua densidade são marcadores de estado de depressão no transtorno depressivo maior que também ocorrem em uma proporção significativa de pacientes com transtorno distímico. Alguns investigadores relataram dados preliminares indicando que a presença dessas anormalidades em pessoas com transtorno distímico antecipa uma resposta a medicamentos antidepressivos. ESTUDOS NEUROENDÓCRINOS. Os dois eixos mais estudados no trans-
torno depressivo maior e no transtorno distímico são o eixo adrenal e o eixo da tireóide, que têm sido avaliados pelo teste de supressão da dexametasona (TSD) e pelo teste de estimulação do hormônio libe-
612
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
rador da tireotropina (TRH), respectivamente. Embora os resultados desses estudos não sejam tão consistentes, a maioria indica que pacientes com transtorno distímico têm menor probabilidade de ter resultados anormais no TSD do que aqueles com transtorno depressivo maior. Poucos estudos com o teste de estimulação do TRH foram conduzidos, mas produziram dados preliminares indicando que anormalidades no eixo da tireóide podem ser um traço variavelmente associado a doença crônica. Uma porcentagem mais alta de pacientes com transtorno distímico apresenta anormalidades no eixo da tireóide do que indivíduos-controle normais. Fatores psicossociais. Teorias psicodinâmicas sobre o transtorno distímico postularam que ele é resultado do desenvolvimento da personalidade e do ego e culmina em dificuldades de adaptação à adolescência e à vida adulta inicial. Karl Abraham, por exemplo, pensava que os conflitos na depressão são centrados em traços sádicos orais e anais. Traços anais incluem necessidade excessiva de ordem, culpa e preocupação com os outros; são postulados como sendo uma defesa contra preocupações com temas anais e com desorganização, hostilidade e preocupação consigo mesmo. Um dos principais mecanismos de defesa utilizados é a formação reativa. Baixa auto-estima, anedonia e introversão costumam estar associadas ao caráter depressivo. FREUD. Em Luto e Melancolia, Freud afirmou que o desapontamento interpessoal precoce na vida pode causar uma vulnerabilidade para a depressão que leva a relações ambivalentes de amor no adulto; perdas reais ou ameaçadas na vida adulta podem desencadear depressão. As pessoas predispostas à depressão são dependentes oralmente e necessitam de constante gratificação narcisista. Quando privadas de amor, afeição e cuidado, tornam-se clinicamente deprimidas; quando experimentam uma perda real, internalizam ou introjetam o objeto perdido e dirigem sua raiva contra ele e, dessa forma, contra si próprias.
A teoria cognitiva da depressão também se aplica ao transtorno distímico. Sustenta que a disparidade entre situações reais e fantasiadas leva a uma redução da auto-estima e a um sentimento de impotência. O êxito da terapia no tratamento de determinados pacientes com transtorno distímico pode prover algum apoio para esse modelo teórico.
TEORIA COGNITIVA.
Diagnóstico e características clínicas Os critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para o transtorno distímico (Tab. 15.2-1) estipulam a presença de humor depressivo na maior parte do tempo por pelo menos dois anos (ou um ano para crianças e adolescentes). Para satisfazer os critérios diagnósticos, o paciente não deve ter sintomas que sejam melhor explicados por um transtorno depressivo maior e não deve ter tido nunca um episódio maníaco ou hipomaníaco. O DSM-IV-TR possibilita aos clínicos especificar se o início foi precoce (antes dos 21 anos) ou tardio (21 anos ou mais). Além disso, permite a especificação de manifestações atípicas no transtorno distímico. O perfil do transtorno distímico se superpõe ao do transtorno depressivo maior, mas difere dele pelo fato de que os sintomas
TABELA 15.2-1 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno distímico A. Humor deprimido na maior parte do dia, na maioria dos dias, indicado por relato subjetivo ou observação feita por terceiros, pelo período mínimo de dois anos. Nota: Em crianças e adolescentes, o humor pode ser irritável, com duração mínima de um ano. B. Presença, enquanto deprimido, de duas (ou mais) das seguintes características: (1) apetite diminuído ou hiperfagia (2) insônia ou hipersônia (3) baixa energia ou fadiga (4) baixa auto-estima (5) baixa concentração ou dificuldade em tomar decisões (6) sentimentos de desesperança C. Durante o período de dois anos (um ano para crianças ou adolescentes) de perturbação, o indivíduo jamais esteve sem os sintomas dos Critérios A e B por mais de dois meses de cada vez. D. Ausência de episódio depressivo maior durante os primeiros dois anos de perturbação (um ano para crianças e adolescentes); isto é, a perturbação não é melhor explicada por um transtorno depressivo maior crônico ou transtorno depressivo maior, em remissão parcial. Nota: Pode haver ocorrido um episódio depressivo maior anterior, desde que tenha havido remissão completa (ausência de sinais ou sintomas significativos por dois meses) antes do desenvolvimento do transtorno distímico. Além disso, após os dois anos iniciais (um ano para crianças e adolescentes) de transtorno distímico, pode haver episódios sobrepostos de transtorno depressivo maior e, neste caso, ambos os diagnósticos podem ser dados quando são satisfeitos os critérios para um episódio depressivo maior. E. Jamais houve um episódio maníaco, um episódio misto ou um episódio hipomaníaco e jamais foram satisfeitos os critérios para transtorno ciclotímico. F. A perturbação não ocorre exclusivamente durante o curso de um transtorno psicótico crônico, como esquizofrenia ou transtorno delirante. G. Os sintomas não se devem aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., droga de abuso, medicamento) ou de uma condição médica geral (p. ex., hipotireoidismo). H. Os sintomas causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. Especificar se: Início precoce: antes da idade de 21 anos Início tardio: aos 21 anos ou mais Especificar (para os dois anos de transtorno distímico mais recentes): Com características atípicas De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
tendem a ser mais numerosos do que os sinais (depressão mais subjetiva do que objetiva). Isso significa que as alterações no apetite e na libido não são características, e que a agitação ou a lentificação psicomotora não são observadas. Tudo isso se traduz em uma depressão com sintomatologia atenuada. Contudo, manifestações sutis endógenas são observadas: inércia, letargia e anedonia caracteristicamente piores pela manhã. Em vista de os pacientes por vezes alternarem entre episódios de depressão maior e períodos livres dela, os critérios fundamentais do DSM-IV-TR para o transtorno distímico tendem a pôr ênfase na disfunção vegetativa, enquanto o critérios B alternativo para o transtorno (Tab. 15.2-2) em um apêndice do DSM-IVTR lista sintomas cognitivos. O transtorno distímico é bastante heterogêneo. A ansiedade não é um componente necessário de seu quadro clínico, mas, ainda assim, o transtorno costuma ser diagnosticado em pacien-
TRANSTORNOS DO HUMOR
TABELA 15.2-2 Critério B alternativo do DSM-IV-TR para pesquisas sobre transtorno distímico B. Presença, enquanto deprimido, de pelo menos três dos seguintes sintomas: (1) baixa auto-estima ou autoconfiança ou sentimentos de inadequação (2) sentimentos de pessimismo, desespero ou falta de esperança (3) perda generalizada de interesse ou prazer (4) retraimento social (5) fadiga crônica ou cansaço (6) sentimentos de culpa, ruminações sobre o passado (7) sentimentos subjetivos de irritabilidade ou raiva excessiva (8) redução da atividade, eficiência ou produtividade (9) dificuldade para pensar, refletida por fraca concentração, fraca memória ou indecisão De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
tes com transtornos de ansiedade e neuróticos. Essa situação clínica talvez deva ser considerada como “uma distimia ansiosa” secundária ou, no contexto de Peter Tyrer, como parte de uma “síndrome neurótica geral”. Para maior clareza operacional, é melhor restringir o transtorno distímico a uma condição primária, que não pode ser explicada por outro transtorno psiquiátrico. As manifestações essenciais do transtorno distímico primário incluem tristeza habitual, ruminação, falta de alegria na vida e preocupação com inadequação. Dessa forma, o transtorno é melhor caracterizado como uma depressão de longa duração, flutuante, de baixo grau, experimentada como uma parte intrínseca ao indivíduo e representando uma acentuação de traços observados no temperamento depressivo (Tab. 15.2-3). O quadro clínico do transtorno depressivo é bem variado, com alguns pacientes progredindo para depressão maior enquanto outros manifestam sua patologia principalmente no nível da personalidade. Um professor do ensino fundamental de 27 anos de idade apresentou-se com a queixa principal de que a vida era um dever doloroso, à qual sempre faltou brilho. Decla-
TABELA 15.2-3 Atributos, vantagens e vulnerabilidades dos temperamentos depressivo e hipertímico Depressivo
Hipertímico
Triste, incapaz de sentir prazer, queixoso Sem senso de humor Pessimista e dado à ruminação Predisposto à culpa, com baixa auto-estima, preocupado com inadequação e fracasso Introvertido, com vida social restrita
Alegre e exuberante
Lento, vivendo uma vida sem ação Poucos interesses, mas constantes Passivo Confiável, dedicado e devotado Cortesia de Hagop S. Akiskal, M.D.
Articulado e jocoso Otimista demais e descuidado Superconfiante, seguro, fanfarrão e grandioso Extrovertido e em busca de pessoas Com alto nível de energia, cheio de planos Versátil, com amplos interesses Superenvolvido e intrometido Desinibido e à procura de estímulos
613
rou que se sentia envolvido por um sentimento de tristeza que estava quase sempre com ele. Embora fosse respeitado por seus colegas, sentia-se “como um fracasso grotesco, um conceito de si próprio que tinha desde a infância”. Ele afirmou que pouco se empenhava em suas responsabilidades como professor e que nunca tinha conseguido nenhum prazer com qualquer coisa que fizera na vida. Disse nunca ter tido nenhum sentimento romântico; a atividade sexual, em que se engajou com duas mulheres diferentes, tinha envolvido um orgasmo sem prazer. Revelou que se sentia vazio, passando pela vida sem um sentimento de direção, ambição ou paixão, uma percepção que o estava atormentando. (Cortesia de Hagop S. Akiskal, M.D.) Variantes distímicas. A distimia não é incomum em pacientes com transtornos crônicos incapacitantes, particularmente entre os mais idosos. Uma depressão similar à distimia, clinicamente significativa, abaixo do limiar de depressão, durando seis meses ou mais, tem sido relatada em condições neurológicas, incluindo acidentes vasculares cerebrais. De acordo com uma conferência da Organização Mundial de Saúde (OMS), essa condição agrava o prognóstico do problema neurológico subjacente e, por isso, merece tratamento farmacológico. Estudos prospectivos com crianças revelaram um curso episódico de distimia com remissões, exacerbações e complicações eventuais por episódios depressivos maiores, 15 a 20% dos quais podem até progredir para episódios hipomaníacos, maníacos ou mistos na pós-puberdade. Pessoas com transtorno distímico manifestado clinicamente na vida adulta tendem a seguir um curso unipolar crônico que pode ou não ser complicado por depressão maior. É pouco provável que desenvolvam hipomania ou mania espontânea. Contudo, quando tratados com antidepressivos, alguns podem apresentar mudanças hipomaníacas breves, que tendem a desaparecer quando a dose do antidepressivo é diminuída. Diagnóstico diferencial O diagnóstico diferencial do transtorno distímico é essencialmente idêntico ao do transtorno depressivo maior. Várias substâncias e doenças clínicas podem causar sintomas depressivos crônicos. Dois transtornos são particularmente importantes para se considerar no diagnóstico diferencial do transtorno distímico – o transtorno depressivo menor e o transtorno depressivo breve recorrente. Transtorno depressivo menor. O transtorno depressivo menor (discutido na Seção 15.3) caracteriza-se por episódios de sintomas depressivos menos graves do que os observados no transtorno depressivo maior. A diferença entre o transtorno distímico e o transtorno depressivo menor é basicamente a natureza episódica dos sintomas neste último. Entre os episódios, os pacientes com transtorno depressivo menor têm um estado de humor eutímico, enquanto aqueles com transtorno distímico quase não têm períodos eutímicos. Transtorno depressivo breve recorrente. O transtorno depressivo breve recorrente (discutido na Seção 15.3) caracteriza-se por períodos breves (menos de duas semanas) durante os
614
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
quais episódios depressivos estão presentes. Pacientes com esta condição satisfariam os critérios diagnósticos para transtorno depressivo maior se seus episódios durassem mais. Os pacientes com transtorno depressivo breve recorrente diferem daqueles com transtorno distímico em dois pontos: têm um transtorno episódico, e seus sintomas são mais graves. Depressão dupla. Estima-se que 40% dos pacientes com transtorno depressivo maior também satisfazem os critérios para transtorno distímico, uma combinação por vezes referida como depressão dupla. Os dados disponíveis apóiam a conclusão de que pacientes com depressão dupla têm um prognóstico pior do que aqueles com transtorno depressivo maior isolado. O tratamento deve ser direcionado para ambas as condições, já que a resolução de sintomas do transtorno depressivo maior ainda deixa os pacientes com comprometimento psiquiátrico significativo. Abuso de álcool e drogas. Pacientes com transtorno distímico com freqüência satisfazem os critérios para transtornos relacionados a substâncias. Essa co-morbidade pode ser lógica; as pessoas com transtorno distímico tendem a desenvolver métodos para lidar com seu estado depressivo crônico. Dessa forma, têm mais probabilidade de utilizar álcool e estimulantes como cocaína ou maconha. A escolha talvez dependa principalmente do seu contexto social. A presença desse diagnóstico co-mórbido representa um dilema diagnóstico para os clínicos: o uso prolongado de muitas drogas pode levar a um quadro de sintomas indistinguível do transtorno distímico.
rapia de longo prazo orientada para o insight. Os dados atuais oferecem apoio objetivo para terapia cognitiva, terapia comportamental e farmacoterapia. A combinação de farmacoterapia tanto com a terapia cognitiva como com a comportamental pode ser a abordagem mais eficiente para este transtorno. Terapia cognitiva. É a técnica em que os pacientes aprendem formas de pensar e de se comportar para substituir atitudes negativas defeituosas quanto a si próprios, o mundo e o futuro. É uma terapia de curto prazo orientada para os problemas atuais e sua resolução. Terapia comportamental. A terapia comportamental para os transtornos depressivos baseia-se na teoria de que a depressão é causada pela perda de reforços positivos como resultado de separação, morte ou mudanças súbitas no ambiente. Os vários métodos de tratamento focalizam objetivos específicos para aumentar a atividade, prover experiências agradáveis e ensinar os pacientes a relaxar. Alterar o comportamento pessoal é a maneira mais eficiente de mudar os pensamentos e sentimentos depressivos associados. A terapia comportamental costuma ser utilizada para tratar a impotência aprendida de alguns pacientes que parecem enfrentar os desafios da vida diária com um sentimento de incapacidade.
Tratamento
Psicoterapia (psicanalítica) orientada para o insight. Este é o método de tratamento mais comum para o transtorno distímico, e vários clínicos o consideram a principal escolha. A abordagem psicoterapêutica tenta relacionar o desenvolvimento e a manutenção de sintomas depressivos e aspectos da personalidade mal-adaptativos a conflitos não-resolvidos da infância precoce. O insight quanto aos equivalentes depressivos (como abuso de drogas) ou desapontamentos da infância como antecedentes da depressão no adulto pode ser obtido através do tratamento. Relacionamentos ambivalentes atuais com pais, amigos ou outros significativos são examinados. A compreensão do paciente de como tenta satisfazer uma necessidade excessiva de aprovação externa como contrapartida para sua baixa auto-estima e um superego severo é um objetivo importante no tratamento. O transtorno distímico envolve um estado crônico de depressão que se torna uma forma de vida para certas pessoas. Estas conscientemente se percebem à mercê de um objeto interno atormentador que é incansável em sua perseguição. Em geral conceituado como um superego severo, a entidade interna as critica, pune por não satisfazerem as expectativas e, em geral, contribui para sentimentos de sofrimento e infelicidade. Esse padrão pode estar associado a tendências de auto-sabotagem, porque tais pacientes sentem que não merecem ser bem-sucedidos. Podem também apresentar um sentimento persistente de falta de esperança em conseguir que suas necessidades emocionais sejam satisfeitas por pessoas importantes em sua vida. A visão sombria da vida e o pessimismo sobre seus relacionamentos levam a uma profecia que se autoconfirma – várias pessoas os evitam porque sua companhia é desagradável.
Historicamente, os pacientes com transtorno distímico ou não recebiam tratamento ou eram vistos como candidatos a psicote-
Terapia interpessoal. Na terapia interpessoal para os transtornos depressivos, as experiências interpessoais atuais do pacien-
Curso e prognóstico Cerca de 50% dos pacientes com transtorno distímico experimentam um início insidioso de sintomas antes dos 25 anos de idade. A despeito do início precoce, eles costumam sofrer com os sintomas por uma década antes de procurar assistência psiquiátrica e podem considerar o transtorno simplesmente como parte da vida. Esses pacientes estão em risco tanto para transtorno depressivo maior como para transtorno bipolar I. Estudos de pessoas com diagnóstico de transtorno distímico indicaram que cerca de 20% progrediram para transtorno depressivo maior, 15% para transtorno bipolar II, e menos de 5% para transtorno bipolar I. O prognóstico de pacientes com transtorno distímico varia. Agentes antidepressivos (p. ex., fluoxetina [Prozac] e bupropiona [Wellbutrin]) e tipos específicos de psicoterapias (p. ex., terapia cognitiva e comportamental) têm efeitos positivos no curso e no prognóstico do transtorno. Os dados disponíveis sobre tratamentos indicam que somente 10 a 15% dos pacientes se encontram em remissão um ano após o diagnóstico inicial. Cerca de 25% de todos os pacientes com transtorno distímico nunca atingem uma remissão completa. De modo geral, contudo, o prognóstico é bom com o tratamento.
TRANSTORNOS DO HUMOR
te e sua maneira de lidar com o estresse são examinadas para reduzir os sintomas depressivos e melhorar sua auto-estima. Essa terapia dura cerca de 12 a 16 sessões semanais e pode ser combinada com medicamentos antidepressivos. Terapia familiar e de grupo. A terapia familiar pode auxiliar tanto o paciente como sua família a lidar com os sintomas do transtorno, em especial quando uma síndrome subafetiva de base biológica parece estar presente. A terapia de grupo ajuda pacientes reclusos a aprender novas formas de superar seus problemas interpessoais em situações sociais. Farmacoterapia. Em vista das crenças teóricas de longa duração e comumente mantidas de que o transtorno distímico é principalmente uma condição determinada de forma psicológica, vários clínicos evitam prescrever antidepressivos; contudo, muitos estudos têm demonstrado êxito terapêutico com esses agentes. Os dados indicam que os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs) são úteis para pacientes com transtorno distímico. De forma similar, a bupropiona pode ser um tratamento eficiente. Os inibidores da monoaminoxidase (IMAOs) são benéficos em um subgrupo de pacientes distímicos, o qual também pode responder à utilização criteriosa de anfetaminas. FRACASSO DA TENTATIVA TERAPÊUTICA. Uma tentativa terapêutica com um antidepressivo no tratamento do transtorno distímico deve incluir a dose máxima tolerada por, pelo menos, oito semanas antes de se concluir que a tentativa não foi eficiente. Quando a tentativa com um medicamento é malsucedida, o clínico deve reconsiderar o diagnóstico, particularmente a possibilidade de uma doença clínica subjacente (em especial doença da tireóide) ou um transtorno de déficit de atenção em adultos. Quando a reconsideração do diagnóstico diferencial ainda sugere que o transtorno distímico é a condição mais provável, deve-se seguir a mesma estratégia terapêutica que para o transtorno depressivo maior, com a possibilidade de potencializar o primeiro antidepressivo adicionando lítio ou liotironina (Cytomel), ainda que estratégias dessa natureza não tenham sido estudadas. Como alternativa, os clínicos podem decidir mudar para um antidepressivo de uma classe de medicamentos completamente diferente. Por exemplo, se uma tentativa com ISRS é malsucedida, pode-se optar por bupropiona, um IMAO ou um medicamento tricíclico. Há alguns relatos de potencialização com testosterona em homens resistentes ao tratamento.
Hospitalização. A hospitalização em geral não é indicada para pacientes com transtorno distímico, mas sintomas muito graves, incapacidade social ou profissional considerável, necessidade de procedimentos diagnósticos extensos e ideação suicida são todos indicações para a hospitalização. TRANSTORNO CICLOTÍMICO O transtorno ciclotímico é sintomaticamente uma forma leve do transtorno bipolar II, caracterizado por episódios de hipomania e
615
depressão leve. No DSM-IV-TR, é definido como um “transtorno crônico e flutuante”, com muitos períodos de hipomania e depressão. Ele se diferencia do transtorno bipolar II, que é caracterizado pela presença de episódios depressivos maiores (não menores) e episódios hipomaníacos. Assim como o transtorno distímico, a inclusão do transtorno ciclotímico entre os transtornos do humor implica uma relação, provavelmente biológica, com o transtorno bipolar I. Alguns psiquiatras, contudo, consideram que o transtorno ciclotímico não tem componentes biológicos, sendo o resultado de relações objetais caóticas no início da vida. A compreensão atual do transtorno baseia-se, em alguma extensão, nas observações de Emil Kraepelin e Kurt Schneider de que de 1 a 2 terços dos pacientes com transtornos do humor exibem transtornos da personalidade. Kraepelin descreveu quatro tipos de transtornos da personalidade: depressiva (sombria), maníaca (alegre e desinibida), irritável (lábil e explosiva) e ciclotímica. Para ele, a personalidade irritável seria, ao mesmo tempo, depressiva e maníaca, e a personalidade ciclotímica seria uma alternância entre personalidade depressiva e maníaca. Epidemiologia Os pacientes com transtorno ciclotímico podem constituir de 3 a 5% de todos os pacientes ambulatoriais, em especial, talvez, aqueles com queixas significativas de dificuldades conjugais e interpessoais. Na população geral, a prevalência durante a vida do transtorno ciclotímico é estimada em cerca de 1%. Essa estimativa é provavelmente mais baixa do que a prevalência real, porque, como os pacientes com transtorno bipolar I, estes podem não estar conscientes de que têm um problema psiquiátrico. O transtorno ciclotímico, como o distímico, em geral coexiste com o transtorno da personalidade borderline. Uma estimativa de 10% de pacientes ambulatoriais e 20% dos hospitalizados com este transtorno têm um diagnóstico coexistente de transtorno ciclotímico. A razão feminina-masculina do transtorno ciclotímico é de cerca de 3 para 2, e 50 a 75% de todos os pacientes têm o início entre as idades de 15 e 24 anos. Famílias de indivíduos com o transtorno muitas vezes têm membros com transtornos relacionados a drogas. Etiologia Assim como com o transtorno distímico, há controvérsia sobre se o transtorno ciclotímico se relaciona com os transtornos do humor, tanto biológica como psicologicamente. Alguns pesquisadores postularam que o transtorno ciclotímico tem uma relação mais íntima com o transtorno da personalidade borderline do que com os transtornos do humor. A despeito dessas controvérsias, a preponderância de fatores biológicos e genéticos favorece a idéia de que ele seja, de fato, um transtorno do humor. Fatores biológicos. A evidência mais forte para a hipótese de que o transtorno ciclotímico é um transtorno do humor são os dados genéticos. Cerca de 30% de todos os pacientes com transtorno ciclotímico têm história familiar positiva de transtorno bipolar I; essa taxa é semelhante àquela para pa-
616
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
cientes com transtorno bipolar I. Além disso, as linhagens de famílias com transtorno bipolar I com freqüência contêm gerações de pacientes com transtorno bipolar I ligados a uma geração com transtorno ciclotímico. De forma inversa, a prevalência do transtorno ciclotímico em parentes de pacientes com transtorno bipolar I é muito mais alta do que a prevalência do transtorno ciclotímico tanto em parentes de pacientes com outros transtornos mentais como em indivíduos mentalmente sadios. As observações de que cerca de um terço dos indivíduos com transtorno ciclotímico subseqüentemente desenvolve transtorno depressivo maior, de que eles são particularmente sensíveis a hipomania induzida por antidepressivos e de que cerca de 60% respondem ao lítio oferecem apoio adicional para a idéia de que o transtorno ciclotímico é uma forma leve ou atenuada do transtorno bipolar II. Fatores psicossociais. A maioria das teorias psicodinâmicas postula que o desenvolvimento do transtorno ciclotímico se dá por traumas e fixações durante o estágio oral do desenvolvimento infantil. Freud lançou a hipótese de que o estado ciclotímico é uma tentativa do ego de superar um superego rígido e punitivo. A hipomania é explicada psicodinamicamente pela falta de autocrítica e pela ausência de inibições ocorrendo quando uma pessoa deprimida se livra do peso de um superego excessivamente rígido. O maior mecanismo de defesa na hipomania é a negação, pela qual se evitam os problemas externos e os sentimentos internos de depressão. Pacientes com transtorno ciclotímico caracterizam-se por períodos de depressão alternados com períodos de hipomania. A exploração psicanalítica revela que eles se defendem contra temas depressivos subjacentes com seus períodos eufóricos ou hipomaníacos. A hipomania costuma ser desencadeada por uma perda interpessoal profunda. A falsa euforia gerada nessas circunstâncias é uma forma de negar a dependência dos objetos de amor, ao mesmo tempo descartando qualquer agressão ou tendência destrutiva que possa ter contribuído para a perda da pessoa amada. A hipomania também pode ser associada à fantasia inconsciente de que o objeto perdido foi restaurado. Essa negação tende a ser de curta duração, e o paciente logo retoma a preocupação com o sofrimento e a dor característica do transtorno. Diagnóstico e características clínicas Embora vários pacientes procurem ajuda psiquiátrica para a depressão, seus problemas muitas vezes estão relacionados ao caos que os episódios maníacos causaram. Os clínicos devem considerar o diagnóstico de transtorno ciclotímico quando o paciente aparece com aquilo que pode ser considerado problemas comportamentais sociopáticos. Dificuldades conjugais e instabilidade em relacionamentos são queixas comuns porque esses pacientes tendem a ser promíscuos e irritáveis quando nos estados maníacos ou mistos. Embora haja relatos anedóticos de aumento da produtividade e da criatividade nos estágios hipomaníacos, a maioria dos clínicos relata que seus pacientes se tornam desorganizados e ineficientes no trabalho e na escola durante esses períodos.
TABELA 15.2-4 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno ciclotímico A. Pelo período mínimo de dois anos, presença de numerosos períodos com sintomas hipomaníacos e numerosos períodos com sintomas depressivos que não satisfazem os critérios para um episódio depressivo maior. Nota: Em crianças e adolescentes, duração mínima de um ano. B. Durante o período de dois anos estipulado em A (um ano para crianças e adolescentes), o indivíduo não ficou sem os sintomas do Critério A por mais de dois meses consecutivos. C. Nenhum episódio depressivo maior, episódio maníaco ou episódio misto esteve presente durante os dois primeiros anos da perturbação. Nota: Após os dois anos iniciais (um ano para crianças e adolescentes) do transtorno ciclotímico, pode haver sobreposição de episódios maníacos ou mistos (sendo que neste caso transtorno bipolar I e transtorno ciclotímico podem ser diagnosticados concomitantemente) ou de episódios depressivos maiores (podendo-se, neste caso, diagnosticar tanto transtorno bipolar II quanto transtorno ciclotímico). D. Os sintomas no Critério A não são melhor explicados por transtorno esquizoafetivo nem estão sobrepostos a esquizofrenia, transtorno esquizofreniforme, transtorno delirante ou transtorno psicótico sem outra especificação. E. Os sintomas não se devem aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., droga de abuso, medicamento) ou de uma condição médica geral (p. ex., hipertireoidismo). F. Os sintomas causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
Os critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno ciclotímico (Tab. 15.2-4) estipulam que o paciente nunca tenha satisfeito os critérios para episódio depressivo maior e para episódio maníaco durante os primeiros dois anos do transtorno. Também se requer a presença mais ou menos constante dos sintomas por dois anos (ou um ano para crianças e adolescentes). Sinais e sintomas. Os sintomas do transtorno ciclotímico são idênticos aos do transtorno bipolar II, exceto por serem menos graves. Em certas ocasiões, contudo, os sintomas podem ser iguais em gravidade, mas com duração mais curta do que a observada no transtorno bipolar II. Cerca de metade de todos os pacientes com transtorno ciclotímico tem depressão como seu sintoma principal, estando mais propensos a procurar auxílio psiquiátrico quando deprimidos. Alguns pacientes com transtorno ciclotímico têm principalmente sintomas hipomaníacos e menos probabilidade de consultar um psiquiatra do que aqueles bastante deprimidos. Quase todos apresentam períodos de sintomas mistos com irritabilidade marcante. A maioria dos pacientes atendidos por psiquiatras não obteve êxito na vida profissional e social como resultado de seu transtorno, mas alguns têm grandes conquistas porque trabalharam por longas horas e necessitaram de pouco sono. A capacidade de certas pessoas de controlar os sintomas da doença com sucesso depende de vários atributos individuais, sociais e culturais. A vida da maioria dos pacientes com transtorno ciclotímico é difícil. Os ciclos do transtorno tendem a ser mais curtos do que
TRANSTORNOS DO HUMOR
os do transtorno bipolar I. No transtorno ciclotímico, as mudanças de humor são irregulares e abruptas e por vezes ocorrem em horas. A natureza imprevisível das mudanças do humor produz grande tensão. Os pacientes sentem que seus estados de humor estão fora de controle. Em períodos irritáveis, mistos, podem se envolver em discórdias com amigos, familiares ou colaboradores. Abuso de substâncias. O abuso de álcool e de outras drogas é comum em pacientes com transtorno ciclotímico, os quais utilizam as substâncias tanto para se automedicar (com álcool, benzodiazepínicos e maconha) como para conseguir uma estimulação ainda maior (com cocaína, anfetaminas e alucinógenos) quando estão maníacos. Cerca de 5 a 10% deles têm dependência de drogas. Os indivíduos com essa condição por vezes apresentam história de mudanças geográficas múltiplas, envolvimento em cultos religiosos e diletantismo. Diagnóstico diferencial Quando o diagnóstico de transtorno ciclotímico está sob consideração, todas as causas possíveis de depressão e mania, médicas e relacionadas a substâncias, como convulsões e certas drogas em particular (cocaína, anfetamina e esteróides), devem ser consideradas. Transtornos da personalidade borderline, anti-social, histriônica e narcisista devem ser considerados no diagnóstico. Pode ser difícil diferenciar o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade do transtorno ciclotímico em crianças e adolescentes. Uma tentativa com estimulantes auxilia a maioria dos pacientes com transtorno de déficit de atenção/hiperatividade e exacerba os sintomas de grande parte dos pacientes com transtorno ciclotímico. A categoria diagnóstica de transtorno bipolar II (discutida na Seção 15.1) caracterizase pela combinação de episódios depressivos maiores com episódios hipomaníacos. Curso e prognóstico Alguns pacientes com transtorno ciclotímico se caracterizam por terem sido crianças sensíveis, hiperativas ou instáveis. O início de sintomas mais evidentes do transtorno costuma ocorrer de forma insidiosa na adolescência ou no início da década dos 20 anos. O surgimento de sintomas nessas épocas costuma prejudicar o desempenho na escola e a capacidade de estabelecer amizades com colegas. As reações dos pacientes ao transtorno variam; pacientes com estratégias de manejo ou defesas do ego têm evoluções melhores do que aqueles com estratégias pobres de manejo. Cerca de um terço de todos eles desenvolve um transtorno maior do humor, com mais freqüência transtorno bipolar II. Tratamento Farmacoterapia. Os medicamentos estabilizadores do humor e os antimaníacos são o tratamento de primeira linha para
617
pacientes com transtorno ciclotímico. Embora os dados experimentais sejam limitados a estudos com lítio, relata-se que outros agentes antimaníacos – por exemplo, a carbamazepina e o valproato (Depakene) – são eficientes. As doses e concentrações no plasma desses agentes devem ser as mesmas indicadas para transtorno bipolar I. O uso de antidepressivos para pacientes deprimidos com transtorno ciclotímico deve ser cuidadoso, em vista do aumento da suscetibilidade a episódios hipomaníacos ou maníacos induzidos por antidepressivos. Cerca de 40 a 50% de todos os pacientes com transtorno ciclotímico tratados com antidepressivos experimentam esses episódios. Anticonvulsivantes como a gabapentina (Neurontin) têm se mostrado úteis em alguns pacientes. O clonazepan (Rivotril) mostrou-se útil para controlar pacientes que ficam agitados constantemente. Tratamento psicossocial. A psicoterapia para pacientes com transtorno ciclotímico é melhor dirigida para aumentar a consciência acerca de sua condição e auxiliá-los a desenvolver mecanismos de manejo para oscilações do humor. Os terapeutas em geral precisam auxiliar seus pacientes a reparar qualquer prejuízo, tanto relacionado ao trabalho como à família, causado durante episódios de hipomania. Em vista da natureza de longa duração do transtorno ciclotímico, esses indivíduos por vezes requerem tratamento por toda a vida. Terapias familiares e de grupo podem ser de apoio, educativas e terapêuticas para pacientes e para as pessoas envolvidas em suas vidas. O psiquiatra que conduz a psicoterapia é capaz de avaliar o grau de ciclotimia e, assim, providenciar sistemas de alerta precoce para evitar ataques maníacos plenos antes que ocorram. REFERÊNCIAS Akiskal HS. Mood disorder: clinical features. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:1338. Akiskal HS. Dysthymia and cyclothymia in psychiatric practice a century after Kraepelin. J Affective Disorders. 2001;62(1–2):17. Baldwin DS. Dysthymia: options in pharmacotherapy. In: Palmer KJ, ed. Managing Depressive Disorders. Kwai Chung, Hong Kong: Adis International Publications; 2000:157. Brunello N, Akiskal H, Boyer P, et al. Dysthymia: clinical picture, extent of overlap with chronic fatigue syndrome, neuropharmacological considerations, and new therapeutic vistas. J Affective Disorders. 1999;52(1–3):275. De Lima MS, Hotoph M, Wessely S. The efficacy of drug treatments for dysthymia: a systematic review and meta-analysis. Psychol Med. 1999;29(6):1273. Huprich SK. The overlap of depressive personality disorder and dysthymia, reconsidered. Harvard Rev Psychiatry. 2001;9(4):158. Kocsis JH, Zisook S, Davidson J, et al. Double-blind comparison of sertraline, imipramine, and placebo in the treatment of dysthymia: psychosocial outcomes. Am J Psychiatry. 1997; 154:390. Shaffer D, Waslick BD. The many faces of depression in children and adolescents. Rev Psychiatry. 2002;21:105. Verthoeven WMA, Tuinier S. Cyclothymia or unstable mood disorder? A systematic treatment evaluation with valproic acid. J Appl Res Intellect Disabil. 2001;14(2):147.
618
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
15.3 Outros transtornos do humor TRANSTORNO DEPRESSIVO SEM OUTRA ESPECIFICAÇÃO Se um paciente exibe sintomas depressivos como a manifestação principal mas não satisfaz os critérios diagnósticos para qualquer outro transtorno do humor, o diagnóstico mais apropriado é o de transtorno depressivo sem outra especificação (Tab. 15.3-1). Exemplos são o transtorno depressivo menor, o transtorno depressivo breve recorrente e o transtorno disfórico pré-menstrual. Transtorno depressivo menor A literatura dos Estados Unidos sobre o transtorno depressivo menor é limitada, em parte porque o termo depressão menor é utilizado para descrever uma ampla gama de transtornos, incluindo o que é denominado transtorno distímico na revisão de texto da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR). A literatura européia sobre o transtorno também é limitada, porém mais extensa do que a dos Estados TABELA 15.3-1 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno depressivo sem outra especificação A categoria transtorno depressivo sem outra especificação inclui transtornos com características depressivas que não satisfazem os critérios para transtorno depressivo maior, transtorno distímico, transtorno da adaptação com humor depressivo ou transtorno da adaptação misto de ansiedade e depressão. Às vezes, os sintomas depressivos podem apresentar-se como parte de um transtorno de ansiedade sem outra especificação. Exemplos: 1. Transtorno disfórico pré-menstrual: na maioria dos ciclos menstruais durante o ano anterior, sintomas (p. ex., humor acentuadamente deprimido, ansiedade acentuada, acentuada instabilidade afetiva, interesse diminuído por atividades) ocorreram regularmente durante a última semana da fase lútea (e apresentaram remissão alguns dias após o início da menstruação). Estes sintomas devem ser suficientemente graves a ponto de interferir acentuadamente no trabalho, na escola ou em atividades habituais e devem estar inteiramente ausentes por pelo menos uma semana após a menstruação. 2. Transtorno depressivo menor: episódios com pelo menos duas semanas de sintomas depressivos, porém com menos do que os cinco itens exigidos para transtorno depressivo maior. 3. Transtorno depressivo breve recorrente: episódios depressivos com duração de dois dias a duas semanas, ocorrendo pelo menos uma vez por mês, durante 12 meses (não associados com o ciclo menstrual). 4. Transtorno depressivo pós-psicótico da esquizofrenia: um episódio depressivo maior que ocorre durante a fase residual da esquizofrenia. 5. Um episódio depressivo maior sobreposto a transtorno delirante, transtorno psicótico sem outra especificação ou fase ativa da esquizofrenia. 6. Situações nas quais se conclui que um transtorno depressivo está presente, mas é impossível determinar se ele é primário, devido a uma condição médica geral ou induzido por uma substância. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
Unidos. A informação sobre o transtorno está contida no apêndice do DSM-IV-TR que inclui as diretrizes específicas para o diagnóstico. Este transtorno necessita ser mais estudado. Epidemiologia. Sua epidemiologia é desconhecida, mas os dados preliminares indicam que pode ser tão comum quanto o transtorno depressivo maior – isto é, cerca de 5% de prevalência na população geral. Também há referência de que ele é mais comum em mulheres do que em homens. O transtorno depressivo menor afeta pessoas de praticamente qualquer idade, a partir da infância. Etiologia. A causa do transtorno depressivo menor é desconhecida. As mesmas condições atribuídas ao transtorno depressivo maior devem ser consideradas. De forma mais específica, as teorias biológicas envolvem a atividade dos sistemas de aminas biológicas noradrenérgicas e serotonérgicas e os eixos neuroendócrinos da tireóide e da adrenal. As teorias psicológicas se concentram em questões de perda, culpa e superegos punitivos. Diagnóstico e características clínicas. Os critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para depressão menor incluem sintomas iguais em duração aos do transtorno depressivo maior, porém menos graves (Tab. 15.3-2). A categoria possibilita o diagnóstico específico para pacientes cujas vidas são afetadas por sintomas depressivos, os quais, todavia, não são graves o suficiente para satisfazer o diagnóstico de transtorno depressivo maior. Exceto por serem menos graves, as manifestações clínicas do transtorno depressivo menor são praticamente idênticas às do transtorno depressivo maior. O sintoma central de ambos é o mesmo – o humor deprimido. Diagnóstico diferencial. O diagnóstico diferencial do transtorno depressivo menor é o mesmo do transtorno depressivo maior. De especial importância para o diagnóstico diferencial são o transtorno distímico e o transtorno depressivo breve recorrente. O primeiro se caracteriza pela presença de sintomas depressivos crônicos, enquanto o segundo está relacionado a múltiplos episódios breves de sintomas depressivos graves. Curso e prognóstico. Não há dados definitivos sobre o curso ou o prognóstico do transtorno depressivo menor, mas este, assim como o transtorno depressivo maior, tem um curso longo que pode necessitar de tratamento a longo prazo. Uma proporção significativa de pacientes com transtorno depressivo menor apresenta risco de desenvolver outros transtornos do humor, incluindo transtorno distímico, transtorno bipolar I, transtorno bipolar II e transtorno depressivo maior. Tratamento. Pode incluir psicoterapia, farmacoterapia ou ambas. A psicoterapia orientada para o insight, a terapia cognitiva, a terapia interpessoal e a terapia comportamental são os tratamentos psicoterápicos para o transtorno depressivo maior e, em conseqüência, para o transtorno depressivo menor. Embora os dados de pesquisa sejam limitados, os pacientes possivelmente respondem à farmacoterapia, em especial aos inibidores da recaptação de serotonina (ISRSs) e à bupropriona (Wellbutrin).
TRANSTORNOS DO HUMOR
TABELA 15.3-2 Critérios de pesquisa do DSM-IV-TR para transtorno depressivo menor A. Uma perturbação do humor, conforme é definida a seguir: (1) no mínimo dois (mas menos de cinco) dos sintomas seguintes estiveram presentes durante o mesmo período de duas semanas e representam uma alteração em relação ao nível anterior de funcionamento; pelo menos um dos sintomas é (a) ou (b): (a) humor deprimido na maior parte do dia, quase todos os dias, indicado por relato subjetivo (p. ex., sente-se triste ou vazio) ou pela observação por terceiros (p. ex., parece chorar). Nota: Em crianças e adolescentes, pode ser humor irritável. (b) interesse ou prazer acentuadamente diminuídos por todas ou quase todas as atividades na maior parte do dia, praticamente todos os dias (indicado por relato subjetivo ou observação por terceiros) (c) perda significativa de peso quando não em dieta ou ganho de peso (p. ex., uma alteração de mais de 5% do peso corporal em um mês), ou diminuição ou aumento do apetite, quase todos os dias. Nota: Em crianças, considerar a incapacidade de atingir o peso esperado. (d) insônia ou hipersonia praticamente todos os dias (e) agitação ou retardo psicomotor quase todos os dias (observável por terceiros, não meramente sensações subjetivas de inquietação ou lentidão) (f) fadiga ou perda de energia quase todos os dias (g) sensação de inutilidade ou culpa excessiva ou inadequada (podendo ser delirante), quase todos os dias (não meramente auto-recriminação ou culpa por estar enfermo) (h) diminuição da capacidade de pensar ou concentrarse, ou indecisão, quase todos os dias (por relato subjetivo ou observada por outros) (i) idéias recorrentes de morte (não apenas medo de morrer), ideação suicida recorrente sem um plano específico, ou uma tentativa ou plano específico para cometer suicídio (2) os sintomas causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo (3) os sintomas não são devidos aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., droga de abuso, medicamento) ou de uma condição médica geral (p. ex., hipotireoidismo) (4) os sintomas não são melhor explicados por luto (i.e., uma reação normal à morte de um ente querido) B. Jamais houve um episódio depressivo maior, nem são satisfeitos os critérios para transtorno distímico. C. Jamais houve um episódio maníaco, um episódio misto, ou um episódio hipomaníaco, nem são satisfeitos os critérios para transtorno ciclotímico. Nota: Esta exclusão não se aplica se todos os episódios do tipo maníaco, misto ou hipomaníaco foram induzidos por substância ou pelo tratamento. D. A perturbação do humor não ocorre exclusivamente durante esquizofrenia, transtorno esquizofreniforme, transtorno esquizoafetivo, transtorno delirante ou transtorno psicótico sem outra especificação. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
Transtorno depressivo breve recorrente O transtorno depressivo breve recorrente caracteriza-se por episódios múltiplos, relativamente breves (de menos de duas semanas) de sintomas depressivos que, exceto por sua breve duração, satisfazem os critérios diagnósticos para transtorno depressivo maior. Ele tem sido descrito principalmente pela literatura européia, mas, com a sua introdução como uma categoria de pesquisa no apêndice do DSM-IV-TR, é provável que o diagnóstico tenha
619
rápida aceitação nos Estados Unidos. Isso será possível devido à crescente percepção, da parte dos clínicos, de que o transtorno depressivo breve recorrente é bastante comum e associado a morbidade significativa. Epidemiologia Não foram conduzidos estudos extensos sobre a epidemiologia do transtorno depressivo breve recorrente nos Estados Unidos. Utilizando-se os dados disponíveis, a taxa de prevalência em 10 anos é estimada em cerca de 10% para pessoas na faixa dos 20 anos; a taxa de prevalência em um ano para a população geral é estimada como sendo de 5%. Esses números indicam que o transtorno depressivo breve recorrente é mais comum entre adultos jovens, porém mais estudos são necessários para comprovar esses dados. Etiologia. Um estudo demonstrou que pacientes com transtorno depressivo breve recorrente compartilham várias anormalidades biológicas com pessoas que sofrem de transtorno depressivo maior, comparados a indivíduos-controle mentalmente sadios. As variáveis incluem não-supressão no teste de supressão da dexametasona (TSD), uma resposta atenuada ao hormônio liberador da tireotropina (TRH) e um encurtamento da latência do sono de movimentos rápidos dos olhos (REM). Esses achados são consistentes com a idéia de que o transtorno depressivo breve recorrente está intimamente relacionado ao transtorno depressivo maior em sua causa e fisiopatologia. Os dados disponíveis também sugerem uma relação estreita entre ambos e indicam que histórias familiares de pacientes com transtornos do humor são semelhantes para um e outro. Diagnóstico e características clínicas. Os critérios de pesquisa do DSM-IV-TR para o transtorno depressivo breve recorrente especificam que a duração dos sintomas de cada episódio é de menos de duas semanas (Tab. 15.3-3). De outro modo, seus critérios são essencialmente idênticos aos de transtorno depressivo maior. As manifestações clínicas de ambos são quase idênticas. Uma diferença sutil é que as mudanças freqüentes do humor fazem a vida dos pacientes com transtorno depressivo breve recorrente parecer muito mais perturbada ou caótica do que a dos pacientes com transtorno depressivo maior, cujos episódios depressivos ocorrem em um compasso mensurável. Em um estudo, o tempo médio decorrido entre os episódios depressivos no transtorno depressivo breve recorrente foi calculado em 18 dias. Resultados de outro estudo mostraram que os episódios de perturbação do sono coincidem intimamente com os episódios de depressão, auxiliando assim os clínicos a estabelecerem a periodicidade dos episódios depressivos. Diagnóstico diferencial. O diagnóstico diferencial do transtorno depressivo breve recorrente é o mesmo do transtorno depressivo maior. Os clínicos devem considerar o transtorno bipolar e o transtorno depressivo maior com padrão sazonal. A pesquisa pode encontrar uma associação com o tipo de ciclagem rápida do transtorno bipolar. Os clínicos também devem determi-
620
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 15.3-3 Critérios de pesquisa do DSM-IV-TR para transtorno depressivo breve recorrente A. Exceto pela duração, são satisfeitos os critérios para um episódio depressivo maior. B. Os períodos depressivos no Critério A têm duração mínima de dois dias, porém máxima de duas semanas. C. Os períodos depressivos ocorrem pelo menos uma vez por mês por 12 meses consecutivos e não estão associados com o ciclo menstrual. D. Os períodos de humor deprimido causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. E. Os sintomas não se devem aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., droga de abuso, medicamento) ou de uma condição médica geral (p. ex., hipotireoidismo). F. Jamais houve um episódio depressivo maior, nem são satisfeitos os critérios para transtorno distímico. G. Jamais houve um episódio maníaco, um episódio misto ou um episódio hipomaníaco, nem são satisfeitos os critérios para transtorno ciclotímico. Nota: Esta exclusão não se aplica se todos os episódios do tipo maníaco, misto ou hipomaníaco são induzidos por substância ou pelo tratamento. H. A perturbação do humor não ocorre exclusivamente durante esquizofrenia, transtorno esquizofreniforme, transtorno esquizoafetivo, transtorno delirante ou transtorno psicótico sem outra especificação. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
nar se há um padrão sazonal na recorrência dos episódios depressivos em um paciente em avaliação para o diagnóstico de transtorno depressivo breve recorrente. Pelo menos um pesquisador propôs que pacientes com transtorno depressivo breve recorrente podem ser subclassificados de acordo com a freqüência relativa de seus episódios depressivos. Essa diferenciação não está incluída no DSM-IV-TR, embora ainda possa revelar implicações prognósticas e de tratamento. Curso e prognóstico. O curso e o prognóstico de pacientes com transtorno depressivo breve recorrente não são bem conhecidos. Com base nos dados disponíveis, o curso, incluindo a idade de início, e o prognóstico são semelhantes aos de pacientes com transtorno depressivo maior. Tratamento. Também é semelhante ao tratamento de pacientes com transtorno depressivo maior. As principais abordagens são psicoterapia (psicoterapia orientada para o insight, terapia cognitiva, terapia interpessoal ou terapia comportamental) e farmacoterapia com medicamentos antidepressivos usuais. Alguns dos tratamentos para o transtorno bipolar I – como lítio e anticonvulsivantes – podem ter valor terapêutico. Transtorno disfórico pré-menstrual Em um apêndice, o DSM-IV-TR inclui os critérios diagnósticos sugeridos para o transtorno disfórico pré-menstrual para auxiliar pesquisadores e clínicos a julgar a validade desse diagnóstico. Ele também tem sido designado como transtorno disfórico da fase lútea tardia. Permanece controverso se esta síndrome merece um diagnóstico oficial. A despeito disso, a condição envolve sintomas de
humor (p. ex., labilidade), sintomas comportamentais (p. ex., modificações nos padrões alimentares) e sintomas físicos (p. ex., hipersensibilidade das mamas, edema e cefaléia). Esse padrão de sintomas ocorre em um período específico durante o ciclo menstrual, sendo resolvido por certo período de tempo entre os ciclos menstruais. Epidemiologia. Em vista da ausência de critérios diagnósticos com concordância geral, a epidemiologia do transtorno disfórico pré-menstrual não é conhecida com certeza. Um estudo relatou que cerca de 40% das mulheres têm pelo menos sintomas prémenstruais leves e que de 2 a 10% satisfazem os critérios diagnósticos completos para o transtorno. Etiologia. Por um lado, a causa do transtorno disfórico prémenstrual é desconhecida. Por outro, como os sintomas são regulados pelo ciclo menstrual, é provável que as mudanças hormonais que ocorrem durante o ciclo menstrual estejam envolvidas na produção dos sintomas. Uma teoria comum entre as várias propostas caracteriza o transtorno como resultado de uma razão anormalmente alta de estrógenos versus progesterona nas mulheres afetadas. Outras hipóteses sugerem que os neurônios com aminas biogênicas são afetados de maneira disfuncional por mudança nos hormônios, que o transtorno é um exemplo de alteração cronobiológica e que é um resultado de atividade anormal das prostaglandinas. Em acréscimo às teorias biológicas, questões sociais e pessoais sobre a menstruação e a feminilidade podem afetar os sintomas das pacientes. Diagnóstico e características clínicas. Um apêndice do DSM-IV-TR contém os critérios diagnósticos sugeridos para o transtorno disfórico pré-menstrual (Tab. 15.3-4). Estes incluem sintomas de humor anormal, comportamento alterado e queixas somáticas. Os sintomas de humor e cognitivos mais comuns são labilidade de humor, irritabilidade, ansiedade, redução do interesse nas atividades, aumento da fatigabilidade e dificuldade de concentração. Os sintomas comportamentais por vezes incluem mudanças no apetite e no padrão de sono. As queixas somáticas mais comuns são cefaléia, hipersensibilidade das mamas e edema. Nas mulheres afetadas, os sintomas aparecem durante a maioria dos ciclos menstruais (se não todos), embora em geral tenham remissão antes do fim do fluxo menstrual. Elas ficam livres dos sintomas pelo menos uma semana durante cada ciclo menstrual. Diagnóstico diferencial. Se os sintomas estão presentes durante todo o ciclo menstrual, sem alívio entre os ciclos, o clínico deve considerar um dos transtornos do humor relacionados a ciclos não-menstruais ou transtornos de ansiedade. A presença de sintomas especialmente graves, ainda que cíclicos, deve levar os clínicos a considerarem outros transtornos do humor e de ansiedade. Uma revisão médica completa é necessária para excluir condições médicas e cirúrgicas que possam ser responsáveis pelos sintomas (p. ex., endometriose). Curso e prognóstico. O curso e o prognóstico do transtorno disfórico pré-menstrual não foram estudados o suficiente para se che-
TRANSTORNOS DO HUMOR
TABELA 15.3-4 Critérios de pesquisa do DSM-IV-TR para transtorno disfórico pré-menstrual A. Na maioria dos ciclos menstruais durante o ano, no mínimo cinco dos sintomas seguintes estiveram presentes na maior parte do tempo durante a última semana da fase lútea, começaram a remitir dentro de alguns dias após o início da fase folicular e estiveram ausentes na semana após a menstruação, com pelo menos um dos sintomas sendo (1), (2), (3) ou (4): (1) humor acentuadamente deprimido, sentimentos de falta de esperança ou pensamentos autodepreciativos (2) acentuada ansiedade, tensão, sentimento de estar “com os nervos à flor da pele” (3) instabilidade afetiva acentuada (p. ex., subitamente triste ou em prantos ou sensibilidade aumentada à rejeição) (4) raiva ou irritabilidade persistente e acentuada ou conflitos interpessoais aumentados (5) diminuição do interesse pelas atividades habituais (p. ex., trabalho, escola, amigos, passatempos) (6) sentimento subjetivo de dificuldade em concentrar-se (7) letargia, fadiga fácil ou acentuada falta de energia (8) acentuada alteração do apetite, excessos alimentares ou avidez por determinados alimentos (9) hipersônia ou insônia (10) sentimento subjetivo de descontrole emocional (11) outros sintomas físicos, tais como sensibilidade ou inchação das mamas, cefaléia, dor articular ou muscular, sensação de “inchaço geral”, ganho de peso Nota: Em mulheres que menstruam, a fase lútea corresponde ao período entre a ovulação e o início da menstruação e a fase folicular inicia-se com a menstruação. Em mulheres que não menstruam (p. ex., aquelas que sofreram histerectomia), o momento das fases lútea e folicular pode exigir uma medição dos hormônios sexuais circulantes. B. A perturbação interfere acentuadamente no trabalho ou na escola ou em atividades sociais habituais e relacionamentos (p. ex., evitar atividades sociais, redução da produtividade e da eficiência no trabalho ou na escola). C. A perturbação não é uma mera exacerbação dos sintomas de outro transtorno, como transtorno depressivo maior, transtorno de pânico, transtorno distímico ou um transtorno da personalidade (embora possa estar sobreposta a qualquer um destes). D. Os Critérios A, B e C devem ser confirmados por avaliações diárias feitas durante pelo menos dois ciclos sintomáticos consecutivos (o diagnóstico pode ser feito provisoriamente, antes desta confirmação). De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
gar a qualquer conclusão razoável. Em casos anedóticos, os sintomas tendem a ser crônicos, mesmo que um tratamento seja iniciado. Tratamento. Inclui apoio à paciente sobre a presença e o reconhecimento dos sintomas. Os ISRSs, por exemplo, a fluoxetina (Prozac, Sarafem) e o alprazolam (Frontal), foram relatados como eficientes, embora nenhum tratamento tenha sido demonstrado de forma conclusiva como benéfico em ensaios múltiplos e controlados. O transtorno disfórico pré-menstrual também é analisado no Capítulo 30. Transtorno depressivo pós-psicótico da esquizofrenia O transtorno depressivo pós-psicótico em pacientes esquizofrênicos está classificado em um apêndice do DSM-IV-TR.
621
Epidemiologia. Na ausência de critérios diagnósticos específicos, a incidência relatada de depressão pós-psicótica da esquizofrenia varia de forma ampla, de menos de 10% a mais de 70%. Uma estimativa razoável, com base em estudos numerosos, é de cerca de 25%, embora uma conclusão definitiva precise aguardar por estudos controlados utilizando os critérios do DSM-IV-TR. Significado prognóstico. O significado prognóstico do diagnóstico do DSM-IV-TR é incerto porque não foram conduzidos estudos utilizando as categorias diagnósticas oficiais. A despeito disso, dados de outros estudos indicam que pacientes com transtorno depressivo pós-psicótico da esquizofrenia apresentam probabilidade de ter tido mau ajustamento pré-mórbido, traços marcados de transtorno da personalidade esquizóide e início insidioso de seus sintomas psicóticos. Além disso, há a possibilidade de um parente de primeiro grau ter transtorno do humor. Embora os achados não tenham sido consistentes, o transtorno depressivo pós-psicótico da esquizofrenia tem se associado a um prognóstico menos favorável, a uma probabilidade de recaída e a uma incidência mais alta de suicídio do que o observado em pacientes esquizofrênicos sem esse transtorno. Alguns dados indicam que os pacientes com esquizofrenia com e sem essa condição podem diferir em várias variáveis biológicas, como nos resultados de testes de supressão da dexametasona e do TRH. Diagnóstico e diagnóstico diferencial. É difícil definir de forma operacional os limites clínicos do diagnóstico. Os sintomas do transtorno depressivo pós-psicótico da esquizofrenia podem se assemelhar aos da fase residual da esquizofrenia, bem como aos efeitos adversos dos medicamentos antipsicóticos utilizados com freqüência. Distinguir esse diagnóstico do transtorno esquizoafetivo do tipo depressivo também é difícil. Os critérios do DSM-IV-TR para o transtorno depressivo maior precisam ser satisfeitos, e os sintomas devem ocorrer somente durante a fase residual da esquizofrenia (Tab. 15.3-5). Os sintomas não podem ser induzidos por substâncias ou fazer parte de um transtorno do humor devido a uma condição médica geral. O transtorno pode ser causado quase exclusivamente por medicamentos antipsicóticos, mas vários dados indicam que esses agentes não podem explicar a extensão completa dos sintomas. Primeiro, os sintomas depressivos por vezes estão presentes durante o próprio episódio psicótico e em geral diminuem em gravidade com o tratamento antipsicótico bem-sucedido. Segundo, a gravidade dos sintomas depressivos em um paciente com transtorno depressivo pós-psicótico da esquizofrenia não tem se correlacionado à utilização de medicamentos antipsicóticos. Terceiro, os sintomas depressivos têm sido relatados com freqüência em pacientes com esquizofrenia não-medicados, recuperando-se de episódios psicóticos. A despeito disso, os clínicos não devem confundir os efeitos adversos da acinesia e da acatisia induzidos por antipsicóticos com sintomas do transtorno depressivo pós-psicótico da esquizofrenia. Tratamento. O uso de antidepressivos (p. ex., fluoxetina [Prozac]) no tratamento do transtorno depressivo pós-psicótico da esquizofrenia tem sido referido por muitos estudos. Cerca da metade deles relatou efeitos positivos, e a outra metade indicou ausência de efeito no alívio dos sintomas depressivos. Os
622
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 15.3-5 Critérios de pesquisa do DSM-IV-TR para transtorno depressivo pós-psicótico da esquizofrenia A. São satisfeitos os critérios para um episódio depressivo maior. Nota: O episódio depressivo maior deve incluir o Critério A1: humor deprimido. Não incluir sintomas que são mais bem explicados como efeitos colaterais de medicamentos ou sintomas negativos de esquizofrenia. B. O episódio depressivo maior é sobreposto e ocorre apenas durante a fase residual da esquizofrenia. C. O episódio depressivo maior não é devido aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância ou de uma condição médica geral. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
gride de ansiedade para depressão e que o estado mental do paciente ainda está em fluxo. Relata-se que indivíduos com estados mistos são mais prevalentes em ambientes médicos em geral porque têm mais queixas somáticas pelas quais estão ansiosos, sendo uma das mais proeminentes a fadiga crônica. Os critérios da décima revisão da Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-10) dariam a muitos desses pacientes o diagnóstico de neurastenia. Alguns pacientes com síndrome da fadiga crônica também têm sintomatologia mista de ansiedade e depressão. Essa condição também é discutida mais amplamente no Capítulo 18, que trata da neurastenia e da síndrome da fadiga crônica. Depressão atípica
medicamentos antidepressivos provavelmente aliviam esses sintomas em alguns pacientes, mas os resultados mistos dos estudos refletem a incapacidade atual de se distinguir pacientes que responderão daqueles que não responderão. TRANSTORNO BIPOLAR SEM OUTRA ESPECIFICAÇÃO Se os pacientes exibem sintomas depressivos e maníacos como manifestações principais de seu transtorno mas não satisfazem os critérios diagnósticos para qualquer outro transtorno do humor ou outro transtorno mental do DSM-IV-TR, o diagnóstico mais apropriado é transtorno bipolar sem outra especificação (Tab. 15.3-6). Transtorno misto de ansiedade e depressão A inclusão do estado misto de ansiedade e depressão no apêndice do DSM-IV-TR reconhece a ocorrência simultânea de cognição ansiosa e depressiva em um indivíduo confrontado com uma situação adversa importante. A combinação implica que a psicopatologia pro-
TABELA 15.3-6 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno bipolar sem outra especificação A categoria transtorno bipolar sem outra especificação compreende transtornos com características bipolares que não satisfazem os critérios para qualquer transtorno bipolar específico. Exemplos: 1. Alternância muito rápida (em questão de dias) entre sintomas maníacos e sintomas depressivos que não satisfazem os critérios de duração mínima para um episódio maníaco ou um episódio depressivo maior. 2. Episódios maníacos recorrentes sem sintomas depressivos intercorrentes. 3. Episódio maníaco ou episódio misto sobreposto a transtorno delirante, esquizofrenia residual ou transtorno psicótico sem outra especificação. 4. Episódios hipomaníacos, juntamente com sintomas depressivos crônicos, que não sejam freqüentes o suficiente a ponto de se qualificarem para um diagnóstico de transtorno ciclotímico. 5. Situações nas quais se conclui pela presença de transtorno bipolar, mas não se é capaz de determinar se este é primário, devido a uma condição médica geral ou induzido por uma substância. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
Uma versão delimitada da depressão atípica foi acrescida ao DSMIV-TR como “manifestações atípicas” (Tab. 15.1-22). A depressão atípica se refere à fadiga superposta a uma história de ansiedade somática e fobias, em conjunto com sinais vegetativos reversos (estado de humor pior à noite, insônia, tendência a dormir e comer demais), de modo que ocorre aumento em vez de perda de peso. O sono fica perturbado na primeira metade da noite em muitos indivíduos com o transtorno depressivo atípico, o que leva a irritabilidade, excesso de sono e fadiga durante o dia. O temperamento desses pacientes é caracterizado por sensibilidade extrema. Os ISRSs podem auxiliar; contudo, os inibidores da monoaminoxidase (IMAOs) parecem mostrar alguma especificidade para esses casos. Mas há ainda os pacientes que são auxiliados por psicoestimulantes como a anfetamina. OUTROS TRANSTORNOS NÃO INCLUÍDOS NO DSM-IV-TR Psicoses ciclóides atípicas As psicoses ciclóides atípicas exibem algumas manifestações do transtorno bipolar I, mas, em geral, não satisfazem os critérios diagnósticos plenos para esta categoria. Certos pacientes com psicose ciclóide atípica podem ser classificados como tendo um transtorno bipolar sem outra especificação. Disforia histeróide A categoria disforia histeróide combina sinais vegetativos reversos com as seguintes características: (1) respostas volúveis a oportunidades românticas e uma avalanche de disforia (raiva-depressão, até mesmo com respostas suicidas) a um desapontamento romântico; (2) comprometimento da antecipação do prazer, ainda que com capacidade de responder a ele quando provido por outros (i. e., preservação da recompensa do consumo); (3) avidez por chocolates e doces, que contêm compostos com feniletilamina e açúcares que, se acredita, facilitam a captação celular e neuronal do aminoácido L-triptofano, levando, por hipótese, à síntese de antidepressivos endógenos. A palavra “histeróide” foi utilizada para implicar que a aparente patologia do caráter era secundária a distúrbios biológicos. Os pacientes são tratados de forma sintomática. Alguns respondem aos ISRSs, outros a IMAOs e a estabilizadores do humor como a carbamazepina. Este não é um diagnós-
TRANSTORNOS DO HUMOR
tico “oficial” do DSM-IV-TR, podendo ser considerado uma variante atípica de depressão.
623
mor. Várias condições médicas sistêmicas apresentam sintomas depressivos, como perturbação do sono, redução do apetite e fadiga. Esta categoria é discutida no Capítulo 10, Seção 10.5. A Tabela 15.37 lista os critérios do DSM-IV-TR para o transtorno.
Psicose de motilidade As duas formas da psicose de motilidade são a acinética e a hipercinética. A primeira tem uma apresentação clínica semelhante à do estupor catatônico. Em contraste com o tipo catatônico da esquizofrenia, contudo, a psicose de motilidade acinética tem um curso favorável que se resolve logo e que não leva à deterioração da personalidade. A segunda forma apresenta uma psicose semelhante a excitação maníaca ou catatônica. Como na forma acinética, a forma hipercinética em geral tem um curso favorável e com resolução quase imediata. Os pacientes podem mudar de uma para outra com rapidez, o que pode representar um perigo para terceiros durante a fase excitada. O estado do humor é extremamente lábil nesses pacientes.
Psicose confusional Como descrito originalmente, a psicose confusional excitada é semelhante à mania, mas tem sido diferenciada desta por várias características: mais ansiedade, menos distratibilidade e um grau de incoerência da fala fora de proporção em relação à gravidade da fuga de idéias. Essa psicose é provavelmente uma variante clínica da mania observada no transtorno bipolar I. Em pouco tempo, os pacientes podem mudar da forma acinética para a hipercinética, representando um perigo para terceiros durante a fase excitada.
Psicose de ansiedade-felicidade A psicose de ansiedade-felicidade pode parecer a depressão agitada, mas também pode ser caracterizada por tanta inibição que o paciente dificilmente se move. Estados periódicos de ansiedade avassaladora e idéias paranóides de referência são características dessa condição, mas autoacusações, preocupações hipocondríacas, outros sintomas depressivos e alucinações também podem acompanhá-la. A fase de felicidade se manifesta com mais freqüência com um comportamento expansivo e idéias grandiosas, menos relacionadas à autovalorização do que à missão de fazer os outros felizes e de salvar o mundo.
TRANSTORNOS DO HUMOR SECUNDÁRIOS Os transtornos do humor secundários consistem de duas amplas categorias que devem ser consideradas no diagnóstico diferencial de qualquer paciente com sintomas de transtorno do humor. São os (1) transtornos do humor devido a uma condição médica geral e os (2) transtornos do humor induzidos por substâncias. Transtorno do humor devido a uma condição médica geral Quando os sintomas depressivos ou maníacos estão presentes em um paciente com uma condição médica geral, pode ser difícil atribuir esses sintomas à condição médica ou a um transtorno do hu-
Transtorno do humor induzido por substâncias O transtorno do humor induzido por substâncias deve ser sempre considerado no diagnóstico diferencial de sintomas de transtornos do humor. Os clínicos devem considerar três possibilidades. Primeiro, o paciente pode estar tomando medicamentos para o tratamento de problemas médicos não-psiquiátricos. Segundo, pode ter sido exposto de forma acidental, ou sem o saber, a compostos químicos neurotóxicos. Terceiro, pode ter tomado uma droga com propósitos recreativos ou ser dependente. Epidemiologia. A epidemiologia do transtorno do humor induzido por substâncias é desconhecida. É provável que sua prevalência seja alta, dada a ampla difusão do uso das assim chamadas drogas recreativas, os vários medicamentos sob prescrição que podem causar depressão e mania e as substâncias químicas tóxicas que abundam no ambiente e no local de trabalho.
TABELA 15.3-7 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno do humor devido a uma condição médica geral A. Predomínio de uma perturbação proeminente e persistente do humor, caracterizada por um dos seguintes quesitos (ou ambos): (1) humor depressivo, ou acentuada diminuição do interesse ou prazer em todas ou quase todas as atividades (2) humor eufórico, expansivo ou irritável B. Existem evidências, a partir da história, do exame físico ou de achados laboratoriais, de que a perturbação é a conseqüência fisiológica direta de uma condição médica geral. C. A perturbação não é mais bem explicada por outro transtorno mental (p. ex., transtorno da adaptação com humor depressivo, em resposta ao estresse de ter uma condição médica geral). D. A perturbação não ocorre exclusivamente durante o curso de um delirium. E. Os sintomas causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. Especificar tipo: Com características depressivas: se ocorre predomínio de um humor depressivo, porém sem satisfazer todos os critérios para um episódio depressivo maior. Com episódio do tipo depressivo maior: se são satisfeitos todos os critérios (exceto Critério D) para um episódio depressivo maior. Com características maníacas: se ocorre predomínio de um humor expansivo, eufórico ou irritável. Com características mistas: se há sintomas tanto de mania quanto de depressão, sem predomínio de nenhum deles. Nota para a codificação: Incluir o nome da condição médica geral no Eixo I, por exemplo, transtorno do humor devido a hipotireoidismo com características depressivas; codificar também a condição médica geral no Eixo III. Nota para a codificação: Se os sintomas depressivos ocorrem como parte de uma demência vascular preexistente, indicar os sintomas depressivos codificando o subtipo apropriado da demência se algum estiver disponível, por exemplo, demência vascular, com humor depressivo. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
624
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Etiologia. Medicamentos, em especial os anti-hipertensivos, são provavelmente a causa mais freqüente do transtorno do humor induzido por substâncias, embora uma ampla gama de agentes possa produzir depressão (Tab. 15.3-8) e mania (Tab. 15.3-9). Medicamentos como a reserpina (Serpasol) e a metildopa (Aldomet), ambos agentes anti-hipertensivos, podem precipitar um transtorno depressivo, talvez pela depleção da serotonina, que ocorre em mais de 10% de todas as pessoas que tomam essas substâncias.
TABELA 15.3-8 Causas farmacológicas da depressão Medicamentos cardíacos e anti-hipertensivos Betanidina Digital Clonidina Prazosina Guanetidina Procainamida Hidralazina Veratrum Metildopa Lidocaína Propranolol Oxprenolol Reserpina Metosserpidina Sedativos e hipnóticos Barbitúricos Benzodiazepínicos Hidrato de cloral Clormetiazol Etanol Clorazepato Esteróides e hormônios Corticosteróides Triancinolona Anticoncepcionais orais Noretisterona Prednisona Danazol Estimulantes e supressores do apetite Anfetamina Dietilpropiona Fenfluramina Femetrazina Medicamentos psicotrópicos Butirofenonas Fenotiazinas Agentes neurológicos Amantadina Baclofeno Bromocriptina Carbamazepina Levodopa Metossuximida Tetrabenazina Fenitoína Analgésicos e medicamentos antiinflamatórios Fenoprofeno Fenacetina Ibuprofeno Fenilbutazona Indometacina Pentazocina Opiáceos Benzidamina Medicamentos antibacterianos e antifúngicos Ampicilina Griseofulvina Sultametoxazol Metronidazol Clotrimazol Nitrofurantoína Cicloserina Ácido nalidíxico Dapsona Sulfonamidas Etionamida Estreptomicina Tetraciclina Tiocarbanilida Medicamentos antineoplásicos C-Asparaginase Bleomicina Mitramicina Trimetoprima Vincristina Zidovudina 6-Azauridina Associação de medicamentos Acetazolamida Metissergida Colina Meclizina Ciproeptadina Pizotifeno Dissulfiram Anticolinesterases Cimetidina Mebevirina Difenoxilato Metoclopropamida Lisergida Salbutamol Adaptada de Cummings JL. Clinical Neuropsychiatry. Orlando, FL: Grune & Straton; 1985:187.
TABELA 15.3-9 Causas farmacológicas de mania Alucinógenos (intoxicação e flashbacks) Anfetaminas Baclofeno Brometos Bromocriptina Captopril Ciclosporina Cimetidina Cocaína Corticosteróides (inclusive o ACTH) Dissulfiram Fenciclidina (PCP) Hidralazina Ioimbina Isoniazida Levodopa Metilfenidato Mitrizamida (seguindo-se a mielografia) Opiáceos e opióides Procarbazina Prociclidina Adaptada de Cummings JL. Clinical Neuropsychiatry. Orlando, FL: Grune & Straton; 1985:187.
Diagnóstico e características clínicas. Os critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno do humor induzido por substâncias possibilitam a especificação da substância envolvida, do momento de início (durante a intoxicação ou a abstinência) e da natureza dos sintomas (p. ex., maníacos ou depressivos) (Tab. 15.3-10). O máximo de um mês entre o uso da substância e o aparecimento de sintomas é permitido no DSM-IV-TR, embora o tempo de referência habitual possa ser mais curto. Em alguns casos, o diagnóstico pode ser postulado após mais de um mês. As manifestações maníacas e depressivas induzidas por substâncias podem ser idênticas às do transtorno bipolar I e às do transtorno depressivo maior. O transtorno do humor induzido por substâncias, contudo, pode exibir mais sintomas que aparecem e desaparecem e uma flutuação do nível de consciência do paciente. Diagnóstico diferencial. História de transtorno do humor no paciente ou em algum membro de sua família tende a reforçar o diagnóstico de transtorno do humor primário, embora a história não exclua a possibilidade de transtorno do humor induzido por substâncias. Estas também podem desencadear um transtorno do humor subjacente em um paciente que seja vulnerável biologicamente. Curso e prognóstico. O curso e o prognóstico do transtorno do humor induzido por substâncias variam. Logo após a substância ter sido eliminada do organismo, o estado de humor normal em geral retorna. Algumas vezes, contudo, a exposição à substância parece precipitar um transtorno do humor de longa duração que pode levar semanas ou meses para se resolver em sua totalidade. Tratamento. O tratamento principal do transtorno do humor induzido por substâncias é a identificação da substância envolvida. A interrupção da ingestão costuma ser suficiente para eliminar os sintomas. Se persistirem, o tratamento com medicamentos psiquiátricos apropriados pode ser necessário.
TRANSTORNOS DO HUMOR
625
TABELA 15.3-10 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno do humor induzido por substância A. Predomínio de uma perturbação proeminente e persistente do humor, caracterizada por um dos seguintes sintomas (ou ambos): (1) humor depressivo ou diminuição acentuada do interesse ou prazer em todas ou quase todas as atividades (2) humor eufórico, expansivo ou irritável B. Existem evidências, a partir da história, do exame físico ou de achados laboratoriais, de (1) ou (2): (1) os sintomas no Critério A desenvolveram-se durante ou no período de um mês após a intoxicação ou abstinência da substância (2) o uso de um medicamento está etiologicamente relacionado com a perturbação C. A perturbação não é melhor explicada por um transtorno do humor não induzido por substância. As evidências de que os sintomas são mais bem explicados por um transtorno do humor não induzido por substância podem incluir as seguintes: os sintomas precedem o início do uso da substância (ou medicamento); os sintomas persistem por um período substancial (p. ex., cerca de 1 mês) após a cessação da abstinência aguda ou intoxicação grave ou excedem substancialmente o que seria de esperar, dado o tipo ou a quantidade de substância usada ou a duração do uso; ou existem outras evidências sugerindo a existência de um transtorno do humor independente, não induzido por substância (p. ex., uma história de episódios depressivos maiores recorrentes). D. A perturbação não ocorre exclusivamente durante o curso de um delirium.
E. Os sintomas causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. Nota: Este diagnóstico deve ser feito em vez de um diagnóstico de intoxicação com substância ou abstinência de substância apenas quando os sintomas de humor excedem aqueles habitualmente associados com a síndrome de intoxicação ou abstinência e quando são suficientemente graves a ponto de indicar atenção clínica independente. Codificar Transtorno do humor induzido por [substância específica]: (álcool; anfetamina [ou substância assemelhada]; cocaína; alucinógeno; inalante; opióide; fenciclidina [ou substância assemelhada]; sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos; outra substância [ou substância desconhecida]). Especificar tipo: Com características depressivas: se o humor predominante é depressivo. Com características maníacas: se o humor predominante é expansivo, eufórico ou irritável. Com características mistas: se há sintomas tanto de mania quanto de depressão, sem predomínio de nenhum deles. Especificar se: Com início durante a intoxicação: são satisfeitos os critérios para intoxicação com a substância e os sintomas se desenvolvem durante a síndrome de intoxicação. Com início durante a abstinência: são satisfeitos os critérios para abstinência da substância e os sintomas se desenvolvem durante ou logo após uma síndrome de abstinência.
De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
Transtorno do humor sem outra especificação Se o paciente exibe sintomas do humor em que é difícil distinguir entre depressão e mania e que não satisfazem os critérios diagnósticos para outro transtorno do humor ou transtorno mental do DSM-IV-TR, o diagnóstico mais apropriado é transtorno do humor sem outra especificação (Tab. 15.3-11).
TABELA 15.3-11 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno do humor sem outra especificação Esta categoria inclui transtornos com sintomas de humor que não satisfazem os critérios para qualquer transtorno do humor específico e nos quais é difícil escolher entre transtorno depressivo sem outra especificação e transtorno bipolar sem outra especificação (p. ex., agitação aguda). De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
CID-10 A CID-10 descreve transtornos do humor (afetivos) como caracterizados por “uma mudança no humor ou nos afetos, em geral para depressão (com ou sem ansiedade associada) ou para euforia”. Uma mudança no nível de atividade acompanha a mudança do humor, e “a maioria dos outros sintomas ou são secundários ou facilmente compreensíveis
no contexto dessas mudanças”. Esses transtornos do humor são recorrentes, e o início dos episódios pode estar relacionado a “acontecimentos ou situações estressantes”. Os transtornos do humor também incluem aqueles que ocorrem em crianças. A Tabela 15.3-12 lista os critérios da CID-10 para transtornos do humor.
TABELA 15.3-12 Critérios diagnósticos da CID-10 para transtornos do humor (afetivos) Episódio maníaco Hipomania A. O humor é elevado ou irritável a um grau que é claramente anormal para o indivíduo e mantido por pelo menos 4 dias consecutivos. B. Pelo menos três dos seguintes sinais devem estar presentes, levando a alguma interferência no funcionamento pessoal na vida diária:
(1) (2) (3) (4) (5) (6)
atividade aumentada ou inquietação física; loquacidade aumentada; distratibilidade ou dificuldade na concentração; necessidade de sono diminuída; energia sexual aumentada; gastos excessivos leves, ou outros tipos de comportamento descuidado ou irresponsável; (7) sociabilidade aumentada ou familiaridade excessiva.
(Continua)
626
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 15.3-12 (Continuação) C. O episódio não satisfaz os critérios para mania, transtorno afetivo bipolar, episódio depressivo, ciclotimia ou anorexia nervosa. D. Cláusula de exclusão mais comumente utilizada. O episódio não é atribuível a uso de substância psicoativa ou a qualquer transtorno mental orgânico. Mania sem sintomas psicóticos A. O humor deve ser predominantemente elevado, expansivo ou irritável e claramente anormal para o indivíduo. A alteração de humor deve ser proeminente e mantida por pelo menos 1 semana (a menos que seja suficientemente grave para requerer internação hospitalar). B. Pelo menos três dos seguintes sinais devem estar presentes (quatro se o humor for meramente irritável), levando a interferência severa no funcionamento pessoal na vida diária: (1) atividade aumentada ou inquietação física; (2) loquacidade aumentada (“pressão de fala”); (3) fuga de idéias ou a experiência subjetiva de pensamentos acelerados; (4) perda de inibições sociais normais, resultando em comportamento que é inadequado às circunstâncias; (5) necessidade de sono diminuída; (6) auto-estima enfatuada ou grandiosidade; (7) distratibilidade ou alterações constantes na atividade ou nos planos; (8) comportamento temerário ou descuidado e cujos riscos o indivíduo não reconhece, por exemplo, excesso de gastos, empreendimentos extravagantes, direção negligente; (9) energia sexual marcada ou indiscrições sexuais. C. Não há alucinações ou delírios, embora transtornos perceptivos possam ocorrer (p. ex., hiperacusia subjetiva, apreciação de cores especialmente vívidas). D. Cláusula de exclusão mais comumente utilizada. O episódio não é atribuível a uso de substância psicoativa ou a qualquer transtorno mental orgânico. Mania com sintomas psicóticos A. O episódio satisfaz os critérios para mania sem sintomas psicóticos com exceção do Critério C. B. O episódio não satisfaz simultaneamente os critérios para esquizofrenia ou transtorno esquizoafetivo, tipo maníaco. C. Outros delírios ou alucinações estão presentes, que não aqueles listados como tipicamente esquizofrênicos no Critério G1 (1)b, c, e d para esquizofrenia (i. e., outros delírios que não aqueles que são completamente impossíveis ou culturalmente inadequados, e alucinações que não estão na terceira pessoa ou que fazem um comentário corrente). Os exemplos mais comuns são aqueles com conteúdo grandioso, auto-referencial, erótico ou persecutório. D. Cláusula de exclusão mais comumente utilizada. O episódio não é atribuível a uso de substância psicoativa ou a qualquer transtorno mental orgânico. Especificar se as alucinações ou delírios são congruentes ou incongruentes com o humor: Com sintomas psicóticos congruentes com o humor (tais como delírios grandiosos ou vozes dizendo ao indivíduo que ele tem poderes sobre-humanos) Com sintomas psicóticos incongruentes com o humor (tais como vozes falando ao indivíduo sobre temas afetivamente neutros, ou delírios de referência ou perseguição) Outros episódios maníacos Episódio maníaco, inespecificado Transtorno afetivo bipolar Nota. Os episódios são demarcados por uma mudança para um episódio de polaridade oposta mista ou por uma remissão. Transtorno afetivo bipolar, episódio atual maníaco A. O episódio atual satisfaz os critérios para hipomania.
B. Houve pelo menos um outro episódio afetivo no passado, satisfazendo os critérios para episódio hipomaníaco ou maníaco, episódio depressivo ou episódio afetivo misto. Transtorno afetivo bipolar, episódio atual maníaco sem sintomas psicóticos A. O episódio atual satisfaz os critérios para mania sem sintomas psicóticos. B. Houve pelo menos um outro episódio afetivo no passado, satisfazendo os critérios para episódio hipomaníaco ou maníaco, episódio depressivo ou episódio afetivo misto. Transtorno afetivo bipolar, episódio atual maníaco com sintomas psicóticos A. O episódio atual satisfaz os critérios para mania com sintomas psicóticos. B. Houve pelo menos um outro episódio afetivo no passado, satisfazendo os critérios para episódio hipomaníaco ou maníaco, episódio depressivo ou episódio afetivo misto. Especificar se os sintomas psicóticos são congruentes ou incongruentes com o humor: Com sintomas psicóticos congruentes com o humor Com sintomas psicóticos incongruentes com o humor Transtorno afetivo bipolar, episódio atual depressão moderada ou leve A. O episódio atual satisfaz os critérios para um episódio depressivo de gravidade leve ou moderada. B. Houve pelo menos um outro episódio afetivo no passado, satisfazendo os critérios para episódio hipomaníaco ou maníaco, episódio depressivo ou episódio afetivo misto. Especificar a presença da “síndrome somática” no episódio de depressão atual: Sem síndrome somática Com síndrome somática Transtorno afetivo bipolar, episódio atual depressão grave sem sintomas psicóticos A. O episódio atual satisfaz os critérios para um episódio depressivo grave sem sintomas psicóticos. B. Houve pelo menos um episódio hipomaníaco ou maníaco ou episódio afetivo misto bem documentado no passado. Transtorno afetivo bipolar, episódio atual depressão grave com sintomas psicóticos A. O episódio atual satisfaz os critérios para um episódio depressivo grave com sintomas psicóticos. B. Houve pelo menos um episódio hipomaníaco ou maníaco ou episódio afetivo misto bem documentado no passado. Especificar se os sintomas psicóticos são congruentes ou incongruentes com o humor: Com sintomas psicóticos congruentes com o humor Com sintomas psicóticos incongruentes com o humor Transtorno afetivo bipolar, episódio atual misto A. O episódio atual é caracterizado por uma mistura ou uma alternância rápida (i. e., dentro de poucas horas) de sintomas hipomaníacos, maníacos e depressivos. B. Os sintomas tanto maníacos como depressivos devem ser proeminentes a maior parte do tempo durante um período de pelo menos duas semanas. C. Houve pelo menos um episódio hipomaníaco ou maníaco ou episódio afetivo misto bem documentado no passado. Transtorno afetivo bipolar, atualmente em remissão A. O estado atual não satisfaz os critérios para episódio depressivo ou maníaco de qualquer gravidade ou para qualquer outro transtorno do humor afetivo (possivelmente devido a tratamento para reduzir o risco de futuros episódios). B. Houve pelo menos um episódio hipomaníaco ou maníaco bem documentado no passado e, além disso, pelo menos um outro episódio afetivo (hipomaníaco ou maníaco, depressivo ou misto).
(Continua)
TRANSTORNOS DO HUMOR
627
TABELA 15.3-12 (Continuação) Outros transtornos afetivos bipolares Transtorno afetivo bipolar, inespecificado Episódio depressivo G1. O episódio depressivo deve durar pelo menos 2 semanas. G2. Não houve sintomas hipomaníacos ou maníacos suficientes para satisfazer os critérios para episódio hipomaníaco ou maníaco em nenhum momento na vida do indivíduo. G3. Cláusula de exclusão mais comumente utilizada. O episódio não é atribuível a uso de substância psicoativa ou a qualquer transtorno mental orgânico. Síndrome somática Alguns sintomas depressivos são amplamente considerados como tendo importância clínica significativa e aqui chamados de “somáticos”. (Termos como biológico, vital, melancólico ou endogenomórfico são usados para esta síndrome em outras classificações.) Um quinto caractere pode ser usado para especificar a presença ou ausência da síndrome somática. Para qualificar-se a síndrome somática, quatro dos seguintes sintomas deveriam estar presentes: (1) perda marcada de interesse ou prazer em atividades que são normalmente prazerosas; (2) ausência de reações emocionais a eventos ou atividades que normalmente produzem uma resposta emocional; (3) acordar pela manhã 2 horas ou mais antes da hora usual; (4) depressão pior pela manhã; (5) evidência objetiva de retardo ou agitação psicomotora marcada (observada ou relatada por outras pessoas); (6) perda marcada de apetite; (7) perda de peso (5% ou mais de peso corporal no último mês); (8) perda marcada de libido. Na Classificação de transtornos mentais e comportamentais da CID10: descrições clínicas e diretrizes diagnósticas, a presença ou ausência da síndrome somática não é especificada para episódio depressivo grave, uma vez que se presume que ela esteja presente na maioria dos casos. Para fins de pesquisa, entretanto, pode ser aconselhável permitir a codificação da ausência da síndrome somática no episódio depressivo grave. Episódio depressivo leve A. Os critérios gerais para episódio depressivo devem ser satisfeitos. B. Pelo menos dois dos seguintes três sintomas devem estar presentes: (1) humor deprimido a um grau que é claramente anormal para o indivíduo; presente na maior parte do dia e quase todos os dias, largamente influenciado por circunstâncias e mantido por pelo menos 2 semanas; (2) perda de interesse ou prazer em atividades que normalmente são prazerosas; (3) energia diminuída ou cansaço aumentado. C. Um sintoma ou sintomas adicionais da seguinte lista devem estar presentes, para dar um total de pelo menos quatro: (1) perda de confiança ou auto-estima; (2) sentimentos irracionais de auto-reprovação ou culpa excessiva e inadequada; (3) pensamentos recorrentes de morte ou suicídio, ou qualquer comportamento suicida; (4) queixas ou evidência de capacidade diminuída de pensar ou concentrar-se, tais como indecisão ou hesitação; (5) alteração na atividade psicomotora, com agitação ou retardo (subjetivo ou objetivo); (6) distúrbio de sono de qualquer tipo; (7) alteração no apetite (diminuição ou aumento) com alteração de peso correspondente. Um quinto caractere pode ser usado para especificar a presença ou ausência da “síndrome somática”: Sem síndrome somática
Com síndrome somática Episódio depressivo moderado A. Os critérios gerais para episódio depressivo devem ser satisfeitos. B. Pelo menos dois dos três sintomas listados para o Critério B acima devem estar presentes. C. Sintomas adicionais de episódio depressivo, Critério C, devem estar presentes, para dar um total de pelo menos seis. Um quinto caractere pode ser usado para especificar a presença ou ausência da “síndrome somática”: Sem síndrome somática Com síndrome somática Episódio depressivo grave sem sintomas psicóticos Nota: Se sintomas importantes como agitação ou retardo forem marcados, o paciente pode estar relutante ou ser incapaz de descrever os sintomas em detalhe. Uma classificação global de episódio grave pode ainda ser justificada neste caso. A. Os critérios gerais para episódio depressivo devem ser satisfeitos. B. Todos os três sintomas no Critério B, episódio depressivo, devem estar presentes. C. Sintomas adicionais de episódio depressivo, Critério C, devem estar presentes, para dar um total de pelo menos oito. D. Não devem ocorrer alucinações, delírios ou estupor depressivos. Episódio depressivo grave com sintomas psicóticos A. Os critérios gerais para episódio depressivo devem ser satisfeitos. B. Os critérios para episódio depressivo grave sem sintomas psicóticos devem ser satisfeitos, com a exceção do Critério D. C. Os critérios para esquizofrenia ou transtorno esquizoafetivo, tipo depressivo, não são satisfeitos. D. Qualquer um dos seguintes deve estar presente: (1) delírios ou alucinações, que não aqueles listados como tipicamente esquizofrênicos no Critério G1(1)b, c, e d para critérios gerais para esquizofrenia paranóide, hebefrênica, catatônica e indiferenciada (i.e., outros delírios que não aqueles que são completamente impossíveis ou culturalmente inadequados e alucinações que não estão na terceira pessoa ou fazendo comentários correntes), os exemplos mais comuns são aqueles com conteúdo depressivo, culpado, hipocondríaco, niilista, auto-referencial ou persecutório (2) estupor depressivo Um quinto caractere pode ser usado para especificar se os sintomas psicóticos são congruentes ou incongruentes com o humor: Com sintomas psicóticos congruentes com o humor (i.e., delírios de culpa, inutilidade, doença corporal ou desastre iminente, alucinações auditivas irônicas ou condenatórias) Com sintomas psicóticos incongruentes com o humor (i.e., delírios persecutórios ou auto-referenciais e alucinações sem conteúdo afetivo) Outros episódios depressivos Devem ser incluídos aqui episódios que não se enquadram nas descrições dadas para episódios depressivos, mas os quais a impressão diagnóstica global indica que são de natureza depressiva. Exemplos incluem misturas flutuantes de sintomas depressivos (particularmente aqueles da síndrome somática) com sintomas não-diagnósticos como tensão, preocupação, e misturas de sintomas depressivos somáticos com dor ou fadiga persistente que não se deve a causas orgânicas (como visto às vezes em hospitais gerais). Episódio depressivo, não-especificado Transtorno depressivo recorrente G1. Houve pelo menos um episódio anterior, leve, moderado ou grave, durando um mínimo de 2 semanas e separado do episódio atual por pelo menos 2 meses livres de qualquer sintoma do humor significativo. G2. Em nenhum momento no passado houve um episódio satisfazendo os critérios para episódio hipomaníaco ou maníaco.
(Continua)
628
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 15.3-12 (Continuação) G3. Cláusula de exclusão mais comumente utilizada. O episódio não é atribuível a uso de substância psicoativa ou a qualquer transtorno mental orgânico. É recomendado que o tipo predominante de episódios anteriores seja especificado (leve, moderado, grave, incerto). Transtorno depressivo recorrente, episódio atual leve A. Os critérios gerais para transtorno depressivo recorrente são satisfeitos. B. O episódio atual satisfaz os critérios para episódio depressivo leve. Um quinto caractere pode ser usado para especificar a presença ou ausência da “síndrome somática” no episódio atual. Sem síndrome somática Com síndrome somática Transtorno depressivo recorrente, episódio atual moderado A. Os critérios gerais para transtorno depressivo recorrente são satisfeitos. B. O episódio atual satisfaz os critérios para episódio depressivo moderado. Um quinto caractere pode ser usado para especificar a presença ou ausência da “síndrome somática” no episódio atual: Sem síndrome somática Com síndrome somática Transtorno depressivo recorrente, episódio atual grave sem sintomas psicóticos A. Os critérios gerais para transtorno depressivo recorrente são satisfeitos. B. O episódio atual satisfaz os critérios para episódio depressivo grave sem sintomas psicóticos. Transtorno depressivo recorrente, episódio atual grave com sintomas psicóticos A. Os critérios gerais para transtorno depressivo recorrente são satisfeitos. B. O episódio atual satisfaz os critérios para episódio depressivo grave com sintomas psicóticos. Um quinto caractere pode ser usado para especificar se os sintomas psicóticos são congruentes ou incongruentes com o humor: Com sintomas psicóticos congruentes com o humor Com sintomas psicóticos incongruentes com o humor Transtorno depressivo recorrente, atualmente em remissão A. Os critérios gerais para transtorno depressivo recorrente foram satisfeitos no passado. B. O estado atual não satisfaz os critérios para um episódio depressivo de qualquer gravidade ou para qualquer outro transtorno dos transtornos do humor afetivos. Comentário Esta categoria pode ainda ser usada se o paciente recebe tratamento para reduzir os riscos de episódios futuros. Outros transtornos depressivos recorrentes Transtorno depressivo recorrente, não-especificado Transtornos do humor afetivos persistentes Ciclotimia A. Deve ter havido um período de pelo menos 2 anos de instabilidade de humor envolvendo diversos períodos tanto de depressão como de hipomania, com ou sem períodos interpostos de humor normal. B. Nenhuma das manifestações de depressão ou hipomania durante esse período de dois anos deve ser suficientemente grave ou de duração suficientemente longa para satisfazer os critérios para episódio maníaco ou episódio depressivo (moderado ou grave); entretanto, episódios maníacos ou depressivos podem ter ocorrido antes, ou podem desenvolver-se após tal período de instabilidade de humor persistente. C. Durante pelo menos alguns dos períodos de depressão pelo menos três dos seguintes devem estar presentes:
(1) (2) (3) (4) (5) (6)
energia ou atividade reduzida; insônia; perda de autoconfiança ou sentimentos de inadequação; dificuldade de concentração; retraimento social; perda de interesse ou prazer no sexo e em outras atividades prazerosas; (7) loquacidade reduzida; (8) pessimismo em relação ao futuro ou ruminação do passado. D. Durante pelo menos alguns dos períodos de elevação do humor, pelo menos três dos seguintes devem estar presentes: (1) energia ou atividade aumentada; (2) necessidade de sono diminuída; (3) auto-estima inflada; (4) pensamento aguçado ou incomumente criativo; (5) gregarismo aumentado; (6) loquacidade ou presença de espírito aumentada; (7) interesse ou envolvimento aumentado em atividades sexuais ou outras atividades prazerosas; (8) excesso de otimismo ou exagero de realizações passadas. Nota. Se desejado, o tempo de início pode ser especificado como precoce (no final da adolescência ou início da idade adulta) ou tardio (geralmente entre os 30 e 50 anos, após um episódio afetivo). Distimia A. Deve haver um período de pelo menos 2 anos de humor deprimido constante ou constantemente recorrente. Períodos interpostos de humor normal raramente duram mais do que poucas semanas, e não há episódios de hipomania. B. Nenhum, ou muito poucos, dos episódios individuais de depressão dentro daquele período de dois anos deve ser suficientemente grave ou de duração suficientemente longa para satisfazer os critérios para transtorno depressivo leve recorrente. C. Durante pelo menos alguns dos períodos de depressão pelo menos três dos seguintes devem estar presentes: (1) energia ou atividade reduzida; (2) insônia; (3) perda de autoconfiança ou sentimentos de inadequação; (4) dificuldade de concentração; (5) choro freqüente; (6) perda de interesse ou prazer no sexo e em outras atividades prazerosas; (7) sentimento de desesperança e desespero; (8) uma incapacidade percebida de lidar com as responsabilidades de rotina da vida diária; (9) pessimismo em relação ao futuro ou ruminação do passado; (10) retraimento social; (11) loquacidade reduzida. Nota. Se desejado, o tempo de início pode ser especificado como precoce (no final da adolescência ou início da idade adulta) ou tardio (geralmente entre os 30 e 50 anos, após um episódio afetivo). Outros transtornos do humor afetivos persistentes Esta é uma categoria residual para transtornos afetivos persistentes que não são suficientemente graves ou de duração suficientemente longa para satisfazer os critérios para ciclotimia ou distimia, mas que, não obstante, são clinicamente significativos. Alguns tipos de depressão anteriormente chamados de “neurótica” são incluídos aqui, desde que eles não satisfaçam os critérios para ciclotimia ou distimia ou para episódio depressivo de gravidade leve ou moderada. Transtorno do humor afetivo persistente, não-especificado Outros transtornos do humor afetivos Há tantos transtornos possíveis que poderiam ser listados que não foram feitas tentativas de especificar critérios, exceto para epi-
(Continua)
TRANSTORNOS DO HUMOR
629
TABELA 15.3-12 (Continuação) sódio afetivo misto e transtorno depressivo breve recorrente. Pesquisadores que necessitarem de critérios mais exatos do que aqueles disponíveis nas Descrições Clínicas e Diretrizes Diagnósticas devem construí-los de acordo com os requisitos de seus estudos. Outros transtornos do humor afetivos únicos Episódio afetivo misto A. O episódio é caracterizado por uma mistura ou uma alternância rápida (i.e., dentro de poucas horas) de sintomas hipomaníacos, maníacos e depressivos. B. Sintomas tanto maníacos como depressivos devem ser proeminentes a maior parte do tempo durante um período de pelo menos 2 semanas. C. Não há história de episódios hipomaníacos, depressivos ou mistos anteriores.
Outros transtornos do humor afetivos recorrentes Transtorno depressivo breve recorrente A. O transtorno satisfaz os critérios sintomáticos para episódio depressivo leve, moderado ou grave. B. Os episódios depressivos ocorreram aproximadamente uma vez por mês durante o último ano. C. Os episódios individuais duram menos de 2 semanas (tipicamente 2-3 dias). D. Os episódios não ocorrem somente em relação ao ciclo menstrual. Outros transtornos do humor afetivos especificados Esta é uma categoria residual para transtornos afetivos que não satisfazem os critérios para nenhuma outra categoria acima.
Reimpressa, com permissão, de World Health Organization. The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural Disorders: Diagnostic Criteria for Research. Copyright, World Health Organization, Geneva, 1993.
REFERÊNCIAS Akiskal HS, section ed. Mood disorders. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:1284. Angst J, Dobler-Mikola A. The Zurich study: a prospective epidemiological study of depressive, neurotic and psychosomatic syndromes. IV. Recurrent and nonrecurrent brief depression. Eur Arch Psychiatry Neurol Sci. 1995;234:408. Caine ED, Lyness JM. Delirium, dementia, and amnestic and other cognitive disorders. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:854.
Covinsky KE, Fortinsky RH, Palmer RM, Kresevic DM, Landefeld CS. Relation between symptoms of depression and health status outcomes in acutely ill hospitalized older persons. Ann Intern Med. 1997;126:417. Larazue AA. The multimodal approach to the treatment of minor depression. Am J Psychother. 1992;46:50. Tremblay LK, Naranjo CA, Cardenas L, Herrmann N, Busto UE. Probing brain reward system function in major depressive disorder: altered response to dextroamphetamine. Arch Gen Psychiatry. 2002; 59:409. Williamson GM, Shaffer DR, et al., eds. Physical Illness and Depression in Older Adults: A Handbook of Theory, Research, and Practice. The Plenum Series in Social/Clinical Psychology. New York: Kluwer Academic/Plenum Publishers; 2000:31.
16 Transtornos de ansiedade
16.1 Visão geral Os transtornos de ansiedade estão entre as condições psiquiátricas mais prevalentes nos Estados Unidos e na maioria das populações estudadas. Além disso, os estudos têm mostrado de maneira persistente que eles produzem morbidade desordenada, uso de serviços de saúde e comprometimento do desempenho incomuns. Achados recentes também sugerem que transtornos crônicos de ansiedade podem aumentar a taxa de mortalidade relacionada a problemas cardiovasculares. Por isso, os clínicos em psiquiatria e outras especialidades devem estabelecer o diagnóstico apropriado com rapidez e iniciar o tratamento. Sob uma perspectiva neurobiológica, o estudo dos transtornos de ansiedade é fundamental. A compreensão da neuroanatomia e da biologia molecular da ansiedade promete, no futuro, novos conhecimentos sobre a etiologia e os tratamentos mais específicos (e, por isso, mais eficientes). No momento, os tratamentos disponíveis para os transtornos de ansiedade estão entre os mais efetivos da medicina psiquiátrica. Abordagens farmacológicas, cognitivo-comportamentais e psicodinâmicas comprovaram ser todas úteis no combate aos transtornos de ansiedade. Para muitas condições (p. ex., o transtorno de pânico), a maioria dos pacientes pode esperar alívio substancial de seus sintomas em um período relativamente curto. Outro aspecto fascinante dos transtornos de ansiedade é a interação especial entre os fatores genéticos e a experiência. Enquanto há pouca dúvida de que genes anormais predisponham a estados patológicos de ansiedade, a evidência indica que os acontecimentos traumáticos da vida e o estresse também são etiologicamente importantes. Assim, o estudo desses transtornos apresenta uma oportunidade única de compreender a relação entre dotação e criação. Esta área deve mostrar pouca consideração por explicações puramente biológicas versus psicológicas sobre a patogenia e a terapêutica. Em vez disso, a pesquisa atém-se à apresentação de uma visão do desempenho humano sob condições patológicas que integra fontes múltiplas de teoria e informação. HISTÓRIA Há cerca de um século, Freud criou o termo neurose de ansiedade, que ele acreditava resultar da libido contida: um aumento fisioló-
gico da tensão sexual levava a um aumento correspondente na libido e à representação mental desse evento fisiológico. A saída normal para essas tensões era, segundo sua visão, a relação sexual, mas práticas sexuais como a abstinência e o coito interrompido impediam a liberação da tensão e produziam neurose. As condições de aumento da ansiedade relacionado ao bloqueio da libido incluíam a neurastenia, a hipocondria e as neuroses de ansiedade, todas as quais Freud considerava como tendo uma base biológica. ANSIEDADE NORMAL Todo mundo experimenta ansiedade – uma sensação difusa, desagradável e vaga de apreensão, por vezes acompanhada de sintomas autonômicos (Tab. 16.1-1) como cefaléia, perspiração, palpitações, aperto no peito, leve mal-estar epigástrico e inquietação, indicada pela incapacidade de ficar sentado ou de pé quieto por muito tempo. A gama de sintomas presentes durante a ansiedade tende a variar entre as pessoas. Distinção entre medo e ansiedade A ansiedade é um sinal de alerta; indica um perigo iminente e capacita a pessoa a tomar medidas para lidar com a ameaça. O medo é um sinal de alerta semelhante, mas deve ser diferenciado da ansiedade. Ele é uma resposta a uma ameaça conhecida, externa, definida e sem conflitos; a ansiedade é uma resposta a uma ameaça desconhecida, interna, vaga e conflituosa. A distinção entre medo e ansiedade surgiu de forma acidental. Quando o tradutor inicial de Freud traduziu mal angst, a palavra alemã para “medo”, como ansiedade, o próprio Freud ignorou a distinção que associa a ansiedade ao objeto reprimido, inconsciente, e o medo ao objeto externo, conhecido. A distinção pode ser difícil de se estabelecer porque o medo também pode ser devido a um objeto inconsciente, reprimido, interno, deslocado para outro objeto no mundo exterior. Por exemplo, um menino pode ter medo de cachorros latindo porque, na verdade, tem medo de seu pai e, inconscientemente, associa o pai a cachorros latindo. A despeito disso, de acordo com formulações psicanalíticas pós-freudianas, a separação entre medo e ansiedade é psicologicamente justificável. A emoção causada por um carro que se aproxima com rapidez à medida que o individuo atravessa a rua difere
TRANSTORNOS DE ANSIEDADE
TABELA 16.1-1 Manifestações periféricas de ansiedade Dearréia Vertigem Hiperidrose Reflexos aumentados Hipertensão Palpitações Dilatação da pupila Inquietação (p. ex., marchar) Síncope Taquicardia Extremidades formigantes Tremores Irritação estomacal Freqüência urinária, hesitação, urgência
631
ção pode bater de maneira acelerada ou falhar, levando a desmaio; há uma palidez mortal, a respiração é laboriosa, as asas das narinas estão amplamente dilatadas; há suspiros e movimentos convulsivos dos lábios, ou tremor das bochechas, pigarrear na garganta; os globos oculares proeminentes e abertos estão fixados no objeto de terror; ou podem se movimentar de um lado para outro. Todos os músculos do corpo podem ficar rígidos ou submeter-se a movimentos convulsivos. As mãos ficam alternadamente crispadas e abertas, por vezes com movimentos espasmódicos. Os braços podem estar estendidos, como para evitar algum perigo terrível, ou serem jogados de forma selvagem sobre a cabeça... Em outros casos, há uma súbita e incontrolável tendência a fugir; e isso é tão forte que mesmo os soldados mais audaciosos podem ser tomados por um pânico súbito.
A ansiedade é adaptativa? do desconforto vago que se pode experimentar quando alguém uma nova pessoa em ambiente estranho. A diferença psicológica principal entre as duas respostas emocionais é a condição súbita do medo e a condição insidiosa da ansiedade. Charles Darwin indicou que a palavra medo é derivada das palavras que significam “súbito” e “perigoso”. A duração também parece ser vital nos fenômenos neurofisiológicos da ansiedade e do medo. Em 1896, Darwin deu a seguinte descrição psicofisiológica de medo agudo se encaminhando para terror: O medo é, por vezes, precedido de susto e, embora diferentes, ambos levam o sentido da visão e da audição a serem alertados de forma imediata. Em ambos os casos, os olhos e a boca ficam muito abertos, e a sobrancelhas, levantadas. O homem aterrorizado primeiro fica imóvel e sem respirar como uma estátua, ou se agacha como se, de forma instintiva, fosse capaz de escapar de ser observado. O coração bate rápida e violentamente, de modo que palpita ou se esbate contra as costelas; mas é controverso se assim trabalha com mais eficiência do que o habitual, de modo a enviar uma quantidade maior de sangue para todas as partes do corpo; a pele fica pálida como durante um desmaio incipiente. Essa palidez da superfície, contudo, pode, em grande parte, ou exclusivamente, decorrer do centro vasomotor que é afetado de tal maneira a ponto de levar a uma contração das pequenas artérias da pele. Que esta seja muito afetada sob a sensação de grande medo observa-se na forma impressionante e inexplicável com que o suor logo se exsuda dela. Essa reação é mais notável porque a superfície fica fria, daí o termo suor frio; as glândulas sudoríparas são excitadas para a ação quando a superfície é aquecida. Também os pêlos se põem eretos; e os músculos superficiais apresentam fasciculações. Em consonância com a ação perturbada do coração, a respiração acelera. As glândulas salivares atuam de forma imperfeita; a boca fica seca e, por vezes, abre e fecha. Observei também que sobre o medo leve há uma forte tendência a bocejar. Um dos sintomas mais marcantes é o tremor de todos os músculos do corpo, e isso é observado primeiro nos lábios. Por esse motivo, e pela secura da boca, a voz se torna trêmula ou indistinta ou pode falhar completamente... À medida que o medo aumenta até a agonia do terror, observam-se, como sob emoções violentas, resultados variados. O cora-
Quando considerada apenas como um sinal de alerta, a ansiedade parece ser basicamente a mesma emoção que o medo. Como a advertência de uma ameaça externa ou interna, a ansiedade é adaptativa e tem qualidades salva-vidas. Em nível mais baixo, adverte sobre ameaças de lesão corporal, dor, impotência, possível punição ou frustração de necessidades sociais ou corporais; separação de entes queridos; ameaça ao êxito ou status individual; e, por fim, ameaças à unidade ou à integridade. Impele o indivíduo a tomar as medidas necessárias para evitar a ameaça ou reduzir suas conseqüências. Exemplos de uma pessoa que evita as ameaças da vida diária incluem aplicar-se no trabalho duro para a preparação de um exame, agarrar uma bola atirada contra a cabeça, entrar no dormitório de forma sorrateira após a hora estabelecida para evitar punição, correr para pegar o último trem. Dessa forma, a ansiedade previne prejuízo ao alertar o indivíduo a realizar certos atos que bloqueiem o perigo. Estresse e ansiedade Se um acontecimento é percebido ou não como estressante depende da natureza do acontecimento e dos recursos do indivíduo, das defesas psicológicas e dos mecanismos para se lidar com a tensão. Todas essas referências envolvem o ego, uma abstração coletiva para o processo pelo qual o indivíduo percebe, pensa e atua sobre os acontecimentos externos ou os impulsos internos. Aquele cujo ego está funcionando de maneira apropriada está em equilíbrio adaptativo tanto com o mundo externo como com o interno; se o ego não está funcionando adequadamente e o desequilíbrio resultante continua por tempo suficiente, o indivíduo experimenta ansiedade crônica. Se o desequilíbrio é externo, entre as pressões do mundo e o ego do indivíduo, ou interno, entre os impulsos (p. ex., agressivos, sexuais ou dependentes) e a consciência, ocorre um conflito. Os conflitos de causas externas costumam ser interpessoais, enquanto os de causas internas são intrapsíquicos ou intrapessoais. É possível uma combinação dos dois, como no caso de empregados cujo patrão excessivamente exigente e crítico provoca impulsos que precisam ser controlados pelo medo de perder o empre-
632
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
go. Os conflitos interpessoais e intrapsíquicos tendem a ser mesclados. Pelo fato de os humanos serem sociais, seus principais conflitos envolvem, em geral, outras pessoas. Sintomas de ansiedade A experiência da ansiedade apresenta dois componentes: a percepção das sensações fisiológicas (como palpitações e suor) e a percepção do estar nervoso ou assustado. Um sentimento de vergonha pode aumentar a ansiedade – “os outros perceberão que estou assustado”. A maioria das pessoas fica atônita ao verificar que os outros não se dão conta de sua ansiedade, ou se o fazem, não apreciam sua intensidade. Além dos efeitos motores e viscerais (Tab. 16.1-1), a ansiedade afeta o pensamento, a percepção e o aprendizado. Tende a produzir confusão e distorções da percepção, não apenas do tempo e do espaço, mas também das pessoas e dos significados dos acontecimentos. Essas distorções podem interferir no aprendizado ao diminuir a concentração, reduzir a memória e perturbar a capacidade de fazer relações. Um aspecto importante das emoções é seu efeito sobre a atenção seletiva. Os indivíduos ansiosos ficam predispostos a selecionar certos aspectos de seu ambiente e subestimar outros em seu esforço para provar que se justifica considerar sua situação aterradora. Se, de maneira equivocada, justificam seu medo, aumentam a ansiedade pela atenção seletiva e estabelecem um círculo vicioso de ansiedade, percepções distorcidas e aumento da ansiedade. Se, como alternativa, se asseguram a si mesmos com pensamentos seletivos, a ansiedade apropriada pode ser reduzida e podem deixar de tomar as precauções necessárias. ANSIEDADE PATOLÓGICA Epidemiologia Os transtornos de ansiedade compõem um dos grupos mais comuns de doenças psiquiátricas. O Estudo Americano de Co-morbidade (National Comobirdity Study) relatou que uma em cada quatro pessoas satisfaz o critério diagnóstico de pelo menos um transtorno de ansiedade e que há uma taxa de prevalência em 12 meses de 17,7%. As mulheres (com prevalência durante a vida de 30,5%) têm mais probabilidade de ter um transtorno de ansiedade do que os homens (prevalência durante a vida de 19,2%). Por fim, sua incidência diminui com o status socioeconômico mais alto. Contribuições das ciências psicológicas Três principais escolas de teoria psicológica – a psicanalítica, a comportamental e a existencial – contribuíram com teorias sobre as causas da ansiedade. Cada uma tem utilidade tanto conceitual como prática no tratamento dos transtornos de ansiedade. Teorias psicanalíticas. Embora Freud acreditasse que a ansiedade se originava do acúmulo fisiológico da libido, acabou re-
definindo-a como um sinal da presença de perigo no inconsciente. Era percebida como resultado do conflito psíquico entre desejos inconscientes sexuais ou agressivos, com as ameaças correspondentes do superego e da realidade externa. Em resposta a este sinal, o ego mobilizava mecanismos de defesa para evitar que pensamentos e sentimentos inconscientes inaceitáveis emergissem para a percepção consciente. Em seu artigo clássico “Inibições, Sintomas e Ansiedade”, Freud afirma que “era a ansiedade que produzia a repressão e não, como eu antes acreditava, a repressão que produzia a ansiedade”. Nos dias de hoje, vários neurobiologistas continuam a corroborar várias das idéias e teorias originais de Freud. Um exemplo é o papel da amígdala, que serve para resposta de medo, sem qualquer referência à memória consciente e consubstanciando o conceito de Freud de sistema de memória inconsciente para respostas de ansiedade. Uma das conseqüências infelizes de encarar os sintomas de ansiedade como um transtorno, em vez de um sinal, é que as fontes subjacentes de ansiedade podem ser ignoradas. Sob uma perspectiva psicodinâmica, o objetivo do tratamento não é, necessariamente, eliminar toda a ansiedade, mas aumentar a tolerância a ela, isto é, a capacidade de experimentá-la e utilizá-la como um sinal para investigar o conflito subjacente que a criou. A ansiedade aparece como resposta a várias situações durante o ciclo de vida, e uma tentativa de erradicá-la por métodos farmacológicos pode significar não fazer nada para compreender a situação de vida ou os correlatos internos que induziram a esse estado. Uma mulher de 27 anos de idade chegou ao hospital queixando-se de vários medos. Estava aterrorizada demais para entrar em um ônibus, para ir ao cinema ou ao supermercado. Também estava com medo de não satisfazer às expectativas de sua mãe, tinha dúvidas sobre as próprias capacidades e indicava que seu casamento estava em tempos difíceis e que estivera separada de seu marido por 18 meses. Afirmou que seu único filho urinava na cama. Além disso, apresentava os sintomas de ansiedade aguda, como palpitação, sudorese, tonturas e falta de ar. Uma breve inquirição revelou que sua mãe era uma pessoa implicante, sádica, que batia, sem piedade, na paciente e em seu irmão sempre que deixavam de obedecer às suas ordens. O pai, um indivíduo subserviente, raramente estava em casa. A paciente foi uma criança quieta e obediente, embora temerosa, tímida e reclusa, que considerava sempre ter que aquiescer aos desejos dos outros ou se sujeitar à sua crítica ou à retirada de sua afeição. O diagnóstico desse caso foi de transtorno de ansiedade associado a várias fobias. Os ataques ocorriam com regularidade em situações em que o esposo, a mãe ou mesmo o médico faziam ou diziam algo que despertava nela um medo de separação associado ao desejo de retaliar com raiva. Ela não podia se permitir expressar críticas ou rejeição. Seus ataques de ansiedade foram aliviados após vários meses de tratamento psiquiátrico em que ela foi capaz de reconhecer seus sentimentos de raiva e de descobrir como se afirmar de maneira apropriada. (Adaptado de Kolb LC. Modern Clinical Psychiatry. 9th ed. Philadelphia: WB Saunders, 1977: 507.)
TRANSTORNOS DE ANSIEDADE
Para compreender plenamente a ansiedade de um paciente em particular, é útil pensar em termos de hierarquia do desenvolvimento, que liga a fonte de ansiedade a questões do desenvolvimento. No nível mais inicial, pode estar presente a ansiedade de desintegração. Esta pode se derivar tanto do medo de perder o sentimento de self pela fusão com um objeto ou pela preocupação de que o próprio self se fragmentará porque os outros não estão respondendo com confirmação e validação necessárias. Em um nível um tanto mais avançado, a ansiedade persecutória ou paranóide pode estar associada à percepção de que o indivíduo está em risco de ser invadido ou aniquilado por uma força malévola externa. Outra fonte de ansiedade envolve a criança que teme perder o amor ou aprovação de um dos pais ou do objeto de amor. A ansiedade de castração, ligada à fase edípica do desenvolvimento de meninos, preocupa-se com o medo da figura paterna retaliadora, em geral o pai, danificando os genitais do menino ou lhe produzindo lesão corporal de outra forma. No nível mais maduro, a ansiedade do superego é compreendida como decorrente de sentimentos de culpa por não satisfazer padrões internalizados de comportamento moral, derivados dos pais. Por vezes, uma entrevista psicodinâmica pode elucidar o principal nível de ansiedade com o qual o paciente está se confrontando. Alguma ansiedade pode estar relacionada a conflitos múltiplos em vários níveis do desenvolvimento. Teorias comportamentais. As teorias comportamentais ou de aprendizado da ansiedade produziram alguns dos tratamentos mais eficientes dos transtornos de ansiedade. De acordo com essas teorias, a ansiedade é uma resposta condicionada a estímulos específicos do ambiente. Em um modelo de condicionamento clássico, indivíduos sem alergias alimentares ficaram doentes após ingerir ostras contaminadas em um restaurante. A exposição subseqüente aos mesmos alimentos pode levá-los a se sentirem doentes. Pela generalização, podem vir a desconfiar de qualquer alimento preparado por outros. Como possibilidade causal alternativa, podem aprender a ter uma resposta interna de ansiedade por imitar respostas de ansiedade de seus pais (teoria do aprendizado social). Em qualquer caso, o tratamento é uma forma de dessensibilização por exposições repetidas ao estímulo ansiogênico, acrescido de abordagens psicoterapêuticas cognitivas. Nos últimos anos, os proponentes das teorias comportamentais têm demonstrado um interesse crescente nas abordagens cognitivas para conceber e tratar os transtornos de ansiedade, e os teóricos cognitivos propuseram alternativas para os modelos causais tradicionais de ansiedade da teoria do aprendizado. De acordo com a concepção de estados de ansiedade não-fóbicos, padrões de pensamento errôneos, distorcidos ou contraprodutivos acompanham ou precedem os comportamentos mal-adaptativos e os transtornos emocionais. Segundo esse modelo, os pacientes com transtornos de ansiedade tendem a reagir de maneira excessiva ao perigo e à probabilidade de dano em dada situação e a subestimar sua capacidade de lidar com as ameaças percebidas a seu bem-estar físico e psicológico. Tal abordagem postula que pacientes com transtorno de pânico por vezes têm pensamentos de perda de controle e medo de morrer que se seguem a sensações fisiológicas inexplicáveis (como palpitações, taquicardia e cabeça oca), mas que precedem e, a seguir, acompanham os ataques de
633
pânico. A terapia cognitivo-comportamental é uma forma eficiente de lidar com transtornos de ansiedade, e alguns estudos sugerem que a psicoterapia pode alterar padrões anormais de ativação cerebral, mas um número muito maior de pesquisas é necessário nessa área. Teorias existenciais. As teorias existenciais provêm modelos para o transtorno de ansiedade generalizada em que não há um estímulo específico identificável para a sensação crônica de ansiedade. Seu conceito central é que os indivíduos se tornam conscientes de sentimentos de profundo niilismo em suas vidas, sentimentos que podem ser até mais desconfortáveis do que a aceitação de sua morte inevitável. A ansiedade é a resposta ao vazio de sentido e existência. Essas preocupações podem ter aumentado desde o desenvolvimento das armas nucleares e do terrorismo biológico. Contribuição das ciências biológicas As teorias biológicas da ansiedade têm se desenvolvido a partir de estudos pré-clínicos com modelos animais de ansiedade, do acompanhamento de pacientes em que foram verificados fatores biológicos, do crescente conhecimento da neurociência básica e das ações de medicamentos psicotrópicos. Um pólo do pensamento defende que modificações biológicas mensuráveis em pacientes com transtornos de ansiedade se relacionam com o resultado de conflitos psicológicos; o pólo oposto considera que os acontecimentos biológicos precedem os conflitos psicológicos. Ambas as situações podem coexistir em indivíduos específicos, e faixas de sensibilidades de base biológicas podem existir entre pessoas com os sintomas dos transtornos de ansiedade. Sistema nervoso autônomo. A estimulação do sistema nervoso autônomo causa certos sintomas – cardiovasculares (p. ex., taquicardia), musculares (p. ex., cefaléia), gastrintestinais (p. ex., diarréia) e respiratórios (p. ex., dispnéia). Tais manifestações periféricas não são peculiares a transtornos de ansiedade nem se correlacionam necessariamente à experiência subjetiva de ansiedade. No primeiro terço do século XX, Walter Cannon demonstrou que gatos expostos ao latido de cães exibiam comportamento e sinais fisiológicos de medo, que se associavam à liberação de epinefrina pelas adrenais. A teoria de James-Lange postula que a ansiedade subjetiva é uma resposta aos fenômenos periféricos. Em geral, pensa-se hoje que a ansiedade do sistema nervoso central precede as manifestações periféricas desta condição, exceto quando uma causa periférica específica está presente, como quando um paciente tem feocromocitoma. O sistema nervoso autônomo de alguns indivíduos com transtornos de ansiedade, em especial os com transtorno de pânico, exibe aumento do tônus simpático, adapta-se lentamente a estímulos repetidos e responde com grande intensidade a estímulos moderados. Neurotransmissores. Os três principais neurotransmissores associados à ansiedade, com base em estudos de animais, e às respostas a tratamentos com medicamentos são a norepinefrina, a serotonina e o ácido γ−aminobutírico (GABA). Boa parte da informação das ciências básicas sobre essa condição vem de expe-
634
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
rimentação animal envolvendo paradigmas de comportamento e agentes psicoativos. Um desses modelos é o teste de conflito, em que o animal é apresentado, ao mesmo tempo, a estímulos positivos (p. ex., alimento) e negativos (p. ex., choque elétrico). Os medicamentos ansiolíticos (p. ex., benzodiazepínicos) tendem a facilitar a adaptação a essa situação, enquanto outros (p. ex., as anfetaminas) perturbam ainda mais as respostas comportamentais do animal. NOREPINEFRINA.
A teoria geral sobre o papel desta nos transtornos de ansiedade é que os pacientes afetados podem ter um sistema noradrenérgico com problemas de regulação, com surtos ocasionais de atividade. Os corpos celulares estão principalmente localizados no locus ceruleus na ponte rostral, e projetam-se de seus axônios para o córtex cerebral, o sistema límbico, o tronco cerebral e a medula espinal. Experimentos em primatas demonstraram que a estimulação do locus ceruleus produz uma resposta de medo e que a ablação desta mesma área inibe ou bloqueia a capacidade dos animais de formar uma resposta de medo. Estudos com humanos verificaram que, em pacientes com transtorno de pânico, os agonistas dos receptores β-adrenérgicos (p. ex., o isoproterenol [Isuprel]) e antagonistas dos receptores α2-adrenérgicos (p. ex., a ioimbina) podem provocar ataques de pânico freqüentes e graves. De forma inversa, a clonidina (Atensina), um agonista dos receptores α2, reduz os sintomas de ansiedade em algumas situações experimentais e terapêuticas. Um achado menos consistente é que pacientes com transtornos de ansiedade, particularmente o de pânico, apresentam níveis elevados no líquido cerebrospinal (LCS) e na urina do metabólito noradrenérgico 3-metoxi-4-hidroxifenilglicol (MHPG). SEROTONINA.
A identificação de vários tipos de receptores para a serotonina estimulou a pesquisa sobre o papel desta na patogênese dos transtornos de ansiedade. O interesse nessa relação foi motivado, em princípio, pela observação de que os antidepressivos serotonérgicos têm efeitos terapêuticos em alguns transtornos de ansiedade – como a clomipramina (Anafranil) no transtorno obsessivo-compulsivo. A eficiciência da buspirona (BuSPar), um agonista dos receptores 5-HT1A para a serotonina, no tratamento dos transtornos de ansiedade também sugere a possibilidade de uma associação entre a serotonina e a ansiedade. Os corpos celulares da maioria dos neurônios serotonérgicos estão localizados nos núcleos da rafe do tronco cerebral rostral e se projetam para o córtex cerebral, o sistema límbico (em especial para a amígdala e o hipocampo) e o hipotálamo. Embora a administração de agentes serotonérgicos a animais leve a um comportamento que sugere ansiedade, os dados sobre efeitos similares em humanos são menos consistentes. Vários relatos indicam que a m-clorofenilpiperazina (mCPP), um medicamento com efeitos serotonérgicos e noradrenérgicos múltiplos, e a fenfluramina (Pondimin), que induz à liberação da serotonina, causam aumento da ansiedade em pacientes com transtorno; vários relatos anedóticos indicam que alucinógenos e estimulantes serotonérgicos – por exemplo, a dietilamida do ácido lisérgico (LSD) e a 3,4-metilenodioximetanfetamina (MDMA) – associam-se ao desenvolvimento tanto de transtornos agudos como crônicos de ansiedade em indivíduos que utilizam essas drogas.
GABA.
O papel do GABA é apoiado com mais força pela eficácia inconteste dos benzodiazepínicos, que aumentam sua atividade no receptor GABAA, no tratamento de alguns tipos de transtorno de ansiedade. Ainda
que os benzodiazepínicos de baixa potência sejam mais eficientes para os sintomas do transtorno de ansiedade generalizada, os de alta potência, como o alprazolam (Frontal), são eficientes no tratamento do transtorno de pânico. Estudos em primatas verificaram que os sintomas no sistema nervoso autônomo dos transtornos de ansiedade são induzidos quando se administra um agonista inverso dos benzodiazepínicos, o ácido β-carbolino-3-carboxílico (β-carboline-3-carboxylic acid – BCCE). Este também causa ansiedade em voluntários normais. Um antagonista dos benzodiazepínicos, o flumazenil (Lanexat) causa ataques de pânico freqüentes e graves em pacientes com o transtorno. Esses dados levaram os pesquisadores a cogitar a hipótese de que alguns pacientes com transtornos de ansiedade apresentam funcionamento anormal de seus receptores GABAA, embora essa conexão não tenha sido demonstrada de maneira mais específica. APLYSIA.
Um modelo de neurotransmissores para o transtorno de ansiedade se baseia no estudo da Aplysia california, realizado pelo médico Eric Kandel, agraciado com o prêmio Nobel. A aplysia é um caramujo marinho que reage ao perigo se afastando, se recolhendo para sua concha e reduzindo seu comportamento alimentar. Tais comportamentos podem ser condicionados classicamente, de modo que o caramujo responda a um estimulo neutro como se fosse um estímulo perigoso. O animal também pode ser sensibilizado por choques aleatórios, a fim de que exiba uma resposta de fuga na ausência de perigo real. Foram estabelecidos previamente paralelos entre o condicionamento clássico e a ansiedade fóbica de humanos. A aplysia condicionada exibe modificações mensuráveis da facilitação pré-sináptica, levando ao aumento da liberação da quantidade de neurotransmissores. Embora o caramujo do mar seja um animal simples, esse trabalho mostra uma abordagem experimental a um processo neuroquímico complexo, potencialmente envolvido nos transtornos de ansiedade em humanos.
Estudos com imagens cerebrais. Uma gama de estudos de imagens cerebrais, quase sempre conduzidos em um transtorno de ansiedade específico, produziu várias rotas possíveis para a compreensão desses transtornos. Estudos estruturais – por exemplo, de imagens de tomografia computadorizada (TC) e ressonância magnética (RM) – mostram, em algumas situações, aumento no tamanho dos ventrículos cerebrais. Em um estudo, o aumento foi correlacionado à duração do tempo em que os pacientes estiveram tomando benzodiazepínicos. Em um estudo com RM, foi observado um defeito específico no lobo temporal direito em pacientes com transtorno de pânico. Vários outros achados de imagens cerebrais relataram aspectos anormais no hemisfério direito, mas não no esquerdo; isso sugere que alguns tipos de assimetrias cerebrais podem ser importantes para o desenvolvimento de sintomas de transtorno de ansiedade em pacientes específicos. Estudos de imagens cerebrais funcionais – por exemplo, com tomografia por emissão de pósitrons (PET), tomografia por emissão de fóton único (SPECT) e eletroencefalografia (EEG) – de pacientes com transtornos de ansiedade têm relatado, de forma variável, anormalidades no córtex frontal, em áreas occipitais e temporais e, em um estudo sobre transtorno de pânico, no giro para-hipocampal. Várias abordagens de neuroimagens funcionais implicaram o núcleo caudado na fisiopatologia do transtorno obsessivo-compulsivo. Uma interpretação conservadora desses dados é que alguns pacientes têm uma condição cerebral
TRANSTORNOS DE ANSIEDADE
funcional demonstrável e que esta pode ser causalmente relevante a seus sintomas de transtorno de ansiedade. Estudos genéticos. Há evidência sólida de que pelo menos algum componente genético contribui para o desenvolvimento dos transtornos de ansiedade. Quase a metade dos pacientes com transtorno de pânico tem, no mínimo, um parente afetado. As taxas para outros transtornos de ansiedade, embora não tão elevadas, também indicam uma freqüência mais alta dos transtornos em parentes de primeiro grau de pacientes afetados do que em parentes de indivíduos não-afetados. Ainda que tenham sido relatados estudos de adoção com transtornos de ansiedade, os dados de registros de gêmeos também apóiam a hipótese de que essa condição seja pelo menos em parte determinada geneticamente. Existe uma ligação entre a genética e os transtornos de ansiedade, mas nenhum destes tem probabilidade de ser o resultado de uma anormalidade mendeliana simples. Um relato recente atribuiu cerca de 4% da variabilidade intrínseca da ansiedade na população geral a um variante polimórfico do gene para o transportador da serotonina, que é o local de ação de vários medicamentos serotonérgicos. Os indivíduos com esta variante produzem menos transportador e apresentam níveis mais altos de ansiedade. Considerações neuroanatômicas. O locus ceruleus e os núcleos da rafe se projetam principalmente para o sistema límbico e para o córtex cerebral. Em combinação como os dados de estudos de imagens cerebrais, essas áreas têm se tornado o foco de muita elaboração de hipóteses sobre os substratos neuroanatômicos dos transtornos de ansiedade. SISTEMA LÍMBICO.
Além de receber inervação noradrenérgica e serotonérgica, o sistema límbico contém ainda uma alta concentração de receptores GABAA. Estudos de ablação e estimulação em primatas nãohumanos também implicaram o sistema límbico na geração de respostas de ansiedade e medo. Duas áreas receberam atenção especial na literatura: aumento da atividade na via septo-hipocampal, que pode levar à ansiedade, e o giro do cíngulo, implicado na fisiopatologia do transtorno obsessivo-compulsivo.
CÓRTEX CEREBRAL. O córtex cerebral frontal se conecta com a região para-hipocampal, o giro do cíngulo e o hipotálamo e, dessa forma, pode estar envolvido na produção dos transtornos de ansiedade. O córtex temporal também foi implicado no local fisiopatológico dos transtornos. Tal associação se baseia, em parte, na semelhança da apresentação clínica e da eletrofisiologia entre alguns pacientes com epilepsia do lobo temporal e aqueles com transtorno obsessivo-compulsivo.
DSM-IV-TR O DSM-IV-TR lista 12 transtornos de ansiedade: (1) transtorno de pânico com agorafobia, (2) transtorno de pânico sem agorafobia, (3) agorafobia sem história de transtorno de pânico, (4) fobia específica, (5) fobia social, (6) transtorno obsessivo-compulsivo, (7) transtorno de estresse pós-traumático, (8) transtorno de estresse agudo, (9) transtorno de ansiedade generalizada, (10)
635
transtorno de ansiedade devido a uma condição médica geral, (11) transtorno de ansiedade induzido por substâncias, (12) transtorno de ansiedade sem outra especificação. Cada um é discutido nas seções que se seguem. CID-10 Na décima revisão da Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-10), os transtornos neuróticos (de ansiedade) são agrupados com condições relacionadas ao estresse e aos transtornos somatoformes por causa de sua “associação histórica com o conceito de neurose e da associação de uma proporção substancial (embora incerta) dos transtornos com causas psicológicas”. Na CID-10, combinações de sintomas são descritas como comuns, especialmente em manifestações menos graves, sendo referida uma categoria para casos que não podem se basear em uma única síndrome principal. Embora a idéia de neurose não seja mais um princípio organizador, “foi tomado cuidado para se possibilitar a identificação fácil dos transtornos que alguns usuários ainda possam querer encarar como neuróticos, em seu uso pessoal do termo”. As principais categorias da CID-10 para transtornos de ansiedade “neurótica” são o transtorno fóbico de ansiedade (agorafobia, fobia social e fobias específicas); outros transtornos de ansiedade (transtorno de pânico, transtorno de ansiedade generalizada e transtorno misto de ansiedade e depressão; transtorno obsessivo-compulsivo (predominantemente com pensamentos obsessivos ou atos compulsivos, ou misto com pensamentos e atos obsessivos) (Tab. 16.1-2 a 16.1-4). A reação a estresse grave e os transtornos de adaptação são agrupados em uma categoria, que é classificada junto com os transtornos neuróticos e somatoformes. Contudo, a categoria relacionada ao estresse difere das outras duas porque pode ser definida não apenas com base nos sintomas, mas também com base em uma ou duas influências causais: um acontecimento estressante da vida levando a uma reação aguda de estresse ou uma mudança significativa na vida levando a um transtorno de adaptação. Os transtornos relacionados ao estresse em todos os grupos etários, inclusive em crianças, encaixam-se nessa categoria. Nesse grupo, a CID-10 classifica reações a estresse grave (reação aguda a estresse, transtorno de estresse pós-traumático) e transtorno de adaptação (ver Cap. 26). Inclui também os transtornos dissociativos (conversivos) na categoria de transtornos relacionados ao estresse. (Para uma discussão sobre os transtornos dissociativos, ver o Cap. 20.). Os critérios para reações a estresse grave são fornecidos na Tabela 16.1-5.
REFERÊNCIAS Cassem EH. Depression and anxiety secondary to medical illness. Psychiatr Clin North Am. 1990;13:597. Charney DS. Nagy LM. Bremner JD, Goddard AW, Yehuda R, South SM. Neurobiologic mechanisms of human anxiety. In: Fogel BS, Schiffer RB, et al., eds. Synopsis of Neuropsychiatry. Philadelphia; Lippincott Williams & Wilkins; 2000:273. Coryell W, Endicott J, Winokur G. Anxiety syndromes as epiphenomena of primary major depression: outcome and financial psychopathology. Am J Psychiatry. 1992;149:100. Davis M. The role of the amygdala in fear-potentiated startle: implications for animal models of anxiety. Trends Pharmacol Sci. 1992;13:35.
636
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 16.1-2 Critérios diagnósticos da CID-10 para transtornos de ansiedade fóbica Agorafobia A. Há um medo marcado e manifestado consistentemente em, ou evitação de, pelo menos duas das seguintes situações: (1) multidões; (2) lugares públicos; (3) viajar sozinho; (4) viajar para longe de casa. B. Pelo menos dois sintomas de ansiedade na situação temida devem ter estado presentes juntos, em pelo menos uma ocasião desde o início do transtorno, e um dos sintomas deve ter sido dos itens (1) a (4) listados a seguir: Sintomas de excitação autônoma (1) palpitações ou coração aos saltos ou taxa cardíaca acelerada; (2) sudorese; (3) tremor ou estremecimento; (4) boca seca (não devida a medicação ou desidratação); Sintomas envolvendo peito e abdome (5) dificuldade para respirar; (6) sensação de sufocação; (7) dor ou desconforto no peito; (8) náusea ou desconforto abdominal (p.ex., revolvimento no estômago) Sintomas envolvendo estado mental (9) sentir-se confuso, inseguro, fraco, ou tonto; (10) sensação de que os objetos são irreais (desrealização) ou de estar distante ou “não realmente aqui” (despersonalização); (11) medo de perder o controle, “ficar louco” ou desmaiar; (12) medo de morrer; Sintomas gerais (13) ondas de calor ou arrepios de frio; (14) sensações de dormência ou formigamento. C. Sofrimento emocional significativo é causado pela evitação ou pelos sintomas de ansiedade, e o indivíduo reconhece que estes são excessivos ou irracionais. D. Os sintomas limitam-se a, ou predominam em, situações temidas ou na contemplação das situações temidas. E. Cláusula de exclusão mais comumente usada. O medo ou evitação de situações (Critério A) não é resultado de delírio, alucinações ou outros transtornos, como transtornos mentais orgânicos, esquizofrenia e transtornos relacionados, transtornos de humor (afetivos) ou transtorno obsessivo-compulsivo, nem é secundário a crenças culturais. A presença ou ausência de transtorno de pânico em uma maioria de situações agorafóbicas, pode ser especificada usando um quinto caráter: Sem transtorno de pânico Com transtorno de pânico Opções para avaliar gravidade A gravidade na agorafobia pode ser avaliada indicando-se o grau de evitação, levando-se em consideração o ambiente cultural específico. A gravidade nas fobias sociais pode ser avaliada contando-se o número de ataques de pânico.
Fobias sociais A. Qualquer um dos seguintes deve estar presente: (1) medo marcado de ser o foco de atenção, ou medo de comportar-se de maneira que será embaraçosa ou humilhante; (2) evitação marcada de ser o foco de atenção, ou de situações nas quais há medo de comportar-se de maneira embaraçosa ou humilhante. Esses medos são manifestados em situações sociais, tais como comer ou falar em público, encontrar indivíduos conhecidos em público, ou fazer parte ou agüentar situações de grupo pequeno (p.ex., festas, reuniões, salas de aula). B. Pelo menos dois sintomas de ansiedade na situação temida conforme definido na agorafobia, Critério B, devem ter se manifestados em algum momento desde o início do transtorno, juntamente com pelo menos um dos seguintes sintomas: (1) rubor ou estremecimento; (2) medo de vomitar; (3) urgência ou medo de eliminar urina ou fezes. C. Sofrimento emocional significativo é causado pelos sintomas ou pela evitação, e o indivíduo reconhece que esses são excessivos ou irracionais. D. Os sintomas limitam-se a, ou predominam em situações temidas ou na contemplação das situações temidas. E. Cláusula de exclusão mais comumente usada. Os sintomas listados nos Critérios A e B não são resultado de delírio, alucinações, ou outros transtornos, como transtornos mentais orgânicos, esquizofrenia e transtornos relacionados, transtornos de humor (afetivos) ou transtorno obsessivo-compulsivo, nem são secundários a crenças culturais. Fobias específicas (isoladas) A. Qualquer um dos seguintes deve estar presente: (1) medo marcado de um objeto ou situação específica não incluído na agorafobia ou fobia social: (2) evitação marcada de um objeto ou situação específica não incluído na agorafobia ou fobia social. Dentre os objetos e situações mais comuns, estão animais, pássaros, insetos, alturas, trovão, voar, espaços pequenos fechados, visão de sangue ou ferimento, injeções, dentistas e hospitais. B. Os sintomas de ansiedade na situação temida, conforme definido na agorafobia, Critério B, devem ter se manifestado em algum momento desde o início do transtorno. C. Sofrimento emocional significativo é causado pelos sintomas ou pela evitação, e o indivíduo reconhece que esses são excessivos ou irracionais. D. Os sintomas limitam-se à situação temida ou à contemplação da situação temida. Se desejado, as fobias específicas podem ser subdivididas como segue: – tipo animal (p.ex., insetos, cães) – tipo forças da natureza (p.ex., tempestades, água) – tipo sangue, injeção, e ferimento – tipo situacional (p.ex., elevadores, túneis) – outro tipo Outros transtornos de ansiedade fóbica Transtorno de ansiedade fóbica, não-especificado
Reimpressa, com permissão, de World Health Organization. The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural Disorders: Diagnostic Criteria for Research. Copyright, World Health Organization, Geneva, 1993.
Gabbard GO. Psychodynamics Psychiatry in Clinical Practice: The DSM-IV Edition. Washington, DC: American Psychiatric Press: 1994. Gorman JM, section ed. Anxiety disorders. In: Sadock BJ, Sadock VA. eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry.
7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000: 1441. Gorman JM, Papp LA, eds. Anxiety disorders. In: Tasman A, Riba MB, eds. American Psychiatric Press Review of Psychiatry. Vol 11. Washington, DC: American Psychiatric Press; 1992: 243.
TRANSTORNOS DE ANSIEDADE
637
TABELA 16.1-3 Critérios diagnósticos da CID-10 para outros transtornos de ansiedade Transtorno de pânico (ansiedade paroxística episódica) A. O indivíduo experimenta ataques de pânico recorrentes que não estão consistentemente associados com uma situação ou objeto específico e que, com freqüência, ocorrem espontaneamente (i.e., os episódios são imprevisíveis). Os ataques de pânico não estão associados com esforço marcado ou com exposição a situações perigosas ou que ameaçam a vida. B. Um ataque de pânico é caracterizado por todos os seguintes: (1) é um episódio distinto de medo ou desconforto intenso; (2) começa abruptamente; (3) alcança um máximo dentro de poucos minutos e dura pelo menos alguns minutos; (4) pelo menos quatro dos sintomas listados a seguir devem estar presentes, um dos quais deve ser dos itens (a) a (d): Sintomas de excitação autônoma (a) palpitações ou coração aos saltos, ou batimentos cardíacos acelerados; (b) sudorese; (c) tremor ou estremecimento; (d) boca seca (não devida a medicação ou desidratação); Sintomas envolvendo peito e abdome (e) dificuldade para respirar; (f) sensação de sufocação; (g) dor ou desconforto no peito; (h) náusea ou desconforto abdominal (p.ex., revolvimento no estômago); Sintomas envolvendo estado mental (i) sentir-se confuso, inseguro, fraco ou tonto; (j) sensação de que os objetos são irreais (desrealização), ou de estar distante ou “não realmente aqui” (despersonalização); (k) medo de perder o controle, “ficar louco” ou desmaiar; (l) medo de morrer; Sintomas gerais (m) ondas de calor ou arrepios de frio; (n) sensações de dormência ou formigamento C. Cláusula de exclusão mais comumente usada. Os ataques de pânico não são devidos a transtorno físico, transtorno mental orgânico ou outros transtornos mentais, tais como esquizofrenia e transtornos relacionados, transtornos do humor (afetivos) ou transtornos somatoformes. O âmbito de variação individual no conteúdo e na gravidade é tão grande que dois graus, moderado e grave, podem ser especificados, se desejado, com um quinto caráter. Transtorno de pânico, moderado Pelo menos quatro ataques de pânico em um período de quatro semanas. Transtorno de pânico, grave Pelo menos quatro ataques de pânico por semanas durante um período de quatro semanas. Transtorno de ansiedade generalizada Nota. Em crianças e adolescentes, a variação de queixas pelas quais a ansiedade geral é manifestada é freqüentemente mais limitada do que em adultos, e os sintomas específicos de excitação autônoma são freqüentemente menos proeminentes. Para esses indivíduos, um conjunto alternativo de critérios é fornecido para uso (no transtorno de ansiedade generalizada) se preferido.
A. Deve ter havido um período de pelo menos seis meses com tensão proeminente, preocupação e sentimentos de apreensão em relação a eventos e problemas cotidianos. B. Pelo menos quatro dos sintomas listados a seguir deve estar presente, devendo ser um deles (1) a (4): Sintomas de excitação autônoma (1) palpitações ou coração aos saltos, ou batimentos cardíacos acelerados; (2) sudorese; (3) tremor ou estremecimento; (4) boca seca (não devida a medicação ou desidratação); Sintomas envolvendo peito e abdome (5) dificuldade para respirar; (6) sensação de sufocação; (7) dor ou desconforto no peito; (8) náusea ou desconforto abdominal (p. ex., revolvimento no estômago); Sintomas envolvendo estado mental (9) sentir-se confuso, inseguro, fraco ou tonto; (10) sensação de que os objetos são irreais (desrealização) ou de estar distante ou “não realmente aqui” (despersonalização); (11) medo de perder o controle, “ficar louco” ou desmaiar; (12) medo de morrer; Sintomas gerais (13) ondas de calor ou arrepios de frio; (14) sensações de dormência ou formigamento; Sintomas de tensão (15) tensão muscular ou dor e sofrimento; (16) inquietação e incapacidade de relaxar; (17) sentir-se excitado, nervoso ou mentalmente tenso; (18) sensação de bolo na garganta ou dificuldade para engolir; Outros sintomas não-específicos (19) resposta exagerada a pequenas surpresas ou sobressalto; (20) dificuldade de concentração ou a mente “fica em branco,” devido a preocupação ou ansiedade; (21) irritabilidade persistente; (22) dificuldade em adormecer devido a preocupação. C. O transtorno não satisfaz os critérios para transtorno de pânico, transtornos de ansiedade fóbica, transtorno obsessivo-compulsivo ou transtorno hipocondríaco. D. Cláusula de exclusão mais comumente usada. O transtorno de ansiedade não é devido a um transtorno físico, tal como hipertiroidismo, a um transtorno mental orgânico ou a um transtorno relacionado a substância psicoativa, tal como consumo excessivo de substâncias do tipo anfetamina ou abstinência de benzodiazepínicos. Transtorno misto de ansiedade e depressão Há tantas combinações possíveis de sintomas comparativamente leves para esses transtornos, que critérios específicos não são fornecidos, além daqueles presentes nas Descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Sugere-se que os pesquisadores que desejam estudar pacientes com estes transtornos devam chegar a suas próprias conclusões dentro das diretrizes, dependendo da situação e do objetivo de seus estudos. Outros transtornos de ansiedade mista Outros transtornos de ansiedade especificada Transtorno de ansiedade, não-especificado
Reimpressa, com permissão, de World Health Organization. The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural Disorders: Diagnostic Criteria for Research. Copyright, World Health Organization, Geneva, 1993.
638
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 16.1-4 Critérios diagnósticos da CID-10 para transtorno obsessivo-compulsivo A. Obsessões ou compulsões (ou ambas) estão presentes na maioria dos dias por um período de pelo menos duas semanas. B. Obsessões (pensamentos, idéias ou imagens) e compulsões (atos) compartilham os seguintes aspectos, todos os quais devem estar presentes: (1) Elas são reconhecidas como se originando na mente do paciente e não são impostas por pessoas ou influências externas. (2) Elas são repetitivas e desprazerosas, e pelo menos uma obsessão ou compulsão que é reconhecida como excessiva ou irracional deve estar presente. (3) O paciente tenta resistir a elas (mas a resistência a obsessões ou compulsões existentes há muito tempo pode ser mínima). Pelo menos uma obsessão ou compulsão à qual o paciente não consegue resistir deve estar presente. (4) A experiência do pensamento obsessivo ou a realização do ato compulsivo não é em si prazerosa. (Isso deveria ser diferenciado do alívio temporário de tensão ou ansiedade.) C. As obsessões ou compulsões causam sofrimento ou interferem no funcionamento social ou individual do paciente, geralmente por perda de tempo. D. Cláusula de exclusão mais comumente usada. As obsessões ou compulsões não são resultado de outros transtornos mentais, tais como esquizofrenia ou transtornos relacionados ou transtornos do humor (afetivos). O diagnóstico pode ser ainda especificado pelos seguintes códigos de quatro carateres: Pensamentos e ruminações com predominância de obsessivos Atos [rituais obsessivos] com predominância de compulsivos Pensamentos e atos obsessivos mistos Outros transtornos obsessivo-compulsivos Transtorno obsessivo-compulsivo, não-especificado Reimpressa, com permissão, de World Health Organization. The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural Disorders: Diagnostic Criteria for Research. Copyright, World Health Organization, Geneva, 1993.
Lucki I. Scrotonin receptor specificit in anxiety disorders. J Clin Psychiatry. 1996;57(suppl 6):5. Mennin DS, Heimberg RG, Holt CS. Panic, agoraphohia, phobias, and generalized anxiety disorder. In: Hersen M, Bellack AS, eds. Psychopathology in Adulthood. 2nd ed. Needham Heights, MA: Allyn & Bacon: 2000:169.
16.2 Transtorno de pânico e agorafobia O transtorno de pânico se caracteriza pela ocorrência espontânea e inesperada de ataques de pânico, isto é, períodos distintos de medo intenso que podem variar de vários ataques por dia a apenas poucos por ano. Ele costuma ser acompanhado de agorafobia, o medo de ficar só em lugares públicos (como supermercados), particularmente naqueles dos quais seria difícil uma saída rápida durante o curso de um ataque de pânico. A agorafobia pode ser a mais incapacitante das fobias, uma vez que interfere de modo significativo na capacidade de desempenho do indivíduo no trabalho e em situações sociais fora de casa. Nos Estados Unidos, a maioria dos pesquisadores acredita
TABELA 16.1-5 Critérios diagnósticos da CID-10 para reação a estresse grave Reação de estresse agudo A. O paciente deve ter sido exposto a um estressor mental ou físico excepcional. B. A exposição ao estressor é seguida por um início imediato de sintomas (dentro de uma hora). C. Dois grupos de sintomas são dados: a reação de estresse agudo é classificada como: Leve Apenas o Critério (1) a seguir é satisfeito. Moderada O Critério (1) é satisfeito, e há quaisquer dois sintomas do Critério (2). Grave Ou o Critério (1) é satisfeito, e há quaisquer quatro sintomas do Critério (2); ou há estupor dissociativo. (1) Os Critério B, C, e D para transtorno de ansiedade generalizada são satisfeitos. (2) (a) Retraimento de interação social esperada. (b) Limitação de atenção. (c) Desorientação aparente. (d) Raiva ou agressão verbal. (e) Desespero ou desesperança. (f) Hiperatividade inadequada ou despropositada. (g) Luto incontrolável e excessivo (julgado por padrões culturais locais) D. Se o estressor for transitório ou puder ser aliviado, os sintomas devem começar a diminuir não mais que em oito horas. Se a exposição ao estressor continuar, os sintomas devem começar a diminuir após não mais que em 48 horas. E. Cláusula de exclusão mais comumente usada. A reação deve ocorrer na ausência de qualquer outro transtorno mental ou comportamental concomitante na CID-10 (exceto transtorno de ansiedade generalizada e transtornos da personalidade) e não dentro de três meses do final de um episódio de qualquer outro transtorno mental ou comportamental. Transtorno de estresse pós-traumático A. O paciente deve ter sido exposto a um evento ou situação estressante (de curta ou longa duração) de natureza excepcionalmente ameaçadora ou catastrófica, que provavelmente causaria sofrimento grave em quase todas as pessoas. B. Deve haver lembrança ou “revivenciamento” persistente do estressor em flashbacks invasivos, memórias vívidas ou sonhos recorrentes ou sofrimento quando exposto a circunstâncias que lembram ou estão associadas com o estressor. C. O paciente deve exibir uma evitação real ou preferida de circunstâncias que lembram ou estão associadas com o estressor, que não estava presente antes da exposição ao estressor. D. Qualquer um dos seguintes deve estar presente: (1) incapacidade de lembrar, parcial ou completamente, alguns aspectos importantes do período de exposição ao estressor; (2) sintomas persistentes de sensibilidade e excitação psicológica aumentadas (ausentes antes da exposição ao estressor), demonstrado por qualquer um dos seguintes: (a) dificuldade para adormecer ou permanecer dormindo; (b) irritabilidade ou acessos de raiva; (c) dificuldade para concentrar-se; (d) hipervigilância; (e) resposta de sobressalto exagerada. E. Os Critérios B, C, e D devem todos ser satisfeitos dentro de seis meses do evento estressante ou do final de um período de estresse. (Para alguns propósitos, início atrasado em mais de seis meses pode ser incluído, mas deveria ser claramente especificado.) Reimpressa, com permissão, de World Health Organization. The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural Disorders: Diagnostic Criteria for Research. Copyright, World Health Organization, Geneva, 1993.
TRANSTORNOS DE ANSIEDADE
que a agorafobia quase sempre se desenvolve como uma complicação em pacientes com ataques de pânico. Em outras palavras, pensa-se que o medo de ter um ataque de pânico em um lugar público do qual escapar ficaria difícil leva à agorafobia. Pesquisadores de outros países, bem como alguns pesquisadores dos Estados Unidos, discordam dessa teoria, mas a revisão do texto da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR) estabelece o transtorno de pânico como a condição predominante dessa díade. O manual inclui os diagnósticos de transtorno de pânico com ou sem agorafobia, além de agorafobia sem história de transtorno de pânico. Ataques de pânico podem ocorrer em muitos transtornos mentais (p. ex., transtorno depressivo) e em condições médicas (p. ex., abstinência ou intoxicação por substâncias), e a presença do ataque não necessita, por si só, do diagnóstico do transtorno de pânico. Em vista de pacientes que experimentaram ataques de pânico procurarem clínicos gerais, os sintomas podem ser diagnosticados de maneira equivocada como condições médicas graves (p. ex., infarto do miocárdio) ou como um sintoma considerado do tipo histérico. A despeito disso, desde 1980, quando o diagnóstico foi codificado, os clínicos dispõem de uma capacidade crescente de reconhecer os sintomas do transtorno de pânico, e há tratamentos disponíveis específicos e eficientes. Os que prestam assistência médica precisam saber reconhecer os sintomas do transtorno de modo que os pacientes atingidos possam receber o tratamento adequado, incluindo agentes psicotrópicos e psicoterapia. HISTÓRIA A idéia de transtorno de pânico pode ter suas raízes no conceito de síndrome do coração irritável, que o médico da Jacob Mendes DaCosta (1833-1900) observou em soldados da guerra civil americana. A síndrome de DaCosta incluía muitos sintomas psicológicos e somáticos que, desde então, têm sido incluídos entre os diagnósticos para o transtorno de pânico. Em 1895, Sigmund Freud introduziu o conceito de neurose de ansiedade, consistindo de sintomas agudos e crônicos psicológicos e somáticos. Essa designação era semelhante ao transtorno de pânico que foi definido no DSM-IV-TR, e Freud observou, pela primeira vez, a relação entre ataques de pânico e agorafobia. O termo agorafobia foi criado em 1871 para descrever a condição de pacientes que tinham medo de se aventurar sozinhos em lugares públicos. O termo é derivado das palavras gregas agora e phobus, significando “mercado e medo”.
639
As mulheres têm 2 a 3 vezes mais probabilidade de serem afetadas do que os homens, embora o subdiagnóstico de transtorno em homens possa contribuir para a distribuição distorcida. As diferenças entre hispânicos, brancos e negros é pequena. O único fator social identificado como contribuinte para o desenvolvimento do transtorno de pânico é uma história recente de divórcio ou separação. A condição se desenvolve com mais freqüência em adultos jovens – a principal idade de ocorrência é de cerca de 25 anos –, mas tanto o transtorno de pânico como a agorafobia podem se desenvolver em qualquer idade. Aquele tem sido relatado em crianças e adolescentes, ainda que subdiagnosticado nestes grupos. A prevalência de agorafobia ao longo da vida tem sido referida como variando de 0,6 a 6%. O principal fator que leva a essa ampla faixa de estimativas é a utilização de critérios diagnósticos e métodos de avaliação variáveis. Embora o estudo da agorafobia em ambientes psiquiátricos tenha relatado que pelo menos três quartos dos pacientes afetados também têm transtorno de pânico, estudos em comunidades verificaram que até metade dos pacientes tem agorafobia sem transtorno de pânico. A razão para esses achados divergentes é desconhecida, mas provavelmente envolve técnicas diferentes de investigação. Em muitos casos, o início da agorafobia se segue a um acontecimento traumático. CO-MORBIDADE Noventa e um por cento dos pacientes com transtorno de pânico e 84% daqueles com agorafobia têm, no mínimo, um outro transtorno psiquiátrico. De acordo com o DSM-IV-TR, 10 a 15% das pessoas com o transtorno de pânico têm um transtorno depressivo maior co-mórbido. Cerca de um terço dos indivíduos com ambas as condições teve transtorno depressivo maior antes do início do transtorno de pânico; cerca de dois terços experimentam um transtorno de pânico pela primeira vez durante ou após o início de depressão maior. Transtornos de ansiedade também ocorrem com freqüência em indivíduos com transtorno de pânico e agorafobia. De 15 a 30% têm fobia social, 2 a 20% têm fobia específica, 15 a 30% têm transtorno de ansiedade generalizada, 2 a 10% têm transtorno de estresse pós-traumático, e até 30%, transtorno obsessivocompulsivo. Outras condições co-mórbidas comuns são hipocondria, transtornos da personalidade e transtornos relacionados a substância. ETIOLOGIA
EPIDEMIOLOGIA Fatores biológicos Estudos epidemiológicos relataram taxas de prevalência durante a vida de 1,5 a 5% para transtorno de pânico e de 3 a 5,6% para ataques de pânico. Por exemplo, um estudo, com mais de 1.600 adultos aleatoriamente selecionados, no Texas, verificou uma taxa de prevalência durante a vida de 3,8% para transtorno de pânico, de 5,6% para ataques de pânico e de 2,2% para ataques de pânico com sintomas limitados que não satisfaziam os critérios diagnósticos plenos.
A pesquisa sobre as bases biológicas do transtorno de pânico produziu uma variedade de achados; uma interpretação é que os sintomas estão relacionados a uma gama de anormalidades biológicas da estrutura e da função do cérebro. A maioria dos trabalhos utilizou estimulantes biológicos para induzir os ataques de pânico em pacientes com o transtorno. Estes e outros estudos produziram hipóteses implicando tanto a desregulação do sistema ner-
640
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
voso central como do periférico na sua fisiopatologia. Relatou-se que o sistema nervoso autônomo de alguns pacientes exibe aumento do tônus simpático, adapta-se lentamente a estímulos repetidos e responde de maneira excessiva a estímulos moderados. Os estudos do estado neuroendócrino demonstraram várias anormalidades, embora os mesmos tenham sido inconsistentes em seus achados. Os principais sistemas de neurotransmissores implicados são os da norepinefrina, da serotonina e do ácido γ-aminobutírico (GABA). A disfunção serotonérgica é bem evidente no transtorno de pânico, e vários estudos com medicamentos mistos agonistas e antagonistas da serotonina demonstraram aumento dos níveis de ansiedade. Essas respostas podem decorrer da hipersensibilidade pós-sináptica à serotonina no transtorno. Há evidência pré-clínica de que a atenuação da transmissão GABAérgica inibidora local na amígdala basolateral, no mesencéfalo e no hipotálamo possa desencadear respostas fisiológicas semelhantes à ansiedade. Os dados biológicos deram ênfase ao mesencéfalo (em especial os neurônios noradrenérgicos do locus ceruleus e os neurônios serotonérgicos dos núcleos da rafe mediana), ao sistema límbico (possivelmente responsável pela geração da ansiedade antecipatória) e ao córtex pré-frontal (relacionado à evitação fóbica). Dentre os vários neurotransmissores envolvidos, o sistema noradrenérgico também tem atraído muita atenção, com os receptores pré-sinápticos α2-adrenérgicos, em particular, desempenhando um papel significativo. Foram identificados por testes farmacológicos com o agonista dos receptores α2 clonidina (Atensina) e do antagonista dos receptores α2 ioimbina (Yomax), que estimulam disparos do locus ceruleus e produzem taxas elevadas de atividade semelhantes às do pânico em pacientes com transtorno de pânico. Substâncias indutoras de pânico. As substâncias indutoras de pânico (por vezes denominadas panicogênicas) induzem ataques na maioria dos pacientes com o transtorno e em uma proporção muito menor de indivíduos sem o mesmo ou sem história de ataques de pânico. (A utilização de substâncias indutoras de pânico é limitada a situações de pesquisa; não há razões clinicamente indicadas para estimulá-los em pacientes). As substâncias indutoras de pânico denominadas de respiratórias produzem estimulação respiratória e mudança no equilíbrio ácido-básico. Elas incluem o dióxido de carbono (misturas de 5 a 35%), o lactato de sódio e o bicarbonato. As substâncias neuroquímicas indutoras de ataques de pânico que atuam sobre sistemas neurotransmissores específicos incluem a ioimbina, um antagonista dos receptores α2-adrenérgicos; a m-clorofenilpiperazina (mCPP); agentes com efeitos serotonérgicos múltiplos; medicamentos μ− carbolinas; agonistas inversos dos receptores GABAB; o flumazenil (Lanexat), um antagonista dos receptores GABAB; a colecistocinina; e a cafeína. O isoproterenol (Isuprel) também induz pânico, embora seu mecanismo de ação na indução dos ataques seja malcompreendido. As substâncias indutoras de ataque de pânico respiratório podem atuar, em princípio, nos baroreceptores periféricos cardiovasculares e retransmitir seus sinais por aferentes vagais ao núcleo do trato solitário e, a seguir, ao núcleo paragigantocelular do bulbo. A hiperventilação nos pacientes com transtorno de pânico pode decorrer de um sistema de alarme para sufocação hipersensível em que o aumento das concentrações ce-
rebrais de PCO2 e de lactato ativam prematuramente o sensor fisiológico de asfixia. Presume-se que as substâncias neuroquímicas indutoras de pânico afetem principalmente os receptores noradrenérgicos, serotonérgicos e GABAérgicos do sistema nervoso central. Imagens cerebrais. Estudos de imagens cerebrais estruturais, como aquelas por ressonância magnética (RM), em pacientes com transtorno de pânico, implicaram o envolvimento patológico dos lobos temporais, em especial o hipocampo. Um estudo relatou anormalidades, mais claramente atrofia cortical, no lobo temporal direito desses pacientes. Estudos com tomografia por emissão de pósitrons (PET) implicaram desregulação do fluxo sangüíneo cerebral. Os transtornos de ansiedade e os ataques de pânico se associam de forma mais direta à vasoconstrição cerebral, que pode provocar sintomas do sistema nervoso central, como tonturas, e sintomas do sistema nervoso periférico, que podem ser induzidos por hiperventilação e por hipocapnia. A maioria dos estudos com imagens cerebrais funcionais utilizou uma substância indutora de pânico específica (p. ex., lactato, cafeína ou ioimbina) em combinação com PET ou SPECT para avaliar os efeitos da substância indutora e os ataques de pânico induzidos sobre o fluxo sangüíneo cerebral. Prolapso da válvula mitral. Mesmo tendo havido grande interesse na associação entre prolapso da válvula mital e transtorno de pânico, a pesquisa desfez quase completamente qualquer relação clínica. O prolapso da válvula mitral é uma síndrome heterogênea constituída de prolapso das lâminas da válvula mitral, levando a um clique mesosistólico na ausculta cardíaca. Os estudos verificaram que a prevalência de transtorno de pânico em pacientes com prolapso da válvula mitral é a mesma prevalência do transtorno de pânico em pacientes sem a condição. Fatores genéticos Embora o número de estudos bem-controlados acerca da base genética do transtorno de pânico e da agorafobia seja pequeno, os dados até o presente apóiam a conclusão de que estes têm um componente genético distinto. Além disso, alguns achados indicam que o transtorno de pânico com agorafobia é uma forma grave do transtorno e, dessa forma, com mais probabilidade de ser herdado. Vários estudos verificaram que os parentes de primeiro grau de pacientes afetados têm um risco de 4 a 8 vezes maior para transtorno de pânico do que os parentes de primeiro grau de outros pacientes psiquiátricos. Os estudos de gêmeos conduzidos até o momento em geral relataram que os monozigóticos têm mais probabilidade de serem concordantes para o transtorno de pânico do que os dizigóticos. Nesse ponto, não existem dados indicando associação entre uma localização específica nos cromossomos ou o modo de transmissão desse transtorno. Fatores psicossociais Tanto teorias cognitivo-comportamentais como psicanalíticas se desenvolveram para explicar a patogenia do transtorno de pânico
TRANSTORNOS DE ANSIEDADE
e da agorafobia. O êxito dessas abordagens no tratamento pode acrescentar crédito às teorias cognitivo-comportamentais. Teorias cognitivo-comportamentais. Postulam que a ansiedade é uma resposta aprendida tanto pelo comportamento dos pais quanto pelo processo de condicionamento clássico. Na abordagem do condicionamento clássico do transtorno de pânico e da agorafobia, o estímulo nocivo (p. ex., um ataque de pânico) que ocorre com um estímulo neutro (p. ex., uma viagem de ônibus) pode levar à evitação deste último. Outras teorias comportamentais postulam a ligação entre a sensação de sintomas somáticos menores (p. ex., palpitações) e a geração de um ataque de pânico. Embora as teorias cognitivo-comportamentais possam explicar o desenvolvimento da agorafobia ou o aumento do número e da gravidade dos ataques de pânico, não explicam a ocorrência do primeiro ataque de pânico não-provocado e inesperado. Teorias psicanalíticas. As teorias psicanalíticas concebem os ataques de pânico como resultado de uma defesa malsucedida contra impulsos que provoquem ansiedade. O que era um sinal leve de ansiedade se torna um sentimento excessivo de apreensão, acrescido de sintomas somáticos. Para explicar a agorafobia, as teorias psicanalíticas enfatizam a perda de um dos pais na infância ou uma história de ansiedade de separação. Estar só em lugares públicos reaviva a ansiedade de ser abandonado. Os mecanismos de defesa utilizados incluem repressão, deslocamento, evitação e simbolização. Separações traumáticas durante a infância podem afetar o sistema nervoso da criança em desenvolvimento de tal maneira que pode torná-la suscetível a ansiedades na vida adulta. Pode haver uma vulnerabilidade neurofisiológica predisponente capaz de interagir com certos tipos de estressores do ambiente para produzir o resultado de um ataque de pânico. Vários pacientes descrevem os ataques como vindos do nada, como se não houvesse fatores psicológicos envolvidos, mas a exploração psicodinâmica com freqüência revela um gatilho psicológico claro. Ainda que os ataques de pânico se correlacionem neurofisiologicamante com o locus ceruleus, seu início está relacionado a fatores ambientais ou psicológicos. Os pacientes têm uma incidência mais alta de acontecimentos estressantes na vida (em especial perdas) nos meses anteriores ao início do transtorno de pânico em relação a controles. Além disso, aqueles em geral experimentam mais tensão sobre acontecimentos da vida do que estes. A hipótese de que acontecimentos estressantes psicológicos produzam modificações neurofisiológicas no transtorno de pânico é apoiada pelo estudo de gêmeas. Os achados de pesquisa revelaram que o transtorno era associado de forma significativa tanto à separação de pais como à morte destes antes de se atingir a idade de 17 anos. A separação da mãe cedo na vida teve mais probabilidade de levar ao ataque de pânico do que a separação do pai na coorte de 1.018 pares de gêmeas. Outro fator etiológico em pacientes mulheres adultas parece ser o abuso físico e sexual na infância. Cerca de 60% das mulheres com ataques de pânico apresentam história de abuso sexual, comparadas com 31% daquelas com outros transtornos de ansiedade. O apoio adicional para mecanismos psicológicos e transtorno de pânico pode ser inferido de um estudo em que os pacientes receberam um trata-
641
mento bem-sucedido com terapia cognitiva. Antes dela, os pacientes responderam à indução de ataques de pânico com lactato. Após a terapia, a infusão não produziu mais ataques. A pesquisa indica que a causa dos ataques provavelmente envolve um significado inconsciente de acontecimentos estressantes e que sua patogenia pode estar relacionada a fatores neurofisiológicos desencadeados por reações psicológicas. Os clínicos psicodinâmicos devem sempre fazer uma investigação exaustiva sobre possíveis gatilhos quando avaliarem um paciente com essa condição. A psicodinâmica do transtorno de pânico está resumida na Tabela 16.2-1. DIAGNÓSTICO Ataques de pânico. No DSM-IV-TR, os ataques de pânico estão listados em um grupo separado de critérios (Tab. 16.2-2). Eles podem ocorrer em muitos transtornos além do de pânico, em especial na fobia específica, na fobia social e no transtorno de estresse pós-traumático. Ataques inesperados ocorrem a qualquer momento e não estão associados a um estímulo situacional identificável, mas não precisam se apresentar dessa forma. Em pacientes com fobia social e específica em geral, são esperados ou indicados por um estímulo específico reconhecido. Alguns não se encaixam com facilidade na distinção entre inesperado e esperado, sendo referidos como ataques de pânico predispostos por situações. Eles podem ou não ocorrer quando o paciente é exposto a um desencadeador específico ou podem se manifestar tanto imediatamente a seguir à exposição como após uma considerável demora. Transtorno de pânico O DSM-IV-TR contém dois critérios diagnósticos para o transtorno de pânico, um sem agorafobia (Tab. 16.2-3) e outro com agorafobia (Tab. 16.2-4), mas ambos requerem a presença de transtorno de pânico como descrito na Tabela 16.2-2. Alguns levanta-
TABELA 16.2-1 Temas psicodinâmicos no transtorno de pânico 1. Dificuldade em tolerar raiva. 2. Separação física ou emocional de pessoa significativa tanto na infância como na vida adulta. 3. Pode ser desencadeado por situações de aumento de responsabilidade no trabalho. 4. Percepção dos pais como controladores, assustadores, críticos e exigentes. 5. Representações internas de relacionamentos envolvendo abuso sexual ou físico. 6. Sensação crônica de se sentir em uma armadilha. 7. Círculo vicioso de raiva relacionada a comportamento de rejeição dos pais seguido pela ansiedade de que a fantasia destruirá o elo com os pais. 8. Falha da função de sinal de ansiedade do ego relacionada a fragmentação do self e a confusão dos limites self-outro. 9. Mecanismos típicos de defesa: formação reativa, anulação, somatização e externalização.
642
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 16.2-2 Critérios do DSM-IV-TR para ataque de pânico Nota: Um ataque de pânico não é um transtorno codificável. Codificar o diagnóstico específico no qual o ataque de pânico ocorre (p. ex., transtorno de pânico com agorafobia). Um período distinto de intenso temor ou desconforto, no qual quatro (ou mais) dos seguintes sintomas se desenvolveram abruptamente e alcançaram um pico em 10 minutos: (1) palpitações ou taquicardia (2) sudorese (3) tremores ou abalos (4) sensações de falta de ar ou sufocamento (5) sensações de asfixia (6) dor ou desconforto torácico (7) náusea ou desconforto abdominal (8) sensação de tontura, instabilidade, vertigem ou desmaio (9) desrealização (sensações de irrealidade) ou despersonalização (estar distanciado de si mesmo) (10) medo de perder o controle ou enlouquecer (11) medo de morrer (12) parestesias (anestesia ou sensações de formigamento) (13) calafrios ou ondas de calor De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
TABELA 16.2-3 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno de pânico sem agorafobia A. Tanto (1) como (2): (1) ataques de pânico recorrentes e inesperados (2) pelo menos um dos ataques foi seguido pelo período mínimo de um mês com uma (ou mais) das seguintes características: (a) preocupação persistente com o fato de ter ataques adicionais (b) preocupação com implicações do ataque ou suas conseqüências (p. ex., perder o controle, ter um ataque cardíaco, enlouquecer) (c) uma alteração comportamental significativa relacionada aos ataques B. Ausência de agorafobia. C. Os ataques de pânico não se devem aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., droga de abuso, medicamento) ou de uma condição médica geral (p. ex., hipertireoidismo). D. Os ataques de pânico não são mais bem-explicados por outro transtorno mental, como fobia social (p. ex., ocorrendo quando da exposição a situações sociais temidas), fobia específica (p. ex., quando da exposição a uma situação fóbica específica), transtorno obsessivo-compulsivo (quando da exposição à sujeira, em alguém com uma obsessão de contaminação), transtorno de estresse pós-traumático (p. ex., em resposta a estímulos associados a um estressor grave) ou transtorno de ansiedade de separação (p. ex., em resposta a estar afastado do lar ou de entes queridos). De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
mentos em comunidades indicaram que esses ataques são comuns e que a maior questão no desenvolvimento de critérios diagnósticos para o transtorno de pânico foi determinar o número mínimo ou a freqüência dos ataques necessários para satisfazer o diag-
TABELA 16.2-4 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno de pânico com agorafobia A. Tanto (1) como (2): (1) ataques de pânico recorrentes e inesperados (2) pelo menos um dos ataques foi seguido pelo período mínimo de um mês com uma (ou mais) das seguintes características: (a) preocupação persistente com o fato de ter ataques adicionais (b) preocupação acerca com implicações do ataque ou suas conseqüências (p. ex., perder o controle, ter um ataque cardíaco, enlouquecer) (c) uma alteração comportamental significativa relacionada aos ataques B. Presença de agorafobia. C. Os ataques de pânico não se devem aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., droga de abuso, medicamento) ou de uma condição médica geral (p. ex., hipertireoidismo). D. Os ataques de pânico não são mais bem-explicados por outro transtorno mental, como fobia social (p. ex., ocorrendo quando da exposição a situações sociais temidas), fobia específica (p. ex., quando da exposição a uma situação fóbica específica), transtorno obsessivo-compulsivo (quando da exposição à sujeira, em alguém com uma obsessão de contaminação), transtorno de estresse pós-traumático (p. ex., em resposta a estímulos associados a um estressor grave) ou transtorno de ansiedade de separação (p. ex., em resposta a estar afastado do lar ou de entes queridos). De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
nóstico. Estabelecer um número mínimo muito baixo leva ao diagnóstico de transtorno de pânico em pacientes que não têm comprometimento por um ataque de pânico ocasional; estabelecer um número mínimo alto demais implica uma situação em que os não comprometidos por seus ataques de pânico não satisfazem os critérios diagnósticos. O resultado vago de estabelecer o número mínimo é evidenciado pela faixa de números mínimos estabelecidos em vários critérios diagnósticos. Os critérios diagnósticos de pesquisa exigem seis ataques de pânico durante um período de seis semanas. A décima revisão da Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-10) requer três ataques em três semanas (para a forma moderada) e quatro ataques em quatro semanas (para a forma grave). O DSMIV-TR não especifica um número mínimo ou o tempo de referência, mas necessita de que, pelo menos, um ataque seguido por, no mínimo, um mês de preocupação com ter outro ataque de pânico, com as implicações do ataque ou com uma mudança significativa do comportamento. O manual também requer que os ataques sejam, em sua maioria, inesperados, mas permite os esperados ou predispostos por situações. Agorafobia sem história de ataque de pânico A Tabela 16.2-5 lista os critérios para agorafobia. No DSM-IVTR (Tab. 16.2-6), eles se baseiam no medo de um sintoma súbito incapacitante e embaraçoso. Em contraste, os critérios da CID10 referem a presença de fobias inter-relacionadas ou superpostas, mas não requerem o medo de sintomas incapacitantes ou embaraçosos.
TRANSTORNOS DE ANSIEDADE
TABELA 16.2-5 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para agorafobia Nota: A agorafobia não é um transtorno codificável. Codificar o transtorno específico no qual ela ocorre (p. ex., transtorno de pânico com agorafobia ou agorafobia sem história de transtorno de pânico). A. Ansiedade acerca de estar em locais ou situações de onde possa ser difícil (ou embaraçoso) escapar ou onde o auxílio pode não estar disponível, na eventualidade de ter um ataque de pânico inesperado ou predisposto pela situação, ou sintomas tipo pânico. Os temores agorafóbicos tipicamente envolvem agrupamentos característicos de situações, que incluem: estar fora de casa desacompanhado; estar em meio a uma multidão ou permanecer em uma fila; estar em uma ponte; viajar de ônibus, trem ou automóvel. Nota: Considerar o diagnóstico de fobia específica se a esquiva se limita apenas a uma ou algumas situações específicas, ou de fobia social se a esquiva se limita a situações sociais. B. As situações são evitadas (p. ex., viagens são restringidas) ou suportadas com acentuado sofrimento ou com ansiedade acerca de ter um ataque de pânico ou sintomas tipo pânico, ou exigem companhia. C. A ansiedade ou esquiva agorafóbica não é mais bem-explicada por um outro transtorno mental, como fobia social (p. ex., a esquiva limita-se a situações sociais pelo medo do embaraço), fobia específica (p. ex., a esquiva limita-se a uma única situação, como elevadores), transtorno obsessivo-compulsivo (p. ex., esquiva à sujeira, em alguém com uma obsessão de contaminação), transtorno de estresse pós-traumático (p. ex., esquiva de estímulos associados com um estressor grave) ou transtorno de ansiedade de separação (p. ex., esquiva a afastar-se do lar ou de parentes). De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
TABELA 16.2-6 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para agorafobia sem história de transtorno de pânico A. Presença de agorafobia relacionada ao medo de desenvolver sintomas tipo pânico (p. ex., tontura ou diarréia). B. Jamais foram satisfeitos os critérios para transtorno de pânico. C. A perturbação não se deve aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., droga de abuso, medicamento) ou a uma condição médica geral. D. Na presença de uma condição médica geral associada, o medo descrito no Critério A excede claramente aquele em geral associado com a condição. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
Os critérios do DSM-IV-TR também enfocam a evitação das situações que se baseiam na preocupação relacionada a uma doença médica (p. ex., medo de infarto do miocárdio em um paciente com doença cardíaca grave). CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS Transtorno de pânico O primeiro ataque de pânico costuma ser espontâneo, embora muitos possam estar relacionados a excitação, esforço físico, ati-
643
vidade sexual ou trauma emocional moderado. O DSM-IV-TR enfatiza que pelo menos o primeiro ataque deve ser inesperado (sem indicadores) para satisfazer os critérios diagnósticos para transtorno de pânico. Os clínicos devem tentar avaliar qualquer hábito ou situação que costume preceder os ataques. Essas atividades podem incluir uso de cafeína, álcool, nicotina ou outras substâncias; padrões incomuns do sono e de alimentação e situações ambientais específicas, como luz forte no trabalho. Um ataque com freqüência começa com um período de 10 minutos de sintomas rapidamente crescentes. Os sintomas mentais costumam ser medo extremo e sensação de morte ou tragédia eminente. Os pacientes geralmente não podem designar a fonte de seu medo; podem se sentir confusos e ter problemas em se concentrar. Os sintomas físicos incluem taquicardia, palpitações, dispnéia e suores. Os pacientes tentam sair de qualquer situação em que estejam e procurar auxílio. O ataque dura, em média, de 20 a 30 minutos e raramente mais de uma hora. O exame formal do estado mental durante o ataque de pânico pode revelar ruminação, dificuldade de fala (p. ex., gaguejar) e comprometimento da memória. Os pacientes podem experimentar depressão por despersonalização durante o ataque. Os sintomas podem desaparecer de forma rápida ou gradual. Entre os ataques, os pacientes podem manifestar ansiedade antecipatória de terem um novo ataque. A distinção entre esta e o transtorno de ansiedade generalizada pode ser difícil, embora os pacientes com transtorno de pânico com ansiedade antecipatória possam designar o foco de sua ansiedade. Preocupações somáticas de morte por problemas cardíacos ou respiratórios podem ser o principal foco da atenção do indivíduo durante os ataques. Eles podem acreditar que as palpitações e a dor no peito indicam que estão para morrer. Até 20% deles realmente têm episódios sincopais durante os ataques de pânico. Os pacientes podem ser vistos em pronto-socorros como indivíduos jovens (na faixa dos 20 anos), fisicamente sadios e mesmo assim insistindo que podem morrer de um ataque cardíaco. Em vez de diagnosticar hipocondria, o médico deve considerar o diagnóstico de ataque de pânico. A hiperventilação pode produzir alcalose respiratória e outros sintomas. A antiga recomendação de respirar dentro de um saco de papel às vezes ajuda a reduzir a alcalose. Um professor universitário de 30 anos de idade veio à clínica acompanhado pela esposa. “Tenho que voltar à minha vida anterior. Estive fora do trabalho por quase um mês, e se minha esposa não me acompanhasse, eu não estaria aqui agora”, disse ele. Cerca de quatro meses antes, em um piquenique da família, de repente ficou “nervoso”. O coração começou a disparar “um quilômetro por minuto”, e ele começou a suar profusamente, sentiu náuseas, um aperto no peito e sufocação, “como se alguém estivesse me sufocando com um travesseiro”. O ataque apareceu sem nenhuma razão aparente e continuou por cerca de 15 minutos. Isso o aterrorizou (“Achei que ia morrer”), tanto que pediu para a esposa dirigir, pelo medo de poder ter outro ataque enquanto dirigisse. Mais tarde, naquele dia, experimentou um segundo ataque quando sentado na varanda com um vizinho.
644
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Durante as três semanas seguintes, submeteu-se a vários exames com diferentes especialistas (cardiologistas, endocrinologistas, gastrenterologistas, entre outros), mas os resultados foram negativos. Os ataques continuaram na freqüência de 2 a 3 por semana. O paciente observou que os mesmos tinham mais probabilidade de ocorrer em trens, embora nem sempre isso se confirmasse. Ele já tinha parado de dirigir até o trabalho (por medo de ter um ataque) e estava usando o trem para se locomover. Começou a pegar trens mais cedo (às 6 horas da manhã) para o trabalho e mais tarde (às 7 da tarde) para voltar, a fim de evitar multidões que pudessem bloquear sua via de escape. Também se limitava aos trens locais (versus os expressos), uma vez que têm mais paradas e, dessa forma, as portas se abrem com mais freqüência. A ansiedade experimentada em antecipação a ter um ataque era quase tão intensa quanto os ataques. Depois de um tempo, não podia mais agüentar o desconforto extremo de andar de trem e, em conseqüência, tirou uma licença do trabalho. Além disso, seu medo se generalizou a todos os lugares com multidões (lojas, bancos, escritórios, ruas), necessitando da esposa para acompanhá-lo sempre que deixava a casa. Quando atendido na clínica, experimentava de 3 a 4 ataques por semana, estava essencialmente limitado à sua casa e tinha medo contínuo de ter um episódio fatal. DISCUSSÃO Esse relato de caso exemplifica várias das manifestações observadas tipicamente no desenvolvimento do transtorno de pânico com agorafobia. Embora os ataques iniciais fossem espontâneos, alguns mais tarde eram predispostos por situações. Isto é, o paciente observou que a probabilidade de ter um ataque aumentava quando estava em um trem, ainda que isso não ocorresse invariavelmente nessa situação. Além disso, alterou sua rotina (tomando trens mais cedo e mais tarde) para se evadir com rapidez em caso de ataque (alguns indivíduos com ataques de pânico relatam se sentarem em uma cadeira que seja próxima da saída no cinema pela mesma razão). Além de evitar dirigir, trens e multidões, o paciente experimentava ansiedade antecipatória extrema (preocupação sobre o que pudesse ocorrer se ele tivesse um ataque dirigindo ou no trem). A incapacidade de sair de casa desacompanhado é observada em vários casos do transtorno.
B. é uma mulher de negócios, de 27 anos, com história de três anos de ataque de pânico. O primeiro ocorreu subitamente quando estava em casa assistindo à televisão. Isso se deu meses após a morte de seu avô paterno e um mês após ela anunciar seus planos de casar. O ataque começou com a sensação de um choque elétrico na coluna e um sentimento de terror. O coração disparou, as mãos adormeceram e ela mantinha a respiração com dificuldade. Sentia calor, tremores, apresentava desorientação e estava convencida de que estava tendo um acidente vascular cerebral e ia morrer logo.
Embora mal pudesse falar, fez um chamado de emergência para seu médico da família. Quando ele retornou o contato, 10 minutos mais tarde, a sensação de terror tinha passado e os outros sintomas haviam se atenuado, mas ela ainda se sentia fraca e atemorizada. Uma revisão médica completa subseqüente indicou que ela era uma mulher jovem, sadia, com pressão baixa (100/60) e freqüência cardíaca normal (78 batimentos por minuto). Tinha um leve sopro cardíaco. A partir do ecocardiograma, foi feito um diagnóstico de prolapso leve da válvula mitral. Os resultados de exames de laboratório foram normais, embora mostrassem leve redução da taxa de bicarbonato no plasma. Na semana seguinte, a paciente teve mais cinco episódios de pânico, que ocorriam de maneira inesperada em diferentes situações. Os episódios eram caracterizados pelo início rápido de sensações elétricas na coluna, palpitações cardíacas, tonturas, formigamento nos dedos, medo de ficar louca e sensação de irrealidade. Ela aceitou a prescrição de um benzodiazepínico, mas se recusou a ver o psiquiatra recomendado por seu médico. Estava convencida de que os psiquiatras que nunca tinham auxiliado sua mãe com agorafobia não poderiam ajudá-la e que procurá-los provaria que ela estava perdendo o controle. Determinada a não deixar seus sintomas interferirem em sua vida, ela se esforçou para continuar trabalhando. Após umas poucas semanas, os ataques começaram a diminuir em freqüência e intensidade, mas B. continuou a experimentar episódios intermitentes de pânico várias vezes por mês nos dois anos seguintes. Eles costumavam ocorrer quando ela estava em trens ou ônibus muito cheios, fazendo exercícios na bicicleta ergométrica, antecipando um confronto interpessoal ou relaxando na cama à noite. Em várias ocasiões, acordou à noite em meio a um ataque de pânico. Após uma recente promoção no trabalho, a freqüência dos ataques aumentou para várias vezes por semana. Ela começou a passar 14 horas por dia no trabalho, mas sentiu que sua ansiedade a estava tornando indecisa e reduzindo sua eficiência. Preocupava-se o tempo todo com a descoberta de sua incompetência e uma possível demissão. Também odiava o patrão e acreditava que ele a odiava, ainda que tivesse recomendado sua promoção. Embora estivesse por vezes desconfortável em lojas, cinemas ou restaurantes cheios, esforçavase para continuar a ir a esses lugares; contudo, evitava o metrô e dirigir sozinha em túneis. B. é uma funcionária meticulosa que leva seu trabalho muito a sério. É amigável, mas distante de seus colegas de trabalho, e tem desprezo pelos que são menos cuidadosos ou desperdiçam seu tempo fazendo fofoca ou coisas pessoais. Embora esteja comprometida para se casar e tenha várias amigas íntimas, isola-se e tende a evitar pessoas porque tem medo de ser criticada, rejeitada ou sobrecarregada pelos problemas dos outros. Solicita consulta porque seus sintomas pioraram e porque seu noivo leu sobre os novos métodos de tratamento disponíveis para os sintomas de pânico. A despeito disso, ela parece participante no processo de avaliação. Reservada e
TRANSTORNOS DE ANSIEDADE
desconfiada, costuma responder a perguntas com, “Por que você precisa saber disso?”. Ela parece sensível a criticas e diz ter medo de que a discussão de seus problemas com o terapeuta apenas aumente sua ansiedade. DIAGNÓSTICOS DO DSM-IV Eixo I: Eixo II: Eixo III: Eixo IV: Eixo V:
Transtorno de pânico com agorafobia Traços da personalidade evitativa e compulsiva Possível prolapso da válvula mitral Promoção no trabalho, casamento iminente GAF = 60 (atual); 85 (nível mais alto do ano passado)
(De DSM-IV Case Studies.) Agorafobia Os pacientes com agorafobia evitam situações em que seria difícil obter ajuda. Preferem ser acompanhados por um amigo ou membro da família em ruas movimentadas, lojas cheias, espaços fechados (p. ex., túneis, pontes e elevadores) e veículos fechados (metrô, ônibus e aviões). Podem solicitar um acompanhante a cada vez que tenham que deixar a casa. O comportamento pode levar a discórdia conjugal, que pode ser considerada, de maneira inadequada, como principal problema. Os pacientes gravemente afetados podem até se recusar a deixar a casa. Particularmente antes de ser feito o diagnóstico correto, podem ficar aterrorizados com o medo de estarem ficando loucos.
645
TABELA 16.2-7 Diagnóstico diferencial orgânico para o transtorno de pânico Doenças cardiovasculares Anemia Angina Insuficiência cardíaca congestiva Estados β-adrenérgicos hiperativos Doenças pulmonares Asma Hiperventilação Doenças neurológicas Doença cerebrovascular Epilepsia Doença de Huntington Infeção Doença de Ménière Enxaqueca Doenças endócrinas Doença de Addison Síndrome carcinóide Síndrome de Cushing Diabete Hipertireoidismo
Hipertensão Prolapso da válvula mitral Infarto do miocárdio Taquicardia atrial paradoxal
Embolia pulmonar
Esclerose múltipla Acidente vascular isquêmico transitório Tumor Doença de Wilson
Hipoglicemia Hipoparatireoidismo Distúrbios da menopausa Feocromocitoma Síndrome pré-menstrual
Intoxicações por medicamentos Anfetaminas Nitrito de amilo Anticolinérgicos Cocaína Abstinência de drogas Álcool Anti-hipertensivos
Alucinógenos Maconha Nicotina Teofilina Opiáceos e opióides Sedativo-hipnóticos
Outras condições
Sintomas associados Sintomas depressivos por vezes estão presentes no transtorno de pânico e na agorafobia, e em alguns pacientes, coexiste um transtorno depressivo com o transtorno de pânico. Alguns estudos verificaram que o risco de suicídio durante a vida nesse grupo é mais alto do que em pessoas sem nenhum transtorno. O clínico deve estar alerta para o risco de suicídio. Além da agorafobia, podem estar associadas outras fobias e transtorno obsessivo-compulsivo. As conseqüências psicossociais do transtorno de pânico e da agorafobia, além da discórdia conjugal, podem incluir tempo perdido no trabalho, dificuldades financeiras relacionadas à perda do trabalho e abuso de álcool e outras substâncias. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Transtorno de pânico O diagnóstico diferencial para um paciente com transtorno de pânico inclui um grande número de doenças sistêmicas (Tab. 16.2-7), bem como vários outros transtornos. Doenças médicas. Quando um paciente, independentemente de idade ou fatores de risco, chega a um pronto-socorro com sinais de uma condição que pode ser fatal (p. ex., infarto do mio-
Anafilaxia Deficiência de B12 Desequilíbrios eletrolíticos Intoxicação por metais pesados
Infecções sistêmicas Lúpus eritematoso sistêmico Arterite temporal Uremia
cárdio), deve-se obter a história médica completa e realizar o exame físico. Os procedimentos-padrão de laboratório incluem hemograma completo; estudos de eletrólitos, glicose em jejum, concentração de cálcio, função hepática, uréia, creatinina e tireóide; exame comum de urina; screening para drogas; e eletrocardiograma (ECG). Uma vez excluída a presença de uma condição que ameace a vida, a suspeita é de transtorno de pânico. A possibilidade de que exames médicos diagnósticos adicionais venham a revelar uma condição sistêmica deve ser ponderada em relação aos efeitos adversos do processo de auxiliar o paciente a aceitar o diagnóstico de transtorno de pânico. A despeito disso, sintomas atípicos (p. ex., vertigem, perda do controle da bexiga e inconsciência) ou início tardio do transtorno (com mais de 45 anos) devem levar o clínico a reconsiderar a presença de uma condição sistêmica não-psiquiátrica. A revisão médica de rotina auxilia o clínico a avaliar pacientes em relação à presença de causas de tireóide, paratireóide e adrenal, bem como causas relacionadas ao uso de substâncias, que contribuam para os ataques de pânico. Sintomas como dor torá-
646
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
cica, principalmente em pacientes com fatores de risco cardíaco (p. ex., obesidade e hipertensão), podem impor testes cardíacos adicionais, inclusive ECG de 24 horas, teste de esforço, raio X do tórax e uma medida das enzimas cardíacas. Sintomas neurológicos atípicos podem necessitar da obtenção de eletroencefalograma ou RM para se avaliar a possibilidade de epilepsia do lobo temporal, esclerose múltipla ou lesão cerebral que ocupe espaço. A rara probabilidade de que o paciente tenha uma síndrome carcinóide ou feocromocitoma deve ser verificada testando-se uma amostra de urina de 24 horas para metabólitos de serotonina ou catecolaminas. Transtornos mentais. O diagnóstico psiquiátrico diferencial de transtorno de pânico inclui simulação, transtorno factício, hipocondria, transtorno de despersonalização, fobias social e específica, transtorno de estresse pós-traumático, transtornos depressivos e esquizofrenia. Nesse caso, os clínicos devem determinar se o ataque de pânico foi inesperado, ligado a uma situação ou predisposto por ela. Os inesperados são a marca registrada do ataque de transtorno de pânico; os ataques ligados a situações em geral indicam uma condição diferente, como fobia social ou fobia específica (quando exposto a uma situação fóbica), transtorno obsessivo-compulsivo (quando tentando resistir a uma compulsão) ou transtorno depressivo (quando sobrecarregado por ansiedade). O foco da ansiedade ou do medo também é importante. Não havia foco (como no transtorno de pânico) ou havia um aspecto definido (p. ex., o indivíduo com fobia social com medo de ficar com a fala travada)? Os transtornos somatoformes também devem ser considerados no diagnóstico diferencial, embora o paciente possa satisfazer os critérios tanto para estes como para transtorno de pânico. FOBIA ESPECÍFICA E SOCIAL. O DSM-IV-TR orienta a tarefa diag-
nóstica às vezes difícil de se distinguir entre transtorno de pânico com agarofobia, por um lado, e fobia específica ou social, por outro lado. Alguns pacientes que experimentam um único ataque de pânico em uma situação específica (p. ex., em um elevador) podem continuar a evitar por longo tempo essa situação, independentemente de terem tido algum outro ataque de pânico. Estes satisfazem os critérios diagnósticos para uma fobia específica, e o clínico precisa usar seu julgamento sobre qual é o diagnóstico mais apropriado. Em outro exemplo, o indivíduo que experimenta um ou mais ataques de pânico pode, em conseqüência, seguir a ter medo de falar em público. Embora o quadro clínico seja quase idêntico ao da fobia social, este diagnóstico é excluído porque a evitação da situação em público se baseia no medo de ter o ataque de pânico, e não no medo de falar em público por si só. Em vista de os dados empíricos relacionados a essas distinções serem limitados, o DSM-IV-TR aconselha o clínico a usar seu julgamento para diagnosticar os casos difíceis.
transtorno da personalidade paranóide, transtorno da personalidade evitativa, e transtorno da personalidade dependente. CURSO E PROGNÓSTICO Transtorno de pânico O início costuma ocorrer no final da adolescência ou no começo da vida adulta, ainda que possa ocorrer durante a infância, a adolescência inicial ou a meia-idade. Alguns dados implicam aumento de estressores psicossociais com o início do transtorno, embora nenhum destes possa ser identificado com muita clareza na maioria dos casos. O transtorno de pânico, em geral, é crônico, embora seu curso seja variável tanto entre pacientes como em um único paciente. Os estudos disponíveis de acompanhamento de longo prazo são difíceis de interpretar porque não foram controlados para os efeitos do tratamento. A despeito disso, cerca de 30 a 40% parecem ficar livres de sintomas no acompanhamento de longo prazo; em torno de 50% têm sintomas suficientemente leves para não afetar sua vida de modo significativo; e 10 a 20% continuam a ter sintomas significativos. Após o primeiro ou o segundo ataque de pânico, os pacientes podem ficar relativamente despreocupados em relação à condição; com ataques repetidos, contudo, os sintomas podem se tornar a principal preocupação. Os indivíduos podem tentar manter os ataques de pânico em segredo e, assim, preocupam seus familiares e amigos com as mudanças inexplicáveis do seu comportamento. A freqüência e a gravidade dos ataques podem flutuar. Os mesmos podem ocorrer várias vezes por dia ou menos de uma vez por mês. A ingestão excessiva de cafeína ou nicotina pode exacerbar os sintomas. Depressão pode complicar o quadro de sintomas em 40 a 80% de todos os pacientes, como estimado por vários estudos. Embora não tendam a falar sobre ideação suicida, apresentam maior risco para cometer suicídio. A dependência de álcool e de outras substâncias ocorre em cerca de 20 a 40% de todos os pacientes, e também pode se desenvolver um transtorno obsessivo-compulsivo. As interações na família e o desempenho na escola e no trabalho em geral são afetados. Aqueles com bom desempenho pré-mórbido e sintomas de duração breve tendem a ter bom prognóstico. Agorafobia Pensa-se que a maioria dos casos de agorafobia decorra do transtorno de pânico. Quando este é tratado, a agorafobia por vezes melhora com o tempo. Para sua redução rápida e completa é indicada a terapia comportamental. A agorafobia sem história de transtorno de pânico costuma ser incapacitante e crônica, e transtornos depressivos e dependência de álcool podem complicar seu curso.
Agorafobia sem história de ataques de pânico O diagnóstico diferencial para agorafobia sem história de transtorno de pânico inclui todas as condições médicas que podem causar ansiedade ou depressão. Do ponto de vista psiquiátrico, o diagnóstico inclui transtorno depressivo maior, esquizofrenia,
TRATAMENTO Com o tratamento, a maioria dos pacientes exibe uma melhora importante dos sintomas de pânico e agorafobia. Os dois mais
TRANSTORNOS DE ANSIEDADE
eficientes são a farmacoterapia e a terapia cognitivo-comportamental. A terapia familiar e a de grupo podem auxiliar os pacientes afetados e suas famílias a se ajustarem ao fato de que o transtorno é real e às dificuldades psicossociais que o mesmo possa ter precipitado. Farmacoterapia Visão geral. O alprazolam (Frontal) e a paroxetina (Aropax) são os dois medicamentos aprovados pela Food and Drug Administration (FDA) para o tratamento do transtorno de pânico. Em geral, a experiência está mostrando superioridade dos inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs) e da clomipramina (Anafranil) sobre benzodiazepínicos, inibidores da monoaminoxidase (IMAOs) e medicamentos tricíclicos e tetracíclicos, em termos de eficiência e tolerância a efeitos adversos. Alguns relatos sugeriram um papel para a nefazodona (Serzone) e a venlafaxina (Efexor), e a buspirona (BuSpar) tem sido indicada como um medicamento auxiliar em certos casos. A venlafaxina está aprovada pela FDA para o tratamento do transtorno de ansiedade generalizada e pode ser útil no transtorno de pânico combinado com depressão. Não se verificou que os antagonistas dos receptores β−adrenégicos tenham utilidade particular para o transtorno de pânico. Uma abordagem tradicional é iniciar o tratamento com paroxetina, sertralina (Zoloft) ou fluvoxamina (Luvox) no transtorno de pânico isolado. Caso se deseje o controle rápido de sintomas graves, um tratamento breve com o alprazolam deve ser iniciado juntamente com o ISRS, seguido pela redução gradativa da utilização do benzodiazepínico. Na utilização de longo prazo, a fluoxetina (Prozac) é um agente eficiente para o transtorno de pânico com depressão co-mórbida, embora suas propriedades ativadoras iniciais possam imitar os sintomas de pânico nas primeiras semanas, e ela possa ser maltolerada. O clonazepan (Rivotril) pode ser prescrito para pacientes que antecipem uma situação em que possa ocorrer pânico (0,5-1mg se necessário). As doses habituais dos medicamentos antipânico estão listadas na Tabela 16.2-8. Inibidores seletivos da recaptação de serotonina. Todos os ISRSs são eficientes no transtorno de pânico. A paroxetina tem efeitos sedativos e tende a acalmar, de imediato, os pacientes, o que leva a maior adesão e a menos interrupções. A fluvoxamina e a sertralina também são bem-toleradas. Relatos anedóticos sugerem que os pacientes com transtorno de pânico são particularmente sensíveis aos efeitos ativadores dos ISRSs, em especial da fluoxetina, de modo que se devem administrar, no início, pequenas doses e elevá-las de forma lenta e gradual. Uma vez na dose terapêutica – por exemplo, 20 mg por dia de paroxetina – alguns experimentam aumento da sedação. Uma abordagem para pacientes com transtorno de pânico é administrar 5 a 10 mg por dia de paroxetina por 1 a 2 semanas, e a seguir aumentar a dose em 10 mg por dia a cada 1 a 2 semanas, até o máximo de 60 mg. Se a sedação se torna intolerável, reduzir a dose até 10 mg por dia, e depois tornar a elevá-la. Outras estratégias podem ser utilizadas com base na experiência do clínico. Benzodiazepínicos. Estes agentes têm o início mais rápido de ação contra o pânico, por vezes na primeira semana, e podem
647
TABELA 16.2-8 Doses recomendadas de medicamentos antipânico (doses diárias, a menos que indicadas de outra forma) Medicamento ISRSs Paroxetina Fluoxetina Sertralina Fluvoxamina Citalopram Antidepressivos tricíclicos Clomipramina Imipramina Desipramina Benzodiazepínicos Alprazolam Clonazepan Diazepam Lorazepam IMAOs Fenelzina Tranilcipromina RIMAs Moclobemida Brofaromina Antidepressivos atípicos Venlafaxina Nefazodona Outros agentes Ácido valpróico Inositol
Início (mg)
Manutenção (mg)
5-10 2-5 12,5-25 12,5 10
20-60 20-60 50-200 100-150 20-40
5-12,5 10-25 10-25
50-125 150-500 150-200
0,25-0,5 3x/dia 0,25-0,5 2x/dia 2,5 2x/dia 0,25-0,5 2x/dia
0,5-2 3x/dia 0,5-2 2x/dia 5-30 2x/dia 0,5-2 2x/dia
15 2x/dia 10 2x/dia
15-45 2x/dia 10-30 2x/dia
50 50
300-600 150-200
6,25-25 50 2x/dia
50-150 100-300 2x/dia
125 2x/dia 6.000 2x/dia
500-750 2x/dia 6.000 2x/dia
Cortesia de Laszlo Papp, M.D.
ser utilizados por períodos longos sem o desenvolvimento de tolerância aos efeitos antipânico. O alprazolam é o mais utilizado para o transtorno de pânico, mas estudos controlados demonstraram eficácia igual para o lorazepam (Lorax), e relatos de casos também indicaram que o clonazepam (Rivotril) pode ser eficiente. Alguns pacientes utilizam benzodiazepínicos quando se defrontam com um estímulo fóbico. Eles podem ser razoavelmente empregados como primeiro agente para o tratamento do transtorno de pânico enquanto a dose de um medicamento serotonérgico está sendo aumentada aos poucos. Após 4 a 12 semanas, a utilização dos benzodiazepínicos pode sendo reduzida (em 4 a 10 semanas), ao passo que o medicamento serotonérgico é continuado. A maior reserva entre os clínicos relativa à utilização dos benzodiazepínicos para o transtorno de pânico é o potencial para dependência, o comprometimento cognitivo e o abuso, em especial após a utilização de longo prazo. Os pacientes devem ser instruídos a não dirigir ou operar equipamentos perigosos enquanto tomando esses agentes. Os mesmos provocam uma sensação de bem-estar, enquanto sua interrupção gera uma síndrome bem-documentada e desagradável de abstinência. Relatos anedóticos e pequenas séries de casos indicaram que a adicção ao alprazolam é uma das mais difíceis de se superar, podendo necessitar de um programa abrangente de desintoxicação. A dose do benzodiazepínico deve ser reduzida lenta e gradativamente, e os efeitos antecipados da retirada devem ser detalhadamente explicados ao paciente.
648
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Medicamentos tricíclicos e tetracíclicos. Os dados mais consistentes mostram que dentre os medicamentos tricíclicos, a clomipramina e a imipramina (Tofranil) são os mais eficazes no tratamento do transtorno de pânico. A experiência clínica indica que as doses devem ser aumentadas aos poucos para se evitar a estimulação excessiva, e que o benefício clínico completo necessita de dosagens plenas, as quais podem não ser atingidas por 8 a 12 semanas. Alguns dados apóiam a eficácia da desipramina (Norpramin), e menos evidência sugere um papel para a maprotilina (Ludiomil), a trazodona (Donaren), a nortriptilina (Pamelor), a amitriptilina (Tryptanol) e a doxepina (Sinequan). Os medicamentos tricíclicos não são tão utilizados quanto os ISRSs, porque apresentam efeitos adversos mais graves nas doses mais altas necessárias para o tratamento eficaz do transtorno. Inibidores da monoaminoxidase. Dados consistentes apóiam a eficácia da fenelzina (Nardil) e da tranilcipromina (Parnate). Os IMAOs parecem ter menos probabilidade de causar estimulação excessiva do que os ISRSs e os tricíclicos, mas podem necessitar de doses plenas por pelo menos 8 a 12 semanas para serem eficazes. A necessidade de restrições dietéticas tem limitado sua utilização, particularmente desde o aparecimento dos ISRSs. Falta de resposta ao tratamento. Se os pacientes deixam de responder a uma classe de medicamentos, outra deve ser tentada. Dados recentes acentuam a eficácia da nefazodona e da venlafaxina. A combinação de um ISRS ou um tricíclico com um benzodiazepínico ou de um ISRS com lítio ou um medicamento tricíclico pode ser tentada. Relatos de casos sugeriram a eficácia da carbamazepina (Tegretol), do valproato (Depakene) e de inibidores dos canais de cálcio. A buspirona atua na potenciação de outros agentes, mas tem pouca eficácia por si própria. Os clínicos devem reavaliar o paciente, no sentido de estabelecer a presença de condições co-mórbidas como depressão, uso de álcool ou uso de outras drogas. Duração da farmacoterapia. Uma vez eficaz, o tratamento farmacológico deve, em geral, continuar por 8 a 12 meses. Os dados indicam que o transtorno de pânico é uma condição crônica, talvez para toda a vida, que tem recorrência quando o tratamento é interrompido. Estudos relataram que 30 a 90% dos pacientes com a condição, que receberam tratamento bem-sucedido, têm recaída quando a medicação é interrompida. Os pacientes podem apresentar aumento da probabilidade de recaída se estiverem recebendo benzodiazepínicos e se esse tratamento é interrompido de forma que provoque sintomas de abstinência.
receberam terapia cognitiva ou comportamental mostraram que esses tratamentos são eficazes na produção da remissão dos sintomas. Terapia cognitiva. Focaliza a instrução sobre as falsas crenças do paciente e a informação sobre os ataques de pânico. O primeiro ponto se concentra na tendência do paciente a interpretar de forma equivocada sensações corporais leves como indicativos iminentes de ataques de pânico, tragédia ou morte. O segundo inclui explicações de que, quando os ataques de pânico ocorrem, são limitados no tempo e não ameaçam a vida. José, técnico de laboratório, de 27 anos de idade, começou a ter ataques de pânico plenos oito meses antes de procurar ajuda em nossa clínica de pesquisa. Embora fosse incapaz de identificar situações específicas que desencadessem os ataques, estava particularmente preocupado com a possibilidade de sua ocorrência enquanto estava engajado em procedimentos de laboratório com os pacientes. Seus ataques em geral envolviam uma explosão súbita de ativação autonômica, palpitações, suores, tonturas e sentimentos de irrealidade, além de formigamento nos braços e nas pernas. A idéia de que os ataques pudessem recorrer o apavorava. No início do programa cognitivo-comportamental, achou interessante um livreto educativo que descrevia mitos sobre ataques de pânico (p. ex., que levam a ataques cardíacos, perda de controle ou loucura). Começou a praticar respiração diafragmática a cada noite e, após várias semanas, tornou-se eficiente em questionar sua visão negativa ao pensar sobre as conseqüências dos ataques. Pouco tempo depois, no programa de 12 semanas, praticou a auto-exposição às sensações físicas do pânico e fez uma gama de exercícios interoceptivos em casa, incluindo hiperventilação por 1 ou 2 minutos de cada vez (designado para lhe auxiliar a se acostumar às sensações físicas associadas à hiperventilação) e a atividade de girar em uma cadeira (com o intuito de se adaptar aos sintomas de tontura e irrealidade). Na conclusão do programa de tratamento, os ataques de pânico haviam desaparecido e, no acompanhamento em seis meses, ele tinha mantido os ganhos com o tratamento assistindo a “sessões de reforço” com seu terapeuta uma vez a cada dois meses.
Terapia cognitivo-comportamental
Relaxamento aplicado. O objetivo do relaxamento aplicado (p. ex., treinamento de relaxamento de Herbert Benson) é instilar no paciente uma sensação de controle sobre seus níveis de ansiedade e relaxamento. Mediante técnicas padronizadas para relaxamento muscular e imaginação de situações de relaxamento, os pacientes aprendem técnicas que podem auxiliá-los a enfrentar os ataques de pânico.
Esta é eficicaz para o transtorno de pânico. Vários relatos concluíram ser ela superior à farmacoterapia isoladamente; outros concluíram o oposto. Muitos estudos e relatos verificaram que a combinação de terapia cognitiva ou comportamental com farmacoterapia é mais eficaz do que cada abordagem sozinha. Abordagem com acompanhamento de longo prazo de pacientes que
Treinamento respiratório. Em vista da hiperventilação associada aos ataques de pânico estar provavelmente relacionada a sintomas como tonturas e sensação de desmaio iminente, uma abordagem direta é treinar os pacientes a controlarem seu impulso de hiperventilar. Após esse treinamento, eles podem utilizar a técnica para ajudar no controle da hiperventilação durante um ataque de pânico.
TRANSTORNOS DE ANSIEDADE
Exposição in vivo. A utilização da exposição in vivo é o principal tratamento comportamental para o ataque de pânico. A técnica envolve exposição cada vez maior do paciente ao estímulo temido; com o tempo, torna-se dessensibilizado para a experiência. Antes, o foco era sobre estímulos externos; hoje, a técnica inclui a exposição a sensações internas temidas (p. ex., taquipnéia e medo de ter um ataque de pânico). Outras terapias psicossociais Terapia familiar. As famílias de pacientes com transtorno de pânico e agorofobia também podem ser afetadas pelas conseqüências do problema. A terapia familiar orientada para a educação e o apoio costuma ser benéfica. Psicoterapia orientada para o insight. Pode ser eficaz no tratamento do transtorno de pânico com agarofobia. O tratamento visa auxiliar os pacientes a compreenderem o significado inconsciente hipotético da ansiedade, o simbolismo da situação evitada, a necessidade de reprimir impulsos e os ganhos secundários do sintoma. É referida a hipótese de que a resolução de conflitos precoces da infância se correlaciona com a resolução dos estresses atuais. Psicoterapia e farmacoterapia combinadas Mesmo quando a farmacoterapia é eficaz em eliminar os principais sintomas, a psicoterapia pode ser necessária para tratar sintomas secundários. Glen O. Gabbard escreveu: Os pacientes com transtorno de pânico necessitam, com freqüência, de uma combinação de tratamento medicamentoso com psicoterapia... Mesmo quando aqueles com ataques de pânico com agorafobia têm seus sintomas controlados farmacologicamente, por vezes ficam relutantes a voltar a enfrentar o mundo e podem requerer intervenções psicoterápicas para superar esse medo... Alguns simplesmente recusarão qualquer medicamento porque acreditam que os estigmatiza como mentalmente doentes, de modo que a intervenção psicoterápica é necessária para auxiliá-los a compreender e para eliminar essa resistência... Para um plano abrangente e eficaz de tratamento, esses pacientes necessitam de abordagens psicoterápicas além da medicação apropriada. Em todos aqueles com sintomas de transtorno de pânico ou agorafobia, uma avaliação psicodinâmica cuidadosa auxiliará a julgar a contribuição de fatores biológicos e dinâmicos. REFERÊNCIAS Charney DS, Woods SW, Krystal JH. Nagy LM, Heninger GR. Noradrenergic neuronal dysregulation in panic disorder the effects of intravenous yohimbine and clonidine in panic disorder patients. Acta Psychiatr Scand. 1992;86:273. Coplan JD, Gorman JM, Klein DF. Serotonin related functions in panicanxiety: a critical overview. Neuropsychopharmacology. 1992;6:189.
649
Craske MG, Roy-Byrne P, Stein MB. Treating panic disorder in primary care: A collaborative care intervention. Gen Hosp Psychiatry. 2002; 24:148. Gabbard GO. Psychodynamic Psychiatry in Clinical Practice: The DSMIV Edition. Washington. DC: American Psychiatric Press; 1994. Gorman JM, section ed. Anxiety disorders. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000;1441. Hollifield M, Katon W, Skipper B, et al. Panic disorder and quality of life: variables predictive of functional impairment. Am J Psychiatry. 1997;154:766. Jacob RG, Furman JM, Durrant JD, Turner SM. Panic, agoraphobia, and vestibular dysfunction. Am J Psychiatry. 1996;153:503. Johnson MR, Lydiard RB, Ballenger JC. Panic disorder. Pathophisiology and drug treatment. Drugs. 1995;49:328. Keller MB, Hanks DL. Course and outcome in panic disorder. Prog Neuropsychopharmacol Biol Psychiatry. 1993; 17: 551. Klein DF. Panic disorder and agoraphohia: hypothesis hothouse. J Clin Psychiatry. 1996;57(suppl 6):21. Levitt JT, Hoffman EC, Gnisham JR. Barlow DH. Empirically supported treatments for panic disorder. Psychiatr Ann. 2001;31(8):478. Lydiard RB, Lesser IM. Ballenger JC, Rubin RT, Laraia M, DuPont R. A fixed-dose study of alprazolam 2 mg, alprazolam 6 mg, and placebo in panic disorder. J Clin Psychopharmacol. 1992;12:96. Maddock RJ. The lactic acid response to alkalosis in panic disorder: an integrative review. J Neuropsychiatry Clin Neurosci. 2001;13(1):22. Mennin DS, Heimberg RG, Holt CS. Panic, agoraphobias, phohias, and generalized anxiety disorder. In: Hersen M, Bellack AS, eds. Psychopathology in Adulthood. 2nd ed. Needham Heights, MA: Allyn & Bacon; 2000:169. Ost LG. Blood and injection phobia: background and cognitive, physiological, and behavioral variables. J Abnorm Psychol. 1992; 101:68. Persons JB. Understanding the exposure principle and using it to treat anxiety. Psychiatr Ann. 2001;31(8):472. Pollard CA, Tait RC, Meldrun D, Dubinsk IH, Gall JS. Agoraphobia without panic: case illustrations of an overlooked syndrome. J Nerv Ment Dis. 1996;184:61. Simon NM, Pollack MH. The current status of the treatment of panic disorder: pharmacotherapy and cognitive-behavioral therapy. Psychiatr Ann. 2000;30(11):689. van den Heuvel OA, van de Wetering BJ, Veltman DJ, Pauls DL. Genetic studies of panic disorder: a review. J Clin Psychiatry. 2000;61(10):756.
16.3 Fobias específicas e fobia social O termo fobia se refere ao medo excessivo de objeto, circunstância ou situação específicos. A fobia específica é o medo intenso e persistente de um objeto ou de uma situação, enquanto a fobia social é o medo intenso e persistente de situações em que possa ocorrer embaraço. Indivíduos com fobia específica podem antecipar lesões, como serem mordidas por um cão, ou podem ficar em pânico com o pensamento de perder o controle; por exemplo, se têm medo de andar de elevador, também podem se preocupar com o fato de desmaiar após a porta se fechar. Indivíduos com fobia social (também conhecida como transtorno de ansiedade social) têm medo excessivo de humilhação ou embaraço em várias situações sociais, como ao falar em público, urinar em banheiros públicos (bexiga envergonhada) e falar com alguém que
650
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
tencione namorar. A fobia social generalizada, que tende a ser uma condição crônica incapacitante, caracterizada pela evitação fóbica da maioria das situações sociais, pode ser difícil de se distinguir do transtorno da personalidade evitativa. A fobia é definida como um medo irracional que produz a evitação consciente de assuntos, de atividades ou de situações temidos. Tanto a presença como a antecipação da situação fóbica desencadeiam um sofrimento grave no indivíduo afetado, que em geral reconhece o excesso de sua reação. Essas respostas podem tomar a forma de um ataque de pânico ligado a uma situação ou predisposto por ela. As reações fóbicas perturbam a capacidade do indivíduo de se desempenhar na vida, ainda que algumas não o façam (p. ex., o medo de aranhas). EPIDEMIOLOGIA Estudos epidemiológicos recentes demonstraram que as fobias são o transtorno mais comum nos Estados Unidos, onde se estima que em torno de 5 a 10% da população seja afetada por essas condições perturbadoras e algumas vezes incapacitantes. Estimativas menos conservadoras têm incluído até 25% da população. O sofrimento associado às fobias, especialmente quando não são reconhecidas ou aceitas como transtornos mentais, podem levar a complicações psiquiátricas adicionais, inclusive outros transtornos de ansiedade, transtorno depressivo maior e transtornos relacionados ao uso de drogas, de forma mais incisiva o transtorno por uso de álcool. Embora as fobias sejam comuns, uma grande porcentagem de indivíduos com fobias ou não procura auxílio para superá-las ou são maldiagnosticados quando buscam assistência psiquiátrica ou médica. A prevalência durante a vida para fobia específica é cerca de 11% e para fobia social, de 3 a 13%. Fobia específica A fobia específica é mais comum do que a social. É o transtorno mais comum entre as mulheres e o segundo mais comum entre os homens, atrás apenas do transtorno por uso de drogas. Sua prevalência em seis meses é de 5 a 10%. A razão mulher para homem é de cerca de 2 por 1, embora seja mais próxima, de 1 para 1, para medo de sangue, injeção ou lesões. (Os tipos de fobia são discutidos a seguir nesta seção). A idade de pico para o início das fobias do tipo ambiente natural e do tipo sangue-injeção-ferimento é dos 5 aos 9 anos, ainda que possa ocorrer com mais idade. Por outro lado, a idade de pico para o início das fobias do tipo situacional (exceto para medo de alturas) é mais alta, em meados dos 20 anos, idade mais próxima daquela para princípio de agorafobia. Os objetos e as situações temidas em fobias específicas (listadas em freqüência descendente de aparecimento) são animais, tempestades, altura, doença, lesão e morte. Fobia social Vários estudos relataram uma prevalência durante a vida 3 a 13%. Em seis meses, varia de 2 a 3% (Tabela 16.3-1). Em estudos epi-
TABELA 16.3-1 Taxas de prevalência de fobia social durante a vida (%) Localidade Estados Unidos (ECA) Edmonton, Canadá Porto Rico Coréia Estados Unidos (NCS)
Homens
Mulheres
Total
2,1 1,3 0,8 0,1 11,1
3,1 2,1 1,1 1,0 15,5
2,6 1,7 1,0 0,5 13,3
Adaptada de Weissman MM, Bland RC, Canino GJ, et al. The cross-national epidemiology of social phobia: a preliminary report. Int Clin Psychopharmacol. 1996;11(suppl):9.
demiológicos, as mulheres são mais afetadas do que os homens, mas, em amostras clínicas, o contrário também foi referido. A razão da variação dessas observações é desconhecida. A idade de pico para o início de fobia social é de 10 anos, embora seja comum desde os 5 até os 35 anos de idade. CO-MORBIDADE Os indivíduos com fobia social podem apresentar história de outros transtornos de ansiedade, transtornos do humor, transtornos relacionados ao uso de drogas e bulimia nervosa. Além disso, o transtorno de ansiedade com evitação ocorre com freqüência em pessoas com fobia social generalizada. Relatos de co-morbidade com fobia específica variam de 50 a 80%. Transtornos associados incluem transtornos de ansiedade, do humor e relacionados ao uso de drogas. ETIOLOGIA Tanto a fobia específica como a social estão subdivididas em tipos, e as causas precisas destes são bastante variadas. Mesmo para um tipo específico, como em todos os transtornos mentais, há heterogeneidade de causas. A patogenia das fobias, uma vez compreendida, pode se mostrar um modelo claro de interações entre fatores biológicos e genéticos, por um lado, e acontecimentos ambientais, por outro. No tipo sangue-injeção-ferimento, as pessoas afetadas podem ter herdado um reflexo vasovagal particularmente intenso, associado às emoções fóbicas. Princípios gerais Fatores comportamentais. Em 1920, John B. Watson escreveu um artigo denominado “Conditioned Emotional Reations” (“Reações Emocionais Condicionadas”), em que relatou suas experiências com o pequeno Albert, uma criança com medo de ratos e coelhos. Diferentemente do caso analisado por Freud acerca do pequeno Hans, que tinha sintomas fóbicos de cavalos, no curso natural de seu amadurecimento, as dificuldades do pequeno Albert eram resultados diretos de um experimento científico de dois psicólogos que usaram técnicas que tinham induzido com êxito respostas condicionadas em animais de laboratório.
TRANSTORNOS DE ANSIEDADE
A hipótese de Watson invocou o modelo tradicional pavloviano de estímulo-resposta do reflexo condicionado para explicar o surgimento da fobia: a ansiedade é desencadeada quando um estímulo naturalmente aterrador ocorre em contigüidade com o estímulo neutro. Como resultado, especialmente quando os dois estímulos são evocados juntos em ocasiões sucessivas, o estímulo neutro original se torna capaz de desencadear ansiedade por si próprio. Assim, torna-se estímulo condicionado para produção de ansiedade. Na teoria clássica de estímulo-resposta, o estímulo condicionado vai perdendo sua potência para desencadear uma resposta se não é reforçado pela repetição periódica do estímulo não-condicionado. Nas fobias, a atenuação da resposta ao estímulo não ocorre; o sintoma pode durar anos sem qualquer reforço externo aparente. A teoria do condicionamento operante prevê um modelo para explicar esse fenômeno. A ansiedade é um impulso que motiva o organismo a fazer o que puder para evitar o afeto doloroso. Por tentativas de ensaio e erro, aprende-se que certas ações tornam o indivíduo capaz de evitar o estímulo que provoca ansiedade. Esse padrão de evitação permanece estável por longos períodos, como resultado do reforço que recebe sua capacidade de reduzir a ansiedade. Tal modelo é aplicável a fobias em que a evitação do objeto ou da situação que provoca ansiedade tenha um papel central. O comportamento de evitação torna-se um sintoma fixo e estável por causa de sua eficiência em proteger o indivíduo contra a ansiedade fóbica. A teoria do aprendizado é relevante para as fobias e provê explicações simples e inteligíveis para muitos aspectos dos sintomas fóbicos. Os críticos contestam o fato de a teoria do aprendizado lidar, na maior parte, com mecanismos de superfície da formação dos sintomas, sendo menos útil do que as teorias psicanalíticas na clarificação de alguns dos processos psíquicos subjacentes envolvidos. Fatores psicanalíticos. A formulação de Sigmund Freud acerca da neurose fóbica ainda é a explicação analítica para a fobia específica e a fobia social. Ele levantou a hipótese de que a principal função da ansiedade é sinalizar para o ego que um impulso inconsciente proibido está forçando sua expressão para a consciência, a fim de que fortaleça e reúna suas defesas contra a força instintiva ameaçadora. Freud considerava a fobia – histeria de ansiedade, como continuou a denominá-la – como resultado de conflitos centrados em uma situação edípica da infância nãoresolvida. Em vista dos impulsos sexuais continuarem a ter um colorido fortemente incestuoso em adultos, a ativação sexual pode reavivar uma ansiedade que é, caracteristicamente, medo de castração. Quando a repressão deixa de ser bem-sucedida em sua totalidade, o ego precisa convocar defesas auxiliares. Em pacientes com fobias, a principal delas é o deslocamento; isto é, o conflito sexual é deslocado da pessoa que o evoca para um objeto ou situação aparentemente sem importância, que passa a ter, então, o poder de despertar uma constelação de afetos, um dos quais se denomina ansiedade sinal. O objeto ou a situação fóbica pode ter uma conexão associativa direta com a fonte primária do conflito e, assim, simbolizá-lo (mecanismo de defesa de simbolização). Além disso, a situação ou o objeto costuma ser algo que o indivíduo pode evitar; com o mecanismo de defesa adicional de
651
evitação, o indivíduo pode se livrar do sofrimento da ansiedade grave. O resultado é que a combinação de três defesas (repressão, deslocamento e simbolização) pode eliminar a ansiedade. Contudo, esta é controlada ao custo de se criar uma neurose fóbica. Freud discutiu primeiro a formulação teórica da formação de fobias em sua famosa história do caso do pequeno Hans, um menino de cinco anos de idade que temia cavalos. Embora os psiquiatras tenham seguido os pensamentos de Freud de que as fobias são o resultado da ansiedade de castração, teóricos recentes sugeriram que outros tipos de ansiedade podem estar envolvidos. Na agorafobia, por exemplo, a ansiedade de separação claramente tem um papel-chave, e na eritrofobia (medo do vermelho, que pode se manifestar no medo de enrubescer), o elemento de vergonha implica envolvimento da ansiedade do superego. Observações clínicas levaram à visão de que a ansiedade associada às fobias tem uma variedade de causas e nuances. As fobias ilustram a interação entre uma diátese genética constitucional e estressores ambientais. Estudos longitudinais sugerem que certas crianças são predispostas a fobias porque nascem com um temperamento específico, conhecido como inibição comportamental com o não-familiar, mas um estresse crônico ambiental pode atuar sobre a predisposição do temperamento para criar um fobia expressa plenamente. Estressores como a morte de um dos pais, a separação, crítica ou humilhação por irmãos mais velhos, bem como violência em casa, podem ativar a diátese latente na criança, que assim se torna sintomática. Uma visão geral dos aspectos psicodinâmicos das fobias está resumida na Tabela 16.3-2. Otto Fenichel chamou a atenção para o fato de que a ansiedade fóbica pode estar oculta sob atitudes e comportamentos que representam a negação tanto do objeto como da situação temida, ou até a negação do próprio medo. Em vez de ser uma vítima passiva de circunstâncias externas, o indivíduo inverte a situação e tenta se confrontar e dominar o que quer que seja temido. Indivíduos com atitudes contrafóbicas procuram situações de perigo e se envolvem nelas. Os devotados de esportes potencialmente perigosos, como saltos de pára-quedas e escaladas de montanhas podem estar exibindo um comportamento desse tipo. Tais padrões podem ser secundários à ansiedade fóbica ou
ATITUDE CONTRAFÓBICA.
TABELA 16.3-2 Temas psicodinâmicos nas fobias Os principais mecanismos de defesa incluem: deslocamento, projeção e evitação. Estressores ambientais, inclusive humilhação e crítica de um irmão mais velho, brigas dos pais, ou perda ou separação de um destes, interagem com uma diátese genético-constitucional. Um padrão característico de relações de objetos internos é externalizado em situações sociais, no caso da fobia social. A antecipação de humilhação, crítica e ridículo é projetada em indivíduos e no ambiente. Vergonha e embaraço são os principais estados afetivos. Os membros da família podem encorajar o comportamento fóbico e servir como obstáculos ao plano de tratamento. A auto-exposição à situação temida é o princípio básico do tratamento.
652
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
ser meios normais de lidar com uma situação realisticamente perigosa. Os brinquedos das crianças podem exibir elementos contrafóbicos, como quando brincam de médico e aplicam em uma boneca a injeção que receberam mais cedo naquele dia no consultório do pediatra. Esse comportamento pode envolver um mecanismo de defesa relacionado, o da identificação com o agressor. Fobia específica O desenvolvimento de uma fobia específica pode ser o resultado da associação do objeto ou da situação com emoções de medo ou pânico. Foram postulados vários mecanismos para essa relação. Em geral, uma tendência não-específica de experimentar medo ou ansiedade compõe os alicerces; quando um evento específico (p. ex., dirigir) é associado a uma experiência emocional (um acidente), o indivíduo fica suscetível a uma relação emocional permanente entre dirigir ou veículos e medo ou ansiedade. A experiência emocional por si só pode decorrer de um incidente externo, como acidente de trânsito, ou de um incidente interno, com mais freqüência um ataque de pânico. Embora o indivíduo possa nunca mais experimentar um ataque de pânico e não satisfazer os critérios diagnósticos para transtorno de pânico, pode ter um medo generalizado de dirigir, e não um medo expresso de ter um ataque de pânico quando dirigindo. Outros mecanismos de associação entre o objeto e as emoções fóbicas incluem a modelagem, em que o individuo observa a reação de outros (p. ex., um dos pais), e transferência de informação, em que a pessoa é ensinada ou advertida sobre os perigos de objetos específicos (p. ex., cobras venenosas). Fatores genéticos. As fobias sociais tendem a ocorrer em famílias. A incidência familiar do tipo sangue-injeção-ferimento é particularmente alta. Estudos relataram que de dois terços a três quartos das pessoas afetadas têm pelo menos um parente de primeiro grau com fobia específica do mesmo tipo, mas os estudos necessários de gêmeos em adoção ainda não foram conduzidos para excluir uma contribuição da transmissão não-genética.
Fobia social Vários estudos relataram que algumas crianças talvez tenham um traço caracterizado por um padrão consistente de inibição do comportamento. O traço pode ser mais comum em filhas de pais afetados pelo transtorno de pânico, desenvolvendo-se como timidez grave à medida que elas crescem. Pelo menos alguns indivíduos com fobia social podem ter exibido comportamentos de inibição durante a infância. Talvez associados a este traço que se pensa ser de base biológica estão os dados de base psicológica indicando que os pais de pessoas com fobia social foram, como grupo, menos afetivos, manifestaram maior rejeição e tiveram atitudes mais superprotetoras para com seus filhos do que outros pais. Pesquisas sobre fobia social referiram-se ao espectro de dominância a submissão, observado no reino animal. Por exemplo, os humanos dominantes podem tender a caminhar com o nariz empinado e fazer contato com o olhar, enquanto os submissos
podem ter tendência a caminhar mais prostrados e evitar o contato pelo olhar. Fatores neuroquímicos. O êxito das farmacoterapias no tratamento da fobia social gerou duas hipóteses neuroquímicas específicas sobre a fobia social. A utilização de antagonistas dos receptores β−adrenérgicos – por exemplo, o propranolol (Inderal) – para as fobias de desempenho (como falar em público) levou ao desenvolvimento de uma teoria adrenérgica para as mesmas. Os pacientes com essa condição podem liberar mais norepinefrina e epinefrina, tanto central como perifericamente, do que aqueles não-fóbicos, os quais podem ser sensíveis a níveis normais de estimulação adrenérgica. A observação de que os inibidores da monoaminoxidase (IMAOs) possam ser mais eficaz do que os medicamentos tricíclicos no tratamento da fobia social generalizada, em combinação com dados pré-clínicos, levou alguns investigadores à hipótese de que a atividade dopaminérgica está relacionada à patogênese do transtorno. Um estudo mostrou concentrações diminuídas de ácido homovanílico. Uma abordagem utilizando tomografia por emissão de fóton único (SPECT) constatou redução da densidade de locais de recaptação da dopamina no estriado. Dessa forma, alguma evidência sugere uma disfunção dopaminérgica na fobia social. Fatores genéticos. Os parentes de primeiro grau de indivíduos com fobia social têm cerca de três vezes mais probabilidade de serem afetados com a condição do que parentes de indivíduos sem transtornos. Alguns dados preliminares indicam que gêmeos monozigóticos são, com mais freqüência, concordantes do que os dizigóticos, ainda que seja particularmente importante se estudar gêmeos criados à parte para auxiliar a controlar fatores ambientais. DIAGNÓSTICO Fobia específica A revisão do texto da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR) utiliza o termo fobia específica para se ajustar à nomenclatura da décima revisão da Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-10). A Tabela 16.3-3 lista os critérios diagnósticos. Os critérios A (medo excessivo) e B (exposição ao estímulo) foram incluídos no DSM-IV-TR com bastante cautela para permitir que a possibilidade de exposição ao estímulo fóbico possa levar ao ataque de pânico. Em contraste com o transtorno de pânico, contudo, na fobia específica, o ataque de pânico é mobilizado pelo estímulo fóbico específico. O Critério G (ataque de ansiedade) inclui a expressão “não melhor explicado por”, a fim de enfatizar a necessidade do julgamento clínico no diagnóstico dos sintomas. O conteúdo específico da fobia e a força da relação (p. ex., com ou sem indícios) entre o estímulo e o ataque de pânico também precisam ser consideradas. O DSM-IV-TR inclui tipos distintivos de fobia específica: tipo animal; tipo ambiente natural (p. ex., tempestades); tipo sangue-injeção-ferimento; tipo situacional (p. ex., carros); e outros
TRANSTORNOS DE ANSIEDADE
TABELA 16.3-3 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para fobia específica A. Medo acentuado e persistente, excessivo ou irracional, revelado pela presença ou antecipação de um objeto ou situação fóbica (p. ex., voar, alturas, animais, tomar uma injeção, ver sangue). B. A exposição ao estímulo fóbico provoca, quase que invariavelmente, uma resposta imediata de ansiedade, que pode assumir a forma de um ataque de pânico ligado à situação ou predisposto pela situação. Nota: Em crianças, a ansiedade pode ser expressada por choro, ataques de raiva, imobilidade ou comportamento aderente. C. O indivíduo reconhece que o medo é excessivo ou irracional. Nota: Em crianças, essa característica pode estar ausente. D. A situação fóbica (ou situações) é evitada ou suportada com intensa ansiedade ou sofrimento. E. Esquiva, antecipação ansiosa ou sofrimento na situação temida (ou situações) interfere significativamente na rotina normal do indivíduo, em seu funcionamento ocupacional (ou acadêmico) ou em atividades ou relacionamentos sociais, ou existe acentuado sofrimento por ter a fobia. F. Em indivíduos com menos de 18 anos, a duração mínima é de 6 meses. G. A ansiedade, os ataques de pânico e a esquiva fóbica associados com o objeto ou situação específica não são mais bemexplicados por outro transtorno mental, como transtorno obsessivo-compulsivo (p. ex., medo de sujeira em alguém com uma obsessão de contaminação), transtorno de estresse póstraumático (p. ex., esquiva de estímulos associados a um estressor grave), transtorno de ansiedade de separação (p. ex., esquiva da escola), fobia social (p. ex., esquiva de situações sociais em vista do medo do embaraço), transtorno de pânico com agorafobia ou agorafobia sem história de transtorno de pânico.
Especificar tipo: Tipo Animal. Tipo Ambiente Natural (p. ex., alturas, tempestades, água). Tipo Sangue-Injeção-Ferimentos. Tipo Situacional (p. ex., aviões, elevadores, locais fechados). Outro Tipo (p. ex., esquiva fóbica de situações que podem levar a asfixia, vômitos ou a contrair uma doença; em crianças, esquiva de sons altos ou personagens vestidos com trajes de fantasia). De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
tipos (para fobias específicas que não se encaixam nos anteriores). Os dados preliminares indicam que o tipo ambiente natural é o mais comum em crianças com menos de 10 anos de idade e que o situacional ocorre com maior freqüência nos indivíduos no início dos seus 20 anos. O tipo sangue-injeção-ferimento é diferenciado dos outros por que, por vezes, ocorre bradicardia e hipotensão seguindo-se a taquicardia inicial, que é comum em todas as fobias. Ele tem a particularidade de poder afetar vários membros em gerações de uma família. Um tipo relatado há pouco é a fobia do espaço, em que as pessoas têm medo de cair quando não há apoio próximo, como uma parede ou uma cadeira. Alguns dados indicam que os indivíduos afetados podem ter uma função anormal no hemisfério direito, possivelmente resultante de comprometimento visuoespacial. Os transtornos do equilíbrio devem ser excluídos nesses casos.
653
FOCO.
As fobias têm sido classificadas de acordo com o medo específico, por meio de prefixos gregos ou latinos, como indicado pelos seguintes exemplos: Acrofobia Agorafobia Ailurofobia Hidrofobia Claustrofobia Cinofobia Misofobia Pirofobia Xenofobia Zoofobia
medo de altura medo espaços abertos medo de gatos medo de água medo de espaços fechados medo de cães medo de sujeira e germes medo de fogo medo de estrangeiros medo de animais
Outras fobias relacionadas a mudanças na sociedade são o medo de campos eletromagnéticos, de microondas e da sociedade como um todo (amaxofobia).
M., programador de computador, de 28 anos, procura tratamento por causa de medos que o impedem de visitar seu sogro, doente terminal no hospital. Ele explica que tem medo de qualquer situação mesmo remotamente associada a lesão corporal ou doença. Por exemplo, não pode suportar que lhe tirem sangue, nem mesmo ver ou ouvir sobre pessoas doentes. Esses medos são a razão por que evita consultar o médico mesmo quando está doente e visitar amigos ou membros da família doentes, ou até ouvir as descrições de procedimentos médicos, traumatismo físico ou doença. Tornouse vegetariano há cinco anos para evitar pensamentos sobre os animais sendo sacrificados. O paciente relata o início desses medos a partir de um incidente particular quando tinha 9 anos de idade, quando um professor da escola dominical deu uma descrição pormenorizada de uma operação na perna a que tinha se submetido. À medida que ouvia, começou a se sentir ansioso e tonto, suou profusamente e acabou desmaiando. Recorda-se da grande dificuldade de receber vacinas ou de se sujeitar a outros procedimentos médicos de rotina pelo resto de seus anos na escola, bem como de numerosos episódios de desmaio durante a adolescência e a vida adulta sempre que testemunhava o menor traumatismo físico, ouvia sobre uma lesão ou doença, ou via uma pessoa doente ou desfigurada. Quando, há pouco tempo, viu alguém em uma loja em uma cadeira de rodas, começou a cogitar se a pessoa tinha dor e ficou tão perturbado que desmaiou e caiu. Sentiu-se embaraçado quando retomou a consciência, pela quantidade de pessoas que o rodeavam. M. nega qualquer outro problema emocional. Gosta do seu trabalho, parece se dar bem com a esposa e tem muitos amigos. DISCUSSÃO O paciente tem medo de imaginar ou estar próximo de uma situação envolvendo doença ou lesão corporal. Reconhece que seu medo é excessivo e irracional, mas, a despeito disso,
654
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
evita tais situações. Embora o medo e o comportamento de evitação aparentemente não interfiram em sua rotina ou atividade na escola, está muito infeliz por essas sensações que são a razão pela qual procura tratamento. Seu medo não está relacionado a transtorno obsessivocompulsivo (p. ex., obsessões envolvendo ser infectado por germes) ou a qualquer trauma que pudesse preceder um transtorno de estresse pós-traumático (p. ex., presenciar mutilação no campo de batalha), por isso, nenhum desses diagnósticos é cogitado. M. tem uma fobia específica denominada tipo sangueinjeção-ferimento. Quase desmaia na presença do estímulo fóbico, como o fazem muitas pessoas com esse tipo de fobia. Sentir-se assim é raro em outras fobias específicas, como medo de voar e de animais, na fobia social ou na agorafobia. (Do DSM-IV Casebook.) Fobia social Os critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para fobia social (Tabela 16.3-4) reconhecem que a condição pode se associar a ataques de pânico. O manual também inclui um especificador para tipo generalizado, que pode ser útil na predição do curso, do prognóstico e da resposta ao tratamento. O diagnóstico de fobia social é excluído quando os sintomas são resultado de evitação social ou provenientes de embaraço sobre outra condição psiquiátrica ou não. M. é uma secretária bem-sucedida que trabalha em uma firma de advogados. Embora relatasse uma história longa de desconforto em situações sociais, procurou tratamento quando começou a sentir que isso estava interferindo em sua vida social e no desempenho no trabalho. Ela relatou que se dava conta de ficar cada vez mais nervosa quando encontrava uma nova pessoa. Por exemplo, ao se encontrar com um novo membro da firma de advogados, descreveu se sentir subitamente tensa e suada, com o coração batendo muito rápido. Teve então o pensamento súbito de que podia dizer alguma coisa tola na situação ou de cometer uma gafe social terrível que faria os outros rirem dela. Em reuniões sociais, descrevia sentimentos semelhantes que a levavam tanto a sair mais cedo da festa ou mesmo a recusar convites. (Cortesia de Daniel S. Pine, M.D.). CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS As fobias são caracterizadas pelo desencadeamento de ansiedade grave quando se é exposto a situações ou objetos específicos ou até mesmo quando se antecipa a exposição a essas situações e objetos. O DSM-IV-TR enfatiza a possibilidade de que os ataques de pânico possam ocorrer, e com freqüência ocorrem, em pacientes com fobias específicas e sociais, mas que os ataques de pânico, com excessão dos primeiros, são esperados. A exposição ao estímulo fóbico ou a antecipação do mesmo quase sempre leva a um ataque de pânico em indivíduos suscetíveis.
TABELA 16.3-4 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para fobia social A. Medo acentuado e persistente de uma ou mais situações sociais ou de desempenho, nas quais o indivíduo é exposto a pessoas estranhas ou ao possível escrutínio por terceiros. O indivíduo teme agir de um modo (ou mostrar sintomas de ansiedade) que lhe seja humilhante e vergonhoso. Nota: Em crianças, deve haver evidências de capacidade para relacionamentos sociais adequados à idade com pessoas que lhes são familiares, e a ansiedade deve ocorrer em contextos que envolvem seus pares, não apenas em interações com adultos. B. A exposição à situação social temida quase invariavelmente provoca ansiedade, que pode assumir a forma de um ataque de pânico ligado a situação ou predisposto por situação. Nota: Em crianças, a ansiedade pode ser expressa por choro, ataques de raiva, imobilidade ou afastamento de situações sociais com pessoas estranhas. C. A pessoa reconhece que o medo é excessivo ou irracional. Nota: Em crianças, essa característica pode estar ausente. D. As situações sociais e de desempenho temidas são evitadas ou suportadas com intensa ansiedade ou sofrimento. E. A esquiva, a antecipação ansiosa ou o sofrimento na situação social ou de desempenho temida interferem significativamente na rotina, no funcionamento ocupacional (acadêmico), em atividades sociais ou relacionamentos do indivíduo, ou existe sofrimento acentuado por ter a fobia. F. Em indivíduos com menos de 18 anos, a duração é de no mínimo seis meses. G. O temor ou esquiva não se deve aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., droga de abuso, medicamento) ou de uma condição médica geral nem é mais bem-explicado por outro transtorno mental (p. ex., transtorno de pânico com ou sem agorafobia, transtorno de ansiedade de separação, transtorno dismórfico corporal, transtorno global do desenvolvimento ou transtorno da personalidade esquizóide). H. Em presença de uma condição médica geral ou outro transtorno mental, o medo no Critério A não tem relação com estes; por exemplo, o medo não diz respeito a tartamudez, tremor na doença de Parkinson ou manifestação de um comportamento alimentar anormal na anorexia nervosa ou bulimia nervosa.
Especificar se: Generalizada: se os temores incluem a maioria das situações sociais (considerar também o diagnóstico adicional de transtorno da personalidade esquiva). De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
Pessoas com fobias, por definição, tratam de desviar-se do estímulo fóbico; algumas passam muito trabalho para evitar situações que provocam ansiedade. Por exemplo, um paciente fóbico pode tomar um ônibus para atravessar os Estados Unidos, em vez de voar, a fim de não entrar em contato com objeto da fobia, o avião. Talvez como outra forma de evitar o estresse do estímulo fóbico, muitos pacientes fóbicos têm transtorno por uso de drogas, particularmente o de álcool. Além disso, estima-se que um terço dos pacientes com fobia social tenha transtorno depressivo maior. O principal achado no exame do estado mental é a presença de um medo irracional e egodistônico de uma situação, atividade ou objeto específico; os pacientes são capazes de descrever como evitam o contato com a fobia. Com freqüência, é encontrada
TRANSTORNOS DE ANSIEDADE
depressão no exame do estado mental, a qual pode estar presente em até um terço dos casos.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL A fobia específica e a fobia social precisam ser diferenciadas, respectivamente, do medo e da timidez normais apropriados. O DSM-IV-TR auxilia nesse aspecto ao requerer que os sintomas perturbem a capacidade de se desempenhar de maneira apropriada. Condições médicas não-psiquiátricas que podem levar ao desenvolvimento de uma fobia incluem a utilização de drogas (em especial alucinógenos e simpatomiméticos), tumores do sistema nervoso central e doenças cerebrovasculares. Os sintomas fóbicos nessas circunstâncias são improváveis, na ausência de achados adicionais sugestivos nos exames físico, neurológico e do estado mental. A esquizofrenia também é um diagnóstico diferencial tanto da fobia específica quanto da social, uma vez que pode levar a sintomas fóbicos como parte da psicose. De forma diferente dos pacientes com esquizofrenia, contudo, os com fobia têm insight sobre a irracionalidade de seus medos e falta-lhes a qualidade bizarra e outros sintomas psicóticos daquela. No diagnóstico diferencial, tanto da fobia específica quanto da fobia social, os clínicos devem considerar o transtorno de pânico, a agorafobia e o transtorno da personalidade evitativa. A distinção entre transtorno de pânico, agorafobia, fobia social e fobia específica pode ser difícil em casos individuais. Em geral, contudo, pacientes com fobia específica ou social não-generalizada tendem a experimentar ansiedade assim que se defrontam com o estímulo fóbico. Além disso, a ansiedade ou o pânico são limitados à situação identificada; os pacientes não são ansiosos a esse nível quando não estão confrontados com o estímulo fóbico ou com a antecipação destes. O paciente com agorafobia costuma ser confortado pela presença de outra pessoa na situação provocadora de ansiedade, enquanto aquele com fobia social fica mais ansioso do que antes com a presença de um terceiro. Enquanto dispnéia, tontura, sensação de sufocamento e medo da morte são comuns no transtorno de pânico e na agorafobia, os sintomas associados à fobia social em geral envolvem rubor, tremores musculares e ansiedade quando sob observação. A diferenciação entre fobia social e transtorno da personalidade evitativa pode ser difícil e necessitar de entrevistas extensas e histórias psiquiátricas. Fobia específica Outros diagnósticos a serem considerados são hipocondria, transtorno obsessivo-compulsivo e transtorno da personalidade paranóide. A hipocondria é o medo de ter uma doença, enquanto a fobia específica de um tipo de doença é o medo de contraí-la. Alguns pacientes com transtorno obsessivo-compulsivo manifestam um comportamento indistinguível daqueles com fobia específica. Por exemplo, os primeiros podem evitar facas porque têm pensamentos compulsivos de matar seus filhos, enquanto pessoas
655
com fobia específica de facas podem evitá-las pelo medo de se cortarem. Pacientes com transtorno da personalidade paranóide podem ter o medo generalizado que os distingue dos com fobia específica. Fobia social Duas considerações adicionais no diagnóstico diferencial da fobia social são o transtorno depressivo maior e o transtorno da personalidade esquizóide. A evitação de situações sociais pode ser um sintoma de depressão, mas uma entrevista psiquiátrica tem a probabilidade de verificar uma ampla gama de sintomas depressivos. Em pacientes com transtorno da personalidade esquizóide, a falta de interesse em se socializar, e não o medo de fazê-lo leva à evitação do comportamento social. CURSO E PROGNÓSTICO A fobia social exibe uma idade de início bimodal, com um pico na infância, como no caso de fobias de animais, do ambiente natural e de sangue-injeção-ferimento, e um pico no início da vida adulta para outras fobias, como a do tipo situacional. Como com outros transtornos de ansiedade, existem dados epidemiológicos prospectivos limitados sobre o curso natural de fobias específicas. Em vista de os pacientes com essa condição raramente se apresentarem para tratamento, a pesquisa sobre seu curso clínico é limitada. A informação disponível sugere que a maioria das fobias especificas que começam na infância e continuam até a vida adulta persiste por muitos anos. Pensa-se que a gravidade da condição permanece relativamente constante, sem o curso oscilante observado em outros transtornos de ansiedade. A. era um homem bem-sucedido que se apresentou para tratamento após uma mudança no seu esquema de negócios. Quando trabalhava em escritório próximo de casa, uma promoção o levou a um esquema de reuniões freqüentes fora da cidade, necessitando de vôos semanais. O paciente relatou ter “um medo de morte de voar”. Até mesmo pensar em entrar em um avião o levava a ter pensamentos de tragédia eminente, como quando visualizava o mesmo se espatifando no chão. Esses pensamentos eram associados a medo intenso, palpitações, suores, mãos molhadas e perturbação no estômago. Nas ocasiões em que o pensamento de voar era suficientemente aterrador, A. ficava quase incapacitado de ir ao aeroporto. Logo após entrar no avião, tinha de sair de volta e correr para o banheiro para vomitar. A fobia social tende a ter seu início no fim da infância ou no início da adolescência. Costuma ser crônica, com dados epidemiológicos retrospectivos e ensaios clínicos prospectivos sugerindo que o transtorno possa perturbar a vida do indivíduo por muitos anos. Isso pode incluir interferência nas conquistas escolares ou acadêmicas, no desempenho no trabalho e no desenvolvimento social.
656
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TRATAMENTO
tência, bem como o incentiva a procurar formas sadias de lidar com os estímulos provocadores de ansiedade.
Tratamento comportamental A abordagem mais estudada e mais eficiente para as fobias provavelmente é o tratamento comportamental. Os aspectos-chave do tratamento bem-sucedido são: (1) adesão do paciente ao tratamento, (2) problemas e objetivos claramente identificados e (3) estratégias alternativas disponíveis para lidar com os sentimentos. Tem sido usada uma gama de técnicas de tratamento comportamental, dentre as quais a mais comum é a dessensibilização sistemática, método desenvolvido por Joseph Wolpe. O paciente é exposto em série a uma lista predeterminada de estímulos que provocam ansiedade, graduada em uma hierarquia do menos ao mais amedrontador. Com medicamentos tranqüilizantes, hipnose e instrução de relaxamento muscular, os pacientes são ensinados a como auto-induzir um repouso tanto mental como físico. Uma vez que tenham dominado essas técnicas, são orientados a utilizá-las para induzir relaxamento quando em contato com o estímulo que provoca ansiedade. À medida que se tornam dessensibilizados para cada estímulo da escala, os pacientes progridem para o estímulo seguinte, até que aquilo que gerava o máximo de ansiedade não produz mais desconforto. Outras técnicas comportamentais utilizadas nos últimos tempos envolvem exposição intensiva ao estímulo fóbico tanto por meio da imaginação como da dessensibilização in vivo. Na inundação na imaginação, os pacientes são expostos ao estímulo fóbico por tanto tempo quanto possam tolerar o medo, até se atingir o ponto em que não o sintam mais. Na inundação, (a técnica também conhecida como implosão) in vivo necessita que o paciente experimente uma ansiedade semelhante pela exposição ao estímulo fóbico real. Psicoterapia orientada para o insight No início do desenvolvimento da psicanálise e das psicoterapias de orientação dinâmica, os teóricos acreditavam que esses métodos eram os tratamentos de escolha para a neurose fóbica, que se pensava então ser originada de conflitos edípicos. Logo em seguida, contudo, os terapeutas reconheceram que, a despeito do progresso em desencobrir e analisar os conflitos inconscientes, os pacientes com freqüência não obtinham sucesso em abandonar seus sintomas fóbicos. Mais ainda, ao continuar a evitar as situações fóbicas, os pacientes excluíam um grau significativo de ansiedade e as associações relacionadas ao processo analítico. Tanto Freud como seu pupilo Sandor Ferenczi reconheceram que, para haver progresso na análise desses sintomas, os terapeutas tinham que ir além em seu papel analítico e incentivar ativamente os pacientes fóbicos a procurar a situação que mobiliza essas situações e experimentar a ansiedade e o insight resultantes. Desde então, tem-se concordado com o fato de que é necessário um grau de atividade por parte do terapeuta para tratar a ansiedade fóbica com sucesso. A decisão de aplicar as técnicas de terapia psicodinâmica orientada para o insight deve se basear não na presença de sintomas fóbicos isoladamente, mas em indicações positivas da estrutura do ego e em seus padrões de vida para a utilização desse método de tratamento. Essa abordagem capacita o paciente a compreender a origem da fobia, o fenômeno do ganho secundário e o papel da resis-
Outras modalidades terapêuticas A hipnose, a terapia de apoio e a terapia familiar podem ser úteis no tratamento dos transtornos fóbicos. A primeira é utilizada para aumentar a sugestão do terapeuta de que o objeto fóbico não é perigoso, sendo possível ensinar a auto-hipnose ao paciente como método de relaxamento quando confrontado com o objeto fóbico. A segunda e a terceira são por vezes úteis ao auxiliar o paciente a confrontar ativamente o objeto fóbico durante o tratamento. A terapia familiar não só inclui o auxílio da família no tratamento do paciente, como também auxilia na compreensão da natureza do problema. Fobia específica A abordagem usada com mais freqüência para a fobia específica é a terapia de exposição. Nesse método, os terapeutas dessensibilizam o paciente utilizando uma série de exposições gradativas, passo a passo, ao estímulo fóbico, e podem ensinar várias técnicas para lidar com a ansiedade, incluindo relaxamento, controle da respiração e abordagens cognitivas. As abordagens cognitivas incluem o reforço da compreensão de que o estímulo fóbico é, na verdade, seguro. Os aspectos-chave da terapia comportamental bem-sucedida são a adesão do paciente ao tratamento, problemas e objetivos claramente identificados e estratégias alternativas para lidar com os sentimentos evocados. Na situação especial da fobia de sangue-injeção-ferimento, alguns terapeutas recomendam que os pacientes tensionem seus corpos e permaneçam sentados durante a exposição para evitar a possibilidade do desmaio por uma reação vasovagal por um estímulo fóbico. Antagonistas β-adrenérgicos podem ser úteis no tratamento da fobia específica, em especial quando se associa a ataques de pânico. A farmacoterapia (p. ex., benzodiazepínicos), a psicoterapia ou a terapia combinada dirigida contra os ataques também pode ser benéfica. Fobia social Tanto a psicoterapia como a farmacoterapia são úteis no tratamento da fobia social, e abordagens variáveis são indicadas para os tipos generalizados e que envolvem situações de desempenho. Alguns estudos indicam que a utilização tanto de uma como de outra produz melhores resultados do que cada tratamento isoladamente, embora este achado não seja aplicável a todas as situações e pacientes. Medicamentos eficazes no tratamento da fobia social incluem (1) inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs), (2) benzodiazepínicos, (3) venlafaxina (Effexor) e (4) buspirona (BuSpar). A maioria dos clínicos considera os ISRSs o tratamento de primeira linha para pacientes com fobia social generalizada. Os benzodiazepínicos alprazolam (Frontal) e clonazepam (Rivotril) também são eficazes tanto para a fobia social generalizada como para a específica. A buspirona mostrou efeitos adicionais quando utilizada para potencilizar o tratamento com os ISRSs.
TRANSTORNOS DE ANSIEDADE
Nos casos graves, tem sido relatado o tratamento bem-sucedido da fobia social tanto com os IMAOs irreversíveis, como a fenelzina (Nardil), como com os reversíveis, como a moclobemida (Aurorix) e a brofaromina (Consonar) (que não está disponível nos Estados Unidos). As doses terapêuticas da fenelzina vão de 45 a 90 mg por dia, com taxas de resposta variando de 50 a 70%, e cerca de 5 a 6 semanas sendo necessárias para se avaliar sua eficácia. O tratamento da fobia social associada a situações de desempenho com freqüência envolve a utilização de antagonistas β−adrenérgicos um pouco antes da exposição ao estímulo fóbico. Os dois compostos mais amplamente utilizados são o atenolol (Atenol), 50 a 100 mg a cada manhã ou uma hora antes do desempenho, e o propranolol (20 a 40 mg). As técnicas cognitiva, comportamental e de exposição também podem ser úteis nesses casos. A psicoterapia para o tipo generalizado em geral envolve uma combinação de métodos comportamentais e cognitivos, incluindo re-treinamento cognitivo, dessensibilização, treinos durante as sessões e uma gama de recomendações de tarefas de casa. REFERÊNCIAS Chapman TF, Fyer AJ, Mannuzza S, Klein DF. A comparison of treated and untreated simple phobia. Am J Psychiatry. 1993;150:816. Coupland NJ. Social phobia: etiology, neurobiology, and treatment. J Clin Psychiatry. 2001;62(suppl 1):25. Dilsaver SC, Qamar AB, Del Medico VJ. Secondary social phobia in patients with major depression. Psychiatry Res. 1992;44:33. Francis G, Last CG, Strauss CC. Avoidant disorder and social phobia in children and adolescents. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1992;31:1086. Fresco DM, Heimberg RG. Empirically supported psychological treatments for social phobia. Psychiatr Ann. 2001;31(8):489. Gabbard GO. Psychodynamics of panic disorder and social phobia. Bull Meninger Clin. 1992;56(suppl 2):A3. Gorman JM, section ed. Anxiety disorders. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:1441. Greist JH. The diagnosis of social phobia. J Clin Psychiatry. 1995;56:5. Jefferson JW. Social phobia: everyone’s disorder? J Clin Psychiatry. 1996;57 (suppl 6):28. Magee WJ, Eaton WW, Wittchen HU, McGonagle KA, Kessler RC. Agoraphohia, simple phobia, and social phobia in the National Comorbidity Survey. Arch Gen Psychiatry. 1996;53:159. Malis RW, Hartz AJ, Doebbling CC, Noyes RJR. Specific phobia of illness in the community. Gen Hosp Psychiatry. 2002;24:135. Mennin DS, Heimberg RG, Craig S. Panic, agoraphobia, phobias, and generalized ansiety disorder. In: Hersen M, Bellack AS, eds. Psychopathology in Adulthood. 2nd ed. Needham Heights; MA: Allyn & Bacon; 2000:169. Parker JDA, Taylor GJ, Bagby RM, Acklin MW. Alexithymia in panic disorder and simple phobia: a comparative study. Am J Psychiatry. 1993;150:1105. Persons JB. Understanding the exposure principle and using it to treat anxiety. Psychiatr Ann. 2001;31(8):472. Potts NLS, Davidson JRT. Social phobia: biologicai aspects and pharmacotherapy. Prog Neuropsychopharmacol Biol Psychiatry. 1992;16:635. Schmidt NB, Koselka M, Woolaway-Bickel K. Combined treatments for phobic anxiety disorders. In: Sammons MT, Schimidt NB, eds. Combined Treatment for Mental Disorders: A Guide to Psychological and Pharmacological Interventions. Washington, DC: American Psychological Association; 2001:81.
657
Stein MB, Walker JR, Forde DR. Public-speaking fears in a community sample: prevalence, impact on functioning, and diagnostic classification. Arch Gen Psychiatry, 1995;53:169. Tolin DF, Sawchuk CN, Thomas C. The role of digust in blood-injection-injury phobia. Behav Terap. 1999;96:22. Van Ameringen M, Mancini C, Streiner DL. Fluoxetine efficacy in social phobia. J Clin Psychiatry. 1993;54:27.
16.4 Transtorno obsessivocompulsivo As características essenciais do transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) são obsessões ou compulsões recorrentes, suficientemente graves para causar sofrimento notável. As obsessões e compulsões consomem tempo e interferem de modo significativo na rotina normal do indivíduo, no desempenho ocupacional, nas atividades habituais e nos relacionamentos. O paciente pode ter obsessão, compulsão ou ambas. A obsessão é um pensamento, sentimento, idéia ou sensação recorrente e intrusiva. Em contraste com esta, que é um acontecimento mental, a compulsão é um comportamento. Especificamente, uma compulsão é um comportamento consciente, padronizado, recorrente, como contar, verificar ou evitar. O paciente com TOC se dá conta da irracionalidade das sensações e experimenta tanto a obsessão como a compulsão como egodistônicas (i. e., comportamentos indesejáveis). Embora o ato compulsivo consista em uma tentativa de reduzir a ansiedade associada à obsessão, nem sempre existe êxito em realizá-lo. Completar o ato compulsivo pode não afetar a ansiedade, mas até aumentá-la. A ansiedade também aumenta quando o indivíduo resiste à realização da compulsão. EPIDEMIOLOGIA A prevalência durante a vida do TOC na população geral é estimada em 2 a 3%. Alguns pesquisadores referem que o transtorno é encontrado em até 10% de pacientes ambulatoriais de clínicas psiquiátricas. Esses dados fazem do TOC o quarto diagnóstico psiquiátrico mais comum, após as fobias, os transtornos relacionados a substâncias e o transtorno depressivo maior. Estudos epidemiológicos na Europa, na Ásia e na África confirmaram essas taxas, que estão além dos limites culturais. Entre os adultos, as mulheres e os homens têm probabilidade igual de serem afetados, mas, entre adolescentes, os meninos são os mais afetados. A idade média de início é de cerca de 20 anos, embora os homens tenham uma idade de início mais precoce (média de 19 anos) do que as mulheres (média de 22 anos). De modo geral, os sintomas de dois terços das pessoas afetadas têm o início antes dos 25 anos, e os sintomas de menos de 15% têm início após os 35 anos. O início pode ocorrer na adolescência ou na infância, em alguns casos até aos 2 anos de idade. Os solteiros com freqüência são mais afetados com TOC do que os casados, embora esse achado provavelmente reflita a dificuldade de manter um relacionamento, dificuldade esta que essas pessoas apresentam. O transtorno é menos comum entre os negros do que
658
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
entre os brancos, embora o acesso à assistência médica, e não as diferenças na prevalência, possa explicar essa variação. CO-MORBIDADE Os indivíduos com TOC costumam ser afetados por outros transtornos mentais. A prevalência durante a vida de transtorno depressivo maior em pessoas com TOC é de cerca de 67%, e para a fobia social, de 25%. Outros diagnósticos psiquiátricos co-mórbidos comuns incluem transtorno por uso de álcool, transtorno de ansiedade generalizada, fobia específica, transtorno de pânico, transtorno da alimentação e transtornos da personalidade. A incidência de transtorno de Tourette em pacientes com TOC é de 5 a 7%, e 20 a 30% daqueles com TOC têm história de tiques. ETIOLOGIA Fatores biológicos Neurotransmissores. SISTEMA SEROTONÉRGICO. Os vários ensaios clínicos com medicamentos apóiam a hipótese de que a desregulação da serotonina esteja envolvida na origem das obsessões e compulsões. Os dados mostram que os medicamentos serotonérgicos são mais eficazes do que aqueles que afetam outros sistemas de neurotransmissores, mas não está claro se a serotonina está envolvida na causa do TOC. Estudos clínicos dosaram as concentrações dos metabólitos da serotonina no líquido cerebrospinal (LCS) (p. ex., o ácido 5-hidroxiindolacético [5-HIAA]) e a afinidade e o número de locais de ligação nas plaquetas da imipramina (Tofranil) tritiada, que se liga a locais de recaptação da serotonina. Com base nesses experimentos, obtiveram achados variáveis nas medidas em pacientes com TOC. Em um estudo, a concentração do 5-HIAA no LCS reduziu após o tratamento com clomipramina (Anafranil), focalizando a atenção no sistema serotonérgico. SISTEMA NORADRENÉRGICO. No momento, existe menos evidência para a disfunção do sistema noradrenérgico no TOC. Relatos anedóticos mostram alguma melhora dos sintomas com a utilização oral da clonidina (Atensina), um medicamento que diminui a quantidade de norepinefrina liberada dos terminais sinápticos nervosos. NEUROIMUNOLOGIA. Há algum interesse em uma relação positiva entre a infecção por estreptococo e o TOC. A infecção pelo estreptococo β− hemolítico pode causar febre reumática, e de 10 a 30% dos pacientes desenvolvem coréia de Sydenham e exibem sintomas obsessivo-compulsivos.
Estudos com imagens cerebrais. As neuroimagens de pacientes com TOC produziram dados convergentes implicando alteração de função na circuitaria neural entre o córtex orbitofrontal, o caudado e o tálamo. Vários estudos de imagens cerebrais funcionais – p. ex., a tomografia por emissão de pósitrons (PET) – exibiram aumento da atividade (p. ex., do metabolismo e do fluxo sangüíneo) nos lobos frontais, nos gânglios basais (especialmente no caudado) e no cíngulo. O envolvimento dessas áreas na patologia do TOC parece mais associado às vias corticoestriadas do que às vias para a amígdala, que são o foco
atual de muita pesquisa sobre transtornos de ansiedade. Relatouse que os tratamentos farmacológicos e comportamentais revertem tais anormalidades (Fig. 16.4-1). Dados de estudos de imagens cerebrais funcionais são consistentes com os de estudos de imagens cerebrais estruturais. Tanto estudos de imagens com tomografia computadorizadas (TC) como com ressonância magnética (RM) encontraram bilateralmente caudados menores em pacientes com TOC. Os resultados de estudos de imagens cerebrais funcionais e estruturais são compatíveis com a observação de que os procedimentos neurológicos envolvendo o cíngulo são, por vezes, eficazes no tratamento de pacientes com o transtorno. Um estudo recente com RM relatou aumento dos tempos de relaxamento T1 no córtex frontal, um achado consistente com a localização de anormalidades descobertas em estudos com PET. Genética. Os dados genéticos disponíveis sobre o TOC apóiam a hipótese de que o mesmo tem um componente genético significativo. Contudo, não distinguem ainda os fatores hereditários da influência de efeitos culturais e comportamentais sobre a transmissão do transtorno. Estudos de concordância em gêmeos encontraram uma taxa consistente de concordância bem mais elevada em gêmeos monozigóticos do que em dizigóticos. Estudos das famílias desses pacientes demonstraram que 35% dos parentes de primeiro grau também são atingidos pelo TOC. Outros dados biológicos. Estudos eletrofisiológicos, com eletroencefalograma (EEG) de sono e neuroendócrinos contribuíram com dados que indicam alguns fatos comuns entre os transtornos depressivos e o TOC. Ocorre uma incidência mais elevada do que a habitual de anormalidades inespecíficas no EEG em pacientes com TOC. Os estudos de EEG de sono identificaram alterações semelhantes às dos transtornos depressivos, como a redução da latência para o sono com movimentos rápidos dos olhos. Os estudos neuroendócrinos também produziram algumas analogias com os transtornos depressivos, como a não-supressão no teste de supressão da dexametasona em cerca de um terço dos pacientes, e a redução da secreção do hormônio do crescimento pela infusão da clonidina. Como mencionado, os estudos sugeriram um possível elo entre um subconjunto de casos de TOC e certos tipos de síndromes de tiques motores (p. ex., com o transtorno de Tourette ou com tiques motores crônicos). Há uma taxa mais elevada de TOC, de transtorno de Tourette e de tiques motores crônicos em parentes de pacientes com transtorno de Tourette do que em parentes de indivíduos-controle, tenham estes tido TOC ou não. A maioria dos estudos de famílias de probandos com TOC tem encontrado aumento das taxas de transtorno de Tourette e de tiques motores crônicos entre os parentes, os quais têm ainda alguma forma de transtorno de tiques. Esses dados sugerem uma relação familiar, talvez genética, entre o transtorno de Tourette e os transtornos de tiques motores em alguns casos de TOC. Fatores comportamentais De acordo com os teóricos do aprendizado, as obsessões são estímulos condicionados. Um estímulo relativamente neutro passa a se associar a medo ou ansiedade por um processo de resposta
TRANSTORNOS DE ANSIEDADE
659
o primeiro não tem sintomas pré-mórbidos compulsivos, e esses traços não são necessários nem suficientes para o desenvolvimento do transtorno. Apenas 15 a 35% de pacientes com TOC têm traços obsessivos pré-mórbidos.
TOC antes do Tx com medicamentos
TOC pós o Tx com medicamentos
TOC antes do Tx comportamental
TOC após o Tx comportamental
FIGURA 16.4-1 Imagens de tomografia por emissão de pósitrons com [18F] fluorodeoxiglicose de pacientes representativos em um plano horizontal no nível médio da cabeça do núcleo caudado antes e após tratamento bem-sucedido com medicamentos (Tx com medicamentos) ou terapia comportamental (Tx comportamental) para o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). As imagens foram processadas para refletir a razão de taxa metabólica de glicose registrada por cada pixel elementar, dividida pela do cérebro inteiro. As pontas de setas indicam a cabeça do núcleo caudado direito. (A exposição segue a convenção radiológica e anatômica de colocar o lado direito na esquerda do observador.) Os exemplos foram escolhidos para ilustração por causa da exatidão do reposicionamento das imagens e porque mostram vários graus de mudança da assimetria direita-esquerda visível dos núcleos caudados antes e após o tratamento. (Reimpressa, com permissão, de Baxter LR Jr, Schwartz JM, Bergman KS, et al. Caudate glucose metabolic rate changes with both drug and behavior therapy for obsessive-compulsive disorder. Arch Gen Psychiatry. 1992, 49:685.)
condicionada, por ter sido associado a acontecimentos nocivos ou provocadores de ansiedade. Dessa forma, objetos e pensamentos previamente neutros tornam-se estímulos condicionados capazes de provocar ansiedade ou desconforto. As compulsões são estabelecidas de forma diferente. Quando o indivíduo descobre que certa ação reduz a ansiedade ligada a um pensamento obsessivo, desenvolve estratégias ativas de evitação sob a forma de compulsões ou rituais para controlar a ansiedade. De forma gradual, devido à eficiência na redução do desconforto secundário (ansiedade), as estratégias de evitação se tornam fixas, como padrões aprendidos de comportamentos compulsivos. A teoria do aprendizado provê conceitos úteis para explicar certos aspectos dos fenômenos obsessivo-compulsivos – por exemplo, a capacidade de provocar a ansiedade de idéias não necessariamente amedrontadoras por si próprias e o estabelecimento de padrões compulsivos de comportamento. Fatores psicossociais Fatores da personalidade. O TOC difere do transtorno da personalidade obsessivo-compulsiva. A maioria das pessoas com
Fatores psicodinâmicos. Sigmund Freud definiu a condição que agora se denomina TOC como neurose obsessiva. Ele presumia que havia uma retração defensiva envolvida no caso de desejos edípicos que provocavam ansiedade. Postulou ainda que o paciente com neurose obsessivo-compulsiva regredia à fase anal do desenvolvimento psicossexual. Suas teorias são discutidas a seguir. O insight psicodinâmico pode ser de grande auxílio na compreensão de problemas como adesão ao tratamento, dificuldades interpessoais e problemas de personalidade acompanhando esse transtorno do Eixo I. Muitos pacientes podem se recusar a cooperar com tratamentos eficazes, como os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs) e a terapia comportamental. Ainda que os sintomas de TOC possam ser de origem biológica, pode haver significados psicodinâmicos ligados aos mesmos. Há a possibilidade de os pacientes reforçarem a manutenção da sintomatologia por causa dos ganhos secundários. Por exemplo, um paciente cuja mãe fica em casa para cuidá-lo pode, inconscientemente, manter os sintomas de TOC porque estes favorecem a atenção da mãe. Outra contribuição da abordagem psicodinâmica envolve a compreensão das dimensões interpessoais. Estudos mostraram que os parentes se acomodam ao paciente mediante participação ativa em rituais ou modificações significativas de suas rotinas. Essa forma de acomodação se correlaciona com o estresse na família, com atitudes de rejeição contra o paciente e o mau convívio entre os membros. Por vezes, estão envolvidos nos esforços de reduzir a ansiedade do paciente ou controlar suas expressões de raiva. Esse padrão de relacionamento pode se tornar internalizado e ser recriado quando o paciente passa a ser submetido a tratamento. Ao se examinar os padrões recorrentes de relacionamentos interpessoais sob uma perspectiva psicodinâmica, os pacientes podem aprender como seu transtorno afeta os outros. Por fim, outra contribuição do pensamento psicodinâmico é o reconhecimento de precipitantes que iniciam ou exacerbam os sintomas. É comum as dificuldades interpessoais aumentarem a ansiedade e, em conseqüência, a sintomatologia. Pesquisas sugerem que o TOC pode ser precipitado por um número de estressores ambientais, especialmente aqueles envolvendo gravidez, dar à luz ou cuidados maternos e paternos dos filhos. Uma compreensão dos estressores pode auxiliar o clínico em um plano geral de tratamento que reduza os próprios acontecimentos estressantes ou seu significado para o paciente. SIGMUND FREUD. Na teoria psicanalítica clássica, o TOC era denominado neurose obsessivo-compulsiva, considerada uma regressão da fase edípica para a fase psicossexual anal do desenvolvimento. Quando os pacientes se sentem ameaçados com a ansiedade por retaliação de impulsos inconscientes ou com a perda do amor de um objeto significativo, recuam da posição edípica e regridem a um estágio emocional intensamente ambivalente, associado à fase anal. A ambivalência está associada ao desestruturar a suave fusão dos impulsos sexuais com os agres-
660
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
sivos, característico da fase edípica. A coexistência de amor e ódio dirigidos para a mesma pessoa leva o paciente à paralisia, com dúvida e indecisão. Um exemplo de como Freud percebia os sintomas do TOC é descrito por Otto Fenichel no seguinte caso:
Um paciente, que não foi analisado, queixava-se na primeira entrevista que sofria da compulsão de olhar para trás constantemente, com medo de ter deixado de examinar algo importante. Essas idéias eram predominantes; ele poderia deixar de ver uma moeda no chão, poderia ter ferido um inseto ao pisar nele, ou um inseto poderia ter caído atrás de si e necessitar de seu auxílio. Também tinha medo de tocar qualquer coisa, e sempre que tocava um objeto, precisava se convencer de que não o havia destruído. Não tinha disponibilidade para exercer uma ocupação porque as compulsões perturbavam toda sua atividade de trabalho; contudo, tinha uma paixão: limpeza de casas. Gostava de visitar seus vizinhos e limpar suas casas, apenas por divertimento. Outro sintoma, como descrito pelo paciente, era “consciência das roupas”: estava constantemente preocupado com o fato de seus ternos servirem bem ou não. Afirmou também que a sexualidade não tinha um papel importante em sua vida. Tinha relações sexuais apenas duas ou três vezes por ano, e exclusivamente com moças nas quais não tinha interesse pessoal. Mais tarde, mencionou outro sintoma. Quando criança, tinha achado sua mãe nojenta e tinha experimentado um medo terrível de tocá-la. Não havia qualquer razão para este nojo, porque a mãe era uma pessoa boa e popular. (De Fenichel O. The Psychoanalytic Theory of Neurosis. New York: Norton, 1945:274, com permissão.) Neste quadro clínico, a necessidade de limpar e não tocar está relacionada à sexualidade anal, e o nojo da mãe é uma reação contra medos incestuosos. Uma das características marcantes de pacientes com TOC é o grau com que são preocupados com agressão ou limpeza, tanto abertamente no conteúdo de seus sintomas como nas associações subjacentes a eles. Dessa forma, a psicogênese do transtorno pode se situar em alterações no crescimento e no desenvolvimento normais relacionados à fase analsádica do desenvolvimento. Ambivalência. A ambivalência é o resultado direto de uma mudança das características da vida impulsiva. É um aspecto importante de crianças normais durante a fase de desenvolvimento anal-sádica; elas sentem tanto amor como raiva assassina contra o mesmo objeto, por vezes ao mesmo tempo. Os pacientes com TOC experimentam conscientemente tanto amor como ódio contra um objeto. Esse conflito de emoções opostas é evidente nos padrões de fazer e desfazer do comportamento e na dúvida paralisante diante de escolhas. Pensamento mágico. No pensamento mágico, a regressão desvela formas precoces de pensamento, em vez de impulsos; isto é, as funções do ego, bem como as do id, são afetadas pela regressão. Inerente ao pensamento mágico é a onipotência do mesmo. As pessoas acreditam que, por pensar em um acontecimento no mundo externo, isso pode levar à sua realização sem as ações físicas intermediárias. Tal sentimento leva-os ao medo de ter um pensamento agressivo.
DIAGNÓSTICO Como parte dos critérios diagnósticos de TOC, a revisão do texto da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR) possibilita aos clínicos especificar o tipo com insight pobre, se os pacientes não reconhecem o excesso de suas obsessões e compulsões (Tab. 16.4-1).
TABELA 16.4-1 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno obsessivo-compulsivo A. Obsessões ou compulsões: Obsessões, definidas por (1), (2), (3) e (4): (1) pensamentos, impulsos ou imagens recorrentes e persistentes que, em algum momento durante a perturbação, são experimentados como intrusivos e inadequados e causam acentuada ansiedade ou sofrimento. (2) os pensamentos, impulsos ou imagens não são meras preocupações excessivas com problemas da vida real. (3) a pessoa tenta ignorar ou suprimir tais pensamentos, impulsos ou imagens, ou neutralizá-los com algum outro pensamento ou ação. (4) a pessoa reconhece que os pensamentos, impulsos ou imagens obsessivas são produto de sua própria mente (não impostos a partir de fora, como na inserção de pensamentos). Compulsões, definidas por (1) e (2) (1) comportamentos repetitivos (p. ex., lavar as mãos, organizar, verificar) ou atos mentais (p. ex., orar, contar ou repetir palavras em silêncio) que a pessoa se sente compelida a executar em resposta a uma obsessão ou de acordo com regras que devem ser rigidamente aplicadas. (2) os comportamentos ou atos mentais visam prevenir ou reduzir o sofrimento ou evitar algum evento ou situação temida; entretanto, esses comportamentos ou atos mentais não têm uma conexão realista com o que visam neutralizar ou evitar ou são claramente excessivos. B. Em algum ponto durante o curso do transtorno, o indivíduo reconheceu que as obsessões ou compulsões são excessivas ou irracionais. Nota: Isso não se aplica a crianças. C. As obsessões ou compulsões causam acentuado sofrimento, consomem tempo (tomam mais de 1 hora por dia) ou interferem significativamente na rotina, no funcionamento ocupacional (ou acadêmico), em atividades ou relacionamentos sociais habituais do indivíduo. D. Se outro transtorno do Eixo I está presente, o conteúdo das obsessões ou compulsões não está restrito a ele (p. ex., preocupação com alimentos na presença de um transtorno da alimentação; arrancar os cabelos na presença de tricotilomania; preocupação com a aparência na presença de transtorno dismórfico corporal; preocupação com drogas na presença de um transtorno por uso de substância; preocupação com ter uma doença grave na presença de hipocondria; preocupação com anseios ou fantasias sexuais na presença de uma parafilia; ruminações de culpa na presença de um transtorno depressivo maior). E. A perturbação não se deve aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., droga de abuso, medicamento) ou de uma condição médica geral.
Especificar se: Com Insight Pobre: se, na maior parte do tempo durante o episódio atual, o indivíduo não reconhece que as obsessões e compulsões são excessivas ou irracionais. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
TRANSTORNOS DE ANSIEDADE
661
CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS TABELA 16.4-3 Sintomas obsessivo-compulsivos em adultos
Pacientes com TOC muitas vezes levam suas queixas a médicos não-psiquiatras (Tab. 16.4-2). A maioria tem tanto obsessões como compulsões – até 75% em determinados levantamentos. Alguns pesquisadores e clínicos acreditam que o número pode ser mais próximo de 100% se os pacientes são avaliados com cuidado para a presença de compulsões mentais além de compulsões comportamentais. Por exemplo, uma obsessão em ferir uma criança pode ser seguida pela compulsão mental de repetir uma prece específica por um número determinado de vezes. Outros estudiosos, contudo, acreditam que alguns pacientes têm apenas pensamentos obsessivos sem compulsões. Esses têm a probabilidade de apresentar pensamentos repetitivos sobre atos sexuais ou agressivos que consideram repreensíveis. Por um critério de clareza, é melhor conceituar obsessões como pensamentos e compulsões como comportamentos. As obsessões e as compulsões têm certos aspectos em comum: uma idéia ou impulso se intromete de maneira insistente e persistente na percepção consciente do indivíduo. O sentimento de temor ansioso acompanha a manifestação central e costuma levar o indivíduo a tomar contramedidas em relação à idéia ou ao impulso inicial. A obsessão ou a compulsão é alheia ao ego, sendo experimentada como estranha à experiência do indivíduo como ser psicológico. Não importa quão vívida ou imperiosa sejam, em geral a pessoa as reconhece como absurdas e irracionais. O indivíduo que sofre de obsessões e compulsões em geral tem um forte desejo de resistir-lhes. A despeito disso, cerca da metade deles oferece pouca resistência às compulsões, embora cerca de 80% acreditem que sejam irracionais. Por vezes, supervalorizam
TABELA 16.4-2 Especialistas clínicos não-psiquiatras com probabilidade de observar pacientes com transtorno obessivo-compulsivo Especialista
Problema apresentado
Dermatologista Médico da família
Fissuras nas mãos, aparência eczematóide Membro da família com atitude de lavar excessivo, pode mencionar compulsões de contar e verificar Crença insistente de que o indivíduo adquiriu síndrome da imunodeficiência
Oncologista, internista de doenças infecciosas Neurologista
Transtorno obsessivo-compulsivo associado ao de Tourette, traumatismo craniano, epilepsia, coréia, outras lesões ou distúrbios dos gânglios basais Neurocirurgião Transtorno obsessivo-compulsivo grave, intratável Obstetra Transtorno obsessivo-compulsivo pós-parto Pediatra Preocupação dos pais sobre o comportamento da criança, em geral lavar excessivo Cardiologista pediátrico Transtorno obsessivo-compulsivo secundário a coréia de Sydenham Cirurgião plástico Consultas repetidas sobre aspectos “anormais” Dentista Lesões das gengivas por escovação excessiva dos dentes Reimpressa, com permissão, de Rapoport JL. The neurobiology of obsessivecompulsive disorder. JAMA. 1988, 260:2889.
Variável Obsessões (N = 200) Contaminação Dúvida patológica Somática Necessidade de simetria Agressiva Sexual Outra Obsessões múltiplas Compulsões (N = 200) Verificar Lavar Contar Necessidade de perguntar ou confessar Simetria e precisão Guardar Compulsões múltiplas Curso do transtorno (N = 100)a Contínuo Deteriorante Episódico Ausente Presente
% 45 42 36 31 28 26 13 60 63 50 36 31 28 18 48 85 10 2 71 29
a Idade de início: homens 17,5 ± 6,8 anos; mulheres, 20,8 ± 8,5 anos. Reimpressa, com permissão, de Rasmussen AS, Eiser JL. The epidemiology and differential diagnosis of obsessive-compulsive disorder. J Clin Psychiatry. 1992, 53 (4 suppl):6.
as obsessões e compulsões – por exemplo, podem insistir que a limpeza compulsiva é moralmente correta, ainda que tenham perdido seus empregos pelo tempo disperdiçado com essa atividade. Padrões de sintomas A apresentação de obsessões e compulsões é heterogênea em adultos (Tab. 16.4-3) e em crianças e adolescentes (Tab. 16.4-4). Os sintomas de um mesmo paciente podem se superpor e mudar com o tempo, mas o TOC possui quatro tipos de sintomas principais. Contaminação. O problema mais comum é uma obsessão de contaminação, seguida pelo lavar ou acompanhado pela evitação compulsiva do objeto tido como contaminado. O objeto temido por vezes é difícil de se evitar (p. ex., fezes, urina, poeira ou germes). Os pacientes podem, literalmente, arrancar a pele das mãos pelo lavar excessivo ou podem ser incapazes de deixar suas casas por causa do medo de germes. Embora a ansiedade seja a resposta emocional mais comum ao objeto temido, a vergonha e o nojo obsessivo também são recorrentes. Os pacientes com obsessão por contaminação, em geral, acreditam que isso se transmite de objeto a objeto ou de pessoa a pessoa com o menor contato. Dúvida patológica. O segundo tipo mais comum é a obsessão da dúvida, seguido pela compulsão de verificar. A obsessão por vezes implica certo perigo de violência (p. ex., esquecer de desligar o fogão ou não trancar a porta). O verificar pode envol-
662
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 16.4-4 Obsessões e compulsões relatadas por 70 pacientes consecutivos, crianças e adolescentes
Sintoma principal apresentado
Número (%) Sintoma relatado na entrevista iniciala
Obessão Preocupação ou nojo com excreções ou 30 (43) secreções do corpo (urina, fezes, saliva), sujeira, germes, toxinas ambientais Medo de que algo terrível possa acontecer 18 (24) (incêndio, morte ou doença de entes queridos, de si próprio e de outros) Preocupação ou necessidade de simetria, 12 (17) ordem ou exatidão Escrúpulos (rezar excessivamente ou preocupações 9 (13) religiosas fora dos padrões culturais) Números de sorte ou de azar 6 (8) Pensamentos, imagens ou impulsos sexuais proibidos ou perversos 3 (4) Sons, palavras ou músicas intrusivas 1 (1) Compulsões Lavar, usar duchas, banhos, lavar os dentes ou se enfeitar de forma excessiva ou com rituais Rituais de repetição (p. ex., sair e entrar pela porta, levantar e sentar de cadeira) Verificação de portas, fechaduras, fogão, acessórios e trava do carro Limpeza e outros rituais para evitar o contato com contaminantes Tocar Ordenar e rearranjar Medidas para evitar ferir a si próprio e a terceiros (p. ex., pendurar as roupas de determinada forma) Contar Guardar e colecionar Associação de rituais (p. ex., lamber, cuspir, padrões especiais de se vestir)
60 (85) 36 (51) 32 (46) 16 (23) 14 (20) 12 (17) 11 (16) 13 (18) 8 (11) 18 (26)
a Registrados sintomas múltiplos, de modo que o total excede 70. Reimpressa, com permissão, de Rapoport JL. The neurobiology of obsessivecompulsive disorder. JAMA. 1988,260:2889.
ver idas múltiplas até a casa para verificar o fogão, por exemplo. Os pacientes têm uma dúvida obsessiva e sempre se sentem culpados de terem esquecido ou cometido alguma coisa. Pensamentos intrusivos. No terceiro tipo, há pensamentos obsessivos intrusivos sem compulsão. Essas obsessões são, em geral, pensamentos repetitivos de um ato sexual agressivo que é repreensível para o paciente. Pacientes obcecados com pensamentos de atos agressivos ou sexuais podem se denunciar à polícia ou se confessar a um padre. Simetria. O quarto tipo é a necessidade de simetria ou precisão que pode levar a compulsão e lentidão. Os pacientes são capazes de levar horas para fazer uma refeição ou barbear o rosto. Outros padrões de sintomas. Obsessões religiosas e o poupar compulsivo são comuns em pacientes com TOC. A tricotilomalia (arrancar cabelos compulsivo) e morder as unhas podem ser compulsões relacionadas ao transtorno.
Exame do estado mental No exame do estado mental, pessoas com TOC podem mostrar sintomas de transtornos depressivos. Esses sintomas estão presentes em cerca de 50% de todos os pacientes. Alguns têm traços de caráter sugerindo transtorno da personalidade obsessivo-compulsiva (p. ex., necessidade excessiva de precisão e limpeza), mais não é comum à maioria. Os pacientes com TOC, em especial os homens, têm uma taxa superior à média de vida celibatária. Os casados apresentam uma taxa mais alta do que a quantidade comum, de discórdia conjugal. B. apresentou-se para internação psiquiátrica depois de ter sido transferida do andar de medicina geral onde estava sendo tratada por desnutrição. Ela foi encontrada inconsciente em seu apartamento por uma vizinha. Quando trazida ao pronto-socorro pela ambulância, verificou-se que estava hipotensa. No exame psiquiátrico, a paciente descreveu uma longa história de obsessões sobre limpeza, particularmente relacionada a itens da alimentação. Relatou ser difícil para ela comer qualquer alimento a menos que o lavasse 3 a 4 vezes, pois às vezes achava que o mesmo estava sujo. Referiu que lavar os alimentos reduzia a ansiedade em relação à sujeira deles. Embora relatasse tentar comer alimentos que não tinha lavado (p. ex., em um restaurante), ficava tão preocupada em contrair uma doença que não podia mais jantar fora de casa. B. confessou que suas obsessões sobre a limpeza dos alimentos tinham se tornado tão extremas nos três meses anteriores, que conseguia comer muito poucos alimentos, ainda que os lavasse em excesso. Reconheceu a natureza irracional das preocupações obsessivas, mas nunca foi capaz de se forçar para comer, ficando extremamente nervosa e nauseada após fazê-lo. (Cortesia de Daniel S. Pine, M.D.) Os pré-requisitos do DSM-IV-TR para o diagnóstico, de sofrimento pessoal e comprometimento do desempenho, diferencia o TOC de pensamentos ou hábitos comuns ou levemente excessivos.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Condições médicas As principais condições neurológicas a considerar no diagnóstico diferencial são o transtorno de Tourette, outros transtornos de tiques, epilepsia do lobo temporal e, em alguns casos, complicações pós-traumáticas e pós-encefalíticas. Transtorno de Tourette Seus sintomas característicos são os tiques motores e vocais que ocorrem com freqüência e quase todos os dias. O transtorno de Tourette e o TOC têm idade de início e sintomas semelhantes. Cerca de 90% das pessoas com o primeiro manifestam sintomas compulsivos, e até dois terços delas satisfazem os critérios diagnósticos para TOC.
TRANSTORNOS DE ANSIEDADE
Outras condições psiquiátricas As principais considerações psiquiátricas no diagnóstico diferencial do TOC são esquizofrenia, transtorno da personalidade obsessivo-compulsiva, fobias e transtornos depressivos. O TOC pode, em geral, ser distinguido da esquizofrenia pela ausência de outros sintomas esquizofrênicos, pela natureza menos bizarra dos sintomas e pelo insight sobre a condição. O transtorno da personalidade obsessivo-compulsiva não tem o grau de comprometimento do desempenho associado ao TOC. As fobias são diferenciadas pela ausência de uma relação entre os pensamentos obsessivos e as compulsões, em geral uma compulsão de evitação. O transtorno depressivo maior pode se associar a idéias obsessivas, mas os pacientes com TOC isolado deixam de satisfazer os critérios diagnósticos para transtorno depressivo maior. Outras condições psiquiátricas que podem estar ligadas ao TOC são a hipocondria, o transtorno dismórfico corporal e possivelmente outros transtornos do controle dos impulsos como a cleptomania e o jogo compulsivo. Em todas essas condições, os pacientes têm tanto um pensamento repetitivo (p. ex., preocupação com o corpo) como um comportamento repetitivo (p. ex., roubar). O comportamento compulsivo sexual também pode ter relação com o transtorno.
663
tem sido desfavorecida. Além disso, em vista de os sintomas parecerem refratários à psicoterapia psicodinâmica e à psicanálise, os tratamentos farmacológicos e comportamentais se tornaram comuns. No entanto, os fatores psicodinâmicos podem ser de benefício considerável na compreensão do que precipita as exacerbações do transtorno e no tratamento de várias formas de resistência ao mesmo, como a não-adesão aos medicamentos. Muitos pacientes com TOC resistem de forma veemente aos esforços de tratamento. Podem se recusar a tomar medicamentos e a realizar as tarefas de casa indicadas pelo terapeuta e outras atividades prescritas pelos terapeutas comportamentais. Os sintomas obsessivo-compulsivos por si só, não importa o quão baseados em dados biológicos, podem ter significados psicológicos importantes que tornem os pacientes relutantes em abandonálos. A exploração psicodinâmica da resistência ao tratamento pode melhorar a adesão. Estudos bem-controlados verificaram que a farmacoterapia, a terapia comportamental ou a combinação de ambas é eficaz para reduzir os sintomas de forma significativa. A decisão sobre que tratamento utilizar se baseia no julgamento e na experiência do clínico e na aceitação, pelo paciente, das várias modalidades. Farmacoterapia
CURSO E PROGNÓSTICO Mais da metade dos pacientes com TOC apresentam início súbito dos sintomas. Em cerca de 50 a 70% dos pacientes, ocorre após um acontecimento estressante, como gravidez, problema sexual ou morte de um parente. Em vista de muitas pessoas tratarem de manter seus sintomas em segredo, por vezes há uma demora de 5 a 10 anos antes que busquem ajuda psiquiátrica, ainda que essa defasagem esteja diminuindo com o aumento do conhecimento sobre o transtorno. O curso costuma ser longo, mas variável; alguns pacientes experimentam um curso flutuante, outros, constante. De 20 a 30% dos pacientes têm melhora significativa de seus sintomas, e 40 a 50% têm melhora moderada. Os 20 a 40% restantes ou permanecem doentes ou têm piora de seus sintomas. Cerca de um terço tem transtorno depressivo maior, e suicídio é um risco para todos os pacientes com TOC. Um mau prognóstico é indicado por ceder (em vez de resistir) às compulsões, início da infância, compulsões bizarras, necessidade de hospitalização, transtorno depressivo maior coexistente, crenças delirantes, idéias supervalorizadas (i.e., certa aceitação das obsessões e compulsões) e presença de um transtorno da personalidade (especialmente transtorno da personalidade esquizotípica). Um bom prognóstico é indicado por bom ajustamento social e ocupacional, presença de um acontecimento precipitante e natureza episódica dos sintomas. O conteúdo obsessivo não parece se relacionar ao prognóstico. TRATAMENTO Com a crescente evidência de que o TOC é, em grande parte, determinado por fatores biológicos, a teoria psicanalítica clássica
A eficácia da farmacoterapia no TOC foi comprovada em vários ensaios clínicos e é reforçada pela observação de que os estudos verificam uma taxa de resposta a placebo de apenas cerca de 5%. Os medicamentos, alguns utilizados para tratar transtornos depressivos e outros transtornos mentais, podem ser administrados em suas faixas habituais de dosagem. Os efeitos iniciais costumam ser observados após 4 a 6 semanas de tratamento, embora 8 a 16 semanas sejam, em geral, necessárias para se obter o benefício terapêutico máximo. O tratamento com antidepressivos ainda é controverso, e uma proporção significativa de pacientes com TOC que respondem ao tratamento com antidepressivos parece ter recaída quando essa abordagem é interrompida. A intervenção-padrão é iniciar o tratamento com um ISRS ou com clomipramina e, a seguir, mudar para outras estratégias farmacológicas se os medicamentos específicos para a serotonina não forem eficazes. Os serotonérgicos aumentaram para 50 a 70% a porcentagem de pacientes com TOC que têm probabilidade de responder ao tratamento. Inibidores seletivos da recaptação de serotonina. Cada um dos ISRSs disponíveis nos Estados Unidos – fluoxetina (Prozac), fluvoxamina (Luvox), paroxetina (Aropax) e sertralina (Zoloft) – foi aprovado pela Food and Drug Administration (FDA) para o tratamento do TOC. Doses mais elevadas têm sido necessárias para o efeito benéfico, como 80 mg de fluoxetina por dia. Embora os ISRSs possam causar transtornos do sono, náuseas e diarréia, cefaléia, ansiedade e inquietação, esses efeitos adversos tendem a ser transitórios e geralmente menos perturbadores do que os efeitos adversos associados aos antidepressivos tricíclicos, como a clomipramina. Os melhores resultados clínicos ocorrem quando os ISRSs são utilizados em combinação com terapia comportamental.
664
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Clomipramina. De todos os medicamentos tricíclicos e tetracíclicos, a clomipramina é o mais seletivo para a recaptação da serotonina, versus a recaptação da norepinefrina, sendo superada apenas pelos ISRSs. A potência da clomipramina em relação à recaptação da serotonina só é excedida pela sertralina e pela paroxetina. A clomipramina foi o primeiro medicamento a ser aprovado pela FDA para o tratamento do TOC. Sua dosagem deve ser aumentada de forma gradativa em 2 a 3 semanas para evitar os efeitos adversos gastrintestinais e a hipotensão ortostática e, como outros medicamentos tricíclicos, causa sedação significativa e efeitos anticolinérgicos, inclusive boca seca e obstipação. Como com os ISRSs, os melhores resultados advêm de uma combinação do medicamento com terapia comportamental. Outros medicamentos. Se o tratamento com a clomipramina ou um ISRS não é bem-sucedido, vários terapeutas potencializam o primeiro medicamento pela adição de valproato (Depakene), lítio (Carbolitium) ou carbamazepina (Tegretol). Outros agentes que podem ser tentados são a venlafaxina (Efexor), o pindolol (Visken) e os inibidores da monoaminoxidase, especialmente a fenelzina (Nardil). Alternativas farmacológicas para o tratamento dos pacientes não-responsivos incluem a buspirona (BuSpar), a 5-hidroxitriptamina (5-HT), o L-triptofano e o clonazepam (Rivotril). Terapia comportamental Embora poucas comparações tenham sido realizadas, a terapia comportamental é tão eficaz quanto a farmacoterapia no TOC, e alguns dados indicam que os efeitos benéficos são mais duradouros com a primeira. Por isso, vários clínicos consideram a terapia comportamental o tratamento de escolha para o transtorno. A abordagem comportamental pode ser conduzida em situações tanto de ambulatório como de internação hospitalar. As principais abordagens comportamentais são a exposição e a prevenção de resposta. A dessensibilização, a parada de pensamento, a inundação, a terapia por implosão e o condicionamento aversivo têm sido utilizados em pacientes com TOC. Na terapia comportamental, os pacientes precisam estar, de fato, comprometidos com a melhora. Psicoterapia Na ausência de estudos adequados sobre psicoterapia orientada para o insight, qualquer generalização válida sobre sua eficácia é difícil de se estabelecer, embora haja relatos anedóticos de êxito. Certos analistas observaram mudanças marcantes, duradouras e positivas em pacientes com transtorno da personalidade obsessivo-compulsiva, em especial quando são capazes de conciliar os impulsos agressivos subjacentes a seus traços de caráter. Da mesma forma, analistas e psiquiatras de orientação dinâmica têm observado melhora sintomática marcante em pacientes com TOC no curso de análise ou de psicoterapia prolongada visando ao insight. A psicoterapia de apoio, sem dúvida, tem seu lugar, principalmente para aqueles que, a despeito de sintomas de vários graus
de gravidade, são capazes de trabalhar e fazer ajustamentos sociais. Com o contato contínuo e regular com um profissional interessado, simpático e encorajador, podem chegar a se desempenhar bem em virtude desse auxílio, sem o que seus sintomas os incapacitariam. Às vezes, quando os rituais obsessivos e a ansiedade atingem uma intensidade intolerável, é necessário hospitalizar os pacientes até que o abrigo de uma instituição ou a remoção do estresse ambiental externo reduzam os sintomas até um nível tolerável. Os membros da família muitas vezes chegam aos limites do desespero por causa do comportamento do paciente. Qualquer processo psicoterapêutico deve incluir atenção aos membros da família para a provisão de apoio emocional, asseguramento e explicações e conselhos de como manejar e responder ao paciente. Outros tratamentos A terapia familiar costuma ser útil para apoiar a família, auxiliando a reduzir a discórdia conjugal resultante do transtorno e construindo uma aliança terapêutica para o bem do paciente. A terapia de grupo é benéfica como sistema de apoio para alguns pacientes. Para casos extremos, resistentes ao tratamento e cronicamente incapacitados, a eletroconvulsoterapia (ECT) e a psicocirurgia podem ser consideradas. A ECT não é tão eficiente como a psicocirurgia, mas deve ser tentada antes da cirurgia. O procedimento psicocirúrgico mais comum para o TOC é a cingulotomia, que tem êxito no tratamento de 25 a 30% dos pacientes de outra maneira sem resposta a intervenções. A complicação mais comum da psicocirurgia é o desenvolvimento de convulsões, que são quase sempre controladas com fenitoína. Alguns indivíduos, que não respondem à psicocirurgia isolada, à farmacoterapia ou à terapia comportamental antes da operação, passam a fazê-lo após a psicocirurgia. REFERÊNCIAS Albert U, Maina G, Bogetto F. Obsessive-compulsive disorder (OCD) and triggering life events. Eur J Psychiatry. 2000;14(3):180. Anthony MM, Swinson RP. Comparative and combined treatments for obsessive-compulsive disorder. In Sammons MT, Schmidt NB, eds. Combined Treatment for Mental disorders: A Guide to Psychological and Pharmacological Interventions. Washington, DC: American Psychological Association; 2001:53. Baxter LR, Schwartz JM, Bergman KS, et al. Caudate glucose metabolic rate changes with both drug and behavior therapy for obsessivecompulsive disorder. Arch Gen Psychiatry. 1992;49:681. Black DW, Noyes R, Goldstein RB, Blum N. A family study of obsessive-compulsive disorder. Arch Gen Psychiatry. 1992;49:362. Carter AS, Pollock RA. Obsessions and compulsions: the developmental and familial context. In: Sameroff AJ, Lewis M, et al., eds. Handbook of Developmental Psychopathology. 2nd ed. New York: Kluwer Academic/Plenum Publishers: 2000:549. Fineberg NA, Bullock T, Montgomery DB, Montgomery SA. Serotonin reuptake inhibitors are the treatment of choice in obsessive compulsive disorder. Int Clin Psychopharmacol. 1992;7 (suppl 1):43. Franklin ME, Rynn M, March JS, Foa EB. Obsessive-compulsive disorder. In: Hersen M, ed. Clinical Behavior Therapy: Adults and Children. New York: John Wiley & Sons; 2002:276.
TRANSTORNOS DE ANSIEDADE
Gorman JM, section ed. Anxiety disorders. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:1441. Greenberg BD, Murphy DL, Rasmussen SA. Neuroanatomically based approaches to obsessise-compulsive disorder: neurosurgery and transcranial magnetic stimulation. Psychiatr Clin North Am. 2000;23(3):671. Hollander E, Kaplan A. Allen A, Cartwright C. Pharmacotherapy for obsessive-compulsive disorder. Psychiatr Clin North Am. 2000;23(3): 643. Insel TR. Toward a neuroanatomy of obsessive-compulsive disorder. Arch Gen Psychiatry. 1992;49:739. Jenike MA, ed. Obsessional disorders. Psychiatr Clin North Am. 1992;15:743. Matthew SJ, Simpson HB, Fallon BA. Treatment strategies for obsessive compulsive disorder. Psychiatr Ann. 2000;30(11):699. McDougle CJ, Gordman WK, Price LH. The pharmacotherapy obsessive-compulsive disorder. Pharmacopsychiatry. 1993;26(suppl):24. Micallef J, Blin O. Neurobiology and clinical pharmacology of obsessive-compulsive disorder. Clin Neuropharmacol. 2001;24(4):191. Nelson E, Rice J. Stability of diagnosis of obsessive-compulsive disorder in the epidemiologic catchment area study. Am J Psychiatry. 1997;154:826. Neziroglu F, Hsia C, Yaryura-Tobias JA. Behavioral, cognitive, and family therapy for obsessive-compulsive and related disorders. Psychiatr Clin North Am. 2000;23(3):657. Pigott TA. OCD: where the serotonin selectivity story begins. J Clin Psychiatry. 1996;57(suppl 6):11. Prather RC. Obsessive-compulsive disorder. In: Hersen M, Bellack AS, eds. Psychopathology Adulthood. 2nd ed. Needham Heights, MA: Allyn & Bacon: 2000:232. Saxena S, Bota RG, Brody AL. Brain-hehavior relationships in obsessive-compulsive disorder. Semin Clin Neuropsychiatry. 2001;6(2):82. Bull Menninger Clin 2001;65(1):4. Wolff M, Alsobrook JP II, Pauls DL. Genetic aspects of obsessive-compulsive disorder. Psychiatry Clin North Am. 2000;23(3):535.
16.5 Transtorno de estresse pós-traumático e transtorno de estresse agudo O transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) é uma condição que se desenvolve quando uma pessoa vê, ouve ou é envolvida por um estressor traumático extremo. Ela reage a essa experiência com medo e impotência, revive de forma persistente o acontecimento e tenta evitar lembrar-se dele. Para se fazer o diagnóstico, os sintomas devem durar por mais de um mês após o acontecimento e afetar de modo significativo áreas importantes da vida, como a familiar e a profissional. A revisão do texto da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR) define uma condição que é semelhante ao TEPT, denominada transtorno de estresse agudo, que ocorre mais precocemente do que o primeiro (dentro de quatro semanas do acontecimento) e que tem remissão dentro de dois dias a quatro semanas. Se os sintomas persistem após esse tempo, o diagnóstico de TEPT é indicado. Os estressores que causam tanto o transtorno de estresse agudo como o TEPT levam a uma sobrecarga suficiente para afetar
665
praticamente qualquer um. Podem se originar de experiências na guerra, tortura, catástrofes naturais, assaltos, estupro e acidentes graves, como, por exemplo, em carros e em edifícios incendiados. As pessoas revivem o evento traumático em seus sonhos e em seus pensamentos diários, que são determinados para evitar qualquer coisa que traga o acontecimento à mente, e podem determinar uma redução da reatividade, junto com um estado de hipervigilância. Ocorrem ainda sintomas como depressão, ansiedade e dificuldades cognitivas, como má concentração. HISTÓRIA Em vista da presença de sintomas cardíacos autonômicos, coração de soldado foi o nome dado durante a guerra civil americana a uma síndrome semelhante ao TEPT. O artigo de Jacob DaCosta, de 1871, On Irritable Heart (“Sobre coração irritável”), descrevia os soldados com a síndrome. No século XX, a influência da psicanálise foi forte, particularmente nos Estados Unidos, e os clínicos aplicavam o diagnóstico de neurose traumática a essa condição. Na I Guerra Mundial, era denominada choque de granadas (shell shock) e levantou-se a hipótese de que resultava de traumatismo cerebral causado pela explosão de granadas. Em 1941, os sobreviventes de um incêndio de uma boate lotada de Boston, a Coconut Grove, exibiam aumento de nervosismo, fadiga e pesadelos. Veteranos da II Guerra Mundial, sobreviventes de campos de concentração nazistas e sobreviventes de lançamento de bombas atômicas no Japão tinham sintomas semelhantes, muitas vezes denominados neurose de combate ou fadiga operacional. A morbidade psiquiátrica associada aos veteranos da Guerra do Vietnã trouxe consigo o conceito de transtorno de estresse pós-traumático, como é atualmente conhecido. Em todas essas situações traumáticas, o aparecimento do transtorno foi correlacionado à gravidade do estressor; os estresses mais graves (p. ex., encarceramento em campos de concentração) levaram à sua ocorrência em mais de 75% das vítimas.
EPIDEMIOLOGIA A prevalência durante a vida é estimada em cerca de 8% na população em geral, embora 5 a 15% dela possam experimentar formas subclínicas do transtorno. Entre os grupos de alto risco cujos membros experimentaram acontecimentos traumáticos, a prevalência durante a vida varia de 5 a 75%. Cerca de 30% dos veteranos do Vietnã experimentaram TEPT, e 25% manifestaram formas subclínicas. A prevalência durante a vida é de cerca de 10 a 12% entre as mulheres e de 5 a 6% entre os homens. Embora o TEPT possa aparecer em qualquer idade, é mais prevalente em adultos jovens, porque estes tendem a se expor mais a situações que o precipitam. As crianças também podem ter a condição (discutido a seguir). Homens e mulheres diferem em relação aos tipos de traumas a que são expostos e à probabilidade de desenvolver o transtorno. A prevalência durante a vida é bem mais alta entre mulheres, e uma proporção mais alta de mulheres vem a desenvolver o TEPT. Historicamente, os traumatismos dos homens costumavam ser experiências em combate e, das mulheres, assalto ou estupro. O transtorno tem mais probabilidade de ocorrer entre solteiros, divorciados, viúvos, socialmente reclusos ou de
666
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
baixo nível socioeconômico. Os fatores de risco mais importantes, contudo, são a gravidade, a duração e a proximidade da pessoa à exposição ao trauma real. Parece haver um padrão familiar para a condição, e os parentes biológicos de primeiro grau de pessoas com história de depressão têm aumento de risco para o desenvolvimento de TEPT após a exposição a um acontecimento traumático. CO-MORBIDADE As taxas de co-morbidade são altas entre os pacientes com TEPT, com cerca de dois terços tendo pelo menos dois outros transtornos. Condições associadas incluem transtorno depressivo, transtorno relacionado a substâncias, outros transtornos de ansiedade e transtorno bipolar. O transtorno co-mórbido torna as pessoas mais vulneráveis ao desenvolvimento do TEPT. ETIOLOGIA Estressor Por definição, o estressor é a principal causa do desenvolvimento do TEPT. Contudo, nem todos experimentam o transtorno após um evento traumático. O estressor por si só não é suficiente para causá-lo. Os clínicos precisam considerar também fatores individuais preexistentes biológicos e psicossociais e acontecimentos que tenham ocorrido antes e depois do traumatismo. Por exemplo, um membro do grupo que passou por um desastre pode, muitas vezes, lidar com o problema porque outros compartilharam sua experiência. O significado subjetivo do estressor para a pessoa também é importante. Por exemplo, os sobreviventes de uma catástrofe podem experimentar o sentimento de culpa (culpa do sobrevivente), o que pode predispor ou exacerbar o TEPT. Fatores de risco Como mencionado, mesmo quando confrontadas com traumatismos excessivos, muitas pessoas não experimentam os sintomas do TEPT. O National Comorbidity Study verificou que 60% dos homens e 50% das mulheres tiveram contato com algum traumatismo significativo, enquanto a prevalência relatada durante a vida do TEPT foi de apenas 6,7%. De forma similar, acontecimentos que podem parecer triviais ou menos do que catastróficos para a maioria das pessoas são capazes produzir o transtorno em algumas. A Tabela 16.5-1 resume os fatores de vulnerabilidade que parecem ter um papel etiológico no TEPT. Fatores psicodinâmicos O modelo psicanalítico do transtorno postula a hipótese de que o traumatismo reativou um conflito psicológico prévio adormecido e ainda não-resolvido. A evocação do trauma da infância leva à regressão e ao uso dos mecanismos de defesa de repressão, nega-
TABELA 16.5-1 Fatores de vulnerabilidade predisponentes no transtorno de estresse pós-traumático Presença de trauma na infância Traços de personalidade borderline, paranóide, dependente ou antisocial Sistema de apoio inadequado da família ou de colegas Ser mulher Vulnerabilidade genética a doença psiquiátrica Mudanças estressantes recentes na vida Percepção de um local externo de controle (causa natural), em vez de interno (causa humana) Ingestão excessiva recente de álcool
ção, formação reativa e anulação. De acordo com Freud, ocorre uma dissociação (splitting) da consciência em pacientes que relatam história de trauma sexual na infância. Além disso, conflito preexistente pode ser simbolicamente reativado pelo novo evento traumático. O ego revive e, dessa forma, tenta dominar e reduzir a ansiedade. Os temas psicodinâmicos do TEPT estão resumidos na Tabela 16.5-2. Pessoas que sofrem de alexitimia, a incapacidade de identificar e verbalizar estados de sentimentos, são incapazes de se autoconfortar quando sob estresse. Fatores cognitivo-comportamentais O modelo cognitivo do TEPT postula que as pessoas afetadas não podem processar ou racionalizar o trauma que precipitou o transtorno. Elas continuam a experimentar o estresse e tentam evitá-lo por técnicas de evitação. Consistente com sua capacidade parcial de lidar de forma cognitiva com o acontecimento, podem experimentar períodos alternativos de reconhecer e de bloquear o acontecimento. Pensa-se que a tentativa do cérebro em processar a massa enorme de informação provocada pelo traumatismo possa produzir esses períodos alternativos. O modelo comportamental do TEPT focaliza duas fases de seu desenvolvimento. Primeiro, o trauma (estímulo nãocondicionado) que produz a resposta de medo é associado, por meio do condicionamento clássico, ao estímulo condicionado (os fatos físicos ou mentais que relembram o trauma, tais como impressões visuais, odores ou sons). Segundo, pelo aprendizado instrumental,
TABELA 16.5-2 Temas psicodinâmicos no transtorno de estresse pós-traumático O significado subjetivo de um estressor pode determinar seu poder traumatogênico. Acontecimentos traumáticos podem entrar em ressonância com traumas da infância. A incapacidade de regular os afetos pode ser resultado do trauma. A somatização e a alexitimia podem estar entre os efeitos posteriores do trauma As defesas comumente utilizadas incluem negação, minimização, dissociação (splitting), desconsideração projetiva, dissociação e culpa (como defesa contra a impotência subjacente). As formas das relações de objetos envolvem projeção e introjeção dos seguintes papéis: salvador onipotente, abusador e vítima.
TRANSTORNOS DE ANSIEDADE
os estímulos condicionados desencadeiam a resposta de medo independentemente do estímulo original não-condicionado, e as pessoas desenvolvem um padrão de evitar tanto o estímulo condicionado como o não-condicionado. Algumas delas também obtêm ganhos secundários, com freqüência compensação monetária, aumento da atenção e da simpatia ou satisfação de necessidades de dependência. Esses ganhos reforçam o transtorno e sua persistência. Fatores biológicos As teorias biológicas sobre o TEPT se desenvolveram tanto a partir de estudos pré-clínicos com modelos animais de estresse como de medidas de variáveis biológicas em populações clínicas com a condição. Vários sistemas de neurotransmissores têm sido implicados por ambos os conjuntos de dados. Os modelos pré-clínicos de desamparo aprendido, ativação (kindling) e sensibilização em animais levaram a teorias sobre a norepinefrina, a dopamina, opióides endógenos, os receptores para benzodiazepínicos e o eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal (HHA). Em populações clínicas, os dados têm apoiado as hipóteses de que os sistemas noradrenérgico e de opióides endógenos, bem como o eixo HHA, estão hiperativos pelo menos em alguns pacientes com TEPT. Outros achados biológicos consistentes são o aumento da atividade e da predisposição à resposta do sistema nervoso autônomo, como evidenciado por aumento nas leituras da freqüência cardíaca e da pressão arterial e pela arquitetura anormal do sono (p. ex., fragmentação e aumento da latência). Alguns pesquisadores sugeriram uma semelhança entre o TEPT e dois outros transtornos psiquiátricos, o depressivo maior e o de pânico. SISTEMA NORADRENÉRGICO. Soldados com sintomas semelhantes aos do TEPT exibem nervosismo, aumento da pressão arterial e da freqüência cardíaca, palpitações, suores, rubores e tremores – sintomas associados a medicamentos adrenérgicos. Estudos verificaram aumento das concentrações de epinefrina na urina de 24 horas em veteranos com TEPT e aumento das concentrações de catecolaminas urinárias em meninas que sofreram abuso sexual. Mais ainda, os receptores α2-adrenérgicos das plaquetas e β-adrenérgicos dos linfócitos sofrem downregulation no TEPT, possivelmente em resposta às concentrações elevadas das catecolaminas. Cerca de 30 a 40% dos pacientes relatam retornos de imagens (flashbacks) após a administração de ioimbina (Yomax). Esses achados têm forte evidência de alteração de função no sistema noradrenérgico no TEPT.
Anormalidades neste sistema são sugeridas pelas concentrações plasmáticas baixas de betaendorfina no TEPT. Veteranos de combate demonstram resposta analgésica reversível à naloxona (Narcan) a estímulos relacionados a combates, levantando a possibilidade de hiper-regulação do sistema de opióides, semelhante à do eixo HHA. Um estudo demonstrou que o nalmafeno (Revex), um antagonista dos receptores de opióides, foi útil na redução dos sintomas de TEPT em veteranos de combate.
SISTEMA DE OPIÓIDES.
(CRF) E O EIXO HHA. Vários fatores apontam para uma disfunção do eixo HHA. Estudos demonstraram baixas concentrações do cortisol livre no plasma e na urina no TEPT. Há mais receptores para glicocorticóides
FATOR DE LIBERAÇÃO DA CORTICOTROPINA
667
nos linfócitos, e o teste com o CRF exógeno leva a uma resposta atenuada do ACTH. Mais ainda, a supressão do cortisol com baixa dose de dexametasona (Decadron) está aumentada no transtorno. Isso indica uma hiper-regulação do eixo HHA nesses pacientes. Também foi revelado um aumento da hiper-supressão do cortisol em pacientes expostos a traumas que desenvolveram TEPT, comparados com aqueles expostos a traumas que não o desenvolveram, indicando que essa alteração pode estar relacionada especificamente ao TEPT e não apenas ao trauma. De modo geral, a hiper-regulação do eixo HHA difere da atividade neuroendócrina habitualmente observada durante o estresse e em outros transtornos, como na depressão. Há pouco, o papel do hipocampo recebeu mais atenção, embora o tema permaneça controverso. Achados animais verificaram que o estresse se associa a modificações estruturais no hipocampo, e estudos de veteranos de combate com TEPT revelaram um volume abaixo da média da região do hipocampo. Além disso, pesquisadores sugeriram que esta estrutura não é, necessariamente, a única área do cérebro a exibir alterações estruturais no transtorno, uma vez que estudos de depressão verificaram efeitos similares na amígdala e no córtex pré-frontal. DIAGNÓSTICO Os critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para o TEPT (Tab. 16.5-3) especificam que os sintomas de evitação, experienciar e hipervigilância devem durar mais de um mês. Para pacientes cujos sintomas tenham estado presentes por menos tempo, o diagnóstico apropriado pode ser transtorno de estresse agudo (Tab. 16.5-4). Esses critérios permitem aos clínicos especificar se o transtorno é agudo (caso os sintomas durem menos de três meses) ou crônico (se duram três meses ou mais). O DSM-IV-TR também permite especificar se o início foi tardio, se ocorreu seis meses ou mais após o evento estressante. Um exemplo de um transtorno de estresse agudo que não progrediu a TEPT, como resultado de um tratamento oportuno, é apresentado na vinheta a seguir. Um homem de 40 anos de idade assistiu ao ataque terrorista de 11 de setembro de 2001 ao World Trade Center (discutido a seguir) na televisão. Em seguida, desenvolveu sentimentos de pânico associado a pensamentos de que iria morrer. O pânico desapareceu em poucas horas; contudo, nas noites seguintes, teve pesadelos com pensamentos obsessivos sobre a morte. Procurou ajuda e relatou ao psiquiatra que sua mulher tinha morrido em um acidente de avião 10 anos antes. Ele descreveu ter se adaptado “normalmente” a essa perda e estava consciente de que seus sintomas atuais provavelmente estavam relacionados àquele evento traumático. Na exploração adicional, na psicoterapia breve, deu-se conta de que sua reação à morte da esposa tinha sido reprimida e que seu relacionamento com ela era ambivalente. Na época de sua morte, ele pensava em divórcio e, com freqüência, desejava que ela morresse. Nunca havia resolvido de todo o processo de luto pela esposa, e sua reação catastrófica ao ataque terrorista foi, em parte, relacionado àqueles sentimentos reprimidos. Ele foi capaz de reconhecer seus sentimentos de culpa para com a esposa e a necessidade de punição manifestada pelo pensamento de que iria morrer.
668
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 16.5-3 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno de estresse pós-traumático A. Exposição a um evento traumático no qual os seguintes quesitos estiveram presentes: (1) a pessoa vivenciou, testemunhou ou foi confrontada com um ou mais eventos que envolveram morte ou grave ferimento, reais ou ameaçados, ou uma ameaça à integridade física, própria ou alheia (2) a resposta da pessoa envolveu intenso medo, impotência ou horror. Nota: Em crianças, isso pode ser expressado por um comportamento desorganizado ou agitado B. O evento traumático é persistentemente revivido em uma (ou mais) das seguintes maneiras: (1) recordações aflitivas, recorrentes e intrusivas do evento, incluindo imagens, pensamentos ou percepções. Nota: Em crianças pequenas, podem ocorrer jogos repetitivos, com expressão de temas ou aspectos do trauma (2) sonhos aflitivos e recorrentes com o evento. Nota: Em crianças, podem ocorrer sonhos amedrontadores sem conteúdo identificável (3) agir ou sentir como se o evento traumático estivesse ocorrendo novamente (inclui um sentimento de revivência da experiência, ilusões, alucinações e episódios de flashbacks dissociativos, inclusive aqueles que ocorrem ao despertar ou quando intoxicado). Nota: Em crianças pequenas, pode ocorrer reencenação específica do trauma. (4) sofrimento psicológico intenso quando da exposição a indícios internos ou externos que simbolizam ou lembram algum aspecto do evento traumático (5) reatividade fisiológica na exposição a indícios internos ou externos que simbolizam ou lembram algum aspecto do evento traumático C. Esquiva persistente de estímulos associados com o trauma e entorpecimento da reatividade geral (ausente antes do trauma), indicados por três (ou mais) dos seguintes quesitos: (1) esforços no sentido de evitar pensamentos, sentimentos ou conversas associadas com o trauma (2) esforços no sentido de evitar atividades, locais ou pessoas que ativem recordações do trauma (3) incapacidade de recordar algum aspecto importante do trauma (4) redução acentuada do interesse ou da participação em atividades significativas (5) sensação de distanciamento ou afastamento em relação a outras pessoas (6) faixa de afeto restrita (p. ex., incapacidade de ter sentimentos de carinho) (7) sentimento de um futuro abreviado (p. ex., não espera ter uma carreira profissional, casamento, filhos ou um período normal de vida) D. Sintomas persistentes de excitabilidade aumentada (ausentes antes do trauma), indicados por dois (ou mais) dos seguintes quesitos: (1) dificuldade em conciliar ou manter o sono (2) irritabilidade ou surtos de raiva (3) dificuldade em concentrar-se (4) hipervigilância (5) resposta de sobressalto exagerada E. A duração da perturbação (sintomas dos Critérios B, C e D) é superior a um mês. F. A perturbação causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. Especificar se: Agudo: se a duração dos sintomas é inferior a três meses Crônico: se a duração dos sintomas é superior a três meses Especificar se: Com Início Tardio: se o início dos sintomas ocorre pelo menos seis meses após o estressor De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyrigth 2000, com permissão.
TABELA 16.5-4 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno de estresse agudo A. Exposição a um evento traumático no qual os seguintes quesitos estiveram presentes: (1) a pessoa vivenciou, testemunhou ou foi confrontada com um ou mais eventos que envolveram morte ou graves ferimentos, reais ou ameaçados, ou uma ameaça à integridade física, própria ou alheia (2) a resposta da pessoa envolveu intenso medo, impotência ou horror B. Enquanto vivenciava ou após vivenciar o evento aflitivo, o indivíduo manifesta três (ou mais) dos seguintes sintomas dissociativos: (1) sentimento subjetivo de anestesia, distanciamento ou ausência de resposta emocional (2) redução da consciência quanto às coisas que o rodeiam (p. ex., “estar como em um sonho”) (3) desrealização (4) despersonalização (5) amnésia dissociativa (i.e., incapacidade de recordar um aspecto importante do trauma) C. O evento traumático é persistentemente revivido, no mínimo, de uma das seguintes maneiras: imagens, pensamentos, sonhos, ilusões e episódios de flashbacks recorrentes, sensação de reviver a experiência, ou sofrimento quando da exposição a lembranças do evento traumático. D. Acentuada esquiva de estímulos que provocam recordações do trauma (p. ex., pensamentos, sentimentos, conversas, atividades, locais e pessoas). E. Sintomas acentuados de ansiedade ou maior excitabilidade (p. ex., dificuldade para dormir, irritabilidade, fraca concentração, hipervigilância, resposta de sobressalto exagerada, inquietação motora). F. A perturbação causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo e prejudica sua capacidade de realizar alguma tarefa necessária, tal como obter o auxílio necessário ou mobilizar recursos pessoais, contando aos membros da família acerca da experiência traumática. G. A perturbação tem duração mínima de dois dias e máxima de quatro semanas, e ocorre dentro de quatro semanas após o evento traumático. H. A perturbação não se deve aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., droga de abuso, medicamento) ou de uma condição médica geral, não é mais bem-explicada por um transtorno psicótico breve, nem representa uma mera exacerbação de um transtorno preexistente do Eixo I ou Eixo II. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS As principais manifestações clínicas do TEPT são a reexperiência dolorosa do acontecimento, uma padrão de evitação e de abafamento emocional e uma hipervigilância quase constante. A condição pode não se desenvolver até meses ou mesmo anos após o acontecimento. O exame do estado mental por vezes revela sentimentos de culpa, rejeição e humilhação. Os pacientes podem também descrever estados dissociados e ataques de pânico, inclusive ilusões e alucinações. Os sintomas associados podem incluir agressão, violência, falta de controle dos impulsos, depressão e transtornos relacionados a drogas. Testes cognitivos podem revelar comprometimento da memória e da atenção. Os pacientes apresentam escores elevados em Sc, D, F e P no teste Minnesota Mul-
TRANSTORNOS DE ANSIEDADE
tiphasic Personality Inventory (MMPI), e os achados no teste de Rorschach em geral incluem material agressivo e violento. F. procurou tratamento por sintomas que desenvolveu após um acidente de automóvel, que ocorreu cerca de seis semanas antes da avaliação psiquiátrica. Quando dirigia em direção ao trabalho em uma manhã de janeiro, perdeu o controle do carro em uma rodovia coberta de gelo. Seu carro derrapou e ficou fora de controle, andando na contramão, o que o fez colidir com outro carro e atingir um pedestre próximo. O paciente ficou trancado no carro por três horas, enquanto trabalhadores de resgate cortavam a porta do veículo. No encaminhamento, relatou pensamentos intrusivos freqüentes sobre o acidente, inclusive pesadelos sobre o acontecimento e visões recorrentes de seu carro se chocando contra o pedestre. Contou que havia modificado sua rota no caminho para o trabalho para evitar a cena do acidente, e que se descobriu mudando de canal na televisão sempre que aparecia um anúncio de pneus para neve. F. descreveu dificuldade freqüente de adormecer, dificuldade de concentração e aumento de atenção ao ambiente, em especial quando dirigia. Transtorno de estresse pós-traumático em crianças e adolescentes O TEPT ocorre em crianças e adolescentes, ainda que a maioria dos estudos sobre o mesmo tenha enfocado adultos. O DSM-IVTR refere quase nada sobre o TEPT e seus efeitos em crianças pequenas, exceto ao descrever sintomas como sonhos repetitivos sobre o acontecimento, pesadelos de monstros e desenvolvimento de sintomas físicos como dores de estômago e de cabeça. Taxas elevadas de TEPT foram documentadas em crianças expostas a situações que ameaçam a vida, como combates e outros traumas relacionados a guerras, seqüestros, doenças ou queimaduras graves, transplante de medula óssea e uma gama de desastres naturais ou provocados. Estudos de vítimas jovens como testemunhas de assaltos criminosos, violência doméstica ou violência na comunidade revelaram elevada morbidade psiquiátrica seguindo-se à exposição à violência. Como era de se esperar, a prevalência de TEPT é mais elevada em crianças do que em adultos expostos ao mesmo estressor. Em certas situações, até 90% delas desenvolveram-no. Em geral, o TEPT tem sido subestimado nessa população. Os fatores de risco em crianças incluem aspectos demográficos (p. ex., idade, sexo, nível socioeconômico), outros acontecimentos da vida (positivos e negativos), cognições sociais e culturais, co-morbidade psiquiátrica e estratégias inerentes de manejo de estresse. Fatores familiares (p. ex., psicopatologia e desempenho dos pais, estado conjugal e educação) têm papel-chave na determinação dos sintomas. A resposta dos pais aos eventos traumáticos influenciam particularmente as crianças pequenas, que podem não compreender, em sua totalidade, a natureza do trauma ou de seu perigo inerente. Estressores. Os estressores em crianças podem ser traumas súbitos evocados por um único incidente ou traumas continua-
669
dos ou crônicos, como abuso físico ou sexual. Elas também sofrem com o resultado a exposições “indiretas” – isto é, morte nãotestemunhada ou ferimento de um ente querido, como em situações de desastre, guerra ou violência na comunidade. Reencenação e reexperimentação. As crianças, como os adultos, reexperimentam o acontecimento traumático em forma de lembranças, flashbacks e sonhos perturbadores e intrusivos. Os pesadelos podem se ligar especificamente ao tema do trauma ou se generalizar como outros medos. Ocorrem flashbacks em crianças, bem como em adolescentes ou adultos. “O brincar traumático”, uma forma específica de reexperimentar observada em crianças pequenas, consiste no encenar repetitivo do trauma ou de temas relacionados a ele por meio de brinquedos. As mais velhas podem incorporar aspectos do trauma em suas vidas em um processo denominado reencenação. Ações fantasiadas de intervenção ou vingança são comuns; deve-se considerar o aumento do risco para atuação impulsiva secundária a fantasias de raiva e vingança em adolescentes. Comportamentos relacionados em crianças e adolescentes vítimas de trauma incluem atuação sexual, abuso de drogas e delinqüência. As crianças por vezes se tornam reclusas e exibem diminuição do interesse em atividades antes prazerosas. Comportamentos regressivos, como enurese ou medo de dormir só, também podem ocorrer. Síndrome da Guerra do Golfo Na Guerra do Golfo Pérsico contra o Iraque, que começou em 1990 e terminou em 1991, cerca de 700 mil soldados norte-americanos serviram nas forças de coalizão. Embora as taxas de morbidade e mortalidade tenham sido mínimas em comparação com outras guerras, em seu retorno, mais de 100 mil veteranos relataram uma ampla gama de problemas de saúde, incluindo irritabilidade, fadiga crônica, dispnéia, dores musculares e articulares, cefaléia do tipo enxaqueca, distúrbios digestivos, exantemas, perda de cabelo, esquecimento e dificuldade de concentração. Em conjunto, esses sintomas são chamados de síndrome da Guerra do Golfo, mas nenhuma agência do governo norte-americano identificou sua causa. Muitos veteranos acreditam que seus distúrbios foram causados pela exposição a agentes biológicos e químicos, como a fumaça dos poços e depósitos de petróleo em chamas ou mostarda e outros gases tóxicos para nervos. O Departamento de Defesa Americano reconhece que até 20 mil soldados servindo na área de combate podem ter sido expostos a armas químicas, mas negam que os sintomas sejam conseqüência de efeitos de exposição química. A melhor evidência indica que a condição é um distúrbio que, em alguns casos, pode ter sido precipitado pela exposição a uma toxina não-identificada (Tab. 16.5-5). Um estudo recente sobre perda de memória verificou modificação estrutural no lobo parietal direito de 18 homens com síndrome da Guerra do Golfo, com a utilização de ressonância magnética espectroscópica. Verificou-se que esses distúrbios cerebrais se correlacionavam a sintomas clínicos específicos. Nenhum dado referiu que as lesões dos gânglios basais e a disfunção subseqüente de neurotransmissores nos veteranos podiam prever uma base neurológica para a condição. O número significativo de veteranos
670
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 16.5-5 Síndromes associadas com exposição tóxicaa Síndrome
Características
1
Cognição prejudicada Repelente de inseto contendo N, N’-dietil-m-toluamida (DEETb) absorvido através da pele Confusão-ataxia Exposição a armas químicas, como sarin Artromioneuropatia Repelente de inseto contendo DEETb em combinação com piridostigminac oral
2 3
Possíveis toxinas
a As três síndromes envolvem um grupo relativamente pequeno (N=249) de veteranos e baseiam-se em descrição e seleção auto-relatada. Os dados são de R. W. Haley e T. L. Kurt. b DEET é um composto carbonato usado como repelente de inseto. Concentrações acima de 30% de DEET são neurotóxicas em crianças. O repelente militar continha 75%. (DEET está disponível em concentrações de 100% como preparação de balcão não-regulada, geralmente vendida em lojas de esportes.) c A maior parte das tropas norte-americanas tomou baixa dose de piridostigmina (Mestinon, 30 mg a cada oito horas) por aproximadamente cinco dias em 1991 para proteger contra exposição ao agente nervoso soman.
TABELA 16.5-6 Epônimos e sintomas de transtorno de estresse pós-traumático em várias guerras norte-americanas Guerra
Transtorno
Guerra Civil
“Coração irritável”: fadiga, falta de ar, palpitações, cefaléia, sudorese excessiva, tontura, sono perturbado, desmaio I Guerra Mundial “Síndrome de esforço”: fadiga, falta de ar, palpitações, cefaléia, sudorese excessiva, tontura, sono perturbado, desmaio, dificuldade de concentração II Guerra Mundial “Reação de estresse de combate”: fadiga, falta de ar, palpitações, cefaléia, sudorese excessiva, tontura, sono perturbado, desmaio, dificuldade de concentração, esquecimento Guerra do Vietnã “Transtorno de estresse pós-traumático”: fadiga, falta de ar, palpitações, cefaléia, dor nos músculos e articulações, tontura, sono perturbado, dificuldade de concentração, esquecimento Guerra do Golfo “Síndrome da Guerra do Golfo”: fadiga, falta de ar, cefaléia, dor nos músculos e articulações, sono perturbado, dificuldade de concentração, esquecimento Adaptada de Hymans KC, Wignall FS, Roswell P. Guerra, Syndromes and their evaluation: from the US Civil War to the Persian Gulf War. Ann Intern Méd. 1996;125:398.
desenvolveu esclerose lateral lamiotrófica (ELA), que se considera decorrer de mutações genéticas. Vários estudos constataram taxas mais elevadas de queixas físicas e sofrimento psicológico em veteranos que estiveram concentrados na região do Golfo Pérsico do que entre os que ficaram sediados na Alemanha ou nos Estados Unidos durante o conflito, mesmo após serem controlados os efeitos demográficos. Isso, contudo, pode ser o resultado de toxinas na região e não simplesmente do estresse. O TEPT (e em seus sintomas correlatos) é uma condição bem-documentada que ocorre em tempos de guerra. Foi pela primeira vez identificado após a Guerra Civil (Tab. 16.5-6) e tem sido observado em cada guerra desde então, embora com nomes diferentes. Além disso, vários estudos de veteranos da Guerra do Golfo verificaram taxas mais baixas do transtorno do que as encontradas entre veteranos de guerras anteriores, o que pode sustentar a noção de uma síndrome separada. Contudo, alguns pacientes podem, de fato, ter transtornos do humor e de ansiedade tratáveis, que não são diagnosticados porque seus sintomas são principalmente somáticos. Queixas dessa condição alegadas por veteranos da Guerra do Golfo que procuram pagamento por incapacidade não têm sido consideradas em 90% dos casos julgados. Estudos estão em curso para esclareceu a situação, mas o moral de milhares de veteranos atingidos foi seriamente atingido, e a confiança no interesse do Departamento de Defesa acerca das doenças, como resultado, ficou comprometida. O órgão concordou em pagar indenização a veteranos que desenvolveram ELA. Em um editorial de 1997 no Journal of The American Medical Association, a relação da síndrome da Guerra do Golfo Pérsico com o estresse foi examinada, como se segue: Os médicos devem reconhecer que muitos veteranos da Guerra do Golfo estão experimentando problemas relacionados ao estresse e às suas conseqüências físicas. Essas condições não devem ser nem ocultas nem negadas, mas, ao contrário, são entidades reconhecidas que têm sido
estudadas de forma extensiva em sobreviventes de guerras passadas, mais notavelmente na Guerra do Vietnã. Como médicos, não devemos aceitar um diagnóstico de transtorno relacionado ao estresse em veteranos antes de excluir fatores físicos tratáveis, mas, ao mesmo tempo, necessitamos reconhecer a presença global de doenças a ele relacionadas, como hipertensão, fibromialgia e fadiga crônica, e lidar com essas manifestações de forma apropriada. Como nação, devemos ir além da idéia falaciosa de que as doenças da mente ou não são reais ou são vergonhosas, e reconhecer que mente e corpo estão ligados de forma inextrincável.
Tortura A tortura intencional física e psicológica de um ser humano por outro pode ter efeitos emocionalmente danosos, comparáveis, ou talvez piores, do que os observados em combates e em outras formas de trauma. Como definida pelas Nações Unidas, a tortura é o ato de infringir deliberadamente dor ou sofrimento mental grave, em geral por meio de tratamento ou punição cruel, desumano ou degradante. Essa definição ampla inclui várias formas de violências interpessoal, desde abuso crônico doméstico até genocídio em grande escala. De acordo com a Anistia Internacional, a tortura é comum e difundida em mais de 150 países em todo o mundo onde a violação dos direitos humanos foi documentada. Estimativas recentes indicam que entre 5 e 35% dos 14 milhões de refugiados do mundo tiveram, pelo menos, uma experiência de tortura, e esses números não levam em conta as conseqüências das disputas atuais políticas, religiosas e regionais na Europa Oriental, na antiga Iugoslávia e no Oriente Médio. A tortura é distinta de outras formas de trauma por ser infringida por humanos e intencional. Um indivíduo que trabalha por sua própria responsabilidade ou sob comando de uma autorida-
TRANSTORNOS DE ANSIEDADE
de pode abusar de outro para punir, extorquir retribuição ou obter informação. Os métodos podem ser físicos (p. ex., espancamento, queimadura, choque elétrico ou asfixia) ou psicológicos, por meio de ameaças e humilhações ou ao ser forçado a observar outros, por vezes entes queridos, serem torturados. Um método distinto de tortura, que pode combinar aspectos físicos e psicológicos, é a lavagem cerebral (ver a seção a seguir). Enquanto muitas técnicas podem deixar cicatrizes físicas duradouras, o que por si só serve como recordação do trauma, parece que o verdadeiro propósito é o efeito psicológico – o torturador evoca medo, impotência e enfraquecimento físico e mental da vítima. As taxas relatadas de prevalência do TEPT entre sobreviventes de tortura são de cerca de 36%, muito mais altas do que a taxa média de prevalência durante a vida, e os pesquisadores concordam que a gravidade e a duração do transtorno podem ser maiores quando os estressores são impostos por pessoas. Os estudos também revelaram co-morbidade substancial com depressão e outros transtornos de ansiedade em vítimas de tortura. Demais queixas psicológicas comuns incluem somatização, sintomas obsessivo-compulsivos, raiva-hostilidade, fobias, ideação paranóide e episódios psicóticos. Os métodos de tratamento para esses sobreviventes são os mesmos empregados em outros sintomas e transtornos pós-traumáticos, mas os clínicos devem ser especialmente sensíveis à gama de acontecimentos estressantes que as vítimas de tortura experimentaram. Vários sobreviventes que se apresentam para tratamento são refugiados que se defrontam com novos estressores pós-trauma, além e acima dos efeitos da tortura, como separação da família, dificuldade de encontrar emprego, dificuldade de utilizar serviços de saúde, barreiras de linguagem, solidão, pobreza e discriminação racial. Fé religiosa, instrução e engajamento político, apoio social forte e preparação mental para a possibilidade de tortura parecem servir como fatores que protegem contra o desenvolvimento do TEPT e de outras conseqüências psicológicas da tortura. Além disso, fatores culturais e religiosos que influenciam as formas de lidar com problemas também podem afetar a resposta ao tratamento nessa população.
671
reeducação, na restituição das forças do ego que existiam antes do trauma, no alívio da culpa e da depressão remanescentes da experiência aterradora e da perda de confiança e da confusão de identidade resultantes. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Uma consideração importante no diagnóstico do TEPT é a possibilidade que o paciente também tenha sofrido traumatismo craniano durante o trauma. Outras condições orgânicas que podem tanto causar como exacerbar os sintomas são: epilepsia, transtorno por uso de álcool e outros transtornos por uso de drogas. A intoxicação aguda ou a abstinência de algumas substâncias também pode se apresentar como um quadro clínico difícil de se distinguir do transtorno até que os efeitos da droga tenham se dissipado. O TEPT é, com freqüência, diagnosticado de forma equivocada como outro transtorno e, por conta disso, tratado de maneira inapropriada. Os clínicos devem considerar um diagnóstico de TEPT em pacientes que tenham transtorno doloroso, abuso de drogas, outros transtornos de ansiedade e transtornos do humor. Em geral, o TEPT pode ser distinguido dos demais entrevistando-se o paciente sobre experiências traumáticas previas e sobre a natureza dos sintomas atuais. Transtorno da personalidade borderline, transtornos dissociativos, transtornos factícios, e simulação também devem ser considerados. O transtorno da personalidade borderline pode ser difícil de se distinguir do TEPT. Ambos podem coexistir ou até mesmo estar associados às mesmas causas. Os pacientes com transtornos dissociativos em geral não têm o grau de evitação, a hiperatividade autonômica e a história de trauma que os pacientes que sofrem de TEPT relatam. Em parte por causa da publicidade que este tem recebido, os clínicos devem também considerar a possibilidade de um transtorno factício ou de simulação. CURSO E PROGNÓSTICO
Lavagem cerebral Praticada pela primeira vez por comunistas chineses em prisioneiros norte-americanos durante a Guerra da Coréia, a lavagem cerebral é a criação deliberada de choque cultural. Desenvolve-se uma condição de isolamento, alienação e intimidação com o propósito expresso de atingir as forças do ego e deixar a pessoa submetida à lavagem cerebral vulnerável à imposição de idéias alheias e a comportamentos que habitualmente seriam rejeitados. A prática depende tanto de coerção mental como física. Todas as pessoas são vulneráveis se expostas por tempo suficiente, se estão sós e sem apoio e se não há esperança de escapar da situação. Se os efeitos psicológicos são permanentes ou não depende da força de caráter individual, do ambiente subseqüente e do sistema de apoio. O auxílio do sistema de saúde mental, sob a forma de desprogramação, costuma ser necessário para ajudar as pessoas que sofreram lavagem cerebral a se reajustarem a seu ambiente habitual após a experiência. Oferece-se terapia de apoio, com ênfase na
O TEPT tende a se desenvolver algum tempo após o trauma. A demora pode ser de apenas uma semana ou de até 30 anos. Os sintomas podem flutuar com o tempo e ser mais intensos em período de estresse. Sem tratamento, cerca de 30% dos pacientes se recuperam completamente, 40% continuam a ter sintomas leves, 20% permanecem com sintomas moderados e 10% não têm alteração ou pioram. Após um ano, cerca de 50% deles se recuperam. Um bom prognóstico é anunciado por início rápido de sintomas, por curta duração dos mesmos (menos de seis meses), por bom desempenho pré-mórbido, por apoio social forte, por ausência de outros transtornos psiquiátricos, médicos ou relacionados a drogas ou por outros fatores de risco. Em geral, os indivíduos muito jovens e os idosos têm mais dificuldade com acontecimentos traumáticos do que os de meiaidade. Por exemplo, cerca de 80% das crianças pequenas que sofrem uma lesão por queimadura exibem sintomas de TEPT um ou dois anos após a lesão; apenas 30% dos adultos que sofrem esse tipo de lesão desenvolvem o transtorno após um ano. É pro-
672
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
vável que isso se deva ao fato de que aquelas ainda não têm mecanismos adequados para lidar com a agressão física e emocional do trauma. Da mesma forma, os idosos têm a probabilidade de ter mecanismos de manejo de estresse mais rígidos do que os adultos jovens e de serem menos capazes de exibir uma abordagem flexível para lidar com os efeitos do trauma. Mais ainda, os efeitos traumáticos podem ser exacerbados por incapacidades físicas características da idade avançada, em especial dos sistemas nervoso e cardiovascular, como redução do fluxo sangüíneo cerebral, redução da visão, palpitações e arritmias. Perturbação psiquiátrica preexistente, quer um transtorno da personalidade, quer uma condição mais grave, também aumenta os efeitos de estressores particulares. O TEPT co-mórbido com outros transtornos costuma ser mais grave e talvez mais crônico, sendo difícil de tratar. A disponibilidade de apoio social também pode influenciar o desenvolvimento, a gravidade e a duração do TEPT. Em geral, os pacientes que têm uma boa rede de apoio social dispõem de menos probabilidade ou de ter a condição e de experimentá-la em suas formas graves, e chance de recuperação mais rápido. TRATAMENTO Quando um clínico se defronta com um pacientes que experimentou um trauma significativo, as principais abordagens são apoio, encorajamento para discutir o acontecido e instrução sobre uma série de mecanismos para lidar com ele (p. ex., relaxamento). A utilização de sedativos e hipnóticos também pode ser útil. Quando o indivíduo experimentou um acontecimento traumático no passado e, no presente, tem TEPT, a ênfase deve ser na instrução sobre o transtorno e seu tratamento, tanto farmacológico como psicoterápico. O clínico também deve trabalhar para desestigmatizar a noção de doença mental. Colaboração adicional para o paciente e para sua família pode ser obtida por meio de grupos de apoio. Farmacoterapia Os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs), como a sertralina (Zoloft) e a paroxetina (Aropax), são considerados os tratamentos de primeira linha para o TEPT devido a seus escores em eficácia, tolerabilidade e segurança. Eles reduzem os sintomas de todos os grupos de sintomas associados e são eficazes na melhora daqueles exclusivos do TEPT, e não apenas os sintomas semelhantes aos de depressão ou de transtorno de ansiedade. A buspirona (BuSpar) é serotonérgica e também pode ser útil. A eficácia da imipramina (Tofranil) e da amitriptilina (Tryptanol), dois medicamentos tricíclicos, é apoiada por um número de ensaios clínicos bem-controlados. Ainda que certas pesquisas tenham referido achados negativos, a maioria teve grave falhas de delineamento, inclusive duração curta demais. As doses da imipramina e da amitriptilina devem ser as mesmas que as utilizadas para tratar transtornos depressivos, e uma tentativa adequada deve durar pelo menos oito semanas. Os pacientes que respondem bem devem continuar a farmacoterapia por pelo menos um ano antes da tentativa de retirada do medicamento. Alguns estudos indi-
cam que a farmacoterapia é mais eficaz no tratamento de depressão, ansiedade e hipervigilância do que de evitação, negação e estagnação emocional. Outros medicamentos que podem ser benéficos incluem os inibidores da monoaminoxidase (p. ex., fenelzina [Nardil], trazodona [Donaren]) e os anticonvulsivantes (p. ex., carbamazepina [Tegretol], valproato [Depakene]). Alguns estudos também mostraram melhora do TEPT em pacientes tratados com inibidores reversíveis da monoaminoxidase (RIMAs). A utilização de clonidina (Atensina) e propranolol (Inderal), agentes antiadrenérgicos, é sugerida por teorias sobre a hiperatividade noradrenérgica no transtorno. Quase nenhum dado positivo relaciona a utilização de antipsicóticos, de modo que o emprego de medicamentos como o haloperidol (Haldol) deve ser reservado somente ao controle de curto prazo de agressão e agitação graves. Psicoterapia A psicoterapia psicodinâmica pode ser útil no tratamento de muitos pacientes com TEPT. Em alguns casos, a reconstrução dos eventos traumáticos com a ab-reação e a catarse associadas pode ser terapêutica, mas a psicoterapia deve ser individualizada, porque reexperimentar o trauma pode ser excessivo para muitos. As intervenções psicoterapêuticas incluem a terapia comportamental, a terapia cognitiva e a hipnose. Vários clínicos advogam psicoterapia com tempo limitado para vítimas de traumas. Essa intervenção, em geral, vale-se de uma abordagem cognitiva e também provê apoio e segurança. A natureza de curto prazo da psicoterapia leva ao mínimo o risco de dependência e cronicidade, mas questões de desconfiança, paranóia e confiança tendem a afetar de forma adversa a adesão. Os terapeutas devem superar o comportamento do paciente de negação do evento traumático, encorajá-lo a relaxar e removê-lo da fonte de estresse. As pessoas afetadas devem ser encorajadas a dormir, com a ajuda de medicamentos, se necessário. O apoio de pessoas de seu ambiente (como amigos e parentes) deve ser providenciado. Devem ser mobilizadas a reviver e expressar os sentimentos emocionais associados ao evento traumático e planejar a recuperação futura. A ab-reação – experimentar as emoções associada ao acontecimento – pode ser útil para alguns pacientes. Entrevista com amobarbital (Amital) tem sido utilizada para facilitar tal processo. A psicoterapia após um acontecimento traumático deve seguir um modelo de intervenção na crise com apoio, instrução e desenvolvimento de mecanismos para lidar com o estresse e a aceitação do evento. Quando o TEPT se manifestou, pode-se optar por duas abordagens psicoterápicas principais. A primeira é a terapia de exposição, em que o paciente reexperimenta o evento traumático mediante técnicas de imaginação ou exposição in vivo. As exposições podem ser intensas, como na terapia de inundação, ou gradativas, como na dessensibilização sistemática. A segunda abordagem é ensinar ao paciente métodos de manejo do estresse, inclusive técnicas de relaxamento e abordagens cognitivas. Alguns dados preliminares indicam que, embora as técnicas de manejo do estresse sejam eficazes de forma mais rápida do que as de exposição, os resultados destas duram mais tempo.
TRANSTORNOS DE ANSIEDADE
673
Outra técnica psicoterapêutica relativamente recente e um tanto controversa é a dessensibilização e o reprocessamento pelos movimentos dos olhos, em que o paciente enfoca o movimento lateral do dedo do clínico, enquanto mantêm uma imagem mental da experiência do trauma. A crença geral é a de que os sintomas podem ser aliviados à medida que o paciente elabora o evento traumático, enquanto em estado de relaxamento profundo. Os proponentes desse método afirmam que é benéfico e talvez até mais eficaz do que outros tratamentos, sendo preferido tanto por clínicos como por pacientes que o experimentaram. Além de técnicas de terapia individual, relatou-se que a terapia de grupo e a terapia familiar são eficazes em casos de TEPT. As vantagens da terapia de grupo incluem compartilhar a experiência traumática e obter o apoio de outros membros do grupo. Esta foi particularmente bem-sucedida com veteranos do Vietnã e com sobreviventes de desastres catastróficos como terremotos. A terapia familiar por vezes auxilia a manter um casamento ao longo de períodos de exacerbação dos sintomas. A hospitalização pode ser necessária quando estes são muito graves ou quando há risco de suicídio ou outra forma de violência. Considerações especiais A atividade terrorista de 11 de setembro de 2001, em que o World Trade Center (Fig. 16.5-1), na cidade de Nova York, e o Pentágono, em Washington, foram atingidos, resultando em mais de 3.500 mortes e lesões, traumatizou a nação, e vários cidadãos necessitaram de intervenção terapêutica. Um levantamento de mais de 500 americanos adultos, realizado em menos de um mês após o acontecimento, para avaliar suas reações e as de seus filhos aos ataques terroristas, encontrou evidência de seqüelas psicológicas. Quarenta e cinco por cento dos adultos relataram um ou mais sintomas substanciais de estresse, como lembranças perturbadoras do acontecimento, insônia, pesadelos, medo e irritabilidade, entre outros. Noventa por cento de todos os entrevistados relataram graus menores de sintomas. A suscetibilidade aos sintomas esteve associada à condição de não ser mulher, não ser branco, ter tido problemas psicológicos prévios e estar próximo do local do desastre. A maioria respondeu ao ataque conversando com outros sobre seus sentimentos, assistindo a cerimônias religiosas e fazendo doações de caridade. Mais de 80% dos pais relataram que seus filhos manifestaram um ou mais sintomas. De forma interessante, o nível de estresse esteve associado à quantidade de tempo passada diante de programas televisivos sobre o desastre. Em um levantamento posterior de residentes de Manhattan, conduzido 5 a 8 semanas após o colapso do World Trade Center, publicado no New England Journal of Medicine, em 2002, verificou-se que 9,8% de aproximadamente 90 mil pessoas tinham TEPT ou depressão. Outros 3,7% – ou cerca de 34 mil pessoas – satisfizeram os critérios para ambos os diagnósticos. Taxas mais elevadas para as duas condições foram encontradas entre indivíduos que viviam próximos do marco zero, que sofreram perdas pessoais como resultado dos ataques, que enfrentaram outros acontecimentos estressantes durante os 12 meses anteriores ou que tiveram um pânico extremo durante ou logo após os ataques. Essas taxas foram mais altas entre hispânicos do que entre bran-
FIGURA 16.5-1 World Trade Center, Nova York, antes de 9/11/2001. (Cortesia de Kimsamoon, Inc.)
cos, negros ou asiáticos, e mais significativas entre mulheres do que entre homens. Para indivíduos com níveis de renda superiores, a incidência foi mais baixa para ambos os transtornos. Por fim, um estudo com mais de oito mil crianças, com idades entre 10 e 13 anos, que viviam em Nova York no momento do ataque terrorista, verificou que 11% delas tinham sintomas compatíveis com o diagnóstico de TEPT nove meses após o acontecimento. Cerca de 15% apresentaram sinais de agorafobia, como medo de utilizar o transporte público. Semelhantes na demografia dos adultos descritos anteriormente, as meninas e os estudantes hispânicos foram afetados desproporcionalmente, como o foram aqueles que estiveram expostos a acontecimentos traumáticos não-relacionados. Esforços maiores de saúde pública para prover tratamento psicológico para crianças e adultos traumatizados estão em curso. Estudos longitudinais são necessários para determinar quais serão, se ocorrerem, os efeitos de longo prazo. REFERÊNCIAS Axelrod BN, Milner IB. Gulf War illness research: separating the wheat from the chaff. Clin Neuropsychol. 2000:14:344. Basoglu M, Jaranson JM, Mollica R, Kastrup M. Torture and mental health: a research overview. In: Gerrity E, Keane TM, Tuma F, eds. The Mental Health Consequences of Torture. Plenum Series on Stress and Coping. New York: Kluwer Academic/Plenum, 2001:35. Bieliauskas LA, Turner RS. What Persian Gulf War syndrome? Clin Neuropsychol. 2000;14:341.
674
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Bremme JD. Hypotheses and controversies related to effects of stress on the hippocampus: an argument for stress-induced damage to the hyppocampus in patients with posttraumatic stress disorder. Hippocampus. 2001;11:75. Chemtob, CM, Nakashima J, Carlson JG. Brief treatment for elementary school children with disaster-related posttraumatic stress disorder: A field study. J Clin Psychol. 2002;58:99. Galea S, Ahern J, Resnick H, et al. Psychological sequelae of the September 11, 2001 terrorist atacks in New York City. N Engl J Med. 2002;346:982. Gorman JM, section ed. Anxiety disorders. In: Sadock BJ, Sadock VA. ed. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:1441. Harvey AG, Bryant RA. Memory for acute stress disorders symptoms: a two-year prospective study. J Nerv Ment Dis. 2000;188:602. Harvey AG, Bryant RA. Two-year prospective evaluation of the relationship between acute stress disorder and posttraumatic stress disorder following mild traumatic brain injury. Am J Psychiatry. 2000;157:626. Kaufman ML, Kimble MO, Kaloupek DG, et al. Peritraumatic dissociation and physiological response to trauma-relevant stimuli in Vietnam combat veterans with posttraumatic stress disorder. J Nerv Ment Dis. 2002;190:167. McEwen BS. Commentary on PTSD discussion. Hippocampus. 2001;11:82. McFarlane AC, Yehuda R. Clinical Treatment of posttraumatic stress disorder: conceptual challenges raised by recent research. Aust N Z J Psychiatry. 2000;34:940. Meltzer-Brody S, Connor KM, Churchill E, Davidson JRT. Symptomespecific effects of fluoxetine in pos-traumatic stress disorder. Int Clin Psychopharmacol. 2000;15:227. Meltzer-Brody S, Hidalgo R, Connor KM, Davidson JRT. Posttraumatic stress disorder: prevalence, health care use and cost, and pharmacologic considerations. Psychiatr Ann. 2000;30:722. Perkonigg A, Kessler RC, Storz S, Wittchen H-U. Traumatic events and posttraumatic stress disorders in the community: prevalence, risk factors, and comorbidity. Acta Psychiatr Scand. 2000;101:46. Pitman RK. Hippocampal diminution in PTSD: more (or less?) than meets the eye. Hippocampus. 2001;11:73. Salmon K, Bryant RA. Posttraumatic stress disorder in children: the influence of developmental factors. Clin Psychol Rev. 2002;22:163. Schuster MA, Stein BD, Jaycox LH, et al. A national survey of stress reactions after the September 11, 2001, terrorist attacks. N Engl J Med. 2001;345:1507. Smyth NJ, Greenwald R, de Jongh A, Lee C. Letter to the editor: EMDR for treatment of PTSD. J Clin Psychiatry. 2000;61:784. Wenzel T, Griengl H, Stompe T, Mirazaei S, Kieffer W. Psychological disorders in survivors of torture: exhaustion, impairment and depression. Psychopathology. 2000;33:292.
16.6 Transtorno de ansiedade generalizada As pessoas que parecem ansiosas por tudo têm probabilidade de serem classificadas como tendo transtorno de ansiedade generalizada. A revisão de texto da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR) o define como ansiedade e preocupação excessivas sobre vários acontecimentos ou atividades, na maior parte dos dias, durante o último período de seis meses. A preocupação é difícil de se controlar e se associa a sintomas somáticos, como tensão mus-
cular, irritabilidade, dificuldade de dormir e inquietação. A ansiedade não está relacionada a aspectos de outro transtorno do Eixo I, não é causada por uso de drogas ou por uma condição médica geral, e não ocorre somente durante um transtorno do humor ou psiquiátrico. Trata-se de uma sensação difícil de controlar, perturbadora do ponto de vista subjetivo, que compromete áreas importantes da vida. EPIDEMIOLOGIA O transtorno de ansiedade generalizada é uma condição comum. Estimativas razoáveis de sua prevalência em um ano variam de 3 a 8%. A razão de mulheres para homens é de cerca de 2 para 1, mas a razão de mulheres para homens que recebem tratamento hospitalar para o transtorno é de 1 para 1. Há uma prevalência durante a vida de aproximadamente 5%. Em clínicas de transtorno de ansiedade, cerca de 25% dos casos são de transtorno de ansiedade generalizada. CO-MORBIDADE O transtorno de ansiedade generalizada é provavelmente o que coexiste com mais freqüência com outro transtorno mental, em sua maioria fobia social, fobia específica, transtorno de pânico ou transtorno depressivo. É possível que 50 a 90% dos pacientes com esse diagnóstico tenham outra condição mental. Até 25% das pessoas afetadas eventualmente experimentam transtorno de pânico. Uma alta porcentagem tem chance de desenvolver transtorno depressivo maior. Outros transtornos comuns associados incluem transtorno distímico e transtornos relacionados ao uso de substâncias. ETIOLOGIA Sua causa não é conhecida. Como definido atualmente, o transtorno de ansiedade generalizada talvez afete um grupo heterogêneo de pessoas. Pelo fato de um certo grau de ansiedade ser normal e adaptativo, é difícil diferenciar a ansiedade normal da patológica, bem como diferenciar fatores causadores biológicos de fatores psicossociais. Ambos os grupos de fatores muitas vezes atuam em conjunto. Fatores biológicos A eficácia terapêutica dos benzodiazepínicos e das azapironas (p. ex., buspirona [BuSpar] enfocou os esforços da pesquisa biológica nos sistemas neurotransmissores do ácido γ-aminobutírico e da serotonina. Sabe-se que os benzodiazepínicos (que são agonistas de receptores) reduzem a ansiedade, enquanto o flumazenil (Lanexat, um antagonista dos receptores de benzodiazepínicos) e as β-carbolinas (agonistas reversos dos receptores de benzodiazepínicos) induzem-na. Embora não haja dados convincentes indicando que esses receptores sejam anormais em pacientes com trans-
TRANSTORNOS DE ANSIEDADE
torno de ansiedade generalizada, alguns pesquisadores enfocaram o lobo occipital, que tem a concentração mais alta de receptores benzodiazepínicos no cérebro. Outras áreas que têm sido, por hipótese, envolvidas no transtorno de ansiedade generalizada são os gânglios basais, o sistema límbico e o córtex frontal. Pelo fato de a buspirona ser um agonista do receptor 5-HT1A de serotonina, cogita-se a hipótese de que a regulação do sistema da serotonina neste seja anormal. Outros sistemas de neurotransmissores que têm sido objeto de pesquisa incluem a norepinefrina, o glutamato e o sistema da colecistocinina. Alguma evidência indica que pacientes com transtorno de ansiedade generalizada podem ter uma sensibilidade menor de seus receptores α2-adrenérgicos, como indicado pela liberação atenuada do hormônio do crescimento após a infusão de clonidina (Atensina). Apenas um número limitado de estudos de imagens de pacientes com transtorno de ansiedade generalizada foi conduzido. Um estudo com tomografia por emissão de pósitrons relatou baixa taxa metabólica nos gânglios basais e na substância branca de pacientes com o transtorno em relação a controles normais (Fig. 16.6-1). Poucos estudos genéticos foram conduzidos nessa área. Um deles verificou que pode existir uma relação genética entre o transtorno de ansiedade generalizada e o transtorno depressivo em mulheres. Outro indicou um componente genético distinto, mas difícil de se quantificar, no transtorno de ansiedade generalizada. Cerca de 25% dos pacientes de primeiro grau também são afetados. Os parentes masculinos têm probabilidade de desenvolver um transtorno por abuso de álcool. Alguns estudos de gêmeos relatam taxa de concordância de 50% para gêmeos monozigóticos e de 15% para dizigóticos.
675
Uma série de anormalidades no eletroencefalograma (EEG) foi observada no ritmo alfa e nos potenciais evocados. Os estudos de EEG de sono relataram aumento da descontinuidade do sono, redução do sono delta, redução do estágio 1 e diminuição do sono com movimentos rápidos dos olhos. Essas alterações em sua arquitetura diferem daquelas observadas em transtornos depressivos. Fatores psicossociais As duas principais escolas de pensamento sobre fatores psicossociais responsáveis pelo desenvolvimento de transtorno de ansiedade generalizada são a cognitivo-comportamental e a psicanalítica. De acordo com a primeira, pacientes com o transtorno respondem de forma incorreta e imprecisa aos perigos percebidos. Isso é gerado pela atenção seletiva a fatores negativos do ambiente, por distorções no processamento de informações e por uma visão global negativa sobre a própria capacidade de lidar com problemas. A segunda postula a hipótese de que a ansiedade é um sintoma de conflitos inconscientes não-resolvidos. Sigmund Freud apresentou pela primeira vez essa teoria psicológica em 1909, com sua descrição do pequeno Hans; antes disso, havia conceituado a ansiedade como tendo uma base fisiológica. Há uma hierarquia de ansiedades relacionada aos vários níveis do desenvolvimento. No nível mais primitivo, ela pode se relacionar ao medo de aniquilamento ou de fusão com outra pessoa. Em um nível mais maduro do desenvolvimento, associa-se à separação de um objeto de amor. Em nível ainda mais maduro,
TAXA METABÓLICA ABSOLUTA
TRANSTORNO DE ANSIDADE
CONTROLE NORMAL
GÂNGLIOS BASAIS BAIXO ABSOLUTO
GÂNGLIOS BASAIS ALTO ABSOLUTO
FIGURA 16.6-1 Metabolismo dos gânglios basais. Uma escala comum mostra a redução da taxa metabólica absoluta nos gânglios basais de dois indivíduos típicos com transtorno de ansiedade generalizada (linha de cima) comparados com dois indivíduos-controle normais (linha de baixo). (Reimpressa, com permissão, de Wu JC, Buchsbaum MS, Hershey TG, et al. PET in generalized ansiety disorder. Biol Psychiatr y. 1991, 29:1188.)
676
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
está relacionada à perda do amor de um objeto importante. A ansiedade de castração tem ligação com a fase edípica do desenvolvimento e é considerada representante de um dos níveis mais altos de ansiedade. A do superego, definida como o medo de não corresponder aos próprios ideais e valores (derivado dos pais internalizados), é a forma mais madura de todas. DIAGNÓSTICO Os critérios diagnósticos do DSM-IV-TR (Tab. 16.6-1) incluem elementos para auxiliar os clínicos a diferenciar entre transtorno de ansiedade generalizada, ansiedade normal e outros transtornos mentais. A distinção entre transtorno de ansiedade generalizada e ansiedade normal é ressaltada pela utilização de palavras como “excessiva” e “difícil de controlar” nos critérios, e pela especificação de que os sintomas causam comprometimento significativo ou sofrimento.
TABELA 16.6-1 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno de ansiedade generalizada A. Ansiedade e preocupação excessivas (expectativa apreensiva), ocorrendo na maioria dos dias pelo período mínimo de seis meses, com diversos eventos ou atividades (tais como desempenho escolar ou profissional). B. O indivíduo considera difícil controlar a preocupação. C. A ansiedade e a preocupação estão associadas com três (ou mais) dos seguintes seis sintomas (com pelo menos alguns deles presentes na maioria dos dias nos últimos seis meses). Nota: Apenas um item é exigido para crianças. (1) inquietação ou sensação de estar com os nervos à flor da pele (2) fatigabilidade (3) dificuldade em concentrar-se ou sensações de “branco” na mente (4) irritabilidade (5) tensão muscular (6) perturbação do sono (dificuldades em conciliar ou manter o sono, ou sono insatisfatório e inquieto) D. O foco da ansiedade ou preocupação não está confinado a aspectos de um transtorno do Eixo I; por exemplo, a ansiedade ou preocupação não se refere a ter um ataque de pânico (como no transtorno de pânico), ser envergonhado em público (como na fobia social), ser contaminado (como no transtorno obsessivo-compulsivo), ficar afastado de casa ou de parentes próximos (como no transtorno de ansiedade de separação), ganhar peso (como na anorexia nervosa), ter múltiplas queixas físicas (como no transtorno de somatização) ou ter uma doença grave (como na hipocondria), e a ansiedade ou preocupação não ocorre exclusivamente durante o transtorno de estresse pós-traumático. E. A ansiedade, a preocupação ou os sintomas físicos causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. F. A perturbação não se deve aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (droga de abuso, medicamento) ou de uma condição médica geral (p. ex., hipertireoidismo) nem ocorre exclusivamente durante um transtorno do humor, transtorno psicótico ou transtorno global do desenvolvimento. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS Os principais sintomas do transtorno de ansiedade generalizada são ansiedade, tensão muscular, hiperatividade autonômica e vigilância cognitiva. A ansiedade é excessiva e interfere em outros aspectos da vida do indivíduo. A tensão muscular é manifestada com mais freqüência como contraturas musculares, inquietação e cefaléias. A hiperatividade autonômica costuma ser evidenciada por falta de ar, sudorese excessiva, palpitações e vários sintomas gastrintestinais. A vigilância cognitiva destaca-se pela irritabilidade e pela facilidade com que os pacientes se sobressaltam. Indivíduos com transtorno de ansiedade generalizada muitas vezes procuram o clínico geral ou um internista para auxiliá-los com os sintomas somáticos. De forma alternativa, vão a um especialista por causa de um sintoma específico (diarréia). A condição geral não-psiquiátrica raramente é encontrada, e os pacientes variam em seu comportamento de procura por assistência médica. Alguns aceitam o diagnóstico de transtorno de ansiedade generalizada e o tratamento apropriado; outros procuram consulta adicional para seus problemas.
X. é uma advogada bem-sucedida, casada, com 30 anos de idade, que se apresentou para avaliação psiquiátrica para o tratamento de sintomas crescentes de preocupação e ansiedade. Nos últimos oito meses, observou aumento da preocupação sobre seu desempenho no trabalho. Por exemplo, ainda que sempre tivesse sido uma litigante soberba, sentia-se cada vez mais preocupada com sua capacidade de vencer novos casos que viessem a se apresentar. De forma similar, mesmo com uma condição física notável, preocupava-se cada vez mais com a possibilidade de que sua saúde estivesse começando a se deteriorar. Ela notava sintomas somáticos que acompanhavam suas preocupações. Por exemplo, sentia-se inquieta enquanto trabalhava ou se deslocava para o escritório, pensando sobre os desafios a enfrentar durante o dia. Relatou ainda se sentir cada vez mais cansada, irritável e tensa. Apresentava dificuldade cada vez maior para adormecer à noite à medida que se preocupava com o seu desempenho no trabalho e os julgamentos futuros. (Cortesia de Daniel S. Pine, M.D.) DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL O diagnóstico diferencial do transtorno de ansiedade generalizada inclui todas as condições médicas que podem causar ansiedade (ver Tab. 16.1-2). A revisão médica deve compreender exames de rotina da química sangüínea, um eletrocardiograma e testes de função da tireóide. Deve-se excluir intoxicação por cafeína, abuso de estimulantes, abstinência de álcool e abstinência de sedativos epiléticos ou ansiolíticos. O exame do estado mental e a história devem explorar as possibilidades diagnósticas de transtorno de pânico, fobias e transtorno obsessivo-compulsivo. Em geral, pacientes com transtorno de pânico procuram tratamento mais cedo, estão mais incapacitados por sua condição, têm ocorrência súbita dos sintomas e
TRANSTORNOS DE ANSIEDADE
são menos perturbados pelos sintomas somáticos do que aqueles com transtorno de ansiedade generalizada. Distinguir o transtorno de ansiedade generalizado do transtorno depressivo maior e do transtorno distímico pode ser difícil; na verdade, eles com freqüência coexistem. Outras possibilidades diagnósticas são transtorno de adaptação com ansiedade, hipocondria, transtorno do déficit de atenção/hiperatividade em adultos, transtornos de somatização e transtornos da personalidade. CURSO E PROGNÓSTICO A idade de início é difícil de se especificar; a maioria dos pacientes relata apresentar estados ansiosos desde que podem se lembrar. Em geral, vêm à atenção do clínico quando atingem a faixa dos 20 anos, ainda que esse primeiro contato possa ocorrer em qualquer idade. Apenas um terço dos pacientes com transtornos de ansiedade generalizada procuram tratamento psiquiátrico. Muitos vão a clínicos gerais, internistas, cardiologistas, especialistas em pulmão ou gastrenterologistas procurando tratamento para os componentes somáticos do transtorno. Em vista da alta incidência de co-morbidade, o curso clínico e o prognóstico são difíceis de predizer. A despeito disso, alguns dados indicam que acontecimentos da vida se associam ao início do transtorno de ansiedade generalizada: a ocorrência de vários acontecimentos negativos aumentam a probabilidade de desenvolvimento. Por definição, o transtorno de ansiedade generalizada é uma condição crônica que pode durar a vida toda. TRATAMENTO O tratamento mais eficaz para transtorno de ansiedade generalizada provavelmente é um que combine psicoterapia, farmacoterapia e abordagens de apoio. Ele pode durar um período significativo, dependendo do profissional envolvido, seja um clínico, um psiquiatra, o médico da família ou outro especialista. Psicoterapia As principais abordagens terapêuticas para o transtorno de ansiedade generalizada são a cognitivo-comportamental, a de apoio e a orientada para o insight. Os dados ainda são limitados sobre os méritos relativos dessas abordagens, embora os estudos mais sofisticados tenham examinado a técnica cognitivo-comportamental, que parece ter eficácia tanto em curto como em longo prazo. As abordagens cognitivas focalizam as distorções cognitivas hipotéticas, e as abordagens comportamentais atêm-se aos sintomas somáticos. As principais técnicas utilizadas nas abordagens comportamentais são as de relaxamento e biofeedback. Alguns dados preliminares indicam que a combinação da abordagem cognitiva com a comportamental é mais eficaz do que cada uma utilizada isoladamente. A terapia de apoio oferece encorajamento e conforto para os pacientes, embora sua eficácia a longo prazo seja duvidosa. A psicoterapia orientada para o insight enfoca a revelação de conflitos inconscientes e a identificação de forças do ego.
677
Seus benefícios são referidos em muitos relatos anedóticos de casos, mas faltam estudos amplos controlados. Muitos pacientes experimentam uma redução marcada da ansiedade quando lhes é dada a oportunidade de discutir suas dificuldades com um médico preocupado e empático. Se o clínico descobre uma situação externa que seja desencadeadora de ansiedade, pode ser capaz – sozinho ou com o auxílio do paciente e da família – de modificar o ambiente e, assim, reduzir as pressões estressantes. A diminuição dos sintomas por vezes permite que os pacientes se comportem de forma eficiente em seu trabalho diário e em seus relacionamentos, obtendo novas recompensas e gratificações, que por si só são terapêuticas. De acordo com a perspectiva psicanalítica, a ansiedade tende a sinalizar uma perturbação inconsciente que merece investigação. A ansiedade pode ser normal, adaptativa, mal-adaptativa, intensa ou leve demais, dependendo das circunstâncias. Ela surge em numerosas situações durante o curso da vida; em muitos casos, o alívio dos sintomas não é a opção mais apropriada. Para pacientes com visão psicológica e motivados para compreender as fontes de sua ansiedade, a psicoterapia pode ser o tratamento de escolha. A terapia psicodinâmica prossegue com o pressuposto de que a ansiedade pode aumentar com o tratamento eficaz. Seu objetivo pode ser aumentar a tolerância à ansiedade (ou a capacidade de experimentá-la sem ter que descarregá-la), não a sua eliminação. A pesquisa empírica indica que muitos pacientes com tratamento psicoterápico bem-sucedido podem continuar a experimentar ansiedade após o término do mesmo; o aumento da capacidade do ego possibilita a utilização dos sintomas de ansiedade como um sinal para refletir esforços internos e a expansão do insight e da compreensão. Uma abordagem psicodinâmica de pacientes com transtorno de ansiedade generalizada envolve a procura dos medos subjacentes. Farmacoterapia A decisão de prescrever um ansiolítico a pacientes com transtorno de ansiedade generalizada raramente deve ser tomada na primeira visita. Em vista de sua natureza de longo prazo, o plano de tratamento deve ser cogitado com cuidado. As três principais opções de medicamentos a serem consideradas nesse emprego são a buspirona, os benzodiazepínicos e os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs). Outros agentes que podem ser úteis são os tricíclicos (p. ex., a imipramina [Tofranil]), os anti-histamínicos e os antagonistas β-adrenérgicos (p. ex., o propranolol [Inderal]). Embora o tratamento medicamentoso do transtorno de ansiedade generalizada seja considerado uma intervenção de 6 a 12 meses, alguma evidência indica que deva ser a longo prazo, talvez por toda a vida. Cerca de 25% dos pacientes têm recaída no primeiro mês após a interrupção do tratamento, e 60 a 80% a têm no curso do ano seguinte. Mesmo que alguns deles se tornem dependentes de benzodiazepínicos, a tolerância raramente se desenvolve aos efeitos terapêuticos dos agentes empregados nesse tratamento. Benzodiazepínicos. Têm sido os medicamentos de escolha no transtorno de ansiedade generalizada. Podem ser prescritos conforme o necessário, de modo que os pacientes tomem benzo-
678
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
diazepínicos de ação rápida quando se sintam particularmente ansiosos. A abordagem alternativa é prescrevê-los por um período limitado, durante o qual as abordagens psicossociais sejam implementadas. Vários problemas se associam à sua utilização no transtorno de ansiedade generalizada. Cerca de 25 a 30% de todos os pacientes deixam de responder, e pode ocorrer tolerância e dependência. Alguns também experimentam comprometimento da vigília e estão, por isso, em risco de acidentes envolvendo automóveis e maquinaria. A decisão clínica de se iniciar o tratamento com um benzodiazepínico devem ser considerada de forma específica. O diagnóstico, os sintomas-alvo e a duração do tratamento deve ser definidos, e a informação, compartilhada com o paciente. O tratamento para a maioria das condições com ansiedade dura de 2 a 6 semanas, seguidas de 1 a 2 semanas de redução gradativa da utilização do medicamento antes de sua interrupção. O erro clínico mais comum no tratamento com benzodiazepínicos é continuar o tratamento por tempo indefinido. Para o tratamento da ansiedade, é habitual começar administrando o medicamento no extremo mais baixo da faixa terapêutica e aumentar a dose para atingir a resposta pretendida. A utilização de um benzodiazepínico com meia-vida intermediária (de 8 a 15 horas) pode evitar alguns efeitos adversos associados aos agentes com meias-vidas mais longas, e a utilização de doses divididas evita o desenvolvimento de efeitos adversos associados a picos elevados dos níveis plasmáticos. A melhora produzida por essa classe pode ir além do simples efeito ansiolítico. Por exemplo, pode levar os pacientes a encarar várias ocorrências sob um aspecto positivo. Os medicamentos também podem apresentar uma leve ação desinibidora, semelhante à observada após a ingestão de pequenas quantidades de álcool. Buspirona. Trata-se de um agonista parcial dos receptores 5HT1A, podendo ser mais eficaz em 60 a 80% dos pacientes com transtorno de ansiedade generalizada. Os dados indicam que a buspirona é mais eficaz na redução de sintomas cognitivos do que na de sintomas somáticos. Refere-se ainda que pacientes que se submeteram previamente a tratamento com benzodiazepínicos podem não responder à buspirona. Isso pode decorrer da ausência de alguns dos efeitos não-ansiolíticos, os quais são próprios dos benzodiazepínicos (como o relaxamento muscular e a sensação adicional de bem-estar). A maior desvantagem da buspirona é que seus efeitos levam de 2 a 3 semanas para se tornarem evidentes, em contraste com os efeitos ansiolíticos quase imediatos dos benzodiazepínicos. Uma abordagem é iniciar a utilização de ambos os grupos ao mesmo tempo e, a seguir, reduzir de forma gradual a utilização dos benzodiazepínicos até a retirada, após 2 a 3 semanas, ponto em que a buspirona deve ter atingido seus efeitos máximos. Alguns estudos relataram ainda que o tratamento combinado pode ser mais eficaz do que cada medicamento isoladamente. A buspirona não é um tratamento eficaz para a abstinência de benzodiazepínicos. Venlafaxina. Eficaz no tratamento de insônia, má concentração, inquietação, irritabilidade e tensão muscular excessiva associadas ao transtorno de ansiedade generalizada.
Inibidores da recaptação de serotonina. Os ISRSs podem ser eficazes, em especial para pacientes com depressão comórbida. Sua desvantagem, mais especificamente da fluoxetina (Prozac), é que podem aumentar a ansiedade de forma transitória. Por essa razão, os ISRSs sertralina (Zoloft) ou paroxetina (Aropax) são escolhas melhores. É razoável iniciar o tratamento com a sertralina ou a paroxetina em associação com um benzodiazepínico, então ir reduzindo sua utilização após 2 a 3 semanas. Estudos adicionais são necessários para determinar se os ISRSs são eficazes para o transtorno de ansiedade generalizada como o são para o transtorno de pânico ou o transtorno obsessivo-compulsivo. Outros medicamentos. Se o tratamento farmacológico convencional (p. ex., com buspirona ou benzodiazepínicos) é ineficaz ou não completamente eficaz, então uma reavaliação clínica é indicada para excluir condições co-mórbidas como depressão ou para compreender melhor os estressores do ambiente do paciente. Outros medicamentos que se provaram úteis para o tratamento de transtorno de ansiedade generalizada incluem os tricíclicos e os tetracíclicos. Os antagonistas dos receptores β−adrenérgicos podem reduzir as manifestações somáticas da ansiedade, mas não a condição subjacente, e sua utilização costuma ser limitada a manifestações situacionais, como a ansiedade de desempenho. A nefazodona (Serzone), também utilizada na depressão, demonstra reduzir a ansiedade e prevenir o transtorno de pânico. REFERÊNCIAS Astrom M. Generalized ansiety disorder in stroke patients. A 3-year longitudinal study. Stroke. 1996;27:270. Borkovec TD, Roemer L. Perceived functions of worry among generalized anxiety disorder subjects: distraction from more emotionally distressing topics? J Behav Ther Exp Psychiatry. 1995;26:25. Borkovec TD, Ruscio AM. Psychotherapy for generalized anxiety disorder. J Clin Psychiatry. 2001;62(suppl 11):37. Butler G. Predicting outcome after treatment for generalized anxiety disorder. Behav Res Ther. 1993;31:211. Butler G, Fennell M, Robson P, Gelder M. Comparison of behavior therapy and cognitive-behavior therapy in the treatment of generalized anxiety disorder. J Consult Clin Psychol. 1991;59:167. Gabbard GO. Psychodynamic psychiatry in the “decade of the brain”. Am J Psychiatry. 1992;149:991. Gasperini M, Battaglia M, Diaferia G, Bellodi L. Personality features related to generalized anxiety disorder. Compr Psychiatry. 1990;31:363. Gorman JM, section ed. Anxiety disorders. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins;2000;1441. Kendler KS, Neale MC, Kessler RC, Health AC, Eaves LJ. Generalized anxiety disorder in women: a population-based twin study. Arch Gen Psychiatry. 1992;49:267. Kollai M, Kollai B. Cardiac vagal tone in generalized anxiety disorder. Br J Psychiatry. 1992;161:831. Massion AO, Warshaw MG, Keller MB. Quality of life and psychiatric morbidity in panic disorder and generalized anxiety disorder. Am J Psychiatry. 1993;150:600. Mathews A, Mogg K, Kentish J, Eysenck M. Effect of psychological treatment cognitive bias in generalized anxiety disorder. Behav Res Ther. 1995;33:293.
TRANSTORNOS DE ANSIEDADE
Mennin DS, Heimberg RG, Holt GS. Panic agoraphohia, phobias, and generalized anxiety disorder. In: Hersen M, Bellack AS, eds. Psychopathology in Adulthood. 2nd ed. Needham Heights, MA: Allyn & Bacon; 2000:169. Noyes R Jr, Woodman C, Garvey MJ, et al. Generalized anxiety disorder vs panic disorder: distinguishing characteristics and patterns of comorbidity. J Nerv Ment Dis. 1992;180:369. Rapee RM, Barlow DH. Generalized anxiety disorders, panic disorders, and phobias. In: Sutker PB, Adams HE, eds. Comprehensive Handbook of Psychopathology. 3rd ed. New York: Kluwer Academic/ Plennum Publishers; 2001:131. Rickels K, Schweizer E. The treatment of generalized anxiety disorder in patients with depression symptomatology. J Clin Psychiatry. 1993;54(suppl 1):20. Thayer JF, Friedman BH, Borkovec TD. Autonomic characteristics of generalized anxiety disorder and worry. Biol Psychiatry. 1996;39:255.
16.7 Outros transtornos de ansiedade TRANSTORNO DE ANSIEDADE DEVIDO A UMA CONDIÇÃO MÉDICA GERAL Muitas doenças médicas se associam à ansiedade. Os sintomas podem incluir ataques de pânico, ansiedade generalizada, obsessões e compulsões e outros sinais de sofrimento. Em todos os casos, os sinais e sintomas decorrem de efeitos fisiológicos diretos da condição sistêmica.
Epidemiologia
679
TABELA 16.7-1 Doenças associadas a ansiedade Doenças neurológicas Neoplasias cerebrais Traumatismo cranioencefálico e síndromes pós-concussivas Doença cerebrovascular Hemorragia subaracnóide Enxaqueca Encefalite Sífilis cerebral Esclerose múltipla Doença de Wilson Doença de Huntington Epilepsia Abstinência de álcool e drogas Condições sistêmicas Hipoxia Doença cardiovascular Arritmias cardíacas Insuficiência pulmonar Anemia Distúrbios endócrinos Disfunção hipofisária Disfunção da tireóide Disfunção da paratireóide Disfunção da adrenal Feocromocitoma Doenças virilizantes em mulheres Doenças inflamatórias Lúpus eritematoso Artrite reumatóide Poliarterite nodosa Arterite temporal Estados de deficiência Deficiência de vitamina B12 Pelagra
Associação de condições Hipoglicemia Síndrome carcinóide Doença maligna sistêmica Síndrome pré-menstrual Doenças febris e infecções crônicas Porfiria Mononucleose infecciosa Síndrome pós-hepatite Uremia Condições tóxicas Abstinência de álcool e drogas Anfetaminas Agentes simpatomiméticos Agentes vasopressores Cafeína e abstinência da cafeína Penicilina Sulfonamidas Maconha Mercúrio Arsênico Fósforo Organofosforados Dissulfeto de carbono Benzeno Intolerância à aspirina Doenças psiquiátricas idiopáticas Depressão Mania Esquizofrenia Transtornos de ansiedade Ansiedade generalizada Ataques de pânico Transtornos fóbicos Transtorno de estresse póstraumático
Reimpressa com permissão de Cumming JL. Clinical Neuropsychiatry. Orlando, FL: Grune & Stratton, 1985:214.
A ocorrência de sintomas de ansiedade relacionada a uma condição médica geral é comum, embora sua incidência varie para cada condição médica específica. Diagnóstico Etiologia Uma ampla faixa de condições médicas pode causar sintomas semelhantes aos de transtorno de ansiedade (Tab. 16.7-1). Hipertireoidismo, hipotireoidismo, hipoparatireoidismo e deficiência de vitamina B12 são, com freqüência, associados a sintomas de ansiedade. Um feocromocitoma produz epinefrina, que pode causar episódios paroxísticos de sintomas de ansiedade. Relata-se que certas lesões do cérebro e estados pós-encefalíticos produzem sintomas idênticos aos observados no transtorno obsessivo-compulsivo. Condições como arritmia cardíaca podem gerar sintomas fisiológicos de transtorno de pânico. A hipoglicemia também é capaz de imitar os sintomas de transtorno de ansiedade. As diversas condições médicas que podem causar sintomas de ansiedade o fazem por meio de um mecanismo comum, o sistema noradrenérgico, ainda que os efeitos deste sistema também estejam sob estudo.
Na revisão do texto da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR), o diagnóstico de transtorno de ansiedade devido a uma condição médica geral (Tab. 16.7-2) requer a presença de sintomas de um transtorno de ansiedade. O manual possibilita especificar se a condição é caracterizada por sintomas de ansiedade generalizada, transtorno de pânico ou sintomas obsessivo-compulsivos. Os clínicos devem suspeitar ainda mais do diagnóstico quando a ansiedade crônica ou paroxística se associar a uma doença física que cause esses sintomas em alguns pacientes. Acessos paroxísticos de hipertensão em uma pessoa ansiosa podem indicar revisão para feocromocitoma. Uma análise médica geral pode revelar diabete, tumor da adrenal, doença da tireóide ou uma condição neurológica. Por exemplo, alguns pacientes com epilepsia parcial complexa têm episódios de ansiedade extrema ou medo como a única manifestação da atividade epilética.
680
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 16.7-2 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno de ansiedade devido a uma condição médica geral A. Ansiedade proeminente, ataques de pânico, obsessões ou compulsões predominam no quadro clínico. B. Existem evidências, a partir da história, do exame físico ou dos achados laboratoriais, de que a perturbação é conseqüência fisiológica direta de uma condição médica geral. C. A perturbação não é explicada por outro transtorno mental (p. ex., transtorno da adaptação com ansiedade, no qual o estressor é uma grave condição médica geral). D. A perturbação não ocorre exclusivamente durante o curso de um delirium. E. A perturbação causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo.
Especificar se: Com ansiedade generalizada: se houver predomínio de ansiedade ou preocupação excessivas com diversos eventos ou atividades no quadro clínico. Com ataques de pânico: se houver predomínio de ataques de pânico no quadro clínico. Com sintomas obsessivo-compulsivos: se houver predomínio de obsessões ou compulsões no quadro clínico. Nota para codificação: Incluir o nome da condição médica geral no Eixo I, por exemplo, transtorno de ansiedade devido a feocromocitoma, com ansiedade generalizada; codificar também a condição médica geral no Eixo III. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyrigth 2000, com permissão.
Características clínicas Os sintomas de um transtorno de ansiedade devido a uma condição médica geral podem ser idênticos aos dos transtornos de ansiedade primários. Uma condição semelhante ao transtorno de pânico é o quadro clínico mais comum, e a aproximação com a fobia é a ocorrência menos constatada. Ataques de pânico. Os pacientes que têm cardiomiopatia podem apresentar a mais alta incidência de transtorno de pânico secundário a uma condição médica geral. Um estudo relatou que 83% dos pacientes com cardiomiopatia na espera por transplante têm os sintomas de transtorno de pânico. O aumento do tônus noradrenérgico nesses indivíduos pode ser o estímulo que provoca os ataques de pânico. Em alguns estudos, cerca de 25% dos pacientes com doença de Parkinson e doença pulmonar obstrutiva crônica relatam sintomas de transtorno de pânico. Outras condições médicas associadas a este incluem dor crônica, cirrose biliar primária e epilepsia, particularmente quando o foco é giro paraipocampal direito. A., eletricista de 28 anos de idade, desenvolveu ataques de pânico seis meses antes da avaliação. O primeiro deles ocorreu logo após ter tocado de forma acidental um fio eletrificado e recebido um choque moderadamente grave. Pensou-se, a princípio, que os ataques de pânico estavam relacionados ao incidente; contudo, como parte da revisão mé-
dica, verificou-se que ele tinha episódios de hipoglicemia (menos de 50 mg por litro de glicose no plasma) que ocorriam 4 a 5 horas após se alimentar, momento em que ele se tornava nervoso e trêmulo, sentia que ia desmaiar e tinha palpitações. O diagnóstico de hipoglicemia reativa associada a diabete melito tipo II de início precoce foi feito. Ansiedade generalizada. Relatou-se alta prevalência de sintomas de transtorno de ansiedade generalizada em pacientes com a síndrome de Sjögren, e essa taxa pode ter relação com os efeitos desta última nas funções corticais e subcorticais e na função da tireóide. A prevalência mais alta de sintomas de transtorno de ansiedade generalizada em uma doença médica geral parece estar relacionada à doença de Graves (hipertireoidismo), em que até dois terços de todos os pacientes satisfazem os critérios para transtorno de ansiedade generalizada. Sintomas obsessivo-compulsivos. Relatos associaram seu desenvolvimento à coréia e à esclerose múltipla. Uma menina de 12 anos teve um início súbito de febre alta, letargia e faringite, com exsudato purulento das amígdalas. Foram encontrados estreptococos no local infectado, e ela foi tratada com sucesso com penicilina. Após a recuperação, movimentos atetóides leves foram observados na parte superior do dorso, assim como tiques faciais, que foram diagnosticados como seqüela da infecção. A paciente foi mantida sob antibióticos (para prevenir nova infecção) até que as complicações neurológicas se esvaeceram espontaneamente após um ano. Fobias. Os sintomas de fobia parecem ser incomuns, embora um estudo tenha relatado a prevalência de 17% de sintomas do tipo social social em pacientes com doença de Parkinson. Diagnóstico diferencial A ansiedade como sintoma pode se associar a muitos transtornos psiquiátricos, além dos específicos de ansiedade. É necessário o exame do estado mental para determinar a presença de sintomas de humor ou psicóticos que possam sugerir outro diagnóstico psiquiátrico. Para o clínico concluir que se trata de transtorno de ansiedade devido a uma condição médica geral, o paciente deve claramente ter ansiedade como o sintoma predominante e apresentar uma condição médica específica não-psiquiátrica. Para avaliar o grau em que uma condição médica está causando a ansiedade, o clínico deve saber se a condição e o sintoma de ansiedade foram correlacionados na literatura, a idade de início (os transtornos de ansiedade em geral têm seu início antes da idade de 35 anos), a história familiar tanto de transtorno de ansiedade como de condições médicas relevantes (p. ex., hipertireoidismo). Transtorno de adaptação com ansiedade deve ser considerado no diagnóstico diferencial.
TRANSTORNOS DE ANSIEDADE
Curso e prognóstico A experiência de ansiedade sem remissão pode ser incapacitante e interferir em todos os aspectos da vida, incluindo o desempenho social, ocupacional e psicológico. O aumento súbito do nível de ansiedade pode impelir a pessoa afetada a procurar auxílio medico ou psiquiátrico de forma mais rápida do que quando o início é insidioso. O tratamento ou a remoção da causa médica primária em geral implica um curso claro de melhora dos sintomas do transtorno de ansiedade. Em alguns casos, contudo, os sintomas continuam mesmo após a causa primária ter sido tratada (p. ex., após um episódio de encefalite). Alguns sintomas, em especial os obsessivo-compulsivos, persistem por um tempo mais longo do que outros. Quanto estiverem presentes por um período significativo após a doença médica ter sido tratada, os sintomas remanescentes devem ser tratados como se fossem primários – isto é, com psicoterapia, farmacoterapia ou ambas.
681
mes crônicas como agudas. Uma ampla faixa de medicamentos de prescrição também se associa à produção de sintomas de ansiedade em indivíduos suscetíveis. Diagnóstico Os critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno de ansiedade induzido por substâncias requer a presença de ansiedade proeminente, ataques de pânico, obsessões ou compulsões (Tab. 16.7-3). Suas diretrizes postulam que os sintomas devem ter se desenvolvido durante a utilização de uma substância dentro de um mês da cessação do uso da mesma, mas o manual encoraja os clínicos a utilizarem seu julgamento para avaliar a relação entre a exposição à substância e os sintomas de ansiedade. A estrutura do diagnóstico inclui a especificação da substância (p. ex., cocaína), do estado durante o início (p. ex., intoxicação) e do padrão específico de sintomas (p. ex., ataques de pânico).
Tratamento Características clínicas Abordagem principal para o transtorno de ansiedade devido a uma condição médica sistêmica é o tratamento da condição subjacente. Se o paciente também apresenta transtorno por uso de álcool ou de outras substâncias, este também deve ser enfocado para se obter o controle dos sintomas de ansiedade. Se a remoção da causa médica principal não reverte o quadro, o tratamento deve seguir as diretrizes indicadas para o transtorno mental específico. Em geral, técnicas de modificação do comportamento, agentes antiansiedade e antidepressivos têm sido as modalidades mais eficazes de tratamento. TRANSTORNO DE ANSIEDADE INDUZIDO POR SUBSTÂNCIAS Este transtorno é o resultado direto de uma substância tóxica, inclusive drogas de abuso, medicamentos, venenos e álcool, entre outros. Epidemiologia Trata-se de uma condição comum, seja como resultado de ingestão de drogas denominadas recreativas, seja em decorrência da utilização de medicamentos prescritos. Etiologia Uma ampla gama de substâncias pode causar sintomas de ansiedade capazes de imitar qualquer dos transtornos de ansiedade referidos pelo DSM-IV-TR. Embora os simpatomiméticos como a anfetamina, a cocaína e a cafeína tenham se associado com mais freqüência à produção desses, várias substâncias serotonérgicas (p. ex., a dietilamida do ácido lisérgico [LSD] e a metilenodioximetanfetamina [MDMA]), também podem levar tanto a síndro-
As características clínicas associadas do transtorno de ansiedade induzido por substâncias variam conforme a substância em questão. Mesmo a utilização pouco freqüente de psicoestimulantes pode levar a sintomas de ansiedade em alguns indivíduos. Comprometimentos cognitivos de compreensão, cálculo e memória podem se associar a esses sintomas. Tais déficits cognitivos costumam ser reversíveis quando a utilização da substância é interrompida. Praticamente todos que bebem álcool utilizam-no, pelo menos em algumas ocasiões, para reduzir a ansiedade, com mais freqüência a do tipo social. Em contraste, estudos controlados verificaram que os efeitos do álcool sobre a ansiedade são variáveis e podem ser afetados de maneira significativa pelo gênero, pela quantidade ingerida e pelas atitudes culturais. A despeito disso, os transtornos por uso do álcool e outras substâncias são, com freqüência, associados a transtornos de ansiedade. Problemas com o álcool são quatro vezes mais comuns entre pacientes com transtorno de pânico do que na população em geral, cerca de 3,5 vezes mais comum entre pacientes com transtorno obessivocompulsivo, e cerca de 2,5 mais comum entre aqueles com fobias. Vários estudos relataram dados indicando uma diátese genética tanto para transtorno de ansiedade como para transtorno por uso de álcool que pode existir em certas famílias.
B., homem solteiro, afro-americano, de 28 anos de idade, estudante universitário com boa saúde e sem história de avaliação ou tratamento psiquiátrico. Não tomava medicamentos, não fumava ou consumia álcool e não tinha história atual ou passada de uso de drogas ilegais. Sua queixa principal é de começar a sentir uma “ansiedade” crescente ao trabalhar no laboratório onde fazia seus estudos. Seu trabalho estava progredindo, ele achava que sua relação com o supervisor era boa, não podia identificar nenhum problema com a equipe de ensino ou com os
682
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
colegas que pudesse explicar sua ansiedade. Ele dedicava muito tempo ao trabalho, mas achava sua ocupação interessante, tendo seu primeiro artigo recentemente aceito para publicação. A despeito desses êxitos, relatou sentimentos de “ansiedade crescente”, à medida que o dia ia passando. Observou que à tarde experimentava palpitações, ondas de aceleração do coração, tremor das mãos e uma sensação geral de “estar no limite”. Observou ainda uma energia nervosa à tarde. Essas experiências estavam ocorrendo todos os dias e pareciam confinadas ao laboratório (embora admitisse freqüentar o local todos os dias da semana). Ao revisar-se sua ingestão de cafeína, verificou-se que ele consumia quantidades excessivas de café. A equipe de ensino fazia uma grande térmica de café a cada manhã, e B. começava suas atividades com uma grande caneca. Com o passar da manhã, consumia três a quatro canecas (o equivalente a cerca de 6 a 8 xícaras de 40 mL cada) e continuava esse nível de consumo ao longo da tarde. Ocasionalmente, tomava uma lata de refrigerante cafeinado, mas não usava outras formas de cafeína com base regular. O paciente estimou que consumia um total de 6 a 8 ou mais canecas de café por dia (estimado em, no mínimo, 1.200 mg de cafeína). Quando isso foi mencionado, ele se deu conta de que o nível de consumo estava consideravelmente mais alto do que em qualquer outra época de sua vida. Ele admitiu que apreciava o gosto do café e que sentia um pique de energia pela manhã quando bebia, o que o auxiliava a começar o dia. B. e seu médico desenvolveram um plano para diminuir o consumo de café por meio de redução gradativa. Os pormenores desse plano podem ser encontrados na seção de tratamento de dependência de cafeína. O paciente reduziu com êxito seu consumo de café e, por conta disso, teve uma boa resolução de seus sintomas de ansiedade. (Cortesia de Eric C. Strain, M.D.) Diagnóstico diferencial O diagnóstico diferencial para transtorno de ansiedade induzido por substâncias inclui os transtornos primários de ansiedade, o transtorno de ansiedade devido a uma condição médica geral (pela qual o paciente pode estar recebendo um medicamento implicado) e transtornos do humor, que, com freqüência, são acompanhados por sintomas de ansiedade. Transtornos da personalidade e factícios devem ser considerados também, principalmente em alguns pronto-socorros de áreas urbanas. Curso e prognóstico O curso e o prognóstico dependem da remoção da substância envolvida e da capacidade, em um longo prazo, do indivíduo afetado em reduzir sua utilização. Os efeitos ansiogênicos de muitos medicamentos são reversíveis. Quando a ansiedade não é revertida com a interrupção, os clínicos devem reconsiderar o
TABELA 16.7-3 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno de ansiedade induzido por substância A. Ansiedade proeminente, ataques de pânico, obsessões ou compulsões predominam no quadro clínico. B. Existem evidências, a partir da história, do exame físico ou de achados laboratoriais, de (1) ou (2): (1) os sintomas no Critério A desenvolveram-se durante ou dentro de um mês após a Intoxicação ou abstinência de substância (2) o uso de um medicamento está etiologicamente relacionado com o distúrbio C. O distúrbio não é mais bem-explicado por um transtorno de ansiedade não induzido por substância. As evidências de que os sintomas são mais bem-explicados por um transtorno de ansiedade não induzido por substância podem incluir as seguintes: os sintomas precedem o início do uso da substância (ou medicamento); os sintomas persistem por um período substancial de tempo (p. ex., cerca de um mês) após a cessação da abstinência aguda ou grave intoxicação ou excedem substancialmente os que seriam esperados, tendo em vista o tipo ou a quantidade da substância usada ou a duração de seu uso; ou existem outras evidências sugerindo a existência de um transtorno de ansiedade independente, não induzido por substância (p. ex., uma história de episódios recorrentes não relacionados à substância). D. O distúrbio não ocorre exclusivamente durante o curso de um delirium. E. O distúrbio causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. Nota: Esse diagnóstico deve ser feito em vez de um diagnóstico de Intoxicação com substância ou abstinência de substância apenas quando os sintomas de ansiedade excedem os habitualmente associados com a síndrome de intoxicação ou abstinência, e quando os sintomas de ansiedade são suficientemente graves a ponto de indicar atenção clínica independente. Codificar transtorno de ansiedade induzido por (Substância Específica) (Álcool; anfetamina [ou substância assemelhada]; cafeína; cannabis; cocaína: alucinógeno; inalante; fenciclidina [ou substância assemelhada]; sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos; outra substância [ou substância desconhecida]).
Especificar se: Com ansiedade generalizada: se no quadro clínico houver predomínio de ansiedade ou preocupação excessivas acerca de diversos eventos ou atividades. Com ataques de pânico: se no quadro clínico houver predomínio de ataques de pânico. Com sintomas obsessivo-compulsivos: se no quadro clínico houver predomínio de obsessões ou compulsões. Com sintomas fóbicos: se no quadro clínico houver predomínio de sintomas fóbicos. Especificar se: Com início durante a intoxicação: se são satisfeitos os critérios para intoxicação com a substância e se os sintomas se desenvolvem durante a síndrome de intoxicação. Com início durante a abstinência: se são satisfeitos os critérios para abstinência da substância e se os sintomas se desenvolvem durante ou logo após uma síndrome de abstinência. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyrigth 2000, com permissão.
diagnóstico de transtorno de ansiedade induzido por substâncias ou cogitar a possibilidade de que a substância tenha causado dano cerebral irreversível.
TRANSTORNOS DE ANSIEDADE
Tratamento O principal tratamento do transtorno de ansiedade induzido por substâncias é a remoção da substância que o esteja causando. Em seguida, deve-se enfocar um tratamento alternativo se a substância era um medicamento indicado para fins terapêuticos, limitar a exposição do paciente se a mesma foi introduzida pela exposição no ambiente ou caso se trate de transtorno por uso de substâncias. Se os sintomas persistirem, pode ser apropriado o tratamento com as modalidades psicoterapêuticas ou farmacoterapêuticas. TRANSTORNO DE ANSIEDADE SEM OUTRA ESPECIFICAÇÃO Alguns pacientes têm sintomas que não satisfazem os critérios para um transtorno de ansiedade específico do DSM-IV-TR ou para um transtorno de adaptação com ansiedade ou com humor depressivo e ansiedade mistos. Esses pacientes são classificados de forma mais apropriada como tendo transtorno de ansiedade sem outra especificação. O manual inclui quatro exemplos de condições para o diagnóstico (Tab. 16.7-4). Um dos exemplos é o transtorno misto de ansiedade-depressão. W. chegou a um pronto-socorro de um hospital de Nova York se queixando de mal-estar, febre e tosse. Foi diagnosticada uma infecção das vias respiratórias superiores. Quando o médico estava escrevendo a prescrição, o paciente, em lá-
TABELA 16.7-4 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno de ansiedade sem outra especificação Esta categoria engloba transtornos com ansiedade proeminente ou esquiva fóbica que não satisfazem os critérios para qualquer transtorno de ansiedade específico, transtorno da adaptação com ansiedade ou transtorno da adaptação misto de ansiedade e depressão. Exemplos: 1. Transtorno misto de ansiedade e depressão: sintomas clinicamente significativos de ansiedade e depressão, porém não são satisfeitos os critérios para um transtorno do humor ou um transtorno de ansiedade específicos. 2. Sintomas de fobia social clinicamente significativos, relacionados ao impacto social de ter uma condição médica geral ou um transtorno mental (p. ex., doença de Parkinson, condições dermatológicas, tartamudez, anorexia nervosa, transtorno dismórfico corporal). 3. Situações nas quais o distúrbio é grave o bastante para justificar um diagnóstico de um transtorno de ansiedade, mas o indivíduo não relata sintomas suficientes para satisfazer os critérios de nenhum transtorno de ansiedade específico; por exemplo, um indivíduo que relata todas as características de transtorno de pânico sem agorafobia, exceto que os ataques de pânico são todos de sintomas limitados. 4. Situações nas quais se conclui pela presença de um transtorno de ansiedade, mas é impossível determinar se este é primário, devido a uma condição médica geral ou induzido por substância. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statical Manual of Mental Disorders, 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
683
grimas, revelou que não tinha para onde ir, estava deprimido e sentia que a vida não valia a pena. Um residente de psiquiatria foi chamado para vê-lo e obteve a seguinte informação adicional. Desde o mês anterior, W. vivia no porão do edifício de seu apartamento, fazia suas refeições em restaurantes e utilizava o banheiro do clube para tomar banho. Comia e dormia mal. Seu apartamento estava cheio de jornais, revistas e livros, a ponto de ele não conseguir mais passar pela porta, mas não conseguia se mobilizar para se livrar de qualquer item daquela “coisa”. Quando tinha 12 anos, começou a colecionar cartões de baseball e, a seguir, livros e revistas. Seus pais eram imigrantes pobres da Europa Oriental, e a idéia de guardar coisas que pudessem algum dia ser valiosas não era estranha para eles. Em certa época, contudo, o apartamento ficou tão ocupado que eles jogaram fora boa parte de sua coleção. W. a recuperou do lixo e, a partir daí, sua “coleção” tornou-se foco de conflito com a família e empregadores. W. não se desvia de sua rotina para obter coisas, mas, uma vez que tenha um jornal, livro ou revista em mãos, não pode jogá-los fora, porque “pode haver alguma coisa de valor escrita neles”. A idéia de jogar as coisas fora o torna extremamente ansioso e, ao final, não consegue fazê-lo. Por muitos anos, trabalhou como porteiro em edifícios elegantes, sendo logo despedido porque colocava suas “coisas” no depósito do local de trabalho, e até entrava em luta corporal com o pessoal da manutenção do prédio que tentava jogá-las fora. Fora casado por 10 anos e tinha um filho de 25 anos. Sua esposa o deixou, incapaz de tolerar seu comportamento. Ele raramente vê o filho. W. entrou em tratamento pela primeira vez não por causa de sua coleção, mas porque, aos 20 anos, “meu estado de humor teve um período pior. Tive um colapso”. Parou de fazer quase tudo – trabalhar, comer, dormir. “Era esforço até levantar uma perna”. Passou a ver um psiquiatra como paciente ambulatorial e, ao longo dos anos, esteve em terapia na maior parte do tempo, tratado com uma série de antidepressivos e ansiolíticos. Após o divórcio, há 10 anos, mudou parte de sua coleção para seu próprio apartamento e alugou um espaço em um depósito para o resto. Aos poucos, o local se encheu de jornais, revistas e livros e ele passou a ter dificuldades para conseguir passar pela porta e chegar até a cama. Por fim, no último mês, lesionou o ombro tentando empurrar as coisas para o lado e trocou o apartamento por um catre no porão do edifício. Ele compreende que sua incapacidade de jogar coisas fora é irracional, mas pensar em fazê-lo leva-o a uma ansiedade intolerável. DISCUSSÃO O paciente apresenta sintomas sugestivos de depressão: humor deprimido, dificuldade de comer e dormir e pensamento de que a vida não vale a pena. Mais informações sobre a gravidade e a persistência desses sintomas excluiriam o diag-
684
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
nóstico de transtorno depressivo maior. Contudo, o mais impressionante é o problema de longa data de não ser capaz de jogar coisas fora – juntar – que perturbou completamente sua vida. Não é de todo claro como diagnosticar tal dificuldade. Muitas pessoas têm problemas para jogar fora coisas que consideram ter valor potencial, mas, se esse traço não leva a sofrimento ou a comprometimento significativo, o diagnóstico de transtorno mental não é apropriado. Este certamente não é o caso de W. Uma possibilidade é que o juntar seja parte de um quadro mais amplo de transtorno da personalidade obsessivo-compulsivo, já que esse comportamento em especial é, na verdade, um dos critérios diagnósticos e está presente em quase metade dos casos do transtorno. Contudo, nenhuma das outras manifestações, como perfeccionismo ou dedicação excessiva ao trabalho, parece estar presente. O juntar costuma ser observado como parte do comportamento desorganizado e bizarro de indivíduos com esquizofrenia, mas, nesse caso, nenhuma de suas manifestações características está presente. A ansiedade associada ao pensamento de jogar coisas fora sugere uma obsessão. Contudo, na obsessão verdadeira, tais pensamentos são egodistônicos, enquanto no caso de W. não o são. O ato de juntar é uma compulsão? As compulsões são comportamentos ou pensamentos repetitivos nos quais o indivíduo se engaja e que são realizados de uma forma estereotipada ou em resposta a uma obsessão. Em contraste, o juntar de W. é a falha de deixar de se engajar no comportamento apropriado (i. e., jogar fora seu lixo). Além disso, ele não segue nenhuma regra estereotipada para colecionar seus livros e jornais, e seu juntar não é uma resposta a uma obsessão. Especialistas em transtorno obsessivo-compulsivo em geral encaram o juntar extremo como parte do espectro desse transtorno. Indicam que muitos “colecionistas” de fato exibem rituais de verificação e outros rituais compulsivos que satisfazem os critérios para compulsões mesmo quando o juntar é egossintônico. Assinalam também a ansiedade extrema que esses pacientes exibem quando seu comportamento é contrariado. Em vista de W. não parecer ter nenhuma obsessão ou compulsão em sentido estrito, permaneceria na categoria residual de transtorno de ansiedade sem outra especificação. Uma forma alternativa de abordar o juntar é considerá-lo um traço mal-adaptativo de personalidade e fazer o diagnóstico de transtorno da personalidade sem outra especificação. (De DSM-IV Casebook.) Transtorno misto de ansiedade-depressão Descreve pacientes com sintomas tanto de ansiedade como de depressão que não satisfazem os critérios para transtorno de ansiedade e para transtorno do humor. A combinação de sintomas de ansiedade e depressão leva a comprometimento significativo do indivíduo afetado. A condição pode ser particularmente prevalente na prática de assistência primária e em clínicas ambulatoriais de saúde mental. Seus oponentes, no entanto, têm argu-
mentado que a possibilidade do diagnóstico pode desencorajar os clínicos dedicarem o tempo necessário para obter uma história psiquiátrica completa a fim de diferenciar transtornos depressivos verdadeiros de transtornos de ansiedade verdadeiros. Na Europa e na China, muitos desses pacientes recebem o diagnóstico de neurastenia (ver Cap. 18). Epidemiologia. É comum a coexistência de transtorno depressivo maior e transtorno de pânico. Até dois terços de todos os pacientes com sintomas depressivos apresentam sintomas proeminentes de ansiedade, e um terço pode satisfazer os critérios diagnósticos para transtorno de pânico. Os pesquisadores relataram que 20 a 90% de todos aqueles com transtorno de pânico têm episódios de transtorno depressivo maior. Esses dados sugerem que a coexistência de sintomas depressivos e de ansiedade, nenhum dos quais satisfazendo os critérios diagnósticos para outros transtornos depressivos ou de ansiedade, pode ser comum. No momento, contudo, dados epidemiológicos formais sobre o transtorno misto de ansiedade-depressão não estão disponíveis. A despeito disso, alguns clínicos e pesquisadores estimaram que sua prevalência na população em geral é de até 10% e, em clínicas de assistência primária, de até 50%, ainda que estimativas conservadoras sugiram a prevalência de cerca de 1% na população em geral. Etiologia. Quatro linhas principais de evidência sugerem que os sintomas de ansiedade e depressão estão causalmente ligados em alguns pacientes afetados. Primeiro, vários investigadores relataram achados neuroendócrinos similares, em especial transtorno de pânico, inclusive resposta atenuada do cortisol ao hormônio adrenocorticotrópico, do hormônio do crescimento à clonidina (Atensina) e do hormônio estimulante da tireóide e da prolactina ao hormônio de liberação da tirotropina. Segundo, sugeriram que a hiperatividade do sistema noradrenérgico é relevante para alguns pacientes com transtornos depressivos e com transtorno de pânico. De maneira mais específica, esses estudos verificaram concentrações elevadas do metabólito da norepinefrina, o 3-metoxi-4-hidroxifenilglicol (MHPG), na urina, no plasma e no líquido cerebrospinal (LCS) de pacientes deprimidos e daqueles com transtorno de pânico que estavam experimentando ataques de pânico ativos. Como em outros transtornos de ansiedade ou depressivos, a serotonina e o ácido γ-aminobutírico (GABA) também podem estar envolvidos no transtorno misto de ansiedade-depressão. Terceiro, medicamentos serotonérgicos, como a fluoxetina (Prozac) e a clomipramina (Anafranil), são úteis no tratamento tanto de transtornos depressivos como de ansiedade. Quarto, uma série de estudos familiares relatou dados indicando que os sintomas desses transtornos geneticamente ligados pelo menos em algumas famílias. Diagnóstico. Os critérios do DSM-IV-TR (Tab. 16.7-5) exigem a presença de sintomas subsindrômicos tanto de ansiedade como de depressão e de sintomas autonômicos, como tremor, palpitações, boca seca e uma sensação de “batedeira” no estômago. Alguns estudos preliminares indicaram que a sensibilidade dos clínicos gerais à síndrome de transtorno misto de ansiedadedepressão é baixa, embora essa falta de reconhecimento possa refletir a ausência de um rótulo diagnóstico apropriado.
TRANSTORNOS DE ANSIEDADE
TABELA 16.7-5 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno misto de ansiedade-depressão A. Humor disfórico persistente ou recorrente com duração mínima de um mês. B. O humor disfórico é acompanhado por pelo menos um mês de quatro (ou mais) dos seguintes sintomas: (1) dificuldade para concentrar-se ou “branco na mente” (2) perturbação do sono (dificuldade em conciliar ou manter o sono ou sono inquieto e insatisfatório) (3) fadiga ou falta de energia (4) irritabilidade (5) preocupação (6) choro fácil (7) hipervigilância (8) previsão do pior (9) falta de esperança (pessimismo generalizado acerca do futuro) (10) baixa auto-estima ou sentimentos de inutilidade C. Os sintomas causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. D. Os sintomas não se devem aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., droga de abuso, medicamento) ou de uma condição médica geral. E. Todos os seguintes: (1) jamais foram satisfeitos os critérios para transtorno depressivo maior, transtorno distímico, transtorno de pânico ou transtorno de ansiedade generalizada (2) atualmente não são satisfeitos os critérios para qualquer outro transtorno de ansiedade ou transtorno do humor (inclusive transtorno de ansiedade ou transtorno do humor em remissão parcial) (3) os sintomas não são mais bem-explicados por qualquer outro transtorno mental De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyrigth 2000, com permissão.
Características clínicas. As características clínicas do transtorno misto de ansiedade-depressão combinam sintomas dos transtornos de ansiedade com alguns sintomas do transtorno depressivo. Além disso, os sinais de hiperatividade do sistema nervoso autônomo, como queixas gastrintestinais, são comuns e contribuem para a alta freqüência com que os pacientes são vistos em clínicas médicas ambulatoriais. Diagnóstico diferencial. O diagnóstico diferencial inclui outros transtornos de ansiedade e depressivos e transtornos da personalidade. Dentre os primeiros, o transtorno de ansiedade generalizada é o que tem mais probabilidade de se superpor ao transtorno misto. Dentre os transtornos do humor, o distímico e o depressivo menor são os que mais se superpõem ao transtorno misto de ansiedade-depressão. Dentre os transtornos da personalidade, os tipos evitativa, dependente e obsessivo-compulsiva podem ter sintomas que se assemelham aos do transtorno misto de ansiedade-depressão. Um diagnóstico de transtorno somatoforme também deve ser considerado. Somente a história psiquiátrica, o exame do estado mental e um conhecimento operacional
685
dos critérios específicos do DSM-IV-TR podem auxiliar os clínicos a diferenciar tais condições. Curso e prognóstico. Com base nos dados clínicos até o presente, os pacientes parecem ter igual probabilidade de terem sintomas proeminentes de ansiedade, depressão ou uma associação de ambos. Durante o curso do transtorno, esses sintomas podem se alternar em sua predominância. O prognóstico não é conhecido. Tratamento. Pelo fato de não estarem disponíveis estudos adequados comparando modalidades de tratamento do transtorno misto de ansiedade-depressão, os clínicos têm mais probabilidade de prover tratamentos a partir dos sintomas presentes, de sua gravidade e do próprio nível de experiência do clínico com as várias modalidades de tratamento. As abordagens psicoterapêuticas podem envolver intervenções limitadas no tempo, como terapia cognitiva ou modificação do comportamento, embora alguns clínicos utilizem formas menos estruturadas, como a psicoterapia orientada para o insight. A farmacoterapia pode incluir agentes ansiolíticos, antidepressivos ou ambos. Entre os ansiolíticos, alguns dados indicam que a utilização de triazolobenzodiazepínicos (p. ex., o alprazolam [Frontal]) possa estar indicada por causa de sua eficácia no tratamento da depressão associada à ansiedade. Um medicamento que afeta os receptores 5-HT1A, como a buspirona (BuSpar) também pode ser indicado. Quanto aos antidepressivos, a despeito das teorias noradrenérgicas ligando os transtornos de ansiedade aos transtornos depressivos, os antidepressivos serotonérgicos podem ser os mais eficientes no tratamento do transtorno misto. A venlafaxina (Efexor) é um antidepressivo eficiente aprovado pela FDA para o tratamento da depressão, bem como para o transtorno de ansiedade generalizada, sendo o medicamentos de escolha no transtorno combinado. REFERÊNCIAS Cassem EH. Depression and anxiety secondary to medical illness. Psychiatr Clin North Am. 1990;13:597. Coryell W, Endicott J, Winokur G. Anxiety syndromes as epiphenomena of primary major depression: outcome and financial psychopathology. Am J Psychiatry. 1992;149:100. Davis M. The role of the amigdala in fear-potentiated startle: implications for animal models of anxiety. Trends Pharmacol Sci. 1992;13:35. Gabbard GO. Psychodynamics Psychiatry in Clinical Practice: The DSMIV Edition. Washington, DC: American Psychiatric Press; 1994. Gorman JM, section ed. Anxiety disorders. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:1441. Kara S, Yazici KM, Guelec C, Uensal I. Mixed anxiety-depressive disorder and major depressive disorder: comparison of the severity of illness and biological variables. Psychiatry Res. 2000;94(1):59. Rouillon F. Anxiety with depression: a treatment need. Eur Neuropsychopharmacol. 1999;9(suppl 3):S87. Wittchen H-U, Schuster P, Lieb R. Comorbidity and mixer anxietydepressive disorder: clinical curiosity or pathophysiological need? Hum Psychopharmacol. 2000;16(suppl 1):S21.
17 Transtornos somatoformes
O
termo transtorno somatoforme deriva do grego soma significando corpo, de modo que os transtornos somatoformes são um amplo grupo de doenças que têm sintomas e sinais corporais como principal componente. Essas condições envolvem interações mente-corpo em que o cérebro, de forma ainda não bem-compreendida, envia vários sinais que se fixam na consciência do paciente, indicando um problema grave no corpo. Além disso, modificações menores ou ainda não detectáveis na neuroquímica, na neurofisiologia e na neuroimunologia podem se originar de mecanismos mentais ou cerebrais ainda desconhecidos que produzem a doença. De uma perspectiva nosológica, esses transtornos foram agrupados pela primeira vez em 1980, na terceira edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-III), como transtornos em que sensações ou funções corporais, com enfoque predominante do paciente, são influenciados por uma perturbação da mente. Esse agrupamento não foi baseado em um constructo teórico nem em achados de laboratório. De fato, os exames físico e laboratorial muitas vezes não encontram dados significativos, substanciando as queixas do paciente, que, a despeito disso, são vigorosas e sinceras. Indivíduos com transtornos somatoformes estão convencidos de que seu sofrimento vem de algum tipo de distúrbio corporal presumivelmente não-detectado e não-tratado. Como afirmou Charles Beard em 1881: “As queixas não são imaginárias”. O médico moderno que descarta seu paciente com a afirmação de que a queixa é imaginária presta um desserviço tanto ao paciente como à profissão médica.
A revisão do texto da quarta edição do DSM (DSM-IV-TR) reconhece cinco transtornos somatoformes específicos (Tab. 171): (1) transtorno de somatização, caracterizado por várias queixas físicas, afetando vários sistemas de órgãos; (2) transtorno conversivo, caracterizado por uma ou duas queixas neurológicas; (3) hipocondria, caracterizada menos por um enfoque em sintomas do que pela crença do paciente de ter uma doença específica; (4) transtorno dismórfico corporal, caracterizado por uma crença falsa ou por uma percepção exagerada de que uma parte do corpo é defeituosa; (5) transtorno doloroso, caracterizado por sintomas de dor que são ou exclusivamente relatados ou exacerbados de forma significativa por fatores psicológicos. O DSM-IV-TR também apresenta duas categorias diagnósticas residuais para os transtornos somatoformes: (1) transtorno somatoforme indiferenciado, que inclui os subtipos não descritos de outra forma, que tenham estado presentes por seis meses ou mais, e (2) transtorno
somatoforme sem outra especificação, que é a categoria para sintomas somatoformes que não satisfazem quaisquer outros diagnósticos de transtorno somatoforme mencionados. TRANSTORNO DE SOMATIZAÇÃO O transtorno de somatização é caracterizado por vários sintomas somáticos que não podem ser explicados de maneira adequada com base nos exames físico e laboratorial. Em geral, inicia antes da idade de 30 anos, pode continuar por anos e se distingue, de acordo com o DSM-IV-TR, por “uma combinação de sintomas de dor, gastrintestinais, sexuais e pseudoneurológicos”. O transtorno de somatização difere de outros transtornos somatoformes em vista da multiplicidade de queixas de vários sistemas de órgãos (p. ex., gastrintestinal e neurológico) afetados. É crônico e se associa a sofrimento psicológico, comprometimento do desempenho social e ocupacional e comportamento de procura excessiva por assistência médica. Tem sido reconhecido desde a época do antigo Egito. A denominação inicial para o transtorno foi histeria, condição considerada incorretamente como afetando somente mulheres. (A palavra histeria é derivada da palavra grega para útero, hystera). No século XVII, Thomas Sydenham reconheceu que fatores psicológicos, que denominava de “tristezas antecedentes”, estavam envolvidos na patogenia dos sintomas. Em 1859, Paul Briquet, um médico francês, observou a multiplicidade de sintomas e sistemas de órgãos afetados e comentou seu curso em geral crônico. Em vista de observações clínicas importantes, o transtorno foi denominado síndrome de Briquet até que o termo transtorno de somatização tornou-se padrão nos Estados Unidos.
Epidemiologia A prevalência durante a vida do transtorno de somatização na população em geral é estimada em 0,2 a 2% em mulheres e 0,2% em homens. Mulheres com a condição excedem os homens em 5 a 20 vezes, mas essas estimativas mais elevadas podem decorrer da antiga tendência de não se diagnosticar o transtorno pacientes masculinos. A despeito disso, ele não é incomum. Com a razão de 5 para 1 de mulheres para homens, a prevalência durante a vida do transtorno de somatização entre as mulheres na popula-
Monossintomática Aguda, na maioria Simula doenças
Preocupação ou convicção de doença
Sentimentos subjetivos de feiúra ou preocupação com defeito corporal
Síndrome de dor simulada
Transtorno conversivo
Hipocondria
Transtorno dismófico corporal
Transtorno doloroso
Predominância feminina 2 por 1 Mais velhos: 4a ou 5a década Padrão familiar Até 40% da população com dor
Adolescência e vida adulta inicial Predominância feminina (?) Em grande parte desconhecida
Doença física prévia Idade média ou avançada Razão masculinafeminina igual
Altamente prevalente Predominância feminina Idade jovem Rural e de classe social baixa Pouco instruída e psicologicamente não-sofisticada
Idade jovem Predominância feminina 20 por 1 Padrão familiar Incidência de 5 a 10% em populações de assistência médica primária
Aspectos demográficos e epidemiológicos
Simulação ou intensidade incompatível com mecanismos fisiológicos ou de anatomia conhecidos
Preocupações corporais globais
A convicção de doença amplifica os sintomas Obsessivo
Simulação incompatível com os mecanismos fisiológicos ou de anatomia conhecidos
Revisão de sistemas profusamente positiva Contatos clínicos múltiplos Policirúrgica
Aspectos diagnósticos
Aliança terapêutica Redefinir os objetivos do tratamento Medicamentos antidepressivos
Aliança terapêutica Manejo do estresse Psicoterapias Medicamentos antidepressivos
Documentar os sintomas Revisão psicossocial Psicoterapêutica
Sugestão e persuasão Várias técnicas
Aliança terapêutica Revisões regulares Intervenção nas crises
Estratégia de manejo
Reservado, variável
Desconhecido
Regular a bom Vai e vem
Excelente, exceto no transtorno conversivo crônico
Mau a regular
Prognóstico
Transtornos depressivos Abuso de álcool e de outras drogas Transtorno da personalidade histriônica ou dependente
Anorexia nervosa Sofrimento psicossocial Transtorno da personalidade evitativa ou obsessivo-compulsiva
Transtorno da personalidade obsessivocompulsiva Transtornos depressivos e de ansiedade
Dependência de álcool e outras drogas Transtorno da personalidade anti-social Transtorno de somatização Transtorno da personalidade histriônica
Transtorno da personalidade histriônica Transtorno da personalidade anti-social Abuso de álcool e de outras drogas Vários problemas na vida Transtorno conversivo
Transtornos associados
Depressão Psicofisiológica Doença física Falsificação e síndrome de incapacidade
Trasntorno delirante Transtornos depressivos Transtorno de somatização
Depressão Doença física Transtorno da personalidade Transtorno delirante
Depressão Esquizofrenia Doença neurológica
Doença física Depressão
Apresentação diferencial primária
Inconsciente Estressor agudo e do desenvolvimento Traumatismo físico pode predispor
Inconsciente Fatores de auto-estima
Inconsciente Estresse – luto Fatores do desenvolvimento
Inconsciente Podem estar presentes: estresse ou conflito psicológico
Inconsciente Cultural e de desenvolvimento
Processos psicológicos contribuem para os sintomas
Fatores psicológicos inconscientes
Fatores Psicológicos inconsciente
Fatores Psicológicos inconsciente
Fatores psicológicos inconscientes
Fatores psicológicos inconscientes
Motivação para a produção de sintomas
Adaptada de Folks DG, Ford CV, Houk CA. Somatoform disorders, facticious disorders and malingering. In: Stoudemire A, ed.Clinical Psychiatry for Medical Students. Philadelphia: JB Lippincott, 1990:233.
Polissintomática Recorrente e crônica Doente segundo a história
Transtorno de somatização
Diagnóstico
Apresentação clínica
TABELA 17-1 Manifestações clínicas dos transtornos somatoformes
TRANSTORNOS SOMATOFORMES
687
688
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
ção geral pode ser de 1 a 2%. Entre pacientes nos consultórios de clínicos gerais e médicos de família, de 5 a 10% satisfazem os critérios. O transtorno se relaciona de forma inversa à posição social e ocorre com mais freqüência entre pacientes com pouca instrução e baixa renda. Ele é definido como se iniciando antes dos 30 anos de idade, em geral na adolescência. Vários estudos observaram que o transtorno de somatização com freqüência coexiste com outros transtornos mentais. Cerca de dois terços de todas as pacientes apresentam sintomas psiquiátricos identificáveis, e até metade tem outro transtorno mental. Traços de personalidade associados com maior recorrência são os caracterizados por manifestações de evitação, auto-sabotagem, paranóides e obsessivo-compulsivas. O transtorno bipolar I e o abuso de drogas são condições observadas com menos freqüência em pacientes com transtorno de somatização do que na população em geral.
ção e para outros transtornos somatoformes. Trata-se de moléculas mensageiras que o sistema imune utiliza para se comunicar consigo próprio e com o sistema nervoso, inclusive com o cérebro. Exemplos de citocinas são a interleucina, o fator de necrose de tumores e os interférons. Alguns experimentos preliminares indicam que as citocinas podem auxiliar a causar alguns dos sintomas inespecíficos de doença (principalmente infecções), como hipersonia, anorexia, fadiga e depressão. Embora nenhum dado suporte ainda essa hipótese, a regulação anormal do sistema das citocinas pode levar a alguns dos sintomas observados nos transtornos somatoformes. Diagnóstico Para o diagnóstico de transtorno de somatização, o DSM-IV-TR necessita de início dos sintomas antes dos 30 anos (Tab. 17-2).
Etiologia Fatores psicossociais. A causa do transtorno de somatização é desconhecida. Formulações psicossociais envolvem interpretações dos sintomas como comunicações sociais cujo objetivo é evitar obrigações (p. ex., comparecer a um trabalho que o indivíduo não gosta), expressar emoções (p. ex., raiva do consorte) ou simbolizar um sentimento ou crença (p. ex., dor nos intestinos). Interpretações psicanalíticas estritas se baseiam na hipótese de que os sintomas substituem impulsos instintivos reprimidos. Uma perspectiva comportamental do transtorno de somatização enfatiza o fato de que o ensino dos pais, seu exemplo e os costumes étnicos podem contribuir para que algumas crianças somatizem mais do que outras. Além disso, alguns pacientes vêm de lares instáveis e sofreram abuso físico. Fatores sociais, culturais e étnicos também podem estar envolvidos no desenvolvimento dos sintomas. Fatores biológicos. Alguns estudos indicam uma base neurofisiológica para o transtorno. Propõem que os pacientes têm comprometimentos característicos, cognitivos e da atenção , que levam à percepção e à avaliação defeituosa das aferências somatossensoriais. Os comprometimentos relatados incluem distratibilidade excessiva, incapacidade de se habituar a estímulos repetitivos, reunião de constructos cognitivos a partir de uma base impressionista, associações parciais e circunstanciais e falta de seletividade, como indicado por alguns estudos de potenciais evocados. Um número limitado de estudos de imagens cerebrais relatou redução do metabolismo nos lobos frontais do hemisfério não-dominante. Dados genéticos indicam que, pelo menos em algumas famílias, a transmissão do transtorno de somatização tem componentes genéticos. Ele tende a ocorrer em famílias e em 10 a 20% de parentes de primeiro grau de probandos de pacientes com transtorno de somatização. Dentro dessas famílias, os parentes masculinos de primeiro grau são predispostos a abuso de drogas e a personalidade anti-social. Um estudo indicou também a taxa de concordância de 29% em gêmeos monozigóticos e 10% em gêmeos dizigóticos como indicação de efeito genético. A pesquisa de citocinas, uma nova área de estudos de neurociência básica, pode ser relevante para o transtorno de somatiza-
TABELA 17-2 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno de somatização A. Uma história de muitas queixas físicas com início antes dos 30 anos, que ocorrem por um período de vários anos e resultam em busca de tratamento ou prejuízo significativo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes de funcionamento do indivíduo. B. Cada um dos seguintes critérios deve ter sido satisfeito, com os sintomas individuais ocorrendo em qualquer momento durante o curso do distúrbio: (1) quatro sintomas dolorosos: uma história de dor relacionada a pelo menos quatro locais ou funções diferentes (p. ex., cabeça, abdome, costas, articulações, extremidades, tórax, reto, durante a menstruação, durante a relação sexual ou durante a micção) (2) dois sintomas gastrintestinais: uma história de pelo menos dois sintomas gastrintestinais outros que não dor (p. ex., náusea, inchaço, vômito outro que não durante a gravidez, diarréia ou intolerância a diversos alimentos) (3) um sintoma sexual: uma história de pelo menos um sintoma sexual ou reprodutivo outro que não dor (p. ex., indiferença sexual, disfunção erétil ou ejaculatória, irregularidades menstruais, sangramento menstrual excessivo, vômitos durante toda a gravidez) (4) um sintoma pseudoneurológico: uma história de pelo menos um sintoma ou déficit sugerindo um problema neurológico não limitado a dor (sintomas conversivos tais como prejuízo de coordenação ou equilíbrio, paralisia ou fraqueza localizada, dificuldade na deglutinação ou nó na garganta, afonia, retenção urinária, alucinações, perda da sensação de tato ou dor, diplopia, cegueira, surdez, convulsões; sintomas dissociativos tais como amnésia ou perda da consciência outra que não por desmaio) C. (1) ou (2): (1) após investigação apropriada, nenhum dos sintomas no Critério B pode ser completamente explicado por uma condição médica geral conhecida ou pelos efeitos diretos de uma substância (p. ex., droga de abuso, medicamento) (2) quando existe uma condição médica geral relacionada, as queixas físicas ou o prejuízo social ou ocupacional resultante excedem o que seria esperado a partir da história, do exame físico ou dos achados laboratoriais D. Os sintomas não são intencionalmente produzidos ou simulados (como no Transtorno Factício ou na Simulação). De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
TRANSTORNOS SOMATOFORMES
Durante seu curso, os pacientes precisam ter se queixado de pelo menos quatro sintomas de dor, dois sintomas gastrintestinais, um sintoma sexual e um sintoma pseudoneurológico, nenhum dos quais completamente explicável por exames físico ou laboratorial. Características clínicas Pacientes com transtorno de somatização apresentam várias queixas somáticas e histórias médicas longas e complicadas. Náuseas e vômitos (fora da gravidez), dificuldade de deglutição, dor nos braços e nas pernas, falta de ar não relacionada a exercícios, amnésia e complicações da gravidez e de menstruações estão entre os sintomas mais comuns. Com freqüência, acreditam que estiveram doentes na maior parte de suas vidas. Sintomas pseudoneurológicos sugerem, mas não são patognomônicos de, um transtorno neurológico. De acordo com o DSM-IV-TR, incluem comprometimento da coordenação ou do equilíbrio, paralisia ou fraqueza localizada, dificuldade de deglutição ou uma bola na garganta, afonia, retenção urinária, alucinações, perda da sensação de tato ou de dor, visão dupla, cegueira, surdez, convulsões ou outra forma de perda da consciência que não o desmaio. Sofrimento psicológico e problemas interpessoais são proeminentes; ansiedade e depressão são as condições psiquiátricas mais prevalentes. Ameaças de suicídio são comuns, mas sua consumação é rara. Se ocorre, costuma estar associado ao abuso de drogas. As histórias médicas são por vezes circunstanciais, vagas, imprecisas, inconsistentes e desorganizadas. Os pacientes classicamente (mas nem sempre) descrevem suas queixas de forma dramática, emocional e exagerada, com linguagem vívida e colorida; podem confundir seqüências temporais, podem não distinguir com clareza sintomas atuais de passados. As mulheres com transtorno de somatização podem se vestir de forma exibicionista. Podem se perceber como dependentes, egocêntricas, ávidas por admiração e elogios, além de manipuladoras. O transtorno de somatização se associa com freqüência a outros transtornos, inclusive transtorno depressivo maior, transtornos da personalidade, transtornos relacionados a substâncias, transtorno de ansiedade generalizada e fobias. A combinação destes com os sintomas crônicos leva a um aumento da incidência de problemas conjugais, ocupacionais e sociais. D. é uma mulher branca, de 52 anos de idade, encaminhada a um internista da cidade para avaliação de dor lombar persistente e outras queixas múltiplas. Na hospitalização, observou-se que a paciente estava incapacitada para seu trabalho como operadora de máquinas de um fábrica de calçados. Ela contou uma história de 10 operações: remoção de um tumor do pulso direito, curetagem, histerectomia, três cirurgias gástricas abdominais, três biópsias de mama e uma cirurgia na perna. Recebera assistência médica de cinco hospitais e de sete médicos nos últimos dois anos. No exame físico, apresentou-se obesa, parecendo cronicamente doente, tendo vindo ao hospital usando unidade de estimulação nervosa elétrica transcutânea. Ela cooperava e mostrou suas várias cicatrizes com um certo entusiasmo. O
689
restante de seu exame físico estava dentro dos limites normais, exceto pela redução da amplitude dos movimentos na área da coluna lombar e alguma defesa muscular local, com certa hipersensibilidade. Radiografias da coluna revelaram degeneração dos corpos vertebrais de L2 a L5. No exame do estado mental, ela foi cooperativa e agradável, e seu comportamento era um tanto sedutor. Não havia pressão ou excentricidades em sua fala. Ela mostrou alguma hesitação ao discutir pormenores íntimos de sua vida. Seu estado de humor era eutímico; seu afeto, apropriado ao estado de humor, mas um pouco superficial. O restante do exame do estado mental estava dentro dos limites normais. Descontando todos os sintomas relacionados à região lombar, D. tinha oito sintomas positivos de dor: quatro sintomas gastrintestinais, dois sintomas sexuais e dois sintomas pseudoneurológicos com idade de início aos 26 anos. Durante os 12 meses prévios, ela relatou ter estado acamada por 21 dias, tinha feito sete visitas ao consultório de quatro médicos e esteve hospitalizada pelo total de 52 dias. Esse caso ilustra que o diagnóstico de transtorno de somatização pode e deve ser feito na presença de condições médicas coexistentes. Os pacientes com transtorno de somatização ficam doentes, e seus problemas precisam ser diagnosticados e tratados de forma apropriada. Contudo, o manejo do transtorno de somatização deve persistir. (Cortesia de Frederick Guggenheim, M. D.). Diagnóstico diferencial Os clínicos sempre devem excluir condições médicas não-psiquiátricas que possam explicar os sintomas dos pacientes. Várias doenças exibem anormalidades transitórias, inespecíficas, na mesma faixa etária. Essas condições incluem esclerose múltipla, miastenia grave, lúpus eritematoso sistêmico, síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS), porfiria aguda intermitente, hiperparatireoidismo, hipertireoidismo e infecções sistêmicas crônicas. Deve-se presumir que o início dos sintomas somáticos múltiplos em pacientes acima de 40 anos de idade seja causado por uma condição médica não-psiquiátrica até que uma revisão médica consistente tenha sido completada. Vários transtornos mentais são considerados no diagnóstico diferencial, que é complicado pela observação de que pelo menos 50% dos pacientes com transtorno de somatização têm um transtorno coexistente. Pacientes com transtorno depressivo maior, transtorno de ansiedade generalizada e esquizofrenia podem todos ter uma queixa inicial que focaliza sintomas somáticos. Em todas essas condições, no entanto, os sintomas de depressão, ansiedade ou psicose podem predominar sobre as queixas somáticas. Embora pacientes com transtorno de pânico possam se queixar de vários sintomas somáticos relacionados aos ataques de pânico, não são incomodados por sintomas somáticos entre os episódios. Dentre os outros transtornos somatoformes, a hipocondria, o transtorno conversivo, o transtorno de somatização e o transtorno doloroso, a hipocondria leva os pacientes a acreditar, de forma equivocada, que têm uma doença específica, enquanto aqueles
690
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
com transtorno de somatização estão preocupados com vários sintomas. Os sintomas do transtorno conversivo ficam limitados a um ou dois sintomas neurológicos, e não a uma ampla série deles, como no transtorno de somatização. Os transtornos dolorosos restringem-se a uma ou duas queixas de sintomas de dor.
cofarmacológico, bem como o tratamento psicoterápico de transtornos coexistentes, é indicado. A medicação deve ser monitorada porque esses pacientes tendem a utilizá-la de forma errática e não-confiável. Alguns dados disponíveis indicam que o tratamento farmacológico é eficaz em pacientes com transtornos coexistentes.
Curso e prognóstico TRANSTORNO CONVERSIVO O transtorno de somatização é crônico e até debilitante. Por definição, os sintomas devem ter se iniciado antes dos 30 anos de idade e estado presentes por vários anos. Pensa-se que episódios de aumento da gravidade dos sintomas e desenvolvimento de novos sintomas durem de 6 a 9 meses e podem ser separados por períodos menos sintomáticos durando de 9 a 12 meses. Raramente, contudo, um paciente com transtorno de somatização passa mais de um ano sem procurar assistência médica. Em geral, períodos de aumento do estresse se associam à exacerbação de queixas somáticas.
O transtorno conversivo é uma alteração do funcionamento corporal que não se conforma com os conceitos atuais de anatomia e fisiologia do sistema nervoso central e periférico. Ocorre tipicamente em uma situação de estresse e produz redução considerável do desempenho. O DSM-IV-TR o define como caracterizado pela presença de um ou mais sintomas neurológicos (p. ex., paralisia, cegueira e parestesias) que não podem ser explicados por uma doença neurológica ou sistêmica conhecida. Além disso, o diagnóstico necessita da associação de fatores psicológicos com o início ou a exacerbação dos sintomas (Tab. 17-3).
Tratamento O transtorno de somatização é melhor tratado quando o paciente dispõe de um único médico identificado como o principal cuidador. Quando mais de um profissional está envolvido, os pacientes têm maior oportunidade de expressar queixas somáticas. O médico principal deve atender em visitas esquematizadas regularmente, em geral com intervalos mensais. As visitas devem ser breves, embora se deva conduzir um exame físico parcial para responder a cada nova queixa somática. Procedimentos adicionais de laboratório e de diagnóstico devem ser evitados. Uma vez feito o diagnóstico, o médico deve ouvir as descrições de sintomas como expressões emocionais e não como queixas somáticas. A despeito disso, os pacientes com transtorno de somatização também podem ter uma doença física real; por isso, sempre se deve utilizar o julgamento sobre que sintomas pesquisar e em que extensão. Uma estratégia razoável de longo prazo para o médico de assistência primária que trate um paciente com transtorno de somatização é aumentar sua conscientização acerca da possibilidade de que fatores psicológicos possam estar envolvidos nos sintomas, até que se convença de ver um clínico de saúde mental. Em casos complexos com muitas apresentações médicas, o psiquiatra está melhor capacitado para julgar se é recomendável ou não procurar consulta médica ou cirúrgica em vista de seu treinamento médico; contudo, um profissional não-médico de saúde mental também pode explorar os antecedentes psicológicos do transtorno, em especial se a consulta contar com o apoio de um médico. A psicoterapia, tanto individual como de grupo, reduz as despesas pessoais com saúde em 50%, em grande parte ao diminuir as taxas de hospitalização. Em ambientes de psicoterapia, os pacientes são auxiliados a lidar com seus sintomas, expressar as emoções subjacentes e desenvolver estratégias alternativas para externalizar seus sentimentos. Administrar medicamentos psicotrópicos sempre que um transtorno de somatização coexiste com um transtorno do humor ou de ansiedade é sempre um risco, mas o tratamento psi-
A síndrome atualmente conhecida como transtorno conversivo foi originalmente combinada com transtorno de somatização, sendo era referida como histeria, reação de conversão ou reação dissociativa. Briquet e Jean-Martin Charcot contribuíram para o desenvolvimento do conceito atual ao observarem a influência da hereditariedade nos sintomas e a freqüente associação com um acontecimento traumático. O termo conversão foi introduzido por Sigmund Freud, que, com base em seu trabalho com Anna O., lançou a hipótese de que os sintomas do transtorno conversivo refletiam conflitos inconscientes.
Epidemiologia Alguns sintomas do transtorno conversivo graves o suficiente para justificar o diagnóstico podem ocorrer em até um terço da população geral em algum momento de suas vidas. Uma comunidade relatou a incidência anual do transtorno de 22 por 100mil. Entre populações específicas, a ocorrência de transtorno conversivo pode ser mais alta do que esta, tornando talvez o transtorno conversivo
TABELA 17-3 Sintomas comuns do transtorno conversivo Sintomas motores Movimentos involuntários Tiques Blefarospasmo Torcicolo Opistótono Convulsões Marcha anormal Quedas Astasia-abasia Paralisia Fraqueza Afonia
Déficits sensoriais Anestesia, principalmente das extremidades Anestesia na linha média Cegueira Visão em túnel Surdez Sintomas viscerais Vômitos psicogênicos Pseudociese Globus hystericus Desmaio ou síncope Retenção urinária Diarréia
Cortesia de Frederick G. Guggenheim, M.D.
TRANSTORNOS SOMATOFORMES
o transtorno somatoforme mais comum em algumas populações. Vários estudos relataram que de 5 a 15% das consultas psiquiátricas em um hospital geral e de 25 a 30% das hospitalizações em hospitais da Veterans Administration envolvem pacientes com diagnóstico de transtorno conversivo. O DSM-IV-TR provê uma faixa de 11 até 500 casos por 100 mil pessoas. A relação de mulheres para homens entre relação adultos é no mínimo de 2 para 1 e no máximo de 10 para 1, entre crianças há uma elevada predominância nas meninas. Os homens com o transtorno estiveram mais envolvidos em acidentes ocupacionais ou militares. O transtorno pode iniciar em qualquer época, da infância à idade avançada, mas é mais comum em adolescentes e adultos jovens. Os dados indicam que é mais comum nas populações rurais, em pessoas com menos instrução, nas com quociente de inteligência baixo, nas de grupos socioeconômicos inferiores, e no pessoal militar que esteve exposto a situações de combate. O transtorno conversivo se associa de forma mais direta a diagnósticos co-mórbidos de transtorno depressivo maior, transtorno de ansiedade e esquizofrenia e mostra um aumento da freqüência em parentes de probandos com transtorno conversivo. Co-morbidade Doenças sistêmicas e principalmente neurológicas ocorrem com freqüência entre pacientes com transtorno conversivo. O que costuma ser observado nessas condições co-mórbidas é uma elaboração dos sintomas a partir da lesão orgânica original. Dentre as condições psiquiátricas do Eixo I, os transtornos depressivos, de ansiedade e de somatização são especialmente notados por sua associação com o transtorno conversivo. Relata-se conversão em esquizofrenia, mas é incomum. Estudos de pacientes hospitalizados em instituições psiquiátricas por transtorno conversivo revelam, em exame posterior, que de um quarto à metade têm um transtorno do humor ou esquizofrenia clinicamente significativos. Transtornos da personalidade também são acompanhados do transtorno conversivo, em especial a do tipo histriônica (em 5 a 21% dos casos) e a do tipo passivo-dependente (em 9 a 40% dos casos). Contudo, o transtorno conversivo pode ocorrer em pessoas sem nenhuma condição médica neurológica ou psiquiátrica predisponente.
691
tomas também permitem que o paciente comunique a necessidade de consideração e tratamento especiais. Eles podem funcionar como formas não-verbais de controlar ou manipular os outros. Teoria do aprendizado. Em termos de teoria do aprendizado condicionado, um sintoma de conversão pode ser percebido como uma peça de comportamento condicionado aprendido de forma clássica; os sintomas da doença, aprendidos na infância, são invocados como forma de lidar com uma situação de outra maneira impossível. Fatores biológicos. Dados crescentes implicam fatores biológicos e neurofisiológicos no desenvolvimento dos sintomas do transtorno conversivo. Estudos preliminares de imagens cerebrais verificaram hipometabolismo no hemisfério dominante e hipermetabolismo no hemisfério não-dominante e relataram o comprometimento da comunicação hemisférica como sua causa. Os sintomas podem ser causados por uma ativação cortical excessiva que desliga alças de feedback negativo entre o córtex cerebral e a formação reticular do tronco cerebral. Níveis elevados de outputs corticofugais, por sua vez, inibem a consciência do indivíduo acerca da sensação corporal, que pode explicar os déficits sensoriais observados em alguns pacientes com transtorno conversivo. Testes neurofisiológicos revelaram comprometimento cerebral sutil na comunicação verbal, na memória, na vigília, na congruência afetiva e na atenção. Diagnóstico O DSM-IV-TR limita o diagnóstico de transtorno conversivo àqueles sintomas que afetam as funções motoras ou sensoriais, isto é, os sintomas neurológicos (Tab. 17-4). Os médicos não podem explicar esses sintomas somente com base na ausência de uma condição neurológica conhecida. O diagnóstico exige que o clínico encontre uma associação necessária e fundamental entre a causa dos sintomas neurológicos e os fatores psicológicos, embora os sintomas não possam ser resultado de falsificação ou doença artificial. O diagnóstico de transtorno conversivo também exclui sintomas de dor e disfunção sexual e sintomas que ocorram somente no transtorno de somatização. O DSM-IV-TR possibilita a especificação do tipo de déficit ou sintoma observado no transtorno (Tab. 17-4).
Etiologia Características clínicas Fatores psicanalíticos. De acordo com a teoria psicanalítica, o transtorno conversivo é causado pela repressão de conflitos intrapsíquicos inconscientes e pela conversão da ansiedade em sintomas físicos. O conflito é entre um impulso instintivo (p. ex., agressão ou sexualidade) e a proibição de sua expressão. O sintoma permite a expressão parcial do desejo ou da necessidade proibida, mas o disfarça, de modo que o paciente evita se confrontar de forma consciente com os impulsos inaceitáveis; isto é, o sintoma do transtorno conversivo tem uma relação simbólica com o conflito inconsciente – por exemplo, o vaginismo protege a paciente contra a expressão de desejos sexuais inaceitáveis. Os sin-
Paralisias, cegueira e mutismo são os sintomas mais comuns. O transtorno conversivo pode estar, com mais freqüência, associado a transtornos da personalidade passivo-agressiva, dependente, anti-social e histriônica. Sintomas depressivos e de ansiedade por vezes acompanham o transtorno conversivo, e os pacientes afetados estão em risco de suicídio. A. era uma mulher de 22 anos de idade, destra, fundamentalista, esposa de um fazendeiro, dona de casa e mãe de três filhos de um estado escassamente povoado dos Estados
692
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 17-4 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno conversivo A. Um ou mais sintomas ou déficits afetando a função motora ou sensorial voluntária, que sugerem uma condição neurológica ou outra condição médica geral. B. Fatores psicológicos são julgados como associados com o sintoma ou déficit, uma vez que o início ou a exacerbação do sintoma ou déficit é precedido por conflitos ou outros estressores. C. O sintoma ou déficit não é intencionalmente produzido ou simulado (como no transtorno factício ou na simulação). D. O sintoma ou déficit não pode, após investigação apropriada, ser completamente explicado por uma condição médica geral, pelos efeitos diretos de uma substância ou por um comportamento ou experiência culturalmente aceitos. E. O sintoma ou déficit causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo, ou indica avaliação médica. F. O sintoma ou déficit não se limita a dor ou disfunção sexual, não ocorre exclusivamente durante o curso de um transtorno de somatização, nem é melhor explicado por outro transtorno mental.
Especificar tipo de sintoma ou déficit: Com sintoma ou déficit motor Com sintoma ou déficit sensorial Com ataques ou convulsões Com quadro misto De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
Unidos. Sua história médica pregressa era benigna, exceto por uma acidente com veículo automotor dois anos antes, que produziu um forte impacto na área temporal direita, levando à perda de consciência por várias horas. Ela apresentava história psiquiátrica sem perturbações, sem uso de drogas, depressão prolongada ou sintomas somáticos inexplicáveis. Seu comportamento era sempre plácido e não-assumido. Não havia história familiar de comportamento anti-social ou abuso de drogas. No dia de Ação de Graças, quando fazia sua caminhada solitária habitual da tarde ao longo do riacho atrás da cozinha, defrontou-se com os corpos sem vida, flutuando, de dois de seus filhos. Ela gritou, desmaiou e caiu. Os parentes correram para auxiliá-la, mas não puderam socorrer os filhos. Quando foi auxiliada a se levantar, pediu ao esposo que a guiasse de volta ao quarto. Mais tarde, naquele dia, parecia calma, até mesmo desligada, enquanto os outros se apressavam providenciando o enterro. Ela admitiu a um visitante que parecia ter perdido a visão. Naquela noite, o médico da família foi chamado para examinar a mulher recém-cega. Ele observou que suas pupilas estavam redondas, iguais e que se contraíam subitamente com luz brilhante; ela não conseguia unir as pontas de seus dedos indicadores à sua frente; não olhou para as próprias mãos quando instruída a fazê-lo; não tinha nenhuma outra alteração, assimetria ou queixa neurológica. O médico explicou à família e à paciente que ela estava sofrendo de um choque nervoso, que necessitava de apoio carinhoso e delicado e que devia evitar os trabalhos caseiros usuais de rotina no mo-
mento. Ele sugeriu também que sua visão retornaria gradativamente na semana seguinte ou talvez após o funeral dos filhos. A visão da paciente voltou aos poucos nos dias que se seguiram e ela foi retomando seu nível habitual de cuidado com a casa, com a criança sobrevivente e com os outros membros da família. (Cortesia de Frederick G. Guggenheim, M. D.). Sintomas sensoriais. No transtorno conversivo, são comuns a anestesia e as parestesias, em especial nas extremidades. Todas as modalidades sensoriais podem estar envolvidas, e a distribuição do transtorno tende a ser inconsistente com doenças neurológicas tanto centrais como periféricas. Dessa forma, pode-se observar a anestesia em meia-eluva, característica dos pés e das mãos, ou a hemianestesia do corpo iniciando-se ao longo da linha média. Os sintomas do transtorno conversivo podem envolver os órgãos dos sentidos especiais e produzir surdez, cegueira e visão em túnel. Estes podem ser unilaterais ou bilaterais, mas a avaliação neurológica revela vias sensoriais intactas. Na cegueira, por exemplo, os pacientes caminham sem colisões ou autolesões, suas pupilas reagem à luz e seus potenciais evocados corticais estão normais.
Sintomas motores. Os sintomas motores incluem movimentos anormais, distúrbios da marcha, fraqueza e paralisia. Tremores amplos rítmicos, movimentos coreiformes, tiques e abalos podem estar presentes. Os movimentos tendem a piorar quando se chama a atenção para eles. Um distúrbio da marcha observado no transtorno conversivo é a astasia-abasia, uma marcha atáxica, titubeante, acompanhada de movimentos amplos, irregulares, em abalos do tronco e movimentos de atirar e ondular dos braços. Os pacientes com esses sintomas raramente caem; se o fazem, em geral não se machucam. Outras alterações motoras comuns são paralisias e paresias envolvendo um, dois ou todos os quatro membros, embora a distribuição dos músculos implicados não ocorrem conforme as vias neurais. Os reflexos permanecem normais; os pacientes não apresentam fasciculações ou atrofia muscular (exceto após paralisias por conversão de longa duração) e os achados da eletromiografia são normais. Sintomas convulsivos. Pseudoconvulsões são outros sintomas do transtorno conversivo. Os clínicos podem achar difícil diferenciar uma pseudoconvulsão de uma convulsão real somente pela observação. Além disso, cerca de um terço dos pacientes com pseudoconvulsões também apresenta uma doença epilética coexistente. Morder a língua, incontinência urinária e lesões com quedas podem ocorrer nesses casos, embora não costumem estar presentes. Os reflexos pupilar e faríngeo ficam preservados após uma pseudocrise, e não há aumento das concentrações da prolactina pós-crise.
Outros aspectos associados. Vários sintomas psicológicos também se associam ao transtorno conversivo. GANHO PRIMÁRIO. Os pacientes conseguem o ganho primário ao manter os conflitos internos fora de sua consciência. Os sintomas têm valor simbólico, representam um conflito psicológico inconsciente. GANHO SECUNDÁRIO.
Há possibilidade de vantagens e benefícios tangíveis como resultado de estar doente, por exemplo, quando os pacien-
TRANSTORNOS SOMATOFORMES
tes são dispensados de suas obrigações e de situações difíceis da vida, recebendo apoio e assistência que, de outra forma, não aconteceria, e controlando o comportamento de outras pessoas. LA BELLE INDIFFÉRENCE.
Trata-se de uma atitude inapropriadamente impassível em relação a sintomas graves; isto é, o paciente parece despreocupado com o que se apresenta como um comprometimento maior. Esta indiferença, entretanto, pode não estar presente em alguns pacientes; é observada também em pessoas gravemente doentes com uma atitude estóica. A presença ou ausência da belle indifferénce é uma medida pouco precisa para determinar se o paciente tem um transtorno conversivo.
693
função sexual são classificados como tendo uma disfunção sexual, não um transtorno conversivo. Tanto na simulação como no transtorno factício, os sintomas estão sob controle consciente, voluntário. A história de um simulador é mais inconsistente e contraditória do que a de uma paciente com transtorno conversivo, e o comportamento fraudulento daquele é claramente orientada para um objetivo. A Tabela 17-5 lista exemplos de testes relevantes para os sintomas de transtorno conversivo. Curso e prognóstico
IDENTIFICAÇÃO.
Pacientes com transtorno conversivo podem moldar seus sintomas de maneira inconsciente a partir dos de alguém que consideram importante. Por exemplo, um dos pais ou uma pessoa que morreu há pouco pode servir como modelo para o transtorno. Durante a reação de luto patológica, as pessoas enlutadas podem ter sintomas do falecido.
Diagnóstico diferencial Um dos principais problemas no diagnóstico do transtorno conversivo é a dificuldade de excluir com precisão uma doença médica. Condições médicas não-psiquiátricas concomitantes são comuns em pacientes hospitalizados com o transtorno, e a evidência de uma doença neurológica atual ou prévia ou doença sistêmica afetando o cérebro foi relatada em 18 a 64% desses casos. Uma estimativa de 25 a 50% de pacientes classificados como tendo transtorno conversivo eventualmente recebem diagnósticos de doenças neurológicas ou médicas não-psiquiátricas que poderiam ter causado seus sintomas anteriores. Assim, uma revisão médica e neurológica exaustiva é essencial em todos os casos. Se os sintomas podem ser resolvidos por sugestão, hipnose ou amobarbital (Amytal) ou lorazepam (Lorax) parenteral é bastante provável que sejam resultado de um transtorno conversivo. Doenças neurológicas (como a demência e outras condições degenerativas), tumores cerebrais e doenças dos gânglios basais precisam ser considerados no diagnóstico diferencial. Por exemplo, a fraqueza pode ser confundida com miastenia grave, polimiosite, miopatia adquirida ou esclerose múltipla. A neurite óptica pode ser diagnosticada de forma equivocada com cegueira por transtorno conversivo. Outras doenças que podem causar sintomas ambíguos são a síndrome de Guillain-Barré, a doença de Creutzfeldt-Jakob, a paralisia periódica e as manifestações neurológicas iniciais da AIDS. Os sintomas de transtorno conversivo ocorrem na esquizofrenia, no transtorno depressivo e no de ansiedade, mas estes transtornos se associam a seus próprios sintomas distintos, que eventualmente tornam possível o diagnóstico diferencial. Sintomas sensório-motores também ocorrem no transtorno de somatização, mas este é uma doença crônica que começa cedo na vida e inclui sintomas de vários outros órgãos e sistemas. Na hipocondria, não há perda ou distorção real de função; as queixas somáticas são crônicas e não se limitam a sintomas neurológicos, mesmo havendo a atitude e as crenças hipocondríacas características. Se os sintomas ficam limitados a dor, um transtorno doloroso pode ser diagnosticado. Pacientes cujas queixas se limitam à
Os sintomas iniciais da maioria dos pacientes com transtorno conversivo, talvez 90 a 100%, se resolvem em poucos dias ou em menos de um mês. Uma quantidade relatada de 75% pode não experimentar outro episódio, mas 25% têm episódios adicionais durante períodos de estresse. Associados a um bom prognóstico estão o início súbito, um estressor facilmente identificável e bom ajustamento pré-mórbido, ausência de doenças psiquiátricas ou sistêmicas co-mórbidas e ausência de litígio em curso. Quanto mais tempo os sintomas estiverem presentes, pior o prognóstico. Como já discutido, 25 a 50% dos pacientes podem, mais tarde, desenvolver doenças neurológicas ou condições sistêmicas nãopsiquiátricas que afetem o sistema nervoso; dessa forma, devem ter uma avaliação médica e neurológica completa antes do diagnóstico. Tratamento A resolução dos sintomas do transtorno conversivo tende a ser espontânea, ainda que facilitada por terapia de apoio orientada para o insight ou comportamental. O aspecto mais importante da terapia é o relacionamento com um terapeuta dedicado e de confiança. Para pacientes resistentes à idéia de psicoterapia, os médicos podem sugerir que esse recurso enfatizará questões de estresse e seu manejo. Dizer a esses pacientes que seus sintomas são imaginários por vezes os faz piorar. A hipnose, os ansiolíticos e os exercícios comportamentais de relaxamento são eficazes em alguns casos. O amobarbital ou o lorazepam parenteral podem ser úteis para obter informações da história, em especial quando o paciente experimentou um acontecimento traumático recente. As abordagens psicodinâmicas incluem a psicanálise e a psicoterapia orientada para o insight, em que se exploram os conflitos intrapsíquicos e o simbolismo dos sintomas do transtorno. Formas breves e diretas de psicoterapia de curto prazo também têm sido utilizadas como abordagem para essa condição. Quanto maior a duração do papel de doente e quanto maior for a regressão, mais difícil é o tratamento. HIPOCONDRIA A hipocondria é definida como a preocupação de um indivíduo com o medo de contrair ou com a crença de ter uma doença grave. Isso se origina da interpretação equivocada de sintomas ou
694
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 17-5 Achados distintivos do exame físico no transtorno conversivo Condição
Teste
Achados
Anestesia Hemianestesia Astasia-abasia
Mapear os dermátomos Verificar a linha média Marcha, dança
Paralisia, paresia
Deixar cair o membro Teste de Hoover
A perda sensorial não se conforma com o padrão reconhecido de distribuição Divisão estrita na metade do corpo Com sugestão, os que não podem caminhar ainda podem ser capazes de dançar; alterações de achados motores e sensoriais sugestivos A mão cai próxima ao rosto, não sobre ele paralisada sobre o rosto É observada pressão sobre a mão do examinador sob a perna paralisada quando ao tentar levantar a perna estendida Fraqueza tipo desistência súbita Resiste à abertura; o olhar fixa em outra direção, não pára no examinador Os olhos olham para a frente, sem se mover de um lado para outro Sons da tosse essencialmente normais, indicando que as cordas vocais se fecham Ruídos nasais rápidos com pouco ou nenhum espirro na fase inspiratória; pouca ou nenhuma formação de aerossol com as secreções; expressão facial mínima; olhos abertos; cessam com o sono; atenuam-se quando sozinho A magnitude das modificações dos sinais vitais com a cabeça elevada e do seqüestro venoso não explica a persistência dos sintomas Padrão com modificações a partir de exames Ausência de defeito pupilar aferente relacionado A visão suficiente no “olho ruim” exclui o registro da mancha cega fisiológica no olho bom O paciente começa a imitar os novos movimentos antes de se dar conta do truque O paciente pisca O paciente não olha para ela Mesmo pacientes cegos podem fazê-lo por meio da propriocepção
Afonia
Verificar a força muscular O examinador tenta abrir os olhos Manobra oculocefálica Solicitar que tussa
Espirros intratáveis
Observar
Síncope
Teste de inclinação (tilt)
Visão em túnel Cegueira monocular profunda
Campos visuais múltiplos Sinal de oscilação da lanterna (Marcus Gunn) Campos visuais binoculares “Sacuda seus dedos, estou testando sua coordenação” Lampejo súbito de luz brilhante “Olhe para sua mão” “Junte seus dedos indicadores”
Coma
Cegueira bilateral grave
Cortesia de Frederick G. Guggenheim, M.D.
funções do corpo. O termo hipocondria se deriva do antigo termo médico hipocôndrio (“abaixo das costelas”) e reflete as queixas abdominais comuns de vários pacientes com essa condição. Resulta das interpretações irrealistas e errôneas acerca de sintomas e sensações físicas, embora nenhuma doença conhecida possa ser encontrada. As preocupações do paciente os levam a sofrimento significativo e comprometem sua capacidade de desempenho em seus papéis pessoais, sociais e ocupacionais. Epidemiologia Um estudo recente relatou a prevalência em seis meses de 4 a 6% na população de uma clínica médica geral, mas pode ser de até 15%. Os homens e as mulheres são igualmente afetados pela hipocondria. Embora o início dos sintomas possa ocorrer em qualquer idade, o transtorno aparece com mais freqüência em indivíduos entre 20 e 30 anos de idade. Alguma evidência indica que o diagnóstico é mais comum entre negros do que em brancos, mas a posição social, o nível de instrução e o estado conjugal não parece interferir. Relata-se que as queixas hipocondríacas ocorrem em cerca de 3% de estudantes de medicina, em geral nos dois primeiros anos, mas tendem a ser transitórias. Etiologia Nos critérios diagnósticos de hipocondria, o DSM-IV-TR indica que ela reflete uma interpretação errônea de sintomas físicos. Um
conjunto razoável de dados indica que indivíduos com hipocondria ampliam suas sensações somáticas; têm limiar reduzido e baixa tolerância para desconforto físico. Por exemplo, o que pessoas normais percebem como pressão abdominal, indivíduos com hipocondria experimentam como dor abdominal. Eles podem enfatizar sensações corporais, interpretá-las erroneamente e ficarem alarmados com as mesmas devido a um esquema cognitivo defeituoso. Uma segunda teoria é que a hipocondria é compreensível em termos de modelo de aprendizado social. Os sintomas são vistos como pedido de admissão para o papel de doente feito por um indivíduo que se defronta com problemas insuperáveis e insolúveis. O papel de doente oferece uma via de escape que permite evitar obrigações desagradáveis, adiar desafios indesejáveis e ser dispensado de deveres e obrigações. Uma terceira teoria sugere que ela é uma variante de outros transtornos mentais, entre os quais o transtorno depressivo e o transtorno de ansiedade. Cerca de 80% dos pacientes com hipocondria podem ter transtorno depressivo ou de ansiedade coexistentes. Aqueles que satisfazem os critérios diagnósticos para hipocondria podem estar somatizando subtipos desses outros transtornos. A escola psicodinâmica de pensamento produziu uma quarta teoria a esse respeito. De acordo com ela, desejos agressivos e hostis contra outros são transferidos (por meio de repressão e deslocamento) para queixas físicas. A raiva dos pacientes com hipocondria originou-se de desapontamentos, rejeições e perdas do passado, mas a expressão dessa raiva acontece ao se solicitar o auxílio e a preocupação de terceiros e, a seguir, rejeitá-los como ineficientes. A hipocondria também é vista como uma defesa contra a culpa, um sentimento de maldade inata, uma expressão de
TRANSTORNOS SOMATOFORMES
TABELA 17-6 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para hipocondria A. Preocupação com temores de ter, ou a idéia de que o indivíduo tem uma doença grave, com base na interpretação equivocada dos próprios sintomas somáticos. B. A preocupação persiste, apesar de uma avaliação e garantias médicas apropriadas. C. A crença no Critério A não apresenta intensidade delirante (como no transtorno delirante, tipo somático), nem se restringe a uma preocupação circunscrita com a aparência (como no transtorno dismórfico corporal). D. A preocupação causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. E. A duração do distúrbio é de pelo menos seis meses. F. A preocupação não é mais bem-explicada por um transtorno de ansiedade generalizada, transtorno obsessivo-compulsivo, transtorno de pânico, episódio depressivo maior, ansiedade de separação ou outro transtorno somatoforme.
Especificar se: Com insight pobre: se, na maior parte do tempo durante o episódio atual, o indivíduo não reconhece que a preocupação com a idéia de ter uma doença grave é excessiva ou irracional. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistic Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
baixa auto-estima e um sinal de autopreocupação excessiva. A dor e o sofrimento somático tornam-se formas de reparação e castigo (desfazer) e podem ser experimentados como punição merecida por falhas passadas (tanto reais como imaginárias) e pelo sentimento do indivíduo de tendência má e pecadora. Diagnóstico Os critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para hipocondria exigem que os pacientes estejam preocupados com a falsa crença de que têm uma doença grave, a partir da interpretação errônea de sinais ou sensações físicas (Tab. 17-6). A crença precisa perdurar por pelo menos seis meses, a despeito da ausência de achados patológicos em exames médicos ou neurológicos. Os critérios estipulam também que a crença não pode ter a intensidade de um delírio (mais apropriadamente diagnosticado como transtorno delirante) e não pode ser restrita a sofrimento sobre aparência (diagnosticado com mais adequação como transtorno dismórfico corporal). Os sintomas da hipocondria devem ser suficientemente intensos para causar sofrimento emocional ou comprometer a capacidade de desempenho em áreas importantes da vida. Os clínicos podem especificar a presença de insight pobre; os pacientes em sua maioria, não reconhecem que suas preocupações com a doença são excessivas. Características clínicas Os pacientes com hipocondria acreditam que têm uma doença grave que não foi detectada, e não podem ser persuadidos do
695
contrário. Mantêm a crença de que têm uma doença particular, ou, à medida que o tempo passa, podem transferir essa crença para outra doença. Suas convicções persistem a despeito de resultados de laboratório negativos, curso benigno da doença alegada com o tempo e garantia apropriada do médico. Ainda assim, suas idéias não são fixas o suficiente para se tornarem delírios. A hipocondria é por vezes acompanhada de sintomas de depressão e ansiedade e, com freqüência, coexiste com um transtorno depressivo ou de ansiedade. Embora o DSM-IV-TR especifique que os sintomas devem estar presentes por pelo menos seis meses, estados hipocondríacos transitórios podem ocorrer após estresses maiores, em especial a morte ou doença séria de alguém importante para o paciente, ou um problema de saúde (talvez ameaçando a vida) que tenha sido resolvido, mas cujo impacto deixa o paciente temporariamente hipocondríaco. Esses estados que duram menos de seis meses devem ser diagnosticados como transtorno somatoforme sem outra especificação. As respostas hipocondríacas transitórias em geral têm remissão quando o estresse se resolve, mas podem se tornar crônicas se reforçadas no sistema social do paciente ou por profissionais da saúde. Um radiologista de 38 anos foi avaliado após retornar de uma estada de 10 dias em um famoso centro de diagnóstico, fora de seu estado, ao qual foi encaminhado por um gastrenterologista local após este ter “chegado ao fim da linha” com o radiologista. O paciente relata que se submeteu a exames extensos físicos e de laboratório, exames de raios X de todo o trato gastrintestinal, esofagoscopia, gastroscopia e colonoscopia. Embora tenham lhe dito que os resultados dos exames foram negativos para doença física significativa, ele pareceu ressentido e desapontado, em vez de aliviado com os achados. Foi atendido rapidamente para uma avaliação “de rotina” por um psiquiatra no centro de diagnóstico, mas teve dificuldade de se relacionar com o mesmo em um nível além do superficial. Ao ser mais questionado com relação aos sintomas físicos, o paciente descreveu picadas ocasionais de dores abdominais, sensação de “plenitude” e “ruídos intestinais” e uma “massa abdominal firme” que por vezes sente no seu quadrante inferior esquerdo. Nos últimos meses, foi se dando conta dessas sensações e se convenceu de que poderia ser resultado de um carcinoma do colo. Testou suas fezes para sangue oculto todas as semanas e passou de 15 a 20 minutos a cada 2 a 3 dias cuidadosamente apalpando seu abdome, deitado na cama. Realizou secretamente vários exames de raios X em si próprio, em seu consultório, após o expediente. Embora seja bem-sucedido no trabalho, tendo um excelente registro de assiduidade e sendo ativo na vida da comunidade, o paciente passou muito de seu tempo de lazer sozinho em casa, na cama. Sua esposa, instrutora da escola local de enfermagem, estava irritada e amarga com seu comportamento, que ela descreveu como “roubando de nós aquilo pelo qual trabalhamos tanto e adiamos por tanto tempo”. Embora o casal compartilhasse muitos va-
696
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
lores e se amasse genuinamente, tal comportamento gerou uma tensão real no casamento. Quando o paciente tinha 13 anos de idade, um sopro cardíaco foi detectado em um exame físico escolar. Em vista de um irmão menor ter morrido no início da infância de doença cardíaca congênita, o paciente foi suspenso das aulas de ginástica até que sua condição pudesse ser avaliada. A avaliação mostrou que o sopro era benigno, mas o paciente passou a se preocupar com o fato de que a avaliação pudesse ter “deixado passar alguma coisa” e considerava as sensações ocasionais de “saltear um batimento cardíaco” como evidência de que aquilo de fato ocorrera. Guardou seus receios para si próprio; eles se atenuaram nos dois anos seguintes, mas nunca o deixaram de todo. Como estudante do segundo ano de medicina, ficou aliviado ao compartilhar algumas de suas preocupações com seus colegas, que também se preocupavam em ter as doenças sobre as quais estavam aprendendo na patologia. Contudo, ele se deu conta de que era muito mais preocupado, tanto com a própria saúde quanto com a dos outros. Após se formar, repetidamente experimentou séries de preocupações, cada uma seguindo o mesmo padrão: percebendo um sintoma, ficando cada vez mais preocupado com o que poderia significar e tendo uma avaliação física negativa. Por vezes retorna à “antiga” preocupação, mas ficava embaraçado demais para investigá-la com médicos que conhece, como quando descobriu um nevus “suspeito” apenas uma semana após ter persuadido um dermatologista a biopsiar outro que se comprovou ser completamente benigno. O paciente contou sua história em um tom sincero, desencorajado, avivado apenas pela observação de prazer genuíno e entusiasmo, à medida que fornecia um relato pormenorizado da descoberta de uma anomalia uretral genuína, mas clinicamente insignificante, como resultado de uma urografia excretória que ele próprio indicou. Próximo do fim de sua entrevista, explicou que sua vinda para a avaliação era, em grande parte, por sua própria insistência, precipitada por um encontro com seu filho de 9 anos. O menino acidentalmente entrou quando ele estava palpando seu próprio abdome procurando por “massas” e perguntou: “O que está pensando desta vez, pai?”. À medida que descreveu sua vergonha e raiva (na maior parte contra si próprio) sobre o incidente, seus olhos se encheram de lágrimas. DISCUSSÃO É perceptível que os sintomas desse médico não são causados por nenhuma doença médica sistêmica. A preocupação com sintomas físicos pode ser observada em doenças como esquizofrenia, transtorno depressivo maior ou transtornos de ansiedade, mas não há evidência de qualquer um desses no caso em questão. Isso sugere, então, um transtorno somatoforme – um transtorno mental com sintomas físicos sugestivos de uma doença médica sistêmica, mas para a qual há evidência positiva ou uma forte presunção de que os sintomas estejam ligados a fatores psicológicos.
Observa-se no transtorno somatoforme uma série de sintomas físicos que não são melhor explicados pelas condições médicas sistêmicas. Nesse caso, os sintomas são poucos, enquanto no transtorno somatoforme, tipicamente há um grande número de queixas diferentes relacionadas a vários sistemas de órgãos. Além disso, no transtorno somatoforme, a preocupação costuma ser com os próprios sintomas. Para esse paciente, o transtorno é a preocupação com o medo de ter uma doença grave resultante da uma interpretação irrealista de sinais e sintomas físicos. A persistência desse medo irracional por mais de seis meses, a despeito do aval médico, indica hipocondria. Diagnóstico diferencial A hipocondria deve ser diferenciada de condições sistêmicas nãopsiquiátricas, em especial doenças que exibem sintomas, mas não são facilmente diagnosticadas. Essas doenças incluem AIDS, endocrinopatias, miastenia grave, esclerose múltipla, doenças degenerativas do sistema nervoso, lúpus eritematoso sistêmico e doenças neoplásicas ocultas. A hipocondria se diferencia do transtorno de somatização pela ênfase que coloca no medo de ter uma doença, sendo que, no transtorno de somatização, a ênfase está na preocupação com vários sintomas. Os pacientes com hipocondria em geral se queixam de menos sintomas do que aqueles com transtorno de somatização. Este último costuma ter início antes dos 30 anos de idade, enquanto a hipocondria tem idade de início menos específica. Os pacientes com transtorno de somatização têm mais probabilidade de serem mulheres; a hipocondria é distribuída igualmente entre ambos os sexos. Essa condição também precisa ser diferenciada de outros transtornos somatoformes. O transtorno conversivo é agudo e, em geral, transitório, envolvendo um sintoma, em vez de uma doença particular. A presença ou a ausência da belle indifférence é uma manifestação pouco confiável para se diferenciar as duas condições. O transtorno doloroso é crônico, como a hipocondria, mas seus sintomas são limitados à queixa de dor. Os pacientes com transtorno dismórfico corporal desejam parecer normais, mas acreditam que outros observam que não o são, enquanto que os com hipocondria procuram assistência por sua doença presumida. Os sintomas hipocondríacos também podem ocorrer em pacientes com transtornos depressivos ou de ansiedade. Se o paciente satisfaz todos os critérios tanto para hipocondria como para outro transtorno mental maior, como o transtorno depressivo maior ou transtorno de ansiedade generalizada, deve receber ambos os diagnósticos, a menos que os sintomas hipocondríacos ocorram somente durante os episódios do outro transtorno. Indivíduos com transtorno de pânico podem, em princípio, se queixar de serem afetados por uma doença (p. ex., doença cardíaca), mas o interrogatório cuidadoso durante a história médica tende a revelar os sintomas clássicos do ataque de pânico. Crenças hipocondríacas delirantes ocorrem na esquizofrena e em outros transtornos psicóticos, mas podem ser diferenciados da hipocondria por sua intensidade delirante e pela presença de outros sintomas psicóticos. Além disso, os delírios somáticos dos pacientes esqui-
TRANSTORNOS SOMATOFORMES
zofrênicos tendem a ser bizarros, idiossincráticos e descontextualizados do ambiente cultural. A hipocondria se distingue do transtorno factício pelos sintomas físicos e da simulação pelo fato de que os pacientes com hipocondria realmente experimentam os sintomas que relatam, em vez de fingi-los. Curso e prognóstico O curso da hipocondria em geral é episódico; os episódios duram de meses a anos e são separados por períodos de remissão igualmente longos. Pode haver uma associação clara entre as exacerbações dos sintomas e estressores psicossociais. Embora não sejam relatados grandes estudos, bem-conduzidos, de evolução, estimase que de um terço à metade de todos os pacientes com hipocondria eventualmente melhoram de forma significativa. Um bom prognóstico se associa a alto nível socioeconômico, ansiedade ou depressão responsiva ao tratamento, início súbito dos sintomas, ausência de transtorno da personalidade e ausência de condições sistêmicas não-psiquiátricas relacionadas. A maioria das crianças com hipocondria se recupera na adolescência tardia ou no início da vida adulta. Tratamento Os pacientes muitas vezes resistem ao tratamento psiquiátrico, embora alguns aceitem se ele ocorrer em um ambiente médico e enfocar a redução do estresse e a instrução de como lidar com a doença crônica. A psicoterapia de grupo por vezes beneficia esses pacientes, em parte porque possibilita o apoio e a interação social que parecem reduzir a ansiedade. Outras formas de psicoterapia, como a psicoterapia individual orientada para o insight, a terapia comportamental, a terapia cognitiva e hipnose, podem ser úteis. Exames físicos freqüentes, programados com regularidade auxiliam a reassegurar aos pacientes que seus médicos não os estão abandonando e que suas queixas estão sendo levadas a sério. Contudo, procedimentos diagnósticos e terapêuticos invasivos somente devem ser realizados quando a evidência objetiva exigir. Se possível, o clínico deve evitar tratar achados equivocados ou incidentais do exame físico. A farmacoterapia alivia os sintomas hipocondríacos somente quando o paciente tem uma condição que responde a medicamentos, como um transtorno de ansiedade ou um transtorno depressivo maior. Quando a hipocondria é secundária a outro transtorno primário, este deve ser tratado por si só. Quando se trata de uma reação situacional transitória, os clínicos devem auxiliar os pacientes a lidarem com o estresse sem reforçar seu comportamento de doente e seu uso do papel de doente como solução para seus problemas. TRANSTORNO DISMÓRFICO CORPORAL Pacientes com transtorno dismórfico corporal manifestam um sentimento subjetivo global de serem muito feios em algum as-
697
pecto de sua imagem, a despeito da aparência normal ou quase. O âmago do transtorno é a forte crença ou medo do indivíduo de que ele não é atraente ou é até mesmo repulsivo. Esse medo é raramente atenuado pelo reassegurar ou por elogios, ainda que o paciente típico tenha aparência normal. Essa condição foi reconhecida e denominada dismorfofobia há mais de 100 anos por Emil Kraepelin, que a considerava uma neurose compulsiva; Pierre Janet a denominou obsession de la honte du corps (obessão da vergonha do corpo). Freud escreveu sobre o trantorno em sua descrição do Homem dos Lobos, que era excessivamente preocupado com o nariz. Embora a dismorfofobia tenha sido amplamente reconhecida e estudada na Europa, somente na publicação do DSM-III, em 1980, que a dismorfofobia, como exemplo de um transtorno somatoforme típico, foi mencionada nos critérios diagnósticos. No DSM-IV-TR, a condição é conhecida como transtorno dismórfico corporal, porque seus editores acreditavam que o termo dismorfofobia implicava, de forma pouco precisa, a presença de um padrão comportamental de evitação fóbica.
Epidemiologia O transtorno dismórfico corporal é uma condição mal-estudada, em parte porque os pacientes têm mais probabilidade de ir a dermatologistas, internistas ou cirurgiões plásticos do que a psiquiatras. Um estudo com um grupo de estudantes de faculdade verificou que mais de 50% tinham pelo menos alguma preocupação com um aspecto particular de sua aparência, e em cerca de 25% deles, a preocupação apresentava, no mínimo, algum efeito significativo sobre seus sentimentos e seu desempenho. Os dados disponíveis indicam que a idade mais comum de início é entre 15 e 30 anos e que as mulheres são afetadas com mais freqüência do que os homens. Os pacientes têm maior probabilidade de serem solteiros. O transtorno dismórfico corporal comumente coexiste com outros trantornos mentais. Um estudo verificou que mais de 90% dos indivíduos afetados tinham experimentado um episódio depressivo maior durante sua vida; cerca de 70% teve transtorno de ansiedade e aproximadamente de 30% experimentaram um transtorno psicótico. Etiologia Sua causa é desconhecida. A alta co-morbidade com transtornos depressivos, a ocorrência familiar de transtorno do humor e transtorno obsessivo compulsivo maior do que a esperada, assim como a característica responsiva da condição a medicamentos específicos para serotonina indicam que, pelo menos em alguns pacientes, sua fisiopatologia pode envolver a serotonina e se relacionar a outros transtornos mentais. Conceitos estereotipados de beleza podem afetar de forma significativa os pacientes com transtorno dismórfico corporal. Em modelos psicodinâmicos, ele é visto como refletindo um deslocamento de conflitos sexuais ou emocionais para partes não-relacionadas do corpo. Essa associação ocorre por meio dos mecanismos de defesa de repressão, dissociação, distorção, simbolização e projeção.
698
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Diagnóstico
TABELA 17-7 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno dismórfico corporal
Os critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno dismórfico corporal estipulam preocupação com um defeito imaginado na aparência ou ênfase excessiva em um defeito mínimo (Tab. 17-7). A preocupação causa sofrimento emocional significativo ou compromete de forma marcante a capacidade de desempenho em áreas importantes.
A. Preocupação com um defeito imaginário na aparência. Se uma ligeira anomalia física está presente, a preocupação do indivíduo é acentuadamente excessiva. B. A preocupação causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. C. A preocupação não é melhor explicada por outro transtorno mental (p. ex., insatisfação com a forma e o tamanho do corpo na anorexia nervosa).
Características clínicas
De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistic Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
As preocupações mais importantes envolvem imperfeições faciais, particularmente as relacionadas a partes específicas (p. ex., o nariz). Por vezes, a preocupação é vaga e difícil de se compreender, como a de uma preocupação extrema com um queixo “amassado”. Um estudo verificou que, em média, os pacientes têm preocupações sobre quatro regiões do corpo durante o curso de seu transtorno. Outras partes com que se preocupam são o cabelo, as mamas e a genitália. Uma variante proposta do transtorno entre os homens é o desejo de “fortalecer o corpo” e desenvolver grande massa muscular, o que pode interferir na vida diária, na manutenção do emprego e na própria saúde. A parte específica do corpo pode mudar durante o tempo em que o paciente é afetado pela condição. Sintomas recorrentes associados incluem idéias ou delírios francos de referência (em geral sobre pessoas que se dão conta da imperfeição alegada), tanto verificação excessiva em espelhos ou evitação de superfícies refletivas, e tentativas de ocultar a deformidade presumida (com maquilagem ou roupas). Os efeitos sobre a vida do indivíduo podem ser significativos; quase todos evitam a exposição social e ocupacional. Cerca de um terço deles pode ficar restrito à sua casa por causa da preocupação em ser ridicularizado, e até um quinto tenta o suicídio. Como discutido, os diagnósticos co-mórbidos de transtorno depressivo e transtorno de ansiedade são comuns, e os pacientes ainda podem apresentar traços de transtorno da personalidade obsessivo-compulsiva, esquizóide e narcisista. Diagnóstico diferencial Distorções da imagem corporal ocorrem na anorexia nervosa, no transtorno de identidade de gênero e em alguns tipos específicos de lesão cerebral (p. ex., síndromes de negligência); o transtorno dismórfico corporal não deve ser diagnosticado nessas situações. Ele também deve ser distinguido da preocupação normal do indivíduo com sua aparência. No transtorno dismórfico corporal, no entanto, experimenta-se um estresse emocional significativo e comprometimento do desempenho por causa da preocupação. Embora diferir entre uma idéia mantida com firmeza e um delírio seja difícil, se a preocupação com o defeito percebido tem intensidade delirante, o diagnóstico apropriado é de transtorno delirante do tipo somático. Outras considerações diagnósticas são transtorno da personalidade narcisista, transtornos depressivos, transtorno obsessivo-compulsivo e esquizofrenia. No transtorno da personalidade narcisista, a preocupação com a parte do corpo é apenas uma manifestação menor da série de traços da persona-
TABELA 17-8 Localização dos defeitos imaginados de 30 pacientes com transtorno dismórfico corporala Localização
N
%
Cabelob Nariz Pelec Olhos Cabeça, faced Compleição geral do corpo, estrutura óssea Lábios Queixo Abdome, cintura Dentes Pernas, joelhos Mamas, músculos peitorais Rosto feio (geral) Orelhas Maçãs do rosto Nádegas Pênis Braços, pulsos Pescoço Fronte Músculos faciais Ombros Quadris
19 15 15 8 6 6 5 5 5 4 4 3 3 2 2 2 2 2 1 1 1 1 1
63 50 50 27 20 20 17 17 17 13 13 10 10 7 7 7 7 7 3 3 3 3 3
aTotal maior do que 100% em vista da maioria dos pacientes ter “defeitos” em mais de uma localização. bEnvolvendo cabelo da cabeça em 15 casos, crescimento da barba em dois e pêlos em outra parte do corpo em três. cEnvolvendo acne em sete casos, linhas da face em três, e outras preocupações com a pele em sete. dEnvolvendo preocupações com a forma em cinco casos e com o tamanho em um. Reimpressa com permissão de Phillips KA, McElroy SL, Keck PE Jr, Pope HG, Hudson JL. Body dysmorphic disorder: 30 cases of imagined ugliness. Am J Psychiatry. 1993,150:303.
lidade. Nos transtornos depressivos, na esquizofrenia e no transtorno obsessivo-compulsivo, os demais sintomas dessas condições em geral são evidenciados por si só em um curto prazo, mesmo quando o sintoma inicial é preocupação excessiva com uma parte do corpo. Curso e prognóstico O início de um transtorno dismórfico corporal costuma ser gradativo. Um indivíduo pode se tornar cada vez mais preocupado
TRANSTORNOS SOMATOFORMES
com uma parte particular do corpo até que perceba que seu desempenho está sendo afetado. A seguir pode procurar assistência médica ou cirúrgica para resolver o problema presumido. O nível de preocupação pode ir e vir com o tempo, embora o transtorno em geral seja crônico se não for tratado. Tratamento O tratamento de pacientes com transtorno dismórfico corporal com procedimentos cirúrgicos, dermatológicos, dentários ou outras intervenções médicas para resolver os defeitos alegados é quase invariavelmente malsucedido. Embora os medicamentos tricíclicos, os inibidores da monoaminoxidase e a pimozida (Orap), como relatado, tenham sido úteis em casos individuais, um número maior de dados indica que os medicamentos específicos para a serotonina – por exemplo, a clomipramina (Anafranil) e a fluoxetina (Prozac) – reduzem os sintomas em pelo menos 50% dos casos. Em qualquer paciente com um transtorno mental coexistente, como um transtorno depressivo ou um transtorno de ansiedade, este deve ser tratado com a farmacoterapia e a psicoterapia apropriadas. Não se sabe por quanto tempo o tratamento deve ser continuado após a remissão dos sintomas do transtorno dismórfico corporal. Relação com a cirurgia plástica Existem poucos dados sobre o número de pacientes com o trantorno que procuram cirurgia plástica. Um estudo verificou que somente 2% dos indivíduos em uma clínica de cirurgia plástica têm esse diagnóstico. A porcentagem geral pode ser muito mais alta, contudo. As requisições de cirurgia são variadas: remoção de dobras, papadas, rugas ou intumescências faciais; rinoplastia; redução ou aumento das mamas; aumento do pênis, entre outros. Comumente associada à crença sobre a aparência há uma expectativa não-realista de que a cirurgia pode corrigir o defeito. À medida que a realidade se estabelece, o indivíduo se dá conta de que os problemas da vida não são resolvidos se modificado o defeito estético percebido. Idealmente, esses pacientes deveriam procurar psicoterapia para compreender a verdadeira natureza de seus sentimentos neuróticos de inadequação. Se isso não ocorrer, são capazes de descontar sua raiva ao processar os cirurgiões plásticos – que têm uma das mais altas taxas de ações por má prática médica de qualquer especialidade – ou desenvolver depressão clínica.
TRANSTORNO DOLOROSO O DSM-IV-TR define o transtorno doloroso como a presença de dor que é “foco predominante de atenção clínica”. Fatores psicológicos têm um importante papel nessa condição. O principal sintoma é dor em um ou mais locais que não é inteiramente explicada por uma condição médica ou neurológica não-psiquiátrica. Ela se associa a sofrimento emocional e a perturbação do desempenho. O transtorno tem sido denominado transtorno somatoforme doloroso, transtorno doloroso psicogênico, transtorno doloroso idiopático e transtorno doloroso atípico.
699
Epidemiologia A dor é talvez a queixa mais freqüente na prática médica, e síndromes de dor intratável são comuns. A dor lombar incapacita cerca de 7 milhões de pessoas nos Estados Unidos e é responsável por mais de 8 milhões de visitas ao consultório médico todos os anos. O transtorno é diagnosticado com duas vezes mais freqüência em mulheres do que em homens. O pico das idades de início é na quarta e quinta décadas, talvez porque a tolerância diminui com a idade. Ele é mais comum em trabalhadores braçais, possivelmente em decorrência do maior risco de lesões relacionadas ao trabalho. Os parentes de primeiro grau de pessoas com síndromes de dor têm mais chances de desenvolver o mesmo problema; dessa forma, herança genética ou mecanismos comportamentais podem estar envolvidos em sua transmissão. Transtorno depressivo, transtorno de ansiedade e abuso de substâncias também são mais comuns em famílias de pacientes com o transtorno do que na população em geral. Etiologia Fatores psicodinâmicos. Os pacientes que experimentam mau-estar e dor corporal sem causas físicas identificáveis e adequadas podem estar expressando, de maneira simbólica, um conflito intrapsíquico. Pacientes sofrendo de alexitimia, que são incapazes de referir seus estados internos de sentimentos em palavras, expressam seus sentimentos com o próprio corpo. Outros podem inconscientemente considerar a dor emocional como fraqueza e, de certo modo, sem legitimidade. Ao deslocar o problema para o corpo, podem julgar que têm uma queixa legítima para a satisfação de suas necessidades de dependência. O significado simbólico de um transtorno corporal pode também se relacionar à expiação por uma falha percebida, à purgação por culpa ou à agressão suprimida. Muitos pacientes apresentam uma dor intratável e não-responsiva porque estão convencidos de que merecem sofrer. Esse sintoma também pode funcionar como método para obter afeição, punição pelos pecados, meio de expiar a culpa e purgação por uma sensação inata de malvadeza. Dentre os mecanismos de defesa utilizados pelos pacientes com transtornos dolorosos estão o deslocamento, a substituição e a repressão. A identificação tem uma parcela quando o paciente assume o papel do objeto de amor ambivalente, que também tinha dor, como um de seus pais. Fatores comportamentais. Os comportamentos de dor são reforçados quando recompensados, e são inibidos quando ignorados ou punidos. Por exemplo, sintomas moderados podem se tornar intensos quando seguidos pelo comportamento solícito e atencioso de terceiros, por ganho monetário ou pela evitação bemsucedida de atividades desagradáveis. Fatores interpessoais. A dor intratável tem sido conceituada como uma forma de manipulação para conseguir vantagens em relações interpessoais, como para assegurar a atenção de um membro da família ou estabilizar um casamento frágil. Esse ga-
700
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
nho secundário é mais importante para os pacientes do que o próprio transtorno.
TABELA 17-9 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno doloroso
Fatores biológicos. O córtex cerebral pode inibir disparos de fibras aferentes para a dor. A serotonina talvez seja o principal neurotransmissor nas vias inibitórias descendentes, e as endorfinas também têm um papel na modulação da dor pelo sistema nervoso central. A deficiência destas últimas parece se relacionar com um aumento dos estímulos sensoriais aferentes. Alguns pacientes podem ter transtorno doloroso em vez de outra condição mental devido a anormalidades químicas, estruturais ou sensoriais límbicas, que os predispõem a experimentar dor.
A. Dor em um ou mais sítios anatômicos é o foco predominante do quadro clínico, com suficiente gravidade para indicar atenção clínica. B. A dor causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. C. Fatores psicológicos supostamente exercem um papel importante no início, gravidade, exacerbação e manutenção da dor. D. O sintoma ou déficit não é intencionalmente produzido ou simulado (como no transtorno factício ou na simulação). E. A dor não é mais bem explicada por um transtorno do humor, transtorno de ansiedade ou transtorno psicótico e não satisfaz os critérios para dispareunia.
Diagnóstico Os critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno doloroso necessitam da presença de queixas clinicamente significativas de dor (Tab. 17-9). As queixas podem ser julgadas como sendo muito afetadas por fatores psicológicos, e os sintomas podem levar o paciente a sofrimento emocional significativo ou comprometimento do desempenho (p. ex., social ou ocupacional). Exige-se que a condição dolorosa esteja associada tanto a fatores psicológicos como a uma condição médica sistêmica. O DSM-IVTR especifica, ainda, que o transtorno associado apenas a uma condição médica sistêmica seja diagnosticado como uma condição do Eixo III, além de possibilitar aos clínicos a especificação de agudo ou crônico, dependendo se a duração dos sintomas for de seis meses ou mais. Características clínicas Os pacientes com transtorno doloroso não são um grupo uniforme, mas um conjunto heterogêneo de indivíduos com dor lombar, cefaléia, dor facial atípica, dor pélvica crônica e outros tipos de dor. Ela pode ser pós-traumática, neuropática, neurológica, iatrogênica ou musculoesquelética; para satisfazer o diagnóstico de transtorno doloroso, contudo, deve haver um fator psicológico que se julgue estar envolvido nos sintomas de dor e em suas ramificações. Esses pacientes costumam ter longas histórias de atendimento médico e cirúrgico. Podem visitar muitos médicos, requisitar vários medicamentos e ser particularmente insistentes em seu desejo por cirurgia. Na verdade, podem estar preocupados de tal forma com sua dor a ponto de citá-la como a fonte de todo o seu sofrimento. Esses pacientes em geral negam qualquer outra fonte de disforia emocional e insistem que suas vidas seriam perfeitas exceto pela dor. Seu quadro clínico pode ser complicado por transtorno por uso de substâncias, uma vez que tentam reduzir a dor com por uso de álcool e outras substâncias. Pelo menos um estudo correlacionou o número de sintomas de dor à probabilidade e à gravidade dos sintomas de transtorno de somatização, transtorno depressivo e transtorno de ansiedade. O transtorno depressivo maior está presente em cerca de 25 a 50% dos pacientes com transtorno doloroso, e sintomas de trans-
Codificar como a seguir: Transtorno doloroso associado com fatores psicológicos: Os fatores psicológicos exercem supostamente um papel importante no início, gravidade, exacerbação ou manutenção da dor (se uma condição médica geral está presente, ela não desempenha um papel importante no início, na gravidade, na exacerbação ou na manutenção da dor). Esse tipo de transtorno doloroso não é diagnosticado se também são satisfeitos os critérios para transtorno de somatização. Especificar se: Agudo: duração inferior a seis meses. Crônico: duração superior a seis meses. Transtorno doloroso associado tanto com fatores psicológicos quanto com uma condição médica geral: Tanto fatores psicológicos quanto uma condição médica geral supostamente exercem importantes papéis no início, na gravidade, na exacerbação ou na manutenção da dor. A condição médica geral associada ou o sítio anatômico da dor (ver a seguir) é codificado no Eixo III. Especificar se: Agudo: duração inferior a seis meses. Crônico: duração superior a seis meses. Nota: O que vem a seguir não é considerado transtorno mental, sendo incluído aqui para facilitar o diagnóstico diferencial. Transtorno doloroso associado com uma condição médica geral: Uma condição médica geral desempenha um papel preponderante no início, na gravidade, na exacerbação ou na manutenção da dor (se fatores psicológicos estão presentes, eles supostamente não têm um papel importante no início, na gravidade, na exacerbação ou na manutenção da dor). O código diagnóstico para a dor é selecionado com base na condição médica geral associada, se alguma foi estabelecida, ou no sítio anatômico da dor, se a condição médica geral subjacente não foi claramente estabelecida — por exemplo, dor lombar, ciática, pélvica, de cabeça, facial, torácica, articular, óssea, abdominal, mamária, renal, de ouvido, nos olhos, de garganta, de dentes e urinária. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistic Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
torno distímico ou transtorno depressivo são relatados em 60 a 100% deles. Alguns pesquisadores acreditam que a dor crônica é quase sempre uma variante de transtorno depressivo, uma forma mascarada ou somatizada de depressão. Sintomas depressivos mais proeminentes em pacientes com transtorno doloroso são anergia, anedonia, redução da libido, insônia e irritabilidade; variação diurna, perda de peso e lentificação psicomotora parecem não ser tão recorrentes.
TRANSTORNOS SOMATOFORMES
O sr. L., um rico comerciante, casado, de 72 anos, religioso, nascido na Ucrânia, pai de uma grande família em uma cidade da costa leste, foi internado no serviço ortopédico de um hospital geral para avaliação de uma dor insuportável nos arcos dos pés. Mudou-se do seu país nativo acompanhando uma migração quando tinha nove anos de idade. Durante o ano da mudança, teve que suportar considerável sofrimento físico, falta de alimentos e espancamentos, até que os membros sobreviventes da família conseguissem emigrar para os Estados Unidos. Com trabalho duro e incessante, prosperou economicamente; casou-se com uma mulher paciente e apoiadora e testemunhou seus seis filhos desenvolverem carreiras promissoras. Tornou-se um dos contribuintes principais de sua igreja e fez doações espontâneas para instituições locais de caridade, para os necessitados e desafortunados. Dispunha pouco tempo para divertimento pessoal. Com o passar dos anos, cada vez que ele e sua esposa estavam juntos sozinhos e ela era afetuosa com o marido, ele logo desenvolvia algumas dores corporais martirizantes: cefaléia de cegar, espasmo grave nas costas, dor abdominal, dor facial ou pélvica. As dores em geral tinham remissão vários dias depois que o fim de semana ou a viagem tinham terminado. Algumas ocorriam com mais freqüência do que outras. Ele raramente procurava assistência médica, exceto por essas dores, que ocorriam com intervalos de alguns meses. Seu estado de humor variava de médio a triste, mas negava que estivesse depressivo, às vezes proclamava ter sido abençoado com boa sorte. Levava uma vida comedida, bebia pouco e tinha saúde relativamente boa entre os episódios de dor. Durante as quatro décadas que seus médicos cuidaram dele, ficaram frustrados com esse homem humilde e nãoassumido; suas intensas queixas de dor eram sempre tão inespecíficas e flutuantes que não conseguiam entrever o mecanismo fisiopatológico responsável. Os exames diagnósticos nunca eram reveladores. O sr. L. em geral recusava as ofertas de alívio por meio narcóticos ou outros analgésicos. Os exames de laboratório para as cavas dos pés foram irrelevantes, e ele teve alta quando os sintomas se esvaeceram em três dias. Quatro meses depois, foi hospitalizado novamente no serviço de cirurgia de um hospital geral com dor grave e sem alívio no lado esquerdo superior do abdome. Dessa vez, ele descreveu a nova dor com pormenores meticulosos. Uma rápida revisão revelou um carcinoma avançado na cauda do pâncreas. Ele recebeu a notícia de seu médico de forma estóica e pediu para ter alta para ir para casa naquele dia. (Cortesia de Frederick G. Guggenheim, M. D.) Diagnóstico diferencial A dor puramente física pode ser difícil de se distinguir da dor apenas psicogênica, em especial porque ambas não são mutuamente exclusivas. A dor física flutua em intensidade e é bastante sensível a influências emocionais, cognitivas, de atenção e situacionais. A dor que não varia em intensidade com qualquer desses fatores tem a possibilidade de ser psicogênica. Quando não vai e vem e nem sequer é aliviada em um curto período por distração
701
ou analgésicos, os clínicos podem suspeitar de um importante componente psicogênico. O transtorno doloroso deve ser distinguido de outros transtornos somatoformes, embora alguns destes possam coexistir. Os pacientes com preocupações hipocondríacas podem se queixar de dor, e aspectos da apresentação clínica da hipocondria, como a preocupação com o corpo e a convicção de doença, também podem se manifestar em pacientes com transtorno doloroso. Aqueles com hipocondria tendem a ter muito mais sintomas do que os com transtorno doloroso, os quais tendem a flutuar mais. O transtorno conversivo em geral é de curta duração, enquanto o transtorno doloroso é crônico. Além disso, a dor não é, por definição, um sintoma daquele. Pacientes que simulam conscientemente fornecem relatos falsos e suas queixas costumam estar associadas a objetivos claramente reconhecíveis. O diagnóstico diferencial pode ser difícil porque pacientes com transtorno doloroso por vezes recebem compensação por incapacidade ou recompensa por litígio. A cefaléia por contração muscular (tensão) tem um mecanismo fisiopatológico responsável pela dor e, dessa forma, não é diagnosticada nessa categoria. Contudo, pacientes com transtorno doloroso não estão fingindo o sintoma. Como em todos os transtornos somatoformes, as queixas não são imaginárias. Curso e prognóstico A dor geralmente começa de forma abrupta e aumenta em gravidade em semanas ou meses. O prognóstico varia, embora o transtorno possa ser crônico, estressante e incapacitante. Quando fatores psicológicos predominam, a dor pode se atenuar com o tratamento ou após a eliminação do reforço externo. Os pacientes com os piores prognósticos, com ou sem tratamento, têm problemas caracterológicos preexistentes, em especial passividade pronunciada, envolvimento em litígio ou interesse em compensação financeira, usam drogas que viciam e têm longas histórias de dor. Tratamento Em vista da impossibilidade de reduzir a dor, a abordagem do tratamento deve se orientar para a reabilitação. Os clínicos devem discutir cedo a questão de fatores psicológicos no tratamento e dizer francamente aos pacientes que esses fatores são importantes na consideração das causas e das conseqüências tanto da dor física quanto da dor psicogênica. Também deve se explicar como vários circuitos do cérebro envolvidos com as emoções (p. ex., o sistema límbico) podem influenciar as vias sensoriais da dor. Por exemplo, pessoas que sofrem uma batida na cabeça quando estão felizes em uma festa parecem experimentar menos dor do que quando o mesmo acontece quando estão brabas no trabalho. A despeito disso, os terapeutas devem compreender que as experiências de dor do paciente são reais. Farmacoterapia. Os medicamentos analgésicos em geral não beneficiam a maioria dos pacientes com transtorno doloroso. Além disso, o abuso e a dependência de drogas é por vezes um problema maior para aqueles que recebem tratamento analgésico por longo
702
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
tempo. Os agentes sedativos e ansiolíticos não são particularmente benéficos e estão sujeitos a abuso, mau uso e efeitos adversos. Os antidepressivos, como os tricíclicos e os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs), são os agentes farmacológicos mais eficazes. Permanece controverso se os primeiros reduzem a dor através de sua ação antidepressiva ou exercem um efeito independente, analgésico direto (talvez ao estimular as vias eferentes inibitórias da dor). O êxito dos ISRSs apóia a hipótese de que a serotonina é importante na fisiopatologia do transtorno. A anfetamina, que tem efeitos analgésicos, pode beneficiar alguns pacientes, em especial quando utilizada como coadjuvante dos ISRSs, mas suas doses devem ser monitoradas com cuidado. Psicoterapia. Alguns dados de evolução indicam que a psicoterapia psicodinâmica beneficia pacientes com transtorno doloroso. O primeiro passo é desenvolver uma sólida aliança terapêutica ao se empatizar com o sofrimento do paciente. Os clínicos não devem confrontá-lo com comentários como “isso é tudo da sua cabeça”. Para o paciente, a dor é real, e os clínicos devem perceber a realidade da dor, mesmo que compreendam que ela é, em grande parte, intrapsíquica em sua origem. Um ponto de abordagem inicial, útil nos aspectos emocionais da dor, é examinar suas ramificações interpessoais na vida do paciente. Em terapia de casais, por exemplo, o psicoterapeuta pode chegar logo à fonte do sofrimento psicológico do paciente e à função das queixas físicas em relacionamentos significativos. A terapia cognitiva tem sido utilizada para alterar pensamentos negativos e promover uma atitude positiva. Outros tratamentos. O biofeedback tambem pode ser útil, particularmente com a dor da enxaqueca, a dor miofacial e estados de tensão muscular, como cefaléias de tensão. A hipnose, a estimulação nervosa transcutânea e a estimulação das colunas dorsais posteriores também têm sido utilizadas. Bloqueios de nervos e procedimentos cirúrgicos de ablação são eficazes para alguns pacientes, mas precisam ser repetidos, já que a dor retorna após 6 a 18 meses. Programas de controle da dor. Por vezes pode ser necessário remover os pacientes de seus ambientes habituais e colocá-los em programas ou clínicas de controle da dor para indivíduos hospitalizados ou externos. As unidades multidisciplinares utilizam várias modalidades de terapia, como a cognitiva, a comportamental ou de grupo. Elas provêm condicionamento físico extenso por meio de terapia física e exercícios e oferecem avaliação vocacional e reabilitação. Os transtornos mentais concomitantes são diagnosticados e tratados, e os pacientes dependentes de analgésicos ou hipnóticos são desintoxicados. Os programas de tratamento multimodais com internação, geralmente indicam resultados encorajadores. TRANSTORNO SOMATOFORME INDIFERENCIADO De acordo com o DSM-IV-TR, o transtorno somatoforme indiferenciado é definido como sintomas físicos inexplicáveis que duram, no mínimo, seis meses e que estão abaixo do limiar para
o diagnóstico do transtorno de somatização. Esse diagnóstico (Tab. 17-10) é apropriado para pacientes com uma ou mais queixas físicas que não podem ser explicadas por uma condição médica conhecida ou que excedem amplamente as queixas esperadas de uma condição médica, mas não satisfazem os critérios para um transtorno somatoforme específico. Os sintomas podem levar os pacientes a sofrimento emocional significativo ou comprometer seu desempenho social e ocupacional. Dois tipos de padrões de sintomas podem ser observados em pacientes com esse transtorno: aqueles envolvendo o sistema nervoso autônomo e aqueles envolvendo sensações de fadiga ou fraqueza. Em relação ao que se costuma denominar transtorno da ativação autônoma, alguns pacientes são afetados com sintomas somatoformes limitados a funções inervadas pelo sistema nervoso autônomo. Eles têm queixas envolvendo os sistemas cardiovascular, respiratório, gastrintestinal, geniturinário e dermatológico. Outros se queixam de fadiga mental ou física, fraqueza física ou cansaço, e incapacidade de realizar várias atividades diárias por causa de seus sintomas. Alguns clínicos acreditam que esta síndrome é neurastenia, um diagnóstico utilizado principalmente na Europa e na Ásia. A condição pode se superpor à síndrome da fadiga crônica, com vários relatos de pesquisa tendo levantado a hipótese de que envolve fatores psiquiátricos, virológicos e imunológicos. (O leitor é encaminhado ao Capítulo 18, que discute a fadiga crônica e a neurastenia em profundidade.) TRANSTORNO SOMATOFORME SEM OUTRA ESPECIFICAÇÃO A categoria diagnóstica de transtorno somatoforme sem outra especificação (Tab. 17-11) é uma categoria residual para pacien-
TABELA 17-10 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno somatoforme indiferenciado A. Uma ou mais queixas somáticas (p. ex., fadiga, perda do apetite, queixas gastrintestinais ou urinárias). B. (1) ou (2): (1) após uma investigação apropriada, os sintomas não podem ser completamente explicados por uma condição médica geral conhecida ou pelos efeitos diretos de uma substância (p. ex., droga de abuso, medicamento) (2) quando existe uma condição médica geral relacionada, as queixas somáticas ou o prejuízo social ou ocupacional resultante excedem o que seria esperado a partir da história, do exame físico ou de achados laboratoriais C. Os sintomas causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. D. O distúrbio tem duração mínima de seis meses. E. O distúrbio não é melhor explicado por outro transtorno mental (p. ex., outro transtorno somatoforme, disfunção sexual, transtorno do humor, transtorno de ansiedade, transtorno do sono ou transtorno psicótico). F. O sintoma não é intencionalmente produzido ou simulado (como no transtorno factício ou na simulação). De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistic Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
TRANSTORNOS SOMATOFORMES
TABELA 17-11 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno somatoforme sem outra especificação Esta categoria inclui transtornos com sintomas somatoformes que não satisfazem os critérios para qualquer transtorno somatoforme específico. Exemplos: 1. Pseudociese: uma falsa crença de estar grávida, associada com sinais objetivos de gravidez, que podem incluir aumento abdominal (embora o umbigo não sofra alteração), redução do fluxo menstrual, amenorréia, sensação subjetiva de movimento fetal, náusea, aumento das mamas e secreções e dores de trabalho de parto na data esperada. Alterações endócrinas podem estar presentes, mas a síndrome não pode ser explicada por uma condição médica geral que cause alterações endócrinas (p. ex., um tumor secretor de hormônios). 2. Um transtorno envolvendo sintomas hipocondríacos não-psicóticos com duração inferior a 6 meses. 3. Um transtorno envolvendo queixas somáticas inexplicáveis (p. ex., fadiga ou fraqueza corporal) com duração inferior a 6 meses, não devido a outro transtorno mental. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistic Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
tes que têm sintomas que sugerem um transtorno somatoforme, mas que não satisfazem os critérios específicos de outros transtor-
703
nos desse grupo. Esses indivíduos podem ter um sintoma que não se enquadra em outros transtornos somatoformes (p. ex., pseudociese) ou não ter satisfeito o critério de seis meses para outros transtornos somatoformes. CID-10 Na décima revisão da Classificação internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-10), os transtornos somatoformes são descritos como “uma apresentação repetida de sintomas físicos, com pedidos persistentes de investigação médica”, embora os pacientes tenham sido reassegurados por seus médicos de que os sintomas não têm base física. Se estiverem presentes doenças físicas estas, não podem ser responsáveis pelos sintomas do paciente ou por seu sofrimento. As categorias dos transtornos somatoformes são semelhantes no DSM-IV-TR e na CID-10, exceto pelo fato de que, na CID-10, o transtorno dismórfico corporal é uma subcategoria (Tab. 17-12). A CID-10 também inclui o diagnóstico de neurastenia, que tem muitos sinais e sintomas que se subrepõem aos das categorias do DSMIV-TR de ansiedade, depressão e somatização. (A neurastenia é discutida no Capítulo 18.)
TABELA 17-12 Critérios diagnósticos da CID-10 para transtornos somatoformes Transtorno de somatização A. Deve haver uma história de pelo menos dois anos de queixas de sintomas físicos múltiplos e variáveis que não podem ser explicados por quaisquer distúrbios físicos detectáveis. (Quaisquer distúrbios físicos que estejam presentes não explicam a gravidade, extensão, variedade e persistência das queixas físicas ou a incapacidade social associada.) Se alguns sintomas claramente devidos à excitação autônoma estão presentes, eles não são um aspecto importante do transtorno na medida em que eles não são particularmente persistentes ou penosos. B. A preocupação com os sintomas causa sofrimento persistente e leva o paciente a buscar repetidas consultas (três ou mais) ou investigações com seu médico clínico geral ou especialista. Na ausência de serviços médicos dentro do alcance financeiro ou físico do paciente, deve haver automedicação persistente ou consultas múltiplas com curandeiros locais. C. Há recusa persistente em aceitar a reafirmação médica de que não há causa física adequada para os sintomas físicos. (A aceitação de curto prazo de tal reafirmação, i.e., por algumas semanas ou imediatamente após investigações, não exclui esse diagnóstico.) D. Deve haver um total de seis ou mais sintomas da seguinte lista, com sintomas ocorrendo em pelo menos dois grupos separados: Sintomas gastrintestinais (1) dor abdominal; (2) náusea; (3) sensação de inchaço ou de gases; (4) gosto ruim na boca, ou língua excessivamente coberta; (5) queixas de vômito ou regurgitação de comida; (6) queixas de movimentos intestinais freqüentes ou frouxos ou descarga de líquidos do ânus: Sintomas cardiovasculares (7) falta de ar sem exercício; (8) dores no peito;
Sintomas genitourinários (9) disúria ou queixas de micção freqüente; (10) sensações desagradáveis na ou em torno da genitália; (11) queixas de descarga vaginal incomum ou copiosa; Sintomas cutâneos ou dolorosos (12) manchas ou descoloração da pele; (13) dor nos membros, nas extremidades ou nas articulações; (14) dormência desagradáveis ou sensações de formigamento. E. Cláusula de exclusão mais comumente utilizada. Os sintomas não ocorrem apenas durante algum dos transtornos esquizofrênicos ou dos transtornos relacionados, algum dos transtornos (afetivos) do humor ou transtorno de pânico. Transtorno somatoforme indiferenciado A. Os Critérios A, C, e E para transtorno de somatização são satisfeitos, exceto que a duração do transtorno é de pelo menos seis meses. B. Um ou ambos os Critérios B e D para transtorno de somatização são incompletamente satisfeitos. Transtorno hipocondríaco A. Qualquer um dos seguintes deve estar presente: (1) crença persistente, de pelo menos cinco meses de duração, da presença de um máximo de duas doenças físicas graves (das quais pelo menos uma deve ser especificamente nomeada pelo paciente); (2) preocupação persistente com uma suposta deformidade ou desfiguração (transtorno dismórfico corporal). B. A preocupação com a crença e os sintomas causa sofrimento persistente ou interferência no funcionamento pessoal na vida diária e leva o paciente a buscar tratamento médico ou investigações (ou ajuda equivalente de curandeiros locais). C. Há recusa persistente em aceitar reafirmação médica de que não há causa física para os sintomas ou anormalidade física. (A aceitação de curto prazo de tal reafirmação, i.e., por algumas semanas durante ou imediatamente após investigações, não exclui esse diagnóstico.) (Continua)
704
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 17-12 (Continuação) D. Cláusula de exclusão mais comumente utilizada. Os sintomas não ocorrem apenas durante qualquer um dos transtornos esquizofrênicos ou transtornos relacionados, qualquer um dos transtornos (afetivos) do humor. Disfunção autônoma somatoforme A. Devem existir sintomas de excitação autônoma que são atribuíveis pelo paciente a um transtorno físico de um ou mais dos seguintes sistemas ou órgãos: (1) sistema cardíaco ou cardiovascular; (2) trato gastrintestinal superior (esôfago e estômago); (3) trato gastrintestinal inferior; (4) sistema respiratório; (5) sistema genitourinário. B. Dois ou mais dos seguintes sintomas autônomos devem estar presentes: (1) palpitações; (2) sudorese (quente ou fria); (3) boca seca; (4) rubor ou vermelhidão; (5) desconforto epigástrico, “borbulhas,” ou agitação no estômago. C. Um ou mais dos seguintes sintomas devem estar presentes: (1) dores no peito ou desconforto no e em torno do pré-córdio; (2) dispnéia ou hiperventilação; (3) cansaço excessivo com exercício leve; (4) aerofagia, soluço ou sensações de queimação no peito e epigastro; (5) movimentos intestinais freqüentes relatados; (6) freqüência aumentada de micção ou disúria; (7) sensação de estar inchado, distendido ou pesado. D. Não há evidência de um distúrbio de estrutura ou função nos órgãos ou sistemas em relação aos quais o paciente está preocupado. E. Cláusula de exclusão mais comumente utilizada. Esses sintomas não ocorrem apenas na presença de transtornos fóbicos ou transtorno de pânico. Um quinto caractere deve ser usado para classificar os transtornos individuais nesse grupo, indicando o órgão ou sistema considerado pelo paciente como sendo a origem dos sintomas:
Coração e sistema cardiovascular Inclui: neurose cardíaca, astenia neurocirculatória, síndrome de daCosta. Trato gastrintestinal superior Inclui: aerofagia psicogênica, soluço, neurose gástrica. Trato gastrintestinal inferior Inclui: síndrome do intestino irritável psicogênica, diarréia psicogênica, síndrome de gases. Sistema respiratório Inclui: hiperventilação. Sistema genitourinário Inclui: aumento psicogênico de freqüência de micção e disúria. Outro órgão ou sistema Transtorno de dor somatoforme persistente A. Presença de dor grave e aflitiva persistente (por pelo menos seis meses, e continuamente na maioria dos dias), em qualquer parte do corpo, que não pode ser explicada adequadamente por evidência de um processo fisiológico ou um distúrbio físico e que é consistentemente o foco principal da atenção do paciente. B. Cláusula de exclusão mais comumente utilizada. Esse transtorno não ocorre na presença de esquizofrenia ou transtornos relacionados, ou apenas durante qualquer um dos transtornos (afetivos) do humor, transtorno de somatização, transtorno somatoforme indiferenciado ou transtorno hipocondríaco. Outros transtornos somatoformes Nesses transtornos, as queixas apresentadas não são mediadas pelo sistema nervoso autônomo, e são limitadas a sistemas ou partes do corpo específicas, tais como a pele. Isso contrasta com as queixas múltiplas e freqüentemente variáveis da origem de sintomas e sofrimento encontrados no transtorno de somatização e no transtorno somatoforme indiferenciado. Não há envolvimento de dano tecidual. Quaisquer outros transtornos de sensação não devidos a distúrbio físico, que estejam associados no tempo com eventos ou problemas estressantes, ou que resultem em atenção significativamente aumentada para o paciente, seja pessoal ou médica, também deveriam ser classificados aqui. Transtorno somatoforme sem outra especificação
Reimpressa com permissão de World Health Organization. The ICD-10 Classification of Mental and Behavioral Disorders: Diagnostic Criteria for Research. Copyright; world Health organization, Geneva, 1993.
REFERÊNCIAS Barsky AJ. Hypochondriasis: medical management and psychiatric treatment. Psychosomatics. 1996;37:48. Barsky AJ, Cleary PD, Sarnie MK, Klerman GL. The course of transient hypochondriasis. Psychiatry. 1993;150:484. Barsky AJ, Wyshak G, Klerman GL. Psychiatric comorbidity in DSMIII-R hypochondriasis. Arch Gen Psychiatry. 1992;49:101. Carrol DH, Scahill L, Phillips KA. Current concepts in body dysmorphic disorder. Arch Psychiatr Nurs. 2002;16:72. Guggenheim FG. Somatoform disorders. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:1504. Hollander E, Neville D, Frenkel M, Josephson S, Liebowitz MR. Body dysmorphic disorder: diagnostic issues and related disorders. Psychosomatics. 1992;33:156. Kirmayer LJ, Robbins JM, Dworkind M, Yaffe MJ. Somatization and the recognition of depression and anxiety in primary care. Am J Psychiatry. 1997;150:734.
Lesser RP. Psychogenic seizures. Neurology. 1996;46:1499. Martin RL. Diagnostic issues for conversion disorder. Hosp Community Psychiatry. 1992;43:771. Massive MJ. ed. Pain: what psychiatrists need to know. Review of Psychiatry. Vol. 19, no. 2. Washington. DC: American Psychiatric Press; 2000:89. Phillip KA, ed. Somatoform and factitious disorders. Review of Psychiatry. Vol 20, no. 3. Washington. DC: American Psychiatric Press; 2001:95. Silver FW. Management of conversion disorder. Am J Phys Med Rehabil. 1996;75:134. Simon GE. Management of somatoform and factitious disorders. In: Nathan PE, Gormon JM, eds. A Guide to Treatments That Work. 2nd ed. London: Oxford University Press; 2002:447. Starcevic V, Lipsitt DR, eds. Hypochondriasis: Modern Perspective on an Ancient Malady. New York: Oxford University Press; 2001:329.
18 Síndrome da fadiga crônica e neurastenia
SÍNDROME DA FADIGA CRÔNICA A síndrome da fadiga crônica (referida como encefalomielite miálgica no Reino Unido e no Canadá) é caracterizada por seis meses ou mais de fadiga grave e debilitante, muitas vezes acompanhada de mialgia, cefaléia, faringite, febre baixa, queixas cognitivas, sintomas gastrintestinais e nódulos linfáticos hipersensíveis. A busca por causa infecciosa tem sido ativa devido à alta porcentagem de pacientes que relatam início abrupto após doença grave semelhante à gripe. Em 1988, os Centros de Controle e Prevenção de Doenças americanos (U. S. Centers for Disease Control, CDC) definiram critérios diagnósticos específicos para a síndrome da fadiga crônica. Desde então, o transtorno chamou a atenção tanto dos profissionais de saúde quanto do público em geral. No momento, os problemas associados a tal condição são de grande interesse nos Estados Unidos. O transtorno é classificado na décima revisão da Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-10) como condição pouco definida de etiologia desconhecida sob a categoria de “Mal-estar e fadiga” e se subdivide em astenia e incapacitação não-especificada. Epidemiologia A incidência e a prevalência exatas são desconhecidas, mas a primeira foi estimada em um caso por mil pessoas. A doença é observada primariamente em adultos jovens (entre 20 e 40 anos de idade). As mulheres têm probabilidade duas vezes maior do que os homens de serem afetadas. Nos Estados Unidos, estudos mostram que cerca de 25% da população adulta experimenta fadiga com duração de duas semanas ou mais. Quando persiste por mais tempo, é definida como crônica. Conforme relatos, a síndrome da fadiga crônica tem prevalência de 0,52% entre mulheres e 0,29% entre homens. Um estudo com pacientes de clínicas de cuidados primários constatou que 24% tinham experimentado fadiga com duração de mais de um ano. Etiologia A origem do transtorno é desconhecida. O diagnóstico pode ser feito somente depois que todas as outras causas médicas e psi-
quiátricas da fadiga crônica tiverem sido excluídas. Estudos científicos não validaram sinais patognomônicos ou testes diagnósticos para a condição. Alguns pesquisadores tentaram implicar o herpes vírus de Epstein-Barr (EBV) como agente etiológico na síndrome da fadiga crônica. Essa infecção, no entanto, está associada a anticorpos específicos e linfocitose atípica, ausentes em tal síndrome. Resultados de testes para outros agentes virais, tais como enterovírus, herpes vírus e retrovírus, foram negativos. Investigadores encontraram marcadores inespecíficos de anormalidades imunológicas em pacientes com síndrome da fadiga crônica, como, por exemplo, resposta reduzida de proliferação dos linfócitos sangüíneos periféricos, mas tais achados são semelhantes aos detectados em alguns indivíduos com depressão maior. Diagnóstico e características clínicas Como a síndrome da fadiga crônica não tem características patognomônicas, o diagnóstico é difícil, e os médicos devem tentar delinear o maior número de sinais e sintomas possíveis para facilitar o processo. Embora a fadiga crônica seja a queixa mais comum, a maioria dos pacientes apresenta muitos outros sintomas (Tab. 18-1). À medida que a história do paciente se desenrola, os clínicos podem considerar uma variedade de estados patológicos que se encaixam na série de condições neurológicas, metabólicas ou psiquiátricas citada para explicar a patologia. Na maioria dos casos, entretanto, não é possível identificar claramente qualquer transtorno apenas a partir desses dados. O exame físico também constitui fonte pouco confiável de certeza diagnóstica. Além da fadiga crônica, alguns pacientes se queixam de calor ou calafrios com temperatura corporal normal, outros reclamam de hipersensibilidade dos nódulos linfáticos na ausência de aumento dos mesmos. Esses e outros achados ambíguos não confirmam nem excluem a doença. Os critérios diagnósticos do CDC para síndrome da fadiga crônica são listados na Tabela 18-2 e incluem fadiga por pelo menos seis meses, memória ou concentração comprometidas, dor de garganta, nódulos linfáticos aumentados ou hipersensíveis, dores musculares, artralgias, cefaléia, perturbação do sono e malestar após esforço. A fadiga é o sintoma mais óbvio e se caracteriza por exaustão mental e física grave, suficiente para causar a redução de 50% nas atividades. O início tende a ser gradual, mas
706
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 18-1 Sinais e sintomas relatados por pacientes com síndrome da fadiga crônica Fadiga ou exaustão Cefaléia Mal-estar Perda da memória de curto prazo Dores musculares Dificuldade de concentração Dores nas articulações Depressão Dor abdominal Dor nos nódulos linfáticos Dor de garganta Sono não-restaurador Fraqueza muscular Gosto metálico ou amargo Alteração no equilíbrio Diarréia Constipação Inchaço Crises de pânico Dores oculares Coceira nos olhos Visão turva Visão dupla
Sensibilidade a luzes fortes Amortecimento e/ou formigamento nas extremidades Desmaios Vertigem Tontura Falta de coordenação Insônia Febre ou sensação de febre Calafrios Sudorese noturna Ganho de peso Alergias Sensibilidades químicas Palpitações Encurtamento do fôlego Erupção cutânea na face e nas bochechas Inchaço das extremidades ou das pálpebras Ardência ao urinar Disfunção sexual Queda de cabelos
Adaptada de Bell DS. The Doctor’s Guide to Chronic Fatigue Syndrome: Understanding, Treating and Living with CFIDS. Reading: Addison-Wesley; 1995:10.
alguns pacientes apresentam manifestação aguda que lembra doença semelhante à gripe. O caso a seguir ilustra muitas das incertezas e dificuldades envolvidas no diagnóstico e no tratamento de tal condição. J. era uma bibliotecária de 35 anos de idade, solteira e branca, com história médica benigna e ausência de sintomas psiquiátricos anteriores ao desenvolvimento de doença semelhante à gripe. Após 10 dias, o episódio agudo passou, mas ela continuou a se sentir letárgica e a se cansar com facilidade. Duas semanas após o início dessa doença, retornou ao trabalho, mas não foi capaz de completar suas oito horas diárias habituais devido a uma exaustão crescente e a dores difusas nos músculos e nas articulações, as quais nunca havia sentido antes. O médico de cuidados primários sugeriu naproxeno (Naprosyn) e encorajou-a aconselhando paciência. Ele observou nada incomum em seu humor e prescreveu agentes hipnóticos para melhorar o sono, mas não houve resposta com 10 mg de zolpidem (Ambien). Ela então passou a ter cefaléias bitemporais intensas. Após três meses, foi encaminhada ao reumatologista, que tentou prescrever amitriptilina (Elavil) 50 mg à noite. A paciente protestou com veemência, dizendo que não estava deprimida, apenas tinha dores. Anteriormente, havia sido funcionária conscienciosa e quase não tinha tirado licença ou faltado ao trabalho devido a doenças. Após três meses dessa condição, no entanto, foi forçada a abandonar o emprego, voltando a morar com a mãe, pois não possuía mais renda própria. Continuava a “sentir dores pelo corpo”, estava letárgica e irritável e dormia mal
TABELA 18-2 Critérios do CDC para síndrome da fadiga crônica A. Fadiga grave e inexplicável por mais de seis meses que: (1) tem início novo ou definido (2) não se deve a esforço contínuo (3) não se resolve com repouso (4) causa comprometimento funcional B. Presença de quatro ou mais dos seguintes sintomas novos: (1) concentração e memória prejudicadas (2) dor de garganta (3) nódulos linfáticos hipersensíveis (4) dores musculares (5) dor em várias articulações (6) novo padrão de cefaléia (7) sono não-restaurador (8) mal-estar após esforço durando mais de 24 horas
devido aos sintomas. Quando conseguia dormir, relatava que não acordava descansada. Seis meses após o início de seus sintomas originais, procurou a clínica de reumatologia de um centro acadêmico de saúde, afebril e aparentemente saudável, mas contrariada com a doença prolongada e a situação geral de sua vida. Admitiu ter dificuldade de concentração. O exame das articulações revelou movimentos plenos sem inchaço, vermelhidão ou calor, mas pontos hipersensíveis estavam presentes em todos os 18 locais. O reumatologista prescreveu amitriptilina 25 mg à noite por quatro dias e orientou-a a aumentar a dose em um comprimido por dia depois disso até conseguir dormir melhor ou até a dosagem de 150 mg. Ainda protestando que não estava deprimida, tomou o medicamento porque estava desesperada por alívio. Um mês depois, retornou à clínica de reumatologia ainda hostil e impaciente e com poucas alterações, e lhe foi prescrita fluoxetina (Prozac) 20 mg pela manhã, além da amitriptilina à noite. Depois de um mês com esse regime, teve alguma melhora dos sintomas de humor, sono e articulações. No entanto, ainda continuava a ter episódios de fadiga, geralmente relacionados a eventos de vida estressantes. Não retornou ao trabalho. (Cortesia de Brian Anthony Fallan, M.D.) Diagnóstico diferencial A fadiga crônica deve ser diferenciada de distúrbios endócrinos (p. ex., hipotireoidismo), neurológicos (p. ex., esclerose múltipla) e infecciosos (p. ex., síndrome da imunodeficiência adquirida [AIDS], mononucleose infecciosa) e de transtornos psiquiátricos (p. ex., transtornos depressivos). O processo de avaliação é complexo, e o es quema diagnóstico é listado na Tabela 18-3. Até 80% dos pacientes com síndrome da fadiga crônica satisfazem os critérios diagnósticos para depressão maior. A correlação é tão alta que muitos psiquiatras acreditam que todos os casos da síndrome são transtornos depressivos, ainda que raramente relatem sentimento de culpa, ideação suicida ou anedonia e demonstrem pouca ou nenhuma perda de peso. Tampouco costuma haver história familiar de depressão ou outra carga genética
SÍNDROME DA FADIGA CRÔNICA E
NEURASTENIA
707
TABELA 18-3 Abordagem da avaliação da fadiga persistente História • Registrar as circunstâncias médicas e psicossociais do início dos sintomas. • Avaliar a saúde física e psicológica pregressa. • Procurar pistas de distúrbio médico subjacente (p. ex., febre, perda de peso, dispnéia). • Avaliar o impacto dos sintomas no estilo de vida do paciente. Os sintomas característicos da síndrome da fadiga crônica (SFC) incluem fadiga, mialgia, artralgia, memória e concentração prejudicadas e sono não-restaurador. ↓ ↓ Exame físico Exame do estado mental • Procurar anormalidades que sugiram distúrbio médico • História pregressa ou familiar de transtorno psiquiátrico, subjacente: sobretudo depressão e ansiedade – Hipotireoidismo • História pregressa de episódios freqüentes de sintomas médicos – Hepatite crônica inexplicados – Anemia crônica • História pregressa de abuso de álcool ou substâncias – Doença neuromuscular • Sintomas atuais: depressão, ansiedade, pensamentos – Síndrome da apnéia do sono autodestrutivos e uso de medicamentos de venda livre – Malignidades ocultas, etc. • Sinais atuais de retardo psicomotor Em geral, o exame físico em pacientes com SFC não demonstra • Avaliar sistema de apoio psicossocial anormalidades. Pacientes com SFC têm sintomas depressivos, mas não culpa, ideação suicida ou retardo psicomotor observáveis. ↓
↓ Investigação laboratorial
• Triagem: – Urinálise – Hemograma completo e contagem diferencial – Velocidade de hemossedimentação – Testes da função renal
– Testes da função hepática – Cálcio, fosfato – Glicemia aleatória – Testes da função da tireóide (incluindo nível do hormônio estimulador da tireóide)
• Investigações adicionais conforme indicação clínica (p. ex., estudo do sono) O diagnóstico de SFC baseia-se primariamente na exclusão de condições alternativas.
↓ Síndrome da fadiga crônica • Fadiga crônica inexplicada, persistente ou intermitente durando seis meses consecutivos ou mais que tem início novo ou definido, não é resultado de esforço, não é aliviada de forma substancial pelo repouso e resulta em redução significativa dos níveis anteriores de atividades ocupacionais, educacionais, sociais ou pessoais; e • Mais quatro dos seguintes sintomas ocorrendo ao mesmo tempo: (1) comprometimento da memória de curto prazo ou da concentração, (2) dor de garganta, (3) nódulos linfáticos cervicais ou axilares hipersensíveis, (4) dores musculares ou em várias articulações, (5) cefaléia, (6) sono não-restaurador e (7) mal-estar após esforço. Reproduzida, com permissão, de Hickie IB, Lloyd AR, Wakefield D. Chronic fatigue syndrome: current perspectives on evaluation and management. Med J Aust. 1995;163:315.
para transtorno psiquiátrico e eventos estressantes que possam precipitar ou explicar doença depressiva. Além disso, embora alguns pacientes respondam a medicamentos antidepressivos, muitos se tornam refratários a todos os agentes psicofarmacológicos. Independentemente do diagnóstico, no entanto, a co-morbidade depressiva requer tratamento com antidepressivos ou terapia cognitivo-comportamental, ou a combinação de ambos. Curso e prognóstico A recuperação espontânea é rara em pacientes com síndrome da fadiga crônica, entretanto melhoras ocorrem. No momento, a maioria dos relatos sobre o curso e o prognóstico se baseia em amostras pequenas. Em um estudo, 63% dos pacientes com a síndrome, acompanhados por até quatro anos, relataram melhoras. Aqueles com melhor prognóstico não têm doença psiquiátri-
ca pregressa ou concomitante, são capazes de manter contatos sociais e continuam a trabalhar, mesmo que em níveis reduzidos. Tratamento O tratamento da síndrome da fadiga crônica é principalmente de apoio. Os médicos devem primeiro estabelecer o rapport e não considerar infundadas as queixas dos pacientes, pois estas não são imaginárias. O exame médico minucioso é necessário e a avaliação psiquiátrica é indicada, ambos para excluir outras causas para os sintomas. Nenhum tratamento médico efetivo é conhecido. Agentes antivirais e corticosteróides não são úteis, embora alguns pacientes tenham demonstrado diminuição da fadiga com o antiviral amantadina (Symmetrel). O tratamento sintomático (p. ex., analgésicos para artralgias e dores musculares) é a abordagem habitual, todavia os antiinflamatórios não-esteróides (AINES) são ineficazes.
708
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Os pacientes devem ser encorajados a continuar com suas atividades diárias e resistir à fadiga tanto quanto possível. Diminuir a carga de trabalho é muito melhor do que abandoná-lo. Diversos estudos relataram efeitos positivos da terapia de exercícios graduados. O tratamento psiquiátrico é desejável, em especial quando há presença de depressão. Em muitos casos, os sintomas melhoram bastante quando os pacientes estão em terapia de apoio ou orientada para o insight. A terapia cognitivo-comportamental também é benéfica. Esses recursos devem ter como objetivo ajudar os pacientes a superar e corrigir crenças equivocadas, tais como o medo de que qualquer atividade que cause fadiga venha a piorar o transtorno. Agentes farmacológicos, principalmente antidepressivos com características não-sedativas, como a bupropiona (Wellbutrin), podem ser úteis. Há relatos de que a nefazodona (Serzone) diminui a dor e melhora o sono e a memória em alguns pacientes. Analépticos (p. ex., anfetamina ou metilfenidato [Ritalina]) podem ajudar a reduzir a fadiga. A Tabela 18-4 contém recomendações para a abordagem geral da farmacoterapia. Grupos de auto-ajuda beneficiaram pacientes com síndrome de fadiga crônica, os quais foram favorecidos pela esperança e identificação e por compartilhar experiências e informações. A coesão dos integrantes também aumenta a auto-estima, que costuma estar comprometida nesses pacientes, os quais muitas vezes sentem que seus médicos não os levam a sério. Por esse motivo,
TABELA 18-4 Recomendações para a farmacoterapia criteriosa da fadiga crônica • Estabelecer referencial de tratamento colaborativo entre médico e paciente. • Evitar o diagnóstico prematuro. • Determinar quais fármacos auto-administrados de venda livre o paciente já está tomando e avaliar sua interação com o medicamento proposto. • Discutir o papel do medicamento e apontar metas claras de tratamento: Síndromes psiquiátricas Domínios do sofrimento sintomático (p. ex., dor musculoesquelética, má qualidade do sono, fadiga, mudanças cognitivas subjetivas e sintomas de humor ou ansiedade) • A escolha do agente deve se basear: – No perfil previsto de efeitos colaterais – Na preferência do paciente – Em contra-indicações médicas ao uso de um medicamento em particular • Começar a terapia com a dose mais baixa possível e aumentá-la de forma gradual; observar e discutir efeitos colaterais durante o tratamento, esclarecendo questões médicas significativas. • Tentar ensaio completo até a dose-alvo adequada conhecida do medicamento ou até o efeito clínico máximo ficar evidente. • Deve haver discussão constante acerca do padrão de resposta específico do paciente, esclarecendo suas expectativas quanto ao tratamento. • Não continuar o tratamento de forma indefinida sem evidências de resposta clínica clara. Se necessário, descontinuá-lo e reavaliar durante o estado livre de medicamento. • Evitar a polifarmácia; avaliar a resposta ao tratamento com um agente de cada vez. • Planejar a farmacoterapia em relação a outros aspectos do tratamento; usar o medicamento como contexto para o referencial terapêutico multidimensional. Reproduzida, com permissão, de Demitrack MA. Psychopharmacological principles in the treatment of chronic fatigue syndrome. In: Demitrack MA, Abbey SE, eds. Chronic Fatigue Syndrome. New York: Guilford, 1996:281.
muitas pessoas com a síndrome se valem de vitaminas, minerais e produtos fitoterápicos variados ou métodos terapêuticos que se encaixam na rubrica de medicina alternativa. Nem estes recursos nem outros foram revisados na literatura médica, sendo de pouco ou nenhum benefício. NEURASTENIA O termo neurastenia (“exaustão nervosa”) foi introduzido na década de 1860 pelo neuropsiquiatra americano George Miller Beard, que o aplicou à condição caracterizada por fadiga crônica e incapacitação (Fig. 18-1). Este termo não é mais usado com freqüência, mas aparece na literatura psiquiátrica e continua a constituir entidade diagnóstica da CID-10, na qual está classificado como um dos transtornos neuróticos. Segundo a nosologia atual dos Estados Unidos, essa condição não é considerada diagnóstico distinto. A revisão do texto da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR) categoriza a neurastenia como transtorno somatoforme indiferenciado. Esse é um bom exemplo das diferenças culturais que influenciam a classificação e as manifestações de doenças. A neurastenia é uma condição aceita na Europa e na Ásia, onde é caracterizada por fadiga, cefaléia, insônia e outras queixas somáticas vagas, e acredita-se que resulte do estresse crônico mais do que de conflitos psicológicos inconscientes. Em muitas culturas (especialmente na China), nas quais há resistência à categorização de portador de transtorno mental, a neurastenia é o diagnóstico preferido. Por isso, é estabelecida com maior freqüência no leste asiático.
FIGURA 18-1 George Miller Beard. (Cortesia da New York Academy of Medicine, New York,. NY.)
SÍNDROME DA FADIGA CRÔNICA E
Epidemiologia As dificuldades na investigação da epidemiologia da neurastenia se originam do fato de que ela ocorre em conexão com outras condições, como ansiedade, depressão e transtornos somatoformes, e não foi suficientemente estudada como doença independente. Beard a considerava uma das condições mais comuns do século XIX nos EUA, embora não haja estatísticas disponíveis para corroborar essa observação. Um estudo feito em 1994 na Suíça (usando critérios da CID-10) constatou taxa de prevalência de 12%. Achados indicam que os principais sintomas – fadiga e maior preocupação com sintomas corporais – são observados mais freqüentemente em pessoas que sofrem privações econômicas e sociais, embora o transtorno não seja mais prevalente neste grupo do que em qualquer outro, e possa, na verdade, ocorrer amiúde em grupos socioeconômicos mais elevados. Precursores da neurastenia, na forma de “dores do crescimento”, fadiga e transtornos do sono aparecem em crianças. Beard encarava a infância como um dos períodos de pico para o início do transtorno, assim como a meia-idade (adultos entre 40 e 65 anos de idade). Etiologia Segundo Beard, a causa da neurastenia era a “exaustão nervosa”, que se referia à depleção dos “nutrientes armazenados” na célula nervosa (neurônio). Essa depleção resultava de estresses, como excesso de trabalho. Considerava que o transtorno tinha causa fisiológica, na qual (conforme descrição de Arthur Noyes) “o sistema nervoso é drenado de sua energia como uma bateria de baixa voltagem parcialmente descarregada”. Beard postulou a teoria da “diátese nervosa”, em que a pessoa tem uma vulnerabilidade específica que, quando influenciada por algum estresse ambiental, permite o desenvolvimento dos sintomas da neurastenia. Os componentes ambientais podem ser biológicos (infecção) ou psicológicos (morte de um ente querido). Sigmund Freud conhecia o transtorno e concordava com Beard no sentido de que o estresse estava envolvido, mas pensava que a neurastenia era produzida por alteração do funcionamento sexual (uma das neuroses), especificamente uma descarga inadequada de energia sexual que ocorria quando a masturbação substituía o intercurso normal. Psicanalistas pós-freudianos consideraram a neurastenia a reação a fatores inconscientes como sentimento de rejeição, baixa auto-estima, sensação de desvalia e raiva reprimida. Hipótese da depleção. A hipótese atual sobre a depleção, a qual sugere que o estresse prolongado diminui os níveis de neurotransmissores nos neurônios, apresenta semelhança notável com o conceito de Beard sobre exaustão nervosa. A depleção das aminas cerebrais causa sintomas de ansiedade ou depressão. A baixa atividade neuronal de dopamina ocorre na depressão; os sistemas noradrenérgico e adrenérgico são afetados no transtorno de ansiedade e na depressão; e os níveis de serotonina são baixos no transtorno depressivo. Várias desregulações neuroendócrinas foram relatadas em pacientes com transtornos do humor e de ansiedade, sendo que
NEURASTENIA
709
as principais afetam os eixos adrenal, tireoideano e do hormônio do crescimento. Outras anormalidades dessa natureza incluem diminuição da secreção noturna de melatonina, diminuição dos níveis basais de hormônio estimulador de folículo (FSH) e hormônio luteinizante (LH) e redução dos níveis de testosterona. Esses hormônios também estão alterados em estados prolongados de estresse e, possivelmente, também na neurastenia. Diagnóstico e características clínicas Segundo a CID-10, a neurastenia não é usada como categoria diagnóstica em todos os países. Nos Estados Unidos, por exemplo, muitos dos casos diagnosticados desta forma iriam satisfazer os critérios para transtorno depressivo, transtorno somatoforme ou transtorno de ansiedade. Alguns pacientes, no entanto, têm sintomas tão variados que a neurastenia é o diagnóstico preferido. Tais casos podem ser diagnosticados por meio dos critérios diagnósticos da CID-10 (Tab. 18-5), ou podem ser definidos pelo diagnóstico de transtorno somatoforme indiferenciado segundo o DSM-IV-TR (ver Tab. 17-10). A neurastenia caracteriza-se por ampla variedade de sinais e sintomas. Os achados mais comuns são fraqueza e fadiga crônicas, dores e ansiedade geral ou “nervosismo”. Beard, Freud e outros descreveram muitas queixas apresentadas por tais pacientes, listadas na Tabela 18-6. Os sintomas são reais para os pacientes, assim como afirmou Beard: “Não são imaginários. Têm existência objetiva real e não podem ser eliminados por um ato de vontade”. A CID-10 descreve dois tipos do transtorno, com sobreposição substancial entre eles. Em um deles, a principal característica é maior fadiga após esforço mental, muitas vezes associada à diminuição do desempenho ocupacional e da eficiência nas tarefas
TABELA 18-5 Critérios diagnósticos da CID-10 para neurastenia A. Um dos seguintes deve estar presente: (1) queixas persistentes e perturbadoras de sensação de exaustão após esforço mental menor (como tentar ou realizar tarefas cotidianas que não exigem esforço mental incomum) (2) queixas persistentes e perturbadoras de sensação de fadiga e fraqueza corporal após esforço físico menor Pelo menos um dos seguintes sintomas deve estar presente: (1) dores musculares (2) tontura (3) cefaléias tensionais (4) transtornos do sono (5) incapacidade de relaxar (6) irritabilidade O paciente é incapaz de se recuperar dos sintomas dos Critério A(1) ou A(2) por meio de repouso, relaxamento ou entretenimento. O transtorno dura pelo menos três meses. Critério de exclusão mais usado. O transtorno não ocorre na presença de transtorno orgânico emocionalmente instável, síndrome pósencefálica, síndrome pós-concussiva, transtornos do humor, transtorno de pânico ou transtorno de ansiedade generalizada. Reproduzida, com permissão, de World Health Organization. The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural Disorders: Diagnostic Criteria for Research. Copyright, World Health Organization, Geneva, 1993.
710
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 18-6 Sinais e sintomas relatados por pacientes com neurastenia Fadiga Exaustão Ansiedade generalizada Dificuldade de concentração Dores físicas Tontura Cefaléia Intolerância a ruídos (hiperacusia) ou luzes fortes Calafrios Indigestão Constipação ou diarréia Flatulência Palpitações Extra-sístole Taquicardia Sudorese excessiva Rubor
Disfunção sexual, por exemplo, transtorno erétil, anorgasmia Dismenorréia Parestesia Insônia Memória comprometida Pessimismo Preocupação crônica Medo de doenças Irritabilidade Sentimentos de desesperança Boca seca ou hipersalivação Artralgias Insensibilidade ao calor Disfagia Prurido Tremores Dores nas costas
diárias. A fatigabilidade mental costuma ser descrita como intrusão desagradável de associações ou recordações que distraem a pessoa, dificuldade de concentração e pensamento ineficiente de modo geral. Em outro, há sentimentos de fraqueza e exaustão corporal ou física após esforços mínimos, acompanhados de dores musculares e incapacidade de relaxar. Em ambos os tipos, outras sensações físicas desagradáveis, como tontura, cefaléia tensional e sensação geral de instabilidade, são comuns. Podem estar presentes preocupação com a diminuição do bem-estar mental e físico, irritabilidade, anedonia e graus variáveis de depressão e ansiedade. O sono tende a ser perturbado nas fases iniciais e intermediárias, mas a hipersonia também pode manifestar-se proeminente. Se forem empregados critérios do DSM-IV-TR, a neurastenia está associada a uma das duas formas de transtorno somatoforme indiferenciado, isto é, ao grupo das queixas físicas, incluindo fadiga crônica e perda do apetite. W., um técnico casado de 36 anos de idade, procurou uma clínica psiquiátrica ambulatorial em Hunan, na República Popular da China, queixando-se de fatigabilidade fácil. Também apresentava insônia, e sua capacidade de trabalhar havia diminuído devido à fraqueza persistente e a cefaléias tensionais. Esses sintomas tinham iniciado cerca de 12 anos antes, sem causa evidente. O paciente notou que começou a se cansar com facilidade e a se sentir fraco após exercer qualquer esforço físico ou mental. Além disso, tinha dificuldade em adormecer e acordava muitas vezes durante a noite, e sentia que sua energia mental era insuficiente durante o dia, não conseguindo ler nem assistir à televisão por mais de meia hora sem se sentir cansado. Embora pudesse desempenhar suas tarefas ocupacionais, tinha dificuldade para se concentrar, e sua memória era fraca. Nos últimos 12 anos, raramente havia estado livre desses sintomas, cuja intensidade era oscilante. Quando sua condição está realmente ruim, sente-se perturbado, irritado e nervoso. Não está claro por que buscou ajuda agora. W. não se queixa de depressão,
mas, quando indagado especificamente a respeito de humor deprimido, diz que, às vezes, sente-se deprimido e não consegue ter prazer em nada, o que atribui à sua dificuldade de concentração e à exaustão física. Quando está deprimido, experimenta culpa, retardo do pensamento, alterações de apetite e retardo psicomotor. Os períodos de depressão nunca duram mais do que duas semanas e ocorrem cerca de cinco ou seis vezes por ano. W. esteve no hospital local em muitas ocasiões e foi tratado com ervas chinesas e remédios ocidentais. Em uma das vezes, foi atendido por psiquiatra, que lhe prescreveu antidepressivo. Nenhum desses tratamentos teve efeito. Ele se descreve como uma “pessoa introvertida” desde a puberdade, sempre preferindo ficar em casa sozinho. Tinha notas acima da média na escola. Depois de se formar na faculdade, foi contratado como técnico em uma fábrica onde ainda está empregado. Na entrevista, aparentava exaustão. Não há evidências de ansiedade ou depressão proeminentes. Os achados do exame físico e dos testes laboratoriais estão dentro dos limites normais. DISCUSSÃO Clínicos treinados na tradição chinesa não teriam dificuldade em fazer o diagnóstico da condição de W., uma vez que ele tem as características típicas da neurastenia, um dos transtornos mais diagnosticados na República Popular da China. O paciente expressa quase todas as suas queixas em termos de sintomas somáticos. Por muitos anos, não teve a energia e a força para funcionar de maneira adequada. Também reclama de dificuldade para dormir e cefaléia. Embora estes sintomas, somados à baixa concentração e memória, sugiram síndrome depressiva, W. nega depressão ou anedonia persistentes. Por isso, o diagnóstico de transtorno distímico, que um clínico treinado na tradição ocidental poderia considerar, não pode ser estabelecido. A relativa raridade do transtorno depressivo maior e do transtorno distímico na China talvez se deva ao uso chinês de sintomas físicos como metáfora para expressar estados de humor desagradáveis. No entanto, também há evidências de que, quando chineses com neurastenia são entrevistados de forma sistemática a respeito do humor deprimido, seus sintomas tendem a satisfazer os critérios para transtorno depressivo maior ou transtorno distímico. Se um clínico com formação ocidental tivesse avaliado esse paciente, poderia tê-lo descrito como aparentando “depressão” em vez de “exaustão”, e teria, portanto, feito o diagnóstico de transtorno depressivo sem outra especificação, uma vez que os períodos breves e recorrentes de depressão não correspondem nem ao transtorno depressivo maior nem ao transtorno distímico. No entanto, se aceitarmos a descrição do psiquiatra chinês, as queixas físicas crônicas sem qualquer base orgânica e a ausência de anedonia ou humor deprimido prolongado, segundo o DSM-IV-TR, indicam diagnóstico de transtorno somatoforme indiferenciado.
SÍNDROME DA FADIGA CRÔNICA E
Diagnóstico diferencial A neurastenia deve ser distinguida dos transtornos de ansiedade, depressivo e somatoformes. Como muitos de seus sinais e sintomas se sobrepõem e aparecem nessas condições, o diagnóstico diferencial pode ser extremamente difícil. Por exemplo, é comum que pacientes com transtorno de ansiedade tenham sintomatologia depressiva; aqueles com hipocondria muitas vezes reclamam de ansiedade, e os com transtorno dismórfico corporal podem ter queixas somáticas. Os clínicos devem aplicar com rigor os critérios diagnósticos para transtornos de ansiedade, depressivo e somatoformes antes de estabelecer o diagnóstico de neurastenia. As marcas caracterísicas desta são a ênfase na fatigabilidade e na fraqueza, bem como a preocupação com a diminuição da eficiência mental e física (em contraste com os transtornos somatoformes, nos quais queixas físicas e preocupação com doenças dominam o quadro). Se a síndrome neurastênica se desenvolve após doença física (em especial influenza, hepatite viral ou mononucleose infecciosa), o diagnóstico desta ainda deve ser registrado. Então, a síndrome da fadiga crônica também deve ser considerada, e diferenciar os dois transtornos é difícil. Curso e prognóstico A neurastenia ocorre com maior freqüência durante a adolescência ou a meia-idade. Se não tratada, torna-se crônica, e os pacientes podem ficar incapacitados por um ou mais sintomas, de modo que todas as áreas do funcionamento acabam comprometidas. Na infância, são prováveis dificuldades no desempenho escolar, incluindo notas baixas e faltas. Na vida adulta, a performance no trabalho se deteriora, e o indivíduo pode se sentir tão debilitado que o trabalho se torna impossível. Da mesma forma, as relações sociais, conjugais e interpessoais ficam abaladas. Beard acreditava que, com o tratamento (tal como se aplicava na década de 1860), “a maioria pode ser aliviada ou substancialmente curada”. A gama de opções terapêuticas disponível atualmente é ampla, e o prognóstico tende a ser favorável, ainda que desconhecido a longo prazo. Para pacientes que receberam diagnóstico na infância, o prognóstico sem tratamento é cauteloso, com sintomas crônicos como resultado mais esperado. Às vezes, é difícil distinguir os sinais prodrômicos da esquizofrenia ou do transtorno bipolar da neurastenia. Tratamento O conceito-chave no tratamento atual da neurastenia é a compreensão de que os sintomas do paciente não são imaginários, e sim objetivos e produzidos por emoções que influenciam o sistema nervoso autônomo, que, por sua vez, afeta as funções corporais. O estresse pode causar mudanças estruturais em sistema de órgãos, e o resultado pode ser potencialmente fatal. A terapia deve, portanto, começar com a investigação médica cuidadosa para determinar se os sintomas somáticos são passíveis de abordagem terapêutica e, em caso positivo, qual tratamento pode produzir os
NEURASTENIA
711
melhores resultados. Os pacientes devem ser reassegurados de que a administração de medicamentos (analgésicos, laxativos, etc.) para aliviar sintomas médicos pode ser útil, mas apenas quando combinada com intervenção psicoterapêutica. Deve-se auxiliar os pacientes a reconhecerem o estresse em suas vidas e os mecanismos de enfrentamento que usam para lidar com ele, a fim de que obtenham insight a respeito da interação entre corpo e mente. Sem tal psicoterapia orientada para o insight, a condição neurastênica provavelmente continuará inalterada. A disponibilidade de agentes psicofarmacológicos incrementou bastante as opções terapêuticas. Agentes serotonérgicos (p. ex., fluoxetina), que têm efeitos antidepressivos e antiansiedade, são as classes de fármacos mais úteis. Outros antidepressivos, como a nefazodona e a mirtazapina (Remeron), também são eficazes. Os médicos devem ter cuidado ao prescrever medicamentos com potencial de abuso, como benzodiazepínicos, devido à predileção dos neurastênicos pela automedicação e pelo uso indevido dessas substâncias. Tais agentes podem ser úteis por períodos breves e sob supervisão cuidadosa para lidar com ansiedade, fobias ou insônia. Da mesma forma, pequenas doses de analépticos, como anfetamina (Dexedrine) ou metilfenidato, podem ajudar a tratar a fadiga crônica e a anedonia. Em alguns casos, pode ser necessária a prescrição por períodos longos. Nessas situações, os pacientes em geral estabilizam a dose dos fármacos consumidos (p. ex., 15 mg de anfetamina por dia em doses divididas). Não é comum ocorrer desenvolvimento de tolerância, e o clínico raramente deve aumentar a dose, a fim de evitar a dependência. A reposição de testosterona pode ser tentada em homens com níveis baixos ou limítrofes demonstrados do hormônio, mas o tratamento a longo prazo pode estar associado a efeitos adversos graves, como câncer de próstata.
REFERÊNCIAS Addington JW. Chronic fatigue syndrome: a dysfunction of the hypothalamus-pituitary-adrenal axis. J Chronic Fatigue Syndrome. 2000;7:63. Ax S, Gregg VH, Jones D. Coping and illness cognitions: chronic fatigue syndrome. Clin Psychol Rev. 2001;21:161. Bankier B, Aigner M, Bach M. Clinical validity of ICD-10 neurasthenia. Psychopathology. 2001;34:134. Friedburg F, Jason LA. Chronic fatigue syndrome and fibromyalgia: clinical assessment and treatment. J Clin Psychol. 2001;57:433. Jason LA, Taylor RR, Kennedy CL, et al. Subtypes of chronic fatigue syndrome: a review of findings. J Chronic Fatige Syndrome. 2001;8:1. Jason LA, Torres-Harding SR, Carrico AW, Taylor RR. Symptom occurrence in persons with chronic fatigue syndrome. Biol Psychol. 2002;59:15. Jorge CM, Goodnick PJ. Chronic fatigue syndrome and depression: biological differentiation and treatment. Psychiatr Ann. 1997;17:365. Lee S. The vicissitudes of neurasthenia in Chinese societies: where will it go from the ICD-10? Transcult Psychiatr Res Rev. 1994;31:153. Lee S, Wong KC. Rethinking neurasthenia: the illness concepts of shenjing shuairuo among Chinese undergraduates in Hong Kong. Cult Med Psychiatry. 1995;19:91. Merikangas K, Angst J. Neurasthenia in a longitudinal cohort study of a young adults. Psychol Med. 1994;24:1013.
712
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Price RK, North CS, Wessel S, Fraser VJ. Estimating the prevalence of chronic fatigue syndrome and associated symptoms in the community. Public Health Rep. 1992;107:514. Richards J. Chronic fatigue syndrome in children and adolescents: a review article. Clin Child Psychol Psychiatry. 2000;5:31. Schuepbach WMM, Adler RH, Sabbioni MEE. Accuracy of clinical diagnosis of “psychogenic disorders” in the presence of physical sympsoms suggesting a general medical condition: a 5-year followup in 162 patients. Psychother Psychosom. 2002;71:11. Taylor RR, Jason LA, Curie CJ. Prognosis of chronic fatigue in a community-based sample. Psychosom Med. 2002;64:319.
Vercouilen JH, Swanink CM, Fennis JF, Falama JM, van der Meer JW, Bleijenberg F. Dimensional assessment of chronic fatigue syndrome. J Psychosom Res. 1994;38:383. Wessely A. Chronic fatigue syndrome—trials and tribulations. JAMA. 2001;286:1378. Wessely S. Neurasthenia and chronic fatigue: theory and practice in Britain and America. Transcult Psychiatr Res Rev. 1994;31:173. Wessely S, Lutz T. Neurasthenia and fatigue syndromes. In: Berrios GE, Porter R, eds. A History of Clinical Psychiatry: The Origin and History of Psychiatric Disorders. New York: New York University Press; 1995:509.
19 Transtornos factícios
N
os transtornos factícios, os pacientes produzem intencionalmente sinais de distúrbios médicos ou transtornos mentais e limitam suas histórias e seus sintomas. O único objetivo aparente do comportamento é assumir o papel de paciente sem incentivos externos. Para muitas pessoas, a hospitalização por si só é um objetivo primário e muitas vezes um modo de vida. Os transtornos têm uma qualidade compulsiva, mas os comportamentos são considerados voluntários na medida em que são deliberados e têm um objetivo, mesmo que não possam ser controlados. Os clínicos podem avaliar se um sintoma é intencional a partir de evidências diretas ou excluindo outras causas. Em um artigo publicado em 1951 na Lancet, Richard Asher cunhou o termo “síndrome de Munchausen” para se referir a uma condição na qual os pacientes enfeitam sua história pessoal, fabricam sintomas de forma crônica para obter internação hospitalar e se movem de um hospital a outro. Ela foi assim batizada em homenagem ao Barão Hieronymus Friedrich Freiherr von Munchausen (1720-1791), um oficial da cavalaria alemã (Fig. 19-1). EPIDEMIOLOGIA A prevalência dos transtornos factícios na população geral é desconhecida, embora alguns clínicos acreditem que eles são mais comuns do que se reconhece. Parecem ocorrer com maior freqüência em trabalhadores de hospitais e outras áreas da saúde do que na população geral. São mais freqüentes em mulheres do que em homens, assim como síndromes graves. Um estudo relatou uma taxa de 9% de transtornos factícios entre todos os pacientes internados em um hospital; outro constatou febres factícias em 3% dos pacientes. Segundo a revisão de texto da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IVTR), o transtorno factício é diagnosticado em cerca de 1% dos pacientes atendidos em consultas psiquiátricas em hospitais gerais. A prevalência parece ser maior em locais de tratamento altamente especializado. Casos de sinais e sintomas psicológicos falsos são relatados com muito menor freqüência do que sinais e sintomas físicos. Um banco de dados de pessoas que fingem doenças foi estabelecido nos Estados Unidos para alertar os hospitais a respeito desses pacientes, muitos dos quais viajam de uma cidade para outra buscando internação com nomes diferentes ou simulando diferentes doenças.
Nos Estados Unidos, o transtorno factício por procuração (discutido a seguir) responde por menos de mil dos quase 3 milhões de casos de abuso infantil relatados todos os anos. CO-MORBIDADE Um grande número de pessoas diagnosticadas com transtorno factício tem diagnósticos psiquiátricos co-mórbidos (p. ex., transtornos do humor, transtornos da personalidade ou transtornos relacionados a substâncias). ETIOLOGIA Fatores psicossociais. A base psicodinâmica dos transtornos factícios é pouco compreendida porque os pacientes têm dificuldade em se engajar no processo exploratório da psicoterapia. Eles podem insistir que seus sintomas são físicos e que, portanto, o tratamento de orientação psicológica é inútil. Relatos episódicos de casos indicam que muitos sofreram abusos ou privações na infância, resultando em hospitalizações freqüentes durante a fase inicial do desenvolvimento. Nessas circunstâncias, a estada no hospital pode ter sido percebida como uma fuga da situação familiar traumática, e o paciente pode ter tido contato com uma série de cuidadores (médicos, enfermeiros e trabalhadores do hospital) amorosos e dedicados. Em contraste, sua família de origem incluía uma mãe que o rejeitava ou um pai ausente. A história revela que os pacientes percebem um ou ambos os pais como figuras de rejeição incapazes de formar relacionamentos próximos. A imitação da doença genuína, assim, é usada para recriar a ligação positiva desejada entre pais e filhos. Os transtornos são uma forma de compulsão de repetição, repetindo o conflito básico de necessitar e buscar aceitação e amor ao mesmo tempo em que se espera que estes não estejam disponíveis. Por isso, o paciente transforma médicos e membros da equipe em pais que o rejeitam. Aqueles que buscam procedimentos dolorosos, como operações cirúrgicas e exames diagnósticos invasivos, podem ter uma estrutura de personalidade masoquista, em que a dor serve como uma punição para pecados pregressos, imaginários ou reais. Alguns podem tentar dominar o passado e o trauma precoce de
714
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
doenças médicas sérias com hospitalizações, assumindo o papel de paciente e revivendo a experiência dolorosa e assustadora várias vezes, por meio de múltiplas internações. Pacientes que fingem doenças psiquiátricas podem ter tido um parente hospitalizado com a doença que estão simulando. Pela identificação, esperam ser reunidos com esse parente de forma mágica. Muitos têm pobre formação de identidade e auto-imagem perturbada, características do transtorno da personalidade borderline. Alguns são personalidades com falso self que assumiram a identidade de pessoas à sua volta. Quando são profissionais da saúde, muitas vezes tornam-se incapazes de se diferenciar dos pacientes com os quais entram em contato. A cooperação ou a estimulação de outras pessoas para a simulação da doença factícia ocorre em uma variante rara do transtorno. Embora a maioria dos pacientes aja sozinha, amigos ou parentes participam da fabricação da doença em certos casos. Os mecanismos de defesa mais significativos são a repressão, a identificação, a identificação com o agressor, a regressão e a simbolização. Fatores biológicos. Alguns pesquisadores propuseram que a disfunção cerebral pode ser um fator nos transtornos factícios. Existe a hipótese de que um comprometimento do processamento da informação contribua para a pseudologia fantástica e o comportamento anormal dos pacientes de Munchausen. No entanto, não foram estabelecidos padrões genéticos, e estudos eletroencefalográficos (EEG) não encontraram anormalidades específicas em indivíduos com transtornos factícios. DIAGNÓSTICO E CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS Os critérios diagnósticos para transtorno factício segundo o DSMIV-TR são apresentados na Tabela 19-1. O exame psiquiátrico
TABELA 19-1 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno factício A. Produção intencional ou simulação de sinais ou sintomas físicos ou psicológicos. B. A motivação para o comportamento consiste em assumir o papel de enfermo. C. Ausência de incentivos externos para o comportamento (p. ex., vantagens econômicas, esquiva de responsabilidades legais ou melhora no bem-estar físico, como na simulação).
Codificar com base no tipo: Com sinais e sintomas predominantemente psicológicos: se no quadro clínico predominam sinais e sintomas psicológicos. Com sinais e sintomas predominantemente físicos: se no quadro clínico predominam sinais e sintomas físicos. Com combinação de sinais e sintomas psicológicos e físicos: se no quadro clínico sinais e sintomas tanto psicológicos quanto físicos estão presentes, sem predomínio de nenhum deles. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
deve enfatizar a obtenção de informações com amigos, parentes e outros informantes disponíveis, pois as entrevistas com fontes confiáveis muitas vezes revelam a natureza falsa da doença do paciente. Ainda que demorada e tediosa, a verificação de todos os fatos apresentados pelo paciente a respeito de hospitalizações e tratamentos médicos anteriores é essencial. A avaliação psiquiátrica por um consultor é necessária em cerca de 50% dos casos, em geral após o surgimento de uma suspeita de doença simulada. O psiquiatra costuma ser chamado para confirmar o diagnóstico de transtorno factício. Nessas circunstâncias, é necessário evitar perguntas acusatórias ou contundentes que possam provocar truculência, evasão ou fuga do hospital. Pode haver perigo de se provocar uma franca psicose se for usada uma confrontação vigorosa. Em alguns casos, a doença simulada serve a uma função adaptativa e é uma tentativa desesperada de evitar maior desintegração. Transtorno factício com sinais e sintomas predominantemente psicológicos
FIGURA 19-1 Selo lançado pela Alemanha em 1970 para comemorar os 250 anos do nascimento de Barão von Munchausen, representado montando um cavalo cortado ao meio em uma batalha. (Cortesia de Marc D. Feldman e Charles V. Ford.)
Alguns pacientes exibem sintomas psiquiátricos considerados simulados. Tal determinação pode ser difícil e muitas vezes só é feita após uma investigação prolongada (ver Tab. 19-1). Os sintomas simulados com freqüência incluem depressão, alucinações, sintomas dissociativos e conversivos e comportamento bizarro. Como não melhora após medidas terapêuticas de rotina, o paciente pode receber altas doses de drogas psicoativas e ser submetido a eletroconvulsoterapia. Os sintomas psicológicos factícios lembram o fenômeno da pseudo-simulação, conceituado como a satisfação da necessidade de manter uma auto-imagem intacta, a qual seria prejudicada pela admissão de problemas psicológicos que a pessoa não é capaz de dominar por esforços conscientes. Nesse caso, o fingimento é um artifício transitório de apoio para o ego. Achados recentes indicam que sintomas psicóticos factícios são mais comuns do que se imaginava. A presença de psicose
TRANSTORNOS FACTÍCIOS
simulada como característica de outros transtornos, como transtornos do humor, indica um mau prognóstico geral. Pacientes psicóticos internados que se descobrem portadores de transtorno factício com sinais e sintomas predominantemente psicológicos – isto é, sintomas psicóticos exclusivamente simulados – em geral têm diagnóstico concomitante de transtorno da personalidade borderline. Nesses casos, o resultado parece ser pior do que o de transtorno bipolar ou transtorno esquizoafetivo. Os pacientes podem parecer deprimidos e explicar sua depressão contando uma história falsa de morte recente de um amigo ou parente significativo. Elementos que podem sugerir luto factício incluem morte violenta ou sangrenta, morte em circunstâncias dramáticas e o fato de a pessoa morta ser uma criança ou um adulto jovem. Outros pacientes podem descrever perda da memória recente ou remota ou alucinações auditivas e visuais. Segundo o DSM-IV-TR: O indivíduo pode usar substâncias psicoativas de forma sub-reptícia para produzir sintomas que sugerem um transtorno mental (p. ex., estimulantes para produzir inquietação ou insônia, alucinógenos para induzir estados perceptivos alterados, analgésicos para induzir euforia e hipnóticos para levar a letargia). Combinações de substâncias psicoativas podem gerar apresentações muito incomuns.
Outros sintomas, que também aparecem no tipo físico do transtorno factício, incluem pseudologia fantástica e impostura. Na primeira, um material factual limitado é misturado a fantasias extensas e fascinantes. O interesse do ouvinte agrada ao paciente e, com isso, reforça o sintoma. A história ou os sintomas não são as únicas distorções da verdade. Os pacientes apresentam relatos falsos e conflitantes a respeito de outras áreas de suas vidas (p. ex., podem fingir a morte de um parente para obter a simpatia dos outros). A falsificação em geral está relacionada à mentira nesses casos, sendo que muitos pacientes assumem a identidade de uma pessoa de prestígio. Os homens, por exemplo, relatam ter sido heróis de guerra e atribuem suas cicatrizes cirúrgicas a ferimentos recebidos em batalhas ou em outras empreitadas dramáticas e perigosas. Da mesma forma, podem dizer que têm alguma ligação com figuras renomadas ou de grandes realizações. A Tabela 19-2 lista várias síndromes simuladas por pacientes que querem ser vistos como portadores de doença mental. Transtorno factício com sinais e sintomas predominantemente físicos O transtorno factício com sinais e sintomas predominantemente físicos é o tipo mais conhecido de síndrome de Munchausen. Ele também foi denominado dependência hospitalar, dependência policirúrgica – produzindo o “abdome de tábua de lavar” – e síndrome do paciente profissional, entre outros nomes. A característica essencial desses pacientes é sua capacidade de apresentar sintomas físicos tão verossímeis que lhes franqueiem admissão e estadas em hospitais (ver Tab. 19-1). Para corroborar sua história, podem simular sintomas que sugerem um distúrbio envolvendo qualquer sistema de órgãos. Estão familiarizados com os diagnósticos da maioria das condições que requerem baixa hos-
715
TABELA 19-2 Apresentações do transtorno factício com sinais e sintomas predominantemente psicológicos Luto Depressão Transtorno de estresse pós-traumático Transtorno doloroso Psicose Transtorno bipolar I Transtorno dissociativo da identidade
Transtorno da alimentação Amnésia Transtornos relacionados a substâncias Parafilias Hipersonias Transexualismo
Adaptada, com permissão, de Feldman MD, Eisendrath SJ. The Spectrum of Factitious Disorders. Washington, DC: American Psychiatric Press; 1996.
pitalar ou medicamentos e podem fornecer excelentes histórias capazes de enganar mesmo clínicos experientes. As apresentações clínicas são muitas e incluem hematomas, hemoptises, dor abdominal, febre, hipoglicemia, síndromes semelhantes ao lúpus, náusea, vômito, tontura e convulsões. A urina é contaminada com sangue ou fezes, anticoagulantes são tomados para simular distúrbios hemorrágicos, a insulina é usada para produzir hipoglicemia, etc. Esses pacientes muitas vezes insistem em submeter-se a cirurgias alegando aderências de procedimentos cirúrgicos anteriores. Podem adquirir a “grelha” ou abdome com aparência de uma tábua de lavar roupas devido a múltiplos procedimentos. Queixas de dor, especialmente aquelas que simulam cólica renal, são comuns, e os pacientes solicitam narcóticos. Em cerca de metade dos casos relatados eles exigem tratamento com medicamentos específicos, principalmente analgésicos. No hospital, continuam a ser exigentes e difíceis. A cada exame que retorna com resultado negativo, podem acusar os médicos de incompetência, ameaçar com processos judiciais e se torna abusivos. Alguns podem deixar o hospital de forma abrupta pouco antes do momento em que acreditam que vão ser confrontados com seu comportamento factício. Então, vão para outro hospital na mesma ou em outra cidade e recomeçam o ciclo. Fatores predisponentes específicos são distúrbios físicos verdadeiros durante a infância que levam a tratamento médico extenso, ressentimento contra profissionais médicos, emprego como paraprofissional médico e um relacionamento importante com um médico no passado. Um cirurgião ortopédico de Seattle requisitou uma consulta psiquiátrica para S., uma estudante universitária solteira de 28 anos de idade que estava se recuperando de uma recente fusão espinal, porque achava que ela não estava aderindo à fisioterapia. O psiquiatra observou que se tratava de uma jovem atraente, com amputação da perna esquerda abaixo do joelho. Ela era alegre e simpática e não parecia perturbada por sua condição médica deteriorante. Relatou que, havia cinco anos, tinha sido jogada no chão pelo namorado, ferindo as costas, tendo sofrido múltiplos procedimentos cirúrgicos nos dois anos seguintes. Por fim, uma fusão fez suas dores desaparecerem até seis meses antes, quando foram diagnosticadas alterações degenerativas na sua espinha, e ela foi encaminhada para fisioterapia. Surpreso por ela não oferecer informações a respeito da amputação, o psiquiatra perguntou o que havia acontecido e ficou sabendo que, logo depois da cirurgia original nas costas,
716
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
ela havia sofrido um acidente de motocicleta, tendo queimaduras no tornozelo esquerdo. A lesão tornou-se crônica e, por fim, levou à amputação da perna um ano e meio antes. Ela relatou isso com calma e negou qualquer sofrimento devido a desfiguramento ou invalidez. Também referiu sem grande sobressalto que um inchaço flutuante do coto e úlceras recorrentes tinham impedido que ela se adaptasse à prótese e a obrigaram a permanecer na cadeira de rodas. Ela havia sido hospitalizada várias vezes no passado devido a colite e cálculos renais. O psiquiatra telefonou para o cirurgião que havia feito a amputação, o qual relatou que a queimadura original tinha progredido rapidamente para uma lesão crônica, com dor e inchaço crônicos na perna esquerda. Como a perna não respondia ao manejo clínico, a paciente recebeu uma série de enxertos de pele, todos os quais fracassaram devido a infecções e edemas. Ela foi instruída a manter a perna elevada, mas não obedeceu, e a perna continuou a se deteriorar. Procurou muitos médicos e foi acompanhada em uma clínica para dor, mas continuou a sofrer dores, edemas e infecções recorrentes. S. pediu várias vezes para que o cirurgião lhe amputasse a perna, afirmando que o membro doía e não lhe servia mais para nada. Por fim, ele concordou. O cirurgião também relatou que a paciente havia sido internada várias vezes recentemente por fraqueza e insensibilidade do lado esquerdo. Os achados físicos foram inconsistentes, a investigação foi negativa, e ela teve alta com diagnóstico de “transtorno conversivo”. Foi logo depois disso que suas dores nas costas voltaram. O cirurgião também comentou que vários médicos envolvidos no manejo da lesão de sua perna tinham levantado a possibilidade de que seus sintomas pudessem ser auto-induzidos. S. é filha única de uma família de classe média. Segundo seu relato, depois de se formar na faculdade, pulou de um emprego para outro por vários anos, geralmente sendo demitida por problemas médicos e hospitalizações repetidas. No momento da baixa, era estudante de pós-graduação em meio período e recebia benefícios da previdência social. Ninguém a acompanhou ao hospital, e ela não recebeu visitas durante a internação. A paciente solicitou aos médicos que não contatassem sua família. Ela foi transferida para uma unidade de reabilitação, onde logo desenvolveu diversos problemas médicos inexplicados, incluindo infecção do trato urinário, gastrenterite com diarréia e febre, inchaço doloroso da mão e do pulso direitos, erupção cutânea nas costas e no tronco e alterações atípicas do estado mental, incluindo dificuldade para fazer cálculos rudimentares e déficits inconsistentes de memória. Nesse período, recusou-se várias vezes a cumprir procedimentos de segurança da unidade, deixando a cadeira de rodas destravada e as grades da cama abaixadas, apesar de ser constantemente advertida pela equipe. Com o passar do tempo, gerou muita raiva e frustração entre a maioria dos membros da equipe, embora alguns a considerassem um caso particularmente triste e patético. Depois que o cirurgião foi consultado, a equipe passou a suspeitar do papel que ela mesma poderia estar desempenhan-
do no desenvolvimento de seus sintomas. Seu quarto foi revistado, e nele foram encontrados furosemida (um diurético), catárticos e uma banda elástica para exercícios que poderia servir como torniquete, todos talvez usados para causar os sintomas e as anormalidades metabólicas inexplicados que haviam sido anotados em seu prontuário. Uma revisão cuidadosa do prontuário revelou que sua infecção do trato urinário havia sido diagnosticada a partir de culturas positivas na ausência de células na urina, mais consistente com contaminação fecal. Não foi esclarecido se e como ela poderia ter elevado a própria temperatura mesmo enquanto estava sendo observada, ou como poderia ter induzido as lesões semelhantes a mordidas nas costas e no tronco. DISCUSSÃO Quando o clínico tenta obter a história de um paciente, existe a premissa básica de que este fará o melhor que puder para oferecer informações precisas. No caso em questão, o encaminhamento foi solicitado por falta de adesão às recomendações terapêuticas do cirurgião. A primeira sugestão de que as coisas poderiam não ser como aparentavam foi a notável indiferença da paciente com relação à sua invalidez (amputação da perna) – referida como la belle indifférence. Mais suspeitas surgiram quando informações adicionais foram disponibilizadas por seu cirurgião. Por fim, foram obtidas evidências convincentes que indicavam que ela tinha produzido deliberadamente muitos de seus sintomas físicos e anormalidades metabólicas, sugerindo um diagnóstico de transtorno factício ou simulação. A distinção entre essas duas condições depende da motivação subjacente. Na simulação, existem incentivos externos claros – um exemplo é o homem que, para escapar do serviço militar, coloca açúcar na urina para simular diabete. Em contraste, no transtorno factício, presume-se que a motivação seja uma necessidade psicológica de assumir o papel de doente. No presente caso, não parece haver qualquer incentivo externo claro, e só se pode presumir que, por motivos desconhecidos, S. tem uma necessidade patológica de perpetuar-se no estado de paciente. Como seus sintomas são essencialmente físicos, o diagnóstico do Eixo I seria transtorno factício com sinais e sintomas predominantemente físicos, um transtorno que em princípio foi denominado síndrome de Munchausen em homenagem a um barão do século XVIII que escrevia contos fantásticos. Partimos da premissa de que pessoas com transtorno factício também têm transtornos graves da personalidade. No entanto, na ausência de qualquer informação específica a respeito do funcionamento da personalidade dessa paciente a longo prazo, registramos diagnóstico protelado no Eixo II. No Eixo III, listamos a amputação da perna esquerda e a fusão espinal recente. Sem dúvida alguma, S. tem múltiplos problemas psicossociais, mas, devido à ausência de qualquer informação específica, registramos diagnóstico protelado no Eixo IV. Sua pontuação GAF de 33 no Eixo V reflete um grande comprometimento do pensamento e do julgamento.
TRANSTORNOS FACTÍCIOS
ACOMPANHAMENTO Foi feita uma reunião de equipe em que se disse a S. que havia suspeita de que ela tivesse sintomas factícios, implicando seu envolvimento ativo na indução de pelo menos alguns de seus sintomas. Ela foi informada de que esta é uma doença mental potencialmente fatal e que a internação psiquiátrica era recomendada para avaliação e manejo. Ela não comentou o diagnóstico, pareceu despreocupada e concordou em ser transferida para uma unidade psiquiátrica. Permaneceu na unidade psiquiátrica por quatro meses. Durante esse período, não desenvolveu novos problemas médicos nem fez queixas de dor ou desconforto físico. Em vez disso, apresentou uma série de sintomas psiquiátricos. No início, manifestou rápidas alterações do humor, parecendo primeiramente hipomaníaca, correndo pela unidade na cadeira de rodas e afirmando ficar acordada a noite inteira, e depois deprimida, rolando na cama com as luzes apagadas e recusando-se a comer ou a interagir com os outros. Alguns membros da equipe concluíram que sua apresentação resultava de um transtorno bipolar factício, enquanto outros atribuíam seus sintomas a uma instabilidade afetiva genuína ou a um fenômeno dissociativo. Seu comportamento na unidade era provocativo e impulsivo. Tentava causar discórdia na equipe, tinha ataques de birra, dizia que ia se suicidar e se trancava no quarto. Melhorou com um medicamento anticonvulsivante e um antipsicótico, mas ainda assim passou a segunda metade de sua hospitalização recusando-se a participar de atividades e com privilégios restritos devido a suas ameaças de comportamento autodestrutivo se tivesse que deixar a unidade. Na psicoterapia, aos poucos foi revelando uma história de abuso físico diário nas mãos de seus pais durante toda a infância e o início da adolescência. O terapeuta acreditou que esse relato fosse genuíno e diagnosticou um transtorno dissociativo a partir dos sintomas que ela descrevia. Outros membros da equipe não se convenceram da veracidade de sua história de abuso infantil, mas ficaram impressionados com o conjunto de características próprias do transtorno da personalidade borderline. S. concordou com a transferência voluntária para a hospitalização de longo prazo. Um dia antes da transferência planejada, mudou de idéia, dizendo que queria “tocar a vida adiante”, e apresentou uma carta solicitando alta. Buscou os tribunais, teve alta decretada por um juiz contra a orientação médica e não participou de acompanhamento. (De DSM-IV Casebook.) A falência do barorreflexo se caracteriza por episódios de hipertensão e taquicardia graves, alternados com episódios de pressão arterial normal ou baixa e bradicardia. Muitas vezes, é causada pela interrupção do arco barorreflexo como resultado de danos bilaterais aos nervos vago e glossofaríngeo devido a traumas, radiação ou cirurgia. Com menor freqüência, a lesão ocorre no tronco cerebral, e, em algumas situações, a causa primária não é encontrada.
717
Uma mulher de 68 anos de idade foi encaminhada para avaliação de falência do barorreflexo devido a história de quatro anos de episódios graves de hipertensão (pressão arterial sistólica >200 mmHg por 2 a 4 dias) alternados com períodos de hipotensão de início gradual (nos quais a pressão arterial sistólica baixava para menos de 70 mmHg em um período de horas), bradicardia (necessitando de marca-passo) e sonolência extrema. Os níveis de norepinefrina plasmáticos estavam elevados (900 pg/mL) durante os episódios hipertensivos e inadequadamente baixos (54 pg/mL) durante os episódios hipotensivos, alterações consistentes com a ocorrência de falência do barorreflexo. No entanto, não havia causa aparente, e o ganho do barorreflexo (a magnitude das alterações proporcionais na freqüência cardíaca por unidade de alteração da pressão arterial) estava pouco reduzido. Um teste de supressão com 0,3 mg de clonidina reduziu a pressão arterial de 158/ 99 para 105/62 mmHg, a freqüência cardíaca de 93 para 66 batimentos por minuto e o nível plasmático de norepinefrina de 961 para 93 pg/mL, reproduzindo as condições registradas durante os episódios espontâneos. O α2-antagonista ioimbina, cujos efeitos são opostos aos da clonidina, reduziu a gravidade e a duração dos episódios depressivos. Amostras plasmáticas obtidas antes e durante um episódio hipotensivo revelaram níveis de clonidina na faixa terapêutica alta, indicando que a causa do episódio era síndrome de Munchausen. A paciente negou tomar esse agente e recusou tratamento psiquiátrico, mas os episódios não voltaram a ocorrer durante os nove meses de acompanhamento com supervisão estrita da paciente por parte da família e remoção de todos os medicamentos da casa. A gravidade do transtorno é reforçada por sua disposição a se submeter a procedimentos diagnósticos e tratamentos invasivos (arteriografia, monitoramento de Swan-Ganz, colocação de marca-passo e possível cirurgia para a descompressão do tronco cerebral). A duração da doença (quatro anos) enfatiza as dificuldades do diagnóstico e o pouco reconhecimento da comunidade médica. (De Tellioglue T, Oates JA, Biaggioni I. Munchausen’s syndrome presenting as baroreflex failure [carta]. N Engl J Med. 2000;343:581.) Transtorno factício com sinais e sintomas psicológicos e físicos combinados Nas formas combinadas de transtorno factício, estão presentes sinais e sintomas tanto físicos como psicológicos. Se nenhum dos tipos predomina na apresentação clínica, o diagnóstico de transtorno factício com sinais e sintomas psicológicos e físicos combinados deve ser feito (ver Tab. 19-1). Em um relato representativo, uma paciente alternava entre demência, luto, estupro e convulsões simulados. Transtorno factício sem outra especificação Alguns pacientes com sinais e sintomas factícios não satisfazem os critérios do DSM-IV-TR para um subtipo específico e devem
718
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
ser classificados como portadores de transtorno factício sem outra especificação (Tab. 19-3). O exemplo mais notável é o transtorno factício por procuração, que também está incluído em um apêndice do DSM-IV-TR (Tab. 19-4). Neste diagnóstico, uma pessoa produz de forma intencional sinais ou sintomas físicos em outra pessoa que está sob seus cuidados. Um propósito aparente desse comportamento é que o cuidador assuma indiretamente o papel de doente, e outro é ser aliviado do papel de cuidador pela hospitalização do enfermo (Tab. 19-5). O caso mais comum de transtorno factício por procuração envolve uma mãe que engana profissionais médicos levando-os a acreditar que seu filho está doente. A simulação pode envolver história médica falsa, contaminação de amostras de laboratório, alteração de prontuários ou indução de lesões e doenças na criança. CID-10 A décima revisão da Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-10) observa que “a condição é melhor interpretada como um transtorno do comportamento e do papel de doente. Indivíduos com este padrão de comportamento em geral demonstram sinais de... outras anormalidades acentuadas de personalidade e relacionamentos”. Ela também inclui uma categoria denominada sintomas físicos exacerbados por fatores psicológicos. Os critérios para ambas as condições são apresentados na Tabela 19-6. Na CID-10, tais condições incluem dermatite factícia, e “Munchausen por procuração” é classificado como abuso infantil, e não como transtorno factício.
TABELA 19-3 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno factício sem outra especificação Esta categoria inclui condições com sintomas factícios que não satisfazem os critérios para transtorno factício. Um exemplo é o transtorno factício por procuração: a produção ou a simulação intencional de sinais ou sintomas físicos ou psicológicos em um terceiro que está sob os cuidados do indivíduo, com o fim de assumir indiretamente o papel de doente (ver Tab. 19-4 para critérios de pesquisa sugeridos). De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
TABELA 19-4 Critérios de pesquisa do DSM-IV-TR para transtorno factício por procuração A. Produção ou simulação intencional de sinais ou sintomas físicos ou psicológicos em outra pessoa que está sob os cuidados do indivíduo. B. A motivação para o comportamento do perpetrador é assumir indiretamente o papel de doente. C. Ausência de incentivos externos para o comportamento (tais como vantagens econômicas). D. O comportamento não é melhor explicado por outro transtorno mental. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
TABELA 19-5 Indicadores clínicos que podem sugerir transtorno factício por procuração Os sintomas e padrões de doença são extremamente incomuns ou inexplicáveis do ponto de vista fisiológico. Hospitalizações e investigações repetidas realizadas por numerosos profissionais não conseguem revelar um diagnóstico ou causa conclusiva. Os parâmetros fisiológicos são consistentes com doenças induzidas; por exemplo, o traçado de monitores de apnéia revela artefato muscular maciço anterior à parada respiratória, sugerindo que a criança estava lutando contra uma obstrução das vias aéreas. O paciente não responde aos tratamentos adequados. A vitalidade do paciente é inconsistente com os achados de laboratório. Os sinais e sintomas desaparecem quando a mãe não tem acesso à criança. A mãe é a única testemunha do início dos sinais e sintomas. Doenças inexplicadas ocorreram na mãe ou em outros de seus filhos. A mãe teve formação em medicina ou enfermagem ou foi exposta a modelos das doenças que afetam a criança (p. ex., um dos pais com apnéia do sono). A mãe aceita bem até mesmo testes invasivos e dolorosos. A mãe fica ansiosa se a criança melhora. As mentiras da mãe são provadas. As observações médicas produzem informações inconsistentes com os relatos parentais. Adaptada, com permissão, de Feldman MD, Eisendrath SJ. The Spectrum of Factitious Disorders. Washington, DC: American Psychiatric Press; 1996.
TABELA 19-6 Critérios diagnósticos da CID-10 para outros transtornos da personalidade e do comportamento em adultos Sintomas físicos aumentados por fatores psicológicos A. Sintomas físicos originalmente decorrentes de distúrbio físico, doença ou incapacitação confirmados tornam-se exagerados ou mais prolongados do que pode ser explicado pelo distúrbio físico em si. B. Existem evidências de uma causa psicológica dos sintomas excessivos (tais como medo evidente de incapacitação ou morte, possível compensação financeira, decepção com o padrão de atendimento recebido). Produção deliberada ou simulação de sintomas ou de incapacidades físicas ou psicológicas (transtorno factício) A. O indivíduo exibe um padrão persistente de produção ou simulação intencional de sintomas e/ou geração de ferimentos em si mesmo de modo a produzir sintomas. B. Não podem ser encontradas evidências de uma motivação externa, como compensação financeira, fuga de um perigo ou mais atendimento médico. (Se tais evidências podem ser identificadas, a categoria de simulação deve ser usada.) C. Critério de exclusão mais comum. Não há distúrbio físico ou transtorno mental confirmado que possa explicar os sintomas. Outros transtornos especificados da personalidade e do comportamento em adultos Esta categoria deve ser usada para codificar qualquer transtorno específico da personalidade e do comportamento em adultos que não possa ser classificado em nenhuma das categorias anteriores. Reproduzida, com permissão, de World Health Organization. The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural Disorders: Diagnostic Criteria for Research. Copyright, World Health Organization, Geneva, 1993.
TRANSTORNOS FACTÍCIOS
PATOLOGIA E EXAME LABORATORIAL A testagem psicológica pode revelar patologias subjacentes específicas em casos específicos. Características super-representadas em pacientes com transtorno factício incluem quociente de inteligência (QI) normal ou acima da média, ausência de transtorno do pensamento formal, senso de identidade pobre, incluindo confusão com a identidade sexual, ajustamento sexual pobre, baixa tolerância à frustração, fortes necessidades de dependência e narcisismo. Um perfil de teste inválido e elevações em todas as escalas clínicas do Inventário Multifásico da Personalidade de Minnesota-2 (MMPI-2) indicam uma tentativa de parecer mais perturbado do que é de fato. Não existem exames laboratoriais específicos para o transtorno factício. No entanto, certos testes (p. ex., triagem de drogas) podem ajudar a confirmar ou excluir transtornos mentais ou distúrbios médicos específicos.
719
abuso de substâncias e história criminal associados, os pacientes com transtorno factício muitas vezes são classificados como portadores de transtorno da personalidade anti-social. As pessoas antisociais, no entanto, não costumam se oferecer para procedimentos invasivos nem recorrem a um modo de vida marcado por hospitalizações repetidas ou prolongadas. Devido à busca de atenção e a uma possível inclinação para o drama, os pacientes com transtorno factício podem ser classificados como portadores de transtorno da personalidade histriônica, mas nem todos têm gosto por esse tipo de comportamento, muitos são retraídos e discretos. A consideração do estilo de vida caótico do paciente, sua história de relacionamentos interpessoais perturbados, crises de identidade, abuso de substâncias, atos autodestrutivos e táticas manipuladoras podem levar ao diagnóstico de transtorno da personalidade borderline. Pessoas com transtorno factício geralmente não têm as excentricidades de aparência, pensamento ou comunicação que caracterizam pacientes com transtorno da personalidade esquizotípica. (Os transtornos da personalidade são discutidos no Capítulo 27.)
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Qualquer transtorno no qual sintomas e sinais físicos sejam proeminentes deve ser considerado no diagnóstico diferencial, e a possibilidade de uma doença física autêntica ou concomitante sempre deve ser explorada. Além disso, história de muitas cirurgias pode predispor os pacientes a complicações ou a doenças verdadeiras, levando a ainda mais cirurgias. O transtorno factício se localiza em um continuum entre os transtornos somatoformes e a simulação, sendo que o objetivo do paciente é assumir o papel de doente. Por um lado, a motivação é inconsciente e não-intencional (somatoforme) e, por outro, é consciente e intencional (simulação). Transtornos somatoformes O transtorno factício se diferencia do transtorno de somatização (síndrome de Briquet) pela produção voluntária de sintomas factícios, pelo curso extremo de múltiplas hospitalizações e pela aparente disposição dos pacientes com transtorno factício a se submeter a um número extraordinário de procedimentos mutilantes. Indivíduos com transtorno conversivo em geral não são versados em terminologia médica e rotinas hospitalares, e seus sintomas têm uma relação temporal direta ou referências simbólicas a conflitos emocionais específicos. A hipocondria difere do transtorno factício porque o paciente hipocondríaco não inicia de forma voluntária a produção de sintomas, e ela tipicamente tem idade de início mais avançada. Assim como no transtorno de somatização, pacientes com hipocondria não costumam se submeter a procedimentos potencialmente mutilantes. (Os transtornos somatoformes são discutidos no Capítulo 17.)
Esquizofrenia O diagnóstico de esquizofrenia muitas vezes se baseia no estilo de vida nitidamente bizarro do paciente, mas indivíduos com transtorno factício geralmente não satisfazem os critérios diagnósticos para esquizofrenia, a menos que tenham delírios fixos de que estão de fato doentes e ajam segundo tais crenças buscando hospitalização. Essa prática parece ser uma exceção, pois poucos pacientes com transtorno factício apresentam evidências de transtorno grave do pensamento ou delírios bizarros. Simulação Os transtornos factícios devem ser distinguidos da simulação. Os simuladores têm uma meta óbvia e reconhecível ao produzirem sinais e sintomas. Podem buscar hospitalização para garantir compensação financeira, fugir da polícia, evitar o trabalho ou meramente obter acomodação e alimentação gratuitas, mas sempre há algum fim aparente em seu comportamento. Além disso, geralmente podem parar de produzir seus sinais e sintomas quando estes não são mais considerados lucrativos ou quando o risco se torna grande demais. (A simulação é discutida no Capítulo 32.) Abuso de substâncias Ainda que pacientes com transtornos factícios possam ter uma história agravante de abuso de substâncias, não devem ser considerados meramente abusadores de substâncias, mas portadores de diagnósticos coexistentes.
Transtornos da personalidade
Síndrome de Ganser
Devido a suas mentiras patológicas, ausência de relações próximas com outras pessoas, comportamentos hostis e manipuladores,
A síndrome de Ganser, uma condição controversa mais associada a indivíduos encarcerados, caracteriza-se pelo uso de respostas
720
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
aproximadas. Pessoas com a síndrome respondem a perguntas simples com respostas surpreendentemente incorretas. Por exemplo, quando indagada a respeito da cor de um carro azul, a pessoa responde “vermelho”, ou afirma que “2 mais 2 é igual a 5”. A síndrome pode ser uma variante da simulação, na medida em que os pacientes evitam punição ou responsabilidade por suas ações. Ela é classificada no DSM-IV-TR como um transtorno dissociativo sem outra especificação, e na CID-10 em outros transtornos dissociativos ou conversivos. No entanto, pacientes com transtorno factício com sinais e sintomas predominantemente psicológicos podem fornecer de maneira intencional respostas aproximadas. CURSO E PROGNÓSTICO Os transtornos factícios tipicamente começam no início da vida adulta, embora possam aparecer durante a infância e a adolescência. O transtorno ou os episódios pontuais de busca de tratamento podem se seguir a uma doença real, perda, rejeição ou abandono. Em geral, o paciente ou um parente próximo teve uma hospitalização na infância ou no início da adolescência por uma doença física genuína, e a partir daí começa a se desenvolver, de forma insidiosa, um padrão de hospitalizações sucessivas. À medida que o transtorno progride, o paciente começa a conhecer melhor a medicina e os hospitais. A precipitação da condição em pacientes que tiveram hospitalizações precoces por doenças reais acontece antes do que costuma ser relatado. Os transtornos factícios são incapacitantes para o paciente e muitas vezes produzem traumas graves ou reações desagradáveis relacionadas ao tratamento. O curso de hospitalizações repetidas ou prolongadas obviamente é incompatível com a manutenção de um emprego e de relações interpessoais. O prognóstico na maioria dos casos é ruim. Alguns pacientes podem passar temporadas na prisão, na maioria dos casos por crimes menores, como furtos, vadiagem e perturbação da paz. E também podem ter história de hospitalizações psiquiátricas intermitentes. Embora não haja dados adequados disponíveis a respeito dos resultados definitivos, é improvável que alguns pacientes morram em função do excesso de medicação, procedimentos ou cirurgias desnecessárias. Em vista da simulação muitas vezes hábil e dos riscos que correm, alguns podem morrer sem que o transtorno seja diagnosticado. Possíveis características que indicam um prognóstico favorável são (1) presença de personalidade depressivo-masoquista, (2) funcionamento no nível borderline, e não continuamente psicótico, e (3) atributos de um transtorno da personalidade anti-social com sintomas mínimos. TRATAMENTO Nenhuma terapia psiquiátrica específica foi eficaz para tratar os transtornos factícios. É um paradoxo clínico que esses pacientes simulem doenças sérias e se submetam a tratamentos desnecessários ao mesmo tempo em que negam para si mesmos e para os outros sua doença verdadeira, evitando, assim, um possível tratamento para a mesma. Em última análise, os pacientes fogem da
terapia significativa deixando o hospital de forma abrupta ou não comparecendo às consultas de acompanhamento. O tratamento, portanto, deve se concentrar no manejo, mais do que na cura. Talvez o fator mais importante na abordagem bem-sucedida seja o reconhecimento precoce do transtorno. Dessa forma, pode-se evitar um grande número de procedimentos diagnósticos dolorosos e potencialmente perigosos para tais pacientes. A boa comunicação entre o psiquiatra e a equipe médica ou cirúrgica é muito importante. Embora alguns casos de psicoterapia individual tenham sido relatados na literatura, não há consenso a respeito da melhor abordagem. De modo geral, trabalhar em conjunto com o médico de atenção primária responsável é mais eficaz do que lidar somente com o paciente. As reações pessoais de médicos e membros das equipes são de grande importância ao tratar e estabelecer uma aliança de trabalho com os pacientes, que invariavelmente evocam sentimentos de futilidade, desconcerto, traição, hostilidade e até mesmo desprezo. Em essência, os membros da equipe são forçados a abandonar um elemento básico de seu relacionamento com os pacientes: aceitar a veracidade de suas afirmações. Uma intervenção psiquiátrica apropriada é sugerir à equipe formas de permanecer ciente de que, apesar de a doença ser factícia, o paciente está doente. Os médicos devem tentar não sentir ressentimento quando os pacientes humilham suas habilidades diagnósticas e evitar qualquer cerimônia de desmascaramento que coloque os pacientes como adversários e precipite sua fuga do hospital. A equipe não deve realizar procedimentos desnecessários nem dar alta repentina aos pacientes, ambos os quais são manifestações de raiva. Clínicos que se vêem envolvidos com pessoas que sofrem de transtornos factícios muitas vezes se enfurecem com os pacientes por mentir e enganá-los. Por isso, os terapeutas devem estar cientes da contratransferência sempre que suspeitarem de um transtorno factício. Muitas vezes, o diagnóstico não é claro porque uma causa física definitiva não pode ser totalmente excluída. Embora o uso de confrontação seja controverso, em algum ponto do tratamento o paciente precisa encarar a realidade. A maioria dos pacientes abandona o tratamento quando seus métodos de ganhar atenção são identificados e expostos. Em alguns casos, os clínicos devem reformular o transtorno factício como um pedido de ajuda, de modo que os pacientes não vejam suas reações como punitivas. Um dos principais papéis dos psiquiatras que trabalham com pacientes com transtornos factícios é ajudar os outros membros da equipe hospitalar a lidar com seu próprio senso de indignação por terem sido enganados. A educação a respeito do transtorno e tentativas de compreender as motivações do paciente podem ajudar na manutenção de uma conduta profissional diante de uma frustração extrema. Em casos de transtorno factício por procuração, intervenções legais podem ser obtidas em várias situações, em especial quando envolvem crianças. A falta de sentido do transtorno e a negação das falsas ações por parte dos pais são obstáculos para o sucesso das ações legais e muitas vezes tornam impossível obter provas conclusivas. Nesses casos, os serviços de proteção à infância devem ser notificados, sendo tomadas providências para o monitoramento constante da saúde da criança envolvida. A farmacoterapia dos transtornos factícios é de uso limitado. Transtornos co-mórbidos do Eixo I (p. ex., esquizofrenia) vão
TRANSTORNOS FACTÍCIOS
responder a medicamentos antipsicóticos, mas em todos os casos a medicação deve ser administrada com cuidado devido ao potencial de abuso. Os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs) podem ser úteis para diminuir o comportamento impulsivo quando este é um dos principais componentes do comportamento factício. REFERÊNCIAS Bauer M, Boegner F. Neurological syndromes in factitious disorder. J Nerv Ment Dis. 1996;184:28. Feldman MD, Eisendrath SJ, eds. The Spectrum of Factitious Disorders. Washington, DC: American Psychiatric Press; 1996. Feldman MD, Ford VF. Factitious disorders. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed: Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000; 1533. Fliege H, Scholler G, Rose M, et al. Factitious disorders and pathological self-harm in a hospital population: an interdisciplinary challenge. Gen Hosp Psychiatry. 2002;24:164. Folks DG. Munchausen’s syndrome and other factitious disorders: malingering and conversion reactions. Neurol Clin. 1995;13(special issue):267. French J. Pseudoseizures in the era of video-electroencephalogram monitoring. Curr Opin Neurol. 1995;8:117.
721
Hyler SE, Sussman N. Chronic factitious disorder with physical symptoms (the Munchausen syndrome). Psychiatr Clin North Am. 1981; 4:365. Iezzi T, Duckworth MP, Adams HE. Somatoform and factitious disorders. In: Stuker PB, Adams HE, eds. Comprehensive Handbook of Psychopathology. 3rd ed. New York: Kluwer Academic/Plenum Publishers; 2001:211. Kinsella P. Factitious disorder: a cognitive behavioural perspective. Behav Cogn Psychother. 2001;29:195. Ludviksson BR, Griffin J, Graziano FM. Münchausen’s syndrome: the importance of a comprehensive medical history. Wis Med J. 1993; 92:128. Marmer S. Variations on a factitious theme. J Psychiatry Law. 1999; 27:459. Mountz JM, Parker PE, Liu HG, Bentley TW, Lill DW, Deutsch G. Tc-99m HMPAO brain SPECT scanning in Munchausen syndrome. Psychiatry Neurosci. 1996; 21:49. Phillips KA, ed. Somatoform and Factitious Disorders. Review of Psychiatry. Vol 20. No 3. Washington, DC: American Psychiatric Association; 2001. Sanders MJ, Bursch B. Forensic assessment of illness falsification, Münchausen by proxy, and factitious disorder, NOS. Child Maltreat. 2002;7:112. Siegel PT. Fischer H. Munchausen by proxy syndrome: barriers to detection, confirmation, and intervention. Child Serv Soc Policy Res Pract. 2001;41:31. Songer DA. Factitious AIDS. A case reported and literature review. Psychosomatics. 1995;36:406.
20 Transtornos dissociativos
A
maioria das pessoas vê a si própria como um indivíduo com uma personalidade básica, ou seja, experimenta uma sensação unitária de self. Aquelas com transtornos dissociativos, no entanto, perderam a noção de ter uma única consciência, têm a sensação de não ter identidade, sentem-se confusas a respeito de quem são ou experimentam múltiplas identidades. Tudo aquilo que geralmente confere a uma pessoa sua personalidade singular – pensamentos, sentimentos e ações integrados – é anormal em indivíduos com transtornos dissociativos. A dissociação surge como uma autodefesa contra um trauma. As defesas dissociativas ajudam as pessoas a se distanciarem do trauma no momento em que este ocorre, mas também retardam a elaboração necessária para colocar o evento em perspectiva dentro de suas vidas. Ao contrário do fenômeno da repressão, no qual o material é transferido para o inconsciente dinâmico, a dissociação cria uma situação na qual os conteúdos mentais coexistem em uma consciência paralela. Na maioria dos estados dissociativos, representações contraditórias do self, que entram em conflito umas com as outras, são mantidas em compartimentos mentais separados. Existem quatro tipos de transtornos dissociativos: (1) a amnésia dissociativa se caracteriza pela incapacidade de recordar informações, quase sempre relacionadas a um evento estressante ou traumático, que não pode ser explicada por esquecimento comum, ingestão de substâncias ou condição médica geral; (2) a fuga dissociativa se caracteriza por viagens súbitas e inesperadas para longe do lar ou do trabalho, associadas à incapacidade de recordar o passado e confusão quanto à identidade pessoal ou adoção de uma nova identidade; (3) o transtorno dissociativo da personalidade (também denominado transtorno da personalidade múltipla), considerado o mais grave e crônico dos transtornos dissociativos, se caracteriza pela presença de duas ou mais personalidades distintas dentro de uma mesma pessoa; (4) o transtorno de despersonalização se caracteriza por sentimentos recorrentes ou persistentes de distanciamento em relação ao corpo ou à mente. A revisão de texto da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR) inclui ainda a categoria diagnóstica do transtorno dissociativo sem outra especificação para quadros que não satisfazem os critérios diagnósticos dos demais transtornos dissociativos. O Manual apresenta ainda em seu apêndice diretrizes diagnósticas para o transtorno de transe dissociativo, que no momento é categorizado como um transtorno dissociativo sem outra especificação.
AMNÉSIA DISSOCIATIVA O sintoma de amnésia é comum à amnésia dissociativa, à fuga dissociativa e ao transtorno dissociativo de identidade. A amnésia dissociativa é o diagnóstico apropriado quando os fenômenos dissociativos se limitam à amnésia. Seu sintoma-chave é a incapacidade de recordar informações, geralmente relacionadas a eventos estressantes ou traumáticos na vida da pessoa. Essa incapacidade não pode ser explicada por um esquecimento comum, e não deve haver evidências de um transtorno subjacente. As pessoas retêm a capacidade de aprender novas informações. Uma forma comum de amnésia dissociativa envolve amnésia em relação à identidade pessoal, mas memória intacta para informações gerais. O quadro clínico é exatamente o inverso do observado na demência, no qual o paciente se lembra de seu nome, mas esquece informações gerais, como o que comeu no almoço. Exceto pela amnésia, pacientes com amnésia dissociativa parecem completamente intactos e funcionam de maneira coerente. Em contraste, na maioria dos casos de amnésia devido a uma condição médica geral (tais como amnésia pós-ictal ou tóxica), os pacientes podem se sentir confusos e se comportar de forma desorganizada. Outros tipos de amnésia (p. ex., amnésia global transitória e amnésia pós-concussiva) estão associados a uma amnésia anterógrada atual, que não ocorre em pacientes com amnésia dissociativa. Epidemiologia A amnésia é o sintoma dissociativo mais comum e ocorre em quase todos os transtornos dissociativos. A amnésia dissociativa é considerada o subtipo mais recorrente do transtorno, embora dados epidemiológicos sejam limitados e incertos. Acredita-se que essa condição ocorra com maior freqüência em mulheres do que em homens, assim como em adultos jovens do que em adultos mais velhos, mas pode se manifestar em qualquer idade. Como o transtorno costuma estar associado a eventos estressantes ou traumáticos, sua incidência aumenta durante épocas de guerra e catástrofes naturais. Casos de amnésia dissociativa relacionados ao contexto doméstico – por exemplo, abuso infantil ou por parte do cônjuge – são constantes em número. A maioria dos casos é observada em emergências hospitalares, para onde os pacientes com amnésia são levados depois de terem sido encontrados vagando pelas ruas.
TRANSTORNOS DISSOCIATIVOS
Etiologia Os processos neuroanatômicos, neurofisiológicos e neuroquímicos do armazenamento e da recuperação da memória são muito melhor compreendidos hoje do que no passado. A diferenciação entre memória de curto e longo prazo, o papel central do hipocampo e o envolvimento de sistemas de neurotransmissores foram esclarecidos. A complexidade da formulação e da recuperação de lembranças pode tornar a amnésia dissociativa intuitivamente compreensível devido às muitas áreas potenciais de disfunção. A maioria dos pacientes não consegue recuperar memórias dolorosas de eventos estressantes e traumáticos, e, portanto, o conteúdo emocional da memória claramente está relacionado à fisiopatologia e à causa do transtorno. Uma observação relevante a respeito das pessoas em geral é que seu aprendizado com freqüência depende do estado (i. e., do contexto no qual ocorre). Informações aprendidas ou vivenciadas durante um comportamento (p. ex., enquanto se dirige um carro), um estado farmacológico (p. ex., durante intoxicação com álcool), em um estado neuroquímico (p. ex., associado a uma emoção como a felicidade) ou em um espaço físico (p. ex., um jardim) em particular muitas vezes são recordadas apenas ou com maior facilidade quando se revive o estado original. Por isso, as pessoas podem se lembrar com mais facilidade do local onde está localizado um interruptor de luz em seu carro enquanto estão dirigindo do que quando estão assistindo à televisão. A teoria do aprendizado dependente do estado se aplica à amnésia dissociativa na medida em que a memória de um evento traumático é consolidada durante o evento, e o estado emocional pode ser tão extraordinário que se torna difícil recordar informações aprendidas nesse intervalo. Na abordagem psicanalítica da amnésia dissociativa, o transtorno é considerado, em sua essência, um mecanismo de defesa mediante o qual a pessoa altera a consciência como meio de lidar com um conflito emocional ou um estressor externo. As defesas secundárias envolvidas incluem repressão (impulsos perturbadores são bloqueados da consciência) e negação (aspectos da realidade externa são ignorados pela mente consciente). Diagnóstico Os critérios diagnósticos para amnésia dissociativa do DSM-IVTR (Tab. 20-1) enfatizam que a informação esquecida costuma ser de natureza traumática ou estressante. O transtorno somente pode ser diagnosticado quando os sintomas não se limitam à amnésia que ocorre no curso de um transtorno dissociativo de identidade e não resultam de uma condição médica geral (p. ex., trauma encefálico) ou da ingestão de uma substância. Características clínicas Embora raros episódios de amnésia dissociativa ocorram de forma espontânea, a história costuma revelar um trauma emocional precipitante carregado de emoções dolorosas e conflitos psicológicos – por exemplo, uma catástrofe natural na qual a pessoa testemunhou ferimentos graves ou esteve próxima da
723
TABELA 20-1 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para amnésia dissociativa A. A perturbação predominante consiste de um ou mais episódios de incapacidade de recordar informações pessoais importantes, em geral de natureza traumática ou estressante, demasiadamente extensa para ser explicada pelo esquecimento normal. B. A perturbação não ocorre exclusivamente durante o curso de transtorno dissociativo de identidade, fuga dissociativa, transtorno de estresse pós-traumático, transtorno de estresse agudo ou transtorno de somatização, nem se deve aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., droga de abuso, medicamento), de um problema neurológico ou de outra condição médica geral (p. ex., transtorno amnéstico devido a traumatismo craniano). C. Os sintomas causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
morte. A expressão real ou fantasiosa de um impulso (sexual ou agressivo) com o qual não se consegue lidar também pode funcionar como precipitante, e a amnésia pode se seguir a um comportamento que, depois, passa a ser considerado moralmente repreensível, como um ato de violência ou um caso extraconjugal. Embora este não seja um critério para o diagnóstico, o início da amnésia muitas vezes é abrupto, e os pacientes em geral estão cientes de que perderam suas lembranças. Alguns se sentem incomodados pela perda de memória, mas outros parecem indiferentes. Quando o paciente não está ciente de sua perda de memória, mas o clínico suspeita de amnésia dissociativa, costuma ser útil fazer perguntas específicas que possam revelar os sintomas (Tab. 20-2). Indivíduos amnésicos permanecem alertas antes e depois da ocorrência da amnésia, mas alguns relatam uma leve obnubilação da consciência durante o período imediatamente próximo ao início do sintoma. Depressão e ansiedade são fatores predisponentes comuns e tendem a aparecer no exame do estado mental. A amnésia pode oferecer ganhos primários ou secundários. Uma mulher com amnésia em relação ao nascimento de um filho morto obtém um ganho primário protegendo-se de emoções dolorosas, ao passo que o soldado afastado da frente de combate devido a um caso súbito de amnésia exemplifica um ganho secundário. A amnésia dissociativa pode assumir várias formas. A amnésia localizada, o tipo mais comum, é a perda da memória para os eventos de um período breve (de algumas horas a alguns dias); a amnésia generalizada é a perda da memória das experiências de uma vida inteira; e a amnésia seletiva (também conhecida como sistematizada) é a incapacidade de recordar alguns eventos que ocorreram durante um período breve, mas não todos. Confabulação e automonitoramento. Como a amnésia pode ter um efeito desastroso na vida cotidiana, muitas pessoas com amnésia crônica desenvolvem estratégias adaptativas. Uma delas é a confabulação, a invenção de informações falsas para cobrir uma lacuna de memória. Outras vão recorrer a várias formas de automonitoramento para se protegerem de perdas de memória, tais como fazer anotações ou abandonar atividades regulares.
724
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 20-2 Perguntas para revelar amnésia dissociativa Se as respostas às questões do exame do estado mental (a seguir) forem positivas, deve-se pedir ao paciente que descreva com detalhes sua experiência do sintoma, incluindo qualquer relação com o uso de substâncias psicoativas. Apagões (blackouts) ou incapacidade de recordar certos períodos de tempo “Você não consegue se lembrar do que fez em certos períodos de tempo?”, “Você tem apagões?” Relatos de comportamentos esquecidos feitos por terceiros “As pessoas contam coisas que você disse e fez e das quais não se lembra? Comportamentos incomuns? Comportamento infantil?” Surgimento inexplicável de objetos em posse do paciente “Você encontra coisas entre seus pertences que não pode explicar? Por exemplo, roupas, ferramentas, armas, obras de arte, escritos, itens no seu carrinho de compras, notas fiscais?” Mudanças intrigantes em relacionamentos “Você percebe que suas relações com outras pessoas parecem ser influenciadas por fatores que não consegue recordar? Por exemplo, percebe que pessoas têm raiva de você ou agem de forma muito íntima baseadas em eventos dos quais não se lembra?” Episódios semelhantes a fugas “Você se encontra de repente em certos lugares sem ter a menor idéia de como chegou lá? Sai de casa para ir a algum lugar, mas, de repente, se vê em outro lugar sem saber como chegou lá? Qual o intervalo de tempo mais longo em que você se perdeu durante uma experiência dessas?” Evidências de flutuações incomuns em habilidades, hábitos, gostos, conhecimentos “Sua habilidade de fazer certas coisas – como atividades atléticas ou artísticas, tarefas mecânicas, profissionais ou intelectuais – flutua de forma acentuada, de um modo que você não é capaz de explicar? As pessoas dizem que você fez coisas que não sabia que conseguia fazer?” Recordação fragmentada da história de vida “Você se dá conta de que tem lacunas nas lembranças da sua própria vida? De que não tem lembranças de eventos importantes de sua vida, como casamentos ou formaturas? Da sua infância? De eventos durante uma guerra? De outros aspectos importantes da sua vida adulta?” Experiências crônicas de identidade equivocada “Você é abordado por pessoas que não conhece, mas que insistem que o conhecem? Que dizem que o encontraram antes? Que dizem que fizeram coisas com você? Que até mesmo o chamam por outro nome?” Amnésias breves (microamnésias) durante interações pessoais “Você percebe que não se lembra do todo ou de parte de suas interações ou conversas com outras pessoas? Como esta entrevista? Lembra ou vai lembrar de toda ou parte de nossa conversa de hoje?” Reproduzida, com permissão, de Lowenstein RJ. Psychogenic amnesia and psychogenic fugue: a comprehensive review. In: Tasman A, Goldfinger SM, eds. American Psychiatric Association Review of Psychiatry. Vol 10. Washington, DC: American Psychiatric Press; 1991:189.
Diagnóstico diferencial O diagnóstico diferencial da amnésia dissociativa envolve a consideração tanto de condições médicas gerais quanto de outros transtornos mentais (Tab. 20-3). O clínico deve conduzir uma história médica, um exame físico, uma investigação laboratorial, a história psiquiátrica e um exame do estado mental. A amnésia associada à demência e ao delirium costuma ter relação com muitos outros sintomas cognitivos facilmente reconhecíveis. Quando um paciente tem amnésia para informações pessoais nessas condições, a demência ou o delirium geralmente
TABELA 20-3 Considerações no diagnóstico diferencial da amnésia dissociativa Demência Delirium Amnésia anóxica Infecções cerebrais (p. ex., herpes simples afetando os lobos temporais) Neoplasmas cerebrais (especialmente límbicos e frontais) Indução por substâncias (p. ex., álcool, sedativo-hipnóticos, anticolinérgicos, esteróides, carbonato de lítio, antagonistas do receptor β-adrenérgico, pentazocina, fenciclidina, agentes hipoglicêmicos, maconha, alucinógenos, metildopa) Eletroconvulsoterapia (ou outro choque elétrico forte) Epilepsia Distúrbios metabólicos (p. ex., uremia, hipoglicemia, encefalopatia hipertensiva, porfiria) Amnésia pós-concussiva (pós-traumática) Amnésia relacionada ao sono (p. ex., sonambulismo) Amnésia global transitória Síndrome de Wernicke-Korsakoff Amnésia pós-operatória Outros transtornos dissociativos Transtorno de estresse pós-traumático Transtorno de estresse agudo Transtornos somatoformes (transtorno de somatização, transtorno conversivo) Simulação (especialmente quando associada a atividades criminosas)
são avançados e diferenciados da amnésia dissociativa com facilidade. Em especial no caso de delirium, o paciente pode exibir confabulação durante a entrevista. De modo geral, o retorno rápido da memória indica amnésia dissociativa, e não transtorno amnéstico. A epilepsia pode levar ao comprometimento súbito da memória, associado a anormalidades motoras e eletroencefalográficas. Pacientes com epilepsia são propensos a convulsões durante períodos de estresse, e alguns pesquisadores formularam a hipótese de que uma causa ligada a essa manifestação pode estar envolvida nos transtornos dissociativos. História de aura, trauma encefálico ou incontinência pode ajudar o clínico a reconhecer a amnésia relacionada à epilepsia. Amnésia global transitória. Trata-se de uma amnésia retrógrada aguda e transitória que afeta as lembranças recentes mais do que as remotas. Embora os pacientes em geral estejam cientes da amnésia, ainda podem realizar atos mentais e físicos altamente complexos durante as 6 a 24 horas de duração habitual dos episódios. A recuperação costuma ser completa. A condição é causada com maior freqüência por ataques isquêmicos transitórios (AITs) que afetam estruturas cerebrais límbicas da linha média, mas também pode estar associada a enxaquecas, convulsões e intoxicação com drogas sedativo-hipnóticas. A amnésia global transitória pode ser diferenciada da amnésia dissociativa de diversas formas. A primeira está associada à amnésia anterógrada durante o episódio; a dissociativa, não. Pacientes com amnésia global transitória tendem a se mostrar mais perturbados e preocupados com seus sintomas. A identidade pessoal de um paciente com amnésia dissociativa se perde, mas a do paciente com amnésia global transitória é conservada. A perda de memória de um paciente com amnésia dissociativa pode ser seletiva para certas áreas e geralmente não exibe um gradiente temporal; no caso da amnésia global transitória, a perda é generalizada, e eventos remotos são melhor recordados do que eventos recentes. Devido à associação desta com problemas vasculares, o trans-
TRANSTORNOS DISSOCIATIVOS
torno é mais comum em pacientes entre os 60 e os 80 anos de idade, ao passo que a amnésia dissociativa é mais comum em pacientes entre 20 e 50 anos de idade, período associado aos estressores psicológicos comuns observados nesses pacientes. Foram relatados outros eventos vasoespásticos no lobo temporal ou no tálamo nos quais ocorrem ataques transitórios de amnésia, até mesmo em adultos jovens.
Outros transtornos mentais. Dois outros transtornos dissociativos, a fuga dissociativa e o transtorno dissociativo de identidade, devem ser considerados no diagnóstico diferencial. Eles se distinguem a partir de seus sintomas adicionais. No DSM-IV-TR, o sonambulismo é classificado como uma parassonia, um tipo de transtorno do sono. Pacientes que sofrem desta condição se comportam de uma forma estranha que lembra o comportamento durante um estado dissociativo. Exibem um estado alterado de consciência em relação ao ambiente e muitas vezes têm recordações alucinatórias vívidas de um evento emocionalmente traumático de seu passado do qual não se lembram durante o estado de vigília normal. Esses pacientes não têm contato com o ambiente, parecem preocupados com seu mundo particular e fitam o espaço se seus olhos estão abertos. Podem parecer perturbados do ponto de vista emocional, empregar palavras e frases difíceis de compreender ou exibir um padrão de atividades aparentemente coerentes que são repetidas cada vez que o episódio ocorre. O paciente tem amnésia para o episódio de sonambulismo após o seu término. Ainda que a amnésia para o período imediato de experiências passadas seja observada em pacientes com transtorno de sonambulismo e com amnésia localizada e geral, o estado de consciência durante o período para o qual se tem amnésia difere de caráter. Pacientes com transtorno de sonambulismo parecem não ter contato com o ambiente e aparentam estar sonhando. Pacientes com amnésia, em contraste, não exibem indícios de que alguma coisa esteja errada e parecem inteiramente alertas tanto antes quanto depois da ocorrência do episódio. Transtorno de estresse pós-traumático, transtorno de estresse agudo e transtornos somatoformes (em especial transtorno de somatização e transtorno conversivo) devem ser considerados no diagnóstico diferencial e podem coexistir com a amnésia dissociativa. Os transtornos somatoformes podem estar associados aos mesmos eventos traumáticos identificados na amnésia dissociativa. A simulação, neste caso uma tentativa deliberada de imitar uma amnésia, pode ser difícil de confirmar. Qualquer ganho secundário possível, principalmente ligado a evitar punição por atividades criminosas, deve aumentar a suspeita do clínico, embora os ganhos não excluam o diagnóstico de amnésia dissociativa. Curso e prognóstico Os sintomas da amnésia dissociativa em geral terminam de maneira abrupta, e a recuperação costuma ser completa, com poucas recorrências. Em alguns casos, principalmente quando há ganho secundário, a condição pode durar mais tempo. Os clínicos devem tentar restaurar as lembranças perdidas assim que possível, a fim de evitar que a memória reprimida forme um núcleo no in-
725
consciente em torno do qual possam vir a se desenvolver episódios amnésticos futuros. Tratamento A entrevista pode fornecer pistas do precipitante psicológico traumático. Entrevistas auxiliadas por drogas como benzodiazepínicos e barbitúricos de ação curta, como tiopental (Pentothal) e amobarbital sódico (Amytal) administrados por via intravenosa, ajudam os pacientes a recuperar suas lembranças esquecidas. A hipnose pode ser empregada como meio de relaxamento, a fim de que o paciente possa recordar o que foi esquecido. Quando este é colocado em estado de sonolência, as inibições mentais diminuem, e o material amnéstico emerge na consciência, sendo então recordado. Depois que as lembranças perdidas foram recuperadas, em geral se recomenda psicoterapia para ajudar na incorporação das lembranças ao estado consciente. FUGA DISSOCIATIVA O comportamento de pacientes com fuga dissociativa é incomum e dramático. O termo fuga é usado para refletir o fato de que os pacientes se afastam de seus lares ou de situações de trabalho e não conseguem se lembrar de aspectos importantes de sua identidade (nome, família, ocupação). Com muita freqüência, mas não sempre, assumem identidades e ocupações inteiramente novas, embora a nova identidade não seja tão completa quanto as personalidades alternativas do transtorno dissociativo de identidade, e as identidades nova e antiga não se alternem como neste transtorno. Epidemiologia A fuga dissociativa é rara e, como a amnésia dissociativa, ocorre com maior freqüência durante guerras, após catástrofes naturais e como resultado de crises pessoais com conflitos internos intensos. Segundo o DSM-IV-TR, existe uma taxa de prevalência de 0,2% na população geral.
Etiologia Ainda que o abuso pesado de álcool possa predispor à fuga dissociativa, acredita-se que a causa do transtorno seja basicamente psicológica. O fator motivador essencial parece ser o desejo de se afastar de experiências dolorosas do ponto de vista emocional. Pacientes com transtornos do humor e certos transtornos da personalidade (p. ex., borderline, histriônica e esquizóide) são predispostos a desenvolver a condição. Uma variedade de estressores e fatores pessoais predispõe ao desenvolvimento de fuga dissociativa. Os fatores psicológicos incluem estressores conjugais, financeiros, ocupacionais e relacionados a guerras. Outras características predisponentes estão relacionadas a depressão, tentativas de suicídio, distúrbios orgânicos (especialmente epilepsia) e história de abuso de substâncias. História de trauma encefálico também leva a fuga dissociativa.
726
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Diagnóstico e características clínicas O DSM-IV-TR requer que o paciente apresente confusão em relação à sua identidade ou assuma uma nova (Tab. 20-4). Ao contrário da amnésia dissociativa, o diagnóstico de fuga dissociativa requer que o início dos sintomas seja súbito. A condição é excluída se os sintomas ocorrem somente durante o curso de um transtorno dissociativo de identidade ou resultam da ingestão de substâncias ou de uma condição médica geral (p. ex., epilepsia do lobo temporal). A fuga dissociativa apresenta diversas características típicas. O paciente se desloca de forma intencional muitas vezes para longe de casa e durante vários dias. Nesse período, manifesta amnésia completa quanto a sua vida e associações passadas, mas, ao contrário do paciente com amnésia dissociativa, não costuma estar ciente de que se esqueceu de alguma coisa. Somente quando retorna subitamente ao seu self anterior é que se recorda do tempo que antecedeu o início da fuga, mas então permanece amnéstico para o período da fuga em si. Pacientes com fuga dissociativa não parecem se comportar de forma extraordinária aos olhos dos outros, tampouco dão indícios de estarem revivendo qualquer lembrança específica de um evento traumático. Ao contrário, têm uma existência calma, prosaica e reclusa, trabalham em ocupações simples, vivem de forma modesta e, em geral, não fazem nada que atraia a atenção dos outros. O paciente era um advogado de 45 anos de idade, afligido pela falência de sua firma e por um casamento em deterioração. Um dia, subitamente desapareceu do escritório, para grande consternação dos sócios. Sua esposa notificou a polícia, e uma investigação foi iniciada para tentar rastrear seu paradeiro. Um dia depois, seu carro foi encontrado abandonado e sem gasolina numa área de descanso de uma rodovia interestadual. Não se teve notícias suas por quase um mês, quando então ele se apresentou à emergência de um grande hospital urbano em outro Estado, muito distante do seu local de moradia. Ele permanecia amnéstico quanto à sua identidade e foi internado na unidade psiquiátrica. Seu quadro e sua história foram divulgados, e a esposa o reconheceu na televisão. Ela foi chamada ao hospital onde ele estava inter-
TABELA 20-4 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para fuga dissociativa A. A perturbação predominante é uma viagem súbita e inesperada para longe de casa ou do local costumeiro de trabalho do indivíduo, com incapacidade de recordar o próprio passado. B. Confusão acerca da identidade pessoal ou adoção (parcial ou completa) de uma nova identidade. C. A perturbação não ocorre exclusivamente durante o curso de um transtorno dissociativo de identidade nem se deve aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., droga de abuso, medicamento) ou de uma condição médica geral (p. ex., epilepsia do lobo temporal). D. Os sintomas causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
nado e forneceu a história completa do marido para o psiquiatra. O paciente foi confrontado com tais informações, mas permaneceu amnéstico até ser usada hipnose para restaurar seu estado original de personalidade. Ao reassumir esta condição, foi levado para casa e hospitalizado em sua cidade pelo médico da família, mas continuou a demonstrar amnésia para o estado de fuga. Em consulta com um neurologista, realizou-se um exame físico e neurológico completo, o qual produziu resultados normais. Um EEG e imagens de ressonância magnética não detectaram nada de anormal. Ele foi então encaminhado para um psicólogo para começar psicoterapia psicodinâmica. Os precipitantes, incluindo a crise conjugal e o estado financeiro problemático, foram explorados, e o casal começou uma terapia conjugal como adjuvante. Por fim, sua memória foi recuperada. No entanto, os problemas financeiros permaneceram sem solução, e ele teve outro episódio de fuga mais breve, de cinco dias, mas voltou sozinho para casa. O tratamento continuou, abordando problemas de sua vida profissional, incluindo o hábito dos jogos de azar e a apropriação indébita de fundos de seus clientes. (Cortesia de Philip M. Coons, M.D.) Diagnóstico diferencial O diagnóstico diferencial de fuga dissociativa é semelhante ao de amnésia dissociativa (Tab. 20-3). A errância vista na demência ou no delirium em geral se distingue das viagens de um paciente com fuga dissociativa pela ausência de objetivo e de comportamentos complexos e socialmente adaptativos. A epilepsia parcial complexa pode estar associada a episódios de deslocamento, mas o paciente não costuma assumir uma nova identidade, e os episódios não são precipitados por estresse psicológico. Na amnésia dissociativa, a perda de memória resulta do estresse psicológico, mas sem episódios de deslocamentos intencionais ou uma nova identidade. A simulação pode ser de difícil percepção; qualquer evidência de um ganho secundário claro deve aumentar a suspeita do clínico. Estados orgânicos de fuga podem ser causados por uma ampla variedade de medicamentos, incluindo drogas alucinógenas, esteróides, barbitúricos, fenotiazinas, triazolam (Halcion) e L-asparaginase. Um apagão alcoólico pode ser confundido com fuga dissociativa, mas é diferenciado com facilidade por meio da história clínica e das concentrações de álcool no sangue obtidas durante intoxicação aguda. O clínico deve recordar, no entanto, que a fuga dissociativa e os apagões alcoólicos podem coexistir em um mesmo indivíduo. Há relatos da produção de episódios de amnésia pelo uso combinado de triazolam e álcool. Curso e prognóstico A fuga tende a ser breve, durando de horas a dias. Com menor freqüência, dura muitos meses e envolve viagens extensas que cobrem milhares de quilômetros. A recuperação costuma ser espontânea e rápida, e recorrências são possíveis.
TRANSTORNOS DISSOCIATIVOS
Tratamento O tratamento da fuga dissociativa é semelhante ao da amnésia dissociativa. Entrevista psiquiátrica, entrevistas auxiliadas por drogas e hipnose podem ajudar a revelar ao terapeuta e ao paciente quais os estressores psicológicos que precipitaram o episódio de fuga. A psicoterapia é indicada para ajudar os pacientes a internalizarem os estressores precipitantes de forma saudável e integrada. O tratamento de escolha para a condição é a psicoterapia psicodinâmica expressiva e de apoio. A técnica mais amplamente aceita requer um misto de ab-reação do trauma passado e integração do mesmo em um self coeso, que não mais demande fragmentação para lidar com tais experiências. TRANSTORNO DISSOCIATIVO DE IDENTIDADE Transtorno dissociativo de identidade é o diagnóstico empregado pelo DSM-IV-TR para o que é geralmente conhecido como transtorno da personalidade múltipla. Trata-se de uma condição crônica, e sua causa envolve um evento traumático, na maioria das vezes abuso físico ou sexual na infância. O conceito de personalidade se refere à noção de integração do modo como a pessoa pensa, sente e se comporta e à apreciação de si próprio como um ser unitário. Pessoas com transtorno dissociativo de identidade têm duas ou mais personalidades distintas, cada uma das quais determinando comportamentos e atitudes durante o período em que são dominantes. O transtorno dissociativo de identidade é considerado o mais sério dos transtornos dissociativos, ainda que alguns clínicos experientes tenham sugerido que pode haver uma gama mais ampla de gravidade do que se acreditava. História Até cerca de 1800, pacientes com transtorno dissociativo de identidade eram considerados portadores de vários estados de possessão. No início do século XIX, Benjamin Rush forneceu uma descrição clínica da fenomenologia do transtorno com base em relatos clínicos anteriores. A seguir, Jean-Martin Charcot e Pierre Janet descreveram alguns dos seus sintomas e reconheceram sua natureza dissociativa. Sigmund Freud e Eugen Bleuler identificaram os sintomas, embora o primeiro lhes atribuísse mecanismos psicodinâmicos, e este os considerasse um reflexo da esquizofrenia. Talvez devido à maior atenção ao problema do abuso sexual e físico de crianças e aos casos descritos na mídia (As três faces de Eva, Sybil), a conscientização sobre o transtorno dissociativo de identidade aumentou. Em 1980, com a inclusão do transtorno da personalidade múltipla na terceira edição do DSM (DSM-III), estabeleceu-se um cenário propício para o desenvolvimento de pesquisas clínicas sólidas sobre a condição.
Epidemiologia Relatos pontuais e de pesquisa a respeito do transtorno dissociativo de identidade variam em suas estimativas de prevalência. Em um extremo, alguns investigadores acreditam que o transtorno é raro; no outro, al-
727
guns crêem que é vastamente sub-reconhecido. Estudos bem-controlados relataram que en rais satisfazem os critérios diagnósticos para transtorno dissociativo de identidade, chegando a até 5% de todos os transtornos psiquiátricos. A maioria dos pacientes que recebem o diagnóstico de transtorno dissociativo de identidade é composta por mulheres – razão mulher-homem de 5:1 a 9:1. Muitos clínicos e pesquisadores, no entanto, acreditam que os homens são sub-representados em amostras clínicas porque a maioria entraria no sistema de justiça criminal, e não no sistema de saúde mental. O transtorno é mais comum no final da adolescência e no início da vida adulta, com idade média de 30 anos no diagnóstico, embora os pacientes geralmente tenham tido sintomas por 5 a 10 anos antes disso. Diversos estudos constataram que o transtorno é mais recorrente em parentes biológicos em primeiro grau de pessoas afetadas do que na população geral. O transtorno dissociativo de identidade muitas vezes coexiste com outros transtornos mentais, incluindo transtornos de ansiedade, do humor, somatoformes, disfunções sexuais, transtornos relacionados a substâncias, alimentares, do sono e de estresse pós-traumático. Seus sintomas são semelhantes aos observados no transtorno da personalidade borderline, e diferenciá-los pode ser difícil. Tentativas de suicídio são comuns em pacientes com transtorno dissociativo de identidade, e alguns estudos relataram que até dois terços de todos os indivíduos afetados tentam o suicídio durante o curso da doença.
Etiologia A causa do transtorno é desconhecida, embora a história dos pacientes quase sempre (próximo de 100% dos casos) envolva um evento traumático, em geral na infância. Foram identificados quatro tipos de fatores causativos: evento de vida traumático, vulnerabilidade para o desenvolvimento do transtorno, fatores ambientais e ausência de apoio externo. O evento traumático costuma ser abuso físico ou sexual na infância, freqüentemente incestuoso. Outros podem incluir a morte de um parente próximo ou amigo durante a infância e testemunhar trauma ou morte. A tendência ao desenvolvimento do transtorno pode ser de base psicológica ou biológica. A capacidade variável das pessoas de serem hipnotizadas pode ser um exemplo de fator de risco para o desenvolvimento do transtorno dissociativo de identidade. Existe a hipótese de que a epilepsia esteja envolvida em sua causa, e alguns estudos relataram uma alta porcentagem de atividade anormal no EEG. Um estudo sobre o fluxo sangüíneo cerebral regional revelou hiperperfusão temporal em uma das subpersonalidades, mas não na principal. Mesmo que diversos estudos tenham encontrado diferenças na sensibilidade à dor e em outras medidas fisiológicas entre as personalidades, o uso desses dados para provar a existência do transtorno dissociativo de identidade deve ser abordado com grande cautela. Os fatores ambientais envolvidos em sua patogênese não são específicos e podem incluir fatores como modelos de papéis e a disponibilidade de outros mecanismos para lidar com o estresse. Em muitos casos, o desenvolvimento da identidade dissociativa parece ter relação com a ausência de apoio por parte de pessoas significativas, como pais, irmãos, outros parentes e pessoas sem vínculos familiares, como professores.
728
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Diagnóstico e características clínicas TABELA 20-6 Sinais de multiplicidade
No DSM-IV-TR, a designação transtorno dissociativo de identidade substituiu transtorno da personalidade múltipla. Como critério diagnóstico (Tab. 20-5), requer-se um componente amnéstico, que as pesquisas apontaram como essencial para o quadro clínico completo. O diagnóstico também exige a presença de pelo menos dois estados distintos de personalidade, sendo excluído se os sintomas resultam do uso de uma substância (p. ex., álcool) ou de uma condição médica geral (p. ex., crises parciais complexas). É comum acreditar-se que os pacientes com transtorno dissociativo de identidade têm um transtorno da personalidade (mais comumente borderline), esquizofrenia ou transtorno bipolar de ciclagem rápida. Os clínicos devem estar cientes da categoria diagnóstica e se manter atentos para características sugestivas do transtorno na entrevista clínica (Tab. 20-6). A freqüência relativa dos sintomas específicos foi relatada em um estudo com 102 pacientes com transtorno dissociativo de identidade (Tab. 20-7). Apesar das histórias veiculadas na imprensa a respeito de pacientes com mais de 20 personalidades, o número médio fica na faixa de 5 a 10. No entanto, na maioria dos casos, apenas duas ou três personalidades são evidentes no diagnóstico; as outras são reconhecidas durante o curso do tratamento. O DSM-IV-TR especifica uma média de oito identidades para homens e 15 para mulheres, o que pode ser um tanto alto. A transição de uma personalidade para outra muitas vezes é súbita e drástica. Durante cada estado de personalidade, os pacientes em geral se mantêm amnésticos em relação aos outros estados e aos eventos que aconteceram quando outra personalidade era dominante. Às vezes, no entanto, um estado pode não ficar sujeito a essa amnésia e retém consciência completa da existência, das qualidades e das atividades das outras personalidades. Em outros casos, as personalidades estão cientes de todas ou de algumas das outras em graus variáveis e podem considerá-las amigas, companheiras ou adversárias. Em situações clássicas, cada personalidade tem um conjunto altamente complexo e integrado de memórias associadas e atitudes características, relações pessoais e padrões de comportamento. Com maior freqüência, as personalidades têm nome próprio; às vezes, uma ou mais receTABELA 20-5 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno dissociativo de identidade A. Presença de duas ou mais identidades ou estados de personalidade distintos (cada qual com seu próprio padrão relativamente persistente de percepção, relacionamento e pensamento acerca do ambiente e de si mesmo). B. Pelo menos duas dessas identidades ou estados de personalidade assumem de forma recorrente o controle do comportamento do indivíduo. C. Incapacidade de recordar informações pessoais importantes, demasiadamente extensa para ser explicada pelo esquecimento comum. D. A perturbação não se deve aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., apagões ou comportamento caótico durante a intoxicação com álcool) ou de uma condição médica geral (p. ex., crises parciais complexas). Nota: Em crianças, os sintomas não são atribuíveis a amigos imaginários ou outros jogos de fantasia. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
1. Relatos de distorções, lapsos e descontinuidades do tempo 2. Ser informado por outras pessoas de episódios comportamentais dos quais o paciente não se lembra 3. Ser reconhecido por outras pessoas ou chamado por outro nome por pessoas a quem o paciente não reconhece 4. Mudanças acentuadas no comportamento relatadas por um observador confiável; o paciente pode se chamar por um nome diferente ou se referir a si mesmo na terceira pessoa 5. Outras personalidades são eliciadas sob hipnose ou durante entrevistas com amobarbital 6. Uso da palavra “nós” no curso de uma entrevista 7. Descoberta de escritos, desenhos ou outras produções ou objetos (cartões de identificação, roupas, etc.) entre os pertences pessoais do paciente que não são reconhecidos ou não podem ser explicados 8. Cefaléias 9. Escutar vozes interiores e não identificá-las como distintas 10. História de trauma emocional ou físico grave durante a infância (em geral antes dos 5 anos de idade) Reproduzida, com permissão, de Cummings JL. Dissociative states, depersonalization, multiple personality, episodic memory lapses. In: Cummings JL, ed. Clinical Neuropsychiatry. Orlando, FL: Grune & Stratton; 1985;122.
TABELA 20-7 Freqüência de 16 características secundárias do transtorno dissociativo de identidade em 102 pacientes Item
Pacientes (N)
Existência de outra pessoa dentro de si Vozes que conversam Vozes que vêm de dentro Outra pessoa que assume o controle Amnésia para a infância Referir-se ao self como “nós” A pessoa dentro de si tem um nome diferente Surtos de esquecimentos (blank spells) Flashbacks Ser informado por outras pessoas a respeito de eventos que não são recordados Sentimentos de irrealidade Estranhos conhecem o paciente Notar a falta de objetos Encontrar-se em local estranho após um período de esquecimento Presença de objetos que não podem ser explicados Diferentes caligrafias
92 89 84 83 83 75 72 69 68 64 58 45 43 37 32 28
Reproduzida, com permissão, de Ross CA, Miller SD, Reagor P, Bjorns Fraser GA, Anderson G. Structured interview data from 102 cases of multiple personality disorder from four centers. Am J Psychiatry. 1990;14:596.
bem o nome de sua função – por exemplo, o protetor. Ainda que alguns clínicos tenham enfatizado que uma das personalidades tende a ser dominante, esse nem sempre é o caso. De fato, às vezes uma se faz passar por outra, mas em geral há uma principal, que vem ao tratamento e carrega o nome legal do paciente. Esta pode ser deprimida ou ansiosa, pode ter traços masoquistas ou parecer excessivamente moralista. O surgimento da personalidade ou das personalidades secundárias pode ser espontâneo ou estar ligado ao que parece ser um precipitante (incluindo hipnose ou entrevista auxiliada por drogas). As personalidades podem ser de ambos os sexos, de várias raças e idades e de famílias diferentes daquela do paciente. A per-
TRANSTORNOS DISSOCIATIVOS
sonalidade subordinada mais comum é infantil. As personalidades muitas vezes são bastante distintas entre si, chegando até mesmo a ser opostas. Na mesma pessoa, uma pode ser extrovertida e sexualmente promíscua, e outras podem ser introvertidas, retraídas e sexualmente inibidas. Durante o exame, os pacientes, em sua maioria, não demonstram qualquer coisa de incomum em seu estado mental, além de uma possível amnésia para períodos de duração variável. Muitas vezes, o clínico só consegue detectar a presença de múltiplas personalidades com entrevistas prolongadas ou muitos contatos com o paciente. Em algumas situações, pedindo ao paciente que mantenha um diário, o clínico encontra as múltiplas personalidades reveladas nas páginas escritas. Estima-se que 60% dos pacientes alternem suas personalidades apenas às vezes, enquanto outros 20% não apenas têm episódios raros como também tendem a encobrir as alternâncias. A. é uma mulher casada de 33 anos de idade que trabalha como bibliotecária em uma escola para crianças deficientes. Buscou atendimento psiquiátrico após descobrir sua filha de 5 anos de idade “brincando de médico” com várias crianças da vizinhança. Embora esse evento tivesse poucas conseqüências, a paciente começou a temer que a filha fosse molestada. Entrou em pânico e ficou cada vez mais obcecada com essa idéia, para grande espanto de seu marido. Foi atendida pelo internista e tratada com agentes antiansiedade e antidepressivos, mas demonstrou pouca melhora e, com o passar do tempo, tornou-se cada vez mais ansiosa, fóbica, deprimida e preocupada. Teve consultas psiquiátricas com vários clínicos, mas os diversos ensaios com antidepressivos, agentes antiansiedade e psicoterapia de apoio resultaram em melhoras limitadas. Após a morte de seu pai devido a complicações do alcoolismo, A. tornou-se mais sintomática. Ele havia se afastado da família desde que a paciente tinha cerca de 12 anos de idade, devido ao seu hábito de beber e seu comportamento anti-social associado. A. desenvolveu uma variedade de queixas somáticas, incluindo cefaléias, dor abdominal, problemas menstruais e gastrintestinais, dores nas costas e alterações do sono. Repetidas investigações médicas não revelaram nada, levando a diagnósticos como fibromialgia, síndrome do intestino irritável e tensão pré-menstrual. As dificuldades conjugais e familiares aumentaram à medida que a paciente se afastava do marido e se tornava cada vez mais disfuncional no cuidado com os filhos, e seu desempenho profissional também se deteriorou. A hospitalização psiquiátrica foi precipitada pela detenção da paciente por perturbação da paz em uma cidade próxima. Encontraram-na em um hotel, usando roupas reveladoras, em meio a uma briga com um homem. Ela disse que não sabia como tinha chegado ao local, embora o homem insistisse que ela o havia acompanhado para um encontro sexual voluntário e lhe dera um nome diferente. Durante o exame psiquiátrico, a paciente descreveu uma amnésia profunda para os primeiros 12 anos de sua vida, com a sensação de que “a vida tinha começado aos 12 anos de idade”. Relatou que, desde que podia se lembrar, havia tido uma companheira imaginária, uma mulher negra mais
729
velha que lhe dava conselhos e lhe fazia companhia. Afirmou ouvir outras vozes em sua mente: várias mulheres e crianças, bem como a voz do pai repetidamente falando com ela de forma pejorativa. Referiu ainda que grande parte de sua vida desde os 12 anos de idade também era pontuada por episódios de amnésia em relação ao trabalho, ao casamento, ao nascimento de seus filhos e à sua vida sexual com o marido. Ela reconheceu mudanças acentuadas em habilidades; por exemplo, com freqüência lhe diziam que tocava bem piano, mas ela não tinha consciência de que sabia fazer isso. O marido relatava que ela sempre havia sido “esquecida” em relação a conversas e atividades da família. Às vezes, falava como criança, às vezes adotava um sotaque sulista e até tornava-se raivosa e provocativa. Suas lembranças acerca desses episódios eram escassas. Questionada mais a fundo a respeito de seus primeiros anos de vida, a paciente aparentou entrar em um estado de transe e afirmou: “Não quero ser trancada no armário” em voz infantil. Perguntas a respeito produziram alternâncias rápidas entre identidades, que diferiam em idade manifesta, expressão facial, tom de voz e conhecimento a respeito de sua história. Uma delas se identificou por meio de um diminutivo do nome da paciente e parecia muito infantil. Outra falava com raiva, usava palavrões e parecia irritável e preocupada com sexo. A paciente discutiu o episódio com o homem no hotel e afirmou que havia sido ela quem combinara o encontro. Uma terceira personalidade se identificou como uma entidade protetora, descrevendo-se como uma mulher afro-americana idosa que comentava em tom triste e filosófico a respeito “desta situação toda”. Aos poucos, as identidades descreveram uma história de caos, brutalidade e negligência familiar durante os primeiros 12 anos da vida da paciente, até sua mãe, também alcoólatra, alcançar a sobriedade e abandonar o marido, levando os filhos consigo. Nas identidades alternativas, a paciente descrevia episódios de abuso físico e sexual e tormento emocional por parte do pai, dos irmãos e da mãe. Sessões familiares com a mãe e os irmãos confirmaram muitos desses relatos, sendo que a família recordou episódios de maus-tratos de que a paciente não se lembrava. A mãe havia pedido à família que nunca falasse sobre suas dificuldades do passado, esperando que todos pudessem “simplesmente esquecer a coisa toda”. Após uma avaliação inicial dos membros da família, a mãe também satisfez os critérios diagnósticos para transtorno dissociativo de identidade, bem como a irmã mais velha, que também havia sido molestada. Um irmão satisfazia os critérios diagnósticos para transtorno de estresse pós-traumático, transtorno depressivo maior e dependência de álcool. A paciente melhorou de maneira significativa com uma psicoterapia direcionada para a estabilização de seu transtorno dissociativo de identidade e do transtorno de estresse póstraumático. Respondeu bem a clomipramina (Anafranil), com redução acentuada dos sintomas obsessivo-compulsivos e depressivos. A terapia familiar foi útil para estabilizar o casamento da paciente e ajudar seu marido a lidar com a hospita-
730
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
lização e seus precipitantes. O marido também relatou história familiar de abuso, embora primariamente direcionado à mãe e aos irmãos; ele sempre tinha se visto como o protetor da família. A mãe e os irmãos da paciente já estavam em tratamento, mas se beneficiaram da revelação da história familiar e do esclarecimento de seus diagnósticos. No acompanhamento após três anos, A. relatou fusão da maioria das identidades alternativas e diminuição acentuada dos sintomas dissociativos, somatoformes e do transtorno de estresse pós-traumático, mas ainda precisava de clomipramina para estabilização do humor e para sintomas do transtorno obsessivo-compulsivo. (Cortesia de Frank W. Putnam, M.D., e Richard J. Loewenstein, M.D.) Diagnóstico diferencial O diagnóstico diferencial inclui dois outros transtornos dissociativos, a amnésia e a fuga dissociativas. Nenhum destes, no entanto, apresenta as alternâncias de identidade e a consciência da identidade original características do transtorno dissociativo de identidade. Os transtornos psicóticos, notavelmente a esquizofrenia, podem ser confundidos com esta condição somente porque pessoas com esquizofrenia podem ser delirantes e acreditar que têm identidades separadas ou relatar vozes de outras personalidades. Na esquizofrenia há transtorno do pensamento formal, deterioração social crônica e outros sinais distintos. Há pouco, os clínicos passaram a dar maior atenção aos transtornos bipolares de ciclagem rápida, cujos sintomas parecem ser semelhantes aos do transtorno dissociativo de identidade; a entrevista, no entanto, revela a presença de personalidades independentes em pacientes com este último. O transtorno da personalidade borderline pode ser co-mórbido, mas a alternância de personalidades pode ser interpretada equivocadamente como nada mais do que a irritabilidade do humor e os problemas de auto-imagem característicos dos pacientes com este transtorno. A simulação representa um problema diagnóstico difícil. Ganhos secundários claros levantam suspeitas, e entrevistas auxiliadas por drogas podem ser úteis para estabelecer o diagnóstico. Entre os distúrbios neurológicos a serem considerados, a epilepsia parcial complexa é o que tem maior probabilidade de imitar sintomas de transtorno dissociativo de identidade (ver Tab. 20-3). Curso e prognóstico O transtorno dissociativo de identidade pode se desenvolver em crianças a partir dos 3 anos de idade. Neste grupo, os sintomas podem se assemelhar a um transe e ser acompanhados de sintomas de transtornos depressivos, períodos amnésticos, vozes alucinatórias, desconhecimento de comportamentos, mudanças em habilidades e comportamento suicida ou autolesivo. Embora as mulheres tenham maior probabilidade de desenvolver o transtorno do que os homens, as crianças afetadas são, em sua maioria, meninos; a predominância feminina se desenvolve apenas na adolescência. Dois padrões de sintomas foram observados entre adolescentes afetadas. O primeiro é um padrão de vida caótico, com
promiscuidade, uso de drogas, sintomas somáticos e tentativas de suicídio. Tais pacientes podem ser classificadas de forma equivocada como portadoras de transtorno do controle dos impulsos, esquizofrenia, transtorno bipolar I de ciclagem rápida ou transtorno da personalidade borderline ou histriônica. O segundo padrão se caracteriza por retraimento e comportamentos infantis. Às vezes, as pacientes são classificadas como portadoras de transtorno do humor, transtornos somatoformes ou transtorno de ansiedade generalizada. Em adolescentes do sexo masculino com transtorno dissociativo de identidade, os sintomas podem levar a problemas com a lei ou com autoridades escolares e até mesmo à prisão. Quanto mais precoce o início do transtorno dissociativo de identidade, pior o prognóstico. Uma ou mais das personalidades podem funcionar relativamente bem, enquanto outras atuam de forma marginal. O nível de comprometimento varia de moderado a grave, sendo que as variáveis determinantes são o número, o tipo e a cronicidade das personalidades. Este é considerado o mais grave e crônico dos transtornos dissociativos, e a recuperação não se dá de maneira completa. Além disso, cada uma das personalidades individuais pode ter transtornos mentais próprios, sendo os mais comuns transtornos do humor, da personalidade e outros transtornos dissociativos. Tratamento As abordagens mais eficazes para o transtorno dissociativo de identidade envolvem a psicoterapia orientada para o insight, muitas vezes em associação com hipnoterapia ou sessões de entrevista auxiliada por drogas. Essas técnicas podem ser úteis para se obter uma história adicional, identificar personalidades anteriormente não-reconhecidas e promover a ab-reação. O plano de tratamento psicoterapêutico deve começar pela confirmação do diagnóstico e pela identificação e caracterização das várias personalidades. Se uma destas se inclina para um comportamento autodestrutivo ou violento, o terapeuta deve firmar contratos de tratamento com o paciente e as personalidades apropriadas em relação a esses comportamentos perigosos. A hospitalização pode ser necessária em alguns casos. Diversos clínicos e pesquisadores discutiram a psicoterapia com pacientes com transtorno dissociativo de identidade. Um resumo dos princípios básicos (Tab. 20-8) e uma descrição dos estágios da terapia (Tab. 20-9) são guias úteis no difícil tratamento desses pacientes. O estágio inicial da terapia em geral promove a comunicação entre as personalidades para dar início à reintegração e ajudar o paciente a controlar seu comportamento. Os benefícios da reintegração versus os da resolução continuam a ser polêmicos, e a eficiência relativa de cada abordagem é desconhecida. Os clínicos devem tentar identificar as personalidades que se recordam dos eventos traumáticos da infância, os quais, quase sempre, estão associados ao transtorno. O uso de antipsicóticos quase nunca é indicado. Alguns dados apontam que os antidepressivos e medicamentos antiansiedade podem ser úteis como adjuvantes à psicoterapia. Estudos não-controlados relataram que anticonvulsivantes como a carbamazepina (Tegretol) beneficiam certos pacientes.
TRANSTORNOS DISSOCIATIVOS
TABELA 20-8 Princípios da terapia bem-sucedida para transtorno dissociativo de identidade • •
•
• •
• •
• •
•
•
•
A condição foi criada pela falta de respeito a limites. Por isso, o tratamento bem-sucedido tem estrutura segura e limites firmes e consistentes. A condição se caracteriza por um descontrole subjetivo e alterações e agressões suportadas com passividade. Por isso, o foco deve estar no domínio e na participação ativa do paciente no processo de tratamento. A condição se caracteriza pela involuntariedade. Seus portadores não escolheram ser traumatizados e, muitas vezes, entendem que os sintomas estão além do seu controle. Por isso, a terapia deve se basear em uma aliança terapêutica forte, e devem ser feitos esforços para estabelecê-la durante todo o processo. A condição se caracteriza por traumas ocultos e afeto reprimido. Por isso, o que foi oculto deve ser revelado, e os sentimentos encobertos devem ser ab-reagidos. A condição se caracteriza por separação e conflitos entre as personalidades. Por isso, a terapia deve enfatizar a colaboração, a cooperação, a empatia e a identificação de umas com as outras para que sua separação se torne redundante e seus conflitos sejam atenuados. A condição se caracteriza por realidades hipnóticas alternadas. Por isso, a comunicação do terapeuta deve ser clara e direta. Não há espaço para uma comunicação confusa. A condição está relacionada à inconsistência de outras figuras importantes. Por isso, o terapeuta deve ser eqüânime com todas as personalidades, evitando favoritismos ou alterações drásticas de seu próprio comportamento em relação a uma e outra. Sua consistência em relação a todas as personalidades é uma das formas mais poderosas de ataque às defesas dissociativas do paciente. A condição se caracteriza pela destruição da segurança, da autoestima e da orientação futura. Por isso, o terapeuta deve fazer esforços para restaurar a moral e transmitir esperanças realistas. A condição se origina de experiências assoberbantes. Por isso, o ritmo da terapia é essencial. A maioria dos fracassos no tratamento ocorre quando o ritmo da terapia supera a capacidade do paciente de tolerar o material em discussão. É prudente aderir à regra dos terços: se não foi possível chegar ao material difícil que se planejava abordar no primeiro terço da sessão, trabalhar com ele no segundo, e processá-lo e reestabilizar o paciente no terceiro, sem abordar o material para que o paciente não deixe a sessão sobrecarregado. Não se pode permitir que a ab-reação se transforme em um novo trauma. A condição muitas vezes resulta da irresponsabilidade de terceiros. Por isso, o terapeuta deve ser responsável e atribuir ao paciente um alto padrão de responsabilidade, uma vez que está confiante de que este e todas as suas personalidades realmente entendem o que o comprometimento acarreta. A condição, em boa parte dos casos, resulta do fato de que pessoas que poderiam ter protegido a criança não o fizeram. O terapeuta pode antecipar que a neutralidade técnica será interpretada como rejeição e falta de interesse, e pode ser melhor assumir uma postura que permita maior expressão afetiva. O paciente tem muitos erros cognitivos. A terapia deve abordá-los e corrigi-los de forma contínua.
Adaptada de Kluft RP. Multiple personality disorder. In: Tasman A, Goldfinger SM, eds. American Psychiatric Association Review of Psychiatry. Vol 10. Washington, DC: American Psychiatric Press; 1991:161.
QUESTÕES LEGAIS A intersecção entre o diagnóstico do transtorno dissociativo de identidade e o sistema legal demonstrou ser excessivamente controversa. A polêmica em relação à sua existência, a atenção muitas vezes sensacionalista da mídia e a necessidade de excluir casos de simulação tornaram a avaliação forense do transtorno de difícil realização e defesa. As questões da competência dos pacientes para serem levados a julgamento e
731
do grau de responsabilidade pelo comportamento de diferentes estados de personalidade receberam opiniões judiciais contraditórias. As defesas mais comuns são (1) os réus com o transtorno não têm controle ou não estão conscientes de suas personalidades alternativas e, por isso, não podem ser considerados responsáveis por suas ações; (2) os mesmos não podem recordar as ações de suas personalidades alternativas e, assim, não podem participar de sua própria defesa; e (3) o diagnóstico de transtorno dissociativo de identidade impossibilita que o réu se adapte à lei ou que saiba distinguir o certo do errado. Questões comprobatórias, como a admissibilidade de entrevistas sob hipnose ou com amobarbital e a independência dos testemunhos de diferentes personalidades, se mostraram problemáticas. Em geral, a maioria dos tribunais não tem considerado a dissociação um argumento suficiente para determinar incompetência legal. As decisões têm considerado o ser humano como um todo responsável pelo comportamento de qualquer uma de suas partes.
TRANSTORNO DE DESPERSONALIZAÇÃO O DSM-IV-TR caracteriza o transtorno de despersonalização como uma alteração persistente ou recorrente na percepção do self a tal ponto que a noção da própria realidade é temporariamente perdida. Pacientes com a condição podem ter a sensação de serem autômatos, de estarem sonhando ou separados de seus corpos. Os episódios são egodistônicos, e o paciente percebe a irrealidade dos sintomas. Alguns clínicos distinguem entre despersonalização e desrealização. A despersonalização é a sensação de que o corpo ou o self é estranho e irreal, enquanto a desrealização é a percepção de objetos do mundo externo como estranhos e irreais. Tal diferenciação proporciona uma descrição mais precisa de cada fenômeno do que a obtida agrupando ambos sob a rubrica de despersonalização. Epidemiologia Como experiência ocasional na vida de muitas pessoas, a despersonalização é um fenômeno comum, e não necessariamente patológico. Estudos indicam que sua forma transitória pode ocorrer em até 70% de uma dada população, sem diferenças significativas entre homens e mulheres. Crianças experimentam-na à medida que desenvolvem a capacidade de autoconsciência, e os adultos muitas vezes sofrem uma sensação temporária de irrealidade quando viajam para lugares estranhos e novos. As informações a respeito da epidemiologia da despersonalização patológica são escassas. Em alguns estudos recentes, foi constatado que ela ocorre duas vezes mais em mulheres do que em homens, raramente é encontrada entre pessoas com mais de 40 anos e apresenta idade média de início por volta dos 16 anos.
Etiologia A despersonalização pode ser causada por uma doença psicológica, neurológica ou sistêmica. As causas sistêmicas incluem
732
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 20-9 Estágios da terapia para o transtorno dissociativo de identidade 1. Estabelecer a psicoterapia envolve criar uma atmosfera de segurança na qual o diagnóstico possa ser feito, a efetivação da estrutura do tratamento seja garantida, o paciente compreenda o conceito de aliança terapêutica de forma preliminar, a natureza do tratamento seja apresentada a ele, e estabeleçam-se confiança e esperança suficientes para que o paciente se sinta preparado para começar o que pode ser um processo longo e difícil. 2. As intervenções preliminares envolvem obter acesso às personalidades alcançáveis com maior facilidade, estabelecer acordos ou contratos com as mesmas para impedir encerramento abrupto do tratamento, danos a si próprio, suicídio e todos os comportamentos disfuncionais que o paciente puder concordar em evitar, promover a comunicação e a cooperação entre as personalidades (um processo que será a essência da abordagem daí por diante), expandir a aliança terapêutica, obtendo a aceitação do diagnóstico por parte de um número cada vez maior de personalidades (algumas vão negá-lo até o fim), e oferecer qualquer alívio sintomático possível. A hipnose pode ter um papel valioso na facilitação dessas medidas. 3. A obtenção e o mapeamento da história levam ao aprendizado a respeito das personalidades, de suas origens e da relação de umas com as outras. O paciente pode ser visto como um sistema com suas próprias regras de interação. Neste estágio, o terapeuta aprende quem, quando, por que, onde, o que em relação a cada personalidade, seus nomes (se houver), idade de início e idade autopercebida, os motivos para sua criação e persistência, em que ponto se encaixam na história geral do paciente e em sua relação com as demais personalidades, bem como seus problemas, funções e preocupações em particular. A partir disso, o terapeuta começa a trabalhar com as questões individuais e interacionais de cada uma e exige mais cooperação e colaboração. 4. O metabolismo do trauma se refere aos esforços muitas vezes extenuantes que são necessários para acessar e processar os eventos assoberbantes associados às origens do transtorno. Esse trabalho não deve ser iniciado até que se tenha alguma idéia do estado geral das coisas em termos do sistema de personalidades do paciente e pelo menos algum insight intelectual acerca de que
5.
6.
7.
8.
9.
material pode ser encontrado. Reações terapêuticas negativas são comuns. A entrada precipitada ou prematura neste estágio antes dos estágios 1 a 3 serem alcançados é uma causa freqüente de crises desnecessárias e interrupções da terapia. A busca da integração-resolução envolve a elaboração dos materiais recuperados em todas as personalidades e a facilitação de ainda mais cooperação, comunicação e consciência mútua, com maior identificação e empatia. A comunicação aumenta, muitos conflitos internos se atenuam ou se resolvem, e as personalidades começam a demonstrar alguma fusão de suas características antes discretas. Determinados pacientes experimentam difusão da identidade (p. ex., “Por um momento, não tinha certeza de quem eu era”, “Acho que sou ao mesmo tempo Sally e Joanie”). A integração-resolução consiste no fato de o paciente assumir uma postura nova e mais sólida em relação a si próprio e ao mundo. Uma colaboração tranqüila entre as personalidades constitui uma resolução, enquanto sua fusão em uma unidade é uma integração. Aprender novas habilidades de enfrentamento é importante. O paciente pode ter de enfrentar pela primeira vez perspectivas de vida que não eram apreciáveis e pode ser auxiliado a negociar as circunstâncias que antes eram tratadas de forma dissociativa de um modo mais construtivo. Muitas decisões e relacionamentos importantes podem necessitar de renegociação. A solidificação dos ganhos e a elaboração podem demandar tanta terapia quanto a integração ou a resolução. O paciente tem que reaprender a viver no mundo. Em certos casos, é interessante elaborar na transferência o que foi aprendido a respeito do passado. Questões caracterológicas que antes eram inacessíveis ou estavam escondidas sob uma gama de sintomas devem ser abordadas. Muitas vezes, é necessário um extenso treinamento para o manejo de relações e traumas intercorrentes. O acompanhamento é aconselhável por diversos motivos. A estabilidade do resultado deve ser avaliada, em especial para aqueles que optam pela resolução e não pela integração. Camadas de personalidades que não chegaram a aparecer no tratamento anterior podem ser encontradas, e alguns bons resultados aparentes são pseudomelhoras transitórias.
Adaptada de Kluft RP. Multiple personality disorder. In: Tasman A, Goldfinger SM, eds. American Psychiatric Association Review of Psychiatry. Vol 10. Washington, DC: American Psychiatric Press;1991:161.
distúrbios endócrinos da tireóide e do pâncreas. Experiências de despersonalização foram associadas a epilepsia, tumores cerebrais, privação sensorial e trauma emocional, e algumas de suas manifestações resultaram da estimulação elétrica do córtex dos lobos temporais durante neurocirurgias. A condição está associada a uma variedade de substâncias, incluindo álcool, barbitúricos, benzodiazepínicos, escopolamina, antagonistas do receptor β-adrenérgico, maconha e praticamente qualquer substância semelhante à fenciclidina (PCP) ou alucinógenos. A ansiedade e a depressão são fatores predisponentes, bem como o estresse grave experimentado, por exemplo, em combate ou em um acidente automobilístico. A despersonalização é um sintoma associado com muita freqüência a transtornos de ansiedade, transtornos depressivos e esquizofrenia.
TABELA 20-10 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno de despersonalização A. Experiências persistentes ou recorrentes de sentir-se desligado de si próprio e como se o indivíduo fosse um observador dos próprios processos mentais ou do próprio corpo (p. ex., sentir-se como em um sonho). B. Durante a experiência de despersonalização, o teste de realidade permanece intacto. C. A despersonalização causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. D. A experiência não ocorre exclusivamente durante o curso de outro transtorno mental, como esquizofrenia, transtorno de pânico, transtorno de estresse agudo ou outro transtorno dissociativo, nem se deve aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., droga de abuso, medicamento) ou de uma condição médica geral (p. ex., epilepsia do lobo temporal). De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
Diagnóstico e características clínicas Os critérios do DSM-IV-TR para o transtorno (Tab. 20-10) requerem episódios persistentes ou recorrentes de despersonalização que resultem em sofrimento significativo para os pa-
Psiquiatria_07-kaplan-CAP20-23.p65
732
cientes ou comprometimento de sua capacidade de funcionar em relacionamentos sociais, ocupacionais ou interpessoais. Este transtorno se diferencia dos transtornos psicóticos pelo requi-
29/5/2008, 11:45
TRANSTORNOS DISSOCIATIVOS
sito diagnóstico de que o teste da realidade se mantenha intacto. Tal condição não pode ser diagnosticada se os sintomas forem melhor explicados por qualquer outro transtorno mental, ingestão de substâncias ou condição médica geral. A característica central da despersonalização é a sensação de irrealidade e estranhamento. Processos mentais e eventos externos continuam exatamente como antes, mas não parecem mais ter qualquer relação ou significado para a pessoa. Partes do corpo ou o ser físico total podem parecer estranhos, assim como operações mentais e comportamentos costumeiros. Particularmente comum é a sensação de uma mudança no próprio corpo; por exemplo, os pacientes podem sentir que suas extremidades são maiores ou menores do que o normal. A hemidespersonalização, a sensação de que metade do corpo é irreal ou não existe, pode estar relacionada a doença do lobo parietal contralateral. A ansiedade costuma acompanhar o transtorno, e muitos pacientes se queixam de distorções da noção de tempo e espaço. Um fenômeno ocasional é a duplicação. Nela, os pacientes sentem que seu ponto de consciência está fora do corpo, muitas vezes a alguns metros acima dele, de onde se observam como se fossem pessoas totalmente distintas. Em alguns casos, acreditam que estão em dois lugares ao mesmo tempo, condição denominada paramnésia reduplicativa ou orientação dupla. A maioria deles está ciente da sua perturbação em relação à noção de realidade, e tal consciência é considerada uma das características definidoras do transtorno. Marlene Steinberg relatou os seguintes exemplos de entrevistas com pacientes com o transtorno: SENTIMENTOS DE IRREALIDADE “É muito estranho. É como se eu estivesse aqui mas não estou realmente aqui, como se tivesse saído de dentro de mim mesmo, como um fantasma... Sinto-me muito leve, vazio e leve, como se fosse sair flutuando... Às vezes, chego a olhar para mim mesmo deste jeito... É uma sensação legal, estranha. Fico totalmente entorpecido com ela.”
733
PERCEPÇÕES EXTERNAS “[Tudo] parece diferente, como em um sonho, um entorpecimento, as coisas são imprecisas... lembro quando isso começou, estava na faculdade e fui para casa, e a única coisa que passava pela minha cabeça era que eu queria ir para casa, queria ir para casa, e de repente estava em casa, mas aquilo continuava surgindo na minha cabeça... tudo sempre parece irreal... as outras pessoas, eu mesmo, simplesmente tudo.” Diagnóstico diferencial A despersonalização pode ocorrer como um sintoma em vários outros transtornos (Tab. 20-11). Sua manifestação em pacientes com transtornos depressivos e esquizofrenia deve alertar os clínicos para a possibilidade de que alguém que se queixa de sensações de irrealidade e estranhamento pode estar sofrendo de um desses transtornos mais comuns. A história e o exame do estado mental são capazes de revelar as características próprias de transtornos depressivos e esquizofrenia. Como drogas psicotomiméticas muitas vezes induzem alterações duradouras na experiência da realidade do self e do ambiente, os médicos devem indagar a respeito de seu uso. A presença de outros fenômenos clínicos em pacientes que se queixam de sensação de irrealidade deve ter precedência na determinação do diagnóstico. Em geral, a determinação de transtorno de despersonalização é reservada para aquelas condições nas quais a despersonalização constitui o sintoma predominante. O fato de que os fenômenos de despersonalização podem resultar de graves perturbações da função cerebral cria a necessidade de uma avaliação neurológica, em especial quando a condição não é acompanhada de outros sinais psiquiátricos comuns e óbvios. Em particular, a possibilidade de tumor cerebral ou epilepsia deve ser considerada. A experiência de despersonalização pode ser o primeiro sintoma de um distúrbio neurológico.
TABELA 20-11 Causas de despersonalização
PERCEPÇÕES CORPORAIS “Simplesmente não parece real. Nada me parece real, incluindo meu corpo... Eu estava me olhando no espelho e, de repente, tive a sensação de que a imagem no espelho é que estava olhando para mim.” PERCEPÇÕES COMPORTAMENTAIS “Sente-se como se não fosse você mesmo, não pensa como normalmente faz. Sente-se estranho... Eu preciso me concentrar muito mais nas coisas... Sinto como se a maioria das pessoas estivesse com o cérebro em piloto automático, mas tenho que dar corda no meu, como se estivesse sempre me esforçando e sempre tentando me lembrar das coisas, tentando me concentrar... É quase como se não pudesse visualizar coisas na minha cabeça de um jeito normal, quando você realmente vê coisas... eu não consigo fazer isso muito bem.”
Distúrbios neurológicos Epilepsia Enxaqueca Tumores cerebrais Doença cerebrovascular Trauma cerebral Encefalite Paresia geral Demência do tipo Alzheimer Doença de Huntington Degeneração espinocerebelar Distúrbios tóxicos e metabólicos Hipoglicemia Hipoparatireoidismo Envenenamento com monóxido de carbono Intoxicação com mescalina Botulismo Hiperventilação Hipotireoidismo
Transtornos mentais idiopáticos Esquizofrenia Transtornos depressivos Episódios maníacos Transtorno conversivo Transtornos de ansiedade Transtorno obsessivo-compulsivo Transtornos da personalidade Síndrome fóbica-ansiosa de despersonalização Em pessoas normais Exaustão Tédio, privação sensorial Choque emocional Na hemidespersonalização Lesão cerebral focal lateralizada (em geral no lobo parietal direito)
Adaptada de Cummings JL. Dissociative states, depersonalization, multiple personality, episodic memory lapses. In: Cummings JL, ed. Clinical Neuropsychiatry. Orlando, FL: Grune & stratton; 1985:123.
734
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Curso e prognóstico Na maioria dos pacientes, os sintomas de despersonalização aparecem de maneira súbita; apenas alguns relatam início gradual. O transtorno começa com maior freqüência entre os 15 e os 30 anos de idade, mas já foi observado em pacientes de apenas 10 anos; e ocorre com menor regularidade após os 30 anos e quase nunca nas últimas décadas da vida. Alguns estudos de acompanhamento indicam que, em mais de 50% dos casos, a despersonalização tende a ser uma condição duradoura. Os sintomas, em vários casos, têm curso regular, sem qualquer flutuação significativa de intensidade, mas também podem ocorrer de maneira episódica, separados por intervalos livres de sintomas. Pouco se sabe a respeito dos fatores precipitantes, embora o início do transtorno já tenha sido observado durante um período de relaxamento após um estresse psicológico fatigante. A condição às vezes é precedida de um ataque de ansiedade aguda, em geral acompanhado de hiperventilação. Tratamento Pouca atenção foi dada ao tratamento de pacientes com transtorno de despersonalização. Nos dias de hoje, existem dados escassos sobre os quais basear um tratamento farmacológico específico, mas a ansiedade costuma responder a agentes antiansiedade. Os transtornos subjacentes (p. ex., esquizofrenia) também podem ser tratados farmacologicamente. Da mesma forma, abordagens psicoterapêuticas ainda não foram testadas. Assim como para todos os pacientes com sintomas neuróticos, a decisão de usar psicanálise ou psicoterapia orientada para o insight é determinada não pela presença do sintoma em si, mas por uma variedade de indicações positivas derivadas de uma avaliação da personalidade, das relações humanas e da situação de vida do paciente. TRANSTORNO DISSOCIATIVO SEM OUTRA ESPECIFICAÇÃO O diagnóstico de transtorno dissociativo sem outra especificação é aplicado a transtornos com características dissociativas que não satisfazem os critérios diagnósticos para amnésia dissociativa, fuga dissociativa, transtorno dissociativo de identidade ou transtorno de despersonalização. Os exemplos do DSM-IV-TR (Tab. 20-12) levam em conta mudanças nos critérios diagnósticos para os outros transtornos dissociativos. Especificamente, o exemplo 1 descreve pacientes que não satisfazem os critérios diagnósticos para transtorno dissociativo de identidade porque a segunda personalidade não é distinta o suficiente ou pela ausência de um período de amnésia. Segundo o DSM-IV-TR, a desrealização na ausência de despersonalização é um exemplo de transtorno dissociativo sem outra especificação. Transtorno de transe dissociativo O DSM-IV-TR acrescenta, como um exemplo de transtorno dissociativo sem outra especificação, pacientes com alterações únicas ou episódi-
TABELA 20-12 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno dissociativo sem outra especificação Esta categoria destina-se a transtornos nos quais a característica predominante é um sintoma dissociativo (i.e., uma perturbação nas funções habitualmente integradas da consciência, memória, identidade ou percepção do ambiente) que não satisfaz os critérios para qualquer transtorno dissociativo específico. Exemplos: 1. Quadros clínicos similares ao transtorno dissociativo de identidade que não satisfazem todos os critérios para este transtorno. Por exemplo, apresentações nas quais a) não existem dois ou mais estados distintos de personalidade ou b) não ocorre amnésia para informações pessoais importantes. 2. Desrealização não acompanhada de despersonalização em adultos. 3. Estados dissociativos ocorridos em indivíduos submetidos a períodos de persuasão coercitiva prolongada e intensa (p. ex., lavagem cerebral, reforma de pensamentos ou doutrinação em cativeiro). 4. Transtorno de transe dissociativo: perturbações isoladas ou episódicas do estado de consciência, identidade ou memória, inerentes a determinados locais e culturas. O transe dissociativo envolve o estreitamento da consciência quanto ao ambiente imediato, comportamentos ou movimentos estereotipados vivenciados como estando além do controle do indivíduo. O transe de possessão envolve a substituição do sentimento costumeiro de identidade pessoal por uma nova identidade, atribuída à influência de um espírito, poder, divindade ou outra pessoa, e associada a movimentos estereotipados “involuntários” ou amnésia, e é talvez o transtorno dissociativo mais comum na Ásia. Exemplos: amok (Indonésia), bebainan (Indonésia), latah (Malásia), pibloktoq (Ártico), ataque de nervios (América Latina) e possessão (Índia). O transtorno dissociativo ou de transe não representa um componente normal da prática cultural ou religiosa amplamente aceita pela cultura. 5. Perda de consciência, estupor ou coma não atribuíveis a uma condição médica geral. 6. Síndrome de Ganser: oferecimento de respostas aproximadas a questões (p. ex., “2 mais 2 é igual a 5”), quando não associado a amnésia dissociativa ou fuga dissociativa. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
cas da consciência que se limitam a locais ou culturas em particular. O exemplo afirma que “o transtorno dissociativo ou de transe não representa um componente normal da prática cultural ou religiosa amplamente aceita pela cultura”. O DSM-IV-TR inclui em seus apêndices um conjunto sugerido de critérios diagnósticos para o transtorno de transe dissociativo (Tab. 20-13). Este é semelhante ao diagnóstico de transtorno de transe e possessão da décima revisão da Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID10). Os critérios diagnósticos requerem que os sintomas causem sofrimento significativo ao paciente ou comprometimento de sua capacidade de funcionar. O transe é um estado alterado de consciência em que os pacientes exibem menor responsividade a estímulos ambientais. As crianças podem ter períodos amnésticos repetidos ou estados semelhantes a transes após abusos físicos ou traumas. Os estados de possessão e transe são formas curiosas e pouco compreendidas de dissociação. Aparentemente, são comuns em médiuns que conduzem sessões espíritas. Estes entram em um estado dissociativo, durante o qual uma pessoa do dito mundo dos espíritos assume grande parte de sua consciência e influencia seus pensamentos e sua fala. A escrita automática e a leitura de bolas de cristal são manifestações menos comuns de estados de transe e possessão. No caso da primeira, a
TRANSTORNOS DISSOCIATIVOS
TABELA 20-13 Critérios de pesquisa do DSM-IV-TR para transtorno de transe dissociativo A. Ou (1) ou (2): (1) um transe, isto é, alteração acentuada e temporária no estado de consciência ou perda da sensação habitual de identidade pessoal sem substituição por uma identidade alternativa, associado a pelo menos um dos seguintes: (a) estreitamento da consciência em relação ao ambiente imediato, ou foco incomumente estreito e seletivo em relação aos estímulos ambientais (b) comportamentos ou movimentos estereotipados experimentados como fora do controle do sujeito (2) transe de possessão, uma alteração única ou episódica do estado de consciência caracterizada pela substituição da sensação costumeira de identidade pessoal por uma nova. É atribuído à influência de um espírito, poder, deidade ou outra pessoa, conforme evidenciado por um (ou mais) dos seguintes: (a) comportamentos ou movimentos estereotipados e culturalmente determinados experimentados como sendo controlados pelo agente possessivo (b) amnésia completa ou parcial do evento B. O estado de transe ou possessão não é aceito como parte normal de uma prática cultural ou religiosa coletiva. C. O estado de transe ou possessão causa sofrimento clinicamente significativo ou comprometimento do funcionamento social ou ocupacional ou de outras áreas importantes do funcionamento. D. O estado de transe ou possessão não ocorre exclusivamente durante o curso de um transtorno psicótico (incluindo transtorno do humor com características psicóticas e transtorno psicótico breve) ou transtorno dissociativo de identidade, e não se deve aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância ou uma condição médica geral. De American Psychiatric Association, Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permisssão.
dissociação afeta somente o braço e a mão que escrevem as mensagens, que muitas vezes revelam conteúdos mentais dos quais a pessoa que escreve não estava ciente. A segunda resulta em um estado de transe no qual alucinações visuais são proeminentes. Fenômenos relacionados ao estado de transe incluem a hipnose da estrada e estados mentais semelhantes experimentados por pilotos de avião. A monotonia do movimento em alta velocidade em ambientes que oferecem poucas distrações ao operador do veículo leva à fixação em um único objeto, como, por exemplo, um mostrador do painel de instrumentos ou o horizonte interminável de uma estrada que se estende por quilômetros. Quando isso resulta em um estado de consciência semelhante ao transe, podem ocorrer alucinações visuais, e o perigo de um acidente sério sempre está presente. Possivelmente, na mesma categoria se incluem as alucinações e os estados mentais dissociados de pacientes que estiveram confinados em respiradores por períodos longos sem distrações ambientais adequadas. As religiões de muitas culturas reconhecem que a prática da concentração pode levar a uma variedade de fenômenos dissociativos, tais como alucinações, paralisia e outras perturbações sensoriais.
735
reprimido é trazido à consciência, a pessoa não apenas recorda a experiência, mas pode revivê-la acompanhada da resposta afetiva apropriada (processo denominado ab-reação). Se o evento recordado nunca aconteceu de verdade, mas a pessoa acredita que ele seja verdadeiro e reage de acordo, o quadro é conhecido como síndrome da memória falsa. A síndrome da memória recuperada tem sido cercada de controvérsias porque várias vítimas de abusos processaram seus abusadores, muitos dos quais foram condenados tendo como única prova as lembranças recuperadas. Os problemas surgem porque a memória está sujeita a distorções e falsificações retrospectivas que também podem ser influenciadas pelo terapeuta. Em crianças, memórias de abuso muitas vezes são “recuperadas” por advogados de acusação excessivamente zelosos ou pelos ditos especialistas em recuperação de memória, alguns dos quais sem qualquer qualificação. Essas medidas tendem a ser contaminadas pela sugestionabilidade das crianças e pelos preconceitos de seus interrogadores adultos. Thomas E. Gutheil descreve a memória como uma “tábua fina – que não é forte o suficiente para suportar o peso de um caso judicial”. Mesmo se a memória do abuso for real, o abusador não é a pessoa do presente, mas a do passado. Ele não acredita que os processos sirvam às metas psicológicas dos pacientes. A atenção clínica deve ser direcionada para ajudá-los a deixar de lado o papel restritivo e limitador de vítima e transcender seus traumas passados, elaborá-los e tentar seguir adiante com suas vidas.
Síndrome de Ganser A síndrome de Ganser é a produção voluntária de sintomas psiquiátricos graves, às vezes descritos como dar respostas aproximadas ou exageradas (p. ex., quando solicitado a multiplicar 4 vezes 5, o paciente responde 21). A condição pode ocorrer em pessoas com outros transtornos mentais, tais como esquizofrenia, transtornos depressivos, estados tóxicos, paralisia, transtornos por uso de álcool e transtorno factício. Os sintomas psicológicos geralmente representam a noção do paciente acerca da doença mental, mais do que qualquer categoria diagnóstica reconhecida. A síndrome costuma estar associada a fenômenos dissociativos como amnésia, fuga, perturbações da percepção e sintomas conversivos. Parece ser mais comum em homens e em prisioneiros, embora os dados de prevalência e padrões familiares não estejam estabelecidos. Um forte fator predisponente é a existência de um transtorno grave da personalidade. O diagnóstico diferencial pode ser extremamente difícil. A menos que o paciente admita a natureza factícia dos sintomas que apresenta ou que evidências conclusivas de testes psicológicos objetivos indiquem que tais sintomas são falsos, os clínicos podem não ser capazes de determinar se o transtorno é verdadeiro. A síndrome pode ser reconhecida por sua natureza pansintomática ou pelo fato de que os sintomas muitas vezes são piores quando os pacientes acreditam que estão sendo observados. A recuperação é súbita, e os pacientes afirmam amnésia em relação aos eventos. A síndrome de Ganser era classificada como um transtorno factício.
Síndrome da memória recuperada LAVAGEM CEREBRAL Sob hipnose ou durante a psicoterapia, um paciente pode recuperar uma lembrança etiologicamente significativa de uma experiência dolorosa ou conflito – em particular de abuso sexual ou físico. Quando o material
O DSM-IV-TR descreve este transtorno dissociativo sem outra especificação como “estados dissociativos ocorridos em indivíduos que foram
736
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
submetidos a períodos de persuasão coercitiva prolongada e intensa (p. ex., lavagem cerebral, reforma de pensamentos ou doutrinação em cativeiro)”. O termo lavagem cerebral foi cunhado por um jornalista americano na década de 1950 a partir de ideogramas chineses que podem ser traduzidos com mais precisão como “reforma do pensamento”. Hoje, os termos lavagem cerebral, reforma de pensamento, persuasão coercitiva e controle da mente são, para fins práticos, usados como sinônimos e equivalentes. Tal prática ocorre quase sempre no contexto de reformas políticas (como foi descrito extensamente na revolução cultural da China comunista), prisioneiros de guerra, tortura de dissidentes políticos, reféns de terroristas e, mais familiar na cultura ocidental, doutrinação por parte de cultos totalitários. O princípio é que, sob condições adequadas de estresse e privação, os indivíduos podem ser levados a obedecer às exigências dos que estão no poder, sofrendo assim grandes mudanças em sua personalidade, crenças e comportamentos. Pessoas submetidas a essas condições podem sofrer danos consideráveis, incluindo a perda da saúde e da vida, manifestando uma variedade de sintomas pós-traumáticos e dissociativos. O primeiro estágio dos processos coercitivos foi comparado à criação artificial de uma crise de identidade, com a emergência de uma nova pseudo-identidade que manifesta características de um estado dissociativo. Sob circunstâncias de dependência extrema e maligna, vulnerabilidade e perigo à própria vida, os indivíduos desenvolvem um estado caracterizado por extrema idealização de seus captores, com identificação com o agressor e externalização de seu superego, uma adaptação regressiva conhecida como infantilismo traumático, paralisia da vontade e estado de sobressalto permanente. As técnicas de coerção usadas para induzir esses estados foram amplamente descritas e incluem isolamento, degradação, controle de todas as comunicações e funções diárias básicas, indução de medo e confusão, pressão de pares, rotinas repetitivas e monótonas, imprevisibilidade dos suprimentos ambientais, re-
núncia a relacionamentos e valores anteriores e vários tipos de privação. Ainda que o abuso físico ou sexual, a tortura, a privação sensorial e a negligência física extrema possam fazer parte desse processo, não são um pré-requisito para definir um processo de coerção. Como resultado, as vítimas estudadas manifestam extensa sintomatologia pós-traumática e dissociativa, incluindo alteração drástica de identidade, valores e crenças; redução da flexibilidade cognitiva com regressão a percepções simplistas de bem e mal e dominação e submissão; embotamento da experiência e do afeto; estados semelhantes a transes e responsividade ambiental diminuída; e, em alguns casos, sintomas dissociativos mais graves como amnésia, despersonalização e mudanças de identidade. O tratamento pode variar de forma considerável dependendo de sua história particular, das circunstâncias envolvidas e do ambiente no qual a ajuda é oferecida. Embora não haja estudos sistemáticos neste domínio, os princípios básicos envolvem a validação da experiência traumática e das técnicas de coerção usadas, reformulação cognitiva dos eventos, exploração de psicopatologias e vulnerabilidades preexistentes e técnicas gerais usadas no tratamento de estados pós-traumáticos e dissociativos. Além disso, terapia e intervenções familiares podem ser necessárias, pelo menos nos casos de doutrinação por cultos, cujas vítimas costumam ter conflitos familiares significativos.
CID-10 A CID-10 organiza os transtornos dissociativos (conversivos) de uma forma um tanto diferente do DSM-IV-TR. Esta categoria abrange amnésia dissociativa, fuga dissociativa, estupor dissociativo, transtornos de transe e possessão, transtornos dissociativos motores, convulsões dissociativas, anestesia e perda sensorial dissociativa, transtornos dissociativos mistos, outros transtornos dissociativos e transtorno dissociativo não-especificado (Tab. 20-14).
TABELA 20-14 Critérios diagnósticos da CID-10 para transtornos dissociativos (conversivos) G1. Não deve haver evidências de um distúrbio físico que possa explicar os sintomas característicos deste transtorno (embora possam estar presentes alterações físicas que originem outros sintomas). G2. Existem associações temporais convincentes entre o início dos sintomas do transtorno e eventos estressantes, problemas ou necessidades. Amnésia dissociativa A. Os critérios gerais para transtorno dissociativo devem ser satisfeitos. B. Deve haver amnésia parcial ou completa para eventos recentes ou problemas que foram ou ainda são traumáticos ou estressantes. C. A amnésia é muito extensa e persistente para ser explicada por um esquecimento comum (embora sua profundidade e extensão possam variar de uma avaliação para outra) ou por simulação intencional. Fuga dissociativa A. Os critérios gerais para transtorno dissociativo devem ser satisfeitos. B. O indivíduo realiza uma jornada inesperada porém organizada para longe de sua casa ou de seus locais comuns de trabalho e atividades sociais, durante a qual os cuidados consigo mesmo são, em grande parte, mantidos.
C. Existe amnésia parcial ou completa para a jornada, que também satisfaz o Critério C para amnésia dissociativa. Estupor dissociativo A. Os critérios gerais para transtorno dissociativo devem ser satisfeitos. B. Existe uma diminuição profunda ou ausência de fala e movimentos voluntários e da responsividade normal a luz, ruídos e toques. C. O tônus muscular, a postura estática e a respiração normais (e muitas vezes movimentos oculares coordenados limitados) são mantidos. Transtornos de transe e possessão A. Os critérios gerais para transtorno dissociativo devem ser satisfeitos. B. Um dos seguintes deve estar presente: (1) Transe. Existe uma alteração temporária do estado da consciência, demonstrada por dois dos seguintes: (a) perda da noção habitual de identidade pessoal; (b) estreitamento da consciência do ambiente imediato, ou um foco incomumente estreito e seletivo em certos estímulos ambientais; (c) limitação de movimentos, postura e fala à repetição de um pequeno repertório. (2) Transtorno de possessão. O indivíduo é convencido de que foi possuído por um espírito, poder, deidade ou outra pessoa.
(Continua)
TRANSTORNOS DISSOCIATIVOS
737
TABELA 20-14 (Continuação) C. Tanto (1) quanto (2) do Critério B devem ser indesejados e problemáticos, ocorrendo fora de estados semelhantes em situações religiosas ou outras situações culturalmente aceitas, ou sendo seu prolongamento. D. Critério de exclusão mais comum. O transtorno não ocorre ao mesmo tempo que a esquizofrenia ou transtornos relacionados, ou transtornos do humor (afetivos) com alucinações ou delírios. Transtornos motores dissociativos A. Os critérios gerais para transtorno dissociativo devem ser satisfeitos. B. Um dos dois deve estar presente: (1) Perda completa ou parcial da capacidade de realizar movimentos que normalmente estão sob controle voluntário (incluindo a fala); (2) Graus variados de descoordenação ou ataxia ou incapacidade de ficar em pé sem ajuda. Convulsões dissociativas A. Os critérios gerais para transtorno dissociativo devem ser satisfeitos. B. O indivíduo exibe movimentos espasmódicos súbitos e inesperados que lembram qualquer uma das variedades de crise epiléptica, mas não são seguidos de perda da consciência. C. O sintomas do Critério B não são acompanhados de mordidas na língua, hematomas ou lacerações sérias devido a quedas nem de incontinência urinária. Anestesia e perda sensorial dissociativa A. Os critérios gerais para transtorno dissociativo devem ser satisfeitos. B. Um dos dois deve estar presente: (1) Perda parcial ou completa de qualquer uma ou de todas as sensações cutâneas normais em parte ou em todo o corpo (especificar: toque, alfinetada, vibração, calor, frio);
(2) Perda completa ou parcial da visão, da audição ou do olfato (especificar). Transtornos dissociativos (conversivos) mistos Outros transtornos dissociativos (conversivos) Este código residual pode ser usado para indicar outros estados dissociativos e conversivos que satisfazem os Critérios G1 e G2 para transtorno dissociativo (conversivo) mas não satisfazem os critérios para os transtornos dissociativos listados acima. Síndrome de Ganser (respostas aproximadas) Transtorno da personalidade múltipla A. Duas ou mais personalidades distintas coexistem no indivíduo, sendo que apenas uma está evidente de cada vez. B. Cada personalidade tem suas próprias memórias, preferências e padrões de comportamento e em algum momento (e recorrentemente) assume o controle completo do comportamento do indivíduo. C. Existe uma incapacidade de recordar informações pessoais importantes que é muito extensa para ser explicada por esquecimento comum. D. Os sintomas não se devem a distúrbios mentais orgânicos (p. ex., distúrbios epilépticos) ou transtornos relacionados a substâncias psicoativas (p. ex., intoxicação ou abstinência). Transtornos dissociativos (conversivos) transitórios ocorrendo na infância e na adolescência Outros transtornos dissociativos (conversivos) especificados Não são fornecidos critérios específicos de pesquisa para todos os transtornos mencionados acima, uma vez que esses outros estados são raros e não estão bem descritos. Pesquisadores que estudam tais condições em detalhes devem especificar seus próprios critérios segundo o objetivo de seus estudos. Transtorno dissociativo (conversivo), não especificado
Reproduzida, com permissão, de World Health Organization. The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural Disorders: Diagnostic Criteria for Research. Copyright, World Health Organization, Geneva, 1993.
REFERÊNCIAS Boon S, Draijer N. Multiple personality disorder in The Netherlands: a clinical investigation of 71 patients. Am J Psychiatry. 1993;150:489. Burton N, Lane RC. The relational treatment of dissociative identity disorder. Clin Psychol Rev. 2001;21:301. Ellason JW, Ross CA. Two-year follow-up of inpatients with dissociative identity disorder. Am J Psychiatry. 1997;154:832. Elzinga BM, Bermond B, van Dyck R. The relationship between dissociative proneness and alexithymia. Psychother Psychosom. 2002;71:104. Fleisher WP, Anderson G. Dissociative disorders in adolescence. Adolesc Psychiatry. 1995;20:203. Gabbard GO. Psychodynamic Psychiatry in Clinical Practice: The DSMIV Edition. Washington, DC: American Psychiatric Press; 1994. Hollander E, Liebowitz MR, DeCaria C, Fairbanks J, Fallon B, Klein DF. Treatment of depersonalization with serotonin reuptake blockers. J Clin Psychophamacol. 1990;10:200. Kapur N. Amnesia in relation to fugue states: distinguishing a neurological form from a psychogenic basis. Br J Psychiatry. 1991;159:872. Loewenstein RJ. Multiple personality disorder. Psychiatr Clin North Am. 1991;14(3):489. Merskey H. The manufacture of personalities: the production of multiple personality disorder. Br J Psychiatry. 1992;160:327. Modestin J, Lotscher K, Erni T. Dissociative experiences and their correlates in young non-patients. Psychol Psychother. 2002;75:53. Nijenhuis ERS. Somatoform dissociation. Major symptoms of dissociative disorders. J Trauma Dissoc. 2000;1:7.
Phillips ML. Sierra M, Hunter E, et al. Service innovations: a depersonalization research unit progress report. Psychiatr Bull. 2001;25:105. Putnam FW, Loewenstein RJ. Treatment of multiple personality disorder: a survey of current practices. Am J Psychiatry. 1993;150:1048. Ross CA, Anderson G, Fleischer WP, Norton GR. The frequency of multiple personality disorder among psychiatric inpatients. Am J Psychiatry. 1991;148:1717. Ross CA, Miller SD, Reagor P, Bjornson L, Fraser GA, Anderson G. Structured interview data on 102 cases of multiple personality disorder from four centers. Am J Psychiatry. 1990;147:596. Rossini ED, Schwartz DR, Braun BG. Intellectual functioning of inpatients with dissociative identity disorder and dissociative disorder not otherwise specified. J Nerv Ment Dis. 1996;184:289. Rowan AJ, Soenbaum DH. Ictal amnesia and fugue states. Adv Neurol. 1991;55:357. Sadock BJ, Sadock VA. Dissociative disorders. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:1544. Sandberg DA, Lynn SJ. Dissociative experiences, psychopathology and adjustment, and child and adolescent maltreatment in female college students. J Abnorm Psychol. 1992;101:717. Saxe GN, van der Kolk BA, Berkowitz R, et al. Dissociative disorders in psychiatric inpatients. Am J Psychiatry. 1993;150:1037. Simeon D, Guralnik O, Knutelska M, Schmeidler J. Personality factors associated with dissociation: temperament, defenses, and cognitive schemata. Am J Psychiatry. 2002;159:489. Simeon D, Hollander E. Depersonalization disorder. Psychiatr Ann. 1993;23:382.
738
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Spiegel D, ed. Dissociative disorders. In: Tasman A, Goldfinger SM, eds. American Psychiatric Press Review of Psychiatry. Vol 10. Washington, DC: American Psychiatric Press; 1991:141. Steinberg M. Handbook for the Assessment of Dissociation: A Clinical Guide. Washington, DC: American Psychiatric Press; 1995.
Steinberg M, Rounsaville B, Cicchetti D. Detection of dissociative disorder in psychiatric patients by screening instrument and a structured diagnostic interview. Am J Psychiatry. 1991;48:1050. Torch EM. The psychotherapeutic treatment of depersonalization disorder. Hillside J Clin Psychiatry. 1987;9:133.
21 Sexualidade humana
21.1 Sexualidade normal A sexualidade é determinada pela anatomia, pela fisiologia, pela psicologia, pela cultura na qual o indivíduo vive, por sua relação com os outros e por experiências evolutivas durante todo o ciclo da vida. Inclui a percepção de ser homem ou mulher e todos os pensamentos, sentimentos e comportamentos ligados à gratificação sexual e à reprodução, incluindo a atração de uma pessoa por outra. A sexualidade normal envolve sentimentos de desejo, comportamentos que trazem prazer para o próprio indivíduo e para seu parceiro e estimulação dos órgãos sexuais primários, incluindo o coito. Além disso, é destituída de sentimentos inapropriados de culpa ou ansiedade e não é compulsiva. Em alguns contextos, o sexo fora de uma relação de compromisso, a masturbação e várias formas de estimulação que envolvem outros órgãos que não os sexuais primários constituem comportamentos normais. PSICOSSEXUALIDADE A sexualidade e a personalidade estão tão entrelaçadas que falar da sexualidade como uma entidade separada é quase impossível. Por isso, o termo psicossexual é usado para descrever o desenvolvimento e o funcionamento da personalidade na medida em que estes são afetados pela sexualidade. O termo significa mais do que sentimentos e comportamentos sexuais e não é sinônimo de libido no sentido freudiano. A generalização de Sigmund Freud de que todos os impulsos e atividades prazerosas são originalmente sexuais deu aos leigos uma visão um tanto distorcida dos conceitos sexuais e apresentou aos psiquiatras um quadro confuso da motivação. Por exemplo, algumas atividades orais estão voltadas para a obtenção de alimento e outras estão voltadas para a obtenção de gratificação sexual. Ambas buscam o prazer e usam os mesmos órgãos, mas não são, como defendia Freud, necessariamente sexuais. Rotular todos os comportamentos de busca de prazer como sexuais torna impossível especificar suas motivações precisas. As pessoas também podem usar atividade sexuais para a gratificação de necessidades nãosexuais, como a dependência, a agressividade, o poder e o status.
Embora impulsos tanto sexuais quanto não-sexuais possam motivar o comportamento, a avaliação destes depende da compreensão das motivações individuais subjacentes e suas interações. APRENDIZADO SEXUAL NA INFÂNCIA Antes de Freud descrever os efeitos das experiências infantis na personalidade dos adultos, a universalidade da atividade e do aprendizado sexuais em crianças não era reconhecida. A maior parte dessas experiências ocorrem sem o conhecimento dos pais, mas a conscientização do sexo de uma criança influencia de forma efetiva o comportamento parental. Crianças do sexo masculino, por exemplo, tendem a ser tratadas com mais rigor, enquanto as do sexo feminino tendem a ser mais abraçadas. Os pais passam mais tempo com seus filhos do que com suas filhas quando bebês, e também tendem a estar mais cientes das preocupações de seus filhos adolescentes do que das ansiedades das filhas. Os meninos têm maior probabilidade de receber castigos físicos. O sexo de uma criança afeta a tolerância parental à agressividade e o reforço ou a extinção de certas atividades e de interesses intelectuais, estéticos e atléticos. A observação de bebês revela que brincar com os genitais faz parte do desenvolvimento normal. Segundo Harry Harlow, a interação com a mãe e com os pares é necessária para o desenvolvimento do comportamento sexual adulto efetivo em macacos, um achado que tem relevância para a socialização normal das crianças. Durante um período crítico do desenvolvimento, os bebês são especialmente suscetíveis a certos estímulos, os quais, depois, podem tornar-se sem influência. A relação detalhada entre períodos importantes e o desenvolvimento psicossexual ainda precisa ser melhor estabelecida. Os estágios do desenvolvimento psicossexual de Freud – oral, anal, fálico, latente e genital – oferecem um referencial amplo. FATORES PSICOSSEXUAIS A sexualidade depende de quatro fatores psicossexuais inter-relacionados: identidade sexual, identidade de gênero, orientação sexual e comportamento sexual. Esses fatores afetam o crescimento, o desenvolvimento e o funcionamento da personalidade. A sexualidade é
740
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
algo maior do que o sexo físico, com ou sem coito, e algo menor do que todos os comportamentos direcionados à obtenção de prazer. Identidade sexual e identidade de gênero A identidade sexual é o padrão de características sexuais biológicas de uma pessoa: cromossomos, genitália externa, genitália interna, composição hormonal, gônadas e características sexuais secundárias. No desenvolvimento normal, tais aspectos formam um padrão coeso, que não deixa dúvidas para a pessoa quanto ao seu sexo. A identidade de gênero é a sensação de masculinidade ou feminilidade. Identidade sexual. Estudos embriológicos modernos demonstraram que todos os embriões mamíferos, sejam geneticamente masculinos (genótipo XY) ou femininos (genótipo XX), apresentam uma anatomia feminina durante os primeiros estágios da vida fetal. A diferenciação entre os sexos resulta da ação de andrógenos fetais, que começa em torno da sexta semana da vida embrionária e se completa ao final do terceiro mês (Fig. 21.1-1). Estudos recentes explicaram os efeitos dos hormônios fetais na masculinização ou feminilização do cérebro. Em animais, a estimulação hormonal pré-natal do cérebro é necessária para o comportamento reprodutivo e copulatório. O feto também é vulnerável a andrógenos exógenos durante esse período. Por exemplo, se uma mulher grávida recebe uma quantidade suficiente de andrógenos exógenos, seu feto do sexo feminino, que possui ovários, pode desenvolver uma genitália externa que lembra a de um homem (Tab. 21.1-1). Diferenciação sexual Tubérculo genital Pregas uretrais Fenda urogenital Saliência genital Proctódio Cauda Glande Tubérculo genital Fenda urogenital Pregas uretrais Saliência genital Ânus Glande do pênis Clitóris Meato uretral
TABELA 21.1-1 Classificação de transtornos intersexuaisa Síndrome
Descrição
Hiperplasia adrenal virilizante (síndrome adrenogenital)
Resulta do excesso de andrógenos no feto com genótipo XX; é o transtorno intersexual feminino mais comum, associado a aumento do clitóris, lábios unidos e hirsutismo na adolescência Resulta da ausência do segundo cromossomo sexual feminino (XO); associada a pescoço alado, nanismo, ulna valga, infertilidade; não há produção de hormônios sexuais; portadores geralmente designados como mulheres devido à aparência feminina dos genitais Genótipo XXY; presença de constituição masculina com pênis pequeno e testículos rudimentares devido à baixa produção de andrógenos; libido fraca; portadores geralmente designados como homens Transtorno recessivo congênito ligado ao X que resulta na incapacidade
Síndrome de Turner
Síndrome de Klinefelter
Síndrome de insensibilidade andrógenos (síndos drome testicular feminilizante)
tecidos de responder a andrógenos; os genitais externos parecem femininos e estão presentes testículos criptórquios; portadores designados como mulheres apesar do genótipo XY; em formas extremas, o paciente tem mamas, genitais externos normais, vagina curta em fundo cego e ausência de pêlos pubianos e axilares Defeitos enzimáticos no Interrupção congênita da produção de genótipo XY (p. ex., detestosterona que produz genitais amficiência de 5-α-reductabíguos e constituição feminina; portase, deficiência de 17-hidores costumam ser designados droxiesteróide) como mulheres devido à aparência feminina dos genitais Hermafroditismo O verdadeiro hermafrodita é raro e se caracteriza pela presença simultânea de ovários e testículos (pode ser 46 XX ou 46 XY) Pseudo-hermafroditismo Em geral, resulta de defeitos endócrinos ou enzimáticos (p. ex., hiperplasia adrenal) em pessoas com cromossomos normais; pseudo-hermafroditas femininos têm genitais de aparência masculina, mas são XX; pseudo-hermafroditas masculinos têm testículos e genitais externos rudimentares e são XY; designados como homens ou mulheres, dependendo da morfologia dos genitais aOs transtornos intersexuais incluem uma variedade de síndromes que caracterizam pessoas com aspectos anatômicos ou fisiológicos acentuados do sexo oposto.
Pequenos lábios Escroto Orifício vaginal Grandes lábios
Rafe
Ânus
FIGURA 21.1-1 Diferenciação da genitália externa a partir de primórdios indiferenciados. A diferenciação masculina ocorre somente na presença de estimulação andrógena durante as primeiras 12 semanas da vida fetal. (Reproduzida de Van Wyk e Grumbach, 1968, com permissão de Brobeck JR, ed. Best & Taylor’s Physiological Basis of Medical Practice. 9th ed. Baltimore: Williams & Wilkins, 1973.)
Identidade de gênero. Aos 2 ou 3 anos de idade, quase todos já têm uma firme convicção de “sou homem” ou “sou mulher”. Mesmo assim, ainda que a masculinidade e a feminilidade se desenvolvam normalmente, as pessoas ainda precisam estabelecer um senso de masculino ou feminino. A identidade de gênero, segundo Robert Stoller, “conota aspectos psicológicos do comportamento relacionados à masculinidade e à feminilidade”. Ele considera o gênero, social; e o sexo,
SEXUALIDADE HUMANA
biológico: “Com maior freqüência, os dois são congruentes, isto é, os homens tendem a ser masculinos; e as mulheres, femininas”. Mas sexo e gênero podem desenvolver-se de formas conflitantes ou mesmo opostas. A identidade de gênero resulta de múltiplas influências derivadas de experiências com membros da família, professores, amigos e colegas de trabalho e de fenômenos culturais. As características físicas derivadas do sexo biológico de uma pessoa – como a compleição física, a forma do corpo e as dimensões físicas – inter-relacionam-se com um sistema intrincado de estímulos, incluindo gratificações e punições e rótulos parentais de gênero, para estabelecer a identidade de gênero. Portanto, sua formação se origina das atitudes parentais e culturais, da genitália externa do bebê e de uma influência genética, a qual se torna fisiologicamente ativa por volta da sexta semana da vida fetal. Muito embora influências familiares, culturais e biológicas possam complicar o estabelecimento do próprio senso de masculinidade ou feminilidade, as pessoas em geral desenvolvem uma identificação relativamente segura com seu sexo biológico – uma identidade de gênero é estável. O comportamento do papel de gênero está relacionado e, em parte, deriva da identidade de gênero. John Money e Anke Ehrhardt descreveram tal comportamento como todas as coisas que uma pessoa diz ou faz para se revelar como portadora de status de menino ou homem, menina ou mulher. Os papéis de gênero não são estabelecidos no nascimento, mas construídos ao longo das experiências vividas, da aprendizagem casual e não-planejada, da instrução e da persuasão explícitas, assim como através da constatação espontânea de que dois mais dois às vezes são quatro e às vezes são cinco. O resultado habitual é a congruência entre a identidade e o papel de gênero. Apesar de os atributos biológicos serem significativos, o principal fator na construção de papéis apropriados ao sexo é a aprendizagem. Pesquisas sobre diferenças sexuais no comportamento infantil revelam mais semelhanças do que diferenças psicológicas. No entanto, constata-se que as meninas têm menor tendência a ataques de birra após os 18 meses de idade, e os meninos costumam ser mais agressivos física e verbalmente do que as meninas a partir dos 2 anos de idade. Ambos são igualmente ativos, mas eles são estimulados com mais facilidade em situações explosivas, quando estão em grupo. Alguns pesquisadores especulam que, embora a agressividade seja um comportamento aprendido, os hormônios masculinos podem sensibilizar a organização neural dos meninos de modo a integrar tais experiências com maior facilidade do que as meninas. O papel de gênero pode parecer oposto à identidade de gênero. As pessoas podem identificar-se com seu próprio sexo e mesmo assim adotar vestimentas, penteados e outras características do sexo oposto, ou podem identificar-se com o sexo oposto e, por conveniência, adotar muitas características comportamentais do seu próprio sexo. Uma discussão mais aprofundada das questões de gênero aparece no Capítulo 22.
PAPÉIS DE GÊNERO.
Orientação sexual A orientação sexual descreve o objeto dos impulsos sexuais de uma pessoa: heterossexual (sexo oposto), homossexual (mesmo sexo) ou bissexual (ambos os sexos).
741
Comportamento sexual Respostas fisiológicas. A resposta sexual é uma genuína experiência psicofisiológica. A excitação é desencadeada por estímulos tanto físicos quanto psicológicos, os níveis de tensão são experimentados de formas física e emocional, e, com o orgasmo, normalmente ocorre a percepção subjetiva de um pico de reação e liberação físicas. O desenvolvimento psicossexual, as atitudes psicológicas em relação à sexualidade, e as atitudes em relação ao parceiro sexual estão diretamente envolvidos e afetam a fisiologia da resposta sexual. Homens e mulheres normais experimentam uma seqüência de respostas fisiológicas à estimulação sexual. Na primeira descrição detalhada dessas respostas, William Masters e Virginia Johnson observaram que os processos fisiológicos envolvem níveis crescentes de vasocongestão e miotonia (tumescência) e a subseqüente liberação da atividade vascular e do tônus muscular como resultados do orgasmo (detumescência). As Tabelas 21.1-2 e 21.13 descrevem os ciclos de resposta sexual masculino e feminino. A revisão de texto da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR) define um ciclo de resposta de quatro fases: Fase 1, desejo; Fase 2, excitação; Fase 3, orgasmo; Fase 4, resolução. FASE 1: DESEJO. A classificação da fase de desejo (ou apetitiva), que é distinta de qualquer fase identificada somente aspectos fisiológicos, reflete a preocupação psicológica com motivações, impulsos e personalidade. Caracteriza-se por fantasias sexuais e desejo de ter atividade sexual. FASE 2: EXCITAÇÃO.
A fase da excitação, gerada por estimulação psicológica (fantasia ou presença de um objeto de amor) ou fisiológica (carícias ou beijos) ou uma combinação das duas, consiste em uma sensação subjetiva de prazer. Durante essa fase, a tumescência do pênis leva à ereção e à lubrificação vaginal. Os mamilos de ambos os sexos tornamse eretos, sendo mais comum em mulheres. O clitóris torna-se rígido e túrgido, e os pequenos lábios engrossam como resultado do ingurgitamento venoso. A excitação inicial pode durar de diversos minutos a várias horas. Com a estimulação continuada, os testículos aumentam 50% de tamanho e elevam-se. O canal vaginal exibe uma constrição característica ao longo do terço externo, conhecido como plataforma orgástica. O clitóris eleva-se e retrai-se por trás da sínfise púbica, e, como resultado, não é facilmente acessível. A estimulação da área, no entanto, causa tração dos pequenos lábios e do prepúcio, e existe movimento intraprepucial do corpo clitoriano. O tamanho das mamas da mulher aumenta em 25%. O ingurgitamento continuado do pênis e da vagina produz alterações de cor, particularmente nos pequenos lábios, que ganham um tom vermelho profundo ou vivo. Ocorrem contrações voluntárias de grandes grupos musculares, aumento das freqüências cardíaca e respiratória e elevação da pressão arterial. A excitação intensa dura de 30 segundos a vários minutos.
FASE 3: ORGASMO. A fase do orgasmo consiste em um pico de prazer sexual, com liberação da tensão sexual e contração rítmica dos músculos do períneo e dos órgãos reprodutivos pélvicos. A sensação subjetiva de inevitabilidade ejaculatória desencadeia o orgasmo masculino. Segue-se a emissão vigorosa do sêmen. O orgasmo masculino também está associado a 4 a 5 espasmos rítmicos da próstata, das vesículas semi-
742
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 21.1-2 Ciclo da resposta sexual masculinaa Órgão
Pele
Pênis
Fase de excitação
Fase orgástica
Fase de resolução
Dura de vários minutos a várias horas; excitação elevada antes do orgasmo, de 30 segundos a 3 minutos Imediatamente antes do orgasmo: rubor sexual aparece de forma inconsistente; erupção maculopapular se origina no abdome e se espalha para a parede anterior do peito, para a face e para o pescoço podendo incluir ombros e antebraços Ereção em 10 a 30 segundos causada por vasocongestão dos corpos eréteis dos corpos cavernosos; pode ocorrer perda da ereção com a introdução de estímulos assexuais ou ruídos altos; com a elevação da excitação, aumentam o tamanho da glande e o diâmetro do pênis
3 a 15 segundos
10 a 15 minutos; se não houver orgasmo, de 12 a 24 horas
Rubor bem desenvolvido
O rubor diminui na ordem inversa do aparecimento; surgimento inconsistente de película de transpiração nas solas dos pés e nas palmas das mãos
Escroto Retesamento e elevação do saco escrotal e e testículos elevação dos testículos; com o aumento da excitação, aumento de 50% no tamanho dos testículos em relação ao estado não-estimulado e achatamento contra o períneo, sinalizando ejaculação iminente Glândulas de Cowper Outros
2 a 3 gotas de fluido mucóide contendo espermatozóides viáveis são secretadas durante a excitação elevada Mamas: ereção inconsistente dos mamilos com o aumento da excitação antes do orgasmo Miotonia: contrações semi-espásticas dos músculos faciais, abdominais e intercostais Taquicardia: até 175 batimentos por minuto Pressão arterial: aumento da sistólica de 20 a 80 mm; da diastólica de 10 a 40 mm Respiração: aumentada
Ejaculação; fase de emissão marcada Ereção: involução parcial em 5 a por 3 a 4 contrações de 0,8 segun10 segundos, com período refrados do vaso, das vesículas semitário variável; detumescência tonais e da próstata; ejaculação efetal em 5 a 30 minutos tiva marcada por contrações de 0,8 segundos da uretra e jorro ejaculatório de 30 a 50 cm aos 18 anos, diminuindo com a idade, até um gotejamento aos 70 anos Nenhuma alteração Diminuição para o tamanho de linha de base devido à perda da vasocongestão; descida testicular e escrotal dentro de 5 a 30 minutos do orgasmo; a involução pode levar várias horas se não houver orgasmo Nenhuma alteração Nenhuma alteração Perda do controle muscular voluntário Reto: contrações rítmicas do esfincter Freqüência cardíaca: até 180 batimentos por minuto Pressão arterial: sistólica de 40 a 100 mm, diastólica de 20 a 50 mm Respiração: até 40 respirações por minuto
Retorno ao estado de linha de base em 5 a 10 minutos
aUma fase de desejo que consiste em fantasias sexuais e desejo de fazer sexo precede a fase da excitação. Tabela elaborada por Virginia Sadock, M.D.
nais, do vaso e da uretra. Nas mulheres, caracteriza-se por 3 a 15 contrações involuntárias do terço inferior da vagina e fortes contrações sustentadas do útero, que fluem do fundo na direção cervical. Tanto uns quanto outros têm contrações involuntárias dos esfincteres anais interno e externo. Essas e outras contrações, durante o orgasmo, ocorrem a intervalos de 0,8 segundos. Outras manifestações incluem movimentos voluntários e involuntários dos grandes grupos musculares, incluindo contrações faciais e espasmo carpopedal. A pressão arterial eleva-se 20 a 40 mm (sistólica e diastólica), e a freqüência cardíaca aumenta para até 160 batimentos por minuto. O orgasmo dura de 3 a 25 segundos e está associado a uma leve obnubilação da consciência (Fig. 21.1-2 e 21.1-3). FASE 4: RESOLUÇÃO. A resolução consiste na descongestão do sangue da genitália (detumescência), que leva o corpo outra vez a seu estado de repouso. Se houve orgasmo, a resolução é rápida e caracteriza-se por uma sensação subjetiva de bem-estar e relaxamento muscular geral. Se não ocorre, pode levar de 2 a 6 horas e estar associada a irritabilidade e desconforto. Após o orgasmo, os homens têm um período refratário que pode durar de alguns minutos a muitas horas, período em que não podem ser estimulados a ter outros orgasmos. As mulheres não têm período refratário e são capazes de múltiplos e sucessivos orgasmos.
HORMÔNIOS, NEURORMÔNIOS E COMPORTAMENTO SEXUAL Em geral, substâncias que aumentam os níveis de dopamina no cérebro potencializam o desejo, enquanto substâncias que aumentam a serotonina o diminuem. A testosterona aumenta a libido tanto de homens quanto de mulheres, embora o estrógeno seja um fator-chave na lubrificação envolvida na estimulação feminina e possa aumentar a sensibilidade da mulher à estimulação. A progesterona deprime ligeiramente o desejo em homens e mulheres, assim como o excesso de prolactina e cortisol. A oxitocina está relacionada a sensações prazerosas durante o sexo e é encontrada em níveis mais altos em mulheres e homens após o orgasmo. Diferenças de gênero em relação a desejo e estímulos eróticos Os impulsos e o desejo sexuais existem em homens e mulheres. No entanto, se o desejo for medido pela freqüência de pensamentos sexuais espontâneos, por interesse em participar de atividades sexuais e por estado de alerta para pistas sexuais, os homens
SEXUALIDADE HUMANA
743
TABELA 21.1-3 Ciclo da resposta sexual femininaa Órgão
Pele
Mamas
Clitóris
Grandes lábios Pequenos lábios Vagina
Útero Outros
Fase de excitação
Fase orgástica
Dura de vários minutos a várias horas; excitação elevada antes do orgasmo, de 30 segundos a 3 minutos Imediatamente antes do orgasmo: rubor sexual aparece de forma inconsistente; erupção maculopapular se origina no abdome e se espalha para a parede anterior do peito, para a face e para o pescoço, podendo incluir ombros e antebraços Ereção dos mamilos em dois terços das mulheres, congestão venal e aumento aureolar; o tamanho aumenta um quarto a mais do que o normal
3 a 15 segundos
Aumento do diâmetro da glande e do corpo do clitóris; imediatamente antes do orgasmo, o clitóris se retrai para dentro do prepúcio
Nenhuma alteração
Fase de resolução
10 a 15 minutos; se não houver orgasmo, de meio dia a um Rubor bem desenvolvido O rubor diminui na ordem inversa do aparecimento; surgimento inconsistente de película de transpiração nas solas dos pés e nas palmas das mãos
As mamas podem se tornar trêmulas
Retorno ao normal em cerca de 12 a 24 horas
O corpo do clitóris retorna à posição normal em 5 a 10 segundos; detumescência em 5 a 30 minutos; se não houver orgasmo, a detumescência leva várias horas Nulípara: elevam-se e achatam-se contra o períneo; Nenhuma alteração Nulípara: aumento ao tamanho normal em Multípara: congestão e edema 1 a 2 minutos Multípara: diminuição para o tamanho em 10 a 15 minutos Tamanho aumenta para 2 a 3 vezes o normal; mudan- Contrações dos peque- Retorno ao normal dentro de 5 minutos ça para rosa, vermelho, vermelho profundo antes do nos lábios proximais orgasmo Mudança de cor para roxo escuro; transudato vaginal 3 a 15 contrações do A ejaculação forma pool seminal nos dois aparece de 10 a 30 segundos após início da excitaterço inferior da vaterços superiores da vagina; a congesção; alongamento e distensão da vagina; terço infegina a intervalos de tão desaparece em segundos, ou, se não rior da vagina se contrai antes do orgasmo 0,8 segundos houver orgasmo, em 20 a 30 minutos Ascende para a pelve falsa; contrações semelhantes Contrações durante to- As contrações cessam e o útero volta para às do parto começam na excitação elevada imediatado o orgasmo a posição normal mente antes do orgasmo Miotonia Perda do controle mus- Retorno ao estado de linha de base em Algumas gotas de secreção mucóide das glândulas de cular voluntário segundos a minutos Bartholin durante o aumento da excitação Reto: contrações Cor e tamanho do colo retornam ao norColo incha ligeiramente e se eleva passivamente com rítmicas mal e o colo baixa sobre o pool seminal o útero Hiperventilação e taquicardia
aUma fase de desejo que consiste em fantasias sexuais e desejo de fazer sexo precede a fase da excitação. Tabela elaborada por Virginia Sadock, M.D.
possuem um nível mais alto de desejo em linha de base do que as mulheres, o qual pode ser biologicamente determinado. Embora fantasias sexuais explícitas sejam comuns a ambos os sexos, os estímulos externos para as fantasias costumam diferir para homens e mulheres. Muitos homens respondem a estímulos visuais de mulheres nuas ou pouco vestidas, motivados pelo desejo e interessados somente na satisfação física. As mulheres relatam responder a histórias românticas com um herói terno e efusivo, cuja paixão pela heroína o impele a um compromisso duradouro. Um fator complicador é que a sensação subjetiva feminina de estimulação nem sempre é congruente com seu estado fisiológico de excitação. De forma mais específica, sua sensação de excitação pode refletir uma prontidão para ser estimulada, mais do que a lubrificação fisiológica. Por outro lado, pode experimentar os sinais físicos da excitação sem estar ciente deles. Tal situação raramente ocorre nos homens. Masturbação A masturbação em geral é um precursor normal do comportamento sexual voltado para um objeto. Nenhuma outra forma de
atividade sexual foi mais discutida, condenada e universalmente praticada. As pesquisas de Alfred Kinsey sobre a prevalência da masturbação indicam que praticamente todos os homens e três quartos das mulheres masturbam-se em algum momento de suas vidas. Estudos longitudinais sobre o desenvolvimento mostram que a auto-estimulação sexual é comum em bebês e crianças. Assim como os bebês aprendem a explorar as funções dos dedos e da boca, aprendem a fazer o mesmo com sua genitália. Por volta dos 15 a 19 meses de idade, ambos os sexos começam a exibir autoestimulação genital. Sensações prazerosas resultam de qualquer toque delicado na região genital. Essas sensações, combinadas ao desejo comum de exploração do corpo, produzem um interesse normal no prazer masturbatório. As crianças também desenvolvem um interesse maior na genitália de outros – pais, crianças e até mesmo animais. À medida que fazem amigos, a curiosidade a respeito da sua própria genitália e da genitália dos outros motiva episódios de exibicionismo ou exploração genital. Tais experiências, exceto quando bloqueadas por um medo culposo, contribuem para um prazer continuado gerado pela estimulação sexual. Com a aproximação da puberdade, a explosão dos hormônios sexuais e o desenvolvimento das características sexuais secundárias, a
744
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Período refratário Orgasmo
Platô
Re
Res olu
uçã
o
(B)
olu
ção
Res
Excitação
sol
ção
AB C
(C)
(A)
FIGURA 21.1-2 Resposta sexual masculina. O homem pode experimentar qualquer um destes três padrões (A, B ou C) durante um ato sexual em particular. (Reproduzida, com permissão, de Walker JI, ed. Essentials of Clinical Psychiatry. Philadelphia: JB Lippincott, 1985:276.)
Platô
Reso
o
lução
ABC
Resoluçã
Excitação
so
(C)
(A)
luç
HOMOSSEXUALIDADE Em 1973, a homossexualidade foi eliminada como categoria diagnóstica pela American Psychiatric Association e, em 1980, foi removida do DSM. A décima revisão da Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-10) afirma: “A orientação sexual por si só não deve ser considerada um transtorno”. Ela reflete a mudança na compreensão da homossexualidade, que agora é considerada uma variante de freqüência regular da sexualidade humana, e não mais um transtorno patológico. Como escreveu David Hawkins: “A presença da homossexualidade não parece ser uma questão de escolha; sua expressão é uma questão de escolha”.
Orgasmo
Re
o corpo do clitóris à glande, porque esta é hipersensível à estimulação intensa. A maioria dos homens masturba-se manipulando vigorosamente o corpo do pênis e a glande. Os tabus morais contra a masturbação geraram mitos de que esta causaria doença mental ou diminuição da potência sexual, mas não há evidências científicas que corroborem tais afirmações. Ela torna-se sintoma psicopatológico somente quando se constitui em uma compulsão que foge ao controle da pessoa. Nesse caso, é um sintoma de perturbação emocional, não por ser sexual, mas por ser compulsiva. A masturbação é um aspecto universal e inevitável do desenvolvimento psicossexual e, na maioria dos casos, é adaptativa.
ão
(B)
FIGURA 21.1-3 Resposta sexual feminina. A mulher pode experimentar qualquer um destes três padrões (A, B ou C) durante um ato sexual em particular. (Reproduzida, com permissão, de Walker JI, ed. Essentials of Clinical Psychiatry. Philadelphia: JB Lippincott, 1985:276.)
curiosidade sexual intensifica-se, e a masturbação aumenta. Os adolescentes são fisicamente capazes de coito e orgasmo, mas são inibidos por limitações sociais. As pressões duais e muitas vezes conflitantes para estabelecer sua identidade sexual e controlar seus impulsos produzem uma forte tensão sexual fisiológica, que exige liberação, e a masturbação é um modo normal de reduzir tais tensões sexuais. De modo geral, os homens aprendem a masturbar-se até o orgasmo mais cedo do que as mulheres e masturbam-se com maior freqüência. Uma importante diferença emocional entre o adolescente e a criança é a presença de fantasias de coito durante a masturbação no primeiro. Essas fantasias são um adjuvante importante ao desenvolvimento da identidade sexual; na segurança comparativa da imaginação, o adolescente aprende a realizar o papel sexual adulto. Essa atividade auto-erótica costuma ser mantida até os primeiros anos da vida adulta, quando normalmente é substituída pelo coito. Casais que se relacionam sexualmente não abandonam de todo a masturbação. Quando o coito é insatisfatório ou não está disponível devido a doença ou ausência do parceiro, a auto-estimulação muitas vezes serve a uma função adaptativa, combinando prazer sensual e liberação da tensão. Kinsey relatou que, quando as mulheres se masturbam, a maioria prefere a estimulação clitoriana. Masters e Johnson afirmaram que elas preferem estimular
Definição O termo homossexualidade muitas vezes descreve o comportamento explícito de uma pessoa, sua orientação sexual e sua noção de identidade pessoal ou social. Muitos preferem identificar a orientação sexual usando termos como gay e lésbica, em vez de homossexual, que pode sugerir patologia e etiologia baseada em suas origens como termo médico, e referem-se ao comportamento sexual com termos como mesmo sexo e homem/ mulher. Hawkins escreveu que os termos gay e lésbica designam uma combinação de identidade autopercebida e identidade social e refletem a sensação da pessoa de pertencer a um grupo social que tem um rótulo comum. A homofobia é a atitude negativa ou o medo da homossexualidade ou de homossexuais. O heterossexismo é a crença de que a relação heterossexual é preferível a todas as outras e sugere discriminação contra aqueles que apresentam outras formas de sexualidade. Prevalência Ao conduzir um dos primeiros grandes estudos sobre a incidência de homossexualidade, em 1948, Kinsey relatou que 10% dos homens e 5% das mulheres eram homossexuais. Constatou ainda que 37% de todos os entrevistados haviam tido uma experiência homossexual em algum momento de suas vidas, incluindo atividades sexuais adolescentes. Desde essa época, tais números foram revisados e diminuídos em muitas pesquisas. Uma pesquisa de 1994 feita pelo U.S Bu-
SEXUALIDADE HUMANA
reau of the Census concluiu que a taxa de prevalência masculina para homossexualidade é de 2 a 3%. Um estudo de 1989 da Universidade de Chicago mostrou que menos de 1% de ambos os sexos é exclusivamente homossexual. O Instituto Alan Guttmacher constatou, em 1993, que 1% dos homens relatava atividade exclusivamente com parceiros do mesmo sexo no ano anterior, e que 2% referiam em algum momento de suas vidas experiências homossexuais. Como as pesquisas sobre o comportamento sexual não são confiáveis, não estão disponíveis dados precisos, mas órgãos governamentais americanos, como os Centros de Controle e Prevenção de Doenças, não trabalham mais com os números de Kinsey para projeções nacionais de comportamento homossexual. A Tabela 21.1-4 apresenta as estimativas mundiais de comportamento homossexual. Alguns gays e lésbicas, em especial os primeiros, relatam ter percebido sua atração pelo mesmo sexo antes da puberdade. Segundo os dados de Kinsey, cerca de metade de todos os meninos pré-púberes tiveram alguma experiência genital com um parceiro masculino. Essas experiências muitas vezes são exploratórias, particularmente quando compartilhadas com um par e não com um adulto, e tipicamente não têm um componente afetivo forte. A maioria dos gays indica o início da atração romântica ou erótica pelo mesmo sexo durante o início da adolescência. Para as mulheres, o início dos sentimentos românticos em relação a parceiras do mesmo sexo também pode acontecer na pré-adolescência, mas o reconhecimento claro da preferência tende a ocorrer na metade para o fim da adolescência ou no início da vida adulta. Aparentemente, mais lésbicas do que gays tiveram experiências heterossexuais. Em um estudo, 56% delas tinham alguma relação heterossexual antes de sua primeira experiência genital homossexual, comparadas a 19% dos gays. Quase 40% das lésbicas haviam tido alguma relação heterossexual no ano anterior à pesquisa. Questões teóricas Fatores psicológicos. Os determinantes do comportamento homossexual são enigmáticos. Freud via a homossexualidade
TABELA 21.1-4 Estimativas de comportamento homossexual País
Amostra
Achados
Canadá
5.514 estudantes universitários do primeiro ano com menos de 25 anos 6.155 adultos entre 18 e 26 anos
98% heterossexuais 1% bissexual 1% homossexual 3,5% dos homens e 3% das mulheres relataram experiências homossexuais pregressas Experiências homossexuais na vida: 4,1% para homens e 2,6% para mulheres Menos de 1% dos homens exclusivamente homossexuais 6,1% dos homens relataram experiências homossexuais pregressas
Noruega
França
20.055 adultos
Dinamarca
3.178 adultos entre 18 e 59 anos
Grã18.876 adultos entre 16 e Bretanha 59 anos
Dados relatados pelo The Wall Street Journal (31/03/1993) e pelo The New York Times (15/04/1993) a partir de pesquisas sobre o comportamento homossexual.
745
como uma interrupção do desenvolvimento psicossexual, e mencionou o medo da castração e do engolfamento materno na fase pré-edípica. Segundo a teoria psicodinâmica, as situações precoces que podem resultar nesse tipo de comportamento masculino incluem uma forte fixação na mãe, ausência de um pai efetivo, inibição do desenvolvimento masculino pelos pais, fixação ou regressão ao estágio narcisista do desenvolvimento e perdas em competições com irmãos e irmãs. Sua visão sobre as causas da homossexualidade feminina incluíam a não-resolução da inveja do pênis, em associação a conflitos edípicos não-resolvidos. Freud não considerava a homossexualidade uma doença mental. Em “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”, escreveu que a mesma “é encontrada em pessoas que não exibem outros desvios sérios do normal, cuja eficiência não está comprometida e que são, na verdade, distinguidas por desenvolvimento intelectual e cultura ética especialmente elevados”. Em “Carta a uma mãe americana”, escreve: “A homossexualidade certamente não é uma vantagem, mas não é nada do que se envergonhar, não é um vício nem uma degradação, e não pode ser classificada como doença. Nós a consideramos uma variante das funções sexuais produzida por uma certa inibição do desenvolvimento sexual”. Novos conceitos de fatores psicanalíticos. Alguns psicanalistas propuseram novas formulações psicodinâmicas que contrastam com a teoria psicanalítica clássica. Segundo Richard Isay, gays descrevem fantasias com parceiros do mesmo sexo ocorridas quando tinham entre 3 e 5 anos de idade, mais ou menos na mesma idade em que os heterossexuais têm fantasias com membros do sexo oposto. Isay escreveu que essas fantasias eróticas estão centradas no pai ou em um substituto deste. A percepção e a exposição da criança a estes sentimentos eróticos pode explicar comportamentos “atípicos”, como maior tendência ao sigilo do que outros meninos, auto-isolamento e emotividade excessiva. Alguns traços “femininos” também podem ser causados pela identificação com a mãe ou com uma substituta. Tais características costumam desenvolver-se como um meio de atrair o amor e a atenção do pai, do mesmo modo como um menino heterossexual pode imitar o pai para ganhar a atenção da mãe. A psicodinâmica da homossexualidade em mulheres pode ser semelhante. A menina não abandonaria sua fixação original na mãe, como objeto de amor, e continuaria a buscá-la na vida adulta.
Fatores biológicos. Estudos recentes indicam que componentes genéticos e biológicos podem contribuir para a orientação sexual. Gays exibem níveis mais baixos de andrógenos circulatórios do que homens heterossexuais. Os hormônios pré-natais parecem desempenhar um papel na organização do sistema nervoso central: acredita-se que a presença efetiva de andrógenos na vida pré-natal contribua para a orientação sexual voltada para as mulheres, e a deficiência de andrógenos pré-natais (ou insensibilidade dos tecidos a eles) possa levar à orientação sexual voltada para homens. Meninas pré-adolescentes expostas a grandes quantidades de andrógenos antes do nascimento são incomumente agressivas, e meninos expostos a um excesso de hormônios femininos no útero são menos atléticos, menos assertivos e menos agressi-
746
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
vos do que outros. Mulheres com hiperadrenocorticalismo são lésbicas e bissexuais em maior proporção do que mulheres da população geral. Estudos genéticos demonstraram uma incidência mais alta de concordância homossexual entre gêmeos monozigóticos do que dizigóticos. Esses resultados sugerem uma predisposição genética, mas estudos com cromossomos não foram capazes de diferenciar homo e heterossexuais. Os gays tiveram uma distribuição familiar, tendo mais irmãos que são gays do que os homens heterossexuais. Um estudo constatou que 33 de 40 pares de irmãos gays compartilhavam um marcador genético na metade inferior do cromossomo X. Outro evidenciou que um grupo de células do hipotálamo era menor em mulheres e em gays do que em homens heterossexuais. Nenhum desses estudos foi replicado. Padrões de comportamento sexual. As características comportamentais de gays e lésbicas são tão variadas quanto as de heterossexuais. Ambos os grupos praticam as mesmas atividades sexuais, com as óbvias diferenças impostas pela anatomia. Muitos padrões de relacionamento ocorrem entre gays e lésbicas. Alguns pares do mesmo sexo vivem juntos em um relacionamento monogâmico ou primário durante décadas, outros têm somente contatos sexuais efêmeros. Embora muitos gays formem relações estáveis, os relacionamentos homem-homem parecem ser menos estáveis e mais efêmeros do que no caso mulher-mulher. Casais gays estão sujeitos a discriminação civil e social e não têm o sistema legal de apoio social do casamento ou a capacidade biológica de ter filhos que une alguns casais heterossexuais que, de outra forma, seriam incompatíveis. Casais de lésbicas parecem experimentar menos estigma social e ter relações monogâmicas ou primárias mais duradouras. Psicopatologia. A gama de psicopatologia que pode ser encontrada entre lésbicas e gays é paralela à encontrada entre heterossexuais, ainda que alguns estudos tenham relatado uma maior taxa de suicídio. O sofrimento que resulta somente do conflito entre homossexuais e a estrutura de valores da sociedade não são classificados como um transtorno. Se o sofrimento for grave o bastante para justificar um diagnóstico, transtorno de adaptação ou transtorno depressivo devem ser considerados. Alguns homossexuais que sofrem de transtorno depressivo maior podem experimentar culpa e ódio de si mesmos direcionados para sua orientação sexual. Nesse caso, o desejo de reorientação sexual é apenas um sintoma do transtorno depressivo. Segundo a CID-10, a orientação sexual é egodistônica quando: A identidade de gênero ou preferência sexual não está em dúvida, mas o indivíduo deseja que ela fosse diferente devido a transtornos comportamentais e psicológicos associados, e pode buscar tratamento para alterá-la.
“Sair do armário”. Segundo Richelle Klinger e Robert Cabaj, “sair do armário é um processo pelo qual um indivíduo reconhece sua orientação sexual em face do estigma social e, com a resolução bem-sucedida, aceita a si próprio”. Os autores escreveram: O sucesso em “sair do armário” exige que o indivíduo aceite sua orientação sexual e a integre em todas as esferas (p. ex., social, vocacional
e familiar). Outra questão que os indivíduos e casais devem enfrentar em algum momento é o grau de revelação da sua orientação sexual para o mundo. Algum nível de revelação é necessário para o sucesso desta iniciativa.
A dificuldade em negociar a “saída do armário” e a revelação é uma causa comum de dificuldades de relacionamento. Os problemas ligados a esse processo podem contribuir para a baixa autoestima causada pela homofobia internalizada e levar a efeitos deletérios na capacidade de relacionamento da pessoa. Também podem surgir conflitos quando os parceiros discordam quanto ao grau de revelação necessário. AMOR E INTIMIDADE Freud postulou que a saúde psicológica podia ser determinada pela capacidade de atuar bem em duas esferas, o trabalho e o amor. Uma pessoa capaz de dar e receber amor com um mínimo de medo e conflito tem a capacidade de desenvolver relacionamentos genuinamente íntimos. O desejo de manter a proximidade com o objeto de amor caracteriza o estar apaixonado. O amor maduro é marcado pela intimidade, que é um atributo especial do relacionamento entre duas pessoas. Quando envolvida em uma relação íntima, a pessoa busca o crescimento e a felicidade da pessoa amada. O sexo tende a funcionar como um catalisador na formação e na manutenção das relações íntimas. A qualidade da intimidade em uma relação sexual madura é o que Rollo May denominou “recebimento ativo”, no qual a pessoa, ao mesmo tempo em que ama, permite-se ser amada. Ele descreve o valor do amor sexual como uma expansão da autoconsciência, a experiência da ternura, um aumento da auto-afirmação e do orgulho e, às vezes, no momento do orgasmo, a perda da sensação de separação. Nesse contexto, o sexo e o amor são enriquecedores e integrados saudavelmente. Algumas pessoas sofrem de conflitos que as impedem de integrar impulsos de ternura e de paixão. Isso pode inibir a expressão da sexualidade na relação, interferir no sentimento de proximidade com outra pessoa e diminuir a sensação de adequação e auto-estima. Quando esses problemas são graves, podem interferir na formação e no comprometimento com um relacionamento íntimo. O SEXO E O DIREITO A medicina e o direito avaliam o impacto da sexualidade no indivíduo e na sociedade e determinam o que é um comportamento saudável ou legal. No entanto, a adequação e a legalidade do comportamento sexual nem sempre são vistas do mesmo modo por ambas as áreas. As questões na interface entre ciência sexual e o direito muitas vezes têm interferência emocional e refletem divisões culturais em relação aos costumes sexuais aceitáveis. Elas incluem aborto, pornografia, prostituição, educação sexual, tratamento de criminosos sexuais e direito à privacidade sexual, entre outras questões. As leis pertinentes a essas questões (p. ex., criminalização do sexo oral ou anal entre adultos de comum acordo ou necessidade de permissão parental para menores que solicitam um aborto) variam de estado para estado nos Estados Unidos.
SEXUALIDADE HUMANA
OBTENÇÃO DA HISTÓRIA SEXUAL A história sexual fornece informações importantes a respeito dos pacientes, independentemente da presença de um transtorno sexual
747
ou de ser a queixa principal do paciente (Tab. 21.1-5). As informações podem ser obtidas de forma gradual através de perguntas abertas, mas o esquema a seguir oferece um guia para os tópicos a serem cobertos e pode ser usado quando o tempo for limitado.
TABELA 21.1-5 Obtenção da história sexual I. Dados de identificação A. Idade B. Sexo C. Ocupação D. Status de relacionamento – solteiro, casado, número de casamentos anteriores, separado, divorciado, coabitação, envolvimento sério, relações eventuais (a dificuldade em formar ou manter um relacionamento deve ser avaliada ao longo da entrevista) E. Orientação sexual – heterossexual, homossexual ou bissexual (pode ser verificada mais adiante na entrevista) II. Funcionamento atual A. De insatisfatório a altamente satisfatório B. Se insatisfatório, por quê? C. Percepção da satisfação do parceiro D. Disfunções? – p. ex., falta de desejo, transtorno erétil, excitação feminina inibida, anorgasmia, ejaculação precoce, ejaculação retardada, dor associada ao intercurso (disfunção discutida a seguir) 1. Início – ao longo de toda a vida ou adquirido? a. Se adquirido, quando? b. O início coincidiu com o uso de drogas (medicamentos ou drogas recreativas ilegais), estresses (p. ex., perda do emprego, nascimento de um filho), dificuldades interpessoais? 2. Generalizada – ocorre na maioria das situações ou com a maioria dos parceiros 3. Situacional a. Somente com o parceiro atual b. Em qualquer relação estável c. Somente com masturbação d. Em circunstâncias socialmente condenadas (p. ex., caso extraconjugal) e. Em circunstâncias definidas (p. ex., muito tarde da noite, na casa dos pais, quando o parceiro tomou a iniciativa) E. Freqüência – sexo com parceiro (atividades sexuais com ou sem coito) F. Desejo/libido – com que freqüência ocorrem sentimentos, pensamentos, fantasias, sonhos de natureza sexual? (por dia, semana, etc.) G. Descrição de uma interação sexual típica 1. Forma de iniciativa ou convite (p. ex., verbal ou física? A mesma pessoa sempre toma a iniciativa?) 2. Presença, tipo e extensão das preliminares (p. ex., beijos, carícias, estimulação genital manual ou oral) 3. Coito? Posições usadas? 4. Verbalizações durante o sexo? De que tipo? 5. Atividades pós-sexo? (seja o ato sexual consumado ou interrompido por uma disfunção) Atividades típicas? (p. ex., abraços, conversas, retorno às atividades diárias, sono) 6. Sentimentos após o sexo: relaxamento, tensão, raiva, ternura H. Compulsão sexual? – intrusão de pensamentos sexuais ou participação em atividades sexuais em um grau que interfere nos relacionamentos ou no trabalho, requer artifícios e pode colocar o paciente em perigo
III. História sexual pregressa A. Sexualidade infantil 1. Atitudes parentais quanto ao sexo – grau de abertura ou reserva (avaliar atitudes excessivamente pudicas ou sedutoras) 2. Atitudes dos pais quanto a nudez e pudor 3. Aprendizado a respeito do sexo a. Com os pais? (iniciado por perguntas da criança ou informações voluntárias dos pais? Do pai ou da mãe? Qual era a idade da criança?) Questões discutidas (p. ex., gravidez, nascimento, intercurso, menstruação, polução noturna, masturbação) b. Com livros, revistas ou amigos na escola ou através de grupo religioso? c. Informações significativamente equivocadas d. Sentimentos a respeito da informação 4. Viu ou escutou a cena primária? Reação? 5. Viu jogos sexuais ou intercurso de alguma pessoa que não os pais? 6. Viu sexo entre animais domésticos ou outros? B. Atividades sexuais infantis 1. Auto-estimulação genital antes da adolescência; idade? Reação caso tenha sido surpreendido 2. Consciência de si próprio como menino ou menina; atividades sensuais no banheiro? (relativas a urina, fezes, odor, enemas) 3. Jogos ou experimentações sexuais com outra criança (brincar de médico) – tipo de atividade (p. ex., olhar, toques manuais, toques genitais); reações ou conseqüências caso tenha sido surpreendido (por quem?) IV. Adolescência A. Idade de início da puberdade – desenvolvimento das características sexuais secundárias, idade da menarca para meninas, sonhos eróticos ou primeira ejaculação para meninos (preparação e reação) B. Noção de si mesmo como feminino ou masculino – imagem corporal, aceitação por parte dos pares (do sexo oposto e do mesmo sexo), sensação de ser desejado, início de fantasias de coito C. Atividades sexuais 1. Masturbação – idade em que começou; alguma vez foi punido ou proibido? Método usado, fantasias associadas, freqüência (as perguntas a respeito de masturbação e fantasias estão entre as mais sensíveis para os pacientes) 2. Atividades homossexuais – episódios atuais ou raros e experimentais, abordagem por parte de outras pessoas? Caso seja homossexual, houve alguma experimentação heterossexual? 3. Namoros – casuais ou firmes, descrição da primeira atração, paixão ou amor 4. Experiências de beijos, carícias (“ficar” ou “agarramentos”), idade em que iniciaram, freqüência, número de parceiros, circunstâncias, tipo de atividade 5. Orgasmo – quando foi vivenciado pela primeira vez? (pode não ter sido experimentado durante a adolescência), com masturbação, durante o sono ou com parceiro? Com intercurso ou outros jogos sexuais? Freqüência?
(Continua)
748
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 21.1-5 (Continuação) 6. Primeiro coito – idade, circunstâncias, parceiro, reações (pode não ter sido experimentado durante a adolescência); contracepção e/ou precauções usadas para sexo seguro V. Atividades sexuais adultas (podem ter sido experimentadas por alguns adolescentes) A. Sexo pré-conjugal 1. Tipo de jogos sexuais experimentados – freqüência de interações sexuais, tipo e número de parceiros 2. Contracepção e/ou precauções usadas para sexo seguro 3. Primeiro coito (se não foi experimentado na adolescência) idade, circunstâncias, parceiro 4. Coabitação – idade em que iniciou, duração, descrição do parceiro, fidelidade sexual, tipos de atividades sexuais, freqüência, satisfação, número de relacionamentos de coabitação, razão para rompimentos 5. Noivado – idade, atividades durante esse período com o noivo, com outras pessoas; duração do noivado B. Casamento (se ocorreram vários, explorar as atividades sexuais, motivos para o casamento e para o divórcio em cada um deles) 1. Tipo e freqüência das interações sexuais – descrever uma interação sexual típica (ver anteriormente), satisfação com a vida sexual? Percepção dos sentimentos do parceiro 2. Primeira experiência sexual com o cônjuge – quando? Quais foram as circunstâncias? Foi satisfatória? Decepcionante? 3. Lua-de-mel – local, duração, agradável ou desagradável, sexualmente ativa? Freqüência? Problemas? Incompatibilidade?
4. Efeitos da gravidez e dos filhos sobre o sexo conjugal 5. Sexo extraconjugal – número de incidentes, parceiros; apego emocional a parceiros extraconjugais? Sentimentos a respeito 6. Masturbação pós-conjugal – freqüência? efeito no sexo conjugal 7. Sexo extraconjugal por parte do parceiro – efeito sobre o entrevistado 8. Ménage à trois ou sexo com múltiplos parceiros (swing) 9. Áreas de conflito no casamento (p. ex., filhos, finanças, divisão de responsabilidades, prioridades) VI. Sexo após – viuvez, separação, divórcio – celibato, orgasmos durante o sono, masturbação, jogos sexuais sem coito, intercurso (número e relação com os parceiros), outros VII. Questões especiais A. História de estupro, incesto, abuso sexual ou físico B. Abuso por parte do cônjuge (atual) C. Doença crônica (física ou psiquiátrica) D. História ou presença de doenças sexualmente transmissíveis E. Problemas de fertilidade F. Abortos planejados, abortos espontâneos ou gravidez indesejada ou ilegítima G. Conflito de identidade de gênero – (p. ex., transexualismo, travestismo) H. Parafilias – (p. ex., fetiches, voyeurismo, sadomasoquismo)
REFERÊNCIAS
Stein TS. Homosexuality and homosexual behavior. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000;1608. Stoller RJ. Sex and Gender. New York: Science House; 1968. Wingood GM. DiClemente RJ, eds. Handbook of Women’s Sexual and Reproductive Health Issues in Women’s Health. New York: Kluwer Academic/Plenum Publishers; 2002:303.
Freud S. Letter to on American mother. Am J Psychiatry. 1951; 102:786. Freud S. Three essays on the theory of sexuality. In: Standard Edition of life Complete Psychological Works of Sigmund Freud. Vol 16. London: Hogarth Press: 1966:135. Freud S. General theory of the neuroses. In: Standard Edition of life Complete Psychological Works of Sigmund Freud. Vol 16. London: Hogarth Press; 1966:241. Harlow HF. The nature of love. Am Psychol. 1958;13:673. Hawkins DM. Group psychotherapy with gay men and lesbians. In: Kaplan HI. Sadock BJ, editors. Comprehensive Group Psychotherapy. 3rd ed. Baltimore: Williams & Wilkins; 1993:506. Hobbs K, Bramwell R, May K, Sexuality, sexual behaviour and pregnancy. Sex Marital Ther. 1999;14:371. Kaplan MJ. Approaching sexual issues in primary care. Prim Care. 2002; 29:113. Kinsey AC, Pomeroy WB, Martin CE. Sexual Behavior in the Human Male. Philadelphia: WB Saunders; 1948. Kinsey AC, Pomeroy WB, Martin CE, Gebbard PH. Sexual Behavior in the Human Female. Philadelphia: WB Saunders; 1953. Masters WH, Johnson VE. Human Sexual Response. Boston: Little, Brown & Co; 1996. Money J, Ehrhardt AA. Man and Woman/Boy and Girl. Baltimore: Johns Hopkins University Press; l972. Rowland DL. Issues in the laboratory study of human sexual response: a synthesis for the nontechnical sexologist. J Sex Res. 1999;36:3. Sadock VA. Normal human sexuality and sexual dysfunctions. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:1577. Sherfey MJ. The Nature and Evolution of Female Sexuality. New York: Random House; 1972.
21.2 Sexualidade anormal e disfunções sexuais Na revisão do texto da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR), as disfunções sexuais são categorizadas como transtornos do Eixo I. As síndromes listadas são correlacionadas com a resposta sexual fisiológica, dividida em quatro fases (Tab. 21.2-1). A característica essencial das disfunções sexuais é a inibição em uma ou mais das fases, incluindo perturbações da sensação subjetiva de prazer ou desejo ou do desempenho objetivo. Qualquer tipo de perturbação pode ocorrer sozinha ou em combinação. As disfunções sexuais são diagnosticadas somente quando representam uma parte importante do quadro clínico e podem se apresentar ao longo de toda a vida ou ser adquiridas, generalizadas ou situacionais, ou, ainda, decorrentes de fatores psicológicos, fisiológicos ou combinados. Quando são inteiramente atribuíveis a uma condição médica geral, uso de substâncias ou efeitos adversos de medicamentos, en-
SEXUALIDADE HUMANA
749
TABELA 21.2-1 Fases do ciclo de resposta sexual segundo o DSM-IV-TR e disfunções sexuais associadasa Fases
Características
1. Desejo
Distinta de outras fases identificadas somente pela fisio- Transtorno do desejo sexual hipoativo; transtorno de aversão logia, reflete as motivações, os impulsos e a personasexual; transtorno do desejo sexual hipoativo devido a uma lidade do paciente; caracterizada por fantasias sexuais condição médica geral (masculino ou feminino); disfunção e desejo de ter atividade sexual sexual induzida por substâncias com prejuízo do desejo Sentimento subjetivo de prazer sexual e alterações fisio- Transtorno da excitação sexual feminina; transtorno erétil lógicas concomitantes. Todas as respostas fisiológicas masculino (também pode ocorrer nos Estágios 3 e 4); transobservadas nas fases de excitação e platô de Masters torno erétil masculino devido a uma condição médica geral; e Johnson são combinadas aqui dispareunia devido a uma condição médica geral (masculina ou feminina); disfunção sexual induzida por substâncias com prejuízo da excitação Clímax do prazer sexual, com liberação da tensão sexual Transtorno do orgasmo feminino; transtorno do orgasmo e contração rítmica dos músculos do períneo e dos masculino; ejaculação precoce; outra disfunção sexual deviórgãos reprodutores pélvicos do a uma condição médica geral (masculina ou feminina); disfunção sexual induzida por substâncias com prejuízo do orgasmo Sensação de relaxamento muscular e bem-estar geral; Disforia pós-coito; cefaléia pós-coito os homens são fisiologicamente refratários ao orgasmo por um período variável de tempo que aumenta com a idade, enquanto as mulheres podem ter múltiplos orgasmos sem esse período refratário
2. Excitação
3. Orgasmo
4. Resolução
Disfunção
aO DSM-IV-TR consolida as fases da excitação e do platô de Masters e Johnson em uma única fase de excitação, que é precedida pela fase do desejo (apetitiva). As fases de orgasmo e de resolução permanecem as mesmas descritas originalmente por eles.
tão a disfunção sexual devido a uma condição médica geral ou disfunção sexual induzida por substância deve ser diagnosticada. As disfunções sexuais que não estão associadas ao ciclo de resposta sexual são listadas na Tabela 21.2-2. Com a possível exceção da ejaculação precoce, as disfunções sexuais raramente são encontradas isoladas de outras síndromes psiquiátricas. Os transtornos sexuais podem levar a problemas de relacionamento ou ser conseqüência destes, e os pacientes invariavelmente desenvolvem um medo crescente do fracasso e do constrangimento em relação ao seu desempenho sexual. As disfunções costumam estar associadas a outros transtornos mentais, como transtornos depressivos, de ansiedade, da personalidade e esquizofrenia. Em muitos casos, uma disfunção sexual pode ser diagnosticada em conjunção com outro transtorno psiquiátrico, mas há situações em que é apenas um dos muitos sinais ou sintomas do transtorno. No DSM-IV-TR, uma disfunção sexual é definida como uma perturbação do ciclo de resposta sexual ou como dor no ato sexual. Sete categorias principais são listadas: transtornos do desejo sexual, transtornos da excitação sexual, transtornos do orgasmo, transtorno sexuais dolorosos, disfunção sexual causada por uma condição médica geral, disfunção sexual induzida por substâncias e disfunção sexual sem outra especificação. Tais condições podem ser sintomáticas de problemas biológicos (biogênicas) ou de conflitos intrapsíquicos ou interpessoais (psicogênicas) ou de uma combinação desses fatores. A função sexual pode ser afetada adversamente pelo estresse de qualquer tipo, por transtornos emocionais ou por ignorância da função e da fisiologia sexuais. Pode apresentar-se ao longo de toda a vida ou ser adquirida – isto é, pode se desenvolver após um período de funcionamento normal. Ainda é possível que seja generalizada ou limitada a um parceiro específico ou a uma situação determinada. Ao considerar cada um dos transtornos, os clínicos precisam excluir condições médicas adquiridas e uso de substâncias farma-
TABELA 21.2-2 Disfunções sexuais não correlacionadas a fases do ciclo de resposta sexual Categoria
Disfunções
Transtornos sexuais dolorosos Outra
Vaginismo (feminino) Dispareunia (masculina e feminina) Disfunções sexuais sem outra especificação Exemplos: 1. Ausência de sensação erótica apesar de uma resposta fisiológica normal à estimulação sexual (p. ex., anedonia orgástica) 2. Análogo feminino da ejaculação precoce 3. Dor genital durante a masturbação
cológicas que possam explicar ou contribuir para a disfunção. Se o transtorno for biogênico, deve ser codificado no Eixo III, a menos que haja evidências substanciais de episódios disfuncionais sem qualquer relação com o início de influências fisiológicas ou farmacológicas. Em alguns casos, o paciente sofre de mais de uma disfunção – por exemplo, ejaculação precoce e transtorno erétil masculino. TRANSTORNOS DO DESEJO SEXUAL Os transtornos do desejo sexual são divididos em duas classes: transtorno do desejo sexual hipoativo, caracterizado por deficiência ou ausência de fantasias sexuais ou de desejo por atividades sexuais (Tab. 21.2-3), e transtorno de aversão sexual, caracterizado por aversão e esquiva do contato sexual genital com um parceiro sexual ou através da masturbação (Tab. 21.2-4). A primeira condição é mais comum do que a segunda, e mais comum entre mulheres do que entre homens. Estima-se que 20% das pessoas tenham transtorno do desejo sexual hipoativo.
750
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 21.2-3. Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno de desejo sexual hipoativo A. Deficiência (ou ausência) persistente ou recorrente de fantasias ou desejo de ter atividade sexual. O julgamento de deficiência ou ausência é feito pelo clínico, levando em consideração fatores que afetam o funcionamento sexual, tais como idade e contexto de vida do indivíduo. B. A perturbação causa acentuado sofrimento ou dificuldade interpessoal. C. A disfunção sexual não é mais bem explicada por outro transtorno do Eixo I (exceto outra Disfunção Sexual), nem se deve exclusivamente aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., droga de abuso, medicamento) ou de uma condição médica geral. Especificar tipo: Tipo ao longo da vida Tipo adquirido Especificar tipo: Tipo generalizado Tipo situacional Especificar: Devido a fatores psicológicos Devido a fatores combinados De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000.
TABELA 21.2-4 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno de aversão sexual A. Extrema aversão ou esquiva persistente ou recorrente de todo (ou quase todo) contato sexual genital com um parceiro sexual. B. A perturbação causa acentuado sofrimento ou dificuldade interpessoal. C. A disfunção sexual não é mais bem explicada por outro transtorno do Eixo I (exceto por outra disfunção sexual). Especificar tipo: Tipo ao longo da vida Tipo adquirido Especificar tipo: Tipo generalizado Tipo situacional Especificar: Devido a fatores psicológicos Devido a fatores combinados De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000.
Abstinência de sexo por um período prolongado às vezes resulta na supressão de impulsos sexuais. A perda do desejo também pode ser uma expressão de hostilidade em relação ao parceiro ou um sinal de deterioração do relacionamento. Em um estudo com jovens casados que pararam de ter relações sexuais por dois meses, os conflitos conjugais eram a razão citada com maior freqüência para a cessação ou a inibição da atividade sexual. A presença do desejo depende de diversos fatores: impulso biológico, auto-estima adequada, capacidade de aceitar a si mesmo como uma pessoa sexual, boas experiências sexuais anteriores, disponibilidade de um parceiro apropriado e bom relacionamento com o parceiro em áreas não-sexuais. Dificuldades em relação a qualquer um desses fatores ou sua ausência podem resultar em desejo diminuído. Ao fazer o diagnóstico, os clínicos devem avaliar a idade do paciente, sua saúde geral e estresses de vida, além de tentar estabelecer uma linha de base de interesse sexual antes do início do transtorno. A necessidade de contato e a satisfação sexual variam entre as pessoas e ao longo do tempo. Em um grupo de 100 casais com casamentos estáveis, 8% relataram ter relações menos de uma vez por mês. Em outro grupo, um terço referiu falta episódica de relações sexuais por períodos médios de oito semanas. Casais têm coito três vezes por mês, em média. O diagnóstico não deve ser feito a não ser que a falta de desejo seja uma fonte de sofrimento para o paciente. TRANSTORNOS DA EXCITAÇÃO SEXUAL Os transtornos da excitação sexual são divididos pelo DSM-IVTR em transtorno da excitação sexual feminina, caracterizado pelo fracasso persistente ou recorrente, parcial ou completo, de obter ou manter a resposta de lubrificação-turgescência da excitação sexual até a finalização do ato sexual (Tab. 21.2-5), e transtorno erétil masculino, caracterizado pelo fracasso recorrente e persistente, parcial ou completo, de obter ou manter a ereção para realizar o ato sexual (Tab. 21.2-6). O diagnóstico leva em conta o foco, a intensidade e a duração da atividade sexual do paciente. Se a estimulação sexual for inadequada em foco, intensidade ou duração, o diagnóstico não deve ser feito. Transtorno da excitação sexual feminina
Uma variedade de fatores causais estão associados aos transtornos do desejo sexual. Pacientes com esse tipo de problema muitas vezes usam a inibição como uma defesa para se proteger de medos inconscientes ligados ao sexo. Sigmund Freud conceitualizou o baixo desejo sexual como resultado da inibição durante a fase psicossexual fálica do desenvolvimento e de conflitos edípicos não-resolvidos. Alguns homens fixados no estágio fálico do desenvolvimento têm medo da vagina e acreditam que serão castrados se se aproximarem dela. Freud denominou esse conceito vagina dentata: como os homens, de forma inconsciente, acreditam que a vagina possui dentes, evitam o contato com a genitália feminina. Da mesma forma, as mulheres podem sofrer de conflitos evolutivos não-resolvidos que inibem o desejo. A ausência deste também pode resultar de estresse crônico, ansiedade ou depressão.
A prevalência do transtorno da excitação sexual feminina tende a ser subestimada. Mulheres que têm disfunção na fase de excitação muitas vezes também apresentam dificuldade em atingir orgasmos. Em um estudo com casais relativamente felizes, 33% das mulheres descreveram dificuldade em manter a excitação sexual. Muitos fatores psicológicos (p. ex., ansiedade, culpa e medo) estão associados ao transtorno da excitação sexual feminina. Em muitas, os transtornos da fase de excitação estão associados a dispareunia e falta de desejo. Estudos fisiológicos sobre disfunções sexuais indicam que um padrão hormonal pode contribuir para a responsividade naquelas com disfunção na fase de excitação. William Masters e Virginia Johnson constataram que algumas mulheres tinham desejo sexual particularmente forte antes do início da menstruação. Ou-
SEXUALIDADE HUMANA
TABELA 21.2-5 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno da excitação sexual feminina A. Fracasso persistente ou recorrente em adquirir ou manter uma resposta de excitação sexual de lubrificação-turgescência até a consumação da atividade sexual. B. A perturbação causa acentuado sofrimento ou dificuldade interpessoal. C. A disfunção sexual não é melhor explicada por outro transtorno do Eixo I (exceto outra disfunção sexual), nem se deve exclusivamente aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., droga de abuso, medicamento) ou de uma condição médica geral. Especificar tipo: Tipo ao longo da vida Tipo adquirido Especificar tipo: Tipo generalizado Tipo situacional Especificar: Devido a fatores psicológicos Devido a fatores combinados De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000.
TABELA 21.2-6 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno erétil masculino A. Incapacidade persistente ou recorrente de obter ou manter uma ereção adequada até a conclusão da atividade sexual. B. A perturbação causa acentuado sofrimento ou dificuldades interpessoais. C. A disfunção erétil não é melhor explicada por outro transtorno do Eixo I (exceto outra disfunção sexual), nem se deve exclusivamente aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., droga de abuso, medicamento) ou de uma condição médica geral. Especificar tipo: Tipo ao longo da vida Tipo adquirido Especificar tipo: Tipo generalizado Tipo situacional Especificar: Devido a fatores psicológicos Devido a fatores combinados De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000.
tras sentiam maior excitação sexual imediatamente após a menstruação ou no período de ovulação. Alterações nos níveis de testosterona, estrógeno, prolactina e tiroxina foram implicadas no transtorno da excitação sexual feminina. Medicamentos com propriedades anticolinérgicas ou anti-histamínicas também podem causar diminuição da lubrificação vaginal. Algumas evidências indicam que mulheres com disfunções sexuais estão menos cientes da excitação fisiológica e experimentam menos calor ou menos sensibilidade na genitália.
751
ca foi capaz de obter uma ereção suficiente para a inserção vaginal. Se o transtorno foi adquirido, o homem já alcançou a penetração vaginal em algum momento de sua vida sexual, mas depois se tornou incapaz de fazê-lo. No tipo situacional, é capaz de ter coito em certas circunstâncias mas não em outras; por exemplo, pode optar com eficiência com uma prostituta, mas ser impotente com a esposa. O transtorno erétil masculino adquirido foi relatado em 10 a 20% de todos os homens. Freud o considerava comum entre seus pacientes. A impotência é a principal queixa de mais de 50% dos homens tratados por transtornos sexuais. O transtorno erétil masculino tipo ao longo da vida é raro, ocorrendo em cerca de 1% dos homens com menos de 35 anos de idade, mas a incidência aumenta com a idade. O mesmo foi relatado em cerca de 8% da população adulta jovem. Alfred Kinsey relatou que 75% de todos os homens eram impotentes aos 80 anos de idade. Aqueles com mais de 40 anos, segundo relato de Masters e Johnson, têm medo da impotência, o que os pesquisadores acreditam refletir o medo da perda da virilidade com o avanço da idade. O transtorno erétil masculino, no entanto, não é universal em idosos; ter uma parceira sexual disponível está relacionado à manutenção da potência, assim como uma história de atividade sexual consistente e ausência de doença vascular. Suas causas podem ser orgânicas ou psicológicas ou uma combinação de ambas, mas em homens jovens e de meia-idade a causa costuma ser psicológica. A obtenção da história detalhada é de importância primária para se determinar a causa da disfunção. Se o homem relata ter ereções espontâneas em momentos nos quais não planeja ter relação sexual, ereções matinais, boas ereções com masturbação ou com outras parceiras que não sua parceira habitual, as causas orgânicas da impotência podem ser consideradas insignificantes, e procedimentos diagnósticos dispendiosos podem ser evitados. O transtorno erétil masculino causado por uma condição médica geral ou uma substância farmacológica é discutido a seguir nesta seção. Freud atribuiu um tipo de impotência à incapacidade de conciliar sentimentos de afeição em relação à mulher com sentimentos de desejo por ela. Homens com tais sentimentos conflitantes podem funcionar somente com mulheres que vêem como degradadas (complexo santa-prostituta). Outros fatores citados como influentes na impotência incluem um superego punitivo, incapacidade de confiar e sentimentos de inadequação ou sensação de não ser desejável como parceiro. O homem pode ser incapaz de expressar impulsos sexuais devido a medo, ansiedade, raiva ou proibições morais. Em um relacionamento estabelecido, a impotência pode refletir dificuldades entre os parceiros, em especial quando o homem não consegue comunicar suas necessidades ou sua raiva de forma direta e construtiva. Além disso, os episódios de impotência são reforçadores, com o aumento da ansiedade antes de cada encontro sexual. TRANSTORNOS DO ORGASMO Transtorno do orgasmo feminino
Transtorno erétil masculino O transtorno erétil masculino também é denominado disfunção erétil e impotência. O homem com tal condição ao longo da vida nun-
O transtorno do orgasmo feminino, às vezes denominado orgasmo feminino inibido ou anorgasmia, é definido como a inibição recorrente ou persistente do orgasmo feminino, manifestada atra-
752
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
vés de retardo recorrente ou ausência de orgasmo, após uma fase de excitação sexual normal, que o clínico julga ser adequada em foco, intensidade e duração – em suma, a incapacidade de a mulher alcançar o orgasmo através de masturbação ou coito (Tab. 21.2-7). Aquelas que conseguem alcançar o orgasmo por meio de um desses métodos não são, necessariamente, categorizadas como anorgásmicas, embora alguma inibição sexual possa ser postulada. Pesquisas sobre a fisiologia da resposta sexual feminina mostraram que os orgasmos causados pela estimulação do clitóris e aqueles causados pela estimulação da vagina são fisiologicamente idênticos. A teoria de Freud de que as mulheres devem abandonar a sensibilidade clitoriana em prol vaginal para alcançar a maturidade sexual agora é considerada equivocada, mas algumas mulheres relatam obter uma sensação especial de satisfação com o orgasmo precipitado pelo coito. Há pesquisadores que atribuem essa satisfação ao sentimento psicológico de proximidade engendrado pelo ato do coito, mas outros defendem que o orgasmo durante o coito é uma experiência fisiologicamente diferente. Muitas mulheres alcançam o orgasmo mediante uma combinação de estimulação manual do clitóris e estimulação peniana da vagina. Uma mulher com transtorno do orgasmo feminino tipo ao longo da vida nunca experimentou um orgasmo com qualquer estimulação. O tipo adquirido implica pelo menos um orgasmo, independentemente das circunstâncias ou meios de estimulação, seja através de masturbação ou durante sonhos. Kinsey constatou que apenas 5% das mulheres casadas com mais de 35 anos de idade nunca tinham alcançado um orgasmo por qualquer meio. A incidência de orgasmo aumenta com a idade. Segundo Kinsey, o primeiro ocorre durante a adolescência em cerca de 50% das mulheres, como resultado de masturbação ou carícias genitais com um parceiro; as restantes o experimentam com mais idade. O tipo ao longo da vida é mais comum entre mulheres que nunca se casaram
TABELA 21.2-7 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno do orgasmo feminino A. Atraso ou ausência persistente ou recorrente de orgasmo após uma fase normal de excitação sexual. As mulheres apresentam uma ampla variabilidade no tipo ou na intensidade da estimulação que leva ao orgasmo. O diagnóstico de transtorno do orgasmo feminino deve fundamentar-se no julgamento clínico de que a capacidade orgástica da mulher é menor do que seria esperado para sua idade, experiência sexual e adequação da estimulação sexual que recebe. B. A perturbação causa acentuado sofrimento ou dificuldade interpessoal. C. A disfunção orgástica não é mais bem explicada por outro transtorno do Eixo I (exceto por outra disfunção sexual), nem se deve exclusivamente aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., droga de abuso, medicamento) ou de uma condição médica geral. Especificar tipo: Tipo ao longo da vida Tipo adquirido Especificar tipo: Tipo generalizado Tipo situacional Especificar: Devido a fatores psicológicos Devido a fatores combinados De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000.
do que entre as casadas. O potencial orgástico aumentado naquelas acima de 35 anos foi explicado por menor inibição psicológica, maior experiência sexual ou ambas. O tipo adquirido é uma queixa comum em populações clínicas. Um centro de tratamento relatou atender cerca de quatro vezes mais casos de mulheres não-orgásticas do que de todos os outros transtornos sexuais. Em outro estudo, 46% delas se queixavam de dificuldade em alcançar o orgasmo. A verdadeira prevalência dos problemas de manutenção da excitação não é conhecida, mas a inibição e os problemas orgásticos muitas vezes ocorrem em associação. A prevalência geral de transtorno do orgasmo feminino, devido a todas as causas, é estimada em cerca de 30%. Numerosos fatores psicológicos estão associados ao transtorno. Eles incluem medo da gravidez, rejeição por um parceiro sexual, danos à vagina, hostilidade direcionada aos homens e sentimentos de culpa em relação a impulsos sexuais. Algumas mulheres equacionam o orgasmo com a perda de controle ou impulsos agressivos, destrutivos ou violentos, e o medo destes impulsos pode ser expresso através da inibição da excitação ou do orgasmo. As expectativas culturais e as restrições sociais também são relevantes. Muitas cresceram acreditando que o prazer sexual não é um direito natural das mulheres ditas “decentes”. As não-orgásticas podem não ter qualquer outro sintoma ou experimentar frustração de várias formas, e podem ter queixas pélvicas, como dor abdominal, secreção e prurido vaginal, bem como maior tensão, irritabilidade e fadiga. Transtorno do orgasmo masculino No transtorno do orgasmo masculino, às vezes denominado orgasmo inibido ou ejaculação retardada, o homem não alcança a ejaculação durante o coito ou o faz com grande dificuldade (Tab. 21.2-8). Alguém com o tipo ao longo da vida nunca foi capaz de ejacular durante o coito. O transtorno diagnosticado como adquirido se desenvolve após um funcionamento anterior normal. Alguns pesquisadores pensam que orgasmo e ejaculação devem ser diferenciados, em especial no caso de homens que ejaculam, mas se queixam de sensação subjetiva de prazer diminuída ou ausente durante a experiência orgástica (anedonia orgástica). Sua incidência é muito mais baixa do que a de ejaculação precoce ou impotência. Masters e Johnson relataram uma incidência de transtorno do orgasmo masculino de apenas 3,8% em um grupo de 447 homens com disfunções sexuais. Uma prevalência geral de 5% foi apontada. O tipo ao longo da vida indica psicopatologia grave. O paciente pode ter família de origem rígida e puritana, pode perceber o sexo como pecaminoso e os genitais como sujos, e ainda ter desejos de incesto conscientes ou inconscientes e culpa. Em geral, apresenta dificuldade com a proximidade em outras áreas que não apenas a relação sexual. Em alguns casos, a condição é agravada pelo transtorno de déficit atenção, no qual a distratibilidade impede uma estimulação suficiente para a ocorrência do clímax. Em um relacionamento estabelecido, o transtorno do orgasmo masculino adquirido tende a refletir dificuldades interpessoais. O transtorno pode ser a forma de o homem enfrentar mudanças reais ou fantasiosas no relacionamento, tais como planos
SEXUALIDADE HUMANA
TABELA 21.2-8 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno do orgasmo masculino
753
TABELA 21.2-9 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para ejaculação precoce
A. Atraso ou ausência persistente ou recorrente de orgasmo após uma fase normal de excitação sexual durante a atividade sexual, que o clínico julga adequada em termos de foco, intensidade e duração, levando em consideração a idade da pessoa. B. A perturbação causa acentuado sofrimento ou dificuldade interpessoal. C. A disfunção orgástica não é mais bem explicada por outro transtorno do Eixo I (exceto por outra disfunção sexual), nem se deve exclusivamente aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., droga de abuso, medicamento) ou de uma condição médica geral. Especificar tipo: Tipo ao longo da vida Tipo adquirido Especificar tipo: Tipo generalizado Tipo situacional Especificar: Devido a fatores psicológicos Devido a fatores combinados
A. Ejaculação persistente ou recorrente com estimulação sexual mínima antes, durante ou logo após a penetração, antes que o indivíduo o deseje. O clínico deve levar em consideração os fatores que afetam a duração da fase de excitação, tais como idade, novidade da parceira ou situação sexual e freqüência da atividade sexual recente. B. A perturbação causa acentuado sofrimento ou dificuldade interpessoal. C. A ejaculação precoce não se deve exclusivamente aos efeitos diretos de uma substância (p. ex., abstinência de opióides). Especificar tipo: Tipo ao longo da vida Tipo adquirido Especificar tipo: Tipo generalizado Tipo situacional Especificar: Devido a fatores psicológicos Devido a fatores combinados
De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000.
De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000.
de gravidez, em relação ao qual está ambivalente, perda da atração sexual em relação à parceira ou exigências de mais comprometimento por parte desta, expressas no desempenho sexual. Em alguns casos, a incapacidade de ejacular reflete uma hostilidade nãoexpressa em relação à mulher. O problema é mais comum entre aqueles com transtorno obsessivo-compulsivo do que em outros.
siologicamente predispostos a um clímax rápido devido ao menor tempo de latência dos nervos e aqueles com uma causa psicogênica ou comportamental. A dificuldade de controle ejaculatório pode estar associada à ansiedade em relação ao ato sexual, com medo inconsciente da vagina ou condicionamentos culturais negativos. Homens cujos primeiros contatos sexuais ocorreram em grande parte com prostitutas que exigiram que o ato acontecesse rapidamente ou em situações nas quais ser descoberto seria embaraçoso (p. ex., no banco traseiro de um carro ou na casa dos pais) podem ter sido condicionados a alcançar o orgasmo de forma mais rápida. Em jovens e inexperientes, que têm maior probabilidade de ser afetados, o problema pode resolver-se com o tempo. Em relacionamentos estabelecidos, a parceira tem maior influência no ejaculador precoce, e um casamento estressante exacerba o transtorno. A história desenvolvimental e a psicodinâmica encontradas nessa condição e na impotência são semelhantes.
Ejaculação precoce Na ejaculação precoce, o homem alcança o orgasmo e a ejaculação antes do desejado de forma persistente ou recorrente. Não há um período de tempo determinado dentro do qual definir a disfunção; o diagnóstico é feito quando há ejaculação regularmente antes ou logo após penetrar a vagina. Os clínicos precisam levar em conta fatores que afetam a duração da fase de excitação, como idade, novidade da parceira sexual e freqüência e duração coito (Tab. 21.2-9). Masters e Johnson conceitualizaram o transtorno em termos do casal e consideravam o homem um ejaculador precoce quando não era capaz de controlar a ejaculação durante a penetração pelo tempo suficiente para satisfazer sua parceira em pelo menos metade de seus episódios de coito. Essa definição pressupõe que a parceira seja capaz de resposta orgástica. Como as outras disfunções, a ejaculação precoce não é diagnosticada quando causada exclusivamente por fatores orgânicos ou quando é secundária a qualquer outra síndrome psiquiátrica. A ejaculação precoce é relatada com mais freqüência entre homens com educação superior do que entre aqueles com menor grau de escolaridade. Acredita-se que a queixa esteja relacionada à preocupação com a satisfação da parceira, mas a verdadeira causa dessa diferença não foi determinada. A ejaculação precoce é a principal queixa de cerca de 35 a 40% dos homens tratados por transtornos sexuais. Alguns pesquisadores dividem os que experimentam ejaculação precoce em dois grupos: aqueles que são fi-
TRANSTORNOS SEXUAIS DOLOROSOS Dispareunia A dispareunia é a dor genital recorrente ou persistente que se manifesta em homens ou mulheres antes, durante ou após o ato sexual. Muito mais comum em mulheres, a condição está relacionada, e muitas vezes coincide, com o vaginismo. Episódios repetidos de vaginismo podem levar a dispareunia, e vice-versa, e, em qualquer um dos casos, as causas somáticas devem ser excluídas. A dispareunia não deve ser diagnosticada quando for encontrada uma base orgânica para a dor ou quando for causada exclusivamente por vaginismo ou pela falta de lubrificação (Tab. 21.210). Sua incidência é desconhecida. Na maioria dos casos, fatores dinâmicos são considerados causais. A dor pélvica crônica é uma queixa comum em mulheres
754
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 21.2-10 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para dispareunia
TABELA 21.2-11 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para vaginismo
A. Dor genital recorrente ou persistente associada ao ato sexual tanto em homem ou mulher. B. A perturbação causa acentuado sofrimento ou dificuldade interpessoal. C. A perturbação não é causada exclusivamente por vaginismo ou falta de lubrificação, não é mais bem explicada por outro transtorno do Eixo I (exceto por outra disfunção sexual), nem se deve exclusivamente aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., droga de abuso, medicamento) ou de uma condição médica geral. Especificar tipo: Tipo ao longo da vida Tipo adquirido Especificar tipo: Tipo generalizado Tipo situacional Especificar: Devido a fatores psicológicos Devido a fatores combinados
A. Espasmo involuntário, recorrente ou persistente da musculatura do terço inferior da vagina, que interfere no intercurso sexual. B. A perturbação causa acentuado sofrimento ou dificuldade interpessoal. C. A perturbação não é melhor explicada por outro transtorno do Eixo I (por ex., transtorno de somatização), nem se deve exclusivamente aos efeitos fisiológicos diretos de uma condição médica geral. Especificar tipo: Tipo ao longo da vida Tipo adquirido Especificar tipo: Tipo generalizado Tipo situacional Especificar: Devido a fatores psicológicos Devido a fatores combinados De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000.
De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000.
com história de estupro ou abuso sexual na infância. O coito doloroso pode resultar de tensão e ansiedade em relação ao ato sexual, que fazem com que os músculos vaginais sejam constraídos de forma involuntária. A dor é real e torna o ato sexual desagradável ou insuportável, e a antecipação dessa dor pode fazer com que a mulher evite o coito. Se o parceiro continua a relação sexual, a despeito do estado de prontidão da mulher, a condição é agravada. A dispareunia também pode ocorrer em homens, mas é incomum e costuma estar associada a uma condição orgânica, como herpes, prostatite ou doença de Peyronie, que consiste em placas escleróticas no pênis que causam sua curvatura. Vaginismo O vaginismo é a contratura muscular involuntária do terço externo da vagina que interfere na penetração peniana e no ato sexual. Essa resposta pode ocorrer durante um exame ginecológico, quando a contração involuntária impede a introdução do espéculo. O diagnóstico não é feito quando a disfunção é causada exclusivamente por fatores orgânicos ou quando é sintomática de outro transtorno mental do Eixo I (Tab. 21.2-11). O vaginismo é menos prevalente do que o transtorno do orgasmo feminino. Com maior freqüência, aflige mulheres altamente escolarizadas ou membros de grupos socioeconômicos privilegiados. Pessoas afetadas podem desejar o coito de forma consciente, mas inconscientemente impedir a entrada do pênis. Um trauma sexual, como um estupro, pode causar a condição, pois mulheres com conflitos psicossexuais podem perceber o pênis como uma agressão. Em alguns casos, a dor, ou a sua antecipação, na primeira experiência causa vaginismo. Clínicos observaram que uma criação religiosa estrita na qual o sexo é associado ao pecado é freqüente nestas pacientes. Outras mulheres têm problemas em relacionamentos duais e, quando se sentem emocionalmente abusadas pelos parceiros, podem protestar dessa forma não-verbal.
DISFUNÇÃO SEXUAL DEVIDO A UMA CONDIÇÃO MÉDICA GERAL A categoria disfunção sexual devido a uma condição médica geral engloba disfunções sexuais que resultam em sofrimento acentuado e dificuldade interpessoal; a história, o exame físico ou achados laboratoriais devem fornecer evidências de uma condição médica geral que é considerada a causa do problema (Tab. 21.2-12). Transtorno erétil masculino devido a uma condição médica geral A incidência de transtorno erétil masculino psicológico, em oposição a orgânico, tem sido o foco de muitos estudos. Estatísticas indicam que entre 20 e 50% dos casos têm base orgânica. As causas orgânicas do transtorno erétil masculino são listadas na Tabela 21.213. Os efeitos colaterais de medicamentos podem comprometer o funcionamento sexual masculino de várias formas (Tab. 21.2-14). A castração (remoção dos testículos) nem sempre leva a disfunção sexual, pois a ereção ainda pode ocorrer. Um arco reflexo, desencadeado quando a parte interior da coxa é estimulada, passa através do centro erétil do cordão sacral, explicando o fenômeno. Diversos procedimentos benignos e invasivos são usados para ajudar a diferenciar a impotência de causa orgânica daquela do tipo funcional. Os procedimentos incluem monitoramento da tumescência peniana noturna (ereções que ocorrem durante o sono), em geral associada a movimentos oculares rápidos, monitoramento da tumescência com um calibrador de esforço, medição da pressão arterial no pênis com pletismógrafo peniano ou fluxômetro Doppler, ambos os quais avaliam o fluxo sangüíneo na artéria pudenda interna, e medição do tempo de latência do nervo pudendo. Outros testes diagnósticos que delineiam as bases orgânicas incluem testes de tolerância a glicose, ensaios de hormônios plasmáticos, testes da função hepática e da tireóide, determinações dos níveis de prolactina e do hormônio foliculoestimulante (FHS) e exames cistométricos. Os estudos diagnósti-
SEXUALIDADE HUMANA
755
TABELA 21.2-12 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para disfunção sexual devido a uma condição médica geral
TABELA 21.2-13 Doenças e outras condições médicas gerais implicadas no transtorno erétil masculino
A. Predomina no quadro clínico uma disfunção sexual clinicamente significativa que tem como resultado um acentuado sofrimento ou dificuldade interpessoal. B. Existem evidências, a partir da história, do exame físico ou de achados laboratoriais, de que a disfunção sexual é plenamente explicada pelos efeitos fisiológicos diretos de uma condição médica geral. C. A perturbação não é mais bem explicada por outro transtorno mental (p. ex., transtorno depressivo maior). Selecionar código e termos com base na disfunção sexual predominante: Transtorno de desejo sexual feminino hipoativo devido a... [indicar a condição médica geral]. Este termo é usado se, em uma mulher, a característica predominante é uma deficiência ou ausência de desejo sexual. Transtorno de desejo sexual masculino hipoativo devido a... [indicar a condição médica geral]. Este termo é usado se, em um homem, a característica predominante é uma deficiência ou ausência de desejo sexual. Transtorno erétil masculino devido a... [indicar a condição médica geral]. Este termo é usado se a característica predominante é uma disfunção erétil masculina. Dispareunia feminina devido a... [indicar a condição médica geral]. Este termo é usado se, em uma mulher, a característica predominante é dor associada ao intercurso. Dispareunia masculina devido a... [indicar a condição médica geral]. Este termo é usado se, em um homem, a característica predominante é dor associada ao intercurso. Outra disfunção sexual feminina devido a... [indicar a condição médica geral]. Este termo é usado se, em uma mulher, predomina alguma outra característica (p. ex., transtorno do orgasmo), ou nenhuma. Outra disfunção sexual masculina devido a... [indicar a condição médica geral]. Este termo é usado se, em um homem, predomina alguma outra característica (p. ex., transtorno do orgasmo), ou nenhuma. Nota para codificação: Incluir o nome da condição médica geral no Eixo I, por exemplo, transtorno erétil masculino devido a diabete melito; codificar também a condição médica geral no Eixo III.
Doenças infecciosas e parasitárias Elefantíase Caxumba Doenças cardiovascularesa Doença aterosclerótica Aneurisma da aorta Síndrome de Leriche Insuficiência cardíaca Distúrbios renais e urológicos Doença de Peyronie Insuficiência renal crônica Hidrocele e varicocele Distúrbios hepáticos Cirrose (geralmente associada a dependência de álcool) Distúrbios pulmonares Insuficiência respiratória Genéticas Síndrome de Klinefelter Anormalidades penianas estruturais e vasculares congênitas Distúrbios nutricionais Desnutrição Deficiência de vitaminas Transtornos endócrinosa Diabete melito Disfunção do eixo hipofisário-adrenal-testicular Acromegalia Doença de Addison Adenoma cromófobo Neoplasia adrenal Mixedema Hipertireoidismo Distúrbios neurológicos Esclerose múltipla Mielite transversa Doença de Parkinson Epilepsia do lobo temporal Doenças traumáticas e neoplásicas da medula espinala Tumor no sistema nervoso central Esclerose lateral amiotrófica Neuropatia periférica Paresia geral Tabes dorsalis Fatores farmacológicos Álcool e outras substâncias indutoras de dependência (heroína, metadona, morfina, cocaína, anfetaminas e barbitúricos) Drogas prescritas (psicotrópicos, agentes anti-hipertensivos, estrógenos e antiandrógenos) Envenenamento Chumbo (plumbismo) Herbicidas Procedimentos cirúrgicosa Prostatectomia perineal Ressecção abdominal-perineal do colo Simpatectomia (freqüentemente interfere na ejaculação) Cirurgia aortoilíaca Cistectomia radical Linfadenectomia retroperitoneal Outras Radioterapia Fratura pélvica Qualquer doença sistêmica grave ou condição debilitante
De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000.
cos invasivos compreendem arteriografia peniana, cavernossonografia com infusão e penografia com xenônio radioativo. Os procedimentos invasivos requerem interpretação por um especialista e são usados apenas para pacientes candidatos a procedimentos vasculares reconstrutivos. Dispareunia devido a uma condição médica geral Estima-se que 30% de todos os procedimentos cirúrgicos na área genital feminina resultem em dispareunia temporária. Além disso, 30 a 40% das mulheres com a queixa atendidas em clínicas de terapia sexual têm patologia pélvica. As anormalidades orgânicas que levam à dispareunia e ao vaginismo incluem restos himenais irritados ou infectados, cicatrizes de episiotomia, infecção na glândula de Bartholin, várias formas de vaginite e cervicite e endometriose. Mulheres com miomas e endometriose relatam dor póscoito, atribuída às contrações uterinas durante o orgasmo. Aquelas na pós-menopausa podem apresentar dispareunia resultante do afinamento da mucosa vaginal e redução da lubrificação.
aNos Estados Unidos, estima-se que 2 milhões de homens sejam impotentes devido ao diabete melito; outros 300 mil devido a outras doenças endócrinas; 1,5 milhão como resultado de doenças vasculares; 180 mil devido a esclerose múltipla; 400 mil afetados por traumas e fraturas que levam a fraturas pélvicas ou lesões à medula espinal; e outros 650 mil como resultado de cirurgias radicais, incluindo prostatectomias, colostomias e cistectomias.
756
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 21.2-14 Alguns agentes farmacológicos implicados nas disfunções sexuais masculinas Droga
Prejudica a ereção
Drogas psiquiátricas Drogas cíclicasa Imipramina (Tofranil) + Protriptilina (Vivactil) + Desipramina (Pertofrane) + Clomipramina (Anafranil) + Amitriptilina (Elavil) + Trazodona (Desyrel)b – Inibidores da monoaminoxidase Tranilcipromina (Parnate) + Fenelzina (Nardil) + Pargilina (Eutonyl) – Isocarboxazida (Marplan) – Outras drogas com ação sobre o humor Lítio (Eskalith) + Anfetaminas + Fluoxetina (Prozac)e – Antipsicóticosc Flufenazina (Prolixin) + Tioridazina (Mellaril) + Clorprotixeno (Taractan) – Mesoridazina (Serentil) – Ferfenazina (Trilafon) – Trifluoperazina (Stelazine) – Reserpina (Serpasil) + Haloperidol (Haldol) – Agente antiansiedaded Clordiazepóxido (Librium) – Drogas anti-hipertensivas Clonidina (Catapres) + Metildopa (Aldomet) + Espironolactona (Aldactone) + Hidroclorotiazida + Guanetidina (Ismelin) + Substâncias de abuso comum Álcool + Barbitúricos + Cannabis + Cocaína + Heroína + Metadona + Morfina + Outras drogas Agentes antiparkinsonianos + Clofibrato (Atromid-S) + Digoxina (Lanoxin) + Glutetimida (Doriden) + Indometacina (Indocina) + Pentolamina (Regitine) – Propranolol (Inderal) +
Prejudica a ejaculação
+ + + + + –
+ + +
+ +
+ + + + + + +
segunda produz uma dor mais intensa após o orgasmo. A dispareunia também pode ocorrer em homens, mas é incomum e tende a estar associada a uma condição orgânica, como a doença de Peyronie, que consiste em placas escleróticas no pênis que causam sua curvatura. Transtorno do desejo sexual hipoativo devido a uma condição médica geral O desejo costuma diminuir após uma doença grave ou cirurgia, em especial quando a imagem corporal é afetada por procedimentos como mastectomia, ileostomia, histerectomia e prostatectomia. Doenças que exaurem a energia da pessoa, condições crônicas que exigem adaptação física e psicológica e doenças sérias que causam depressão podem diminuir de forma acentuada o desejo sexual tanto em homens quanto em mulheres. Em alguns casos, correlatos bioquímicos estão associados ao transtorno do desejo sexual hipoativo (Tab. 21.2-15). Um estudo recente constatou níveis muito mais baixos de testosterona sérica em homens que se queixavam de baixo desejo do que em controles normais em uma situação de laboratório do sono. Drogas que deprimem o sistema nervoso central (SNC) ou reduzem a produção de testosterona podem diminuir o desejo.
+
Outra disfunção sexual masculina devido a uma condição médica geral
+ – – +
Quando outra característica disfuncional é predominante (p. ex., transtorno do orgasmo) ou quando não há uma única característica mais evidente, é usada a categoria outra disfunção sexual masculina devido a uma condição médica geral. O transtorno do orgasmo masculino pode ter causas fisiológicas e ocorrer após cirurgias no trato geniturinário, como a prostatectomia. Também pode estar associado a doença de Parkinson e outros distúrbios neurológicos que envolvam as seções lombar ou sacral da medula espinal. A droga anti-hipertensiva monossulfato de guanetidina (Ismelin), a metildopa (Aldomet), as fenotiazinas, as drogas tricíclicas e os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs), entre outros, foram implicados na ejaculação retardada. O transtorno do orgasmo masculino também deve ser diferenciado da ejaculação retrógrada, na qual a ejaculação ocorre, mas o fluido seminal passa para a bexiga. Esta sempre tem causa orgânica, pode se desenvolver após uma cirurgia geniturinária e também está associada a medicamentos com efeitos anticolinérgicos adversos como as fenotiazinas, em especial a tioridazina (Mellaril).
+ + – + + – + + – – + – + –
aA incidência de transtorno erétil masculino associada ao uso de drogas tricíclicas é baixa. bA trazodona foi a causa em alguns casos de priapismo. cO comprometimento da função sexual não é uma complicação comum do uso de antipsicóticos. O priapismo ocorreu de forma ocasional em associação com antipsicóticos. dFoi relatado que os benzodiazepínicos diminuem a libido, mas em alguns pacientes a atenuação da ansiedade causada por estas drogas melhora a função sexual. eTodos os inibidores seletivos da recaptação de serotonina podem produzir disfunção sexual, mais comumente em homens.
Duas condições que não são imediatamente aparentes no exame físico e que produzem dispareunia são vestibulite vulvar e cistite intersticial. A primeira pode causar dor vulvar crônica, e a
Outras disfunções sexuais femininas devido a uma condição médica geral Algumas condições médicas – especificamente doenças endócrinas como hipotireoidismo, diabete melito e hiperprolactinemia primária – podem afetar a capacidade da mulher de ter orgasmos, assim como diversas drogas (Tab. 21.2-16). Agentes anti-hiper-
SEXUALIDADE HUMANA
757
TABELA 21.2-15 Neurofisiologia da disfunção sexual DA
5-HT
NE
ACh
Correlação clínica
Ereção
↑
α, β ↓↑
M
Ejaculação e orgasmo
± ↓
α1 ↑
M
Os antipsicóticos podem levar a disfunção erétil (bloqueio da DA); os agonistas desta podem implicar aumento da libido e da ereção; priapismo com trazodona (bloqueio de α1); os β-bloqueadores podem causar impotência Os α1-bloqueadores (drogas tricíclicas, IMAOs, tioridazina) podem causar comprometimento da ejaculação; agentes 5-HT podem inibir o orgasmo
↑, facilita; ↓, inibe ou diminui; ±, alguns; ACh, acetilcolina; DA, dopamina; 5-HT, serotonina; M, modula; NE, norepinefrina; , mínima. Reproduzida, com permissão, de Seagraves, R. Psychiatric Times, 1990.
tensivos, estimulantes do SNC, drogas tricíclicas, ISRSs e inibidores da monoaminoxidase (IMAOs) interferem na capacidade orgástica feminina. Um estudo com mulheres que usavam estes últimos, no entanto, constatou que, após 16 a 18 semanas de farmacoterapia, o efeito adverso do medicamento desaparecia, e elas eram capazes de experimentar orgasmos outra vez, embora continuassem utilizando a mesma dosagem. DISFUNÇÃO SEXUAL INDUZIDA POR SUBSTÂNCIAS O diagnóstico de disfunção sexual induzida por substâncias é usado quando evidências de intoxicação ou abstinência de uma substância são aparentes na história, no exame físico ou em achados laboratoriais. O problema deve ocorrer dentro de um mês da intoxicação ou abstinência significativa da substância (Tab. 21.217). As substâncias especificadas incluem álcool, anfetaminas ou substâncias relacionadas, cocaína, opióides, sedativos, hipnóticos
TABELA 21.2-16 Algumas drogas psiquiátricas implicadas na inibição do orgasmo femininoa Antidepressivos tricíclicos Imipramina (Tofranil) Clomipramina (Anafranil) Nortriptilina (Aventyl) Inibidores da monoaminoxidase Tranilcipromina (Parnate) Fenelzina (Nardil) Isocarboxazida (Marplan) Antagonistas do receptor da dopamina Tioridazina (Mellaril) Trifluoperazina (Stelazine) Inibidores seletivos da recaptação de serotonina Fluoxetina (Prozac) Paroxetina (Paxil) Sertralina (Zoloft) Fluvoxamina (Luvox) Citalopram (Celexa) aA inter-relação entre disfunção sexual feminina e agentes farmacológicos não foi avaliada de forma tão extensa quanto as reações masculinas. Os anticoncepcionais orais diminuem a libido em algumas mulheres, e determinadas drogas com efeitos colaterais anticolinérgicos podem comprometer a excitação e o orgasmo. Foi relatado que os benzodiazepínicos diminuem a libido, mas em alguns casos a redução da ansiedade causada por estas drogas melhora a função sexual. Tanto aumento quanto diminuição da libido foram relatados com o uso de agentes psicoativos, e é difícil separar tais efeitos da condição subjacente ou da sua melhora. A disfunção sexual associada ao uso de um agente desaparece quando este é descontinuado.
TABELA 21.2-17 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para disfunção sexual induzida por substâncias A. Predomina no quadro clínico uma disfunção sexual clinicamente significativa, que tem como resultado um acentuado sofrimento ou dificuldade interpessoal. B. Existem evidências, a partir da história, do exame físico ou de achados laboratoriais, de que a disfunção sexual é plenamente explicada pelo uso de uma substância, o que se manifesta por (1) ou (2): (1) os sintomas no Critério A desenvolveram-se durante ou dentro de um mês após a intoxicação com substância (2) o uso de um medicamento está etiologicamente relacionado com a perturbação C. A perturbação não é mais bem explicada por uma Disfunção Sexual não induzida por substância. As evidências de que os sintomas são mais bem explicados por uma disfunção sexual não induzida por substâncias podem incluir as seguintes: os sintomas precedem o início do uso ou a dependência da substância (ou o uso do medicamento); os sintomas persistem por um período substancial de tempo (p. ex., cerca de 1 mês) após a cessação da intoxicação, ou excedem substancialmente aqueles que seriam esperados, dado o tipo ou a quantidade da substância usada ou a duração de seu uso; ou existem outras evidências sugerindo a existência de uma disfunção sexual independente, não induzida por substâncias (p. ex., história de episódios recorrentes não relacionados a uma substância). Nota: Este diagnóstico deve ser feito em vez de um diagnóstico de intoxicação com substância apenas quando a disfunção sexual excede aquela habitualmente associada à síndrome de intoxicação e quando a disfunção é suficientemente grave a ponto de indicar atenção clínica independente. Codificar Disfunção sexual induzida por (substância específica): (Álcool; anfetamina [ou substância assemelhada]; cocaína; opióide; sedativo, hipnóticos ou ansiolíticos; outra substância [ou substância desconhecida]). Especificar se: Com prejuízo do desejo Com prejuízo da excitação Com prejuízo do orgasmo Com dor sexual Especificar se: Com início durante a intoxicação: se são satisfeitos os critérios para intoxicação com a substância e se os sintomas se desenvolvem durante a síndrome de intoxicação. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000.
ou ansiolíticos, bem como outras substâncias ou substâncias desconhecidas. O abuso de substâncias recreativas afeta a função sexual de várias formas. Em pequenas doses, muitas delas melhoram o desempenho sexual, diminuindo a inibição ou a ansiedade ou causando uma elevação temporária do humor. Com o uso continuado, no entanto, a turgescência erétil, a capacidade orgástica e a
758
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
capacidade ejaculatória se tornam comprometidas. O abuso de sedativos, ansiolíticos, hipnóticos e, particularmente, opiáceos e opióides quase sempre deprime o desejo. O álcool pode promover a iniciativa da atividade sexual removendo inibições, mas também afeta o desempenho. A cocaína e as anfetaminas produzem efeitos semelhantes. Ainda que não haja evidências diretas indicando que o impulso sexual é melhorado, os usuários, no início, têm sentimentos de maior energia e podem tornar-se sexualmente ativos. A disfunção surge com o tempo, sendo que os homens passam por dois estágios: a experiência de ereção prolongada sem ejaculação e, depois, a perda gradual da capacidade erétil. Pacientes que estão se recuperando de dependência de substâncias podem necessitar de terapia para reconquistar a função sexual, em parte devido ao reajustamento psicológico a um estado de não-dependência. Muitos abusadores de substâncias sempre tiveram dificuldades com interações íntimas. Outros, que passaram os anos cruciais do desenvolvimento sob a influência de uma substância, perderam as experiências que os teriam capacitado a aprender habilidades sociais e sexuais. AGENTES FARMACOLÓGICOS IMPLICADOS NA DISFUNÇÃO SEXUAL Quase todos os agentes farmacológicos, em particular aqueles usados na psiquiatria, foram associados a efeitos na sexualidade. Em homens, esses efeitos incluem diminuição do impulso sexual, insuficiência erétil (impotência), diminuição do volume da ejaculação e ejaculação retardada ou retrógrada. Em mulheres, pode ocorrer diminuição do impulso sexual, diminuição da lubrificação vaginal, orgasmo inibido ou retardado e diminuição ou ausência de contrações vaginais. As drogas também podem melhorar as respostas sexuais e aumentar o impulso sexual, mas isso é menos comum do que os efeitos adversos (Tab. 21.2-18). TABELA 21.2-18 Questões diagnósticas relativas a sexo e drogas antipsicóticas Diagnóstico diferencial de disfunção sexual induzida por drogas
Drogas antipsicóticas e problemas ejaculatórios
Drogas antipsicóticas e priapismo
Problema após o início da terapia medicamentosa ou superdosagem O problema não é específico a uma situação ou parceiro Não é um problema ao longo da vida ou recorrente Nenhum precipitante não-farmacológico óbvio Desaparece com a descontinuação da droga Ferfenazina Clorpromazina Trifluoperazina Haloperidol Mesoridazina Tioridazina Clorprotixeno Ferfenazina Mesoridazina Clorpromazina Tioridazina Flufenazina Molindona Risperidona Clozapina
Tabela elaborada por R.T. Seagraves, M.D.
Drogas psicoativas Drogas antipsicóticas. A maioria das drogas antipsicóticas é antagonista do receptor de dopamina e também bloqueia receptores adrenérgicos e colinérgicos, o que explica seus efeitos sexuais adversos. A clorpromazina (Thorazine), a tioridazina e a trifluoperazina (Stelazine) são anticolinérgicos potentes que comprometem a ereção e a ejaculação, fazendo com que o fluido seminal retorne para a bexiga em vez de ser expelido pela uretra. Os pacientes ainda têm a sensação prazerosa, mas orgasmo é seco. Ao urinarem após o orgasmo, a urina pode ser leitosa e esbranquiçada, porque contém a ejaculação. Essa condição é desconcertante, porém inofensiva, e pode ocorrer em até 50% dos pacientes que utilizam essas drogas. Paradoxalmente, alguns casos raros de priapismo foram relatados com antipsicóticos. Drogas antidepressivas. Os antidepressivos tricíclicos e tetracíclicos têm efeitos anticolinérgicos que interferem na ereção e retardam a ejaculação. Como esses efeitos variam entre os antidepressivos cíclicos, aqueles com menos efeitos (p. ex., desipramina [Norpramin]) produzem menos reações sexuais adversas. No caso dos tricíclicos e tetracíclicos, não foram documentados dados suficientes sobre mulheres, mas poucas parecem ter qualquer queixa. Alguns homens relatam maior sensibilidade da glande, que é prazerosa e não interfere na ereção, embora retarde a ejaculação. Em alguns casos, no entanto, os tricíclicos causam ejaculação dolorosa, talvez como resultado da interferência na propulsão seminal causada pela interferência, por sua vez, nas contrações dos músculos lisos uretrais, prostáticos, epidimais e dos vasos deferentes. Há relatos de que a clomipramina (Anafranil) aumenta o impulso sexual em certas pessoas. Também existem evidências de que selegilina (Deprenyl), um inibidor seletivo da MAO tipo B (MAOB), e a bupropiona (Wellbutrin) aumentam o impulso sexual, talvez pela atividade dopaminérgica e pelo aumento da produção de norepinefrina. A venlafaxina (Effexor) e os ISRSs quase sempre têm efeitos adversos devido ao aumento nos níveis de serotonina. A diminuição do impulso sexual e a dificuldade de chegar ao orgasmo ocorrem em ambos os sexos. A reversão desses efeitos negativos foi obtida com a ciproeptadina (Periactin), um anti-histamínico com efeitos anti-serotonérgicos, e com o metilfenidato (Ritalina), que tem efeitos adrenérgicos. A trazodona (Desyrel) está associada à ocorrência rara de priapismo, o sintoma da ereção prolongada na ausência de estímulo sexual. Esse sintoma parece resultar do antagonismo ao α2-adrenérgico da trazodona. Os IMAOs afetam as aminas biogênicas de forma ampla. Por isso, produzem comprometimento da ereção, ejaculação retardada ou retrógrada, secura vaginal e inibição do orgasmo. A tranilcipromina (Parnate) tem um efeito paradoxal sexualmente estimulante em algumas pessoas, talvez como resultado de suas propriedades semelhantes às da anfetamina. Efeitos gerais. Uma vez que a depressão está associada à diminuição da libido, níveis variáveis de disfunção sexual e anedonia fazem parte do processo da doença. Alguns pacientes relatam melhora do funcionamento sexual à medida que a depressão diminui como resultado da medicação antidepressiva. O fenômeno dificulta a avaliação dos efeitos colaterais sexuais, e estes também podem desaparecer com o tempo. É provável que isso se deva a um mecanismo homeostático das aminas biogênicas. Lítio. O lítio (Eskalith) regula o humor e, no estado maníaco, pode reduzir a hipersexualidade, possivelmente através da atividade de an-
SEXUALIDADE HUMANA
tagonista da dopamina. Em alguns pacientes, foi relatado comprometimento da ereção.
Simpaticomiméticos. Os psicoestimulantes às vezes são usados no tratamento da depressão e incluem anfetaminas, metilfenidato e pemolina (Cylert), que aumentam os níveis plasmáticos de norepinefrina e dopamina. A libido aumenta, mas com o uso prolongado, os homens podem experimentar perda do desejo e das ereções. Antagonistas dos receptores α-adrenérgico e β-adrenérgico. São usados no tratamento de hipertensão, angina e certas arritmias cardíacas e diminuem o fluxo tônico do nervo simpático a partir dos centros vasomotores do cérebro. Como resultado, podem causar impotência, diminuir o volume da ejaculação e produzir ejaculação retrógrada. Mudanças na libido foram relatadas em ambos os sexos. Foi sugerido uso terapêutico dos efeitos colaterais de drogas. Assim, um agente que retarda ou interfere na ejaculação (como a fluoxetina [Prozac]) poderia ser usado para tratar a ejaculação precoce.
Anticolinérgicos. Bloqueiam os receptores colinérgicos e incluem drogas como amantadina (Symmetrel) e benztropina (Cogentin). Produzem secura das membranas mucosas (incluindo a da vagina) e impotência. Anti-histamínicos. Drogas como a difenidramina (Benadryl) têm atividade anticolinérgica e são levemente hipnóticas. Como resultado, podem inibir a função sexual. A ciproeptadina, embora seja um antihistamínico, também apresenta uma atividade potente como antagonista da serotonina. É usada para bloquear os efeitos sexuais serotonérgicos adversos produzidos pelos ISRSs, como retardo do orgasmo e impotência. Agentes antiansiedade. A principal classe de ansiolíticos é a dos benzodiazepínicos (p. ex., diazepam[Valium]), que agem sobre os receptores do ácido γ-aminobutírico (GABA), os quais se acredita estarem envolvidos na cognição, na memória e no controle motor. Como diminuem as concentrações plasmáticas de epinefrina, reduzem a ansiedade e, como resultado, melhoram a função sexual em pessoas inibidas.
Álcool. O álcool suprime de modo geral a atividade do SNC e, assim, pode produzir transtornos eréteis em homens. Seu efeito gonadal direto diminui os níveis de testosterona em homens, mas, de maneira paradoxal, pode produzir um ligeiro aumento nos níveis de testosterona das mulheres. Esse achado pode explicar os relatos femininos de aumento da libido após a ingestão de pequenas quantidades de álcool. O uso prolongado reduz a capacidade do fígado de metabolizar compostos estrógenos, o que nos homens produz sinais de feminilização (p. ex., ginecomastia como resultado da atrofia testicular). Opióides. Opióides como a heroína têm efeitos sexuais adversos, como insuficiência erétil e diminuição da libido. A alteração da consciência pode aumentar a experiência sexual em alguns usuários.
Alucinógenos. Estes incluem a dietilamida do ácido lisérgico (LSD), a fenciclidina (PCP), a psilocibina (de alguns cogumelos) e a mescalina (do cacto peiote). Além de induzirem alucinações, causam perda do contato com a realidade e expansão e aumento da consciência. Alguns usuários relatam que a experiência sexual também melhora, mas outros experimentam ansiedade, delirium ou psicose, os quais interferem na função sexual.
759
Cannabis. O estado alterado de consciência produzido por ela pode aumentar o prazer sexual para algumas pessoas. Seu uso prolongado deprime os níveis de testosterona.
Barbitúricos e drogas de ação semelhante. Os barbitúricos e os sedativo-hipnóticos de ação semelhante podem aumentar a responsividade sexual em pessoas com inibições sexuais como resultado da ansiedade. Não têm efeitos diretos nos órgãos sexuais, mas produzem uma alteração da consciência que algumas pessoas consideram prazerosa. Estão sujeitos a abuso e podem ser fatais quando combinados ao álcool ou a outros depressores do SNC. A metaqualona (Quaalude) adquiriu a reputação de intensificador sexual, o que não tem uma base biológica de fato. A droga não é mais comercializada nos Estados Unidos.
DISFUNÇÃO SEXUAL SEM OUTRA ESPECIFICAÇÃO Esta categoria engloba as disfunções sexuais que não podem ser classificadas nas categorias já descritas (Tab. 21.2-19). Os exemplos incluem pessoas que experimentam os componentes fisiológicos da excitação sexual e do orgasmo, mas relatam ausência de sensação erótica ou até mesmo anestesia (anedonia orgástica). Mulheres com condições análogas à ejaculação precoce em homens são classificadas aqui. As que são orgásticas e desejam experimentar orgasmos múltiplos, mas não conseguem, também podem ser classificadas sob essa rubrica. Transtornos de disfunção sexual excessiva, e não apenas inibida, como masturbação ou coito compulsivo (adicção sexual), ou ocorrência de dor genital durante a masturbação podem ser abarcados nesta seção. Outros transtornos não-especificados são encontrados em pessoas que têm uma ou mais fantasias sexuais em relação às quais se sentem culpadas ou disfóricas, mas a gama de fantasias comuns é ampla. Orgasmo feminino prematuro Os dados sobre o orgasmo feminino prematuro são esparsos, e não há uma categoria própria para este transtorno no DSM-IVTR. Um caso de orgasmos múltiplos espontâneos sem estimulação sexual foi observado em uma mulher, causado por um foco epileptogênico no lobo temporal. Foram relatados casos de pesTABELA 21.2-19 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para disfunção sexual sem outra especificação Esta categoria inclui disfunções sexuais que não satisfazem os critérios para qualquer disfunção sexual específica. Exemplos: 1. Ausência de sensações eróticas subjetivas (ou sensações substancialmente diminuídas), apesar de excitação e orgasmo de outro modo normais. 2. Situações nas quais se conclui que uma disfunção sexual está presente, mas é impossível determinar se é primária, devido a uma condição médica geral ou induzida por uma substância. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000.
760
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
soas que tomavam antidepressivos (p. ex., fluoxetina e clomipramina) e experimentam orgasmos espontâneos associados a bocejos. Cefaléia pós-coito A cefaléia pós-coito, caracterizada por cefaléia logo após o coito, pode durar várias horas. Em geral, é descrita como um latejamento e está localizada na área occipital ou frontal. Sua causa é desconhecida. Pode haver implicações vasculares, psicogênicas ou ligadas à contração muscular (tensão). O coito pode precipitar enxaqueca ou cefaléia em salvas em pessoas predispostas. Anedonia orgástica A anedonia orgástica é uma condição na qual a pessoa não tem sensação física de orgasmo, muito embora o componente fisiológico permaneça intacto (p. ex., ejaculação). Causas orgânicas como lesões cefálicas ou sacrais que interferem nas rotas aferentes da genitália para o córtex devem ser excluídas. As causas psíquicas costumam estar relacionadas à extrema culpa acerca do prazer sexual. Esses sentimentos produzem uma resposta dissociativa que isola da consciência o componente efetivo da experiência orgástica. Dor masturbatória Algumas pessoas podem experimentar dor durante a masturbação. As causas orgânicas sempre deve ser excluídas; uma pequena laceração vaginal ou doença de Peyronie nos primeiros estágios podem produzir uma sensação dolorosa. A condição deve ser diferenciada da masturbação compulsiva, na qual a pessoa pode se masturbar com tal freqüência que chegue a causar danos físicos aos seus genitais e experimentar dor durante atos masturbatórios subseqüentes. Esses casos constituem um transtorno sexual separado e devem ser assim classificados. Certas práticas resultam no que foi denominado asfixia auto-erótica. Nesta, a pessoa masturba-se enquanto se enforca para aumentar as sensações eróticas e a intensidade do orgasmo através do mecanismo da hipoxia leve. Embora os praticantes tenham a intenção de libertar-se do laço após o orgasmo, estima-se que entre 500 e 1.000 pessoas morram enforcadas acidentalmente a cada ano. A maioria dos praticantes são homens, o travestismo com freqüência está associado a esse hábito, e a maioria das mortes ocorrem entre adolescentes. Tais práticas masoquistas em geral estão associadas a transtornos mentais graves, como esquizofrenia e transtornos maiores do humor.
TRATAMENTO Até 1970, o tratamento mais comum para as disfunções sexuais era a psicoterapia individual. A teoria psicodinâmica clássica sustenta que a inadequação sexual tem suas raízes em conflitos evolutivos precoces, e o transtorno é abordado como parte de uma perturbação emocional global. O tratamento se concentra na ex-
ploração de conflitos, motivações e fantasias inconscientes e várias dificuldades interpessoais. Uma das premissas da terapia é que a remoção dos conflitos permite que o impulso sexual se torne estruturalmente aceitável para o ego, possibilitando ao paciente encontrar meios apropriados de satisfação no ambiente. No entanto, os sintomas das disfunções sexuais com freqüência se tornam autônomos e persistem mesmo quando outros problemas resultantes da patologia são resolvidos. O uso de técnicas comportamentais muitas vezes é necessário para sanar o problema sexual. Terapia sexual dual A abordagem da terapia sexual dual, desenvolvida por Masters e Johnson, representa o principal avanço no diagnóstico e no tratamento dos transtornos sexuais dos últimos tempos. Sua base teórica é o conceito da unidade ou díade conjugal como objeto da terapia, ou seja, o casal deve ser tratado quando uma pessoa disfuncional está no relacionamento. Como os dois estão envolvidos em uma situação de sofrimento sexual, devem participar do programa de terapia juntos. O problema sexual muitas vezes reflete outras áreas de desarmonia ou incompreensão no casamento, e, por isso, toda a relação conjugal é tratada, com ênfase no funcionamento sexual como parte do relacionamento. Uma das principais características do programa é a sessão na qual a equipe de terapeutas, composta por um homem e uma mulher, esclarece, discute e elabora os problemas com o casal. As sessões a quatro requerem a participação ativa dos pacientes. Terapeutas e pacientes discutem os aspectos psicológicos e fisiológicos do funcionamento sexual, e os terapeutas têm uma atitude educativa, sugerindo atividades sexuais específicas para que o casal pratique na privacidade de seu lar. O objetivo é estabelecer ou reestabelecer a comunicação dentro da unidade conjugal. O sexo é enfatizado como uma função natural que floresce no clima doméstico apropriado, e a melhora da comunicação é encorajada com este fim. Em uma variação dessa terapia que se mostrou eficaz, um único terapeuta pode tratar o casal. A intervenção é breve e tem orientação comportamental, ou seja, os terapeutas tentam refletir a situação do modo como a vêem, em vez de interpretarem a dinâmica subjacente. O quadro sem distorções do relacionamento apresentado pelos terapeutas em geral corrige a visão limitada e míope de cada parceiro. Essa nova perspectiva pode interromper o ciclo vicioso do relacionamento do casal e encorajar uma comunicação melhor e mais efetiva. Exercícios específicos são prescritos para tratar problemas particulares. A inadequação sexual muitas vezes envolve a falta de informação, informações equivocadas e medo do desempenho, e, por isso, o casal fica proibido de praticar qualquer outro jogo sexual além dos prescritos pelos terapeutas. Os primeiros exercícios visam aumentar a consciência sensorial, toque, visão, sons e cheiros. Em princípio, o intercurso é proibido, e o casal aprende a dar e receber prazer corporal sem a pressão do desempenho ou da penetração. Ao mesmo tempo, aprende a comunicar-se de forma não-verbal e mutuamente satisfatória, tendo consciência de que as preliminares são uma alternativa prazerosa ao intercurso e ao orgasmo. Durante esses exercícios, o casal recebe reforço para reduzir sua ansiedade. São solicitados a usar fantasias para se distrair de
SEXUALIDADE HUMANA
preocupações obsessivas quanto ao desempenho (spectatoring, quando a pessoa se comporta como um espectador do ato sexual em vez de desfrutá-lo). As necessidades tanto do parceiro disfuncional quanto do não-disfuncional são consideradas. Se um dos dois fica excitado sexualmente com os exercícios, o outro é encorajado a levá-lo ao orgasmo por meios manuais ou orais. A comunicação aberta entre os parceiros também é encorajada, assim como a expressão de necessidades mútuas. Resistências como afirmações de fadiga ou tempo insuficiente para completar os exercícios são comuns e devem ser discutidas pelos terapeutas. A estimulação genital é acrescentada posteriormente à estimulação geral do corpo. O casal é instruído a tentar várias posições, sem, necessariamente, completar o ato, e usar uma variedade de técnicas estimulantes antes de ser instruído a proceder com o intercurso. As sessões de psicoterapia acompanham cada novo período de exercícios, e os problemas e as satisfações tanto sexuais quanto em outras áreas da vida do casal são discutidos. Instruções específicas e a introdução de novos exercícios de acordo com o progresso do casal são realizados em cada encontro. De forma gradual, o casal ganha confiança e aprende a comunicar-se verbal e sexualmente. A terapia sexual dual é mais eficaz quando a disfunção sexual não é acompanhada de outras psicopatologias. Técnicas e exercícios específicos Várias técnicas são usadas para tratar as diferentes disfunções. Em casos de vaginismo, a mulher é aconselhada a dilatar sua abertura vaginal com os dedos ou com dilatadores graduados. Em casos de ejaculação precoce, um exercício conhecido como técnica do aperto é usado para aumentar o limiar de excitabilidade peniana. Nesse exercício, o homem ou a mulher estimulam o pênis ereto até as primeiras sensações de ejaculação iminente. Nesse ponto, a mulher aperta com força a crista coronal da glande, a ereção diminui e a ejaculação é inibida. O programa de exercícios acaba por elevar o limiar da sensação de inevitabilidade ejaculatória e permite ao homem se tornar consciente de suas sensações sexuais e confiante quanto ao seu desempenho. Uma variante do exercício é a técnica stop-start (parar-começar) desenvolvida por James H. Semans, na qual a mulher cessa toda a estimulação do pênis quando o homem tem a primeira sensação de ejaculação iminente. Não é usado o aperto. Pesquisas demonstraram que a presença ou a ausência de circuncisão não influencia o controle ejaculatório, pois a glande é igualmente sensível nos dois estados. A terapia sexual foi bem-sucedida no tratamento da ejaculação precoce. O homem com transtorno do desejo sexual ou transtorno erétil masculino pode ser instruído a masturbar-se para provar que a ereção completa e a ejaculação são possíveis. O transtorno do orgasmo masculino é manejado, em princípio, com ejaculação extravaginal e depois com penetração gradual após a estimulação a um ponto próximo da ejaculação. Em casos de transtorno do orgasmo feminino do tipo ao longo da vida, a mulher é instruída a masturbar-se, às vezes usando um vibrador. A base do clitóris é o ponto masturbatório preferido, e o orgasmo depende da estimulação clitoriana adequada. Uma área na parede anterior da vagina foi identificada em algumas mulheres como ponto de excitação sexual, conhecido como
761
o ponto G, mas relatos de um fenômeno ejaculatório no orgasmo feminino após estimulação dessa região não foram verificados de forma satisfatória. Hipnoterapia O hipnoterapeuta focaliza especialmente o sintoma produtor de ansiedade – isto é, a disfunção sexual em particular. O uso bemsucedido da hipnose permite aos pacientes obterem controle dos sintomas que estavam diminuindo sua auto-estima e perturbando a homeostase psicológica. A cooperação do paciente é obtida e encorajada durante uma série de sessões não-hipnóticas que favorecem o desenvolvimento de uma relação médico-paciente segura, uma sensação de conforto físico e psicológico por parte do paciente e o estabelecimento de metas de tratamento desejadas por ambos. Durante esse período, o terapeuta avalia a capacidade do paciente de ter a experiência de transe, e as sessões não-hipnóticas também viabilizam a obtenção da história psiquiátrica e a realização de um exame do estado mental antes de começar a terapia. O foco do tratamento é a remoção dos sintomas e a mudança de atitude. O paciente é instruído a desenvolver meios alternativos de lidar com a situação que provoca ansiedade, o encontro sexual. Aprendem-se ainda técnicas de relaxamento para serem usadas antes das relações sexuais. Com esses métodos para aliviar a ansiedade, as respostas fisiológicas à estimulação sexual podem resultar em excitação e descarga prazerosa. Os impedimentos psicológicos à lubrificação vaginal, à ereção e aos orgasmos são removidos, acarretando o funcionamento sexual normal. A hipnose pode ser acrescentada a um programa de psicoterapia individual básico a fim de acelerar os efeitos da intervenção psicoterapêutica. Terapia comportamental Abordagens comportamentais criadas inicialmente para o tratamento de fobias agora também são usadas para tratar outras disfunções. Os terapeutas comportamentais partem da premissa de que a disfunção sexual é um comportamento mal-adaptativo aprendido que faz com que os pacientes tenham medo da interação sexual. Usando técnicas tradicionais, determinam uma hierarquia de situações que provocam ansiedade, variando das menos ameaçadoras (p. ex., a idéia de beijar) às mais ameaçadoras (p. ex., a idéia de penetração). O terapeuta comportamental permite ao paciente dominar a ansiedade através de um programa padronizado de dessensibilização sistemática, que é delineado para inibir a resposta ansiosa aprendida ao encorajar comportamentos antitéticos à ansiedade. Primeiro, o paciente lida, na fantasia, com a situação que provoca menos ansiedade e progride, passo a passo, até a situação que produz mais ansiedade. Medicação, hipnose e treinamento especial em relaxamento muscular profundo às vezes são usados para ajudar no domínio inicial da ansiedade. O treinamento de assertividade é útil para ensinar os pacientes a expressarem de forma aberta e sem medo suas necessidades sexuais. Exercícios de assertividade são propostos juntamente com a terapia sexual; os pacientes são encorajados a fazer propostas sexuais e a recusar propostas percebidas como pouco razoáveis.
762
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Exercícios sexuais são prescritos para serem realizados em casa, e pode ser estabelecida uma hierarquia, começando com aquelas atividades que se mostraram mais prazerosas e bem-sucedidas no passado. Uma variação do tratamento envolve a participação do parceiro sexual no programa de dessensibilização. O parceiro, e não o terapeuta, apresenta itens de valor crescente de estimulação para o paciente. Nessas situações, um parceiro cooperativo é necessário para ajudar o paciente a transferir os ganhos obtidos durante as sessões de tratamento para a atividade sexual em casa.
geral que julga com cuidado o momento mais oportuno para o início da terapia sexual e a capacidade do paciente de tolerar uma abordagem diretiva com foco em suas dificuldades sexuais. Tratamentos biológicos Tratamentos biológicos que incluem farmacoterapia, cirurgia e dispositivos mecânicos são usados para tratar casos específicos de transtorno sexual. A maioria dos avanços recentes envolve a disfunção sexual masculina. Estão em andamento estudos para testar o tratamento biológico da disfunção em mulheres.
Terapia de grupo A terapia de grupo foi usada para examinar problemas intrapsíquicos e interpessoais de pacientes com transtornos sexuais. O grupo oferece um forte sistema de apoio para o paciente que se sente envergonhado, ansioso ou culpado em relação a um problema sexual em particular. É um contato útil, para destruir mitos sexuais, corrigir concepções equivocadas e oferecer informações precisas a respeito da anatomia, da fisiologia e das variedades de comportamento sexual. Os grupos para tratamento de transtornos sexuais podem ser organizados de diversas formas. Os membros podem ter todos um mesmo problema, tal como ejaculação precoce, ou ser pessoas do mesmo sexo com diferentes problemas sexuais, ou, ainda, podem ser compostos tanto de homens quanto de mulheres que estão experimentando problemas sexuais variados. Essa opção pode ser um adjuvante a outras formas de terapia ou o principal modo de tratamento. Grupos organizados para tratar uma disfunção em particular em geral têm abordagem comportamental. Grupos compostos de casais com disfunções sexuais também se mostraram eficazes. O grupo oferece a oportunidade de obter informações precisas, oferece validação consensual de preferências individuais e melhora a auto-estima e a auto-aceitação. Técnicas como encenação de papéis e psicodrama podem ser usadas. Tais grupos não são indicados para casais quando um dos parceiros não é cooperativo ou quando o paciente tem um transtorno depressivo grave ou psicose, acha materiais audiovisuais sexuais explícitos repugnantes ou teme ou não gosta de grupos. Terapia sexual de orientação analítica Uma das modalidades de tratamento mais eficazes é o uso da terapia sexual integrada à psicoterapia de orientação psicodinâmica ou psicanalítica. A terapia é conduzida durante um período mais longo do que o habitual, o que permite a aprendizagem ou a reaprendizagem da satisfação sexual na realidade da vida diária do paciente. A combinação de conceitualizações psicodinâmicas às técnicas comportamentais permite o tratamento de pacientes com transtornos sexuais associados a outras psicopatologias. O material e a dinâmica que emergem na terapia sexual de orientação analítica são os mesmos que na terapia psicanalítica, como sonhos, medo de punição, sentimentos agressivos, dificuldade de confiança no parceiro, medo da intimidade, sentimentos edípicos e medo da mutilação genital. A abordagem combinada da terapia sexual de orientação analítica é usada pelo psiquiatra
Farmacoterapia. Os novos medicamentos mais importantes no tratamento da disfunção sexual são o sildenafil (Viagra) e seus congêneres, a fentolamina oral (Vasomax), o alprostadil (Carverject), uma prostaglandina injetável e um alprostadil transuretral (MUSE), todos usados em casos de transtorno erétil. O sildenafil é um intensificador do óxido nítrico que facilita o fluxo sangüíneo para o pênis, necessário à ereção. A droga tem efeito cerca de uma hora após a ingestão, e pode durar até quatro horas. Ela não é eficaz na ausência de estimulação sexual. Os eventos adversos mais comuns associados a seu uso são cefaléias, rubor e dispepsia. O sildenafil é contra-indicado para pessoas que tomam nitratos orgânicos, pois a ação concomitante das duas drogas pode resultar em diminuições amplas, súbitas e, às vezes, fatais da pressão arterial sistêmica. O agente não é eficaz em todos os casos de disfunção erétil, e não consegue produzir uma ereção rígida o bastante para a penetração em cerca de 50% dos homens que passaram por cirurgia radical da próstata ou naqueles com diabete dependente de insulina de longo prazo. Da mesma forma, é ineficaz em certos casos de lesões nervosas. Seu uso em mulheres resulta em lubrificação vaginal, mas não em aumento do desejo. No entanto, relatos pontuais descrevem mulheres que experimentaram intensificação da excitação com a droga. A fentolamina oral e a apomorfina ainda não foram aprovadas pela FDA, mas se mostraram efetivas como intensificadoras da potência em homens com disfunção erétil mínima. A primeira reduz o tônus simpático e relaxa os músculos lisos corporais. Eventos adversos incluem hipotensão, taquicardia e tontura. Os efeitos da segunda são mediados pelo sistema nervoso autônomo e resultam em vasodilatação, que facilita o fluxo sangüíneo para o pênis. Seus efeitos adversos incluem náusea e sudorese. Em contraste com os medicamentos orais, o alprostadil injetável e transuretral age localmente no pênis e pode produzir ereções na ausência de estimulação sexual. Ele contém uma forma de ocorrência natural de prostaglandina E, um agente vasodilatador, e pode ser administrado por injeção direta nos corpos cavernosos ou inserção intra-uretral de um pellet através de uma cânula. A ereção firme produzida de 2 a 3 minutos após a administração da droga pode durar até uma hora. Efeitos adversos pouco freqüentes e reversíveis das injeções incluem hematomas e alterações nos resultados de testes da função hepática. No entanto, existem possíveis seqüelas perigosas, incluindo priapismo e esclerose das pequenas veias do pênis. Usuários de alprostadil transuretral às vezes se queixam de sensações de ardência.
SEXUALIDADE HUMANA
Dois ensaios pequenos constataram a eficácia de agentes tópicos no alívio da disfunção erétil. Um creme consiste em três substâncias vasoativas que são absorvidas pela pele: aminofilina, dinitrato de isosorbida e mesilato de co-dergocrina, que é uma mistura de alcalóides do ergot. O outro é um gel que contém alprostadil e um ingrediente adicional que torna a camada externa da pele temporariamente mais permeável. Um creme que incorpora o alprostadil também foi desenvolvido para tratar transtornos da excitação sexual feminina, com resultados iniciais promissores. Além disso, a aplicação vaginal de mesilato de fentolamina, um antagonista do receptor α, aumentou de forma significativa a vasocongestão e a sensação subjetiva de excitação em um ensaio com mulheres em pós-menopausa com problemas de excitação que já estavam em terapia hormonal. Os tratamentos farmacológicos descritos são úteis no tratamento da disfunção da excitação de várias causas: neurogênica, psicogênica, por insuficiência arterial ou fuga venosa e mista. Quando combinado à terapia sexual de orientação comportamental ou analítica, o uso de medicamentos pode reverter um transtorno psicogênico da excitação resistente a psicoterapia isolada, sendo que a meta última é o funcionamento sexual sem assistência farmacológica. Outros agentes farmacológicos Numerosos outros agentes farmacológicos foram usados para curar os vários transtornos sexuais. O metoexital sódico intravenoso (Brevital) foi empregado na terapia de dessensibilização. Agentes antiansiedade podem ter algumas aplicações em pacientes tensos, embora também possam interferir na resposta sexual. Os efeitos colaterais dos antidepressivos, em particular os ISRSs e as drogas tricíclicas, foram usados para prolongar a resposta sexual em pacientes com ejaculação precoce. Essa abordagem é particularmente útil em pacientes refratários a técnicas comportamentais que podem se encaixar na categoria de ejaculação precoce de determinação fisiológica. O uso de antidepressivos também foi defendido no tratamento de pessoas que têm fobia ao sexo e daquelas com transtorno de estresse pós-traumático após um estupro. A trazodona é um antidepressivo que melhora as ereções noturnas. Os riscos de tomar esses medicamentos devem ser ponderados com cuidado em relação a seus possíveis benefícios. A bromocriptina (Parlodel) é usada no tratamento da hiperprolactinemia, com freqüência associada ao hipogonadismo. Antes, porém, esses pacientes devem ser submetidos a uma investigação completa para excluir tumores da hipófise. A bromocriptina, um agonista da dopamina, pode melhorar a função sexual comprometida pela hiperprolactinemia. Às vezes, o problema requer terapia com andrógenos. Diversas substâncias são conhecidas popularmente como afrodisíacas, como, por exemplo, raiz de ginseng e ioimbina, (Yocon), mas nenhum estudo confirmou tal propriedade. A ioimbina, um antagonista do receptor α, pode causar dilatação da artéria peniana, mas a American Urologic Association não recomenda seu uso para tratar a disfunção erétil orgânica. Muitas drogas recreativas, incluindo cocaína, anfetaminas, álcool e cannabis, são consideradas intensificadoras do desempenho sexual. Ainda que possam oferecer ao usuário um bene-
763
fício inicial devido a seus efeitos tranqüilizantes, desinibidores ou de elevação do humor, o uso consistente ou prolongado de qualquer uma delas compromete o funcionamento sexual. Há relatos de que agentes dopaminérgicos aumentam a libido e melhoram a função sexual. Essas drogas incluem o L-dopa, um precursor da dopamina, e a bromocriptina, um agonista da dopamina. O antidepressivo bupropiona têm efeitos dopaminérgicos e aumenta o impulso sexual em alguns casos. A selegilina, um IMAO, é seletiva para a MAOB e dopaminérgica, e melhora o funcionamento sexual em pessoas mais velhas. Terapia hormonal. Os andrógenos aumentam o impulso sexual em mulheres e homens com baixas concentrações de testosterona. Elas podem experimentar efeitos virilizantes, alguns dos quais são irreversíveis (p. ex., engrossamento da voz). Entre eles, o uso prolongado leva a hipertensão e aumento prostático. A testosterona é mais efetiva quando administrada de forma parenteral, mas preparações orais e transdérmicas eficazes estão disponíveis. Mulheres que usam estrógenos para terapia de reposição ou contracepção podem relatar diminuição da libido; nesses casos, uma preparação combinada de estrógeno e testosterona foi usada de maneira eficaz. O estrógeno em si impede o afinamento da membrana mucosa vaginal e facilita a lubrificação. Duas de suas formas novas, anéis e tabletes vaginais, oferecem rotas de administração alternativas para tratar mulheres com problemas de excitação ou atrofia genital. Uma vez que os tabletes e os anéis não aumentam os níveis circulantes do estrógeno, podem ser considerados para pacientes com câncer de mama que têm problemas de excitação. Antiandrógenos e antiestrógenos. Estrógenos e progesterona são antiandrógenos usados para tratar o comportamento sexual compulsivo em homens, em sua maioria criminosos sexuais. Clomifeno (Clomid) e tamoxifeno (Nolvadex) são antiestrógenos, estimulam a secreção do hormônio liberador da gonadotropina (GnRH) e aumentam as concentrações de testosterona, potencializando, assim, a libido. Mulheres tratadas para câncer de mama com tamoxifeno relatam aumento da libido. Abordagens mecânicas de tratamento Em pacientes com arteriosclerose (em especial da aorta distal, conhecida como síndrome de Leriche), a ereção pode perder-se durante os movimentos pélvicos ativos. A necessidade de mais sangue nos glúteos e em outros músculos servidos pelas artérias ilíacas comum e interna rouba o sangue da artéria pudenda, interferindo no fluxo sangüíneo peniano. O alívio pode ocorrer diminuindo-se os movimentos pélvicos, o que pode ser obtido pela posição superior da mulher no coito. Bomba de vácuo. As bombas de vácuo são dispositivos mecânicos que pacientes sem doença vascular podem usar para obter ereções. O sangue levado para o pênis com a criação do vácuo é mantido aí por um anel colocado em torno da base do pênis. Esse dispositivo não tem efeitos adversos, mas é incômodo, e os parceiros devem estar dispostos a aceitar seu uso. Algumas mulheres
764
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
queixam-se de que o pênis fica mais vermelho e mais frio do que quando a ereção é produzida por circunstâncias naturais, e referem objeção ao processo e ao resultado. Um dispositivo semelhante, denominado EROS, foi desenvolvido para criar ereções clitorianas em mulheres. Trata-se de uma pequena ventosa de sucção encaixada sobre a região clitoriana que leva o sangue para o clitóris. Estudos relatam seu sucesso no tratamento do transtorno da excitação sexual feminina. Vibradores usados para estimular a área clitoriana tiveram sucesso entre aquelas anorgásmicas. Tratamento cirúrgico Próteses masculinas. O tratamento cirúrgico é defendido com pouca freqüência, mas dispositivos protéticos penianos estão disponíveis para indivíduos com resposta erétil inadequada que são resistentes a outros métodos de tratamento ou que têm deficiências causadas por motivos médicos. Existem dois tipos principais de prótese: em forma de uma vareta semi-rígida, que produz uma ereção permanente que pode ser posicionada junto ao corpo para ocultação, e um tipo inflável, que é implantado com seu próprio reservatório e bomba para ser inflado e esvaziado. Este segundo tipo tenta imitar o funcionamento fisiológico normal.
Os casos de tratamento mais difícil envolvem casais com conflitos conjugais intensos. De forma mais específica, os transtornos do desejo são bastante difíceis de tratar, requerem uma terapia mais longa e mais intensiva do que outros transtornos, e seus resultados variam muito. Quando são usadas abordagens comportamentais, os critérios empíricos que predizem o resultado podem ser isolados com mais facilidade. Usando esses critérios, por exemplo, casais que praticam os exercícios propostos de forma regular parecem ter uma probabilidade muito maior de sucesso do que os casais mais resistentes ou aqueles cuja interação envolve características sadomasoquistas ou depressivas ou mecanismos de culpa e projeção. A flexibilidade da atitude também é um fator prognóstico positivo. De modo geral, casais mais jovens tendem a completar a terapia sexual com maior freqüência do que os mais velhos. Aqueles cujas dificuldades de interação estão centradas em seus problemas sexuais, como inibição, frustração ou medo do fracasso no desempenho, também tendem a responder bem à terapia. Em geral, os métodos que provaram ser efetivos de modo isolado ou em combinação incluem treinamento de habilidades sexuais comportamentais, dessensibilização sistemática, aconselhamento conjugal diretivo, abordagens psicodinâmicas tradicionais, terapia de grupo e farmacoterapia. Ainda que a maioria dos terapeutas prefira tratar o casal, intervenções individuais também apresentaram sucesso.
Resultados CID-10 Os resultados de diferentes métodos de tratamento variaram de forma considerável desde que Masters e Johnson relataram pela primeira vez achados positivos de sua abordagem de tratamento em 1970. Ambos estudaram as taxas de fracasso de seus pacientes (definido como o fracasso em iniciar a reversão do sintoma básico da disfunção apresentada), comparando as taxas iniciais com os achados de acompanhamento após cinco anos para os mesmos casais. Embora alguns tenham criticado sua definição da porcentagem de sucessos presumidos, outros estudos confirmaram a efetividade da abordagem. Demonstrar a eficácia da psicoterapia ambulatorial tradicional é bastante difícil, seja ela voltada para problemas sexuais ou para condições em geral. Quanto mais grave a psicopatologia associada a um problema de longa duração, maior a probabilidade de o resultado ser adverso.
Segundo a décima revisão da Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-10), disfunção sexual refere-se à incapacidade de uma pessoa de “participar em uma relação sexual do modo como desejaria”. Essa disfunção expressa-se de várias formas: falta de desejo ou de prazer ou incapacidade fisiológica de começar, manter ou completar a interação sexual. Como a resposta sexual é psicossomática, pode ser difícil determinar “a importância relativa de fatores psicológicos e/ou orgânicos”. Problemas como falta de desejo podem ocorrer em homens e mulheres, mas estas se queixam com maior freqüência da “qualidade subjetiva” da experiência do que do “fracasso de uma resposta específica”. A CID-10 aconselha a “ir além da queixa apresentada para encontrar a categoria diagnóstica mais apropriada”. A Tabela 21.2-20 apresenta seus critérios diagnósticos.
TABELA 21.2-20 Critérios diagnósticos da CID-10 para disfunção sexual não causada por transtorno ou doença orgânica G1. O indivíduo é incapaz de participar de uma relação sexual do modo como desejaria. G2. A disfunção ocorre com freqüência, mas pode estar ausente em algumas ocasiões. G3. A disfunção esteve presente por pelo menos seis meses. G4. A disfunção não é inteiramente atribuível a qualquer um dos outros transtornos mentais e comportamentais da CID-10, distúrbios físicos (como os endócrinos) ou tratamento medicamentoso. Comentários A mensuração de cada forma de disfunção pode se basear em escalas que avaliam a gravidade e a freqüência do problema. Mais de um tipo de disfunção pode coexistir.
Ausência ou perda de desejo sexual A. Os critérios gerais para disfunção sexual devem ser satisfeitos. B. Existe ausência ou perda do desejo sexual, manifestada pela diminuição da busca de pistas sexuais, de pensamentos sobre sexo com sentimentos de desejo ou apetite associados ou das fantasias sexuais. C. Existe uma falta de interesse em iniciar a atividade sexual, seja com um parceiro, seja com a masturbação solitária, resultando em uma freqüência da atividade claramente mais baixa do que a esperada, levando em conta a idade e o contexto, ou em uma freqüência muito reduzida em relação a níveis anteriores bem mais altos.
(Continua)
SEXUALIDADE HUMANA
765
TABELA 21.2-20 (Continuação) Aversão sexual e ausência de prazer sexual Aversão sexual A. Os critérios gerais para disfunção sexual devem ser satisfeitos. B. A perspectiva de interação sexual com um parceiro produz suficiente aversão, medo ou ansiedade para que a atividade sexual seja evitada ou, caso ocorra, seja associada a fortes sentimentos negativos e incapacidade de experimentar qualquer prazer. C. A aversão não é resultado de ansiedade de desempenho (reação a um fracasso anterior da resposta sexual). Ausência de prazer sexual A. Os critérios gerais para disfunção sexual devem ser satisfeitos. B. A resposta genital (orgasmo e/ou ejaculação) ocorre durante a estimulação sexual, mas não é acompanhada de sensações de prazer ou sentimentos de excitação prazerosa. C. Não há medo ou ansiedade manifestos e persistentes durante a atividade sexual (ver aversão sexual). Falha de resposta genital A. Os critérios gerais para disfunção sexual devem ser satisfeitos. Além disso, para homens: B. A ereção suficiente para o intercurso não ocorre quando este é tentado. A disfunção assume uma das seguintes formas: (1) a ereção completa ocorre durante os primeiros estágios do sexo, mas desaparece ou declina quando o intercurso é tentado (antes da ejaculação, caso esta ocorra) (2) a ereção ocorre, mas somente nos momentos em que o intercurso não está sendo considerado (3) ocorre ereção parcial, insuficiente para manter o intercurso, mas não ereção completa (4) não ocorre qualquer tumescência peniana Além disso, para mulheres: B. Há fracasso de resposta genital, experimentado como insuficiência da lubrificação vaginal, juntamente com tumescência inadequada dos lábios. A disfunção assume uma das seguintes formas: (1) geral: a lubrificação é insuficiente em todas as circunstâncias relevantes (2) a lubrificação pode ocorrer no início, mas não persiste pelo tempo suficiente para permitir a penetração peniana confortável (3) situacional: a lubrificação ocorre somente em algumas situações (p. ex., com um parceiro, mas não com outro, durante masturbação ou quando o intercurso vaginal não está sendo cogitado) Disfunção orgásmica A. Os critérios gerais para disfunção sexual devem ser satisfeitos. B. Existe disfunção orgásmica (ausência ou retardo acentuado do orgasmo), que assume uma das seguintes formas: (1) o orgasmo nunca foi experimentado em qualquer situação (2) a disfunção orgásmica se desenvolveu após um período de resposta relativamente normal: (a) geral: a disfunção orgásmica ocorre em todas as situações e com qualquer parceiro (b) situacional: Para mulheres: o orgasmo ocorre em certas situações (p. ex., durante masturbação ou com certos parceiros)
Para homens, um dos seguintes pode ocorrer: i) o orgasmo acontece somente durante o sono, nunca durante o estado de vigília ii) o orgasmo nunca ocorre na presença de parceira iii) o orgasmo se dá na presença de parceira, mas não durante o intercurso Ejaculação precoce A. Os critérios gerais para disfunção sexual devem ser satisfeitos. B. Existe uma incapacidade de retardar suficientemente a ejaculação para ter prazer no ato sexual, manifesta por uma das seguintes situações: (1) ocorrência de ejaculação antes ou logo após o início do intercurso (se um limite de tempo for necessário: antes ou dentro de 15 segundos do início) (2) a ejaculação ocorre na ausência de ereção suficiente para tornar possível o intercurso C. O problema não é resultado de abstinência prolongada da atividade sexual. Vaginismo não-orgânico A. Os critérios gerais para disfunção sexual devem ser satisfeitos. B. Existe um espasmo dos músculos perivaginais suficiente para impedir a penetração ou torná-la desconfortável. A disfunção assume uma das seguintes formas: (1) a resposta normal nunca foi experimentada (2) o vaginismo se desenvolveu após um período de resposta relativamente normal; (a) quando a penetração vaginal não é tentada, pode ocorrer uma resposta sexual normal (b) qualquer tentativa de contato sexual leva ao medo generalizado e ao esforço de evitar a penetração vaginal (p. ex., espasmo dos músculos adutores das coxas) Dispareunia não-orgânica A. Os critérios gerais para disfunção sexual devem ser satisfeitos. Além disso, para mulheres: B. Experimenta-se dor na entrada da vagina, seja durante todo o intercurso sexual ou apenas quando ocorre a penetração profunda do pênis. C. O transtorno não é atribuído a vaginismo ou a insuficiência de lubrificação, dispareunia de origem orgânica deve ser classificada segundo o transtorno subjacente. Além disso, para homens: B. Dor ou desconforto durante a resposta sexual. (O momento de ocorrência da dor e a localização exata devem ser registrados com cuidado.) C. O desconforto não é resultado de fatores físicos locais. Se estes forem identificados, a disfunção deve ser classificada de outra forma. Impulso sexual excessivo Não há critérios de pesquisa para esta categoria. Os pesquisadores que a estudam devem delinear seus próprios critérios. Outras disfunções sexuais não causadas por transtornos ou doença orgânica Disfunção sexual não causada por transtorno ou doença orgânica não especificada
Reproduzida, com permissão, de World Health Organization. The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural Disorders: Diagnostic Criteria for Research. Copyright, World Health Organization, Geneva, 1993.
REFERÊNCIAS Bhugra D. Literatura update: a critical review. Sex Relat Ther. 2001; 16:407. Everaerd W, Laan E. Drug treatments for women’s sexual disorders. J Sex Res. 2000;37:195. Fava M, Rankin M. Sexual functioning and SSRIs. J Clin Psychiatry. 2002;63(suppl 5):13.
Frank E. Frequency of sexual dysfunction in “normal” couples. N Engl J Med. 1978;299:111. Freud S. Three essays on the theory of sexuality. In: Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud. Vol 7. London: Hogarth Press: 1953:125. Frohman EM. Sexual dysfunction in neurological disease. Clin Neuropharmacol. 2002;25:126.
766
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Goldmeier D. “Responsive” sexual desire in women—managing the normal? Sex Relat Ther. 2001;16:381. Graziottin A. Clinical approach to dyspareunia. J Sex Marital Ther. 2001;27:489. Herman J, Lo Piccolo J. Clinical outcome of sex therapy. Arch Gen Psychiatry. 1983;40:443. Linet OI, Ogrinc FG. Efficacy and safety of intracavernosal alprostadil in men with erectile dysfunction. The Alprostadil Study Group. N Engl J Med. 1996;334:873. Masters WH, Johnson VE. Human Sexual Inadequacy. Boston: Little, Brown: 1970. Rowland DL, Slob AK. Understanding and diagnosing sexual dysfunction: recent progress through psychophysiological and psychophysical methods. Neurosci Biohehav Rev. 1995;19:201. Sadock BJ, Kaplan HI, Freedman AM, eds. The Sexual Experience. Baltimore: Williams & Wilkins; 1976. Sadock VA. Normal human sexuality and sexual dysfunction. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000;1577. Schiavi RC, Karstaedt A, Schreiner-Engel P, Mandeli J. Psychometric characteristics of individuals with sexual dysfunction and their partners. J Sex Marital Ther. 1992;18:219. Segraves RT. Effects of psychotropic drugs on human erections and ejaculation. Arch Gen Psychiatry. 1989;46:782. Segraves RT. Historical and international context of nosology of female sexual disorders. J Sex Marital Ther. 2001;27:205. Seidman SN. Exploring the relationship between depression and erectile dysfunction in aging men. J Clin Psychiatry. 2002;63(suppl 5):5. Semans JH. Premature ejaculation: a new approach. South Med J. 1956;49:353.
21.3 Transtorno sexual sem outra especificação e parafilias PARAFILIAS As parafilias são expressões anormais da sexualidade, que podem variar de um comportamento quase normal a um comportamento destrutivo ou danoso somente para a própria pessoa ou também para o parceiro, até um comportamento considerado destrutivo ou ameaçador para a comunidade como um todo. A revisão de texto da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR) aborda essas diferenças, designando os impulsos de pedofilia, frotteurismo, voyeurismo, exibicionismo e sadismo sexual como significativos do ponto de vista clínico se a pessoa age de acordo com tais fantasias ou se as mesmas causam acentuado sofrimento ou dificuldade interpessoal. As demais parafilias, como fetichismo, travestismo fetichista e masoquismo sexual ou aquelas sem outra especificação, como a zoofilia, satisfazem os critérios para importância clínica somente se causam sofrimento acentuado ou comprometimento social, ocupacional ou de outras áreas importantes do funcionamento, mesmo se os impulsos foram expressos de maneira comportamental. Os impulsos parafílicos podem ocorrer em situações raras, intermitentes ou compulsivas, e podem ser incidentais ou oferecer a única via de expressão da sexualidade.
Uma fantasia especial, com seus componentes inconscientes e conscientes, é o elemento patognomônico da parafilia, com excitação sexual e orgasmo como fenômenos associados que reforçam a fantasia ou o impulso. A influência dessas fantasias e suas manifestações comportamentais muitas vezes vão além da esfera sexual e atingem toda a vida da pessoa. As principais funções do comportamento sexual humano são auxiliar a formação de laços, criar prazer mútuo em cooperação com um parceiro, expressar e aumentar o amor entre duas pessoas e procriar. As parafilias são comportamentos divergentes, na medida em que envolvem agressão, vitimização e extremo individualismo. Os comportamentos excluem ou prejudicam o outro e perturbam o potencial de formação de laços interpessoais. Epidemiologia As parafilias são praticadas apenas por uma pequena porcentagem da população, mas sua natureza insistente e repetitiva resulta em alta recorrência. Por isso, uma grande proporção da população foi vitimizada por pessoas com parafilias. O DSM-IV-TR sugere que a prevalência é bem mais alta do que o número de casos diagnosticados em instituições clínicas gerais, com base no grande mercado comercial de pornografia e parafernália parafílica. Entre os casos legalmente identificados de parafilia, a pedofilia é a mais comum. De 10 a 20% de todas as crianças foram molestadas até os 18 anos de idade. Como uma criança é o objeto, o ato é visto com mais seriedade, e são feitos esforços maiores para localizar os culpados do que em outras parafilias. Pessoas com exibicionismo que se mostram publicamente para crianças também costumam ser presas. Aquelas com voyeurismo podem ser presas, mas seu risco não é grande. Vinte por cento das mulheres adultas já foram alvo de pessoas com exibicionismo e voyeurismo. O masoquismo e o sadismo sexuais são sub-representados em qualquer estimativa de prevalência. Este último costuma ganhar atenção somente em casos sensacionalistas de estupro, brutalidade e assassinatos por luxúria. As parafilias excretórias raramente são relatadas, uma vez que a atividade tende a acontecer de forma consensual entre adultos ou entre prostitutas e seus clientes. Pessoas com fetichismo raramente se envolvem com o sistema legal. Aquelas com travestismo fetichista podem ser presas por perturbar a paz ou por outras acusações menores se forem homens vestidos com roupas femininas, mas a prisão é mais comum entre aquelas com transtornos da identidade de gênero. A zoofilia como uma verdadeira parafilia é rara. Conforme a definição habitual, as parafilias parecem ser, em grande parte, condições masculinas. O fetichismo quase sempre ocorre em homens. Mais de 50% de todas as parafilias têm início antes dos 18 anos de idade, e os pacientes costumam ter de 3 a 5 parafilias, sejam concomitantes ou em diferentes momentos de suas vidas. Esse padrão de ocorrência é mais comum no exibicionismo, no fetichismo, no masoquismo sexual, no sadismo sexual, no travestismo fetichista, no voyeurismo e na zoofilia (Tab. 21.31). O comportamento parafílico tem seu pico entre os 15 e os 25 anos de idade, e declina de forma gradual; em homens de 50 anos, os atos criminosos de parafilia são raros, e os que ocorrem são praticados em isolamento ou com um parceiro cooperativo.
SEXUALIDADE HUMANA
TABELA 21.3-1 Freqüência de atos parafílicos cometidos por pacientes que buscam tratamento ambulatorial para tanto
Categoria diagnóstica
Pacientes que buscam tratamento ambulatorial para parafilias (%)
Atos parafílicos por pacientea
Pedofilia Exibicionismo Voyeurismo Frotteurismo Masoquismo sexual Travestismo fetichista Sadismo sexual Fetichismo Zoofilia
45 25 12 6 3 3 3 2 1
5 50 17 30 36 25 3 3 2
aNúmero médio Cortesia de Gene G. Abel, M.D.
Etiologia Fatores psicossociais. No modelo psicanalítico clássico, pessoas com uma parafilia não chegaram a completar o processo normal de desenvolvimento que leva ao ajustamento heterossexual. No entanto, esse modelo foi modificado por novas abordagens psicanalíticas. O que distingue uma parafilia de outra é o método escolhido pela pessoa (em sua maioria homens) para lidar com a ansiedade causada pela ameaça de castração por parte do pai e da separação por parte da mãe. Por mais bizarra que seja sua manifestação, o comportamento resultante oferece uma válvula de escape para impulsos sexuais e agressivos que, de outra forma, seriam canalizados para o comportamento sexual apropriado. O fracasso em resolver a crise edípica mediante a identificação com o pai-agressor (para meninos) ou a mãe-agressora (para meninas) resulta ou na identificação imprópria com o genitor do sexo oposto ou em um escolha inadequada do objeto para a catexia da libido. A teoria psicanalítica clássica sustenta que o transexualismo e o travestismo fetichista são transtornos porque envolvem a identificação com o genitor do sexo oposto e não com o do mesmo sexo; por exemplo, acredita-se que o homem que se veste com roupas femininas se identifique com a mãe. O exibicionismo e o voyeurismo podem ser tentativas de acalmar a ansiedade de castração. O fetichismo é uma forma de evitar a ansiedade deslocando os impulsos libidinosos para objetos impróprios. Alguém com fetiche de sapatos inconscientemente nega que as mulheres tenham perdido seus pênis através da castração ligando sua libido a um objeto fálico, o sapato, que simboliza o pênis feminino. Pessoas com pedofilia e sadismo sexual têm necessidade de dominar e controlar suas vítimas para compensar sentimentos de impotência durante a crise edípica. Alguns teóricos acreditam que escolher uma criança como objeto de amor é um ato narcisista. Pessoas com masoquismo sexual superam o medo de ferimentos e a sensação de impotência demonstrando que são imunes a danos. Outra teoria propõe que o masoquista direciona a agressividade inerente a todas as parafilias para si mesmo. Embora avanços recentes da psicanálise dêem mais ênfase ao tratamento dos mecanismos de defesa do que dos traumas edípicos, a terapia psicanalítica para pacientes com parafilias continua a ser consistente com a teoria de Sigmund Freud.
767
Outras teorias atribuem o desenvolvimento de uma parafilia a experiências precoces que condicionam ou socializam as crianças de forma a cometerem atos parafílicos. A primeira experiência sexual compartilhada pode ser importante neste aspecto, e o molestamento na infância pode predispor a pessoa a aceitar um abuso continuado na vida adulta ou, ao contrário, a se tornar abusadora. Além disso, experiências precoces de abuso que não são especificamente sexuais, tais como espancamentos, enemas ou humilhação verbal, podem ser sexualizadas e formar a base de uma parafilia. Tais experiências podem resultar no desenvolvimento de uma criança erotizada. O início dos atos parafílicos pode resultar da modelagem do comportamento a partir do contato com outros que realizaram atos parafílicos, imitação do comportamento sexual mostrado na mídia ou recordação de eventos emocionalmente significativos, como o próprio molestamento. A teoria da aprendizagem indica que, como as fantasias de interesse parafílico começam em uma idade precoce e não são compartilhadas com outros (que poderiam bloqueá-las ou desencorajá-las), as fantasias e os impulsos parafílicos continuam sem inibições até um período posterior da vida. Somente então a pessoa começa a perceber que tais interesses não são consistentes com as normas sociais. Entretanto, a essa altura, o uso repetitivo das fantasias já está enraizado e os pensamentos e comportamentos sexuais se tornaram associados ou condicionados às fantasias parafílicas. Fatores biológicos. Diversos estudos identificaram achados orgânicos anormais em pessoas com parafilias. Nenhum se valeu de amostras randômicas, mas sim investigaram de maneira extensa pacientes com parafilias encaminhados a grandes centros médicos. Entre esses pacientes, aqueles com achados orgânicos positivos incluíram 74% com níveis anormais de hormônios, 27% com sinais neurológicos maiores ou menores, 24% com anormalidades cromossômicas, 9% com convulsões, 9% com dislexia, 4% com eletroencefalogramas anormais (EEGs), 4% com transtornos mentais maiores e 4% com deficiências mentais. A questão é se tais anormalidades estão relacionadas de forma causal com os interesses parafílicos ou são achados incidentais sem qualquer relevância para o desenvolvimento da parafilia. Testes psicofisiológicos foram desenvolvidos para medir o tamanho volumétrico peniano em resposta a estímulos parafílicos e não-parafílicos. Esses procedimentos podem ser úteis para diagnóstico e tratamento, mas têm validade diagnóstica questionável, porque alguns homens são capazes de suprimir suas respostas eréteis. Diagnóstico e características clínicas Os critérios diagnósticos do DSM-IV para as parafilias incluem a presença de uma fantasia patognomônica e o impulso intenso de agir segundo a fantasia ou sua elaboração comportamental. A fantasia, que pode causar sofrimento ao paciente, contém material sexual incomum e relativamente fixo e demonstra apenas variações menores. A excitação e o orgasmo dependem da elaboração mental ou do desempenho comportamental da fantasia. A atividade sexual é ritualizada ou estereotipada, fazendo uso de objetos degradados, reduzidos ou desumanizados.
768
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Exibicionismo. Este é um impulso recorrente de expor os genitais a um estranho ou a uma pessoa desavisada (Tab. 21.3-2). A excitação sexual ocorre em antecipação à exposição, e o orgasmo é ocasionado pela masturbação durante ou após o evento. Em quase 100% dos casos, os exibicionistas são homens que se expõem a mulheres. Sua dinâmica é afirmar a masculinidade exibindo o pênis e observando as reações da vítima – medo, surpresa e repulsa. Nessa situação, os homens sentem-se inconscientemente castrados e impotentes. Suas esposas muitas vezes substituem as mães às quais eles eram excessivamente apegados durante a infância. Em outras parafilias relacionadas, os temas centrais envolvem derivados de olhar ou exibir. Fetichismo. Neste caso, o foco sexual está em objetos (p. ex., sapatos, luvas, meia) associados intimamente ao corpo humano (Tab. 21.3-3). O fetiche em particular está ligado a alguém intimamente envolvido com o paciente durante a infância e tem uma qualidade associada a essa pessoa amada, necessária ou até mesmo traumatizadora. Em geral, o transtorno começa na adolescência, embora possa ter se estabelecido na infância. Depois de efetivado, tende a ser crônico. A atividade sexual pode ser direcionada para o fetiche em si (p. ex., masturbação com ou dentro de um sapato), ou este pode ser incorporado ao intercurso sexual (p. ex., a exigência de que sejam usados sapatos de salto alto). O transtorno é quase exclusivamente encontrado em homens. Segundo Freud, tal condição serve como um símbolo do falo para pessoas com medos inconscientes da castração. Os teóricos da aprendizagem acreditam que o objeto foi associado à estimulação sexual em uma idade precoce.
TABELA 21.3-2 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para exibicionismo A. Ao longo de um período mínimo de seis meses, fantasias, anseios sexuais e comportamentos sexualmente excitantes recorrentes e intensos envolvendo a exposição dos próprios genitais a um estranho insuspeito. B. A pessoa realizou estes desejos sexuais, ou os desejos ou fantasias sexuais causam acentuado sofrimento ou dificuldade interpessoal. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000.
TABELA 21.3-3 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para fetichismo A. Ao longo de um período mínimo de seis meses, fantasias sexualmente excitantes, recorrentes e intensas, impulsos sexuais e anseios ou comportamentos envolvendo o uso de objetos inanimados (p. ex., roupas íntimas femininas). B. As fantasias, os impulsos sexuais ou os comportamentos causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. C. Os objetos de fetiche não se restringem a artigos de vestuário feminino usados no travestismo (como no travestismo fetichista) ou a dispositivos desenvolvidos com a finalidade de estimulação tátil da genitália (p. ex., vibrador). De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000.
Um homem de 53 anos que não saía de casa devido à agorafobia e que já havia se casado quatro vezes buscou ajuda por causa da perda recente do controle em relação à sua necessidade habitual de fetichismo por pés e fantasias de humilhação e dominação. Afirmou que seus impulsos masoquistas dominavam todos os seus momentos conscientes. Ele recorda de sentir-se excitado por pés femininos desde os 4 anos de idade. Quando sua mãe se sentava em uma cadeira e colocava as solas em seu rosto, desenvolvia uma ereção. Na infância, passava boa parte do seu tempo orquestrando brincadeiras nas quais as babás ou as vizinhas colocavam os pés em seu rosto. Adulto, diz que gosta de ser degradado e humilhado por uma mulher que o deixe sem qualquer capacidade de tomar decisões. Sente-se excitado pelo couro e pelo cheiro dos pés – particularmente ao ser forçado a suportar odores repulsivos de pés. A insistência de sua nova esposa para que buscasse ajuda surgiu depois que ele solicitou a ela dominação total, dizendo: “Eu quero ser subjugado, não ter como escapar, e depois ser usado como escravo para o sexo e para cozinhar e limpar a casa”. Ela ameaçou deixá-lo, levando a filha de 4 anos de idade, e insistiu que procurasse ajuda profissional. Quando sua primeira esposa se recusou a ter tal comportamento, ele teve um caso com uma mulher que o chicoteava. Com a segunda esposa, “gostava de brincar de senhora e escravo”, até ele se tornar tão obcecado que ela se sentiu desconfortável. Seu terceiro casamento, aos 50 anos de idade, foi com uma ladra muito agressiva que o dominava sexualmente, mas que não se importava com ele fora do quarto de dormir. Para ter intercurso durante a última década, ele tinha de fantasiar situações de dominação. Masturbava-se pelo menos uma vez por dia desde os 17 anos de idade e continua a tentar regular suas freqüentes tensões sexuais 3 a 4 vezes por dia via masturbação ou intercurso com a esposa. (Cortesia de Stephen B. Levine, M.D.) Frotteurismo. Costuma ser caracterizado pelo ato de um homem esfregar seu pênis contra as nádegas ou outras partes do corpo de uma mulher totalmente vestida para alcançar o orgasmo (Tab. 21.3-4). Em outros casos, pode-se usar as mãos para esfregar uma vítima desavisada. Os atos tendem a ocorrer em lugares muito cheios, em especial metrôs e ônibus. Homens com frotteurismo são extremamente passivos e isolados, e esse ato muitas vezes é sua única fonte de gratificação sexual. A expressão da agressividade nessa parafilia fica logo aparente. Pedofilia. Envolve impulsos ou excitação sexual recorrentes e intensos em relação a crianças de 13 anos de idade ou menos por um período de pelo menos seis meses. Pessoas com a condição têm, no mínimo, 16 anos de idade e pelo menos cinco anos a mais do que suas vítimas (Tab. 21.3-5). Quando o perpetrador é um adolescente envolvido em um relacionamento sexual com uma criança de 12 ou 13 anos de idade, o diagnóstico não é feito. A maioria dos molestamentos de crianças envolvem toques genitais ou sexo oral. A penetração vaginal ou anal ocorre com pouca freqüência, exceto em casos de incesto. Embora a maioria das vítimas que chegam à atenção pública seja composta de meninas, este achado parece ser um produto do processo de encami-
SEXUALIDADE HUMANA
TABELA 21.3-4 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para frotteurismo A. Ao longo de um período mínimo de seis meses, fantasias sexualmente excitantes, recorrentes e intensas, impulsos sexuais ou comportamentos envolvendo tocar e esfregar-se em uma pessoa sem o seu consentimento. B. As fantasias, os impulsos sexuais ou os comportamentos causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000.
TABELA 21.3-5 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para pedofilia A. Ao longo de um período mínimo de 6 meses, fantasias sexualmente excitantes, recorrentes e intensas, impulsos sexuais ou comportamentos envolvendo atividade sexual com uma (ou mais de uma) criança pré-púbere (geralmente com idade inferior a 13 anos). B. As fantasias, os impulsos sexuais ou os comportamentos causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. C. O indivíduo tem no mínimo 16 anos e é pelo menos cinco anos mais velho do que a criança ou crianças no Critério A. Nota: Não incluir um indivíduo no final da adolescência envolvido em um relacionamento sexual contínuo com uma criança com 12 ou 13 anos de idade. Especificar se: Atração sexual pelo sexo masculino Atração sexual pelo sexo feminino Atração sexual por ambos os sexos Especificar se: Restrita ao incesto Especificar tipo: Tipo exclusivo (atração apenas por crianças) Tipo não-exclusivo De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000.
nhamento. Os criminosos relatam que, quando tocam uma criança, a maioria (60%) das vítimas são meninos. Esse número faz um contraste acentuado com os números de vitimização de crianças sem toque, tais como espiar por janelas e exibicionismo; 99% desses casos são perpetrados contra meninas. Noventa e cinco por cento dos pedófilos são heterossexuais, e 50% tinham consumido álcool em excesso no momento do incidente. Além da pedofilia, um número significativo dos perpetradores está ou já esteve envolvido em exibicionismo, voyeurismo ou estupro. O incesto está relacionado à pedofilia pela escolha freqüente de uma criança imatura como objeto sexual, pelo elemento sutil ou explícito de coerção e, em alguns casos, pela natureza preferencial da ligação adulto-criança. Um homem de 67 anos de idade, com doutorado, cuja aspiração por sucesso como empreendedor permaneceu inalterada a despeito de uma vida inteira de fracassos, tocou os genitais da sua neta de 9 anos sob o pretexto de ensinar o que outras pessoas jamais deveriam fazer com ela. A criança, visi-
769
velmente perturbada, contou o ocorrido à mãe, que logo convocou uma reunião familiar para expor um segredo que havia mantido até então: quando tinha entre 13 e 16 anos de idade, tivera intimidades sexuais com o pai, o qual havia lhe dito que não seria bom que sua mãe deprimida ficasse sabendo. A filha mais jovem também tinha sido abordada quando estava na puberdade, mas havia repelido o pai com veemência. O homem disse que ele e sua amada neta estavam em um momento de ternura habitual quando, “por nenhum motivo especial”, ele começou a educá-la. Ele não tinha se interessado eroticamente por ela; estava apenas em seu estado habitual de frustração sexual e financeira. Embora potente, não tinha interesse no sexo com sua esposa distímica, que não era capaz de trabalhar e se queixava constantemente dos fracassos vocacionais do marido e de seus sérios problemas financeiros. (Cortesia de Stephen B. Levine, M.D.) Masoquismo sexual. O masoquismo deve seu nome às atividades de Leopold von Sacher-Masoch, um romancista austríaco do século XIX, cujos personagens derivavam prazer sexual de serem abusados e dominados por mulheres. Segundo o DSM-IVTR, pessoas com masoquismo sexual têm uma preocupação recorrente com impulsos e fantasias sexuais envolvendo o fato de serem humilhadas, espancadas, amarradas ou de alguma outra forma submetidas a sofrimento (Tab. 21.3-6). As práticas sexuais masoquistas são mais comuns entre homens do que entre mulheres. Freud acreditava que esse comportamento resultasse de fantasias destrutivas voltadas para o self. Em alguns casos, as pessoas só podem se permitir experimentar sentimentos sexuais quando estes forem seguidos de uma punição. Pessoas com o transtorno podem ter tido experiências infantis que as convenceram de que a dor é um pré-requisito para o prazer sexual. Cerca de 30% dos portadores de masoquismo sexual também têm fantasias sádicas. O masoquismo moral envolve a necessidade de sofrer, mas não é acompanhado de fantasias sexuais. Uma mulher de 38 anos, magra e bem-vestida, mãe de três filhos, com uma incapacidade ao longo da vida toda de obter orgasmo com um parceiro buscou ajuda devido a transtorno distímico com ideação suicida recorrente, abuso de sedativos e aversão a experiências sexuais com seu marido a quem ela muito valorizava. Ela tinha se masturbado quase todos os dias de sua vida pensando em ser queimada, pene-
TABELA 21.3-6 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para masoquismo sexual A. Ao longo de um período mínimo de seis meses, fantasias sexualmente excitantes, recorrentes e intensas, impulsos sexuais ou comportamentos envolvendo o ato (real, não simulado) de ser humilhado, espancado, atado ou de outra forma submetido a sofrimento. B. As fantasias, os impulsos sexuais ou os comportamentos causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000.
770
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
trada dolorosamente com instrumentos cirúrgicos ou receber enemas. A fantasia com instrumentos médicos começou aos 19 anos de idade, quando trabalhava no consultório de um urologista. Ela considerava suas fantasias “doentias, incontroláveis, mas necessárias para aliviar minhas tensões”. Havia sido uma criança extremamente tímida, com fobias sociais e da escola até a vida adulta, mas não recordava qualquer procedimento médico na infância, experiência de queimadura ou abuso físico ou sexual que pudesse explicar por que sua vida erótica havia sido dominada pelo masoquismo. Ela era muito próxima de sua mãe obesa, raramente via o pai trabalhador e idealizado e relutava em discutir a possibilidade de que tivesse experimentado qualquer dor e sofrimento em seu lar. (Cortesia de Stephen B. Levine, M. D.) Sadismo sexual. Os critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para sadismo sexual são apresentados na Tabela 21.3-7. O início do transtorno em geral acontece antes dos 18 anos de idade, e a maioria das pessoas que o apresentam são homens. Segundo a teoria psicanalítica, o sadismo é uma defesa contra o medo da castração; as pessoas afetadas fazem com outras o que temem que vá acontecer com consigo mesmas e derivam prazer de expressar seus instintos agressivos. O transtorno foi batizado com o nome do Marquês de Sade, um autor francês do século XVIII repetidamente preso por seus atos sexuais violentos contra mulheres. O sadismo sexual está relacionado ao estupro, embora este seja considerado uma expressão de poder. Alguns estupradores sádicos, no entanto, matam suas vítimas após o sexo (os ditos assassinatos por luxúria). Em muitos casos, essas pessoas têm esquizofrenia subjacente. John Money acredita que os assassinos por luxúria tenham transtorno dissociativo de identidade e talvez história de trauma encefálico. Lista cinco causas que contribuem para o sadismo sexual: predisposição hereditária, mau funcionamento hormonal, relacionamentos patológicos, história de abuso sexual e presença de outros transtornos mentais. Um médico controlador e narcisista, criado, desde os 12 anos de idade, somente pela mãe viúva tinha prazer com a carga erótica do espancamento desde os 6 anos de idade. Socialmente inibido durante a adolescência e os 20 anos, casou-se com a primeira mulher que namorou e aos poucos revelou a ela seu padrão secreto de excitação ao imaginar-se espancando mulheres. Embora horrorizada, a esposa concordava em satisfazê-lo em certas situações como um compleTABELA 21.3-7 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para sadismo sexual
mento ao seu comportamento sexual comum freqüente. Ele só ejaculava quando imaginava o espancamento. Após o sexto episódio de depressão ansiosa da esposa em 20 anos de casamento, seu psicólogo a instruiu a recusar-se a satisfazer as fantasias do marido. Ele caiu em desespero, foi diagnosticado com transtorno depressivo maior e escreveu uma longa carta para a esposa explicando por que tinha o direito de espancá-la. Ele afirmava que não tinha idéia de que a participação dela naquela humilhação pudesse afetar sua saúde mental (“Ela chegava a ter orgasmos algumas vezes depois que eu a espancava!”). Ele tentou suicídio como solução para o dilema de escolher entre a felicidade dele ou a dela, e tornar-se consciente de que o que estava pedindo era abusivo. Ficou chocado ao descobrir que a esposa já tinha considerado o suicídio como uma solução para sua armadilha conjugal de amar um homem que de outra forma era um marido afetuoso e bom pai, mas que tinha uma necessidade sexual doentia e inexplicada. Voyeurismo. O voyeurismo, também conhecido como escopofilia, é a preocupação recorrente com fantasias e atos que envolvem observar pessoas que estão nuas, ou se vestindo, ou em atividade sexual (Tab. 21.3-8). A masturbação até o orgasmo geralmente acompanha ou segue-se ao evento. O primeiro ato do tipo costuma ocorrer durante a infância, e é mais comum em homens. Quando pessoas com voyeurismo são presas, a acusação geralmente é de vadiagem. Travestismo fetichista. É descrito como fantasias e impulsos sexuais de vestir-se com roupas do sexo oposto como meio de excitação e como adjuvante da masturbação ou do coito (Tab. 21.3-9). O travestismo fetichista começa na infância ou no início da adolescência. À medida que os anos passam, alguns homens com o transtorno querem vestir-se e viver como mulheres. Com mulheres, tal comportamento é mais raro. Essas pessoas são classificadas no DSM-IV-TR como portadoras de travestismo fetichista e disforia quanto ao gênero. Em geral, usam mais de um artigo de vestuário do sexo oposto; com freqüência, um guardaroupa inteiro está envolvido. Quando um homem com travestismo fetichista está vestido de mulher, sua aparência de feminilidade pode ser notável, embora não no mesmo grau encontrado no transexualismo. Quando não estão vestidos com roupas de mulher, os homens com o transtorno podem ser hipermasculinos em aparência e ocupação. O transtorno pode variar de um ato TABELA 21.3-8 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para voyeurismo
A. Ao longo de um período mínimo de seis meses, fantasias sexualmente excitantes, recorrentes e intensas, impulsos sexuais ou comportamentos envolvendo atos (reais, não simulados) nos quais o sofrimento psicológico ou físico (incluindo humilhação) da vítima é sexualmente excitante para o indivíduo. B. O indivíduo realizou estes desejos sexuais com outra pessoa sem seu consentimento, ou os desejos e as fantasias sexuais causam acentuado sofrimento ou dificuldade interpessoal.
A. Durante um período mínimo de seis meses, fantasias sexualmente excitantes, recorrentes e intensas, impulsos sexuais ou comportamentos envolvendo o ato de observar uma pessoa que está nua, a se despir ou em atividade sexual, a qual não suspeita que está sendo observada. B. O indivíduo realizou estes desejos sexuais com outra pessoa sem seu consentimento, ou os desejos e as fantasias causam acentuado sofrimento ou dificuldade interpessoal.
De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000.
De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000.
SEXUALIDADE HUMANA
TABELA 21.3-9 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para travestismo fetichista A. Por um período mínimo de 6 meses, em um homem heterossexual, fantasias sexualmente excitantes, recorrentes e intensas, impulsos sexuais ou comportamentos envolvendo o uso de roupas femininas. B. As fantasias, impulsos sexuais ou comportamentos causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. Especificar se: Com disforia quanto ao gênero: se o indivíduo sente um desconforto persistente com o papel ou a identidade de gênero. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000.
solitário, deprimido e cheio de culpa até um estilo de vida egossintônico com inserção social em uma subcultura de travestismo. A condição clínica manifesta de travestismo fetichista pode começar na fase de latência, mas é vista com maior freqüência em torno da puberdade ou na adolescência. A prática explícita de vestir-se com roupas do sexo oposto em geral não principia até que a mobilidade e a relativa independência dos pais estejam bemestabelecidas. Um rapaz de 15 anos de idade foi levado para avaliação por sua terceira mãe adotiva, que não podia mais tolerar que ele roubasse suas roupas íntimas e se comportasse de modo sexualmente provocativo com os dois outros filhos adotivos da casa. No centro de tratamento residencial, ele masturbava-se constantemente e várias vezes tomava iniciativa sexual com membros da equipe e meninos e meninas residentes. Sua história evolutiva englobava abuso físico na infância, pais que abusavam de substâncias, abandono paterno e depois materno e travestismo desde os 6 anos de idade. Parafilia sem outra especificação. A classificação de parafilia sem outra especificação inclui parafilias variadas que não satisfazem os critérios para nenhuma das categorias já mencionadas (Tab. 21.3-10). A escatologia por telefone se caracteriza por telefonemas obscenos e envolve um parceiro desavisado. A tensão e a excitação começam em antecipação da chamada; quem recebe a chamada escuta enquanto a pessoa que chama (geralmente um homem) expõe suas fantasias
ESCATOLOGIA POR TELEFONE OU COMPUTADOR.
TABELA 21.3-10 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para parafilia sem outra especificação Esta categoria é incluída para a codificação de parafilias que não satisfazem os critérios para qualquer das categorias específicas. Os exemplos incluem escatologia telefônica (telefonemas obscenos), necrofilia (cadáveres), parcialismo (foco exclusivo em uma parte do corpo), zoofilia (animais), coprofilia (fezes), clismafilia (enemas) e urofilia (urina), entre outras. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000.
771
ou a induz a falar sobre sua atividade sexual. A conversa é acompanhada de masturbação, que tende a ser consumada depois que o contato é interrompido. As pessoas também usam redes interativas de computador, às vezes de maneira compulsiva, para mandar mensagens obscenas por correio eletrônico e transmitir imagens sexualmente explícitas. Devido ao anonimato dos usuários nas salas de bate-papo, o sexo on-line (cybersex) permite a algumas pessoas desempenhar o papel do sexo oposto, o que representa um método alternativo de expressar fantasias de travestismo e transexualismo. Um dos perigos dessa prática é que os pedófilos a utilizam com freqüência para fazer contato com crianças ou adolescentes, que são convencidos a encontrá-los pessoalmente, sendo então molestados. Muitos contatos por computador se transformam em relacionamentos off-line. Embora algumas pessoas relatem que os encontros frente a frente geram relacionamentos significativos, a maioria desses encontros é cheia de decepção e desilusão, pois a pessoa fantasiada não consegue satisfazer as expectativas inconscientes de perfeição. Em outras situações, quando adultos se encontram, podem ocorrer estupros ou até mesmo homicídios. A necrofilia é a obsessão em obter gratificação sexual através de cadáveres. A maioria das pessoas com esse transtorno encontra cadáveres em necrotério, mas se sabe de algumas que roubaram túmulos ou até mesmo assassinaram para satisfazer seus impulsos sexuais. Nos poucos casos estudados, os indivíduos acreditavam que estavam impondo a maior humilhação concebível para suas vítimas mortas. Segundo Richard von Krafft-Ebing, o diagnóstico de psicose justifica-se em todas as circunstâncias.
NECROFILIA.
PARCIALISMO. Pessoas com transtorno de parcialismo concentram sua
atividade sexual em uma parte do corpo e excluem todas as demais. O contato oral com os genitais – como cunilíngua (contato oral com os genitais externos de uma mulher), felação (contato oral com o pênis) e o anilíngua (contato oral com o ânus) – costuma estar associado às preliminares. Freud reconheceu as superfícies mucosas do corpo como erotogênicas e capazes de produzir sensações prazerosas, mas quando uma pessoa usa essas atividades como única fonte de gratificação sexual e não consegue ou se recusa a ter o coito, existe uma parafilia. Essa também é conhecida como oralismo. Na zoofilia, animais – que podem ser treinados para participar – são incorporados nas fantasias de excitação ou atividades sexuais, incluindo intercurso, masturbação e contato oralgenital. A zoofilia como parafilia organizada é rara. Para muitas pessoas, os animais são a principal fonte de relacionamento, e por isso não surpreende que uma ampla variedade de animais domésticos sejam usados de forma sensual ou sexual. Relações sexuais ocasionais com animais podem dever-se à disponibilidade ou à conveniência, especialmente em partes do mundo onde convenções rígidas impedem a sexualidade pré-conjugal e em situações de isolamento forçado. Como a masturbação também está disponível nessas situações, a predileção pelo contato animal constituiu uma zoofilia oportunista.
ZOOFILIA.
COPROFILIA E CLISMAFILIA. A coprofilia é o prazer sexual associado ao desejo de defecar no parceiro, de que o parceiro defeque na
772
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
pessoa ou de comer fezes (coprofagia). Uma variante é a vocalização compulsiva de palavras obscenas (coprolalia). Essas parafilias estão associadas à fixação no estágio anal do desenvolvimento psicossexual. Da mesma forma, a clismafilia, o uso de enemas como parte de estimulação sexual, está relacionada à fixação anal.
esquizofrenia. Doenças cerebrais também podem liberar impulsos perversos.
A urofilia, uma forma de erotismo uretral, é o interesse no prazer sexual associado ao desejo de urinar no parceiro ou de que o parceiro urine na pessoa. Tanto em homens quanto em mulheres, o transtorno pode estar associado a técnicas masturbatórias envolvendo a inserção de objetos na uretra para estimulação sexual.
O mau prognóstico para as parafilias está associado a uma idade precoce de início, alta freqüência de atos, ausência de culpa ou vergonha associadas e abuso de substâncias. O curso e o prognóstico são favoráveis quando os pacientes têm história de coito além da parafilia e buscam ajuda de forma voluntária, em vez de serem encaminhados por algum órgão legal.
UROFILIA.
MASTURBAÇÃO. A masturbação é uma atividade normal e comum em todos os estágios da vida, mas este ponto de vista nem sempre foi aceito. Freud acreditava que a neurastenia fosse causada pela masturbação excessiva. No início do século XVIII, a insanidade masturbatória era um diagnóstico comum nos hospitais para criminosos com problemas mentais nos Estados Unidos. A prática pode ser definida como a obtenção de prazer sexual – que tende a resultar em orgasmo – com a própria pessoa (auto-erotismo). Alfred Kinsey constatou que a masturbação era mais prevalente em homens do que em mulheres, mas essa diferença não se sustenta mais. A freqüência da masturbação varia de 3 a 4 vezes por semana na adolescência para 1 a 2 vezes por semana na vida adulta. Ela é comum entre pessoas casadas; Kinsey estimava sua ocorrência em média uma vez por mês entre casais casados. As técnicas de masturbação variam em ambos os sexos e entre as pessoas. A técnica mais comum é a estimulação direta do clitóris ou do pênis com a mão ou os dedos. A estimulação indireta também pode ser usada, como esfregar-se contra um travesseiro ou apertar as coxas. Kinsey constatou que 2% das mulheres são capazes de ter orgasmo somente através da fantasia. Mulheres e homens inserem objetos na uretra para alcançar o orgasmo. O vibrador de mão agora é usado como aparelho masturbatório por ambos os sexos. A masturbação é anormal quando é o único tipo de atividade sexual realizada na vida adulta, quando sua freqüência indica uma compulsão ou disfunção sexual ou quando é consistentemente preferida em detrimento do sexo com um parceiro.
É o desejo de obter um estado alterado de consciência secundária a hipoxia enquanto se experimenta um orgasmo. As pessoas podem usar drogas (p. ex., um nitrito volátil ou óxido nitroso) para produzir hipoxia. A asfixia auto-erótica também está associada a estados hipóxicos, mas deve ser classificada como uma forma de masoquismo sexual. (Uma discussão da asfixia autoerótica aparece na Seção 21.2.)
HIPOXIFILIA.
Diagnóstico diferencial Os clínicos devem diferenciar uma parafilia de um ato experimental que não é recorrente nem compulsivo e que é feito por sua novidade. A atividade parafílica tem maior probabilidade de ocorrer durante a adolescência. Algumas delas (em especial os tipos bizarros) estão associadas a outros transtornos mentais, como
Curso e prognóstico
Tratamento Cinco tipos de intervenção psiquiátrica são usados para tratar pessoas com parafilias: controle externo, redução dos impulsos sexuais, tratamento de condições co-mórbidas (p. ex., depressão ou ansiedade), terapia cognitivo-comportamental e psicoterapia dinâmica. A prisão é um mecanismo de controle externo para crimes sexuais que não costuma ser um elemento de tratamento. Quando a vitimização ocorre na família ou no trabalho, o controle externo deriva de informar supervisores, pares ou outros membros adultos da família acerca do problema e aconselhá-los a eliminar as oportunidades para que o perpetrador realize seus impulsos. A terapia medicamentosa, incluindo antipsicóticos ou antidepressivos, é recomendada para o tratamento de esquizofrenia ou de transtorno depressivo associados à parafilia. Andrógenos como o acetato de ciproterona na Europa ou o acetato de medroxiprogesterona nos Estados Unidos podem reduzir o impulso sexual ao diminuir os níveis de testosterona sérica para concentrações subnormais. Agentes serotonérgicos como a fluoxetina foram usados em alguns pacientes parafílicos com sucesso limitado. A terapia cognitivo-comportamental é usada para interromper padrões parafílicos aprendidos e modificar comportamentos para torná-los socialmente aceitáveis. As intervenções incluem treinamento em habilidades sociais, educação sexual, reestruturação cognitiva (confrontar e destruir as racionalizações usadas para justificar a vitimização de outros) e desenvolvimento de empatia com a vítima. Também são ensinadas a dessensibilização imaginária, técnicas de relaxamento e a identificação do que desencadeia o impulso parafílico, a fim de que os estímulos possam ser evitados. No ensaio de comportamento agressivo modificado, o perpetrador é filmado realizando sua parafilia com um manequim. O paciente é então confrontado por um terapeuta e um grupo de outros criminosos que fazem perguntas a respeito de sentimentos, pensamentos e motivos associados ao ato e tentam corrigir as distorções cognitivas e apontar a ausência de empatia por parte da vítima. A psicoterapia orientada para o insight é uma abordagem de tratamento bem-estabelecida. Os pacientes têm a oportunidade de compreender sua dinâmica e os eventos que causaram o desenvolvimento da parafilia. Em particular, tornam-se conscientes dos eventos diários que os fazem agir segundo seus impulsos (p.
SEXUALIDADE HUMANA
ex., uma rejeição real ou fantasiada). O tratamento os ajuda a lidar melhor com os estresse da vida e aumenta sua capacidade de relacionamento com um parceiro. A psicoterapia também permite aos pacientes reconquistarem a auto-estima, o que, por sua vez, permite abordar parceiros de uma forma sexual mais adequada. A terapia sexual é um adjuvante apropriado no tratamento de pacientes que sofrem de disfunções sexuais específicas quando tentam atividade sexuais não-desviantes. Bons indicadores prognósticos incluem a presença de apenas uma parafilia, inteligência normal, ausência de abuso de substâncias, ausência de traços de personalidade anti-social não-sexuais e presença de um apego adulto bem-sucedido. No entanto, as parafilias continuam a ser um desafio significativo no tratamento mesmo nessas circunstâncias. CID-10 Na décima revisão da Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-10), as parafilias são classificadas como transtornos da preferência sexual. São listados seis transtornos específicos – fetichismo, travestismo fetichista, exibicionismo, voyeurismo, pedofilia e sadomasoquismo – e três categorias residuais (Tab. 21.3-11).
TRANSTORNO SEXUAL SEM OUTRA ESPECIFICAÇÃO Muitos transtornos sexuais não são classificados como disfunções ou parafilias. São manifestações raras, pouco documentadas, difíceis de classificar ou não são especificamente descritas no DSMIV-TR (Tab. 21.3-12). A CID-10 tem uma categoria residual semelhante para problemas relacionados ao desenvolvimento ou às preferências sexuais (Tab. 21.3-13). Disforia pós-coito A disforia pós-coito não está listada no DSM-IV-TR e ocorre durante a fase de resolução da atividade sexual, quando as pessoas tendem a experimentar uma sensação de bem-estar geral e relaxamentos muscular e psicológico. Algumas delas, no entanto, sofrem disforia após uma experiência sexual satisfatória, tornando-se deprimidas, tensas, ansiosas e irritáveis, e demonstrando agitação psicomotora. Com freqüência, querem afastar-se de seus parceiros e podem se tornar verbal ou até mesmo fisicamente abusivas. A incidência do transtorno é desconhecida, mas ele é mais comum em homens do que em mulheres. As diversas causas estão relacionadas à atitude da pessoa em relação ao sexo em geral e ao parceiro em particular. O transtorno pode ocorrer no sexo adúltero e em contatos com prostitutas. O medo da síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) também faz com que algumas pessoas experimentem disforia após o coito. O tratamento requer psicoterapia orientada para o insight para ajudar na compreensão dos antecedentes inconscientes do comportamento.
773
Problemas conjugais Por vezes, surgem queixas da unidade conjugal ou do casal, e não apenas de uma disfunção individual. Por exemplo, um parceiro pode preferir o sexo pela manhã enquanto o outro funciona mais prontamente à noite, ou os parceiros têm freqüências diferentes de desejo. Casamento não-consumado Os casais envolvidos em casamentos não-consumados nunca tiveram coito e costumam ser desinformados e inibidos em relação à sexualidade. Sentimentos de culpa, vergonha ou inadequação são agravados pelo problema, e eles experimentam conflitos entre a necessidade de buscar ajuda e a necessidade de ocultar sua dificuldade. Os casais podem buscar auxílio para o problema depois de terem estado juntos por vários meses ou anos. William Masters e Virginia Johnson relataram um casamento não-consumado de 17 anos de duração. Com freqüência, o casal não busca ajuda diretamente, mas a mulher pode revelar o problema ao ginecologista em uma consulta com o pretexto de queixas vaginais vagas ou outras queixas somáticas. Ao examiná-la, o médico pode encontrar o hímen intacto. Em alguns casos, no entanto, a esposa pode ter se submetido a uma himenectomia para resolver o problema, mas a cirurgia geralmente agrava a situação sem resolver o problema básico. O procedimento cirúrgico é outro estresse e muitas vezes aumenta o sentimento de inadequação do casal. A esposa pode se sentir enganada, usada ou mutilada, e a preocupação do marido com sua virilidade pode aumentar. Perguntas feitas por um médico que se sente confortável para lidar com problemas sexuais podem ser a primeira abertura para uma discussão franca do sofrimento do casal. Em geral, o pretexto da consulta médica é a discussão de métodos anticoncepcionais ou – ainda mais irônico – um pedido de investigação de infertilidade. Depois de apresentada, a queixa com freqüência pode ser tratada com sucesso. A duração do problema não afeta de forma significativa o prognóstico e o resultado do caso. As causas do casamento não-consumado são várias: carência de educação sexual, proibições sexuais excessivamente enfatizadas pelos pais ou pela sociedade, problemas de natureza edípica, imaturidade de ambos os parceiros, dependência excessiva das famílias primárias e problemas de identificação sexual. A ortodoxia religiosa, com controle severo dos desenvolvimentos sexual e social, e associação da sexualidade com pecado ou sujeira, também foi citada como causa dominante. Muitas mulheres envolvidas em casamentos não-consumados têm conceitos distorcidos a respeito da vagina. Elas podem temer que a vagina seja muito pequena ou muito macia, ou podem confundirem-se com o reto e, com isso, sentirem-se sujas. Os homens podem compartilhar essas distorções e perceber a vagina como perigosa. Da mesma forma, ambos os parceiros podem ter distorções quanto ao pênis e percebê-lo como uma arma, ou considerá-lo grande ou pequeno demais. Muitos pacientes podem ser auxiliados por uma simples conversa a respeito da anatomia e da fisiologia genital, com sugestões de auto-exploração e informações
774
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 21.3-11 Critérios da CID-10 para transtornos da preferência sexual G1. O indivíduo experimenta impulsos e fantasias sexuais intensas e recorrentes envolvendo objetos ou atividades incomuns. G2. O indivíduo age segundo estes impulsos ou sofre de maneira acentuada com eles. G3. A preferência esteve presente por pelo menos seis meses. Fetichismo A. Os critérios gerais para transtornos da preferência sexual devem ser satisfeitos. B. O fetiche (algum objeto inanimado) é a fonte mais importante de estimulação sexual ou é essencial para a resposta sexual satisfatória. Travestismo fetichista A. Os critérios gerais para transtornos da preferência sexual devem ser satisfeitos. B. O indivíduo usa artigos de vestuário do sexo oposto de modo a criar a aparência e a sensação de ser um membro do sexo oposto. C. A prática está intimamente associada à excitação sexual. Depois que ocorre o orgasmo e a excitação sexual declina, há um forte desejo de remover o vestuário. Exibicionismo A. Os critérios gerais para transtornos da preferência sexual devem ser satisfeitos. B. Existe uma tendência recorrente ou persistente de expor a genitália a estranhos desavisados (em geral do sexo oposto), que está quase invariavelmente associada à estimulação sexual e à masturbação. C. Não há intenção ou iniciativa de ter intercurso sexual com a “testemunha”. Voyeurismo A. Os critérios gerais para transtornos da preferência sexual devem ser satisfeitos. B. Existe uma tendência recorrente ou persistente a olhar para pessoas envolvidas em comportamentos sexual ou íntimo, como despir-se, que está associada à excitação sexual e à masturbação. C. A pessoa não tem intenção de revelar sua presença. D. Não há intenção de envolvimento sexual com as pessoas observadas. Pedofilia A. Os critérios gerais para transtornos da preferência sexual devem ser satisfeitos. B. Existe uma preferência persistente ou predominante por atividades sexuais com crianças ou pré-púberes. C. O indivíduo tem no mínimo 16 anos de idade e é pelo menos cinco anos mais velho do que a criança, ou as crianças, do Critério B. Sadomasoquismo A. Os critérios gerais para transtornos da preferência sexual devem ser satisfeitos. B. Existe uma preferência, seja como recipiente (masoquismo), agente (sadismo), ou ambos, por atividades sexuais que envolvam pelo menos um dos seguintes: (1) dor; (2) humilhação; (3) imobilização. C. A atividade sadomasoquista é a fonte mais importante de estimulação ou é necessária para a gratificação sexual. Múltiplos transtornos da preferência sexual A probabilidade de mais de uma preferência sexual anormal ocorrer no mesmo indivíduo é maior do que seria esperado com base no acaso. Para fins de pesquisa, os diferentes tipos de preferência e sua importância relativa para o indivíduo devem ser listados. A combinação mais comum é fetichismo, travestismo e sadomasoquismo. Outros transtornos da preferência sexual Pode ocorrer uma variedade de outros padrões de preferência e atividades sexuais relativamente incomuns. Estes incluem atividades como fazer chamadas telefônicas obscenas, esfregar-se em pessoas em busca de estimulação sexual em locais públicos (frotteurismo), atividade sexual com animais, uso de estrangulamento ou anoxia para intensificar a excitação sexual e preferência por parceiros com alguma anormalidade anatômica em particular, como um membro amputado. As práticas eróticas são muito diversas ou muito raras ou idiossincráticas para justificar um termo separado para cada uma. Engolir urina, sujar-se com fezes ou perfurar o prepúcio ou os mamilos pode fazer parte do repertório comportamental do sadomasoquismo. Rituais masturbatórios de vários tipos são comuns, mas as práticas mais extremas, como inserção de objetos no reto ou na uretra peniana ou auto-estrangulamento parcial, quando tomam o lugar de contatos sexuais comuns, equivalem a anormalidades. A necrofilia também deve ser codificada aqui. Transtorno da preferência sexual não especificado Reproduzida, com permissão, de World Health Organization. The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural Disorders: Diagnostic Criteria for Research. Copyright, World Health Organization, Geneva, 1993.
corretas oferecidas por um médico. O problema do casamento não-consumado é melhor tratado com o atendimento simultâneo do casal. A terapia sexual dual envolvendo uma equipe de co-terapeutas de ambos os sexos mostrou-se muito eficaz. Outras formas de terapia conjunta, aconselhamento conjugal, psicoterapia individual tradicional e aconselhamento por um médico de família sensível, ginecologista ou urologista também são úteis.
Problemas de imagem corporal Algumas pessoas têm vergonha de seus corpos e experimentam sentimentos de inadequação relacionada a padrões autoimpostos de masculinidade e feminilidade. As mesmas podem insistir no sexo somente na escuridão total, não permitir que certas partes de seu corpo sejam vistas ou tocadas ou buscar procedimentos operatórios desnecessários para lidar com ina-
SEXUALIDADE HUMANA
TABELA 21.3-12 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno sexual sem outra especificação Esta categoria é incluída para a codificação de uma perturbação sexual que não satisfaça os critérios para qualquer transtorno sexual específico, nem seja uma disfunção sexual ou uma parafilia. Exemplos: 1. Acentuados sentimentos de inadequação envolvendo o desempenho sexual ou outros traços relacionados a padrões autoimpostos de masculinidade ou feminilidade. 2. Sofrimento acerca de um padrão de relacionamentos sexuais repetidos, envolvendo uma sucessão de parceiros sexuais sentidos pelo indivíduo como coisas a serem usadas. 3. Sofrimento persistente e acentuado quanto à orientação sexual. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000.
TABELA 21.3-13 Critérios diagnósticos da CID-10 para transtornos psicológicos e do comportamento associados ao desenvolvimento e à orientação sexual Esta categoria engloba os problemas que derivam de variações do desenvolvimento ou da orientação sexual, quando a preferência sexual em si não é necessariamente problemática ou anormal. Transtorno da maturação sexual O paciente sofre de incerteza quanto à sua identidade de gênero ou orientação sexual, que causa ansiedade ou depressão. Orientação sexual egodistônica A identidade de gênero ou a preferência sexual não é posta em dúvida, mas o indivíduo gostaria de ser diferente. Transtorno da relação sexual A anormalidade da identidade de gênero ou a preferência sexual é responsável por dificuldades em formar ou manter uma relação com um parceiro sexual. Outros transtornos do desenvolvimento psicossexual Transtorno do desenvolvimento sexual não-especificado Reproduzida, com permissão, de World Health Organization. The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural Disorders: Diagnostic Criteria for Research. Copyright, World Health Organization, Geneva, 1993.
dequações imaginárias. O transtorno dismórfico corporal deve ser excluído.
775
sexo, que passa uma quantidade excessiva de tempo neste comportamento e que tenta muitas vezes abandoná-lo sem sucesso é bem-conhecido dos clínicos. Essas pessoas demonstram tentativas repetidas e cada vez mais freqüentes de ter experiências sexuais, cuja privação dá lugar a sintomas de sofrimento. A adicção sexual é um conceito heuristicamente útil na medida em que pode alertar o clínico para buscar uma causa subjacente para o comportamento manifesto. Existe interesse em torná-lo uma nova categoria diagnóstica oficial, o qual é corroborado por estes autores. Diagnóstico. Os adictos sexuais são incapazes de controlar seus impulsos sexuais, que podem envolver o espectro inteiro da fantasia ou do comportamento sexual. Com o passar do tempo, a necessidade de atividade sexual aumenta, e o comportamento passa a ser motivado apenas pelo desejo persistente de experimentá-la. A história costuma revelar um padrão duradouro de tal comportamento, que a pessoa tentou abandonar várias vezes sem sucesso. Embora possa haver sentimentos de culpa e remorso após o ato, eles não são suficientes para prevenir sua recorrência. O paciente pode relatar que a necessidade de agir segundo seus impulsos é mais grave durante períodos estressantes ou quando está com raiva, deprimido, ansioso ou de alguma outra forma disfórico. A maioria dos atos culmina em orgasmo sexual. Por fim, a atividade sexual passa a interferir na vida pessoal, social, vocacional ou conjugal, que começa a deteriorar-se. Os sinais de adicção sexual são listados na Tabela 21.3-14. Tipos de padrões comportamentais. As parafilias constituem os padrões comportamentais encontrados com maior freqüência nos adictos sexuais. Conforme a definição do DSMIV-TR, características essenciais são impulsos ou comportamentos sexuais recorrentes e intensos, incluindo exibicionismo, fetichismo, frotteurismo, sadomasoquismo, travestismo, voyeurismo e pedofilia. Tais condições estão associadas a sofrimento clinicamente significativo, quase sempre interferindo nos relacionamentos interpessoais e muitas vezes levando a complicações legais. Além das parafilias, no entanto, a adicção sexual também pode incluir comportamentos considerados normais, como coito e masturbação, com a diferença de serem promíscuos e descontrolados.
Adicção e compulsão sexual O conceito de adicção sexual foi desenvolvido nas últimas duas décadas para indicar pessoas que buscam experiências sexuais de forma compulsiva e cujo comportamento se torna comprometido se elas forem incapazes de gratificar seus impulsos sexuais. Tal conceito derivou do modelo de adicção a drogas, como a heroína, e a padrões comportamentais, como o jogo patológico. O comportamento implica dependência psicológica, dependência física e presença de uma síndrome de abstinência se a substância (p. ex., a droga) estiver indisponível ou se o comportamento (p. ex., o jogo patológico) for frustrado. No DSM-IV-TR, o termo adicção sexual não é usado, e este não é um transtorno reconhecido ou aceito de forma universal. Mesmo assim, o fenômeno de uma pessoa cuja vida inteira gira em torno do comportamento e de atividades de busca do
TABELA 21.3-14 Sinais de adicção sexual 1. Comportamento fora de controle 2. Conseqüências adversas graves (médicas, legais, interpessoais) 3. Busca persistente de comportamentos sexuais autodestrutivos ou de alto risco 4. Tentativas repetidas de limitar ou parar o comportamento sexual 5. Obsessão e fantasias sexuais como mecanismo primário de enfrentamento 6. Necessidade de quantidades crescentes de atividade sexual 7. Alterações graves de humor relacionadas à atividade sexual (p. ex., depressão, euforia) 8. Quantidade incomum de tempo gasta em obter sexo, ser sexual ou recuperar-se de atividade sexual 9. Interferência do comportamento sexual nas atividades sociais, ocupacionais ou recreativas Dados de Carnes P. Don’t Call It Love. New York: Bantam Books, 1991.
776
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
No século XIX, Krafft-Ebing relatou diversos casos de desejo sexual anormalmente alto. Um deles envolvia um professor casado de 36 anos de idade, pai de sete filhos, que se masturbava sentado em sua mesa na frente dos alunos, depois do que ele se sentia “penitente e cheio de vergonha”. Ele tinha coito 3 ou 4 vezes por dia além dos atos masturbatórios repetidos. Em outro caso, uma mulher jovem se masturbava quase incessantemente e era incapaz de controlar seus impulsos. Ela tinha coito freqüente com muitos homens, mas nem o coito nem a masturbação eram suficientes, e ela acabou sendo colocada em uma instituição. KrafftEbing referiu-se à condição como “hiperestesia sexual” e acreditava que ela podia ocorrer em pessoas de outra forma normais.
soas casadas ou casais. Todos defendem alguma abstinência do comportamento aditivo ou do sexo em geral. Se um transtorno por uso de substâncias também estiver presente, o paciente muitas vezes necessita de encaminhamento para o AA ou para o Narcóticos Anônimos (NA). Os pacientes podem se internar em unidade de tratamento quando não têm motivação suficiente para controlar seu comportamento em um tratamento ambulatorial ou quando podem ser um perigo para si mesmos ou para terceiros. Além disso, diversos sintomas médicos e psiquiátricos podem demandar supervisão cuidadosa e um tratamento que pode ser melhor realizado em contexto hospitalar.
Em muitos casos, a adicção sexual é a rota final comum de uma variedade de outros transtornos. Além das parafilias que muitas vezes estão presentes, pode haver um transtorno mental maior ou esquizofrenia associada. Os transtornos da personalidade anti-social e borderline são comuns.
Um executivo casado de 42 anos de idade, com dois filhos, era considerado um modelo de virtude em sua comunidade, ativo na igreja e nas diretorias de diversas organizações de caridade. No entanto, tinha uma vida secreta e mentia para a esposa dizendo que estava em reuniões de diretoria quando, na verdade, estava visitando casas de massagem em busca de sexo pago. Ele tinha esse comportamento de 4 a 5 vezes por dia, e embora já tivesse tentado abandoná-lo muitas vezes, foi incapaz de fazêlo. Sabia que estava prejudicando a si mesmo e colocando sua reputação e seu casamento em risco. O paciente se apresentou a um serviço de emergência psiquiátrica afirmando que preferia morrer a continuar o comportamento descrito. Foi internado com o diagnóstico de transtorno depressivo maior e começou a tomar uma dose diária de 20 mg de fluoxetina. Além disso, recebia 100 mg de medroxiprogesterona por via intramuscular uma vez por dia. Sua necessidade de masturbar-se diminuiu de forma acentuada e cessou por completo no terceiro dia de hospitalização, assim como a preocupação mental com o sexo. A medroxiprogesterona foi descontinuada no sexto dia, quando ele teve alta. O paciente continuou a tomar fluoxetina, inscreveu-se no grupo local de DASA e começou terapia individual e de casal. Seu comportamento aditivo por fim desapareceu, ele estava tendo relações sexuais satisfatórias com a esposa e não se sentia mais deprimido nem suicida.
DONJUANISMO. Alguns homens que parecem ser hipersexuais, o que se manifesta por sua necessidade de ter muitos encontros ou conquistas sexuais, usam suas atividades sexuais para mascarar sentimentos profundos de inferioridade. Alguns têm impulsos homossexuais inconscientes, os quais negam através de contatos sexuais compulsivos com mulheres. Após o sexo, a maioria dos Don Juans perde todo o interesse na mulher. Essa condição às vezes é denominada satiríase ou adicção sexual. NINFOMANIA.
Significa o desejo excessivo ou patológico de uma mulher pelo coito. Existem poucos estudos científicos sobre a condição, mas as pacientes estudadas em geral tinham um ou mais transtornos sexuais, muitas vezes incluindo transtorno do orgasmo feminino. A mulher costuma ter um medo intenso de perder o amor e, através de suas ações, tenta satisfazer suas necessidades de dependência mais do que gratificar os impulsos sexuais. Esse transtorno é uma forma de adicção sexual.
Co-morbidade. A co-morbidade (diagnóstico dual) refere-se à presença de uma adicção que coexiste com outro transtorno psiquiátrico. Por exemplo, cerca de 50% dos pacientes com transtornos por uso de substâncias também têm um transtorno psiquiátrico adicional. O mesmo ocorre com muitos adictos sexuais. O diagnóstico dual pressupõe que a doença psiquiátrica e a adicção sejam condições independentes; uma não causa a outra. O diagnóstico de co-morbidade é difícil de ser feito porque o comportamento aditivo (de todos os tipos) pode produzir extrema ansiedade e perturbações graves do humor e do afeto, especialmente enquanto está sendo tratado. Se após um período de abstinência os sintomas de um transtorno psiquiátrico persistirem, a condição co-mórbida é reconhecida e diagnosticada com mais facilidade do que durante o período de adicção. Por fim, existe uma alta correlação entre adicção sexual e transtornos por uso de substâncias (até 80% em alguns estudos), o que complica não apenas a tarefa do diagnóstico, mas também o tratamento. Tratamento. Grupos de auto-ajuda baseados no conceito dos 12 passos usado nos Alcoólicos Anônimos (AA) foram empregados com sucesso por muitos adictos sexuais, incluindo grupos como os Dependentes de Amor e Sexo Anônimos (DASA). Os grupos podem ser voltados para homens ou mulheres, para pes-
Psicoterapia. A psicoterapia orientada para o insight pode ajudar na compreensão da dinâmica dos padrões comportamentais. A psicoterapia de apoio pode ajudar a reparar os danos interpessoais, sociais ou ocupacionais. A terapia cognitivo-comportamental ajuda o paciente a reconhecer os estados disfóricos que precipitam o acting out sexual. A terapia conjugal ou de casal pode favorecer o resgate da auto-estima, que costuma estar gravemente comprometida quando o tratamento começa. Por fim, essa abordagem pode ser útil no tratamento de qualquer transtorno psiquiátrico associado. Farmacoterapia. A maioria dos especialistas em adicção geral evita o uso de agentes psicotrópicos, em especial nos estágios iniciais do tratamento. Pessoas dependentes de substâncias têm tendência a abusar desses agentes, principalmente daqueles com alto potencial de abuso, como os benzodiazepínicos. A farmacoterapia é útil no tratamento dos transtornos psiquiátricos associados, como transtorno depressivo maior e esquizofrenia. No entanto, certos medicamentos podem ser benéficos para o adicto sexual devido a seus efeitos específicos de redução do
SEXUALIDADE HUMANA
777
impulso sexual. Os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs) reduzem a libido em algumas pessoas, um efeito colateral empregado de forma terapêutica. A masturbação compulsiva é um exemplo de padrão comportamental que pode se beneficiar dessa classe. O acetato de medroxiprogesterona diminui a libido em homens, facilitando o controle do comportamento sexualmente aditivo. O uso de antiandrógenos em mulheres para controlar a hipersexualidade não foi testado de forma suficiente, mas como os compostos andrógenos contribuem para o impulso sexual, aqueles também podem ser benéficos. Agentes antiandrógenos (acetato de ciproterona) não estão disponíveis nos Estados Unidos, mas são usados na Europa com sucesso variável.
Outro estilo mais prevalente de intervenção é direcionado a capacitar pessoas com sofrimento persistente e acentuado em relação à sua orientação sexual a conviver de forma mais harmônica com a homossexualidade, sem culpa, vergonha, ansiedade ou depressão. Centros de aconselhamento para gays ajudam pacientes desses programas de tratamento. Os resultados de estudos conduzidos em tais centros ainda não foram relatados em detalhes. Poucos dados estão disponíveis a respeito do tratamento de mulheres com sofrimento persistente e acentuado em relação à orientação sexual, e estes são derivados, em grande parte, de estudos de casos únicos com resultados variáveis. (A Seção 21.1 apresenta uma discussão mais aprofundada sobre a orientação sexual, a homossexualidade e o processo de “sair do armário”.)
Sofrimento persistente e acentuado em relação à orientação sexual
REFERÊNCIAS
O sofrimento quanto à orientação sexual se caracteriza pela insatisfação com os padrões de excitação sexual e geralmente se aplica à insatisfação com padrões de excitação homossexual, desejo de aumentar a excitação heterossexual e fortes sentimentos negativos quanto a ser homossexual. Afirmações ocasionais de que a vida seria mais fácil se a pessoa não fosse homossexual não constituem um sofrimento persistente e acentuado em relação à orientação sexual. O tratamento dessa condição é controverso. Um estudo relatou que com um mínimo de 350 horas de terapia psicanalítica, cerca de um terço de 100 homens bissexuais e gays tinham alcançado a reorientação heterossexual no acompanhamento após cinco anos, mas esse estudo foi questionado. Terapia comportamental e técnicas de condicionamento de esquiva também foram usadas; no entanto, ambas podem alterar o comportamento no contexto laboratorial, mas não no mundo externo. Fatores prognósticos que pesam a favor da reorientação heterossexual para homens incluem: ter menos de 35 anos de idade, ter tido alguma experiência de excitação heterossexual e sentir-se altamente motivado a reorientar-se.
Abel GG, Osborn C. The paraphilias: the extent and nature of sexually deviant and criminal behavior. Psychiatr Clin North Am. 1992; l5:675. Feierman JR, Feierman LA. Paraphilias. In: Szuchman LT, Muscarella F, eds. Psycholopical Perspectives on Human Sexuality. New York: John Wiley & Sons; 2000:480. Freud S. Three essays on the theory of sexuality. In: Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud. Vol 7. London: Hogarth Press; 1953:125. Levine. SB. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000;1631. Meyer JK. Paraphilias. In: Kaplan HI, Sadock BJ, eds. Comprehensive Textbook of Psychiatry. 6th ed. Baltimore: Williams & Wilkins; 1995:1334. Nurnberg HG, Hensley PL, Lauriello J. Sildenafil in the treatment of sexual dysfunction induced by selective serotonin reuptake inhibitors: an overview. Cns Drugs. 2000; l3:32l. Santtila P, Sandnabba NK, Alison L, Nordling N. Investigating the underlying structure in sadomasochistically oriented behavior. Arch Sex Behav. 2002; 31:185. Tierney DW, McCabe MP. The assessment of denial, cognitive distortions, and victim empathy among pedophilic sex offenders: an evaluation of the utility of self-report measures. Trauma Violence Abuse. 2001; 2:259. Travin S. Compulsive sexual behaviors. Psychiatr Clin North Am. 1995;18:155.
22 Transtornos da identidade de gênero
A
identidade de gênero é um estado psicológico que reflete a sensação de ser homem ou mulher. Ela se desenvolve na maioria das pessoas até os 2 ou 3 anos de idade e geralmente corresponde ao sexo biológico. Sua formação se dá a partir de uma série de inúmeras pistas recebidas dos pais e da cultura como um todo as quais são reações à genitália do bebê. O papel de gênero é o padrão comportamental que reflete a noção interna de uma pessoa de “sou homem” ou “sou mulher”. Embora haja alguma flexibilidade em relação a que comportamentos são considerados masculinos ou femininos, a cultura espera que homens e mulheres (ou meninos e meninas) tenham uma noção própria de feminilidade ou masculinidade que reflita seu sexo anatômico. Os transtornos da identidade de gênero envolvem o desejo persistente de ser, ou a insistência de que se é do sexo oposto, e um extremo desconforto com o próprio sexo e o papel de gênero. A revisão de texto da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR) define esses transtornos como um grupo heterogêneo, cuja característica comum é uma preferência forte e persistente pelo status e pelo papel do sexo oposto. Esses transtornos podem se manifestar de forma verbal, em afirmações de que a pessoa realmente pertence ao sexo oposto, ou nãoverbal, em comportamentos próprios do sexo oposto. O componente afetivo dos transtornos da identidade de gênero costuma ser referido como disforia de gênero, que pode ser definida como o descontentamento com o próprio sexo biológico, o desejo de possuir o corpo do sexo oposto e o desejo de ser considerado um membro do sexo oposto. As formas extremas dos transtornos da identidade de gênero, coletivamente referidas como transexualismo na terceira edição do DSM (DSM-III) e em sua terceira edição revisada (DSM-III-R), envolvem tentativas de se fazer passar por um membro do sexo oposto na sociedade e de obter tratamento hormonal e cirúrgico para simular o fenótipo do sexo biológico oposto. Segundo o DSM-IV-TR, uma pessoa não pode receber o diagnóstico de transtorno da identidade de gênero quando tem uma condição intersexual física concomitante, como síndrome da insensibilidade parcial a androgênios ou hiperplasia adrenal congênita. O manual também requer a especificação da orientação sexual. Uma pessoa com transtorno da identidade de gênero pode se sentir atraída por pessoas do sexo oposto, do mesmo sexo ou de ambos, ou pode não experimentar atração sexual por outras pessoas.
EPIDEMIOLOGIA Quase não há informações disponíveis quanto à prevalência dos transtornos da identidade de gênero entre crianças, adolescentes e adultos. A maioria das estimativas se baseia na quantidade de pessoas que buscam cirurgia para mudança de sexo, um número que indica preponderância masculina. A proporção de meninos para meninas relatada por três clínicas que atendem crianças com problemas de identidade de gênero era de 30:1, 17:1 e 6:1; referindo pouca experiência com meninas. Nos Estados Unidos, essa disparidade pode indicar maior vulnerabilidade masculina aos transtornos da identidade de gênero ou maior sensibilidade e preocupação com meninos identificados com o sexo oposto do que com meninas na mesma situação. Estudos sobre meninos encaminhados para tratamento psiquiátrico ambulatorial revelaram que até 50% tinham comportamento bastante efeminado. Os meninos não haviam sido encaminhados primariamente por problemas de identidade de gênero, mas não se sabe quantos deles satisfaziam os critérios para transtornos da identidade do gênero. ETIOLOGIA Fatores biológicos Para os mamíferos, o estado de repouso dos tecidos é, inicialmente, feminino, e um homem é gerado somente se, à medida que o feto se desenvolve, for introduzido um andrógeno (acionado pelo cromossomo Y, que é responsável pelo desenvolvimento testicular). Sem testículos ou androgênio, forma-se a genitália externa feminina. Portanto, a masculinidade depende dos andrógenos fetais e perinatais. O comportamento sexual dos animais inferiores é governado pelos esteróides sexuais, mas esse efeito diminui à medida que se avança na escala evolutiva. Os esteróides sexuais influenciam a expressão do comportamento sexual em homens e mulheres maduros, isto é, a testosterona pode aumentar a libido e a agressividade em mulheres e o estrógeno pode diminuí-las em homens. No entanto, masculinidade, feminilidade e identidade de gênero resultam mais de eventos da vida pós-natal do que da organização hormonal prévia. O mesmo princípio da masculinização ou feminilização se aplica ao cérebro. A testosterona afeta os neurônios cerebrais que
TRANSTORNOS DA IDENTIDADE DE GÊNERO
contribuem para a masculinização em áreas como o hipotálamo. Continua a haver controvérsias em relação à possibilidade de a testosterona contribuir para os padrões comportamentais ditos masculinos ou femininos nos transtornos da identidade de gênero. Achados recentes apontam para uma diferença no cérebro de transexuais masculinos. Em uma amostra de seis indivíduos em autópsia, o núcleo rubro correspondia em tamanho ao de mulheres típicas, e não ao de homens típicos, independentemente do transexual masculino ser hetero ou homossexual. Fatores psicossociais As crianças desenvolvem uma identidade de gênero consoante com seu sexo de criação (também conhecido como sexo atribuído). A formação da identidade é influenciada pela interação do temperamento da criança com as qualidades e as atitudes dos pais. Existem papéis de gênero culturalmente aceitáveis: esperase que os meninos não sejam efeminados e que as meninas não sejam masculinizadas, e existem brincadeiras de menino (p. ex., polícia e ladrão) e de menina (p. ex., bonecas e casinha). Esses papéis são aprendidos, embora alguns pesquisadores acreditem que certos meninos são delicados e sensíveis por temperamento, assim como algumas meninas são agressivas e enérgicas – traços reconhecidos de forma estereotipada na cultura atual como femininos e masculinos, respectivamente. Sigmund Freud acreditava que os problemas de identidade de gênero resultavam de conflitos experimentados pelas crianças com base no triângulo edípico, impulsionados por eventos familiares reais e por fantasias. O que quer que interfira no amor que a criança sente pelo genitor do sexo oposto e em sua identificação com o genitor do mesmo sexo interfere na identidade de gênero normal. A qualidade do relacionamento mãe-filho nos primeiros anos de vida é fundamental para estabelecer a identidade de gênero. Durante esse período, as mães em geral facilitam a conscientização e o orgulho dos filhos em relação ao seu gênero: eles são valorizados como meninos e meninas, mas a desvalorização e a hostilidade por parte da mãe podem resultar em problemas de gênero. Ao mesmo tempo, ocorre o processo de separação-individuação. Quando problemas de gênero se associam a problemas de separação-individuação, o resultado pode ser o uso da sexualidade para permanecer em relacionamentos caracterizados por oscilações entre uma proximidade infantil desesperada e uma distância hostil e depreciativa. Algumas crianças recebem a mensagem de que seriam mais valorizadas se adotassem a identidade de gênero do sexo oposto. Aquelas rejeitadas ou abusadas podem agir segundo tal crença. Esses problemas também podem ser desencadeados por morte, ausência prolongada ou depressão da mãe, às quais um menino pequeno pode reagir identificando-se totalmente com ela, isto é, transformando-se na mãe para substituí-la. O papel do pai também é importante nos primeiros anos, e sua presença ajuda no processo de separação-individuação. Sem o pai, mãe e filho podem permanecer próximos em demasia. Para a menina, o pai é o protótipo dos futuros objetos de amor; para o menino, é um modelo de identificação.
779
DIAGNÓSTICO Segundo o DSM-IV-TR, a característica essencial do transtorno da identidade de gênero é o sofrimento persistente e intenso de uma pessoa em relação ao seu sexo e o desejo de ser, ou a insistência de que é do sexo oposto. Durante a infância, tanto meninos quanto meninas demonstram uma aversão ao vestuário normativo feminino e masculino estereotipado e repudiam suas respectivas características anatômicas. A Tabela 22-1 lista os critérios para o transtorno.
TABELA 22-1 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno da identidade de gênero A. Uma forte e persistente identificação com o gênero oposto (não um mero desejo de obter quaisquer vantagens culturais atribuídas ao fato de ser do sexo oposto). Em crianças, a perturbação é manifestada por quatro (ou mais) dos seguintes quesitos: (1) declarou repetidamente o desejo de ser, ou insistência de que é, do sexo oposto (2) em meninos, preferência pelo uso de roupas do gênero oposto ou simulação de trajes femininos; em meninas, insistência em usar apenas roupas do estereótipo masculino (3) preferências intensas e persistentes por papéis do sexo oposto em brincadeiras de faz-de-conta, ou fantasias persistentes acerca de ser do sexo oposto (4) intenso desejo de participar em jogos e passatempos do estereótipo do sexo oposto (5) forte preferência por colegas do sexo oposto Em adolescentes e adultos, o distúrbio se manifesta por sintomas tais como desejo declarado de ser do sexo oposto, fazerse passar freqüentemente por alguém do sexo oposto, desejo de viver ou ser tratado como alguém do sexo oposto ou convicção de ter sentimentos e reações típicos do sexo oposto. B. Desconforto persistente com seu sexo ou sentimento de inadequação no papel de gênero desse sexo. Em crianças, a perturbação manifesta-se por qualquer das seguintes formas: em meninos, afirmação de que o pênis ou os testículos são repulsivos ou desaparecerão, declaração de que seria melhor não ter um pênis ou aversão a brincadeiras rudes e rejeição a brinquedos, jogos e atividades do estereótipo masculinos; em meninas, rejeição a urinar sentada, afirmação de que desenvolverá um pênis, afirmação de que não deseja desenvolver seios ou menstruar ou acentuada aversão a roupas do estereótipo feminino. Em adolescentes e adultos, o distúrbio se manifesta por sintomas tais como preocupação em ver-se livre de características sexuais primárias ou secundárias (p. ex., solicitação de hormônios, cirurgia ou outros procedimentos para alterar fisicamente as características sexuais, com o objetivo de simular o sexo oposto) ou crença de ter nascido com o sexo errado. C. A perturbação não é concomitante a uma condição intersexual física. D. A perturbação causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. Codificar com base na idade atual: Transtorno da identidade de gênero em crianças Transtorno da identidade de gênero em adolescentes ou adultos Especificar se (para indivíduos sexualmente maduros): Atração sexual pelo sexo masculino Atração sexual pelo sexo feminino Atração sexual por ambos os sexos Ausência de atração sexual por nenhum dos sexos De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000.
780
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS Crianças No extremo do espectro dos transtornos da identidade de gênero em crianças estão meninos que, pelos padrões de sua cultura, são tão femininos quantos as meninas mais femininas, e meninas que são tão masculinas quanto os meninos mais masculinos. Não se pode traçar uma linha definida no contínuo desses transtornos entre crianças que devem ou não receber um diagnóstico formal. As meninas com o transtorno regularmente têm amigos do sexo masculino e um interesse ávido por esportes e brincadeiras que envolvam lutas, e não demonstram interesse em brincar de casinha ou com bonecas (a não ser que desempenhem o papel do pai ou de outro homem). Podem se recusar a urinar sentadas, afirmar que têm ou que vão ter um pênis, não querer ter seios nem menstruar e afirmar que serão homens quando crescerem (e não meramente que vão desempenhar um papel masculino). Meninos com o transtorno em geral se ocupam de atividades estereotipadamente femininas. Podem ter preferência por se vestir com roupas de menina ou de mulher ou podem improvisar esses itens a partir dos materiais disponíveis quando não têm acesso aos artigos genuínos, mas esse comportamento não causa excitação sexual, como no travestismo fetichista. Com freqüência têm um desejo intenso por participar nas brincadeiras e passatempos das meninas. Bonecas do sexo feminino costumam ser seus brinquedos de escolha, e as meninas, suas companhias preferidas. Quando brincam de casinha, assumem o papel de menina. Seus gestos e ações costumam ser julgados como femininos, e eles tendem a estar sujeitos a provocações e rejeição no grupo de pares masculinos, um fenômeno que raramente ocorre com as meninas masculinizadas antes da adolescência. Meninos com o transtorno podem afirmar que vão ser mulheres quando crescerem (e não apenas que vão assumir um papel feminino), que seu pênis e os testículos são nojentos ou que vão desaparecer, ou que seria melhor não ter um nem outro. Algumas crianças se recusam a ir à escola devido às provocações ou à pressão de se vestir com roupas do seu sexo atribuído. A maioria delas nega se sentir perturbada pelo transtorno, exceto pelos conflitos que este causa com as expectativas de suas famílias ou pares. Um menino de 5 anos de idade, encaminhado por um clínico geral, foi levado para a avaliação por ambos os pais. Afirmava que era menina ou que queria ser desde os 3 anos. Suas roupas preferidas eram as da irmã. Ele queria usar a maquiagem e as jóias da mãe. Seus brinquedos favoritos eram bonecas, especialmente aquelas com cabelos longos. Ele se recusava a ficar em pé para urinar. Em jogos de faz-de-conta, era a mãe ou uma personagem feminina. A maioria de seus amigos era meninas. O menino não demonstrava interesse em esportes. Todos os desenhos que fazia eram de mulheres. Esse comportamento era recordado pelos pais desde que o mesmo tinha 2 anos de idade. Nenhum dos dois tentou interromper ou redirecionar seus interesses até recentemente, e o menino encarou esses esforços com resistência. Eles haviam sido aconselhados por uma professora da pré-escola e por uma babá a ignorar o
comportamento, pois este deveria desaparecer. Nenhum dos pais expressava preocupação de que o filho se tornasse homossexual, mas sim de que pudesse ser transexual. Uma menina de 7 anos de idade, encaminhada pela escola, vinha insistindo para outras crianças que era um menino. Desde os 2 anos de idade, dizia que era menino e que não queria ser menina. Seu estilo de vestuário preferido era o dos meninos e qualquer tentativa de fazê-la usar vestido era recusada. Ela observava o pai se barbear e ignorava a mãe enquanto esta aplicava maquiagem. Seus amigos eram meninos e sua atividade favorita era o esporte. Não tinha interesse em bonecas, mas adorava soldados e armas de brinquedo. Com freqüência, tentava urinar em pé. Adolescentes e adultos Existem sinais e sintomas semelhantes em adolescentes e adultos. Os afetados de ambos os grupos manifestam desejo de ser do sexo oposto, freqüentemente tentam se passar por membros do sexo oposto e desejam viver ou ser tratados como tal. Além disso, desejam adquirir as características sexuais do sexo oposto, podem acreditar que nasceram com o sexo errado e fazer afirmações características como “Sinto-me uma mulher presa em um corpo masculino”, ou vice-versa. Adolescentes e adultos solicitam procedimentos médicos ou cirúrgicos para alterar sua aparência física. Embora o termo transexual não seja usado no DSM-IV-TR, muitos clínicos consideram-no útil e talvez continuem a usá-lo. Além disso, o transexualismo aparece na décima revisão da Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-10), e as pessoas se referem a si mesmas como transexuais. Estas têm uma preocupação persistente em se livrar de suas características sexuais primárias e secundárias e adquirir as características sexuais do sexo oposto. O desejo de se vestir e viver como um membro do sexo oposto sempre está presente. A maioria dos estudos retrospectivos sobre transexuais relata problemas de identidade de gênero durante a infância, mas estudos prospectivos de crianças com o transtorno indicam que poucas se tornam transexuais e querem mudar de sexo. O transtorno é muito mais comum em homens (1 para 30.000) do que em mulheres (1 para 100.000). Transexuais adultos em geral se queixam de desconforto ao usarem as roupas de seu sexo atribuído, e por isso se vestem e se envolvem em atividades associadas ao sexo oposto. Consideram seus genitais repugnantes, uma sensação que pode levar a pedidos persistentes de cirurgia. Esse desejo pode superar todos os outros. Os homens tomam estrógeno para criar seios e outros contornos femininos, fazem eletrólise para remover pêlos e cirurgias para remover os testículos e o pênis e criar uma vagina artificial. As mulheres comprimem os seios ou se submetem a mastectomia dupla, histerectomia e ooforectomia, tomam testosterona para ganhar massa muscular e engrossar a voz e se submetem a cirurgias para a criação de um falo artificial. Esses procedimentos podem tornar a pessoa indistinguível dos membros do sexo oposto.
TRANSTORNOS DA IDENTIDADE DE GÊNERO
Alguns pesquisadores descrevem o comportamento de pessoas que passaram por mudança de sexo quase como uma caricatura do novo papel de gênero. Um homem de 37 anos de idade apresentou um pedido de cirurgia de mudança de sexo. Ele estava vestido como homem e tinha aparência física e maneirismos masculinos. O paciente não havia sido francamente efeminado na infância, mas sempre se sentira atraído e fascinado pelas atividades femininas. Em especial, recordava-se de gostar de observar mulheres aplicando maquiagem. Começou a se vestir de mulher em torno da puberdade. Durante a adolescência, às vezes roubava roupas íntimas femininas de varais. Àquela altura, preferia roupas femininas usadas porque sentia que, de alguma forma, elas estavam impregnadas de feminilidade. O ato de vestir-se de mulher era sexualmente excitante desde a puberdade até por volta dos 30 anos, quando a excitação foi substituída por sentimentos de conforto e naturalidade. O paciente se casou com 25 anos. Em princípio, esperava que o casamento curasse seu travestismo, mas esta esperança logo se mostrou falsa. A vida sexual do casal era pobre, e o casamento se dissolveu após oito anos. Ele começou outra relação heterossexual alguns anos após o divórcio, mas também fracassou devido à sua crescente disforia de gênero. Após a avaliação clínica, o paciente começou a fazer planos sistemáticos de passar para o papel feminino e começou a viver e trabalhar como mulher em tempo integral aos 39 anos. A tentativa de viver como mulher se mostrou bem-sucedida, e o mesmo foi submetido a cirurgia de mudança de sexo com 41 anos. Depois de assumir o papel feminino, teve alguns relacionamentos com homens, mas se deu conta de que não conseguia desenvolver um interesse genuíno por eles. Depois da cirurgia, começou a freqüentar círculos sociais lésbicos e a ter relacionamentos com mulheres. Estava satisfeito com sua vida em geral e não tinha qualquer arrependimento quanto à decisão de mudar de sexo. Transtorno da identidade de gênero sem outra especificação O diagnóstico de transtorno da identidade de gênero sem outra especificação é reservado para pessoas que não podem ser classificadas como portadoras de transtorno da identidade de gênero com as características descritas (Tab. 22-2). Três exemplos são listados no DSM-IV-TR: pessoas com condições intersexuais e disforia de gênero, adultos com comportamento travéstico transitório relacionado ao estresse e pessoas que têm uma preocupação persistente com castração ou penectomia sem desejo de adquirir as características sexuais do sexo oposto. Condições intersexuais. As condições intersexuais incluem uma variedade de síndromes nas quais as pessoas apresentam fortes aspectos anatômicos ou fisiológicos do sexo oposto. SÍNDROME DE TURNER. Na síndrome de Turner (Fig. 22-1), um dos cromossomos sexuais não está presente (XO). O resultado é a ausência
781
TABELA 22-2 Critérios do DSM-IV-TR para transtorno da identidade de gênero sem outra especificação Esta categoria é incluída para a codificação de transtornos da identidade de gênero não-classificáveis como um transtorno da identidade de gênero específico. Exemplos: 1. Condições inter-sexuais (p. ex., síndrome de insensibilidade a andrógenos ou hiperplasia adrenal congênita) e disforia concomitante quanto ao gênero. 2. Comportamento travéstico transitório, relacionado ao estresse. 3. Preocupação persistente com castração ou penectomia, sem desejo de adquirir as características sexuais do gênero oposto. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
FIGURA 22-1 Fotografia de um paciente com síndrome de Turner. As principais características são pescoço alado, baixa estatura, tórax largo e ausência de maturação sexual. (Reproduzida de Sadler T. Langman’s Medical Embriology. 5th ed. Baltimore: Williams e Wilkins, 1985:121, com permissão.)
(agênese) ou o desenvolvimento mínimo (disgênese) das gônadas, que faz com que nenhum hormônio sexual significativo, seja masculino ou feminino, seja produzido na vida fetal ou pós-natal. Os tecidos sexuais permanecem em estado feminino de repouso. Como o segundo cromossomo X – que parece ser responsável pela feminilidade completa – está ausente, as meninas têm anatomia sexual incompleta e, por falta de estrógenos adequados, não desenvolvem características sexuais secundárias sem tratamento. Muitas vezes, demonstram outros sinais, como pescoço alado, margem posterior baixa do couro cabeludo, baixa estatura e ulna valga. Os bebês nascem com genitais externos femininos de aparência normal, e por isso lhes é atribuído o sexo feminino e são criados como meninas. Todas as crianças se desenvolvem como meninas normalmente femininas e de orientação heterossexual, no entanto, mais
782
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
tarde é necessário o manejo médico para tratar a infertilidade e a ausência de características sexuais secundárias. SÍNDROME DE KLINEFELTER.
Pessoas com síndrome de Klinefelter (geralmente XXY) têm constituição masculina sob a influência do cromossomo Y, mas o efeito é enfraquecido pela presença do segundo cromossomo X. Embora os pacientes nasçam com pênis e testículos, estes são pequenos e estéreis. A partir da adolescência, alguns pacientes desenvolvem ginecomastia e outros contornos de aparência feminina. Seu desejo sexual tende a ser fraco. A atribuição sexual e a criação pode levar a uma noção clara de masculinidade, mas os pacientes costumam ter perturbações de gênero, variando de uma inversão completa, como no transexualismo, a um desejo intermitente de usar roupas femininas. Como resultado da menor produção de andrógeno, a condição hipogonadal fetal em alguns casos parece interferir na organização completa do sistema nervoso central, que deveria fundamentar o comportamento masculino. Na verdade, muitos pacientes apresentam uma ampla variabilidade de psicopatologia, variando de instabilidade emocional a retardo mental.
HIPERPLASIA ADRENAL VIRILIZANTE CONGÊNITA (SÍNDROME ADRENOGENITAL). É resultado do excesso de andrógeno agindo sobre o feto. Quan-
do a condição ocorre em mulheres, os andrógenos fetais excessivos da glândula adrenal causam androgenização dos genitais externos, que pode variar de um leve aumento clitoriano a genitais externos com aparência de saco escrotal normal, testículos e pênis, por trás dos quais estão uma vagina e um útero (Fig. 22-2). Em outros aspectos, os pacientes são normalmente femininos. No nascimento, se os genitais parecem ser masculinos, é atribuído à criança o sexo masculino e ela é criada de acordo; o resultado costuma ser uma noção clara de masculinidade e uma aparência condizente. Se o sexo atribuído é o feminino, o inverso acontece. Caso os pais não tenham certeza quanto ao sexo da criança, há uma identidade hermafrodita. A identidade de gênero resultante reflete as práticas de criação, mas os andrógenos podem ajudar a determinar o comportamento. Crianças educadas como meninas têm uma qualidade masculina mais intensa do que aquela encontrada em grupos-controle. As meninas quase sempre têm orientação heterossexual, mas algumas experimentam conflitos de identidade de gênero. PSEUDO-HERMAFRODITISMO. Bebês nascidos com genitália ambígua são uma emergência obstétrica. A atribuição sexual, baseada na aparência dos genitais no nascimento, determina a identidade de gênero, que vai ser masculina, feminina ou hermafrodita, dependendo da convicção da família quanto ao sexo da criança. O pseudo-hermafroditismo masculino é a diferenciação incompleta da genitália externa a despeito da presença de um cromossomo Y; testículos estão presentes, mas são rudimentares. O pseudo-hermafroditismo feminino é a presença de genitais virilizados em uma pessoa que é XX, sendo que a causa mais comum é a síndrome adrenogenital descrita anteriormente. A Figura 22-3 ilustra uma mulher fenotípica com cariótipo XY. O verdadeiro hermafroditismo se caracteriza pela presença tanto de testículos quanto de ovários na mesma pessoa, sendo uma condição rara (Fig. 22-4). SÍNDROME DA INSENSIBILIDADE A ANDRÓGENOS. Trata-se de um trans-
torno congênito de traço recessivo ligado a X (também conhecido como síndrome da feminilização testicular). Resulta da incapacidade dos tecidos-alvo de responder a andrógenos. Incapazes de responder, os tecidos
fetais permanecem em seu estado feminino de repouso, e o sistema nervoso central não é organizado como masculino. No nascimento, o bebê parece ser feminino, embora mais tarde se constate a presença de testículos criptórquidos, que produzem a testosterona, à qual os tecidos não respondem, e órgãos sexuais internos mínimos ou ausentes. As características sexuais secundárias na puberdade são femininas devido à quantidade pequena, mas suficiente de estrógeno, que resulta da conversão da testosterona em estradiol. As pacientes invariavelmente se sentem mulheres e são femininas.
Travestismo. O DSM-IV-TR lista o travestismo – vestir-se com as roupas do sexo oposto – como um transtorno da identidade de gênero se este for transitório e estiver relacionado ao estresse. Caso contrário, pessoas que usam roupas do sexo oposto são classificadas como portadoras de travestismo fetichista, considerado pelo manual uma parafilia. Uma de suas características essenciais é que produz excitação sexual. O travestismo relacionado ao estresse pode, às vezes, produzir excitação sexual, mas também reduz a tensão e a ansiedade do paciente. Os indivíduos podem ter fantasias de travestismo, mas só realizá-las sob estresse. Homens podem ter a fantasia de que são mulheres, no todo ou em parte. Os fenômenos do travestismo variam do uso solitário e ocasional de roupas do sexo oposto até uma consistente identificação, com envolvimento em uma subcultura de travestis. Mais de um artigo de vestuário costuma ser usado, e a pessoa pode se vestir inteiramente como um membro do sexo oposto. O grau em que parece ser um membro do sexo oposto varia, dependendo dos maneirismos, da constituição corporal e das habilidades de travestismo. Quando não estão vestidos com as roupas do sexo oposto, estas pessoas em geral parecem membros normais de seu sexo atribuído. O travestismo pode coexistir com parafilia como sadismo sexual, masoquismo e pedofilia. O travestismo difere do transexualismo na medida em que os pacientes não têm uma preocupação persistente em se livrar de suas características primárias e secundárias e adquirir as características do outro sexo. Algumas pessoas com o transtorno já tiveram travestismo fetichista, mas não ficam mais sexualmente excitadas ao se vestirem com roupas do sexo oposto. Outras são homossexuais que usam roupas do sexo oposto. O transtorno é mais comum entre artistas que imitam mulheres. Preocupação com a castração. Esta categoria é reservada para homens e mulheres que têm uma preocupação persistente com castração ou penectomia sem desejo de adquirir as características sexuais do sexo oposto. Eles se sentem claramente desconfortáveis com seu sexo atribuído, e suas vidas são impulsionadas pela fantasia de como seria pertencer a um gênero diferente. Podem ser assexuais e não ter interesse sexual nem por homens nem por mulheres. Um homem casado de 45 anos de idade foi hospitalizado depois de amputar a glande de seu pênis com uma faca comum. Ele afirmou que tinha escutado vozes que o mandavam realizar o ato. O mesmo havia sido diagnosticado com esquizofrenia aos 25 anos de idade, após um episódio de ideação paranóide no qual sentia que pessoas queriam machucá-lo. Embora casado, havia tido repetidos encontros homossexuais desde a adolescên-
TRANSTORNOS DA IDENTIDADE DE GÊNERO
A
783
B
FIGURA 22-2 A. Pseudo-hermafroditismo feminino devido a hiperplasia adrenal congênita. B. Observe o desenvolvimento dos seios após seis meses de terapia com cortisona; a menstruação cíclica normal começou em alguns meses. C. Observe o clitóris aumentado e o seio urogenital. (Cortesia de Robert B. Greenblatt, M.D. e Virginia P. McNamara, M.D.) C
cia. Era capaz de funcionar na comunidade quando tomava medicamentos antipsicóticos, mas no momento do evento tinha suspendido os mesmos há mais de um ano. CURSO E PROGNÓSTICO O prognóstico para transtorno da identidade de gênero depende da idade de início e da intensidade dos sintomas. Os meninos
começam a manifestar o transtorno antes dos 4 anos de idade, e os conflitos com os pares se desenvolvem durante os primeiros anos da escola, por volta dos 7 ou 8 anos de idade. Maneirismos muito femininos podem se atenuar à medida que os meninos crescem, em especial se forem feitas tentativas de desencorajar esse comportamento. O travestismo pode fazer parte do transtorno, e 75% dos meninos que o praticam o fazem antes dos 4 anos. A idade de início também é precoce para as meninas, mas a maioria delas abandona o comportamento masculino na adolescência.
784
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TRATAMENTO
FIGURA 22-3 O canal vaginal era normal, com aumento clitoriano. Em laparotomia, estavam presentes gônadas disgenéticas e um útero com trompas de falópio. A menstruação em intervalos regulares foi induzida com terapia cíclica com estrógeno-progesterona, e houve bom desenvolvimento dos seios. (Cortesia de Robert B. Greenblatt, M.D. e Virginia P. McNamara, M.D.)
O tratamento dos transtornos da identidade de gênero é complexo e raramente obtém sucesso quando a meta é reverter a condição. A maioria das pessoas afetadas tem idéias e valores fixos e não estão dispostas a mudar. Se e quando começam uma psicoterapia, quase sempre é devido à depressão ou à ansiedade que atribuem à sua condição. Problemas de contratransferência devem ser abordados pelos terapeutas, muitos dos quais se sentem desconfortáveis com pacientes com transtornos da identidade de gênero. Os pais costumam levar seus filhos com padrões de comportamento do sexo oposto a um psiquiatra. Richard Green desenvolveu um programa de tratamento voltado para inculcar padrões de comportamento culturalmente aceitáveis em meninos, usando um jogo no qual adultos ou pares modelam os comportamentos pretendidos. O aconselhamento parental combinado a reuniões de grupos de pais e seus filhos com transtornos da identidade de gênero também é usado. O encorajamento do comportamento atípico dos filhos por parte dos pais (como vestir um menino com roupas de menina ou não cortar seu cabelo) é examinado quando os pais não estão cientes de estarem promovendo um comportamento do outro gênero. Pacientes adolescentes são difíceis de tratar devido à coexistência das crises normais de identidade com a confusão quanto à identidade de gênero. O acting out é comum, e os adolescentes raramente têm uma motivação forte para alterar seus papéis do sexo oposto. Os adultos começam a psicoterapia para aprender como lidar com seu transtorno, e não para alterá-lo. O terapeuta em geral determina o objetivo de ajudar o paciente a se sentir confortável com a identidade de gênero que deseja, e não de criar uma pessoa com uma identidade de gênero convencional. A terapia também explora a cirurgia de mudança de sexo e as indicações e contra-indicações de tais procedimentos, que muitas vezes são decididos de forma impulsiva por pacientes em grande sofrimento e grave ansiedade. Cirurgia de mudança de sexo
Em ambos os sexos, a homossexualidade tende a se desenvolver em 1 a 2 terços dos casos, ainda que, por motivos pouco claros, menos meninas do que meninos tenham orientação homossexual. Steven Levine relatou que estudos de seguimento de meninos com perturbações de gênero indicavam consistentemente que a orientação homossexual era o resultado habitual. Na adolescência, o transexualismo – isto é, o desejo de se submeter a cirurgia de mudança de sexo – ocorre em menos de 10% dos casos. Dados retrospectivos sobre homens homossexuais indicam uma alta freqüência de identificações com o gênero oposto e de comportamentos de papéis do gênero feminino durante a infância. O comprometimento do funcionamento social e ocupacional como resultado do desejo da pessoa em participar do papel de gênero desejado (e oposto) é comum. A depressão também é um problema comum, em especial se a pessoa sente desesperança quanto a obter a mudança de sexo com cirurgia ou hormônios. Há casos de homens que se castraram não como tentativa de suicídio, mas como uma forma de forçar o cirurgião a tratar com seu problema.
O tratamento cirúrgico é definitivo e, como não há volta, foram desenvolvidos padrões cuidadosos que precedem a cirurgia. Por exemplo: os pacientes devem passar por um período de teste vivendo como se fossem do sexo oposto por pelo menos três meses e às vezes até um ano. O teste da vida real pode mudar a opinião de alguns transexuais, que vão se sentir desconfortáveis se relacionando com amigos, colegas de trabalho e amantes nesse papel. Eles devem receber tratamento hormonal com estradiol e progesterona nas mudanças de homem para mulher e com testosterona nas mudanças de mulher para homem. Muitos transexuais gostam das mudanças que ocorrem como resultado desse tratamento e não prosseguem até a cirurgia. Cerca de 50% dos transexuais que satisfazem esses critérios optam pela cirurgia de mudança de sexo. Os estudos sobre resultados são altamente variáveis em termos de como o sucesso é definido e medido (p. ex., intercurso bem-sucedido e satisfação com a imagem corporal). Em torno de 70% dos pacientes que mudaram de sexo para se tornar mulher e 80% dos que mudaram para homem relatam
TRANSTORNOS DA IDENTIDADE DE GÊNERO
A
785
B
FIGURA 22-4 Um verdadeiro hermafrodita. Um ovário abdominal e um testículo escrotal foram encontrados em biópsia das estruturas gonadais. A menstruação ocorria todos os meses através do seio urogenital. A. Observe a ginecomastia. B. Um cistograma e uma vaginouterossalpingografia revelaram aberturas separadas para a uretra e para o trato vaginal. O útero unicervical e a trompa de falópio estão delineados. (Cortesia de Robert B. Greenblatt, M.D. e Virginia P. McNamara, M.D.)
resultados satisfatórios. Os resultados insatisfatórios estão correlacionados a um transtorno mental preexistente. O suicídio no pós-operatório foi referido em até 2% de todos os casos. A cirurgia de mudança de sexo é uma medida altamente controversa, que está sendo objeto de muitos debates.
culação, pode ocorrer aumento pronunciado da massa muscular. Dependendo da distribuição já presente dos pêlos, as pacientes podem ter aumento moderado na quantidade de textura dos pêlos faciais e do corpo, e algumas desenvolvem calvície frontal. Fenômenos tromboembólicos, disfunção hepática e elevações dos níveis de colesterol e triglicerídeos são possíveis.
Tratamento hormonal Tratamento de condições intersexuais Ambos os sexos podem ser tratados com hormônios em vez de com cirurgia. Pacientes que são biologicamente homens tomam estrógeno, e aqueles que são biologicamente mulheres, testosterona. Os primeiros costumam relatar satisfação psicológica imediata, baseado na sensação de tranqüilidade, ereções menos freqüentes e menos manifestações de impulso sexual do que antes do tratamento com hormônios. A esterilidade que passam a apresentar não é considerada um problema. Após vários meses, os contornos corporais se tornam arredondados, desenvolve-se aumento mamário limitado, porém proporcional, e o volume testicular diminui. A qualidade da voz não se altera. Os clínicos devem monitorar os pacientes quanto a hipertensão, hiperglicemia, disfunção hepática e fenômenos tromboembólicos. Mulheres que tomam andrógenos notam rapidamente aumento do impulso sexual, formigamento e aumento do clitóris e, depois de vários meses, amenorréia e rouquidão. Se praticam mus-
Como as condições intersexuais estão presentes no nascimento, o tratamento deve ocorrer logo, e alguns médicos acreditam que as condições sejam verdadeiras emergências médicas. A aparência da genitália nas diversas condições muitas vezes é ambígua, e devese tomar uma decisão quanto ao sexo atribuído (masculino ou feminino) e como a criança deve ser criada. Os problemas devem ser contemplados o mais rápido possível, para que toda a família possa receber a criança de forma consistente e relaxada. Isso é particularmente importante porque os pacientes intersexuais podem ter problemas de identidade de gênero devido às influências biológicas complicadas e à confusão familiar quanto ao seu verdadeiro sexo. Quando as condições intersexuais são descobertas, um grupo de especialistas pediátricos, urológicos e psiquiátricos determina o sexo de criação a partir do exame clínico, de estudos urológicos, de
786
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
esfregaços da mucosa oral, de análises cromossômicas e da avaliação do desejo dos familiares. A educação dos pais e a discussão conjunta da gama de opções é essencial, uma vez que os pais respondem à genitália do bebê de várias formas que promovem a formação da identidade de gênero. Uma possibilidade é os pais optarem por não realizar uma cirurgia imediata para modificar a genitália ambígua, mas atribuir o rótulo de menino ou menina a partir dos exames cromossômicos e urológicos. Assim, podem interagir com a criança com mais liberdade para ajustar a atribuição sexual se ela passar a agir claramente como um membro do sexo oposto ao que lhe foi atribuído. Se os pais optam pela cirurgia para normalizar a aparência genital, esta em geral acontece antes dos 3 anos de idade. É mais fácil designar uma criança como mulher do que como homem, porque os procedimentos cirúrgicos genitais para a mudança de homem para mulher são muito mais avançados do que os procedimentos para o contrário. No entanto, esta é uma razão insuficiente para se atribuir o sexo feminino a um homem cromossômico. Alguns acreditam que todas as cirurgias para condições intersexuais são antiéticas porque o bebê não pode dar seu consentimento. Cerca de 2.000 bebês são submetidos a procedimentos cirúrgicos para genitália ambígua a cada ano nos Estados Unidos. Em muitos casos, um clitóris acentuadamente grande ou um pênis ambíguo pode ser remodelado com uma cirurgia plástica. Alguns grupos (p. ex., a Sociedade Intersexual da América do Norte) se opõem a essa prática por considerá-la apenas uma alteração cosmética que pode interferir no funcionamento sexual posterior. Na visão da maioria dos especialistas, no entanto, tal intervenção contribui de forma substancial para o bem-estar tanto dos pais quanto da criança. Ter os genitais concordantes com determinantes biológicos, fisiológicos e genéticos permite o desenvolvimento de uma pessoa com uma identidade de gênero mais saudável do que se a ambigüidade persistisse. Proibir por lei que os médicos realizem as operações, como defendem alguns grupos que fazem lobby no congresso americano, vai causar mais prejuízos do que benefícios. As técnicas cirúrgicas cosméticas para genitália ambígua são suficientemente avançadas para que o risco de deformação ou ausência de resposta sexual futura seja quase inexistente. A determinação de proceder ou não com a intervenção cirúrgica é, em última análise, uma decisão dos pais. Tratamento do travestismo Uma abordagem combinada, usando psicoterapia e farmacoterapia, costuma ser útil no tratamento do travestismo. Os fatores de estresse que precipitam o comportamento são identificados na terapia. A meta é ajudar os pacientes a lidarem com os estressores de maneira apropriada e, se possível, eliminá-los. A dinâmica intrapsíquica das atitudes em relação a homens e mulheres é examinada, e os conflitos inconscientes são identificados. Medicamentos como antidepressivos e ansiolíticos são usados para tratar os sintomas. Como o travestismo pode ocorrer de forma impulsiva, agentes que reforçam o controle dos impulsos podem ser úteis, como a fluoxetina (Prozac). Terapia comportamental, condicionamento aversivo e hipnose são métodos alternativos que podem ser benéficos em alguns casos.
CID-10 A CID-10 lista cinco transtornos da identidade sexual: transexualismo, travestismo bivalente, transtorno da identidade sexual na infância, outros transtornos da identidade sexual e transtornos da identidade sexual, não-especificado (Tab. 22-3). O transexualismo, definido como o desejo de ser um membro do sexo oposto, pode ser diagnosticado quan-
TABELA 22-3 Critérios diagnósticos da CID-10 para transtornos da identidade sexual Transexualismo A. O indivíduo deseja viver e ser aceito como membro do sexo oposto, em geral acompanhado pelo desejo de tornar seu corpo o mais congruente possível com o sexo preferido mediante cirurgia e tratamento hormonal. B. A identidade transexual esteve presente de forma persistente por pelo menos dois anos. C. O transtorno não é um sintoma de outro transtorno mental, como esquizofrenia, nem está associado a anormalidades cromossômicas. Travestismo bivalente A. O indivíduo usa roupas do sexo oposto de modo a experimentar temporariamente uma afiliação a este sexo. B. Não há motivação sexual para o travestismo. C. O indivíduo não tem desejo de mudar, de forma definitiva, para o sexo oposto. Transtorno da identidade sexual na infância Para meninas: A. A pessoa demonstra sofrimento persistente e intenso em relação a ser menina e tem o desejo manifesto de ser menino (não meramente o desejo de ter qualquer vantagem cultural percebida como própria dos meninos) ou insiste que é menino. B. Um dos dois deve estar presente: (1) Aversão persistente e acentuada ao vestuário feminino normativo e insistência em usar roupas masculinas estereotipadas, como, por exemplo, roupa íntima e outros acessórios de menino (2) Repúdio persistente às estruturas anatômicas femininas, evidenciado por pelo menos um dos seguintes: (a) afirmação de que tem ou vai ter um pênis (b) rejeição a urinar na posição sentada (c) afirmação de que não quer ter seios nem menstruar C. A menina ainda não chegou à puberdade. D. O transtorno deve estar presente por pelo menos seis meses. Para meninos: A. A pessoa demonstra sofrimento persistente e intenso em relação a ser menino e tem um forte desejo de ser menina ou, mais raramente, insiste que é menina. B. Um dos dois deve estar presente: (1) preocupação com atividades estereotipadas femininas, como demonstrado pela preferência pelo travestismo ou simulação do vestuário feminino ou por um desejo intenso de participar de brincadeiras e passatempos de meninas e rejeição a brinquedos, jogos e atividades masculinas estereotipadas (2) repúdio persistente às estruturas anatômicas masculinas, indicado por pelo menos uma das seguintes afirmações repetidas: (a) vai se tornar mulher quando crescer (não meramente assumir um papel feminino) (b) o pênis ou os testículos são repulsivos ou vão desaparecer; (c) seria melhor não ter pênis e testículos C. O menino ainda não chegou à puberdade. D. O transtorno deve estar presente por pelo menos seis meses. Outros transtornos da identidade sexual Transtorno da identidade sexual, não especificado Reimpressa, com permissão, de World Health Organization. The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural Disorders: Diagnostic Criteria for Research. Copyright, World Health Organization, Geneva, 1993.
TRANSTORNOS DA IDENTIDADE DE GÊNERO
do a identidade transexual persistiu por pelo menos dois anos, não é um sintoma de outro transtorno mental e não está associada a anormalidades intersexuais, genéticas ou dos cromossomos sexuais. No travestismo bivalente, a pessoa se veste de forma a se passar temporariamente por um membro do sexo oposto, mas não deseja uma mudança definitiva de sexo e não fica sexualmente excitada com tal comportamento. O transtorno da identidade sexual na infância, definido como um “sofrimento persistente e intenso em relação ao sexo atribuído... com desejo de ser... do sexo oposto”, deve aparecer antes da puberdade para que o diagnóstico possa ser feito.
REFERÊNCIAS Bartlett NH, Vasey PL, Bukowski WM. Is gender identity disorder in children a mental disorder? Sex Roles. 2000;43:11. Blanchard R, Steiner BW, eds. Clinical Management of Gender Identity Disorders in Children and Adults. Washington, DC: American Psychiatric Press; 1990. Brown GR, Wise TN, Costa PT, et al. Personality characteristics and sexual functioning of 188 cross-dressing men. J Nerv Ment Dis. 1996;184:265. Cohen-Kettenis PT, Gooren LJG. Transsexualism: a review of etiology, diagnosis, and treatment. J Psychosom Res. 1999;46:315. Cole SS, Denny D, Eyler AE, Samons SL. Issues of transgender. In: Szuchman LT, Muscarella F, eds. Psychological Perspectives on Human Sexuality. New York: John Wiley & Sons; 2000:149.
787
Gonzalez T, Angel M. Transsexualism: some considerations on aggression, transference and countertransference. Int Form Psychoanal. 1996;5:11. Green R. Gender identity in childhood and laler sexual orientation: followup of 78 males. Am J Psychiatry. 1985;142:399. Green R, Blanchard R. Gender identity disorders. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:1646. Greenblatt RB, McNamara VP. Endocrinology of human sexuality. In: Sadock BJ, Kaplan HI, eds. The Sexual Experience. Baltimore: Williams & Wilkins; 1976:104. Hirschfield M. Transvestites: The Erotic Drive to Cross-Dress. Buffalo, NY: Prometheus; 1991. Jones BE, Hill MJ. Mental health issues in lesbian, gay, bisexual, and transgender communities. Rev Psychiatry. 2002;21:93. Levine SB. Gender-disturbed males. J Sex Ma r i t a l T h e r . 1993;19:131. Marantz S, Coates S. Mothers of boys with gender identity disorder: a comparison of matched controls. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1991;30: 310. Osbourne C, Wise TN. Split gender identity: problem or solution? Proposed parameters for addressing the gender dysphoric patient. J Sex Marital Ther. 2002;28:165. Stoller RJ. Presentations of Gender: New Haven: Yale University Press; 1986. Sugar M. A clinical approach to childhood gender identity disorder. Am J Psychother. 1995;49:260.
23 Transtornos da alimentação
23.1 Anorexia nervosa A anorexia nervosa (AN) é caracterizada por comportamento obstinado e proposital direcionado a perder peso, baixo peso, preocupação com o peso corporal e a alimentação, padrões peculiares de manejo dos alimentos, medo intenso de aumento de peso, alterações da imagem corporal e amenorréia. Cerca de metade dessas pessoas perderá peso reduzindo drasticamente o total da ingestão de alimentos, e algumas também desenvolverão programas de exercícios rigorosos. Há aqueles que fazem dieta rigorosa, mas perdem o controle e se envolvem regularmente em comportamentos de compulsão alimentar seguidos por comportamento de purgação. Alguns pacientes purgam após ingerir pequenas quantidades de alimentos. Na revisão de texto da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSMIV-TR), a anorexia nervosa é definida como um transtorno em que as pessoas se recusam a manter um peso mínimo normal, temem aumentar de peso e, de forma significativa, interpretam seu corpo e sua forma de maneira equivocada. O termo anorexia (“falta de apetite”) não é um bom indicador, pois raramente ocorre perda de apetite no estágio inicial do transtorno. A anorexia nervosa, dessa forma, é caracterizada por uma alteração profunda da imagem corporal e pela busca incansável da forma esbelta, por vezes até o ponto da inanição. O transtorno tem sido reconhecido há várias décadas e descrito em muitas pessoas, com uma uniformidade notável. A AN é muito mais prevalente entre mulheres do que entre homens e geralmente tem seu início na adolescência. As hipóteses de transtornos subjacentes em mulheres jovens com este transtorno incluem conflitos relativos à transição da infância para a vida adulta. As questões psicológicas relacionadas aos sentimentos de impotência e à dificuldade de estabelecer autonomia também têm sido sugeridas como fatores que contribuem para o desenvolvimento do transtorno. Os sintomas bulímicos podem ocorrer com um transtorno isolado (bulimia nervosa, discutida na próxima seção) ou como parte da anorexia nervosa. As pessoas com cada um desses transtornos são excessivamente preocupadas com peso, alimentos e forma corporal. O resultado da anorexia nervosa varia de recuperação espontânea a um curso oscilante até a morte.
EPIDEMIOLOGIA Transtornos da alimentação de vários tipos são relatados em até 4% dos estudantes adolescentes e adultos jovens. A anorexia nervosa tem sido referida mais freqüentemente nas últimas décadas do que no passado, com relatos crescentes entre moças pré-púberes e homens. As idades mais comuns de início são as da adolescência, mas até 5% dos pacientes anoréxicos têm o início no começo dos 20 anos. De acordo com o DSM-IV-TR, a idade mais comum de início é dos 14 aos 18 anos. Estima-se que a anorexia nervosa ocorra em cerca de 0,5 a 1% das adolescentes. Manifesta-se 10 a 20 vezes mais em mulheres do que em homens. A prevalência entre mulheres jovens com alguns sintomas de anorexia nervosa que não satisfazem os critérios diagnósticos é estimada em torno de 5%. Embora a condição fosse inicialmente relatada com mais freqüência nas classes mais altas, levantamentos epidemiológicos recentes não mostram tal distribuição. Parece ser mais recorrente em países desenvolvidos e pode ser observada com maior freqüência em mulheres jovens em profissões que exigem forma esbelta, como modelos e bailarinas. CO-MORBIDADE A anorexia nervosa é associada a depressão em 65% dos casos, a fobia social em 34% e a transtorno obsessivo-compulsivo em 26%. ETIOLOGIA Fatores biológicos, sociais e psicológicos estão implicados nas causas da anorexia nervosa. Alguma evidência indica taxas mais elevadas de concordância em gêmeos monozigóticos do que em dizigóticos. Irmãs de pacientes com anorexia nervosa têm maior probabilidade de serem atingidas, mas essa associação pode revelar mais influências sociais do que fatores genéticos. Transtornos maiores do humor são mais comuns em membros das famílias do que na população em geral. Do ponto de vista neuroquímico, a redução do metabolismo (turnover) e da atividade da norepinefrina é sugerida pela diminuição dos níveis de 3-metóxi-4-hidroxifenilglicol (MHPG) na urina e no líquido cerebrospinal (LCS)
TRANSTORNOS DA ALIMENTAÇÃO
de alguns pacientes afetados. Observa-se uma relação inversa entre o MHPG e a depressão nesses pacientes; um aumento do MHPG se associa a redução da depressão. Fatores biológicos Os opióides endógenos podem contribuir para a negação da fome em pacientes com AN. Estudos preliminares mostram aumentos de peso significativos em pacientes recebendo antagonistas de opiáceos. A inanição leva a várias modificações bioquímicas, algumas das quais também estão presentes na depressão, como hipercortisolemia e nãosupressão pela dexametasona. A função da tireóide também é suprimida. Tais anormalidades são corrigidas com o consumo de alimentos. A inanição produz amenorréia, que reflete os níveis hormonais reduzidos (dos hormônios luteinizante, folículo-estimulante e de liberação das gonadotropinas). Algumas pacientes, contudo, tornamse amenorréicas antes de uma perda significativa de peso. Vários estudos de tomografia computadorizada (TC) revelam aumento dos espaços do LCS (aumento dos sulcos e dos ventrículos) em pacientes com AN durante a inanição, um achado que é revertido pelo aumento de peso. Em um estudo com tomografia por emissão de pósitrons (PET), o metabolismo do núcleo caudado estava mais alto no estado anoréxico do que após a realimentação. Alguns autores propuseram uma disfunção do eixo hipotalâmico-hipofisário (neuroendócrina). Alguns estudos têm mostrado evidências de disfunção da serotonina, da dopamina e da norepinefrina, três neurotransmissores envolvidos na regulação do comportamento alimentar, no núcleo paraventricular do hipotálamo. Outros fatores humorais que podem estar implicados incluem o fator liberador da corticotropina (FLC), o neuropeptídeo Y, o hormônio de liberação da gonadotropina e o hormônio estimulante da tireóide. A Tabela 23.1-1 lista as modificações neuroendócrinas associadas à anorexia nervosa.
789
Fatores sociais Pacientes com anorexia nervosa encontram apoio para suas práticas na ênfase que a sociedade dá à forma esbelta e ao exercício. Não há constatação familiar específica para AN, mas alguma evidência indica que tais pacientes têm relações próximas, mas perturbadas com seus pais. As famílias de crianças que se apresentam com transtornos alimentares, em especial dos subtipos com comer compulsivo e purgação, podem exibir altos níveis de hostilidade, caos e isolamento, bem como baixos níveis de apoio e empatia. O adolescente com um transtorno da alimentação grave pode, por meio desse comportamento, tentar desviar a atenção de relações conjugais tensas. Fatores psicológicos e psicodinâmicos A anorexia nervosa parece ser uma reação à exigência de que os adolescentes se comportem de forma mais independente e aumentem seu desempenho social e sexual. Pessoas com o transtorno, que desenvolvem preocupações com a alimentação e o aumento de peso semelhantes a obsessões, substituem outras buscas normais. Em geral, faltam a tais pacientes autonomia e consciência de si próprios. Vários experimentam seus corpos como algo sob o controle dos pais, de modo que a auto-inanição pode ser um esforço para obter validação como uma pessoa única e especial. Somente por meio de atos de autodisciplina extraordinária será possível a um paciente com AN desenvolver o senso de autonomia e uma noção de si próprio. Clínicos psicanalíticos que tratam pacientes com anorexia nervosa em geral concordam com o fato de que tais jovens foram incapazes de se separar psicologicamente de suas mães. O corpo pode ser percebido como se fosse habitado por uma mãe intrusiva e não-empática. De forma inconsciente, a inanição pode significar interromper o crescimento desse objeto interno intrusivo,
TABELA 23.1-1 Modificações neuroendócrinas na anorexia nervosa e na inanição experimental Hormônio
Anorexia nervosa
Perda de peso
Hormônio liberador da corticotropina (CRH) Nível plasmático do cortisol Diferença diurna do cortisol Hormônio luteinizante (LH) Hormônio folículo-estimulante (FSH) Hormônio do crescimento (GH)
Aumentado Levemente aumentado Atenuada Reduzido, padrão pré-púbere Reduzido, padrão pré-púbere Regulação comprometida Aumento dos níveis basais e resposta limitada a provas farmacológicas Reduzida Normal ou levemente reduzida Levemente reduzida Levemente aumentada Normal Demorada ou atenuada
Aumentado Levemente aumentado Atenuada Reduzido Reduzido O mesmo
Liberação atrasada Reduzido Secreção não acoplada a teste osmótico Aumento da função com a restauração do peso Redução do metabolismo (turnover)
– – – – Redução do metabolismo (turnover)
Somatomedina C Tiroxina (T4) Triiodotironina (T3) T3 reversa Hormônio estimulador da tirotropina (TSH) Resposta do TSH ao hormônio liberador da tirotropina (TRH) Insulina Peptídeo-C Vasopressina Serotonina Norepinefrina Dopamina
Resposta atenuada a provas farmacológicas
Reduzida Normal ou levemente reduzida Levemente reduzida Levemente aumentada Normal Demorada ou atenuada
790
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
levando-o à destruição. Por vezes, um processo de identificação projetiva está envolvido nas interações entre o paciente e sua família. Muitos pacientes sentem que os desejos orais são vorazes e inaceitáveis; por isso, os mesmos são atribuídos a terceiros de forma projetiva. Outras teorias enfocaram as fantasias de impregnação oral. Os pais respondem à recusa de comer mostrando-se frenéticas sobre se o paciente está realmente se alimentando. Este pode então perceber os pais como aqueles que têm desejos inaceitáveis e, assim, progressivamente, negá-los; isto é, os outros podem ser vorazes e governados pelo desejo, mas não o paciente. DIAGNÓSTICO E CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS O início da anorexia nervosa tende a ocorrer entre as idades de 10 e 30 anos. Os critérios diagnósticos do DSM-IV-TR são expostos na Tabela 23.1-2. Um medo intenso de aumentar de peso e ficar obeso está presente em todas as pessoas com o transtorno e, sem dúvida, contribui para a falta de interesse e mesmo para a resistência à terapia. A maior parte do comportamento disfuncional dirigido para a perda de peso ocorre em segredo. Pacientes com anorexia nervosa em geral se recusam a comer com suas famílias ou em lugares públicos. Perdem peso por reduzir de forma drástica a quantidade de alimentos, com uma diminuição desproporcional daqueles ricos em carboidratos e gordurosos. Como mencionado, o termo anorexia não é muito adequado, porque a perda de apetite tende a ser rara até fases tardias do transtorno. A evidência de que os pacientes estão constantemente pensando em alimentos é a sua paixão por colecionar receitas e por preparar refeições elaboradas para os outros. Alguns pacien-
TABELA 23.1-2 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para anorexia nervosa A. Recusa a manter o peso corporal em um nível igual ou acima do mínimo normal adequado à idade e à altura (p. ex., perda de peso levando à manutenção do peso corporal abaixo de 85% do esperado; ou incapacidade de atingir o peso esperado durante o período de crescimento, levando a um peso corporal menor que 85% do esperado). B. Medo intenso de ganhar peso ou de engordar, mesmo estando com peso abaixo do normal. C. Perturbação no modo de vivenciar o peso ou a forma do corpo, influência indevida do peso ou da forma do corpo sobre a autoavaliação, ou negação do baixo peso corporal atual. D. Nas mulheres pós-menarca, amenorréia, isto é, ausência de pelo menos três ciclos menstruais consecutivos. (Considerase que uma mulher tem amenorréia se seus períodos ocorrem apenas após a administração de hormônio, p. ex., estrógeno.) Especificar tipo: Tipo restritivo: durante o episódio atual de anorexia nervosa, o indivíduo não se envolveu regularmente em um comportamento de comer compulsivamente ou de purgação (i.e. indução de vômito ou uso indevido de laxantes, diuréticos ou enemas). Tipo compulsão periódica/purgativo: durante o episódio atual de anorexia nervosa, o indivíduo envolveu-se regularmente em um comportamento de comer compulsivamente ou de purgação (i.e. indução de vômito ou uso indevido de laxantes, diuréticos ou enemas). De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
tes não podem controlar de forma contínua sua restrição voluntária da ingestão alimentar e, dessa forma, têm episódios de comer compulsivo, os quais geralmente ocorrem em segredo, em sua maioria à noite e são freqüentemente, seguidos por vômitos auto-induzidos. Os pacientes abusam de laxantes e mesmo de diuréticos para perder peso, e são atividades comuns exercícios ritualísticos, andar de bicicleta, caminhadas, cooper e corridas intensivas. Pacientes com este transtorno exibem comportamento peculiar quanto à alimentação. Escondem alimentos por toda a casa e com freqüência carregam grandes quantidades de balas em bolsos e sacolas. Nas refeições, tentam se livrar dos alimentos colocando-os nos guardanapos ou escondendo-os nos bolsos. Cortam a carne em pedaços muito pequenos e passam boa parte do tempo rearranjando as porções no prato. Se confrontados com seu comportamento peculiar, tendem a negar que ele seja incomum ou prontamente se recusam a discuti-lo. Comportamento obsessivo-compulsivo, depressão e ansiedade são outros sintomas psiquiátricos da anorexia nervosa observados com mais freqüência na literatura. Os pacientes tendem a ser rígidos e perfeccionistas, e queixas somáticas, em especial mal-estar epigástrico, são recorrentes. São comuns furtos compulsivos, em geral de balas e laxantes e ocasionalmente de roupas ou outros itens. O desajuste sexual é descrito com freqüência em pacientes com o transtorno. Muitos adolescentes com AN têm o desenvolvimento psicossexual postergado; em adultos, uma redução marcante do interesse por sexo por vezes acompanha o início do transtorno. Uma minoria de pacientes anoréxicos tem história prémórbida de promiscuidade, abuso de drogas ou ambos, e durante o transtorno não exibe redução do interesse por sexo. Os pacientes geralmente chegam à assistência médica quando a perda de peso começa a ficar aparente. À medida que se aprofunda, sinais físicos como hipotermia (de até 35o C), edema de membros inferiores, bradicardia, hipotensão e lanugo (aparência dos pêlos semelhante aos neonatais) se manifestam, havendo uma gama de modificações metabólicas (Fig. 23.1-1). Algumas mulheres com anorexia nervosa vêm à atenção médica devido à amenorréia, que na maioria dos casos aparece antes que a perda de peso seja perceptível. As induções de vômitos ou o abuso de purgantes e diuréticos geram preocupação quanto a alcalose hipocalêmica. Pode ser observado comprometimento da diurese. Alterações eletrocardiográficas (ECG), como achatamento ou inversão da onda T, depressão do segmento ST e prolongamento do intervalo QT, têm sido observadas no estágio emaciado da anorexia nervosa. Alterações podem ser resultado também da perda de potássio, que pode levar à morte. Dilatação gástrica é uma complicação rara de AN. Em alguns pacientes, a aortografia tem mostrado uma síndrome da artéria mesentérica superior. Outras complicações dos transtornos da alimentação estão listadas na Tabela 23.1-3 Subtipos O DSM-IV-TR identifica dois tipos de anorexia nervosa – o tipo restritivo e o tipo compulsão periódica/purgativo. Este último, bastante comum, se desenvolve em cerca de 50% dos pacientes. Cada tipo parece ter aspectos históricos e clínicos distintivos. Os que praticam compulsão alimentar e purgação compartilham mui-
TRANSTORNOS DA ALIMENTAÇÃO
791
FIGURA 23.1-1 Paciente com anorexia nervosa. (Cortesia de Katherine Halmi, M.D.)
TABELA 23.1-3 Complicações médicas de transtornos da alimentação Relacionadas à perda de peso Caquexia: perda de adiposidade e massa muscular, redução do metabolismo da tireóide (síndrome da T3 baixa), intolerância ao frio e dificuldade de manter a temperatura corporal central Cardíacas: perda de músculo cardíaco; coração pequeno; arritmias, incluindo extra-sístoles atriais e ventriculares, prolongamento da transmissão do feixe de His (prolongamento do intervalo QT), bradicardia, taquicardia ventricular; morte súbita Digestivo-gastrintestinais: prolongamento do esvaziamento gástrico, empachamento, obstipação, dor abdominal Reprodutivas: amenorréia, níveis baixos de hormônio luteinizante (LH) e hormônio folículo-estimulante (FSH) Dermatológicas: lanugo (pêlos finos como os de bebê); edema Hematológica: leucopenia Neuropsiquiátricas: sensação anormal do paladar (deficiência de zinco); depressão apática; perturbação cognitiva leve Esquelética: osteoporose Relacionadas à purgação (por vômitos e abuso de laxantes) Metabólicas: anormalidades dos eletrólitos, em especial hipocalemia, alcalose hipoclorêmica; hipomagnesemia Digestivo-gastrintestinais: inflamação e aumento das glândulas salivares e do pâncreas, com aumento da amilase no soro; erosão esofágica e gástrica; disfunção intestinal com dilatação hastral Dentárias: erosão do esmalte dentário, particularmente nos dentes da frente, com cáries correspondentes Neuropsiquiátricas: convulsões (relacionadas a mudanças de fluidos e a desequilíbrios eletrolíticos), neuropatias leves, fadiga e fraqueza, transtorno cognitivo leve Reimpressa com permissão de Yager I. Eating disorders. In: Stoudemire A, ed. Clinical Psychiatry for Medical Students. Philadelphia: JB Lippincott; 1990:324.
tas manifestações com aqueles que têm bulimia sem anorexia nervosa. Tendem a ter familiares obesos e ter eles próprios história de pesos maiores antes do transtorno do que as pessoas com o tipo restritivo. Além disso, são mais propensos ao abuso de substâncias e a desenvolver transtornos do controle dos impulsos e da
personalidade. Pacientes com anorexia nervosa restritiva limitam sua seleção de alimentos, ingerem o mínimo de calorias possível e freqüentemente apresentam traços obsessivo-compulsivos com relação à alimentação e a outros temas. Ambos os tipos são preocupados com o peso e com a imagem corporal, exercitam-se por horas a cada dia e exibem comportamentos alimentares bizarros. Podem ser socialmente isolados e ter sintomas de transtorno depressivo e redução do interesse sexual. Alguns podem purgar, mas não ter episódios de compulsão alimentar. As pessoas com anorexia nervosa têm taxas elevadas de transtorno depressivo maior co-mórbido; este ou o transtorno distímico têm sido relatados em até 50% dos pacientes com AN. A taxa de suicídio é mais alta entre pessoas com o tipo compulsão periódica/purgativo do que entre aquelas com o tipo restritivo. Pacientes com AN costumam ser cheios de segredos, negam seus sintomas e resistem ao tratamento. Em quase todos os casos, os parentes ou pessoas íntimas precisam confirmar a história do paciente. O exame do estado mental em geral mostra um paciente alerta e informado sobre o tema da nutrição e preocupado com a alimentação e o peso. O paciente deve passar por um exame físico geral e um exame neurológico completo. Se está vomitando, pode estar presente uma alcalose hipocalêmica. Em vista de a maioria estar desidratada, o nível dos eletrólitos no soro deve ser determinado inicialmente e de forma regular durante a hospitalização. Sue, uma mulher branca, solteira, de 19 anos de idade, há pouco completou seis meses em uma unidade especializada em transtornos da alimentação para o tratamento de anorexia nervosa e transtorno obsessivo-compulsivo. Chegou pesando 30 kg e tinha 1,62 m de altura. A paciente se recorda de que já aos 4 anos de idade tinha de fazer tudo “perfeitamente” e tinha rituais para descartar objetos e limpar as coisas de forma completa. Esses compor-
792
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
tamentos continuaram durante todo o ensino fundamental. Na escola, era extremamente competitiva e sempre obtinha notas A. Começou a praticar ginástica aos 8 anos de idade e continuou nessa atividade até o início da anorexia nervosa, aos 12 anos, quando passou a ingerir os alimentos de forma lenta e gradual, em quantidades cada vez menores. Ela nega qualquer razão para fazê-lo ou qualquer estresse nessa época. No verão seguinte, foi hospitalizada devido à perda de peso, em um período em que devia estar crescendo e aumentando de peso, recebendo o diganóstico de anorexia nervosa. Suas obsessões e compulsões se tornaram mais graves, e a anorexia piorou. A jovem desenvolveu rituais de limpeza, alinhamento e ordenação de objetos, contagens e exercícios. Desde essa época, sente que devia ser constantemente trabalhadora, movimentando-se e realizando coisas porque teme se tornar “preguiçosa”. Por vezes não podia sair de casa de manhã porque tinha de tocar objetos e realizar uma série de rituais por horas, os quais com freqüência a faziam se atrasar para a escola. No ano seguinte, seu peso caiu para 22 kg, e ela foi hospitalizada de novo. Este foi o início de uma série de hospitalizações repetidas e perdas de peso até a época em que se formou no ensino médio como oradora da turma, a despeito de suas constantes faltas. Depois de se formar, trabalhou como caixa em uma mercearia por um ano, enquanto vivia com seus pais, sendo capaz de ficar fora de hospitais por 18 meses. A seguir, submeteu-se a uma série de hospitalizações e empregos de curta duração, trabalhando com xerox em um estabelecimento e como auxiliar em uma casa de idosos. Nega qualquer episódio de compulsão alimentar, purgação, uso ilegal de drogas ou de álcool, cigarros ou cafeína. Apenas restringe sua ingestão e se exercita com intensidade. A paciente reconhece que sofre com suas obsessões e compulsões, mas não com seu comportamento alimentar. Nunca exibiu sinais ou sintomas de depressão. Ela tem amenorréia primária. A paciente afirmou que sempre teve amigas durante todo o ensino médio. Nunca saiu com rapazes ou teve namorado e numa foi sexualmente ativa. Ela tem muita raiva de seu pai e é expressamente contrária a ele. Afirma que sempre quis sua atenção e aprovação, mas nunca conseguiu. Ela é a mais jovem de três filhas; suas duas irmãs são bem-sucedidas em sua formação e profissão. Ela tem uma relação íntima e confusa com sua mãe. Na admissão ao programa especializado em transtornos da alimentação, Sue foi submetida a uma dieta líquida. Ela tinha uma enorme dificuldade em aderir às regras e aos procedimentos da unidade. Estava continuamente em movimento. Ficava perturbada e irritada quando confrontada pela equipe de tratamento e era bastante sensível a críticas. Ela era muito dura, crítica e autopunitiva. Após seis meses de hospitalização, foi capaz de manter o peso dentro da faixa normal com êxito. A confiança em sua capacidade de fazer três refeições e manter seu peso melhorou. Ela afirmou que, na verdade, gostava de comer porque permitiu-se que fosse vegetariana. Estava muito mais sociável, falante, interagindo com os colegas nas reuniões e nos grupos da comunidade. Seus rituais foram diminuindo gradualmente, fazendo com que conseguisse passar vários dias sem rituais. Era mais difícil se abster dos rituais à noite,
e ela ainda se sentia muito preocupada sobre “ficar preguiçosa”. Estava também mais confortável e aberta ao falar com o pai. Durante o quinto mês de hospitalização, quando tinha atingido o peso-alvo, Sue estava recebendo 225 mg de clomipramina (Anafranil), que foi útil para reduzir as obsessões e compulsões. Durante toda a hospitalização, Sue foi tratada com um programa de terapia cognitivo-comportamental e aconselhamento familiar. Teve alta para um programa ambulatorial especializado em transtornos da alimentação com psicoterapia cognitiva, aconselhamento familiar e terapia de grupo. DISCUSSÃO A paciente tinha traços perfeccionistas, uma característica do transtorno da personalidade obsessivo-compulsiva, desde criança. Há uma evidência crescente de que esse tipo de traço de personalidade coloca uma mulher jovem em risco de desenvolver anorexia nervosa – do tipo restritivo, que é o diagnóstico de Sue. Após vários anos, além de ter transtorno da personalidade obsessivo-compulsiva, satisfez os critérios diagnósticos para transtorno obsessivo-compulsivo em Eixo I. Esses comportamentos não eram graves até que ela desenvolveu anorexia nervosa. As obsessões e compulsões como contar e verificar diferem dos rituais e das preocupações dos transtornos alimentares. Sue sofria com as primeiras, que eram egodistônicas, mas não estava incomodada com os rituais do transtorno alimentar, que eram egossintônicos. Em vista de não ter respondido à fluoxetina (Prozac) em sua hospitalização prévia, foi-lhe administrada clomipramina, com resposta satisfatória evidenciada por uma redução nas obsessões e compulsões. (Cortesia de Katherine A. Halmi, M. D.) PATOLOGIA E EXAMES LABORATORIAIS Um hemograma completo por vezes revela leucopenia com uma linfocitose relativa em pacientes emaciados com anorexia nervosa. Se estiverem presentes episódios de compulsão alimentar e purgação, a determinação dos eletrólitos do soro revela alcalose hipocalêmica. As concentrações da glicose no soro em jejum tendem a estar baixas na fase emaciada, e as concentrações da amilase salivar, elevadas, caso o paciente esteja vomitando. O ECG pode mostrar alterações no segmento S-T e na onda T, que costumam ser secundárias a desequilíbrios eletrolíticos; pacientes emaciados têm hipotensão e bradicardia. Pacientes jovens têm um alto nível de colesterol no soro. Todos esses valores se revertem com a reabilitação nutricional e a interrupção dos comportamentos de purgação. As modificações endócrinas, como amenorréia, hipotireoidismo leve e hipersecreção do hormônio liberador de corticotropina, são decorrentes do peso abaixo do normal, voltando ao normal com o aumento do peso. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL O diagnóstico diferencial da anorexia nervosa é complicado pela negação dos sintomas por parte dos pacientes, pelo segredo rela-
TRANSTORNOS DA ALIMENTAÇÃO
tivo dos rituais alimentares bizarros e pela resistência a procurar tratamento. Dessa forma, pode ser difícil identificar o mecanismo da perda de peso e os pensamentos e as ruminações do paciente sobre distorções da imagem corporal. Os clínicos devem verificar se o paciente não tem uma doença médica que possa ser responsável pela perda de peso (p. ex., tumor cerebral ou câncer). A perda de peso, os comportamentos alimentares peculiares e os vômitos podem ocorrer em vários transtornos mentais. Os transtornos depressivos e a anorexia nervosa apresentam muitos aspectos em comum, como sentimentos de depressão, acessos de choro, alterações do sono, ruminações obsessivas e pensamentos ocasionais de suicídio. Há, contudo, vários aspectos distintivos. Em geral, pacientes com transtorno depressivo têm dimiuição do apetite, enquanto aqueles com anorexia nervosa informam ter apetite normal e sentir fome; somente nos estágios graves da doença realmente há redução do apetite. Em contraste com a agitação depressiva, a hiperatividade observada na anorexia nervosa é planejada e ritualística. A preocupação com receitas, com o conteúdo calórico dos alimentos e a preparação de banquetes gastronômicos são típicas desses pacientes, mas estão ausentes em pessoas com transtorno depressivo. Nos transtornos depressivos, não há medo intenso de obesidade ou alterações da imagem corporal. Flutuações do peso, vômitos e o manejo peculiar de alimentos podem ocorrer no transtorno de somatização. Em raras ocasiões o paciente preenche os critérios diagnósticos para ambos os transtornos. Em geral, a perda de peso no transtorno de somatização não é tão grave como na anorexia nervosa, nem o paciente expressa medo mórbido de ficar com sobrepeso, como é comum em pacientes com AN. Amenorréia por três meses ou mais é incomum no transtorno de somatização. Em esquizofrênicos, os delírios sobre alimentos quase nunca estão relacionados ao valor calórico. É mais provável que acreditem que o alimento foi envenenado. Pacientes esquizofrênicos raramente têm a preocupação com o medo de ficar obeso e não apresentam a hiperatividade observada em pacientes com anorexia nervosa. Também têm hábitos bizarros de alimentação, mas não a síndrome completa da anorexia nervosa. A anorexia nervosa deve ser distinguida da bulimia nervosa, transtorno no qual episódios de comer compulsivo, seguidos de humor depressivo, pensamentos autodepreciativos e, por vezes, vômitos auto-induzidos, ocorrem enquanto os pacientes mantêm seu peso dentro da faixa normal. Pacientes com bulimia nervosa raramente perdem 15% de seu peso, mas as duas condições com freqüência coexistem. CURSO E PROGNÓSTICO O curso da anorexia nervosa varia bastante – recuperação espontânea sem tratamento, recuperação após uma gama de tratamentos, curso flutuante de aumentos de peso seguidos por diminuições, curso com deterioração gradativa, levando à morte causada por complicações da inanição. Um estudo recente revisando subtipos de pacientes anoréxicos verificou que o tipo restritivo pareceu menos propenso à recuperação do que o tipo compulsão periódica/purgativo. A resposta a curto prazo dos pacientes em quase todos os programas de tratamento hospitalar é boa. Aqueles que
793
recuperaram peso suficiente, contudo, por vezes continuam com suas preocupações com alimentos e com o peso corporal, têm relacionamentos sociais pobres e exibem depressão. Em geral, o prognóstico não é bom. Estudos mostraram uma taxa de mortalidade na faixa de 5 a 18%. Indicadores de uma evolução favorável são a admissão da fome, a atenuação da negação e da imaturidade e a melhora da auto-estima. Fatores como neurose na infância, conflitos com os pais, bulimia nervosa, vômitos, abuso de laxantes e várias manifestações comportamentais (p. ex., sintomas obsessivo-compulsivos, histéricos, depressivos, psicossomáticos, neuróticos e de negação) têm sido relacionados com má evolução em alguns estudos, mas não em outros. Estudos de evolução de 10 anos nos Estados Unidos têm demonstrado que cerca de um quarto dos pacientes se recupera completamente e outra metade tem melhora marcante, com funcionamento bastante bom. O outro quarto inclui uma taxa de mortalidade geral de 7% e pacientes com uma condição crônica de peso abaixo do normal. Estudos suecos e ingleses por períodos de 20 a 30 anos mostram uma taxa de mortalidade de 18%. Cerca da metade dos pacientes com anorexia nervosa terá sintomas de bulimia de forma eventual, em geral dentro do primeiro ano após o início do transtorno. TRATAMENTO Em vista das complicadas implicações psicológicas e médicas da anorexia nervosa, é recomendado um plano de tratamento abrangente, incluindo hospitalização quando necessário e terapia individual e familiar. A abordagem comportamental, interpessoal e cognitiva e, em alguns casos, medicação devem ser consideradas. Hospitalização A primeira consideração no tratamento da anorexia nervosa é restaurar o estado nutricional do paciente; desidratação, inanição e desequilíbrios eletrolíticos podem comprometer seriamente a saúde e, em alguns casos, levar à morte. A decisão de hospitalizar um paciente se baseia na condição médica deste e na quantidade de estrutura necessária para garantir sua cooperação. Em geral, recomenda-se a pacientes com anorexia nervosa que estão 20% abaixo do peso esperado para sua altura que realizem o tratamento em hospitais, e aqueles com 30% abaixo de seu peso esperado necessitam de internação psiquiátrica por 2 a 6 meses. Os programas psiquiátricos de hospitalização para pacientes com AN utilizam uma combinação de abordagem de manejo comportamental, psicoterapia individual, instrução e terapia da família e, em alguns casos, medicamentos psicotrópicos. O tratamento bem-sucedido é promovido pela habilidade dos membros da equipe de tratamento em manter uma abordagem firme, ainda que apoiadora, aos pacientes, por vezes pela combinação de reforços positivos (elogios) e negativos (restrição dos exercícios e do comportamento de purgação). O programa deve ter alguma flexibilidade para a individualização do tratamento, a fim de satisfazer as necessidades dos pacientes e suas capacidades cognitivas. É importante que os pacientes estejam dispostos para o tratamento para haver êxito a longo prazo.
794
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
A maioria dos pacientes não está interessada no tratamento psiquiátrico e até resiste a ele; são trazidos ao consultório médico contra a vontade e se opõem à iniciativa de parentes ou amigos. Não é comum os pacientes aceitarem a recomendação de hospitalização sem discutir e criticar o programa proposto. A ênfase nos benefícios, como o alívio da insônia e de sinais e sintomas depressivos, pode auxiliar a persuadir os pacientes a se internarem de forma voluntária. O apoio dos parentes e a confiança no médico e na equipe de tratamento são essenciais quando recomendações firmes têm de ser seguidas. Os familiares devem ser avisados de que os pacientes resistirão à internação e que, por várias semanas do tratamento, farão apelos dramáticos para obter a liberação do programa do hospital. A internação compulsória e forçada deve ocorrer somente quando o risco de morte por complicações da má nutrição é provável. Em raras ocasiões, os pacientes provam que as afirmações do médico sobre um provável fracasso do tratamento ambulatorial estavam erradas. Alguns podem conseguir ter um aumento especificado de peso no momento de cada visita ao ambulatório, mas esse comportamento é incomum, e em geral é necessário um período de internação. As considerações seguintes se aplicam ao manejo geral de pacientes com anorexia nervosa durante um programa de tratamento em hospital. Os pacientes devem ser pesados todos os dias, cedo pela manhã, após esvaziar a bexiga. A ingestão de líquidos e a excreta urinária devem ser registradas. Se estiverem ocorrendo vômitos, os membros da equipe de tratamento do hospital devem monitorar os níveis séricos de eletrólitos regularmente e prestar atenção ao desenvolvimento de hipocalemia. Em vista de o alimento ser muitas vezes regurgitado após as refeições, a equipe de tratamento deve ser capaz de controlar os vômitos tornando o banheiro inacessível por pelo menos duas horas após as refeições ou dispondo de um funcionário alerta para evitar tal comportamento. A constipação nesses pacientes é aliviada quando começam a se alimentar normalmente. Emolientes das fezes podem ser utilizados eventualmente, mas nunca laxantes. Se ocorrer diarréia, em geral significa que os pacientes estão tomando laxantes secretamente. Por conta da rara complicação da dilatação do estômago e da possibilidade de sobrecarga circulatória quando os pacientes começam a ingerir uma grande quantidade de calorias, a equipe de tratamento do hospital deve ministrar-lhes cerca de 500 calorias acima da quantidade necessária para se manter o peso atual (em geral de 1.500 a 2.000 calorias por dia). É sensato fazê-lo ao longo de seis refeições iguais durante o dia, de modo que não seja necessário comer uma grande quantidade de alimentos de uma única vez. Administrar um suplemento alimentar líquido como Sustagen pode ser recomendável, porque os pacientes podem ficar menos apreensivos ao aumentar de peso de modo lento com essa formulação do que pela ingestão de alimentos. Após a alta, os clínicos geralmente julgam necessário continuar a supervisão dos problemas identificados pelos pacientes e por suas famílias com atendimento ambulatorial.
não foi relatado nenhum estudo controlado com amostras significativas de terapia cognitiva em associação com a comportamental em pacientes com anorexia nervosa. O monitoramento é um componente essencial da TCC. Os pacientes são ensinados a monitorar sua ingestão de alimentos, seus sentimentos e emoções, seus comportamentos de comer compulsivo e de purgação, bem como seus problemas nas relações interpessoais. A reestruturação cognitiva é ensinada aos pacientes a fim de possibilitar a identificação de pensamentos automáticos e desafiar suas crenças-chave. A resolução de problemas é um método específico pelo qual os pacientes aprendem como pensar e entrever estratégias para lidar com os problemas relacionados a alimentos e problemas interpessoais. A vulnerabilidade do paciente para confiar no comportamento anoréxico como forma de enfrentamento é enfocada, caso seja possível que ele aprenda essas técnicas de modo eficiente. Psicoterapia dinâmica. A psicoterapia expressiva e de apoio dinâmica algumas vezes é utilizada no tratamento de pacientes com anorexia nervosa, mas sua resistência pode tornar o processo difícil e penoso. Em vista de os pacientes encararem seus sintomas como se fossem o âmago de seu aspecto especial, os terapeutas precisam evitar o investimento excessivo em tentar mudar o comportamento alimentar. A fase de abertura do processo de psicoterapia deve ser dirigida para a construção de uma aliança terapêutica. Os pacientes podem experimentar as interpretações iniciais como se alguém lhes estivesse dizendo o que realmente sentem e, com isso, diminuindo e invalidando suas próprias experiências. Os terapeutas que têm empatia com os pontos de vista dos pacientes e adquirem um interesse ativo em relação ao que eles pensam e sentem, contudo, transmitem-lhes que sua autonomia é respeitada. Acima de tudo, os psicoterapeutas devem ser flexíveis, persistentes e constantes, considerando a tendência que esses pacientes têm de impedir qualquer esforço para auxiliá-los. Terapia familiar. Uma análise da família deve ser realizada em todos os casos de anorexia nervosa, como base para o julgamento clínico de que tipo de terapia ou aconselhamento familiar é recomendável. Em alguns casos a terapia familiar não é possível; contudo, questões dos relacionamentos familiares podem ser enfocadas em terapia individual. Algumas vezes, sessões breves de aconselhamento com membros da família nuclear são a extensão da terapia familiar necessária. Em um estudo controlado de terapia familiar em Londres, os pacientes anoréxicos com menos de 18 anos se beneficiaram com terapia familiar, enquanto aqueles com mais de 18 anos foram mais beneficiados com terapia cognitivocomportamental. Não há estudos controlados sobre a combinação de terapia individual e familiar; contudo, na prática atual, a maioria dos clínicos provê terapia individual e algum tipo de aconselhamento familiar no manejo de pacientes com AN.
Psicoterapia Farmacoterapia Terapia cognitivo-comportamental. Os princípios da terapia cognitivo-comportamental (TCC) podem ser aplicados tanto a situações hospitalares como ambulatoriais. A terapia comportamental tem se mostrado eficiente para induzir o aumento de peso;
Estudos farmacológicos não identificaram ainda qualquer medicamento que consiga a melhora definitiva dos sintomas centrais da anorexia nervosa. Alguns relatos apóiam a utilização de cipro-
TRANSTORNOS DA ALIMENTAÇÃO
TABELA 23.1-4 Critérios diagnósticos da CID-10 para transtornos da alimentação Anorexia nervosa A. Há perda de peso ou, em crianças, a ausência de ganho de peso, levando a um peso corporal pelo menos 15% abaixo do normal ou do peso esperado para a idade e a altura. B. A perda de peso é auto-induzida por evitação de “alimentos engordantes”. C. Há uma autopercepção de estar muito gordo, com um medo invasivo de gordura, que leva a uma limiar de peso baixo autoimposto. D. Um distúrbio endócrino difundido envolvendo o eixo hipotalâmico-pituitário gonadal manifesta-se em mulheres como amenorréia e em homens como perda de interesse e potência sexual. (Uma aparente exceção é a persistência de sangramento vaginal em mulheres anoréxicas em terapia de reposição hormonal, mais comumente tomada como uma pílula anticoncepcional.) E. O transtorno não satisfaz os Critérios A e B para bulimia nervosa. Comentários Os seguintes aspectos apóiam o diagnóstico, mas não são elementos essenciais: vômito auto-induzido, purgação auto-induzida, exercício excessivo e uso de supressores de apetite e/ou diuréticos. Se o início é antes da puberdade, a seqüência de eventos puberais é atrasada ou mesmo interrompida (o crescimento cessa; em meninas, os seios não se desenvolvem, e há uma amenorréia primária; em meninos, os órgãos genitais permanecem juvenis). Com a recuperação, a puberdade freqüentemente é completada normalmente, mas a menarca é tardia. Anorexia nervosa atípica Pesquisadores estudando formas atípicas de anorexia nervosa são recomendados a tomar suas próprias decisões sobre o número e o tipo de critérios a serem satisfeitos. Bulimia nervosa A. Há episódios recorrentes de comer excessivo (pelo menos duas vezes por semana durante um período de três meses) nos quais grandes quantidades de comida são consumidas em curtos períodos. B. Há preocupação persistente com alimentação e um forte desejo ou um senso de compulsão a comer (ânsia) C. O paciente tenta neutralizar os efeitos “engordantes” da comida por um ou mais dos seguintes: (1) vômito auto-induzido; (2) purgação auto-induzida; (3) períodos alternados de fome; (4) uso de drogas como supressores de apetite, preparados de tireóide ou diuréticos; quando a bulimia ocorre em pacientes diabéticos, eles podem preferir negligenciar seu tratamento de insulina. D. Há autopercepção de estar muito gordo, com um medo invasivo de gordura (geralmente levando a peso abaixo do normal). Bulimia nervosa atípica Pesquisadores estudando formas atípicas de bulimia nervosa, tais como aquelas envolvendo peso corporal normal ou excessivo, são recomendados a tomar suas próprias decisões sobre o número e o tipo de critérios a serem satisfeitos. Comer excessivo associado a outros transtornos psicológicos Pesquisadores que desejam usar esta categoria são recomendados a propor seus próprios critérios. Vômito associado a outros transtornos psicológicos Pesquisadores que desejam usar esta categoria são recomendados a propor seus próprios critérios. Outros transtornos da alimentação Transtornos da alimentação não especificado Adaptada de World Health Organization. The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural Disorders: Diagnostic Criteria for Research. Copyright, World Health Organization, Geneva, 1993.
eptadina (Periatin), um agente com propriedades anti-histamínicas e anti-serotonérgicas, por pacientes com o tipo restritivo. Relatou-se que também a amitriptilina (Tryptanol) traz algum benefício. Outros medicamentos que têm sido tentados por pacien-
795
tes com anorexia nervosa com resultados variáves incluem a clomipramina, a pimozida (Orap) e a clorpromazina (Amplictil). Ensaios com fluoxetina levaram a alguns relatos de aumento de peso, e agentes serotonérgicos podem obter respostas positivas no futuro. Em pacientes com anorexia nervosa com transtorno depressivo coexistente, a condição depressiva deve ser tratada. Existe preocupação acerca da utilização de tricíclicos em pacientescom AN, deprimidos e com baixo peso, que podem ser vulneráveis a hipotensão, arritmia cardíaca e desidratação. Uma vez que tenha se atingido um estado nutricional adequado, o risco de efeitos adversos sérios com tais agentes pode diminuir; em alguns casos, a depressão melhora com o aumento de peso e o estado nutricional normalizado. CID-10 A décima revisão da Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionadas à saúde (CID-10) descreve a anorexia nervosa como uma perda de peso deliberada, grave, causada pelo paciente. Conforme a CID-10, as causas permanecem desconhecidas, mas uma combinação de fatores socioculturais e biológicos aparentemente contribui para o transtorno, em conjunto com uma personalidade vulnerável e outros processos psicológicos. A subnutrição produz modificações endócrinas e metabólicas e perturba as funções corporais. É incerto se uma doença endócrina é causada pelo transtorno alimentar ou se outros fatores também contribuem. Os critérios da CID-10 para transtornos alimentares estão listados na Tabela 23.1-4.
REFERÊNCIAS American Psychiatric Association. Practice guidelines for eating disorders. Am J Psychiatry. 1993;150:212. Bowers WA. Basic principles for applying cognitive-behavioral therapy to anorexia nervosa. Psychiatr Clin North Am. 2001;24:293. Gabbard GO. Psychodynamic Psychiatry in Clinical Practice: The DSMIV Edition. Washington, DC: American Psychiatric Press, 1994. Garfinkel PE. Eating disorders. In: Kaplan HI, Sadock BJ, eds. Comprehensive Textbook of Psychiatry. 6th ed. Baltimore: Williams & Wilkins; 1995:1361. Gillberg IC, Rastam M, Gillberg C. Anorexia nervosa outcomes: sixyear controlled longitudinal study of 51 cases including a population cohort. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1994;33:729. Harper-Giuffre H, MacKenzie KR, eds. Group Psychotherapy for Eating Disorders. Washington, DC: American Psychiatric Press; 1992. Herzog DB, Field AE, Keller MB, et al. Subtyping eating disorders: is it justified? J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1996;35:928. Horesh N, Apter A, Ishai J, et al. Abnormal psychosocial situations and eating disorders in adolescence. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1996;35:921. Jarry JL, Vaccarine FJ. Eating disorder and obsessive-compulsive disorder: neurochemical and phenomenological commonalities. J Psychiatry Neurosci. 1996;21:36. Klump KL, Kaye WH, Strober M. The evolving genetic foundations of eating disorders. Psychiatr Clin North Am. 2001;24:215. Kohn M, Golden NH. Eating disorders in children and adolescents: epidemiology, diagnosis and treatment. Pediatr Drugs. 2001;3:91. Mitchell JE, Peterson CB, Myers T, Wonderlich S. Combining pharmacotherapy and psychotherapy in the treatment of patients with eating disorders. Psychiatr Clin North Am. 2001;24:315.
796
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Polivy J, Herman CP. Causes of eating disorders [Review]. Ann Rev Psychol. 2002;53:187. Romano SJ, Halmi KA. A placebo-controlled study of fluoxetine in continued treatment of bulimia nervosa after successful acute fluoxetine treatment. Am J Psychiatry. 2002;159:140. Russell GF. Involuntary treatment in anorexia nervosa. Psychiatr Clin North Am. 2001;24:337. Seidenfeld ME, Ricket VI. Impact of anorexia, bulimia and obesity ontthe gynecologic health of adolescents. Am Fam Physician. 2001;64:445. Stoner SA, Fedoroff IC, Andersen AE, Rolls BJ. Food preferences and desire to eat in anorexia and bulimia nervosa. Int J Eating Disord. 1996;19:13. Vanderlinden J, Vandereycken W, van Dyck R, Vertommen H. Dissociative experiences and trauma in eating disorders. Int J Eating Disord. 1993;13:195.
23.2 Bulimia nervosa e transtornos da alimentação sem outra especificação BULIMIA NERVOSA Bulimia é um termo que significa compulsão alimentar, que é definida como ingerir mais alimentos do que a maioria das pessoas em circunstâncias similares e em um período semelhante de tempo, com uma forte sensação de perda de controle. Quando a compulsão alimentar ocorre em pessoas com peso normal ou excessivo que também são muito preocupadas com sua forma e seu peso corporal e que costumam se engajar em comportamentos para evitar as calorias ganhas, constitui-se o transtorno conhecido como bulimia nervosa (BN). Na revisão de texto da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR), a bulimia nervosa é definida como compulsão alimentar combinada com formas inapropriadas de tentar interromper o aumento de peso. Os episódios recorrentes de bulimia nervosa, que é mais comum do que a anorexia, são acompanhados por sentimentos de estar fora de controle. A interrupção social ou o desconforto físico – isto é, dor abdominal ou náuseas – interrompem a compulsão alimentar, que costuma ser acompanhada de sentimentos de culpa, depressão e autodepreciação. Pessoas com BN também exibem comportamentos compensatórios recorrentes – como purgação (vômitos auto-induzidos, utilização repetida de laxantes ou diuréticos), jejum ou exercícios excessivos – para prevenir o aumento de peso. De forma diferente de pacientes com anorexia nervosa, aqueles com bulimia nervosa podem manter um peso corporal normal. Epidemiologia A bulimia nervosa é mais prevalente do que a anorexia nervosa. Suas estimativas variam de 1 a 3% entre mulheres jovens. Como a anorexia nervosa, a bulimia é significativamente mais
comum entre mulheres, mas seu início tende a acontecer mais tarde na adolescência do que a AN. De acordo com o DSMIV-TR, a taxa de ocorrência em homens é um décimo da de mulheres. O início pode até ocorrer na vida adulta inicial. Sintomas ocasionais de bulimia nervosa, como episódios isolados de compulsão alimentar e purgação, foram relatados em até 40% das mulheres universitárias. Ainda que esteja presente em mulheres jovens com peso normal, estas algumas vezes têm história de obesidade. Em países industrializados, a prevalência é de cerca de 1% na população geral. Etiologia Fatores biológicos. Alguns investigadores tentaram associar os ciclos de comer compulsivo-purgação a vários neurotransmissores. Como os antidepressivos por vezes beneficiam pacientes com bulimia nervosa, e em vista de a serotonina ter sido ligada à saciedade, esta e a norepinefrina foram implicadas. Pelo fato de os níveis de endorfina no plasma estarem elevados em alguns pacientes com bulimia nervosa que vomitam, o sentimento de bemestar experenciado após os vômitos pode ser intermediado pelo aumento dos níveis de endorfina. De acordo com o DSM-IVTR, há maior freqüência de bulimia nervosa em parentes de primeiro grau de pessoas com o transtorno. Fatores sociais. Pacientes com bulimia nervosa, assim como aqueles com anorexia nervosa, tendem a ter grandes conquistas e a responder às pressões sociais para serem magros. Como no caso da anorexia nervosa, vários pacientes com bulimia nervosa são deprimidos e têm aumento de depressão na família, mas as famílias de pacientes com BN costumam ser menos unidas e ter mais conflitos. Pacientes com bulimia nervosa descrevem seus pais como negligentes e com atitudes de rejeição. Fatores psicológicos. Pacientes com BN têm dificuldades com as exigências da adolescência, mas são mais extrovertidos, irritados e impulsivos do que aqueles com anorexia nervosa. Dependência de álcool, roubo em lojas (cleptomania) e labilidade emocional (inclusive com tentativas de suicídio) se associam à bulimia nervosa. Em geral, tais pacientes têm um comer descontrolado mais egodistônico do que pacientes com anorexia nervosa, então procuram auxílio mais rapidamente. Aos pacientes com bulimia nervosa faltam o controle de superego e a força do ego que há entre aqueles com anorexia nervosa. Suas dificuldades em controlar os impulsos costumam ser manifestadas por dependência de substâncias e relacionamentos sexuais autodestrutivos, além dos episódios de compulsão alimentar e purgação que caracterizam o transtorno. Vários pacientes têm história de dificuldades de se separar dos seus cuidadores, como manifestado pela ausência de objetos transicionais durante os anos iniciais da infância. Alguns clínicos observaram que pacientes com BN utilizam seus próprios corpos como objetos transicionais. O esforço pela separação da figura materna é encenado na ambivalência relacionada aos alimentos; o comer pode representar um desejo de fusão com a pessoa que cuida, e o regurgitar pode, de forma, inconsciente, expressar um desejo de separação.
TRANSTORNOS DA ALIMENTAÇÃO
Diagnóstico e características clínicas De acordo com o DSM-IV-TR, as manifestações essenciais da bulimia nervosa são: episódios recorrentes de compulsão alimentar; um sentimento de falta de controle sobre o comer durante esses episódios; vômitos auto-induzidos, mau uso de laxantes ou diuréticos, jejum ou exercício excessivo para evitar o aumento de peso; e auto-avaliação persistente indevidamente influenciada pela forma e pelo peso corporal (Tab. 23.2-1). Os episódios de compulsão geralmente precedem os vômitos em cerca de um ano. Os vômitos são comuns e em geral induzidos por introduzir o dedo até a garganta, embora alguns pacientes sejam capazes de fazê-lo espontaneamente. O vômito reduz a dor abdominal e a sensação de estar empachado e possibilita ao paciente continuar a comer sem medo de aumento de peso. Depressão, por vezes denominada angústia pós-compulsão, freqüentemente segue-se ao episódio. Durante os episódios de compulsão alimentar, são ingeridos alimentos doces, ricos em calorias e geralmente moles ou com textura suave, como bolos e tortas. Alguns preferem alimentos encorpados sem consideração para com o sabor. Os alimentos são ingeridos de forma secreta e rápida, às vezes até sem serem mastigados. A maioria dos pacientes está dentro de sua faixa normal de peso, mas alguns pacientes podem estar abaixo ou acima do peso. Neste caso, há preocupação com a imagem corporal e a aparência, com a maneira como os outros os vêem e com o fato de serem ou não sexualmente atraentes. A maioria é sexualmente ativa, comparada com pacientes com anorexia nervosa, que não estão inTABELA 23.2-1 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para bulimia nervosa A. Crises bulímicas recorrentes. Uma crise bulímica é caracterizada por ambos os seguintes aspectos: (1) ingestão, em um período limitado de tempo (p. ex., dentro de um período de 2 horas), de uma quantidade de alimentos definitivamente maior do que a maioria das pessoas consumiria durante um período similar e sob circunstâncias similares (2) um sentimento de falta de controle sobre o comportamento alimentar durante o episódio (p. ex., um sentimento de incapacidade de parar de comer ou de controlar o tipo e a quantidade de alimento) B. Comportamento compensatório inadequado e recorrente, com o fim de prevenir o aumento de peso, como indução de vômito, uso indevido de laxantes, diuréticos, enemas ou outros medicamentos, jejuns ou exercícios excessivos. C. A crise bulímica e os comportamentos compensatórios inadequados ocorrem, em média, pelo menos duas vezes por semana, por 3 meses. D. A auto-imagem é indevidamente influenciada pela forma e pelo peso do corpo. E. O distúrbio não ocorre exclusivamente durante episódios de anorexia nervosa. Especificar tipo: Tipo purgativo: durante o episódio atual de bulimia nervosa, o indivíduo envolveu-se regularmente na indução de vômitos ou no uso indevido de laxantes, diuréticos ou enemas. Tipo não-purgativo: durante o episódio atual de bulimia nervosa, o indivíduo usou outros comportamentos compensatórios inadequados, tais como jejuns ou exercícios excessivos, mas não se envolveu regularmente na indução de vômitos ou no uso indevido de laxantes, diuréticos ou enemas. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
797
teressados em sexo. Pica e discussões durante as refeições são muitas vezes reveladas nas histórias de pacientes com bulimia nervosa. Tal condição se manifesta em pessoas com altas taxas de transtornos do humor e de transtornos do controle dos impulsos. Também se relata que a bulimia nervosa ocorre entre aqueles com risco para transtornos relacionados ao uso de substâncias e para uma gama de transtornos da personalidade. Além disso, tais pacientes têm taxas aumentadas de transtornos de ansiedade, transtorno bipolar tipo I e transtornos dissociativos, além de histórias de abuso sexual. Subtipos. A evidência indica que as pessoas com bulimia nervosa que purgam diferem daquelas com compulsão alimentar que não purgam, pelo fato de que as últimas têm menos alteração da imagem corporal e menos ansiedade relativa ao comer. Pacientes com BN que não purgam tendem à obesidade. Existem também diferenças fisiológicas entre pacientes com bulimia nervosa que purgam e os que não o fazem. Em vista de todas essas diferenças, o diagnóstico de bulimia nervosa é subclassificado em tipo com purgação, para aqueles que se engajam regularmente em vômitos auto-induzidos ou no uso de laxantes ou diuréticos, e o tipo sem purgação, para aqueles que utilizam restrição dietética, jejum ou exercício vigoroso, mas que não fazem purgação regular. Pacientes com o tipo purgativo podem estar em risco de desenvolver certas complicações médicas, como hipocalemia por vômitos ou abuso de laxantes e alcalose hipoclorêmica. Aqueles que vomitam repetidamente estão em risco de lacerações gástricas e esofágicas, ainda que tais complicações sejam raras. Pacientes que purgam podem ter um curso da doença diferente daqueles que têm compulsão alimentar e a seguir fazem dieta ou exercícios. Alice tinha 21 anos de idade e apresentava episódios de compulsão alimentar e vômitos há oito anos antes de ser encaminhada a um programa de tratamento de transtornos alimentares. Havia atingido seu maior peso, de 59 kg, quando iniciara o ensino médio, aos 15 anos de idade. A paciente foi submetida a vários estresses durante aquele ano – não conseguiu fazer parte da equipe de torcida organizada; seu avô, a quem era muito chegada, morreu; e alguns amigos íntimos se mudaram para longe. Ela desenvolveu um sentimento geral de infelicidade, solidão e perda. Também naquele ano seus pais se livraram de seus animais de estimação porque davam muitos problemas. Durante esse período, Alice decidiu que queria perder peso e logo desenvolveu o hábito de auto-induzir vômitos. Aumentou gradualmente a quantidade de vômitos até o segundo ano do ensino médio, quando estava vomitando quatro vezes por semana. Quando começou a perder peso, recorreu a uma série de dietas da moda. Recusava-se a comer as refeições com a família e, após cerca de seis meses de dieta, começou a levantar à noite por episódios de comer compulsivo seguidos de vômitos auto-induzidos, os quais ela havia aperfeiçoado nos últimos meses. Após concluir o ensino médio, foi para a universidade por um ano e cursou zoologia. Não gostou do currículo e desistiu. Contudo, durante esse período, seus sintomas aumentaram, e ela até decorou uma de suas paredes com embalagem de M&M. Depois, voltou a viver em casa e teve uma
798
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
série de empregos em lanchonetes, como em uma loja de rosquinhas e uma delicatessen, bem como em uma loja de roupas. Por fim, tornou-se incapaz de manter um emprego por mais de alguns meses devido a seus episódios de compulsão alimentar e vômitos. Seu relacionamento mais estável foi com o último namorado, com quem estava vivendo um ano antes de sua hospitalização. Durante esse tempo, pela insistência de seu namorado, consultou um assistente social semanalmente por vários meses, mas depois parou o tratamento bruscamente. Os episódios de compulsão alimentar e vômitos ficaram fora de controle, de modo que o namorado teve de levá-la ao hospital local. Ela permaneceu lá por três meses e a seguir foi transferida para um programa em outra instituição. Durante a hospitalização inicial, era-lhe permitido entrar e sair quando quisesse, e ela continuou com o comportamento de compulsão alimentar e vômitos. No momento de admissão ao programa especial de tratamento de transtornos da alimentação, Alice admitiu se sentir deprimida e ter acessos de choro freqüentes. Também tinha dificuldade de adormecer à noite. Estava muito preocupada com pensamentos sobre seus acessos de fome e sobre alimentos. Os achados significativos de seu exame físico foram uma leve escoliose e a marcante deterioração dos dentes (Fig. 23.2-1). Sua menstruação começou aos 14 anos. Com cerca de 16 anos de idade, começou a ter menstruações irregulares; contudo, continuou a menstruar. Seu peso mais baixo foi 50,9 kg, apenas durante alguns meses antes de sua admissão à unidade especializada em transtornos da alimentação. A paciente foi alocada a um programa de tratamento multifacetado com sessões de psicoterapia individual duas vezes por semana, terapia de grupo diária e sessões familiares de duas em duas semanas. No início, expressava considerável negação e raiva, mas logo foi capaz de descrever sentimentos de vazio, solidão e inadequação. Técnicas de prevenção de resposta foram utilizadas para interromper o comportamento de vômitos e os episódios de compulsão alimentar, e ela respondeu muito bem ao ambiente estruturado. Além disso, recebeu 60 mg de fluoxetina (Prozac) por dia. Aos poucos, retomou o controle sobre seu comportamento alimentar e desenvolveu considerável insight quanto a seus problemas e inseguranças. Durante seus quatro meses no programa especial de tratamento de transtornos da alimentação, respondeu bem à introdução gradativa de responsabilidade por seu comportamento alimentar e outros aspectos de sua vida. Após a alta hospitalar, continuou tratamento ambulatorial e recebeu terapia individual e de família. Voltou a viver com seus pais e irmão, com quem esteve por seis meses até que se mudou para um apartamento de apoio. Vários meses mais tarde, começou a ir à faculdade. Seus episódios de compulsão alimentar e vômitos tinham cessado, e ela estava se alimentando normalmente e mantendo seu peso dentro da faixa normal. Seu prognóstico, contudo, é delicado devido à sua longa história de comportamento alimentar disfuncional.
DISCUSSÃO As dietas de Alice começaram quando ela teve uma série de estresses que desafiaram seus sentimentos de competência e eficiência. Ela tinha um leve sobrepeso quando começou a fazer dieta, que não foi muito eficiente, até que começou a induzir os vômitos. Mesmo com este comportamento, típico de pessoas com bulimia nervosa, não pôde se tornar magra. Ela foi capaz de manter um relacionamento sexual com seu namorado, o que contrasta com a natureza típica mais assexuada de pacientes com anorexia nervosa. O resto de sua vida, contudo, era caótico, já que não podia manter um emprego por mais de poucos meses e era incapaz de ter relacionamentos estáveis com a maioria das pessoas. Ela sofria de depressão, que respondeu a fluoxetina. Durante o curso de um ano de psicoterapia cognitiva, parou de ter compulsão alimentar e de vomitar. Embora a maioria dos pacientes com bulimia nervosa tenha uma redução imediata dos episódios de compulsão alimentar e vômitos como resposta à terapia cognitiva, o cessar completo desse comportamento por vezes ocorre um ou dois anos após a terapia intensiva. (Cortesia de Katherine A. Halmi, M. D.) Patologia e exames laboratoriais A bulimia nervosa pode levar a anormalidades dos eletrólitos e a vários graus de desnutrição, ainda que isso possa não ser tão evidente como entre pacientes com baixo peso com anorexia nervosa. Dessa forma, mesmo pacientes com bulimia nervosa com peso normal devem submeter-se a exames laboratoriais de eletrólitos e do metabolismo. Em geral, a função da tireóide permanece intacta na bulimia nervosa, mas os pacientes podem exibir não-supressão no teste de supressão da dexametasona. Há probabilidade de ocorrer desidratação e desequilíbrios eletrolíticos entre aqueles pacientes que purgam regularmente. Estes pacientes comumente apresentam hipomagnesemia e hiperamilasemia. Embora não seja um aspecto essencial do diagnóstico, muitas pacientes com bulimia nervosa têm alterações menstruais. Hipotensão e bradicardia ocorrem em alguns casos.
FIGURA 23.2-1 Erosões nos dentes frontais superiores de uma paciente com bulimia nervosa de longo prazo subtipo compulsão alimentar/ purgação. (Reimpressa, com permissão, de Walsh BT. Eating disorders. In: Tasman A, Kay J, Lieberman JA. eds. Psychiatry. Vol 2. Philadelphia: Saunders; 1997.)
TRANSTORNOS DA ALIMENTAÇÃO
Diagnóstico diferencial O diagnóstico de bulimia nervosa não pode ser feito se os comportamentos de compulsão alimentar e purgação ocorrem exclusivamente durante episódios de anorexia nervosa. Nestes casos, o diagnóstico é anorexia nervosa do tipo compulsão periódica/purgativo. Os clínicos precisam verificar se os pacientes não têm doença neurológica, como equivalentes de crises epilépticas, tumores do sistema nervoso central, síndrome de Klüver-Bucy ou síndrome de Kleine-Levin. Os aspectos patológicos manifestados pela síndrome de Klüver-Bucy são agnosia visual, lamber e morder compulsivos, exame de objetos pela boca, incapacidade de ignorar qualquer estímulo, placidez, comportamento sexual alterado (hipersexualidade) e modificações dos hábitos dietéticos, em especial hiperfagia. Trata-se de uma síndrome extremamente rara, e é improvável que cause um problema no diagnóstico diferencial. A síndrome de Kleine-Levin consiste de hipersonia periódica durando de 2 a 3 semanas e hiperfagia. Como na bulimia nervosa, o início costuma ocorrer durante a adolescência, mas a síndrome é mais comum em homens do que em mulheres. Pacientes com transtorno da personalidade borderline por vezes têm compulsão alimentar, mas esta está associada a outros sinans do transtorno. Curso e prognóstico Pouco se sabe sobre o curso a longo prazo da bulimia nervosa, e o curso a curto prazo varia. De modo geral, a BN parece ter um prognóstico melhor do que a anorexia nervosa. A curto prazo, pacientes com bulimia nervosa que se engajam em tratamento têm relatado mais de 50% de melhora na compulsão alimentar e na purgação; entre pacientes ambulatoriais, a melhora parece durar mais de cinco anos. Contudo, os pacientes não ficam livres dos sintomas durante os períodos de melhora, já que a bulimia nervosa é um transtorno crônico com um curso que vem e vai. Alguns pacientes com cursos leves têm remissões de longa duração. Outros são incapacitados pela condição e têm de ser hospitalizados; menos de um terço vai bem no acompanhamento de três anos, mais de um terço tem alguma melhora de seus sintomas, e cerca de um terço tem evolução ruim, com sintomas crônicos. Em um estudo recente, em 5 a 10 anos, cerca da metade dos pacientes se recuperou completamente do transtorno, enquanto 20% continuaram a satisfazer todos os critérios diagnósticos de bulimia nervosa. Em alguns casos não-tratados, ocorre remissão espontânea em 1 a 2 anos. O prognóstico depende da gravidade das seqüelas da purgação – isto é, se o paciente tem desequilíbrios eletrolíticos e em que grau os vômitos freqüentes levam a esofagite, amilasemia, aumento das glândulas salivares e cáries. Tratamento A maioria dos pacientes com bulimia nervosa não-complicada não requer hospitalização. Em geral, não guardam segredo sobre seus sintomas como aqueles com anorexia nervosa. Por isso, o tratamento ambulatorial geralmente não é difícil, mas a psicoterapia com freqüência é tempestuosa e pode ser prolongada. Al-
799
guns pacientes obesos com bulimia nervosa que tiveram psicoterapia prolongada surpreendentemente se adaptam bem. Em alguns casos – quando a compulsão está fora de controle, o tratamento ambulatorial não mostra resultados, ou o paciente exibe sintomas psiquiátricos adicionais como tendência suicida e abuso de drogas – a hospitalização pode se tornar necessária. Além disso, os desequilíbrios eletrolíticos e metabólicos resultantes da purgação grave podem requerer hospitalização. Psicoterapia. TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL. A terapia cognitivo-comportamental (TCC) deve ser considerada como o tratamento-base, de primeira linha, da bulimia nervosa. Os dados apoiando sua eficácia se baseiam na adesão estrita ao tratamento orientado por manual, rigorosamente aplicado, pormenorizado, que inclui cerca de 18 a 20 sessões por 5 a 6 meses. A TCC implementa uma gama de procedimentos cognitivos e comportamentais para (1) interromper o comportamento auto-sustentado dos ciclos de compulsão alimentar e dieta e (2) alterem as cognições disfuncionais do indivíduo, as crenças sobre alimentos, peso, imagem corporal e o autoconceito em geral. PSICOTERAPIA DINÂMICA. O tratamento psicodinâmico tem revelado uma tendência a concretizar mecanismos de defesa introjetivos e projetivos. De forma análoga à cisão (splitting), os pacientes dividem os alimentos em duas categorias: itens nutritivos e itens que não são saudáveis. Os alimentos designados como nutritivos podem ser ingeridos e retidos porque, de forma inconsciente, simbolizam bons objetos. No entanto, alimentos considerados “lixo” (junk) estão inconscientemente associados a maus objetos e, por isso, são expelidos pelo vômito, com a fantasia inconsciente de que toda destrutividade, ódio e maldade estão sendo eliminados. Por um momento, os pacientes podem se sentir bem após vomitar devido à expulsão fantasiada, mas essa sensação é de curta duração porque se baseia em uma combinação instável de cisão e projeção.
Farmacoterapia. Os medicamentos antidepressivos têm se mostrado úteis na bulimia. Eles incluem os inibidores da recaptação de serotonina, como a fluoxetina, com base na elevação dos níveis da 5-hidroxitriptamina central. Medicamentos antidepressivos podem reduzir a compulsão alimentar e a purgação, independentemente da presença de um transtorno do humor. Dessa forma, têm sido utilizados com êxito para ciclos bastante difíceis de comer-purgar que não respondem à psicoterapia isolada. A imipramina (Tofranil), a desipramina (Norpramin), a trazodona (Donaren) e os inibidores da monoaminoxidase (IMAOs) têm sido úteis. Em geral, a maioria dos antidepressivos é eficiente com as doses usualmente administradas no tratamento de transtornos depressivos. Contudo, as doses de fluoxetina eficientes na redução dos episódios de compulsão alimentar podem ser mais elevadas (60 a 80 mg por dia) do que as utilizadas nos transtornos depressivos. A medicação é útil para pacientes com transtornos depressivos comórbidos com bulimia nervosa. A carbamazepina (Tegretol) e o lítio (Carbolitium) não têm mostrado resultados muito significativos no tratamento da compulsão alimentar, mas têm sido utilizados no tratamento de pacientes com bulimia ner-
800
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
vosa com transtornos co-mórbidos do humor, como o transtorno bipolar I. A evidência indica que a utilização de antidepressivos isoladamente resulta em uma taxa de 22% de abstinência dos episódios de compulsão alimentar e purgação; outros estudos mostram que TCC com medicamentos é a combinação mais eficiente. TRANSTORNO DA ALIMENTAÇÃO SEM OUTRA ESPECIFICAÇÃO A classificação diagnóstica do DSM-IV-TR de transtorno da alimentação sem outra especificação é uma categoria residual utilizada para casos que não satisfazem os critérios para um transtorno da alimentação específico (Tab. 23.2-2). O transtorno da compulsão alimentar periódica – isto é, episódios recorrentes de compulsão alimentar na ausência de comportamentos compensatórios inapropriados, característicos da bulimia nervosa (Tab. 23.2-3) – se encaixa nesta categoria. Esses pacientes não estão fixados na forma e no peso corporal. CID-10 A décima revisão da Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-10) descreve a bulimia nervosa como surtos repetidos de comer excessivo e preocupação com o controle do peso que leva a vômitos auto-induzidos; por sua vez, os vômitos produzem complicações físicas, distúrbios eletrolíticos e perda acentuada de peso (ver Tab. 23.1-4). Na categoria de transtornos alimentares, a CID-10 também inclui anorexia atípica, bulimia nervosa atípica, comer excessivo associado a outros transtornos psicológicos, vômito associado a outros transtornos psicológicos, outros transtornos da alimentação e transtorno da alimentação não especificado (ver Tab. 23.1-4). TABELA 23.2-2 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno da alimentação sem outra especificação A categoria Transtorno da Alimentação Sem Outra Especificação serve para transtornos da alimentação que não satisfazem os critérios para qualquer Transtorno da Alimentação específico. Exemplos: 1. Mulheres para as quais são satisfeitos todos os critérios para Anorexia Nervosa, exceto pelo fato de que as menstruações são regulares. 2. São satisfeitos todos os critérios para Anorexia Nervosa, exceto que, apesar de uma perda de peso significativa, o peso atual do indivíduo está na faixa normal. 3. São satisfeitos todos os critérios para Bulimia Nervosa, exceto que a compulsão alimentar e os mecanismos compensatórios inadequados ocorrem menos de duas vezes por semana ou por menos de 3 meses. 4. Uso regular de um comportamento compensatório inadequado por um indivíduo de peso corporal normal, após consumir pequenas quantidades de alimento (p. ex., vômito induzido após o consumo de dois biscoitos). 5. Mastigar e cuspir repetidamente, sem engolir, grandes quantidades de alimentos. 6. Transtorno de compulsão periódica: crises bulímicas recorrentes na ausência do uso regular de comportamentos compensatórios inadequados, característico de bulimia nervosa. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
TABELA 23.2-3 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno de compulsão periódica A. Episódios recorrentes de compulsão periódica. Um episódio de compulsão periódica é caracterizado por ambos os seguintes critérios: (1) ingestão, em um período limitado de tempo (p. ex., dentro de um período de 2 horas), de uma quantidade de alimento definitivamente maior do que a maioria das pessoas consumiria em um período similar, sob circunstâncias similares (2) um sentimento de falta de controle sobre a ingestão alimentar durante o episódio (p. ex., um sentimento de não conseguir parar ou controlar o tipo ou a quantidade de alimento ingerido) B. Os episódios de compulsão periódica estão associados com três (ou mais) dos seguintes critérios: (1) comer muito mais rapidamente do que o normal (2) comer até sentir-se incomodamente repleto (3) ingerir grandes quantidades de alimentos, quando não fisicamente faminto (4) comer sozinho, em razão da vergonha diante da quantidade de alimentos que consome (5) sentir repulsa por si mesmo, depressão ou demasiada culpa após comer excessivamente C. Acentuada angústia relativamente à compulsão periódica. D. A compulsão periódica ocorre, em média, pelo menos 2 dias por semana, por 6 meses. Nota: O método de determinação da freqüência difere daquele usado para a Bulimia Nervosa; futuras pesquisas devem dirigir-se à decisão quanto ao método preferencial para o estabelecimento de um limiar de freqüência, isto é, contar o número de dias nos quais ocorre a compulsão ou contar o número de episódios de hiperfagia. E. A compulsão periódica não está associada com o uso regular de comportamentos compensatórios inadequados (p. ex., purgação, jejuns, exercícios excessivos), nem ocorre exclusivamente durante o curso de anorexia nervosa ou bulimia nervosa. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
REFERÊNCIAS Byrne S, McLean N. Eating disorders in athletes: a review of the literature. J Sci Med Sport. 2001;4:145. Dalle Grave R, Ricca V, Todesco T. The stepped-care approach in anorexia nervosa and bulimia nervosa: progress and problems. Eat Weight Disord. 2001;6:81. de Zwaan M. Binge eating disorder and obesity. Int J Obes. 2001;25(suppl 1):S51. Devlin MJ. Binge-eating disorder and obesity. A combined treatment approach. Psychiatr Clin North Am. 2001;24;325. Dingemans AE, Bruna MJ, van Furth EF. Binge eating disorder: a review. Int J Obes Relat Metab Disord. 2002;26:299. Dorian BJ. An integration of feminist and self-psychological approaches to bulimia nervosa. Eat Weight Disord. 2001;6:107. Garner DM, Rockert W, Davis R, Garner MV. Comparison of cognitive behavioral and supportive-expressive therapy for bulimia nervosa. Am J Psychiatry. 1993;150:37. Keel PK, Dorer DJ, Eddy KT. Predictors of treatment utilization among women with anorexia and bulimia nervosa. Am J Psychiatry. 2002; 159:96. Keel PK, Mitchell JE. Outcome in bulimia nervosa. Am J Psychiatry. 1997;154:313. Klump KL, Kaye WH, Strober M. The evolving genetic foundations of eating disorders. Psychiatr Clin North Am. 2001;24:215. Mendell DA, Logermann JA. Bulimia and swallowing: cause for concern. Int J Eat Disord. 2001;30:252.
TRANSTORNOS DA ALIMENTAÇÃO
Mitchell JE, Peterson CB, Myers T, Wonderlich S. Combining pharmacotherapy and psychotherapy in the treatment of patients with eating disorders. Psychiatr Clin North Am. 2001;24:315. Paul T, Schroeter K, Dahme B, Nutzinger DO. Self-injurious behavior in women with eating disorders. Am J Psychiatry. 2002;159:408. Reas DL, Schoemaker C, Zipfel S, Williamson DA. Prognostic value of duration of illness and early intervention in bulimia nervosa: a systematic review of the outcome literature. Int J Eat Disord. 2001;30:1. Seidenfeld M, Ricket VI. Impact of anorexia, bulimia and obesity on the gynecologic health of adolescents. Am Fam Physician. 2001; 64:445. Treasure J, Serpell L. Osteoporosis in young people. Research and treatment in eating disorders. Psychiatr Clin North Am. 2001;24:359.
23.3 Obesidade A obesidade se refere a um excesso da adiposidade corporal. Em indivíduos sadios, a gordura corporal é responsável por cerca de 25% do peso corporal em mulheres e por 18% em homens. Sobrepeso se refere ao peso acima de uma norma de referência, mais especificamente padrões derivados de dados atuariais ou epidemiológicos. Na maioria dos casos, o aumento do peso reflete obesidade crescente, mas nem sempre. Indivíduos musculosos podem ter sobrepeso (o peso pode ser alto para a altura) e não ser obesos, e alguém pode ter peso normal, mas ter aumento da adiposidade corporal. Foram desenvolvidos índices utilizando-se a altura e o peso para se estimar o nível da obesidade. O mais comum deles é o índice de massa corporal (IMC), que é calculado dividindo-se o peso em quilogramas pela altura em centímetros ao quadrado. Embora haja debate sobre o IMC ideal, em geral se pensa que um valor de 20 a 25 kg/m2 representa um peso sadio, de 25 a 27 kg/m2 está associado a um risco um tanto elevado, acima de 27 kg/m2 indica um aumento claro de risco, e acima de 30 kg/m2 acarreta um grande aumento de risco.
Nos Estados Unidos, cerca de 35% das mulheres e 31% dos homens têm sobrepeso significativo (de 27 ou acima, cerca de 20% de sobrepeso). Se a obesidade é definida como IMC acima de 25, há no momento mais americanos obesos do que não-obesos. Utilizando-se um IMC acima de 31 (cerca de 40% de sobrepeso), 11% das mulheres e 8% dos homens têm sobrepeso grave. A prevalência de obesidade na América triplicou desde o início do século XX. A obesidade é mais prevalente entre populações minoritárias, particularmente entre as mulheres. Cerca de 60% das mulheres afro-americanas com 45 anos de idade ou mais têm sobrepeso, definido por um IMC de 27 ou mais. A alta prevalência de obesidade em populações minoritárias parece ser atribuível principalmente à baixa renda e a menores índices de instrução, e não à raça. A obesidade é seis vezes mais prevalente em mulheres com baixo status socioeconômico. O aumento de peso é mais pronunciado em ambos os sexos entre as idades de 25 e 44 anos. Durante essa fase, os homens aumentam uma média de 4 kg, e as mulheres, 7 kg. A gravidez
801
provavelmente contribui para o maior aumento entre as mulheres, que, em média, começam cada gravidez sucessiva cerca de 2,5 kg mais pesadas do que a anterior. Após os 50 anos, o peso dos homens se estabiliza e até declina um pouco entre as idades de 60 e 74 anos. As mulheres, em contraste, continuam a aumentar até os 60 anos, quando o peso começa a declinar. ETIOLOGIA As pessoas acumulam gordura ingerindo mais calorias do que a quantidade gasta como energia; dessa forma, a ingestão de energia excede sua dissipação. Para a adiposidade ser removida do corpo, devem ser ingeridas menos calorias, ou mais calorias devem ser retiradas do que as ingeridas. Uma diferença de não mais do que 10% tanto na ingestão como no gasto levaria a uma modificação de 3 kg no peso corporal em um ano. Saciedade A saciedade é a sensação resultante quando a fome é satisfeita. Os indivíduos param de comer ao fim de uma refeição porque restauraram os nutrientes que tinham sofrido depleção. A fome retorna quando os nutrientes restaurados por refeições prévias são novamente perdidos. Parece razoável que um sinal metabólico, derivado dos alimentos ingeridos, seja conduzido pelo sangue ao cérebro, ativando células receptoras, provavelmente no hipotálamo, para produzir a saciedade. Alguns estudos mostraram evidência de disfunção do envolvimento da serotonina, da dopamina e da norepinefrina na regulação do comportamento alimentar pelo hipotálamo. Outros fatores humorais que podem estar envolvidos incluem o fator liberador da corticotropina (FLC), o neuropeptídeo Y, o hormônio liberador da gonadotropina e o hormônio estimulante da tireóide. A fome é resultado de uma redução da intensidade de sinais metabólicos, secundária à depleção de nutrientes críticos. A saciedade ocorre logo após o início de uma refeição e antes que o conteúdo total da mesma tenha sido absorvido; por isso, a saciedade é apenas um mecanismo regulador controlando a ingestão de alimentos. O apetite, definido como o desejo por alimentos, também está envolvido. Uma pessoa com fome pode comer até a plena satisfação quando há alimento disponível, mas o apetite pode induzi-la a comer além do ponto de saciedade. O apetite pode ser aumentado por fatores psicológicos, como pensamentos e sentimentos, e um apetite anormal pode levar à maior ingestão de alimentos. O sistema olfativo pode ter um papel na saciedade. Experimentos mostraram que um forte estímulo dos bulbos olfativos com odores de alimentos, produzido pela utilização de um inalador saturado com odores particulares, gera a saciedade. Isso pode ter implicações para o tratamento da obesidade. Fatores genéticos A existência de numerosas formas de obesidade herdada em animais e a facilidade com que a adiposidade pode ser produzida
802
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
pelo cruzamento seletivo tornam claro que fatores genéticos podem ter um papel nesta condição. Deve-se presumir que tais fatores sejam importantes também na obesidade humana. Cerca de 80% dos pacientes obesos têm história familiar de obesidade. Esse fato deve ser atribuído não só a fatores genéticos, mas também, em parte, à identificação com pais obesos e a métodos orais aprendidos para lidar com a ansiedade. A despeito disso, estudos mostram que gêmeos idênticos criados separados podem ambos ser obesos, uma observação que sugere um papel hereditário. Até o presente, nenhum marcador específico para a obesidade foi encontrado. Fatores do desenvolvimento Cedo na vida, o tecido adiposo cresce pelo aumento tanto da quantidade como do tamanho das células. Uma vez que o número de adipócitos tenha se estabelecido, não parece ser suscetível a mudança. A obesidade que se inicia cedo na vida se caracteriza por tecido adiposo com um maior número de adipócitos de tamanho aumentado. A obesidade que começa na vida adulta, por sua vez, é resultado somente do aumento do tamanho dos adipócitos. Em ambos os casos, a redução do peso produz uma redução do tamanho das células. O maior número de adipócitos em pacientes com diabete de início juvenil pode ser um fator da dificuldade amplamente reconhecida de redução de peso e da persistência de sua obesidade. A distribuição e a quantidade de adiposidade variam entre os indivíduos, e a gordura em áreas diferentes do corpo tem características próprias. As células de gordura ao redor da cintura, dos flancos e do abdome (a assim denominada barriga em jarra) são mais ativas metabolicamente do que as das coxas e das nádegas. O primeiro padrão é mais comum em homens e tem correlação mais alta com doença cardiovascular do que o último. As mulheres, cuja distribuição da gordura situa-se nas coxas e nas nádegas, podem ficar obcecadas com panacéias anunciadas para reduzir a gordura nessas áreas (a denominada celulite, que não é um termo médico), mas não existe nenhuma preparação de aplicação externa para reduzir esse padrão de gordura. Os homens com gordura abdominal podem tentar reduzir sua cintura com aparelhos que exercitam os músculos abdominais, mas o exercício não tem nenhum efeito sobre a perda de gordura. Um hormônio denominado leptina, produzido pelas células adiposas, atua como um termostato para a gordura. Quando o nível corporal do hormônio é baixo, é consumida mais gordura; quando é alto, é consumida menos gordura. É necessária pesquisa adicional para se determinar se isso pode levar a novas formas de manejar a obesidade.
des de energia, a ingestão não se reduz de forma proporcional quando a atividade física cai abaixo de um certo nível mínimo. Lesão cerebral A destruição do hipotálamo ventromedial pode produzir obesidade em animais, mas esta talvez seja uma causa muito rara de obesidade em humanos. Há evidência de que o sistema nervoso central, em especial nas áreas lateral e ventromedial do hipotálamo, ajusta a ingestão de alimentos em resposta à mudança de necessidade de energia, como para manter os estoques de gordura em uma linha de base determinada por um ponto de ajuste específico. Esse ponto varia de um indivíduo para outro e depende da altura e da constituição corporal. Outros fatores clínicos Uma gama de distúrbios clínicos se associa à obesidade. A doença de Cushing está implicada em uma distribuição característica da adiposidade (a adiposidade de búfalo) (Fig. 23.3-1). O mixedema tem relação com o aumento de peso, embora isso nem sempre se efetive. Outras codições neuroendócrinas incluem a distrofia adiposo-genital (síndrome de Fröhlich), que se caracteriza por obesidade e anormalidades sexuais e esqueléticas.
Atividade física A notável redução da atividade física nas sociedades afluentes parece ser o principal fator para o aumento da obesidade como problema de saúde pública. A inatividade física restringe o dispêndio de energia e pode contribuir para o aumento da ingestão de alimentos. Embora o consumo de alimentos seja maior com o aumento do gasto energético em uma ampla gama de necessida-
FIGURA 23.3-1 Síndrome de Cushing. A obesidade e a face redonda são evidentes. Observam-se hirsutismo e estrias abdominais. (Reimpressa, com permissão, de Spillane JD, Spillane JA. An Atlas of Clinical Neurology, 3rd ed. New York: Oxford University Press; 1982.)
TRANSTORNOS DA ALIMENTAÇÃO
Medicamentos psicotrópicos Entre os antipsicóticos atípicos, a olanzapina (Zyprexa), a clozapina (Leponex) e a quetiapina (Seroquel) têm aumento de peso como efeito colateral conhecido; a ziprasidona (Geodon) tem promessa de não interferir nesse aspecto. Entre os estabilizadores do humor, o lítio (Carbolitium), o valproato (Depakene) e a carbamazepina (Tegretol) também se associam a aumento de peso. O topiramato (Topamax), um anticonvulsivante utilizado como estabilizador do humor, tende a não aumentar o peso e pode atuar como supressor do apetite em alguns pacientes. Os inibidores seletivos da recaptação de serotonina estão associados ao aumento de peso na utilização a longo prazo. A fluoxetina pode causar uma perda inicial de peso. Certos pacientes podem responder de forma idiossincrática e devem ser monitorados para determinar se o aumento de peso é um problema. Fatores psicológicos Ainda que fatores psicológicos sejam evidentemente cruciais para o desenvolvimento da obesidade, não se sabe como tais fatores resultam em obesidade. O mecanismo de regulação dos alimentos é suscetível à influência ambiental, e demonstrou-se que fatores culturais, familiares e psicodinâmicos contribuem para o desenvolvimento da obesidade. Embora muitos pesquisadores tenham proposto que histórias familiares específicas, fatores precipitantes, estruturas de personalidade ou conflitos inconscientes causam obesidade, pessoas com sobrepeso podem sofrer de qualquer transtorno psiquiátrico e ter uma variedade de histórias de perturbação. Muitos pacientes obesos são emocionalmente perturbados e, em vista da disponibilidade do mecanismo de comer em excesso presente em seus ambientes, aprenderam a utilizar a hiperfagia como forma de lidar com problemas psicológicos. Alguns podem exibir sinais de transtorno mental grave quando atingem o peso normal, porque não têm mais esse mecanismo de enfrentamento. CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS Muitos indivíduos obesos relatam que comem demais quando estão sofrendo problemas emocionais, por vezes logo após ocorrerem. No entanto, muitos indivíduos que não são obesos relatam experiências similares, sendo difícil estabelecer a especificidade da obesidade nessas contingências a curto prazo. Relatos ligando fatores emocionais à obesidade a longo prazo parecem mais específicos: alguns indivíduos obesos perdem grande quantidade de peso quando se apaixonam e ganham peso quando perdem um ente querido. Os padrões habituais de alimentação de muitos indivíduos obesos parecem similares a padrões observados na obesidade experimental. O comprometimento da saciedade é um problema particularmente importante. Tais indivíduos parecem suscetíveis, de forma incomum, a indícios de alimentos em seu ambiente, à palatabilidade dos alimentos e à incapacidade de parar de comer quando o alimento se encontra disponível. Em geral, são sensíveis a todos os tipos de estímulos externos para a alimentação,
803
mas permanecem relativamente não-responsivos aos sinais internos habituais de fome. Alguns são incapazes de distinguir entre fome e outros tipos de disforia. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Outras síndromes A síndrome do comer noturno, em que os indivíduos comem em excesso mesmo após a refeição da noite, parece ser precipitada por circunstâncias estressantes da vida e, uma vez presente, tende a recorrer todos os dias, até que o estresse seja aliviado. A síndrome da compulsão alimentar (bulimia) é caracterizada pela ingestão súbita e compulsiva de grande quantidade de alimento em um período curto, em geral com grande agitação subseqüente e autocondenação. A compulsão alimentar também parece representar uma reação ao estresse. Em contraste com a síndrome do comer noturno, contudo, ela não é periódica e está com mais freqüência, ligada a circunstâncias precipitantes específicas (ver Seção 23.2 para uma discussão completa sobre bulimia). A síndrome de Pickwick se refere ao fato de o indivíduo estar 100% acima do peso desejável e ter patologia respiratória e cardiovascular associada. Transtorno dismórfico corporal (dismorfofobia) Alguns indivíduos obesos sentem que seus corpos são grotescos e desagradáveis e que os outros os vêem com hostilidade e desprezo. Esse sentimento está fortemente associado à autoconsciência e ao comprometimento do desempenho social. Pessoas obesas e emocionalmente saudáveis não têm transtornos da imagem corporal, e apenas uma minoria de obesos neuróticos tem esta condição. O transtorno é confirmado principalmente em casos de pessoas que foram obesas desde a infância; mesmo entre estas, menos da metade sofre com tal condição. (O transtorno dismórfico corporal é discutido em detalhes no Capítulo 17, sobre transtornos somatoformes.) CURSO E PROGNÓSTICO Efeitos sobre a saúde A obesidade tem efeitos adversos sobre a saúde e está associada a uma ampla variedade de doenças (Tab. 23.3-1). Há uma forte correlação entre a obesidade e doenças cardiovasculares. A hipertensão (pressão arterial acima de 160/95) é três vezes mais freqüente em indivíduos que têm sobrepeso, e a hipercolesterolemia (colesterol no sangue acima de 250 mg/L) é duas vezes mais comum. Estudos mostram que a pressão arterial e os níveis de colesterol podem ser reduzidos pela diminuição do peso. O diabete, que tem uma determinação genética clara, pode até ser revertido com a redução do peso, em especial o tipo II (de início na maturidade ou diabete melito não dependente de insulina).
804
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 23.3-1 Problemas de saúde causados ou exacerbados pela obesidade Coração Doença cardíaca coronária prematura Hipertrofia ventricular esquerda Angina pectoris Morte súbita (arritmia ventricular) Insuficiência cardíaca congestiva Sistema vascular Hipertensão Doença cerebrovascular (infarto e hemorragia cerebral) Estase venosa (com edema de extremidades inferiores, veias varicosas) Sistema respiratório Apnéia obstrutiva do sono Síndrome de Pickwick (hipoventilação alveolar) Policitemia secundária Hipertrofia ventricular direita (por vezes levando a insuficiência) Sistema hepatobiliar Colelitíase e colecistite Esteatose hepática Funções hormonais e metabólicas Diabete melito (independente de insulina) Gota (hiperuricemia) Hiperlipidemias (hipertrigliceridemia e hipercolesterolemia) Rim Proteinúria e, na obesidade muito grave, nefrose Trombose da veia renal Articulações, músculos e tecido conjuntivo Osteoartrite dos joelhos Esporação óssea no calcanhar Osteoartrose da coluna (em mulheres) Agravamento de defeitos preexistentes de postura Neoplasias Na mulher: aumento de risco de câncer de endométrio, mamas, colo do útero, ovário, vesícula biliar e vias biliares No homem: aumento de risco de câncer de colo, reto e próstata Reimpressa, com permissão, de Vanitallie TB. Obesity: adverse effects on health and longevity. Am J Clin Nutr. 1979;32:2723.
De acordo com os dados do National Institutes of Health, os homens obesos, independentemente do hábito de fumar, têm uma mortalidade mais elevada de câncer de colo, reto e próstata do que aqueles com peso normal. As mulheres obesas têm mortalidade mais elevada de câncer de vesícula biliar, vias biliares, mama (pós-menopausa), útero (inclusive do cérvice e do endométrio) e ovários do que aquelas com peso normal. Longevidade Estudos confiáveis indicam que quanto mais sobrepeso o indivíduo tem, maior o risco de morte. A pessoa que reduz o peso para níveis aceitáveis tem um declínio da mortalidade para as taxas normais. A diminuição de peso pode salvar a vida de pacientes com obesidade extrema, definida como o dobro do peso desejável. Esses pacientes podem ter insuficiência cardiorrespiratória, principalmente quando dormindo (apnéia do sono). Prognóstico O prognóstico para a redução do peso é ruim, e o curso da obesidade tende à progressão inexorável. Entre os pacientes que per-
dem quantidades significativas de peso, 90% o retomam. O prognóstico é particularmente ruim para aqueles que se tornaram obesos na infância. A obesidade de início juvenil tende a ser mais grave, mais resistente ao tratamento e mais provavelmente associada a problemas emocionais do que a obesidade do adulto. TRATAMENTO Até metade dos pacientes tratados da obesidade por médicos de família pode desenvolver ansiedade ou depressão leve. Além disso, foi relatada uma alta incidência de problemas emocionais entre pessoas obesas que se submetem a tratamento de longo prazo, hospitalização, jejum ou severa restrição calórica. Os indivíduos obesos com psicopatologia extensa, com história de transtorno emocional durante as dietas e que passam por uma crise na vida devem tentar a redução de peso com cautela e sob supervisão cuidadosa. Dieta A base da redução de peso é simples – estabelecer um déficit calórico mediante a ingestão abaixo do gasto. A forma mais comum de reduzir a ingestão calórica é por meio de dieta de baixas calorias. Os melhores efeitos a longo prazo são conseguidos com uma dieta equilibrada que contenha alimentos facilmente disponíveis. Para a maioria das pessoas, a dieta de redução mais satisfatória consiste dos alimentos habituais em quantidades determinadas com o auxílio de tabelas de valores alimentares disponíveis em livros sobre o assunto. Essa dieta provê a melhor oportunidade de manutenção do peso perdido a longo prazo. Jejuns totais nãomodificados são utilizados para perda de peso a curto prazo, mas têm morbidade associada, incluindo hipotensão ortostática, diurese de sódio e comprometimento do equilíbrio de nitrogênio. As dietas cetogênicas são aquelas com muita proteína e com muita gordura, utilizadas para promover a perda de peso. Têm um conteúdo elevado de colesterol e produzem cetose, que está associada a náuseas, hipotensão e letargia. Muitos indivíduos obesos acham tentador utilizar uma dieta nova ou mesmo bizarra. Qualquer eficiência que essas práticas possam ter resulta, em grande parte, de sua monotonia. Quando o indivíduo fazendo a dieta volta à sua alimentação habitual, os incentivos para comer demais multiplicam-se. Em geral, o melhor método de perda de peso é uma dieta equilibrada de 1.100 a 1.200 calorias. Esta pode ser seguida por períodos longos, mas deve ser suplementada com vitaminas, particularmente ferro, ácido fólico, zinco e vitamina B6. Exercício O aumento da atividade física é recomendado com freqüência como parte de um regime de redução de peso. Como o dispêndio calórico na maioria das formas de atividade física é diretamente proporcional ao peso corporal, os indivíduos obesos gastam mais calorias do que aqueles com peso normal com a mesma quantidade de atividade. Além disso, o aumento da atividade física pode, de fato, atenuar a ingestão de alimentos em indivíduos previa-
TRANSTORNOS DA ALIMENTAÇÃO
mente sedentários. A combinação de aumento do dispêndio calórico e redução da ingestão de alimentos torna a atividade física um aspecto altamente desejável do programa de redução de peso. O exercício também auxilia a manter a perda de peso. Farmacoterapia Vários medicamentos, alguns mais eficientes do que outros, são utilizados para o tratamento da obesidade. A Tabela 23.3-2 lista aqueles que estão disponíveis no momento. O uso de medicamentos é eficiente porque suprime o apetite, mas é possível o desenvolvimento de tolerância a esse efeito após semanas de uso. Um período inicial de tentativa de quatro semanas com um agente específico pode ser utilizado; a seguir, se o paciente responde com perda de peso, o mesmo pode ser continuado para se observar se há desenvolvimento de tolerância. Se permanece eficiente, pode ser prescrito para um período mais longo, até que o peso desejado seja atingido. A Food and Drug Administration (FDA) aprovou (em 1999) a utilização a longo prazo do orlistat (Xenical), que é um inibidor seletivo da lipase gástrica e pancreática que reduz a absorção da gordura da dieta (a qual, a seguir, é eliminada pelas fezes). Em ensaios clínicos, o orlistat (120 mg, três vezes ao dia), em combinação com uma dieta de baixas calorias, induz perdas de cerca de 10% do peso inicial nos primeiros seis meses, o que se mantém por períodos de até 24 meses. Devido a seu mecanismo periférico de ação, o orlistat tende a estar livre de efeitos sobre o sistema nervoso central (i.e., aumento do pulso, boca seca, insônia, etc.), os quais estão associados à maioria dos medicamentos que reduzem o peso. Os principais efeitos adversos do orlistat são gastrintestinais: os pacientes necessitam consumir 30% menos calorias de gorduras para evitar os efeitos adversos, que incluem fezes oleosas, flatulência com diarréia e urgência fecal. A sibutramina (Reductil) é uma β-feniletilamina que inibe a recaptação da serotonina e da norepinefrina (e da dopamina em certa extensão). Foi aprovada pelo FDA em 1997 para a redução e a manutenção da redução de peso (i.e., utilização a longo prazo).
TABELA 23.3-2 Medicamentos para o tratamento da obesidade Nome genérico Anfetamina e dextroanfetamina Metanfetamina Benzfetamina Fendimetrazina Fentermina Hidrocloreto Resina Hidrocloreto de dietilpropiona Mazindol Sibutramina Orlistat
Nome comercial
Faixa habitual de doses (mg/dia)
Biphetamine
12,5-20
Desoxyn 10-15 Didrex 75-150 Bontril, Plegine, 105 Prelu-2, X-Trozine Adipex-P, Fastin, Oby-trim Ionamin Inibex S
18,75-37,5 15-30 75
Absten S Reductil Xenical
3-9 10-15 360
805
Cirurgia Métodos cirúrgicos que levam à má absorção dos alimentos ou reduzem o volume gástrico têm sido utilizados em indivíduos muito obesos. O bypass gástrico é um procedimento no qual o estômago é reduzido pela transecção ou o grampeamento de uma das curvaturas do estômago. Na gastroplastia, o tamanho do estômago é reduzido, de modo que a passagem dos alimentos é lentificada. Os resultados são bem-sucedidos, embora possam ocorrer vômitos, desequilíbrios eletrolíticos e obstrução. Uma síndrome denominada dumping, que consiste de palpitações, fraqueza e sudorese, pode se seguir ao procedimento cirúrgico em alguns pacientes se eles ingerem grandes quantidades de carboidratos em uma única refeição. A remoção cirúrgica da adiposidade (lipectomia) é utilizada por razões estéticas e não tem efeito sobre a perda de peso a longo prazo. Psicoterapia Os problemas psicológicos dos indivíduos obesos variam, e não há um tipo particular de personalidade obesa. Alguns pacientes podem responder com perda de peso à terapia psicodinâmica orientada para o insight, mas este tratamento não tem obtido muito êxito. Não há nenhuma evidência indicando que o desvelar de causas inconscientes para o comer excessivo possa alterar os sintomas de pessoas que comem em excesso em resposta ao estresse. Anos após psicoterapia bem-sucedida e redução do peso com êxito, a maioria ainda continua a comer em excesso sob estresse. Além disso, muitos indivíduos obesos parecem particularmente vulneráveis à dependência excessiva do terapeuta e à regressão incomum que pode ocorrer durante as psicoterapias exploratórias. A modificação do comportamento tem sido a mais bem-sucedida das psicoterapias e é considerada o método de escolha. Os pacientes são ensinados a reconhecer indicadores externos que se associam ao comer e a manter diários de alimentos consumidos em circunstâncias particulares, como no cinema ou quando assistindo à televisão, ou durante certos estados emocionais, como com ansiedade e depressão. Além disso, são instruídos a desenvolver novos padrões de alimentação, como comer mais devagar, mastigando bem os alimentos, não ler enquanto estiver comendo e não se alimentar entre as refeições ou de pé. Os tratamentos de condicionamento operante, que utilizam recompensas como elogios ou novas roupas para reforçar a perda de peso, também têm sido bem-sucedidos. A terapia de grupo auxilia a manter a motivação, a promover a identificação com membros do grupo que perderam peso e a oferecer educação sobre nutrição. Abordagem abrangente Uma abordagem verdadeiramente abrangente para o manejo da obesidade inclui recursos (p. ex., salas de medidas metabólicas) e pessoal (p. ex., nutricionistas e fisiologistas do exercício) em um único centro; contudo, sua disponibilidade não é muito comum. Programas de alta qualidade podem ser planejados com recursos facilmente disponíveis (p. ex., manuais de tratamento) e com a
806
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
utilização criteriosa de uma abordagem integrada que combine exercícios, psicoterapia e farmacoterapia. Decidir sobre o tipo de psicoterapia ou o manejo do peso é uma tarefa importante, como o é decidir com o paciente que combinação de recursos para o controle do peso será a mais apropriada. REFERÊNCIAS Crowley V, Vidal-Puig AJ. Mitochondrial uncoupling proteins (UCPs) and obesity. Nutr Metab Cardiovasc Dis. 2001;11:70. Faggioni R, Feingold KR, Grunfeld C. Leptin regulation of the immune response and the immunodeficiency of malnutrition. FASEB J. 2001;15:2565. Health Implication of Obesity. NIH Consensus Statement Online 1985, Feb 11–13 [cited 1997, Jan 7] 1997;5:1.
Jakicic JM, Clark K, Coleman E, et al. American College of Sports Medicine position stand. Appropriate intervention strategies for weight loss and prevention of weight regain for adults. Med Sci Sports Exerc. 2001;33:2145. Malhotra S, McElroy SL. Medical management of obesity associated with mental disorders. J Clin Psychiatry. 2002;63(suppl 4):24. Mayer J. Overweight: Causes, Cost, and Control. Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall; 1968. Shils ME, Olson JA, Shike M, eds. Obesity in Modern Nutrition. Malvern, PA: Lea & Febiger; 1994. Shuldiner AR, Yang R, Gong DW. Resistin, obesity and insulin resistance—the emerging role of the adipocyte as an endocrine organ. N Engl J Med. 2001;345:1345. Wieland HA, Hamilton BS. Weighing the options in the pharmacotherapy of obesity. Int J Clin Pharmacol Ther. 2001;39:406. Yanovski SZ. Long-term pharmacotherapy in the management of obesity: National Task Force on Obesity. JAMA. 1996;276:1907.
24 Sono normal e transtornos do sono
24.1 Sono normal O sono é um estado regular, recorrente, reversível com facilidade, que se caracteriza por quietude e grande aumento do limiar de resposta a estímulos externos, comparado com o estado de vigília. A monitoração estrita do sono é uma parte importante da prática clínica; os transtornos do sono constituem sintomas precoces de doença mental iminente. Alguns transtornos mentais se associam a modificações características da fisiologia do sono. Os antigos gregos atribuíam a necessidade de sono ao deus Hipno (sono) e a seu filho Morfeu, também uma criatura da noite, que trazia os sonhos com formas humanas (Fig. 24.1-1)
similar, e a pressão arterial também tende a estar baixa, com pouca variação de minuto a minuto. O potencial muscular de repouso da musculatura corporal é mais baixo no sono REM do que no estado de vigília. Movimentos episódicos e involuntários do corpo estão presentes no sono NREM. Há poucos REM, se os há, não sendo comum qualquer ereção do pênis nessa fase. O sangue flui pela maioria dos tecidos, e o fluxo sangüíneo cerebral, inclusive, é levemente reduzido. As porções mais profundas do sono NREM – os Estágios 3 e 4 – associam-se por vezes a características incomuns de despertar. Quando os indivíduos são acordados meia hora ou uma hora após o início do sono – em geral no sono de ondas lentas – ficam desorientados, e seu pensamento é desorganizado. Despertares breves nesse período em geral se associam à amnésia para acontecimentos que ocorrem durante o despertar. A desorganização durante o despertar nos Estágios 3 ou 4 pode levar a problemas específicos, incluindo enurese, sonambulismo e pesadelos ou terrores noturnos no Estágio 4.
ELETROFISIOLOGIA DO SONO O sono é composto de dois estados fisiológicos: o sono sem movimentos rápidos dos olhos (NREM) e o sono com movimentos rápidos dos olhos (REM). No primeiro, que é composto dos Estágios 1 a 4, a maioria das funções fisiológicas é notavelmente mais reduzida do que na vigília. O sono REM é uma espécie qualitativamente diferente de sono, caracterizado por alto nível de atividade cerebral e níveis de atividade fisiológica semelhantes aos da vigília. Cerca de 90 minutos após o início do sono, o NREM cede lugar ao primeiro episódio REM. Essa latência de 90 minutos é um achado consistente em adultos normais; o encurtamento da latência do REM ocorre com freqüência em casos de problemas como transtornos depressivos e narcolepsia. O eletroencefalograma (EEG) registra os movimentos conjugados rápidos dos olhos que são a manifestação identificadora do estado de sono (há pouco ou nenhum movimento dos olhos no sono NREM); o padrão do EEG consiste de atividade rápida, aleatória, de baixa voltagem, com ondas em dentes de serra; o eletromiograma (EMG) mostra uma redução marcante do tônus muscular (Fig. 24.1-2). Em indivíduos normais, o sono NREM é um estado de quietude, comparado com a vigília. A freqüência cardíaca costuma ficar reduzida em 5 a 10 batimentos por minuto abaixo do nível do repouso em vigília e é muito regular. A respiração é afetada de modo
FIGURA 24.1-1 Os sonhos são a estrada real para o inconsciente, de acordo com Sigmund Freud. (Cortesia de Arthur Tress para Magnum Photos, Inc.)
808
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Vigília – baixa voltagem – rápida, aleatória 50 μV 1 segundo
Sonolência – 8 a 12 c/s – ondas alfa
Estágio 1 – 3 a 7 c/s – ondas teta
}
Ondas teta
Estágio 2 – 12 a 14 c/s – fusos de sono e complexos K Complexo K –
}
Fusos de sono
Sono delta – 1,5 a 2 c/s – ondas delta > 75 μV
Sono REM – baixa voltagem – ondas rápidas, aleatórias, em dentes de serra
}
}
Ondas em dentes de serra
FIGURA 24.1-2 Estágios do sono humano. (Reproduzida, com permissão, de Hauri P. The Sleep Disorders. Current Concepts. Kalamazoo MI: Upjohn, 1982:7.)
Medidas polissonográficas durante o sono REM mostram padrões irregulares, muitas vezes próximos dos padrões de vigília ativa. Outrossim, se os pesquisadores não estivessem a par do estágio comportamental e registrassem uma série de medidas fisiológicas (além do tônus muscular), concluiriam, sem dúvida, que o indivíduo ou o animal a ser estudado estava em um estado
de vigília ativa. Em vista dessa observação, o sono REM tem sido denominado de sono paradoxal. O pulso, a respiração e a pressão arterial em humanos estão todos mais altos – muito mais do que durante o sono NREM ou até do que durante a vigília. Ainda mais notável do que o nível ou a taxa é a variabilidade de minuto a minuto. A utilização de oxigênio aumenta durante o sono REM.
SONO NORMAL E
A resposta ventilatória ao aumento dos níveis de dióxido de carbono (CO2) é reduzida durante o sono REM, de modo que não há aumento do volume ventilatório (tidal) à medida que a pressão parcial do dióxido de carbono (PCO2) aumenta. A termorregulação fica alterada durante o sono REM. Em contraste com a condição homeotérmica da regulação da temperatura durante a vigília e do sono NREM, uma condição poiquilotérmica (um estado em que a temperatura varia com mudanças da temperatura do ambiente circundante) prevalece durante o sono REM. Essa condição, que é característica dos répteis, leva a dificuldade em responder a mudanças de temperatura do ambiente com tremor ou sudorese, qualquer um que seja apropriado para manter a temperatura corporal. Quase todo o período REM é acompanhado de uma ereção do pênis parcial ou completa. Esse achado é clinicamente significativo na avaliação de causas de impotência; o estudo do intumescimento noturno do pênis é um dos testes de laboratório do sono solicitado com mais freqüência. Outra mudança fisiológica é a paralisia quase total dos músculos esqueléticos (posturais). Em vista dessa inibição motora, os movimentos corporais estão ausentes durante o sono REM. Provavelmente, a característica mais específica é o sonhar. Os indivíduos despertados durante o sono REM com freqüência (60 a 90% do tempo) relatam que estavam sonhando. Os sonhos costumam ser abstratos e surrealistas. O sonhar também ocorre durante o sono NREM, porém é lúcido e propositado. A natureza cíclica do sono é regular e confiável; um período REM ocorre a cada 90 a 100 minutos durante a noite (Fig. 24.1-3). O primeiro período tende a ser o mais curto, em geral durando menos de 10 minutos; os últimos podem durar de 15 a 40 minutos cada. A maioria deles ocorre no último terço da noite, enquanto grande parte do Estágio 4 acontece no primeiro terço da noite.
TRANSTORNOS DO SONO
809
Esses padrões de sono mudam durante os períodos de vida. Na fase neonatal, o sono REM representa mais de 50% do tempo total de sono, e o padrão do EEG muda do estado alerta para o estado REM sem passar pelos Estágios 1 a 4. Os recém-nascidos dormem cerca de 16 horas por dia, com breves períodos de vigília. Aos 4 meses de idade, o padrão muda, de modo que a porcentagem total de sono REM cai para menos de 40% e a entrada no sono ocorre com um período inicial de sono NREM. Na idade adulta jovem, a distribuição do sono é como se segue: NREM (75%) Estágio 1: 5% Estágio 2: 45% Estágio 3: 12% Estágio 4: 13% REM (25%) Essa distribuição permanece relativamente constante até a idade avançada, embora ocorra uma redução tanto no sono de ondas lentas como no sono REM em idosos. REGULAÇÃO DO SONO A maioria dos pesquisadores considera que não há um único centro de controle do sono, mas um pequeno número de sistemas ou centros interconectados localizados principalmente no tronco cerebral e que se ativam ou inibem. Vários estudos defendem também o papel da serotonina na regulação do sono. A prevenção da síntese da serotonina ou a destruição do núcleo dorsal da rafe no tronco cerebral, que contém quase todos os corpos celulares serotonérgicos, reduz o sono por um tempo considerável. A
Vigília
Estágio 1 e sono REM
Estágio 2 do sono O Estágio 1 do sono e o sono REM () estão registrados no mesmo nível porque seus padrões no EEG são muito semelhantes. Sono delta
Tempo
Horas
FIGURA 24.1-3 Padrão típico de sono de um adulto humano jovem. (Reproduzida, com permissão, de Hauri P. The Sleep Disorders. Current Concepts. Kalamazoo MI: Upjohn; 1982:7.)
810
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
síntese e a liberação da serotonina pelos neurônios serotonérgicos são influenciadas pela disponibilidade do aminoácido precursor deste neurotransmissor, o L-triptofano. A ingestão de grandes quantidades do mesmo (1 a 15 g) reduz a latência do sono e os despertares noturnos. De forma inversa, a deficiência desse se associa a menos tempo de sono REM. Neurônios contendo norepinefrina, com os corpos celulares localizados no locus ceruleus têm um importante papel no controle dos padrões normais de sono. Os medicamentos e as manipulações que aumentam os disparos destes neurônios noradrenérgicos reduzem de forma marcante o sono REM (neurônios de desligamento [off] do REM) e aumentam a vigília. Em humanos com eletrodos implantados (para o controle da espasticidade), a estimulação elétrica do locus ceruleus perturba de forma bastante profunda todos os parâmetros do sono. A acetilcolina também está envolvida no sono, particularmente na produção do sono REM. Em estudos com animais, a injeção de agonistas colinérgicos muscarínicos na formação reticular de neurônios da ponte (neurônios de ligação [on] do REM) leva a uma mudança da vigília para o sono REM. Alterações na atividade colinérgica central se associam a mudanças no sono observadas no transtorno depressivo maior. Comparados a indivíduos sadios e a controles psiquiátricos não-deprimidos, os pacientes deprimidos têm perturbações notáveis dos padrões do sono REM. Essas incluem redução da latência do REM (60 minutos ou menos), aumento da porcentagem de sono REM e mudança na sua distribuição da última metade para a primeira metade da noite. A administração de um agonista muscarínico, como a arecolina, a pacientes deprimidos durante o primeiro ou o segundo período NREM leva ao início rápido do sono REM. A depressão pode estar associada a uma extrema sensibilidade subjacente à acetilcolina. Os medicamentos que reduzem o sono REM, como os antidepressivos, produzem efeitos benéficos nesse caso. Na verdade, cerca da metade dos pacientes com transtorno depressivo maior experimenta melhora temporária quando são privados do sono ou quando o mesmo é restringido. De forma inversa, a reserpina, um dos poucos agentes que aumenta o sono REM, também produz depressão. Pacientes com demência do tipo Alzheimer têm transtornos do sono caracterizados pela redução do REM e do sono de ondas lentas. A perda de neurônios colinérgicos na área anterior basal está implicada na causa dessas modificações. A secreção da melatonina pela glândula pineal é inibida pela luz brilhante, de modo que suas concentrações séricas mais baixas ocorrem durante o dia. O núcleo supraquiasmático do hipotálamo pode atuar como local anatômico de um marcapasso circadiano que regula a secreção da melatonina e a sincronização do cérebro com o ciclo sonovigília de 24 horas. A evidência mostra que a dopamina tem um efeito de despertar. Os medicamentos que aumentam as concentrações desta no cérebro tendem a produzir ativação e vigília. Em contraste, bloqueadores da dopamina, como a pimozida (Orap) e as fenotiazinas, tendem a aumentar o tempo de sono. Um impulso homeostático hipotético para dormir, talvez na forma de alguma substância endógena – o processo S – pode se acumular durante a vigília e atuar para induzir o sono. Outro composto – o processo C – pode agir como regulador da temperatura corporal e da duração do sono.
FUNÇÕES DO SONO As funções do sono foram examinadas com uma variedade de métodos. A maioria dos investigadores concluiu que o sono serve a uma função restauradora, homeostática e parece ser crucial para a termorregulação normal e a conservação de energia. À medida que o sono NREM aumenta após exercícios e a inanição, esse estágio pode estar associado à satisfação de necessidades metabólicas. Privação do sono Períodos prolongados de privação do sono por vezes ocasionam a desorganização do ego, alucinações e delírios. Privar as pessoas do sono REM acordando-as no início do ciclo aumenta o número de períodos e a quantidade de sono REM (aumento de rebote) quando se permite que durmam sem interrupção. A falta desse tipo de sono pode provocar irritabilidade e letargia. Em estudos com ratos, a privação de sono produz uma síndrome que inclui uma aparência debilitada, lesões da pele, aumento da ingestão de alimentos, perda de peso, aumento do gasto de energia, redução da temperatura corporal e morte. As modificações neuroendócrinas incluem aumento da norepinefrina e redução dos níveis da tiroxina no plasma. Necessidade de sono Alguns indivíduos dormem pouco, necessitando de menos de seis horas de sono a cada noite, para funcionar de forma adequada. Os que dormem muito são os que precisam de mais de nove horas a cada noite para funcionar de maneira satisfatória. Estes últimos têm mais períodos REM e movimentos de olhos mais rápidos em cada período (conhecida como densidade do REM). Esses movimentos costumam ser considerados uma medida da intensidade do sono REM e estão relacionados ao fato de quão vívidos são os sonhos. Os que dormem pouco são, em geral, eficientes, ambiciosos, adeptos a se socializar e alegres. Os que dormem muito tendem a ser levemente deprimidos, ansiosos e socialmente reclusos. A necessidade de sono aumenta com trabalho físico, exercício, doença, gravidez, estresse mental em geral, aumento da atividade mental. Os períodos REM aumentam após estímulos psicológicos fortes, como situações difíceis de aprendizado e estresse, e após a utilização de sustâncias químicas ou medicamentos que reduzam as catecolaminas. RITMO SONO-VIGÍLIA Sem indicadores externos, o relógio natural do organismo segue um ciclo de 25 horas. A influência de fatores externos – como luz-escuridão, rotinas diárias, períodos de refeições e outros sincronizadores externos – adaptam os indivíduos ao relógio de 24 horas. O sono também é influenciado por ritmos biológicos. Dentro do período de 24 horas, os adultos dormem uma vez, ou até duas. Esse ritmo não está presente no nascimento, mas se desenvolve nos primeiros dois anos de idade. Algumas mulheres
SONO NORMAL E
exibem mudanças do padrão de sono durante as fases do ciclo menstrual. As sestas tiradas em certos momentos do dia diferem bastante em proporção de sono REM e NREM. Para quem costuma dormir bem à noite, uma sesta tirada de manhã ou ao meio dia inclui uma grande quantidade de sono REM, enquanto uma sesta tirada à tarde ou no início da noite tem muito menos sono REM. O ciclo circadiano aparentemente afeta a tendência de se ter o sono REM. Do ponto de vista fisiológico, os padrões de sono não são os mesmos quando os indivíduos dormem de dia ou durante o tempo em que estão acostumados a estarem acordados; os efeitos psicológicos e comportamentais também diferem. Em um mundo de indústria e comunicações que em geral funciona 24 horas por dia, essas interações estão se tornando cada vez mais significativas. Mesmo em pessoas que trabalham à noite, a interferência nos vários ritmos pode gerar problemas. O exemplo mais conhecido é a síndrome dos vôos transmeridionais (jet lag), em que, após voar do leste para o oeste, os indivíduos tentam convencer seus organismos a adormecer em um momento que está fora de fase com alguns ciclos do organismo. A maioria se adapta em poucos dias, mas alguns necessitam de mais tempo. As condições do organismo destes aparentemente envolvem perturbação e interferência no ciclo em longo prazo. REFERÊNCIAS Cote KA, Etienne L, Campbell KB. Neurophysiological evidence for the detection of external stimuli during sleep. Sleep. 2001; 24: 791. Dahl RE. The regulation of sleep and arousal: development and psychopathology. Dev Psychopathol. 1996;8:3. Dement W, Kleitman N. Cyclic variations in EEC during sleep and their relation to eye movements, body motility, and dreaming. Electroencephalogr Clin Neurophysiol. 1975;9:673. Douglas NJ. The sleep patient. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2001;71 (suppl 1):13. Edinger JD, Glenn DM, Bastian LA, et al. Sleep in the laboratory and sleep at home. II: Comparisons of middle-aged insomnia sufferers and normal sleepers. Sleep. 2001;24:761. Gillin JC, Seifritz E, Zoltoski RK, Salin-Pascual R. Basic science of sleep. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:199. Harrison Y, Bright V, Horne JA. Can normal subjects be motivated to fall asleep faster? Physiol Behav. 1996;60:681. Johns MW. Sleep propensity varies with behaviour and the situation in which it is measured: the concept of somnificity. J Sleep Research. 2002;11:61. Lamberg L. Medical news and perspectives. Dawn’s early light to twilight’s last gleaming. JAMA. 1998;280:1556. Moore CA, Willianss RL. Hirschkowitz M. Sleep diorder. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:1677. O’Hara BF, Young KA, Watson FL, Heller HC, Kilduff T. Immediate early gene expression in brain during sleep deprivation. Sleep. 1993;16:1. Santiage JR. Nolledo MS, Kinzler W, Santiago TV. Sleep and sleep disorders in pregnancy. Ann Intern Med. 2001;134:396. Shapiro CM. Flanigan MJ. Function of sleep. Br Med J. 1993;306:383. Smith A, Pollock J, Thomas M, et al. The relationship between subjective ratings of sleep and mental functioning in healthy subjects and patients with chronic fatigue syndrome. Hum Psychopharmacol. 1996;11:161.
TRANSTORNOS DO SONO
811
Turek FW, Dugovic C, Zee PC. Current understanding of the cicardian clock and the clinical implications for neurological disorders. Arch Neurol. 2001;58:1781. Waterhouse J. Circadian rhythms. Br Med J. 1993; 306: 448. Webb WB, ed. Biological Rhythms, Sleep, and Performance. New York: John Wiley & Sons; 1982. Weinger MB, Ancoli-Israel S. Sleep deprivation and clinical performance. JAMA. 2002;287:955.
24.2 Transtornos do sono PRINCIPAIS SINTOMAS A necessidade individual de sono varia: muitas pessoas dormem demais e necessitam de 9 a 10 horas de sono por noite, enquanto outras dormem menos, mas a duração do sono nem sempre se correlaciona com os transtornos decorrentes. Contudo, um estudo de 2002 com mais de um milhão de homens e mulheres mostrou que pessoas que dormem mais de 8,5 horas ou menos de 3,5 horas por noite têm um risco de mortalidade 15% mais alto do que aquelas que dormem uma média de sete horas por noite. Não foram apresentadas razões para explicar esse achado estatístico. Foi sugerido que aqueles que dormem menos têm condições co-mórbidas, mas a causa para tanto permanece desconhecida. Quatro sintomas principais caracterizam a maioria dos transtornos do sono: insônia, hipersonia, parasonia e alteração do ciclo sono-vigília. Os sintomas por vezes se superpõem e são descritos a seguir. A Tabela 24.2-1 lista os termos utilizados nesta seção para diagnosticar e descrever transtornos do sono. Insônia Insônia é a dificuldade de iniciar ou manter o sono. É a queixa mais comum relacionada ao sono e pode ser transitória ou persistente. Levantamentos populacionais mostram uma prevalência em um ano de 30 a 45% entre adultos. Causas comuns de insônia são apresentadas na Tabela 24.2-2.
TABELA 24.2-1 Medidas polissonográficas comuns Latência do sono: Período de tempo entre o apagar a luz até o aparecimento do Estágio 2 do sono. Despertar precoce: Momento de ficar continuamente desperto, desde o último estágio do sono até o fim do registro do sono (em geral, às sete horas da manhã). Eficiência do sono: Tempo total de sono/tempo total de registro do sono x 100. Índice de apnéia: Número de apnéias durando mais de 10 segundos por hora de sono. Índice de mioclonias noturnas: Número de movimentos periódicos das pernas por hora. Latência do REM: Período de tempo desde o início do sono até o primeiro período de sono REM. Início do sono com período REM: Sono REM dentro dos primeiros 10 minutos de sono.
812
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 24.2-2 Causas comuns de insônia Sintoma
Insônia secundária à condição clínica
Dificuldade de iniciar o sono
Qualquer condição dolorosa ou desconfortável Lesões do SNC Condições listadas a seguir, em muitos casos
Dificuldade de permanecer dormindo
Síndrome de apnéia do sono Mioclonias noturnas e síndrome das pernas inquietas Fatores dietéticos (provavelmente) Eventos episódicos (parassonias) Efeitos diretos de drogas (inclusive álcool) Efeitos de abstinência de drogas (inclusive álcool) Interações de substâncias Doenças endócrinas e metabólicas Doenças infecciosas, neoplásicas e outras Condições dolorosas e desconfortáveis Lesões ou doenças do tronco cerebral ou do hipotálamo Envelhecimento
Insônia secundária à condição psiquiátrica ou ambiental Ansiedade Ansiedade com tensão muscular Modificações ambientais Transtorno do ritmo circadiano do sono Depressão, especialmente primária Modificações ambientais Transtorno do ritmo circadiano do sono Transtorno de estresse pós-traumático Esquizofrenia
Cortesia de Ernest L. Hartmann, M.D.
Um breve período de insônia é, com mais freqüência, associado à ansiedade, tanto como seqüela de uma experiência ansiosa como pela antecipação de uma experiência capaz de provocá-la (p. ex., um exame ou a antecipação de entrevista para um emprego). Em alguns indivíduos, a insônia transitória desse tipo pode estar relacionada com luto, perda ou quase qualquer modificação ou estresse da vida. A condição tem probabilidade de não ser grave, embora um episódio psicótico ou uma depressão grave por vezes se inicie com insônia aguda. Em geral, não é necessário tratamento específico para essa condição. Quando é indicada a intervenção com agentes hipnóticos, deve ficar claro tanto para o médico como para o paciente que o tratamento é de curta duração e que alguns sintomas, inclusive uma recaída breve da insônia, podem ser esperados quando o medicamento é interrompido. A insônia persistente é um grupo bastante comum de condições em que o problema é, em grande parte, dificuldade de adormecer em vez de que permanecer no sono. Ela envolve dois problemas por vezes distintos, mas com freqüência inter-relacionados: tensão somática e ansiedade, e o envolvimento de uma resposta condicionada. Os pacientes em geral não têm outra queixa clara além da insônia. Podem não experimentar ansiedade por si só, mas a descarregam por meio de canais fisiológicos; podem se queixar principalmente de um sentimento apreensivo ou de ruminação de pensamentos que parecem contribuir para a dificuldade de adormecer. Algumas vezes (mas não sempre) um paciente descreve a exacerbação da condição em épocas de estresse no trabalho ou em casa e remissão durante as férias. Hipersonia A hipersonia se manifesta como quantidade excessiva de sono, sonolência diurna excessiva ou ambas. O termo sonolência deve ser reservado para pacientes que se queixam de sonolência e que têm uma tendência bastante evidente de adormecer subitamente no estado de vigília, que têm ataques de sono e que não podem permanecer acordados; não se refere a indivíduos que estão ape-
nas cansados e exaustos. A distinção, contudo, nem sempre é clara. Queixas de hipersonia são muito menos freqüentes (5% dos adultos) do que queixas de insônia, mas não são de modo algum raras se os clínicos estiverem alertas para elas. Estima-se que há mais de 100 mil pessoas com narcolepsia nos Estados Unidos, e esta é apenas uma das condições conhecidas que produz hipersonia. Se as condições relacionadas ao uso de drogas são incluídas, a hipersonia é um sintoma comum. A Tabela 24.2-3 lista algumas causas comuns de hipersonia. Como a insônia, ela se associa a condições difíceis de serem classificadas e a casos idiopáticos. De acordo com um levantamento recente, as condições mais freqüentes responsáveis por hipersonia grave o suficiente para ser avaliada por registros de toda uma noite nos centros de transtornos do sono foram a apnéia e a narcolepsia. A hipersonia transitória e situacional é a perturbação do padrão normal de sono-vigília; é marcada pela dificuldade excessiva de permanecer acordado e pela tendência de ficar na cama por períodos muito longos ou de voltar à cama para sestear várias vezes durante o dia. O padrão é experimentado de forma súbita em resposta a uma modificação recente na vida identificável, a conflito ou perda, e é muito menos comum do que a insônia. É raramente marcado por ataques de sono definidos ou sono inevitável, caracteriza-se por cansaço e adormecer mais cedo do que o habitual e pela dificuldade de acordar pela manhã. Parassonia Trata-se de um fenômeno incomum ou indesejável que aparece de forma repentina durante o sono ou que ocorre nos limites entre o despertar e o adormecer. A parassonia em geral ocorre nos Estágios 3 e 4 e, assim, se associa à recordação difícil do transtorno. Envolve o deslocamento do sono de seu período circadiano desejável. Os pacientes com freqüência não podem dormir quando desejam, embora sejam capazes de fazê-lo em outros momentos. Além disso, não conseguem
ALTERAÇÃO DO CICLO SONO-VIGÍLIA.
SONO NORMAL E
TRANSTORNOS DO SONO
813
TABELA 24.2-3 Causas comuns de hipersonia Sintomas
Principalmente psiquiátricos
Principalmente clínicos ou ambientais
Sono excessivo (hipersonia)
Síndrome de Kleine-Levin Sonolência associada à menstruação Condições metabólicas ou tóxicas Condições encefálicas Álcool e medicamentos depressores Retirada de estimulantes Narcolepsia e síndromes narcolepsia-símiles Apnéia de sono Síndrome de hipoventilação Hipertireoidismo e outras condições metabólicas e tóxicas Álcool e medicamentos depressores Retirada de estimulantes Privação de sono ou sono insuficiente Qualquer condição que produza insônia grave
Depressões (algumas) Reações de evitação
Sonolência diurna excessiva
Depressões (algumas) Reações de evitação Transtorno do ritmo circadiano do sono
Cortesia de Ernest L. Hartmann, M.D.
ficar plenamente acordados quando querem, mas são capazes de ficar despertos em outras horas. O transtorno não produz apenas insônia ou sonolência, embora estas costumem ser a queixa inicial; a incapacidade de dormir ou ficar desperto é eliciada somente com questionamento cuidadoso. O transtorno do ciclo sonovigília pode ser considerado um desequilíbrio no alinhamento entre os comportamentos de sono e vigília. Um questionário da história do sono é útil para o diagnóstico (Tab. 24.2-4).
CLASSIFICAÇÃO DSM-IV-TR A revisão do texto da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR) classifica os transtornos do sono com base em critérios diagnósticos clínicos e na etiologia presumida. As três principais categorias são transtornos pri-
TABELA 24.2-4 Questionário da história do sono Nome do paciente __________________________________________________________________________________________________ Data _____________________________________________________________________________________________________________ Por favor, preencha o quadrado apropriado ou dê respostas curtas ao que se segue: Sim Não 1. Você se sente sonolento ou tem ataques de sono durante o dia? 2. Sesteia durante o dia? 3. Tem dificuldade de se concentrar durante o dia? 4. Tem dificuldade de adormecer quando vai para a cama pela primeira vez? 5. Acorda durante a noite? 6. Acorda mais de uma vez? 7. Acorda cedo demais? 8. Há quanto tempo você tem tido dificuldade para dormir? O que você acha que precipitou o problema? ________________________________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________________________ 9. Como você descreveria sua noite habitual de sono (horas, qualidade, etc.) ________________________________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________________________ 10. Seu esquema de sono e de levantar no final de semana difere de como é durante a semana? 11. Existem outras pessoas vivendo na casa que interrompam seu sono? 12. Costuma ser despertado à noite por dor ou por necessidade de usar o banheiro? 13. Seu trabalho necessita de mudanças de turnos ou de viagens? 14. Você consome bebidas com cafeína (café, chá ou refrigerantes)?
(Continua)
814
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 24.2-4 (Continuação) 15. Além da dificuldade de adormecer, que outros problemas médicos você tem, se os tem? ________________________________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________________________ 16. Que medicamentos para o sono, com ou sem prescrição médica, você toma? (Por favor, inclua a dose, a freqüência com que os toma e por quantos meses ou anos vem tomando? ________________________________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________________________ 17. Que outros medicamentos prescritos ou sem receita você utiliza regularmente? (Por favor, inclua a dose, a freqüência e a duração). ________________________________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________________________ 18. Você já sofreu de depressão, ansiedade ou problema similar? 19. Você ronca? Perguntas para o parceiro de sono 1. Seu parceiro de sono ronca? 2. Seu parceiro de sono parece parar de respirar repetidamente durante a noite? 3. Seu parceiro de sono tem abalos nas suas pernas ou o chuta enquanto está dormindo? 4. Você já experimentou dificuldade de dormir? Por favor, explique. ________________________________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________________________
mários do sono, transtornos do sono relacionados a outro transtorno mental e outros transtornos do sono (devido a uma condição médica geral ou induzidos por substâncias). Os descritos no DSM-IV-TR são apenas uma fração dos transtornos do sono conhecidos; eles provêm uma base para a avaliação clínica. ICSD A indicação mais pormenorizada de transtornos do sono aparece na Classificação internacional de transtorno do sono: manual de diagnóstico e codificação (ICDS), da American Sleep Disorders Association. Ela os divide em quatro categorias: dissonias, parassonias, transtornos do sono associados a transtornos clínico-psiquiátricos e transtornos do sono propostos. A Tabela 24.2-5 apresenta um delineamento da ICSD. CID-10 Na décima revisão da Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-10), o tema dos transtornos do sono abrange somente os do tipo não-orgânico. Estes são classificados como dissonias, condições psicogênicas “em que os transtornos predominantes [são a] quantidade, a qualidade ou o momento do sono” por causa de causas emocionais, e parassonias, “eventos episódicos anormais que ocorrem durante o sono”. As primeiras incluem a insônia, a hipersonia e o transtorno do ciclo sono-vigília. As parassonias na infância estão
relacionadas ao desenvolvimento; as da vida adulta são psicogênicas e incluem o sonambulismo, os terrores noturnos e os pesadelos. Os transtornos do sono de origem orgânica, os transtornos não-psiquiátricos, como a narcolepsia e a cataplexia, e a apnéia de sono, bem como os transtornos episódicos dos movimentos são discutidos sob outras categorias. A CID-10 observa que esses transtornos costumam ser sintomas de outras doenças, mas, mesmo quando não o são, o transtorno específico do sono deve ser diagnosticado em conjunto com tantos outros diagnósticos relevantes quanto necessários para se descrever a “psicopatologia e/o a fisiopatologia envolvida em um caso específico”. A Tabela 24.2-6 apresenta os critérios da CID-10 para transtornos do sono não-orgânicos.
TRANSTORNOS PRIMÁRIOS DO SONO O DSM-IV-TR define os transtornos primários do sono como aqueles não causados por nenhum outro transtorno mental, condição física ou substância, e sim por um mecanismo anormal do sono-vigília ou até por condicionamento. Os dois principais são as dissonias e as parassonias. As primeiras são um grupo hetergêneo de transtornos do sono que incluem a insônia primária, a hipersonia primária, a narcolepsia, o transtorno do sono relacionado à respiração, o transtorno do ritmo circadiano do sono (transtorno do ciclo sono-vigília) e a dissonia sem outra especificação. As segundas incluem o transtorno de pesadelos (transtornos de sonhos ansiosos), o transtorno do terror noturno, o transtorno de sonambulismo e a parassonia sem outra especificação.
SONO NORMAL E
TRANSTORNOS DO SONO
815
TABELA 24.2-5 Classificação internacional de transtornos do sono (ICSD) 1. Dissonias A. Transtornos do sono intrínsecos 1. Insônia psicofisiológica 2. Má percepção de estado de sono 3. Insônia idiopática 4. Narcolepsia 5. Hipersonia recorrente 6. Hipersonia idiopática 7. Hipersonia pós-traumática 8. Síndrome de apnéia do sono obstrutiva 9. Síndrome de apnéia do sono central 10. Síndrome de hipoventilação alveolar central 11. Transtorno do movimento de membros periódico 12. Síndrome das pernas inquietas 13. Transtorno do sono intrínseco SOE B. Transtorno do sono extrínseco 1. Higiene do sono inadequada 2. Transtorno do sono ambiental 3. Insônia de atitude 4. Transtorno de ajustamento do sono 5. Síndrome de sono insuficiente 6. Transtorno do sono de imposição de limites 7. Transtorno de associação de início do sono 8. Insônia de alergia alimentar 9. Síndrome do comer (beber) noturno 10. Transtorno do sono por dependência de hipnótico 11. Transtorno do sono por dependência de estimulante 12. Transtorno do sono por dependência de álcool 13. Transtorno do sono induzido por toxina 14. Transtorno do sono extrínseco SOE C. Transtornos do ritmo circadiano do sono 1. Síndrome de mudança de zona de tempo (fuso horário) 2. Transtorno do sono por turno de trabalho 3. Padrão de sono-vigília irregular 4. Síndrome de fase do sono atrasada 5. Síndrome de fase do sono adiantada 6. Transtorno de sono-vigília não de 24 horas 7. Transtorno do ritmo circadiano do sono SOE 2. Parassonias A. Transtornos do despertar 1. Despertares confusionais 2. Sonambulismo 3. Terrores do sono B. Transtornos de transição de sono-vigília 1. Transtorno do movimento rítmico 2. Sobressaltos do sono 3. Sonilóquio 4. Cãibras noturnas nas pernas C. Parassonias geralmente associadas com sono REM 1. Pesadelos 2. Paralisia do sono 3. Ereções penianas relacionadas ao sono prejudicadas
4. Ereções dolorosas relacionadas ao sono 5. Parada sinusal relacionada ao sono REM 6. Transtorno de comportamento do sono REM D. Outras parassonias 1. Bruxismo do sono 2. Enurese do sono 3. Síndrome de deglutição anormal relacionada ao sono 4. Distonia paroxística noturna 5. Síndrome de morte noturna súbita inexplicada 6. Ronco primário 7. Apnéia do sono do bebê 8. Síndrome de hipoventilação central congênita 9. Síndrome de morte súbita do bebê 10. Mioclono do sono neonatal benigno 11. Outra parassonia SOE 3. Transtornos do sono associados com transtornos clínico-psiquiátricos A. Associados com transtornos mentais 1. Psicoses 2. Transtornos do humor 3. Transtornos de ansiedade 4. Transtornos de pânico 5. Alcoolismo B. Associados com transtornos neurológicos 1. Transtornos degenerativos cerebrais 2. Demência 3. Parkinsonismo 4. Insônia familiar fatal 5. Epilepsia relacionada ao sono 6. Estado epiléptico elétrico do sono 7. Cefaléias relacionadas ao sono C. Associados com outros transtornos clínicos 1. Doença do sono 2. Isquemia cardíaca noturna 3. Doença pulmonar obstrutiva crônica 4. Asma relacionada ao sono 5. Refluxo esofagiano relacionado ao sono 6. Doença de úlcera péptica 7. Síndrome de fibrose 4. Transtornos do sono propostos 1. Pessoa de sono curto 2. Pessoa de sono longo 3. Síndrome de vigília parcial 4. Mioclono fragmentário 5. Hiperidrose do sono 6. Transtorno do sono associado à menstruação 7. Transtorno do sono associado à gravidez 8. Alucinações hipnagógicas aterrorizantes 9. Taquipnéia neurogênica relacionada ao sono 10. Laringospasmo relacionado ao sono 11. Síndrome de sufocação do sono
SOE, sem outra especificação.
Dissonias Insônia primária. A insônia primária é diagnosticada quando a principal queixa é um sono não-restaurador ou uma dificuldade de iniciar ou manter o sono, a qual se mantém por, no mínimo, um mês (Tab. 24.2-7). (De acordo com a CID-10, o transtorno deve ocorrer no mínimo três vezes por semana, por um mês). O termo primária indica que a insônia é independente de qualquer condição física ou mental conhecida. Em geral, a condição é caracterizada tanto por dificuldade de adormecer como pelo despertar repetido. Muitas vezes, o aumento da ativação fisiológica e psicológica noturna e o
condicionamento negativo para o sono são evidentes. Os pacientes com insônia primária ficam preocupados em conseguir sono suficiente. Quanto mais tentam dormir, maior a sensação de frustração e tensão e mais elusivo se torna o sono. W. é uma mulher branca, divorciada, de 41 anos de idade, que se queixa de falta de sono por dois anos e meio. Ela tem alguma dificuldade de adormecer (30 a 45 minutos de latência) e acorda a cada hora ou duas após o início do sono. Esses despertares podem durar de 15 minutos a várias horas, e ela estima ter cerca de 4,5 horas de sono, em média, por
816
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 24.2-6 Critérios diagnósticos da CID-10 para transtornos do sono não-orgânicos
Nota: Uma classificação mais abrangente de transtornos do sono está disponível (Classificação internacional de transtornos do sonoa), mas deveria ser observado que esta está organizada diferentemente da CID-10. Para fins de pesquisa, onde grupos particularmente homogêneos de transtornos do sono são requeridos, quatro ou mais eventos ocorrendo dentro de um período de um ano podem ser considerados como um critério para uso das categorias de sonambulismo, terrores do sono (terrores noturnos), e pesadelos. Insônia não-orgânica A. O indivíduo queixa-se de dificuldade para adormecer, dificuldade para manter o sono, ou sono não restaurador. B. O distúrbio do sono ocorre pelo menos três vezes por semana por pelo menos um mês. C. O distúrbio do sono resulta em sofrimento pessoal marcado ou interferência no funcionamento pessoal na vida diária. D. Não há fator orgânico causativo conhecido, tal como uma condição neurológica ou clínica, transtorno por uso de substância psicoativa ou medicação. Hipersonia não-orgânica A. O indivíduo queixa-se de sonolência diurna excessiva ou ataques de sono ou de transição prolongada para o estado totalmente desperto ao acordar (embriaguez do sono), que não é explicado por uma quantidade de sono inadequada. B. Esse distúrbio do sono ocorre quase todo dia por pelo menos um mês ou recorrentemente por períodos mais curtos e causa sofrimento marcado ou interferência no funcionamento pessoal na vida diária. C. Não há sintomas auxiliares de narcolepsia (cataplexia, paralisia do sono, alucinações hipnagógicas) e nenhuma evidência clínica para apnéia do sono (cessação de respiração noturna, sons de ronco intermitentes típicos, etc.). D. Não há fator orgânico causativo conhecido, tal como uma condição neurológica ou clínica, transtorno por uso de substância psicoativa ou uma medicação. Transtorno não-orgânico do horário de sono-vigília A. O padrão de sono-vigília do indivíduo está fora de sincronia com o horário de sono-vigília desejado, imposto por demandas sociais e compartilhado pela maioria das pessoas no ambiente do indivíduo. B. Como resultado do distúrbio do horário de sono-vigília, o indivíduo experimenta insônia durante o período de sono principal ou hipersonia durante o período de vigília, quase todo dia por pelo menos um mês ou recorrentemente por períodos mais curtos. C. A quantidade, qualidade, e tempo de sono insatisfatórios causa sofrimento pessoal marcado ou interferência no funcionamento pessoal na vida diária. D. Não há fator orgânico causativo conhecido como uma condição neurológica ou outra clínica, transtorno por uso de substância psicoativa ou medicação.
Sonambulismo A. O sintoma predominante é o de episódios repetidos (dois ou mais) de levantar da cama, geralmente durante o primeiro terço de sono noturno, e caminhar de alguns minutos até meia hora. B. Durante um episódio, o indivíduo tem um semblante inexpressivo, fixo, é relativamente irresponsivo às tentativas de outros de influenciar o evento ou de comunicar-se com ele, e pode ser despertado apenas com considerável dificuldade. C. Ao acordar (de um episódio ou na manhã seguinte), o indivíduo tem amnésia em relação ao episódio. D. Dentro de vários minutos para o despertar do episódio, não há prejuízo de atividade mental ou comportamento, embora possa haver inicialmente um curto período de alguma confusão e desorientação. E. Não há evidência de um transtorno mental orgânico, tal como demência, ou de um transtorno físico, como epilepsia. Terrores do sono (terrores noturnos) A. Episódios repetidos (um ou mais) nos quais o indivíduo desperta do sono com um grito de pânico e ansiedade intensa, motilidade física, e hiperatividade autônoma (tal como taquicardia, coração aos saltos, respiração rápida, e sudorese). B. Os episódios ocorrem principalmente durante o primeiro terço do sono. C. A duração do episódio é de menos de 10 minutos. D. Se outros tentam confortar o indivíduo durante o episódio, há uma ausência de resposta seguida por desorientação e movimentos preservativos. E. O indivíduo tem lembrança limitada do evento. F. Não há fator orgânico causativo conhecido, tal como uma condição neurológica ou outra clínica, transtorno por uso de substância psicoativa ou medicação. Pesadelos A. O indivíduo desperta do sono noturno ou de cochilos com lembrança detalhada e vivida de sonhos intensamente aterrorizantes, geralmente envolvendo ameaças, sobrevivência, segurança ou auto-estima. O despertar pode ocorrer durante qualquer parte do período de sono, mas tipicamente durante a segunda metade. B. Ao despertar dos sonhos aterrorizantes, o indivíduo rapidamente torna-se orientado e alerta. C. A própria experiência de sonho e o distúrbio de sono resultante dos despertares associados com os episódios causam sofrimento marcado ao indivíduo. D. Não há fator orgânico causativo conhecido, tal como uma condição neurológica ou outra clínica, transtorno por uso de substância psicoativa ou medicação. Outros transtornos do sono não-orgânicos Transtorno do sono não-orgânico, sem especificação
aDiagnostic Classification Steering Committee: International Classification of Sleep Disorders: Diagnostic and Coding Manual. Rochester, MN: American Sleep Disorders Association; 1990. Reimpressa, com permissão, de World Health Organization. The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural Disorders: Diagnostic Criteria for Research. Copyright, World Health Organization, Geneva, 1993.
noite. Quase nunca faz sestas durante o dia, a despeito de se sentir cansada e tensa. A paciente descreve seu problema com as seguintes palavras: “Parece que nunca chego a ter um sono profundo. Nunca fui de dormir pesado, mas agora o mais leve ruído me desperta. Algumas vezes, tenho muita dificuldade em conseguir que minha mente desligue”. Ela vê o dormitório como um local desagradável de falta de sono. Disse: “Tentei ficar na casa de um amigo onde é silencioso, mas então não podia dormir por causa do silêncio”.
Por vezes, fica insegura sobre se estava dormindo ou acordada. Costumava observar o relógio (para registrar sua insônia), mas parou de fazê-lo quando se deu conta de que isso estava contribuindo para o problema. Pelo relato, a insônia não está relacionada a mudanças de estação, ciclo menstrual ou deslocamentos transmeridionais. Sua higiene básica de sono é boa. O apetite e a libido encontram-se inalterados. Ela nega transtorno do humor, exceto por ficar muito frustrada e preocupada sobre sua falta de sono e seu efeito sobre seu trabalho, o qual envolve se
SONO NORMAL E
De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright, 2000, com permissão.
sentar ao microscópio por seis horas do dia em uma jornada de nove horas, documentando meticulosamente seus achados. Sua produção final não se altera, mas ela tem que “verificar duas vezes” sua acurácia. A paciente descreve-se como preocupada e com personalidade tipo A. Ela não sabe como relaxar. Por exemplo, nas férias, preocupa-se com coisas que podem dar errado e não relaxa até que chegue a seu destino, se registre e desfaça as malas. Mesmo então, é incapaz de relaxar. A história médica não indica nada de notável, exceto por amigdalectomia (aos 16 anos), cefaléias tipo enxaqueca (atuais) e hipecolesterolemia controlada por dieta. Ela toma naproxeno (Naprosyn) conforme necessário para a cefaléia. No momento, não consume bebidas com cafeína, não fuma tabaco nem ingere bebidas alcoólicas, assim como não usa drogas recreativas. O problema com a insônia começou após sua recolocação em uma nova cidade e emprego. Ela atribui a insônia à vizinhança barulhenta em que vive. Procurou tratamento pela primeira vez 18 meses antes. Seu médico de família diagnosticou depressão e foi iniciado um tratamento com fluoxetina (Prozac). Isso a fez “subir pelas paredes”. Foram tentados antihistamínicos a seguir, com resultados similares. Então mudou-se para doses baixas de trazodona (Donaren) (para o sono) e a paciente desenvolveu náuseas. Após estas intervenções médicas, ela procurou assistência médica em outro lugar. Foi prescrito Zolpidem (Stilnox) 5 mg, o que a fez se sentir drogada, e a interrupção levou a efeitos de abstinência. Outro médico diagnosticou “transtorno de ansiedade nãoespecificada” e começou a tratá-la com buspirona (BuSpar), uma experiência que ela descreveu como ter “um alienígena tentar sair de sua pele”. Esse tratamento foi interrompido. Foi tentada paroxetina (Aropax) por oito semanas, sem efeito. Por fim, foi consultado um psiquiatra, que diagnosticou transtorno de déficit de atenção (sem hiperatividade) e sugeriu tratamento com metilfenidato (Ritalina). Nesse ponto, a paciente estava convencida de que um estimulante não auxiliaria em sua insônia e solicitou encaminhamento a um centro de transtornos do sono.
817
DISCUSSÃO
TABELA 24.2-7 Critérios diagnósticos para insônia primária A. A queixa predominante é de dificuldade em iniciar ou manter o sono, ou de sono não reparador, pelo período mínimo de 1 mês. B. O distúrbio do sono (ou fadiga diurna associada) causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. C. O distúrbio do sono não ocorre exclusivamente durante o curso de Narcolepsia, Transtorno do Sono Relacionado à Respiração, Transtorno do Ritmo Circadiano do Sono ou de uma Parassonia. D. O distúrbio não ocorre exclusivamente durante o curso de outro transtorno mental (p. ex., Transtorno Depressivo Maior, Transtorno de Ansiedade Generalizada, delirium). E. O distúrbio não é devido aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., droga de abuso, medicamento) ou de uma condição médica geral.
TRANSTORNOS DO SONO
Os sintomas de W. se enquadraram na ampla categoria de insônia, os quais começaram após ela se mudar de uma cidade para outra. Transtorno ambiental do sono (ruído) e transtorno de ajustamento do sono (novo emprego, cidade, apartamento) era o diagnóstico iniciai provável. Contudo, um problema mais crônico, endógeno, se tornou ativo. Qual era? W. era “preocupada” e meticulosa, mas não satisfazia os critérios diagnósticos para transtorno da personalidade ou de ansiedade. Dissonia associada a transtorno do humor deve ser considerada para qualquer paciente com problemas de manutenção do sono e insônia por despertar precoce. Contudo, essa paciente não tinha outros sinais significativos de depressão. Infelizmente, muitos pacientes são diagnosticados de forma equivocada como portadores de depressão ou “depressão mascarada” somente a partir de uma queixa de insônia, e são tratados sem êxito com antidepressivos. O trabalho da paciente em questão exigia horas prolongadas com concentração enfocada. Seu desempenho tinha sido superior por vários anos, a despeito da insônia. Dessa forma, o diagnóstico de transtorno de déficit de atenção é improvável. A insônia idiopática implica uma queixa desde a infância, que W. negava. O diagnóstico operacional provável foi insônia psicofisiológica. Ela pode ter alguma má percepção do estado de sono (muitas vezes não ficava claro se estava acordada ou dormindo), mas esse não é o único fator responsável pela constelação de sintomas. Um plano inicial de tratamento deve incluir documentação adicional do seu padrão de sono com um registro de sono. Tratamentos comportamentais provavelmente beneficiariam essa paciente. Os medicamentos com efeitos sedativos costumam ser úteis durante o tratamento inicial da insônia psicofisiológica. Contudo, até o momento, tinham sido mais prejudiciais do que benéficos. Tratá-la, constitui-se em grande desafio. (Cortesia de Constance A. Moore, M. D., Robert L. Williams, M. D. e Max Hirshkowitz, M. D.) TRATAMENTO. O tratamento da insônia primária está entre os mais difíceis problemas do sono. Quando o componente de condicionamento é proeminente, uma técnica de descondicionamento pode ser útil. Os pacientes são solicitados a utilizar a cama para dormir e para nada mais; se não adormecerem em cinco minutos, são instruídos a levantar e fazer outra coisa. Às vezes, mudar-se para outra cama ou outro quarto é útil. Quando a tensão somatizada ou a tensão muscular é clara, fitas de relaxamento, meditação transcendental e a prática de respostas de relaxamento e com biofeedback podem ser úteis. A psicoterapia não tem sido muito eficaz no tratamento da insônia primária. Experiências sexuais satisfatórias promovem o sono, mais em homens do que em mulheres.
A insônia primária costuma ser tratada com benzodiazepínicos, zolpidem, zaleplon (Sonata) e outros hipnóticos. Estes devem ser utilizados com cuidado. Medicamentos auxiliares vendidos sem prescrição médica têm eficiência limitada. Hipnóticos de
TERAPIA.
818
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
longa duração (p. ex., flurazepam [Dalmane], quazepam [Doral]) são melhores para a insônia do meio da noite; medicamentos de ação curta (p. ex., zolpidem, trizolam [Halcion]) são úteis para indivíduos que têm dificuldade de adormecer. Em geral, esses agentes não devem ser prescritos por mais de duas semanas, porque podem causar a tolerância e reação de abstinência. Alguns suplementos dietéticos utilizados para a insônia incluem a melatonina e o L-triptofano. A melatonina é um hormônio endógeno produzido pela glândula pineal que está ligado à regulação do sono. Contudo, sua administração tem levado a resultados mistos na pesquisa clínica. O precursor da melatonina, o L-triptofano, foi utilizado previamente pela mesma razão; contudo, além de ter eficácia incerta, verificou-se que foi contaminado por uma substância causadora de mialgia eosinofílica, uma discrasia potencialmente fatal. Todavia, essas substâncias estão disponíveis em todo o mundo e podem ser obtidas por pacientes nos Estados Unidos. Outras preocupações com o L-triptofano incluem a síndrome da serotonina se utilizado em conjunto com um inibidor seletivo da recaptação de serotonina (ISRS). A utilização de suplementos dietéticos aumentou durante a última década. Várias medidas inespecíficas – a denominada higiene do sono – podem auxiliar a melhorar o sono (Tab. 24.2-8). Os médicos devem assegurar aos pacientes com insônia que sua saúde não está em risco se não conseguem 6 a 8 horas de sono. O tratamento com a luz também é utilizado. Em geral, medicamentos hipnóticos não devem ser prescritos por mais de duas semanas, porque podem provocar tolerância e reações de retirada. O DSM-IV-TR indica que a higiene inadequada do sono por vezes se encaixa na classificação de insônia primária, dependendo do fator específico de higiene do sono envolvido. A ICSD define a higiene do sono como um “transtorno do sono devido ao desempenho de atividades da vida diária que são inconsistentes com a manutenção de uma boa qualidade do sono e da vigília diurna plena”. Vários comportamentos podem interferir no sono, seja pelo aumento da ativação do sistema nervoso próximo da hora de deitar seja pela alteração dos ritmos circadianos. O tratamento deve enfocar apenas dois ou três pro-
HIGIENE INADEQUADA DO SONO.
blemas por vez. Sobrecarregar o paciente com mudanças do estilo de vida ou regimes complexos raramente tem êxito. Alguns “faça e não faça” são instrutivos. INSÔNIA PSICOFISIOLÓGICA. O paciente com insônia psicofisiológica desenvolve uma ativação condicionada associada a tentativas de dormir. Os objetos relacionados ao sono (p. ex., a cama, o quarto), têm a probabilidade de se tornarem estímulos condicionados que evocam a insônia. Dessa forma, a condição costuma ser denominada de insônia condicionada. A insônia psicofisiológica tende a ocorrer em combinação com outras causas, incluindo episódios de estresse e transtornos de ansiedade, síndrome de fase atrasada de sono e uso ou abstinência de medicamentos hipnóticos. Em contraste com a insônia de pacientes com transtornos psiquiátricos, a adaptação durante o dia em geral é boa. O trabalho e os relacionamentos são satisfatórios; contudo, pode existir cansaço extremo. Outras manifestações incluem (1) preocupação excessiva sobre não ser capaz de dormir; (2) tentar dormir com demasiado afinco; (3) ruminação, incapacidade de esvaziar a mente quando tentando dormir; (4) aumento da tensão muscular quando tentando dormir; (5) outras manifestações somáticas de ansiedade; (6) ser capaz de dormir melhor longe do próprio quarto; e (7) ser capaz de adormecer quando não estiver tentando (p. ex., assistindo à televisão). A queixa de sono se torna fixa com o tempo. É interessante notar que, muitos pacientes com insônia psicofisiológica dormem bem no laboratório de sono. O tratamento pode ser difícil. Comprimidos para dormir devem ser utilizados de forma parcimoniosa e na melhor dose efetiva. A insônia durante a retirada de medicamentos para dormir por longo tempo tende a exacerbar o problema. A terapia por controle de estímulos é recomendada para romper o condicionamento e melhorar a associação entre ir para a cama e ser capaz de adormecer. Em vista de vários pacientes com insônia psicofisiológica terem desenvolvido maus hábitos de sono, a melhora da higiene do sono costuma ser benéfica se a tensão muscular e a ruminação são manifestações proeminentes; a terapia de relaxamento é um tratamento auxiliar útil. MÁ PERCEPÇÃO DO ESTADO DE SONO. Para a maioria dos indivíduos,
TABELA 24.2-8 Medidas inespecíficas para induzir o sono (higiene do sono) 1. Levantar todos os dias no mesmo horário. 2. Limitar o tempo passado no leito por dia à quantidade habitual antes do transtorno do sono. 3. Suspender substâncias que atuem sobre o SNC (cafeína, nicotina, álcool, estimulantes). 4. Evitar sestas diurnas (exceto quando o quadro de sono mostra que induzem um sono noturno melhor). 5. Estabelecer aptidão física por meio de um programa gradativo de exercício vigoroso cedo durante o dia. 6. Evitar estimulação durante a noite; substituir o rádio ou a leitura relaxada pela televisão. 7. Tentar banhos quentes, para aumentar a temperatura, 20 minutos antes da hora de dormir. 8. Comer em horários regulares durante o dia; evitar refeições pesadas próximo da hora de deitar. 9. Praticar rotinas de relaxamento à noite, como relaxamento muscular progressivo ou meditação. 10. Manter as condições de sono confortáveis.
a perda da consciência é um marcador cognitivo do início do sono; contudo, sob certas circunstâncias, a coordenação entre os processos mental e biológico é perdida. A má percepção do estado de sono é diagnosticada quando um paciente se queixa de dificuldade para iniciar e manter o sono e não se encontra evidência objetiva da perturbação do sono. Por exemplo, um paciente que irá dormir no laboratório de sono relata levar mais de uma hora para adormecer, acordando mais de 30 vezes e dormindo menos de duas horas. Em contraste, o polissonograma mostra início do sono dentro de 15 minutos, poucos despertares, uma eficiência de sono de 90% e tempo total de sono de mais de sete horas. A má percepção do estado do sono pode ocorrer em pessoas aparentemente livres de psicopatologia ou representar um delírio somático ou hipocondria. Alguns desses pacientes têm manifestações obsessivas relativas a funções somáticas. A má percepção do estado do sono em curto prazo pode ocorrer durante períodos de estresse, e alguns clínicos acreditam que pode ser resultado de transtornos de ansiedade ou depressão tratados de forma ineficiente. Uma nova rotulagem cognitiva, a diluição da preo-
SONO NORMAL E
cupação sobre a incapacidade de dormir, ou ambas, podem auxiliar. Os ansiolíticos podem reduzir profundamente a percepção da falta de sono sem modificar o processo do sono. INSÔNIA IDIOPÁTICA. A insônia idiopática tende a começar cedo na vida, às vezes no nascimento, e continua por toda a vida. Como o nome implica, sua causa é desconhecida; causas suspeitadas incluem desequilíbrio neuroquímico na formação reticular do tronco cerebral, perturbação da regulação dos geradores do sono (p. ex., nos núcleos da rafe, no locus ceruleus) ou disfunção do cérebro anterior basal. O tratamento é difícil, mas se relata que a melhora da higiene do sono, a terapia de relaxamento e a utilização criteriosa de medicamentos hipnóticos são úteis.
Hipersonia primária. A hipersonia primária é diagnosticada quando não se encontra outra causa para a sonolência excessiva que ocorre por pelo menos um mês. Alguns dos indivíduos que dormem muito, como os que dormem pouco, mostram uma variação normal. Seu sono, embora longo, é normal na arquitetura e na fisiologia. Sua eficiência e o ciclo sono-vigília não apresentam disfunções. Esta manifestação não apresenta queixas sobre a qualidade do sono, sonolência diurna ou dificuldades com humor, motivação e desempenho, quando acordado. O sono prolongado pode ser um padrão por toda a vida e parece ter uma incidência familiar. Muitos indivíduos dormem de forma variável e podem passar a dormir muito em certas épocas de suas vidas. Algumas pessoas têm queixas subjetivas de se sentirem sonolentas sem achados objetivos. Não têm tendência de adormecer mais do que o normal e não apresentam sinais objetivos. Os clínicos devem tentar excluir causas claras de sonolência excessiva. De acordo com o DSM-IV-TR, o transtorno deve ser codificado como recorrente se o paciente tem períodos de sonolência excessiva durando no mínimo três dias e ocorrendo várias vezes por ano, por pelo menos dois anos (Tab. 24.2-9). TABELA 24.2-9 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para hipersonia primária A. Uma queixa predominante de sonolência excessiva pelo período mínimo de um mês (ou menos, se recorrente), evidenciada por episódios de sono prolongados ou episódios de sono diurno que ocorrem quase que diariamente. B. A sonolência excessiva causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. C. A sonolência excessiva não é melhor explicada por insônia e não ocorre exclusivamente durante o curso de outro transtorno do sono (p. ex., narcolepsia, transtorno do sono relacionado à respiração, transtorno do ritmo circadiano do sono ou uma parassonia), nem pode ser explicada por uma quantidade inadequada de sono. D. O distúrbio não ocorre exclusivamente durante o curso de um outro transtorno mental. E. O distúrbio não é devido aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., droga de abuso, medicamento) ou de uma condição clínica geral. Especificar se: Recorrente: quando existem períodos de sonolência excessiva com duração mínima de três dias, ocorrendo várias vezes por ano, por um período superior a dois anos. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright, 2000, com permissão.
TRANSTORNOS DO SONO
819
J. era um homem negro, solteiro, de 28 anos, com uma história de cerca de 10 anos de fadiga e sonolência durante o dia. Começou a reconhecer tal situação como problema no primeiro ano da faculdade, quando adormecia na aula ou no dormitório. Admitiu que seu ciclo de sono-vigília ficara perturbado durante esse período porque fazia sestas prolongadas e então tinha de ficar acordado até 1 ou 2 horas da madrugada para completar seu estudo. Suas notas e a vida social eram prejudicadas, e ele se descreveu como deprimido, isolado e sem esperança sobre seu futuro planejado como contador. O paciente disse que dormia “normalmente” quando criança. No fim do ensino fundamental, sentia-se melhor com 10 horas de sono por noite e era capaz de funcionar bem durante o dia. Ele negou abuso de álcool ou drogas. Não fumava, mas bebia cerca de 8 a 10 xícaras de café por dia. A história familiar foi negativa para transtornos de sono ou psiquiátricos conhecidos. Os achados do exame físico não contribuíram com dados, exceto por um índice de massa corporal (IMC) de 0,29. Os exames laboratoriais de rotina foram normais, incluindo o hormônio estimulante da tireóide (TSH). A sonolência excessiva continuou, a despeito de alguma melhora com a higiene do sono. As melhoras incluíram uma hora de deitar mais consistente, tentar não sestear e uma tentativa difícil de passar um mês sem cafeína. O paciente permaneceu disfórico e desencorajado sobre seu futuro, culpando sua sonolência crônica como um impedimento contínuo para seus planos de vida. “Estou cansado de estar cansado”, disse. Quando visto pela última vez, seu horário de deitar era 22 horas a 22 horas e 30 minutos; seu despertador estava marcado para as 6 horas e 30 minutos. Ele dormia demais pelo menos uma vez por semana em dias de trabalho e dormia das 22 horas e 30 da noite às 10 da manhã nos fins de semana, para se “recuperar”. Tinha dificuldade de acordar e não se sentia completamente refeito. Bebendo de 6 a 8 xícaras de café de manhã, evitava a sonolência neste turno do dia. Felizmente, é um contador independente e pode marcar os encontros com os clientes durante seu tempo mais alerta. Após o almoço, adormece diante do computador, quando está trabalhando. Dorme por 20 a 60 minutos, sendo desperto por sua secretária. A seguir, consome outras duas xícaras de café e continua seu trabalho. Sestas inesperadas podem ocorrer depois, à tarde ou ao anoitecer, e ele tem “cabeceado” enquanto dirige. Dorme sozinho; contudo, foi-lhe contado que ronca alto. Não acorda com suspiros ou se sufocando. Negou alucinações hipnagógicas ou paralisia do sono, mas acha que poderia se sentir fraco após raras ocasiões em que participou de discussões acaloradas. DISCUSSÃO J. tinha uma das hipersonias. Mais consistentes com sua história são a síndrome da apnéia obstrutiva do sono, a hipersonia idiopática, a privação do sono por dormir demais, a dissonia associada a transtorno do humor e a narcolepsia. Os sintomas clássicos de narcolepsia estão ausentes, com a possível exceção de cataplexia. Quando esta se mostra mais evi-
820
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
dente, o diagnóstico de narcolepsia é fortemente indicado. Contudo, a fraqueza pouco freqüente do paciente durante discussões acaloradas é equívoca para cataplexia. O desejo persistente pelo período de sono de 10 horas seria incomum para um paciente com tal condição. O dormidor longo (categoria proposta pela ICSD) ou o indivíduo com hipersonia idiopática necessita de períodos prolongados de sono e pode acordar tonto, como o faz esse paciente. A manifestação diferencial principal é que, quando se permite uma oportunidade para um período completo de sono noturno (em geral 10 a 12 horas), o dormidor longo não experimenta sonolência excessiva durante o dia. Ainda mais, os pacientes com hipersonia idiopática podem exibir disfunção associada do sistema nervoso autônomo e evidência polissonográfica de porcentagem elevada de sono de ondas lentas. A sonolência associada a um grau baixo de depressão crônica pode ser difícil de diferenciar de outras causas de hipersonia. A polissonografia, a entrevista psiquiátrica e testes psicométricos podem ser úteis. J. relacionou sua disforia à sonolência e não o contrário; a despeito disso, a dissonia associada ao transtorno do humor deve ser considerada. A síndrome de apnéia obstrutiva do sono é uma forte possibilidade. Ele tem sobrepeso (IMC=0,29) e ronca alto. Vários pacientes não se dão conta de suspirar ou de se sufocar na respiração. Por vezes, membros da família testemunham a parada respiratória durante o sono e forçam os pacientes a procurar tratamento. Contudo, J. vive e dorme sozinho. A polissonografia é recomendada para pacientes suspeitos de síndrome de apnéia obstrutiva, narocolepsia ou hipersonia idiopática. Essas condições em geral necessitam de tratamento por toda a vida e têm morbidade e mortalidade significativas se não forem tratadas. (Cortesia de Constance A. Moore, M. D., Robert L. Williams, M.D. e Max Hirshkowitz, Ph.D.) TRATAMENTO. O tratamento da hipersonia primária consiste principalmente de medicamentos estimulantes, como as anfetaminas, administrados de manhã ou ao anoitecer. Agentes antidepressivos não-sedativos, como os ISRSs, podem ser de valor em alguns casos.
Narcolepsia. Implica sonolência diurna excessiva e manifestações anormais do sono REM ocorrendo todos os dias por pelo menos três meses (Tab. 24.2-10). Esses ataques de sono em geral se manifestam 2 a 6 vezes por dia e duram de 10 a 20 minutos. Podem ocorrer em momentos inapropriados (p. ex., enquanto comendo, falando, dirigindo ou durante o sexo). O sono REM inclui alucinações hipnagógicas e hipnopômpicas, cataplexia e paralisia do sono. Seu aparecimento dentro de 10 minutos do início do sono (período em que se inicia) também é considerado evidência de narcolepsia. O transtorno pode ser perigoso porque pode levar a acidentes automobilísticos ou industriais. A narcolepsia não é tão rara como se pensava. Estima-se que 0,02 a 0,16% dos adultos são afetados, e há uma certa incidência familiar. Ela não é nem um tipo de epilepsia nem um transtorno psicogênico. É uma anormalidade do mecanismo do sono – es-
TABELA 24.2-10 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para narcolepsia A. Ataques irrefreáveis de sono reparador ocorrendo diariamente ao longo dos últimos 3 meses. B. Presença de no mínimo um dos seguintes sintomas: (1) cataplexia (i. é, episódios breves de perda bilateral súbita do tônus muscular, mais freqüentemente em associação com intensa emoção) (2) intrusões recorrentes de elementos do sono de movimentos oculares rápidos (REM) na transição entre o sono e a completa vigília, manifestadas por alucinações hipnagógicas ou hipnopômpicas ou paralisia do sono, no início ou no final dos episódios de sono C. O distúrbio não é devido aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., droga de abuso, medicamento) ou de outra condição médica geral. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright, 2000, com permissão.
pecificamente, do mecanismo de inibição do REM – e tem sido estudada em cães, ovelhas e humanos. Pode ocorrer em qualquer idade, mas com mais freqüência começa na adolescência ou na vida adulta jovem, em geral antes dos 30 anos. Progride tanto de forma lenta como atinge um platô que se mantém por toda a vida. O sintoma mais comum são os ataques de sono: os pacientes não podem evitar adormecer. A cataplexia costuma estar associada ao problema (próximo de 50% dos casos de longa duração), ou seja uma perda súbita do tônus muscular, como a queda da mandíbula, da cabeça, fraqueza nos joelhos ou paralisia de todos os músculos esqueléticos com o colapso. Os pacientes permanecem acordados durante os breves episódios catapléticos; os episódios longos em geral se fundem com o sono e mostram sinais eletroencefalográficos (EEG) de sono REM. Outros sintomas incluem alucinações hipnogógicas ou hipnopômpicas: experiências perceptivas vívidas, tanto auditivas quanto visuais, ocorrendo no início do sono ou ao despertar. Os pacientes podem ficar aterrorizados por um momento, mas dentro de um minuto ou dois retornam a um estado normal da mente e percebem que nada estava ocorrendo, de fato. Um sintoma incomum associado é a paralisia do sono, ocorrendo com mais freqüência ao despertar pela manhã; durante o episódio, os pacientes estão aparentemente acordados e conscientes, mas incapazes de movimentar um músculo. Se o sintoma persiste por mais de poucos segundos, como no caso da narcolepsia, podem ficar desconfortáveis (episódios isolados breves de paralisia do sono ocorrem em muitos indivíduos não-narcolépticos). Aqueles com a condição referem adormecer logo à noite, mas por vezes experimentam sono interrompido. Quando o diagnóstico não fica claro a partir de exames clínicos, um registro polissonográfico de uma noite revela um período característico de início do sono REM (Fig. 24.2-1). Um teste de latências múltiplas do sono diurno (várias sestas registradas com intervalos de duas horas) mostra início rápido do sono e, em geral, um ou mais períodos de início do sono REM. Um tipo de antígeno contra leucócitos humanos denominado HLA-DR2 é encontrado em 90 a 100% das pessoas com narcolepsia e em apenas 10 a 35% daqueles que não são afetados. Um estudo recente mostrou que os pacientes com narcolepsia têm deficiências
SONO NORMAL E
TRANSTORNOS DO SONO
821
mento para reduzir a tolerância e monitoração cuidadosa das prescrições, da saúde em geral e do estado cardíaco.
EEG EOG EOG EMG
A
EEG EOG EOG EMG
B
FIGURA 24.2-1 Traçado polissonográfico comparando o início do sono normal com o de um paciente com narcolepsia. Cada painel ilustra cerca de 30 segundos de registro polissonográfico iniciando-se na vigília relaxada. A. (Progressão do sono normal) Mostra redução da atividade alfa no EEG e o desenvolvimento de movimentos lentos de girar os olhos. B. Mostra a atenuação esperada da atividade alfa do EEG associada ao aumento da atividade teta e o aparecimento de poucos movimentos lentos dos olhos. Contudo, dentro de 25 segundos (no extremo direito da figura) ocorre uma perda súbita do tônus muscular, acompanhada de movimentos rápidos dos olhos. Isso caracteriza a narcolepsia e é parte dos critérios diagnósticos. (Cortesia de Constance A. Moore, M. D., Robert W. Williams, M. D. e Max Hirschkowitz, Ph.D.)
no neurotransmissor hipocretina, que estimula o apetite e a vigília. Outro constatou que o número de neurônios com hipocretina (células Hrtc) nos narcolépticos é de 85 a 95% mais baixos do que em cérebros não-narcolépticos. TRATAMENTO. Não há cura para a narcolepsia, mas é possível o manejo dos sintomas. Um regime de sestas forçadas em momentos regulares do dia auxilia esses pacientes e, em alguns casos, esse regime, sem medicação, pode quase levar à cura. Quando a medicação é necessária, os estimulantes são os agentes utilizados com mais freqüência. O modafinil (Provigil), um agonista dos receptores α1-adrenérgicos, foi aprovado pela Food and Drug Administration (FDA) para reduzir o número de ataques de sono e melhorar o desempenho psicomotor na narcolepsia. Essa observação sugere o envolvimento de mecanismos noradrenérgicos no transtorno. Falta a esse agente alguns dos efeitos adversos dos psicoestimulantes tradicionais. A despeito disto, o clínico deve monitorar sua utilização e ser sensível ao desenvolvimento de tolerância. Os especialistas no sono por vezes prescrevem medicamentos tricíclicos ou ISRSs para reduzir a cataplexia. A abordagem centra-se nas propriedades supressoras do REM que esses agentes apresentam. Uma vez que a condição possivelmente seja uma intrusão do fenômeno do sono REM no estado de vigília, a razão fica clara. Vários relatos indicam que a imipramina (Tofranil), o modafinil (Provigil) e a fluoxetina são muito eficazes na redução ou na eliminação da cataplexia. Embora o tratamento medicamentoso seja a opção de escolha, a abordagem terapêutica deve incluir sestas esquematizadas, ajustamento do estilo de vida, aconselhamento psicológico, feriados do medica-
Transtorno do sono relacionado à respiração. Caracteriza-se por perturbação do sono ocasionando sonolência ou insônia excessiva decorrentes de um transtorno da respiração relacionado ao sono (Tab. 24.2-11). Problemas na respiração que possam ocorrer durante o sono incluem apnéias, hipopnéias e dessaturação do oxigênio. Essas condições invariavelmente causam hipersonia. Dois distúrbios do sistema respiratório que podem produzir hipersonia são a apnéia do sono e a hipoventilação alveolar central. Ambos também podem causar insônia, mas com mais freqüência, hipersonia. Síndrome da apnéia obstrutiva do sono. Vários indivíduos – entre eles idosos e obesos – têm probabilidade de apresentar períodos apnéicos no sono e, em geral, mais problemas respiratórios durante o sono do que acordados. A apnéia se refere à cessação do fluxo aéreo no nariz e na boca. Por convenção, um período apnéico dura 10 segundos ou mais. O mesmo pode se constituir de vários tipos diferentes. Na apnéia de sono central pura, tanto o fluxo aéreo como o esforço respiratório (abdominal e torácico) param durante os episódios apnéicos e recomeçam durante os despertares. Na apnéia obstrutiva pura, o fluxo aéreo cessa, mas o esforço respiratório aumenta; o padrão indica uma obstrução da via aérea e aumento dos esforços dos músculos abdominais e torácicos para forçar o ar a passar pela obstrução. De novo, o episódio é interrompido com o despertar. Os tipos mistos envolvem elementos tanto da apnéia de sono obstrutiva como da central. Essa condição é considerada patológica se os pacientes têm, no mínimo, cinco episódios apnéicos por hora ou 30 durante a noite. Em casos graves, os pacientes podem ter até 300 episódios apnéicos, cada um seguido por um despertar. Assim, quase não há sono normal, ainda que os pacientes tenham estado no leito e por vezes presumam que dormiram a noite inteira. A apnéia pode ser uma condição perigosa. Pensa-se que ela é responsável por um número de mortes inexplicadas e mortes de bebês e crianças no berço. Poder ser a causa de muitas mortes cardíacas e pulmonares em adultos e idosos. Os episódios podem produzir alterações cardiovasculares, incluindo arritmias e modificações transitórias da pressão arterial em cada crise apnéica. Se
TABELA 24.2-11 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno do sono relacionado à respiração A. Distúrbio do sono, provocando sonolência excessiva ou insônia, considerado devido a uma condição respiratória relacionada ao sono (p. ex., síndrome de apnéia obstrutiva ou central do sono ou síndrome de hipoventilação alveolar central). B. O distúrbio não é melhor explicado por outro transtorno mental, nem se deve aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., droga de abuso, medicamento) ou de outra condição médica geral (outra que não um transtorno relacionado à respiração). Nota para a codificação: Codificar também transtorno do sono relacionado à respiração no Eixo III. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright, 2000, com permissão.
822
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
for de longa duração pode ter relação com o aumento da pressão arterial pulmonar e até da pressão arterial sistêmica. Essas alterações cardiovasculares podem ser responsáveis por um número considerável de casos em que o diagnóstico é hipertensão. Sua prevalência na população não foi estabelecida, mas um número crescente de casos é descoberto à medida que cresce a consciência acerca de sua existência. Em um levantamento recente de pacientes com sonolência diurna, cujo problema era grave o suficiente para que fossem avaliados com polissonografia em centros de transtornos do sono, verificou-se que 42% estavam sofrendo de uma das variantes de apnéia de sono. Um provável diagnóstico pode ser feito mesmo sem registros polissonográficos. O quadro mais característico é o de um homem de meia-idade ou mais velho que relata cansaço e incapacidade de se manter acordado durante o dia, algumas vezes associados com depressão, alterações do humor e ataques de sono diurnos, podendo ou não se queixar de algo incomum durante o sono. Quando a história é obtida por intermédio da esposa ou da companheira de quarto, inclui relatos de roncar alto, intermitente, por vezes acompanhado de suspiros. As observadoras relembram períodos de apnéia, quando o paciente parecia estar tentando respirar, mas era incapaz de fazê-lo. Esses relatos indicam apnéia obstrutiva de sono. Com a apnéia central ou mista, as queixas são de despertares repetidos durante a noite, associados a cefaléias de manhã e modificações do humor, mas sem dificuldade de recomeçar a dormir. No início, os pacientes podem não ter qualquer queixa, embora as parceiras de quarto indiquem ronco pesado ou sono inquieto. Diz-se que pessoas obesas com esse transtorno têm síndrome de Pickwick. Os pacientes suspeitos de terem apnéia de sono devem se submeter a registros de laboratório. Os mais habituais incluem EEG, eletromiograma (EMG), eletrocardiograma (ECG) e traçados respiratórios de vários tipos que sejam úteis (Fig. 24.2-2). O registro do fluxo aéreo e do esforço respiratório em geral é necessário para se estabelecer o diagnóstico. A gravidade dos episódios de apnéia é determinada pela utilização de oximetria para se medir a saturação do oxigênio durante a noite. A monitoração do ECG por 24 horas costuma ser útil para monitorar alterações cardíacas. A pressão positiva contínua por via aérea nasal (nCPAP) é o tratamento de escolha para a apnéia obstrutiva de sono (Fig. 24.2-3). Outros procedimentos incluem perda de peso, cirurgia nasal, traqueostomia e uvulopalatoplastia. Alguns medicamentos podem normalizar o sono em pacientes com apnéia. Os ISRSs e os antidepressivos heterocíclicos auxiliam no tratamento ao reduzir a quantidade de tempo passado no sono REM, estágio em que os episódios de apnéia ocorrem com mais freqüência. Além disso, a teofilina mostrou reduzir o número de episódios de apnéia; contudo, pode interferir na qualidade geral do sono, limitando sua utilidade em geral. Quando a apnéia é estabelecida ou suspeitada, os pacientes devem evitar a utilização de medicamentos sedativos, inclusive o álcool, porque podem exacerbar de forma considerável a condição, a qual pode se tornar ameaçadora para a vida. Hipoventilação alveolar central. Refere-se a várias condições caracterizadas por comprometimento da ventilação, em que a anormalidade respiratória aparece ou piora em grande parte somente durante o sono e não há episódios significativos de sono
EEG EOG EOG CHIN EMG EKG
3 SECS
SAO2 AIRFLOW RC MVMNT AB MVMNT INTERCOSTAL EMG
FIGURA 24.2-2 Apnéia obstrutiva do sono. O traçado do fluxo aéreo mostra a interrupção da respiração, enquanto os traçados dos movimentos (MVMNT) da grade costal (ribcage – RC) e abdominais (AB) revelam esforço respiratório. O EMG intercostal também confirma as tentativas de respirar. À medida que a saturação de oxigênio do sangue cai, aparecem anormalidades eletrocardiográficas. Há pausas sinusais de mais de três segundos de duração. Quando o paciente, enfim, se acordou (observar EEG-EOG-EMG do queixo), a respiração retornou e se associou a uma taquicardia de rebote. Nesse caso, em que a queixa principal era sonolência diurna excessiva, houve mais de 200 eventos similares durante uma única noite de sono. (Cortesia de Constance A. Moore, M. D., Robert L. Williams, M. D. e Max Hirschkowitz, Ph.D.)
Estágio 0 (vigília)
0
1
2
3
Horas de registro 4 5 6
7
8
9
10
0
1
2
3
Horas de registro 4 5 6
7
8
9
10
Estágio de sono REM Estágio 1 do sono Estágio 2 do sono Estágio 3 do sono Estágio 4 do sono A Movimentos corporais
Estágio 0 (vigília) Estágio de sono REM Estágio 1 do sono Estágio 2 do sono Estágio 3 do sono Estágio 4 do sono B Movimentos corporais
FIGURA 24.2-3 Histograma dos estágios do sono ilustrando a melhora imediata e drástica da arquitetura do sono produzida pelo tratamento da apnéia obstrutiva com tratamento por pressão positiva contínua da via aérea (CPAP). A Ilustra o padrão anormal de sono da noite em que o paciente teve mais 200 episódios de apnéia obstrutiva. O sono é perturbado por despertares freqüentes enquanto o REM e o sono de ondas lentas (Estágios 3 e 4) estão quase ausentes. B Mostra os dados do mesmo paciente sendo tratado com CPAP na noite seguinte. É evidente a normalização da continuidade do sono, com um rebote massivo do sono REM e do de ondas lentas. (Cortesia de Constance A. Moore, M. D., Robert L. Williams, M. D. e Max Hirschkowitz, Ph.D.)
SONO NORMAL E
presentes. A disfunção ventilatória é caracterizada por volume respiratório (tidal) ou freqüência respiratória inadequada durante o sono. Pode ocorrer morte durante o sono (maldição de Ondina). A hipoventilação alveolar central é tratada com alguma forma de ventilação mecânica (p. ex., ventilação nasal). Transtorno do ritmo circadiano do sono. Inclui uma ampla gama de condições envolvendo um desajuste entre os períodos de sono desejados e os reais. O DSM-IV-TR lista quatro tipos de transtornos do ritmo circadiano do sono: o tipo de atraso da fase do sono, o tipo de vôos transmeridionais (jet lag), o tipo de mudança de turnos (de trabalho) e o tipo sem especificação (Tab. 24.2-12). TIPO ATRASO DA FASE DO SONO. Caracteriza-se por momentos de dormir e despertar que ocorrem mais tarde do que o desejado, com os tempos reais de sono quase nas mesmas horas do dia pelo relógio, sem dificuldade relatada na manutenção do sono, uma vez que ele se inicie, e pela incapacidade de avançar a fase do sono ao forçar os momentos convencionais de adormecer e despertar. A principal queixa costuma ser a dificuldade de adormecer em um momento convencional desejado, condição semelhante à insônia de início de sono. A sonolência diurna por vezes ocorre em decorrência da perda de sono. O tipo de atraso da fase de sono pode ser tratado pelo retardo gradativo da hora de sono em um período de vários dias, até que o momento desejado de sono seja atingido. A estratégia funciona quando o avanço do tempo de sono não funciona. O processo de ajuste pode ser auxiliado por agentes hipnóticos de meia-vida curta, como o triazolam, para forçar o sono. Outra abordagem é o tratamento com luz. A terapia com luz ao anoitecer tende a atrasar o sono; a exposição regular a ela pela manhã tende a avançá-lo. TIPO DE VÔOS TRANSMERIDIONAIS (JET LAG). Dependendo da duração da viagem do leste para o oeste e da sensibilidade indivi-
TABELA 24.2-12 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno do ritmo circadiano do sono A. Padrão persistente ou recorrente de distúrbio do sono, levando a sonolência excessiva ou insônia devido a um desajuste entre o horário de sono-vigília exigido pelo ambiente e o padrão circadiano de sono-vigília do indivíduo. B. O distúrbio do sono causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. C. O distúrbio não ocorre exclusivamente durante o curso de um outro Transtorno do Sono ou outro transtorno mental. D. O distúrbio não é devido aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., droga de abuso, medicamento) ou de uma condição médica geral. Especificar tipo: Tipo fase de sono atrasada: um padrão persistente de atraso para iniciar o sono e para despertar, com uma incapacidade de adormecer e despertar mais cedo. Tipo mudança de fuso horário: sonolência e vigília que ocorrem em um momento inadequado do dia, relativamente ao tempo local, ocorrendo após viagens repetidas atravessando mais de um fuso horário. Tipo mudanças freqüentes de turno de trabalho: insônia durante o principal período de sono ou sonolência excessiva durante o principal período de vigília, associadas com trabalho noturno ou freqüentes mudanças de turno de trabalho. Tipo inespecificado.
TRANSTORNOS DO SONO
823
dual, o tipo de vôos transmeridionais em geral desaparece de forma espontânea em 2 a 7 dias; nenhum tratamento específico é necessário. Alguns acham que podem prevenir os sintomas por modificar seu horário de refeições e de sono antes de viajar. Outros acham que aquilo que parece ser sintoma do vôo transmeridional está, na verdade, associado à privação do sono e que apenas conseguindo sono suficiente a condição pode melhorar. A melatonina tomada por via oral nos momentos prescritos é útil para algumas pessoas. TIPO MUDANÇAS DE TURNOS. Tende a ocorrer entre indivíduos que
mudam de esquema de trabalho de forma repetida e rápida e, às vezes, entre aqueles com ciclos de sono caóticos auto-impostos. O sintoma mais freqüente é um período misto de insônia e sonolência, mas vários outros sintomas e problemas somáticos, inclusive úlcera péptica, podem estar associados ao padrão após algum tempo. Certos adolescentes e jovens adultos parecem suportar essas mudanças muito bem e exibir poucos sintomas, mas os mais idosos e os com sensibilidade à mudança são claramente afetados. Os sintomas, em geral, são piores nos primeiros dias após a mudança para um novo esquema, mas podem persistir por mais tempo. O forçar de novas horas de sono e a terapia com luz podem auxiliar os trabalhadores a se ajustarem a seus novos esquemas. Muitos indivíduos nunca se adaptam completamente a condições incomuns de mudanças porque mantêm o padrão alterado somente cinco dias por semana e retornam ao padrão predominante do resto da população nos dias livres e nas férias. Os esquemas de mudanças de turno de trabalho são uma área importante que não recebeu estudo suficiente, especialmente em vista das mudanças incomuns e dos esquemas de turnos cambiantes em que uma grande parte da população trabalha. A sensibilidade a essas mudanças de turnos varia bastante, mas o organismo de um número razoável de indivíduos não se adapta ao trabalho em turnos; por isso, estes não devem ser designados para esse tipo de estratégia. Alguns indivíduos são “corujas”, gostam de ficar até tarde à noite e dormir durante o dia, outros são “cotovias”, que se levantam e se deitam cedo. Um problema particular ocorre no treinamento de médicos, que muitas vezes necessitam trabalhar de 36 a 48 horas sem dormir. Essa condição é perigosa tanto para os profissionais como para seus pacientes. Compete aos educadores desenvolver mais turnos para médicos em treinamento. SEM ESPECIFICAÇÃO. Síndrome do avanço da fase do sono. Caracteriza-se por início do sono e tempo de despertar antes do que o desejado, com os tempos reais de sono quase nas mesmas horas diárias, sem relato de dificuldade em manter o sono, uma vez iniciado, e uma incapacidade de adiar a fase de sono por forçar os tempos convencionais de dormir e despertar. Diferentemente do tipo de atraso da fase do sono, a condição não interfere no dia de trabalho ou estudo. A principal queixa é a incapacidade de permanecer acordado ao anoitecer e de dormir pela manhã até o tempo desejado.
Padrão desorganizado de sono-vigília. É definido como um
comportamento de sono e vigília irregular, variável, que perturba o padrão regular. A condição se associa a sestas diurnas freqüen-
824
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
tes em momentos irregulares e a repouso excessivo no leito. O sono à noite não é longo o suficiente, e a condição parece ser de insônia, embora a quantidade total de sono nas 24 horas seja normal para a idade do paciente. Dissonia sem outra especificação. De acordo com o DSM-IV-TR, a dissonia sem outra especificação inclui as insônias, as hipersonias e os transtornos dos ritmos circadianos que não satisfazem os critérios para qualquer dissonia específica (Tab. 24.2-13). Consistem de contrações abruptas altamente estereotipadas de certos músculos das pernas durante o sono. Falta ao paciente qualquer percepção subjetiva acerca desses abalos. Essa condição pode estar presente em cerca de 40% dos indivíduos acima dos 65 anos de idade. Os movimentos repetitivos das pernas ocorrem a cada 20 a 60 segundos, com a extensão do grande artelho e a flexão do tornozelo, do joelho e dos quadris. Despertares freqüentes, sono não-reparador e sonolência diurna são os principais sintomas. Nenhum tratamento mostrou-se completamente eficiente. Intervenções úteis incluem benzodiazepínicos, levodopa (Larodopa), quinina e, em casos raros, opióides.
MIOCLONIAS NOTURNAS.
SÍNDROME DAS PERNAS INQUIETAS. Neste caso, os indivíduos têm sensações profundas de deslocamentos nas panturrilhas quando sentados ou deitados. As disestesias raramente são dolorosas, mas são infindáveis e levam a uma urgência quase irresistível de movimentar as pernas; dessa forma, a síndrome interfere no sono e no adormecer (Fig. 24.2-4). Tem seu pico na meia-idade e ocorre em 5% da população. A síndrome não tem tratamento estabelecido. Os sintomas são aliviados pelos movimentos e pela massagem das pernas. Quando a farmacoterapia é necessária, benzodiazepínicos, levodopa, quinina, opióides, propranolol (Inderal), valproato (Depakene) e carbamazepina (Tegretol) podem ser de algum benefício. SÍNDROME DE KLEINE- LEVIN. A síndrome de Kleine-Levin é uma condição relativamente rara, que consiste de períodos recorrentes de sono prolongado (dos quais os pacientes podem ser acordados), com períodos interpostos de sono normal e vigília alerta. Durante os episódios hipersônicos, períodos despertos são notáveis pela reclusão de contatos sociais e pelo retorno ao leito na primeira oportunidade; os pacientes podem exibir também apatia, irritabilidade, confusão, alimentação voraz, perda de inibições sexuais, delírios, alucinações, desorientação franca, comprometimento da memória, fala incoerente, excitação
TABELA 24.2-13 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para dissonia sem outra especificação A categoria dissonia sem outra especificação serve para insônias, hipersonias ou perturbações do ritmo circadiano que não satisfazem os critérios para qualquer dissonia específica. Exemplos: 1. Queixas de insônia ou hipersonia clinicamente significativas atribuíveis a fatores ambientais (p. ex., ruído, luzes, interrupções freqüentes). 2. Sonolência excessiva atribuível a uma privação de sono contínua. 3. “Síndrome das pernas inquietas”: caracterizada por um desejo de mover as pernas ou os braços, associada a sensações desconfortáveis tipicamente descritas como arrepios, formigamento, ardência, queimação ou coceira. Movimentos freqüentes dos membros ocorrem em um esforço para aliviar as sensações. Os sintomas são piores quando o indivíduo está em repouso e no fim da tarde ou noite, e são aliviados temporariamente pelos movimentos. As sensações desconfortáveis e os movimentos dos membros podem retardar o início do sono, acordar o indivíduo e provocar à sonolência ou fadiga diurna. Estudos do sono demonstram movimentos involuntários periódicos dos membros durante o sono na maioria dos indivíduos com síndrome das pernas inquietas. Alguns deles têm evidências de anemia ou reservas de ferro sérico reduzidas. Estudos eletrofisiológicos dos nervos periféricos e da morfologia cerebral ampla são geralmente normais. A síndrome das pernas inquietas pode ocorrer de forma idiopática ou pode estar associada a problemas neurológicos ou clínicos, incluindo gravidez normal, insuficiência renal, artrite reumatóide, doença vascular periférica ou disfunção periférica dos nervos. Fenomenologicamente, as duas formas são indistinguíveis. O início da síndrome das pernas inquietas se dá tipicamente na segunda ou terceira década, embora até 20% dos indivíduos com essa síndrome possam ter sintomas antes dos 10 anos de idade. A prevalência da síndrome fica entre 2 e 10% na população geral, e chega a 30% nas populações da clínica médica. A prevalência aumenta com a idade e é igual nos homens e nas mulheres. O curso é marcado por estabilidade ou piora dos sintomas com a idade. Existe uma história familiar positiva em 50 a 90% dos indivíduos. Os principais diagnósticos diferenciais incluem acatisia induzida por medicamentos, neuropatia periférica e cãibras noturnas nas pernas. A piora à noite e os movimentos periódicos dos membros são mais comuns na síndrome das pernas inquietas do que na acatisia induzida por medicamentos ou neuropatia periférica. Diferentemente da síndrome das pernas inquietas, as cãibras noturnas não implicam o desejo de mover os membros e tampouco há movimentos freqüentes destes. 4. Movimentos periódicos dos membros: (“mioclonia noturna”): espasmos breves e de baixa amplitude dos membros, particularmente das extremidades inferiores. Esses movimentos começam próximo ao início do sono e diminuem durante o sono de estágio 3 ou 4 de NREM e durante o sono REM. Os movimentos em geral ocorrem ritmicamente a cada 20 a 60 segundos, provocando despertares breves e repetidos. Os indivíduos tipicamente não têm consciência dos movimentos, mas podem queixar-se de insônia, despertares freqüentes ou sonolência diurna se o número de movimentos é muito grande. Os indivíduos podem ter variabilidade considerável no número de movimentos periódicos dos membros de noite para noite. Esses movimentos ocorrem na maioria das pessoas com síndrome das pernas inquietas, mas também podem ocorrer na ausência de outros sintomas. Indivíduos com gravidez normal ou problemas como insuficiência renal, insuficiência cardíaca congestiva e transtorno do estresse pós-traumático também podem desenvolver movimentos periódicos dos membros. Embora a idade típica de início e a prevalência na população em geral sejam desconhecidas, os movimentos periódicos dos membros aumentam com a idade e podem ocorrer em mais de um terço dos indivíduos com mais de 65 anos. Os homens são afetados com mais freqüência do que as mulheres. 5. Situações nas quais se conclui que uma dissonia está presente, mas é impossível de determinar se ela é primária, devida a uma condição clínica geral ou induzida por uma substância. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright, 2000, com permissão.
SONO NORMAL E
C3-A2
TRANSTORNOS DO SONO
825
dem estar envolvidos, mas não foram relatadas anormalidades específicas em exames laboratoriais. Foram encontrados níveis elevados de serotonina no líquido cerebrospinal (LCS) de uma paciente.
O1-A2
Transtornos do sono são comuns em mulheres grávidas. Vários fatores hormonais contribuem para essa condição, inclusive mudanças da linha de base nos níveis de estrógeno, progesterona, cortisol e melatonina. Além disso, mudanças na fisiologia da respiração, nos hábitos corporais e, no terceiro trimestre, movimentos do feto podem todos atuar para reduzir a quantidade e a qualidade do sono.
TRANSTORNO DO SONO NA GRAVIDEZ.
EOG
EOG
EMG
SONO INSUFICIENTE. O sono insuficiente é definido como uma quei-
EKG AIRFLOW
RC-MVMNT
EMG-AT-R EMG-AT-L
FIGURA 24.2-4 Síndrome das pernas inquietas. A paciente se apresentou com queixas de sensações de deslocamento desconfortável das pernas quando tentava pegar no sono. Os pacientes com freqüência relatam urgência de movimentar as pernas para terminar com a sensação. A figura exibe um padrão bilateral de atividade EMG das pernas; contudo, a descarga é mais pronunciada no tibial anterior esquerdo (EMG-AT-L) do que no direito (EMG-AT-R). Esse padrão continuou por mais de uma hora, à medida que a paciente tentava adormecer; observe que a atividade aguda no EEG central e occipital (C3A2 e O1-A2, respectivamente), e o EOG é um artefato do ECG e não uma anormalidade do EEG. (Cortesia de Constance A. Moore, M. D., Robert L. Willimas, M. D. e Max Hirshkowitz, Ph.D.)
ou depressão e truculência. Febres inexplicáveis ocorrem em alguns casos. A síndrome de Kleine-Levin não é comum. Cerca de 100 casos com as manifestações sugerindo o diagnóstico foram relatados. Na maioria deles, vários episódios de hipersonia, cada um durando de uma a várias semanas, são experimentados durante o ano. Com poucas exceções, o primeiro ataque ocorre entre as idades de 10 a 21 anos. Exemplos raros de início na quarta ou quinta décadas da vida foram referidos. A síndrome parece ser quase sempre autolimitada, e a remissão persistente ocorre de forma espontânea antes dos 40 anos de idade nos casos de início precoce. SÍNDROME ASSOCIADA À MENSTRUAÇÃO. Algumas mulheres experimentam hipersonia notável intermitente, alterações dos padrões de comportamento e apetite voraz durante ou logo antes do início da menstruação. Anormalidades não específicas do EEG, semelhantes àquelas presentes na síndrome de Kleine-Levin, têm sido documentadas em várias instâncias. Fatores endócrinos po-
xa inicial de sonolência diurna e sintomas associados decorrente da impossibilidade de se obter o sono suficiente para manter a vigília alerta. O indivíduo está privado de sono de forma voluntária, mas, talvez sem saber, tal condição pode atingir um nível crônico. O diagnóstico pode ser feito com base na história, incluindo um registro do sono. Alguns indivíduos, em especial estudantes e trabalhadores em turnos, que querem manter uma vida diurna ativa e exercem seu trabalho noturno, podem privar-se do seu sono e, dessa forma, têm sonolência durante as horas de vigília. EMBRIAGUEZ DO SONO. Esta é uma forma anormal de despertar em que a falta de um sensório claro na transição do sono para a vigília plena é prolongada e exagerada. Desenvolve-se um estado de confusão que, por vezes, leva o indivíduo a se comportar de forma inconveniente ou até mesmo a cometer atos criminosos. O diagnóstico necessita da ausência de privação do sono. É uma condição rara e pode haver uma tendência familiar. Antes de se fazer o diagnóstico, os clínicos devem examinar o sono do paciente e excluir condições como apnéia, mioclonias noturnas, narcolepsia e uso excessivo de álcool ou outras substâncias.
Parassonias Transtorno de pesadelos. Pesadelos são sonhos longos, aterradores, dos quais os indivíduos acordam assustados (Tab. 24.214). Como os demais sonhos, ocorrem quase exclusivamente durante o sono REM e em geral após um longo período deste, tarde na noite. Alguns indivíduos têm pesadelos freqüentes, como uma condição durante toda a vida; outros os experimentam mais em épocas de estresse e doença. Cerca de 50% da população adulta pode relatar pesadelos ocasionais. Nenhum tratamento específico é necessário para essa condição. Agentes que suprimem o sono REM, como os tricíclicos, podem reduzir a freqüência dos pesadelos, e os benzodiazepínicos também têm sido utilizados. De forma contrária à crença popular, não há prejuízos que resultem de despertar um indivíduo que esteja tendo um pesadelo. R., uma mulher branca de 20 anos de idade, foi encaminhada com sintomas de falar, murmurar e chorar durante o sono. Pelo menos duas vezes por semana gritava durante o sono. A paciente ficava incomodada pela sonolência excessiva e por adormecer de forma inapropriada (p. ex., durante uma conversação). Quando inativa, ficava cansada e sonolenta, mesmo após
826
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 24.2-14 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno de pesadelos A. Despertares repetidos durante o principal período de sono ou cochilos, com recordação detalhada de sonhos extensos e aterradores, em geral envolvendo ameaças à sobrevivência, segurança ou auto-estima. Os despertares habitualmente ocorrem durante a segunda metade do período de sono. B. Ao despertar dos sonhos aterradores, o indivíduo rapidamente se torna orientado e alerta (ao contrário da confusão e da desorientação vistas no transtorno de terror noturno e em algumas formas de epilepsia). C. A experiência onírica ou o distúrbio do sono resultante do despertar causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. D. Os pesadelos não ocorrem exclusivamente durante o curso de outro transtorno mental (p. ex., delirium, transtorno de estresse pós-traumático) nem são decorrentes dos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., droga de abuso, medicamento) ou de uma condição clínica geral. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright, 2000, com permissão.
uma noite completa de oito horas de sono. Contudo, tinha energia quando motivada e levava uma vida vigorosa. Certa vez, ela se acordou fora de seu apartamento, e sua companheira de quarto teve de deixá-la entrar de volta porque ela havia se trancado fora do mesmo. R. não se recorda de nenhum episódio de sonambulismo ou outros vagares noturnos, mas se lembra de gritar algumas vezes. Da história, o choro parecia ocorrer no sono leve, mas ela quase nunca se lembrava de quaisquer pensamentos relacionados ao sono ou aos sonhos. Apresentava uma história de pesadelos ocasionais e bruxismo. Utilizava um dispositivo oral para proteger seus dentes. Foram observados chutes e roncos leves sem suspiros ou se engasgar. A paciente também se queixava de chutes durante o sono. Seu ciclo de sono-vigília era irregular e ela tinha uma média de 5 a 7 horas de sono por noite. Às vezes, acordava com cefaléia pela manhã. A história médica prévia incluiu uma hospitalização por convulsões febris na infância, e cirurgia oftalmológica para estrabismo e amigdalectomia na adolescência. Além disso, a saúde era excelente. A paciente não fumava nem consumia álcool. DISCUSSÃO Pela história, R. tinha uma ou mais das parassonias. O sonilóquio isolado não necessita de estudo de sono, mas essa paciente apresenta vagar noturno. A polissonografia e o EEG clínico foram indicados para excluir convulsões noturnas nãoreconhecidas ou outros fatores orgânicos induzindo o sonambulismo. Esta última condição é comum, não sendo necessariamente consideradava anormal em crianças pequenas; contudo, é rara em adultos e merece uma avaliação cuidadosa. É possível que a sonolência diurna excessiva da paciente decorria do sono insuficiente (5 a 7 horas por noite) e da perturbação com a parassonia. É interessante notar que muitas parassonias são exacerbadas pela privação do sono, como o transtorno de convulsões noturnas.
Foram realizados estudos de sono utilizando-se uma polissonografia abrangente, observada no laboratório. Antes do estudo de toda a noite, foi feito um EEG clínico, que não revelou nenhuma atividade anormal significativa durante a linha de base, a fotoestimulação ou a hiperventilação. Uma montagem extensa do EEG foi utilizada durante o estudo do sono. A qualidade geral deste esteve dentro da faixa normal. A eficiência do sono foi de 96%, e a latência para adormecer, de um minuto. A porcentagem de sono REM foi alta (31%) e sua latência foi abaixo do normal (57 minutos). O sono de ondas lentas foi normal em porcentagem, mas a atividade delta do EEG era de amplitude muito alta. A macroarquitetura geral do sono sugeriu um rebote de privação do sono. Em contraste, a microarquitetura do sono continha muitos aspectos anormais. Observaram-se surtos paroxísticos de elevada amplitude no EEG, fusos de sono e complexos K muito prolongados. Houve um despertar do sono de ondas lentas com descargas rítmicas do EEG se alternando com ondas agudas. Ocorreram ondas agudas e pontas várias vezes; contudo, o foco foi difícil de se localizar (possivelmente no lobo temporal direito). Ela exibiu movimentos corporais freqüentes e abalos corporais globais, a maioria dos quais durante o sono NREM. Episódios de gemidos durante o sono de ondas lentas e riso durante o Estágio 2 foram seguidos por surtos de ondas teta de amplitude elevada e sono REM. Foram observados movimentos e despertares do sono REM freqüentes, mas sem relação com as pontas ou as ondas agudas. Percebeu-se atividade semelhante a crises com o EEG durante a noite, em grande parte durante o sono de ondas lentas. Contudo, a paciente não tentava caminhar. A atividade de ondas agudas e pontas aumentaram durante os 45 minutos finais do estudo do sono. A paciente não teve comprometimento da respiração relacionada ao sono e o nadir da SaO2 foi de 90%. Ela não teve movimentos periódicos dos membros durante o sono, e aspectos poligráficos associados à síndrome das pernas inquietas estiveram ausentes. (Cortesia de Constance A. Moore, M. D., Robert L. Willimas, M. D. e Max Hirschkowitz, Ph.D.) Transtorno do terror noturno. Trata-se de um despertar no primeiro terço da noite, durante o sono NREM (Estágios 3 e 4). É quase sempre iniciado por grito agudo ou choro, acompanhado por manifestações comportamentais de atividade intensa beirando o pânico (Tab. 24.2-15). Em geral, os pacientes se sentam na cama com uma expressão aterrorizada, gritam alto e chegam a se acordar imediatamente com uma sensação intensa de terror. Podem permanecer acordados em um estado desorientado, mas com mais freqüência adormecem e, como no sonambulismo, esquecem o episódio. Um episódio de terror noturno após o grito original leva a um episódio de sonambulismo. Registros poligráficos são bastante semelhantes aos de sonambulismo; na verdade, ambas condições parecem estar relacionadas. Os terrores noturnos, como episódios isolados, são muito freqüentes em crianças. Cerca de 1 a 6% delas têm a condição, que é mais comum em meninos do que em meninas e tende a ocorrer em famílias.
SONO NORMAL E
TABELA 24.2-15 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno de terror noturno A. Episódios recorrentes de despertar abrupto, geralmente ocorrendo durante a primeira terça parte do episódio principal de sono e iniciando com um grito de pânico. B. Medo intenso e sinais de excitação autonômica, tais como taquicardia, taquipnéia e sudorese durante cada episódio. C. Relativa ausência de resposta a esforços de outros para confortar o indivíduo durante o episódio. D. Não há recordação detalhada de algum sonho e existe amnésia para o episódio. E. Os episódios causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. F. O distúrbio não se deve aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., droga de abuso, medicamento) ou de uma condição médica geral. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright, 2000, com permissão.
Os terrores noturnos podem ser reflexo de uma anormalidade neurológica menor, talvez no lobo temporal ou em estruturas subjacentes, porque quando se iniciam na adolescência ou na vida adulta jovem podem constituir o primeiro sintoma de uma epilepsia do lobo temporal. Em um caso típico de terror noturno, contudo, não são observados sinais de epilepsia do lobo temporal ou de outro transtorno convulsivo, tanto em exames clínicos como em registros de EEG (Fig. 24.2-5). Ainda que esta condição tenha uma relação direta com o sonambulismo e, em alguns casos, com enurese, tanto um quanto outro diferem do terror noturno. Os terrores noturnos se associam apenas ao despertar com terror. Os pacientes em geral não
EEG
TRANSTORNOS DO SONO
827
têm lembrança de sonhos, mas podem relembrar a imagem isolada aterradora. É pouco provável ser necessário tratamento específico para o transtorno do terror noturno. Pode ser importante a investigação de situações estressantes na família, e a terapia individual ou familiar é útil nesses casos. Para aqueles que a medicação é necessária, o diazepam (Valium) em pequenas doses à noite melhora a condição e até elimina os ataques. Sonambulismo. O caminhar dormindo, também conhecido como sonambulismo, consiste em uma seqüência de comportamentos complexos que se iniciam no primeiro terço da noite durante o sono NREM (Estágios 3 e 4) e muitas vezes, embora nem sempre, progridem – sem consciência plena ou recordação posterior do episódio – para o levantar da cama e o caminhar (Tab. 24.2-16). Os pacientes se sentam e até executam atos motores perseverantes, como caminhar, vestir-se, ir ao banheiro, falar, gritar e mesmo dirigir. O comportamento pode terminar com o despertar, com vários minutos de confusão; com mais freqüência, voltam ao sono sem qualquer recordação do acontecimento. Um despertar induzido de forma artificial do Estágio 4 do sono é capaz de induzir esta condição. Por exemplo, em crianças, em especial entre aquelas com história de sonambulismo, um ataque pode ser provocado por colocá-las de pé e, assim, produzir um despertar parcial durante o Estágio 4 do sono. O sonambulismo em geral se inicia entre as idades de 4 e 8 anos. O pico da prevalência é ao redor dos 12 anos de idade. Ele é mais comum entre meninos, e cerca de 15% das crianças têm um episódio ocasional. Tende a ocorrer em famílias. Uma anormalidade neurológica menor pode estar subjacente a esta condição; os episódios não devem ser considerados apenas psicogênicos, embora períodos estressantes estejam associados ao aumento do sonambulismo em indivíduos predispostos. Cansaço extremo ou privação prévia do sono exacerbam os ataques. O transtorno pode ser perigoso por causa da possibilidade de lesões por aciden-
EOG EOG EMG EKG AIRFLOW RC MVMNT EMG-AT FIGURA 24.2-5 Polissonograma de um terror do sono. A. Mostra aproximadamente 14 segundos de traçado ocorrendo imediatamente antes do terror do sono. Atividade de onda lenta EEG proeminente e outras características de sono do estágio 4 são observadas. B. Mostra o despertar, acompanhado por taquicardia e movimento. A atividade EEG é ambígua, e o paciente eventualmente desconectou seus eletrodos quando se agitou violentamente na cama (visível bem à direita da figura). Embora o paciente tenha gritado e se agitado muito, nenhum sonho foi relatado. Pela manhã, ele tinha pouca lembrança do que havia ocorrido durante a noite. (Cortesia de Constance A. Moore, M.D., Robert L. Williams, M.D., e Max Hirschkowitz, Ph.D.)
TABELA 24.2-16 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para sonambulismo A. Episódios repetidos de levantar da cama e deambular durante o sono, geralmente ocorrendo durante a primeira terça parte do principal episódio de sono. B. Durante o episódio de sonambulismo, o indivíduo apresenta uma expressão facial vazia e fixa, praticamente não responde aos esforços de outros para comunicarem-se com ele e pode ser despertado apenas com grande dificuldade. C. Ao despertar (do episódio de sonambulismo ou na manhã seguinte), o indivíduo tem amnésia para o episódio. D. Alguns minutos após despertar do episódio de sonambulismo, não mais existe prejuízo da atividade mental ou do comportamento (embora possa haver, inicialmente, um curto período de confusão ou desorientação). E. O sonambulismo causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. F. O distúrbio não é decorrente dos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., droga de abuso, medicamento) ou de uma condição clínica geral. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright, 2000, com permissão.
828
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
tes. O tratamento consiste em medidas de prevenção de lesões e medicamentos que suprimam os Estágios 3 e 4 do sono. O sonâmbulo pode ser acordado durante o episódio sem efeitos prejudiciais. Uma menina de 11 anos de idade pediu à mãe para levála a um psiquiatra porque ela temia que pudesse “estar ficando louca”. Várias vezes durante os últimos dois meses acordara confusa sobre onde estava, até que se deu conta de que estava no divã da sala de estar ou na cama de sua irmã menor, mesmo quando tinha ido para a cama em seu quarto. Quando recentemente acordou no quarto de seu irmão mais velho, ficou muito preocupada e se sentiu culpada por isso. Sua irmã mais nova disse que ela tinha visto a paciente caminhar durante a noite, parecendo uma “autômata”, que não respondeu quando a chamou, e que ela havia feito isso várias vezes, mas em geral voltava para a própria cama. A paciente temia que pudesse ter “amnésia” porque não tinha recordação de qualquer coisa acontecendo durante a noite. Não há história de convulsões ou episódios similares durante o dia. Um EEG e exame físico se mostraram normais. O estado mental da paciente não apresentava alterações, exceto por alguma ansiedade sobre os sintomas e as preocupações habituais do início da adolescência. O desempenho escolar e o familiar eram excelentes. DISCUSSÃO A menina não estava “ficando louca”, mas experimentando as manifestações características do sonambulismo; os episódios de levantar da cama durante o sono e caminhar, parecendo sem responder durante os episódios, experimentando amnésia para o evento após acordar e não exibindo evidência de comprometimento da consciência vários minutos após o despertar. Crises de epilepsia psicomotora foram excluídas pelo EEG normal e pela ausência de qualquer comportamento semelhante a crises epiléticas durante o estado de vigília. Embora o processo de dissociação esteja envolvido, em vista de o transtorno se iniciar durante o sono, este foi classificado como transtorno do sono e não como um transtorno dissociativo. (De Case book DSM-IV.) Parassonia sem outra especificação. Os critérios diagnósticos para parassonia sem outra especificação são apresentados na Tabela 24.2-17. BRUXISMO RELACIONADO AO SONO.
Bruxismo, o ranger os dentes, ocorre durante toda a noite, com mais proeminência no Estágio 2 do sono. De acordo com os dentistas, 5 a 10% da população sofre de bruxismo grave o suficiente para produzir danos observáveis nos dentes. A condição pode passar desapercebida pelos pacientes, exceto por uma dor na mandíbula ocasional pela manhã, mas os companheiros de quarto muitas vezes são acordados pelo ruído. O tratamento consiste de uma placa de mordedura dental e procedimentos ortodônticos de correção.
TABELA 24.2-17 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para parassonia sem outra especificação A categoria parassonia sem outra especificação serve para perturbações caracterizadas por um comportamento ou eventos fisiológicos anormais durante o sono ou transições do sono para a vigília, que, no entanto, não satisfazem os critérios para uma parassonia mais específica. Exemplos: 1. Transtorno de comportamento durante o sono REM: atividade motora, freqüentemente de natureza violenta, que surge durante o sono REM. Ao contrário do sonambulismo, esses episódios tendem a ocorrer mais tarde durante a noite e estão associados com uma vívida recordação de sonhos. 2. Paralisia do sono: incapacidade para executar movimentos voluntários durante a transição entre a vigília e o sono. Os episódios podem ocorrer no início do sono (hipnagógicos) ou com o despertar (hipnopômpicos). Os episódios geralmente estão associados com extrema ansiedade e, em alguns casos, medo de morte iminente. A paralisia do sono ocorre habitualmente como sintoma adicional da narcolepsia e, nesses casos, não deve ser codificada separadamente. 3. Situações nas quais se conclui pela presença de uma parassonia, mas é impossível determinar se esta é primária, devido a uma condição clínica geral ou induzida por uma substância. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright, 2000, com permissão.
Caracteriza-se pela perda da atonia durante o sono REM e o surgimento subseqüente de comportamentos violentos e complexos. Em essência, os pacientes com o transtorno põem em ação seus sonhos. O risco principal é o de lesões sérias nos pacientes ou em suas companheiras de leito. O desenvolvimento ou o agravamento do transtorno tem sido relatado em pacientes com narcolepsia tratados com psicoestimulantes e medicamentos tricíclicos e naqueles com depressão e transtorno obsessivo-compulsivo tratados com fluoxetina. O transtorno do comportamento do sono REM é atenuado com o clonazepam (Rivotril), 0,5 a 2 mg por dia. A carbamazepina, 100 mg três vezes ao dia, também é eficaz no controle da condição. FALAR DORMINDO (SONILÓQUIO). É comum em crianças e adultos. Tem sido bastante estudado em laboratórios do sono e é encontrado em todos os estágios do sono. O falar em geral envolve umas poucas palavras, difíceis de se distinguir. Episódios longos de falar dormindo estão relacionados à vida e às preocupações da pessoa afetada, sem, contudo, relatar seus sonhos durante o sono, nem revelar por vezes segredos íntimos. Muitas vezes, o sonilóquio acompanha os terrores noturnos e o sonambulismo. Isolado, não requer tratamento. OSCILAÇÃO DA CABEÇA RELACIONADA AO SONO (JACTATIO CAPITIS
NOCTURNA).
A oscilação da cabeça relacionada ao sono é a designação de um comportamento de sono que consiste principalmente da oscilação rítmica de ida e volta (com menos freqüência, de balanço de todo o corpo), ocorrendo um pouco antes ou durante o sono. Em geral, é observada no período imediato pré-sono, sendo mantida até o sono leve. De forma incomum persiste até ou ocorre no sono profundo NREM. O tratamento consiste de medidas para evitar lesões.
PARALISIA DO SONO. TRANSTORNO DO COMPORTAMENTO DO SONO REM.
Trata-se de uma condição crônica, progressiva, encontrada principalmente em homens.
A paralisia do sono se caracteriza por uma súbita incapacidade de executar movimentos voluntários tanto no início do sono como no despertar durante a noite ou de manhã.
SONO NORMAL E
TRANSTORNOS DO SONO RELACIONADOS A OUTRO TRANSTORNO MENTAL.
O DSM-IV-TR define transtorno do sono relacionado a outro transtorno mental como uma queixa de transtorno do sono causado por um transtorno mental diagnosticável, mas grave o suficiente para merecer atenção por si só.
0 Estágio 0 (vigília) Estágio de sono REM Estágio 1 do sono Estágio 2 do sono Estágio 3 do sono Estágio 4 do sono Movimentos corporais
1
2
3
Horas de registro 4 5 6 7
8
9
10
0 Estágio 0 (vigília) Estágio de sono REM Estágio 1 do sono Estágio 2 do sono Estágio 3 do sono Estágio 4 do sono Movimentos corporais
1
2
3
Horas de registro 4 5 6 7
8
9
10
Insônia relacionada a transtornos dos Eixos I ou II É classificada aqui a insônia que ocorre por pelo menos um mês e está claramente relacionada a sintomas psicológicos e comportamentais de um transtorno mental bem-conhecido (Tab. 24.2-18). A categoria consiste de um grupo heterogêneo de condições. Os problemas de sono são, em geral, mas nem sempre, dificuldade de adormecer secundária a ansiedade, que é parte de qualquer um dos vários transtornos mentais listados. A insônia é mais comum em mulheres do que em homens. Em casos evidentes de que a ansiedade tem raízes psicológicas, o tratamento psiquiátrico (p. ex., psicoterapia individual, psicoterapia de grupo ou terapia familiar) por vezes alivia a insônia. A insônia associada ao transtorno depressivo maior envolve um início de sono relativamente normal, mas com despertares repetidos durante a segunda metade da noite e o despertar precoce pela manhã (Fig. 24.2-6), em geral com um humor desagradável. (A manhã é o pior momento do dia para muitos pacientes com transtorno depressivo maior). A polissonografia mostra redução dos Estágios 3 e 4 do sono, com uma latência curta para o sono REM e um longo primeiro período REM. A utilização de privação parcial ou total do sono pode acelerar a resposta a medicamentos antidepressivos. D. é uma mulher de 36 anos que se queixa de insônia crônica. Embora tenha tido problemas intermitentes de sono desde seus anos de faculdade, desenvolveu dificuldades mais persistentes no último ano e meio. Essa piora coincidiu com vários estresses, inclusive mudança para uma nova casa, troca de emprego de seu esposo, sua própria decisão de deixar
TABELA 24.2-18 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para insônia relacionada a outros transtornos mentais A. A queixa predominante é de dificuldade para iniciar ou manter o sono, ou sono não reparador, pelo período mínimo de 1 mês, associada com fadiga ou funcionamento prejudicado durante o dia. B. O distúrbio do sono (ou seqüelas diurnas) causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. C. Considera-se que a insônia esteja relacionada a outro transtorno do Eixo I ou do Eixo II (p. ex., Transtorno Depressivo Maior, Transtorno de Ansiedade Generalizada, Transtorno da Adaptação com Ansiedade), mas é suficientemente grave a ponto de indicar atenção clínica independente. D. O distúrbio não é mais bem explicado por outro Transtorno do Sono (p. ex., Narcolepsia, Transtorno do Sono Relacionado à Respiração, Parassonia). E. O distúrbio não é decorrente dos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., droga de abuso, medicamento) ou de uma condição médica geral. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright, 2000, com permissão.
829
TRANSTORNOS DO SONO
FIGURA 24.2-6 Histograma dos estágios do sono comparando o sono normal (A) com o encontrado no transtorno depressivo maior (B). A dificuldade de manter o sono e os despertares precoces pela manhã são queixas comuns de pacientes com depressão. B ilustra os correlatos eletrofisiológicos destas queixas, começando cerca de duas horas após o sono. A continuidade do sono se torna perturbada à medida que a manhã se aproxima. Também está presente uma notável redução da latência do sono REM, um aspecto característico desta população e cogitada por alguns como refletindo um desequilíbrio colinérgico-aminérgico. (Cortesia de Constance A. Moore, M. D., Robert L. Willimas, M. D. e Max Hirschkowitz, Ph.D.)
de trabalhar e mudança de seu pai idoso e doente para junto da família. Ela se queixa de que não dorme nada algumas noites e se preocupa com o fato de que sua falta de sono possa comprometer sua capacidade de cuidar dos filhos e seu desempenho durante o dia. Foi-lhe prescrito alprazolam, e ela tem utilizado difenidramina e álcool para auxiliá-la nos problemas de sono, mas a insônia tem sempre retornado logo após a interrupção de cada um deles. Além disso, foi tratada por um psicólogo com técnicas de visualização e relaxamento progressivo, mas isso resultou apenas em alívio parcial. A pacientes muitas vezes adormece no sofá quando assistindo à televisão à noite. Ela então se acorda, toma um comprimido de alprazolam e volta para a cama por volta de 1h 30min da madrugada. Ela se levanta aproximadamente às 8h. Reconhece se sentir física e mentalmente tensa sobre sua dificuldade de sono e observa que trinca as mandíbulas, crispa as mãos ou se sente em pânico à noite. Constata ainda um aumento da freqüência cardíaca e sudorese, mas nega despersonalização ou parestesias. Ela diz não ter outros comportamentos anormais durante o sono e a sonolência diurna, e apenas raramente tira uma sesta durante o dia. Com questionamento adicional, revela que, embora seu problema de sono seja a maior dificuldade que está tendo no momento, este é somente um de vários sintomas que a incomodam. Afirma que não pode parar de “se preocupar com tudo”: a saúde e a segurança da família, sua situação financeira, a segurança do trabalho de seu esposo, a possibilidade de que a velha caldeira a óleo possa explodir, o estado dos pneus do carro, a qualidade da escola dos filhos, o preenchimento dos formulários de impostos, e assim por diante. Constantemente rumina sobre essas preocupações e sofre com tensão somática manifestada por pressão no pescoço, nos om-
830
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
bros e nos músculos da mandíbula, perturbações digestivas e tendência a sobressaltos. A paciente nega episódios abruptos de pânico, mas refere episódios intermitentes de ansiedade grave que se caracterizam por palpitações, sudorese, aumento da tensão muscular, dificuldade de respiração e medo de estar perdendo a razão. É meticulosa em relação a seu trabalho e à aparência, mas não confirma a presença de pensamentos intrusivos repetidos específicos ou comportamento ritualístico. Teve um episódio de transtorno depressivo maior oito anos antes que se caracterizou por humor deprimido, insônia, redução do apetite e perda de peso, dificuldade de concentração e redução do prazer e dos interesses, mas sem ideação suicida. Procurou um pastor, e logo esses sintomas se resolveram. D. tem uma forte história familiar de insônia, depressão e ansiedade, e uma de suas irmãs está sendo tratada com antidepressivos. No momento de sua avaliação, a paciente relata grande interesse e entusiasmo por suas atividades diárias, embora sua energia esteja um tanto afetada pelo transtorno do sono. Ela nega abuso atual de álcool ou outras substâncias. Toma alprazolam 0,75 mg à noite e duas xícaras de café com cafeína por dia, e cerca de três copos de bebida alcoólica por mês. Seu problema clínico atual é endometriose. D. está casada há 10 anos e tem dois filhos, com as idades de 4 e 2 anos. Ela trabalhou como nutricionista, mas desistiu após o nascimento do segundo filho para cuidar da família. Diz que tem algum estresse conjugal porque seu esposo trabalha por muitas horas e porque a comunicação entre eles não é boa. No exame do estado mental, ela está acordada, alerta, orientada e não parece sonolenta. Afirma que se sente ansiosa e nervosa, mas nega depressão. Suas funções cognitivas estão dentro dos limites normais. Não há evidência de sintomas psicóticos ou de obsessões ou compulsões nítidas. Sua fala é normal em velocidade e ritmo, mas ela tende a incluir respostas pormenorizadas a todas as perguntas. Diagnóstico segundo o DSM-IV Eixo I: Insônia relacionada ao transtorno de ansiedade generalizada Eixo II: Transtorno de ansiedade generalizada, traços de personalidade obsessivo-compulsiva Eixo III: Endometriose Eixo IV: Estresse conjugal, mudança para uma casa nova, doença do pai Eixo V: GAF = 65 (atual); 75 (o nível mais elevado no ano passado) (De DSM-IV Case Studies.) O transtorno de pânico pode estar associado a despertares paroxísticos ou à entrada nos Estágios 3 e 4 do sono. Os sintomas emocionais e cognitivos dos ataques de pânico estão presentes, em conjunto com taquicardia e aumento da freqüência respiratória. Pacientes com transtorno maníaco e transtorno bipolar II
parecem ser casos extremos de pessoas que dormem pouco. Estas parecem ter dificuldade de adormecer, mas não se queixam tanto de problemas do sono. Acordam refeitas após 2 a 4 horas de sono e parecem ter uma verdadeira redução de sua necessidade de sono durante o curso dos episódios maníacos ou hipomaníacos. Na esquizofrenia, o tempo total de sono e do sono de ondas lentas é reduzido. O sono REM diminui no início de uma exacerbação. Outras condições associadas à insônia incluem transtorno de estresse pós-traumático (pesadelos), transtorno obsessivo-compulsivo (rituais) e transtornos da alimentação. O transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) tem sido relacionado a taxas superiores às normais de transtornos do sono (em sua maioria dificuldade de adormecer). Por vezes, isso é exacerbado pelo esquema da administração de estimulantes; deve-se ter cuidado especial ao se indicar um regime medicamentoso. Hipersonia relacionada a transtornos dos Eixos I e II A hipersonia que ocorre por pelo menos um mês e está associada a um transtorno mental é encontrada em uma série de condições, inclusive no caso de transtornos do humor. A sonolência excessiva durante o dia pode ser relatada nos estágios iniciais do transtorno depressivo leve e na fase depressiva do transtorno bipolar I. Por poucas semanas, a hipersonia pode decorrer de luto não-complicado. Outras condições – como transtornos da personalidade, transtornos dissociativos, transtornos somatoformes, fuga dissociativa e transtornos amnésicos – também são capazes de levar à hipersonia (Tab. 24.2-19). O tratamento do transtorno primário deve resolver a hipersonia. OUTROS TRANSTORNOS DO SONO O DSM-IV-TR define o transtorno do sono causado por uma condição clínica como uma queixa de transtorno do sono decorrente de um efeito fisiológico de uma condição médica sobre o sistema de
TABELA 24.2-19 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para hipersonia relacionada a outro transtorno mental A. A queixa predominante é de sonolência excessiva pelo período mínimo de um mês, evidenciada por episódios prolongados de sono ou episódios de sono diurno que ocorrem quase que diariamente. B. A sonolência excessiva causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. C. Considera-se que a hipersonia esteja relacionada a outro transtorno do Eixo I ou do Eixo II (p. ex., transtorno depressivo maior, transtorno distímico), mas é suficientemente grave a ponto de indicar uma atenção clínica independente. D. O distúrbio não é melhor explicado por outro transtorno do sono (p. ex., narcolepsia, transtorno do sono relacionado à respiração, parassonia) ou por uma quantidade inadequada de sono. E. O distúrbio não é decorrente dos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., droga de abuso, medicamento) ou de uma condição clínica geral. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright, 2000, com permissão.
SONO NORMAL E
sono-vigília. Um transtorno induzido por substâncias se origina pela utilização ou interrupção recente do uso das mesmas. Transtorno do sono devido a uma condição médica geral Qualquer transtorno do sono (p. ex., insônia, hipersonia, parassonia ou uma combinação destas) pode ser causado por uma condição clínica geral (Tab. 24.2-20). Uma condição clínica associada a dor e desconforto (p. ex., artrite ou angina) pode produzir insônia. Algumas doenças se associam à insônia mesmo quando a dor ou o desconforto não está especificamente presente. Estas incluem neoplasias, lesões vasculares, infecções e condições degenerativas e traumáticas. Além delas, doenças endócrinas e metabólicas com freqüência implicam algum transtorno do sono. Estar a par da possibilidade dessas condições e obter uma boa história médica levam ao diagnóstico correto. O tratamento, quando possível, é a abordagem da condição clínica subjacente. Convulsões epiléticas. A relação do sono com a epilepsia é complexa. Os transtornos do sono (apnéia do sono, em particular) podem exacerbar convulsões. Estas, por sua vez, são capazes de perturbar a estrutura do sono, em especial do sono REM. Quando elas ocorrem quase exclusivamente durante o sono, a condição é denominada de epilepsia do sono. Cefaléias em salvas e hemicrania paroxística crônica. As cefaléias em salvas relacionadas ao sono são muito intensas, unilaterais, que aparecem durante o sono e são notáveis pelo padrão de ligar e des-
TABELA 24.2-20 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno do sono devido a uma condição médica geral A. Um distúrbio proeminente do sono suficientemente grave a ponto de indicar atenção clínica independente. B. Existem evidências, a partir da história, do exame físico ou dos achados laboratoriais, de que o distúrbio do sono é a conseqüência fisiológica direta de uma condição médica geral. C. O distúrbio não é mais bem explicado por outro transtorno mental (p. ex., Transtorno da Adaptação no qual o estressor é representado por uma condição médica geral grave). D. O distúrbio não ocorre exclusivamente durante o curso de um delirium. E. O distúrbio não satisfaz os critérios para Transtorno do Sono Relacionado à Respiração ou Narcolepsia. F. O distúrbio do sono causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. Especificar tipo: Tipo insônia: predominância de insônia. Tipo hipersonia: predominância de hipersonia. Tipo parassonia: predominância de uma parassonia. Tipo misto: presença de mais de um distúrbio do sono, sem predominância de nenhum deles. Nota para a codificação: Incluir o nome da condição médica geral no Eixo I, p. ex., Transtorno do Sono Devido a Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica, Tipo Insônia; codificar também a condição médica geral no Eixo III. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright, 2000, com permissão.
TRANSTORNOS DO SONO
831
ligar (on-off) dos ataques. A hemicrania paroxística crônica é uma cefaléia unilateral semelhante que ocorre a cada dia com inícios mais freqüentes, porém de curta duração, sem uma distribuição preponderante no sono. Ambos os tipos são exemplos de condições exacerbadas pelo sono e aparecem em associação com os períodos de sono REM, mais especificamente a hemicrania paroxística. Síndrome de deglutição anormal. Esta é uma condição durante o sono em que a deglutição inadequada leva à aspiração de saliva, à tosse e a engasgar-se. Está associada de forma intermitente a despertares ou acordar breves. Asma. A asma exacerbada pelo sono em alguns indivíduos pode levar a transtorno significativo do sono. Sintomas cardiovasculares. Os sintomas cardiovasculares relacionados ao sono derivam de alterações no ritmo cardíaco, da insuficiência do miocárdio, de insuficiência arterial coronária e de variabilidade na pressão arterial, que pode ser induzida ou exacerbada pela fisiologia cardiovascular alterada ou modificada pelo estado de sono. Refluxo gastresofágico. O refluxo gastresofágico relacionado ao sono é um transtorno em que os pacientes acordam com dor em queimadura subesternal ou uma sensação de dor geral ou aperto do peito ou um sabor amargo na boca. Tosse, engasgar-se e desconforto respiratório vago também podem ocorrer. Hemólise (hemoglobinúria paroxística noturna). A hemoglobinúria paroxística noturna é uma anemia hemolítica crônica, rara e adquirida, em que a hemólise intravascular ocasiona a hemoglobinemia e hemoglobinúria. Esse processo é acelerado durante o sono, e a urina pela manhã é marrom avermelhada. A hemólise está ligada ao período de sono, mesmo quando o mesmo é modificado.
Transtorno do sono induzido por substâncias Qualquer transtorno de sono (p. ex., insônia, hipersonia, parassonia ou uma combinação destas) pode ser causado por uma substância (Tab. 24.2-21). De acordo com o DSM-IV-TR, os clínicos devem especificar também se o início do transtorno ocorreu durante a intoxicação ou a abstinência. A sonolência relacionada à tolerância ou à retirada de um estimulante do sistema nervoso central (SNC) é comum em pessoas que interrompem uso de anfetaminas, cocaína, cafeína e substância e relacionadas. Este sintoma pode levar à depressão grave, atingindo até proporções suicidas. A utilização persistente de um depressor do SNC, como o álcool, pode causar sonolência. O uso pesado à noite produz sonolência e dificuldade de levantar no dia seguinte. Essa reação pode apresentar um problema diagnóstico quando os pacientes não admitem o abuso de álcool. A insônia tem relação com a tolerância e a abstinência de medicamentos sedativo-hipnóticos, como os benzodiazepínicos, os barbitúricos ou o hidrato de cloro. Com o uso persistente de cada um desses agentes – em geral para o tratamento de insônia
832
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 24.2-21 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno do sono induzido por substâncias A. Um distúrbio proeminente do sono suficientemente grave a ponto de indicar atenção clínica independente. B. Existem evidências, a partir da história, do exame físico ou dos achados laboratoriais, de (1) ou (2): (1) os sintomas no Critério A desenvolveram-se durante ou dentro de um mês após a Intoxicação com substância ou a abstinência de substância (2) o uso de medicação está etiologicamente relacionado com o distúrbio do sono C. O distúrbio do sono não é melhor explicado por um transtorno do sono não induzido por substância. As evidências de que os sintomas são mais bem explicados por um transtorno do sono não-induzido por substância poderiam incluir as seguintes: os sintomas precedem o início do uso da substância (ou medicamento); os sintomas persistem por um período substancial (p. ex., cerca de um mês) após a cessação da abstinência aguda ou intoxicação grave, ou excedem substancialmente os que seriam esperados, tendo em vista o tipo, a quantidade de substância usada ou a duração de seu uso; ou existem outras evidências que sugerem a existência de um transtorno do sono independente, não induzido por substância (p. ex., uma história de episódios recorrentes não relacionados a substâncias). D. O distúrbio não ocorre exclusivamente durante o curso de um delirium. E. O distúrbio do sono causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. Nota: Esse diagnóstico somente deve ser feito em vez de um diagnóstico de Intoxicação com substância ou abstinência de substância quando os sintomas relativos ao sono excedem os habitualmente associados com a síndrome de intoxicação ou de abstinência e quando os sintomas são suficientemente graves a ponto de indicar atenção clínica independente. Codificar transtorno do sono induzido por [substância específica]: (álcool; anfetamina; cafeína; cocaína; opióide; sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos; outra substância [ou substância desconhecida) Especificar tipo: Tipo Insônia: predominância de insônia. Tipo Hipersonia: predominância de hipersonia. Tipo Parassonia: predominância de uma parassonia. Tipo Misto: presença de mais de um distúrbio do sono, sem predomínio de nenhum deles. Especificar se: Com início durante a intoxicação: são satisfeitos os critérios para Intoxicação com a substância e os sintomas se desenvolvem durante a síndrome de intoxicação. Com início durante a abstinência: são satisfeitos os critérios para abstinência da substância e os sintomas se desenvolvem durante ou logo após uma síndrome de abstinência. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright, 2000, com permissão.
resultante de uma causa diferente – a tolerância aumenta e eles perdem seus efeitos indutores do sono; os pacientes então passam a aumentar a dose. Com a interrupção súbita do medicamento, sobrevém uma falta de sono grave, por vezes acompanhada de manifestações gerais de abstinência. Em geral, os pacientes experimentam um aumento temporário da gravidade da insônia. A utilização de longo prazo (acima de 30 dias) de um agente hipnótico é bem tolerada por alguns pacientes, mas outros começam a se queixar de transtornos do sono, com mais freqüência de despertares breves múltiplos durante a noite. Os registros mostram perturbação da arquitetura do sono, redução dos Estágios 3 e 4, aumento dos Estágios 1 e 2 e fragmentação do sono durante a noite.
Os clínicos devem estar a par dos estimulantes do SNC como possível causa de insônia e devem se lembrar de que vários medicamentos para redução do peso, bebidas contendo cafeína e até medicamentos adrenérgicos ingeridos por pessoas asmáticas podem todos produzir insônia. O álcool pode auxiliar a induzir o sono, mas com freqüência leva a um despertar noturno. A utilização do álcool durante a hora do coquetel pode implicar dificuldades para adormecer mais tarde, à noite. Por razões que não são sempre claras, uma ampla gama de medicamentos pode produzir dificuldades de sono como efeito colateral. Esses agentes incluem os antimetabólitos e outras substâncias quimioterapêuticas para o câncer, preparações de tireóide, agentes anticonvulsivantes, antidepressivos, medicamentos semelhantes ao hormônio adrenocorticotrópico (ACTH), anticoncepcionais orais, α-metildopa e antagonistas dos receptores β-adrenérgicos. Há agentes que não produzem transtornos do sono quando utilizados, mas podem ter este efeito na retirada. Quase todos agentes sedativos ou tranqüilizantes, incluindo por vezes os benzodiazepínicos, as fenotiazinas, os medicamentos antidepressivos tricíclicos e várias drogas de rua, inclusive a maconha e os opiáceos, podem agir dessa forma. O álcool é uma substância que produz os problemas sérios de outros depressores do SNC, tanto durante a administração – talvez relacionados ao desenvolvimento de tolerância – como após a retirada. A insônia após o consumo prolongado do álcool costuma ser grave e durar semanas ou mais. Os clínicos não devem administrar medicamentos potencialmente aditivos a pacientes que estão se recuperando de uma adicção; se possível, os medicamentos para o sono devem ser evitados. Entre os fumantes, a combinação entre o ritual relaxante e a tendência de baixas doses de nicotina levarem à sedação pode realmente auxiliar o sono, mas doses elevadas de nicotina interferem no sono, principalmente em seu início. Os fumantes tipicamente dormem menos do que os não-fumantes. A abstinência da nicotina pode causar sonolência ou ativação. REFERÊNCIAS Espie CA. Insomnia: conceptual issues in the development, persistence, and treatment of sleep disorder in adults. Annu Rev Psychol. 2002;53:215. Farney RJ, Walker JM. Office management of common sleep–wake disorders. Med Clin North Am. 1995;79:391. Greenhill LL, Pliszka S, Dulcan MK, et al. American Academy of Child and Adolescent Psychiatry practice parameter for the use of stimulant medications in the treatment of children, adolescents, and adults. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2002;41(2 suppl):26S. Hartmann PM. Drug treatment of insomnia: indications and newer agents. Am Fam Physician. 1995;51:191. Harvey AG. ldentifying safety behaviors in insomnia. J Nerv Ment Dis. 2001;190:16. Karacan I, ed. Psychophysiological Aspects of Sleep. Park Ridge, NJ: Noyes Medical;1981. Kripke DF, Garfinkel L, Wingard DL, Klauber MR, Marler MR. Mortality associated with sleep duration and insomnia. Arch Gen Psychiatry. 2002;59:131. Kryger MH, Roth T, Dement WC, eds. Principles and Practice of Sleep Medicine. 2nd ed. Philadelphia: Saunders; 1993.
SONO NORMAL E
Mahowald MW. Diagnostic testing: sleep disorders. Neurol Clin. 1996;14:183. Morin CM, Woote V. Psychological and pharmacological approaches to treating insomnia: critical issues in assessing their separate and combined effects. Clin Psychol Rev. 1996;16:521. Silverberg DS, Iaina A, Oksenberg A. Treating obstractive sleep apnea improves essential hypertension and quality of life. Am Fam Physician. 2002;65:229.
TRANSTORNOS DO SONO
833
Van Ommeren M, De Jong JTVM. Komproe I. Post-traumatic stress disorder and sleep. N Engl J Med. 2002;346:1334. Weinger MB, Ancoli-Israel S. Sleep deprivation and clinical performance. JAMA. 2002;287:955. Williams RL, Karacan I, Moore C, eds. Sleep Disorders: Diagnosis and Treatment. 2nd ed. New York: John Wiley & Sons; 1988. Williams RL, Moore CA, Hirshkowitz M. Sleep disorders. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:1677.
25 Transtornos do controle dos impulsos não classificados em outro lugar
A
revisão de texto da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR) lista seis categorias de transtornos do controle dos impulsos não classificados em outro local: (1) transtorno explosivo intermitente, (2) cleptomania, (3) piromania, (4) jogo patológico, (5) tricotilomania e (6) transtorno do controle dos impulsos sem outra especificação (SOE). Esses transtornos são conhecidos há muito tempo. Em 1838, Jean Etienne Esquirol propôs o termo instintivos monomaníacos para descrever comportamentos caracterizados por impulsos irresistíveis sem motivo aparente. Pacientes com transtornos do controle dos impulsos não resistem ao ímpeto ou à atração de fazer alguma coisa prejudicial para si mesmos ou para outras pessoas. São incapazes de resistir a seus impulsos, embora possam tentar fazê-lo, planejando ou não seus comportamentos. Antes da ação, existe uma sensação de tensão ou excitação crescente, e depois dela surge uma sensação de prazer e satisfação. Às vezes, no entanto, pode haver sentimentos de remorso ou culpa que perturbam a sensação de prazer. Como os comportamentos coincidem com os desejos, os atos são considerados egossintônicos.
Fatores psicodinâmicos, psicossociais e biológicos desempenham um papel importante nos transtornos do controle dos impulsos, mas o fator causal primário continua desconhecido. Alguns desses transtornos podem ter mecanismos neurobiológicos subjacentes em comum. Fadiga, estimulação incessante e trauma psíquico podem diminuir a resistência aos impulsos.
sivo a um superego fraco e a estruturas de ego fracas associados a traumas psíquicos produzidos por privações na infância. Otto Fenichel ligou o comportamento impulsivo a tentativas de dominar a ansiedade, a culpa, a depressão e outros afetos dolorosos por meio da ação. Ele acreditava que essas ações defendem a pessoa de perigos internos e produzem uma gratificação agressiva ou sexual distorcida. Para o observador, os comportamentos impulsivos podem parecer irracionais e motivados pela ganância, mas, na verdade, podem ser tentativas de encontrar alívio para a dor. Heinz Kohut afirmou que muitas formas de problemas do controle dos impulsos, incluindo o jogo patológico, a cleptomania e alguns comportamentos parafílicos, estão relacionadas a uma noção incompleta de self. Ele observou que, quando os pacientes não recebem as respostas de validação e afirmação que buscam nas pessoas com quem têm relacionamentos significativos, o self pode se fragmentar. Como forma de lidar com tal fragmentação e reconquistar a sensação de integridade ou coesão, as pessoas podem apelar para comportamentos impulsivos que parecem autodestrutivos para os outros. A formulação de Kohut tem algumas semelhanças com a visão de Donald Winnicott de que o comportamento impulsivo ou desviante na criança é um modo de tentar retomar a relação primitiva com a mãe. Winnicott considerava este um comportamento positivo, na medida em que a criança busca afirmação e o amor da mãe em vez de abandonar qualquer tentativa de ganhar seu afeto. Diversos terapeutas enfatizaram a fixação do paciente no estágio oral do desenvolvimento. Essas pessoas tentam dominar a ansiedade, a culpa, a depressão e outros afetos dolorosos por meio de ações, mas estas raramente têm sucesso, mesmo que temporário.
Fatores psicodinâmicos
Fatores psicossociais
Um impulso é uma disposição a agir de modo a diminuir a tensão elevada pela acumulação de tendências instintivas ou pela diminuição das defesas do ego contra tais tendências. Os transtornos dos impulsos têm em comum a tentativa de evitar a experiência de sintomas incapacitantes ou afetos dolorosos mediante a ação sobre o ambiente. Em seu trabalho com adolescentes delinqüentes, August Aichhorn atribuiu o comportamento impul-
Os fatores psicossociais implicados de forma causal nos transtornos do controle dos impulsos estão relacionados a eventos do início da vida. A criança pode ter tido modelos inadequados de identificação, como pais com dificuldade de controlar seus próprios impulsos. Outros fatores associados incluem exposição à violência em casa, abuso de álcool, promiscuidade e comportamento anti-social.
ETIOLOGIA
TRANSTORNOS DO CONTROLE DOS IMPULSOS NÃO CLASSIFICADOS EM OUTRO LUGAR
Fatores biológicos Muitos investigadores se concentraram em possíveis fatores orgânicos nos transtornos do controle dos impulsos, em especial no caso de pacientes com comportamentos violentos. Experimentos mostraram que atividades impulsivas e violentas estão associadas a regiões específicas do cérebro, como o sistema límbico, e que a inibição desses comportamentos está associada a outras regiões cerebrais. Foi encontrada uma relação entre níveis baixos de ácido 5-hidroxindolacético (5-HIAA) no líquido cerebrospinal (LCS) e agressividade impulsiva. Certos hormônios, mais especificamente a testosterona, também foram associados ao comportamento violento e agressivo. Alguns relatos descrevem uma concordância entre a epilepsia do lobo temporal e certos comportamentos violentos e impulsivos, bem como uma associação entre o comportamento agressivo em pacientes com história de trauma encefálico com um número maior de visitas a emergências hospitalares e outros antecedentes orgânicos em potencial. Uma alta incidência de dominância cerebral mista pode ser encontrada em algumas populações violentas. Evidências consideráveis indicam que o sistema do neurotransmissor serotonina medeia sintomas evidentes nos transtornos do controle dos impulsos. Em pessoas que cometeram suicídio, os níveis de 5-HIAA no tronco cerebral e no LCS são mais baixos, e os sítios de ligação da serotonina são mais numerosos. Os sistemas dopaminérgico e noradrenérgico também foram implicados na impulsividade. Os sintomas do transtorno do controle dos impulsos podem persistir na vida adulta em pessoas que recebem diagnósticos de transtorno de déficit de atenção/hiperatividade na infância. A deficiência mental ao longo de toda a vida ou adquirida, a epilepsia e até mesmo síndromes cerebrais reversíveis já foram implicadas em lapsos no controle dos impulsos. TRANSTORNO EXPLOSIVO INTERMITENTE O transtorno explosivo intermitente se manifesta como episódios circunscritos de perda do controle dos impulsos agressivos, que podem resultar em agressões sérias ou destruição de objetos. A agressividade expressa é desproporcional a qualquer estressor que possa ter ajudado a desencadear o episódio. Os sintomas, que os pacientes podem descrever como ataques ou acessos, aparecem dentro de minutos ou horas e, seja qual for a duração, desaparecem de forma espontânea e rápida. Depois de cada episódio, os pacientes em geral demonstram arrependimento genuíno ou autoreprovação, e sinais de impulsividade ou agressividade generalizada estão ausentes entre os episódios. O diagnóstico de transtorno explosivo intermitente não deve ser feito se a perda de controle pode ser explicada por esquizofrenia, transtorno da personalidade anti-social ou borderline, transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, transtorno da conduta ou intoxicação com substâncias. O termo personalidade epileptóide foi usado como referência à qualidade convulsiva das explosões características, que não são típicas do comportamento habitual do paciente, e para transmitir a suspeita de um processo de doença orgânica, como, por exemplo, danos ao sistema nervoso central. Diversas características as-
835
sociadas sugerem a possibilidade de um estado epileptóide: a presença de auras, alterações do tipo pós-ictal no sensório, incluindo amnésia parcial ou pontual, e hipersensibilidade a estímulos auditivos, luminosos ou aurais. Epidemiologia O transtorno explosivo intermitente é sub-relatado, mas parece ser mais comum em homens. Estes têm maior probabilidade de ser encontrados em instituições prisionais, e as mulheres, em instituições psiquiátricas. Em um estudo, cerca de 2% de todas as pessoas internadas no serviço psiquiátrico de um hospital universitário tinham transtornos diagnosticados como transtorno explosivo intermitente, sendo que 80% eram homens. Evidências indicam que o transtorno é mais comum em parentes biológicos em primeiro grau de pessoas com o transtorno do que na população em geral. Muitos fatores além de uma explicação genética simples podem ser responsáveis por sua etiologia. Co-morbidade Foram relatadas altas taxas de comportamento incendiário em pacientes com transtorno explosivo intermitente. Outros transtornos do controle dos impulsos, por uso de substâncias, do humor, de ansiedade e da alimentação também foram associados ao transtorno explosivo intermitente. Etiologia Fatores psicodinâmicos. Os psicanalistas sugeriram que as explosões ocorrem como uma defesa contra eventos que representam ataques ao narcisismo do indivíduo. As explosões de raiva servem para criar uma distância interpessoal e protegem a pessoa de mais danos narcísicos. Fatores psicossociais. Os pacientes típicos foram descritos como homens fisicamente fortes porém dependentes, cuja noção de identidade masculina é pobre. A sensação de ser inútil e impotente ou de ser incapaz de mudar o ambiente muitas vezes precede um episódio de violência física, e um alto nível de ansiedade, culpa e depressão segue-se ao comportamento. Um ambiente desfavorável na infância, muitas vezes carregado de dependência de álcool, espancamentos e ameaças à vida, é habitual entre esses pacientes. Os fatores predisponentes na infância incluem trauma perinatal, convulsões infantis, trauma encefálico, encefalite, disfunção cerebral mínima e hiperatividade. Pesquisadores que se concentraram na psicogênese das explosões episódicas enfatizaram a identificação com figuras parentais agressivas como símbolos do alvo da violência. Frustração precoce, opressão e hostilidade foram observadas como fatores predisponentes. Situações que lembram direta ou indiretamente as privações precoces (p. ex., pessoas que evocam a imagem dos pais frustrantes) se tornam alvos da hostilidade destrutiva.
836
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Fatores biológicos. Alguns investigadores sugerem que perturbações da fisiologia cerebral, em particular no sistema límbico, estão envolvidas na maioria dos casos de violência episódica. Fortes evidências indicam que os neurônios serotonérgicos medeiam a inibição comportamental. A diminuição da transmissão serotonérgica, que pode ser induzida pela inibição da síntese da serotonina ou pelo antagonismo de seus efeitos, reduz o efeito da punição como um obstáculo ao comportamento. A restauração da atividade da serotonina, mediante a administração de precursores como o L-triptofano ou drogas que aumentam os níveis sinápticos de serotonina, restitui o efeito comportamental da punição. Essa intervenção parece restaurar o controle da tendência à violência episódica. Níveis baixos de 5-HIAA no LCS foram correlacionados à agressividade impulsiva. Altas concentrações de testosterona têm relação com agressividade e violência interpessoal em homens. Agentes antiandrógenos demonstraram diminuir a agressividade. Fatores familiares e genéticos. Os parentes em primeiro grau de pacientes com transtorno explosivo intermitente têm taxas mais altas de transtornos do controle dos impulsos, transtornos depressivos e transtornos por uso de substâncias. Parentes biológicos tinham maior probabilidade de ter história de explosões de raiva do que a população em geral. Diagnóstico e características clínicas O diagnóstico de transtorno explosivo intermitente deve ser o resultado da obtenção de uma história que revele diversos episódios de perda de controle associados a explosões de agressividade (Tab. 25-1). Um episódio isolado não justifica o diagnóstico, e a história em geral descreve uma infância em uma atmosfera de dependência de álcool, violência e instabilidade emocional. A história profissional dos pacientes é pobre, e eles relatam perda de emprego, dificuldades conjugais e problemas com a lei. A maioria já buscou ajuda psiquiátrica no passado, mas sem resultados. Ansiedade, culpa e depressão geralmente se seguem a uma explosão, mas este não é um achado constante. O exame neurológico às vezes revela sinais neurológicos leves, como ambivalência esquerda-direita e inversão perceptiva. Os achados eletroencefalo-
TABELA 25-1 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno explosivo intermitente A. Diversos episódios distintos em que houve fracasso em resistir a impulsos agressivos, resultando em atos agressivos ou destruição de patrimônio. B. O grau de agressividade expressada durante os episódios está nitidamente fora de proporção com quaisquer estressores psicossociais desencadeantes. C. Os episódios agressivos não são melhor explicados por outro transtorno mental (p. ex., transtorno da personalidade anti-social, transtorno da personalidade borderline, episódio maníaco, transtorno da conduta ou transtorno de déficit de atenção/hiperatividade), nem se devem aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., droga de abuso, medicamento) ou de uma condição médica geral (p. ex., traumatismo craniano, doença de Alzheimer). De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
gráficos (EEG) tendem a ser normais ou demonstram alterações inespecíficas. Um corretor de imóveis de 36 anos de idade buscou auxílio devido a dificuldades em controlar sua raiva. Ele era bastante competente em seu trabalho, embora muitas vezes perdesse clientes quando se sentia irritado por sua indecisão. Em diversas ocasiões, tornou-se verbalmente abusivo, levando clientes a desistirem de negócios. A agressividade impulsiva também contribuiu para o fim de vários relacionamentos, porque as explosões súbitas de raiva continham acusações depreciativas a suas namoradas. Isso muitas vezes ocorria na ausência de qualquer conflito claro. Em várias ocasiões, o paciente ficava tão descontrolado que atirava objetos pela sala, incluindo livros, mesa e o conteúdo da geladeira. Entre os episódios, era um indivíduo bondoso e agradável, com muitos amigos. Gostava de beber nos fins de semana e tinha história de duas detenções por dirigir bêbado. Em uma dessas ocasiões, envolveu-se em uma altercação verbal com um policial. O paciente apresentava história de uso de drogas na faculdade, incluindo cocaína e maconha. O exame do estado mental revelou um paciente cooperativo, mas que se tornou bastante defensivo quando foi questionado sobre sua raiva e sentiu-se acusado pelo entrevistador por seus comportamentos pregressos. Ele não tinha qualquer história médica significativa e nenhum sinal de problema neurológico. Nunca havia se submetido a tratamento psiquiátrico antes da avaliação e não estava tomando medicação. O paciente negou qualquer sintoma de transtorno do humor ou outra atividade anti-social. O tratamento incluiu o uso de carbamazepina (Tegretol) e uma combinação de psicoterapia de apoio e cognitivo-comportamental. As explosões de raiva melhoraram à medida que ele se tornou mais ciente dos primeiros sinais de que estava prestes a perder o controle. Aprendeu técnicas para evitar confrontos quando percebia esses sinais de alerta. (Cortesia de Vivien K. Burt, M.D., Ph.D., e Jeffrey William Katzman, M.D.) Achados físicos e exames laboratoriais Pessoas com o transtorno têm alta incidência de sinais neurológicos leves (p. ex., assimetria de reflexos), achados inespecíficos no EEG, resultados anormais em testes neuropsicológicos (p. ex., dificuldades com a inversão de letras) e propensão a acidentes. A química do sangue (testes da função hepática e da tireóide, glicose em jejum, eletrólitos), a análise da urina (incluindo toxicologia para drogas) e a sorologia para sífilis podem ajudar a excluir outras causas de agressividade. Imagens de ressonância magnética (RM) são capazes de revelar mudanças no córtex pré-frontal associadas à perda do controle dos impulsos. Diagnóstico diferencial O diagnóstico de transtorno explosivo intermitente pode ser feito somente depois que transtornos associados à perda ocasional
TRANSTORNOS DO CONTROLE DOS IMPULSOS NÃO CLASSIFICADOS EM OUTRO LUGAR
do controle de impulsos agressivos foram excluídos como causa primária, os quais incluem transtornos psicóticos, alteração da personalidade devido a uma condição médica geral, transtornos da personalidade anti-social ou borderline, intoxicação com substâncias (p. ex., álcool, barbitúricos, alucinógenos e anfetaminas), epilepsia, tumores cerebrais, doenças degenerativas e distúrbios endócrinos. O transtorno da conduta se distingue do transtorno explosivo intermitente por seu padrão repetitivo e resistente de comportamento, oposto ao padrão episódico. O transtorno explosivo intermitente difere dos transtornos da personalidade anti-social e borderline porque nestes a agressividade e a impulsividade fazem parte do caráter do paciente, estando presentes entre as explosões. Na esquizofrenia paranóide e catatônica, os pacientes podem exibir comportamento violento em resposta a delírios e alucinações e demonstram comprometimento acentuado do teste da realidade. Indivíduos hostis com mania podem ser impulsivos e agressivos, mas o diagnóstico subjacente fica aparente com o exame do estado mental e a apresentação clínica. O amok é um episódio de comportamento violento agudo para o qual a pessoa diz ter amnésia. Costuma ser observado no sudeste da Ásia, mas já foi relatado na América do Norte. Esta condição se distingue do transtorno explosivo intermitente por apresentar um único episódio e características dissociativas proeminentes. Curso e prognóstico O transtorno explosivo intermitente pode começar em qualquer estágio da vida, mas em geral aparece entre o fim da adolescência e o início da vida adulta. O início pode ser súbito ou insidioso, e o curso pode ser episódico ou crônico. Na maioria dos casos, diminui de gravidade com o início da meia-idade, mas um comprometimento orgânico elevado pode resultar em episódios freqüentes e graves. Tratamento Uma abordagem que combine farmacologia e psicoterapia tem as melhores chances de sucesso. A psicoterapia com pacientes com transtorno explosivo intermitente é difícil, no entanto, devido a suas explosões de raiva. Os terapeutas podem ter problemas contratransferenciais e de estabelecimento de limites. A psicoterapia de grupo pode ser útil, assim como a terapia familiar, em particular quando o paciente explosivo é um adolescente ou um jovem adulto. Uma das metas da abordagem é fazer com que o paciente reconheça e verbalize os pensamentos ou sentimentos que precedem as explosões, em vez de agir segundo eles. Os anticonvulsivantes são usados há muito tempo para esta condição, mas com resultados mistos. O lítio (Eskalith) foi considerado útil para diminuir o comportamento agressivo de modo geral, e a carbamazepina, o valproato (Depakene) ou o divalproex (Depakote) e a fenitoína (Dilantin) também são agentes benéficos. Alguns clínicos usaram outros anticonvulsivantes (p. ex., a gabapentina [Neurotrin]). Os benzodiazepínicos são usados oca-
837
sionalmente, mas há relatos de que produzem uma reação paradoxal de descontrole em alguns casos. Drogas antipsicóticas (p. ex., fenotiazinas e antagonistas da serotonina-dopamina) e tricíclicas foram consideradas eficazes, mas os clínicos devem se perguntar se nessas situações o diagnóstico verdadeiro não deveria ser de esquizofrenia ou transtorno do humor. Quando há probabilidade de atividade do tipo convulsivo subcortical, medicamentos que diminuem o limiar de convulsões podem agravar a situação. Os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs), a trazodona (Desyrel) e a buspirona (BuSpar) são importantes para reduzir a impulsividade e a agressividade. O propanolol (Inderal), outros antagonistas do receptor βadrenérgico e inibidores do canal de cálcio também foram considerados eficazes em certos casos. Alguns neurocirurgiões realizaram tratamentos operatórios para violência e agressividade intratáveis, mas nenhuma evidência indica que estes sejam eficazes. CLEPTOMANIA A característica essencial da cleptomania é o fracasso recorrente em resistir ao impulso de furtar objetos que não são necessários para uso pessoal ou por valor monetário. Esses objetos muitas vezes são dados, devolvidos furtivamente ou mantidos escondidos. Pessoas com cleptomania em geral têm dinheiro para pagar pelos objetos que furtam de maneira impulsiva. Como outros transtornos do controle dos impulsos, a cleptomania se caracteriza por um acúmulo de tensão antes do ato, seguido de gratificação e diminuição da tensão, com ou sem culpa, remorso ou depressão. O furto não é planejado e não envolve outras pessoas. Embora não ocorra quando uma detenção imediata é provável, pessoas com cleptomania nem sempre levam em conta a chance de serem presas, mesmo que detenções repetidas levem à dor e à humilhação. Essas pessoas podem sentir culpa e ansiedade após o furto, mas não sentem raiva ou desejo de vingança. Além disso, quando o objeto furtado é a meta, o diagnóstico não é cleptomania, pois nesta o que importa é o próprio ato de furtar. Epidemiologia Sua prevalência não é conhecida, mas é estimada em cerca de 0,6%. A faixa varia de 3,8 a 24% das pessoas presas por furtos em lojas. O DSM-IV-TR relata que a cleptomania ocorre em menos de 5% das pessoas identificadas furtando em lojas. A proporção de homens para mulheres é de 1:3 em amostras clínicas. Co-morbidade Existe alta co-morbidade com outros transtornos do controle dos impulsos, transtornos do humor, transtornos de ansiedade, bulimia nervosa e transtornos da personalidade. Muitas pessoas com cleptomania têm sintomas obsessivo-compulsivos (p. ex., limpar, lavar as mãos, colecionar).
838
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Etiologia Fatores psicossociais. Os sintomas da cleptomania tendem a aparecer em momentos de estresse significativo, como, por exemplo, no caso de perdas, separações e término de relacionamentos importantes. Alguns escritores psicanalíticos enfatizaram a expressão dos impulsos agressivos na cleptomania, enquanto outros evidenciaram um aspecto libidinal. Aqueles que se concentram no simbolismo vêem sentido no ato em si, no objeto furtado e na vítima do furto. Escritores psicanalistas se concentraram nos furtos praticados por crianças e adolescentes. Anna Freud apontou que os primeiros roubos na bolsa da mãe indicam o grau em que esse comportamento está enraizado na unidade entre a mãe e a criança. Karl Abraham descreveu o sentimento essencial de ser negligenciado, ferido ou indesejado. Um teórico estabeleceu sete categorias de furto em crianças com acting-out crônico: 1. Como meio de restaurar a relação mãe-criança perdida 2. Como um ato agressivo 3. Como defesa contra o medo de ser ferido (talvez como busca do pênis no caso das meninas ou proteção contra a ansiedade de castração no caso dos meninos) 4. Como meio de buscar uma punição 5. Como meio de restaurar ou aumentar a auto-estima 6. Em conexão e como reação a um segredo de família 7. Como excitação (angústia de luxúria) e substituto para o ato sexual
Uma ou mais dessas categorias também podem se aplicar à cleptomania em adultos. Fatores biológicos. Doenças cerebrais e retardo mental foram associados à condição, assim como a outros transtornos do controle dos impulsos. Sinais neurológicos focais, atrofia cortical e aumento dos ventrículos laterais foram encontrados em alguns pacientes. Postularam-se ainda perturbações do metabolismo das monoaminas, em particular da serotonina. Fatores familiares e genéticos. Em um estudo, 7% dos parentes em primeiro grau tinham transtorno obsessivo-compulsivo. Além disso, uma taxa mais alta de transtornos do humor foi relatada entre os membros da família. Diagnóstico e características clínicas A característica essencial da cleptomania são impulsos recorrentes, intrusivos e irresistíveis de furtar objetos desnecessários (Tab. 25-2). Pacientes com o transtorno também podem sofrer com a possibilidade ou com o fato real de serem presos e manifestar sinais de depressão e ansiedade. Eles se sentem culpados, envergonhados e embaraçados com seu comportamento. Muitas vezes, têm problemas sérios em relacionamentos interpessoais e costumam mostrar sinais de perturbação da personalidade. Em um estudo, a freqüência dos furtos variava de menos de 1 a 120 episódios por mês. A maioria dos pacientes cleptomaníacos furta em lojas, mas também podem roubar objetos de membros da família em suas próprias casas.
TABELA 25-2 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para cleptomania A. Fracasso recorrente em resistir a impulsos de furtar objetos desnecessários para uso pessoal ou destituídos de valor monetário. B. Sentimento de tensão aumentada imediatamente antes da realização do furto. C. Prazer, satisfação ou alívio no momento de cometer o furto. D. O furto não é cometido para expressar raiva ou vingança, nem ocorre em resposta a um delírio ou alucinação. E. O furto não é melhor explicado por um transtorno da conduta, um episódio maníaco ou um transtorno da personalidade anti-social. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
Diagnóstico diferencial Como a maioria dos pacientes com cleptomania é encaminhada para exame em decorrência de procedimentos legais após uma prisão, o quadro clínico pode ser confundido por sintomas subseqüentes de depressão e ansiedade. Os clínicos devem diferenciar entre cleptomania e outras formas de furto. Para o diagnóstico de cleptomania, o furto sempre deve se seguir a um fracasso em resistir ao impulso e deve ser um ato solitário, e os artigos furtados não devem ter utilidade imediata ou representar ganho monetário. Em contraste, o furto comum geralmente é planejado, e os objetos são roubados por seu uso ou valor financeiro. Algumas pessoas podem tentar simular cleptomania para evitar processos. Furtos que ocorrem em associação a transtorno da conduta, transtorno da personalidade anti-social ou episódios maníacos claramente estão relacionados ao transtorno subjacente global. Pessoas com cleptomania em geral não demonstram qualquer comportamento anti-social além de roubar. Aquelas com esquizofrenia podem roubar em resposta a alucinações e delírios, e indivíduos com transtornos cognitivos podem ser acusados de furto quando se esquecem de pagar pelos objetos. Curso e prognóstico A cleptomania pode começar na infância, embora a maioria das crianças e dos adolescentes que roubam não se torne adultos cleptomaníacos. O início do transtorno costuma ocorrer no fim da adolescência. As mulheres têm maior probabilidade de buscar avaliação ou tratamento psiquiátrico do que os homens. Estes têm maior probabilidade de serem mandados para a prisão. Os homens apresentam o transtorno em torno dos 50 anos de idade, e as mulheres, por volta dos 35 anos. Em casos quiescentes, novos episódios podem ser precipitados por perdas ou decepções. O curso do transtorno é intermitente, mas tende a ser crônico. Às vezes, os pacientes têm episódios de incapacidade de resistir ao impulso de roubar, seguidos por períodos livres que duram semanas ou meses. A taxa de recuperação espontânea é desconhecida. Comprometimento e complicações sérias tendem a ser evidenciados quando a pessoa é descoberta, particularmente se é presa. Muitas delas parecem jamais considerar conscientemente a possibilidade de enfrentar as conseqüências de seus atos, uma característica que se encaixa em algumas descrições de pacientes
TRANSTORNOS DO CONTROLE DOS IMPULSOS NÃO CLASSIFICADOS EM OUTRO LUGAR
com cleptomania (pessoas que se sentem injustiçadas e por isso têm direito a roubar). Em geral, o transtorno não compromete o funcionamento social ou profissional da pessoa. O prognóstico com tratamento pode ser bom, mas poucos pacientes buscam ajuda por iniciativa própria. Tratamento Como a verdadeira cleptomania é rara, os relatos de tratamento tendem a ser descrições de casos individuais ou séries curtas de casos. A psicoterapia orientada para o insight e a psicanálise tiveram sucesso, mas dependem da motivação do paciente. Aqueles que se sentem culpados ou envergonhados podem se beneficiar da psicoterapia orientada para o insight devido à sua maior motivação para mudar de comportamento. A terapia comportamental, incluindo a dessensibilização sistemática, o condicionamento aversivo e uma combinação de condicionamento aversivo e contingências sociais alteradas, foi considerada bem-sucedida mesmo na ausência de motivação. Os relatos citam estudos de acompanhamento de até dois anos. Inibidores seletivos da recaptação de serotonina como a fluoxetina (Prozac) e a fluvoxamina (Luvox) parecem ser eficazes para alguns pacientes. Também houve casos relatados de tratamento com drogas tricíclicas, trazodona, lítio, valproato, naltrexona (Revia) e eletroconvulsoterapia. PIROMANIA A piromania é o ato recorrente, deliberado e intencional de provocar incêndios. As características associadas incluem tensão ou excitação afetiva antes do ato, fascinação, interesse, curiosidade ou atração pelo fogo e por atividades e equipamentos associados a ele, bem como prazer, gratificação ou alívio ao provocar incêndios, testemunhá-los ou participar de suas conseqüências. Os pacientes podem fazer preparações consideráveis antes de começar o incêndio. A piromania difere do incêndio criminoso porque este é feito por ganho financeiro, vingança ou outras razões e é planejado com antecedência. Epidemiologia Não há informações disponíveis sobre a prevalência da piromania, mas somente uma pequena porcentagem dos adultos que provocam incêndios pode ser classificada como portadora da condição. O transtorno é encontrado com maior freqüência entre homens do que em mulheres. Entre crianças atendidas em clínicas psiquiátricas ambulatoriais, cerca de 20% têm história de provocar incêndios ocasionais. Co-morbidade Pessoas que provocam incêndios têm maior probabilidade de serem levemente retardadas do que a população geral. Alguns estudos observaram maior incidência de transtornos por uso de álcool nessas pessoas, que também tendem a ter história de traços
839
anti-sociais, como vadiagem, fuga de casa e delinqüência. A enurese noturna é considerada um achado comum entre pessoas com piromania, embora estudos controlados não tenham conseguido confirmar tal aspecto. Esses estudos, no entanto, encontraram uma associação entre a crueldade com animais e a tendência a provocar incêndios. O comportamento incendiário na infância e na adolescência muitas vezes está associado a transtornos de déficit de atenção/hiperatividade ou da adaptação. Etiologia Fatores psicossociais. Sigmund Freud entendia o fogo como um símbolo da sexualidade e acreditava que o calor irradiado evoca a mesma sensação que acompanha os estados de excitação sexual, e que a forma e os movimentos das chamas sugerem um falo em atividade. Outros psicanalistas associaram a piromania a um desejo anormal de poder e prestígio social. Alguns desses pacientes são bombeiros voluntários, que provocam incêndios para provar sua bravura, forçar outros bombeiros a entrar em ação ou demonstrar seu poder de extinguir o fogo. O ato incendiário é uma forma de extravasar a raiva acumulada devido à frustração causada por uma sensação de inferioridade social, física ou sexual. Diversos estudos observaram que os pais desses indivíduos eram ausentes do lar. Por isso, uma explicação para a provocação de incêndios é que ela representa um desejo de que o pai ausente retorne à casa como salvador, para apagar o fogo e resgatar a criança de uma existência difícil. O número de mulheres que provocam incêndios é muito menor do que o de homens, e elas não o fazem para acionar os bombeiros com a mesma freqüência que os homens. As tendências delinqüentes observadas em mulheres incendiárias incluem promiscuidade sem prazer e pequenos furtos, muitas vezes aproximando-se da cleptomania. Fatores biológicos. Níveis muito baixos de 5-HIAA e 3metóxi-4-hidroxifenilglicol (MHPG) no LCS foram encontrados em pessoas que provocam incêndios, o que sugere um possível envolvimento serotonérgico ou adrenérgico. A presença de hipoglicemia reativa, baseada nas concentrações de glicose no sangue em testes de tolerância à glicose, foi sugerida como uma causa da piromania. Mais estudos são necessários. Diagnóstico e características clínicas Pessoas com piromania costumam assistir a incêndios em sua vizinhança, com freqüência dão alarmes falsos e demonstram interesse em equipamentos de bombeiro (Tab. 25-3). Sua curiosidade é evidente, mas elas não mostram remorso e podem ser indiferentes às conseqüências em termos de vidas ou patrimônio. Podem obter satisfação da destruição resultante e muitas vezes deixam pistas óbvias. As características associadas incluem intoxicação com álcool, disfunções sexuais, quociente de inteligência (QI) abaixo da média, frustração pessoal crônica e ressentimento em relação a figuras de autoridade. Alguns piromaníacos ficam sexualmente excitados com o fogo.
840
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 25-3 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para piromania A. Comportamento incendiário deliberado e proposital em mais de uma ocasião. B. Tensão ou excitação afetiva antes do ato. C. Fascinação, interesse, curiosidade ou atração pelo fogo e seus contextos situacionais (p. ex., parafernália, usos, conseqüências). D. Prazer, gratificação ou alívio ao provocar incêndios, ou quando presencia ou participa do rescaldo. E. O comportamento incendiário não ocorre com o objetivo de obter ganhos monetários, expressar uma ideologia sociopolítica, encobrir uma atividade criminosa, expressar raiva ou vingança, melhorar as próprias condições de vida, em resposta a um delírio ou alucinação ou em conseqüência de um prejuízo no julgamento (p. ex., na demência, no retardo mental ou na intoxicação com substâncias). F. O comportamento incendiário não é melhor explicado por um transtorno da conduta, um episódio maníaco ou um transtorno da personalidade anti-social. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
Diagnóstico diferencial Os clínicos não devem ter muitos problemas em distinguir entre a piromania e a fascinação que muitas crianças pequenas têm com fósforos, isqueiros e o fogo como parte das investigações normais do seu ambiente. A piromania também deve ser separada dos atos incendiários de sabotagem realizados por extremistas políticos dissidentes ou por criminosos que provocam incêndios para obter alguma forma de ganho objetivo ou vingança. Quando ocorre no transtorno da conduta ou no transtorno da personalidade anti-social, o comportamento incendiário é um ato deliberado, e não um fracasso em resistir ao impulso. Os incêndios podem ser provocados para obter lucros, por sabotagem ou em retaliação. Pacientes com esquizofrenia ou mania podem provocar incêndios em resposta a delírios ou alucinações. Aqueles com disfunção cerebral (p. ex., demência), retardo mental ou intoxicação com substâncias podem provocar incêndios devido à incapacidade de prever as conseqüências de seus atos. Curso e prognóstico Ainda que o comportamento incendiário muitas vezes comece na infância, a idade típica de início da piromania é desconhecida. Quando o início se dá na adolescência ou na vida adulta, o comportamento tende a ser deliberadamente destrutivo. A provocação de incêndios é episódica e pode ter freqüência intermitente. O prognóstico para as crianças tratadas é bom, e a remissão completa é uma meta realista. O prognóstico para adultos é reservado, pois estes com freqüência negam suas ações, recusam-se a assumir a responsabilidade, são dependentes de álcool e não têm insight.
falta de motivação. Até que pesquisas relatem o sucesso de um único tratamento, a abordagem apropriada é o uso de diversas modalidades, incluindo as comportamentais. Devido à natureza recorrente da piromania, qualquer programa deve incluir a supervisão do paciente para impedir um novo episódio de comportamento incendiário. O encarceramento talvez seja o único método para prevenir a recorrência, e a terapia comportamental pode então ser administrada na instituição. A provocação de incêndios por crianças deve ser tratada com a maior seriedade. Intervenções objetivas devem ser realizadas quando possível, mas como medidas terapêuticas preventivas, não como punição. No caso de crianças e adolescentes, o tratamento da piromania ou do comportamento incendiário deve incluir terapia familiar. JOGO PATOLÓGICO O jogo patológico caracteriza-se pelo comportamento mal-adaptativo, recorrente e persistente de jogo que causa problemas econômicos e perturbações significativas no funcionamento pessoal, social ou ocupacional. Alguns aspectos desse comportamento incluem (1) preocupação com o jogo; (2) necessidade de jogar somas cada vez mais altas de dinheiro para atingir a excitação desejada, (3) esforços repetidamente malsucedidos de controlar, diminuir ou abandonar o hábito do jogo, (4) jogar como uma forma de escapar de problemas, (5) jogar para recuperar perdas, (6) mentir para ocultar a extensão do envolvimento com o jogo, (7) realizar atos ilegais para financiar o jogo, (8) pôr em perigo ou perder relacionamentos pessoais e vocacionais devido ao jogo e (9) recorrer a outras pessoas para pagar as próprias dívidas. Epidemiologia Até 3% da população em geral pode ser classificada como jogadores patológicos. Além disso, segundo o DSM-IV-TR, sua prevalência foi estimada em 2,8 a 8% entre adolescentes e estudantes universitários. O transtorno é mais comum em homens do que em mulheres, e a taxa é bem mais alta em locais nos quais o jogo é legal. Cerca de um quarto dos jogadores patológicos teve um dos pais com problema semelhante, e tanto os pais de homens com o transtorno quanto as mães de mulheres com o transtorno têm maior probabilidade de ser jogadores patológicos do que a população em geral. A dependência de álcool também é mais comum entre os pais desses pacientes do que na população em geral. Mulheres com o transtorno têm maior probabilidade do que as não-afetadas de serem casadas com alcoólatras que costumam estar ausentes do lar. Co-morbidade
Tratamento Pouco foi escrito a respeito de como tratar a piromania, e o tratamento de pessoas que provocam incêndios é difícil devido à sua
As taxas de outros transtornos do controle dos impulsos, transtornos por uso de substâncias, transtornos do humor, transtorno de déficit de atenção/hiperatividade e transtornos da personalidade anti-social, borderline e narcisista são maiores em pessoas com jogo patológico.
TRANSTORNOS DO CONTROLE DOS IMPULSOS NÃO CLASSIFICADOS EM OUTRO LUGAR
Outros transtornos associados incluem transtorno de pânico, agorafobia, transtorno obsessivo-compulsivo e transtorno de Tourette. Etiologia Fatores psicossociais. Diversos fatores podem predispor uma pessoa a desenvolver o transtorno: perda de um dos pais por morte, separação, divórcio ou abandono antes de a criança completar 15 anos de idade, disciplina parental inadequada (ausência, inconsistência ou brutalidade), exposição e disponibilidade de atividades de jogo para adolescentes, ênfase familiar em símbolos materiais e financeiros e falta de preocupação com poupança, planejamento e elaboração de orçamentos. A teoria psicanalítica se concentrou em algumas dificuldades de caráter essenciais. Sigmund Freud sugeriu que os jogadores compulsivos têm um desejo inconsciente de perder e jogam para aliviar sentimentos inconscientes de culpa. Outra sugestão é que os jogadores são narcisistas, e suas fantasias de grandeza e onipotência os levam a acreditar que podem controlar eventos e até mesmo prever seus resultados. Os teóricos da aprendizagem vêem o jogo descontrolado como resultado de percepções equivocadas do controle dos impulsos. Fatores biológicos. Diversos estudos sugeriram que o comportamento de correr riscos pode ter uma causa neurobiológica subjacente. Essas teorias se centram nos sistemas receptores serotonérgico e noradrenérgico. Jogadores patológicos do sexo masculino podem ter concentrações subnormais de MHPG no plasma, concentrações aumentadas de MHPG no LCS e maior eliminação urinária de norepinefrina. As evidências também implicam uma disfunção regulatória serotonérgica no jogo patológico. Jogadores crônicos têm baixa atividade plaquetária de monoaminoxidase (MAO), um marcador da atividade da serotonina que também está ligado a dificuldades de inibição. Mais estudos são necessários para confirmar tais achados. Diagnóstico e características clínicas Além das características já descritas, os jogadores patológicos muitas vezes parecem ser excessivamente confiantes, um tanto rudes, ativos e perdulários. Costumam mostrar sinais óbvios de estresse pessoal, ansiedade e depressão (Tab. 25-4) e em geral têm a atitude de que o dinheiro é, ao mesmo tempo, a causa e a solução de todos os problemas. À medida que o hábito de jogar aumenta, são forçados a mentir para obter dinheiro e continuar jogando enquanto escondem a extensão do seu problema. Eles não fazem qualquer tentativa séria de economizar ou restringir gastos e, quando seus recursos acabam, podem se envolver em comportamentos anti-sociais para obter mais dinheiro. Seu comportamento criminoso tipicamente é não-violento, consistindo em fraudes, desfalques e falsificações, e esses pacientes pretendem devolver o dinheiro. As complicações incluem afastamento dos membros da família e conhecidos, perda das conquistas de uma vida inteira, tentativas de suicídio e envolvimento com grupos marginais ou ilegais. A detenção por crimes não-violentos pode levar à prisão.
841
TABELA 25-4 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para jogo patológico A. Comportamento de jogo mal-adaptativo, persistente e recorrente, indicado por no mínimo cinco dos seguintes quesitos: (1) preocupação com o jogo (p. ex., preocupa-se com reviver experiências de jogo passadas, avalia possibilidades ou planeja a próxima parada, ou pensa em modos de obter dinheiro para jogar) (2) necessidade de apostar quantias de dinheiro cada vez maiores, a fim de obter a excitação desejada (3) esforços repetidos e fracassados no sentido de controlar, reduzir ou parar de jogar (4) inquietude ou irritabilidade quando tenta reduzir ou parar de jogar (5) jogo como forma de fugir de problemas ou de aliviar um humor disfórico (p. ex., sentimentos de impotência, culpa, ansiedade, depressão) (6) após perder dinheiro no jogo, freqüentemente volta outro dia para ficar quite (“recuperar o prejuízo”) (7) mente para familiares, para o terapeuta ou outras pessoas, para encobrir a extensão do seu envolvimento com o jogo (8) cometeu atos ilícitos, tais como falsificação, fraude, furto ou estelionato, para financiar o jogo (9) colocou em perigo ou perdeu um relacionamento significativo, o emprego ou uma oportunidade educacional ou profissional por causa do jogo (10) recorre a terceiros com o fim de obter dinheiro para aliviar uma situação financeira desesperadora causada pelo jogo. B. O comportamento de jogo não é melhor explicado por um episódio maníaco. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
T. era um homem branco de 47 anos de idade que se apresentou a um centro comunitário de saúde mental para avaliação de depressão. No curso da entrevista inicial com um psiquiatra e uma assistente social, revelou que já havia sido um gerente bem-sucedido de um restaurante em um hotel de Las Vegas. Casara-se, tinha dois filhos e mantinha um estilo de vida confortável. Tornara-se bem conhecido em vários cassinos e ganhava diárias gratuitas em muitos hotéis. Seu hábito de jogar aumentou a ponto de consumir todas as economias da família e negligenciar o trabalho porque passava seu tempo em atividades ligadas ao jogo. Os negócios naufragaram, e sua esposa pediu o divórcio. Ele então se mudou para Los Angeles, onde vivia em um apartamento e administrava as outras unidades do prédio, sendo responsável por coletar o aluguel dos inquilinos e entregá-lo ao proprietário. No entanto, em três ocasiões, apostou uma boa parte desse dinheiro em cavalos. O terceiro episódio envolveu a perda de 8.000 dólares. Foi despedido desse emprego e, ao longo do ano anterior, não foi capaz de encontrar trabalho porque não tinha referências. Antes de sua apresentação à clínica de saúde mental, tinha vivido nas ruas por seis meses e se sentia cada vez mais desesperado e suicida. O plano inicial de tratamento envolvia a freqüência diária obrigatória aos Jogadores Anônimos e o trabalho com um padrinho no modelo dos 12 passos. Iniciou um curso de fluoxetina e tinha consultas semanais com o responsável por seu caso na clínica. Suas metas de curto prazo envolviam a aqui-
842
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
sição de moradia e emprego e a abstinência continuada do jogo. A longo prazo, incluíam reaproximar-se dos filhos, os quais ele não via há muitos anos. (Cortesia de Vivien K. Burt, M.D., e Jeffrey W. Katzman, M.D.)
Testes psicológicos e exames laboratoriais Homens com o transtorno demonstram anormalidades na atividade plaquetária da MAO. Pacientes com jogo patológico muitas vezes exibem altos níveis de impulsividade em testes neuropsicológicos. Estudos alemães indicaram níveis aumentados de cortisol na saliva de jogadores durante o jogo, o que pode explicar a euforia causada pela experiência e seu potencial aditivo.
Diagnóstico diferencial O jogo social se distingue do jogo patológico na medida em que o primeiro ocorre com amigos, em ocasiões especiais e com perdas predeterminadas aceitáveis e toleráveis. O jogo que é sintomático de um episódio maníaco geralmente pode ser distinguido do jogo patológico pela história de alteração acentuada do humor e perda do julgamento que o precedem. Alterações do humor do tipo maníaco são comuns em jogadores patológicos, mas sempre se seguem a vitórias e geralmente são sucedidas por episódios depressivos devido a perdas subseqüentes. Pessoas com transtorno da personalidade anti-social podem ter problemas com o jogo. Quando ambos os transtornos estão presentes, devem ser diagnosticados.
Tratamento Os jogadores raramente se apresentam de forma voluntária para o tratamento, mas costumam buscar ajuda devido a dificuldades legais, pressão da família ou outras queixas psiquiátricas. O grupo dos Jogadores Anônimos (JA) foi fundado em Los Angeles, em 1957, baseado no modelo dos Alcoólicos Anônimos (AA). Está disponível nas grandes cidades dos Estados Unidos e é um tratamento eficaz para o jogo em alguns casos. O JA é um método de terapia de grupo inspiracional que envolve confissão pública, pressão dos pares e presença de jogadores recuperados (como os padrinhos dos AA) disponíveis para ajudar os membros a resistir ao impulso de jogar. No entanto, a taxa de abandono do grupo é alta. Em alguns casos, a hospitalização pode ajudar a remover os pacientes de seu ambiente. O insight não deve ser a meta do tratamento até que os pacientes tenham se afastado do jogo por três meses. Nesse ponto, jogadores patológicos podem se tornar excelentes candidatos para a psicoterapia orientada para o insight. A terapia familiar costuma ser valiosa, e a terapia cognitivo-comportamental (p. ex., técnicas de relaxamento combinadas com visualização da esquiva do jogo) demonstrou algum sucesso. Pouco se sabe a respeito da eficácia da farmacoterapia no tratamento de pacientes com jogo patológico. Um estudo relatou que 7 em cada 10 pacientes permaneceram completamente abstinentes ao longo de oito semanas depois de tomarem fluvoxamina. Há relatos de casos de tratamento bem-sucedido com lítio e clomipramina (Anafranil). Se o jogo está associado a transtornos depressivos, mania, ansiedade ou outros transtornos mentais, a farmacoterapia com antidepressivos, lítio ou agentes antiansiedade é útil. TRICOTILOMANIA
Curso e prognóstico O jogo patológico geralmente começa na adolescência para os homens e mais tarde para as mulheres e tende a ser crônico. Quatro fases são observadas: 1. Fase da vitória, que termina quando é ganha uma soma alta, equivalente a cerca de um ano de salário, que “fisga” o paciente. As mulheres em geral não ganham uma soma alta, mas usam o jogo como fuga de seus problemas. 2. Fase da perda progressiva, na qual os pacientes estruturam suas vidas em torno do jogo e passam de jogadores excelentes a pessoas que correm riscos consideráveis, vendem bens, pedem dinheiro emprestado, faltam ao trabalho e perdem o emprego. 3. Fase do desespero, na qual os pacientes jogam freneticamente grandes somas de dinheiro e não pagam dívidas, envolvendo-se com agiotas, passando cheques sem fundos e até cometendo crimes. 4. Estágio da impotência, no qual o paciente aceita que as perdas nunca poderão ser recuperadas, mas o jogo continua devido à estimulação ou à excitação associada. O transtorno pode levar até 15 anos para alcançar esta última fase, mas a partir daí os pacientes se deterioram dentro de um ou dois anos.
A tricotilomania foi descrita pela primeira vez em 1889 pelo dermatologista francês François Hallopeau. Segundo o DSM-IV-TR, a característica essencial da tricotilomania é o ato recorrente de arrancar os cabelos, que pode resultar em perda notável dos mesmos. Outros sintomas clínicos incluem uma sensação crescente de tensão antes de arrancar os cabelos e uma sensação de prazer, gratificação ou alívio durante o ato. O diagnóstico não deve ser feito se o comportamento for o resultado de outro transtorno mental (p. ex., transtornos que se manifestam por delírios ou alucinações) ou de uma condição médica geral (p. ex., uma lesão de pele preexistente). Epidemiologia A condição é mais comum em mulheres do que em homens, mas não demonstra diferenças de sexo em crianças. Não há informações disponíveis sobre padrões familiares, mas um estudo relatou que 5 de 19 crianças tinham história familiar de alguma forma de alopecia. A prevalência para a vida toda segundo o DSM-IV-TR está abaixo de 1%, mas este número pode ser reduzido demais. A tricotilomania pode ser mais comum do que se acredita, em especial se o comportamento de arrancar os cabelos sem as sensações de tensão e alívio que antecedem e sucedem o ato também for considerado tricotilomania.
TRANSTORNOS DO CONTROLE DOS IMPULSOS NÃO CLASSIFICADOS EM OUTRO LUGAR
Co-morbidade Pessoas com tricotilomania têm maior prevalência de transtornos do humor (p. ex., transtornos depressivos maiores), de ansiedade (p. ex., transtorno obsessivo-compulsivo, transtorno de ansiedade generalizada, fobia social), por uso de substâncias, alimentares, da personalidade (p. ex., borderline e obsessivo-compulsiva) e retardo mental. Etiologia Embora a tricotilomania seja multideterminada, seu início está ligado a situações estressantes em mais de um quarto de todos os casos. Perturbações da relação mãe-criança, medo de ser deixado só e perda de objeto recente são citados com freqüência como fatores importantes que contribuem para a condição. O abuso de substâncias pode encorajar o desenvolvimento do transtorno. A dinâmica depressiva costuma ser citada como fator predisponente, mas não há um traço de personalidade ou transtorno em particular que caracterize os pacientes. Alguns vêem a auto-estimulação como meta primária do comportamento de arrancar os cabelos. Cada vez mais se acredita que a tricotilomania tem um substrato biologicamente determinado que pode refletir uma liberação inadequada da atividade motora ou comportamentos excessivos de higiene. Teorias biológicas também apontaram diferenças metabólicas nos sistemas da serotonina e de opióides. Membros da família de pacientes com tricotilomania costumam ter história de tiques, transtornos do controle dos impulsos e sintomas obsessivo-compulsivos, corroborando ainda mais uma possível predisposição genética. Diagnóstico e características clínicas Antes de realizar o comportamento, pacientes com tricotilomania experimentam uma sensação crescente de tensão e alcançam uma sensação de liberação ou gratificação quando arrancam os cabelos (Tab. 25-5). Todas as áreas do corpo podem ser afetadas, mas o couro cabeludo é a mais comum. Outras áreas envolvidas são sobrancelhas, cílios e barba. O tronco, as axilas e a área púbica estão envolvidos com menor freqüência. A perda de cabelos muitas vezes se caracteriza por fios curtos e partidos que aparecem junto a fios normais e longos nas áreas afetadas. Não estão presentes anormalidades da pele ou do couro cabeludo. O comportamento de arrancar os cabelos não é considerado doloroso, embora possam ocorrer coceira e formigamento na área envolvida. A tricofagia, o hábito de mastigar os cabelos, pode acontecer depois que os fios são arrancados. As complicações desta incluem tricobezoar, desnutrição e obstrução intestinal. Os pacientes em geral negam o comportamento e muitas vezes tentam esconder a alopecia resultante. Bater com a cabeça, roer as unhas, arranhar, morder, esfolar e outros atos de automutilação podem estar presentes. Uma mulher de 48 anos de idade se apresentou ao internista para um exame físico de rotina. Durante a entrevista, ficou um pouco chorosa, explicando que estava sob tremen-
843
TABELA 25-5 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para tricotilomania A. Comportamento recorrente de arrancar os cabelos, resultando em perda capilar perceptível. B. Sensação de tensão crescente, imediatamente antes de arrancar os cabelos ou quando o indivíduo tenta resistir ao comportamento. C. Prazer, satisfação ou alívio ao arrancar os cabelos. D. A condição não é melhor explicada por outro transtorno mental, nem se deve a uma condição médica geral (p. ex., um problema dermatológico). E. O transtorno causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
da pressão em casa, tomando conta sozinha dos três filhos depois de ter se separado há pouco do marido. Durante o exame físico, a paciente apontou para sua cabeça dizendo que seu cabelo estava caindo durante esse período recente de estresse e que estava um pouco preocupada com isso. O médico observou que a paciente tinha duas áreas distintas de perda de cabelos, uma no vértice do couro cabeludo e outra na região frontal, e também observou que a região das sobrancelhas estava pintada com lápis de maquiagem. Os resultados dos exames físicos e de sangue de rotina foram normais. Ele sugeriu a possibilidade de uma condição que não a perda espontânea de cabelos ligada ao estresse e encaminhoua a um dermatologista. Com muita relutância, ela concordou. A paciente foi ao dermatologista, que observou uma mistura de fios longos e curtos nas regiões de perda de cabelos do couro cabeludo. As amostras retiradas não indicaram patologia. Quando o dermatologista perguntou à mulher se ela poderia estar arrancando os próprios cabelos, ela revelou hesitantemente que sim. Chorando, pediu sigilo completo e perguntou ao médico se ele já tinha visto algo parecido antes. Quando o mesmo garantiu que tinha vários pacientes com a mesma condição e que havia um tratamento disponível, ela ficou bastante aliviada. (Cortesia de Vivien K. Burt, M.D., e Jeffrey W. Katzman, M.D.) Exames patológicos e laboratoriais Alterações histopatológicas características nos folículos capilares, conhecidas como tricomalacia, são demonstradas em biópsia e ajudam a distinguir a tricotilomania de outras causas de alopecia. Diagnóstico diferencial O comportamento de arrancar os cabelos pode ser uma condição benigna ou ocorrer no contexto de diversos transtornos mentais. A fenomenologia da tricotilomania e a do transtorno obsessivo-compulsivo se sobrepõem. Como o transtorno obsessivo-compulsivo, a tricotilomania muitas vezes é crônica e reconhecida como indesejável. Ao contrário dos pacientes com
844
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
transtorno obsessivo-compulsivo, os portadores de tricotilomania não experimentam pensamentos obsessivos, e sua atividade compulsiva se limita a um ato, o de arrancar os cabelos. Pacientes com transtorno factício com sinais e sintomas predominantemente físicos buscam a atenção médica e o papel de doentes e, de forma deliberada, simulam doenças para alcançar esses fins. Pacientes que simulam ou que têm transtorno factício podem se mutilar para obter atenção médica, mas não reconhecem a natureza auto-imposta de suas lesões. Aqueles com transtorno dos movimentos estereotipados têm movimentos estereotipados rítmicos e em geral não parecem sofrer com seu comportamento. Uma biópsia pode ser necessária para distinguir a tricotilomania da alopecia em áreas e da tinha da cabeça (Fig. 25-1 a 25-3). Curso e prognóstico A idade média de início da tricotilomania é no começo da adolescência, em grande parte antes dos 17 anos, apesar de haver relatos de início muito mais tardio. O curso do transtorno não é bem conhecido, mas sabe-se que ocorrem formas crônicas e intermitentes. O início precoce (antes dos 6 anos) tende a ter remissão mais rápida e responde a sugestão, apoio e estratégias comportamentais. O início tardio (após os 13 anos) está associado a uma probabilidade maior de cronicidade e prognóstico pior do que a
FIGURA 25-2 Alopecia em áreas. (Cortesia de Victor Newcomer, M.D.)
FIGURA 25-3 Tricotilomania com mistura de fios longos e curtos e perda de cabelos de modo linear. (Cortesia de Victor Newcomer, M.D.)
FIGURA 25-1 Tinha da cabeça em um homem jovem devido a Microsporum audouinii. (Cortesia de Victor Newcomer, M.D.)
forma de início precoce. Cerca de um terço das pessoas que buscam tratamento relata transtorno com duração de um ano ou menos, mas há casos em que o problema persistiu por mais de duas décadas.
TRANSTORNOS DO CONTROLE DOS IMPULSOS NÃO CLASSIFICADOS EM OUTRO LUGAR
Tratamento Não existe consenso quanto à melhor modalidade de tratamento para a tricotilomania. O tratamento costuma envolver psiquiatras e dermatologistas em um esforço conjunto. Os métodos psicofarmacológicos usados para tratar transtornos psicodermatológicos incluem esteróides tópicos e cloridrato de hidroxizina (Vistaril), um ansiolítico com propriedades antihistamínicas, antidepressivos, agentes serotonérgicos e antipsicóticos. Com presença ou não de depressão, agentes antidepressivos podem levar à melhora dermatológica. Evidências atuais apontam para a eficácia de drogas que alteram a renovação central da serotonina. Pacientes que respondem pouco a ISRSs podem melhorar com complementação com pimozida (Orap) um antagonista do receptor da dopamina. Um relato de um tratamento bem-sucedido com lítio citou um possível efeito da droga na agressividade, na impulsividade e na instabilidade do humor como explicação. O lítio também possui atividade serotonérgica. Há relatos de casos de tratamentos bemsucedidos com buspirona, clonazepam (Klonopin) e trazodona. Em um estudo controlado com placebo, pacientes que tomaram naltrexona tiveram redução da gravidade dos sintomas. Tratamentos comportamentais bem-sucedidos como biofeedback, automonitoramento, dessensibilização e reversão de hábitos foram relatados, mas a maioria dos estudos se baseou em casos individuais ou pequenas séries de casos com períodos de acompanhamento relativamente curtos. Mais estudos controlados sobre esses tratamentos são necessários. A tricotilomania crônica tem sido tratada com sucesso com psicoterapia orientada para o insight. A hipnoterapia e a terapia comportamental também foram mencionadas como potencialmente eficazes no tratamento de transtornos dermatológicos nos quais fatores psicológicos podem estar envolvidos, e sabe-se que a pele é suscetível à sugestão hipnótica. A maioria dos trabalhos foi orientada para a pesquisa, com pouco efeito no manejo clínico. TRANSTORNO DO CONTROLE DOS IMPULSOS SEM OUTRA ESPECIFICAÇÃO A categoria diagnóstica do DSM-IV-TR de transtorno do controle dos impulsos sem outra especificação (Tab. 25-6) é uma categoria residual para aqueles que não satisfazem os critérios para nenhum transtorno específico. Alguns dos transtornos são listados a seguir como transtornos compulsivos, mas existem distin-
845
ções importantes, ainda que sutis, entre os dois termos. Um impulso é um estado de tensão que pode existir sem uma ação, enquanto uma compulsão é um estado de tensão que sempre tem um componente de ação. Os transtornos são classificados aqui como compulsões porque o paciente se sente “compelido” a agir segundo seu comportamento patológico; não consegue resistir. Os impulsos são realizados com a expectativa de receber prazer, e as compulsões geralmente são egodistônicas, isto é, o paciente não gosta de ter que realizar o ato, embora se sinta compelido a fazê-lo. Uma exceção à regra de que os impulsos estão associados ao prazer são aqueles casos nos quais sentimentos de culpa se seguem ao ato e perturbam a sensação de prazer. Da mesma forma, nem todas as compulsões são egodistônicas. Por exemplo, jogadores compulsivos de videogames relatam um componente prazeroso. Comportamentos impulsivos e compulsivos são caracterizados por sua natureza repetitiva, mas o acting-out repetido dos impulsos leva ao comprometimento psicossocial, ao passo que o comportamento compulsivos nem sempre acarreta esse risco. Devido à natureza repetitiva e prazerosa de muitos dos padrões comportamentais deste grupo de transtornos, eles costumam ser referidos como adições. Compulsão por compras Originalmente referida como oniomania e reconhecida por Emil Kraeplin e Eugen Bleuler, a compulsão por compras não é listada como categoria diagnóstica separada no DSM-IV-TR nem na CID-10. Os critérios diagnósticos propostos são apresentados na Tabela 25-7. Estima-se que a condição afete de 1,1 a 5,9% da população em geral, sendo mais comum entre mulheres. A causa do transtorno é desconhecida. Teorias psicodinâmicas implicaram baixa auto-estima, ansiedade e necessidade de reduzir o estresse. As condições co-mórbidas incluem outros transtornos do controle dos impulsos (p. ex., cleptomania), transtornos do humor e transtorno obsessivo-compulsivo. O diagnóstico de compulsão por compras não deve ser
TABELA 25-7 Critérios diagnósticos para compulsão por compras
Esta categoria serve para transtornos do controle dos impulsos (p. ex., beliscar a pele) que não satisfazem os critérios para qualquer transtorno do controle dos impulsos específico nem para outro transtorno mental que apresente aspectos envolvendo o controle dos impulsos, descrito em outra parte deste manual (p. ex., dependência de substâncias, parafilia).
A. Preocupação mal-adaptativa com fazer compras ou impulsos ou comportamentos mal-adaptativos de comprar, indicados por pelo menos um dos seguintes quesitos: 1. Preocupação freqüente com compras ou impulsos de comprar experimentados como irresistíveis, intrusivos e/ou sem sentido. 2. Ocorrência freqüente de comprar mais do que se pode pagar, comprar itens desnecessários ou por períodos de tempo mais longos do que o pretendido. B. As preocupações, os impulsos ou o comportamento de compras causam acentuado sofrimento, consomem tempo, interferem significativamente no funcionamento social ou ocupacional ou resultam em problemas financeiros (p. ex., dívidas ou falência). C. O comportamento não ocorre exclusivamente durante períodos de hipomania ou mania.
De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
Reproduzida com permissão de McElroy SL, Keck PE Jr, Pope HG Jr, Smith JM, Strakowski SM. Compulsive buying: a report of 20 cases. J Clin Psychiatry. 1994;55:242.
TABELA 25-6 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno do controle dos impulsos sem outra especificação
846
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
feito se o comportamento ocorre como parte de um episódio hipomaníaco ou maníaco. O início do transtorno tende a ocorrer em torno dos 18 anos de idade, mas os pacientes não buscam tratamento até a segunda ou terceira décadas de vida, em geral porque desenvolveram sérios problemas financeiros. Compradores compulsivos compram a prazo na maioria das vezes e têm muitos cartões de crédito. Problemas financeiros sérios são comuns, e algumas pessoas precisam declarar falência. Um estudo relatou que os compradores compulsivos nos Estados Unidos têm dívidas médias de 23 mil dólares. O transtorno pode ser crônico, com o impulso de comprar ocorrendo a cada hora ou apenas uma vez por mês. Os pacientes muitas vezes tentam limitar seu comportamento, mas não têm sucesso. O tratamento é difícil. Alguns pacientes se beneficiam de terapia de apoio, terapia orientada para o insight e grupos de auto-ajuda como os Devedores Anônimos. As terapias farmacológicas incluem antidepressivos, drogas antimaníacas, ansiolíticos e antipsicóticos para tratar qualquer condição comórbida. Os ISRSs foram usados para limitar o comportamento compulsivo e podem ser benéficos nesta condição, que tem aspectos compulsivos. Compulsão pela internet Também denominada adicção à internet, muitas pessoas passam quase todas as suas horas de vigília junto ao computador. Seus padrões de uso são repetitivos e constantes, e elas são incapazes de resistir a impulsos fortes de usar o computador ou “navegar na web”. Adictos à internet podem gravitar em torno de certos sites que satisfazem necessidades específicas (p. ex., compras, sexo, jogos interativos, entre outros). O comportamento de jogo compulsivo de videogame é um padrão comportamental variante. Compulsão por celular Algumas pessoas usam compulsivamente telefones móveis para ligar para outras – amigos, conhecidos ou colegas de trabalho. Elas justificam sua necessidade de contatar os outros com razões plausíveis para as chamadas, mas existem conflitos subjacentes que podem ser expressos no comportamento, como o medo de ficar sozinho, a necessidade de satisfazer uma dependência inconsciente ou a anulação de um desejo hostil em relação a um ente querido, entre outros. Automutilação repetitiva Pessoas que se cortam ou causam outras lesões em seus corpos de forma repetitiva podem fazê-lo de maneira compulsiva. Em todos os casos, outro transtorno vai ser encontrado. O comportamento parassuicida é comum no transtorno da personalidade borderline. A colocação compulsiva de piercings ou tatuagens pode ser um sintoma de uma parafilia ou um equivalente depressivo.
Comportamento sexual compulsivo Existem pessoas que buscam repetidamente a gratificação sexual, em geral de formas perversas (p. ex., exibicionismo). São incapazes de controlar seu comportamento e podem não experimentar sentimentos de culpa após um episódio de acting-out. Às vezes denominada adicção sexual, esta condição é discutida com mais detalhes no Capítulo 21, “Sexualidade humana”. CID-10 Na décima revisão da Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-10), as categorias listadas no DSM-IVTR entre os transtornos do controle dos impulsos são discutidas como transtornos de hábitos e impulsos (Tab. 25-8). Estes são caracterizados por “atos repetidos incontroláveis que não têm uma motivação racional clara e que prejudicam os próprios interesses do paciente e de outras pessoas”.
TABELA 25-8 Critérios diagnósticos da CID-10 para transtornos de hábitos e impulsos Jogo patológico A. Dois ou mais episódios de jogo ocorrem em um período de pelo menos um ano. B. Esses episódios não têm resultado lucrativo para o indivíduo, mas são continuados apesar do sofrimento pessoal e da interferência no funcionamento da vida diária. C. O indivíduo descreve um impulso intenso de jogar que é difícil de controlar e relata ser incapaz de abandonar o jogo por vontade própria. D. O indivíduo se preocupa com pensamentos ou imagens mentais do ato de jogar ou com circunstâncias relacionadas ao ato. Comportamento incendiário patológico (piromania) A. Existem dois ou mais atos de provocação de incêndios sem motivo aparente. B. O indivíduo descreve um impulso intenso de pôr fogo em objetos, com sensação de tensão antes do ato e alívio depois dele. C. O indivíduo se preocupa com pensamentos ou imagens mentais de provocar incêndios ou com as circunstâncias relacionadas ao ato (p. ex., interesse anormal em carros de bombeiro ou em chamar os bombeiros). Roubo patológico (cleptomania) A. Ocorrem dois ou mais episódios nos quais o indivíduo rouba sem o motivo aparente de um ganho pessoal ou para outra pessoa. B. O indivíduo descreve um impulso intenso de roubar, com sensação de tensão antes do ato e alívio depois dele. Tricotilomania A. Uma perda acentuada de cabelos é causada pelo fracasso persistente e recorrente do indivíduo em resistir a impulsos de arrancar os próprios cabelos. B. O indivíduo descreve um impulso intenso de arrancar cabelos, com aumento da tensão antes do ato e sensação de alívio depois dele. C. Não há inflamação preexistente da pele, e o ato de arrancar os cabelos não acontece em resposta a delírio ou alucinação. Outros transtornos de hábitos e impulsos Esta categoria deve ser usada para outros tipos de comportamentos mal-adaptativos repetitivos que não são secundários a uma condição psiquiátrica reconhecida e nos quais parece haver fracasso em resistir a impulsos de realizar o comportamento. Existe um período prodrômico de tensão com sensação de liberação no momento do ato. Transtorno de hábitos e impulsos, não-especificado Reproduzida com permissão de World Health Organization. The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural Disorders: Diagnostic Criteria for Research. Copyright, World Health Organization, Geneva, 1993.
TRANSTORNOS DO CONTROLE DOS IMPULSOS NÃO CLASSIFICADOS EM OUTRO LUGAR
REFERÊNCIAS Aichhorn A. Wayward Youth. New York: Viking; 1935. Allcock CC. Pathological gambling. Aust N Z J Psychiatry. 1986;20:259. Benson AL, ed. I Shop, Therefore I Am: Compulsive Buying and the Search for Self. Northvale, NJ: Jason Aronson; 2000. Black DW, Gabel J, Hansen J, Schlosser S. A double-blind comparison of fluvoxamine versus placebo in the treatment of compulsive buying disorder. Ann Clin Psychiatry. 2000;12:205. Burt VK, Datzman JW. Impulse-control disorders not elsewhere classified. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:1701. Campbell F, Lester D. The impact of gambling opportunities on compulsive gambling. J Soc Psychol. 1999;139:126. Chong SA, Low BL. Treatment of kleptomania with fluvoxamine. Acta Psychiatr Scand. 1996; 93:314. Christenson GA, Crow SJ. The characterization and treatment of trichotillomania. J Clin Psychiatry. 1996;57(8 suppl):42. DeCaria CM, Hollander E, Grossman R, Wong CM, Mosovich SA, Cherkasky S. Diagnosis, neurobiology, and treatment of pathological gambling. J Clin Psychiatry. 1996;57(8 suppl):81. Greenberg HR, Sarner CA. Trichotillomania: symptom and syndrome. Arch Gen Psychiatry. 1965;12:482. Hollander E, Rosen J. Impulsivity. J Psychopharmacol. 2000;14(2 suppl):S39.
847
Hollander E, Rosen J. Obsessive-compulsive spectrum disorders: a review. In: Maj M, Sartorius N, Okasha A, et al., eds. Obsessive-Compulsive Disorder. WPA Series Evidence and Experience in Psychiatry. Vol 4. New York: John Wiley & Sons; 2000:203. Ibanez A, Blanco C, Saiz-Ruiz J. Neurobiology and genetics of pathological gambling. Psychiatr Ann. 2002;32:181. Jaspers JPC. The diagnosis and psychopharmacological treatment of trichotillomania: a review. Pharmacopsychiatry. 1996;29:115. Jenkins SC, Maruta T. Therapeutic use of propranolol for intermittent explosive disorder. Mayo Clin Proc. 1987;62:204. Keuthen NJ, Savage CR, O’Sullivan RL, Brown H. Neuropsychological functioning in trichotillomania. Biol Psychiatry. 1996;39:747. Lochner C, Simeon D, Niehaus DJ, Stein DJ. Trichotillomania and skin-picking: a phenomenological comparison. Depress Anxiety. 2002;15:83. McElroy SL, Keck PE, Phillips KA. Kleptomania, compulsive buying, and binge eating disorder. J Clin Psychiatry. 1995; 56(4 suppl):14. McElroy SL, Pope HG, Hudson JI, Keck PE, White KL. Kleptomania: a report of 20 cases. Am J Psychiatry. 1991;148:652. Milligan R-J, Waller G. Anger and impulsivity in non-clinical women. Pers Individ Differ. 2001;30:1073. Rugle L, Melamed L. Neuropsychological assessment of attention problems in pathological gamblers. J Nerv Ment Dis. 1993;181:107. Schultheiss OC, Rohde W. Implicit power motivation predicts men’s testosterone changes and implicit learning in a contest situation. Horm Behav. 2002;41:195. Vitulano LA, King RA, Scahill L, Cohen DS. Behavioral treatment of children and adolescents with trichotillomania. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1992;31:109.
26 Transtornos da adaptação
O
s transtornos da adaptação são reações mal-adaptativas de curto prazo a que um leigo poderia denominar uma calamidade pessoal, mas que em termos psiquiátricos seria referido como um estressor psicossocial. Espera-se que o transtorno da adaptação tenha remissão logo depois que o estressor cessa, ou, se este persiste, que um novo nível de adaptação seja alcançado. Segundo a revisão de texto da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR), os sintomas devem surgir dentro de três meses do início de um estressor. A natureza e a gravidade dos estressores não são especificadas. No entanto, com maior freqüência, os estressores são eventos da vida cotidiana (p. ex., perda de um ente querido, mudança de emprego ou situação financeira), mais do que eventos raros e catastróficos (p. ex., catástrofes naturais, crimes violentos). A perturbação não deve satisfazer os critérios para outro transtorno psiquiátrico maior ou luto (que não é considerado um transtorno mental, embora possa ser foco de atenção clínica). Os sintomas em geral se resolvem dentro de seis meses, embora possam durar mais tempo se forem produzidos por um estressor crônico ou com conseqüências duradouras. EPIDEMIOLOGIA Segundo o DSM-IV-TR, a prevalência do transtorno é estimada em 2 a 8% da população em geral. É diagnosticado duas vezes mais em mulheres do que em homens, e as solteiras estão superrepresentadas como grupo de maior risco. Em crianças e adolescentes, meninos e meninas são igualmente diagnosticados com transtornos da adaptação, os quais podem ocorrer em qualquer idade, mas são diagnosticados com maior freqüência na adolescência. Entre adolescentes de ambos os sexos, os estressores precipitantes mais comuns são problemas na escola, rejeição e divórcio parental e abuso de substâncias. Entre adultos, são problemas conjugais, divórcio, mudança para um novo ambiente e problemas financeiros. Os transtornos da adaptação estão entre os diagnósticos psiquiátricos mais comuns em pacientes hospitalizados por problemas médicos e cirúrgicos. Em um estudo, 5% das pessoas internadas em um período de três anos foram classificadas como portadoras de um transtorno da adaptação. Até 50% daquelas com
problemas ou estressores médicos específicos foram diagnosticadas com transtornos da adaptação. Além disso, de 10 a 30% dos pacientes ambulatoriais de saúde mental e até 12% dos internados em hospitais gerais encaminhados para consultas de saúde mental tiveram esse diagnóstico. ETIOLOGIA Por definição, um transtorno da adaptação é precipitado por um ou mais estressores. A gravidade destes nem sempre prediz a gravidade do transtorno; a intensidade do estressor é uma função complexa de grau, quantidade, duração, irreversibilidade, ambiente e contexto pessoal. Por exemplo, a perda de um dos pais é diferente para uma pessoa de 10 anos de idade e para outra de 40. A organização da personalidade e as normas e os valores culturais ou grupais também contribuem para as respostas desproporcionais a esses fenômenos. Os estressores podem ser únicos, como um divórcio ou a perda do emprego, ou múltiplos, como a morte de uma pessoa importante que coincide com uma doença física e a perda do emprego. Também podem ser recorrentes, como dificuldades sazonais nos negócios, ou contínuos, como doenças crônicas ou pobreza. Um relacionamento intrafamiliar discordante pode produzir um transtorno da adaptação que afeta todo o sistema familiar, ou o transtorno pode se limitar a um paciente que talvez tenha sido vítima de um crime ou que tenha uma doença física. Às vezes, transtornos da adaptação ocorrem em grupos ou comunidades, e o estressor afeta diversas pessoas, como em uma catástrofe natural ou em perseguições raciais, sociais ou religiosas. Estágios evolutivos específicos, como o início da vida escolar, a saída da casa dos pais, o casamento, o nascimento dos filhos, a saída de casa do último filho e a aposentadoria, também podem desencadear essa condição. Fatores psicodinâmicos Três fatores são essenciais para a compreensão dos transtornos da adaptação: a natureza do estressor, o sentido consciente e inconsciente deste e a vulnerabilidade preexistente do paciente. Um trans-
TRANSTORNOS DA ADAPTAÇÃO
torno da personalidade ou o comprometimento orgânico concomitante pode tornar uma pessoa vulnerável a transtornos da adaptação. A suscetibilidade também está associada à perda de um dos pais na infância ou à criação em uma família disfuncional. O apoio real ou percebido de pessoas-chave pode afetar as respostas comportamentais e emocionais aos estressores. Diversos pesquisadores psicanalíticos apontaram que o mesmo estresse pode produzir uma gama de respostas em várias pessoas normais. Ao longo de toda sua vida, Sigmund Freud procurou compreender por que os estresses da vida cotidiana produzem doenças em algumas pessoas e não em outras, por que uma doença assume uma forma particular e por que algumas experiências e não outras predispõem à psicopatologia. Ele atribuía um peso considerável a fatores constitucionais e acreditava que estes interagem com as experiências de vida da pessoa de modo a produzir fixações. As pesquisas psicanalíticas enfatizam o papel da mãe e do ambiente de criação na capacidade de responder ao estresse. Particularmente importante foi o conceito de Donald Winnicott da mãe suficientemente boa, uma pessoa que se adapta às necessidades do bebê e oferece apoio suficiente para capacitar a criança a tolerar as frustrações da vida. Os clínicos devem realizar uma exploração detalhada da experiência do paciente em relação ao estressor. Certos pacientes tendem a jogar toda a culpa em um evento em particular, quando outro menos óbvio pode ter tido um significado psicológico mais importante. Eventos atuais podem despertar traumas ou decepções da infância, e os pacientes devem ser encorajados a pensar em como sua situação presente está ligada a eventos pregressos semelhantes. No início de seu desenvolvimento, cada criança desenvolve um conjunto singular de mecanismos de defesa para lidar com eventos estressantes. Devido a quantidades maiores de traumas ou maior vulnerabilidade constitucional, algumas delas têm constelações defensivas menos maduras do que outras. Essa desvantagem pode fazer com que, quando adultas, reajam com um funcionamento substancialmente comprometido quando confrontadas com uma perda, um divórcio ou um problema financeiro, enquanto aquelas crianças que desenvolveram mecanismos de defesa maduros são menos vulneráveis e se recuperam mais rapidamente do estressor. A resiliência também é determinada pela natureza das relações precoces da criança com seus pais. Estudos sobre trauma indicaram que relacionamentos afetuosos e sólidos impedem que incidentes traumáticos causem danos psicológicos permanentes. Os clínicos psicodinâmicos devem levar em conta a relação entre o estressor e o ciclo evolutivo humano. Quando os adolescentes saem de casa para ir para a faculdade, por exemplo, estão em alto risco evolutivo de reagir com um quadro sintomático temporário. Da mesma forma, se o jovem que sai de casa é o último filho da família, os pais podem estar bastante vulneráveis a uma reação de transtorno da adaptação. Além disso, pessoas de meia-idade que estão se confrontando com sua própria mortalidade podem ser especialmente sensíveis aos efeitos de uma perda ou de uma morte.
849
quanto para o desenvolvimento de patologia depois que eles ocorrem. Achados de um estudo com mais de 2.000 pares de gêmeos indicam que os eventos de vida e os estressores estão correlacionados, sendo que os gêmeos monozigóticos demonstram maior concordância do que os dizigóticos. Fatores da família-ambiente e fatores genéticos respondiam cada um por cerca de 20% da variação nesse estudo. Outra pesquisa com gêmeos, que examinou as contribuições genéticas para o desenvolvimento de sintomas de transtorno de estresse pós-traumático (não necessariamente no nível do transtorno completo e, portanto, relevantes para os transtornos da adaptação), também concluiu que a probabilidade de desenvolver sintomas em resposta a eventos de vida traumáticos está, em parte, sob controle genético. DIAGNÓSTICO E CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS Embora por definição os transtornos da adaptação decorram de um estressor, os sintomas nem sempre começam logo, sendo que até três meses podem se passar entre o estressor e o desenvolvimento dos sintomas. Da mesma forma, os sintomas nem sempre desaparecem assim que o estressor cessa, e se o mesmo continua, o transtorno pode ser crônico. A condição pode ocorrer em qualquer idade, e seus sintomas variam de forma considerável, sendo que características depressivas, ansiosas e mistas são mais comuns em adultos. Sintomas físicos são mais comuns em crianças e idosos, mas podem ocorrer em qualquer faixa etária. As manifestações também incluem comportamento agressivo, direção imprudente, beber em excesso, não-cumprimento de responsabilidades legais, retraimento, sinais vegetativos, insônia e comportamento suicida. As apresentações clínicas do transtorno da adaptação podem variar muito. O DSM-IV-TR lista seis transtornos da adaptação, incluindo uma categoria não-específica (Tab. 26-1). Transtorno da adaptação com humor depressivo Neste caso, as manifestações predominantes são humor depressivo, tendência ao choro e sentimentos de impotência. Este tipo deve ser distinguido do transtorno depressivo maior e do luto sem complicações. Adolescentes afetados têm maior risco de transtorno depressivo maior no início da vida adulta. Transtorno da adaptação com ansiedade Sintomas de ansiedade, como palpitações, inquietação e agitação, estão presentes no transtorno da adaptação com ansiedade, o qual deve ser diferenciado dos transtornos de ansiedade.
Fatores genéticos e familiares
Transtorno da adaptação com misto de ansiedade e depressão
Alguns estudos sugerem que certas pessoas parecem ter um risco mais alto tanto para a ocorrência de eventos de vida adversos
No transtorno da adaptação com misto de ansiedade e depressão, os pacientes exibem características tanto de ansiedade quanto de
850
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 26-1 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtornos da adaptação A. Desenvolvimento de sintomas emocionais ou comportamentais em resposta a um estressor (ou múltiplos estressores), ocorrendo dentro de três meses após o início do estressor (ou estressores). B. Esses sintomas ou comportamentos são clinicamente significativos, como evidenciado por qualquer um dos seguintes quesitos: (1) sofrimento acentuado, que excede o que seria esperado da exposição ao estressor (2) prejuízo significativo no funcionamento social ou profissional (acadêmico) C. A perturbação relacionada ao estresse não satisfaz os critérios para outro transtorno específico do Eixo I, nem é a mera exacerbação de um transtorno preexistente do Eixo I ou do Eixo II. D. Os sintomas não representam luto. E. Cessado o estressor (ou suas conseqüências), os sintomas não persistem por mais de seis meses. Especificar se: Agudo: se a perturbação dura menos de seis meses. Crônico: se a perturbação dura seis meses ou mais. Os transtornos da adaptação são codificados com base no subtipo, selecionado de acordo com os sintomas predominantes. O estressor específico (ou estressores) pode ser especificado no Eixo IV. Com humor depressivo Com ansiedade Misto de ansiedade e depressão Com perturbação da conduta Com perturbação mista das emoções e da conduta Inespecificado De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000.
depressão que não satisfazem os critérios para um transtorno de ansiedade ou depressivo já estabelecido. Uma estudante universitária de 21 anos de idade estava em seu estado habitual de saúde, viajando com um casal de tios pelo Arizona durante as férias da primavera. Durante a viagem, uma carta contendo uma cópia do seu histórico na faculdade chegou à casa dos pais. Ao lerem a carta, os pais perceberam que as notas do histórico não fechavam com as que vinham recebendo ao fim de cada semestre desde o início do curso. A mãe ligou para a filha e confrontou-a com essa informação. Durante a conversa, ficou aparente que ela vinha alterando as notas nos históricos que eram mandados para casa, de modo que as notas que seus pais viam eram melhores do que as reais. Seguiu-se uma discussão com palavras ásperas. Após esses eventos, a filha ficou extremamente perturbada e experimentou sentimentos de ansiedade e humor deprimido. Sentia-se envergonhada com a situação e sem saída. Passou grande parte dos dois dias seguintes chorando em seu quarto, praticamente sem comer nem dormir. O casal de tios não foi capaz de lhe oferecer muito consolo. Dois dias depois, sem qualquer aviso, a paciente ingeriu 10 comprimidos de uma preparação sonífera de venda livre. Mais tarde naquele mesmo dia, a tia encontrou-a letárgica e, ao questioná-la, determinou que ela tinha feito uma tentativa de suicídio. A paciente foi levada ao serviço de emergência local, no qual foi internada e mantida na unidade psiquiátrica por vários dias. A mãe da paciente foi para o Arizona acompanhar a filha e
conversar com a equipe do hospital. Após uma intervenção de crise, a paciente foi liberada para voltar para casa, onde consultou outro psiquiatra. No momento dessa segunda avaliação, não havia mais sinais de humor deprimido ou ansioso, nem qualquer ideação suicida. O plano de tratamento consistiu em intervenção de crise, terapia individual continuada para a paciente ao retornar à faculdade, aconselhamento para os pais e sessões familiares conjuntas a serem realizadas todos os meses durante as visitas à casa dos pais. Apesar da perturbação individual e da família com o evento precipitante e a tentativa de suicídio subseqüente, a paciente foi capaz de retornar aos estudos na semana seguinte e completar o semestre. (Cortesia de Jeffrey H. Newcorn, M.D., James J. Strain, M.D., e Juan E. Mezzich, M.D., Ph.D.) Transtorno da adaptação com perturbação da conduta No transtorno da adaptação com perturbação da conduta, a manifestação predominante envolve condutas em que os direitos dos outros são violados ou as normas sociais apropriadas para a idade são desconsideradas. Exemplos de comportamentos desta categoria são vadiagem, vandalismo, direção imprudente e brigas. A categoria deve ser diferenciada do transtorno da conduta e do transtorno da personalidade anti-social. Transtorno da adaptação com perturbação mista das emoções e da conduta Uma combinação de perturbações das emoções e da conduta ocorre em alguns casos. Para fins de clareza, os clínicos são encorajados a tentar fazer um diagnóstico ou outro. Transtorno da adaptação inespecificado O transtorno da adaptação inespecificado é uma categoria residual para reações mal-adaptativas atípicas ao estresse. Os exemplos incluem respostas impróprias ao diagnóstico de uma doença física, como uma firme negação, falta de adesão ao tratamento e retraimento social sem humor deprimido ou ansioso significativo. CID-10 A décima revisão da Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-10) classifica os transtornos da adaptação na mesma categoria que as reações ao estresse grave. Além disso, inclui a reação aguda ao estresse e o transtorno de estresse pós-traumático neste grupo (ver Tab. 16.1-11). O padrão temporal da CID-10 para os transtornos difere do apresentado pelo DSM-IV, com início geralmente dentro de um mês do evento estressante ou alteração de vida e duração de não mais do que seis meses (Tab. 26-2). Ela também enfatiza características particulares de falta de adaptação ao estresse em crianças, exemplificada por comportamentos regressivos como urinar
TRANSTORNOS DA ADAPTAÇÃO
TABELA 26-2 Critérios diagnósticos da CID-10 para transtornos da adaptação A. O início dos sintomas deve ocorrer dentro de um mês da exposição a um estressor psicossocial identificável que não seja do tipo incomum ou catastrófico. B. O indivíduo manifesta sintomas ou perturbação do comportamento do tipo encontrado em qualquer um dos transtornos afetivos (exceto delírios e alucinações), qualquer transtorno neurótico, transtornos relacionados ao estresse e somatoformes, e transtornos da conduta, mas os critérios para um transtorno individual não são satisfeitos. Os sintomas podem variar tanto em forma quanto em gravidade. A característica predominante dos sintomas pode ser mais especificada. Reação depressiva breve Estado depressivo transitório de menos de um mês de duração. Reação depressiva prolongada Estado depressivo leve que ocorre em resposta à exposição prolongada a uma situação estressante, mas de duração menor do que dois anos. Reação mista de ansiedade e depressão Tanto sintomas de ansiedade quanto de depressão são proeminentes, mas em níveis que não excedem aqueles especificados para o transtorno misto de ansiedade e depressão e para outros transtornos mistos de ansiedade. Com perturbação predominante de outras emoções Os sintomas costumam ser de diversos tipos de emoções, tais como ansiedade, depressão, preocupação, tensões e raiva. Os de ansiedade e depressão podem satisfazer os critérios para transtorno misto de ansiedade e depressão ou para outros transtornos mistos de ansiedade, mas não são tão predominantes a ponto de outros transtornos mais específicos de depressão ou ansiedade poderem ser diagnosticados. Esta categoria também deve ser usada para reações em crianças que também apresentam comportamentos regressivos como urinar na cama ou chupar o dedo. Com perturbação predominante da conduta A principal perturbação envolve a conduta, por exemplo, uma reação de luto adolescente resultando em comportamento agressivo ou anti-social. Com perturbação mista das emoções e da conduta Sintomas emocionais e perturbações da conduta são as características proeminentes. Com outros sintomas predominantes especificados C. Exceto na reação depressiva prolongada, os sintomas não persistem por mais de seis meses após o cessar do estresse ou de suas conseqüências. No entanto, isso não deve impedir que seja feito um diagnóstico provisório se esse critério ainda não estiver satisfeito. Reproduzida com permissão de World Health Organization. The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural Disorders: Diagnostic Criteria for Research. Copyright, World Health Organization, Geneva, 1993.
na cama, falar como bebê ou chupar o dedo. Esses comportamentos são codificados como transtornos da adaptação com perturbação predominante de outras emoções.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Ainda que o luto sem complicações muitas vezes possa produzir comprometimento temporário do funcionamento social e ocupacional, a disfunção permanece dentro dos limites esperados de uma reação à perda de um ente querido e por isso não é considerada um transtorno da adaptação. Outros transtornos dos quais o transtorno da adaptação deve ser diferenciado incluem transtorno depressivo maior, transtorno psicótico breve, transtorno de ansiedade generalizada, transtorno de somatização, transtornos
851
relacionados a substâncias, transtorno da conduta, problemas acadêmicos, ocupacionais ou de identidade e transtorno de estresse pós-traumático. Estes diagnósticos devem ter precedência em todos os casos que satisfaçam seus critérios, mesmo na presença de um estressor ou grupo de estressores que tenham funcionado como precipitantes. Pacientes com transtorno da adaptação têm comprometimento do funcionamento social ou ocupacional e demonstram sintomas para além da reação normal e esperada ao estressor. Como não existem critérios absolutos que ajudem a distinguir um transtorno da adaptação de outra condição, o julgamento clínico é necessário. Alguns pacientes podem satisfazer os critérios tanto para um transtorno da adaptação quanto para um transtorno da personalidade. Se o transtorno da adaptação se segue a uma doença física, o clínico deve se certificar de que os sintomas não são uma continuação ou outra manifestação da doença ou de seu tratamento. Transtornos de estresse agudo e pós-traumático Nos transtornos de estresse agudo e pós-traumático, os sintomas se desenvolvem após um evento ou eventos traumáticos fora da gama das experiências humanas normais. Espera-se que os estressores que produzem essa condição causem uma reação psicológica na pessoa média. As pessoas podem experimentar o estressor sozinhas, como no caso de estupro ou agressão, ou em grupo, como em combates militares ou campos de concentração. Catástrofes em massa, como furacões, enchentes, acidentes de avião e bombas atômicas, também são identificadas como estressores. Esses fenômenos contêm um componente psicológico e muitas vezes físico que pode prejudicar diretamente o sistema nervoso da pessoa. O transtorno é mais grave e duradouro quando o estressor é de origem humana (p. ex., estupro) do que de origem natural (p. ex., enchentes). Nos transtornos da adaptação, o estresse precipitante não precisa ser grave nem incomum. O transtorno de estresse pós-traumático é discutido com mais detalhes no Capítulo 16, Seção 16.5. CURSO E PROGNÓSTICO Com o tratamento apropriado, o prognóstico geral de um transtorno da adaptação tende a ser favorável, e a maioria dos pacientes retorna ao seu nível anterior de funcionamento dentro de três meses. Algumas pessoas (em particular adolescentes) que receberam um diagnóstico de transtorno da adaptação mais tarde vêm a ter transtornos do humor ou relacionados a substâncias. Adolescentes em geral precisam de mais tempo para se recuperar do que adultos. TRATAMENTO Psicoterapia A psicoterapia continua a ser o tratamento de escolha para os transtornos da adaptação. A terapia em grupo pode ser útil
852
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
para aqueles que passaram por estresses semelhantes – por exemplo, um grupo de aposentados ou pacientes de diálise renal. A psicoterapia individual oferece oportunidades de explorar o sentido do estressor para que traumas anteriores possam ser elaborados. Após uma terapia bem-sucedida, os pacientes às vezes emergem de um transtorno da adaptação mais fortes do que no período pré-mórbido, embora nenhuma patologia estivesse evidente antes disso. Como um estressor pode ser claramente delineado no transtorno da adaptação, muitas pessoas acreditam que a psicoterapia não é indicada e que o transtorno vai se resolver de forma espontânea. No entanto, este ponto de vista ignora o fato de que muitas pessoas expostas ao mesmo estressor experimentam sintomas diferentes e, nos transtornos da adaptação, há resposta patológica. A psicoterapia pode ajudar as pessoas a se adaptarem a estressores que não são reversíveis nem têm duração limitada, atuando como uma intervenção preventiva se o estressor puder ser revertido. Os psiquiatras que tratam transtornos da adaptação devem estar atentos a problemas de ganho secundário. O papel de doente pode ser gratificante para algumas pessoas normais que tiveram pouca experiência com a capacidade da doença de liberálas de suas responsabilidades. Por isso, podem considerar a atenção, a empatia e a compreensão do terapeuta, que são necessárias para o sucesso do tratamento, gratificantes por si só, e esses profissionais podem, assim, reforçar os sintomas do paciente. Essas considerações devem ser ponderadas antes do início da psicoterapia intensiva, pois a terapia é difícil quando um ganho secundário já foi estabelecido. Pacientes com transtornos da adaptação e uma perturbação da conduta podem ter dificuldades com lei, autoridades ou escolas. Os psiquiatras não devem tentar resguardar esses pacientes das conseqüências de seus atos, pois, com muita freqüência, essas boas intenções somente reforçam meios socialmente inaceitáveis de redução da tensão e prejudicam a aquisição do insight e o crescimento emocional subseqüente. Nesses casos, a terapia familiar pode ajudar. Intervenção de crise. As intervenções de crise e o manejo de casos são tratamentos de curto prazo que pretendem ajudar pessoas com transtornos da adaptação a resolver suas situações de maneira rápida por meio de técnicas de apoio, sugestão, reasseguramento, modificação ambiental e até mesmo hospitalização se necessário. A freqüência e a duração das consultas nessas intervenções variam conforme o caso. Sessões diárias podem ser necessárias, às vezes duas ou três vezes por dia, e a flexibilidade é essencial nessa abordagem.
Farmacoterapia Não há estudos que avaliem a eficácia das intervenções farmacológicas em indivíduos com transtornos da adaptação, mas pode ser razoável usar medicação para tratar sintomas específicos por um período breve. O uso criterioso dos agentes pode ajudar esses indivíduos, mas devem ser prescritos por períodos curtos. Dependendo do tipo de transtorno da adaptação, o paciente pode responder a um agente ansiolítico ou a um antidepressivo. Aqueles com ansiedade grave próxima do pânico podem se beneficiar de ansiolíticos como o diazepam (Valium), e pacientes em estados retraídos ou inibidos podem ser auxiliados por um curso curto de um psicoestimulante. Drogas antipsicóticas podem ser usadas se houver sinais de descompensação ou psicose iminente. Os inibidores seletivos da recaptação de serotonina foram considerados úteis para tratar sintomas de luto traumático. Recentemente, houve um aumento no uso de antidepressivos para complementar a psicoterapia em pacientes com transtornos da adaptação, mas a intervenção farmacológica nessa população quase sempre é usada em associação a estratégias psicossociais, e não como modalidade primária. REFERÊNCIAS Bonelli RM, Bugram R. Additional A—Criterion for adjustment disorders? Can J Psychiatry. 2000;45:763. Bronisch T. Adjustment reactions: a long-term prospective and retrospective follow-up of former patients in a crisis intervention ward. Acta Psychiatr Scand. 1991;84:86. Giotakes O, Konstantakopoulos G. Parenting received in early childhood and early separation anxiety in male conscripts with adjustment disorder. Mil Med. 2002;167:28. Holmes J, Raphe R. The social readjustment rating scale. J Psythosom Res. 1967;11:213. Horowitz MJ. Stress Response Syndromes. New York: Aronson; 1976. Newcorn JH, Strain JJ. Adjustment disorder in children and adolescents. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1991;31:318. Newcorn JH, Strain JJ, Mezzich JE. Adjustment disorders. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:1714. Pollock D. Structured ambiguity and the definition of psychiatric illness: adjustment among medical inpatients. Soc Sci Med. 1992;35:25. Redd WH, DuHamel KN, Vickberg SMJ, et al. Long-term adjustment in cancer survivors: integration of classical-conditioning and cognitive-processing models. In: Baum A, Andersen BL, eds. Psychosocial Interventions for Cancer. Washington, DC: American Psychological Association; 2001:77. Strain JW, Newcorn J, Wolf D, Fulop G, Davis W. Considering changes in adjustment disorder. Hosp Community Psychiatry. 1993;44:13.
27 Transtornos da personalidade
O
termo personalidade tem sido utilizado como um rótulo descritivo do comportamento observável do indivíduo e de sua experiência interior subjetiva relatada. A totalidade do indivíduo descrita dessa forma representa tanto aspectos públicos como privados de sua vida. À palavra personalidade podem ser acrescidos certos adjetivos qualificativos com significado psiquiátrico, como passiva ou agressiva, ou palavras sem conotações patológicas, como ambiciosa, religiosa ou amigável. Uma série coerente desses qualificativos compondo um diagnóstico de transtorno da personalidade implica certas predições sobre como a pessoa vai se comportar em dado conjunto de circunstâncias. Sugere também a forma que a doença psiquiátrica pode tomar caso se desenvolva. Oferece ao clínico indícios sobre a incapacidade da pessoa e sobre como devem ser abordados para propósito de tratamento (p. ex., se o tratamento deve ser conduzido principalmente pela utilização de medicamentos, cirurgia ou entrevistas). Quer utilizado como um termo diagnóstico psiquiátrico, quer como uma descrição popular, a designação personalidade tem valor para o médico que lida com o indivíduo descrito. Pessoas com transtornos da personalidade têm mais probabilidade de recusar auxílio psiquiátrico e negar seus problemas do que indivíduos com transtornos de ansiedade, transtornos depressivos ou transtorno obsessivo-compulsivo. Os sintomas de transtorno da personalidade são aloplásticos (i.e., capazes de adaptar-se e alterar o ambiente externo) e egossintônicos (i.e., aceitáveis para o ego). As pessoas afetadas não sentem ansiedade por seu comportamento mal-adaptativo. Em virtude de não considerarem sofrimento aquilo que os outros percebem como seus sintomas, por vezes parecem desinteressadas no tratamento e pouco suscetíveis à recuperação. CLASSIFICAÇÃO
A revisão de texto da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR) define os transtornos da personalidade como experiências subjetivas e comportamento persistentes que se desviam dos padrões culturais, são rigidamente generalizados, têm início na adolescência ou na vida adulta inicial, são estáveis ao longo do tempo e levam à infelicidade e a comprometimento. Quando os traços da personalidade são rígi-
dos e mal-adaptativos e produzem comprometimento do desempenho ou sofrimento subjetivo, pode-se fazer este diagnóstico (Tab. 27-1). Os transtornos da personalidade são agrupados em três classes no DSM-IV-TR. O Grupo A cobre os transtornos da personalidade paranóide, esquizóide e esquizotípica; os indivíduos com tais condições costumam ser percebidos como estranhos e excêntricos. O Grupo B é formado pelos transtornos da personalidade anti-social, borderline, histriônica e narcisista; os indivíduos incluídos nesta categoria parecem dramáticos, emocionais e erráticos. O Grupo C inclui os transtornos da personalidade esquiva, dependente e obsessivo-compulsiva e uma categoria denominada transtorno da personalidade sem outra especificação (como o da personalidade passivo-agressiva e o da personalidade depressiva); nesses casos, os pacientes parecem ansiosos e medrosos. Vários indivíduos exibem traços que não são limitados a um único transtorno da personalidade. Quando são satisfeitos os critérios para mais de um, os clínicos devem diagnosticar cada condição. Os transtornos da personalidade são codificados no Eixo II do DSM-IV-TR. ETIOLOGIA Fatores genéticos A melhor evidência de que fatores genéticos contribuem para os transtornos da personalidade vem da investigação de 15 mil pares de gêmeos nos Estados Unidos. Entre os monozigóticos, a concordância para o transtorno foi várias vezes maior do que aquela percebida entre dizigóticos. Além disso, de acordo com um estudo, os gêmeos monozigóticos criados separados são tão similares como os criados juntos. As semelhanças incluem medidas múltiplas de personalidade e temperamento, interesses ocupacionais e de lazer e atitudes sociais. Os transtornos da personalidade do Grupo A (paranóide, esquizóide e esquizotípica) são mais comuns nos parentes biológicos de pacientes com esquizofrenia do que em grupos-controle. Há mais parentes com transtorno da personalidade esquizotípica na história familiar de indivíduos com esquizofrenia do que em grupos-controle. Existe menos correlação entre transtorno da personalidade paranóide e esquizóide com esquizofrenia.
854
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 27-1 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno da personalidade A. Um padrão persistente de vivência íntima e comportamento que se desvia de forma acentuada das expectativas da cultura do indivíduo. Esse padrão se manifesta em duas (ou mais) das seguintes áreas: (1) cognição (i.e., forma de perceber e interpretar a si mesmo, os outros e os acontecimentos) (2) afetividade (i.e., variação, intensidade, labilidade e adequação das respostas emocionais) (3) desempenho interpessoal (4) controle dos impulsos B. O padrão persistente é inflexível e abrange uma ampla gama de situações pessoais e sociais. C. O padrão persistente provoca sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. D. O padrão é estável e de longa duração, e seu início pode remontar à adolescência ou ao começo da vida adulta. E. O padrão persistente não é melhor explicado como uma manifestação ou conseqüência de outro transtorno mental. F. O padrão persistente não é decorrente dos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., droga de abuso, um medicamento) ou de uma condição médica geral (p. ex., traumatismo craniano). De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
Os transtornos da personalidade do Grupo B (anti-social, borderline, histriônica e narcisista) aparentemente têm uma base genética. O transtorno da personalidade anti-social se associa a transtornos por uso de álcool. A depressão é comum nas histórias familiares de pacientes com transtorno da personalidade borderline. Esses pacientes têm mais parentes com transtornos do humor do que grupos-controle, e eles próprios por vezes também têm um transtorno do humor. É encontrada uma forte associação entre transtorno da personalidade histriônica e transtorno de somatização (síndrome de Briquet); pacientes com cada uma dessas condições exibem uma sobreposição de sintomas. Os transtornos da personalidade do Grupo C (esquiva, dependente, obsessivo-compulsiva e sem outra especificação) também podem ter uma base genética. Os pacientes com transtorno da personalidade esquiva por vezes têm altos níveis de ansiedade. Traços obsessivo-compulsivos são mais comuns em gêmeos monozigóticos do que em dizigóticos, e aqueles com o transtorno da personalidade obsessivo-compulsiva exibem alguns sinais associados a depressão – por exemplo, redução do período de latência para o sono com movimentos rápidos dos olhos (REM) e resultados anormais no teste de supressão da dexametasona (TSD). Fatores biológicos Hormônios. Pessoas que exibem traços impulsivos podem também apresentar altos níveis de testosterona, 17-estradiol e estrona. Em primatas não-humanos, os andrógenos aumentam a probabilidade de agressão e comportamento sexual, mas o papel da testosterona na agressão humana não está claro. Os resultados do TSD são anormais em alguns pacientes com transtorno da personalidade borderline que também apresentam sintomas depressivos.
Monoaminoxidase nas plaquetas. Níveis baixos de monoaminoxidase (MAO) nas plaquetas têm sido associados a atividade e sociabilidade em macacos. Estudantes universitários com baixos níveis de MAO nas plaquetas relatam passar mais tempo em atividades sociais do que estudantes com níveis altos. Níveis baixos de MAO nas plaquetas também têm sido observados em alguns pacientes com transtornos esquizotípicos. Movimentos suaves de acompanhar com os olhos. Os movimentos suaves de acompanhar com os olhos são sacádicos (i.e., em saltos) no caso de pessoas introvertidas, que têm baixa auto-estima e que tendem à reclusão, e ainda entre aquelas com transtorno da personalidade esquizotípica. Esses achados não têm aplicação clínica, mas indicam o papel da herança. Neurotransmissores. As endorfinas têm efeitos semelhantes aos da morfina exógena, como analgesia e supressão do estado de alerta. Níveis elevados podem estar associados a indivíduos fleumáticos. Estudos dos traços de personalidade e dos sistemas dopaminérgico e serotonérgico indicam uma função de ativação da vigília desses neurotransmissores. Os níveis do ácido 5-hidroxindolacético (5-HIAA), um metabólito da serotonina, estão baixos em pacientes que tentam suicídio e naqueles que são impulsivos e agressivos. A elevação dos níveis da serotonina com agentes serotonérgicos como a fluoxetina (Prozac) pode produzir mudanças drásticas em alguns traços da personalidade. Em vários indivíduos, a serotonina reduz a depressão, a impulsividade e a ruminação e pode levar a uma sensação geral de bem-estar. O aumento das concentrações da dopamina no sistema nervoso central, produzido por certos psicoestimulantes (p. ex., as anfetaminas), pode resultar em euforia. Os efeitos dos neurotransmissores sobre traços da personalidade têm gerado muito interesse e controvérsia sobre o fato de os traços da personalidade serem inatos ou adquiridos. Eletrofisiologia. Modificações na condutividade elétrica no eletroencefalograma (EEG) ocorrem em alguns pacientes com transtornos da personalidade, com mais freqüência nos tipos antisocial e borderline; essas modificações aparecem como atividade com ondas lentas no EEG. Fatores psicanalíticos Sigmund Freud sugeriu que os traços da personalidade se relacionam com a fixação em um estágio psicossexual do desenvolvimento. Por exemplo, aqueles com um caráter oral são passivos e dependentes porque estão fixados no estágio oral, quando a dependência de outros para a alimentação é proeminente. Indivíduos com caráter anal são teimosos, parcimoniosos e muito conscienciosos devido aos esforços com o treinamento dos esfincteres durante o período anal. Wilhelm Reich criou o termo armadura do caráter para descrever os estilos defensivos característicos das pessoas para se proteger dos impulsos internos e da ansiedade interpessoal em relacionamentos significativos. Sua teoria teve uma grande influência nos conceitos contemporâneos de personalidade e transtor-
TRANSTORNOS DA PERSONALIDADE
nos da personalidade. Por exemplo, a marca particular da personalidade de cada ser humano é considerada em grande parte determinada por seus mecanismos de defesa característicos. Cada transtorno da personalidade do Eixo II tem um grupo de defesas que auxilia os clínicos psicodinâmicos a reconhecerem o tipo de patologia do caráter presente. As pessoas com transtorno da personalidade paranóide, por exemplo, utilizam projeção, enquanto aquelas com transtorno da personalidade esquizóide tendem à reclusão. Quando as defesas funcionam com eficiência, as pessoas com transtornos da personalidade dominam sentimentos de ansiedade, depressão, raiva, vergonha, culpa e outros afetos. Por vezes vêem seu comportamento como egossintônico, isto é, ele não cria desconforto, ainda que possa afetar os outros de forma adversa. Podem também ficar relutantes em se engajar no processo de tratamento; como suas defesas são importantes para controlar afetos desagradáveis, não estão interessadas em renunciar a elas. Além das defesas características nos transtornos da personalidade, outro aspecto central são as relações com objetos internos. Durante o desenvolvimento, são internalizados padrões particulares do self em relação aos outros. Pela introjeção, a criança internaliza um dos pais ou outra pessoa significativa como uma presença que continua a ser sentida como um objeto, em vez do self. Pela identificação, internaliza os pais e outros de forma que os traços dos objetos externos são incorporados no self, e a criança “se apropria” dos traços. Essas auto-representações e representações internas dos objetos são cruciais para o desenvolvimento da personalidade e, através da externalização e da identificação projetiva, são postas em ação em cenários interpessoais nos quais os outros são induzidos a desempenhar um papel na vida interna do indivíduo. Dessa forma, as pessoas com transtornos da personalidade também são identificadas por padrões particulares de relacionamento interpessoal que se derivam dessas relações com objetos internos. Mecanismos de defesa. Para auxiliar pessoas com transtornos da personalidade, o psiquiatra precisa ater-se às suas defesas subjacentes, aos processos mentais inconscientes que o ego utiliza para resolver conflitos entre os quatro principais pontos da vida interior: o instinto (desejo ou necessidade), a realidade, as pessoas importantes e a consciência. Quando as defesas são mais eficientes, em especial no caso dos transtornos da personalidade, elas podem abolir a ansiedade e a depressão. Dessa forma, abandonar uma defesa aumenta a ansiedade e a depressão conscientes – razão pela qual indivíduos com transtornos da personalidade ficam relutantes em alterar seu comportamento. Ainda que pacientes com transtornos da personalidade possam ser caracterizados por seus mecanismos mais dominantes e rígidos, cada paciente utiliza várias defesas. Por isso, o manejo dos mecanismos de defesa utilizados é discutido aqui como um tópico geral, e não como um ponto específico de transtornos específicos. Várias formulações apresentadas sob a linguagem da psiquiatria psicodinâmica podem ser adaptadas a princípios consistentes com as abordagens cognitiva e comportamental. FANTASIA.
Muitas pessoas rotuladas como esquizóides – as que são excêntricas, solitárias ou temerosas – procuram alívio e satisfação dentro de si próprias, ao criar vidas imaginárias, especialmente amigos imaginários. Em sua extensa dependência da fantasia, parecem estar sempre desligadas. Os terapeutas precisam compreender que essa falta de sociabilidade se baseia no medo que tais pacientes têm de intimidade. Em
855
vez de criticá-los ou se sentirem repelidos por sua rejeição, devem manter um interesse silencioso, assertivo e com consideração pelo paciente, sem insistir em respostas de reciprocidade. O reconhecimento do medo de intimidade do paciente e o respeito por seus modos excêntricos são, além de terapêuticos, úteis. DISSOCIAÇÃO.
A dissociação ou negação é uma substituição do tipo Poliana de afetos desagradáveis por agradáveis. As pessoas que se dissociam com freqüência são vistas como dramáticas e emocionalmente superficiais; podem ser rotuladas como tendo personalidade histriônica. Comportam-se como adolescentes ansiosos que, para apagar a ansiedade, se expõem a perigos excitantes. Aceitar tais pacientes como exuberantes e sedutores é desconsiderar sua ansiedade, mas confrontá-los com suas vulnerabilidades e defeitos torna-os ainda mais defensivos. Como eles procuram apreciação de sua coragem e atração, os terapeutas não devem se comportar com reserva incomum. Enquanto permanecem calmos e firmes, devem se dar conta de que tais pacientes podem ser mentirosos inconscientes, mas que podem se beneficiar ao ventilar suas próprias ansiedades e assim “recordar” o que “esqueceram”. Por vezes, os terapeutas lidam melhor com a dissociação e a negação ao usar deslocamento. Dessa forma, podem falar com os pacientes sobre um tema de negação em uma circunstância não-ameaçadora. Ter empatia com o afeto negado sem confrontar diretamente os pacientes com os fatos pode levar à possibilidade de que exponham o tópico original por si próprios.
ISOLAMENTO.
Esta é uma característica de indivíduos ordeiros, controlados, rotulados como portadores de personalidades obsessivo-compulsivas. Diferentemente da personalidade histriônica, pacientes com personalidade obsessivo-compulsiva se lembram da verdade com pormenores refinados, mas sem afetos. Em uma crise, podem exibir intensificação do autocontrole, comportamento social formal ordeiro e obstinação. A busca de controle pode aborrecer os clínicos ou deixá-los ansiosos. Em geral, esses pacientes respondem bem a explicações precisas, sistemáticas e racionais e valorizam a eficiência, a limpeza e a pontualidade tanto quanto a resposta efetiva do clínico. Sempre que possível, os terapeutas devem permitir que eles controlem seu próprio cuidado e evitar se engajar em um confronto de interesses.
PROJEÇÃO. Na projeção, os pacientes atribuem seus próprios sentimen-
tos inaceitáveis aos outros. A excessiva procura de erros e a sensibilidade à crítica podem parecer ao terapeuta uma atitude preconceituosa, hipervigilante, injusta, mas não devem ser recebidas com defesa e discussão. Ao contrário, os clínicos devem reconhecer mesmo os menores enganos de sua parte e discutir a possibilidade de futuras dificuldades. Honestidade estrita, preocupação com os direitos do paciente e manutenção da mesma distância interessada formal, como utilizada por aqueles que usam a defesa de fantasia, são úteis. A confrontação garante um inimigo duradouro e o térmico precoce da entrevista. Os terapeutas não precisam concordar com a coleta de injustiças do paciente, mas devem perguntar se pode haver discordância entre ambos. A técnica da contraprojeção é especialmente útil. Os clínicos reconhecem e dão aos pacientes paranóides pleno crédito por seus sentimentos e percepções; nunca questionam suas queixas nem as reforçam, mas concordam com o fato de que o mundo descrito pelos pacientes é concebível. Os entrevistadores podem então falar sobre os motivos e os sentimentos reais, ainda atribuídos de forma equivocada a outra pessoa, o que pode acabar consolidando uma aliança terapêutica.
856
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
CISÃO (SPLITTING).
Na cisão, as pessoas a quem o paciente dirige ou dirigiu seus sentimentos ambivalentes são, ou foram, divididas em boas e más. Por exemplo, em situação de internação hospitalar, um paciente pode idealizar alguns membros da equipe de assistência ao mesmo tempo em que deprecia outros. Esse comportamento defensivo pode ser altamente perturbador em uma enfermaria e até levar a equipe de assistência a se voltar contra o paciente. Quando os membros da equipe antecipam o processo, discutem-no em reuniões da equipe e aos poucos confrontam o paciente com o fato de ninguém ser apenas bom ou apenas ruim, é possível lidar com o fenômeno da cisão de forma eficiente.
AGRESSÃO PASSIVA.
Os indivíduos com defesa passivo-agressiva dirigem sua raiva contra si próprios. Em termos psicanalíticos, esse fenômeno é denominado masoquismo e inclui fracasso, procrastinação, comportamento tolo ou provocativo, palhaçadas autodepreciativas e atos claramente autodestrutivos. A hostilidade desse comportamento nunca é ocultada de todo. Na verdade, em um mecanismo como cortar os pulsos, os outros sentem tanta raiva como se eles próprios tivessem sido atacados e vêem o paciente como um sádico, não como um masoquista. Os terapeutas podem lidar melhor com a agressão passiva auxiliando o paciente a ventilar sua raiva.
ATUAÇÃO (ACTING OUT).
Na atuação, os pacientes expressam desejos ou conflitos inconscientes por meio da ação para evitar ficar conscientes tanto da idéia como do afeto que a acompanha. Faniquitos, ataques aparentemente sem motivo, abuso de crianças e promiscuidade sem prazer são exemplos comuns. Visto que o comportamento ocorre fora da percepção reflexiva, a atuação tende a parecer aos observadores desprovida de culpa, mas quando a atuação é impossível, o conflito sob a defesa pode ficar acessível. Defrontando-se com a atuação, tanto agressiva como sexual, na situação de entrevista, o clínico deve reconhecer que o paciente perdeu o controle, que qualquer coisa que se diga poderá ser mal-interpretada e que conseguir a atenção do paciente é de importância fundamental. Dependendo das circunstâncias, a resposta do clínico pode ser: “Como posso auxiliá-lo se você continua gritando?”. Ou, se a perda de controle do paciente continua aumentando: “Se continuar a gritar, eu saio”. Um entrevistador que se sinta amedrontado pelo paciente pode simplesmente sair e, se necessário, solicitar auxílio dos atendentes da enfermaria ou da polícia.
IDENTIFICAÇÃO PROJETIVA. O mecanismo de defesa da identificação projetiva aparece com maior recorrência no transtorno da personalidade borderline e consiste de três passos. Primeiro, um aspecto do self é projetado em outra pessoa. Depois, aquele que projeta tenta fazer coerção sobre a outra pessoa para se identificar com o que foi projetado. Por fim, o recipiente da projeção e o que projeta desenvolvem um sentimento de unidade ou união.
TRANSTORNO DA PERSONALIDADE PARANÓIDE Os indivíduos com transtorno da personalidade paranóide se caracterizam por suspeita e desconfiança persistentes das pessoas em geral. Recusam responsabilidade por seus próprios sentimentos e atribuem-na aos outros. Costumam ser hostis, irritáveis e raivosos. Fanáticos, coletores de injustiças, cônjuges patologicamente ciumentos e maníacos litigantes muitas vezes têm essa condição.
Epidemiologia Sua prevalência é de 0,5 a 2,5% da população em geral. As pessoas afetadas raramente procuram tratamento por si próprias; quando são encaminhadas a tratamento pelo cônjuge ou por um empregador, podem até se recompor e parecer imperturbáveis. Parentes de pacientes com esquizofrenia têm uma incidência mais alta de transtorno da personalidade paranóide do que indivíduos-controle. O transtorno é mais comum em homens do que em mulheres e não parece ter um padrão familiar. A prevalência entre homossexuais não é mais alta do que o habitual, como já se pensou, mas se acredita que seja mais significativa em grupos minoritários, imigrantes e surdos do que na população em geral. Diagnóstico No exame psiquiátrico, esses pacientes podem ser formais nas maneiras e agir com frustração por terem de procurar assistência psiquiátrica. Tensão muscular, incapacidade de relaxar e necessidade de examinar o ambiente em busca de indícios podem ser evidentes, e os modos do paciente costumam estar relacionados à falta de humor e à seriedade. Embora algumas premissas de seus argumentos pareçam falsas, sua fala é orientada para objetivos e lógica. Seu conteúdo do pensamento mostra evidência de projeção, preconceito e idéias ocasionais de referência. Os critérios diagnósticos do DSM-IV-TR são listados na Tabela 27-2.
TABELA 27-2 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno da personalidade paranóide A. Um padrão global de desconfiança e suspeitas em relação aos outros, de modo que suas intenções são interpretadas como maldosas, que se manifesta no início da idade adulta e está presente em uma variedade de contextos, indicado por, no mínimo, quatro dos seguintes critérios: (1) suspeita, sem fundamento suficiente, de estar sendo explorado, maltratado ou enganado por terceiros (2) preocupa-se com dúvidas infundadas acerca da lealdade ou confiabilidade de amigos ou colegas (3) reluta em confiar nos outros por um medo infundado de que essas informações possam ser maldosamente usadas contra si (4) interpreta significados ocultos, de caráter humilhante ou ameaçador em observações ou acontecimentos benignos (5) guarda rancores persistentes, ou seja, é implacável com insultos, injúrias ou deslizes (6) percebe ataques a seu caráter ou reputação que não são visíveis pelos outros e reage rapidamente com raiva ou contra-ataque (7) tem suspeitas recorrentes, sem justificativa, quanto à fidelidade do cônjuge ou parceiro sexual B. Não ocorre exclusivamente durante o curso de esquizofrenia, transtorno do humor com características psicóticas ou outro transtorno psicótico, nem é decorrente dos efeitos fisiológicos diretos de uma condição médica geral. Nota: Se os critérios são satisfeitos antes do início de esquizofrenia, acrescentar “pré-mórbido”, por exemplo, “transtorno da personalidade paranóide (pré-mórbido)”. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
TRANSTORNOS DA PERSONALIDADE
Características clínicas A característica essencial de indivíduos com transtorno da personalidade paranóide é uma tendência global e injustificada de interpretar as ações de terceiros como deliberadamente depreciativas e ameaçadoras. Essa tendência começa no início da vida adulta e aparece em uma variedade de contextos. Quase sempre, as pessoas afetadas esperam ser exploradas e lesadas de alguma forma. Com freqüência questionam, sem qualquer justificativa, a lealdade e a confiança de amigos e sócios. Esses indivíduos tendem a ser patologicamente ciumentos e sem razão duvidam da fidelidade de seus cônjuges ou parceiros sexuais. Além disso, externalizam suas próprias emoções e utilizam a defesa de projeção; atribuem aos outros impulsos e pensamentos que não podem aceitar em si próprios. Idéias de referência e ilusões defendidas com lógica são comuns. Os indivíduos com transtorno da personalidade paranóide são restritos do ponto de vista afetivo e parecem não ter emoções. Orgulham-se de ser racionais e objetivos, mas este não é o caso. Falta-lhes calor, e eles se impressionam e prestam atenção estrita a poder e posição. Expressam desdém pelos que vêem como fracos, doentes, comprometidos ou deficientes de alguma forma. Em situações sociais, podem parecer ativos nos negócios e eficientes, mas geram medo e conflito nos outros. Diagnóstico diferencial O transtorno da personalidade paranóide pode ser diferenciado do transtorno delirante pela ausência de delírios fixos. Diferentemente de indivíduos com esquizofrenia paranóide, pessoas com esse transtorno não têm alucinações ou transtorno do pensamento formal. O tipo paranóide pode ser distinguido do tipo borderline porque pacientes com o primeiro raramente são capazes de envolvimento extremo ou relacionamentos tumultuosos com outros. Faltalhes a longa história de comportamento anti-social que acompanha aqueles com o tipo anti-social. Os indivíduos com personalidade esquizóide são reclusos e distantes e não têm ideação paranóide.
857
terapeuta é acusado de inconsistência ou de uma falta, como o atraso para uma sessão, honestidade e uma desculpa são preferíveis à explicação defensiva. É necessário lembrar que a confiança e a tolerância de intimidade são áreas problemáticas para pacientes com tal condição. A psicoterapia individual requer um estilo profissional e não excessivamente caloroso por parte do terapeuta. A utilização muito zelosa da interpretação – em especial interpretações sobre sentimentos profundos de dependência, preocupações sexuais e desejos de intimidade – aumenta, de modo significativo, a desconfiança do paciente. Indivíduos paranóides em geral não vão bem em terapia de grupo, embora esta possa ser útil para melhorar as habilidades sociais e reduzir a suspeita mediante desempenho de papéis. Muitos não podem tolerar a intrusão da terapia comportamental, também utilizada para o treinamento das habilidades sociais. Por vezes, os pacientes se comportam de forma tão ameaçadora que os terapeutas precisam controlar e estabelecer limites para seus atos. Acusações delirantes devem ser manejadas de forma realística, mas com sutileza e sem humilhação. Tais indivíduos ficam profundamente amedrontados quando sentem que aqueles que estão tentando auxiliá-los são fracos e impotentes; por isso, o terapeuta não deve nunca apresentar ao paciente a possibilidade de assumir controle, a menos que este queira e seja capaz de fazê-lo. Farmacoterapia. É uma opção significativa para casos de agitação e ansiedade. Em geral, agentes ansiolíticos como o diazepam (Valium) são suficientes. No entanto, pode ser necessário utilizar antipsicóticos como o haloperidol (Haldol) em pequenas doses por breves períodos para manejar a agitação grave ou o pensamento quase delirante. A pimozida (Orap) tem reduzido com êxito a ideação paranóide em alguns pacientes. TRANSTORNO DA PERSONALIDADE ESQUIZÓIDE É diagnosticado em pacientes que exibem um padrão de reclusão social por toda a vida. Seu desconforto com as interações humanas, sua introversão e seu afeto embotado e restrito são notáveis. Os indivíduos com transtorno da personalidade esquizóide costumam ser vistos como excêntricos, isolados e solitários.
Curso e prognóstico Não foram conduzidos estudos sistemáticos, de longo prazo, sobre o transtorno da personalidade paranóide. Em alguns casos, a condição permanece por toda a vida; em outros, é um precursor de esquizofrenia. Há ainda a possibilidade de que os traços paranóides dêem espaço para formação de reação, preocupação apropriada com moralidade e preocupações altruísticas à medida que os indivíduos amadurecem ou o estresse diminui. Em geral, contudo, pessoas com transtorno da personalidade paranóide têm problemas por toda a vida para trabalhar e conviver com os outros. Dificuldades ocupacionais e conjugais são comuns.
Epidemiologia Sua prevalência não está claramente estabelecida, mas o transtorno pode afetar 7,5% da população em geral. A razão por sexo é desconhecida; alguns estudos relatam uma razão de 2 por 1 de homens para mulheres. Os indivíduos afetados tendem a gravitar em torno de empregos solitários que envolvam pouco ou nenhum contato com os outros. Muitos preferem o trabalho noturno ao diurno, de modo que não precisem lidar com muitas pessoas. Diagnóstico
Tratamento Psicoterapia. Psicoterapia é o tratamento de escolha. Os terapeutas devem ser precisos ao lidar com esses pacientes. Se um
No exame psiquiátrico inicial, os pacientes com transtorno da personalidade esquizóide podem parecer bastante perturbados. Quase não toleram o contato pelo olhar, e os entrevistadores po-
858
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
dem supor que esses pacientes estão ansiosos para o término da entrevista. Seu afeto pode ser restrito, distante ou inapropriadamente sério, mas sob essa alienação os clínicos sensíveis podem reconhecer medo. Os pacientes consideram difícil assumir uma atitude mais franca. Seus esforços de humor podem parecer adolescentes e fora do ponto. Sua fala é orientada para objetivos, mas é provável que eles dêem respostas curtas a perguntas e evitem a conversação espontânea. Podem até usar figuras incomuns de linguagem, como uma metáfora esquisita, e ser fascinados por objetos inanimados e constructos metafísicos. Seu conteúdo mental pode revelar um senso de intimidade indevido com pessoas que não conhecem bem ou que não viram por longo tempo. Seu sensório está intacto, a memória funciona bem, e a interpretação de provérbios é abstrata. Os critérios diagnósticos do DSM-IV-TR são listados na Tabela 27-3.
agressivo que deseja a união. Ao longo de toda a vida, os indivíduos com transtorno da personalidade esquizóide em geral revelam uma incapacidade de expressar raiva diretamente. Podem investir grande quantidade de energia em interesses com pouco conteúdo humano, como matemática e astronomia, e ser muito apegados a animais. Manias dietéticas e de saúde, movimentos filosóficos e esquemas de melhoria social, em particular os que não necessitam de envolvimento pessoal, costumam lhes interessar. Ainda que esses pacientes pareçam auto-absorvidos e perdidos em devaneios, têm uma capacidade normal de reconhecer a realidade. Uma vez que atos agressivos quase nunca estão incluídos em seu repertório de respostas habituais, a maioria das ameaças sofridas, reais ou imaginárias, é manejada com onipotência fantasiada ou com resignação. Tendem a ser percebidos como distantes, mas ainda assim podem conceber, desenvolver e dar ao mundo idéias genuinamente originais e criativas.
Características clínicas Os indivíduos com transtorno da personalidade esquizóide parecem frios e distantes; manifestam uma reserva remota e não mostram envolvimento com os acontecimentos cotidianos e com as preocupações dos outros. Parecem quietos, distantes, reclusos e pouco sociáveis. Podem viver com notória falta de necessidade ou desejo de elos emocionais e são os últimos a se darem conta de mudanças como, por exemplo, aquelas relacionadas à moda. Suas histórias de vida refletem interesses particulares e êxito em trabalhos solitários, não-competitivos, que outros acham difíceis de tolerar. Suas vidas sexuais podem existir apenas na fantasia, e a sexualidade madura pode ser adiada de forma indefinida. Os homens podem não casar porque são incapazes de conseguir intimidade; as mulheres podem concordar passivamente em casar com um homem
TABELA 27-3 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno da personalidade esquizóide A. Um padrão global de distanciamento das relações sociais e uma faixa restrita de expressão emocional em contextos interpessoais, que se manifesta no início da idade adulta e está presente em uma variedade de contextos, indicado por, no mínimo, quatro dos seguintes critérios: (1) não deseja nem gosta de relacionamentos íntimos, incluindo fazer parte de uma família (2) quase sempre opta por atividades solitárias (3) manifesta pouco, se algum, interesse em ter experiências sexuais com um parceiro (4) tem prazer em poucas atividades, se alguma (5) não tem amigos íntimos ou confidentes, outros que não parentes em primeiro grau (6) mostra-se indiferente a elogios ou críticas (7) demonstra frieza emocional, distanciamento ou embotamento afetivo. B. Não ocorre exclusivamente durante o curso de esquizofrenia, transtorno do humor com características psicóticas, outro transtorno psicótico ou um transtorno global do desenvolvimento, nem é decorrente dos efeitos fisiológicos diretos de uma condição médica geral. Nota: Se os critérios são satisfeitos antes do início de esquizofrenia, acrescentar “pré-mórbido”, por exemplo, “transtorno da personalidade esquizóide (pré-mórbido)”. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
S. é um técnico de laboratório de 38 anos de idade, solteiro, que foi encaminhado por seu empregador, um cientista universitário, porque estava tendo dificuldades como participante da equipe de um projeto. Nos últimos cinco anos, estava empregado no laboratório, trabalhando em um projeto mais ou menos sozinho e tendo um bom desempenho. A renovação do financiamento que seu empregador recebera há pouco, possibilitando a continuação do emprego de S., envolvia uma expansão substancial do projeto. O cientista por isso contratou empregados novos e esperava que S. os treinasse. Vários dos recém-contratados desistiram em três semanas, dizendo que era impossível aprender e trabalhar com S. Queixavam-se de que ele não provia nenhuma orientação e que era inamistoso e arrogante. Quando o cientista confrontou S. com tais queixas após a desistência do terceiro indivíduo, o paciente ficou apático e surpreso. Disse que estava tentando fazer o melhor e que não podia compreender as queixas. Admitiu que estava um pouco aborrecido com sua mudança de papel e que não estava muito claro o que se esperava dele. Seu empregador já o havia elogiado pelo envolvimento e acurácia com que trabalhava e estava relutante em perdê-lo, mas se deu conta de que o êxito da expansão de seu projeto estava ameaçado se S. fosse incapaz de aprender a treinar e trabalhar com os outros. Por isso, sugeriu que procurasse auxílio profissional para lidar com suas novas tarefas. Durante a entrevista inicial, o paciente se descreveu como um solitário que sempre se sentiu desajeitado e infeliz quando forçado a se relacionar com os outros. Disse que vivia afastado do resto da família. Quando solicitado a descrever seu desenvolvimento ao longo da vida, tornou-se aparente que ele nunca tivera um bom amigo, nunca fora escolhido para estar em equipes e nunca participara de qualquer atividade escolar. S. descreveu esses fatos de uma forma desligada e não parecia perturbado com eles. Disse que nunca namorou ou teve qualquer experiência sexual com outras pessoas, nem expressou nenhum desejo de fazê-lo quando questionado. Seu interesse pela ciência começou com um jogo de química que ganhou aos 13 anos, após o que passou muito tempo como adolescente conduzindo experimentos solitários. Quando questionado sobre como passava seu tempo de lazer, disse que apreciava jogos de computador. (De DSM-IV-TR Case Studies.)
TRANSTORNOS DA PERSONALIDADE
Diagnóstico diferencial Em contraste com os pacientes com esquizofrenia e transtorno da personalidade esquizotípica, aqueles com transtorno da personalidade esquizóide não têm parentes esquizofrênicos e podem apresentar histórias de trabalho bem-sucedidas, ainda que isolados. Diferem também dos esquizofrênicos por não exibirem transtornos do pensamento ou pensamento delirante. Ainda que os pacientes com transtorno da personalidade paranóide compartilhem muitos traços com os portadores do tipo esquizóide, os primeiros demonostram mais engajamento social, história de comportamento verbal agressivo e tendência maior a projetar seus sentimentos nos outros. Embora emocionalmente restritos, os pacientes com transtorno da personalidade obsessivo-compulsiva e esquiva experimentam a solidão como disfórica, têm uma história mais rica de relações objetais no passado e não se engajam muito em devaneios autistas. A principal distinção entre pacientes com transtorno da personalidade esquizotípica e aqueles com o tipo esquizóide é que os primeiros são mais semelhantes a pacientes com esquizofrenia nas excentricidades de percepção, pensamento, comportamento e comunicação. Os indivíduos com transtorno da personalidade esquiva são isolados, mas desejam participar de atividades, uma característica ausente entre os pacientes com transtorno da personalidade esquizóide. Curso e prognóstico O início do transtorno da personalidade esquizóide tende a ocorrer na primeira infância. Como os demais transtornos da personalidade, este também tem longa duração, mas pode não persistir por toda a vida. A proporção de pacientes que chega a desenvolver esquizofrenia é desconhecida. Tratamento Psicoterapia. O tratamento de pacientes com transtorno da personalidade esquizóide é semelhante ao utilizado para indivíduos com transtorno da personalidade paranóide. A tendência esquizóide para a introspecção, contudo, é consistente com as expectativas dos terapeutas, e os pacientes esquizóides podem se tornar interessados, ainda que distantes. À medida que a confiança se desenvolve, podem, com grande hesitação, revelar uma multiplicidade de fantasias, amigos imaginários e medo de dependência insuportável – mesmo da fusão com o terapeuta. Em situações de terapia de grupo, os pacientes com transtorno da personalidade esquizóide podem ficar silenciosos por longos períodos; a despeito disso, tornam-se envolvidos. Eles devem ser protegidos contra os ataques agressivos de membros do grupo por sua tendência a ficarem silenciosos. Com o tempo, os membros do grupo se tornam importantes para os pacientes e podem prover o único contato social de uma existência de outro modo isolada. Farmacoterapia. A farmacoterapia com baixas doses de antipsicóticos, antidepressivos e psicoestimulantes tem beneficiado alguns pacientes. Os agentes serotonérgicos podem tornar os pa-
859
cientes menos sensíveis à rejeição. Os benzodiazepínicos auxiliam a reduzir a ansiedade interpessoal. TRANSTORNO DA PERSONALIDADE ESQUIZOTÍPICA Os pacientes com esta condição são notavelmente esquisitos ou estranhos, mesmo para pessoas leigas. Pensamento mágico, noções peculiares, idéias de referência, ilusões e desrealização são parte do seu mundo. Epidemiologia O transtorno ocorre em cerca de 3% da população. A razão por sexo é desconhecida. Há uma associação maior de casos com parentes biológicos de pacientes com esquizofrenia do que entre controles, e uma incidência mais elevada entre gêmeos monozigóticos do que entre dizigóticos (33% versus 4% em um estudo). Diagnóstico O transtorno da personalidade esquizotípica é diagnosticado com base nas peculiaridades de pensamento, comportamento e aparência. Obter a história pode ser difícil devido à forma incomum de comunicação. Os critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno da personalidade esquizotípica são apresentados na Tabela 27-4.
TABELA 27-4 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno da personalidade esquizotípica A. Um padrão global de déficits sociais e interpessoais, marcado por desconforto agudo e reduzida capacidade para relacionamentos íntimos, além de distorções cognitivas ou perceptivas e comportamento excêntrico, que se manifesta no início da idade adulta e está presente em uma variedade de contextos, indicado por, no mínimo, cinco dos seguintes critérios: (1) idéias de referência (excluindo delírios de referência) (2) crenças bizarras ou pensamento mágico que influenciam o comportamento e não estão de acordo com as normas da subcultura do indivíduo (p. ex., superstições, crença em clarividência, telepatia ou “sexto sentido”; em crianças e adolescentes, fantasias e preocupações bizarras) (3) experiências perceptivas incomuns, incluindo ilusões somáticas (4) pensamento e discurso bizarros (p. ex., vago, circunstancial, metafórico, pernóstico ou estereotipado) (5) desconfiança ou ideação paranóide (6) afeto inadequado ou constrito (7) aparência ou comportamento esquisito, peculiar ou excêntrico (8) não tem amigos íntimos ou confidentes, exceto parentes em primeiro grau (9) ansiedade social excessiva que não diminui com a familiaridade e tende a estar associada com temores paranóides, em vez de julgamentos negativos acerca de si próprio B. Não ocorre exclusivamente durante o curso de esquizofrenia, transtorno do humor com características psicóticas, outro transtorno psicótico ou um transtorno global do desenvolvimento. Nota: Se os critérios são satisfeitos antes do início de esquizofrenia, acrescentar “pré-mórbido”, por exemplo, “transtorno da personalidade esquizotípica (pré-mórbido)”. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
860
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Características clínicas
Tratamento
Pacientes com transtorno da personalidade esquizotípica exibem perturbação do pensamento e da comunicação. Embora uma alteração franca do pensamento esteja ausente, a linguagem pode ser distintiva ou peculiar, pode ter significado apenas para eles ou necessitar de interpretação. Como os pacientes com esquizofrenia, eles podem não conhecer seus próprios sentimentos e ainda assim são peculiarmente sensíveis e perceptivos aos sentimentos dos outros, em particular sentimentos negativos como raiva. Em alguns casos, são supersticiosos ou alegam poderes de clarividência, acreditando que têm outros poderes especiais de pensamento e insight. Seu mundo interior pode estar cheio de relacionamentos imaginários vívidos, medos e fantasias infantis. Podem admitir ter ilusões perceptivas ou macropsias e confessam que as outras pessoas parecem de madeira e todas da mesma forma. Visto que têm relações interpessoais pobres e agem de forma inapropriada, são isolados e têm poucos amigos, se os tiverem. Esses pacientes podem exibir manifestações de transtorno da personalidade borderline, e, na verdade, ambos os diagnósticos podem ser feitos. Sob estresse, os pacientes com transtorno da personalidade esquizotípica podem descompensar e ter sintomas psicóticos, mas estes costumam ser de duração breve. Casos graves do transtorno podem manifestar anedonia e depressão acentuadas.
Psicoterapia. Os princípios de tratamento deste transtorno não diferem dos empregados no transtorno da personalidade esquizóide, mas os clínicos devem lidar de forma mais sensível com o primeiro. Os pacientes afetados têm padrões peculiares de pensamento, e alguns se envolvem em cultos, práticas religiosas estranhas e ocultismo. Os terapeutas não devem ridicularizar tais atividades ou fazer julgamentos sobre suas crenças ou atividades.
Diagnóstico diferencial
Epidemiologia
Teoricamente, indivíduos com transtorno da personalidade esquizotípica podem ser distinguidos daqueles com transtornos da personalidade esquizóide e esquiva pela presença de esquisitices em comportamento, pensamento, percepção e comunicação e talvez por uma história familiar clara de esquizofrenia. Diferem dos pacientes com esquizofrenia pela ausência de psicose. Se aparecem sintomas psicóticos, estes são breves e fragmentados. Alguns pacientes satisfazem os critérios tanto para transtorno da personalidade esquizotípica como para transtorno da personalidade borderline. Indivíduos com o tipo paranóide se caracterizam por desconfiança e pela falta do comportamento esquisito de pacientes com transtorno da personalidade esquizotípica.
A prevalência do transtorno é de 3% entre homens e 1% entre mulheres. É mais comum nas áreas urbanas pobres e entre residentes móveis dessas áreas. Os meninos afetados vêm de famílias maiores do que as meninas com a mesma condição. O início do transtorno ocorre antes dos 15 anos de idade. As jovens em geral têm sintomas antes da puberdade, e os jovens até mais cedo. Em populações de prisões, a prevalência é de até 75%. Há um padrão familiar presente: o transtorno é cinco vezes mais comum entre parentes de primeiro grau de homens afetados do que em controles.
Curso e prognóstico Um estudo de longo prazo de Thomas McGlashan relatou que 10% das pessoas com transtorno da personalidade esquizotípica chegam a cometer suicídio. Estudos retrospectivos mostraram que vários pacientes considerados esquizofrênicos na verdade tinham o transtorno, e, de acordo com o pensamento clínico atual, a personalidade pré-mórbida do paciente com esquizofrenia é esquizotípica. Alguns, contudo, mantêm um transtorno da personalidade esquizotípica estável durante suas vidas, casando e trabalhando a despeito de suas esquisitices.
Farmacoterapia. A medicação antipsicótica pode ser útil no manejo de idéias de referência, ilusões e outros sintomas do transtorno e pode ser utilizada em conjunto com a psicoterapia. Os antidepressivos são benéficos quando está presente um componente depressivo da personalidade. TRANSTORNO DA PERSONALIDADE ANTI-SOCIAL Trata-se de uma incapacidade de se adaptar às normas sociais que ordinariamente governam vários aspectos do comportamento do indivíduo adolescente e adulto. Embora caracterizado por atos anti-sociais e criminosos de forma contínua, o transtorno não é sinônimo de criminalidade (a décima revisão da Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde [CID-10] utiliza o nome transtorno da personalidade dissocial).
Diagnóstico Os pacientes com transtorno da personalidade anti-social são capazes de enganar até mesmo o clínico mais experiente. Na entrevista, podem se mostrar bem-compostos e confiáveis, mas, sob esse verniz (ou, para utilizar o termo de Hervey Cleckley, a máscara da sanidade), há tensão, hostilidade, irritabilidade e raiva. Pode ser necessária uma entrevista provocadora de estresse, em que os pacientes são confrontados com inconsistências em suas histórias. Uma revisão diagnóstica inclui exame neurológico completo. Em vista de esses pacientes, por vezes, exibirem resultados anormais de EEG e sinais neurológicos leves, sugerindo lesão cerebral mínima na infância, tais achados podem ser utilizados para confirmar a impressão clínica. Os critérios diagnósticos do DSMIV-TR são listados na Tabela 27-5.
TRANSTORNOS DA PERSONALIDADE
TABELA 27-5 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno da personalidade anti-social A. Um padrão global de desrespeito e violação dos direitos alheios, que ocorre desde os 15 anos, indicado por, no mínimo, três dos seguintes critérios: (1) incapacidade de adequar-se às normas sociais com relação a comportamentos lícitos, indicada pela execução repetida de atos que constituem motivo de detenção (2) propensão para enganar, indicada por mentir repetidamente, usar nomes falsos ou ludibriar os outros para obter vantagens pessoais ou prazer (3) impulsividade ou fracasso em fazer planos para o futuro (4) irritabilidade e agressividade, indicadas por repetidas lutas corporais ou agressões físicas (5) desrespeito irresponsável pela segurança própria ou alheia (6) irresponsabilidade consistente, indicada por um repetido fracasso em manter um comportamento laboral consistente ou de honrar obrigações financeiras (7) ausência de remorso, indicada por indiferença ou racionalização por ter ferido, maltratado ou roubado alguém B. O indivíduo tem no mínimo 18 anos de idade. C. Existem evidências de transtorno da conduta com início antes dos 15 anos de idade. D. A ocorrência do comportamento anti-social não se dá exclusivamente durante o curso de esquizofrenia ou episódio maníaco. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
Características clínicas Pacientes com o transtorno podem até parecer normais e mesmo charmosos e encantadores. Suas histórias, contudo, revelam várias áreas de perturbação do desempenho na vida. Mentira, falta às aulas, fuga de casa, furtos, brigas, abuso de drogas e atividades ilegais são experiências típicas com início da adolescência. Esses indivíduos impressionam os clínicos do sexo oposto com os aspectos coloridos e sedutores de suas personalidades, mas clínicos do mesmo sexo podem considerá-los manipuladores e exigentes. Os pacientes com transtorno da personalidade anti-social não exibem ansiedade ou depressão, um déficit que parece ser nitidamente incongruente com suas situações, embora ameaças de suicídio e preocupações somáticas sejam comuns. As próprias explicações sobre seu comportamento anti-social podem parecer despropositadas, mas seu conteúdo mental revela a ausência completa de delírios ou outros sinais de pensamento irracional. De fato, costumam ter um senso exaltado do teste da realidade e chegam a impressionar os observadores por sua boa inteligência verbal. Indivíduos com transtorno da personalidade anti-social estão altamente representados entre os assim denominados “vigaristas”. São muito manipuladores e podem, com freqüência, convencer os outros a participarem de esquemas fáceis para ganhar dinheiro ou conseguir fama e notoriedade. Esses esquemas podem levar os incautos à ruína financeira, ao embaraço social ou a ambos. Pessoas com o transtorno não dizem a verdade, e não se pode confiar que realizem qualquer tarefa ou tenham adesão a um padrão convencional de moralidade. Promiscuidade, abuso do cônjuge, abuso de crianças e dirigir embriagado são acontecimentos comuns em suas vidas. Um achado notável é a falta de remorso de seus atos, isto é, parece faltar-lhes uma consciência.
861
Y. é um homem de 26 anos de idade que foi transferido de uma prisão para uma unidade psiquiátrica, como resultado de uma tentativa de suicídio. Ele tem uma história de três tentativas prévias de suicídio e vários problemas com a polícia. A partir da informação contida nos registros do serviço social, médico e legal, o clínico pôde reunir sua história. A mãe era uma prostituta e adicta de drogas, e ele nunca conheceu o pai. O paciente apresentava uma história de vários problemas de conduta desde idade precoce. Começou a se envolver em brigas com outras crianças praticamente desde o dia em que entrou na escola, e foi pego torturando animais em várias ocasiões. Quando tinha 9 anos de idade, atirou seu irmão menor pela janela do apartamento no primeiro andar, causando-lhe fraturas múltiplas. Durante a adolescência, passou vários anos em um asilo e esteve em muitos lares adotivos, mas essas alocações nunca foram bem-sucedidas. Às vezes ficava na casa da avó materna, que cuidava de outros oito netos ao mesmo tempo. Y. começou a usar drogas aos 10 anos de idade. No início da adolescência, uniu-se a uma quadrilha, vendendo drogas e bancando jogos. Teve seu primeiro filho com 13 anos de idade. Antes dos 17, foi detido por uma série de acusações, que incluíam furto, posse de drogas ilegais e assalto, mas, por causa da idade, recebeu várias sentenças que foram suspensas. Sempre faltava às aulas, até que abandonou a escola aos 15 anos. Nessa época, começou a viver nas ruas com outros amigos de sua quadrilha que também estavam envolvidos com uso e venda de drogas. Com 17 anos, foi sentenciado a dois anos de prisão por esfaquear uma pessoa em uma briga num bar. Durante a prisão, tentou suicídio por enforcamento com uma peça do vestuário. Como resultado, foi transferido para a enfermaria por várias semanas e não tinha de participar em sua parte do trabalho. Aos 23 anos, já tinha cinco filhos, nenhum dos quais vê ou sustenta. Quando não contrariado, Y. é um indivíduo manipulador que pode ser encantador, engraçado e sociável. Quando está sob drogas ou quando não consegue o que quer, contudo, torna-se friamente furioso e destrutivo. O paciente já foi tratado de uma série de overdoses, muitas das quais foram intencionais. Foi hospitalizado em unidades psiquiátricas em três ocasiões devido a depressão e tentativas de suicídio. Esta é sua quarta hospitalização. Seu comportamento segue um padrão característico durante as hospitalizações. No início, parece relaxar e logo melhorar, cooperando com a equipe de tratamento e os pacientes. A seguir, contudo, começa a criar problemas na unidade, liderando outros pacientes em revoltas relativas a privilégios de fumar, licenças e necessidade de medicamentos. Uma vez, durante a hospitalização mais recente, foi pego tendo intercurso sexual com uma paciente de 60 anos de idade. (De DSM-IV Case Studies.) Diagnóstico diferencial O transtorno da personalidade anti-social pode ser diferenciado do comportamento ilegal, pois o primeiro envolve várias áreas da vida do indivíduo. Quando o comportamento anti-social é a úni-
862
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
ca manifestação, os pacientes são classificados na categoria do DSMIV-TR de condições adicionais que podem ser o foco de atenção clínica – especificamente, comportamento anti-social do adulto. Dorothy Lewis verificou que muitos desses indivíduos têm um distúrbio neurológico ou mental que foi desconsiderado ou não-diagnosticado. Mais difícil é a diferenciação entre transtorno da personalidade anti-social e abuso de drogas. Quando tanto o abuso quanto o comportamento anti-social iniciam na adolescência e continuam na vida adulta, ambos devem ser diagnosticados. Quando, contudo, o comportamento anti-social é secundário ao uso pré-mórbido de álcool ou de outra substância de abuso, o diagnóstico de transtorno da personalidade anti-social não está justificado. Ao definirem o transtorno da personalidade anti-social, os clínicos devem fazer ajustes para os efeitos de distorção do estado socioeconômico, das bases culturais e do sexo. Mais ainda, o diagnóstico não é justificado quando deficiência mental, esquizofrenia ou mania podem explicar os sintomas. Curso e prognóstico Uma vez que se desenvolve, o transtorno mantém um curso sem remissão, com o pico do comportamento anti-social em geral ocorrendo no final da adolescência. O prognóstico varia. Alguns relatos indicam que os sintomas diminuem à medida que a idade aumenta. Vários pacientes têm transtorno de somatização e queixas físicas múltiplas. Transtornos depressivos, transtornos por uso de álcool e abuso de outras substâncias são comuns. Tratamento Psicoterapia. Se os pacientes são imobilizados (p. ex., hospitalizados), podem tornar-se suscetíveis à psicoterapia. Quando sentem que estão entre companheiros, sua falta de motivação para a mudança desaparece. Talvez por essa razão, os grupos de auto-ajuda têm sido mais úteis do que prisões na abordagem do transtorno. Antes de o tratamento começar, limites firmes são essenciais. O terapeuta deve encontrar formas de lidar com o comportamento autodestrutivo do paciente. Para superar o medo de intimidade dos pacientes, precisa frustrar o desejo destes de fugir de encontros honestos. Ao fazê-lo, o terapeuta se defronta com o desafio de separar controle de punição e de separar ajuda e confrontação de isolamento social e retribuição. Farmacoterapia. É utilizada para lidar com sintomas incapacitantes como ansiedade, raiva e depressão, mas, como esses pacientes por vezes são usuários de drogas, os medicamentos devem ser utilizados de forma criteriosa. Se um deles mostra evidência de transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, os psicoestimulantes, como o metilfenidato (Ritalina), podem ser úteis. Têm sido feitas algumas tentativas de modificar o metabolismo das catecolaminas com medicamentos e controlar o comportamento impulsivo com anticonvulsivantes, como, por exemplo, a carbamazepina (Tegretol) e o valproato (Depakote), em especial se formas anormais de ondas são observadas no EEG. Os antagonistas dos receptores βadrenérgicos têm sido utilizados para reduzir a agressão.
TRANSTORNO DA PERSONALIDADE BORDERLINE Pacientes com tal condição se situam no limite entre a neurose e a psicose e se caracterizam por afetos, humor, comportamento, relações objetais e auto-imagem extraordinariamente instáveis. O transtorno tem sido denominado também esquizofrenia ambulatória, personalidade como se (termo criado por Helene Deutsch), esquizofrenia pseudoneurótica (descrita por Paul Hoch e Phillip Politan) e transtorno psicótico do caráter (descrito por John Frosch). A CID-10 utiliza o termo transtorno da personalidade emocionalmente instável. Epidemiologia Não há estudos definitivos disponíveis sobre a prevalência, mas se acredita que o transtorno da personalidade borderline esteja presente em cerca de 1 a 2% da população e que seja duas vezes mais comum em mulheres do que em homens. Encontra-se um aumento da prevalência de transtorno depressivo maior, transtorno por uso de álcool e abuso de substâncias em parentes de primeiro grau de indivíduos com transtorno da personalidade borderline. Diagnóstico De acordo com o DSM-IV-TR, o diagnóstico pode ser feito desde o início da vida adulta, quando os pacientes exibem pelo menos cinco dos critérios listados na Tabela 27-6. Estudos biológi-
TABELA 27-6 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno da personalidade borderline Um padrão global de instabilidade dos relacionamentos interpessoais, da auto-imagem e dos afetos e acentuada impulsividade, que se manifesta no início da idade adulta e está presente em uma variedade de contextos, indicado por, no mínimo, cinco dos seguintes critérios: (1) esforços frenéticos no sentido de evitar um abandono real ou imaginário. Nota: Não incluir comportamento suicida ou automutilante, coberto no Critério 5. (2) um padrão de relacionamentos interpessoais instáveis e intensos, caracterizado pela alternância entre extremos de idealização e desvalorização (3) perturbação da identidade: instabilidade acentuada e resistente da auto-imagem ou do sentimento de self (4) impulsividade em pelo menos duas áreas potencialmente prejudiciais à própria pessoa (p. ex., gastos financeiros, sexo, abuso de substâncias, direção imprudente, comer compulsivo). Nota: Não incluir comportamento suicida ou automutilante, coberto no Critério 5. (5) recorrência de comportamento, gestos ou ameaças suicidas ou de comportamento automutilante (6) instabilidade afetiva devido a uma acentuada reatividade do humor (p. ex., episódios de intensa disforia, irritabilidade ou ansiedade geralmente durando algumas horas e apenas raramente mais de alguns dias) (7) sentimentos crônicos de vazio (8) raiva inadequada e intensa ou dificuldade em controlar a raiva (p. ex., demonstrações freqüentes de irritação, raiva constante, lutas corporais recorrentes) (9) ideação paranóide transitória e relacionada ao estresse ou a graves sintomas dissociativos De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
TRANSTORNOS DA PERSONALIDADE
cos podem auxiliar na identificação do transtorno; alguns pacientes exibem redução da latência para o sono com movimentos rápidos dos olhos (REM) e problemas na continuidade do sono, resultados anormais no teste de supressão da dexametasona e no teste do hormônio de liberação da tirotropina. Essas alterações, contudo, também são vistas em alguns pacientes com transtornos depressivos. Características clínicas Os indivíduos afetados quase sempre parecem estar em estado de crise. São comuns as oscilações do humor. Eles podem ser querelantes em um momento, depressivos no seguinte e mais tarde se queixar de que não têm sentimentos. Podem ter episódios psicóticos de curta duração (assim denominados episódios micropsicóticos), em vez de surtos plenos, e os sintomas psicóticos são quase sempre circunscritos, fugazes e duvidosos. O comportamento de pacientes com transtorno da personalidade borderline é altamente imprevisível, e suas realizações raramente estão no nível de suas habilidades. A natureza dolorosa de suas vidas se reflete em atos autodestrutivos recorrentes. Esses pacientes podem cortar os pulsos e realizar outras automutilações para conseguir o auxílio de outros, para expressar raiva ou se afastar de afetos muito opressivos. Em vista de se sentirem tanto dependentes como hostis, tais indivíduos têm relacionamentos interpessoais tumultuados. Podem ser dependentes de quem são íntimos e, quando frustrados, expressam uma enorme raiva contra tais pessoas. Não toleram ficar sós e preferem uma procura ansiosa por companhia, não importa quão insatisfatória seja. Para evitar a solidão, mesmo por períodos breves, aceitam um estranho como amigo e se comportam de forma promíscua. Por vezes se queixam de sentimentos crônicos de vazio e tédio, e lhes falta um sentimento consistente de identidade (difusão da identidade); quando pressionados, queixam-se de depressão, a despeito da multiplicidade de outros afetos. Otto Kernberg descreveu o mecanismo de defesa de identificação projetiva que ocorre em pacientes com transtorno da personalidade borderline. Nesse mecanismo primitivo de defesa, aspectos intoleráveis do self são projetados em outra pessoa; esta é induzida a desempenhar o papel projetado, e ambos os indivíduos atuam em uníssono. Os terapeutas devem estar conscientes desse processo, de modo que possam atuar de forma neutra nesses casos. A maioria dos terapeutas concorda com o fato de que esses pacientes exibem capacidades extraordinárias de raciocínio em testes estruturados, como na escala de inteligência de Wechsler para adultos, e manifestam processos desviantes somente em testes projetivos não-estruturados, como no teste de Rorschach. Em seu desempenho, distorcem seus relacionamentos ao considerar cada pessoa totalmente boa ou totalmente má. Vêem os outros ou como figuras de apego apoiadoras ou como figuras odiosas sádicas, que os privam das necessidades de segurança e os ameaçam com abandono sempre que se sentem dependentes. Como resultado dessa cisão, a pessoa boa é idealizada, e a ruim, desvalorizada. Mudanças de alianças de um indivíduo ou grupo para outro são freqüentes. Alguns clínicos utilizam os conceitos de panfobia, pan-ansiedade, pan-ambivalência e sexualidade caótica para delinear tais características.
863
Diagnóstico diferencial O transtorno é diferenciado da esquizofrenia com base na ausência de episódios psicóticos, transtorno do pensamento e outros sinais esquizofrênicos clássicos. Os pacientes com transtorno da personalidade esquizotípica mostram peculiaridades marcantes do pensamento, ideações estranhas e idéias recorrentes de referência. Aqueles com o tipo paranóide são marcados pela desconfiança extrema. Indivíduos com o tipo borderline em geral têm sentimentos crônicos de vazio e episódios psicóticos de curta duração; agem de forma impulsiva e necessitam de relacionamentos extraordinários; podem se mutilar e fazer tentativas manipuladoras de suicídio. Curso e prognóstico O transtorno é bastante estável; os pacientes mudam pouco com o passar do tempo. Estudos longitudinais não mostram progressão para esquizofrenia, mas há uma alta incidência de episódios de transtorno depressivo maior. O diagnóstico costuma ser feito antes dos 40 anos, quando os pacientes estão tentando fazer escolhas ocupacionais, conjugais e outras e são incapazes de lidar com os estágios normais do ciclo de vida. Tratamento A Tabela 27-7 resume as diretrizes da American Psychiatric Association para o tratamento. Psicoterapia. A psicoterapia para pacientes com transtorno da personalidade borderline é uma área de intensa investigação e tem sido o tratamento de escolha. Para resultados melhores, associase a farmacoterapia ao regime de tratamento. A psicoterapia é difícil tanto para o paciente como para o terapeuta. O primeiro regride com facilidade, traduz em atos seus impulsos e exibe transferências negativas ou positivas lábeis ou fixas que são difíceis de analisar. A identificação projetiva também pode causar problemas de contratransferência,
TABELA 27-7 Aspectos comuns da psicoterapia recomendada para o transtorno da personalidade borderline Não se espera que a terapia seja breve. Um forte relacionamento de ajuda se desenvolve entre o paciente e o terapeuta. Estabelecem-se papéis e responsabilidades claras tanto para o paciente como para o terapeuta. O terapeuta é ativo e diretivo, não um ouvinte passivo. O paciente e o terapeuta desenvolvem em conjunto uma hierarquia de prioridades. O terapeuta transmite validação empática e a necessidade de o paciente controlar seu comportamento. Exige-se flexibilidade à medida que se desenvolvem novas circunstâncias, inclusive estresses. É utilizado o estabelecimento de limites, de preferência por concordância mútua. Abordagens concomitantes individuais e de grupo são utilizadas. De Oldham JM. A 44-year-old woman with borderline personality disorder. JAMA. 2002;287:1034.
864
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
quando os terapeutas não se dão conta de que os pacientes estão, de forma inconsciente, tentando induzi-los a atuar com um comportamento particular. Os mecanismos de defesa de cisão levam esses indivíduos a amar e a odiar os terapeutas e outros no ambiente. Uma abordagem orientada para a realidade é mais eficiente do que interpretações profundas do inconsciente. Os terapeutas têm utilizado terapia comportamental para controlar os impulsos e os surtos de raiva e reduzir a sensibilidade à crítica e à rejeição. O treinamento de habilidades sociais, em particular mediante o uso de vídeos, capacita os pacientes a ver como suas ações afetam os outros e, com isso, melhorar seu comportamento interpessoal. Os pacientes por vezes têm bom desempenho em um ambiente hospitalar em que recebam psicoterapia intensiva tanto de base individual como de grupo. Além disso, podem interagir também com membros treinados da equipe de tratamento de uma variedade de disciplinas, sendo possível prover terapia ocupacional, recreativa e vocacional. Esses programas são particularmente úteis quando o ambiente em casa é prejudicial à reabilitação devido a conflitos intrafamiliares ou outros estressores, como o abuso de um dos pais. No ambiente protegido do hospital, podem-se estabelecer limites para pacientes impulsivos ao extremo, autodestrutivos ou automutiladores, e suas ações podem ser observadas. Sob circunstâncias ideais, os pacientes permanecem no hospital até que mostrem uma melhora marcante, até um ano em alguns casos. A partir de então, podem ter alta para sistemas especiais de apoio, como hospitais-dia, hospitais-noite ou residências de apoio. Uma forma particular de psicoterapia, denominada terapia comportamental dialética, tem sido utilizada nessa população, em especial em casos de comportamento parassuicida, como o de se cortar com freqüência. (Para uma discussão adicional sobre essa abordagem, ver a Seção 35.6, no Capítulo 35.) Farmacoterapia. É útil para lidar com os pontos específicos da personalidade que interferem no desempenho geral do paciente. Os antipsicóticos têm sido utilizados para controlar a raiva, a hostilidade e episódios psicóticos breves. Os antidepressivos melhoram o humor deprimido, comum entre esses indivíduos. Os inibidores da MAO (IMAOs) têm modulado com êxito o comportamento impulsivo de alguns. Os benzodiazepínicos, particularmente o alprazolam (Frontal), auxiliam a ansiedade e a depressão, mas certos pacientes exibem desinibição com essa classe de medicamentos. Anticonvulsivantes como a carbamazepina podem melhorar o desempenho global. Agentes serotonérgicos como os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs) podem ser úteis em determinados casos. TRANSTORNO DA PERSONALIDADE HISTRIÔNICA As pessoas com transtorno da personalidade histriônica são excitáveis e emocionais e se comportam de forma colorida, dramática e extrovertida. Acompanhando seus aspectos bombásticos, contudo, por vezes há uma incapacidade da manutenção de relacionamentos profundos e duradouros.
Epidemiologia De acordo com o DSM-IV-TR, dados limitados de estudos populacionais gerais sugerem uma prevalência do transtorno de cerca de 2 a 3%. Taxas de cerca de 10 a 15% foram relatadas entre pacientes ambulatoriais ou hospitalizados de saúde mental quando foi utilizada uma avaliação estruturada. O transtorno é diagnosticado com mais freqüência em mulheres do que em homens. Alguns estudos verificaram uma associação com o transtorno de somatização e com os transtornos por uso de álcool. Diagnóstico Em entrevistas, os pacientes com transtorno da personalidade histriônica tendem a ser cooperativos e ansiosos para fornecer uma história pormenorizada. Gestos e acentuação drástica de suas conversas são comuns; cometem lapsos freqüentes de fala e sua linguagem é colorida. A exibição afetiva é comum, mas, quando pressionados a reconhecer certos sentimentos (p. ex., raiva, tristeza e desejos sexuais), podem responder com surpresa, indignação ou negação. Os resultados de exames cognitivos são, em sua maioria, normais, embora uma falta de perseverança possa ser demonstrada em tarefas de aritmética ou de concentração, e o esquecimento de materiais carregados de afetos pode ser impressionante. Os critérios diagnósticos do DSM-IV-TR são listados na Tabela 27-8. Características clínicas Pessoas com esta condição mostram um alto grau de comportamento para chamar a atenção. Tendem a exagerar seus pensamentos e sentimentos e fazer tudo parecer mais importante do que de fato é. Exibem faniquitos, lágrimas e acusações quando não são o centro das atenções ou não estão recebendo elogios ou aprovação. O comportamento sedutor é comum em ambos os sexos. Fantasias sexuais sobre os indivíduos com quem estão envolvidos são comuns, mas os pacientes são inconsistentes ao verbalizar tais TABELA 27-8 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno da personalidade histriônica Um padrão global de excessiva emotividade e busca de atenção, que se manifesta no início da idade adulta e está presente em uma variedade de contextos, indicado por, no mínimo, cinco dos seguintes critérios: (1) desconforto em situações nas quais não é o centro das atenções (2) a interação com os outros freqüentemente se caracteriza por um comportamento inadequado, sexualmente provocante ou sedutor (3) mudanças rápidas e superficialidade na expressão das emoções (4) constante utilização da aparência física para chamar a atenção sobre si próprio (5) estilo de discurso excessivamente impressionista e carente de detalhes (6) dramaticidade, teatralidade e expressão emocional exagerada (7) sugestionabilidade, ou seja, é facilmente influenciado pelos outros ou pelas circunstâncias (8) considerar os relacionamentos mais íntimos do que realmente são De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
TRANSTORNOS DA PERSONALIDADE
fantasias e podem ser tímidos ou insinuantes em vez de sexualmente agressivos. De fato, pacientes histriônicos podem ter uma disfunção psicossexual; as mulheres podem ser anorgásmicas, e os homens podem ser impotentes. Sua necessidade de reasseguramento é interminável. Traduzem em ação seus impulsos sexuais para se reassegurar de que são atraentes. Seus relacionamentos tendem a ser superficiais, contudo, e eles podem ser vaidosos, egocêntricos e instáveis. Suas fortes necessidades de dependência os tornam confiantes demais e ingênuos. As principais defesas dos pacientes com transtorno da personalidade histriônica são a repressão e a dissociação. Assim, estão inconscientes de seus verdadeiros sentimentos e não podem explicar sua motivação. Sob estresse, o teste da realidade torna-se facilmente comprometido.
865
Epidemiologia De acordo com o DSM-IV-TR, as estimativas de prevalência do transtorno variam de 2 a 16% nas populações clínicas a menos de 1% na população em geral. Os indivíduos afetados podem transferir aos filhos um sentimento não-realista de onipotência, grandiosidade, beleza e talento; dessa forma, a descendência desses pais pode ter um risco acima do habitual de desenvolver o transtorno. O número de casos de transtorno da personalidade narcisista relatados tem aumentado de forma constante. Diagnóstico A Tabela 27-9 fornece os critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para o transtorno da personalidade narcisista.
Diagnóstico diferencial A distinção entre transtorno da personalidade histriônica e transtorno borderline é difícil, mas, neste último, as tentativas de suicídio, a difusão da identidade e os episódios psicóticos breves são mais prováveis. Ainda que ambas as condições possam ser diagnosticadas no mesmo paciente, os clínicos devem separá-las. O transtorno de somatização (síndrome de Briquet) pode ocorrer em conjunto com transtorno da personalidade histriônica. Da mesma forma, pacientes com transtorno psicótico breve e transtornos dissociativos podem merecer um diagnóstico coexistente com o do tipo histriônico. Curso e prognóstico Com a idade, as pessoas afetadas exibem menos sintomas, mas, por lhes faltar a energia dos anos anteriores, a diferença no número de sintomas pode ser mais aparente do que real. Os pacientes estão sempre à procura de sensações e podem se envolver em problemas com a polícia, abuso de drogas e promiscuidade. Tratamento Psicoterapia. Os pacientes com transtorno da personalidade histriônica muitas vezes podem não ter consciência de seus próprios sentimentos; a clarificação destes é um processo terapêutico importante. A psicoterapia de orientação psicanalítica, tanto de grupo como individual, é o tratamento de escolha. Farmacoterapia. A farmacoterapia pode auxiliar quando há sintomas-alvo (p. ex., a utilização de antidepressivos para depressão e queixas somáticas, agentes ansiolíticos para ansiedade e antipsicóticos para desrealização e ilusões). TRANSTORNO DA PERSONALIDADE NARCISISTA Indivíduos com transtorno da personalidade narcisista se caracterizam por um elevado sentimento de sua própria importância e por sentimentos grandiosos de serem únicos.
Características clínicas Os indivíduos com transtorno da personalidade narcisista têm um senso grandioso de auto-importância, consideram-se especiais e esperam tratamento diferenciado. A sensação de terem direitos ou privilégios é impressionante. Lidam mal com críticas; podem ficar enraivecidos quando alguém se atreve a criticá-los ou parecer completamente indiferentes à crítica. Querem as coisas à sua própria maneira e, com freqüência, são ambiciosos para conseguir fama e fortuna. Seus relacionamentos são frágeis, e podem deixar os outros furiosos com a recusa a obedecer regras convencionais de comportamento. Além disso, a exploração interpessoal é comum. Não conseguem mostrar empatia e fingem simpatia somente para conseguir seus objetivos egoístas. Em vista de
TABELA 27-9 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno da personalidade narcisista Um padrão global de grandiosidade (em fantasia ou comportamento), necessidade de admiração e falta de empatia, que se manifesta no início da idade adulta e está presente em uma variedade de contextos, indicado por, no mínimo, cinco dos seguintes critérios: (1) sentimento grandioso acerca da própria importância (p. ex., exagera realizações e talentos, espera ser reconhecido como superior sem realizações à altura) (2) preocupação com fantasias de ilimitado sucesso, poder, inteligência, beleza ou amor ideal (3) crença de ser “especial” e único e de que somente pode ser compreendido ou deve associar-se a outras pessoas (ou instituições) especiais ou de condição elevada (4) exigência de admiração excessiva (5) presunção, ou seja, possui expectativas irracionais de receber um tratamento especialmente favorável ou obediência automática às suas expectativas (6) é explorador em relacionamentos interpessoais, isto é, tira vantagem de outros para atingir seus próprios objetivos (7) ausência de empatia: reluta em reconhecer ou identificar-se com os sentimentos e necessidades alheias (8) freqüentemente sente inveja de outras pessoas ou acredita ser alvo da inveja alheia (9) comportamentos e atitudes arrogantes e insolentes De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
866
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
sua auto-estima frágil, são predispostos a depressão. Dificuldades interpessoais, problemas ocupacionais, rejeição e perdas estão entre os estressores que os narcisistas produzem por seu comportamento – com os quais são pouco hábeis em lidar.
bora tímidas, não são associais e mostram um grande desejo de companhia, mas necessitam de garantias muito fortes de aceitação sem crítica. Em geral, são descritas como tendo um complexo de inferioridade. (A CID-10 utiliza o termo transtorno da personalidade ansiosa.)
Diagnóstico diferencial Os transtornos da personalidade borderline, histriônica e antisocial por vezes acompanham o transtorno da personalidade narcisista, de modo que o diagnóstico diferencial é difícil. Os pacientes com este último transtorno têm menos ansiedade do que indivíduos com transtorno da personalidade borderline; suas vidas tendem a ser menos caóticas, e eles têm menos probabilidade de tentar suicídio. Os pacientes com transtorno da personalidade anti-social apresentam história de comportamento impulsivo, por vezes associado ao abuso de álcool ou de outras substâncias, que com freqüência os leva a problemas com a justiça. Aqueles com transtorno da personalidade histriônica têm manifestações de exibicionismo e manipulação interpessoal semelhantes às observadas em pacientes com transtorno da personalidade narcisista. Curso e prognóstico O transtorno é crônico e difícil de tratar. Os pacientes precisam lidar constantemente com ataques a seu narcisismo, resultantes de seu próprio comportamento ou de experiências da vida. O envelhecimento não é bem vivenciado; os pacientes valorizam a beleza, a força e atributos da juventude, aos quais se apegam de forma inapropriada. Podem ser, por isso, mais vulneráveis a crises de meia-idade do que outros grupos. Tratamento Psicoterapia. Em vista de os pacientes precisarem renunciar a seu narcisismo para fazer progresso, o tratamento desse transtorno é difícil. Psiquiatras como Kernberg e Heinz Kohut defenderam o uso de abordagens psicanalíticas para efetuar mudanças, mas é necessária muita pesquisa para validar o diagnóstico e determinar o melhor tratamento. Alguns clínicos advogam terapia de grupo para seus pacientes, de modo que possam aprender como compartilhar com outros e, sob circunstâncias ideais, desenvolver uma resposta empática nos relacionamentos. Farmacoterapia. O lítio (Carbolitium) tem sido utilizado em casos cujo quadro clínico inclui oscilações do humor. Devido ao fato de que pacientes com transtorno da personalidade narcisista não toleram bem a rejeição e são predispostos à depressão, os antidepressivos, em especial os medicamentos serotonérgicos, também podem ser úteis. TRANSTORNO DA PERSONALIDADE ESQUIVA As pessoas com este transtorno exibem uma sensibilidade excessiva à rejeição e podem levar uma vida socialmente reclusa. Em-
Epidemiologia O transtorno da personalidade esquiva é comum: sua prevalência é de 1 a 10% na população em geral. Não há informação disponível sobre a razão por sexo ou sobre padrões familiares. As crianças classificadas como tendo um temperamento tímido podem ser mais predispostas ao transtorno do que as que têm escores altos nas escalas de atividade-aproximação. Diagnóstico Nas entrevistas clínicas, o aspecto mais saliente dos pacientes é a ansiedade por conversar com um entrevistador. Suas maneiras nervosas e tensas parecem ir e vir conforme percebem se o entrevistador gosta deles. Parecem ser vulneráveis aos comentários e às sugestões deste e podem considerar uma clarificação ou interpretação como crítica. Os critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno da personalidade esquiva são listados na Tabela 27-10. Características clínicas A hipersensibilidade à rejeição é a característica clínica central do transtorno, e o principal traço da personalidade é a timidez. Esses indivíduos desejam o calor e a segurança da companhia humana, mas justificam a evitação de relacionamentos pelo medo alegado de rejeição. Quando conversam com alguém, expressam incerteza, demonstram falta de autoconfiança e hesitação. Uma vez que
TABELA 27-10 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno da personalidade esquiva Um padrão global de inibição social, sentimentos de inadequação e hipersensibilidade à avaliação negativa, que se manifesta no início da idade adulta e está presente em uma variedade de contextos, indicado por, no mínimo, quatro dos seguintes critérios: (1) evita atividades ocupacionais que envolvam contato interpessoal significativo por medo de críticas, desaprovação ou rejeição (2) reluta a envolver-se, a menos que tenha certeza da estima da pessoa (3) mostra-se reservado em relacionamentos íntimos, em razão do medo de passar vergonha ou ser ridicularizado (4) preocupação com críticas ou rejeição em situações sociais (5) inibição em novas situações interpessoais, em virtude de sentimentos de inadequação (6) vê a si mesmo como socialmente inepto, sem atrativos pessoais, ou inferior (7) extraordinariamente reticente em assumir riscos pessoais ou envolver-se em quaisquer novas atividades, porque estas poderiam provocar vergonha De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
TRANSTORNOS DA PERSONALIDADE
867
são hipervigilantes quanto à rejeição, têm medo de falar em público ou de fazer pedidos a outros. Apresentam uma tendência a interpretar de forma equivocada os comentários de terceiros como depreciativos ou ridicularizantes. A recusa de qualquer solicitação leva-os a se retraírem e a se sentirem feridos. No âmbito profissional, tendem a conseguir empregos secundários. Quase não têm muito avanço pessoal ou não exercem muita autoridade, mas parecem tímidos e ansiosos por agradar. Esses indivíduos ficam sem vontade de entrar em relacionamentos, a menos que recebam uma forte garantia de aceitação sem críticas. Como conseqüência, por vezes não têm amigos íntimos ou confidentes.
β-adrenérgicos, como o atenolol (Atenol), para lidar com a hiperatividade do sistema nervoso autônomo, que tende a estar elevada nesses pacientes, especialmente quando se aproximam de uma situação temida. Os agentes serotonérgicos podem auxiliar na sensibilidade à rejeição. Em tese, os agentes dopaminérgicos poderiam engendrar comportamento de procura de novidades; contudo, os pacientes precisam estar psicologicamente preparados para qualquer experiência nova que possa ocorrer.
Diagnóstico diferencial
Indivíduos com transtorno da personalidade dependente subordinam suas próprias necessidades às dos outros, conseguem que outros assumam responsabilidades pelas áreas principais de suas vidas, têm falta de autoconfiança e podem experimentar desconforto extremo quando sozinhos por mais que um breve período de tempo. O transtorno tem sido denominado personalidade passivo-dependente. Freud descreveu uma dimensão oral-dependente da personalidade caracterizada por dependência, pessimismo, medo da sexualidade, dúvida acerca de si próprio, passividade, sugestionabilidade e falta de perseverança. Tal definição é similar à categorização do transtorno da personalidade dependente apresentada pelo DSM-IV-TR.
Pacientes com transtorno da personalidade esquiva desejam interações sociais, de forma diferente daqueles com transtorno da personalidade esquizóide, que querem ficar sós. Os primeiros não são tão exigentes, irritáveis ou imprevisíveis como indivíduos com os tipos de personalidade borderline ou histriônica. Os transtornos da personalidade esquiva e dependente são semelhantes. Presume-se que os pacientes com este último têm um medo maior de serem abandonados ou de não serem amados do que aqueles com transtorno da personalidade esquiva, mas o quadro clínico pode ser indistinguível.
TRANSTORNO DA PERSONALIDADE DEPENDENTE
Epidemiologia Curso e prognóstico Muitas pessoas com transtorno da personalidade esquiva são capazes de ter um bom desempenho em um ambiente protegido. Algumas casam, têm filhos e vivem cercadas somente pelos membros da família. Contudo, se o seu sistema de apoio falha, ficam sujeitas a depressão, ansiedade e raiva. A evitação fóbica é comum, e pacientes com o transtorno podem ter histórias de fobia social ou desenvolvê-la.
O transtorno é mais comum em mulheres do que em homens. Um estudo diagnosticou que 2,5% de todos os transtornos da personalidade são do tipo dependente. A condição é mais comum em crianças pequenas do que naquelas mais velhas. Os indivíduos com doença física crônica na infância podem ser mais predispostos a desenvolver o transtorno. Diagnóstico
Tratamento Psicoterapia. O tratamento psicoterápico depende da solidificação de uma aliança. À medida que a confiança se desenvolve, o terapeuta deve transmitir uma atitude de aceitação dos medos do paciente, em especial do medo de rejeição. Pode encorajar o paciente a interagir com o mundo para enfrentar o que é percebido como grande risco de humilhação, rejeição e fracasso. No entanto, os profissionais devem ser cuidadosos ao prescrever tarefas para o exercício de novas habilidades fora da terapia; o fracasso pode reforçar a já pobre auto-estima. A terapia de grupo pode auxiliar os pacientes a compreender como sua sensibilidade à rejeição afeta a eles e aos outros. O treinamento da auto-afirmação é uma forma de terapia comportamental que pode ensinar-lhes como expressar suas necessidades de forma aberta e aumentar sua auto-estima. Farmacoterapia. A farmacoterapia tem sido utilizada para controlar a ansiedade e a depressão, associadas ao transtorno. Alguns pacientes são auxiliados por antagonistas dos bloqueadores
Nas entrevistas, os pacientes parecem submissos. Tendem a cooperar, recebem bem perguntas específicas e procuram orientação. Os critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para o transtorno da personalidade dependente são listados na Tabela 27-11. Características clínicas Os pacientes afetados apresentam um padrão global de comportamento dependente e submisso. Não podem tomar decisões sem uma quantidade excessiva de aconselhamento e tranqüilização. Evitam posições de responsabilidade e ficam ansiosos se solicitados a assumir um papel de liderança. Preferem ser submissos. Quando por conta própria, acham difícil perseverar em tarefas, mas acham fácil desempenhá-las para outras pessoas. Por não gostarem de ficar sós, esses pacientes procuram outros de quem possam depender; assim, seus relacionamentos são distorcidos pela necessidade de se apegarem a outra pessoa. No caso da folie à deux (transtorno psicótico compartilhado), um
868
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 27-11 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno da personalidade dependente Uma necessidade global e excessiva de ser cuidado, que leva a um comportamento submisso e aderente e a temores de separação, que se manifesta no início da idade adulta e está presente em uma variedade de contextos, indicado por, no mínimo, cinco dos seguintes critérios: (1) dificuldade em tomar decisões do dia-a-dia sem uma quantidade excessiva de conselhos e reasseguramento da parte de outras pessoas (2) necessidade de que os outros assumam a responsabilidade pelas principais áreas de sua vida (3) dificuldade em expressar discordância de outros, pelo medo de perder apoio ou aprovação. Nota: Não incluir temores realistas de retaliação. (4) dificuldade em iniciar projetos ou fazer coisas por conta própria (em vista de uma falta de autoconfiança em seu julgamento ou capacidades, não por falta de motivação ou energia) (5) vai a extremos para obter carinho e apoio, a ponto de oferecerse para fazer coisas desagradáveis (6) sente desconforto ou desamparo quando só, em razão de temores exagerados de ser incapaz de cuidar de si próprio (7) busca urgentemente um novo relacionamento como fonte de carinho e amparo, quando um relacionamento íntimo é rompido (8) preocupação irrealista com temores de ser abandonado à própria sorte De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
membro do par em geral sofre de transtorno da personalidade dependente; o parceiro submisso assume o sistema delirante do parceiro mais agressivo, mais auto-afirmativo, de quem depende. Pessimismo, dúvida, passividade e medos de expressar sentimentos sexuais e agressivos tipificam o comportamento de indivíduos com transtorno da personalidade dependente. Um cônjuge abusivo, infiel ou alcoólatra pode ser tolerado por longos períodos para se evitar a perturbação do sentimento de apego.
àqueles de quem dependem, e muitos sofrem de abuso físico ou mental porque não podem se afirmar por si próprios. Caso percam o indivíduo de quem dependem, têm risco de transtorno depressivo maior, mas com tratamento o prognóstico é favorável. Tratamento Psicoterapia. O tratamento costuma ser bem-sucedido. As terapias orientadas para o insight capacitam os pacientes a compreender os antecedentes de seu comportamento; com o apoio do terapeuta, eles podem se tornar mais independentes, assertivos e autoconfiantes. A terapia comportamental, o treinamento da asserção, a terapia familiar e a terapia de grupo têm sido empregados, com resultados positivos em muitos casos. Uma falha pode ocorrer no tratamento quando o terapeuta encoraja o paciente a mudar a dinâmica de um relacionamento patológico (p. ex., apóia uma esposa que sofreu violência a procurar auxílio da polícia). Nesse caso, os pacientes podem ficar ansiosos e incapazes de cooperar com a terapia; podem se sentir divididos entre se submeter ao terapeuta e perder um relacionamento patológico. Os terapeutas devem mostrar muito respeito por tais sentimentos de apego, não importa o quão patológicos possam ser. Farmacoterapia. A farmacoterapia tem sido utilizada para lidar com sintomas específicos, como ansiedade e depressão, que são manifestações comumente associadas ao transtorno da personalidade dependente. Os pacientes que experimentam ataques de pânico ou que têm altos níveis de ansiedade de separação podem ser auxiliados pela imipramina (Tofranil). Os benzodiazepínicos e os agentes serotonérgicos também têm sido úteis. Se os sintomas de depressão ou reclusão respondem a psicoestimulantes, estes devem ser utilizados.
Diagnóstico diferencial Os traços de dependência são encontrados em vários transtornos psiquiátricos, de modo que o diagnóstico diferencial é complicado. A dependência é um fator proeminente em pacientes com transtornos da personalidade histriônica e borderline, mas indivíduos com transtorno da personalidade dependente em geral têm um relacionamento duradouro com outra pessoa, e não com uma série de pessoas de quem são dependentes, e não tendem a ser abertamente manipuladores. Aqueles com os tipos de personalidade esquizóide e esquizotípica podem ser indistinguíveis dos pacientes com transtorno da personalidade esquiva. O comportamento dependente pode ocorrer em indivíduos com agorafobia, mas estes tendem a ter um alto nível de ansiedade manifesta ou mesmo de pânico. Curso e prognóstico Pouco se sabe sobre o curso do transtorno da personalidade dependente. O desempenho ocupacional tende a ser comprometido, já que os indivíduos afetados não podem agir de forma independente e sem supervisão estrita. Os relacionamentos sociais ficam limitados
TRANSTORNO DA PERSONALIDADE OBSESSIVO-COMPULSIVA Caracteriza-se por restrição emocional, tendência à ordem, perseverança, teimosia e indecisão. A manifestação essencial do transtorno é um padrão global de perfeccionismo e inflexibilidade. A CID-10 utiliza o nome transtorno da personalidade anancástica. Epidemiologia A prevalência do transtorno da personalidade obsessivo-compulsiva é desconhecida. É mais comum em homens do que em mulheres e é diagnosticado com mais freqüência em crianças maiores. O transtorno também ocorre, em grande parte, em parentes biológicos de primeiro grau de indivíduos afetados, mais do que na população em geral. Os pacientes por vezes têm história caracterizada por disciplina severa. Freud lançou a hipótese de que o transtorno se associa a dificuldades no estágio anal do desenvolvimento psicossexual, geralmente em torno dos 2 anos de idade, mas vários estudos falharam em validar essa teoria.
TRANSTORNOS DA PERSONALIDADE
Diagnóstico Em entrevistas, os pacientes com transtorno da personalidade obsessivo-compulsiva podem ter uma postura tensa, formal e rígida. Seu afeto não é embotado ou plano, mas pode ser considerado restrito. Falta-lhes espontaneidade, e seu estado de humor tende a ser sério. Esses pacientes podem ficar ansiosos por não estarem no controle da entrevista. Suas respostas a perguntas são demasiado pormenorizadas. Os mecanismos de defesa que utilizam são racionalização, isolamento, intelectualização, formação reativa e anulação. Os critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para o transtorno da personalidade obscessivo-compulsiva são listados na Tabela 27-12. Carcterísticas clínicas Indivíduos com transtorno da personalidade obsessivo-compulsiva são preocupados com regras, regulamentos, ordem, limpeza, pormenores e a conquista da perfeição. Esses traços são responsáveis pela restrição geral de toda a personalidade. Insistem que as regras devem ser seguidas de forma rígida e não podem tolerar o que consideram infrações. Dessa forma, faltam-lhes flexibilidade e tolerância. São capazes de trabalho prolongado, desde que seja adequado à rotina e não necessite de mudanças às quais não possam se adaptar. Os pacientes têm capacidades interpessoais limitadas. São formais e sérios e por vezes têm falta de senso de humor. Alienam as pessoas, são incapazes de conciliação e insistem em que os outros se submetam a suas necessidades. Contudo, ficam ansiosos por agradar os que vêem como mais poderosos e satisfazem os desejos desses indivíduos de forma autoritária. Em vista do medo de cometer erros, são indecisos e ruminam ao ter de tomar decisões. TABELA 27-12 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno da personalidade obsessivo-compulsiva Um padrão global de preocupação com organização, perfeccionismo e controle mental e interpessoal, à custa de flexibilidade, abertura e eficiência, que se manifesta no início da idade adulta e está presente em uma variedade de contextos, indicado por, no mínimo, quatro dos seguintes critérios: (1) preocupação tão extensa com detalhes, regras, listas, ordem, organização ou horários, que o alvo principal da atividade é perdido (2) perfeccionismo que interfere na conclusão de tarefas (p. ex., é incapaz de completar um projeto porque não consegue atingir seus próprios padrões demasiadamente rígidos) (3) devotamento excessivo ao trabalho e à produtividade, em detrimento de atividades de lazer e amizades (não explicado por uma óbvia necessidade econômica) (4) excessiva conscienciosidade, escrúpulos e inflexibilidade em questões de moralidade, ética ou valores (não explicados por identificação cultural ou religiosa) (5) incapacidade de desfazer-se de objetos usados ou inúteis, mesmo quando não têm valor sentimental (6) relutância em delegar tarefas ou trabalhar em conjunto com outras pessoas, a menos que estas se submetam a seu modo exato de fazer as coisas (7) adoção de um estilo miserável quanto a gastos pessoais e com outras pessoas; o dinheiro é visto como algo que deve ser reservado para catástrofes futuras (8) rigidez e teimosia De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
869
Ainda que casamento estável e adequação ocupacional sejam comuns, os indivíduos com o transtorno têm poucos amigos. Qualquer coisa que ameace perturbar a estabilidade de sua rotina pode precipitar grande quantidade de ansiedade, que de outra forma estaria limitada pelos rituais que impõem a suas vidas e tentam impor aos outros. C., uma gerente de 41 anos de idade de uma loja de conveniências, vem para avaliação por insistência do gerente regional de uma cadeia de lojas para a qual trabalha. Ela deixou de apresentar os últimos quatro relatórios periódicos a tempo, e sua loja tem uma das classificações mais baixas de produtividade na cadeia, ainda que ela chegue mais cedo e saia mais tarde do que qualquer um dos outros gerentes e pareça estar ocupada a cada minuto do dia. Com freqüência, a paciente se envolve em disputas com seus empregados e tem a taxa mais elevada de rotatividade de empregados na cadeia. Quando confrontada com esses problemas, insiste que sua loja está sendo dirigida de forma “apropriada” e conforme as regras – diferente de outras na cadeia, que estão mantendo padrões “relapsos”. É fácil identificar a fonte de dificuldade na loja. C. insiste que seus empregados ponham as mercadorias nas prateleiras e as arrumem em linhas retas apuradas. Ela verifica todos os dados, verifica de novo e o faz várias vezes, razão pela qual os relatórios periódicos nunca chegam a tempo. Ela microgerencia cada aspecto do funcionamento da loja, e, em conseqüência, sua atuação leva subgerentes a estarem sempre se transferindo para outras lojas. Em vez de apreciarem a supervisão constante de C., seus subgerentes a acham aborrecida e desperdiçadora de tempo. De forma constante, ela elabora cartas, tabelas, gráficos e diretivas para os empregados. Desperdiça boa parte de seu tempo em cada manhã compondo uma lista elaborada do que fazer, o que nunca encontra tempo de terminar. A paciente está casada há 15 anos e tem dois filhos no início da adolescência. Seu esposo é funcionário dos correios. Ele relata ao terapeuta que até a esposa começar a trabalhar na loja, seis anos atrás, eles tinham muitos atritos conjugais porque ela necessitava supervisionar e dirigir cada aspecto de sua vida. Ela insistia em saber onde ele estava a cada momento e tinha tentado planejar todas as suas atividades de lazer. Ele disse que foi um grande alívio quando ela começou a trabalhar na loja e ficou ocupada demais para dar tanta atenção à sua vida. O marido diz que ele e os filhos têm dificuldade de persuadir a esposa a tirar férias, as quais não costumam ser muito divertidas quando ela concorda em ir. C. planeja o itinerário e as atividades de forma minuciosa e insiste que cada um deve participar no que foi esquematizado. Não é permitido que nada seja espontâneo ou não-planejado, e ela espera que cada um passe seu tempo de forma “produtiva”, mesmo durante as férias. Ela põe em ação seu perfeccionismo de forma franca. Ambos os pais eram austeros, esforçados e muito críticos. Não importava quanto ela trabalhasse ou quanto conseguisse, nunca parecia ser o suficiente. Ela começou a ser uma empregada em sua própria casa aos 5 anos e passou a fazer a lida de casa para outros aos 9 anos, de modo que pudesse economizar
870
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
dinheiro (“um tostão economizado é um tostão ganho”). Nada exceto notas A na escola era aceitável para seus pais. Se tirava 95 em um teste, a mãe lhe perguntava: “Onde estão os outros 5 pontos?”. Ainda que admita a atitude dos pais como dolorosa e frustrante, a paciente se vê reagindo com seus próprios filhos da mesma forma. Embora tente elogiá-los por suas conquistas, sempre exige que trabalhem mais duro e se desempenhem melhor, mesmo quando se deram muito bem. (De DSM-IV Case Studies.) Diagnóstico diferencial Quando estão presentes obsessões e compulsões recorrentes, o transtorno obscessivo-compulsivo deve ser anotado no Eixo I. Talvez a distinção mais difícil seja entre pacientes ambulatoriais com alguns traços obsessivo-compulsivos e aqueles com transtorno da personalidade obsessivo-compulsiva. O diagnóstico de transtorno da personalidade é reservado para casos com comprometimento significativo da eficiência ocupacional ou social. Em alguns, coexiste o transtorno delirante, que deve ser registrado. Curso e prognóstico O curso do transtorno é variável e imprevisível. De tempos em tempos, os indivíduos podem desenvolver obsessões ou compulsões. Alguns adolescentes com transtorno da personalidade obsessivo-compulsiva tornam-se calorosos, abertos e amorosos; há casos, contudo, em que o transtorno pode ser tanto o prenúncio de esquizofrenia ou – após décadas e exacerbado pelo processo de envelhecimento – de transtorno depressivo maior. Muitos podem se adaptar a ocupações que necessitem de trabalho metódico, dedutivo ou pormenorizado, mas são vulneráveis a mudanças inesperadas, e suas vidas pessoais permanecem inflexíveis. Transtornos depressivos, especialmente de início tardio, são comuns.
Farmacoterapia. O clonazepam (Rivotril), um benzodiazepínico utilizado como anticonvulsivante, tem reduzido os sintomas de pacientes com transtorno obsessivo-compulsivo grave. Não se sabe se é útil para o transtorno da personalidade. A clomipramina (Anafranil) e agentes serotonérgicos como a fluoxetina, em geral em doses de 60 a 80 mg por dia, podem ser benéficos se interrompem sinais e sintomas obsessivo-compulsivos. A nefazodona (Serzone) pode favorecer alguns pacientes. TRANSTORNO DA PERSONALIDADE SEM OUTRA ESPECIFICAÇÃO No DSM-IV-TR, a categoria transtorno da personalidade sem outra especificação é reservada para transtornos que não se enquadram em nenhum dos tipos descritos anteriormente. O transtorno da personalidade passivo-agressiva e o transtorno da personalidade depressiva são exemplos. Um espectro estreito de comportamento ou um traço particular – como oposicionismo, sadismo ou masoquismo – também podem ser classificados nesta categoria. Um paciente com manifestações de mais de um transtorno da personalidade mas sem os critérios plenos de qualquer um deles pode ser designado com esta classificação. Os critérios do DSM-IV-TR para transtorno da personalidade sem outra especificação são apresentados na Tabela 27-13.
Transtorno da personalidade passivo-agressiva Indivíduos com esta condição se caracterizam por obstrução velada, procrastinação, teimosia e ineficiência. Esse comportamento é uma manifestação de agressão subjacente expressa de forma passiva. No DSMIV-TR, o transtorno também é denominado transtorno da personalidade negativista.
Epidemiologia. Não há dados disponíveis sobre a epidemiologia do transtorno. A taxa por sexo, os padrões familiares e a prevalência não foram estudados de forma adequada. Diagnóstico. Os critérios para o transtorno da personalidade passi-
Tratamento Psicoterapia. Diferentemente de outros transtornos da personalidade, pacientes com transtorno da personalidade obsessivocompulsiva costumam estar conscientes de seu sofrimento e procuram tratamento por si próprios. Bem treinados e socializados, valorizam a associação livre e a terapia não-diretiva. O tratamento, contudo, tende a ser longo e complexo, e problemas de contratransferência podem ser manifestar. A terapia de grupo e a terapia comportamental oferecem certas vantagens. Em ambos os contextos, é fácil interromper os pacientes no meio de suas interações ou explicações mal-adaptativas. A prevenção da realização de seu comportamento habitual aumenta sua ansiedade e os deixa suscetíveis a aprender novas estratégias para lidar com o estresse. As pessoas afetadas podem receber recompensas pela mudança com a terapia de grupo, algo menos possível com as psicoterapias individuais.
vo-agressiva são apresentados na Tabela 27-14.
TABELA 27-13 Critérios diagnósticos do DSM-IV-IR para transtorno da personalidade sem outra especificação Esta categoria serve para transtornos do funcionamento da personalidade que não satisfazem os critérios para qualquer transtorno da personalidade específico. Um exemplo disto é a presença de características de mais de um transtorno da personalidade específico que não satisfazem todos os critérios para qualquer transtorno da personalidade (“personalidade mista”), mas que, juntas, causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo em uma ou mais áreas importantes de funcionamento (p. ex., social ou ocupacional). Esta categoria também pode ser usada quando se julga que seria apropriado diagnosticar um transtorno da personalidade específico não incluído na Classificação, como, por exemplo, transtorno da personalidade depressiva e transtorno da personalidade passivo-agressiva. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
TRANSTORNOS DA PERSONALIDADE
TABELA 27-14 Critérios de pesquisa do DSM-IV-TR para transtorno da personalidade passivo-agressiva A. Um padrão global de atitudes negativistas e resistência passiva às exigências de um desempenho adequado, que se manifesta no início da idade adulta e está presente em uma variedade de contextos, indicado por quatro (ou mais) dos seguintes critérios: (1) resistência passiva à realização de tarefas sociais e ocupacionais rotineiras (2) queixas de ser incompreendido e desconsiderado pelos outros (3) mau humor e propensão a discussões (4) críticas irracionais e desprezo pela autoridade (5) inveja e ressentimento para com aqueles que aparentemente são mais afortunados (6) queixas exageradas e persistentes de infortúnio pessoal (7) alternância entre o desafio hostil e o arrependimento B. Não ocorre exclusivamente durante episódios depressivos maiores, nem é melhor explicado por transtorno distímico. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
871
terim. Vinte e oito (38%) tinham sido reinternados em um hospital, mas apenas três foram diagnosticados como tendo esquizofrenia.
Tratamento. Os pacientes que recebem psicoterapia de apoio têm bons resultados, mas a prática tem várias armadilhas para esse grupo. Satisfazer suas exigências por vezes apóia sua patologia, mas recusá-las representa uma rejeição aos pacientes. As sessões de terapia podem, dessa forma, tornar-se o campo de batalha em que o paciente expressa ressentimento em relação ao terapeuta, de quem deseja se tornar dependente. Os clínicos precisam tratar os gestos de suicídio como uma expressão encoberta de raiva, e não como uma perda de objeto do transtorno depressivo maior. Os terapeutas devem indicar as prováveis conseqüências dos comportamentos passivo-agressivos à medida que ocorrem. Essas confrontações podem ser mais úteis para a mudança do comportamento do que a interpretação correta. Os antidepressivos devem ser prescritos somente quando existem indicações clínicas de depressão e a possibilidade de suicídio. Conforme as manifestações clínicas, alguns pacientes têm respondido a benzodiazepínicos e psicoestimulantes.
Características clínicas. Os pacientes afetados tendem a procrastinar, resistem a solicitações de desempenho adequado, acham desculpas para demoras e referem falhas naqueles de quem dependem; ainda assim, se recusam a se desvencilhar de relacionamentos dependentes. Em geral, falta-lhes asserção, não sendo diretos sobre suas próprias necessidades e desejos. Deixam de fazer as perguntas necessárias sobre o que é esperado deles e ficam ansiosos quando forçados a ser bem-sucedidos ou quando seu mecanismo de defesa de dirigir raiva contra si próprios é removido. Em relações interpessoais, esses indivíduos tentam se colocar numa posição de dependência, mas os outros experimentam esse comportamento passivo e autoprejudicial como punitivo e manipulador. Indivíduos com o transtorno esperam que outros façam suas tarefas e realizem suas responsabilidades de rotina. Os amigos e os clínicos podem ficar enredados ao tentar explorar as várias queixas dos pacientes acerca do tratamento injusto. Suas relações pessoais íntimas, contudo, quase nunca são tranqüilas ou felizes. Em vista de serem ligados a seu ressentimento de forma mais íntima do que à sua satisfação, podem nem mesmo formular objetivos para encontrar alegria na vida. Faltam-lhes autoconfiança e otimismo quanto ao futuro.
Diagnóstico diferencial. O transtorno da personalidade passivoagressiva deve ser diferenciado dos transtornos da personalidade histriônica e borderline. Os pacientes com o primeiro tendem a ser menos coloridos, dramáticos, afetivos e abertamente agressivos do que indivíduos com transtornos da personalidade histriônica e borderline. Curso e prognóstico. Em um estudo de acompanhamento de cerca de 11 anos com cem pacientes passivo-agressivos hospitalizados, Ivor Small verificou que o diagnóstico principal em 54 era transtorno da personalidade passivo-agressiva; 18 eram abusadores de álcool, e 30 poderiam ser clinicamente rotulados como deprimidos. Dos 73 ex-pacientes localizados, 58 (79%) tinham dificuldades psiquiátricas persistentes, e nove (12%) foram considerados livres de sintomas. A maioria parecia irritável, ansiosa e deprimida; as queixas somáticas eram numerosas. Apenas 32 (44%) estavam empregados em tempo integral como operários ou domésticas. Embora a negligência da responsabilidade e tentativas de suicídio fossem comuns, apenas um deles havia cometido suicídio nesse ín-
Transtorno da personalidade depressiva Indivíduos com transtorno da personalidade depressiva se caracterizam por traços que permanecem por toda a vida e que se encaixam no espectro depressivo. São pessimistas, anedônicos, ligados ao dever, com dúvidas acerca de si próprios e cronicamente infelizes. O transtorno foi classificado há pouco no DSM-IV-TR, mas a personalidade melancólica foi descrita no início do século XX por psiquiatras europeus, como Ernst Kretschmer.
Epidemiologia. Uma vez que o transtorno da personalidade depressiva constitui uma categoria nova, não há dados epidemiológicos disponíveis. Com base na prevalência dos transtornos depressivos na população em geral, contudo, o transtorno da personalidade depressiva parece ser comum, ocorre de forma igual em homens e mulheres e é encontrado em famílias afetadas por transtorno depressivo.
Etiologia. A causa do transtorno é desconhecida, mas os mesmos fatores envolvidos no transtorno distímico e no transtorno depressivo maior podem estar implicados. Teorias psicológicas envolvem perda precoce, má atuação de cada um dos pais, superegos punidores e sentimentos extremos de culpa. Teorias biológicas envolvem o eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal-tireóideo, incluindo os sistemas noradrenérgico e serotonérgico de aminas. A predisposição genética, como indicado por estudos sobre o temperamento realizados por Stella Chess, também pode ter seu papel. Diagnóstico e características clínicas. A descrição clássica de personalidade depressiva foi fornecida em 1963 por Arthur Noyes e Laurence Kolb: Eles pouco sentem da alegria normal de viver e tendem a ser solitários e solenes, sombrios, submissos, pessimistas e autodepreciativos. Em geral, expressam pena e sentimentos de inadequação e desesperança. São por vezes meticulosos, perfeccionistas, conscienciosos, preocupados com o trabalho, sentem profundamente as responsabilidades e são logo desencorajados sob
872
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
condições novas. São temerosos de desaprovação, tendem a sofrer em silêncio e a chorar com facilidade, embora quase nunca na presença dos outros. Uma propensão a hesitação, indecisão e cautela trai um sentimento inerente de insegurança. Mais recentemente, Hagop Akiskal descreveu sete grupos de traços depressivos: quieto, introvertido, passivo e não-assertivo; sombrio, pessimista, sério e incapaz de se divertir; autocrítico, autoacusador e autodepreciativo; cético, crítico dos outros e difícil de agradar; consciencioso, responsável e autodisciplinado; queixoso e dado a preocupações; e preocupado com acontecimentos negativos, sentimentos de inadequação e limitações pessoais. Os pacientes com o transtorno se queixam de sentimentos crônicos de infelicidade. Admitem a baixa auto-estima e acham difícil encontrar algo em suas vidas com o que tenham sido alegres, esperançosos ou otimistas. São autocríticos e depreciativos e têm a probabilidade de denegrir seu trabalho, a si próprios e seus relacionamentos com os outros. Sua fisionomia por vezes reflete seu humor – postura acabrunhada, fácies depressiva, voz rouca e lentificação psicomotora. Os critérios do DSM-IV-TR são listados na Tabela 27-15.
Diagnóstico diferencial. A distância é um transtorno do humor caracterizado por uma flutuação de humor maior do que ocorre no transtorno da personalidade depressiva. Este é crônico e dura toda a vida, enquanto o transtorno distímico é episódico, pode ocorrer em qualquer época e em geral tem um estressor precipitante. A personalidade depressiva pode ser conceitualizada como parte de um espectro de condições afetivas, em que o transtorno distímico e o transtorno depressivo maior são variantes mais graves. Os pacientes com transtorno da personalidade esquiva são introvertidos e dependentes, mas tendem a ser mais ansiosos do que deprimidos, comparados com aqueles com transtorno da personalidade depressiva. Curso e prognóstico. Os indivíduos com transtorno da personalidade depressiva têm grande risco de desenvolver transtorno distímico e transtorno depressivo maior. Em um estudo recente coordenado por Donald Klein e Gregory Mills, os indivíduos com personalidade depressiva exibiam taxas muito mais elevadas de transtorno do humor atual, transtorno do humor durante a vida, depressão maior e distimia do que aqueles sem personalidade depressiva.
TABELA 27-15 Critérios de pesquisa do DSM-IV-TR para transtorno da personalidade depressiva A. Um padrão global de cognições e comportamentos depressivos, que se manifesta no início da idade adulta e está presente em uma variedade de contextos, indicado por pelo menos cinco dos seguintes critérios: (1) humor habitual dominado por abatimento, tristeza, desânimo, descontentamento e infelicidade (2) autoconceito centralizado em crenças de inadequação, inutilidade e baixa auto-estima (3) críticas, acusações e autodepreciação (4) meditações e preocupações (5) negativismo, críticas e preconceitos quanto aos outros (6) pessimismo (7) propensão a sentir culpa ou remorso B. Não ocorre exclusivamente durante episódios depressivos maiores, nem é melhor explicado por transtorno distímico. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
Tratamento. A psicoterapia é o tratamento de escolha para o transtorno da personalidade depressiva. Os pacientes respondem à psicoterapia orientada para o insight e, devido ao fato de que o resultado do teste da realidade é bom, podem obter insight sobre a psicodinâmica de seu transtorno e analisar seus efeitos sobre os relacionamentos interpessoais. O tratamento tende a ser de longo prazo. A terapia cognitiva auxilia os pacientes a compreender as manifestações cognitivas de sua baixa auto-estima e pessimismo. A terapia de grupo e a terapia interpessoal também são úteis. Alguns indivíduos respondem a medidas de auto-ajuda. As abordagens psicofarmacológicas incluem a utilização de antidepressivos, em especial agentes serotonérgicos como a sertralina (Zoloft), 50 mg por dia. Alguns pacientes respondem a pequenas doses de psicoestimulantes, como a anfetamina, 5 a 15 mg por dia. Em todos os casos, esses agentes devem ser combinados com psicoterapia para atingir o efeito máximo. Transtorno da personalidade sadomasoquista Alguns tipos de personalidade são caracterizados por elementos de sadismo ou masoquismo ou uma combinação de ambos. O transtorno da personalidade sadomasoquista é listado aqui porque é de grande interesse clínico e histórico em psiquiatria. Não é uma categoria diagnóstica oficial do DSM-IV-TR ou de seu apêndice, mas pode ser considerado um transtorno da personalidade sem outra especificação. Sadismo é o desejo de produzir dor nos outros sendo sexual, física ou psicologicamente abusivo. É assim denominado em referência ao Marquês de Sade, um escritor do final do século XVIII que descreveu indivíduos que experimentam prazer sexual quando produzem dor nos outros. Freud acreditava que os sádicos descarregam ansiedade de castração e são capazes de atingir o prazer sexual somente quando podem fazer com os outros o que temem que seja feito consigo. Masoquismo, assim denominado em referência a Leopold von SacherMasoch, um novelista alemão do século XIX, é a obtenção de gratificação sexual por produzir dor em si próprio. O denominado masoquista moral em geral procura humilhação e fracasso, em vez de dor física. Freud acreditava que a capacidade do masoquista de atingir orgasmo é perturbada por sentimentos de ansiedade e de culpa sobre o sexo, que são aliviados mediante sofrimento e punição. Observações clínicas indicam que elementos tanto do comportamento sádico como masoquista costumam estar presentes no mesmo indivíduo. O tratamento com psicoterapia orientada para o insight, incluindo psicanálise, tem sido eficiente em alguns casos. Como resultado da terapia, os pacientes ficam conscientes da necessidade de autopunição, secundária à culpa excessiva inconsciente. Além disso, reconhecem os impulsos agressivos reprimidos, os quais se originam cedo na infância.
Transtorno da personalidade sádica O transtorno da personalidade sádica não está incluído no DSM-IVTR, mas ainda aparece na literatura e pode ter utilidade descritiva. Começando no início da vida adulta, os indivíduos afetados exibem um padrão global de comportamento cruel, depreciador e agressivo dirigi-
TRANSTORNOS DA PERSONALIDADE
do contra os outros. A crueldade ou a violência física é utilizada para produzir dor, não para atingir outro objetivo, como atacar um indivíduo para roubar. Pacientes com o transtorno gostam de humilhar ou desmoralizar as pessoas na frente de outras e, em geral, tratam ou disciplinam os demais de forma excessivamente dura, em especial crianças. Tendem a ser fascinados por violência, armas, lesões ou tortura. Para serem incluídos nesta categoria, esses indivíduos não podem ser motivados somente pelo desejo de conseguir excitação sexual com o comportamento; se são motivados assim, deve ser diagnosticada parafilia do sadismo sexual.
MUDANÇA DE PERSONALIDADE DEVIDO A UMA CONDIÇÃO MÉDICA GERAL A mudança de personalidade devido a uma condição médica geral (ver Tab. 10.5-8 no Capítulo 10) merece alguma discussão. A CID-10 inclui a categoria transtornos de personalidade e de comportamento devido a doença, lesão e disfunção cerebral, que abrange o transtorno de personalidade orgânica (ver Tab. 10.5-13), a síndrome pós-encefalítica e a síndrome pós-concussional. A mudança de personalidade devido a uma condição médica geral se caracteriza por mudança marcante no estilo e nos traços da personalidade em relação ao nível prévio de desempenho. Os pacientes devem exibir evidência de um fator causal orgânico que antecede a mudança de personalidade.
Etiologia Lesão estrutural do cérebro costuma ser a causa da mudança, e o traumatismo craniano talvez seja a mais comum. Neoplasias e acidentes vasculares cerebrais, particularmente dos lobos temporal e frontal, também são precipitantes comuns. As condições associadas com mais freqüência a mudanças de personalidade são listadas na Tabela 27-16.
Diagnóstico e características clínicas Uma mudança dos padrões de comportamento ou uma exacerbação das características da personalidade são notáveis. O comprometimento do controle da expressão de emoções e impulsos é uma manifestação central. As emoções são, em geral, lábeis e superficiais, embora euforia ou apatia possam ser proeminentes. A euforia pode imitar a hipomania, mas a euforia verdadeira está ausente, e os pacientes podem admitir não se sentirem felizes, de fato. Há uma tonalidade vazia e infantil em sua
TABELA 27-16 Condições médicas associadas a mudanças de personalidade Traumatismo craniano Doenças cerebrovasculares Tumores cerebrais Epilepsia (particularmente epilepsia parcial complexa) Doença de Huntington Esclerose múltipla Doenças endócrinas Intoxicação por metais pesados (magnésio, mercúrio) Neurossífilis Síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS)
873
excitação e riso fácil, particularmente quando os lobos frontais estão envolvidos. Também associadas à lesão dos lobos frontais, a denominada síndrome do lobo frontal, estão a indiferença e a apatia proeminentes, caracterizadas pela falta de preocupação com os acontecimentos no ambiente imediato. Acessos de raiva podem ocorrer com pouca ou mesmo sem provocação, em especial após a ingestão de álcool, que pode levar a comportamento violento. A expressão de impulsos pode ser manifestada por piadas inapropriadas, um modo grosseiro, assédio sexual e conduta anti-social levando a conflitos com a justiça, como ataques contra os outros, violações sexuais e furto. A previsão e a capacidade de antecipar as conseqüências sociais e legais das ações são reduzidas. Os indivíduos com epilepsia do lobo temporal exibem falta de humor, hipergrafia, hiper-religiosidade e agressividade marcante durante as crises. Indivíduos com mudança de personalidade devido a uma condição médica geral têm o sensório claro. Alterações leves da função cognitiva por vezes coexistem, mas não chegam à deterioração intelectual. Os pacientes podem ser desatentos, o que pode ser responsável por perturbações da memória recente. Com algum auxílio, contudo, conseguem se recordar do que alegam ter esquecido. O diagnóstico deve ser suspeitado em pacientes que exibem modificações notáveis no comportamento ou na personalidade envolvendo labilidade emocional e comprometimento do controle do impulso, que não têm história de transtorno mental e cujas mudanças de personalidade ocorreram de forma abrupta ou em um período relativamente breve. Os critérios diagnósticos do DSM-IV-TR são apresentados na Tabela 10.5-3.
Esteróides anabolizantes. Um número crescente de atletas de escolas de ensino médio e de faculdades e fisiculturistas está utilizando esteróides anabolizantes como um atalho para produzir o desenvolvimento físico máximo. Tais compostos incluem a oximetolona (Hemogenin), a somatropina (Humatrope), o estanozolol (Winstrol) e a testosterona. O DSM-IV-TR não apresenta uma categoria diagnóstica para mudança de personalidade induzida por substâncias, de modo que não está claro se uma alteração da personalidade causada por abuso de esteróides é melhor diagnosticada como mudança de personalidade devido a uma condição médica geral ou a um dos outros transtornos por uso de substâncias. Isso é mencionado aqui porque os esteróides anabolizantes podem causar alterações persistentes da personalidade e do comportamento. O abuso desses agentes é discutido no Capítulo 12. Diagnóstico diferencial A demência envolve uma deterioração global da capacidade intelectual e do comportamento, em que a mudança da personalidade é apenas uma categoria. Uma mudança da personalidade pode anunciar um transtorno cognitivo capaz de evoluir para demência. Nesses casos, à medida que a deterioração começa a abranger déficits de memória e déficits cognitivos significativos, o diagnóstico passa de mudança de personalidade devido a uma condição médica geral para demência. Ao diferenciar a síndrome específica de outros transtornos em que pode ocorrer mudança da personalidade – como esquizofrenia, transtorno delirante, transtornos do humor e transtornos do controle dos impulsos – os médicos devem considerar o fator mais importante, a presença de transtorno de mudança de personalidade por um fator orgânico específico.
874
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Curso e prognóstico Tanto o curso como o prognóstico do transtorno dependem de sua causa. Se for o resultado de lesão estrutural do cérebro, a condição tende a persistir. O transtorno pode se seguir a um período de coma e delirium em casos de traumatismo craniano ou acidente vascular cerebral, podendo ser permanente. A mudança de personalidade pode evoluir para demência em casos de tumor cerebral, esclerose múltipla ou doença de Huntington. Se for causada por intoxicação crônica, doenças médicas e tratamento medicamentoso (como com levodopa para o parkinsonismo), pode ser revertida se a condição subjacente é tratada. Alguns pacientes necessitam de cuidados de custódia ou pelo menos supervisão estrita para satisfazer suas necessidades básicas, evitar conflitos repetidos com a justiça e proteger a si próprios e a suas famílias da hostilidade de outros e da destituição resultante de atos impulsivos e impensados.
Tratamento O manejo do transtorno de mudança de personalidade envolve a abordagem da condição orgânica subjacente quando possível. A intervenção psicofarmacológica para sintomas específicos pode ser indicada em alguns casos, como imipramina ou fluoxetina para depressão.
Pacientes com comprometimento cognitivo grave ou com controles do comportamento enfraquecidos podem necessitar de aconselhamento para auxiliá-los a evitar dificuldades no trabalho e embaraços sociais. Como regra, a família necessita de apoio emocional e conselhos concretos sobre como ajudar a minimizar a conduta indesejável do paciente. O uso de álcool deve ser evitado, e os contatos sociais devem ser reduzidos quando o paciente tende a agir de forma ofensiva.
MODELO PSICOBIOLÓGICO DE TRATAMENTO O modelo psicobiológico de tratamento combina psicoterapia com farmacoterapia e se baseia em características estabelecidas estruturais, clínicas e neuroquímicas postuladas para o temperamento e o caráter. A farmacoterapia e a psicoterapia podem ser ajustadas de forma sistemática à estrutura da personalidade e ao estágio de desenvolvimento do caráter de cada indivíduo – uma vantagem nítida, exclusiva, sobre as outras abordagens disponíveis. O desenvolvimento mais recente é o tratamento farmacológico dos transtornos da personalidade. Os sintomas-alvo são identificados, e utilizam-se medicamentos específicos com efeitos conhecidos sobre traços da personalidade (p. ex., evitação de dano). A Tabela 27-17 apresenta as escolhas dos medicamentos para vários sintomas-alvo em transtornos da personalidade.
TABELA 27-17 Farmacoterapia para domínios de sintomas-alvo de transtornos da personalidade Sintoma-alvo
Medicamento de escolha
I. Descontrole do comportamento Agressão/impulsividade Agressão afetiva (temperamento “esquentado” com EEG normal) Lítioa Medicamentos serotonérgicosa Anticonvulsivantesa Antipsicóticos em baixas doses Agressão predatória (hostilidade/crueldade) Antipsicóticosa Lítio Antagonistas de receptores β-adrenérgicos Agressão orgânico-símile Imipraminaa Agonistas colinérgicos (donepezil) Agressão ictal (EEG anormal) Carbamazepinaa Difenilidantoínaa Benzodiazepínicos II. Desregulação do humor Labilidade emocional Lítioa Antipsicóticos Depressão Depressão atípica, disforia IMAOsa Medicamentos serotonérgicosa Antipsicóticos Desapego emocional Antagonistas da serotonina-dopaminaa Antipsicóticos atípicos III. Ansiedade cognitiva crônica Medicamentos serotonérgicosa IMAOsa Benzodiazepínicos Somática crônica IMAOsa Antagonistas de receptores β-adrenérgicos Ansiedade grave Antipsicóticos em baixas doses IMAOs IV. Sintomas psicóticos Agudos e psicose Antipsicóticosa Sintomas psicose-símiles crônicos e de nível leve Antipsicóticos em baixas dosesa a
Medicamento de escolha ou maior contra-indicação.
Contra-indicaçõesa
? Benzodiazepínicos Estimulantes Benzodiazepínicos Estimulantes
Antipsicóticos Estimulantes ? Medicamentos tricíclicos
? Medicamentos tricíclicos Estimulantes
Estimulantes
TRANSTORNOS DA PERSONALIDADE
Em seu livro Listening to Prozac, Peter Kramer descreveu mudanças drásticas da personalidade quando os níveis de serotonina foram aumentados com a administração de fluoxetina, como a diminuição da sensibilidade à rejeição, o aumento da auto-afirmação, da auto-estima e da capacidade de tolerância ao estresse. Essas mudanças nos traços da personalidade ocorrem em pacientes com uma ampla faixa de condições psiquiátricas, bem como em pessoas sem transtornos mentais diagnosticáveis. A utilização de medicamento para tratar traços específicos em um indivíduo que é, sob outros aspectos, normal (i.e., que não satisfaz os critérios para um transtorno da personalidade plenamente expresso) é controversa. Tem sido denominada “psicofarmacologia cosmética” por seus críticos. Foram descritos quatro traços de caráter (Tab. 27-18), cada um com determinados substratos neuroquímicos e neurofisiológicos. Evitação de dano Envolve um viés hereditário para inibição do comportamento em resposta a sinais de punição e falta de recompensa. Alta evitação de dano é observada como medo de incerteza, inibição social, timidez com estranhos, fadiga rápida e preocupação pessimista com a antecipação de problemas, mesmo em situações que não preocupam outras pessoas. Aqueles com baixa evitação de dano são descuidados, corajosos, ativos, extrovertidos e otimistas, mesmo em situações que preocupam a maioria das pessoas. A psicobiologia da evitação de dano é complexa. Os benzodiazepínicos desinibem a evitação mediante inibição do ácido γ-aminobutírico (GABA) dos neurônios serotonérgicos que se originam nos núcleos dorsais da rafe. No National Institute of Mental Health (NIMH), a tomografia por emissão de pósitrons (PET) com 18F-deoxiglicose (FDG) em 31 indivíduos adultos sadios durante uma tarefa simples de desempenho contínuo demonstrou que a evitação de dano estava associada a aumento da atividade no circuito paralímbico anterior, especificamente na amígdala e na ínsula direitas, no córtex orbitofrontal direito e no córtex pré-frontal medial esquerdo.
TABELA 27-18 Indicadores de indivíduos que têm escore alto e baixo nas quatro dimensões do temperamento Dimensão do temperamento Evitação de dano
Procura por novidades
Dependência de recompensa Persistência
Indicadores das variações extremas Alto
Baixo
Pessimista Temeroso Tímido Fatigável Explorador Impulsivo Extravagante Irritável Sentimental Aberto Caloroso Afetivo Diligente Determinado Entusiasta Perfeccionista
Otimista Ousado Extrovertido Vigoroso Reservado Deliberado Frugal Estóico Indiferente Distante Frio Independente Preguiçoso Cheio de vontades Limitado Pragmático
875
Além disso, altas concentrações de GABA no plasma foram correlacionadas a baixa evitação de dano. A concentração de GABA no plasma também tem sido associada a outras medidas de predisposição à ansiedade e está correlacionada à concentração de GABA no cérebro. Por fim, um gene no cromossomo 17q12 que regula a expressão do transportador de serotonina é responsável por 4 a 9% da variação total da evitação de dano. Esses achados apóiam um papel tanto do GABA como das projeções serotonérgicas da rafe dorsal subjacente nas diferenças individuais quanto à inibição do comportamento, conforme medida pela evitação de dano. As pessoas que recebem medicamentos serotonérgicos exibem redução dessa condição. Procura por novidades Reflete ativação em resposta à novidade, aproximação a sinais de recompensa e evitação ativa de punição. Indivíduos com alta orientação para novidades são temperamentais, curiosos, facilmente entediados, impulsivos, extravagantes e desordeiros. Aqueles com baixa orientação para novidades são pouco temperamentais, nãoinquisitivos, estóicos, reflexivos, frugais, reservados, tolerantes com a monotonia e ordeiros. As projeções dopaminérgicas têm um papel crucial na procura por novidades. Este comportamento envolve um aumento da recaptação da dopamina nos terminais pré-sinápticos, o que requer estimulação freqüente para manter níveis satisfatórios de estimulação dopaminérgica pós-sináptica. A procura por novidades leva a vários comportamentos de busca de prazer, incluindo fumar, o que pode explicar a freqüente observação de baixa atividade da MAO tipo B (MAOB), visto que fumar inibe sua atividade nas plaquetas e no cérebro. Estudos de genes envolvidos na neurotransmissão pela dopamina, como o gene transportador da dopamina (DAT1) e o gene do receptor de dopamina tipo 4 (DRD4), forneceram evidência de sua associação com a procura de novidades. Dependência de recompensa A dependência de recompensa reflete a manutenção de comportamentos em resposta a indícios de recompensa social. Os indivíduos com alta dependência de recompensa são afetuosos, sensíveis, socialmente dependentes e sociáveis. Aqueles com baixa dependência de recompensa são práticos, firmes, frios, socialmente insensíveis, irresolutos e indiferentes se isolados. Acredita-se que projeções noradrenérgicas do locus ceruleus e projeções serotonérgicas da rafe mediana influenciam esse condicionamento à recompensa. Dependência alta de recompensa se associa a aumento da atividade do tálamo. A concentração de 3metóxi-4-hidroxifenilglicol (MHPG) é baixa em pessoas com alta dependência de recompensa. Persistência Reflete a manutenção do comportamento a despeito de frustração, fadiga e reforço intermitente. Pessoas altamente persistentes
876
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
são muito trabalhadoras, perseverantes e conquistadoras ambiciosas, tendem a intensificar seu esforço em resposta à recompensa antecipada e vêem a frustração e a fadiga como um desafio pessoal. Os indivíduos com pouca persistência são indolentes, inativos, instáveis e erráticos; tendem a desistir com facilidade quando se defrontam com frustração, raramente se esforçam por conquistas maiores e manifestam pouca persistência, mesmo em resposta à recompensa intermitente. Trabalhos recentes com roedores relacionaram a integridade do efeito da extinção do reforço parcial com as conexões do hipocampo e o metabolismo do glutamato. A persistência pode ser aumentada com psicoestimulantes. CID-10 Na CID-10, os transtornos da personalidade são descritos como transtornos graves de personalidade e de comportamento, os quais são desvios pronunciados dos padrões culturais normais. As diretrizes diagnósticas da CID-10 incluem transtornos de longa duração em várias áreas do desempenho; comportamento global e mal-adaptativo; início na infância ou na adolescência; continuação até a vida adulta; sofrimento considerável da personalidade (embora algumas vezes manifesto somente mais tarde no curso do transtorno); e em geral, mas não sempre, problemas significativos no trabalho e no comportamento social. Esta classificação também aventa a possibilidade de os critérios desenvolvidos descreverem transtornos da personalidade em diferentes culturas. Os crité-
rios diagnósticos para transtornos específicos da personalidade são apresentados na Tabela 27-1.
REFERÊNCIAS Brown MZ, Comtois KA, Linehan MM. Reasons for suicide attempts and nonsuicidal self-injury in women with borderline personality disorder. J Abnorm Psychol. 2002;111:232. Cloninger CR, Svrakic DM. Personality disorders. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:723. Dickey CC, McCarley RW, Shenton ME. The brain in schizotypal personality disorder: a review of structural MRI and CT findings. Harv Rev Psychiatry. 2002;10:1. Mulder RT. Personality pathology and treatment outcome in major depression: a review. Am J Psychiatry. 2002;159:359. Nickell AD, Waudby CJ, Trull TJ. Attachment, parental bonding and borderline personality disorder features in young adults. J Personal Disord. 2002;16:148. Oldham JM. A 44-year-old woman with borderline personality disorder. JAMA. 2002;287:1029. Rivas-Vazquez RA, Blais MA. Pharmacologic treatment of personality disorder. Prof Psychol Res Pract. 2002;33:104. Sansone RA, Gaither GA, Songer DA. The relationships among childhood abuse, borderline personality and self-harm behavior in psychiatric in patients. Violence Vict. 2002;17:49. Teusch L, Boehme H, Finke J, Gastpar M. Effects of client-centered psychotherapy for personality disorder alone and in combination with psychopharmacological treatment. Psychother Psychoson. 2001;70:328.
28 Fatores psicológicos que afetam condições médicas e medicina psicossomática
28.1 Visão geral A medicina psicossomática enfatiza a unidade e a interação entre mente e corpo (o que também é a base da medicina complementar e da medicina alternativa). De modo geral, existe a convicção de que os fatores psicológicos são importantes no desenvolvimento de todas as doenças. Se o seu papel está na geração, na progressão, no agravamento ou na exacerbação de uma doença, ou ainda na predisposição ou na reação a ela é uma questão ainda em debate e que varia de transtorno para transtorno. A medicina psicossomática agora faz parte do campo mais amplo da medicina comportamental. Em 1978, a National Academy Sciences definiu a medicina comportamental como “o campo interdisciplinar voltado para o desenvolvimento e a integração de conhecimentos e técnicas nas ciências comportamental e médica e para a aplicação desses conhecimentos e técnicas na prevenção, no diagnóstico e na reabilitação”. A revisão do texto da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR) não usa o termo psicossomática. Em vez disso, descreve os fatores psicológicos que afetam a condição clínica como “um ou mais problemas psicológicos ou comportamentais que afetam de forma adversa e significativa o curso ou o resultado de uma condição médica geral ou que aumentam o risco de que uma pessoa venha a ter um resultado adverso”. Mesmo assim, poucos profissionais discordam de que fatores psicológicos ou comportamentais desempenham um papel em quase todas as condições médicas. CLASSIFICAÇÃO Os critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para fatores psicológicos que afetam condições médicas são apresentados na Tabela 28.1-1. São excluídos (1) os transtornos mentais clássicos que tenham sintomas físicos como parte integrante (p. ex., transtorno conversivo, no qual um sintoma físico é produzido por um conflito psicológico), (2) o transtorno de somatização, no qual os sintomas físicos não se baseiam em patologias orgânicas, (3) a hipocondria, na qual os pacientes têm uma preocupação exagera-
da com a saúde, (4) as queixas físicas associadas com freqüência a transtornos mentais (p. ex., o transtorno distímico, costuma ter acompanhamentos somáticos como fraqueza muscular, astenia, fadiga e exaustão) e (5) as queixas físicas associadas a transtornos relacionados a substâncias (p. ex., tosse associada a dependência de nicotina). Os critérios da décima revisão da Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-10) são mais gerais do que aqueles apresentados pelo DSMIV-TR e são listados na Tabela 28.1-2. HISTÓRIA A história da medicina psicossomática remonta às antigas crenças de que o corpo pode ser afetado por forças externas. A Tabela 28.1-3 oferece um levantamento dos conceitos históricos da medicina psicossomática. Ao longo dos anos, uma grande variedade de condições foram estudadas por terem implicações psicossomáticas (Tab. 28.1-4). TEORIA DO ESTRESSE Na década de 1920, Walter Cannon (1875-1945) conduziu o primeiro estudo sistemático sobre a relação entre o estresse e as doenças. Demonstrou que a estimulação do sistema nervoso autônomo, em particular do sistema simpático, preparava o organismo para a resposta de “luta ou fuga”, caracterizada por hipertensão, taquicardia e aumento do débito cardíaco. Essa reação era útil ao animal, que poderia lutar ou fugir, mas, em humanos, que não podiam fazer nenhum dos dois em virtude de serem civilizados, o estresse resultante produzia doenças (p. ex., um transtorno cardiovascular). Na década de 1950, Harold Wolff (1898-1962) observou que a fisiologia do trato gastrintestinal parecia estar correlacionada a estados emocionais específicos. A hiperfunção estava associada a hostilidade, e a hipofunção, a tristeza. Wolff considerava essas reações como não-específicas, acreditando que as do paciente são determinadas por sua situação geral de vida e por sua avaliação perceptiva acerca do evento estressante. Anteriormente, William Beaumont (1785-1853), um cirurgião militar americano,
878
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 28.1-1 Critérios do DSM-IV-TR para fatores psicológicos que afetam condições médicas A. Uma condição médica geral (codificada no Eixo III) está presente. B. Fatores psicológicos afetam adversamente a condição médica geral de uma das seguintes maneiras: (1) os fatores influenciaram o curso da condição médica geral, como demonstrado por uma estreita associação temporal entre os fatores psicológicos e o desenvolvimento, a exacerbação ou o atraso na recuperação da condição médica geral (2) os fatores interferem no tratamento da condição médica geral (3) os fatores constituem um risco adicional à saúde do indivíduo (4) respostas fisiológicas relacionadas ao estresse precipitam ou exacerbam sintomas da condição médica geral Selecionar o nome com base na natureza dos fatores psicológicos (se mais de um fator estiver presente, indicar aquele que mais se destaca): Transtorno mental afetando... (indicar a condição médica geral) (p. ex., um transtorno do Eixo I, como transtorno depressivo maior, atrasando a recuperação de um infarto do miocárdio). Sintomas psicológicos afetando... (indicar a condição médica geral) (p. ex., sintomas depressivos atrasando a recuperação de uma cirurgia; ansiedade exacerbando asma). Traços da personalidade ou forma de manejo afetando... (indicar a condição médica geral) (p. ex., negação patológica da necessidade de cirurgia em um paciente com câncer; comportamento hostil e tenso contribuindo para uma doença cardiovascular). Comportamentos de saúde mal-adaptativos afetando... (indicar a condição médica geral) (p. ex., estilo de vida sedentário, prática de sexo inseguro, excessos alimentares). Resposta fisiológica relacionada ao estresse afetando... (indicar a condição médica geral) (p. ex., exacerbações de úlcera, hipertensão, arritmia ou cefaléia tensional). Fatores psicológicos ou outros inespecificados afetando... (indicar a condição médica geral) (p. ex., fatores interpessoais, culturais ou religiosos). De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
TABELA 28.1-2 Critérios diagnósticos da CID-10 para fatores psicológicos e comportamentais associados a transtornos ou doenças classificados em outro lugar Esta categoria deve ser utilizada para registrar a presença de fatores psicológicos ou comportamentais que se supõem tenham influenciado a manifestação ou afetado o curso de doenças que podem ser classificadas em outros capítulos da CID-10. Os transtornos psíquicos atribuíveis a esses fatores tendem a ser leves e freqüentemente prolongados (como preocupação, conflito emocional, apreensão) e não justificam por si mesmos o uso de nenhuma das categorias descritas no restante deste livro. Um código adicional deve ser usado para identificar condição médica. (Nos raros casos em que se acredita que um transtorno psiquiátrico manifesto tenha causado um problema físico, um segundo código adicional deve ser usado para registrar o transtorno psiquiátrico.) Reproduzida com permissão de World Health Organization. The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural Disorders: Diagnostic Criteria for Research. Copyright, World Health Organization, Geneva, 1993.
tivera um paciente chamado Alexis St. Martin, que ficou famoso devido a um ferimento com arma de fogo que resultou em uma fístula gástrica permanente. Beaumont notou que, durante estados emocionais altamente carregados, a mucosa podia se tornar ou hiperêmica ou descorada, indicando que o fluxo sangüíneo para o estômago era influenciado pelas emoções. Hans Selye (1907-1982) desenvolveu um modelo do estresse que denominou de síndrome geral da adaptação e que consistia
em três fases: (1) a reação de alarme, (2) o estágio da resistência, no qual a adaptação é alcançada e (3) o estágio da exaustão, no qual a adaptação ou a resistência adquiridas podem se perder. Ele considerava o estresse uma resposta corporal não-específica a qualquer demanda causada por condições agradáveis ou desagradáveis. Além disso, acreditava que o estresse, por definição, não precisa ser sempre desagradável, e chamava o tipo desagradável de sofrimento (distress). Aceitar ambos os tipos de estresse requer adaptação. O corpo reage ao estresse – nesse sentido, definido como qualquer coisa (real, simbólica ou imaginária) que ameace a sobrevivência – pondo em ação um conjunto de respostas que busca diminuir o impacto do estressor e restaurar a homeostase. Sabese muito a respeito da resposta fisiológica ao estresse agudo, mas menos sobre a resposta ao estresse crônico. Muitos estressores ocorrem durante um período prolongado de tempo ou têm repercussões duradouras. Por exemplo, a perda do cônjuge pode ser seguida por meses ou anos de solidão, e um ataque sexual violento pode ser seguido de anos de apreensão e preocupação. As respostas neuroendócrinas e imunológicas a tais eventos ajudam a explicar por que e como o estresse pode ter efeitos prejudiciais. Respostas dos neurotransmissores ao estresse. Os estressores ativam sistemas noradrenérgicos no cérebro (mais especificamente no locus ceruleus) e causam a liberação de catecolaminas do sistema nervoso autônomo. Além disso, ativam o sistema serotonérgico, como evidenciado pelo aumento da renovação da serotonina. Evidências recentes sugerem que, embora tendam a intensificar o funcionamento serotonérgico geral, os glicocorticóides podem regular de forma diferente os subtipos de receptores de serotonina, o que pode ter implicações para o funcionamento serotonérgico na depressão e em doenças relacionadas. Por exemplo, os glicocorticóides podem aumentar as ações mediadas pela serotonina 5HT2, contribuindo, assim, para a intensificação das ações desse tipo de receptores, que foram implicados na patofisiologia do transtorno depressivo maior. O estresse também aumenta a neurotransmissão dopaminérgica nas rotas pré-frontais mediais. Também é evidente o envolvimento de neurotransmissores aminoácidos e peptídeos na resposta ao estresse. Estudos demonstraram que o fator liberador de corticotropina (CRF) (como neurotransmissor, e não apenas como regulador hormonal do funcionamento do eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal), o glutamato (por meio dos receptores de N-metil-D-Aspartato [NMDA]) e o ácido γ-aminobutírico (GABA) desempenham papéis importantes na geração da resposta ao estresse e na modulação de outros sistemas que respondem ao estresse, tais como os circuitos cerebrais dopaminérgicos e noradrenérgicos. Respostas endócrinas ao estresse. O CRF é secretado pelo hipotálamo no sistema porta hipofisário-pituitário. Age na hipófise anterior desencadeando a liberação do hormônio adrenocorticotrópico (ACTH). Depois que este é liberado, passa a agir no córtex adrenal estimulando a síntese e a liberação de glicocorticóides, os quais têm múltiplos efeitos no corpo, mas suas ações em curto prazo podem ser resumidas como promoção do uso de energia, aumento da atividade cardiovascular (a serviço da resposta de “luta ou fuga”) e inibição de funções como crescimento, reprodução e imunidade.
FATORES PSICOLÓGICOS QUE AFETAM CONDIÇÕES MÉDICAS E MEDICINA PSICOSSOMÁTICA
879
TABELA 28.1-3 Principais tendências conceituais na medicina psicossomática I. Psicanalíticas Sigmund Freud (1900). O envolvimento somático ocorre na histeria conversiva, que tem origem psicogênica – por exemplo, paralisia de uma extremidade. A histeria conversiva sempre tem uma causa e um sentido psíquicos primários, isto é, representa a expressão simbólica substitutiva de um conflito inconsciente. Envolve órgãos enervados apenas pelo sistema nervoso sensório-motor ou pelo sistema neuromuscular voluntário. A energia psíquica represada é descarregada por vias fisiológicas. Sandor Ferenczi (1910). O conceito de histeria conversiva é aplicado a órgãos enervados pelo sistema nervoso autônomo; por exemplo, o sangramento da colite ulcerativa pode ser descrito como uma representação de uma fantasia psíquica específica. (Hoje em dia, sabe-se que problemas como a colite são doenças psicossomáticas que ocorrem apenas em órgãos enervados pelo sistema nervoso autônomo.) A interpretação de Ferenczi sobre os sintomas psicossomáticos como reações conversivas foi a primeira aplicação do conceito a doenças como a colite. Smith Ely Jelliffe, George Groddeck (1910). Doenças claramente orgânicas, como febres e hemorragias, têm um sentido psíquico primário, ou seja, são interpretadas como sintomas conversivos que representam a expressão de fantasias inconscientes. Franz Alexander (1934, 1968). Sintomas psicossomáticos ocorrem apenas em órgãos enervados pelo sistema nervoso autônomo e não têm um sentido psíquico específico (como na histeria conversiva), mas são o resultado final de estados fisiológicos prolongados, os acompanhamentos fisiológicos de certos conflitos inconscientes reprimidos específicos. Em alguns fatores predisponentes orgânicos constitucionais, além dos fatores psíquicos envolvidos, a energia psíquica reprimida é descarregada fisiologicamente. As observações de Alexander foram corroboradas pelo estudo de Herbert Weiner, de 1957, sobre a hipersecreção de pepsinogênio. Apresentou a primeira conceitualização do modelo biopsicossocial. Helen Flanders Dunbar (1936). Quadros específicos da personalidade consciente estão associados a doenças psicossomáticas específicas, uma idéia semelhante à teoria do tipo coronariano A, de Meyer Friedman, de 1959. Helen Deutsch (1939), Phyllis Greenacre (1949). Traumas durante o nascimento e a infância predispõem o adulto a doenças psicossomáticas. Angel Garma (1950). A úlcera péptica tem um sentido psicológico específico. Essa idéia é uma extensão do conceito de conversão de Freud para um órgão enervado pelo sistema nervoso autônomo. É semelhante ao conceito de Ferenczi. Jurgen Ruesch (1958). A importância da interação entre as pessoas, isto é, a comunicação entre o paciente e o ambiente. A perturbação da comunicação resulta em doenças psicossomáticas, um tipo regressivo de comunicação. Desenvolveu o conceito de “personalidade infantil” como vulnerável a doenças psicossomáticas. Peter Sifneos, John C. Nemiah (1970). Elaboraram o conceito de alexitimia. A inibição do desenvolvimento da capacidade de expressar afetos relacionados a conflitos resulta na formação de sintomas psicossomáticos. O conceito de “alexitmia” foi modificado posteriormente por Stoudemire, que defendeu o termo “somatotimia”, enfatizando influências culturais no uso da linguagem somática e de sintomas somáticos para expressar sofrimento afetivo. II. Psicofisiológicas Walter Cannon (1927). Demonstrou os concomitantes fisiológicos de algumas emoções e o papel importante do sistema nervoso autônomo na produção dessas reações. O conceito se baseia em delineamentos experimentais comportamentais pavlovianos. Harold Wolff (1943). Tentou correlacionar o estresse de vida (consciente) à resposta fisiológica usando testes laboratoriais objetivos. As alterações fisiológicas, se prolongadas, podem levar a alterações estruturais. Estabeleceu o paradigma básico de pesquisa para os campos da psicoimunologia, da psicocardiologia e da psiconeuroendocrinologia. Hans Selye (1945). Sob estresse, desenvolve-se uma síndrome geral de adaptação. Os hormônios corticais adrenais são responsáveis pela reação fisiológica. John Mason (1968). Respostas emocionais individualizadas são o fator dominante na determinação da magnitude das reações fisiológicas relacionadas ao estresse e do papel das variáveis psicológicas intervenientes ou dos fatores-chave na regulação das reações ao estresse. Os conceitos de Mason influenciaram a ênfase dada por Richard Lazarus, em 1984, à avaliação cognitiva dos estímulos estressantes como fator crítico na determinação das reações de estresse. Meyer Friedman (1959). Teoria da personalidade tipo A como fator de risco para doenças cardiovasculares, a qual predominou em grande parte das pesquisas psicossomáticas nos últimos 30 anos. O conceito básico foi introduzido por Helen Flanders Dunbar já em 1936. Robert Ader (1964). Estabeleceu os conceitos básicos e os métodos de pesquisa para o campo da psiconeuroimunologia. III. Socioculturais Karen Horney (1939), James Halliday (1948), Margaret Mead (1947). Enfatizaram a influência da cultura no desenvolvimento de doenças psicossomáticas. Acreditavam que a cultura influencia a mãe, a qual, por sua vez, afeta a criança por meio de seu relacionamento – por exemplo, amamentação, educação, transmissão de ansiedade. Thomas Holmes, Richard Rahe (1975). Correlacionaram a gravidade e o número de eventos de vida estressantes recentes com a probabilidade de doença. John Cassel (1976). Os fatores psicossociais podem servir como estressores ou atenuantes na determinação da vulnerabilidade à doença. IV. Teoria sistêmica Adolph Meyer (1958). Formulou a abordagem psicobiológica da avaliação do paciente, que enfatiza a avaliação integrada de aspectos evolutivos, psicológicos, sociais, ambientais e biológicos da sua condição. O conceito básico do modelo biopsicossocial está implícito nessa abordagem. Zbigniew Lipowski (1970). Uma abordagem total da doença psicossomática é necessária. Fatores externos (ecológicos, infecciosos, culturais, ambientais), internos (emocionais), genéticos, somáticos e constitucionais, bem como a história pregressa e atual, são importantes e devem ser estudados por investigadores que trabalham nos vários campos nos quais são treinados. George Engel (1977). Cunhou o termo “biopsicossocial”, derivado da teoria geral dos sistemas e baseado em idéias conceituais introduzidas por Alexander e Meyer. Herbert Weiner (1977). Modelo integrativo dos fenômenos psicossomáticos. Enfatiza a necessidade não apenas de integrar os fatores biológicos, sociais e psicológicos que contribuem para a vulnerabilidade à doença, mas também de compreender tais processos nos níveis genético, molecular e neurofisiológico. Leon Eisenberg (1995). As pesquisas psiquiátricas contemporâneas demonstram que a interação mente/cérebro responde a vetores biológicos e sociais ao mesmo tempo em que é construída por ambos. As principais rotas cerebrais são especificadas no genoma, e conexões detalhadas são formadas na experiência mediada socialmente no mundo, e, em conseqüência, a refletem. Adaptada de Harold I. Kaplan, M.D.
880
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Eventos da vida TABELA 28.1-4 Alguns transtornos psicossomáticos Acne Angina pectoris Arritmia Artrite reumatóide Asma brônquica Cardioespasmo Cefaléia Cefaléia tensional Colite espástica Colite mucosa Colite ulcerativa Colo irritável Diabete melito Doença cardíaca coronariana Doenças de pele, como psoríase Doenças imunológicas Dor sacroilíaca Edema angioneurótico Enterite regional Enxaqueca Herpes
Hiperinsulinismo Hipertensão essencial Hipertireoidismo Hipoglicemia Menstruação dolorosa Náusea Neurodermatite Obesidade Piloroespasmo Prurido anal Reações alérgicas Sibilo asmático Síndromes de dor crônica Taquicardia Tuberculose Úlcera duodenal Úlcera gástrica Urticária Verrugas Vômitos
O eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal está sujeito a um controle estrito de feedback negativo por parte de seus próprios produtos finais (i.e., ACTH e cortisol) em vários níveis, incluindo a hipófise anterior, o hipotálamo e as regiões cerebrais supra-hipotalâmicas como o hipocampo. Além do CRF, existem numerosos secretagogos (i.e., substâncias que causam a liberação do ACTH) que podem se desviar da liberação do hormônio e agir diretamente na produção de glicocorticóides. Exemplos desses secretagogos incluem catecolaminas, vasopressina e ocitocina. Diferentes estressores (p. ex., estresse por frio e hipotensão) desencadeiam diferentes padrões de liberação de secretagogos, mais uma vez demonstrando que a noção de uma resposta uniforme a um estressor genérico é uma simplificação. Resposta imunológica ao estresse. Parte da resposta ao estresse consiste na inibição do funcionamento imunológico pelos glicocorticóides. Essa inibição pode refletir uma ação compensatória do eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal para mitigar outros efeitos fisiológicos do estresse. Por outro lado, o estresse também pode causar ativação imunológica por uma variedade de rotas. O próprio CRF pode estimular a liberação de noradrenalina a partir dos receptores do hormônio localizados no locus ceruleus, que ativam o sistema nervoso simpático tanto no nível central quanto no periférico e aumentam a liberação de adrenalina pela medula adrenal. Além disso, existem ligações diretas de neurônios de noradrenalina que formam sinapses com células-alvo imunológicas. Por isso, com os estressores também ocorre uma profunda ativação imunológica, incluindo a liberação de fatores humorais imunes (citocinas) como a interleucina-1 (IL-1) e a IL-6. Estas, por sua vez, podem causar ainda mais liberação de CRF, o que, em teoria, serve para aumentar os efeitos dos glicocorticóides, autolimitando a ativação imunológica. Uma discussão mais extensa da resposta imunológica pode ser encontrada no Capítulo 3.
Um evento ou situação de vida, favorável ou desfavorável (o sofrimento de Selye), que muitas vezes ocorre ao acaso, gera desafios aos quais a pessoa deve responder de maneira adequada. Thomas Holmes e Richard Rahe construíram uma Escala de Mensuração do Reajustamento Social depois de pedir a centenas de pessoas de diferentes origens para classificar o grau relativo de ajustamento requerido por certos eventos de vida. Os mesmos listaram 43 eventos de vida associados a quantidades variáveis de perturbação e estresse nas pessoas médias: por exemplo, a morte de um cônjuge, 100 unidades de mudança de vida; divórcio, 73 unidades; separações conjugais, 65 unidades; morte de um familiar próximo, 63 unidades (Tab. 28.15). A acumulação de 200 ou mais unidades de mudança de vida em um mesmo ano aumenta o risco de desenvolver um transtorno psicossomático. Pessoas que encaram com otimismo estresses gerais, ao contrário das pessimistas, têm menor probabilidade de experimentar transtornos psicossomáticos e, caso o façam, têm maior chance de se recuperar com facilidade. Fatores de estresse específicos e não-específicos Além de estresses gerais como divórcio ou morte do cônjuge, alguns investigadores sugeriram que personalidades e conflitos específicos estão associados a certos transtornos psicossomáticos. O estresse psíquico específico pode ser definido como uma personalidade ou conflito inconsciente específico que causa um desequilíbrio homeostático que contribui para o desenvolvimento de um transtorno psicossomático. Em princípio, foram identificados tipos específicos de personalidade ligados a doenças coronarianas. A personalidade coronária é a característica de pessoas vigorosas, competitivas e agressivas predispostas a doenças coronarianas. Meyer Friedman e Ray Rosenman definiram pela primeira vez os tipos de personalidade A – semelhante à personalidade coronária – e B – calma, relaxada e não propensa a doenças coronarianas. (As personalidades Tipo A e Tipo B são discutidas na Seção 28.2.) Franz Alexander formulou a hipótese de que conflitos inconscientes específicos estão associados a transtornos psicossomáticos específicos (p. ex., um conflito inconsciente de dependência pode predispor pessoas a úlcera péptica). A teoria do estresse psíquico específico não é mais considerada um indicador confiável de quem vai desenvolver certa doença. A Tabela 28.1-6 apresenta alguns correlatos psicológicos de transtornos psicofisiológicos. Hoje, a teoria do estresse não-específico é mais aceitável para a maioria dos profissionais desse campo do que a teoria do estresse específico. O estresse crônico, em geral com a variável interveniente da ansiedade, tem correlatos fisiológicos que, combinados à vulnerabilidade genética ou à debilidade de um órgão, predispõem certas pessoas a transtornos psicossomáticos. O órgão vulnerável pode estar em qualquer parte do corpo. Algumas pessoas reagem pelo estômago, outras pelo sistema cardiovascular, outras ainda pela pele, etc. É possível que a diátese ou suscetibilidade tenha origem genética, mas também pode resultar de vulnerabilidade adquirida (p. ex., pulmões enfraquecidos pelo tabagismo). Outro fator não-específico é o conceito de alexitimia, desenvolvido por Peter Sifneos e John Nemiah, no qual as pessoas não podem expressar sentimentos porque não
FATORES PSICOLÓGICOS QUE AFETAM CONDIÇÕES MÉDICAS E MEDICINA PSICOSSOMÁTICA
TABELA 28.1-5 Escala de Mensuração do Reajustamento Social Evento da vida 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26. 27. 28. 29. 30. 31. 32. 33. 34. 35. 36. 37. 38. 39. 40. 41. 42. 43.
Valor médio
Morte do cônjuge 100 Divórcio 73 Separação do casal 65 Detenção em cadeia ou outra instituição 63 Morte de um familiar próximo 63 Acidentes ou doenças graves 53 Casamento 50 Perda do emprego 47 Reconciliação com o cônjuge 45 Aposentadoria 45 Mudança ou doença significativa de alguém da família 44 Gravidez 40 Dificuldades sexuais 39 Chegada de um novo membro na família (nascimento, 39 adoção, pessoa idosa que vem morar com a família) Mudanças importantes nos negócios (fusões, 39 reorganizações, falências) Mudança importante na condição financeira 38 Morte de um amigo íntimo 37 Mudança na linha de trabalho 36 Mudança significativa na freqüência de brigas com o 35 cônjuge (para mais ou para menos do que o habitual, envolvendo criação dos filhos, hábitos pessoais, etc.) Contrair financiamento ou empréstimo de valor alto 31 (compra de casa, negócios, etc.) Execução de hipoteca ou empréstimo 30 Mudança de responsabilidade no trabalho (promoção, 29 rebaixamento, transferência) Saída de filho de casa (para casar, estudar, etc.) 29 Dificuldade com sogros ou genros/noras 29 Conquista pessoal de destaque 28 Cônjuge começou ou parou de trabalhar fora de casa 26 Começo ou fim dos estudos 26 Mudança importante nas condições de moradia 25 (construção de casa nova, reforma, deterioração da casa ou do bairro) Mudança de hábitos pessoais (vestuário, modos, 24 associações, etc.) Dificuldade com o chefe 23 Mudança importante no horário ou nas condições de trabalho 20 Mudança de residência 20 Mudança de escola 20 Mudança significativa no tipo ou na quantidade de 19 atividades recreativas Mudança de atividades religiosas (para mais ou menos 19 do que o habitual) Mudança significativa de atividades sociais (clubes, dançar, 18 cinema, visitas, etc.) Contrair financiamento ou empréstimo de valor médio 17 (para compra de carro, eletrodomésticos, etc.) Mudança significativa nos hábitos de sono (dormir mais 16 ou menos ou em turno diferente do habitual) Mudança significativa na freqüência de reuniões familiares 15 (para mais ou menos do que o habitual) Mudança significativa nos hábitos alimentares (ingesta 15 muito maior ou menor de alimentos ou horário ou local de refeições muito diferente) Férias 15 Natal 12 Recebimento de multas por pequenas infrações (multas 11 de trânsito, excesso de barulho, etc.)
Reproduzida, com permissão, de Holmes T. Life situations, emotions, and disease. Psychosom Med. 1978,9:747.
881
TABELA 28.1-6 Alguns correlatos psicológicos propostos para transtornos psicofisiológicos Transtorno
Causas psicogênicas, características da personalidade e alvos de enfrentamento
Úlcera péptica
Sente-se privada de necessidades de dependência; é ressentida; reprime a raiva; não consegue extravasar hostilidade ou buscar ativamente dependência e segurança; caracteriza tipos auto-suficientes e determinados que compensam desejos de dependência; tem forte desejo regressivo de ser nutrida e alimentada; sentimentos de vingança são reprimidos e mantidos no inconsciente Colite Foi intimidada na infância para ser dependente e conformista; sente conflitos quanto a ressentimento e desejo de agradar; raiva contida por medo de retaliação; é irritável, taciturna e depressiva ou passiva; tenta camuflar a hostilidade com o gesto simbólico de dar Hipertensão Foi forçada na infância a conter ressentimentos; essencial raiva inibida; sente-se ameaçada e culpada por impulsos hostis que podem explodir; personalidade controlada, conformista e “madura”; é determinada e conscienciosa, reservada e tensa; precisa controlar a raiva e direcioná-la para canais aceitáveis; deseja obter a aprovação da autoridade Enxaqueca É incapaz de satisfazer auto-exigências excessivas; sente intenso ressentimento e inveja de competidores mais bem-sucedidos financeira ou intelectualmente; tem personalidade meticulosa, escrupulosa, perfeccionista e ambiciosa; o fracasso em atingir as ambições perfeccionistas resulta em autopunição Asma brônquica Sente ansiedade de separação; recebia afeto materno inconstante; tem medo e culpa de que impulsos hostis sejam expressados contra pessoas queridas; é dependente e cooperativa; o sintoma expressa um pedido reprimido de ajuda e proteção Neurodermatite Tem pais superprotetores, porém frios; precisa de atenção; tem conflitos quanto a hostilidade e dependência; demonstra culpa e autopunição por inadequações; personalidade superficialmente amigável e hipersensível com características depressivas e baixa auto-imagem; os sintomas são expiação por inadequação e culpa por meio da autolesões; demonstra expressão oblíqua da hostilidade e exibicionismo por necessidade de atenção e reasseguramento Reproduzida, com permissão, de Millon T, Millon R. Psychophysiologic disorders. In: Millon T, ed. Medical Behavioral Science. Philadelphia: WB Saunders, 1975:211.
estão conscientes de seu humor e, como resultado, ocorrem estados de tensão que levam a doenças. REFERÊNCIAS Alexander F. Psychosomatic Medicine. New York: Norton; 1950. Alexander F, French TM, Pollack GH. Psychosomatic Specificity: Experimental Study and Results. Chicago: University of Chicago Press; 1968. Benson H. The relaxation response. In: Goleman D, Gurin J, eds. Mind Body Medicine: How to Use Your Mind for Better Health. Yonkers, NY: Consumer Reports; 1993:233. Engel GH, Reichsman F, Siegel HL. A study of an infant with a gastric fistula. Psychosom Med. 1956;18:374.
882
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Feifel H, Strack S, Nagy VT. Degree of life-threat and differential use of coping modes. J Psychol Res. 1987;31:91. Frasure-Smith N, Lesperance F, Talajic M. Depression and 18-month prognosis after myocardial infarction. Circulation 1995;91:999. Kiecolt-Glaser JK, Glaser R. Psychoneuroimmunology: can psychological interventions modulate immunity? J Consult Clin Psychol. 1992;60:569. Nakano K. Application of self-control procedures to modifying type A behavior. Psychol Rec. 1996;46:595. Larson MR, Ader R, Moynihan JA. Heart rate, neuroendocrine and immunological reactivity in response to an acute laboratory stressor. Psychosom Med. 2001;63:493. Levenstein S, Ackerman S, Kiecolt-Glaser JK, Dubois A. Stress and peptic ulcer disease. JAMA. 1999;281:10. Lipsitt DR. Consultation-liaison psychiatry and psychosomatic medicine. Psychosom Med. 2001;63:896. Stoudemire A, McDaniel JS. History, classification, and current trends in psychosomatic medicine. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:1765. Whitehead WE. Behavioral medicine approaches lo gastrointestinal disorders, J Consult Clin Psychol. 1992;60:605.
28.2 Transtornos específicos TRATO GASTRINTESTINAL Existe uma ligação entre estresse, ansiedade e responsividade fisiológica do sistema gastrintestinal. As perturbações da função gastrintestinal ocorrem mediante um mecanismo central de controle ou via efeitos humorais como a liberação de catecolaminas. As respostas autonômicas simpáticas podem ser geradas no hipotálamo lateral, uma região do prosencéfalo límbico com interações neurais. As respostas parassimpáticas também influenciam a função gastrintestinal. Os impulsos parassimpáticos se originam no hipotálamo periventricular e lateral e viajam até o núcleo motor dorsal do vago, a principal rota de output parassimpático. O vago também é modulado pelo cérebro límbico, produzindo uma rota de resposta emocional-intestinal. O sistema nervoso entérico é bastante sensível aos estados emocionais. Por exemplo, no esôfago, o estresse agudo eleva o tônus de repouso do esfincter superior e aumenta a amplitude de contração no esôfago distal. Essas respostas fisiológicas podem resultar em sintomas consistentes, com globo ou síndrome de espasmo esofágico. No estômago, diminui a atividade motora antral, levando a náusea funcional e vômitos. A função motora é reduzida no intestino delgado e aumentada no intestino grosso sob estresse agudo, o que pode explicar os sintomas associados à síndrome do colo irritável. Pacientes com anormalidades de contração e síndromes esofagianas funcionais demonstram altas taxas de co-morbidade psiquiátrica. Os transtornos de ansiedade estão entre as principais causas em um estudo de co-morbidade psiquiátrica no espasmo esofagiano funcional, estando presentes em 67% dos indivíduos encaminhados para testes em um laboratório de motilidade gastrintestinal. Muitos pacientes nesse estudo tinham sintomas de transtorno de ansiedade antes do início dos sintomas esofagianos. Isso sugere que um transtorno de ansiedade pode induzir alterações fisiológicas no esôfago que podem produzir sintomas esofágicos funcionais.
Doença por refluxo gastroesofágico (DRGE) É o distúrbio mais comum do esôfago e responde por grande parte do consumo de antiácidos de venda livre. O sintoma predominante é a azia, que pode ser acompanhada de regurgitação e dor. Múltiplos fatores além do estresse parecem ser importantes na geração do refluxo: (1) hérnia de hiato, (2) eficácia do esfincter esofágico inferior em bloquear o refluxo do ácido estomacal, (3) eficácia do esôfago em limpar e neutralizar o refluxo, (4) capacidade do esôfago de se proteger do ácido e da pepsina e (5) esvaziamento gástrico retardado e hipersecreção gástrica. Até 80% dos pacientes com DRGE têm hérnia de hiato. No entanto, 50% das pessoas com essa condição não têm DRGE. O sofrimento psicológico aumenta a gravidade dos sintomas em pacientes propensos. Em uma pesquisa com portadores de DRGE, o estresse excessivo, o excesso de excitação, brigas familiares e depressão temporária pareciam desencadear os sintomas. Úlcera péptica A úlcera péptica se refere à ulceração da mucosa que envolve o estômago distal ou o duodeno proximal. Os sintomas incluem dor epigástrica com sensação de queimação que ocorre de 1 a 3 horas após as refeições e é aliviada pela alimentação ou por antiácidos. Pode ocorrer ainda náusea, vômitos, dispepsia ou sinais de sangramento gastrintestinal como hematemese ou melena. As primeiras teorias identificavam o excesso de secreção de ácido gástrico como o fator etiológico mais significativo, mas a importância da infecção com a bactéria Helicobacter pylori agora é reconhecida. A H. pylori está associada a 95 a 99% das úlceras duodenais e a 70 a 90% das úlceras gástricas. A terapia com antibióticos que têm por alvo essa bactéria resulta em taxas muito mais altas de melhora e cura do que a terapia somente com antiácidos ou anti-histamínicos. Os primeiros estudos sobre a úlcera péptica sugeriam que fatores psicológicos desempenhavam um papel na produção da vulnerabilidade à doença, mediada pelo aumento da secreção de ácido gástrico associada ao estresse psicológico. Estudos com prisioneiros de guerra durante a II Guerra Mundial documentavam taxas de formação de úlcera péptica duas vezes mais altas do que em controles. Fatores psicossociais estão envolvidos na expressão clínica dos sintomas, talvez por reduzir as respostas imunológicas, resultando em vulnerabilidade à infecção com H. pylori. Colite ulcerativa A colite ulcerativa é uma doença inflamatória do intestino de causa desconhecida que afeta quase sempre o intestino grosso. O sintoma predominante é diarréia com sangue, e as manifestações extracolônicas podem incluir uveíte, irite, doenças de pele e colangite primária esclerosante. O diagnóstico é feito principalmente por meio de colonoscopia ou proctoscopia. A ressecção cirúrgica de porções do intestino grosso ou de todo ele pode resultar em cura para alguns. Estudos com pacientes com colite ulcerativa demonstraram uma predominância de traços obsessivo-compulsivos. Eles são higiênicos, organizados e pontuais e têm dificuldade de expressar a raiva. No entanto, existe uma ampla variação no quadro psiquiátrico de indivíduos com esse distúrbio.
FATORES PSICOLÓGICOS QUE AFETAM CONDIÇÕES MÉDICAS E MEDICINA PSICOSSOMÁTICA
Doença de Crohn
883
DISCUSSÃO
A doença de Crohn é uma condição inflamatória do intestino que costuma afetar o intestino delgado e o colo. Os sintomas mais comuns incluem diarréia, dor abdominal e perda de peso. A doença é menos prevalente do que a colite ulcerativa, e seu curso é crônico, muitas vezes com períodos de remissão seguidos de períodos de sintomas agudos. O tratamento consiste no uso de agentes antibióticos, drogas imunossupressoras e corticosteróides. Um estudo sobre sintomas psiquiátricos na doença de Crohn anteriores ao início dos sintomas físicos constatou taxas mais altas (23%) de transtorno de pânico preexistente do que em sujeitos-controle e sujeitos com colite ulcerativa.
Esse caso ilustra o efeito que os transtornos gastrintestinais crônicos podem ter em indivíduos vulneráveis à doenças psiquiátricas. Uma condição gastrintestinal crônica pode piorar uma dinâmica familiar anormal e estimular o desenvolvimento de doenças psiquiátricas como transtornos do humor e alimentares. Quando estão presentes tanto uma doença gastrintestinal quanto um transtorno psiquiátrico, o resultado e o prognóstico para cada condição tornam-se complicados. A coordenação dos serviços médicos e psiquiátricos é necessária para maximizar a probabilidade de um resultado positivo. (Cortesia de William R. Yates, M.D.)
Uma jovem de uma pequena cidade do Centro-oeste desenvolveu doença de Crohn enquanto cursava o ensino médio. Seus sintomas incluíam dor abdominal intermitente e diarréia. Antes do início da doença inflamatória, ela fora obesa, com um peso máximo de 115 kg. Não tinha história de doença psiquiátrica anterior ao desenvolvimento da condição, mas sempre fora um tanto tímida. A família sofreu muito com o desenvolvimento de sua doença, manifestando um estilo protetor de interação com a jovem, que continuou a morar na casa dos pais após concluir os estudos. A doença tornou-se crônica, com períodos intermitentes de agravamento e remissão. Ao longo do tempo, seu gastroenterologista notou que suas queixas de dor abdominal nem sempre correspondiam aos períodos de atividade da doença inflamatória. Ela desenvolveu medo de comer e beber e associava a ingesta oral à dor abdominal. Passou a ficar preocupada com o peso e começou a fazer dietas estritas e a diminuir sua ingesta oral de fluidos. Aos 24 anos, seu peso começou a declinar, e ao longo de seis meses perdeu 50 kg, chegando a pesar 65 kg. O gastroenterologista suspeitou que ela pudesse estar desenvolvendo um transtorno da alimentação e encaminhou-a para uma consulta psiquiátrica. O psiquiatra observou humor deprimido crônico consistente com um diagnóstico de distimia. A paciente tinha regras rígidas quanto à alimentação, e suas dietas complicavam o manejo médico da doença de Crohn. Juntamente com o diagnóstico de transtorno distímico, foi feito um diagnóstico de transtorno da alimentação sem outra especificação, e foi iniciada a terapia com um inibidor seletivo da recaptação de serotonina (ISRS). A paciente também foi encaminhada para um programa de hospitalização parcial para transtornos da alimentação. No programa, sua adesão era baixa, e um dia ela desmaiou na terapia de grupo. A avaliação médica revelou hipotensão ortostática, que se resolveu com hospitalização e reposição intravenosa de fluidos e eletrólitos. A paciente foi transferida para um programa de internação para transtornos da alimentação, mas sua família a retirou do mesmo, contrariando as ordens médicas. A paciente e a família acreditavam que o seu problema não era psiquiátrico e que a equipe psiquiátrica não compreendia a doença de Crohn e não lhe oferecia um manejo médico apropriado.
A Tabela 28.2-1 lista outras condições gastrintestinais associadas a altas taxas de co-morbidade psiquiátrica. O termo funcional às vezes é aplicado a esses distúrbios para indicar uma alteração na função, que pode ou não estar associada a uma mudança estrutural. Efeitos psiquiátricos adversos associados a drogas prescritas para condições gastrintestinais As drogas inidicadas para condições gastrintestinais representam uma porcentagem significativa de todas as prescrições. Várias delas podem produzir sintomas psiquiátricos. Além disso, podem interagir com drogas psiquiátricas comuns (Tab. 28.2-2). SISTEMA CARDIOVASCULAR Doença cardíaca coronariana As doenças cardiovasculares são a principal causa de morte nos Estados Unidos e na maior parte do mundo industrializado. Cerca de um terço de todos os adultos com mais de 35 anos vai morrer em decorrência delas. Fatores de risco comportamentais como tabagismo, excessos alimentares, sedentarismo e baixa adesão ao tratamento do diabete, hipercolesterolemia e hipertensão são os principais alvos das intervenções preventivas primárias, e obter mudanças comportamentais em relação a esses fatores de risco é um grande desafio para a medicina e a psiquiatria. Transtornos psiquiátricos com freqüência ocorrem como complicações ou condições co-mórbidas em pessoas com doenças cardiovasculares. Depressão, ansiedade, delirium e transtornos cognitivos são muito prevalentes. Pesquisas com pacientes ambulatoriais com doenças cardíacas documentadas indicam que entre 5 e 10% têm transtornos de ansiedade (predominantemente apresentam ataques de pânico e fobias), e de 10 a 15% e têm transtornos do humor (em sua maioria, episódios depressivos, depressão menor ou distimia). O transtorno depressivo maior ocorre em 15 a 20% dos pacientes após infarto do miocárdio. Como a modulação cardíaca autonômica é bastante sensível ao estresse emocional agudo, como raiva intensa, medo ou tristeza, não surpreende que emoções fortes, em especial a ansiedade, afetem o coração. Casos de morte súbita cardíaca relacionados a
884
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 28.2-1 Distúrbios gastrintestinais Distúrbios esofágicos Globo Nó na garganta, resposta transitória comum ao sofrimento emocional Ruminação Regurgitação repetida dos conteúdos gástricos Dor torácica Dor torácica semelhante à angina considerada de nãoorigem esofágica; anormalidades motoras incluem cardíaca contrações esofágicas não-específicas de alta amplitude, especialmente no esôfago distal (“esôfago em quebra-nozes”) e espasmos motores difusos; sintomas sensíveis ao sofrimento emocional Azia Refluxo ácido sem anormalidade anatômica ou esofagite Disfagia Dificuldade em engolir sólidos e líquidos na ausência de anormalidade anatômica; transtorno esofágico motor intermitente pode estar presente Distúrbios gastroduodenais Dispepsia Sintomas localizados no epigástrio incluem dor, inchaço, saciedade precoce, náusea ou vômitos, muitas vezes associados a azia Aerofagia Deglutição repetida de ar e eructação Distúrbios intestinais Síndrome do Dor abdominal, constipação, diarréia, excreção de colo irritável muco com sangue Dispepsia Inchaço, plenitude, borborigmo e flatulência flatulenta Constipação Uma ampla gama de padrões difíceis de categorizar; em geral menos de três defecações por semana com fezes endurecidas, causando desconforto; dor abdominal presente em grau variável; diarréia sugere diagnóstico de síndrome do colo irritável Diarréia Fezes moles ou aguadas em mais de 75% do tempo, muitas vezes com urgência ou incontinência; pode haver dor ou não, mas não se notam outros aspectos da síndrome do colo irritável Distúrbio Categoria geral para sintomas que não são suficienintestinal tes para permitir um diagnóstico claro de outro inespecifidistúrbio; inclui dor abdominal sintomática isolacado da com ou sem mudança nos hábitos de defecação, muco, urgência, fezes moles ou líquidas, distensão, azia ou borborigmo Dor abdominal Dor Dor abdominal difusa sem sintomas diagnósticos abdominal de síndrome do colo irritável Dor biliar Dor no quadrante superior direito; discinesia do esfincter de Oddi, fibrose ou outras anormalidades anatômicas identificadas com freqüência Transtornos anorretais Incontinência Em geral associada à impacção fecal; deve ser diferenciada de distúrbios anatômicos (cicatrizes) ou neurológicos do reto Dor anorretal Dor retal persistente, grave e crônica (síndrome do levantador) ou dor aguda intermitente que dura de segundos a minutos e desaparece completamente (proctalgia fugaz) Defecação Devida a assoalho espástico (dissinergia do assoaobstruída lho pélvico; mais comum em mulheres jovens e de meia-idade) Disquesia Dificuldade na evacuação Modificada de Drossman DA, Thompson WG, Talley TJ, Funch-Jensen P, Janssens J, Whitehead WE. Identification of sub-groups of functional gastrointestinal disorders. Gastroenterol Int. 1990,3:159.
sofrimento emocional têm sido observados ao longo da história em todas as culturas. Altos níveis de sintomas de ansiedade estão associados a um risco três vezes maior de morte súbita cardíaca, e também aumentam de 2 a 5 vezes o risco de futuros eventos coronarianos em pacientes com infarto do miocárdio em relação a pessoas não-ansiosas que já tiveram ataques do coração. O risco é maior tanto no período imediato após o infarto quanto no acompanhamento após 18 meses. Hostilidade e padrão de comportamento Tipo A. A relação entre um padrão de comportamento caracterizado por raiva facilmente estimulada, impaciência, hostilidade, competitividade e urgência temporal (Tipo A) e as doenças cardíacas coronarianas dominou as pesquisas sobre cardiologia psicossomática nas décadas de 1970 e 1980. Vários estudos epidemiológicos prospectivos de grande porte constataram que o padrão do Tipo A estava associado a um aumento de quase duas vezes no risco de infarto do miocárdio e de mortalidade decorrente de doenças coronarianas. A hostilidade é o componente essencial do conceito do Tipo A e recebeu confirmação empírica considerável como o preditor mais importante de doenças cardíacas coronarianas; a baixa hostilidade está associada a um baixo risco de desenvolver tais condições. O comportamento hostil leva ao aumento nos níveis de catecolaminas circulantes e nas concentrações de lipídeos, que são fatores de risco para essas doenças (Fig. 28.2-1). A função do receptor adrenérgico está infra-regulada em homens hostis, talvez representando uma resposta adaptativa ao aumento do impulso simpático-adrenérgico e ao excesso crônico na produção de catecolaminas que resultam da raiva crônica e freqüente. Por outro lado, foi constatado que uma postura submissa protege contra o risco de doenças coronarianas em mulheres. Estresse mental agudo. Estados de medo, excitação e raiva aguda reduzem o fluxo sangüíneo em segmentos coronarianos ateroscleróticos e provocam espasmo coronariano, causando movimento anormal da parede ventricular esquerda e evidências eletrocardiográficas de isquemia miocárdica. O estresse mental agudo pode causar angina na presença de artérias normais, como resultado de espasmos. Estudos indicam que o treinamento em relaxamento pode alterar a ativação autônoma durante o estresse mental, implicando um possível papel terapêutico para esse treinamento na isquemia induzida pelo estresse. A morte súbita cardíaca desencadeada pelo estresse mental foi demonstrada em um estudo sobre mortes ocorridas após um grande terremoto na Califórnia. Depois de uma onda de mortes súbitas no dia do terremoto, houve um período de vários dias de incidência reduzida de morte súbita cardíaca, sugerindo que apenas as pessoas predispostas por doenças subjacentes foram afetadas pelo estressor. As mortes estavam primariamente associadas ao estresse emocional e não ao esforço físico. Foram observadas mortes súbitas sem angina antecedente, sugerindo arritmia cardíaca, bem como mortes precedidas por dor toráccica, o que indica oclusões coronarianas agudas. Outros estudos apresentaram estimativas de que entre 20 e 40% das mortes súbitas cardíacas são precipitadas por estressores emocionais agudos.
FATORES PSICOLÓGICOS QUE AFETAM CONDIÇÕES MÉDICAS E MEDICINA PSICOSSOMÁTICA
885
TABELA 28.2-2 Medicamentos usados com freqüência para distúrbios gastrintestinais – efeitos psiquiátricos e interações com medicamentos psiquiátricos Genérico
Comercial
Antagonistas do receptor de histamina Nizatidina Axid Famotidina Famox, Famodine Cimetidina Tagamet, Duomet, Ulcedine Ranitidina Antak, Logat, Ranitil Inibidor da bomba de próton Omeprazol Losec, Omep, Victrix Estimulante gastrintestinal Metoclopramida Plagex, Plasil, Emetic Antieméticos Proclorperazina
Efeitos psiquiátricos adversos e interações medicamentosas
Úlcera péptica A cimetidina pode causar delirium, especialmente em pacientes hospitalizados com doenças graves; pode aumentar os níveis sangüíneos de medicamentos tricíclicos, carbamazepina, valproato, compostos de ISRSs; menos efeitos no SNC e distúrbios metabólicos são observados com outros agonistas do receptor de histamina Úlcera péptica Pode aumentar as concentrações de carbamazepina Gastroparese Pode causar depressão e, com menos freqüência, reações distônicas e parkinsonismo Náusea
Compazine
Dronabinol
Marinol
Ondansetron
Zofran, Modifical, Nausedron
Agentes antiinfectantes Interferon alfa Metronidazol
Indicações
Intron-A, Roferon-A Flagyl, Rozex
A proclorperazina é uma fenotiazina e, como as outras, pode aumentar os níveis de medicamentos tricíclicos Canabinóide encontrado na maconha; pode causar sonolência, tontura, euforia Interações com ISRSs não são claras Hepatite C Giardíase, Helicobacter
Doenças das válvulas cardíacas e transtornos de ansiedade A relação entre doenças das válvulas cardíacas e transtornos psiquiátricos tem recebido considerável atenção nas últimas décadas. No transtorno de pânico, o prolapso da válvula mitral é detectado em 10 a 25% dos pacientes estudados com ecocardiografia. No entanto, o prolapso também ocorre em uma porção substancial da população sem transtorno de pânico, e a natureza da relação continua incerta. A experiência subjetiva desta condição (palpitações, agitação e pressão torácica) pode desencadear sensações de pânico, ainda que isso possa ser apenas uma coincidência. Cirurgia de revascularização miocárdica A cirurgia de revascularização miocárdica é uma das mais freqüentes nos Estados Unidos. Complicações psiquiátricas após este procedimento têm sido observadas desde sua introdução e persistem a despeito dos avanços nas técnicas anestésicas e cirúrgicas de desvio cardiopulmonar. Um comprometimento persistente e sutil da memória e da cognição pode ocorrer após a intervenção. Em um estudo recente com mais de 2.100 pacientes submetidos a cirurgias eletivas de revascularização miocárdica em 24 centros, a observação clínica produziu uma taxa de eventos neurológicos adversos de 6,1%. Morte, comprometimento neurológico focal (AVC) ou estupor ocorreram em 3,1%, condições preditas por idade mais avançada, aterosclerose aórtica proximal e história de doença neurológica. O comprometimento não-específico da função intelectual ocorreu em 2,6%, e convulsões em 0,4%. Os fatores de risco para esses eventos eram idade mais avançada, hipertensão sistólica no momento da baixa, doença pulmonar e uso excessivo de álcool.
Depressão em até 15%, também insônia, ansiedade, confusão Potencial de efeito nefrotóxico quando usado com lítio; interage com dissulfiram
Situação estressante ou desafiadora
Padrão de comportamento Tipo A
Traço constitucional?
Reatividade simpática e cardiovascular
Fatores mediadores Aterosclerose Hipertensão Agregação plaquetária
Doença arterial coronariana
FIGURA 28.2-1 Modelo conceitual do comportamento do Tipo A e desenvolvimento de doença arterial coronariana. (Adaptada de Goldstein, MG, Niaura R. Cardiovascular disease, Part I: Coronary artery disease and sudden death. In Psychological Factors Affecting Medical Conditions. Stoudemire A, ed. Washington, DC: American Psychiatric Press, 1995:117.)
Uma depressão de leve a moderada ocorre em cerca de um terço dos pacientes depois de uma cirurgia de revascularização, mas pode ter remissão dentro de semanas a meses. Sintomas depressivos estão presentes em quase 40% dos pacientes seis meses após a cirurgia. Aqueles que continuavam deprimidos exibiam aumento de mortalidade no acompanhamento após três anos. Hipertensão A hipertensão é uma doença caracterizada por pressão arterial elevada de 160/95 mmHg ou mais. Ela pode ser primária (hipertensão essencial de etiologia desconhecida) ou secundária a uma doença
886
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
médica conhecida. Alguns pacientes têm pressão arterial lábil (p. ex., hipertensão “do avental branco”, em que as elevações ocorrem somente no consultório médico e estão relacionadas à ansiedade). Os perfis de personalidade associados à hipertensão essencial incluem pessoas que têm predisposição a serem agressivas, a qual tentam controlar, ainda que sem sucesso. O psicanalista Otto Fenichel observou que o aumento da hipertensão essencial pode estar ligado à situação mental de pessoas que aprenderam que a agressividade é negativa, mas precisam viver em um mundo em que ela é necessária. Síncope vasovagal A síncope vasovagal se caracteriza por perda súbita da consciência (desmaio) causada por uma resposta vasodepressora que diminui a perfusão cerebral. A atividade autonômica simpática é inibida, e a atividade vagal parassimpática aumenta, resultando em diminuição do débito cardíaco, redução da resistência vascular periférica, vasodilatação e bradicardia. Essa reação diminui o preenchimento ventricular, reduz o suprimento de sangue para o cérebro e leva à hipoxia cerebral e à perda da consciência. Como os pacientes afetados em geral se colocam ou caem em posição pronada, o débito cardíaco diminuído é corrigido. Erguer as pernas também ajuda a corrigir o desequilíbrio fisiológico. Quando a síncope está relacionada a hipotensão ortostática, como um efeito adverso de medicamentos psicotrópicos, o paciente deve ser aconselhado a se deslocar lentamente da posição sentada para a posição em pé. Os gatilhos fisiológicos específicos da síncope vasovagal não foram identificados, mas situações de estresse agudo são fatores etiológicos conhecidos. Apresentações cardiovasculares de transtornos psiquiátricos Transtorno de somatização, transtorno de pânico, ansiedade e depressão podem envolver queixas somáticas e representam uma questão importante na prática cardiológica ambulatorial e de emergência. Em estudos, esses diagnósticos respondem por cerca de 30% dos pacientes que se apresentam com a queixa principal de palpitações. Nessa população, o transtorno psiquiátrico está associado à recorrência mais freqüente dos sintomas, além de mais visitas a serviços de emergência, preocupações hipocondríacas e comprometimento das atividades da vida diária.
asma, e altos níveis de ansiedade estão associados a taxas mais altas de hospitalização e mortalidade associadas à doença. Certos traços da personalidade desses pacientes estão associados a maior uso de corticosteróides e broncodilatadores e hospitalizações mais longas do que se poderia prever somente em função dos sintomas pulmonares. Esses traços incluem medo intenso, labilidade emocional, sensibilidade à rejeição e falta de persistência em situações difíceis. Os familiares tendem a ter taxas de prevalência mais altas do que as esperadas de transtornos do humor, transtorno de estresse pós-traumático, uso de substâncias e transtorno da personalidade anti-social. Não se sabe como essas condições contribuem para a gênese ou a manutenção da asma em cada paciente. O ambiente familiar e social pode interagir com uma predisposição genética para a doença e influenciar o início dos ataques e a gravidade do quadro clínico. Essa interação pode ser especialmente insidiosa em adolescentes, cujo medo e necessidade de separação emocional da família muitas vezes se expressam em batalhas pela adesão à medicação, bem como por outros cuidados e precauções. Síndrome da hiperventilação Pacientes com síndrome da hiperventilação respiram rápida e profundamente por vários minutos, muitas vezes sem se dar conta do que estão fazendo. Logo se queixam de sentimentos de sufocação, ansiedade, tontura e vertigem. Tetania, palpitações, dor crônica e parestesias em torno da boca e nos dedos dos pés e das mãos são sintomas associados. Síncopes podem ocorrer. Os sintomas são causados pela perda excessiva de CO2 que resulta em alcalose respiratória. A vasoconstrição cerebral resulta da baixa concentração de PCO2 no tecido cerebral. O ataque pode ser sanado fazendo com que o paciente respire dentro de um saco de papel (não de plástico) ou prenda a respiração pelo maior tempo possível, o que aumenta o PCO2 plasmático. Outra técnica útil de tratamento é pedir que os pacientes hiperventilem deliberadamente por um ou dois minutos e então descrever a síndrome para eles. Isso pode ser tranqüilizador para aqueles que temem ter uma doença progressiva ou até fatal. SISTEMA ENDÓCRINO Hipertireoidismo
SISTEMA RESPIRATÓRIO Asma A asma é uma doença crônica e episódica caracterizada pelo estreitamento extenso da árvore traqueobrônquica. Os sintomas incluem tosse, sibilos, constrição torácica e dispnéia. Sintomas noturnos e exacerbações são comuns. Embora os pacientes tenham necessidades excessivas de dependência, nenhum tipo específico de personalidade foi identificado, mas até 30% das pessoas com asma satisfazem os critérios para transtorno de pânico ou agorafobia. O medo da dispnéia pode desencadear ataques de
O hipertireoidismo, ou tirotoxicose, resulta da produção excessiva de hormônio da tireóide pela glândula tireóide. A causa mais comum é o bócio exoftálmico, também denominado doença de Graves (Fig. 28.2-2). O bócio nodular tóxico causa cerca de 10% dos casos entre pacientes de meia-idade e idosos. Os sinais físicos do hipertireoidismo incluem pulso acelerado, arritmias, pressão arterial elevada, tremor fino, intolerância ao calor, sudorese excessiva, perda de peso, taquicardia, irregularidades menstruais, fraqueza muscular e exoftalmo. As características psiquiátricas incluem nervosismo, fadiga, insônia, labilidade do humor e disforia. A fala pode ser premente, e os pacientes podem exibir um nível elevado de atividade. Os sintomas cognitivos incluem baixa
FATORES PSICOLÓGICOS QUE AFETAM CONDIÇÕES MÉDICAS E MEDICINA PSICOSSOMÁTICA
887
nico, há concentrações normais de hormônio da tireóide, mas níveis elevados de TSH. Os sintomas psiquiátricos incluem humor deprimido, apatia, comprometimento da memória e outros efeitos cognitivos. O hipotireoidismo também pode contribuir para a depressão refratária ao tratamento. Uma síndrome psicótica de alucinações auditivas e paranóia, denominada “loucura do mixedema”, foi descrita em alguns casos. O tratamento psiquiátrico de urgência é necessário para pacientes que apresentam sintomas psiquiátricos graves (p. ex., psicose ou depressão suicida). Agentes psicotrópicos devem ser administrados em doses baixas no início, pois a taxa metabólica reduzida pode diminuir a decomposição e resultar em concentrações mais altas dos medicamentos no sangue, como no seguinte caso:
FIGURA 28.2-2 Bócio exoftálmico. Observe a retração das pálpebras e a tireóide aumentada. (Reproduzida, com permissão, de Douthwaite AH, ed. French’s Index of Differential Diagnosis. 7th ed. Baltimore: Williams & Wilkins, 1954.)
capacidade de atenção, memória recente comprometida e resposta de sobressalto exagerada. Aqueles com casos graves podem exibir alucinações visuais, ideação paranóide e delirium. Ainda que alguns sintomas do hipertireoidismo lembrem os de um episódio maníaco, raramente foi observada uma associação entre o transtorno e a mania. No entanto, ambos podem existir no mesmo paciente. Os tratamentos para a doença de Graves são (1) propiltiouracil (PTU) e medicamentos antitireóide, (2) iodo radioativo (RAI) e (3) tiroidectomia cirúrgica. Antagonistas do receptor β-adrenérgico (p. ex., propanolol [Inderal]) podem oferecer alívio sintomático. O tratamento do bócio nodular da tireóide consiste em antagonistas do receptor β-adrenérgico e RAI. O tratamento da tiroidite requer um curso breve (algumas semanas) de antagonistas do receptor β-adrenérgico, pois essa condição é efêmera. Para pacientes com sintomas psicóticos, antipsicóticos de média potência são preferíveis a medicamentos de baixa potência, pois estes podem piorar a taquicardia. Tricíclicos devem ser usados com cautela pela mesma razão. Pacientes deprimidos muitas vezes respondem a ISRSs. De modo geral, os sintomas psiquiátricos se resolvem com o tratamento bem-sucedido do hipertireoidismo. Hipotireoidismo O hipotireoidismo resulta da síntese inadequada do hormônio da tireóide e é categorizado como manifesto ou subclínico. No tipo manifesto, as concentrações do hormônio da tireóide são muito baixas, os níveis de hormônio estimulador da tireóide (TSH) são elevados, e os pacientes, sintomáticos. No tipo subclí-
Um homem de 45 anos de idade com transtorno bipolar I mantivera-se bem com monoterapia com lítio por cinco anos, mas, no curso de vários meses, tornou-se cada vez mais retraído e relatava fadiga e baixa concentração. A família observou que ele estava esquecido e estranhamente indiferente e apático. Nenhum estressor foi identificado, e a concentração de lítio era terapêutica. A concentração de TSH estava elevada, 14 mEq/L. O paciente foi tratado com levotiroxina 0,05 mg e, dentro de seis semanas, experimentou melhora da energia e retorno subjetivo ao funcionamento cognitivo de linha de base. Oito semanas após o início da terapia de reposição da tireóide, o TSH estava normal. (Cortesia de Victoria C. Hendrick, M.D. e Thomas R. Garrick, M.D.) Hipotireoidismo subclínico. Pode produzir sintomas depressivos e déficits cognitivos, embora estes sejam menos graves do que os produzidos pelo hipotireoidismo manifesto. A prevalência para toda a vida de depressão em pacientes com hipotiroidismo subclínico é quase o dobro da observada na população em geral. As pessoas afetadas exibem uma taxa mais baixa de resposta a antidepressivos e maior probabilidade de responder a complementação com liotironina (Cynomel, Tyroplus) do que pacientes eutireóideos com depressão. Diabete melito O diabete melito é um distúrbio do metabolismo e do sistema vascular que se manifesta por perturbações no equilíbrio da glicose, dos lipídeos e das proteínas do corpo, e resulta do comprometimento da secreção ou da ação da insulina. A hereditariedade e a história familiar são importantes no início da condição, mas a manifestação súbita muitas vezes está associada a um estresse emocional que perturba o equilíbrio homeostático de pessoas predispostas. Os fatores psicológicos que parecem ser significativos são aqueles que provocam sentimentos de frustração, solidão e desânimo. Pacientes com diabete devem manter algum controle alimentar, mas, quando estão deprimidos ou desanimados, muitas vezes comem ou bebem em excesso, de forma autodestrutiva, fazendo com que o problema fuja do controle. Essa reação é especialmente comum em pacientes com diabete juvenil ou do tipo I. Termos como oral, dependente, busca de atenção materna e excessivamente passivo foram aplicados a pessoas com essa condição.
888
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
A psicoterapia de apoio ajuda a obter a cooperação no manejo médico dessa complexa doença. Os terapeutas devem encorajar os pacientes a levarem uma vida tão normal quanto possível, reconhecendo que têm uma doença crônica, porém controlável. Naqueles sabidamente diabéticos, a cetoacidose pode produzir alguma violência e confusão. Com maior freqüência, a hipoglicemia (que muitas vezes ocorre após o consumo de álcool) pode produzir estados de ansiedade grave, confusão e comportamento perturbado. O comportamento inapropriado devido à hipoglicemia deve ser distinguido daquele devido à simples embriaguez.
comuns e variam de depressão grave a euforia com ou sem evidências de características psicóticas. O tratamento dos tumores hipofisários produtores de ACTH envolve a ressecção cirúrgica ou radioterapia da hipófise. Medicamentos antagonistas da produção de cortisol (p. ex., metirapona) ou que suprimem o ACTH (p. ex., antagonistas da serotonina como a ciproeptadina [Cobavital]) às vezes são usados, mas com sucesso limitado. Hiperprolactinemia
DISTÚRBIOS ADRENAIS Hipercortisolismo (síndrome de Cushing) A síndrome de Cushing espontânea resulta da hiperfunção adrenocortical e pode se desenvolver a partir da secreção excessiva de ACTH (que estimula a glândula adrenal a produzir cortisol) ou de patologia adrenal (p. ex., um tumor produtor de cortisol). A doença de Cushing, a forma mais comum de síndrome de Cushing espontânea, resulta da secreção hipofisária excessiva de ACTH, em geral de um adenoma hipofisário. Suas características clínicas incluem a “face em lua cheia”, o rosto arredondado devido à acumulação de tecido adiposo em torno do arco zigomático (Fig. 28.2-3). A obesidade truncal, a aparência de “giba de búfalo”, resulta do depósito de tecido adiposo cervicodorsal. Os efeitos catabólicos do cortisol nas proteínas produzem emaciação muscular, retardo na cicatrização, facilidade de hematomas e afinamento da pele, levando a estrias abdominais. Os ossos sofrem osteoporose, às vezes resultando em fraturas patológicas e perda de altura. Sintomas psiquiátricos são
A prolactina, produzida pela hipófise anterior, estimula a produção de leite e modula o comportamento materno. Sua produção é inibida pela dopamina (também conhecida como fator inibidor da prolactina), a qual é sintetizada pelos neurônios tuberoinfundibulares do núcleo arqueado do hipotálamo. As concentrações normais (de 5 a 25 ng/mL em mulheres e de 5 a 15 ng/mL em homens) flutuam durante o dia, alcançando seu pico durante o sono. Exercícios e estresse emocional podem aumentar a concentração de prolactina. Medicamentos que bloqueiam a ação da dopamina (p. ex., antipsicóticos) aumentam suas concentrações em até 20 vezes. Todos os antipsicóticos parecem ter a mesma probabilidade de aumentar as concentrações de prolactina, com exceção da clozapina (Leponex) e da olanzapina (Zyprexa). Outros agentes que podem ter o mesmo efeito incluem contraceptivos orais, estrógenos, tricíclicos, antidepressivos serotonérgicos e propanolol. O hipotireoidismo aumenta a concentração porque o hormônio liberador da tirotropina (TRH) estimula a liberação de prolactina. A hiperprolactinemia fisiológica ocorre em grávidas e lactantes, e a estimulação dos mamilos também aumenta as concentrações de prolactina. Relatou-se que experiências traumáticas na infância, como separação dos pais ou viver com um pai alcoólatra, predispõem à condição. Eventos de vida estressantes também estão associados a galactorréia, mesmo na ausência de aumento das concentrações de prolactina. Níveis baixos estão associados à diminuição da libido. DISTÚRBIOS DA PELE Dermatite atópica
FIGURA 28.2-3 Síndrome de Cushing. Pernas finas devido à atrofia dos músculos da coxa. Alguma obesidade abdominal com estrias acentuadas. (Reproduzida, com permissão, de Douthwaite AH, ed. French’s Index of Differential Diagnosis. 7th ed. Baltimore: Williams & Wilkins, 1954.)
A dermatite atópica (também denominada eczema atópico ou neurodermatite) é uma condição crônica caracterizado por prurido e inflamação (eczema), que muitas vezes começa como uma erupção eritematosa, maculopapular pruriginosa (Fig. 28.2-4). Pacientes afetados tendem a ser mais ansiosos e deprimidos do que grupos-controle clínicos e do que indivíduos sem doenças. Ansiedade e depressão exacerbam a dermatite atópica, estimulando o comportamento de coçar, e sintomas depressivos parecem ampliar a percepção da coceira. Estudos com crianças constataram que aquelas que tinham problemas de comportamento apresentavam maior gravidade da doença. Em famílias que encorajam a independência, as crianças têm sintomas menos graves, enquanto a superproteção parental reforça o ato de coçar.
FATORES PSICOLÓGICOS QUE AFETAM CONDIÇÕES MÉDICAS E MEDICINA PSICOSSOMÁTICA
889
FIGURA 28.2-4 Dermatite atópica. Observe a erupção maculopapular atrás dos joelhos. (Cortesia de D.F. Mutasim.)
Psoríase A psoríase é uma doença crônica e intermitente com lesões caracterizadas por crostas esbranquiçadas sobre eritema homogêneo e lustroso. É difícil controlar seus efeitos adversos na qualidade de vida, uma vez que a doença pode levar a um estresse capaz de exacerbar ainda mais a condição. Pacientes que relatam psoríase decorrente de estresse muitas vezes referem que o problema resulta da estética desfigurada e do estigma social da psoríase, e não de grandes eventos estressantes. O estresse relacionado à psoríase pode ser mais influenciado por dificuldades psicossociais inerentes aos relacionamentos interpessoais do que pela gravidade ou cronicidade da doença. Estudos controlados constataram que pacientes com psoríase têm altos níveis de ansiedade e depressão e co-morbidade significativa com uma ampla gama de transtornos da personalidade, incluindo os tipos esquizóide, esquiva, passivo-agressiva e obsessivo-compulsiva. Os auto-relatos de gravidade da doença dermatológica feitos pelos pacientes estão diretamente relacionados a depressão e ideação suicida, e a depressão co-mórbida reduz o limiar do prurido. O consumo intenso de álcool (mais de 80 g de etanol diários) em pacientes do sexo masculino pode predizer mau resultado do tratamento. Escoriação psicogênica As escoriações psicogênicas (também denominadas prurido psicogênico) são lesões causadas pelo ato de coçar ou beliscar em resposta a uma coceira ou outra sensação na pele ou devido ao impulso de remover uma irregularidade da pele resultante de dermatoses preexistentes, como a acne. As lesões costumam se exacerbar em áreas que o paciente pode alcançar com facilidade (p. ex., rosto, parte superior das costas e extremidades), têm poucos milímetros de diâmetro e são úmidas, ásperas ou fibrosas, com hipo ou hiperpigmentação pós-inflamatória ocasional (Fig. 28.25). O comportamento na escoriação psicogênica às vezes lembra o transtorno obsessivo-compulsivo por ser repetitivo, ritualístico e redutor da tensão, e os pacientes tentam (muitas vezes sem sucesso) resistir a ele. A pele é uma importante zona erógena, e Freud acreditava que ela fosse suscetível a impulsos sexuais inconscientes.
FIGURA 28.2-5 Escoriação psicogênica. A natureza auto-induzida da condição é sugerida pela ausência relativa de lesões na parte lateral superior das costas, a qual a paciente não pode alcançar com facilidade.
Prurido localizado Prurido anal. A investigação do prurido anal costuma revelar história de irritação local (p. ex., nematódeo, secreção irritante, infecção fúngica) ou fatores sistêmicos gerais (p. ex., deficiências nutricionais, intoxicação com drogas). Após a administração de um curso convencional, no entanto, o prurido anal muitas vezes não responde a medidas terapêuticas e adquire vida própria, aparentemente perpetuada pelo comportamento de coçar e por inflamações superpostas. É uma queixa perturbadora, que muitas vezes interfere no trabalho e nas atividades sociais. Investigações com um grande número de pacientes afetados revelaram que desvios de personalidade muitas vezes precedem a condição e que perturbações emocionais a precipitam e mantêm. Prurido vulvar. Assim como no prurido anal, causas físicas específicas, sejam elas localizadas ou generalizadas, podem ser demonstráveis no prurido vulvar, e a presença de uma psicopatologia evidente de forma alguma diminui a necessidade de uma investigação médica adequada. Em algumas pacientes, o prazer derivado de esfregar e coçar é consciente – elas o percebem como uma forma simbólica de masturbação –, mas, com maior freqüência, o elemento de prazer é reprimido. Algumas podem fornecer uma lon-
890
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
ga história de frustração sexual, que costuma estar intensificada no início do prurido. Hiperidrose Estados de medo, raiva e tensão podem induzir um aumento da secreção do suor, que aparece primariamente nas palmas das mãos, nas solas dos pés e nas axilas. A sensibilidade da sudorese em resposta à emoção serve como base para a mensuração do suor pela resposta galvânica da pele (uma ferramenta importante da pesquisa psicossomática), do biofeedback e do polígrafo (detector de mentiras). Sob condições de estresse emocional prolongado, a sudorese excessiva (hiperidrose) pode levar a alterações secundárias da pele, erupções, bolhas e infecções. Portanto, pode ser a base de várias outras condições dermatológicas que não estão, a princípio, relacionadas às emoções. Em geral, a hiperidrose pode ser vista como um fenômeno de ansiedade mediado pelo sistema nervoso autônomo, e deve ser diferenciada dos estados de hiperidrose induzidos por drogas.
trutiva de vários órgãos, incluindo pele, juntas, rins, vasos sangüíneos e sistema nervoso central (SNC) (ver Figura 28.2-6). Esse distúrbio é altamente imprevisível, muitas vezes incapacitante e desfigurante, e seu tratamento requer a administração de agentes bastante tóxicos. O psiquiatra pode ajudar a promover interações positivas entre os pacientes e a equipe terapêutica e garantir uma atitude tolerante por parte dos membros da equipe. A psicoterapia de apoio ajuda os pacientes a adquirirem conhecimentos e maturidade necessários para lidar com a condição da forma mais efetiva possível.
SISTEMA MUSCULOESQUELÉTICO Artrite reumatóide A artrite reumatóide é uma doença caracterizada por dor musculoesquelética crônica que surge da inflamação das articulações. Os fatores causais significativos são hereditários, alérgicos, imunológicos e psicológicos. O estresse pode predispor os pacientes à artrite reumatóide e a outras doenças auto-imunes mediante a supressão imunológica. A depressão é co-mórbida em cerca de 20% dos casos. Aqueles que se deprimem têm maior probabilidade de serem solteiros, ter duração mais longa da doença e apresentar maior co-morbidade médica. Indivíduos com artrite reumatóide e depressão demonstram status funcional mais pobre, mais dor nas juntas, experiência mais pronunciada de dor, maior uso de cuidados de saúde, mais dias acamados e maior incapacidade de trabalhar do que pacientes com medidas objetivas semelhantes de atividade artrítica, mas sem depressão. Agentes psicotrópicos podem ser úteis em alguns casos. O sono, que muitas vezes é perturbado pela dor, pode ser facilitado pela combinação de um medicamento antiinflamatório não-esteróide (AINE) e trazodona (Donaren) ou mirtazapina (Remeron), em associação com os cuidados apropriados relativos à hipotensão ortostática. Os medicamentos tricíclicos exercem efeitos antiinflamatórios leves independentes de seus benefícios de alteração do humor, mas efeitos anticolinérgicos (proeminentes entre as drogas tricíclicas e também presentes em alguns agentes serotonérgicos) podem agravar a secura das membranas orais e oculares em alguns pacientes afetados. Lúpus eritematoso sistêmico Trata-se de uma doença dos tecidos conjuntivos de etiologia incerta, caracterizada por episódios recorrentes de inflamação des-
FIGURA 28.2-6 Mulher com erupção malar devido a lúpus eritematoso sistêmico. (Cortesia de M. Kevin O’Connor, M.D.)
Dores lombares As dores lombares afetam quase 15 milhões de americanos e são uma das principais razões de dias de trabalho perdido e pagamento de benefícios por invalidez. Os sinais e sintomas variam de paciente para paciente e quase sempre consistem em dor forte, movimentos restritos, anestesias e fraqueza ou insensibilidade, todos os quais podem ser acompanhados de ansiedade, medo ou mesmo pânico. As áreas mais afetadas são as regiões lombar baixa, lombossacral e sacroilíaca. O problema com freqüência é acompanhado de dor ciática, que se irradia para baixo a partir de uma
FATORES PSICOLÓGICOS QUE AFETAM CONDIÇÕES MÉDICAS E MEDICINA PSICOSSOMÁTICA
ou de ambas as nádegas ou segue a distribuição do nervo isquiático. Embora a dor lombar possa ser causada por discos intervertebrais rompidos, fratura da coluna, defeitos congênitos da medula baixa ou lesão muscular ligamentosa, muitos casos são psicossomáticos. Os médicos devem ficar alertas para pacientes que fornecem história de traumas menores nas costas seguidos de dor grave e incapacitante. Pessoas com dor lombar muitas vezes relatam que esta começou em um momento de trauma psicológico ou estresse, mas outras (talvez 50%) desenvolvem a dor de forma gradual ao longo de um período de meses. A reação dos pacientes é desproporcionalmente emocional, como ansiedade excessiva e depressão. Além disso, a dor quase não segue uma distribuição neuroanatômica normal e pode variar em localização e intensidade. Existem duas abordagens de tratamento. Na primeira, o método convencional, o tratamento é sintomático. Analgésicos como a aspirina (até 4 g por dia) podem ser usados para dor, e relaxantes musculares como o diazepam (Valium, 2,5 a 5 mg a cada 4 a 6 horas por 2 a 3 dias) são indicados para reduzir espasmos musculares e ansiedade. A fisioterapia é prescrita para pessoas com dores graves e movimentos restritos. Alguns pacientes respondem a terapia de relaxamento e biofeedback. Muitas técnicas foram propostas para tratar essa condição, a maioria das quais não foram testadas nem comprovadas em termos de eficácia geral. Essas incluem várias formas de massagem, acupressão, acupuntura, injeções de anestésicos ou esteróides, tração, repouso, estimulação elétrica, ultra-som e bolsas de água quente ou fria. A segunda abordagem, desenvolvida por John Sarno, é psicoeducacional. Esse tratamento se baseia na premissa de que as costas são estruturalmente saudáveis e não têm qualquer anormalidade que explique os sintomas. Para tranqüilizar tanto pacientes quanto médicos, um exame físico cuidadoso é recomendado, incluindo exame neurológico e ressonância magnética, nuclear (RMN), se necessário. Um estudo com RMN que demonstre alguma anormalidade não implica de imediato automaticamente que essa seja a causa da dor. Ao contrário, alterações normais na morfologia da coluna ocorrem com a idade, e a maioria das pessoas, neste caso, é assintomática. Além disso, pacientes que se submetem a estudos de RM demonstram anormalidades espinais como achados incidentais e nunca reclamaram de dores nas costas. Os achados incluem hérnias e protuberâncias nos discos intervertebrais, osteófitos, estenose espinal e outras alterações osteoartríticas, mas estas não são responsáveis pela dor ou por qualquer sintoma neurológico. Segundo Sarno, a patofisiologia compreendida é o vasoespasmo de vasos sangüíneos que suprem o músculo, o nervo ou o tendão envolvido. O vasoespasmo é mediado pelo sistema nervoso autônomo, o qual é muito sensível a alterações do tônus emocional, a estresse emocional crônico e a afetos inconscientes. A isquemia e a privação de oxigênio causam dor nas áreas envolvidas. Pode ser feita uma analogia com o vasoespasmo das artérias coronarianas que causa angina. O tratamento inclui educar os pacientes a respeito do componente fisiológico (vasoespasmo) e ajudá-los a compreender o funcionamento da mente e os conflitos que surgem dos afetos inconscientes, em especial da raiva. Ensina-se que a mente está substituindo a dor emocional pela dor física para não ter que lidar, de forma consciente, com o conflito. As atividades físicas
891
devem ser recomeçadas o mais rápido possível, e tratamentos como a manipulação espinal e a fisioterapia são empregados com menos intensidade. Fibromialgia A fibromialgia se caracteriza por dor e rigidez dos tecidos moles, como músculos, ligamentos e tendões, com áreas localizadas de hipersensibilidade referidas como “pontos de gatilho”. As áreas cervical e toráccica são afetadas com maior freqüência, mas a dor pode estar localizada nos braços, nos ombros, na lombar ou nas pernas. É mais comum em mulheres do que homens e sua etiologia é desconhecida, mas muitas vezes é precipitada pelo estresse, que causa espasmos arteriais localizados que interferem na perfusão do oxigênio nas áreas afetadas. Disso resulta a dor, com sintomas associados de ansiedade, fadiga e incapacidade de dormir devido ao incômodo. Não há achados laboratoriais patognomônicos. O diagnóstico é feito após a exclusão de doenças reumáticas ou hipotireoidismo (Tab. 28.2-3). A fibromialgia muitas vezes está presente na síndrome da fadiga crônica e transtornos depressivos. Analgésicos como a aspirina e o acetaminofeno são úteis para a dor. Os narcóticos devem ser evitados. Alguns pacientes podem responder a AINEs. Pacientes com casos mais graves podem responder a injeções de um anestésico (p. ex., procaína) na área afetada, mas injeções de esteróides em geral não se justificam. A relação entre estresse, espasmos e dor deve ser explicada. Exercícios de relaxamento e massagem nos pontos-gatilho também podem ser benéficos. Os antidepressivos, especialmente a sertralina (Zoloft), demonstraram resultados animadores. A psicoterapia pode se justificar para pacientes capazes de ter insight sobre a natureza do distúrbio e também ajuda a identificar e lidar com estressores psicossociais. CEFALÉIAS As cefaléias são o sintoma neurológico mais comum e uma das queixas médicas mais recorrentes. A cada ano, cerca de 80% da população sofre de pelo menos uma cefaléia, e de 10 a 20% procuram médicos apresentando-a como queixa primária. As cefaléias também são uma causa importante de faltas ao trabalho e esquiva de atividades sociais e pessoais.
TABELA 28.2-3 Critérios de 1990 do American College of Rheumatology para a classificação da fibromialgia I. Dor disseminada A dor deve estar presente por três meses, disseminada e não localizada em uma área. O envolvimento inclui os lados esquerdo e direito do corpo, acima e abaixo da cintura, e dor axial-esquelética. II. Presença de 11 de 18 pontos hipersensíveis A palpação digital deve gerar dor em pelo menos 11 de 18 possíveis pontos hipersensíveis. Esses locais bilaterais incluem o occipício, a cervical baixa, o trapézio, a supraespinal, a segunda costela, o epicôndilo lateral, o glúteo, o trocanter maior e os joelhos.
892
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
A maioria delas não está associada a doenças orgânicas significativas, mas muitas pessoas são suscetíveis em momentos de estresse emocional. Além disso, em vários transtornos psiquiátricos, incluindo ansiedade e transtornos depressivos, costuma ser um sintoma proeminente. Pacientes com cefaléia muitas vezes são encaminhados a psiquiatras por médicos de atenção primária e por neurologistas após investigações biomédicas extensas, que muitas vezes incluem RM da cabeça. A maioria das investigações de queixas de cefaléia comum têm achados negativos, e esses resultados podem ser frustrantes tanto para o paciente quanto para o médico. Profissionais não muito versados em medicina psicológica podem tentar reassegurar esses pacientes dizendo-lhes que não há doença, o que pode ter o efeito oposto, aumentando a ansiedade do paciente e até mesmo causando um desentendimento sobre a dor ser real ou imaginária. O estresse psicológico tende a exacerbar as cefaléias, quer sua causa primária subjacente seja física ou psicológica. Enxaqueca (cefaléia vascular) e cefaléia em salvas A enxaqueca (cefaléia vascular) é um distúrbio paroxístico caracterizado por cefaléias unilaterais recorrentes, com ou sem perturbações visuais e gastrintestinais relacionadas (p. ex., náusea, vômitos e fotofobia), provavelmente causado por uma perturbação funcional na circulação craniana. A condição pode ser precipitada pelo ciclo do estrógeno, o que pode explicar sua maior prevalência em mulheres. O estresse também é um precipitante, e muitas pessoas com enxaqueca são extremamente controladas, perfeccionistas e incapazes de suprimir a raiva. As cefaléias em salvas estão relacionadas à enxaqueca. São unilaterais, ocorrem até oito vezes por dia e estão associadas a miose, ptose e diaforese. A enxaqueca e a cefaléia em salvas são melhor tratadas durante o período prodrômico com tartrato de ergotramina (Dihydergot) e analgésicos. A administração profilática de propranolol ou verapamil (Dilacor) é útil quando as cefaléias são freqüentes. O sumatriptano (Imigram) é indicado para o tratamento de curto prazo da enxaqueca e pode abortar os ataques. Os ISRSs também são benéficos para a profilaxia. A psicoterapia para diminuir os efeitos de conflitos e do estresse e certas técnicas comportamentais (p. ex., biofeedback) também foram considerados eficazes.
Cefaléia tensional (por contração muscular) O estresse emocional costuma estar associado à contração prolongada dos músculos da cabeça e do pescoço, que, ao longo de várias horas, pode contrair os vasos sangüíneos e resultar em isquemia. Uma dor surda, que às vezes se assemelha a uma faixa apertada, pode começar na região suboccipital e se espalhar por toda a cabeça. O couro cabeludo pode ficar sensível ao toque e, em contraste com a enxaqueca, tende a ser bilateral e não está associada a pródomos, náuseas e vômitos. A cefaléia tensional pode ocorrer de forma episódica ou crônica e precisa ser diferenciada da enxaqueca, especialmente com e sem aura (Tab. 28.2-4). Esta condição com freqüência está associada a ansiedade e depressão e ocorre em algum grau em cerca de 80% das pessoas durante períodos de estresse emocional. Personalidades tensas, competitivas e rígidas são especialmente propensas. No estágio inicial, as pessoas podem ser tratadas com agentes antiansiedade, relaxantes musculares e massagem com aplicação de calor na cabeça e no pescoço. Antidepressivos podem ser prescritos quando uma depressão subjacente está presente. A psicoterapia é um tratamento eficaz para pessoas com cefaléia tensional crônica. Aprender a evitar ou lidar melhor com a tensão é a abordagem de manejo mais efetiva em longo prazo. O biofeedback usando feedback de eletromiograma (EMG) dos músculos frontais ou temporais pode ajudar alguns pacientes. Exercícios de relaxamento e meditação também são benéficos. PSICOONCOLOGIA A psicooncologia tem por objetivo estudar tanto o impacto do câncer no funcionamento psicológico quanto o papel que variáveis psicológicas e comportamentais podem desempenhar no risco e na sobrevivência à doença. Uma marca registrada das pesquisas nessa área tem sido estudos de intervenção que tentam influenciar o curso do câncer. Um estudo clássico feito por David Spiegel constatou que mulheres com câncer de mama metastático que recebiam psicoterapia de grupo semanal sobreviviam em média 18 meses mais do que pacientescontrole designadas de forma aleatória a atendimento de rotina. Em outro estudo, pacientes com melanoma maligno que recebiam intervenção de grupo estruturada exibiam taxa de
TABELA 28.2-4 Características clínicas da cefaléia tensional episódica e crônica comparada à enxaqueca sem aura Característica
Cefaléia tensional episódica
Cefaléia tensional crônica
Enxaqueca sem aura
Duração Náusea/vômitos Dor
De 30 minutos a 7 dias Náusea rara Bilateral/pressão, aperto/ de leve a moderada Não Em geral, depois dos 18 anos Incomum Não
>15 dias/mês Náusea ocasional Bilateral/pressão, aperto/moderada
De 4 a 72 horas Náusea/vômitos Unilateral/pulsante/de moderada a grave
Às vezes Em geral, depois dos 18 anos Comum Opiáceos/barbitúricos ocasionais
Sim 25% antes dos 10 anos Comum Não
Até 80%
2 a 4%
11%
Piora com atividade Idade de início Início ao despertar Uso excessivo de medicação Prevalência
De Welch KM. A 47-year-old woman with tension-type headaches. JAMA. 2001;286:960.
FATORES PSICOLÓGICOS QUE AFETAM CONDIÇÕES MÉDICAS E MEDICINA PSICOSSOMÁTICA
recorrência estatisticamente significativa mais baixa de câncer e de mortalidade do que aqueles que não recebiam a terapia. Os pacientes de melanoma maligno submetidos a intervenção de grupo também exibiram uma quantidade maior de grandes linfócitos granulares e células natural killer (NK), bem como indicações de aumento da atividade destas, sugerindo potencialização da resposta imunológica. Outro estudo usou uma intervenção comportamental de grupo (relaxamento, imagens guiadas e treinamento de biofeedback) para pacientes com câncer de mama, que demonstraram maior atividade das células NK e mais resposta de linfócitos a mitógenos do que os controles. Como os novos protocolos de tratamento transformaram muitos tipos de câncer em doenças crônicas ou curáveis, os aspectos psiquiátricos – as reações tanto ao diagnóstico quanto ao tratamento – são cada vez mais importantes. Pelo menos metade das 1 milhão de pessoas que manifestaram câncer nos Estados Unidos em 1987 estavam vivas cinco anos depois. Hoje, estima-se que 3 milhões de sobreviventes não tenham evidências da doença. Cerca da metade de todos os pacientes têm transtornos mentais. Os maiores grupos são os de pessoas com transtorno de adaptação (68%), transtorno depressivo maior (13%) e delirium (8). Grande parte desses transtornos é considerada reativa ao fato de se saber portador de câncer. Algumas das causas mais comuns de delirium são listadas na Tabela 28.2-5, e condições associadas aos transtornos do humor em pacientes com câncer são referidas na Tabela 28.2-6. Quando uma pessoa fica sabendo que tem câncer, suas reações psicológicas incluem medo da morte, do desfiguramento e da incapacitação, medo do abandono e perda da dependência, medo da perturbação dos relacionamentos, do funcionamento de papéis e da situação financeira, bem como negação, ansiedade, raiva e culpa. Ainda que pensamentos e desejos suicidas sejam freqüentes, a incidência real de suicídio é apenas um pouco maior do que a da população em geral. Fatores que sinalizam vulnerabilidade ao suicídio em pessoas com câncer estão listados na Tabela 28.2-7. Os psiquiatras devem fazer uma avaliação cuidadosa de questões psiquiátricas e médicas em todos os pacientes. Atenção especial deve ser dedicada aos fatores familiares, em particular a conflitos preexistentes, abandono e exaustão da família.
TABELA 28.2-5 Condições médicas associadas a delirium em pacientes com câncer Encefalopatia metabólica Insuficiência de órgãos vitais Desequilíbrio eletrolítico (como hipercalcemia em pacientes com metástases ósseas ou que recebem tamoxifeno, dietilestilbestrol ou clorotrianiseno) Hipoxia, especialmente em pacientes com comprometimento pulmonar ou anemia grave Deficiências nutricionais como tiamina, ácido fólico e B12 Infecções, em particular em hospedeiros imunossuprimidos Transtornos vasculares, especialmente em pacientes com coagulopatias Anormalidades endócrinas e hormonais Cortesia de Marguerite S. Lederberg, M.D. e Jimmie C. Holland, M.D.
893
TABELA 28.2-6 Causas comuns de transtornos do humor em pacientes com câncer Drogas Agentes quimioterápicos como prednisona, dexametasona, procarbazina, vincristina, vinblastina, L-asparaginase, tamoxifeno, interferon Efeitos acumulados de narcóticos e muitos outros agentes que causam depressão, como anti-hipertensivos, benzodiazepínicos, antiparkinsonianos e antagonistas do receptor β-adrenérgico Efeito dos tumores Tumores que secretam hormônios Tumores do sistema nervoso central Condições médicas associadas Uremia Encefalopatias virais Desequilíbrio eletrolítico Cortesia de Marguerite S. Lederberg, M.D. e Jimmie C. Holland, M.D.
TABELA 28.2-7 Fatores de vulnerabilidade ao suicídio em pacientes com câncer Depressão e desesperança Dor malcontrolada Delirium leve (desinibição) Sentimentos de perda de controle Exaustão Ansiedade Psicopatologia preexistente (abuso de substâncias, patologia de caráter, transtorno psiquiátrico maior) Problemas familiares Ameaças e história de tentativas de suicídio História familiar de suicídio Outros fatores de risco descritos com freqüência em pacientes psiquiátricos Adaptada de Breitbart W. Suicide in cancer patients. Oncology. 1987,1:49.
REFERÊNCIAS Ader R, Cohen N. Behaviorally conditioned immunosuppression. Psychosom Med. 1995;37:333. Ader R, Cohen N. Felten D. Brain, behavior, and immunity. Brain Behav Immun. 1987;1:1. Berman WH, Berman ER, Heymsfield S, et al. The incidence and comorbidity of psychiatric disorders in obesity. J Pers Disord. 1992;6:168. Blomhoff S, Spetalen S, Jacobsen MB, Malt UF. Phobic anxiety changes the function of brain-gut axis in irritable bowel syndrome. Psychosom Med. 2001;63:959. Bovbjerg DH. Psychoneuroimmunology implications for oncology. Cancer. 1991;67:828. Breitbart W. Psychiatric management of cancer pain. Cancer. 1989;63(suppl 11):2336. Byrne DG. Personality, life events and cardiovascular disease. J Psychosom Res. 1987;31:661. Case RB, Heller SS, Case NB. Type A behavior and survival after acute myocardial infarction. N Engl J Med. 1984;311:737. Cassileth BR, Lusk EJ, Miller DS, Brown LL, Miller R. Psychosocial correlates of survival in advanced malignant disease. N Engl J Med. 1985;312:1551. Dimsdale JE, Young D, Moore L, Strauss HW. Do plasma norepinephrine levels reflect behavioral stress? Psychosom Med. 1987;49:375. Kubzansky LD, Sparrow D, Vokonas P, Kawachi I. Is the glass half empty or half full? A prospective study of optimism and coronary heart disease in the Normative Aging Study. Psychosom Med. 2001;63:910.
894
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Starkman MN, Giordani B, Berent S, Schork MA, Schteingart DE. Elevated cortisol levels in Cushing’s disease are associated with cognitive decrements. Psychosom Med. 2001;63:985. Stoudemire A, section ed. Psychological factors affecting medical conditions. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:1765. Stoudemire A, Fogel BS, Greenberg D, eds. Psychiatry Care of The Medical Patient. New York: Oxford University Press; 1999.
28.3 Tratamento dos transtornos psicossomáticos De um ponto de vista multicausal, todas as doenças podem ser consideradas psicossomáticas, porque todo transtorno é afetado por fatores emocionais. De formas variáveis, hostilidade, depressão e ansiedade estão em algum grau na raiz da maioria dos transtornos psicossomáticos. A medicina psicossomática trata daquelas doenças que apresentam primariamente manifestações somáticas. A queixa principal costuma ser física, e o paciente quase não se queixa de ansiedade, depressão ou tensão, mas sim de vômitos, diarréia ou anorexia. Esses pacientes em geral consultam um médico de atenção primária ou internista antes de buscar ajuda psiquiátrica. Pesquisas revelam que os transtornos psicológicos acompanham 50% dos casos clínicos estudados em departamentos médicos e cirúrgicos ambulatoriais.
ser tratados pelo internista, se necessário, e o psiquiatra pode ajudálos a se concentrarem em seus sentimentos em relação aos sintomas e obterem a compreensão dos processos inconscientes envolvidos na melhora. Se os pacientes forem tratados com pouca sensibilidade ou se sua doença for vista sem simpatia, os resultados podem ser graves. Indicações para o tratamento combinado Durante um ataque inicial de transtorno psicossomático, se os pacientes respondem à terapia médica combinada ao apoio, o reasseguramento e a manipulação ambiental superficiais oferecidos por um internista, a psicoterapia adicional feita por um psiquiatra pode não ser necessária. Doenças psicossomáticas crônicas ou que não respondem ao tratamento médico devem receber avaliação psicossomática por um psiquiatra e terapia combinada, conforme indicado. Objetivo do tratamento É útil estabelecer um espectro flexível de metas terapêuticas no tratamento dos transtornos psicossomáticos. O fim desejado é a cura, que significa a resolução de qualquer comprometimento estrutural e a reorganização da personalidade, a fim de que necessidades e tensões não produzam mais resultados fisiopatológicos. O tratamento deve ter como objetivo uma adaptação geral madura, maior capacidade de atividade física e ocupacional, melhora da progressão da doença, reversão da patologia, prevenção de complicações do processo básico da doença, diminuição da busca por ganhos secundários associados à condição e aumento da capacidade de se ajustar a esta.
TRATAMENTO COMBINADO ASPECTOS PSIQUIÁTRICOS A abordagem combinada de tratamento, na qual o psiquiatra lida com os aspectos psiquiátricos do caso e um internista ou outro especialista trata dos aspectos somáticos, requer uma estreita colaboração entre os dois profissionais. O objetivo da intervenção médica é melhorar o estado físico do paciente para que ele possa participar com sucesso da psicoterapia na busca da cura total. Condições como a asma brônquica, na qual processos psicossociais desempenham um papel distinto em termos de desenvolvimento e curso, podem responder bem à abordagem combinada de tratamento. Embora o ataque de asma em si possa ser tratado com sucesso pelo internista, a atenção psiquiátrica pode ser útil em curto prazo, ajudando a aliviar a ansiedade associada aos ataques, e em longo prazo, ajudando a revelar os estressores que podem precipitar ou estar envolvidos no problema. Em uma doença somática aguda, como um ataque de colite ulcerativa, a terapia médica é a forma primária de tratamento. Nesse estágio, a psicoterapia, com suas metas de longo prazo, consiste em reasseguramento e apoio. À medida que o pêndulo da atividade da doença se desloca e esta se torna crônica, a psicoterapia pode assumir o papel primário, enquanto a terapia médica assume uma posição menos ativa. Às vezes, o reasseguramento é tudo o que é necessário no tratamento de síndromes psicossomáticas. Os pacientes devem participar do processo de melhora de sua situação de vida. Os sintomas podem
O tratamento de transtornos psicossomáticos do ponto de vista psiquiátrico é uma tarefa difícil. Os psiquiatras devem focar a terapia na compreensão das motivações e nos mecanismos do funcionamento perturbado e ajudar os pacientes a perceberem a natureza de sua doença e as implicações negativas de seus padrões adaptativos. Esse insight deve gerar padrões diferentes e mais saudáveis de comportamento. Pacientes com transtornos psicossomáticos em geral relutam mais em lidar com seus problemas emocionais do que aqueles com outros problemas psiquiátricos. Eles tentam evitar a responsabilidade por sua doença isolando o órgão doente e apresentando-o ao médico para diagnóstico e cura. Podem estar satisfazendo uma necessidade infantil de serem cuidados de forma passiva, ao mesmo tempo em que negam que são adultos com todos os estresses e conflitos que acompanham tal realidade. DESENVOLVIMENTO DA RELAÇÃO E TRANSFERÊNCIA A psicoterapia com pacientes psicossomáticos com freqüência deve proceder de maneira mais lenta do que com outros indivíduos psiquiátricos. A transferência positiva deve ser desenvolvida de
FATORES PSICOLÓGICOS QUE AFETAM CONDIÇÕES MÉDICAS E MEDICINA PSICOSSOMÁTICA
forma gradual, e os psiquiatras devem oferecer apoio e reasseguramento durante a doença aguda. Na medida em que os transtornos se tornam crônicos, o psiquiatra pode fazer interpretações exploratórias, mas uma forte relação médico-paciente deve preceder qualquer exploração. Pacientes psicossomáticos são dependentes, e esta característica pode ser usada para fins de apoio e interpretação em períodos cruciais do tratamento. Muita hostilidade emerge durante a terapia, primeiro sob forma de desabafo e depois dentro do referencial da transferência. O terapeuta deve encorajar a expressão livre e apropriada da hostilidade. Interpretação O terapeuta deve dar particular atenção aos problemas atuais da situação imediata de vida do paciente e lidar com as reações deste ao terapeuta e ao tratamento. É preciso enfatizar cada vez mais a avaliação das dificuldades caracteriológicas do paciente e suas reações habituais, particularmente as reações a si próprio (auto-estima, culpa) e ao ambiente (dependência, submissão, necessidade de afeto). O profissional também deve analisar as ansiedades e os mecanismos de enfrentamento acionados em situações de estresse, tais como pedidos de cuidado completo, necessidade de estar sempre certo, falta de auto-afirmação e supressão de todos os impulsos proibidos. Alguns investigadores psicanalíticos relataram resultados dramáticos quando materiais inconscientes foram interpretados como medida drástica durante uma doença aguda. Ainda que a maioria dos psicanalistas freudianos pareça pensar que o material genético deve ser interpretado para uma cura completa, novas abordagens mostraram que resultados adequados podem ser obtidos quando a psicoterapia se limita à análise das defesas caracteriológicas e do ego associadas aos relacionamentos interpessoais perturbados. Pacientes com transtornos psicossomáticos muitas vezes estão envolvidos em um padrão repetitivo de estresse em seus relacionamentos interpessoais. Como não costumam estar cientes desse padrão, é útil mostrar-lhes que não se trata de algo acidental, mas determinado por fatores dos quais eles não se dão conta. Deve-se mostrar como mudar o padrão perturbado e agir de uma forma nova e mais saudável. Esses indivíduos tendem a apresentar comportamentos mentais e físicos psicologicamente regressivos, e em geral regridem a um período traumático ou altamente conflituoso. Ao reviverem certas atitudes específicas da infância, estão tentando dominar a ansiedade e a doença que se manifestaram pela primeira vez durante os estágios iniciais de seu desenvolvimento. No tratamento de transtornos psicossomáticos, o conceito-chave é a flexibilidade da técnica. Devido à falta de motivação e à má condição física dos pacientes, pode ser necessário fazer alterações freqüentes na abordagem psicoterapêutica. Resistência durante a terapia Como os pacientes com transtornos psicossomáticos muitas vezes resistem a começar uma psicoterapia, tal rejeição com freqüência continua durante o tratamento. Muitos têm tão pouca
895
motivação para aderir ao tratamento que o acabam abandonando por razões menores. Interrupção da psicoterapia devido a uma emergência médica Durante um curso de psicoterapia, o paciente com transtorno psicossomático pode necessitar de tratamento médico ou cirúrgico para a condição orgânica. O psiquiatra deve cooperar com o cirurgião ou com o pessoal médico e manter contato com o paciente, em pessoa ou por telefone, durante a emergência. Esse interesse oferece um apoio emocional valioso em um momento de crise. Em caso de hospitalização, o psiquiatra deve ajudar a equipe hospitalar a reconhecer e aprender a tolerar o comportamento muitas vezes difícil e provocativo de alguns pacientes psicossomáticos. A preparação pode ser útil também para estes, pois quando percebem que suas demandas estão sendo satisfeitas de forma respeitosa, podem ficar menos propensos a ver o mundo como hostil e opressivo. Perigo de psicose Não existem relações simples entre transtornos psicossomáticos e psicoses. Certas pessoas, nas quais os processos fisiológicos e psicológicos não são bem-integrados, manifestam tanto transtornos psicossomáticos quanto psicose. Em outras pessoas, a integração do ego é tal que o estresse produz uma perturbação da função corporal e não uma má adaptação psicótica. Alguns pacientes psicossomáticos nãopsicóticos podem se tornar psicóticos ou exibir sintomas semelhantes se uma interpretação for demasiadamente ativa e elementos defensivos da estrutura de sua personalidade forem removidos. ASPECTOS MÉDICOS O tratamento de transtornos psicossomáticos por internistas deve seguir as regras estabelecidas para o manejo médico. De modo geral, recomenda-se passar o maior tempo possível com o paciente e escutar de forma empática suas múltiplas queixas, reassegurá-lo e oferecer apoio. Antes de realizar um procedimento fisicamente manipulativo, em particular se esse for doloroso, como uma colonoscopia, o internista deve explicar ao paciente o que esperar. A explicação diminui a ansiedade, favorece a cooperação e facilita o exame. A atitude do paciente em relação aos medicamentos também podem afetar o resultado do tratamento psicossomático. Por exemplo, aqueles com diabete que não aceitam sua doença e que têm impulsos autodestrutivos dos quais não estão cientes podem não controlar sua dieta de forma intencional e, como resultado, entram em coma hipoglicêmico. Alguns pacientes cardíacos se recusam a abandonar as atividades físicas após um infarto do miocárdio devido à relutância em admitir fraqueza ou ao medo de que, de alguma forma, sejam considerados fracassados. Outros usam sua doença como uma punição por sentimentos de culpa ou como forma de evitar responsabilidades. A terapia, nesses casos, deve ajudar a minimizar os medos e fazer o paciente se concentrar nos cuidados consigo mesmo e no restabelecimento de uma imagem corporal saudável.
896
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
MUDANÇA COMPORTAMENTAL Um dos principais papéis dos psiquiatras e de outros médicos que trabalham com indivíduos psicossomáticos é mobilizar o paciente a mudar seu comportamento de forma que otimize o processo de cura. Isso pode exigir uma mudança geral no estilo de vida (p. ex., tirar férias) ou uma mudança comportamental mais específica (p. ex., abandonar o cigarro). Se isso vai ocorrer ou não depende, em grande parte, da qualidade do relacionamento entre médico e paciente. O fracasso do médico em estabelecer um bom relacionamento responde por grande parte da ineficácia em fazer os pacientes mudarem. O rapport é o sentimento espontâneo e consciente de responsividade harmoniosa entre paciente e médico, e implica compreensão e confiança entre ambos. Com essa interação, os pacientes se sentem aceitos, e freqüentemente o médico é a pessoa com quem podem falar sobre coisas que não conseguem discutir com mais ninguém. A maioria dos pacientes sente que pode confiar em seus médicos, em especial nos psiquiatras, e que podem lhes contar seus segredos. Esta confiança não deve ser traída. Sentir que alguém o conhece, compreende e aceita é uma fonte de força que pode capacitar a pessoa a iniciar um curso de ação saudável, como começar a freqüentar os Alcoólicos Anônimos (AA) ou mudar os hábitos alimentares. De maneira ideal, médico e paciente decidem em conjunto qual será o curso de ação. Em certos momentos, isso pode lembrar uma negociação, na qual as partes discutem várias opções e chegam a um meio-termo em relação a uma meta determinada de comum acordo. Aaron Lazare descreveu estratégias específicas de negociação para atingir mudanças comportamentais: 1. Educação direta. Explicar o problema, as metas e os métodos para atingi-las. A orientação deve ser adequada ao nível socioeconômico e às tradições culturais do paciente. Se o mesmo tem perguntas, elas deve ser respondidas com franqueza e de acordo com sua capacidade de compreensão. Fatores como inteligência, sofisticação das reações da personalidade e grau e tipo de doença devem influenciar o vocabulário e o conteúdo da resposta do médico. Todos os esforços devem ser feitos para transmitir a pacientes beligerantes tolerância e compreensão de seus sentimentos. 2. Intervenção de terceiros. Familiares, amigos e outros clínicos podem oferecer apoio e encorajar o paciente a seguir um curso de ação. Isso pode ocorrer em um contexto de grupo, que é especialmente eficaz para motivar pacientes que têm problemas de abuso de substâncias a buscarem tratamento (denominado intervenção). 3. Exploração de opções. Pode haver métodos alternativos para atingir uma meta desejada. Por exemplo, o abandono do cigarro pode ser feito com grupos de apoio, adesivos ou chicletes de nicotina, medicações psicotrópicas ou simples força de vontade, entre outros. 4. Oferecimento de ensaios de tratamento. Se um paciente teme um curso de ação em particular ou considera a mudança impossível, um ensaio de tratamento pode ser implementado. O paciente sempre pode optar por abandonar o programa prescrito. 5. Compartilhamento do controle. Alguns pacientes se ressentem de qualquer abordagem que pareça autoritária. Podem
querer determinar o ritmo de um programa de abstinência ou titular a medicação de acordo com os efeitos adversos. 6. Fazer concessões. O clínico pode conceder ao paciente algo que ele quer (p. ex., medicação) como moeda de troca para que o mesmo obedeça às orientações. 7. Confrontação empática. Pacientes que resistem a mudanças podem fazê-lo por medo ou por outras emoções desconfortáveis das quais não se dão conta. O médico pode tentar se colocar no lugar do paciente em um esforço para aumentar o nível de compreensão. Esses profissionais devem estar preparados para responder à pergunta: “O que você faria se estivesse no meu lugar?”. 8. Estabelecimento de padrões. Diretrizes ou padrões (às vezes denominados marcos) devem ser estabelecidos para avaliar o progresso de um programa combinado (p. ex., a perda de meio quilo de peso a cada duas semanas para atingir uma perda de 5 kg em 20 semanas). Em casos raros, nos quais a negociação não avança e se chega a um impasse, pode ser necessário ameaçar com o fim da relação. Como observa Lazare: Esse estágio pode ser inevitável quando o clínico acredita que seus padrões profissionais estejam sendo comprometidos ou quando é impossível satisfazer o paciente, independentemente das tentativas. Recaídas É comum que pacientes que assumem um padrão novo ou melhorado de comportamento tenham recaídas, e os médicos não devem se zangar com aqueles que têm uma recorrência de seu estilo de vida mal-adaptativo anterior. A recaída às vezes é uma parte necessária do processo de mudança, e não um sinal de fracasso. O médico deve explicar que isso pode ocorrer e apoiar o paciente em seus esforços para continuar o programa. Algumas abordagens para tratar o comportamento de recaída são delineadas na Tabela 28.3-1. OUTROS TIPOS DE TERAPIA PARA TRANSTORNOS PSICOSSOMÁTICOS Psicoterapia de grupo e terapia familiar A abordagem de grupo oferece contato interpessoal com outras pessoas que sofrem da mesma doença e apoio para pacientes que temem a ameaça de isolamento e abandono. A terapia familiar proporciona esperança de mudança no relacionamento entre os membros da família, que muitas vezes ficam estressados e reagem com hostilidade ao indivíduo doente. Técnicas de relaxamento Edmund Jacobson, em 1938, desenvolveu um método denominado relaxamento muscular progressivo para ensinar relaxamento sem o uso de instrumentação como no biofeedback. Os pacien-
FATORES PSICOLÓGICOS QUE AFETAM CONDIÇÕES MÉDICAS E MEDICINA PSICOSSOMÁTICA
TABELA 28.3-1 Abordagens para o paciente com recaídas Abordagem
Comentários
Cognitiva
Oferecer informações sobre situações de alto risco (p. ex., comer quando se está ansioso). Apoiar a motivação para a mudança enfatizando os benefícios de longo prazo (p. ex., risco menor de câncer do pulmão com abandono do cigarro) e de curto prazo (p. ex., diminuição da tosse). Treinar e ensaiar habilidades para lidar com situações de alto risco (p. ex., mascar chicletes quando se está ansioso em vez de comer); manter um diário de quando e onde o comportamento mal-adaptativo acontece; identificar fatores precipitantes (p. ex., raiva). Construir estratégias para minimizar ou evitar a ocorrência de situações de alto risco (p. ex., beber refrigerantes em vez de álcool em festas); desenvolver estratégias para lidar com recaídas (p. ex., não envergonhar o paciente, recaídas são esperadas). Ajudar o paciente a encontrar e construir uma rede de apoio social (p. ex., AA, NA, CCA). Oferecer consultas freqüentes de acompanhamento para manter o relacionamento médico-paciente; usar telefone e e-mail.
Atitudinal
Instrumental
Enfrentamento
Social/ambiental Contato
Modificada a partir de dados de Grueninger UJ, Duffy FD, Goldstein MG. Patient education in the medical encounter: how to facilitate learning, behavior change and coping. In: Lipkin M, Putnam SM, Lazare A, eds. The Medical Interview. New York: Springer-Verlag, 1995.
tes eram orientados a relaxar grupos musculares como os envolvidos nas “cefaléias tensionais”. Quando se viam em situações que causassem tensão muscular, eram treinados para relaxar. Esse método é um tipo de dessensibilização sistemática, uma forma de terapia comportamental. Herbert Benson, em 1975, usou conceitos desenvolvidos a partir da meditação transcendental, na qual o paciente mantinha uma atitude mais passiva, permitindo que o relaxamento ocorresse por si só. Benson derivou essas técnicas de várias religiões e práticas orientais, como a ioga. Todas essas abordagens têm em comum uma posição confortável, um ambiente pacífico, uma técnica passiva e uma imagem mental agradável na qual a pessoa deve se concentrar. Hipnose A hipnose é eficaz para promover o abandono do tabagismo e mudanças alimentares. É usada em combinação com imagens aversivas (p. ex., cigarros têm gosto ruim). Alguns pacientes exibem uma taxa bastante alta de recaídas e podem necessitar de programas repetidos de terapia hipnótica (em geral de 3 a 4 sessões).
Biofeedback Neal Miller, em 1969, publicou seu trabalho pioneiro “Learning of Visceral and Glandular Responses” (“Aprendizagem de respostas viscerais e glandulares”), no qual relatava que, em animais, várias respostas viscerais reguladas pelo sistema nervoso autônomo
897
involuntário podiam ser modificadas com aprendizagem realizada via condicionamento operante em laboratório. Isso indicava que os humanos eram capazes de aprender a controlar certas respostas fisiológicas involuntárias (denominadas biofeedback), como vasoconstrição dos vasos sangüíneos, ritmo e freqüência cardíacos. Essas alterações fisiológicas parecem desempenhar um papel significativo no desenvolvimento e no tratamento ou na cura de certos transtornos psicossomáticos. Esses estudos confirmaram que a aprendizagem consciente pode controlar a freqüência cardíaca e a pressão sistólica. O biofeedback e as técnicas relacionadas são úteis na cefaléia tensional, na enxaqueca e na doença de Raynaud. Apesar de essas técnicas, no início, produzirem resultados encorajadores no tratamento da hipertensão essencial, a terapia de relaxamento teve efeitos mais significativos em longo prazo. REFERÊNCIAS Alexander F. Psychosomatic Medicine. New York: WW Norton: 1950. Carney RM, Freedland KE. Stein PK, Skala JA, Hoffman P, Jaffe AS. Change in heart rate and heart rate o variability during treatment for depression in patients with coronary heart disease. Psychosom Med. 2000;62:639. Matheny KB, Brack GL, McCarthy CJ, Penick JM. The effectiveness of cognitively-based approaches in treating stress-related symptoms. Psychotherapy. 1996;33:305. Sanders D. Counselling for Psychosomatic Problems. London. Sage Publications; 1996. Speca M, Carlson LE, Goodey E, Angen M. A randomized, wait-list controlled clinical trial: the effect of a mindfulness meditation-based stress reduction program on mood and symptoms of stress in cancer outpatients. Psychosom Med. 2000;62:613. Stoudemire A, section ed. Psychological factors affecting medical conditions. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:1765. Stoudemire A, Fogel BS, Greenberg D, eds. Psychiatric Care of the Medical Patient. New York: Oxford University Press; 1999. Temple N, Walker J, Evans M. Group psychotherapy with psychosomatic and somatizing patients in a general hospital. Psychoanal Psychother. 1996;10:251.
28.4 Psiquiatria de consultoria-ligação A psiquiatria de consultoria-ligação (C-L) é o estudo, a prática e o ensino da relação entre condições médicas e psiquiátricas. Na psiquiatria de C-L, os psiquiatras atuam como consultores a colegas médicos (outros psiquiatras ou, o que é mais comum, médicos nãopsiquiatras) e aos demais profissionais de saúde mental (psicólogos, assistentes sociais ou enfermeiros psiquiátricos). Além disso, orientam pacientes no contexto médico ou cirúrgico e oferecem tratamento psiquiátrico de acompanhamento conforme o necessário. A psiquiatria de C-L está associada a todos os serviços diagnósticos, terapêuticos, de pesquisa e de ensino realizadas no hospital geral e serve como uma ponte entre a psiquiatria e outras especialidades.
898
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Nas inúmeras alas médicas do hospital, o psiquiatra de C-L deve desempenhar muitos papéis: entrevistador habilidoso e rápido, bom psiquiatra e psicoterapeuta, professor e médico beminformado que compreende os aspectos clínicos do caso. Deve ser considerado parte da equipe médica, fazendo uma contribuição singular ao tratamento. DIAGNÓSTICO O conhecimento do diagnóstico psiquiátrico é essencial para os psiquiatras de C-L. O delirium ocorre em 15 a 30% dos pacientes hospitalizados. Psicoses e outros transtornos mentais muitas vezes complicam o tratamento de doenças médicas, e comportamentos desviantes, como o suicídio, são um problema comum em indivíduos com condições orgânicas. Esses profissionais devem estar cientes das muitas doenças que podem apresentar sintomas psiquiátricos. A prevalência para a vida toda de transtorno mental em pacientes com doenças físicas crônicas é de mais de 40%, em particular abuso de substâncias e transtornos do humor e de ansiedade. (Uma lista destes problemas médicos é apresentada na Tab. 28.4-1). Entrevistas e observações clínicas seriadas são as ferramentas para o diagnóstico. Os objetivos deste são identificar transtornos mentais e respostas psicológicas às doenças físicas, tipos de personalidade e técnicas de enfrentamento características do paciente para recomendar a intervenção terapêutica mais apropriada. TRATAMENTO A principal contribuição dos psiquiatras de C-L ao tratamento médico é uma análise abrangente da resposta do paciente à doença, de seus recursos psicológicos e sociais, de seu estilo de enfrentamento e das doenças psiquiátricas, caso estejam presentes. Essa avaliação é a base do plano de tratamento. Ao discutir o plano, os psiquiatras oferecem uma avaliação do paciente a profissionais de saúde não-psiquiátricos. As recomendações devem ser diretrizes claras e concretas para a ação. Pode-se recomendar uma terapia específica, sugerir áreas para maior investigação médica, informar médicos e enfermeiros de seus papéis no atendimento psicossocial do paciente, recomendar a transferência deste para uma instituição psiquiátrica para tratamento de longo prazo ou ainda sugerir ou realizar uma psicoterapia breve na unidade médica. Os psiquiatras de C-L devem lidar com uma ampla gama de transtornos psiquiátricos, sendo que os sintomas mais comuns são ansiedade, depressão e desorientação. Os problemas de tratamento respondem por 50% dos pedidos de consultoria feitos aos psiquiatras. A Tabela 28.4-2 apresenta os problemas mais comuns de C-L. Uma das áreas mais importantes para o psiquiatra de C-L envolve conhecer a interação entre drogas médicas e psiquiátricas. Isso inclui o conhecimento a respeito da farmacocinética relacionada à disfunção do órgão em questão (rim, fígado, pulmão, coração) e do processo de envelhecimento. As interações medicamentosas são discutidas no Capítulo 36. Permitir que os pacientes façam pequenas escolhas restaura um pouco da sensação de controle sobre eles mesmos e sobre o
futuro, fornece uma sensação simbólica de progresso e tem um efeito tranqüilizador que supera o sentido das escolhas específicas. Por exemplo, possibilitar que o paciente controle os analgésicos, o nível de iluminação e o local onde fica sentado o reassegura e relaxa. Seja o comportamento perturbado hostilidade, dependência ou pânico, permitir que uma parte desse se expresse ao mesmo tempo em que se estabelecem limites para os extremos também reassegura os pacientes. Portanto, um indivíduo independente pode ter permissão para se deslocar, mas não para muito longe, um que seja dependente pode fazer um número limitado de interações, como usar o botão para chamar o enfermeiro, e o mais hostil pode ter permissão para discordar e desabafar, mas seus atos perturbadores devem ser limitados. Todas as unidades de tratamento intensivo (UTIs) lidam principalmente com ansiedade, depressão e delirium. Além disso, impõem um estresse muito alto à equipe e aos pacientes, relacionado à intensidade dos problemas. Pacientes e profissionais com freqüência observam paradas cardíacas, mortes e desastres médicos, o que os deixa autonomicamente excitados e defensivos do ponto de vista psicológico. Enfermeiros de UTI e seus pacientes experimentam níveis bem altos de ansiedade e depressão. Como resultado, são comuns a alta rotatividade e o esgotamento desses profissionais. O problema do estresse recebe muita atenção, em especial na literatura de enfermagem. Muito menos atenção é dedicada à equipe da casa, principalmente aos membros do serviço cirúrgico. Todos os envolvidos na UTI devem ser capazes de lidar com seus sentimentos relativos às experiências extraordinárias e às circunstâncias físicas e emocionais difíceis. Grupos de apoio regulares nos quais seja possível discutir sentimentos são importantes para a equipe da UTI e a equipe da casa. Esses grupos de apoio protegem os membros da equipe de morbidades psiquiátricas que de outra forma seriam previsíveis e protege seus pacientes da perda de concentração, da diminuição da energia e de comunicações afetadas pelo retardo psicomotor que alguns membros da equipe poderiam exibir. Unidades de hemodiálise As unidades de hemodiálise representam um paradigma dos modernos contextos de tratamento médico. Os pacientes estão lidando com uma doença debilitante, limitadora e para toda a vida e são totalmente dependentes de um grupo de cuidadores para terem acesso às máquinas que controlam seu bem-estar. A diálise acontece três vezes por semana e leva de 4 a 6 horas, ou seja, interfere na rotina do paciente. Neste contexto, os pacientes lutam contra a doença. No entanto, também devem aceitar um certo nível de dependência que talvez não experimentavam desde a infância. É possível que ao começar a diálise lutem por sua independência, regridam a estados infantis, demonstrem negação ao agirem contra as ordens do médico, burlando a dieta ou faltando às consultas, demonstrem raiva de membros da equipe, barganhem, supliquem ou se tornem infantilizados e obsequiosos, mas com maior freqüência são corajosos e tolerantes. Os determinantes das respostas do paciente à diálise incluem estilos de personalidade e experiências pregressas com esta e outras condições crônicas. Aqueles que tiveram tempo de reagir e de se adaptar à insuficiência renal crônica enfrentam um trabalho psicológico de adap-
FATORES PSICOLÓGICOS QUE AFETAM CONDIÇÕES MÉDICAS E MEDICINA PSICOSSOMÁTICA
899
TABELA 28.4-1 Condições médicas que apresentam sintomas psiquiátricos Comprometimento do desempenho e Exames e achados do comportamento laboratoriais
Sintomas médicos comuns
Sintomas e queixas psiquiátricas
Hipertireoidismo (tirotoxicose)
Intolerância ao calor Sudorese excessiva Diarréia Perda de peso Taquicardia Palpitações Vômitos
Nervosismo Excitabilidade Irritabilidade Pressão para falar Insônia Pode expressar medo de morte iminente Psicose
Tremor fino Comprometimento da cognição Diminuição da concentração Hiperatividade Intrusividade
Aumento de T4 livre Aumento de T3 Diminuição de TSH Diminuição da captação de T3 ECG: taquicardia, fibrilação atrial, alterações nas ondas P e T
Hipotireoidismo (mixedema)
Intolerância ao frio Pele seca Constipação Ganho de peso Cabelos quebradiços Bócio
Fraqueza muscular Diminuição da concentração Retardo psicomotor Apatia Sensibilidade incomum a barbitúricos
Aumento de TSH TSH baixo em caso de doença da hipófise Diminuição de T4 livre ECG: bradicardia
Hipoglicemia
Sudorese Sonolência Estupor Coma Taquicardia
Letargia Afeto deprimido Mudança de personalidade Psicose semelhante a mania Paranóia Alucinações Ansiedade Confusão Agitação
Tremor Inquietação Convulsões
Hipoglicemia Taquicardia
Hiperglicemia
Poliúria Anorexia Náusea Vômitos Desidratação Queixas abdominais
Ansiedade Agitação Delirium
Hálito cetônico Convulsões
Doença
Neoplasias cerebrais Cefaléia Vômitos Papiledema Achados focais em exame neurológico Tumor do lobo frontal
Mudanças de personalidade
Mudanças de humor Irritabilidade Jocosidade Comprometimento do julgamento Comprometimento da memória Delirium
Tumor do lobo parietal
Hiper-reflexia Sinal de Babinski Astereognose
Tumor do lobo occipital
Cefaléia Aura Papiledema Alucinações visuais Hemianopsia homônima Corte de campo contralateral homônimo Evidências iniciais de aumento da pressão intracraniana
Tumor do lobo temporal Tumor cerebelar
Convulsões Perda da fala Perda do olfato
Problemas diagnósticos A gama completa de sintomas pode não estar presente Hipertireoidismo e estados de ansiedade podem coexistir Excluir malignidades ocultas, doença cardiovascular, intoxicação com anfetamina ou cocaína, estados de ansiedade e mania Mais comum em mulheres Associado à terapia com carbonato de lítio Excluir doença hipofisária ou hipotalâmica, transtorno depressivo maior, transtorno bipolar I
Excesso de insulina complicado por exercício, álcool, pouca alimentação Excluir insulinoma, estados pós-ictais, depressão agitada e psicose paranóide Hiperglicemia Quase sempre associada Cetonemia ao diabete lábil em joCetonúria vens com diabete juvenil e diabéticos idosos Acidose por anion gap não dependentes de insulina Excluir transtornos depressivos ou de ansiedade Punção lombar: aumen- 40 a 50% dos gliomas to da pressão do límais comuns em pesquido cerebrospinal soas entre 40 a 50 anos (LCS), radiografia do Tumores cerebelares mais crânio, TC, EEG comuns em crianças Angiograma: Excluir abscesso intracralesão com efeito niano, aneurisma, hede massa matoma subdural, transtorno convulsivo, doença cerebrovascular, depressão reativa, mania, transtorno esquizofreniforme e demência
Anormalidades sensoriais e motoras Hemiparesia contralateral Crises focais Problemas visuais Convulsões
Crises psicomotoras Afasia Perturbação do equilíbrio Perturbação da coordenação
(Continua)
900
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 28.4-1 (Continuação)
Doença Trauma cranioencefálico
AIDS
Sintomas médicos comuns
Sintomas e queixas psiquiátricas
História ou evidência de trauma cranioencefálico Cefaléia Tontura Sangramento dos ouvidos Nível de consciência alterado Perda da consciência Achados neurológicos focais Febre Perda de peso Ataxia Incontinência Achados focais em exames neurológicos
Confusão Mudanças de personalidade Comprometimento da memória
Comprometimento do desempenho e do comportamento Convulsões Paralisia
Demência progressiva Comprometimento Mudanças de perda memória sonalidade Diminuição da conDepressão centração Perda da libido Convulsões Psicose Mutismo
Lesões que requerem avaliação e tratamento cirúrgico ambulatorial (p. ex., cortes nos pulsos)
Abuso de álcool e Mais de 90% têm Acidentes freqüentes outras substâncias transtorno psiquiá- Visitas repetidas a Cirurgia recente trico maior serviços de emerDor crônica História de tentativas gência Doença crônica de suicídio Ansioso para sair da Doença terminal Humor deprimido sala de emergência Psicose pós-parto antes da avaliação completa
Hiponatremia
Sede excessiva Polidipsia Estupor Coma
Confusão Letargia Mudanças de personalidade
Convulsões Anormalidades da fala
Carcinoma pancreático
Perda de peso Dor abdominal
Depressão Letargia Anedonia
Apatia Diminuição da energia
Depressão Insônia Labilidade emocional Suicidabilidade Euforia Mania Psicose Delirium
Transtornos do sono Diminuição da energia Agitação Dificuldade de concentração
Síndrome de Cushing Obesidade central Estrias purpúreas Facilidade de hematomas Osteoporose Fraqueza muscular proximal Hirsutismo
Exames e achados laboratoriais
Problemas diagnósticos
Punção lombar, raHistória de golpe na cabediografia do crânio ça ou sangramento cone TC mostram firma causa de alteração evidências de no nível de consciência sangramento ou Excluir doença cerebroaumento da presvascular, transtorno são intracraniana convulsivo, dependênAngiograma cerebral cia de álcool, diabete EEG melito, encefalopatia hepática, depressão e demência Teste de HIV Mais de 60% têm sintomas TC, RMN, punção neuropsiquiátricos; semlombar, LCS e pre considerar em poculturas do sangue pulações de alto risco e pacientes jovens com sinais de demência Excluir outras infecções, neoplasias cerebrais, demência, depressão e transtorno esquizofreniforme Comportamento suicida é um sintoma de doença psiquiátrica subjacente Conhecimento dos fatores de risco é útil, mas não substitui o bom julgamento clínico Predição é mais bem feita através de avaliação do risco atual projetado no futuro imediato Diminuição do Na+ Causada pelo excesso de sérico água livre para o nível de Na+ corporal total Na+ e osmolalidades séricas para doMuitas vezes, síndrome cumentar síndrome da secreção inapropriada secreção inada do hormônio antipropriada do hordiurético mônio antidiurético Pode ser psicogênica Excluir síndrome nefrótica, doença hepática, insuficiência cardíaca congestiva, transtorno esquizofreniforme e transtorno da personalidade esquizotípica Amilase elevada Sempre considerar em pacientes deprimidos de meia-idade Excluir outras doenças GI, transtorno depressivo maior Elevação da pressão Distinguir outras causas – arterial p. ex., a câncer por exBaixa tolerância à cesso de esteróides glicose exógenos Teste de supressão Taxa de suicídio de cerca da dexametasona de 10% nos casos não(pode dar falso tratados positivo) Excluir transtorno depressivo maior e transtorno bipolar I
(Continua)
FATORES PSICOLÓGICOS QUE AFETAM CONDIÇÕES MÉDICAS E MEDICINA PSICOSSOMÁTICA
901
TABELA 28.4-1 (Continuação)
Doença
Sintomas médicos comuns
Náusea Vômitos Anorexia Estupor Coma Hiperpigmentação Transtorno convulsivo Distorções sensoriais Aura
Sintomas e queixas psiquiátricas
Comprometimento do desempenho e do comportamento
Insuficiência adrenocortical (doença de Addison)
Letargia Depressão Psicose Delirium
Hiperparatireoidismo Constipação Polidipsia Náusea
Confusão Violência Psicose Automatismos moEstados dissociativos tores Estado tipo catatônico Beligerância Comportamento bizarro Depressão Paranóia Confusão
Hipoparatiroidismo
Lúpus eritematoso sistêmico
Esclerose múltipla
Porfiria intermitente aguda
Encefalopatia hepática
Cefaléia Parestesias Tetania Espasmo carpopedal Espasmo laríngeo Dor abdominal Febre Fotossensibilidade Rash em asa de borboleta Dores nas articulações Cefaléia
Perturbações sensoriais e motoras súbitas transitórias Comprometimento da visão Sinais neurológicos difusos com remissões e exacerbações Dor abdominal Febre Náusea Vômitos Constipação Neuropatia periférica Paralisia
Fadiga
Ansiedade Agitação Depressão Confusão
Comprometimento da memória
Depressão Perturbações do humor Psicose Delírios Alucinações
Fadiga
Ansiedade Euforia Mania
Fala lenta Incontinência
Depressão aguda Agitação Paranóia Alucinações visuais
Inquietação Diaforese Fraqueza
Asterixe Euforia Hiper-reflexia Desinibição Aranhas vascuPsicose lares Depressão Eritema palmar Equimoses Aumento e atrofia do fígado
Exames e achados laboratoriais
Problemas diagnósticos
Diminuição da pressão arterial Diminuição de Na+ Aumento de K+ Eosinofilia
Pode ser primária (doença de Addison) ou secundária Excluir transtornos alimentares e do humor
EEG, incluindo derivações NP
Considerar crises parciais complexas em todos os estados dissociativos Excluir estados pós-ictais e esquizofrenia catatônica Aumento de Ca2+ Causa hipercalcemia PTH variável Excluir transtorno depresECG: intervalo QT sivo maior e transtorno abreviado esquizoafetivo Ca2+ baixo, albumina Causa hipocalcemia normal Excluir transtornos de anPressão arterial baixa siedade e do humor ECG: prolongamento de QT, arritmias ventriculares FAN positivo Doença auto-imune mulTeste para lúpus tissistêmica mais freeritematoso positivo qüente em mulheres Anemia Sintomas psiquiátricos Trombocitopenia estão presentes em Radiografia do tórax: 50% dos pacientes efusão pleural, Tratamento com esteróipericardite des pode causar sintomas psiquiátricos Excluir transtornos depressivos, psicose paranóide e transtorno psicótico do humor LCS pode mostrar Início geralmente em aumento da gaadultos jovens maglobulina Excluir sífilis terciária, ouTC: manchas degetras doenças degeneranerativas no céretivas, histeria e mania bro e na medula (tardia) espinal
Leucocitose Ácido δ-aminolevulínico elevado Porfobilinógeno elevado Taquicardia
Autossômica dominante Mais comum em mulheres entre 20 e 40 anos Pode ser precipitada por várias drogas Excluir doença abdominal aguda, episódio psiquiátrico agudo, transtorno esquizofreniforme e transtorno depressivo maior Inquietação Resultados anormais Pode ser aguda ou crôniDiminuição das ativiem teste da função ca, dependendo da dades da vida diária hepática causa Comprometimento Albumina anormal Excluir intoxicação com da cognição EEG: lentificação difusa substância, mania, Comprometimento transtorno depressivo e da concentração demência Ataxia Disartria
(Continua)
902
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 28.4-1 (Continuação)
Doença Lesões que requerem avaliação e tratamento cirúrgico hospitalar (p. ex., tentativas de suicídio, automutilação)
Feocromocitoma
Doença de Wilson
Doença de Huntington
Deficiências vitamínicas Tiamina
Nicotinamida
Sintomas médicos comuns
Sífilis terciária
Comprometimento do desempenho e do comportamento
Abuso de álcool e de 99% têm doença Alto risco de suicídio outras substâncias psiquiátrica grave permanente Lesões graves associada à psicoGrande perda de se e depressão sangue psicótica Danos a genitais, Comprometimento do olhos, face, etc. estado mental secundário à intoxicação com substância Afeto bizarro, inapropriado Hipertensão paroxís- Ansiedade Pânico tica Apreensão Diaforese Cefaléia Sentimento de deTremor sastre iminente Anel corneano de Transtornos do humor Movimentos coreoaKayser-Fleischer Delírios tetóides Quadro semelhante Alucinações Distúrbios da marcha à hepatite Rigidez
Exames e achados laboratoriais
Problemas diagnósticos Condição psiquiátrica subjacente deve ser avaliada e tratada com prioridade Manter alto índice de suspeita de risco de suicídio
Hipertensão AVM elevado na urina de 24 horas Taquicardia Diminuição da ceruloplasmina sérica Aumento de cobre na urina
Medula adrenal secretando catecolaminas Excluir transtornos de ansiedade Degeneração hepatolenticular Transtorno autossômico recessivo do metabolismo do cobre Muitas vezes presente na adolescência e no início da vida adulta Excluir reações extrapiramidais, transtorno esquizofreniforme e transtornos do humor Autossômica dominante Excluir transtornos do humor, mania e esquizofrenia
História familiar
Depressão Euforia
Rigidez Movimentos coreoatetóides
Neuropatia Cardiomiopatia Síndrome de Wernicke-Korsakoff Nistagmo Cefaléia Amnésia Diarréia Dermatite em meia e luva
Confusão Confabulação
Mal-estar geral Incapacidade de manter uma conversa Baixa concentração
Confusão Irritabilidade Insônia Depressão Psicose Demência Apatia Irritabilidade
Problemas de memória
Excluir transtornos do humor, mania, transtorno esquizofreniforme e demência
Problemas de memória Fraqueza muscular Convulsões Fadiga Ataxia
Muitas vezes causada por medicação: isoniazida Excluir transtornos do humor e demência Muitas vezes devido a anemia perniciosa Excluir demência, mania e transtornos do humor
Piridoxina
Vitamina B12
Sintomas e queixas psiquiátricas
Palidez Tontura Neuropatia periférica Sinais da coluna dorsal Lesões de pele Leucoplaquia Periostite Artrite Dificuldade respiratória Sofrimento cardiovascular progressivo
Irritabilidade Desatenção Psicose Demência Mudanças de personalidade Irritabilidade Confusão Psicose
Comportamento irresponsável Diminuição da atenção às atividades da vida diária
Baixo nível de tiamina Mais comum em alcoolistas Excluir hipomania, transtorno depressivo e demência
Baixo nível de B12 Teste de Schilling Anemia megaloblástica VDRL, teste de anticorpo para Treponema LCS anormal
Paresia geral Excluir neoplasias, meningite, demência, transtorno psicótico do humor e esquizofrenia
FATORES PSICOLÓGICOS QUE AFETAM CONDIÇÕES MÉDICAS E MEDICINA PSICOSSOMÁTICA
TABELA 28.4-2 Problemas comuns na consultoria-ligação Razões para consultoria Tentativa ou ameaça de suicídio
Comentários
Fatores de alto risco: homens com mais de 45 anos, ausência de apoio social, dependência de álcool, tentativas anteriores, doença médica incapacitante com dor e ideação suicida; se o risco está presente, transferir para uma unidade psiquiátrica ou instituir cuidados de enfermagem 24 horas por dia Depressão O risco de suicídio deve ser avaliado em todos os pacientes deprimidos (ver anteriormente); presença de déficit cognitivo na depressão pode causar dificuldade no diagnóstico diferencial com demência; checar história de abuso de substâncias ou drogas depressivas (p. ex., reserpina, propranolol); usar antidepressivos com cautela em pacientes cardíacos devido a efeitos colaterais de condução e hipotensão ortostática Agitação Muitas vezes relacionada a transtorno cognitivo, abstinência de drogas (p. ex., opióides, álcool, sedativo-hipnóticos); o haloperidol é o medicamento útil para agitação excessiva; usar contenção física com grande cautela; examinar a presença de alucinações de comando ou ideação paranóide às quais o paciente estaria respondendo de forma agitada; excluir reação tóxica à medicação Alucinações A causa mais comum nos hospitais é delirium tremens; início de 3 a 4 dias após a hospitalização; em unidades de terapia intensiva, verificar a presença de isolamento sensorial; excluir transtorno psicótico breve, esquizofrenia e transtorno cognitivo; tratar com antipsicótico Transtornos do Uma causa comum é a dor; despertar matutino presono coce associado a depressão; dificuldade de adormecer associada a ansiedade; usar agentes antiansiedade ou antidepressivos, dependendo da causa (essas drogas não têm efeito analgésico, e é necessário prescrever analgésicos adequados); excluir abstinência de substâncias Ausência de base Excluir transtorno conversivo, transtorno de somatiorgânica para zação, transtorno factício e simulação; anestesia os sintomas em meia e luva com sintomas do sistema nervoso autônomo observada no transtorno conversivo; múltiplas queixas corporais observadas no transtorno de somatização; desejo de ser hospitalizado observado no transtorno factício; ganho secundário óbvio na simulação (p. ex., indenização) Desorientação Delirium ou demência; revisar estado metabólico, achados neurológicos, história de uso de substâncias; prescrever dose pequena de antipsicóticos para agitação grave; benzodiazepínicos podem piorar a condição e causar síndrome de sundowning (ataxia, confusão que piora ao entardecer); modificar o ambiente para que o paciente não experimente privação sensorial Não-adesão ou Explorar o relacionamento médico-paciente; transrecusa em conferência negativa é a causa mais comum de nãosentir em um adesão; medo da medicação ou de procedimento procedimento requer educação e reasseguramento; recusa em dar consentimento é uma questão de julgamento; se comprometido, o paciente pode ser declarado incompetente, mas somente por um juiz; transtorno cognitivo é a principal causa de comprometimento do julgamento em indivíduos hospitalizados
903
tação que não é tão novo quanto o daquelas pessoas com insuficiência renal recente com dependência de máquinas. Embora pouco tenha sido escrito a respeito dos fatores sociais, o efeito da cultura na reação à diálise e o manejo da unidade de diálise são importantes. Unidades administradas com mão firme, que são consistentes no trato com os pacientes e têm contingências claras para fracassos comportamentais e apoio psicológico adequado para os membros da equipe tendem a produzir os melhores resultados. As complicações do tratamento podem incluir problemas psiquiátricos como depressão, e o suicídio não é raro. Problemas sexuais podem ser neurogênicos, psicogênicos ou relacionados a disfunções gonadais e atrofia testicular. A demência da diálise é uma condição rara que evidencia perda de memória, desorientação, distonias e convulsões. O transtorno ocorre em pacientes que recebem tratamento por muitos anos, e a causa é desconhecida. O tratamento psicológico atém-se a duas áreas. Primeiro, é importante uma preparação cuidadosa antes da diálise, incluindo trabalho de adaptação à doença crônica, especialmente quando se lida com negação e expectativas pouco realistas. Todos os pacientes devem passar por uma avaliação psicossocial. Segundo, depois que entram no programa de diálise, precisam de verificações periódicas e específicas sobre sua adaptação que não encorajem dependência ou o papel de doente. Os membros da equipe devem ser sensíveis à probabilidade de depressão e problemas sexuais. Sessões de grupo funcionam bem para oferecer apoio, e os grupos de auto-ajuda restauram uma rede social útil, auto-estima e autodomínio. Quando necessário, drogas tricíclicas ou fenotiazinas podem ser usadas por pacientes de diálise. O atendimento psiquiátrico é mais eficaz quando é breve e orientado para problemas específicos. O uso de unidades de diálise em casa melhorou a atitude em relação ao tratamento. Indivíduos tratados em casa podem integrar o tratamento em sua vida diária com facilidade, e podem se sentir mais autônomos e menos dependentes do que aqueles tratados no hospital. Unidades cirúrgicas Alguns cirurgiões acreditam que pacientes que esperam morrer durante uma cirurgia o farão. Esta crença agora parece menos supersticiosa do que antes. Chase Patterson Kimball e outros estudaram o ajustamento psicológico pré-mórbido de pacientes com cirurgias marcadas e demonstraram que aqueles que exibem e negam depressão ou ansiedade evidentes têm risco mais alto de morbidade e mortalidade do que aqueles que, com depressão ou ansiedade semelhantes, conseguem expressá-las. Resultados ainda melhores ocorrem entre aqueles com atitudes positivas em relação à cirurgia iminente. Os fatores que contribuem para um resultado melhor das cirurgias são consentimento informado e educação para que os pacientes saibam o que podem esperar em termos de sentimentos, onde vão estar (p. ex., é recomendado mostrar-lhes a sala de recuperação), que grau de perda do funcionamento esperar, que tubos e dispositivos serão utilizados e como lidar com a dor antecipada. Se os pacientes não serão capazes de falar logo depois da cirurgia, é importante explicar antes o que podem fazer para compensar essas perdas. Se estados pós-operatórios como confusão, delirium e dor podem ser esperados, devem ser discutidos com antecedência para que os pacientes não os considerem extraordinários ou indicativos de
904
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
perigo. O apoio construtivo dos membros da família pode ajudar tanto antes quanto depois da cirurgia. Questões de transplante Os programas de transplante se expandiram na última década, e os psiquiatras de C-L têm um papel importante no auxílio aos pacientes e a suas famílias a lidarem com as muitas questões psicossociais envolvidas: (1) quais e quando os pacientes da lista de espera vão receber órgãos, (2) ansiedade em relação ao procedimento, (3) medo da morte, (4) rejeição de órgãos e (5) adaptação à vida depois de um transplante bem-sucedido. Pacientes pós-transplante requerem cuidados complexos, e obter a adesão à medicação pode ser difícil sem uma psicoterapia de apoio. Isso é particularmente relevante para aqueles que receberam transplante de fígado como resultado da hepatite C causada por comportamento sexual promíscuo e usuários de drogas que se valem de agulhas contaminadas. A terapia de grupo com pacientes que tiveram procedimentos semelhantes de transplante beneficia os membros, que podem dar
apoio uns aos outros e compartilhar informações e sentimentos a respeito de estressores relacionado à doença. Os grupos podem ser conduzidos ou supervisionados por um psiquiatra, o qual deve ainda estar atento a complicações psiquiátricas. Dentro de um ano de um transplante, quase 20% dos pacientes experimentam depressão maior ou transtorno da adaptação com humor deprimido. Nesses casos, a avaliação da ideação e do risco de suicídio é importante. Além da depressão, outros 10% dos pacientes experimentam sinais de transtorno de estresse pós-traumático, com pesadelos e ataques de ansiedade relacionados ao procedimento. Outras questões dizem respeito ao fato de o órgão ter vindo de um cadáver ou de um doador vivo que pode ou não ser da família. Consultas pré-transplante com doadores potenciais de órgãos ajudam a lidar com medos em relação à cirurgia e preocupações com quem vai receber o órgão doado. Às vezes, o recipiente pode ser aconselhado juntamente com o doador, como em casos nos quais um irmão está doando um rim para outro. Grupos de apoio tanto com doadores quanto com recipientes também foram criados para facilitar o enfrentamento das questões ligadas a transplantes. A Tabela 28.4-3 lista várias questões de transplante e cirurgia com as quais é preciso lidar.
TABELA 28.4-3 Problemas cirúrgicos e de transplantes Órgão
Fatores biológicos
Pulmão
Sobrevivência após um ano, 70%; risco de pneumo- Uso de pulmões de pessoas falecidas; a rejeição é crônica; cuidados nite infecciosa é alto posteriores complexos requerem psicoterapia de apoio Taxa de sucesso de 70 a 90%; pode não ser feito Os doadores vivos devem ser emocionalmente estáveis; os pais são os se o paciente tiver mais de 55 anos; uso crescente principais doadores, os irmãos podem ser ambivalentes; os doadores de rins de doadores falecidos em vez de vivos estão sujeitos a depressão; pacientes que entram em pânico antes da cirurgia podem ter mau prognóstico; imagem corporal alterada com medo de rejeição do órgão é comum; terapia de grupo para pacientes é útil Usada nas anemias aplásicas e doenças do sistema Os pacientes em geral estão doentes e devem lidar com a morte e o imunológico morrer: a adesão é importante; mais comumente feita em crianças que apresentam problemas de dependência prolongada; os irmãos com freqüência são doadores e podem sentir raiva ou ambivalência quanto ao procedimento Doença da artéria coronariana em estágio terminal e O doador está legalmente morto; os parentes do morto podem recusar cardiomiopatia a permissão ou serem ambivalentes; não há posição de reserva se o órgão for rejeitado; paciente que rejeitou rim pode ir para hemodiálise; alguns buscam transplantes esperando morrer; delirium pós-cardiotomia ocorre em 25% dos casos Mastectomia radical versus lumpectomia A reconstrução da mama no momento da cirurgia leva à adaptação pósoperatória; pacientes mais velhas são usadas para aconselhar as novas; pacientes de lumpectomia são mais abertas em relação à cirurgia e ao sexo do que aquelas de mastectomia; o apoio de grupo é útil Histerectomia realizada em 10% das mulheres com Medo da perda da atividade sexual com disfunção sexual em uma pemais de 20 anos quena porcentagem das mulheres; a perda da capacidade de ter filhos é perturbadora Localização anatômica da lesão determina mudança Síndrome de dependência ambiental em tumores do lobo frontal caraccomportamental terizada por incapacidade de demonstrar iniciativa; transtornos de memória envolvidos na cirurgia periventricular; alucinações envolvidas na área parietoccipital Cirurgia de câncer tem mais efeitos psicobiológicos A disfunção sexual é comum, exceto na prostatectomia transuretral; prosnegativos e é mais difícil tecnicamente do que a tatectomia perineal produz ausência de emissão, ejaculação e ereção; cirurgia para hipertrofia benigna implante peniano pode ser útil; considerar o uso de sildenafil Colostomia e ostomia são resultados comuns, espe- Um terço dos pacientes com colostomias se sente pior em relação a si cialmente para o câncer mesmo do que antes da cirurgia; vergonha e timidez devido ao estoma podem ser aliviadas por grupos de auto-ajuda Amputação realizada devido a lesões significativas, Fenômeno do membro-fantasma em 98% dos casos; a experiência pode diabete ou câncer durar anos; às vezes, a sensação é dolorosa, e um neuroma do coto deve ser excluído; a condição não tem causa ou tratamento conhecido; pode cessar de forma espontânea Sobrevivência após um ano, 25%; 5 a 15% recebem Indicação mais comum é hepatite C; verificar história de abuso de álum segundo implante cool; curso pós-operatório complexo requer apoio emocional
Rim
Medula óssea
Coração
Mama
Útero Cérebro
Próstata Colo e reto Membros
Fígado
Fatores psicológicos
FATORES PSICOLÓGICOS QUE AFETAM CONDIÇÕES MÉDICAS E MEDICINA PSICOSSOMÁTICA
REFERÊNCIAS Cheng C. Seeking medical consultation: perceptual and behavioral characteristics distinguishing consulters and nonconsulters with functional dyspepsia. Psychosom Med. 2000;62:844. Druss BG, Rohrbaugh RM, Rosenbeck RA. Depressive symptoms and health costs in older medical patients. Am J Psychiatry. 1999;156:477. Engle GL. The need for a new medical model: a challenge for biomedical science. Science. 1977;196:129. Feifel H, Strack S, Nagy VT. Coping strategies and associated features of medically ill patients. Psychosom Med. 1987;49:545.
905
Field MJ, Lohr KN. Guidelines for Clinical Practice: From Development to Use. Washington. DC: National Academy Press; 1992. Fink P, Ewald H, Jensen J, et al. Screening for somatization and hypochondriasis in primary care and neurological inpatients: a seven-item scale for hypochondriasis and somatization. J Psychosom Res. 1999;46:261. Lipsitt DR. Consultation-liaison psychiatry and psychosomatic medicine the company they keep. Psychosom Med. 2001;63:896. Rundell JR, Wise MG, eds. The American Psychiatric Press Textbook of Consulation-Liaison Psychiatry. Washington. DC: American Psychiatric Press; 1996. Strain JJ. Consultation-liaison psychiatry. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:1876.
29 Medicina complementar e alternativa em psiquiatria
O
termo medicina complementar e alternativa (MCA) se refere às várias práticas de tratamento e prevenção de doenças cujos métodos e eficácia diferem do tratamento biomédico tradicional ou convencional. Outros termos usados para descrever tais abordagens terapêuticas são medicina integrativa e medicina holística. Na medicina complementar, algumas abordagens podem ser usadas em associação com métodos terapêuticos tradicionais. Na medicina holística, o médico trata o paciente como um todo em vez de se concentrar em uma doença ou transtorno específico. Este não é um conceito novo na psiquiatria. A idéia de enfatizar o paciente como um todo e a necessidade de avaliar fatores psicossociais, ambientais e de estilo de vida na saúde e na doença estão incluídas nos princípios da medicina psicossomática ou de mente-corpo. O trabalho do médico George Engel, que foi pioneiro ao levar em consideração fatores biológicos, psicológicos e sociais no tratamento dos pacientes, é consistente com as abordagens médicas holísticas, nas quais se trata a pessoa como um todo e não apenas a doença. A medicina tradicional, conforme praticada nos Estados Unidos e em outros locais do mundo ocidental, baseia-se no método científico – o uso de experimentos para validar uma hipótese ou determinar a probabilidade de que uma teoria esteja correta. A medicina tradicional parte da premissa de que o corpo é um sistema biológico e fisiológico e que os transtornos têm uma causa que pode ser tratada com medicação, cirurgias e métodos tecnológicos complexos para produzir a cura. Por isso, também é referida como biomedicina ou tecnomedicina. A medicina tradicional também é conhecida como medicina alopática. O termo alopatia, derivado da palavra grega allos (“outro”), refere-se ao uso de agentes externos ou medicação para atacar os sinais e os sintomas da doença. A alopatia é o tipo de medicina ensinada nas escolas de medicina americanas. Samuel Hahnemann (1755-1843), um médico alemão, cunhou o termo para distinguir esta da homeopatia (derivada da palavra grega homos [“mesmo”]), na qual são usados remédios medicinais especialmente formulados, diferentes dos empregados na medicina alopática. A alopatia é a forma mais prevalente de medicina praticada no mundo ocidental. (A homeopatia é discutida com mais detalhes neste capítulo.)
As terapias médicas alternativas são cada vez mais populares. Estima-se que uma pessoa em cada três use essas práticas em algum momento de suas vidas para enfermidades comuns como
dores nas costas, cefaléias, ansiedade e depressão. Essas terapias são procuradas especialmente por pessoas com síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS), câncer e outras doenças médicas que podem ser fatais. Mais de 25 bilhões de dólares são gastos por ano em terapias alternativas nos Estados Unidos. Em 1991, o National Institute of Health (NIH) estabeleceu a Seção de Medicina Alternativa (Office of Alternative Medicine; OAM), agora denominada Centro Nacional para Medicina Complementar e Alternativa (National Center for Complementary Medicine and Alternative Medicine; NCCAM ou CAM) para avaliar a utilidade de uma ampla gama de sistemas terapêuticos não-ortodoxos e proporcionar explicações científicas para sua possível eficácia. O NCCAM compilou uma classificação de práticas de medicina alternativa (Tab. 29-1), para servir de base a pesquisas que investiguem a eficácia dessas terapias. A inclusão de um tratamento na classificação não implica respaldo ao método. De fato, muitas práticas de saúde complementares e alternativas não se baseiam em princípios científicos conhecidos e são consideradas charlatanismo. Algumas organizações mantenedoras de saúde (HMOs) aprovaram o reembolso de gastos com terapias médicas alternativas. Essas agências afirmam estar respondendo à pressão do público, mas muitos especialistas em saúde acreditam que estas são motivadas somente por considerações financeiras. Pessoas que consultam praticantes de medicina alternativa são reembolsadas a taxas mais baixas do que aquelas que consultam médicos tradicionais. Algumas HMOs permitem que seus membros escolham livremente esses praticantes, enquanto, em contraste, o encaminhamento para um especialista médico tradicional somente pode ser iniciado pelo médico de atenção primária. A prática da escolha livre pode pôr em perigo a saúde do público em geral, encorajando pessoas a buscar tratamentos alternativos que talvez não sejam capazes de ajudá-las.
Muitos sistemas de tratamento discutidos neste capítulo são centenários, e seria presunçoso que os praticantes da biomedicina tradicional os considerassem sem valor. Mesmo assim, sem evidências científicas rigorosas do contrário, recomenda-se abordar muitos desses tratamentos com ceticismo. A influência da mente sobre o corpo e o efeito que fatores psicológicos têm na saúde e na doença são bem-conhecidos dos médicos, em especial dos psiquiatras. A sugestão é um remédio potente, e o já estabele-
MEDICINA COMPLEMENTAR E
TABELA 29-1 Classificação de práticas médicas alternativas e complementaresa Dieta, nutrição, mudança no estilo de vida Mudanças no estilo de vida Terapia Gerson Dieta Macrobiótica Complementos nutricionais Megavitaminas Controle da mente/corpo Arteterapia, técnicas de Imagens guiadas relaxamento Terapia do humor Biofeedback Psicoterapia Aconselhamento e terapias de Terapia de sons e música oração Grupos de apoio Dançaterapia Ioga, meditação Sistemas alternativos de prática médica Acupuntura Práticas rurais latino-americanas Medicina antroposófica Americanos nativos Medicina ayurvédica Produtos naturais Práticas comunitárias em Medicina neuropática cuidados de saúde Terapia de vidas passadas Medicina ambiental Xamanismo Medicina homeopática Medicina tibetana Medicina oriental tradicional Cura pelas mãos Acupressão Osteopatia Técnica Alexander Reflexologia Aromaterapia Rolfing Terapêutica de biocampo Toque terapêutico Medicina quiroprática Método Trager Método Feldenkrais Terapia das zonas Massoterapia Tratamentos farmacológicos e biológicos Agentes antioxidantes Terapia metabólica Tratamento celular Agentes oxidantes (ozônio, peróTerapia de quelação xido de hidrogênio) Aplicações bioeletromagnéticas Tratamento com luz azul e foEletroestimulação e dispositivos toterapia de estimulação neuromagnética Eletroacupuntura Espectroscopia por magnetorresCampos eletromagnéticos sonância Medicina fitoterápica Equinácea Raiz de ginseng Extrato de ginkgo biloba Flor do crisântemo selvagem Rizoma do gengibre Hamamélis Língua-de-vaca aEsta classificação foi desenvolvida por Ad Hoc Advisory Panel to the Office of Alternative Medicine (OAM), National Institutes of Health (NIH) e aperfeiçoada por Workshop on Alternative Medicine, conforme descrito no relatório Alternative Medicine: Expanding Medical Horizons. Esta classificação foi elaborada para facilitar o processo de revisão de subsídios e não deve ser considerada definitiva.
ALTERNATIVA EM PSIQUIATRIA
907
não são mencionados) para verificar sua validade ante os rigores dos ensaios clínicos controlados, incluindo medidas precisas de resultados. A revisão que se segue lista algumas das práticas de saúde complementar e alternativa mais visíveis que têm sido usadas no tratamento de condições psiquiátricas (definidas de modo amplo). As práticas são descritas de maneira sucinta, e esta discussão não deve ser considerada definitiva, pois novas terapias continuam a surgir. O número de práticas alternativas de cura disponível nos Estados Unidos é desconhecido, mas talvez chegue a centenas. ACUPRESSÃO E ACUPUNTURA A acupressão e a acupuntura são técnicas chinesas de cura mencionadas em textos médicos antigos que remontam ao ano 3.000 a.C. Um princípio básico da medicina chinesa é a crença de que a energia vital (qi ou chi) flui ao longo de rotas específicas (meridianos), que têm cerca de 350 pontos (acupontos), cuja manipulação corrige os desequilíbrios estimulando ou removendo bloqueios ao fluxo de energia. Outro conceito fundamental é a idéia de dois campos opostos de energia (yin e yang), que devem estar equilibrados para que haja saúde. Na acupressão, os acupontos são manipulados pelos dedos; na acupuntura, agulhas esterilizadas de prata ou ouro (algumas do diâmetro de um fio de cabelo) são inseridas na pele em profundidades variáveis (0,5 mm a 1,5 cm) e depois giradas ou deixadas imóveis por determinado período para corrigir qualquer desequilíbrio da qi. No Ocidente, ambas são explicadas a partir da estimulação de nervos, que libera neurotransmissores e endorfinas endógenas para ajudar a curar doenças. Algumas das condições para as quais essas técnicas são aplicadas são asma, cefaléias, dismenorréia, dor cervical, insônia, ansiedade, depressão e abuso de substâncias, incluindo o abandono do tabagismo (ver a descrição da moxabustão). Uma variação da acupuntura usa uma corrente elétrica leve para aumentar os efeitos terapêuticos (eletroacupuntura).
TÉCNICA ALEXANDER cido efeito placebo, no qual uma substância inerte é eficaz em curar um transtorno, serve para confirmar a importância da interação mente-corpo na saúde e na doença. No momento, mais da metade das escolas de medicina dos Estados Unidos oferecem cursos em medicina complementar e alternativa. Muitas desenvolveram centros de pesquisa nessa área, com professores de medicina mente-corpo ou integrativa oriundos, em grande parte, das áreas de especialidades tradicionais, como medicina interna e psiquiatria. É possível que essa tendência se mantenha, com a meta de determinar quais dos muitos sistemas médicos alternativos existentes têm mérito científico. Somente se e quando se mostrarem eficazes em ensaios clínicos rigorosos é que algumas dessas técnicas poderão ser integradas à medicina tradicional. A MCA atualmente está investindo em estudos sobre técnicas mente-corpo e sobre cada um dos sistemas alternativos discutidos a seguir (bem como em muitos outros que
A técnica Alexander foi desenvolvida por F. M. Alexander (18691955), que nasceu na Tasmânia e veio a se tornar um ator de teatro bastante conhecido. Após desenvolver afonia, fez experimentos consigo mesmo, alterando a postura de seu corpo, e conseguiu recuperar a voz. A partir disso, desenvolveu uma teoria do uso apropriado da musculatura corporal para ajudar a aliviar doenças somáticas e mentais. As técnicas envolvem manipulação corretiva dos músculos da cabeça, do pescoço, do dorso, da pelve e das extremidades para melhorar a postura. O tratamento favorece o funcionamento cardiovascular, respiratório e gastrintestinal, bem como o humor. Um grupo pequeno e dedicado de praticantes de Alexander pode ser encontrado nos Estados Unidos e no mundo inteiro. A técnica merece consideração, se não por outra razão, pelo fato de que inúmeras pessoas apresentam má postura (Fig. 29-1).
908
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
causar irritação da pele ou reações alérgicas em algumas pessoas. A Tabela 29-2 lista os óleos essenciais e seus efeitos. MEDICINA AYURVÉDICA Ayurveda significa “conhecimento da vida”. A técnica teve origem na Índia por volta de 3.000 a.C e acredita-se que seja um dos sistemas médicos mais antigos e abrangentes do mundo. A medicina ayurvédica é semelhante à medicina chinesa em suas crenças a respeito da existência de pontos de energia no corpo e de uma força vital (prana) que deve estar equilibrada para que a saúde se mantenha. Seus praticantes diagnosticam doenças examinando o pulso, a urina e o calor ou o frio do corpo. O tratamento faz uso de dietas, remédios, purificações, enemas e sangrias. (Ver também “Medicina tibetana”, na p.927.) MÉTODO BATES A
B
FIGURA 29-1 A. Posição da pelve, das costas, do pescoço e da cabeça na posição encurvada. B. Em pé na posição corcunda (esquerda) e bem-equilibrada (direita). (Reproduzida, com permissão, de Barlow W. The Alexander Principle. London: Gollancz, 1973.)
MEDICINA ANTROPOSÓFICA Esta forma de cura foi desenvolvida pelo filósofo austríaco Rudolf Steiner (1861-1925). O processo envolve o uso da compreensão consciente, a qual Steiner denominou antroposofia, ou “sabedoria da vida”. A antroposofia se concentra em exercícios mentais que permitem às pessoas encontrar um equilíbrio entre a mente e o corpo para garantir a manutenção da saúde. O filósofo fundou uma escola de pensamento representada nos Estados Unidos pela Rudolf Steiner School, que ensina às crianças esses conceitos e suas aplicações, além do currículo educacional vigente. AROMATERAPIA Trata-se do uso terapêutico dos óleos essenciais de plantas. Batizada pelo químico francês Maurice René-Maurice Gattefosse, em 1928, a aromaterapia é uma das terapias alternativas de crescimento mais rápido nos Estados Unidos e na Europa. Os óleos essenciais de plantas são compostos orgânicos derivados do benzeno. Substâncias aromáticas eram usadas nas civilizações antigas tanto como remédios quanto como perfumes. Hoje em dia, os óleos essenciais são inalados com o uso de atomizadores ou absorvidos pela pele por meio de massagem (massagem aromaterapêutica). Os óleos essenciais têm muitos efeitos terapêuticos – analgésicos, psicológicos, antimicrobianos –, alguns dos quais foram demonstrados de forma científica. Essa prática é usada para reduzir o estresse e a ansiedade e para aliviar transtornos gastrintestinais e musculoesqueléticos. Na psiquiatria, a estimulação olfativa tem sido usada para potencializar nuances de sentimentos, memórias e emoções durante a psicoterapia. A aromaterapia pode
O método Bates, criado para tratar problemas de visão, foi desenvolvido por William H. Bates. Seu objetivo era fortalecer de forma natural os músculos do olho e inclui os seguintes exercícios básicos: borrifar os olhos fechados 20 vezes com água morna e depois 20 vezes com água fria, focalizar alternadamente objetos próximos e distantes; focalizar um objeto enquanto se balança o corpo, lembrar mentalmente de objetos para facilitar sua percepção efetiva na realidade e fechar os olhos, tapando-os com as palmas das mãos (sem tocá-los) e concentrar-se em pensamentos agradáveis. Os praticantes da técnica afirmam que pessoas que precisam de óculos para corrigir erros de refração poderão prescindir deles se esse método for rigorosamente seguido. BIOENERGÉTICA A bioenergética, baseada na crença de que a energia represada produz padrões comportamentais mal-adaptativos, evoluiu a partir do trabalho do psicanalista austríaco Wilhelm Reich (1897-1957), que estudou com Sigmund Freud. Reich acreditava que campos de energia eram criados por impulsos sexuais denominados ergs, e que orgasmos satisfatórios indicavam o funcionamento corporal saudável. Os praticantes modernos procuram áreas de tensão muscular no corpo, as quais acreditam que estão associadas a lembranças e emoções reprimidas. Os terapeutas tentam trazer esses conteúdos reprimidos para a consciência mediante uma variedade de técnicas de relaxamento, incluindo massagens. QUELAÇÃO A terapia de quelação é um procedimento médico tradicional usado para tratar a intoxicação acidental com metais pesados como chumbo, arsênico e mercúrio. Um agente quelante (ácido etilenodiaminotetraacético [EDTA]) é introduzido na corrente sangüínea e se liga ao metal, que é então excretado. Como prática médica alternativa, a terapia de quelação é usada como
MEDICINA COMPLEMENTAR E
ALTERNATIVA EM PSIQUIATRIA
909
TABELA 29-2 Algumas aromaterapias comuns Composto
Possíveis propriedades
Suposto uso psiquiátrico
Alfazema
Sedativo, relaxante muscular, antiinflamatório Sedativo, relaxante muscular, antibiótico, antifúngico
Depressão, jet lag, insônia, inquietação Anorexia, ansiedade, insônia
Angélica Bergamota
Antidepressivo, sedativo, antiséptico, antiinflamatório Espicanardo Sedativo, antifúngico, anti-séptico, repelente de insetos Gerânio (P.g ou P.x a) Estimulante pancreático, antiinflamatório, antibiótico, relaxante, hemostático Jasmim Antidepressivo, estimulante, analgésico Manjericão Antiespasmódico, ativo no sistema nervoso simpático, narcótico, antiviral, repelente de insetos, afrodisíaco, antiinflamatótio, estimulante do córtex adrenal, dos tratos gastrintestinal e urogenital, estimulador cerebral/ memória, hepatoestimulante Manjerona Diurético, analgésico, espasmolítico, parassimpatotônico Melissa Mirra Nérole Olíbano Tangerina Tuberosa
Outros supostos usos
Acne, queimaduras, soluços, úlceras Espasmos gastrintestinais (GI), úlceras, asma, gota, bronquite Depressão, hiperatividade, ansie- Acne, herpes simples, eczedade, insônia ma, psoríase Insônia,depressão, ansiedade Psoríase, epilepsia
Aroma Pó, floral Amadeirado, pimenta, doce Cítrico, floral
Ansiedade, agitação, fadiga
TPM, menopausa
Terroso, amadeirado Floral, seco
Depressão, estresse, fadiga
Problemas menstruais, cefaléias Prostatite, queda de cabelo, asma, espasmo coronariano, epilepsia
Floral, almiscarado Quente, picante, doce, amadeirado
Fadiga, problemas de memória, depressão, ansiedade, delirium, alcoolismo
Ansiedade, desejo sexual excessivo, psicose, insônia
Sedativo, antiinflamatório, anties- Raiva, agitação, insônia pasmódico Antiinflamatório, analgésico, antiSuperexcitação sexual fúngico Antidepressivo, estimulante Depressão, fadiga, insônia, ansiedade, depressão pós-parto Antitumor, antidepressivo, expec- Depressão torante, imunoestimulante, antiinflamatório Antiespasmódico, sedativo, hipHiperatividade, ansiedade, insônótico nia Ansiedade, sedativo, analgésico Agitação
Hipertireoidismo, doença car- Nozes, amadiovascular, vertigem, epideirado, lepsia quente Herpes, hipertensão, asma Cítrico, herbal Disenteria, hemorróidas
Frutado, limpo
Hemorróidas, tuberculose
Floral, pó, picante Amadeirado, frutado
Asma, bronquite, alívio da dor
Espasmo cardiovascular, dor, Doce, frutado dispnéia Dor Terroso, tropical
Tabela elaborada por Marissa Kaminsky. Referências: Herbweb. http://www.best.com/~timj/herbage/A337.htm; Natural Resources Industries, Pure and Natural Essential Oils from Nepal. http//www.msinp.com/ herbs/index.html; Ontario Ministry of Agriculture, Food and Rural Affairs. http://goo.on.ca/OMAFRA/index.html; Rose, Jeanne. 375 Essential Oils and Hydrosols. Berkeley, CA: Frog, Ltd. North Atlantic Books, 1999; Schnaubelt, Kurt. Medical Aromatherapy. Berkeley, CA: Frog, Ltd. North Atlantic Books, 1999.
forma de medicina preventiva para remover chumbo, cádmio e alumínio do corpo. Alguns acreditam que essas substâncias estejam associadas a envelhecimento prematuro, perda de memória e sintomas da doença de Alzheimer. Essa terapia também foi usada para tratar aterosclerose e doença da artéria coronariana.
omecânica. Essa é a principal prática de saúde alternativa independente no mundo ocidental. Existem mais de 50 mil quiropráticos nos Estados Unidos. Eles são reconhecidos pelo governo e por agências de seguro-saúde e tratam mais de 20 milhões de pessoas a cada ano. CROMOTERAPIA
QUIROPRAXIA A quiropraxia tem como objetivo o diagnóstico e o tratamento de transtornos do sistema musculoesquelético, em especial da coluna. Foi desenvolvida por um canadense, Daniel Davis Palmer (1845-1913) (Fig. 29-2), que se mudou para os Estados Unidos em 1895. Palmer acreditava que as doenças podiam ser atribuídas ao mau alinhamento da coluna, que levava a anormalidades na transmissão nervosa. Os quiropráticos diagnosticam doenças por meio de exame clínico e radiografias. O tratamento envolve a manipulação de ossos, juntas e musculatura para restaurar a função bi-
Na cromoterapia, acredita-se que diferentes cores afetam o humor, e isso é usado para tratar problemas de saúde específicos. Por exemplo, acredita-se que o azul seja calmante, e o vermelho, excitatório. Um psicólogo suíço, Max Lüscher, criou um teste de cores com o qual o humor do sujeito em um momento em particular é determinado pela exposição a várias cores. Além disso, fez experimentos com os efeitos da cor no sistema nervoso autônomo e constatou que o vermelho é simpatomimético e pode causar aumento da pressão arterial, da freqüência cardíaca e da respiração. O azul é parassimpatomimético e produz efeitos opostos.
910
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
de, descreve um ponto de vista. O movimento engloba o mundo dos movimentos físicos, enquanto a dança é um ato criativo específico dentro desse mundo. A American Dance Therapy (Associação Americana de Dançaterapia) define a técnica como “o uso psicoterapêutico do movimento, que promove a integração emocional e física do indivíduo”. As sessões têm quatro metas básicas: desenvolvimento da consciência corporal, expressão de sentimentos, promoção da interação e da comunicação e integração das experiências físicas, emocionais e sociais, que resultam em uma sensação de maior autoconfiança e contentamento. DIETA E NUTRIÇÃO
FIGURA 29-2 Daniel David Palmer (1845-1913), fundador da quiropraxia. (Reproduzida, com permissão, de Shealy CN, ed. The Complete Family Guide to Alternative Medicine: An Illustrated Encyclopedia of Natural Healing. New York: Barnes & Noble Books, 1996:339.)
DANÇATERAPIA A dançaterapia foi reconhecida em 1942, com a contratação da dançaterapeuta pioneira Marian Chace (1896-1990) pelo Hospital St. Elizabeth, de Washington, DC. Os termos dança e movimento são usados como sinônimos, mas cada um deles, na verda-
Os métodos nutricionais para prevenir ou curar doenças têm um lugar importante na medicina moderna, e sua eficácia foi provada por evidências científicas. O governo federal americano estabeleceu quantidades diárias recomendadas para satisfazer as necessidades nutricionais da média das pessoas nos Estados Unidos, conforme ilustrado na Figura 29-3, a pirâmide dos alimentos. Existem muitas dietas alternativas, e programas de complementação com vitaminas e minerais foram desenvolvidos para lidar com doenças e processos corporais específicos. Dietas com baixo consumo de gordura têm sido recomendadas para o tratamento de doenças cardiovasculares e diabete. A dieta Pritikin, desenvolvida por Nathan Pritikin, é extremamente baixa em gordura (menos de 10% das calorias diárias) e alta em carboidratos complexos e fibras. A dieta Ornish, desenvolvida pelo médico Dean Ornish, é vegetariana: nenhum tipo de carne, ave ou peixes é permitido, e somente 10% das calorias são obtidas da gordura. Ambas incluem um programa de exercícios. Estudos mostraram que essas dietas podem reduzir o colesterol, diminuir a pressão arterial e aumentar o desempenho cardíaco, e também são eficazes para eliminar a necessidade de drogas em casos recém-diagnosticados de diabete de início adulto.
Gorduras, óleos e doces Consumir com moderação
Grupo do leite, do iogurte e do queijo 2 a 3 porções
Grupo dos vegetais 3 a 5 porções
Grupo das carnes, das aves, dos peixes, dos grãos secos, dos ovos e das nozes 2 a 3 porções
Grupo das frutas 2 a 4 porções
Grupo do pão, dos cereais, do arroz e das massas 8 a 11 porções
FIGURA 29-3 Pirâmide dos grupos alimentares.
MEDICINA COMPLEMENTAR E
Dietas de outras culturas podem ter certos benefícios de saúde. Na Ásia, elas contêm pouca gordura e existe baixa incidência de doenças cardíacas; as dietas de países mediterrâneos incluem grandes quantidades de azeite de oliva, alho e grãos e estão associadas à baixa incidência de câncer de colo e doenças cardíacas. As alergias alimentares foram implicadas em muitas condições: artrite, asma, hiperatividade e colite ulcerativa, entre outras.
ALTERNATIVA EM PSIQUIATRIA
911
pessoas expostas a campos eletromagnéticos. No entanto, existe uma correlação entre taxas mais altas de câncer e morar perto de refinarias de petróleo ou usinas/indústrias químicas. Essa abordagem é uma forma de medicina preventiva que se concentra em promover a consciência individual dos perigos ambientais e o controle ou a eliminação desses perigos. (Ver também “Naturopatia”, na p.925.) EXERCÍCIOS
COMPLEMENTOS ALIMENTARES Além das ervas (discutidas a seguir), uma variedade de complementos alimentares é utilizada para promover a saúde. Complementos alimentares são produtos que contêm vitaminas, minerais ou aminoácidos. Em muitos casos, o complemento é, na verdade, um extrato, metabólito ou combinação destes, os quais têm por objetivo complementar uma alimentação saudável, e não representam uma dieta ou refeição. Os complementos nutricionais são conhecidos dos americanos há muito tempo na forma de multivitaminas, mas agora estão disponíveis em um vasto conjunto de outros compostos que podem ser comprados em supermercados, farmácias, lojas de comida natural e pela internet. Na psiquiatria, os complementos alimentares estão sendo usados para tratar um amplo espectro de doenças, incluindo transtornos cognitivos, do humor, psicóticos, do sono e da conduta. Setenta e cinco por cento dos americanos atualmente usam alguma forma de complemento nutricional de forma regular. Ainda que os benefícios médicos para alguns complementos sejam bem-documentados, em especial no caso das vitaminas, outros variam muito em termos de segurança e consistência. Em geral, os complementos não devem ser tomados por grávidas ou lactantes. A Tabela 29-3 lista alguns dos complementos mais comuns que estão sendo usados para tratar doenças psiquiátricas, mas existem poucas evidências científicas que corroborem sua eficácia. A Tabela 29-4 apresenta as fontes disponíveis de dados a respeito de complementos alimentares na internet. MEDICINA AMBIENTAL O campo da medicina ambiental começou a surgir nos anos 1950, quando médicos como Theron Randolf, professor de alergologia e imunologia da Escola de Medicina da Universidade Northwestern, passaram a examinar as reações alérgicas de algumas pessoas a vários alimentos. Outros pesquisadores estudaram os efeitos dos poluentes encontrados na água e no ar sobre o corpo, e o campo acabou por se expandir até incluir o ambiente total em que se vive. Como resultado, a medicina ambiental agora trata de questões como aditivos alimentares, campos eletromagnéticos das redes elétricas, fertilizantes e hormônios usados na produção de alimentos, microondas de aparelhos como fornos, televisões e telefones celulares e radiação nuclear. Os praticantes dessa especialidade acreditam que muitas pessoas são muito sensíveis a contaminantes ambientais, que podem desencadear um processo de doença. Algumas questões são altamente controversas. Por exemplo, apesar de alegações do contrário, nenhum estudo conseguiu demonstrar uma incidência mais alta de câncer em
Uma revisão recente dos exercícios como tratamento para depressão incluiu referências mais de mil ensaios e uma metanálise de 80 estudos. De modo geral, as evidências indicam que um efeito de tratamento estatisticamente significativo favorece os grupos que se exercitam em relação aos grupos de comparação. Esse efeito foi encontrado para todas as formas de exercício regular, é independente de idade ou sexo e aumenta com a duração da terapia. Os exercícios podem aumentar os níveis de serotonina no cérebro. MÉTODO FELDENKRAIS O método Feldenkrais foi idealizado por Moshe Feldenkrais (1904-1982), um físico russo que desenvolveu sua teoria a partir do trabalho de Freud. Para ele, o corpo deveria ser tão enfatizado quanto a mente; além disso, acreditava na influência da propriocepção (sensações somáticas dos músculos e de outros órgãos) sobre o comportamento. Segundo ele, a postura e as posições do corpo refletiam conflitos e, por isso, retreinar o corpo fazia parte de seu programa de tratamento (Fig. 29-4). Os praticantes da técnica são ativos no mundo inteiro, e as pessoas que aprendem o método são referidas como alunos e não como pacientes, para reforçar a visão de que o trabalho é, em sua essência, um processo de aprendizagem. As lições em geral duram de 30 a 60 minutos e consistem de movimentos estruturados que envolvem pensar, sentir, mover-se e imaginar. O método tem sido usado em casos de distúrbios do sistema nervoso central como esclerose múltipla, paralisia cerebral e acidentes vasculares cerebrais. Pessoas mais velhas afirmam reter ou recuperar a capacidade de se mover sem esforço excessivo ou desconforto. MEDICINA FITOTERÁPICA A medicina fitoterápica se vale de plantas para curar doenças e manter a saúde. É provavelmente o mais antigo sistema conhecido de medicina e teve origem na China por volta do ano 4.000 a.C. Textos antigos de medicina chinesa ainda estão em uso, e a moderna medicina chinesa utiliza ervas e métodos como acupuntura, massagens, dietas e exercícios para corrigir os desequilíbrios do corpo. Um texto médico greco-romano de Dioscorides, De Materia Medica, descreve o uso de mais de 500 plantas e ervas para curar doenças. O declínio da medicina fitoterápica no final do século XX estava relacionado aos avanços científicos e tecnológicos que levaram ao uso de produtos farmacêuticos sintéticos. Mesmo assim, segundo algumas estimativas, pelo menos 25% dos remédios atuais são derivados de ingredientes ativos de plantas. Os
S-adenosil-L-metionina (SAMe)
NADH (nicotinamida adenina dinucleotídeo
Huperzina A
Acetil-L-carnitina
Zinco
Fosfatidilserina
Fosfatidicolina
Usos
Efeitos adversos
Interações
Nenhuma conhecida
Dosagem
500 mg a 1 g ao dia
Doses de 300 a 1.200 mg >3 g associadas a odor corporal de peixe
Varia com a indicação
Comentários
Permanece pouco compreendida
Necessária para a estrutura e a função de todas as células
Suspender o uso antes de cirurgias
(Continua)
Diarréia, esteatorréia em Nenhuma conhecida 3 a 9 g ao dia em doses Soja, girassol e semente pessoas com má divididas de colza são as princiabsorção, evitar com pais fontes síndrome de anticorpos antifosfolipídeos Fosfolipídeo isolado da Comprometimento cog- Evitar com síndrome de Nenhuma conhecida Para variedade derivaTipo derivado do cérebro soja e da gema de ovo nitivo, incluindo doenanticorpos antifosfolida da soja, 100 mg bovino carrega risco ça de Alzheimer, pode pídeos, efeitos colatetrês vezes ao dia hipotético de encefaloreverter problemas de rais gastrintestinais patia espongiforme memória bovina Elemento metálico Comprometimento imu- Perturbação gastrintes- Biofosfonatos, quinoloDose típica 15 mg ao A hipótese de que o zinnológico, cicatrização, tinal, altas doses nas, tetraciclina, pedia, efeitos adversos co pode prevenir e tratranstornos cognitivos, podem causar definicilamina, cobre, ali> 30 mg tar o resfriado comum prevenção de defeitos ciência de cobre, mentos que contêm é corroborada por aldo tubo neural imunossupressão cisteína, cafeína, ferro guns estudos, mas não por outros; outras pesquisas são necessárias Acetil éster de L-carnitina Neuroproteção, doença Perturbação gastrintes- Análogos de nucleosí500 mg a 2 g ao dia Encontrada em pequena de Alzheimer, síndrotinal leve, convulsões deos, ácido valpróico em doses divididas quantidade no leite e me de Down, AVCs, aumento da agitação e antibióticos que conna carne anti-envelhecimento, em algumas pessoas têm ácido piválico depressão em pacom Alzheimer cientes geriátricos Planta alcalóide deriva- Doença de Alzheimer, Convulsões, arritmias, Inibidores da acetilcoli- 60 μg a 200 μg ao dia A Huperzia serrata é da do licopódio chinês perda de memória reasma, síndrome do nesterase e agentes usada na medicina lacionada à idade, intestino irritável colinérgicos popular chinesa para transtornos inflamatóo tratamento de febres rios e inflamações Dinucleotídeo localizado Doença de Parkinson, Perturbação gastrintes- Nenhuma conhecida 5 mg ao dia ou 5 mg O precursor do NADH é nas mitocôndrias e no doença de Alzheimer, tinal duas vezes ao dia o ácido nicotínico citosol das células fadiga crônica, doença cerebrovascular Metabólito do aminoáci- Elevação do humor, os- Hipomania, movimentos Nenhuma conhecida 200 a 1.600 mg ao dia Alguns ensaios demonsdo essencial L-metioteoartrite musculares hiperatiem doses divididas tram alguma eficácia nina vos, cautela em pano tratamento da decientes com câncer pressão
Nenhum conhecido
Propriedades anticoagu- Warfarina lantes, leve perturbação gastrintestinal Restrito em pacientes Metotrexato, age com com trimetilúria genéB6, B12, ácido fólico tica primária, sudorese, no metabolismo da hipotensão, depressão homocisteína
COMPÊNDIO
L-á-gliceril-fosforilcolina (á-GPC)
Colina
Ácido graxo poliinsaturado Ômega-3
Ácido docosaexaenóico (DHA)
TDAH, dislexia, comprometimento cognitivo, demência Colina Desenvolvimento cerebral fetal, condições maníacas, transtornos cognitivos, discinesia tardia, cânceres Derivada da lecitina de Para aumentar a secresoja ção do hormônio do crescimento, discinesia tardia Fosfolipídeo que faz parte Condições maníacas, da membrana celular doença de Alzheimer, e transtornos cognitivos, discinesia tardia
Ingredientes/O que é?
Nome
TABELA 29-3 Complementos alimentares
912 DE PSIQUIATRIA
Aminoácido essencial
Principal forma nutricionalmente ativa do inositol
Derivado semi-sintético da vincamina (derivado de planta)
Vitamina lipossolúvel essencial, família composta de tocoferóis e tocotrienóis
Aminoácido
Hormônio da glândula pineal
Lipídeos encontrados em peixes
5-hidroxitriptofano (5-HTP)
Fenilalanina
Mioinositol
Vinpocetina
Família da vitamina E
Glicina
Melatonina
Óleo de peixe
Tabela elaborada por Mercedes Blackstone, M.D.
Ingredientes/O que é?
Precursor imediato da serotonina
Nome
TABELA 29-3 (Continuação) Usos
Transtorno bipolar, diminuir triglicerídeos, diminuir a coagulação sangüínea
Insônia, transtornos do sono, jet lag, câncer
Imunopromotor, antioxidante, alguns cânceres, proteção em doenças cerebrovasculares, distúrbios neurológicos, diabete, síndrome pré-menstrual Esquizofrenia, alívio da espasticidade e de convulsões
Isquemia, demências
Depressão, ataques de pânico, TOC
Depressão, analgesia, vitiligo
Depressão, obesidade, insônia, fibromialgia, cefaléias
Efeitos adversos
Interações
Dosagem
Comentários
Cumulativa com antiespasmódicos
1 g ao dia em doses divididas para complemento; 40 a 90 g ao dia para esquizofrenia Pode inibir a ovulação Aspirina, AINEs, β-blo0,3 a 3 mg hs por curtos em doses de 1 g, conqueadores, isoniazida, períodos vulsões, sonolência, sedativos, corticosdepressão, cefaléia, teródes, valeriana, kavaamnésia kava, 5-HTP, álcool Cautela com hemofílicos, Coumadina, aspirina, Varia segundo a forma perturbação gastrintesAINEs, alho, ginkgo e a indicação – em tinal leve, excreção geral, cerca de 3 a com cheiro de peixe 5 g ao dia
Evitar em pessoas anúricas ou com insuficiência hepática
Suspender antes de qualquer procedimento cirúrgico
A melatonina determina os ritmos circadianos e regula as respostas sazonais
Possível risco de sínISRSs, IMAOs, metildo- 100 mg a 2 g ao dia, 5-HTP junto com carbidrome serotonérgipa, erva-de-são-joão, mais segura com cardopa é usado na Euca em pessoas com fenoxibenzamina, anbidopa ropa para o tratamentumores carcinóides tagonistas de 5-HT, to da depressão ou que tomam IMAOs agonistas do receptor de 5-HT Contra-indicada para IMAOs e agentes neuro- Vem em duas formas: Encontrada em legupacientes com PKU, lépticos 500 mg a 1,5 g ao mes, sucos, iogurte e pode exacerbar discidia para L-fenilalanina, missô nesia tardia ou hiper375 mg a 2,25 g para tensão DL-fenilalanina Cautela em pacientes Possíveis efeitos cumu- 12 g em doses divididas Estudos não demonstracom transtorno bipolar, lativos com ISRSs e para depressão e ram eficácia no trataperturbação gastrinagonistas do receptor ataques de pânico mento da doença de testinal de 5-HT (sumatriptano) Alzheimer, autismo ou esquizofrenia Perturbação gastrintes- Warfarina 5 a 10 mg ao dia com as Usada na Europa, no tinal, tontura, insônia, refeições, não ultraMéxico e no Japão boca seca, taquicardia, passar 20 mg ao dia como agente farmahipotensão, rubor cêutico para o tratamento de transtornos cerebrovasculares e cognitivos Pode aumentar sangra- Warfarina, agentes anti- Depende da forma: toSuspender membros da mento em pessoas plaquetários, neomicicotrienóis, 200 a família da vitamina E propensas, possível na, pode ser cumula300 mg ao dia com as um mês antes de proaumento do risco de tiva com estatinas refeições; tocoferóis, cedimentos cirúrgicos derrame hemorrágico, 200 mg ao dia tromboflebite
MEDICINA COMPLEMENTAR E ALTERNATIVA EM PSIQUIATRIA
913
914
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 29-4 Sites sobre medicina fitoterápica e complementos alimentares Organização
Endereço
Informações
Centro para Segurança Alimentar e Nutrição Aplicada da FDA (Center for Food Safety and Applied Nutrition, Food and Drug Administration) Centro Nacional para Medicina Complementar e Alternativa, Instituto Nacional de Saúde (National Center for Complementary and Alternative Medicine, National Institutes of Health) Serviço de Pesquisas em Agricultura, Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (Agricultural Research Service, United States Department of Agriculture) Quackwatch
http://vm.cfsan.fda.gov/-dms/supplmnt.html Os clínicos devem usar este site para relatar eventos adversos associados a medicamentos fitoterápicos e a outros complementos alimentares. Também contém informações sobre segurança, indústria e legislação. http://nccam.nlh.gov Este site apresenta informações sobre terapias alternativas, relatórios de consensos e bases de dados.
Conselho Nacional Contra Fraudes em Saúde (National Council Against Health Fraud) HerbMed
http://www.ncahf.org http://www.herbmed.org
ConsumerLab
http://www.consumerlab.com
http://www.ars-grin.gov/duke
Traz uma extensa base de dados fitoquímicos com recursos de busca.
http://www.quackwatch.com
Embora este site aborde todos os aspectos dos cuidados em saúde, existe uma quantidade considerável de informações sobre terapias complementares e fitoterápicas. Este site trata de fraudes em saúde com posicionamento sobre remédios fitoterápicos de venda livre. Traz informações sobre mais de 120 medicamentos fitoterápicos, com evidências de atividade, advertências, preparações, misturas e mecanismos de ação. Apresenta resumos de importantes publicações de pesquisa com links da MEDLINE. Este site é mantido por uma empresa que conduz investigações laboratoriais independentes de complementos alimentares e outros produtos de saúde.
De JAMA. 2001,286:213.
FIGURA 29-4 Gráfico da Harvard University para avaliar a mecânica do corpo. As quatro figuras representam (da esquerda para direita) o uso mecânico do corpo excelente (A), bom (B), pobre (C), e muito pobre (D), determinado pelas posições da cabeça, do tórax, do abdome e das costas. (Reproduzida com permissão de Feldenkrais M. Body and Mature Behavior. New York: International Universities Press, 1949:1104.)
exemplos são muitos: digitalis, da dedaleira; efedrina, da efedra; morfina, da papoula; e quinino, do tronco da cinchona. Essa prática está se tornando cada vez mais popular. Os fitoterapeutas ocidentais usam plantas para tratar vários problemas relacionados aos sistemas respiratório, gastrintestinal, cardiovascular e nervoso. Como muitos medicamentos prescritos, essas plantas contêm compostos ativos que produzem efeitos fisiológicos; por isso, devem ser usadas em doses apropriadas para evitar resultados tóxicos. Cerca de 1,5 bilhão de dólares são gastos por ano em medicamentos fitoterápicos, classificados como complementos alimentares. Eles não estão sujeitos à aprovação da FDA, e não existem padrões uniformes de controle de qualidade ou potência para preparações fitoterápicas. De fato, algumas destas não têm ingredientes ativos ou são adulteradas. A indústria fitoterápica tem tentado se auto-regular por meio de organizações como o Conselho para a Nutrição Responsável (Council Responsible Nutrition) e a Associação Fitoterápica Americana (American Herbal Association), mas, segundo a Comissão Federal de Comércio, ainda existem práticas fraudulentas e publicidade enganosa. Hoje, existe um Physician’s Desk Reference para produtos fitoterápicos e complementos nutricionais. O NCAMM está conduzindo análises espectrográficas e outras análises em remédios fitoterápicos para determinar os ingredientes ativos que podem explicar sua eficácia. Ervas psicoativas. Muitos medicamentos fitoterápicos (do grego phyto, que significa “planta”) têm propriedades psicoativas
MEDICINA COMPLEMENTAR E
que são ou já foram usadas para tratar uma variedade de condições psiquiátricas. Efeitos adversos são possíveis, e interações tóxicas com outras drogas podem ocorrer com todos eles. Os clínicos sempre devem tentar obter a história do uso de fitoterápicos durante a avaliação psiquiátrica. As adulterações são comuns, e não existem preparações-padrão consistentes disponíveis para a maioria das ervas. Não há perfis de segurança nem conhecimento dos efeitos adversos de grande parte delas. Muitas, se não todas, são secretadas no leite materno e contra-indicadas durante a lactação, e devem ser evitadas na gravidez. Recomenda-se manter uma postura acrítica ao lidar com pacientes que usam substâncias fitoterápicas. Muitos o fazem por várias razões: (1) como parte de sua tradição cultural, (2) porque não confiam nos médicos ou estão insatisfeitos com a medicina convencional ou (3) porque experimentam alívio dos sintomas. Se agentes psicotrópicos forem prescritos, o clínico deve ficar alerta à possibilidade de efeitos adversos como resultado de interações droga-droga, uma vez que muitos fitoterápicos têm ingredientes que produzem alterações fisiológicas. Existem mais de 200 drogas desse grupo em uso, e somente aquelas com propriedades psicoativas são listadas na Tabela 29-5.
ALTERNATIVA EM PSIQUIATRIA
915
poeia of the U.S. (HPUS), que foi reconhecida pela Lei dos Alimentos, Drogas e Cosméticos com autoridade equivalente à da United States Pharmacopeia (USP).
FOTOTERAPIA E TERAPIA DE MELATONINA A fototerapia se baseia no conceito de que os humanos estão sujeitos a ritmos circadianos (das palavras latinas circa [“em torno de”] e dies [“dia”]) que afetam os processos fisiológicos de forma previsível. Existem ciclos de 24 horas de repouso e atividade que incluem níveis variáveis de corticosteróides, excreção de eletrólitos e processos fisiológicos (p. ex., a pressão arterial é mais alta durante o dia do que à noite). Alterando-se a exposição à luz, os ritmos circadianos podem ser alterados. A concentração do hormônio melatonina, produzido pela glândula pineal, é mais alta na corrente sangüínea à noite, e baixa ou ausente durante o dia. Acredita-se que ela regule o sono, enquanto a melatonina exógena (disponível por venda livre) produz sonolência em pessoas normais. A fototerapia (mais de 2.500 lux) é um método aprovado para tratar o transtorno depressivo de padrão sazonal (ver Capítulo 15), observado durante os meses de inverno, quando o dia fica reduzido.
HOMEOPATIA A cura homeopática foi desenvolvida no início do século XIX por Samuel Hahnemann, um médico alemão (Fig. 29-5), calcada no conceito de que a autocura é uma característica básica da vida humana e de que medicamentos especiais podem ajudar nesse processo inerente. A farmacopéia homeopática é singular em diversos aspectos. Primeiro, existem mais de duas mil substâncias, incluindo derivados de plantas como acônito, ergot e heléboro, de minerais como prata, cobre, ouro e iodo, e de animais, como veneno e extratos de tecidos de cobras e águas-vivas. Segundo, são preparadas como tinturas (i. e., misturadas a álcool de cereais a 95%) ou como pílulas de lactose. Terceiro, são diluídas em soluções infinitesimais, tais como 1:1020.000, o que impede sua detecção por métodos químicos convencionais. Os homeopatas afirmam que o efeito terapêutico se baseia na “medicina molecular”. Hahnemann baseou seu tratamento medicamentoso nas seguintes premissas: as substâncias causam um conjunto-padrão de sinais e sintomas em indivíduos saudáveis, e o remédio cujo efeito em pessoas normais mais se assemelha à doença a ser tratada é aquele com maior probabilidade de iniciar uma resposta curativa. Portanto, um medicamento que produz náusea seria usado para tratar esta mesma condição, só que administrado em quantidades diluídas. Esta lei dos semelhantes – Similia similibus curantur (“Semelhante cura semelhante”) – levou à palavra homeopatia (“experiências semelhantes”). Na medicina tradicional, essas substâncias altamente diluídas são consideradas sem efeito, e nenhum estudo farmacológico foi capaz de demonstrar o contrário. Não existem mais escolas de medicina homeopática nos Estados Unidos (a última foi a Escola de Medicina da Universidade Hahnemann, fechada em 1994); mesmo assim, a prática está crescendo neste país e no mundo inteiro. Na Europa, a homeopatia é extraordinariamente popular. Remédios homeopáticos têm venda livre nos Estados Unidos, mas devem satisfazer os padrões da Homeopathic Pharmaco-
MACROBIÓTICA A macrobiótica (das palavras gregas makros [“longo”] e bios [“vida”]) é uma prática de saúde que se concentra na vida em harmonia com a natureza, através principalmente de uma dieta equilibrada. A prática foi associada aos patriarcas bíblicos, aos sábios chineses e aos etíopes, que, supõem-se, viviam 120 anos ou mais. Em 1797, o médico e filósofo alemão Christoph W. Hufeland escreveu um livro influente sobre dieta e saúde, Macrobiotics or the Art of Prolonging Life (Macrobiótica, ou a arte de prolongar a vida). Os alimentos macrobióticos são classificados como yin (frios e úmidos) e yang (quentes e secos); a meta é manter ambos em equilíbrio. A dieta consiste em 50% de grãos, 25% de legumes crus ou cozidos, 10% de proteínas, 10% de sopa de vegetais ou peixe e 5% de chás e frutas. O uso prolongado da dieta pode resultar em deficiências vitamínicas e minerais. MASSAGEM A massagem é um tratamento que envolve a manipulação dos tecidos moles e da superfície do corpo. Já era prescrita por médicos chineses para o tratamento de doenças há mais de cinco mil anos, e Hipócrates a considerava um método de manutenção da saúde. Acredita-se que ela afete o corpo de diversas maneiras: aumentando a circulação sangüínea, melhorando o fluxo da linfa pelos vasos linfáticos, melhorando o tônus do sistema musculoesquelético e exercendo um efeito tranqüilizante sobre a mente. As técnicas de massagem foram descritas de várias formas: bater, amassar, beliscar, esfregar, bater com os nós dos dedos, apertar ou aplicar fricção. Com maior freqüência, é feita
Sedativo, ansiolítico Ansiolítico, para queixas Pequenas doses (p. ex., menstruais 300 mg) podem levar a náusea, vômitos e diarréia Para síndrome préGanho de peso, perturmenstrual, sintomas bações gastrintestinais da menopausa, dismenorréia
Flavonóides
Triperteno
Camonila, L. Matricaria chamomilla Ciclame, L. Cyclamen europaeum
Erva-cidreira, melissa, L. Melissa officinalis
Equinácea, L. Echina cea purpurea
Efedrina, pseudo-efedrina
Efedra, ma-huang, L. Ephedra sinica
Alucinações, letargia
Reação alérgica
Sobrecarga simpatomimética; arritmias, aumento da pressão arterial, cefaléia, irritabilidade, náusea, vômito Flavonóides, polis Estimula o sistema imu- Reação alérgica, febre, sacarídeos, deriva nológico; para letarnáusea, vômitos dos do ácido caféico, gia, mal-estar, infecalcamidas ções respiratórias e do trato urinário inferior Flavonóides, ácido Hipnótico, ansiolítico, Indeterminados caféico, triterpenos sedativo
Alcalóides de isoquinolina
Corídalo, L. Corydalis cava
Cimicifuga, L. Cimicifuga Triterpenos, ácido isoracemosa ferúlico
Sedativo, antidepressivo; para depressão leve Estimulante; para letargia, mal-estar, doenças do trato respiratório
Sedativo, antidepressivo, ansiolítico Ansiolítico, hipnótico; para estresse, insônia, abstinência de opióides, tabaco Atropina, escopolamina, Ansiolítico flavonóidesb 3 g ao dia
5 a 15 g ao dia
Indeterminada; 8 a 10 g é a dose tóxica para humanos
3 a 5 g ao dia
Dosagema
Potencializa depressores do SNC; reação adversa com hormônio da tiróide
Indeterminados
Sinérgico com simpatomiméticos, agentes serotonérgicos; evitar com IMAOs
Indeterminados
Possível interação adversa com hormônios masculinos ou femininos
Indeterminados
Altas doses podem levar a colapso respiratório
Pode ser GABAérgica
Pode causar morte em overdose Usa-se mascando a noz; empregada no passado para doença das gengivas e como vermífugo; uso prolongado pode resultar em tumores malignos da cavidade oral Pode estimular contrações uterinas Pode sofrer contaminação com aflatoxina, uma toxina fúngica ligada a alguns cânceres Tem cheiro forte, sabor amargo e ácido, além de ser venenosa
Comentários
8 a 10 g ao dia
1-3 g ao dia
1 a 2 g ao dia
(Continua)
Administrar por curtos períodos, pois podem ocorrer taquifilaxia e dependência; risco de isquemia do miocárdio e acidente vascular cerebral Uso em pacientes com HIV e AIDS é controverso; potencial para imunossupressão com uso prolongado
gem
1 a 2 g ao dia; mais Efeitos tipo estrógeno quesde 5 g podem causar tionáveis porque a raiz vômitos, cefaléia, pode agir como bloqueatontura, AVC dor do receptor de estrógeno Indeterminada Espasmos clônicos e tremor muscular com superdosa-
Indeterminada
Sinérgica com agentes 0,05 a 0,10 mg ao dia; anticolinérgicos; evitar a dose única máxicom antidepressivos ma é 0,20 mg tricíclicos, amantadina e quinidina Indeterminados 2 a 4 g ao dia
Potencializa anticoagulantes Indeterminadas
Sinérgico com outros sedativos Evitar com agentes parassimpatomiméticos; compostos tipo atropina reduzem o efeito
Interações
COMPÊNDIO
Beladona, L. Atropa belladonna,
Lactonas de sesquitemeno, flavonóides Flavonóides, oligo e polissacarídeos
Artemísia, L. Artemisia vulgaris Aveia, L. Avena sativa
Cefaléia, náusea, confusão Sobrecarga parassimpatomimética; aumento da salivação, tremores, bradicardia, espasmos, perturbação gastrintestinal, úlceras da boca Anafilaxia, dermatite de contato Obstrução intestinal ou outras síndromes de dismotilidade intestinal, flatulência Taquicardia, arritmias, xerostomia, midríase, dificuldade na micção e constipação
Hidroxicoumarina, tani- Sedativo, hipnótico nos, ácido caféico Arecolina, guvacolina Em casos de alteração da consciência, para reduzir a dor e elevar o humor
Efeitos adversosa
Alfazema, L. Lavandula angustifolia Areca, noz da areca, noz de bétele, L. Areca catechu
Uso
Ingredientes
Nome
TABELA 29-5 Medicamentos fitoterápicos com efeitos psicoativos
916 DE PSIQUIATRIA
Flavonóides, limoneno
Humulona, lupulona, flavonóides
Flavonóides, glicosídeos cianogênicos Flavonóides, taninos
Flavonóides, ginkgolida A, B
Tripertenos, ginsenosídeos
Flor da laranja amarga, Citrus aurantium
Flor de lúpulo, L. Humulus lupulus
Flor do maracujá, L. Passiflora incarnata Folha do morango, L. Fragaria vesca
Ginkgo, L. Ginkgo biloba
Ginseng, L. Panax ginseng
Efeitos adversosa Interações
Fotossensibilização
Sedativo, ansiolítico, Contra-indicado para hipnótico; para transpacientes com tumotornos do humor, inres dependentes de quietação estrógeno (mama, útero, colo do útero) Ansiolítico, sedativo, Comprometimento hipnótico cognitivo Ansiolítico Contra-indicada em casos de alergia ao morango Alívio sintomático de Reações alérgicas da delirium, demência; pele, perturbação melhora déficits de gastrintestinal, espasconcentração e memos musculares, mória; possível antícefaléia doto para disfunção sexual induzida por ISRSs Estimulante; para fadiga, Insônia, hipertonia e elevação do humor, edema (denominada sistema imunológico síndrome do abuso de ginseng)
Sedativo, ansiolítico, hipnótico
Há poucas informações que respaldem o uso dessa erva em humanos
1 a 2 g ao dia
1 g ao dia
Indeterminadas
Anticoagulante: usar 120 a 240 mg ao dia com cautela devido ao efeito inibitório sobre o fator ativador de plaquetas (FAP); possibilidade de aumento de sangramentos Não deve ser usado 1 a 2 g ao dia com agentes sedativos, hipnóticos, IMAOs, agentes antidiabéticos ou esteróides; tem ação anticoagulante (descontinuar sete dias antes de cirurgia)
4 a 8 g ao dia
ALTERNATIVA EM PSIQUIATRIA
(Continua)
Existem diversas variedades: coreano (mais valorizado), chinês, japonês, americano (Panax quinquefolius)
Superdosagem causa depressão Há poucas informações que respaldem o uso dessa erva em humanos Estudos indicam melhora da cognição em pacientes com Alzheimer após 4 a 5 semanas de uso, possivelmente devido ao aumento do fluxo sangüíneo
Há poucas informações que respaldem o uso dessa erva em humanos Tintura 2 a 3 g ao dia, Evidências contraditórias; droga 4 a 6 g ao dia, alguns a consideram um extrato 1 a 2 g ao dia estimulante gástrico 0,5 g ao dia Pode diminuir os níveis plasmáticos de drogas metabolizadas pelo sistema CPY450
Indeterminada
1 a 3 g ao dia
Delirium produzido em crianças
Indeterminada
Comentários Sob investigação pelo National Institutes of Health (NIH); pode agir como IMAO ou ISRS; ensaio de 4 a 6 semanas para humor deprimido leve; se não houver melhora aparente, outra terapia deve ser tentada
100 a 950 mg ao dia
Dosagema
Indeterminadas
Efeitos de hipertermia com antipsicóticos de fenotiazina e com depressores do SNC
Indeterminados
Cefaléias, fotossensibili- Relato de reação maníadade (pode ser grave), ca quando usada com constipação sertralina (Zoloft); não combinar com ISRSs ou IMAOs: possível síndrome serotonérgica; não usar com álcool, opióides; descontinuar cinco dias antes de cirurgia Erva-dos-gatos, L. Ácido valérico Sedativo, antiespasmó- Cefaléia, mal-estar, náu- Indeterminados Nepeta cataria dico; para enxaqueca sea, efeitos alucinógenos Escutelária, L. Scutelaria Flavonóide, monoterAnsiolítico, sedativo, Comprometimento cogni- Reação tipo dissulfiram lateriflora penos hipnótico tivo, hepatotoxicidade pode ocorrer se usada com álcool Espinheiro-preto, vibur- Escopoletina, flavonói- Sedativo, ação anties- Indeterminados Efeitos aumentados por no, L. Viburnum des, ácidos caféicos, pasmódica no útero; anticoagulante prunifolium tripertenos para dismenorréia Estragão, L. Artemisia Flavonóides, hidroxiHipnótico, estimulador Indeterminados Indeterminadas dracunculus coumarinas do apetite
Hipericina, flavonóides, Antidepressivo, sedatixantonas vo, ansiolítico
Erva-de-são-joão, L. Hypericum perforatum
Uso
Ingredientes
Nome
TABELA 29-5 (Continuação)
MEDICINA COMPLEMENTAR E
917
Alcalóides de indol: estricnina e brucina, polissacarídeos
Noz vômica, L. Strychnos nux vomica,
Flavonóides, triterpenos, lectinas, polipeptídeos
Visco, L. Viscum album
bOs
Combinação de papoula-da-califórnia, valeriana, erva-desão-joão e maracujá pode resultar em agitação Superdosagem ou doses Indeterminadas prolongadas podem levar a gastroenterite e nefrite Indeterminados Indeterminados
Pode aumentar o efeito de agentes serotonérgicos, pode aumentar os efeitos hipoglicêmicos de drogas Indeterminadas
Indeterminada
1,8 g do pó quatro vezes ao dia
2 g ao dia
0,02 a 0,05 g ao dia
1 a 4 g ao dia
Comentários
Os frutos já causaram morte de crianças
Pode ser quimicamente instável
Eficácia nos usos sugeridos não está documentada
As flores são venenosas
Sintomas de intoxicação podem ocorrer após a ingestão de um grão; a dose letal é 1 a 2 g Documentação clínica ou experimental de efeitos indisponível
Na medicina popular, uma dose única requer 30 sementes (1,9 g) de pó Pode ser GABAérgica; contra-indicada em pacientes com depressão endógena, pode aumentar o risco de suicídio Pode causar aborto
há dados confiáveis, consistentes ou válidos sobre as dosagens ou os efeitos adversos da maioria dos agentes fitoterápicos. flavonóides são comuns a muitas ervas. São subprodutos vegetais que agem como antioxidantes, isto é, agentes que previnem a deterioração de materiais como o DNA via oxidação.
aNão
1 a 2 g ao dia
Dosagema
Comprometimento coEvitar uso concomitante 1 a 2 g ao dia gnitivo e motor, perturcom álcool ou depresbação gastrintestinal, sores do SNC hepatotoxicidade; uso prolongado: alergia de contato, cefaléia, inquietação, insônia, midríase, disfunção cardíaca Ansiolítico, para exaus- Os frutos podem ter efei- Contra-indicado para 10 g ao dia tão física e mental tos eméticos e laxantes pacientes com infecções crônicas, como tuberculose
Flavonóides, catequina, Ansiolítico, hipnótico triterpenos, β-sitosterol Valepotriatos, ácido Sedativo, relaxante valerênico, ácido muscular, hipnótico caféico
Urze, L. Calluna vulgaris
Antidepressivo
Flavonóides, triterpenos, cucurbitacinas, ácidos caféicos
Valeriana, L. Valeriana officinalis
Arritmias, diarréia, hipoglicemia, possível aborto espontâneo
Antidepressivo; para Convulsões, danos ao enxaqueca, sintomas fígado, morte, graveda menopausa mente tóxica devido à estricnina Alcalóides de isoquino- Sedativo, hipnótico, an- Letargia lina, glicosídeos ciasiolítico, para depresnogênicos são
Pimpinela-escarlate, L. Anagallis arvensis
Papoula-da-califórnia, L. Eschscholtzia californica
Indeterminadas
Interações
Letargia, comprometiSinérgico com ansiolí600 a 800 mg ao dia mento da cognição, ticos, álcool; evitar dermatite com uso procom levodopa e agenlongado não-relatado tes dopaminérgicos
Indeterminados
Efeitos adversosa
COMPÊNDIO
Sedativo
Diterpenos, taninos
Marroio-branco, L. Ballota nigra
Kava-kava, L. Piperis methysticum
Ácido oléico, ácido mi- Ansiolítico, antidepresrístico, ácido palmítisivo co e linoléico, taninos Lactonas de kava, Sedativo, hipnótico anpirona de kava tiespasmódico
Jambolão, L. Syzygium cumini
Uso
Ingredientes
Nome
TABELA 29-5 (Continuação)
918 DE PSIQUIATRIA
MEDICINA COMPLEMENTAR E
ALTERNATIVA EM PSIQUIATRIA
919
indireta. No método direto, a moxa seca é enrolada em pequenos cones e colocada sobre a pele. As pontas dos cones são acesas, mas apagadas assim que o calor se faz sentir. No indireto, a moxa acesa em formato de charuto é levada próxima da pele nos acupontos. A moxabustão é usada em transtornos musculoesqueléticos, artrite, asma e eczema. Assim como em muitas outras terapias alternativas, no entanto, não há ensaios clínicos científicos disponíveis que demonstrem sua eficácia. NATUROPATIA A naturopatia é um sistema de cuidados de saúde que busca garantir um corpo e uma mente saudáveis a partir de três princípios: manter o suprimento de ar e água despoluído, ingerir alimentos saudáveis e exercitar-se de forma regular. O tratamento se baseia na crença de que o corpo tem o poder de curar a si próprio, e requer que o paciente tenha participação ativa em seu programa de manutenção de saúde. FIGURA 29-5 Samuel Hahnemann. (Reproduzida com permissão de New York Academy of Medicine, New York, NY.)
com as mãos e os dedos, mas máquinas vibratórias e estimulação elétrica também são usadas. Os diferentes tipos de massoterapia que evoluíram ao longo dos anos são mais semelhantes do que diferentes, e incluem massagem sueca, oriental, shiatsu e esalen. A maioria das pessoas que se submetem à pratica consideram-na física e mentalmente restauradora.
MEDITAÇÃO Está relacionada à entrada em um estado de transe pela concentração do pensamento em uma palavra ou som (mantra), um objeto (p. ex., uma vela acesa) ou um movimento (p. ex., um disco oscilante). Durante o transe, a pessoa experimenta um estado de calma. O transe meditativo tem efeitos fisiológicos, todos associados à diminuição da ansiedade. A freqüência cardíaca e respiratória se torna mais lenta, a pressão arterial diminui e as ondas cerebrais alfa aumentam. A meditação transcendental (MT), desenvolvida pelo místico indiano Maharishi Majesh Yogi, foi introduzida nos Estados Unidos nos anos 1950. Vale-se de mantras baseados em características pessoais para induzir o estado de transe. Nos anos 1960, o médico Herbert Benson desenvolveu a resposta de relaxamento, que usava mantras e controle da respiração como tratamento para o estresse e para transtornos relacionados. MOXABUSTÃO Baseia-se em teorias da medicina oriental, segundo as quais as forças energéticas são equilibradas pela aplicação de calor para estimular acupontos específicos. O calor é gerado ao se queimar folhas secas de moxa (Artemisia vulgaris), com aplicação direta ou
Esta prática se desenvolveu na Alemanha no final do século XIX, sob a orientação de Benedict Lusz, que prescrevia a hidroterapia como uma forma de cura natural. Ele foi para os Estados Unidos, tornou-se médico osteopata e fundou a Escola Americana de Naturopatia, em 1902. Desde então, a medicina naturopática cresceu até se transformar em uma importante forma de cuidados de saúde, que usa um grupo eclético de métodos além da hidroterapia. Estes métodos incluem dietas especializadas, inalação de ar ionizado, fomentações (aplicação de compressas frias e quentes), lavagem intestinal e enemas, consumo de água despoluída e alimentos orgânicos, e uso de massagens, fitoterapia e terapia de repouso. Os naturopatas têm licença para atuar em vários estados dos Estados Unidos (Alasca, Connecticut, New Hampshire, entre outros), mas como a prática não é regulamentada, pessoas com nenhuma formação ou formação mínima podem se autodenominar naturopatas. Esse fato contribuiu para a crença muito disseminada de que esse campo tem muitos charlatões.
MEDICINA ORIENTAL Medicina oriental é um termo amplo que engloba as medicina tradicionais da China, da Coréia, do Japão, do Vietnã, do Tibet e de outros países asiáticos. De modo geral, as técnicas foram desenvolvidas primeiramente na China e incluem acupuntura, moxabustão, herbologia, massagem, ventosas, gwa sha, exercícios de respiração (qi gong) e exercícios físicos (tai chi). A medicina chinesa é um sistema coerente e independente de pensamento e prática, com base em textos antigos. É o resultado de um processo contínuo de pensamento crítico, observação clínica extensa e testagem, e representa uma exposição minuciosa de material por parte de clínicos e teóricos respeitados. Tem suas origens em filosofias, lógicas, sensibilidades e hábitos de civilização estranhos à civilização ocidental; por isso, é de difícil compreensão para os médicos ocidentais. A teoria básica é a de que existe uma força vital denominada chi, que flui em nós de modo harmonioso e equilibrado. Essa harmonia significa saúde. Quando a força vital não flui de forma apropriada, resultam desarmonia, desequilíbrio e doenças.
920
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
MEDICINA OSTEOPÁTICA O âmbito da medicina osteopática é semelhante ao da medicina alopática, e é melhor ilustrado pelo fato de que os doutores em osteopatia (D.O.s) têm licença para praticar em todos os estados americanos e são aceitos em programas de residência clínica, cirúrgica e psiquiátrica e nas forças armadas do mesmo modo como os doutores em medicina (M.D.s), são qualificados para praticar em todos os ramos da medicina clínica e fazem os mesmos exames de licenciamento que estes. Sua formação médica é idêntica à dos doutores em medicina, exceto pelo fato de que passam por um treinamento adicional em distúrbios do sistema musculoesquelético, nos quais se consideram mais versados do que os M.D.s. Existem 19 escolas de medicina osteopática nos Estados Unidos. Cerca de 35 mil osteopatas tratam uma média de 20 milhões de pacientes a cada ano. A osteopatia foi desenvolvida pelo médico Andrew Taylor Still (1828-1917), que fundou a Escola Americana de Osteopatia em Kirksville, Missouri (agora Faculdade de Medicina Osteopática de Kirksville), em 1892. A doença é vista da mesma forma que na medicina alopática, mas uma ênfase especial é dada ao alinhamento musculoesquelético adequado como pré-requisito para a manutenção da saúde. Esses profissionais podem utilizar a manipulação de partes do corpo, em especial do eixo espinal craniossacral, como parte do plano de tratamento. A terapia de manipulação osteopática é considerada um adjuvante e não um substituto das intervenções farmacológicas, cirúrgicas e médicas tradicionais. TERAPIA DE OZÔNIO O ozônio age como antioxidante e desinfetante e é usado de forma convencional para a purificação da água, o controle de odores e a purificação do ar. A terapia de ozônio se baseia na premissa de que a maioria das doenças é causada por infecções virais e bacteriológicas. Esse elemento é usado para tratar condições médicas que variam de gripe a câncer e AIDS. Os primeiros geradores de ozônio foram desenvolvidos por Werner von Siemens, na Alemanha, em 1857, e logo após o agente passou a ser usado de forma terapêutica para purificar o sangue na Alemanha e em outros países da Europa. A técnica introduz o ozônio no corpo de várias formas, entre elas consumo de água ozonizada, bombeamento do ozônio para dentro de uma sacola hermética que cobre um braço ou uma perna, inalação do ozônio através de azeite de oliva ou aplicação tópica de azeite de oliva ozonizado, insuflações, nas quais um cateter é inserido no reto ou na vagina e o ozônio é administrado lentamente, e auto-hemoterapia, na qual o sangue ozonizado da própria pessoa é reintroduzido no corpo.
de seres espiritualmente evoluídos. A regressão a vidas passadas com hipnose permite experimentar eventos das vidas passadas (via imagens). ORAÇÕES O interesse generalizado na cura pela fé, os relatos de curas feitas pelos televangelistas e os milhões de indivíduos esperançosos que visitam santuários em busca de alívio são um testemunho à continuidade e à prevalência das orações e da espiritualidade nos processos de cura. Alguns grupos religiosos recomendam especificamente que seus membros rejeitem as terapias psiquiátricas convencionais e oferecem sua própria abordagem como a única alternativa válida para a cura mental e espiritual. Outros vêem a oração como uma forma de cura remota, definida por Elizabeth Targ como qualquer esforço puramente mental realizado por uma pessoa com a intenção de melhorar o bem-estar físico ou emocional de outra (oração por intercessão). De modo similar, o ato da oração pode ser auto-administrado e estudado como parte do processo terapêutico (oração pessoal ou em grupo). Existem defensores da prática de orações compartilhadas, silenciosas e remotas ou “por intercessão”. Uma revisão do uso da oração relatou benefícios experimentados por pacientes com condições médicas terminais. Pesquisas indicam que 92% de uma amostra de mulheres semteto urbanas relatavam uma ou mais práticas espirituais ou religiosas. Cerca de 48% referiam que as orações estavam relacionadas de forma significativa a um menor consumo de álcool ou drogas ilícitas ou ambos e à menor ocorrência de preocupações e depressão. Pesquisas epidemiológicas recentes indicam que as crenças e práticas religiosas estão negativamente correlacionadas a abuso de substâncias e positivamente correlacionadas ao estado de saúde. Também existe uma longa história de programas de 12 passos que se valem de orações e espiritualidade no tratamento de comportamentos aditivos. REFLEXOLOGIA A reflexologia é a massagem delicada de pés, mãos e orelhas para estimular o poder natural de cura do corpo. É usada para aliviar a tensão e esvaziar depósitos cristalinos sob a pele que podem interferir no fluxo natural da energia do corpo. Os reflexologistas acreditam que todas as partes do corpo podem ser mapeadas na solas ou laterais dos pés (p. ex., a ponta do segundo dedo do pé representa o olho) e que aplicar pressão a uma área em particular pode aliviar transtornos relacionados às partes do corpo representadas.
MEDICINA DE VIDAS PASSADAS REIKI Na medicina de vidas passadas, o processo de cura é auxiliado pelo contato com seres espirituais que se acredita terem a capacidade de reverter doenças e manter a saúde. Os espíritos são contatados por meio de estados alterados de consciência, denominados canalização, estado superiores de consciência e transmissões
Reiki é uma palavra japonesa com o sentido geral de “cura”. (Rei significa “universal” ou “espiritual”, e ki é “energia da força vital”.) Existem dois graus de cura reiki. Os praticantes de primeiro grau usam toques leves e não-manipulativos para precipitar o flu-
MEDICINA COMPLEMENTAR E
ALTERNATIVA EM PSIQUIATRIA
921
xo da energia curativa, denominada reiki, transmitida do praticante para o paciente segundo as necessidades deste. A cura de segundo grau permite aos praticantes acessar essa energia para a cura remota quando o toque é impossível. A prática em geral cria uma sensação quase imediata de relaxamento, o que pode reduzir os efeitos bioquímicos do estresse prolongado. O reiki de primeiro grau é facilmente aprendido e é um método eficaz de autocura que pode ser usado para ansiedade, insônia e dores. Os pacientes podem experimentar a energia como calor ou frio, ou como a sensação de um fluxo ao longo do corpo que não se limita ao local onde as mãos do praticante são colocadas. Essa técnica também é empregada em asilos para o manejo da dor, para promover uma morte pacífica e para oferecer apoio emocional para os membros da família.
até para reduzir o crescimento de tumores mediante a execução de certos sons conhecidos como Sama Veda. A terapia musical emprega o som de instrumentos musicais como a flauta para obter resultados semelhantes. Na Bíblia, Davi tentou tratar a depressão do rei Saul tocando sua harpa.
ROLFING
O praticante realiza seqüências de movimentos que duram de 5 a 30 minutos. Uma sessão pode durar até duas horas e é tipicamente realizada no início da manhã. Espera-se que a pessoa se concentre na respiração e em sua sincronicidade perfeita com os movimentos. Acredita-se que o tai chi chuan ajude principalmente em problemas e condições relacionados ao estresse, e por isso é usado para tratar ansiedade, depressão, tensão muscular, pressão arterial alta e outras condições cardiovasculares.
O rolfing é um tipo de massagem desenvolvida pela bioquímica americana Ida Rolf (1896-1979) para aliviar a tensão de músculos, tecidos conjuntivos e fáscias, a qual ela acreditava que causasse doenças musculoesqueléticas como artrite e fibromialgia. A terapia consiste em massagens profundas e, às vezes, dolorosas para produzir planos flexíveis entre grupos musculares por todo o corpo. Rolf descobriu que podia operar alterações notáveis na postura e na estrutura manipulando o sistema miofascial do corpo e, como várias partes do corpo são massageadas, memórias e estados emocionais passados muitas vezes são liberados. Nesse sentido, a técnica é uma experiência psicofisiológica. XAMANISMO O xamã é um indivíduo que se acredita ter o poder de curar os doentes e se comunicar com o mundo espiritual. Indivíduos com essa designação podem ser encontrados em muitas partes do mundo, incluindo grupos aborígines americanos (americanos nativos e nativos do Alasca). As qualificações de um curandeiro são determinadas por uma série de ensaios de iniciação, ensinamentos e “certificação” por parte dos mais velhos do grupo devidamente qualificados e reconhecidos. As práticas xamânicas muitas vezes incluem cerimônias de limpeza como jejum ou sudorese induzida e visões acompanhadas de alucinações. A cerimônia pode ser facilitada por sons rítmicos, danças, dores ou privações físicas e uso de “ervas espirituais”. Por meio desse processo, o xamã acompanha a alma dos moribundos até o além. Essas práticas também são usadas para fornecer soluções para problemas pessoais ou sociais insolúveis. TERAPIA DE SOM E MÚSICA A terapia de som é uma técnica antiga na qual sons (p. ex., cantos, sinos e tambores) são usados para criar vibrações no corpo que se acredita terem poderes curativos. Os praticantes afirmam que uma sensação de relaxamento também pode ser obtida. A prática é usada na medicina ayurvédica para promover a saúde, e
TAI CHI CHUAN O tai chi chuan, ou tai chi, é uma das artes asiáticas do movimento mais populares no ocidente. Essa antiga técnica chinesa tem por objetivo aumentar a força vital do corpo por uma série de lentos movimentos circulares. É uma forma de meditação em movimento e se baseia, como outros métodos chineses, na busca do equilíbrio perfeito entre as energias yin e yang.
TOQUE TERAPÊUTICO O toque terapêutico é a técnica de curar com as mãos, desenvolvida pela enfermeira Dolores Krieger nos anos 1970. Acredita-se que a energia seja transferida ao se colocar as mãos sobre partes específicas do corpo para ajudar no processo de cura. Tal abordagem ganhou popularidade entre enfermeiros e até entre alguns médicos. MEDICINA TIBETANA O sistema de saúde tibetano remonta aproximadamente ao século VII da nossa era. Acredita-se que o rei Songsten Gampo o tenha criado a partir da síntese de várias fontes mais antigas. Possui elementos dos sistemas de saúde árabe, indiano e chinês, e no Tibet sua prática está intimamente relacionada à religião e à magia. Acredita-se que a doença seja o resultado do desequilíbrio entre três componentes ou humores do organismo vivo: o vento (a respiração e os movimentos em geral), a bile (relacionada à digestão e ao temperamento) e a fleuma (relacionada ao sono, à mobilidade das juntas e elasticidade da pele). O desequilíbrio pode ser causado pela ignorância dos princípios de saúde, por agressões ambientais ou por dieta inadequada. O tratamento consiste em restaurar o equilíbrio entre os diferentes humores pelo uso da medicina fitoterápica e complementares como massagem, moxabustão, acupuntura, dieta apropriada, rituais religiosos e técnicas de purificação. MÉTODO TRAGER O método Trager, desenvolvido por Milton Trager, um médico de Chicago, é uma técnica de redução dos movimentos para aju-
922
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
dar indivíduos que sofrem de pólio e outros problemas neuromusculares. O cliente, em sessões de 60 a 90 minutos, é instruído a relaxar todos os músculos conscientes e a permitir que o inconsciente escolha movimentos corporais naturais e menos restritivos, guiado pelo praticante. Esse método é particularmente adequado para pessoas com dores de coluna e restrições graves dos movimentos. IOGA A ioga (“união” em sânscrito) é um sistema filosófico abrangente que tem por objetivo preparar o indivíduo para se unir ao ser supremo. A técnica busca equilibrar todos os aspectos do corpo, da mente e da personalidade. As primeiras evidências da prática remontam há cinco mil anos, na Índia, e ela tem sido praticada como religião e sistema de saúde desde então. A ioga é conhecida no ocidente principalmente por seu componente físico, o conjunto de posturas conhecido como hatha yoga, mas existem muitas formas que se concentram na meditação. Ela é usada para reduzir o estresse e tratar problemas como ansiedade, pressão alta e condições musculoesqueléticas. PSIQUIATRIA INTEGRATIVA Um novo tipo de psiquiatria, denominada psiquiatria integrativa, incorpora, de forma seletiva, elementos da medicina complementar e alternativa em seus métodos de prática. Enfatiza o tratamento mais do que o diagnóstico e vê o paciente sob o prisma holístico, levando em consideração não apenas questões e interações mente-corpo, mas também valores espirituais. A psiquiatria integrativa também trata da prevenção de doenças, enfatizada pela observação de fatores de estilo de vida como dieta e exercícios. A redução do estresse envolve o uso de ioga, meditação e outros exercícios de relaxamento. Dá-se atenção a fatores de estresse referentes ao trabalho e a relacionamentos interpessoais. História Em uma certa época, a hipnose e o biofeedback eram considerados terapias alternativas que não faziam parte das práticas psiquiátricas tradicionais. Essas modalidades agora estão incorporadas à prática psiquiátrica convencional. A hipnose, por exemplo, é usada pelos psiquiatras para uma variedade de transtornos, e os de orientação dinâmica usam a hipnoterapia em seu trabalho para possibilitar ao paciente recuperar sentimentos e lembranças reprimidas que de outra forma não estariam disponíveis para análise. Em meados do século XX, pesquisadores como Paul Schilder, em seu livro The Image and Appearance of the Human Body (A imagem do corpo: as energias construtivas da psiquê) descreveram como a fisiologia e a fisionomia podiam ser influenciadas por experiências psicológicas durante os vários estágios do desenvolvimento. Mais recentemente, psiquiatras convencionais como Brian Weiss escreve-
ram o uso da regressão a vidas passadas como método terapêutico e meio de acesso a materiais inconscientes. Métodos Qualquer dos métodos complementares descritos nesta seção pode ser integrado à prática psicoterapêutica habitual, embora alguns se prestem melhor a isso do que outros. Por exemplo, durante um tratamento com reiki, o paciente tende a ficar em estado relaxado e podem ocorrer-lhe sentimentos, imagens ou pensamentos dos quais normalmente não falaria. Em uma sessão de terapia integrativa, esses fenômenos físicos e mentais seriam verbalizados e estariam sujeitos a análise e interpretação. Da mesma forma, um paciente que passa por uma regressão a vidas passadas pode ter uma narrativa elaborada a respeito de uma vida anterior, que seria examinada com cuidado pelo psiquiatra integrativo segundo sua relevância para as experiências da vida atual. A maioria dos psiquiatras integrativos considera as narrativas de vidas passadas como representações dinâmicas de desejos e medos inconscientes, mas alguns as vêem como representações de vidas passadas reais. Em ambos os casos, o material é usado para ajudar os pacientes a obterem mais insight e compreensão de si mesmos em sua vida atual. As técnicas complementares e alternativas que envolvem a manipulação do corpo (p. ex., manipulação craniossacral, massagem ou técnica Alexander) se prestam à terapia psiquiátrica integrativa. Como mencionado, a imagem que as pessoas têm de seus corpos e o modo como o corpo é mantido (p. ex., postura encurvada) são fortemente influenciados não apenas pela genética, mas também pelas experiências de vida. A face depressiva, as pregas de Veraguth e outros correlatos fisiológicos do humor há muito são reconhecidos na literatura psiquiátrica. O psiquiatra integrativo usa estes e outros indicativos como forma de obter acesso a conflitos neuróticos não reconhecidos. Pacientes com transtornos somatoformes como dismorfofobia muitas vezes são auxiliados por tais abordagens, assim como aqueles com transtornos alimentares que sofrem de fortes distorções da imagem corporal. A técnica que envolva a manipulação de uma parte do corpo pode potencialmente estimular uma imagem, um pensamento ou um sentimento relacionados à experiência. Um paciente submetido a massagens nas costas pode fazer diversas associações com a experiência, que são examinadas na sessão. O fato de não tolerarem ser tocados é um traço que quase sempre está relacionado a alguma experiência traumática passada. A manipulação do corpo pode ser voltada para a correção de anormalidades. Na técnica Alexander, muita atenção é dada à postura e ao alinhamento do corpo. À medida que os procedimentos corretivos são realizados, os pacientes podem obter compreensão e insight acerca do que causou a atitude postural ineficiente ou defeituosa. Por fim, crenças espirituais derivadas de religiões judaico-cristãs, americanas nativas e orientais podem ser integradas à psicoterapia tradicional. Terapeutas como Alan Watts incorporaram o zen budismo à psicoterapia ocidental há mais de 50 anos. Psiquiatras estão trabalhando com curandeiros americanos nativos para ajudar pacientes a diminuir a ansiedade, especialmente em relação à morte e ao morrer.
MEDICINA COMPLEMENTAR E
Um homem de 40 anos e de boa saúde, com um medo obsessivo da morte, foi encaminhado para um psiquiatra integrativo para lidar com tais preocupações. O paciente foi colocado em estado de transe hipnótico e solicitado a imaginar e a descrever uma vida passada. Ele descreveu a si mesmo como um mercador itinerante francês que vivia no século XVI. Era casado, tinha oito filhos e estava satisfeito com sua vida. O paciente foi solicitado a descrever sua morte, e assim o fez. Ele tinha 90 anos de idade quando faleceu, cercado por sua família em seu leito de morte. Ele sabia que estava morrendo e descreveu o processo como “um distanciamento pacífico”. Depois da sessão, seu medo de morrer diminuiu, e quando ficava ansioso em relação à morte, relembrava a narrativa de sua vida passada e conseguia relaxar. Outras questões De forma ideal, o psiquiatra que pratica terapia integrativa deve ter formação em um ou mais dos métodos complementares que pretende empregar. Em alguns casos, um praticante complementar pode trabalhar com o psiquiatra, em especial se este não tem formação em um método específico. Às vezes, os pacientes podem ser especialistas em um campo (p. ex., ioga) e procurar o psiquiatra integrativo para ampliar sua experiência. Este profissional pode usar ervas psicoativas e medicamentos homeopáticos isolados ou em combinação com agentes psicofarmacológicos tradicionais, sempre atento à possibilidade de interações medicamentosas adversas. Questões éticas Os mesmos padrões que se aplicam à psiquiatria tradicional e à psicoterapia valem para esse método. Como algumas das técnicas envolvem toques ou a colocação do paciente em um estado mais dependente e vulnerável do que as abordagens de psicoterapia tradicional, as questões de limite devem ser avaliadas com cuidado. No momento, não há padrões de prática para esse método além daqueles aos quais os médicos sempre estiveram sujeitos,
ALTERNATIVA EM PSIQUIATRIA
923
incluindo a regra de não causar danos. Como na medicina complementar e alternativa em geral, estudos cuidadosos de resultados são necessários para que essa nova prática possa mostrar seu valor. REFERÊNCIAS Ai AL, Peterson C, Gillespie B, et al. Designing clinical trials on energy healing: ancient art meets medical science. Alther Ther. 2001;7:83. Albert HC, Wong MD. Herbal remedies in psychiatric practice. Arch Gen Psychatry. 1998;55:1033. Anderson S, Lundeberg T. Acupunpture—from empiricism to science: functional background to acupuncture effects in pain and disease. Med Hypotheses. 1995;45:271. Aular JJ. Alternative cancer treatments. Sci Am. 1996;275:162. Beal MW, Nield-Anderson L. Acupuncture for symptom relief in HIVpositive adults: lessons learned from a pilot study. Altern Ther Health Med. 2000;6:33. Beaubarn G, Grayu GE. A review of herbal medicine for psychiatric disorders. Psychiatr Serv. 2000;51:1130. Engebretson J, Wind Wardell D. Experience of a Reiki session. Alter Ther. 2002;8:48. Field T. Massage therapy for infants and children. J Behav Pediatr. 1995;16:105. Field T. Massage therapy. Med Clin North Am. 2002;86:163. Gordon IS. The White House Commission and the future of healthcare. Altern Ther Health Med 2000;6:26. Griffith JL, Griffith ME. Encountering the Sacred in Psychotherapy: How to Talk with People about Their Spiritual Lives. New York: The Guilford Press; 2002. Kaptchuk TJ, Eisenberg DM. Varieties of healing: a taxonomy of unconventional healing practices. Ann Intern Med. 2001;135:189. Kiresuk TJ, Trachtenberg A. Alternative and complimentary health practices. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000. Shannon S, ed. Handbook of Complementary and Alternative Therapies in Mental Health. San Diego: Academic Press; 2002. Tyler VE. Herbs of Choice: The Therapeutic Use of Phytomedicinals. New York: Pharmaceutical Products Press; 1994. Walsh R. Essential spirituality for healing professionals. Alter Ther. 2002;8:76. Weiss B. Many Lives, Many Masters. New York: Guilford Press; 1988. Woelk H. Comparison of St. John’s wort and imipramine for treating depression: randomized controlled trial. Br Med J. 2000;321:536.
30 Psiquiatria e medicina reprodutiva
O
s eventos e processos reprodutivos têm profundos concomitantes psicológicos, alguns dos quais podem progredir para estados psicopatológicos manifestos. Este capítulo aborda tais eventos, incluindo gravidez, infertilidade, aborto, menopausa e esterilização, entre outros. GRAVIDEZ Biologia O primeiro sinal indicativo de gravidez é a ausência da menstruação há uma semana. Outros sinais são turgescência e hipersensibilidade das mamas, mudança no tamanho e no formato das mamas, náuseas com ou sem vômitos (enjôo matinal), urinar freqüente e fadiga. O diagnóstico pode ser feito de 10 a 15 dias após a fertilização por meio da testagem da gonadotrofina coriônica humana (hCG), que é produzida pela placenta. O diagnóstico definitivo requer a duplicação dos seus níveis e a presença de sons cardíacos fetais. A ecografia transvaginal já pode revelar um útero grávido quatro semanas após a fertilização, pela visualização do saco gestacional. Estágios A gravidez costuma ser dividida em três trimestres, começando no primeiro dia do último ciclo menstrual e terminando com o parto. A data estimada do parto (DEP) é calculada subtraindo-se três meses do primeiro dia da última menstruação e acrescentando-se sete dias e um ano. Somente cerca de 10% das mulheres têm seus bebês na DEP, o restante nascem entre uma semana mais cedo e uma semana mais tarde. A grávida pode experimentar uma ansiedade considerável em relação a várias questões de um trimestre para o outro. Durante o primeiro trimestre, a mulher deve se adaptar às mudanças em seu corpo, e muitas experimentam fadiga profunda. O aumento dos níveis de estrógeno causa hipersensibilidade das mamas e labilidade do humor. A constipação é causada por grandes quantidades de progesterona, e a náusea e os vômitos ocorrem em resposta ao aumento dos níveis de hCG. No início da gravidez, muitas mulheres temem um aborto espontâneo e podem optar por não contar a seus familiares e amigos sobre sua condição.
O segundo trimestre tende a ser o mais gratificante para as mulheres. O retorno da energia e o fim das náuseas e dos vômitos permitem à mulher se sentir melhor e experimentar a excitação de começar a parecer grávida. Algumas, no entanto, podem considerar seu corpo pouco atraente nesta época. Um evento importante do segundo trimestre é a percepção de sinais de vida em virtude dos movimentos fetais, que ocorre entre 16 e 20 semanas e reforça a imagem mental que a mãe tem do filho que está para nascer. Muitas crenças culturais relacionam os tipos de movimentos fetais ao sexo do bebê e à sua personalidade, e podem criar ansiedade ou depressão em algumas mulheres quando não correspondem às suas expectativas. A maioria delas, no entanto, equaciona os movimentos fetais com o fato de ter um ser vivo e o considera uma experiência estimulante, que em geral é compartilhada com o parceiro. Se houver outras crianças na casa, permitir que elas sintam os movimentos fetais ajuda a prepará-las para o novo irmão e a elaborar questões de rivalidade. O terceiro trimestre está associado ao desconforto físico para muitas gestantes. Todos os sistemas – cardiovascular, renal, pulmonar, gastrintestinal e endócrino – passaram por mudanças profundas que podem produzir sopro no coração, ganho de peso, dispnéia aos esforços e azia (pirose). Algumas precisam ser reasseguradas de que estas mudanças não são evidência de doença e de que elas vão retornar ao normal logo após o parto – geralmente após 4 a 6 semanas. À medida que o parto se aproxima, surgem questões práticas relacionadas à chegada do bebê (p. ex., enxoval, finanças, babás). Além disso, são feitas preparações para o parto e para os cuidados pós-natais (p. ex., avisar o médico, chegar ao hospital, usar ou não anestésicos e decidir entre amamentar no peito ou com mamadeira). Os pais muitas vezes se preocupam com questões específicas de saúde, como a possibilidade de o bebê ser malformado, mas em muitos casos tais preocupações não são verbalizadas. Se um ou ambos os parceiros demonstram ansiedade crescente à medida em que a DEP se aproxima, essas e outras questões (p. ex., parto vaginal versus cesariana) devem ser discutidas com o médico.
Psicologia As grávidas passam por mudanças psicológicas acentuadas. Suas atitudes em relação à gravidez refletem crenças profundas a respeito de todos os aspectos da reprodução, incluindo se a gravidez
PSIQUIATRIA E
foi ou não planejada e se o bebê é ou não desejado. A relação com o pai da criança, a idade da mãe e sua noção de identidade também afetam a reação da mulher à perspectiva da maternidade. Os futuros pais enfrentam ainda desafios psicológicos. Mulheres psicologicamente saudáveis costumam ver na gravidez um meio de auto-realização. Muitas relatam que estar grávida é um ato criativo que atende a uma necessidade fundamental. Outras usam a condição para diminuir dúvidas a respeito da própria feminilidade ou para se certificarem de que podem funcionar como mulheres no sentido mais básico. Outras ainda vêem a gravidez de forma negativa e podem temer o parto ou se sentir inadequadas à maternidade. Durante os primeiros estágios de seu próprio desenvolvimento, devem passar pela experiência de se separarem das próprias mães e estabelecerem uma identidade independente. Essa experiência afeta o sucesso na maternidade. Se a mãe de uma mulher não foi um bom modelo, sua sensação de competência maternal pode ficar comprometida, e ela pode se sentir insegura antes e depois do nascimento do bebê. Medos e fantasias inconscientes no início da gravidez costumam se centrar na idéia de fusão com as próprias mães. O apego psicológico ao feto começa no útero, e, no início do segundo trimestre, a maioria das mulheres já tem uma imagem mental do bebê. Mesmo antes de nascer, o feto é visto como um ser autônomo, dotado de uma personalidade pré-natal. Muitas mães conversam com seus filhos ainda não-nascidos. Evidências recentes sugerem que essa conversa emocional está relacionada não apenas ao início da ligação entre a mãe e o bebê, mas também aos esforços da mãe para ter uma gravidez saudável, por exemplo, abandonando o cigarro e a cafeína. Segundo os teóricos psicanalíticos, a criança que vai nascer é uma tábula rasa sobre a qual a mãe projeta suas esperanças e seus medos. Em casos raros, essas projeções explicam estados patológicos pós-parto, como o desejo de machucar o bebê, o qual é visto pela mãe como uma parte odiada de si mesma. Em geral, no entanto, dar a luz a uma criança satisfaz a necessidade da mulher de criar e nutrir uma vida. Os pais também são profundamente afetados pela gravidez. A paternidade iminente demanda a síntese de questões evolutivas como identidade e papéis de gênero, separação-individuação do próprio pai, sexualidade e, como propôs Erik Erikson, generatividade. As fantasias de gravidez em homens e os desejos de dar a luz a meninos refletem a identificação inicial com suas mães, bem como o desejo de serem tão poderosos e criativos quanto a percepção que têm delas. Para alguns, engravidar uma mulher é uma prova de sua potência, uma dinâmica que desempenha um papel importante na paternidade na adolescência. Casamento A futura mãe-esposa e o futuro pai-marido devem redefinir seus papéis como casal e como indivíduos. Eles vão enfrentar reajustes em seu relacionamento com amigos e parentes e devem lidar com novas responsabilidades como cuidadores do recém-nascido e um do outro. Ambos podem experimentar ansiedade a respeito de sua adequação ao novo papel, e um ou os dois podem se sentir consciente ou inconscientemente ambivalentes a respeito da che-
MEDICINA REPRODUTIVA
925
gada da criança na família e de seus efeitos na relação dos dois. O marido pode se sentir culpado pelo desconforto da esposa durante a gravidez e o parto, e alguns homens experimentam ciúme ou inveja dessa experiência. Acostumados a gratificar suas necessidades mútuas de dependência, o casal deve atender às necessidades constantes de um novo bebê e de uma criança em desenvolvimento. Embora a maioria responda de forma positiva a essas demandas, alguns não o fazem. Em condições ideais, a decisão de ter um filho deve ser tomada por ambos os parceiros, mas às vezes a paternidade é racionalizada como uma forma de obter intimidade em um casamento em conflito ou evitar outros problemas circunstanciais. Atitudes em relação à mulher grávida. Em geral, as atitudes dos outros em relação a uma mulher grávida refletem uma variedade de fatores: inteligência, temperamento, práticas culturais e mitos da sociedade e da subcultura na qual a pessoa nasceu. As respostas dos homens casados à gravidez tendem a ser positivas, mas para alguns variam da sensação de orgulho por serem capazes de engravidar a mulher até o medo da nova responsabilidade e o subseqüente rompimento da relação. O risco de que a mulher seja abusada por seu marido ou namorado aumenta durante a gravidez, particularmente durante o primeiro trimestre. Um estudo constatou que 6% das mulheres grávidas são abusadas. O abuso doméstico aumenta de forma significativa os custos com cuidados de saúde durante a gravidez, e essas mulheres têm maior probabilidade do que controles de ter história de aborto espontâneo ou induzido e morte neonatal. Os motivos para o abuso variam. Alguns homens temem se sentir negligenciados e não ter suas necessidades excessivas de dependência gratificadas, enquanto outros podem ver o feto como um rival. Na maioria dos casos, no entanto, a história de abuso está presente antes do início da gravidez. Gravidez e estilos de vida alternativos Alguns casais de lésbicas decidem que uma das parceiras deve engravidar através de inseminação artificial. As atitudes da sociedade podem tornar esta iniciativa muito estressante, mas se há um relacionamento seguro, elas tendem a formar uma forte ligação de unidade familiar. Estudos de acompanhamento de longo prazo mostraram que filhos de mães lésbicas não diferem dos filhos de mulheres heterossexuais em termos de relacionamento interpessoal ou saúde emocional, tampouco têm maior probabilidade de se tornarem gays ou lésbicas. Gays em relações estáveis estão se tornando pais mediante inseminação artificial de mães substitutas. Os efeitos de longo prazo nas crianças criadas por estes não foram determinados, mas os achados preliminares são semelhantes aos encontrados em crianças criadas por casais de lésbicas. Algumas mulheres solteiras que não desejam se casar mas querem engravidar podem fazê-lo por meio de inseminação artificial ou natural. Embora sejam poucas, constituem um grupo que acredita que a maternidade é a realização da identidade feminina, sem a qual suas vidas seriam incompletas e, em alguns casos, sem sentido. A maioria delas está ciente das conseqüências de ser mãe solteira e se sente capaz de enfrentar o desafio.
926
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Comportamento sexual Os efeitos da gravidez no comportamento sexual variam. Certas mulheres experimentam um aumento do impulso sexual devido à vasocongestão pélvica, enquanto outras são mais responsivas do que antes da gravidez por não sentirem mais medo de engravidar. Algumas têm diminuição do desejo ou perdem totalmente o interesse na atividade sexual. A diminuição da libido pode ocorrer devido aos altos níveis de estrógeno ou a sentimentos de não ser atraente. A esquiva do sexo também pode resultar do desconforto físico ou da associação da maternidade com assexualidade. Homens com complexo de santa-prostituta vêem as grávidas como sagradas e não desejam degradá-las pelo ato sexual. Homens e mulheres podem considerar o intercurso de forma equivocada como um ato potencialmente prejudicial ao desenvolvimento do feto e, portanto, algo a ser evitado. Os homens que têm casos extraconjugais durante a gravidez da esposa em geral o fazem no último trimestre. Coito. A maioria dos obstetras não faz restrições ao coito durante a gravidez, mas alguns sugerem que o casal evite o intercurso sexual entre 4 e 5 semanas antes do parto. Caso ocorra sangramento no início da gravidez, o obstetra pode proibir temporariamente o coito como medida terapêutica. Sangramentos nos primeiros 20 dias da gravidez ocorrem em 20 a 25% das mulheres, e cerca de metade delas experimenta aborto espontâneo. A morte materna resultante da entrada violenta de ar na vagina durante o ato cunilíngue já foi relatada, possivelmente como resultado de êmbolos de ar na circulação placentária-materna. Parto O medo da dor e de prejuízos ao corpo durante o parto é universal e, em certo grau, justificado. A preparação para o nascimento proporciona uma sensação de familiaridade e pode diminuir as ansiedades, o que facilita o parto. O apoio emocional contínuo durante o mesmo reduz a taxa de cesarianas e o uso de fórceps, a
necessidade de anestesia, o uso de ocitocina e a duração do parto. Um parto tecnicamente difícil ou mesmo doloroso, no entanto, não parece influenciar a decisão de ter mais filhos. As respostas do homem à gravidez ou ao parto não foram bem-estudadas, mas a tendência recente de inclusão dos pais no processo do nascimento diminui sua ansiedade e propicia uma sensação mais completa de participação. Os homens não se comportam como pais da mesma forma que as mães, e as novas mães muitas vezes precisam ser encorajadas a respeitar essas diferenças e vê-las de forma positiva. Método Lamaze. Também conhecido como parto natural, o método Lamaze teve origem com o obstetra francês Fernand Lamaze. Nele, as mulheres se mantêm totalmente conscientes durante o parto e nenhum analgésico ou anestésico é usado. Os futuros pais freqüentam aulas para aprenderem exercícios de relaxamento e de respiração que têm por objetivo facilitar o processo do nascimento. Mulheres que passam por esse treinamento costumam relatar dores mínimas durante o parto. A participação nesse estágio pode ajudar um pai temeroso ou ambivalente a formar uma ligação com seu filho recém-nascido.
Depressão e psicose no período pós-parto Cerca de 20 a 40% das mulheres relatam alguma perturbação emocional ou disfunção cognitiva no período pós-parto. Muitas experimentam a tristeza materna (baby blues), um estado normal de tristeza, disforia, choro freqüente e dependência. Esses sentimentos, que podem durar vários dias, foram atribuídos às rápidas alterações nos níveis hormonais, ao estresse do parto e à conscientização da responsabilidade trazida pela maternidade. A condição se caracteriza por humor deprimido, ansiedade excessiva e insônia. O início se dá dentro de 3 a 6 meses do parto. A Tabela 30-1 compara a tristeza materna com a depressão pós-parto. Em casos raros (1 a 2 em cada 1.000 partos), a depressão pósparto se caracteriza por sentimentos depressivos e ideação suicida. Em situações mais graves, pode alcançar proporções psicóticas, com alucinações, delírios e pensamentos de infanticídio.
TABELA 30-1 Comparação entre tristeza materna e depressão pós-parto Característica
Tristeza materna (Baby blues)
Depressão pós-parto
Incidência Início Duração Estressores associados Influência sociocultural
10% das mulheres que dão à luz Dentro de 3 a 6 meses do parto De meses a anos se não for tratada Sim, especialmente falta de apoio Forte associação
História de transtorno do humor História familiar de transtorno do humor Tendência ao choro Labilidade do humor
50% das mulheres que dão à luz De 3 a 5 dias após o parto De dias a semanas Não Não; presente em todas as culturas e classes socioeconômicas Nenhuma associação Nenhuma associação Sim Sim
Anedonia Transtornos do sono Pensamentos suicidas Pensamentos de machucar o bebê Sentimentos de culpa e inadequação
Não Às vezes Não Raros Ausentes ou leves
Forte associação Alguma associação Sim Presente com freqüência, mas às vezes o humor é constantemente deprimido Freqüente Quase sempre Às vezes Freqüentes Com freqüência, presentes e excessivos
Reproduzida, com permissão, de Miller LJ. How “baby blues” and post-partum depression differ. Women’s Psychiatric Health. 1995:13. © 1995, The KSF Group.
PSIQUIATRIA E
Embora problemas psiquiátricos pregressos coloquem as mulheres em risco para perturbações pós-parto, algumas evidências sugerem que o transtorno do humor pós-parto é um conceito específico, distinto de outros diagnósticos psiquiátricos. Alguns argumentam que esses transtornos do humor não são uma entidade distinta, mas fazem parte do espectro bipolar refletido na classificação da revisão de texto da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR). Mulheres com depressão pós-parto grave têm alto risco de episódios futuros, e a falta de tratamento pode contribuir para transtornos do humor prolongados e refratários ao tratamento. Uma síndrome que afeta os homens se caracteriza por alterações do humor durante a gravidez da esposa ou depois que o bebê nasce. Esses pais são afetados por diversos fatores: aumento da responsabilidade, diminuição do alívio da tensão por meio do sexo, diminuição da atenção por parte da esposa e crença de que a criança é uma força que o prende a um casamento insatisfatório. Triagem pré-natal A triagem pré-natal procura identificar malformações fetais potenciais ou reais e é conduzida na maioria das mulheres grávidas. As ultrassonografias não são invasivas e podem detectar anormalidades fetais estruturais. A α-fetoproteína (AFP) materna é medida entre 15 e 20 semanas, sendo que o aumento da concentração dessa proteína pode indicar defeitos no tubo neural, e a diminuição pode indicar síndrome de Down. A sensibilidade da testagem dessa última condição aumenta quando se realiza uma triagem tripla (AFP, hCG e estriol). A amniocentese é indicada para mulheres com mais de 35 anos de idade e para aquelas que têm um irmão ou um dos pais com uma anomalia cromossômica conhecida, AFP anormal ou qualquer outro risco de condição genética grave. A amniocentese em geral é feita entre 16 e 18 semanas e representa risco de aborto espontâneo para uma em cada 300 mulheres. No primeiro trimestre, pode ser feita a amostragem das vilosidades coriônicas (CVS), que revela as mesmas informações referentes ao status cromossômico, níveis enzimáticos e padrões de DNA. Existe um risco de um em 100 de que a mulher sofra aborto espontâneo após submeter-se à técnica. A triagem no primeiro trimestre permite às mulheres optar pela interrupção precoce da gravidez, que pode ser física e emocionalmente mais fácil. Profundas questões éticas estão envolvidas na decisão de abortar ou não um feto com defeitos conhecidos. Algumas mulheres optam por não interromper a gravidez e relatam uma forte ligação de amor que dura por toda a vida da criança, que tende a morrer antes dos pais.
MEDICINA REPRODUTIVA
927
devem ser amamentados conforme sua necessidade, e não segundo uma escala de horários. Hoje, mais de 60% dos bebês são amamentados pelas mães, e, deste número, cerca de 25% mamam no peito por pelo menos seis meses e 15%, por cinco anos. Em culturas de subsistência nas quais as crianças são amamentadas pelo tempo que quiserem (uma prática corroborada pela La Leche League, um grupo de defesa do aleitamento materno), a maioria vai desmamar de forma espontânea entre os 3 e os 5 anos de idade se não forem encorajadas pela mãe a fazê-lo antes. O aleitamento materno possui muitos benefícios. A composição do leite materno colabora para o desenvolvimento neuronal adequado, confere imunidade passiva e reduz alergias alimentares. Os benefícios para a mãe são a involução do útero e a perda de peso mais rápidas. A amamentação também promove o apego psicológico e facilita a auto-estima positiva da mãe, que se vê como provedora. Mulheres que decidem amamentar precisam de boa instrução e apoio social, os quais, se não estiverem disponíveis, podem ocasionar frustração e sentimentos de inadequação. Elas não devem se sentir pressionadas ou coagidas a dar o peito se não quiserem ou se sentirem ambivalentes. Em longo prazo, não existem diferenças discerníveis entre crianças amamentadas no peito ou com mamadeira. Um achado incidental ligado à lactação é que algumas mulheres experimentam sensações sexuais durante a amamentação, o que, em casos raros, pode levar ao orgasmo. No início dos anos 1990, uma mulher que telefonou para um serviço de aconselhamento falando de tais sentimentos foi colocada na cadeia e perdeu a guarda de seu bebê por alegações de abuso sexual. Felizmente, o bom senso prevaleceu e os dois foram reunidos.
Teratógenos São drogas ou outros agentes que causam desenvolvimento fetal anormal. Infecções como varicela, toxoplasmose e herpes simples, entre outras, podem interferir no desenvolvimento normal. Mulheres que fumam estão sujeitas a parto prematuro, e defeitos congênitos são mais comuns em filhos de fumantes do que de não-fumantes. O abuso de álcool está associado à síndrome alcoólica fetal (ver Seção 12.2). Outras drogas de abuso, como cocaína e heroína, produzem recém-nascidos dependentes. De modo geral, mulheres grávidas não devem usar drogas prescritas ou de venda livre nem medicamentos fitoterápicos. Os agentes administrados no terceiro trimestre raramente são teratogênicos. Os retinóides (usados para tratar acne) tomados no início da gravidez foram associados a anormalidades fetais. Os anticonvulsivantes são especialmente teratogênicos, assim como o lítio, que produz efeitos cardiovasculares em quase 20% dos fetos.
Lactação A lactação ocorre devido a uma complexa cascata psiconeuroendócrina desencadeada pelo declínio abrupto das concentrações de estrógeno e progesterona no momento do parto. A lactação se estabelece devido à estimulação neurológica transmitida pela amamentação. A composição e a quantidade do leite materno se alteram à medida que o bebê cresce. De modo geral, os bebês
Uso de medicamentos psicotrópicos. Não há uma resposta definitiva para a questão de quais psicotrópicos são mais seguros durante a gravidez e a lactação. Em pacientes com piora da doença psiquiátrica durante a gravidez, psicoterapia ambulatorial, hospitalização e terapia de contexto social (milieu therapy) devem ser tentadas antes do uso de medicação psicotrópica. Antes de uma gravidez planejada, deve ser tentada a retirada dos psicotrópi-
928
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
cos sob supervisão. A importância de uma relação próxima entre o médico e a paciente grávida ou lactante deve ser enfatizada e, em muitos casos, pode prevenir ou diminuir a dependência da medicação. A FDA classifica as drogas em cinco categorias de segurança para uso na gravidez (Tab. 30-2). De modo geral, é melhor evitar todas as que não forem absolutamente essenciais durante essa fase. Pseudociese A pseudociese (falsa gravidez) é o desenvolvimento dos sintomas clássicos da gravidez – amenorréia, náusea, aumento e pigmentação das mamas, distensão abdominal (Fig. 30-1) e dores do parto – em uma mulher que não está grávida. A condição demonstra a capacidade da psiquê de dominar o soma, provavelmente pela estimulação central no nível do hipotálamo. Acredita-se que os processos psicológicos predisponentes incluam um desejo patológico de engravidar associado ao medo da gravidez, ambivalência ou conflitos relacionados a gênero, sexualidade ou maternidade, e uma reação de luto após aborto espontâneo, ligadura tubária ou histerectomia. A paciente pode ter um delírio somático genuíno que não está sujeito ao teste da realidade, mas com freqüência um teste de gravidez negativo ou uma ecografia pélvica levam à resolução. A psicoterapia é recomendada durante ou após a apresentação de uma pseudociese para avaliar e tratar a disfunção psicológica subjacente. Um evento relacionado, a couvade, ocorre em algumas culturas nas quais o pai da criança passa por um parto simulado, como se estivesse dando à luz. Nessas sociedades, esse fenômeno é normal. S., uma jovem de 16 anos de idade, achava que tinha engravidado após sua primeira experiência de coito, que tinha ocorrido sem contracepção. Logo depois que ela leu a respeito dos sinais e sintomas da gravidez, sua menstruação
TABELA 30-2 Classificação da segurança das drogas na gravidez segundo a FDA Categoria
Definição
Exemplo
A
Não foram observados riscos fetais em estudos humanos controlados Nenhum risco fetal em estudos animais, mas não houve estudos humanos controlados, ou risco fetal em animais mas nenhum risco em estudos humanos bem-controlados Efeitos fetais adversos em animais e nenhum dado humano disponível Risco fetal humano observado (podem ser usadas em situações potencialmente fatais) Risco fetal comprovado em humanos (não há indicação para o uso, mesmo em situações potencialmente fatais)
Ferro
B
C
D X
Acetaminofen
Aspirina, haloperidol, clorpromazina Lítio, tetraciclina, etanol Ácido valpróico, talidomida
parou. A paciente afirmava sentir formigamento nos seios, os quais acreditava que estivessem maiores, e também relatava náusea e vômitos pela manhã, o que foi observado pela mãe. No exame, o útero estava aumentado, as mamas estavam desenvolvidas com auréola escura e continham leite, e uma linha pigmentada era observada do umbigo ao púbis. O abdome não estava aumentado, mas ela acreditava sentir movimentos fetais. O teste de gravidez teve resultado negativo, e a paciente foi informada, mas não foi possível dissuadila da convicção de que estava grávida. Ela começou uma psicoterapia, e, dentro de dois meses, sua menstruação retornou, e ela aceitou o fato de não estar grávida. Hiperêmese A hiperêmese da gravidez se diferencia do enjôo matinal porque o vômito é crônico, persistente e freqüente, causando cetose, acidose, perda de peso e desidratação. Com tratamento, o prognóstico é excelente tanto para a mãe quanto para o feto. As mulheres podem ser tratadas em ambulatório fazendo refeições menores, descontinuando complementos de ferro e evitando certos alimentos. Em casos graves, a hospitalização pode ser necessária. Embora a causa seja desconhecida, pode haver um componente psicológico. Mulheres com história de anorexia nervosa ou bulimia nervosa podem ter risco. Pica Pica é a ingestão repetida de substâncias não-nutritivas como areia, argila, terra, goma e fezes. Esse transtorno da alimentação é visto com maior freqüência em crianças pequenas, mas é comum em grávidas de alguma subculturas, mais especificamente entre afro-americanas das zonas rurais do sul dos Estados Unidos, que podem comer argila ou a goma usada em roupas. Sua causa é desconhecida. Infertilidade A infertilidade é a incapacidade de um casal de conceber após um ano de coito sem uso de contraceptivo. Nos Estados Unidos, cerca de 15% dos casais são incapazes de ter filhos. Até pouco tempo, as mulheres eram culpadas quando os casais não tinham filhos, e sentimentos de culpa, depressão e inadequação com freqüência acompanhavam a percepção de ser estéril. Hoje em dia, as causas da infertilidade são atribuídas a problemas femininos em 40% dos casos, a problemas masculinos em 40%, e a problemas de ambos em 20%. Uma investigação de infertilidade revela uma causa específica, mas 10 a 20% dos casais não têm motivo identificável. Causas médicas comuns de infertilidade são ovulação irregular, endometriose, comprometimento da espermatogênese e danos às trompas de Falópio. A prática atual encoraja uma história sexual minuciosa do casal, incluindo freqüência do coito, disfunções eréteis ou ejaculatórias e posição do coito. Com freqüência, a concepção é dificultada apenas porque a mulher se levanta para
PSIQUIATRIA E
MEDICINA REPRODUTIVA
929
FIGURA 30-1 Paciente na 36a semana (?). O exame bimanual revelou útero em tamanho e posição normais.
urinar, lavar-se ou mesmo tomar banho logo após o coito. O intercurso com a mulher na posição superior também não favorece a concepção, já que uma quantidade menor de sêmen é retida. Todos esses fatores devem ser considerados. A incapacidade de ter filhos pode produzir um estresse psicológico grave em um ou em ambos os parceiros. Eles podem se sentir defeituosos e indesejáveis, ter baixa auto-estima e se tornar deprimidos. O casal deve lidar com o golpe narcísico à sua noção de feminilidade ou masculinidade. A culpa aumenta a probabilidade de problemas psicológicos. As mulheres – mas não os homens – têm maior risco de sofrimento psicológico se forem mais velhas e não tiverem outros filhos biológicos. Um parceiro estéril pode temer o abandono ou sentir que o cônjuge se ressente de manter o relacionamento. Não há estatísticas disponíveis sobre a infertilidade como fator precipitante de divórcios, mas ela desempenha algum papel. Quando um dos membros do casal (em geral a mulher) escolhe a adoção como alternativa, mas o outro (em geral o homem) não está disposto a adotar, pode ocorrer separação. Da mesma forma, se um ou ambos os parceiros não estão dispostos a empregar técnicas de reprodução assistida, o casamento pode acabar. Uma avaliação psiquiátrica do casal pode ser aconselhável. A desarmonia conjugal ou conflitos emocionais a respeito de intimidade, relações sexuais ou paternidade pode afetar diretamente a função endócrina e processos fisiológicos como ereção, ejaculação e ovulação. No entanto, não há evidências de uma relação causal simples entre estresse e infertilidade. O estresse da infertilidade em um casal que quer ter filhos por si só pode levar a perturbações emocionais. Quando conflitos preexistentes dão lugar a problemas de identidade, auto-estima e culpa, a perturbação pode ser grave e se manifestar por meio de regressão, extrema dependência do médico, de amigos ou dos pais, raiva difusa, comportamento impulsivo ou depressão. O problema é ainda mais complicado quando uma terapia hormonal é usada para tratar a infertilidade, porque o tratamento pode aumentar temporariamente a depressão em algumas indivíduos.
O humor e a cognição podem ser alterados por agentes farmacológicos usados para tratar distúrbios da ovulação ou hiperestimular os ovários. Esses agentes incluem citrato de clomifeno (Clomid) e outros antiestrógenos, agonistas do hormônio liberador da gonadotrofina (GnRH), gonadotrofinas coriônicas humanas (hCGs), progesterona e bromocriptina (Parlodel). O danazol (Ladogal), um andrógeno sintético, pode ser usado para deter o crescimento da endometriose como um adjuvante cirúrgico ou médico à terapia para infertilidade posterior. A abordagem da infertilidade em si provoca ansiedade devido a incertezas e expectativas. No entanto, a maioria dos agentes também altera os níveis de estradiol e progesterona, e as flutuações hormonais resultantes podem desencadear labilidade do humor em indivíduos sensíveis. Agentes como clomifeno, danazol e bromocriptina também podem ter efeitos diretos no cérebro. Se o uso desses agentes for indicado, apoio psicológico deve ser oferecido aos pacientes, de preferência àqueles que usam ansiolíticos e antidepressivos. Pessoas que têm dificuldade em conceber podem experimentar choque, descrença e sensação geral de impotência, e desenvolvem uma preocupação compreensível com o problema. O envolvimento na investigação de infertilidade e o acúmulo de conhecimentos a respeito do assunto podem ser uma defesa construtiva contra os sentimentos de inadequação e os aspectos humilhantes e, às vezes, dolorosos da própria investigação. Preocupações a respeito da capacidade de atrair e ser desejado pelo parceiro são comuns. Os parceiros podem se sentir feios ou impotentes, e episódios de disfunção sexual e perda do desejo são relatados. Tais problemas são agravados quando o casal está tendo relações sexuais de acordo com gráficos de temperatura ou ciclos ovulatórios. Os tratamentos para a infertilidade (Tab. 30-3) são caros e consomem muito tempo e energia. Tanto homens quanto mulheres podem se sentir sobrecarregados pela complexidade, pelo custo, pelos métodos invasivos e pela incerteza associados às intervenções médicas. A perda da privacidade e da intimidade pode ameaçar o equilíbrio conjugal, em especial se os parceiros reagem de formas diferentes aos desafios.
930
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 30-3 Técnicas de reprodução assistida Método
Comentários
Indução ou estímulo à ovulação (múltiplos agentes, particularmente gonadotrofinas recombinantes ou altamente purificadas)
Estimula o desenvolvimento multifolicular e a ovulação; pode produzir nascimentos múltiplos; usada na anovulação, deficiência da fase lútea, infertilidade inexplicada e reprodução assistida Usada em homens com hipogonadismo hipotalâmico idiopático de natureza funcional ou orgânica Os espermatozóides do doador são injetados na cavidade uterina ou nas trompas de Falópio; os do marido podem ser usados se forem saudáveis Transferência de ovócitos e espermatozóides coletados para as trompas de Falópio; o zigoto também pode ser transferido (ZIFT); usada para infertilidade por endometriose ou inexplicada Transferência de embriões em desenvolvimento para o útero após a incubação extracorporal de espermatozóides coletados com ovócitos recuperados por cirurgia laparoscópica ou aspiração transvaginal orientada por ultra-som; usada na oclusão das trompas de Falópio ou na disfunção significativa dos espermatozóides; permite diagnóstico genético pré-implantação Injeção in vitro da cabeça ou do DNA dos espermatozóides para causar fertilização e produção de embriões para transferência para um endométrio receptivo; pode ser usada mesmo se os espermatozóides forem muito pouco viáveis; as causas genéticas da infertilidade masculina podem ser transmitidas ao filho Doação de espermatozóides ou ovócitos para outro casal. A doação pode incluir apenas ovócitos, somente citoplasma de ovócitos para restaurar a competência reprodutiva de ovócitos envelhecidos, somente espermatozóides ou qualquer combinação destes A mãe substituta recebe o embrião doado e leva a gravidez a termo; técnica altamente controversa, com implicações legais pouco claras
Indução da espermatogênese
Inseminação artificial
Transferência intratubária de gametas (GIFT)
Fertilização in vitro e transferência de embriões (IVF-ET)
Injeção intracitoplásmática de espermatozóide (ICSI)
Doadores de gametas
Mãe substituta
Dados de Virginia Susman, M.D.
Pessoas solteiras que estão cientes de sua própria infertilidade podem evitar relacionamentos por medo de serem rejeitadas quando o seu “defeito” for descoberto. Além disso, podem ter dificuldades especiais em suas relações adultas com os próprios pais. A identificação e a igualdade geradas pelo compartilhamento da experiência da paternidade devem ser substituídas por reservas internas e outros aspectos generativos de suas vidas. Uma intervenção profissional pode ser necessária para ajudar casais estéreis a exporem seus sentimentos e a passarem pelo pro-
cesso de luto por sua função biológica perdida e pelos filhos que não podem ter. Aqueles que continuam estéreis devem lidar com uma perda efetiva. Os que decidem não insistir na paternidade podem desenvolver uma noção renovada de amor, dedicação e identidade como par. Outros podem precisar de ajuda para explorar as opções de inseminação pelo marido ou por um doador, implantes em laboratório e adoção. Morte perinatal A morte perinatal é definida como a morte em algum momento entre a vigésima semana de gestação e o primeiro mês de vida e inclui aborto espontâneo, morte fetal, feto natimorto e morte neonatal. No passado, a ligação intensa entre os pais e o feto ou neonato era subestimada, mas a perda perinatal agora é reconhecida como um trauma significativo para ambos os pais. Casais que experimentam uma perda como essa passam por um período de luto semelhante ao experimentado quando qualquer ente querido é perdido. A morte fetal intrauterina, que pode ocorrer em qualquer momento da gravidez, é uma experiência emocionalmente traumática. Quando ocorre nos primeiros meses de gravidez, a mulher em geral não se dá conta do ocorrido e fica sabendo apenas por intermédio do médico. Em um estágio mais avançado, depois que os movimentos fetais e os batimentos cardíacos foram experimentados, a mulher pode ser capaz de detectar a morte do feto. Quando recebem o diagnóstico da morte fetal, a maioria quer que o feto morto seja removido. Dependendo do trimestre, o parto pode ser induzido ou a mulher pode ter que esperar pela expulsão espontânea dos conteúdos uterinos. A maioria dos casais considera as relações sexuais durante o período de espera não apenas indesejáveis, mas também psicologicamente inaceitáveis. A sensação de perda também acompanha o nascimento de um feto morto e o aborto induzido de um feto anormal detectado por diagnóstico antenatal. Como mencionado, o apego ao filho começa antes de seu nascimento, e o luto pode ocorrer após uma perda em qualquer estágio. O luto experimentado após morte no terceiro trimestre, no entanto, tende a ser maior do que o experimentado após uma perda no primeiro. Alguns pais desejam não ver o filho natimorto, e tais desejos devem ser respeitados. Outros desejam tocar a criança, o que pode ajudar no processo de luto. Uma gravidez subseqüente pode diminuir sentimentos manifestos de luto, mas não elimina a necessidade do processo. Os filhos ditos substitutos têm risco de superproteção e problemas emocionais futuros. PLANEJAMENTO FAMILIAR E CONTRACEPÇÃO O planejamento familiar é o processo de escolher se e quando ter filhos. Uma forma de planejamento familiar é a contracepção, a prevenção da fecundação ou da fertilização do óvulo. A escolha do método contraceptivo é uma decisão complexa que envolve a mulher e seu parceiro. Fatores que influenciam a decisão incluem a idade da mulher e suas condições médicas, seu acesso a cuidados médicos, as crenças religiosas do casal e a necessidade de es-
PSIQUIATRIA E
pontaneidade do coito. A mulher e seu parceiro podem ponderar os riscos e benefícios das várias formas de contracepção e tomar a decisão a partir de seu estilo de vida e de outros fatores. O sucesso da tecnologia contraceptiva permitiu a casais focados em suas carreiras adiar o nascimento dos filhos até estarem com 30 ou 40 anos. Esse adiamento, no entanto, pode aumentar os problemas de infertilidade. Como conseqüência, muitas mulheres que trabalham sentem seus relógios biológicos avançando e planejam ter filhos por volta dos 30 anos para evitar o risco de não serem capazes de tê-los mais tarde. A Tabela 30-4 oferece informações sobre métodos atuais de contracepção, e a Figura 30-2 mostra algumas modalidades contraceptivas. Aborto induzido O aborto induzido é a interrupção planejada de uma gravidez. Cerca de 1,5 milhão de abortos são realizados nos Estados Unidos a cada ano – 380 abortos para cada mil nascimentos. Ao longo da última década, esse número declinou em cerca de 5%. Os especialistas em planejamento familiar acreditam que a maior disponibilidade de educação sexual e métodos contraceptivos colaborem para manter baixo o número de abortos. Nos países ocidentais, a maioria das mulheres que fazem abortos são jovens, solteiras e primíparas. Em países emergentes, o aborto é mais comum entre mulheres casadas com dois ou mais filhos. Cinqüenta por cento dos abortos são realizados antes de oito semanas de gestação, 25% entre 9 e 10 semanas e 10% entre 11 e 12 semanas. O restante ocorre após 13 semanas, com 1% ocorrendo após 21 semanas. A Tabela 30-5 resume as técnicas mais comuns de aborto. O aborto se tornou uma questão política e filosófica nos Estados Unidos. O país está dividido entre facções pró-escolha (próaborto) e pró-vida (antiaborto). Manifestantes antiaborto têm feito piquetes em frente a clínicas de aborto e provocado confrontos acalorados com pacientes. A atmosfera de condenação moral e intimidação pode tornar a decisão de interromper uma gravidez mais difícil. Mesmo assim, estudos recentes mostraram que a maioria das mulheres que se submetem à interrupção da gravidez – particularmente quando o fazem antes da décima segunda semana de gestação – não sofre seqüelas psicológicas significativas. Na verdade, a maioria delas experimenta uma sensação de alívio e tem uma reação menos emocional do que aquelas que mantêm a gravidez e entregam o bebê para adoção. Os abortos no segundo trimestre são mais traumáticos em termos psicológicos do que no primeiro. A razão mais comum para os abortos tardios é a descoberta (através de amniocentese ou ecografia) de um cariótipo anormal ou anomalia fetal. Por isso, em geral envolvem a perda de um filho desejado com o qual a mãe já tinha formado um laço. Antes da legalização do aborto nos Estados Unidos, em 1973, muitas mulheres buscavam abortos ilegais, com freqüência realizados por pessoas sem qualquer treinamento e em más condições de higiene. Morbidade e mortalidade consideráveis estavam associadas a essas práticas, e mulheres às quais o aborto era negado às vezes optavam pelo suicídio para não levarem adiante uma gravidez indesejada. Quando é forçada a carregar o feto a termo, o
MEDICINA REPRODUTIVA
931
risco de infanticídio, abandono e negligência do recém-nascido indesejado aumenta. O aborto também pode ser uma experiência significativa para os homens. Se o homem tem um relacionamento próximo com a mulher que aborta, pode desejar desempenhar um papel ativo no procedimento, acompanhando-a ao hospital ou à clínica e oferecendo apoio emocional. Os pais podem experimentar um sofrimento considerável quando da interrupção de uma gravidez desejada. Esterilização A esterilização é um procedimento que impede o homem ou a mulher de produzir filhos. Na mulher, o procedimento costuma ser a salpingectomia, a ligação das trompas de Falópio, um procedimento com baixas morbidade e mortalidade. Os homens podem ser esterilizados por meio da vasectomia, a excisão de uma parte dos vasos deferentes. Esse procedimento é mais simples do que a salpingectomia e pode ser realizado no consultório do médico. A esterilização voluntária, especialmente a vasectomia, tornou-se a forma mais popular de controle da natalidade entre pessoas casadas há mais de 10 anos. Uma proporção pequena dos pacientes que escolhem a esterilização pode sofrer uma síndrome neurótica pós-esterilização, que pode se manifestar através de hipocondria, dor, perda da libido, desinteresse sexual, depressão e preocupação com a própria masculinidade ou feminilidade. Um estudo com um grupo de mulheres que se arrependeram da esterilização relatou que elas tinham optado pelo procedimento enquanto estavam envolvidas em relacionamentos ruins, em geral com maridos abusivos. O arrependimento é mais prevalente quando a mulher forma um novo relacionamento e deseja ter um filho com esse parceiro. Uma consulta psiquiátrica pode ser necessária para distinguir pessoas que buscam a esterilização por razões irracionais ou psicóticas daquelas que tomaram a decisão depois de pensar muito. Nos Estados Unidos, procedimentos involuntários de esterilização foram realizados para impedir a reprodução de traços considerados geneticamente indesejáveis, e várias legislações permitiram a esterilização de criminosos hereditários, criminosos sexuais, pacientes sifilíticos, pessoas com retardo mental ou com epilepsia. Algumas dessas leis foram declaradas inconstitucionais, e grupos de defesa dos direitos humanos e das liberdades civis questionaram a legalidade e a ética desses procedimentos com grande vigor. Os procedimentos operatórios de esterilização têm hoje menos importância do que no passado devido ao advento dos contraceptivos e à facilidade relativa de se obter abortos. Mesmo assim, os procedimentos de esterilização ainda são escolhidos por homens e mulheres que, por várias razões, querem interromper sua capacidade de gerar filhos. Vasectomia. Na vasectomia, os vasos deferentes do homem são ligados bilateralmente, e um segmento é removido. O procedimento é feito com anestesia local, dura cerca de 20 minutos e pode ser revertido em 80 a 90% dos casos. Alguns homens experimentam uma síndrome pós-vasectomia que consiste em diminuição da libido, impotência, confusão quanto à identidade e
Barato; o preservativo de látex protege contra a AIDS; facilmente disponível; não requer ajuda profissional; diminui a aquisição de doenças transmitidas pelo coito Barato; requer somente a decisão da mulher; não está relacionado ao coito; não interfere no prazer
Média
Média
Essencialmente nenhuma; possíveis alergias
Interrupção cirúrgica do ducto deferente de modo que o esperma não consiga passar dos testículos ao pênis Ligadura tubária impede o transporte do ovócito Alta
Alta
Morbidade em 1 a 2% dos pacientes, inclui infecções, coágulos
Só pode ser revertida em 80% dos casos, rara reação neurótica de impotência, usada por 10,4% dos homens Quase 100% de proteção; nenhum compro- Procedimento mais complexo do que a va- Morbidade cirúrgica; usada metimento da função sexual ou prazer sectomia; reversão é complicada e difícil por 13,6% das mulheres
Falhas são muito raras; procedimento ambulatorial de 20 minutos
Prevenção da ovulação Alta (método Barato; eficácia absoluta em potencial; (possível interferência na mais usado) não está relacionado ao coito mobilidade dos espermatozóides); dois tipos: (1) combinação progesterona-estrógeno, (2) somente progesterona (minipílula) Suprime a ovulação; grande Alta Eficaz por cinco anos; não interfere na es- Requer uma pequena cirurgia (anestesia Irregularidades menstruais, alteração no muco cervical pontaneidade ou prazer local) para implantar e remover ganho de peso, cefaléia
Adaptada e modificada a partir de dados de Eugene C. Sandberg, M.D. A eficácia foi classificada da seguinte forma: baixa, mais de 20 gestações por 100 mulheres/anos de uso; média, de 1 a 20 gestações por 100 mulheres/anos de uso; alta, menos de uma gestação por 100 mulheres/anos de uso.
Esterilização feminina
Implantes de progestina (Norplant) Esterilização masculina (vasectomia)
Oral (hormonal)
Baixa
Sensibilidade química ao espermicida; a esponja pode se romper
Essencialmente nenhuma, mas pode se deslocar durante o coito
Uso regular necessário; possível interfe- Essencialmente nenhuma; rência no prazer pode se romper; taxa de defeitos de fabricação de 3 em cada 1.000; alergia ao látex é rara; usado por 12,6% dos casais Possível aumento de sangramento e Perfuração uterina, infecção cólicas; requer inserção por profispélvica, expulsão espontânea; usado por 10,2% das sional; check-up anual necessário mulheres Efeitos colaterais são possíveis; ingestão Tromboembolismo, hipertendiária; requer consulta profissional para são, depressão; usado por prescrição 36,6% das mulheres
Barato; não cobre a parede vaginal ante- Mais difícil de ajustar e inserir do que o rior e, portanto, pode ser mais prazerodiafragma; não pode ser usado na so para ambos os parceiros; permite o presença de lesões cervicais coito repetido sem nova aplicação de espermicida Fácil inserção na vagina; as paredes va- Deve ser removida após 24 horas, ou ginais não são cobertas; deve permapode haver desenvolvimento de innecer no lugar por seis horas após o fecção coito; pode ser usada por 24 horas com coito repetido Baratos; facilmente disponíveis; mais efi- Uso regular necessário; possível sujeira; cazes quando usados com preservativo possível interferência no prazer
De média a alta
Média
Barato
De média a alta
COMPÊNDIO
Abóbada de borracha flexível inserida na vagina que funciona como barreira para o esperma; usado com gel espermicida; deve permanecer no lugar por 6 horas após o coito Capuz cervical O capuz de borracha cobre apenas o óstio cervical; funciona como barreira para o esperma; funciona melhor com gel espermicida Esponja contraEsponja de poliuretano inseceptiva rida na vagina antes da relação; deve permanecer no lugar por seis horas após o coito Espumas, geléias, Espermicidas cremes e supositórios intravaginais Preservativo Barreira para o esperma (o preservativo feminino, feito de poliuretano, é colocado no espaço vaginal antes do coito e age como barreira para o esperma) Dispositivo intra- Desconhecido (possivelmenuterino (DIU) te impede a implantação do zigoto)
Diafragma
Potenciais complicações
Falta de espontaneidade; necessidade Essencialmente nenhuma de registrar continuamente o ciclo menstrual; necessidade de aprender a tomar a temperatura corporal basal e a verificar o muco cervical Necessidade de uso regular; requer con- Essencialmente nenhuma siderável atenção e controle por parte do homem, o que pode interferir no prazer de ambos os parceiros Uso regular necessário; possível interfe- Essencialmente nenhuma, rência no prazer; requer ajuste profismas o diafragma pode se sional; não é anatomicamente adaptável deslocar durante o coito; a todas as mulheres; uma nova relação infecções do trato urinário; requer reaplicação de espermicida usado por 3,4% das mulheres
Desvantagens
Baixa (mas Sem custos; sempre disponível; não teoricamennecessita de ajuda profissional te alta)
Sem custos ou riscos para a saúde; sempre disponível; não necessita de ajuda profissional
Vantagens
Retirada do pênis; Prevenção da inseminação coito interrompido
Eficácia Baixa
Método de ação
TABELA 30-4 Métodos atuais de contracepção
Métodos de con- Abstinência controlada; o catrole da fertilisal se abstém de relações dade; tabelinha 7 dias antes e depois da ovulação
Tipo
932 DE PSIQUIATRIA
PSIQUIATRIA E
MEDICINA REPRODUTIVA
933
sinais de depressão, mas a maioria já havia estado deprimido antes da intervenção. Não há seqüelas psicológicas negativas na maioria dos casos de esterilização masculina. Ligadura tubária. As trompas de Falópio são cauterizadas pela laparotomia. A reversão desse procedimento é muito menos eficaz do que a da vasectomia em homens. Uma pequena proporção das mulheres, geralmente com estados psicopatológicos preexistentes, desenvolve uma síndrome pós-esterilização que consiste em hipocondria, dor, perda da libido e dúvidas quanto à identidade feminina. Uma consulta psiquiátrica antes da esterilização é útil para avaliar a motivação para o procedimento (p. ex., coerção por parte do parceiro) e excluir psicopatologias preexistentes como depressão, que podem levar a síndrome pós-esterilização. Senescência reprodutiva
FIGURA 30-2 Representação ilustrativa de certas modalidades contraceptivas. A. Diafragma intravaginal e sua posição correta vista durante o coito. B. Preservativo antes e depois de ser desenrolado sobre o pênis ereto.
Tanto homens quanto mulheres experimentam um declínio da capacidade produtiva relacionado à idade, mas somente elas têm cessação gonadal completa. A perda da capacidade reprodutiva pode representar um desafio psicológico para pessoas que não se reconciliaram com a perda da fertilidade. No entanto, mesmo com a insuficiência gonadal, a disponibilidade de doadores de ovócitos e espermatozóides significa que a gravidez pode ser iniciada em uma mulher na menopausa que tenha o útero intacto e se decida por esta opção. Menopausa. A menopausa, a cessação da ovulação, tende a ocorrer entre 47 e 53 anos de idade. O hipoestrogenismo que se segue pode levar a fogachos, transtornos do sono, atrofia e secura vaginal e perturbações cognitivas e afetivas. As mulheres têm maior risco de osteoporose, demência e doença cardiovascular. A depressão na menopausa foi atribuída à síndrome do ninho vazio.
TABELA 30-5 Técnicas de aborto Tipo
Benefícios
Riscos
Dilatação cervical e evacuação dos conteúdos uterinos por meio de curetagem ou aspiração
Procedimento mais comum para a interrupção da gravidez; pode ser realizado antes de 16 semanas de gestação
Aspiração menstrual (miniaborto)
Pode ser realizada dentro de 1 a 3 semanas da menstruação ausente
Perfuração uterina Incompetência cervical Aderências Hemorragia Infecção Remoção incompleta do feto e da placenta Zigoto implantado pode não ser removido Perfuração uterina (rara) Não-reconhecimento de gravidez ectópica Intoxicação hídrica Ruptura do útero, do colo ou do istmo Crise hiperosmolar Insuficiência cardíaca Peritonite Hemorragia Intoxicação hídrica Necrose miometrial Usadas em somente 2% dos abortos Expulsão do feto vivo
Indução médica (dilatação cervical com laminária Pode ser usada para abortos no segundo seguida de dose alta de ocitocina IV) trimestre Soluções intra-amnióticas hiperosmóticas Pode ser usada para abortos no segundo (salting out) trimestre
Prostaglandinas (aplicadas por via intravaginal, cervical ou intra-amniótica) Mifepristona (Mifeprex), isto é, RU-486
Procedimento não-invasivo Procedimento não-invasivo; pode ser usado na gravidez de até 49 dias de duração
Sangramento excessivo
934
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
No entanto, muitas relatam aumento da sensação de bem-estar e aproveitam a oportunidade para se dedicar a metas adiadas devido à criação dos filhos.
OUTRAS QUESTÕES
Terapia de reposição hormonal. Os prós e os contras da terapia de reposição hormonal ainda não foram bem-esclarecidos; por isso a questão de iniciar ou continuar essa terapia pode representar um desafio médico, financeiro e filosófico. Alguns estudos mostram que o uso de estrógeno confere cardioproteção e neuroproteção, retarda a perda óssea e a atrofia urogenital e estabiliza o humor. No entanto, outros mais recentes levantaram sérias questões a respeito de alguns desses efeitos protetores, em especial no sistema cardiovascular. Diversos estudos constataram que mulheres que usam terapia de reposição hormonal ganham menos peso, e este é depositado preferencialmente em padrão ginecóide (no quadril e nas coxas) e não-andróide (abdominal). O uso contínuo de estrógeno pode reduzir o risco de doença de Alzheimer e outras demências. Existem evidências de uma associação entre seu uso e o câncer de mama; por isso a terapia de reposição hormonal é problemática em mulheres que já sobreviveram a um câncer de mama. O hipoestrogenismo pode comprometer o prazer sexual e a libido e causar fogachos, sudorese noturna e fadiga profunda. Essas seqüelas podem ser melhoradas ou revertidas com o uso de estrógeno. O uso de progestina é recomendado para mulheres com útero para protegê-las do desenvolvimento de carcinoma e hiperplasia endometrial. Ainda precisa ser esclarecido se e em que grau isso compromete os efeitos benéficos do uso de estrógeno. Os efeitos adversos que mais limitam o uso da progestina são a depressão e o inchaço. Mulheres que antes sofriam de depressão ou síndrome pré-menstrual são mais propensas a transtornos do humor com essa substância. De modo geral, a terapia de reposição hormonal melhora o funcionamento psicológico e promove a saúde geral. Existem alguns dados que respaldam a noção de que os agentes antidepressivos e antidemência são mais eficazes em mulheres que estão em terapia de reposição hormonal. Uma vez que esta pode durar mais de 30 anos, vale a pena titular e individualizar a rota, a dosagem, o tipo e o regime da terapia, de modo a maximizar os benefícios e minimizar os efeitos adversos. A introdução recente de uma ampla gama de produtos de estrógeno e progestina, incluindo os moderadores seletivos do receptor de estrógeno (SERMs), expandiu as opções, mas existem menos informações a respeito dos riscos e benefícios de longo prazo dos seus agonistas parciais do que das preparações mais convencionais. A andropausa, um termo para o climatério masculino, é causada pela diminuição da produção de testosterona. A produção testicular inadequada de andrógeno (hipogonadismo) pode estar associada a perda da libido, fadiga e depressão, que podem ser revertidas com terapia com testosterona. O uso de terapia de reposição de andrógeno em homens mais velhos é controverso devido à cardiotoxicidade e ao risco de câncer de próstata. Em função de seus efeitos catabólicos, o hormônio do crescimento e o hormônio liberador do hormônio do crescimento (GHRH) têm sido usados em homens mais velhos para aumentar a massa muscular e a sensação geral de bem-estar.
Uma doença sexualmente transmissível (DST) é uma condição contagiosa adquirida como resultado de uma interação sexual física. As DSTs sempre foram uma realidade, mas entre os anos 1950 e o final dos anos 1970 as infecções eram consideradas tratáveis e não-fatais. A síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS), que é causada pela infecção com o vírus da imunodeficiência humana (HIV), atualmente é incurável, fatal e transmissível da mãe para o feto. O espectro da doença se notabilizou na imaginação popular. Ainda que inicialmente encontrado em homossexuais e usuários de drogas injetáveis, o vírus não conhece limites. Uma seqüela de DSTs como a gonorréia e a clamídia é a doença inflamatória pélvica (DIP). Se não tratada, pode ocasionar desenvolvimento de abscessos tuboovarianos bilaterais e demandar histerectomia e salpingo-ooforectomia bilateral. O tratamento com antibióticos é necessário para prevenir o desenvolvimento dos abscessos e reduzir a probabilidade de infertilidade, dor pélvica crônica e gravidez ectópica causada por danos às trompas. Essas infecções também podem causar obstrução dos vasos deferentes e prostatite crônica com subseqüentes infertilidade masculina. Outra DST que pode ter graves conseqüências são as verrugas venéreas, ou papilomavírus humano (HPV). Infecções genitais com certos tipos de HPV podem resultar em alterações prémalignas do pênis, da vulva, da vagina e do colo do útero, e acredita-se que causem câncer cervical. As verrugas venéreas podem ser removidas com agentes químicos ou cirurgia, mas são difíceis de erradicar completamente. Mulheres que contraem a doença são encorajadas a fazer exames ginecológicos regulares e análises de Papanicolaou para detectar lesões pré-malignas. A monogamia e a abstinência sexual previnem a maioria das DSTs e são defendidas com medidas de saúde pública. No entanto, os impulsos libidinais podem ser difíceis de controlar e restringir. Por isso, práticas como o uso de preservativos são fortemente recomendadas como medida de saúde pública alternativa. Os adolescentes em particular precisam conhecer as conseqüências potenciais da atividade sexual no que diz respeito a DSTs e gravidez. É improvável que aconselhá-los a permanecerem castos seja totalmente eficaz, e pode ser contraprodutivo. Os riscos do intercurso sexual podem ser esquecidos ou parecer mínimos em comparação com a necessidade de afeto ou escape. Pessoas com baixa auto-estima ou sob estresse podem ver o sexo como um meio de melhorar sua auto-imagem ou fugir dos problemas. As propriedades reforçadoras do sexo garantem que o problema das DSTs vai continuar. Estudos na Europa mostraram que a disponibilidade de preservativos (nas escolas, etc.) reduz tanto as DSTs quanto a gravidez indesejada.
Doenças sexualmente transmissíveis
Dor pélvica A dor pélvica pode ter muitas causas, incluindo endometriose, aderências pélvicas, massas ovarianas ou anexais, hérnias e doenças do intestino ou do reto. Também pode ser secundária a causas psicogênicas como culpa, medo da fertilidade ou infertilidade e
PSIQUIATRIA E
transtornos emocionais associados a incesto ou abuso sexual atual ou pregresso. A condição não deve ser atribuída a causas psicogênicas antes que uma avaliação minuciosa tenha excluído causas orgânicas. Na maioria dos casos, a avaliação deve incluir uma laparoscopia diagnóstica. Da mesma forma, a dispareunia ou a dor no intercurso não deve ser automaticamente atribuída a uma origem psicogênica a menos que todas as causa anatômicas tenham sido descartadas.
MEDICINA REPRODUTIVA
935
mas somáticos incluem edema, ganho de peso, dores nas mamas, síncope e parestesias. Cerca de 5% das mulheres têm o transtorno. O tratamento é sintomático e inclui analgésicos para a dor e sedativos para a ansiedade e a insônia. Algumas pacientes respondem a cursos breves de inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs). A retenção de fluidos é aliviada com diuréticos. Ver a Seção 15.3 para uma discussão mais completa desse transtorno. REFERÊNCIAS
Transtorno disfórico pré-menstrual Trata-se de uma doença psicossomática desencadeada por alterações nos níveis dos esteróides sexuais que acompanham o ciclo menstrual ovulatório (Fig. 30-3). Ocorre cerca de uma semana antes do início da menstruação e se caracteriza por irritabilidade, labilidade emocional, cefaléias, ansiedade e depressão. Os sinto-
Ciclo endometrial
M 2
6
10
14
18
Fase folicular
22
26
Fase lútea
Fase ovulatória FIGURA 30-3 Mudanças cíclicas idealizadas no endométrio uterino durante o ciclo menstrual normal. Os dias de sangramento menstrual são indicados por M. (De Beers MG, Berkow R, eds. The Merck Manual of Diagnosis and Therapy. 17th ed. Whitehouse Station, NJ: Merck Research Laboratories, 2000:1929, com permissão.)
Adler B. Reproductive and obstetric issues In: Johnston DW, Johnston M, eds. Health Psychology. Vol 8. Comprehensive Clinical Psychology. Amsterdam: Elsevier Science Publisher; 2001: 383. Annas GJ. Protecting the liberty of pregnant patients. N Engl J Med. 1987;316:1213. Berga SL, Parry PL. Psychiatry and reproductive medicine. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:1935. Freeman MP, Keck PE Jr, McElroy SL. Postpartum depression with bipolar disorder. Am J Psychiatry. 2001;158:652. Hoffman NS. Stress factors related to antenatal testing during high-risk pregnancy. J Perinatol. 1990;10:195. Hutchison KE, Stevens VM. Collins FL. Cigarette smoking and the intention to quit pregnant smoker. Behav Med. 1996;19:307. McDuffie RS Jr, Beck A, Bischoff K, Cross J, Orleans M. Effects of frequency of prenatal care visits on perinatal outcome among lowrisk women: a randomized controlled trial. JAMA. 1996;275:847. Nelson HD, Humphrey LL, Nygen P. Postmenopausal hormone replacement therapy: scientific review. JAMA. 2002;288:882. Rofe Y, Blittner M, Lewin I. Emotional experiences during the three trimestres of pregnancy. J Clin Psychol. 1993;49:3. Tasker F, Golumbok S. Adults raised as children in lesbian families. Am J Orthopsychiatry. 1995;65:203. Victor SB, Fish MC. Lesbian mother and the children: a review for school psychologists. School Psychol Rev. 1995;24:458. Webster J, Chandler J, Battistutta D. Pregnancy outcomes and health care use: effects of abuse. Am J Obstet Gynecol. 1996;142:760. Whiteford LM, Gonzoles L. Stigma: the hidden burden of infertility. Soc Sci Med. 1995;40:27.
31 Problemas de relacionamento
A
maioria das pessoas vive em uma matriz de relacionamentos na qual encontram conexão, consolo, intimidade e felicidade. No entanto, também experimentam obrigações, responsabilidades, compromissos e atritos. A saúde psicológica e a sensação de bem-estar dependem, em um grau significativo, da qualidade dos relacionamentos, ou seja, dos padrões de interação com parceiro e filhos, pais e irmãos, amigos e colegas. A capacidade de funcionar em uma variedade de relacionamentos pode ser abalada por problemas psicológicos e por eventos como doenças, guerras, catástrofes naturais, crises econômicas e mudanças sociais. As pessoas podem se sentir deprimidas ou isoladas com a perda ou a falta de relacionamentos. DEFINIÇÃO Segundo a revisão de texto da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR), esses problemas são padrões de interação entre membros de uma unidade de relacionamento que estão associados a sintomas ou funcionamento comprometido de um ou mais membros ou da unidade de relacionamento em si. O manual distingue cinco categorias. A primeira, problema de relacionamento associado a um transtorno mental ou condição médica geral, trata da associação entre relacionamentos e saúde. As outras estão centradas em problemas de unidades específicas: problema de relacionamento entre pai/mãefilho, com parceiro, com irmãos e sem outra especificação. EPIDEMIOLOGIA Não há números confiáveis a respeito da prevalência dos problemas de relacionamento. Podemos pressupor que eles sejam onipresentes, mas a maioria se resolve sem intervenção profissional. A natureza, a freqüência e os efeitos do problema nas pessoas envolvidas são elementos que devem ser considerados antes que seja feito o diagnóstico. Por exemplo, o divórcio, que ocorre em pouco menos de 50% dos casamentos, é uma dificuldade entre os parceiros resolvida por meio da solução legal do divórcio e não precisa ser diagnosticada como um problema de relacionamento. No entanto, se as pessoas não conseguem resolver suas disputas e continuam a viver
juntas em um relacionamento sadomasoquista ou patologicamente deprimido com infelicidade e abusos, então devem receber esse rótulo. Os problemas de relacionamento que não podem ser resolvidos por amigos, familiares ou clérigos das pessoas envolvidas necessitam da intervenção profissional de psiquiatras, psicólogos clínicos, assistentes sociais e outros profissionais da saúde mental. PROBLEMA DE RELACIONAMENTO ASSOCIADO A UM TRANSTORNO MENTAL OU A UMA CONDIÇÃO MÉDICA GERAL Segundo o DSM-IV-TR, os clínicos devem usar esta categoria quando o foco da atenção clínica é um padrão de interação comprometida associado a um transtorno mental ou a uma condição médica geral em um membro da família. Os adultos quase sempre assumem a responsabilidade de cuidar de pais idosos enquanto ainda estão cuidando dos próprios filhos, e essa dupla obrigação pode criar estresse. Quando adultos tomam conta de seus pais, ambas as partes devem se adaptar a uma inversão de seus papéis anteriores, e os cuidadores não apenas enfrentam a perda potencial de seus pais como também devem lidar com evidências de sua própria mortalidade. Alguns cuidadores abusam de seus pais idosos – um problema que agora vem recebendo mais atenção. O abuso é mais provável em caso de problemas de abuso de substâncias, estresse econômico e ausência de alívio de seus deveres de cuidadores, ou quando o pai ou mãe está preso à cama ou tem uma doença crônica que requer atenção constante. Mais mulheres são abusadas do que homens, e a maioria dos abusos ocorre em pessoas com mais de 75 anos de idade. O desenvolvimento de uma doença crônica em um membro da família estressa o sistema familiar e requer adaptação tanto por parte da pessoa doente quanto dos demais familiares. A pessoa que ficou doente com freqüência precisa enfrentar a perda de sua autonomia, a sensação de vulnerabilidade e até um regime médico estrito. Os outros membros devem vivenciar a perda da pessoa como ela era antes da doença e assumir responsabilidades substanciais como cuidadores – por exemplo, em doenças neurológicas debilitantes, incluindo demência do tipo Alzheimer, ou doenças como a síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) e o câncer. Nesses casos, a unidade familiar como um todo tem que
PROBLEMAS DE RELACIONAMENTO
937
lidar com o estresse da perspectiva da morte, bem como da doença atual. Algumas famílias usam a raiva gerada por essas situações para criar organizações de apoio, aumentar a conscientização pública sobre a doença e se unir em torno do indivíduo doente. Mas a doença crônica tende a produzir depressão em membros da família e pode fazer com que eles se retraiam ou ataquem uns aos outros. O fardo de cuidar de um familiar doente recai desproporcionalmente sobre as mulheres – mães, filhas e noras. Doenças emocionais crônicas também demandam grandes adaptações por parte das famílias. Por exemplo, estas podem reagir com caos ou medo às produções psicóticas de um familiar com esquizofrenia. A regressão, as emoções exageradas, as hospitalizações freqüentes e a dependência econômica e social podem estressar o sistema familiar. Os membros da família podem reagir com sentimentos hostis (referidos como emoção expressada), que estão associados a um mau prognóstico para a pessoa doente. Da mesma forma, alguém com transtorno bipolar I pode perturbar sua família, em particular durante episódios maníacos. Uma crise familiar pode ocorrer quando a doença afeta de forma súbita uma pessoa anteriormente saudável, quando ocorre mais cedo do que seria esperado no ciclo da vida (algum comprometimento das capacidades físicas é esperado na velhice, embora muitas pessoas mais velhas sejam saudáveis), quando afeta a estabilidade econômica da família e quando pouco se pode fazer para melhorar ou aliviar a condição do membro afetado.
mento de uma criança com defeitos congênitos, como paralisia cerebral, cegueira ou surdez, também pode desestabilizar a relação. Essas situações, que não são raras, desafiam os recursos emocionais das pessoas envolvidas. Pais e filhos devem encarar perdas presentes e potenciais e ajustar suas vidas diárias física, econômica e emocionalmente. Tais condições podem causar tensão nas famílias mais saudáveis e produzir problemas entre pais e filhos não apenas envolvendo a pessoa doente, mas também membros da família não-afetados. Em uma família com um filho muito doente, os pais podem se ressentir, preferir ou negligenciar os outros filhos porque a criança doente requer muito tempo e atenção. Pais com filhos que têm transtornos emocionais enfrentam problemas específicos, dependendo do tipo de doenças. Em famílias com um filho esquizofrênico, o tratamento familiar é benéfico e melhora o ajustamento social. Da mesma forma, a terapia familiar é útil quando um dos filhos tem transtorno do humor. Em famílias com crianças ou adolescentes que abusam de substâncias, o envolvimento familiar é crucial para ajudar a controlar o comportamento de busca por drogas e permitir a todos os membros verbalizar os sentimentos de frustração e raiva que estão presentes. As crises normais do desenvolvimento também podem estar relacionadas a problemas entre pais e filhos. Por exemplo, a adolescência é uma época de conflitos freqüentes, pois o adolescente resiste às regras e demanda cada vez mais autonomia, ao mesmo tempo em que suscita um controle protetor ao exibir comportamentos imaturos e perigosos.
PROBLEMA DE RELACIONAMENTO PAI/MÃE-FILHO
Um casal com três filhos, de 18, 15 e 11 anos, apresentava sofrimento em relação ao comportamento do filho do meio. A família tinha sido coesa, com relacionamento satisfatório entre todos os membros, até seis meses antes da consulta. Na época, o filho de 15 anos começou a namorar uma menina de uma família que, em comparação, exercia muito menos supervisão sobre os filhos. Brigas freqüentes tinham se desenvolvido entre os pais e o filho a respeito de saídas noturnas durante a semana, limite de horário para voltar para casa e negligência dos trabalhos escolares. A combatividade e a diminuição do rendimento escolar do filho incomodavam muito os pais. Eles não tinham passado por conflitos semelhantes com o filho mais velho. No entanto, o adolescente mantinha um bom relacionamento com seus irmãos e amigos, não apresentava problemas de comportamento na escola, continuava a participar do time de basquete da escola e não era usuário de substâncias.
Os pais diferem muito quanto à percepção das necessidades de seus filhos. Alguns notam rapidamente o humor e as necessidades da criança, outros demoram mais a responder. A responsividade parental interage com o temperamento da criança e afeta a qualidade do apego entre os dois. Segundo o DSM-IV-TR, esse diagnóstico se aplica quando o foco da atenção clínica é um padrão de interação entre um dos pais e o filho, que está associado a um comprometimento clínico significativo no funcionamento do indivíduo ou da família ou a sintomas clínicos significativos. Exemplos incluem comunicação comprometida, superproteção e disciplina inadequada. Dificuldades em muitas situações complicam a interação habitual entre pais e filhos. Em uma família na qual os pais são divorciados, os problemas podem surgir no relacionamento tanto com o pai que tem a guarda dos filhos quanto com o que não tem. O novo casamento de um pai ou mãe divorciado ou viúvo também pode levar a problemas com os filhos. O ressentimento de um padrasto ou madrasta em relação a um enteado, e o favorecimento dos filhos naturais são reações comuns nas fases iniciais de ajustamento de uma nova família. Quando o segundo filho nasce, pode haver tanto estresse familiar quanto felicidade, embora esta seja a emoção dominante na maioria das famílias. O nascimento de um filho também pode ser problemático quando os pais tinham adotado uma criança por acreditarem que eram estéreis. Outras situações que podem gerar problemas entre pais e filhos são o desenvolvimento de doenças fatais, incapacitantes ou crônicas, como leucemia, epilepsia, anemia falciforme ou lesões da medula espinal, tanto nos pais quanto nos filhos. O nasci-
Creches A qualidade de cuidados durante os três primeiros anos de vida é fundamental para o desenvolvimento neuropsicológico. Em 1997, um estudo realizado pelo National Institute of Child Health and Human Development (Instituto Nacional de Saúde Infantil e Desenvolvimento Humano) indicou que o uso de creches não era prejudicial às crianças, desde que cuidadores e professores oferecessem cuidados consistentes, empáticos e afetuosos. Infelizmente, nem todas as creches podem satisfazer este nível de cuidados, em especial aquelas localizadas em áreas urbanas
938
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
pobres. Crianças que recebem cuidados insatisfatórios exibem menos habilidades intelectuais e verbais, o que indica desenvolvimento neurocognitivo retardado. Elas também podem se tornar irritáveis, ansiosas ou deprimidas, o que interfere na ligação entre pais e filhos, e são menos assertivas e têm menos controle dos esfincteres aos 5 anos de idade. Hoje, mais de 55% das mulheres americanas trabalham fora de casa, muitas das quais não têm escolha senão colocar seus filhos em creches. Cerca de 40% dos alunos das faculdades de medicina são mulheres. No entanto, pouco centros médicos tomam providências adequadas em termos de creches para suas alunas e profissionais. Da mesma forma, as empresas precisam oferecer cuidados de alta qualidade para os filhos de suas funcionárias. Essa abordagem não apenas beneficia as crianças como também representa benefícios econômicos como resultado da redução das faltas ao trabalho, do aumento da produtividade e da maior felicidade das mães que trabalham. Esses programas têm o benefício adicional de diminuir o estresse no casamento. PROBLEMA DE RELACIONAMENTO COM PARCEIRO Segundo o DSM-IV-TR, os clínicos devem usar esta categoria quando o foco da atenção clínica é um padrão de interação entre os cônjuges ou parceiros. Esses problemas se caracterizam por comunicação negativa (p. ex., críticas), distorcida (p. ex., expectativas pouco realistas) ou ausente (p. ex., retraimento), associada a um comprometimento clinicamente significativo no funcionamento do indivíduo ou da família ou a sintomas em um ou ambos os parceiros. Quando uma pessoa tem problemas de relacionamento com seu parceiro, os psiquiatras devem avaliar se o sofrimento tem origem no relacionamento ou em um transtorno mental. Os transtornos mentais são mais comuns em pessoas solteiras – que nunca se casaram ou que são viúvas, separadas ou divorciadas – do que entre casadas. Os clínicos devem avaliar a história evolutiva, sexual, ocupacional e de relacionamentos para fins de diagnóstico. (O divórcio é discutido no Capítulo 2, Seção 2.4, e a terapia de casal é discutida no Capítulo 35, Seção 35.4.) O casamento exige um nível constante de adaptação de ambos os parceiros. Em um casamento problemático, o terapeuta pode encorajar os parceiros a explorar áreas como a extensão da comunicação entre eles, a forma de resolver disputas, as atitudes quanto à criação dos filhos, seus relacionamentos com os sogros, suas atitudes em relação à vida social, o modo de lidar com as finanças e sua interação sexual. O nascimento de um filho, um aborto espontâneo ou induzido, o estresse econômico, mudanças para novas áreas, episódios de doença, grandes mudanças na carreira e qualquer situação que envolva uma mudança significativa nos papéis conjugais podem precipitar períodos estressantes no relacionamento. A doença de um filho exerce o maior nível de tensão no casamento, e casamentos nos quais um filho morreu por doença ou acidente terminam em divórcio na maioria das vezes. Queixas de anorgasmia ou impotência por parte de parceiros conjugais geralmente indicam problemas intrapsíquicos, embora a insatisfação sexual esteja envolvida em muitos casos de má adaptação conjugal.
A adaptação aos papéis conjugais pode ser um problema quando os parceiros são de origens muito diferentes e cresceram com sistemas de valores distintos. Por exemplo, membros de grupos de baixo status socioeconômico percebem a esposa como responsável pela maioria das decisões da família e aceitam punições físicas como forma de disciplinar os filhos. Pessoas de classe média percebem os processos de tomada de decisão na família como compartilhados, com o marido muitas vezes sendo o árbitro, e preferem disciplinar as crianças de forma verbal. Problemas que envolvem conflitos de valores, adaptação a novos papéis e má comunicação são tratados com maior eficácia quando o terapeuta e os parceiros examinam o relacionamento do casal, como na terapia conjugal. Casamento de médicos Os médicos têm risco de divórcio mais alto do que outros grupos ocupacionais. Um estudo de 1997 relatado no New England Journal of Medicine constatou que a incidência de divórcio entre médicos era de 29%. A escolha da especialidade influenciava essa taxa. A mais alta ocorria entre psiquiatras (50%), seguida de cirurgiões (33%) e internistas, pediatras e patologistas (31%). A idade média do primeiro casamento era de 26 anos em todos os grupos. Não está claro por que os médicos (incluindo os psiquiatras) têm maior risco de divórcio. Os fatores implicados incluem o estresse de lidar com a morte dos pacientes, tomar decisões de vida ou morte, trabalhar muitas horas e o risco constante de processos por má prática. Esses estressores podem predispô-los a uma variedade de problemas emocionais, sendo os mais comuns a depressão e o abuso de substâncias, incluindo o alcoolismo. Essas pessoas em geral não conseguem lidar com as interações complexas necessárias para manter um relacionamento de qualquer tipo por muito tempo, e o casamento requer mais habilidades interpessoais do que qualquer outra relação. PROBLEMA DE RELACIONAMENTO COM O IRMÃO Segundo o DSM-IV-TR, os clínicos devem usar esta categoria quando o foco da atenção clínica é um padrão de interação entre irmãos associado a um comprometimento clinicamente significativo do funcionamento do indivíduo ou da família ou a sintomas em um ou mais dos irmãos. Os problemas que surgem da rivalidade entre eles podem ocorrer a partir do nascimento de um filho e retornar à medida que crescem. A competição entre os filhos pela atenção, pelo afeto e pela estima de seus pais é um fato da vida familiar. Essa rivalidade pode se estender para outras pessoas fora da família e continuar sendo um fator na competitividade normal e anormal ao longo de toda a vida. Em algumas famílias, os filhos recebem rótulos desde muito cedo, como “o filho bom” ou “a ovelha negra”, e podem transformar esses rótulos em profecias auto-realizáveis. No bom relacionamento entre irmãos, os prazeres do companheirismo e os laços criados pelo sangue e as experiências compartilhadas são mais fortes do que os sentimentos de rivalidade.
MEDICINA COMPLEMENTAR E
PROBLEMA DE RELACIONAMENTO SEM OUTRA ESPECIFICAÇÃO Os preconceitos raciais e religiosos podem causar problemas em relacionamentos interpessoais. Alguns cientistas sociais acreditam que o racismo e a intolerância religiosa têm apenas uma fraca base psicológica, e enfatizam fatores sociais e de classe como causais. Outros vêem os preconceitos como uma atitude aprendida e os consideram uma variante cultural. Vários psiquiatras consideram que as pessoas são motivadas a mudar seus preconceitos somente se os considerarem parte de um transtorno mental. Quando é uma defesa mal-adaptativa construída para proteger a pessoa de sentimentos profundos de inadequação, o preconceito envolve a projeção de atributos indesejados e desvalorizados no grupo rejeitado. No local de trabalho, o assédio sexual muitas vezes é uma combinação de interações sexuais inapropriadas, demonstrações de poder e de dominação e expressões de estereótipos de gênero negativos. As dificuldades de relacionamento que resultam do assédio sexual podem ser classificadas nessa categoria. REFERÊNCIAS Brody GH, Stoneman Z, Gauger K. Parent–child relationships, family problem-solving behavior, and sibling relationship quality: the moderating role of sibling temperaments. Child Dev. 1996;67:1289. Cook WL. Interdependence and the interpersonal sense of control: an analysis of family relationships. J Pers Soc Psychol. 1993;64:587. Cummings EM, Goeke-Morey MC, Graham MA. Interparental relations as a dimension of parenting. In: Borkowski JG, Ramey SL, eds. Parenting and the Social-Emotional Development. Monographs in parenting. Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum Associates; 2002:251. Flanagan KM, Clements ML, Whitton SW, Portney MJ, Randall DW. Markman HJ. Retrospect and prospect in the psychological study
ALTERNATIVA EM PSIQUIATRIA
939
of marital and couple relationships. In: McHale JP, Grolnick WS, eds. Retrospect and Prospect in the Psychological Study of Families. Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum Associates; 2002:99. Galambos NL. Parent–adolescent relations. Curr Direct Psychol Sci. 1992;1:146. Gonzales NA, Caute AM, Friedman RJ, Mason CA. Family, peer, and neighborhood influences on academic achievement among AfricanAmerican adolescents; one-year prospective effects. Am J Community Psychol. 1996;24:365. Hibbs ED, Hamburger SD, Kruesi MJ, Lenane M. Factors aftecting expressed emotion parents of ill and normal children. Am J Orthopsychiatry. 1993;63:103. Jouriles EN, Farris AM. Effects of marital conflict on subsequent parent–son interactions. Behav Ther. 1992;23:355. Leach P, Eyer DE. Women’s behavior: do mothers harm their children when they work outside the home? In: Walsh MR, ed. Women, Men, & Gender: Ongoing Debates. New Haven: Yale University Press; 1997:383. Legazpi-Blair MC, Blair SL. Choice of child cace and mother–child interaction: racial/ethnic distinctions in the maternal experience. In: Jacobson CK, ed. American Families: in Race and Ethnicity. New York: Garland Publishing; 1995:261. Newman J. The more the merrier? Eftects of family size and sibling spacing on sibling relationships. Child Care Health Dev. 1996; 22: 285. Robinson BE. Relationship between work addiction and family functioning: clinical implications for marriage and family therapists. J Fam Psychother. 1996;7:13. Teti DM. Retrospect and prospect in the psychological study of sibling relationships. In: McHale JP, Grolnick WS, eds. Retrospect and Prospect in the Psychological Study of Families. Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum Associates; 2002:193. Tuttle DH, Cornell DG. Maternal labeling of gifted children: effects on the sibling relationship. Except Child. 1993;59:402. Van der Henst J-B, Sperber D, Politzer G. When is a conclusion worth deriving? A relevance-based analysis of indeterminate relational problems. Thinking & Reasoning. 2002;8:1. Verhulst JMF. Relational problems. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:1888.
32 Problemas relacionados a abuso e negligência
A
revisão de texto da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR) especifica cinco problemas relacionados a abuso e negligência: (1) abuso físico da criança, (2) abuso sexual da criança, (3) negligência da criança, (4) abuso físico do adulto e (5) abuso sexual do adulto (Tab. 32-1). O abuso físico do adulto inclui abuso do cônjuge ou parceiro e abuso de pessoas idosas. O sexual inclui estupro, coerção sexual e assédio sexual. ABUSO E NEGLIGÊNCIA DA CRIANÇA Meninas e meninos de todas as idades, grupos étnicos e níveis socioeconômicos experimentam taxas extremanente altas de abuso e negligência, que estão associadas com uma ampla variedade de problemas emocionais e sintomas psiquiátricos. Crianças espancadas ou queimadas, agredidas sexualmente ou privadas de alimento, vestuário e abrigo podem sucumbir ou conviver com as conseqüências. Na maioria dos casos de incesto persistente, as crianças abusadas são ameaçadas com mais abuso ou abandono se revelarem os segredos da família; tal tratamento as deixa na posição irreconciliável de suportar em silêncio o abuso contínuo ou arriscar a perda total de suas famílias. Aquelas que sofreram abuso físico ou sexual exibem muitos transtornos psiquiátricos, incluindo ansiedade, comportamento agressivo, ideação paranóide, transtorno de estresse pós-traumático, transtornos depressivos e maior risco de comportamento suicida. O abuso parece aumentar o risco de problema psiquiátrico em crianças já vulneráveis, e filhos maltratados de pais com psicopatologia têm mais probabilidade de experimentar um transtorno mental do que filhos não-maltratados de pais perturbados. As crianças que sofreram abuso sexual têm, segundo relatos, uma freqüência aumentada de baixa auto-estima, depressão, transtornos dissociativos e abuso de substâncias. Maus-tratos crônicos parecem promover comportamento agressivo e violento em crianças vulneráveis. Epidemiologia De acordo com o U.S. Department of Health and Human Services (Departamento de Serviços de Saúde e Humanos dos Estados Unidos), cerca de 29 milhões de casos de possível abuso e negli-
gência da criança foram denunciados a órgãos de serviços sociais em 1999, e cerca de 826 mil desses casos foram confirmados. Em 1999, 58,4% das vítimas sofreram negligência, 21,3% sofreram abuso físico e 1,3% foram sexualmente molestadas. Nos Estados Unidos, estima-se que abuso e negligência causaram aproximadamente 1.100 mortes. Estima-se que uma em cada 3 a 4 meninas e um em cada 7 a 8 meninos serão sexualmente agredidos até os 18 anos de idade. As taxas reais de ocorrência talvez sejam mais altas do que essas estimativas, porque muitos casos de crianças maltratadas deixam de ser reconhecidos, e várias das vítimas relutam em denunciar o abuso. Das crianças fisicamente maltratadas, 32% têm menos de 5 anos de idade; 27% têm entre 5 e 9 anos; 27% têm entre 10 e 14 anos e 14% têm entre 15 e 18 anos. Mais de 50% de todas as que sofrem abuso e negligência nasceram de forma prematura ou tiveram baixo peso neonatal. A maioria dos maus-tratos de crianças é perpetrada pelos pais (75%), por outros parentes (15%) ou por um cuidador (10%). Os ataques sexuais de crianças por grupos de outras crianças aumentaram nos últimos anos. De 1.600 transgressores jovens cujos casos de abuso sexual de outras crianças foram analisados por um centro de prevenção de abuso de uma universidade, mais de 25% tinham começado antes dos 12 anos de idade. Os líderes de grupo com freqüência já sofreram abuso. Entretanto, os seguidores pareciam sucumbir à pressão do grupo e a uma sociedade que dá destaque à violência e a liga ao sexo. Etiologia Muitos fatores contribuem para o abuso e a negligência infantis. Pais abusivos com freqüência já foram vítimas de abuso físico e sexual e de exposição a longo prazo à violência doméstica, que são promotores poderosos da agressividade. Portanto, pais criados com punição corporal e tratamento cruel por suas próprias famílias podem dar continuidade à tradição de abuso. Em alguns casos, os adultos acreditam que seus métodos são formas aceitáveis de ensinar disciplina. Em outros, os pais são ambivalentes em relação a seus métodos de parentagem abusiva, mas julgam não ter mecanismos de manejo e, assim, praticam comportamentos semelhantes àqueles de seus próprios pais. Condições de vida estressantes, como superlotação e pobreza, podem contribuir para o comportamento agressivo e para o abuso físico de crianças. Isolamento social, falta de um sistema de
PROBLEMAS RELACIONADOS A
TABELA 32-1 Problemas relacionados com abuso ou negligência conforme o DSM-IV-TR Abuso físico de criança Esta categoria deve ser usada quando o foco de atenção clínica é o abuso físico de uma criança. Abuso sexual de criança Esta categia deve ser usada quando o foco de atenção clínica é o abuso sexual de uma criança. Negligência para com a criança Esta categoria deve ser usada quando o foco de atenção clínica é a negligência para com a criança. Abuso físico de adulto Esta categoria deve ser usada quando o foco de atenção clínica é o uso físico de um adulto (p ex., espancamento do cônjugue, abuso do pai idoso). Abuso sexual do adulto Esta categoria deve ser usada quando o foco de atenção clínica é o abuso sexual de um adulto (p. ex., coerção sexual, estupro). Reimpressa, com permissão, de American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Copyright, Washington, DC: American Psychiatric Association; 1994.
apoio e abuso de substâncias aumentam o potencial para tratamento abusivo e negligente de crianças. Quando crises como desemprego, problemas de habitação e necessidades financeiras aumentam os níveis de estresse em famílias vulneráveis, pode ocorrer abuso e negligência. Transtornos mentais podem desempenhar um papel no abuso e na negligência da criança na medida em que o julgamento e os processos de pensamento de um pai podem estar prejudicados. Pais deprimidos ou psicóticos ou que têm transtornos da personalidade graves podem ver seus filhos como maus ou como tentando enlouquecê-los. Certas características podem aumentar a vulnerabilidade de uma criança à negligência e ao abuso físico e sexual. As prematuras, as mentalmente deficientes ou fisicamente incapacitadas e aquelas que choram demais ou são muito exigentes – as chamadas crianças difíceis – podem ter um alto risco para abuso ou negligência. Muitas das que são maltratadas são percebidas por seus pais como diferentes, lentas no desenvolvimento, más, egoístas ou difíceis de educar. As hiperativas são particularmente vulneráveis ao abuso, em especial quando têm pais com capacidades limitadas de comportamento afetuoso. Aquela que é objeto de abuso físico também é conhecida como criança espancada. O perpetrador de abuso físico costuma ser com mais freqüência a mãe e não o pai. Um destes é o espancador ativo, e o outro aceita o espancamento com passividade. De um grupo de perpetradores estudados, 80% estavam vivendo nas casas das crianças que maltratavam. Mais de 80% das vítimas estudadas moravam com pais casados, e cerca de 20%, com um pai solteiro. Segundo relatos, a idade média de uma mãe que maltrata seus filhos é de 26 anos; a do pai, 30 anos. Muitas crianças maltratadas vêm de lares pobres, e as famílias tendem a ser isoladas em termos sociais. Pais abusivos têm expectativas inadequadas de seus filhos, com uma inversão da relação de dependência. Tratam o filho maltratado como se este fosse mais velho do que eles. Um dos pais em
ABUSO E NEGLIGÊNCIA
941
geral volta-se para o filho em busca de reafirmação, carinho, conforto e proteção, e espera uma resposta amorosa. Noventa por cento desses pais foram maltratados fisicamente por suas próprias mães ou pais. Em geral homens perpetram abuso sexual, embora mulheres, agindo em combinação com homens ou sozinhas, também estejam envolvidas, em especial nos casos de pornografia infantil. Os homens são os perpetradores em cerca de 90% dos abusos sexuais de meninas e em cerca de 80% dos abusos de meninos. Os perpetradores de abuso sexual tendem a ser conhecidos da criança e, em muitos casos, foram vítimas de abuso físico ou sexual. Em algumas circunstâncias, pedofilia é um fator; o perpetrador adulto é mais excitado por crianças do que por parceiros adultos. Muitas vezes, entretanto, o perpetrador não tem preferência por parceiros sexuais infantis. Em algumas situações, ocorre tanto abuso sexual quanto físico. Diagnóstico e características clínicas Abuso físico. Os médicos devem sempre considerar abuso físico quando uma criança apresenta contusões ou ferimentos que não podem ser explicados de forma adequada ou que são incompatíveis com a história apresentada. Indicadores físicos suspeitos são contusões e marcas que formam padrões simétricos, como ferimentos em ambos os lados do rosto e padrões regulares nas costas, nas nádegas e nas coxas; é improvável que ferimentos acidentais resultem em padrões simétricos. As contusões podem ter a forma do instrumento usado para provocá-las, como a fivela de um cinto ou uma corda. Queimaduras por cigarros resultam em cicatrizes simétricas, redondas, e imersões em água fervendo produzem queimaduras que se parecem com meias ou luvas ou que têm o formato de uma rosca. Agressão física pode causar fraturas múltiplas e espirais, especialmente em um bebê; hemorragias retinais em crianças muito pequenas podem ser decorrentes de sacudidas. Crianças trazidas várias vezes a hospitais para tratamento de problemas peculiares ou enigmáticos por pais cooperativos demais podem ser vítimas de síndrome de Munchausen por procuração, ou seja, transtorno factício. Nesse cenário abusivo, um dos pais cria uma doença ou causa um ferimento na criança – injetando toxinas ou induzindo-a a ingerir drogas ou toxinas para causar diarréia, desidratação ou outros sintomas – e então procura ajuda médica de forma zelosa e ansiosa. Visto que os pais patológicos mostram-se bastante submissos e preocupados, esse diagnóstico é difícil de se estabelecer. Em pronto-socorros, crianças gravemente maltratadas mostram evidência externa de trauma corporal, contusões, abrasões, cortes, lacerações, queimaduras, edemas de tecido mole e hematomas (Fig. 32-1). Desidratação hipernatrêmica, após privação periódica de água por parte de mães psicóticas, é outra forma de abuso. Incapacidade de mover certas extremidades devido a deslocamentos e fraturas associada a sinais neurológicos de dano intracraniano também podem indicar trauma infligido. Outros sinais e sintomas clínicos atribuídos a abuso físico podem incluir lesões a órgãos internos. Trauma abdominal pode resultar em rupturas inexplicadas do estômago, do intestino, do fígado ou do
942
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
FIGURA 32-1 Um menino de 3 anos e meio, trazido ao pronto-socorro, tinha queimaduras de segundo grau nas nádegas, no períneo, nas mãos e nos pés. Sua mãe relatou que a criança caiu acidentalmente dentro de uma banheira com água quente enquanto ela se preparava para lhe dar um banho. O exame físico não revelou evidência de queimaduras ao longo da área do corpo. A localização das queimaduras levou os médicos a suspeitarem de que as nádegas da criança tinham sido forçadas para dentro da água fervente, e, em uma tentativa de não ser submergido, ele estendeu seus pés e mãos para dentro da água. As lesões de escaldadura nos pés, no períneo e nas nádegas causaram áreas de queimadura correspondentes à postura da criança na submersão. A mãe admitiu mais tarde que um namorado tinha colocado a criança dentro da banheira de água quente enquanto ela estava fazendo compras. (Cortesia de Vincent J. Fontana, M.D.)
pâncreas, com manifestações de uma lesão do abdome. Crianças com lesões de maus-tratos mais graves chegam ao hospital ou ao consultório do médico em coma ou com convulsões; algumas chegam mortas. Em relação ao comportamento, as crianças maltratadas podem parecer retraídas e amedrontadas ou apresentar comportamento agressivo e humor lábil. Com freqüência exibem depressão, baixa auto-estima e ansiedade. Podem tentar disfarçar as lesões e tendem a ser reticentes ao revelar o abuso, por medo de retaliação. Crianças maltratadas apresentam algum atraso nos marcos do desenvolvimento, podem ter dificuldades nos relacionamentos com iguais e envolver-se em comportamentos autodestrutivos ou suicidas. Um menino de 16 meses foi trazido ao pronto-socorro do hospital devido a queimaduras por água fervente. Apresentava marcas de eritema em seu abdome, nas porções inferiores das pernas e na face medial da parte superior dos braços. A área das fraldas tinha sido protegida da temperatura elevada. Enquanto a equipe médica prosseguia com a avaliação e o tratamento, a assistente social entrevistou os pais separadamente. O pai relatou que estava tentando aquecer a mamadeira colocando-a na banheira e deixando a água quente correr sobre ela. Ele voltou em alguns minutos e encontrou a criança, que havia escalado a banheira, imersa em cerca de 5 cm de água quente. A mãe confirmou que estava ocupada e tinha pedido ao pai para aquecer a mamadeira na banheira. A assistente social achou que o padrão das queimaduras era
consistente com a história; não se parecia com aquele visto na submersão forçada. Embora os relatos dos pais fossem incomuns, eles confirmaram a história um do outro, a qual foi consistente com as lesões. A assistente social concluiu que não se tratava de abuso, mas poderia constituir negligência. Ela notificou os serviços de proteção à criança. (Cortesia de Bessel A. van der Kolk, M.D.) Abuso sexual. Adultos pertencentes à família imediata ou extensiva de uma criança cometem a maioria dos abusos sexuais. Portanto, as vítimas, em geral, conhecem o agressor, que costuma ser um membro da família altamente confiável com uma posição de autoridade e com amplo acesso à criança (Tab. 32-2). A maioria dos casos de abuso sexual envolvendo crianças nunca é revelada devido a sentimentos de culpa, vergonha, ignorância e tolerância da vítima, combinados com alguma relutância dos médicos em reconhecer e denunciar o abuso sexual, da insistência da justiça em regras estritas de evidência e dos medos de dissolução da família se o problema for descoberto. Apesar de seus papéis familiares, os agressores sexuais com freqüência ameaçam ferir, matar ou abandonar as crianças se os eventos forem revelados. A incidência de abuso e de pornografia infantil, que é uma forma de abuso sexual, é muito mais alta do que se supunha. As crianças podem ser sexualmente molestadas desde a infância até a adolescência. Abuso sexual tem sido relatado em escolas, creches e instituições, onde cuidadores adultos são os principais agressores. O medo, a vergonha e a culpa que contribuem para a reticência de uma criança em revelar o abuso sexual também complicam a
PROBLEMAS RELACIONADOS A
TABELA 32-2 Abuso sexual de crianças Casos denunciados nos Estados Unidos, 1985a Prevalência de abuso de homens Prevalência de abuso de mulheres Perpetradores Pai ou padrasto Tios ou irmãos mais velhos Amigos Estranhos Atividade sexual Coito Sexo oral e coito Tocar a genitália Idade Fatores de alto risco
Motivação do abusador relatada
123.000 3-31% 6-62% 7-8% 16-42% 32-60% 1% 16-29% 3-11% 13-33% Pico entre 9 e 12 anos 25% abaixo de 8 anos Criança vivendo em lar de pai solteiro Conflito conjugal História de abuso físico Aumento no abuso sexual Impulsos pedofílicos Sem outro objeto sexual Incapacidade de adiar gratificação
aAs estimativas atuais são de 150.000 a 200.000 novos casos a cada ano. Dados de Finklehor D. The sexual abuse of children: current research reviewed. Psychiatr Ann, 1987, 7:4. As porcentagens podem totalizar mais de 100% devido à sobreposição de estudos.
identificação do episódio. Em geral, nenhuma evidência definitiva pode provar a ocorrência de abuso sexual. Indicadores físicos incluem machucados, dor e coceira na região genital. Sangramento genital ou retal pode ser um sinal de molestamento. Infecções do trato urinário e corrimentos vaginais recorrentes podem estar relacionados a abuso. Doenças sexualmente transmissíveis e dificuldade para caminhar e sentar levantam a suspeita. Nenhuma manifestação comportamental específica prova que ocorreu abuso sexual, mas as crianças podem exibir muitos comportamentos significativos. Crianças pequenas que têm um conhecimento detalhado de atos sexuais em geral testemunharam ou participaram de comportamento sexual. As sexualmente molestadas podem exibir seu conhecimento sexual através do jogo e iniciar comportamentos sexuais com amiguinhos. Comportamento agressivo é comum entre as vítimas. Crianças que têm muito medo de adultos, particularmente de homens, podem ter sido submetidas a abuso sexual. Os médicos devem escutar com atenção seus relatos de agressões sexuais mesmo quando partes de suas histórias não são consistentes. Quando uma criança começa a revelar informação sobre agressões sexuais, retratações e contradições são típicas, e a ansiedade pode impedir a total revelação. Esse diagnóstico é repleto de armadilhas. Estima-se que de 2 a 8% das alegações de abuso sexual sejam falsas. Uma porcentagem muito mais alta de denúncias não pode ser confirmada. Várias investigações são feitas de forma apressada ou realizadas por avaliadores inexperientes. Em casos de custódia, uma alegação de abuso sexual pode ser uma manobra para limitar os direitos de visitação de um dos pais. A declaração de abuso sexual por parte de uma criança em idade pré-escolar é difícil de avaliar devido ao desenvolvimento cognitivo e de linguagem imaturo da criança. O uso de bonecos anatomicamente corretos cresceu em popula-
ABUSO E NEGLIGÊNCIA
943
ridade, mas é controverso. Avaliações pacientes e cuidadosas por profissionais experientes e objetivos são necessárias, e perguntas capciosas devem ser evitadas. Crianças com menos de 3 anos de idade provavelmente não produzirão uma memória verbal de trauma ou abusos passados, mas sua experiência pode ser refletida no jogo ou em fantasias. Algumas satisfazem os critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno de estresse pós-traumático. Nenhum sintoma psiquiátrico específico resulta de abuso sexual. A vulnerabilidade às seqüelas do abuso sexual depende do tipo de abuso, de sua cronicidade, da idade da criança e do relacionamento entre a vítima e o agressor. Os efeitos psicológicos e físicos do abuso sexual podem ser devastadores e duradouros. Crianças sexualmente estimuladas por um adulto sentem ansiedade e hiperexcitação, perdem a confiança em si mesmas e tornam-se desconfiadas de adultos. Sedução, incesto e estupro são fatores predisponentes importantes à formação posterior de sintomas como fobias, ansiedade e depressão. Crianças molestadas tendem a ser hiperalertas a agressão externa conforme demonstrado por uma incapacidade de lidar com seus próprios impulsos agressivos em relação a outros ou com a hostilidade de outros a elas dirigida. Sentimentos depressivos, em geral combinados com vergonha, culpa e um senso de dano permanente, tendem a ser relatados entre crianças molestadas. Adolescentes que sofreram abuso sexual são citados como apresentando altas taxas de comportamento autodestrutivo e suicida e controle dos impulsos insatisfatório. Transtorno de estresse pós-traumático e transtornos dissociativos são comuns em adultos sexualmente molestados na infância. Abuso sexual é um fator preexistente comum no desenvolvimento de transtorno dissociativo de identidade (também conhecido como transtorno da personalidade múltipla). Os sinais de dissociação incluem períodos nos quais as crianças têm amnésia, não sentem dor ou acham que são outra pessoa. Transtorno da personalidade borderline foi relatado em alguns pacientes com história de abuso sexual. Abuso de substâncias também foi referido com alta freqüência entre adolescentes e adultos sexualmente molestados quando crianças. INCESTO. É definido como a ocorrência de relações sexuais entre parentes consangüíneos próximos. Uma definição mais ampla descreve incesto como intercurso sexual entre participantes que estão relacionados entre si por um vínculo de parentesco formal ou informal que é culturalmente considerado como uma barreira a relações sexuais. Por exemplo, relações entre padrastos/madrastas e enteados ou entre meio-irmãos costumam ser consideradas incestuosas, mesmo que não exista relacionamento consangüíneo. Os sociólogos salientaram o papel das proibições de incesto como fatores de socialização, e fatores biológicos também apóiam o tabu. Grupos de procriação consangüínea arriscam-se a expor genes recessivos letais ou prejudiciais e a prole desses indivíduos tende a ser menos ajustada do que a prole menos relacionada. Os antropólogos observaram que diferentes culturas têm diferentes tipos de tabus de incesto. Em Totem e Tabu, Sigmund Freud desenvolveu o conceito da horda primária, na qual homens jovens assassinavam o patriarca do grupo, que detinha todas as mulheres para si. Segundo ele, o tabu do incesto surgiu tanto da culpa pelo assassinato como de um desejo do grupo de prevenir uma
944
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
repetição do ato, nova rivalidade após o assassinato, e subseqüente desintegração da horda. Pais, padrastos, tios e irmãos mais velhos muitas vezes abusam de crianças. Uma mãe passiva, doente, ausente ou de algum modo incapacitada, uma filha que assume um papel maternal na família, um pai que abusa de álcool e superlotação são aspectos de incesto pai-filha comum em muitos lares. Incesto mãe-filho é o tabu mais forte e mais universal e a forma mais rara de incesto. Tal comportamento em geral indica psicopatologia mais grave nos participantes do que no caso de incesto de pai-filha e de irmãos. Números precisos sobre a incidência de incesto são difíceis de obter devido à vergonha e ao embaraço das famílias. As meninas são vítimas mais freqüentes do que os meninos. Nos Estados Unidos, cerca de 15 milhões de mulheres foram objeto de atenção incestuosa, e um terço de todas as pessoas sexualmente molestadas o foram antes dos 9 anos de idade. O comportamento incestuoso é relatado com maior recorrência entre famílias de condição socioeconômica baixa. Essa diferença pode ser causada por um maior contato com autoridades informantes como assistentes sociais, funcionários da saúde pública e policiais, e não reflete, de fato, uma incidência mais alta. O incesto é ocultado com maior facilidade por famílias economicamente estáveis do que por aquelas de condição socioeconômica baixa. Fatores sociais, culturais, fisiológicos e psicológicos contribuem para a quebra do tabu de incesto. Comportamento incestuoso foi associado a abuso de álcool, superlotação, proximidade física aumentada e isolamento rural que impede contatos extrafamiliares adequados. Algumas comunidades são mais tolerantes ao comportamento incestuoso do que a sociedade em geral. Transtornos mentais maiores e deficiências intelectuais podem contribuir para o incesto. Alguns terapeutas de família vêem esta prática como uma defesa que visa a manter uma unidade familiar disfuncional. O participante mais velho e mais forte no comportamento incestuoso costuma ser o homem. Portanto, o incesto pode ser visto como uma forma de abuso da criança, uma pedofilia ou uma variante de estupro. Cerca de 75% dos casos relatados envolvem incesto de paifilha, mas os pais em geral negam a ocorrência de incesto entre irmãos. Outros casos de incesto de irmãos envolvem a interação quase normal de jogo e exploração sexual pré-púbere. Há situações em que a filha teve um relacionamento íntimo com o pai durante toda sua infância e pode parecer satisfeita quando ele a aborda sexualmente. O comportamento incestuoso tende a começar quando a filha tem 10 anos de idade. À medida que o comportamento continua, entretanto, a filha molestada torna-se confusa e amedrontada, e, quando chega à adolescência, passa por mudanças fisiológicas que aumentam sua confusão. Não sabe se seu pai é um pai ou um parceiro sexual. A mãe pode ser atenciosa e competitiva e até recusar-se a acreditar nos relatos de sua filha ou a confrontar o marido com a suspeita. Os relacionamentos da filha com seus irmãos também são afetados; estes percebem sua posição especial em relação ao pai e a tratam como uma intrusa. O pai, temendo que a filha possa expor seu relacionamento e como conseqüência de um ciúme possessivo, interfere em seu desenvolvimento de relacionamentos normais com seus pares.
Os médicos devem estar cientes de que o abuso sexual intrafamiliar pode causar uma ampla variedade de sintomas emocionais e físicos, incluindo dor abdominal, irritações genitais, transtorno de ansiedade de separação, fobias, pesadelos e problemas escolares. Quando houver suspeita de incesto, deve-se entrevistar a criança separada do resto da família. Incesto homossexual. Incesto de pai-filho e de mãe-filha é raramente relatado, mas uma família na qual isso ocorre tende a ser altamente perturbada, com pai violento, dependente de álcool ou anti-social; mãe dependente ou incapacitada que não pode proteger seus filhos; e ausência dos papéis familiares e de identidades individuais. O filho envolvido em incesto pai-filho costuma ser o mais velho, e, se houver uma irmã, é comum o pai também abusar sexualmente dela. Os pais nessa situação podem não ter qualquer outra história de comportamento homossexual. Os filhos podem experimentar ideação homicida ou suicida e podem ser os primeiros a consultar ou a serem mandados para um psiquiatra devido a um comportamento autodestrutivo.
Relações sexuais são ilegais entre um homem com mais de 16 anos e uma mulher abaixo da maioridade, que varia de 14 a 21 anos, dependendo da jurisdição. Portanto, um homem de 18 anos e uma menina de 15 podem ter relações sexuais consensuais, contudo o homem pode ser preso por estupro estatutário. Estupro estatutário pode diferenciar-se de outros tipos de estupro por ser não-agressivo e não-violento, não sendo um ato desviante a menos que a discrepância de idade seja suficientemente grande para o homem ser definido como um pedófilo – ou seja, quando a menina tem menos de 13 anos de idade. Os pais de uma menina anuente, e não a própria menina, em geral são os responsabilizados por essa prática.
ESTUPRO ESTATUTÁRIO.
Negligência. Em geral, uma criança maltratada não apresenta sinais óbvios de ser espancada, mas tem múltiplas evidências físicas menores de privação emocional e, às vezes, nutricional, negligência e abuso. Se trazida a um hospital ou a um médico particular, refere uma história de dificuldade de desenvolvimento, desnutrição, má higiene corporal, irritabilidade, retraimento e outros sinais de negligência psicológica e física. Crianças que foram negligenciadas podem apresentar falha evidente em desenvolver-se com menos de 1 ano de idade. Seu desenvolvimento físico e emocional é prejudicado de forma significativa; elas podem ser frágeis e incapazes de exibir interação social adequada. Fome, infecções crônicas, má higiene, vestuário inadequado e eventual subnutrição podem ser evidentes. Em relação ao comportamento podem ser indiscriminadamente afetuosas, mesmo com estranhos, ou irresponsivas mesmo em situações familiares. Em muitos casos são fujonas ou têm transtorno de conduta. Uma forma extrema de problema de desenvolvimento em crianças de 5 anos ou mais é o nanismo psicossocial, no qual uma criança cronicamente privada não cresce e não se desenvolve, mesmo quando oferecidas quantidades adequadas de alimento. Essas crianças têm proporções normais, mas são pequenas demais para sua idade. Em geral, têm alterações endócrinas reversíveis resultando em hormônio de crescimento diminuído, e param de cres-
PROBLEMAS RELACIONADOS A
cer por um tempo. Aquelas com esste transtorno exibem comportamentos alimentares bizarros e relacionamentos sociais perturbados. Compulsão alimentar, ingestão de restos ou substâncias não-comestíveis, consumo de água da privada e vômito induzido foram relatados. Pais que negligenciam seus filhos tendem a ser sobrecarregados, deprimidos, isolados e empobrecidos. Desemprego, ausência de uma família estruturada e abuso de substâncias podem exacerbar a situação. Há diversos protótipos possíveis de mães negligentes. As jovens, inexperientes, socialmente isoladas e ignorantes podem ser incapazes de cuidar de seus filhos no início. Outras mães negligentes são mulheres cronicamente passivas e retraídas que podem ter sido criadas em lares caóticos, abusivos e negligentes. Nesses casos, uma vez que a situação chegue ao conhecimento de um órgão de proteção da criança, a mãe aceita ajuda. Aquelas com transtornos mentais maiores que vêem, de forma intencional, seus filhos como maus ou como intencionalmente enlouquecedores são difíceis de ajudar.
ABUSO E NEGLIGÊNCIA
945
cia de fraturas no raio X pode estar presente em vários estágios de alterações reparadoras, mas quando não há fraturas ou deslocamentos aparentes ao exame, a emenda do osso pode tornar-se perceptível dentro de algumas semanas após o trauma ósseo específico. Exames roentgenológicos de fraturas traumáticas não-reconhecidas revelam diversas alterações ósseas incomuns (Fig. 32-2). Fragmentação metafisária é causada por torção ou tração da extremidade afetada. Pode haver quadratura dos ossos longos secundária à nova formação óssea sobre os fragmentos metafisários. Hemorragias periosteais costumam ser observadas porque o periósteo de bebês não está firmemente ligado ao osso subjacente. Calcificação periosteal segue-se a esta hemorragia e começa a tornar-se aparente 5 a 7 dias após o trauma infligido. Uma camada de calcificação em torno da haste do osso deve causar suspeita de abuso. Separações epifisárias e tosas periosteais geralmente resultam de tração e da torção da extremidade afetada. Achados no raio X de alterações reparadoras envolvendo excessiva formação
Mutilação genital feminina. Comumente chamada de “circuncisão feminina”, estima-se que a mutilação genital feminina seja realizada em 2 milhões de meninas em todo o mundo a cada ano. Ela é praticada em diversas classes socioeconômicas e em diferentes grupos étnicos, culturais e religiosos. Em geral, as meninas são circuncidadas entre 4 e 10 anos de idade, mas o procedimento pode ser realizado em bebês, adiado até antes do casamento ou feito após o nascimento do primeiro filho. Algumas culturas consideram-na parte de uma cerimônia de introdução à sociedade adulta. A circuncisão feminina, na forma mais leve, consiste de clitoridectomia, o equivalente anatômico à amputação peniana. Em sua forma mais grave, a infibulação total envolve a remoção e do clitóris e dos pequenos lábios e a incisão dos grandes lábios para criar superfícies cruas que são então costuradas juntas. Esta prática tem sido amplamente criticada, incluindo oposição declarada da Organização Mundial de Saúde e de outros grupos importantes de cuidado da saúde. Nos Estados Unidos, a circuncisão feminina é considerada abuso infantil. Esforços têm sido feitos para educar comunidades imigrantes sobre os riscos à saúde e sobre as responsabilidades legais da prática. A solução conciliatória pode ser possível encontrando-se uma maneira de satisfazer os requisitos culturais sem usar mutilação, tal como adotando um ritual de incisão não-mutiladora que resulta apenas em pequenas cicatrizes nos lábios. A mutilação genital masculina (circuncisão) não costuma ser considerada abuso da criança, mas há quem a critique. Embora esse procedimento simples seja uma das operações mais comuns realizadas no mundo inteiro, complicações graves podem ocorrer, as quais incluem hemorragia, infecção e amputação peniana. Em 1999, a American Academy of Psychiatrics recomendou que ela não seja feita como um procedimento de rotina em recém-nascidos. Patologia e exame laboratorial. Embora não existam testes laboratoriais definitivos para ajudar os médicos a diagnosticar abuso físico ou sexual ou negligência da criança, um exame físico para detectar estigmas físicos é indicado quando há suspeita de abuso. Em casos de dificuldades de desenvolvimento, uma avaliação endócrina é indicada. Um exame da genitália externa é recomendado em casos de suspeita de abuso sexual da criança para detectar cicatrizes, dilacerações e infecções genitais. Evidên-
FIGURA 32-2 Raio X de acompanhamento de um bebê de 5 meses maltratado tirado quatro semanas após o trauma infligido à parte superior da coxa. Alterações reparadoras extensivas são observadas em associação com nova formação óssea, espessamento cortical externo e quadratura da metáfise – evidência diagnóstica de alterações ósseas após o trauma. A camada de calcificação em torno da haste do osso e a presença de fragmentos ósseos nas extremidades do osso são evidências para suspeitar de trauma infligido e induzir mais investigações das causas dos achados de raio X. Tais alterações podem ser diagnósticas quando correlacionadas com outras manifestações de abuso físico da criança. (Cortesia de Vincent J. Fontana, M.D.)
946
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
óssea nova ou fraturas previamente curadas com reações periosteais podem ser diagnósticos quando correlacionados a outras manifestações de abuso da criança.
nhecido e interrompido em uma fase inicial, e a família inteira é capaz de participar do tratamento. Tratamento
Diagnóstico diferencial Rixas parentais e disputas de custódia estão entre os fatores que complicam a identificação e a comprovação de situações de abuso e negligência. Quando a discórdia conjugal é grave, os filhos tendem a ficar na “linha de fogo”. Uma mãe muito hostil em relação a um ex-marido pode estar convencida e convencer o filho de que o pai é abusivo. Em alguns casos, os pais foram tão longe a ponto de fabricar cenas inteiras de abuso e treinar os filhos para repeti-las. Em outros, os pais podem recusar-se a aceitar a possibilidade de que um cônjuge ou parente próximo é o perpetrador do abuso, podem insistir que a criança pare de dizer mentiras e coagi-la a desmentir as revelações. Em qualquer um dos cenários, a criança sofre profundamente, e a alegada situação de abuso nunca é esclarecida. Quando uma criança fala de maneira consistente com seu estágio de desenvolvimento da linguagem, não parece ensaiada e não usa fraseologia adulta, as alegações de abuso podem ser verdadeiras. Angústia, exibição de comportamento sexual precoce e conhecimento ou preocupação com material sexual também apóiam a possibilidade de abuso sexual. Uma criança que não foi molestada, mas que é treinada a denunciar um abuso sexual ou físico, também é colocada sob coação insuportável. Portanto, os médicos devem reconhecer que o conflito parental crônico grave ao qual ela está presa pode ser tão destrutivo quanto o abuso em si. Controvérsias estão surgindo agora nos tribunais porque crianças estão acusando cuidadores e professores de abuso sexual, e a veracidade destas está sendo desafiada. Ver o Capítulo 20 para uma discussão sobre síndrome de memória recuperada ou falsa.
Criança. A primeira parte do tratamento de abuso e negligência é garantir a segurança e o bem-estar da criança. Esta pode precisar ser retirada da família abusiva ou negligente para garantir sua proteção; contudo, em um nível emocional, ela pode sentir-se ainda mais vulnerável em um ambiente estranho. Devido ao alto risco para sintomas psiquiátricos em crianças abusadas e negligenciadas, uma avaliação psiquiátrica abrangente é recomendada. Em seguida, em conjunto com o fornecimento de tratamentos específicos para quaisquer transtornos mentais presentes, o terapeuta pode ter que lidar com a situação imediata e com suas implicações de longo prazo. Deve-se tratar de diversas questões psicoterapêuticas: lidar com os medos, as ansiedades e a autoestima da criança, construir um relacionamento adulto de confiança no qual a criança não seja explorada ou traída e obter uma perspectiva útil dos fatores que contribuem para a vitimização da criança em casa. De maneira ideal, cada criança abusada e negligenciada deve receber um plano de intervenção baseado na avaliação dos fatores responsáveis pela psicopatologia parental, o qual deve incluir um prognóstico global para a aquisição de habilidades de paternidade/maternidade adequadas dos pais; o tempo estimado para alcançar uma mudança significativa na capacidade de exercerem seus papéis; uma estimativa de se a disfunção parental é limitada a este filho ou envolve outros, se a disfunção global dos pais, se for o caso, é de curto ou longo prazo e se a disfunção da mãe é limitada a bebês em oposição a filhos mais velhos (i. e., quando a incidência de abuso está inversamente relacionada à idade da criança); a disposição dos envolvidos em participar no plano de intervenção; a disponibilidade de pessoal e recursos físicos para implementar as várias estratégias de intervenção; e o risco da criança sofrer novo abuso físico ou sexual ao permanecer em casa.
Curso e prognóstico O resultado de abuso físico e sexual e negligência é multifatorial, dependendo da gravidade, da duração e da natureza do abuso, bem como das vulnerabilidades da criança. Aquelas que já sofrem de retardo mental, transtornos globais do desenvolvimento, incapacidades físicas, comportamento disruptivo e transtornos de déficit de atenção têm probabilidade de resultados mais insatisfatórios do que as que não são afetadas por condições dessa natureza. Crianças que sofrem abuso por longos períodos, desde bebês até a adolescência, têm probabilidade de serem mais profundamente prejudicadas do que aquelas que experimentaram apenas breves períodos de abuso. O desenvolvimento de transtornos mentais – como transtorno depressivo maior, comportamento suicida, transtorno de estresse pós-traumático, transtorno dissociativo de identidade e abuso de substâncias – complica ainda mais o prognóstico de longo prazo, assim como a natureza do relacionamento entre vítima e agressor e as figuras de apoio adultas disponíveis após a revelação. Os melhores resultados ocorrem quando as crianças são cognitivamente intactas, o abuso é reco-
Pais. Com base nas informações obtidas, diversas opções podem ser selecionadas para melhorar o funcionamento parental: eliminar ou diminuir os estresses sociais ou ambientais; diminuir os efeitos psicológicos adversos de fatores sociais sobre os pais; reduzir as demandas sobre a mãe a um nível compatível com sua capacidade pela colocação da criança em uma creche ou auxílio de uma empregada ou babá; fornecer apoio emocional, encorajamento, simpatia, estimulação, instrução no cuidado materno e auxiliar para aprender a planejar, avaliar e satisfazer as necessidades do bebê (assistência social de apoio); e resolver ou diminuir os conflitos psíquicos interiores dos pais (psicoterapia). COMPORTAMENTO INCESTUOSO. O primeiro passo no tratamento do comportamento incestuoso é sua revelação. Uma vez que uma ruptura da negação, do conluio e do medo dos membros da família tenha sido conseguida, o incesto provavelmente não voltará a acontecer. Quando os participantes sofrem de psicopatologia grave, o tratamento deve ser dirigido à doença subjacente. Terapia familiar é útil para reestabelecer o grupo como uma unidade
PROBLEMAS RELACIONADOS A
funcional e para desenvolver definições de papel mais saudáveis para cada membro. Enquanto os participantes estão aprendendo a desenvolver restrições internas e formas adequadas de satisfazer suas necessidades, o controle externo fornecido pela terapia ajuda a prevenir novo comportamento incestuoso. Às vezes, órgãos legais devem intervir de alguma forma. Denúncia. Em casos de suspeita de abuso e negligência, os médicos devem diagnosticar o maltrato suspeitado; garantir a segurança da criança internando-a em um hospital ou providenciando acomodação fora de casa; denunciar o caso ao conselho tutelar adequado, à unidade de proteção à criança ou ao juizado central; fazer uma avaliação com a ajuda da história, do exame físico, da avaliação esquelética e de fotografias; requisitar o relatório de um assistente social e consultas cirúrgicas e médicas adequadas; consultar um comitê de abuso da criança dentro de 72 horas; providenciar um programa de cuidado para a criança e para os pais; e providenciar acompanhamento de serviço social. Entre aqueles geralmente incluídos como relatores autorizados de abuso da criança estão médicos, psicólogos, diretores de escola, policiais, pessoal do hospital envolvido no tratamento de pacientes, promotores de justiça e provedores de creches e cuidado adotivo. Prevenção. Para prevenir o abuso e a negligência, os médicos devem identificar aquelas famílias de alto risco e intervir antes que uma criança torne-se uma vítima. Uma vez identificadas as famílias de alto risco, um programa abrangente deve incluir a monitoração psiquiátrica das famílias, abarcando a criança de alto risco identificada. As famílias podem ser educadas para reconhecer quando estão sendo negligentes ou abusivas, e estratégias de manejo alternativas podem ser sugeridas. Em geral, os programas de prevenção e tratamento de abuso e negligência devem tentar prevenir a separação de pais e filhos se possível, prevenir a colocação da criança em instituições, encorajar os pais a alcançarem um estado de cuidado próprio e autosuficiência familiar. Como último recurso e para prevenir novo abuso e negligência, as crianças podem ter que ser afastadas das famílias que não estão dispostas ou são incapazes de beneficiar-se do programa de tratamento. Em casos de abuso sexual, a licença de creches e a avaliação psicológica de pessoas que nelas trabalham deveriam ser obrigatórias para evitar novos abusos. A educação dos médicos, de membros de campos de saúde associados e de todos os que estão em contato com crianças ajuda na detecção precoce. Além disso, fornecer serviços de apoio a famílias estressadas ajuda a prevenir o problema. ABUSO FÍSICO DO ADULTO Abuso do cônjuge Estima-se que abuso do cônjuge ocorra em 2 a 12 milhões de famílias nos Estados Unidos. Esse aspecto da violência doméstica foi reconhecido como um problema grave, em grande medida devido à recente ênfase cultural nos direitos civis e ao trabalho de grupos feministas, mas o problema em si é de longa existência.
ABUSO E NEGLIGÊNCIA
947
O principal problema nesse tipo de comportamento é o abuso da esposa. Um estudo estimou que há 1,8 milhões de esposas espancadas nos Estados Unidos, excluindo divorciadas e aquelas espancadas por namorados. A violência contra a esposa ocorre em famílias de todas as raças e religiões e em todas as camadas socioeconômicas. Ela é mais freqüente em famílias com problemas de abuso de substâncias, em grande parte álcool e crack. Fatores ambientais, culturais, intrapsíquicos e interpessoais contribuem todos para o problema. Homens abusivos têm mais probabilidade de virem de lares violentos onde testemunharam o espancamento das próprias mães ou foram eles próprios maltratados quando crianças. O ato em si é reforçador; uma vez que tenha espancado sua esposa, é bastante provável que o faça de novo. Maridos abusivos tendem a ser imaturos, dependentes e não-assertivos e a sofrer de fortes sentimentos de inadequação. A agressão é um comportamento intimidador designado para humilhar suas esposas e aumentar a própria auto-estima. Maridos impacientes, impulsivos e abusivos deslocam a agressão provocada por outros para suas esposas. O abuso tem mais probabilidade de ocorrer quando o homem se sente ameaçado ou frustrado em casa, no trabalho ou com seus pares. As dinâmicas incluem identificação com um agressor (pai, chefe), comportamento de teste (Ela ficará comigo, não importa como eu a trate?), desejos distorcidos de expressar masculinidade e desumanização das mulheres. Como no estupro, a agressão é julgada permissível quando a mulher é percebida como uma propriedade. Cerca de 50% das vítimas cresceram em lares violentos, e seu traço mais comum é a dependência. O Surgeon General’s Office identificou a gravidez como um período de alto risco para espancamento; 15 a 25% das mulheres são fisicamente maltratadas enquanto grávidas, e o abuso em geral resulta em defeitos de nascimento. Linhas diretas, abrigos de emergência e outras organizações (p. ex., a Coalizão Nacional Contra Violência Doméstica) foram estabelecidas para ajudar esposas espancadas e para educar o público. O principal problema das mulheres maltratadas é encontrar um lugar para ir quando saem de casa, freqüentemente temendo por suas vidas. O espancamento tende a ser grave, envolvendo membros fraturados, costelas quebradas, sangramento interno e dano cerebral. Quando uma esposa espancada tenta deixar seu marido, ele se torna duplamente intimidador e a ameaça de morte. Se ela tem filhos pequenos para cuidar, seu problema é maior. O marido abusivo promove uma campanha consciente para isolar sua esposa e fazê-la sentir-se inútil. As mulheres enfrentam riscos quando deixam um marido abusivo; têm 75% mais chances de serem mortas por seus espancadores do que mulheres que ficam em sua companhia. O estado de Nova York preparou uma ficha de referência para alertar e orientar os médicos sobre violência doméstica (Tab. 32-3). Alguns homens sentem remorso e culpa após um episódio de comportamento violento e então passam a ser carinhosos. Ainda que este comportamento dê esperança à esposa, é inevitável o próximo ciclo de violência. Quando o homem está convencido de que a mulher não vai mais tolerar a situação e quando ela começa a exercer controle sobre o comportamento dele, a mudança começa. Abandonando-o por um período prolongado, se ela for física e economica-
948
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
mente capaz de fazê-lo, e tornando a terapia para o homem uma condição de retorno, a mulher pode começar um ciclo de melhora. A terapia familiar é efetiva para tratar o problema, geralmente em conjunto com órgãos sociais e legais. Com homens menos impulsivos, controles externos, como chamar os vizinhos ou a polícia, pode ser suficiente para interromper o comportamento. Alguns casos de esposas espancadoras de maridos também foram relatados. Eles se queixam de medo do ridículo se expuserem seu problema; temem ser presos por contra-agressão e com freqüência sentem-se incapazes de deixar a situação devido a dificuldades financeiras. Abuso do marido também foi relatado quando um homem frágil, idoso, é casado com uma mulher muito mais jovem. Abuso do idoso O abuso do idoso é discutido no Capítulo 54. ABUSO SEXUAL DO ADULTO Estupro A definição convencional de estupro é a perpetração de um ato de intercurso sexual com uma mulher contra sua vontade e consentimento, quer sua vontade seja sobrepujada por força ou medo resultante da ameaça de força ou por drogas ou intoxicação; ou quando, devido a deficiência mental, ela é incapaz de exercer julgamento racional ou está abaixo de uma maioridade arbitrária. Estupro, entretanto, pode ocorrer entre parceiros casados e entre pessoas do mesmo sexo. O crime requer apenas ligeira penetração peniana da vulva externa da vítima: ereção completa e ejaculação são desnecessárias para efetivá-lo. Atos forçados de felácio e penetração anal, embora com freqüência acompanhem estupro, são legalmente considerados atentado violento ao pudor. O problema do estupro é discutido de forma mais adequada sob o tópico de agressão. Essa prática é um ato de violência e humilhação expressado por meios sexuais. Estupro expressa poder ou raiva; sexo é raramente a questão dominante, porque a sexualidade está a serviço de necessidades não-sexuais. Estupro de mulheres. Pesquisas recentes classificam homens estupradores em grupos separados: sádicos sexuais, que são excitados pela dor de suas vítimas; predadores exploradores, que usam suas vítimas como objetos para sua satisfação de uma forma impulsiva; homens inadequados, que acreditam que nenhuma mulher dormiria com eles de forma voluntária e que são obcecados por fantasias sobre sexo; e homens para os quais estupro é uma expressão deslocada de raiva e ódio. Alguns acreditam que a raiva era originalmente dirigida a uma esposa ou mãe, mas a teoria feminista propõe que uma mulher serve como objeto para o deslocamento de agressão que um estuprador não pode expressar em relação a outros homens. As mulheres são consideradas propriedade ou possessões vulneráveis, o instrumento de um estuprador para vingança contra outros homens. Estupro com freqüência acompanha outro crime. Os agressores sempre ameaçam suas vítimas, com os punhos, com uma faça
ou com uma arma, e chegam a feri-las de formas não-sexuais. As vítimas podem ser espancadas, feridas e mortas. As estatísticas mostram que a maioria dos homens que cometem estupros tem entre 25 e 44 anos de idade; 51% deles são brancos e tendem a estuprar vítimas brancas, 47% são negros e tendem a estuprar vítimas negras, e os restantes 2% vêm de todas as outras raças. O álcool está envolvido em 34% de todos os casos violentos. Uma caracterização composta do estuprador típico tirada de estatísticas policiais retrata um homem solteiro de 19 anos de um grupo socioeconômico baixo que tem um registro policial de transgressões repetidas. De acordo com o Federal Bureau of Investigation (FBI), 97.464 estupros violentos foram denunciados à polícia nos Estados Unidos em 1995. Estupro, entretanto, é um crime pouquíssimo denunciado: cerca de 4 a 5 de 10 estupros são denunciados. O baixo índice de denúncia é atribuído a sentimentos de vergonha por parte das vítimas e à crença de que não há recurso pelo sistema legal. De acordo com o programa Uniform Crime Reporting do FBI, em 1995, 72 de cada 100 mil mulheres nos Estados Unidos foram vítimas de estupro denunciado. As pessoas estupradas podem ser de qualquer idade. Casos foram relatados nos quais as vítimas tinham de apenas 15 meses até 82 anos de idade, mas mulheres de 16 a 24 anos de idade são as de mais alto risco. O estupro ocorre, em grande parte, na própria vizinhança da mulher, dentro ou perto de sua própria casa. A maioria é premeditada; quase metade é cometida por homens conhecidos, em vários graus, pelas vítimas. Sete por cento de todos os estupros são perpetrados por parentes próximos da vítima; 10% envolvem mais de um agressor. Uma mulher sendo estuprada, com freqüência está em uma situação potencialmente fatal. Durante o estupro, experimenta choque e medo próximo de pânico; sua motivação primária é permanecer viva. Na maioria dos casos, os estupradores escolhem vítimas um pouco menores do que eles. Podem urinar ou defecar em suas vítimas, ejacular em seus rostos e cabelos, forçar intercurso anal e inserir objetos estranhos em suas vaginas e retos. Após o ato, uma mulher em geral experimenta vergonha, humilhação, confusão, medo e raiva. O tipo e a duração da reação variam, mas as vítimas relatam que os efeitos duram por um ano ou mais. Muitas experimentam os sintomas de transtorno de estresse pós-traumático. Algumas mulheres, em particular aquelas que sempre se sentiram sexualmente adequadas, são capazes de retomar as relações sexuais com homens, mas outras se tornam fóbicas de interações sexuais ou exibem sintomas como vaginismo. Poucas mulheres saem da agressão completamente incólumes. As manifestações e o grau de dano dependem da violência do próprio ataque, da vulnerabilidade da mulher e do sistema de apoio disponível logo após o ataque. Uma vítima de estupro sai-se melhor quando recebe apoio imediato e pode expor seu medo e raiva a membros carinhosos da família, médicos empáticos e policiais. Saber que tem meios de retaliação socialmente aceitáveis, como a prisão e condenação do estuprador, pode ajudá-la. A menos que uma mulher tenha um transtorno subjacente grave, a terapia tem uma abordagem de apoio e focaliza-se em restaurar o senso de adequação da vítima e o controle sobre sua vida; além disso, visa a aliviar sentimentos de impotência, depen-
PROBLEMAS RELACIONADOS A
ABUSO E NEGLIGÊNCIA
949
TABELA 32-3 Ficha de referência do médico FICHA DE REFERÊNCIA DO MÉDICO RECONHECENDO E TRATANDO VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA COM BASE NAS ORIENTAÇÕES DE DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DA AMERICAN MEDICAL ASSOCIATION SOBRE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA Se você atende mulheres, seja na prática privada ou em um hospital, é quase certo que tratará algumas pacientes que são vítimas de violência doméstica. A seguinte árvore de decisão visa a ajudá-lo a avaliar o risco de violência doméstica de uma paciente e oferecer ajuda adequada àquelas que necessitarem.
aumento na freqüência e na gravidade dos ataques ameaças crescentes ou novas de homicídio ou suicídio ameaças a seus filhos presença ou disponibilidade de uma arma de fogo 6.
Identificar vítimas de violência doméstica Ainda que muitas mulheres vítimas de abuso não ofereçam informações de forma voluntária, discutirão a questão se forem feitas perguntas simples, diretas, de uma forma não-crítica e em uma situação confidencial. A paciente deve ser entrevistada sozinha, sem a presença do parceiro. Você pode querer fazer declarações como: “Visto que a violência é tão comum na vida de muitas mulheres, vou começar fazendo perguntas rotineiras”. Então você pode fazer uma pergunta direta, como: “Alguma vez seu parceiro bateu em você, chutou-a ou a feriu ou ameaçou de alguma maneira”? SE A PACIENTE RESPONDER SIM, OS SEGUINTES PASSOS SÃO SUGERIDOS: 1.
2.
3.
4.
5.
Encoraje-a a falar sobre isso: “Você gostaria de falar sobre o que está lhe acontecendo?” “Como se sente em relação a isso?” “O que gostaria de fazer a esse respeito”? Escute sem julgar. Isso serve tanto para começar o processo de cura para a mulher quanto para lhe dar uma idéia de que tipo de encaminhamentos necessita. Valide: Com freqüência, as pessoas não acreditam nas vítimas de violência doméstica, e o medo que elas relatam é minimizado. O médico pode expressar apoio por meio de declarações simples como: Você não está sozinha. Você não merece ser tratada dessa maneira. Você não deve se culpar. Você não está louca. O que lhe aconteceu é um crime. Existe ajuda para você. Documente: As queixas e os sintomas da paciente e os resultados da observação e da avaliação. (As queixas devem ser descritas nas palavras da própria paciente sempre que possível.) A história médica e de trauma completa da paciente e a história social relevante. Uma descrição detalhada das lesões, incluindo tipo, número, tamanho, localização, resolução, possíveis causas e explicações dadas. Uma opinião sobre se as lesões eram inconsistentes com a explicação da paciente. Resultados de todos os procedimentos laboratoriais e outros procedimentos diagnósticos pertinentes. Fotografias e estudos de imagem coloridos, se aplicável. Se a polícia for chamada, o nome do policial responsável e qualquer ação tomada (a polícia deve ser acionada apenas se a paciente pedir ou exibir uma lesão denunciável). Abuso e negligência da criança é uma transgressão passível de denúncia. Se suspeitar que as crianças na casa da paciente também estejam sendo maltratadas, você é obrigado a denunciar a situação ao Departamento de Serviço Social. Avalie o perigo para sua paciente: Avalie a segurança da paciente antes que ela deixe o consultório médico. Os determinantes mais importantes de risco são o nível de medo da mulher e sua avaliação de sua segurança imediata e futura. Discutir os seguintes indicadores com a paciente pode ajudá-lo a determinar se ela está em perigo:
Forneça encaminhamento a tratamento e apoio adequados: Trate as lesões da paciente conforme indicado. Ao prescrever medicação, tenha em mente que os agentes que prejudicam a capacidade da paciente de proteger-se ou de fugir de um parceiro violento podem pôr sua vida em perigo. Se a paciente está em perigo iminente, determine se ela tem amigos ou família com quem possa ficar. Se isso não for uma opção, pergunte se ela quer acesso imediato a um abrigo para mulheres espancadas. Se nada disso estiver disponível, ela pode ser internada no hospital? Se ela não necessitar de acesso imediato a um abrigo, ofereça informações por escrito sobre abrigos e outros recursos da comunidade. Lembre-se de que pode ser perigoso para a mulher ter essas informações em seu poder. Não insista para que as pegue se ela estiver relutante em fazê-lo. Forneça o número de telefone da linha direta de violência doméstica local ou o telefone de algum órgão de proteção a mulheres. Pode ser mais seguro para sua paciente se você escrever o número em uma folha de receitas em branco ou em um cartão de consulta. Você pode querer dar-lhe a oportunidade de ligar de um telefone privativo em seu consultório.
SE A PACIENTE RESPONDER NÃO OU SE NÃO QUISER DISCUTIR O ASSUNTO: 1.
2.
3.
Esteja atento a achados clínicos que possam indicar abuso: lesão na cabeça, no pescoço, no tronco, nos seios, no abdome, ou na genitália lesões bilaterais ou múltiplas demora entre início da lesão e busca de tratamento explicação inconsistente com o tipo de lesão qualquer lesão durante a gravidez, especialmente no abdome ou nos seios história anterior de trauma sintomas de dor crônica para os quais não há etiologia aparente sofrimento psicológico, como depressão, ideação suicida, ansiedade e/ou transtornos do sono um parceiro que parece excessivamente protetor ou que não sai do lado da mulher Se qualquer um dos sinais acima estiver presente, é adequado fazer perguntas mais específicas. Assegure-se de que seu parceiro não esteja presente. Alguns exemplos de perguntas que podem extrair mais informações sobre a situação são: Parece como se alguém a tivesse machucado. Você pode me contar como isso aconteceu? Às vezes, quando as pessoas procuram o médico com sintomas físicos como os seus, achamos que pode haver problemas em casa. Estamos preocupados que alguém possa estar machucando ou abusando de você. Isso está acontecendo? Às vezes, quando as pessoas se sentem como você está se sentindo, é porque podem ter sido machucadas ou abusadas em casa. Isso está acontecendo com você? Se a paciente responder SIM: Ver a sugestão para avaliação e tratamento já referida nesta ficha. Se a paciente responder NÃO: Se a paciente negar abuso, mas você suspeitar fortemente de que isso esteja ocorrendo, pode informá-la de que seu consultório pode fazer encaminhamentos para programas locais, caso ela resolva apelar para essas opções no futuro. Você pode escrever o número da assistência à violência doméstica em uma folha de receitas em branco ou em um cartão de consulta. Não julgue o sucesso da intervenção pela ação da paciente. Uma mulher corre mais risco de lesão grave ou mesmo de homicídio quando tenta deixar um parceiro abusivo, e pode levar um longo tempo antes que consiga fazê-lo. É frustrante para o médico quando uma paciente permanece em uma situação abusiva. Tranqüilize-se de ter reconhecido e validado sua situação e oferecido os encaminhamentos adequados, você fez o que foi possível para ajudá-la.
De Office for Prevention of Domestic Violence, Medical Society of the State of New York, New York State Department of Health.
950
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
dência e obsessão com a agressão, que costumam acompanhar o estupro. Terapia de grupo com pessoas que foram estupradas é uma forma de tratamento particularmente efetiva. Além do trauma físico e psicológico experimentado quando são agredidas, vítimas de estupro até pouco tempo também enfrentavam o ceticismo daqueles aos quais denunciavam o crime (se tivessem forças suficientes para fazê-lo) ou acusações de terem provocado ou desejado a agressão. Na realidade, a National Comission on The Causes on Prevention of Violence (Comissão Nacional sobre as Causas e Prevenção de Violência) encontrou participação perceptível da vítima no estupro em apenas 4,4% de todos os casos. Essa estatística é mais baixa do que a de qualquer outro crime de violência. Educar policiais e designar policiais femininas para lidar com vítimas de estupro tem ajudado a aumentar a denúncia do crime. Centros de crise de estupro e linhas telefônicas diretas estão disponíveis para ajuda e informação imediata. Grupos voluntários trabalham em pronto-socorros e com programas de educação do médico para ajudar no tratamento das vítimas. Legalmente, as mulheres não devem mais provar em juízo que lutaram ativamente contra um estuprador, e o testemunho sobre a história sexual prévia de uma vítima foi declarado inadmissível como evidência em diversos estados. Visto que as punições para estupradores primários foram reduzidas, os júris quase sempre consideram uma condenação. Em alguns estados, esposas podem agora processar maridos por estupro.
Vítimas de estupro homossexual sentem (como as mulheres estupradas) que foram devastadas. Algumas também temem tornarem-se homossexuais devido ao ataque.
ESTUPRO DE ENCONTRO. Estupro de encontro e estupro de conhecido são termos aplicados a estupros nos quais o estuprador é conhecido da vítima. A agressão pode ocorrer em um primeiro encontro ou após o homem e a mulher se conhecerem por muitos meses. Dados consideráveis sobre essa modalidade foram obtidos de populações universitárias. Em um estudo, 38% dos alunos disseram que cometeriam estupro se achassem que poderiam fazê-lo impunemente, e 11% declararam que já o fizeram; 16% das alunas disseram que tinham sido estupradas por homens que conheciam ou com quem estavam saindo. Além de sofrerem os sintomas de todos os sobreviventes de estupro, as vítimas repreendemse por exercerem mau julgamento em suas escolhas de amigos e têm mais probabilidade de culparem-se por provocar o estuprador do que outras vítimas. Nos Estados Unidos, universidades estabeleceram programas para prevenção de estupro e para aconselhamento daqueles que foram agredidos.
O QUE VOCÊ DEVE SABER SOBRE ASSÉDIO SEXUAL O QUE É ASSÉDIO SEXUAL? O QUE É PROIBIDO? As Equal Opportunity Employment Commission Guidelines (Orientações da Comissão de Oportunidades Iguais de Emprego), de 1980, incluem: 1. Avanços sexuais indesejados. 2. Pedidos de favores sexuais. 3. Conduta verbal de natureza sexual. 4. Conduta física de natureza sexual. SOB QUE CONDIÇÕES? Quando tal conduta tem o propósito ou o efeito de: 1. Interferir irracionalmente no desempenho profissional de um indivíduo. 2. Criar um ambiente de trabalho intimidador, hostil ou ofensivo. (Isso pode ser interpretado para incluir tanto os “termos, condições ou privilégios de desemprego” como o ambiente psicológico e emocional de trabalho e submeter funcionárias a ansiedade e debilitação.) 3. Quando submissão a ou rejeição da conduta é tornada explícita ou implicitamente um termo ou condição de emprego de um indivíduo ou 4. É a base para decisões de emprego que afetam o indivíduo. QUEM É RESPONSÁVEL? 1. O empregador que está cometendo o ato. 2. O empregador, mesmo se seus agentes e supervisores cometeram o ato, independentemente de se os atos foram autorizados ou mesmo proibidos. 3. O empregador por atos cometidos por um colaborador do funcionário. 4. O empregador pela conduta de um não-funcionário (como um cliente ou fornecedor) se o empregador “conhece ou deveria conhecer a conduta e deixa de tomar uma medida imediata e adequada”. 5. O empregador, se medidas corretivas oportunas não forem tomadas.
Estupro de homens. Em alguns estados americanos, a definição de estupro está sendo mudada para substituir a palavra mulher por pessoa. Na maioria deles, estupro masculino é legalmente definido como sodomia. Estupro homossexual é muito mais comum entre homens do que entre mulheres e ocorre com freqüência em instituições fechadas como prisões e hospitais de segurança máxima. As dinâmicas são idênticas às de estupro heterossexual. O crime permite que o estuprador descarregue agressão e se engrandeça. Em geral, a vítima é menor do que o estuprador, é sempre percebida como passiva e efeminada (mais fraca), e é usada como um objeto. O estuprador que escolhe uma vítima do sexo masculino pode ser hetero, bi ou homossexual. O ato mais comum é a penetração anal da vítima; o segundo mais comum é o felácio.
Coerção sexual Coerção sexual é um termo usado no DSM-IV-TR para incidentes nos quais uma pessoa domina a outra pela força ou a obriga a realizar um ato sexual. Espreita. Espreita é definida como um padrão de comportamento de assédio ou ameaça acompanhado por uma ameaça de causar dano. Em 1990, o estado da Califórnia aprovou a primeira lei antiespreita, e a maioria dos estados americanos agora proíbe o comportamento, embora alguns não intervenham a menos que um ato de violência tenha ocorrido. Em estados com leis contra espreita, a pessoa pode ser presa com base em um padrão de assédio e pode ser acusada de má conduta ou crime. Alguns espreitadores prosseguem a atividade por anos; outros, por apenas alguns meses. A justiça pode determinar que esses indivíduos passem por sessões de aconselhamento. Os melhores meios de
TABELA 32-4 Material educativo para reduzir o assédio sexual
Reimpressa, com permissão, de Tulin DiversiTeam Associates, Philadelphia.
PROBLEMAS RELACIONADOS A
intimidação é denunciar os espreitadores aos órgãos competentes. A maioria deles são homens, mas mulheres que praticam o ato têm tanta probabilidade quanto os homens de atacar suas vítimas com violência. Assédio sexual. Assédio sexual refere-se a avanços sexuais, pedidos de favores sexuais, conduta verbal ou física de natureza sexual – todos os quais indesejados pela vítima. Em mais de 95% dos casos, o perpetrador é um homem, e a vítima, uma mulher. Se um homem está sendo assediado, é quase sempre por outro. Uma mulher assediar sexualmente um homem é um evento bastante raro. As vítimas de assédio reagem à experiência de várias maneiras. Algumas se culpam e ficam deprimidas; outras ficam ansiosas e irritadas. Em geral, o assédio ocorre com mais freqüência no local de trabalho, e muitas organizações desenvolveram procedimentos para lidar com o problema. É comum, entretanto, a vítima relutar em apresentar uma queixa por medo de vingança, de ser humilhada, de ser acusada de mentir (o que é raro) ou de ser demitida. Os tipos de comportamentos que constituem assédio sexual são amplos. Eles incluem linguagem abusiva, pedidos de favores sexuais, piadas sexuais, olhares provocadores, massagens, entre outros. Para reduzir o assédio, as organizações podem distribuir material educativo (Tab. 32-4). Os empregadores são obrigados a investigar todas as queixas, as quais tendem a ser encaminhadas aos órgãos competentes. As respostas adequadas da organização variam de uma repreensão por escrito à demissão do transgressor. REFERÊNCIAS Acierno R, Gray M, Best C, et al. Rape and physical violence: comparison of assault characteristics in older and younger adults in the National Women’s Study. J Trauma Stress. 2001;14:685. Bernet W. Child maltreatment. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2878. Brownmiller S. Against Our Will: Men, Women and Rape. New York: Simon & Schuster; 1975.
ABUSO E NEGLIGÊNCIA
951
Cash SJ. Risk assessment in child welfare: the art and science. ChiId Youth Serv. 2001;23:811. Cooke P, Standen PJ. Abuse and disabled children: hidden needs...? Child Abuse Rev. 2002;11:1. Donald T, Jureidini J. Munchausen syndrome by proxy. Child abuse in the medical system. Arch Pediatr Adolesc Med. 1996;150:753. Dube SR, Anda RF, Felitti VJ, Edwards VJ, Williamson DF. Exposure to abuse, neglect and household dysfunction among adults who witnessed intimate partner violence as chidren: implications for health and social services. Violence Vict. 2002;17:3. Follette VM, Polusny MA, Bechtle AE, Naugle AE. Cumulative trauma: the impact of child sexual abuse, adult sexual assault, and espouse abuse. J Trauma Stress. 1996;9:25. Frazier PA. A comparative study of male and female rape victims seen at a hospital-based rape crisis program. J Interpers Violence. 1993; 8: 64. Henderson DJ. Incest. In: Sadock BJ, Kaplan HI. Freedman AM, eds. The Sexual Experience. Baltimore: Williams & Wilkins; 1976:415. Lewis DO. From abuse to violence: psychophysiological consequences of maltreatment. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1992;31:383. McCoy M. Domestic violence: clues to victimization. Ann Emerg Med. 1996;27:764. Reay AMC, Browne KD. The effectiveness of psychological interventions with individuals who physically abuse or neglect their elderly dependents. J Interpers Violence. 2002;17:416. Resick PA. The psychological impact of rape. J Interpers Violence. 1993;8:223. Salzinger S, Feldman RS, Hammer M, Rosario M. The effects of physical abuse on children’s social relationships. Child Dev. 1993;64: 169. Schafran LH. Rape is a major public health issue. Am J Public Health. 1996;86:15. Stermac L, Del Bove G, Addison M. Violence, injury, and presentation patterns in spousal sexual assaults. Violence Women. 2001;7: 1218. Ulman SE, Knight RA. The effect of women’s resistance strategies in rape situations. Psychol Women. 1993;17:23. Valle LA, Silovsky JF. Attributions and adjustment following child sexual and physical abuse. Child Maltreat: J Am Prof Soc Abuse Child. 2002;7:9. van der Kolk BA. Physical and sexual abuse of adults. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2002. Vazquez CI. Spousal abuse and violence against women: the significance of understanding attachment. Ann N Y Acad Sci. 1996;789:119.
33 Condições adicionais que podem ser foco de atenção clínica
A
s condições discutidas neste capítulo não são consideradas transtornos mentais genuínos, são problemas que trouxeram pessoas ao conhecimento do sistema de tratamento de saúde mental. Uma vez no sistema, essas pessoas devem passar por uma avaliação neuropsiquiátrica completa, que pode ou não revelar um transtorno mental. Essas categorias são de interesse clínico de psiquiatras porque podem acompanhar doença mental ou ser precursoras de transtornos mentais subjacentes. Treze condições constituem a categoria diagnóstica de transtornos adicionais que podem ser foco de atenção clínica. Nove delas são discutidas aqui: luto, problemas ocupacionais, comportamento anti-social no adulto, simulação, problema de fase de vida, falta de adesão ao tratamento para um transtorno mental, problema religioso ou espiritual, problema de aculturação e declínio da memória associado à idade. (Quatro outras condições incluídas no texto revisto da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais [DSM-IV-TR] são discutidas no Capítulo 53: funcionamento intelectual borderline, problema acadêmico, comportamento anti-social na criança ou no adolescente e problema de identidade.)
anorexia. A duração e a expressão do luto “normal” variam de forma considerável entre diferentes grupos culturais. O diagnóstico de transtorno depressivo maior não costuma ser dado, a menos que os sintomas estejam presentes dois meses após a perda. Entretanto, a presença de certos sintomas que não são característicos de uma reação “normal” de luto pode ser útil para a diferenciação entre este e um episódio depressivo maior. Exemplos: 1) culpa acerca de coisas outras que não ações que o sobrevivente tenha ou não realizado à época do falecimento; 2) pensamentos sobre morte, outros que não o sentimento do sobrevivente de que seria melhor estar morto ou de que deveria ter morrido com a pessoa falecida; 3) preocupação mórbida com inutilidade; 4) retardo psicomotor acentuado; 5) prejuízo funcional prolongado e acentuado; 6) experiências alucinatórias outras que não o fato de achar que ouve a voz ou vê temporariamente a imagem da pessoa falecida. (O Capítulo 2 apresenta uma discussão adicional sobre o assunto.) PROBLEMAS OCUPACIONAIS
LUTO O luto normal começa logo após ou dentro de alguns meses da perda de um ente querido. Sinais e sintomas típicos incluem sentimentos de tristeza, preocupação com pensamentos sobre o falecido, choro, irritabilidade, insônia e dificuldades de concentrarse e realizar atividades cotidianas. Com base no grupo cultural, tem um período de duração variável, em geral de seis meses, mas pode ser mais longo. O luto normal, entretanto, pode levar a um transtorno depressivo pleno que requer tratamento. O DSM-IV-TR inclui a seguinte descrição de luto: Esta categoria pode ser usada quando o foco de atenção clínica é uma reação à morte de um ente querido. Como parte da reação à perda, alguns indivíduos enlutados apresentam sintomas característicos de um episódio depressivo maior (p. ex., sensações de tristeza e sintomas associados, tais como insônia, perda de apetite e de peso). O indivíduo enlutado considera seu humor deprimido como “normal”, embora possa buscar auxílio profissional para o alívio dos sintomas associados, tais como insônia e
Psiquiatria ocupacional ou industrial é a área da psiquiatria especificamente preocupada com desajuste profissional e aspectos psiquiátricos de problemas no trabalho. Os sintomas práticos de insatisfação no emprego são erros no trabalho, propensão a acidentes, absenteísmo e sabotagem. Os sintomas psiquiátricos incluem insegurança, auto-estima reduzida, raiva e ressentimento por ter que trabalhar. O DSM-IV-TR inclui a seguinte declaração sobre problemas ocupacionais: Esta categoria pode ser usada quando o foco da atenção clínica é um problema ocupacional que não é devido a um transtorno mental, ou, se devido a um transtorno mental, é suficientemente grave para indicar atenção clínica independente. Exemplos incluem insatisfação no emprego e incerteza sobre escolhas de carreira. As pessoas são bastante vulneráveis a problemas ocupacionais em diversos pontos de suas vidas profissionais – ao ingressar no mercado de trabalho, em épocas de promoção ou transferência,
CONDIÇÕES ADICIONAIS QUE PODEM SER FOCO DE ATENÇÃO CLÍNICA
durante períodos de desemprego e na aposentadoria. Situações específicas – como ter muita ou pouca ocupação, ser submetido a exigências conflitantes, sentir-se distraído por problemas familiares, ter responsabilidade sem autoridade e trabalhar para administradores exigentes e inúteis – também geram aflição ocupacional. Escolhas e mudanças de carreira A escolha de uma carreira é uma decisão importante. Um número significativo de jovens segue os passos de seus pais, mas muitas outras estão inseguras sobre o que fazer e tentam diversos empregos antes de estabelecer-se em uma ocupação. Jovens de condições financeiras desfavoráveis em geral têm pouca escolha sobre uma carreira. Quando adultos, têm uma educação insatisfatória e carecem de treinamento e habilidades, mesmo uma ambição esmagadora raramente os tira da pobreza ou os leva a satisfação profissional. Quando os desfavorecidos são mulheres ou membros de grupos de minoria, há ainda menos chance de sucesso profissional. Ao discutir escolhas de carreira com o paciente, o psiquiatra deve explorar talentos e interesses especiais, objetivos da infância, modelos, influências familiares, expectativas futuras, histórias de emprego e acadêmica e motivação para o trabalho. O sofrimento em relação ao trabalho é entendido com facilidade quando o empregado foi demitido, rebaixado ou preterido para promoção. As minorias e aqueles em grupos socioeconômicos inferiores são particularmente vulneráveis a perda de seus empregos. As mulheres estão particularmente sob risco quando deixam o emprego fora para cuidar da casa, uma transição que os pesquisadores verificaram ser bem estressante. Algumas pessoas experimentam problemas após conseguirem promoções profissionais. A ansiedade em relação a assumir novas responsabilidades e o fato de que podem ser promovidas a empregos que estão além de suas capacidades estão entre as razões para tal reação. O ajustamento à aposentadoria é mais difícil para aqueles que não estão preparados para ela. Reações adversas ocorrem quando a pessoa é forçada a aposentar-se antes do tempo ou devido a doença. Além disso, é um problema para pessoas cuja identidade está baseada primariamente no status profissional e na renda. Segundo relatos, mulheres ajustam-se mais rápido à aposentadoria do que homens. Alguns pesquisadores, entretanto, pensam que esse momento impõe maior sofrimento às mulheres do que aos homens; elas enfrentam um período de aposentadoria mais longo devido à sua maior expectativa de vida, têm mais probabilidade de ficarem sozinhas (viúvas) durante seus anos de aposentadoria, tendendo a ser mais pobres e a ter rendas mais baixas do que os homens. Estresse e local de trabalho O sofrimento no local de trabalho é responsável por pelo menos 15% das alegações de incapacidade ocupacional. O sofrimento é esperado seguindo mudanças de trabalho reconhecidas e incontroláveis: reduções de pessoal, fusões e aquisições, sobrecarga de trabalho e tensões físicas crônicas, incluindo ruído, temperatura
953
e ferimentos, bem como tensão devida a trabalho de computador. De acordo com um estudo, os 10 empregos mais estressantes são (1) presidente do país, (2) bombeiro, (3) executivo de empresa, (4) piloto de corridas, (5) motorista de táxi, (6) cirurgião, (7) astronauta, (8) policial, (9) jogador de futebol e (10) controlador de tráfego aéreo. A frustração no trabalho também pode surgir de questões psicodinâmicas não-reconhecidas (e, portanto, não-resolvidas) de um trabalhador individual, tais como trabalhar de maneira adequada com superiores e não se relacionar com seu supervisor como uma figura paterna. Outras questões de desenvolvimento incluem problemas não-resolvidos com competição, assertividade, inveja, medo do sucesso e incapacidade de comunicar-se de forma construtiva. Um homem branco de 38 anos tem acessos de raiva quando solicitado a completar as tarefas do dia em uma companhia de construção. Queixa-se ao secretário de seu sindicato, o qual, após investigar as queixas do operário, declara que a atribuição de trabalho é justa. O operário nunca teve prazer em completar atribuições e mudara de uma companhia para outra em média a cada nove meses desde que saíra do exército, seis anos antes, porque tinha se cansado de receber ordens. (Cortesia de Leah J. Dickstein, M.D.) Com freqüência, conflitos de trabalho refletem conflitos semelhantes na vida pessoal do trabalhador, e o encaminhamento para tratamento é indicado. Mulheres e problemas de carreira Durante os últimos 25 anos, o mundo dos negócios norte-americano passou por muitas mudanças. Um número significativo de mulheres ingressou na força de trabalho; muitas corporações agora empregam marido e mulher na mesma organização; e adolescentes entraram na força de trabalho em uma jornada de meio período em larga escala. Noventa por cento de todas as mulheres nos Estados Unidos terão que trabalhar para se sustentar e talvez a uma ou duas pessoas mais. A necessidade econômica agora estimula donas de casa a trabalhar, e a rejeição por empregadores com base na idade, na falta de experiência recente ou no treinamento insuficiente podem causar disforia e depressão. Isso é particularmente verdadeiro para mulheres divorciadas há pouco e que têm entre 40 e 50 anos, as quais passaram a maior parte de suas vidas adultas como esposas e mães. Mulheres jovens têm estresses diferentes, em grande parte relacionados às demandas conflitantes de trabalho e responsabilidades com a família: mais de 50% de todas as mães no mercado de trabalho têm filhos de um ano ou menos. No entanto, organizações de mulheres e pesquisadores denunciam que poucas corporações estão removendo barreiras ao avanço das mulheres ou estão preocupadas em reduzir a tensão que surge quando demandas de trabalho e família são incompatíveis. As
954
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
questões específicas que precisam ser tratadas são providências para o cuidado das crianças ou de pais idosos, opção de horários de trabalho flexíveis e disponibilidade e uso de licenças parentais não-remuneradas. Estudos revelam que quando essas licenças estão disponíveis para ambos os pais, estes quase não as utilizam, que os administradores são mais sensíveis às crises nas vidas dos homens do que às crises nas vidas de suas funcionárias e que os administradores respondem a eventos importantes como divórcio e morte de um membro da família, mas ignoram o estresse imposto a um funcionário pela doença de um filho ou pelo fechamento de escola devido a uma intempérie. Algumas poucas corporações socialmente conscientes mantêm seminários para tratar das mudanças que surgem do influxo de mulheres na força de trabalho e das questões de responsabilidades familiares, assédio sexual no local de trabalho, segurança pessoal durante viagem de negócios e prevenção de estupro. Creches foram estabelecidas no local de trabalho em algumas organizações e revelaram-se um sucesso. Famílias de carreira dupla (nas quais marido e esposa trabalham) constituem hoje mais de 50% de todas elas. Problemas podem surgir quando um empregador quer que um dos parceiros faça uma mudança geográfica para um novo posto. Mesmo se a transferência é uma promoção, pode resultar em renda total mais baixa para a família devido à perda de emprego do cônjuge ou à interrupção da carreira. Algumas corporações oferecem novos empregos a ambos os cônjuges quando um é convidado a transferir-se, mas tais abordagens são raras. Um avanço mais comum é a aceitação de casais, casados ou não, como empregados da mesma corporação. Casais empregados pela mesma companhia parecem causar problemas para si e para outros apenas quando competem entre si. Os que se saem melhor tratam seus cônjuges de forma diferente no escritório do que o fazem em casa. Ressentimento de colegas ocorre quando um cônjuge reporta-se diretamente ao outro; de outro modo, não foram observadas respostas adversas de outros funcionários.
Reabilitação profissional A reabilitação costuma ser necessária para pessoas traumatizadas por estresses no local de trabalho, para aquelas que estiveram em licença por razões médicas ou psiquiátricas ou para as que foram demitidas. O aconselhamento individual ou de grupo permite melhorar relacionamentos pessoais, elevar a auto-estima ou aprender novas habilidades de trabalho. Pacientes com esquizofrenia podem beneficiar-se de seminários protegidos nos quais realizam um trabalho ajustado ao seu nível funcional. Alguns indivíduos com esquizofrenia ou autismo saem-se bem em tarefas que sejam repetitivas e requeiram preocupação obsessiva com detalhes.
duta, transtorno da personalidade anti-social ou transtorno do controle dos impulsos). Exemplos incluem o comportamento de alguns ladrões, estelionatários ou traficantes profissionais. O termo comportamento anti-social aplica-se, de forma um tanto confusa, tanto a ações das pessoas que não decorrem de um transtorno mental quanto a ações praticadas por aqueles que nunca passaram por uma avaliação neuropsiquiátrica para determinar a presença ou a ausência de um transtorno mental. Conforme Dorothy Lewis observou, o termo pode aplicar-se a comportamento de pessoas normais que “esforçam-se por levar uma vida desonesta”. Epidemiologia Dependendo dos critérios e da amostragem, as estimativas da prevalência de comportamento anti-social no adulto variam de 5 a 15% da população. Em populações carcerárias, pesquisadores relatam números de prevalência entre 20 e 80%. Os homens respondem por mais comportamento anti-social do que as mulheres. Etiologia Comportamentos anti-sociais na idade adulta são característicos de uma variedade de pessoas, variando daquelas sem psicopatologia demonstrável àquelas gravemente prejudicadas e que sofrem de transtornos psicóticos, transtornos cognitivos e retardo mental, entre outras condições. Uma avaliação neuropsiquiátrica abrangente é indicada e pode revelar prejuízos psiquiátricos e neurológicos potencialmente tratáveis que podem passar despercebidos. Apenas na ausência de transtorno mental é que os pacientes podem ser classificados como exibindo comportamento anti-social adulto. Tal comportamento pode ser influenciado por fatores genéticos e sociais. Fatores genéticos. Dados que apóiam a transmissão genética do comportamento anti-social baseiam-se em estudos que encontram uma taxa de concordância de 60% em gêmeos monozigóticos e uma taxa de concordância de aproximadamente 30% em gêmeos dizigóticos. Estudos de adoção mostram uma alta taxa de comportamento anti-social nos parentes biológicos de adotados identificados com comportamento anti-social e nos filhos adotados de pessoas com esse comportamento. Os períodos pré-natal e perinatal daqueles que irão exibir comportamento anti-social estão associados a baixo peso de nascimento, retardo mental e exposição pré-natal a álcool e a outras drogas de abuso.
COMPORTAMENTO ANTI-SOCIAL NO ADULTO Caracterizado por atividades que sejam ilegais, imorais ou ambas, o comportamento anti-social em geral começa na infância e persiste por toda a vida. O DSM-IV-TR inclui as seguintes declarações sobre o comportamento anti-social no adulto: Esta categoria pode ser usada quando o foco de atenção clínica é um comportamento anti-social no adulto, nãodevido a um transtorno mental (p. ex., transtorno da con-
Fatores sociais. Estudos demonstraram que, em regiões nas quais famílias de condição socioeconômica (CSE) baixa predominam, os filhos homens de trabalhadores não-qualificados têm mais probabilidade de cometer transgressões e crimes graves do que os de trabalhadores de classe-média e qualificados, pelo menos durante a adolescência e o início da idade adulta. Esses dados não são tão claros para mulheres, mas se mostraram semelhantes em estudos de muitos países. Áreas de treinamento familiar diferem por grupo de CSE. Pais de classe média usam técnicas de disciplina orientadas ao afeto. Retiram afeto
CONDIÇÕES ADICIONAIS QUE PODEM SER FOCO DE ATENÇÃO CLÍNICA
em vez de impor punição física como ocorre em grupos de condições mais baixas. Atitudes parentais negativas em relação a comportamento agressivo, tentativas de refrear comportamento agressivo e capacidade de comunicar valores são mais característicos de grupos de CSE média e alta do que baixa. Comportamento anti-social no adulto está associado a uso e abuso de álcool e de outras substâncias e a fácil disponibilidade de armas.
Diagnóstico e características clínicas O diagnóstico de comportamento anti-social no adulto é de exclusão. Dependência de substância torna difícil separar o comportamento anti-social relacionado à dependência de substância de comportamentos perturbados que ocorreram antes do uso da substância ou durante episódios não relacionados à dependência. Durante as fases maníacas do transtorno bipolar I, certos aspectos do comportamento, como sede por viagens, promiscuidade sexual e dificuldades financeiras, podem ser semelhantes ao comportamento anti-social no adulto. Pacientes com esquizofrenia podem ter episódios de comportamento anti-social, mas o quadro sintomático costuma ser claro no exame do estado mental, em especial em relação a transtorno do pensamento, delírios e alucinações. Condições neurológicas podem estar associadas a tal condição, e eletroencefalograma (EEG), tomografia computadorizada (TC), ressonância magnética nuclear (RMN) e exames neurológicos completos são indicados. Epilepsia de lobo temporal deve ser considerada no diagnóstico diferencial. Quando um diagnóstico definido de epilepsia de lobo temporal ou encefalite puder ser feito, o transtorno pode ser considerado uma contribuição para o comportamento anti-social no adulto. Achados de EEG anormais são prevalentes entre transgressores violentos: estima-se que 50% dos criminosos agressivos tenham achados de EEG anormais. Adultos com comportamento anti-social têm dificuldades no trabalho, no casamento e em questões de dinheiro e conflitos com várias autoridades. Os sintomas são resumidos na Tabela 33-1. (O transtorno da personalidade anti-social é discutido no Capítulo 27.) Tratamento Em geral, os terapeutas são pessimistas em relação a tratar comportamento anti-social no adulto. Eles têm pouca esperança de mudar um padrão que esteve presente por quase toda a vida de uma pessoa. Psicoterapia não tem sido efetiva, e nenhuma ruptura importante ocorreu com tratamentos biológicos, incluindo medicação. Há mais entusiasmo em relação ao emprego de comunidades terapêuticas e outras formas de tratamento de grupo, embora os dados forneçam pouca base para otimismo. Muitos criminosos encarcerados apresentaram alguma resposta a abordagens de terapia de grupo. A história de violência, criminalidade e comportamento anti-social mostrou que tais comportamentos parecem diminuir após os 40 anos de idade. A reincidência em crimino-
955
TABELA 33-1 Sintomas de comportamento anti-social no adulto Área da vida Problemas de trabalho Problemas conjugais Dependência financeira Prisões Abuso de álcool Problemas escolares Impulsividade Comportamento sexual Adolescência descontrolada Ociosidade Agressividade Isolamento social Registro militar (daqueles que estão
Pacientes anti-sociais com problemas significativos na área (%) 85 81 79 75 72 71 67 64 62 60 58 56 53
servindo)
Falta de culpa Queixas somáticas Uso de nomes falsos Mentira patológica Abuso de drogas Tentativas de suicídio
40 31 29 16 15 11
Dados de Robins L. Deviant Children Grown Up: A Sociological and Psychiatric Study of Sociopathic Personality. Baltimore: Williams & Wilkins, 1966.
sos, que chega a 90% em alguns estudos, também diminui na meia-idade. Prevenção. Visto que o comportamento anti-social tende a começar durante a infância, o foco principal deve ser a prevenção de delinqüência. Quaisquer medidas que melhorem a saúde física e mental de crianças oriundas de classes socioeconômicas menos favorecidas e ajudem suas famílias reduzirão a delinqüência e os crimes violentos. Com freqüência, pessoas violentas sofreram muitas lesões ao sistema nervoso central (SNC) no período prénatal e durante toda a infância e a adolescência. Em conseqüência, programas devem ser desenvolvidos para educar os pais sobre os perigos para seus filhos de dano ao SNC por maus-tratos, incluindo os efeitos de substâncias psicoativas sobre o cérebro do feto em desenvolvimento. Educação do público sobre o efeito liberador do álcool em relação aos comportamentos violentos (sem mencionar a contribuição para homicídio na direção) também pode reduzir a criminalidade. Em um Surgeon General’s Report on Violence and Public Health (Relatório do cirurgião geral sobre violência e saúde pública) publicado há 15 anos, o Comitê sobre a prevenção de agressão e homicídio enfatizou a importância de desencorajar a punição corporal em casa, proibi-la nas escolas e até abolir a pena de morte, afirmando que todos são modelos e sanções para violência. Desde aquela época, a pena de morte foi instituída em estados que não a permitiam, como Nova York. Não há evidência de que tal prática reduza a criminalidade em estados que a permitem. Oponentes da pena de morte a consideram uma “vingança”, não uma punição. Embora as pessoas discordem sobre a contribuição da violência na mídia para crimes violentos, o potencial de propaganda da mídia é amplamente reconhecido. O grau em que a mídia, como a televisão, pode ser usada para transmitir valores sociais positi-
956
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
vos ainda não foi compreendido. As normas de procedimento publicadas pela indústria da televisão para indicar a quantidade de sexo e violência em programas é uma tentativa de lidar com o problema; entretanto, conteúdos programáticos que apóiem valores sociais tradicionais seriam benéficos. As medidas preventivas mais bem-sucedidas dentro do campo da medicina vieram de programas de saúde pública da comunidade (p. ex., campanhas contra o fumo) e de programas que detectam vulnerabilidades individuais (p. ex., monitoração de pressão arterial). Estudos de comportamento anti-social no adulto revelam a contribuição de fatores culturais amplos e de muitas vulnerabilidades biopsicossociais individuais. Os programas de prevenção devem reconhecer e tratar ambos os tipos de fatores. SIMULAÇÃO Simulação é caracterizada pela produção e pela apresentação voluntária de sintomas físicos ou psicológicos falsos ou exagerados. Os pacientes sempre têm uma motivação externa que se enquadra em uma de três categorias: evitar situações difíceis ou perigosas, responsabilidades ou punição; receber indenização, cama e comida grátis do hospital, uma fonte de drogas ou um esconderijo da polícia; e isentarem-se quando sentem culpa ou sofrem uma perda financeira, punição legal ou perda de emprego. A presença de um objetivo claramente definível é o principal fator que diferencia essa condição de transtornos factícios.
2. Acentuada discrepância entre o sofrimento ou a deficiência apontada pela pessoa e os achados objetivos. 3. Falta de cooperação durante a avaliação diagnóstica e de adesão ao regime de tratamento prescrito. 4. Presença de um transtorno da personalidade anti-social. Muitos simuladores expressam, na maioria das vezes, sintomas subjetivos, vagos, imprecisos por exemplo, dor de cabeça; dores no pescoço, na parte inferior das costas, no peito ou no abdome; tontura; vertigem; amnésia; ansiedade; depressão – e os sintomas em geral têm uma história familiar, com grande probabilidade de não ser causada por uma condição médica, mas difícil de refutar. Os simuladores podem queixar-se amargamente e descrever o quanto os sintomas prejudicam seu funcionamento normal e o quanto lhes desagradam. Pacientes podem usar os melhores médicos, os mais confiáveis (e talvez mais crédulos), e pagam todas as contas sem hesitação para impressionar os médicos com sua integridade. Para parecerem de confiança, os simuladores devem relatar os sintomas, mas contar a seus médicos o mínimo possível. No entanto, queixam-se de sofrimento sem sinais objetivos ou outros sintomas congruentes com doenças ou síndromes reconhecidas; se descrevem todos os sintomas de uma doença, dizem que os mesmos “vêm e vão.” Os simuladores estão mais preocupados com indenização do que com cura e têm um conhecimento da lei e de precedentes relativos a suas alegações. Testes objetivos – como audiometria, audiometria do tronco cerebral, potenciais evocados auditivos e visuais, resposta cutânea galvânica, eletromiografia e estudos de condução nervosa – podem ser úteis para excluir problemas auditivos, labirínticos, oftalmológicos, neurológicos, entre outros.
Epidemiologia Diagnóstico diferencial A incidência de simulação é desconhecida, mas ela é comum e ocorre com mais freqüência em situações com um predomínio de homens – ambientes militares, prisões, fábricas e outros ambientes industriais, mas também ocorre em mulheres. Diagnóstico e características clínicas O DSM-IV-TR inclui as seguintes observações sobre a simulação: A característica essencial da simulação é a produção intencional de sintomas físicos ou psicológicos falsos ou exagerados, motivada por incentivos externos como esquivar-se do serviço militar, fugir do trabalho, obter compensação financeira, evadir-se de processos criminais ou obter drogas. Sob algumas circunstâncias, a simulação pode representar um comportamento adaptativo – por exemplo, fingir doença quando prisioneiro do inimigo, em tempos de guerra. A simulação deve ser fortemente suspeitada quando for percebida qualquer combinação dos seguintes fatores: 1. Contexto médico-legal de apresentação (p. ex., a pessoa é encaminhada por um advogado para exame médico).
A simulação difere do transtorno factício na medida em que a motivação para a produção de sintoma naquela é um incentivo externo (p. ex., pagamentos de seguro), o qual não existe neste. A evidência de uma necessidade intrapsíquica de manter o papel de doente (p. ex., para satisfazer necessidades de dependência) sugere transtorno factício. A simulação é diferenciada de transtornos somatoformes pela produção intencional de sintomas e pelos incentivos externos óbvios a ela associados. Na simulação, ao contrário de transtornos somatoformes como transtorno conversivo, o alívio do sintoma não costuma ser obtido por sugestão ou hipnose. A Tabela 33-2 lista aspectos que diferenciam simulação de doença genuína. Tratamento Um paciente suspeito de simulação deve ser avaliado de forma completa e objetiva, e o médico deve abster-se de demonstrar qualquer desconfiança. Se ficar irritado (uma resposta comum a simuladores), uma confrontação pode ocorrer, com duas conseqüências: (1) o relacionamento médico-paciente é rompido de modo que não é mais possível uma intervenção positiva e (2) o paciente torna-se ainda mais reservado, tornando a prova de fraude quase impossível. Se o paciente for aceito e não desacreditado, a subseqüente observação hospitalar ou ambulatorial pode revelar a versatilidade dos sintomas,
CONDIÇÕES ADICIONAIS QUE PODEM SER FOCO DE ATENÇÃO CLÍNICA
TABELA 33-2 Aspectos de simulação geralmente não encontrados na doença genuína Os sintomas são vagos, imprecisos, superdramatizados e não correspondem a condições clínicas conhecidas. O paciente busca drogas que geram dependência, ganho financeiro, a evitação de condições árduas (p. ex., prisão) ou outras condições indesejadas. História, exame e dados de avaliação não esclarecem as queixas. O paciente não coopera e recusa-se a aceitar um atestado de boa saúde ou um prognóstico encorajador. Os achados parecem compatíveis com lesões auto-infligidas. História ou registros revelam múltiplos episódios passados de ferimentos ou doenças não-diagnosticadas. Registros ou dados de exames parecem ter sido adulterados (p. ex., rasuras, substâncias não-prescritas na urina). Cortesia de Arthur T. Meyerson, M.D.
que estão presentes de forma consistente apenas quando os pacientes sabem que estão sendo observados. Preservar o relacionamento médico-paciente é essencial para o diagnóstico e para o tratamento de longo prazo. A avaliação cuidadosa em geral revela o problema relevante sem a necessidade de confrontação. Recomenda-se usar uma abordagem de tratamento intensivo como se os sintomas fossem reais. O paciente pode, então, abandonar os sintomas em resposta ao tratamento sem perder a dignidade. PROBLEMA DE FASE DE VIDA O DSM-IV-TR inclui a seguinte descrição sobre problemas de fase de vida: Esta categoria pode ser usada quando o foco da atenção clínica é um problema associado a determinada fase do desenvolvimento ou a alguma outra circunstância da vida que não se deve a um transtorno mental, ou se devido a um transtorno mental, deve ser suficientemente grave para indicar uma atenção clínica independente. Exemplos: problemas associados ao ingresso na escola, saída da casa dos pais, início de uma nova profissão, alterações relacionadas a casamento, divórcio e aposentadoria. Eventos externos têm mais probabilidade de interferir nas capacidades adaptativas de uma pessoa quando são inesperados ou numerosos (i. e., uma quantidade de estresse ocorre dentro de um curto espaço de tempo), quando a tensão é crônica e constante ou quando uma perda anuncia uma grande quantidade de ajustamentos concomitantes que excedem as forças de recuperação da pessoa. A tensão com maior probabilidade de produzir ansiedade e depressão relaciona-se a mudanças importantes do ciclo de vida: casamento, ocupação e paternidade/maternidade. Esses eventos afetam tanto homens como mulheres, mas mulheres, pessoas de grupos socioeconômicos inferiores e minorias parecem mais vulneráveis a reações adversas. Novamente, a mudança cria tensão significativa quando é inesperada e quando envolve não apenas ajustamento a uma perda (um cônjuge ou um emprego), mas
957
também a necessidade de ajustar-se à nova condição, que acarreta mais sofrimento e problemas. Em geral, as pessoas são capazes de ajustar-se a mudanças de vida se tiverem mecanismos de defesa maduros como altruísmo, humor e capacidade de sublimação. Flexibilidade, confiabilidade, laços familiares fortes, emprego regular, renda adequada, satisfação no trabalho, padrão de lazer regular e participação social, objetivos realísticos e história de desempenho adequado – em resumo, uma vida plena e satisfatória – criam resiliência para lidar com mudanças de vida. FALTA DE ADESÃO AO TRATAMENTO O DSM-IV-TR apresenta a seguinte declaração: Esta categoria pode ser usada quando o foco de atenção clínica é a falta de adesão a um aspecto importante do tratamento de um transtorno mental ou de uma condição médica geral. As razões para a falta de adesão podem incluir desconforto resultante do tratamento (p. ex., efeitos colaterais de medicamentos), custo financeiro do tratamento, decisões baseadas em juízos de valores pessoais ou crenças religiosas ou culturais acerca das vantagens e desvantagens do tratamento proposto, traços de personalidade ou formas de manejo mal-adaptativas (p. ex., negação da doença) ou presença de um transtorno mental (p. ex., esquizofrenia, transtorno da personalidade esquiva). Esta categoria deve ser usada apenas quando o problema é grave o suficiente para indicar uma atenção clínica independente. A adesão está diretamente associada ao relacionamento médico-paciente, e uma discussão completa sobre o assunto é feita no Capítulo 1. PROBLEMA RELIGIOSO OU ESPIRITUAL O DSM-IV-TR contém a seguinte declaração: Esta categoria pode ser usada quando o foco de atenção clínica é um problema religioso ou espiritual. Exemplos incluem experiências angustiantes que envolvem a perda ou o questionamento da fé, problemas associados a conversão a uma nova fé ou o questionamento de valores espirituais que podem não estar, necessariamente, relacionados a uma igreja ou instituição religiosa organizada. Do ponto de vista psicológico, talvez o aspecto mais notável da religião seja sua universalidade. Há poucas sociedades nas quais a religião não desempenha um papel significativo, e muito poucas pessoas, em um momento ou outro, não experimentaram alguma inspiração religiosa. Dessa universalidade, devemos deduzir que a religião desempenha uma função adaptativa que é invocada para satisfazer uma ou mais necessidades humanas universais.
958
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Aconselhamento pastoral A função pastoral religiosa envolve ajudar os membros da congregação religiosa a lidar com problemas graves que não podem resolver sozinhos e que podem causar angústia e prejuízo. Essa prática inclui visitas ao doente, conforto do enlutado, encorajamento da viúva e ajuda ao órfão. O termo aconselhamento envolve consulta com o objetivo de ajudar a pessoa perturbada a resolver um problema atual específico, o qual pode ser conjugal, entre pai e filho, um problema de conflito entre irmãos ou queixa de sentimento de culpa ou ansiedade. Cultos Cultos são grupos carismáticos que podem afetar os participantes de formas adversas, os quais podem colocá-los em contato com o sistema de tratamento de saúde mental. São caracterizados por um sistema de crenças e ideologia intensamente defendido e imposto aos membros, por um alto nível de coesão, a fim de prevenir a liberdade de escolha dos membros de deixar o grupo, e por uma profunda influência sobre o comportamento destes, possivelmente induzindo sintomas psiquiátricos e produzindo transtornos psicóticos manifestos. A maior parte dos membros potenciais de culto é formada por adolescentes ou pessoas que estão lutando para estabelecer suas próprias identidades. São atraídos a um culto, que mantém a promessa de bem-estar emocional e pretende oferecer o senso de direção que se está buscando. Os membros são encorajados a converter e trazer novos membros para o grupo. Com freqüência são encorajados a romper com membros da família e amigos e a socializar-se apenas com outros membros do grupo. Os cultos são liderados por personalidades carismáticas, que costumam ser implacáveis e desumanas em sua busca por ganhos financeiros, sexuais e de poder. Os líderes em geral exigem submissão ao sistema de crença ideológica do culto, que pode ter fortes nuanças religiosas ou quase religiosas. A terapia de saída foi desenvolvida para ajudar algumas pessoas a saírem do grupo quando vínculos emocionais externos podem ser mobilizados. Em 28 de março de 1997, o maior grupo de suicidas registrado nos Estados Unidos foi encontrado no Rancho Santa Fé, Califórnia. Trinta e nove homens e mulheres membros de um culto do milênio chamado Portal do Paraíso mataram-se com doses letais de fenobarbital combinado com álcool. Alguns se sufocaram com sacos de plástico. Os membros acreditavam que seus corpos eram recipientes físicos que tinham que ser descartados para que suas almas pudessem ser transportadas para um novo nível de ser. Suas almas se encontrariam com um objeto voador não-identificado que estava na cauda do cometa Hale-Bopp, que estaria passando pela Terra naqueles dias e sinalizando para que eles se matassem. Em seu novo plano de existência, habitariam novos corpos e viajariam por diferentes galáxias. O culto era composto de pessoas jovens na faixa dos 20 anos que tinham deixado a casa dos pais por várias razões e que estavam buscando um senso de identidade espiritual. O líder do culto era um ex-ministro que se autodenominava “Bo” por causa de Bo-Peep, um pastor de ovelhas, e, como a maioria dos líderes de culto, era carismático e convincente para um grupo de pessoas psico-
logicamente vulneráveis buscando uma figura de autoridade divina onipotente para diminuir seu senso de ansiedade, depressão e alienação. O culto recrutava seus membros por meio de contatos pessoais e anúncios na internet, onde tinha uma página chamada Portal do Paraíso.
PROBLEMA DE ACULTURAÇÃO O DSM-IV-TR apresenta a seguinte declaração sobre o problema de aculturação: Esta categoria pode ser usada quando o foco de atenção clínica é um problema que envolve o ajustamento a uma cultura diferente (p. ex., após a imigração). Períodos de transição cultural, com mudança de tradição e costumes, e definição de papel fluida podem aumentar a vulnerabilidade de uma pessoa à tensão de vida. Transição cultural extrema pode criar uma condição de sofrimento grave, também chamada de choque cultural, que ocorre quando se entra em contato, de forma súbita, com uma cultura estranha ou se tem vínculos com culturas diferentes. Em uma forma menos extrema, o choque cultural ocorre quando homens e mulheres jovens entram no exército, quando mudam de empregos, quando famílias se mudam ou passam por mudança significativa na renda, quando crianças vão para a escola pela primeira vez e quando crianças negras de bairros pobres viajam de ônibus para escolas de brancos de classe média. (Uma discussão adicional de mudança de cultura e choque cultural é apresentada no Cap. 4.) Lavagem cerebral Praticada pela primeira vez pelos comunistas chineses em prisioneiros norte-americanos durante a Guerra da Coréia, a lavagem cerebral é a criação deliberada de choque cultural. Uma condição de isolamento, alienação e intimidação é desenvolvida para atacar forças do ego e deixar a pessoa vulnerável à imposição de idéias e comportamentos estranhos que ela, em outras condições, rejeitaria. A lavagem cerebral baseia-se na coerção mental e física. Todas as pessoas são vulneráveis à prática se forem expostas a ela por tempo suficiente, se estiverem sozinhas e sem apoio e se estiveram sem esperança de escapar da situação. A ajuda do sistema de tratamento de saúde mental, na forma de desprogramação, é necessária para ajudar as pessoas a se reajustarem aos seus ambientes habituais após a experiência de lavagem cerebral. É oferecida terapia de apoio, com ênfase na reeducação, na restituição de forças de ego que existiam antes do trauma e no alívio da culpa e da depressão que são resíduos da experiência aterrorizante e da perda de confiança e da confusão de identidade que resultam dela. Prisioneiros de guerra e tortura de vítimas Prisioneiros que sobrevivem à guerra e às experiências de tortura o fazem devido a forças pessoais interiores desenvolvidas no iní-
CONDIÇÕES ADICIONAIS QUE PODEM SER FOCO DE ATENÇÃO CLÍNICA
cio de suas vidas dentro de famílias emocionalmente fortes e carinhosas; se vierem de famílias perturbadas, têm um alto risco para o suicídio. Os prisioneiros devem lidar com ansiedade, medo, isolamento de pessoas conhecidas e perda completa de todo o controle sobre suas vidas. Aqueles que parecem lidar melhor acreditam que devem sobreviver por alguma razão (p. ex., para contar aos outros o que experimentaram ou voltar aos seus entes queridos). Prisioneiros que lidam melhor com o problema descrevem viver ao mesmo tempo em dois níveis: lutam no aqui-eagora para sobreviver à situação enquanto mantêm ligações mentais constantes com seus valores e experiências passados e pessoas importantes para eles. Além das dificuldades pessoais do prisioneiro sobrevivente (incluindo transtorno de estresse pós-traumático), se e quando seu comportamento de sobrevivência continuar, pode afetar suas famílias, com medo imoderado de polícia e estranhos, superproteção e sobrecarga dos filhos para substituir pessoas perdidas, falta de compartilhar o passado, isolamento contínuo de suas comunidades atuais ou raiva inadequada expressada. Uma outra geração pode, portanto, ser afetada em seu desenvolvimento pessoal e funcionamento psicológico e necessitar de avaliação e tratamento psiquiátrico. Uma judia de 72 anos, sobrevivente do campo de concentração nazista de Auschwitz, declarou que, como húngara casada e com 19 anos, queria ser advogada, aceitou a liderança de um barracão de mulheres porque sabia que podia defendê-las como seu pai havia ajudado os pobres em sua cidade natal. Ela encorajava as outras a cuidarem de seus corpos, a dividirem comida e canções e histórias à noite, e a manterem a esperança de que sobreviveriam para encontrar algum familiar e iniciar uma nova vida após a guerra. Na libertação após a marcha da morte, ajudou soldados americanos como intérprete, encontrou sua irmã e o marido, e construiu uma nova vida, continuando sua liderança em sua nova comunidade em um hospital em Jerusalém.
DECLÍNIO DA MEMÓRIA ASSOCIADO À IDADE O DSM-IV-TR inclui o seguinte comentário: Esta categoria pode ser usada quando o foco de atenção clínica é um declínio objetivamente identificado no funcionamento cognitivo, conseqüente do processo de envelhecimento, dentro dos limites normais, dada a idade do indivíduo. Os indivíduos com essa condição podem relatar problemas na recordação de nomes ou compromissos ou experimentar dificuldades na resolução de problemas complexos. Essa categoria deve ser considerada apenas depois de determinado que o prejuízo cognitivo não é atribuível a um transtorno mental ou a uma condição neurológica específicos. As tentativas de retardar o declínio cognitivo relacionado à idade são inúmeras. Elas incluem ingesta diária de vitamina E
959
(200 a 600 mg), ingesta diária de antiinflamatórios não-esteróides (AINEs), uso da planta Ginkgo biloba e de esteróides sexuais masculinos e femininos. O declínio cognitivo é mais baixo em pessoas que se exercitam, não fumam, bebem pouco ou nada de álcool e que desafiam sua inteligência no trabalho ou no jogo (p. ex., palavras cruzadas). A capacidade de aprender material novo é mantida com a velhice; entretanto, isso leva mais tempo e requer mais prática do que em pessoas jovens. REFERÊNCIAS Bernard LC, Houston W, Natoli L. Malingering on neuropsychological memory tests: potential objective indicators. J Clin Psychol. 1993;49:45. Blackwell B. Treatment compliance. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:1893. Buckalew LW, Buckalew NM. Survey of the nature and prevalence of patients’ noncompliance and implications for interventions. Psychol Rep. 1995;76:315. Crittenden PM, Claussen AH, eds. The Organization of Attachment Relationships: Maturation, Culture, and Context. New York: Cambridge University Press; 2000. Dickstein LJ. Other additional conditions that may be a focus of clinical attention. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:1918. Everett B, Gallop R. The Link Between Childhood Trauma and Mental Illness: Effective Interventions for Mental Health Professionals. Oaks, CA: Sage Publications; 2001. Holmes T. Life situations, emotions, and disease. Psychosomatics. 1978;19:747. Hutri M. When careers reach a dead end: identification of occupational crisis states. J Psychol. 1996;130:383. Kissane DW, Bloch S, Dowe DL, et al. The Melbourne Family Grief Study. I: perceptions of family functioning in bereavement. Am J Psychiatry. 1996;153:650. Kissane DW, Bloch S, Onghena P, McKenzie DP, Snyder RD, Dowe DL. The Melbourne Family Grief Study, II: psychosocial morbidity and grief in bereaved families. Am J Psychiatr y. 1996;153:659. Lewis DO, Pincus JH, Feldman M, Jackson L, Bard B. Psychiatric, neurological, and psychoeducational characteristics of 15 death row inmates in the United States. Am J Psychiatry. 1986;143:7. Lipian MS, Mills MJ. Malingering. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:1878. Lukoff D, Lu FG, Turner R. Cultural considerations in the assessment and treatment of religious and spiritual problems. Psychiatr Clin North Am. 1995;18:467. Pawliuk N, Grizenko N, Chan-Yip A, Gantous P, Mathew J, Nguyen D. Acculturation style and psychological functioning in children of immigrants. Am J Orthopsychiatry. 1996;66:111. Repetti RL. Short-term effects of occupational stressors on daily mood and health complaints. Health Psychol. 1993;12:125. Sadock VA. Other additional conditions that may be a focus of clinical attention. In: Comprehensive Textbook of Psychiatry. 6th ed. Kaplan HI, Sadock BJ, eds. Baltimore: Williams & Wilkins; 1995;1633. Tardiff K. Adult antisocial behavior and criminality. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000;1908.
34 Medicina psiquiátrica de emergência
34.1 Emergências psiquiátricas A psiquiatria de emergência tornou-se uma subespecialidade da psiquiatria geral que requer habilidades específicas para lidar com situações para as quais intervenção terapêutica imediata é freqüentemente necessária. A ampla abrangência da psiquiatria de emergência vai além da prática psiquiátrica geral para incluir problemas especializados como abuso de substâncias, crianças e cônjuges, a violência do suicídio, do homicídio e do estupro e problemas sociais como falta de moradia, envelhecimento, competência e síndrome de imunodeficiência adquirida (AIDS). Os psiquiatras de emergência devem estar atualizados sobre problemas médico-legais e tratamento gerenciado (planos de saúde). EPIDEMIOLOGIA Os pronto-socorros psiquiátricos são usados igualmente por homens e por mulheres e mais por pessoas solteiras do que por casadas. Cerca de 20% desses pacientes são suicidas, e 10%, violentos. Os diagnósticos mais comuns são transtornos do humor (incluindo transtornos depressivos e episódios maníacos), esquizofrenia e dependência de álcool. Cerca de 40% de todos os pacientes atendidos em pronto-socorros psiquiátricos requerem hospitalização. A maioria das visitas ocorre durante as horas da noite, mas não há diferença de uso com base no dia da semana ou no mês do ano. Contrário à crença popular, estudos não verificaram que a busca por pronto-socorros psiquiátricos aumente durante a lua cheia ou a época do Natal. ENTREVISTA PSIQUIÁTRICA DE EMERGÊNCIA Uma entrevista de emergência é semelhante a uma entrevista psiquiátrica tradicional, exceto pela limitação de tempo imposta por outros pacientes que aguardam para serem atendidos e pela possível sensação de urgência em avaliar o risco para o paciente e para terceiros. Em geral, o médico focaliza-se na queixa apresen-
tada e nas razões para o paciente ter vindo ao pronto-socorro. A pressão de tempo requer que a entrevista seja estruturada, em especial com pacientes que podem responder com relatos longos e incoerentes de suas doenças. Se amigos, parentes ou a polícia acompanham o paciente, uma história suplementar deve ser obtida deles, principalmente se o paciente é mudo, negativista, nãocooperativo ou de outro modo incapaz de relatar uma história coerente. Os pacientes podem estar bastante motivados a revelar-se para obter alívio do sofrimento, mas também podem estar, consciente ou inconscientemente, motivados a ocultar sentimentos íntimos que considerem vergonhosos ou ameaçadores. Se forem trazidos ao hospital de forma involuntária, a disposição ou a capacidade de cooperar pode estar prejudicada. O relacionamento do psiquiatra com o paciente influencia o que este diz ou não diz, mesmo dentro do contexto de uma primeira entrevista em um pronto-socorro; portanto, uma grande parte da entrevista psiquiátrica de emergência envolve as técnicas específicas e sofisticadas de escuta, observação e interpretação que formam o alicerce de todo treinamento psiquiátrico. O profissional deve ser direto, honesto, calmo e não-ameaçador e transmitir aos pacientes a idéia de que está no controle e agirá de forma decisiva para protegê-los de dano a si mesmos ou a terceiros. A Tabela 34.1-1 resume como avaliar uma emergência psiquiátrica. Às vezes, as pessoas entram em contato com o pronto-socorro por telefone. O psiquiatra deve obter o número do qual a ligação é feita e o endereço exato, de modo que, se a ligação for interrompida, seja capaz de enviar ajuda. Se o paciente estiver sozinho e o psiquiatra determinar que ele esteja em perigo, a polícia deve ser alertada. Se possível, um assistente deve chamar a polícia de outra linha telefônica enquanto o psiquiatra mantém o paciente envolvido até que chegue a ajuda. Este não deve ser orientado a dirigir sozinho até o hospital; recomenda-se enviar uma equipe médica de emergência ou da unidade de crise móvel para buscar o paciente. O maior erro possível no pronto-socorro psiquiátrico é desconsiderar uma doença física como a causa de uma condição emocional. Traumatismos cranianos, doenças médicas, abuso de substâncias (incluindo álcool), doenças cerebrovasculares, anormalidades metabólicas e medicamentos podem todos causar comportamento anormal, e os psiquiatras devem fazer anamneses resumidas que se concentrem nessas áreas.
MEDICINA
PSIQUIÁTRICA DE EMERGÊNCIA
961
TABELA 34.1-1 Estratégia geral na avaliação de pacientes I.
Autoproteção A. Saber tanto quanto possível sobre os pacientes antes de encontrá-los. B. Deixar os procedimentos de restrição física para aqueles que são treinados para tanto. C. Estar alerta a riscos de violência iminente. D. Prestar atenção à segurança do ambiente físico (p. ex., acesso à porta, objetos no quarto). E. Ter outras pessoas presentes durante a avaliação, se necessário. F. Dispor outras pessoas nas imediações. G. Desenvolver um pacto com o paciente (p. ex., não confrontar ou ameaçar aqueles com psicoses paranóides).
II. Prevenir dano A. Prevenir autoferimento e suicídio. Usar todos os métodos necessários para evitar que os pacientes se firam durante a avaliação. B. Prevenir violência contra terceiros. Durante a avaliação, considere o risco de violência. Se este for considerado significativo, utilize as seguintes opções: 1. Informe o paciente de que violência não é aceitável. 2. Aborde o paciente de maneira não-ameaçadora. 3. Reafirme e acalme o paciente ou auxilie no teste de realidade. 4. Ofereça medicação. 5. Informe-o de que restrição ou isolamento será usado, se necessário. 6. Tenha equipes prontas para controlar o paciente. 7. Quando os pacientes estiverem contidos, observe-os sempre com rigor e verifique seus sinais vitais. Isole-os de estímulos perturbadores. Planeje uma nova abordagem – medicação, reafirmação, avaliação médica. III. Exclua transtornos cognitivos causados por uma condição médica geral.
FIGURA 34.1-1 Um paciente mentalmente doente que costuma engolir objetos estranhos. Incluídos nesse lúmen colônico estão 13 termômetros e oito moedas. As densidades densas, redondas e quase pontuadas são glóbulos de mercúrio líquido liberado. (Cortesia de Stephen R. Baker, M.D. e Kyunghee C. Cho, M.D.)
IV. Exclua psicose iminente.
Diagnóstico Não se espera que uma avaliação de emergência seja completa, mas deve tratar certas questões importantes. Exame toxicológico, raios X de tórax, eletrocardiograma (ECG) e outros testes laboratoriais relevantes (p. ex., níveis séricos de lítio e fenitoína) devem ser feitos o mais rápido possível para a informação mais precisa. Avaliação médica inicial e consultas com especialistas são recomendadas sempre que possível. Se disponíveis, registros antigos devem ser revistos, e toda informação de fontes externas, como membros da família e da polícia, deve ser obtida antes que um diagnóstico seja feito. Embora segurança sempre seja a mais alta prioridade, não pode retardar de forma indevida a finalização da avaliação diagnóstica. Às vezes, uma emergência médica pode ser o resultado direto de doença mental grave. Os pacientes podem engolir objetos estranhos ou cortar-se ou mutilar-se de forma deliberada entre outras práticas perigosas (Figs. 34.1-1 e 34.1-2).
FIGURA 34.1-2 Paciente trazido ao pronto-socorro com dor abdominal inferior. O raio X mostra um tubo nasogástrico dobrado dentro da bexiga. Ele inseria o tubo pela uretra como parte de um ritual masturbatório (eroticismo uretral). (Cortesia de Stephen R. Baker, M.D. e Kyunghee C. Cho, M.D.)
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Psiquiatras de emergência devem considerar uma ampla gama de condições que poderiam responder pelos sinais e sintomas apresentados. As
queixas mais comuns enquadram-se dentro das categorias de ansiedade, depressão, mania e transtorno do pensamento. Essas condições podem sobrepor-se e ter múltiplas causas.
962
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Os diagnósticos diferenciais de ansiedade, episódios depressivos, episódios maníacos e transtornos do pensamento estão listados nas Tabelas 34.1-2 a 34.1-5. Ansiedade difere de depressão, mania e transtorno do pensamento na medida em que muitas doenças que podem causar ansiedade são potencialmente fatais. Infartos do miocárdio incipientes, embolias pulmonares, arritmias e hemorragias internas podem causar ansiedade aguda a um grau de pânico. Insuficiência cardíaca congestiva não-tratada secundária a infarto do miocárdio silencioso ou arritmia cardíaca maligna podem ser fatais. Pessoas mais velhas e aquelas que acabaram de sofrer uma perda podem ser percebidas como tendo ideação depressiva ou niilista quando, na verdade, idade ou estresse as induziram a uma doença potencialmente fatal manifestada por ansiedade e um senso de destruição iminente. Indivíduos com depressão como um efeito adverso de medicamentos antihipertensivos podem perceber cônjuges, filhos, amigos ou o trabalho de uma forma negativa que muda com a interrupção do tratamento. A Tabela 34.1-6 resume aspectos que deveriam fazer os médicos de pronto-socorro considerarem uma condição orgânica como causa da queixa. A Tabela 34.1-7 lista os transtornos do sistema nervoso central (SNC) que requerem tratamento imediato. A Tabela 34.1-8 apresenta os transtornos do SNC que têm aspectos comportamentais que requerem um exame neurológico cuidadoso que pode incluir neuroimagem.
TABELA 34.1-3 Diagnóstico diferencial de episódios depressivos AIDS Arteriosclerose Carcinoma de pâncreas Cirrose Demência do tipo Alzheimer Demência do tipo Alzheimer com início precoce Demência do tipo Alzheimer com início tardio Demência vascular Esquizofrenia Hepatite Hipertireoidismo Hipocalemia Hipotireoidismo Malignidade oculta Mononucleose infecciosa Neoplasia cerebral Paresia geral Síndrome de infecção pós-viral Toxicidade anti-hipertensiva Transtorno bipolar I Transtorno ciclotímico Transtorno da personalidade borderline Transtorno da personalidade esquizóide Transtorno da personalidade esquizotípica Transtorno de adaptação com humor deprimido Transtorno depressivo maior Transtorno distímico Transtorno esquizoafetivo Transtorno psicótico breve Transtorno psicótico de esteróide Transtornos por uso de anfetamina Transtornos por uso de cocaína Adaptada de Andrew Edmund Slaby, M.D., Ph.D.
TABELA 34.1-2 Diagnóstico diferencial de ansiedade Abstinência e delirium sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos Ansiedade normal Arteriosclerose cerebral Delirium e abstinência de álcool Embolia pulmonar Encefalite Endocardite bacteriana subaguda Epilepsia psicomotora Esquizofrenia Feocromocitoma Fobias Hemorragia interna Hipertensão essencial Hipertireoidismo Hipocalcemia Hipocalemia Hipoglicemia Infarto do miocárdio iminente Intoxicação e abstinência de anfetamina (ou substância relacionada) Intoxicação por cafeína Intoxicação por cocaína Outras doenças do lobo temporal Prolapso da válvula mitral Síndrome de hiperventilação Síndrome pós-concussão Taquicardia atrial paroxística e outras arritmias cardíacas Transtornos de ansiedade Transtorno bipolar I Transtorno depressivo maior Transtorno de pânico Transtorno da personalidade borderline Transtornos psicóticos Transtornos sexuais Adaptada de Andrew Edmund Slaby, M.D., Ph.D.
TABELA 34.1-4 Diagnóstico diferencial de episódios maníacos AIDS Delirium Esquizofrenia catatônica Hipertireoidismo Intoxicação alcoólica Mania induzida por anfetamina Mania induzida por antidepressivo Mania induzida por broncodilatador Mania induzida por cocaína Mania induzida por descongestionante Mania induzida por esteróide Mania induzida por fenciclidina Mania induzida por L-Dopa Psicose atípica Síndrome pós-encefálica Transtorno bipolar I Transtorno esquizoafetivo Cortesia de Andrew Edmund Slaby, M.D., Ph.D.
O diagnóstico diferencial de comportamento violento inclui demência persistente induzida por substância, transtorno da personalidade anti-social, esquizofrenia catatônica, infecção cerebral, neoplasma cerebral, transtorno da personalidade obsessivo-compulsiva, transtornos dissociativos, transtornos do controle dos impulsos, transtornos sexuais, intoxicação alcoólica idiossincrásica, transtorno de-
MEDICINA
TABELA 34.1-5 Diagnóstico diferencial de transtornos do pensamento AIDS Anemia perniciosa Demência do tipo Alzheimer Demência do tipo Alzheimer com início precoce Demência do tipo Alzheimer com início tardio Demência vascular Doenças endócrinas Epilepsia do lobo temporal Equivalente de enxaqueca Esquizofrenia Intoxicação por álcool Neoplasia do lobo frontal Psicose atípica Sífilis Transtorno bipolar I Transtorno de adaptação Transtorno delirante Transtorno depressivo maior Transtorno esquizofreniforme Transtorno psicótico alcoólico com alucinações Transtorno psicótico breve Transtorno psicótico compartilhado Transtorno psicótico de cimetidina Transtorno psicótico de esteróide Transtorno psicótico induzido por substâncias (p. ex., PCP, anfetamina) Transtornos dissociativos Adaptada de Andrew Edmund Slaby, M.D., Ph.D.
TABELA 34.1-6 Aspectos que indicam uma causa médica para um transtorno mental Início agudo (dentro de horas ou minutos, com sintomas decisivos) Primeiro episódio Idade geriátrica Doença médica ou ferimento atual Abuso de substância significativo Problemas de percepção não-auditivos Sintomas neurológicos – perda de consciência, convulsões, lesão na cabeça, mudança no padrão de cefaléia, alteração na visão Sinais de estado mental clássicos – alerta diminuído, desorientação, prejuízo de memória, prejuízo na concentração e na atenção, discalculia, concreção Outros sinais de estado mental – transtornos da fala, do movimento ou da marcha Apraxia construtiva – dificuldades para desenhar relógio, cubo, pentágonos cruzados, desenho gestáltico de Bender
TABELA 34.1-7 Transtornos globais comuns do sistema nervoso central que requerem tratamento imediato Hipoglicemia – dextrose 50% IV ou suco via oral, imediatamente; dar a todos os diabéticos Encefalopatia de Wernicke – tiamina, 100 mg IV, imediatamente Intoxicação por opióide – naltrexona (Narcan), 4 mg IV, imediatamente
lirante, transtorno da personalidade paranóide, esquizofrenia, desequilíbrio social sem transtorno mental, epilepsia do lobo temporal, transtorno bipolar I e violência incontrolável secundária a estresse interpessoal.
PSIQUIÁTRICA DE EMERGÊNCIA
963
Violência e comportamento agressivo Conforme mencionado, a primeira tarefa na avaliação do comportamento violento é determinar sua causa, a qual irá direcionar o tratamento. Pacientes com transtornos do pensamento caracterizados por alucinações que os comandam a matar alguém requerem hospitalização psiquiátrica e medicação antipsicótica. Se os mesmos não estiverem dispostos a aceitar o tratamento, é necessário testemunho para proteger a futura vítima e o paciente. Aqueles que assumem uma postura de liberdade civil extrema deixam de reconhecer que o testemunho médico evoluiu legalmente não apenas para proteger a sociedade de pacientes violentos, mas também para protegê-los das conseqüências de seus comportamentos incontroláveis. Indivíduos psicóticos que, durante as crises, destroem a propriedade de familiares e amigos ou ameaçam cometer ataques violentos barram os apoios sociais necessários para ajudá-los a funcionar após a correção do humor anormal ou da ideação delirante. Violência e comportamento agressivo são difíceis de prever (Tab. 34.1-9), mas o medo com que algumas pessoas consideram todos os pacientes psiquiátricos é desproporcional aos poucos que se constituem como um perigo genuíno para os outros. Os prognosticadores mais específicos de possível comportamento violento são ingestão excessiva de álcool, história de atos violentos com prisões ou atividade criminosa e história de abuso na infância. Embora pacientes violentos possam induzir um medo realístico nos psiquiatras, também podem desencadear medos irracionais que prejudicam o julgamento clínico e levar ao uso prematuro e excessivo de sedação ou restrição/contenção física. Pacientes violentos em geral são aterrorizados por seus próprios impulsos hostis e buscam ajuda para prevenir perda de controle. Contudo, restrições físicas (contenções físicas) devem ser aplicadas se houver um risco razoável de violência. Estupro e abuso sexual Estupro é a coerção forçada de uma vítima relutante em realizar um ato sexual, em geral relações sexuais, embora intercurso anal e felácio também possam ser considerados estupro. Como outros atos de violência, esta é uma emergência psiquiátrica que requer intervenção imediata, apropriada. As vítimas podem sofrer seqüelas que persistem por toda uma vida. Estupro é uma experiência potencialmente fatal na qual a vítima quase sempre foi
TABELA 34.1-8 Transtornos focais comuns do sistema nervoso central com aspectos comportamentais Afasias – afasia fluente ou receptiva resulta no não-entendimento de palavra falada, embora os pacientes tenham fala fluente, mas incoerente Síndromes do lobo frontal – alterações em comportamento motor, capacidade de concentração, raciocínio, pensamento, julgamento social e controle dos impulsos Síndromes do lobo temporal – psicose, convulsão, aspectos de personalidade e de Klüver-Bucy Síndromes do lobo parietal – lesão direita com negação e hipomania Síndromes do lobo occipital – síndrome de Anton (cegueira cortical com negação)
964
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 34.1-9 Avaliação e previsão de comportamento violento Sinais de violência iminente Atos recentes de violência, incluindo dano a propriedade Ameaças verbais ou físicas Portar armas ou outros objetos que podem ser usados como armas (p. ex., garfos, cinzeiros) Agitação psicomotora progressiva Intoxicação com álcool ou outra substância Aspectos paranóides em um paciente psicótico Alucinações auditivas de comando violentas – alguns, mas não todos os pacientes são de alto risco Doenças cerebrais, globais ou com achados do lobo frontal; menos freqüente com achados do lobo temporal (controvertido) Excitação catatônica Certos episódios maníacos Certos episódios depressivos agitados Transtornos da personalidade (raiva, violência ou descontrole impulsivo) Avaliar o risco para violência Considerar ideação, desejo, intenção, plano violento, disponibilidade de meios, implementação de plano, desejo de ajuda Considerar demografia – sexo (masculino), idade (15-24), situação socioeconômica (baixa), apoios sociais (poucos) Considerar a história do paciente: violência, atos anti-sociais nãoviolentos, descontrole impulsivo (p. ex., jogo, abuso de substâncias, suicídio ou autoferimento, psicose) Considerar estressores manifestos (p. ex., conflito conjugal, perda real ou simbólica)
ameaçada de dano físico, muitas vezes com uma arma. Além de estupro, outras formas de abuso sexual incluem manipulação genital com objetos estranhos, inflição de dor e atividade sexual forçada. A esmagadora maioria dos estupradores constitui-se de homens que atacam mulheres. Entretanto, estupro de homens também ocorre, com maior freqüência em instituições de detenção (p. ex., prisão). Mulheres entre 16 e 24 anos de idade são a categoria de mais alto risco, mas vítimas do sexo feminino de 15 meses de idade até 82 anos foram estupradas. Mais de um terço de todos os ataques são cometidos por estupradores conhecidos da vítima, 7% por parentes próximos. Um quinto de todos os estupros envolve mais de um estuprador (estupro de gangue). As reações em vítimas tanto de estupro quanto de abuso sexual incluem vergonha, humilhação, ansiedade, confusão e indignação. Muitas vítimas se perguntam se foram em parte responsáveis e de alguma forma provocaram o ataque. De fato, o comportamento da vítima é menos importante na precipitação de um estupro do que na precipitação de um homicídio ou de um roubo. As pessoas atacadas em geral ficam confusas após o ataque. Os médicos devem tranqüilizar, apoiar e não criticar. É importante orientar a paciente sobre a disponibilidade de serviços médicos e legais e sobre centros de crise de estupro que fornecem serviços multidisciplinares. Se possível, uma médica deve avaliar a paciente, uma vez que a vítima pode achar mais fácil conversar com uma mulher do que com um homem. É recomendável que a avaliação ocorra em particular. Quando o estupro ou o abuso sexual não foi reconhecido abertamente, é porque muitas vítimas hesitam em discutir o ataque e, portanto, evitam o tema. Se a paciente parece ficar ansiosa
quando questionada sobre história sexual e evita a discussão, devese validar tal evitação. Deve-se reconhecer que a vítima passou por um estresse imprevisto, potencialmente fatal. É legal e terapêutico registrar uma história detalhada e completa do ataque. Com o consentimento por escrito da paciente, deve-se reunir evidências como sêmen e pêlos púbicos que podem ser usados para identificar o estuprador, além de tirar fotografias da evidência, se possível. O registro médico pode ser usado como prova em processos criminais; portanto, a documentação objetiva meticulosa de todos os aspectos da avaliação é fundamental. TRATAMENTO DE EMERGÊNCIAS Psicoterapia Em uma intervenção psiquiátrica de emergência, todas as tentativas são feitas para melhorar a auto-estima dos pacientes. A empatia é fundamental para a cura. O conhecimento adquirido de como forças biogenéticas, situacionais, evolutivas, e existenciais convergem em um ponto na história para criar uma emergência psiquiátrica é equivalente ao amadurecimento das habilidades em lidar com tais contextos. Transtorno de adaptação em todas as faixas etárias pode resultar em acessos furiosos de raiva. Estes são bastante comuns em brigas conjugais, e a polícia muitas vezes é chamada pelos vizinhos perturbados pelos sons de uma altercação violenta. As brigas familiares devem ser abordadas com cautela, porque podem ser complicadas por uso de álcool e pela presença de armas perigosas. O casal em crise em geral volta sua fúria combinada para um estranho incauto. Auto-estima ferida é a questão principal, e os médicos devem evitar atitudes condescendentes ou desdenhosas e tentar comunicar uma atitude de respeito e uma preocupação pacificadora autêntica. Na violência familiar, recomenda-se observar a vulnerabilidade especial de parentes próximos selecionados. Uma esposa ou marido pode ter uma curiosa ligação masoquista com o cônjuge e provocar violência insultando ou de outro modo enfraquecendo a auto-estima deste. Tais relacionamentos podem terminar no assassinato do parceiro provocador e até em suicídio – as dinâmicas por trás da maioria dos chamados pactos de suicídio. Como muitos pacientes suicidas, pacientes violentos requerem hospitalização e em geral aceitam a oferta de tratamento hospitalar com uma sensação de alívio. Mais de um psicoterapeuta ou tipo de psicoterapia pode ser utilizado na terapia de emergência. Por exemplo, um homem de 28 anos, deprimido e suicida após uma colostomia por colite intratável, cuja esposa estava ameaçando deixá-lo devido à sua irritabilidade e a suas constantes discussões, pode ser encaminhado a um psiquiatra para psicoterapia de apoio e medicação antidepressiva, para um terapeuta conjugal com sua esposa para melhorar o relacionamento e para um grupo de apoio à colostomia para aprender formas de lidar com o problema. Os psiquiatras de emergência são pragmáticos; usam toda forma necessária de intervenção terapêutica disponível para resolver a crise e facilitar a exploração de valores e crescimento, com menos preocupação que o usual sobre dissolução de um relacionamento terapêutico. A terapia de emergência enfatiza como várias modalidades psiquiátricas atuam de forma sinérgica para intensificar a recuperação.
MEDICINA
Nenhuma abordagem isolada é adequada para todas as pessoas em situações semelhantes. O que um médico diz a um paciente e a uma família que passam por uma emergência psiquiátrica como uma tentativa de suicídio ou um colapso esquizofrênico? Para alguns, um aspecto racional genético ajuda; a informação de que uma doença tem um forte componente biológico alivia muitas pessoas. Para outros, entretanto, essa abordagem indica falta de controle e aumenta a depressão e a ansiedade. Todos se sentem impotentes porque nem a família nem o paciente podem alterar o comportamento para minimizar a probabilidade de recorrência. Algumas pessoas podem beneficiar-se de uma explicação de dinâmicas familiares ou individuais. Outras apenas querem alguém para escutá-las; com o tempo, atingem seu próprio entendimento. Em uma situação de emergência, como em qualquer outra situação psiquiátrica, quando o médico não sabe o que dizer, a melhor abordagem é escutar. Pessoas em crise revelam o quanto necessitam de apoio, negação, abreação e palavras para conceitualizar o significado de sua crise e para descobrir caminhos para a resolução. Farmacoterapia As principais indicações para o uso de psicotrópicos em um pronto-socorro incluem comportamento violento e agressivo, ansiedade ou pânico intensos e reações extrapiramidais como distonia e acatisia como efeitos adversos de medicamentos psiquiátricos. Laringoespasmo é uma forma rara de distonia, e os psiquiatras devem estar preparados para manter uma via aérea aberta com intubação, se necessário. Pessoas que estão paranóides ou em um estado de excitação catatônica requerem tranqüilização. Acessos episódicos de violência respondem a haloperidol (Haldol), antagonistas de receptor β-adrenérgico (betabloqueadores), carbamazepina (Tegretol) e lítio. Se a história sugere um transtorno convulsivo, deve-se recorrer a estudos clínicos para confirmar o diagnóstico e a uma avaliação para determinar a causa. Se os achados forem positivos, uma terapia anticonvulsivante é iniciada ou uma cirurgia adequada é providenciada (p. ex., no caso de massa cerebral). Medidas conservadoras podem ser suficientes para intoxicação por drogas de abuso. Às vezes, agentes como haloperidol (5 a 10 mg a cada meia hora a uma hora) são necessários até que haja estabilização. Benzodiazepínicos podem ser usados em lugar de antipsicóticos (para reduzir a dosagem de antipsicótico) ou em associação a eles. Quando um medicamento recreativo tem fortes propriedades anticolinérgicas, os benzodiazepínicos são mais adequados do que os antipsicóticos. Pessoas com respostas alérgicas ou disfuncionais a ambas as classes são tratadas com amobarbital (Amytal), 130 mg via oral ou intramuscular (IM) paraldeído ou difenidramina (Benadryl), 50 a 100 mg via oral ou IM. Pacientes violentos e agressivos são controlados de forma mais efetiva com um sedativo ou antipsicótico adequado. Diazepam (Valium), 5 a 10 mg, ou lorazepam (Ativan), 2 a 4 mg, podem ser administrados lentamente por via intravenosa (IV) durante dois minutos. Os médicos devem administrar medicação IV com grande cuidado para evitar parada respiratória. Aqueles que requerem medicação IM podem ser sedados com haloperidol, 5 a 10 mg, ou com clorpromazina (Thorazine), 25 mg. Se o furor é devido
PSIQUIÁTRICA DE EMERGÊNCIA
965
a álcool ou é parte de um distúrbio psicomotor pós-convulsão, o sono produzido por uma quantidade relativamente pequena de uma medicação IV pode durar horas. Ao despertar, os pacientes ficam alertas e racionais e costumam ter amnésia completa acerca do episódio violento. Se o problema for parte de um processo psicótico contínuo, e retorna assim que a medicação IV enfraquece, esta pode ser mantida. Às vezes, é melhor utilizar pequenas doses IM ou oral em intervalos de meia hora a uma hora (p. ex., haloperidol, 2 a 5 mg, ou diazepam, 20 mg) até que o paciente seja controlado, em vez de usar grandes dosagens no início e deixar o paciente medicado em excesso. Na medida em que o comportamento perturbado é controlado, doses sucessivamente menores e menos freqüentes devem ser utilizadas. Durante o tratamento preliminar, a pressão arterial e outros sinais vitais precisam ser monitorados. Tranquilização rápida. Antipsicóticos podem ser administrados em intervalos de 30 a 60 minutos para alcançar o resultado terapêutico mais rápido possível. O procedimento é útil para pacientes agitados e para aqueles em estados excitados. Os agentes de escolha para tranqüilização rápida são haloperidol e outros antipsicóticos de alta potência. Em adultos, 5 a 10 mg de haloperidol podem ser administrados por via oral ou IM e repetidos em intervalos de 20 a 30 minutos até que o paciente se acalme. Alguns podem experimentar sintomas extrapiramidais leves dentro das primeiras 24 horas após a tranquilização rápida; ainda que efeitos adversos sejam raros, os psiquiatras não devem negligenciá-los. Em geral, a maioria dos pacientes responde antes que uma dose total de 50 mg seja administrada. O objetivo é não produzir sedação ou sonolência; o paciente deve ser capaz de cooperar no processo de avaliação e até dar alguma explicação sobre o comportamento agitado. Indivíduos agitados ou em pânico podem ser tratados com doses pequenas de lorazepam, 2 a 4 mg IV ou IM, que podem ser repetidas, se necessário, a cada 20 a 30 minutos até que o paciente se acalme. Emergências extrapiramidais respondem a benztropina (Cogentin), 2 mg via oral ou IM, ou a difenidramina, 50 mg IM ou IV. Alguns pacientes respondem a diazepam, 5 a 10 mg via oral ou IV. Contenções Contenções são utilizadas quando os pacientes são tão perigosos para si mesmos ou para terceiros que representam uma ameaça grave que não pode ser controlada de nenhuma outra maneira. Estes indivíduos podem ser contidos por um curto período para receber medicação ou por longos períodos se esta opção não puder ser utilizada. Em geral, os pacientes contidos acalmam-se após algum tempo. Em um nível psicodinâmico, podem até receber bem o controle de seus impulsos proporcionado pelas contenções. Ver Tabela 34.1-10 para um resumo do uso de contenções. Prescrição Em alguns casos, a opção usual de internar ou dar alta ao paciente não é considerada ideal. Psicoses tóxicas suspeitadas, descom-
966
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 34.1-10 Uso de contenções De preferência cinco ou um mínimo de quatro pessoas deveriam ser requisitadas para conter o paciente. Contenções de couro são o tipo de restrição mais seguro e garantido. Explicar ao paciente por que ele está sendo contido. Um membro da equipe deve sempre estar presente e tranqüilizando o paciente que está sendo contido. A reafirmação ajuda a aliviar o medo de desamparo, impotência e perda de controle. Os pacientes devem ser contidos com as pernas abertas e um braço preso de um lado e o outro preso sobre a cabeça. As contenções devem ser colocadas de modo que líquidos intravenosos possam ser administrados, se necessário. A cabeça do paciente é levantada ligeiramente para diminuir a sensação de vulnerabilidade e para reduzir a possibilidade de aspiração. As contenções devem ser verificadas periodicamente para segurança e conforto. Após a contenção, o médico inicia o tratamento usando intervenção verbal. Mesmo contidos, a maioria dos pacientes ainda toma medicamento antipsicótico na forma concentrada. Após o paciente estar sob controle, uma contenção de cada vez deve ser removida em intervalos de cinco minutos até que o paciente tenha apenas duas contenções presas. As duas contenções restantes devem ser removidas ao mesmo tempo, porque é desaconselhável manter o paciente com apenas uma contenção. Sempre documente em detalhes a razão para as restrições, o curso do tratamento e a resposta do paciente ao tratamento enquanto contido. Dados de Dubin WR, Weiss KJ. Emergency psychiatric. In: Michaels R, Cooper A, Guze SB, et al., eds. Psychiatry. Vol 2. Philadelphia: JB Lippincott, 1991.
pensação breve em um paciente com transtorno da personalidade e reações de ajustamento a eventos traumáticos, por exemplo, podem ser melhor tratadas em um ambiente de observação extensiva. Permitir ao paciente mais tempo em um ambiente seguro pode resultar em melhora ou esclarecimento suficiente das questões que tornam o tratamento hospitalar tradicional desnecessário. Isso também pode poupá-lo do trauma e do estigma de uma internação psiquiátrica e liberar leitos para aqueles mais necessitados. Intervenção na crise para vítimas de estupro e outros traumas também pode ser feita em um ambiente de observação extensiva. Quando a decisão é internar o paciente, é preferível fazê-lo em uma base voluntária. Permitir aos pacientes tal opção lhes dá um senso de controle sobre suas vidas e de participação nas decisões de tratamento. Aqueles que satisfazem critérios de internação involuntária com base em periculosidade para si mesmos ou para terceiros não podem deixar o hospital sem uma nova revisão e podem sempre ser designados a tratamento involuntário, se justificado. Visto que a avaliação inicial tende a ser inconclusiva, é melhor adiar o tratamento definitivo até que o paciente possa ser
avaliado na unidade hospitalar ou no setor de pacientes ambulatoriais. Entretanto, quando o diagnóstico é claro e a resposta ao tratamento anterior é conhecida, nada se ganha com o adiamento. Por exemplo, para um paciente que sofre de esquizofrenia crônica que descompensou após a interrupção do regime usual de antipsicóticos, a pronta retomada do tratamento é suficiente. Mesmo se os indivíduos se sentem confortáveis vindo ao pronto-socorro em momentos de necessidade, o psiquiatra de emergência deve direcioná-los ou redirecioná-los ao local de tratamento mais adequado. Pacientes da clínica de psicofarmacologia que esqueceram suas consultas regulares devem receber apenas medicação suficiente para mantê-los até que possam ser atendidos na clínica. O feedback a outros médicos que os tratam deveria ser uma coisa natural. Em muitos casos, o pronto-socorro é a passagem para o departamento de psiquiatria ou para o hospital geral. A primeira impressão tem muito peso. O tipo de atenção e preocupação demonstrado aos pacientes na chegada afeta de forma significativa como responderão aos membros da equipe e às recomendações de tratamento e mesmo sua adesão ao tratamento muito depois de terem deixado o pronto-socorro. Documentação Em benefício do bom tratamento, do respeito aos direitos dos pacientes, do controle de custo e de preocupações médico-legais, a documentação tornou-se um foco central para o médico de emergência. O registro deveria transmitir um quadro conciso do paciente, salientando todos os achados positivos e negativos pertinentes. Lacunas na informação e suas razões devem ser mencionadas. Os nomes e os números de telefone de partes interessadas devem ser anotados. Um diagnóstico ou diagnóstico diferencial provisório deve ser feito. Um plano ou recomendação de tratamento inicial acompanha os achados da história, do exame do estado mental e de outros testes diagnósticos, assim como a avaliação médica do paciente. A escrita deve ser legível. O médico de emergência tem um respaldo incomum da lei para realizar uma avaliação inicial adequada; entretanto, todas as intervenções e decisões devem ser ponderadas, discutidas e documentadas no registro do paciente. Emergências psiquiátricas específicas A Tabela 34.1-11 resume emergências psiquiátricas comuns em ordem alfabética. Os leitores são encaminhados ao índice e aos capítulos específicos deste livro para uma discussão completa de cada transtorno.
TABELA 34.1-11 Emergências psiquiátricas comuns Síndrome
Manifestações de emergência
Questões de tratamento
Abstinência de clonidina
Irritabilidade; psicose; violência; convulsões
Sintomas desaparecem com o tempo, mas antipsicóticos podem ser necessários; diminuição gradual da dose
(Continua)
MEDICINA
PSIQUIÁTRICA DE EMERGÊNCIA
967
TABELA 34.1-11 (Continuação) Síndrome
Manifestações de emergência
Questões de tratamento
Abstinência de simpatomimético
Paranóia; estados confusionais; depressão
Abstinência de substâncias
Dor abdominal; insônia, sonolência; delirium; convulsões; sintomas de discinesia tardia podem surgir; manifestação de sintomas maníacos ou esquizofrênicos
Abuso da criança ou do adulto
Sinais de trauma físico
Abuso de tolueno
Ansiedade; confusão; prejuízo cognitivo
Acatisia
Agitação, inquietação, desconforto muscular, disforia
Agorafobia
Pânico, depressão
Agranulocitose (induzida por clozapina [Leponex®]) Anorexia nervosa
Febre alta, faringite, ulcerações orais e perianais Perda de 25% do peso corporal normal para idade e sexo Agitação marcada com ameaças verbais
A maioria dos sintomas desaparece sem tratamento; antipsicóticos; antidepressivos, se necessário Sintomas de abstinência de psicotrópicos desaparecem com o tempo ou com a reinstituição da substância; sintomas de abstinência de antidepressivo podem ser tratados com sucesso com agentes anticolinérgicos, como atropina; retirada gradual de substâncias psicotrópicas durante 2 a 4 semanas em geral previne desenvolvimento de sintomas Manejo de problemas médicos; avaliação psiquiátrica, relatório a autoridades O dano neurológico não é progressivo, sendo reversível se o uso de tolueno for interrompido cedo Reduzir a dosagem do antipsicótico; propranolol (30 a 120 mg por dia); benzodiazepínicos; difenidramina (Benadryl) via oral ou IV; benztropina (Cogentin) IM Alprazolam (Xanax), 0,25 a 2 mg; propranolol (Inderal); medicação antidepressiva Interromper a medicação imediatamente; administrar fator estimulador de colônia de granulócito Hospitalização; eletrocardiograma (ECG), líquido e eletrólitos; avaliação neuroendócrina Isolamento, contenções, medicação
Comportamento homicida e agressivo Crise conjugal
O precipitante pode ser a descoberta de um caso extraconjugal, o início de doença grave, o anúncio de intenção de divórcio ou problemas com filhos ou trabalho; um ou ambos os membros do casal podem estar em terapia ou ter uma doença psiquiátrica; um cônjuge pode estar buscando hospitalização para o outro
Crise hipertensiva
Reação hipertensiva potencialmente fatal secundária a ingestão de alimentos contendo tiramina em combinação com IMAOs; cefaléia, torcicolo, sudorese, náusea, vômito
Crises do adolescente
Tentativas e ideação suicidas; abuso de substâncias, vadiagem, problemas com a lei, gravidez, fuga; transtornos da alimentação; psicose
Deficiência de vitamina B12
Confusão; alterações de humor e comportamento; ataxia Sensório flutuante; risco suicida e homicida; embotamento cognitivo; alucinações visuais, táteis e auditivas; paranóia
Delirium
Demência Discinesia tardia
Incapaz de cuidar de si mesmo; acessos violentos; psicose; depressão e ideação suicida; confusão Discinesia de boca, língua, rosto, pescoço e tronco; movimentos coreoatetóides das extremidades; em geral, mas nem sempre, aparecendo após tratamento de longo prazo com antipsicóticos, em grande parte após uma redução na dose; incidência mais alta em ido-
Cada um deve ser questionado em particular com relação a casos extraconjugais, consultas com advogados relativas a divórcio e disposição para trabalhar na terapia orientada para a crise ou de longo prazo a fim de resolver o problema; histórias sexual, financeira e de tratamento psiquiátrico de ambos, avaliação psiquiátrica no momento da apresentação; pode ser precipitada por início de transtorno do humor não-tratado ou sintomas afetivos causados por doença médica ou demência de início insidioso; encaminhamento para tratamento da doença reduz o estresse imediato e aumenta a capacidade de manejo do cônjuge mais saudável; os filhos podem oferecer insights disponíveis apenas para alguém intimamente envolvido no sistema social Bloqueadores α-adrenérgicos (p. ex., fentolamina [Regitinel]; nifedipina (Procardia) 10 mg via oral; clorpromazina (Thorazina); assegurar-se de que os sintomas não são secundários a hipotensão (efeito colateral de inibidores da monoaminoxidase [IMAOs]) Avaliação de potencial suicida, extensão do abuso de substâncias, dinâmicas familiares; terapia familiar e individual orientada para a crise; hospitalização se necessário; consulta com autoridades extrafamiliares adequadas Tratamento com vitamina B12 Avaliar todos os possíveis fatores de contribuição e tratar cada um de acordo; reafirmação, estrutura, sinais de orientação; benzodiazepínicos e antipsicótios de alta potência em baixa dose devem ser usados com extrema cautela devido a seu potencial de ação paradoxal e aumento da agitação Pequenas doses de antipsicóticos de alta potência; sinais para orientação; avaliação orgânica, incluindo uso de medicação; intervenção familiar Nenhum tratamento efetivo relatado; pode ser prevenida pela prescrição da menor quantidade de droga no menor tempo clinicamente possível e pelo uso de feriados de drogas para pacientes que precisam continuar tomando o medicamento; diminuir ou interrompê-lo ao primeiro sinal de movimentos discinéticos
(Continua)
968
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 34.1-11 (Continuação) Síndrome
Distonia aguda Emergências relacionadas ao álcool Abstinência de álcool Convulsões induzidas pelo álcool
Delirium por álcool Demência persistente induzida por álcool Encefalopatia de Wernicke Intoxicação idiossincrásica por álcool Intoxicação por álcool Transtorno amnésico persistente induzido por álcool Transtorno psicótico alcoólico com alucinações Síndrome de Korsakoff Enxaqueca Episódio depressivo maior com aspectos psicóticos Episódio maníaco Esquizofrenia Esquizofrenia catatônica
Manifestações de emergência sos e pessoas com dano cerebral; os sintomas são intensificados por agentes antiparkinsonianos e mascarados, mas não curados, por doses aumentadas de antipsicótico Espasmo involuntário intenso de músculos do pescoço, língua, rosto, maxilar, olhos ou tronco Irritabilidade, náusea, vômito, insônia, mal-estar, hiperatividade autônoma, tremor Convulsões de grande mal; raramente status epiléptico Confusão, desorientação, consciência e percepção flutuantes, hiperatividade autônoma; pode ser fatal Confusão, agitação, impulsividade Distúrbios visuomotores, ataxia cerebelar, confusão mental Comportamento agressivo ou violento marcado Comportamento desinibido, sedação em altas doses Confusão, perda de memória inclusive para todos os dados de identificação pessoal Alucinações auditivas (às vezes visuais) vívidas com afeto adequado ao conteúdo (em geral temeroso); sensório claro Estigmas de álcool, amnésia, confabulação Cefaléia unilateral, pulsante Sintomas de episódio depressivo maior com delírios; agitação, culpa intensa; idéias de referência; risco de suicídio e homicídio Comportamento violento, impulsivo; comportamento sexual ou de gastos indiscriminados; psicose; abuso de substâncias Autonegligência extrema; paranóia grave; ideação suicida ou agressividade; sintomas psicóticos agudos Problema psicomotor marcado (excitação ou estupor); exaustão; pode ser fatal
Esquizofrenia em exacerbação
Retraimento; agitação; risco suicida e homicida
Esquizofrenia paranóide
Alucinações de comando; ameaça a terceiros ou a si mesmo
Estupro
Nem todas as violações sexuais são relatadas; reação silenciosa a estupro é caracterizada por perda de apetite, transtorno do sono, ansiedade e, às vezes, agorafobia; longos períodos de silêncio, aumento da ansiedade, tartamudez, bloqueio e sintomas físicos durante a entrevista quando a história sexual é feita; medo de violência e morte e de contrair uma doença sexualmente transmissível ou de estar grávida
Questões de tratamento
Diminuir a dose do antipsicótico; benztropina ou difenidramina IM Líquidos e eletrólitos mantidos; sedação com benzodiazepínicos; contenções; monitoração de sinais vitais; 100 mg de tiamina IM Diazepam (Valium), fenitoína (Dilantin); prevenir usando clordiazepóxido (Librium) durante desintoxicação Clordiazepóxido (Librium); haloperidol (Haldol) para sintomas psicóticos podem ser acrescentados, se necessário Excluir outras causas para demência; não há tratamento efetivo; hospitalização, se necessário Tiamina, 100 mg IV ou IM, com MgSO4 dado antes da carga de glicose Em geral, nenhum tratamento é necessário além de um ambiente protetor Com o tempo e um ambiente protetor, os sintomas diminuem Hospitalização; hipnose; entrevista de amobarbital (Amytal); excluir causa orgânica Haloperidol para sintomas psicóticos Não há tratamento efetivo; internação muitas vezes necessária Sumatriptano (Imitrex) 6 mg IM Antipsicóticos mais antidepressivos; avaliação de risco de suicídio e homicídio; hospitalização e ECT, se necessário Hospitalização; contenções se indicado; tranquilização rápida com antipsicóticos; restauração dos níveis de lítio Avaliação de potencial suicida e homicida; identificação de qualquer doença que não esquizofrenia; tranqüilização rápida Tranqüilização rápida com antipsicóticos; monitorar sinais vitais; amobarbital pode liberar o paciente do mutismo ou estupor catatônico, mas pode precipitar comportamento violento Avaliação de suicídio e homicídio; triagem para doença médica; restrições e tranqüilização rápida, caso necessário; hospitalização, se indicada; reavaliação de regime medicamentoso Tranqülização rápida; hospitalização; medicação de depósito de longa ação; pessoas ameaçadas devem ser notificadas e protegidas Estupro é uma emergência psiquiátrica maior; a vítima pode ter padrões de disfunção sexual permanentes; terapia orientada para a crise, apoio social, ventilação, reforço de traços saudáveis e encorajamento ao retorno aos níveis anteriores de funcionamento o mais rápido possível; aconselhamento legal; exame médico completo e testes para identificar o agressor (p. ex., obter amostras de pêlos púbicos com um pente, esfregaço vaginal para identificar antígenos sangüíneos no sêmen); se mulher, metoxiprogesterona ou dietilstilbestrol via oral por cinco dias para prevenir gravidez; se a menstruação não começar dentro de uma semana da cessação do estrógeno, todas as alternativas à gravidez, incluindo aborto, devem ser oferecidas; se a vítima tiver
(Continua)
MEDICINA
PSIQUIÁTRICA DE EMERGÊNCIA
969
TABELA 34.1-11 (Continuação) Síndrome
Fobias Fotossensibilidade Hipertermia Hiperventilação Hipotermia Histeria de grupo
Icterícia Incesto e abuso sexual da criança
Manifestações de emergência
Pânico, ansiedade; medo Queimadura de sol fácil secundária ao uso de medicação antipsicótica Excitação extrema ou estupor catatônico, ou ambos; temperatura muito elevada; hiperagitação violenta Ansiedade, tremor, consciência embotada; vertigem, desmaio; visão embotada Confusão; letargia; combatividade; temperatura corporal baixa e calafrio; sensação paradoxal de calor Grupos de pessoas exibem extremos de tristeza ou outro comportamento disruptivo Complicação incomum decorrente do uso de fenotiazina de baixa potência (p. ex., clorpromazina) Comportamento suicida; crises do adolescente; abuso de substâncias
Insônia
Depressão e irritabilidade; agitação matinal; sonhos aterrorizantes; fadiga
Intoxicação anticolinérgica
Sintomas psicóticos, pele e boca secas, hiperpirexia, midríase, taquicardia, inquietação, alucinações visuais Agitação; alucinações; cefaléias graves; dormência nas extremidades Paranóia e violência; ansiedade grave; estado maníaco; delirium; psicose esquizofreniforme; taquicardia, hipertensão, infarto do miocárdio, doença cerebrovascular; depressão e ideação suicida Intoxicação pode levar a coma e morte; abstinência não é fatal
Intoxicação de noz-moscada Intoxicação e abstinência de cocaína
Intoxicação e abstinência de opióides Intoxicação e abstinência de sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos Intoxicação por anfetamina (ou substância relacionada)
Alterações de humor, comportamento, pensamento – delirium; desrealização e despersonalização; não tratada pode ser fatal; convulsões Delírios, paranóia; violência; depressão (por abstinência); ansiedade, delirium
Intoxicação por anticonvulsivante Intoxicação por benzodiazepínico
Psicose; delirium Sedação, sonolência e ataxia
Intoxicação por brometo
Delirium; mania; depressão; psicose
Questões de tratamento contraído uma doença venérea, antibióticos adequados; é necessária permissão da testemunha por escrito para o médico examinar, fotografar, coletar espécimes e liberar informações às autoridades; obter consentimento, registrar a história nas próprias palavras do paciente, obter os testes necessários, registrar os resultados do exame, recolher todas as roupas, adiar o diagnóstico e fornecer proteção contra doença, trauma físico e gravidez; as respostas afetivas de homens e mulheres a estupro são relatadas de maneira semelhante, embora hesitem mais em falar sobre agressão homossexual por medo de que suponham que consentiram. Mesmo tratamento que para transtorno de pânico Os pacientes devem evitar luz solar forte e usar bloqueadores de alto nível Hidratar e resfriar; pode ser reação à droga; portanto, interromper qualquer medicação; excluir infecção Mudar alcalose fazendo o paciente respirar dentro de um saco de papel; educação do paciente; agentes antiansiedade Líquidos IV e reaquecimento; estado cardíaco deve ser monitorado com cuidado; evitação de álcool O grupo é separado com a ajuda de outros profissionais da saúde; ventilação, terapia orientada para a crise; se necessário, pequenas doses de benzodiazepínicos Mudar droga para uma baixa dosagem de um agente de alta potência de uma classe diferente Confirmação de responsabilidade; proteção da vítima; contatar serviços sociais; avaliação médica e psiquiátrica; intervenção na crise Hipnóticos apenas a curto prazo; por exemplo, triazolam (Halcion), 0,25 a 0,5 mg, na hora de dormir; tratar qualquer transtorno mental subjacente; regras de higiene do sono Interromper a droga, fisostigmina (Antilirium) IV, 0,5 a 2 mg; para agitação grave ou febre, benzodiazepínicos; antipsicóticos contra-indicados Os sintomas desaparecem dentro de horas do uso sem tratamento Antipsicóticos e benzodiazepínicos; antidepressivos ou ECT para depressão de abstinência se persistente; hospitalização Naloxona IV, antagonista de narcótico; triagens de urina e soro; condições psiquiátricas e médicas (p. ex., AIDS) podem complicar o quadro Naloxona (Narcan) para diferenciar de intoxicação por opióide; retirada lenta com fenobarbital (Luminal), tiopental sódico ou benzodiazepínico; hospitalização Antipsicóticos; contenções; hospitalização se necessário; sem necessidade de retirada gradual; antidepressivos podem ser requeridos A dosagem do anticonvulsivante é reduzida Medidas de apoio; flumazenil (Ramzicon), 7,5 a 45 mg por dia, titulados conforme necessário, deve ser utilizado apenas por pessoal qualificado com equipamento de ressuscitação disponível Níveis séricos obtidos (> 50 mg por dia); ingesta de brometo interrompida; grandes quantidades de cloreto de sódio IV ou oral; se agitação, paraldeído ou antipsicótico é utilizado
(Continua)
970
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 34.1-11 (Continuação) Síndrome
Manifestações de emergência
Questões de tratamento
Intoxicação por cafeína
Ansiedade grave, lembrando transtorno de pânico; mania; delirium; depressão agitada; transtorno do sono Psicose paranóide; pode ocasionar a morte; perigo agudo para si e para terceiros
Cessação de substâncias contendo cafeína; benzodiazepínicos
Intoxicação por fenciclidina (ou substância semelhante)
Intoxicação por L-Dopa Intoxicação por maconha
Mania; depressão; transtorno esquizofreniforme; pode induzir ciclagem rápida em pacientes com transtorno bipolar I Delírios; pânico; disforia; prejuízo cognitivo
Intoxicação por reserpina
Episódios depressivos maiores; ideação suicida; pesadelos
Leucopenia e agranulocitose
Efeitos colaterais dentro dos primeiros dois meses de tratamento com antipsicóticos
Luto
Sentimentos de culpa, irritabilidade; insônia; queixas somáticas
Morte súbita associada a antipsicóticos
Convulsões; asfixia; causas cardiovasculares; hipotensão postural; distonia laringofaríngica; supressão de reflexo de mordaça Infarto do miocárdio após estresse psíquico súbito; vodu e feitiçarias; desesperança, especialmente associada a doença física grave Alternações de humor e comportamento; tontura; cefaléia pulsante Não visto com homem ou mulher confortável com sua orientação sexual; ocorre naqueles que negam ter quaisquer impulsos homoeróticos; os estímulos são despertados por conversa; uma proposta física ou brincadeira entre amigos do mesmo sexo, como luta livre, dormir junto ou tocar-se em um chuveiro ou banheira; a pessoa em pânico vê as outras como sexualmente interessadas nela e defende-se. Rigidez, tremor, bradicinesia, afeto insípido, andar arrastando os pés, salivação, secundários a antipsicóticos Ereção peniana persistente acompanhada por dor intensa Associado a transtorno de pânico; dispnéia e palpitações; medo e ansiedade Nascimento de filho pode precipitar esquizofrenia, psicose reativa, mania e depressão; sintomas afetivos são mais comuns; o risco de suicídio é reduzido durante a gravidez, mas aumenta no período pós-parto
Morte súbita de origem psicogênica Nitratos voláteis Pânico homossexual
Parkinsonismo Priapismo (induzido por trazodona [Desyrel]) Prolapso da válvula mitral Psicose pós-parto
Retinopatia pigmentar Síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) Síndrome neuroléptica maligna
Relatada com doses de tioridazina (Mellaril) de 800 mg por dia ou mais Alterações no comportamento secundárias a causas orgânicas; alterações no comportamento secundárias a medo e ansiedade; comportamento suicida Hipertermia; rigidez muscular; instabilidade autônoma; sintomas parkinsonianos; estupor catatônico; sinais neurológicos; 10 a 30% de fatalidade; creatina fosfolipase elevada
Ensaio de urina e soro; benzodiazepínicos podem interferir na excreção; antipsicóticos podem piorar os sintomas devido a efeitos colaterais anticolinérgicos; monitoração médica e hospitalização para intoxicação grave Diminuir a dose ou interromper a droga Benzodiazepínicos e antipsicóticos, conforme necessário; avaliação de risco suicida ou homicida; os sintomas tendem a desaparecer com o tempo e a tranqüilização Avaliação de ideação suicida; diminuir a dose ou mudar o medicamento; antidepressivos ou ECT podem ser indicados O paciente deve ligar imediatamente por dor de garganta, febre, etc., e obter contagem sangüínea logo que possível; interromper a droga; hospitalizar se necessário Deve ser diferenciado de transtorno depressivo maior; antidepressivos não indicados; benzodiazepínicos para o sono; encorajamento de abreação Tratamentos médicos específicos Tratamentos médicos específicos; curandeiros populares Os sintomas desaparecem com a cessação do uso Ventilação, estruturação ambiental e, em alguns casos, medicação para pânico agudo (p. ex., alprazolam, 0,25 a 2 mg) ou antipsicóticos podem ser necessários; médico do sexo oposto deve avaliar o paciente sempre que possível, e este não deve ser tocado, com exceção do exame de rotina; pacientes atacaram médicos que estavam examinando o abdome ou realizando um exame retal (p. ex., em um homem que nutre impulsos homossexuais desintegrados e disfarçados de maneira superficial) Agente antiparkinsoniano oral por quatro semanas a três meses; diminuir a dose do antipsicótico Epinefrina intracorporal; drenagem mecânica ou cirúrgica Ecocardiograma; alprazolam ou propranolol Perigo para si mesmo e para terceiros (incluindo o bebê) deve ser avaliado e as devidas precauções, tomadas; doença médica apresentando-se com alterações comportamentais é incluída no diagnóstico diferencial e deve ser investigada e tratada; deve-se prestar atenção aos efeitos sobre pai, bebê, avós e outros filhos Permanecer com menos de 800 mg por dia de tioridazina Tratamento de doença neurológica; manejo de concomitantes psicológicos; reforço de apoio social Interromper antipsicótico; dantrolene (Dantrium) IV; bromocriptina (Parlodel) oral; hidratação e resfriamento; monitorar níveis de CPK
(Continua)
MEDICINA
PSIQUIÁTRICA DE EMERGÊNCIA
971
TABELA 34.1-11 (Continuação) Síndrome
Manifestações de emergência
Questões de tratamento
Suicídio Tirotoxicose
Ideação suicida; desesperança Taquicardia; disfunção gastrintestinal; hipertermia; pânico, ansiedade, agitação; mania; demência; psicose Psicose; paranóia; insônia; inquietação; nervosismo; cefaléia
Hospitalização, antidepressivos Teste de função tireoideana (T3, T4, hormônio estimulador da tireóide [TSH]); consulta médica
Toxicidade de fenilpropanolamina Toxicidade de lítio Toxicidade de óxido nitroso
Vômitos; dor abdominal; diarréia profusa; tremor grave, ataxia; coma; convulsões; confusão; disartria; sinais neurológicos focais Euforia e tontura
Toxicidade de propranolol
Depressão profunda; estados confusionais
Transtorno convulsivo
Confusão; ansiedade; desrealização e despersonalização; sentimentos de desgraça iminente; alucinações gustativas ou olfativas; estado tipo fadiga Ideação e gestos suicidas e homicidas; abuso de substâncias; episódios micropsicóticos; queimaduras, marcas de corte no corpo Pânico, terror; ideação suicida; flashbacks
Transtorno da personalidade borderline Transtorno de estresse pós-traumático Transtorno de pânico
Pânico, terror; início agudo
Transtorno delirante
Com freqüência trazido ao pronto-socorro contra sua vontade; ameaças dirigidas a terceiros
Transtorno esquizoafetivo
Depressão grave; sintomas maníacos; paranóia
Transtorno explosivo intermitente
Acessos de violência breves; episódios periódicos de tentativas de suicídio
Transtorno psicótico breve
Descontrole emocional, labilidade extrema; teste de realidade muito prejudicado após estresse psicossocial óbvio Delirium; delírios O quadro sintomático é resultado de interação entre tipo de substância, dose consumida, duração da ação, personalidade pré-mórbida, ambiente; pânico; agitação; psicose de atropina Psicose e mania em pessoas predispostas
Transtorno psicótico de cimetidina Transtorno psicótico induzido por alucinógeno com alucinações
Transtorno psicótico induzido por fenelzina Transtornos depressivos Tremor perioral (de coelho)
Ideação e tentativas suicidas; autonegligência; abuso de substâncias Tremor perioral (careta facial tipo coelho) em geral aparecendo após terapia de longo prazo com antipsicóticos
REFERÊNCIAS Breslow RE, Erickson BJ, Cavanaugh KC. The psychiatric emergency service: where we’ve been and where we’re going. Psychiatr Q. 2000;71:101.
Os sintomas desaparecem com redução ou interrupção da dose (encontrada em auxiliares de dieta de venda livre e descongestionantes oral e nasal) Lavagem com tubo de diâmetro largo; diurese osmótica; consulta médica; pode necessitar de tratamento de UTI Os sintomas desaparecem dentro de horas do uso sem tratamento Reduzir a dose ou interromper a droga; monitorar potencial suicida EEG imediato; internação e EEG de 24 horas de privação do sono; excluir pseudoconvulsões; anticonvulsivantes Avaliação do potencial suicida e homicida (se grande, hospitalização); pequenas doses de antipsicóticos; plano de acompanhamento claro Tranqüilização, encorajamento de retorno a responsabilidades; evitar hospitalização, se possível, para prevenir invalidez crônica; monitorar ideação suicida Deve diferenciar de outros problemas geradores de ansiedade, tanto médicos como psiquiátricos; ECG para excluir prolapso da válvula mitral; propranolol (10 a 30 mg); alprazolam (0,25 a 2,0 mg); tratamento de longo prazo pode incluir um antidepressivo Antipsicóticos se o paciente for aderir (IM, se necessário); intervenção familiar intensiva; hospitalização, se indicada Avaliação de periculosidade a si mesmo ou a terceiros; tranqüilização rápida se necessário; tratamento de depressão (antidepressivos sozinhos podem aumentar sintomas esquizofrênicos); uso de agentes antimaníacos Benzodiazepínicos ou antipsicóticos por curto prazo; avaliação de longo prazo com tomografia computadorizada (TC), eletroencefalografia (EEG) de privação do sono, curva de tolerância à glicose Hospitalização costuma ser indicada; baixa dosagem de antipsicótico pode ser necessária, mas em geral resolve-se espontaneamente Reduzir a dose ou interromper a droga Triagens séricas e urinárias; excluir condição médica ou mental subjacente; benzodiazepínicos (2 a 20 mg) via oral; reafirmação e orientação; tranqüilização rápida; em geral responde de forma espontânea Reduzir a dose ou interromper a droga Avaliação de perigo a si mesmo; hospitalização, se necessária; causas não-psiquiátricas de depressão devem ser avaliadas Diminuir a dose ou mudar para um agente de outra classe
Fauman BJ. Other psychiatric emergencies. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2040. Kaplan HI, Sadock BJ. Pocket Handbook of Emergency Psychiatric Medicine. Baltimore: Williams & Wilkins; 1993.
972
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Kleespies PM, Dettmer EL. An evidence-based approach to evaluating and managing suicidal emergencies. J Clin Psychol. 2000;56:1109. Lejoyeux M, Boulenguiez S, Fichelle A, McLoughlin M, Claudon M, Ades J. Alcohol dependence among patients admitted to psychiatric emergency services. Gen Hosp Psychiatry. 2000;22:206. Raphael B, Wilson JP, eds. Psychological Debriefing: Theory, Practice and Evidence. NewYork: Cambridge University Press; 2000. Risser D, Hoenigschnabl S, Stichenwirth M, et al. Drug-related emergencies and drug-related deaths in Vienna, 1995–1997. Drug Alcohol Depend. 2001;61:307. Roberts AR. Crisis Intervention Handbook: Assessment, Treatment, and Research. 2nd ed. New York: Oxford University Press; 2000. Rosenberg RC, Kesselman M. The therapeutic alliance and the psychiatric emergency room. Hosp Community Psychiatry. 1993;44:78. Schatzberg AF, Nemeroff CB, eds. Essentials of Clinical Psychopharmacology. Washington, DC: American Psychiatric Association; 2001. Scott RL. Evaluation of a mobile crisis program: effectiveness, efficiency, and consumer satisfaction. Psychiatr Serv. 2000;51:1153. Segal SP, Bola JR, Watson MA. Race, quality of care, and antipsychotic prescribing practices in psychiatric ernergency services. Psychiatr Serv. 1996;47:282.
34.2 Suicídio O suicídio tem ocorrido desde o início da história registrada, com atitudes que variam de condenação a tolerância, dependendo da época e da cultura. Os motivos para tal ato e sua freqüência também variaram. Hoje, na sociedade ocidental, o suicídio não é visto nem como um ato aleatório nem como algo sem sentido. Ao contrário, é uma saída de um problema ou crise que está causando intenso sofrimento. De acordo com Edwin Shneidman, suicídio está associado a necessidades frustradas ou insatisfeitas, sentimentos de desesperança e desamparo, conflitos ambivalentes entre sobrevivência e estresse intolerável, um estreitamento de opções percebidas e uma necessidade de fugir; a pessoa suicida envia sinais de sofrimento. Como disse Kay Redfield Jamison: O sofrimento do suicida é privado e inexprimível, deixando membros da família, amigos e colegas para lidar com um tipo de perda quase insondável, assim como com a culpa. O suicídio traz como conseqüência um nível de confusão e devastação que está, na maioria dos casos, além da descrição. Suicídio deriva da palavra latina para “auto-assassínio”. Se bemsucedido, é um ato fatal que representa o desejo de morrer. Há uma variação, entretanto, entre pensar em suicídio e expressá-lo na ação. Algumas pessoas têm idéias de suicídio que nunca levarão adiante; outras planejam durante dias, semanas ou mesmo anos antes de agir; e outras ainda tiram a própria vida em um impulso, sem premeditação. Perdidos na definição estão classificações errôneas intencionais da causa da morte, acidentes de causa indeterminada e os chamados suicídios crônicos – por exemplo, morte por abuso de álcool e outras substâncias e má adesão consciente a regimes de medicação para vício, obesidade e hipertensão.
EPIDEMIOLOGIA A cada ano, mais de 30 mil pessoas morrem por suicídio nos Estados Unidos. O número de tentativas de suicídio é estimado em 650 mil. Há cerca de 85 suicídios por dia nesse país – uma média de um a cada 20 minutos. A taxa de suicídio nos Estados Unidos foi cerca de 12,5 por 100 mil pessoas no século XX, com um máximo de 17,4 por 100 mil durante a Grande Depressão da década de 1930. De 1983 a 1998, a taxa global permaneceu relativamente estável, enquanto a taxa para pessoas de 15 a 24 anos de idade aumentou de 2 a 3 vezes. O suicídio é hoje a oitava causa global de morte nesse país, após doença cardíaca, câncer, doença cerebrovascular, doença pulmonar obstrutiva crônica, acidentes, pneumonia e influenza e diabete melito. As taxas de suicídio norte-americanas estão no centro dos interesses de países industrializados, conforme relatado às Nações Unidas. Internacionalmente, as taxas de suicídio variam de extremos de mais de 25 por 100 mil pessoas na Escandinávia, na Suíça, na Alemanha, na Áustria, nos países da Europa Oriental (o chamado cinturão de suicídio), e no Japão, a menos de 10 por 100 mil na Espanha, na Itália, na Irlanda, no Egito e nos Países Baixos. Uma análise de suicídio por estado na última década entre pessoas com idades entre 15 e 44 anos revelou que Nova Jersey tinha as taxas de suicídio mais baixas para ambos os sexos. Nevada e Novo México, as mais altas para homens, e Nevada e Wyoming, as taxas mais altas para mulheres. As mulheres em Nevada matavam-se com uma freqüência mais alta do que os homens em New Jersey. O principal local de suicídio do mundo é a Ponte Golden Gate, em São Francisco, com mais de 800 suicídios desde sua abertura, em 1937. Fatores de risco A Tabela 34.2-1 lista variáveis que podem aumentar o risco de suicídio em pessoas vulneráveis. Sexo. Os homens cometem suicídio quatro vezes mais do que as mulheres, uma taxa que é estável em todas as idades. As mulheres, entretanto, têm quatro vezes mais probabilidade de tentá-lo.
Idade. As taxas de suicídio aumentam com a idade e ressaltam a importância da crise da meia-idade. Entre os homens, os suicídios atingem o pico após os 45 anos; entre as mulheres, o maior número de suicídios completados ocorre após os 55 anos. Taxas de 40 por 100 mil pessoas ocorrem em homens de 65 anos ou mais. Pessoas mais velhas tentam suicídio com menos freqüência do que as mais jovens, mas são consumados da forma mais efetiva. Embora representem apenas 10% da população total, as pessoas mais velhas respondem por 25% dos suicídios. A taxa para pessoas com 75 anos ou mais é superior a três vezes a taxa entre pessoas jovens. O suicídio, entretanto, está crescendo rapidamente entre jovens, em particular entre homens de 15 a 24 anos. A taxa de suicídio para mulheres no mesmo grupo etário está aumentando de forma não tão rápida quanto para homens. Entre homens de 25 a 34 anos, aumentou quase 30% durante a década passada. O suicídio é a terceira maior cau-
MEDICINA
TABELA 34.2-1 Variáveis que aumentam o risco de suicídio entre grupos vulneráveis Abuso sexual Adolescência e velhice Agitação crescente Alucinações Baixa auto-estima Comportamento criminoso Delírios Desemprego Desesperança Doença ou prejuízo físico Epidemia de suicídio Estado civil divorciado, separado ou solteiro Estresse crescente Falta de planos para o futuro Falta de sono Ganho secundário Hipocondria História familiar de suicídio Homicídio Identidade de gênero bissexual ou homossexual Impulsividade Insônia Letalidade de tentativa anterior Parto recente Patologia familiar grave Perda ou separação precoce dos pais Perda recente Raça branca Religião protestante ou sem religião Repressão como defesa Sanções culturais para suicídio Sexo masculino Sinais de intenção de morrer Tentativas anteriores que poderiam ter resultado em morte Transmissão de propriedade pessoal Transtorno psiquiátrico grave Viver sozinho De Slaby AE. Outpatient management of suicidal patients in the era of managed care. Prim Psychiatry. 1995, Apr:43, com permissão.
sa de morte no grupo etário de 15 a 24 anos, depois de acidentes e homicídios, e as tentativas de suicídio nessa faixa etária estão entre 1 e 2 milhões por ano. A maioria dos suicídios ocorre entre pessoas de 15 a 44 anos. As taxas de suicídio por idade e sexo nos Estados Unidos são mostradas na Figura 34.2-1.
Raça. Dois em cada três suicídios são de homens brancos. A recorrência entre brancos tem sido quase duas vezes aquela entre todos os outros grupos; esses números, entretanto, são agora questionáveis, na medida em que a taxa de suicídio entre negros está crescendo. A taxa de suicídio para homens brancos (19,6 por 100 mil pessoas) é 1,6 vezes maior do que para homens negros (12,5), quatro vezes maior do que para mulheres brancas (4,8) e 8,2 vezes maior do que para mulheres negras (2,4). Entre jovens que vivem nas periferias e certos grupos indígenas e Inuit, as taxas excederam de forma significativa a taxa nacional. Entre imigrantes, são mais altas do que aquelas apontadas para a população nativa. Religião. Historicamente, as taxas de suicídio entre populações católicas têm sido mais baixas do que as taxas entre protestantes e judeus. O grau de ortodoxia e integração pode ser uma medida mais precisa de risco nessa categoria do que a simples afiliação religiosa institucional.
PSIQUIÁTRICA DE EMERGÊNCIA
973
Estado civil. Casamento reforçado por filhos parece diminuir de forma significativa o risco de suicídio. A taxa de suicídio é de 11 por 100 mil para pessoas casadas; as solteiras, que nunca se casaram, registram uma taxa global quase duas vezes maior. Pessoas casadas anteriormente, entretanto, apresentam taxas bem mais altas do que aquelas que nunca se casaram: 24 em cada 100 mil entre pessoas viúvas, e 40 por 100 mil entre aquelas divorciadas, com homens divorciados registrando 69 suicídios por 100 mil, comparado com 18 por 100 mil para mulheres divorciadas. O suicídio ocorre com mais frequência do que o usual entre indivíduos socialmente isolados e com história familiar de suicídio (tentado ou consumado). Pessoas que cometem os chamados suicídios de aniversário tiram suas vidas no dia em que um membro de sua família morreu.
Ocupação. Quanto mais alta a condição social de uma pessoa, maior o risco de suicídio, mas uma queda na condição social também aumenta o risco. O trabalho, em geral, protege contra suicídio. Entre categorias ocupacionais, profissionais, particularmente médicos, têm sido considerados os de mais alto risco para suicídio, mas estudos recentes não confirmaram tal expectativa nos Estados Unidos. A taxa de suicídio anual nessa população é de cerca de 36 por 100 mil, a mesma que para homens brancos com mais de 25 anos de idade. Dados recentes do Reino Unido e da Escandinávia, ao contrário, mostram que a taxa de suicídio para médicos homens é 2 a 3 vezes maior do que aquela encontrada na população masculina geral da mesma idade. Estudos concordam com o fato de que médicas têm um risco mais alto de suicídio do que outras mulheres. Nos Estados Unidos, a taxa de suicídio anual para elas é de cerca de 41 por 100 mil, comparado com 12 por 100 mil entre todas as mulheres brancas com mais de 25 anos de idade. De maneira similar, na Inglaterra e no País de Gales, a taxa de suicídio para médicas solteiras é 2,5 vezes maior do que entre mulheres solteiras na população geral, embora seja comparável com a de outros grupos de mulheres profissionais. Estudos mostram que médicos que cometem suicídio têm um transtorno mental, entre os quais transtornos depressivos e dependência de substâncias são os mais comuns. Com freqüência, o médico que comete suicídio passou por dificuldades profissionais, pessoais ou familiares recentes. Tanto médicos como médicas cometem suicídio quase sempre por meio de superdosagem de substâncias, em vez de por armas de fogo; a disponibilidade de droga e o conhecimento sobre toxicidade são fatores importantes nesse sentido. Alguma evidência indica que médicas têm um risco na vida para transtornos do humor bastante alto, que pode ser o principal determinante do elevado risco de suicídio. Entre médicos, considera-se que os psiquiatras tenham o maior risco, seguidos por oftalmologistas e anestesiologistas, mas a tendência é uma equalização entre todas as especialidades. Populações com risco especial são músicos, dentistas, policiais, advogados e agentes de seguros. O suicídio é mais alto entre os desempregados do que entre pessoas empregadas. A taxa aumenta durante recessões e depressões econômicas e em épocas de alto desemprego, e diminui durante épocas de alto emprego e durante guerras. Métodos. A taxa mais alta de suicídio bem-sucedido em homens está relacionada aos métodos utilizados: armas de fogo, enforcamento ou saltos de lugares altos. As mulheres em geral tomam uma superdosagem de substâncias psicoativas ou veneno, mas o uso de armas de fogo entre elas está aumentando. Em estados com leis de controle de armas, o uso
974
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
60
Taxa por 100 mil pessoas
50
40
30 Homens 20
Mulheres
10
0
1-4 5-9 0-14 5-19 0-24 1 1 2
2
4 5-3
3
4 1-4
4
4 5-5
5
4 5-6
6
4 5-7
Faixa etária, anos
de armas de fogo diminuiu como método de suicídio. De maneira global, o método mais comum de suicídio é o enforcamento.
Clima. Nenhuma correlação sazonal significativa com suicídio foi encontrada. Os suicídios aumentam um pouco na primavera e no outono, mas, ao contrário da crença popular, não durante o período das festas de final de ano.
Saúde física. A relação entre saúde física e doença com suicídio é significativa. Tratamento médico anterior parece ser um indicador de risco de suicídio: 32% de todas as pessoas que o cometem tiveram tratamento médico seis meses antes. Estudos de autópsia mostram que uma doença física está presente em 25 a 75% de todas as vítimas de suicídio, e estima-se que ela seja um fator de contribuição importante em 11 a 51% dos casos. Em cada um deles, a porcentagem aumenta com a idade. Por exemplo, 50% dos homens com câncer que cometem suicídio o fazem dentro de um ano após o diagnóstico. Câncer de mama ou dos órgãos genitais é encontrado em 70% de todas as mulheres doentes que cometem suicídio. Sete doenças do sistema nervoso central (SNC) aumentam o risco de suicídio: epilepsia, esclerose múltipla, ferimento na cabeça, doença cardiovascular, doença de Huntington, demência e síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS). Todas essas condições estão associadas a transtornos do humor, e pacientes com epilepsia têm disponível barbitúricos e outros medicamentos com os quais se matar. Algumas condições endócrinas estão associadas a risco aumentado de suicídio: doença de Cushing, síndrome de Klinefelter e porfiria. Transtornos do humor também acompanham essas doenças. Dois distúrbios gastrintestinais com um risco de suicídio aumentado são úlcera péptica e cirrose, ambos encontrados entre pessoas dependentes de álcool. Problemas urogenitais que implicam risco aumentado de suicídio são hipertrofia prostática tratada com prostatectomia e doença renal tratada com hemodiálise; alterações do humor podem ocorrer em ambas as condições.
7
4 5-8
5 >8
FIGURA 34.2-1 Taxas de suicídio por faixa etária e sexo nos Estados Unidos, 1998. (Reimpressa, com permissão, de JAMA, 285:2701.)
Fatores associados a doença e que contribuem para tentativas e suicídio consumado são perda de mobilidade, em especial quando a atividade física é importante para a ocupação ou para a recreação; desfiguração, particularmente entre as mulheres; e dor crônica, intratável. Além dos efeitos diretos da doença, os efeitos secundários – por exemplo, rompimento de relacionamentos e perda de status ocupacional – são fatores de prognóstico. Certos agentes podem produzir depressão, que pode levar a suicídio em alguns casos. Entre elas estão reserpina (Serpasil), corticosteróides, anti-hipertensivos e alguns agentes anticâncer. Saúde mental. Fatores psiquiátricos altamente significativos no suicídio incluem abuso de substâncias, transtornos depressivos, esquizofrenia e outros transtornos mentais. Quase 95% de todas as pessoas que cometem ou tentam o suicídio têm um transtorno mental diagnosticado. Os transtornos depressivos respondem por 80% desse número, esquizofrenia, por 10% e demência ou delirium por 5%. Entre todas as pessoas com transtornos mentais, 25% também são dependentes de álcool e têm diagnósticos duplos. Aquelas com depressão delirante apresentam risco mais alto de suicídio. Em indivíduos com transtornos depressivos, chega a 15%, e 25% de todos aqueles com história de comportamento impulsivo ou atos violentos também têm um alto risco de suicídio. Hospitalização psiquiátrica anterior por qualquer razão aumenta a probabilidade de cometer o ato. Entre adultos que cometem suicídio, existem diferenças significativas entre jovens e velhos tanto para diagnósticos psiquiátricos como para estressores antecedentes. Um estudo em San Diego, Califórnia, mostrou que diagnósticos de abuso de substâncias e transtorno da personalidade anti-social ocorriam com mais freqüência entre suicidas com menos de 30 anos de idade, e diagnósticos de transtornos do humor e transtornos cognitivos eram mais comuns entre suicidas de 30 anos ou mais. Os estressores associados a suicído entre pessoas com menos de 30 anos eram separação, rejeição, desemprego e problemas legais; estres-
MEDICINA
sores de doença eram mais recorrentes entre vítimas de suicídio com mais de 30 anos. Pacientes psiquiátricos. O risco para suicídio de pacientes psiquiátricos é 3 a 12 vezes o de indivíduos saudáveis. O grau de risco varia, dependendo da idade, do sexo, do diagnóstico e da condição de paciente internado ou ambulatorial. Após ajustamento por idade, pacientes psiquiátricos homens e mulheres que, em alguma ocasião estiveram internados, têm de 5 e 10 vezes mais riscos de suicídio, respectivamente, do que suas contrapartes na população geral. Para pacientes ambulatoriais, homens e mulheres que nunca foram internados em um hospital para tratamento psiquiátrico, os riscos são de 3 e 4 vezes maiores, respectivamente, do que os de suas contrapartes na população geral. O risco de suicídio mais alto para pacientes psiquiátricos que estiveram alguma vez internados reflete o fato de que pessoas com transtornos mentais graves tendem a ser hospitalizadas – por exemplo, pacientes com transtorno depressivo que requerem eletroconvulsoterapia (ECT). O diagnóstico psiquiátrico com maior risco de suicídio em ambos os sexos é um transtorno do humor. Aquelas pessoas na população geral que cometem suicídio tendem a ser de meia-idade ou mais velhas, mas estudos relatam que pacientes psiquiátricos suicidas são cada vez mais jovens. Em um estudo, a idade média de suicídios de homens foi de 29,5 anos e a de mulheres, 38,4 anos. A relativa juventude desses casos de suicídio se deve, em parte, ao fato de que dois transtornos mentais de início precoce, crônicos – esquizofrenia e transtorno depressivo maior recorrente – respondiam por apenas metade desses suicídios e, portanto, refletiam um padrão de idade e diagnóstico encontrado na maioria dos estudos com pacientes psiquiátricos. Uma porcentagem pequena, mas significativa, de pacientes psiquiátricos que cometem suicídio o fazem enquanto estão internados. A maioria deles não se mata na ala psiquiátrica em si, mas na área do hospital, durante uma saída de final de semana ou quando se ausentam sem licença. Para ambos os sexos, o risco é mais alto na primeira semana da internação psiquiátrica; após 3 a 5 semanas, pacientes internados apresentam a mesma probabilidade do que a população geral. As taxas de suicídio de pacientes internados não aumentam de forma homogênea com a idade, como na população geral; na verdade, as taxas para pacientes psiquiátricos do sexo feminino caem com o avanço da idade, principalmente porque pessoas mais velhas que são suicidas não procuram ajuda médica. Épocas de rotatividade de pessoal, em particular de médicos residentes de psiquiatria, são períodos associados a suicídios de pacientes internados. As grandes ocorrências do ato tendem a estar associadas a períodos de mudança ideológica na enfermaria, desorganização e desmoralização do pessoal. Entre pacientes psiquiátricos ambulatoriais, o período após a alta é um período de maior risco. Um estudo de acompanhamento de cinco mil pacientes que receberam alta de um hospital psiquiátrico de Iowa mostrou que, nos primeiros três meses após a alta, a taxa de suicídio para pacientes do sexo feminino foi 275 vezes maior que a de todas as mulheres de Iowa; para pacientes do sexo masculino foi 70 vezes maior que a de todos os homens da região. Pacientes com visitas freqüentes a pronto-socorros, em especial aqueles com transtorno de pânico, também sofrem maior
PSIQUIÁTRICA DE EMERGÊNCIA
975
risco. Um estudo relatou que estes apresentam uma taxa de suicídio sete vezes maior que aquela ajustada por idade e por sexo para a população geral (mas é semelhante à de outras populações psiquiátricas clínicas). Os dois principais grupos de risco são pacientes com transtornos depressivos, esquizofrenia e abuso de substâncias e aqueles que procuram várias vezes o pronto-socorro. Portanto, profissionais da saúde mental que trabalham em serviços de emergência deve ser bem-treinados para fazer a história psiquiátrica dos pacientes, examinar seus estados mentais, avaliar risco de suicídio e fazer ajustes adequados. Além disso, devem estar cientes da necessidade de contatar pacientes de risco que deixam de comparecer a consultas de acompanhamento. TRANSTORNOS DEPRESSIVOS. Transtornos do humor são os diagnósticos mais comumente associados com suicídio. Na medida em que o risco de suicídio aumenta principalmente quando os pacientes estão deprimidos, os avanços psicofarmacológicos dos últimos 25 anos reduziram o risco de suicídio entre pacientes com transtorno depressivo. Contudo, as taxas de suicídio ajustadas por idade para esse grupo foram estimadas em 400 por 100 mil para homens e 180 por 100 mil para mulheres. Mais pessoas com transtornos depressivos cometem suicídio no começo da doença do que mais tarde; mais homens do que mulheres o realizam; e a chance de pessoas deprimidas matarem-se aumenta se forem solteiras, separadas, divorciadas, viúvas ou estiverem em luto recente. Pacientes com transtorno depressivo que cometem suicídio tendem a ser de meia-idade ou mais velhos. Alguns poucos estudos investigaram quais pacientes com transtornos do humor têm um risco de suicídio aumentado. Foi referido que isolamento social aumenta as tendências suicidas entre pacientes deprimidos. Esse achado está de acordo com os dados de estudos epidemiológicos que mostram que pessoas que cometem suicídio podem não estar bem-integradas na sociedade. Suicídio entre pacientes deprimidos é provável no início ou no final de um episódio depressivo. Como em outros pacientes psiquiátricos, os meses após a alta hospitalar são uma época de grande risco. Demonstrou-se que um terço ou mais de pacientes deprimidos que cometem suicídio o fazem dentro de seis meses após deixarem um hospital; é provável que tenham sofrido recaída. Com relação a tratamento ambulatorial, a maioria dos pacientes suicidas deprimidos apresentava história de terapia; entretanto, menos da metade estava recebendo tratamento psiquiátrico na época do acontecimento. Daqueles que estavam em tratamento, estudos mostraram que ele era menos que adequado. Por exemplo, à maioria dos pacientes que receberam antidepressivos foram prescritas doses subterapêuticas da medicação. ESQUIZOFRENIA. O risco de suicídio é alto entre pacientes com esquizofrenia. Até 10% morrem em decorrência do ato. Nos Estados Unidos, estimase que quatro mil pacientes esquizofrênicos cometem suicídio a cada ano. O início da doença costuma ocorrer na adolescência ou no início da idade adulta, e a maioria dos pacientes que comete suicídio o faz durante os primeiros anos da condição; portanto, tendem a ser bastante jovens. Cerca de 75% de todos os suicídios esquizofrênicos são cometidos por homens solteiros, e em torno de 50% fizeram uma tentativa anterior. Sintomas depressivos estão estreitamente associados a suicídio. Estudos baseados em hospitais relataram que sintomas depressivos estavam presentes durante o último período de contato em pelo menos dois terços dos pacientes com esquizofrenia que cometeram suicídio; apenas uma pequena porcentagem consumou o ato devido a instruções aluci-
976
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
nadas ou a uma necessidade de escapar de delírios persecutórios. Até 50% dos suicídios entre pacientes com esquizofrenia ocorrem durante as primeiras semanas e meses após a alta de um hospital; apenas uma minoria comete suicídio enquanto internada. Assim, os fatores de risco para suicídio entre pacientes com esquizofrenia são idade jovem, gênero masculino, estado civil solteiro, uma tentativa de suicídio anterior, vulnerabilidade a sintomas depressivos e alta recente do hospital. Ter tido três ou quatro hospitalizações durante a segunda década de vida provavelmente prejudica o ajustamento social, ocupacional e sexual desses indivíduos. Em conseqüência, as vítimas potenciais em geral são homens, solteiros, desempregados, socialmente isolados e que vivem sozinhos – talvez em um quarto. Após a alta de sua última hospitalização, experimentam uma nova adversidade ou retornam às antigas dificuldades. Como resultado, ficam desanimados, experimentam sentimentos de desamparo e desesperança, atingem um estado deprimido e têm, e eventualmente se deixam levar por idéias suicidas. DEPENDÊNCIA DE ÁLCOOL.
Até 15% de todas as pessoas dependentes de álcool tiram a própria vida. A taxa de suicídio para alcoolistas é estimada em cerca de 270 por 100 mil ao ano; nos Estados Unidos, entre 7.000 e 13.000 pessoas dependentes de álcool cometem suicídio todos os anos. Uma média de 80% de todas as vítimas dependentes de álcool são homens, uma porcentagem que reflete a proporção por sexo para dependência de álcool. Eles tendem a ser brancos, de meia-idade, solteiros, sem amigos, socialmente isolados e consumidores de álcool no momento. Até 40% fizeram uma tentativa de suicídio anterior. Cerca de 40% do todos os suicídios por pessoas dependentes de álcool ocorrem dentro de um ano da última hospitalização; pacientes dependentes de álcool mais velhos correm um risco particular durante o período pós-alta. Estudos mostram que muitos indivíduos dependentes de álcool que eventualmente cometem suicídio são classificados como deprimidos durante a hospitalização e que até dois terços são avaliados como tendo sintomas de transtorno do humor durante o período em que cometem suicídio. Cerca de 50% de todas as vítimas sofreram a perda de um relacionamento afetivo e íntimo durante o ano anterior. Essas perdas interpessoais e outros tipos de eventos de vida indesejáveis são ocasionados pela dependência de álcool e contribuem para o desenvolvimento dos sintomas de transtorno do humor, que com freqüência estão presentes nas semanas e meses antes do suicídio. O maior grupo de pacientes dependentes de álcool do sexo masculino é aquele constituído de pessoas com um transtorno da personalidade anti-social associado. Estudos mostram que estes pacientes têm particular probabilidade de tentar o suicídio, de abusar de outras substâncias, de exibir comportamentos impulsivos, agressivos e criminosos e de serem encontrados entre vítimas de suicídio dependentes de álcool. DEPENDÊNCIA DE OUTRAS SUBSTÂNCIAS.
Estudos em vários países encontraram um risco de suicídio aumentado entre aqueles que abusam de substâncias. A taxa de suicídio para dependentes de heroína é 20 vezes maior do que a taxa para a população geral. Meninas adolescentes que usam substâncias intravenosas também têm uma alta taxa de suicídio. A disponibilidade de uma quantidade letal de substâncias, uso intravenoso, transtorno da personalidade anti-social associado, estilo de vida caótico e impulsividade são alguns dos fatores que predispõem pessoas dependentes de substância a comportamento suicida, em particular quando estão disfóricas, deprimidas ou intoxicadas.
TRANSTORNOS DA PERSONALIDADE. Uma alta proporção daqueles que cometem suicídio tem várias dificuldades ou transtornos da personalidade associados. Ter um desses transtornos pode ser um determinante de comportamento suicida de várias maneiras: por predispor a transtornos mentais maiores, como transtornos depressivos ou dependência de álcool; por levar a dificuldades nos relacionamentos e no ajustamento social; por precipitar eventos de vida indesejáveis; por prejudicar a capacidade de lidar com um problema mental ou físico; e por levar as pessoas a conflitos com os outros à sua volta, incluindo membros da família, médicos e pessoal do hospital. Estima-se que 5% dos pacientes com transtorno da personalidade anti-social cometem suicídio. Suicídio é três vezes mais comum entre prisioneiros do que entre a população em geral. Mais de um terço desses tiveram tratamento psiquiátrico passado, e metade fez uma ameaça ou tentativa de suicídio anterior, com grande parte nos seis meses anteriores. TRANSTORNO DE ANSIEDADE. Tentativas de suicídio malsucedidas são feitas por quase 20% dos pacientes com um transtorno de pânico e fobia social. Se depressão for um aspecto associado, entretanto, o risco de sucesso aumenta.
Comportamento suicida anterior. Uma tentativa de suicídio passada é talvez o melhor indicador de que o paciente com maior risco de suicídio. Estudos mostram que cerca de 40% das pessoas deprimidas que cometem suicídio fizeram uma tentativa anterior. O risco de uma segunda tentativa é mais alto dentro de três meses da primeira. A relação entre um transtorno do humor, suicídio completado e tentativas de suicídio é indicada na Figura 34.2-2. Depressão está associada não apenas a suicídio consumado, mas também a tentativas graves de cometê-lo. O aspecto clínico associado com mais freqüência à gravidade da intenção de morrer é um diagnóstico de um transtorno depressivo. Isso é defendido por estudos que relacionam as características clínicas de pacientes suicidas com várias medidas da gravidade médica da tentativa ou da intenção de morrer. Além disso, escores de intenção
TRANSTORNO DO HUMOR
15% de transtorno do humor subseqüentemente suicídio
TENTATIVAS DE SUICÍDIO
10% de tentativas de suicídio subseqüentemente suicídio dentro de 10 anos
SUICÍDIO
45 a 70% dos suicidas têm transtorno do humor
19 a 24% dos suicidas têm uma tentativa de suicídio anterior
FIGURA 34.2-2 Diagrama de Venn resumindo dados de suicídio e sua relação com transtorno do humor e tentativas de suicídio. (Cortesia de Alec Roy, M.D.)
MEDICINA
de morrer correlacionam-se de forma significativa com escores de risco de suicídio e com o número e a gravidade dos sintomas depressivos. As pessoas que tentam o suicídio classificadas como tendo alta intenção suicida são em geral homens, mais velhos, solteiros ou separados e que vivem sozinhos. Em outras palavras, pacientes deprimidos que tentam o suicídio lembram mais estreitamente vítimas de suicídio do que pessoas que tentam o suicídio. ETIOLOGIA Fatores sociológicos Teoria de Durkheim. A primeira contribuição importante para o estudo das influências sociais e culturais no suicídio foi dada no final do século XIX pelo sociólogo francês Émile Durkheim. Na tentativa de explicar padrões estatísticos, dividiu os suicídios em três categorias sociais: egoístas, altruístas e anômicos. Suicídio egoísta aplica-se àqueles que não estão fortemente integrados em nenhum grupo social. A falta de integração familiar explica por que pessoas solteiras são mais vulneráveis a suicídio do que as casadas e por que casais com filhos constituem o grupo mais protegido. Comunidades rurais têm mais integração social do que áreas urbanas e, portanto, menos suicídio. Protestantismo é uma religião menos coesa do que o catolicismo; assim, aquela reflete uma taxa de suicídio mais alta. Suicídio altruísta aplica-se àqueles propensos a suicídio em decorrência de excessiva integração dentro de um grupo, com o ato sendo resultado da integração – por exemplo, um soldado japonês que sacrifica sua vida em batalha. Suicídio anômico aplica-se a pessoas cuja integração na sociedade é tão perturbada que não podem seguir normas de comportamento habituais. A anomia explica por que uma mudança drástica na situação econômica torna pessoas mais vulneráveis do que eram antes do acontecimento. Na teoria de Durkheim, anomia também se refere a instabilidade social e a uma ruptura geral dos padrões e valores da sociedade. Fatores psicológicos Teoria de Freud. Sigmund Freud ofereceu o primeiro insight psicológico importante sobre o suicídio. Ele descreveu apenas um indivíduo que fez uma tentativa de suicídio, mas tratou muitos pacientes deprimidos. Em seu ensaio “Luto e melancolia”, declarou sua crença de que o suicídio representa agressão voltada para si contra um objeto de amor introjetado, investido de forma ambivalente. Freud duvidava de que houvesse um suicídio sem um desejo anterior reprimido de matar alguém. Teoria de Menninger. Com base nas idéias de Freud, Karl Menninger, em Man Against Himself (O homem contra si mesmo), entendia o suicídio como homicídio invertido devido à raiva do paciente contra alguém. Esse assassínio retroflexo ou é voltado para dentro ou usado como uma desculpa para punição. Além disso, descreveu um instinto de morte dirigido ao self (o conceito de Tânatos de Freud) mais três componentes de hostilidade no suicídio: o desejo de matar, o desejo de ser morto e o desejo de morrer.
PSIQUIÁTRICA DE EMERGÊNCIA
977
Teorias recentes. Os suicidologistas contemporâneos não estão convencidos de que uma psicodinâmica ou estrutura de personalidade específica esteja associada ao suicídio. Eles acreditam que muito pode ser aprendido sobre as psicodinâmicas desses pacientes a partir de suas fantasias sobre o que aconteceria e quais seriam as conseqüências se cometessem o suicídio. Tais fantasias em geral incluem desejos de vingança, poder, controle ou punição; expiação, sacrifício ou reparação; fuga ou sono; resgate, renascimento, reunião com o morto; ou uma nova vida. Os pacientes suicidas com mais probabilidade de atuar fantasias suicidas podem ter perdido um objeto de amor ou sofrido um dano narcisista, podem experimentar afetos esmagadores, como raiva e culpa, ou podem identificar-se com uma vítima de suicídio. Dinâmicas de grupo são subjacentes a suicídios em massa, como aqueles em Masada, em Jonestown e no culto Portal do Paraíso. Pessoas deprimidas podem tentar o suicídio exatamente quando parecem estar se recuperando de sua depressão. A tentativa de suicídio pode fazer uma depressão de longa duração desaparecer, especialmente se ela satisfaz a necessidade de punição. De igual importância, muitos usam a preocupação com suicídio como uma forma de repelir depressão intolerável e um senso de desesperança. Um estudo feito por Aaron Beck mostrou que a desesperança era um dos indicadores mais precisos de risco de suicídio a longo prazo. Fatores biológicos. A diminuição da serotonina central desempenha um papel no comportamento suicida. Um grupo do Instituto Karolinska, na Suécia, foi o primeiro a notar que baixas concentrações do metabólito de serotonina ácido 5-hidroxiindoleacético (5-HIAA) no líquido cerebrospinal (LCS) estavam associadas a comportamento suicida. Este achado foi reproduzido muitas vezes e em diferentes grupos de diagnóstico. Estudos neuroquímicos de autópsia relataram diminuições modestas na própria serotonina ou no 5-HIAA no tronco cerebral ou no córtex frontal das vítimas. Estudos de autópsia de receptor relataram alterações significativas nos sítios de ligação de serotonina présináptica e pós-sináptica. Considerados juntos, esses estudos de LCS, neuroquímicos e de receptor apóiam a hipótese de que serotonina central reduzida está associada a suicídio. Estudos recentes também relatam algumas alterações no sistema noradrenérgico das vítimas. Baixas concentrações de 5-HIAA no LCS também prognosticam comportamento suicida futuro. Por exemplo, o grupo de Karolinska examinou suicídio consumado em uma amostra de 92 pacientes deprimidos que tinham tentado suicídio. Verificaram que oito dos 11 pacientes que cometeram suicídio dentro de um ano pertenciam ao subgrupo com concentrações de 5-HIAA no LCS abaixo da média. O risco de suicídio nesse subgrupo era de 17%, comparado com 7% entre aqueles com concentrações acima da média (Fig. 34.2-3). Além disso, o número cumulativo de pacientemeses que sobreviveram durante o primeiro ano após tentarem o suicídio foi bem menor no subgrupo com baixas concentrações de 5-HIAA. O grupo de Karolinska concluiu que baixas concentrações de 5-HIAA no LCS indicam risco de suicídio de curto prazo no grupo de alto risco de pacientes deprimidos que tentaram o suicídio. Baixas concentrações também foram demonstradas em adolescentes que cometeram suicídio.
Fatores genéticos. Comportamento suicida, como outros transtornos psiquiátricos, tende a ocorrer em famílias. Por exem-
COMPÊNDIO
0,2
DE PSIQUIATRIA
5-HIAA do LCS baixo 5-HIAA do LCS alto
0,15
0,1
0,05
0 0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10 11 12
Meses de observação após a tentativa de suicídio FIGURA 34.2-3 Risco de suicídio cumulativo durante o primeiro ano após a tentativa de suicídio em pacientes com concentrações de 5HIAA do LCS baixas versus altas. Os círculos indicam concentrações de 5-HIAA abaixo da média da amostra e os quadrados indicam concentrações acima da média da amostra (87 nM). (Reimpressa, com permissão, de Nordstrom P, Samuelsson M, Asberg M, et al. CSF concentrations 5-HIAA predicts suicide risk after attempted suicide. Suicide Life Threat Behav. 1994,24:1.)
plo, o suicídio de Margaux Hemingway, em 1997, foi o quinto entre quatro gerações da família de Ernest Hemingway. Em pacientes psiquiátricos, história familiar de suicídio aumenta o risco de tentativas e o de suicídio consumado na maioria dos grupos diagnósticos. Na medicina, a evidência mais forte de envolvimento de fatores genéticos vem de estudos de gêmeos e de adoção e da genética molecular, os quais são revistos a seguir. Estudos de gêmeos. Um estudo referencial conduzido em 1991 investigou 176 pares de gêmeos nos quais um tinha cometido suicídio. Em nove desses, ambos os gêmeos haviam executado o ato. Sete desses nove pares concordantes para suicídio foram encontrados entre os 62 pares monozigóticos, enquanto dois pares concordantes foram encontrados entre os 114 pares de gêmeos dizigóticos. Essa diferença de grupo de gêmeos de concordância para suicídio (11,3 versus 1,8%) é estatisticamente significativa (P <0,01). Outro estudo reuniu um grupo de 35 pares de gêmeos nos quais um tinha cometido suicídio e o co-gêmeo vivo foi entrevistado. Dez dos 26 co-gêmeos monozigóticos vivos tinham tentado o suicídio, comparados com nenhum dos nove co-gêmeos dizigóticos vivos (P <0,04). Ainda que gêmeos monozigóticos e dizigóticos possam ter algumas experiências de desenvolvimento diferentes, estes resultados mostram que pares monozigóticos têm concordância muito mais alta tanto para suicídio como para tentativas, que sugere que fatores genéticos podem desempenhar um papel no comportamento suicida. Estudos de adoção dinamarquês-americano. A evidência mais forte sugerindo a presença de fatores genéticos no suicídio tem ligação com estudos de adoção realizados na Dinamarca. Um exame dos registros de causas de morte revelou que 57 de 5.483 adotados em Copenhague cometeram suicídio. Eles foram
comparados com controles adotados. As buscas das causas de morte revelaram que 12 dos 269 parentes biológicos destas 57 vítimas de suicídio adotadas tinham cometido suicídio, comparados com apenas dois dos 269 parentes biológicos dos 57 controles adotados. Essa é uma diferença altamente significativa para suicídio entre os dois grupos de parentes. Nenhum dos parentes adotivos do grupo suicida ou do grupo-controle tinha praticado o ato. Em um outro estudo de 71 adotados com transtorno do humor, vítimas de suicídio adotadas com uma crise situacional ou tentativa de suicídio impulsiva ou, ambas (particularmente), tinham mais parentes biológicos que cometeram suicídio do que os controles. Isso levou à sugestão de que um fator genético diminuindo o limiar para comportamento suicida pode levar a uma incapacidade de controlar o comportamento impulsivo. Transtorno psiquiátrico ou estresse ambiental pode servir “como mecanismo potencializador que promove ou desencadeia o comportamento impulsivo, direcionando-o a um resultado suicida”. Estudos de genética molecular. Triptofano hidroxilase (TPH) é uma enzima envolvida na biossíntese de serotonina. Um polimorfismo no gene de TPH humano foi identificado, com dois alelos – U e L. Visto que baixas concentrações de 5-HIAA no LCS estão associadas a comportamento suicida, foi postulado que tais indivíduos podem ter alterações nos genes que controlam a síntese e o metabolismo de serotonina. Foi verificado que alcoolistas impulsivos, que tinham baixas concentrações de 5HIAA no LCS, apresentavam mais genótipos LL e UL. Além disso, uma história de tentativas de suicídio foi associada de forma significativa com o genótipo de TPH em todos os alcoolistas violentos (Fig. 34.2-4); 34 dos 36 indivíduos violentos que tentaram suicídio tinham o genótipo UL ou LL. Portanto, conclui-se que a presença do alelo L estava associada a um risco aumentado de tentativas de suicídio.
Concentração média de 5-HIAA, nmol/L
978
120
120
80
80
40
40
0
0 UU UL LL Genótipo de TPH
UU UL LL Genótipo de TPH
FIGURA 34.2-4 Relação entre genótipo de triptofano hidroxilase (TPH), concentração média (+ SEM) de ácido 5-hidroxiindoleacético (5-HIAA) e história de tentativas de suicídio. As concentrações de 5-HIAA são mapeadas em relação a seus genótipos de TPH para indivíduos impulsivos (esquerda) e todos os indivíduos (direita). Os triângulos representam aqueles que nunca tentaram o suicídio; os quadrados, indivíduos que tentaram o suicidio; e os círculos, os que cometeram suicídio. (Reimpressa, com permissão, de Nielsen D, Goldman D, Virkkunen M, et al. Suicidality and 5-hydroxyindoleacetic acid concentration with a tryptophan hydroxylase polymorfism. Arch Gen Psychiatry. 1994,51:34.)
MEDICINA
Além disso, história de múltiplas tentativas de suicídio foi encontrada com mais freqüência em indivíduos com o genótipo LL e em menor grau entre aqueles com o genótipo UL (Fig. 34.25). Isso levou à sugestão de que o alelo L estava associado a comportamento suicida repetitivo. A presença de um alelo L de TPH* pode indicar uma capacidade reduzida de hidroxilar triptofano para 5-hidroxitriptofano na síntese de serotonina, produzindo baixo turnover de serotonina central e, portanto, uma baixa concentração de 5-HIAA no LCS. Comportamento parassuicida. Parassuicídio é um termo introduzido para descrever pacientes que se ferem mediante automutilação (p. ex., cortando a pele), mas que em geral não desejam morrer. Estudos mostram que cerca de 4% de todos os pacientes em hospitais psiquiátricos cortaram-se; a proporção mulher para homem é de quase 3 para 1. Estima-se que a incidência de automutilação em pacientes psiquiátricos sejam mais de 50 vezes a da população em geral. Os psiquiatras observam que os chamados cortadores ferem-se durante anos. Automutilação é encontrada em cerca de 30% de todos os que abusam de substâncias orais e em 10% de todos os usuários de drogas injetáveis internados em unidades de tratamento de dependência química. Estes pacientes têm, em média, 20 anos e podem ser solteiros ou casados. A maioria faz cortes superficiais, em segredo, com lâmina de barbear, vidro quebrado ou espelho. Pulsos, braços, coxas e pernas são as regiões preferidas; rosto, seios e abdome são cortados com menos freqüência. A maioria das pessoas que se cortam alega não sentir dor e dá razões como raiva de si mesmas ou de outros, alívio de tensão e desejo de morrer. Grande parte delas classificada como tendo transtornos da personalidade, sendo bem mais introvertidas, neuróticas e hostis do que os controles. Abuso de álcool e de outras substâncias são comuns, e a maioria
Indivíduos %
100
PSIQUIÁTRICA DE EMERGÊNCIA
979
dos cortadores tentaram o suicídio. A automutilação tem sido vista como autodestruição localizada, com manejo inadequado de impulsos agressivos causados pelo desejo inconsciente de punir a si ou a um objeto introjetado. PROGNÓSTICO Os médicos devem avaliar o risco para suicídio de determinado paciente com base em um exame clínico. Os itens preditivos associados são listados na Tabela 34.2-1. Suicídio é agrupado em fatores relacionados de alto risco e fatores relacionados de baixo risco (Tab. 34.2-2). As características de alto risco incluem mais de 45 anos de idade, sexo masculino, dependência de álcool (a taxa de suicídio é 50 vezes mais alta entre dependentes de álcool do que entre os que não o são) comportamento violento, comportamento suicida anterior e hospitalização psiquiátrica prévia. TRATAMENTO A maioria dos suicídios entre pacientes psiquiátricos é evitável, conforme indicado pela constatação de que avaliação ou tratamento inadequados costumam estar associados ao ato. Alguns experimentam sofrimento tão grande e intenso ou tão crônico e irresponsivo a tratamento que seus eventuais suicídios podem ser entendidos como inevitáveis. Felizmente, esses pacientes são raros. Outros têm transtornos da personalidade graves, são altamente impulsivos e cometem suicídio de forma espontânea, em geral quando disfóricos ou intoxicados ou ambos. A avaliação para potencial suicida envolve história psiquiátrica completa, exame do estado mental e uma indagação sobre sintomas depressivos, pensamentos, intenções, planos e tentativas de suicídio. Considerados juntos, uma falta de planos para o futuro, doar propriedade pessoal, fazer um testamento e ter experimentado há pouco uma perda sugerem risco aumentado de suicídio. A decisão de hospitalizar depende do diagnóstico, da gravidade da depressão ou da ideação suicida, das capacidades de manejo do paciente e da família, da situação de vida do paciente, da disponibilidade de apoio social e da ausência ou presença de fatores de risco.
50
Tratamento hospitalar versus tratamento ambulatorial
0 0
1
2
3+
Tentativas de suicídio, nº FIGURA 34.2-5 Relação entre genótipo de TPH e história de vida de múltiplas tentativas de suicídio. Para cada genótipo, a fração de indivíduos tendo cada genótipo (UU, quadrados; UL, círculos; LL, triângulos) é mapeada em relação ao número de tentativas de suicídio que eles fizeram em suas vidas. (Reimpressa, com permissão, de Nielsen D, Goldman D, Virkkunen M, et al. Suicidality and 5-hydroxyindoleacetic acid concentration associated with a tryptophan hydroxylose polyformism. Arch Gen Psychiatry. 1994,51:34.)
Hospitalizar ou não pacientes com ideação suicida é a decisão clínica mais importante a ser tomada. Nem todos esses pacientes requerem internação; alguns podem ser tratados em uma base ambulatorial. No entanto, a ausência de um sistema de apoio social forte, uma história de comportamento impulsivo e um plano de ação suicida são indicações para hospitalização. Para decidir se o tratamento ambulatorial é praticável, os médicos devem usar uma abordagem clínica direta, ou seja, pedir aos pacientes considerados suicidas para telefonar quando se sentirem inseguros de suas capacidades de controlar seus impulsos suicidas. Aqueles que podem firmar esse tipo de compromisso com um médico com o qual tenham um relacionamento reafirmam a crença de que possuem força suficiente para controlar tais impulsos e procurar ajuda.
980
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 34.2-2 Avaliação de risco de suicídio Variável Perfil demográfico e social Idade Sexo Estado civil Emprego Relacionamento interpessoal Antecendentes familiares Saúde Física Mental
Atividade suicida Ideação suicida Tentativa de suicídio
Recursos Pessoais Sociais
Alto risco
Baixo risco
Mais de 45 anos Homem Divorciado ou viúvo Desempregado Conflitante Caóticos ou conflitantes
Menos de 45 anos Mulher Casado Empregado Estável Estável
Doença crônica Hipocondria Ingesta excessiva de substâncias Depressão grave Psicose Transtorno da personalidade grave Abuso de substâncias Desesperança
Boa saúde Sente-se saudável Baixo uso de substâncias Depressão leve Neurose Personalidade normal Bebedor social Otimismo
Freqüente, intensa, prolongada Tentativas múltiplas Planejada Resgate improvável Desejo inequívoco de morrer Comunicação internalizada (autocensura) Método letal e acessível
Infreqüente, baixa intensidade, transitória Primeira tentativa Impulsivo Resgate inevitável Desejo primário por mudança Comunicação externalizada (raiva) Método de baixa letalidade ou não prontamente acessível
Realização pobre Insight pobre Afeto indisponível ou mal-controlado Rapport pobre Socialmente isolado Família irresponsiva
Realização boa Bom insight Afeto disponível e controlado de forma adequada Bom rapport Socialmente integrado Família preocupada
Reimpressa, com permissão, de Adam K. Attempted suicide. Psychiatr Clin North Am. 1985;8:183.
Em retribuição a esse comprometimento, os médicos devem estar disponíveis 24 horas por dia. Se um paciente considerado gravemente suicida não puder firmar o compromisso, a hospitalização de emergência imediata é indicada; tanto ele como sua família devem ser aconselhados a isso. Se, entretanto, o paciente for tratado em uma base ambulatorial, o terapeuta precisa anotar os números de telefone da casa e do trabalho do indivíduo para encaminhamento de emergência; às vezes, o paciente desliga inesperadamente durante um telefonema tarde da noite ou dá apenas um nome ao serviço de resposta. Caso haja recusa de hospitalização, a família deve assumir a responsabilidade de estar com ele 24 horas por dia. De acordo com Shneidman, um médico tem diversas medidas preventivas práticas para lidar com o suicida: reduzir a dor psicológica modificando o ambiente estressante do paciente, recrutando o auxílio do cônjuge, do empregador ou de um amigo; construir apoio realístico, reconhecendo que o paciente pode ter uma queixa legítima; e oferecer alternativas ao suicídio. Muitos psiquiatras acreditam que qualquer paciente que tenha tentado o suicídio, a despeito de sua letalidade, precisa ser hospitalizado. Embora a maioria desses pacientes interne-se de forma voluntária, o perigo para si mesmos é uma das poucas indicações claras aceitáveis em todos os estados para intervenção involuntária. No hospital, podem receber antidepressivos ou antipsicóticos, conforme indicado; terapia individual, de grupo e familiar estão disponíveis, e os pacientes recebem o apoio social do hospital e têm uma sensação de segurança. Outras medidas
terapêuticas dependem dos diagnósticos subjacentes. Por exemplo, se dependência de álcool é um problema associado, o tratamento deveria ser direcionado ao alívio dessa condição. Ainda que pacientes classificados como gravemente suicidas possam ter prognósticos favoráveis, os suicidas crônicos são difíceis de tratar, e esgotam seus cuidadores. Observação constante por enfermeiros especializados, isolamento e contenções não podem prevenir o ato quando o paciente está determinado. Eletroconvulsoterapia pode ser necessária para alguns pacientes muito deprimidos, que podem necessitar de diversos cursos de tratamento. Medidas úteis para o tratamento de pacientes suicidas deprimidos hospitalizados incluem revistar a eles e a seus pertences na chegada em busca de objetos que possam ser usados para suicídio e repetir a busca em épocas de exacerbação da ideação suicida. De maneira ideal, esses indivíduos deveriam ser tratados em uma enfermaria fechada onde as janelas sejam à prova de estilhaçamento, e o quarto deveria estar localizado próximo ao posto de enfermagem para aumentar a observação. A equipe de tratamento deve avaliar o quanto restringir o paciente e a necessidade de fazer verificações regulares ou usar observação direta contínua. Tratamento intenso com medicação antidepressiva ou antipsicótica deve ser iniciado, dependendo do transtorno subjacente. Alguns agentes (p. ex., risperidona [Risperdal]) têm efeitos antipsicóticos e antidepressivos e são úteis quando o paciente apresenta sinais e sintomas de psicose e depressão.
MEDICINA
Psicoterapia de apoio mostra preocupação e pode aliviar um pouco o intenso sofrimento. Alguns pacientes podem ser capazes de aceitar a idéia de que estão sofrendo de uma doença reconhecida e que poderão ter uma recuperação completa. Eles devem ser desaconselhados a tomar decisões de vida importantes enquanto estão em depressão suicida, porque tais decisões costumam ser determinadas pela doença e podem ser irrevogáveis. As conseqüências de tais decisões erradas podem causar mais angústia e sofrimento quando o paciente tiver se recuperado. Aqueles que estão se recuperando de uma depressão suicida estão em risco especial. À medida que a depressão diminui, tornam-se energizados e, portanto, são capazes de pôr em ação seus planos suicidas (suicídio paradoxal). Às vezes, pacientes deprimidos, com ou sem tratamento, ficam em paz consigo mesmos porque chegaram a uma decisão secreta de cometer o ato. Os médicos devem suspeitar especialmente desse tipo de mudança clínica drástica, que pode pressagiar uma tentativa de suicídio. Mesmo sendo raro, alguns pacientes mentem ao psiquiatra sobre sua intenção suicida, desse modo subvertendo a avaliação clínica mais cuidadosa. É possível cometer suicídio mesmo estando no hospital. De acordo com um levantamento, cerca de 1% de todos os suicídios foi cometido por pacientes que estavam sendo tratados em hospitais médico-cirúrgicos gerais ou psiquiátricos, mas a taxa de suicídio anual em hospitais psiquiátricos é de apenas 0,003%. Fatores éticos e legais. As questões de responsabilidade que se originam de suicídios em hospitais psiquiátricos em geral envolvem dúvidas sobre a taxa de deterioração de um paciente, a presença, durante a hospitalização, de sinais clínicos indicando risco e o reconhecimento, por parte de psiquiatras e de membros da equipe, desses sinais clínicos, assim como suas respostas a eles. De quase metade dos casos nos quais os suicídios ocorrem enquanto os pacientes estão em uma unidade psiquiátrica resulta uma ação judicial. Os tribunais não exigem taxas de suicídio zero, mas requerem avaliação periódica dos pacientes para indicação de risco, formulação de um plano de tratamento com um alto nível de segurança e acompanhamento do plano de tratamento pelos membros da equipe. Hoje, suicídio e tentativa de suicídio são vistos como um delito grave e um delito leve, respectivamente; em alguns estados, os atos não são considerados crimes, mas ilegais à luz do direito comum. Ajudar e instigar um suicídio acrescenta uma outra dimensão ao emaranhado legal; algumas decisões judiciais consideraram que, embora nenhum suicídio nem tentativa de suicídio seja punível, qualquer pessoa que ajude no ato pode ser punida. (Suicídio assistido pelo médico é discutido no Capítulo 2.) Estratégia para prevenção de suicídio Em 2001, o cirurgião geral David Satcher organizou a Estratégia Nacional para Prevenção de Suicídio, sob o patrocínio do National Insitutes of Health (NIH), a qual estabeleceu metas e objetivos específicos para reduzir o suicídio. Estes incluem as seguintes 11 intervenções: 1. Promover a consciência de que suicídio é um problema de saúde pública que pode ser prevenido.
PSIQUIÁTRICA DE EMERGÊNCIA
981
2. Desenvolver ampla base de apoio para prevenção de suicídio. 3. Desenvolver e implementar estratégias para reduzir o estigma associado a ser um consumidor de serviços de saúde mental, abuso de substância e prevenção de suicídio. 4. Desenvolver e implementar programas de prevenção de suicídio. 5. Promover esforços para reduzir o acesso a meios letais e métodos de dano próprio. 6. Implementar treinamento para o reconhecimento de comportamento de risco e fornecimento de tratamento efetivo. 7. Desenvolver e promover métodos clínicos e profissionais efetivos. 8. Melhorar o acesso a, e ligações da comunidade com, serviços de saúde mental e de abuso de substâncias. 9. Melhorar relatórios e retratos de comportamento suicida, doença mental e abuso de substância na mídia. 10.Promover e apoiar pesquisa sobre suicídio e prevenção de suicídio. 11. Melhorar e ampliar sistemas de vigilância. A Estratégia Nacional para Prevenção de Suicídio propõe uma estrutura para a prevenção do suicídio. Ela visa a encorajar e habilitar grupos e indivíduos para trabalharem juntos. Quanto mais fortes e mais amplos o apoio e a colaboração, maiores as chances de sucesso para essa iniciativa de saúde pública. Suicídio e comportamentos suicidas podem ser reduzidos à medida que o público em geral adquira mais entendimento sobre o grau em que o suicídio é um problema, sobre as formas como pode ser prevenido e sobre os papéis que indivíduos e grupos podem desempenhar nos esforços de prevenção. REFERÊNCIAS Allen M. Emergency Psychiatry. Washington, DC: American Psychiatric Publishing; 2002. Barraclough B, Bunch J, Nelson B, Sainsbury P. A hundred cases of suicide. Br J Psychiatry. 1997;125:355. de Wilde EJ, Kienhorst ICWM, Diekstra RFW, Goodyer IM, eds. The Depressed Child and Adolescent. 2nd ed. Cambridge child and adolescent psychiatry. New York: Cambridge University Press;2001:267. Duberstein PR, Conwell Y, Caine ED. Interpersonal stressors, substances abuse, and suicide. J Nerv Ment Dis. 1993;181:80. Durkheim E. Suicide. Glencoe, IL: Free Press; 1951. Hendin H, Mann JJ, eds. The clinical science of suicide prevention. Ann N Y Acad Sci. 2001;932:200. Henry JA. Suicide risk and antidepressant treatment. J Psychopharmacol. 1996;10(suppl 1):39. Kreitman N, ed. Parasuicide. NewYork: Wiley; 1977. Mann JJ. A current perspective on suicide and attempted suicide. Ann Intern Med. 2002;136:302. Meltzer HJ, Hendin H, eds. The clinical science of suicide prevention. Ann N Y Acad Sci. 2001;932:44. Roy A. Suicide. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2001:2031. Rud MDW, Canetto SS. Review of Suicidology. New York: Guilford Press; 2000:47. Rudd MD, ed. Suicide Science: Expanding the Boundaries. Norwell, MA: Kluwer Academic Publishers; 2000:117. Shneidman ES. The Suicidal Mind. New York: Oxford University Press; 1996.
35 Psicoterapias
35.1 Psicanálise e psicoterapia psicanalítica Sigmund Freud certa vez observou que um tratamento podia ser descrito como psicanalítico se envolvesse os princípios de transferência e resistência. Embora esses dois princípios (descritos a seguir) continuem tendo importância fundamental na psicanálise e na terapia psicanalítica, os aspectos característicos dessa abordagem são agora muito mais amplos, na medida em que o campo se movimentou cada vez mais na direção do reconhecimento de que o tratamento envolve o campo que se estabelece entre duas pessoas, na qual os sentimentos do analista ou do terapeuta também devem ser levados em consideração. Glen e Gabbard definem a essência da psicanálise e da terapia psicanalítica como “uma terapia que envolve atenção cuidadosa à interação médico-paciente, com a interpretação precisa da transferência e da resistência implícita em uma avaliação sofisticada da contribuição do terapeuta para o campo de duas pessoas”. Essa definição resume tanto a psicanálise quanto a psicoterapia psicanalítica porque ambas costumam ser consideradas como fazendo parte de um contínuo. As duas derivam da teoria psicanalítica (discutida no Capítulo 6) e envolvem um foco no inconsciente do paciente à medida que ele emerge no relacionamento terapêutico com o clínico. A psicoterapia psicanalítica é conhecida por inúmeros termos diferentes, incluindo psicoterapia orientada para o insight, psicoterapia exploratória, psicoterapia expressiva, psicoterapia psicodinâmica e psicoterapia reveladora. Tanto a psicanálise como a psicoterapia psicanalítica tendem a ser consideradas tratamentos prolongados, ou de longo prazo, que se estendem por mais de seis meses. Entretanto, algumas terapias psicodinâmicas breves que duram apenas uma questão de semanas baseiam-se em princípios psicanalíticos. Com freqüência, a psicoterapia psicanalítica é dividida nos subtipos expressivo e de apoio, com o reconhecimento de que a maioria das psicoterapias envolve tanto elementos de um quanto de outro. As intervenções expressivas demandam interpretação de conflito inconsciente para produzir insight no paciente. Essa forma de intervenção está ligada de forma bastante direta com a psicanálise, que também enfatiza a interpretação. A psicoterapia
de apoio focaliza-se em fortalecer as defesas dos pacientes e ajudá-los na resolução de problemas e na adaptação. Nesse sentido, conselho e elogio podem ser dados mais freqüentemente do que na terapia expressiva, e o terapeuta pode ater-se mais em desenvolver habilidades de lidar com problemas para ajudar os pacientes na vida cotidiana. A Tabela 35.1-1 oferece um resumo dos aspectos característicos da psicanálise, da psicoterapia psicanalítica expressiva e da psicoterapia psicanalítica de apoio. OBJETIVOS E AÇÃO TERAPÊUTICA Qualquer discussão sobre objetivos e ação terapêutica deve reconhecer que a psicanálise e a psicoterapia psicanalítica são hoje praticadas em uma era de pluralismo teórico. Quando Freud desenvolveu a psicanálise no final do século XIX, estava tratando pacientes histéricos sob o pressuposto de que catarse e a ab-reação associadas à suspensão da repressão de memórias da infância aliviariam os sintomas. Por fim, descobriu que esse método não era tão efetivo quando esperava, então desenvolveu a técnica de associação livre, na qual os pacientes eram instruídos a dizer o que lhes viesse à mente sem censura. Nesse ponto, a análise começou a desviar-se da escavação de memórias profundas para uma interpretação das defesas e dos conflitos entre ego, id, superego e realidade externa. Os objetivos e a ação terapêutica também começaram a mudar de acordo com novos modelos terapêuticos que enfatizavam a análise das manifestações das relações objetais internas do paciente à medida que se revelavam na transferência e na contratransferência no relacionamento analítico. Essa abordagem, conhecida como teoria das relações objetais, foi influenciada por Melanie Klein, D. W. Winnicott, Ronald Fairbairn e outros. Além disso, a psicologia do self de Heinz Kohut despertou mais interesse em um outro aspecto da psicologia do paciente – a fragmentação do self que ocorre quando a análise deixa de satisfazer as necessidades do paciente de espelhamento, igualdade e idealização. A própria ação terapêutica varia de acordo com objetivos específicos. Em outras palavras, os objetivos são para a ação terapêutica o que o destino de uma viagem é para o veículo designado a transportar a pessoa. A viagem analítica tem hoje uma multiplicidade de objetivos, e a maioria dos analistas concorda que
PSICOTERAPIAS
983
TABELA 35.1-1 Alcance da prática psicanalítica: um contínuo clínicoa Psicoterapia psicanalítica Aspecto
Psicanálise
Modo expressivo
Modo de apoio
Freqüência
Regular 4 a 5 vezes por semana: sessão de 50 minutos
Regular 1 a 3 vezes por semana; meia sessão ou sessão completa
Duração
Longo prazo: em geral 3 a 5 anos ou mais Paciente primariamente no divã, com o analista fora do campo visual Análise sistemática de toda transferência (positiva e negativa) e resistência; foco primário no analista e em eventos dentro da sessão; neurose de transferência facilitada; regressão encorajada
Curto ou longo prazo: diversas sessões a meses ou anos Paciente e terapeuta frente a frente; uso ocasional de divã Análise parcial de dinâmicas e defesas; foco em eventos interpessoais correntes e transferência para outros fora da sessão; análise de transferência negativa; transferência positiva inexplorada, a menos que impeça o progresso; regressão limitada encorajada Neutralidade modificada; gratificação implícita do paciente e grande atividade Insight em um ambiente empático; identificação com objeto benevolente
Flexível, uma vez por semana ou menos; ou, se necessário, meia sessão ou sessão completa Curto ou longo prazo intermitente; sessão única ou durante toda a vida Paciente e terapeuta frente a frente; divã contra-indicado Formação de aliança terapêutica e relação objetal real; análise da transferência contra-indicada, com raras exceções; foco em eventos externos conscientes; regressão desencorajada
Ambiente
Modus operandi
Supostos agentes de mudança
Neutralidade absoluta; frustração do paciente; papel de espelho-refletor Insight predomina em um ambiente relativamente despojado
População de pacientes
Neuroses; psicopatologia de caráter leve
Requisitos do paciente
Alta motivação; capacidade psicológica de introspecção; bons relacionamentos objetais anteriores; capacidade de manter neurose de transferência; boa tolerância à frustração Reorganização estrutural da personalidade; resolução de conflitos inconcientes; insight sobre eventos intrapsíquicos; alívio de sintoma é um resultado indireto
Papel do analistaterapeuta
Objetivos básicos
Técnicas principais
Tratamento adjunto
Método de associação livre predomina; interpretação totalmente dinâmica (incluindo confrontação, esclarecimento e elaboração), com ênfase na reconstrução genética Em princípio, evitado; se aplicado, todos os significados e implicações negativos e positivos devem ser analisados em detalhes
Neuroses; psicopatologia de caráter leve a moderada, em especial transtornos da personalidade narcisista e borderline Motivação alta a moderada e capacidade psicológica de introspecção; capacidade de formar aliança terapêutica; alguma tolerância à frustração Reconhecimento parcial de personalidade e defesas; resolução de derivativos de conflitos pré-conscientes e conscientes; insight de eventos interpessoais correntes; melhora das relações objetais; alívio do sintoma é um objetivo ou precede a nova exploração Associação livre limitada; confrontação, esclarecimento e interpretação parcial predominam, com ênfase na interpretação do aqui e agora e na interpretação genética limitada Pode ser necessário (p. ex., psicotrópicos como medida temporária); se aplicado, implicações negativas exploradas e dissipadas
Neutralidade suspensa; gratificação explícita, orientação e revelação limitadas Ego auxiliar ou suplente como substituto temporário; ambiente de apoio; insight na medida do possível Transtornos de caráter graves; psicoses latentes ou manifestas; crises agudas; doença física Alguma motivação e capacidade de formar aliança terapêutica
Reintegração do self e capacidade de lidar com as situações; estabilização ou restauração de equilíbrio preexistente; fortalecimento de defesas; melhor ajustamento ou aceitação de patologia; alívio de sintoma e reestruturação ambiental como objetivos primários Método de associação livre contra-indicado; sugestão (conselho) predomina; ab-reação útil; confrontação, esclarecimento e interpretação com base no aqui e agora secundários; interpretação genética contra-indicada Costuma ser necessário (p. ex., drogas psicotrópicas, terapia familiar, terapia restauradora ou hospitalização); se aplicado, implicações positivas são enfatizadas
aEsta divisão não é categórica; toda prática reside em um contínuo clínico. Cortesia de Toksoz Byram Karasu, M.D.
existem múltiplos modos de ação terapêutica. A aquisição de entendimento sobre si mesmo é o objetivo maior da psicanálise e da psicoterapia psicanalítica, e a interpretação de padrões inconscientes que ocorre na relação transferencial é uma forma de ação terapêutica. Pela interpretação da transferência do paciente, o superego é modificado, o id é subjugado e o ego é expandido. Além disso, o paciente começa a reconhecer que sentimentos surgindo no presente com o analista originam-se de experiências da infância que foram internalizadas e que são repetidas muitas vezes nos
relacionamentos atuais. Outro modo importante de ação terapêutica é a internalização do novo relacionamento com o analista ou terapeuta de modo que o paciente comece a refletir e a entender da mesma maneira que o analista. Os teóricos das relações objetais enfatizam a necessidade de mudança na representação mental de self e objeto e nos vínculos afetivos entre essas representações. Acreditam que tais mudanças são realizadas, em parte, por meio de interpretação, mas também mediante relacionamento analítico, que fornece um ambiente
984
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
de apoio. Eles enfatizaram o processo de contenção na produção de mudança. Pela identificação projetiva, o analista torna-se um continente de representações do self e do objeto dos pacientes, muitas vezes em associação com estados afetivos poderosos. Antes que tais conteúdos projetados sejam devolvidos aos pacientes pelo processo de reintrojeção, o analista processa e, desse modo, modifica suas representações. Na psicologia do self, o objetivo do tratamento psicanalítico é fortalecer um self enfraquecido, de modo que possa passar da dependência em experiências “self-objetais” arcaicas para uma posição de maior coesão que torne essa dependência mais madura. Kohut afirmou que o objetivo era alcançado pelo estabelecimento de estrutura psíquica por um grau ideal de frustração e pela transmutação de internalizações. O aspecto curativo essencial do processo analítico é o estabelecimento de sintonia empática entre o self e o self-objeto em um nível maduro.
dem realizar essa tarefa devido a embaraço, preocupação com o que o analista pensa e suas avaliações de se uma associação é relevante ou não. Tais resistências ao processo tornam-se um foco primário de trabalho analítico. O analista não se torna mais autoritário em resposta às dificuldades de um paciente com associação livre, mas, antes, tenta entender seus obstáculos para obedecer à regra fundamental.
Ambiente analítico
Processo analítico
No ambiente analítico usual, os pacientes deitam-se em um divã ou sofá, e o analista senta-se atrás, parcial ou totalmente fora de seu campo de visão. O divã ajuda o analista a produzir a regressão controlada que favorece o surgimento de material reprimido. A posição reclinada do paciente na presença de um analista atento recria, de forma simbólica, a situação primitiva pai-filho, que varia de um paciente para outro. A posição também ajuda o paciente a focalizar pensamentos, sentimentos e fantasias interiores, que podem, então, tornar-se o foco de associações livres. Além disso, o divã introduz um elemento de privação sensorial; os estímulos visuais do paciente são limitados, e as verbalizações do analista são relativamente poucas. Esse estado promove regressão. Houve alguma discordância, entretanto, sobre a necessidade do uso do divã na psicanálise. Otto Fenichel declarou que se o paciente deita ou senta e se certos rituais de procedimento são usados não importa. A melhor condição é aquela mais apropriada à tarefa analítica.
Transferência. Transferência é um termo que se refere ao deslocamento de atitudes e sentimentos originalmente experimentados em relacionamentos com pessoas do passado para o analista. Os analistas modernos reconhecem que ela também é influenciada pelas características reais do analista; portanto, transferência é sempre, em algum grau, um amálgama de antigos e novos relacionamentos com o analista. Ainda que Freud, no início, encorajasse os analistas a serem isentos em relação a seus pacientes (o princípio do anonimato), a visão contemporânea é que a subjetividade é uma influência contínua para ajudar a moldar a transferência. A maioria dos analistas tenta usar de reserva e evitar excessiva auto-revelação, mas também reconhecem que o estereótipo do analista como uma tela em branco não é mais benéfico. Um critério importante pelo qual a psicanálise pode, em princípio, ser diferenciada de outras formas de psicoterapia é seu foco intensivo na transferência. Em um grau considerável, a psicanálise é definida por uma análise muito mais sistemática da transferência do que ocorre na psicoterapia. Na formulação original de Freud, a neurose infantil era revelada na forma de uma neurose de transferência para o analista, na qual o paciente se esforça para gratificar desejos infantis inconscientes por intermédio do analista. O termo neurose de transferência caiu em desuso na medida em que muitos analistas se deram conta de que falar de múltiplas transferências é mais exato. Transferência é a repetição das formas habituais de relação objetal do paciente na díade analítica. Visto que os relacionamentos são bastante variados, as próprias transferências tendem a ser variáveis, ainda que muitas vezes envolvam diversos temas centrais. Por exemplo, podem ser idealizadoras, eróticas ou odiosas. Entretanto, rotulá-las como tendo uma qualidade é talvez uma simplificação demasiada, porque as transferências têm, na realidade, múltiplas camadas. Uma transferência intensamente amorosa pode virar ódio se o analista for percebido como não correspondendo ao amor do paciente. Com alguns indivíduos narcisistas, pode parecer haver uma ausência de qualquer forma de ligação transferencial. Freud acreditava que esses não podiam ser analisados. Hoje, os analistas estão mais acostumados a transferências narcisistas e apenas consideram a
Duração do tratamento O paciente e o psicanalista devem estar preparados para persistir indefinidamente no processo. A psicanálise leva tempo – de 3 a 6 anos, às vezes até mais. As sessões acontecem em geral quatro ou mais vezes por semana por 45 a 50 minutos cada. Métodos de tratamento Regra fundamental da psicanálise. De acordo com a regra fundamental ou básica, os pacientes concordam em ser completamente honestos com seus analistas e em contar tudo sem seleção. Freud se referia à técnica que permitia tal honestidade como associação livre. Associação livre. Os pacientes tentam obedecer à regra fundamental dizendo tudo o que vem à mente. Inevitavelmente, não po-
Atenção flutuante livre. A contrapartida do analista à associação livre é uma forma particular de escuta, em geral denominada de flutuante livre ou atenção equilibradamente suspensa. O analista evita um foco intenso nos comentários do paciente e, em vez disso, permite que as associações deste estimulem suas próprias associações. De maneira similar, os analistas se esforçam por alcançar um estado de responsividade flutuante livre, no qual se permitem ser atraídos para dentro do mundo objetal interno de um paciente identificando-se com os papéis a eles atribuídos.
PSICOTERAPIAS
aparente ausência de transferência como o exemplo de como o paciente narcisista trouxe um padrão estabelecido de relação objetal para o ambiente analítico. O papel do analista é ajudar o paciente a adquirir insight dos desejos e conflitos subjacentes próprios da transferência e, assim, tornar consciente o inconsciente. Entendendo a natureza do relacionamento com o analista de forma sistemática, o paciente também adquire insight acerca dos padrões característicos de relacionamento com pessoas fora da análise. Interpretação. Na psicanálise, o analista oferece aos pacientes interpretações sobre eventos psicológicos que nunca foram entendidos como significativos para eles. A transferência constitui uma importante estrutura de referência para interpretação. Uma interpretação psicanalítica completa inclui declarações significativas de conflitos atuais bem como fatores históricos que as influenciaram. Essas interpretações, entretanto, são uma parte relativamente pequena da análise; a maioria das interpretações tem alcance limitado e lida com questões de preocupação imediata. As interpretações devem ter um tempo certo. O analista pode ter uma formulação em mente, mas o paciente pode não estar preparado para lidar com ela diretamente devido a fatores como nível de ansiedade, transferência negativa e estresse de vida. Podese esperar até que o paciente possa entender completamente a interpretação. O momento adequado da interpretação requer grande habilidade clínica. INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS. Em seu trabalho clássico A Interpretação dos Sonhos, Freud referia-se ao sonho como a “estrada real que conduz ao inconsciente”. Seu conteúdo manifesto é o que o sonhador relata. O conteúdo latente é o significado inconsciente de um sonho após as condensações, as substituições e os símbolos a serem analisados. Os sonhos originam-se do que Freud chamava de resíduo do dia (os eventos do dia anterior, que estimulam a mente inconsciente). O sonhar serve como um mecanismo de satisfação do desejo e uma forma de dominar a ansiedade em relação a um evento da vida. Freud delineou diversos procedimentos técnicos para usar na interpretação do sonho: fazer o paciente associar os elementos do sonho na ordem em que ocorreram; fazê-lo relacionar determinado elemento do sonho; desconsiderar o conteúdo do sonho e perguntar ao paciente que eventos do dia anterior podem estar associados a ele (o resíduo do dia); e evitar dar quaisquer instruções, deixando que o paciente comece. Os analistas usam as associações para encontrar um indício das operações da mente inconsciente.
Contratransferência. Freud entendia a contratransferência como uma transferência do analista para o paciente. Ela era considerada um obstáculo, com base nos conflitos pessoais do próprio analista, que tinha de ser removido a fim de não interferir na análise. Essa visão estreita ou clássica foi substituída pela visão ampla da contratransferência como os sentimentos de um analista que parecem relacionados ao que o paciente está projetando nele. Tal formulação ressalta o valor da contratransferência como um instrumento terapêutico, ou seja, fornece ao analista indícios sobre a natureza do mundo objetal interior do paciente. A visão de contratransferência mais aceita hoje em dia é que ela é uma
985
criação conjunta que envolve contribuições do passado do analista e do mundo interior do paciente. Aliança terapêutica. Além das questões de transferência e contratransferência, o relacionamento entre o analista e o paciente envolve dois adultos iniciando um empreendimento conjunto, denominado de aliança terapêutica ou de trabalho. Ambos se comprometem a explorar os problemas do paciente, a estabelecer confiança mútua e a cooperar um com o outro para alcançar um objetivo realístico de cura ou melhora dos sintomas. Resistência. Freud acreditava que as idéias ou os impulsos inconscientes são reprimidos e impedidos de alcançar a consciência porque são inaceitáveis à consciência por alguma razão. Ele chamava este fenômeno de resistência, que tem de ser superada se o analista quiser prosseguir. Ela pode ser, às vezes, um processo consciente manifestado pela retenção de informação relevante. Outros exemplos de resistência são permanecer em silêncio por um longo tempo, atrasar-se ou perder consultas e pagar as contas com atraso ou não pagar. Os sinais de resistência são inúmeros, e quase todo aspecto da situação analítica pode ser usado na resistência. Entretanto, algumas escolas de pensamento psicanalíticas a vêem de maneira diferente. Por exemplo, psicólogos do self consideram resistências como atividades psicologicamente saudáveis que protegem o self de lesão narcisística. Indicações para tratamento psicanalítico As indicações para psicanálise devem considerar critérios genéricos para a analisabilidade, que se aplicam independentemente do diagnóstico. Deve haver sofrimento significativo para que os pacientes sejam motivados a fazer os sacrifícios de tempo e recursos financeiros necessários para a psicanálise. Aqueles que se submeterem à análise devem ter um desejo genuíno de entender-se, não uma fome desesperada por alívio sintomático. Devem ser capazes de suportar frustração, ansiedade e outros afetos fortes que surgem na análise sem evitar ou atuar seus sentimentos de maneira autodestrutiva. Além disso, precisam dispor de um superego razoável, maduro, que lhes permita serem honestos com o analista. Sua inteligência deve ser pelo menos média e, acima de tudo, devem ter disposição psicológica no sentido de que possam pensar de forma abstrata e simbólica sobre os significados inconscientes de seu comportamento. Um levantamento de 580 pacientes analíticos oferece uma base para uma afirmação geral sobre indicações para a psicanálise. Esse levantamento revelou que 82% das pessoas atualmente em psicanálise submeteram-se a outras formas de psicoterapia que não tinham conseguido resolver seus problemas. Em conseqüência, uma indicação comum para psicanálise é o fracasso de terapias breves ou de intervenções psicofarmacológicas. Contra-indicações para o tratamento Muitas contra-indicações para psicanálise são o reverso das indicações. A ausência de sofrimento, controle deficiente dos impulsos,
986
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
incapacidade de tolerar frustração e ansiedade e baixa motivação para entender todas as contra-indicações. A presença de extrema desonestidade ou transtorno da personalidade anti-social não favorece o tratamento analítico. Pensamento concreto ou ausência de disposição psicológica não são bons indicadores para a prática. Alguns pacientes que poderiam ser psicologicamente dispostos não são adequados para análise porque estão no meio de um conflito ou de uma crise de vida importante, tal como perda de trabalho ou divórcio. Doença física grave também pode interferir na capacidade de se investir em um processo de tratamento de longo prazo. Aqueles com baixa inteligência em geral não entendem o procedimento ou não cooperam no processo. Idade acima de 40 anos também é considerada uma contra-indicação, mas hoje os analistas reconhecem que pacientes são maleáveis e analisáveis mesmo com 60 ou 70 anos. Uma última objeção é um relacionamento próximo com o analista. Os analistas deveriam evitar analisar amigos, parentes ou pessoas com quem tenham outro envolvimento. PSICOTERAPIA PSICANALÍTICA A psicoterapia psicanalítica baseia-se em formulações psicodinâmicas que foram modificadas de forma conceitual e técnica. Na terapia altamente expressiva, a interpretação ainda é uma intervenção bastante utilizada, mas a análise da transferência é menos sistemática, há apenas análise parcial de dinâmicas, e o divã não costuma ser utilizado. Em geral, paciente e terapeuta sentam-se em lados opostos, uma situação que pode fornecer maior realidade ao terapeuta do que uma situação na qual esteja fora do campo de visão do paciente. A psicoterapia expressiva é conduzida de 1 a 3 vezes por semana em sessões de 45 ou 50 minutos; às vezes, sessões de 30 minutos também são utilizadas. A terapia de apoio, em grande parte, não acontece mais do que uma vez por semana, ou até com menos freqüência; as sessões podem durar de 30 a 50 minutos. Tipos Muitos médicos e pesquisadores conceitualizaram os tipos de psicoterapias ao longo de um contínuo, com terapias expressivas (orientadas para o insight) (p. ex., psicanálise) e terapias de orientação analítica em uma extremidade do espectro e terapias de apoio na outra. Muitas intervenções do terapeuta podem ser dispostas em sete categorias ao longo de um contínuo expressivo (ou exploratório)/de apoio apresentado na Figura 35.1-1. A Tabela 35.1-2 resume as definições de intervenções terapêuticas. Psicoterapia expressiva. Na terapia expressiva ou orientada para o insight, os terapeutas tentam fornecer insight dos pro-
cessos inconscientes dos pacientes. Ao examinarem de forma sistemática padrões de comportamento, tanto na transferência como fora dos relacionamentos, os pacientes tornam-se cada vez mais cientes dos determinantes inconscientes do comportamento. Os terapeutas contam com uma série de intervenções ao longo do contínuo expressivo/de apoio, mas enfatizam interpretação confrontação e esclarecimento muito mais do que conselho e elogio. As interpretações, em sua maioria, focalizam-se em ligações entre relacionamentos na infância e o presente. Há menos ênfase em reconstruir eventos da infância na psicoterapia expressiva do que ocorre na psicanálise e o foco é centrado mais no funcionamento atual. Os terapeutas criam um ambiente não-crítico, no qual os pacientes podem falar sobre uma ampla variedade de questões. No entanto, eles também poderiam estabelecer limites se comportamento autodestrutivo ou agressivo se tornam um problema maior. Os objetivos são mais limitados, atendo-se a reorganizar, ainda que de forma parcial, a personalidade e as defesas dos pacientes sem resolver de todo conflitos maiores. As relações objetais podem melhorar a partir do insight adquirido com as interpretações e também da internalização do relacionamento terapêutico. Muito semelhante aos psicanalistas, os terapeutas expressivos mostram como o inconsciente de um paciente é observável por vários comportamentos e ações que acontecem fora de sua consciência. As indicações para a ênfase expressiva versus de apoio na psicoterapia são apresentadas na Tabela 35.1-3. Psicoterapia de apoio. A psicoterapia de apoio oferece aos pacientes o apoio de uma figura de autoridade durante um período de doença, tumulto ou descompensação. Esse tratamento tem o objetivo de restaurar e fortalecer as defesas prejudicadas e integrar capacidades. O mesmo oferece um período de aceitação e dependência para alguém que precisa de ajuda para lidar com culpa, vergonha e ansiedade e satisfazer frustrações ou pressões externas que podem ser difíceis de controlar. A técnica vale-se de diversos métodos, isolados ou em combinação, incluindo liderança afetuosa, amável, forte; gratificação parcial de necessidades de dependência; apoio no desenvolvimento final de independência legítima; ajuda para desenvolver atividades prazerosas (p. ex., passatempos); descanso e diversão adequados; remoção de pressão excessiva, quando possível; hospitalização quando indicado; medicação para aliviar sintomas; orientação e conselho para lidar com problemas atuais. Essa abordagem utiliza técnicas para ajudar os pacientes a se sentirem seguros, aceitos, protegidos, encorajados e não-ansiosos. Um dos maiores perigos da terapia de apoio é a possibilidade de o analista favorecer demais a regressão e a dependência. Desde o início, os psiquiatras devem trabalhar com persistência para capacitar os pacientes a serem independentes. Alguns, entretanto, requerem terapia de apoio de forma indefinida, em geral com
Encorajamento Conselho a Validação e Afirmação Interpretação Esclarecimento Confrontação elaborar empática elogio Expressiva (orientada para o insight)
De apoio
FIGURA 35.1-1 Contínuo de intervenções expressiva (orientada para o insight)/de apoio. (Reproduzida, com permissão, de Gabbard GO. Psychodynamic Psychiatry in Clinical Practice. 3rd ed. Washington, DC: American Psychiatric Press, 2000:96.)
PSICOTERAPIAS
987
TABELA 35.1-2 Intervenções psicoterapêuticas definidas 1. Interpretação. Nas formas mais expressivas de tratamento, a interpretação é considerada o instrumento decisivo do terapeuta. Em sua forma mais simples, envolve tornar consciente que era algo inconsciente. A interpretação é uma declaração explanatória que liga um sentimento, pensamento, comportamento ou sintoma a seu significado ou origem inconsciente. Por exemplo, o terapeuta pode dizer a um paciente que está atrasado: “Talvez a razão de se atrasar seja seu medo de que eu reagisse ao sucesso que você está tendo agora da forma como seu pai reagiu”. Dependendo do ponto na terapia e da prontidão do paciente para ouvi-las, as interpretações podem focalizarse na transferência (como nesse exemplo), em questões de extratransferenciais, na situação passada ou presente do paciente ou em suas resistências ou fantasias. Via de regra, o terapeuta não trata conteúdo inconsciente com interpretação até que o material esteja quase consciente e, portanto, relativamente acessível ao paciente. 2. Confrontação. A próxima intervenção mais expressiva é a confrontação, que trata de alguma coisa que o paciente não quer aceitar ou que identifique sua evitação ou minimização. Uma confrontação pode ser armada para esclarecer como o comportamento do paciente afeta outros ou para fazê-lo refletir sobre um sentimento negado ou suprimido. A confrontação, que deve ser amável, carrega a infeliz conotação na linguagem coloquial de ser agressiva ou áspera. O seguinte exemplo ilustra que essa prática não é, necessariamente, violenta ou hostil. Na última sessão de um processo de terapia de longo prazo, um paciente falava com grandes detalhes sobre problemas no carro que encontrara a caminho da sessão. O terapeuta comentou: “Acho que você prefere falar sobre seu carro a encarar a tristeza que está sentindo em relação à nossa última sessão”. 3. Esclarecimento. Mais afastado ao longo do contínuo de intervenções expressivas a intervenções de apoio, o esclarecimento envolve uma reformulação ou reunião das verbalizações do paciente para transmitir uma visão coerente do que está sendo comunicado. Ele difere da confrontação pela falta do elemento de negação ou minimização. O esclarecimento visa a ajudar o paciente a articular alguma coisa considerada difícil de ser colocada em palavras. 4. Encorajamento a elaborar. Mais próximo do centro do contínuo estão as intervenções que não são em si nem de apoio nem expressivas. Esse ponto pode ser amplamente definido como um pedido de informação sobre um tema levantado pelo paciente. Pode ser uma pergunta aberta, como: “O que lhe vem à mente em relação a isso?” ou um pedido mais específico, como em: “Conte-me mais sobre seu pai”. Essas intervenções costumam ser usadas tanto nos tratamentos mais expressivos como nos mais apoiadores. 5. Validação empática. Esta expressão é uma demonstração da sintonia empática do terapeuta com o estado interior do paciente. Um comentário bastante validador é: “Posso entender por que você se sente deprimido por causa disso” ou “Dói quando se é tratado daquela maneira”. Na visão dos psicólogos do self, a imersão empática na experiência interior do paciente é fundamental, independentemente da localização da terapia no contínuo expressivo/de apoio. Quando os pacientes sentem que o terapeuta entende suas experiências subjetivas, aceitam melhor as interpretações. 6. Conselho e elogio. Esta categoria, na realidade, inclui duas intervenções que estão ligadas pelo fato de que ambas prescrevem e reforçam certas atividades. Conselho envolve sugestões diretas ao paciente em relação a como se comportar; elogio reforça certos comportamentos do paciente expressando aprovação declarada sobre os mesmos. Um exemplo do primeiro é: “Acho que você deveria parar de sair com aquele homem imediatamente”. Um exemplo da segunda é: “Estou muito satisfeito por você ter sido capaz de dizer a ele que não vai mais vê-lo”. Esses comentários estão na extremidade oposta do contínuo de intervenções psicanalíticas tradicionais porque são afastamentos da neutralidade e, em algum grau, comprometem a autonomia do paciente em tomar decisões. 7. Afirmação. Esta intervenção simples envolve comentários sucintos em apoio aos comentários ou comportamentos do paciente, como “Uhhuh” e “Sim, entendo o que quer dizer”. Adaptada de Gabbard GO. Psychodynamic Psychiatry in Clinical Practice. 3rd ed. Washington, DC: American Psychiatric Press, 2000:97.
TABELA 35.1-3 Indicações para ênfase expressiva ou de apoio na psicoterapia Orientada para o insight (expressiva) Forte motivação a entender Sofrimento significativo Capacidade de regredir a serviço do ego Tolerância à frustração Capacidade para insight (disposição psicológica) Teste de realidade intacto Relações objetais significativas Bom controle dos impulsos Capacidade de suportar o trabalho Capacidade de pensar em termos de analogia e metáfora Resposta reflexiva à tentativa de interpretação
De apoio Defeitos de ego significativos de natureza de longo prazo Crise de vida grave Pouca tolerância à frustração Falta de disposição psicológica Teste de realidade pobre Relações objetais gravemente prejudicadas Controle dos impulsos pobre Inteligência baixa Pouca capacidade para auto-observação Disfunção cognitiva de base orgânica Capacidade tênue de formar uma aliança terapêutica
Reimpressa, com permissão, de Gabbard GO. Psychodynamic Psychoterapy in Clinical Practice. 3rd ed. Washington, DC: American Psychiatric Press, 2000:108.
o objetivo de manter um ajustamento que lhes permita funcionar em sociedade. A expressão de emoção é uma parte importante da psicoterapia de apoio, e a verbalização de emoções fortes não-expressadas pode trazer considerável alívio. A verbalização aberta não visa primariamente a adquirir insight dos padrões dinâmicos inconscientes que podem ser respostas atuais intensificadoras. Antes, pode reduzir a tensão e a ansiedade interiores, e a discussão subseqüente pode resultar em insight de um problema atual e em objetividade para avaliá-lo. O relacionamento entre terapeuta e paciente proporciona àquele uma oportunidade de exibir comportamento diferente do comportamento destrutivo ou improdutivo do pai do paciente. Às vezes, tais experiências parecem neutralizar ou reverter alguns efeitos dos erros dos pais. Se o paciente tinha pais autoritários, a atitude amável, flexível, não-crítica, não-autoritária – mas às vezes firme e limitadora – do terapeuta representa uma oportunidade de ajuste, orientação e identificação com uma nova figura parental. Franz Alexander descreveu esse processo como uma experiência emocional corretiva.
EXPERIÊNCIA EMOCIONAL CORRETIVA.
988
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
A Tabela 35.1-3 resume indicações para terapia orientada para o insight (expressiva) versus terapia de apoio. A Tabela 35.1-4 apresenta a psicoterapia de apoio. ENCAMINHAMENTO POR UM MÉDICO NÃOPSIQUIATRA Médicos não-psiquiatras com freqüência tratam pacientes psiquiátricos que podem necessitar de encaminhamento a um psiquiatra para avaliação mais profunda e tratamento que não podem ser fornecidos em um ambiente não-psiquiátrico. Às vezes, esses médicos acreditam que o paciente se beneficiaria de psicoterapia, o qual pode ou não ter um diagnóstico dos Eixos I ou II. A Tabela 35.1-5 expõe alguns aspectos fundamentais envolvidos no encaminhamento efetivo de um paciente para psicoterapia. PROBLEMAS ATUAIS Os planos de saúde impõem cada vez mais pressão aos psiquiatras para que realizem psicoterapia de curto prazo e, teoricamente, de baixo custo. As terapias de curto prazo – promovidas com entusiasmo por companhias de seguro privadas, planos de saúde e diversos programas de residência psiquiátrica – delinearam, de forma bastante explícita, parâmetros sobre o número de sessões, objetivos concretos e critérios de avaliação de resultados. Essas terapias são planejadas de modo que as técnicas envolvidas possam ser aprendidas com rapidez e executadas com a ajuda de manuais de instrução por vários outros profissionais que não psiquiatras. A pressão para desenvolver terapias mais baratas, com menos treinamento intensivo e que demandem menos tempo do que a psicanálise se origina de algumas preocupações legítimas com a acessibilidade de abordagens orientadas para insight tradicionais da psicanálise e da psicoterapia de orientação analítica. Contudo, a pressa em relegar esses tratamentos à periferia parece imprevidente e, em última análise, empobrece o campo da psiquiatria e prejudica aqueles pacientes que respondem apenas a tratamento
TABELA 35.1-4 Psicoterapia de apoio Objetivo Critérios de seleção Duração Técnica
Apoiar teste de realidade Fornecer apoio do ego Manter ou reestabelecer nível usual de funcionamento Paciente muito saudável com crises esmagadoras Paciente com déficits de ego Dias, meses ou anos – conforme necessário Terapia previsivelmente disponível Interpretação usada para fortalecer defesas Terapeuta mantém o trabalho, relacionamento basedo em apoio, preocupação e resolução de problema Sugestão, reforço, conselho, teste de realidade, reestruturação Narrativa de vida psicodinâmica Medicação
Reimpressa, com permissão, de Ursano RJ, Silberman EK. Individual Psychotherapies. In: Talbot JA, Hales RE, Yudofsky SC, eds. The American Psychiatric Press Textbook of Psychiatry. Washington, DC: American Psychiatric Press, 1988:878.
TABELA 35.1-5 Orientações para encaminhamento de paciente É importante exibir confiança e entusiasmo ao fazer um encaminhamento para avaliação psiquiátrica ou psicoterapia. Os pacientes detectarão ambivalência e ceticismo por parte do médico em relação à necessidade de tal tratamento. Em geral, é útil recomendar um psiquiatra ou outro profissional da saúde conhecido pessoalmente pelo médico. Sempre apresente o encaminhamento psiquiátrico como parte do tratamento médico contínuo do paciente. Alguns indivíduos consideram o encaminhamento psiquiátrico como um meio de empurrálos para outro médico ou como uma rejeição. Esses deveriam ser tranqüilizados de que qualquer tratamento psiquiátrico correrá paralelamente ao tratamento médico contínuo. Tenha o nome e o número de telefone de sua fonte de encaminhamento acessível para dar ao paciente. Ligue para o psiquiatra para explicar-lhe a razão e a necessidade para o encaminhamento e que papel você gostaria de continuar desempenhando no tratamento do paciente. Marque a consulta para a avaliação psiquiátrica enquanto o paciente ainda estiver no consultório ou na clínica. Assegure-se de marcar uma consulta de acompanhamento após a data da avaliação psiquiátrica para verificar a reação do paciente ao encaminhamento e sua resposta ao tratamento inicial. Reimpressa, com permissão, de Stoudemire A. Clinical Psychiatry for Medical Students. Philadelphia: JB Lippincott, 1990:457
prolongado. A ênfase em tratamentos validados empiricamente estabeleceu a pesquisa clínica como ensaios randomizados como o padrão ouro para estabelecer se determinada modalidade terapêutica é eficaz ou não. Psiquiatras que adotam tal visão podem agora desconsiderar a eficácia terapêutica de terapias psicanalíticas na ausência de dados que apóiem esse padrão. A dificuldade de conduzir experiências clínicas controladas com psicanálise ou terapia psicanalítica de longo prazo é óbvia. Esse tipo de estudo de longo prazo seria extraordinariamente caro. É evidente que variáveis não-controladas, como eventos da vida, surgimento de transtornos do Eixo I, mudanças de medicação e doença influenciariam o significado dos resultados. A aleatoriedade interferiria na seleção voluntária de tratamento, que é de importância essencial nos tratamentos psicanalíticos. Além disso, seria difícil recrutar um grupo-controle comparável. Apesar dessas dificuldades, pelo menos uma experiência controlada randomizada de pacientes com transtorno da personalidade borderline tratados com psicoterapia psicanalítica em um cenário de hospital parcial demonstrou resultados efetivos. Os pacientes que receberam o tratamento de orientação psicanalítica apresentaram melhoras mais significativas nos sintomas depressivos, no funcionamento social e interpessoal, na necessidade de hospitalização e no comportamento suicida e automutilador do que o grupo-controle que não teve essa intervenção. Questões de gênero na psicoterapia Existem poucos dados sobre a influência do gênero do terapeuta no processo terapêutico. A maioria dos estudos mostra uma correlação mais alta entre a experiência do terapeuta e o resultado da psicoterapia ou a satisfação do paciente com o terapeuta do que
PSICOTERAPIAS
entre o gênero do paciente e o resultado. Em geral, pacientes de médicos mais experientes se saem melhor do que os de médicos menos experientes, independentemente do gênero. Contudo, a literatura sobre o assunto está crescendo. Carol Nadelson salientou que a escolha de um paciente de ser tratado por uma mulher pode representar uma busca pela mãe idealizada, seja o paciente homem ou mulher. Da mesma forma, escolher um terapeuta do sexo masculino pode representar a busca por uma figura paterna. O indivíduo que teve experiências traumáticas com pessoas de um gênero pode querer evitar entrar em um relacionamento terapêutico com alguém que possa evocar tais experiências. Não é incomum, por exemplo, que mulheres que sofreram abuso sexual solicitem uma terapeuta. Mulheres terapeutas têm menos probabilidade de tornarem-se sexualmente envolvidas com seus pacientes do que homens, ainda que isso possa ocorrer. Em uma situação psicanalítica, a análise da transferência é uma questão básica. À medida que o processo analítico se desenvolve, os pacientes podem, muitas vezes, perceber o psicoterapeuta como um membro do sexo oposto: uma mulher pode ver o terapeuta homem como uma figura materna, e um homem pode perceber uma analista como uma figura paterna. Essas percepções inconscientes podem mudar com o avanço da análise. Questões de transferência dessa natureza são analisadas na psicanálise. Em terapias de apoio, distorções transferenciais semelhantes podem ocorrer, mas, se forem discutidas, não serão interpretadas da mesma maneira que na psicanálise. De qualquer forma, é importante observar que os pacientes podem ver os terapeutas como homem ou mulher, independentemente de seu gênero. Quando os pacientes se identificam com seus terapeutas e se baseiam neles como modelos de determinados papéis, como ocorre em muitos casos, identificam-se com os sistemas de valores do terapeuta, não com sua atribuição sexual. Sob circunstâncias ideais, terapeutas do sexo feminino elaboraram estereótipos culturais negativos do papel feminino e, portanto, podem facilitar o mesmo processo em pacientes mulheres e aumentar a consciência de seus pacientes homens em relação a preconceito contra mulheres. ORIENTAÇÕES FUTURAS A psicanálise e a psicoterapia psicanalítica estão enfrentando um grande desafio nessa era de responsabilidade. Para alcançarem credibilidade como tratamentos dentro da psiquiatria, mais ênfase deve ser dada à pesquisa sistemática. Os aspectos característicos dos tratamentos psicanalíticos devem ser definidos com clareza. As indicações e contra-indicações para terapia psicanalítica requerem suporte empírico para validá-las. Psicanalistas e terapeutas psicanalíticos também precisam acostumar-se a definir objetivos de tratamento e a avaliar se o mesmo alcançou ou não tais objetivos. As vantagens de custo-benefício devem ser relativizadas para determinar em que casos o maior custo de terapia psicanalítica extensiva é justificado. Por fim, à medida que nosso entendimento acerca da neurociência aumenta, estudos de imagem demonstrando as alterações cerebrais que acompanham tratamentos psicanalíticos também podem ser úteis para reforçar a credibilidade nesses tratamentos.
989
REFERÊNCIAS Abend SM. Countertransference and psychoalalytic techique. Psychoanal Q. 1989;58:374. Bateman A, Fonagy P. The effectiveness of partial hospitalization in the treatment of borderline personality disorder: a randomized controlled trial. Am J Psychiatry. 1999;156:1563. Bateman A, Fonagy P. Treatment of borderline personality disorder with psychoanalytically oriented partial hospitalization: an 18-month follow-up. Am J Psychiatry. 2001;158:36. Blechner J. Psychoanalysis and HIV disease. Contemp Psychoanal. 1993;29:61. Bowden CL. Implications of psychopharmacological studies for the practice of psychoanalysis. J Am Acad Psychoanal. 1992;20:477. Brenner C. Psychoanalytic Technique and Psychic Conflict. New York: International Universities Press; 1976. Brown SD, Lent RW. Handbook of Counseling Psychology. 3rd ed. New York: John Wiley & Sons; 2000:711. Crastnopol M. Convergence and divergence in the characters of analyst and patient: Fairbairn Guntrip. Psychoanal Psychol 2001; 18: 120. Etchegoyen A. Psychoanalysis of the child: psychic reality of the patient and the analyst. Int J Psychoanal. 1996;77:353. Fenichel O. Problems of psychoanalytic technique. Psychoanal Q. 1941;10:84. Fonagy P. The outcome of psychoanalysis: the hope of a future. Psychologist. 2000;13:620. Freud A. The Ego and Mechanisms of Defense. New York: International Universities Press; 1966. Gabbard GO. Psychodynamic Psychiatry in Clinical Practice: The DSM-IV Edition. Washington, DC: American Psychiatric Press; 1994. Gabbard GO. Countertransference: the emerging common ground. Int J Psychoanal. 1995;76:475. Gabbard GO. Psychoanalysis and psychoanalytic psychotherapy. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000: 2056. Gabbard GO. Overview and commentary. Psychoanal Q. 2001;70:287. Gill MM. Psychoanalysis in Transition: A Personal View. Hillsdale, NJ: Analytic Press; 1994. Gunderson JG, Gabbard GO. Making the case for psychoanalytic therapies in the current psychiatric environment. J Am Psychoanal Assoc. 1999;47:679. Hartmann H. Ego Psychology and the Problem of Adaption. New York: International Universities Press; 1959. Hirsch I. An interpersonal perspective: the analyst’s unwitting participation in the patient’s change. Psychoanal Psychol. 1992;9:299. Holinser PC. A developmental perspective on Psychotherapy and Psychoanalysis. Am J Psychiatry. 1989;146:1494. Jones E. The Life and Work of Sigmund Freud. Vols 1–3. New York: Basic Books; 1953–1957. Kay J, Gabbard GO, Greist J. Is psychoanalytic psychotherapy relevant to the treatment of OCD? J Psychother Pract Res. 1996;5:341. Kernberg OF. Object Relations Therapy and Clinical Psychoanalysis. New York: Aronson; 1976. Kernberg OF. The current status of psychoanalysis. J Am Psychoanal Assoc. 1993;41:45. Klein M. Contributions of Psychoanalysis. London: Hogarth: 1948. Kohut HH. The Analysis of the Self. New York: International Universities Press; 1984. Lazar R. Psychotherapy and psychoanalysis: relations between the two modalities. Contemp Psychoanal. 1996;32:55. Luborsky L. The meaning of empirically supported treatment research for psychoanalytic and other long-term therapies. Psychoanal Dialog. 2001;11:583.
990
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Mahler M. On Human Symbiosis and the Vicissitudes of Individuation. New York: Internation Universities Press; 1968. May R, Angel E, Ellenberger H. Existence: A New Dimension in Psychiatry and Psychology. New York: Basic Books; 1958. Oremland JD. Interactive interventions in psychoanalytic psychotherapy and psychoanalysis: a critical review. Psychoanal Inquiry. 1996;16:67. Reich W. Character Analysis. New York: Touchstone; 1974. Sabo AN, Havens L, eds. The Real World Guide to Psychotherapy Practice. Cambridge, MA: Harvard University Press; 2000:163. Schwaber EA. The conceptualization and communication of clinical facts in psychoanalysis: a discussion. Int J Psychoanal. 1996;77:235. Shafer R. A New Language for Psychoanalysis. New Haven: Yale University Press; 1976. Sullivan HS. Interpersonal Theory of Psychiatry. New York: WW Norton: 1953. Wallerstein RS. Follow-up in psychoanalysis: what happens to treatment gains? J Am Psychoanal Assoc. 1992;40:665. Yorke V. Boundaries, psychic structure, and time. J Anal Psychol. 1993;38:57.
35.2 Psicoterapia breve As psicoterapias breves são um componente importante dos métodos atuais para tratar uma variedade de transtornos mentais. Abordagens de tratamento de curto prazo (também chamadas de psicoterapia de tempo limitado) não apenas ajudam as pessoas a lidarem com problemas e crises atuais, mas também são úteis para transtornos mentais maiores, como depressão, ansiedade e transtorno de estresse pós-traumático, entre outros. Derivadas das teorias psicanalítica e da aprendizagem, essas terapias têm suas próprias técnicas de tratamento e critérios específicos para seleção de pacientes. As mesmas alcançaram enorme popularidade, em parte devido à grande pressão sobre profissionais da saúde para conter os custos de tratamento. Também é mais fácil avaliar a eficácia do tratamento comparando grupos de pessoas que receberam terapia de curto prazo para doença mental com grupos-controle do que medir os resultados de psicoterapia de longo prazo. Em conseqüência, as terapias de curto prazo foram objeto de muita pesquisa, especialmente em medidas de resultado, que as consideraram efetivas. PSICOTERAPIA BREVE História Em 1946, Franz Alexander e Thomas French identificaram a maioria das características básicas da psicoterapia breve. Descreveram uma experiência terapêutica planejada para deixar os pacientes à vontade, para manipular a transferência e para usar as interpretações de forma mais flexível. Enfatizaram o desenvolvimento de uma experiência emocional corretiva capaz de reparar eventos traumáticos do passado e convencer os pacientes de que novas formas de pensamento, sentimento e comportamento são possíveis. Quase na mesma época, Eric Lindemann estabeleceu
um serviço de consulta no Massachusetts General Hospital, em Boston, para pessoas que estavam passando por uma crise. Ele desenvolveu novos métodos de tratamento para lidar com tais situações e, em certos casos, aplicava essas técnicas a pessoas que não se encontravam em crise, mas que estavam submetidas a vários tipos de sofrimento emocional. Desde então, o campo foi influenciado por muitos outros, como David Malan, Michael Balint, na Inglaterra, Peter Sifneos e Myrna Weissman, nos Estados Unidos, e Habib Davanloo, no Canadá. Seu trabalho é discutido a seguir. Tipos Psicoterapia breve focal (Tavistock-Malan). Foi desenvolvida na década de 1950 pela equipe de Balint na Clínica Tavistock, em Londres. Malan, um membro da equipe, relatou os resultados da terapia. Seus critérios de seleção para tratamento incluíam eliminar contra-indicações absolutas, rejeitar pacientes para os quais certos perigos pareciam inevitáveis, avaliar com clareza suas psicopatologias, e determinar suas capacidades de considerar problemas em termos emocionais, encarar material perturbador, responder a interpretações e suportar o estresse do tratamento. Ele verificou que alta motivação quase sempre se correlacionava com um resultado bem-sucedido. As contra-indicações ao tratamento eram graves tentativas de suicídio, dependência de substâncias, abuso crônico de álcool, sintomas obsessivos crônicos incapacitantes, sintomas fóbicos crônicos incapacitantes e atuação destrutiva ou autodestrutiva explícita. Conforme as proposições de Malan, os terapeutas deveriam identificar e interpretar a transferência, inclusive a negativa. Depois, deveriam associar as transferências aos relacionamentos com seus pais. Tanto os pacientes como os terapeutas precisam estar dispostos a se envolverem e a suportarem a tensão resultante. Os terapeutas devem formular um foco circunscrito e estabelecer previamente uma data de término, e os pacientes, elaborar pesar e raiva em relação ao término. Um terapeuta experiente concede cerca de 20 sessões como duração média para a terapia; um estagiário, em torno de 30. O próprio Malan não excedia a 40 entrevistas com seus pacientes. As Tabelas 35.21 e 35.2-2 apresentam as técnicas e os critérios de exclusão de Malan.
REQUISITOS E TÉCNICAS.
TABELA 35.2-1 Malan e o grupo Tavistock: psicoterapia focal breve Objetivo Critérios de seleção
Duração Foco Término
Esclarecer a natureza da defesa, da ansiedade e do impulso Ligar o presente, o passado e a transferência Paciente capaz de pensar em termos de sentimento Alta motivação Boa resposta a uma interpretação de teste Até um ano Em média, 20 sessões Conflito interno presente desde a infância Estabelecer data definida no início do tratamento
Reimpressa, com permissão, de Ursano RJ, Silberman EK. Individual psychotherapies. In: Talbott JA, Hales RE, Yudofsky SC, eds. The American Psychiatric Press Textbook of Psychiatry. Washington, DC: American Psychiatric Press, 1988:861.
PSICOTERAPIAS
TABELA 35.2-2 Malan e os critérios de exclusão do grupo Tavistock para psicoterapia focal breve 1. Paciente inacessível a contato terapêutico 2. Terapeuta antecipa que será necessário trabalho prolongado para • gerar motivação • mobilizar defesas rígidas • lidar com problemas complexos ou arraigados • resolver transferência desfavorável, intensa, dependente ou outra que pode vir a se desenvolver 3. Transtorno depressivo ou psicótico pode intensificar-se Reimpressa, com permissão, de Ursano RJ, Silberman EK. Individual psychotherapies. In: Talbott JA, Hales RE, Yudofsky SC, eds. The American Psychiatric Press Textbook of Psychiatry. Washington, DC: American Psychiatric Press, 1988:861.
Psicoterapia de tempo limitado (Boston UniversityMann). Um modelo psicoterapêutico de exatamente 12 entrevistas focalizando-se em uma questão central definida foi desenvolvido na Boston University por James Mann e seus colaboradores no início da década de 1970. Ao contrário da ênfase de Malan na seleção e nos critérios de exclusão definidos, Mann não foi tão explícito em relação aos candidatos adequados para psicoterapia de tempo limitado. Ele considerava as principais ênfases de sua teoria como sendo a determinação razoavelmente correta do conflito central do paciente e a exploração de crises de amadurecimento de pessoas jovens com muitas queixas psicológicas e somáticas. Suas exceções, como seus critérios de exclusão, incluem pessoas com transtorno depressivo maior que interfere no contrato de tratamento, aquelas com estados psicóticos agudos e pacientes desesperados que necessitam, mas não podem tolerar, relações objetais.
991
TABELA 35.2-3 Mann: psicoterapia de tempo limitado Objetivo Critérios de seleção
Duração Foco Término
Resolução do desconforto e cronicamente suportada e da auto-imagem negativa do paciente Força de ego elevada Capaz de envolver-se e separar-se Terapeuta capaz de logo identificar um problema central Exclui transtorno depressivo maior, psicose aguda e transtorno da personalidade borderline 12 sessões de tratamento Desconforto presente e cronicamente suportado Imagem particular do self Especificar estabelecimento da última sessão no início do tratamento Término é um foco importante do trabalho de terapia
Reimpressa, com permissão, de Ursano RJ, Silberman EK. Individual psychotherapies. In: Talbott JA, Hales RE, Yudofsky SC, eds. The American Psychiatric Press Textbook of Psychiatry. Washington, DC: American Psychiatric Press, 1988:864.
estabelecimento de um foco psicoterapêutico, formulação psicodinâmica dos problemas psicológicos dos pacientes, capacidade de interagir emocionalmente com avaliadores, história de relacionamentos de troca com uma pessoa significativa, capacidade de os pacientes experimentarem e tolerarem ansiedade, culpa e depressão, suas motivações para mudança, suas disposições psicológicas e suas capacidades de responder à interpretação e de associar avaliadores com pessoas no presente e no passado. Tanto Malan quanto Davanloo enfatizavam as respostas dos pacientes à interpretação como um critério de seleção e prognóstico importante.
REQUISITOS E TÉCNICAS. Os requisitos técnicos de Mann incluíam limitação a 12 sessões, transferência positiva predominando cedo, especificação e adesão estrita a uma questão central envolvendo transferência, identificação positiva, tornando a separação um evento maturacional para os pacientes, perspectiva absoluta de término para evitar desenvolvimento de dependência, esclarecimento de experiências e resistências presentes e passadas, terapeuta ativo que apóia e encoraja os pacientes, e educação por meio de informação direta, reeducação e manipulação. Os conflitos prováveis de serem encontrados incluíam independência versus dependência, atividade versus passividade, luto nãoresolvido ou retardado e auto-estima adequada versus inadequada. A Tabela 35.2-3 resume os aspectos da psicoterapia de tempo limitado de Mann.
REQUISITOS E TÉCNICAS. Os destaques da abordagem psicoterapêutica de Davanloo são flexibilidade (os terapeutas devem adaptar a técnica às necessidades dos pacientes), controle das tendências regressivas dos pacientes, intervenção ativa para evitar que esses desenvolvam dependência excessiva do terapeuta e insight intelectual e experiências emocionais dos pacientes na transferência. Essas experiências emocionais tornamse corretivas como resultado da interpretação. A Tabela 35.2-4 apresenta os aspectos da psicoterapia dinâmica de curto prazo de Davanloo.
Psicoterapia dinâmica de curto prazo (McGill-University-Davanloo). Conduzida por Davanloo na McGill-University, a psicoterapia dinâmica de curto prazo engloba quase todas as variedades de psicoterapia breve e intervenção na crise. Os pacientes tratados em seu grupo são classificados como aqueles cujos conflitos psicológicos são predominantemente edípicos aqueles cujos conflitos não são edípicos e aqueles cujos conflitos têm mais de um foco. Davanloo também criou uma técnica psicoterapêutica específica para pacientes com problemas neuróticos graves, duradouros, mais direcionada para aqueles com transtornos obsessivo-compulsivos e fobias incapacitantes. Seus critérios de seleção enfatizam a avaliação das funções do ego de importância primária para o trabalho psicoterapêutico:
Objetivo
TABELA 35.2-4 Davanloo: psicoterapia dinâmica de curto prazo
Critérios de seleção
Duração Término
Resolução de conflito edípico, eliminação do foco ou focos múltiplos Disposição psicológica Pelo menos um relacionamento significativo passado Capaz de tolerar afeto Boa resposta à tentativa de interpretação da transferência Alta motivação Defesas flexíveis Falta de projeção, dissociação e negação De 5 a 40 sessões, em geral de 5 a 25 Durações mais longas para condição grave Sem data específica de término Paciente é informado de que o tratamento será curto
Reimpressa, com permissão, de Ursano RJ, Silberman EK. Individual psychotherapies. In: Talbott JA, Hales RE, Yudofsky SC, eds. The American Psychiatric Press Textbook of Psychiatry. Washington, DC: American Psychiatric Press, 1988:865.
992
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Psicoterapia provocadora de ansiedade de curto prazo (Harvard University-Sifneos). Sifneos desenvolveu a psicoterapia provocadora de ansiedade de curto prazo no Massachusetts General Hospital, em Boston, durante a década de 1950. Ele usou os seguintes critérios para seleção: uma queixa principal definida (sugerindo a capacidade de o paciente selecionar um de uma variedade de problemas para receber total prioridade e seu desejo de resolver o problema no tratamento), um relacionamento significativo ou de troca durante a primeira infância, a capacidade de interagir com flexibilidade com o avaliador e de expressar sentimentos de maneira adequada, sofisticação psicológica acima da média (sugerindo não apenas inteligência superior, mas também capacidade de responder a interpretações), uma formulação psicodinâmica específica (em geral, um conjunto de conflitos psicológicos subjacentes às dificuldades do paciente e centralizados em um foco edípico), um contrato entre terapeuta e paciente para trabalhar no foco específico e a formulação de expectativas mínimas de resultado, além de boa a excelente motivação para mudança, não apenas para alívio dos sintomas. REQUISITOS E TÉCNICAS. O tratamento pode ser dividido em quatro fases principais: encontro paciente-terapeuta, início da terapia, auge do tratamento e evidência de mudança e término. Utilizam-se as seguintes técnicas durante as quatro fases.
Encontro paciente-terapeuta. O terapeuta estabelece uma aliança de trabalho mediante um rápido rapport e sentimentos positivos do paciente em relação ao terapeuta que aparecem nessa fase. O uso criterioso de perguntas abertas e de escolha forçada permite definir e concentrar-se em um foco terapêutico. O terapeuta especifica as expectativas mínimas de resultado a ser alcançado com a terapia. Início da terapia. Na transferência, os sentimentos para com o terapeuta são esclarecidos tão logo aparecem, técnica que leva ao estabelecimento de uma verdadeira aliança terapêutica.
Evidência de mudança e término da psicoterapia. Esta fase atémse à demonstração palpável de mudança no comportamento do paciente fora da terapia, evidência de que padrões de comportamento adaptativos estão sendo usados e início de abordagens sobre a questão do término do tratamento. A Tabela 35.2-5 resume aspectos da psicoterapia provocadora de ansiedade de curto prazo de Sifneos.
Resultado As técnicas compartilhadas de todas as psicoterapias breves descritas aqui superam suas diferenças. Elas compartilham a aliança terapêutica ou a interação dinâmica entre terapeuta e paciente, o uso de transferência, a interpretação ativa de um foco terapêutico ou aspecto central, as ligações repetitivas entre questões relacionadas com os pais e transferenciais e o término precoce da terapia. Os resultados desses tratamentos breves foram investigados de forma mais extensiva do que qualquer outra intervenção. Contrário às idéias correntes de que os fatores terapêuticos na psicoterapia não são específicos, estudos controlados e outros métodos de avaliação (p. ex., entrevistas com avaliadores imparciais, autoavaliações de pacientes) salientam a importância das técnicas específicas utilizadas. A capacidade para recuperação genuína em certos pacientes é muito maior do que se pensava. Alguns realizando psicoterapia breve podem se beneficiar bastante com uma elaboração prática de seu conflito nuclear na transferência. Esses podem ser reconhecidos antecipadamente por meio de um processo de interação dinâmica, porque são responsivos, motivados e capazes de encarar sentimentos perturbadores e porque um foco circunscrito pode ser formulado para eles. Quanto mais radical a técnica em termos de transferência, profundidade da interpretação e da ligação com a infância, mais radicais serão os efeitos terapêuticos. Para alguns pacientes perturbados, um foco parcial escolhido com cuidado pode ser terapeuticamente efetivo. PSICOTERAPIA INTERPESSOAL
Auge do tratamento. Esta fase enfatiza concentração ativa nos
conflitos edípicos que foram escolhidos como foco terapêutico para a terapia; uso repetido de perguntas e confrontações provocadoras de ansiedade; evitação de questões caracterológicas prégenitais, que o paciente usa de forma defensiva para evitar lidar com as técnicas provocadoras de ansiedade; evitação de todos os custos de uma neurose de transferência; demonstração repetitiva das formas neuróticas ou padrões de comportamento mal-adaptativos do paciente; concentração no material carregado de ansiedade, mesmo antes dos mecanismos de defesa terem sido esclarecidos; demonstrações repetidas de ligações de transferência com o pai pelo uso de interpretações no momento adequado com base no material oferecido pelo paciente; estabelecimento de uma experiência emocional corretiva; encorajamento e apoio do paciente, que fica ansioso enquanto tenta entender os conflitos; novos padrões de aprendizagem e resolução de problema; e apresentações e recapitulações repetidas das psicodinâmicas até que os mecanismos de defesa usados para lidar com conflitos edípicos sejam entendidos.
A psicoterapia interpessoal (TIP), um tratamento de tempo limitado para transtorno depressivo maior, foi desenvolvida na déca-
TABELA 35.2-5 Psicoterapia provocadora de ansiedade de curto prazo Objetivo Critérios de seleção
Duração Foco Término
Resolução de conflito edípico Inteligência acima da média Pelo menos um relacionamento significativo passado Alta motivação Queixa principal específica Capaz de interagir com o avaliador Capaz de expressar sentimentos Flexível Poucos meses Em média, 12 a 16 sessões Confito edípico (triangular) Sem data específica determinada
Reimpressa, com permissão, de Ursano RJ, Silberman EK. Individual psychotherapies. In: Talbott JA, Hales RE, Yudofsky SC, eds. The American Psychiatric Press Textbook of Psychiatry. Washington, DC: American Psychiatric Press, 1988:863.
PSICOTERAPIAS
da de 1970, definida em um manual e testada em ensaios clínicos randomizados por Gerald L. Klerman e Myrna Weissman. Com base nas idéias de Harry Stack Sullivan e da escola interpessoal, a técnica tende a lidar com relacionamentos interpessoais atuais, e não passados, focalizando-se no contexto social imediato do paciente. Tenta intervir na formação do sintoma e da disfunção social associados à depressão (Tab. 35.2-6). Além disso, pressupõe uma associação entre o início de transtornos do humor (e talvez de outros transtornos psiquiátricos) e o contexto interpessoal em que ocorrem. Requisitos e técnicas Como tratamento de curto prazo para depressão, a TIP consiste de três fases. A primeira em geral dura de 1 a 3 sessões. Seus objetivos são obter a história psiquiátrica, estabelecer um diagnóstico e introduzir a estrutura para tratamento. A história psiquiátrica explora o funcionamento social corrente. Atenção particular é dada à obtenção de informação extensiva sobre eventos interpessoais que podem ter precipitado o episódio depressivo. Os relacionamentos interpessoais significativos atuais e passados do paciente, incluindo a família de origem, amizades e relações na comunidade, também são revistos durante essa etapa. Os dados reunidos a partir dessa revisão são usados para identificar uma de quatro áreas de problema que guiarão a terapia: luto não-resolvido, conflitos envolvendo papéis sociais, transições de papel social e déficits interpessoais. O diagnóstico psiquiátrico é feito com base em critérios padronizados. As decisões sobre o uso concomitante de medicação baseiam-se na gravidade dos sintomas, na resposta passada a intervenções e na preferência do paciente. Este é colocado no papel de doente; o terapeuta discute de maneira explícita o diagnóstico de depressão e os sintomas que a acompanham e explica o que se pode esperar do tratamento. A síndrome depressiva é então relacionada ao tema interpessoal principal do paciente, o qual, por sua vez, é relacionado a seu início. A fase intermediária do tratamento é dirigida à resolução do aspecto problemático. Objetivos e estratégias específicos são usados para cada uma das quatro áreas. Para um paciente cuja principal área problemática é o luto não-resolvido, os objetivos do tratamento são facilitar o processo de luto e ajudá-lo a encontrar novas atividades e relacionamentos para compensar a perda. No
TABELA 35.2-6 Psicoterapia interpessoal Objetivo Critérios de seleção Duração Técnica
Melhora das habilidades interpessoais correntes Paciente ambulatorial, transtorno não-bipolar, transtorno depressivo não-psicótico 12 a 16 semanas, em geral encontros semanais Reafirmação Esclarecimento de estados de sentimento Melhora das comunicações interpessoais Percepções de testagem Desenvolvimento de habilidades interpessoais Medicação
Reimpressa, com permissão, de Ursano RJ, Silberman EK. Individual psychotherapies. In: Talbott JA, Hales RE, Yudofsky SC, eds. The American Psychiatric Press Textbook of Psychiatry. Washington, DC: American Psychiatric Press, 1988:868.
993
tratamento de conflitos envolvendo papéis interpessoais, o conflito é identificado, um plano de ação é escolhido, e uma resolução satisfatória é buscada pela modificação de expectativas ou melhora da comunicação. Se a resolução for impossível, os pacientes são encorajados a considerar o término desse plano de ação em favor de encontrar outros melhores. Para depressão associada com transições de papel, o indivíduo é ajudado a lamentar e a aceitar a perda do antigo papel. Os esforços são dirigidos para ajudá-lo a considerar o novo papel como mais positivo do que o antigo. A auto-estima é aumentada com o foco nas habilidades dominadas na aprendizagem do novo papel. Por fim, quando déficits interpessoais são o tema central, o terapeuta encoraja o paciente a estabelecer relacionamentos e a diminuir o isolamento social. Cada sessão inicia com a pergunta: “Como foram as coisas desde nosso último encontro?” para focalizar os estados de humor correntes e sua associação com interações recentes. As técnicas básicas para lidar com cada área de problema são esclarecer estados de sentimento positivos e negativos, identificar modelos passados para relacionamentos e orientar e encorajar o paciente a examinar e escolher planos alternativos de ação. A TIP foi empregada em uma variedade de populações deprimidas: geriátricas, adolescentes, infectados por vírus da imunodeficiência humana (HIV), pacientes de transtorno distímico, transtorno bipolar e deprimidos com problemas conjugais. Ela também foi uma opção para condições psiquiátricas sem relação com o humor, como abuso de substâncias e bulimia nervosa. A. é vice-presidente de uma empresa bem-sucedida, tem 29 anos e nunca se casou. Apresentou-se com uma história de nove meses de depressão complicada por ataques de pânico. Ela descreveu seu envolvimento em um relacionamento com seu superior no trabalho, que ambos desejavam, mas que a política de trabalho proibia. Seus sintomas surgiram sob a pressão que sentia para resolver essa situação, para a qual não via nenhuma saída. Nem ela nem seu namorado, Bob, queriam deixar seus empregos e tampouco terminar o relacionamento. Contudo, a exposição do segredo ameaçava suas carreiras. Nesse contexto, a paciente desenvolveu o espectro total de sintomas de transtorno depressivo maior, com um escore de 28 na Escala de Depressão de Hamilton, incluindo ataques de pânico intermitentes e ideação suicida sem tentativas. Seu trabalho e seu humor foram afetados. Ela apresentava uma história familiar de depressão e alcoolismo, mas não tinha sintomas anteriores, e não bebia. Submeteu-se à psicoterapia psicodinâmica duas vezes por semana por dois anos, começando após o rompimento de um relacionamento anterior. Ela achava que essa terapia tinha aumentado seu autoconhecimento, mas não tinha atenuado os sintomas. A. havia considerado tomar medicação antidepressiva, mas desistira, sentindo que isso não resolveria seu dilema. Embora bastante deprimida, logo concordou que estava em um episódio depressivo e foi capaz de relacionálo com sua situação interpessoal. Isso tinha alguns aspectos de uma transição de papel – uma mudança em seus papéis social e profissional – mas era melhor caracteriza-
994
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
do como um conflito de papéis com Bob: o que ela queria que ocorresse e de que opções dispunha para negociar sua ocorrência? Um limite de tempo de 12 semanas foi estabelecido para o tratamento. O terapeuta interpessoal concentrou-se em ajudá-la a explorar várias opções. Ela desenvolveu um currículo e procurou um recrutador de executivos para buscar novas possibilidades de emprego, embora estivesse ambivalente em deixar seu cargo bem-remunerado e promissor. A interpretação de papel ajudou-a a discutir a situação e suas possibilidades com o namorado. Encontros subseqüentes com Bob definiram melhor a natureza de suas concordâncias e diferenças. Simplesmente definir o problema e mobilizar a paciente à ação construtiva melhorou seu humor e produziu maior sensação de domínio da situação. A TIP também possibilitou o desenvolvimento de habilidades interpessoais; ainda que fosse bastante assertiva em seu papel profissional, ela era muito mais dócil e submissa em seus relacionamentos pessoais, um problema que surgiu na revisão do levantamento de envolvimento interpessoais anteriores. Os sintomas depressivos foram diminuindo, mas o momento decisivo veio na sexta semana de psicoterapia, quando, após considerável exploração e interpretação de papel na terapia, ela disse ao namorado que tinha decidido que não podia abrir mão de seu emprego; ou teriam que terminar o relacionamento ou ele teria de sair. Em princípio, ele disse que o trabalho vinha em primeiro lugar. No entanto, alguns dias mais tarde, retratou-se, dizendo o quanto a amava e que tentaria encontrar um novo emprego. Os sintomas de A. desapareceram. Logo em seguida, uma grande oportunidade surgiu para ela, na verdade dando-lhe uma promoção em uma companhia diferente, relacionada, e permitindo que o relacionamento continuasse abertamente. Ela atribuiu a melhora sintomática à sua nova posição firme, não à mudança de trabalho. Em seis meses de acompanhamento, permaneceu eutímica sem ataques de pânico e sentia que estava se saindo bem em um relacionamento que estava avançando de forma mais tranqüila do que os anteriores. (Cortesia de Myrna M. Weissman, M.D. e John C. Markowitz, Ph.D.)
REFERÊNCIAS Barber JP, Foltz C. Issues in research on short-term dynamic psychotherapy. Clin Psychol Rev. 1999;19: 659. Brom D, Kleber RJ, Defares PB. Brief psychotherapy for posttraumatic stress disorders. J Consult Clin Psychol. 1989;57:607. Corcoran J, Roberts AR. Research on crisis intervention and recommendations for future research. In: Roberts AR, ed. Crisis Intervention Handbook. Assesment, Treatment, and Research. 2nd ed. New York: Oxford University Press; 2000:453. Davanloo H. Basic Principles and Technique of Short Term Dynamic Psychotherapy. New York: Spectrum; 1978. Everly GS Jr, Flannery RB Jr, Mitchell JT. Critical incident stress management (CISM): a review of the literature. Aggress Violent Behav. 2000;5:23. France K. Crisis Intervention: A Handbook of Immediate Person-to-Person Help. 4th ed. Springfield, IL: Charles C Thomas; 2002. Gingerich WJ, Eisengart S. Fam Process. 2000;39:477. Gustafson JP. The field of brief psychotherapy. In: Sabo AN, Havens L, eds. The Real World Guide to Psychotherapy Practice. Cambridge, MA: Harvard University Press; 2000:214. Hughes KH, Ashby C. Essential components of the short-term psychiatric unit. Perspect Psychiatr Care. 1996;32:20. Mann J. Time Limited Psychotherapy. Cambridge, MA: Harvard University Press; 1973. Sifneos PE. Short-Term Dynamic Psychotherapy Evaluation and Technique. 2nd ed. New York: Plenum; 1987. Swenson CR, Torrey WC, Koerner K. Implementing dialectical behavior therapy. Psychiatr Serv. 2002;53:171. Ursano RJ, Norwood AE. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2187. Wiborg IM, Dahl AA. Does brief dynamic psychotherapy reduce the relapse rate of panic disorder? Arch Gen Psychiatry. 1996;53:689.
35.3 Psicoterapia de grupo, psicoterapias individual e de grupo combinadas e psicodrama PSICOTERAPIA DE GRUPO
Resultados A eficácia da TIP para o tratamento de depressão aguda foi demonstrada em diversos ensaios clínicos randomizados. Em um estudo, foi comparável à imipramina em pacientes deprimidos, e o tratamento combinado de TIP foi melhor do que qualquer um sozinho. Essa intervenção também melhora relacionamentos interpessoais e funcionamento social, que não são tratados na abordagem psicofarmacológica. Experiências estão sendo realizadas com outros transtornos depressivos, como distimia, depressão pósparto, transtornos da alimentação e transtorno da personalidade borderline. A TIP não foi eficaz em comparação com tratamentopadrão para pacientes dependentes de opióide e cocaína. A manutenção mensal com essa técnica preveniu com sucesso recorrências de episódios depressivos em alguns pacientes.
Psicoterapia de grupo é um tratamento no qual pessoas selecionadas de forma criteriosa que estão emocionalmente doentes reúnem-se em um grupo conduzido por um terapeuta treinado e ajudam-se a efetuar mudanças de personalidade. Utilizando uma variedade de manobras técnicas e construtos teóricos, o líder orienta as interações dos membros para realizar as mudanças. A técnica inclui o espectro teórico das terapias na psiquiatria: de apoio, estruturada, de estabelecimento de limites (p. ex., com pessoas cronicamente psicóticas), cognitivo-comportamental, interpessoal, familiar e de orientação analítica. Em comparação com terapias individuais, duas das principais forças da terapia de grupo são a oportunidade para feedback imediato dos demais participantes e a chance de se observar as respostas psicológicas, emocionais e comportamentais do paciente a uma variedade de pessoas, que evocam
PSICOTERAPIAS
muitas transferências. A Tabela 35.3-1 resume alguns dos aspectos fundamentais das terapias de grupo. Classificação A terapia de grupo no momento tem muitas abordagens. Alguns clínicos trabalham dentro de uma estrutura de referência psicanalítica. Outros utilizam técnicas como terapia de grupo transacional, que foi criada por Eric Berne e enfatiza as interações do aqui e agora entre membros do grupo; terapia de grupo comportamental, que conta com técnicas de condicionamento baseadas na teoria da aprendizagem; terapia de grupo Gestalt, que foi criada a partir das teorias de Frederick Perls e permite que os pacientes se expressem em sua totalidade; e psicoterapia de grupo centrada no cliente, desenvolvida por Carl Rogers, que se baseia na expressão não-crítica de sentimentos entre membros do grupo. A Tabela 35.32 apresenta as principais abordagens da psicoterapia de grupo. Seleção do paciente Para determinar a adequação de um paciente para psicoterapia de grupo, o terapeuta necessita de muita informação, que é obtida em uma entrevista de triagem. Deve-se obter a história psiquiátrica e realizar um exame do estado mental para inteirar-se de certas informações dinâmicas, comportamentais e diagnósticas. A Tabela 35.3-3 relaciona os critérios gerais para a seleção de pacientes para terapia de grupo. Ansiedade em relação à autoridade. Aqueles pacientes cujo problema primário é seu relacionamento com autoridades e que são muito ansiosos na presença de figuras de autoridade podem ter bons resultados com terapia de grupo, porque se sentem mais à vontade em um grupo. No entanto, têm a probabilidade de se saírem melhor em um grupo do que em um ambiente com duas pessoas. Aqueles com muita ansiedade em relação a autoridades podem ficar bloqueados, ansiosos, resistentes e relutantes em verbalizar pensamentos e
TABELA 35.3-1 Terapias de grupo Objetivo Seleção
Tipos
Duração
Alívio de sintomas Mudar relações interpessoais Alterar dinâmicas específicas de família-casal Varia bastante conforme o tipo de grupo Grupos homogêneos visando a transtornos específicos Em especial, adolescentes e pacientes com transtornos da personalidade podem ser beneficiados Famílias e casais em que o sistema necessita de mudança Contra-indicações: risco de suicídio substancial, atuação sadomasoquista na família ou na relação de casal Psicoterapia de grupo diretiva-apoiadora Psicoterapia de grupo psicodinâmica-interpessoal Psicoterapia de grupo psicanalítica Terapia familiar Terapia de casais De semanas a anos; tempo limitado e sem término definido da terapia
Reimpressa, com permissão, de Stoudemire A. Clinical Psychiatry for Medical Students. Philadelphia: JB Lippincott, 1990:449.
995
sentimentos em uma situação particular, muitas vezes por medo de censura ou desaprovação do terapeuta. Portanto, podem receber bem a sugestão de psicoterapia de grupo para evitar a fiscalização da situação de dupla. Ao contrário, se o paciente reage de forma negativa à sugestão de psicoterapia de grupo ou resiste abertamente à idéia, o terapeuta deve considerar a possibilidade de que haja alta ansiedade em relação aos demais participantes. B. foi encaminhada para tratamento de grupo após sua quinta grave tentativa de suicídio; cada uma delas tinha ocorrido durante a ausência do terapeuta individual. Ela veio para o grupo com muita relutância, com medo de ser deixada de lado e abandonada. A paciente percebia o líder do grupo com muita desconfiança, mas encontrou três membros do grupo que podiam empatizar com sua situação e que também tinham sofrido incidentes autodestrutivos semelhantes e seriam capazes de ajudá-la a mudar. Sua presença no grupo foi tempestuosa e combativa durante anos, mas logo se tornou uma forte defensora do tratamento de grupo. É importante observar que ela nunca foi hospitalizada após juntar-se ao grupo. Pois concluiu seu trabalho individual e permaneceu no grupo com a total concordância de ambos os terapeutas. (Cortesia de Anne Alonso, Ph.D.) Ansiedade em relação a colegas. Pacientes com condições como transtornos da personalidade borderline e esquizóide que têm relacionamentos destrutivos com seus grupos de colegas ou que foram extremamente isolados desse contato interpessoal em geral reagem de forma negativa ou ansiosa quando colocados em uma situação de grupo. Quando podem elaborar suas ansiedades, entretanto, a terapia de grupo pode ser benéfica. Diagnóstico. O diagnóstico dos transtornos é importante para determinar a melhor abordagem terapêutica e para avaliar as motivações dos pacientes para tratamento, capacidades para mudança e forças e fraquezas de estrutura de personalidade. Há poucas contra-indicações à terapia de grupo. Pessoas anti-sociais muitas vezes não se saem bem em um grupo heterogêneo, porque não conseguem aderir a seus padrões; mas se o grupo é composto de outros pacientes anti-sociais, podem responder melhor a seus colegas do que a figuras de autoridade percebidas. Pacientes deprimidos lucram com a terapia de grupo após terem estabelecido um relacionamento de confiança com o terapeuta. Os que são ativamente suicidas ou muito deprimidos não devem ser tratados somente em uma situação de grupo. Muitos podem ter episódios de perda de controle, mas, uma vez sob controle farmacológico, obtêm sucesso na situação de grupo. Aqueles que são delirantes e que podem incorporar o grupo em seu sistema delirante devem ser excluídos, assim como os que constituem uma ameaça física a outros membros devido a acessos agressivos incontroláveis. Preparação Pacientes preparados por um terapeuta para a experiência de grupo tendem a continuar o tratamento por mais tempo e a relatar menos ansiedade inicial do que aqueles que não estão prepara-
996
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 35.3-2 Comparação de tipos de psicoterapia de grupo
Parâmetros
Terapia de grupo de apoio
Freqüência
Uma vez por semana
Duração Indicações primárias
Até seis meses Transtornos psicóticos e de ansiedade
Entrevista de triagem individual Conteúdo da comunicação
Geralmente
Transferência
Transferência positiva encorajada para promover melhor funcionamento Não analisados
Sonhos
Em especial, fatores ambientais
Dependência
Dependência intragrupo encorajada; membros apóiamse no líder
Atividade do terapeuta
Fortalecer defesas existentes, ativo, dá conselho
Interpretação
Sem interpretação de conflito inconsciente
Principais processos de grupo Socialização fora do grupo Objetivos
Universalização, teste de realidade Encorajada Melhor adaptação ao ambiente
Terapia de grupo de orientação analítica
Psicanálise de grupos
Terapia de grupo transacional
Terapia de grupo comportamental
De 1 a 3 vezes por semana De 1 a 3 anos ou mais Transtornos de ansiedade, estados borderline, transtornos da personalidade Sempre
De 1 a 5 vezes por semana De 1 a 3 anos ou mais Transtornos de ansiedade, transtornos da personalidade
De 1 a 3 vezes por semana De 1 a 3 anos Ansiedade e transtornos psicóticos
De 1 a 3 vezes por semana Até seis meses Fobias, passividade, problemas sexuais
Sempre
Geralmente
Geralmente
Situações de vida presentes e passadas, relacionamentos intragrupo e extragrupo Transferência positiva e negativa evocada e analisada
Em especial, experiências de vida passadas, relacionamentos intragrupo Neurose de transferência evocada e analisada
Sintomas específicos sem foco na causalidade
Analisados com freqüência Dependência intragrupo encorajada; dependência no líder variável
Sempre analisados e encorajados Dependência intragrupo não encorajada; dependência do líder variável Desafiar defesas, passivo, não dar conselho ou resposta pessoal Interpretação de conflitos inconscientes extensiva
Em especial, relacionamentos intragrupo; raramente, história; aqui e agora enfatizado Relacionamentos positivos encorajados, sentimentos negativos analisados Quase não são analisados Dependência intragrupo encorajada; dependência no líder não desencorajada Desafiar defesas, ativo, dar resposta pessoal em vez de conselho Interpretação de padrões comportamentais correntes no aqui e agora Ab-reação, teste de realidade Variável
Desencorajada
Alteração de comportamento pelo mecanismo de controle consciente
Alívio de sintomas psiquiátricos específicos
Desafiar defesas, ativo, dar conselho ou resposta pessoal Interpretação de conflitos inconscientes Coesão, transferência, teste de realidade Em geral, desencorajada Reconstrução moderada de dinâmicas de personalidade
TABELA 35.3-3 Critérios gerais de inclusão na terapia de grupo Critérios de inclusão Capacidade de realizar a tarefa do grupo Áreas de problema compatíveis com objetivos do grupo Motivação para mudança Critérios de exclusão Incompatibilidade acentuada com normas do grupo para comportamento aceitável Incapacidade de tolerar situações de grupo Incompatibilidade grave com um ou mais dos outros membros Tendência a assumir papel desviante Reimpressa com permissão de Vinogradov S, Yalom ID. Group therapy. In: Talbott JA, Hales RE, Yudofsky SC, eds. The Americam Psychiatric Press Textbook of Psychiatry. Washington, DC. American Psychiatric Press, 1988:956.
Transferência, ventilação, catarse, teste de realidade Desencorajada Reconstrução extensiva de dinâmicas de personalidade
Relacionamentos positivos encorajados, sem exame da transferência Não são utilizados Dependência intragrupo não encorajada; alto apoio no líder Criar novas defesas, ativo e diretivo
Não é utilizada
Coesão, reforço, condicionamento
dos. A abordagem consiste em explicar o procedimento com o máximo de detalhes possível e responder as perguntas do paciente antes da primeira sessão. Organização estrutural A Tabela 35.3-4 resume algumas das tarefas essenciais que o terapeuta deve enfrentar ao organizar um grupo. Tamanho. A terapia de grupo tem sido bem-sucedida com apenas três ou até 15 membros, mas a maioria dos terapeutas consi-
PSICOTERAPIAS
TABELA 35.3-4 Tarefas básicas do terapeuta na terapia de grupo 1. Decisão de estabelecer um grupo de terapia: Determinar local e tamanho do grupo Escolher freqüência e duração das sessões Decidir sobre grupo aberto versus fechado Selecionar um co-terapeuta Formular política sobre terapia de grupo com outras modalidades terapêuticas 2. Ato de criar um grupo de terapia: Formular objetivos adequados Selecionar pacientes que possam realizar a tarefa do grupo Preparar os pacientes para a terapia 3. Construção e manutenção de um ambiente terapêutico: Estabelecer a cultura do grupo explícita e implicitamente, identificar e resolver problemas comuns (rotatividade de membros, subgrupos, conflito) Reimpressa, com permissão, de Vinogradov S, Yalom ID. Group therapy. In: Talbott JA, Hales RE, Yudofsky SC, eds. The Americam Psychiatric Press Textbook of Psychiatry. Washington, DC. American Psychiatric Press, 1988:964.
dera 8 a 10 membros o número ideal. Pode haver interação insuficiente com menos membros, a não ser que sejam especialmente verbais, e com mais de 10 membros a interação pode ser muito grande e dificultar o acompanhamento. Freqüência e duração das sessões. A maioria dos psicoterapeutas de grupo conduz as sessões uma vez por semana. Manter a continuidade das mesmas é importante. Quando há sessões alternadas, o grupo encontra-se duas vezes por semana, uma com e outra sem o terapeuta. Duram, em média, de 1 a 2 horas, mas o limite de tempo deveria ser constante. Maratonas de grupo foram muito populares na década de 1970, mas hoje nem tanto. Na terapia de tempo estendido (terapia de maratona de grupo), os membros se reúnem por 12 a 72 horas. A proximidade interacional forçada e, durante sessões de tempo estendido mais longas, a privação de sono rompem certas defesas do ego, liberam processos afetivos e, em tese, promovem comunicação aberta. Essas práticas, entretanto, podem ser perigosas para pacientes com estruturas de ego fracas, como pessoas com esquizofrenia ou transtorno da personalidade borderline. Grupos homogêneos versus heterogêneos. A maioria dos terapeutas acredita que os grupos deveriam ser os mais heterogêneos possíveis para assegurar interação máxima. Membros com categorias diagnósticas diferentes e padrões comportamentais variados, de todas as raças, níveis sociais e antecedentes educacionais e de diversas idades e ambos os sexos podem ser reunidos. Pacientes entre 20 e 65 anos podem ser incluídos de forma efetiva no mesmo grupo. Diferenças de idade ajudam a desenvolver modelos de pai-filho e irmão-irmã, e os paciente têm a oportunidade de reviver e retificar dificuldades interpessoais que podem ter parecido insuperáveis. Tanto crianças como adolescentes são melhor tratados em grupos compostos principalmente de pessoas de sua própria faixa etária. Alguns adolescentes são capazes de assimilar o material de um grupo adulto, independentemente de conteúdo, mas não deveriam ser privados de uma experiência com colegas construtiva que, de outro modo, poderiam não ter.
997
Grupos abertos versus fechados. Os grupos fechados têm número e composição de pacientes estabelecidos. Se membros saem, não são aceitos novos. Em grupos abertos, a associação é mais fluida, e novos membros são aceitos sempre que os antigos saem. Mecanismos Formação do grupo. Cada paciente aborda a terapia de grupo de maneira diferente, e, neste sentido, os grupos são microcosmos. Os pacientes usam capacidades adaptativas, mecanismos de defesa e formas de relacionamento típicos, e quando essas táticas são refletidas de volta para eles pelo grupo, aprendem a ser introspectivos em relação a seu funcionamento de personalidade. Um processo básico na formação do grupo requer que os pacientes suspendam suas formas prévias de lidar com as situações. Ao entrarem no grupo, permitem que suas funções de ego – teste de realidade, adaptação e domínio do ambiente e percepção – sejam percebidas em algum grau pela avaliação coletiva fornecida por todos os membros, incluindo o líder. Fatores terapêuticos. A Tabela 35.3-5 resume 20 fatores terapêuticos significativos que respondem por mudança na psicoterapia de grupo. A Tabela 35.3-6 apresenta as forças que moldam a aprendizagem e as mudança secundárias à natureza do grupo como um microcosmo social. Papel do terapeuta Ainda que as opiniões sejam divergentes em relação a quanto o terapeuta de grupo deveria ser ativo ou passivo, o consenso é que seu papel fundamental é o de facilitador. De maneira ideal, os próprios membros do grupo são a fonte primária de cura e mudança. O clima produzido pela personalidade do terapeuta é um agente potente de mudança. Ele é mais do que um especialista que aplica técnicas; exerce uma influência pessoal que introduz variáveis como empatia, afeto e respeito. Psicoterapia de grupo de pacientes hospitalizados A terapia de grupo é uma parte importante de experiências terapêuticas de pacientes hospitalizados. Os grupos podem ser organizados de muitas maneiras em uma enfermaria. Em um encontro da comunidade, um unidade inteira de pacientes hospitalizados reúne-se com todos os membros da equipe (p. ex., psiquiatras, psicólogos e enfermeiros). Em encontros de equipe, 15 a 20 pacientes e membros da equipe se reúnem; um grupo regular ou pequeno, composto de 8 a 10 pacientes, pode encontrar-se com um ou dois terapeutas, como na terapia de grupo tradicional. Apesar de os objetivos de cada grupo variarem, todos eles têm propósitos comuns: aumentar a consciência dos pacientes de si mesmos por meio de suas interações com os demais membros do grupo, que fornecem feedback sobre
998
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 35.3-5 Vinte fatores terapêuticos na psicoterapia de grupo Fator
Definição
Ab-reação
Processo pelo qual o material reprimido, em particular uma experiência ou conflito doloroso, é trazido de volta à consciência. No processo, a pessoa não apenas recorda, mas revive o material, que é acompanhado pela resposta emocional adequada; insight costuma resultar da experiência. Sentimento de ser aceito por outros membros do grupo; diferenças de opinião são toleradas, e não há censura. Ato de um membro ajudar outro; pôr as necessidades de outra pessoa antes das próprias e aprender que há valor em dar aos outros. O termo foi criado por Auguste Comte (1798-1857), e Sigmund Freud acreditava que esse era um fator importante no estabelecimento de coesão de grupo e de sentimento de comunidade. Expressão de idéias, pensamentos e material suprimido que é acompanhada por uma resposta emocional que produz um estado de alívio no paciente. Senso de que o grupo está trabalhando junto para um objetivo comum; também referido como um senso de “unidade grupal”; considerado o fator mais importante relacionado a efeitos terapêuticos positivos. Confirmação da realidade pela comparação das próprias conceitualizações com aquelas de outros membros do grupo; distorções interpessoais são, desse modo, corrigidas. O termo foi introduzido por Harry Stack Sullivan; Trigant Burrow usou a expressão “observação consensual” para referir-se ao mesmo fenômeno. Processo no qual a expressão de emoção por um membro estimula a consciência de uma emoção semelhante em outro membro. O grupo recria a família de origem para alguns membros que podem elaborar conflitos originais psicologicamente através de interação de grupo (p. ex., rivalidade de irmãos, raiva contra os pais). Capacidade de um membro colocar-se na estrutura de referência psicológica de outro membro e, assim, entender seu pensamento, sentimento ou comportamento. Mecanismo de defesa inconsciente no qual a pessoa incorpora as características e as qualidades de outra pessoa ou objeto em seu sistema de ego. Imitação ou modelagem consciente do próprio comportamento à maneira do comportamento de outra pessoa (também chamado modelagem de papel); conhecido como terapia de espectador, na medida em que um paciente aprende com outro. Consciência e entendimento das próprias psicodinâmicas e sintomas de comportamento mal-adaptativo. A maioria dos terapeutas diferencia dois tipos: (1) insight intelectual – entendimento e consciência sem quaisquer mudanças no comportamento mal-adaptativo; (2) insight emocional – consciência e entendimento levando a mudanças positivas na personalidade e no comportamento. Processo de partilhar um senso de otimismo com membros do grupo; capacidade da pessoa em reconhecer que tem competência para superar problemas; também conhecido como instilação de esperança. Troca livre e aberta de idéias e sentimentos entre membros do grupo; a interação efetiva é emocionalmente carregada. Processo durante o qual o líder do grupo formula o significado ou a importância da resistência, das defesas e dos símbolos; o resultado é que o paciente dispõe de uma estrutura cognitiva a partir da qual entende seu comportamento. Os pacientes adquirem conhecimento sobre novas áreas, como habilidades sociais e comportamento sexual; recebem conselho, obtêm orientação e tentam influenciar e são influenciados por outros membros do grupo. Capacidade de a pessoa avaliar de forma objetiva o mundo fora de si mesma; inclui a capacidade de perceber a si e aos outros membros do grupo de maneira correta. Ver também Validação consensual. Projeção de sentimentos, pensamentos e desejos no terapeuta, que passa a representar um objeto do passado do paciente. Tais reações, ainda que talvez adequadas para a condição predominante na vida anterior do paciente, são inadequadas e anacrônicas quando aplicadas ao terapeuta no presente. Pacientes no grupo também podem dirigir tais sentimentos uns aos outros, processo chamado de transferências múltiplas. Consciência do paciente de que não é só ele que tem problemas; outros compartilham queixas semelhantes ou dificuldades em aprender; o paciente não é único. Expressão de sentimentos suprimidos, idéias ou eventos a outros membros do grupo; partilha de segredos pessoais que melhora o senso de pecado ou culpa (também chamada de auto-revelação).
Aceitação Altruísmo Aprendizagem Catarse Coesão Contágio Definição Empatia Experiência familiar corretiva Identificação Imitação
Insight Inspiração Interação Interpretação Teste de realidade Transferência Universalização Validação consensual Ventilação
seu comportamento, proporcionar melhores habilidades interpessoais e sociais, ajudá-los a se adaptarem a um ambiente hospitalar e melhorar a comunicação entre pacientes e equipe. Além disso, um tipo de reunião de grupo é composto apenas pela equipe do hospital e visa a melhorar a comunicação entre os membros da equipe e fornecer apoio e encorajamento mútuo em seu trabalho diário com os pacientes. Encontros entre comunidade e equipe são mais proveitosos para lidar com problemas de tratamento do paciente do que para fornecer terapia orientada para o insight, que é o objetivo de encontros de terapia de grupo pequeno. As Tabelas 35.3-7 e 35.3-8 resu-
mem os objetivos e as técnicas para grupos de terapia de curto prazo para pacientes internados. Composição do grupo. Dois fatores fundamentais de grupos de pacientes internados comuns a todas as terapias de curto prazo são a heterogeneidade e a rápida rotatividade dos membros. Fora do hospital, os terapeutas têm grandes populações das quais selecionar pacientes para terapia de grupo. Na enfermaria, dispõem de um número limitado para escolher e são ainda restritos àqueles que estão dispostos a participar e àqueles que são adequados para uma experiência de grupo pequeno. Em certas situações, a participação no
PSICOTERAPIAS
TABELA 35.3-6 Aprendizagem a partir de padrões comportamentais no microcosmo social da terapia de grupo Exibição de patologia interpessoal ↓ Feedback e auto-observação ↓ Reações compartilhadas ↓ Exame dos resultados de reações compartilhadas ↓ Entendimento da própria opinião sobre o self ↓ Desenvolvimento de um senso de responsabilidade ↓ Percepção do próprio poder de efetuar mudança ↓ Alto afeto potencializa mudança Reimpressa, com permissão, de Vinogradov S, Yalom ID. Group therapy. In: Talbott JA, Hales RE, Yudofsky SC, eds. The Americam Psychiatric Press Textbook of Psychiatry. Washington, DC. American Psychiatric Press, 1988:982.
TABELA 35.3-7 Objetivos para grupos de terapia de curto prazo de pacientes internados Envolver os pacientes no processo terapêutico Ensiná-los que falar ajuda Localizar o problema Diminuir o isolamento Permitir que os pacientes sejam úteis Aliviar ansiedade relacionada a hospital Reimpressa, com permissão, de Vinogradov S, Yalom ID. Group therapy. In: Talbott JA, Hales RE, Yudofsky SC, eds. The Americam Psychiatric Press Textbook of Psychiatry. Washington, DC. American Psychiatric Press, 1988:980.
TABELA 35.3-8 Técnicas para grupos de terapia de curto prazo de pacientes internados Usar uma estrutura de tempo mais curta Mostrar apoio direto Enfatizar o aqui e agora Fornecer estrutura Reimpressa, com permissão, de Vinogradov S, Yalom ID. Group therapy. In: Talbott JA, Hales RE, Yudofsky SC, eds. The Americam Psychiatric Press Textbook of Psychiatry. Washington, DC. American Psychiatric Press, 1988: 981.
grupo pode ser obrigatória (p. ex., em unidades de dependência de álcool e abuso de substâncias), mas o comparecimento obrigatório em geral não se aplica em uma unidade psiquiátrica. De fato, a maioria das experiências de grupo é mais produtiva quando os próprios pacientes decidem participar. É preferível aumentar o número de sessões do que diminuí-lo. Durante a estada dos pacientes no hospital, os grupos podem reunir-se todos os dias para permitir continuidade da interação e levar temas de uma sessão para a seguinte. Um novo membro pode ser atualizado rapidamente, ou pelo terapeuta em um encontro orientado ou por um dos membros. O paciente internado há pouco muitas vezes informou-se dos detalhes sobre o programa de grupo pequeno com outro paciente antes de comparecer à primeira sessão. Quanto menor a freqüência das sessões de grupo, maior a necessidade de o terapeuta estruturar o grupo e ser ativo nele.
999
Grupos de pacientes internados versus ambulatoriais. Ainda que os fatores terapêuticos que respondem por mudança em grupos pequenos de pacientes internados sejam semelhantes àqueles na situação ambulatorial, há diferenças qualitativas. Por exemplo, a rotatividade de alta de pacientes em grupos internos complica o processo de coesão. No entanto, o fato de que todos os membros estão juntos no hospital ajuda na coesão, assim como os esforços dos terapeutas para favorecer o processo. Troca de informação, universalização e catarse são os principais fatores terapêuticos operantes nos grupos de pacientes internados. Embora insight tenha mais probabilidade de ocorrer em grupos ambulatoriais devido a sua natureza de longo prazo, alguns pacientes podem obter um novo entendimento de suas constituições psicológicas dentro dos limites de uma única sessão de grupo. Uma qualidade ímpar de grupos de pacientes internados são os contatos extragrupo, os quais são extensivos porque vivem juntos na mesma enfermaria. Verbalizar seus pensamentos e sentimentos sobre tais contatos nas sessões de terapia encoraja a aprendizagem interpessoal. Além disso, conflitos entre pacientes ou entre estes e membros da equipe podem ser antecipados e resolvidos. A Tabela 35.3-9 lista as diferenças entre grupos de pacientes internados e ambulatoriais.
TABELA 35.3-9 Diferenças entre grupos de pacientes ambulatoriais e de pacientes internados Grupos de pacientes ambulatoriais
Grupos de pacientes internados
Composição estável
Raramente o mesmo grupo por mais de um ou dois encontros Pacientes admitidos ao grupo com pouca seleção ou preparação anterior Nível heterogêneo de funcionamento do ego
Pacientes bem-selecionados e preparados Grupo homogêneo em relação às funções de ego, embora conflitos e problemas sejam diferentes Pacientes motivados, que se apresentam de forma voluntária, orientados para o crescimento O tratamento prossegue pelo tempo que for necessário; de 1 a 2 anos; de 50 a 100 encontros Limites do grupo bem-mantidos, com poucas influências externas Coesão de grupo desenvolve-se normalmente, com tempo suficiente no tratamento A terapia é privada e não exposta O líder permite que o processo se desdobre; há amplo tempo para estabelecer as normas do grupo Nenhum contato extragrupo é encorajado
Pacientes ambivalentes, muitas vezes obrigados a participar devido a crises; orientados para o alívio Tratamento limitado ao período de hospitalização; de 1 a 3 semanas, com rápida rotatividade de pacientes Interface contínua com o ambiente Sem tempo para coesão desenvolver-se de maneira espontânea; desenvolvimento do grupo abortado nas fases iniciais Exposta, aberta a observação e escrutínio pelo ambiente A estruturação do grupo pelo líder é fundamental. Abordagens analíticas passivas levam à desintegração do grupo Os pacientes dormem, comem e vivem juntos fora do grupo; contato extragrupo apoiado
Reimpressa, com permissão, de Leszcz M. Inpatient Groups. Annu Ver Psychiatry. 1986,5:729.
1000
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Grupos de auto-ajuda Grupos de auto-ajuda são compostos de pessoas que estão tentando lidar com um problema ou crise de vida específicos e, em geral, são organizados com determinada tarefa em mente. Esses não tentam explorar psicodinâmicas individuais em grande profundidade ou mudar o funcionamento da personalidade de forma significativa, mas melhoraram a saúde emocional e o bemestar de muitas pessoas. Uma característica peculiar dos grupos de auto-ajuda é sua homogeneidade. Os membros têm os mesmos transtornos e compartilham suas experiências – boas e más, bem-sucedidas e malsucedidas – uns com os outros. Ao fazê-lo, educam um ao outro, fornecem apoio mútuo e aliviam o senso de alienação sentido por pessoas atraídas por esse tipo de abordagem. Esses grupos enfatizam a coesão, que é bastante forte neste contexto. Visto que os membros têm problemas e sintomas semelhantes, desenvolvem um forte vínculo emocional. Cada grupo pode ter características próprias as quais os membros podem atribuir qualidades mágicas de cura. Exemplos são os Alcoólicos Anônimos (AA), os Jogadores Anônimos (JA) e os Comedores Compulsivos Anônimos (CCA). Hoje em dia, o movimento de grupo de auto-ajuda está em ascendência. Esses grupos satisfazem as necessidades de seus membros fornecendo aceitação, apoio mútuo e ajuda para superar padrões mal-adaptativos de comportamento ou estados de sentimento que profissionais da saúde médica e mental tradicionais não conseguem tratar com sucesso. Os grupos de auto-ajuda e os de terapia começaram a convergir. Aqueles têm permitido que seus membros abandonem padrões de comportamento indesejado; estes têm ajudado seus membros a entender por que e como chegaram a ser do jeito que eram ou são. PSICOTERAPIA INDIVIDUAL E DE GRUPO COMBINADAS Na psicoterapia individual e de grupo combinadas, os pacientes têm encontro com o terapeuta em particular e também tomam parte em sessões de grupo. O terapeuta para as sessões de grupo e individuais costuma ser o mesmo. Os grupos podem variar em número, de 3 a 15 membros, mas o tamanho mais proveitoso é de 8 a 10 pacientes. Os pacientes devem comparecer a todas as sessões, inclusive às individuais, e a ausência deve ser examinada como parte do processo terapêutico. Terapia combinada é uma modalidade de tratamento particular, não um sistema pelo qual a terapia individual é acrescida de uma sessão de grupo ocasional ou uma terapia de grupo na qual um participante reúne-se sozinho com o terapeuta de forma ocasional. Antes, é um plano contínuo no qual a experiência do grupo interage de maneira significativa com as sessões individuais e no qual o feedback recíproco ajuda a formar uma experiência terapêutica integrada. Embora o relacionamento individual médico-paciente torne um exame profundo da reação de transferência possível para alguns pacientes, pode não fornecer a outros as experiências emocionais corretivas necessárias para mudança terapêutica. O grupo proporciona uma variedade de pessoas com
as quais é possível desenvolver reações transferenciais. No microcosmo do grupo, os pacientes podem reviver e elaborar influências familiares e outras importantes. Técnicas Diferentes técnicas com base em diversas estruturas teóricas têm sido utilizadas no formato de terapia combinada. Alguns médicos aumentam a freqüência das sessões individuais para encorajar o surgimento da neurose de transferência. No modelo comportamental, as sessões individuais ocorrem de forma regular, mas tendem a ser menos freqüentes do que em outras abordagens. Se o paciente vai usar o divã ou uma cadeira durante as sessões individuais depende da orientação do terapeuta. Técnicas como encontros alternados ou “pós-sessões” sem a presença do terapeuta podem ser utilizadas. Uma abordagem de terapia combinada chamada psicoterapia de grupo interacional estrutural tem um membro do grupo diferente como foco de cada sessão de grupo semanal, que é discutido e analisado em profundidade pelos outros membros. Resultados A maioria dos profissionais do campo acredita que a terapia combinada tem as vantagens de situações de dupla e de grupo, sem sacrificar as qualidades de nenhuma delas. Em geral, a taxa de abandono na terapia combinada é mais baixa do que na terapia de grupo isolada. Em muitos casos, a terapia combinada parece trazer problemas à superfície e resolvê-los com maior rapidez do que poderia ser possível com cada um dos métodos isoladamente. PSICODRAMA Psicodrama é um método de psicoterapia de grupo criado pelo psiquiatra vienense Jacob Moreno no qual constituição de personalidade, relacionamentos interpessoais, conflitos e problemas emocionais são explorados por meio de métodos dramáticos especiais. A dramatização terapêutica de problemas emocionais inclui o protagonista ou paciente, aquele que atua os problemas com a ajuda de egos auxiliares, aqueles que representam aspectos variados do paciente e o diretor psicodramaturgo, ou terapeuta, aquele que guia os demais no drama em direção à aquisição de insight. Papéis Diretor. O diretor é o líder ou terapeuta e, portanto, deve ser um participante ativo. Por exercer uma função catalítica, encoraja os membros do grupo a serem espontâneos. Ele também deve estar disponível para satisfazer as necessidades do grupo sem sobrepor seus valores. De todas as psicoterapias de grupo, o psicodrama requer a maior participação do terapeuta e a mais alta capacidade de liderar.
PSICOTERAPIAS
Protagonista. O protagonista é o paciente em conflito. Ele escolhe a situação a retratar na cena dramática, mas pode delegar essa opção ao terapeuta, se desejar.
Ego auxiliar. Trata-se de um outro membro do grupo que representa alguma coisa ou alguém na experiência do protagonista. Os egos auxiliares ajudam a responder pela grande variedade de efeitos terapêuticos disponíveis no psicodrama. Grupo. Os membros do psicodrama e a audiência constituem o grupo. Alguns são participantes, outros são observadores, mas todos se beneficiam da experiência na medida em que podem identificarse com os eventos em progresso. O conceito de espontaneidade no psicodrama refere-se à capacidade de cada membro do grupo, em especial o protagonista, de experimentar os pensamentos e os sentimentos do momento e de comunicar sua emoção da forma mais autêntica possível. Técnicas O psicodrama pode focalizar-se em qualquer área especial de funcionamento (um sonho, a família ou uma situação da comunidade), em um papel simbólico, em uma atitude inconsciente ou em uma situação futura. Sintomas como delírios e alucinações também podem se atuados no grupo. As técnicas para desenvolver o processo terapêutico e para aumentar a produtividade e a criatividade incluem o solilóquio (narração de pensamentos e sentimentos manifestos ou ocultos), a inversão de papel (a troca do papel do paciente pelo de uma pessoa significativa), o sósia (outro eu) (um ego auxiliar agindo como o paciente), os múltiplos sósias (diversos egos agindo como o paciente agiria em diversas ocasiões) e a técnica do espelho (um ego imitando o paciente e falando por ele). Outras técnicas incluem o uso de hipnose e agentes psicoativos para modificar o comportamento de atuação de diversas maneiras. REFERÊNCIAS Alonso A. Group psychotherapy In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2146. Cameron PM, Leszcz M, Bebchuk W, et al. The practice and roles of the psychotherapies: a discussion paper. Can J Psychiatry. 1999;44(suppl):18. Carlin ME. Large group treatment of severely disturbed/conduct-disordered adolescents. Int J Group Psychother. 1996;46:379. Cartwright D, Zander A, eds. Group Dynamics and Research Theory. New York: Harper & Row; 1960. Erickson RC. Inpatient Small Group Psychotherapy. Springfield, IL: Charles C Thomas; 1984. Frank JD. Some determinants, manifestations, and effects of cohesiveness in therapy groups. J Psychother Pract Res. 1997;6:59. Freud S. Group psychology and analysis of the ego. In: Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud. Vol 18. London: Hogarth Press; 1962:67. Kaplan HI, Sadock BJ, eds. Comprehensive Group Psychotherapy. 3rd ed. Baltimore: Williams & Wilkins; 1993. Kipper DA, Matsumoto M. From classical to eclectic psychodrama conceptual similarities between psychodrama and interpersonal group treatments. Int J Group Psychother. 2002;52:111.
1001
Lieberman MA, Yalom I. Brief group psychotherapy for the spousally bereaved: a controlled study. Int J Group Psychother. 1992;42:117. Moreno JL. Psychodrama. Beacon, NY: Beacon Press; 1947. Rosenthal L. Phenomena of resistance in modern group analysis. Am J Psychother. 1996;50:75. Rothbaum BO, Astin MC. Integration of pharmacotherapy and psychotherapy for bipolar disorder. J Clin Psychiatry. 2000;6 (suppl 9):68. Rutan JS. Psychodinamic group psychotherapy. Int J Group Psychother. 1992;42:19. Scheidlinger S. The concept of identification in group psychotherapy. Am J Psychother. 1996;50:529. Steengarger BN, Budman SH. Group psychotherapy and managed behavioral health care: current trends and future challenges. Int J Group Psychother. 1996;46:297. Weiner MF. Group therapy reduces medical and psychiatric hospitalization. Int J Group Psychother. 1992;42:267. Wolf A, Schwartz M. Psychoanalysis in Groups. New York: Grune & Stratton; 1962. Wolk DJ. The psychodramatic reenactment of a dream. J Group Psychother Psychodrama Sociometry. 1996;49:3. Yalom ID. The Theory and Practice of Group Psychotherapy. 3rd ed. New York: Basic Books; 1985.
35.4 Terapia familiar e terapia de casais TERAPIA FAMILIAR Terapia familiar é qualquer intervenção que se focalize em alterar as interações entre membros da família e tente melhorar o funcionamento da família como uma unidade de membros individuais. O médico que conduz a abordagem tenta interromper padrões intergeracionais rígidos que causam sofrimento entre os indivíduos e para cada um em particular. A terapia pode tratar as preocupações de qualquer membro da família, contudo, tem maior probabilidade de influenciar os filhos, cuja realidade cotidiana é diretamente afetada pelo contexto familiar. Questões teóricas De acordo com a teoria de sistemas familiares, as unidades familiares agem como se cada uma tivesse sua própria homeostase de interação, que deve ser mantida a qualquer custo. Essa terapia visa a trazer à luz os padrões muitas vezes ocultos que mantêm o equilíbrio do grupo e ajudar o grupo a entender os propósitos desses fenômenos. Os terapeutas familiares em geral consideram que um membro foi rotulado como paciente, a quem a família identifica como “o que tem o problema, é culpado e precisa de ajuda”. O objetivo do terapeuta familiar é ajudar a família a entender que os sintomas do paciente identificado servem à função crucial de manter a homeostase da família. O processo ajuda a revelar padrões de comunicação repetitivos e previsíveis de uma família que mantêm e refletem o comportamento do paciente identificado. Inerente à teoria de sistemas familiares é a crença, em qualquer proporção, de que o relacionamento conjugal influencia de
1002
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Terapeuta pergunta sobre o problema
forma significativa o sistema de homeostase da família. Um influente terapeuta familiar expressou esse conceito descrevendo a díade conjugal como os “arquitetos da família”.
AO CASAL: Pergunta sobre como se conheceram, quando decidiram se casar, etc.
Técnicas Consulta inicial. A terapia familiar é conhecida do público em geral como uma intervenção para famílias com alto nível de conflito. Quando a queixa inicial é sobre um membro da família, entretanto, um trabalho pré-tratamento pode ser necessário. A resistência subjacente a uma abordagem familiar em geral inclui medos dos pais de que sejam culpados pelas dificuldades de seu filho, de que a família inteira seja considerada doente, de que um cônjuge se oponha e de que a discussão aberta do mau comportamento de um filho tenha influência negativa nos irmãos. A recusa de um adolescente ou adulto jovem em participar da terapia familiar pode ser um conluio disfarçado com os medos de um ou de ambos os pais. Técnica de intervenção. A qualidade especial da entrevista nasce de dois fatos importantes. A família vem para tratamento com sua história e dinâmicas bem-estabelecidas. Para o terapeuta familiar, essa natureza estabelecida do grupo, mais do que os sintomas, constitui o problema clínico. Os membros muitas vezes vivem juntos e, em algum nível, dependem uns dos outros para seu bem estar físico e emocional. Tudo o que transpira na sessão é conhecido por todos. Os princípios centrais da técnica também derivam desses fatos. Por exemplo, o terapeuta deve canalizar com cuidado a catarse de raiva de um membro da família em relação a outro. A pessoa que é objeto da raiva reagirá ao ataque, e a raiva pode crescer para violência e romper relacionamentos, com um ou mais membros retirando-se da terapia. Outro exemplo é a associação livre, a qual é inadequada na terapia familiar porque pode encorajar uma pessoa a dominar a sessão. Portanto os terapeutas devem sempre controlar e dirigir a entrevista. Virginia Satir recomendou iniciar pelo menos as duas primeiras sessões de terapia familair com uma cronologia da vida da família. A técnica reflete muitos paradigmas desse tipo de terapia. A Figura 35.4-1 resume os aspectos fundamentais da cronologia de vida da família, e a Tabela 35.4-1 apresenta o raciocínio de Satir acerca de seu uso. Freqüência e duração do tratamento. A menos que apareça uma emergência, as sessões acontecem não mais do que uma vez por semana. Cada uma, entretanto, pode requerer até duas horas. Sessões longas podem incluir um intervalo para dar ao terapeuta tempo para organizar o material e planejar uma resposta. Um horário flexível é necessário quando circunstâncias geográficas ou pessoais dificultam a reunião da família. A duração do tratamento depende não apenas da natureza do problema, mas também do modelo terapêutico. Terapeutas que utilizam modelos de resolução de problema exclusivamente podem atingir seus objetivos em poucas sessões, enquanto os que empregam modelos orientados para o crescimento podem trabalhar com uma família durante anos e até marcar sessões com longos intervalos. A Tabela 35.4-2 resume um modelo para término do tratamento.
À ESPOSA:
AO MARIDO:
Pergunta como ela via seus pais, irmãos, a vida familiar.
Pergunta como ele via seus pais, irmãos, a vida familiar.
Remonta a cronologia a quando conheceu seu marido.
Remonta a cronologia a quando conheceu sua esposa.
Pergunta sobre suas expectativas acerca do casamento.
Pergunta sobre suas expectativas acerca do casamento.
AO CASAL: Pergunta sobre o início da vida de casados. Comenta sobre as influências do passado. AO CASAL COMO PAIS: Pergunta sobre suas expectativas de paternidade/ maternidade. Comenta as influências do passado. AO (À) FILHO(A): Pergunta sobre suas visões acerca de seus pais, como os vê divertindo-se, discordando, etc. À FAMÍLIA COMO UM TODO: Tranqüiliza a família de que é seguro comentar. Enfatiza a necessidade de comunicação clara. Encerra, sugere um próximo encontro, dá esperança. FIGURA 35.4-1 Fluxo principal de cronologia de vida da família para a família como um todo. (Reproduzida, com permissão, de Satir V. Conjoint Family Therapy. Palo Alto, CA: Science and Behavior, 1967: 55.)
Modelos de intervenção Existem muitos modelos de terapia familiar, sendo que nenhum dos quais é superior aos outros. Uma visão geral de modelos, técnicas e objetivos aparece na Tabela 35.4-3. O modelo particular usado depende do treinamento recebido, do contexto no qual a terapia ocorre e da personalidade do terapeuta. Modelos psicodinâmico-experimentais. Enfatizam o amadurecimento do indivíduo no contexto do sistema familiar e são livres de padrões inconscientes de ansiedade e projeção enraizados no passado. Os terapeutas buscam estabelecer um vínculo íntimo com cada membro da família, e as sessões alternam-se entre as trocas do terapeuta com os membros e as trocas desses membros entre si. Clareza de comunicação e sentimentos admitidos com honestidade recebem alta prioridade. Para tanto, os membros da família podem ser encorajados a mudar de lugar, tocar uns nos outros e fazer contato visual direto. O uso de metáfora, linguagem corporal e parapraxia ajuda a revelar o padrão inconsciente de relacionamentos familiares. O terapeuta também pode usar escultura familiar, na qual os membros moldam uns aos outros fisicamente em quadros vivos que re-
PSICOTERAPIAS
1003
TABELA 35.4-1 Cronologia de vida da família O terapeuta familiar entra na sessão sabendo pouco ou nada sobre a família. Pode saber quem é o paciente identificado e que sintomas manifesta, mas isso, em geral, é tudo. Então, deve obter indícios sobre o significado do sintoma. Pode saber que existe sofrimento no relacionamento conjugal, mas precisa obter indícios sobre como ele se manifesta. Precisa saber como o casal tentou lidar com seus problemas. Pode saber que o casal funciona a partir de modelos (do que viram acontecer entre seus próprios pais), mas precisa descobrir como tais modelos influenciaram as expectativas de cada um sobre como ser um casal e como ser pai. O terapeuta familiar entra na sessão sabendo que a família, de fato, teve uma história, mas isso geralmente é tudo. Toda família, como um grupo, passou por ou experimentou junto muitos acontecimentos. Alguns deles (como mortes, nascimento de filho, doença, mudanças geográficas e mudanças de emprego) ocorrem em quase todas as famílias. Certos acontecimentos primariamente afetaram o casal e apenas de forma indireta os filhos. (Talvez esses não fossem nascidos ainda ou muito pequenos para compreender a natureza de um acontecimento quando este afetou seus pais. Podem ter apenas percebido períodos de distância, distração, ansiedade ou aborrecimento dos pais.) O terapeuta pode tirar proveito das respostas de qualquer pergunta feita. Os membros da família entram na terapia com considerável medo. A estruturação do terapeuta ajuda a diminuir as ameaças. Ele diz: “Sou responsável pelo que irá acontecer aqui. Cuidarei para que nada de catastrófico aconteça aqui”. Todos os membros estão se sentindo culpados pelo fato de que nada parece ter dado certo (ainda que possam culpar abertamente o paciente identificado ou o outro cônjuge). Os pacientes, em especial, precisam sentir que fizeram o melhor que podiam como pais. Devem dizer ao terapeuta: “Por isso fiz o que fiz. Foi isso que aconteceu comigo”. Uma cronologia de vida da família que lida com fatos como nomes, datas, relacionamentos rotulados e mudanças parece agradar aos membros. Ela toca em pontos que os membros podem responder, os que são relativamente não-ameaçadores. Essa abordagem trata da vida como a família a entende. Os membros da família entram na terapia com considerável desespero. A estruturação do terapeuta ajuda a estimular a esperança. No que diz respeito aos membros da família, eventos passados podem constituir parte de si. Eles agora podem dizer ao terapeuta: “Eu existia” ou “Não sou apenas uma grande bolha de patologia. Consegui superar minhas desvantagens”. Se a família soubesse que perguntas precisavam ser feitas, não precisaria estar em terapia. Portanto, o terapeuta não diz: “Diga-me o que quer me dizer”. Os membros apenas dirão o que têm dito a si mesmos durante anos. O terapeuta deve afirmar: “Sei o que perguntar. Eu me encarrego de entendê-lo. Estamos indo para algum lugar”. O terapeuta familiar também sabe que, em algum grau, a família focalizou-se no paciente identificado para aliviar a dor conjugal. Em algum grau, tem consciência de que a família resistirá a qualquer tentativa de mudar esse foco. Uma cronologia de vida da família é uma forma efetiva, não-ameaçadora, de mudar a ênfase no membro da família “doente” ou “mau” para uma ênfase no relacionamento conjugal. A cronologia de vida da família serve a outros propósitos de terapia úteis, como fornecer a estrutura dentro da qual um processo de reeducação pode ocorrer. O terapeuta serve como um modelo para checar informações ou corrigir técnicas de comunicação, além de fazer perguntas e induzir respostas para iniciar o processo. Ao fazer a cronologia, pode introduzir de uma forma relativamente tênue alguns dos conceitos cruciais para que ocorra a mudança. Adaptada de Satir V. Conjoint Family Therapy. Palo Alto, CA: Science and Behavior, 1967:57.
TABELA 35.4-2 Critérios para o término do tratamento O tratamento está terminado quando: Os membros da família podem completar transações, checar, perguntar. São capazes de interpretar hostilidade. Podem ver como os outros os vêem. Percebem como eles próprios se vêem. Um membro pode dizer a outros como eles se manifestam. Um membro pode dizer a outros o que espera, teme e exige deles. Podem discordar. Podem fazer escolhas. Aprendem pela prática. Podem libertar-se dos efeitos prejudiciais de modelos anteriores. Podem enviar mensagens claras – ou seja, ser congruentes em seus comportamentos – com um mínimo de diferença entre sentimentos e comunicação e com um mínimo de mensagens ocultas. Adaptada de Satir V. Conjoint Family Therapy. Palo Alto, CA: Science and Behavior, 1967:133.
tratam suas visões pessoais de relacionamentos, passados ou presentes. O terapeuta interpreta a escultura e a modifica de forma a sugerir novos relacionamentos. Além disso, as respostas subjetivas do te-
rapeuta à família recebem grande importância. Em momentos adequados, ele expressa tais respostas à família para formar ainda um outro circuito de feedback de auto-observação e mudança.
Modelo de Bowen. Murray Bowen chamou seu modelo de sistemas familiares, mas, no campo da terapia familiar, ele recebe o nome de seu criador. A marca registrada do modelo é a diferenciação das pessoas de suas famílias de origem, suas capacidade de manterem a própria identidade diante de pressões familiares ou outras que ameaçam a perda de amor ou de posição social. Os problemas familiares são avaliados em dois níveis: o grau de envolvimento versus o grau de capacidade de diferenciar-se e a análise de triângulos emocionais no problema para o qual buscam ajuda. Um triângulo emocional é definido como um sistema de três partes (e pode haver muitos desses dentro de uma família) organizado de modo que a proximidade de dois membros expressada como amor ou conflito repetitivo tende a excluir um terceiro. Quando a terceira pessoa excluída tenta juntar-se com um dos outros dois ou quando uma das partes envolvidas se volta para o excluído, contracorrentes emocionais são ativadas. O papel do terapeuta é, primeiramente, estabilizar ou mudar o
1004
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 35.4-3 Principais abordagens às terapias familiar e de casais Exemplos de abordagem terapêutica
Conceitos centrais
Objetivos típicos
Comportamental/cognitivocomportamental (James Alexander, Neil Jacobson, Howard Markman, Gerald Patterson)
Análise funcional Teoria da aprendizagem social Comunicação e resolução de problema Estilo atributivo
Resolução do problema atual Aumento da comunicação e de habilidades de resolução de problema Equilíbrio entre mudança e aceitação
Sistemas familiares de Bowen (Murray Bowen, Edwin Friedman, Philip Guerin, Michael Kerr)
Diferenciação de self Triangulação Desligamentos emocionais Sistema emocional familiar Posição de irmãos Estilos de comunicação (p. ex., conciliador, acusador) Psicoterapia do absurdo Teoria do apego
Diferenciação aumentada Destriangulação Desligamentos resolvidos Capacidade melhorada de lidar com a ansiedade
Integrativa (Alan Gurman, William Pinsof)
Terapia breve do Instituto de Pesquisa Mental (Don Jackson, John Weakland, Paul Watzlawick)
Experimental-humanista (Leslie Greenberg e Susan Johnson, Augustus Napier, Virginia Satir, Carl Whitaker)
Sistêmica de Milão (Luigo Boscolo, Gianfranco Cecchin, Mora-Selvini Palazzoli)
Narrativa (David Epston, Michael White)
Estratégias e técnicas comuns
Comentários
Treinamento de comunicação e resolução de problemas Treinamento de aceitação/técnicas de reatribuição Tratamento do pai, ênfase no comportamento ou nas conseqüências Terapeuta como educador Uso de genograma Terapeuta como treinador Educação sobre processos familiares entre gerações
Uso de análise funcional, e não de técnicas de tratamento, é a característica definidora Comprovadamente o que tem mais embasamento empírico de todos os métodos familiares e de casais
Encorajamento de criatividade (conforto com “loucura”) Coesão familiar aumentada Crescimento pessoal, auto-estima Tolerância por conflito
Resolução da batalha por estrutura e iniciativa Uso freqüente de terapeutas colaboradores Escultura familiar Uso do self Reconstrução familiar
Importância de relacionamentos entre múltiplos níveis de experiência Edetismo teórico e técnico
Melhor comunicação e resolução de problema Insight interacional aumentado Problemas atuais
Combinação de métodos cognitivo-comportamentais e psicodinâmicos no contexto de sistemas gerais
Distinção entre “dificuldades” e “problemas” Processos de comunicação Sintoma como comunicação Mudança de primeira e segunda ordens Neutralidade terapêutica “Jogos sujos” Contraparadoxo “Terapia breve longa”
Resolução dos problemas atuais Mudança de segunda ordem
Reestruturação Capacidade de manobra do terapeuta
Desde a morte de Whitaker, a abordagem simbólica-experiencial praticamente desapareceu A terapia de foco emocional de Greenberg e Johnson é um dos poucos métodos de casais não-comportamental ou psicodinâmico que cresce em influência Juntamente com métodos comportamentais e psicoeducacionais, a mais sensível a achados de pesquisa Tenta combinar intervenções com o problema e a família Historicamente sobrepõese à estratégia, mas com diferenças importantes (p. ex., “função” de sintomas)
Desmascarar o “jogo” familiar Mudar o papel de autosacrifício do portador do sintoma
Construtivismo Idiomática Histórias socialmente criadas Descrições impregnadas de problemas
Resolução do problema atual Acentuar partes encobertas do self
Equipe terapêutica (por trás do espelho) Questionamento circular Formação de hipótese Prescrições invariáveis Intervenções contraparadoxais Rituais prescritos Externalização de problemas Focalização em “resultados únicos” Criação de novo significado via “restauração” Cartas terapêuticas
Com freqüência, conduzidos com apenas um paciente A influência continua, mas diminuiu desde a morte de Bowen
Após uma onda de interesse mundial por mais de uma década, o crescimento da abordagem diminuiu nos últimos tempos
Muito popular, mas quase não reconhece sobreposições com a teoria cognitiva e comportamental
(Continua)
PSICOTERAPIAS
1005
TABELA 35.4-3 (Continuação) Exemplos de abordagem terapêutica
Conceitos centrais
Objetivos típicos
Psicodinâmica psicanalítica (Nathan Ackerman)
Relações objetais Identificação projetiva Cisão Bode expiatório
Psicoeducacional (Carol Anderson, Jan Falloon, Michael Goldstein, William McFarlane)
Teoria biopsicossocial Estresse/diátese Emoção expressada
Insight melhorado Consciência genética (histórica) Empatia aumentada Desenfatizar o problema atual Desenredar patologias interligadas Habilidades de manejo familiar aumentadas Melhora na comunicação e nas habilidades de resolução de problema Prevenção de recaída
Focalizada na solução (Steve de Shazar e Insoo Berg, William O’Hanlon, Michele Weiner-Davis)
Foco em soluções, e não em problemas Insignificância da etiologia do problema Descrença na resistência
Resolução do problema atual Criação de soluções
Estratégica (Milton Erickson, Jay Haley, Cloe Madanes)
Poder e controle Ciclo de vida familiar Seqüências mantendo sintoma Função de problemas Limites Hierarquias Coalizões e alianças Complementaridade
Resolver o problema atual Rompimento de seqüências mantendo o problema Maior flexibilidade Adaptabilidade à mudança evolutiva Equilíbrio entre ligação e diferenciação Funcionamento de subsistemas Mais universal do que centrada em objetivos específicos da família Maior confiança Reparar relacionamentos rompidos
Estrutural (Henry Aponte, Salvador Minuchin, Braulios Montalvo)
Transgeracional (Iran Boszormenyi-Nagy, James Framo, Norman Paul, Donald Williamson)
Envolvimento-emaranhamento Lealdades invisíveis Direitos e deveres Luto familiar Autoridade pessoal
Estratégias e técnicas comuns
Comentários
Análise de transferência, resistência e contratransferência Criação de ambiente de sustentação Interpretação Ênfase na aliança terapêutica Seminários de habilidades de sobrevivência Tratamento da família Informação e educação da família Uso simultâneo de psicofarmacologia Perguntas graduadas Perguntas “milagrosas” Perguntas de exceção Capacitação do cliente Perguntas de manejo Perguntas sobre mudança pré-sessão Persuasão Injeções paradoxais Insight desprezado Técnicas de simulação e provação Multidirigida Sessões de família de origem Uso de terapia conjunta
Provavelmente influencia o trabalho clínico de terapeutas familiares mais do que costuma ser reconhecido
Parcialmente multidirigida Sessões de família de origem Uso de terapia conjunta
Quase todos os métodos multigeracionais e transgeracionais têm bases psicodinâmicas significativas
Sem dúvida, a abordagem mais efetiva para famílias com um membro com transtorno psiquiátrico maior
Origina-se da filosofia do Instituto de Pesquisa Mental, enfatizando mais as soluções do que os problemas Existem relatos extraordinários de efetividade Desconsideração infeliz da biologia, diagnóstico psiquiátrico e teoria da personalidade Atestadamente a abordagem de terapia familiar mais influente
Cortesia de Alan S. Gurman, Ph.D. e Jay L. Lebow, Ph.D.
triângulo “quente” – aquele que produz os sintomas apresentados – e, segundo, trabalhar com os membros da família mais acessíveis do ponto de vista psicológico, em particular se necessário, para conseguir diferenciação pessoal suficiente a fim de que o triângulo não torne a se formar. Para preservar sua neutralidade nos triângulos familiares, o terapeuta minimiza o contato emocional com membros da família. Bowen também criou o genograma, instrumento teórico que é um levantamento histórico da família, remontando a diversas gerações.
Modelo estrutural. As famílias são vistas como sistemas únicos, inter-relacionados, avaliados em termos de alianças e cisões significativas entre os membros hierarquia de poder (pais responsáveis pelos filhos), clareza e firmeza de limites entre as gerações e tolerância mútua. O modelo estrutural usa terapia individual e familiar em combinação. Modelo geral de sistemas. Com base na teoria geral de sistemas, esse modelo considera que as famílias são sistemas e que toda ação
produz uma reação em um ou mais dos membros. As famílias têm limites externos e regras internas. Supõe-se que cada membro desempenhe um papel (p. ex., porta-voz, perseguidor, vítima, salvador, portador do sintoma, sustentador), que tende a ser estável, mas que membro desempenha um papel específico pode mudar. Algumas famílias tentam fazer de um membro o bode expiatório, culpando-o pelos problemas de todos (o paciente identificado). Se o paciente identificado melhora, outro pode ocupar essa posição. O modelo geral de sistemas sobrepõe-se a alguns dos outros modelos apresentados, em particular o modelo de Bowen e o estrutural.
Modificações de técnicas Terapia de grupo familiar. Combina diversas famílias em um único grupo. Todas compartilham os mesmos problemas e comparam suas interações com as das outras famílias no grupo.
1006
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
O tratamento de esquizofrenia tem sido efetivo em grupos familiares múltiplos. Pais de filhos perturbados também podem reunir-se para compartilhar situações. Terapia de rede social. A comunidade ou rede social de um paciente perturbado encontra-se em sessões de grupo com o mesmo. A rede inclui as pessoas com quem ele mantém contato na vida diária, não apenas a família imediata, mas também parentes, amigos, colegas de trabalho, professores e colaboradores. Terapia paradoxal. Nessa abordagem, que se desenvolveu a partir do trabalho de Gregory Bateson, o terapeuta sugere que o paciente se envolva no comportamento indesejado (chamado de injunção paradoxal) e, por exemplo, evite um objeto fóbico ou realize um ritual compulsivo. Embora a terapia paradoxal e o uso de injunções paradoxais sejam relativamente novos, a prática pode gerar novos insights para alguns pacientes. Ela é usada tanto na terapia individual como na familiar.
com o casal paciente e, por meio de tipos definidos de comunicação, tenta aliviar o problema, reverter ou mudar padrões mal-adaptativos de comportamento e encorajar o crescimento e o desenvolvimento da personalidade. O aconselhamento matrimonial pode ser considerado de alcance mais limitado do que a terapia conjugal: apenas um conflito familiar particular é discutido, e o aconselhamento é, de forma mais exclusiva, orientado para a tarefa, visando a resolver um problema específico, como a criação dos filhos. A terapia conjugal, ao contrário, enfatiza a reestruturação da interação entre o casal e, às vezes, explora as psicodinâmicas de cada parceiro. Tanto a terapia quanto o aconselhamento pretendem ajudar os parceiros conjugais a lidar de forma efetiva com seus problemas. Mais importante é a definição de objetivos adequados e realísticos, que podem envolver reconstrução extensiva da união ou abordagens de resolução de problema ou, ainda, uma combinação de ambas.
Tipos de terapias Reestruturação. Também conhecida como conotação positiva, é uma requalificação de todos os sentimentos ou comportamentos negativamente expressados como positivos. Quando o terapeuta tenta conseguir que os membros da família vejam o comportamento a partir de uma nova estrutura de referência, “Esta criança é impossível” torna-se “Esta criança está tentando desesperadamente distraí-lo e protegê-lo do que ela considera um casamento infeliz”. A reestruturação é um processo importante que permite aos membros da família verem-se de novas maneiras, capazes de produzir mudança. Objetivos A terapia familiar possui diversos objetivos: resolver ou reduzir conflito patogênico e ansiedade dentro da matriz de relacionamentos interpessoais; aumentar a percepção e a satisfação dos membros da família em relação às necessidades emocionais uns dos outros; promover relacionamentos de papel adequados entre os sexos e as gerações; fortalecer a capacidade de membros individuais e da família como um todo para lidar com forças destrutivas dentro e fora do ambiente que os cerca; e influenciar identidade e valores familiares de modo que os membros sejam orientados para a saúde e para o crescimento. A terapia, em essência, visa a integrar as famílias nos sistemas mais amplos de sociedade, família estendida e grupos da comunidade e em sistemas sociais como escolas, serviços médicos e órgãos de bem-estar social e de lazer. TERAPIA DE CASAIS (CONJUGAL) Terapia de casais ou conjugal é um tipo de psicoterapia que pretende modificar, de forma psicológica, a interação de duas pessoas que estão em conflito sobre um parâmetro ou uma variedade de parâmetros – social, emocional, sexual ou econômico. A pessoa treinada estabelece um contrato terapêutico
Terapia individual. Na terapia individual, os parceiros podem consultar diferentes terapeutas, que não precisam se comunicar entre si; na verdade, podem nem mesmo saber um do outro. O objetivo do tratamento é fortalecer as capacidades adaptativas de cada parceiro. Às vezes, apenas um dos dois está em tratamento; nesses casos, costuma ser útil para a pessoa que não está em tratamento visitar o terapeuta. O parceiro visitante fornece ao terapeuta dados sobre o paciente que, de outro modo, não seriam reconhecidos. Ansiedade manifesta ou velada no parceiro visitante como resultado da mudança no paciente pode ser identificada e tratada, crenças irracionais sobre eventos de tratamento podem ser corrigidas, e tentativas conscientes ou inconscientes de sabotar o tratamento do paciente podem ser examinadas. Terapia de casais individual. Na terapia de casais individual, cada parceiro está em terapia, que é simultânea, com o mesmo terapeuta, ou colaborativa, com cada parceiro sendo atendido por um terapeuta diferente. Terapia conjunta. É o método mais comum na terapia de casais, em que um ou dois terapeutas tratam os parceiros em sessões conjuntas. A terapia conjunta com terapeutas de ambos os sexos evita que um dos pacientes sinta-se atacado quando confrontado por dois membros do sexo oposto. Sessão de quatro vias. Em uma sessão de quatro vias, cada parceiro é visto por um terapeuta diferente, com sessões conjuntas regulares nas quais as quatro pessoas participam. Uma variação desse tipo de sessão é a entrevista de mesa-redonda, desenvolvida por William Masters e Virginia Johnson para o tratamento rápido de casais com disfunção sexual. Dois pacientes e dois terapeutas do sexo oposto encontram-se de forma regular. Psicoterapia de grupo. A terapia de grupo para casais permite que uma variedade de dinâmicas afete os participantes.
PSICOTERAPIAS
Os grupos em geral consistem de 3 a 4 casais e um ou dois terapeutas. Os casais identificam-se uns com os outros e reconhecem que outros têm problemas semelhantes, todos obtêm apoio e empatia dos companheiros de grupo do mesmo sexo ou do sexo oposto, exploram atitudes sexuais e têm uma oportunidade de obter novas informações de seus pares no grupo, e cada um recebe feedback específico sobre seu comportamento, negativo ou positivo, que pode ter mais significado e ser melhor assimilado vindo de um membro neutro do que, por exemplo, do cônjuge ou do terapeuta. Terapia combinada. Terapia combinada refere-se a todas ou a qualquer uma das técnicas precedentes usadas ao mesmo tempo ou em combinação. Assim, determinado casal pode começar o tratamento com um ou ambos os parceiros em psicoterapia individual, continuar em terapia conjunta com o parceiro e terminar a terapia após um curso de tratamento em um grupo de casais. A razão para a terapia combinada é que nenhuma abordagem dos problemas conjugais isolada demonstrou ser superior à outra. A familiaridade com uma variedade de intervenções, portanto, proporciona aos terapeutas uma flexibilidade que oferece máximo benefício para casais em sofrimento. Indicações Seja qual for a técnica terapêutica específica, o início da terapia de casais é indicado quando a terapia individual não conseguiu resolver as dificuldades de relacionamento, quando o sofrimento de um ou ambos os parceiros é claramente um problema de relação e quando a mesma é solicitada por um casal em conflito. Problemas na comunicação entre parceiros são uma indicação primária para tal abordagem. Nesses casos, um dos cônjuges pode ser intimidado pelo outro, pode tornar-se ansioso ao tentar falar com o outro sobre pensamentos ou sentimentos ou pode projetar expectativas inconscientes no outro. A terapia visa a capacitar cada um a ver o outro de forma realística. Conflitos em uma ou em diversas áreas, como a vida sexual dos parceiros, também são indicações para tratamento. Da mesma forma, dificuldade em estabelecer papéis sociais, econômicos, parentais ou emocionais satisfatórios sugere que o casal precisa de ajuda. Os médicos deveriam avaliar todos os aspectos do relacionamento conjugal antes de tentar tratar apenas um problema, que pode ser um sintoma de um transtorno conjugal global. Contra-indicações As contra-indicações para terapia de casais incluem pacientes com formas graves de psicose, particularmente aqueles com características paranóides e aqueles nos quais o mecanismo homeostático do casamento é uma proteção contra psicose, casamentos nos quais um ou ambos os parceiros querem o divórcio e casamentos nos quais um dos cônjuges recusa-se a participar devido a ansiedade ou medo.
1007
Objetivos Nathan Ackerman definiu os objetivos da terapia de casais como segue: os objetivos da terapia para problemas de relacionamento são aliviar o sofrimento e a incapacidade emocional e promover os níveis de bem-estar de ambos os parceiros juntos e de cada um como indivíduo. De maneira ideal, os terapeutas tentam alcançar esses objetivos fortalecendo os recursos compartilhados para resolução de problema, encorajando a substituição de controles e defesas patogênicos por controles e defesas adequados, aumentando tanto a imunidade contra os efeitos desintegrativos de desequilíbrio emocional como a complementaridade do relacionamento, e promovendo o crescimento do relacionamento e de cada parceiro. Parte da tarefa do profissional é convencer cada parceiro no relacionamento a assumir responsabilidades pelo entendimento da constituição psicodinâmica da personalidade. A responsabilidade final de cada pessoa pelos efeitos de comportamento sobre sua própria vida, a vida do parceiro e a vida de outros no ambiente é enfatizada, e o resultado costuma ser um profundo entendimento dos problemas que criaram a discórdia conjugal. A terapia de casais não assegura a manutenção de nenhum casamento ou relacionamento. Na verdade, em certos casos, pode mostrar aos parceiros que eles estão em uma união inviável, que deveria ser dissolvida. Se esta for a situação, os casais podem continuar se encontrando com seus terapeutas para elaborar as dificuldades de se separarem e obterem o divórcio, processo chamado de terapia de divórcio. Don e Kris, ambos com 44 anos, pais de três filhos, de 19, 17 e 12 anos de idade, iniciaram contato com o terapeuta durante a hospitalização de uma semana de Don devido à intensificação de sua depressão e ao uso aumentado de ansiolíticos. Embora tivesse tido duas hospitalizações psiquiátricas breves aos 20 e aos 30 anos, ele em geral funcionara bastante bem por muitos anos. No entanto, durante os meses precedentes, ficava cansado com facilidade, tornara-se pessimista, irritável e “grudado”. Esses sintomas, entre outros, pareciam ter surgido quando Kris começou a ficar cada vez menos envolvida com a vida de Don. Ela, a mais velha de três irmãos, tinha uma longa história de abnegação, que se iniciou em sua família de origem, na qual ela era a “criança que assumira funções dos pais”, filha de um pai alcoolista e de uma mãe passiva, propensa à depressão. Embora o problema de álcool de seu pai tivesse diminuído muito durante a última década, o casamento entre seus pais nunca tinha passado de um relacionamento “pseudocivil, cortês, mas distante”. Eles haviam se aposentado e se mudado para uma região praiana, esperando que a mudança lhes possibilitasse “começar de novo”, mas a mãe tinha ficado cada vez mais deprimida ultimamente, quando os conflitos conjugais tornaram-se mais freqüentes. Kris tinha estado muito envolvida nas dificuldades de seus pais, em especial como confidente de sua mãe, e menos envolvida em sua própria vida familiar. Além dessa perda, Don, um homem em geral esquivo, sentiu-se cada vez mais isolado de relacionamentos significativos, agora que seu filho de 19 anos tinha ido para a universidade e que o de 17
1008
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
“nunca estava por perto”. Don era muito dependente de Kris e estava muito irritado com ela, mas temia verbalizar suas preocupações sobre suas vidas desligadas. Esse dilema era rememorativo de seu relacionamento com seu pai, que tinha abandonado a família quando ele tinha 7 anos de idade. Durante os cinco meses seguintes, a terapia de casais tratou de padrões problemáticos em diversos níveis. As intervenções estruturais incluíram deslocar Kris de seu papel de terapeuta com seus pais, em parte ajudando-a a fazer os pais a encontrar um terapeuta de casais qualificado para eles em sua nova cidade e apoiando-a no estabelecimento e na manutenção de limites adequados em suas conversas com a mãe. As sessões incluíram um trabalho de orientação cognitiva para a culpa de Kris por dar uma prioridade mais alta a suas próprias necessidades do que ao relacionamento com seu marido e filhos, auxiliado por biblioterapia e outras exercícios como tarefa de casa. As necessidades de ligação adulta normal de Don foram validadas, e ele também foi encorajado a explorar novos relacionamentos em sua comunidade. Muito tempo da terapia foi dedicado a treinamento de comunicação e resolução de problema. Don teve que lidar com sua ansiedade sobre assertividade e medo de conflito e abandono, e Kris teve que lidar com a ansiedade-culpa em “dizer não” e expressar suas próprias necessidades. (Cortesia de Alan S. Gurman, Ph.D. e Jay L. Lebow, Ph.D.) REFERÊNCIAS Babcock JC, Waltz J, Jacobson NS, Gottman JM. Power and violence: the relation between communication patterns, power discrepancies, and domestic violence. J Consult Clin Psychol. 1993;61:40. Bowen M. Family Theory in Clinical Practice. New York: Aronson; 1978. Croake JW, Kelly FD. Structured group couples therapy with schizophrenic and bipolar patients and their wives. J Individ Psychol. 2002;58:76. Diamond G, Liddle HA. Resolving a therapeutic impasse between parents and adolescents in multidimensional family therapy. J Consult Clin Psychol. 1996;64:481. Diamond GS, Serrano AC, Dickey M, Sonis WA. Current status of family-based outcome and process research. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1996;35:6. Glick ID. Family therapies: efficacy, indications, and treatment outcomes In: Janowsky DS, ed. Psychotherapy Indications and Outcomes. Washington, DC: American Psychiatric Press; 1999:303. Gurman AS, Lebow JL. Family therapy and couple therapy. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2157. Johnson S, Lebow J. The “coming of age” of couple therapy: a decade review. J Marital Fam Ther. 2000;26:23. Kadis LB. McClendon RA. Couples and marital therapy. In: Kaplan HI, Sadock BJ, eds. Comprehensive Textbook of Psychiatry. 6th ed. Baltimore: Williams & Wilkins; 1995:1857. Lidz T, Fleck S, Cornelison A. Schizophrenia and the Family. New York: International Universities Press; 1965. Minuchin S. Families and Family Therapy. Cambridge, MA: Harvard University Press; 1974. O’Leary KD, Beach SR. Marital therapy: a viable treatment for depression and marital discord. Am J Psychiatry. 1990;147:183. Sadock V. Marital therapy. In: Kaplan HI, Sadock BJ, eds. Comprehensive Textbook of Psychiatry. 2nd ed. Baltimore: Williams & Wilkins; 1995:1886.
Satir V. Conjoint Family Therapy. Palo Alto, CA: Science & Behavior; 1967. Scharff D, Scharff J. Object Relations Family Therapy. New York: Aronson; 1987. Solomon P. Draine J, Mannion E, Meisel M. Impact of brief family psychoeducation on self-efficacy. Schizophr Bull. 1996;22:41. Steinglass P. Family therapy: Kaplan HI, Sadock BJ, eds. Comprehensive Textbook of Psychiatry. 6th ed. Baltimore: Williams & Wilkins; 1995:1838. Tatum DW, DelCampo RL. Selective mutism in children: a structural family therapy approach to treatment. Contemp Fam Ther. 1995;17:177. Vansteenwegen A. Who benefits from couple therapy? A comparison of successful and failed couples. J Sex Marital Ther. 1996;22:63.
35.5 Biofeedback O biofeedback conta com instrumentação para medir momento a momento o feedback sobre processos psicológicos. Fornece aos pacientes informações sobre seu desempenho em várias situações. Usando esse método, é possível controlar funções fisiológicas com o intuito de mudá-las. O biofeedback baseia-se na idéia de que o sistema nervoso autônomo pode estar sujeito a controle voluntário mediante condicionamento operante. Seus benefícios podem ser aumentados pelo relaxamento que os pacientes são treinados a facilitar. TEORIA Neal Miller demonstrou o potencial médico do biofeedback referindo que o sistema nervoso autônomo, em geral involuntário, pode ser condicionado pelo uso de feedback adequado. Por meio de instrumentos, os pacientes adquirem informação sobre a situação de funções biológicas involuntárias, como temperatura e condutividade elétrica da pele, tensão muscular, pressão arterial, taxa cardíaca e atividade de onda cerebral. Assim, aprendem a regular um ou mais desses estados biológicos que afetam os sintomas. Por exemplo, pode-se aprender a elevar a temperatura das mãos para reduzir a freqüência de enxaquecas, palpitações, ou angina pectoris. Presume-se que os pacientes diminuam a ativação simpática e auto-regulem, de forma voluntária, tendências vasoconstritoras da musculatura lisa arterial. MÉTODOS Instrumentação O instrumento de feedback utilizado depende do paciente e do problema específico. Os mais utilizados são o eletromiograma (EMG), que mede os potenciais elétricos de fibras musculares; o eletroencefalograma (EEG), que mede ondas alfa que ocorrem em estados relaxados; o calibrador de resposta cutânea galvânica (GSR), que mostra condutividade cutânea diminuída durante um
PSICOTERAPIAS
estado relaxado; e o termistor, que mede a temperatura da pele (a qual cai durante tensão devido à vasoconstrição periférica). Os pacientes são ligados a um dos instrumentos que mede uma função fisiológica e traduz a medição para um sinal audível ou visual, utilizado para estimar suas respostas. Por exemplo, no tratamento de bruxismo, um EMG é ligado ao músculo masseter. Ele emite um tom alto quando o músculo é contraído e um tom baixo quando em repouso. Os pacientes podem aprender a alterar o tom para indicar relaxamento. Recebem feedback sobre o músculo masseter, o tom reforça a aprendizagem, e a condição melhora – todos esses eventos interagindo de maneira sinérgica. Aplicações clínicas muito menos específicas (p. ex., tratamento de insônia, dismenorréia e problemas de fala, melhora de desempenho atlético, tratamento de transtornos volitivos, alcance de estados alterados de consciência, manejo de estresse e suplementação de psicoterapia para ansiedade associada a transtornos so-
1009
matoformes) utilizam um modelo no qual biofeedback de EMG do músculo frontal é combinado com biofeedback térmico e instruções verbais no relaxamento progressivo. A Tabela 35.5-1 resume algumas aplicações clínicas importantes e mostra que uma ampla variedade de modalidades foi utilizada para tratar diversas condições. Terapia de relaxamento O relaxamento progressivo foi desenvolvido por Edmund Jacobson, em 1929. Jacobson observou que Quando o indivíduo se deita “relaxado”, no sentido comum, os seguintes sinais clínicos revelam a presença de tensão residual: a respiração é levemente irregular em tempo e força; a
TABELA 35.5-1 Aplicações de biofeedback Condição
Efeitos
Arritmias cardíacas
Biofeedback específico do eletrocardiograma permitiram que os pacientes diminuíssem a freqüência de contrações ventriculares prematuras. Foi relatado que biofeedback tanto de EMG frontal como o de resistência das vias aéreas produzem relaxamento do pânico associado à asma, bem como melhoram a taxa de fluxo aéreo. Cefaléias de contração muscular são tratadas com mais freqüência com dois grandes eletrodos ativos espaçados sobre a fronte para fornecer informação visual ou auditiva sobre os níveis de tensão muscular. A colocação do eletrodo frontal é sensível à atividade EMG em relação aos músculos frontal e occipital, que o paciente aprende a relaxar. Os altos níveis de atividade EMG nos músculos vigorosos associados a ATM bilaterais foram diminuídos usando biofeedback em pacientes que prendem o maxilar ou têm bruxismo. A estratégia mais comum com cefaléias vasculares clássicas ou comuns tem sido o biofeedback térmico de um dígito acompanhado por frases auto-sugestivas autogênicas encorajando aquecimento das mãos e resfriamento da cabeça. O mecanismo parece ajudar a prevenir vasoconstrição arterial cerebral excessiva, muitas vezes acompanhada por um sintoma prodrômico isquêmico, como escotomas cintilantes, seguido por obstrução de rebote de artérias e estiramento de receptores de dor da parede dos vasos. Inúmeros procedimentos de biofeedback de EEG foram usados de forma experimental para suprimir atividade convulsiva como profilaxia em pacientes não-responsivos a anticonvulsivantes. Os procedimentos permitem aumentar o ritmo de onda cerebral sensório-motora ou normalizar a atividade cerebral computada em monitores de espectro de força em tempo real. Procedimentos de biofeedback de EEG foram usados em crianças com transtorno de déficit de atenção/hiperatividade para treiná-las a reduzir a inquietação motora. Uma variedade de procedimentos de biofeedback específicos (diretos) e não-específicos – incluindo feedback de pressão arterial, resposta cutânea galvânica e feedback térmico de pé-mão combinados com procedimentos de relaxamento – foram utilizados para ensinar os pacientes a aumentarem ou diminuirem sua pressão arterial. Alguns dados de acompanhamento indicam que as mudanças podem persistir por anos e, em geral, permitem a redução ou a eliminação de antihipertensivos. A seqüência rítmica dos esfincteres anais interno e externo foi medida usando cateteres retais de lúmen triplo fornecendo feedback a pacientes incontinentes para lhes permitir a restauração de hábitos intestinais normais em um número relativamente pequeno de sessões. Um precursor real do feedback datando de 1938 era uma campainha para crianças enuréticas adormecidas ao primeiro sinal de umidade (a almofada e a campainha). Dispositivos mecânicos ou uma medição EMG de atividade muscular exibidos a um paciente aumentam a efetividade de terapias tradicionais, conforme documentado por histórias relativamente longas de dano neuromuscular periférico, torcicolo espasmódico, casos selecionados de discinesia tardia, paralisia cerebral e hemiplegias de neurônio motor superior. Mãos e pés frios são concomitantes freqüentes de ansiedade e também ocorrem na síndrome de Raynaud, causada por vasoespasmo de músculo liso arterial. Inúmeros estudos relatam que feedback térmico da mão, um procedimento inexpressivo e benigno com simpatectomia cirúrgica, é efetivo em cerca de 70% dos casos da síndrome.
Asma Cefaléias tensionais
Dor miofascial e da articulação temporomandibular (ATM) Enxaqueca
Epilepsia de grande mal
Hiperatividade Hipertensão idiopática e hipotensão ortostática
Incontinência fecal e enurese
Reabilitação neuromuscular
Síndrome de Raynaud
1010
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
taxa de pulso, em alguns casos, fica um pouco aumentada comparada com testes posteriores; atividades reflexas voluntárias ou locais são reveladas em leves sinais, como franzimento da fronte e das sobrancelhas, movimentos dos globos oculares, pestanejo freqüente ou rápido, movimento inquieto da cabeça, de um membro ou mesmo de um dedo; por fim, a mente continua ativa e, uma vez iniciada, preocupação ou emoção opressiva persistirão. É incrível que um ligeiro grau de tensão possa ser responsável por tudo isso. Aprender a relaxar, portanto, envolve cultivar uma percepção muscular. Para desenvolvê-lo ainda mais, os pacientes são ensinados a isolar e contrair músculos ou grupos musculares específicos, um de cada vez. Por exemplo, flexionam o antebraço enquanto o terapeuta o retém para observar o retesamento no bíceps. (Jacobson usou a palavra “retesamento” em vez de “tensão” para enfatizar o papel do paciente no tensionamento dos músculos.) Uma vez que essa sensação é relatada, Jacobson diria: “É você que está fazendo! O que queremos é o inverso disso – simplesmente não fazer”. Os pacientes são lembrados várias vezes de que o relaxamento não envolve esforço. De fato, “fazer um esforço é ficar tenso e, portanto, não relaxar”. À medida que a sessão avança, os pacientes são instruídos a se soltarem cada vez mais, até passado o ponto em que a parte do corpo parece totalmente relaxada. Assim, com diferentes grupos musculares, com freqüência durante mais de 50 sessões. Por exemplo, uma sessão inteira poderia ser dedicada a relaxar o bíceps. Outro aspecto do método de Jacobson é que as instruções devem ser dadas de forma sucinta, de modo que não interfiram no foco dado às sensações musculares; sugestões comumente usadas hoje (p. ex., “seu braço está ficando mole”) eram evitadas. Os pacientes também ficavam sozinhos, enquanto o terapeuta atendia outros. Adaptação posterior do relaxamento muscular progressivo Joseph Wolpe optou pelo relaxamento progressivo como uma resposta incompatível com ansiedade quando projetou seu tratamento de dessensibilização sistemática (discutido a seguir). Para tanto, o método original de Jacobson era prolongado demais para ser prático. Wolpe abreviou o programa para 20 minutos durante as primeiras seis sessões (dedicando o resto delas a outras coisas, como análise comportamental). Em uma modificação posterior do relaxamento progressivo, os pacientes completavam o trabalho com todos os principais grupos musculares em uma sessão. Os grupos musculares específicos e as instruções para relaxamento progressivo estão listados na Tabela 35.5-2. Uma vez que o paciente tenha dominado o procedimento (em geral, após três sessões), esses são combinados em grupos maiores. Por fim, era possível praticar o relaxamento por lembrança (i. e., sem tensionar os músculos).
TABELA 35.5-2 Resumo da sessão inicial de relaxamento progressivo, todos os grupos musculares Grupo muscular
Instrução
Mão e antebraço dominante Bíceps dominante, tríceps
Feche o punho firmemente, agora Retese a parte superior do braço contrapondo os músculos Feche o punho firmemente, agora Retese a parte superior do braço contrapondo os músculos Levante as sobrancelhas Olhe de lado e franza o nariz Morda com os dentes juntos e puxe os cantos da boca para trás Empurre seu queixo na direção do peito, mas impeça que isso aconteça contrapondo os músculos na frente e atrás Respire fundo, prenda a respiração e empurre os ombros para cima (se sentado) ou para trás (se deitado) Endureça o estômago, como se fosse levar um soco Contraponha extensores e flexores Dorsiflexione o pé Torça os artelhos para cima (não para baixo, para evitar cãibras) Contraponha extensores e flexores Dorsiflexione o pé Torça os artelhos para cima (e não para baixo, para evitar cãibras)
Braço não-dominante, antebraço Bíceps não-dominante Fronte Músculos orbital e nasal Bochechas e maxilar Pescoço e garganta
Peito, ombros, parte superior das costas
Região abdominal ou estômago Coxa dominante Parte inferior da perna dominante Pé dominante Coxa não-dominante Panturrilha não-dominante Pé não-dominante
Adaptada de Bernstein DA, Borkovec TD. Progressive Relaxation Training: A Manual for the Helping Professions. Champaign, IL: Research Press, 1973.
a áreas corporais específicas e ouvirem, em pensamento, frases que reflitam um estado relaxado. Na versão original alemã, os pacientes progrediam ao longo de seis temas durante muitas sessões, as quais são listadas na Tabela 35.5-3, juntamente com frases autogênicas representativas. O relaxamento autogênico é uma modificação norte-americana do treinamento autogênico, no qual todas as seis áreas são abrangidas em uma sessão.
Tensão aplicada Técnica que é o oposto do relaxamento; tensão aplicada pode ser utilizada para neutralizar a resposta de desmaio. O tratamento
TABELA 35.5-3 Exemplos de frases autogênicas Tema
Auto-afirmações
Treinamento autogênico
Peso Calor Regulação cardíaca
Treinamento autogênico é um método de auto-sugestão que se originou na Alemanha. Envolve o fato de os pacientes dirigirem sua atenção
Ajuste da respiração Plexo solar Fronte
“Meu braço esquerdo está pesado”. “Meu braço esquerdo está quente”. “Meu batimento cardíaco está calmo e regular”. “Respira em mim.” “Meu plexo solar está quente”. “Minha fronte está fria”.
PSICOTERAPIAS
estende-se por quatro sessões. Na primeira, os pacientes aprendem a retesar os músculos dos braços, das pernas e do dorso por 10 a 15 segundos (como se estivessem fazendo musculação). A tensão é mantida o suficiente para desenvolver uma sensação de calor no rosto. Então, liberam a tensão, mas não progridem para um estado de relaxamento. A manobra é repetida cinco vezes, com intervalos de meio minuto. Esse método pode ser acrescido de feedback da pressão arterial do paciente durante a contração muscular; se estiver aumentada, sugere que a tensão muscular adequada foi alcançada. Os pacientes continuam a praticar a técnica cinco vezes por dia. Um efeito adverso do tratamento que algumas vezes se desenvolve é dor de cabeça. Nesse caso, a intensidade da contração muscular e a freqüência do tratamento devem ser reduzidas. Pacientes com fobia de sangue e ferimento apresentam uma resposta única, bifásica, quando expostos a um estímulo fóbico. A primeira fase está associada ao aumento dos batimentos cardíacos e da pressão arterial. Na segunda, entretanto, a pressão arterial cai de forma súbita, e o paciente desmaia. Para tratar o problema, uma série de imagens provocativas são mostradas aos pacientes (p. ex., corpos mutilados). Eles são treinados a identificar sinais precoces de desmaio como enjôo, suor frio ou tontura, e a aplicar rapidamente a resposta de tensão muscular aprendida, dependente destes sinais de alerta. Além disso, podem realizar tensão aplicada enquanto doam sangue ou assistem a uma operação cirúrgica. A técnica de tensão isométrica eleva a pressão arterial, que previne desmaio. RESULTADOS Biofeedback, relaxamento progressivo e tensão aplicada demonstraram ser métodos de tratamento efetivos para uma ampla variedade de transtornos. Representam um conjunto de opções de medicina comportamental a partir do que o paciente muda (ou aprende como mudar) comportamentos que contribuem para a doença. Eles formam uma base sobre a qual muitos procedimentos médicos complementares e alternativos são efetivos (p. ex., ioga e Reiki) nos quais o relaxamento é um componente importante. O relaxamento também inspira tratamentos mais tradicionais, como a hipnose. REFERÊNCIAS Baddeley M. Brain wave states and hypnotherapy. Aust J Clin Hynother Hypn. 1999;20:108. Berghmans LC, Frederiks CM, de Bie RA, et al. Efficacy of biofeedback, when included with pelvic floor muscle exercise treatment, for genuine stress incontinence. Neurol Urodyn. 1996;15:37. Burish TG, Jenkins RA. Effectiveness of biofeedback and relaxation training in reducing the side effects of cancer chemotherapy. Health Psychol. 1992;11:17. Linden M, Habib T, Radojevic V. A controlled study of the effects of EEG biofeedback on cognition and behavior of children with attention deficit disorder and learning disabilities. Biofeedback Self Regul. 1996;21:35. McGrady A. A commentary of “Problems inherent in assessing biofeedback efficacy studies.” Appl Psychophysiol Biofeedback. 2002;27:111.
1011
McGrady A, Conran P, Dickey D, et al. The effects of biofeedback-assisted relaxation on cell-mediated immunity, cortisol, and white blood cell count in healthy and adult subjects. J Behav Med. 1992;15:343. Plante TG. Could the perception of fitness account for many of the mental and physical health benefits of exercise? Adv Mind Body Med. 1999;15:291. Sarafino EP, Goehring P. Age comparisons in acquiring biofeedback control and success in reducing headache pain. Ann Behav Med. 2000;22:10. Wehck L, Leu PW, D’Amato RC. Evaluating the efficacy of a biofeedback intervention to reduce children’s anxiety. J Clin Psychol 1996;52:469. Whitehead WE, Drossman DA. Biofeedback for disorders of elimination: fecal incontinence and pelvic floor dyssynergia. Prof Psychol Res Pract. 1996;27:234.
35.6 Terapia comportamental A terapia comportamental representa aplicações clínicas dos princípios desenvolvidos na teoria da aprendizagem. Também conhecida como behaviorismo, surgiu no início do século XX em reação ao método de introspecção que dominava a psicologia nesta época. John B. Watson, o pai do behaviorismo, tinha inicialmente estudado a psicologia animal. A partir dessa experiência, foi um pequeno salto conceitual afirmar que a psicologia deveria preocupar-se apenas com fenômenos publicamente observados (i. e., comportamento manifesto). De acordo com o pensamento behaviorista, desde que o conteúdo mental não seja manifesto, ele não pode ser submetido à investigação científica rigorosa. Em conseqüência, os behavioristas desenvolveram um foco em comportamentos manifestos e em suas influências ambientais. Hoje diferentes escolas comportamentais continuam a compartilhar um foco no comportamento verificável. As visões comportamentais diferem das visões cognitivas ao sustentarem que eventos físicos, mais do que mentais, controlam o comportamento. De acordo com o behaviorismo, fenômenos mentais ou especulações sobre eles são de pouco ou nenhum interesse científico. HISTÓRIA No início da década de 1920, relatos dispersos sobre a aplicação de princípios da aprendizagem ao tratamento de transtornos do comportamento começaram a aparecer, mas tiveram pouco efeito sobre a corrente principal da psiquiatria e da psicologia clínica. Foi apenas na década de 1960 que a terapia comportamental surgiu como uma abordagem sistemática e abrangente de transtornos psiquiátricos (comportamentais), e nesta época, surgiu de forma independente em três continentes. Joseph Wolpe e colaboradores em Johannesburg, África do Sul, usaram técnicas pavlovianas para produzir e eliminar neuroses experimentais em gatos. A partir dessa pesquisa, Wolpe desenvolveu a dessensibilização sistemática, o protótipo de muitos procedimentos comportamentais atuais para o tratamento de ansiedade mal-adaptativa produzida por estímulos identificáveis no ambiente. Quase ao mesmo tempo, um grupo no Instituto de Psiquiatria da Universidade de Londres, em especial Hans Jurgen
1012
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Eysenck e M. B. Shapiro, salientaram a importância de uma abordagem empírica, experimental ao entendimento e ao tratamento de pacientes individuais usando paradigmas experimentais de caso isolado, controlados e a moderna teoria da aprendizagem. A terceira origem da prática foi o trabalho inspirado pela pesquisa do psicólogo de Harvard B. F. Skinner. Seus alunos começaram a aplicar sua tecnologia de condicionamento operante desenvolvida em laboratórios de condicionamento animal a humanos em situações clínicas.
DESSENSIBILIZAÇÃO SISTEMÁTICA Desenvolvida por Wolpe, a técnica baseia-se no princípio comportamental de contracondicionamento, pelo qual a pessoa supera a ansiedade mal-adaptativa induzida por uma situação ou um objeto abordando, de forma gradual, a situação temida, em um estado psicofisiológico que inibe a ansiedade. Na dessensibilização sistemática, os pacientes alcançam um estado de completo relaxamento e são então expostos ao estímulo que induz a resposta de ansiedade. A reação negativa é inibida pelo estado relaxado, um processo chamado inibição recíproca. Em vez de usar situações ou objetos reais que induzem medo, pacientes e terapeutas preparam uma lista gradual ou a hierarquia de cenas provocadoras de ansiedade associadas aos medos. O estado de relaxamento aprendido e as cenas provocadoras de ansiedade são combinados no tratamento de forma sistemática. Portanto, a dessensibilização sistemática consiste de três passos: treinamento do relaxamento, construção de hierarquia e dessensibilização do estímulo. Treinamento do relaxamento Conforme já descrito, o relaxamento produz efeitos fisiológicos opostos aos de ansiedade: taxa cardíaca lenta, fluxo sangüíneo periférico aumentado e estabilidade neuromuscular. Uma variedade de métodos foi desenvolvida. Alguns, como ioga e Zen, são conhecidos há séculos. A maioria dos métodos utiliza o chamado relaxamento progressivo, desenvolvido pelo psiquiatra Edmund Jacobson. Os pacientes relaxam os principais grupos musculares em uma ordem fixa, começando com os grupos musculares pequenos do pé e continuando em direção à cabeça, ou vice-versa. Certos médicos usam hipnose para facilitar o relaxamento ou exercícios gravados em fita para permitir que os pacientes pratiquem relaxamentos sozinhos. O uso de imagens mentais é um método de relaxamento no qual as pessoas são instruídas a se imaginarem em um lugar associado a memórias relaxadas agradáveis. Essas imagens permitem entrar em um estado relaxado ou experimentar (como Herbert Benson denominou) a resposta de relaxamento. As alterações fisiológicas que ocorrem durante o processo são o oposto daquelas induzidas pelas respostas de estresse adrenérgico que constituem muitas emoções. Tensão muscular, taxa respiratória, batimentos cardíacos, pressão arterial e condutância cutânea diminuem. A temperatura e o fluxo sangüíneo para os dedos em geral aumentam. O relaxamento potencializa a variabilidade de freqüência cardíaca respiratória, um índice do tônus parassimpático.
Construção da hierarquia Ao construir uma hierarquia, os médicos determinam todas as condições que induzem ansiedade, e então os pacientes fazem uma lista de 10 a 12 cenas em ordem de ansiedade crescente. Por exemplo, uma hierarquia acrofóbica pode começar com o paciente imaginando-se perto de uma janela no segundo andar e terminar com imaginando-se no telhado de um edifício de 20 andares, inclinando-se em um parapeito e olhando para baixo. A Tabela 35.6-1 fornece um exemplo de construção de hierarquia para medo de água e altura. Dessensibilização do estímulo No passo final, chamado dessensibilização, os pacientes avançam na lista, de forma sistemática, da cena menos provocadora de ansiedade para a mais provocadora, enquanto em um estado profundamente relaxado. A taxa em que os pacientes avançam ao longo da lista é determinada por suas respostas aos estímulos. Quando podem imaginar de forma bastante vívida a cena mais provocadora de ansiedade da hierarquia com tranqüilidade, experimentam pouca ansiedade na situação da vida real correspondente. Uso adjunto de substância Os médicos têm usado várias substância para acelerar o relaxamento, mas elas deveriam ser usadas com cautela e apenas por médicos treinados e experientes em relação aos possíveis efeitos adversos. O barbiturato de sódio de ação ultra-rápida metoexital (Brevital) ou diazepam (Valium) é administrado por via intravenosa em doses subanestésicas. Se os detalhes de procedimento forem seguidos com cuidado, quase todos os pacientes acham-no agradável, com poucos efeitos colaterais. As vantagens da dessensibilização farmacológica são que o treinamento preliminar em relaxamento pode ser encurtado, quase todos os pacientes podem relaxar de maneira adequada, e o próprio tratamento parece prosseguir mais rápido do que sem os medicamentos. Indicações A dessensibilização sistemática funciona melhor quando há um estímulo provocador de ansiedade claramente identificável. Fobias, obsessões, compulsões e certos transtornos sexuais foram tratados com sucesso com essa técnica. EXPOSIÇÃO GRADUAL TERAPÊUTICA A exposição gradual terapêutica é semelhante à dessensibilização sistemática, exceto pelo fato de que o treinamento do relaxamento não é usado e de que o tratamento não costuma ser realizado em um contexto da vida real. Isso significa que o indivíduo deve entrar em contato com (i. e., ser exposto a) o estímulo temido para ficar sabendo que não haverá conseqüências perigosas. A
PSICOTERAPIAS
TABELA 35.6-1 Construção da hierarquia (do menos ansioso ao mais ansioso): medo de água e de altura 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20.
21.
22. 23. 24. 25. 26. 27. 28. 29. 30. 31. 32. 33. 34. 35. 36. 37. 38. 39. 40.
Tomar banho de banheira em casa. Tomar banho de chuveiro em casa. Entrar na parte rasa da piscina. Começar a nadar na parte rasa da piscina, nado de peito apenas. Nadar na parte rasa, fazer o crawl. Saltar na piscina na parte rasa. Saltar na piscina e então nadar o crawl. Nadar na parte rasa, primeiro de peito, depois crawl. Dar um impulso das barras e espirrar água. Nadar no meio da piscina a uma profundidade de 1,60 m. Nadar na parte rasa e depois na parte funda (4 m) Ir para a parte funda da piscina. Assistir a pessoas saltando do trampolim. Ficar em um pé só na parte funda da piscina e dar um pequeno salto na água. Nadar de costas na parte rasa da piscina. Saltar na água na parte rasa da piscina (mergulhar de barriga). Mergulhar de barriga na parte funda da piscina. Correr e mergulhar na parte rasa da piscina. Correr e mergulhar na parte funda da piscina. Nadar três vezes de um lado ao outro na parte funda da piscina sem parar: (a) de peito (b) crawl (c) de costas Saltar na piscina a uma profundidade de: (a) 1,60 m (b) 1,85 m (c) 2,15 m Diversos saltos a 1,85 e 2,15 m, alterando-os, e então permanecer nesta última profundidade. Ir para o primeiro trampolim e saltar na água. Saltar do primeiro trampolim e mergulhar. Mergulhar do primeiro trampolim. Saltar do primeiro trampolim, saltar do segundo trampolim, então mergulhar do primeiro. Saltar do primeiro, do segundo e do terceiro trampolins, então mergulhar do primeiro. Saltar do primeiro, do segundo e do terceiro trampolins, então mergulhar do primeiro e depois do segundo trampolim. Saltar do quarto trampolim, então mergulhar do segundo. Saltar do quinto trampolim e mergulhar do terceiro. Saltar afastado do quinto trampolim, depois mergulhar afastado do quarto trampolim. Saltar do trampolim mais alto, então mergulhar do quarto trampolim. Saltar do trampolim mais alto, então mergulhar do quinto trampolim. Mergulhar do trampolim mais alto. Estímulos aleatórios. Olhar em volta antes de saltar do terceiro trampolim. Olhar em volta antes de saltar do quarto trampolim. Olhar em volta antes de saltar do quinto trampolim. Saltar do quinto trampolim e olhar em volta antes de mergulhar. Saltar do trampolim mais alto e olhar em volta antes de mergulhar.
Reimpressa, com permissão, de Kraft T. The use of behavior in a psychotherapeutic context. In: Lazarus AA, ed. Clinical Behavior Therapy. New York: Brunner/Mazel, 1972:222.
exposição é graduada de acordo com uma hierarquia. Aqueles com medo de gatos, por exemplo, podem progredir de olhar uma figura de um gato a segurar um.
1013
do; entretanto, não há hierarquia. Tal abordagem baseia-se na premissa de que fugir de uma experiência provocadora de ansiedade reforça a ansiedade mediante o condicionamento. Portanto, os médicos podem extinguir a ansiedade e prevenir o comportamento de evitação condicionado não permitindo que os pacientes fujam da situação. Os médicos encorajam-nos a confrontarmos situações temidas diretamente, sem desenvolvimento gradual, como na dessensibilização sistemática, ou exposição gradual. Não são utilizados exercícios de relaxamento, como na dessensibilização sistemática. Os pacientes experimentam medo, que vai diminuindo depois de um tempo. O sucesso do procedimento depende de os pacientes permanecerem na situação geradora de medo até se acalmarem e terem uma sensação de domínio. Retirar-se da situação ou encerrar de forma prematura a cena fantasiada equivale a uma fuga, que reforça tanto a ansiedade condicionada como o comportamento de evitação e produz o efeito oposto do desejado. Em uma variação, chamada inundação imaginária, o objeto ou a situação temida é confrontado apenas na imaginação, não na vida real. Muitos recusam a técnica devido ao desconforto psicológico envolvido. Ela também é contraindicada quando ansiedade intensa seria prejudicial a um paciente (p. ex., para aqueles com doença cardíaca ou adaptação psicológica frágil). O método funciona melhor com fobias específicas. A seguir um exemplo de inundação in vivo. A paciente era uma mulher de 33 anos com medos sociais de comer em público. Em particular, ela tinha medo de ser observada por outros quando mastigava e engolia, particularmente em banquetes. Uma situação planejada foi organizada na qual a mesma vinha para a sessão com a refeição e a bebida preparadas. Ela entrou em uma sala de conferência na qual cinco pessoas em trajes profissionais já estavam sentadas ao longo de uma mesa. Foi instruída a comer na frente desses indivíduos. Entre as porções, foi orientada a olhar para eles com freqüência, os quais tinham ordens de evitar olhá-lha fixamente. Não devia distrair-se de seus sintomas de ansiedade. Tinha de comer sua refeição devagar, prestando atenção ao comportamento dos observadores e a seus sintomas de ansiedade (p. ex., boca seca ou dificuldade para engolir). Nenhuma conversa entre ela e os observadores era permitida. Estes a olhavam e observavam seus comportamentos de mastigação e deglutição, às vezes escrevendo comentários em um caderno. Às vezes, comunicavam-se por cochichos, trocando anotações escritas ou dando olhares e sorrisos de reconhecimento. Outra comunicação ocorreu apenas entre a paciente e o terapeuta, a qual foi limitada aos relatos da paciente em suas unidades subjetivas de classificação de sofrimento. A sessão durou 90 minutos. Note que essa situação pode parecer bastante traumatizante. Entretanto, visto que a sessão é longa e continua até as classificações diminuírem, a paciente tornase dessensibilizada. (Cortesia de Rolf G. Jacob, M.D. e William H. Pelham, M.D.)
INUNDAÇÃO
MODELAGEM PARTICIPANTE
Inundação (às vezes chamado de implosão) é semelhante à exposição gradual na medida em que envolve exposição in vivo ao objeto temi-
Na modelagem participante, os pacientes aprendem um novo comportamento por imitação, primariamente por observação, sem
1014
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
ter que realizar o comportamento até que se sintam prontos. Assim como medos irracionais podem ser adquiridos por aprendizagem, podem ser desaprendidos pela observação de um modelo que não tenha medos, confrontando o objeto temido. A técnica tem sido útil com crianças fóbicas colocadas junto com outras de mesma idade e sexo que abordam o objeto ou a situação temida. Com adultos, o terapeuta pode descrever a realização da atividade temida de maneira calma, de uma forma que o paciente possa identificar. Pode, também, atuar o processo de domínio da atividade temida juntamente com o paciente. Às vezes, uma hierarquia de atividades é estabelecida, com a menos provocadora de ansiedade sendo abordada primeiro. A técnica de modelagem participante tem sido usada com sucesso com agorafobia, em que o terapeuta acompanha o paciente na situação temida. Em uma variação do procedimento, chamada treino de comportamento, problemas da vida real são atuados sob a observação ou direção do terapeuta. O seguinte é o auto-relato de uma paciente com uma fobia de contaminação, que tem medo de tocar objetos por temer ser infectada ou contaminada. Ela descreve suas reações. [A terapeuta] começou tocando tudo muito lentamente. Fui orientada a ir atrás e tocar tudo o que ela tocava. Era como se estivéssemos espalhando a contaminação. Ela tocou as maçanetas das portas, os interruptores de luz, as paredes, os quadros e os enfeites da sala. Abriu as gavetas em cada dormitório e tocou os conteúdos. Abriu armários e tocou as roupas dependuradas nos cabides. Tocou as toalhas e os lençóis no armário de roupa branca. Entrou nos quartos das crianças, tocou nas bonecas, nos bichos de pelúcia, nos brinquedos, nos bonecos do Guerra nas Estrelas e nos livros. [A terapeuta] continuou falando comigo calmamente durante todo o tempo em que ficamos juntas. Fiquei ansiosa quando começamos, mas, conforme continuávamos, meu nível de ansiedade diminuía. Em determinado momento, quando eu tinha começado a pensar que o pior havia passado, ela apontou para a porta do sótão e disse que iríamos entrar. Eu disse: “Não, é aí que os ratos estão”. Ela me disse que eu não gostaria de ter um lugar na minha casa que estivesse fora dos limites. Concordei, mas fiquei muito ansiosa. Foi muito difícil para eu entrar. Comecei tocando as caixas também, mas estava muito perturbada. Então, ela colocou suas mãos no chão e queria que eu fizesse o mesmo. Eu disse: “Não posso. Simplesmente não posso”. Julie disse: “Sim, você pode”. [A terapeuta] passou várias horas comigo naquele dia. Antes de sair, fez uma lista de coisas para eu fazer sozinha. Duas vezes por dia eu tinha que sair pela casa tocando tudo do jeito que ela tinha feito comigo. Tinha que convidar uma amiga minha que tivesse um animal de estimação para vir me visitar e também amigos de meus filhos que tivessem animais de estimação. (Cortesia de Rolf G. Jacobs, M.D. e William H. Pelham, M.D.)
EXPOSIÇÃO A ESTÍMULOS APRESENTADOS POR MEIO DE REALIDADE VIRTUAL Avanços na tecnologia de computadores tornaram possível apresentar sinais ambientais na realidade virtual para tratamento de exposição. Efeitos benéficos foram relatados com exposição à realidade virtual de pacientes com fobia de altura, medo de voar, aracnofobia e claustrofobia. Uma grande quantidade de trabalho experimental está sendo feita no campo. Um modelo utiliza uma imagem (avatar) do paciente caminhando em um supermercado superlotado repleto de outras imagens (incluindo uma do terapeuta) como uma forma de vencer a agorafobia. TREINAMENTO DA ASSERTIVIDADE Para serem assertivas, as pessoas devem ter confiança em seu julgamento e auto-estima suficiente para expressar suas opiniões. O treinamento da assertividade e das habilidades sociais ensina as pessoas a responderem de forma adequada em situações sociais, a expressarem suas opiniões de formas aceitáveis e a alcançarem seus objetivos. Uma variedade de técnicas, incluindo modelagem do papel, dessensibilização e reforço positivo (recompensa de comportamento desejado) são usadas para aumentar a assertividade. O treinamento das habilidades sociais lida com esse aspecto, mas também se atém a uma variedade de tarefas da vida real, como comprar comida, procurar emprego, interagir com outras pessoas e superar a timidez. TERAPIA DE AVERSÃO Quando um estímulo nocivo (punição) é apresentado logo após uma resposta comportamental específica, teoricamente a resposta é inibida e extinguida. Muitos tipos de estímulos nocivos são utilizados: choques elétricos, substâncias que induzem vômito, castigo corporal e desaprovação social. O estímulo negativo é combinado com o comportamento, que é, assim, suprimido. O comportamento indesejado pode desaparecer após uma série dessas seqüências. A terapia de aversão tem sido utilizada para abuso de álcool, parafilias e outros comportamentos com qualidades impulsivas ou compulsivas, mas ela é controversa por muitas razões. Por exemplo, punição nem sempre leva à diminuição de resposta esperada e pode, às vezes, ser reforçadora. A terapia de aversão tem sido utilizada com bom efeito em algumas culturas no tratamento de viciados em opióides (Fig. 35.6-1). DESSENSIBILIZAÇÃO E REPROCESSAMENTO DO MOVIMENTO OCULAR (EMDR) Movimentos oculares sacádicos são oscilações rápidas dos olhos que ocorrem quando se rastreia um objeto que se move para a frente e para trás ao longo da linha de visão. Alguns estudos demonstraram que induzir esses movimentos enquanto o paciente está imaginando ou pensando sobre um evento gerador de ansiedade pode produzir um pensamento ou uma imagem positiva que resulta em diminuição da ansiedade. A técnica tem sido utilizada em transtornos de estresse pós-traumático e fobias.
PSICOTERAPIAS
1015
TABELA 35.6-2 Algumas aplicações comuns de terapia comportamental Transtorno
Comentários
Agorafobia
Exposição gradual e inundação podem reduzir o medo de estar em lugares superlotados. Cerca de 60% dos pacientes tratados melhoram. Em alguns casos, o cônjuge pode servir como modelo enquanto acompanha o paciente na situação temida; entretanto, esse não pode ter um ganho secundário por manter o cônjuge perto e exibir sintomas. A terapia de aversão, na qual se induz o paciente dependente de álcool a vomitar (adicionando um emético ao álcool) toda vez que uma bebida é ingerida, é efetiva no tratamento de dependência de álcool. Dissulfiram (Antabuse) pode ser dado a pacientes dependentes de álcool quando estão livres da substância. Os mesmos são advertidos das conseqüências fisiológicas graves de beber (p. ex., náusea, vômito, hipotensão, colapso) com o agente no sistema. Observar o comportamento alimentar, o manejo da contingência; registrar peso. Registrar episódios bulímicos; diário de humores. Teste de hiperventilação; respiração controlada; observação da direta. Dessensibilização sistemática tem sido efetiva no tratamento de fobias como medos de altura, animais e de voar. Treinamento de habilidades sociais também tem sido utilizado para timidez e medo de outras pessoas. Choques elétricos ou outros estímulos nocivos podem ser aplicados no momento de um impulso parafílico, fazendo-o, eventualmente, diminuir. Choques podem ser administrados pelo terapeuta ou pelo paciente. Os resultados são satisfatórios, mas devem ser reforçados em intervalos regulares. O procedimento de economia de fichas, no qual fichas são concedidas por comportamento desejável e podem ser usadas para obter privilégios na enfermaria, tem sido útil no tratamento de pacientes esquizofrênicos internados. O treinamento de habilidades sociais ensina pacientes de esquizofrenia a como interagir com outros de maneira socialmente aceitável, de modo que feedback negativo seja eliminado. Além disso, o comportamento agressivo de alguns pode ser diminuído por meio desses métodos. Terapia sexual, desenvolvida por William Masters e Virginia Johnson, é uma técnica usada para várias disfunções sexuais, em especial transtorno erétil masculino, transtornos do orgasmo e ejaculação precoce. Utilizam-se relaxamento, dessensibilização e exposição gradual como técnicas primárias. Incapacidade de urinar em banheiro público; exercícios de relaxamento. Avaliação fisiológica; relaxamento muscular, biofeedback (na EMG).
Dependência de álcool
Anorexia nervosa Bulimia nervosa Hiperventilação Outras fobias
FIGURA 35.6-1 Tratamento de viciados no Monastério de Tham Krabok, na Tailândia, alcança um índice de sucesso de 70%, de acordo com seus registros. O tratamento de 10 dias começa com um juramento a Buda de nunca mais usar narcóticos. Então os pacientes recebem um remédio herbáceo que os faz vomitar imediatamente. (Reimpressa, com permissão, de White PT, Raymer S. The poppy – for good and evil. Natl Geogr. 1985,167:187.)
REFORÇO POSITIVO Quando uma resposta comportamental é seguida por um evento gratificante como comida, evitação de dor ou elogio, tende a ser fortalecida e a ocorrer com mais freqüência do que antes da recompensa. Esse princípio foi aplicado em uma variedade de situações. Em enfermarias de hospital, pacientes com transtorno mental recebem uma recompensa por realizar um comportamento desejado, como fichas podem ser utilizadas para comprar artigos de luxo ou certos privilégios. O processo, conhecido como economia de fichas, tem alterado comportamentos com sucesso. A Tabela 35.6-2 apresenta um resumo de algumas aplicações clínicas de terapia comportamental.
Parafilias
Esquizofrenia
Disfunções sexuais
Bexiga tímida
TERAPIA COMPORTAMENTAL DIALÉTICA (TCD) Tem sido utilizada com sucesso em pacientes com transtorno da personalidade borderline e comportamento parassuicida. A prática é eclética, utilizando métodos de terapias de apoio, cognitiva e comportamental. Alguns elementos são derivados da visão de Franz Alexander sobre terapia como uma experiência emocional corretiva, e outros, de certas escolas filosóficas orientais (p. ex., Zen). Os pacientes são vistos todas as semanas, com o objetivo de melhorarem habilidades
Comportamento Tipo A
interpessoais e de diminuirem comportamentos autodestrutivos por meio de técnicas que envolvem conselho, uso de metáfora, narração de histórias e confrontação, entre outros. Indivíduos borderline, em especial, são ajudados a lidar com os sentimentos ambivalentes
1016
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
característicos do transtorno. Marsha Linehan, Ph.D., desenvolveu o método de tratamento com base em sua teoria de que esses pacientes podem identificar experiências emocionais e não conseguem tolerar frustração ou rejeição. Assim como outras abordagens comportamentais, a TCD pressupõe que todo comportamento (incluindo pensamentos e sentimentos) é aprendido e que pessoas borderline comportam-se de maneiras que reforçam ou até gratificam seus comportamentos, independentemente do quanto ele seja mal-adaptativo. Funções da TCD. Conforme descrito por sua criadora, há cinco “funções” essenciais no tratamento: (1) aumentar e expandir o repertório de habilidades comportamentais paciente; (2) melhorar a motivação para a mudança reduzindo o reforço de comportamento maladaptativo, incluindo cognição e emoção disfuncional; (3) assegurar que novos padrões comportamentais generalizem-se do ambiente terapêutico para o ambiente natural; (4) estruturar o ambiente de modo que comportamentos efetivos, mais do que disfuncionais, sejam reforçados; e (5) aumentar a motivação e as capacidades do terapeuta de modo que seja oferecido um tratamento efetivo. A terapia é conduzida em sessões de treinamento de habilidades comportamentais individuais ou de grupo. Tarefa de casa e treino pessoal ou por telefone fazem parte do tratamento. Estruturação ambiental pode ocorrer com membros da família vindo para tratamento com o paciente, mudando o ambiente para apoiar e reforçar melhoras terapêuticas ou treinando-o para intervir em seu próprio ambiente. Por fim, as capacidades e a motivação do terapeuta são tratadas a partir de encontros semanais da equipe visando a melhorar suas habilidades e sua motivação e reduzir a estresse. Em um estudo avaliando o efeito da TCD para pacientes com transtorno da personalidade borderline, houve achados positivos. Os pacientes apresentavam uma taxa de desistência do tratamento baixa, a incidência de comportamentos parassuicidas e o autorelato de irritabilidade diminuíram, e o ajustamento social e o desempenho no trabalho melhoraram. O método está sendo aplicado agora a outros transtornos, incluindo abuso de substâncias, transtornos da alimentação e transtorno de estresse pós-traumático. RESULTADOS A terapia comportamental tem sido bem-sucedida em uma variedade de transtornos (Tab. 35.6-2) e pode ser facilmente ensinada (Tab. 35.6-3). Ela requer menos tempo que outras terapias e não é tão cara para administrar. Embora útil para sintomas comportamentais circunscritos, o método não pode tratar áreas globais de disfunção (p. ex., conflitos neuróticos, transtornos da personalidade). Houve e há controvérsia entre behavioristas e psicanalistas, que é resumida pela declaração de Eysenck: “A teoria da aprendizagem considera sintomas neuróticos simplesmente como hábitos aprendidos; não há neurose por trás dos sintomas, só o próprio sintoma. Livre-se do sintoma e terá eliminado a neurose”. Os teóricos de orientação analítica criticaram essa terapia observando que a simples remoção do sintoma pode levar à substituição de sintomas. Em outras palavras, quando os sintomas não são vistos como conseqüências de conflitos internos e a causa central dos sintomas não é tratada ou alterada, o resultado é a produção de novos sintomas. Entretanto, se isso ocorre ou não é uma questão que continua em aberto.
TABELA 35.6-3 Listagem de competência de habilidades sociais de comportamentos do terapeuta-instrutor 1. Ajuda ativamente o paciente a estabelecer e evocar objetivos interpessoais. 2. Promove expectativas favoráveis, uma orientação terapêutica, e motivação antes que a interpretação de papel comece. 3. Auxilia o paciente na construção de cenas possíveis em termos de “Que emoção ou comunicação?” “Quem é o alvo interpessoal?” “Onde e quando?” 4. Estrutura a interpretação de papel ambientando a cena e atribuindo papéis ao paciente e a substitutos. 5. Encarrega o paciente de treino comportamental – fazendo o paciente interpretar um papel com outros. 6. Usa a si mesmo ou a outros membros do grupo para modelar alternativas adequadas para o paciente. 7. Motiva e dá sugestões ao paciente durante a interpretação do papel. 8. Usa um estilo ativo de treinamento por meio de instrução, sugestão, ficando fisicamente fora de cena, e monitorando estreitamente e apoiando o paciente. 9. Dá ao paciente feedback positivo para habilidades comportamentais verbais e não-verbais específicas. 10. Identifica os déficits ou excessos comportamentais verbais e nãoverbais específicos do paciente e sugere alternativas construtivas. 11. Ignora ou suprime comportamento inadequado e interferente. 12. Modela melhoras comportamentais em incrementos pequenos, alcançáveis 13. Requer do paciente ou sugere um comportamento alternativo para uma situação-problema que possa ser usado e praticado durante o treino comportamental ou interpretação do papel. 14. Avalia déficits na percepção social e na solução de problema e os corrige. 15. Designa tarefas específicas para casa alcançáveis e funcionais. Cortesia de Robert Paul Liberman, M.D., e Jeffrey Bedell, Ph.D.
REFERÊNCIAS Carr JE, Bailey JS. A brief behavior therapy protocol for Tourette syndrome. J Behav Ther Exp Psychiatry. 1996;27:33. Cinciripini PM. Cinciripini LG, Wallfisch A, et al. Behavior therapy and the transdermal nicotine patch: effects on cessation outcome, affect, and coping. J Consult Clin Psychol. 1996;64:314. Collins FL. Thompson JK. The integration of empirically derived personality assessment data into behavioral conceptualization and treatment plan: rationale, guidelines, and caveats. Behav Modif. 1993;17:58. Frea WD, Vittimberga GL. Behavioral interventions for children with autism. In: Austin J, Carr JE, eds. Handbook of Applied Behavior Analysis. Reno, NV: Context Press; 2000:247. Jacob RG, Pelham WH. Behavior therapy. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2080. Kellner R, Neidhardt J, Krakow B, Pathak D. Changes in chronic nightmares after one session of desensitization or rehearsal instructions. Am J Psychiatry. 1992;149:659. Kohlenberg RJ, Tsai M, Kohlenberg BS. Functional analysis in behavior therapy. Prog Behav Modif. 1996;30:1. Linehan MM. Cognitive-Behavioral Treatment of Borderline Personality Disorder. New York: Guilford Press; 1993. Linehan MM. Behavioral treatments of suicidal behaviors: definitional obfuscation and treatment outcomes. In: Maris RW, Canetto SS, eds. Review of suicidology. New York: Guilford Press; 2000:84. McKee MG. Behavioral techniques in pain modification. Cleve Clin J Med. 1989;56:502. Mohr B, Muller V, Mattes R, et al. Behavioral treatment of Parkinson’s disease leads to improvement of motor skills and to tremor reduction. Behav Ther. 1996;27:235.
PSICOTERAPIAS
Muris P, Merckelbach H. Defense style and behavior therapy outcome in a specific phobia. Psychol Med. 1996;26:635. Sayers JHR, Linehan MM. Treating borderline disorder: dialectical behavior therapy. TEN. 2001;3:57. Stanley MA, Beck JG, Averill PM, Baldwin LE, Deagle EA III. Stadler JG. Patterns of change during cognitive behavioral treatment for panic disorder. J Nerv Ment Dis. 1996;184:567. Waldron HB, Flicker SM. Alcohol and drug abuse. In: Hersen M, ed. Clinical Behavior Therapy: Adults and Children. New York: John Wiley & Sons; 2002:474.
35.7 Terapia cognitiva A terapia cognitiva, de acordo com seu criador, Aaron Beck, é “baseada em um racional teórico subjacente de que o afeto e o comportamento de um indivíduo são determinados pela forma como estrutura o mundo”. Uma pessoa estrutura o mundo a partir de sua base de cognições (idéias verbais ou pictóricas acessíveis à consciência) que se baseiam em pressupostos (esquemas desenvolvidos de experiências anteriores). De acordo com Beck:
1017
TABELA 35.7-1 Pressupostos gerais da terapia cognitiva Percepção e experiência em geral são processos ativos que envolvem dados de inspeção e introspecção. As cognições representam uma síntese de estímulos internos e externos. Como as pessoas avaliam uma situação costuma ser evidente em suas cognições (pensamentos e imagens visuais). Tais cognições constituem o fluxo de consciência ou campo fenomenal, que reflete a configuração se tem de si próprios, de seu mundo, de seu passado e de seu futuro. Alterações no conteúdo das estruturas cognitivas subjacentes afetam seus estados afetivos e padrões comportamentais. Com terapia psicológica, os pacientes podem tomar consciência dessas distorções cognitivas. A correção dos construtos disfuncionais defeituosos pode levar a melhora clínica. Adaptada de Beck AT, Rush AJ, Shaw BF, Emery G. Cognitive Therapy of Depression. New York: Guilford Press, 1979:47.
A Tabela 35.7-1 resume os pressupostos gerais que subjazem à terapia cognitiva.
sultam da expectativa que a pessoa tem de fracasso em todas as áreas. Da mesma forma, a paralisia da vontade origina-se do pessimismo e dos sentimentos de desesperança. A tríade cognitiva da depressão é uma autopercepção negativa pela qual as pessoas se vêem como defeituosas, inadequadas, privadas, inúteis e indesejáveis; tendem a experimentar o mundo como negativo, exigente e frustrante e a esperar fracasso e punição; miséria, sofrimento, privação e fracasso contínuo são coisas previsíveis para ela. O objetivo da terapia é aliviar a depressão e prevenir sua recorrência ajudando os pacientes a identificarem e testarem cognições negativas, a desenvolverem esquemas alternativos e mais flexíveis e a ensaiarem tanto novas cognições como respostas comportamentais. Mudar a forma de pensar pode aliviar o transtorno depressivo. A Tabela 35.7-2 compara exemplos de pensamento depressivo típico (denominado pensamento primitivo por Beck) com o pensamento adaptativo (maduro) que a terapia cognitiva tenta promover.
CONSIDERAÇÕES GERAIS
ESTRATÉGIAS E TÉCNICAS
A terapia cognitiva é uma terapia estruturada, de curto prazo, que utiliza colaboração ativa entre paciente e terapeuta para atingir os objetivos terapêuticos, orientada para problemas atuais e sua resolução. Em geral, é conduzida em uma base individual, embora métodos de grupo às vezes sejam úteis. O terapeuta pode também prescrever medicamentos em combinação com terapia. Transtornos depressivos (com ou sem ideação suicida) têm sido o foco principal da terapia cognitiva; entretanto, ela é usada ainda no caso de outras condições, como transtorno de pânico, transtorno obsessivo-compulsivo, transtorno da personalidade paranóide e transtornos somatoformes. O tratamento da depressão pode servir como um paradigma da abordagem cognitiva.
A terapia é relativamente curta, dura cerca de 25 semanas. Se o paciente não melhora nesse período, o diagnóstico deve ser reavaliado. Terapia de manutenção pode ser realizada durante anos. Assim como em outras psicoterapias, os atributos dos terapeutas são importantes para o sucesso da terapia. Esses devem demonstrar afeto, entender a experiência de vida de cada paciente, sendo autênticos e honestos consigo mesmos e com seus pacientes. Devem ser capazes de relacionar-se de forma habilidosa e interativa. Terapeutas cognitivos estabelecem a agenda no início de cada sessão, atribuem tarefa de casa a ser realizada entre as sessões e ensinam novas habilidades. Terapeuta e paciente colaboram ativamente (Tab. 35.7-3). Os três componentes da terapia cognitiva são aspectos didáticos, técnicas cognitivas e técnicas comportamentais.
Se uma pessoa interpreta todas as suas experiências em termos de se é competente e adequada, seu pensamento pode ser dominado pelo esquema. “A menos que faça tudo perfeitamente, sou um fracasso”. Como conseqüência, reage a situações em termos de adequação mesmo quando elas não estão relacionadas a questões de competência.
TERAPIA COGNITIVA DA DEPRESSÃO Aspectos didáticos De acordo com a teoria cognitiva da depressão, disfunções cognitivas são o centro da depressão, e alterações afetivas e físicas, bem como outros aspectos associados da depressão, são conseqüências de disfunções cognitivas. Por exemplo, apatia e energia baixa re-
Os aspectos didáticos da terapia incluem explicar aos pacientes a tríade cognitiva, esquemas e lógica defeituosa. Os terapeutas devem dizer aos pacientes que formularão hipóteses juntos e as tes-
1018
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 35.7-2 Pensamento primitivo versus maduro Pensamento primitivo
Pensamento maduro
Não-dimensional e global: Sou medroso.
Multidimensional: Sou um tanto medroso, bastante generoso e razoavelmente inteligente. Relativista e não-crítico: Sou mais medroso do que a maioria das pessoas que conheço. Variável: Meus medos variam de tempos em tempos e de uma situação para outra. Diagnóstico comportamental: Evito muitas situações, tenho muitos medos. Reversibilidade: Posso aprender formas de encarar situações e combater meus medos.
Absolutista e moralista: Sou um covarde desprezível. Invariável: Sempre fui e sempre serei um covarde. Diagnóstico de caráter: Tenho um defeito de caráter. Irreversibilidade: Uma vez que sou basicamente fraco, não há nada que possa ser feito em relação a isso.
Adaptada de Beck AT, Rush AJ, Shaw BF, Emery G. Cognitive Therapy of Depression. New York: Guilford Press, 1979:31.
TABELA 35.7-3 Psicoterapia cognitiva Objetivo Critério de seleção
Duração Técnicas
Identificar e alterar distorções cognitivas que mantêm sintomas Em grande parte, usada no transtorno distímico Transtornos depressivos não-endógenos Sintomas não sustentados por família patológica Tempo limitado, em geral 15 a 25 semanas, encontros uma vez por semana Empiricismo colaborativo Estruturadas e diretivas Leituras específicas Tarefa de casa e técnicas comportamentais Identificação de crenças irracionais e pensamentos automáticos Identificação de atitudes e suposições que subjazem a pensamentos de propensão negativa
Reimpressa, com permissão, de Ursano RJ, Silberman EK. Individual psychotherapies. In: Talbot JA, Hales RE, Yudofsky SC, eds. The American Psychiatric Press Textbook of Psychiatry. Washington, DC: American Psychiatric Press, 1988:872.
Evocação de pensamentos automáticos. Esses pensamentos, também chamados de distorções cognitivas, são cognições que se interpõem entre eventos externos e a reação emocional da pessoa ao evento. Por exemplo, a crença de que “as pessoas vão rir de mim quando virem como jogo mal boliche” é um pensamento automático que ocorre a qualquer um que tenha sido convidado a jogar boliche e responda de forma negativa. Outro exemplo é o pensamento “ele não gosta de mim” quando alguém passa no corredor sem cumprimentar. Todo transtorno psicopatológico tem seu próprio perfil cognitivo específico de pensamento distorcido, que, se conhecido, fornece uma estrutura para intervenções cognitivas específicas (Tab. 35.7-4). Testagem de pensamentos automáticos. Agindo como professor, o terapeuta ajuda o paciente a testar a validade de pensamentos automáticos. O objetivo é encorajá-lo a rejeitar pensamentos automáticos incorretos ou exagerados após exame cuidadoso. Os pacientes com freqüência se culpam quando coisas que podem muito bem estar fora de seu controle dão errado. O terapeuta revê toda a situação com o paciente e ajuda a reatribuir a culpa ou a causa dos eventos desagradáveis. Apresentar explicações alternativas para esses é outra forma de enfraquecer pensamentos automáticos incorretos e distorcidos. Identificação de pressupostos mal-adaptativos. À medida que paciente e terapeuta continuam a identificar pensamentos automáticos, certos padrões passam a se tornar evidentes. Estes representam regras ou pressupostos gerais mal-adaptativos que guiam a vida do paciente. Exemplos incluem: “Para ser feliz, devo ser perfeito” e “Se ninguém gosta de mim, não sou digno de amor”. Tais asserções, inevitavelmente, levam a decepções e fracasso e, por fim, à depressão (Fig. 35.7-1).
TABELA 35.7-4 Perfil cognitivo de transtornos psiquiátricos Transtorno
Conteúdo
Transtorno depressivo
Visão negativa de si mesmo, da experiência e do futuro Visão distorcida de si mesmo, da experiência e do futuro Medo de perigo físico ou psicológico Interpretações errôneas catastróficas de experiências corporais e mentais Perigo em situações específicas, evitáveis Tendência e interferência negativas por parte dos outros Conceito de anormalidade motora ou sensorial Alertas ou dúvida repetida sobre segurança e atos repetitivos para afastar ameaça Desesperança e déficit na resolução de problemas Medo de ficar gordo ou disforme Atribuição de problema médico grave
Episódio hipomaníaco Transtornos de ansiedade Transtorno de pânico
tarão no decorrer do tratamento. A terapia cognitiva requer uma explicação completa do relacionamento entre depressão e pensamento, afeto e comportamento, bem como a razão para todos os aspectos do tratamento. Essa explicação contrasta com terapias de orientação psicanalítica, que demandam pouca explicação.
Fobias Transtorno da personalidade paranóide Transtorno conversivo Transtorno obsessivocompulsivo
Técnicas cognitivas Comportamento suicida
A abordagem cognitiva da terapia inclui quatro processos: evocação de pensamentos automáticos, testagem de pensamentos automáticos, identificação de pressupostos subjacentes mal-adaptativos e testagem da validade de pressupostos mal-adaptativos.
Anorexia nervosa Hipocondria
Cortesia de Aaron Beck, M.D. e A. John Rush, M.D.
PSICOTERAPIAS
PRESSUPOSTO PRIMÁRIO
Se sou legal (sofro pelos outros, pareço inteligente e bonito), coisas ruins (divórcio, filhos violentos) não vão me acontecer.
PRESSUPOSTO SECUNDÁRIO
É minha culpa quando coisas ruins acontecem (porque não sou legal).
A vida é injusta (porque sou legal e coisas ruins acontecem).
1019
Testagem da validade de pressupostos mal-adaptativos. A testagem de quão verdadeiros são seus pressupostos maladaptativos é semelhante à testagem da validade de pensamentos automáticos. Em um teste particularmente efetivo, os terapeutas pedem que os pacientes defendam a validade de suas suposições. Por exemplo, podem declarar que precisam sempre dar o máximo de si, e o terapeuta pergunta: “Por que isso é tão importante para você?”. A Tabela 35.7-5 dá exemplos de algumas intervenções designadas a evocar, identificar, testar e corrigir as distorções cognitivas que levam a afetos depressivos e dolorosos. Técnicas comportamentais
Fiz meu marido se comportar mal. PENSAMENTOS Arruinei a vida dos meus filhos pedindo o divórcio. AUTOMÁTICOS Nunca tive bons momentos. É porque não sou legal.
AFETO
Tristeza Depressão
Por que não tenho um marido? Deus me enganou. Por que meus filhos agem tão mal? Meu chefe não deveria me criticar.
Raiva
FIGURA 35.7-1 Mapa de fluxo de cognição-afeto. (Reproduzida, com permissão, de Beck AT, Rush AJ, Shaw BF, Emery G. Cognitive Therapy of Depression. New York: Guilford Press, 1979:33.)
As técnicas cognitivas e comportamentais andam de mãos dadas: Estas últimas testam e alteram cognições mal-adaptativas e incorretas. Seus objetivos globais são ajudar os pacientes a entenderem a incorreção de seus pressupostos cognitivos e aprenderem novas estratégias e formas de lidar com os problemas. Dentre as técnicas comportamentais na terapia cognitiva estão programação de atividades, domínio e prazer, atribuições de tarefas graduais, ensaio cognitivo, treinamento de autoconfiança, interpretação de papel e técnicas de diversão. Uma das primeiras coisas feitas na terapia é a programação das atividades da sessão. Os pacientes mantêm registros das atividades e os revisam com o terapeuta. Além disso, eles devem avaliar a quantidade de domínio e prazer que suas atividades lhes trazem. Com freqüência ficam surpresos ao descobrirem que têm muito mais domínio das atividades e as apreciam mais do que imaginavam. Para simplificar a situação e permitir pequenas realizações, os terapeutas costumam dividir as tarefas em subtarefas, como na atribuição de tarefas graduais, para mostrar aos pacientes que po-
TABELA 35.7-5 Erros cognitivos derivados de pressupostos Erro cognitivo
Pressuposto
Intervenção
Generalização excessiva
Exposição da lógica defeituosa. Estabelecer critérios de quais casos são semelhantes e em que grau. Usar diário para identificar sucessos que o paciente esqueceu.
Responsabilidade excessiva (assumir causalidade pessoal)
Se é verdade em um caso, aplica-se a qualquer caso, mesmo que ligeiramente semelhante. Os únicos eventos que importam são fracassos, privação, etc. Deveriam medir-se por erros, fraquezas, etc. Sou responsável por todas as coisas ruins, fracassos, etc.
Assumir causalidade temporal (prever sem evidência suficiente)
Se foi verdade no passado, sempre será verdade.
Auto-referências
Sou o centro da atenção de todos – especialmente meus maus desempenhos. Sou a causa de infortúnios.
Catastrofização
Sempre pensa o pior. É quase provável que lhe aconteça. Tudo é um extremo ou outro (preto ou branco, bom ou ruim).
Expor a lógica defeituosa. Especificar fatores que poderiam influenciar outros resultados além de eventos passados. Estabelecer critérios para determinar quando o paciente é o foco de atenção e também os prováveis fatos que causam experiências ruins. Calcular as reais probabilidades. Foco na evidência de que o pior não aconteceu. Demonstrar que eventos podem ser avaliados em um contínuo.
Abstração seletiva
Pensamento dicotômico
Técnica de desatribuição.
Reimpressa, com permissão, de Beck AT, Rush AJ, Shaw BF, Emery G. Cognitive Therapy of Depression. New York: Guilford Press, 1979:48.
1020
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
dem ser bem-sucedidos. A Tabela 35.7-6 indica os aspectos fundamentais de uma atribuição de tarefas graduais, conforme descrita por Beck. No ensaio cognitivo, pacientes imaginam e ensaiam os vários passos para enfrentar e vencer um desafio. Os indivíduos (em especial os internados) são encorajados a terem autoconfiança fazendo coisas simples, como arrumar suas próprias camas, fazer compras e preparar suas refeições. Esse processo é chamado de treinamento da autoconfiança. Interpretação de papel é uma técnica particularmente poderosa e útil para induzir pensamentos automáticos e aprender novos comportamen-
TABELA 35.7-6 Aspectos fundamentais da atribuição de tarefas graduais Definição do problema – por exemplo, crenças dos pacientes de que não são capazes de alcançar objetivos importantes. Formulação de um projeto. Atribuição gradual de tarefas (ou atividades), da simples à complexa. Observação imediata e direta pelos pacientes de que são capazes de alcançar um objetivo específico (realizar uma tarefa atribuída). O feedback concreto contínuo fornece aos pacientes uma nova informação corretiva em relação à sua capacidade funcional. Ventilação de dúvidas, reações cínicas e depreciação de suas realizações. Encorajamento de avaliação realística acerca do desempenho real. Ênfase no fato de que os pacientes alcançaram objetivos como resultado de seus próprios esforços e habilidades. Planejar atribuições novas, complexas, em colaboração com os pacientes.
tos. Técnicas de diversão ajudam os pacientes a atravessarem períodos difíceis e incluem atividade física, contato social, trabalho, jogo e imagens visuais. Imaginação. O efeito da imaginação sobre o comportamento foi discutido pela primeira vez por Paul Shilder em seu livro The Image and Appearance of the Human Body (A imagem e a aparência do corpo humano) como tendo componentes fisiológicos. Quando as pessoas visualizam-se correndo, de maneira subliminar, ativam os mesmo músculos usados na corrida, o que pode ser medido por eletromiografia. Esse fenômeno é utilizado no treinamento de esportes, em que atletas visualizam cada evento possível em uma atividade esportiva e desenvolvem uma memória muscular para cada atividade. Uma combinação de teorias comportamentais e cognitivas pode ajudar a dominar a ansiedade ou a lidar com situações temidas. A interrupção do pensamento pode tratar o comportamento impulsivo ou obsessivo. Por exemplo, os pacientes imaginam um
TABELA 35.7-8 Indicações para terapia cognitiva
Cognições sobre a medicação (antes de tomá-la): Vicia Serei mais forte se não precisar de remédio. Sou fraco por precisar de remédio (uma muleta). Não vai funcionar para mim. Se não tomo medicação, não sou louco. Não suporto os efeitos colaterais. Nunca vou ficar livre de medicação se começar a tomar. Não preciso fazer nada exceto tomar remédio. Só preciso tomar a medicação nos dias ruins. Cognições sobre medicação (enquanto está tomando): Uma vez que estou perfeitamente bem (nunca estive melhor) após dias ou semanas, o remédio não está funcionando. Eu deveria me sentir bem imediatamente. O remédio vai resolver todos os meus problemas. O remédio não vai resolver os problemas, então como ele pode me ajudar? Não suporto a tontura (ou confusão) ou outros efeitos colaterais. Ela me transforma em um zumbi. Cognição sobre depressão: Não estou doente (não preciso de ajuda). Só pessoas fracas ficam deprimidas. Eu mereço ficar deprimido, já que sou uma carga para todo mundo. A depressão não é uma reação normal a situações ruins? Depressão é incurável. Faço parte da pequena porcentagem dos que que não respondem a nenhum tratamento. A vida não vale a pena, então por que eu deveria superar minha depressão?
Critérios que justificam a administração apenas de terapia cognitiva: Falha em responder a tentativas adequadas de dois antidepressivos Resposta parcial a doses adequadas de antidepressivos Falha em responder ou apenas resposta parcial a outras psicoterapias Diagnóstico de transtorno distímico Humor variável em reação a eventos ambientais Humor variável que se correlaciona a cognições negativas Transtornos somatoformes leves (sono, apetite, peso, libidinais) Teste de realidade (i. e., sem alucinações ou delírios), intervalo de concentração e função de memória adequados Incapacidade de tolerar efeitos de medicação ou evidência de que risco excessivo está associado à farmacoterapia Aspectos que sugerem que apenas terapia cognitiva não é o indicado: Evidência de esquizofrenia, demência, transtornos relacionados a substâncias, retardo mental coexistentes O paciente tem doença médica ou está tomando medicação que provavelmente causa depressão Prejuízo de memória ou teste de realidade pobre (alucinações, delírios) óbvios História de episódio maníaco (transtorno bipolar I) História de membro da família que respondeu a antidepressivo História de membro da família com transtorno bipolar I Ausência de estresses ambientais precipitantes ou agravantes Pouca evidência de distorções cognitivas Presença de transtornos somatoformes graves (p. ex., transtorno doloroso) Indicações para terapias combinadas (medicação mais terapia cognitiva): Resposta parcial ou ausente à tentativa de terapia cognitiva isolada Resposta parcial, mas incompleta, a apenas farmacoterapia adequada Falta de adesão ao regime de medicação Evidência histórica de funcionamento mal-adaptativo crônico com síndrome depressiva de base intermitente Presença de transtornos somatoformes graves e distorções cognitivas marcadas (p. ex., desesperança) Memória e concentração prejudicadas e dificuldade psicomotora marcada Transtorno depressivo maior com perigo de suicídio História de parente de primeiro grau que respondeu a antidepressivos História de episódio maníaco em parente ou no paciente
Reimpressa, com permissão, de Beck AT, Rush AJ, Shaw BF, Emery G. Cognitive Therapy of Depression. New York: Guilford Press, 1979:72.
Adaptada de Beck AT, Rush AJ, Shaw BF, Emery G. Cognitive Therapy of Depression. New York: Guilford Press, 1979:42.
Adaptada de Beck AT, Rush AJ, Shaw BF, Emery G. Cognitive Therapy of Depression. New York: Guilford Press, 1979:39.
TABELA 35.7-7 Cognições que contribuem para a falta de adesão à medicação
PSICOTERAPIAS
1021
TABELA 35.7-9 Principais aspectos de três abordagens psicoterapêuticas para depressão Aspecto
Abordagem psicodinâmica
Abordagem cognitiva
Abordagem interpessoal
Principais teóricos Conceitos de patologia e causas
Freud, Abraham, Jacobson, Kohut Regressão do ego: auto-estima danificada e conflito não-resolvido causado por perda objetal e decepção na infância Promover mudança da personalidade pelo entendimento de conflitos passados; adquirir insight sobre defesas, distorções de ego e defeitos de superego; fornecer um modelo de papel; permitir liberação catártica de agressão Expressiva, empática; análise total ou parcial da transferência e da resistência; confrontação de defesas; esclarecimento de distorções de ego e superego Intérprete, refletor; estabelecimento e exploração da transferência; aliança terapêutica para dependência benigna e entendimento empático Confidência individual total; exclusão de pessoas significativas, exceto em situações potencialmente fatais
Platão, Adler, Beck, Rush Pensamento distorcido: disforia causada por visões de si mesmo, dos outros e do mundo negativas aprendidas Fornecer alívio sintomático pela alteração de pensamentosalvo; identificar cognições autodestrutivas; modificar pressupostos errôneos específicos; promover autocontrole sobre padrões de pensamento Cognitivo-comportamental: registrar e monitorar cognições; corrigir temas distorcidos com testagem lógica e experimental; fornecer conteúdo de pensamento alternativo; tarefa de casa Educador, modelador: relacionamento positivo em vez de transferência; empirismo colaborativo como base para tarefa científica (lógica) conjunta Uso do cônjuge como relator objetivo; terapia de casais para cognições perturbadas mantidas no relacionamento
Meyer, Sullivan, Klerman Weissman Relacionamentos interpessoais prejudicados: vínculos sociais significativos ausentes ou insatisfatórios
Principais objetivos e mecanismos de mudança
Técnicas e práticas primárias
Papel do terapeuta, relacionamento terapêutico
Papel conjugal, familiar
Fornecer alívio sintomático pela resolução de problemas interpessoais correntes; reduzir estresse envolvendo família ou trabalho; melhorar habilidades de comunicação interpessoal Comunicativa, ambiental: esclarecer e tratar relacionamentos mal-adaptativos e aprender novos por meio de treinamento de comunicação e habilidades sociais; fornecer informação sobre a doença Explorador, prescreve medicamentos: relacionamento positivo, transferência sem interpretação; papel ativo para influenciar e defender Papel integral do cônjuge no tratamento: exame do papel deste na predisposição do paciente à depressão e efeito da doença sobre o casamento
Reimpressa, com permissão, de Karasu TB. Psychoterapy for depression. Am J Psychiatry, 1990,147:141.
sinal de pare com um policial ao lado ou uma outra imagem que evoque inibição, ao mesmo tempo em que reconhecem um impulso ou uma obsessão estranho(a) ao ego. De maneira semelhante, a obesidade pode ser tratada orientando os pacientes a visualizarem-se como magros, atléticos, com boa disposição e com bons músculos, e então treiná-los para evocar essa imagem sempre que tiverem um impulso de comer. Hipnose ou treinamento autogênico podem intensificar essa imaginação. Em uma técnica chamada imaginação dirigida, os terapeutas encorajam os pacientes a terem fantasias que podem ser interpretadas como realizações de desejos ou tentativas de dominar afetos ou impulsos perturbadores. EFICÁCIA A terapia cognitiva pode ser usada no tratamento de transtornos depressivos leves a moderados ou em combinação com antidepressivos para transtorno depressivo maior. Estudos demonstraram claramente que a terapia cognitiva é efetiva e, em alguns casos, superior ou igual a medicação usada isoladamente. Tratase de uma das intervenções psicoterapêuticas mais úteis disponíveis para transtornos depressivos, sendo promissora no tratamento de outros transtornos. Essa abordagem também foi estudada como uma forma de aumentar a adesão à prescrição de lítio (Carbolitium®) por pacientes com transtorno bipolar I e como adjunto no tratamento de abstinência de heroína. A Tabela 35.7-7 resume uma série de cognições
negativas que produzem falta de adesão à medicação. A Tabela 35.78 apresenta os critérios de Beck para determinar quando a terapia cognitiva é ou não indicada. A Tabela 35.7-9 resume e compara os principais aspectos de três das abordagens psicoterapêuticas mais utilizadas para o tratamento de depressão, incluindo a terapia cognitiva. REFERÊNCIAS Arntz A, van den Hout M. Psychological treatments of panic disorder without agoraphobia: cognitive therapy versus applied relaxation. Behav Res Ther. 1996;34:113. Asarnow JR, Scott CV, Mintz J. A combined cognitive-behavioral family education intervention for depression in children: a treatment development study. Cognit Ther Res. 2002;26:221. Barlow DH. Cognitive-behavioral approaches to panic disorder and social phobia. Bull Menninger Clin. 1992;56(2 suppl A):14. Beck AT. Cognitive Therapy and the Emotional Disorders. New York: International Universities Press; 1976. Beck AT, Rush AJ, Shaw BF, Emery G. Cognitire Therapy of Depression. New York: Guilford Press; 1979. Carroll KM. Behavioral and cognitive behavioral treatments. In: McCrady BS, Epstein EE, eds. Addictions: A Comprehensive Guidebook. New York: Oxford University Press; 1999:250. Elliott CH, Adams RL, Hodge GK. Cognitive therapy: possible strategies for optimizing outcome. Psychiatr Ann. 1992;22:459. Epstein N, Baucom DH, Rankin LA. Treatment of marital conflict: a cognitive-behavioral approach. Clin Psychoe Rev. 1993;13:45. Garner DM, Rockert W, Davis R, Garner MV, et al. Comparison of cognitive behavioral and supportive-expressive therapy for bulimia nervosa. Am J Psychiatry. 1993;150:37.
1022
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Hoffart A. Cognitive treatments of agoraphobia: a critical evaluation of theoretical basis and outcome evidence. J Anxiety Disord. 1993;7:75. Juster HR, Heimberg RG, Holt CS. Social phobia: diagnostic issues and review of cognitive behavioral treatment strategies. Prog Behao Modif. 1996;30:74. Liberman RP, Green MF. Whither cognitive-behavioral therapy for schizophrenia? Schizophr Bull. 1992;18:27. Pruitt D. Cognitive therapy: efficacy of current applications. Psychiatr Ann. 1992;22:474. Rush AJ. Cognitive therapy in combination with antidepressant medication. In: Beitman BD, Klerman GL, eds. Combining Psychotherapy and Drug Therapy in Clinical Practice. New York: Spectrum; 1984:121. Rush AJ, Beck AT. Cognitive therapy. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2167. Salkovskis PM, ed. Frontiers of Cognitive Therapy. New York: Guilford Press; 1996. Scott J. Cognitive therapy of affective disorders: a review. J Affect Disord. 1996;37:1. Thompson LW. Cognitive-behavioral therapy and treatment for latelife depression. J Clin Psychiatry. 1996;5:29. Warwick HMC, Salkovskis PM. Cognitive-behavioral treatment of hypochondriasis. In: Starcevic V, Lipsitt DR, eds. Hypochondriasis. Modern Perspectives on an Ancient Malady. New York: Oxford University Press; 2001:314.
35.8 Hipnose Herbert Spiegel, que criou o sinal de rotação ocular para capacidade hipnótica (Fig. 35.8-1), define hipnose como um estado de concentração focal e receptividade aumentadas, o qual é exemplificado por um sentimento de involuntariedade. Os movimentos parecem automáticos, e percepções sugeridas podem alterar ou substituir percepções comuns. A prática também foi descrita como um estado de consciência alterado, um estado dissociado e um estado de regressão. Martin Orne considera a hipnose um estado ou condição em que a pessoa pode responder a sugestões apropriadas experimentando percepções, memória ou humor alterados. Seu aspecto fundamental é a mudança experimental subjetiva. Pioneiro na indução hipnótica clínica, Milton Erickson descreveu o processo de transe clínico como “um período livre no qual a individualidade pode florescer”. Os hipnoterapeutas consideram a hipnose clínica e o transe terapêutico como extensões de processos comuns na vida cotidiana. Devaneio e preocupação interior, durante os quais as pessoas parecem simular uma rotina diária de forma automática, são exemplos típicos. Durantes esses períodos, as pessoas focalizam a atenção para dentro de si mesmas; assim como em um estado de transe, o paciente é induzido a ser receptivo a experiências interiores. A visão primária compartilhada por hipnoterapeutas e outros psicoterapeutas é a avaliação e o entendimento das dinâmicas de processos inconscientes no comportamento. HISTÓRIA O médico austríaco Friedrich Anton Mesmer (1734-1815) criou o fenômeno da hipnose, que ele chamava de mesmerismo e acreditava
ser o resultado de “magnetismo animal” ou de um líquido invisível que passava entre o indivíduo e o mesmerizador. Um médico escocês, James Braid (1795-1860), usou o termo hipnose (de hypnos, a palavra grega para “sono”) pela primeira vez na década de 1840, para referir-se ao que acreditava ser um estado específico de sono. No final do século XIX, o neurologista francês Jean-Martin Charcot (1825-1893) considerou o hipnotismo um estado fisiológico especial. Seu contemporâneo Hippolyte-Marie Bernheim (1840-1919) acreditava que este era um estado psicológico de sugestionabilidade aumentada. Sigmund Freud, que tinha estudado com Charcot, usou a hipnose no início de sua carreira para ajudar pacientes a recuperarem memórias reprimidas. Observou que eles reviviam eventos traumáticos enquanto sob hipnose, um processo conhecido como ab-reação. Em seguida, Freud substituiu a hipnose pela técnica de associação livre. Hoje, a prática é usada como terapia (hipnoterapia), método de investigação para recuperar memórias perdidas e instrumento de pesquisa.
CORRELATOS NEUROFISIOLÓGICOS DA HIPNOSE Não há achados neurofisiológicos específicos em uma pessoa em estado hipnotizado. Ao contrário de um indivíduo que dorme, que exibe alterações encefalográficas (EEG) típicas, o hipnotizado tem um EEG mais semelhante ao de alguém totalmente alerta e atento. Muitos pesquisadores encontraram atividade alfa aumentada, mas isso não é um achado consistente. Estudos de tomografia por emissão de pósitrons (PET) mostraram algumas alterações de imagem funcional maldefinidas no córtex frontal de indivíduos hipnotizados. CAPACIDADE E INDUÇÃO HIPNÓTICA Os terapeutas podem utilizar diversos procedimentos específicos para ajudar os pacientes a serem hipnotizados e responderem à sugestão. Esses procedimentos tiram proveito de fenômenos semelhantes à hipnose de ocorrência natural que a maioria das pessoas provavelmente já experimentou. No entanto, como tais experiências quase não são discutidas, os pacientes acham-nas fascinantes. Por exemplo, ao falar sobre hipnose com um paciente, o terapeuta pode perguntar: “Você já teve a experiência de dirigir para casa enquanto pensa em um assunto que o preocupa e, de repente, percebe que, embora tenha chegado são e salvo, não consegue lembrar de ter passado por lugares familiares? Mesmo estando como que adormecido, contudo parou em todos os sinais vermelhos e evitou colisões. Era como se estivesse viajando no piloto automático.” A maioria das pessoas concorda e em geral fica satisfeita ao descrever experiências pessoais semelhantes. Quando percebem que podem ter passado por episódios semelhantes à hipnose, conseguem entender que têm a capacidade de usar o modo hipnótico, que é meramente uma extensão desses estados. Embora os episódios não fossem, necessariamente, estados hipnóticos, o grau com que a pessoa os
PSICOTERAPIAS
SINAL DE ROTAÇÃO OCULAR PARA CAPACIDADE HIPNÓTICA OLHAR ASCENDENTE ROTAÇÃO
FIGURA 35.8-1 A administração do perfil de indução hipnótica pode ser uma parte rotineira da consulta e avaliação iniciais. O teste começa com o sinal de rotação ocular, uma medida presumível de capacidade biológica de experimentar dissociação. No procedimento, diz-se ao paciente: “Mantenha sua cabeça olhando para a frente; enquanto mantém a cabeça nessa posição, olhe para cima, na direção de suas sobrancelhas – agora na direção do topo de sua cabeça (olhar ascendente). Enquanto continua olhando para cima, feche suas pálpebras lentamente (rotação)”. O olhar ascendente e a rotação são classificados em uma escala de 0 a 4 observando-se a quantidade de esclerótica visível entre a pálpebra inferior e a borda inferior da córnea. Se ocorrer um estrabismo interno, o grau é classificado em uma escala de 1 a 3. O escore de estrabismo é somado ao escore de rotação. Esse procedimento leva cerca de cinco segundos. A rotação ocular é uma parte da indução hipnótica, que também é pontuada como um indicador inicial do potencial para experiência hipnótica. (Cortesia de Herbert Spiegel, M.D., Márcia Greenleaf, Ph.D. e David Spiegel, M.D.)
experimenta está correlacionado com a capacidade hipnótica. A Tabela 35.8-1 lista uma variedade de experiências do tipo transe ocorrendo de forma natural que podem ser discutidas com os pacientes e que indicam a capacidade de ser hipnotizado. A Tabela 35.8-2 ilustra os indicadores de indução de transe, conforme publicado por Erickson. O seguinte é um típico protocolo de indução (cortesia de William Holt, M.D.) usado para induzir o estado de transe. Há muitas variações do mesmo, algumas menos diretas do que essa. A apresentada aqui tem mais probabilidade de ser efetiva em pessoas com alto potencial hipnótico. Médico: Respire longa e profundamente – inspire e expire; agora feche os olhos e relaxe. Preste particular atenção aos músculos dentro e ao redor de seus olhos – relaxe-os a ponto de não funcionarem. Você está tentando fazer isso? Bom. Se realmente está com os olhos relaxados, neste exato momento, não importa o quanto você tente, eles não vão abrir. Teste-os. Quanto mais você tenta, mais eles se mantêm unidos, como se estivessem colados. Excelente! Agora pode abrir os olhos; muito bem. Quando eu disser, e não antes, abra e feche os olhos mais uma vez, e, quan-
1023
TABELA 35.8-1 Experiências do tipo hipnótico que ocorrem de forma natural e a porcentagem de pessoas que indicam que tiveram tais experiências Alguma vez você estava em uma sala cheia de pessoas, fazendo parte do grupo, mas mentalmente afastado dele? Alguma vez você ficou inseguro se fez alguma coisa ou apenas pensou em fazer (p. ex., não saber se colocou uma certa carta no correio ou apenas pensou em fazê-lo)? Alguma vez você foi capaz de bloquear sons de sua mente de modo que eles não eram mais importantes? Ou que eles pareciam muito longe? Ou que você não os ouvia mais? Ou que não os ouvia? Alguma vez você ficou tão perdido nos pensamentos que não entendeu o que as pessoas lhe diziam, mesmo quando lhe falavam diretamente e mesmo quando você fazia sinal de concordância? Alguma vez você ficou com o olhar fixo no espaço, na verdade não pensando em nada e mal tendo consciência da passagem do tempo? Alguma vez você teve a experiência de recordar uma experiência passada em sua vida com tanta clareza e vitalidade que era quase como se a vivesse de novo? Ou tanta que parecia o mesmo que vivê-la novamente? Alguma vez você foi capaz de excluir o ambiente ao seu redor de sua mente concentrando-se muito fortemente em alguma outra coisa? Alguma vez você teve a experiência de ler um livro (ou assistir a um jogo) e, enquanto o fazia, realmente esqueceu-se de si mesmo, de seu ambiente e viveu a história com uma realidade e nitidez tão grandes que, por uns instantes, tornou-se quase realidade? Ou realmente pareceu tornarse realidade para você? Alguma vez você entrou em um estado de embriaguez ou adormeceu durante uma leitura ou um concerto, embora não estivesse cansado ou com sono? Alguma vez você se perdeu em seus próprios pensamentos enquanto fazia uma tarefa de rotina tanto que você realmente esqueceu que estava fazendo a tarefa e então descobriu, alguns minutos depois, que a havia completado sem se dar conta de que a estava fazendo?
90% 87%
87%
84%
81%
78%
77%
75%
73%
70%
Cortesia de Martin Orne, M.D., Ph.D. e David Dinges, Ph.D.
do os fechar desta vez, estará 10 vezes mais relaxado do que está agora. Vamos lá, abra e feche, e sinta aquela onda de relaxamento passar por todo o seu corpo, de cima de sua cabeça até a ponta de seus pés. Muito bom! Agora mais uma vez, abra e feche os olhos e, desta vez, quando você os fechar, duplicará o relaxamento que tem agora. Bom. Se você seguiu minhas sugestões, exatamente neste momento, quando eu levantar sua mão e deixá-la cair no seu colo, ela cairá como uma roupa molhada, pesada e mole. Muito, muito bem. Você agora tem um bom relaxamento físico, mas o relaxamento médico consiste de duas fases: física, que você tem agora, e mental, que vou lhe mostrar agora como conseguir. Quando eu disser e não antes, quero que comece a contar de trás para a frente a partir de 100. Sei que você pode fazê-lo; não é atrás disso que estamos. Só quero que você relaxe mentalmente. Conforme você diz cada núme-
1024
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
ESTADO DE TRANSE TABELA 35.8-2 Indicadores de desenvolvimento de transe Ideação autônoma Tonicidade equilibrada (catalepsia) Qualidade de voz alterada Conforto, relaxamento Economia de movimento Alterações e fechamento dos olhos Expressão facial rígida Sentir-se distante Sentir-se bem após o transe Ausência de movimento corporal Ausência de resposta de sobressalto Literalismo Ideação objetiva e impessoal Alterações pupilares Atenção a resposta Retardo de reflexos: Deglutição Pestanejo Alterações sensoriais, musculares e corporais Lentidão e perda de reflexo de pestanejo Pulso lento Respiração lenta Fenômenos hipnóticos espontâneos: Amnésia Anestesia Catalepsia Regressão Distorção de tempo Defasagem de tempo no comportamento motor e conceitual Reimpressa, com permissão, de Erikson M, Rossi EL, Rossi SI. Hypnotic Realities: The Induction of Clinical Hypnosis and Forms of Indirect Suggestion. New York: Irvington, 1976:98.
ro, pare por um momento até sentir uma onda de relaxamento cobrir seu corpo inteiro, do topo de sua cabeça até a ponta de seus pés. Quando sentir esta onda de relaxamento, então diga o número seguinte, e cada vez que disser um número, duplicará o relaxamento que você tinha antes de dizer o número. Se fizer isso de maneira adequada, uma coisa interessante vai acontecer – conforme você diz os números e relaxa, os números seguintes começarão a desaparecer de sua mente. Comande sua mente para dissipar estes números. Agora, em voz alta e bem devagar, comece a contar para trás a partir de 100. Paciente: Cem. Médico: Muito bom. Paciente: Noventa e nove. Médico: Faça-os começar a desaparecer agora. Paciente: Noventa e oito. Médico: Agora eles estão se dissipando, e depois do próximo número todos desaparecerão. Faça-os desaparecer. Deixe os números irem embora. Paciente: Noventa e sete. Médico: E agora eles se foram todos. Se foram? Excelente. Se houver algum número ainda vagando na sua mente, quando eu levantar sua mão e deixá-la cair, todos desaparecerão. Outra técnica, usada por Herbert Spiegel, é referida na Tabela 35.8-3.
Diz-se que pessoas sob hipnose estão em um estado de transe, que pode ser leve, médio ou pesado (profundo). Em um transe leve, há mudanças na atividade motora – os músculos podem estar relaxados, as mãos podem levitar, e parestesia pode ser induzida. Um transe médio é caracterizado por sensação de dor diminuída e amnésia parcial ou completa. Um transe profundo está associado com experiências visuais ou auditivas induzidas e anestesia profunda. Distorção de tempo ocorre em todos os níveis, mas é mais pronunciada no transe profundo. A Tabela 35.8-3 resume alguns dos indicadores de desenvolvimento e aprofundamento de um estado de transe. Os pacientes manifestam as indicações em diferentes graus e em diferentes combinações. Na sugestão pós-hipnótica, a pessoa é orientada a realizar um ato simples ou experimentar determinada sensação após despertar do estado de transe. A sugestão pode fazer com que ela perceba um paladar ruim a cigarros ou a um alimento em particular e, portanto, pode ajudar no tratamento de dependência de nicotina ou obesidade. Sugestões pós-hipnóticas estão associadas com estados de transe profundos. HIPNOTERAPIA Pacientes em transes hipnóticos podem recordar memórias que não são acessíveis à consciência no estado não-hipnótico. Na terapia, tais memórias podem confirmar hipóteses psicanalíticas sobre as dinâmicas de um paciente ou permitir que o mesmo as use como um catalisador para novas associações. Alguns pacientes podem induzir regressão etária, durante a qual reexperimentam eventos que ocorreram no início da vida. Se experimentam os eventos como eles, de fato, ocorreram é uma questão controversa, mas o material evocado pode ser usado para ajudar na terapia. Indivíduos em estado de transe podem descrever um evento com uma intensidade semelhante à sua ocorrência original (ab-reação) e ter uma sensação de alívio como resultado. Os estados de transe desempenham um papel no tratamento de transtornos amnésticos e de fuga dissociativa, ainda que os médicos devam estar cientes de que trazer material reprimido para a consciência muito rapidamente pode ser prejudicial e dominar o paciente com ansiedade. Indicações e usos A hipnose tem sido utilizada, com vários graus de sucesso, para controlar obesidade e para tratar transtornos relacionados a substâncias, como abuso de álcool e dependência de nicotina. Cirurgias importantes foram realizadas sem qualquer anestésico a não ser hipnose. Esta também tem sido aplicada ao tratamento de transtorno de dor crônica, asma, verrugas, prurido, afonia e transtorno conversivo. Os pacientes podem alcançar facilmente relaxamento com hipnose; assim, podem lidar com fobias controlando sua ansiedade. A hipnose também pode induzir relaxamento na dessensibilização sistemática.
PSICOTERAPIAS
1025
TABELA 35.8-3 Instruções para o perfil de indução hipnótica A. Olhar ascendente – Sem mover a cabeça, olhe para mim. Mantendo a cabeça nessa posição, olhe em direção às suas sobrancelhas – agora, em direção ao topo de sua cabeça. B. Rotação ocular – Ainda olhando para cima, feche suas pálpebras lentamente. Muito bem... Feche. Feche, feche, feche. C. Estrabismo – (0-1-2-3-4) D. Sinal de rotação ocular (rotação + estrabismo) = (1-2-3-4) E. Instrução de levitação do braço esquerdo – Respire fundo, prenda... Agora expire, deixe seus olhos relaxarem enquanto mantém as pálpebras fechadas, e deixe seu corpo flutuar. Imagine-se flutuando, flutuando completamente na cadeira... Haverá alguma coisa agradável e bem-vinda nessa sensação de flutuação. Enquanto você se concentra nessa flutuação imaginária, vou me concentrar em seu braço e sua mão esquerdos (toca o braço e a mão do indivíduo). Daqui a pouco vou bater no dedo médio de sua mão esquerda. Após eu fazê-lo, você desenvolverá sensações de movimento neste dedo, então esses movimentos irão de espalhar, fazendo com que sua mão esquerda pareça leve e boiando, e você a deixará flutuar. Pronto? (Bate no dedo e no braço). Primeiro um dedo, depois outro. À medida que esses movimentos agitados se desenvolvem, sua mão esquerda levantará, seu cotovelo se dobrará, seu antebraço flutuará para uma posição elevada – como um balão. (4) (3) (Você pode ter que cingir levemente o pulso do indivíduo para encorajamento não-verbal para o antebraço levantar.) (2-3) Deixe sua mão ficar como um balão. Deixe-a ir. (2) Você tem o poder de deixála flutuar. Muito bem. (1) Ajude-a para que ela suba. (0) (0-1-2-3-4) x 1/2 Agora vou posicionar seu braço desta maneira, assim... (O braço é posicionado com o cotovelo confortavelmente apoiado no braço da cadeira e o antebraço em uma posição perpendicular.) Ele permanecerá nessa posição mesmo após eu lhe dar o sinal para que abra os olhos. Na verdade, mesmo após seus olhos abrirem, quando eu colocar sua mão para baixo, ela flutuará de volta para onde está agora. Você achará essa sensação divertida. Depois, quando eu tocar seu cotovelo esquerdo, sua sensação e controle usuais retornarão. A seguir, toda vez que eu lhe dar o sinal para auto-hipnose, na contagem de um, seus olhos irão girar para cima e no três suas pálpebras fecharão e você estará em um estado de transe relaxado. Você achará a experiência cada vez mais fácil. Agora, vou contar de trás para diante. No dois, novamente seus olhos irão girar para cima com suas pálpebras fechadas. No um deixe-os abrirem muito lentamente. Pronto... três... dois, com suas pálpebras fechadas, gire seus olhos, e um, deixe-os abrirem lentamente. Muito bem, fique nessa posição e descreva que sensações físicas você tem agora em seu braço e mão esquerdos. F. Ela é confortável? Você tem alguma sensação de formigamento? G. Dissociação – Sua mão esquerda parece como se não fosse uma parte de seu corpo tanto quanto sua mão direita? (Sim = 2) Se o paciente disser “não”, pergunte: Sua mão esquerda parece que está ligada ao seu pulso tanto quanto sua mão direita parece? Há uma diferença? (Sim = 1, Não = 0) H. Levitação – pós-indução – Agora observe isto (gentilmente abaixa a mão). (Se a mão levita logo = 4) Continue com reforços conforme necessário em intervalos de três segundos (Primeiro reforço.) Vire a cabeça, olhe para sua mão esquerda, e observe o que vai acontecer. (3) (Segundo reforço.) Concentrado em sua mão esquerda, imagine que ela é um enorme balão flutuante. (2) (Terceiro reforço.) Agora, enquanto imagina que ela é um balão, permita que aja como se fosse um. Muito bem, tenha orgulho disso. (1) (Quarto reforço.) Esta é sua chance de ser ator ou dançarino. Finja que é um balão. Se necessário, imite. Muito bem, ponha-a lá em cima. (0) I. Diferencial de controle – Enquanto ela permanece em uma posição elevada, a fim de comparação, levante sua mão direita. Agora abaixe seu braço direito. Você nota a diferença na sensação de levantar seu braço direito, comparado com o esquerdo? Por exemplo, um braço parece mais leve ou mais pesado do que o outro? Você nota uma diferença relativa em seu senso de controle neste braço comparado com o outro enquanto ele levanta? Em que braço sente mais controle? Opcional: em uma base de mais ou menos, você sente uma diferença no controle? (Sim = 2) Se não tem certeza, pergunte: É exatamente a mesma coisa, ou há uma diferença? (Sim = 1) (Se não ou ainda não tem certeza, teste novamente.) (Sim = 1) (Não = 0) J. Atalho – Agora, observe isto (toque o cotovelo e a parte inferior do braço, então bata de leve nas costas da mão enquanto dá instruções): Feche a mão apertada, bem-apertada, e agora abra. Você nota (toque o cotovelo pela segunda vez e bata no braço) alguma mudança na sensação agora (firme pressão sobre a mão) em sua mão e braço esquerdos? Levante os dois juntos e abaixe-os. Antes havia uma diferença no controle. Ainda existe essa diferença ou o controle está ficando igual? (Sim = 2) (No caso de o atalho não ser completado, continue.) Feche o punho algumas vezes. Muito bem. Abra a mão e agora a abaixe. Agora, feche ambas as mãos ao mesmo tempo. Levante seus antebraços algumas vezes e diga-me quando você sente que seu controle é igual. (Sim = 1) ( Se ainda Não, repetir algumas vezes, escore 0.) K. Amnésia ao atalho – Você vê que a diferença relativa no controle que estava em seu braço não existe mais. Tem alguma idéia do por quê? Alguma coisa que eu disse ou fiz poderia explicar isso? Não ou Sim sem resposta errada = 2. Se o paciente mencionar “cotovelo”, pergunte: O que tem ele? Se não lembrar de ter sido tocado, marque 1. Se especificar “toque no cotovelo” e ter sido tocado, pergunte: Você está deduzindo que toquei seu cotovelo ou lembra se eu fiz isso ou não? Se “deduz”, marque 1. Se lembra, pergunte: Quantas vezes? Se lembrar um toque no cotovelo, marque 1. Se lembrar dois toques, marque 0. L. Sensação de flutuação – Quando levantou o braço esquerdo antes, você teve uma sensação física em seu braço ou sua mão esquerdos que pode descrever como leveza, flutuação ou “estar boiando”? Teve consciência de sensações semelhantes em qualquer outra parte de seu corpo – como cabeça, pescoço, peito, abdome, coxas, pernas ou todo o corpo – ou apenas na mão e no braço esquerdos? Se flutuação em outras partes do corpo além da mão e do braço esquerdos, marque 2. Se flutuação apenas na mão e/ou no braço esquerdos, marque 1. Se nenhuma flutuação, 0. Pontuação _________ Pontuação do perfil (escore de sinal de rotação ocular) ________ ______Intacto: RO = 1-4, Lev e DC 1 ou mais ______Intacto incremental: Lev 2 pontos mais alto do que RO ______Suave: RO maior do que 0, Lev 0, DC 1 ou 2 ______Decréscimo: RO maior do que 0, DC = 0 ______Zero: RO = 0, Lev = 0, DC = 0 ______Zero especial: RO = 0, Lev e/ou DC 1 ou mais Cortesia de Herbert Spiegel, M.D., Marcia Greenleaf, Ph.D. e David Spiegel, M.D.
1026
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Contra-indicações Pacientes hipnotizados estão em um estado de dependência atípica do terapeuta; podem desenvolver forte transferência, caracterizada por um apego positivo que deve ser respeitado e interpretado. Em outros casos, uma transferência negativa pode surgir entre aqueles que são frágeis ou que têm dificuldade para testar a realidade. Pacientes com problemas de confiança básica, como aqueles com paranóia ou que não gostam de abrir mão do controle, como os obsessivo-compulsivos, não são bons candidatos para hipnose. Um sistema de valores éticos seguro é importante para toda terapia, em particular para hipnoterapia, na qual os pacientes (em especial aqueles em transe profundo) são extremamente sugestionáveis e maleáveis. Há controvérsia quanto a se os mesmos podem realizar atos durante um estado de transe que de outro modo achariam repugnante ou que vão contra seu código moral. Medos em relação à hipnose ainda existem, em geral devido à desinformação. REFERÊNCIAS Allison DB, Faith MS. Hypnosis as an adjunct to cognitive-behavioral psychotherapy for obesity: a meta-analytic reappraisal. J Consult Clin Psychol. 1996;64:513. Benson H. Hypnosis and the relaxation response. Gastroenterology. 1989;96:1609. Chaves JF. Hypnosis in the management of anxiety associated with medical conditions and their treatment In: Mostofsky DI, Barlow DH, eds. The management of Stress and Anxiety in Medical Disorders. Needham Heights, MA: Allyn & Bacon; 2000:119. Council JR. Hypnosis and response expectancies. In: Kirsch I, ed. How Expectancies Shape Experience. Washington, DC: American Psychological Association; 1999:383. Eisen ML, Quas JA, eds. Memory and Suggestibility in the Forensic Interview. Personality and Clinical Psychology Series. Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum Associates; 2002:287. Erickson M, Rossi EL, Rossi SI. Hypnotic Realities: The Induction of Clinical Hypnosis and Forms of Indirect Suggestion. New York: Irvington; 1976. Gruzelier J. The state of hypnosis: evidence and applications. Q J Med. 1996;89:313. Hilgard E, Hilgard J. Hypnosis in the Relief of Pain. Lo Altos, CA: Kaufmann; 1983. Lynn SJ, Vanderhoff H, Shindler K, Stafford J. Defining hypnosis as a trance vs. cooperation: hypnotic inductions, suggestibility, and performance standards. Am J Clin Hypn. 2002;44:231. MacHovec F. Hypnosis complications, risk factors, and prevention. Am J Clin Hypn. 1988;31:40. Orne MT, Dinges DF. Hypnosis. In: Kaplan HI, Sadock BJ, eds. Comprehensive Textbook of Psychiatry. 6th ed. Baltimore: Williams & Wilkins; 1996:1807. Patterson DR, Everett JJ, Burns GL, Marvin JA. Hypnosis for the treatment of burn pain. J Consult Clin Psychol. 1992;60:713. Roelofs K, Hoogduin KA, Keijsers GP, et al. Hypnotic susceptibility in patients with conversion disorder. J Abnorm Psychol. 2002;111:390. Spiegel H, Greenleaf M, Spiegel D. Hypnosis. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2128. Valbo A, Eide T. Smoking cessation in pregnancy: the effect of hypnosis in a randomized study. Addict Behav. 1996;21:29.
35.9 Tratamento e reabilitação psicossocial Tratamento e reabilitação psicossocial refere-se ao uso de vários métodos para permitir que pessoas com doenças mentais graves desenvolvam habilidades sociais e vocacionais para uma vida independente. Esse tipo de tratamento é realizado em muitos locais: hospitais, clínicas ambulatoriais, centros de saúde mental, hospitais-dia e clubes. TREINAMENTO DE HABILIDADES SOCIAIS Habilidades sociais são comportamentos interpessoais necessários para a sobrevivência em comunidade, para independência e para estabelecer, manter e aprofundar relacionamentos de apoio, socialmente gratificantes. Transtornos mentais graves como esquizofrenia desorganizam uma ou mais esferas de funcionamento afetivo, cognitivo, verbal e comportamental e prejudicam o potencial da pessoa para apreciar e manter relacionamentos interpessoais, que são a essência da vida social. Médicos desenvolveram pacotes de tratamento denominados treinamento de habilidades sociais, os quais se mostraram efetivos em pacientes com esquizofrenia para reparar déficits em comportamentos sociais. Métodos Role-playing é o instrumento utilizado para avaliar a competência social pré-tratamento do paciente e para treinar excessos ou déficits comportamentais específicos durante o tratamento. As cenas a serem treinadas são selecionadas com base nas dificuldades ou nos problemas do paciente que se aplicam à maioria da população psiquiátrica à qual pertence. As sessões de treinamento variam em duração, de 45 a 90 minutos, dependendo do número de participantes e de seus níveis de funcionamento. Embora o formato do grupo ofereça tanto oportunidades de aprendizagem indireta pela observação de comportamento de outros pacientes como reforço pelos colegas, a experiência é, às vezes, complementada por treinamento individual, que permite um foco mais profundo no comportamento de um único paciente e uma oportunidade para mais prática nas sessões. Os programas de treinamento de habilidades sociais para pacientes com esquizofrenia abrangem habilidades necessárias para conversação, manejo de conflito, assertividade, vida em comunidade, amizade e namoro, trabalho e vocações e manejo de medicação. Cada uma dessas dispõe de diversos componentes. Por exemplo, habilidades de assertividade incluem fazer pedidos, recusar pedidos, fazer queixas, responder a queixas, expressar sentimentos desagradáveis, pedir informação, pedir desculpas, deixar alguém saber que você tem medo e recusar álcool e drogas ilícitas. Cada componente envolve passos específicos. Manejo de conflito inclui habilidades para negociar, comprometer-se, discordar de forma delicada, responder a acusações falsas e não se envolver em situações que ge-
PSICOTERAPIAS
rem muito estresse. A Tabela 35.9-1 resume o treinamento de habilidades sociais para pacientes com esquizofrenia.
1027
des nessa área levarão a uma cascata de déficits no comportamento social. O treinamento de habilidades na percepção social trata desses déficits e ajuda a fornecer uma base para o desenvolvimento de habilidades sociais e de manejo mais específicas.
Objetivos Em uma situação de tratamento, há quatro objetivos principais de treinamento de habilidades sociais: (1) melhorar habilidades sociais em situações específicas, (2) generalização moderada de habilidades adquiridas a situações semelhantes, (3) aquisição ou reaprendizagem de habilidades sociais e de conversação e (4) ansiedade social diminuída. A aprendizagem, entretanto, é tediosa e quase inexistente quando os pacientes estão muito doentes, com sintomas positivos e altos níveis de distratibilidade. Alguns achados limitam a aplicabilidade do treinamento de habilidades sociais. É mais difícil ensinar habilidades complexas de conversação do que ensinar respostas verbais e não-verbais mais curtas, mais discretas em situações sociais. Visto que comportamentos complexos são mais decisivos para gerar apoio social na comunidade, foram desenvolvidos métodos para melhorar a aprendizagem e a durabilidade de habilidades de conversação. Estes, focalizando-se no treinamento de habilidades sociais e de processamento de informação, são discutidos a seguir. Treinamento de habilidades de percepção social. Há pouco foram feitas tentativas de desenvolver estratégias para treinar pacientes no reconhecimento de sinais afetivos e sociais. Aqueles com transtornos psicóticos crônicos, como esquizofrenia, em geral têm dificuldade para perceber e interpretar os sinais afetivos e cognitivos sutis que são elementos essenciais da comunicação. As capacidades de percepção social são consideradas o primeiro passo na solução de problemas afetivos interpessoais; dificulda-
TABELA 35.9-1 Treinamento de habilidades sociais para pacientes esquizofrênicos Habilidades Iniciar comentários positivos Escutar de maneira empática Fazer solicitações positivas por ação Expressar sentimentos negativos diretamente Lidar com hostilidade inesperada e retraimento Reconhecer eventos prazerosos
Resolver problemas
Cortesia de Robert Paul Liberman, M.D.
Comportamentos componentes
Apesar de comparecer a diversas reuniões sociais, Matt sentia-se isolado do resto do grupo. Relatou que esses eventos pareciam “uma confusão de visões e sons”. Seu terapeuta, reconhecendo a dificuldade de Matt com percepção social, fez-lhe uma série de perguntas visando a ajudá-lo a organizar e dar significado aos estímulos sociais que encontrava. Por exemplo, quando estava confuso sobre uma conversa que alguém estava tendo com ele, perguntava a si mesmo: “Qual o objetivo em curto prazo desta pessoa? Em que nível de revelação devo ficar? Eu deveria falar agora ou escutar?”. A identificação das regras e dos objetivos de determinada interação social fornece um padrão para Matt reconhecer e reagir a uma maior variedade de sinais sociais, desse modo aumentando seu repertório comportamental. (Cortesia de Robert Paul Liberman, M.D., Alex Kopelowicz, M.D. e Thomas E. Smith, M.D.) Modelo de treinamento de informação-processamento. Métodos de treinamento que seguem uma perspectiva cognitiva ensinam os pacientes a usar um conjunto de regras que podem ser adaptadas para uso em várias situações. Por exemplo, uma estratégia de resolução de problema de seis passos foi desenvolvida como um paradigma para ajudar pacientes a superar dilemas interpessoais: (1) adotar uma atitude de resolução do problema, (2) identificar o problema, (3) debater soluções alternativas, (4) avaliar as soluções e escolher uma para implementar, (5) planejar a implementação e realizá-la e (6) avaliar a eficácia do esforço e, se ineficaz, escolher outra alternativa. Ainda que o processo gradual, estruturado e linear de resolução de problema ocorra de maneira intuitiva, sem conhecimento consciente em pessoas normais, pode ser um suporte interpessoal útil para ajudar pacientes com prejuízo cognitivo a lidar com a informação necessária para satisfazer suas necessidades sociais e pessoais. TERAPIA AMBIENTAL
Olhar para a outra pessoa Expressão facial agradável Tom de voz suave Dizer o que a outra pessoa fez ou disse e como isso o agradou Identificar o problema Compartilhar os próprios problemas Gerar alternativas Pesar prós e contras de cada alternativa Escolher uma alternativa razoável Planejar como implementar Rever e recompensar o progresso e os esforços
O local da terapia ambiental é um ambiente de moradia, aprendizagem ou trabalho. As características definidoras do tratamento são o uso de uma equipe para fornecer tratamento e o tempo que o paciente passa no ambiente. Adaptações recentes incluem programas de 24 horas situados em locais da comunidade freqüentados pelos pacientes, que fornecem apoio in vivo, manejo de caso e treinamento em habilidades de vida. A maioria dos programas de terapia ambiental enfatiza a interação social e de grupo; regras e expectativas são mediadas por pressão do grupo para normalização da adaptação. Quando os pacientes são vistos como pessoas responsáveis, o papel de paciente fica em segundo plano. A terapia ambiental enfatiza os direitos dos pacientes a objetivos e a terem liberdade de movimento e relacionamento informal com a equipe; além disso, prioriza a participação interdisciplinar e a comunicação clara, orientada para o objetivo.
1028
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Economia de fichas. O uso de fichas, pontos ou créditos como reforçadores secundários ou generalizados pode ser visto como normalizador do ambiente de um hospital mental ou hospital-dia com um programa imitando o uso de dinheiro para satisfazer necessidades instrumentais. As economias de fichas estabelecem as regras e a cultura de uma unidade de pacientes internados ou programa de hospitalização parcial, oferecendo coerência e consistência à equipe interdisciplinar enquanto esta se esforça para promover o progresso terapêutico. Entretanto, estabelecer tais programas é um desafio, e sua ampla disseminação tem sido prejudicada devido aos pré-requisitos de organização e a recompensas e recursos adicionais necessários para criar um ambiente de fato reforçador. A Tabela 35.9-2 lista comportamentos reforçados por fichas. CLUBES E PROGRAMAS PSICOSSOCIAIS DE AUTO-AJUDA Os programas psicossociais de auto-ajuda surgiram durante o final da década de 1940 quando ex-pacientes começaram a se reunir nos chamados clubes sociais para satisfazer suas necessidades de aceitação e apoio emocional. Enfatizando auto-ajuda, interdependência mútua e confiança nas habilidades, o movimento levou ao estabelecimento da Fountain House e de centenas de programas semelhantes por todos os Estados Unidos. Em vez de pensar em si mesmos como pacientes, esses indivíduos tornaram-se membros e formaram grupos e equipes para realizar tarefas, planejar atividades e resolver problemas, e, ao fazê-lo, melhoraram a qualidade de suas vidas. Criando sua própria rede de apoio social, os membros dos clubes psicossociais planejam atividades que constituem experiências de propriedade e necessidades mútuas. Os membros da equipe, em sua maioria não-profissionais ou treinados em reabilitação vocacional, fornecem reações positivas, de aceitação e requerem que os membros obtenham tratamento psiquiátrico, como medicação, em outro lugar. Portanto, o clube tem objetivos de reabilitação, e, não, objetivos clínicos. Durante o dia, passam o tempo envolvidos em atividades como trabalho doméstico, administração de uma lanchonete, auxílio em operações bancárias e orçamento, visitas a amigos hospitalizados, impressão de um jornal, ajuda com autorizações de órgãos sociais, operação da mesa telefônica ou reforma de apartamentos cooperativos.
TABELA 35.9-2 Contingências de reforço na economia de fichas usada na unidade de pesquisa clínica da UCLACamarilloa Ganhos em fichas Levantar de manhã da cama e vestir-se a tempo Realização satisfatória de atividades matinais da vida diária Participação satisfatória em um grupo de treinamento de habilidades sociais ou atividade de terapia recreativa Participação satisfatória na sessão de terapia comportamental individual Participação satisfatória em atividades de lazer (por atividade) Satisfazer critérios para verificações de roupa e arrumação durante o dia (por verificação) Tomar banho satisfatoriamente Completar trabalhos ou tarefas atribuídas na unidade (por trabalho ou tarefa) Participar de atividade de educação adulta ou reabilitação vocacional fora da unidade Multas em fichas Violação da regra de não fumar Deitar no chão Roubar Falsificação de cartão de crédito de fichas Agressão ou destruição de propriedade Retorno atrasado do passeio Reforçadores disponíveis por fichas Cigarros Bebidas (café, chá, refrigerantes, chocolate quente) Lanches (batata frita, pretzels, sorvete, balas) Privilégios de passeio (por meia hora) Ouvir música (por meia hora) Tempo de quarto privado (por meia hora) Videogame, walkman, televisão privada (por meia hora)
3 3 10 10 5 3 3 4 10 5 5 10 10 20 20 4 10 10 4 4 4 4
aEssa economia de fichas utiliza um cartão que pode ser perfurado para documentar os ganhos de fichas e compras. A economia de fichas tem três níveis, que diferem em relação à imediação e ao tipo de reforço e privilégios. No mais alto nível de desempenho, o paciente carrega um “cartão de crédito” e tem total acesso a todos os privilégios e recompensas da unidade sem ter que pagar com fichas. Cortesia de Robert Paul Liberman, M.D.
Uma avaliação de acompanhamento de 18 meses de pessoas que trabalhavam em empregos transitórios revelou que 16% estavam empregados em uma base de tempo integral, e que outros 45% continuavam trabalhando meio período no programa de transição ou estavam freqüentando a escola ou outros programas de treinamento. Apenas 2% estavam em hospitais psiquiátricos no acompanhamento de 18 meses. TERAPIAS PSICOSSOCIAL E MEDICAMENTOSA COMBINADAS
TREINAMENTO VOCACIONAL Uma parte importante da reabilitação psicossocial é capacitar as pessoas para o trabalho. As colocações de emprego são encontradas em lugares normais, de grandes corporações a pequenos negócios e requerem treinamento ou habilidades mínimas. Esses empregos são oportunidades para trabalhar temporariamente com vistas a um emprego de tempo integral em outro lugar ou a um emprego de mais longo prazo em cargos mais elevados. O número de programas de emprego transitório para pessoas mentalmente doentes nos Estados Unidos cresceu, com mais de 500 empregados envolvidos, com salários de mais de quatro milhões de dólares.
Em um transtorno como esquizofrenia, em que a diátese biológica é profunda, a maioria dos pacientes necessita de uma combinação de tratamento psicossocial e medicamentoso. As evidências de muitos estudos sustentam a conclusão de que, quando combinados com antipsicóticos, os tratamentos psicossociais oferecem maior proteção contra recaída e melhor ajustamento social do que cada um usado isoladamente. O consenso desses estudos é que os medicamentos têm um efeito primário sobre a desorganização cognitiva e os sintomas positivos da esquizofrenia e menos impacto sobre o funcionamento psicossocial. O oposto parece ser o caso de terapias sociais e psicossociais. Em combinação,
PSICOTERAPIAS
seu impacto benéfico sobre as necessidades abrangentes de pacientes com esquizofrenia é cumulativo. O terapeuta, portanto, deve ser capaz de fornecer tratamento biológico e psicossocial para responder profissionalmente às necessidades de pacientes esquizofrênicos. Se o terapeuta não é psiquiatra, a colaboração estreita com um desses profissionais é necessária a fim de que a medicação possa ser usada de forma adequada. Bill é um homem de 23 anos com história de cinco anos de esquizofrenia. Ele vinha resistindo a tomar medicação devido aos efeitos adversos que havia experimentado, incluindo acatisia grave, tremores e rigidez muscular. O paciente reconhecia que os agentes tinham diminuído seus sintomas psicóticos e melhorado sua atenção e concentração, mas resistia às tentativas de tornar-se mais submisso aos regimes prescritos. Também relatava que alguns de seus sintomas psicóticos, em particular alucinações auditivas, persistiam em um nível baixo apesar da alteração da dose e do tipo de medicamento. Bill tinha sido hospitalizado uma média de três vezes por ano devido a exacerbações psicóticas desde o início de sua doença. Ele dizia que todos os esforços para tratá-lo “não tinham dado em nada” e que a equipe não tinha dado atenção a seus objetivos e ambições. Nesse ponto, a equipe o iniciou em um processo de estabelecimento de objetivos, no qual ele identificou objetivos de viver de forma independente sem ser hospitalizado, tomando pouca ou nenhuma medicação, e, se possível, arranjar um emprego. Psiquiatra e assistente social aceitaram esses objetivos como saudáveis e começaram a estabelecer metas claras e mensuráveis pra avaliar seu sucesso em busca dos mesmos. Eles então trabalharam com Bill para identificar seus recursos pessoais e os obstáculos que enfrentaria para atingir seus objetivos. O paciente disse que o problema mais frustrante era a falta de entendimento sobre sua doença e seu tratamento, porque isso levava a freqüentes recaídas e, em conseqüência, a rupturas de vida. Em seguida, psiquiatra e assistente social inscreveram-no em um curso designado a aumentar seu entendimento acerca da doença e dos medicamentos usados para tratá-lo. Ele obteve um bom conhecimento prático de como esses medicamentos causavam os efeitos adversos que ele achava tão insuportáveis e aprendeu habilidades de comunicação que o ajudariam a negociar o tipo e a dose de sua medicação. Depois disso, trabalhou com o psiquiatra e concordou em tentar um antipsicótico atípico. Percebeu que a nova medicação resultou em muito menos efeitos adversos extrapiramidais. Por fim, foram-lhe ensinados métodos de manejo – como cantarolar e reduzir a estimulação social – para lidar com as alucinações auditivas persistentes que experimentava. Isso deu a Bill um senso de domínio sobre sua doença, e ele aderiu ao seu regime de medicação. Durante o ano seguinte, experimentou duas recaídas menores, mas buscou a ajuda da equipe de tratamento no início de seus pródromos e não necessitou ser hospitalizado novamente. (Cortesia de Robert Paul Liberman, M.D., Alex Kopelowicz, M.D. e Thomas E. Smith, M.D.)
1029
REFERÊNCIAS Beitchman PD. Psychosocial rehabilitation in residential programs for adults. Int J Ment Health. 1996;24:52. Chwalisz K, Vaux A. Social support and adjustment to disability. In: Frank RG, Elliott TR, eds. Handbook of Rehabilitation Psychology. Washington, DC: American Psychological Association; 2000:537. DeLeon G, Melnick G, Tims FM. The role of motivation and readiness in treatment and recovery. In: Tims FM, Leukefeld CG, eds. Relapse and Recovery in Addictions. New Haven: Yale University Press; 2001:143. Dobson DJ, McDougall G, Busheikin J, Aldous J. Effects of social skills training and social milieu treatment on symptoms of schizophrenia. Psychiatr Serv. 1995;46:376. Dowdy A. Vocational rehabilitation and special education: partners in transition for individuals with learning disabilities. J Learn Disabil. 1996;29:137. Fisher DB. Health care reform based on an empowerment model of recovery of people with psychiatric disabilities. Hosp Community Psychiatry. 1994;45:913. Glueckauf RL, Liss HJ, McQuillen DE, et al. Therapeutic alliance in family therapy for adolescents with epilepsy: an exploratory study. Am J Fam Ther. 2002;30:125. Green MF. Cognitive remediation in schizophrenia: is it time yet? Am J Psychiatry. 1993;150:178. Liberman RP, Kopelowicz A, Smith TE. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:3218. Littrell KH. Psychopharmacology and social reintegration. In: Breier A, Tran PV, eds. Current Issues in the Psychopharmacology of Schizophrenia. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2001:556. Lynch TR, Morse JQ, Vitt CM. Dialectical behavior therapy for depressed older adults. Behav Ther. 2002;25:7. Penk W, Flanney RB Jr. Psychosocial rehabilitation. In: Foa EB, Keane TM, eds. Effective Treatments for PTSD: Practice Guidelines from the International Society for Traumatic Stress Studies. New York: Guilford Press; 2000:224. Piper WE, Joyce AS. Psychosocial treatment outcome. In: Livesey WJ, ed. Handbook of Personality Disorders: Theory, Research, and Treatment. New York: Guilford Press; 2001:323. Reddon JR, Pope GA, Dorias S, Pullan MD. Improvement in psychosocial adjustment for psychiatric patients after a 16-week lite skills education program. J Clin Psychol. 1996;52:169. Sinha R, Schottenfeld R. The role of comorbidity in relapse and recorvey. In: Tims FM, Leukefeld CG, eds. Relapse and Recovery in Addictions. New Haven: Yale University Press; 2001:172. Weiden P. Havens L. Psychotherapeutic management techniques in the treatment of outpatients with schizophrenia. Hosp Community Psychiatry. 1994;45:549.
35.10 Psicoterapia e farmacoterapia combinadas Levantamentos de psiquiatras na prática clínica sugerem que a maioria dos pacientes psiquiátricos recebe tanto medicação como psicoterapia. Essas duas modalidades costumam ser administradas por dois clínicos separados devido a arranjos de planos de saúde que tendem a reembolsar o psiquiatra por tratamento de medicação e um profissional da saúde mental não-psiquiatra por
1030
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
psicoterapia. Em outros casos, o psiquiatra pode fornecer tanto psicoterapia como farmacoterapia. Entretanto, poucos programas de treinamento de residência ensinam tratamento integrado de forma sistemática; portanto, o psiquiatra que combina os tratamentos em um modelo unificado pode ter pouca informação sobre a abordagem ideal à integração. A psiquiatria é a especialidade biopsicossocial máxima, e independentemente de os psiquiatras estarem envolvidos em modelos de tratamento unificados ou de duas pessoas, devem ter uma visão abrangente do paciente que leve em consideração a biologia, a psicologia e aspectos socioculturais tanto de diagnóstico como de tratamento. Na prática, o biológico e o psicossocial muitas vezes se cruzam na combinação criteriosa de abordagens psicoterapêuticas e farmacoterapêuticas. Intervenções psicoterapêuticas e medicação interagem de forma altamente complexa. Na discussão que se segue, essas interações são exploradas, e as implicações clínicas práticas são resumidas. Além disso, a literatura sobre tratamento combinado para uma variedade de transtornos é revista, e os aspectos econômicos de tratamento dividido versus integrado são considerados. TRATAMENTO PSICOTERAPÊUTICO Ao conceitualizar-se como a intervenção psicoterapêutica e a medicação trabalham juntas, duas estratégias podem ser delineadas. Uma é o tratamento psicoterapêutico inerente na prática de farmacoterapia qualificada. Outra é a combinação de psicoterapia formal e prescrição de medicação. Considerando-se a primeira, um bom ponto de partida é o American Psychiatric Association Practice Guidelines on Depression (Orientações Práticas sobre Depressão da Associação Psiquiátrica Americana) que salienta que “tratamento psicoterapêutico” é um componente essencial de todo plano de tratamento com base em medicação. De fato, a indicação de que um bom tratamento clínico tem efeitos psicoterapêuticos é o achado recorrente de que uma condição de placebo em uma experiência controlada costuma ser um tratamento efetivo para um número significativo de pacientes. Apenas perguntando sobre sintomas e fazendo a anamnese, os médicos ajudam-nos a terem consciência das associações entre eventos externos, seu significado e sintomas, o que os leva a desenvolver insight sobre suas doenças. Além disso, ter um médico atencioso escutando e fornecendo ajuda pode ser uma experiência emocional corretiva poderosa para alguns. Outro mecanismo de ação pode envolver a chamada cura transferencial, na qual o paciente melhora para agradar o médico. Muitos princípios psicodinâmicos derivados da psicoterapia aplicam-se também à prática da farmacoterapia. Uma aliança farmacoterapêutica é fundamental para assegurar que o paciente entenda a razão para medicação e concorde com o plano de tratamento, assim como uma aliança psicoterapêutica é essencial para transformar o paciente em um colaborador na psicoterapia. Outros princípios dinâmicos, como transferência, resistência e contratransferência, também são partes integrais da prática de farmacoterapia. Muitos problemas com falta de adesão podem originar-se nesses princípios. A aplicação de construtos psicodinâmicos a problemas de adesão na farmacoterapia é chamada de farmacoterapia dinâmica.
O fenômeno de transferência não está limitado à psicoterapia. Na prática clínica, os pacientes muitas vezes atribuem ao médico qualidades que derivam de figuras em seu passado. Eles podem perceber um psiquiatra como autoritário; além disso, podem recusar-se a cooperar com o plano de tratamento prescrito porque este os lembra de um pai vociferando ordens e tentando controlá-los. Se o psiquiatra ficar irritado com os pacientes por não cooperarem e tornar-se mais insistente, o problema pode piorar, já que o mesmo estará se comportando da maneira autoritária temida. Nesse caso, a contratransferência entrou na equação e afetou a capacidade de colaboração em uma boa aliança. Resistência a tomar medicação pode estar relacionada a problemas de transferência e contratransferência ou a uma ambivalência fundamental sobre melhorar. Em particular, alguns pacientes com depressão podem sentir que cometeram atos tão pecaminosos e nocivos que merecem ser punidos permanecendo deprimidos. Para eles, uma medicação antidepressiva pode ter um significado específico, tal como o potencial de aliviar sofrimento, e podem não aviar a receita ou não tomar os comprimidos conforme prescrito. A medicação pode estar imbuída de uma grande quantidade de outros significados. Muitos pacientes pensam na medicação como uma muleta. Eles podem não fazer distinção entre ser viciado em um narcótico e tomar uma dose de manutenção de medicação antidepressiva. Alguns interpretam a necessidade de medicação como um sinal de fraqueza e param de tomá-la por conta própria assim que os sintomas começam a diminuir. Para outros ainda, ela tem significado associado a um membro da família. O tratamento psicoterapêutico ideal de um paciente de farmacoterapia envolve atenção a essas dimensões psicológicas do relacionamento e à própria medicação. Além disso, os médicos devem empatizar com as percepções de medicação dos pacientes e tentar avaliar seu significado para cada paciente. Boas habilidades de escuta, atenção ao rapport e um esforço sistemático para estabelecer uma boa aliança com base em explicações cuidadosas são partes integrais dessa abordagem à farmacoterapia. MEDICAÇÃO EM COMBINAÇÃO COM PSICOTERAPIA FORMAL Na prática clínica atual, o uso combinado de medicação e psicoterapia é amplamente aceito. Mesmo entre psicanalistas, que foram um dia os críticos mais sonoros do tratamento combinado, prescrever é lugar comum. Em um levantamento de membros da American Academy Psychoanalysts, 90% dos entrevistados disseram que estavam prescrevendo medicação. Em um estudo de casos de treinamento de candidatos a psicanalistas no Centro para Treinamento e Pesquisa Psicanalítica da Columbia University, medicação era combinada com psicanálise em 29% dos casos. Esse fato indica que a medicação não é mais vista como um contaminante que interfere na certificação ou na graduação. Muitos analistas e outros terapeutas observaram que ambas as intervenções funcionam de maneira sinérgica para melhorar os resultados em uma ampla variedade de doenças. Investigações de resultado voltadas para transtornos específicos demonstram vantagens de abordagens combinadas.
PSICOTERAPIAS
Categorias diagnósticas específicas Esquizofrenia. Uma extensa série de estudos examinou a taxa de recaída quando uma forma específica de terapia familiar psicoeducacional é combinada com medicação antipsicótica. Essa investigação se baseia na observação de que altos níveis de emoção expressada (EE) nas famílias de pacientes com a condição prognosticavam recaída após a alta hospitalar. Famílias de alta EE foram caracterizadas como muito intrusivas, críticas e envolvidas em excesso com o paciente que sofre de esquizofrenia. A terapia familiar psicoeducacional visa a ajudar a família a reduzir os fatores que constituem EE e educá-la sobre a doença e a necessidade de continuar a medicação antipsicótica de maneira indefinida. Em um estudo de acompanhamento realizado por uma equipe de investigadores liderada por Gerald Hogarty, o impacto de terapia familiar sobre a prevenção de recaída era tão significativo quanto o impacto dos antipsicóticos. Em outras palavras, a taxa de recaída foi reduzida à metade com a adição de antipsicóticos e reduzida pela metade novamente quando terapia familiar psicoeducacional foi combinada com drogas. A taxa de recaída foi ainda mais reduzida em um ano de acompanhamento quando treinamento de habilidades sociais foi acrescentado à terapia familiar e à medicação. A pesquisa recente sugere que tratamento de grupo envolvendo famílias também é bem-sucedido para reduzir taxas de recaída e é ainda mais custo-efetivo do que terapia familiar individual. Transtorno depressivo maior. A combinação de psicoterapia e medicação foi bastante estudada em pessoas que sofrem de depressão maior. Um estudo com 107 pacientes idosos aleatoriamente designados para nortriptilina (Pamelor), placebo, terapia interpessoal de manutenção mensal com placebo ou terapia interpessoal de manutenção mensal e nortriptilina encontrou uma clara vantagem para o tratamento combinado. As taxas de recorrência durante um período de estudo de três anos foram de apenas 20% quando terapia interpessoal e nortriptilina foram combinadas, comparado com 64% no grupo que recebeu terapia interpessoal e placebo, e 43% no grupo que recebeu apenas medicação. Em um grande estudo de pessoas com depressão maior nãopsicótica crônica, 519 indivíduos foram divididos de forma aleatória em grupos de nefazodona (Serzone), de sistema de psicoterapia de análise cognitivo-comportamental ou de uma combinação dos dois. Oitenta e cinco porcento no grupo de tratamento combinado tiveram respostas positivas, em comparação com apenas 52% no grupo que recebeu apenas psicoterapia e 55% no grupo que recebeu apenas nefazodona. Alguns dados sugerem que medicação e psicoterapia podem funcionar em diferentes sintomas-alvo e em diferentes taxas. Pacientes em terapia interpessoal e terapia cognitivo-comportamental relatam capacidade bem maior de estabelecer e manter relacionamentos interpessoais e de reconhecer e entender as fontes de sua depressão do que aqueles que só recebem apenas antidepressivos ou placebo. Em conseqüência, o uso de ambas as modalidades pode aumentar a amplitude de resposta. A combinação parece particularmente efetiva em pacientes mais angustiados; é mais difícil demonstrar uma clara vantagem do tratamento combinado sobre cada uma das modalidades isoladas em pacientes com depressão leve a moderada.
1031
Transtorno bipolar I. Uma pesquisa menos controlada foi conduzida sobre tratamentos combinados de transtorno bipolar I, embora haja cada vez mais consenso de que intervenções psicossociais são fundamentais no tratamento da maioria dos pacientes. Um estudo alemão examinou as taxas de recaída em 20 pacientes com transtorno bipolar e em 10 com transtorno esquizoafetivo antes e depois de tratamento com terapia familiar sistemática em combinação com medicamentos. A duração média do tratamento foi de 14,7 meses, com uma variação de 0 a 35 meses, e o número médio de sessões foi de 6,60, com uma variação de 1 a 19. A taxa de recaída foi medida pelo número de hospitalizações durante o período de observação. Após terapia familiar, houve uma redução de recaída de 77,6% na amostra total (67,8% para pacientes com transtorno bipolar e 89,8% para aqueles com transtorno esquizoafetivo). Essa redução estatisticamente significativa na taxa de recaída foi acompanhada por uma baixa taxa de hospitalização. Antes da terapia familiar, apenas um de 30 pacientes não necessitou de qualquer hospitalização. Após terapia familiar, 14 de 30 pacientes não requereram de hospitalização. Visto que apenas uma média de 6,6 sessões de terapia familiar foi necessária, essa intervenção também foi efetiva na redução de custos de hospitalização. Diversas características foram observadas nas famílias com taxas de recaída melhoradas. O mais significativo é que nem os pacientes nem os membros de suas famílias viam mais o paciente como vítimas de uma doença além de seu controle. Tanto os membros da família como os pacientes sentiam-se capacitados e tinham adquirido um senso de domínio sobre a doença. Com a crescente consciência de que o lítio (Carbolitium), isolado, não é profilaxia efetiva para muitos indivíduos com transtornos bipolares, a psicoterapia individual tem sido adicionada para aumentar o funcionamento ocupacional e social, encorajar a adesão ao lítio e a outros estabilizadores do humor e acabar com a negação que é tão comum em pacientes bipolares. Muitos negam que sua mania, ou hipomania, seja parte da doença e insistem que ela é parte de quem são. Outros manifestam uma forma de descontinuidade psíquica na qual o “self” maníaco é separado do “self” eutímico, como se os dois não estivessem de forma alguma ligados. Alguns médicos usam filmes ou gravações de pacientes durante um episódio maníaco para ajudá-los a integrar esse aspecto de si mesmos como parte da doença e superar sua negação. Aqueles com transtorno bipolar também podem necessitar de ajuda para realizar o luto de perdas sofridas por meio de seus comportamentos erráticos durante episódios maníacos. Dois estudos demonstraram que a adição de uma intervenção psicoterapêutica melhora a adesão à medicação. Muitos pacientes reconheceram que a psicoterapia foi um adjunto importante em seu tratamento global. Transtorno de pânico. Uma experiência controlada aleatória muito bem-conduzida demonstrou que combinar terapia cognitivocomportamental e imipramina (Tofranil) para o tratamento de transtorno de pânico oferece clara vantagem no acompanhamento de longo prazo, comparado com cada um dos tratamentos isolados. Nenhuma vantagem da combinação de tratamentos é demonstrável quando a combinação de terapia comportamental e benzodiazepínicos é comparada com cada uma das modalidades isoladamente.
1032
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Um estudo escandinavo comparou clomipramina (Anafranil) isolada para pacientes com transtorno de pânico com clomipramina e 15 sessões semanais de psicoterapia dinâmica. Todos os pacientes em ambos os grupos de tratamento estavam livres de pânico dentro de 26 semanas. No término do tratamento com clomipramina após nove meses, a taxa de recaída era muito mais baixa no grupo de clomipramina-psicoterapia. Os investigadores concluíram que a terapia dinâmica reduz a vulnerabilidade psicossocial associada ao transtorno de pânico. A seleção de pacientes pode requerer terapia de casais ou familiar em combinação com medicação, terapia comportamental, ou ambas. Uma mulher de meia idade estava praticamente confinada à casa devido à ansiedade em relação a ter um ataque de pânico no shopping. O marido tinha se adaptado a seu transtorno em grande grau, e realizava tarefas de rotina como fazer compras no supermercado por ela. Quando ela foi tratada com sucesso com exposição mais imipramina, descreveu deterioração em seu relacionamento conjugal. O psiquiatra pediu que ela trouxesse seu marido junto para a sessão. Logo tornou-se evidente que o marido era altamente ambivalente sobre sua melhora porque estava convencido de que ela se sentiria atraída por outro homem quando saísse para fazer compras e teria um caso extraconjugal. Sua raiva ciumenta o tinha levado a tornar-se controlador da esposa em casa, e ela se perguntava se não seria melhor que ela simplesmente voltasse a ser incapaz de sair de casa de novo. Isso reflete como um casal pode alcançar um equilíbrio em torno de uma doença. Sem atenção às questões conjugais que apóiam e mantêm um transtorno, há pouca probabilidade de que a melhora seja duradoura. Transtorno obsessivo-compulsivo. O tratamento do transtorno obsessivo-compulsivo em geral toma uma de duas direções. Inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs) com freqüência causam melhoras sintomáticas significativas nos pacientes. Clomipramina também é útil, mas efeitos adversos perturbadores tornam aqueles os agentes preferidos. Cerca de três quartos de pacientes que aderem à terapia comportamental e, de forma consciente, aplicam as técnicas apresentam melhora continuada nos sintomas. Visto que os benefícios decorrentes dos ISRSs são limitados em termos de redução global de sintomas em pacientes que recaem rapidamente quando os agentes são interrompidos, há uma forte razão para combinar terapia comportamental e ISRSs. Alguns estudos sugerem melhoras de curto e de longo prazos, bem como resposta mais rápida quando ambos os tratamentos são utilizados. A terapia comportamental também oferece a possibilidade de parar a medicação sem recaída. Apesar de alguns dados sugestivos, entretanto, os relatos publicados até agora não são inteiramente convincentes sobre as vantagens de combinar medicação e terapia comportamental. No total, a combinação de tratamentos parece produzir um melhor resultado do que medicação isolada, mas não tanto quanto terapia comportamental sozinha. Contudo, para manter resultados
significativos, esta última custa ao paciente tempo, energia e dinheiro. Sessões de terapia diárias costumam ser conduzidas por várias semanas. Quando as sessões acabam, espera-se que os pacientes dediquem uma boa parte de seu dia a trabalho de exposição. Em conseqüência, nem sempre pode ser prático fornecer terapia comportamental nessa intensidade, e muitos pacientes podem beneficiar-se com exposição menos intensa acompanhada pelo uso de ISRSs. Dependência de substâncias. Tanto psicoterapia como metadona (Metadon) mostraram sucesso encorajador com pacientes dependentes de opióide. Também há dados que indicam até resultados melhores com a combinação das duas abordagens. Em uma experiência controlada, aleatória, comparando tratamentos, pacientes dependentes de opióide foram divididos em três grupos. Um deles recebeu apenas metadona e quase nenhuma psicoterapia. Outro recebeu metadona em associação com encontros com um conselheiro, que eram orientados para intervenções comportamentais. O último recebeu acompanhamento intensificado envolvendo a mesma dose de metadona e a mesma forma de aconselhamento, mas os pacientes também recebiam recursos adicionais, incluindo um conselheiro de emprego de meio período, um psiquiatra em tempo integral e um terapeuta de família de meio período. A análise dos resultados dessa experiência mostrou que os grupos que receberam psicoterapia tiveram maior poder de ganho, menos ajuda da previdência social e taxas de hospitalização mais baixas do que o grupo que não recebeu psicoterapia. Além disso, um impacto benéfico sobre custos pode ser pressuposto devido à taxa reduzida de hospitalização quando a psicoterapia foi acrescentada. Os investigadores também notaram que o aumento do valor dos serviços combinados em relação ao aconselhamento simples no segundo grupo indicou que terapia familiar, presença de um psiquiatra e aconselhamento de emprego foram intervenções altamente úteis. Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH). A combinação de metilfenidato (Ritalina) e tratamento comportamental intensivo foi testada há pouco em uma experiência controlada aleatória que utilizou metilfenidato isolado como tratamento de controle. Embora a combinação não exibisse benefícios muito maiores do que o metilfenidato isolado para os sintomas centrais do transtorno produziu vantagens modestas para resultados de funcionamento positivo e para sintomas não-TDAH. Transtornos da alimentação. Tanto medicação como psicoterapia costumam ser utilizadas no tratamento de pacientes com transtornos da alimentação. Um estudo comparando terapia cognitivo-comportamental mais um antidepressivo com cada tratamento sozinho revelou que o tratamento combinado resultou em melhora mais significativa na compulsão alimentar e na depressão do que placebo e tratamento psicológico ou um antidepressivo isolado. Transtorno da personalidade borderline. Ainda que tanto psicoterapia como farmacoterapia tenham demonstrado ser efetivas no tratamento de sintomas associados a transtorno da personalidade borderline, a combinação de ambas as abordagens não foi investigada de forma sistemática. Contudo, cada vez mais a literatura clínica sugere que a estratégia ideal para esses pacientes é combinar psicoterapia e medicação.
PSICOTERAPIAS
Intervenção psicofarmacológica para essa condição é um novo campo de estudo, e alguns dados preliminares indicam que certos medicamentos podem servir como valiosos acréscimos à psicoterapia. Visto que os sintomas do transtorno variam, uma abordagem que se atenha ao sintoma é recomendada. Problemas de descontrole cognitivo, como estados paranóides breves, com freqüência respondem bem a baixas doses de neurolépticos. Problemas relacionados a impulsividade e descontrole comportamental podem responder de forma adequada à carbamazepina ou talvez ao carbonato de lítio. Muitos pacientes com transtorno da personalidade borderline são co-mórbidos para transtorno depressivo maior no Eixo I. Agentes tricíclicos não demonstraram ser efetivas nesses casos, mas os inibidores da monoaminoxidase se mostraram promissores, particularmente para pacientes com depressão atípica envolvendo os chamados sintomas paradoxais, como hiperfagia e hipersonia. Além disso, estudos controlados duplo-cegos recentes são altamente encorajadores em relação ao uso de ISRSs. Em um estudo, indivíduos recebendo fluoxetina mostraram melhora em uma ampla variedade de áreas, incluindo depressão, ansiedade, paranóia, psicoticismo, sensibilidade interpessoal, obsessividade, hostilidade e funcionamento global, comparados com o grupo de placebo. Um segundo estudo usando fluoxetina indicou que a intensa raiva de pacientes com transtorno da personalidade borderline parece ser afetada, de forma positiva, pela medicação. Em conseqüência, quando ISRSs são usados em conjunto com psicoterapia, os pacientes podem ser capazes de refletir e pensar de forma mais clara porque a raiva e outros afetos intensos são reduzidos pela medicação. Essa melhora na regulação afetiva pode permitir que os pacientes colaborem com os terapeutas com mais empenho. Um dos aspectos centrais da psicopatologia borderline é a dificuldade em tolerar solidão. Durante as férias do terapeuta, alguns pacientes começam a deteriorar: devido a uma falta de constância objetal, desenvolvem ansiedades de que seus terapeutas desapareçam e nunca mais voltem. Pílulas prescritas pelos psicoterapeutas podem servir como um objeto de transição que representa o terapeuta durante sua ausência. Alguns pacientes, ao olharem para a pílula ou para o nome do terapeuta no rótulo, experimentam um efeito calmante. Por fim, a literatura sugere que pelo menos metade desses pacientes abusa de medicamentos prescritos. Psicoterapia em combinação com medicação pode ser efetiva para revelar o significado do abuso e para explorar as manifestações de transferência dessas formas de comportamento de atuação. Visto que a possibilidade de suicídio é um problema freqüente entre esses indivíduos, o entendimento psicoterapêutico do terapeuta também pode ajudar a prevenir superdosagens de medicamentos prescritos. CONSIDERAÇÕES GERAIS Ao se considerar várias combinações de farmacoterapia e psicoterapia, dois modelos são comumente utilizados na prática clínica hoje. O modelo unificado envolve o fato de o psiquiatra conduzir a psicoterapia e prescrever medicação para o mesmo paciente ao mesmo tempo. O modelo de duas pessoas divide as funções de
1033
modo que o médico que conduz a psicoterapia e o que prescreve a medicação são indivíduos separados. Essas são, naturalmente, considerações práticas para decidir que modelo utilizar. Se o psicoterapeuta não se sente competente para prescrever certos medicamentos, o consultor de psicofarmacologia deve estar envolvido. Por outro lado, se o psicofarmacologista não se sente qualificado o suficiente para realizar a psicoterapia, o paciente deve ser encaminhado a um psicoterapeuta. Uma companhia de planos de saúde pode estipular, por razões econômicas, que o psicoterapeuta pode ver o paciente por apenas 15 minutos para prescrever, enquanto a psicoterapia é realizada com um terapeuta não-médico menos dispendioso. Em outra situação comum, a psicoterapia começa com o terapeuta não-médico, o paciente torna-se deprimido, e uma consulta com o psicofarmacologista é então requisitada. Supondo, entretanto, para fins de discussão, que o psiquiatra é o terapeuta primário e é competente em ambas as modalidades de tratamento, diversos fatores devem ser levados em consideração para decidir que abordagem recomendar. Modelo unificado Assim como um físico que pensa ao mesmo tempo em termos de partículas e ondas, o psiquiatra deve pensar sobre um cérebro disfuncional e uma mente sofredora como parte de um todo. Na prática, isso pode exibir uma alternância flexível entre uma abordagem empática, introspectiva, subjetiva, por um lado, e uma abordagem objetiva, descritiva, por outro. Embora a psicoterapia muitas vezes encoraje a verbalização em oposição à ação, a prescrição de medicação requer ação clara por parte do médico (e do paciente). Além disso, perguntas diretas devem ser feitas para obter informação sobre sintomas e efeitos adversos em comparação com uma abordagem mais aberta de permitir que o paciente estabeleça a agenda em um processo de terapia dinâmica. Além disso, mesmo que o terapeuta dinâmico possa evitar uma postura autoritária na frente de um paciente, esta posição pode mudar ao discutir medicação e citar a literatura sobre coisas como doses de manutenção e prevenção de recaídas. Tanto um quanto outro podem precisar mudar posições mentais no decorrer de uma sessão. Uma estratégia para lidar com tais dificuldades é reservar alguns minutos no início ou no final de cada sessão para rever como a medicação está afetando os sintomas e para escrever uma receita, se necessário. Durante o restante da sessão, a medicação pode ser discutida do ponto de vista de seu significado para o paciente. De fato, uma das vantagens nesse arranjo é que a prescrição e a psicoterapia não se separam uma da outra de uma forma que fragmente o tratamento. Todas as transferências e resistências são tratadas pelo médico. Problemas de adesão podem ser relacionados a paradigmas de transferência específicos devido ao conhecimento íntimo do médico acerca das relações objetais internas do paciente. Modelo de duas pessoas Pesquisas demonstraram que cerca de 65% dos psiquiatras têm prescrito medicação para pacientes que estão em psicoterapia
1034
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
com outros clínicos. Em alguns casos, dois clínicos devem estar envolvidos porque um é um terapeuta não-médico. Em outros, entretanto, psiquiatras que estão conduzindo psicoterapia não se sentem à vontade com o tipo de pensamento bimodal necessário para também prescrever medicação. Eles podem preferir manter a transferência descontaminada por sentimentos sobre a medicação, além de não se sentirem qualificados para prescrever porque não estão atualizados com dados psicofarmacológicos. Esse modelo pode ser efetivo para alguns pacientes, mas também carrega o risco de servir como um foco para cisão, em especial, embora não de forma exclusiva, com pacientes borderline. Uma mulher de 27 anos com diagnóstico de transtorno da personalidade borderline estava vendo o psicoterapeuta uma vez por semana há um ano. Ela e o terapeuta tinham sentido que estavam diante de um impasse, e o terapeuta sugeriu que ela poderia buscar consulta com um psicofarmacologista local. A paciente foi atendida pelo psicofarmacologista por 30 minutos, o qual diagnosticou seu transtorno como depressão maior. Ele explicou-lhe a doença e prescreveu-lhe fluoxetina. A mesma percebeu uma resposta positiva quase imediata à medicação, e em sua consulta de psicoterapia seguinte “bombardeou” seu psicoterapeuta com um longo discurso sobre suas inadequações: “Você sentou aqui durante um ano, apenas escutando e tentando me entender. Todo esse tempo eu tinha uma depressão que precisava de tratamento de droga. O Dr. A. (seu psicofarmacologista) foi tão útil. Ele levou a sério minhas queixas e, pelo amor de Deus, tomou uma atitude! Tudo o que você faz é falar, falar, falar. Por que não lhe ocorreu mais cedo que alguma coisa precisava ser feita?”. Nessa breve vinheta, o psicofarmacologista torna-se o objeto idealizado que foi responsivo às necessidades da paciente, em contraste com o psicoterapeuta, visto como o objeto mau, quase sádico em sua recusa percebida em “fazer alguma coisa”. O indivíduo que prescreve a medicação pode contribuir para a cisão ao sugerir direta ou indiretamente que o psicoterapeuta foi relapso em seu dever por não encaminhar a paciente para medicação mais cedo. A ruptura também pode ocorrer ao longo de linhas opostas. Alguns pacientes borderline sentem que o psiquiatra que prescreve a medicação está ansioso por livrar-se deles porque a consulta é marcada por apenas 15 minutos. Podem opor-se a serem “expulsos” do consultório do médico sem a oportunidade de falar mais sobre o que estão experimentando. Nesse caso, o médico que prescreve a medicação torna-se o objeto mau, enquanto o terapeuta é idealizado porque tem tempo para escutar e expressar grande preocupação com suas experiências internas. Cisão dessa natureza não pode ser inteiramente prevenida, mas passos podem ser dados para minimizar o potencial destrutivo de tal comportamento. Desde o início, o paciente deve entender que o psicoterapeuta e o psiquiatra que prescreve a medicação devem ter permissão para comunicar-se sobre diagnóstico e tratamento. Deveriam considerar-se parte de uma equipe de tratamento em vez de indivíduos isolados. Com freqüência, discutir as percepções do paciente sobre o outro médico de forma aberta e honesta reduz bastante a tensão criada por essas cisões. Além disso, ambos precisam entrar
em um acordo sobre qual deles tem a responsabilidade de tomar decisões sobre hospitalização, cobertura de férias, mudanças na medicação e investigação de quaisquer possíveis problemas médicos. Embora a freqüência e a duração da comunicação entre médicos não possam ser estabelecidas de forma arbitrária, devem ocorrer com freqüência suficiente para que cada um tenha um entendimento claro da abordagem de tratamento do outro. Em geral, um fator importante na evolução da cisão é que o paciente distorce para um clínico o que o outro está dizendo ou fazendo. Se o clínico ouvindo esse relato apenas o leva ao pé da letra, sem telefonar ou verificar a veracidade do relato com o outro clínico, a situação pode deteriorar-se logo. O clínico que ouve o relato pode tornar-se conivente com o sentimento do paciente de ser vitimizado pelo outro clínico. Quando a comunicação ocorre, o clínico conivente pode confrontar o colega em um tom acusatório que cria maior defensiva. Uma indagação diplomática sobre se o relato do paciente é correto tende a ser muito mais produtivo. CUSTO-EFETIVIDADE Muitas companhias de planos de saúde insistem que psiquiatras não precisam conduzir psicoterapias porque terapeutas não-médicos podem fazê-lo tão bem e a um preço mais baixo. Em conseqüência, permitem que um psiquiatra veja o paciente para o controle de medicação entre encontros de 15 minutos enquanto encaminham a psicoterapia a alguém cujo tempo é mais barato, em geral um profissional da área da saúde com curso de graduação, que não é bem-treinado em psicoterapia. Embora esta abordagem pareça ser custo-efetiva, o tratamento pode tornar-se tão fragmentado que a condição do paciente se deteriora, tornando a hospitalização necessária. Nesse caso, os custos do hospital excedem em muito o custo de um médico que serve a ambas as funções. Além disso, a divisão de trabalho entre dois clínicos requer uma colaboração muito estreita. O tempo gasto nessa comunicação é muitas vezes um custo oculto, em grande parte não-reembolsado, que deve, em última análise, ser considerado em uma avaliação abrangente de custo-efetividade. Entretanto, dados são necessários sobre os dois arranjos alternativos para estudo sistemático para se definir se um é mais custo-efetivo do que o outro, de fato. Na ausência de dados definitivos, experiências clínicas sugerem que em muitas situações há vantagens em o psiquiatra desempenhar ambos os papéis. Pacientes com transtornos psicóticos graves que não obedecem a medicação prescrita, aqueles com transtorno afetivo bipolar que negam a doença, os com transtorno esquizoafetivo e pacientes com esquizofrenia podem todos necessitar de um médico central que trabalhe com eles em torno de questões como medicação e aspectos psicológicos e familiares para assegurar a adesão ao plano de tratamento. Pacientes com condições médicas graves ou instáveis podem necessitar de uma abordagem combinada na qual o conhecimento médico de um psiquiatra é importante no tratamento global. Devido ao potencial para cisão, muitos pacientes com transtorno da personalidade borderline também se sairão melhor com um médico que centralize o atendimento realizando ambos os papéis. Por fim, aqueles que requerem hospitalização devido a problemas graves de tentativa de suicídio e controle dos impulsos
PSICOTERAPIAS
podem ser tratados com maior benefício por um psiquiatra atento a questões psicoterapêuticas e farmacoterapêuticas. Em muitas discussões acerca do valor da combinação de psicoterapia e farmacoterapia, os que são contra argumentam que a combinação dos dois tratamentos pode ser muito dispendiosa e que os benefícios não são proporcionais ao custo adicional. Essa perspectiva deixou espaço para sugestões de meios de obter benefício de ambas as modalidades. Por exemplo, para pacientes com agorafobia, alguns sugeriram que a prescrição de imipramina com instruções para exposição autodirigida sistemática pode ser uma forma custo-eficiente de obter benefícios de ambos os tratamentos. Tentativas semelhantes foram feitas para auxiliar pacientes com transtorno obsessivo-compulsivo com a prática auto-administrada de exposição in vivo. A suposição de que dividir o tratamento entre um psiquiatra e um psicoterapeuta não-psiquiatra é mais custo-efetiva pode não ser justificada. Existem poucos dados para testar tal asserção. Em um modelo retrospectivo quase experimental que comparou dados de queixas de uma organização americana de plano de saúde, o tratamento integrado por um psiquiatra foi comparado com tratamento dividido administrado por dois profissionais para pacientes deprimidos. Durante um período de 18 meses, os que receberam tratamento integrado tinham custos de tratamento muito mais baixos porque menos sessões ambulatoriais eram necessárias. Outro estudo examinou tabelas de honorários de sete grandes organizações de planos de saúde de 1998 e comparou, isoladas, psicoterapia e medicação, além de tratamento combinado fornecido por um psiquiatra trabalhando com um assistente social ou psicólogo. Quando o tratamento requeria ambas as modalidades, a abordagem combinada administrada por um psiquiatra custou quase o mesmo ou menos do que o tratamento dividido entre um psicoterapeuta e um assistente social. O tratamento combinado era menos dispendioso do que o tratamento dividido quando o psicólogo estava fazendo a terapia. Os dois estudos são modestos e estão longe de ser definitivos, mas sugerem que mais dados empíricos são necessários para orientar os profissionais na identificação de pacientes que podem realmente se sair melhor com tratamento integrado conduzido por um psiquiatra e para decidir se tratamento dividido ou integrado é o mais custo-efetivo. REFERÊNCIAS Barlow DH, Gorman JM, Shear MK. Woods SW. Cognitive-behavioral therapy, imipramine, or their combination for panic disorder a randomized controlled trial. JAMA. 2000;283:2529. Blatt SJ, Zuroff DC, Bondi CM, Sanislow CA. Short- and long-term effects of medication and psychotherapy in the brief treatment of depression: further analyses of data from the NIMH TDCRP. Psychother Res. 2000;10:215.
1035
Clarkin JF, Carpenter D, Hull J, Wilner P, Glick I. Effects of psychoeducational interventions for married patients with bipolar disorder and their spouses. Psychiatr Serv. 1998;49:531. Dewan M. Are psychiatrists cost-effective: an analysis of integrated versus split treatment. Am J Psychiatry. 1999;156:324. Faloon IR, Boyd JL, McGill CW, et al. Family management in the prevention of morbidity of schizophrenia: clinical outcome of a twoyear longitudinal study. Arch Gen Psychiatry. l985;42:887. Gabbard GO. Combining medication with psychotherapy in the treatment of personality disorders. In: Gunderson JG, Gabbard GO, eds. Psychotherapy for Personality Disorders. Washington, DC: American Psychiatric Press; 2000:65. Gabbard GO. Combined psychotherapy and psychopharmacology. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2225. Gabbard GO, Kay J. The fate of integrated treatment: whatever happened to the biopsychosocial psychiatrists? Am J Psychiatry. 2001;158:12. Goldman W, McCulloch J, Cuffel B, Zarin DA, Suarez A, Burns BJ. Outpatient utilization patterns of integrated and split psychotherapy and pharmacotherapy for depression. Psychiatr Serv. 1998;49:477. Greist JH. Jefferson JW. Obsessive-compulsive disorder. In Gabbard GO, ed. Treatment of Psychiatric Disorders: The Second Edition. Vol 2. Washington, DC: American Psychiatric Press; 2001:1515. Hollon SD, Fawcett J. Combined medication and psychotherapy In: Gabbard GO, ed. Treatment of Psychiatric Disorders: The Second Edition. Vol 2. Washington, DC: American Psychiatric Press; 1995:1221. Keller MB, McCullough JP, Klein DN, et al. A comparison of nefazodone, the cognitive behavioral-analysis system of psychotherapy, and their combination for the treatment of chronic depression. N Engl J Med. 2000;342:1462. Linehan MM, Armstrong HE, Suarez A, Allmon D, Heard HL. Cognitive-behavioral treatment of chronically parasuicidal borderline patients. Arch Gen Psychiatry. 1991;48:1060. Mavissakalian MR. Combined behavioral and pharmacological treatment of anxietyyy disorders. In: Oldham JM, Riba MB, Tasman A, eds. American Psychiatric Press Review of Psychiatry. Vol 12. Washington, DC: American Psychiatric Press; 1993:565. MTA Cooperative Group. A 14-month randomized clinical trial of treatment strategies for attention-deficit/hyperactivity disorder. Arch Gen Psychiatry. 1999;56:1073. Reynolds CF 3rd, Frank E, Perel JM. et al. Nortriptyline and interpersonal psychotherapy as maintenance therapies for recurrent major depression: a randomized controlled trial in patients older than 59 years. JAMA. 1999;281:39. Roose SP. Psychodynamic therapy and medication: can treatments in conflict be integrated? In: Kay J, ed. Integrated Treatment of Psychiatric Disorders. Rev Psychiatry. 2001;20:31. Sammons MT, Schmidt NB, eds. Combined Treatment for Mental Disorders: A Guide to Psychological and Pharmacological Interventions. Washington, DC: American Psychological Association; 2001:111. Woodward B, Duckworth KS, Gutheil TG. The pharmacotherapistpsychotherapist collaboration. In: Oldham JM, Riba MB, Tasman A, eds. American Psychiatric Press Review of Psychiatry. Vol 12. Washington, DC: American Psychiatric Press; 1993:631.
36 Terapias biológicas
36.1 Princípios gerais de psicofarmacologia
dosagem deve ser ajustada de acordo, e o tratamento apropriado dos efeitos adversos que ocorrem deve ser instituído o mais cedo possível. CLASSIFICAÇÃO DOS MEDICAMENTOS
O uso de medicamentos para tratar transtornos psiquiátricos costuma ser fundamental para a abordagem de um tratamento bemsucedido, que também pode incluir outros tipos de intervenções, como a psicoterapia ou as terapias comportamentais. À medida que o conhecimento sobre a biologia do funcionamento cerebral normal ou anormal cresce, a prática da psicofarmacologia clínica continua a evoluir quanto a seus objetivos e efetividade. Os envolvidos na prescrição e no acompanhamento clínico de tratamentos com medicamentos psiquiátricos devem estar atualizados em relação à pesquisa, inclusive sobre o lançamento de novos agentes, a demonstração de outras indicações para agentes existentes e a identificação e o tratamento de efeitos adversos relacionados aos mesmos. O surgimento de novos medicamentos e novas indicações é uma das áreas mais excitantes da psiquiatria. A prática da farmacoterapia em psiquiatria não deve ser simplificada demais – por exemplo, não deve ser reduzida à abordagem do tipo um-diagnóstico-um-medicamento. Muitas variáveis afetam essa prática, incluindo a seleção e a administração dos medicamentos, o significado psicodinâmico para o paciente e as influências da família e do ambiente. Alguns pacientes podem considerar a medicação uma panacéia; outros podem vêla como uma violência. O paciente, seus parentes e a equipe de enfermagem devem ser instruídos sobre as razões para o tratamento medicamentoso, bem como sobre os benefícios esperados e os riscos potenciais. Além disso, o clínico pode julgar ser útil explicar a base teórica da farmacoterapia para o paciente e para outras pessoas envolvidas. Os agentes devem ser utilizados com doses efetivas por períodos adequados, de acordo com o que foi determinado por pesquisas clínicas prévias e pela experiência. Doses subterapêuticas e tentativas incompletas de tratamento não devem ser ministrados simplesmente porque o psiquiatra está muito preocupado com que o paciente desenvolva efeitos adversos. A utilização de dosagens baixas demais ou por tempo muito curto expõe o paciente a algum risco, e não provê a oportunidade máxima do benefício terapêutico. A resposta ao tratamento e a emergência de efeitos adversos devem ser monitoradas de perto; a
Os numerosos agentes farmacológicos utilizados para tratar transtornos psiquiátricos são designados por três termos gerais que são usados de forma intercambiável: medicamentos psicotrópicos, medicamentos psicoativos e medicamentos psicoterapêuticos. Tradicionalmente, esses agentes eram divididos em quatro categorias: (1) antipsicóticos, ou neurolépticos, utilizados para tratar psicoses; (2) antidepressivos, utilizados para se tratar depressão; (3) antimaníacos, ou estabilizadores do humor, utilizados para tratar transtorno bipolar; (4) agentes antiansiedade ou ansiolíticos, utilizados para tratar estados ansiosos (os quais eram também eficientes como hipnóticos em doses elevadas). Hoje, contudo, esta divisão é menos válida do que foi no passado pelas seguintes razões: 1. Vários medicamentos de uma classe são utilizados para tratar transtornos para os quais antes eram indicados fármacos de outra classe. Por exemplo, muitos antidepressivos são empregados em casos de transtornos de ansiedade, e alguns ansiolíticos são utilizados no tratamento de psicose, transtornos depressivos e transtornos bipolares. 2. Agentes de todas as quatro categorias são utilizados para tratar condições que antes não recebiam atenção medicamentosa, como transtornos da alimentação, transtorno de pânico e transtornos do controle dos impulsos. 3. Drogas como clonidina (Atensina), propranolol (Inderal), verapamil (Dilacoron) e gabapentina (Neurotin) que podem tratar uma série de transtornos psiquiátricos de forma efetiva não se encaixam com facilidade na classificação tradicional de medicamentos. 4. Alguns termos descritivos psicofarmacológicos se sobrepõem em significado. Por exemplo, os ansiolíticos reduzem a ansiedade, os sedativos produzem um efeito calmante ou relaxante, e os hipnóticos, sono. Contudo, a maioria dos ansiolíticos atua como sedativos e, em doses elevadas, podem ser utilizados como hipnóticos, e todos estes podem ser utilizados para sedação diurna em baixas doses.
TERAPIAS
BIOLÓGICAS
1037
Exemplos de curvas dose-resposta
Por essas razões, nas seções que se seguem, cada medicamento é discutido de acordo com sua categoria farmacológica, em termos de suas ações farmacológicas, incluindo a farmacodinâmica e a farmacocinética. Indicações, contra-indicações, interações medicamentosas e efeitos adversos também são referidos.
A C Efeito terapêutico B
AÇÕES FARMACOLÓGICAS As interações farmacocinéticas se referem a como o organismo lida com um medicamento. Já as interações farmacodinâmicas se referem aos efeitos dos medicamentos sobre as atividades biológicas do corpo. Farmacodinâmica As principais considerações incluem os mecanismos receptores, a curva dose-resposta, o índice terapêutico e o desenvolvimento dos fenômenos de tolerância, dependência e abstinência. O receptor para um medicamento pode ser definido, de modo geral, como o componente celular ao qual o medicamento se liga e por meio do qual este inicia seus efeitos farmacodinâmicos no organismo. Um medicamento pode ser um agonista de um receptor e estimular a atividade biológica específica do receptor ou um antagonista, que inibe sua atividade biológica. Alguns agentes são classificados como agonistas parciais porque não podem ativar completamente um receptor específico. O local do receptor para um medicamento psicofarmacológico costuma ser o receptor de um neurotransmissor endógeno. Por exemplo, a maioria dos antipsicóticos são antagonistas dos receptores tipo 2 (D2) para a dopamina. Contudo, isso pode não ser verdadeiro para outros agentes psicoterapêuticos (p. ex., o lítio [Carbolitium]), que pode agir pela inibição da enzima inositol 1-fosfatase. A curva de dose-resposta configura em gráfico a concentração do medicamento em relação a seus efeitos (Fig. 36.1-1). A potência do medicamento se refere à dose relativa necessária para se atingir um certo efeito. O haloperidol (Haldol), por exemplo, é mais potente do que a clorpromazina (Amplictil), porque são necessários em torno de 5 mg de haloperidol para se obter o mesmo efeito terapêutico de 100 mg de clorpromazina. Contudo, ambos são iguais em sua eficácia clínica – isto é, a resposta clínica máxima que se consegue com sua administração. Os efeitos adversos da maioria dos medicamentos são, em geral, o resultado direto de seus efeitos farmacodinâmicos. O índice terapêutico é a medida relativa da toxicidade ou segurança de um agente, e é definido como a razão da dose tóxica mediana sobre a dose efetiva mediana. A dose tóxica mediana é a dose com a qual 50% dos pacientes experimentam efeitos tóxicos, e a dose efetiva mediana é aquela com que 50% deles têm um efeito terapêutico específico. O índice terapêutico do haloperidol sobre seus efeitos cardiovasculares é muito alto, como se evidencia pela ampla faixa de doses em que é prescrito. De modo inverso, o índice terapêutico do lítio é muito baixo, exigindo, desse modo, uma monitoração cuidadosa dos seus níveis séricos em pacientes a quem se administra o medicamento. Tanto variações interindividuais como intra-individuais podem afetar a
D Dose FIGURA 36.1-1 Estas curvas dose-resposta configuram no gráfico o efeito terapêutico em função do aumento da dose, por vezes calculado como o logaritmo da dose. O medicamento A tem uma resposta linear à dose; os medicamentos B e C apresentam curvas sigmóides; e o medicamento D apresenta uma curva dose-resposta curvilínea. Ainda que doses do agente B sejam mais potentes do que doses iguais do C, este último tem uma eficácia máxima maior do que aquele. O medicamento D tem uma janela terapêutica tal que tanto doses baixas como altas são menos efetivas do que doses na faixa média.
resposta a um agente específico. Um paciente em particular pode ser hiporreativo, reativo ou hiper-reativo a um medicamento. Por exemplo, alguns necessitam de 150 mg por dia de imipramina (Tofranil), enquanto outros podem necessitar de 300 mg por dia. Respostas idiossincráticas ocorrem quando o paciente experimenta um efeito particularmente incomum ou raro de um medicamento. Por exemplo, alguns ficam muito agitados quando recebem um benzodiazepínico, como o diazepam (Valium). Um indivíduo pode se tornar menos responsivo à administração de um medicamento particular, à medida que é administrado com o passar do tempo, um processo denominado desenvolvimento de tolerância. Este processo pode estar associado ao aparecimento de dependência física ao medicamento. De modo paralelo, interações medicamentosas farmacocinéticas se referem aos efeitos de um medicamento sobre as concentrações plasmáticas de outro, e interações medicamentosas farmacodinâmicas se referem aos efeitos de um medicamento sobre a atividade do receptor de outro. Farmacocinética Absorção. Um medicamento psicotrópico atinge o cérebro pela corrente sangüínea. Aqueles administrados por via oral se dissolvem no líquido do trato gastrintestinal (GI), dependendo de sua solubilidade em lipídeos e do pH local do tubo GI, de sua motilidade e da área de sua superfície, sendo, a seguir, absorvido para o sangue. A acidez do estômago pode estar reduzida por inibidores da bomba gástrica de íons, como o omeprazol (Losec) e o lanzoprazol (Lanzol), por bloqueadores dos receptores H2 para histamina, como a cimetidina (Tagamet), a famotidina (Famoset), a nizatidina (Axid) e ranitidina (Antak), ou por antiácidos. A motilidade gástrica e intestinal pode ser retardada por medicamentos anticolinérgicos ou acelerada por antagonistas dos receptores da dopamina, como a metoclorpropamida (Plasil). Sob condições favoráveis, a administração parenteral pode atingir concentrações plasmáticas terapêuticas de forma mais
1038
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
rápida do que a administração oral. Contudo, se um medicamento é administrado em emulsão em uma matriz portadora insolúvel, a administração intramuscular pode manter a liberação gradativa do medicamento por várias semanas. Estas formulações são denominadas de preparações depot. A administração intravenosa é a via mais rápida para se obter concentrações sangüíneas terapêuticas, mas também traz o mais alto risco de efeitos adversos súbitos e de risco de morte. Distribuição e biodisponibilidade. Os medicamentos que circulam ligados às proteínas do plasma são denominados ligados a proteínas, e os que circulam sem se ligar são denominados livres. Somente a fração livre pode atravessar a barreira hematencefálica. A distribuição de um medicamento para o cérebro é governada pelo fluxo sangüíneo regional do cérebro, pela barreira hematencefálica e pela afinidade do medicamento por seus receptores no cérebro. Fluxo sangüíneo cerebral elevado, alta solubilidade em lipídeos e alta afinidade pelos receptores promovem as ações terapêuticas do medicamento. O volume de distribuição é uma medida do espaço aparente do corpo disponível para conter o medicamento, que pode variar com a idade, o sexo, a porcentagem do tecido adiposo e o estado de doença. Biodisponibilidade se refere à fração da quantidade total do medicamento administrado que pode ser recuperada da corrente sangüínea. Essa variável é importante, porque os regulamentos da Food and Drug Administration (FDA) especificam que a biodisponibilidade de uma formulação genérica não pode diferir da formulação com o nome de marca além de uma quantidade específica. Metabolismo e excreção Vias metabólicas. As quatro vias principais metabólicas para os medicamentos são a oxidação, a redução, a hidrólise e a conjugação. O metabolismo em geral leva a metabólitos inativos, que são mais polares e, por isso, podem ser excretados com maior facilidade. Contudo, também transforma vários pré-medicamentos inativos em metabólitos terapeuticamente ativos. O fígado é o principal local do metabolismo, e a bile, as fezes e a urina são as principais vias de excreção. Os psicotrópicos são excretados ainda no suor, na saliva, nas lágrimas e no leite materno. Quantificação do metabolismo e da excreção. Quatro parâmetros importantes relativos ao metabolismo e à excreção são o momento do pico da concentração no plasma, a meia-vida, o efeito de primeira passagem e a depuração. O tempo entre a administração de um medicamento e o aparecimento do pico das concentrações plasmáticas varia de acordo com a via de administração e a taxa de absorção. A meia-vida é a quantidade de tempo que leva para o metabolismo e a excreção reduzirem pela metade a concentração plasmática de um medicamento. Um medicamento administrado de forma repetida em intervalos de tempo mais curtos do que sua meia-vida atingirá 97% do estado de níveis estáveis (steady state) de suas concentrações plasmáticas após cinco meias-vidas. O efeito de primeira passagem se refere ao metabolismo inicial de medicamentos administrados por via oral dentro da circulação porta do fígado e é quantificado como a fração ab-
sorvida do medicamento, atingindo a circulação de forma nãometabolizada. Depuração (clearance) é a medida da quantidade de medicamento excretado em determinado período. Enzimas do citocromo P450. A maioria dos medicamentos psicotrópicos é oxidada pelo sistema de enzimas hepáticas do citocromo P450 (CYP), que assim se denomina porque absorve intensamente luz com um comprimento de onda de 450 nm. As enzimas humanas CYP compreendem várias famílias e subfamílias diferentes. Na nomenclatura do CYP, a família é designada por um número, a subfamília por uma letra maiúscula e um membro individual da subfamília por um segundo número (p. ex., 2D6). Pessoas com polimorfismo genético nos genes do CYP que codificam versões ineficazes das enzimas do CYP são consideradas “maus metabolizadores” (Tab. 36.1-1). Essas enzimas são responsáveis pela inativação da maioria dos medicamentos psiquiátricos. Elas atuam principalmente no retículo endoplasmático dos hepatócitos e nas células do intestino. Assim, fisiopatologias celulares, como as causadas por hepatite viral ou cirrose, podem afetar a eficácia do metabolismo do medicamento pelas enzimas do CYP. Há três formas mediante as quais as interações medicamentosas influenciam o sistema CYP: 1. Indução. A expressão de genes do CYP pode ser induzida pelo álcool, por certos medicamentos (barbitúricos, anticonvulsivantes) ou pelo fumo. Por exemplo, um indutor do CYP 3A4, como a cimetidina, pode aumentar o metabolismo e diminuir as concentrações plasmáticas de um substrato do 3A4, como o alprazolam (Frontal). 2. Inibição não-competitiva. Certos medicamentos que não são substratos de uma enzima particular podem, a despeito disso, a inibir de forma indireta e retardar o metabolismo de outros substratos medicamentosos. Por exemplo, a administração concomitante de um inibidor do CYP 2D6 como a fluoxetina (Prozac) pode inibir o metabolismo e, assim, aumentar as concentrações plasmáticas de substratos do CYP 2D6, inclusive da amitriptilina (Tryptanol). Se uma enzima do CYP é inibida, então seu substrato se acumula até que seja metabolizado por uma enzima alternativa. 3. Inibição competitiva. A administração concomitante de dois ou mais substratos de uma enzima pode produzir inibição competitiva da enzima, mas essa interação em geral não é clinicamente relevante. Por exemplo, a clomipramina (Anafranil) e a teofilina (Teolong) são ambas substratos do CYP 1A2, mas sua administração concomitante tem pouco efeito sobre suas respectivas concentrações plasmáticas.
Interações medicamentosas clinicamente relevantes induzidas pelo CYP. Com relação ao CYP 2D6, os tricíclicos e tetracíclicos, os antagonistas de receptores para dopamina e os medicamentos antiarrítmicos tipo 1C devem ser utilizados com cuidado ou evitados com certos inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs).
TABELA 36.1-1 Polimorfismos genéticos Isoenzimas do P450
Porcentagem de maus metabolizadores
2C19 2C9 2D6
3-5% de brancos, 15-20% de asiáticos 1-3% de brancos 5-10% de brancos
TERAPIAS
Em vista da inibição do CYP 3A4, a fluvoxamina (Luvox), a nefazodona (Serzone) e a fluoxetina não devem ser utilizadas em associação com o alprazolam, o triazolam (Halcion) ou a carbamazepina (Tegretol). Devido às interações com o CYP 1A2, a fluvoxamina não deve ser utilizada com a teofilina ou com a clozapina (Leponex). Além disso, as longas meias-vidas de certos psicotrópicos, em especial da fluoxetina, podem prolongar sua inibição dos enzimas do CYP. A Tabela 36.1-2 lista alguma interações medicamentosas com o CYP.
DIRETRIZES CLÍNICAS Os médicos que praticam psicofarmacologia clínica necessitam de capacidade tanto de diagnosticadores como de psicoterapeutas, conhecimento dos medicamentos disponíveis e capacidade de planejar um regime farmacoterapêutico. A escolha e o início da intervenção medicamentosa devem ser baseados na história do paciente, na situação clínica atual e no plano de tratamento. Os psiquiatras devem conhecer o propósito ou o objetivo do ensaio com o medicamento, o período em que o mesmo medicamento precisa ser administrado para se avaliar sua eficácia, a abordagem a ser tomada para se reduzir quaisquer possíveis, efeitos adversos, estratégias medicamentosas alternativas a serem utilizadas caso a atual falhe e as indicações para a manutenção do regime de longo prazo. Em quase todos os casos, o psiquiatra deve explicar o plano de tratamento aos pacientes e muitas vezes à família e a outros cuidadores. A reação do paciente ao ensaio proposto com medicamentos e suas idéias sobre ele devem ser levadas em consideração, mas se o psiquiatra acredita que se acomodar aos desejos do paciente prejudicaria o tratamento, esse fato também deve ser explicado. Escolha do medicamento Os dois primeiros passos na escolha do tratamento medicamentoso, o diagnóstico e a identificação dos sintomas-alvo, devem ser preferencialmente realizados quando o paciente estiver livre de medicação por uma a duas semanas. Esse estado deve incluir também a ausência de medicação para o sono, (p. ex., hipnóticos), em vista da qualidade do sono poder ser um importante guia para o diagnóstico e um sintoma-alvo. Se o paciente está hospitalizado, contudo, razões de segurança podem tornar difícil ou mesmo impossível conseguir um período livre de medicação. Os psiquiatras por vezes avaliam pacientes sintomáticos que já estão recebendo um ou dois medicamentos psicotrópicos e precisam retirá-los para então fazer a avaliação. Deve-se dar atenção não só aos medicamentos administrados no momento, mas também aos que foram interrompidos, que poderiam estar produzindo sintomas de abstinência. Uma exceção a essa prática ocorre quando se está tomando uma dosagem subadequada de um medicamento que, outrossim, estaria apropriado. Nesses casos, o psiquiatra pode decidir continuar com o medicamento, administrando-o em uma dose mais alta para completar um ensaio terapêutico adequado. Nunca é demais ressaltar a importância de uma avaliação acurada e completa. Não é razoável tentar todos os agentes disponíveis. Em vez disso, a escolha do medicamento e de interven-
BIOLÓGICAS
1039
TABELA 36.1-2 Interações medicamentosas com o citocomo P450 Substratos 1A2 Amitriptilina Clomipramina Clozapina Fluvoxamina Haloperidol Imipramina Propranolol Tacrina Verapamil 2c19 Amitriptilina Citalopram Clomipramina Diazepam Hexobarbital Imipramina Mefobarbital Moclobemida Propranolol 2c9 Amitriptilina Fluoxetina 2d6 Metoprolol Timolol Amitriptilina Clomipramina Desipramina Imipramina Haloperidol Perfenezina Risperidona Tioridazina Anfetamina
Fluoxetina Fluvoxamina Metoxianfetamina Nortriptilina Paroxetina Propranolol Venlafaxina 3a3, 4, 5, 7 Alprazolam Amitriptilina Carbamazepina Clomipramina Clonazepam Clozapina Diazepam Imipramina Midazolam Triazolam Astemizol Clorfeniramina Diltiazem Loratadina Nefazodona Nifedipina Nisoldipina Nitrendipina Verapamil Haloperidol Metadona Sertralina Sildenafil Terfenadina Trazodona Verapamil Zaleplon Zolpidem
Inibidores 1a2 Fluvoxamina 2c19 Fluoxetina Fluvoxamina Paroxetina Topiramato 2c9 Fluvoxamina Paroxetina 2d6 Clorfeniramina Cimetidina Clomipramina Fluoxetina Haloperidol Metadona Moclobemida Paroxetina 2e1 Dissulfiram 3a3, 4, 5, 7 Fluvoxamina Suco De Toronja (grapefruit) Nefazodona Norfluoxetina Indutores 2c19 Carbamazepina 2c9 Secobarbital 3a3, 4, 5, 7 Barbitúricos Carbamazepina Fenobarbital
ções não-medicamentosas deve ser baseada na revisão cuidadosa e completa de todos os problemas e recursos do paciente. Deixar de diagnosticar uma condição tratável é uma razão comum de resultados clínicos insatisfatórios. Entre os medicamentos apropriados para um diagnóstico particular, a escolha deve ser pautada conforme a história de resposta aos medicamentos (adesão, resposta terapêutica e efeitos adversos), tanto do paciente quanto dos familiares, o perfil de efeito adversos para esse medicamento, no que se refere ao paciente em particular e à prática habitual do psiquiatra. Se um agente foi eficaz no tratamento de um paciente ou de um membro de sua família, o mesmo deve ser utilizado de novo, a menos que haja alguma razão específica para não fazê-lo. Uma história de efeitos adversos graves de um medicamento específico é um forte indicador de que o paciente não terá adesão ao regime. Os pacientes e suas famílias muitas vezes ignoram os medicamentos que utilizaram antes, em que doses e por quanto tempo. Essa ignorância pode refletir a tendência dos psiquiatras a não explicar o que é um ensaio clínico com medicamentos. Esses profissionais deveriam fornecer a seus pacientes registros escritos dos ensaios com os medicamentos para seu registro médico pessoal. Uma cautela sobre se obter a história da resposta a medicamentos é que, em vista de seus problemas mentais, os pacientes podem relatar os efeitos de ensaios prévios de modo não-acurado. Se possível, por isso, os regis-
1040
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
tros médicos devem ser obtidos para confirmar seus relatos. A maioria dos medicamentos psicotrópicos de uma única classe é igualmente eficaz; contudo, difere quanto a seus efeitos adversos em relação a cada paciente. Um agente selecionado pode exacerbar qualquer problema médico preexistente de forma mínima.
TABELA 36.1-3 Características de medicamentos em cada nível da Drug Enforcement Agency (DEA) Esquema (nível de controle) I
Doses não constantes da bula e utilizações não-aprovadas. A Lei sobre Alimentos, Medicamentos e Cosméticos (Food, Drug and Cosmetic Act – FDC) autoriza a FDA a controlar a disponibilidade inicial de um medicamento e a aprovar somente aqueles que demonstram tanto segurança como efetividade e assegura que a bula proposta do medicamento seja verdadeira e contenha toda a informação pertinente para sua utilização segura e efetiva. Um nível adicional de regulamentação governamental é dirigido pela Agência de Fiscalização de Medicamentos (Drug Enforcement Agency – DEA), que os classificou de acordo com seu potencial para abuso (Tab. 36.1-3). Os clínicos são advertidos a exercer cuidados adicionais ao prescrever medicamentos controlados. Segundo a Medical Liability Mutual Insurance Company (Companhia de Seguros Mútuos de Responsabiliade Médica), uma companhia de seguros do estado de Nova York que aborda processos por má prática, uma vez que um medicamento seja aprovado para uso comercial, os médicos podem, como parte da prática da medicina, prescrever legalmente uma dosagem diferente para um paciente ou, outrossim, valer-se de outras condições de utilização, diferentes das aprovadas na bula da embalagem, sem notificar a FDA ou obter sua aprovação. De forma mais específica, a Lei da FDC não limita a maneira como os médicos podem utilizar um medicamento aprovado. Ainda que possam utilizar um medicamento aprovado para propósitos não-aprovados – isto é para indicações que não estão contidas na bula oficial – sem violar a lei da FDA, os pacientes podem ter o direito de exigir reparação para uma possível má prática da medicina. Seus direitos são uma preocupação significativa, uma vez que deixar de seguir a bula aprovada pela FDA pode permitir a inferência de que o médico estava se desviando do padrão de assistência médica vigente. Mesmo que isso imponha responsabilidade por si só e não deva impedir o médico de utilizar julgamento clínico apropriado para benefício dos pacientes, deve estar a par de que a bula apresenta importante informação relativa à utilização segura e efetiva do medicamento. Os psiquiatras podem prescrever medicação por qualquer razão que acreditem ser indicada para o bem-estar do paciente. Esse esclarecimento é importante em vista da regulamentação crescente dos médicos por agências governamentais federais, estaduais e locais e da intimidação que muitos profissionais experimentam quando exercem seu melhor julgamento clínico. Quando empregam um medicamento em uma indicação não-aprovada ou em dose fora da faixa habitual, devem documentar as razões para tais decisões no prontuário do paciente. Se o clínico está em dúvida sobre um plano de tratamento, deve consultar um colega ou sugerir que o paciente ouça uma segunda opinião.
Tentativa terapêutica. A tentativa terapêutica de um medicamento com um paciente em particular deve durar por um período previamente determinado. Em vista de os sintomas comportamentais serem mais difíceis de se avaliar do que os fisiológicos, como hipertensão, é importante identificar os sintomas-alvo específicos no início do ensaio clínico. O psiquiatra e o paciente podem, com isso, avaliar os sintomas-alvo durante o curso da terapia para auxiliar a determinar se o medicamento foi efetivo. Várias escalas de avaliação objetiva, como a Escala Breve de Ava-
II
III
IV
V
Características dos medicamentos Alto potencial de abuso No momento, sem utilização aceita em tratamentos médicos nos Estados Unidos, e, portanto, não indicado para uso por prescrição Pode ser utilizado em pesquisa Alto potencial de abuso Probabilidade de dependência física grave Probabilidade de dependência psicológica grave Sem reposição, sem prescrição; sem prescrição por telefone Potencial de abuso inferior aos dos níveis I e II Probabilidade moderada ou baixa de dependência física Alta probabilidade de dependência psicológica As prescrições precisam ser repetidas após seis meses ou com cinco reutilizações Baixo potencial de abuso Probabilidade limitada de dependência física Probabilidade limitada de dependência psicológica As prescrições devem ser refeitas após seis meses ou com cinco reutilizações Baixo potencial de abuso de todas as substâncias controladas
Exemplos Dietilamida do ácido lisérgico (LSD), heroína, maconha, peyote fenciclidina (PCP), mescalina, psilocibina, nicodeína, nicomorfina
Anfetamina, ópio, morfina, codeína, hidromorfina, fenmetrazina, amobarbital, secobarbital, pentobarbital, glutetimida, metilfenidato
Ketamina, metiprilona, nalorfina, sulfometano, benzfetamina, fendime trazina, clorfentermina; compostos contendo codeína, morfina, ópio, hidrocodona, diidrocodeína, dietilpropiona, dronabinol
Fenobarbital, benzodiazepínicosa, hidrato de cloral, etclorvinol, etinamato, meprobamato, paraldeído, sibutramina
Preparações narcóticas contendo quantidades limitadas de ingredientes medicinais ativos não-narcóticos
aNo estado de Nova York, os benzodiazepínicos são tratados como substâncias do esquema II, o que requer prescrições oficiais do governo estadual para o suprimento de, no máximo, três meses.
liação Psiquiátrica (Brief Psychiatric Rating Scale – BPRS) e Escala de Hamilton de Avaliação da Depressão (HAM-D), estão disponíveis para auxiliar na avaliação do progresso do paciente no curso do ensaio clínico com um medicamento. Se este não foi efetivo em reduzir os sintomas-alvo no período de tempo especificado e se outras razões para a falta de resposta podem ser eliminadas, o uso do mesmo deve ser reduzido aos poucos e interrompido. O cérebro não é um grupo de chaves neuroquímicas para se ligar ou desligar, é uma rede interativa de neurônios com uma homeostase complexa. Desse modo, a interrupção abrupta de qualquer medicamento psicoativo tem a probabilidade de perturbar seu funcionamento. Por exemplo, a retirada do lítio pode resultar em mania por rebote; a interrupção de antagonistas dos receptores de dopamina pode provocar a discinesia tardia; a retirada de
TERAPIAS
medicamentos serotonérgicos pode causar agitação, náuseas, desequilíbrio e disforia; e a interrupção de benzodiazepínicos pode ocasionar ansiedade e insônia. Outro erro clínico comum é o acréscimo rotineiro de medicamentos sem a interrupção daquele prescrito anteriormente. Embora essa prática esteja indicada em circunstâncias específicas, como na potencialização com lítio em um ensaio clínico sem êxito com antidepressivos, muitas vezes leva ao aumento da não-adesão e a efeitos adversos. O clínico pode também não saber se o segundo medicamento isolado ou em combinação é que levou ao êxito terapêutico ou ao efeito adverso. Fracassos terapêuticos. O fracasso do ensaio com um medicamento específico deve levar o clínico a considerar várias possibilidades. Primeiro, foi correto o diagnóstico original? Essa indagação deve incluir a possibilidade de um transtorno cognitivo não diagnosticado de forma adequada, incluindo o uso de drogas ilícitas. Segundo, os sintomas remanescentes observados os efeitos adversos do medicamento estão relacionados com o problema original? Os antipsicóticos, por exemplo, podem produzir acinesia, que se parece com reclusão psicótica; acatisia e síndrome neuroléptica maligna se parecem com aumento da agitação psicótica. Terceiro, o medicamento foi administrado em dose suficiente e pelo tempo apropriado? Os pacientes podem apresentar taxas muito diferentes de absorção e metabolismo para o mesmo medicamento, e os níveis desse no plasma devem ser obtidos para se avaliar tal variável. Quarto, a interação farmacocinética ou farmacodinâmica com outro medicamento que o paciente estava ingerindo reduziu a eficácia do psicotrópico? Quinto, o paciente tomou o medicamento como recomendado? A falta de adesão é um problema clínico. As razões para tanto incluem regimes complicados de medicamentos (mais de um em mais de uma vez por dia), efeitos adversos (em especial, se não percebidos pelo clínico) e falta de informação do paciente sobre o plano de tratamento (Tab. 36.1-4). A adesão ao tratamento aumenta se o clínico explica de forma clara o uso do medicamento e as respostas esperadas, se o paciente tem uma transferência positiva em relação ao clínico e se o mesmo não tem de ficar muito tempo na sala de espera para ver o clínico. Deve-se avisá-lo sobre as conseqüências adversas potenciais de deixar de tomar mesmo uma única dose do medicamento. CONSIDERAÇÕES ESPECIAIS QUANTO AO TRATAMENTO Crianças Deve-se ter cuidado especial ao se administrar medicamentos psicotrópicos a crianças. Ainda que o pequeno volume de distribuição sugira a utilização de doses mais baixas do que em adultos, a taxa mais alta do metabolismo das crianças indica que a razão de miligramas por quilo de peso corporal deva ser mais alta. Na prática, é melhor se iniciar com uma dose baixa e aumentá-la até que os efeitos clínicos sejam observados. O médico, contudo, não deve hesitar em utilizar doses de adultos em crianças se as mesmas são efetivas e os efeitos adversos, aceitáveis.
BIOLÓGICAS
1041
TABELA 36.1-4 Condições que podem diminuir a adesão ao tratamento recomendado Regime muito complexo (vários agentes, pequenas doses múltiplas) Início precoce e persistência de efeitos colaterais Início lento dos efeitos benéficos Risco de recaída aparentemente baixo se o medicamento é interrompido Psicose, confusão, demência, pseudodemência, baixa inteligência, perturbação da visão ou da audição, analfabetismo Simples falta de informação, necessidade de instrução do paciente Dificuldades financeiras, obrigações conflitantes quanto ao tempo e ao dinheiro Ressentimento, falta de confiança Psicopatologia específica: delírios paranóides, desespero, masoquismo, ansiedade e medo, ambivalência, controle, dissociação, agressão passiva, dependência passiva, negação, sociopatia, abuso de drogas Envolvimento com muitos clínicos Mau relacionamento médico-paciente Erro humano inevitável Adaptada de Baldessarini RJ, Cole JO. Chemotherapy. In: Nicholi AM, ed. The New Harvard Guide to Psychiatry. Cambridge, MA: Belknap, 1988:530.
Pacientes geriátricos As duas principais preocupações no tratamento de pacientes geriátricos com psicotrópicos são que esses podem ser especialmente suscetíveis aos efeitos adversos (em particular, os efeitos cardíacos) e metabolizar os medicamentos de forma mais lenta (Tab. 36.1-5). Desse modo, os pacientes geriátricos podem necessitar de doses mais baixas. Além disso, estão muitas vezes tomando outros medicamentos, e os psiquiatras devem considerar possíveis interações medicamentosas. Na prática, o tratamento deve iniciar com uma dose baixa, em geral a metade da dose habitual, sendo aumentada em pequenas quantidades, de modo mais lento do que para adultos mais jovens, até que se consiga os benefícios clínicos ou apareçam efeitos adversos inaceitáveis. Ainda que muitos pacientes geriátricos necessitem de uma dose menor de medicamento, outros requerem as doses habituais de adultos.
Grávidas e lactantes A regra básica é evitar a administração de qualquer medicamento a uma mulher grávida (em especial durante o primeiro trimestre) ou que esteja amamentando. Essa prática, contudo, pode precisar ser rompida quando o transtorno psiquiátrico da mãe é grave. Se for necessário administrar medicamentos psicotrópicos durante a gravidez, a possibilidade de aborto terapêutico deve ser discutida. Os dois agentes mais teratogênicos da psicofarmacopéia são o lítio e os anticonvulsivantes. A administração daquele durante a gravidez se associa a uma alta incidência de anormalidades no nascimento, inclusive a malformação de Ebstein, uma grave anormalidade do desenvolvimento cardíaco. Os anticonvulsivantes se associam a anomalias fetais craniofaciais e do tubo neural em menos de 10% dos bebês. O risco de teratogenicidade pode ser reduzido pela administração de ácido fólico. Outros medicamentos psicoativos (antidepressivos, antipsicóticos e ansiolíticos), embora menos claramente associados a defeitos congênitos, também devem, se possível, ser evitados. A situação clínica mais comum ocorre quando mulher grávida fica psicótica. Ao se tomar a decisão de não interromper a gravidez, tratamentos com eletroconvulsoterapia (ECT) ou com antipsicóticos são preferíveis ao lítio.
1042
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Indivíduos com outras doenças sistêmicas TABELA 36.1-5 Farmacocinética e idade Fase
Modificação
Efeito
Absorção
Aumento do pH gástrico Diminuição da superfície das vilosidades e da motilidade gástrica e lentificação do esvaziamento gástrico Diminuição da perfusão intestinal Diminuição da água total do corpo e da massa corporal sem gordura Aumento da gordura total do corpo, mais marcante em mulheres do que em homens Diminuição da albumina, aumento da globulina gama; glicoproteína alfa e glicoproteína ácida sem modificação Renal: diminuição do fluxo sangüíneo renal e da taxa de filtração glomerular
Pouca modificação global A absorção é mais lenta, mas não menos completa
Distribuição
Metabolismo
Hepático: diminuição da perfusão e da atividade das enzimas Peso corporal Diminuição Sensibilidade dos receptores
Pode haver aumento
Aumento do Vd para os medicamentos lipossolúveis, diminuição para os hidrossolúveis
Aumento da porcentagem de medicamento livre ou não ligado à albumina
A diminuição do metabolismo leva ao prolongamento das meias-vidas se o Vd permanece o mesmo
Pensar na base de mg por kg total Efeito maior
Vd. volume de distribuição. Reimpressa, com permissão, de Guttmacher LB. Concise Guide to Somatic Therapies in Psychiatry. Washington, DC: American Psychiatric Press, 1988:126.
A administração de antipsicóticos perto do ou durante o parto pode deixar o bebê muito sedado, o que pode demandar o uso de um respirador ou implicar dependência do medicamento, necessitando da desintoxicação e do tratamento da síndrome de abstinência. Quase todos os medicamentos psicotrópicos são secretados no leite da mulher; por isso, as mães que estejam utilizando esses medicamentos não deveriam amamentar.
As considerações relativas à administração de psicotrópicos a indivíduos com doenças sistêmicas incluem um aumento potencial da sensibilidade a efeitos adversos, tanto o aumento como a diminuição do metabolismo e da excreção do medicamento e a interação com outros agentes. Como com crianças e pacientes geriátricos, a prática clínica mais razoável é iniciar com uma dose baixa, aumentá-la aos poucos e ficar atento para os efeitos clínicos e adversos.
EFEITOS ADVERSOS A maioria dos medicamentos psicotrópicos não afeta apenas um único sistema de neurotransmissores, e seus efeitos não ficam localizados apenas no cérebro. Eles produzem uma ampla gama de efeitos adversos sobre os sistemas de neurotransmissores. Por exemplo, alguns dos seus efeitos adversos mais comuns são causados pelo bloqueio dos receptores muscarínicos para a acetilcolina (Tab. 36.1-6). Muitos deles antagonizam neurônios dopaminérgicos, histaminérgicos e adrenérgicos ou ativam excessivamente os neurônios serotonérgicos, levando aos efeitos adversos listados na Tabela 36.1-7. Há também vários efeitos adversos comumente observados dos quais os neurotransmissores envolvidos ainda não foram identificados de forma específica. Os pacientes em geral têm menos problemas com os efeitos adversos se forem orientados a esperá-los. Os psiquiatras podem explicar seu aparecimento como evidência de que o medicamento está atuando. No entanto, deve-se distinguir entre os efeitos adversos prováveis ou esperados e os que são raros e inesperados. Tratamento de efeitos adversos comuns Ocorrem vários efeitos adversos com os medicamentos psicotrópicos. O manejo desses efeitos adversos é semelhante, independentemente do psicotrópico que o paciente esteja tomando. Se possível, deve-se substituir por outro medicamento com efeitos benéficos similares, mas com menos efeitos indesejáveis. Por exemplo, os efeitos adversos comuns dos antidepressivos estão listados na Tabela 36.1-8. Além destes, efeitos antidopaminérgicos são discutidos na Seção 36.3, sobre transtornos dos movimentos induzidos por medicamentos.
Indivíduos com insuficiência hepática ou renal Os medicamentos metabolizados pelo fígado podem se acumular até concentrações tóxicas em indivíduos com insuficiência hepatocelular de qualquer causa, inclusive cirrose, hepatite, distúrbios metabólicos e obstrução de dutos biliares. Os que são excretados pelos rins podem se acumular até concentrações tóxicas em indivíduos com insuficiência renal de qualquer causa, incluindo aterosclerose, nefrose, nefrite, doenças infiltrativas e obstrução do fluxo de urinário. A insuficiência hepatocelular ou renal necessita da administração de dose reduzida, em geral metade da recomendada para indivíduos sadios. Os clínicos devem estar particularmente alertas a sinais e sintomas de efeitos medicamentosos adversos em indivíduos com doença hepática ou renal. A monitoração das concentrações plasmáticas do medicamento pode auxiliar a orientar os ajustes de doses.
TABELA 36.1-6 Efeitos adversos potenciais causados pelo bloqueio dos receptores muscarínicos da acetilcolina
Delirium Diminuição da salivação Diminuição da sudorese Ejaculação retardada ou retrógrada Exacerbação da asma (mediante a diminuição de secreções brônquicas) Fotofobia Glaucoma de ângulo estreito Hipertermia (mediante a diminuição da sudorese) Obstipação Problemas de memória Retenção urinária Taquicardia sinusal Visão turva
TERAPIAS
TABELA 36.1-7 Efeitos adversos potenciais de medicamentos psicotrópicos sobre os sistemas associados de neurotransmissores Antidoparminérgicos Disfunção endócrina Hiperprolactinemia Disfunção menstrual Disfunção sexual Transtornos dos movimentos Acatisia Distonia Parkinsonismo Discinesia tardia Antiadrenérgicos (principalmente α1) Tonturas Hipotensão postural Taquicardia reflexa Anti-histaminérgicos Hipotensão Sedação Ganho de peso Serotonérgico excessivo Acatisia e agitação Ansiedade Mal-estar gastrintestinal (GI) e diarréia Cefaléia Insônia ou sonolência Náuseas e vômitos Disfunção sexual Sistemas de neurotransmissores múltiplos Agranulocitose (e outras discrasias sangüíneas) Reações alérgicas Anorexia Anormalidades da condução cardíaca Náuseas e vômitos Convulsões
Disfunção sexual. A utilização de medicamentos psicotrópicos pode se associar à disfunção sexual – em particular, redução da libido, perturbação da ejaculação e da ereção e inibição do orgasmo feminino. Trata-se, de longe, do efeito adverso mais comum associado ao uso dos inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs). De 50 a 80% das pessoas que tomam um ISRS, experimentam alguma disfunção sexual, embora poucos se queixem de disfunção grave. O manejo farmacológico da disfunção sexual envolve mudar do ISRS para nefazodona ou para bupropiona (Wellbutrin), que têm muito menos probabilidade de causar disfunção sexual, ou acrescentar um medicamento pró-sexual. A mera administração de bupropiona associada ao mesmo tempo pode ser suficiente para reverter a inibição sexual causada pelo ISRS. Existem estratégias farmacológicas específicas disponíveis para tratar a condição em cada estágio do ciclo da resposta sexual, mas a melhora pode ser encorajadora e estimular o desempenho sexual endógeno completo. O medicamento pró-sexual mais bemtolerado e mais potente disponível é o sildenafil (Viagra). Administrado uma hora antes do intercurso, aumenta o fluxo sangüíneo para os tecidos eréteis genitais tanto dos homens como das mulheres. Neles, melhora a função erétil e, nelas, pode promover o intumescimento do clitóris e dos lábios maiores. O sildenafil não apenas melhora a fase de excitação do ciclo de resposta sexual, mas também estimula as fases de desejo e de orgasmo em ambos os sexos.
BIOLÓGICAS
1043
O alprostadil (Caverject) é um tratamento alternativo para a disfunção erétil masculina. Melhora a fase de excitação do ciclo de resposta sexual e estimula as fases de desejo e orgasmo nos homens. Outros agentes, menos eficazes, incluem a neostigmina (Prostigmin) para a disfunção da ejaculação, 7,5 a 15 mg administrados por via oral 30 minutos antes do intercurso sexual. A função erétil pode ser melhorada com o betanecol (Liberan), o agonista de receptores da dopamina, amantadina (Mantidan), ou a ioimbina (Yomax). A ciproeptadina (Periatin) pode ser utilizada para o orgasmo feminino inibido, 4 mg a cada manhã, e para o orgasmo masculino inibido, secundário a agentes serotonérgicos, 4 a 8 mg por via oral administrado 1 a 2 horas antes da atividade sexual antecipada. Ansiedade, acatisia, agitação e insônia. Até um quarto das pessoas iniciando tratamento com antidepressivos serotonérgicos, em especial a fluoxetina, experimentam um aumento transitório da ativação psicomotora nas primeiras 2 a 3 semanas de uso. Os antipsicóticos podem produzir transtornos relacionados aos movimentos, que são discutidos de forma extensa na Seção 36.3. Os efeitos de agitação dos ISRSs aumentam um pouco, em pessoas propensas, o risco de pôr em ação seus impulsos suicidas. Durante o período inicial do tratamento com ISRSs, as pessoas em risco de auto-agressão devem manter contato estrito com o clínico ou serem hospitalizadas, dependendo da avaliação de seu risco de suicídio. A insônia e a ansiedade associadas ao uso de medicamentos serotonérgicos podem ser contrapostas pela administração de um benzodiazepínico ou de trazodona (Donaren) nas primeiras semanas. Um pequeno número de pessoas experimenta aumento da ansiedade além do período das três semanas iniciais, as quais podem necessitar de um antidepressivo não-serotonérgico. Mal-estar gastrintestinal (GI) e diarréia. A maior parte da serotonina do organismo se encontra no tubo GI, e os medicamentos serotonérgicos, em particular a sertralina (Zoloft) e a fluvoxamina, podem produzir dor no estômago, náusea e diarréia de leve a moderadamente graves, em geral somente nas primeiras semanas do tratamento. A sertralina tem mais probabilidade de causar diarréia, e a fluvoxamina, náuseas. Esses sintomas podem ser reduzidos iniciando-se com doses muito baixas e administrando o medicamento após os alimentos. Alterações dietéticas como a dieta BRAT (bananas, arroz [rice], maçã [apple] e torradas) podem diminuir a diarréia. Esses sintomas tendem a diminuir com o passar do tempo, mas algumas pessoas nunca se acomodam e necessitam mudar para outro medicamento. Cefaléia. Uma pequena quantidade de pessoas iniciando o tratamento com um ISRS experimenta cefaléias de leves a graves, as quais, em geral, respondem a analgésicos vendidos sem receita, mas alguns indivíduos podem ter de mudar para outro antidepressivo. Embora os ISRSs possam causar cefaléia, é muito mais comum trazerem alívio da mesma. Esses agentes são um tratamento efetivo para a cefaléia de tensão crônica e para a enxaqueca. Anorexia. A supressão do apetite associada aos ISRSs é mais pronunciada em pessoas obesas e naquelas com avidez por car-
1044
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 36.1-8 Efeitos adversos de antidepressivos Medicamentos Heterocíclicos Amitriptilina Imipramina Doxepina Desipramina Nortriptilina Trimipramina Protriptilina Clomipramina Maprotilina Inibidores da recaptação de serotonina Fluoxetina Sertralina Paroxetina Fluvoxamina Citalopram Escitalopram Feniletilamina Venlafaxina Dibenzoxazepínicos Amoxapina Triazolopiridinas Trazodona Fenilpiperazinas Nefazodona Piperazinoazepínicos Mirtazapina Aminocetonas Bupropiona Triazolobenzodiazepínicos Alprazolam Inibidores da monoaminoxidase Fenelzina Tranilcipromina Isocarboxazida
Sedação
Anticolinérgico
Hipotensão ortostática
Efeito de condução cardíaca
Alta Moderada Alta Baixa Moderada Alta Baixa Alta Moderada
Alto Moderado Moderado Baixo Moderado Alto Moderado Alto Moderado
Moderada Alta Moderada Baixa Baixa Moderada Baixa Baixa Baixa
Alto Alto Moderado Moderado Moderado Alto Moderado Moderado Moderado
Muito baixa Baixa Baixa Baixa Baixa Baixa
Nenhum Nenhum Baixo Nenhum Nenhum Nenhum
Muito baixa Nenhum Nenhum Nenhum Nenhum Nenhum
Muito Muito Muito Muito Muito Muito
Baixa
Nenhum
Muito baixa
Muito baixo
Baixa
Baixo
Baixa
Baixo
Alta
Muito baixo
Moderada
Baixo
Moderada
Nenhum
Baixa
Baixo
Alta
Moderado
Baixa
Baixo
Baixa
Muito baixo
Muito baixa
0
Alta
Muito baixo
Muito baixa
0
baixo baixo baixo baixo baixo baixo
Como classe, hipotensão ortostática, tontura, cefaléia, sonolência, hiperestimulação (hipomania, insônia, ansiedade), constipação, náusea, diarréia, dor abdominal
Adaptada de Janicak PG, Davis JM, Preskorn SH, Ayd FJ. Principles and Practice of Psychopharmacology. Baltimore: Williams & Wilkins, 1993:272.
boidratos e, portanto, pode ser desejável. Contudo, alguns podem aumentar de peso ao tomar um ISRS. Os clínicos podem assegurar a pessoas que experimentam mudanças de peso que o peso pré-tratamento tende a voltar até o fim do primeiro ano. A fluoxetina (60 mg por dia), no contexto de um programa de modificação comportamental, foi aprovada para o tratamento da bulimia e também é útil em casos de anorexia nervosa. Contudo, pessoas com transtornos da alimentação podem abusar desse medicamento se sua utilização não for monitorada. A menos que esteja disponível um programa terapêutico abrangente, os ISRSs devem ser utilizados com cuidado por aqueles com transtornos alimentares. Aumento de peso. Muitos medicamentos psicotrópicos podem causar aumento de peso como resultado da retenção de líquidos ou do aumento da ingestão calórica. Demonstrou-se que os antipsicóticos atípicos levam a aumento de peso possivelmente por causa de um distúrbio no metabolismo da glicose ou da insulina. Edema pode ser tratado elevando as partes afetadas do corpo ou administrando um diurético. Se este for acrescentado ao regime de lítio ou de medicamentos cardíacos, o clínico precisa monitorar as concentrações sangüíneas, a química do sangue e
os sinais vitais. O aumento da ingestão calórica só é manejado de forma segura mediante regulação dietética. Nenhum medicamento demonstrou-se seguro para suprimir o apetite em todas as pessoas. Os supressores de apetite mais eficazes, as anfetaminas, em geral não são utilizados por causa de preocupações sobre abuso. A sibutramina (Plenty) causa modesta perda de peso em algumas pessoas pela inibição da recaptação de serotonina e de norepinfrina. Dessa forma, não deve ser utilizada por aqueles que estão tomando qualquer tipo de antidepressivos, inclusive os ISRSs, a bupropiona, a venlafaxina (Efexor), a nefazodona, a trazodona, a mirtazapina (Remeron), a reboxetina (Prolift), medicamentos tricíclicos e tetracíclicos e inibidores da monoaminoxidase (IMAOs). O orlistat (Xenical) não suprime o apetite; ele bloqueia a absorção de gordura pelo intestino. Assim, reduz a ingestão calórica de alimentos gordurosos, mas não de carboidratos ou proteínas. Em vista de esse agente causar retenção das gorduras da dieta no intestino, com freqüência causa flatulência excessiva. A maioria das pessoas percebe mal sua ingestão calórica como que consideravelmente mais baixa do que, de fato, é. As que desejam perder peso precisam aderir a uma dieta com redução de calorias e documentar cada caloria consumida.
TERAPIAS
Sonolência. Vários psicotrópicos causam sedação. Alguns indivíduos podem se automedicar contra esse efeito adverso com cafeína, o que pode piorar a hipotensão ortostática. O clínico precisa alertá-los para a possibilidade de sedação e necessita documentar a recomendação para que evitem dirigir ou operar equipamentos perigosos nessas condições. Felizmente, as gerações mais recentes de antidepressivos e antipsicóticos têm muito menos probabilidade de causar sedação do que seus predecessores, além de serem uma opção aos sedativos, quando possível. Boca seca. A boca seca é causada pelo bloqueio dos receptores muscarínicos para a acetilcolina. Quando se tenta aliviar esse sintoma chupando balas duras contendo açúcar, aumenta-se o risco de cáries. O problema pode ser evitado com goma de mascar ou balas duras sem açúcar. Alguns clínicos recomendam o uso de uma solução a 1% de pilocarpina (Isopto Carpine), um agonista colinérgico, como lavagem bucal três vezes ao dia. Outros sugerem comprimidos de betanecol, outro agonista colinérgico, 10 a 30 mg, 1 a 2 vezes ao dia. É melhor começar com 10 mg uma vez por dia e aumentar a dose aos poucos. Efeitos adversos dos medicamentos colinomiméticos, como o betanecol, incluem tremor, diarréia, câibras abdominais e lacrimejamento excessivo.
BIOLÓGICAS
1045
vo e utilização de meias elásticas de apoio. Raramente se necessita de fludrocortisona (Florinefe). SÍNDROMES DE ABSTINÊNCIA (RETIRADA) A emergência de sintomas moderados transitórios com a interrupção ou a redução da dosagem está associada a vários medicamentos, como a paroxetina (Aropax), a venlafaxina, a sertralina, a fluvoxamina e os tricíclicos e tetracíclicos. Sintomas mais graves de interrupção se associam a lítio (mania de rebote), antagonistas dos receptores de dopamina (discinesias tardias) e benzodiazepínicos (ansiedade e insônia). Com a retirada dos ISRS, ocorre a síndrome de retirada da serotonina, a qual consiste de agitação, náusea, desequilíbrio e disforia. O problema da abstinência tem mais probabilidade de ocorrer se a meia-vida plasmática do medicamento é breve, se o mesmo é administrado por pelo menos dois meses ou são utilizadas doses mais altas. Os sintomas são limitados no tempo e podem ser reduzidos pela diminuição gradativa da dose. INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS
Visão turva. O bloqueio dos receptores muscarínicos para a acetilcolina leva a midríase (dilatação pupilar) e a cicloplegia (paresia do músulo ciliar), resultando em visão turva. O sintoma pode ser aliviado com colírios colinomiméticos. Uma solução a 1% de pilocarpina pode ser prescrita como uma gota quatro vezes ao dia. De forma alternativa, o betanecol pode ser utilizado para esse caso assim como para boca seca. Retenção urinária. A atividade anticolinérgica de vários medicamentos psicotrópicos pode levar à hesitação urinária, ao gotejamento pós-micção, à retenção de urina e ao aumento de infecções do trato urinário. Idosos com aumento da próstata têm aumento do risco para esses efeitos adversos. De 10 a 30 mg de betanecol 3 a 4 vezes ao dia são, em geral, efetivos no tratamento dessas condições. Obstipação. A atividade anticolinérgica dos psicotrópicos pode causar obstipação. A primeira linha no tratamento desta envolve a prescrição de laxantes por volume, como o plantago psillium (Metamucil). Se não for efetivo, laxantes catárticos, como o leite de magnésia ou outras preparações, podem ser tentados. O uso destes pode levar à perda de sua eficiência. O betanecol, 10 a 30 mg 3 ou 4 vezes ao dia, também pode ser utilizado. Hipotensão ortostática. É causada pelo bloqueio dos receptores α1-adrenérgicos. Os idosos apresentam um risco particular de desenvolver hipotensão ortostática. O risco de fratura do quadril por quedas é bastante elevado entre aqueles que estão tomando medicamentos psicotrópicos. Uma abordagem simples é instruir o paciente a se levantar devagar e sentar imediatamente se experimentar tonturas. Tratamentos para essa condição incluem evitar cafeína, tomar pelo menos 2 L de líquidos por dia, acrescentar sal aos alimentos (a menos que prescrito por um médico), reavaliação das doses de qualquer medicamento anti-hipertensi-
Além das interações medicamentosas induzidas pelo CYP já mencionadas, há aqueles decorrentes de outras causas, as quais podem aumentar ou reduzir a atividade tanto do psicotrópico como de qualquer outro medicamento que o paciente esteja tomando. Em alguns casos, isso pode aumentar o risco de reações adversas, e os clínicos devem estar conscientes de todas as interações possíveis antes de expor os pacientes a mais de um agente por vez. As interações medicamentosas costumam ser utilizadas para aumentar o benefício terapêutico desejado, ao influenciar diferentes locais de ação farmacodinâmica. Por exemplo, no tratamento de depressão, os ISRSs, que aumentam os níveis da serotonina sináptica, podem ser combinados com a bupropiona, que tem pouca ação serotonérgica, mas é muito ativa sobre os sistemas da norepinefrina e da dopamina. A combinação resultante de atividades pode ter mais poder antidepressivo do que cada um dos agentes sozinhos. Estratégias de aumento do efeito devem evitar a duplicação de atividade farmacodinâmica; recomenda-se não combinar um agonista com um antagonista do mesmo receptor. Se essa associação for necessária, é preciso cuidado para evitar efeitos adversos potencialmente perigosos. Por exemplo, a combinação de um medicamento tricíclico com um IMAO é razoável, já que cada um afeta locais celulares diferentes, mas também é perigosa, porque pode causar uma crise hipertensiva. Em geral, medicamentos com poucos efeitos adversos são os melhores candidatos para estratégias de aumento do efeito. As interações medicamentosas podem ser tanto farmacocinéticas como farmacodinâmicas e variam bastante em seu potencial para causar problemas graves. Uma consideração adicional é a interação-fantasma dos medicamentos. O paciente pode estar tomando apenas o medicamento A e receber mais tarde tanto A como B. O clínico pode observar algum efeito e atribuí-lo à indução do metabolismo. O que pode ter ocorrido é que o paciente
1046
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
estava seguindo mais o tratamento em um ponto do período de observação do que em outro, ou houve algum outro efeito do qual o clínico não estava a par. A literatura clínica pode conter alguns relatos de interações medicamentosas dessa natureza, as quais são raras ou quase inexistentes. Outras interações são verdadeiras, mas não comprovadas, ainda que plausíveis. Algumas podem ter efeitos modestos e serem bem-documentadas ou serem estudadas e comprovadas de forma bastante sistemática. Contudo, os clínicos devem se lembrar de que os dados de farmacocinética animal nem sempre podem ser generalizáveis a humanos; os dados in vitro não repetem, necessariamente, os resultados obtidos em condições in vivo; relatos de casos isolados podem conter informações errôneas; e estudos de condições agudas não devem ser analisados de forma não-crítica como relevantes para condições crônicas estáveis. O clínico informado precisa ter essas considerações em mente e enfocar as interações clinicamente importantes, e não as que possam ser leves, sem comprovação ou fantasmas. Ao mesmo tempo, devem manter uma atitude aberta e receptiva quanto à possibilidade de interações farmacocinéticas e farmacodinâmicas dos medicamentos. DESENVOLVIMENTO DE NOVOS MEDICAMENTOS O primeiro estágio para o desenvolvimento de um novo medicamento envolve a identificação de um composto que, por razões teóricas, possa ser eficaz no tratamento de alguma condição. Técnicas em desenvolvimento, denominadas de química combinatória, são promissoras em gerar várias vezes o número existente de medicamentos para testes em um futuro próximo. O composto é, a seguir, estudado com uma ampla gama de testes in vitro e in vivo que possam predizer seus efeitos clínicos. Os compostos que se verificou serem de importância potencial nesses testes são submetidos a estudos de toxicidade e farmacocinética em animais. Caso se considere que, por esses testes pré-clínicos preliminares, que o agente merece os custos de desenvolvimento adicional, uma companhia farmacêutica pode encaminhar, como no caso dos Estados Unidos, uma requisição de Medicamento Novo em Investigação (Investigational New Drug – IND) à FDA. Se a requisição é aprovada, o composto pode ser utilizado em humanos para propósitos de pesquisa. Apenas um em cada mil compostos examinados nos testes pré-clínicos avança até o teste em humanos. Os primeiros desses experimentos são denominados experimentos da Fase I, em que o medicamento é administrado a cerca de 100 indivíduos normais para se avaliar seus efeitos farmacocinéticos e seu potencial para causar efeitos adversos. Os estudos são conduzidos principalmente para se determinar a segurança e a tolerabilidade de um novo composto. A informação dos ensaios pode então ser utilizada para auxiliar a decidir sobre as doses do novo medicamento nos ensaios da Fase II, que envolvem a utilização do novo composto em populações de pacientes de 100 a 300 voluntários. O principal propósito desses ensaios é avaliar a eficácia do novo medicamento no tratamento de problemas específicos. Se os mesmos indicarem que o medicamento é eficaz, seguro e bem-tolerado, são conduzidos ensaios muito maiores da Fase III, em 1.000 a 3.000 pa-
cientes, para validar os achados prévios. Os estudos desta fase também necessitam de informação pormenorizada relativa aos melhores esquemas de dosagem e da utilização do medicamento com populações idosas e jovens e em pessoas com comprometimento das funções hepática e renal. Após a finalização dos ensaios da Fase III, a companhia farmacêutica pode requerer à FDA a comercialização do novo agente. O total do tempo decorrido desde a identificação inicial de um medicamento até a aprovação pela FDA é, em geral, de 15 anos, e o custo tem a média de 500 milhões de dólares por medicamento aprovado. Em 1997, a FDA propôs a Iniciativa para Nova Utilização (New Use Initiative), que permitirá a aprovação de novos medicamentos ou novas indicações para um medicamento existente com base em menos ensaios ou em dados existentes que foram coletados por outras razões. Uma vez comercializado, o medicamento entra na Fase IV, em que a experiência pós-comercialização em uma população muito maior é monitorada para a ocorrência de efeitos adversos. Ocasionalmente, a FDA tem retirado a aprovação de um medicamento para certas indicações por causa de toxicidade grave.
INTOXICAÇÃO E SUPERDOSAGEM Efeitos adversos podem ocorrer com qualquer medicamento. Embora a maioria seja moderada e transitória, alguns são graves e letais. O psiquiatra ou médico que prescreve precisa estar alerta para determinar a ocorrência de toxicidade ou sinais de superdosagem. A dose tóxica para uma pessoa pode ser letal para outra, dependendo de como fatores como a via de administração, a taxa de absorção, a interação com outros medicamentos, a idade e a saúde geral do paciente. Deve ser lembrado que um indivíduo pode ter ingerido mais de uma substância, de modo que o quadro clínico pode representar abuso de várias substâncias. O tratamento precisa ser ajustado de acordo, e uma história (de outras pessoas) deve ser obtida e todos os medicamentos devem ser inspecionados. No início deste livro, há ilustrações dos vários medicamentos utilizados em psiquiatria, que podem ser úteis. Uma tentativa de suicídio com dose excessiva de um medicamento prescrito é acontecimento extremo. Alguns são mais letais do que outros em superdosagem. Os barbitúricos, por exemplo, têm um potencial mais alto para letalidade do que os ISRSs, e o médico deve estar consciente de quais são os mais letais. É boa prática clínica fazer prescrições não-reaviáveis para pequenas quantidades de medicamentos, quando suicídio está em consideração. Em casos extremos, o médico deve verificar se o paciente está tomando a medicação ou poupando os comprimidos para uma tentativa posterior de superdosagem. Alguns podem tentar o suicídio exatamente quando parecem estar melhorando. Os clínicos, por isso, devem continuar a serem cuidadosos quanto à prescrição de grandes quantidades de medicação até que haja recuperação quase completa. Outra consideração é a possibilidade de uma superdosagem acidental, em especial por crianças em casa. Os pacientes devem ser advertidos a manter os medicamentos psicotrópicos rotulados e em local seguro. Um guia para os sinais e sintomas e para o tratamento da dose excessiva com medicamentos psicotrópicos está contido na Tabela 36.1-9
TERAPIAS
BIOLÓGICAS
1047
TABELA 36.1-9 Intoxicação e superdosagem com medicamentos psicoterapêuticosa Medicamento
Dose tóxica/letal
Ácido valpróico
36 g tiveram sobreviventes, pacientes com níveis sangüíneos de 2.120 μg/mL sobreviveram; fatalidades com dose desconhecida relatadas
Amantadina
Anfetaminas
Antagonistas do receptor de dopamina
Antagonistas do receptor β-adrenérgico
Anticolinérgicos
Sinais e sintomas
Tratamento
Sonolência, coma, bloqueio cardíaco O valor de êmese ou lavagem varia com o tempo, visto que a droga tem absorção rápida; medidas de apoio; manter produção urinária adequada; naloxona pode reverter os efeitos depressores do SNC da superdosagem, mas também os efeitos anticonvulsivantes, devendo ser usada com cautela Dose letal de 2 g relatada Arritmia, taquicardia, hipertensão, Êmese ou lavagem gástrica; medidas de apoio desorientação, letargia, confusão, incluindo monitoração cardiovascular, manualucinações visuais, comportamentenção da via aérea e controle da respiração to agressivo, ansiedade, pupilas e administração de oxigênio; evitar agentes minimamente reativas e dilatadas, adrenérgicos, já que os mesmos podem preataxia, tremor, hipertonia, exacerdispor a arritmias ventriculares; fisostigmina bação de convulsão, coma, edema IV para tratar toxicidade do SNC, clorpromae dificuldade respiratória, insuficiênzina para psicose tóxica, sedação e anticoncia renal, retenção urinária, distúrvulsivantes se necessário; monitorar pH da bios ácido-básicos. urina; produção urinária, eletrólitos séricos, agentes acidificantes urinários, aumentar a taxa de excreção, líquidos IV, cateter para retenção urinária Efeitos tóxicos com 30 mg, Exaltação, irritabilidade, hiperativida- Êmese ou lavagem, carvão ativado, catártico toxicidade idiossincrásica de, sintomas psicóticos, depressão, (pode ser efetivo muito tempo depois da incom até 2 mg, sobrevivênpânico, fala rápida, confusão, anogestão devido à reciclagem pela mucosa cia relatada após 500 mg rexia, insônia, hiper-reflexia, tremor, gástrica); tratamento de apoio; estímulos exboca seca, hiperpirexia, convulternos reduzidos, sedar com clorpromazina; sões, coma, dor no peito, arritmia, fentolamina IV para hipertensão grave; acidibloqueio cardíaco, hiper/hipotensão, ficação da urina choque, náusea, vômito, diarréia, cãibras abdominais, taquipnéia, rabdomiólise Clorpromazina: 26 g fatalidade Depressão do SNC, de sonolência a Lavagem, catártico salino, carvão ativado; em adultos, 0,35 g fatalidacoma, sintomas extrapiramidais, êmese não-recomendada; tratamento sintode em crianças; tiotixeno: agitação, inquietação, convulsões, mático e de apoio, monitorar sinais vitais e 2,5 a 4 g, fatal; fenotiazinas: febre, boca seca, íleo, hipotensão, ECG; manter via aérea e respiração; líqui1,05 a 10,5 g, fatal taquicardia, arritmias, alterações no dos IV e norepinefrina ou fenilefrina para hiECG (intervalo QT prolongado e potensão, evitar dopamina e epinefrina; complexos QRS extensos com agentes antiparkinsonianos, anticolinérgicos Risperdal) e difenidramina (Benadryl) podem ser úteis para sintomas extrapiramidais; estimulantes como anfetaminas e cafeína com benzoato de sódio, se desejado, evitar picrotoxin e pentilenetetrazol; antiarrítmicos como neostigmina, piridostigmina, propranolol, disopiramida, procainamida e quinidina devem ser evitados; diazepam para convulsões Efeitos tóxicos com 0,8 a 6 g Hipotensão, bradicardia, insuficiência Êmese ou lavagem gástrica; tratamento de de propranolol cardíaca, broncoespasmo, perda apoio; norepinefrina ou dopamina para hipoda consciência, convulsões tensão grave; glucagon para hipotensão e depressão miocardial; atropina IV para bradicardia sintomática, isoproterenol IV para casos persistentes, marcapasso se refratários; diurético ou glicoside cardíaco para insuficiência cardíaca; teofilina ou agonistas β2 para broncoespasmo; diazepam IV para convulsões 700 mg a 7 g (as doses Pele quente, seca, vermelha; memÊmese ou lavagem, carvão ativado, catárticos variam conforme o agente branas mucosas secas, hipertermia, salinos; terapia e apoio e sintomática; 1 a 2 envolvido) erupções cutâneas, choque, taquimg de fisostigmina podem reverter efeitos cardia, pupilas dilatadas irreativas, anticolinérgicos; compressas frias, dispositivisão borrada; delirium, ilusões, vos mecânicos de resfriamento ou banhos ataxia, alucinações, convulsões, de esponja com água morna para hipertercoma, disfagia, náusea, vômito, mia; monitoração ECG contínua; vasopressons estomacais hipoativos, parada sores e terapia de líquido para choque, prorespiratória, retenção urinária pranolol IV para taquiarritmias supraventriculares, evitar antagonistas dos receptores de dopamina; mióticos locais para midríase; diazepam para agitação
(Continua)
1048
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 36.1-9 (Continuação) Medicamento
Dose tóxica/letal
Sinais e sintomas
Anti-histamínicos
2,8 g de difenidramina, 1,75 a 17,5 g de hidroxizina
Desorientação, sonolência, excitação, depressão, alucinações, ansiedade, delirium, hipertermia, taquicardia, hipotensão, arritmias, convulsões
Barbitúricos
Benzodiazepínicos
Bromocriptina
Bupropiona
Buspirona Carbamazepina
Clonidina
Clozapina
Dantrolene
Tratamento
Êmese ou lavagem; apoiar função cardiorrespiratória; líquidos IV e vasopressores para hipotensão; cafeína e benzoato de sódio para neutralizar efeitos depressores do SNC; fisostigmina para efeitos anticolinérgicos; diazepam para convulsões; banhos de esponja com água morna (sem álcool) ou compressas frias para hipertermia 10 vezes a dose diária ou 1 g Delirium, confusão, excitação, cefaléia, Êmese ou lavagem, carvão ativado, catárticos da maioria dos barbitúricos depressão do SNC e respiratória salinos; tratamento de apoio, incluindo macausa toxicidade grave, 2 (sonolência a coma), respiração de nutenção das vias aéreas e da respiração e a 10 g, fatal Cheyne-Stokes, arreflexia, choque, tratamento do choque se necessário; manter miose, oliguria, taquicardia, hiposinais vitais e equilíbrio de líquido; alcalinitensão, hipotermia zação da urina aumenta a excreção; diurese forçada se a função renal for normal; hemodiálise em casos graves Dose tóxica; diazepam 2 g, Depressão do SNC variando de soÊmese ou lavagem, catártico salino e carvão clordiazepóxido 6 g nolência a coma, fala arrastada, ativado; tratamento de apoio, monitorar siataxia, confusão, hiporeflexia, hinais vitais, manter via aérea; líquidos IV e potensão, hipotonia norepinefrina para hipotensão; o antagonista de benzodiazepínicos flumazenil deve ser usado com cautela e apenas em pacientes hospitalizados Sobrevivência após 225 mg; Hipotensão grave, náusea, vômito, Lavagem e aspiração; líquidos IV para hipouma morte por dosagem psicose tensão desconhecida Sobrevivência após 0,85 a Convulsões, perda da consciência, Lavagem e carvão ativado, êmese não-reco4,2 g; mortes relatadas em alucinações, taquicardia mendada; tratamento de apoio, manter via superdosagens massivas aérea e respiração, monitorar EEG, ECG e sinais vitais por 48 horas, fornecer líquidos; benzodiazepínicos IV para convulsões Toxicidade a 375 mg; dose Tontura, sonolência, náusea, vômitos, Êmese ou lavagem; tratamento sintomático e fatal desconhecida miose, desconforto gástrico de apoio, monitorar sinais vitais 30 g em adultos e 10 g em Sonolência, coma, convulsões, tonÊmese ou lavagem, carvão ativado e laxantes; crianças tiveram sobrevitura, ataxia, agitação, tremor, motratamento de apoio, facilitação da respiraventes; doses letais de vimentos atetóides, opistótono, bação; monitorar sinais vitais, ECG, função re3,2 g em adultos e 1,6 g lismo, reflexos anormais, adiadoconal e reflexos pupilares; diurese forçada, diem crianças relatadas cinese, nistagmo, midríase, náusea, álise em envenenamento grave com insufivômito, rubor, cianose, retenção ciência renal; líquidos IV e vasopressores urinária, hipo/hipertensão, arritmias, para hipotensão; diazepam para convulsões taquicardia, choque, depressão respiratória 100 mg tiveram sobreviventes, Hipertensão (seguida por hipotensão), Lavagem, carvão ativado e um catártico sali0,1 mg tóxico em crianças; bradicardia, arritmia, defeitos de no, êmese não-recomendada; tratamento de nenhuma morte com clonicondução cardíaca, depressão apoio, manter via aérea e respiração; furodina isolada, duas mortes respiratória, apnéia, hiporreflexia semida IV, antagonistas do receptor β-adrepor superdosagens mistas ou arreflexia, convulsões, miose, nérgico ou diazepóxido para hipertensão; lífraqueza, irritabilidade, sedação, quidos IV, vasopressores e posição de Trencoma, hipotermia delenburg para hipotensão; atropina IV para bradicardia sintomática; naloxona para depressão respiratória, hipotensão e coma; benzodiazepínicos IV para convulsões >4 g tiveram sobreviventes; Delirium, sonolência, coma, depressão Carvão ativado com sorbitol (pode ser tão ou dose letal >2,5 g respiratória, taquicardia, arritmia, mais efetivo que lavagem e êmese); tratahipotensão, hipersalivação, convulmento de apoio e sintomático, manter via sões aérea e respiração; monitorar sinais cardíacos e vitais; epinefrina, quinidina, e procainamida devem ser evitadas; o paciente deve ser observado por diversos dias para efeitos demorados Nenhum dado de superdosa- Fraqueza muscular, letargia, coma, Lavagem; tratamento de apoio, manter via aégem disponível cristaluria, diarréia rea e respiração, observação cuidadosa do paciente; monitorar ECG; grandes quantidades de líquidos IV para prevenir cristaluria
(Continua)
TERAPIAS
BIOLÓGICAS
1049
TABELA 36.1-9 (Continuação) Medicamento
Dose tóxica/letal
Sinais e sintomas
Dissulfiram
>6 mortes com 0,5 a 1 g de dissulfiram com BAL de 1 mg/mL; ingestão de 30 g produz toxicidade grave
Etclorvinol
50 a 100 g, com sobreviventes; 6 g, letal
Fluoxetina
3 g, com sobreviventes; dose letal desconhecida, duas mortes em combinação com outras drogas
Fluvoxamina
10 g, com sobreviventes; duas mortes de dosagens desconhecidas somente devido à fluvoxamina
Glutetimida
5 g, intoxicação grave, mas com sobrevivente; 10 a 20 g, fatal
Hidrato de cloral
30 g houve sobreviventes; dose letal de 10 g relatada
Hormônios da tireóide
0,3 g/kg dessecou a tireóide, toxicidade grave
Cefaléia, neuropatia periférica ou Lavagem; tratamento de apoio; restaurar a óptica, comportamento psicótico, pressão arterial e tratar o choque; monitorar lesão de membrana mucosa, níveis de potássio; manter via aérea e respierupções cutâneas, depressão resração; anti-histamínicos IV, vitamina C e sulpiratória, AVC, arritmias, infarto do fato de efedrina podem ser benéficos miocárdio, CHF aguda, perda da consciência, convulsões, morte Hipotensão, hipotermia, depressão Lavagem; tratamento de apoio; manter via aérea respiratória grave, apnéia, coma e respiração, manter função cardiorrespiratóprolongado (pode durar dias ou ria e temperatura corporal; monitorar gases semanas), arreflexia, midríase, sangüíneos e sinais vitais; hemoperfusão bradicardia, nistagmo, pancitopenia usando a técnica de coluna de Amberlite apressa a eliminação da droga; hemodiálise, diálise peritoneal ou diurese forçada podem ser usadas para aumentar a produção urinária Náusea, vômito, excitação do SNC, Lavagem e carvão ativado, êmese não-recoinquietação, agitação, hipomania, mendada; tratamento de apoio e sintomátitaquicardia, hipertensão, convulsões co; manter via aérea e respiração; monitorar ECG e sinais vitais; diazepam IV para convulsões contínuas Sonolência, vômito, diarréia, tontura, Lavagem e carvão ativado; tratamento de coma, taquicardia, bradicardia, apoio; manter via aérea e respiração; monihipotensão, anormalidades no ECG, torar ECG e sinais vitais anormalidades na função hepática, convulsões Hipotensão, coma prolongado, choque, Lavagem usando mistura 1:1 de óleo de castor depressão respiratória, hipotermia, e água pode ser mais efetiva do que lavafebre, ventilação inadequada, gem aquosa, deixar 50 mL de óleo de castor apnéia, cianose, pupilas fixas e no estômago como catártico, carvão ativadilatadas, íleo, atonia da bexiga, do; manter via aérea e função cardiorrespiboca seca, hiporreflexia, arreflexia, ratória; hemodiálise com carvão ativado ou espasticidade ou flacidez intermidialisado de soja; hemoperfusão com resina tente de Amberlite XAD-2; hemoperfusão de carvão; remoção contínua da droga por pelo menos duas horas após o paciente recuperar a consciência; manter produção urinária, mas evitar hidratação excessiva Coma, confusão, sonolência, miose, Lavagem; tratamento de apoio, manter via aédepressão respiratória, hipotensão, rea, função cardiorrespiratória e temperatuhipotermia, vômito, necrose e perra corporal; hemodiálise ou diálise peritofuração gástrica, estenose esofa neal podem ser úteis; enema salino se a giana, lesão hepática e renal droga foi administrada por via retal Tirotoxicose, nervosismo, sudorese, Êmese ou lavagem, carvão ativado e colestirapalpitações, cãibras abdominais, mina para interferir na absorção de tiroxina; diarréia, taquicardia, hipertensão, tratamento de apoio; controlar perda de lícefaléia, arritmias, tremores, insuquido, febre, hipoglicemia; manter via aérea ficiência cardíaca, angina, insônia, e respiração; antagonistas do receptor βapetite aumentado, perda de peso, adrenérgico como propranolol (1 a 3 mg IV intolerância a calor, febre, distúrbios durante 10 minutos) podem ser usados para menstruais neutralizar a atividade simpática aumentada Tontura, sonolência, irritabilidade, Êmese ou lavagem e carvão ativado; tratameninsônia, cefaléia, confusão, hiperato sintomático e de apoio; manter via aérea tividade, agitação, ansiedade, alue respiração; monitorar sinais vitais; manter cinações, trismo, opistótono, rigidez, equilíbrio líquido e eletrólito; tratar hipotenconvulsões, coma, crise hipertensão e choque com líquidos IV e vasopressosiva (principalmente em conjunto res (adrenérgicos podem produzir uma rescom tiramina), taquicardia, hipotenposta pressora aumentada; portanto, admisão, arritmia, diaforese, dor no peito, nistrá-los com cuidado); diazepam IV para choque, hipertensão, depressão convulsões; derivados de fenotiazina e estirespiratória, desmaio, hiperpirexia mulantes do SNC devem ser evitados; tratar hiperpirexia com resfriamento externo; crise hipertensiva; interromper IMAOs e tratar com 5 mg de fentolamina IV por injeção lenta; efeitos tóxicos podem ser demorados – portanto, observar o paciente por pelo menos uma semana; nunca usar meperidina (Demerol)
Inibidores da monoa- 600 mg, toxicidade grave; minoxidase (IMAOs) doses únicas de 1,75 a 7g, fatal
Tratamento
(Continua)
1050
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 36.1-9 (Continuação) Medicamento
Dose tóxica/letal
Sinais e sintomas
Tratamento
Inibidores do canal de 10,8 g de diltiazem e 9 g de cálcio nifedipina, com sobreviventes; 9,6 g de verapamil foram fatais
Confusão, cefaléia, náusea, vômito, convulsões, rubor, constipação, hiperglicemia, acidose metabólica, hipotensão, bradicardia, bloqueio AV, insuficiência cardíaca, arritmias, edema pulmonar não-cardiogênico com verapamil
Êmese ou lavagem, carvão ativado; tratamento de apoio, monitorar funções cardiovascular e respiratória, observação por pelo menos 48 horas; 10 a 20 mg/kg de cloreto de cálcio IV em solução a 10% com solução salina normal durante 30 minutos, repetindo se necessário; atropina ou isoproterenol para bradicardia ou bloqueio AV, um marcapasso pode ser necessário; inotrópicos e diuréticos para insuficiência cardíaca; líquido e vasopressores para hipotensão
Levodopa
>8 por dia causa toxicidade
Palpitações, arritmias, espasmo ou fechamento dos olhos, psicose
Lavagem; tratamento de apoio e sintomático; manter via aérea; monitorar ECG; líquidos IV; tratar arritmias se necessário
Lítio
Dose letal produz níveis séri cos >3,5 mEq/L 12 horas após a ingestão
Diarréia, náusea, vômito, sonolência, Êmese ou lavagem; infundir 0,9% de cloreto tremor, fraqueza muscular, vertigem, de sódio IV se a toxicidade for devido a deataxia, nistagmo vertical, tinido, pleção de sódio; hemodiálise por 8 a 12 hodiabete insípido, toxicidade de ras se o desequilíbrio líquido e eletrólito não múltiplos órgãos responder a medidas de apoio; cursos repetidos de diálise são necessários se o nível for maior de 3 mEq/L ou estiver entre 2 e 3 mEq/L e o paciente estiver se deteriorando, ou se o nível não diminuiu 20% em seis horas; o objetivo é um nível menor do que 1 mEq/L oito horas após a diálise ser completada; uréia, manitol e aminofilina aumentam a excreção de lítio
Meprobamato
40 g, com sobreviventes; 12 g, Estupor, sonolência, letargia, ataxia, letal coma, depressão respiratória, hipotensão, choque
Metadona
40 a 60 mg, letal em pessoas Depressão do SNC (estupor ou coma), Lavagem; tratamento de apoio; líquidos IV e não-tolerantes pupilas minúsculas, pele fria e vasopressores; manter via aérea e respiraúmida, bradicardia, hipotensão, ção; naloxona IV para tratar depressão resparada cardíaca, choque, deprespiratória ou cardiovascular significativa, mosão respiratória, respiração de nitorar continuamente para recorrência de Cheyne-Stokes, cianose, apnéia, depressão respiratória, tratar com naloxona flacidez musculoesquelética até a condição do paciente ficar estável (dose adulta inicial de 0,4 a 2 mg IV a cada 2 a 3 minutos)
Metilfenidato
2g
Delirium, confusão, agitação, alucina- Lavagem, carvão ativado e catárticos; em caso ções, hiperpirexia, midríase, tremode toxicidade grave, usar uma dose cuidadores, contração muscular, convulsões, samente titulada de barbitúrico de curta ação coma, hiper-reflexia, euforia, cefaantes da lavagem; tratamento de apoio; manléia, palpitações, taquicardia, arritter função respiratória e circulatória; isolamenmias, hipertensão, vômito, sedação, to para reduzir estímulos externos; proteção rubor, membranas mucosas secas contra autoferimento; procedimentos de resfriamento externo para hiperpirexia
Mirtazapina
Nenhuma morte relatada devida somente à mirtazapina
Desorientação, sonolência, memória prejudicada, taquicardia
Êmese ou lavagem e carvão ativado; tratamento de apoio; monitorar sinais cardíacos e vitais, manter via aérea e respiração
Naltrexona
>1.000 mg/kg, tóxica
Salivação, depressão, convulsões, tremores, atividade reduzida
Tratamento de apoio e sintomático
Nefazodona
1 a 11,2 g, toxicidade; morte relatada em combinação com álcool
Náusea, vômito, torpor
Lavagem (êmese não-recomendada); tratamento de apoio; manter via aérea e respiração; monitorar ECG e sinais vitais
Êmese ou lavagem e carvão ativado; tratamento de apoio; manter via aérea, respiração e pressão arterial; agentes pressores se necessário; estimulantes do SNC; a eliminação pode ser aumentada por diurese forçada, hemodiálise, diálise peritoneal ou diurese osmótica; monitorar produção de urina
(Continua)
TERAPIAS
BIOLÓGICAS
1051
TABELA 36.1-9 (Continuação) Medicamento
Dose tóxica/letal
Sinais e sintomas
Tratamento
Olanzapina
300 mg, com sobreviventes
Sonolência, fala arrastada, choque
Lavagem, carvão ativado e laxantes (êmese não-recomendada); manter via aérea e respiração; monitoração cardiovascular e ECG contínua; líquidos IV e vasopressores para hipotensão e choque, evitar agonistas β; evitar epinefrina e dopamina na presença de bloqueio α-adrenérgico
Paroxetina
2 g, com sobreviventes
Náusea, vômito, sedação, tontura, sudorese, rubor facial
Lavagem e carvão ativado (êmese não-recomendada); manter via aérea e respiração; monitorar ECG e sinais vitais
Pemolina
2g
Lavagem, carvão ativado e catártico; trataAgitação, euforia, delirium, alucinações, tremores, hiper-reflexia, conmento sintomático; clorpromazina para dimivulsões, coma, cefaléia, midríase, nuir a estimulação do SNC e efeitos simparubor, hiperpirexia, vômito, hipertomiméticos; proteger contra autoferimento e tensão, taquicardia; efeitos hepátiestímulos externos que podem agravar a escos não devidos à superdosagem timulação excessiva
Risperidona
20 a 300 mg, com sobreviventes
Sonolência, sedação, taquicardia, hipotensão, sintomas extrapiramidais, hiponatremia, hipocalemia, intervalo QT prolongado, conversões do complexo QRS ampliadas
Estabelecer e manter via aérea; lavagem gástrica; carvão ativado; monitoração cardiovascular contínua; disopiramida, procainamida e quinidina devem ser evitadas na presença de arritmias; tratamento de líquido da hipotensão; evitar epinefrina e dopamina na presença de bloqueio do receptor α-adrenérgico; anticolinérgicos para sintomas extrapiramidais
Sertralina
0,5 a 6 g, toxicidade; nenhuma Sonolência, náusea, vômito, taquicarmorte com sertralina isoladia, alterações no ECG, ansiedade, da, quatro mortes em commidríase binação com outras drogas e álcool
Lavagem, carvão ativado e catárticos; tratamento de apoio; manter via aérea, e respiração; monitorar sinais vitais e função cardíaca; hidratação
Tacrina
2 g, tóxica
Crise colinérgica; náusea, vômito, sa- Tratamento de apoio; anticolinérgicos terciálivação, perspiração, bradicardia, rios como atropina IV titulados até o efeito, hipotensão, colapso, convulsões, dose inicial de 1 a 2 mg em adultos, 0,05 fraqueza muscular crescente (morte, mg/kg em crianças, dosagem subseqüente se músculos respiratórios envolvidos) a cada 10 a 30 minutos
Trazodona
7,5 a 9,2 g com sobreviventes
Letargia, vômito, sonolência, cefaléia, Êmese ou lavagem; tratamento de apoio; diuortostasia, tontura, dispnéia, tinido, rese forçada pode aumentar a eliminação; mialgias, taquicardia, incontinência, tratar hipotensão e sedar quando apropriacalafrios, coma do; insuficiência hepática aguda relatada
Tricíclicos e tetracíclicos
0,7 a 1,4 g: toxicidade; 2,1Estimulação do SNC inicial, confusão, Lavagem e carvão ativado, êmese não-reco2,8 g: fatal; amitriptilina: 10 g, agitação, alucinações, hiperpirexia, mendada; tratamento sintomático e de com sobreviventes, 0,5 g, nistagmo, hiper-reflexia, sintomas apoio; monitorar ECG e sinais vitais; manter fatalidade mais baixa parkinsonianos, midríase, convulvia aérea e respiração; observação de, no conhecida; imipramina: 0,5 g, sões, estimulação do SNC seguida mínimo, seis horas com monitoração cardíafatal (30 mg/kg dose média de depressão, hipotermia, depresca; diazepam IV para convulsões; bicarboletal) são respiratória, hipotensão, coma, nato de sódio IV para manter pH de 7,45 a arritmias, prolongamento de QRS 7,55 para ajudar a tratar arritmias, hiperven(o grau indica gravidade da overtilação e/ou antiarrítmicos como lidocaína dose), contratilidade cardíaca prepodem ser necessários, antiarrítmicos tipo judicada, vômito, polirradiculoneu1A e 1C são contra-indicados; fisostigmina ropatia, estupor, torpor não-recomendada, exceto para toxicidade anticolinérgica potencialmente fatal refratária a tratamento, ainda assim sob consulta com o centro de controle de venenos
Venlafaxina
6,75 g, com sobreviventes; fatalidades relatadas em combinação com outras drogas e álcool
aO
Sonolência, convulsões, intervalo QT Lavagem e carvão ativado, êmese não-recoprolongado, taquicardia sinusal leve mendada; tratamento de apoio e sintomático; manter via aérea e respiração; monitorar sinais vitais e ritmo cardíaco
médico deve sempre consultar o Physicians’ Desk Reference (PDR) ou entrar em contado com o fabricante da droga para informações atualizadas sobre toxicidade e letalidade.
1052
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
REFERÊNCIAS Armstrong SC, Cozza KL, Oesterheld JR. Med-psych drug-drug interactions update. Psychosomatics. 2002;43:77. Baker CB, Coutts RT, Greenshaw AJ. Neurochemical and metabolic aspects of antidepressants: an overview. J Psychiatry Neurosci. 2000;25:481. Breier A, Tran PV, eds. Current Issues in the Psychopharmacology of Schizophrenia. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2001:556. Dahl ML, Bertilsson L. Genetically variable metabolism of antidepressants and neuroleptic drugs in man. Pharmacogenetics. 1993;3:61. Delva NH, Chang A, Hawken ER, et al. Effects of clonidine in schizophrenic patients with primary polydipsia: three single case studies. Prog Neuropsychopharmacol Biol Psychiatry. 2002;26:387. Gabbard G, Kay J. The fate of integrated treatment: whatever happened to the biopsychosocial psychiatrist? Am J Psychiatry. 2001;158:12. Grebb JA. General principles of psychopharmacology. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2235. Hardman, JG, Limbird LE, Goodman Gilman A, eds. Goodman & Gilman’s The Pharmacological Basis of Therapeutics. 10th ed. New York: McGraw-Hill; 2001. Hirschfeld RMA. Clinical importance of long-term antidepressant treatment. Br J Psrchiatry. 2001;179(suppl 42):S4. Hyman SE, Arana GW, Rosenbaum JF. Handbook of Psychiatry Drug Therapy. 3rd ed. Boston: Little, Brown; 1996. Janicak PG, Davis JM. Pharmacokinetics and drug interactions. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2250. Leber P. Drug development and approval process in the United States. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2259. Sadock BJ, Sadock VA. Pocket Handbook of Psychiatry Drug Treatment. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2001. Stable SM. Essential Psychopharmacology. Cambridge: Cambridge University Press; 2001.
36.2 Terapia de potencialização medicamentosa
Ainda que o tratamento com combinações complexas seja comum, não tem sido estudado de maneira sistemática. Estratégias utilizadas muitas vezes são descobertas por acidente ou se baseiam na aplicação de sinergias neuroquímicas teóricas. A potencialização deve ser considerada somente quando o tratamento convencional falhou e no contexto de circunstâncias clínicas. Cada agente adicional aumenta a possibilidade de interações adversas. Além disso, passa a mensagem que a pessoa em tratamento pode interpretar – por vezes de forma correta – como desespero. Em termos de adesão, quanto mais medicamentos são utilizados, mais relutante pode ficar o paciente em continuar o tratamento. As principais considerações ao utilizar a potencialização de medicamentos incluem o potencial para o aumento da resposta e os riscos possíveis. É prudente informar os pacientes dos riscos e benefícios envolvidos nas combinações medicamentosas (Tab. 36.2-1) e documentar com clareza as razões para utilizar essa estratégia. Intervenções de combinação utilizadas no tratamento de transtornos mentais comuns são descritas a seguir. DEPRESSÃO A maioria dos antidepressivos tem sido descrita como parte de uma estratégia bem-sucedida de combinação (Tab. 36.2-2). Nenhuma estratégia de potencialização com antidepressivos demonstrou ser mais efetiva do que outra. Na ausência de algoritmospadrão para a escolha do agente de potencialização, deve-se considerar fatores como o nível da evidência que a apóia, a segurança, a tolerância ou preocupações relativas a cuidados especiais ou à monitoração clínica (Tab. 36.2-3). Suplementação antidepressiva
O tratamento com combinações medicamentosas é por vezes utilizado para se atingir a melhor resposta no tratamento dos transtornos mentais. As razões para tanto incluem falta de resposta, resposta parcial, demora no início da resposta, intolerância aos efeitos adversos e presença de transtornos co-mórbidos. As estratégias de combinação podem envolver dois ou mais agentes com a mesma indicação terapêutica. Em alguns casos, pode haver uso simultâneo de duas classes diferentes de antidepressivos (p. ex., um inibidor seletivo da recaptação de serotonina [ISRS] e a bupropiona [Wellbutrin]). Outras estratégias consistem no acréscimo de um segundo agente com uma indicação não-relacionada, como hormônio da tireóide associado a um antidepressivo. Alguns medicamentos são utilizados quase exclusivamente com papel auxiliar. Os antiparkinsonianos, por exemplo, costumam ser prescritos por psiquiatras para tratar os efeitos adversos extrapiramidais dos antagonistas dos receptores de dopamina. A coadministração de agonistas de benzodiazepínicos pode melhorar o resultado do tratamento ao aumentar os efeitos do agente principal ou auxiliar a manejar sintomas particulares, como a ansiedade ou a insônia, que acompanham a maioria dos transtornos psiquiátricos.
Uma advertência postula que outros antidepressivos não devem ser utilizados em combinação com um inibidor da monoaminoxidase (IMAO) ou dentro de 2 a 4 semanas após a interrupção da sua utilização. Contudo, tem sido a prática, em casos muito refratários de depressão, combinar-se um IMAO com um antidepressivo tricíclico (ATC). Essa associaTABELA 36.2-1 Vantagens e desvantagens da potencialização ou da combinação de medicamentos Vantagens Mecanismos novos Tratamento de sintomas residuais Continuidade do tratamento Redução de efeitos adversos Tratamento de transtornos co-mórbidos Desvantagens Utilização fora do prescrito (oficialmente) pela bula Falta de dados de base extensos Preocupações médico-legais Interações medicamentosas Possível aumento na gravidade ou na freqüência dos efeitos colaterais Redução da adesão por causa da complexidade, apreensão Custo
TERAPIAS
TABELA 36.2-2 Combinações de antidepressivos IMAO + ATC ATC + ISRS ISRS + bupropiona ISRS + venlafaxina Venlafaxina + bupropiona Nefazodona + bupropiona Nefazodona + ISRS Mirtazapina + bupropiona Mirtazapina + ISRS
ção utilizada com muito mais ênfase no Reino Unido do que nos Estados Unidos. Se essa estratégia é escolhida, a utilização de ambos os medicamentos é iniciada ao mesmo tempo ou o ATC é iniciado antes do IMAO. Os IMAOs não devem ser acrescentados ao tratamento em curso com outra classe de antidepressivos. Diante dos riscos envolvidos e da falta de dados mostrando que essa combinação seja mais efetiva do que outras abordagens, a relutância dos clínicos americanos para utilizá-la é compreensível. Os IMAOs e os ISRSs não devem ser combinados por causa do risco de hipertensão e de síndrome serotonérgica. Estudos clínicos mostram um aumento da taxa de resposta quando os ATC, noradrenérgicos, como a desipramina (Pertofran e Norpramin) e a nortriptilina (Pamelor), são utilizados com um ISRS. Os riscos dessa abordagem incluem aumentos potencialmente perigosos das concentrações plasmáticas do ATC, causadas pela inibição do metabolismo hepático e pelo aumento global dos efeitos adversos. Entre os ISRSs, a sertralina (Zoloft) e o citalopram (Cipramil) têm menos probabilidade de aumentar as concentrações plasmáticas dos ATCs. É aconselhável monitorar as concentrações plasmáticas destes últimos toda vez que a combinação ISRS-ATC for utilizada. A venlafaxina (Efexor) pode ser utilizada no lugar de um ATC por não provocar efeitos cardiovasculares ATC-símiles e seu perfil favorável quanto ao citocromo P450. Os ISRSs também podem ser combinados com bupropiona, a qual não tem efeitos independentes sobre a neurotransmissão
BIOLÓGICAS
1053
serotonérgica. Essa combinação exemplifica a abordagem de amplo espectro às combinações com medicamentos antidepressivos, uma vez que contém agentes seletivos para neurotransmissores diferentes. Há um forte argumento teórico para essa estratégia, principalmente porque há um direcionamento que tem como alvo todos os sistemas de monoaminas que apresentam implicação na fisiopatologia da depressão. Poucas séries de casos relataram aumento da taxa de resposta com o acréscimo de bupropiona no tratamento em curso com fluoxetina (Prozac), sertralina ou paroxetina (Aropax). Outra razão para se combinar medicamentos antidepressivos é a redução de efeitos adversos. A mirtazapina (Remeron) é apropriada para bloquear alguns efeitos adversos gastrintestinais comuns. Suas propriedades de antagonista do receptor 5-HT3 da serotonina reduzem a náusea e a diarréia, enquanto suas propriedades de antagonista H1 da histamina auxiliam a normalizar o sono. A bupropiona pode ser útil para se contrapor à sedação causada por outros medicamentos. Lítio Ensaios controlados apóiam a experiência clínica de que o lítio (Carbolitium) potencializa uma gama de antidepressivos, convertendo 30 a 65% dos que não respondem em indivíduos responsivos. As doses de 600 a 1.200 mg por dia (ou níveis sangüíneos de 0,4 a 0,8 mmol) têm sido utilizadas para potencializar a resposta aos antidepressivos. Os níveis séricos do lítio não parecem estar estreitamente correlacionados com a resposta dos sintomas depressivos à potencialização pelo lítio. Pacientes com parentes de primeiro grau com transtornos bipolares devem ser considerados candidatos para a potencialização pelo lítio. Hormônios da tireóide O acréscimo de pequenas doses (25 a 50 μg) do hormônio da tireóide liotironina tem sido uma opção para potencializar a res-
TABELA 36.2-3 Considerações clínicas para a seleção de estratégias de potencialização de antidepressivos Tratamento
Nível da evidência em apoio
Segurança
Tolerância
Precauções e monitoração especial
Lítio
+++
++
++
Tireóide Buspirona
+++ ++
++ +++
++ +++
Pindolol
++
+
++
+
+
+ +
++ +
Nível de lítio, função da tireóide e monitoração da função renal Monitoração da função da tireóide Sem preocupações específicas de segurança ou necessidade de monitoração especial de laboratório Monitoração da pressão arterial e do pulso; cautela em pacientes com asma, alergias graves e problemas de condução cardíaca Abuso; preocupações com regulamentos; ativação, náusea, mudanças na pressão arterial Interações farmacocinéticas A segurança varia de acordo com a combinação; o risco de interações medicamentosas necessita de monitoração do plasma
Agonistas da dopa+ mina e estimulantes Anticonvulsivantes + Combinações de an- + tidepressivos +++ muito positivo; ++ positivo; + problemático.
1054
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
posta a ATCs e IMAOs. Foram realizados menos estudos controlados do que com o lítio. A potencialização dos ATCs com a liotironina se demonstrou efetiva em cerca de 50 a 60% dos pacientes. A eficácia da potenciação dos IMAOs e do ISRS fluoxetina tem sido limitada à avaliação de relatos de casos, mas a evidência preliminar sugere que a liotironina pode ser benéfica com uma ampla gama de antidepressivos. Ainda que a levotiroxina (Levothroid, Synthroid) seja um precursor da liotironina, parece ser menos efetiva como agente potencializador. Doses de 25 a 50 μg têm sido utilizadas para potencializar a resposta aos antidepressivos. Simpatomiméticos Os simpatomiméticos, como a dextroanfetamina (Dexedrine), o modafinil (Provigil) e o metilfenidato (Ritalin), têm sido utilizados em pacientes com depressão. Pessoas que não respondem a ISRSs, ATCs ou mesmo a IMAOs podem ser tratadas com sucesso com o acréscimo de um medicamento estimulante. Aquelas que exibem lentidão, apatia e fadiga, a despeito da resposta outrossim satisfatória aos antidepressivos ou talvez por causa de seu antidepressivo principal, podem se beneficiar do acréscimo de um simpatomimético. Contudo, não há estudos controlados sobre a potencialização de simpatomiméticos no tratamento, e o potencial para abuso torna sua utilização uma estratégia menos desejável do que outras opções. Pindolol O pindolol (Visken) é um antagonista de receptores β−adrenérgicos e receptores 5-HT1A da serotonina. Segundo relatos, esse agente reduz o período de latência da resposta aos antidepressivos em pessoas com depressão e naquelas resistentes ao tratamento com ISRSs. Em estudos controlados, contudo, o pindolol não tem sido mais efetivo do que placebo. Benzodiazepínicos A potencialização com benzodiazepínicos durante as primeiras semanas de tratamento com antidepressivos pode prover uma resposta ansiolítica mais rápida. Os inconvenientes incluem sedação, comprometimento psicomotor, um pequeno risco de fenômenos de abstinência e dependência a longo prazo, se o benzodiazepínico, em especial o alprazolam (Frontal), é utilizado por mais de dois meses. Essa classe tem sido empregada para potencializar os efeitos antipsicóticos dos neurolépticos em pacientes esquizofrênicos. Buspirona Relatos de casos e ensaios não-cegos verificaram respostas positivas com a potencialização com buspirona (BuSpar) em doses entre 20 a 50 mg por dia. O acréscimo desta à nefazodona (Serzo-
ne) ou à fluvoxamina (Luvox) pode levar a níveis sangüíneos mais altos do que o esperado. Dessa forma, é melhor baixar a dose inicial da buspirona (i.e., 2,5 mg duas vezes ao dia) quando é utilizada em combinação com nefazodona ou fluvoxamina. Foi relatado que a buspirona reverte bruxismo e disfunção sexual induzidos pelos ISRSs. Antagonistas dos receptores de dopamina e outros agentes antipsicóticos Pessoas com depressão que exibem sintomas psicóticos podem se beneficiar com o acréscimo de medicamentos utilizados principalmente no tratamento da esquizofrenia. Estes incluem os antagonistas dos receptores de dopamina e os antagonistas de serotonina-dopamina (ASDs), como a risperidona (Risperdal), a olanzapina (Zyprexa) e a quetiapina (Seroquel). Há relatos também de indivíduos deprimidos não-psicóticos que não respondem ao tratamento convencional e que se beneficiaram dessa estratégia. TRANSTORNO BIPOLAR Muitos pacientes com transtorno bipolar podem não ficar estáveis com um único estabilizador do humor. O tratamento em combinação é, assim, comum no manejo dessa condição. Em geral, os pacientes tomam um estabilizador principal do humor, como o lítio, a carbamazepina (Tegretol) ou o divalproato (Depakote), ou uma combinação destes (Tab. 36.2-4). Como acréscimo, um antagonista dos receptores de dopamina, um ASD ou o clonazepam (Rivotril) podem ser utilizados ao mesmo tempo, em particular durante o tratamento de mania aguda. Os pacientes com transtorno bipolar na fase depressiva também podem ser tratados com um antidepressivo. A lamotrigina (Lamictal) é um anticonvulsivante que está sendo utilizado de forma crescente sozinho ou como auxiliar no tratamento do transtorno bipolar e da depressão unipolar resistente. Relatos de casos e ensaios clínicos sugerem que ela tem tanto atividade estabilizadora do humor como antidepressiva. Exantemas, que potencialmente ameaçam a vida, se associam à utilização desse agente. O risco de exantema é dependente da concentração, em especial no início do tratamento, e ocorre com mais freqüência quando a lamotrigina é administrada em associação com ácido valpróico (Depakene). Essa coadministração aumenta as concentrações da lamotrigina, necessitando da redução de sua dose.
TABELA 36.2-4 Combinação de estabilizadores do humor em transtorno bipolar refratário Lítio + divalproex Lítio + gabapentina Lítio + tiagabina Divalproex + carbamazepina Divalproex + gabapentina Divalproex + topiramato Carbamazepina + gabapentina
TERAPIAS
BIOLÓGICAS
1055
Outros anticonvulsivantes, como a gabapentina (Neurotin), o topiramato (Topamax) e a tiagabina (Gabitril), estão sendo utilizados como auxiliares no tratamento de transtorno bipolar. Contudo, em contraste com a lamotrigina, atualmente não foram observadas preocupações com interações medicamentosas significativas com esses medicamentos. O topiramato pode oferecer uma vantagem particular quando combinado com outros estabilizadores do humor, no sentido de que pode tanto aumentar a eficácia como também se contrapor ao aumento de peso induzido por esses medicamentos, ainda que também possa comprometer a cognição.
(Anatensol) e um aumento de 20% nas concentrações do haloperidol. Os pacientes podem experimentar tanto melhora como piora da psicose quando se combina clozapina (Leponux) com ISRSs. É necessário cuidado especial quando se combinam alguns ISRSs com a clozapina. Convulsões são um efeito adverso sério da clozapina, dependente da concentração, e os ISRSs podem aumentar de forma significativa as concentrações desta e de seu metabólito principal. A fluvoxamina tem mais probabilidade do que outros ISRSs de produzir aumentos marcantes nessas concentrações plasmáticas.
TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO (TOC)
TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO/ HIPERATIVIDADE (TDAH)
Os ISRSs e a clomipramina (Anafranil) são os únicos tratamentos comprovados para o TOC, mas apenas 40% dos pacientes respondem a esses agentes. Poucos exibem remissão completa com monoterapia quando os utilizam. Medicamentos auxiliares que costumam ser utilizados incluem o valproato, a gabapentina e o clonazepam. Relatou-se há pouco que ADSs como a risperidona são efetivos. Os tiques co-mórbidos podem necessitar da administração de um ADS, de pimozida (Orap) ou haloperidol (Haldol). A buspirona pode ser útil em alguns casos. Pacientes com transtorno dismórfico corporal, o qual tem sido conceituado, grosso modo, como uma forma de TOC e que responde ao tratamento com os ISRSs, podem responder também a potencialização com a buspirona. Os que têm resposta parcial ao antidepressivo antes da potencialização exibem melhor resposta subseqüente ao acréscimo da buspirona. ESQUIZOFRENIA Dois tipos diferentes de medicamentos podem ser combinados com o propósito de aumentar a eficácia. Em geral, essas combinações resultam da tentativa de se fazer uma transição de um agente para outro, em que o paciente mostra melhora durante a mudança. Alguns clínicos escolhem deixar o caso suficientemente bem e manter o paciente nessa combinação. A combinação mais comum envolvendo antagonistas de receptores de dopamina é o acréscimo de um agente antiparkinsoniano. Seu emprego no tratamento de transtornos dos movimentos causados por antipsicóticos é discutido em outra seção deste livro. Os ISRSs são utilizados para tratar a depressão secundária em pacientes esquizofrênicos já estabilizados com um neuroléptico e para tratar sintomas negativos residuais, com alguns indivíduos exibindo melhora, inclusive a redução dos sintomas positivos e negativos e da freqüência de incidentes agressivos. Efeitos adversos relatados com tratamento de ISRSs-antagonistas dos receptores de dopamina incluem piora da psicose, da agressividade e dos sintomas extrapiramidais. Os efeitos de se combinar um ISRS com um antagonista dos receptores de dopamina pode levar a interações farmacocinéticas. Por exemplo, a fluoxetina é capaz de produzir uma elevação de 65% nas concentrações de flufenazina
A combinação da clonidina (Atensina) com simpatomiméticos costuma ser útil no tratamento de crianças com TDAH que não respondem a outras intervenções. Um benefício potencial dessa combinação é a melhora das dificuldades no sono. Para esse propósito, as doses diárias da clonidina variam de 0,05 a 0,8 mg. Foram relatadas mortes súbitas em crianças tomando a combinação clonidina-metilfenidato. O mecanismo que causa essas mortes é desconhecido e a evidência de que as mesmas estivessem relacionadas a essa combinação de medicamentos é ainda considerada pouco provável. Devem ser obtidos eletrocardiogramas (ECG), quer a clonidina seja utilizada isolada, quer em combinação com outros medicamentos, caso haja anormalidades durante o exame físico ou evidência ou história de doença cardíaca preexistente. É recomendável monitorar os sinais vitais sempre que a clonidina foi utilizada, em vista de seus efeitos hipotensores. Podem também ser consideradas alternativas à combinação clonidina-metilfenidato. A dextroanfetamina pode substituir o metilfenidato, e a guanfacina (Tenex), a clonidina. REFERÊNCIAS Gabbay V, O’Dowd MA, Asnis GM. Combined antidepressant treatment: a risk factor for switching in bipolar patients. J Clin Psychiatry. 2002;63:367. Grebb JA. General principles of psychopharmacology. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2235. Papp LA. Anxiety disorders: somatic treatment. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:1490. Post RM, Mood disorders: treatment of bipolar disorders. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:1385. Post RM, Keck P Jr, Rush AJ. New design for studies of the prophylaxis of bipolar disorder. J Clin Psychopharmacol. 2002;22:1. Rush AJ. Mood disorders: treatment of depression. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:1377. Spina E, Perucca E. Clinical pharmacokinetic interactions between antiepileptic and psychotropic drugs. Epilepsia. 2002;43(suppl 2):37. Weiss E, Hummer M, Koller D, Ulmer H, Fleischhacker WW. Off-label use of antipsychotic drugs. J Clin Psychopharmacol. 2001;21:695. Wheeler Vega JA, Mortimer AM, Tyson PJ. Somatic treatment of psychotic depression: review and recommendations for practice. J Clin Psychopharmacol. 2000;20:504.
1056
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
36.3 Transtornos do movimento induzidos por medicamentos Os clínicos que modificam a química do cérebro com medicamentos em uma tentativa de tratar transtornos mentais estão a par das possíveis conseqüências não-pretendidas da abordagem farmacológica. Os efeitos adversos devem ser distinguidos de manifestações da doença subjacente, e os efeitos atribuídos aos medicamentos devem ser manejados com habilidade, mudandose as doses, acrescentando agentes auxiliares ou substituindo-os por outros. Os clínicos devem utilizar a menor dose efetiva de qualquer psicotrópico, a fim de reduzir o risco de efeitos adversos, mas essa intenção deve ser ponderada pela necessidade de se prevenir a recaída da doença. Os transtornos do movimento induzidos por medicamentos mais comuns em psiquiatria são os atribuíveis aos antipsicóticos antagonistas dos receptores de dopamina. Estes atuam bloqueando a ligação da dopamina aos receptores D2 para a mesma dopamina, alguns dos quais estão localizados no núcleo caudado e em outros núcleos dos gânglios basais que pertencem ao sistema motor extrapiramidal. Acredita-se que o bloqueio dos receptores D2 perturba vias neurais cruciais dos gânglios basais envolvidos no controle dos movimentos, tanto voluntários como involuntários; além disso, desinibe circuitos primitivos que, grosso modo, determinam as anormalidades “extrapiramidais” do tônus muscular e dos movimentos. A expressão clínica dessas perturbações das alças de retroalimentação (feedback) e de regulação para diante (feedforward) dos gânglios basais pode incluir posturas distônicas, manifestações de parkinsonismo (tremor, rigidez e bradicinesia), acatisia (inquietação motora) e movimentos coreiformes (“de dança”) ou atetóides (“contorções”). A associação entre o bloqueio de D2 e o sistema extrapiramidal não é direta: não há associação direta imediata e temporal entre a administração dos medicamentos e o aparecimento de vários padrões de sintomas, que ocorrem em tempos diferentes após a administração de antagonistas dos receptores de dopamina. Os novos antipsicóticos, os antagonistas de serotonina-dopamina (ASDs), têm muito menos probabilidade de produzir transtornos do movimento. Contudo, existem alguns relatos de problemas dessa ordem mesmo em pacientes tratados com esses novos agentes. Em vista da história natural dos transtornos psicóticos poder incluir manifestações de parkinsonismo, distonia, acatisia e discinesia tardia, a contribuição de medicamentos específicos para os transtornos do movimento deve ser avaliada com cuidado mediante a retirada e a readministração com o agente que se presume responsável por tais problemas. Relatou-se a associação ocasional de outros psicotrópicos, inclusive antidepressivos e ansiolíticos, com transtornos do movimento. Por exemplo, os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs) podem causar acatisia e, em casos raros, discinesia tardia, principalmente do tipo oral-bucal. A revisão do texto da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR) inclui na catego-
ria “transtornos do movimento induzidos por medicamentos” não apenas essas condições, mas também qualquer efeito adverso induzido por medicamentos que se torne foco de atenção clínica. Quando se faz um desses diagnósticos e o inclui como foco do tratamento, o diagnóstico de transtorno do movimento ou de efeito adverso deve ser listado no Eixo I da formulação de diagnósticos multiaxial do DSM-IV-TR. Quando um paciente sob medicação desenvolve um transtorno do movimento, o clínico deve considerar o diagnóstico diferencial desses sintomas. Por exemplo, precisa-se diferenciar a ansiedade da acatisia, a catatonia da síndrome neuroléptica maligna, o parkinsonismo da depressão, e a discinesia tardia de outros transtornos do movimento relacionados com os gânglios basais. TRANSTORNOS DO MOVIMENTO INDUZIDOS POR NEUROLÉPTICOS Os transtornos do movimento relacionados aos neurolépticos mais comuns são o parkinsonismo, a distonia aguda e a acatisia aguda. A síndrome neuroléptica maligna é uma condição que ameaça a vida, por vezes maldiagnosticada. A discinesia tardia induzida por neurolépticos é um efeito adverso de aparecimento tardio que pode ser irreversível; no entanto, dados recentes indicam que a síndrome, embora ainda que grave e potencialmente incapacitante, é menos perniciosa do que se pensava em pacientes que tomam antagonistas dos receptores de dopamina e ocorre de forma bastante rara entre os que usam os ASDs. Parkinsonismo induzido por neurolépticos O parkinsonismo induzido por neurolépticos se caracteriza por uma tríade de tremor em repouso, rigidez e bradicinesia (referida, no DSM-IV-TR, como acinesia) (Tab. 36.3-1). O tremor parkinsoniano típico oscila com uma taxa estável de 3 a 6 ciclos por segundo, e pode ser suprimido por movimentos intencionais. A rigidez é um distúrbio do tônus muscular – isto é, da tensão subjacente, presente de forma involuntária nos músculos. Essas alterações podem causar tanto a hipertonia (rigidez) como a hipotonia. A hipertonia associada ao parkinsonismo induzido por neurolépticos é do tipo “cano de chumbo”, em que o tônus está continuamente elevado, ou do tipo roda dentada, em que o tremor se superpõe à rigidez. Este último tipo é revelado quando o examinador gira a mão ao redor do eixo do pulso e encontra uma resistência rítmica regular, como roda dentada. A síndrome da bradicinesia pode incluir uma aparência facial semelhante a uma máscara, redução dos movimentos acessórios dos braços quando o paciente caminha e dificuldade característica de iniciar movimentos. O denominado síndrome do coelho é um tremor que afeta os lábios e os músculos periorais; é considerado parte da síndrome do parkinsonismo induzido por neurolépticos, embora por vezes apareça mais tarde no tratamento do que outros sintomas. Outras manifestações parkinsonianas incluem retardamento do pensamento, piora dos sintomas negativos, salivação
TERAPIAS
TABELA 36.3-1 Critérios de pesquisa do DSM-IV-TR para parkinsonismo induzido por neurolépticos A. Desenvolvimento de, no mínimo, um dos seguintes sinais e sintomas em associação com o uso de medicamentos neurolépticos: (1) tremor parakinsoniano (i.e., um tremor amplo, rítmico e de repouso, com uma freqüência de 3 a 6 ciclos por segundo, afetando membros, cabeça, boca ou língua) (2) rigidez muscular parkinsoniana (i.e., rigidez tipo roda dentada ou rigidez contínua tipo “cano de chumbo”) (3) acinesia (i.e., uma redução na expressão facial espontânea, nos gestos, na fala e nos movimentos corporais) B. Os sintomas no Critério A desenvolveram-se dentro de algumas semanas após o início ou elevação da dose de um medicamento neuroléptico ou após a redução do medicamento utilizado para tratar (ou prevenir) sintomas extrapiramidais agudos (p. ex., agentes anticolinérgicos). C. Os sintomas no Critério A não são melhor explicados por um retardo mental (p. ex., sintomas catatônicos ou negativos na esquizofrenia, psicomotor em um episódio depressivo maior). Evidências de que os sintomas são melhor explicados por um transtorno mental podem incluir as seguintes: os sintomas precedem a exposição a um medicamento neuroléptico ou são incompatíveis com o padrão de intervenção farmacológica (p. ex., não há melhora após a redução da dose ou administração de um medicamento anticolinérgico). D. Os sintomas Critério A não se devem a uma substância nãoneuroléptica, a uma condição neurológica ou a outra condição médica sistêmica (p. ex., doença de Parkinson, doença de Wilson). Evidências de que os sintomas se devem a uma condição médica geral podem incluir as seguintes: os sintomas precedem a exposição a um medicamento neuroléptico, presença de sinais neurológicos focais inexplicáveis ou progressão dos sintomas apesar de um tratamento medicamentoso estável. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th. ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
excessiva, babar, marcha arrastada em pequenos passos, micrografia, seborréia e disforia. A fisiopatologia do parkinsonismo induzido por neurolépticos envolve o bloqueio dos receptores D2 do caudado na terminação dos neurônios nigroestriados da dopamina, os mesmos que se degeneram na doença de Parkinson idiopática. Idosos e mulheres têm o risco mais elevado para parkinsonismo induzido por neurolépticos. Mais de 50% dos pacientes tratados a longo prazo com antagonistas dos receptores de dopamina de alta potência podem desenvolver essa condição em algum momento no curso da administração dos medicamentos. Estudos funcionais de neuroimagem demonstraram que o parkinsonismo é observado com 80% ou mais de ocupação dos receptores D2 do caudado. Pelo mesmo método, a eficácia antipsicótica foi observada com apenas 50 a 75% de ocupação dos receptores D2. Tratamento. Os riscos e os benefícios do tratamento profilático com medicamentos antissistema extrapiramidal – por exemplo, anticolinérgicos e amantadina (Mantidan) ou anti-histamínicos continuam a ser debatidos. Quando os sintomas parkinsonianos aparecem, os três passos no tratamento são reduzir a dose do neuroléptico, instituir medicamentos antissistema extrapiramidal e (possivelmente) trocar de neuroléptico. Os antagonistas da serotonina – dopamina (ASDs) são uma alternativa recomendada dos antagonis-
BIOLÓGICAS
1057
tas dos receptores de dopamina para pacientes com transtornos do movimento induzidos pelos neurolépticos. Os estudos mostram que a incidência de parkinsonismo induzido por medicamentos é baixa para os ASDs e para os antagonistas dos receptores de dopamina de baixa potência, como a tioridaziana (Mellaril). Os sintomas extrapiramidais se associam a doses da risperidona (Risperdal) acima da dose máxima recomendada de 4 a 6 mg por dia. O desenvolvimento comum de tolerância aos efeitos adversos parkinsonianos desses medicamentos é malcompreendido. Uma vez iniciado o tratamento, os clínicos devem tentar reduzir ou suspender os medicamentos anti-sistema extrapiramidal após 14 a 21 dias de tratamento para avaliar se os mesmos ainda são necessários. Síndrome neuroléptica maligna A síndrome neuroléptica maligna é uma complicação do tratamento antipsicótico que ameaça a vida e pode ocorrer em qualquer ponto durante o curso do tratamento (Tab. 36.3-2). Os sintomas incluem rigidez muscular e distonia (daí a classificação da doença como transtorno do movimento), acinesia, mutismo, obnubilação e agitação. Os sintomas autonômicos incluem febre alta, sudorese e aumento da pressão arterial e da freqüência cardíaca. A condição também pode ser precipitada em pacientes com doença de Parkinson pela retirada abrupta do precursor da dopamina, levodopa, o que sugere que a síndrome pode ser um possível resultado da redução precipitada da ativação dos receptores de dopamina. Sua prevalência é estimada entre 0,02 a 2,4% dos pacientes expostos a antagonistas dos receptores de dopamina. Além do tratamento médico de apoio, os agentes mais utilizados para essa condição são o dantrolene (Dantrium) e a bromocripti-
TABELA 36.3-2 Critérios de pesquisa do DSM-IV-TR para síndrome neuroléptica maligna A. Desenvolvimento de rigidez muscular grave e hipertermia associadas ao uso de medicamentos neurolépticos. B. Pelo menos dois dos seguintes sintomas: (1) sudorese (2) disfagia (3) tremor (4) incontinência (5) alterações no nível de consciência, variando de confusão a coma (6) mutismo (7) taquicardia (8) pressão arterial elevada ou instável (9) leucocitose (10) evidências laboratoriais de lesão muscular (p. ex., PCK elevada) C. Os sintomas nos critérios A e B não se devem a uma substância (p. ex., fenciclidina), a uma condição neurológica ou a outra condição médica geral (p. ex., encefalite viral). D. Os sintomas nos Critérios A e B não são melhor explicados por um transtorno mental (p. ex., transtorno do humor com características catatônicas). De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
1058
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
na (Parlodel), ainda que a amantadina seja por vezes utilizada. A bromocriptina e a amantadina possuem efeitos agonistas diretos sobre os receptores de dopamina e podem servir para superar o bloqueio dos receptores induzido pelos antipsicóticos. Relata-se que as taxas de mortalidade são de 10 a 20%. Deve-se utilizar a menor dose efetiva do antipsicótico para se reduzir a possibilidade de síndrome neuroléptica maligna. Os antipsicóticos com efeitos anticolinérgicos parecem ter menos probabilidade de causar esse problema. Distonia aguda induzida por neurolépticos Distonias são contrações breves ou prolongadas dos músculos que resultam em movimentos ou posturas anormais, inclusive crises oculogíricas, protusão da língua, trismo, torcicolo, distonias laringofaríngeas e posturas distônicas dos membros e do tronco (Tab. 36.3-3). O desenvolvimento dos sintomas distônicos é caracterizado por seu início precoce durante o curso do tratamento com os neurolépticos e sua alta incidência em homens, em pacientes com idade abaixo de 30 anos e entre aqueles que recebem altas dosagens de medicamentos de alta potência. O mecanismo patofisioló-
TABELA 36.3-3 Critérios de pesquisa do DSM-IV-TR para distonia aguda induzida por neurolépticos
gico das distonias não é claramente entendido, embora modificações nas concentrações de neurolépticos e modificações resultantes nos mecanismos homeostáticos dentro dos gânglios basais possam ser as principais causas. Tratamento. O tratamento das distonias deve ser imediato: os agentes mais comuns são os anticolinérgicos ou os antihistaminérgicos. Se o paciente deixa de responder a três doses desses medicamentos dentro de duas horas, o clínico deve considerar outras causas para os movimentos distônicos. Após a resolução do episódio agudo, devem ser administrados agentes anticolinérgicos orais, e seus efeitos, reavaliados a cada duas semanas. Acatisia aguda induzida por neurolépticos A acatisia se caracteriza por sensações subjetivas de inquietação, sinais objetivos de inquietação, ou ambos. Exemplos incluem sensação de ansiedade, incapacidade de relaxar, inquietação, caminhar, movimentos de rotação do corpo enquanto sentado e alternância rápida de sentar e levantar (Tab. 36.34). A condição pode ser diagnosticada de forma equivocada como ansiedade ou como aumento de agitação psicótica, e pode levar a aumento na dose da medicação antipsicótica, o que, na verdade, exacerba a condição. Mulheres de meia-idade têm
A. Desenvolvimento de pelo menos um dos seguintes sinais ou sintomas em associação com o uso de medicamentos neurolépticos. (1) posicionamento anormal da cabeça e do pescoço em relação ao corpo (p. ex., retrocolo, torcicolo) (2) espasmos dos músculos da mandíbula (trismo, bocejos, caretas) (3) prejuízo na deglutição (disfagia), na fala, na respiração (espasmos laringofaríngeos, disfonia) (4) fala inarticulada ou indistinta devido à língua hipertônica ou língua aumentada de tamanho (disartria, macroglossia) (5) protusão ou disfunção da língua (6) desvio dos olhos para cima, para baixo ou para o lado (crises oculógiras) (7) posicionamento anormal dos membros distais ou do tronco B. Os sinais ou sintomas no Critério A desenvolveram-se dentro de sete dias após o início ou rápido da dose de um medicamento neuroléptico ou após uma redução do medicamento utilizado para tratar (ou prevenir) sintomas extrapiramidais agudos (p. ex., agentes anticolinérgicos). C. Os sintomas no Critério A não são melhor explicados por um transtorno mental (p. ex., sintomas catatônicos na esquizofrenia). As evidências de que os sintomas são melhor explicados por um transtorno mental podem incluir as seguintes: os sintomas precedem a exposição ao medicamento neuroléptico ou são incompatíveis com o padrão de intervenção farmacológica (p. ex., ausência de melhora após uma redução da dose do neuroléptico ou administração de anticolinérgico). D. Os sintomas no Critério A não se devem a uma substância não-neuroléptica, a uma condição neurológica ou a outra condição médica geral. As evidências de que os sintomas se devem a uma condição médica geral podem incluir as seguintes: os sintomas precedem a exposição a um medicamento neuroléptico, há presença de sinais neurológicos focais inexplicáveis, ou progressão dos sintomas na ausência de alteração na medicação.
A. Desenvolvimento de queixas subjetivas de inquietação após a exposição a um medicamento neuroléptico. B. Observação de pelo menos um dos seguintes sintomas: (1) movimentos inquietos ou balanço das pernas (2) oscilar de um pé para outro, quando está de pé (3) caminhar para aliviar a inquietação (4) incapacidade de sentar ou ficar de pé quieto por pelo menos alguns minutos C. O início dos sintomas nos Critérios A e B ocorre dentro de quatro semanas após o início ou aumento da dose do neuroléptico, ou após a redução de um medicamento usado para tratar (ou prevenir) sintomas extrapiramidais agudos (p. ex., agentes anticolinérgicos). D. Os sintomas no Critério A não são mais bem explicados por um transtorno mental (p. ex., esquizofrenia, abstinência de substâncias, agitação por um episódio depressivo maior ou episódio maníaco, hiperatividade no transtorno de déficit de atenção/hiperatividade). As evidências de que os sintomas podem ser mais bem explicados por um transtorno mental poderiam incluir as seguintes: início dos sintomas precedendo a exposição aos neurolépticos, ausência de aumento da inquietação com o aumento da dose do neuroléptico e ausência de alívio com intervenções farmacológicas (p. ex., melhora com a redução da dose do neuroléptico ou com tratamento medicamentoso visando a tratar a acatisia). E. Os sintomas no Critério A não se devem a uma substância não-neuroléptica, a uma doença neurológica ou a outra condição médica geral. As evidências de que os sintomas se devem a uma condição médica geral podem incluir o início dos sintomas antes da exposição aos neurolépticos ou a progressão dos sintomas na ausência de uma alteração na medicação.
De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
TABELA 36.3-4 Critérios de pesquisa do DSM-IV-TR para acatisia aguda induzida por neurolépticos
TERAPIAS
maior risco de acatisia, e a evolução no tempo é a mesma do parkinsonismo induzido por neurolépticos. A acatisia tem se associado à utilização de uma ampla gama de medicamentos psiquiátricos, incluindo antipsicóticos, antidepressivos e simpatomiméticos. Um relato recente associa a condição a mau resultado no tratamento. Tratamento. Os três passos básicos no tratamento da acatisia são reduzir a dose do neuroléptico, tentar intervenções com agentes apropriados e considerar a troca do neuroléptico. Os medicamentos mais eficazes no tratamento da acatisia são os antagonistas dos receptores β-adrenégicos, ainda que anticolinérgicos, benzodiazepínicos e ciproeptadina (Piriatin) possam beneficiar alguns pacientes. Pode haver menos probabilidade de acatisia quando se recebem neurolépticos de baixa potência – como a tioridazina – do que quando se recebe os de alta potência – como o haloperidol (Haldol); os ASDs se associam a uma baixa incidência de acatisia. Discinesia tardia induzida por neurolépticos A discinesia tardia induzida por neurolépticos é um transtorno de aparecimento tardio de movimentos involuntários coreoatetóides (Tab. 36.3-5). Os movimentos mais comuns envolvem a região orofacial em conjunto com movimentos co-
TABELA 36.3-5 Critérios de pesquisa do DSM-IV-TR para discinesia tardia induzida por neurolépticos A. Movimentos involuntários da língua, da mandíbula, do tronco ou das extremidades, desenvolvidos em associação com o uso de medicamentos neurolépticos. B. Os movimentos involuntários estão presentes por um período mínimo de quatro semanas e ocorrem segundo qualquer um dos seguintes padrões: (1) movimentos coreiformes (i.e., rápidos, espasmódicos e não-repetitivos. (2) movimentos atetóides (i.e., lentos, sinuosos e contínuos) (3) movimentos rítmicos (i.e., estereotipias) C. Os sinais e sintomas nos Critérios A e B desenvolvem-se durante a exposição a um medicamento neuroléptico ou dentro de quatro semanas após a abstinência de um medicamento neuroléptico oral (ou dentro de oito semanas após a abstinência de um medicamento depot). D. Houve exposição a um medicamento neuroléptico por pelo menos três meses (um mês, se o indivíduo tem 60 anos ou mais). E. Os sintomas não se devem a uma condição neurológica ou a uma condição médica geral (p. ex., doença de Huntington, coréia de Sydenham, discinesia espotânea, hipertireoidismo, doença de Wilson), dentaduras mal-ajustadas ou exposição a outros medicamentos que causam discinesia reversível (p. ex., L-dopa, bromocriptina). Evidências de que os sintomas se devem a uma dessas etiologias podem incluir as seguintes: os sintomas precedem a exposição a um medicamento neuroléptico ou a presença de sinais neurológicos focais inexplicáveis. F. Os sintomas não são melhor explicados por um transtorno agudo do movimento induzido por neurolépticos (p. ex., distonia aguda induzida por neurolépticos, acatisia aguda induzida por neurolépticos). De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
BIOLÓGICAS
1059
reoatetóides dos dedos e dos artelhos. Movimentos atetóides da cabeça, do pescoço e dos quadris também ocorrem em pacientes muito afetados. Nos casos mais graves, pode haver irregularidades no respirar e no deglutir que resultam em aerofagia, eructações e grunhidos. A Escala de Movimentos Involuntários Anormais (Abnormal Involuntary Movement Scale – AIMS), administrada a cada 3 a 6 meses aos pacientes que estão tomando medicamentos antipsicóticos, é uma ferramenta diagnóstica efetiva para a discinesia tardia (Tab. 36.3-6). Os fatores de risco para essa condição, que ocorre em até 25% dos pacientes tratados com antagonistas dos receptores de dopamina por mais de quatro anos, incluem tratamento de longo prazo
TABELA 36.3-6 Escala de Movimentos Involuntários Anormais (AIMS) Processo de exame Identificação do paciente:____________________ Data:__________ Avaliado por: Tanto antes como após completar o processo de exame, observar o paciente de forma não-intrusiva em repouso (p. ex., na sala de espera). A cadeira a ser utilizada nesse exame deve ser dura, firme, sem braços. Após observar o paciente, o mesmo deve ser avaliado em uma escala de 0 (nenhum), 1 (mínima), 2 (leve), 3 (moderada) e 4 (grave), de acordo com a gravidade dos sintomas. Perguntar ao paciente se há alguma coisa em sua boca (i.e., goma de mascar, balas, etc.) e, em caso afirmativo, solicitar que a retire. Perguntar ao paciente sobre a condição atual de seus dentes. Usa dentadura? Os dentes ou a dentadura incomodam-no atualmente? Perguntar ao paciente se ele se dá conta de qualquer movimento na boca, na face, nas mãos ou nos pés. Se sim, solicitar que descreva e em que extensão o perturbam ou interferem em suas atividades. 01234 Fazer o paciente sentar em uma cadeira com as mãos nos joelhos, as pernas levemente separadas, e os pés plantados no chão. (Observar todo o corpo para movimentos quando nessa posição.) 01234 Solicitar ao paciente que sente com as mãos pendentes sem apoio. Se homem, entre as pernas; se mulher e usando vestido, pendentes sobre os joelhos. (Observar as mãos e outras áreas do corpo.) 01234 Solicitar ao paciente para abrir a boca. (Observar a língua em repouso.) Fazê-lo duas vezes. 01234 Solicitar ao paciente que faça a protusão da língua. (Observar anormalidades nos movimentos da língua.) Fazêlo duas vezes. 01234 Solicitar ao paciente que tamborile com o polegar, depois com cada dedo, tão rápido quanto possível por 10 a 15 segundos; primeiro com a mão direita e a seguir com a esquerda. (Observar movimentos faciais e das pernas.) 01234 Flexionar e estender os braços direito e esquerdo do paciente (um de cada vez). 01234 Solicitar ao paciente que levante. (Observá-lo de perfil. Observar todas as partes do corpo de novo, inclusive os quadris.) 01234 Solicitar ao paciente que estenda ambos os braços hiperestendidos na frente, com as palmas das mãos para baixo. (Observar tronco, pernas e mão.)ª 01234 Fazer o paciente caminhar alguns passos, fazer a volta e caminhar de volta para a cadeira. (Observar as mãos e a marcha.) Fazê-lo duas vezes.ª a
Movimentos ativados.
1060
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
com neurolépticos, idade avançada, sexo feminino, presença de um transtorno do humor e presença de transtorno cognitivo. Distonia tardia pode aparecer após vários anos de exposição a neurolépticos, é mais comum em pacientes mais jovens, e pode coexistir com discinesia tardia. É caracterizada por movimentos involuntários sustentados ou lentos do pescoço, do tronco, da face ou dos membros. Ainda que vários tratamentos para discinesia tardia não tenham sido bem-sucedidos, o curso da doença é considerado menos irreversível do que se pensava. Os ASDs se associam a um risco muito baixo de desenvolvimento de discinesia tardia e, por isso, representam uma abordagem efetiva de tratamento. Os pacientes com esta condição em geral experimentam uma exacerbação de seus sintomas quando o antagonista dos receptores de dopamina é retirado, enquanto a substituição por um ASD pode limitar os movimentos anormais sem piorar a progressão da discinesia. Antes do aparecimento dos antipsicóticos, na década de 1950, os clínicos observaram que de 1 a 5% dos pacientes psiquiátricos com esquizofrenia desenvolviam movimentos semelhantes à discinesia tardia. Tal constatação sugere que nem todos os casos de discinesia tardia devam ser atribuídos aos antipsicóticos. A despeito disso, o tratamento é o mesmo, independentemente de causa.
TREMOR POSTURAL INDUZIDO POR MEDICAMENTOS Tremor é definido como um alternação rítmica de movimentos que, em geral, excede um batimento por segundo (Tab. 36.3-7). Tipicamente, os tremores diminuem durante períodos de relaxamento e sono e aumentam durante períodos de raiva e tensão. Essas características algumas vezes levam o clínico inexperiente a presumir que o paciente está fingindo que tem o tremor. Enquanto todos os diagnósticos já discutidos incluem de forma específica uma associação com os neurolépticos, o DSM-IV-TR reconhece que uma série de medicamentos psiquiátricos pode produzir tremor – tipicamente o lítio (Carbolitium), os antidepressivos e o valproato (Depakene) – e ainda muitos outros. TABELA 36.3-7 Critérios de pesquisa do DSM-IV-TR para tremor postural induzido por medicamentos
O tratamento envolve quatro passos. Primeiro, a menor dose possível deve ser utilizada. Segundo, os pacientes devem diminuir seu consumo de cafeína e álcool. Terceiro, o medicamento psiquiátrico deve ser tomando ao deitar, para reduzir a quantidade de tremor diurno. Quarto, antagonistas de receptores β-adrenérgicos podem ser administrados para tratar o tremor induzido por medicamentos. TRANSTORNOS DO MOVIMENTO INDUZIDOS POR MEDICAMENTOS SEM OUTRA ESPECIFICAÇÃO Ainda que os neurolépticos sejam os medicamentos psiquiátricos mais associados a transtornos dos movimentos, quase todas as classes podem produzir essa condição em alguns pacientes (Tab. 36.3-8). Além disso, vários medicamentos não-psiquiátricos podem levar a esses transtornos, e os pacientes tratados tanto com uns como com outros podem experimentar a soma dos efeitos desses medicamentos em seus transtornos do movimento. O DSM-IV-TR também define a categoria diagnóstica como abrangendo outros transtornos do movimento além dos já especificados, os quais incluem distonia tardia, síndrome de Tourette tardia, mioclonias tardias, acatisia tardia e parkinsonismo tardio. A Tabela 36.3-9 lista vários transtornos do movimento e os medicamentos que os induzem. EFEITOS ADVERSOS DOS MEDICAMENTOS SEM OUTRA ESPECIFICAÇÃO Esta categoria permite ao clínico registrar os efeitos adversos dos medicamentos, outros que não os sintomas de movimentos, que se tornem um foco do tratamento (Tab. 36.3-10). Exemplos desses efeitos adversos incluem o priapismo, a hipotensão grave e anormalidades cardíacas. SÍNDROMES HIPERTÉRMICAS Vários medicamentos utilizados em psiquiatria e todos os envolvidos em transtornos do movimento induzidos por medicamentos podem se associar a hipertermia. A Tabela 36.3.11 resume várias condições e agentes associados a hipertermia.
A. Tremor postural fino desenvolvido em associação com o uso de um medicamento (p. ex., lítio, antidepressivo, ácido valpróico). B. O tremor (i.e., oscilação regular rítmica de membros, cabeça, boca ou língua) tem uma freqüência entre 8 e 12 ciclos por segundo. C. Os sintomas não se devem a um tremor preexistente não induzido farmacologicamente. Evidências de que os sintomas são devidos a um tremor preexistente podem incluir as seguintes: presença do tremor antes da introdução do medicamento, ausência de correlação com os níveis séricos do medicamento e persistência após a suspensão do medicamento. D. Os sintomas não são melhor explicados por um parkinsonismo induzido por neurolépticos.
Esta categoria serve para transtornos do movimento induzidos por medicamentos que não satisfazem os critérios para nenhum dos transtornos específicos listados antes. Exemplos incluem (1) parkinsonismo, acatisia aguda, distonia aguda ou movimento discinético associados a um medicamento outro que não um neuroléptico; (2) quadro semelhante ao da síndrome neuroléptica maligna associado a um medicamento outro que não um neuroléptico; (3) distonia tardia.
De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Texto rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
TABELA 36.3-8 Critérios de pesquisa do DSM-IV-TR para transtornos do movimento induzidos por medicamentos sem outra especificação
TERAPIAS
BIOLÓGICAS
1061
TABELA 36.3-9 Transtornos do movimento induzidos por medicamentos Síndrome Tremor postural
Medicamento responsável
Simpaticomiméticos Levodopa Anfetaminas Broncodilatadores Medicamentos tricíclicos Carbonato de lítio Cafeína Hormônio da tireóide Valproato de sódio Antipsicóticos Angentes hipoglicêmicos Adrenocorticosteróides Abstinência de álcool Amiodarona Ciclosporina IMAOs Reações Antipsicóticos distônicas Metoclopropamida agudas Agentes antimaláricos Tetrabenazina Difenidramina Ácido mefenâmico Oxatomida Medicamentos tricíclicos Flunarizina e cinarizina Acatisia Antipsicóticos Metoclopropamida Reserpina Tetrabenazina Levodopa e agonistas de dopaminaa,b Flunarizina e cinarizina Etossuximida Metissergida Amoxapina Parkinsonismo, Antipsicóticos inclusive tremor Metoclopropamida perioral Reserpina Tetrabenazina Metildopa Flunarizina e cinarizina Fluoxetina Lítio Fenelzina Fenitoína Captopril Abstinência de álcool MPTP Outras toxinas (magnésio, dissulfteto de carbono, cianetos) Citosina arabinosida
Grau
Síndrome
++ ++ ++ ++ ++ ++ ++ ++ ++ ++ ++ ++ ++ + + ++ ++ ++ + +/+/+/+/+/+/++ ++ ++ ++ + +/+/+/+/++ ++ ++ ++ + +/+/+/+/+/+/+ + +
Coréia, inclusive discinesia tardia e discinesia orofacial
+/-
Medicamento responsável
Antipsicóticos Metoclorpropamida Levodopa Agonistas diretos de dopamina Agonistas indiretos de dopamina e outros medicamentos catecolaminérgicosa Anticolinérgicos Anti-histamínicos Anticoncepcionais orais Fenitoína (T) Carbamazepina (T) Etossuximida Fenobarbital (T) Carbonato de lítio (T) Benzodiazepínicos IMAOs Medicamentos tricíclicos Metildopa Metadona Digoxina Abstinência de álcool Tolueno (inalação de cola) Flunarizina e cinarizina Distonia, inclusive Antipsicóticos distonia tardia Metoclopropamida (exceto reações Levodopa distônicas Agonistas diretos de dopaminaa agudas) Fenitoína (T) Carbamazepina (T) Flunarizina e cinarizina Trazodona Lítio Síndrome Antipsicóticos neuroléptica Tetrabenazina com AMPT maligna Tiques (simples Abstinência de medicamentos antiparkie complexos), soninanos na doença de Parkinson inclusive Levodopa agravamento Agonistas diretos de dopamina de transtorno Agonistas indiretos de dopamina de tiques Antipsicóticos preexistente Carbamazepina Mioclonias Levodopa Anticonvulsivantesc (T) IMAOs Lítio Medicamentos tricíclicos Antipsicóticos Asterixe Antivonvulsivantesc (T) Levodopa Hepatotoxinas (T) Depressores respiratórios
Grau ++ ++ ++ ++ ++ + + + + +/+/+/+/+/+/+/+/+/+/+/+/+/++ ++ ++ + + +/+/+/+/+ +/+/+ + ++ + +/++ ++ ++ ++ ++ +/++ +/++ ++
++, bem-documentadas, comuns ou freqüentes; +, relativamente bem-documentadas, incomuns; +/-, não bem-documentadas ou com apenas um número pequeno de casos na literatura; AMPT, α-metilparatirosina; IMAOs, inibidores da monoaminoxidase; MPTP, 1-metil-4-fenil-1,2,3,6-tetraidropiridina; T, evidência de toxicidade do medicamento (inclusive níveis séricos). aInclui apomorfina, bromocriptina, lisurida, pergolida. bInclui anfetaminas, metilfenidato, amantadina, pemolina, fenfluramina. cInclui a maioria das categorias dos medicamentos anticonvulsivantes. Adaptada de Gershanil OS. Drug-induced movement disorders. Curr Opin Neurol Neurosurg. 1993,6:369.
1062
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 36.3-10 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para efeitos adversos de medicamentos sem outra especificação Esta categoria está disponível para utilização opcional pelos clínicos para codificar efeitos colaterais dos medicamentos (outros que não sintomas de movimentos) quando os mesmos tornam-se foco de atenção clínica. Exemplos incluem hipertensão grave, arritmias cardíacas e priapismo. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
REFERÊNCIAS Arya DK. Extrapyramidal symptoms with selective serotonin reuptake inhibitors. Br J Psychiatr. 1994;165:728. Ballesteros J, González-Pinto A, Bulbena A. Tardive dyskinesia associated with higher mortality in psychiatric patients: result of a meta-analysis of seven independent studies. J Clin Psychopharmacol. 2000;20:188. Casey DE. Neuroleptic drug-induced extrapyramidal syndromes and tardive dyskinesia. Schizophr Res. 1991;4:109. Dursun SM, Burke JG, Reveley MA. Toxic serotonin syndrome or extrapyramidal side-effects? Br J Psychiatry. 1995;166:401.
TABELA 36.3-11 Síndromes de hipertermia central induzidas por medicamentosª Condição (e mecanismo)
Causas medicamentosas comuns Sintomas freqüentes
Hipertermia (↓ da dissipação do calor) (↑ da produção do calor)
Atropina, lidocaína Hipertermia, sudorese, meperidina mal-estar Toxicidade de AINES, feocromocitoma, tireotoxicose Hipertermia maligna Bloqueadores da JNM Hipertermia, rigidez (↑ da produção de calor) (succinilcolina) halotano muscular, arritmias, (1:50.000) isquemiac, hipotensão, rabdomiólise, coagulação intravascular disseminada Superdosagem com Antidepressivos tricíclicos, Hipertermia, confusão tricíclicos cocaína alucinações visuais, (↑ da produção de calor) agitação, hiper-reflexia, relaxamento muscular, efeitos anticolinérgicos (pele seca, dilatação pupilar), arritmias Hiper-reflexia autonômica Estimulantes do SNC Hipertermia, excitação, (↑ da produção de calor) (anfetaminas) hiper-reflexia Catatonia letal Intoxicação por chumbo Hipertermia, ansiedade (↓ da dissipação de calor) intensa, comportamento destrutivo, psicose Síndrome neuroléptica Antipsicóticos (neuroHipertermia, rigidez maligna lépticos), metildopa, muscular, sudorese (misto: hipotalâmico, reserpina (60%), leucocitose, ↓ da dissipação de calor, delirium, rabdomiólise, ↑ da produção de calor) aumento de CPK, desregulação autonômica, sintomas extrapiramidais
Possível tratamentob
Curso clínico
Acetaminofen retal (325 mg a cada quatro horas), diazepam oral ou retal (5 mg a cada oito horas) para convulsões febris
Benigno, convulsões febris em crianças
Dantrolene sódico (1 a 2 mg/kg/ min em infusão IV)d
Familiar, 10% de mortalidade se nãotratada
Bicarbonato de sódio (1 mEq/kg Ocorrem fatalidades em bolo IV) se estão presentes se não-tratadas arritmias, fisostigmina (1 a 3 mg IV) com monitoração cardíaca
Trimetafan (0,3 a 7 mg/min em infusão IV) Lorazepam (1 a 2 mg IV a cada quatro horas), antipsicóticos podem ser contra-indicados Bromocriptina (2 a 10 mg a cada oito horas via oral ou por tubo NG), lisurida, (0,02 a 0,1 mg/h em infusão IV). Sinemet (carbidopa: levodopa 25/100 via oral a cada oito horas), dantrolene sódico (0,3 a 1 mg/kg IV a cada seis horas)
Reversível Com alta mortalidade se não-tratada Início rápido, 20% de mortalidade se nãotratada
aIndica manifestações que podem ser utilizadas para se distinguir uma síndrome de outra. AINES, medicamentos antiinflamatórios não-esteróides; IMAOs, inibidores da monoaminoxidase; JNM, junção neuromuscular; SNC, sistema nervoso central; DO, dopamina; CPK creatina fosfoquinase; IV, intravenoso; NG, nasogástrica. bLavagem estomacal e medidas de apoio, inclusive resfriamento, são necessárias na maioria dos casos. cO consumo de oxigênio aumenta 7% para cada 1º F de temperatura corporal. dAssociou-se com lesão hepatocelular idiossincrática, bem como a hipotensão grave em um caso. De Theocharides TC, Harris RS, Weckstein D. Neuroleptic malignant-like syndrome due to cyclobenzapine? (letter). J Clin Psychopharmacol. 1995,15: 80, com permissão.
Gershanik OS. Drug-induced movement disorders. Curr Opin Neurol Neurosurg. 1993;6:369. Glazer WM, Morgenstern H, Doucette JT. Predicting long-term risk of tardive dyskinesia in outpatients maintained on neuroleptic medications. J Clin Psychiatry. 1993;54:133. Hsin-Tung P, Simpson GM. Medication-induced movement disorders. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2265. Lang AE, Weiner WJ. Drug-Induced Movement Disorders. Mount Kisco, NY: Futura; 1992.
Meltzer HY. Pre-clinical pharmacology of atypical antipsychotic drugs: a selective review. Br J Psychiatry. 1996; 168 (29 suppl): 23. McGreadie RG, Thara R. Abnormal movements in never-medicated Indian patients with schizophrenia. Br J Psychiatry. 1996;168:221. van Harten PN, Kamphuis DJ, Matroos GE. Use of clozapine in tardive dystonia. Prog Neuropsychopharmacol Biol Psychiatry. 1996;20:263. van Harten PN, Matroos GE, Kahn RS. The prevalence of tardive dystonia, tardive dyskinesia, parkinsonism and akathisia. The Curacao extrapyramidal syndromes study: I. Schizophr Res. 1996;19:195.
TERAPIAS
36.4 Medicamentos psicoterapêuticos A utilização de agentes farmacológicos como medicamentos psicoterapêuticos pode ser definida como uma tentativa de modificar ou corrigir o comportamento patológico por meios químicos. A relação entre o estado físico do cérebro e o comportamento é bastante complexa e compreendida de forma ainda um tanto imprecisa. Contudo, os vários parâmetros tanto do comportamento normal como do anormal, como a percepção, a consciência, a afetividade e as funções cognitivas, podem ser afetados por certas mudanças fisiológicas no sistema nervoso central. O tratamento farmacológico dos transtornos psiquiátricos é, em grande parte, empírico. Os mecanismos subjacentes, por meio dos quais uma mudança química ou física no cérebro muda o comportamento anormal, não foram completamente delineados. A despeito disso, vários medicamentos têm se comprovado efetivos e podem constituir o tratamento de escolha de certas condições psicopatológicas. Assim, constituem uma parte importante dos recursos terapêuticos do psiquiatra e também dos médicos de outras especialidades. À medida que o conhecimento sobre o cérebro aumenta, os investigadores desenvolvem novos compostos químicos para influenciar um ou mais dos sistemas de receptores que até agora foram identificados, por exemplo, da dopamina, da serotonina, do ácido γ-aminobutírico (GABA), entre outros. Essa abordagem, denominada desenho racional de medicamentos, proporcionou agentes altamente específicos para os sistemas de neurotransmissores desejados, ainda assim, os quais têm interações com outros receptores, que costumam estar associadas a efeitos adversos. O desenho racional de medicamentos tem a probabilidade de proporcionar muitos novos agentes, interessantes e seguros, nos próximos anos. O campo da psicofarmacologia está se expandindo muito rápido e provavelmente será cada vez mais praticado por médicos não-psiquiatras, que necessitarão de orientação especializada e instrução continuada sobre efeitos adversos e interações medicamentosas.
BIOLÓGICAS
1063
Uma tendência na prática da psicofarmacologia é a utilização de uma classe particular de medicamentos em uma ampla variedade de condições clínicas, expandindo, assim, a gama de indicações úteis de um agente específico. Não é mais prático estudar os medicamentos psicofarmacológicos apenas de acordo com suas indicações terapêuticas. Neste livro, cada um é discutido com base em sua categoria farmacológica, como é feito nos tratados de farmacologia geral. Além disso, essa organização antecipa o desenvolvimento de novos agentes mediante o desenho racional de medicamentos, o qual parte dos conhecimentos estabelecidos e emergentes sobre as bases neurobiológicas das doenças mentais. GUIA DE USO A tabela do conteúdo deste capítulo lista os 36 grupos entre os quais os medicamentos utilizados em psiquiatria foram divididos para facilitar a discussão. Uma lista dos nomes genéricos dos medicamentos discutidos neste livro é apresentada na Tabela 36.4-1, com referências cruzadas com as subseções em que são discutidos. Além disso, as indicações terapêuticas e os medicamentos mais utilizados para essas indicações estão na Tabela 36.4-2, com referências cruzadas com as devidas subseções. COMBINAÇÕES DE MEDICAMENTOS Além dos medicamentos que só contêm um componente ativo, algumas combinações se encontram disponíveis nos Estados Unidos. Sua utilização pode aumentar a adesão do paciente ao simplificar o regime de tratamento. Um problema com a combinação de medicamentos, contudo, é que o clínico tem pouca flexibilidade ao ajustar a dose de um dos componentes; isto é, a utilização de combinações pode fazer com que sejam administrados os dois medicamentos quando apenas um continua a ser necessário para a eficácia terapêutica. Por essa razão, os medicamentos combinados não são recomendados como abordagem de primeira linha para o tratamento.
TABELA 36.4-1 Índice de seções por nome genérico do medicamento Nome genérico
Nome comercial
Título da subseção
Número da subseção
Acebutolol Acetofenazina Ácido valpróico Alprazolam Amantadina Amitriptilina Amlodipina Amobarbital Amoxepina Anfetamina Apomorfina Aprobarbital Aripiprazol
Sectral Tindal Depakene Frontal Mantidan Tryptanol Norvasc Amytal Asendin – Uprima Alurate Abilify
Antagonistas dos receptores β-adrenérgicos Antagonista dos receptores de dopamina Valproato Benzodiazepínicos Amantadina Tricíclicos e tetracíclicos Inibidores dos canais de cálcio Barbitúricos e substâncias de ação similar Tricíclicos e tetracíclicos simpatomiméticos e medicamentos relacionados Agonistas dos receptores e precursores de dopamina Barbitúricos e substâncias de ação similar Antagonistas de serotonina-dopamina
36.4.2 36.4.17 36.4.34 36.4.7 36.4.3 36.4.33 36.4.10 36.4.6 36.4.33 36.4.30 36.4.16 36.4.6 36.4.27
(Continua)
1064
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 36.4-1 (Continuação) Nome genérico
Nome comercial
Título da subseção
Número da subseção
Atenolol Befloxatona Benzfetamina Benztropina Biperideno Bromocriptina Buprenorfina Bupropiona Buspirona Butabarbital Butaperazinab Carbamazepina Carbidopa Carfenazina Ciproeptadina Citalopram Clomipramina Clonazepam Clonidina Clorpromazina Clorprotixeno Clozapina Dantrolene Desipramina Dexmetilfenidato Dextroanfetamina Diazepam Dietilpropiona Difenidramina Dissulfiram Divalproato Donepezil Doxepina Droperidol Duloxetina Escitalopram Estazolam Etclorvinol Etopropazina Fendimetrazina Fenelzina Fenmetrazina Fenobarbital Fentermina Flufenazina Flumazenil Fluoxetina Flurazepam Fluvoxamina Gabapentina Galantamina Gepirona Glutetimida Guanfacina Halazepam Haloperidol Hidrato de cloral Hidroxizina
Atenol – Didrex Cogentin Akineton Parlodel Temgesic Wellbutrin BuSpar Butisol* Repoise* Tegretol Lodosyn* Proketazine* Periactin Cipramil Anafranil Rivotril Atensina Amplictil Taractan Leponex Dantrium Pertrofane Focalin Dexedrine Valium Inibex Benadryl Antietanol Depakote Eranz Sinequan Inapsine Efexor Lexapro ProSom Placidyl Parsidol Adipost Nardil Prelude Gardenal Fastin Anatensol Lanexat Prozac Dalmane Luvox Neurotin Reminyl Ariza Doriden Tenex Paxipam Haldol Somnote* Marax
Antagonistas dos receptores β-adrenérgicos Inibidores da monoaminoxidase Simpatomiméticos e medicamentos relacionados Anticolinérgicos Anticolinérgicos Agonistas dos receptores e precursores de dopamina Agonistas dos receptores de opióides Bupropiona Buspirona Barbitúricos e substâncias de ação similar Antagonistas dos receptores de dopamina Carbamazepina Agonistas dos receptores e precursores de dopamina Antagonistas dos receptores de dopamina Anti-histamínicos Inibidores seletivos da recaptação de serotonina Tricíclicos e tetracíclicos Benzodiazepínicos Agonistas dos receptores α2-adrenégicos Antagonistas dos receptores de dopamina Antagonistas dos receptores de dopamina Antagonistas de serotonina-dopamina Dantrolene Tricíclicos e tetracíclicos Simpatomiméticos e medicamentos relacionados Simpatomiméticos e medicamentos relacionados Benzodiazepínicos Simpatomiméticos e medicamentos relacionados Anti-histamínicos Dissulfiram Valproato Inibidores da colinesterase Tricíclicos e tetracíclicos Antagonistas dos receptores de dopamina Venlafaxina Inibidores seletivos da recaptação de serotonina Benzodiazepínicos Barbitúricos e substâncias de ação similar Anticolinérgicos Simpatomiméticos e medicamentos relacionados Inibidores da monoaminoxidase Simpatomiméticos e medicamentos relacionados Barbitúricos e medicamentos de ação similar Simpatomiméticos e medicamentos relacionados Antagonistas dos receptores de dopamina Benzodiazepínicos Inibidores seletivos da recaptação de serotonina Benzodiazepínicos Inibidores seletivos da recaptação de serotonina Outros anticonvulsivantes Inibidores da colinesterase Buspirona Barbitúricos e substâncias de ação similar Agonistas dos receptores α2-adrenégicos Benzodiazepínicos Antagonistas dos receptores de dopamina Hidrato de cloral Anti-histamínicos
36.4.2 36.4.20 36.4.30 36.4.4 36.4.4 36.4.16 36.4.22 36.4.8 36.4.9 36.4.6 35.4.17 35.4.11 36.4.16 36.4.17 36.5.5 36.4.26 36.4.33 36.4.7 36.4.1 36.4.17 36.4.17 36.4.27 36.4.14 36.4.33 36.4.30 36.4.30 36.4.7 36.4.30 36.4.5 36.4.15 36.4.34 36.4.13 36.4.33 36.4.17 36.4.35 36.4.6 36.4.7 36.4.6 36.4.4 36.4.30 36.4.20 36.4.30 36.4.16 36.4.30 36.4.17 36.4.7 36.426 36.4.7 36.426 36.4.24 36.4.13 36.4.9 36.4.6 36.4.1 36.4.7 36.4.17 36.4.12 36.4.5
(Continua)
TERAPIAS
BIOLÓGICAS
1065
TABELA 36.4-1 (Continuação) Nome genérico
Nome comercial
Título da subseção
Número da subseção
Imipramina Ioimbina Iproniazida Isocarboxazida Isradipina Labetalol Lamotrigina Levodopa Levometadil Levotiroxina Liotironina Lítio Lorazepam Loxapina Mazindol Mefobarbital Memantina Meprobamato Mesoridazina Metadona Metanfetamina Metilfenidato Metoexital Metoprolol Midazolam Mirtazapina Moclobemida Modafinil Molindona Nadolol Nalmefeno Naltrexona Nefazodona Nicardipina Nifedipina Nimodipina Nisoldipina Nitrendipina Nortriptilina Olanzapina Orfenadrina Oxazepam Oxcarbazepina Paraldeído Paroxetina Pemolina Pentobarbital Perfenazina Pergolida Pimozida Pindolol Piperacetazina Pramipexol Prazepam Prociclidina Proclorperazina Promazina Prometazina
Tofranil Yomax Marsilid Marplan Lomir Trandate Lamictal Larodopa ORLAAM Synthroid Cytomel Carbolitium Lorax Loxitane Absten S Mebaral Ebix Miltown Serentil Metadon Desoxyn Ritalina Brevital Lopressor Dormonid Remeron Aurorix Provigil Moban Corgard Revex ReVia Serzone Cardene Adalat Nimotop Syscor Nitrencord Pamelor Zyprexa Dorflex Serax Trileptal – Aropax Cylert Nembutal Trilafon Celance Orap Visken Quide Mirapex Centrax Kemadrin Compazine Sparine Fenergan
Tricíclicos e tetracíclicos Ioimbina Inibidores da monoaminoxidase Inibidores da monoaminoxidase Inibidores dos canais de cálcio Antagonistas dos receptores β-adrenérgicos Outros anticonvulsivantes Precursores e agonistas dos receptores de dopamina Agonistas dos receptores de opióides Hormônios da tireóide Hormônios da tireóide Lítio Benzodiazepínicos Antagonistas dos receptores de dopamina simpatomiméticos e medicamentos relacionados Barbitúricos e medicamentos de ação similar Inibidores de colinesterase Barbitúricos e medicamentos de ação similar Antagonistas dos receptores de dopamina Agonistas dos receptores de opióides Simpatomiméticos e medicamentos relacionados Simpatomiméticos e medicamentos relacionados Barbitúricos e medicamentos de ação similar Antagonistas dos receptores β-adrenérgicos Agonistas dos receptores de benzodiazepínicos Mirtazapina Inibidores da monoaminoxidase Simpatomiméticos e medicamentos relacionados Antagonistas dos receptores de dopamina Antagonistas dos receptores β-adrenérgicos Antagonistas dos receptores de opióides Antagonistas dos receptores de opióides Nefazodona Inibidores dos canais de cálcio Inibidores dos canais de cálcio Inibidores dos canais de cálcio Inibidores dos canais de cálcio Inibidores dos canais de cálcio Tricíclicos e tetracíclicos Antagonistas de serotonina-dopamina Anticolinérgico Agonistas dos receptores de benzodiazepínicos Carbamazepina Barbitúricos e medicamentos de ação similar Inibidores seletivos da recaptação de serotonina Simpatomiméticos e medicamentos relacionados Barbitúricos e medicamentos de ação similar Antagonistas dos receptores de dopamina Agonistas dos receptores de dopamina e precursores Antagonistas dos receptores de dopamina Antagonistas dos receptores β-adrenérgicos Antagonistas dos receptores de dopamina Agonistas dos receptores de dopamina e precursores Benzodiazepínicos Anticolinérgicos Antagonistas dos receptores de dopamina Antagonistas dos receptores de dopamina Anti-histamínicos
36.4.33 36.4.36 36.4.20 36.4.20 36.4.10 36.4.2 36.4.24 36.4.16 36.4.22 36.4.31 36.4.31 36.4.18 36.4.7 36.4.17 36.4.30 36.4.6 36.4.13 36.4.6 36.4.17 36.4.22 36.4.30 36.4.30 36.4.6 36.4.2 36.4.7 36.4.19 36.4.20 36.4.30 36.4.17 36.4.2 36.4.23 36.4.23 36.4.21 36.4.10 36.4.10 36.4.10 36.4.10 36.4.10 36.4.33 36.4.27 36.4.4 36.4.7 36.4.11 36.4.6 36.4.2 36.4.30 36.4.6 36.4.17 36.4.16 36.4.17 36.4.2 36.4.17 36.4.16 36.4.7 36.4.4 36.4.17 36.4.17 36.4.5
(Continua)
1066
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 36.4-1 (Continuação) Nome genérico
Nome comercial
Título da subseção
Número da subseção
Propranolol Protriptilina Quazepam Quetiapina Reboxetina Reserpina Risperidona Rivastigmina Ropirinol Secobarbital Selegilina Sertralina Sibutramina Sildenafil Tacrina Temazepam Tiopental Tioridazina Tiotixeno Topiramato Tranilcipromina Trazodona Triazolam Triexifenidil Trifluoperazina Triflupromazina Trimipramina Valproato Venlafaxina Verapamil Zaplepona Ziprasidona Zolpidem
Inderal Vivactil Doral Seroquel Prolift Reserpina Risperdal Exelon Requip Seconal Elepril Zoloft Reductil Viagra Tacrinal Restoril Pentothal Melleril Navane Topamax Parnate Donaren Halcion Artane Stelazine Stelazine Surmontil Depakene Efexor Dilacoron Sonata Geodon Stilnox
Antagonistas dos receptores β-adrenérgicos Tricíclicos e tetracíclicos Benzodiazepínicos Antagonistas de serotonina-dopamina Reboxetina Antagonistas dos receptores de dopamina Antagonistas de serotonina-dopamina Inibidores da colinesterase Agonistas dos receptores de precursores da dopamina Barbitúricos e medicamentos de ação similar Inibidores da monoaminoxidase inibidores seletivos de recaptação da serotonina Sibutramina Sildenafil Inibidores de colinesterase Benzodiazepínicos Barbitúricos e medicamentos de ação similar Antagonistas dos receptores de dopamina Antagonistas dos receptores de dopamina Outros anticonvulsivantes Inibidores da monoaminoxidase Trazodona Benzodiazepínicos Anticolinérgicos Antagonistas dos receptores de dopamina Antagonistas dos receptores de dopamina Tricíclicos e tetracíclicos Valproato Venlafaxina Inibidores dos canais de cálcio Benzodiazepínicos Antagonistas de serotonina-dopamina Benzodiazepínicos
36.4.2 36.4.33 36.4.7 36.4.27 36.4.25 36.4.17 36.4.27 36.4.13 36.4.16 36.4.6 36.4.20 36.4.26 36.4.28 36.4.29 36.4.13 36.4.7 36.4.26 36.4.17 36.4.17 36.4.24 36.4.20 36.4.32 36.4.7 36.4.4 36.4.17 36.4.17 36.4.33 36.4.34 36.3.35 36.4.10 36.4.7 36.4.27 36.4.7
TABELA 36.4-2 Principais transtornos mentais e medicamentos comuns e classes de medicamentos utilizados no tratamento Transtorno
Número da subseção
Acatisia (ver Transtornos do movimento induzidos por medicamentos) Agressão e agitação (ver Transtorno explosivo intermitente) Anorexia nervosa (ver Transtornos da alimentação) Ansiedade (ver também Transtornos específicos de ansiedade) Anti-histamínicos 36.4.5 Benzodiazepínicos 36.4.7 Buspirona 36.4.9 Inibidores seletivos da recaptação de serotonina 36.4.26 Tricíclicos e tetracíclicos 36.4.33 Venlafaxina 36.4.35 Bulimia nervosa (ver Transtornos da alimentação) Demência Antagonistas de serotonina-dopamina 36.4.27 Antagonistas dos receptores de dopamina 36.4.17 Inibidores da colinesterase 36.4.13 Dependência e abstinência da cocaína Bupropiona 36.4.8
Transtorno Outros anticonvulsivantes (gabapentina) Valproato Dependência e abstinência de álcool Agonistas dos receptores α2-adrenérgicos Antagonistas dos receptores de opióides Antagonistas dos receptores β-adrenérgicos Benzodiazepínicos Carbamazepina Dissulfiram Outros anticonvulsivantes (gabapentina) Valproato Dependência e abstinência de nicotina Antagonistas dos receptores α2-adrenérgicos Bupropiona Dependência e abstinência de opióides Agonistas dos receptores α2-adrenérgicos Antagonistas dos receptores de opióides
Número da subseção 36.4.24 36.4.34 36.4.1 36.4.23 36.4.2 36.4.7 36.4.11 36.4.15 36.4.24 36.4.34 36.4.1 36.4.8 36.4.1 36.4.22
(Continua)
TERAPIAS
BIOLÓGICAS
1067
TABELA 36.4-2 (Continuação) Transtorno
Número da subseção
Antagonistas dos receptores de opióides 36.4.23 Outros anticonvulsivantes (gabapentina) 36.4.24 Dependência e abstinência de sedativos, hipnóticos e ansiolíticos Agonistas dos receptores α2-adrenérgicos 36.4.1 Barbitúricos e medicamentos de ação similar 36.4.6 Carbamazepina 36.4.11 Outros anticonvulsivantes (gabapentina) 36.4.24 Valproato 36.3.34 Dependência ou abstinência de benzodiazepínicos (ver Dependência e abstinência de sedativos, hipnóticos e ansiolíticos) Depressão Agonistas dos receptores e precursores de dopamina (bromocriptina) 36.4.16 Benzodiazepínicos (especialmente alprazolam) 36.4.7 Bupropiona 36.4.8 Carbamazepina 36.4.11 Hormônios da tireóide 36.4.31 Inibidores da monoaminoxidase 36.4.20 Inibidores dos canais de cálcio 36.4.10 Inibidores seletivos da recaptação de serotonina 36.4.26 Lítio 36.4.18 Mirtazapina 36.4.19 Nefazodona 36.4.21 Reboxetina 36.4.25 Simpatomiméticos e medicamentos relacionados 36.4.30 Trazodona 36.4.32 Tricíclicos e tetracíclicos 36.4.33 Valproato 36.4.34 Venlafaxina 36.4.35 Disfunções sexuais Agonistas dos receptores e precursores de dopamina 36.4.16 Amantadina 36.4.3 Anti-histamínicos (ciproeptadina) 36.4.5 Bupropiona 36.4.8 Buspirona 36.4.9 Inibidores seletivos da recaptação de serotonina 36.4.26 Ioimbina 36.4.36 Sildenafil 36.4.29 Simpatomiméticos e medicamentos relacionados 36.4.30 Trazodona 36.4.32 Tricíclicos e tetracíclicos (clomipramina) 36.4.33 Distonia (ver Transtornos do movimento induzidos por medicamentos) Esquizofrenia Antagonistas de serotonina-dopamina 36.4.27 Antagonistas dos receptores de dopamina 36.4.17 Benzodiazepínicos 36.4.7 Carbamazepina 36.4.11 Lítio 36.4.18 Outros anticonvulsivantes (lamotrigina) 36.4.24 Fobias (ver Transtorno de pânico) Agonistas dos receptores α2-adrenérgicos 36.4.1 Antagonistas dos receptores β-adrenérgicos 36.4.2 Benzodiazepínicos 36.4.7 Inibidores da monoaminoxidase 36.4.20 Inibidores seletivos da recaptação de serotonina 36.4.26 Outros anticonvulsivantes (gabapentina) 36.4.24 Reboxetina 36.4.25
Transtorno
Número da subseção
Parkinsonismo (ver Transtornos do movimento induzidos por medicamentos) Psicose (ver Esquizofrenia) Síndrome do coelho (ver Transtornos do movimento induzidos por medicamentos) Síndrome neuroléptica maligna Agonistas dos receptores e precursores de dopamina (bromocriptina) 36.4.16 Dantrolene 36.4.14 Transtorno ciclotímico (ver Transtornos bipolares) Transtorno de ansiedade generalizada Agonistas dos receptores α2-adrenérgicos 36.4.1 Barbitúricos e medicamentos de ação similar 36.4.6 Benzodiazepínicos 36.4.7 Buspirona 36.4.9 Inibidores seletivos da recaptação de serotonina 36.4.26 Nefazodona 36.4.21 Trazodona 36.4.32 Tricíclicos e tetracíclicos 36.4.33 Venlafaxina 36.4.34 Transtorno de estresse pós-traumático Agonistas dos receptores α2-adrenérgicos 36.4.1 Antagonistas dos receptores β-adrenérgicos 36.4.2 Anti-histamínicos (ciproeptadina) 36.4.5 Benzodiazepínicos 36.4.7 Carbamazepina 36.4.11 Inibidores da monoaminoxidase 36.4.20 Inibidores seletivos da recaptação de serotonina 36.4.26 Nefazodona 36.4.21 Outros anticonvulsivantes (lamotrigina) 36.4.24 Tricíclicos e tetracíclicos 36.4.33 Valproato 36.4.34 Transtorno de pânico (com ou sem agorafobia) Agonistas dos receptores α2-adrenérgicos 36.4.1 Antagonistas dos receptores β-adrenérgicos 36.4.2 Benzodiazepínicos (especialmente alprazolam e clonazepam) 36.4.7 Inibidores da monoaminoxidase 36.4.20 Inibidores seletivos da recaptação de serotonina 36.4.26 Nefazodona 36.4.21 Outros anticonvulsivantes (gabapentina) 36.4.24 Trazodona 36.4.32 Tricíclicos e tetracíclicos 36.4.33 Valproato 36.4.34 Transtorno de Tourette e outros transtornos de tiques Agonistas dos receptores de dopamina 36.4.17 Agonistas dos receptores α2-adrenérgicos 36.4.1 Inibidores dos canais de cálcio 36.4.10 Transtorno delirante (ver Esquizofrenia) Transtorno disfórico pré-menstrual e síndrome pré-menstrual Buspirona 36.4.9 Inibidores seletivos da recaptação de serotonina 36.4.26 Nefazodona 36.4.21 Transtorno distímico (ver Depressão) Transtorno esquizoafetivo (ver Depressão, Transtorno bipolar I e Esquizofrenia) Transtorno explosivo intermitente Antagonistas da serotonina-dopamina 36.4.27
(Continua)
1068
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 36.4-2 (Continuação) Transtorno Antagonistas dos receptores de dopamina Antagonistas dos receptores α2-adrenérgicos Buspirona Carbamazepina Inibidores dos canais de cálcio Lítio Outros anticonvulsivantes Valproato Transtorno obsessivo-compulsivo Agonistas dos receptores α2-adrenérgicos Inibidores seletivos da recaptação de serotonina Trazodona Tricíclicos e tetracíclicos Valproato Transtornos da alimentação e obesidade Anti-histamínicos (ciproeptadina) Inibidores da monoaminoxidase Inibidores seletivos da recaptação de serotonina Lítio Outros anticonvulsivantes (topiramato) Sibutramina Simpatomiméticos e medicamentos relacionados Trazodona Tricíclicos e tetracíclicos Valproato Transtornos bipolares Antagonistas de serotonina-dopamina Antagonistas dos receptores de dopamina Benzodiazepínicos (especialmente clonazepam, lorazepam e alprazolam)
Número da subseção 36.4.17 36.4.2 36.4.9 36.4.11 36.4.10 36.4.18 36.4.24 36.4.34 36.4.1 36.4.26 36.4.32 36.4.33 36.4.34 36.4.5 36.4.20 36.4.26 36.4.18 36.4.24 36.4.28 36.4.30 36.4.32 36.4.33 36.4.34 36.4.27 36.4.17 36.4.7
36.4.1 Agonistas dos receptores α2-adrenérgicos: clonidina e guanfacina A clonidina (Atensina) e a guanfacina (Tenex) são agonistas dos receptores α2-adrenérgicos pré-sinápticos aprovados para uso como anti-hipertensivos. A estimulação desses receptores reduz a taxa de disparos dos neurônios noradrenérgicos e a concentração plasmática de norepinefrina. Em vista das múltiplas ações do sistema noradrenérgico, a clonidina foi adotada para utilização como agente psicofarmacológico. Sua aplicação clínica mais importante em psiquiatria é no tratamento do transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, da abstinência de opióides, do transtorno de Tourette e da supressão da agitação no transtorno de estresse pós-traumático. Seu papel no tratamento de transtornos mentais específicos costuma ser limitado a casos em que outras intervenções tenham falhado em melhorar os sintomas de forma adequada. O desenvolvimento freqüente de tolerância tende a limitar sua eficácia de longo prazo, tornando essa opção mais útil no tratamento de curto prazo. Há incerteza também acerca dos riscos cardiovasculares com sua utilização em crianças. A guan-
Transtorno Inibidores dos canais de cálcio Lítio Outros anticonvulsivantes Valproato Transtornos de déficit de atenção Agonistas dos receptores α2-adrenérgicos Bupropiona Buspirona Inibidores seletivos da recaptação de serotonina Simpatomiméticos e medicamentos relacionados Transtornos do movimento induzidos por medicamentos Síndrome neuroléptica maligna) Agonistas dos receptores de dopamina Amantadina Antagonistas de serotonina-dopamina Antagonistas dos receptores β-adrenérgicos Anticolinérgicos Anti-histamínicos Benzodiazepínicos Outros anticonvulsivantes (gabapentina) Transtornos do sono Anti-histamínicos Barbitúricos e medicamentos de ação similar Benzodiazepínicos Hidrato de cloral Simpatomiméticos e medicamentos relacionados Trazodona Tricíclicos e tetracíclicos Tricíclicos e tetracíclicos Violência (ver Transtorno explosivo intermitente)
Número da subseção 36.4.10 36.4.18 36.4.24 36.4.24 36.4.1 36.4.8 36.4.9 36.4.26 36.4.30 (ver 36.4.16 36.4.3 36.4.27 36.4.2 36.4.4 36.4.5 36.4.7 36.4.24 36.4.5 36.4.6 36.4.7 36.4.12 36.4.30 36.4.32 36.4.33 36.4.33
facina parece oferecer algumas vantagens sobre a clonidina. É menos sedativa e tem meia-vida mais longa. Há, contudo, menos experiência clínica com a guanfacina, e menos estudos controlados envolvendo sua utilização em doenças psiquiátricas do que com a clonidina. QUÍMICA A estrutura molecular da clonidina e da guanfacina estão exibidas na Figura 36.4.1-1. AÇÕES FARMACOLÓGICAS A clonidina e a guanfacina são bem-absorvidas pelo trato gastrintestinal (GI) e atingem o pico dos níveis plasmáticos em 1 a 3 horas após a administração oral. A meia-vida da clonidina é de 6 a 20 horas, e a da guanfacina, de 10 a 30 horas. Seus efeitos agonistas sobre os receptores α2-adrenergéticos pré-sinápticos nos núcleos simpáticos do cérebro levam a uma redução da quantidade de norepinefrina liberada nos terminais nervosos pré-sinápticos. Isso, em geral, reajusta o tônus simpático do organismo a um nível mais baixo e reduz a ativação.
TERAPIAS
CI H N
CI
Clonidina
CI
1069
TABELA 36.4.1-1 Protocolos de clonidina via oral para desintoxicação de opióides
NH N
BIOLÓGICAS
NH CH2CONHCNH2
CI Guanfacina FIGURA 36.4.1-1 Estrutura molecular da clonidina e da guanfacina.
EFEITOS SOBRE ÓRGÃOS E SISTEMAS ESPECÍFICOS Tanto a clonidina como a guanfacina reduzem o tônus simpático periférico, diminuem a pressão arterial tanto diastólica quanto sistólica e causam bradicardia. A ativação dos receptores α2-centrais leva a um estado semelhante ao sono em estudos em animais. Ambas causam sedação e sono em humanos, aumentam o sono de ondas lentas, reduzem o tempo e a porcentagem de sono como movimentos rápidos dos olhos (rapid eye movement – REM) e aumentam a latência do REM. Os efeitos sobre o tracto GI são mínimos, com alguma redução da secreção ácida basal do estômago. Há pouco efeito sobre a função renal. INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS Abstinência de opióides, álcool, benzodiazepínicos ou nicotina A clonidina e a guanfacina são efetivas na redução dos sintomas autonômicos da retirada rápida de opióides (p. ex., hipertensão, taquicardia, pupilas dilatadas, sudorese, lacrimejamento e rinorréia), mas não das sensações subjetivas associadas. A administração da clonidina (0,1 a 0,2 mg 2 a 4 vezes por dia) é iniciada antes da desintoxicação, sendo então reduzida de forma gradual em 1 a 2 semanas (Tab. 36.4.1-1). Tanto uma quanto outra podem reduzir os sintomas da abstinência de álcool e benzodiazepínicos, inclusive ansiedade, diarréia e taquicardia. Podem reduzir os sintomas de ansiedade e irritabilidade e de desejo pela nicotina em caso de abstinência. A formulação em adesivo transdérmico da clonidina* se associa a uma melhor adesão de longo prazo para os propósitos de desintoxicação do que a formulação em comprimidos.
*N. de R.T. O adesivo transdérmico de clonidina não é comercializado no Brasil até o presente momento.
Clonidina 0,1 a 0,2 mg via oral quatro vezes ao dia; suspender em caso de pressão arterial (PA)<90 mmHg ou de bradicardia; estabilizar por 2 a 3 dias e, a seguir, reduzir de forma gradual em 5 a 10 dias OU Clonidina 0,1 a 0,2 mg via oral a cada 4 a 6 horas, conforme necessário, em caso de sinais ou sintomas de abstinência; estabilizar por 2 a 3 dias, então reduzir de forma gradual em 5 a 10 dias OU Dose-teste com clonidina 0,1 a 0,2 mg via oral ou sublingual (para pacientes com mais de 90 kg), verificar a pressão arterial após uma hora; com PA diastólica >70 mmHg e sem sinais de hipotensão, iniciar o tratamento como a seguir: Peso (kg) Número de adesivos de clonidina <50 2-3 adesivos TTS-1 50-73 1 adesivo TTS-2 e 2 adesivos TTS-1 73-90 2 adesivos TTS-2 >90 2-3 adesivos TTS-2 OU Dose-teste de clonidina oral 0,1 mg; verificar a pressão arterial após uma hora (com PA sistólica <90, não administrar o adesivo) Colocar dois adesivos de clonidina TTS-2 (ou três se o paciente pesa mais de 68 kg) em área glabra da parte superior do corpo; a seguir: Pelas primeiras 23 horas após a aplicação do adesivo, administrar clonidina via oral 0,2 mg a cada seis horas; a seguir: Pelas 24 horas seguintes, administrar clonidina 0,1 mg a cada seis horas Trocar os adesivos toda semana Após duas semanas com dois adesivos, mudar para um adesivo TTS2 (ou dois se o paciente pesa mais de 68 kg) Após uma semana com um adesivo, interromper o uso De American Society of Addiction Medicine. Detoxification: Principles and Protocols. In: The Principles Update Series: Topics in Addiction Medicine, section 11. American Society of Addiction, 1997, com permissão.
Transtorno de Tourette A clonidina e a guanfacina são medicamentos efetivos no tratamento do transtorno de Tourette. A maioria dos clínicos inicia o tratamento com os antagonistas-padrão dos receptores de dopamina, haloperidol (Haldol) e pimozida (Orap), e os antagonistas de serotonina-dopamina, risperidona (Risperdal) e olanzapina (Zyprexa). Contudo, se preocupados com os efeitos adversos desses medicamentos, podem iniciar o tratamento com clonidina ou guanfacina. A dose inicial da clonidina para uma criança é de 0,05 mg por dia; pode ser aumentada para 0,3 mg por dia em doses divididas. Três meses são necessários antes que seus efeitos benéficos sejam observados. Têm sido relatadas taxas de resposta de 0 a 70%. Outros transtornos de tiques Ambos os medicamentos em questão reduzem a freqüência e a gravidade dos tiques em pessoas com o transtorno, com ou sem sintomas co-mórbidos de transtorno de déficit de atenção/hiperatividade.
1070
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Hiperatividade e agressão em crianças A clonidina e a guanfacina podem ser alternativas importantes para o tratamento do transtorno de déficit de antenção/hiperatividade. São utilizadas em vez de simpatomiméticos e antidepressivos, os quais podem produzir piora paradoxal da hiperatividade em algumas crianças com deficiência mental, agressão ou manifestações do espectro do autismo. Esses agentes podem melhorar o estado de humor, reduzir o nível de atividade e melhorar a adaptação social. Algumas crianças comprometidas de forma múltipla podem responder de maneira favorável a clonidina, enquanto outras podem ficar apenas sedadas. A dose inicial é de 0,05 mg por dia; pode ser aumentada para 0,3 mg por dia em doses divididas. A eficácia da clonidina e da guanfacina para o controle da hiperatividade e da agressão por vezes diminui com vários meses de uso. Ambas podem ser combinadas com metilfenidato (Ritalina) ou dextroanfetamina (Dexedrine) para tratar hiperatividade e desatenção respectivamente. Relatou-se um pequeno número de casos de morte súbita em crianças tomando clonidina com metilfenidato; contudo, não foi demonstrado de forma conclusiva que esses medicamentos contribuíram para as mortes. Os clínicos devem explicar à família que a eficácia e a segurança dessa combinação não foi investigada em ensaios controlados. A avaliação cardiovascular periódica, incluindo sinais vitais e eletrocardiogramas, é recomendada nesses casos. Transtorno de estresse pós-traumático Exacerbações agudas do transtorno de estresse pós-traumático podem se associar a sintomas hiperadrenérgicos, como hiperativação, resposta excessiva de sobressalto, insônia, pesadelos vívidos, taquicardia, agitação, hipertensão e perspiração. Estes podem responder à utilização de clonidina ou (em especial, à noite) guanfacina. Outros transtornos Outras indicações potenciais para a clonidina incluem transtornos de ansiedade (transtorno de pânico, fobias, transtorno obsessivo-compulsivo e transtorno de ansiedade generalizada) e mania, em que pode ser sinérgica com lítio (Carbolitium) ou carbamazepina (Tegretol). Relatos anedóticos observaram sua eficácia na esquizofrenia e na discinesia tardia. Um adesivo com clonidina reduz a hipersalivação e a disfagia causadas pela clozapina (Leponex). Relatos isolados descreveram a utilização bem-sucedida da clonidina na síndrome pré-menstrual e na síndrome das pernas inquietas. PRECAUÇÕES E REAÇÕES ADVERSAS Os efeitos adversos mais comuns associados à clonidina são boca e olhos secos, fadiga, sedação, tonturas, náuseas, hipotensão e obstipação, que levam à interrupção do tratamento entre cerca
de 10% de todas as pessoas que tomam o medicamento. Algumas também experimentam disfunção sexual. Pode-se desenvolver tolerância aos efeitos adversos. Um perfil similar, porém mais leve, de efeitos adversos é observado com a guanfacina, em especial com doses de 3 mg ou mais por dia. A clonidina e a guanfacina não devem ser tomadas por adultos com a pressão arterial abaixo de 90/60 ou com arritmias cardíacas, de forma mais específica bradicardia. O desenvolvimento de bradicardia deve levar à interrupção gradativa do medicamento. A clonidina, em particular, se associa com sedação e não desenvolve tolerância, em geral, para esse efeito adverso. Efeitos menos comuns no sistema nervoso central (SNC) incluem insônia, ansiedade e depressão; efeitos raros no SNC compreendem sonhos vívidos, pesadelos e alucinações. A retenção de líquidos associada ao tratamento com clonidina pode ser tratada com diuréticos. A formulação em adesivo transdérmico da mesma pode causar irritação local da pele, a qual é reduzida ao mínimo com a rotação dos locais de aplicação. Superdosagem Indivíduos que tomam superdosagem de clonidina podem apresentar coma e pupilas contraídas, sintomas similares ao de superdosagem de opióides. Outros sintomas são redução da pressão arterial, do pulso e da freqüência respiratória. A superdosagem de guanfacina produz uma versão mais branda desses sintomas. Tanto uma quanto outra devem ser utilizadas com cuidado em pessoas com doença cardíaca, qualquer tipo de doença vascular, doença renal, síndrome de Raynaud ou história de depressão. Devem ser evitadas durante a gravidez e por mães que estejam amamentando. Idosos são mais sensíveis a esses medicamentos do que adultos jovens. As crianças são suscetíveis aos mesmos efeitos adversos dos adultos. Abstinência A interrupção abrupta da clonidina pode causar ansiedade, inquietação, sudorese, tremor, dor abdominal, palpitações, cefaléia e aumento significativo da pressão arterial. Esses sintomas podem aparecer cerca de 20 horas após a última dose e, assim, é possível observar se uma ou duas doses são omitidas. Uma série semelhante de sintomas ocorre de forma ocasional 2 a 4 dias após a interrupção da guanfacina, mas o curso habitual é um retorno gradual à linha de base da pressão arterial em 2 a 4 dias. Em vista da possibilidade de sintomas por abstinência, as doses devem ser lentamente reduzidas. INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS A co-administração de clonidina ou guanfacina com medicamentos tricíclicos pode inibir os efeitos hipotensivos de ambos. A trazodona (Donaren) pode produzir hipotensão e sedação quando combinada com clonidina. Qualquer agente anti-hipertensivo ou que cause hipotensão como efeito colateral amplifica a queda da pressão arterial se co-administrado com esses medicamentos. Podem também reforçar os efeitos depressores do SNC dos bar-
TERAPIAS
BIOLÓGICAS
1071
TABELA 36.4.1-2 Agonistas dos receptores α2-adrenérgicos utilizados em psiquiatriaa Medicamento
Preparação
Dose inicial para crianças
Faixa de doses para crianças
Comprimidos de clonidina (Atensina) Adesivos transdérmicos de clonidina (Catapress-TTS)
0,1, 0,2, 0,3 mg
0,05 mg/dia
0,1, 0,2, 0,3 mg/dia
0,5 mg/dia
Guanfacina (Tenex)
Comprimidos de 1 ou 2 mg
1 mg/dia ao deitar
Até 0,3 mg/dia em doses 0,1-0,2 mg 2 a 4 divididas vezes/dia (0,8 mg por dia) Adesivos de até 0,3 0,1 mg/dia a cada mg/dia a cada 5 dias sete dias (0,5 mg/dia, a cada cinco dias de dose máxima) 1-2 mg/dia ao deitar (3 1 mg/dia ao deitar mg/dia de dose máxima)
aAs
Dose inicial para adultos
Faixa de doses para adultos 0,3-1,2 mg/dia, 2 a 3 vezes/dia, (1,2 mg/ dia de dose máxima) Adesivos de 0,1 mg/dia por semana (0,6 mg/ dia a cada sete dias) 1-2 mg ao deitar (3 mg/dia de dose máxima)
doses para indicações médicas, como hipertensão, variam.
bitúricos, do álcool e de outros agentes sedativo-hipnóticos. A utilização concomitante de antagonistas dos receptores β-adrenérgicos pode aumentar a gravidade do fenômeno de rebote, inclusive da hipertensão, quando a utilização da clonidina é interrompida. A ioimbina, um antagonista dos receptores α2-adrenérgicos, bloqueia o efeito farmacológico da clonidina. As mortes súbitas relatadas em crianças tomando ao mesmo tempo metilfenidato e clonidina permanecem inexplicadas. Podem representar instâncias isoladas de crianças com anormalidades cardiovasculares preexistentes que experimentam eventos adversos não relacionados ao medicamento ou reações à clonidina isoladamente. INTERFERÊNCIAS LABORATORIAIS Não há interferências laboratoriais conhecidas associadas ao uso de clonidina ou guanfacina. Dose e diretrizes clínicas A clonidina está disponível em comprimidos de 0,1, 0,2 e 0,3 mg. A dose usual de início é de 0,1 mg por via oral, duas vezes ao dia, podendo ser aumentada em 0,1 mg por dia até o nível apropriado (até 1,2 mg por dia). Ela precisa sempre ser reduzida de forma gradual quando é interrompida, para evitar hipertensão de rebote, que ocorre em cerca de 20 horas após a última dose. Uma formulação transdérmica semanal do agente está disponível em doses de 0,1, 0,2 e 0,3 mg por dia. A dose habitual de início é um adesivo de 0,1 mg por dia, que é trocado a cada semana para adultos e a cada cinco dias para crianças; a dose pode ser aumentada a cada 1 a 3 semanas. A transição da formulação oral para a transdérmica deve ser realizada de forma gradativa, pela superposição das mesmas por 3 a 4 dias. A guanfacina está disponível em comprimidos de 1 e 2 mg. A dose usual de início é 1 mg ao deitar, podendo ser aumentada para 2 mg após 3 a 4 semanas, se necessário. Independentemente da indicação para a qual a clonidina ou a guanfacina está sendo empregada, seu uso deve ser suspenso se o indivíduo fica hipotenso (pressão arterial abaixo de 90/60). A Tabela 36.4.1-2 apresenta um resumo dos agonistas dos receptores α2-adrenérgicos utilizados em psiquiatria.
REFERÊNCIAS Ahmed I, Takeshita J. Clonidine: a critical review of its role in the treatment of psychiatric disorders. CNS Drugs. 1996;6:53. Bremner JD, Krystal JH, Southwick SM, Charney DS. Noradrenergic mechanisms in stress and anxiety, II. Clinical studies. Synapse. 1996;23:39. Connor DF, Barkley RA, Davis HT. A pilot study of methylphenidate, clonidine, or the combination in ADHD comorbid with aggressive oppositional defiant or conduct disorder. Clin Pediatr. 2000;39:15. Fahlke C, Berggren U, Balldin J. Cardiovascular responses to clonidine in alcohol withdrawal: are they related to psychopathology and mental well-being? Alcohol. 2000;21:231. Harmon RJ, Riggs PD. Clonidine for posttraumatic stress disorder in preschool children. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1996;35:1247. Hoffman BB. Catecholamines, sympathomimetic drugs, and adrenergic receptor antagonists. In: Hardman JG, Limbird LE, Goodman Gilman A, eds. Goodman & Gilman’s the Pharmacological Basis of Therapeutics. 10th ed. New York: McGraw-Hill; 2001:215. Mokrani M-C, Duval F, Diep TS, Bailey PE, Macher JP. Multihormonal response to clonidine in patients with affective and psychotic symptoms. Psychoneuroendocrinology. 2000;25:741. Oesterheld J, Tervo R. Clonidine: a practical guide for usage in children. SD J Med. 1996;49:234. Sallee FR, Richman H, Sethuraman G, Dougherty D, Sine L, Altman-Hansamdzic S. Clonidine challenge in childhood anxiety disorder. Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1998;37:655. Schmidt ME, Matochik JA, Goldstein DS, Schouten JL, Zametkin AJ, Potteer WZ. Gender differences in brain metabolic and plasma catecholamine responses to alpha2-adrenoreceptor biockade. Neuropsychopharmacology. 1997;16:298. Sussman N. Clonidine. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2352. Tallarida RJ, Stone DJ Jr, McCary JD, Raffa RB. Response surface analysis of synergism between morphine and clonidine. J Pharmacol Exp Ther. 1999;289:8.
36.4.2 Antagonistas dos receptores β-adrenérgicos Os antagonistas dos receptores β-adrenérgicos, referidos de várias outras formas, como betabloqueadores, β-antagonistas, representam uma importante intervenção psicofarmacológica – estão associados à redução da ativação dos receptores adrenérgicos. Os antagonistas dos receptores β-adrenérgicos são utilizados com freqüência na prática médica por seus efeitos periféricos, no tratamento de hiperten-
1072
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
são, angina, certas arritmias cardíacas e sintomas de hipertireoidismo, além de serem empregados por suas ações centrais no tratamento da enxaqueca. Sua eficácia como agentes com ação tanto periférica como central está bem-demonstrada para fobia social (p. ex., ansiedade de desempenho), para tremor postural induzido por lítio, para controle do comportamento agressivo e para acatisia aguda induzida por neurolépticos (Tab. 36.4.2-1). QUÍMICA Os sete antagonistas dos receptores β-adrenérgicos estudados com mais freqüência para indicações psiquiátricas nos Estados Unidos são atenolol (Atenol), metoprolol (Lopressor), labetalol (Trandate), acebutolol (Sectral), nadolol (Corgard), propranolol (Inderal) e pindolol (Visken). Suas estruturas moleculares são apresentadas na Figura 36.4.2-1.
AÇÕES SOBRE ÓRGÃOS E SISTEMAS ESPECÍFICOS Os receptores β1 modulam as funções cronotrópicas e inotrópicas cardíacas. Eles são capazes de diminuir, de forma significativa, a pressão em pacientes com hipertensão, além de produzirem bradicardia. Os receptores β2 modulam a broncodilatação e a vasodilatação. Por essa razão, os medicamentos seletivos para os β1 são preferíveis no tratamento de pacientes com asma e outras doenças pulmonares obstrutivas; o bloqueio dos receptores β2 pulmonares impede os efeitos broncodilatadores da epinefrina. Alguns especialistas, contudo, não utilizam antagonistas dos receptores β-adrenérgicos em indivíduos com asma, substituindoos por um benzodiazepínico com a mesma indicação. INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS Transtornos de ansiedade
AÇÕES FARMACOLÓGICAS Os antagonistas dos receptores β-adrenérgicos diferem em relação a lipofilia, rotas metabólicas, seletividade para receptores β e meias-vidas (Tab. 36.4.2-2). Sua absorção pelo trato gastrintestinal (GI) é variável. Os agentes mais solúveis em lipídeos (i.e., mais lipofílicos) têm mais probabilidade de cruzar a barreira hematencefálica e penetrar no cérebro; os menos lipofílicos têm menos probabilidade de fazê-lo. Quando são desejados efeitos sobre o sistema nervoso central (SNC), um medicamento lipofílico pode ser preferível; quando somente efeitos periféricos são desejados, um menos lipofílico é indicado. O propranolol, o nadolol, o pindolol e o labetalol têm, essencialmente, a mesma potência, tanto sobre os receptores β1 como sobre os β2, enquanto o metoprolol, o atenolol e o acebutolol têm maior afinidade pelos receptores β1 do que pelos receptores β2. Essa seletividade relativa confere menos efeitos pulmonares e vasculares para esses medicamentos, ainda que devam ser utilizados com cuidado em pessoas asmáticas, porque retêm alguma atividade sobre os receptores β2. O pindolol possui efeitos simpatomiméticos além de seu emprego como dos antagonista dos receptores β-adrenérgicos, o que permite sua utilização para potencializar agentes antidepressivos. O pindolol, o propranolol e o nadolol apresentam alguma atividade antagonista aos receptores 5-HT1A para a serotonina. TABELA 36.4.2-1 Utilizações psiquiátricas para os antagonistas dos receptores β-adrenérgicos Definidamente eficazes Ansiedade de desempenho Tremor induzido por lítio Acatisia induzida por neurolépticos Provavelmente eficazes Tratamento auxiliar para a abstinência de álcool e para outros transtornos induzidos por substâncias Tratamento auxiliar para comportamento agressivo e violento Possivelmente eficazes Potencialização antipsicótica Potencialização antidepressiva
O propranolol é útil para o tratamento de fobia social, em especial para o tipo fobia de desempenho (p. ex., a ansiedade incapacitante antes de um desempenho musical). Há dados disponíveis também sobre sua utilização no transtorno de pânico, no transtorno de estresse pós-traumático e no transtorno de ansiedade generalizada. Na fobia social, a abordagem comum de tratamento é administrar 10 a 40 mg 20 a 30 minutos antes da situação provocadora de ansiedade. Os indivíduos podem fazer um teste com um dos antagonistas dos receptores β-adrenérgicos antes de utilizar o propranolol para se preparar para uma situação provocadora de ansiedade, para se precaver de não experimentar nenhum efeito adverso do medicamento ou da dosagem. Os antagonistas dos receptores β-adrenérgicos podem obnubilar a cognição em certos indivíduos. São menos eficazes no tratamento de transtorno de pânico do que os benzodiazepínicos ou os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs). Tremor postural induzido por lítio Os antagonistas dos receptores β-adrenérgicos são benéficos para o tremor postural induzido por lítio e para outros tremores posturais induzidos por medicamentos – como tricíclicos e valproato (Depakene). A abordagem inicial para esse transtorno do movimento inclui diminuir a dose do lítio, eliminar fatores agravantes, como cafeína, e administrar o lítio ao deitar. Contudo, se essas intervenções forem inadequadas, o propranolol, na faixa de 20 a 160 mg por dia, administrado em duas ou três vezes, tende a ser eficaz no tratamento dessa condição. Acatisia aguda induzida por neurolépticos Diversos estudos demonstraram que os antagonistas dos receptores β-adrenérgicos podem ser eficazes no tratamento de acatisia aguda induzida por neurolépticos. A maioria dos clínicos acredita que esses agentes são mais eficazes para essa indicação do que anticolinérgicos ou benzodiazepínicos. Os antagonistas dos re-
TERAPIAS
Não-seletivos para β1 OH CH3 O CH C CH NHCH 2 2 CH 3 H
1073
Seletivos para β1
OH CH3 OCH2 C CH2 NHCH CH3 H
CH3 OCH2CH2
Propranolol
HO H H OH
BIOLÓGICAS
Metoprolol
CH3
OH H
CH3
OH CH3 OCH2 CH2 C CH2 NHCH CH3 H
O
O CH2 C CH2NHC CH3
H 2N
CCH2
Nadolol
Atenolol
N OH
CH3
O CH2 C CH2NHC H CH3 Pindolol
CH3CH2CH2CONH O CCH3 CH3 O CH2CHCH2NHCH CH3 OH
CONH2 OH
Acebutolol CH2CH2CHNHCH2CH CH3
OH
Labetalol
FIGURA 36.4.2-1 Estrutura molecular dos antagonistas dos receptores β-adrenérgicos.
TABELA 36.4.2-2 Antagonistas dos receptores β-adrenérgicos utilizados em psiquiatria Nome genérico
Nome comercial
Lipofílico
Metabolismo
Seletividade Meiados receptores vida (h)
Dose inicial usual (mg)
Propranolol
Inderal
Sim
Hepático
β 1 = β2
3-6
Nadolol
Corgard
Não
Renal
β 1 = β2
14-24
10-20 2 ou 3 vezes ao dia 40 uma vez ao dia
Pindolol Labetalol
Intermediário Intermediário
Hepático Hepático
β 1 = β2 β 1 = β2
3-4 4-6
Metoprolol
Visken Trandate, Normodyne Lopressor
Sim
Hepático
β 1 > β2
3-4
Atenolol
Atenol
Não
Renal
β 1 > β2
5-8
Acebutolol
Sectral
Não
Hepático
β 1 > β2
3-4
ceptores β-adrenérgicos não são eficazes no tratamento de transtornos do movimento induzidos por neurolépticos como a distonia aguda e o parkinsonismo. Agressão e comportamento violento Os antagonistas dos receptores β-adrenérgicos podem ser eficazes na redução de uma série de surtos agressivos e violentos em
Dose máxima usual (mg)
30-140 duas vezes ao dia 30-240 uma vez ao dia 5 duas vezes ao dia 30 duas vezes ao dia 100 duas vezes ao 400-800 três vezes dia ao dia 50 duas vezes ao dia 75-150 duas vezes ao dia 50 uma vez ao dia 50-100 uma vez ao dia 400 uma vez ao dia 600 duas vezes ao dia
indivíduos com transtornos dos impulsos, esquizofrenia e agressão associada a lesões cerebrais como traumatismos, tumores, lesão anóxica, encefalite, dependência de álcool e doenças degenerativas (p. ex., doença de Huntington). Muitos estudos acrescentaram um antagonista dos receptores β-adrenérgicos ao tratamento em curso (p. ex., antipsicóticos, anticonvulsivantes, lítio), tornando difícil distinguir os efeitos somados dos efeitos independentes. As doses do propranolol para essa indicação variam de 50 a 800 mg por dia.
1074
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Abstinência de álcool Relatou-se que o propranolol é útil como um coadjuvante dos benzodiazepínicos, mas não como um agente isolado no tratamento de abstinência de álcool. Sugere-se o seguinte esquema de doses: sem propranolol para uma freqüência cardíaca abaixo de 50; 50 mg de propranolol para uma freqüência cardíaca entre 50 e 80; e 100 mg para uma freqüência cardíaca de 80 ou mais. Potencialização de antidepressivos O pindolol tem sido utilizado para potencializar e acelerar os efeitos antidepressivos dos ISRSs, dos tricíclicos e da eletroconvulsoterapia. Estudos pequenos demonstraram que este agente administrado no início do tratamento antidepressivo pode encurtar as 2 a 4 semanas habituais de latência da resposta aos antidepressivos em vários dias. Em vista de os antagonistas dos receptores β-adrenérgicos poderem induzir depressão em algumas pessoas, as estratégias de potencialização precisam ser melhor esclarecidas em ensaios controlados. Outros transtornos Uma série de relatos de casos e estudos controlados apresentou dados indicando que os antagonistas dos receptores β-adrenérgicos podem ter um benefício modesto no tratamento de esquizofrenia ou de sintomas maníacos. Têm sido utilizados também em alguns pacientes com gagueira.
TABELA 36.4.2-3 Efeitos adversos e toxicidade dos antagonistas dos receptores β-adrenérgicos Cardiovasculares Hipotensão Bradicardia Tonturas Insuficiência cardíaca congestiva (em pacientes com função miocárdica comprometida) Respiratórios Asma (risco menor com os medicamentos seletivos β1) Metabólicos Piora da hipoglicemia em pacientes diabéticos tomando insulina ou agentes orais Gastrintestinais Náuseas Diarréia Dor abdominal Função sexual Impotência Neuropsiquiátricos Prostração Fadiga Disforia Insônia Pesadelos vívidos Depressão (rara) Psicose (rara) Outros (raros) Fenômeno de Raynaud Doença de Peyronie Síndrome de abstinência Rebote piorando a angina pectoris preexistente quando esses agentes são interrompidos
INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS PRECAUÇÕES E REAÇÕES ADVERSAS Os antagonistas dos receptores β-adrenérgicos são contra-indicados para indivíduos com asma, diabete insulino-dependente, insuficiência cardíaca congestiva, doença vascular significativa, angina persistente e hipertireoidismo. No caso de indivíduos diabéticos, medicamentos antagonizam a resposta fisiológica normal à hipoglicemia. Os antagonistas dos receptores β-adrenérgicos podem piorar os defeitos de condução atrioventricular (AV) e levar ao bloqueio AV completo e à morte. Se o clínico decide que a relação risco-benefício indica uma tentativa com esses agentes em pacientes com uma destas condições médicas co-existentes, um medicamento β1-seletivo deve ser a primeira escolha. Todos os antagonistas dos receptores β-adrenérgicos atualmente disponíveis são excretados pelo leite materno e devem se administrados com cuidado em mulheres amamentando. Seus efeitos adversos mais comuns são hipotensão e bradicardia. Em pessoas em risco para esses efeitos adversos, uma doseteste de 20 mg por dia de propranolol pode ser administrada para se avaliar a reação ao medicamento. Tem-se associado depressão aos antagonistas dos receptores β lipofílicos, como o propranolol, mas esta é rara. Náuseas, vômitos e diarréia e obstipação também podem ser causados pelo tratamento com tais agentes. Efeitos adversos graves no SNC (p. ex., agitação, confusão e alucinações) são raros. A Tabela 36.4.2-3 listas os efeitos adversos prováveis dos antagonistas dos receptores β-adrenérgicos.
Administração concomitante com o propranolol ocasiona aumento das concentrações plasmáticas de antipsicóticos, anticonvulsivantes, teofilina (Teolong) e levotiroxina (Synthroid). É possível que outros antagonistas dos receptores β-adrenérgicos tenham efeitos similares. Os que são eliminados pelos rins podem ter efeitos semelhantes aos de medicamentos que também são eliminados por via renal. Os barbitúricos, a fenitoína (Epelin), e o tabaco aumentam a eliminação dos antagonistas dos receptores β-adrenérgicos que são metabolizados pelo fígado. Muitos relatos associaram crises hipertensivas e bradicardia com a co-administração de antagonistas dos receptores βadrenérgicos com inibidores da monoaminoxidase. Pode ocorrer depressão da contratilidade do miocárdio e da condução nodal AV com a administração concomitante de um antagonista dos receptores β-adrenérgicos e inibidores dos canais de cálcio. INTERFERÊNCIAS LABORATORIAIS Os antagonistas dos receptores β-adrenérgicos não interferem em testes de laboratório. Dosagem e diretrizes clínicas Nos Estados Unidos, o propranolol se encontra disponível em comprimidos de 10, 20, 40, 60, 80 e 90 mg; em soluções de 4, 8
TERAPIAS
e 80 mg/mL; e em cápsulas de liberação prolongada de 60, 80, 120 e 160 mg. O nadolol se acha disponível em comprimidos de 20, 40, 80, 120 e 160 mg. O pindolol, em comprimidos de 5 e 10 mg. O labetalol, em comprimidos de 100, 200 e 300 mg. O metoprolol, de 50 e 100 mg e em comprimidos de liberação prolongada de 50, 100 e 200 mg. Já o atenolol se encontra disponível em comprimidos de 25, 50 e 100 mg, e o acebutolol em cápsulas de 200 e 400 mg. Para o tratamento de condições crônicas, a administração do propranolol em geral é iniciada com 10 mg via oral três vezes ao dia ou com 20 mg via oral duas vezes ao dia. A dose pode ser aumentada em 20 a 30 mg por dia até que o efeito terapêutico comece a aparecer, sendo nivelada na faixa apropriada para a doença em tratamento. Em caso de comportamento agressivo, por vezes, é necessário usar doses de até 800 mg por dia, e os efeitos terapêuticos podem não ser observados até que o indivíduo tenha recebido a dose máxima por 4 a 8 semanas. Como mencionado, para o tratamento de fobia social, principalmente a do tipo fobia de desempenho, o pacientes deve tomar 10 a 40 mg do propranolol 20 a 30 minutos antes do desempenho. O pulso e a pressão arterial devem ser medidos de forma sistemática, e o medicamento deve ser suspenso se a freqüência do pulso estiver abaixo de 50 ou se a pressão arterial sistólica estiver abaixo de 90. Sua utilização deve ser interrompida por um tempo se produzir tonturas graves, ataxia ou sibilos. O tratamento com antagonistas dos receptores β-adrenérgicos nunca deve cessar abruptamente. A utilização do propranolol deve ser reduzida de maneira gradual em 60 mg por dia até que a dose de 60 mg por dia seja atingida, após o que deve ser reduzida em 10 a 20 mg por dia a cada três ou quatro dias. REFERÊNCIAS Bright RA, Everitt DE. β-Blockers and depression. JAMA. 1992;267:1783. Concores JA, Dackis CA, Davies RK, Gold MS. Propranolol and stuttering. Am J Psychiatry. 1986;143:1071. Granville-Grossman KL. Propranolol, anxiety, and the central nervous system. Br J Clin Pharmacol. 1974;1:361. Hoffman BB. Catecholamines, sympathominetic drugs, and adrenergic receptor antagonists. In: Hardman JG, Limbird LE, Goodman Gilman A, eds. Goodman & Gilman’s the Pharmacological Basis of Therapeutics. 10th ed. New York: McGraw Hill; 2001:215. Jonas DL, Blumenthal JA, Madden DJ, Sena M. Cognitive consequences of antihypertensive medications. In: Waldstein SR, Elias MF, eds. Neuropsychology of Cardiovascular Disease. Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum Associates; 2001:167. Kraus ML, Gottlieb LD, Horwitz RI, Anscher M. Randomized clinical trial of atenolol in patients with alcohol withdrawal. N Engl J Med. 1985;313:905. Lader M. β-Adrenoceptor antagonists in neuropsychiatry: an update. J Clin Psychiatry: 1988;49:213. Ma YC. Huang XY. Novel signaling pathway through the beta-adrenergic receptor. Trends Cardiovasc Med. 2002;12:46. Mattes JA. Metoprotol for intermittent explosive disorder. Am J Psychiatry. l985;142:1108. McAllister-Williams RH, Young AH. Pindolol augmentation of antidepressant therapy. Br J Psychiatry. 1999;173:536. Ratey JJ, Prough EE. The current status of β-blockers in psychiatric practice. Dir Psychiatry. 1996;16:16. Ratey JJ, Sorgi P, O’Driscoll GA, et al. Nadolol to treat aggression and psychiatric symptomatology in chronic psychiatric inpatients: a double-blind, placebo-controlled study. J Clin Psychiatry. 1992;53:41.
BIOLÓGICAS
1075
Reist C, Duffy JG, Fujimoto K, Cahill L. β-Adrenergic blockade and emotional memory in PTSD. Int J Neuropsychopharmacol. 2001;4:377. Ruedrich S, Erhardt L. Beta-adrenergic blockers in mental retardation and developmental disabilities. Ment Retard Dev Disabil Res Rev. 1999;5:290. Simpson GM, Flowers CJ. β-Adrenergic receptor antagonists. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2271. Yudofsky SC, Silver JM, Hales RE. Pharmacologic managemen of aggression in the elderly. J Clin Psychiatry. 1990;51(suppl):22.
36.4.3 Amantadina A amantadina (Mantidan) é utilizada principalmente no tratamento de transtornos do movimento induzidos por medicamentos, como o parkinsonismo induzido por neurolépticos. É empregada ainda como agente antiviral para profilaxia e tratamento da infecção por influenza A. QUÍMICA A estrutura molecular da amantadina é exposta na Figura 36.4.3-1. AÇÕES FARMACOLÓGICAS A amantadina é bem absorvida no trato gastrintestinal (GI); após a administração oral, atinge o pico das concentrações plasmáticas em duas ou três horas; tem uma meia-vida de 12 a 18 horas, e atinge o estado de concentrações estáveis em cerca 4 a 5 dias do tratamento. Ela é excretada inalterada na urina. Suas concentrações plasmáticas podem ser até duas vezes mais altas em pessoas idosas do que em jovens adultos. Pacientes com insuficiência renal acumulam a amantadina em seus organismos. Esse medicamento aumenta a neurotransmissão dopaminérgica no sistema nervoso central (SNC). O mecanismo preciso desse efeito é desconhecido, mas pode envolver a liberação de dopamina das vesículas pré-sinápticas, o bloqueio da recaptação de dopamina para dentro dos terminais nervosos pré-sinápticos ou um efeito agonista sobre os receptores pós-sinápticos da dopamina. EFEITOS SOBRE ÓRGÃOS E SISTEMAS ESPECÍFICOS A amantadina se associa a efeitos adversos no SNC e no trato GI em altas doses.
H2C
NH2 C
H2 • HCL
CH2 FIGURA 36.4.3-1 Estrutura molecular da amantadina.
1076
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS
INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS
Sua principal indicação em psiquiatria é no tratamento de sinais e sintomas extrapiramidais, como parkinsonismo, acinesia e a denominada síndrome do coelho (tremor perioral focal do tipo coreoatetóide), causados pela administração de medicamentos antagonistas dos receptores de dopamina (p. ex., o haloperidol [Haldol]). A amantadina é tão eficaz quanto os anticolinérgicos (p. ex., benztropina [Congentin]) para essas indicações e resulta em melhora para cerca de metade das pessoas que a tomam. Contudo, em geral não é considerada tão eficaz quanto os anticolinérgicos para o tratamento das reações distônicas agudas, nem tão potente para o tratamento da discinesia tardia e da acatisia. A amantadina é uma alternativa razoável para pessoas com sintomas extrapiramidais que sejam sensíveis aos efeitos adicionais dos anticolinérgicos, em particular os que tomam um antagonista do receptor de dopamina de baixa potência ou os idosos. Estes últimos são predispostos aos efeitos adversos dos anticolinérgicos tanto no SNC, por exemplo, delírio anticolinérgico, como no sistema nervoso periférico, como no caso da retenção urinária. A amantadina se associa a menos comprometimento de memória do que os anticolinérgicos. Relatouse benefício com o tratamento com essa droga em relação a alguns efeitos colaterais associados aos inibidores seletivos da recaptação de serotonina, como letargia, fadiga, anorgasmia e inibição ejaculatória. É utilizada, na prática médica geral, para o tratamento do parkinsonismo resultante de qualquer causa, inclusive o tipo idiopático.
A co-administração de amantadina e fenelzina (Nardil) ou outros inibidores da monoaminoxidase (IMAOs) pode aumentar de forma significativa a pressão arterial em repouso. Se utilizada com um estimulante do SNC, pode provocar insônia, irritabilidade, nervosismo e até convulsões e batimentos cardíacos irregulares. Ela não deve ser co-administrada com anticolinérgicos por causa de efeitos adversos como confusão, alucinações, pesadelos, boca seca e visão turva poderem ser exacerbados.
PRECAUÇÕES E REAÇÕES ADVERSAS
REFERÊNCIAS
Os efeitos mais comuns sobre o SNC são tonturas leves, insônia, dificuldade de concentração (relacionada à dose), que ocorrem em 5 a 10% das pessoas. Irritabilidade, depressão, ansiedade, disartria e ataxia ocorrem em 1 a 5% delas. Foram relatados efeitos adversos mais graves sobre o SNC, inclusive convulsões e sintomas psicóticos. A náusea é o efeito adverso periférico mais comum da amantadina. Cefaléia, perda de apetite e manchas na pele também foram referidas. Livedo reticularis nas pernas (um coloração purpúrea da pele, causada pela dilatação de vasos sangüíneos) foi relatado em até 5% dos indivíduos que tomam o medicamento por mais de um mês. Em geral, diminui com a elevação das pernas e se resolve em quase todos os casos quando o medicamento é retirado. A amantadina é relativamente contra-indicada para pessoas com doença renal ou convulsiva. Deve ser utilizada com cuidado por aquelas com edema ou doença cardiovascular. Alguma evidência indica que esse medicamento é teratogênico e, assim, não deve ser tomado por grávidas. Em vista de ser excretada no leite materno, as mulheres que estão amamentando não devem ingeri-la. Tentativas de suicídio com superdosagens representam risco de morte. Os sintomas podem incluir psicose tóxica (confusão, alucinações, agressividade) e parada cardiopulmonar. O tratamento de emergência começa com lavagem gástrica.
Bennett VL, Juorio AV, Li XM. Possible new mechanism for the antiparkinsonian effect of amantadine. J Psychiatry Neurosci. 1999;24:52. DiMascio A, Diosdado BL, Greenblatt DJ, Marder JE. A controlled trial of amantadine in drug-induced extrapyramidal disorders. Arch Gen Psychiatry. 1976;33:599. Meyer JM, Simpson GM. Anticholinergics and amantadine. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2276. Miyasaki JM, Grimes D, Lang AE. Acute delirium after withdrawal of amantadine in Parkinson’s disease. Neurology. 1999;52:1720. Paci C, Thomas A, Onofrj M. Amantadine for dyskinesia in patients affected by severe Parkinson’s disease. Neurol Sci. 2001; 22: 75. Silver H, Geraisy N. Effects of hiperiden and amantadine on memory in medicated chronic schizophrenic patients. A double-blind cross-over study. Br J Psychiatry. 1995;166:241. Standaert DG, Young AB. Treatment of central nervous system degenerative disorders. In: Hardman JG, Limbird LE, Goodman Gilman A, eds. Goodman & Gilman’s the Pharmacological Basis of Therapeutics. 10th ed. New York: McGraw-Hill; 2001:549. Terao T. Female sexual dysfunction and antidepressant use. Am J Psychiatry: 2001;158:326. Wilcox JA, Tsuang J. Psychological effects of amantadine on psychotic subjects. Neuropsychobiology. 1990;23:144. Yang CC, Deng JF. Anticholinergic syndrome with severe rhabdomyolysis—an an usual feature of amantadine toxicity [letter]. Intensive Care Med. 1997;23:355.
DOSES E DIRETRIZES CLÍNICAS A amantadina se encontra disponível em cápsulas de 100 mg e como suspensão de 50 mg/5 mL. Sua dose inicial habitual é de 100 mg administrada por via oral duas vezes ao dia, embora possa ser aumentada com cuidado até 200 mg se indicado. É recomendada para pessoas com comprometimento renal somente em consulta com um médico especialista. Se a amantadina é bem-sucedida no tratamento dos sintomas extrapiramidais induzidos por medicamentos, deve ser continuada por 4 a 6 semanas e, a seguir, interrompida para se observar se o indivíduo ficou tolerante aos efeitos neurológicos adversos da medicação antipsicótica. Ela deve ser reduzida de forma gradual em 1 a 2 semanas, uma vez que a decisão de interromper o uso tenha sido tomada. Ao se tomar amantadina, não se deve ingerir bebida alcoólica.
TERAPIAS
36.4.4 Anticolinérgicos Na prática clínica da psiquiatria, os medicamentos anticolinérgicos têm sua principal utilização como tratamento para transtornos do movimento induzidos por medicamentos, em particular o parkinsonismo induzido por neurolépticos, a distonia aguda induzida por neurolépticos e o tremor postural induzido por medicamentos. Os anticolinérgicos podem ter utilização limitada no tratamento de acatisia aguda induzida por neurolépticos. Antes da introdução da levodopa (Larodopa), essa classe costumava ser utilizada no tratamento de doença de Parkinson idiopática. O uso comum da expressão medicamentos anticolinérgicos é equivocado. Há dois tipos de receptores para a acetilcolina: os receptores muscarínicos e os nicotínicos. Aqueles são receptores ligados à proteína G e estes são ligados acoplados aos canais de íons. Os medicamentos anticolinérgicos discutidos nesta seção são específicos para os receptores muscarínicos e, assim, são referidos como medicamentos antimuscarínicos. QUÍMICA As estruturas moleculares dos medicamentos anticolinérgicos representativos são apresentadas na Figura 36.4.4-1 AÇÕES FARMACOLÓGICAS Todos os anticolinérgicos são bem-absorvidos pelo trato gastrintestinal após a administração oral, sendo todos lipofílicos o suficiente para entrar no sistema nervoso central (SNC). O triexifenidil (Artane) e a benztropina (Cogentin) atingem o pico das concentrações plasmáticas em 2 a 3 horas após a administração oral e têm uma duração de ação de 1 a 12 horas. A benztropina é absorvida de forma igualmente rápida por administração intramuscular (IM) ou intravenosa (IV); no entanto, aquela é preferida por causa de seu baixo risco de reações adversas. Todos os seis medicamentos anticolinérgicos listados neste capítulo bloqueiam os receptores muscarínicos para a acetilcolina, e a benztropina e a etopropazina (Parsidol) também apresentam alguns efeitos anti-histamínicos. Nenhum dos anticolinérgicos disponíveis tem qualquer efeito sobre os receptores nicotínicos da acetilcolina. De todos eles, o triexifenidil é o mais estimulante, talvez atuando a partir de neurônios dopaminérgicos, e a benztropina é a menos estimulante e, assim, tem o menor potencial de abuso. EFEITOS SOBRE ÓRGÃOS E SISTEMAS ESPECÍFICOS A atividade antimuscarínica dos medicamentos anticolinérgicos discutida aqui afeta o funcionamento dos gânglios autônomos e, de forma mais comum, afeta o trato gastrintestinal, o coração, a bexiga e outras funções parassimpáticas.
BIOLÓGICAS
1077
INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS A principal indicação para a utilização dos anticolinérgicos na prática psiquiátrica é no tratamento do parkinsonismo induzido por neurolépticos, caracterizado por tremor, rigidez, fenômeno de roda dentada, bradicinesia, sialorréia, postura encurvada para a frente e pernas inquietas. Todos os anticolinérgicos disponíveis são eficazes no tratamento dos sintomas parkinsonianos. O parkinsonismo induzido por neurolépticos é mais comum em idosos, sendo observado com mais freqüência com antagonistas dos receptores de dopamina de alta potência, como, por exemplo, o haloperidol (Haldol). O início dos sintomas em geral ocorre após 2 a 3 semanas de tratamento. A incidência dessa condição é bem mais baixa com os novos medicamentos antipsicóticos da classe ou antagonistas de serotonina-dopamina (ASD). Outra indicação é para o tratamento de distonia aguda induzida por neurolépticos, que é mais comum em jovens. Ela ocorre por vezes durante o curso do tratamento, associa-se a antagonistas dos receptores de dopamina de alta potência (p. ex., o haloperidol) e, de forma mais freqüente, afeta os músculos do pescoço, da língua, da face e das costas. Os medicamentos anticolinérgicos são eficazes tanto no tratamento de curto prazo das distonias como na profilaxia contra distonias agudas induzidas por neurolépticos. A acatisia se caracteriza pela sensação subjetiva e pela observação objetiva de inquietação, ansiedade e agitação. Ainda que um ensaio com anticolinérgicos para o tratamento da acatisia aguda induzida por neurolépticos seja razoável, esses medicamentos em geral não são considerados tão eficazes como os antagonistas dos receptores β-adrenérgicos, os benzodiazepínicos e a clonidina (Atensina). PRECAUÇÕES E REAÇÕES ADVERSAS Os efeitos adversos dos medicamentos anticolinérgicos se devem ao bloqueio dos receptores muscarínicos para a acetilcolina. Esses agentes devem ser utilizados com cuidado, se é que o devem, por pessoas com hipertrofia prostática, retenção urinária e glaucoma de ângulo estreito. Os anticolinérgicos às vezes são utilizados como drogas de abuso por causa de suas propriedades moderadas de elevação do estado de humor. O efeito adverso mais grave associado com toxicidade é a intoxicação anticolinérgica, que pode ser caracterizada por delirium, coma, convulsões, agitação, alucinações, hipotensão grave, taquicardia supraventricular e manifestações periféricas – rubor, midríase, pele seca, hipertermia e redução dos ruídos dos movimentos intestinais. O tratamento deve se iniciar pela interrupção imediata de todos os medicamentos anticolinérgicos. A síndrome de intoxicação anticolinérgica pode ser diagnosticada e tratada com fisostigmina (Eserina), um inibidor da anticolinesterase, 1 a 2 mg IV (1 mg a cada dois minutos) ou IM a cada 30 ou 60 minutos. Esse tratamento deve ser utilizado somente em casos graves e quando monitoração cardíaca de emergência e serviços de manutenção vital estão disponíveis, pelo fato de a fisostigmina poder ocasionar hipotensão grave e broncoconstrição.
1078
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
O N
H 3C
HO
CH3
HOCCH2CH2N
HO
CH3
O
O
OH
HCI
OH O
Citrato de orfenadrina
Hidrocloreto de prociclidina
N OH
OCH
C
CH2
CH3SO3H
Mesilato de beztropina
CH2CH2N
HCI
Hidrocloreto de biperideno
S N
NCH2CH2COH HCI
CH2
CH2CH3 CH
N
CH3 Hidrocloreto de triexifenidil
HCI CH2CH3
Hidrocloreto de etopropazina
FIGURA 36.4.4-1 Estruturas moleculares de medicamentos anticolinérgicos selecionados.
INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS
INTERFERÊNCIAS LABORATORIAIS
As interações medicamentosas mais comuns com os anticolinérgicos ocorrem quando são co-administrados com psicotrópicos que também têm alta atividade anticolinérgica, como os antagonistas dos receptores de dopamina, os tricíclicos e tetracíclicos e os inibidores da monoaminoxidase (IMAOs). Vários outros medicamentos prescritos e preparações de venda livre para resfriado também induzem atividade anticolinérgica significativa. A coadministração destes pode levar a uma síndrome de intoxicação anticolinérgica com risco de morte. Os anticolinérgicos também podem retardar o esvaziamento gástrico, reduzindo a absorção de medicamentos que são decompostos no estômago e, em geral, absorvidos no duodeno (p. ex., a levodopa e antagonistas dos receptores de dopamina).
Não há interferências laboratoriais associadas aos anticolinérgicos. DOSAGEM E DIRETRIZES CLÍNICAS Os seis medicamentos anticolinérgicos discutidos neste capítulo estão disponíveis em uma série de preparações (Tab. 36.4.4-1). Parkinsonismo induzido por neurolépticos Para o tratamento do parkinsonismo induzido por neurolépticos, o equivalente a 1 a 4 mg de benztropina devem ser adminis-
TABELA 36.4.4-1 Medicamentos anticolinérgicos Nome genérico
Nome comercial
Tamanho do comprimido
Injetável
Dose diária oral habitual
Dose IM ou IV a curto prazo
Benztropina Biperideno Etopropazina Orfenadrina
Cogentin Akineton Parsidol Dorflex
0,5, 1, 2 mg 2 mg 10, 50 mg 100 mg
1 mg/mL 5 mg/mL – 30 mg/mL
1-4 mg 1 a 3 vezes 2 mg 1 a 3 vezes 50-100 mg 1 a 3 vezes 50-100 mg 3 vezes
Prociclidina Triexifenidil
Kemadrin Artane
5 mg 2,5 mg elixir de 2 mg/5 mL
– –
2,5-5 mg 3 vezes 2-5 mg 2 a 4 vezes
1-2 mg 2 mg – 60 mg IV administrados em cinco minutos – –
TERAPIAS
trados 1 a 4 vezes por dia. O medicamento anticolinérgico deve ser administrado por 4 a 8 semanas, quando é retirado para se avaliar se ainda é necessário. O mesmo deve ser reduzido de forma gradual em 1 a 2 semanas. O tratamento com os anticolinérgicos como profilaxia contra o desenvolvimento de parkinsonismo induzido por neurolépticos em geral não é indicado, já que os sintomas dessa condição tendem a ser moderados e gradativos no início, para permitir ao clínico iniciar o tratamento somente após o problema ficar claramente indicado. Contudo, entre jovens, a profilaxia pode ser indicada, em especial se um antagonista dos receptores de dopamina de alta potência está sendo utilizado. O clínico deve tentar retirar o medicamento antiparkinsoniano em 4 a 6 semanas para avaliar se sua utilização continuada é necessária. Distonia aguda induzida por neurolépticos Para o tratamento a curto prazo e a profilaxia da distonia aguda induzida por neurolépticos, 1 a 2 mg de benztropina ou seu equivalente de outro medicamento devem ser administrados IM. A dose pode ser repetida em 20 a 30 minutos, se necessário. Se não houver melhora depois de mais 20 a 30 minutos, um benzodiazepínico (p. ex., 1 mg de lorazepan [Lorax]) deve ser administrado IM ou IV. A distonia laríngea é uma emergência médica e deve ser tratada com benztropina, até 4 mg em um período de 10 minutos, seguida por 1 a 2 mg de lorazepam, administrado lentamente pela via IV. A profilaxia contra as distonias é indicada para pessoas que já tiveram um episódio ou que estejam em alto risco (jovens tomando antagonistas dos receptores de dopamina de alta potência). O tratamento profilático é administrado por 4 a 8 semanas e, a seguir, retirado de forma gradual em 1 a 2 semanas, para permitir avaliações quanto a necessidade de seu uso continuado. A utilização profilática de anticolinérgicos em pacientes que necessitam de medicamentos antipsicóticos tem se tornado, em grande parte, uma questão supérflua por causa da disponibilidade dos ASD, que são praticamente livres de efeitos parkinsoniano. Acatisia Como mencionado, os anticolinérgicos não são os medicamentos de escolha para essa síndrome. Os antagonistas dos receptores β-adrenérgicos (Seção 36.4.2) e talvez os benzodiazepínicos (Seção 36.4.7) e a clonidina (Seção 36.4.1) são preferíveis e devem ser experimentados primeiro. REFERÊNCIAS Baker LA, Cheng LY, Amara IB. The withdrawal of benztropine mesylate in chronic schizophrenic patients. Br J Psychiatry. 1983;143:584. Bergen J, Kitchin R, Berry G. Predictors of the course of tardive dyskine in patients receiving neuroleptics. Biol Psychiatry. 1992;32:580. Blaisdell GD. Akathisia: a comprehensive review and treatment summary. Pharmacopsychiatry. 1994;27:139. de Leon J, Canuso C, White AO, Simpson GM. A pilot effort to determine benztropine equivalents of anticholinergic medications. Hosp Community Psychiatry. 1994;45:606.
BIOLÓGICAS
1079
Elliott KJ, Lewis S, el Mallakh RS, Looney SW, Caudill R, Bacani Oropilla T. The role of parkinsonism and antiparkinsonian therapy in the subsequent development of tardive dyskinesia. Ann Clin Psychiatry. 1994; 6: 197. Goff DC, Amico E, Dreyfuss D, Ciraulo D. A placebo-controlled trial of trihexyphenidyl in ummedicated patients with schizophrenia. Am J Psychiatry. 1994;151:429. Katz IR, Sands LP, Bilker W, DiFilippo S, Boyce A, D’Angelo K. Identification of medications that cause cognitive impairment in older people: the case of oxybutynin chloride. J Am Geriatr Soc. 1998;46:8. Manos N, Gkiouzepas J, Logothetis J. The need for continuous use of antiparkinsonian medication with chronic schizophrenic patients receiving longterm neuroleptic therapy. Am J Psychiatry. 1981;138:184. Meyer JM, Simpson GM. Anticholinergics and amantadine. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2276. Mori K, Yamashita H, Nagao M, Horiguchi J, Yamawaki S. Effects of anticholinergic drug withdrawal on memory, regional cerebral blood flow and extrapyramidal side effects in schizophrenic patients. Pharmacopsychiatry. 2002;35:6. Roe CM, Anderson MJ, Spivack B. Use of anticholinergic medications by older adults with dementia. J Am Geriatr Soc. 2002;50:836. Standaert DG, Young AB. Treatment of central nervous system degenerative disorders. In: Hardman JG, Limbird LE, Goodman Gilman A, eds. Goodman & Gilman’s the Pharmacological Basis of Therapeutics. 10th ed. New York: McGraw-Hill; 2001:549. Tandon R, DeQuardo JR, Goodson J, Mann NA, Greden JF. Effect of anticholinergics on positive and negative symptoms in schizophrenia. Psychopharmacol Bull. 1992;28:297. Tune LE. Anticholinergic effects of medication in elderly patients. J Clin Psychiatry. 2001;62:11. Tune LE, Strauss ME, Lew MF, Breitlinger E, Coyle JT. Serum levels of anticholinergic drugs and impaired recent memory in chronic schizophrenic patients. Am J Psychiatry. 1982;139:1460. Vitiello B, Martin A, Hill J, et al. Cognitive and behavioral effects of cholinergic, dopaminergic, and serotonergic blockade in humans. Neuropsychopharmacology. 1997;16:15. World Health Organization. Prophylactic use of anticholinergics in patients on long-term neuroleptic treatment. Br J Psychiatry. 1990;156:412.
36.4.5 Anti-histamínicos Certos anti-histamínicos (antagonistas dos receptores H1 da histamina) são utilizados na psiquiatria clínica para tratar o parkinsonismo e a distonia aguda induzidos por neurolépticos e também como hipnóticos e ansiolíticos. A difenidramina (Benadryl) é uma opção para tratar o parkinsonismo e a distonia aguda induzidos por neurolépticos e por vezes como hipnótico. O hidrocloreto de hidroxizina (Atarax) e o pamoato de hidroxizina (Vistaril) são utilizados como ansiolíticos. A prometazina (Fenergan) é empregada por seus efeitos sedativos e ansiolíticos. A ciproeptadina (Periactin) tem sido utilizada para o tratamento da anorexia nervosa e da inibição do orgasmo masculino e feminino causado por agentes serotonérgicos. A denominada segunda geração de antagonistas dos receptores H1, fexofenadina (Allegra), loratidina (Claritin) e cetirizina (Zyrtec), não é utilizada em psiquiatria. A terfenadina (Seldane) e o astemizol (Hismanol) estavam disponíveis nos anos de 1990, mas foram retirados do mercado comercial porque se associaram a arritmias cardíacas graves, quando co-administrados com certos inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs) (p. ex., a nefazodona [Serzone]); esses medicamentos podem causar toxicidade cardíaca grave, que ameaça a vida.
1080
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
A Tabela 36.4.5-1 lista os medicamentos anti-histamínicos utilizados para doenças não-psiquiátricas (p. ex., refluxo gástrico), que podem ter efeitos psiquiátricos adversos ou interações medicamentosas. QUÍMICA As estruturas moleculares dos anti-histamínicos representativos da primeira geração utilizados em psiquiatria são exibidos na Figura 36.4.5-1.
minutos e duram de 4 a 6 horas. Pelo fato de esses três medicamentos serem metabolizados no fígado, pessoas com doença hepática, como cirrose, podem atingir altas concentrações plasmáticas com a administração de longo prazo. A ciproeptadina é bemabsorvida após a administração oral, e seus metabólitos são excretados pela urina. A ativação dos receptores H1 estimula a vigília; por isso, o antagonismo aos receptores causa sedação. Todos esses agentes mencionados também possuem alguma atividade colinérgica antimuscarínica. A ciproeptadina é única entre esses medicamentos, uma vez que tem propriedades potentes tanto anti-histamínicas como antagonistas dos receptores 5-HT2 da serotonina.
AÇÕES FARMACOLÓGICAS Os antagonistas de H1 utilizados em psiquiatria são bem-absorvidos no trato gastrintestinal (GI). Os efeitos antiparkinsonianos da difenidramina intramuscular (IM) têm início em 15 a 30 minutos, e seus efeitos sedativos têm pico em 1 a 3 horas. Os efeitos sedativos da hidroxizina e da prometazina começam após 20 a 60
TABELA 36.4.5-1 Outros anti-histamínicos com relevância para a psiquiatria Nome genérico
Classe
Antagonistas Cimetidina do receptor Ranitidina H2 Famotidina Nizatidina
EFEITOS SOBRE ÓRGÃOS E SISTEMAS ESPECÍFICOS Os efeitos dos anti-histamínicos sobre o sistema nervoso central (SNC) incluem sedação e antagonismo aos transtornos do movimento induzidos pelos receptores D2 da dopamina. Além disso, podem reduzir os sintomas de cinetose em alguns pacientes. Como um efeito secundário, a histamina desencadeia permeabilidade capilar e estimula a liberação de mediadores de inflamação.
Nome comercial Comentários
INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS
Tagamet Antak Famoset Axid
Os anti-histamínicos são úteis no tratamento de parkinsonismo induzido por neurolépticos, distonia aguda e acatisia induzidas por neurolépticos. São uma alternativa aos anticolinérgios e à amantadina para esses propósitos. Os anti-histamínicos são hipnóticos relativamente seguros, mas não são superiores aos benzodiazepínicos, que têm sido melhor estudados em termos de eficácia e segurança. Também não se demonstraram eficazes no tratamento ansiolítico de longo prazo; por isso, tanto os benzodiazepínicos, como a buspirona (BuSpar), ou os ISRSs são preferíveis para esse tratamento. A ciproeptadina costuma ser utilizada para o tratamento do comprometimento do orgasmo, em especial seu retardo quando esses sintomas são efeitos colaterais do uso de medicamentos serotonérgicos. Pelo fato de promover o aumento de peso, a ciproeptadina pode ser de alguma utilidade no tratamento de transtornos da alimentação, como a anorexia nervosa. Ela pode reduzir pesadelos recorrentes com temas pós-traumáticos. Sua atividade anti-serotonérgica é capaz de se contrapor à síndrome da serotonina causada pelo uso concomitante de medicamentos múltiplos, ativadores da serotonina, como os ISRSs e os inibidores da monoaminoxidase.
Antagonistas Loratidina Claritin do receptor Cetirizina Zyrtec H1 (nãoFexofenadina Allegra sedativos) de segunda geração
Amplamente prescritos para o tratamento de úlceras e refluxo gastroesofágico. Todos têm potencial para toxicidade sobre o SNC, incluindo psicose e delirium Sem cardiotoxicidade aparente, mas níveis elevados podem ocorrer quando administrados com inibidores do CYP 3A4
CH3 CH2 O CH2 CH2 N CH3
N CH3
Difenidramina
Ciproeptadina
CH2CH2OCH2CH2OH N
CH3 S
N CH Hidroxizina
N CH2 CH N CH3 CH3
CI Prometazina
FIGURA 36.4.5-1 Estruturas moleculares de anti-histamínicos utilizados em psiquiatria.
PRECAUÇÕES E REAÇÕES ADVERSAS Estes agentes se associam com facilidade a sedação, tonturas e hipotensão, as quais podem ser graves em idosos, que têm mais probabilidade de sofrer com os efeitos anticolinérgicos desses medicamentos. Excitação e agitação paradoxais são efeitos adversos observados em um pequeno número de pessoas. Dificuldade de coordenação motora pode resultar em acidentes; por isso, as pessoas devem ser
TERAPIAS
advertidas sobre dirigir veículos e operar máquinas. Outros efeitos adversos comuns incluem mal-estar epigástrico, náuseas, vômitos, diarréia e obstipação. Em função da atividade anticolinérgica moderada, alguns pacientes experimentam boca seca, retenção urinária, visão turva e obstipação. Por essa razão, os anti-histamínicos devem ser utilizados somente em doses muito baixas, se é que o devem, por pessoas com glaucoma de ângulo estreito, doença obstrutiva GI, da próstata ou da bexiga. Uma síndrome anticolinérgica central com psicose pode ser induzida tanto pela ciproeptadina como pela difenidramina. O uso da primeira tem se associado, em alguns casos, a aumento de peso, que pode contribuir para sua eficácia relatada em algumas pessoas com anorexia nervosa. Além dos efeitos adversos relatados, os anti-histamínicos têm algum potencial de abuso. A co-administração com opióides pode aumentar a euforia experimentada por pessoas com dependência de drogas. As superdoses com anti-histamínicos podem ser fatais. Os mesmos são excretados pelo leite materno, de modo que seu uso deve ser evitado por mães que estiverem amamentando. Em vista de algum potencial para teratogenicidade, as grávidas também devem evitá-los. INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS As propriedades sedativas dos anti-histamínicos podem se somar às de outros depressores do SNC, como o álcool, outros medicamentos sedativos-hipnóticos e vários psicotrópicos, inclusive tricíclicos e antagonistas dos receptores de dopamina. A atividade anticolinérgica também pode se somar à de outros medicamentos anticolinérgicos e pode ocasionar, algumas vezes, sintomas
BIOLÓGICAS
1081
graves ou intoxicação. Os efeitos benéficos dos ISRSs podem ser antagonizados pela ciproeptadina. INTERFERÊNCIAS LABORATORIAIS Os antagonistas dos H1 podem eliminar a pápula e o endurecimento que formam a base de testes cutâneos de alergia. A prometazina pode interferir em testes de gravidez e aumentar as concentrações sangüíneas de glicose. A difenidramina pode levar a um resultado falso-positivo de teste urinário para a fenciclidina (PCP). O uso da hidroxizina pode elevar falsamente os resultados de certos testes para 17-hidroxicorticóides urinários. DOSAGEM E DIRETRIZES CLÍNICAS Os anti-histamínicos se encontram disponíveis em uma variedade de preparações (Tab. 36.4.5-2). As injeções IM devem ser profundas, uma vez que a administração superficial pode causar irritação local. A administração intravenosa (IV) de 25 a 50 mg de difenidramina é um tratamento eficaz para a distonia aguda induzida por neurolépticos, que pode desaparecer imediatamente. Intervenção com 25 mg três vezes ao dia ou até 50 mg quatro vezes ao dia, se necessário, pode ser utilizada para parkinsonismo, acinesia e movimentos bucais induzidos por neurolépticos. A difenidramina também pode ser empregada como hipnótico em doses de 50 mg para insônia moderada transitória. Doses de 100 mg não se mostraram superiores a doses de 50 mg, mas podem produzir mais efeitos anticolinérgicos.
TABELA 36.4.5-2 Dosagem e administração dos anti-histamínicos tradicionais utilizados em psiquiatria Medicamento Via
Preparação
Dosagem
Difenidramina (Benadryl)
Oral
Cápsulas e comprimidos: 25 mg, 50 mg; elixir e xarope: 12,5 mg/5 mL
Adultos: 25-50 mg, 3 a 4 vezes/dia Dose habitual para o sono: 50 mg ao deitar Crianças: 5mg/kg/24 horas em quatro doses divididas, sem exceder 300 mg/dia
IM
Solução: 10mg/mL, 50 mg/mL
Oral
Hidrocloreto em Xarope: 10 mg/5 mL Comprimidos: 10 mg, 25 mg, 50 mg, 100 mg Supensão de pamoato: 25 mg/5 mL Cápsulas: 25 mg, 50 mg, 100 mg
Adultos: 10-50 mg IV ou IM profunda; pode-se usar 100 mg se necessário; dose máxima diária: 400 mg; para reações distônicas: 50 mg IV em 2 a 3 minutos Crianças: 5mg/kg/24 horas (máximo: 300 mg/dia) Adultos:25-100 mg quatro vezes/dia Crianças: abaixo de 6 anos: 50 mg/24 horas em 3 a 4 doses divididas acima de 6 anos: 50-100 mg em 3 a 4 doses divididas
IM
Solução de hidrocloreto: 25 mg/mL, 50 mg/mL
Oral
Xarope: 6,25 mg/5 mL, 25 mg/5 mL, Comprimidos: 12,5 mg, 25 mg, 50 mg
Hidroxizina (Marax)
Prometazina (Fenergan)
Retal IM Ciproeptadina Oral (Periatin)
Supositórios: 50 mg, 25 mg, 12,5 mg Solução: 25 mg/mL e 50 mg/mL Comprimidos: 4 mg Xarope: 2 mg/5 mL
Adultos: 50-100 mg de 4 em 4 ou 6 em 6 horas, se necessário, para sedação Crianças: 0,5 mg/libra de peso corporal Adultos: 25-50 mg para sedação Crianças: 12,5-25 mg ao deitar e sedação pré-operatória
Adultos: em geral, 4-20 mg/dia (podem necessitar de até 32 mg/dia) para alergias; não exceder 0,5 mg/kg/dia: para anorgasmia induzida por antidepressivos: 4-16 mg, em doses diárias divididas ou a 1 a 2 horas antes do intercurso social. Crianças: para alergias: aproximadamente 0,25 mg/kg/dia 2-6 anos: 2 mg 2 a 3 vezes/dia; máximo 12 mg/dia; 7-14 anos: 4 mg 2 a 3 vezes/ dia; máximo 16 mg/dia
1082
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
A hidroxizina é utilizada de forma mais comum como ansiolítico de curto prazo. A hidroxizina não deve ser administrada IV, uma vez que irrita os vasos sangüíneos. Doses de 50 a 100 mg administradas por via oral quatro vezes ao dia para tratamento de longo prazo ou 50 a 100 mg IM a cada 4 a 6 horas para tratamento de curto prazo costumam ser eficazes. A anorgasmia induzida por ISRSs pode ser revertida com 4 a 16 mg por dia de ciproeptadina administrada por via oral 1 a 2 horas antes da atividade sexual. Uma série de relatos de casos relatou que esta droga pode ser de alguma utilidade no tratamento de transtornos da alimentação, como a anorexia nervosa. A mesma se encontra disponível em comprimidos de 4 mg e em solução de 2 mg/5mL. Crianças e idosos são mais sensíveis aos efeitos dos anti-histamínicos do que adultos jovens. REFERÊNCIAS Aizenberg D, Zemishlany Z, Weizman A. Cyproheptadine treatment of sexual dysfunction induced by serotonin reuptake inhibitors. Clin Neuropharmacol. 1995;18:320. Ashton AK, Weinstein WL. Cyproheptadine for drug-induced sweating. Am J Psychiatry. 2002;159:874. De Nesnera AP. Diphenhydramine dependence: a need for awareness [letter]. J Clin Psychiatry. 1996;57:136. Halpert AG, Olmstead MC, Beninger RJ. Mechanisms and abuse liability of the anti-histamine dimenhydrinate. Neurosci Biobehav Rev. 2002;26:61. Hardman JG, Limbird LE, Goodman Gilman A, eds. Goodman & Gilman’s the Pharmacological Basis of Therapeutics. 10th ed. New York: McGraw-Hill; 2001. Labbate LA, Arana GW, Ballenger JC. Antihistamines. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2304. Nemeroff CB, DeVane CL, Pollock BG. Newer antidepressants and the cytochrome P450 system. Am J Psychiatry. 1996;153:311. Ninn PT, Cole JO, Yonkers KA. Nonbenzodiazepine anxiolytics. In: Schatzberg AF, Nemeroff CB, eds. Essentials of Clinical Psychophamacology. Washington, DC: American Psychiatric Association; 2001:93. Qidwai JC, Watson GS, Weiler JM. Sedation, cognition, and antihistamines. Curr Allergy Asthma Rep. 2002;2:216. Shamsi Z, Hindmarch I. Sedation and antihistamines: a review of inter-drug differences using proportional impairment ratios. Hum Psychopharmacol Clin Exp. 2000;15(suppl l):S3. Weiss D, Aizenberg D, Hermesh H, et al. Cyproheptadine treatment in neuroleptic-induced akathisia. Br J Psychiatry. 1995;167:483. Yap YG, Camm AJ. The current cardiac safety situation with antihistamines. Clin Exp Allergy. 1999;29:15.
36.4.6 Barbitúricos e medicamentos de ação semelhante A utilização de barbitúricos e compostos similares, como o meprobamato (Miltown), foi praticamente eliminada pelos benzodiazepínicos, por ansiolíticos como a buspirona (BuSpar) e pelos hipnóticos zolpidem (Stillnox) e zaleplon (Sonata). Os novos agentes têm menor potencial de abuso e um índice terapêutico mais alto do que os barbitúricos; a despeito disso, estes e medicamentos de ação similar ainda desenvolvem um papel no tratamento de certos transtornos mentais.
BARBITÚRICOS Química Os vários barbitúricos clinicamente disponíveis são derivados do mesmo substrato de ácido barbitúrico e diferem entre si em relação a suas substituições na posição C5 da molécula-mãe (Fig. 36.4.6-1). Essas substituições moleculares em C5 são a base principal da diferente solubilidade em lipídeos e das meias-vidas das várias moléculas resultantes. AÇÕES FARMACOLÓGICAS Os barbitúricos são bem-absorvidos após a administração oral. Sua ligação às proteínas do plasma é alta, mas sua solubilidade em lipídeos varia. Os barbitúricos individuais são metabolizados pelo fígado e excretados pelos rins. Suas meias-vidas variam de 1 a 120 horas. Seu mecanismo de ação envolve o complexo canal de íons de cloreto-receptor benzodiazepínico-receptor do ácido γ-aminobutírico (GABA). Ações sobre órgãos e sistemas específicos Os barbitúricos têm seus principais efeitos sobre o sistema nervoso central (SNC), embora efeitos significativos também ocorram sobre o fígado e até sobre o sistema cardiovascular. No SNC, associam-se à inibição do sistema reticular de ativação. Pode ocorrer depressão respiratória, que se soma à de outros depressores Fórmula geral R3 Fenobarbital
O N
(ou S
)b O
3
C
C2 N H
R5a 5C
R5b
C O
Barbitúrico
R5a
R5b
Amobarbital Aprobarbital Butabarbital Butalbital Fenobarbital Mefobarbitala Meto-hexitala Pentobarbital Secobarbital Tiamilalb Tiopentalb
Etil Alil Etil Alil Etil Alil Etil Etil Alil Alil Etil
Isopentil Isopropil Secbutil Isobutil Fenil 1-Metil-2-pentinil 1-Metilbutil Fenil 1-Fetilbutil 1-Metilbutil 1-Metilbutil
aR
3 = H1, exceto no mefobarbital e no metoxietal, em que é substituído bO, exceto no tiamilal e no tiopental, em que é substituído por S.
por CH3.
FIGURA 36.4.6-1 Estruturas moleculares e nomes dos barbitúricos disponíveis nos Estados Unidos. (De Rall TW. Hypnotics and sedatives: ethanol. In: Goodman A, Gilman AG, Rall TW et al., eds. Goodman and Gillman’s The Pharmacological Basis of Therapeutics. 8th ed. New York: McGraw-Hill, 1990:752, com permissão.)
TERAPIAS
respiratórios (p. ex., o álcool). No fígado, os barbitúricos podem dobrar a indução das enzimas metabólicas hepáticas e, dessa forma, reduzir os níveis plasmáticos tanto dos barbitúricos como de outros medicamentos metabolizados pelo fígado. Ainda que em doses baixas esses medicamentos tenham um perfil cardiovascular relativamente seguro, em doses elevadas podem comprometer a contratilidade cardíaca e desencadear arritmias. A administração de barbitúricos raramente causa laringoespasmo fatal, um efeito adverso potencial que pode direcionar os clínicos para a utilização de benzodiazepínicos, em vez barbitúricos, na maioria das situações (p. ex., em entrevistas auxiliadas por medicamentos). INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS Eletroconvulsoterapia O metoexital (Brevital) é utilizado com freqüência como um agente anestésico para a eletroconvulsoterapia (ECT). Apresenta risco cardíaco que outros anestésicos barbitúricos. Administrado por via intravenosa, produz inconsciência rápida e, em vista de sua rápida redistribuição, tem uma duração breve de ação (5 a 7 minutos). A dose típica para a ECT é de 0,7 a 1,2 mg/kg. O metoexital também pode ser utilizado para abortar convulsões prolongadas na ECT ou para limitar a agitação pós-ictal.
BIOLÓGICAS
1083
desenvolva em duas semanas. A interrupção dos medicamentos por vezes resulta em aumentos de rebote nas medidas constatadas pelo eletroencefalograma (EEG) do sono e em piora da insônia. Abstinência de sedativo-hipnóticos Os barbitúricos muitas vezes são utilizados para determinar a extensão da tolerância aos mesmos e a outros hipnóticos e para orientar a desintoxicação. Uma vez que a desintoxicação tenha se resolvido, uma dose-teste de pentobarbital (200 mg) é administrada por via oral. Uma hora mais tarde, o paciente é examinado. A tolerância e a necessidade da dose são determinadas pela extensão com que o paciente é afetado. Se não ficar sedado, outros 100 mg do mesmo agente podem ser administrados a cada duas horas, até três vezes (máximo 500 mg em seis horas). A quantidade necessária para uma intoxicação leve corresponde à dose diária aproximada de barbitúrico utilizada. O fenobarbital (30 mg) pode, a seguir, substituir cada 100 mg de pentobarbital. Essa dose diária necessária pode ser administrada em doses divididas e retirada de forma gradual a 10% por dia, com ajustes feitos de acordo com os sinais de abstinência (Tab. 36.4.6-1). PRECAUÇÕES E REAÇÕES ADVERSAS
Convulsões O fenobarbital (Gardenal) é o barbitúrico utilizado com mais freqüência para o tratamento de convulsões, as generalizadas tônico-clônicas e as parciais simples. Os barbitúricos parenterais são utilizados no manejo de emergência de convulsões, independentemente da causa. O fenobarbital intravenoso deve ser administrado de forma lenta, 10 a 20 mg/kg, para o estado epilético. Narcoanálise O amobarbital (Amytal) tem sido utilizado como um auxílio diagnóstico em uma série de condições clínicas, inclusive reações conversivas, catatonia, estupor histérico e mutismo inexplicado, e para diferenciar o estupor da depressão, da esquizofrenia e de lesões cerebrais estruturais. A “entrevista com o Amytal” é realizada colocando-se o paciente em uma posição reclinada e administrando o amobarbital por via intravenosa, 50 mg por minuto. A infusão é continuada até que se note nistagmo lateral persistente ou sonolência, em geral a 75 a 150 mg. A seguir, 25 a 50 mg podem ser administrados a cada cinco minutos para se manter a narcose. O paciente deve repousar por 15 a 30 minutos após a entrevista antes de tentar deambular. Sono Os barbitúricos reduzem a latência do sono e o número de despertares durante o sono, ainda que a tolerância para esse efeito em geral se
Alguns dos efeitos adversos dos barbitúricos são similares aos dos benzodiazepínicos, inclusive a disforia paradoxal, a hiperatividade e a perturbação cognitiva. Efeitos adversos raros incluem o desenvolvimento da síndrome de Stevens-Johnson, de anemia megaloblática e de neutropenia. Uma diferença maior entre os barbitúricos e os benzodiazepínicos é o baixo índice terapêutico daqueles. Uma superdosagem pode facilmente se mostrar fatal. Além disso, os barbitúricos se associam a risco significativo de abuso potencial e a desenvolvimento de tolerância e dependência. A intoxicação se manifesta por confusão, sonolência, irritabilidade, hiporreflexia ou arreflexia, ataxia e nistagmo. Os sintomas de abstinência são semelhantes, mas por vezes mais marcados do que no caso dos benzodiazepínicos. Em vista de alguma evidência de teratogenicidade, os barbitúricos não devem ser utilizados por grávidas ou por mulheres
TABELA 36.4.6-1 Teste de provocação com o pentobarbital 1. Administrar 200 mg de pentobarbital por via oral. 2. Observar indícios de intoxicação após uma hora (p. ex., sonolência, fala arrastada ou nistagmo). 3. Se o paciente não está intoxicado, administrar outros 100 mg de pentobarbital a cada duas horas (máximo: 500 mg em seis horas). 4. A dose total administrada para produzir uma intoxicação leve é equivalente ao nível da dose de abuso de barbitúricos. 5. Substituir o fenobarbital 30 mg (de meia-vida mais longa) por cada 100 mg do pentobarbital. 6. Reduzir a dose em cerca de 10% ao dia. 7. Ajustar a taxa se sinais de intoxicação ou abstinência estiverem presentes.
1084
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
que estejam amamentando. Os mesmos devem ser consumidos com cuidado por pacientes com história de abuso de drogas, depressão, diabete, comprometimento hepático, doença renal, anemia grave, dor, hipertireoidismo ou hipoadrenalismo. Eles também são contra-indicados para pacientes com porfiria aguda intermitente, comprometimento da ativação respiratória ou com reserva respiratória limitada. INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS A principal área de preocupação para interações medicamentosas é a soma dos efeitos potenciais na depressão respiratória. Os barbitúricos devem ser utilizados com grande cuidado com outros medicamentos prescritos para o SNC (inclusive antipsicóticos e antidepressivos) e agentes não-prescritos que atuam nessa mesma região. Deve-se ter cuidado ao prescrever barbitúricos a pacientes que estejam tomando medicamentos metabolizados no fígado, em especial aqueles para o coração e anticonvulsivantes. Pelo fato de alguns pacientes terem uma ampla faixa de sensibilidade à ação de enzimas induzidas pelos barbitúricos, não se pode predizer quanto do metabolismo dos medicamentos administrados ao mesmo tempo será afetado. Os medicamentos que podem ter seu metabolismo aumentado pela administração dos barbitúricos incluem os opióides, os agentes antiarrítmicos, os antibióticos, os anticoagulantes, os anticonvulsivantes, os antidepressivos, os antagonistas dos receptores β-adrenérgicos, os antagonistas dos receptores de dopamina, os anticoncepcionais orais e os imunossupressores (Tab. 36.4.6-2).
DOSAGEM E DIRETRIZES CLÍNICAS Os barbitúricos e os demais medicamentos a seguir começam a agir dentro de 1 a 2 horas de sua administração. As doses dos barbitúricos variam (Tab. 36.4.6-3), e o tratamento deve iniciar com doses baixas, as quais são aumentadas até atingir o efeito clínico. Crianças e idosos são mais sensíveis a seus efeitos do que adultos jovens. Os barbitúricos utilizados com mais freqüência se encontram disponíveis com uma variedade de dosagens. Aqueles com meias-vidas na faixa de 15 a 40 horas são preferíveis, visto que os de longa duração tendem a se acumular no organismo. Os clínicos devem instruir os pacientes sobre os efeitos adversos e o potencial de dependência associados aos barbitúricos. Ainda que determinar as concentrações plasmáticas dos barbitúricos seja de pouca relevância em psiquiatria, monitorar as concentrações do fenobarbital é uma prática-padrão quando o mesmo é utilizado como anticonvulsivante. As concentrações terapêuticas do fenobarbital no sangue para essa indicação varia de 15 a 40 mg/L, embora alguns pacientes experimentem efeitos adversos significativos nessa faixa. Os barbitúricos estão contidos em produtos com combinações com as quais o clínico deve estar familiarizado (Tab. 36.4.6-4). OUTROS MEDICAMENTOS DE AÇÃO SIMILAR Uma série de agentes que agem de forma similar aos barbitúricos é utilizada para o tratamento de ansiedade e insônia. Quatro deles são o paraldeído (Paral), o etclorvinol (Placidyl), o meprobamato e a glutetimida (Doriden). Esses medicamentos são pouco utilizados por causa de seu potencial de abuso e dos efeitos potencialmente tóxicos.
INTERFERÊNCIAS LABORATORIAIS Paraldeído Não há interferências laboratoriais associadas à administração dos barbitúricos.
TABELA 36.4.6-2 Interações medicamentosas Relata-se que o metabolismo dos seguintes medicamentos aumenta com a utilização de barbitúricos de longo prazo. Outros não-listados também podem ser afetados. Analgésicos – acetaminofen, fenoprofeno Antiarrítmicos – digitalis, lidocaína, mexiletina Antibióticos – cloranfenicol, metronidazol, rifamicina, tetraciclinas, griseofulvina Anticoagulantes – warfarin. Anticonvulsivantes – carbamazepina, fenitoína Antidepressivos – amitriptilina, desipramina, paroxetina, protriptilina Anti-hipertensivos – metildopa Antipsicóticos – haloperidol, tioridazina, loxapina Antagonistas dos receptores β-adrenérgicos – labetalol, propranolol, metoprolol Benzodiazepínicos – clonazepam, diazepam Anticoncepcionais – todos contendo estrógenos Imunossupressores – corticosteróides, ciclofosfamida, ciclosporina, decarbazina Xantinas – aminofilina, cafeína, teofilina
O paraldeído é um éter cíclico, utilizado pela primeira vez em 1882 como hipnótico. Também foi uma opção para o tratamento de epilepsia, sintomas de abstinência de álcool e delirium tremens. Em vista de seu baixo índice terapêutico, foi suplantado pelos benzodiazepínicos e por outros anticonvulsivantes. Química. A estrutura molecular do paraldeído é apresentada na Figura 36.4.6-2. Ações farmacológicas. O paraldeído é rapidamente absorvido pelo trato gastrintestinal (GI) e a partir de injeções intramusculares. É metabolizado principalmente em acetaldeído pelo fígado, e o medicamento não-metabolizado é expirado pelos pulmões. A meia-vida relatada é de 3,4 a 9,8 horas. O início da ação se dá em 15 a 30 minutos. Indicações terapêuticas. O paraladeído não é indicado como ansiolítico ou hipnótico e tem pouco espaço na psicofarmacologia atual. Precauções e reações adversas. Esse agente com freqüência causa mau hálito por causa da parte do medicamento
TERAPIAS
BIOLÓGICAS
1085
TABELA 36.4.6-3 Dosagem dos barbitúricos Medicamento Amobarbital Aprobarbital Butabarbital Mefobarbital
Metoexital Pentobarbital
Fenobarbital Secobarbital
Preparações selecionadasa
Faixa de dose diáriab (sedativac/ hipnótica)
Anticonvulsivante
Pediátrica
30, 200 mg 40 mg/5 mL (e) 30 mg/5mL (e) 15, 30, 50, 100 mg 32, 50, 100 mg
100-200 mgc/50-300 mg 40-160 mgc/40-120 mg 45-120 mgc/50-100 mg
65-300 mg IV Não-estabelecida Não-estabelecida
2-6 mg/kg até 100mg Não-estabelecida 2-6 mg/kg (máximo 100 mg)
66-300 mgc/100 mg
200-600 mg
500 mg/50 mL (i) 50, 100 mg 50 mg/mL (i) 20 mg/mL (e) 30, 60, 120, 200 mg (r) 8, 15, 30, 60, 100 mg 30, 60, 65, 130 mg/mL (i) 20 mg/5 mL (e) 100 mg 50 mg/mL (i)
0,7-1,2 mg/kg para ECT 60-100 mgc/100-150 mg
Não-estabelecida 100 mg IV em intervalos de um minuto, até 500 mg
16-32 mg 3 a 4 vezes ao dia (≤ 5 anos) 32-64 mg 3 a 4 vezes ao dia (>5 anos) Não-estabelecida 2-6 mg/kg até 100 mg
30-120 mgc/100-300 mg
100-300 mg IV até 600mg/ dia, 60-250 mg/dia
1-3 mg/kg
100-300 mgc/100 mg
5,5 mg/kg IV pode repetir a cada 3 a 4 horas
3-5 mg/kg
aHá
outras preparações disponíveis. para a forma oral (comprimidos ou cápsulas) ou menos especificadas: i – injeção, r – supositório retal. cA dosagem sedativa é igual à hipnótica, mas deve ser dividida em 3 a 4 vezes ao dia. bDoses
TABELA 36.4.6-4 Produtos com combinações contendo barbitúricos Produto
Barbitúrico
Outros conteúdos
Floricet com codeína Florinal com codeína Cafatine-PB Barbidonna Butibel Donnatal Extentabs Phenerbel-S
Butalbital, 50 mg Butalbital, 50 mg Fenobarbital, 30 mg Fenobarbital, 32 mg Butabarbital, 15 mg Fenobarbital, 48,6 mg Fenobarbital, 40 mg
Cafeína, 40 mg; codeína, 30 mg; acetaminofen, 325 mg Cafeína, 40mg; codeína, 30mg; aspirina, 325 mg Cafeína, 100mg; tartrato de ergotamina, 1 mg; alcalóide da beladona, 0,125 mg Sulfato de atropina, 0,025 mg; escopolamina, 0,0074 mg; hiosciamina, 0,1286 mg Extrato de beladona, 15 mg Sulfato de atropina, 0,0582 mg; escopolamina, 0,0195 mg; hiosciamina, 0,311 mg Alcalóide de beladona, 0,2 mg; tartrato de ergotamina, 0,6 mg
C 2H 5
O
3
5
H 2N
1
O
N
C
OCH2
O
C 3H 7
O
C CH2O
C
NH2
CH3
H Glutetimida
Meprobamato CH3 CH
OH HC
C
C
O CH
CH2CH3 Etclorvinol
CHCI
H 3C
O
HC
CH
CH3
O Paraldeído
FIGURA 36.4.6-2 Estruturas moleculares de medicamentos de ação similar.
expirado não-metabolizado. Pode inflamar os capilares pulmonares e causar tosse. Pode levar ainda a tromboflebite com a utilização intravenosa. Os pacientes podem experimentar
náuseas e vômitos com a utilização oral. A superdosagem provoca acidose metabólica e redução da excreção renal. Há risco de abuso entre os adictos a drogas. Interações medicamentosas. O dissulfiram (Antabuse) inibe a deidrogenase do acetaldeído e reduz o metabolismo do paraldeído, levando a uma concentração possivelmente tóxica. O paraldeído tem efeitos sedativos que se somam, em combinação com outros depressores do SNC, como álcool e benzodiazepínicos. Interferências laboratoriais. O paraldeído pode interferir em testes de fentolamina ou de 17-hidroxicorticosteróides urinários. Dosagem e diretrizes clínicas. O paraldeído se encontra disponível em ampolas de 30 mL para utilização oral, intravenosa ou retal. Para convulsões em adultos, até 12 mL (diluídos em uma solução a 10%) podem ser administrados por tubo gástrico a cada quatro horas. Para crianças, a dose oral é de 0,3 mg/kg.
1086
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Meprobamato O meprobamato, um carbamato, foi introduzido um pouco antes dos benzodiazepínicos, com um direcionamento específico para tratar ansiedade. É utilizado também por seus efeitos como relaxante muscular.
Ações farmacológicas. Ele é rapidamente absorvido pelo trato gastrintestinal (GI). É metabolizado principalmente pelo fígado, e uma pequena porção, pelos rins. Os metabólitos são excretados pela urina. Sua meia-vida de eliminação é de cerca de 10 a 20 horas. Indicações terapêuticas. O etclorvinol é indicado para o tratamento, por até uma semana, da insônia.
Química. Sua estrutura molecular está representada na Figura 36.4.6-2. Ações farmacológicas. O meprobamato é rapidamente absorvido pelo trato GI e mediante injeções intramusculares. É metabolizado, em grande parte, pelo fígado, e uma pequena porção é excretada inalterada pela urina. Sua meia-vida é de cerca de 10 horas. Indicações terapêuticas. É indicado para o tratamento de curto prazo de transtornos de ansiedade. Tem sido também opção como hipnótico e relaxante muscular.
Precauções e reações adversas. O etclorvinol pode causar depressão do SNC, fala arrastada, visão dupla, confusão e morte por superdosagem. Há risco de abuso por pacientes com dependência de drogas ou álcool. A interrupção abrupta subseqüente à utilização por longo prazo pode provocar síndrome de abstinência, incluindo convulsões e alucinações. O medicamento pode exacerbar a porfiria aguda intermitente e causar icterícia colestática. Reações de hipersensibilidade são incomuns. A excitação paradoxal é rara. Não deve ser administrado a pacientes com comprometimento hepático.
Precauções e reações adversas. O meprobamato pode causar depressão do SNC e morte por superdosagem e tem risco de abuso por pacientes com dependência de drogas ou álcool. A interrupção abrupta subseqüente à utilização por longo prazo pode ocasionar síndrome de abstinência, incluindo convulsões e alucinações. O agente pode exacerbar porfiria aguda intermitente. Outros efeitos colaterais raros incluem reações de hipersensibilidade, sibilos, máculas, excitação paradoxal e leucopenia. Não deve ser administrado a pacientes com comprometimento hepático.
Interações medicamentosas. Em combinação com outros depressores do SNC, como tricíclicos, álcool, barbitúricos e benzodiazepínicos, o etclorvinol apresenta efeitos sedativos que se somam. Ele estimula as microenzimas hepáticas e pode aumentar o metabolismo de vários medicamentos, de forma mais notável o warfarin (Marevan).
Interações medicamentosas. O meprobamato tem efeitos sedativos que se somam, em combinação com outros depressores do SNC, como álcool, barbitúricos e benzodiazepínicos.
Dosagem e diretrizes clínicas. O medicamento se encontra disponível em cápsulas de 200, 500 e 750 mg. Para adultos, a dose habitual é de 500 a 750 mg ao deitar. É melhor administrado com os alimentos para limitar a taxa de início para pacientes em que ataxia seja uma preocupação. Aqueles que necessitam da retirada devem receber um barbitúrico como o fenobarbital, o qual é retirado aos poucos. A segurança e a eficácia em crianças e idosos não foi estabelecida.
Interferências laboratoriais. Esse medicamento pode interferir em testes de fentolamina ou de 17-hidroxicorticosteróides urinários. Dosagem e diretrizes clínicas. O meprobamato se encontra disponível em comprimidos de 200, 400 e 600 mg, cápsulas de ação prolongada de 200 e 400 mg e em várias combinações (p. ex., aspirina, 325 mg com 200 mg de meprobamato para uso oral). Para adultos, a dose habitual é de 400 a 800 mg duas vezes ao dia. Idosos e crianças com idades de 6 a 12 anos necessitam da metade da dose de adultos. Etclorvinol Este é um carbinol terciário que foi comercializado para tratar insônia e ansiedade. Tem sido substituído pelos benzodiazepínicos e por outros agentes mais seguros para o tratamento de ansiedade e de transtornos do sono. Possui baixo índice terapêutico. Química. A estrutura molecular do etclorvinol está exposta na Figura 36.4.6-2.
Interferências laboratoriais. O etclorvinol pode causar um resultado falso-positivo com o teste da fentolamina.
Glutetimida Química. A estrutura molecular da glutetimida é apresentada na Figura 36.4.6-2. Ações farmacológicas. A glutetimida é absorvida de forma um tanto irregular pelo trato GI, é metabolizada pelo fígado e tem início de ação em 30 minutos. A meia-vida de eliminação é 10 a 12 horas, e sabe-se que induz as enzimas hepáticas dos microssomos. Tem potente atividade anticolinérgica. Indicações terapêuticas. Esse agente tem sido utilizado para o tratamento de insônia. Precauções e reações adversas. Pode causar depressão do SNC, fala arrastada, visão dupla, confusão e morte por superdosagem. Há risco de abuso por pacientes com dependência de
TERAPIAS
drogas ou álcool. A interrupção abrupta subseqüente à utilização por longo prazo pode causar síndrome de abstinência, incluindo convulsões e alucinações. A glutetimida pode exacerbar a porfiria aguda intermitente. Em vista de seus potentes efeitos anticolinérgicos, deve ser utilizada com cuidado por pacientes com hipertrofia prostática ou glaucoma de ângulo estreito. Reações de hipersensibilidade são incomuns. A excitação paradoxal é rara. Não deve ser administrada a pacientes com comprometimento hepático.
BIOLÓGICAS
1087
36.4.7 Benzodiazepínicos
Dosagem e diretrizes clínicas. A glutetimida se encontra disponível em cápsulas de 500 mg. Para adultos, a dose habitual para insônia é de 250 a 500 mg ao deitar. Para idosos, a dose recomedada é de 250 mg. A segurança e a eficácia em crianças não foram estabelecidas. Pacientes que necessitam de sua retirada devem receber um barbitúrico como o fenobarbital e, então, ter uma redução gradativa da medicação.
Esta seção abrange três áreas: (1) os benzodiazepínicos, um grupo de compostos que aumentam a atividade do receptor GABAA ao se ligar no local receptor de benzodiazepínicos; zolpidem (Lioram) e zaleplon (Sonata), agonistas dos benzodiazepínicos no local receptor de benzodiazepínicos do tipo 2 (BZ2); e flumazenil (Lanexat), um antagonista dos receptores de benzodiazepínicos. Os agonistas dos receptores de benzodiazepínicos são indicados principalmente para tratar ansiedade e insônia; o flumazenil é uma opção para tratar superdosagem. Às vezes, esses agentes são classificados como sedativo-hipnóticos, embora outros medicamentos também possam ser incluídos nesse grupo (p. ex., os barbitúricos). Um sedativo reduz a ansiedade diurna, controla a excitação excessiva e, em geral, aquieta ou acalma as pessoas. Uma distinção por vezes estabelecida entre sedativos e ansiolíticos é que os primeiros tratam condições menos patológicas do que os segundos, mas essa distinção maldefinida deve ser evitada. Um agente hipnótico produz sonolência e facilita o início e a manutenção do sono. Em geral, os benzodiazepínicos atuam como hipnóticos em doses elevadas e como ansiolíticos em doses baixas. São os medicamentos de escolha para o manejo da ansiedade aguda e da agitação. Em vista do risco da dependência psicológica, a utilização de longo prazo de benzodiazepínicos deve ser monitorada com cuidado.
REFERÊNCIAS
QUÍMICA
Hardman JG, Limbird LE, Goodman Gilman A, eds. Goodman & Gilman’s the Pharmacological Basis of Therapeutics. 10th ed. New York: McGraw-Hill; 2001. Kavirajan H. The amobarbital interview revisited: a review of the literature since 1966. Harvard Rev Psychiatry. 1999;7:153. Labbate LA, Arana GW, Ballenger JC. Barbiturates and similarly acting substances. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2309. Macdonald RL, Kelly KM. Antiepileptic drug mechanisms of action. Epilepsia. 1995; 36 (suppl): S2. Matthew H. Barbiturates. Clin Toxicol. 1975;8:495. McNutt LA, Coles FB, McAuliffe T, et al. Impact of regulation on benzodiazepine prescribing to a low income elderly population, New York State. J Clin Epidemiol. 1994;47:613. Miller LG. Herbal medicinals: selected clinical considerations focusing on known or potential drug-herb interactions. Arch Intern Med. 1998;158:2200. Reinisch JM, Sanders SA, Mortensen EL, Rubin DB. In utero exposure to phenobarbital and intelligence deficits in adult meu. JAMA. 1995;274:1518. Roberts I, Schierhout G, Alderson P. Absence of evidence for the effectiveness of five interventions routinely used in the intensive care management of severe head injury: a systematic review. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 1998;65:729. Swanson RA, Seid LL. Barbiturates impair astrocyte glutamate uptake. Glia. 1998;24:365. Tietjen CS, Hurn PD, Ulatowski JA, Kirsch JR. Treatment modalities for hypertensive patients with intracranial pathology: options and risks. Crit Care Med. 1996;24:311. United States Pharmacopeial Convention. Barbiturates. In: United States Pharmacopeial Dispensing Information—Drug Information for the Health Care Professional. l9th ed. Rockville, MD: United States Pharmacopeial Convention; 1999.
As estruturas químicas dos benzodiazepínicos estão representadas na Figura 36.4.7-1. As fórmulas do zolpidem e do zaleplon são apresentadas na Figura 36.4.7-2 e a fórmula do flumazenil, na Figura 36-4.7-3.
Interações medicamentosas. A glutetimida possui efeitos sedativos que se somam aos de outros depressores do SNC, inclusive álcool, barbitúricos e benzodiazepínicos. Induz as microenzimas hepáticas e pode aumentar o metabolismo de vários medicamentos, de forma mais notável o warfarin. Interferências laboratoriais. Pode causar resultado falsopositivo com o teste da fentolamina ou interferir nas dosagens de 17-cetosteróides na urina.
AÇÕES FARMACOLÓGICAS Com exceção do clorazepato (Tranxilene), todos os benzodiazepínicos são absorvidos de forma inalterada pelo trato gastrintestinal (GI). A absorção, a chegada ao pico das concentrações e o início de ação são mais rápidos para o diazepam (Valium), o lorazepam (Lorax), o alprazolam (Frontal), a triazolam (Halcion) e o estazolam (Noctal). O início rápido dos efeitos é importante para pessoas que tomam uma única dose de benzodiazepínico para acalmar um surto episódico de ansiedade ou para adormecer depressa. Vários deles são efetivos após injeção intravenosa (IV), enquanto apenas o lorazepam e o midazolam (Dormonid) têm absorção rápida e confiável após a administração intramuscular. O diazepam, o clorodiazepóxido (Librium), o clonazepan (Rivotril), o clorazepato, o flurazepan (Dalmadorm), o prazepam (Centrax), o quazepam (Doral) e o halazepam (Paxipam) têm meias-vidas plasmáticas de 30 a até mais do que 100 horas e são, por isso, diazepínicos de longa duração. Sua meia-vida plasmática pode ser de até 200 horas em pessoas cujo metabolismo é mais lento. Devido ao fato de que para se conseguir concentrações plasmáticas com níveis está-
1088
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Núcleo dos benzodiazepínicos R1 R2
N R'
C
C C
N
R4
R''
R3
Triazol 2-ceto
CH3
3-hidroxi NHCH3
H N
N
H 3C
H N
COO
N
CI N
CI
Midazolam
Clorazepato O Clorodiazepóxido CH3
H 3C
H O
N
N N
CI
Nitro
Alprazolam
H
CH2CF3
O
CI
N
CI
OH
N
O
N
N N
N
CI
N
N F
CI
OH
Oxazepam
N N
O
N
N
N
O H N
CI
N
CI
Imidazol
2-ceto
O N
O 2N
CI
N
CI
CI Clonazepam Halazepam
Lorazepam
Diazepam CH2 N CI
CH3 O
N
Prazepam
Triazolam
N CI
N
O N
Temazepam
OH
N
CI
Estazolam
2-thione N N CI
CH2CH2N(C2H5)2
CH2CF3
N
N
O N F
Flurazepam
CI
S N F
Quazepam
FIGURA 36.4.7-1 Estruturas moleculares dos benzodiazepínicos.
veis (steady-state) dos medicamentos poder-se levar até duas semanas, os pacientes podem experimentar sintomas e sinais de toxicidade após somente 7 a 10 dias de tratamento com uma dose que parecia, em princípio, estar na faixa terapêutica. As meias-vidas do lorazepam, do oxazepam (Serax), do temazepam (Restoril) e do estazolam ficam entre 8 e 30 horas. O alprazolam tem uma meia-vida de 10 a 15 horas, e o triazolam apresenta a meia-vida mais curta (2 a 3 horas) de todos os benzodiazepínicos administrados por via oral. As vantagens dos agentes de meia-vida longa sobre os de meiavida curta incluem doses menos freqüentes, menos variação nas concentrações plasmáticas e fenômenos de supressão menos graves. As desvantagens estão relacionadas com acumulação do medicamento, aumento do risco de comprometimento psicomotor durante as horas do dia e maior sedação diurna. As vantagens dos medicamentos de meia-vida curta sobre os de meia-vida longa incluem ausência de acumulação do medicamento e menos sedação diurna. As desvantagens incluem doses mais freqüentes e síndromes de supressão mais
precoces e mais graves. A insônia de rebote e a amnésia anterógrada são consideradas mais problemáticas com os medicamentos de meiavida curta do que com os de meia-vida longa. (A Tabela 36.4.7-1 lista as meias-vidas dos medicamentos.) O zolpidem e o zaleplon são logo absorvidos após a administração oral, embora a absorção possa ser atrasada em até uma hora se forem tomados com alimentos. O zolpidem atinge o pico das concentrações plasmáticas em 1,6 horas e tem meia-vida de 2,6 horas. O zaleplon atinge o pico das concentrações plasmáticas em uma hora e tem meia-vida de uma hora. O metabolismo rápido e a falta de metabólitos ativos de ambos evitam a acumulação de compostos potencialmente tóxicos por vezes observada com a utilização de benzodiazepínicos de longa duração. Os benzodiazepínicos ativam os três locais de ligação específicos ácido γ-aminobutírico-benzodiazepínicos (GABA-BZ) do receptor GABAA, que abre os canais de cloro e reduz a taxa de disparos neuronais e musculares. Em vista da ampla distribuição tecidual desse receptor, os benzodiazepínicos têm efeitos sedativos, relaxantes mus-
TERAPIAS
N CH3
N H 3C O N CH3
H 3C
Zolpidem
BIOLÓGICAS
1089
cipais indicações clínicas para os benzodiazepínicos tanto em psiquiatria como na prática clínica geral. A maioria dos pacientes deve ser tratada por um período predeterminado, específico e relativamente breve. Alguns daqueles com transtorno de ansiedade generalizada podem necessitar de tratamento de manutenção. Os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs) são agentes antiansiedade eficazes que não têm potencial de abuso, embora seu enfeito necessite de 2 a 4 semanas para se desenvolver.
NC
Transtorno misto de ansiedade-depressão N N
N
H 3C
N CH2CH3
O alprazolam é indicado para o tratamento da ansiedade associado à depressão. A disponibilidade de vários medicamentos antidepressivos com perfis mais favoráveis de segurança torna-o uma opção de segunda linha para tal indicação; contudo, alguns pacientes respondem a ele enquanto outros medicamentos têm efeitos mínimos.
O Zaleplon
Transtorno de pânico e fobia social
FIGURA 36.4.7-2 Estruturas moleculares do zolpidem e do zaleplon.
N CO2C2H5
N
F
N
CH3 O FIGURA 36.4.7-3 Estrutura molecular do flumazenil.
culares e anticonvulsivantes. O zolpidem e o zaleplon ativam de forma seletiva somente em um desses locais de ligação, o que pode ser responsável por seus efeitos seletivos sedativos e pela relativa falta de efeitos relaxantes musculares e anticonvulsivantes.
Os dois benzodiazepínicos de alta potência, o alprazolam e o clonazepam, são eficazes para dois transtornos de ansiedade, o transtorno de pânico com ou sem agorafobia e a fobia social. A Food and Drug Administration (FDA) aprovou a utilização do alprazolam para o tratamento do transtorno de pânico. As diretrizes de dosagem para sua utilização nesse caso são similares àquelas para depressão, e são discutidas a seguir. A paroxetina (Aropax) e a sertralina (Zoloft) também foram aprovadas pela FDA para o tratamento do transtorno de pânico. Em vista de os ISRSs poderem não ser tão eficazes por 2 a 4 semanas no início do tratamento, a co-administração de um benzodiazepínico de alta potência durante esse período pode prover um controle rápido da ansiedade. Transtorno obsessivo-compulsivo e transtorno de estresse pós-traumático
EFEITOS SOBRE ÓRGÃOS E SISTEMAS ESPECÍFICOS Além dos efeitos sobre o sistema nervoso central (SNC) no caso da ansiedade e dos transtornos do sono, os benzodiazepínicos são anticonvulsivantes eficazes. Além disso, são importantes relaxantes musculares, em especial devido à sua capacidade de inibir as vias aferentes espinais polissinápticas, ainda que as monossinápticas também possam ser afetadas. INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS Ansiedade O transtorno de ansiedade generalizada, o transtorno de adaptação com ansiedade e outros estados de ansiedade são as prin-
Os benzodiazepínicos, em especial o clonazepam, que tem propriedades serotonérgicas, podem tratar o componente de ansiedade do transtorno obsessivo-compulsivo. Esse agente em particular pode ser eficaz para certos pacientes que não respondem à clomipramina (Anafranil). Os benzodiazepínicos podem ainda ser utilizados para potencializar a clomipramina ou os ISRSs e auxiliar a diminuir a hipervigilância do transtorno de estresse póstraumático. Insônia. O flurazepam, o temazepam, o quazepam, o estazolam e o triazolam são os benzodiazepínicos aprovados para utilização como hipnóticos. Os benzodiazepínicos hipnóticos se distinguem principalmente por suas meias-vidas; o flurazepam tem a meia-vida mais longa, e o triazolam, a mais curta. O flurazepam pode se associar com comprometimento cognitivo leve no dia após sua administração, e o triazolam, com ansiedade leve
1090
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 36.4.7-1 Meias-vidas, doses e preparações de agonistas e antagonistas dos receptores de benzodiazepínicos Medicamento
Dose equivalente
Meia-vida (h)
Taxa de Dose habitual absorção de adulto
Agonistas Clonazepam
0,5
Longa (metabólito, >20)
Rápida
Diazepam
5
Longa (>20) (Nordazepam – longa, >20)
Rápida
Alprazolam
0,25
Intemediária (6-20)
Média
Lorazepam
1
Intermediária (6-20)
Média
Oxazepam
15
Intermediária (6-20)
Lenta
Temazepan
5
Intermediária (6-20)
Média
Clordiazepóxido
10
Média
Flurazepam
5
Triazolam
0,1-0,03
Intermediária (6-20) (Demetilclordiazepóxido – intermediária, 6-20) (Demoxepam – longa, >20) (Nordazepam – longa, >20) Curta (<6) (N-hidroxietilflurazepam – curta, <6) (N-desalquilflurazepam – longa, >20) Curta (<6)
Clorazepato
7,5
Curta (<6) Nordazepam – longa, >20)
Rápida
Halazepam Prazepam
20 10
Curta (<6) (Nordazepam – Longa, >20) Curta (<6) (Nordazepam – longa, >20)
Média Lenta
Estazolam
0,33
Quazepam
5
Rápida ao deitar Rápida
Midazolam
1,25-1,7
Intermediária (6-20) (4-hidroxiestazolam – intermediária, 6-20) Longa (>20) (2-oxoquazepam-N-desalquilflurazepam – longa, >20) Curta (< 6)
Rápida
5 a 50 mg parenteral
2,5 2,5
Curta (<6) Curta (1)
Rápida Rápida
5 ou 10 mg ao deitar 10 mg ao deitar
0,05
Curta (<6)
Rápida
0,2 a 0,5 mg mg/ 0,1 mg/mL (ampolas de minuto em injeções 5 e 10 mL) em 3-10 minutos (total, 1-5 mg)
Zolpidem Zaleplon Antagonista Flumazenil
de rebote. O temazepam e o estazolam podem ser um intermediário razoável para o paciente adulto médio. Em vista de sua alta especificidade para o receptor BZ1, o quazepam associa-se a poucos efeitos cognitivos adversos, mas compartilha o metabólito final com o flurazepam – o desalquilflurazepam (com meia-vida de cerca de 100 horas) – e, por isso, pode implicar comprometimento diurno quando utilizado por longo período. O estazolam produz rápido início do sono e tem um efeito hipnótico por 6 a 8 horas. Todos os benzodiazepínicos produzem uma redução moderada no sono com movimentos rápidos dos olhos (REM), embora sua utilização não esteja associada a rebote do REM. Em geral, os benzodiazepínicos se associam a uma redução dos Estágios 3 e 4 do sono, apesar de
Preparações
1-6 mg/dia
Comprimidos de 2 x/ dia 0,5, 1 e 2 mg 4-40 mg/dia 2-4 x/dia Comprimidos de 2, 5 e 10 mg (cápsulas de liberação lenta de 15 mg) 0,5-10 mg/dia 2-4 x/dia Comprimidos de 0,25, 0,5, 1 e 2 mg 1-6 mg/dia Comprimidos de 3 x/dia 0,5, 1 e 2 mg 2, 4 mg/mL, parenteral 30-120 mg/dia 3-4 x/ Cápsulas de 10, 15 e 30 mg dia (comprimidos de 15 mg) 7,5-30 mg/dia Cápsulas de 7,5, 15 e 30 mg 10-150 mg 3-4 x/dia Comprimidos ou cápsulas de 5, 20 e 25 mg
Rápida
15-30 mg ao deitar
Rápida
0,125 ou 0,25 mg ao deitar 15-60 mg 2-4 x/dia
Cápsulas de 15 e 30 mg\
Comprimidos de 0,125 ou 0,25 mg Comprimidos de 3,75, 7,5 e 15 mg (comprimidos de liberação lenta de 11,25 e 22,5 mg) 60-160 mg/3-4 x/dia Comprimidos de 20 e 40 mg 30 mg/dia (20-60 mg/ Cápsulas de 5, 10 ou 20 mg dia 1 ou 2 h Comprimidos de 1 e 2 mg 7,5 ou 15 mg ao deitar Comprimidos de 7,5 e 15 mg Parenteral 5mg/mL, em ampolas de 2, 5 e 10 mL Comprimidos de 5 e 10 mg Comprimidos de 5 e 10 mg
a relevância disso não ser conhecida. Eles não devem ser tomados sozinhos por longos períodos para limitar o risco de desenvolvimento de dependência. O tratamento de longo prazo da insônia deve incluir modificação comportamental, técnicas de relaxamento e exploração de suas causas subjacentes, como ansiedade e depressão. A única indicação para o zolpidem e o zaleplon é para casos de insônia, mas o espectro de seus efeitos psicológicos se assemelha bastante ao dos benzodiazepínicos. O zolpidem e, em especial, o zaleplon em geral não se associam a insônia de rebote após a interrupção de sua utilização por períodos curtos. Seu consumo por períodos mais longos do que um mês não tem relação com a emergência tardia de efeitos adversos.
TERAPIAS
Depressão Único entre os agentes desta classe, o alprazolam possui efeitos antidepressivos iguais aos dos tricíclicos, mas não é eficaz em pacientes hospitalizados gravemente depressivos. Sua eficácia nos transtornos depressivos pode refletir sua potência: o efeito antidepressivo de outros benzodiazepínicos pode ser evidente somente em doses que também induzam sedação ou sono. A dose de início do alprazolam para o tratamento da depressão deve ser de 1 a 1,5 mg por dia, com aumentos de 0,5 mg por dia a cada 3 a 4 dias. A dose máxima costuma ser de 4 mg por dia, embora alguns investigadores e clínicos tenham utilizado doses de até 10 mg por dia. A utilização de grandes quantidades é controversa em vista da possibilidade de sintomas de supressão. Os clínicos devem reduzir de forma gradual, em vez de parar de repente a utilização do alprazolam, em geral na taxa de 0,5 mg por dia a cada 3 a 4 dias. Transtorno bipolar I O clonazepam é eficaz no manejo de episódios maníacos e como coadjuvante do tratamento com lítio (Carbolitium) em lugar de antipsicóticos. Neste último caso, pode levar a aumento do tempo entre os ciclos e a menos episódios depressivos do que o habitual. O outro benzodiazepínico de alta potência, o alprazolam, pode ser tão eficaz como o clonazepam para essa indicação, que não é reconhecida pelo FDA. Assim, o alprazolam deve ser considerado um tratamento de segunda linha. Acatisia Medicamentos anticolinérgicos usuais – como a benztropina (Cogentin) – são por vezes ineficazes no tratatmento da acatisia induzida por neurolépticos. O agente de primeira linha para essa condição costuma ser um antagonista do receptor β-adrenérgico – por exemplo, o propranolol (Inderal). Vários estudos verificaram, contudo, que os benzodiazepínicos também são eficazes no tratamento de alguns pacientes com acatisia. Doença de Parkinson Um pequeno número de pacientes com doença de Parkinson idiopática responde à utilização de longo prazo do zolpidem, com redução da bradicinesia e da rigidez. A dose de 10 mg quatro vezes ao dia pode ser tolerada sem sedação por vários anos. Outras indicações psiquiátricas O acréscimo do clonazepam pode acelerar, mas não potencializar, os efeitos antidepressivos da fluoxetina (Prozac). O clorodiazepóxido é utilizado para o manejo dos sintomas da supressão do álcool. Os benzodiazepínicos (em especial o lorazepam IV) são empregados para o manejo da agitação tanto induzida por medicamentos (exceto a anfetamina) como da psicótica em pronto-
BIOLÓGICAS
1091
socorros. Alguns estudos relatam a utilização de altas doses desses agentes por pacientes esquizofrênicos que não responderam a antipsicóticos ou que eram incapazes de tomar os medicamentos tradicionais por causa dos efeitos adversos. Foi relatada a utilização bem-sucedida do lorazepam IM para o tratamento da catatonia. Os benzodiazepínicos têm sido uma opção ao do amobarbital (Amytal) em entrevistas auxiliadas por medicamentos. Flumazenil para superdosagem de benzodiazepínicos O flumazenil é utilizado pra reverter os efeitos adversos psicomotores, amnésicos e sedativos dos agonistas dos receptores de benzodiazepínicos, bem como do zolpidem e do zaleplon. O flumazenil é administrado IV e tem uma meia-vida de 7 a 15 minutos. Seus efeitos adversos mais comuns são náuseas, vômitos, tonturas, agitação, labilidade emocional, vasodilatação cutânea, dor no local da injeção, fadiga, perturbação da visão e cefaléia. O efeito adverso mais grave associado a sua utilização é a precipitação de convulsões, que tem mais probabilidade de ocorrer em pessoas com doenças convulsivas, naquelas fisicamente dependentes de benzodiazepínicos, ou nas que tenham ingerido grandes quantidades destes. O flumazenil isolado pode perturbar a memória de evocação. Em superdosagem mista, os efeitos tóxicos (p. ex., convulsões e arritmias cardíacas) dos outros medicamentos (p. ex., tricíclicos) podem emergir com a reversão dos efeitos dos benzodiazepínicos pelo flumazenil. Por exemplo, as convulsões causadas por superdosagem de tricíclicos podem ter sido parcialmente tratadas em uma pessoa que tinha tomado também superdosagem de benzodiazepínicos. Com o flumazenil, podem surgir as convulsões ou as arritmias cardíacas induzidas pelos tricíclicos e levar a uma evolução fatal. Esse agente não reverte os efeitos do álcool, dos barbitúricos ou dos opióides. Para o manejo inicial de uma superdosagem conhecida ou suspeita de benzodiazepínicos, a dosagem recomendada inicial do flumazenil é de 0,2 mg (2 mL) administrado IV em 30 segundos. Se a consciência desejada não é obtida após esse tempo, uma dose adicional de 0,3 mg (3 mL) pode ser administrada em 30 segundos. Doses adicionais de 0,5 mg (5 mL) podem ser oferecidas em 30 segundos em intervalos de um minuto, até a dose acumulada de 3 mg. O clínico não deve apressar a administração do flumazenil. Uma via aérea segura e um acesso intravenoso devem ser estabelecidos antes da administração do medicamento. As pessoas devem ser despertadas os poucos. A maioria dos pacientes com superdosagem de benzodiazepínicos responde à dose acumulada de 1 a 3 mg de flumazenil; doses acima de 3 mg não produzem efeitos adicionais. Se não houver resposta cinco minutos após receber uma dose acumulada de 5 mg de flumazenil, a causa principal da sedação provavelmente não é um agonista dos receptores de benzodiazepínicos, sendo improvável que o flumazenil adicional tenha algum efeito. A sedação pode retornar em 1 a 3% das pessoas tratadas com esse medicamento. Ela pode ser evitada ou tratada se administradas doses repetidas de flumazenil em intervalos de 20 minutos. Para o tratamento repetido, não mais do que 1 mg (adminsitrado a 0,5 mg por minuto) deve ser oferecido de cada vez e não mais do que 3 mg devem ser dados em uma hora.
1092
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
PRECAUÇÕES E REAÇÕES ADVERSAS O efeito adverso mais comum dos benzodiazepínicos é a sonolência, que ocorre em cerca de 10% de todos os pacientes. Em vista disso, eles devem ser advertidos para tomarem cuidado ao dirigir ou utilizar máquinas. A sonolência pode ocorrer no dia seguinte após a utilização do medicamento para a insônia na noite anterior, a assim chamada sedação diurna residual. Alguns pacientes também experimentam tontura (menos de 1%) e ataxia (menos de 2%). Esses sintomas podem causar quedas e fraturas de quadril, especialmente em idosos. Os efeitos adversos mais graves dessa classe ocorrem quando outras substâncias sedativas, como o álcool, são ingeridas em associação. Essas combinações podem ocasionar sonolência significativa, desinibição ou mesmo depressão respiratória. Outros efeitos adversos relativamente raros têm sido déficits cognitivos leves, que podem comprometer o desempenho no trabalho. A amnésia anterógrada também tem sido associada ao uso de benzodiazepínicos, em particular os de alta potência. Um raro e paradoxal aumento da agressão foi relatado em pacientes que recebiam esses agentes, embora esse efeito possa ser mais comum entre aqueles com lesão cerebral. Reações alérgicas também são raras, mas alguns estudos relataram exantemas maculopapulares e prurido generalizado. Os sintomas de intoxicação incluem confusão, fala arrastada, ataxia, sonolência, dispnéia e hipo-reflexia. O triazolam tem recebido atenção significativa na mídia por causa de uma alegada associação com manifestações comportamentais agressivas graves, resultantes de doses superiores a 1 mg, duas vezes a dose máxima recomendada. Ainda que pouca evidência apóie essa associação, a companhia Upjohn, que fabrica o triazolam, emitiu uma declaração enfatizando que o medicamento é melhor utilizado como tratamento de curto prazo (menos de 10 dias) da insônia e que os médicos devem avaliar com cuidado a emergência de qualquer pensamento anormal ou mudança comportamental em pacientes tratados com o agente, considerando todas as suas causas potenciais prováveis. Indivíduos com doença hepática ou idosos têm particular probabilidade de apresentar efeitos adversos e toxicidade, em especial quando os medicamentos são administrados em doses repetidas ou elevadas, em vista do metabolismo comprometido desses compostos. Os benzodiazepínicos podem comprometer de forma significativa a respiração em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica e apnéia do sono. Os mesmos devem ser utilizados com cuidado por pacientes com história de abuso de drogas, transtornos cognitivos, doença renal, doença hepática, porfiria, depressão do SNC e miastenia gravis. Alguns dados indicam que esses agentes são teratogênicos; por isso, sua utilização durante a gravidez não é recomendada. Além disso, no terceiro trimestre podem precipitar uma síndrome de abstinência nos recém-nascidos. Os medicamentos são secretados no leite materno em concentrações suficientes para afetar o bebê. Podem causar dispnéia, bradicardia e sonolência entre aqueles que estão sendo amamentados. O zolpidem e o zaleplon costumam ser bem-tolerados. Com dosagens do zolpidem de 10 mg por dia e dosagens do zaleplon acima de 10 mg por dia, um pequeno número de pessoas experimenta tonturas, sonolência, dispepsia ou diarréia. Ambos são secretados pelo leite materno e, por isso, contra-indicados para a utiliza-
ção por mulheres que estejam amamentando. Sua dose deve ser reduzida em idosos e em pessoas com comprometimento hepático. Em casos raros, o zolpidem causa alucinações, que podem durar até uma hora em certas pessoas. Sua co-administração com ISRSs pode estender de 1 a 7 horas a duração das alucinações em pacientes suscetíveis. Tolerância, dependência e abstinência Quando os benzodiazepínicos são utilizados por períodos curtos (1 a 2 semanas), em doses moderadas, em geral não causam efeitos significativos de tolerância, dependência ou abstinência. Os de ação breve (p. ex., o triazolam) podem ser uma exceção, já que certos pacientes têm relatado aumento de ansiedade no dia seguinte após tomar uma única dose. Alguns também apresentam tolerância para os efeitos ansiolíticos dos benzodiazepínicos e necessitam de doses maiores para manter a remissão clínica dos sintomas. Há ainda uma tolerância cruzada entre a maioria das classes dos ansiolíticos, com a notável exceção da buspirona (BuSpar) e dos ISRSs. O surgimento de uma síndrome de abstinência, também denominada de síndrome de descontinuação (Tab. 36.4.7-2), depende da duração de tempo em que foram tomados os benzodiazepínicos, da dose, da taxa com que foram gradativamente reduzidos e da meia-vida do composto. A interrupção abrupta, em particular daqueles com meia-vida curta, associa-se a sintomas graves de abstinência, os quais podem incluir depressão, parestesias, delirium e convulsões. A incidência da síndrome é controversa, mas algumas de suas manifestações podem ocorrer em até 50% dos pacientes tratados com esses medicamentos. Uma condição grave de abstinência se desenvolve somente em pacientes que tenham tomado altas doses por longos períodos. Seu aparecimento pode ser postergado por 1 a 2 semanas em pacientes que estiveram tomando 2-ceto benzodiazepínicos com meias-vidas longas. A utilização do alprazolam parece estar associada de forma mais específica a uma síndrome imediata, síndrome grave de abstinência, devendo ser retirado de forma gradativa. Um estudo recente comparando a retirada gradativa simples com a retirada gradativa com orien-
TABELA 36.4.7-2 Sintomas freqüentes de abstinência (síndrome de abstinência de benzodiazepínicos) Ansiedade Irritabilidade Insônia Fadiga Cefaléia Abalos ou dores musculares Tremor, agitação Sudorese Tonturas Dificuldade de concentração Náuseas, perda de apetitea Depressão observávela Depersonalização, derrealizaçãoa Aumento da percepção sensorial (olfato, visão, tato, toque)a Percepção ou sensação anormal de movimentoa aSintomas que podem representar abstinência verdadeira, em vez de exacerbação ou retorno da ansiedade original. Reimpressa, com permissão, de Roy-Byrne PP, Hommer D. Benzodiazepine withdrawal: overview and implications for the treatment of anxiety. Am J Med. 1988,84:1041.
TERAPIAS
tação cognitiva antecipatória, relativa aos efeitos da interrupção do alprazolam, verificou que os pacientes tinham muito mais probabilidade de permanecer sem o medicamento se tivessem sido avisados dos sinais e sintomas da interrupção. Isso é importante porque uma porcentagem significativa de pacientes que utilizam o alprazolam por longos períodos não pode parar de tomá-lo com êxito. O zolpidem e o zaleplon podem produzir uma síndrome leve de abstinência durando um dia após a utilização prolongada em doses mais altas do que as terapêuticas. É pouco provável que um indivíduo tomando zolpidem aumente por conta própria a dose diária para até 300 a 400 mg por dia. A interrupção abrupta de doses tão altas pode causar sintomas de abstinência por quatro ou mais dias. Não se desenvolve tolerância para os efeitos sedativos de ambos os agentes. INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS A interação mais comum e potencialmente mais perigosa dos agonistas dos receptores de benzodiazepínicos é a sedação excessiva e a depressão respiratória ocorrendo quando os benzodiazepínicos, o zolpidem ou o zaleplon são administrados em associação com outros depressores do SNC, como o álcool, os barbitúricos, os tricíclicos e tetracíclicos, os antagonsitas dos receptores de dopamina, os opióides e os anti-histamínicos. Há mais probabilidade de ocorrer ataxia e disartria quando são combinados lítio e antipsicóticos com clonazepam. Relatou-se que a combinação de benzodiazepínicos com clozapina (Leponex) causa delirium e deve ser evitada. A cimetidina (Tagamet), o dissulfiram (Antabuse), a isoniazida (Nydrazid), os estrógenos e os anticoncepcionais orais aumentam as concentrações plasmáticas do diazepam, do clorodiazepóxido, do clorazepato, do flurazepam, do prazepam e do halazepam. A cimetidina aumenta as concentrações plasmáticas do zaleplon. As concentrações plasmáticas do triazolam e do alprazolam são aumentadas a níveis potencialmente tóxicos pela nefazodona (Serzone) e pela fluvoxamina (Luvox). O fabricante daquela recomenda que a dosagem do triazolam seja reduzida em 75% e a do alprazolam, em 50%, quando administrados juntos com a nefazodona. Preparações do fitoterápico kava, sem prescrição, com propaganda como “tranqüilizante natural”, podem potencializar a ação de agonistas dos receptores de benzodiazepínicos mediante superativação sinérgica dos receptores de GABA. A carbamazepina (Tegretol) pode reduzir as concetrações plasmáticas do alprazolam. Os antiácidos e os alimentos são capazes de diminuir as concentrações plasmáticas dos benzodiazepínicos, enquanto fumar pode aumentar seu metabolismo. A rifamicina (Rifocina), a fenitoína (Epelin), a carbamazepina e o fenobarbital (Gardenal) aumentam de forma significativa o metabolismo do zaleplon. Os benzodiazepínicos podem aumentar as concentrações plasmáticas da fenitoína e da digoxina (Lanoxin). Os ISRSs podem prolongar e exacerbar a gravidade das alucinações induzidas pelo zolpidem. Interferências laboratoriais Não há interferências nos exames laboratoriais conhecidas associadas às utilização de agonistas ou antagonistas dos receptores de benzodiazepínicos.
BIOLÓGICAS
1093
DOSAGEM E ADMINISTRAÇÃO Benzodiazepínicos São classificados como medicamentos de atuação curta, intermediária e longa. Seus efeitos sedativos e ansiolíticos aparecem dentro de 30 a 60 minutos da administração e terminam logo que o medicamento é excretado. Isso ocorre em contraste com os efeitos ansiolíticos dos medicamentos serotonérgicos, que podem levar 2 a 4 semanas para se desenvolverem. A decisão clínica de tratar um paciente ansioso com um benzodiazepínico deve ser considerada com cuidado. As causas sistêmicas da ansiedade (p. ex., disfunção da tireóide, cafeinismo e medicamentos) devem ser excluídas. A utilização de benzodiazepínicos deve ser iniciada com uma dose baixa, e o paciente deve ser instruído acerca das propriedades sedativas e o potencial de abuso desses agentes. Recomenda-se decidir a duração estimada do tratamento no início do processo, e a necessidade de tratamento continuado deve ser reavaliada pelo menos uma vez por mês por causa dos problemas associados com a utilização de longo prazo. Duração do tratamento. Os benzodiazepínicos podem ser utilizados para tratar outras doenças além dos transtornos de ansiedade. Nesses casos, a duração do tratamento deve ser semelhante à de medicamentos-padrão empregados para tratar essas condições. Sua utilização por um longo período no caso daqueles cronicamente ansiosos é valiosa, embora controversa. Em seu livro sobre tratamento medicamentoso em psiquiatria, de 1980, Donald Klein afirmou: “Há muitos relatos de pacientes mantidos por anos com benzodiazepínicos sem benefício aparente e sem desenvolvimento de tolerância. A despeito disso, é uma prática duvidosa prescrever esses medicamentos de forma indefinida sem psicoterapia concomitante”. Interrupção do tratamento. A síndrome de abstinência de benzodiazepínicos ocorre quando os pacientes interrompem a medicação de forma abrupta; 90% deles, após a utilização de longo prazo, experimentam alguns sintomas de abstinência na interrupção, mesmo se o medicamento é retirado de forma lenta e gradual. A síndrome de abstinência consiste de ansiedade, nervosismo, sudorese, inquietação, irritabilidade, fadiga, cabeça oca, tremor, insônia e fraqueza. Quanto maior a dose e quanto menor a meia-vida, mais graves podem ser esses sintomas. Quando o medicamento vai ser interrompido, sua utilização deve ser reduzida de forma lenta e gradual (25% por semana); de outra forma, há a probabilidade de os sintomas recorrerem ou terem um rebote. A monitoração de cada sintoma da abstinência (de preferência com uma escala de avaliação padronizada) e apoio psicológico ao paciente auxiliam na interrupção bem-sucedida. A utilização concomitante da carbamazepina durante a interrupção dos benzodiazepínicos permite, como relatado, uma retirada mais rápida e mais tolerada do que a redução gradativa por si só. A faixa de dosagem da carbamazepina utilizada para tanto é de 400 a 500 mg por dia. Alguns clínicos relatam uma dificuldade particular em reduzir e interromper o alprazolam, em especial no caso de
1094
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
pacientes que receberam altas doses por longos períodos. Tem havido relatos de interrupção bem-sucedida do alprazolam pela mudança para o clonazepam, que é, a seguir, retirado de forma gradual. Escolha do medicamento e da potência. A ampla gama de benzodiazepínicos se encontra disponível em uma faixa significativa de formulações (Tab. 36.4.7-1). Os medicamentos diferem principalmente em suas meias-vidas. Outra diferença é a taxa de início de sua potência e dos efeitos ansiolíticos. Potência é um termo geral utilizado para expressar a atividade farmacológica do medicamento. Alguns benzodiazepínicos são mais potentes do que outros, em que uma dose relativamente menor de um composto consegue o mesmo efeito de uma dose maior de outro. Por exemplo, 0,25 mg de clonazepam conseguem o mesmo efeito de 5 mg de diazepam; assim, aquele é considerado um benzodiazepínico de alta potência. De forma inversa, o oxazepam possui uma equivalência aproximada de dose de 15 mg, sendo um medicamento de baixa potência. Os quatro benzodiazepínicos de alta potência – alprazolam, triazolam, estazolam e clonazepam – são agentes com mais probabilidade de serem eficazes em novas aplicações, como depressão, transtorno bipolar I, transtorno de pânico e fobias. Combinações medicamentosas. As mais comuns envolvem os antipsicóticos e os antidepressivos, além da utilização óbvia dos benzodiazepínicos como auxiliares hipnóticos. A combinação de um benzodiazepínico com um antidepressivo é indicada para o tratamento de pacientes deprimidos que estejam muitos ansiosos e daqueles com transtorno de pânico. Vários relatos indicam que a utilização combinada do alprazolam com um antipsicótico pode reduzir ainda mais os sintomas psicóticos que não responderam de forma adequada apenas ao antipsicótico. A associação entre benzodiazepínicos e medicamentos tricíclicos pode aumentar a adesão ao reduzir os efeitos colaterais subjetivos e a ansiedade e a insônia. A combinação, contudo, pode causar sedação excessiva e comprometimento cognitivo ou até mesmo exacerbar a depressão e aumentar de forma significativa a letalidade em superdosagem. Zolpidem e zaleplon O zolpidem se encontra disponível em comprimidos de 5 e 10 mg. Uma dose de 10 mg é a indicação habitual para o tratamento da insônia, sendo também a dose máxima diária. Pode-se esperar que uma dose isolada induza cinco horas de sono com comprometimento residual mínimo. Para pessoas acima de 65 anos de idade ou com comprometimento hepático, uma dose inicial de 5 mg é recomendada. O zaleplon é fabricado em cápsulas de 5 e 10 mg. Uma dose isolada de 10 mg é a indicação habitual para adultos, mas pode ser aumentada até o máximo de 20 mg, conforme tolerado. Espera-se que uma dose isolada de zaleplon possibilite quatro horas de sono com comprometimento residual mínimo. Para pessoas acima de 65 anos de idade ou com comprometimento hepático, recomenda-se uma dose inicial de 5 mg.
REFERÊNCIAS Balkin TJ, O’Donnell VM, Wesenten N, McCann U, Belenky G. Comparison of the daytime sleep and performance effects of zolpidem versus triazolam. Psychopharmacology. 1992;107:83. Ballenger JC. Benzodiazepine receptor agonists and antagonists. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2317. Begg A, Drummond G, Tiplady B. Effects of temazepam on memory and psychomotor performance: a dose-response study. Hum Psychopharmacol. 2001;166:6. Bishop KI, Curran HV. Psychopharmacological analysis of implicit and explicit memory: a study with lorazepam and the benzodiazepine antagonist flumazenil. Psychopharmacology. 1995;121:267. Duka T, Krause W, Dorow R, Rohloff A, Ott H, Voet B. Abecarnil: a new betacarboline anxiolytic preliminary clinical pharmacology. Psychopharmacol Ser. 1993;11:132. Endeshaw Y. The role of benzodiazepines in the treatment of insomnia: metaanalysis of benzodiazepines in the treatment of insomnia. J Am Geriatr Soc. 2001;49:824. Hardman JG, Limbird LE, Goodman Gilman A, eds. Goodman & Gilman’s the Pharmacological Basis of Therapeutics. 10th ed. New York: McGraw-Hill; 2001. Kapczinski F, Sherman D, Williams R, Lader M. Differential effects of flumazenil in alcoholic and nonatcoholic cirrhotic patients. Psychopharmacology (Berl). 1995;120:220. Kasper S, Resinger E. Panic disorder: the place of benzodiazepines and selective serotonin reuptake inhibitors. Eur Neuropsychopharmacol. 2001;11:307. Laurijssens BE, Greenblatt DJ. Pharmacokinetic-pharmacodynamic relationships for benzodiazepines. Clin Pharmacokinet. 1996;30:52. Mumford GK, Rush CR. Griffiths RR. Abecarnil and alprazolam in humans: behavioral, subjective and reinforcing effects. J Pharmacol Exp Ther. 1995;272:570. Noyes R Jr, Burrows GD, Reich JH, et al. Diazepam versus alprazolam for the treatment of panic disorder. J Clin Psychiatry. 1996;57:349. Roth T, Roehrs TA. The use of benzodiazepine hypnotics: a scientific examination of a clinical controversy. J Clin Psychiatry. 1992;53(supp 12):2. Roy-Byrne P, Fleishaker J, Arnett C, et al. Effects of acute and chronic alprazolam treatment on cerebral blood flow, memory, sedation, and plasma catecholamines. Neuropsychopharmacology. 1993;8:161. Roy-Byrne P. Wingerson DK, Radant A, Greenblatt DJ, Cowley DS. Reduced benzodiazepine sensitivity in patients with panic disorder: comparison with patients with obsessive-compulsive disorder and normal subjects. Am J Psychiatry. 1006;153:1444. Simpson CA. Rush CR. Acute performance-impairing and subject-rated effects of triazolam and temazepam, alone and in combination with ethanol, in humans. J Psychopharmacol. 2002;16:23. Soug C. Anxiety and the immune system: the modulation of benzodiazepines. Stress Health. 2001;17:129. Zandstra SM, Furer JW, van de Lisdonk EH, et al. Different study criteria affect the prevalence of benzodiazepine use. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol. 2002;37:139.
36.4.8 Bupropiona A bupropiona (Wellbutrin, Zyban) é um agente de primeira linha para o tratamento da depresssão e para induzir a interrupção do fumo. Em geral, é mais eficaz contra sintomas de depressão do que de ansiedade, sendo muito proveitosa em combinação com inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs). A despeito de advertências iniciais de que pudesse causar convulsões, a experiência clínica mostra que, quando utilizada nas doses recomendadas, ela não tem mais probabilidade de causar convulsões do que qualquer outro medicamento antidepressivo. A tentativa de parar de fumar é mais bem-sucedido quando a bupropiona (denominada Zyban para esta indicação) é utilizada em combinação com técnicas de modificação do comportamento.
TERAPIAS
Trata-se de um antidepressivo único no arsenal de medicamentos, com um perfil altamente favorável de efeitos colaterais. Um de seus aspectos particulares entre os antidepressivos é que se associa a pouca inibição da função sexual. Esse agente dispõe de uma maior probabilidade de perda do que de ganho de peso. Possui efeitos dopaminérgicos e pode servir tanto como psicoestimulante moderado como antidepressivo.
BIOLÓGICAS
1095
rotina. Não afeta o desempenho sexual. Tem sido associada a mudanças de peso, com mais freqüência com perda do que com aumento. Houve relatos de exantemas e prurido em alguns pacientes. INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS Depressão
QUÍMICA A bupropiona é uma aminocetona unicíclica que se assemelha à anfetamina e à anorexígena dietilpropiona (Inibex) em sua estrutura molecular (Fig. 36.4.8-1). Não é estruturalmente relacionada com qualquer outro antidepressivo disponível nos Estados Unidos. AÇÕES FARMACOLÓGICAS Ela é rápida e facilmente absorvida pelo trato gastrintestinal (GI). O pico das concentrações no plasma costuma ser atingido dentro de duas horas da administração oral, e o pico dos níveis da versão de liberação prolongada é observado após três horas. Sua meiavida média é de 12 horas, com uma faixa de 8 a 40 horas. O mecanismo de ação para seus efeitos antidepressivos é malcompreendido. Pensou-se em princípio que ela atuasse pelo bloqueio da recaptação de dopamina. Contudo, as concentrações no sistema nervoso central (SNC) provavelmente não são suficientes para levar à inibição significativa de recaptação da dopamina. A despeito disso, alguns dados indicam que a bupropiona exerce seus efeitos antidepressivos ao aumentar a eficácia dos sistemas noradrenérgicos. Com relação a seus efeitos sobre o parar de fumar, é um inibidor não-competitivo dos receptores nicotínicos da acetilcolina e, dessa forma, interfere nas ações aditivas da nicotina. EFEITOS SOBRE ÓRGÃOS E SISTEMAS ESPECÍFICOS Exceto por seus efeitos sobre o SNC, a bupropiona quase não tem atividade sobre órgãos humanos. Não se encontrou evidência de efeitos significativos nas funções do fígado, do coração ou dos rins, ainda que sua a dosagem deva ser ajustada para baixo no caso de pacientes com comprometimento hepático ou renal. Pode aumentar a pressão arterial em indivíduos com hipertensão prévia. Foram relatados casos raros de linfadenopatia, anemia e pancitopenia, embora sua associação com a utilização da bupropiona seja incerta, não sendo indicada a monitoração do sangue como
A eficácia terapêutica da bupropiona na depressão está bem-estabelecida tanto em situações de pacientes ambulatoriais como internados. A melhora do sono no início do curso do tratamento é observada com menos freqüência com a bupropiona do que com alguns outros antidepressivos, por sua falta de sedação; contudo, não perturba a arquitetura do sono tanto quanto os ISRSs. É útil também em casos de desejo sexual hipoativo que possa acompanhar a depressão. Em combinação com lítio (Carbolitium), mostra-se eficaz e bem-tolerada em alguns pacientes com depressão refratária, mas essa combinação pode produzir toxicidade para o SNC, incluindo convulsões, ainda que raramente. Transtornos bipolares A bupropiona tem menos probabilidade do que os tricíclicos de precipitar mania em pessoas com transtorno bipolar I, embora não esteja livre desse risco. Pode ser menos provável do que outros antidepressivos de exacerbar ou induzir transtorno bipolar II com ciclagem rápida. Transtornos de déficit de atenção/hiperatividade Ela é um dos agentes principais de segunda linha, após os simpatomiméticos, para o tratamento do transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH). Pode ser quase tão eficaz como o metilfenidato (Ritalina) para a manifetação do transtorno na adolescência e na vida adulta. A bupropiona é uma escolha apropriada para pessoas com TDAH co-mórbido com depressão ou com transtorno da conduta ou abuso de substâncias. Desintoxicação de cocaína Alguns clínicos relataram que esse agente pode ser utilizado para reduzir a fissura por cocaína em pessoas que tiveram esta droga retirada.
CI
Cessação de tabagismo C
CH
O
CH3
NH
C(CH3)3
FIGURA 36.4.8-1 Estrutura molecular da bupropiona.
Bupropiona é indicada para uso em combinação com programas de modificação comportamental para cessação de tabagismo. Seu sucesso maior se associado com um alto grau de
1096
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
motivação e apoio comportamental estruturado. Bupropiona e substitutos de nicotina (Nicorette, Niquitin) individualmente aumentam a taxa de sucesso, e eles agem sinergisticamente em combinação. PRECAUÇÕES E REAÇÕES ADVERSAS Os efeitos adversos mais comuns associados à utilização da brupopiona são cefaléia, insônia, queixas do trato respiratório superior e náuseas. Inquietação, agitação e irritabilidade também podem ocorrer. Devido a seus efeitos potencializadores da neurotransmissão dopaminérgica, ela foi associada, em casos raros, a sintomas psicóticos, incluindo alucinações, delírios e catatonia, bem como a delírio confusional. O mais notável em relação a ela é a ausência de hipotensão ortostática induzida por medicamentos, ganho de peso, sonolência diurna e efeitos anticolinérgicos significativos. Algumas pessoas, contudo, podem experimentar boca seca e obstipação; além disso, pode ocorrer perda de peso em cerca de 25% dos pacientes. A brupopiona não causa mudanças cardiovasculares ou laboratoriais de grande importância. Uma de suas principais vantagens sobre os ISRSs é que ela é quase livre de qualquer efeito adverso sobre o desempenho sexual, enquanto os ISRSs se associam a esse efeito em até 80% das pessoas. Algumas experimentam aumento da resposta sexual e até mesmo orgasmo espontâneo com a brupopiona. Em dosagens de 300 mg por dia ou menos da preparação de liberação prolongada, a incidência de convulsões é de 0,05%, a qual não é pior do que a incidência com outros antidepressivos. O risco de convulsões aumenta para cerca de 0,1% com doses acima de 400 mg por dia. Fatores de risco, para tanto, como história prévia de convulsões, uso de álcool, retirada recente de benzodiazepínicos, doença cerebral orgânica, traumatismo craniano ou descargas epileptiformes no eletroencefalograma (EEG) exigem o exame crítico da decisão de se utilizar a bupropiona. Em vista de doses elevadas (mais de 400 mg por dia) poderem se associar a euforia, e ela pode ser relativamente contraindicada para pessoas com história de abuso de drogas. Sua utilização por mulheres grávidas não foi estudada e não é recomendada. Por ser secretada no leite materno, não deve ser uma opção para mulheres que amamentam. Superdosagem se associam, em geral, a uma evolução favorável, exceto em caso de doses muito grandes e de combinação com outras drogas. Ocorrem convulsões em cerca de um terço de todas as superdosagens, e o óbito pode envolver convulsões incontroláveis, bradicardia e parada cardíaca. Contudo, a bupropiona é mais segura nos casos de superdosagem do que o são outros antidepressivos, com a possível exceção dos ISRSs. INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS A bupropiona não deve ser utilizada com inibidores da monoaminoxidase (IMAOs) pela possibilidade da indução de uma crise hipertensiva, e pelo menos 14 dias devem se passar após
a interrupção do uso de um IMAO antes que o tratamento com a bupropiona seja iniciado. O acréscimo desta pode permitir que pessoas que tomam medicamentos antiparkinsonianos diminuam as doses de seus medicamentos dopaminérgicos. Contudo, delírio confusional, sintomas psicóticos e movimentos discinéticos podem se associar à co-administração da bupropiona com agentes dopaminérgicos como a levodopa (Prolopa), a pergolida (Celance), o ropirinol (Requip), o pramipexol (Mirapex), a amantadina (Mantidan) e a bromocriptina (Parlodel). Sua combinação com a fluoxetina (Prozac) é um dos tratamentos mais eficazes e tolerados para todos os tipos de depressão, mas uns poucos relatos de casos indicam que pânico, delírio confusional ou convulsões podem resultar dessa combinação. Os pacientes com transtorno de pânico são sensíveis aos efeitos ativadores da bupropiona e podem ter sua ansiedade exacerbada. A carbamazepina (Tegretol) pode reduzir as concentrações plasmáticas da bupropiona, e esta é capaz de aumentar as concentrações plasmáticas do ácido valpróico (Depakene). INTERFERÊNCIAS LABORATORIAIS A bupropiona pode implicar um resultado falso-positivo em um exame de urina de screening de anfetaminas. Não apareceram outros relatos de interferência laboratorial claramente associados ao tratamento com esse agente. Alterações clínicas não-significativas no eletrocardiograma (ECG) (extra-sístoles e alterações inespecíficas do segmento ST-T) e reduções da contagem de leucócitos (em cerca de 10%) foram relatadas entre um pequeno número de pessoas. DOSAGEM E DIRETRIZES CLÍNICAS A bupropiona se encontra disponível em comprimidos de 150 mg. O tratamento deve ser iniciado no adulto médio com 100 mg por via oral duas vezes ao dia ou 150 mg da versão de liberação prolongada uma vez ao dia. No quarto dia de tratamento, a dose pode ser aumentada para 100 mg três vezes ao dia ou 300 mg por dia da formulação de liberação prolongada, tomada de manhã ou dividida em duas doses. Uma vez que 300 mg é a dosagem recomendada, a pessoa deve ser mantida nessa graduação por várias semanas antes de se aumentar ainda mais a dosagem. Devido ao risco de convulsões, os aumentos nunca devem exceder 100 mg e um período de três dias; uma dose isolada de bupropiona não deve exceder 150 mg, e uma dose isolada de bupropiona de liberação prolongada não deve passar de 300 mg. A dosagem total diária não deve ser superior a 450 mg da formulação de liberação imediata ou 400 mg da versão de liberação prolongada. Para a cessação do fumo, o paciente deve começar tomando 150 mg por dia de bupropiona de liberação prolongada 10 a 14 dias antes de parar de fumar. No quarto dia, a dosagem deve ser aumentada para 150 mg duas vezes ao dia. O tratamento dura de 7 a 12 semanas.
TERAPIAS
BIOLÓGICAS
1097
REFERÊNCIAS
AÇÕES FARMACOLÓGICAS
Ansari A. The efficacy of newer antidepressants in the treatment of chronic pain: a review of current literature. Harvard Rev Psychiatry. 2000;7:257. Ascher J, Cole JO, Colin J, et al. Bupropion: a review of its mechanism of antidepressant activity. J Clin Psychiatry. 1995;56:395. Ashton AK, Rosen RC. Bupropion as an antidote for serotonin reuptake inhibitor induced sexual dysfunction. J Clin Psychiatry. 1998;59:112. Baldessarini RJ. Drugs and the treatment of psychiatric disorders: depression and anxiety disorders. In: Hardman JG, Limbird LE, Goodman Gilman A, eds. Goodman & Gilman’s the Pharmacological Basis of Therapeutics. 10th ed. New York: McGraw-Hill; 2001:447. Berigan TR, Deagle EA III. Treatment of smokeless tobacco addiction with bupropion and behavior modification [letter]. JAMA. 1999;281:233. Conners CK, Casat CD, Gualtieri CT, et al. Bupropion hydrochloride in attention deficit disorder with hyperactivity. J Am Child Adolesc Psychiatry. 1996;34:1314. Golden RN. Nicholas LM. Bupropion. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2324. Goodnick PJ, Dominguez RA, De Vane CL, Bowden CL. Bupropion slow-release response in depression: diagnosis and biochemistry. Biol Psychiatry. 1998;44:629. Hebert S. Bupropion (Zyban, sustained-release tablets): reported adserve reactions. Can Med Assoc J. 1999;160:1050. Montoya ID, Preston KL. Rothman R, Gorelick DA. Open-label pilot study of bupropion plus bromocriptine for treatment of cocaine dependence. A J Drug Alcohol Abuse. 2002;28:189. Namerow LB. Seizure associated with bupropion and guanfacine. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1999;38:2. Neumann JK, Peeples B, East J. Ellis AR. Nicotine reduction: effectiveness of bupropion. Br J Psychiatry. 2000;177:87. Raymond E, Bahdai Z, Waters H, et al. What’s new in smoking cessation: Zyban. Can Fam Physician. 1999;45:633. Riggs PD, Leon SL, Mikulich SK, Pottle LC. An open trial of bupropion for ADHD in adolescents with substance use disorders and conduct disorder. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1998;37:1271. Shiffman S, Johnston J, Andrew K, et al. The effect of bupropion on nicotine craving and withdrawal. Psyshopharmacology. 2000;148:33. Trappler B, Miyashiro AM. Bupropion-amantadine-associated neurotoxicity. J Clin Psychiatry. 2000;61:61.
A buspirona é bem-absorvida pelo trato gastrintestinal (GI) e não é afetada pela ingestão de alimentos. O medicamento atinge o pico de níveis plasmáticos em 60 a 90 minutos após sua administração oral. A meia-vida curta (2 a 11 horas) necessita de dosagem três vezes ao dia. Em contraste com os benzodiazepínicos e os barbitúricos, que agem sobre o canal de íons associado ao ácido γ-aminobutírico, ela não possui efeito sobre esse mecanismo receptor. Ela age como um agonista ou agonista parcial dos receptores 5-HT1A da serotonina. A buspirona apresenta ainda atividade sobre os receptores 5-HT2 e os receptores D2 de dopamina, ainda que o significado dos efeitos sobre esses receptores seja ignorado. Nos receptores D2, tem propriedades tanto de agonista como de antagonista. O fato de a buspirona levar 2 a 3 semanas para exercer seus efeitos terapêuticos implica que, quaisquer que sejam seu efeitos iniciais, os efeito terapêuticos podem envolver a modulação de vários neurotransmissores e mecanismos intraneuronais. AÇÕES SOBRE ÓRGÃOS E SISTEMAS ESPECÍFICOS Os efeitos da buspirona sobre órgãos que não o cérebro são mínimos. Ela não tem influência significativa sobre o sistema respiratório, o coração, o sistema vascular, o sangue, os músculos lisos ou o sistema nervoso autônomo. INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS Transtorno de ansiedade generalizada
36.4.9 Buspirona A buspirona (BuSpar) é indicada para o tratamento de transtornos de ansiedade. Diferentemente de benzodiazepínicos e barbitúricos, ela não tem efeitos sedativos, hipnóticos, relaxantes musculares ou anticonvulsivantes, possui um baixo potencial para abuso e não se associa a fenômenos de supressão ou a comprometimento cognitivo. QUÍMICA Sua estrutura é quimicamente diferente de benzodiazepínicos, barbitúricos e antidepressivos atualmente disponíveis (Fig. 36.4.91). Trata-se de um medicamento da classe das azaspironas.
O N N
(CH2)4
N
N N
O FIGURA 36.4.9-1 Estrutura molecular da buspirona.
A buspirona é segura e eficaz no tratamento do transtorno de ansiedade generalizada. Comparada com os benzodiazepínicos, costuma ter mais benefícios no caso de sintomas de raiva e hostilidade, assim como sintomas psíquicos de ansiedade, e é menos eficiente para sintomas somáticos de ansiedade. O benefício pleno da buspirona é evidente somente em doses acima de 30 mg por dia. Ela oferece muitas vantagens sobre os benzodiazepínicos de longo prazo, inclusive a falta de desenvolvimento de sintomas de abstinência na retirada e menos necessidade de retornar aos benzodiazepínicos uma vez que o curso inicial de tratamento seja terminado (Tab. 34.6.9-1). Ela não se associa a nenhum potencial de abuso, mesmo em grupos com alto risco para comportamento aditivo. Comparada com os benzodiazepínicos, tem um início postergado de ação e não apresenta qualquer efeito euforizante. Além disso, não apresenta efeitos imediatos, e o paciente deve ser informado de que uma resposta clínica completa pode levar de 2 a 4 semanas. Se é necessária uma resposta imediata, pode-se iniciar o tratamento com um benzodiazepínico e então retirá-lo após os efeitos da buspirona começarem. Algumas vezes, os efeitos sedativos dos benzodiazepínicos, que não se encontram na buspirona, são desejáveis; contudo, podem comprometer o desempenho motor e causar déficits cognitivos.
1098
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 36.4.9-1 Comparação entre benzodiazepínicos e buspirona
renal ou hepático, mulheres grávidas ou que estejam amamentando. Pode ser usada com segurança por idosos.
Benzodiazepínico Buspirona Efeito de dose isolada Ação terapêutica plena Sedação Potencial de dependência Perturbação do desempenho Supressão dos sintomas de abstinência de sedativos História de resposta prévia a benzodiazepínicos Efeitos colaterais
Sim Dias Sim Sim Sim Sim
Não Semanas Não Não Não Não
Boa resposta
Resposta pobre
Sedação, comprometimento da memória
Inquietação, nervosismo
De Silver JM, Yudofsky SC, Hurowitz G: Psychopharmacology and electroconculsive therapy. In: The American Psychiatric Press Textbook of Psychiatry; 2nd ed. Washington, DC: American Psychiatric Press, 1994, com permissão.
INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS A co-administração de buspirona com haloperidol (Haldol) provoca aumento das concentrações sangüíneas deste último. A buspirona não deve ser utilizada com inbidores da monoaminoxidase (IMAOs) para evitar episódios hipertensivos, e um período de depuração de duas semanas deve se passar entre a interrupção do uso do IMAO e o início do tratamento com ela. A eritromicina (Ilosone), o itraconazol (Sporanox), a nefazodona (Serzone) e o suco de toronja (grapefruit) podem aumentar as concentrações plasmáticas da buspirona. INTERFERÊNCIAS LABORATORIAIS
Outros transtornos A buspirona não é eficaz no tratamento do transtorno de pânico ou da fobia social; contudo, pode reduzir a vigilância excessiva e os flashbacks associados ao transtorno de estresse pós-traumático. A evidência para sua eficácia em doses altas (30 a 90 mg por dia) no caso de transtornos depressivos é mista. Muitas vezes, ela é utilizada para potencializar os medicamentos antidepressivos serotonérgicos no tratamento de transtorno depressivo maior e de transtorno obsessivo-compulsivo. Pelo fato de não atuar sobre o complexo íon cloreto-GABA, não é recomendada para o tratamento de sintomas de abstinência de benzodiazepínicos, álcool ou medicamentos hipnótico-sedativos, exceto no caso de sintomas co-mórbidos de ansiedade. Esse medicamento pode reduzir de forma efetiva a agressão e a ansiedade em pessoas com doença cerebral orgânica ou lesão traumática do cérebro, bem como os sintomas co-mórbidos de oposição-desafio, comportamento agressivo, hiperatividade, impulsividade, desatenção e humor em crianças com transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH). Além disso, diminui a hiperatividade associada a transtornos do espectro autista. A buspirona pode ser benéfica para o tratamento dos sintomas físicos e psíquicos do transtorno disfórico pré-menstrual. Em doses mais altas, melhora a inibição sexual causada pelos inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs). Também pode ser utilizada para tratar o bruxismo induzido por ISRSs. PRECAUÇÕES E REAÇÕES ADVERSAS Os efeitos adversos mais comuns da buspirona são cefaléia, náuseas, tonturas e (raramente) insônia. Não há qualquer associação com sedação. Algumas pessoas podem relatar uma sensação leve de inquietação, embora esse sintoma possa refletir um transtorno de ansiedade tratado de forma incompleta. Não há mortes relatadas por superdosagem e a dose letal média (DL50) é estimada em 160 a 550 vezes a dose diária recomendada. A buspirona deve ser utilizada com cuidado por indivíduos com comprometimento
Doses isoladas de buspirona podem ocasionar elevações transitórias das concentrações dos hormônio do crescimento, prolactina e cortisol, mesmo que os efeitos não sejam clinicamente significativos. DOSAGEM E DIRETRIZES CLÍNICAS A buspirona se encontra disponível em comprimidos sulcados de 5 e 10 mg; o tratamento em geral é iniciado com 5 mg por via oral três vezes ao dia ou 7,5 mg duas vezes ao dia. A dose pode ser aumentada 5 mg a cada 2 a 4 dias, e a faixa de doses habitual é de 15 a 60 mg por dia. Mudança de um benzodiazepínico para a buspirona A buspirona é tão eficaz quanto os benzodiazepínicos no tratamento da ansiedade em pessoas que nunca receberam estes últimos; contudo, ela não consegue as mesmas respostas entre aquelas que receberam benzodiazepínicos no passado. Isso talvez se deva à ausência dos efeitos imediatos levemente euforizantes e sedativos destes. O problema clínico mais comum, por isso, é como iniciar o tratamento com a buspirona em indivíduos que estejam tomando benzodiazepínicos. Há duas alternativas. Primeiro, o clínico pode começar o tratamento aos poucos, enquanto o benzodiazepínico é retirado. Segundo, pode iniciar o tratamento com a buspirona e levar o indivíduo até a dose terapêutica por 2 a 3 semanas, enquanto é administrada uma dose regular de benzodiazepínico e, então, aos poucos, reduzir a dose deste. A co-administração pode ser eficaz no tratamento de transtornos de ansiedade que não tenham respondido ao tratamento com qualquer um dos dois sozinhos. GEPIRONA A gepirona (Ariza) é uma piridinil piperazina, agonista parcial dos recptores 5-HT1A, relacionada à buspirona, que aguarda apro-
TERAPIAS
BIOLÓGICAS
1099
cialmente como medicamentos cardíacos para tratar hipertensão, angina e tipos específicos de arritmias. São utilizados em psiquiatria como agentes antimaníacos por pessoas que não respondem bem a medicamentos de primeira linha como lítio (Carbolitium), ácido valpróico (Depakene), carbamazepina (Tegretol) ou outros anticonvulsivantes. Esta classe inclui a nifedipina (Adalat), a nimodipina (Nimotop), a isradipina (Lomir), a amlodipina (Norvasc), a nicardipina (Cardene), a nisoldipina (Syscor AP), a nitredipina e o verapamil (Dilacoron). São utilizados ainda no controle da mania e do transtorno bipolar ultradiano (com ciclagem de humor de menos de 24 horas).
vação como antidepressivo. Os estudos em pacientes com transtorno de ansiedade generalizada mostraram uma resposta ansiolítica postergada semelhante à observada com a buspirona. Estudos sobre o mecanismo de ação demonstraram que a gepirona, comparada à buspirona, possui uma seletividade muito maior para os receptores 5-HT1A do que sobre os receptores D2. Pesquisas a longo prazo demonstraram que a gepirona possui uma ação diferencial sobre os receptores 5-HT1A pré-sinápticos (agonista) e póssinápticos (agonista parcial). Além disso, tem uma afinidade mínima sobre receptores de histamina e outros tipos. Efeitos adversos comuns incluem tonturas, parestesias, palpitações, cefaléia, náuseas, nervosismo e insônia. Não há modificações clínicas relevantes de pressão arterial, freqüência cardíaca, condução cardíaca ou parâmetros de laboratório. A gepirona não apresenta inibição detectável das enzimas CYP450. Esse agente é utilizado uma vez por dia em forma de comprimidos de liberação prolongada. É necessário o ajuste da dose, com a administração inicial de 20 mg por dia, aumentada em várias semanas até 80 mg por dia, se necessário.
As estruturas moleculares dos inibidores dos canal de cálcio mais relevantes para a psiquiatraia são apresentadas na Figura 36.4.10-1.
REFERÊNCIAS
AÇÕES FARMACOLÓGICAS
Algeri S, De Luigi A, De Simoni MG, et al. Multiple and complex effects of buspirone on central dopaminergic system. Pharmacol Biochem Behav. 1988;29:823. Apter JT, Allen LA. Buspirone: future directions. J Clin Psychopharmacol. 1999;19:86. Baldessarini RJ, Tarazi RI. Drugs and the treatment of psychiatric disorders: psychosis and mania. In: Hardman JG, Limbird LE, Goodman Gilman A, eds. Goodman & Gilman’s the Pharmacological Basis of Therapeutics. 10th ed. New York: McGraw-Hill; 2001:485. Brawman-Mintzer O, Lydiard RB, Ballenger JC. Buspirone. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2329. Buitelaar JK, van der Gaag RJ, van der Hoeven J. Buspirone in the management of anxiety and irritability in children with pervasive developmental disorders: results of an open-label study. J Clin Psychiatry. 1998;59:56. Dimitriou EC, Dimitriou CE. Buspirone augmentation of antidepressant therapy. J Clin Psychopharmacol. 1998;18:465. McEvoy GK, ed. AHFS Drug Information. Bethesda, MD: American Society of Hospital Pharmacists; 2002. Montoya ID, Preston KL, Rothman R, Gorelick DA. Open-label pilot study of bupropion plus bromocriptine for treatment of cocaine dependence. Am J Drug Alcohol Abuse. 2002;28:189. Rickels K, DeMartinis N, Garcia-Espana F, Greenblatt DJ, Mandos LA, Rynn M. Imipramine and buspirone in treatment of patients with generalized anxiety disorder who are discontinuing long-term benzodiazepine therapy. Am J Psychiatry. 2000;157:1973. Trappler B, Miyashiro AM. Bupropion-amantadine-associated neurotoxicity. J Clin Psychiatry. 2000;61:61. Van Vliet IM, den Boer JA, Westenberg HG, Pian KL. Clinical effects of buspirone in social phobia: a double-blind placebo-controlled study. J Clin Psychiatry. 1997;58:164.
Os inibidores dos canais de cálcio são bem-absorvidos pelo trato gastrintestinal (GI), com um significante metabolismo de primeira passagem pelo fígado. Verifica-se considerável variação intra e inter-individual nas concentrações plasmáticas dos medicamentos após uma dose isolada. O verapamil atravessa a placenta e pode ser detectado no cordão umbilical do recém-nascido. A meia-vida do verapamil após a primeira dose é de 2 a 8 horas, a qual pode ser aumentada para 5 a 12 horas após os primeiros dias de tratamento. As meias-vidas dos outros bloqueadores dos canais de cálcio variam de 1 a 2 horas, para a nimodipina e a isradipina, até 30 a 50 horas, para a amlodipina (Tab. 36.4.10-1). Os inibidores dos canais de cálcio discutidos nesta seção inibem o influxo do cálcio para dentro dos neurônios mediante canais de cálcio dependentes de voltagem do tipo L (de longa duração). O íon cálcio é um dos principais segundos-mensageiros intracelulares. O cálcio intraneuronal tem várias funções, inclusive a ativação de kinases de proteínas dependentes de cálcio. O influxo pode ser um passo na sucessão de acontecimentos moleculares que desencadeiam lesão excitotóxica do tipo postulado, que leva a morte neuronal, por exemplo, na doença de Alzheimer.
36.4.10 Inibidores dos canais de cálcio Os inibidores dos canais de cálcio costumam ser referidos como antagonistas dos canais de cálcio, bloquedores dos canais de cálcio e inibidores orgânicos dos canais de cálcio. Foram desenvolvidos ini-
QUÍMICA
EFEITO SOBRE ÓRGÃOS E SISTEMAS ESPECÍFICOS Os principais efeitos dos inibidores dos canais de cálcio estão relacionados ao sistema vascular, que lhes responde com vasodilatação. Diurese tem se associada ao uso desses agentes. Os inibidores dos canais de cálcio interferem na condução atrioventricular (AV) e podem levar ao bloqueio AV, especialmente em idosos. Os bloqueadores também regulam o fluxo de íons para os neurônios.
1100
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
OCH3 H S
H
N
OOCCH3
O CH2CH2N(CH3)2 Diltiazem H H3C O
N
CH3
CH3OC
COCH3 O NO2
NO2
CH3
Nifedipina
N H
COOCH2CH2OCH CH3
Nimodipina CH3
CH3O
H
(CH3)2CHOOC
CH(CH3)2
CH2CH2NCH2CH2CH2CCN
CH3O OCH3 OCH3 Verapamil FIGURA 36.4.10-1 Estruturas moleculares dos inibidores dos canais de cálcio.
TABELA 36.4.10-1 Meias-vidas, dosagens e eficácia de inibidores dos canais de cálcio selecionados em transtornos psiquiátricos
Meia-vida Dose inicial Pico da dose diária Antimaníaca Antidepressiva Antiultradianab
Verapamil (Dilacoron)
Nimodipina (Nimotop)
Isradipina (Lomir)
Amlodipina (Norvask)
Curta (5-12 horas) 30 mg 3 x/dia 480 mg ++ ± ±
Curta (1-2 horas) 30 mg 3 x/dia 240-450 mg ++ + ++
Curta (1½-2 horas) 2,5 mg 2 x/dia 15 mg (++) (+) (++)
Longa (30-50 horas) 5 mg ao deitar 10-15 mg a a a
a
Sem estudos sistemáticos, apenas relatos de casos. Transtorno bipolar de ciclagem rápida. Tabela adaptada de Robert M. Post, M.D. b
INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS Transtorno bipolar Há relatos mistos sobre a eficácia do verapamil tanto no tratamento de curto prazo como para o de manutenção de transtornos bipolares, sendo utilizado depois de ensaios com lítio, carbamazepina e valproato. Os demais medicamentos, como a nimodipina, a isradipina e a amlodipina, são eficazes no tratamento de episódios maníacos e de transtorno bipolar com ciclagem rápida e ciclagem ultra-rápida. O clínico deve iniciar o tratamento com um medicamento de ação curta, como a nimodipina ou a isradipina, com uma dose baixa, a qual deve ser e aumentada a cada 4 a 5 dias até que seja observada uma
resposta clínica ou apareçam efeitos adversos. Uma vez que os sintomas estejam controlados, um agente de ação duradoura, como a amlodipina, pode ser um substituto no tratamento de manutenção. Deixar de responder ao verapamil não exclui uma resposta favorável a um dos outros medicamentos. Transtorno depressivo breve recorrente Este transtorno, caracterizado por episódios depressivos breves (1 a 3 dias), porém graves, pode não ser afetado pelos antidepressivos-padrão ou pelo lítio. A experiência inicial mostra que os inibidores dos canais de cálcio são eficazes em pessoas com transtorno depressivo breve recorrente; contudo, mais ensaios são necessários.
TERAPIAS
Outras indicações psiquiátricas Os inibidores dos canais de cálcio podem ser benéficos no transtorno de Tourette, na doença de Huntington, na doença de Alzheimer, no transtorno de pânico, no transtorno disfórico pré-menstrual e no transtorno explosivo intermitente. Estudos bem-controlados verificaram falta de eficácia desses agentes na esquizofrenia, na discinesia tardia e na depressão maior. PRECAUÇÕES E REAÇÕES ADVERSAS Os efeitos adversos mais comuns associados aos inibidores dos canais de cálcio são os que decorrem de vasodilatação: tontura, cefaléia, taquicardia, náusea, parestesias e edema periférico. O verapamil e o diltiazem (Cardizem) em particular podem causar hipotensão, bradicardia e bloqueio cardíaco AV, que necessita de monitoração estrita e, por vezes, interrupção do medicamento. Em todos os pacientes com doença cardiovascular, esses agentes devem ser utilizados com cuidado. Outros efeitos adversos comuns incluem prisão de ventre, fadiga, exantema, tosse e sibilos. Problemas observados com o diltiazem incluem hiperatividade, acatisia e parkinsonismo; com o verapamil, delírio confusional, hiperprolactinemia e galactorréia; com a nimodipina, sensação subjetiva de aperto no peito e calor na pele; com a nifedipina, depressão. Os medicamentos não foram avaliados para segurança em mulheres grávidas, sendo melhor evitá-los. Pelo fato de serem secretados no leite materno, as mulheres que estiverem amamentando também não devem usá-los.
BIOLÓGICAS
1101
em ampolas de solução injetável de 5 mg. A dose de início é de 40 mg por via oral três vezes ao dia, podendo ser aumentada a cada 4 a 5 dias, até 80 a 120 mg três vezes ao dia. A pressão arterial, o pulso e o eletrocardiograma (ECG) (em pacientes com mais de 40 anos de idade ou com uma história de doença cardíaca) devem ser monitorados de forma sistemática. A nifedipina está disponível em cápsulas de 10 e 20 mg e em comprimidos de liberação prolongada de 30, 60 e 90 mg. Sua administração deve ser iniciada com 10 mg por via oral, 3 a 4 vezes ao dia, aumentando até a dose máxima, de 120 mg por dia. A nimodipina é comercializada em cápsulas de 30 mg por dia. Tem sido utilizada com 60 mg a cada quatro horas para transtorno bipolar de ciclagem ultra-rápida, e algumas vezes de forma breve até com 630 mg por dia. A isradipina está disponível em cápsulas de 2,5 e 5 mg ou em comprimidos de 10 mg de liberação controlada. A administração deve ser iniciada com 2,5 mg por dia e pode ser aumentada até um máximo de 15 mg por dia em doses divididas. A amlodipina é disposta em comprimidos de 2,5, 5 e 10 mg. A administração deve se iniciar com 5 mg ao deitar e pode ser aumentada até a dose máxima de 10 a 15 mg por dia. O diltiazem está disponível em comprimidos de 30, 60, 90 e 120 mg, em cápsulas de liberação prolongada de 60, 90, 120, 180, 240, 300 e 360 mg, e em comprimidos de liberação prolongada de 60, 90, 120, 180, 240 e 360 mg. A administração deve ser iniciada com 30 mg por via oral quatro vezes ao dia, aumentando até o máximo de 360 mg por dia. Os idosos são mais sensíveis aos inibidores dos canais de cálcio do que os adultos jovens. Não há informação específica disponível relativa à utilização desses agentes em crianças.
INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS Os inibidores dos canais de cálcio não devem ser utilizados por pessoas que tomam antagonistas dos receptores β-adrenérgicos, hipotensores (p. ex., diuréticos, vasodilatadores ou inibidores da enzima de conversão da angiotensina) ou medicamentos antiarrítmicos (p. ex., quinidina [Quinicardine] e digoxina [Lanoxin] sem consulta com um internista ou cardiologista. Relatou-se que o verapamil e o diltiazem, mas não a nifedipina, precipitaram neurotoxicidade induzida por carbamazepina. Verificou-se que a cimetidina (Tagamet) aumenta as concentrações plasmáticas de nifedipina e diltiazem. Alguns pacientes tratados com lítio e inibidores dos canais de cálcio ao mesmo tempo podem ter um aumento do risco para sintomas e sinais de neurotoxicidade, havendo relatos de mortes. INTERFERÊNCIAS LABORATORIAIS Não há interferências laboratoriais conhecidas associadas à utilização dos inibidores dos canais de cálcio. DOSAGEM E DIRETRIZES CLÍNICAS O verapamil se encontra disponível em comprimidos de 80, 120 e 240 mg, em cápsulas de liberação retardada de 120 e 240 mg e
REFERÊNCIAS Baldessarini RJ, Tarazi RI. Drugs and the treatment of psychiatric disorder: psychosis and mania. In: Hardman JG, Limbird LE, Goodman Gilman A, eds. Goodman & Gilman’s the Pharmacological Basis of Therapeutics. 10th ed. New York: McGraw-Hill; 2001:485. Delisi SM, Konopka LM, O’Connor FL, Crayton JW. Platelet cytosolic calcium responses to serotonin in depressed patients and controls: relationship to symptomatology and medication. Biol Psychiatry. 1998;43:327. de Vry J, Fritze J, Post RM. The management of coexisting depression in patients with dementia: potential of calcium channel antagonist. Clin Neuropharmacol. 1977;20:22. Dubovky SL, Buzan RD. Novel alternatives and supplements to lithium and anticonvulsants for bipolar affective disorder. J Clin Psychiatry. 1997;58:224. Dunn RT, Frye MS, Kimbrell TA, Denicoff KD, Leverich GS, Post RM. The efficacy and use of anticonvulsants in mood disorders. Clin Neuropharmacol. 1998;21:215. Emamghoreishi M, Schlichter L, Li PP, et al. High intracellular calcium concentrations in transformed lymphoblasts from subjects with bipolar I disorder. Am J Psychiatry. 1997;154:976. Janicak PG, Sharma RP, Pandey G, Davis JM. Verapamil for the treatment of acute mania: a double-blind, placebo-controlled trial. Am J Psychiatry. 1998;155:972. Nonaka S, Hough CJ, Chuang DM. Chronic lithium treatment robustly protects neurons in the central nervous system against excitotoxicit by inhibiting N-methyl-D-aspartate receptor-mediated calcium influx. Proc Natl Acad Sci U S A. 1998;95:2642. Pazzaglia PJ, Post RM, Ketter T, et al. Nimodipine monotherapy and carbamazepine augmentation in patients with refractory recurrent affective illness. J Clin Psychopharmacol. 1998;18:404.
1102
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Post RM. Calcium channel inhibitors. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2334. Post RM. Pazzaglia PJ, Ketter TA, et al. Carbamazepine and nimodipine in affective illness: efficacy, mechanism of action, and interactions. In: Montgomery S, Halbreich U, eds. Pharmacotherapy of Mood and Cognition. Vol 4. Washington. DC: American Psychiatric Press; 1999:432. Post RM, Weiss SRB, Clark M, Chuang DM, Hough C, Li H. Lithium, carbamazepine, and valproate in affective illness: biochemical and neurobiological mechanisms. In: Manji H, ed. Mechanisms of Action of the Mood Stabilizers Lithium, Carbamazepine, and Valproate in Affective Illness. Washington, DC: American Psychiatric Press; 1999:278. Schumacher TB, Beck H, Steinhauser C, Schramm J, Elger CE. Effects of phenytoin, carbamazepine, and gabapentin on calcium channels in hippocampal granule cells from patients with temporal lobe epilepsy. Epilepsia. 1998; 39: 355. Sze KH, Sim TC, Wong E, Cheng S, Woo J. Effect of nimodipine on memory after cerebral infarction. Acta Neurol Scand. 1998;97:386. Taragano FE, Allegri R, Vicario A, Bagnatti P, Lyketsos CG. A double blind, randomized clinical trial assessing the efficacy and safety of augmenting standard antidepressant therapy with nimodipine in the treatment of “vascular depression.” Int Geriatr Psychiatry. 2001;16:254.
36.4.11 Carbamazepina A carbamazepina (Tegretol) é eficaz em casos de mania aguda e para o tratamento profilático de transtorno bipolar I. É um agente de primeira linha para essas condições, junto com o lítio (Carbolitium) e o ácido valpróico (Depakene). Ela é utilizada ainda para o tratamento de epilepsia de início parcial ou generalizado e de neuralgia trigeminal. Um congênere, a oxcarbazepina (Trileptal) também está disponível para uso no transtorno bipolar. QUÍMICA Sua estrutura molecular (Fig. 36.4.11-1) é similar à estrutura tricíclica da imipramina (Tofranil). AÇÕES FARMACOLÓGICAS A carbamazepina é absorvida de forma lenta e irregular pelo trato gastrintestinal (GI) mas a absorção é aumentada quando o medicamento é tomado com as refeições. O pico das concentrações plasmáticas é atingido 2 a 8 horas após uma dose única, e os níveis estáveis são alcançados em 2 a 4 dias com dosagem estável. A suspensão é absorvida um pouco mais rápido, e a formulação de liberação prolongada, um pouco mais lento do que a formulação-padrão. A meia-vida no início do tratamento tem uma faixa ampla; após um mês de administração, diminui para uma faixa
H C
H C N CONH2
FIGURA 36.4.11-1 Estrutura molecular da carbamazepina.
de 12 a 17 horas, por causa da indução de enzimas hepáticas, que atingem seu nível máximo após um mês de tratamento. A formulação de liberação prolongada permite obter concentrações estáveis com doses duas vezes ao dia. A carbamazepina é metabolizada no fígado, e o metabólito 10,11-epóxido é ativo como anticonvulsivante; sua atividade no tratamento dos transtornos bipolares é desconhecida. Seus efeitos anticonvulsivantes são atribuídos principalmente à ligação a canais de sódio dependentes de voltagem no estado inativo, prolongando sua inativação. Em conseqüência, isso leva à redução da ativação dos canais de cálcio dependentes de voltagem e, por conseguinte da transmissão sináptica. Efeitos adicionais incluem redução de correntes através dos canais receptores para o glutamato N-metil-D-aspartato (NMDA), antagonismo competitivo com receptores A1 de adenosina e potencialização da neurotransmissão das catecolaminas no sistema nervoso central (SNC). Se algum ou todos esses mecanismos leva à estabilização do humor é ignorado. EFEITOS EM ÓRGÃOS E SISTEMAS ESPECÍFICOS Além dos efeitos sobre o SNC, a carbamazepina atua sobre o sistema hematopoiético. Ela se associa a uma redução benéfica e, por vezes, transitória dos leucócitos, com os valores em geral se mantendo acima de 3.000. Pensa-se que a redução decorra da inibição do fator estimulante de colônias na medula óssea, um efeito que pode ser revertido com a administração concomitante de lítio, que estimula o fator. A supressão da produção de leucócitos deve ser diferenciada dos efeitos adversos potencialmente fatais de agranulocitose, pancitopenia e anemia aplástica. Como ocorre em sua utilização para o tratamento do diabete insípido, a carbamazepina apresenta um efeito vasopressina-símile sobre os receptores da vasopressina e, algumas vezes, provoca o desenvolvimento de intoxicação por água ou hiponatremia, em particular entre pacientes idosos. Esse efeito adverso pode ser tratado com demeclociclina (Declomycin) ou lítio. Outro efeito endócrino associado à carbamazepina é o aumento do cortisol livre urinário. Esse medicamento induz várias enzimas hepáticas, interferindo, assim, no metabolismo de vários outros agentes. Seus efeitos sobre o sistema cardiovascular são mínimos. Diminui a condução atrioventricular (AV), contra-indicada para pacientes com bloqueios cardíacos AV. A carbamazepina pode causar um exantema, que pode ser transitório, mesmo que ela seja mantida, mas pode levar a condições dermatológicas graves e com potencial risco de morte em raras ocasiões. Outras reações alérgicas específicas de sistemas foram referidas e, em casos raros, um distúrbio lúpus-símile tem se associado ao uso da carbamazepina. INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS Transtorno bipolar Episódios de mania. A carbamazepina é eficaz no tratamento da mania aguda, com eficácia comparável à do lítio e dos anti-
TERAPIAS
psicóticos. Também é eficaz como agente de segunda linha na profilaxia tanto de episódios de mania como de depressão nos transtornos bipolares, após o lítio e o ácido valpróico. É um agente antimaníaco eficaz para 50 a 70% das pessoas, dentro de 2 a 3 semanas do início, e pode ser benéfica para pacientes que não respondem ao lítio, como aqueles com mania disfórica, ciclagem rápida ou história familiar negativa de transtornos do humor. Seus efeitos antimaníacos podem ser potencializados pela administração concomitante de lítio, ácido valpróico, hormônios da tireóide, antagonistas dos receptores de dopamina ou antagonistas de serotonina-dopamina. Algumas pessoas podem responder à carbamazepina, mas não ao lítio ou ao ácido valpróico, vice-versa. É possível desenvolver-se tolerância a efeitos antimaníacos em certos casos. Episódios depressivos. Os dados disponíveis indicam que a carbamazepina é um tratamento eficaz para a depressão. Cerca de 25 a 33% das pessoas deprimidas respondem a este agente. Tal porcentagem é muito menor do que a taxa de 60 a 70% de resposta para os antidepressivos-padrão. A despeito disto, a carbamazepina é um medicamento alternativo para pessoas deprimidas que não responderam ao tratamento convencional, inclusive a eletroconvulsoterapia (ECT), ou que têm uma periodicidade marcante ou rápida em seus episódios depressivos. Esquizofrenia e transtorno esquizoafetivo A carbamazepina é eficaz no tratamento de esquizofrenia e transtorno esquizoafetivo. As pessoas com sintomas positivos proeminentes (p. ex., alucinações) têm probabilidade de responder, bem como aquelas que exibem acessos de agressão impulsiva. Transtornos do controle dos impulsos Vários estudos relataram que a carbamazepina é eficaz no controle de comportamento impulsivo, agressivo, em pessoas não-psicóticas de todas as idades, inclusive crianças e idosos. Outros medicamentos para transtornos do controle dos impulsos, em especial o transtorno explosivo intermitente, incluem o lítio, o propranolol (Inderal) e os antipsicóticos. Em vista do risco de seus efeitos adversos graves, o tratamento com outros agentes é recomendado antes de iniciar uma tentativa com a carbamazepina. Ela também é eficaz no controle de agitação não-aguda e de comportamento agressivo em pessoas esquizofrênicas. Os diagnósticos a serem excluídos antes de se iniciar o tratamento com carbamazepina incluem acatisia e síndrome neuroléptica maligna. O lorazepam (Lorax) é mais eficaz no controle da agressão aguda. Transtorno de estresse pós-traumático A carbamazepina tem sido sugerida, em conjunto com antidepressivos, benzodiazepínicos, lítio, antagonistas dos receptores βadrenérgicos e agonistas de receptores α2-adrenérgicos, como o
BIOLÓGICAS
1103
tratamento para transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). É particularmente útil para o manejo da agitação e da agressão resultantes deste transtorno. Abstinência de álcool e benzodiazepínicos Segundo alguns estudos, a carbamazepina é tão eficaz quanto os benzodiazepínicos no controle dos sintomas associados à abstinência de álcool. Pode auxiliar também na retirada do uso crônico de álcool e benzodiazepínicos, em especial em indivíduos predispostos a convulsões. Contudo, a falta de qualquer vantagem da carbamazepina sobre os benzodiazepínicos para a abstinência de álcool e o risco potencial de efeitos adversos daquela limitam a utilidade clínica dessa aplicação. PRECAUÇÕES E REAÇÕES ADVERSAS Ainda que os efeitos hematológicos da carbamazepina não se relacionem com a dose, a maioria de seus efeitos adversos se manifesta com concentrações plasmáticas acima de 9 μg/mL. As reações raras, porém mais graves, são discrasias sangüíneas, hepatite e dermatite esfoliativa (Tab. 36.4.11-1). Por outro lado, a carbamazepina é relativamente bem-tolerada, exceto por efeitos moderados sobre o trato GI e o SNC, que podem ser reduzidos de forma significativa se a dose for aumentada de maneira lenta e se concentrações plasmáticas efetivas mínimas forem mantidas. Discrasias sangüíneas Discrasias sangüíneas graves (anemia aplástica, agranulocitose) ocorrem em cerca de um em cada 125 mil pessoas tratadas com a carbamazepina. Não parece haver uma correlação entre o grau de supressão benigna dos leucócitos (leucopenia), que é observado em 1 a 2% das pessoas, e a emergência de discrasias sangüíneas que ameaçam a vida. Deve-se advertir os usuários de que sintomas como febre, dor na garganta, exantemas, petéquias, formação de equimoses e sangramento fácil podem anunciar uma discrasia, o que demanda atendimento médico imediato. A monitoração hematológica rotineira em indivíduos tratados com este agente é recomendada aos 3, 6, 9 e 12 meses. Se não há evidência significativa de supressão da medula óssea nesta época, muitos especialistas reduzem o intervalo de acompanhamento. Contu-
TABELA 36.4.11-1 Eventos adversos associados com carbamazepina Efeitos adversos relacionados à dose
Efeitos adversos idiossincrásicos
Visão dupla ou borrada Vertigem Distúrbios gastrintestinais Prejuízo de desempenho de tarefa Efeitos hematológicos
Agranulocitose Síndrome de Stevens-Johnson Anemia aplástica Falha hepática Rash cutâneo Pancreatite
1104
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
do, mesmo a monitoração assídua pode deixar de detectar discrasias sangüíneas graves antes que os sintomas fiquem evidentes.
mor. Esses sintomas podem ser reduzidos pela elevação gradativa da dose. A incidência de transtornos cognitivos é praticamente a mesma para a carbamazepina, o lítio e o ácido valpróico.
Hepatite Outros efeitos adversos Dentro das primeiras semanas de tratamento, a carbamazepina pode causar tanto hepatite associada a aumento de enzimas hepáticas, em particular as transaminases, como uma colestase associada a aumento das bilirrubinas e da fosfatase alcalina. Elevações moderadas das transaminases impõem apenas observação, mas elevações persistentes, que excedam três vezes o limite superior do normal, indicam a interrupção do medicamento. A hepatite pode recorrer se o agente é reintroduzido à terapia medicamentosa, podendo ocasionar morte. Dermatite esfoliativa Um exantema benigno com prurido ocorre em 10 a 15% das pessoas tratadas com carbamazepina, em geral dentro das primeiras semanas de tratamento. Uma média de três pessoas por milhão por semana experimentam síndromes dermatológicas que ameaçam a vida, inclusive dermatite esfoliativa, eritema multiforme, síndrome de Stevens-Johnson e necrólise epidérmica tóxica. A possível emergência desses graves problemas leva muitos clínicos a interromper a utilização da carbamazepina em pessoas que desenvolvem qualquer tipo de exantema. Se este parece ser o único medicamento eficaz para um indivíduo que tem um exantema benigno resultante desse tratamento, uma nova tentativa pode ser realizada, com pré-tratamento com prednisona (40 mg por dia) no intuito de tratar o exantema, embora outros sintomas de reação alérgica (p. ex., febre e pneumonia) possam se desenvolver, mesmo com pré-tratamento com esteróides. O risco de um exantema medicamentoso é quase igual para o ácido valpróico e para a carbamazepina nos primeiros dois meses de utilização, mas, depois desse período, torna-se é muito maior para esta. Efeitos gastrintestinais Seus efeitos adversos mais comuns são náuseas, vômitos, malestar epigástrico, obstipação, diarréia e anorexia. A gravidade dos mesmos é reduzida se a dosagem da carbamazepina é aumentada aos poucos e mantida nas concentrações plasmáticas mínimas efetivas. Diferentemente do lítio e do valproato, ela não parece causar aumento de peso.
A carbamazepina diminui a condução cardíaca (embora menos do que os tricíclicos) e, assim, pode exacerbar doença cardíaca preexistente. Deve ser utilizada com cuidado por pessoas com glaucoma, hipertrofia prostática, diabete ou história de abuso de álcool. Pode ativar a função do receptor da vasopressina, que leva a uma condição semelhante à síndrome de secreção inapropriada do hormônio antidiurético (SSIHAD), caracterizada por hiponatremia e (raramente) intoxicação por água. Isso é o oposto dos efeitos renais do lítio (i.e., diabete insípido nefrogênico). A combinação de lítio com carbamazepina não reverte, contudo, o efeito daquele. A emergência de confusão, fraqueza grave ou cefaléia em um indivíduo sob carbamazepina requer a dosagem dos eletrólitos no soro. É raro seu uso desencadear uma resposta imune de hipersensibilidade, consistindo de febre, exantema, eosinofilia e, possivelmente, miocardite fatal. Alguma evidência indica que anomalias craniofaciais menores, hipoplasia das unhas e espinha bífida em bebês pode se associar ao uso materno da carbamazepina durante a gravidez. Por isso, mulheres grávidas não devem utilizá-la, a menos que seja indispensável. O risco de defeitos do tubo neural pode ser reduzido pela ingestão materna de ácido fólico, 1 a 4 mg por dia, por pelo menos três meses antes do parto. A carbamazepina é secretada no leite materno, mas sua utilização durante a amamentação é considerada segura pela American Academy of Pediatrics. INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS Principalmente por induzir vários enzimas, a carbamazepina pode interagir com muitos medicamentos (Tab. 36.4.11-2). Na maior parte, seu acréscimo reduz as concentrações plasmáticas dos medicamentos afetados, e a monitoração da redução dos efeitos clínicos é indicada. A co-administração com lítio, antipsicóticos, verapamil (Dilacoron) ou nifedipina (Adalat) pode precipitar efeitos adversos no SNC induzidos pela carbamazepina. Esta é capaz de reduzir as concentrações dos anticoncepcionais orais, ocasionando sangramentos por interrupção e incerteza na profilaxia da gravidez. Não deve ser administrada com inibidores da monoaminoxidase (IMAOs), os quais devem ser interrompidos pelo menos duas semanas antes de se iniciar o tratamento com a carbamazepina. Pode induzir de forma significativa o metabolismo da bupropiona (Wellbutrin).
Efeitos sobre o sistema nervoso central Estados confusionais agudos podem ocorrer com a carbamazepina sozinha, mas são muito mais freqüentes em combinação com o lítio ou com medicamentos antipsicóticos. Idosos e pessoas com transtornos cognitivos têm um risco aumentado de toxicidade no SNC. Os sintomas dessa condição incluem tonturas, ataxia, falta de coordenação, sedação, diplopia, hiper-reflexia, clônus e tre-
INTERFERÊNCIAS NOS EXAMES LABORATORIAIS O tratamento com a carbamazepina se associa a uma redução transitória nos hormônios da tireóide (tiroxina [T4] e triiodotironina [T3]), sem aumento do hormônio estimulante da tireóide (TSH). Este medicamento liga-se ainda a um aumento no coles-
TERAPIAS
BIOLÓGICAS
1105
TABELA 36.4.11-2 Interações medicamentosas com a carbamazepina Efeito da carbamazepina nas concentrações plasmáticas de um agente concomitante
Agentes que podem afetar as concentrações plasmáticas da carbamazepina
A carbamazepina pode diminuir a concentração plasmática de Acetaminofen Fensuximida Alprazolam Fentanil Amitriptilina Flufenazina Anticoncepcionais orais Haloperidol Bupropiona Imipramina Ciclosporina Lamotrigina Clomipramina Metadona Clonazepam Metilprednisolona Clozapina Metossuximida Desipramina Nimodipina Dicumarol Pancurônio Doxepina Primidona Doxiciclina Teofilina Etossuximida Valproato Felbamato Warfarin Fenitoína A carbamazepina pode aumentar a concentração plasmática de Clomipramina Primidona Fenitoína
Agentes que podem aumentar as concentrações plasmáticas da carbamazepina Alopurinol Itraconazol Cetoconazol Lamotrigina Loratadina Cimetidina Claritromicina Macrólides Danazol Nefazodona Ditialzem Nicotinamida Propoxifeno Eritromicina Fluoxetina Terfenadina Fluvoxamina Troleandomicina Gemfibrozil Valproatoa Verapamil Isoniazidaa Viloxazina Itraconazol Medicamentos que podem diminuir as concentrações plasmáticas da carbamazepina Carbamazepina (auto-indução) Fenitoína Cisplatina Primidona Doxorrubicina HCL Rifampinb Felbamato Teofilina Fenobarbital Valproato
a
Aumento das concentrações do 10,11-epóxido ativo. Redução das concentrações da carbamazepina e aumento das concentrações do 10,11-epóxido. Tabela de Carlos A. Zarate, Jr. M.D. e Mauricio Tohen, M.D. b
terol total do soro, em especial por aumentar as lipoproteínas de alta densidade. Os efeitos sobre a tireóide e o colesterol não são clinicamente significativos. A carbamazepina pode interferir no teste de supressão da dexametasona e causar resultados falso-positivos nos testes de gravidez.
em combinação com o ácido valpróico, outro anticonvulsivante ativo nos transtornos bipolares. Quando são utilizados em combinação, a dose daquela deve ser diminuída, porque este desloca a carbamazepina ligada a proteínas, o que pode requerer o aumento da dose de valproato.
DOSE E ORIENTAÇÕES CLÍNICAS
Avaliação clínica pré-tratamento
A carbamazepina pode ser utilizada isolada ou com antipsicóticos para o tratamento de episódios maníacos, embora os efeitos adversos sobre o SNC (sonolência, tontura, ataxia) induzidos por ela tenham probabilidade de ocorrer com essa combinação. As pessoas que não respondem ao lítio podem responder quando se acrescenta a carbamazepina a esse tratamento. Se houver resposta, um ensaio deve ser feito para retirar o lítio e avaliar se o indivíduo pode ser tratado com sucesso apenas com a carbamazepina. Quando ambos são utilizados juntos, o clínico deve reduzir ou retirar qualquer medicamento antipsicótico, sedativo ou anticolinérgico que também esteja sendo administrado, a fim de reduzir o risco de efeitos adversos associados a vários medicamentos. A combinação de lítio e carbamazepina precisa ser monitorada com atenção para toxicidade ao SNC, que pode ser fatal se não tratada de maneira adequada. Um e outro devem ser utilizados em concentrações plasmáticas terapêuticas usuais antes de uma tentativa combinada ser considerada um fracasso terapêutico. Um ensaio de três semanas de carbamazepina com concentrações plasmáticas terapêuticas em geral é suficiente para se determinar se será efetiva no tratamento de mania aguda; uma tentativa mais prolongada é necessária para avaliar sua eficácia no tratamento de depressão. A carbamazepina também é utilizada
A história clínica do indivíduo deve incluir informação sobre doenças hematológicas, hepáticas e cardíacas preexistentes, porque todas estas podem ser contra-indicações para o tratamento com carbamazepina. Pessoas com doença hepática necessitam de apenas um terço ou a metade da dose habitual; o clínico deve ser cauteloso ao aumentar a dose para esses indivíduos, devendo fazêlo de forma lenta e gradativa. O exame laboratorial deve incluir um hemograma completo, com contagem de plaquetas, testes de função hepática, eletrólitos do soro e um eletrocardiograma em pessoas com mais de 40 anos de idade ou com doença cardíaca preexistente. Um eletroencefalograma (EEG) não é necessário antes do início do tratamento, mas pode ser útil em alguns casos para a documentação de modificações objetivas correlacionadas com a melhora clínica. Início do tratamento A carbamazepina se encontra disponível em comprimidos de 200 e 400 mg, e como suspensão com 100 mL a 2%. A dose de início usual é de 200 mg por via oral, duas vezes ao dia; contudo, com a progressão, três vezes ao dia é a dosagem adequada. Uma versão de
1106
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
liberação prolongada, indicada para uma dosagem de manutenção de duas vezes ao dia, encontra-se disponível em comprimidos de 100, 200 e 400 mg. A carbamazepina deve ser tomada com as refeições, sendo guardada em um local frio e seco. Ela pode perder um terço de sua potência quando guardada em um ambiente úmido, como o banheiro. Em um ambiente hospitalar, no caso de pessoas muito doentes, a dose pode ser aumentada em não mais do que 200 mg por dia até atingir de 600 a 1.200 mg por dia. Essa elevação relativamente rápida, contudo, se associa por vezes a efeitos adversos e pode prejudicar a adesão ao medicamento. Em pessoas menos doentes e em pacientes ambulatoriais, a dose deve ser aumentada até 200 mg a cada 2 a 7 dias, a fim de reduzir ao mínimo a ocorrência de efeitos adversos menores, como náusea, vômitos, sonolência e tonturas. Quando se pretende interromper o tratamento com a carbamazepina, o clínico deve reduzir a dose de forma gradual, embora o medicamento possa ser interrompido de forma abrupta com segurança com a maioria das pessoas. Concentrações sangüíneas A faixa de concentrações sangüíneas da carbamazepina como anticonvulsivante é de 4 a 12 μg/mL, devendo ser alcançada antes de determinar se o agente é ineficiente para o tratamento de um transtorno do humor. É prudente chegar a esta faixa de forma gradual, uma vez que a tolerância é melhor com um aumento gradual do que com aumento rápido. O clínico deve ir aumentando gradualmente até a dose máxima tolerada antes de decidir que o medicamento é ineficaz. As concentrações plasmáticas devem ser determinadas quando o indivíduo está recebendo uma dose estável por pelo menos cinco dias. O sangue, para a determinação dos níveis plasmáticos, é retirado pela manhã antes que a primeira dose diária seja tomada. A dosagem total necessária para se conseguir concentrações plasmáticas na faixa terapêutica habitual varia de 400 a 1.600 mg por dia, com uma média em torno de 1.000 mg por dia. Monitoração laboratorial de rotina Os efeitos potenciais mais graves da carbamazepina são a agranulocitose e a anemia aplástica. Ainda que tenha sido sugerido que avaliações laboratorias completas do sangue sejam feitas a cada duas semanas nos primeiros dois meses de tratamento e a cada quatro meses a partir daí, essa abordagem conservadora não se justifica por uma análise do custo-benefício e pode não prever a ocorrência de discrasia sangüínea séria. A Food and Drug Administration (FDA) revisou a bula da carbamazepina e sugeriu que a monitoração do sangue seja realizada conforme o juízo clínico. Instrução sobre os sinais e os sintomas do desenvolvimento de problemas hematológicos é mais efetiva do que a monitoração freqüente do sangue na proteção contra discrasias sangüíneas. Foi recomendado também que testes das funções hepática e renal sejam realizados a cada quatro meses, embora o benefício de se realizar testes com tanta freqüência tenha sido questionado. Parece razoável, contudo, avaliar o estado hematológico, em conjunto com as funções hepática e renal, sempre que um exame de rotina for realizado. Um protocolo de monitoração é apresentado na Tabela 36.4.11-3.
TABELA 36.4-11-3 Monitoração da carbamazepina para transtornos psiquiátricos em adultos Linha Semanal até Mensal por 6-12 de base a estabilidade 6 meses meses Hemograma completo Bilirrubina Alanina aminotransferase Aspartato aminotransferase Fosfatase alcalina Nível de carbamazepina
+
+
+
+
+ +
+ +
+ +
+
+
+
+
+ +
+ +
Os seguintes valores do exame laboratorial devem levar o médico a interromper o tratamento com a carbamazepina e consultar um hematologista: contagem total de leucócitos abaixo de 3.000/mm3, contagem de eritrócitos abaixo de 4.000.000 por mm3, contagem de neutrófilos abaixo de 1.500/mm3, hematócrito abaixo de 32%, hemoglobina abaixo de 11 g por 100 mL, contagem de plaquetas abaixo de 100.000/mm3, contagem de reticulócitos abaixo de 0,3% e concentração sérica de ferro abaixo de 150 mg por 100 mL. REFERÊNCIAS Bernus I, Dickinson RG, Hooper WD, Eadie MJ. The mechanism of the carbamazepine-valproate interaction in humans. Br J Clin Pharmacol. 1997:44:21. Denicoff KD, Smith-Jackson EE, Disney ER, Ali SO, Leverich GS, Post RM. Comparative prophylactic efficacy of lithium, carbamazepine, and the combination in bipolar disorder. J Clin Psychiatry. 1997;59:470. Greil W, Ludwig-Mayerhofer W, Erazo N, et al. Lithium versus carbamazepine in the maintenance treatment of bipolar disorders—a randomized study. J Affect Disord. l997;43:151. Hardman JG, Limbird LE, Goodman Gilman A, eds. Goodman & Gilman’s the Pharmacological Basis of Therapeutics. 10th ed. New York: McGraw-Hill; 2001. Keck PE Jr, Mendlwicz J, Calabrese JR, et al. A review of randomized controlled clinical trials in acute mania. J Affect Disord. 2000;59:S31. Leucht S, McGrath J, White P, Kissling W. Carbamazepine augmentation for schizophrenia: how good is the evidence? J Clin Psychiatry. 2002;63:218. Tariot PN, Porteinsson AP. Anticonvulsants to treat agitation in dementia. Int Psychogeriatr. 2000;12:237. Woolston JL. Case-study: carbamazepine treatment of juvenil-onset bipolar disorder. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1999;38:335. Yukawa E, Honda T, Ohdo S, Higuchi S, Aoyama T. Detection of carbamazepine-induced changes in valproic acid relative clearance in man by simple pharmacokinetic screening. J Pharm Pharmacol. 1997;49:751. Zarate CA, Tohen M. Carbamazepine. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2329.
36.4.12 Hidrato de cloral O hidrato de cloral, em uso desde 1869, é um dos medicamentos sedativo-hipnóticos mais antigos. Em vista dos vários compostos introduzidos posteriormente, hoje ele é prescrito somente como hipnótico por um período curto (2 a 3 dias).
TERAPIAS
Quase não é utilizado porque há opções mais seguras, como os benzodiazepínicos. QUÍMICA A estrutura molecular do hidrato de cloral é mostrada na Figura 36.4.12-1. AÇÕES FARMACOLÓGICAS O hidrato de cloral é bem-absorvido pelo trato gastrintestinal (GI). O composto-mãe é metabolizado, em minutos, pelo fígado, no metabólito ativo, o tricloroetanol, que tem meia-vida de 8 a 11 horas. Uma dose desse medicamento induz o sono em cerca de 30 a 60 minutos e o mantém por 4 a 8 horas. É provável que potencialize a neurotransmissão do ácido γ-aminobutírico (GABAérgico), que suprime a excitabilidade neuronal.
BIOLÓGICAS
1107
O medicamento pode agravar condições inflamatórias gastrintestinais. Além disso, não deve ser utilizado durante a gravidez ou por mulheres que estejam amamentando. Não se espera que cause dificuldades particulares em crianças ou idosos. Pode ser utilizado como sedativo para procedimentos diagnósticos em crianças que pesem até 25 kg. Além do desenvolvimento de tolerância, pode ocorrer dependência de hidrato de cloral, com sintomas semelhantes aos da dependência de álcool. Os sintomas de intoxicação incluem confusão, ataxia, disartria, bradicardia, arritmia e sonolência grave. A dose letal para adultos tem se estendido de 5 a 40 g; dessa forma, o medicamento é uma má escolha para pacientes potencialmente suicidas. Sua letalidade é potencializada por outros depressores do SNC, incluindo o álcool. Com a utilização de longo prazo e superdosagem, podem se desenvolver gastrite e ulceração gástrica. É possível que lesões hepáticas e renais decorram de tentativas de superdosagem, as quais resultam em icterícia e albuminúria. INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS
Além de seus efeitos sobre o sistema nervoso central (SNC), o hidrato de cloral age sobre o trato GI e a pele. Os efeitos gastrintestinais incluem irritação inespecífica, náusea, vômitos, flatulência e gosto desagradável na boca. Os dermatológicos, ainda que incomuns, envolvem exantemas, urticária, púrpura, eczema e eritema multiforme. As lesões dermatológicas podem ser acompanhadas por febre.
A sedação por hidrato de cloral ocorre em decorrência da sedação promovida por outros agentes de ação central. Em vista da interferência metabólica, ele deve ser estritamente evitado com álcool, uma mistura conhecida como “Mickey Finn”. A utilização do hidrato de cloral menos de 24 horas antes da administração intravenosa de furosemida (Lasix) pode causar sudorese, exantemas e pressão arterial instável. Esse agente pode deslocar o warfarin (Coumadin) das proteínas do plasma e aumentar sua atividade anticoagulante, o que torna imprópria essa combinação.
INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS
INTERFERÊNCIAS LABORATORIAIS
A principal indicação para o hidrato de cloral é a insônia. É controverso se esse agente afeta o sono da fase dos movimentos rápidos dos olhos (REM), mas os pacientes não experimentam rebote do REM após a interrupção do mesmo. O tratamento de longo prazo se associa a aumento da incidência e da gravidade dos efeitos adversos. Desenvolve-se tolerância a seus efeitos hipnóticos após duas semanas de tratamento.
A administração de hidrato de cloral pode levar a resultados falso-positivos na determinação da glicose na urina utilizando-se de sulfato cúprico (p. ex., o Clinitest), mas não em testes que utilizam a oxidase da glicose (p. ex., Clinistix e Test-tape). O medicamento também pode interferir na determinação de catecolaminas e 17-hidroxicorticosteróides.
EFEITOS SOBRE ÓRGÃOS E SISTEMAS ESPECÍFICOS
DOSAGEM E DIRETRIZES CLÍNICAS PRECAUÇÕES E REAÇÕES ADVERSAS Os efeitos GI adversos mais comuns são náusea, vômitos e diarréia. Os pacientes devem ser advertidos de que podem experimentar sedação residual diurna e comprometimento da coordenação motora. O hidrato de cloral deve ser evitado por aqueles com doença renal, cardíaca ou hepática graves ou com porfiria.
O hidrato de cloral se encontra disponível em cápsulas de 500 mg, solução de 500 mg/5 mL e em supositórios retais de 324, 500 e 648 mg. Sua dose-padrão é de 500 a 2.000 mg ao deitar. Por ser um irritante GI, deve ser administrado com água, leite ou outros líquidos ou com antiácidos para reduzir a irritação gástrica. REFERÊNCIAS
CI
CI
OH
C
C
CI
H
OH
FIGURA 36.4.12-1 Estrutura molecular do hidrato de cloral.
Charney DS, Mihic SJ, Harris RA. In: Hardman JG, Limbird LE, Goodman Gilman A, eds. Goodman & Gilman’s the Pharmacological Basis of Therapeutics. 10th ed. NewYork: McGraw-Hill; 2001:399. Labbate LA, Arana GW, Ballenger JC. Chloral hydrate. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2343.
1108
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Lovinger DM, Zimmerman SA, Levitan M, Harrison NL. Trichloroethanol potentiates synaptic transmission mediated by gamma-aminobutyric acid A receptors in hippocampal neurons. J Pharmacol Exp Ther. 1993;264:1097. McEvoy GK, ed. AHFS 2002 Drug Information. Bethesda, MD: American Society of Health-System Pharmacists; 2002. Solt K, Johansson JS. Binding of the active metabolite of chloral hydrate, 2,2,2trichloroethanol, to serum albumin demonstrated using tryptophan fluorescence quenching. Pharmacology. 2002;64:152. Vade A, Sukhani R, Dolenga M, Habisohn-Schuck C. Chloral hydrate sedation of children undergoing CT and MR imaging: safety as judged by American Academy of Pediatrics guidelines. Am Roentgenol. 1995;165:905. Yamada A, Ohshima Y, Tsukahara H, et al. Two cases of anaphylactic reaction to gelatin induced by a chloral hydrate suppository. Pediatr Int. 2002;44:87. 2
36.4.13 Inibidores da colinesterase Quatro medicamentos foram aprovados pela Food and Drug Administration (FDA) para o tratamento de doença de Alzheimer e de doenças similares com déficits cognitivos: a tacrina (Tacrinal), a rivastigmina (Exelon), a galantamina (Reminyl) e o donezepil (Eranz). Estes são inibidores da colinesterase que diminuem a clivagem e a inativação sináptica da acetilcolina, potencializando a neurotransmissão colinérgica (Fig. 36.4.13-1), que, por sua vez, tende a produzir uma melhora modesta na memória e no pensamento orientado para objetivos. Por algum tempo, a tacrina era o único medicamento disponível, mas vários efeitos inconvenientes, em especial toxicidade hepática, que necessitavam de exames de sangue semanais, tornaram-na somente para uma minoria de pacientes com doença de Alzheimer. Mais tarde, o donezepil foi aprovado. Este possui um regime de dosagem mais simples, menos efeitos adversos e não necessita de exames semanais de sangue. Seguiram-se a rivastigmina e a galantamina, também com perfis mais seguros. Outros agentes similares estão em investigação, mas ainda não foram disponibilizados para utilização nos Estados Unidos, entre os quais o salicilato de fisostigmina de liberação prolongada (Synapton), a suronacrina, a eptastigmina e o metrifonato. Estes são considerados mais úteis para pacientes que manifestam perda de memória leve a moderada, mas que apresentam, a despeito disso, neurônios colinérgicos suficientes para se beneficiarem do aumento da neurotransmissão colinérgica. A memantina, um antagonista do receptor tipo N-metilD-aspartato (NMDA) está sob investigação. Não é um inibidor da colinesterase, funcionando ao proteger os neurônios da estimulação excessiva pelo glutamato, um possível fator na causa da doença de Alzheimer. Esse medicamento é discutido separadamente, a seguir. QUÍMICA A estrutura molecular do donepezil, da rivastigmina, da tacrina e da galantamina é apresentada na Figura 36.4.13-2.
Ac CoA + colina 1 7
3
5
ACh
colina + acetato ACh
6
4
FIGURA 36.4.13-1 Locais potenciais da ação dos medicamentos sobre as sinapses colinérgicas. Os inibidores da acetilcolinesterase, como o donepezil e a tacrina, bloqueiam a hidrólise da acetilcolina (Ac) na fenda sináptica (6) e, dessa forma, prolongam a ação da Ac secretada. Os anticolinérgicos, como a benztropina e o triexifenidil, bloqueiam os receptores muscarínicos pré-sinápticos (5) e pós-sinápticos (4) reduzindo a ação da Ac intra-sináptica. Outros locais potenciais de ação dos medicamentos para os quais ainda não há agentes clínicos disponíveis incluem a síntese da Ac (1), seu transporte para dentro das vesículas (2), sua secreção para dentro da fenda sináptica (3) e a recaptação da colina (7). (Reproduzida, com permissão, de Cooper JR, Bloom FE, Roth RH. The Biochemical Basis of Neuropharmaclogy. 7th ed. New York: Oxford University Press, 1995:221.)
AÇÕES FARMACOLÓGICAS Todos os inibidores da colinesterase são logo absorvidos pelo trato gastrintestinal (GI). Os picos das concentrações plasmáticas diferem um pouco, mas são atingidos em cerca de 3 a 4 horas após a administração oral. A meia-vida do donepezil é de 70 horas entre idosos, com administração apenas uma vez por dia. Níveis estáveis constantes são atingidos em cerca de duas semanas. A presença de cirrose alcoólica reduz a depuração do donepezil em 20%. A rivastigmina e a galantamina atingem seus picos de concentrações plasmáticas em uma hora. As ações de ambas podem ser postergadas por até 90 minutos se tomadas com alimentos. A meia-vida da rivastigmina é de uma hora, mas, pelo fato de se manter ligada às colinesterases, uma única dose fica terapeuticamente ativa por 10 horas, o que demanda administração duas vezes ao dia. O pico das concentrações plasmáticas da tracrina é atingido em cerca de 90 minutos após a dose oral. Sua meia-vida é de 2 a 4 horas, necessitando, por isso, de doses quatro vezes ao dia; a
TERAPIAS
BIOLÓGICAS
1109
O CH3O CH2
N
CH2
CH3O Donepezil
N O
O
N Rivastigmina
NH2
N Tacrina
OH H CH3O
N CH3 Galantamina FIGURA 36.4.13-2 Estruturas moleculares dos inibidores da colinesterase.
galantamina tem uma meia-vida de sete horas, é administrada duas vezes ao dia. A galantamina é um agonista dos locais nicotínicos que não produz dessensibilização e um inibidor da colinesterase. Sua habilidade de aumentar a sensibilidade do receptor é específica da galantamina e da fisostigmina. O mecanismo de ação é análogo ao dos benzodiazepínicos sobre o local A do receptor do ácido γaminobutírico (GABA). Como conseqüência, a atividade colinomimética in vivo é até mais potente do que as propriedades de inibidor da acetilcolinestarase. O principal mecanismo de ação dos inibidores da colinesterase é reversível, a inibição da desalquilação pela acetilcolinesterase e pela butirilcolinesterase, as enzimas que catabolizam a acetilcolina no sistema nervoso central (SNC). A inibição da enzima aumenta as concentrações sinápticas da acetil-colina, em especial no hipocampo e no córtex cerebral (Fig. 36.4.13-3). Diferentemente
FIGURA 36.4.13-3 O hipocampo é o principal local de ação dos inibidores da acetilcolinesterase reforçadores da memória. Acima: exposição esquemática do hipocampo e do lobo temporal. Abaixo: Imagem por ressonância magnética no plano coronal no nível indicado no desenho superior. As setas indicam os hipocampos na parte interna dos lobos temporais. (Reimpressa, com permissão, de Spitzer M. Geist im Netz. Heidelberg: Spektrum Akdademischer Verlag, 1996: 215.)
da tacrina, que é não-seletiva para todas as formas da acetilcolinesterase, o donepezil parece ser seletivamente ativo no SNC e ter pouca atividade na periferia. O perfil favorável de efeitos adversos parece se correlacionar com essa falta de inibição das colinesterases no trato GI. A rivastigmina e a galantamina parecem ter um pouco mais de atividade periférica do que o donepezil e, por isso, têm mais probabilidade de causar efeitos gastrintestinais adversos. Efeitos sobre órgãos e sistemas específicos Além dos efeitos sobre o desempenho cognitivo, a tacrina afeta o fígado e o sistema nervoso parassimpático. Ela se associa a um aumento das enzimas hepáticas – a transaminase glutâmico-oxalacética sérica (TGO – SGOT) e a transaminase glutâmico-pirúvica sérica (TGP – SGPT) em 25 a 30% dos pacientes. Em vista
1110
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
de suas propriedades colinomiméticas, causa ativação do sistema nervoso parassimpático, que provoca os sintomas e sinais habituais de atividade muscarínica: náuseas, vômitos, diarréia e outros sintomas autonômicos. Os demais medicamentos desta classe têm pouco ou nenhum efeito hepatotóxico, embora possam produzir ativação gastrintestinal com náusea, vômitos e anorexia.
mento para limitar os efeitos adversos gastrintestinais e no SNC. Esses sintomas leves são mais comuns com doses acima de 6 mg por dia e tendem a se resolver quando de sua diminuição. Os efeitos adversos mais comuns associados à rivastigmina são náusea, vômitos, tonturas, cefaléia, diarréia, dor abdominal, anorexia, fadiga e sonolência. Esse agente pode causar perda de peso, mas não parece induzir anormalidades hepáticas, renais, hematológicas ou eletrolíticas.
INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS O donepezil, a rivastigmina, a galantamina e a tacrina são eficazes para o tratamento do comprometimento cognitivo na demência do tipo Alzheimer. Com base em numerosos estudos bem-controlados, a utilização dos inibidores da colinesterase, de longo prazo, lentifica a progressão da perda de memória e diminui a apatia, a depressão, as alucinações, a ansiedade, a euforia e os comportamentos motores despropositados. A autonomia funcional (i.e., a capacidade de conduzir as atividades da vida diária) é menos preservada. Algumas pessoas observam melhora imediata da memória, do estado de humor, dos sintomas psicóticos e das habilidades interpessoais. Outras notam pouco benefício inicial, mas são capazes de manter suas faculdades cognitivas e adaptativas em um nível bastante estável por muitos meses. O uso dos inibidores da colinesterase pode postergar ou reduzir a necessidade de locais protegidos.
Galantamina É bem-tolerada e em doses de 8 mg por dia produz melhora da cognição em pacientes com comprometimento de leve a moderado. Com doses mais altas (24 mg por dia), o risco de efeitos adversos, incluindo síncope, aumenta. As reações adversas a seu uso costumam ser gastrintestinais, estar relacionadas à dose e, em 5% dos pacientes, podem levar à interrupção do mesmo. Tacrina
O donezepil pode ser benéfico para o tratamento da demência decorrente da doença dos corpos de Lewy difusa e de déficits cognitivos decorrentes de lesão cerebral traumática. Esse medicamento está sob estudo para o tratamento do comprometimento cognitivo menos grave do que aquele que resulta da doença de Alzheimer. As pessoas com demência por infartos múltiplos e outros tipos de demência podem não responder aos inibidores da colinesterase. É possível que estes desencadeiem uma reação catastrófica idiossincrática, com sinais de luto e agitação, que é autolimitada, pois o medicamento é suspenso. O uso de inibidores da colinesterase para melhorar a cognição no caso de indivíduos não-dementes deve ser desencorajado.
É um medicamento difícil de dosar e de usar, o que impõe o risco de elevações potencialmente significativas dos níveis das transaminases hepáticas em 25 a 30% das pessoas, náuseas e vômitos em 20%, diarréia e outros sintomas colinérgicos em cerca de 11%. Além dos níveis elevados das transaminases, os efeitos adversos específicos mais comuns associados ao tratamento com a tacrina são náuseas, vômitos, mialgias e anorexia, mas somente os três últimos são claramente relacionados à dose. As elevações das transaminases se desenvolvem durante as primeiras 6 a 13 semanas do tratamento, e os eventos intermediados de modo colinérgico são relacionados à dose. Em vista do alto risco de hepatotoxicidade e da disponibilidade de medicamentos mais novos e mais seguros nesta classe, a tacrina quase não é utilizada.
PRECAUÇÕES E REAÇÕES ADVERSAS
INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS
Donepezil
O metabolismo do donepezil pode ser aumentado pela fenitoína (Hidantal), pela carbamazepina (Tegretol), pela dexametasona (Decadron), pela rifampina (Rifadin) ou pelo fenobarbital (Gardenal). Todos os inibidores da colinesterase devem ser utilizados com cuidado com agentes que também possuam atividade colinomimética, como a succinilcolina (Anectina) ou o betanecol (Liberan). A co-administração de inibidores da colinesterase com medicamentos que tenham atividade antagonista colinérgica (p. ex., os tricíclicos) provavelmente é contraprodutiva. O donepezil é altamente ligado a proteínas, mas não desloca outros medicamentos ligados a proteínas, como a furosemida (Lasix), a digoxina (Lanoxin), ou o warfarin (Coumadina). A rivastigmina circula, em grande parte, não ligada às proteínas do soro e não possui interações medicamentosas significativas conhecidas. A co-administração de paroxetina (Aropax) e da eritromicina aumenta os níveis sangüíneos da galantamina. Exceto pela tacrina, alguns
Em geral, é bem-tolerado nas dosagens recomendadas. Menos de 3% das pessoas que tomam donepezil experimentam náusea, diarréia e vômitos. Esses sintomas moderados são mais comuns com a dose de 10 mg do que com a de 5 mg e tendem a se resolver após três semanas da continuação do uso. O medicamento pode causar perda de peso. O tratamento tem se associado a pouca freqüência de bradiarritmias, principalmente em pessoas com doença cardíaca subjacente. Um pequeno número de indivíduos experimenta síncope. Rivastigmina Costuma ser bem-tolerada, mas as doses recomendadas podem necessitar de um aumento gradual no período inicial do trata-
TERAPIAS
desses medicamentos inibem as vias metabólicas das isoenzimas do citocromo P450, mas isso não tem relevância clínica. INTERFERÊNCIAS LABORATORIAIS Nenhuma interferência laboratorial foi associada a qualquer um dos inibidores da colinesterase. DOSAGEM E DIRETRIZES CLÍNICAS Antes do início do tratamento com os inibidores da colinesterase, causas potencialmente tratáveis de demência devem ser excluídas, e o diagnóstico de demência do tipo Alzheimer deve ser estabelecido com uma avaliação neurológica completa. Testes neuropsicológicos pormenorizados podem detectar sinais precoces da doença de Alzheimer. A avaliação psiquiátrica também deve enfocar depressão, ansiedade e psicose. O donepezil está disponível em comprimidos de 5 e 10 mg. O tratamento deve ser iniciado com 5 mg ao deitar. Se bemtolerado e com algum benefício discernível após quatro semanas, a dose pode ser aumentada para o nível de manutenção, que é de 10 mg ao deitar. Sua absorção não é afetada pelos alimentos. A rivastigmina é encotrada em cápsulas de 1,5, 3, 4,5 e 6 mg. A dose inicial recomendada é de 1,5 mg duas vezes ao dia por um mínimo de duas semanas, após o que, aumentos de 1,5 mg por dia podem ser feitos em intervalos de pelo menos duas semanas, até a dose-alvo de 6 mg por dia, dividida em duas doses iguais. Se tolerada, pode ser aumentada ainda mais até o máximo de 6 mg duas vezes ao dia. O risco de eventos gastrintestinais adversos pode ser reduzido pela administração do agente com as refeições. A galantamina está disponível em comprimidos de 8 e 16 mg. A dose recomendada de início é de 4 mg duas vezes ao dia. Após quatro semanas, deve ser aumentada para 8 mg duas vezes ao dia (16 mg por dia). Se tolerado, um aumento adicional para 12 mg duas vezes ao dia pode ser tentado após um mínimo de quatro semanas na dose anterior. A administração com as refeições pode limitar as queixas gastrintestinais adversas. Para pacientes com comprometimento renal, uma dose superior a 16 mg por dia deve ser evitada. A tacrina é fabricada em cápsulas de 10, 20, 30 e 40 mg. Antes do início do tratamento, deve-se realizar exame físico e laboratorial completo, com atenção especial para testes de função hepática e índices hematológicos de linha de base. O tratamento deve começar com 10 mg quatro vezes ao dia e, a seguir, aumentado com acréscimos de 10 mg por dose a cada seis semanas, até 160 mg por dia; a tolerância a cada dosagem é indicada pela ausência de efeitos adversos inaceitáveis e pela falta de elevação da atividade da alanina aminotransferase (ALT). A tacrina deve ser administrada quatro vezes ao dia – de preferência, uma hora antes das refeições, já que sua absorção é reduzida em cerca de 25% quando tomada durante as primeiras duas horas após as refeições. Como mencionado, em vista do alto risco de hepatotoxicidade, a tacrina não é mais recomendada, em especial porque os compostos mais recentes são tão eficazes quanto ela, mas apresentam menos risco.
BIOLÓGICAS
1111
MEMANTINA A memantina é um antagonista dos receptores NMDA. O mecanismo de ação pelo qual se acredita que ela produza os efeitos clínicos é diferente dos agentes atualmente disponíveis para o tratamento da doença de Alzheimer, todos os quais modulam as concentrações do neurotransmissor acetilcolina. Ao bloquear o receptor tipo N-metil-D-aspartato (NMDA), o agente sob investigação, memantina, é capaz de proteger os neurônios da estimulação excessiva pelo neurotansmissor excitador glutamato, sem interferir no papel deste no funcionamento neuronal normal – diferentemente de outros antagonistas do NMDA também sob investigação. O glutamato tem um papel fundamental nas vias neurais associadas ao aprendizado e à memória, talvez afetando o movimento dos sinais elétricos através de 70% das sinapses excitatórias do sistema nervoso central. Quantidades excessivas do mesmo podem, contudo, danificar as células por causar excitação excessiva. A excitotoxicidade é tida, por hipótese, como responsável pela morte da célula neuronal observada na doença de Alzheimer, bem como em outras doenças neurodegenerativas. No momento, a memantina, conhecida como Akatinol, está em uso na Europa*. REFERÊNCIAS Corey-Bloom J, Anand R, Veach J. A randomized trial evaluating the efficacy and safety of ENA-713 (rivastigmine tartrate), a new acetylcholinesterase inhibitor, in patients with mild to moderately severe Alzheimer’s disease. Int J Geriatr Psychopharmacol. 1998;1:55. Cummings JL, Askin-Edgar S. Evidence for psychotropic effects of acetylcholinesterase inhibitors. CNS Drugs. 2000;13:385. Cummings JL, Cyrus PA, Bieber F, Mas J, Orazem J, Gulanski B. Metrifonate treatment of the cognitive deficits of Alzheimer’s disease. Metrifonate Study Group. Neurology. 1998;50:1214. Dunn NR, Pearce GL, Shakir SAW. Adverse effects associated with the use of donepezil in general practice in England. J Psychopharmacol. 2000; 14: 406. Hardman JG, Limbird LE, Goodman Gilman A, eds. Goodman & Gilman’s the Pharmacological Basis of Therapeutics. 10th ed. New York: McGraw-Hill; 2001. Knapp MJ, Knopman DS, Solomon PR, Pendlebury WW, Davis CS, Gracon SI. A 30-week randomized controlled trial of high-dose tacrine in patients with Alzheimer’s disease. The Tacrine Study Group. JAMA. l994;271:985. Knopman D, Schneider L, Davis K, et al. Long-term tacrine (Cognex) treatment: effects on nursing home placement and mortality. Tacrine Sludy Group. Neurology. 1996;47:166. Morris JC, Cyrus PA, Orazem J, et al. Metrifonate benefits cognitive, behavioral, and global function in patients with Alzheimer’s disease. Neurology. 1998;50:1222. Rocca P, Cocuzza E, Marchiaro L, Bogetto F. Donepezil in the treatment of Alzheimer’s disease: long-term efficacy and safety. Prog Neurochopharmacol Biol Psychiatry. 2002;26:369. Rogers SL, Doody RS, Mohs RC. Friedhoff LT. Donepezil improves cognitive and global function in Alzheimer disease: a 15-week, double-blind, placebo-controlled study Donepezil Study Group. Arch Intern Med. 1998;158:1021. Rogers SL, Farlow MR, Doody RS, Mohs R, Friedhoff LT. A 24-week, doubleblind, placebo-controlled trial of donepezil in patients with Alzheimer’s disease. Donepezil Study Group. Neurology. 1998;50:136. Samuels SC, Davis KL. Cholinesterase inhibitors. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2346.
* N. de R.T. No Brasil, está disponível com o nome de Ebix.
1112
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Taylor P. Anticholinesterase agents. In: Hardman JG, Limbird LE, Goodman Gilman A, eds. Goodman & Gilman’s the Pharmacological Basis of Therapeutics. 10th ed. New York: McGraw-Hill; 2001:175. van Gool WA. Efficacy of donepezil in Alzheimer’s disease: fact or artifact? Neurology. 1999;52:218. Walkins PB, Zimmerman HJ, Knapp MJ, Gracon SI, Lewis KW. Hepatotoxic effects of tacrine administration in patients with Alzheimer’s disease. JAMA. 1994;271:992.
36.4.14 Dantrolene O dantrolene (Dantrium) é um relaxante de ação direta sobre os músculos esqueléticos. Na clínica psiquiátrica contemporânea, é um dos tratamentos potencialmente efetivos para a síndrome neuroléptica maligna, a catatonia e a síndrome serotonérgica. QUÍMICA Esse agente é derivado da hidantoína, como indicado por sua estrutura molecular (Fig. 35.4.14-1). Ele não é estrutural ou farmacologicamente relacionado a outros relaxantes musculares. AÇÕES FARMACOLÓGICAS Cerca de um terço da buspirona administrada por via oral é lentamente absorvida pelo trato gastrintestinal (GI). Em doses suficientes, é possível manter concentrações plasmáticas consistentes. O pico dos níveis plasmáticos é observado cerca de cinco horas após a administração oral. Sua meia-vida de eliminação é de mais ou menos nove horas. O dantrolene é amplamente ligado a proteínas, metabolizado pelo fígado e excretado pela urina. Produz relaxamento dos músculos esqueléticos ao afetar a resposta contrátil dos músculos no local após a junção mioneural. O efeito relaxante dos músculos esqueléticos é a base da eficácia na redução da degeneração muscular e da hipertermia associadas à síndrome neuroléptica maligna. AÇÕES SOBRE ÓRGÃOS E SISTEMAS ESPECÍFICOS O efeito relaxante dos músculos esqueléticos pode causar fraqueza muscular e sintomas como fala arrastada e perda de saliva pelos cantos da boca. O dantrolene também possui efeitos sobre o trato GI (como diarréia) e o sistema nervoso (como cefaléia e
O2N
O
CH
N O
O
N NH
FIGURA 36.4.14-1 Estrutura molecular do dantrolene.
depressão) e, possivelmente, efeitos tóxicos sobre os hepatócitos, como indicado por uma associação com resultados de testes elevados da função hepática. INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS A principal indicação psiquiátrica para o dantrolene intravenoso (IV) é a rigidez muscular da síndrome neuroléptica maligna. Esse medicamento é quase sempre utilizado em associação com medidas apropriadas de manutenção e um agonista dos receptores de dopamina – por exemplo, a bromocriptina (Parlodel). Considerando todos os relatos de casos em conjunto, cerca de 80% dos pacientes com síndrome neuroléptica maligna que receberam dantrolene se beneficiaram clinicamente do medicamento. Relaxamento muscular e melhora geral e significativa dos sintomas podem aparecer minutos após a administração IV, ainda que, na maioria dos casos, os efeitos benéficos possam levar várias horas para se manifestar. Alguma evidência indica que o tratamento com esse agente precisa ser continuado por algum tempo, talvez dias ou semanas ou mais, para reduzir ao mínimo o risco de os sintomas recorrerem, embora os dados para esta opinião clínica sejam limitados. O dantrolene tem sido utilizado em ensaios para tratar outras condições psiquiátricas caracterizadas por rigidez muscular que ameace a vida, como a catatonia e a síndrome serotonérgica. PRECAUÇÕES E REAÇÕES ADVERSAS Fraqueza muscular, sonolência, tonturas, cabeça oca, náusea, diarréia, mal-estar e fadiga são os efeitos adversos mais comuns do dantrolene, os quais tendem a ser transitórios. Seus efeitos sobre o sistema nervoso central (SNC) podem incluir transtorno da fala (que pode refletir sua atuação sobre os músculos da fala), cefaléia, alterações visuais, modificação do paladar, depressão, confusão, alucinações, nervosismo e insônia. Muitos dos seus efeitos adversos graves se associam ao tratamento de longo prazo, e não a seu uso de curto prazo no caso de síndrome neuroléptica maligna. Eles incluem hepatite, convulsões e derrame pleural com pericardite. Em vista de seu potencial para efeitos adversos, não deve ser utilizado por pacientes psiquiátricos para qualquer tratamento de longo prazo. O mesmo deve ser utilizado com cuidado por aqueles com doença hepática, renal ou pulmonar crônica. Ele pode atravessar a placenta e, dessa forma, é contra-indicado para grávidas e não deve ser utilizado por mulheres que estejam amamentando, exceto em situações de emergência, como na síndrome neuroléptica maligna. Não há dados disponíveis sobre sua utilização por idosos, e não houve nenhum único problema associado a seu emprego para tratar crianças. INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS O risco de toxicidade para o fígado pode estar aumentado em pacientes que estejam ao mesmo tempo tomando estrógenos.
TERAPIAS
O dantrolene deve ser utilizado com cuidado por aqueles que estejam tomando outros medicamentos que produzem sonolência, tipicamente os benzodiazepínicos. No caso da síndrome neuroléptica maligna, contudo, as diretrizes para o dantrolene devem ser ponderadas tendo em vista a gravidade da condição. Este agente não deve ser administrado por via intravenosa em combinação com inibidores dos canais de cálcio. Sua administração concomitante com teofilina em animais tem causado convulsões e morte.
BIOLÓGICAS
1113
36.4.15 Dissulfiram O dissulfiram (Antabuse) é utilizado para se garantir a abstinência no tratamento da dependência de álcool. Seu prinicipal efeito é produzir uma reação rápida e desagradável na pessoa que ingere mesmo uma pequena quantidade de álcool quando tomando o dissulfiram. Devido ao risco de reações graves e mesmo fatais da combinação álcool-dissulfiram, esse tratamento é utilizado com menos freqüência hoje em dia do que o foi no passado.
INTERFERÊNCIAS LABORATORIAIS Não há interferências laboratoriais conhecidas associadas ao dantrolene, embora sua utilização por pacientes com síndrome neuroléptica maligna seja ainda limitada.
QUÍMICA A estrutura molecular do dissulfiram é apresentada na Figura 36.4.15-1.
DOSAGEM E ADMINISTRAÇÃO AÇÕES FARMACOLÓGICAS Tendo em vista interrupção imediata dos medicamentos antipsicóticos, medidas para diminuir a temperatura do paciente e a monitoração dos sinais vitais e da excreção renal, é possível a administração do dantrolene em doses de 1 mg/kg por via oral quatro vezes ao dia ou 1 a 5 mg/kg IV para reduzir os espasmos musculares em pacientes com síndrome neuroléptica maligna. Embora alguns clínicos tenham recomendado baixas doses por causa dos efeitos adversos, outros indicam que doses de 10 mg/kg têm mais probabilidade de serem efetivas. A administração intravenosa relaxa a tensão muscular dentro de alguns minutos. O dantrolene é fornecido em cápsulas de 15, 50 e 100 mg e em preparação parenteral de 20 mg para reconstituição com 60 mL de água estéril. REFERÊNCIAS DeBattista C, Shatzberg AF. Other pharmacological and biological therapies. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2521. Hardman JG, Limbird LE, Goodman Gilman A, eds. Goodman & Gilman’s the Pharmacological Basis of the Therapeutics. 10th ed. New York: McGraw-Hill; 2001. Mercadante S. Dantrolene treatment of opioid-induced myoclonus. Anesth Analg. 1995;18:1307. Nisijima K, Ishigura T. Does dantrolene influence central dopamine and serotonin metabolism in the neuroleptic malignant syndrome? A retrospective study. Biol Psychiatry. 1993;33:45. Otani K, Mihara K, Kondo T, et al. Treatment of neuroleptic malignant syndrome with levodopa. Hum Psychopharmacol. 1992;7:217. Rice J, Lebowitz PW, Bailine SH, Mowerman A. Malignant hyperthermia and electroconvulsive therapy. Convuls Ther. 1993;9:45. Scheftner WA, Shulman RB. Treatment choice in neuroleptic malignant syndrome. Convuls Ther. 1992;8:267. Susman VL. Clinical management of neuroleptic malignant syndrome. Psychiatr Q. 2000;72:325. Tsai G, Crisostomo G, Rosenblatt ML, Stern TA. Neuroleptic malignant syndrome associated with clozapine treatment. Am Clin Psychiatry. 1995;7:91. Waldman HJ. Centrally acting skeletal muscle relaxants and associated drugs. J Pain Symptom Manage. 1994;9:434.
O dissulfiram é quase completamente absorvido pelo trato gastrintestinal após a administração oral. É metabolizado no fígado e excretado pela urina. É lipossolúvel e tem meia-vida de 60 a 120 horas. Uma ou duas semanas podem ser necessárias antes que seja eliminado do organismo após a última dose. O metabolismo do etanol se processa pela oxidação via deidrogenase do álcool, para formação de acetaldeído, que, em seguida, é metabolizado pela acetilcoenzima A (acetil-CoA) mediante a deidrogenase do aldeído. A acetil-CoA prossegue até o ácido cítrico e outras vias metabólicas. O dissulfiram é um inibidor da deidrogenase do aldeído, que interfere no metabolismo do álcool e produz um aumento significativo dos níveis sangüíneos de acetaldeído. A acumulação deste (até um nível 20 vezes mais alto do que o que ocorre no metabolismo normal do álcool) produz uma ampla gama de reações desagradáveis, denominada reação a dissulfiram-álcool, caracterizada por náuseas, cefaléia pulsátil, vômitos, hipotensão, rubor, sudorese, sede, dispnéia, taquicardia, dor no peito, vertigem e visão turva. A reação ocorre assim que uma dose de álcool é ingerida e pode durar até 30 minutos. INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS A principal indicação para a utilização do dissulfiram é o tratamento por condicionamento aversivo da dependência de álcool. Tanto o medo de ter a reação dissulfiram-álcool como a lembrança de ter tido uma têm o objetivo de condicionar o paciente a não consumir a substância. Alguns clínicos induzem uma reação desse tipo em pacientes no início do tratamento, para convencê-los
C 2H 5
C 2H 5 N C 2H 5
C S
S
S
C S
N C 2H 5
FIGURA 36.4.15-1 Estrutura molecular do dissulfiram.
1114
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
do caráter desagradável e grave dos sintomas. Essa prática não é recomendada, contudo, já que a reação pode levar a colapso cardiovascular. Um descrição gráfica da gravidade e do caráter desagradável da reação dissulfiram-álcool em geral é suficiente para desencorajar os pacientes a beber. Esse tratamento deve ser combinado com tratamentos como psicoterapia, terapia de grupo e grupos de apoio, como os Alcóolicos Anônimos. O tratamento da dependência do álcool necessita de monitoração cuidadosa, uma vez que o paciente pode simplesmente decidir não tomar o medicamento; se possível, a adesão à medicação deve ser verificada. PRECAUÇÕES E REAÇÕES ADVERSAS Com consumo de álcool A intensidade da reação dissulfiram-álcool varia conforme cada paciente. Em casos extremos, é marcada por depressão respiratória, colapso cardiovascular, infarto do miocárdio, convulsões e morte. Por isso, o dissulfiram é contra-indicado para aqueles com uma doença pulmonar ou cardiovascular significativa. Além disso, deve ser utilizado com cuidado, se é que o deve, por pacientes com nefrite, lesão cerebral, hipotireoidismo, diabete, doença hepática, convulsões, dependência de múltiplas drogas ou com um eletroencefalograma anormal. A maioria das reações fatais ocorre em pacientes que tomam mais de 500 mg do medicamento por dia e que consomem mais de 90 g de álcool. O tratamento da reação dissulfiram-álcool grave atém-se à manutenção para evitar o choque. Sem consumo de álcool Os efeitos adversos do dissulfiram na ausência do consumo de álcool incluem fadiga, dermatite, impotência, neurite óptica, uma série de alterações mentais, polineuropatia aguda e lesão hepática. Um metabólito do dissulfiram inibe a hidroxilase da dopamina e, assim, exacerba a psicose em pacientes com transtornos pisquiátricos. INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS O dissulfiram aumenta as concentrações sangüíneas de diazepam (Valium), clordiazepóxido (Librium), paraldeído (Paral), fenitoína (Epelin), cafeína, teofilina (Teolong), tetraidrocanabinol (o ingrediente ativo da maconha), barbitúricos, anticoagulantes, isoniazida (Nydrazid) e medicamentos tricíclicos. A administração concomitante com tranilcipromina (Parnate) causa convulsões e morte em animais. INTERFERÊNCIAS LABORATORIAIS Em raras situações, relatou-se que o dissulfiram reduz a captação de iodo-131 (131I) e de resultados do teste de iodo ligado a proteínas. Em pesquisas, ele reduziu as concentrações urinárias do
ácido homovanílico, o principal metabólito da dopamina, por causa da inibição da hidroxilase da dopamina. DOSAGEM E ADMINISTRAÇÃO O dissulfiram é fornecido em comprimidos de 250 e 500 mg. A dose habitual inicial é de 500 mg por dia tomados por via oral pelas primeiras 1 a 2 semanas, seguidas por uma dose de manutenção de 250 mg por dia. O consumo não deve exceder 500 mg por dia. A dose de manutenção varia de 125 a 500 mg por dia. Os pacientes devem ser instruídos de que a ingestão de mesmo uma quantidade mínima de álcool leva à reação dissulfiram-álcool, com todos os seus efeitos desgradáveis. Além disso, é importante adverti-los a não ingerir preparações contendo álcool, como gotas para a tosse, tônicos de qualquer tipo e alimentos e molhos à base da substância. Algumas reações ocorreram em homens que usaram loções após a barba e inalaram seus vapores; por isso, as precauções devem ser explícitas e incluir qualquer preparação de aplicação tópica contendo álcool, inclusive perfumes. Esse medicamento não deve ser administrado até que o paciente tenha conseguido se abster de álcool por, no mínimo, 12 horas. O dissulfiram pode causar uma reação desagradável dentro de 15 minutos após a última dose em uma pessoa que tenha mesmo a mínima concentração sérica de álcool nãometabolizado. Os pacientes devem ser advertidos de que a reação dissulfiram-álcool pode ocorrer mesmo após 1 a 2 semanas depois da última dose de dissulfiram. Recomenda-se que os pacientes carreguem cartões de identificação descrevendo a reação dissulfiram-álcool e listando o nome e o número do telefone do médico a ser chamado. REFERÊNCIAS Anton RF. Pharmacologic approaches to the management of alcoholism. J Clin Psychiatry. 2001;62:11. DeBattista C, Shatzberg AF. Other pharmacological and biological therapies. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2521. Hameedi FA, Rosen MI, Mc-Cance-Katz EF, et al. Behavioral, physiological, and pharmacological interaction of cocaine and disulfiram in humans. Biol Psychiatry. 1995;37:560. Hardman JG, Limbird LE, Goodman Gilman A, ed. Goodman & Gilman’s the Pharmacological Basis of Therapeutics. 10th ed. New York: McGraw-Hill; 2001. Kaminer Y. Disulfiram in adolescents? J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1995;34:2. Masia M, Gutierrez F, Jimeno A, et al. Fulminant hepatitis and fatal toxic epidermal necrolysis, (Lyell disease) coincident with clarithromycin administration in an alcholic patient receiving disulfiram therapy. Arch Intern Med. 2002;162:474. Miller NS. Pharmacotherapy in alcoholism. Alcohol Treat Q. 1995;12:129. Miller NS. Pharmacotherapy in alcoholism. J Addict Dis. 1995;14:23. Schuckit MA. Recent developments in the pharmacotherapy of alcohol dependence. J Consult Clin Psychol. 1996;64:669. Smith JE, Meyers RJ. The community reinforcement approach. In: Hester RK, Miller WR, eds. Handbook of Alcoholism Treatment Approaches: Effective Alternatives. 2nd ed. Boston: Allyn & Bacon; 1995:251. Thas ME, Salloum IM, Cornelius JD. Comorbid alcoholism and depression: treatment issues. J Clin Psychiatry. 2001;62:32.
TERAPIAS
36.4.16 Agonistas dos receptores de dopamina e seus precursores: bromocriptina, levodopa, pergolida, pramipexol e ropinirol Os agonistas dos receptores e os precursores de dopamina aumentam a quantidade de dopamina no cérebro. São utilizados pelos psiquiatras para tratar vários efeitos adversos dos antipsicóticos, incluindo (1) parkinsonismo, (2) sintomas extrapiramidais, (3) acinesia, (4) tremores periorais focais, (5) hiperprolactinemia, (6) galactorréia (7) e síndrome neuroléptica maligna. Os medicamentos dessa classe prescritos com mais freqüência são a bromocriptina (Parlodel), a levodopa (Larodopa) e a levodopa-carbidopa (Sinemet). Agonistas novos dos receptores de dopamina incluem o ropirinol (Requip) o pramipexol (Sifrol) e a pergolida (Celance), que são melhor tolerados do que a bromocriptina.
CH2
C
A levodopa é o precursor natural da dopamina. Sua formulação combinada com a da carbidopa reduz a incidência de efeitos adversos não ligados ao sistema nervoso central (SNC) experimentados com o uso da levodopa isolada. A bromocriptina e a pergolida são derivados da ergotamina. As estruturas moleculares dos agonistas dos receptores da dopamina e da carbidopa (Lodosyn) são exibidas na Figura 36.4.16-1 AÇÕES FARMACOLÓGICAS A levodopa, ou L-dopa, é rapidamente absorvida após a administração oral, e o pico dos níveis plasmáticos é atingido em 20 a 120 minutos. Sua meia-vida é de 90 minutos. A absorção da levodopa pode ser bastante reduzida por mudanças no pH gástrico e pela ingestão com alimentos. A bromocriptina, a pergolida e o ropinirol logo são absorvidos, mas sofrem metabolismo de primeira passagem, de modo que somente cerca de 30 a 55% da dose é biodisponível. O pico das concentrações é atingido 1,5 a 3 horas após a administração oral. A pergolida tem meia-vida de cerca de 27 horas, e uma dose única possui 5 a 6 horas de ativida-
CH3 COOH
HO
H
HO
CH2
C
COOH H2O
NHNH2
HO
Levodopa
Carbidopa
H O
N
CH3CH2CH2NH H 2C
CH2
H
N
Pramipexo
H CH2SCH3 N
NH2
S
H
N(C3H7)2
Ropinirol
H
1115
QUÍMICA
NH2 HO
BIOLÓGICAS
CH2CH2CH3
(CH3)2CH OH O CONH N NH O O N H CH2CH(CH3)2 H CH3
H HN Br
HN
Bromocriptina
Pergolida HO HO
Me N Apomorfina
FIGURA 36.4.16-1 Estrutura molecular dos agonistas dos receptores da dopamina e da carbidopa.
1116
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
de clínica. A meia-vida do ropinirol é de seis horas. O pramipexol é rapidamente absorvido, com pouco metabolismo de primeira passagem, e atinge o pico das concentrações em duas horas. Sua meia-vida é de oito horas. Assim que a levodopa entra nos neurônios dopaminérgicos do SNC, é convertida pela dopa decarboxilase no neurotransmissor dopamina. A bromocriptina, a pergolida, o ropinirol e o pramipexol atuam diretamente sobre os receptores de dopamina. Esta, o pramipexol e o ropinirol se ligam cerca de 20 vezes de forma mais seletiva aos receptores D3 da dopamina do que aos receptores D2; a razão correspondente para a pergolida é de 5 e para bromocriptina, menos de 2. A levodopa, o pramipexol e o ropirinol não têm atividade significativa sobre receptores não-dopaminérgicos, mas a pergolida e a bromocriptina se ligam aos receptores 5-HT1 e 5-HT2 da serotonina e aos receptores α1, α2 e βadrenérgicos. AÇÕES SOBRE ÓRGÃOS E SISTEMAS ESPECÍFICOS A atividade da dopamina afeta vários sistemas de órgãos além do SNC. Em vista de seu papel na manutenção da pressão arterial, esses medicamentos em geral se associam a hipertensão, ainda que hipotensão tenha sido relatada em alguns pacientes. A atividade dopaminérgica também pode afetar a freqüência e o ritmo cardíaco. O sistema gastrintestinal (GI) também é sensível aos medicamentos dopaminérgicos e, com freqüência, ocorrem sintomas de mal-estar gastrintestinal, principalmente náuseas. INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS Transtornos do movimento induzidos por medicamentos Na psiquiatria atual, os agonistas dos receptores de dopamina são utilizados para o tratamento de parkinsonismo, sintomas extrapiramidais, acinesia e tremores focais periorais induzidos por medicamentos. Sua utilização tem se tornado cada vez mais restrita, contudo, porque a incidência de transtornos do movimento induzidos por medicamentos é muito menor com a utilização dos novos antipsicóticos atípicos, os antagonistas da serotoninadopamina (ASDs). Para o tratamento dessa condição, a maioria dos clínicos confia nos anticolinérgicos, na amantadina (Mantidan) e nos antihistamínicos, pois são igualmente eficazes e têm poucos efeitos adversos. A bromocriptina permanece em uso para a síndrome neuroléptica maligna; contudo, a incidência desse problema está diminuindo com a redução do uso dos antagonistas dos receptores da dopamina. Os agonistas dos receptores da dopamina também são utilizados para se contrapor aos efeitos hipeprolactinêmicos dos antagonistas, que levam a efeitos colaterais como amenorréia e galactorréia. Os agonistas podem reduzir os efeitos farmacológicos da cocaína, mas não são eficazes em reduzir a fissura pela droga associada a sua abstinência.
Disfunção sexual Todos os agonistas dos receptores de dopamina podem melhorar a função erétil. Contudo, quase não são utilizados porque as doses terapêuticas em geral causam efeitos adversos intoleráveis e o sildenafil (Viagra) é melhor tolerado e mais eficaz. A apomorfina sublingual pode ter um nicho terapêutico no tratamento da disfunção erétil para os quais o sildenafil é contra-indicado devido ao uso de medicamentos contendo nitratos. No entanto, a segurança da co-administração de apomorfina com nitratos ainda não foi determinada. PRECAUÇÕES E REAÇÕES ADVERSAS São comuns os efeitos adversos com os agonistas dos receptores de dopamina, limitando, assim, sua utilidade. Os efeitos adversos são dependentes da dose e incluem náuseas, vômitos, hipotensão ortostática, cefaléia, tonturas e arritmias cardíacas. Para se reduzir o risco de hipotensão postural, a dose inicial de todos os agonistas dos receptores de dopamina deve ser muito baixa, com aumentos progressivos em intervalos de, no mínimo, uma semana. Esses medicamentos devem ser utilizados com cuidado por pessoas com hipertensão, doença cardiovascular e doença hepática. Após a utilização de longo prazo, pode-se experimentar movimentos coreiformes ou distônicos e transtornos psiquiátricos, inclusive alucinações, delírios, confusão, depressão, mania e outras alterações do comportamento, em especial entre idosos. A utilização, de longo prazo, da bromocriptina e da pergolida pode produzir fibrose retroperitoneal e pulmonar, derrames pleurais e espessamento da pleura. Em geral, o ropinirol e o pramipexol têm um perfil de efeitos adversos muito mais leve do que a levodopa, a bromocriptina ou a pergolida. Um e outro podem causar ataques irrestíveis de sono, que ocorrem de forma abrupta, sem aviso, o que pode causar acidentes com veículos automotores. Os efeitos adversos mais comuns da apomorfina são náuseas, hipotensão ortostática, sedação, bradicardia, síncope, sudorese e vômitos. Seus efeitos sedativos são exacerbados pelo uso concomitante de álcool e outros depressores do SNC. Os agonistas dos receptores de dopamina são contra-indicados durante a gravidez e para mulheres que estejam amamentando, já que inibem a lactação. INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS Os agonistas dos receptores da dopamina são capazes de reverter os efeitos dos antagonistas, mas isso, em geral, não é clinicamente significativo. Relatou-se que o uso concomitante de tricíclicos e agonistas dos receptores de dopamina causa sintomas de neurotoxicidade, como rigidez, agitação e tremor. Pode também potencializar os efeitos hipotensores de diuréticos e de outros medicamentos anti-hipertensivos. Os agonistas não devem ser utilizados em associação com inibidores da monoaminoxidase (IMAOs), inclusive a selegilina (Elepril) o consumo dos IMAOs deve ser interrompido pelo menos duas semanas antes do início do tratamento com os agonistas dos receptores da dopamina.
TERAPIAS
Os benzodiazepínicos, a fenitoína (Epelin) e a piridoxina podem interferir nos efeitos terapêuticos dos agonistas dos receptores de dopamina. Os alcalóides do ergot e a bromocriptina não devem ser utilizados ao mesmo tempo, já que podem causar hipertensão e infarto do miocárdio. Os progestágenos, os estrógenos e os anticoncepcionais orais podem interferir nos efeitos da bromocriptina e aumentar as concentrações plasmáticas do ropinirol. A ciprofloxacina (Cipro) pode aumentar as concentrações plasmáticas do ropirinol, e a cimetidina (Tagamet) do pramipexol. INTERFERÊNCIAS LABORATORIAIS A administração de levodopa tem se associado a relatos falsos de aumento das concentrações plasmáticas e urinárias do ácido úrico, de resultados de testes para glicose urinária, de resultados de testes de cetonas urinárias e das concentrações de catecolaminas urinárias. Nenhuma interferência laboratorial esteve associada à administração de outros agonistas dos receptores de dopamina. DOSAGEM E DIRETRIZES CLÍNICAS A Tabela 36.4.16-1 lista os vários agonistas dos receptores da dopamina e suas formulações. Para o tratamento do parkinsonismo induzido por antipsicóticos, o clínico deve começar com uma dose de 100 mg de levodopa três vezes ao dia, que pode ser aumentada até que o indivíduo apresente melhora funcional. A dose máxima é de 2.000 mg por dia, mas a maioria das pessoas responde a níveis abaixo de 1.000 mg por dia. A dose do componente carbidopa da formulação levodopa-carbidopa deve totalizar pelo menos 75 mg por dia. A dose de bromocriptina para transtornos mentais é incerta, embora pareça prudente iniciar com doses baixas (1,25 mg duas vezes ao dia) e aumentá-las aos poucos. A bromocriptina costuma ser tomada com as refeições para se reduzir a probabilidade de náuseas.
TABELA 36.4.16-1 Preparações disponíveis de agonistas dos receptores de dopamina e carbidopa Nome genérico
Nome comercial
Bromocriptina Carbidopa Levodopa
Parlodel Lodosyn Larodopa
Levodopacarbidopa
Sinemet, Atamet
Pergolida
Permax
Pramipexol
Mirapex
Ropinirol
Resquip
a
Preparações Comprimidos de 2,5 e 5 mg 25 mga Comprimidos de 100, 250 e 500 mg Comprimidos de 100/10, 100/ 100/25, 250/25 mg, comprimidos de liberação prolongada de 100/25 e 200/50 mg Comprimidos de 0,05, 0,25 e 1 mg Comprimidos de 0,15, 0,25, 0,5 1 e 1,5 mg Comprimidos de 0,25, 0,5 1, 2 e 5 mg
Medicamento disponível somente por intermédio do fabricante.
BIOLÓGICAS
1117
A dose inicial da pergolida é de 0,05 mg por dia, que pode ser aumentada em 0,1 a 0,15 mg por dia a cada três dias, até quatro aumentos, e a seguir 0,25 mg por dia a cada três dias, divididos em três doses diárias iguais, até que o benefício terapêutico ou os efeitos adversos apareçam. A dose média para o tratamento de Parkinson idiopático é de 3 mg por dia, e a dose máxima é de 5 mg por dia. A dose inicial do pramipexol é de 0,125 mg três vezes ao dia, que é aumentada em 0,25 mg três vezes ao dia na segunda semana, e em 0,25 mg por dose a cada semana, até que apareçam os efeitos terapêuticos ou adversos. Os indivíduos com doença de Parkinson idiopático em geral experimentam benefícios com a dose diária total de 1,5 mg, cujo valor diário máximo é de 4,5 mg. Para o ropinirol, a dose inicial é de 0,25 mg três vezes ao dia, aumentando-se em 0,25 mg por dose a cada semana, até a dose diária total de 3 mg, e a seguir em 0,5 mg por dose a cada semana, até a dose diária total de 9 mg. Depois, em 1 mg por dose a cada semana, até a dose máxima de 25 mg por dia, até que apareçam o benefício terapêutico ou os efeitos adversos. A dose média diária para pessoas com doença de Parkinson idiopático é de cerca de 16 mg. A apomorfina sublingual para o tratamento da disfunção erétil tem sido testada em formulações de 2 e 4 mg. É tomada pelo menos 15 minutos antes do início da relação sexual. As diretrizes clínicas relativas ao tempo de intervalo entre as doses ainda não se encontram disponíveis. REFERÊNCIAS DeBattista C, Schatzberg AF. Other pharmacological and biological therapies. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2521. Dooneief G, Mirabello E. An estimate of the incidence of depression in idiopathic Parkinson’s disease. Arch Neurol. 1992;49:305. Doraiswamy M, Martin W, Metz A. Psychosis of Patkinson’s disease: diagnosis and treatment. Prog Neuropsychopharmacol Biol Psychiatry. 1995; 19: 835. Hubble JP. Long-term studies of dopamine agonists. Neurology. 2002;58(suppl 1):S42. Jankovic J. Parkinson’s disease therapy: tailoring choices for early and late disease, young and old patients. Clin Neuropharmacol. 2000;23:252. Kaplan B, Mason NA. Levodopa in restless legs syndrome. Ann Pharmacother. 1992; 26: 214. Kaplan HI, Sadock BJ. Other pharmacological therapies. In: Kaplan HI. Sadock BJ, eds. Comprehensive Textbook of Psychiatry. 6th ed. Baltimore: Williams & Wilkins; 1995. Pahwa R, Koller WC. Treatment of Parkinson’s with controlled-release carbidopa/L-Dopa. Adv Neurol. 1996;69:487. Standaert DG, Young AB. Treatment of central nervous system degenerative disorders. In: Hardman JG, Limbird LE, Goodman Gillman A, eds. Goodman & Gilman’s the Pharmacological Basis of Therapeutics. 10th ed. New York: McGraw-Hill; 2001:5498. Swerdlow NR, Eastvold A, Karban B, et al. Dopamine agonist effects on startle and sensorimotor gating in normal male subjects: time course studies. Psychopharmacology. 2002; 161:189. Wada T, Kanno M, Aoshima T, Otani K. Dose-dependent augmentation effect of bromocriptine in a case with retractory depression. Prog Neuropsychopharmacol Biol Psychiatry. 2001;25:457. Wagner ML, Defilippi JL, Menzo MA, Sage JI. Clozapine for the treatment of psychosis in Parkinson’s disease: chart review of 49 patients. J Neuropsychiatry Clin Neurosci. 1996;8:276.
1118
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
antagonistas dos receptores de dopamina dos ASDs – é cada vez mais importante, uma vez que há mecanismos de ação e efeitos clínicos diferentes. Os ASDs são estudados na Seção 36.4.27.
36.4.17 Antagonistas dos receptores de dopamina: antipsicóticos típicos
HISTÓRIA Os antagonistas dos receptores de dopamina discutidos nesta seção são assim denominados porque apresentam alta afinidade para os receptores de dopamina. Outros termos utilizados para se referir a esses medicamentos são antipsicóticos típicos, tradicionais ou convencionais. São utilizados no tratamento da esquizofrenia e de outros transtornos psicóticos. Incluem a clorpromazina (Amplictil), a tioridazina (Melleril), a flufenazina (Anatensol) e o haloperidol (Haldol), entre muitos outros (Tab. 36.4.17-1). Uma nova classe de agentes antipsicóticos, os antagonistas de serotonina-dopamina (ASDs), também denominados antipsicóticos novos, ou atípicos, surgiu, com menos efeitos neurológicos adversos do que os antagonistas dos receptores de dopamina e mais eficiente em relação a uma faixa mais ampla de sintomas psicóticos. Diferenciar-se as duas classes de antipsicóticos – os
Os primeiros antipsicóticos foram as fenotiazinas. Em princípio, eram utilizados como anti-helmínticos em medicina veterinária e como antisépticos urinários em humanos. Em 1950, Paul Charpentier, nos laboratórios Rhone-Poulenc, em Paris, sintetizou a clorpromazina, um antihistamínico leve que pareceu notável como agente sedativo. Henri Laborit, um cirurgião interessado em medicamentos que pudessem reduzir a ansiedade pré-operatória e prevenir o choque pós-cirúrgico, convenceu os laboratórios Rhone-Poulenc da importância de identificar compostos que relaxassem os pacientes e tornasse o choque cirúrgico menos provável. A clorpromazina pareceu satisfazer esses critérios, além de ser qualitativamente diferente de outros medicamentos sedativos. Os pacientes pareciam indiferentes em relação ao ambiente e mais tranqüilos. Essas propriedades levaram Laborit a tentar convencer os médicos, inclusive Jean Delay e Pierre Deniker a administrar a clorpromazi-
TABELA 36.4.17-1 Medicamentos antagonistas dos receptores da dopamina, nomes comerciais, potências e dosagens
Nome genérico Fenotiazinas Alifáticas Clorpromazina Triflupromazina Promazina Piperazinas Proclorperazina Perfenazina Trifluoperazina Flufenazina Acetofenazina Butaperazina Carfenazina Piperidinas Tioridazinac Mesoridazina Piperacetazina Tioxantenos Clorprotixeno Tiotixeno Dibenzoxazepina Loxapina Diidroindol Molindona Butirofenonas Haloperidol Droperidol Difenilbutilpiperidina Pimozidac
Potênciaª
Faixa usual de dose para adultos (mg/dia)
Dose única IM usual (mg)
Amplictil Vesprin Sparine
100 – baixa 25-50 – baixa 40 – baixa
300-800 100-150 40-800
25-50 20-60 50-150
Compazine Trilafon Stelazine Anatensol Tindal (não é mais fabricado) Repoise (não é vendido nos Estados Unidos) Proketazine (não vendido nos Estados Unidos)
15 – média 10 – média 3-5 – alta 1,5-3 – alta 25 – média 10 – média
40-150 8-40 6-20 1-20 60-120
10-20 5-10 1-2 2-5 -
Melleril Serentil Quide (não é vendido nos Estados Unidos)
100 – baixa 50 – baixa 10 – média
200-700b 75-300 -
25 -
Taractan (não é mais fabricado) Navane
50 – baixa 2-5 – alta
50-400 6-30
25-50 2-4
Loxitane
10-15 – média
60-100
12,5-50
Moban
6-10 – média
50-100
-
Haldol Inoval
2-5 – alta 10 – média
6-20 -
2-6 -
Orap
1 – alta
1-10
-
Nome comercial
25 – média
ª Potência (mg do medicamento equivalente a 100 mg de clorpromazina. As doses recomendadas para adultos são de 200 a 400 mg por dia de clorpromazina ou uma quantidade equivalente de outro medicamento. b Máximo de 800 mg. c Medicamento de segunda linha devido à cardiotoxicidade.
TERAPIAS
na a pacientes com mania. Em 1952, eles relataram que o agente era efetivo no tratamento de mania e esquizofrenia. Dentro de um ano, a atmosfera dos hospitais psiquiátricos de Paris tinha melhorado de maneira substancial. A descoberta da efetividade da clorpromazina para o tratamento da psicose marcou o início da psicofarmacologia moderna ao demonstrar que medicamentos podiam ter efeitos específicos sobre sintomas dos transtonos mentais que iam além da sedação. Além disso, a disponibilidade de agentes com efeitos diretos sobre essas condições se tornou uma ferramenta poderosa para estudos em laboratório com animais; isto é, a compreensão de como os medicamentos afetam o cérebro podia prover informações sobre as doenças afetadas. A utilização da clorpromazina foi relatada por Heinz Lehman, de Montreal, em 1954, e rapidamente despertou o interesse dos psiquiatras americanos. Em 1955, Henry Brill, o comissário auxiliar estadual de saúde mental de Nova York, iniciou a utilização da clorpromazina e da reserpina (Serpasol) em hospitais daquele estado. Embora a reserpina também fosse um antipsicótico eficaz, seu efeitos adversos levaram os clínicos a preferir a clorpromazina. Aquela é raramente utilizada para se tratar psicose. Em 1953, relatos vieram à tona indicando que a clorpromazina causava sintomas parkinsonianos. Mesmo que alguns indivíduos advertissem que esses sintomas evidenciavam toxicidade neurológica, outros sugeriram que a dosagem devia ser aumentada até que os pacientes experimentassem uma forma leve de parkinsonismo. Mais tarde, naquele ano, os clínicos observaram que a clorpromazina também podia desencadear formas de discinesia persistente, uma síndrome depois denominada discinesia tardia. À introdução da clorpromazina se seguiu a introdução de outras fenotiazinas, inclusive a perfenazina (Trilafon) e a flufenazina (Anatensol). Em 1958, a primeira butirofenona eficaz, o haloperidol (Haldol), foi introduzida por Paul Janssen, da Bélgica. O primeiro tioxanteno antipsicótico foi introduzido no mesmo ano por P. V. Peternson e colaboradores. Ainda que muitos outros antagonistas dos receptores de dopamina fossem introduzidos nos anos subseqüentes, eram todos semelhantes em efetividade, diferindo apenas em seus perfis de efeitos adversos. O primeiro antipsicótico de longa duração, o enantato de flufenazina, foi introduzido nos primeiros anos da década de 1960. Embora este e agentes subseqüentes de longa duração fossem similares aos outros antipsicóticos em eficácia e efeitos adversos, possibilitaram uma forma de administrar um antipsicótico sem necessitar de que os pacientes tomassem medicação oral todos os dias.
CLASSIFICAÇÃO E QUÍMICA Os antagonistas dos receptores de dopamina têm sido referidos por um grande número de denominações, incluindo neurolépticos, antipsicóticos e tranqüilizantes maiores. A designação neuroléptico foi sugerida pela tendência desses agentes a efeitos neurológicos adversos e, dessa forma, parecer “apoderar-se dos neurônios”. Esse termo se baseia na observação de que os efeitos neurológicos adversos são inevitavelmente associados à atividade antipsicótica desses agentes. Contudo, a eficácia de medicamentos como a clozapina (Leponex) sugere que os efeitos neurológicos adversos não são necessários para se tratar da psicose; assim, referir-se a um efeito adverso desses agentes e
BIOLÓGICAS
1119
não ao efeito clínico principal pode ser equivocado. O termo tranqüilizante maior tem relação com a estranha quietude ou placidez (ou ataraxia) que se associa a esses agentes. No entanto, a sugestão de que atuam a partir de seus efeitos tranqüilizantes também é equivocada. Esses agentes, como grupo, podem ser chamados, de forma mais econômica, de medicamentos antipsicóticos, referindo-se, dessa forma, a seus sintomas-alvo. Diferenciar-se duas classes de antipsicóticos, os antagonistas dos receptores de dopamina e os ASDs, parece ser significativo, uma vez que sugere um mecanismo subjacente a diferenças clínicas importantes entre uma e outra. Os antagonistas podem ser subclassificados de acordo com sua estrutura química (Fig. 36.4.17-1) ou com seus efeitos clínicos. A seguir, esses agentes são classificados conforme sua estrutura química. Outro sistema para subclassificar esse grupo utiliza sua potência antipsicótica. De acordo com tal sistema, os agentes são divididos entre agentes de baixa, média e alta potência. O método é mais útil para os clínicos porque provê informação sobre a quantidade de medicamento necessária para o efeito clínico e a probabilidade de efeitos adversos importantes. Fenotiazinas Todas as fenotiazinas têm o mesmo núcleo fenotiazínico de três anéis, mas diferem entre si pelas cadeias laterais unidas ao átomo de nitrogênio do anel do meio. Elas são classificadas de acordo com a natureza de sua cadeia lateral: alifáticas (p. ex., clorpromazina), piperazina (p. ex., flufenazina) ou piperidina (p. ex., tioridazina)
Tioxantenos O núcleo de três anéis dos tioxantenos difere do núcleo das fenotiazinas pela substituição de um átomo de carbono pelo de nitrogênio no anel do meio. O tioxanteno disponível possui uma cadeia lateral de piperazina (tiotixeno [Navane]).
Dibenzoxazepinas As dibenzoxazepinas se baseiam em outra modificação do núcleo de três anéis da fenotiazina. O único agente dessa classe disponível nos Estados Unidos é a loxapina (Loxitane), que tem uma cadeia lateral piperazina. Ainda que esta seja semelhante em estrutura à clozapina, os dois compostos têm propriedades farmacológicas bastante diferentes, e a loxapina é claramente classificável com os antagonistas dos receptores de dopamina, enquanto a clozapina, não.
Diidroindóis O único diidroindol disponível nos Estados Unidos, a molindona (Moban, Lidone), tem propriedades clínicas incomuns, como a de não induzir aumento de peso e talvez ser menos epileptogênico do que outros antipsicóticos antagonistas dos receptores de dopamina.
N
N
CH3
Flufenazina
S
N
O
SCH3
CI
N
N
CH3
S Promazina
S
N
N
N
CF3
Toridazina
S
N
CH2CH2 SCH3
N
CH3
Trifluoperazina
S
N
NCH3
CH2CH2OH
CH2CH2CH2N
Perfenazina
CI
CH2CH2CH2
CF3
S Triflupromazina
N
CH2CH2CH2N(CH3)2
C
N
NCH2
C
O
NH
CH3O
Alcalóide Rauwolfia
F
CI
N
H
O
C CH3O
O
N H
F
CH
N
CH2
CH2
OCH3
O
C
CH2
CH2
Pimozida
Reserpina
N
CH2
Droperidol
CH2CH2CH2C
O
CH2CH3
CH3
Loxapina
HOOC
Molindona
Difenilbutilpiperidina
N
Butirofenonas
O
Diidroindol
N
N
FIGURA 36.4.17-1 Estruturas moleculares dos antagonistas dos receptores de dopamina e reserpina.
SO3H
CH2CH2OH
SO2N(CN3)2
Tiotixeno
CHCH2CH2
S
N
Mesoridazina
CH2CH2
Tioxanteno
N
CH3
Piperidina
Proclorperazina
S
N
N
CF3
CH2CH2CH2
S
N
CH2CH2CH2
Piperazina
CH2CH2CH2N(CH3)2
N
Dibenzoxazepina CH3
N
F
N
OCH3
OCH3
NH
F
H O
OCH3
COOH
C
O
Haloperidol
CH2CH2CH2
N
OH
CI
COMPÊNDIO
S Clorpromazina
H CH2CH2CH2N+(CH3)2 CI CI– N
Alifática
Fenotiazinas
1120 DE PSIQUIATRIA
TERAPIAS
Butirofenonas As duas butirofenonas disponíveis nos Estados Unidos são o haloperidol e o droperidol (Inoval). O haloperidol é um dos antipsicóticos mais utilizados. Embora o droperidol esteja aprovado somente para utilização como coadjuvante de anestésicos, alguns pesquisadores e clínicos o têm utilizado como antipsicótico intravenoso (IV) em ambientes de emergência. O espiroperidol, também denominado espiperona, é um composto butirofenona que pode ser marcado com um átomo radioativo e utilizado em estudos de pesquisa básica e clínica (p. ex., em tomografia por emissão de pósitrons [PET]), para marcar receptores de dopamina.
Difenilbutilpiperidinas As difenilbutilpiperidinas são estruturalmente similares às butirofenonas. Apenas uma delas, a pimozida (Orap), encontra-se disponível nos Estados Unidos; está aprovada para o tratamento do transtorno de Tourette, embora o haloperidol seja também bastante utilizado para esta indicação, e outros agentes sejam igualmente eficazes. Na Europa, contudo, a pimozida tem se mostrado um agente antipsicótico eficaz. Uma observação clínica e de pesquisa controversa sobre ela indica que pode ser mais benéfica do que outros antipsicóticos na redução de sintomas negativos ou de déficit na esquizofrenia; faltam dados que apóiem essa impressão de forma mais contudente.
BIOLÓGICAS
1121
levar até seis meses de tratamento com as formulações de depósito para se atingir os níveis plasmáticos estáveis, indicando que a administração oral deve talvez ser continuada durante o primeiro mês ou mais do tratamento com o antipsicótico de depósito. A meia-vida longa da formulação de depósito também significa que concentrações detectáveis do agente estão presentes por longo período após sua última administração. Os antipsicóticos típicos parecem reduzir os sintomas psicóticos ao inibir a ligação da dopamina com os receptores D2 de dopamina. Seus efeitos parecem derivar da inibição da neurotransmissão dopaminérgica na projeção mesocortical da dopamina, enquanto os efeitos parkinsonianos adversos resultam do bloqueio da via nigroestriada. A inibição do trato tuberoinfundibular é responsável pelos efeitos endócrinos dos medicamentos. Eles reduzem os sintomas psicóticos devidos tanto ao transtorno psiquiátrico primário, como a esquizofrenia, como a outra condição sistêmica. A maioria dos efeitos neurológicos e endócrinos adversos pode ser explicada pelo bloqueio dos receptores de dopamina. Além disso, vários antipsicóticos também bloqueiam receptores noradrenérgicos, colinérgicos e histaminérgicos, o que explica a variação de perfis de efeitos adversos observados entre essas classes. Os medicamentos se enquadram em um espectro de potência, que vai de medicamentos de alta potência, que têm maior probabilidade de causar efeitos parkinsonianos adversos, àqueles de baixa potência, que têm maior probabilidade de interagir com receptores não-dopaminérgicos e, dessa forma, provocar efeitos cardiotóxicos, epileptógenos e anticolinérgicos adversos.
Benzamidas A sulpirida (Dogmatil) e a racloprida estão disponíveis em alguns países além dos Estados Unidos. Verificou-se que são antipsicóticos eficientes. Como a espiperona, a racloprida tem sido utilizada como ligante radiomarcado em estudos de pesquisa, em especial em estudos com PET de pacientes esquizofrênicos, em vista de sua especificidade para os receptores D2.
AÇÕES FARMACOLÓGICAS A maioria dos antagonistas dos receptores de dopamina não é absorvida de todo após a administração oral, embora preparações líquidas sejam absorvidas de forma mais efetiva do que outras. As meias-vidas desses medicamentos variam de 10 a 20 horas, e todos podem ser administrados em uma dose diária oral, caso o indivíduo esteja em uma condição estável e tenha se ajustado aos efeitos adversos. Vários medicamentos também estão disponíveis em forma parenteral podendo ser administrados por via intramuscular em situações de emergência, levando à obtenção mais rápida e mais confiável de concentrações plasmáticas terapêuticas do que é possível com a administração oral. O pico das concentrações costuma ser atingido em 1 a 4 horas após a administração oral e em 30 a 60 minutos após a administração parenteral. Nos Estados Unidos, dois antipsicóticos, o haloperidol e a flufenazina, estão disponíveis em formulações parenterais de depósito (depot) de longa duração, para a administração uma vez a cada 1 a 4 semanas, dependendo da dose e do indivíduo. Pode-se
EFEITOS SOBRE ÓRGÃOS E SISTEMAS ESPECÍFICOS A maioria dos antagonistas dos receptores de dopamina tem efeitos significativos sobre outros receptores, inclusive adrenérgicos, colinérgicos e histaminérgicos, os quais afetam órgãos e sistemas de várias formas, além do cérebro. Talvez os efeitos mais significativos envolvam o coração e o sistema vascular. Vários antagonistas dos receptores de dopamina, em particular os medicamentos de baixa potência, reduzem a contratilidade cardíaca, aumentam os tempos de condução atrial e ventricular e aumentam a duração dos períodos refratários. A atividade antagonista α1-adrenérgica pode provocar vasodilatação e hipotensão ortostática (postural). O principal efeito sobre o trato gastrintestinal é intermediado pelo bloqueio dos receptores colinérgicos muscarínicos, que produz boca seca e prisão de ventre, em especial com a clozapina e os medicamentos de baixa potência. Os antagonistas dos receptores da dopamina como classe podem ter vários efeitos sobre a pele (p. ex., exantemas, fotossensibilidade e descoloração), ainda que incomuns. Uma redução transitória da leucopoiese em geral se deve ao tratamento com antagonistas dos receptores de dopamina. A clorpromazina apresenta efeitos diuréticos fracos, mas os efeitos predominantes geniturinários são os que afetam a função sexual. Os efeitos sobre a função sexual são intermediados principalmente por desequilíbrios resultantes nas atividades adrenérgica e colinérgica, redução na atividade das catecolaminas e efeitos endócrinos dos antagonistas dos receptores de dopamina (p. ex., aumento da prolactina)
1122
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS
Psicoses secundárias
Transtornos psicóticos primários
As psicoses secundárias são condições psicóticas que se associam a uma causa orgânica identificada, como tumor cerebral, doença que implique demência (p. ex., demência do tipo Alzheimer) ou abuso de drogas. Os antagonistas dos receptores de dopamina costumam ser eficazes no tratamento de sintomas psicóticos associados a essas síndromes. Os de alta potência são, em geral, mais seguros do que os de baixa potência para esses indivíduos porque possuem menos atividade cardiotóxica, epileptogênica e anticolinérgica. Esses agentes não devem ser utilizados para tratar sintomas de abstinência associados a álcool ou intoxicação barbitúrica, em vista do risco de causar convulsões pela abstinência. O medicamento de escolha para esses pacientes tende a ser um benzodiazepínico. A agitação e a psicose associadas a condições neurológicas como a demência do tipo Alzheimer também respondem ao tratamento com antipsicóticos. Os medicamentos de alta potência em baixas doses são preferíveis; contudo, mesmo com estes, até 25% dos idosos podem experimentar episódios de hipotensão. Doses baixas dos medicamentos de alta potência, como 0,5 a 5 mg de haloperidol por dia, em geral, suficientes para o tratamento dessa população.
Os antagonistas dos receptores da dopamina são eficazes tanto no manejo de curto prazo como no longo prazo de esquizofrenia, transtorno esquizofreniforme, transtorno esquizoafetivo, transtorno delirante, transtorno psicótico breve, episódios maníacos e transtorno depressivo maior com manifestações psicóticas. Eles reduzem os sintomas agudos e previnem futuras exacerbações. Esquizofrenia. Cerca de 75% de todas as pessoas com esquizofrenia têm recaída no curso de um ano se tratadas com placebo; em comparação, somente 15 a 25% de recaída após tomar antagonistas dos receptores de dopamina. Além disso, os sintomas durante a recaída são menos graves em pessoas que recebem tratamento de manutenção do que entre as que não recebem tratamento antipsicótico. Em geral, pensa-se que os antagonistas são mais eficazes no tratamento dos sintomas positivos da esquizofrenia (p. ex., alucinações, delírios e agitação) do que dos negativos (p. ex., reclusão emocional e ambivalência) ou das dissociações cognitivas. Esses agentes por si só podem também contribuir para os sintomas negativos. Acredita-se que os sintomas paranóides são tratados com mais eficácia do que os sintomas não-paranóides e que as mulheres são mais responsivas do que os homens. Algumas pessoas não respondem a nenhum dos antagonistas dos receptores da dopamina, mas podem apresentar melhora com os ASDs, que também têm demonstrado melhorar os sintomas negativos e cognitivos, bem como os sintomas positivos. Transtornos bipolares. Os antipsicóticos são por vezes utilizados em combinação com medicamentos antimaníacos para tratar psicose ou excitação maníaca no transtorno bipolar I. Os medicamentos-padrão para o tratamento desta condição, lítio (Carbolitium), carbamazepina (Tegretol) e valproato (Depakene), em geral têm um início mais lento de ação do que os antipsicóticos no caso dos sintomas agudos. A prática geral é utilizar uma combinação no início do tratamento e, a seguir, retirar os antipsicóticos de forma gradativa. A combinação entre um antipsicótico e um antidepressivo é um dos tratamentos de escolha para o transtorno depressivo maior com manifestações psicóticas; a outra é a eletroconvulsoterapia (ECT). Os pacientes afetados tendem a exibir melhora mais rápida quando um antipsicótico é acrescentado a um antidepressivo. Nenhuma evidência sugere que qualquer antagonista dos receptores de dopamina seja mais eficaz do que outro para essa indicação. Os benefícios adicionais dos antagonistas são mais aparentes para pacientes atormentados por delírios graves. Quando os sintomas psicóticos entram em remissão, a utilização dos antipsicóticos deve ser interrompida. Aqueles com transtorno esquizoafetivo e transtorno delirante por vezes respondem de maneira favorável ao tratamento com antagonistas dos receptores de dopamina. Certas pessoas com transtorno da personalidade borderline que têm sintomas psicóticos marcantes como parte de sua condição, respondem pelo menos parcialmente aos antipsicóticos, ainda que também necessitem de tratamento psicoterápico.
Agitação grave e comportamento violento Os antagonistas dos receptores de dopamina são utilizados para tratar indivíduos gravemente agitados e violentos, embora outros medicamentos, como os benzodiazepínicos, também sejam eficazes no controle imediato desse comportamento. Sintomas como irritabilidade extrema, falta de controle dos impulsos, hostilidade grave, hiperatividade significativa e agitação respondem ao tratamento de curto prazo com antagonistas dos receptores de dopamina. Crianças mentalmente prejudicadas, em especial aquelas com deficiência mental profunda e transtorno autista, por vezes têm episódios associados de violência, agressão e agitação que respondem ao tratamento com medicamentos antipsicóticos; contudo, a administração repetida de antipsicóticos para controlar o comportamento perturbador de crianças é controverso. Se os antagonistas dos receptores da dopamina são utilizados, os de alta potência, que causam menos sedação (p. ex., 0,5 a 1 mg por dia de haloperidol), são preferíveis aos de baixa potência mais sedativos. Transtorno de Tourette Os antagonistas dos receptores da dopamina são utilizados para tratar o transtorno de Tourette. O haloperidol e a pimozida são os mais utilizados dessa classe. Vários clínicos preferem utilizar a clonidina (Atensina) para essa indicação por causa do risco menor de efeitos neurológicos adversos. Outras indicações psiquiátricas e não-psiquiátricas Alguns clínicos utilizam doses baixas de antipsicóticos (0,5 mg de haloperidol por dia) para tratar ansiedade grave. O ris-
TERAPIAS
co de se induzir efeitos neurológicos adversos deve ser ponderado em relação aos benefícios terapêuticos potenciais nesses casos. Outras indicações mistas para a utilização de antagonistas dos receptores de dopamina incluem o tratamento de náuseas, vômitos, soluços persistentes e prurido. Os raros distúrbios neurológicos balismo e hemibalismo (que afeta somente um lado do corpo), caracterizados por movimentos propulsivos dos membros para longe do corpo, também respondem ao tratamento com antipsicóticos.
BIOLÓGICAS
1123
Efeitos adversos não-neurológicos
Morte súbita. Levantou-se a hipótese de que os efeitos cardíacos dos antagonistas dos receptores da dopamina se relacionam à morte súbita em pacientes tratados com esses medicamentos. Contudo, a avaliação cuidadosa da literatura indica que é prematuro atribuir essa fatalidade a esses agentes utilizados isoladamente. Apoiando esse ponto de vista está a observação de que a introdução de antagonistas dos receptores da dopamina não tem efeito sobre a incidência de morte súbita em pacientes com esquizofrenia. Além disso, tanto os de baixa potência como os de alta estiveram envolvidos nos casos relatados. Mais ainda, vários relatos se relacionavam a pacientes com outros problemas médicos, que estavam sendo tratados com vários medicamentos. A utilização da pimozida prolonga o intervalo QT, um efeito que é potencializado durante a administração concomitante de antibióticos macrólidos, que inibem o metabolismo da pimozida via isoenzima 3A3/4 (CYP 3A3/4) da enzima hepática citocromo P450. Pelo menos duas mortes foram atribuídas à cardiotoxicidade resultante da administração simultânea da pimozida e claritromicina (Clamicin). A Food and Drug Administration (FDA) contra-indicou há pouco a utilização da pimozida com claritromicina, eritromicina, azitromicina (Zithromax) e diritromicina (Dynabac).
Efeitos cardíacos. Os antagonistas dos receptores de dopamina de baixa potência são mais cardiotóxicos do que os de alta potência. A utilização da clorpromazina prolonga os intervalos QT e PR, atenua as ondas T e deprime o segmento ST. A tioridazina, em particular, afeta de forma marcante a onda T e se associa a arritmias malignas, como a torsade de pointes, explicando talvez por que superdosagens com as fenotiazinas piperidínicas podem ser as mais letais deste grupo de medicamentos. Quando os intervalos QT excedem 0,44 ms, há alguma correlação com o aumento de risco de morte súbita, possivelmente secundária a taquicardia ventricular ou fibrilação ventricular.
Hipotensão ortostática (postural). É intermediada pelo bloqueio adrenérgico, sendo mais comum com os antagonistas dos receptores de dopamina de baixa potência, em especial a clorpromazina, a tioridazina, o clorprotixeno (Taractan) e a clozapina. Ocorre com mais freqüência durante os primeiros dias do tratamento, logo desenvolvendo tolerância para esse efeito adverso. Os principais riscos de hipotensão ortostática são de que os pacientes possam desmaiar, cair e se lesionar, ainda que essas ocorrências sejam incomuns. Quando se utilizam antagonistas dos receptores da dopamina de baixa potência via intramuscular (IM), os clínicos devem me-
PRECAUÇÕES E REAÇÕES ADVERSAS Uma generalização sobre os efeitos adversos dos antagonistas dos receptores de dopamina é que os medicamentos de baixa potência causam mais efeitos adversos não-neurológicos e que os de alta potência causam mais eventos adversos neurológicos extrapiramidais (Tab. 36.4.17-2).
TABELA 36.4.17-2 Perfis de potência e efeitos adversos dos antagonistas dos receptores de dopamina Medicamento Fenotiazinas Alifáticas Clorpromazina (Amplictil) Piperidinas Mesoridazina (Serentil) Tioridazina (Melleril) Piperazinas Flufenazina (Anatensol) Perfenazina (Trilafon) Trifluoperazina (Stelazine) Tioxanteno Tiotixeno (Navane) Dibenzoxapinas Loxapina (Loxitane) Butirofenonas Droperidol (Inoval-somente injetável) Haloperidol (Haldol) Indolona Molindona (Moban) Defenilbutilpiperidina Pimozida (Orap)
Potência
Efeito sedativo
Efeito hipotensor
Efeito anticolinérgico
Efeito extrapiramidal
Baixa
Alto
Alto
Médio
Baixo
Baixa Baixa
Médio Alto
Médio Alto
Médio Alto
Médio Baixo
Alta Média Alta
Médio Baixo Médio
Baixo Baixo Baixo
Baixo Baixo Baixo
Alto Alto Alto
Alta
Baixo
Baixo
Baixo
Alto
Média
Médio
Médio
Médio
Alto
Média Alta
Baixo Baixo
Baixo Baixo
Baixo Baixo
Alto Alto
Média
Médio
Baixo
Médio
Alto
Alta
Baixo
Baixo
Baixo
Alto
De Hyman SR, Arana GW, Rosenbaum JF. Handbook of Psychiatric Drug Therapy. 3rd ed. Boston: Little, Brown, 1996, com permissão.
1124
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
dir a pressão arterial do paciente (deitado e de pé) antes e após a primeira dose e durante os primeiros dias de tratamento. Quando apropriado, os pacientes devem ser advertidos da possibilidade de desmaiar e deve-se dar a eles as instruções usuais de levantar da cama devagar, sentar primeiro, com as pernas pendentes, esperar um minuto e sentar ou deitar-se em caso de se sentirem a ponto de desmaiar. Meias elásticas podem auxiliar alguns deles. Aqueles com hipotensão ortostática devem evitar cafeína, tomar pelo menos dois litros de líquidos por dia e acrescentar sal aos alimentos, se não forem hipertensos. Se ocorrer hipotensão em pacientes recebendo a medicação, os sintomas podem ser manejados ao deitar o paciente com os pés mais elevados do que a cabeça. Em raras ocasiões, agentes de expansão de volume ou vasopressores, como a norepinefrina (Levophed), podem ser indicados. Em vista da hipotensão ser produzida pelo bloqueio α-adrenérgico, os medicamentos também bloqueiam as propriedades estimulantes α-adrenérgicas da norepinefrina e deixam os efeitos estimulantes β-adrenérgicos inalterados. Por isso, a administração de epinefrina leva a uma piora paradoxal da hipotensão, sendo contra-indicada em casos de hipotensão induzida por antagonistas dos receptores de dopamina. Agentes pressores puramente α-adrenérgicos, como o metaraminol (Aramine), e a norepinefrina são os medicamentos de escolha para o tratamento deste problema. Efeitos hematológicos. Por vezes, uma leucopenia transistória com a contagem de leucócitos de cerca de 3.500 é um problema comum, ainda que não grave. A agranulocitose é uma condição hematológica que ameaça a vida. Ela ocorre com mais freqüência com a utilização da clorpromazina, mas é observada com quase todos os antagonistas dos receptores de dopamina. Em geral, agranulocitose ocorre durante os primeiros três meses do tratamento e com a incidência de cerca de um em cada 10 mil pacientes tratados com os antagonistas. Hemogramas completos não são indicados, mas se o paciente relata faringite ou febre, devem ser feitos imediatamente para verificar tal possibilidade. Caso os níveis de leucócitos estejam baixos, a utilização de antagonistas dos receptores de dopamina deve ser interrompida, e o paciente precisa ser transferido para um setor de medicina interna. A taxa de mortalidade para essa complicação pode ser de até 30%. Púrpura trombocitopênica ou não-trombocitopênica, anemia hemolítica e pancitopenia podem ocorrer raramente em pacientes tratados com medicamentos dessa classe. Efeitos anticolinérgicos periféricos. São comuns e consistem de boca e nariz secos, visão turva, obstipação, retenção urinária e midríase. Alguns pacientes também têm náuseas e vômitos. A clorpromazina, a mesoridazina (Serentil) e a loxapina são anticolinérgicos potentes (ver Tab. 36.4.17-2). Os efeitos anticolinérgicos podem ser exacerbados se um antagonista dos receptores da dopamina de baixa potência é utilizado com um medicamento tricíclico ou anticolinérgico; esta prática raramente é recomendada. Boca seca pode ser um sintoma perturbador para alguns pacientes, colocando em risco a continuação da adesão. Esses devem ser avisados de, com freqüência, enxaguar a boca com água e não mastigar goma de mascar ou balas contendo açúcar, que po-
dem levar a infecções com fungos e aumento da incidência de cáries. A obstipação deve ser tratada com as preparações laxantes habituais, mas esta condição pode progredir ainda mais até o íleo paralítico em alguns casos. Uma redução da dose do antagonista dos receptores da dopamina ou a mudança para outro medicamento menos anticolinérgico é recomendado nessas situações. A pilocarpina (Isopto Carpina) pode ser utilizada para o tratamento do íleo paralítico, embora o alívio seja apenas transitório. O betanecol (Liberan) (20 a 40 mg por dia) pode ser útil para alguns pacientes com retenção urinária. Efeitos endócrinos. O bloqueio dos receptores da dopamina no trato tuberoinfundibular leva a um aumento da secreção da prolactina, causando aumento das mamas, galactorréia e impotência nos homens e amenorréia e inibição do orgasmo em mulheres. Os ASDs, em contraste, não se associam a aumento dos níveis da prolactina e podem ser os medicamentos de escolha para aqueles em que o aumento da liberação da prolactina leva a efeitos perturbadores. Efeitos adversos sexuais. Os psiquiatras podem não encontrar os efeitos sexuais perturbadores causados por essa classe se não perguntarem de forma específica sobre tais efeitos. Acredita-se que sua incidência seja bastante subestimada. Até 50% dos homens tomando antagonistas dos receptores de dopamina podem experimentar disfunção erétil e ejaculatória. Vários relatos afirmaram que o tratamento dessas condições com o sildenafil (Viagra) tem sido bem-sucedido. A bromocriptina (Parlodel) e a ioimbina (Yomax) também podem agir em alguns pacientes, embora o risco de exacerbar a psicose subjacente deva ser considerado para ambos os medicamentos. Tanto mulheres como homens tomando antagonistas dos receptores de dopamina podem experimentar anorgasmia e redução da libido. A tioridazina é particularmente associada à redução da libido e da ejaculação retrógrada em homens. Esta última é inofensiva, mas os pacientes devem ser avisados que a urina após o orgasmo pode se caracterizar por uma substância leitosa esbranquiçada. Outros antagonistas têm sido associados tanto a ejaculação retardada ou retrógrada, embora algum êxito terapêutico tenha sido relatado após o tratamento com bronfeniramina (Dimetapp), efedrina, fenilpropanolamina e imipramina (Tofranil). Priapismo e orgasmo doloroso também foram descritos, ambos talvez resultantes da atividade antagonista α-adrenérgica. Aumento de peso. Um efeito adverso comum do tratamento com antagonistas dos receptores da dopamina é o aumento de peso, que pode ser significativo em alguns casos. A molindona e, talvez, a loxapina não se associam a este sintoma e podem ser indicadas quando o aumento de peso é um grave risco para a saúde ou uma razão para a não-adesão. Efeitos dermatológicos. Dermatite alérgica e fotossensibilidade ocorrem em uma pequena porcentagem de pacientes, com mais freqüência nos que tomam medicamentos de baixa potência, em especial a clorpromazina. Uma série de erupções cutâneas – urticariformes, maculopapulares, petequiais e edematosas – foram relatadas. Essas ocorrem cedo no tratamento, em geral nas
TERAPIAS
primeiras semanas, e têm remissão espontânea. Uma reação de fotossensibilidade, semelhante a uma queimadura solar grave, também se manifesta em alguns pacientes que tomam clorpromazina. Os pacientes devem ser avisados desse efeito adverso, não podem passar mais do que 30 a 60 minutos no sol e precisam usar cremes protetores solares. Esse agente também se associa a alguns casos de descoloração azulado-acinzentada da pele em áreas expostas à luz solar. As mudanças na pele por vezes ocorrem com uma cor tostada ou marrom dourada que progride para cores como cinzento-ardósia, azul-metálico ou roxo. Efeitos oftalmológicos. A tioridazina se associa a pigmentação irreversível da retina quando administrada em doses superiores a 800 mg por dia. Um sintoma precoce desse efeito pode ser confusão relacionada a dificuldades na visão noturna. A pigmentação é semelhante à observada na retinite pigmentosa; pode progredir mesmo após o medicamento ser interrompido, inclusive causando a cegueira. Essa pigmentação não é reversível. Em contraste, a clorpromazina implica uma pigmentação relativamente benigna dos olhos, caracterizada por depósitos granulares marrom esbranquiçados concentrados no cristalino anterior e na córnea posterior, sendo visível somente pelo exame de lâmpada de fenda. Os depósitos podem progredir para grânulos brancos opacos e marrom amarelados, por vezes estrelados. Às vezes, a conjuntiva é descolorada por um pigmento marrom. Não ocorre dano à retina, e a visão quase nunca é comprometida. A maioria dos pacientes que exibem os depósitos ingeriu de 1 a 3 kg de clorpromazina durante a vida. Icterícia. Icterícia obstrutiva ou colestática é um efeito adverso raro do tratamento com os antagonistas dos receptores de dopamina. O efeito adverso em geral ocorre no primeiro mês de tratamento e é anunciado por sintomas como dor abdominal superior, náuseas e vômitos, uma síndrome tipo resfriado, febre, exantema, eosinofilia, bilirrubina na urina, além de aumento da bilirrubina sérica, da fosfatase alcalina e das transaminases hepáticas. No início do tratamento com clorpromazina, a icterícia não era incomum; ocorria em cerca de um em cada 100 pacientes tratados. Hoje, a incidência é de cerca de um em 1.000. Essa queda é causada talvez pela redução de impurezas na fabricação do composto, embora uma razão definitiva para tanto seja desconhecida. Se ocorre icterícia, os clínicos em geral interrompem a medicação, embora o valor dessa prática não seja comprovado. Na verdade, os pacientes têm continuado a receber a clorpromazina durante a doença sem efeitos adversos, ainda que tal abordagem pareça não-recomendável em vista da ampla gama de tratamentos alternativos disponíveis. Tem sido relatada icterícia também com a utilização de promazina, tioridazina e proclorperazina (Compazine) e, muito raramente, com flufenazina e trifluoperazina (Stelazine). Não há evidência convincente indicando que o haloperidol ou muitos dos outros antagonistas dos receptores da dopamina não-fenotiazínicos possam produzir esta condição. Superdosagem de antipsicóticos. Os sintomas da superdosagem de antagonistas dos receptores de dopamina incluem sintomas extrapiramidais (discutidos a seguir), midríase, redução dos reflexos tendinosos profundos, taquicardia e hipotensão. Com
BIOLÓGICAS
1125
exceção da tioridazina e da mesoridazina, o resultado da superdosagem com antagonistas dos receptores de dopamina costuma ser favorável, a menos que o paciente tenha ingerido também outros depressores do sistema nervoso central (SNC), como álcool ou benzodiazepínicos. Os sintomas graves do consumo excessivo incluem delirium, coma, depressão respiratória e convulsões. O haloperidol pode ser o agente dessa classe mais seguro em superdosagem. Em casos de superdosagem, o eletroencefalograma (EEG) mostra lentificação difusa e baixa voltagem. No caso das fenotiazinas piperazínicas (p. ex., com a tioridazina) pode haver o bloqueio cardíaco, fibrilação ventricular e até morte. O tratamento da superdosagem de antagonistas dos receptores de dopamina deve incluir o uso de carvão ativado, se possível, e a lavagem estomacal. A utilização de eméticos não é indicada, já que as ações antieméticas dos antagonistas dos receptores de dopamina podem inibir sua eficácia. As convulsões podem ser tratadas com diazepam (Valium) ou fenitoína (Hidantal) IV. A hipotensão pode ser tratada com norepinefrina ou dopamina (Revivan), mas não com epinefrina. Efeitos neurológicos adversos Os antagonistas dos receptores de dopamina, em especial os típicos ou antigos, se associam a uma série de efeitos neurológicos extrapiramidais adversos desconfortáveis, muitos dos quais potencialmente graves. Vários efeitos neurológicos adversos são graves o suficiente para necessitar de atenção como condições autônomas que requerem seus próprios planos de tratamento. O reconhecimento de que os efeitos adversos emergentes com o tratamento são de importância clínica significativa se reflete na revisão do texto da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR) e pela inclusão de um grupo separado de transtornos do movimento induzidos por medicamentos (ver Seção 36.3). A ocorrência comum de efeitos neurológicos adversos desconfortáveis – particularmente, parkinsonismo, tremor, acatisia e distonia – levou à pesquisa de novos medicamentos antipsicóticos que tenham a probabilidade de não causar transtornos do movimento induzidos por medicamentos. Os ASDs possuem menos probabilidade do que os antagonistas dos receptores de dopamina de causar tais condições. Dos efeitos adversos descritos a seguir, por exemplo, somente a acatisia é bem mais comum em pacientes tratados com ASDs do que entre aqueles tratados com placebo. Parkinsonismo induzido por neuroléptico. Efeitos parkinsonianos adversos ocorrem em cerca de 15% dos pacientes tratados com antagonistas dos receptores de dopamina, em geral dentro de 5 a 90 dias do início do tratamento. Os sintomas incluem rigidez muscular (tipo “cano de chumbo”), rigidez tipo roda dentada, marcha com pequenos passos, postura curvada para a frente e sialorréia. O tremor tipo rolar pílulas do parkinsonismo idiopático é raro, mas um tremor amplo regular, semelhante ao tremor essencial, pode estar presente e é referido como tremor postural induzido por medicamentos no DSM-IV-TR. Um tremor focal, perioral, às vezes designado como síndrome do coelho (um termo que é melhor ser evitado por causa de sua insensível com-
1126
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
paração entre esse transtorno e os movimentos mastigatórios de um coelho), é outro efeito parkinsoniano dos medicamentos desta classe, ainda que tenha mais probabilidade do que os outros tremores de ocorrer mais tarde no curso do tratamento. Um sinal físico de parkinsonismo é um reflexo positivo à percussão da glabela, provocado pela percussão na fronte, entre as sobrancelhas. Indivíduos normais se habituam tanto, a ponto de não mais piscar após algumas percussões. O sinal da glabela positivo consiste no piscar continuado em resposta a percussões repetidas. A fácies com máscara, a bradicinesia, a acinesia (falta de iniciativa) e a ataraxia (indiferença quanto ao ambiente), que também são sintomas da síndrome parkinsoniana, costumam ser diagnosticadas, de forma equivocada, como parte do quadro de sintomas negativos ou de déficit da esquizofrenia. Esse diagnóstico errôneo leva à decisão clínica incorreta de não tentar tratar os sintomas com anticolinérgicos ou com medicamentos igualmente eficazes para o tratamento dos transtornos do movimento induzidos por neurolépticos. As mulheres são afetadas pelo parkinsonismo induzido por neurolépticos cerca de duas vezes mais do que os homens; o transtornos pode ocorrer em todas as idades, apesar de ser mais comum após os 40 anos. Todos os antagonistas dos receptores de dopamina podem causar esses sintomas, em especial os de alta potência, com baixa atividade anticolinérgica. A clorpromazina e a tioridazina têm a probabilidade de não estarem envolvidas. O bloqueio da transmissão dopaminérgica no trato nigroestriado é a causa do parkinsonismo induzido por neurolépticos. O diagnóstico diferencial dos sintomas parkinsonianos deve incluir parkinsonismo idiopático, outras causas orgânicas de parkinsonismo e depressão, que também pode se associar a esses sintomas. A condição pode ser tratada com agentes anticolinérgicos como a benztropina (Cogentin), a amantadina (Mantidan) ou a difenidramina (Benadryl). Embora a amantadina possa apresentar menos efeitos adversos do que os anticolinérgicos, pode ser menos eficiente na redução da rigidez muscular. Os anticolinérgicos devem ser retirados após 4 a 6 semanas para avaliar se o paciente desenvolveu tolerância para os efeitos parkinsonianos; cerca de 50% daqueles com parkinsonismo induzido por neurolépticos necessitam de tratamento continuado. Mesmo após os antagonistas serem retirados, os sintomas parkinsonianos podem persistir por até duas semanas e mesmo após três meses em idosos. Com estes, os clínicos devem continuar o medicamento anticolinérgico após a interrupção dos antagonistas dos receptores de dopamina até que os sintomas parkinsonianos estejam completamente resolvidos. Distonia aguda induzida por neurolépticos. Cerca de 10% de todos os pacientes experimentam distonia aguda como efeito adverso dos antagonistas dos receptores de dopamina, em geral nas primeiras horas ou dias do tratamento. Os movimentos distônicos são resultado de uma contração muscular sustentada lenta, ou espasmo, que pode levar a movimentos involuntários. A distonia pode envolver o pescoço (torcicolo ou retrocolo espasmódico), a mandíbula (abertura forçada levando a um deslocamento da mesma, ou trismo), a língua (protrusões, torções) e o corpo inteiro (opistótono). O envolvimento dos olhos pode desencadear crises oculogíricas, caracterizadas pelo movimento la-
teral ou para cima dos olhos. Diferentemente de outros tipos de distonia, uma crise oculogírica pode também ocorrer mais tarde no tratamento. Outras distonias incluem o blefarospasmo e a distonia glossofaríngea, que podem levar a disartria, disfagia e mesmo dificuldades respiratórias, capazes de resultar em cianose. As crianças, em particular, têm probabilidade de exibir opistótono, escoliose, lordose e movimentos de contorção. A distonia pode ser dolorosa e assustadora e, por vezes, resulta em não-adesão ao regime de tratamento medicamentoso. Essa condição é mais comum em homens jovens (menos de 40 anos de idade), mas pode ocorrer em qualquer idade de ambos os sexos. Mesmo sendo mais comum com doses IM de antagonistas dos receptores de dopamina de alta potência, a distonia pode ocorrer com qualquer um deles. Pensa-se que o mecanismo de ação seja a hiperatividade dopaminérgica nos gânglios basais, que ocorre quando os níveis no SNC do antagonista dos receptores de dopamina começam a cair entre as doses. A distonia pode flutuar de forma espontânea, responder ao se reassegurar o paciente e levar o clínico à falsa impressão de que o movimento é histérico ou completamente sob controle consciente. O diagnóstico diferencial dos movimentos distônicos deve incluir convulsões e discinesia tardia. A profilaxia com anticolinérgicos ou medicamentos correlacionados (Tab. 36.4-17-3) em geral previne o desenvolvimento de distonia, embora os riscos do tratamento profilático pesem contra este benefício. A abordagem com anticolinérgicos IM ou IV ou com difenidramina IM (50 mg) quase sempre alivia os sintomas. Relatou-se que o diazepam (10 mg IV), o amobarbital (Amytal), a cafeína, o benzoato de sódio e a hipnose também são eficazes. Ainda que muitas vezes a tolerância para os efeitos se desenvolva, é prudente mudar o antagonista dos receptores de dopamina se o paciente está preocupado que a reação possa ter recaída. Acatisia aguda induzida por neurolépticos. Acatisia é uma sensação subjetiva de desconforto muscular que pode levar os pacientes a ficarem agitados, caminhar de maneira incessante, alternar o sentar e o ficar de pé em sucessão rápida e se sentir, de modo geral, disfóricos. Os sintomas são, em sua maioria, motores e não podem ser controlados pela vontade do paciente. A acatisia pode aparecer em qualquer época durante o tratamento. Ela tende a ser subdiagnosticada porque os sintomas são atribuídos, de forma equivocada, a psicose, agitação ou falta de cooperação. O mecanismo subjacente da acatisia é malcompreendido, embora o transtorno possa representar um desequilíbrio entre os sistemas noradrenérgico e dopaminérgico causado pelos antagonistas dos receptores de dopamina. Uma vez que a acatisia seja reconhecida e diagnosticada, a dose dos antagonistas deve ser reduzida ao mínimo nível efetivo. Deve-se tentar o tratamento com anticolinérgicos ou amantadina, ainda que não sejam tão efetivos para a acatisia. Os que podem ser mais efetivos incluem o propranolol (Inderal, 30 a 120 mg por dia), os benzodiazepínicos e a clonidina. Em alguns casos, nenhum tratamento parece ser efetivo. Discinesia tardia induzida por neurolépticos. A palavra tardia implica tarde. A discinesia tardia é um efeito posterga-
TERAPIAS
BIOLÓGICAS
1127
TABELA 36.4.17-3 Tratamento de droga de transtornos extrapiramidais Nome genérico
Nome comercial
Dosagem diária usual
Indicações
Anticolinérgico Benztropina
Cogentin
VO 1-4 mg bid; IM ou IV 1-2 mg
Reação distônica aguda, parkinsonismo, acinesia, acatisia
Akineton Kemadrin Artane, Tremin, Pipanol Norflex
VO 2-6 mg tid; IM ou IV 2 mg VO 2.5-5 mg bid-qid VO 2-5 mg tid VO 50-100 mg bid; IV 60 mg
Benadryl
VO 25 mg qid; IM ou IV 25 mg
Reação distônica aguda, parkinsonismo, acinesia, síndrome do coelho
Symmetrel
VO 100-200 mg bid (max 300 mg)
Parkinsonismo, acinesia, síndrome do coelho
Inderal
VO 20-40 mg tid
Acatisia, tremor
Catapres
VO 0,1 mg tid
Acatisia
Klonopin Ativan
VO 1 mg bid VO 1 mg tid
Acatisia, reações distônicas agudas Acatisia, reações distônicas agudas
Biperideno Prociclidina Triexifenidil Orfenadrina Anti-histaminérgico Difenidramina Agonistas de dopamina Amantadina Antagonistas β-adrenérgicos Propranolol Antagonistas α-adrenérgicos Clonidina Benzodiazepinas Clonazepam Lorazepam
do dos antipsicóticos; é difícil ocorrer antes de seis meses de tratamento. Consiste de movimentos anormais, involuntários, irregulares e coreoatetóides dos músculos da cabeça, dos membros e do tronco. A gravidade dos movimentos varia de mínimo – por vezes não percebido pelos pacientes e por sua família – a muito incapacitantes. Os movimentos periorais são os mais comuns e incluem protusão rápida, torções e movimentos de protusão da língua; movimentos de mastigação e de lateralização da mandíbula; protusão dos lábios; e caretas. Movimentos dos dedos e de crispar as mãos também são recorrentes. Torcicolo, retrocolo, torções do tronco e protusão da pelve ocorrem em casos graves. Temse relatado discinesia respiratória. A discinesia é exacerbada pelo estresse e desaparece durante o sono. Outros transtornos do movimento de aparecimento tardio foram observados e têm sido referidos, dependendo dos sintomas, como distonia tardia, parkinsonismo tardio e transtorno de Tourette tardio. Todos os antagonistas dos receptores da dopamina têm se associado a discinesia tardia. Quanto mais tempo os pacientes tomam estes agentes, mais probabilidade têm de experimentar a condição. Cerca de 10 a 20% dos que são tratados por mais de um ano apresentam discinesia tardia. De 15 a 20% dos pacientes hospitalizados por longo prazo também são afetados. As mulheres têm maior probabilidade de desenvolver a condição do que os homens, e indivíduos acima dos 50 anos de idade, pacientes com lesão cerebral, crianças e aqueles com transtornos do humor também têm risco maior. Antes da introdução dos antipsicóticos, no início dos anos 1950, 1 a 5% dos pacientes com esquizofrenia tinham movimentos anormais similares. Dessa forma, o padrão de transtornos do movimento pode estar relacionado à própria psicopatologia subjacente da esquizofrenia. A discinesia tardia pode ser causada pela hipersensibilidade dos receptores dopaminérgicos nos gânglios basais resultante do bloqueio crônico dos receptores de dopamina pelos antagonistas dos receptores de dopamina. As três abordagens básicas à discinesia tardia são a prevenção, o diagnóstico e o manejo. A prevenção é melhor atingida pela utiliza-
ção de medicamentos antagonistas dos receptores de dopamina somente quando claramente indicados e na menor dose efetiva. A experiência recente sugere que os ASDs têm um risco menor de desenvolvimento da discinesia tardia. Os pacientes que recebem os antagonistas dos receptores de dopamina devem ser examinados regularmente para o aparecimento de movimentos anormais, de preferência utilizando-se uma escala de avaliação padronizada (ver Tab. 36.3-9). Quando os movimentos anormais são detectados, um diagnóstico diferencial deve ser considerado (Tab. 36.4.17-4). Uma vez que seja feito o diagnóstico de discinesia tardia, os clínicos precisam conduzir regularmente avaliações objetivas de transtornos do movimento. Ainda que discinesia tardia por vezes apareça enquanto os pacientes tomam uma dose es-
TABELA 36.4.17-4 Diagnóstico diferencial para movimentos do tipo discinesia tardia Comuns: maneirismos e estereotipias esquizofrênicos Problemas dentários (p. ex., dentaduras mal-ajustadas) Síndrome de Meige e outras discinesias senis. Induzidos por droga: antidepressivos Anti-histamínicos Antimaláricos Antipsicóticos Difenilidantoína Levodopa Metais pesados Simpatomiméticos SNC: anoxia induzida Coréia de Sydenham Distonia de torção Doença de Huntington Doença de Wilson Falha hepática Falha renal Gravidez (coréia gravídica) Hiperatividade tireoideana Hipoatividade paratiroideana Lúpus eritematoso sistêmico Pós-encefalítica Tumores
1128
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
tável da medicação, tem mais probabilidade de emergir quando a dose é reduzida. Alguns investigadores se referiram a tal efeito como discinesia por abstinência, embora diferenciar uma e outra seja impossível. Uma vez que a condição seja reconhecida, os clínicos devem considerar a redução da dose do antagonista dos receptores de dopamina ou mesmo sua interrupção completa. Os ASDs podem ser utilizados em pacientes com discinesia tardia, pois reduzem os movimentos e têm menor risco de exacerbar a condição. Quando a discinesia tardia foi reconhecida pela primeira vez e até há pouco tempo, acreditava-se que o transtorno do movimento era crônico e progressivo. Levantamentos recentes concluiram que ela se desenvolve muito rápido, estabiliza e, então, pode ter remissão, algumas vezes mesmo quando o paciente continua o mesmo tratamento medicamentoso. A despeito disso, continuar a utilização do mesmo medicamento não parece necessário quando agentes potencialmente melhores estão disponíveis. De 5 a 40% dos casos de discinesia tardia têm remissão eventual, e de 50 a 90% de todos os casos leves têm remissão; mas a probabilidade de remissão é menor entre idosos do que entre jovens. A discinesia tardia não tem nenhum tratamento único efetivo. Reduzir a dose do antagonistas dos receptores de dopamina e mudar para um ASD são as principais estratégias de tratamento. Em pacientes que não podem continuar tomando qualquer medicamento antagonista dos receptores de dopamina, o lítio, a carbamazepina ou os benzodiazepínicos podem ser eficazes na redução tanto dos sintomas do transtorno do movimento como nos sintomas psicóticos, ainda que sejam menos eficazes do que os antagonistas dos receptores de dopamina no tratamento dos sintomas psiquiátricos. Vários estudos pequenos relataram que agonistas e antagonistas colinérgicos, agonistas dopaminérgicos e medicamentos GABAérgicos (do ácido γ-aminobutírico) – por exemplo, o ácido valpróico (Depakene) – podem ser úteis, embora sua utilização deva ser considerada experimental e iniciada somente após uma revisão da literatura mais recente. Síndrome neuroléptica maligna. Esta é uma complicação que ameaça a vida e pode ocorrer a qualquer momento no curso do tratamento com antagonistas dos receptores da dopamina. Os sintomas motores e comportamentais incluem rigidez muscular e distonia, acinesia, mutismo, obnubilação e agitação. Os sintomas autonômicos incluem hiperpirexia (107ºC ou 40ºC), sudorese e aumento do pulso e da pressão arterial. Achados de exames laboratoriais compreendem aumento da contagem de leucócitos, da creatinina fosfoquinase, das enzimas hepáticas, da mioglobina no plasma e mioglobinúria, às vezes associada a insuficiência renal. Os sintomas em geral evoluem em 24 a 72 horas, e a síndrome não-tratada dura de 10 a 14 dias. O diagnóstico pode passar despercebido nos estágios iniciais, e a reclusão e a agitação podem ser consideradas, de forma equivocada, como reflexo do aumento da psicose. Os homens são mais afetados do que as mulheres, e pacientes jovens são afetados com mais freqüência do que idosos. A taxa de mortalidade pode chegar a 20 a 30% ou até mais, quando os medicamentos antagonistas dos receptores
de dopamina, de depósito, estão envolvidos. A fisiopatologia é desconhecida. Os primeiros passos no tratamento são a interrupção imediata da utilização dos antagonistas dos receptores de dopamina; medidas de suporte médicas para resfriar o paciente; monitoração de sinais vitais, eletrólitos, equilíbrio hídrico e excreção renal; e tratamento sintomático da febre. Os medicamentos antiparkinsonianos podem reduzir parte da rigidez muscular. O dantrolene (Dantrium) intravenoso, um relaxante dos músculos esqueléticos (0,8 a 2,5 mg/kg a cada seis horas, até a dose total de 10 mg por dia), pode ser útil no tratamento dessa condição. Desde que o paciente possa tomar medicamentos por via oral, o dantrolene pode ser administrado em doses de 100 a 200 mg por dia. A bromocriptina (20 a 30 mg por dia, dividida em quatro doses), ou talvez a amantadina, pode ser acrescentada ao regime. Em geral, o tratamento deve ser continuado por 5 a 10 dias. Quando o uso de antagonistas dos receptores de dopamina é reiniciado, os clínicos devem considerar mudar para um agente de baixa potência ou para um ASD, ainda que a síndrome neuroléptica maligna também tenha sido relatada em associação tanto com a clozapina como com a risperidona (Risperdal). Efeitos epileptogênicos. A administração de antagonistas dos receptores da dopamina se associa a lentificação e aumento da sincronização do EEG. Este pode ser o mecanismo pelo qual alguns antagonistas diminuem o limiar para convulsões. Pensa-se que a clorpromazina, a loxapina e outros agentes de baixa potência sejam mais epileptogênicos do que os de alta potência. Dados de animais e dados experimentais in vitro indicam que a molindona pode ser o menos epileptogênico dos antagonistas dos receptores de dopamina. O risco de se induzir convulsões necessita de consideração quando o paciente já tem um transtorno convulsivo ou uma lesão cerebral orgânica. Sedação. Em grande parte, a sedação é o resultado do bloqueio dos receptores tipo 1 da histamina. A clorpromazina é a mais sedativa antagonista dos receptores da dopamina; a tioridazina, o clorprotixeno e a loxapina também são sedativos; os antagonistas de alta potência são menos sedativos do que estes (Tab. 36.4.17-2). Quando tratados pela primeira vez com antagonistas dos receptores da dopamina, os pacientes devem ser advertidos quanto a dirigir veículos e operar máquinas. Administrar a dose diária total desses agentes ao deitar em geral elimina qualquer problema com sedação e, por vezes, se desenvolve tolerância para esse efeito adverso. Efeitos anticolinérgicos centrais. Os sintomas de atividade anticolinérgica central incluem agitação grave; desorientação quanto a tempo, pessoa e lugar; alucinações; convulsões; febre alta; e pupilas dilatadas. Podem ocorrer estupor e coma. O tratamento da toxicidade consiste em interromper o agente ou os agentes causais, supervisão médica estrita e fisostigmina (Antilirium, Eserine), 2 mg em infusão IV lenta, repetida dentro de uma hora, se necessário. Esse medicamento é bastante perigoso, e seus sintomas da toxicidade incluem hiper-salivação e sudorese. O sulfato de atropina (0,5 mg) pode reverter os efeitos da toxicidade da fisostigmina.
TERAPIAS
Prevenção e tratamento de alguns transtornos do movimento induzidos por neurolépticos. Uma série de medicamentos (Tab. 36.4.17-3) pode ser utilizada para prevenir e tratar os transtornos do movimento induzidos, em especial o parkinsonismo e a distonia aguda induzidos por neurolépticos. Eles incluem os anticolinérgicos, a amantadina, os anti-histamínicos, os benzodiazepínicos, os antagonistas dos receptores β-adrenérgicos e a clonidina. A maioria dos sintomas de distonia aguda e parkinsonismo é tratada com eficácia por esses medicamentos, assim como a acatisia aguda, em alguns casos. Permanece controverso se o tratamento profilático com esses agentes é indicado quando se inicia a utilização de antagonistas dos receptores de dopamina. Os proponentes da abordagem profilática argumentam que o aumento da probabilidade de se evitar os efeitos neurológicos adversos é benéfico para o paciente e aumenta a possibilidade da adesão futura. Os que se opõem argumentam que uma grande proporção (30 a 50%) dos pacientes não necessita de medicamentos antiparkinsonianos, que sua utilização pode aumentar a possibilidade de discinesia tardia, efeitos autonômicos adversos, comprometimento cognitivo, hipertermia e toxicidade anticolinérgica. Vários agentes utilizados para tratar os sintomas parkinsonianos também possuem algum risco de abuso e podem se associar a mudanças nas concentrações plasmáticas dos antagonistas dos receptores de dopamina. Uma conciliação razoável é utilizar profilaxia com indivíduos com idade abaixo de 45 anos, que estão em risco para efeitos adversos, particularmente a distonia, e não empregá-la com aqueles acima de 45 anos, que têm risco aumentado para toxicidade anticolinérgica. Uma vez que os pacientes comecem a tomar medicamentos para o tratamento dos transtornos do movimento, devem ser tratados por 4 a 6 semanas. A seguir, os clínicos devem tentar reduzi-los de forma gradativa até cessar sua utilização no período de um mês. Muitos deles se tornam tolerantes para os efeitos neurológicos adversos e não mais necessitam de tratamento para o transtorno do movimento induzido por neurolépticos. Alguns experimentam o retorno dos sintomas neurológicos e devem ser reiniciados na terapia com os medicamentos apropriados. A maioria dos clínicos usa um medicamento anticolinérgico (p. ex., a benztropina) ou a difenidramina para conseguir a profilaxia ou o tratamento dos efeitos neurológicos adversos. Entre esses, a difenidramina é a mais sedativa; o biperideno (Akineton) não é nem sedativo nem estimulante; e o triexifenidil (Artane) pode ser um pouco estimulante. A amantadina é mais utilizada quando um dos anticolinérgicos é ineficaz. Ainda que ela não exacerbe a psicose da esquizofrenia, alguns pacientes se tornam tolerantes para seus efeitos antiparkinsonianos. A amantadina funciona também como sedativo em alguns casos.
BIOLÓGICAS
1129
clorpromazina. Alguns dados indicam que o emprego de agentes desta classe durante a gravidez pode levar à redução dos receptores de dopamina em recém-nascidos, aumento do colesterol e talvez transtornos do comportamento. A despeito disso, sua utilização no segundo e no terceiro trimestres da gravidez é relativamente seguro. Os de alta potência são preferíveis aos de baixa potência, já que estes últimos se associam a hipotensão. O haloperidol e as fenotiazinas passam para o leite materno. Se a loxapina, a molindona e a pimozida tenham o mesmo efeito não se sabe, ainda que seja bem provável. As mulheres que tomam antagonistas dos receptores de dopamina não devem amamentar, já que os dados disponíveis não comprovam que essa prática seja segura. INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS Em vista de seus vários efeitos sobre receptores e por causa do metabolismo da maioria dos antagonistas dos receptores de dopamina se dar no fígado, muitas interações medicamentosas farmacocinéticas e farmacodinâmicas se associam a esses medicamentos (Tab. 36.4.17-5). Antiácidos Os antiácidos, a cimetidina (Tagamet), a ranitidina (Antak), a famotidina (Famox) e a nizatidina (Axid) administrados dentro de duas horas da utilização dos antagonistas dos receptores de dopamina, podem reduzir a absorção destes.
Anticolinérgicos Os anticolinérgicos podem reduzir a absorção dos antagonistas dos receptores de dopamina. A atividade anticolinérgica adicional destes, daqueles e dos tricíclicos pode provocar toxicidade anticolinérgica.
Anticonvulsivantes As fenotiazinas, em especial a tioridazina, podem reduzir o metabolismo da difenilidantoína, resultando em níveis tóxicos desta. Os barbitúricos podem aumentar o metabolismo dos antagonistas dos receptores de dopamina, e estes podem baixar o limiar do paciente para convulsões.
Antidepressivos Gravidez e lactação Se possível, os antagonistas dos receptores da dopamina devem ser evitados durante a gravidez, em especial no primeiro trimestre, a menos que o benefício seja maior do que os riscos. Na verdade, contudo, poucos dados indicam correlação entre a presença de malformação congênita e a utilização de antagonistas dos receptores de dopamina durante a gravidez, exceto talvez pela
Os tricíclicos e os antagonistas dos receptores da dopamina podem reduzir o metabolismo uns dos outros, ocasionando aumento das concentrações plasmáticas de ambos. Seus efeitos anticolinérgicos, sedativos e hipotensores também podem se somar. O haloperidol, a perfenazina, a tioridazina e outros antagonistas dos receptores da dopamina são metabolizaos pela enzima hepática CYP 2D6. Medicamentos que a inibam, como a fluoxetina (Prozac) ou a
1130
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 36.4.17-5 Interações dos antipsicóticos Medicamento interagindo
Mecanismo
Efeito clínico
Interações medicamentosas avaliadas como tendo maior gravidade Álcool Depressão adicional do SNC Antagonistas dos receptores Efeito farmacológico sinérgico; os antipsicóticos β-adrenérgicos inibem o metabolismo do propranolol e aumentam a concentração no plasma Anticolinérgicos Efeitos farmacodinâmicos Efeito anticolinérgico aditivo Barbitúricos O fenobarbital induz o metabolismo dos antipsicóticos Carbamazepina Induz o metabolismo dos antipsicóticos Carvão
Reduz a absorção gatrintestinal dos antipsicóticos e absorve o medicamento durante a circulação enteroepática Epinefrina, norepinefrina Os antipsicóticos antagonizam seu efeito pressor Fluvoxamina A fluvoxamina inibe o metabolismo do haloperidol e da clozapina Fumar cigarros Indução das enzimas microssômicas Guanetidina Os antipsicóticos antagonizam a recaptação de guanetidina Lítio Desconhecido Meperidina Depressão adicional do SNC Interações medicamentosas avaliadas como tendo gravidade leve ou moderada Ácido valpróico Os antipsicóticos inibem o metabolismo do ácido valpróico Anfetaminas, anoxerígenos Redução do efeito farmacológico da anfetamina; estado de interação doença-medicamento Antiácidos contendo alumínio Antidepressivos (ADs) inespecíficos Bebidas cafeinadas Benzodiazepínicos Bromocriptina Cimetidina Clonidina Dissulfiram Fenitoína Inibidores da enzima de conversão da angiotensina Inibidores específicos da recaptação de serotonina Metildopa
Formação de complexos insolúveis no trato GI Redução do metabolismo dos ADs por meio de competição inibidora Formam precipitados com soluções de antipsicóticos Aumento do efeito farmacológico dos benzodiazepínicos Os antipsicóticos antagonizam a estimulação dos receptores de dopamina Redução da absorção e da depuração do antipsicótico Os antipsicóticos potencializam o efeito hipotensor α-adrenérgico Compromete o metabolismo dos antipsicóticos Indução do metabolismo dos antipsicóticos; redução do metabolismo da fenitóina Crises hipotensoras adicionais Comprometem o metabolismo dos antipsicóticos; interação farmacodinâmica Desconhecido
Comprometimento das habilidades psicomotoras Hipotensão grave
Redução do efeito antipsicótico Toxicidade anticolinérgica Redução das concentrações dos antipsicóticos Até 50% de redução das concentrações dos antipsicóticos Pode reduzir o efeito dos antipsicóticos ou levar a toxicidade durante superdosagem ou por distúrbios gastrintestinais Hipotensão Aumento das concentrações do haloperidol e da clozapina Concentrações plasmáticas dos antipsicóticos reduzidas Comprometimento do efeito anti-hipertensivo Relatos raros de neurotoxicidade Hipotensão e sedação Aumento da meia-vida e dos níveis do ácido valpróico Redução do efeito de perda de peso; as anfetaminas podem exacerbar a psicose; os podem melhorar esquizofrênicos refratários ao tratamento Possível redução do efeito antipsicótico Aumento da concentração dos ADs Possível redução do efeito antipsicótico Depressão respiratória, estupor, hipotensão Aumento da prolactina Redução do efeito antipsicótico Hipotensão ou hipertensão Aumento das concentrações dos antipsicóticos Redução das concentrações dos antipsicóticos; aumento dos níveis da fenitoína Hipotensão, intolerância postural Início súbito de sintomas extrapiramidais Elevações da pressão arterial
De Ereshosky L, Overman GP, Karp JK. Current psychotropic dosing and monitoring guidelines. Prim Psychiatry. 1996;3:21, com permissão.
paroxetina (Aropax), podem aumentar os níveis dos antipsicóticos quando administrados ao mesmo tempo.
Anti-hipertensivos Os antagonistas dos receptores de dopamina podem inibir a captação da guanetidina (Esimil, Ismelin) na sinapse e o efeito hipotensor da clonidina e da metildopa (Aldomet). De forma inversa, os antagonistas podem ter um efeito de acréscimo ao de alguns medicamentos hipotensores. Têm um efeito variável sobre os efeitos hipo-
tensores da clonidina. A co-administração de propranolol com antagonistas dos receptores de dopamina aumenta as concentrações de ambos. O uso concomitante de captopril (Capoten), hidralazina (Apresoline), minoxidil (Regaine), opióides, trazodona (Donaren) e tricíclicos pode piorar a hipotensão.
Depressores do sistema nervoso central A classe de medicamentos em questão potencializa os efeitos depressores no SNC dos sedativos, dos anti-histamínicos, dos opiáceos, dos opiói-
TERAPIAS
des e do álcool, em particular em pacientes com comprometimento da função respiratória. Quando esses agentes são tomados com álcool, o risco de ataques cardíacos pode ficar aumentado.
Outras substâncias Cigarros podem reduzir os níveis plasmáticos dos antagonistas dos receptores da dopamina. A epinefrina possui um efeito hipotensor paradoxal em pacientes que tomam esses antagonistas. Os medicamentos pertencentes a este grupo podem reduzir as concentrações sangüíneas do warfarin (Marevan) e levar a redução do tempo de sangria. As fenotiazinas e a pimozida não devem ser co-administradas com outros agentes que prolonguem o intervalo QT, em particular os antibióticos macrólidos (p. ex., eritromicina, claritromicina, azitromicina e diritromicina). A hidroxizina (Marax) pode potencializar a toxicidade decorrente da mesoridazina e da tioridazina.
INTERFERÊNCIAS LABORATORIAIS Relatou-se que os antagonistas dos receptores da dopamina interferem em alguns testes laboratoriais. Foi constatado que a clorpromazina e a perfenazina causam tanto resultados falso-positivos como falso-negativos em testes imunológicos para gravidez e com dosagens séricas de bilirrubinas (com testes de reagentes em tiras) e urobilinógeno (no teste com o reagente de Ehrlich) falsamente elevadas. Além disso, têm se associado a uma mudança anormal nos resultados do teste de tolerância à glicose, ainda que isso possa refletir os efeitos dos medicamentos sobre o sistema de regulação da glicose. Relatou-se que as fenotiazinas interferem na medida dos 17cetoesteróides (com a modificação de Haltorff-Koch da reação de Zimmerman) e dos 17-hidroxicorticosteróides (com a reação modificada de Glenn-Nelson). DOSAGEM E ADMINISTRAÇÃO Os antagonistas dos receptores da dopamina podem ter um efeito calmante e sedativo em 1 hora de sua administração, mas a melhora em toda a gama de sintomas psicóticos positivos em geral começa dentro de 1 a 2 semanas do início do tratamento, e ensaio terapêutico em pacientes grave ou cronicamente doentes necessita de seis semanas. Observa-se melhora gradativa dos sintomas nos primeiros 3 a 12 meses de utilização. Esses medicamentos são bastante seguros na utilização a curto prazo e, se necessário, os clínicos podem administrá-los sem realizar um exame físico ou laboratorial do paciente. As maiores contra-indicações para os antagonistas dos receptores da dopamina são história de resposta alérgica grave, possibilidade de que o paciente tenha ingerido uma substância que interaja com o antipsicótico, induzindo depressão do SNC (p. ex., álcool, opióides, opióides, barbitúricos e benzodiazepínicos) ou delirium anticolinérgico (p. ex., por escopolamina (Buscopan) e, possivelmente, fenciclidina [PCP]), presença de anormalidade cardíaca grave, alto risco de convulsões de causa orgânica ou idiopática, presença de glaucoma de
BIOLÓGICAS
1131
ângulo estreito ou hipertrofia prostática se um agente desta classe com alta atividade anticolinérgica tiver de ser utilizado e, por fim, presença ou história de discinesia tardia. Os antagonistas dos receptores da dopamina devem ser administrados com cuidado em pacientes com doença hepática, já que o metabolismo hepático comprometido pode resultar em altas concentrações plasmáticas desses agentes. Na avaliação habitual, os clínicos devem obter um leucograma com contagem diferencial, testes de função hepática e eletrocardiograma (ECG), em especial de mulheres acima dos 40 e homens acima dos 30. Adultos mais velhos e crianças são mais sensíveis aos efeitos adversos do que os adultos jovens, e a dosagem do medicamento deve ser ajustada de acordo com a população. Escolha do medicamento Mesmo que as potências dos antagonistas dos receptores da dopamina variem de forma ampla, os agentes típicos disponíveis são igualmente eficazes no tratamento da esquizofrenia. Eles se apresentam em uma série de formulações e tamanhos de doses (Tab. 36.4.17-6). Os dados apóiam a conclusão de que os ASDs podem ser mais eficazes do que outros antipsicóticos para o tratamento dos sintomas negativos da esquizofrenia. Com os antagonistas dos receptores de dopamina, nenhum tipo de esquizofrenia e nenhum sintoma particular é tratado com mais eficácia por qualquer um deles em particular. Os ASDs podem se tornar medicamentos de primeira escolha para o tratamento desta condição se sua eficácia superior sobre os sintomas negativos e seus melhores perfis de segurança forem confirmados em testes clínicos amplos. As diretrizes para a escolha de um medicamento psicotrópico específico devem ser seguidas quando se escolhe um antagonista dos receptores da dopamina (ver Seção 36.1). Se nenhuma outra razão prevalecer, a escolha deve ser baseada no perfil de efeitos adversos e na preferência do clínico. Ainda que os de alta potência se associem a aumento dos efeitos neurológicos adversos, a prática clínica atual recomenda utilizálos por causa da alta incidência de outros efeitos adversos (p. ex., cardíacos, hipotensores, epileptogênicos, sexuais e alérgicos) com os de baixa potência. Um mito em psiquiatria é que pacientes hiperexcitáveis respondem melhor a clorpromazina por ela ser altamente sedativa, enquanto os mais retraídos respondem melhor a antagonistas de alta potência, como a flufenazina. Isso nunca foi comprovado; se a sedação é um objetivo desejado, tanto um antagonista dos receptores da dopamina pode ser administrado em doses divididas como sedativo quanto um benzodiazepínico. Os ASDs oferecem muitas vantagens sobre os antagonistas dos receptores da dopamina e têm sido cada vez mais escolhidos como agentes de primeira linha. Suas vantagens mais proeminentes são o baixo risco de sintomas extrapiramidais e o benefício terapêutico tanto para sintomas positivos como para negativos. A clozapina, a olanzapina (Zyprexa), o sertindol (Serlect) e outros têm menos probabilidade de aumentar os níveis da prolactina do que os antagonistas dos receptores da
1132
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 36.4.17-6 Preparações de antagonistas dos receptores de dopamina Comprimidos
Cápsulas
Solução
Parenteral
Supositórios
20 mg 10, 25, 50, 100, 300 mg – 1, 2,5, 5, 10 mg –
– 30, 75, 150, 200, 100 mg/5 mL – – –
– 10 mg/5 mL, 30 mg/5 mL,
– 25 mg/mL
– 25, 100mg
– 2,5 mg/5 mL, 5 mg/ 5 mL –
2,5 mg/mL 2,5 mg/mL (somente IM) 25 mg/mL
– – –
–
–
–
25 mg/mL
–
0,5, 1, 2, 10, 20 mg –
– –
2 mg/mL –
5, 10, 25, 50 mg – – – – 10, 15, 30 mg (SR) – –
Tiotixeno
– 10, 25, 50, 100 mg 5, 10, 25, 50, 100 mg 2, 4, 8, 16 mg 2 mg 5, 10, 25 mg 25, 50, 100 mg 10, 15, 25, 50, 100, 150, 200 mg –
Trifluoperazina Triflupromazina
1, 2, 5, 10 mg –
– –
Acetofenazina Clorpromazina 200 mg Droperidol Flufenazina Decanoato de flufenazina Enantato de flufenazina Haloperidol Decanoato de haloperidol Loxapina Mesoridazina Molindona Perfenazina Pimozida Proclorperazina Promazina Tioridazina
1, 2, 5, 10, 20 mg
5 mg/mL (somente IM) 50 mg/ml, 100 mg/mL (somente IM) 25 mg/mL 50 mg/mL 25 mg/mL 25 mg/mL 20 mg/mL – 16 mg/mL 5 mg/mL – – 5 mg/5 mL 5 mg/mL – 25 mg/mL, 50 mg/mL 25 mg/5 mL, 100 mg/5 mL, – 30 mg/ml, 100 mg/mL 5 mg/mL 10 mg (somente IM), 2 mg (somente IM) 10 mg/mL 2 mg/mL – 10 mg/mL, 20 mg/mL
– – – – – – – 2,5, 5, 25mg – – – – –
dopamina. A clozapina e a olanzapina, contudo, possuem efeitos anticolinérgicos significativos e podem causar sedação. No futuro, os antagonistas podem ser reservados para aqueles pacientes que os toleram com efeitos adversos mínimos, por razões econômicas ou pelo fato de que são disponíveis em formulações de depósito. Uma observação clínica apoiada por alguma pesquisa é que a reação desagradável do paciente à primeira dose de um agente desta classe tem alta correlação com a má resposta futura e a nãoadesão. Essas experiências incluem o sentimento subjetivo negativo, a sedação excessiva e a distonia aguda. Se forem relatadas tais reações, o clínico deve ficar alerta para mudar o medicamento para um antipsicótico diferente. De maneira similar, se pacientes afirmarem que não se sentiram bem quando tomaram um medicamento no passado, deve-se estar atento para não iniciar um tratamento com tal agente.
a 5 ou 10 mg do mesmo sejam utilizadas antes de se partir para quantias mais elevadas. Os antagonistas dos receptores da dopamina têm uma curva dose-resposta em forma de sino. Em geral, a dose deve ser avaliada por um período de seis semanas antes de aumentá-la ou mudar para outro antipsicótico. Doses excessivas podem resultar em efeitos neurológicos adversos, como acinesia e acatisia, que são difíceis de se distinguir das exacerbações psicóticas. Ainda que os pacientes possam desenvolver uma tolerância para a maioria dos efeitos adversos causados pelos antagonistas dos receptores da dopamina, o mesmo não acontece em relação a seu efeito antipsicótico. A despeito disso, os clínicos devem reduzir a dose de forma lenta quando o medicamento estiver sendo retirado, já que é possível experimentar efeitos de rebote de outros sistemas de neurotransmissores que o agente possa ter bloqueado. O rebote colinérgico, por exemplo, é capaz de produzir uma síndrome semelhante ao resfriado.
Dosagem e esquema
Tratamento de curto prazo. O equivalente a 5 a 10 mg de haloperidol é uma dose razoável para um paciente em surto agudo. Idosos podem se beneficiar de apenas 1 mg. A administração de mais de 50 mg de clorpromazina, em uma única injeção, pode causar hipotensão grave. A administração IM de antagonistas dos receptores da dopamina leva ao pico dos níveis plasmáticos em cerca de 30 minutos, em comparação com os 90 minutos da via oral. Doses de antagonistas dos receptores da dopamina para a administração IM representam, em média, a metade da dose administrada por via oral. Em situações de tratamento de curto prazo, os pacientes devem ser observados por uma hora após a primeira dose do medica-
O índice terapêutico dos antagonistas dos receptores de dopamina é favorável e contribuiu para a infeliz prática de se utilizar de forma rotineira doses elevadas dos medicamentos. Em vista dessa prática comum, os médicos podem ser pressionados pelos membros de sua equipe a utilizar doses muito altas. Investigações recentes de curva dose-resposta para os antagonistas dos receptores da dopamina indicam que o equivalente a 10 a 20 mg de haloperidol costuma ser efetivo para o tratamento de curto ou longo prazo da esquizofrenia. Alguns clínicos e pesquisadores recomendam que doses equivalentes
TERAPIAS
BIOLÓGICAS
1133
mento. Após esse período, a maioria dos clínicos administra uma segunda dose do mesmo ou um agente sedativo (p. ex., um benzodiazepínico) para obter controle comportamental efetivo. Os sedativos possíveis incluem o lorazepam (Lorax, 2 mg IM) e o amobarbital (50 a 250 mg IM).
ex., 2 mg de haloperidol) ou por um benzodiazepínico (p. ex., 2 mg de lorazepam IM). Se doses sn de um dos antagonistas dos receptores da dopamina forem necessárias após a primeira semana de tratamento, o clínico pode considerar aumentar a dose diária em curso.
NEUROLEPTIZAÇÃO RÁPIDA. A neuroleptização rápida (também denominada psicotólise) é a prática de se administrar, de hora em hora, doses IM de antagonistas dos receptores da dopamina, até que seja conseguida a sedação desejada. Vários estudos de pesquisa mostraram, contudo, que apenas esperar algumas horas mais após uma dose dos antagonistas produz a mesma melhora clínica que ocorre com doses repetidas. Ainda assim, é preciso ter cuidado para evitar que os pacientes fiquem violentos durante o surto psicótico. Os clínicos podem auxiliar a prevenir episódios violentos utilizando coadjuvantes sedativos ou restrição física temporária, até que esse comportamento possa ser controlado.
Tratamento de manutenção. Os primeiros 3 a 6 meses após o episódio psicótico são, em geral, considerados o período de estabilização. Após o mesmo, a dose dos antagonistas dos receptores da dopamina pode ser diminuída em cerca de 20% a cada seis meses, até que a quantidade mínima efetiva seja encontrada. Costuma-se manter o paciente com antipsicóticos por 1 a 2 anos após o primeiro episódio psicótico. O tratamento é continuado por cinco anos após o segundo episódio, e a manutenção por toda a vida é considerada após o terceiro episódio, mesmo que tentativas para reduzir a dose diária possam ser feitas a cada 6 a 12 meses. Os antagonistas dos receptores da dopamina são eficazes para controlar os sintomas psicóticos, mas os pacientes podem relatar que preferem se abster dos mesmos, porque se sentem melhor sem eles. Esse problema pode ser menos recorrente com os novos antipsicóticos, como a clozapina, a risperidona e a olanzapina. Pessoas normais que tomaram esses agentes relataram uma sensação de disforia. Os clínicos precisam discutir a medicação de manutenção com os pacientes e levar em consideração seus desejos, a gravidade da condição e a qualidade de seus sistemas de apoio.
Tratamento inicial. Agitação e excitação costumam ser os primeiros sintomas a melhorar com o tratamento com os antagonistas dos receptores da dopamina. Cerca de 75% dos pacientes com história breve de doença têm melhora significativa de sua psicose. Aqueles com uma longa história de doença podem necessitar de seis semanas de tratamento para se avaliar a extensão da melhora. Os dados indicam que os sintomas psicóticos, tanto positivos como negativos, continuam a melhorar 3 a 12 meses após a primeira intervenção. O equivalente a 10 a 20 mg de haloperidol ou 400 mg de clorpromazina por dia é o tratamento adequado para a maioria dos indivíduos com esquizofrenia. Alguns estudos indicam que, em uma proporção significativa de pacientes, 5 mg de haloperidol ou 200 mg de clorpromazina podem, na verdade, ser tão efetivos quanto doses mais elevadas. É razoável administrar os antagonistas dos receptores da dopamina em doses divididas no início do tratamento, para levar ao mínimo o pico dos níveis plasmáticos e reduzir a incidência de efeitos adversos. A dose diária total pode, a seguir, ser consolidada após a primeira ou segunda semana de tratamento. A administração costuma ser ao deitar, para auxiliar a induzir o sono e atenuar a incidência de efeitos adversos. Essa prática pode aumentar o risco de quedas entre idosos se estes levantarem da cama durante a noite. Os efeitos sedativos dos antagonistas dos receptores da dopamina duram apenas poucas horas, em contraste com os efeitos antipsicóticos, que duram de 1 a 3 dias. MEDICAMENTOS “CONFORME O NECESSÁRIO”. É uma prática clíni-
ca comum indicar medicamentos para serem administrados se necessário (sn). Ainda que isso seja razoável durante os primeiros dias de hospitalização, a duração do tempo em que o paciente toma os antipsicóticos, e não o aumento da dose, é o que produz a melhora terapêutica. Os clínicos podem se sentir pressionados pelos membros da equipe a fazer prescrições de antipsicóticos sn. As diretrizes para esse tipo de intervenção devem incluir sintomas específicos, em que freqüência os agentes devem ser administrados e quantas doses podem ser tomadas a cada dia. Os clínicos podem optar por pequenas doses para as indicações sn (p.
Regimes de manutenção alternativos. Regimes alternativos de manutenção foram desenvolvidos para reduzir tanto o risco de efeitos adversos de longo prazo como qualquer sensação desagradável associada à administração de antagonistas dos receptores da dopamina. Medicação intermitente é a utilização dos antipsicóticos somente quando os pacientes os requisitam. Esse arranjo requer que os pacientes ou seus cuidadores estejam querendo e são capazes de prestar atenção cuidadosa para sinais precoces de exacerbações clínicas. À menor indicação desses problemas, a utilização da medicação antipsicótica deve ser reinstituída por um período razoável, em geral 1 a 3 meses. Ainda que essa abordagem de tratamento não seja indicada para a maioria dos pacientes, é uma opção segura e efetiva para alguns. Feriados de medicação são períodos de 2 a 7 dias durante os quais o paciente não recebe os antipsicóticos. É importante destacar que nenhuma evidência indica que os feriados reduzam o risco de efeitos adversos dos antipsicóticos a longo prazo, podendo até aumentar a incidência de não-adesão. Medicamentos de depósito de longa duração. Em vista de alguns pacientes com esquizofrenia não cumprirem os regimes com antagonistas dos receptores da dopamina, podem ser necessárias preparações de depósito (depot) de longa duração (Tab. 36.4-17-7). O clínico em geral administra a preparação IM uma vez a cada 1 a 4 semanas, e, assim, fica sabendo imediatamente quando o paciente deixou de tomar a dose. O antagonista dos receptores da dopamina de depósito pode se associar a aumento dos efeitos adversos, inclusive discinesia tardia, ainda que os dados para o aumento dessa associação sejam controversos. Alguns pesquisadores e clínicos limitam sua utilização a pacientes que
1134
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 36.4.17-7 Utilização de antagonistas dos receptores de dopamina de longa duração Dosagem a. Estabilizar o paciente com a menor dose efetiva da preparação oral. b. Conversão habitual de dose: 10 mg/dia de flufenazina oral = 12,5-25 mg/2 semanas de decanoato de flufenazina 10 mg/dia de haloperidol oral = 100-200 mg/4 semanas de decanoato de haloperidol c. Como com todos os antipsicóticos, deve ser utilizada a menor dose efetiva. Observar que pacientes com esquizofrenia crônica têm sido adequadamente mantidos em doses de decanoato de flufenazina tão baixas quanto 5 mg/2 semanas. d. Suplementação com medicação oral pode ser necessária nos primeiros meses até que seja determinado o melhor regime de doses. Técnicas de injeção a. Utilizando-se agulhas de 5 cm, não injetar mais de 3 mL da medicação por injeção no quadrante superior da nádega (para quantidades maiores do que esta, utilizar nádegas alternadas e variar os locais de injeção). b. Após aspirar o medicamento, aspirar uma pequena bolha de ar de 0,1 mL para dentro da seringa e trocar de agulha para a injeção. c. Passar no local da injeção uma algodão com álcool e deixar secar antes de dar a injeção; do contrário, o álcool pode se infiltrar no tecido subcutâneo e causar irritação local. d. Esticar a pele sobre o local da injeção para um lado e mantê-la firme. e. Injetar o medicamento lentamente, incluindo a bolha de ar, que força a última gota da agulha para o músculo e evita que qualquer medicamento seja depositado no tecido subcutâneo quando a agulha é retirada. f. Esperar 10 segundos antes da retirada da agulha depois, fazêlo com rapidez e liberar a pele. g. Não massagear o local da injeção, já que isso pode forçar o medicamento a porejar do músculo e infiltrar no tecido subcutâneo. h. É importante tomar precauções com as ampolas para evitar injeção de partículas de vidro. Technique for injecting long-acting neuroleptics. Br J Psychiatry. 1983,144:316, com permissão.
não aderem à medicação oral; outros, em particular na Europa, consideram essa alternativa a formulação de escolha para o tratamento da esquizofrenia. Duas preparações de depósito (o decanoato e o enantato) de flufenazina e a preparação de decanoato de haloperidol estão disponíveis nos Estados Unidos. Elas são injetadas IM em uma área de tecido muscular volumoso, do qual são absorvidas lentamente para o sangue. As preparações de decanoato podem ser administradas com menos freqüência do que as com enantato porque são absorvidas de forma mais lenta. Apesar de estabilizar um paciente com preparações orais de medicamentos específicos não seja necessário antes de se iniciar a forma de depósito, é boa prática administrar pelo menos uma dose oral para avaliar a possibilidade de um efeito adverso, como sintomas extrapiramidais graves ou uma reação alérgica. A dose correta e o intervalo de tempo para as preparações de depósito são difíceis de predizer. É razoável iniciar com preparações de flufenazina com 12,5 mg (0,5 mL) ou com 25 mg (0,5 mL) do decanoato de haloperidol. Se surgirem sintomas nas próximas
2 a 4 semanas, o paciente pode ser tratado, por um certo tempo com medicamentos orais adicionais ou com injeções menores da preparação de depósito. Após 3 a 4 semanas, a injeção de depósito deve ser aumentada para incluir as doses suplementares administradas durante o período inicial. Uma boa razão para começar com doses baixas é que a absorção das preparações pode ser mais rápida do que a habitual no início do tratamento, capaz de levar a episódios aterradores de distonia que, em alguns casos, desencorajam a adesão. Determinados clínicos mantêm os pacientes livres de medicamentos por 3 a 7 dias antes de iniciar o tratamento de depósito e, a seguir, administram doses muito baixas de preparações de depósito (3,125 mg de flufenazina ou 6,25 mg de haloperidol) a cada poucos dias para evitar esses problemas iniciais. Em vista da maior indicação para os medicamentos de depósito ser a má adesão às formas orais, os clínicos devem ser cautelosos ao optar por esta prática, talvez o último recurso para se conseguir a adesão. Concentrações plasmáticas. A variação interindividual no metabolismo dos antipsicóticos é significativa e se origina, em parte, de diferenças genéticas entre os pacientes e de interações farmacocinéticas. No caso de indivíduos que não tenham melhorado após 4 a 6 semanas do tratamento com antagonistas dos receptores da dopamina, as concentrações plasmáticas do agente devem ser determinadas se o teste for disponível. Outras possíveis indicações para se obter as concentrações plasmáticas são questões ligadas à adesão, preocupações quanto a interações farmacocinéticas e desenvolvimento de acatisia ou acinesia significativas. A amostra de sangue deve ser obtida após o paciente ter tomado uma dose específica por, no mínimo, cinco vezes a meiavida do medicamento, de modo a se aproximar das concentrações de níveis estáveis. Também é prática-padrão se obter as amostras de plasma nos níveis das cavas, isto é, imediatamente antes que seja administrada a dose diária, em geral pelo menos 12 horas após a dose prévia ou, de modo mais comum, 20 a 24 horas após a sua administração. Contudo, a qualidade dos laboratórios que realizam as análises varia de forma bastante significativa; assim, os clínicos precisam obter as faixas normais de um laboratório em particular e precisam testá-lo com várias amostras de plasma de pacientes bem-controlados. Tendo tomado todas essas precauções, os profissionais ainda ficam à mercê do fato de que a maioria dos antagonistas dos receptores da dopamina não tem uma curva dose-resposta bem-definida. O medicamento melhor estudado é o haloperidol, que pode ter uma janela terapêutica variando de 2 a 15 ng/mL. Outras faixas terapêuticas documentadas de forma razoável são de 30 a 100 ng/mL para a clorpromazina e 0,8 a 2,4 ng/mL para a perfenazina. Pessoas resistentes ao tratamento. Vários estudos indicam que 10 a 35% das pessoas com esquizofrenia deixam de obter benefício significativo com o uso dos medicamentos antipsicóticos. Muitas vezes, as pessoas são definidas como resistentes ao tratamento se deixam de responder em pelo menos duas tentativas adequadas com antipsicóticos de duas classes farmacológicas, as quais em geral são definidas como, no mínimo, seis semanas de doses diárias equivalentes a 20 mg de haloperidol ou 1.000 mg de clorpromazina. Nesses casos, é conveniente determinar as concentrações
TERAPIAS
plasmáticas, pois há a possibilidade de que sejam metabolizadores lentos e as pessoas estejam, grosso modo, supermedicadas com um medicamento em particular. A maior probabilidade, contudo, é que elas apenas não respondam a antipsicóticos típicos. Estudos demonstraram que até dois terços dos não-responsivos a estes podem responder a ASDs. Tratamentos coadjuvantes. Medicamentos que foram relatados como coadjuvantes úteis dos antipsicóticos incluem o lítio, a carbamazepina, os antagonistas dos receptores β-adrenérgicos, os antidepressivos e os benzodiazepínicos. Entre eles, os dados mais consistentes apóiam a utilização do lítio como coadjuvante. Ao se utilizar uma combinação com antipsicóticos, o clínico deve, em princípio, utilizar doses levemente mais baixas de cada um, para evitar o desenvolvimento de delirium ou neurotoxicidade. A carbamazepina tem sido referida também como um acréscimo eficiente ao tratamento com antipsicóticos, embora a co-administração possa reduzir as concentrações plasmáticas do antipsicótico em até 50% por causa da indução das enzimas hepáticas. Relatou-se que os benzodiazepínicos são eficazes no tratamento coadjuvante; contudo, sua retirada deve ser monitorada com cuidados para se evitar piora significativa dos sintomas. Uma crescente quantidade de dados apóia a utilização dos antidepressivos em pacientes esquizofrênicos com sintomas depressivos agudos.
BIOLÓGICAS
1135
Markianos M, Hatzimanolos J, Lykouras L. Neuroendocrine responsivities of the pituitary dopamine system in male schizophrenia during treatment with clozapine, olanzapine, risperidone, sulpiride, or haloperidol. Eur Arch Psychiatry Clin Neurosci. 2001;251:141. Oosthuizen P, Emsley RA, Turner J, Keyter N. Determining the optimal dose of haloperidol in first-episode psychosis. J Psychopharmacol. 2001;15:251. Volavka J, Czobor P, Sheitman B, et al. Clozapine, olanzapine, risperidone, and haloperidol in the treatment of patients with chronic schizophrenia and schizoaffective disorder. Am J Psychiatry. 2002;159:255. Xiberas X, Martinot JL, Mallet L, et al. Extrastriatal and striatal D2 dopamine receptor blockade with haloperidol or new antipsychotic drugs in patients with schizophrenia. Br J Psychiatry. 2001;179:503.
36.4.18 Lítio O lítio (Carbolitium, Litiocar) é o tratamento de curto e longo prazo para transtorno bipolar I utilizado com mais freqüência e uma opção para a profilaxia. Além disso, é empregado como auxiliar no tratamento do transtorno depressivo maior, do transtorno esquizoafetivo, da esquizofrenia resistente a tratamentos, na anorexia nervosa e na bulimia nervosa e para o controle da agressão crônica tanto em crianças como em adultos. HISTÓRIA
REFERÊNCIAS Baldessarini RJ, Tarazi A. Drugs and the treatment of psychiatric disorders: psychosis and mania. In: Hardman JG, Limbird LE, Goodman Gilman A, eds. Goodman & Gilman’s the Pharmacological Basis of Therapeutics. 10th ed. New York: McGraw-Hill; 2001:485. Blin O, Alzorin JM, Bouhours P. Antipsychotic and anxiolytic properties of risperidone, haloperidol and methotrimeprazine in schizophrenic patients. J Clin Psychopharmacol. 1996;16:38. Brauer LH, de Wit H. Subjective responses to D-amphetamine alone and after primozide pretreatment in normal, healthy volunteers. Biol Psychiatry. 1996;39:26. Breier A, Tram PV, eds. Current Issues in the Psychopharmacology of Schizophrenia. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2001:534. Crescimanno G, Mannino M, Casarrubea M, Amato G. Effects of sulpiride on the orienting movement evoked by acoustic stimulation in the rat. Pharmacol Biochem Behav. 2000;66:747. Czobor P, Volavka J. Dimensions of the Brief Psychiatric Rating Scale: and examination of stability during haloperidol treatment. Comp Psychiatry. 1996;37:205. de la Fuente FR. Drug-induced motor complications in dopa-responsive dystonia: implications for the pathogenesis of dyskinesias and motor fluctuations. Clin Neuropharmacol. 1999;22:216. Deleu D, Hanssens Y. Aging and neuroleptic-induced acute dystonia. Am J Psychiatry. 1996;153:447. Finlay WML. Bernal SJ. Tourette’s syndrome and challenging behaviour: a case study. Ment Handicap. 1996;24:80. Huang HF, Jann MW, Tseng Y-T, et al. Ketone reductase activity and reduced haloperidol ratios in haloperidol-treated schizophrenic patients. Psychiatry Res. 1995;57:101. Huttunen MO, Tuhkanen H, Haavisto E, et al. Low- and standard-dose depot haloperidol combined with targeted oral neuroleptics. Psychiatr Serv. 1996; 47:83. Keshavan MS, Aguilar EJ. Aging and neuroleptic-induced acute dystonia: reply. Am J Psychiatry. 1996;153:448. Marder SR, van Kammen DP. Dopamine receptor antagonists (typical antipsychotics). In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2356.
Apoiado nas descobertas de outros, Humphry Davy isolou o lítio metálico em 1818. Foi introduzido na medicina na década de 1840 por Alexander Ure para o tratamento de cálculos renais e por Alfred Garrod para o tratamento da gota. Em 1873, nos Estados Unidos, William Hammond descreveu a utilização do brometo de lítio para o tratamento de episódios maníacos, ainda que o brometo fosse considerado o ingrediente ativo. Em 1886, na Dinamarca, Carl Lange e Fritz Lange descreveram os efeitos profiláticos e os efeitos de curto prazo do lítio para a depressão. No final dos anos 1880 e início dos anos 1900, o público geral dos Estados Unidos era encorajado de forma entusiasmática a “tomar as águas”, à utilização de águas minerais de fontes que supostamente continham lítio (Fig. 36.4.18-1). As águas, em que somente pequenas concentrações de lítio estavam dissolvidas, eram propagadas, de maneira equivocada, como benéficas para uma ampla variedade dores, mal-estar e doenças. Nos Estados Unidos, na década de 1940, o cloreto de lítio foi utilizado como substituto do cloreto de sódio em pacientes hipertensos com dietas com baixo sal; essa prática levou a toxicidade por lítio e a morte para alguns indivíduos, e os produtos contendo esse agente foram retirados da comercialização. Em 1949, uma australiano, John F. J. Cade observou que o urato de lítio causava letargia quando injetado em animais. Mais tarde, relatou efeitos terapêuticos bem-sucedidos em pacientes com episódios maníacos. Nas décadas de 1950 e 1960, Mogens Schou realizou experimentos importantes demonstrando a eficácia profilática de curto prazo do lítio sobre o transtorno bipolar I. Por fim, a Food and Drug Administration (FDA), aprovou o lítio para o tratamento do transtorno bipolar I.
1136
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
REMÉDIO DA PRÓPRIA NATUREZA!
Cura problemas de RINS e BEXIGA, ÁCIDO ÚRICO, GOTA e REUMATISMO, DEPÓSITOS FOSFÓRICOS INFLAMAÇÃO DA BEXIGA, AFECÇÕES HIDROPSIÁTICAS, DEPÓSITOS DE PÓ DE TIJOLO, e todas as formas de DISPEPSIA, que se originam da não-assimilação dos alimentos, como INDIGESTÃO, AZIA, FLATULÊNCIA, CEFALÉIA e a sensação de estar cheio após se alimentar. FIGURA 36.4.18-1 Anúncio da Bear Lithia Water (água de lítio Urso).
QUÍMICA O lítio (Li) é um íon monovalente, e o mais leve dos metais alcalinos (grupo IA da tabela periódica), semelhante ao sódio, ao potássio e ao rubídio. Ele existe tanto como 6Li quanto como 7Li. Este último isótopo permite a imagem do lítio por ressonância magnética espectroscópica. AÇÕES FARMACOLÓGICAS Após a ingestão, o lítio é completamente absorvido pelo trato gastrintestinal (GI). Os níveis plasmáticos têm seu pico 1 a 1,5 horas para as preparações-padrão e 4 a 4,5 horas para as preparações de liberação controlada. Esse agente não se liga às proteínas plasmáticas, não é metabolizado e se distribui de forma não-uniforme por toda água do corpo. Não cruza a barreira hematencefálica de forma rápida, fato que explica por que a superdosagem muitas vezes não representa um problema e por que a intoxicação de longo prazo leva tempo para se resolver de todo. Sua meia-vida é de cerca de 20 horas, e o equilíbrio é atingido após 5 a 7 horas de ingestão regular. O lítio é quase inteiramente eliminado pelos rins. Em vista de ser absorvido nos túbulos proximais, a depuração do mesmo é cerca de um quinto da creatinina. A depuração renal diminui com a insuficiência renal (comum em pessoas idosas) e no puerpério e aumenta durante a gravidez. O lítio é excretado no leite materno e, em quantidades insignificantes, nas fezes e pela perspiração. Seu mecanismo de ação terapêutica permanece incerto. A semelhança do íon lítio com os íons de sódio, potássio, cálcio e magnésio pode estar relacionada a seus efeitos terapêuticos.
EFEITOS SOBRE ÓRGÃOS E SISTEMAS ESPECÍFICOS O lítio afeta com mais freqüência a tireóide, o coração, os rins e o sistema hematopoiético. Impede a liberação dos hormônios da tireóide e pode levar a hipotireoidismo ou a bócio, afetando mais as mulheres do que os homens. Além disso, perturba a função do nó sinusal, que pode levar a bloqueio cardíaco em pessoas suscetíveis. Reduz a capacidade dos rins de concentrar a urina. Embora esse efeito não seja clinicamente significativo, não é sempre reversível após a interrupção da utilização do medicamento. Tem sido relatada fibrose patológica intersticial não-específica como achado post mortem em algumas pessoas tratadas com lítio por longo tempo, mas essa é uma evolução incomum. O principal efeito do lítio sobre o sistema hematopoiético é um aumento pouco significativo, do ponto de vista clínico, da produção de leucócitos. INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS Transtorno bipolar I O lítio se mostrou efetivo tanto no tratamento de curto prazo como na profilaxia do transtorno bipolar I em cerca de 70 a 80% dos pacientes. Tanto os episódios maníacos como os depressivos respondem ao tratamento apenas com este agente. O lítio também deve ser considerado uma intervenção potencial para o transtorno ciclotímico grave. Episódios maníacos. Cerca de 80% dos pacientes maníacos respondem ao tratamento com lítio, ainda que a resposta leve 1 a 3 semanas de tratamento em concentrações terapêuticas. Em vista da demora na resposta ao lítio sozinho, benzodiazepínicos – como o clonazepam (Rivotril) e o lorazepam (Lorax) – ou antipsicóticos são utilizados nas primeiras 1 a 3 semanas para se obter alívio imediato da mania. Fatores de predição de má resposta ao lítio incluem episódios maníacos mistos ou disfóricos (que podem ocorrer em até 40% dos casos), ciclagem rápida e transtornos coexistentes relacionados a substâncias (Tab. 36.4.181). O lítio é efetivo na profilaxia de longo prazo tanto dos episódios maníacos como depressivos em cerca de 70 a 80% das pessoas com transtorno bipolar I.
TABELA 36.4.18-1 Fatores hipotéticos de predição de resposta ao lítio Resposta negativa ou desfavorável Manifestações borderline
Resposta positiva ou favorável Resposta prévia de longo prazo favorável ao lítio Mania clássica eufórica ou pura História familiar de transtorno bipolar Mania secundária
Neuroticismo Ciclagem rápida Sintomas mistos maníacos/ depressivos Abuso de substâncias História familiar de resposta ao lítio Psicose Manifestações obsessivas Depressão seguida de mania Mania seguida de depressão
Reimpressa, com permissão, de Krishnan KRR, Davidson JRT, Doraiswamy PM. Pharmacotherapy of depression in bipolar disorder. Prim Psychiatry. 1996,3:45.
TERAPIAS
Episódios depressivos. O lítio é efetivo no tratamento do transtorno depressivo maior e da depressão associada ao transtorno bipolar I. Em vista de os antidepressivos poderem desencadear mania em pessoas com transtornos bipolares, a monoterapia com lítio é a intervenção ideal tanto para a mania como para a depressão em pacientes com transtorno bipolar. Também ser prescrito associado a um antidepressivo para a manutenção no longo prazo de pessoas com transtorno bipolar. Considera-se que os medicamentos tricíclicos e tetracíclicos têm mais probabilidade de desencadear mania grave do que a bupropiona (Wellbutrin) ou inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs). A potencialização do tratamento com lítio pelo valproato (Depakene) ou pela carbamazepina (Tegretol) em geral é bem-tolerada, com pouco risco de precipitação de mania. Esquizofrenia. Os sintomas de um quinto à metade de todos os pacientes com esquizofrenia são reduzidos ainda mais quando o lítio é co-administrado com um antipsicótico. O benefício terapêutico do lítio não parece estar correlacionado com a ausência ou a presença de sintomas afetivos nesses pacientes. Alguns que não podem tomar medicamentos antipsicóticos podem se beneficiar do tratamento com o lítio usado isoladamente. Os acessos agressivos intermitentes de certos pacientes com esquizofrenia também podem ser reduzidos com esse agente. Transtorno esquizoafetivo e esquizofrenia Entre pessoas com transtorno esquizoafetivo, aquelas com sintomas predominantes do humor – tanto do tipo bipolar como do tipo depressivo – têm mais probabilidade de responder ao lítio do que aquelas com sintomas psicóticos predominantes. Os antagonistas de serotonina-dopamina (ASDs) e os antagonistas dos receptores da dopamina são os tratamentos de escolha para pessoas com transtorno esquizoafetivo, enquanto o lítio é um agente potencializador eficaz, em especial para pacientes cujos sintomas são resistente ao tratamento com ASDs e antagonistas dos receptores da dopamina. A potencialização do lítio no tratamento com agentes dessas duas classes, contudo, pode ser efetivo para pessoas com transtorno esquizoafetivo, mesmo na ausência de um componente predominante de transtorno do humor. Agressão O lítio tem sido utilizado para tratar os surtos agressivos em pacientes com esquizofrenia, detentos de prisões, crianças com transtornos da conduta e deficientes mentais. Relatou-se menos êxito no tratamento da agressividade associada a traumatismo craniano e epilepsia. Outros medicamentos para o tratamento da agressão incluem os anticonvulsivantes, os antagonistas dos receptores β-adrenérgicos e os antipsicóticos. Para esses casos, deve haver uma abordagem flexível, combinando esses medicamentos com estratégias psicossociais e comportamentais.
BIOLÓGICAS
1137
Outros transtornos Alguns estudos relataram que o transtorno episódico, caracterizando transtorno disfórico pré-menstrual, os comportamentos intermitentes do transtorno da personalidade borderline, a bulimia nervosa e episódios de acessos de beber respondem ao tratamento com lítio. Modelos animais de dependência de álcool demonstraram que a ingestão de lítio pode reduzir o consumo de álcool. A despeito desses dados básicos, pelo menos um estudo com um grande número de pacientes não mostrou benefício do tratamento com lítio para a dependência de álcool, embora relatos anedóticos de casos e pequenos estudos da literatura sejam promissores. O transtorno por uso de álcool causado, em parte, por um transtorno bipolar subjacente, por exemplo, pode ser particularmente suscetível ao tratamento com lítio. A mesma intervenção pode ser apropriada para pacientes com transtorno bipolar que abusam de cocaína. O lítio tem sido empregado no tratamento do transtorno obsessivo-compulsivo refratário, na tricotilomania e no transtorno de estresse pós-traumático. Cada uma dessas indicações, no entanto, ainda está por ser testada em ensaios controlados por placebo. O medicamento é bastante efetivo no tratamento de curto prazo das cefaléias em salvas de alguns indivíduos. Manutenção. O tratamento de manutenção com lítio reduz, de forma marcante, a freqüência, a gravidade e a duração dos episódios maníacos e depressivos em pessoas com transtorno bipolar I. Esse agente provê uma profilaxia relativamente mais efetiva para a mania do que para a depressão, e estratégias de uso de antidepressivo suplementar podem ser necessárias tanto de forma intermitente como contínua. A manutenção com lítio é quase sempre indicada após o segundo episódio de depressão ou mania do transtorno bipolar I e deve ser considerada após o primeiro episódio de adolescentes ou pessoas que têm história desse transtorno. Outros que se beneficiam de tal prática são os que possuem sistemas de apoio fracos, não tiveram fatores precipitantes para o primeiro episódio, apresentam alto risco de suicídio, tiveram um início súbito do primeiro episódio e manifestaram o primeiro episódio de mania. Estudos clínicos demonstraram que o lítio reduz de 6 a 7 vezes a incidência de suicídio em pacientes com transtorno bipolar I. Também é um tratamento efetivo para pessoas com transtorno ciclotímico grave. Iniciar-se o tratamento de manutenção após o primeiro episódio maníaco é considerado sensato, com base em várias observações. Primeiro, cada episódio aumenta o risco de manifestações subseqüentes. Segundo, entre as pessoas responsivas ao lítio, as recaídas têm 30 vezes mais probabilidade de ocorrer após o mesmo ser interrompido. Terceiro, relatos de casos descrevem pessoas que responderam ao lítio, pararam de tomá-lo e, a seguir, tiveram uma recaída, mas não responderam mais a esse agente em episódios subseqüentes. O tratamento continuado de manutenção por vezes se associa a aumento da eficácia e a redução da mortalidade. Por isso, episódios de depressão ou mania que ocorrem após um período relativamente curto de manutenção com lítio não representam, de fato, fracasso do tratamento. Contudo, a prática de usar o lítio isoladamente pode começar a perder sua eficácia após vários anos de utilização com êxito. Se isso ocorrer, o tratamento complementar com um anticonvulsivante pode ser benéfico.
1138
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
As doses de manutenção podem ser ajustadas para atingir concentrações plasmáticas um pouco abaixo da necessária para o tratamento da mania aguda. Caso se pretenda interromper a utilização do lítio, a dose deve ser reduzida aos poucos. A interrupção abrupta se associa a aumento do risco de recorrência de episódios maníacos e depressivos. PRECAUÇÕES E REAÇÕES ADVERSAS Os efeitos adversos mais comuns do tratamento com lítio são aumento da sede, poliúria, desconforto gastrintestinal, aumento de peso, tremor, fadiga e comprometimento cognitivo leve (Tab. 36.4.18-2). O desconforto gastrintestinal pode incluir náuseas, vômitos e diarréia e, às vezes, ser atenuado pela divisão das doses, pela administração do lítio com os alimentos ou pela mudança para outras preparações do mesmo agente. Aumento de peso e edema podem ser impossíveis de se tratar, exceto por encorajar o paciente a comer menos e a se exercitar com moderação. O tremor afeta principalmente os dedos e muitas vezes pode ser pior nos níveis de pico do medicamento. Pode ser reduzido com a divisão das doses. O propranolol (Inderal) (30 a 60 mg por dia em doses divididas) reduz o tremor de forma significativa na maioria dos casos. A fadiga e o comprometimento cognitivo leve podem diminuir com o tempo. Efeitos neurológicos adversos raros incluem sintomas de parkinsonismo leve, ataxia e disartria. Os pacientes com comprometimento cerebral estão em risco de neurotoxicidade. O lítio pode exacerbar a doença de Parkinson. Deve ser utilizado com cuidado por pacientes diabéticos, já que pode induzir convulsões ou exacerbar uma doença convulsiva.
TABELA 36.4.18-2 Efeitos adversos do lítio Neurológicos Benignos, não-tóxicos: disforia, falta de espotaneidade, lentificação do tempo de reação, dificuldades de memória Tremor: postural, às vezes, extrapiramidal Tóxicos: tremor significativo, disartria, ataxia, irritabilidade neuromuscular, convulsões, coma, morte Vários: neuropatia periférica, hipertensão intracraniana benigna, síndrome miastenia gravis-símile, alteração da criatividade, baixa do limiar para convulsões Endócrinos Tireóide: bócio, hipotireoidismo, exoftalmia, hipertireoidismo (raro) Paratireóide: hiperparatireoidismo, adenoma Cardiovasculares Modificações benignas da onta T, disfunção do sinus atrial Renais Defeito na concentração, modificações morfológicas, poliúria (diabete insípido nefrogênico), redução da taxa de filtração glomerular (TFG), síndrome nefrótica, acidose tubular renal Dermatológicos Acne, queda de cabelo, psoríase, exantema Gastrintestinais Perda de apetite, náuseas, vômitos, diarréia Vários Modificação do metabolismo dos carboidratos, aumento de peso, retenção de líquidos
Indivíduos desidratados, debilitados ou com doença sistêmica são suscetíveis aos efeitos adversos e à toxicidade. A leucocitose é um efeito benigno comum do tratamento com lítio. Efeitos gastrintestinais Os sintomas gastrintestinais incluem náuseas, redução do apetite, vômitos e diarréia e podem ser atenuados dividindo as doses, administrando o lítio com os alimentos ou mudando para outra forma de preparação. A terapia de lítio com menos probabilidade de causar diarréia é o citrato de lítio. Algumas preparações contêm lactose, que pode causar diarréia em pessoas com intolerância a esta substância. Os pacientes que tomam formulações de liberação lenta e que experimentam diarréia devido à medicação não absorvida na parte inferior do trato GI podem experimentar menos efeitos com preparações de liberação-padrão. A diarréia também pode responder a preparações antidiarréicas, como a loperamida (Imosec), o subsalicilato de bismuto (Pepto-Bismol) ou o difenoxilato com atropina (Lomotil). O aumento de peso resulta de um efeito pouco compreendido do lítio sobre o metabolismo dos carboidratos e também pode ser causado por edema induzido pelo medicamento. Efeitos neurológicos Tremor. Pode ocorrer tremor postural induzido por lítio, o qual costuma ser de 8 a 12 Hz, sendo mais notável com as mãos estendidas, em especial nos dedos, e durante tarefas envolvendo manipulações finas. Tal efeito pode ser reduzido dividindo-se a dose diária, utilizando-se formulações de liberação prolongada, reduzindo-se a ingestão de cafeína, reavaliando-se a utilização de outros medicamentos e tratando-se a ansiedade co-mórbida. Os antagonistas dos receptores β-adrenérgicos, como o propranolol, 30 a 120 mg por dia em doses divididas, e a primidona (Mysoline), 50 a 250 mg por dia, são efetivas na redução do tremor. Em pessoas com hipocalemia, a suplementação com potássio pode melhorar a condição. Quando uma pessoa submetida a lítio tem um tremor grave, a possibilidade de toxicidade deve ser suspeitada e avaliada. Após 19 anos de manutenção bem-sucedida com o lítio, uma mulher de 37 anos de idade mudou para a carbamazepina por causa de poliúria e proteinúria. Somente em retrospecto ela e seu médico se deram conta do embotamento cognitivo e da dificuldade de concentração que tinham estado presentes durante os vários anos de utilização do lítio. Efeitos cognitivos. A utilização do lítio tem se associado a disforia, falta de espontaneidade, lentificação do tempo de reação e comprometimento da memória. A presença desses sintomas deve ser observada com cuidado por serem causa freqüente de nãoadesão. O diagnóstico diferencial para tais sintomas deve incluir transtornos depressivos, hipotireoidismo, hipercalcemia, outras doenças e outros medicamentos. Algumas pessoas relataram que a fadiga e o comprometimento cognitivo leve diminuem com o tempo.
TERAPIAS
Outros efeitos neurológicos. Efeitos neurológicos adversos incomuns incluem sintomas leves de parkinsonismo, ataxia e disartria, ainda que estas duas também possam decorrer da intoxicação com lítio. Mesmo sendo raro, esse medicamento se associa a desenvolvimento de neuropatia periférica, hipertensão intracraniana benigna (pseudotumor), achados semelhantes a miastenia gravis e aumento do risco de convulsões.
BIOLÓGICAS
1139
30% têm concentrações elevadas do hormônio estimulante da tireóide (TSH). Se estiverem presentes sintomas de hipotireoidismo, a reposição com levotiroxina (Synthroid) é indicada. Mesmo na ausência desses sintomas, alguns clínicos tratam indivíduos com concentrações bastante elevadas de TSH com a levotiroxina. Em indivíduos tratados com lítio, as concentrações desse hormônio devem ser medidas a cada 6 a 12 meses. O hipotireoidismo induzido por lítio deve ser considerado ao se avaliar episódios depressivos que venham à tona durante o tratamento.
Efeitos renais O efeito adverso renal mais comum do lítio é a poliúria com podidipsia secundária. Esse sintoma é um problema em particular em 25 a 35% dos indivíduos que tomam o agente, os quais podem ter um excreção de urina de mais de três litros por dia (normal, de 1 a 2 L por dia). A poliúria provém principalmente do antagonismo do lítio em relação aos efeitos do hormônio antidiurético, o que leva à diurese. Quando a poliúria é um problema significativo, a função renal do indivíduo deve ser avaliada e acompanhada com coletas de urina de 24 horas, para a determinação da depuração da creatinina. O tratamento consiste em reposição de líquidos, utilização da menor dose efetiva de lítio e doses uma vez por dia. Os efeitos renais mais graves, que são raros e associados à administração continuada do lítio por 10 anos ou mais, envolvem o aparecimento de fibrose intersticial não-específica, associada a redução gradual da taxa de filtração glomerular, o aumento da concentração da creatinina sérica e (raramente) de insuficiência renal. Por vezes, esse medicamento implica síndrome nefrótica e a manifestações de acidose renal tubular distal. É prudente verificar a concentração da creatinina sérica, realizar o exame comum de urina e verificar o volume de urina de 24 horas de pacientes que tomam o agente.
Efeitos cardíacos Os efeitos cardíacos do lítio, que se parecem com os da hipocalemia no eletrocardiograma (ECG), são causados pelo deslocamento do potássio intracelular pelos íons de lítio. As modificações mais comuns no ECG são o achatamento ou a inversão da onda T. Essas alterações são benignas e desaparecem após o lítio ser excretado do corpo. A despeito disso, ECG de linha de base é essencial e deve ser repetido todos os anos. Pelo fato de o lítio também deprimir a atividade de marca-passo do nodo sinusal, o tratamento pode levar a arritmias sinusais, bloqueio cardíaco e episódios de síncope. A abordagem com esse medicamento, por isso, está contra-indicada para pessoas com síndrome do sinus doente. Em casos raros, arritmias ventriculares e insuficiência cardíaca congestiva se associaram ao tratamento com lítio. A cardiotoxicidade é mais prevalente em indivíduos submetidos a dietas com pouco sal, tomando certos diuréticos ou inibidores da enzima de conversão da angiotensina e com desequilíbrios hidroeletrolíticos ou insuficiência renal. Efeitos dermatológicos
Um homem de 55 anos de idade, estabilizado com êxito com lítio por 25 anos, experimentou um aumento gradativo da creatinina no soro até 2,4 mg/dL (faixa normal, de 0,6 a 1,3 mg/dL). Uma avaliação completa realizada por um nefrologista não encontrou outra explicação, sendo considerado que o lítio era a causa mais provável. Efeitos sobre a tireóide O lítio afeta a função da tireóide, provocando redução em geral benigna e por vezes transitória na circulação dos hormônios circulantes da tireóide. Relatos atribuíram bócio (5% dos indivíduos), exoftalmia benigna reversível, hipertireoidismo e hipotireoidismo (7 a 10% dos indivíduos) ao tratamento com lítio. Esta última condição é mais comum entre mulheres (14%) do que entre homens (4,5%). O risco é mais elevado para elas nos primeiros dois anos de tratamento. Os que tomam o agente para o tratamento do transtorno bipolar têm duas vezes mais probabilidade de desenvolver hipotireoidismo se apresentarem ciclagem rápida. Cerca de 50% dos indivíduos que recebem tratamento a longo prazo possuem anormalidades laboratoriais, como resposta anormal ao hormônio de liberação da tireotropina (TRH), e
Vários efeitos cutâneos adversos, que podem ser dependentes da dose, se associam ao tratamento com lítio. Os mais prevalentes incluem erupções acneiformes, foliculares e maculopapulares, ulcerações pré-tibiais e piora da psoríase. Também tem sido relatada alopecia. Muitas dessas condições respondem à mudança para outra preparação de lítio e ao estabelecimento de medidas dermatológicas habituais. As concentrações do lítio devem ser monitoradas ao se utilizarem tetraciclinas para o tratamento da acne, porque estas podem aumentar a retenção daquele. Em algumas situações, o agravamento da psoríase ou de erupções acneiformes pode forçar a interrupção do tratamento. Toxicidade e superdosagem Os sinais e sintomas iniciais de toxicidade por lítio incluem sintomas neurológicos, como tremor significativo, disartria e ataxia, sintomas gastrintestinais, alterações cardiovasculares e disfunção renal. Os sinais e sintomas mais tardios incluem perturbação da consciência, fasciculações musculares, mioclonias, convulsões e coma (Tab. 36.4.18-3). Fatores de risco incluem exceder a dose recomendada; diminuição da excreção decorrente
1140
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 36.4.18-3 Sinais e sintomas de toxicidade pelo lítio Intoxicação leve a moderada (nível do lítio = 1,5 a 2 mEq/L) Gastrintestinais Vômitos Dor abdominal Boca seca Neurológicos Ataxia Tonturas Fala arrastada Nistagmo Letargia ou excitação Fraqueza muscular Intoxicação moderada a grave (nível do lítio = 2 a 2,5 mEq/L) Gastrintestinais Anorexia Náuseas e vômitos persistentes Neurológicos Visão turva Fasciculações musculares Movimentos clônicos dos membros Reflexos tendíneos profundos hiperativos Movimentos coreoatetóides Convulsões Delirium Síncope Alterações eletroencefalográficas Estupor Coma Insuficiência circulatória (baixa de pressão arterial, arritmias cardíacas e anormalidades da condução) Intoxicação grave (nível do lítio > 2,5 mEq/L) Convulsões generalizadas Oligúria e insuficiência renal Morte De Marangeli LB, Silver JM, Yudofsky SC. Psychopharmacology and electroconvulsive therapy. In: The American Psychiatric Press Textbook of Psychiatry. 3rd ed. Washington, DC: American Psychiatric Press, 1999, com permissão.
de comprometimento renal, dieta pobre em sódio, interações medicamentosas e desidratação. Idosos são mais vulneráveis ao efeito do aumento das concentrações séricas de lítio. Quanto maior a concentração e quanto mais longo o tempo em que ela esteve alta, pior os sintomas da toxicidade. A toxicidade representa uma emergência médica, uma vez que pode levar a dano neuronal permanente e a morte. O tratamento da toxicidade (Tab. 36.4.18-4) envolve a interrupção do medicamento e o tratamento da desidratação. O lítio não-absorvido pode ser removido do trato GI pela ingestão de sulfato de poliestireno (Kayexalate) ou de solução de polietileno glicol (GoLYTELY), mas não de carvão ativado. A ingestão de uma dose isolada pode criar grumos do medicamento no estômago, os quais podem ser removidos por lavagem gástrica com um tubo de amplo diâmetro. O valor da diurese forçada ainda está em debate. Nos casos mais graves, a hemodiálise é o modo mais rápido de remoção de quantidades excessivas de lítio no soro. As concentrações séricas pós-diálise podem subir, à medida que o lítio é redistribuído dos tecidos para o sangue, e diálises repetidas podem ser necessárias. A melhora neurológica pode se dar com defasagem da depuração do lítio no soro de vários dias, pelo fato de o agente cruzar lentamente a barreira hematoencefálica.
TABELA 36.4.18-4 Interações medicamentosas com o lítio Classe de medicamentos Antipsicóticos
Antidepressivos
Anticonvulsivantes
Antiinflamatórios nãoesteróides
Diuréticos Tiazídicos
Poupadores de potássio De alça
Osmóticos (manitol, uréia)
Reação Relatos de casos de encefalopatia, piora dos efeitos adversos extrapiramidais e síndrome neuroléptica maligna; relatos inconsistentes de concentrações alteradas de lítio nos eritrócitos e no plasma de medicamentos antipsicóticos ou ambos Relatos ocasionais de síndrome de serotonérgica-símile com inibidores potentes da recaptação de serotonina Sem interações farmacocinéticas significativas com a carbamazepina ou o valproato; relatos de neurotoxicidade com a carbamazepina; as combinações são úteis para a resistência ao tratamento. Podem reduzir a depuração renal do lítio e aumentar suas concentrações suas concentrações séricas; relatada toxicidade (a aspirina é exceção) Redução bem-documentada da depuração renal do lítio e aumento das concentrações séricas; relatada toxicidade Dados limitados, podem aumentar a concentração de lítio Sem modificação da depuração do lítio (alguns relatos de casos de aumento das concentrações) Aumento da depuração renal do lítio e redução da concentração de lítio Aumento da depuração renal do lítio e redução da concentração do mesmo Aumento da depuração do lítio
Xantinas (aminofilina, cafeína, teofilina) Inibidores da anídrase carbônica Inibidores da enzima de con- Relatos de redução da depuração do versão da angiotensina lítio, aumento da concentração e (ECA) toxicidade Inibidores dos canais de cálcio Relatos de casos de neurotoxicidade; sem interações farmacocinéticas consistentes Vários Succinilcolina, pancurônio Relatos de bloqueio neuromuscular prolongado Metronidazol Aumento da concentração do lítio Metildopa Alguns relatos de neurotoxicidade Bicarbonato de sódio Aumento da depuração renal do lítio Iodetos Soma dos efeitos antitireóideos Propranolol Utilizado pelo tremor induzido por lítio. Possível aumento leve da concentração do lítio
Adolescentes As concentrações séricas de lítio em adolescentes é semelhante à de adultos. Ainda que o perfil de efeitos adversos seja similar em ambos os grupos, o aumento de peso e a acne associada à utilização do lítio são particularmente perturbadores para um adolescente.
TERAPIAS
BIOLÓGICAS
1141
Idosos
Efeitos diversos
O lítio é um medicamento seguro e eficaz para idosos. Contudo, o tratamento pode ser complicado pela presença de outras doenças sistêmicas, pela redução da função renal, por dietas especiais que afetem a depuração do lítio e pelo aumento geral da sensibilidade ao medicamento. Esses indivíduos devem receber, em princípio, doses baixas, sendo mudadas com menos freqüência do que em pessoas mais jovens, e deve-se esperar um tempo mais longo para a excreção renal se equilibrar com a absorção, antes que se possa presumir que o lítio atingiu concentrações com níveis estáveis. Em geral, os idosos devem ser iniciados com doses mais baixas do que as usuais, com modificações de doses menos freqüentes do que em pacientes mais jovens. A meia-vida de eliminação do lítio aumenta com a idade, e o tempo necessário para atingir níveis estáveis é mais longo nos idosos. Se a utilização for interrompida, os níveis caem de forma mais lenta, e a resolução dos efeitos adversos e da toxicidade pode ser mais prolongada.
O lítio deve ser utilizado com cuidado por pessoas diabéticas, que devem monitorar as concentrações da glicose no sangue com cuidado para evitar a cetoacidose diabética. Leucocitose benigna, reversível, se associa com freqüência a esse tratamento. Pessoas desidratadas, debilitadas e com doença sistêmica são mais suscetíveis aos efeitos adversos e à toxicidade por lítio.
Um homem de 60 anos de idade foi tratado com 900 mg de carbonato de lítio por dia. A dose foi continuada sem modificação por 10 anos, a despeito de evidência laboratorial de concentrações gradativamente crescentes de lítio e creatinina séricas. Ainda que os sinais clínicos de toxicidade estivessem sendo relatados, foi acrescentado um diurético tiazídico para tratar a hipertensão. Três semanas mais tarde, o paciente foi hospitalizado com a concentração sérica do lítio de 4,2 mEq/L e um comprometimento neurológico marcante que não pôde mais ser resolvido. Gestantes O lítio não deve ser administrado a gestantes no primeiro trimestre da gestação por causa do risco de defeitos congênitos. As malformações mais comuns envolvem o sistema cardiovascular, de forma mais específica a anomalia de Ebstein das válvulas tricúspides. O risco de essa condição se desenvolver em fetos expostos ao lítio é de um por 1.000, 20 vezes o risco da população em geral. A possibilidade de anomalias cardíacas fetais pode ser avaliada com a ecocardiografia. O risco teratogênico do medicamento (4 a 12%) é mais alto do que na população em geral (2 a 3%), mas parece ser mais baixo do que aquele associado à utilização de valproato ou carbamazepina. Uma mulher que continue a tomar lítio durante a gravidez deve utilizar a dose mínima efetiva. A concentração materna do lítio deve ser monitorada de forma cuidadosa durante a gravidez e mesmo após esta, por causa da redução significativa da excreção renal de lítio nos primeiros dias após o parto. A hidratação adequada pode reduzir o risco de toxicidade durante o trabalho de parto. A profilaxia com lítio é recomendada para todas as mulheres com transtorno bipolar, assim que entrem no período pós-parto. O lítio é excretado no leito materno e deve ser ingerido por uma mulher amamentando somente após avaliação criteriosa dos riscos potenciais e dos benefícios. Sinais de toxicidade no bebê incluem letargia, cianose, reflexos anormais e, algumas vezes, hepatomegalia.
INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS As interações medicamentosas estão resumidas na Tabela 36.4.184. O lítio tem sido utilizado com êxito com antagonistas dos receptores da dopamina por muitos anos. Contudo, a co-adminsitração de doses mais altas desses agentes pode levar a aumento sinérgico dos sintomas neurológicos adversos induzidos pelo lítio. Essa interação é passível de ocorrer com a utilização de qualquer antagonista dos receptores da dopamina. Sua co-administração com um anticonvulsivante – inclusive a carbamazepina, o valproato e o clonazepam – pode aumentar as concentrações do lítio e agravar os efeitos neurológicos adversos induzidos por este. Com prudência, essa combinação pode beneficiar algumas pessoas. O tratamento combinado deve ser iniciado com doses mais baixas do que as habituais, sendo aumentadas de forma gradual. No caso da mania, modificações de um tratamento para outro devem ser feitas com cuidado, com a menor superposição temporal possível entre os medicamentos. A maioria dos diuréticos (p. ex., tiazídicos e poupadores de potássio) aumenta as concentrações do lítio; quando o tratamento com esses agentes é interrompido, o clínico pode precisar aumentar a dose diária de lítio. Os diuréticos osmóticos e de alça, os inibidores da anídrase carbônica e as xantinas (inclusive a cafeína) podem reduzir as concentrações de lítio para abaixo dos níveis terapêuticos. Os inibidores da enzima de conversão da angiotensina podem causar aumento das concentrações do lítio, enquanto os inibidores dos receptores de angiotensina II AT1 losartan (Cozaar) e irbesartan (Avapro) não possuem tal afeto. Uma ampla gama de antiinflamatórios não-esteróides é capaz de reduzir a depuração do lítio, aumentando, assim, suas concentrações. Esses medicamentos incluem a indometacina (Indocid), a fenilbutazona (Butazolidina), o diclofenaco (Voltaren), o cetoprofeno (Profenid), a oxifenbutazona (Oxalid), o iboprofeno (Motrin, Adril, Nuprim), o piroxicam (Feldene) e o naproxeno (Naprosyn). A aspirina e o sulindaco (Clinoril) não afetam as concentrações do lítio. A co-administração do lítio com a quetiapina (Seroquel) pode causar sonolência, mas é, por outro lado, bem-tolerada. A combinação dele com a ziprasidona pode aumentar, de forma modesta, a incidência de tremor. Sua utilização com inibidores dos canais de cálcio deve ser evitada por causa da neurotoxicidade potencialmente fatal. Uma pessoa que vai se submeter a ECT deve interromper o lítio dois dias antes de iniciar o tratamento, para reduzir o risco de delirium resultante da co-administração dessas intervenções terapêuticas.
1142
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
INTERFERÊNCIAS LABORATORIAIS Não se sabe se o lítio interfire em qualquer teste laboratorial. Contudo, o tratamento afeta uma série de valores de laboratórios obtidos comumente (Tab. 36.4.18-5)
ministrada tanto em duas ou três doses divididas da formulação de liberação regular ou em dose única da formulação de liberação prolongada equivalente à dose diária combinada da formulação de liberação regular. A utilização de doses divididas reduz o malestar epigástrico e evita o pico único alto das concentrações do lítio. Não há dados mostrando diferença em eficácia clínica entre as formulações de liberação regular e prolongada.
DOSAGEM E DIRETRIZES CLÍNICAS Avaliação médica inicial
Concentração no soro e no plasma
Antes de o clínico administrar o lítio, o paciente deve submeter-se a uma revisão laboradorial de rotina e a um exame físico. Os exames laboratoriais devem incluir concentração de creatinina no soro (ou na urina de 24 horas, se o clínico tem qualquer razão para se preocupar com a função renal), eletrólitos, função da tireóide (TSH, T3 e T4) e hemograma completo, ECG e teste de gravidez, caso a mulher se encontre em idade fértil.
As concentrações no soro e no plasma são os métodos-padrão de se avaliar as concentrações do lítio, já que servem de base para ajustar as doses. As concentrações devem ser determinadas a cada 2 a 6 meses em uma abordagem de rotina. No caso de pessoas suspeitas de não-adesão às doses prescritas, em pessoas que exibem sinais de toxicidade e durante ajustamentos da dose, a medição deve ser imediata. Embora relatos tenham observado a medida das concentrações do lítio na saliva, nas lágrimas e nos eritrócitos, estes métodos não têm superioridade clínica sobre a análise no soro ou no plasma. Uma técnica de consenso para a coleta de amostras especificas é que o indivíduo deve ter concentrações estáveis das doses (em geral após cinco dias de doses constantes), de preferência utilizando um regime de doses 2 a 3 vezes ao dia, e colher a amostra de sangue 12 horas (com margem de variação de 30 minutos) após uma dose administrada. As concentrações do lítio 12 horas após a dose em pessoas tratadas com preparações de liberação prolongada costumam ser 30% mais altas do que as concentrações correspondentes obtidas a partir de preparações de liberação regular. Em vista dos dados disponíveis se basearem em amostras de populações que seguem um regime de doses múltiplas, as formulações de liberação regular administradas no mínimo duas vezes ao dia devem ser utilizadas para a determinação inicial das doses apropriadas. Duas considerações técnicas devem ser consideradas se os valores de laboratório não parecem corresponder ao estado clínico. Primeiro, a coleta do sangue em um tubo anticoagulante lítioheparina pode implicar resultados falsamente elevados de até 1 mEq/L. Segundo, o envelhecimento do eletródio íon-seletivo para o lítio pode causar imprecisões de até 0,5 mEq/L. Estabelecendose a dosagem uma vez ao dia, é razoável mudar para uma formulação de liberação prolongada administrada uma vez ao dia. As diretrizes mais comuns são de 1 a 1,5 mEq/L para o tratamento da mania aguda e de 0,4 a 0,8 mEq/L para o tratamento de manutenção. Variações biológicas na regulação do humor e no metabolismo do lítio apóiam a máxima universal de “tratar o paciente, não os resultados do laboratório”. Um pequeno número de pessoas não atingirá benefício terapêutico com uma concentração de 1,5 mEq/L e também não terá sinais de toxicidade. Para essas, é recomendado o ajuste da dose. Se não há resposta após uma semana em uma concentração que está começando a causar efeitos adversos, então o indivíduo deve reduzir aos poucos a utilização do lítio em 1 a 2 semanas e tentar outro estabilizador do humor. Outras opções terapêuticas incluem a carbamazepina, o valproato, outros anticonvulsivantes, hormônios da tireóide, ECT, inibidores dos canais de cálcio, inibidores da monoaminoxidase, antagonistas dos receptores de dopamina e ASDs.
Recomendações de dosagens As formulações do lítio incluem carbonato de lítio, comprimidos de carbonato de lítio (Carbolitium) de 300 mg e comprimidos de carbonato de lítio de liberação controlada de 450 mg (Carbolitium CR). Se o indivíduo já foi tratado com esse agente e a dosagem prévia é conhecida, então a mesma dose deve ser utilizada para o episódio atual, a menos que modificações nos parâmetros farmacocinéticos tenham afetado a depuração do lítio. A dose inicial para a maioria dos adultos é de 300 mg das formulações de liberação regular três vezes ao dia. Para idosos com comprometimento renal, deve ser de 300 mg uma ou duas vezes ao dia. Uma dose eventual entre 900 e 1.200 mg por dia tende a produzir uma concentração terapêutica no plasma de 0,6 a 1 mEq/L, e uma dose diária de 1.200 a 1.800 mg produz uma concentração terapêutica de 0,8 a 1,2 mEq/L. A dose de manutenção deve ser ad-
TABELA 36.4.18-5 Possíveis efeitos do lítio sobre valores de laboratório Valor de laboratório
Possível efeito
Leucócitos Glucose no soro Magnésio no soro Potássio no soro Ácido úrico no soro Tiroxina no soro Cortisol no soro Hormônio da paratireóide no soro Cálcio no soro
Aumento da contagem Aumento do nível Aumento do nível Redução do nível Redução do nível Redução do nível Redução do nível matinal Aumento do nível devido a adenoma Aumento do nível devido a aumento do nível do hormônio da paratireóide Redução do nível devido a aumento do nível do hormônio da paratireóide
Fósforo no soro
Reimpressa, com permissão, de Doupe A, Szuba M. Lithium and other antimanic agents. In: The Handbook of Psychiatry. Residents of the UCLA Department of Psychiatry. Chicago, Year Book Medical, 1990: 366.
TERAPIAS
Interrupção A utilização do lítio é interrompida se for ineficaz ou não-tolerada. Os pacientes podem parar o medicamento por outras razões, como uma perda de criatividade real ou percebida, sentimentos de que estão curados ou desgosto por se sentirem controlados por um medicamento. Após um período de estabilidade com tratamento de manutenção, uma tentativa sem o lítio pode ser considerada, ainda que o risco de recorrência seja considerável (em especial se houve vários episódios prévios) e haja relatos de falta de resposta ao lítio quando o tratamento é reinstituído. A interrupção deve ser gradativa por várias semanas, pois a cessação abrupta parece se associar a aumento da probabilidade de recorrência precoce da mania ou da depressão. Instruir os pacientes e pessoas significativas a reconhecer os sinais precoces de recorrência é uma parte importante do processo. Orientações ao paciente Os indivíduos que tomam lítio devem ser advertidos de que mudanças no conteúdo da água e dos sais do corpo podem afetar a quantidade de lítio excretada, levando tanto a aumento como a diminuição das suas concentrações. Ingestão excessiva de sódio (p. ex., mudanças drásticas da dieta) também diminui as concentrações. Ao contrário, sódio de menos (p. ex., em dietas da moda) pode levar a concentrações potencialmente tóxicas do lítio. Reduções dos líquidos corporais (p. ex., com perspiração excessiva) causam desidratação e intoxicação. REFERÊNCIAS Baldessarini RJ, Tarazi RI. Drugs and the treatment of psychiatric disorders: psychosis and mania. In: Hardman JG, Limbird LE, Goodman Gilman A, eds. Goodman & Gilman’s the Pharmacological Basis of Therapeutics. 10th ed. New York: McGraw-Hill; 2001:485. Baldessarini RJ, Tondo L. Does lithium treatment still work? Evidence of stable responses over three decades. Arch Gen Psychiatry. 2000;57:187. Bouman TK, de Vries J, Koopmans IH. Lithium prophylaxis and inter-episode mood: a prospective longitudinal comparison of euthymic bipolars and nonpatient controls. J Affect Disord. 1002;24:199. Bowden CL. Efficacy of lithium in mania and maintenance therapy of bipolar disorder. J Clin Psychiatry. 2000;61(suppl 9):35. Campbell M, Katantaris V, Cueva JE. An update on the use of lithium carbonate in aggressive children and adolescents with conduct disorder. Psychopharmacol Bull. 1995;31:93. Carpenter LL, Yasmin S, Price LH. A double-blind, placebo-controlled study of antidepressant augmentation with mirtazapine. Biol Psychiatry. 2002; 51: 183. Coppen A. Lithium in unipolar depression and the prevention of suicide. J Clin Psychiatry. 2000;61(suppl 9):52. Dinan TG. Lithium in bipolar mood disorder. BMJ. 2002;324:989. Granneman GR, Schneck DW, Cavanaugh JH, Witt GF. Pharmacokinetic interactions and side effects resulting from concomitant administration of lithium and divalproex sodium. J Clin Psychiatry. 1996;57:204. Grounds D. Connection between lithium and muscular incoordination. Aust N Z J Psychiatry. 2002;36:142. Hoffman L, Halmi KA. Psychopharmacology in the treatment of anorexia nervosa and bulimia nervosa. Psychiatr Clin North Am. 1993;16:767. Jefferson JW, Greist JH. Lithium. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2377. Kane JM. Drug therapy: schizophrenia. N Engl J Med. 1996; 334: 34. Katona CLE. Refractory depression: a review with particular reference to the use of lithium augmentation. Eur Neuropsychopharmacol. 1995;5(suppl):109.
BIOLÓGICAS
1143
Keck PE, McElroy SL. Outcome in the pharmacologic treatment of bipolar disorder. J Clin Psychopharmacol. 1996;16(suppl 1):15S. Lenox RH, Hahn C-G. Overview of the mechanism of action of lithium in the brain: fifty-year update. J Clin Psychiatry. 2000;61(suppl 9):5. Markoff RA, King M Jr. Does lithium dose prediction improve treatment efficiency? Prospective evaluation of a mathematical method. J Clin Psychopharmacol. 1992;12:305. O’Brien G. Treatment of patients with learning disabilities and schizoaffective illness. Hum Psychopharmacol. 1995;10:491. Pantelis C, Barnes TRE. Drug strategies and treatment-resistant schizophrenia. Aust N Z J Psychiatry. 1996;30:20. Pert M, Pratt JP. Lithium: current status in psychiatric disorders. Drugs. 1993;46:7. Reischer H, Pfeffer CR. Lithium pharmacokinetics. Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1996;35:130. Schou M. Forty years of lithium treatment. Arch Gen Psychiatry. 1997;54:9. Sharpley AL, Walsh AES, Cowen PJ. Effect of nefazodone and lithiuni on sleep architecture in health men. J Psychopharmacol. 1996;10 (suppl 1):26. Solomon DA, Ristow WR. Keller JM, Goldberg AJ. Rosenbaum JF, Warshaw MG. Serum lithium levels and psychosocial function in parents with bipolar I disorder. Am J Psychiatry. 1996;153:1301. Stein G, Bernadt M. Lithium augmentation therapy in tricyclic-resistant depression: a controlled trial using lithium in low and normal doses. Br J Psychiatry. 1993;162:634. Stoll AL, Locke CA, Vuckovic A, Mayer PV. Lithium associated cognitive and functional deficits reduced by a switch to divalproex sodium: a case series. J Clin Psychiatry. 1996;57:356. Swanson CL, Price WA, McEvoy JP. Effects of concomitant risperidone and lithium treatment. Am J Psychiatry. 1995;152:1096. Tariot PN, Schneider LS. Anticonvulsant and other non-neuroleptic treatment of agitation in dementia. J Geriatr Psychiatry Neurol. 1995;8(suppl 1):S28.
36.4.19 Mirtazapina A mirtazapina (Remeron) é um medicamento eficaz utilizado para tratar a depressão. Ela não possui os efeitos anticolinérgicos desagradáveis dos antidepressivos tricíclicos. QUÍMICA A estrutura da molecular da mirtazapina é exibida na Figura 36.4.19-1 AÇÕES FARMACOLÓGICAS A mirtazapina é rápida e completamente absorvida pelo trato gastrintestinal (GI). O pico da concentração é atingido dentro de duas horas da ingestão. A depuração plasmática pode ser lentificada em até 30% em indivíduos com função hepática comprometida e em
N
N N CH3
FIGURA 36.4.19-1 Estrutura molecular da mirtazapina.
1144
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
até 50% entre aqueles com função renal comprometida. A depuração pode ser até 40% mais lenta em homens idosos e até 10% mais lenta em mulheres idosas. Sua meia-vida média de eliminação é de 20 a 40 horas, e os níveis estáveis constantes são atingidos dentro de cinco dias. A resposta clínica pode necessitar de 2 a 4 semanas. A mirtazapina atua como antagonista dos receptores α2-adrenérgicos pré-sinápticos do sistema nervoso central (SNC), onde aumenta os níveis sinápticos da noradrenalina e da serotonina. É um antagonista potente dos receptores 5-HT2 e 5HT3, mas tem pouco efeito sobre os receptores 5-HT1. Isso parece comprometer a ativação dos receptores da serotonina em favor da família 5HT1, cuja ativação se acredita diminuir a ansiedade e a depressão. A mirtazapina é um potente antagonista dos receptores H1 de histamina e um antagonista moderadamente potente dos receptores α1-adrenérgicos e colinérgicos muscarínicos. EFEITOS SOBRE ÓRGÃOS E SISTEMAS ESPECÍFICOS Esse medicamento exerce a maioria de seus efeitos sobre o SNC, e os principais efeitos fora dele são relativos ao trato GI (p. ex., aumento de peso e do apetite). INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS A mirtazapina é eficaz no tratamento de depressão. É bastante sedativa, na mesma faixa da amitriptilina (Tryptanol), da clomipramina (Anafranil) e da trazodona (Donaren), sendo apropriada para o tratamento de transtornos do sono. Contudo, alguns de seus efeitos sedativos tendem a diminuir após a primeira semana de tratamento. Em comparação direta, causa menos sonolência, aumento de peso e obstipação do que a amitriptilina e menos cefaléia e náuseas do que a fluoxetina (Prozac). Parece também atenuar os sintomas somáticos e psicológicos da ansiedade e da agitação. PRECAUÇÕES E REAÇÕES ADVERSAS O efeito adverso mais comun da mirtazapina é a sonolência, que pode ocorrer em mais de 50% dos indivíduos (Tab. 36.4.19-1). Por isso, quando se inicia o tratamento com esse agente, deve-se ter cuidado ao dirigir ou ao operar máquinas perigosas. Esse efeito adverso pode ser reduzido ao mínimo com a administração da
TABELA 15.4.19-1 Reações adversas relatadas com a mirtazapina Acontecimento
Porcentagem (%)
Sonolência Boca seca Aumento do apetite Obstipação Aumento de peso Tonturas Mialgias Sonhos perturbadores
54 25 17 13 12 7 5 4
dose antes de dormir. A mirtazapina também causa tonturas em 7% das pessoas. Não parece aumentar o risco para convulsões. Ocorreu mania ou hipomania em 0,2% dos indivíduos em ensaios clínicos, uma taxa semelhante à de outros antidepressivos. Ela potencializa os efeitos sedativos do álcool. Além disso, aumenta o apetite em 15% dos pacientes. Pode aumentar a concentração do colesterol sérico em 20% ou mais acima do limite superior do normal em 15% das pessoas, bem como aos triglicerídeos, com aumento até 500 mg/dL ou mais em 6%. A elevação dos níveis da alanina transaminase (ALT) a mais de três vezes o limite superior do normal foi observada em 2% das pessoas tratadas com mirtazapina, em oposição a 0,3% em controles com placebo. Na limitada experiência pré-comercialização, a contagem absoluta de neutrófilos decaiu a 500/mm3 ou menos dentro de dois meses do início da utilização em 0,3% dos indivíduos, alguns dos quais desenvolveram infecções sintomáticas. Essa condição hematológica foi reversível em todos os casos e teve mais probabilidade de ocorrer quanto outros fatores de risco para neutropenia estavam presentes. Não se relatou aumento na freqüência de neutropenia. O fabricante recomenda instruir todas as pessoas a procurar assistência médica se desenvolverem febre, calafrios, faringite, ulceração de membranas mucosas ou outros sinais de infecção. Se for encontrada uma baixa contagem de leucócitos, a mirtazapina deve ser interrompida imediatamente, e o estado de doença infecciosa deve ser acompanhado de perto. Um pequeno número de indivíduos experimenta hipotensão ortostática quando tomando este agente. Embora não existam dados humanos relativos aos efeitos sobre o desenvolvimento fetal, a mirtazapina deve ser utilizada com cuidado durante a gravidez. Em vista de poder ser excretada pelo leite materno, não deve ser administrada a mães que estejam amamentando. Devido ao risco de agranulocitose associado à utilização da mirtazapina, as pessoas devem ficar atentas a sinais de infecção (ver acima). Por causa de seus efeitos sedativos, as pessoas devem determinar o grau em que são afetadas antes de dirigir veículos ou se engajar em outras atividades potencialmente perigosas. Outros agentes prescritos que possam ser sedativos, medicamentos de uso sem prescrição ou álcool devem ser evitados durante a utilização da mirtazapina. INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS A mirtazapina pode potencializaar a sedação por álcool e benzodiazepínicos. Não deve ser utilizada dentro de 14 dias após um inibidor da monoaminoxidase. INTERFERÊNCIAS LABORATORIAIS Não foram descritas interferências laboratoriais com a mirtazapina. DOSAGEM E ADMINISTRAÇÃO A mirtazapina se encontra disponível em comprimidos sulcados de 15, 30 e 45 mg. Se o indivíduo deixa de responder à dose
TERAPIAS
inicial de 15 mg antes de dormir, pode ser potencializada com aumentos de 15 mg e cada cinco dias, até um máximo de 45 mg antes de dormir. Doses menores podem ser necessárias para idosos ou pessoas com insuficiência renal ou hepática.
BIOLÓGICAS
1145
seletivo da MAO tipo B (MAOB) utilizado para o tratamento do parkinsonismo. Uma nova classe de inibidores reversíveis da MAOA (RIMAs), não-disponível nos Estados Unidos (p. ex., a moclobemida [Aurorix] e a befloxatona), necessita de poucas restrições dietéticas. Alguns clínicos acreditam que os IMAOs são subutilizados como tratamento antidepressivo efetivo.
REFERÊNCIAS Baldessarini RJ. Drug and the treatment of psychiatric disorders: depression and anxiety disorders. In: Hardman JG, Limbird LE, Goodman Gilman A, eds. Goodman & Gilman’s the Pharmacological Basis of Therapeutics. 10th ed. New York: McGraw-Hill; 2001:447. Claghorn JL. Mirtazapine. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2390. Claghorn JL, Lesem MD. A double-blind placebo-controlled study of Org 3770 in depressed outpatients. J Affect Disord. 1995;34:165. Davis R, Wilde MI. Mirtazapine: a review of its pharmacology and therapeutic potential in the management of major depression. CNS Drugs. 1996;5:389. de Boer T. The eftects of mirtazapine on central noradrenergic and serotonergic neurotransmission. Int Clin Psychopharmacol. 1995;10(suppl 4):19. Kasper S. Clinical efficacy of mirtazapine: a review of meta-analyses of pooled data. Int Clin Psychopharmacol. 1995;10(suppl 4):25. Kehoe WA, Schorr RB. Focus on mirtazapine: a new antidepressant with noradrenergic and specific serotonergic activity. Formulary. 1996;31:455. Montgomery SA. Safety of mirtazapine: a review. Int Clin Psychopharmacol. 1995;10(suppl 4):37. Nierenberg AA. Do some antidepressants work faster than others? J Clin Psychiatry. 2001;62(suppl 15):22. Schittecatte M, Dumont F, Machowski R. Mirtazapine, but not fluvoxamine. normalizes the blunted REM sleep response to clonidine in depressed patients: implications for subsensitivity of alpha(2)-adrenergic receptors in depression. Psychiatry Res. 2002;109:1. van Moffaert M, Dierick M. Noradrenaline (norepinephrine) and depression: role in aetiology and therapeutic implications. CNS Drugs. 1999;12:293.
36.4.20 Inibidores da monoaminoxidase Os inibidores da monoaminoxidase (IMAOs) são antidepressivos e ansiolíticos muito eficazes, mas utilizados com menos freqüência do que outros antidepressivos, por causa de suas precauções dietéticas, que têm de ser seguidas para evitar crises hipertensivas induzidas pela tiramina. Esses agentes aumentam os níveis das aminas biogênicas neurotransmissoras ao inibir sua degradação. A degradação das aminas biogênicas serotonina, norepinefrina e dopamina ocorre somente por dois mecanismos. A via mais importante envolve a recaptação pré-sináptica desses neurotransmissores através de moléculas específicas de transporte, seguida pela deaminação nas mitocôndrias pela enzima monoaminoxidase (MAO). Os IMAOs, contudo, são considerados iguais em eficácia aos demais antidepressivos. Os transportadores podem ser inibidos, por exemplo, pelos antidepressivos tricíclicos e pelos inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs), que formam a corrente principal dos medicamentos antidepressivos atuais. Os agentes dessa classe disponíveis no momento incluem a fenelzina (Nardil), a isocarboxazida (Marplan), a tranilcipromina (Parnate) e a selegilina (Elepril). Esta última é um inibidor
HISTÓRIA A iproniazida (Marsilid), uma derivada do medicamento tuberculostático isoniazida, foi abandonada como tratamento potencial para a tuberculose e introduzida como tratamento para a depressão em 1952, quando seus efeitos estimulantes foram observados em pacientes tuberculosos. Essa descoberta levou ao desenvolvimento de vários IMAOs que eram eficazes no tratamento da depressão. Em 1962, contudo, um relato de caso descreveu a morte de um indivíduo por uma crise hipertensiva. O paciente, que estava sendo tratado com um IMAO, tinha ingerido um queijo rico em tiramina. Tal relato levou a uma breve retirada dos IMAOs nos Estados Unidos. Após os medicamentos serem reintroduzidos, ficaram com uma imagem negativa e foram utilizados ao mínimo por um longo período. Seu desuso foi impulsionado pela introdução dos medicamentos tricíclicos, que se julgava terem um perfil mais favorável de efeitos adversos, uma posição que muitos clínicos e pesquisadores consideram não totalmente comprovada. A utilização dos IMAOs diminuiu na década de 1990 por causa do surgimento de várias alternativas mais seguras. Muitos grupos de pesquisa observaram que os IMAOs podem ter eficácia superior no tratamento de grupos específicos de pacientes – por exemplo, pessoas deprimidas com ansiedade marcante ou sintomas fóbicos. Além disso, os clínicos agora se deram conta de que as restrições dietéticas que devem ser seguidas pelos pacientes tomando agentes dessa classe não são tão difíceis ou extensas como se pensava e que é necessário que grandes quantidades de alimentos contendo tiramina têm de ser consumidas para induzir uma crise hipertensiva séria. A utilização dos IMAOs clássicos e dos medicamentos tricíclicos tem declinado, na medida em que foram substituídos pelos ISRSs e por outros antidepressivos mais recentes, que têm perfis de efeitos adversos bem mais favoráveis. Como mencionado, os RIMAs, são utilizados na Europa e podem se tornar disponíveis nos Estados Unidos. Esta classe inclui a moclobemida, a befloxatona, a brofaromina (Consonar), o tetrindol, o pirasidol e o E2011.
QUÍMICA A isocarboxazida e a fenelzina são derivadas da hidrazina, e a tranilcipromina, da anfetamina. As estruturas moleculares da fenelzina, da isocarboxazida, da tranilcipromina e da moclobemida estão expostas na Figura 36.4.20-1.
AÇÕES FARMACOLÓGICAS A fenelzina, a tranilcipromina e a isocarboxazida são rapidamente absorvidas pelo trato GI e atingem o pico das concentrações plasmáticas dentro de duas horas. Suas meias-vidas no plasma estão na faixa de 2 a 3 horas; nos tecidos, são muito mais longas.
1146
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Fenelzina
do altas concentrações de tiramina, que necessitam ser evitados por apenas três dias após a última dose de um RIMA.
CH2CH2NHNH2 H 3C
O
EFEITOS SOBRE ÓRGÃOS E SISTEMAS ESPECÍFICOS
N
Isocarboxazida CONHNHCH2
CH
Tranilcipromina
CH
NH2
CH2
Moclobemida
CI
CONHCH2CH2
N
O
FIGURA 36.4.20-1 Estruturas moleculares dos IMAOs utilizados em psiquiatria.
Em vista de inativarem a MAO de forma irreversível, o efeito terapêutico de uma única dose dos IMAOs irreversíveis pode persistir por até duas semanas. A RIMA moclobemida é logo absorvida e possui uma meia-vida de 0,5 a 3,5 horas. Por ser um inibidor reversível, tem um efeito clínico muito mais breve subseqüente a uma única dose do que os IMAOs irreversíveis. A MAO é uma enzima encontrada dentro da célula, na membrana externa das mitocôndrias, que degrada as monoaminas citoplasmáticas, inclusive a norepinefrina, a serotonina, a dopamina, a epinefrina e a tiramina. Há dois tipos de MAO: a MAOA e a MAOB. A primeira metaboliza principalmente a norepinefrina, a serotonina e a epinefrina; a dopamina e a tiramina são metabolizadas tanto por uma quanto por outra. Os IMAOs atuam no sistema nervoso central (SNC), no sistema nervoso simpático, no fígado e no trato GI (Tab. 36.4.20-1). Em doses acima de 60 mg por dia, a tranilcipromina pode inibir a recaptação ou aumentar a liberação da dopamina e da norepinefrina e, em menor extensão, da serotonina. Quando o metabolismo GI da tiramina é inativado pelos IMAOs irreversíveis, a tiramina intacta entra na circulação e exerce um potente efeito pressor, levando à crise hipertensiva. Os alimentos contendo tiramina, portanto, precisam ser evitados por duas semanas após a última dose de um agente deste grupo, para permitir a nova síntese de concentrações adequadas da MAO. Em contraste, os RIMAs têm pouca atividade inibidora sobre a MAOB e, por serem reversíveis, a atividade normal da MAOA retorna dentro de 16 a 48 horas da última dose de um deles. Por isso, as restrições dietéticas são menos estritas neste caso, aplicando-se somente a alimentos conten-
Os principais efeitos dos IMAOs em psiquiatria são sobre o SNC. Além de seus efeitos sobre o humor depressivo, associam-se a condições com potencial clinicamente significativo de transtornos do sono e da arquitetura do sono. A utilização desses agentes pode resultar na redução do sono e em insônia, por vezes levando a sonolência diurna. Mais ainda, o sono dos pacientes tratados com IMAOs se caracteriza por menos movimentos rápidos dos olhos (REM). Os RIMAs não possuem esse efeito, por isso podem melhorar o sono. As demais preocupações ao se tratar pacientes com IMAOs são o sistema cardiovascular e o fígado. Essa classe se associa com freqüência a hipotensão por causa de seus efeitos sobre o tônus vascular, que podem ser intermediados tanto por via central como periférica. Em casos raros, a utilização isolada desses agentes (sem tiramina) causa episódios de hipertensão aguda. Com relação ao fígado, a fenelzina e a isocarboxazida representam uma probabilidade significativa de hepatotoxicidade. INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS As indicações para os IMAOs são semelhantes às indicações dos medicamentos tricíclicos e tetracíclicos. Eles podem ser particularmente eficazes no transtorno de pânico com agorafobia, no transtorno de estresse pós-traumático e nos transtornos da alimentação, assim como na fobia social e em transtornos dolorosos. Alguns investigadores relata que os IMAO podem ser preferíveis aos tricíclicos no tratamento da depressão atípica, caracterizada por hipersonia, hiperfagia, ansiedade e ausência de sintomas vegetativos. Os pacientes com esse padrão de sintomas costumam estar deprimidos com menos gravidade do que aqueles com os sintomas clássicos de depressão, o que por ser evidenciado pelo menor comprometimento funcional. A falta de melhora com o tratamento com um ISRSs ou um tricíclico ou tetracíclico pode ser a razão mais comum dada ao paciente para uma tentativa terapêutica com um IMAO. Ainda que a depressão não seja uma indicação aprovada para a selegilina, alguns resultados positivos têm sido relatados. Uma possível vantagem desta é que seu efeito principal em doses baixas é sobre a MAOB; assim, o risco de uma crise hipertensiva associada à MAOA fica diminuído. No entanto,
TABELA 36.4.20-1 Comparação entre as monoaminoxidases A e B Tipo
Localização
Substratos preferidos
Inibidores seletivos
A
Sistema nervoso central, terminais simpáticos, fígado, intestino, pele Sistema nervoso central, fígado, plaquetas
Norepinefrina, serotonina, dopamina tiramina, octopamina, triptamina
Clorgilina
Dopamina, tiramina, triptamina, feniletilamina, benzilamina, N-metilistamina
Selegilinaa (Elepril)
B
ª Seletividade perdida com doses mais altas (≥10 mg/dia). De Arano GW, Hymar SE. Handbook of Psychiatric Drug Therapy. 3rd ed. Boston: Little, Brown, 1995, com permissão.
TERAPIAS
vários dos resultados positivos com a selegilina para depressão foram obtidos com doses mais elevadas (20 a 60 mg por dia) do que com as quantias utilizadas para o tratamento da doença de Parkinson (10 mg por dia). Em doses mais altas, o medicamento perde uma quantidade significativa de sua especificidade para a MAOB e necessita que o pacientes siga as diretrizes da dieta com restrição para a tiramina. PRECAUÇÕES E REAÇÕES ADVERSAS Os efeitos adversos mais freqüentes com os IMAOs são a hipotenão ortostática, a insônia, o aumento de peso, o edema e a disfunção sexual. O aparecimento inicial de sinais de hipotensão ortostática no curso de um cuidadoso aumento gradativo da dose determina a dose máxima tolerável. O tratamento para essa condição inclui evitar cafeína, ingerir de 2 L de líquidos por dia, optar por sal dietético ou ajustar os medicamentos anti-hipertensivos (se aplicável), usar meias elásticas e, em casos graves, tratar com fludrocortisona (Florinefe), um mineralcorticóide, 0,1 a 0,2 mg por dia. A hipotensão ortostática associada à utilização da tranilcipromina em geral pode ser aliviada com a divisão da dose diária. Um efeito adverso raro dos IMAOs, em especial da tranilcipromina, é uma crise hipertensiva espontânea, não induzida pela tiramina, que ocorre logo após a primeira exposição ao medicamento. Indivíduos que têm essa crise devem evitar os IMAOs. A insônia e a ativação comportamental podem ser tratadas dividindo-se a dose, não administrando o medicamento após o jantar e utilizando a trazodona (Donaren) ou um benzodiazepínico hipnótico se necessário. Aumento de peso, edema e disfunção sexual por vezes não respondem a nenhum tratamento e podem necessitar da mudança para outro medicamento. Quando se muda de IMAO para outro agente, o clínico deve reduzir aos poucos a dose e cessar sua utilização por 10 a 14 dias antes de iniciar nova terapia. Parestesias, mioclonias e dores musculares são observadas em algumas pessoas tratadas com agentes dessa classe. As primeiras podem decorrer da deficiência de piridoxina induzida por IMAOs, que podem responder à suplementação com esse agente, 50 a 150 mg por via oral ao dia. Às vezes, são referidas queixas de embriaguez ou confusão, talvez indicando que a dose deva ser reduzida e, a seguir, aumentada aos poucos. Relatos de que a hidralazina se associa a efeitos hepatotóxicos são bastante incomuns. Os IMAOs são menos cardiotóxicos e menos epileptogênicos do que os tricíclicos ou os tetracíclicos. Os efeitos adversos mais comuns do RIMA moclobemida são tontura, náuseas e insônia ou transtornos do sono. Os RIMAs causam menos efeitos gastrintestinais adversos do que os ISRSs. A moclobemida não apresenta efeitos adversos anticolinérgicos ou cardiovasculares, e não se relatou que interfira na função sexual. Os IMAOs devem ser utilizados com cuidado por pacientes com doença renal, doença cardiovascular ou hipertireoidismo. Eles podem alterar as doses de agentes hipoglicemiantes necessários para diabéticos. Além disso, têm se associado, de maneira particular, à indução de mania em indivíduos na fase deprimida do transtorno bipolar I e de descompensação psicótica em pessoas com esquizofrenia. Os IMAOs são contra-indicados duran-
BIOLÓGICAS
1147
te a gravidez, embora os dados sobre seu risco teratogênico sejam mínimos. Não devem ser administrados a mulheres que estejam amamentando porque podem passar para o leite materno. Crises hipertensivas induzidas por tiramina Os alimentos ricos em tiramina (Tab. 36.4.20-2) ou outras aminas simpatomiméticas devem ser evitados por pessoas que estejam tomando IMAOs irreversíveis, a fim de evitar o risco significativo de hipertensão grave. Elas devem ser advertidas sobre os perigos de ingerir alimentos ricos em tiramina enquanto tomando IMAOs, e orientadas a continuar a restrição dietética por duas semanas após suspender o tratamento com esses agentes, para permitir que o organismo volte a sintetizar a enzima. Devem ser avisados também de que picadas de abelhas podem causar crises hipertensivas. Os sinais e sintomas prodrômicos de uma crise hipertensiva podem incluir cefaléia, rigidez de nuca, sudorese, náuseas e vômitos. Se estes ocorrerem, o paciente deve imediatamente procurar tratamento médico. Uma crise hipertensiva induzida por um IMAO deve ser tratada com antagonistas α-adenérgicos – por exemplo, a fentolamina (Regitine) ou a clorpromazia (Amplictil) – que reduzem a pressão arterial em cinco minutos. Um diurético para diminuir a carga de fluídos pode ser necessário, bem como um antagonista dos receptores β-adrenér-
TABELA 36.4.20-2 Alimentos ricos em tiramina a serem evitados no planejamento de dietas com IMAOs Com elevado conteúdo de tiramina (≥ 2 mg de tiramina por porção) Queijos: Stitlon inglês; queijo azul; branco (envelhecido 3 anos); extra velho; cheddar envelhecido; dinamarquês azul; mozzarella; pastas de queijo Peixes, carnes defumadas, salsicha; patês e embutidos; salame; mortadela; lingüiça Bebidas alcoólicasb; licores e bebidas concentradas “digestivas” Malte concentrado Chucrute Com conteúdo moderado de tiraminaa (0,5 a 1,99 mg de tiramina por porção) Queijos: Gruyère suíço; Muenster; feta; parmesão; gorgonzola; molho de queijo azul; Diamante Negro Peixes, carnes defumadas, salsichas, patês e embutidos; fígado de galinha (envelhecido 5 dias); bologna; salsicha maturada; salsicha de carne defumada; mousse de salmão Bebidas alcoólicas: cerveja e “ale” (340 mL por garrafa) – Amstel, Export Draft, Blue Light, Guinness Extra Stout, Old Vienna, Canadian; Miller Light, Export, Heineken, vinhos (15 mL por copo), Rioja (vinho tinto) Com baixo conteúdo de tiraminaa (0,01 a > 0,49 mg de tiramina por porção) Queijos: Brie, Camembert, Cambozola com ou sem casca Peixes, carne defumada, salsicha, embutidos, patês e arenque em conserva; peixe defumado; salsicha kielbasa; fígado de galinha; liverwurst (salsicha de fígado alemã) (envelhecida menos de 2 dias) Bebidas alcoólicas: vinhos tintos; xerez; uísque escocêsc Outros: banana ou abacate (maduro ou não); passa de banana IMAO – inibidores da monoaminoxidase aQualquer alimento deixado para envelhecer ou fermentar pode espontaneamente desenvolver tiramina pela fermentação. bO álcool pode produzir uma profunda modificação na pressão ortostática interagindo com os IMAOs, mas não pode produzir reações hipotensivas diretamente. cVinhos brancos, gin e vodka não têm conteúdo de tiramina. Tabela por Jonathan M. Himmelhoch, médico.
1148
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
gicos para controlar a taquicardia. A redução aguda da pressão arterial com a utilização da nifedipina (Adalat) não é recomendada, porque um indivíduo que, de forma equivocada, pensa que a cefaléia causada pelo rebote de uma hipotensão ortostática induzida por um IMAO está relacionada a uma crise hipertensiva e, por isso, toma o medicamento, corre alto risco de desenvolver sinais e sintomas de choque hipertensivo. Os IMAOs não devem ser utilizados por indivíduos com tireotoxicose ou feocromocitoma. O risco de crise hipertensiva induzida por tiramina é relativamente baixo para pessoas que estejam tomando RIMAs, como a moclobemida e a befloxatona. Uma recomendação dietética razoável para pessoas que tomam agentes desse grupo é não ingerir alimentos contendo tiramina por um período de uma hora antes a duas horas após tomar um RIMA. Abstinência Indivíduos que tomam doses regulares de IMAOs que interrompem sua utilização de forma abrupta podem exeperimentar uma síndrome autolimitada de abstinência, consistindo em ativação, transtornos do humor e sintomas somáticos. Para evitar esses sintomas, as doses devem ser reduzidas de forma gradual, em várias semanas. Superdosagem Em geral, a intoxicação causada pelos IMAOs é caracterizada por agitação que progride até o coma, com hipertermia, hipertensão, taquipnéia, taquicardia, pupilas dilatadas e reflexos tendíneos profundos hiperativos. Movimentos involuntários podem estar presentes, em particular na face e na mandíbula. Por vezes, há um período assintomático de 1 a 6 horas, após a ingestão dos medicamentos, antes que ocorram os sintomas de toxicidade. A acidificação da urina acelera a excreção dos IMAOs, e a diálise pode ser de alguma utilidade. A fentolamina e a clorpromazina podem ser eficazes se hipertensão for problema. A superdosagem da moclobemida, isolada, causa sintomas relativamente leves e reversíveis. A toxicidade de todos os IMAOs é aumentada em superdosagem com várias drogas, principalmente se agentes serotonérgicos estiverem envolvidos.
TABELA 36.4.20-3 Medicamentos a serem evitados durante o tratamento com IMAOs (lista parcial) Nunca utilizar Antiasmáticos Anti-hipertensivos (metildopa, guanetidina, reserpina) Buspirona Levodopa Opióides (em especial meperidina, dextrometorfano, propoxifeno, tramadol; morfina ou codeína podem ser menos perigosas) Medicamentos para resfriados, alergias ou descongestionantes nasais ou sistêmicos contendo dextrometorfano ou simpatomiméticos. ISRSs, clomipramina, venlafaxina, sibutramina Simpatomiméticos (anfetaminas, cocaína, metilfenidato, dopamina, metaraminol, epinefrina, norepinefrina, isoproterenol, efedrina, pseudoefedrina, fenilpropranolamina) L-triptofano Utilizar com cuidado Anticolinérgicos Anti-histamínicos Dissulfiram Bromocriptina Hidralazina Hipnóticos-sedativos Hidrato de terpina com codeína Tricíclicos e tetracíclicos (evitar a clomipramina)
capazes de progredir para alucinose, hipertermia e mesmo morte. Reações fatais ocorreram quando os IMAOs foram combinados com meperidina (Demerol) ou fentanil (Durogesic). Como mencionado, ao se mudar de um IMAO irreversível para qualquer outro tipo de antidepressivo, deve-se esperar pelo menos 14 dias após a última dose antes de iniciar a terapia com o próximo medicamento, para permitir a restauração da MAO do organismo. Quando muda-se de um antidepressivo para um IMAO irreversível, o tempo de espera é de 10 a 14 dias (ou de cinco semanas para a fluoxetina [Prozac]) antes de iniciar a utilização de um IMAO, a fim de evitar a interação. Em contraste, a atividade da MAO se recobra completamente 24 a 48 horas após a última dose de um RIMA. A cimetidina (Tagamet) e a fluoxetina reduzem de forma significativa a eliminação da moclobemida. Doses modestas de fluoxetina e moclobemida administradas ao mesmo tempo podem ser bem-toleradas, sem grandes interações farmacodinâmicas ou farmacocinéticas.
INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS A inibição da MAO pode causar interações graves e mesmo fatais com vários outros medicamentos (Tab. 36.4.20-3). Em particular, por ela aumentar as concentrações intra-sinápticas de aminas biogênicas neurotransmissoras, nunca deve ser administrada junto com agentes que tenham efeito semelhante sobre esses neurotransmissores. Isso inclui a maioria dos antidepressivos e os agentes precursores. As pessoas devem ser instruídas a informar a qualquer médico ou dentista que as estejam tratando que tomam IMAOs. Esses agentes podem potencializar a ação de depressores do SNC, inclusive o álcool e os barbitúricos. Não devem ser coadministrados com medicamentos serotonérgicos, como os ISRS, ou a clomipramina (Anafranil), porque essa combinação pode desencadear a síndrome da serotonérgica. Os sintomas iniciais desta podem incluir tremor, hipertonia, mioclonias e sinais autonômicos,
INTERFERÊNCIAS LABORATORIAIS Os IMAOs se associam a baixa das concentrações de glicose no sangue, refletida pelas análises laboratoriais. Esse grupo é capaz de aumentar as concentrações da metanefrina urinária, causando um resultado falso-positivo para feocromocitoma ou neuroblastoma. Relatou-se que os IMAOs se associam a falsa elevação mínima da função da tireóide. DOSAGEM E DIRETRIZES CLÍNICAS A Tabela 36.4.20-4 lista as preparações com IMAOs e suas doses típicas. Não se trata de uma base racional definitiva para se esco-
TERAPIAS
BIOLÓGICAS
1149
TABELA 36.4.20-4 Preparações disponíveis e doses típicas de IMAOs Nome genérico
Nome comercial
Preparações
Dose diária usual (mg)
Dose diária máxima (mg)
Isocarboxazidaa Moclobemidab Fenelzina Selegilina Tranilcipromina
Marplan Aurorix Nardil Deprilan Parnate
Comprimidos de 10 mg Comprimidos de 100, 150 mg Comprimidos de 15 mg Cápsulas de 5 mg, comprimidos de 5 mg Comprimidos de 10 mg
20-40 300-600 30-60 10 20-60
60 600 90 30 60
a b
Disponível diretamente com o fabricante. Não disponível nos Estados Unidos.
lher um dos IMAOs irreversíveis disponíveis, em detrimento de outros, embora alguns clínicos recomendem a tranilcipromina, por causa de suas qualidades ativadoras, talvez associadas a um início rápido de ação e seu baixo potencial hepatotóxico. A utilização da fenelzina deve começar com uma dose-teste de 15 mg no primeiro dia. Durante a primeira semana, pode ser aumentada para 15 mg três vezes ao dia. A partir daí, pode-se acrescentar 15 mg por dia a cada semana, até que a dose de 90 mg por dia, em doses divididas, seja atingida no final da quarta semana. A utilização da tranilcipromina e da isocarboxazida deve se iniciar com uma dose – teste de 10 mg, sendo aumentada para 10 mg três vezes ao dia no final da primeira semana. Vários clínicos e pesquisadores recomendaram o limite superior de 50 mg por dia para a isocarboxazida e 40 mg por dia para a tranilcipromina. A administração desta última em pequenas doses múltiplas diárias pode reduzir seus efeitos hipotensores. Se uma tentativa com um IMAO não for bem-sucedido após seis semanas, a potencialização com lítio (Carbolitium) ou liotironina (Cynomel) é indicada. As concentrações das transaminases hepáticas séricas devem ser monitoradas de maneira periódica por causa do potencial para hepatoxicidade, em especial com a fenelzina e a isocarboxazida. Idosos podem ser mais sensíveis aos efeitos adversos dos IMAOs do que adultos jovens. A atividade da MAO aumenta com a idade, de modo que as doses para aquela população são as mesmas necessárias para adultos jovens. A utilização de agentes dessa classe em crianças tem muito poucos estudos. A administração da moclobemida se inicia com 300 a 450 mg por dia, dividida em doses três vezes ao dia, sendo aumentada até o nível máximo de 600 mg por dia, após várias semanas. As restrições dietéticas consistem em evitar somente grandes quantidades de alimentos contendo tiramina. Ela deve ser tomada após, e não antes de refeições contendo tiramina. Os RIMAs podem ser utilizados em combinação com outros antidepressivos com um pouco menos de preocupação com crises hipertensivas, mas ainda com cuidado. REFERÊNCIAS Amsterdam JD, Chopra M. Monoamine oxidase inhibitors revisited. Psychiatr Ann. 2001;31:361. Baldessarini RJ. Drugs and the treatment of Psychiatric disorders: depression and anxiety disorders. In: Hardman JG, Limbird LE, Goodman Gilman A, eds. Goodman & Gilman’s the Pharmacological Basis of Therapeutics. 10th ed. New York: McGraw-Hill; 2001:447. Coupland NJ, Wilson SJ, Potokar JP, et al. A comparison of the effects of phenelzine treatment with moclobemide treatment on cardiovascular reflexes. Int Clin Psychopharmacol. 1995;10:229.
Fischer P. Serotonin syndrome in the elderly after antidepressive monotherapy. J Clin Psychopharmacol. 1995;15:440. Fitton A, Faulds D, Goa KL. Moclobemide: a review of its pharmacological properties and therapeutic use in depressive illness. Drugs. 1992;43:561. Flint AJ, Rifal SL. The effect of sequential antidepressant treatment on geriatric depression. J Affect Disord. 1996;36:95. Hammerness P, Parada H, Abrams A. Linezolid: MAOI activity and potential drug interactions. Psychosomatics. 2002;43:248. Hawley CJ, Ratnam S, Pattinson HA, et al. Safety and tolerabilit of combined treatment with moclobemide and SSRIs: a preliminary study of 19 patients. J Psychopharmacol. 1996;10:241. Kennedy SH, McKenna KF, Baker GB. Monoamine oxidase inhibitors. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2397. Merikangas KR, Merikangas JR. Combination monoamine oxidase inhibitor and β-blocker treatment of migraine, with anxiety and depression. Biol Psychiatry. 1995;38:603. Reynaert C, Parent M, Mirel J, et al. Moclobemide versus fluoxetine for a major depressive episode. Psychopharmacology. 1995;118:183. Thase ME, Mallinger AG, McKnight D, Himmelhoch JM. Treatment of imipramine-resistant recurrent depression: IV. A double-blind cross-over study of tranylcypromine for anergic bipolar depression. Am J Psychiatry. 1992;149:195. Thase ME, Trivedi MH, Rush AJ. MAOIs in the contemporary treatment of depression. Neuropsychopharmacology. 1995;12:185. Thomas T. Monoamine oxidase-B inhibitors in the treatment of Alzheimer’s disease. Neurobiol Aging. 2000;21:343.
36.4.21 Nefazodona A nefazodona (Serzone) possui efeitos antidepressivos e ansiolíticos. É estruturalmente relacionada à trazodona (Donaren) e não relacionada a medicamento tricíclicos ou tetracíclicos clássicos, inibidores da monoaminoxidase (IMAOs), inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs) ou a outros medicamentos antidepressivos disponíveis. Ainda que seja diferente por ter efeitos sedativos mais marcados do que a maioria dos outros antidepressivos, a nefazodona é relativamente livre desse efeito adverso e costuma ser bem-tolerada. Apresenta menos probabilidade do que os ISRSs de afetar, de forma adversa, o desempenho sexual. QUÍMICA A nefazodona é uma fenilpiperazina análoga à trazodona. Sua estrutura molecular é exibida na Figura 36.4.21-1.
1150
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
CI
O O
N
N N
N
N
Et FIGURA 36.4.21-1 Estrutura molecular da nefazodona.
10,8% de tratados com tricíclicos. Foi observada bradicardia sinusal em 1,5% dos pacientes tratados com nefazodona e em 0,4% dos tratados com placebo. Dessa forma, o medicamento em questão deve ser utilizado com cuidado por pacientes com condições cardíacas subjacentes, história de acidente vascular cerebral ou ataques cardíacos, desidratação e hipovolemia e por aqueles em tratamento com medicamentos anti-hipertensivos.
AÇÕES FARMACOLÓGICAS Ativação de mania A nefazodona é rápida e completamente absorvida, mas é metabolizada de forma mais prolongada, de modo que a biodisponibilidade do composto ativo é de cerca de 20% da dose oral. Sua meia-vida é de 2 a 4 horas. As concentrações em níveis estáveis da nefazodona e de seu principal metabólito ativo, a hidroxinefazodona, são atingidas em 4 a 5 dias. Seu metabolismo no idoso, em especial entre mulheres, é de cerca da metade do observado em pessoas mais jovens, o que implica administrar doses menores para idosos. Um importante metabólito da nefazodona é a metoclorofenilpiperazina (mCPP), que tem alguns efeitos serotonérgicos e pode causar enxaqueca, ansiedade e perda de peso. Este agente é um inibidor da recaptação de serotonina e, de forma mais fraca, da recaptação de noradrenalina. Pensa-se que seu antagonismo aos receptores de serotonina do tipo 2A, os receptores 5HT2A, reduz a ansiedade e a depressão. Tanto ao inibir a recaptação da serotonina, que aumenta a concentração sináptica desta, como ao bloquear os receptores 5-HT2A, a nefazodona pode ativar de forma seletiva os receptores 5-HT1A, que lhe acrescenta efeitos antidepressivos e ansiolíticos adicionais. Esse agente é um antagonista moderado dos receptores α1-adrenérgicos, o que predispõe alguns indivíduos à hipotensão ortostática, mas não é potente o suficiente para produzir priapismo. Não há atividade significativa direta sobre os receptores α2 e β-adernérgicos, 5-HT1A, colinérgicos, opióides e dopaminérgicos ou para benzodiazepínicos. EFEITOS SOBRE ÓRGÃOS E SISTEMAS ESPECÍFICOS Os principais efeitos da nefazodona são sobre o sistema nervoso central (SNC). Os efeitos que vão além deste se relacionam ao antagonismo α1−adrenérgico, que pode causar hipotensão ortostática. Diferente de sua parente estrutural, a trazodona, não se relatou que a nefazodona cause priapismo. Têm havido relatos de insuficiência hepática em alguns pacientes tomando a nefazodona, levando a advertências sobre esse fator de risco.
Entre pacientes com transtorno bipolar conhecido, 1,6% dos tratados com nefazodona experimentaram mania, comparados com 5,1% dos tratados com tricíclicos e nenhum dos tratados com placebo. A ativação da mania em pacientes com transtorno unipolar não foi maior com a nefazodona do que com placebo. Por isso, esse pode ser um medicamento para se tentar no tratamento de indivíduos com história de episódios maníacos. A intervenção com eletroconvulsoterapia e com o antidepressivo lítio (Carbolitium) tem menos probabilidade de ativar essa condição. INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS A nefazodona foi aprovada para o tratamento de depressão, com base em dados de vários ensaios clínicos amplos. Ele se mostrou tão eficaz como a imipramina (Tofranil), a fluoxetina (Prozac) e a paroxetina (Aropax) para o tratamento de depressão moderada, grave, melancólica, não-melancólica, crônica e recorrente. Relatos indicam que também é eficaz no tratamento da depressão acompanhada por ansiedade, como no caso de transtorno de pânico e pânico com depressão co-mórbida ou sintomas depressivos, do transtorno obsessivo-compulsivo, do transtorno disfórico pré-menstrual e no manejo da dor crônica de origem neuropática ou não-neuropática. Além disso, pode reduzir os pensamentos obsessivos no transtorno obsessivocompulsivo; contudo, um relato de caso documentou o aparecimento inicial de pensamentos obsessivos durante o tratamento com a nefazodona, que cessou quando ela foi interrompida. São necessários mais dados para se estabelecer se ela é eficaz para o transtorno obsessivo-compulsivo assim como os ISRSs ou a clomipramina. PRECAUÇÕES E REAÇÕES ADVERSAS As reações adversas mais comuns à nefazodona são náuseas, tonturas, insônia, fraqueza e agitação. Os pacientes com qualquer grau de insuficiência hepática não devem tomar esse agente.
Efeitos cardiovasculares Efeitos cardiovasculares Em ensaios pré-comercialização, 5,1% dos pacientes tomando nefazodona experimentaram uma queda significativa da pressão arterial, comparados com 2,5% daqueles que receberam placebo. Ainda que não houvesse aumento de eventos sincopais reais, sintomas de hipotensão postural foram experimentados por 2,8% dos tratados com nefazodona. Essa taxa se compara com a hipotensão postural de 0,8% em pacientes tratados com placebo, 1,1% dos tratados com ISRSs e
Alguns pacientes que tomam a nefazodona podem experimentar uma queda na pressão arterial capaz de provocar episódios de hipotensão postural. Por isso, ela deve ser utilizada com cuidado por pessoas com condição cardíaca subjacente, história de acidente vascular cerebral ou ataque cardíaco, desidratação ou hipovolemia ou por aquelas tratadas com medicamentos anti-hipertensivos.
TERAPIAS
Ativação de mania Cerca de 1,6% das pessoas com transtorno bipolar conhecido tratadas com nefazodona experimentam mania, comparadas com 5,1% daquelas tratadas com tricíclicos. A ativação de mania em pessoas com depressão unipolar não foi mais alta com a nefazodona do que com placebo. A despeito disso, esse agente, assim como outros antidepressivos, deve ser utilizado com cuidado por aqueles com história de episódios maníacos. Outras precauções Os efeitos da nefazodona sobre mães humanas não são ainda bemcompreendidos como os dos ISRSs. Assim, ela deve ser utilizada durante a gravidez somente se seu benefício para a mãe supera os riscos potenciais para o feto. Não se sabe se a nefazodona é excretada pelo leite materno. Por isso, deve ser utilizada com cuidado por lactantes. Como mencionado, em vista do risco de insuficiência hepática, esse medicamento não deve ser consumido por pessoas com doença hepática, mas nenhum ajuste é necessário para aquelas com doença renal. INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS A nefazodona não deve ser administrada ao mesmo tempo com IMAOs. Ela possui interações medicamentosas particulares com os triazolodiazepínicos triazolam (Halcion) e alprazolam (Frontal), por causa da inibição da isoenzima 3A4 do citocromo P450 (CYP 3A4) pela nefazodona. Podem se desenvolver níveis potencialmente elevados de cada um desses medicamentos após a administração da nefazodona, enquanto os níveis dela em geral não são afetados. O fabricante recomenda diminuir a dose do triazolam em 75% e a dose do alprazolam em 50%, quando administrados em associação com a nefazodona. Além disso, ela pode lentificar o metabolismo da digoxina (Lanoxin); por isso, seus níveis devem ser monitorados com cuidado em pessoas que tomam uma e outra. A nefazodona também lentifica o metabolismo do haloperidol (Haldol), cuja dose deve ser diminuída para indivíduos que tomam ambos os medicamentos. O acréscimo da nefazodona pode exacerbar os efeitos adversos do lítio.
BIOLÓGICAS
1151
em especial por idosos. Para se limitar o desenvolvimento de efeitos adversos, a dose deve ser aumentada de forma lenta e gradativa em quantias de 100 a 200 mg por dia, em intervalos de não menos de uma semana por acréscimo. O nível adequado é de 300 a 600 mg por dia, divididos em duas doses. Contudo, alguns estudos relataram que a nefazodona é eficaz quando tomada uma vez ao dia, de preferência ao deitar. Indivíduos geriátricos devem receber quantias cerca de dois terços da dose não-geriátrica habitual, com um máximo de 400 mg por dia. Em comum com outros antidepressivos, o benefício clínico deste agente costuma aparecer após 2 a 4 semanas de tratamento. Pacientes com síndrome pré-menstrual são tratadas com uma dosagem flexível que é, em média, cerca de 250 mg por dia. REFERÊNCIAS Ansari A. The efficacy of newer antidepressants in the treatment of chronic pain: a review of current literature. Harvard Rev Psychiatry. 2000;7:257. Baldessarini RJ. Drugs and the treatment of psychiatric disorders: depression and anxiety disorders. In: Hardman JG, Limbird LE, Goodman Gilman A, eds. Goodman & Gilman’s the Pharmacological Basis of Therapeutics. 10th ed. New York: McGraw-Hill; 2001:447. Baldwin DS, Hawley CJ, Abed RT, et al. A multicenter double-blind comparison of nefazodone and paroxetine in the treatment of outpatients with moderate-to-severe depression. J Clin Psychiatry. 1996;57(suppl 2):46. DeMartinis NA, Schweizer E, Rickels K. An open-label trial of nefazodone in high comorbidity panic disorder. J Clin Psychiatry. 1996;57:245. Dunner DL, Laird LK, Zajecka J, et al. Six-year perspectives on the safety and tolerabilty of nefazodone. J Clin Psychiatry. 2002;63:32. Ellingrod VL, Perry PJ. Nefazodone: a new antidepressant. Am J Health System Pharm. 1995;52:2799. Feiger A, Kiev A, Shrivastava RK, Wisselink PG, Wilcox CS. Nefazodone versus sertraline in outpatients with major depression: focus on efficacy, tolerability, and effects on sexual function and satisfaction. J Clin Psychiatry. l996;57(suppl 2):53. Garlow SJ, Owens MJ, Nemeroff CB. Nefazodone. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2412. Lader MH. Tolerability and safety: essentials in antidepressant pharmacotherapy. J Clin Psychiatry. 1996;57 (suppl 2):39. Marcus RN, Mendels J. Nefazodone in the treatment of severe, melancholic, and recurrent depression. J Clin Psychiatry. 1996;57(suppl 2):19. Nemeroff CB, DeVane CL, Pollock BG. Newer antidepressants and the cytochrome P450 system. Am J Psychiatry. 1996;153:311. Robinson DS, Marcus RN, Archibald DG, Hardy SA. Therapeutic dose range of nefazodone in the treatment of major depression. J Clin Psychiatry. 1996;57(suppl 2):6.
INTERFERÊNCIAS LABORATORIAIS Não há interferências laboratoriais conhecidas associadas à nefazodona. DOSAGEM E DIRETRIZES CLÍNICAS A nefazodona se encontra disponível* em comprimidos não-sulcados de 50, 200 e 250 mg e em comprimidos sulcados de 100 e 150 mg. A dose inicial recomendada é de 100 mg duas vezes ao dia, mas 50 mg duas vezes ao dia podem ser melhor tolerados, * N. de R.T. A fabricação de nefazodona (Serzone) foi recentemente suspensa no Brasil.
36.4.22 Agonistas dos receptores de opióides: metadona, levometadil e buprenorfina Os agonistas dos receptores de opióides são utilizados em psiquiatria para a desintoxicação de heroína e de outros opióides e para programas de manutenção de desintoxicação. O tratamento de manutenção é destinado a pacientes com adicção que são incapazes de se manter abstinentes dos opióides. Os que deixam de usar
1152
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
heroína para usar um medicamento dessa classe continuam a satisfazer sua fissura por opióides, mas são libertados, aos poucos, de sua incapacitante dependência psicológica da heroína. Esses agentes incluem a metadona (Dolophine), a buprenorfina (Temgesic) e o acetato de levometadil (ORLAAM), também denominado L-α-acetilmetadol ou LAAM. A maior parte da experiência clínica disponível é sobre a metadona: o levometadil e a buprenorfina são relativamente novos e ainda estão sendo avaliados em várias situações clínicas e de pesquisa.
concentrações do levometadil oral é atingido dentro de 1,5 a 2 horas, e a sua meia-vida no plasma, bem como a de seus metabólitos ativos, varia de 2 a 4 dias. A eliminação de uma dose sublingual de buprenorfina ocorre em duas fases, uma inicial com uma meia-vida de 3 a 5 horas, e uma terminal, com meia-vida de mais de 24 horas. A buprenorfina se dissocia de forma lenta de seu local de ligação ao receptor o que permite um esquema de dosagem em dias alternados. AÇÕES SOBRE ÓRGÃOS E SISTEMAS ESPECÍFICOS
QUÍMICA
A segurança relativa da manutenção com metadona de longo prazo foi estabelecida por estudos prospectivos e retrospectivos. Não foi encontrada evidência de toxicidade para sistemas e órgãos específicos durante três décadas de ampla utilização clínica. Há menos informação disponível relativa à segurança de longo prazo do acetato de levometadil ou da buprenorfina. Aquele prolonga o intervalo QT em alguns casos, de modo que pacientes entrando em um programa de manutenção com metadona necessitam de monitoração cuidadosa, uma vez que muitos sofrem de uma série de doenças crônicas, inclusive (com mais freqüência) infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), hepatite, tuberculose, outras doenças infecciosas e doenças cardíacas ou renais. A manutenção com metadona se associa a melhora da saúde e a redução do risco de transmissão do HIV, principalmente como resultado da redução do uso de drogas e da facilitação do uso apropriado de serviços médicos.
As fórmulas estruturais dos agonistas dos receptores de opióides sintéticos metadona, levometadil e buprenorfina são exibidas na Figura 36.4.22-1. AÇÕES FARMACOLÓGICAS A metadona, o levometadil e a buprenorfina são absorvidos rapidamente pelo trato gastrintestinal (GI). O metabolismo de primeira passagem pelo fígado afeta de forma significativa a biodisponibilidade de cada medicamento, mas de formas bastante diferentes. Da metadona, as enzimas hepáticas reduzem a biodisponibilidade de uma dose oral por cerca da metade, um efeito que é manejado com facilidade mediante o ajuste da dose. Do levometadil, as enzimas hepáticas metabolizam uma dose oral em normetil-LAAM ou dinormetil-LAAM, que são, na verdade, agonistas várias vezes mais potentes dos receptores μ de opióides do que o próprio levometadil. No caso da buprenorfina, em contraste, o metabolismo de primeira passagem intestinal e hepático elimina a biodisponibilidade oral de forma quase completa; assim, para a utilização na desintoxicação de opióides, esse agente é administrado por via sublingual, tanto na formulação líquida como em comprimidos. O pico das concentrações plasmáticas da metadona oral é atingido dentro de 2 a 6 horas, e sua meia-vida inicial é de 4 a 6 horas em indivíduos que não tenham consumido ainda opióides, e de 24 a 36 horas após a dosagem estável de qualquer tipo de opióide. A metadona fica muito ligada às proteínas e é bastante equilibrada em todo o organismo, o que garante pouca variação pósdose nas concentrações com níveis plasmáticos estáveis. O pico das
INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS Metadona A metadona é utilizada na desintoxicação de curto prazo (7 a 30 dias), na desintoxicação a longo prazo (até 180 dias) e na manutenção (tratamento além de 180 dias) de indivíduos dependentes de opióides. Para esses propósitos, só se encontra disponível em clínicas especiais denominadas programas de tratamento de manutenção com metadona (MMTP), em hospitais e prisões. Trata-se de um medicamento do Esquema II, o que significa que sua administração é governada estritamente por leis e regulamentos federais específicos.
HO
CH2CH3 CO C
CH3
(CH3)2N CH2CHN(CH3)2 CH3CHCH2
O C
CHCH2CH3 OCCH3 O
N CH3O HO
Metadona
Levometadil
FIGURA 36.4.22-1 Estruturas moleculares dos agonistas dos receptores de opióides.
CH3 C(CH3)3 Buprenorfina
TERAPIAS
A inscrição em um programa com metadona reduz o risco de morte em 70%; o uso ilícito de opióides e de outras drogas de abuso, a atividade criminosa, o risco de doenças infecciosas de todos os tipos, de forma mais importante, de infecção por HIV e hepatites B e C; em mulheres grávidas, reduz o risco de morbidade e mortalidade fetal e neonatal. A utilização desse programa com freqüência necessita de tratamento por toda a vida. Alguns programas de tratamento de dependência utilizam um protocolo de desintoxicação escalonada, em que o indivíduo com adicção à heroína primeiro muda para o forte agonista metadona, a seguir para o agonista mais fraco buprenorfina e, por fim, para a manutenção com um agonista dos receptores de opióides como a naltrexona (ReVia). Esta abordagem leva ao mínimo o aparecimento de efeitos de abstinência, que, se ocorrem, são atenuados com clonidina (Atensina). Contudo, a adesão ao tratamento com os antagonistas fica comprometida fora dos locais que utilizam de forma intensiva técnicas cognitivo-comportamentais. Em contraste, a não-adesão à manutenção com metadona precipita sintomas de abstinência de opióides, que reforçam a utilização da metadona e torna o tratamento cognitivo-comportamental menos essencial. Dessa forma, alguns indivíduos previamente com adicção à heroína, motivados e com integração social, são capazes de utilizar a metadona por anos, sem a participação em um programa de apoio psicossocial. Os dados reunidos de muitos relatos indicam que a metadona é mais eficaz quando tomada em doses acima de 60 mg por dia. Seus efeitos analgésicos são benéficos no manejo da dor crônica quando agentes que criam menos adicção são ineficazes. Gestação. A manutenção com metadona, combinada com serviços psicossociais eficientes e monitoração obstétrica regular, melhora de forma significativa os resultados obstétricos e neonatais de mulheres com adicção à heroína. A participação nesses tratamentos de manutenção reduz o risco de má nutrição, infecção, trabalho de parto pré-termo, aborto espontâneo, pré-eclampsia, eclampsia, descolamento prematuro de placenta e tromboflebite séptica. A dose do medicamento durante a gravidez deve ser a menor quantia efetiva e não se deve tentar nenhuma supressão para a abstinência durante esse estado. A metadona é metabolizada de forma mais rápida no terceiro trimestre, o que pode exigir doses mais altas. Para evitar o pico das concentrações plasmáticas potencialmente sedativas pós-dose, a quantidade diária pode ser administrada dividida em duas doses durante o terceiro trimestre. Esse tratamento não possui efeitos teratogênicos conhecidos. Sintomas neonatais de abstinência da metadona. Sintomas de abstinência em recém-nascidos em geral incluem tremor, choro de tons agudos, aumento do tônus muscular e da atividade, sono ruim e má alimentação, bocejos, perspiração, manchas e escoriações da pele. Também podem ocorrer convulsões que necessitem de tratamento anticonvulsivante agressivo. Os sintomas de abstinência podem ser postergados em seu início e prolongados em recém-nascidos por causa de seu metabolismo hepático imaturo. As mulheres que tomam metadona são aconselhadas a iniciar a amamentação como uma forma suave de ir liberando seus bebês da dependência, mas não devem amamentar enquanto consumirem o agente.
BIOLÓGICAS
1153
Levometadil O levometadil é utilizado somente para o tratamento de manutenção de pacientes dependentes de opióides. Não é empregado em intervenções de desintoxicação ou para analgesia. A dose de três vezes por semana, consistindo de 100 mg na segunda-feira, 100 mg na quarta e 140 mg na sexta é mais efetiva para a manutenção dos opióides do que doses menores. O consumo diário pode levar a superdosagem. Buprenorfina A buprenorfina é um analgésico aprovado somente para o tratamento de dor moderada a grave. Em doses de 8 a 16 mg por dia, parece reduzir o uso da heroína. Também é recomendada uma dose de três vezes por semana devido à sua lenta dissociação dos receptores de opióides. Os efeitos analgésicos da buprenorfina são muitas vezes aproveitados no manejo da dor crônica quando agentes menos aditivos são ineficazes. Há alguns relatos de pacientes deprimidos respondendo a buprenorfina quando outros agentes fracassaram. PRECAUÇÕES E REAÇÕES ADVERSAS Os efeitos adversos mais comuns dos agonistas dos receptores de opióides são sensação de cabeça oca, tonturas, sedação, náuseas, vômitos, obstipação, perspiração, aumento de peso, redução da libido, inibição do orgasmo e insônia ou irregularidades do sono. Esses agentes podem induzir tolerância e produzir dependência fisiológica e psicológica. Outros efeitos sobre o sistema nervoso central (SNC) incluem tonturas, depressão, sedação, euforia, disforia, agitação e convulsões. Também foram relatados delirium e insônia em casos raros. Efeitos adversos ocasionais não ligados ao SNC incluem edema periférico, retenção urinária, exantema, atralgias, boca seca, anorexia, espasmos das vias biliares, bradicardia, hipotensão, hipoventilação, síncope, atividade hormônio-símile do hormônio antidiurético, prurido, urticária e alterações visuais. Irregularidades menstruais são comuns, em especial nos primeiros seis meses de utilização. Vários índices endócrinos anormais de laboratório de pouca relevância clínica também podem ser observados. A maioria das pessoas desenvolve tolerância aos efeitos farmacológicos adversos dos agonistas dos opióides durante a manutenção de longo prazo, e poucos efeitos adversos são experimentados após o período de indução. Superdosagem Os efeitos da superdosagem de agonistas dos receptores de opióides incluem sedação, hipotensão, bradicardia, hipotermia, supressão respiratória, miose e redução da motilidade GI. Efeitos graves incluem coma, parada cardíaca, choque e morte. O risco de superdosagem é maior no estágio de indução do tratamento e em indivíduos com metabolismo lento dos medicamentos devido a insuficiência hepática preexistente. Têm sido causadas mortes du-
1154
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
rante a primeira semana de indução por doses de metadona de apenas 50 a 60 mg por dia. Em vista de os efeitos terapêuticos do levometadil poderem não aparecer nos primeiros dias de tratamento, as pessoas com adicção muitas vezes continuam a se administrar doses de opióides ilícitos durante esse período e podem experimentar sintomas de superdosagem. Além disso, por causa da meia-vida longa do levometadil e de seus metabólitos ativos, as doses diárias levam ao acúmulo excessivo do medicamento, de modo que isso deve ser evitado em favor da dose de três vezes por semana. O risco de superdosagem de bufrenorfina parece ser mais baixo do que com a metadona ou o levometadil. Contudo, mortes têm sido causadas por sua utilização em associação com benzodiazepínicos. Sintomas de abstinência A interrupção abrupta da metadona desencadeia sintomas de abstinência em 3 a 4 dias, que, em geral, atingem o pico de intensidade no sexto dia. Esses sintomas incluem fraqueza, ansiedade, anorexia, insônia, mal-estar epigástrico, cefaléia, sudorese e acessos de calor e de frio. Os mesmos tendem a se resolver após duas semanas. Contudo, é possível uma síndrome atenuada de abstinência da metadona, que pode incluir inquietação e insônia. Os sintomas de abstinência associados ao levometadil e à buprenorfina são semelhantes, mas menos evidentes do que os decorrentes da metadona. Em particular, a buprenorfina é algumas vezes utilizada para facilitar a transição da metadona para agonistas dos receptores de opióides ou para a abstinência, em vista da reação bastante leve associada à sua supressão.
conazol (Nizoral), fluoxetina (Prozac), fluvoxamina (Luvox), loratadina (Claritin), quinidina (Quinicardine) ou alprazolam (Frontal) pode aumentar as concentrações plasmáticas ou prolongar a duração da ação de uma ou outra. A inibição do metabolismo do levometadil pelos mesmos agentes, contudo, pode diminuir as concentrações plasmáticas, retardar o início de ação ou prolongar sua duração. Medicamentos que alcalinizem a urina reduzem a excreção de metadona. A manutenção com metadona também pode aumentar as concentrações plasmáticas da desipramina (Pertofrane, Norpramin) e da fluvoxamina. Da mesma forma, pode aumentar a concentração da zidovudina (Retrovir), o que eleva a possibilidade de toxicidade por zidovudina em doses, de outra forma, usuais. Estudos de microssomos do fígado humano in vitro, demonstram a inibição competitiva da desmetilação da metadona por vários inibidores de proteases, inclusive do ritonavir (Norvir), do indinavir (Crixivan) e do saquinavir (Invirase). A relevância clínica desses achados é desconhecida. Interações medicamentosas fatais com os IMAOs se associam à utilização dos opióides fentanil (Durogesic) e meperidina (Demerol), mas não à utilização de metadona, levometadil ou buprenorfina. INTERFERÊNCIAS LABORATORIAIS A metadona, o levometadil e a buprenorfina podem ser pesquisados separadamente em toxicologia da urina, para serem distinguidos de outros opióides. Não há interferências laboratoriais conhecidas associadas à utilização desses três agentes. DOSAGEM E DIRETRIZES CLÍNICAS
INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS Metadona Os agonistas dos receptores de opióides podem potencializar os efeitos depressores sobre o SNC do álcool, de barbitúricos, de benzodiazepínicos, de outros opióides de antagonistas dos receptores de dopamina de baixa potência, de medicamentos tricíclicos e tetracíclicos e de inibidores da monoaminoxidase (IMAOs). A carbamazepina (Tegretol), a fenitoína (Epelin), os barbitúricos, a rifampin (Rimactane, Rifaldin) e o consumo pesado de álcool de longa data podem induzir as enzimas hepáticas, as quais podem reduzir as concentrações plasmáticas da metadona ou da buprenorfina e, assim, precipitar sintomas de abstinência. A indução das enzimas hepáticas, por sua vez, pode aumentar a concentração plasmática dos metabólitos ativos do levometadil e levar a toxicidade. Os sintomas de abstinência aguda de opióides podem ser precipitados em indivíduos em tratamento de manutenção com a metadona que tomam antagonistas puros dos receptores de opióides como a naltrexona, o nalmefeno (Revex) e a naloxona (Narcan), agonistas parciais como a buprenorfina ou agonistas-antagonistas mistos como a pentazocina (Talwin). Esses sintomas são atenuados pela utilização da clonidina, de um benzodiazepínico ou de ambos. A inibição competitiva do metabolismo da metadona ou da buprenorfina subseqüente à utilização de curto prazo do álcool ou à administração de cimetidina (Tagamet), eritromicina, ceto-
A metadona é fornecida em comprimidos dispersíveis sulcados de 5 e 10 mg; e em forma parenteral de 10 mg/mL. Nos programas de manutenção, costuma ser dissolvida em água ou em suco, e a administração da dose é observada diretamente para se assegurar a adesão. Para a indução da desintoxicação de opióides, uma dose inicial de 15 a 20 mg suprime a fissura e os sintomas de abstinência. Contudo, alguns indivíduos podem necessitar de até 40 mg por dia em doses únicas ou divididas. Quantias mais elevadas devem ser evitadas durante a indução do tratamento para se reduzir o risco de superdosagem. A dose deve ser aumentada em várias semanas para, no mínimo, 70 mg por dia. O nível máximo costuma ser de 120 mg por dia, e doses mais altas necessitam da aprovação prévia das agências reguladoras. Doses acima de 60 mg por dia se associam a abstinência muito mais completa do uso de drogas ilícitas do que aquelas abaixo dessa titulação. A duração do tratamento não deve ser predeterminada, mas baseada na resposta ao tratamento e na avaliação de fatores psicossociais. Todos os estudos sobre programas de manutenção com metadona apóiam o tratamento de longo prazo (i. e., vários anos) como mais efetivos do que os de curto prazo (i. e., por menos de um ano)
TERAPIAS
para a prevenção de recaída no abuso de opióides. Na prática atual, contudo, as políticas e seguradoras aprovaram poucos programas para oferecer até mesmo seis meses de tratamento de manutenção continuado. Além disso, alguns programas, na verdade, encorajam a supressão da metadona em menos de seis meses após a indução. Isso está muito malconcebido, porque mais de 80% dos indivíduos que terminam o tratamento de manutenção com a metadona retornam ao uso de drogas ilícitas dentro de dois anos. Em programas que oferecem tanto tratamento de manutenção como de retirada, a grande maioria dos participantes opta por aquele. Intervenções como estas devem ser encorajadas e expandidas. Levometadil O levometadil é fornecido em solução oral a 10 mg/mL, sendo, em geral, administrado três vezes por semana. Em vista de sua tendência a se acumular até concentrações tóxicas se tomado todos os dias, não deve ser administrado com mais freqüência do que em dias alternados. A dose inicial para pessoas sobre as quais não se sabe se têm tolerância a opióides é de 20 a 40 mg. Cada dose subseqüente deve ser aumentada em 5 a 10 mg, e o nível estável para uma dose específica é atingido em não menos do que duas semanas. Indivíduos já dependentes de metadona devem receber uma dose inicial de acetato de levometadil que seja 1,2 a 1,3 vezes a dose daquela, mas não mais do que 120 mg. É desnecessário reduzir ou sobrepor as doses durante a passagem da metadona para o levometadil, o que pode ser conseguido em dois dias consecutivos. As administrações seguintes do levometadil devem ser ajustadas de acordo com a resposta clínica. A maioria das pessoas necessita de doses de 60 a 90 mg três vezes por semana. Sua faixa de dose clínica varia de 10 a 140 mg três vezes por semana. A dose semanal máxima recomendada é de 440 mg. Buprenorfina A buprenorfina é fornecida em solução a 0,3 mg/mL em ampolas de 1 mL para utilização como analgésico e em comprimidos sublinguais de 0,2 mg. As formulações de comprimidos sublinguais contendo somente buprenorfina ou buprenorfina combinada com naloxona em uma razão de 4:1 são utilizadas fora dos Estados Unidos para o tratamento de manutenção com opióides. Esse medicamento não é uma opção para desintoxicação de opióides de curto prazo. As doses de manutenção de 8 a 16 mg três vezes por semana reduziram de forma efetiva o uso da heroína em ensaios clínicos.
BIOLÓGICAS
1155
Greif GL, Drechsler M. Common issues for parents in a methadone maintenance group. J Subst Abuse Treat. 1993;10:339. Hardman JG, Limbird LE, Goodman Gilman A, eds. Goodman & Gilman’s the Pharmacological Basis of Therapeutics. 10th ed. New York: McGraw-Hill; 2001. Keller MB. Efficacy of nefazodone in chronic depression. J Clin Psychiatry. 2002;63:24. Ling W, Wesson DR. A controlled trial comparing buprenorphine and methadone maintenance in opioid dependence. Arch Gen Psychiatry. 1996;53:401. Milby JB, Sims MK, Khuder S, et al. Psychiatric comorbidity: prevalence in methadone maintenance treatment. Am J Drug Alcohol Abuse. 1996;22:95. Nanovskaya T, Deshmukh S, Brooks M, Ahmed MS. Transplacental transfer and metabolism of buprenorphine. J Pharmacol Exp Ther. 2002;300:26. Prendergast ML, Grella C, Perry SM, Anglin MD. Levo-alpha-acetylmethadol (LAAM): clinical, research, and policy issues of a new pharmacotherapy for opioid addiction. J Psychoactive Drugs. 1995;27:239. Schottenfeld RS, Kleber HD. Methadone. In: Kaplan HI, Sadock BJ, eds. Comprehensive Textbook of Psychiatry. 6th ed. Baltimore: Williams & Wilkins; 1995:2031. Schottenfeld RS, Kleber HD. Opioid agonist. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2419. Strain EC, Stitzer ML, Liebson IA, Bigelow GE. Buprenorphine versus methadone in the treatment of opioid dependence: self-reports, urinalysis and addiction severity index. J Clin Psychopharmacol. 1996;16:58. Weinrich M, Stuart M. Provision of methadone treatment in primary care medical practices: review of the Scottish experience and implications for US policy. JAMA. 2000;283:1343.
36.4.23 Antagonistas dos receptores de opióides: naltrexona e nalmefena Os antagonistas dos receptores de opióides naltrexona (ReVia) e nalmefena (Revex) são tratamentos efetivos para a dependência de opióides quando utilizados em combinação com terapia cognitivo-comportamental estruturada. Podem também ser de utilidade na dependência de álcool. Esses agentes parecem reduzir ou eliminar a fissura subjetiva associada ao consumo de opióides, interrompendo seus efeitos reforçadores. Além disso, diminuem ou eliminam a fissura associada à supressão do abuso crônico. Desses dois antagonistas dos receptores de opióides, somente a naltrexona oral foi aprovada pela Food and Drug Administration (FDA) para o tratamento da dependência de opióides ou para o bloqueio dos efeitos dos opióides administrados de forma exógena. A única formulação disponível comercialmente da nalmefena é para administração endovenosa, mas pelo menos um fabricante está realizando ensaios clínicos com uma formulação oral do mesmo. A naloxona (Narcan), outro antagonista dos receptores de opióides, não é discutida com pormenores porque está disponível somente sob a forma endovenosa. Sua utilização é referida no tratamento para superdosagem de opióides, na Seção 12.10, Capítulo 12.
REFERÊNCIAS Comer SD, Collins ED, Fischman MW. Intravenous buprenorphine self-administration by detoxified heroin abusers. J Pharmacol Exp Ther. 2002;301:266. Cone EJ, Preston KL. Toxicologic aspects of heroin substitution treatment. Ther Drug Monit. 2002;24:193. Farrell M, Strang J. Compressed opiate withdrawal syndrome and naltrexone. J Psychopharmacol. 1995;9:383.
QUÍMICA A estrutura molecular da naltrexona é apresentada na Figura 36.4.23-1. Já a estrutura molecular da nalmefena pode ser vista na Figura 36.4.23-2.
1156
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
HO
O
H
OH
N
CH2
O
Enquanto os efeitos dos antagonistas dos receptores de opióides sobre o uso de opióides é compreendido com facilidade, em termos de inibição competitiva dos receptores, os efeitos dos antagonistas sobre a dependência de álcool são menos diretos e talvez se relacionem ao fato de que o desejo pela substância e os efeitos de seu consumo pareçam ser regulados por vários sistemas de neurotransmissores, tanto opióides como não-opióides.
FIGURA 36.4.23-1 Estrutura molecular da naltrexona.
INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS CH2 H
N
CH2
Os antagonistas dos receptores de opióides são mais eficazes quando combinados com terapia cognitivo-comportamental. Essa associação é mais bem-sucedida do que o uso isolado tanto de um quanto de outro.
HO CH2 HO
O
Dependência de opióides CH2
FIGURA 36.4.23-2 Estrutura molecular da nalmefena.
AÇÕES FARMACOLÓGICAS Os antagonistas dos receptores de opióides são rapidamente absorvidos pelo trato gastrintestinal (GI), mas, por causa de seu metabolismo de primeira passagem pelo fígado, somente 60% de uma dose de naltrexona e 40 a 50% da dose de nalmefena atingem a circulação sistêmica inalterados. O pico das concentrações da naltrexona e seu metabólito ativo, o 6-βnaltrexol, é atingido dentro de uma hora da ingestão. A meiavida da naltrexona é de 1 a 3 horas e do 6-β-naltrexol é de 13 horas. O pico das concentrações da nalmefena é atingido em cerca de 1 a 2 horas, e sua meia-vida é de 8 a 10 horas. Clinicamente, uma única dose de naltrexona bloqueia de forma efetiva os efeitos de recompensa dos opióides por 72 horas. Traços do 6-β-naltrexol podem persistir por até 125 horas após apenas uma dose. Uma e outra são antagonistas competitivos dos receptores de opióides. A compreensão da farmacologia desses receptores pode explicar a diferença de efeitos adversos causados pela naltrexona e pela nalmefena. Os receptores de opióides no organismo são classificados nos tipos farmacologicamente μ, κ ou δ. Pensa-se que a ativação dos receptores κ e δ reforça o consumo de opióides e de álcool, enquanto a ativação dos receptores μ está mais associada aos efeitos antieméticos centrais e periféricos. Pelo fato de a naltrexona ser um antagonista relativamente fraco dos receptores κ e δ e um potente antagonista dos receptores μ, doses desse medicamento capazes de reduzir o consumo de opióides e de álcool também bloqueiam de forma potente os receptores μ e, dessa forma, produzem náuseas. A nalmefena, em contraste, é um antagonista igualmente potente contra todos os três tipos de receptores de opióides, e as doses que conseguem reduzir o consumo de opióides e de álcool não têm um efeito aumentado particular sobre os receptores μ. Assim, este agente se associa clinicamente a poucos efeitos gastrintestinais adversos.
Os pacientes em programas de desintoxicação costumam ser liberados de seus potentes agonistas de opióides como a heroína em um período de dias a semanas, durante o qual efeitos adrenérgicos de abstinência emergentes são tratados, se necessário, com clonidina (Atensina). Um protocolo em série muitas vezes é utilizado, indicando que os agonistas potentes são, aos poucos, substituídos por agonistas mais fracos, seguidos por misturas com antagonistas e, por fim, por antagonistas puros. Por exemplo, um indivíduo que abusa do potente agonista heroína deve mudar para o agonista mais fraco metadona (Dolophine), a seguir para o agonista parcial buprenorfina (Buprenex) ou para acetato de levometadil (ORLAAM) – denominado LAAM – e, por fim, depois de um período de depuração de 7 a 10 dias, recebe um antagonista puro, como a naltrexona ou a nalmefena. Contudo, mesmo com a desintoxicação gradativa, algumas pessoas continuam a experimentar efeitos adversos leves ou sintomas de abstinência por várias das primeiras semanas no início do tratamento com a naltrexona. Quanto maior a potência do agonista de opióides, menor as conseqüências adversas ao se interromper a droga. Por não haver barreiras farmacológicas para a interrupção dos antagonistas dos receptores de opióides, o ambiente social e a intervenção cognitivo-comportamental freqüente tornam-se fatores extremamente importantes para apoiar a abstinência continuada. Em vista de os sintomas adversos serem mal tolerados, a maioria das pessoas não inscritas em um programa cognitivo-comportamental pára de tomar os antagonistas dos receptores de opióides dentro de três meses. A adesão com a administração de um regime com antagonistas dos receptores de opióides também pode ser beneficiada com a participação em um programa credenciado bem-concebido em que o paciente é recompensado por tomar a medicação. Questões de adesão devem ser o foco do tratamento. Se um indivíduo com história de adicção a opióides, pára de tomar um antagonista puro dos receptores de opióides, o risco de recaída no abuso de opióides é bastante alto, porque a reintrodução de um agonista potente de opióides leva a uma euforia subjetiva muito gratificante. Em contraste, as pessoas aderentes não desenvolvem
TERAPIAS
BIOLÓGICAS
1157
tolerância aos benefícios terapêuticos da naltrexona, mesmo se administrada de forma contínua por um ano ou mais. Pode-se passar por várias recaídas e remissões antes de se atingir a abstinência de longo prazo. As pessoas que tomam antagonistas dos receptores de opióides devem também ser avisadas de que doses suficientemente altas podem superar o antagonismo dos receptores da naltrexona ou da nalmefena, levando a níveis perigosos e imprevisíveis de ativação dos receptores.
nos anos 1980. Os médicos têm ficado desapontados pela alta taxa de recaída no abuso logo após a aplicação técnica. Mais ainda, pelo menos 10 mortes se associaram a esta. Em vista de os riscos conhecidos dessa técnica parecerem pesar mais do que os benefícios potenciais, a desintoxicação ultra-rápida não é recomendada atualmente.
Desintoxicação rápida. Para evitar o período de 7 a 10 dias de abstinência de opióides geralmente recomendado antes da utilização dos antagonistas dos receptores de opióides, foram desenvolvidos protocolos de desintoxicação rápida. A administração contínua da clonidina coadjuvante – para reduzir o surgimento de sintomas de abstinência – e benzodiazepínicos auxiliares, como o oxazepam (Serax) – para reduzir os espasmos musculares e a insônia – permite a utilização de antagonistas dos receptores no primeiro dia da interrupção da droga. Assim, a desintoxicação pode ser completada dentro de 48 a 72 horas, ponto em que a manutenção com os antagonistas é iniciada. Sintomas de moderados a graves de abstinência podem ser experimentados no primeiro dia, mas se atenuam em seguida. Devido aos efeitos hipotensores potenciais da clonidina, a pressão arterial das pessoas submetidas à desintoxicação rápida deve ser monitorada nas primeiras oito horas. Ambientes de desintoxicação rápida de pacientes ambulatoriais precisam estar preparados para administrar cuidados de emergência. A principal vantagem da desintoxicação rápida é que a transição do abuso para o tratamento de manutenção ocorre em 2 a 3 dias. A realização da desintoxicação em tão curto prazo, quando possível, leva ao mínimo o risco de que a pessoa tenha recaída no abuso durante o protocolo de intervenção.
Os antagonistas dos receptores de opióides também são utilizados como auxiliares de programas cognitivo-comportamentais para o tratamento da dependência de álcool. Esses agentes reduzem a fissura pelo álcool e o seu consumo e atenuam a gravidade das recaídas. O risco de estas levarem ao consumo pesado de álcool atribuível a um programa efetivo cognitivo-comportamental isolado pode ser reduzido pela metade com a utilização concomitante de antagonistas dos receptores de opióides. O novo agente nalmefena possui uma série de vantagens potenciais farmacológicas e clínicas sobre a predecessora naltrexona para o tratamento da dependência de álcool. Enquanto a naltrexona pode causar elevações reversíveis das transaminases em pessoas que tomam doses de 300 mg por dia (seis vezes a dose recomendada para o tratamento da dependência de álcool e de opióides [50 mg por dia]), a nalmefena não tem se associado a qualquer hepatotoxicidade. Doses clinicamente efetivas daquela são interrompidas por 10 a 15% das pessoas, em vista dos efeitos adversos, com mais freqüência náuseas. Em contraste, a interrupção da nalmefena por causa de um evento adverso é rara com a dose clinicamente efetiva de 20 mg por dia e na faixa de 10% de doses excessivas (i. e., 80 mg por dia). Em vista deste perfil farmacocinético, certa dosagem de nalmefena também pode produzir um efeito de antagonismo a opióides mais persistente do que a naltrexona. A eficácia de antagonistas dos receptores de opióides na redução da fissura por álcool pode ser potencializada com um inibidor seletivo da recaptação de serotonina, ainda que dados de ensaios com grande número de pacientes sejam necessários para se avaliar esse efeito potencialmente sinérgico de forma mais completa.
Desintoxicação ultra-rápida. Em uma variante da técnica, denominada desintoxicação ultra-rápida de opióides, o organismo é depurado da atividade do agonista em um período de apenas algumas horas pela infusão de naloxona. Nessa abordagem controversa, os graves sintomas de abstinência desencadeados pela reversão súbita, da atividade do agonista de opióides intermediada pela naloxona, são atenuados com clonidina e benzodiazepínicos, enquanto o indivíduo é anestesiado de forma parcial ou completa. A manutenção com naltrexona ou nalmefena é iniciada antes que a anestesia seja revertida. Além do potencial para morbidade e mortalidade associado à administração de anestesia geral, o principal entrave da desintoxicação ultra-rápida é a alta taxa de recaída, que tem maior probabilidade de ocorrer porque a abstinência intermediada pela naloxona não faz nada para eliminar a necessidade psicológica incapacitante de opióides, e apoio psicológico não é, necessariamente, uma parte integral da técnica. É indicado, além disso, extremo cuidado, porque as doses da combinação necessária de medicamentos com freqüência afetam de forma adversa os sistemas cardiovascular e respiratório. Cerca de 10 mil pessoas em todo o mundo se submetem à desintoxicação ultra-rápida sob anestesia desde sua introdução,
Dependência de álcool
PRECAUÇÕES E REAÇÕES ADVERSAS Devido ao fato de antagonistas dos receptores de opióides serem utilizados para manter um estado livre de drogas após a desintoxicação, deve-se ter muito cuidado para garantir que um período adequado de depuração se passe após a última dose de opióides, antes que a primeira dose do antagonista seja tomada: pelo menos cinco dias para um opióide de curta duração, como a heroína, e pelo menos 10 dias para os de ação mais longa, como a metadona. O estado livre de drogas deve ser determinado pelo auto-relato e por screening para drogas na urina. Se persistir alguma dúvida sobre se há opióides no organismo a despeito de um resultado negativo no screening da urina, então um teste de provocação com naloxona deve ser realizado. Essa prática é utilizada porque seu antagonismo a opióides dura menos de uma hora, enquanto o da naltrexo-
1158
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
na e da nalmefena pode persistir por mais de 24 horas. Dessa forma, os efeitos de abstinência desencadeados pela naloxona serão de duração relativamente curta. Os sintomas de abstinência aguda incluem fissura pela droga, sensação de mudança de temperatura, dores musculoesqueléticas e mal-estar gastrintestinal. Os sinais de abstinência incluem confusão, sonolência, vômitos e diarréia. A naltrexona e a nalmefena não devem ser tomadas se a infusão de naloxona causar qualquer sinal de abstinência de opióides, exceto como parte de um protocolo de desintoxicação rápida supervisionado. Uma série de efeitos adversos, semelhantes a vestígios de abstinência, tende a afetar até 10% dos indivíduos que tomam antagonistas dos receptores de opióides. Cerca de 15% deles experimentam dor abdominal, cãibras, náuseas e vômitos, que podem ser limitados ao se reduzir a dose pela metade, por um certo tempo, ou modificando a hora de administração. Efeitos adversos da naltrexona sobre o sistema nervoso central, experimentados por até 10% dos indivíduos, incluem cefaléia, falta de energia, insônia, ansiedade e nervosismo. Dores articulares e musculares podem ocorrer em até 10% assim como exantemas. A naltrexona pode causar toxicidade hepática relacionada à dose com quantias bem acima de 50 mg por dia: 20% das pessoas que tomam 300 mg por dia podem experimentar concentrações de aminotransferase sérica 3 a 19 vezes o limite superior ao normal. A agressão hepatocelular desse agente parece ser um efeito tóxico relacionado à dose, não uma reação idiossincrática. Com doses menores, necessárias para o antagonismo efetivo de opióides, a agressão hepatocelular não costuma ser observada. Contudo, doses muito baixas, como 50 mg por dia podem ser hepatotóxicas em indivíduos com doença hepática subjacente, como cirrose devido a abuso crônico de álcool. As concentrações da aminotransferase no soro devem ser monitoradas todos os meses nos primeiros seis meses do tratamento com naltrexona e, a seguir, com base em suspeita clínica. As concentrações das enzimas hepáticas em geral retornam ao normal após a interrupção do tratamento com a naltrexona. Se é necessária analgesia quando a dose de um antagonista dos receptores de opióides está farmacologicamente ativa, os agonistas devem ser evitados em favor dos benzodiazepínicos ou de outros analgésicos não-opióides. As pessoas que tomam os antagonistas dos receptores de opióides devem ser informadas de que doses baixas da droga não terão nenhum efeito, mas doses mais altas podem superar o bloqueio dos receptores e produzir sintomas de superdosagem profunda, com sedação progredindo até coma ou morte. A utilização dos antagonistas é contra-indicada para aquelas que estejam tomando agonistas de opióides (pequenas quantidades que podem estar presentes em preparações antieméticas ou antitussígenas de venda sem receita), as com hepatite aguda ou insuficiência hepática e as que são hipersensíveis ao medicamento. Em vista da naltrexona ser transportada pela placenta, os antagonistas dos receptores de opióides só devem ser tomados por mulheres grávidas se uma necessidade imperiosa pesa mais do que os riscos potenciais para o feto. Não se sabe se os antagonistas afetam o leite materno.
Esta classe é constituída de medicamentos relativamente seguros, mas sua ingestão em doses elevadas deve ser tratada com medidas de apoio, combinada com esforço para se reduzir a absorção intestinal. INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS Várias interações medicamentosas envolvendo os antagonistas dos receptores de opióides foram discutidas aqui, inclusive as com os agonistas de opióides associados ao abuso de drogas, bem como aquelas envolvendo os antieméticos e os antitussígenos. Por seu extenso metabolismo hepático, a naltrexona pode afetar ou ser afetada por medicamentos que influenciam os níveis de enzimas hepáticas. Contudo, a importância clínica dessas interações potenciais não é conhecida. Um medicamento que pode ser hepatóxico e utilizado em alguns casos com antagonistas dos receptores de opióides é o dissulfiram (Antabuse). Mesmo não tendo sido observados efeitos adversos, recomenda-se a monitoração laboratorial freqüente quando se considera tal combinação. Relatou-se que os antagonistas potencializam a sedação associada à utilização da tioridazina (Melleril), uma interação que talvez se aplique da mesma forma a todos os antagonistas dos receptores de dopamina de baixa potência. INTERFERÊNCIAS LABORATORIAIS Não foram descritas interferências laboratoriais com os antagonistas dos receptores de opióides, embora screenings toxicológicos com base imunológica relativamente não-específica possam levar a resultados positivos em pessoas que tomam somente os antagonistas, devido a suas semelhanças estruturais com outros opióides. DOSAGEM E DIRETRIZES CLÍNICAS Para evitar a possibilidade de se precipitar uma síndrome aguda de abstinência de opióides, vários passos devem ser seguidos para assegurar que o indivíduo está livre da droga. Dentro de um ambiente de desintoxicação supervisionada, pelo menos cinco dias devem se seguir à última dose de opióides de curta duração, como a heroína, a hidromorfona (Dilaudid), a meperidina (Demerol) ou a morfina, e pelo menos 10 dias devem se seguir após a última dose dos de longa duração, como a metadona, antes de se iniciar a utilização dos antagonistas. Períodos mais curtos além do uso de opióides têm sido utilizados em protocolos de desintoxicação rápida. Para se confirmar que a desintoxicação é completa, os screenings toxicológicos de urina devem indicar ausência de metabólitos de opióides. Contudo, um indivíduo pode ter um resultado negativo de screenings de urina e ainda estar fisicamente dependente e, dessa forma suscetível aos efeitos de abstinência induzidos por um antagonista de opióides. Desde que o resultado do screening de urina seja negativo, é recomendado um teste de provocação com a naloxona, a menos que observadores confiáveis possam confirmar um período adequado de abstinência (Tab. 36.4.23-1).
TERAPIAS
TABELA 36.4.23-1 Teste de provocação com naloxona (Narcan) O teste de provocação com naloxona não deve ser realizado em um paciente exibe sinais ou sintomas clínicos de abstinência de opióides ou cuja urina contenha resíduos da droga. Pode ser administrado tanto por via intravenosa como subcutânea. Provocação intravenosa: Após um screening apropriado do paciente, 0,8 mg de naloxona devem ser aspirados para uma seringa estéril. Se a via de administração intravenosa é selecionada, devem ser injetados 0,2 mg de naloxona e, enquanto a agulha ainda está na veia do paciente, este deve ser observado por 30 segundos para evidência de sinais ou sintomas de abstinência. Se não houver evidência disso, os 0,6 mg restantes do medicamento devem ser injetados, e o paciente, observado por 20 minutos adicionais para sinais e sintomas de abstinência. Provocação subcutânea: Se a via subcutânea é selecionada, 0,8 mg devem ser administrados de forma subcutânea, e o paciente é observado e, relação a sinais e sintomas de abstinência por 20 minutos. Condições e técnicas para a observação do paciente: Durante o período apropriado de observação, os sinais vitais devem ser monitorados, e o paciente deve ser monitorado para indícios de abstinência. É importante também questioná-lo com cuidado. Os sinais e sintomas de abstinência incluem, mas não são limitados, aos seguintes: Sinais de abstinência: congestão ou coriza nasal, lacrimejamento, bocejos, sudorese, tremor, vômitos ou piloereção Sintomas de abstinência: sensação de mudança de temperatura, dores nas articulações, nos ossos ou nos músculos, cãibras abdominais e formigamento (sensação de insetos se arrastando sob a pele) Interpretação da provocação: Advertência – O desencadear dos sinais e sintomas indica um risco potencial para o indivíduo, e a naltrexona não deve ser administrada. Se não for observado nenhum sinal ou sintoma de abstinência, desencadeado ou relatado, ela pode ser administrada. Se houver qualquer dúvida na mente do observador de que o paciente não está livre de opióides ou está com a abstinência em curso, o medicamento deve ser suspenso por 24 horas e repetida a provocação.
A dose inicial da naltrexona para o tratamento de dependência de opióides ou de álcool é de 50 mg por dia, que deve ser conseguida por introdução gradativa, mesmo quando o teste de provocação com esse medicamento for negativo. Muitos profissionais iniciam com 5, 10, 12,5 ou 25 mg e aumentam aos poucos, até a dose de 50 mg, em um período que varia de uma hora a duas semanas, enquanto monitoram possível evidência de abstinência. Quando a dose de uma vez ao dia de 50 mg é bem-tolerada, pode ser dada como média na semana, administrando-se 100 mg em dias alternados ou 150 mg a cada terceiro dia. Esses esquemas podem aumentar a adesão. A dose terapêutica correspondente da nalmefena é de 20 mg por dia, divididos em duas doses iguais. O aumento gradativo até essa dose diária é uma opção prudente, embora os dados clínicos sobre estratégias de dosagem com a nalmefena ainda não estejam disponíveis. Para levar a adesão ao máximo, recomenda-se que a ingestão de cada dose seja observada tanto na unidade como por membros da família e que testes aleatórios de urina para antagonistas dos receptores de opióides e seus metabólitos bem como para álcool ou metabólitos de opióides sejam realizados. A utilização dos antagonistas deve ser continuada até que o indivíduo não seja considerado mais em risco de recaída no
BIOLÓGICAS
1159
abuso de opióides ou de álcool. Isto, em geral, necessita de pelo menos seis meses, mas pode levar mais, em especial nos casos de estresse agudo. Desintoxicação rápida A desintoxicação rápida foi padronizada utilizando-se a naltrexona, embora se espere que a nalmefena seja igualmente eficaz, mas com menos efeitos adversos. Nos protocolos de desintoxicação rápida, o indivíduo com adicção de opióides interrompe seu uso de maneira abrupta e inicia o primeiro dia livre de droga tomando 0,2 mg de clonidina por via oral a cada duas horas, por nove doses, até a dose máxima de 1,8 mg, tempo durante o qual a pressão arterial precisa ser monitorada a cada 30 a 60 minutos pelas primeiras oito horas. A naltrexona 12,5 mg é administrada 1 a 3 horas após a última dose da clonidina. Para se reduzir as cãibras musculares e a insônia posterior, um benzodiazepínico de curta duração, como o oxazepam, 30 a 60 mg, é administrado junto com a primeira dose de clonidina, e metade da dose inicial é administrada de novo a cada 4 a 6 horas, se necessário. A dose máxima diária do oxazepam não deve exceder 180 mg. O paciente que se submete à desintoxicação rápida deve ser acompanhado até em casa por uma pessoa confiável. No segundo dia, doses semelhantes de clonidina e do benzodiazepínico são administradas, mas uma dose única de 25 mg de naltrexona é tomada de manhã. Indivíduos relativamente assintomáticos podem retornar para casa após 3 a 4 horas. A administração da dose diária de manutenção de 50 mg de naltrexona se inicia no terceiro dia, e as doses de clonidina e do benzodiazepínico são retiradas de forma gradual em cerca de 5 a 10 dias. REFERÊNCIAS Comer SD, Collins ED, Kleber HD, et al. Depot naltrexone: long-lasting antagonism of the effects of heroin in humans. Psychopharmacology. 2002;159:351. Hardman JG, Limbird LE, Goodman Gilman A, eds. Goodman & Gilman’s the Pharmacological Basis of Therapeutics. 10th ed. New York. McGraw-Hill; 2001. Johnson BA. Alit-Daoud N. Medication to treat alcoholism. Alcohol Res Health. 1999;23:99. Johnson BA, Alit-Daoud N. Neuropharmacological treatment for alcoholism: scientific basis and clinical findings. Psychopharmacology. 2000;149:327. Jones HE, Johnson RE, Fudala PJ, Henningfield JE, Heishman SJ. Nalmefene: blockade of intravenous morphine challenge effects in opioid abusing humans. Drug Alcohol Depend. 2000;60:29. O’Malley SS, Krishnan-Sarin S, Rounsavile BJ. Naltrexone. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2407. O’Mara NB, Wesley LC. Naltrexone in the treatment of alcohol dependence. Ann Pharmacother. 1994;28:210. Rabinowitz J, Cohen H, Atias S. Outcomes of naltrexone maintenance following ultra rapid opiate detoxification versus intensive inpaient detoxification. Am J Addict. 2002;11:52. Sax DS, Kornetsky C, Kim A. Lack of hepatotoxicity with naltrexone treatment. J Clin Pharmacol. 1994;34:898. Shufman EN, Porat S, Witztum E, Gandaeu D, Bar-Hamburger R, Ginath Y. The efficacy of naltrexone in preventing reabuse of heroin afler detoxification. Biol Psychiatry. 1994;35:935. Sinclair JD. Evidence about the use of naltrexone and for different ways of using it in the treatment of alcoholism. Alcohol Alcohol. 2001;36:362.
1160
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
H2N
36.4.24 Outros anticonvulsivantes: gabapentina, lamotrigina e topiramato
COOH
Gabapentina
N CI
Em princípio desenvolvidos como medicamentos anticonvulsivantes, a gabapentina (Neurotin), a lamotrigina (Lamictal) e o topiramato (Topamax) parecem ter um espectro terapêutico que se estende a outras condições observadas na prática psiquiátrica. Como o valproato (Depakene) e a carbamazepina (Tegretol), representam possíveis alternativas ou auxiliares para o tratamento de transtorno bipolar, transtorno de ansiedade, agitação, dor e abuso de substãncias. Os novos agentes antiepiléticos são estruturalmente diferentes e possuem efeitos múltiplos sobre o sistema nervoso central. Diferem em seu metabolismo, interações medicamentosas e efeitos adversos. A relevância clínica dos mecanismos neuroquímicos associados a esses agentes não é de todo compreendida. Nenhum deles tem combinações ou ações neuroquímicas idênticas. Outro anticonvulsivante aprovado, a tiagabina (Gabitril), foi estudado em transtornos psiquiátricos, mas em muito menor extensão do que a gabapentina, a lamotrigina ou o topiramato. Um novo anticonvulsivante, a pregabalina, que se relaciona com a gabapentina, está na Fase III do desenvolvimento clínico. Relatos de pesquisa com esse medicamento no transtorno de ansiedade generalizada verificaram que é tão eficaz quanto alguns benzodiazepínicos e antidepressivos.
N CI H 2N N
NH2
Lamotrigina O O H 3C H 3C
S O O
O O
O
NH2 O
CH3
CH3
Topiramato FIGURA 36.4.24-1 Estrutura molecular de outros anticonvulsivantes utilizados em psiquiatria.
Lamotrigina
A gabapentina é quimicamente relacionada ao ácido γ-aminobutírico (GABA) e, do ponto de vista estrutural, semelhante à Lleucina. A lamotrigina e o topiramato são ambos novos compostos com três anéis. Suas estruturas moleculares são exibidas na Figura 36.4.24-1.
É completamente absorvida, e sua meia-vida plasmática com níveis estáveis é de 25 horas. Contudo, a taxa de metabolismo varia em uma faixa de seis vezes, dependendo de que outros medicamentos são administrados de forma concomitante. A dose é aumentada aos poucos até que seja atingido o nível da manutenção, em duas vezes ao dia. Os alimentos não afetam a absorção, e ela fica 55% ligada às proteínas no plasma; 94% da lamotrigina e de seus metabólitos inativos são excretados pela urina. Esse agente possui um perfil anticonvulsivante semelhante ao da carbamazepina e da fenitoína (Epelin). Ele inibe a redutase do deidrofolato, a enzima responsável pela geração do ácido fólico, que é necessária para o desenvolvimento fetal adequado. Além disso, aumenta as concentrações plasmáticas da serotonina de forma modesta e é um inibidor fraco dos receptores 5-HT3 da serotonina.
AÇÕES FARMACOLÓGICAS
Topiramato
Gabapentina
É absorvido de forma rápida e completa, e sua meia-vida com níveis estáveis é de 21 horas. Os alimentos não afetam sua absorção. Fica 15% ligado às proteínas no plasma, e 70% de uma dose oral do topiramato é excretada inalterada na urina, em conjunto com pequenas quantidades de vários metabólitos inativos. Tratase de um inibidor dos canais de sódio dependentes de voltagem. Potencializa a ação do GABA em um receptor GABAA não sensível aos benzodiazepínicos ou aos barbitúricos.
QUÍMICA
É absorvida pelo sistema de transporte de membrana dos aminoácidos neutros do intestino e cruza a barreira hematencefálica. A biodisponibilidade de doses de 300 ou 600 mg é de 60%, enquanto a biodisponibilidade de uma dose de 1.600 mg é de 35%. Pelo fato de quantidades maiores não serem absorvidas, não devem exceder 1.800 mg em cada dose ou 5.400 mg por dia. Os alimentos não têm efeito sobre a absorção da gabapentina, e ela não se liga às proteínas do plasma. Sua meia-vida em níveis estáveis é de 5 a 9 horas, sendo atingida em dois dias se a dose de três vezes ao dia é utilizada. A gabapentina não é metabolizada, o que implica excreção inalterada pela urina.
INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS A gabapentina, a lamotrigina e o topiramato são indicados pela Food and Drug Administration (FDA) para o tratamento de trans-
TERAPIAS
tornos convulsivos. A gabapentina também é bastante utilizada para tratar dores crônicas, em particular as decorentes de polineuropatias. Várias prescrições para esses medicamentos são feitas para indicações não-epiléticas, listadas a seguir.
BIOLÓGICAS
1161
medicamento pode reduzir os sintomas intrusivos, a esquiva e o embotamento do transtorno de estresse pós-traumático. O topiramato pode reduzir o apetite de forma marcada e ter outras propriedades metabólicas. Está sendo utilizado para o tratamento da obesidade, da fissura por carboidratos e para a profilaxia da enxaqueca.
Transtorno bipolar Cada um desses medicamentos foi utilizado como monoterapia e como auxiliar para o tratamento de pessoas refratárias com transtorno bipolar, tipos I e II, transtorno ciclotímico e transtorno bipolar sem outra especificação. Eles parecem ter tanto efeitos estabilizadores do humor como antidepressivos. Em geral, foram acrescentados quando os indivíduos não responderam de forma satisfatória a agentes de primeira linha, como o lítio (Carbolitium), o ácido valpróico ou a carbamazepina. Alguns clínicos utilizaram esses agentes com sucesso como monoterapia. Há vários ensaios clínicos positivos sobre a utilização da lamotrigina para o tratamento agudo e profilático de pacientes com episódios depressivos do transtorno bipolar I e daqueles com variantes com ciclagem rápida.
PRECAUÇÕES E REAÇÕES ADVERSAS Gabapentina A gabapentina é bem-tolerada, e a dose pode ser aumentada até a faixa de manutenção em 2 a 3 dias. Quase não há efeitos adversos relacionados à dose, mesmo em quantias de 5 g por dia, o que excede de longe a capacidade de absorção do intestino. Seus efeitos adversos mais freqüentes, como os de outros medicamentos antiepiléticos, são sonolência, tonturas, ataxia, fadiga e nistagmo, os quais tendem a ser transitórios. Lamotrigina
Dor crônica A gabapentina é eficaz no tratamento de neuralgia pós-herpética e neuropatia diabética dolorosa, e a lamotrigina se mostrou eficaz no tratamento da neuropatia periférica associada ao vírus da imunodeficiência humana (HIV) e na redução de utilização de analgésicos pós-operatórios. Outras condições que respondem a uma e outra incluem a neuralgia do trigêmio, síndromes dolorosas centrais, neuropatias por compressão, como a síndrome do túnel do carpo, radiculopatias e meralgia parestésica e neuropatias dolorosas decorrentes de outras causas. A resposta de redução da dor nessas condições é semelhante àquela de inibidores seletivos da recaptação de serotonina e de antidepressivos tricíclicos e superior àquela do lidocaína (Xilocaína) intravenosa ou tópica, da carbamazepina, da aspirina tópica, da mexiletina (Mexitil), da fenitoína, da capsaicina (Moment), de antiinflamatórios não-esteróides (AINEs) orais, de opióides, do propranolol (Inderal), do lorazepam (Lorax) e da fentolamina (Regitina). Em vista de seu mecanismo diferente de ação e da ausência de interações, a gabapentina e os antidepressivos são por vezes utilizados em combinação no tratamento de dor neuropática.
Os efeitos adversos mais comuns associados à sua utilização, em especial quando combinada com outros medicamentos antiepilético, são tonturas, ataxia, sonolência, cefaléia, diplopia, visão turva, náuseas, vômitos e exantema. A lamotrigina se acumula em tecidos ricos em melanina, inclusive na retina pigmentada. Seu efeito de longo prazo sobre a visão é desconhecido. Condições cutâneas. A lamotrigina se associa de forma significativa ao desenvolvimento de condições cutâneas com potencial de ameaça à vida, como a necrólise epidérmica tóxica e a síndrome de Stevens-Johnson, em 0,1% dos adultos e em 1 a 2% das crianças. A probabilidade de ocorrência é maior se a dose inicial for muito alta, se for aumentada rápido demais ou durante a administração concomitante de ácido valpróico. A maioria dos casos aparece após 2 a 8 semanas de tratamento, mas houve relatos mesmo na ausência de qualquer desses fatores de risco. O caráter do exantema não é um indicador para a gravidade da condição. Assim, a lamotrigina deve ser interrompida assim que qualquer exantema ou outros sinais de reação de hipersensibilidade se desenvolverem. Isso pode prevenir o desenvolvimento subseqüente de exantemas que ameacem a vida ou desfigurações permanentes.
Outras indicações A gabapentina parece reduzir a freqüência e a intensidade de acessos explosivos em pessoas com transtornos de descontrole, inclusive crianças, pessoas com demência e aquelas com lesão traumática cerebral. É ainda um tratamento efetivo para fobia social e transtorno de pânico em alguns casos. Em vista de suas propriedades sedativas moderadas, pode tratar insônia e agitação decorrentes da abstinência de benzodiazepínicos, álcool e cocaína. Além disso, constitui-se como um tratamento efetivo de tremor e de parkinsonismo. A lamotrigina possui efeitos antipsicóticos em pessoas com epilepsia. Isso é importante para a epilepsia co-mórbida com psicose, porque vários antipsicóticos diminuem o limiar para convulsões. Esse
Topiramato Os efeitos adversos mais comuns não relacionados à dose do topiramato utilizado em combinação com outros medicamentos antiepiléticos incluem lentificação psicomotora, problemas de fala e linguagem (em especial dificuldade de encontrar as palavras), sonolência, tonturas, ataxia, nistagmo e parestesias. Os efeitos adversos relacionados à dose mais comuns são fadiga, nervosismo, falta de concentração, confusão, depressão, anorexia, problemas visuais, alterações do humor, perda de peso e tremor. Cerca de 1,5% dos indivíduos que tomam esse agente desenvolvem cálculos renais, uma taxa 10
1162
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
vezes aquela associada a placebo. Os pacientes em risco para tanto devem ser encorajados a ingerir bastante líquido. INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS
INTERFERÊNCIAS LABORATORIAIS A gabapentina pode causar resultados falso-positivos com o teste Ames N-Multistix SG para proteínas urinárias. A lamotrigina e o topiramato não interferem em qualquer teste laboratorial.
Gabapentina DOSAGEM E DIRETRIZES CLÍNICAS A gabapentina não apresenta interações significativas farmacodinâmicas ou com o citocromo P450. Os antiácidos que contêm hidróxido de alumínio e hidróxido de magnésio (Maalox) reduzem sua absorção em 20% se administrados ao mesmo tempo, o que não é percebido se forem consumidos duas horas antes da gabapentina. Lamotrigina A lamotrigina possui interações medicamentosas significativas, bem-caracterizadas, com outros anticonvulsivantes. Ela reduz as concentrações plasmáticas do ácido valpróico em 25%; pode aumentar a concentração do metabólito epóxido da carbamazepina e a incidência de tonturas, diplopia, ataxia e visão turva induzidas pela carbamazepina. Não tem efeitos sobre as concentrações da fenitoína. As concentrações da lamotrigina são reduzidas em 40 a 50% pela administração concomitante de carbamazepina, fenitoína ou fenobarbital, e duplica com a co-administração do ácido valpróico. A sertralina (Zoloft) também aumenta suas concentrações plasmáticas, mas em menor extensão do que o faz o ácido valpróico. As combinações com outros anticonvulsivantes têm efeitos complexos sobre o tempo do pico das concentrações e da meia-vida plasmáticas da lamotrigina. Topiramato O topiramato tem algumas interações medicamentosas bem-caracterizadas com outros anticonvulsivantes. Ele pode aumentar as concentrações da fenitoína em até 25% e as do ácido valpróico em 11%; não afeta as concentrações da carbamazepina ou de seu epóxido, do fenobarbital (Gardenal) ou da primidona (Mysoline). As concentrações do topiramato são diminuídas em 40 a 48% com a administração concomitante de carbamazepina ou fenitoína e em 14% com a administração conjunta com o ácido valpróico. O topiramato também reduz um pouco a biodisponibilidade da digoxina (Lanoxin) e a eficácia dos anticoncepcionais orais. Considerando que se trata de um inibidor fraco da anidrase carbônica, seu acréscimo a outros inibidores da anidrase carbônica, como a acetazolamida (Diamox) ou a diclorfenamida (Daranide), pode promover o desenvolvimento de cálculos renais e deve ser evitado.
Gabapentina A gabapentina está disponível em cápsulas de, 300 e 400 mg e em comprimidos de 600 mg. A dose inicial é de 300 mg três vezes ao dia, podendo ser aumentada até o máximo de 1.800 mg três vezes ao dia, em um período de poucos dias. Sua eficácia é dose-dependente, e a maioria das pessoas atinge benefício satisfatório dentro da faixa de 600 a 900 mg três vezes ao dia. O avanço rápido da dose e as altas concentrações são limitadas pela sedação, que, em geral, é leve. Embora a interrupção abrupta não cause efeitos de abstinência, a utilização de todos os anticonvulsivantes deve ser reduzida gradativamente. Lamotrigina A lamotrigina está disponível em comprimidos não-sulcados de 25, 50 e 100 mg. O principal determinante da dose é levar ao mínimo o risco de exantema. Esse agente não deve ser administrado a indivíduos com menos de 16 anos. Pelo fato de o ácido valpróico lentificar de forma significativa a eliminação da lamotrigina, a administração concomitante desses medicamentos necessita de um aumento gradativo muito mais lento (Tab. 36.4.241). As pessoas com insuficiência renal devem ter por objetivo uma dose menor da manutenção. O aparecimento de qualquer tipo de exantema necessita da interrupção imediata da terapia. A lamotrigina deve ser interrompida de forma gradativa, em duas semanas, a menos que ocorra um exantema, caso em que deve ser cessada em 1 a 2 dias. Topiramato O topiramato está disponível em comprimidos não-sulcados de 15, 25, 50 e 100 mg. Para se reduzir o risco de efeitos adversos cognitivos e sedativos, a dose é aumentada de forma gradativa em oito semanas, até o máximo de 200 mg duas vezes ao dia. Doses mais altas não se associam a aumento da eficácia. As pessoas com insuficiência renal devem reduzir a quantia pela metade.
TABELA 36.4.24-1 Dosagem da lamotrigina (mg/dia) Tratamento
Semanas 1-2
Semanas 3-4
Semanas 4-5
Monoterapia com lamotrigina Lamotrigina com carbamazepina Lamotrigina com valproato
25 50 25 (de dois em dois dias)
50 100 25
100-200 (máximo de 500) 200-500 (máximo de 700) 50-200 (máximo de 200)
TERAPIAS
REFERÊNCIAS Boyd RA, Turck D, Abel RB, Sedman AJ, Bockbrader HN. Effects of age and gender on single-dose pharmacokinetics of gabapentin. Epilepsia. l999;40:474. Burgess LH. Gabapentin: an alternative mood stabilizer for patients with developmental disabilities? Mental Health Aspects of Developmental Disabilities. 2002;5:22. Ghaemi SN, Goodwin FK. Gabapentin treatment of the non-refractory bipolar spectrum; an open case series. J Affect Disord. 2001;65:167. Hardman JG, Limbird LE, Goodman Gilman A, eds. Goodman & Gilman’s the Pharmacological Basis of Therapeutics. 10th ed. New York: McGraw-Hill; 2001. Jensen TS. Anticonvulsants in neuropathic pain: rationale and clinical evidence. Eur J Pain. 2002;6(suppl A):61. Keck PE Jr, Mendlwicz J, Calabrese JR, et al. A review of randomized, controlled clinical trials in acute mania. J Affect Disord. 2000;59(suppl 1):S31. Ketter TA, Malow BA, Flamini RKD, White SR, Post RM, Theodore WH. Felbamate monotherapy has stimulant-like effects in patients with epilepsy. Epilepsy Res. 1996;23:129. Knoll J, Stegman K, Suppes T. Clinical experience using gabapentin adjunctively in patients with a history of mania or hypomania. J Affect Disord. 1998;49:229. Kotler M, Matar M. Lamotrigine in the treatment of resistant bipolar disorder. Clin Neuropharmacol. 1998;21:65. Kushnir MM, Crossett J, Brown PI, Urry FM. Analysis of gabapentin in serum and plasma by solid-phase extraction and gas chromatography-mass spectrome-try for therapeutic drug monitoring. J Anal Toxicol. 1999;23:6. Martin R, Kuzniecky R, Ho S, et al. Cognitive effects of topiramate. gabapentin, and lamotrigine in health young adults. Neurology. 1999;52:321. Petroff OA, Hyder F, Mattson RH. Rothman DL. Topiramate increases brain GABA, homocarnosine, and pyrrolidinone in patients with epilepsy. Neurology. 1999;52:473. Pollack MH, Matthews J, Scott EL. Gabapentin as a potential treatment for anxiety disorders. Am J Psychiatry. 1998;155:992. Stephen LJ, Maxwell JE, Brodie MJ. Transient hemiparesis with topiramate. Br Med J. 1999;318:845. Sussman N. Other anticonvulsants. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2299.
36.4.25 Reboxetina A reboxetina (Prolift) é um antidepressivo eficiente de uma nova classe farmacológica que inibe de forma seletiva a recaptação da noradrenalina, mas tem pouco efeito sobre a recaptação da serotonina. Dessa forma, é a imagem em espelho farmacodinâmica dos inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs), que inibem a recaptação da serotonina, mas não a da noradrenalina. Este agente é utilizado na Europa, mas não é comercializado nos Estados Unidos. QUÍMICA A reboxetina é estruturalmente relacionada à fluoxetina (Prozac). Sua fórmula estrutural é apresentada na Figura 36.4.25-1. AÇÕES FARMACOLÓGICAS A reboxetina é rapidamente absorvida e atinge o pico das concentrações plasmáticas em duas horas. Os alimentos não afe-
BIOLÓGICAS
1163
CH3CH2O O O NH FIGURA 36.4.25-1 Estrutura molecular da reboxetina.
tam sua taxa de absorção. A meia-vida é de 13 horas, o que permite a administração duas vezes ao dia. As concentrações em níveis estáveis são obtidas em cinco dias. A reboxetina é metabolizada pelo fígado (de forma mais específica via isoenzima 3A4 do citocromo P450) e, em grande parte, excretada pela urina. A reboxetina inibe de forma seletiva a recaptação da noradrenalina, com pouca inibição sobre a recaptação da serotonina ou da dopamina. É bastante seletiva para a noradrenalina e não possui efeitos diretos sobre o metabolismo da serotonina. Tem baixa afinidade pelos receptores muscarínicos ou colinérgicos e não interage com os receptores α1, α2 ou β-adrenérgicos, serotonérgicos, dopaminérgicos e histamínicos. INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS A reboxetina é eficaz no tratamento de transtornos depressivos agudos e crônicos, como depressão maior e distimia. É tão eficaz quanto a imipramina (Tofranil) e pode ser mais benéfica do que a fluoxetina para o tratamento de pessoas com depressão melancólica grave. Além disso, promove o sono, mas não se associa a sonolência diurna. Os pacientes exibem melhora da energia, do interesse e da concentração e redução da ansiedade. Também pode produzir melhora rápida dos sintomas de fobia social. Comprometimento social, em particular envolvendo autopercepção negativa e baixo nível de atividade social, parece responder de forma positiva à reboxetina. PRECAUÇÕES E REAÇÕES ADVERSAS Em geral, a reboxetina é tão bem-tolerada quanto os ISRSs. Seus efeitos adversos mais comuns são hesitação urinária, cefaléia, obstipação, congestão nasal, sudorese, tonturas, boca seca, redução da libido e insônia. A hesitação urinária pode responder à potencialização com a doxazosina (Carduran). Hipertensão e taquicardia podem ter relevância clínica, em especial com doses mais altas. A reboxetina apresenta menos probabilidade do que os ISRSs de causar ansiedade ou náuseas e de inibir o desempenho sexual. Dados limitados sugerem que, assim como a fluoxetina, ela pode causar, em casos raros, a síndrome de secreção inapropriada do hormônio antidiurético (SIADH). Com a utilização de longo prazo, as pessoas que tomam reboxetina não experimentam mais efeitos adversos do que as que consomem placebo. Esse agente, com 4 mg por dia, não produz lentificação psicomotora e não age da maneira sinérgica com o álcool. Não é cardiotóxica e não aumenta o risco de convulsões.
1164
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Não existem dados acerca de seus efeitos sobre o desenvolvimento embrionário e fetal, e não se sabe se é secretada no leite materno. No momento, mulheres que estejam grávidas ou amamentando não devem tomá-la.
36.4.26 Inibidores seletivos da recaptação de serotonina
A reboxetina se encontra disponível em comprimidos sulcados de 4 mg. A dose inicial habitual é de 4 mg duas vezes ao dia. A maioria dos pacientes não necessita de aumento da dose; contudo, se necessário, pode ser aumentada até um total de 10 mg por dia, divididos em duas doses, após três semanas. Em idosos e pessoas com comprometimento renal grave, o tratamento pode ser iniciado com 2 mg duas vezes ao dia e aumentado até o máximo de 6 mg por dia, divididos em duas doses após três semanas. Em vista de a reboxetina e ISRSs atuarem sobre sistemas de neurotransmissores não-superpostos, alguns clínicos os combinam para tratar pessoas cuja depressão não responde a cada um desses agentes isolados.
Os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs) são agentes de primeira linha para o tratamento de depressão, transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e transtorno de pânico, bem como de várias outras condições. No momento, cinco deles estão disponíveis. A fluoxetina (Prozac) foi introduzida em 1988 e desde então se tornou o antidepressivo mais prescrito no mundo. Nos anos subseqüentes, a sertralina (Zoloft) e a paroxetina (Aropax) foram quase tão amplamente prescritas como a fluoxetina. A fluvoxamina (Luvox) conseguiu seu próprio nicho, de forma mais expecífica para o tratamento do TOC. O citalopram (Cipramil) tem sido utilizado na Europa desde 1989 e foi introduzido nos Estados Unidos em 1998, onde já obtive aceitação. O escitalopram (Lexapro), o enanciômero S(+) do citalopram, está sendo estudado em ensaios clínicos. Ainda que os transtornos depressivos tenham sido as indicações iniciais desses medicamentos, eles são eficazes em uma ampla gama de condições, incluindo transtornos da alimentação, transtorno de pânico, TOC e transtorno da personalidade borderline. Os agentes dessa classe são denominados ISRSs porque compartilham a propriedade farmacológica de inibir, de forma específica, a recaptação de serotonina pelos neurônios pré-sinápticos, com relativamente pouco efeito sobre a recaptação da norepinefrina e quase nenhum sobre a recaptação da dopamina. A clomipramina (Anafranil) é outro medicamento específico para a serotonina, por vezes considerado na mesma categoria dos ISRSs. Contudo, em vista de sua estrutura e do perfil de efeitos adversos serem mais similares aos de medicamentos antidepressivos tricíclicos, é discutida junto com os medicamentos tricíclicos e tetracíclicos (ver Seção 36.4.33).
REFERÊNCIAS
QUÍMICA
INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS A reboxetina tem poucas interações medicamentosas significativas e não inibe as enzimas metabólicas hepáticas. Até que estejam disponíveis dados adicionais, não deve ser administrada ao mesmo tempo com inibidores da monoaminoxidase (IMAOs). INTERFERÊNCIAS LABORATORIAIS Não se sabe se a reboxetina interfere em qualquer teste clínico de laboratório. DOSAGEM E DIRETRIZES CLÍNICAS
Baldessarini RJ. Drugs and the treatment of psychiatric disorders: depression and anxiety disorders. In: Hardman JG, Limbird LE, Goodman Gilman A, eds. Goodman & Gilman’s the Pharmacological Basis of Therapeutics. 10th ed. New York: McGraw-Hill; 2001:447. De Battista C, Schatzberg AF. Other pharmacological and biological therapies. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2521. Kasper S. Managing reboxetine-associated urinary hesitancy in a patient with major depressive disorder: a case study. Psychopharmacology. 2002; l59:445. Schueler P, Seibel K, Chevts V, Schaffter K. Analgesic effect of the selective noradrenaline reuptake inhibitor, reboxetine: objective and subjective appraisal. Nervenarzt. 2002;73:149. Versiani M, Cassano G, Perugi G, et al. Reboxetine, a selective norepinephrine reuptake inhibitor, is an effective and well-tolerated treatment for panic disorder. J Clin Psychiatry. 2002;63:31.
Os ISRSs não compartilham quase nenhuma característica molecular, o que explica por que certos indivíduos podem responder a um deles, mas não a outro. As fórmulas estruturais do citalopram, da fluoxetina, da fluvoxamina, da paroxetina e sertralina são apresentadas na Figura 36.4.26-1. AÇÕES FARMACOLÓGICAS Farmacocinética As principais diferenças entre os ISRSs disponíveis se situam principalmente em seus perfis farmacocinéticos (Tab. 36.4.26-1), de forma mais específica, em relação a suas meias-vidas. A fluoxetina possui a meia-vida mais longa, 2 a 3 dias; seu metabólito ativo tem uma meia-vida de 7 a 9 dias. As dos outros ISRSs são muito mais curtas, cerca de 20 horas, os quais não têm metabólitos ativos maiores. Todos os agentes dessa classe são bem-absorvidos
TERAPIAS
F
BIOLÓGICAS
1165
Farmacodinâmica O O
O CH2
CCH2CH2CH2CH2OCH3
CF3
N
N Paroxetina
OCH2CH2NH2
H
Os ISRSs compartilham dois aspectos comuns. Primeiro, têm atividade específica na inibição da recaptação da serotonina, sem efeitos sobre a recaptação da norepinefrina e de dopamina (Fig. 36.4.26-2). A eficácia clínica é associada a 70 a 80% de ocupação dos transportadores da serotonina. A inibição da recaptação aumenta as concentrações sinápticas desta, que se liga e ativa pelo menos 14 receptores distintos (Fig. 36.4.26-3). É tentador pre-
Fluvoxamina
O
F3C
CH(CH2)2NHCH3
NHCH3 Célula nervosa
Fluoxetina
CH3
H 3C N
CI
CH2
IMAO
CI
CH2
MAO
Sertralina
CH2 O
Vesículas com neurotransmissores
F
Fluoxetina Citalopram
CN
Recaptação
Serotonina
FIGURA 36.4.26-1 Estruturas moleculares dos ISRSs.
após a administração oral e atingem o pico de suas concentrações em 4 a 8 horas. Todos são metabolizados no fígado. A paroxetina e a fluoxetina são metabolizadas pela isoenzima CYP 2D6 do citocromo P450 (CYP), um subtipo específico, o que requer cuidado por parte dos clínicos na co-administração com outros medicamentos que também sejam metabolizados pela CYP 2D6. A fluvoxamina inibe a enzima CYP 3A4, que também metaboliza a terfenadina (Teldane) e o astemizol (Hisnot), levando a FDA a recomendar que não seja administrada com esses agentes. Em geral, os alimentos não têm grande efeito sobre a absorção dos ISRSs; de fato, a administração com as refeições por vezes reduz a incidência de náuseas e diarréia que costumam estar associadas à utilização dos ISRSs.
Receptores
FIGURA 36.4.26-2 Os ISRSs, como a fluoxetina, bloqueiam a recaptação da serotonina para dentro do terminal nervoso pré-sináptico. Isso aumenta a concentração sináptica da serotonina, o que permite aumento da ativação dos receptores, além de evitar que ela seja metabolizada pela MAO (monoaminoxidase). Quando os IMAOs (inibidores da monoaminoxidase) são utilizados em associação com os ISRSs, o excesso de serotonina sináptica pode produzir uma síndrome tóxica. (Reimpressa, com permissão, de Hyman SE, Arana GW, Rosenbaum JF. Handbook of Psychiatric Drug Therapy. 3rd ed. Boston: Little, Brown, 1996:45.)
TABELA 36.4.26-1 Perfis farmacocinéticos dos ISRSs
Medicamento
Tempo do pico das concentrações plasmáticas (horas)
Fluoxetina Fluvoxamina Paroxetina Sertralina Citalopram Escitalopram
6-8 3-8 5-6 4,5-8,5 4 4
Meia-vida
Meia-vida do metabólito
Tempo até as concentrações estáveis (dias)
Ligação às proteínas do plasma (%)
4-6 dias 15 h 21 h 26 h 35 h 30 h
4-16 dias 62-104 h 3h -
28-35 5-7 5-10 5-7 7 10
95 80 95 95 80 55
1166
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Receptor 5-HT1D
Receptor 5-HT1A 5-HT (-)
(-) 5-HT
α1-adrenérgica sobre esses receptores é a base farmacológica da baixa incidência de efeitos adversos com a administração de ISRSs, os quais têm efeitos anticolinérgicos muito moderados em alguns pacientes, em sua maioria, mínimos e muito menores do que os tricíclicos e os tetracíclicos. INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS
Auto-receptores pré-sinápticos (5-HT1D)
Auto-receptores somatodendríticos (5-HT1A)
FIGURA 36.4.26-3 Duas classes de auto-receptores de 5-hidroxitriptamina (5-HT), com localizações diferentes. Os auto-receptores somatodendríticos 5-HT1A diminuem os disparos das células da rafe quando ativados pela 5-HT liberada dos colaterais dos axônios dos próprios neurônios ou de neurônios adjacentes. O subtipo de receptor dos auto-receptores pré-sinápticos dos terminais axônicos no cérebro anterior têm propriedades farmacológicas diferentes e foram classificados como 5-HT1D (em humanos) e 5-HT1B (em roedores). Esse receptor modula a liberação de 5-HT. Os receptores pós-sinápticos 5HT1 também estão indicados. (Reimpressa, com permissão, de Sanders Bush E, Mayer SE. 5-Hydroxytryptamine [serotonin] receptor agonists and antagonists. In: Hardman JG, Limbird LE, Mollinoff PB, Ruddon RW, eds. Goodman & Gilman’s The Pharmacological Basis of Therapeutics. 9th ed. New York: McGraw-Hill, 1996:253.)
sumir que, como os antidepressivos tricíclicos, os ISRSs tenham curva linear de dose-resposta e, assim, doses mais altas impliquem aumento da eficácia clínica. Na verdade, contudo, pelo menos 90% da resposta clínica resultante dos ISRSs ocorre com as doses iniciais, e níveis mais elevados tendem a aumentar os efeitos adversos, sem muito benefício clínico adicional. Na utilização clínica, a sertralina costuma ser a mais usada acima de sua dose inicial habitual (50 mg por dia, aumentada até 150 a 200 mg por dia), seguida pela fluoxetina (dose inicial de 20 mg por dia, aumentada até 40 a 80 mg por dia). A paroxetina tem a maior probabilidade de ser continuada com sua dose inicial (20 mg por dia) e, embora possa ser aumentada até 30 a 60 mg por dia, os efeitos anticolinérgicos podem predominar em doses mais altas. Ainda que os compostos disponíveis difiram em suas potências específicas (Tab. 36.4.26-2), as diferenças não levam a qualquer particularidade clínica significativa. Segundo, os agentes dessa classe são essencialmente isentos de atividades agonistas ou antagonistas sobre qualquer receptor de neurotransmissores. A falta de atividade anti-histamínica e anti-
TABELA 36.4.26-2 Potência aproximada de inibição da recaptação de 3H aminas biogênicasa Composto
Serotonina
Ki (nM) Norepinefrina
Dopamina
Citalopram Fluoxetina Fluvoxamina Paroxetina Sertralina
4 6 25 1 7
6.000 1.000 500 350 1.400
>20.000 >10.000 4.200 2.000 230
a Preparação in vitro de tecido cerebral do rato. Valores mais baixos de K indii cam potência mais alta. Todos os cinco compostos são potentes inibidores da recaptação de serotonina.
Depressão A fluoxetina, a sertralina, a paroxetina e o citalopram são indicados para o tratamento de depressão. Os ISRSs são agentes de primeira linha para essa condição entre a população em geral, idosos, pessoas com doenças sistêmicas e grávidas. Eles são tão eficazes para a depressão leve e moderada como qualquer outra classe de antidepressivos. Para a depressão grave e a melancolia, vários estudos verificaram que a eficácia dos inibidores da recaptação de serotonina-norepinefrina, como a venlafaxina (Efexor), a mirtazapina (Remeron) ou medicamentos tricíclicos, por vezes excedem a dos ISRSs. Contudo, a sertralina pode ser mais benéfica do que os agentes dessa classe no tratamento da depressão grave com melancolia. É apropriado iniciar o tratamento antidepressivo com os ISRSs para todos os graus de depressão. A comparação direta dos benefícios de agentes específicos não demonstrou que qualquer um seja superior aos outros. Contudo, um dado indivíduo pode exibir diversidade considerável de resposta aos vários ISRSs. Mais de 50% das pessoas que respondem mal a um ISRS responderão de forma favorável a outro. Dessa forma, antes de mudar para antidepressivos de outro grupo, devese tentar outro agente da classe dos ISRSs. Estudos demonstraram que os ISRSs têm uma eficácia semelhante, mas com um perfil muito mais favorável de efeitos adversos do que os antidepressivos tricíclicos. Constatou-se que algum nervosismo e agitação, transtornos do sono, sintomas gastrintestinais (GI) e efeitos adversos sexuais são mais comuns com pacientes tratados com ISRSs do que com aqueles tratados com tricíclicos. Alguns clínicos tentaram selecionar um inibidor em particular para uma pessoa específica, com base em um perfil único de efeitos adversos. Por exemplo, como a fluoxetina é o ISRS mais ativador e estimulante, podem considerá-la uma escolha melhor para um paciente abúlico do que a paroxetina, que se presume um agente sedativo. Essas diferenças, contudo, variam de pessoa para pessoa. Estratégias de potencialização. Em pessoas deprimidas com resposta parcial a um ISRS, estratégias de potencialização em geral não se demonstraram superiores a apenas aumento da dose do medicamento. Contudo, uma dessas combinações, um ISRS com a bupropiona (Wellbutrin), apresenta benefícios adicionais marcantes. As ações noradrenérgicas e dopaminérgicas da bupropiona se encaixam bem nas ações serotonérgicas dos ISRSs e oferecem baixo risco de interações farmacodinâmicas. O acréscimo desse agente pode produzir uma resposta antidepressiva em até 70% de não-responsivos aos ISRSs. A bupropiona tem a vantagem adicional de tender a se contrapor aos efeitos adversos antiorgasmo dos ISRS. Alguma evidência indica que o lítio
TERAPIAS
(Carbolitium), a levotiroxina (Synthroid), simpatomiméticos, o pindolol (Visken) e o clonazepam (Rivotril) também possam potencializar os efeitos antidepressivos dos medicamentos dessa classe. Suicídio. Os ISRSs reduzem de forma marcante o risco de suicídio. Logo que foram introduzidos, um relato bastante divulgado sugeriu uma associação entre a utilização da fluoxetina e atos violentos, incluindo suicídio, mas várias revisões subseqüentes refutaram tal associação. Alguns pacientes, contudo, se tornam especialmente ansiosos e agitados ao receberem fluoxetina. O aparecimento desses sintomas em suicidas poderia aumentar a gravidade da ideação suicida. Além disso, esses indivíduos podem tentar pôr em ação seus pensamentos suicidas de forma mais efetiva, à medida que diminui sua depressão. Assim, pessoas potencialmente suicidas devem ser monitoradas de perto durante as primeiras semanas em que estão tomando estes agentes. Os antidepressivos são um componente essencial do tratamento atual de pessoas deprimidas com tendência ao suicídio. Uma avaliação recente da utilização de medicamentos para o tratamento de pessoas com história de tentativas prévias de suicídio concluiu que uma grande maioria recebia doses inadequadas de antidepressivos. Depressão durante a gravidez e o pós-parto. Vários estudos, inclusive um que acompanhou crianças até os anos escolares iniciais, deixaram de encontrar quaisquer complicações perinatais, anomalias fetais congênitas, reduções do quociente de inteligência global (QI), atrasos na linguagem ou problemas específicos de comportamento atribuíveis ao uso da fluoxetina durante a gravidez. Os dados emergentes para a sertralina, a paroxetina e a fluvoxamina sugerem que tomá-los durante esse período também não aumenta o risco de malformações congênitas maiores. Estudos prospectivos verificaram que o risco de recaída na depressão, quando uma mulher recém-grávida pára de tomar ISRSs, é várias vezes mais alto do que o risco a que o feto é submetido com a exposição a agentes dessa classe. Como a depressão materna é um fator de risco independente de morbidade fetal, o clínico pode querer continuar o medicamento sem interrupção durante a gravidez. Os ISRSs podem produzir uma síndrome de abstinência neonatal autolimitada, que consiste de sobressaltos e taquipnéia leve; começa várias horas após o nascimento e pode persistir por dias a poucas semanas. A condição é rara e não interfere na alimentação. A depressão pós-parto (com ou sem aspectos psicóticos) afeta uma pequena porcentagem de mães. Alguns clínicos começam administrando ISRSs se a tristeza se estende além de algumas semanas ou se a mulher fica deprimida durante a gravidez. A antecipação do início possibilitada por administrar o ISRS durante a gravidez se a mulher está em risco de depressão pós-parto também protege o recém-nascido, contra o qual a mãe pode ter pensamentos prejudiciais. Se o ISRS aparece ou não no plasma de bebês amamentados por mães que os estejam tomando é controverso. Em um estudo, contudo, relatou-se que um bebê amamentado teve concentrações plasmáticas de sertralina iguais à metade da concentração da mãe; contudo, não exibiu comportamento anormal. O citalopram também é excretado pelo leite. São necessários estudos adi-
BIOLÓGICAS
1167
cionais, e os médicos devem estar alertas para potenciais problemas ao prescreverem medicamentos para mulheres que aumentam. Depressão entre idosos e aqueles com doença sistêmica. Transtornos do comportamento em idosos, em particular os com doenças sistêmicas, necessitam de uma avaliação diagnóstica completa para excluir delirium ou demência. O diagnóstico e o tratamento da condição reduzem de forma significativa o risco de morbidade física excessiva, infarto do miocárdio, hospitalização prolongada e morte. O antidepressivo ideal para uma população não deve ter efeitos adversos cognitivos, cardiotóxicos, anticolinérgicos, anti-histamínicos ou α-adrenérgicos. Entre os ISRSs, somente a paroxetina apresenta alguma atividade anticolinérgica, embora esta seja clinicamente relevante somente em doses mais elevadas. Todos os agentes desse grupo são úteis para pessoas idosas, fragilizadas do ponto de vista médico. Eles sãos todos bemtolerados por aqueles com sintomas gastrintestinais preexistentes. Depressão crônica. Vários estudos demonstraram que a nortriptilina (Pamelor) e psicoterapia interpessoal mensal reduzem de forma marcante a taxa de recaída da depressão por um período de três anos. Resultados semelhantes foram relatados com a sertralina e seriam esperados com os demais ISRSs. A história natural da depressão maior consiste de sintomas que aparecem e desaparecem por períodos que duram vários meses. Alguns estudos indicam que a interrupção dos ISRSs em apenas seis meses após um episódio depressivo se associa a altas taxas de recaída. Dessa forma, é prudente para uma pessoa com depressão crônica continuar a tomar esses agentes por pelo menos um ano ou, de preferência, por mais tempo. Os ISRSs são bem-tolerados em utilização de longo prazo. Depressão em crianças. Os filhos de adultos depressivos têm maior risco para depressão. Relatos de caso e pequenas séries relataram que os ISRSs reduzem os sintomas depressivos e podem prevenir os esforços de crianças e adolescentes de automedicarem sua tristeza com álcool ou drogas ilícitas. O perfil de efeitos adversos dos ISRSs em crianças incluem sintomas gastrintestinais, insônia, inquietação motora, desinibição social e hipomania ou mania. Portanto, é essencial determinar se a criança está, de fato, deprimida e iniciar a utilização de ISRSs com pequenas doses. Há relatos anedóticos de tratamento bem-sucedido com depressão em associação com outro transtorno (p. ex., transtorno de déficit de atenção/hiperatividade [TDAH]), quando os ISRSs são combinados com outros psicotrópicos. Transtornos de ansiedade Transtorno obsessivo-compulsivo. A fluvoxamina, a paroxetina, a sertralina e a fluoxetina são indicadas para o tratamento de TOC em pessoas acima de 18 anos. As duas últimas também foram aprovadas para o tratamento de TOC pediátrico (idades entre 6 e 17). Cerca de 50% das pessoas com essa condição começam a exibir sintomas na infância ou na adolescência, e mais da metade responde de forma favorável à medicação. As respostas benéficas podem ser muito significativas. Dados de longo
1168
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
prazo apóiam o modelo de TOC como uma condição determinada geneticamente, que dura toda a vida, sendo melhor tratada com medicamentos e terapia cognitivo-comportamental, desde o início dos sintomas, na infãncia. Em geral, as doses efetivas de ISRSs para o transtorno são mais elevadas do que as necessárias para se tratar depressão. A fluoxetina é efetiva em doses de 20, 40 e 60 mg por dia, com um gradiente de resposta dose-dependente. A dose de 60 mg é muito mais benéfica do que a dose de 20 mg. Não é tão evidente se a resposta do TOC à sertralina é dose-dependente, com eficácia demonstrada de 50 a 200 mg por dia. A paroxetina é efetiva com 40 e 60 mg; 20 mg não é melhor do que placebo. A resposta pode ser observada nas primeiras semanas de tratamento, mas 15 a 30% das pessoas respondem somente após tratamento prolongado. Sintomas depressivos co-mórbidos respondem melhor aos ISRSs do que à clomipramina, à nortriptilina ou à amitriptilina (Tryptanol). Tiques co-mórbidos, como nos transtornos de tique e no transtorno de Tourette, respondem ao acréscimo de antagonistas dos receptores da dopamina ou de antagonistas dos receptores de serotonina-dopamina, como a risperidona (Risperdal). Em contraste, a clozapina (Leponex) e a buspirona (BuSpar) podem piorá-los. Parece não haver papel para a potencialização com lítio no tratamento do TOC. A combinação de ISRSs com clomipramina pode ser prejudicial, devido ao potencial para cardiotoxicidade. Transtorno de pânico. Os ISRSs são efetivos no tratamento do transtorno de pânico com ou sem agorafobia. Esses agentes atuam com menos rapidez do que o benzodiazepínico alprazolam (Frontal) ou o clonazepam, mas são melhor tolerados na utilização de longo prazo e não causam dependência. O citalopram, a fluvoxamina e a fluoxetina também pode reduzir os ataques de pânico espontâneos ou induzidos. Em vista de a fluoxetina, em princípio, aumentar os sintomas de ansiedade, as pessoas com transtorno de pânico devem começar tomando pequenas doses (5 mg por dia) e aumentá-las aos poucos. Os ISRSs são, de longe, superiores aos benzodiazepínicos no tratamento do transtorno de pânico com depressão co-mórbida. Esses agentes são efetivos para os sintomas de pânico na infância. Se bem-tolerado, o tratamento deve ser continuado por pelo menos um ano. Espera-se benefício adicional e manutenção da remissão até a vida adulta, subseqüentes ao tratamento com medicação por pelo menos um ano. Fobia social. A paroxetina é um agente efetivo no tratamento da fobia social. Ela reduz tanto os sintomas como a incapacidade. Essa taxa de resposta foi comparável à observada com o inibidor da monoaminoxidade (IMAO) fenelzina (Nardil), o tratamentopadrão prévio. Os ISRSs são mais seguros de se utilizar do que os IMAOs ou os benzodiazepínicos, sendo, possivelmente, efetivos para a fobia social. Transtorno de estresse pós-traumático. A farmacoterapia para o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) deve visar a sintomas específicos em três conjuntos: reexperiência, esquiva e hipervigilância. Para o tratamento de longo prazo, os ISRSs parecem ter um espectro mais amplo de efeitos terapêuticos sobre os conjuntos específicos de sintomas do transtorno do que os
antidepressivos tricíclicos e os IMAOs. A potencialização, com benzodiazepínicos, é útil durante a crise aguda. Os ISRSs se associam a melhora marcante tanto nos sintomas intrusivos como nos de esquiva. Outros transtornos de ansiedade. Os ISRSs podem ser efetivos no tratamento de fobias específicas, do transtorno de ansiedade generalizada e do transtorno de ansiedade de separação. Uma avaliação completa, individualizada, é a primeira abordagem, com atenção particular para se identificar condições suscetíveis a tratamento medicamentoso. A psicoterapia cognitivo-comportamental ou outras podem ser acrescentadas para maior eficácia. Bulimia nervosa e outros transtornos da alimentação A fluoxetina é indicada para o tratamento da bulimia, o que é feito melhor no contexto de psicoterapia. Doses de 60 mg por dia são mais efetivas do que 20 mg por dia. Em vários estudos bem-controlados, 60 mg por dia desse agente foram superiores ao placebo ao reduzir os acessos de fome e a indução de vômitos. Alguns especialistas recomendam a realização inicial de terapia cognitivo-comportamental isolada. Se não há resposta em 3 a 6 semanas, a administração de fluoxetina é acrescentada. A duração apropriada desse tratamento e da psicoterapia ainda não foi determinada. A fluvoxamina não foi efetiva em um nível estatístico significativo em um ensaio duplo-cego, controlado por placebo, para pacientes hospitalizados com bulimia. Anorexia nervosa. A fluoxetina tem sido utilizada no tratamento de pacientes hospitalizados com anorexia nervosa, para tentar controlar transtornos do humor co-mórbidos e sintomas obsessivo-compulsivos. Contudo, pelo menos dois estudos cuidadosos, um de sete meses e um de 24 meses, não verificaram que este medicamento afeta a evolução geral e a manutenção do peso. Tratamentos efetivos para a anorexia incluem terapia cognitivo-comportamental, interpessoal, psicodinâmica e familiar, além da tentativa com ISRSs. Obesidade. A fluoxetina, em combinação com um programa comportamental, tem apenas um benefício modesto para a perda de peso. Uma porcentagem significativa de todas as pessoas que tomam ISRSs, inclusive a fluoxetina, perdem peso no início, mas logo podem aumentar de peso. No entanto, todos os ISRSs podem causar um aumento de peso inicial. DEXFENFLURAMINA. Em 1997, o agente liberador da serotonina dexfenfluramina (Redux) foi retirado do mercado porque causava defeitos nas válvulas cardíacas. Isso levantou preocupações sobre as conseqüências de longo prazo da utilização dos ISRSs. De forma mais específica, já que tanto a dexfenfluramina como os ISRSs aumentam a atividade da serotonina de alguma forma, estes últimos poderiam causar os mesmos defeitos nas válvulas cardíacas, hipertensão pulmonar primária e perda de fibras serotonérgicas identificados com o uso da dexfenfluramina? Toda a evidência disponível indica que os ISRSs não causam as mesmas conseqüências adversas da dexfenfluramina. Esta produz uma liberação massiva de serotonina por todo o organismo, em particular
TERAPIAS
nos terminais nervosos, muito além do necessário para a neurotransmissão. Acredita-se que a concentração plasmática elevada resultante da serotonina contribua para o dano cardíaco e pulmonar. Em contraste, os ISRSs prolongam a atividade da serotonina liberada na fenda sináptica, no curso da neurotransmissão normal. Eles não danificam as fibras serotonérgicas, nem aumentam as concentrações plasmáticas da serotonina. Clinicamente, os agentes dessa classe têm sido administrados a dezenas de milhões de pessoas em todo o mundo e são objeto de intensa avaliação. Não foram associados a aumento do risco de lesão das válvulas cardíacas ou a hipertensão pulmonar.
Transtorno disfórico pré-menstrual O transtorno disfórico pré-menstrual é caracterizado por modificações debilitantes do humor e do comportamento na semana precedente à menstruação, as quais interferem no desempenho normal. Relatou-se que a sertralina, a paroxetina, a fluoxetina e a fluvoxamina reduzem os sintomas desse transtorno. Ensaios controlados com a fluoxetina e a sertralina, administrados tanto por todo o ciclo como apenas durante a fase lútea (o período de duas semanas entre a ovulação e a menstruação) mostrou que ambos os esquemas são igualmente eficazes. Uma observação adicional de significado obscuro foi que a fluoxetina se associou a mudança na duração do período menstrual por mais de quatro dias, tanto aumentando como reduzindo. Os efeitos dos ISRSs sobre a duração do ciclo menstrual são, na maior parte, desconhecidos e podem necessitar de uma monitoração cuidadosa em mulheres em idade reprodutiva. Ejaculação precoce Os efeitos antiorgásmicos dos ISRSs tornam-nos úteis para o tratamento de homens com ejaculação precoce. Relatou-se que estes agentes permitem a relação sexual por um período bem mais longo e melhoram a satisfação sexual em casais em que o homem tenha ejaculação precoce. A fluoxetina e a sertralina têm se mostrado eficazes para esse objetivo.
BIOLÓGICAS
1169
Em adultos, relatou-se que esses medicamentos e antidepressivos são igualmente eficazes. Transtorno autista O comportamento obsessivo-compulsivo, o mau relacionamento social e a agressão são aspectos autísticos proeminentes que respondem a agentes serotonérgicos como os ISRSs e a clomipramina. A sertralina e a fluvoxamina demonstraram, em ensaios controlados e com rótulo aberto, reduzir a agressividade, o comportamento de auto-agressão, comportamentos repetitivos, algum grau de atraso da linguagem e (raramente) falta de relacionamento social em adultos com transtornos do espectro autístico. Esses agentes foram, em geral, bem-tolerados. Em contraste, um ensaio controlado com a fluvoxamina em crianças autistas verificou que esta foi menos bem-tolerada. Constatou-se que a fluoxetina é eficaz para tratar aspectos do autismo em crianças, adolescentes e adultos. Síndromes de dor crônica Dor neuropática. A dor resultante de lesão nervosa, em geral descrita como formigamento, dormência ou dor tipo queimadura, por vezes responde aos ISRSs e a outros antidepressivos. Em contraste, os antiinflamatórios não-esteróides e os opióides têm pouco efeito sobre a dor neuropática. As causas mais comuns desta são diabete, traumatismos, herpes zoster e compressão crônica de nervos. Fibromialgia. Síndromes de dor em que as queixas e o sofrimento parecem excessivos para a quantidade de lesão tecidual demonstrável são muito associadas a transtornos afetivos co-mórbidos. Relatou-se que os ISRSs e os antidepressivos mais antigos reduzem as queixas subjetivas da dor crônica.
Os ISRSs reduzem o comportamento obsessivo-compulsivo em pessoas com parafilias. Eles diminuem a atividade sexual total não-convencional e a média de tempo por dia despendido em fantasias, desejos e atividades sexuais não-convencionais. A evidência sugere uma resposta maior das obsessões sexuais do que das parafilias. Os dados sustentam a hipótese de que as parafilias e transtornos afins estão relacionados à impulsividade, não à compulsão, do espectro obsessivo-compulsivo.
Cefaléia. Os medicamentos tricíclicos há muito tempo têm sido utilizados para se reduzir a freqüência e a intensidade tanto das cefaléias tipo enxaqueca como das tipo não-enxaqueca. Nos últimos tempos, estudos demonstraram que os ISRSs são igualmente eficazes, com um perfil mais favorável de efeitos adversos. Além disso, pessoas com cefaléia crônica ou recorrente têm alta incidência de depressão co-mórbida e podem necessitar de tratamento com antidepressivos específicos para tratar a depressão. A utilização concomitante de ISRSs e medicamentos da classe dos triptanos (sumatriptano [Sumax], naratriptano [Naramig], rizatriptano [Maxalt] e zolmitripano [Zomig]) pode (em casos raros) levar ao desenvolvimento de uma síndrome reversível da serotonina (ver “Precauções e reações adversas”). Contudo, muitas pessoas utilizam os triptanos enquanto tomam uma dose baixa de ISRSs para a profilaxia da cefaléia sem reações adversas.
Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade
Condições psicossomáticas
Os simpatomiméticos são os agentes de primeira linha para o TDAH em crianças, seguidos pela bupropiona e pelos ISRSs.
O humor e a predisposição para o pânico regulam o sistema nervoso autônomo e podem desencadear eventos somáticos paroxís-
Parafilias
1170
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
ticos. Os ISRSs modulam a incidência de sintomas psicogênicos. Alguns pacientes com síndrome de fadiga crônica têm se beneficiado com a utilização de longo prazo desses agentes, em particular da fluoxetina. Síncope. O tônus vagal excessivo pode causar bradicardia, hipotensão e síncope. Essa seqüência é denominada síncope neurocardiogênica. As causas clínicas dessa condição a serem excluídas são desidratação aguda, ingestão excessiva de cafeína, tratamento agressivo demais da hipertensão, parkinsonismo e transtornos neurodegenerativos a ele relacionados, além de ingestão inadequada de líquidos e sal. Relatou-se que a sertralina reduz o risco de síncope idiopática ou neurocardiogênica em algumas pessoas. Outros ISRSs também são eficazes para tratar sintomas neurocardiogênicos como tonturas. Condições respiratórias. A utilização de psicotrópicos para distúrbios pulmonares em pessoas sem doença psiquiátrica tem recebido pouca atenção. A reatividade das vias aéreas está estritamente modulada pelo medo e pelo pânico em indivíduos com asma ou doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). Cerca de um quarto das pessoas com esta última também satisfazem os critérios para transtorno de pânico. O aumento da sensibilidade ao dióxido de carbono (CO2) e a dispnéia são aspectos centrais tanto dos ataques de pânico como da DPOC. Pessoas afetadas por vezes necessitam utilizar esteróides e broncodilatatores todos os dias, o que pode resultar em graves efeitos adversos. Em uma série pequena de casos de pessoas com DPOC, relatou-se que a utilização da sertralina reduziu de forma significativa a falta de ar subjetiva associada após 3 a 4 semanas de tratamento, mesmo entre aquelas que não satisfizeram os critérios para uma doença psiquiátrica diagnosticável. Os ISRSs são muito melhor tolerados do que os esteróides ou os broncodilatadores. Em contraste com os resultados com os ISRSs, os resultados foram mistos ou contraditórios com a buspirona e os medicamentos tricíclicos em pessoas com doença obstrutiva das vias aéreas.
primeiras 3 a 6 semanas de tratamento e, a seguir, aumentam-na de forma gradativa uma vez que o benefício terapêutico seja observado. Em vista da meia-vida longa dos ISRSs, em especial da fluoxetina, e do tempo ainda maior que possa levar para o benefício pleno de uma dose em particular ser apreciado, devem ser evitados aumentos rápidos na administração. Por exemplo, uma dose mais baixa pode atingir cerca de 90% do benefício de uma maior se houver tempo suficiente para tanto. Por outro lado, efeitos adversos dependentes da dose são muito mais previsíveis, e o aumento demasiado rápido pode provocar uma resposta adversa em pessoas sensíveis. Disfunção sexual A inibição sexual é o efeito adverso mais comum dos ISRSs, com uma incidência entre 50 e 80%. Todos os agentes parecem ter a mesma probabilidade de causar disfunção sexual. As queixas mais comuns são inibição do orgasmo e redução da libido, as quais são dependentes da dose. Diferentemente dos outros efeitos adversos dos ISRSs, a inibição sexual não se resolve após as primeiras semanas de utilização, mas tende a continuar enquanto o medicamento é administrado. O tratamento desta condição inclui redução da dose, mudança para a bupropiona ou a nefazodona (Serzone), que causam muito menos disfunção sexual, acréscimo de bupropiona, bem como adição de ioimbina (Yomax), ciproeptadina (Periatix) ou agonistas dos receptores de dopamina. A combinação de um ISRS com a bupropiona é particularmente efetiva tanto pelo efeito antidepressivo como pela redução da inibição sexual. Relatos recentes descreveram o tratamento bem-sucedido da disfunção sexual induzida pelos ISRSs com sildenafil (Viagra). Não é tão óbvio por que o sildenafil, que atua na fase de excitação do ciclo sexual, se contraporia à inibição da fase do orgasmo. É possível que o reforço positivo da excitação sexual decorrente do sildenafil permita um estado mental mais propício ao orgasmo. Relatou-se que a anfetamina (5 mg) também reverte a anorgasmia.
PRECAUÇÕES E REAÇÕES ADVERSAS Efeitos adversos gastrintestinais Três quartos das pessoas não experimentam efeitos colaterais com as doses baixas iniciais dos ISRSs, as quais podem ser aumentadas de forma relativamente rápida (i.e., na ordem de um aumento a cada 1 a 2 semanas) neste grupo. No um quarto remanescente dos pacientes, a maior parte dos efeitos adversos aparecem em 1 a 2 semanas e, em geral, diminuem ou se resolvem de forma espontânea se os medicamentos são mantidos na mesma dose. Contudo, 10 a 15% dos pacientes não serão capazes de tolerar um ISRS em particular, mesmo em doses baixas, podendo parar de tomá-lo após umas poucas doses. Uma abordagem para esses indivíduos é fracionar a dose por uma semana, com administração a cada 2, 3 ou 4 dias. Algumas pessoas podem tolerar um ISRS diferente ou outra classe de antidepressivos, como um tricíclico ou um dos outros novos agentes. Algumas pessoas parecem incapazes de tolerar mesmo doses mínimas de qualquer antidepressivo. Em vista da possibilidade de que os efeitos adversos possam reduzir a adesão, alguns clínicos administram uma dose baixa nas
A sertralina, a fluvoxamina e o citalopram têm as taxas mais elevadas de efeitos adversos gastrintestinais, os quais também podem ser causados pela fluoxetina e pela paroxetina. As queixas gastrintestinais mais comuns são náusea, diarréia, anorexia, vômitos e dispepsia. Os dados indicam que as náuseas e as fezes diarréicas são relacionadas à dose e transitórias, resolvendo-se, em geral, dentro de poucas semanas. A anorexia é mais comum com a fluoxetina, mas algumas pessoas têm aumento de peso enquanto a tomam. A perda de apetite e de peso induzida por este agente começa logo que o medicamento é tomado e atinge o pico em 20 semanas, após o que o peso, por vezes, retorna à linha de base. Aumento de peso. Embora a maioria dos pacientes de início perca peso, até um terço dos que tomam os ISRSs aumentarão de peso, algumas vezes mais de 9 kg. A paroxetina tem atividade anticolinérgica e é o ISRS mais associado a esse efeito. Em alguns
TERAPIAS
casos, o aumento de peso resulta do uso do medicamento por si só ou do aumento do apetite associado à melhora do humor. Cefaléias A incidência de cefaléia nos ensaios com ISRSs foi de 18 a 20%, apenas um ponto percentual mais alto do que a taxa com placebo. A fluoxetina é a que tem mais probabilidade de causar a condição. Apesar disso, os ISRSs são uma profilaxia efetiva tanto contra a cefaléia tipo enxaqueca como contra a tipo tensão.
BIOLÓGICAS
1171
Sintomas extrapiramidais. É observado tremor em 5 a 10% das pessoas que tomam ISRSs, uma freqüência 2 a 4 vezes maior do que a observada com placebo. Apenas em casos raros esses medicamentos podem causar acatisia, distonia, tremor, rigidez tipo roda dentada, torcicolo, opistótono, transtornos da marcha e bradicinesia. Foram relatados casos raros de discinesia tardia. As pessoas com doença de Parkinson bem-controlada podem experimentar piora aguda de seus sintomas motores quando tomam esses agentes. É mais clara a relação dos efeitos adversos extrapiramidais ao uso da fluoxetina, em particular em doses que excedam 40 mg por dia, mas podem ocorrer em qualquer época durante o curso do tratamento. Também foi relatado bruxismo, que responde a baixas doses de buspirona.
Efeitos adversos no sistema nervoso central Ansiedade. A fluoxetina é o medicamento dessa classe que tem mais probabilidade de causar ansiedade, em especial nas primeiras semanas; contudo, esses efeitos iniciais, em geral, cedem lugar a uma redução geral da ansiedade após poucas semanas. O aumento da ansiedade é causado com muito menos freqüência pelos outros ISRSs, que podem ser uma escolha melhor se é desejável sedação, como nos transtornos mistos de ansiedade e depressão. Insônia e sedação. O principal efeito que os ISRSs exercem na área da insônia e da sedação é a melhora do sono, resultado do tratamento da ansiedade e da depressão. Contudo, até um quarto das pessoas que tomam ISRSs observa tanto dificuldades do sono como sonolência excessiva. A fluoxetina é a mais provável de causar insônia, razão pela qual deve ser tomada pela manhã. A sertralina e a fluvoxamina têm igual probabilidade de causar tanto insônia como sonolência, e o citalopram e, de forma mais específica, a paroxetina têm maior probabilidade de causar sonolência do que insônia. Com esses últimos agentes, as pessoas costumam relatar que tomar a dose antes de se deitar auxilia a dormir melhor, sem sonolência residual diurna. A insônia induzidas pelos ISRSs pode ser melhor tratada com benzodiazepínicos, com a trazodona (Donaren) (os clínicos precisam explicar o risco de priapismo) ou com outros medicamentos sedativos. Sonolência significativa induzida por agentes dessa classe por vezes necessita da mudança para outro ISRS ou para bupropiona. Sonhos vívidos e pesadelos. Uma minoria de pessoas que tomam os ISRSs relata recordar sonhos extremamente vívidos ou pesadelos. O indivíduo que experimenta esses sonhos pode obter o mesmo benefício terapêutico sem as imagens perturbadores ao mudar para outro agente da mesma classe. Esse efeito adverso tende a se resolver de forma espontânea em várias semanas. Convulsões. Convulsões foram relatadas em 0,1 a 0,2% dos pacientes tratados com ISRSs, uma incidência comparável com a relatada com outros antidepressivos e não muito diferente daquela associada a placebo. As convulsões são mais freqüentes nas doses mais altas de ISRSs (p. ex., 100 mg de fluoxetina por dia ou mais).
Efeitos anticolinérgicos A paroxetina tem atividade anticolinérgica leve que causa boca seca, obstipação e sedação de forma dose-dependente. Contudo, sua atividade é talvez apenas um quinto da nortriptilina, e a maioria das pessoas que tomam a paroxetina não experimenta efeitos adversos anticolinérgicos. Ainda que não considerados como passíveis de desenvolver atividade anticolinérgica, os demais ISRSs se associam a boca seca em 15 a 30% dos pacientes. Efeitos adversos hematológicos Os ISRSs afetam a função das plaquetas e podem aumentar a tendência a hematomas. A paroxetina e a fluoxetina se associam (em casos raros) ao desenvolvimento de neutropenia reversível, particularmente se administradas junto com a clozapina. Distúrbios eletrolíticos e da glicose Os ISRSs se associam (raramente) com a redução das concentrações da glicose; por isso, pacientes diabéticos devem ser monitorados com cuidado. Casos raros de hiponatremia e de secreção inapropriada do hormônio antidiurético (SIADH) relacionados aos ISRSs foram observados em pacientes tratados com diuréticos que também estavam privados de água. Reações endócrinas e alérgicas Os ISRSs podem aumentar os níveis da prolactina e causar mamoplasia e galactorréia tanto em homens como em mulheres. As mudanças nas mamas são reversíveis com a interrupção do medicamento, mas isso pode levar vários meses para ocorrer. Vários tipos de exantemas aparecem em cerca de 4% de todos os pacientes; em um pequeno subconjunto destes, a reação alérgica pode se generalizar e envolver o sistema pulmonar, levando, em casos raros, a lesão fibrótica e dispnéia. O tratamento com ISRSs pode ter de ser interrompido entre aqueles com exantemas relacionados aos medicamentos.
1172
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Galactorréia TABELA 36.4.26-3 Síndrome serotonérgica
Os ISRSs podem causar galactorréia reversível, talvez pela interferência na regulação da secreção da prolactina. Síndrome serotonérgica
Diarréia Sudorese Tremor Ataxia Mioclonias Reflexos hiperativos Desorientação Calafrios incontroláveis Rigidez Hipertermia Delirium Coma Estado epiléptico Colapso cardiovascular Morte
A administração concomitante de um ISRS com um IMAO, com o L-triptofano ou lítio, pode levar as concentrações plasmáticas da serotonina a níves tóxicos, produzindo uma constelação de sintomas denominada síndrome serotonérgica (Tab. 36.4.26-3). Esta síndrome, grave e possivelmente fatal, de estimulação excessiva da serotonina compreende, em ordem de aparecimento, à medida que a condição piora: (1) diarréia; (2) inquietação; (3) agitação extrema, hiper-reflexia e instabilidade autonômica com flutuações rápidas dos sinais vitais; (4) mioclonias, convulsões, hipertermia, calafrios incontroláveis e rigidez; e (5) delirium, coma, estado epiléptico, colapso cardiovascular e morte. O tratamento da condição consiste em remover os agentes provocadores e instituir assistência da apoio global, com nitroglicerina, ciproeptadina, metissergida (Deserila), bolsas de água fria, clorpromazina (Amplictil), dantrolene (Dantrium), benzodiazepínicos, anticonvulsivantes, ventilação mecânica e agentes paralisantes.
in vitro das enzimas CYP (Tab. 36.1-2), mas interações clinicamente relevantes são raras (Tab. 36.4.26-4). A combinação de lítio com qualquer medicamento serotonérgico deve ser utilizada com cuidado, por causa de possibilidade de precipitação de convulsões. Os ISRSs, em especial a fluvoxamina, não devem ser utilizados com a clozapina, porque aumentam as concentrações desta, causando convulsões. Os ISRSs podem aumentar a duração e a gravidade de alucinações induzidas pelo zolpidem (Stilnox).
Síndrome de retirada de ISRSs
Fluoxetina
A interrupção abrupta da utilização dos ISRSs, em especial daqueles com meia-vida curta, como a paroxetina ou a fluvoxamina, associa-se a uma síndrome de retirada que pode incluir tonturas, fraqueza, náuseas, cefaléia, depressão de rebote, ansiedade, insônia, falta de concentração, sintomas respiratórios significativos, parestesias e sintomas tipo enxaqueca. Ela não costuma aparecer até depois de, no mínimo, seis semanas de tratamento e, em geral, resolve-se de forma espontânea em três semanas. As pessoas que experimentaram efeitos adversos transitórios nas primeiras semanas tomando esses agentes são as que têm mais probabilidade de experimentar os sintomas de retirada. A fluoxetina é o ISRS menos provável de se associar a essa condição, em vista da meia-vida de seu metabólito ser de mais de uma semana, o que faz com que se reduza por si só de forma gradual. Por isso, ela tem sido utilizada em alguns casos para o tratamento da síndrome de retirada causada pela interrupção de outros ISRSs.
A fluoxetina pode ser administrada com medicamentos tricíclicos, mas o clínico deve utilizar doses baixas destes. Pelo fato de ser metabolizada pela CYP 2D6, pode interferir no metabolismo do outro medicamento em 7% da população que tem uma isoforma ineficaz dessa enzima, denominada má metabolizadora. A fluoxetina pode lentificar o metabolismo da carbamazepina (Tegretol), de agentes antineoplásicos, do diazepam (Valium) e da fenitoína (Epelin). Foram descritas possíveis interações significativas da fluoxetina com benzodiazepínicos, antipsicóticos e lítio. A fluoxetina não tem interações com o warfarin (Marevan), a tolbutamida (Orinase) ou a clorotiazida (Diuril).
INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS Os ISRSs não interferem na maioria dos outros medicamentos. Uma síndrome serotonérgica (Tab. 36.4.26-3) pode se desenvolver com a administração concomitante de IMAOs, triptofano, lítio ou outros antidepressivos que inibem a recaptação de serotonina. A fluoxetina, a sertralina e a paroxetina são capazes de aumentar as concentrações plasmáticas de antidepressivos tricíclicos, levando a possível toxicidade clínica. Descreveu-se uma série de interações farmacocinéticas potenciais, com base em análises
Sertralina A sertralina pode deslocar o warfarin das proteínas do plasma e aumentar o tempo de protrombina. Dados sobre interações medicamentosas sustentam um perfil bastante semelhante ao da fluoxetina, embora a sertralina não interaja de forma tão acentuada com a enzima CYP 2D6. Paroxetina A paroxetina apresenta um risco mais alto de interação medicamentosa do que a fluoxetina ou do que a sertralina porque é um inibidor mais potente da enzima CYP 2D6. A cimetidina (Tagamet) pode aumentar a concentração da sertralina e da paroxetina, e o fenobabi-
TERAPIAS
BIOLÓGICAS
1173
TABELA 36.4.26-4 Interações medicamentosas com os ISRSs fluoxetina, fluvoxamina, paroxetina e sertralina ISRS
Outros medicamentos
Efeito
Importância clínica
Fluoxetina
Desipramina Carbamazepina Diazepam Haloperidol Warfarin Tolbutamida Antipirina Propranolol Tricíclicos Warfarin Atenolol Digoxina Fenitoína Prociclidina Cimetidina Antipirina Digoxina Propranolol Tranilcipromina Warfarin Antipirina Diazepam Tolbutamida Digoxina Lítio Desipramina Atenolol Cimetidina Digoxina Lítio
Inibe o metabolismo Inibe o metabolismo Inibe o metabolismo Inibe o metabolismo Sem interação Sem interação Inibe o metabolismo Inibe o metabolismo Inibe o metabolismo Inibe o metabolismo Sem interação Sem interação AUC aumenta em 12% AUC aumenta em 39% A AUC da paroxetina aumenta em 50% Sem interação Sem interação Sem interação Sem interação Sem interação Aumento da depuração Redução de 13% na depuração Redução de 16% na depuração Sem interação Sem interação farmacológica Sem interação Sem interação farmacodinâmica Aumento na depuração Sem interação Sem interação
Possível Possível Não é importante Possível – – Não é importante Improvável Improvável Possível – – Possível Possível Possível – – – Cuidado com o tratamento concomitante
Fluvoxamina
Paroxetina
Sertralina
Citalopram
Não é importante Não é importante Não é importante Cuidado com o tratamento combinado – – – – –
De Warrington SJ. Clinical implications of the pharmacology of serotonin reuptake inhibitors. Int J Clin Psychopharmacol. 1962, 7(suppl 2):13, com permissão.
tal (Gardenal) e a fenitoína podem reduzir a concentração da paroxetina. Em vista do potencial para interferência na enzima CYP 2D6, a co-administração deste agente em particular com outros antidepressivos, fenotiazinas e medicamentos antiarrítmicos deve ser realizada com cuidado. A paroxetina pode aumentar o efeito anticoagulante do warfarin. A co-administração com o tramadol (Tramal) pode precipitar uma síndrome da serotonina em idosos. Fluvoxamina Entre os ISRSs, a fluvoxamina parece apresentar o maior risco para interações medicamentosas. Ela é metabolizda pela enzima CYP 3A4, que pode ser inibida pelo cetoconazol (Nizoral). A administração de terfenadina (Teldane) (não mais fabricada), em pacientes nos quais a enzima CYP 3A4 é inibida pode produzir cardiotoxicidade, que foi fatal em vários casos. Pode aumentar a meia-vida do alprazolam, do triazolam (Halcion) e do diazepam, e não deve ser co-adminsitrada com os mesmos. Além disso, pode aumentar três vezes os níveis da teofilina (Teolong) e duas vezes os do warfarin, com conseqüências clínicas importantes. Assim, os níveis séricos destes últimos devem ser monitorados de perto, e as doses ajustadas de acordo. A fluvoxamina aumenta as concentrações e pode potencializar a atividade da clozapina, da carbamazepina, da metadona (Metadon), do propranolol (Inderal) e do diltiazem (Cardizem). Ela não tem interações significativas com o lorazepam (Lorax) ou a digoxina (Lanoxin).
Citalopram O citalopram não é um inibidor potente de qualquer das enzimas CYP. A administração concomitante com a cimetidina aumenta as concentrações do citalopram em cerca de 40%. Ele não afeta nem é afetado de forma significativa em seu metabolismo pela digoxina, pelo lítio, pelo warfarin, pela carbamazepina ou pela imipramina (Tofranil). O citalopram aumenta duas vezes as concentrações plasmáticas do metoprolol (Lopressor), mas isso, em geral, não tem efeito sobre a pressão arterial ou a freqüência cardíaca. Dados de coadministração do citalopram com inibidores potentes da CYP 3A4 ou da CYP 2D6 não estão disponíveis. INTERFERÊNCIAS LABORATORIAIS Os ISRSs não interferem em quaisquer testes laboratoriais. DOSAGEM E DIRETRIZES CLÍNICAS Fluoxetina A fluoxetina se encontra disponível em cápsulas de 10 e 20 mg, em comprimidos sulcados de 10 mg e em forma líquida (20 mg/5 mL). Há também cápsulas de 90 mg de ação prolongada utilizado para administrações uma vez por semana,
1174
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
que libera o equivalente de uma dose diária de 20 mg. Para a depressão, a dose inicial costuma ser de 10 a 20 mg por via oral a cada dia, em geral administrada pela manhã, porque insônia é um efeito adverso potencial do medicamento. Ela deve ser tomada com alimentos para levar ao mínimo a possibilidade de náusea. Suas longas meias-vidas, inclusive do metabólito, contribuem para um período de quatro semanas para se conseguir concentrações em níveis estáveis. Como com todos os antidepressivos disponíveis, os efeitos da fluoxetina podem ser observados nas primeiras semanas, mas o clínico deve esperar até que o paciente esteja tomando o medicamento por 4 a 6 semanas antes de avaliar de forma definitiva sua atividade antidepressiva. Vários estudos indicam que 20 mg são tão efetivos quanto doses maiores para o tratamento da depressão. A dose máxima recomendada pelo fabricante é de 80 mg por dia, e quantias mais altas podem causar convulsões. Uma estratégia razoável é manter o paciente com 20 mg por dia, por três semanas. Se não mostrar sinais de melhora clínica nesse período, um aumento para 40 mg é indicado, embora pelo menos um estudo tenha verificado que o uso continuado de 20 mg por dia é tão efetivo quanto aumentar a dose. Para se levar ao mínimo os efeitos colaterais de ansiedade e inquietação, alguns clínicos iniciam a utilização da fluoxetina com 5 a 10 mg por dia, ou comprimidos sulcados de 10 mg ou a preparação líquida. Como alternativa, em vista de sua longa meiavida, sua utilização pode ser iniciada com um esquema de administração em dias alternados. Deve-se passar pelo menos duas semanas entre a interrupção da utilização de um IMAO e a administração da fluoxetina. Sua utilização deve ser interrompida pelo menos cinco semanas antes do início do tratamento com IMAOs. A dose da fluoxetina efetiva em outras indicações difere dos 20 mg por dia que costumam ser empregados para a depressão. Relatou-se que uma dose de 60 mg por dia é mais efetiva para o tratamento do transtorno obsessivo-compulsivo, da obesidade e da bulimia nervosa. Sertralina A sertralina se encontra disponível em comprimidos sulcados de 25, 50, 75 e 100 mg. Para o tratamento inicial da depressão, deve ser iniciada com a dose de 50 mg uma vez ao dia. Para limitar os efeitos gastrintestinais, alguns clínicos começam o tratamento utilizando 25 mg por dia e aumentam para 50 mg por dia após três semanas. Os pacientes que não respondem após 1 a 3 semanas podem se beneficiar de aumentos de dose de 50 mg a cada semana, até um máximo de 200 mg, administrados uma vez ao dia. A sertralina em geral é administrada à noite, porque apresenta uma modesta probabilidade de causar mais sedação do que insônia. Contudo, a administração após as refeições pode reduzir os efeitos adversos gastrintestinais. As diretrizes relativas à lógica dos aumentos de dose desta são similares às da fluoxetina. Vários estudos sugerem que manter uma dose de 50 mg por dia por várias semanas pode ser tão benéfico quanto aumentar a dose de forma rápida. A despeito disso, vários clínicos mantêm seus pacientes em doses de 100 a 200 mg por dia.
Paroxetina A paroxetina se encontra disponível em comprimidos sulcados de 20 mg, em comprimidos não-sulcados de 10, 30 e 40 mg e em suspensão oral com sabor laranja de 10 mg/5 mL. Apresenta-se ainda em preparação de liberação controlada (CR) em doses de 12,4 e 25 mg. Sua utilização para o tratamento da depressão costuma ser iniciada na dose de 10 a 20 mg por dia. O aumento deve ser considerado quando uma resposta adequada não é observada em 1 a 3 semanas. A preparação CR também é tomada uma vez ao dia. Nesse ponto, o clínico pode começar a escalada gradativa, com aumentos de 10 mg em intervalos semanais, até o máximo de 50 mg por dia. Doses de 60, 70 e 80 mg por dia têm sido toleradas por certos indivíduos, mas não foram estudadas em ensaios controlados. Pessoas que experimentam mal-estar gastrintestinais podem se beneficiar ao tomar o medicamento com as refeições. A paroxetina deve ser tomada, em princípio, como dose única à noite; doses maiores devem ser divididas em duas administrações por dia. Os pacientes com características melancólicas podem necessitar de doses acima de 20 mg por dia. A faixa sugerida de dosagem terapêutica para idosos é de 10 a 20 mg por dia, já que se verificou que estes têm concentrações plasmáticas médias mais elevadas do que adultos jovens. A paroxetina é o ISRS com maior probabilidade de produzir uma síndrome de retirada, porque as concentrações plasmáticas caem muito rápido na ausência de doses continuadas. Para limitar o desenvolvimento de sintomas de retirada, o medicamento deve ser reduzido aos poucos, com reduções de 10 mg por dia, a cada semana, até que a dose diária esteja em 10 mg, ponto em que sua utilização pode ser retirada tanto de forma imediata como após reduções adicionais de 5 mg por dia. Fluvoxamina A fluvoxamina se encontra disponível em comprimidos nãosulcados de 25 mg e em comprimidos sulcados de 100 mg. Sua dose diária efetiva varia de 50 a 300 mg por dia. Uma dose habitual de início é de 50 mg uma vez ao dia, ao deitar, pelas primeiras semanas, após ser ajustada de acordo com os efeitos adversos ou a resposta clínica. Doses acima de 100 mg por dia podem ser divididas em administrações duas vezes ao dia. Redução temporária da dose ou aumento gradativo pode ser necessário caso se desenvolvam náuseas nas primeiras duas semanas de tratamento. A fluvoxamina também pode ser administrada em dose única à noite para levar ao mínimo seus efeitos adversos. Os comprimidos devem ser ingeridos com as refeições, mas sem serem mastigados. A fluvoxamina tem uma probabilidade relativa de causar síndrome de retirada. Citalopram O citalopram está disponível em comprimidos de 20 e 40 mg. A dose habitual de início é de 20 mg por dia na primeira semana, após o que é aumentada para 40 mg por dia. Algumas pessoas
TERAPIAS
podem necessitar de 60 mg por dia, mas não há ensaios controlados apoiando essa dose. Para idosos ou pessoas com comprometimento hepático, são recomendados 20 mg por dia, com aumentos de 40 mg por dia somente se não houver resposta a essa dose. Os comprimidos devem ser tomados uma vez ao dia, de manhã ou à noite, com ou sem os alimentos. Perda de eficácia Alguns pacientes relatam uma resposta diminuída aos ISRSs, com a recorrência dos sintomas depressivos após certo período (p. ex., 4 a 6 semanas). O mecanismo exato é desconhecido; contudo, dados de um ensaio aberto sugerem que pessoas com depressão moderada ou grave que respondem logo à utilização da fluoxetina têm menos probabilidade de experimentar recorrência da depressão enquanto estiverem tomando esse agente, ao passo que um terço daquelas com depressão mais leve cuja resposta inicial à fluoxetina foi mais lenta e menos significativa experimentou recorrência da condição dentro de três meses. Reações potenciais à atenuação da resposta aos ISRSs incluem aumentar ou diminuir a dose, reduzir de forma gradual a utilização do medicamento e, a seguir, tentar de novo com o mesmo agente, mudar para outro antidepressivo ISRS ou não-ISRS e potencializar com bupropiona, simpatomiméticos, buspirona, lítio, anticonvulsivantes, naltrexona (ReVia) ou outro antidepressivo não-ISRS. A mudança na resposta a um inibidor deve ser explorada em psicoterapia, a qual pode revelar os conflitos subjacentes, causando aumento dos sintomas. Escitalopram O escitalopram (Lexapro) é um novo antidepressivo ISRS aprovado pela FDA para o tratamento do transtorno depressivo maior. Esse agente também possui um amplo espectro de efeitos ansiolíticos, conforme indicado por sua eficácia em ensaios clínicos sobre transtorno de pânico, transtorno de ansiedade generalizada, transtorno de ansiedade social e pelo fato de aliviar os sintomas de ansiedade associados à depressão. Química. A estrutura molecular do escitalopram é apresentada na seguinte figura:
NC
O
CH3 N CH3
F
BIOLÓGICAS
1175
Ações farmacológicas. A cinética do escitalopram em humanos é caracterizada por absorção rápida, com um tempo médio até o pico das concentrações séricas (Tmáx) de quatro horas, seguindo-se à administração de doses isoladas ou múltiplas. Os níveis de concentrações estáveis são atingidos em 10 dias de doses. Em humanos, o agente inalterado é o composto predominante no plasma. O S-demetilcitalopram (S-DCT) é o principal metabólito. Estudos in vitro demonstraram que este é um inibidor fraco da recaptação de serotonina e, assim, não contribui para sua eficácia clínica. A farmocinética do escitalopram e do S-DCT é linear e proporcional à dose dentro da faixa terapêutica. A porcentagem de escitalopram ligado às proteínas do plasma está na faixa de 50 a 59%. Sua meia-vida final é de cerca de 27 a 32 horas, consistente com a dose única diária. Seu mecanismo de ação antidepressiva, o S(+) enanciômero do citalopram racêmico, presume-se, está ligado à potencialização da atividade serotonérgica no sistema nervoso central, resultado da inibição da recaptação neuronal de serotonina (5-HT). O escitalopram é o mais seletivo ISRS, com efeitos mínimos sobre a captação neuronal de norepinefrina e de dopamina. Ele é, no mínimo, 100 vezes mais potente do que o R-enanciômero, com relação à inibição da recaptação de 5-HT e à inibição da taxa de disparos dos neurônios 5-HT. Possui afinidade muito baixa ou nenhuma pelos receptores serotonérgicos 5-HT1-7 ou outros, incluindo os receptores α e β-adrenérgicos, além dos de dopamina (D1-5), de histamina (H1-3), muscarínicos (M1-5) e de benzodiazepínicos. Levantou-se a hipótese de que o antagonismo dos receptores muscarínicos, histaminérgicos e adrenérgicos estejam associados a vários efeitos anticolinérgicos, sedativos e cardiovasculares. Indicações terapêuticas. Esperava-se que o escitalopram fosse indicado, em princípio, para o tratamento do transtorno depressivo maior. Contudo, pode-se designá-lo a outras utilizações em psiquiatria. Resultados de ensaios clínicos já demonstraram que ele tem um amplo espectro de atividade ansiolítica. Vários investigadores relataram que o escitalopram alivia de forma efetiva os sintomas de ansiedade associados à depressão maior. Precauções e efeitos adversos. As reações adversas mais comuns são náuseas, insônia, problemas na ejaculação, diarréia e boca seca. Tais condições são típicas do tratamento com ISRSs; contudo, a incidência de eventos individuais se compara, de maneira favorável, aos demais componentes dessa classe; entre os efeitos adversos mais comuns, somente náuseas ocorrem em mais de 10% dos pacientes. A dose de 10 mg por dia tende a ser bem-tolerada. De modo geral, a incidência de acontecimentos adversos, relatada por pacientes tratados com 10 mg por dia, não foi estatisticamente diferente daquela referida pelos tratados com placebo. Ainda mais, em ensaios com doses fixas de oito semanas de duração, a incidência de interrupção por efeitos adversos não foi diferente entre escitalopram 10 mg por dia e placebo. Interações medicamentosas. Estudos de microssomos do fígado humano demonstraram que o escitalopram é um fraco ou insignificante inibidor das enzimas CYP, indicando que, em doses terapêuticas, ele e seus metabólitos não têm probabilidade de causar
1176
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
interações medicamentosas clinicamente significativas. Além disso, o medicamento não se liga de forma muito intensa a proteínas. Como com todos os ISRSs, a utilização concomitante em pacientes que tomam inibidores da monoaminoxidase (IMAOs) é contra-indicada. Dosagem e diretrizes clínicas. A dose recomendada do escitalopram é de 10 mg uma vez por dia para todos os pacientes. Os que não respondem a essa dosagem podem se beneficiar com um aumento para 20 mg. Em um ensaio com dose fixa, houve uma tendência para melhora maior em pacientes com transtorno depressivo grave recebendo 20 mg por dia, comparados com os que receberam 10 mg por dia; neste ensaio, não foram observadas diferenças na melhora entre o grupo que utilizou 10 mg por dia e o que recebeu 40 mg. O mínimo de uma semana de tratamento na dose de 10 mg por dia é recomendado antes do aumento gradativo para 20 mg por dia. O escitalopram deve ser administrado uma vez ao dia, de manhã ou à noite, com ou sem os alimentos. A dose recomendada para a maioria dos idosos e pacientes com comprometimento hepático é de 10 mg por dia, com aumento para 20 mg somente em casos não-responsivos. Nenhum ajuste de dose é necessário para aqueles com comprometimento renal leve ou moderado. Concorda-se, em geral, que episódios agudos de depressão necessitam de vários meses de tratamento farmacológico persistente além da resposta ao episódio agudo. O tratamento de longo prazo, ou em continuação, com escitalopram se demonstrou efetivo para prevenir recaídas de episódios depressivos. Os pacientes devem ser reavaliados de forma periódica para se determinar a necessidade do tratamento de manutenção e a dose apropriada para tanto. REFERÊNCIAS American College of Neuropsychopharmacology Council. Suicidal behavior and psychotropic medication. Neuropsychopharmacology. 1993;8:177. Baldessarini RJ. Drugs and the treatment of psychiatric disorders: depression and anxiety disorders. In: Hardman JG, Limbird LE, Goodman Gilman A, eds. Goodman & Gilman’s the Pharmacological Basis of Therapeutics. 10th ed. New York: McGraw-Hill; 2001:447. Black DW, Monahan P, Wesner R. The effect of fluvoxamine, cognitive therapy, and placebo on abnormal personality traits in 44 patients with panic disorder. J Pers Disord. 1996;10:185. Bodkin JA, Lasser RA, Wines JD, Gardner DM, Baldessarini RJ. Combining serotonin reuptake inhibitor and bupropion in partial responders to antidepressant monotherapy. J Clin Psychiatry. 1997;58:137. Bogenschutz MP, Nurnberg HG. Effects of sertraline in the treatment of alcoholism. Am J Addict. 1996;5:91. Burke D, Fanker S. Fluoxetine and the syndrome of inappropriate secretion of antidiuretic hormone (SIADH). Aust N Z J Psychiatry. 1996;30:295. De Wilde J, Spieres R, Mertens C, Bartholome BF, Schotte G, Leyman S. A double-blind, comparative, multicentre study comparing paroxetine with fluoxetine in depressed patients. Acta Psychiatry Scand. 1993;87:141. Den Boer JA, Westenberg HGM. Serotonergic compounds in panic disorder, obsessive compulsive disorder and anxious depression: a concise review. Hum Psychopharmacol. 1995;10(suppl 3):S173. Golden RN, Nicholas LM. Bupropion. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2324. Golding M, Kotlyar M, Garbutt JC, et al. Paroxetine modulates psychological and sympathetic responses during public speaking. J Clin Psychopharmacol. 2002;22:98. Hellings JA, Kelley LA, Gabrielli WF, et al. Sertraline response in adults with mental retardation and autistic disorder. J Clin Psychiatry. 1996;57:333.
Judd FK, Mijch AM, Cockram A. Fluoxetine treatment of depressed patients with HIV infection. Aust N Z J Psychiatry. 1995;29:433. Kelsey JE, Nemeroff CB. Citalopram. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2435. Kelsey JE, Nemeroff CB. Fluoxetine. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2438. Kelsey JE, Nemeroff CB. Fluvoxamine. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2444. Kelsey JE, Nemeroff CB. Paroxetine. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2447. Kelsey JE, Nemeroff CB. Sertraline. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2451. Kosten TR, McCance E. A review of pharmacotherapies for substance abuse. Am J Addict. 1996;5:58. Kroenke K, West SL, Gilsenan A, et al. Similar effectiveness of paroxetine, fluoxetine, and sertraline in primary care: a randomized trial. JAMA. 2001;286:2947. Laird LK, Lydiard RB, Morton WA, et al. Cardiovascular effects of imipramine, fluvoxamine, and placebo in depressed outpatients. J Clin Psychiatry. 1993;54:224. Lejoyeux M. Use of serotonin (5-hydroxytryptamine) reuptake inhibitors in the treatment of alcoholism. Alcohol Alcohol. 1996;31(suppl 1):69. Liebowitz MR, Stein MB, Tancer M, Carpenter D, Oakes R, Pitts CD. A randomized, double-blind, fixed-dose comparison of paroxetine and placebo in treatment of generalized social anxiety disorder. J Clin Psychiatry. 2002;63:66. Meijer WEE, Heerdink ER, Egberts ACG, Leufkens HGM, Waldinger MD. Is sexual dysfunctioning a reason for discontinuation in users of selective serotonin reuptake inhibitors? J Clin Psychopharmacol. 2002;22:96. Patel RM, Grossberg GT. The use of selective serotonin reuptake inhibitors in geriatric depression: a review of the literature. Rev Clin Gerontol. 1995;5:442. Perlis RH, Fava M, Nierenberg AA, et al. Strategies for treatment of SSRI-associated sexual dysfunction: a survey of an academic psychopharmacology practice. Harv Rev Psychiatry. 2002;10:109. Rapaport MH, Endicott J, Clary CM. Posttraumatic stress disorder and quality of life: results across 64 weeks of sertraline treatment. J Clin Psychiatry. 2002;63:59. Reist C, Helmeste D, Albers L, et al. Serotonin indices and impulsivity in normal volunteers. Psychiatry Res. 1996;60:117. Sandor P. Clinical management of Tourette’s syndrome and associated disorders. Can J Psychiatry. 1995;40:577. Schatzberg AF. Fluoxetine in the treatment of comorbid anxiety and depression. J Clin Psychiatry. 1995;13:2. Sonawalla SB. Citalopran in the maintenance treatment of major depressive disorder. J Clin Psychiatry. 2001;62:1993. Song F, Freemantle N, Sheldon TA, et al. Selective serotonin reuptake inhibitors: meta-analysis of efficacy and acceptability. BMJ. 1993;306:683. Tam EM, Lam RW, Levitt AJ. Treatment of seazonal affective disorder: a review. Can J Psychiatry. 1995;40:457. Varia IM. Cloutier CA, Doraiswamy PM. Treatment of anxiety disorder with citalopram. Prog Neuropsychopharmacol Biol Psychiatry. 2002;26:205.
36.4.27 Antagonistas de serotonina-dopamina: antipsicóticos atípicos Os antagonistas de serotonina-dopamina (ASDs) também são referidos como medicamentos antipsicóticos novos ou atípicos e incluem a risperidona (Risperdal), a olanzapina (Zyprexa), a quetiapina (Seroquel), a clozapina (Leponex) e a ziprasidona
TERAPIAS
(Geodon). Esses medicamentos efetuam melhora em dois grupos de dificuldades típicas da esquizofrenia: (1) sintomas positivos, como alucinações, delírios, pensamentos desordenados e agitação e (2) sintomas negativos, como reclusão, afeto embotado, anedonia, pobreza de fala, catatonia e comprometimento cognitivo. Os ASDs apresentam um risco menor de sintomas extrapiramidais do que os antagonistas dos receptores de dopamina, o que elimina a necessidade da utilização concomitante de anticolinérgicos, com seus efeitos adversos desagradáveis. Os medicamentos dessa classe são eficazes também no tratamento de transtornos do humor com aspectos psicóticos ou maníacos ou de transtornos do comportamento decorrentes de demência. A olanzapina é indicada para o tratamento a curto prazo de episódios maníacos agudos, associados a transtorno bipolar I. Todos esses agentes são considerados medicamentos de primeira linha, exceto a clozapina, que causa efeitos hematológicos adversos que necessitam de exames semanais de sangue. Um antipsicótico novo, o aripiprazol, com um mecanismo diferente de ação, o agonismo parcial de dopamina, apresenta perfil de eficácia e segurança semelhante ao dos ASDs. QUÍMICA A clozapina é um dibenzodiazepínico. A, por sua vez, risperidona é um benzisoxazol. Já a olanzapina é um derivado tienobenzodiazepínico da clozapina e a quetiapina, um dibenzotiazepínico estruturalmente relacionado à clozapina. A ziprasidona é uma benzisotiazolil piperazina. As estruturas moleculares desses compostos estão exibidas na Figura 36.4.27-1. AÇÕES FARMACOLÓGICAS Esses medicamentos são denominados antagonistas da serotonina-dopamina, porque bloqueiam não apenas os receptores da dopamina, como o fazem os antipsicóticos típicos (antagonistas dos receptores da dopamina), mas também os receptores da serotonina. Eles possuem uma combinação diversa de afinidades por receptores, mas a contribuição relativa de cada interação com seu receptor para os efeitos clínicos é desconhecida. Mudanças de doses para populações especiais estão expostas na Tabela 36.4.27-1.
BIOLÓGICAS
1177
pelos receptores β-adrenérgicos e pelos colinérgicos muscarínicos. Embora seja um potente antagonista dos receptores D2 como o haloperidol (Haldol) o é, a risperidona tem uma probabilidade muito menor do que ele de causar sintomas extrapiramidais em humanos. Olanzapina Cerca de 85% da olanzapina são absorvidos pelo trato GI, e cerca de 40% da dose são inativados pelo metabolismo hepático de primeira passagem. O pico das concentrações é atingido dentro de seis horas, e a meia-vida tem média de 30 horas. Por isso, é efetiva com uma dose diária. A olanzapina é um antagonista eficaz dos receptores 5-HT2A, D1, D2 e D4, α1, M1 a M5 muscarínicos e H1. Quetiapina A quetiapina é absorvida imediatamente pelo trato GI. O pico das concentrações do plasma é atingido em 1 a 2 horas. Sua meiavida com concentrações estáveis é de cerca de seis horas, e a dose ideal, 2 a 3 vezes ao dia. Trata-se de um antagonista dos receptores 5-HT2A e 5-HT6, D1 e D2, H1 e α1 e α2. Não bloqueia os receptores muscarínicos nem os benzodiazepínicos. O antagonismo contra os receptores exercido pela quetiapina costuma ser menor do que o de outros medicamentos antipsicóticos, não se associando a sintomas extrapiramidais. Clozapina A clozapina é rapidamente absorvida pelo trato GI, e o pico dos níveis plasmáticos é atingido em 1 a 4 horas. A meia-vida, com níveis estáveis, obtidos em 10 a 16 horas, é atingida em 3 a 4 dias se for utilizada a dose de duas vezes ao dia. Os dois metabólitos principais têm atividade farmacológica mínima. A clozapina é um antagonista dos receptores 5-HT2A, D1, D3, D4 e α (especialmente α1). Possui uma potência relativamente baixa como antagonista dos receptores D2. Dados de imagens de tomografia por emissão de pósitrons (PET) mostram que 10 mg de haloperidol produzem 80% de ocupação dos receptores D2 do estriado, enquanto doses clinicamente efetivas de clozapina ocupam somente 40 a 50% desses receptores. Tal diferença provavelmente é o motivo pelo qual a clozapina não causa efeitos extrapiramidais adversos.
Risperidona Cerca de 70 a 85% da risperidona são absorvidos pelo trato gastrintestinal (GI), que sofre considerável transformação metabólica de primeira passagem pelo fígado, em 9-hidroxirisperidona, um metabólito com atividade biológica comparável. A meia-vida combinada da risperidona e de seu metabólito tem média de 20 horas, de modo que é efetiva com uma dose por dia. A risperidona é um antagonista dos receptores 5-HT2A, D2 de dopamina, α1 e α2-adrenérgicos e H1 de histamina. Possui uma baixa afinidade
Ziprasidona O pico das concentrações plasmáticas da ziprasidona é alcançado em 2 a 6 horas. Sua meia-vida, no estado de concentrações estáveis de 5 a 10 horas, é atingida no terceiro dia, sendo necessária a administração duas vezes ao dia. Trata-se de um medicamento antagonista dos receptores 5-HT1D, 5-HT2A, 5HT2C, D2, D3, D4, α1 e H1. Tem afinidade muito baixa com
1178
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Dibenzodiazepínico
N
N
CH3 N
N
CI
CI
O N
S
N H Clozapina
Quetiapina
Tienobenzodiazepínico
Benzisoxazol N
OH
N
CH3
CH3
N N
N
CH2 CH2
O
N
N
O
N F
N
S
CH3
Risperidona Olanzepina Benzisotiazolil piperazina H CI S
N O
N N N Ziprasidona
FIGURA 36.4.27-1 Estruturas moleculares dos antagonistas de serotonina-dopamina.
TABELA 36.4.27-1 Modificações na farmacocinética: populações especiais Medicamento
Idosos
Insuficiência renal
Insuficiência hepática
Étnico
Clozapina Risperidona Olanzapina
↓↓ dose ↓↓ dose ↓ dose (35%)
Sem Δ dose ↓ dose Sem Δ dose
↓ dose ↓ dose Sem Δ dose (preliminar)
Sertindol
Sem Δ dose preocupações FD Sem Δa FC ↓ dose secundária FD Sem Δ dose
Sem Δ dose
↓ dose (½)
↓ dose em mulheres ↓ dose em asiáticos? ↓ dose em mulheres ↓ dose em asiáticos? ↓ dose em mulheres
Sem Δ dose
Leve ↓ dose
Sem Δ dose
Sem Δ dose
Sem Δ dose
?
Quetiapina Ziprasidona
Abreviações: FD – farmacodinâmica; FC – farmacocinética; Δ – mudança na dose. a Aumento de reações adversas (bloqueio α ). 1 De Ereshásky L. Pharmacokinetics and drug interactions: update for new antipsychotics. J Clin Psychiatry, 1996,7(suppl):12, com permissão.
os receptores D1, M1 e α2. Além disso, possui atividade antagonistas sobre os receptores 5-HT1A, sendo um inibidor da recaptação de serotonina e de norepinefrina. Isso sugere que pode ter efeitos antidepressivos.
Aripiprazol O aripiprazol não é um antagonista de serotonina-dopamina, ao contrário, é um agonista parcial do receptor D2 de dopamina.
TERAPIAS
BIOLÓGICAS
1179
INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS
Outras indicações
Transtornos psicóticos
Os ASDs são efetivos no tratamento da demência decorrente da síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS), dos transtornos do espectro autista, da psicose relacionada a demência, do transtorno de Tourette, da doença de Huntington e da síndrome de Lesch-Nyhan. A risperidona e a olanzapina têm sido utilizadas para controlar a agressividade e a auto-agressão em crianças. Ambas têm sido ainda co-administradas com os simpatomiméticos, como o metilfenidato (Ritalina) ou a dextroanfetamina (Dexedrine) a crianças com transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, que é co-mórbido tanto com o transtorno desafiador de oposição como com o transtorno da conduta. Os ASDs, em especial a olanzapina, a quetiapina e a clozapina, são úteis para pessoas que têm discinesia tardia grave. O tratamento com esses agentes suprime os movimentos anormais da discinesia tardia, mas não parece piorar o transtorno do movimento. O tratamento com olanzapina e ziprasidona reduz os sintomas depressivos em pessoas com esquizofrenia tanto quanto o faz o haloperidol. Entre aquelas sem sintomas psicóticos que respondem apenas parcialmente aos antidepressivos, a potencialização com olanzapina pode melhorar a eficácia do tratamento. A utilização de agentes dessa classe reduz o risco de suicídio e intoxicação por água em pacientes com esquizofrenia. Aqueles com transtorno obsessivo-compulsivo resistente ao tratamento têm respondido aos ASDs; contudo, algumas pessoas observaram sintomas emergentes do transtorno obsessivo-compulsivo. Certos pacientes com transtorno da personalidade borderline podem melhorar com os ASDs.
Os ASDs são efetivos no tratamento de psicoses agudas e crônicas, como esquizofrenia e transtornos esquizoafetivos, tanto em adultos como em adolescentes. Contribuem ainda no tratamento da depressão psicótica e para psicose secundária a traumatismo craniano, demência ou medicamentos. Os agentes dessa classe são tão bons ou até melhores do que os antipsicóticos típicos (antagonistas dos receptores de dopamina) no tratamento de sintomas positivos na esquizofrenia e claramente superiores a estes no tratamento de sintomas negativos. Comparadas com pessoas tratadas com os antagonistas dos receptores de dopamina, as tratadas com ASDs têm menos recaídas e necessitam de hospitalizações menos freqüentes, menos visitas ao pronto-socorro, menos contato telefônico com os profissionais de saúde mental e menos tratamento em hospital-dia. Devido aos efeitos adversos que potencialmente ameacem a vida, a clozapina, no momento, é a indicada somente para pacientes com esquizofrenia resistente a todos os outros antipsicóticos, e mantém um nicho terapêutico para pacientes resistentes a tratamento. Outras indicações incluem o tratamento de pessoas com discinesia tardia grave e aquelas com baixo limiar para sintomas extrapiramidais. As que toleram a clozapina conseguem se adaptar bem ao tratamento de longo prazo. Sua eficicácia pode ser aumentada pela potencialização com risperidona, que aumenta as concentrações da clozapina e que, algumas vezes, resulta em melhora clínica significativa. Os estudos realizados para a aprovação regulamentar do aripiprazol foram realizados com pacientes com esquizofrenia e transtorno esquizoafetivo. Pesquisa utilizando esse agente em outros transtornos estão em andamento. Transtornos do humor Os ASDs são úteis para o controle inicial da agitação durante um episódio maníaco, mas são menos efetivos no controle a longo prazo dos transtornos bipolares do que o lítio (Carbolitium), o valproato (Depakote) ou a carbamazepina (Tegretol). A olanzapina foi aprovada pela Food and Drug Administration (FDA) para o tratamento da mania aguda em doses de 10 a 15 mg por dia. Em ensaios pré-clínicos, revelou-se um tratamento efetivo para pessoas maníacas com ou sem manifestações psicóticas. A olanzapina e a risperidona podem ser utilizadas para potencializar os antidepressivos no manejo de curto prazo da depressão maior com manifestações psicóticas. Os ASDs são efetivos no tratamento do transtorno esquizoafetivo, embora tenha se relatado que a risperidona precipite mania em pessoas com essa condição. A potencialização com olanzapina e clozapina pode melhorar até dois terços das pessoas com transtorno bipolar refratário, e a risperidona tem sido utilizada para reduzir as oscilações do humor no transtorno bipolar com ciclagem rápida. A olanzapina, mas não a clozapina, é efetiva no tratamento de sintomas depressivos em indivíduos com transtornos bipolares.
EFEITOS ADVERSOS As reações adversas relatadas com os ASDs estão listadas na Tabela 36.4.27-2. Risperidona Há evidência de que os efeitos extrapiramidais induzidos pela risperidona podem ser dose-dependentes. Aumento de peso, ansiedade, náuseas e vômitos, rinite, disfunção erétil, disfunção orgásmica e aumento da pigmentação se associam à utilização desse medicamento. As razões mais comuns para a interrupção da utilização da risperidona são sintomas extrapiramidais, tonturas, hipercinesia, sonolência e náuseas. Olanzapina Sonolência, boca seca, tonturas, obstipação, dispepsia, aumento do apetite e tremor se associam à utilização da olanzapina, a qual tem uma probabilidade um pouco maior do que a risperidona de causar aumento de peso. Um pequeno número de pacientes (2%) pode necessitar de interromper a utilização do medicamento devido à elevação das transaminases.
1180
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 36.4.27-2 Efeitos adversos dos ASDs Item Sistema nervoso central Sintomas extrapiramidais (SEP) Discinesia tardia Convulsões Sedação, sonolência Outros Síndrome neuroléptica maligna Hipotensão ortostática QTc Aumento das transaminases hepáticas Efeitos adversos anticolinérgicos Agranulocitose Aumento da prolactina Redução do volume da ejaculação Aumento de peso Congestão nasal
Antipsicóticos convencionaisa
Clozapina
Risperidona
Olanzapina
Quetiapina
Ziprasidona
0 a ++ +++ 0a+ + a +++
0 0 +++ +++
0b,c (+) 0 +d
0 ba + c + + +
0b ? 0 +d
0b ? 0 +d
+ + a +++ 0 a ++ 0 a ++
+ + a +++ 0 0a+
+ + 0a+ 0a+
+ +d 0 0a+
? 0 0a+ 0 a+
? 0 + 0a+
0 a +++ 0 ++ a +++ 0a+ 0 a ++ 0a+
+++ +++ 0 0 +++ 0a+
0 0 + a ++ 0 + 0 a+
+ 0 0 0 ++ 0a+
0 0 0d 0 + 0a+
0 0 0e 0 0 0
a
0, nenhum ou não muito diferente do placebo; +, leve; ++, moderado; +++, marcante; ?, dados insuficientes. Não significativamente diferente do grupo tratado com placebo, que pode ter recebido antipsicóticos convencionais antes de entrar no estudo e ter permanecido com os sintomas extrapiramidais (SEP) durante as semanas iniciais da investigação. c SEP relacionados a doses superiores a 6 mg/dia. d Transitório. e Aumentos relacionados com a dose, dentro da faixa normal. Modificada de Casey DE. Side effect profiles of new antipsychotic agents. J Clin Psychiatry. 1996. 57 (suppl): 40, com permissão. b
Quetiapina Os efeitos adversos mais comuns da quetiapina são sonolência, hipotensão postural e tonturas, os quais, em geral, são transitórios e melhor manejados com o aumento gradativo da dose inicial. Esse agente parece não causar sintomas extrapiramidais. A quetiapina se associa a aumento modesto e transitório do peso em 23% das pessoas, pequenos aumentos na freqüência cardíaca, obstipação e um aumento transitório das transaminases hepáticas.
mais freqüente de efeitos adversos pelas pessoas sob ziprasidona do que por aquelas sob placebo. Os efeitos mais referidos foram sonolência, cefaléia, tonturas, náuseas e cabeça oca. A ziprasidona quase não tem efeitos significativos fora do sistema nervoso central (SNC) e praticamente não se associa a aumento de peso; contudo, o prolongamento do intervalo QT pode ser fatal em pacientes com história de arritmia cardíaca. Aripiprazol
Clozapina Os efeitos adversos relacionados mais comuns ao medicamento são sedação, tonturas, síncope, taquicardia, hipotensão, modificações do eletrocardiograma (ECG), náuseas e vômitos. Leucopenia, granulocitopenia, agranulocitose e febre ocorrem em cerca de 1% dos pacientes. Outros sintomas adversos recorrentes incluem fadiga, sialorréia, aumento de peso, vários sintomas GI (com mais freqüência, obstipação), efeitos anticolinérgicos e fraqueza muscular subjetiva. Foram relatadas mudanças no metabolismo da insulina. O risco de convulsões é de cerca de 4% entre aqueles que tomam doses acima de 600 mg por dia. Miocardite e cardiomiopatia também são eventos adversos relatados. Ziprasidona Nos ensaios clínicos iniciais envolvendo pessoas com esquizofrenia ou transtorno esquizoafetivo, não se relatou ocorrência
Pelo fato de o aripiprazol ser um novo antipsicótico atípico, seu perfil de efeitos adversos não é muito conhecido. Com base em dados limitados, esse agente parece se associar a baixo risco de sintomas extrapiramidais, baixa sedação, aumento de peso mínimo, sem prolongamento do QT e sem elevação da prolactina. Necessita-se de informação adicional sobre seus efeitos adversos. Síndrome neuroléptica maligna Mesmo sendo raro com a utilização dos ASDs, todos os antipsicóticos podem causar síndrome neuroléptica maligna. Esta consiste de rigidez muscular, febre, distonia, acinesia, mutismo, oscilações entre obnubilação e agitação, sudorese, disfagia, tremor, incontinência, pressão arterial lábil, leucocitose e aumento da creatina fosfoquinase (CPK). A síndrome neuroléptica maligna foi relatada com a clozapina, a risperidona e a olanzapina e deve ser considerada no diagnóstico diferencial de febre em pessoas
TERAPIAS
tratadas com clozapina. Este último pode estar associado a elevações reversíveis da concentração da CPK do soro, que não envolvam rabdomiólise e não levem a síndrome neuroléptica maligna. Esta condição ocorre com maior probabilidade se a clozapina for administrada com o lítio. Discinesia tardia Os ASDs têm muito menor probabilidade do que os antagonistas dos receptores de dopamina de se associarem à discinesia tardia decorrente do tratamento. Além disso, melhoram os sintomas desta condição e são especialmente indicados para pessoas psicóticas com discinesia tardia preexistente. A discinesia tardia pode ocorrer em pessoas tratadas com antagonistas dos receptores de dopamina, já em um mês. Por isso, a utilização desta classe para a manutenção a longo prazo de pacientes com psicose se tornou uma prática questionável. Os ASDs devem substituí-los no tratamento a longo prazo. Embora raros, casos de discinesia tardia surgindo com o tratamento têm se associado à risperidona, em grau menor à olanzapina e muito raramente à clozapina e à quetiapina. Muitas das pessoas afetadas tinham estado expostas a antagonistas dos receptores da dopamina, mesmo que algumas só por um curto período de tempo. A clozapina é o medicamento de escolha para pacientes com discinesia tardia grave. Uma redução dos sintomas em geral é observada em 1 a 4 semanas. Hipotensão ortostática, síncope e taquicardia Todos os ASDs, mas com mais freqüência a quetiapina, se associam a hipotensão ortostática, particularmente se as doses são aumentadas rapidamente. Os mesmos devem ser utilizados com cuidado por pessoas com hipotensão, diabete melito ou infarto do miocárdio e que estejam tomando medicamentos anti-hipertensivos. O risco de hipotensão e síncope pode ser levado ao mínimo com o aumento gradativo das doses. Para determinar se a dose pode ser aumentada, deve ser feita uma comparação entre a pressão arterial com o paciente deitado e de pé, após 10 flexões acentuadas dos joelhos. A evidência de hipotensão ortostática inclui queda média de pressão arterial de 20 mmHg ou mais, aumento da freqüência do pulso de 20 batimentos por minuto ou mais e/ou tontura subjetiva. O aumento da dose deve ser adiado até que se resolvam todos os sinais de hipotensão ortostática. A taquicardia, que resulta da inibição vagal, pode ser tratada com antagonistas β-adrenérgicos de ação periférica, como o atenolol (Atenol), ainda que essa intervenção possa agravar os efeitos hipotensores dos ASDs. Medidas adicionais de tratamento da hipotensão incluem evitar cafeína e álcool, aumento da ingestão de sódio, ingestão adequada de líquidos, meias elásticas e (em casos raros) tratamento com fludrocortisona (Florinefe). Os agentes dessa classe não devem ser utilizados com outros medicamentos que possam causar hipotensão ortostática, como os benzodiazepínicos ou os anti-hipertensivos. A clozapina se associa a hipertensão paradoxal em 4% das pessoas.
BIOLÓGICAS
1181
Alterações cardíacas Alterações potenciais do ECG incluem modificações não-específicas da onda ST-T, achatamento ou inversão da onda-T, ainda que não sejam, em geral, de relevância clínica. A olanzapina, a quetiapina, a ziprasidona e a clozapina não se associam a alterações significativas dos intervalos QT e PR; contudo, a ziprasidona pode ter prolongamento clinicamente significativo do QT em pacientes suscetíveis. Em vista da variedade de alterações cardíacas associadas à utilização dos ASDs, esses medicamentos devem ser utilizados com cuidado por pessoas com doença cardíaca preexistente ou em combinação com medicamentos que prolonguem o intervalo QT de forma significativa, como a quinidina (Quinicardine). Agranulocitose A agranulocitose é uma condição potencialmente fatal definida como uma redução na contagem absoluta de neutrófilos (CAN) para menos de 500/mm3 associada a doença infecciosa. Com a monitoração laboratorial recomendada, ocorre em 0,38% de todas as pessoas tratadas com clozapina, em comparação com uma incidência de 0,04 a 0,05% entre aquelas tratadas com os antipsicóticos-padrão. A monitoração clínica cuidadosa do estado hematológico pode prevenir fatalidades pelo reconhecimento precoce de problemas hematológicos e pela interrupção subseqüente do uso da clozapina. A agranulocitose pode aparecer de modo abrupto ou gradual e, com mais freqüência, desenvolve-se nos primeiros seis meses de tratamento. Idade avançada e sexo feminino são fatores de risco adicionais. A clozapina também se associa ao desenvolvimento de casos benignos de leucocitose (0,6% das pessoas), leucopenia (3%), eosinofilia (1%) e taxas elevadas de sedimentação dos eritrócitos. Não deve ser utilizada por pessoas com contagens de leucócitos abaixo de 3.500, história de alterações na medula óssea ou história de agranulocitose induzida por clozapina. Um relato de caso descreveu o tratamento bemsucedido de neutropenia induzida por clozapina com o fator estimulante de colônias de granulócitos (G-CSF) sem interrupção da clozapina, sendo o único antipsicótico a que o indivíduo respondeu. Essa técnica necessita de estudo adicional antes de poder ser recomendada. Convulsões O risco de convulsões representa menos de 1% com risperidona, olanzapina, quetiapina e ziprasidona. Cerca de 5% dos pacientes que tomam mais de 600 mg por dia de clozapina, 3 a 4% dos que tomam 300 a 600 mg por dia e 1 a 2% dos que tomam menos de 300 mg por dia têm convulsões associadas ao agente. Caso se desenvolvam convulsões, a utilização da clozapina deve ser interrompida por um tempo. Pode se iniciar um tratamento anticonvulsivante, e a clozapina pode ser reintroduzida com cerca de 50% da dose prévia, e então aumentada aos poucos. A carbamazepina e a fenitoína (Epelin) não devem ser utilizadas em combinação com a clozapina por causa de sua associação com agranulocitose.
1182
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
As concentrações plasmáticas de outros anticonvulsivantes devem ser monitoradas com cuidado devido à possibilidade de interações farmacocinéticas com a clozapina. Pessoas com doença convulsiva preexistente ou história de traumatismo craniano significativo têm maior risco de convulsões quando tomam clozapina.
6 mg por dia. A olanzapina, em situações ocasionais, pode ocasionar sintomas extrapiramidais com doses superiores a 15 mg por dia. O risco de se desenvolverem sintomas em associação com a ziprasidona e o aripiprazol é baixo. A quetiapina e a clozapina não aumentam o risco. Há relatos de que a risperidona, a olanzapina, a quetiapina, a ziprasidona, o aripiprazol e a clozapina possam se associar à acatisia.
Hiperprolactinemia A atividade antagonista de D2 dos medicamentos antipsicóticos gera aumento nos níveis da prolactina durante todo o tempo de tratamento. Entre os ASDs, a risperidona é o com a mais forte associação a hiperprolactinemia, seguida pela olanzapina e pela ziprasidona. A clozapina e a quetiapina não aumentam a secreção da prolactina. A hiperprolactinemia pode causar galactorréia, amenorréia, ginecomastia e impotência. O aripiprazol também não aumenta a liberação da prolactina. Comprometimento cognitivo e motor Todos os ASDs disponíveis no momento causam sedação. Por isso, as pessoas que tomam esses agentes devem ter cuidado ao dirigir veículos ou operar máquinas perigosas. Esse efeito adverso pode ser reduzido com a administração da maior parte da dose ao deitar. É possível ocorrer sonolência em 30% das pessoas com a dose habitual de manutenção da olanzapina (10 mg por dia). Tonturas e acatisia também foram relatadas em certos indivíduos. Sonolência resultante do uso de quetiapina ocorre em 18% dos pacientes. No caso da risperidona, este efeito é dose-dependente; é pouco freqüente com doses abaixo de 6 mg por dia, mas pode ocorrer em cerca de 40% das pessoas tomando16 mg/dia. A clozapina se associa a sedação em 40% dos pacientes que tomam doses terapêuticas.
Aumento de peso A risperidona, a olanzapina, a quetiapina e a clozapina se associam ao aumento de peso, que pode ser controlado com adesão estrita a uma dieta planejada. A clozapina e a olanzapina em particular podem se associar a um aumento de peso de 13 a 22 kg com a utilização de curto prazo. Aumento de peso significativo pode induzir ou exacerbar diabete melito, e a olanzapina e a clozapina devem, por isso, ser administradas com cuidado a pessoas que têm ou estão com risco de diabete. A ziprasidona e a quetiapina parecem não causar ganho de peso exacerbado. Uma abordagem para o manejo do aumento de peso associado à utilização da clozapina ou da olanzapina é mudar aos poucos para ziprasidona, quetiapina ou risperidona. Sintomas anticolinérgicos A clozapina e, em menor grau, a olanzapina se associam a sintomas anticolinérgicos, como boca seca, visão turva, obstipação e retenção urinária. Isso pode necessitar do acréscimo temporário de um agente anticolinérgico quando se muda da clozapina da olanzapina para um medicamento antipsicótico menos anticolinérgico. Sialorréia
Regulação da temperatura corporal Em vista de os ASDs alterarem a capacidade do organismo de regular a temperatura, as pessoas que os tomam devem evitar o exercício exaustivo, exposição a calor extremo, administração concomitante de medicamentos anticolinérgicos e desidratação. Com a clozapina, febres de 1 a 2º F acima do normal podem se desenvolver, em geral durante o primeiro mês de tratamento, causando preocupação quanto ao desenvolvimento de uma infecção, por causa da agranulocitose. A clozapina deve ser suspensa nesses casos; se a contagem de leucócitos for normal, ela pode ser reintroduzida aos poucos e em baixas doses.
A clozapina pode causar sialorréia, colocando o paciente em risco de aspirar a saliva e se engasgar, principalmente durante o sono. Pensa-se que esse agente produza sialorréia ao inibir a deglutição, e não ao aumentar a salivação. As opções de tratamento incluem adesivo com clonidina, 0,1 a 0,2 mg a cada semana, ou amitriptilina (Tryptanol) ou clomipramina (Anafranil), 75 a 100 mg antes do sono. Os medicamentos anticolinérgicos, como a atropina, não devem ser utilizados porque exacerbam a atividade anticolinérgica da clozapina. A sialorréia pode se resolver de forma espontânea em um pequeno número de pacientes após vários meses. Sintomas obsessivo-compulsivos
Sintomas extrapiramidais Todos os ASDs apresentam muito menor probabilidade do que os antagonistas dos receptores de dopamina de produzir sintomas extrapiramidais, como distonia aguda, parkinsonismo, síndrome do coelho e acinesia. A risperidona induz sintomas extrapiramidais de forma dose-dependente, em doses acima de
Sintomas obsessivo-compulsivos decorrentes do tratamento foram relatados em pacientes com uma resposta antipsicótica favorável a clozapina, risperidona e olanzapina. Ensaios controlados não estabeleceram uma relação causal clara. Quando utilizados por pessoas com diagnóstico prévio de transtorno obsessivo-compulsivo, no entanto, os ASDs têm tido êxito em potencializar os efeitos antiobsessivos dos inibidores da recaptação de serotonina.
TERAPIAS
Priapismo O antagonismo aos receptores α dos ASDs pode induzir priapismo. Há alguns relatos de casos isolados de desenvolvimento desta condição durante o tratamento com risperidona, olanzapina, quetiapina e clozapina. Sintomas geniturinários Foram observados enurese, urgência ou aumento da freqüência urinária e hesitação ou retenção urinária com a clozapina. Esses problemas podem responder a desmopressina (DDAVP), oxibutinina (Retemic) ou a interrupções do sono com tempo programado. Disfagia A utilização de medicamentos antipsicóticos é raramente associada a distúrbios da motilidade esofágica e da aspiração, podendo levar a pneumonia por aspiração.
BIOLÓGICAS
1183
o limite superior da faixa normal. Pelo fato de os medicamentos dessa classe poderem ser excretados pelo leite materno, não devem ser administrados a mulheres que estejam amamentando. INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS Os depressores do SNC, o álcool ou os medicamentos tricíclicos coadministrados com os ASDs podem aumentar o risco de convulsões, sedação e efeitos cardíacos. Medicamentos anti-hipertensivos podem potencializar a hipotensão ortostática causada pelos ASDs. A co-administração com benzodiazepínicos pode levar a aumento da incidência de hipotensão ortostática, síncope e depressão respiratória. A risperidona, a olanzapina, a quetiapina e a ziprasidona são capazes de antagonizar os efeitos da levodopa (Larodopa) e dos agonistas de dopamina. A utilização de longo prazo com medicamentos que induzem as isoenzimas P450, como a carbamazepina, os barbitúricos, o omeprazol (Losec), a rifamicina (Rifaldin) ou os glicocorticóides, pode aumentar a depuração dos ASDs em 50% ou mais. Risperidona
Elevações das transaminases e disfunção hepática Cerca de 6% das pessoas que tomam quetiapina e 2% das que tomam olanzapina têm concentrações das transaminases séricas três vezes acima do limite superior do normal nas primeiras três semanas de tratamento. Isso não tem relevância clínica sendo um efeito transitório; contudo, a quetiapina e a olanzapina devem ser utilizadas com cuidado por indivíduos com doença hepática subjacente. A utilização da risperidona se associa (em casos raros) a hepatotoxicidade reversível em adultos e crianças. A obesidade é um fator de risco para a hepatotoxicidade induzida por risperidona. Com freqüência, a utilização da clozapina se associa a concentrações elevadas das transaminases, que tendem a se resolver em três meses. Em casos graves de hepatotoxicidade, a condição pode ser fatal.
A utilização concomitante da risperidona com fenitoína ou inibidores da recaptação de serotonina pode produzir sintomas extrapiramidais. Seu consumo por pessoas com dependência de opióides precipita sintomas de abstinência. O acréscimo da risperidona ao regime de um indivíduo que toma clozapina pode elevar as concentrações plasmáticas desta em 75%. Além destes, a risperidona tem pouco efeito sobre outros medicamentos. Olanzapina
Elevação do colesterol e dos triglicerídeos
A cimetidina (Tagamet) e o warfarin (Marevan) não influenciam o metabolismo da olanzapina. Já a olanzapina não afeta o metabolismo da imipramina (Tofranil), da desipramina (Norpramin), do Warfarin, do diazepam (Valium), do lítio ou do biperideno (Akineton). Por sua vez, a utilização da fluvoxamina (Luvox) aumenta as concentrações séricas da olanzapina.
A utilização da quetiapina e da olanzapina pode aumentar as concentrações do colesterol e dos triglicerídeos em 11 a 17%.
Quetiapina
Um pequeno número de pessoas que tomam doses elevadas de quetiapina tem concentrações séricas diminuídas da tiroxina total e da livre. Isso, em geral, não tem relevância clínica.
A utilização da fenitoína aumenta em cinco vezes a depuração da quetiapina, ao passo que uso da tioridazina (Melleril) reduz sua depuração em 20%. A fluoxetina, a impiramina, o haloperidol ou a risperidona não influeciam o metabolismo da quetiapina. A utilização desta reduz a depuração do lorazepam (Lorax) em 20%, mas não afeta a depuração do lítio.
Utilização na gravidez e na lactação
Clozapina
A utilização dos ASDs por mulheres grávidas não foi estudada, mas é importante considerar o potencial da risperidona para aumentar as concentrações da prolactina, eventualmente 3 a 4 vezes
A clozapina não deve ser utilizada com quaisquer medicamentos que se associem ao desenvolvimento de agranulocitose ou supressão da medula óssea, os quais incluem a carbamazepina, a fenitoína, o pro-
Hipotireoidismo
1184
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
piltiuracil, as sulfonamidas e o captopril (Capoten). O acréscimo da paroxetina (Aropax) pode precipitar a neutropenia associada à clozapina. O lítio combinado com a clozapina pode aumentar o risco de convulsões, confusão e transtornos dos movimentos. Essa combinação não deve ser administrada a pessoas que tenham experimentado um episódio de síndrome neuroléptica maligna. A utilização de risperidona, fluoxetina, paroxetina ou fluvoxamina aumenta as concentrações séricas da clozapina.
contagem de leucócitos, a partir do que se pode então fazer a média e testes de função hepática e renal (Tab. 36.4.27-3). Risperidona A risperidona se encontra disponível em comprimidos de 0,25, 0,5, 1, 2, 3 e 4 mg e em solução oral de 1 mg/mL. A dose inicial em geral
Ziprasidona A ziprasidona parece ter baixo potencial para interações medicamentosas significativas. Contudo, deve ser evitada em combinação com medicamentos que prolonguem o intervalo QT. DOSAGEM E DIRETRIZES CLÍNICAS A risperidona, a olanzapina, a quetiapina e a ziprasidona são apropriadas para o manejo de um episódio psicótico inicial, enquanto a clozapina é reservada para pessoas refratárias a todos os outros medicamentos antipsicóticos. Se um indivíduo não responde ao primeiro ASD, deve ser tentado outro ou o aripiprazol. A olanzapina e a clozapina possuem alguns efeitos tranqüilizantes iniciais, resultantes de sua atividade anticolinérgica. Os ASDs são sedativos menos efetivos para o tratamento de episódios agudos do que os antagonistas dos receptores de dopamina ou os benzodiazepínicos. Dessa forma, costuma ser necessário potencializar um ASD com um antagonista dos receptores de dopamina de alta potência ou um benzodiazepínico, nas primeiras semanas de utilização. O lorazepam 1 a 2 mg por via oral ou intramuscular (IM) pode ser utilizada conforme o necessário para a agitação aguda. Os ASDs em geral necessitam de 4 a 6 semanas para atingir a efetividade plena. Uma vez efetivos, as doses podem ser reduzidas como tolerado. A melhora clínica pode levar até seis meses para algumas pessoas particularmente resistentes ao tratamento. A utilização dos ASDs deve ser iniciada com doses baixas e aumentada aos poucos até as quantidades terapêuticas. O aumento gradativo da dose é necessário devido ao desenvolvimento potencial de hipotensão, síncope e sedação; os pacientes podem desenvolver tolerância aos efeitos adversos desses medicamentos se o aumento da dose for gradual. Se o indivíduo pára de tomar um ASD por mais de 36 horas, a utilização do medicamento deve ser retomada no esquema de aumento gradativo inicial. Após a decisão de retirar a olanzapina ou a clozapina, as doses devem ser reduzidas de forma gradativa, quando possível, para evitar sintomas colinérgicos de rebote, como sudorese, rubor, diarréia e hiperatividade. Assim que o clínico determine que uma tentativa com um ASD é indicada para um indivíduo em particular, os riscos e benefícios desse tratamento devem ser explicados ao paciente e à família. No caso da clozapina, um procedimento de consentimento informado deve ser documentado no prontuário médico. A história do paciente deve incluir informações sobre problemas no sangue, epilepsia, doença cardiovascular, doença renal e hepática e abuso de drogas. A presença de uma condição hepática ou renal requer doses iniciais baixas. O exame físico deve incluir medidas da pressão arterial nas posições deitado e de pé para escrutinar hipotensão postural. Para o exame laboratorial recomenda-se ECG, vários hemogramas completos com
TABELA 36.4.27-3 Diretrizes para o manejo de pacientes que tomam clozapinaa 1. Os pacientes devem ter história médica e exame físico completos antes do início do tratamento. 2. Deve-se realizar o teste para a tuberculose e o teste para o HIV, oferecidos a qualquer paciente com risco para cada uma dessas doenças. Fatores de risco incluem residência prolongada em uma instituição, residência coletiva, abrigos, etc. O tratamento com a clozapina deve se iniciar antes dos resultados dos testes estarem disponíveis se o paciente não apresenta sinais físicos ou sintomas de doença. Se qualquer uma dessas condições é diagnosticada, deve ser obtida consulta apropriada com relação aos riscos e aos benefícios de se continuar com o medicamento em questão. 3. É aconselhável iniciar o tratamento com a clozapina com a dose menor (i.e., 25 mg) e aumentá-la de forma gradual, por um período de 30 dias, até um nível terapêutico de 500 mg ou mais por dia. 4. O médico precisa preencher um documento de três vias do Formulário de Relato de Contagem de Leucócitos do Registro Nacional (National Registry WBC Reporting Form) (fornecido pela Sandoz). Deve guardar uma cópia e enviar as outras duas ao farmacêutico. 5. O farmacêutico pode aviar um máximo de suprimento para sete dias do medicamento, desde que três critérios sejam satisfeitos: a. A contagem atual de leucócitos é registrada. b. A contagem inicial de leucócitos é de, no mínimo, 3.500 por mm3. c. As contagens de leucócitos subseqüentes, obtidas uma vez por semana são, no mínimo, de 3.000 por mm3. 6. A neutropenia benigna não é uma condição típica resultante da clozapina. Os seguintes limiares devem ser observados na monitoração dos níveis de contagens de leucócitos: a. O tratamento não deve ser iniciado se a contagem de leucócitos for menor do que 3.500 por mm3. b. Se as contagens subseqüentes de leucócitos estiverem entre 3.000 e 3.500 por mm3, contagens de leucócitos duas vezes por semana, com contagens diferenciais, devem ser obtidas. c. Se a contagem total de leucócitos ficar abaixo de 3.000 por mm3, o tratamento deve ser interrompido, e o paciente, estritamente monitorado. d. Se a contagem total de leucócitos ficar abaixo de 2.000 por mm3, o tratamento deve ser interrompido, e o paciente nunca mais deve tentar a clozapina. e. Se uma contagem de leucócitos semanal reduz 30 % do nível prévio, a contagem deve ser repetida. Se o nível na repetição mostra que a contagem continua a cair de forma significativa, deve-se obter uma consulta apropriada com a Sandoz e/ou outro especialista (i.e., psiquiatra, hematologista ou especialista em doenças infecciosas). f. Uma redução progressiva gradual da contagem de leucócitos a partir do início do tratamento com a clozapina deve ser monitorada de perto, considerarando-se uma consulta, conforme referido no item anterior. a Estas diretrizes são baseadas nos requisitos estabelecidos pela Sandoz (pelos Itens 6ª, b e c) e de procedimentos do Departamento de Psiquiatria do Columbia-Presbyterian Medical Center (Itens 6d e e). Reimpressa com permissão de Silver JM, Yudofsky SC, Hurowitz GI, Psychopharmacology and electroconvulsive therapy. In: Hales RE, Yudofsky SC, Talbott JA editores. The American Psychiatric Press Textbook of Psychiatry. 2nd ed. Washington, DC: American Psychiatric Press, 1994:920.
TERAPIAS
é de 1 a 2 mg, administrados à noite, podendo, então, ser aumentada de forma gradativa (1 mg por dose a cada 2 a 3 dias), até 4 a 6 mg. No início, a risperidona foi administrada duas vezes ao dia, mas vários estudos demonstraram a mesma eficácia com a dose única. As doses acima de 6 mg por dia se associam a uma incidência mais alta de efeitos adversos. As doses abaixo deste valor em geral não causam sintomas extrapiramidais, mas reações distônicas foram observadas com doses de 4 a 16 mg por dia. Olanzapina A olanzapina está disponível em comprimidos de 2,5, 5 e 10 mg. A dose inicial é de 5 a 10 mg para o tratamento de psicose e de 10 a 15 mg para o tratamento da mania aguda, administrada uma vez ao dia. Uma dose diária inicial de 5 mg é recomendada para idosos e pessoas com doenças sistêmicas ou com comprometimento hepático ou hipotensão; após uma semana, pode ser aumentada para 10 mg por dia. Devido à sua longa meia-vida, deve-se esperar uma semana até que seja atingido cada novo estado de concentrações estáveis no sangue. As doses de uso clínico variam de 5 a 20 mg por dia, mas uma resposta benéfica em geral ocorre com doses de 10 mg por dia. As doses mais altas se associam a aumento de efeitos adversos extrapiramidais ou outros. O fabricante recomenda avaliações “periódicas” das transaminases durante o tratamento com esse agente. Em breve, ela estará disponível nos Estados Unidos como uma formulação IM* para administração em situações de atendimento de crise. Quetiapina A quetiapina está disponível em comprimidos de 25, 100 e 200 mg. A dose deve iniciar com 25 mg duas vezes ao dia, podendo ser aumentada em 25 a 50 mg por dia, a cada 2 ou 3 dias, até o alvo de 300 a 400 mg por dia, divididos em duas ou três doses por dia. Estudos demonstraram eficácia na faixa de 300 a 800 mg por dia com a maioria das pessoas recebendo o máximo benefício com 300 a 500 mg por dia. A clozapina está disponível em comprimidos de 25 a 100 mg. A dose inicial costuma ser de 25 mg 1 a 2 vezes ao dia, embora uma dose conservadora inicial seja de 12,5 mg duas vezes ao dia. A seguir, pode ser aumentado de forma gradual (25 mg por dia a cada 2 a 3 dias) até 300 mg por dia em doses divididas, em geral 2 a 3 vezes ao dia. Doses de até 900 mg por dia podem ser administradas. Clozapina Estão indicadas contagens semanais de leucócitos para se monitorar o paciente para o desenvolvimento de agranulocitose. Apesar de a monitoração ser dispendiosa, a indicação precoce de agranulocitose pode prevenir um resultado fatal. Se a contagem de leucócitos está abaixo de 2.000 células/mm3 e a contagem de granulócitos, abaixo de 1.000 por mm3, a utilização desse medicamento deve ser interrompida, recomenda-se obter uma consulta com hematologista, e a obtenção de uma amostra da medula óssea precisa ser considerada. *N. de R.T. Já está disponível no Brasil a apresentação IM com um frasco ampola de 10 mg.
BIOLÓGICAS
1185
As pessoas com agranulocitose não devem ser expostas de novo ao medicamento. As contagens de leucócitos podem ser obtidas em qualquer laboratório. Comprovantes da monitoração devem ser apresentados ao farmacêutico para se obter o medicamento. Ziprasidona A ziprasidona deve ser iniciada com 40 mg por dia, divididos em duas doses diárias. Estudos demonstraram efetividade na faixa de 80 a 160 mg por dia, divididos em duas doses diárias. Espera-se que este seja o primeiro ASD a estar disponível tanto em formulações orais como em formulações injetáveis de longa duração (depot). Aripiprazol A dose do aripiprazol é estimada entre 15 a 30 mg, administrados uma vez ao dia; contudo, os médicos devem seguir o rótulo deste novo medicamento para orientação inicial. Mudança de um antipsicótico típico para um atípico Embora a transição de um antagonista dos receptores de dopamina para um ASD possa se dar de forma abrupta, é mais sensato reduzir de forma gradativa o antagonista dos receptores de dopamina, enquanto se aumenta, também aos poucos, o ASD. Tanto a clozapina como a olanzapina têm efeitos anticolinérgicos, e a transição de uma para a outra pode, em geral, ser realizada com pouco risco de rebote colinérgico. A transição da risperidona para a olanzapina é melhor efetivada reduzindo-se de forma gradual a utilização daquela em cerca de três semanas, ao mesmo tempo em que se inicia sua utilização em dose de 10 mg por dia. A risperidona, a quetiapina e ziprasidona não possuem efeitos anticolinérgicos, e a transição abrupta de um antagonista dos receptores de dopamina, da olanzapina ou da clozapina para um desses agentes pode causar rebote colinérgico, que consiste em salivação excessiva, náuseas, vômitos e diarréia. O risco de rebote colinérgico pode ser atenuado ao se potencializar a risperidona, a quetiapina ou a ziprasidona com um medicamento anticolinérgico, que, a seguir, é reduzido de forma lenta. Tanto o início quanto o término da utilização do ASD devem ser realizados de maneira gradativa. É prudente superpor a administração de um novo medicamento com o anterior. É interessante notar que alguns indivíduos têm uma resposta clínica mais significativa quando tomam os dois agentes durante a transição, e depois pioram na monoterapia com o novo medicamento. Pouco se sabe sobre a eficiência e a segurança de uma estratégia de se utilizar um ASD com outro agente de mesma classe ou com um antagonista dos receptores de dopamina. As pessoas que recebem injeções regulares de formulações depot de um antagonista dos receptores de dopamina e que irão mudar para um ASD recebem a primeira dose deste no dia em receberiam a injeção seguinte. No momento, os ASDs só estão disponíveis em formulações orais. Pacientes que desenvolvem agranulocitose quando tomando a clozapina podem mudar com segurança para a utilização da
1186
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
CH3
olanzapina, ainda que o início de sua utilização com a agranulocitose em curso possa prolongar o tempo de recuperação, dos 3 a 4 dias habituais para até 11 a 12 dias. Recomenda-se esperar pela resolução da condição, antes de se iniciar a utilização da olanzapina. O surgimento ou a recorrência de agranulocitose não foram relatados com este agente, mesmo em pessoas que a desenvolveram enquanto tomavam a clozapina.
CH2
CH3 CH3 CH
Baldessarini RJ, Tarazi RI. Drugs and the treatment of psychiatric disorders: psychosis and mania. In: Hardman JG, Limbird LE, Goodman Gilman A, eds. Goodman & Gilman’s the Pharmacological Basis of Therapeutics. 10th ed. New York McGraw-Hill; 2001:485. Meltzer HY. Serotonin as a target for antipsychotic drug action. In: Breier A, Tran PV, eds. Current Issues in the Psychopharmacology of Schizophrenia. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2001:289. Millan MJ. Improving the treatment of schizophrenia: focus on serotonin (5HT1A) receptors. J Pharmacol Exp Ther. 2000;295:853. Parker G, Malhi G. Are the atypical antipsychotic drug antidepressants? J Clin Psychopharmacol. 2002;22:94. Sartorius A, Hewer W, Zink M, Henn FA. High-dose clozapine intoxication. J Clin Psychopharmacol. 2002; 22: 91. Thase ME. What role do atypical antipsychotic drugs have in treatment-resistant depression? J Clin Psychiatry. 2002;63:95. Van Kammen DP, Marder SR. Serotonin-dopamine antagonists. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2455. Vieta E, Goikolea JM, Corbella B, et al. Correction: risperidone safety and efficacy in the treatment of bipolar and schizoaffective disorders: results from a 6-month, multicenter, open study. J Clin Psychiatry. 2002;63:79.
36.4.28 Sibutramina A sibutramina (Reductil) é um novo supressor do apetite utilizado para tratar obesidade, farmacologicamente semelhante a vários medicamentos antidepressivos, em especial à venlafaxina (Efexor). A sibutramina é um inibidor da recaptação da serotonina, da norepinefrina e, em menor extensão, de dopamina, mas lhe falta um efeito antidepressivo clínico.
N CH3
CI
REFERÊNCIAS
CH
C
CH2
CH2
CH2
FIGURA 36.4.28-1 Estrutura molecular da sibutramina.
sibutramina prolonga a ação das monoaminas liberadas na fenda sináptica no processo da neurotransmissão. INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS A sibutramina é indicada para atuar como parte de um programa supervisionado de perda e manutenção de peso que inclua restrições dietéticas. Ela é recomendada para pessoas com um índice de massa corporal (IMC) de 30 ou mais ou de 27 ou mais na presença de fatores de risco para aterosclerose, como hipertensão, diabete melito ou hipercolesterolemia. É efetiva somente quando está sendo tomada com as diretrizes dietéticas estritamente seguidas. A resposta à sibutramina é definida como uma perda de 2 kg ou mais nas primeiras quatro semanas de uso. Cerca de 60% dos que respondem a ela e que continuam a tomar o medicamento por pelo menos seis meses perderão pelo menos 5% de seu peso corporal inicial. A perda pode ser mantida por, no mínimo, seis meses com o uso continuado do medicamento, o qual pode melhorar também a tolerância à glicose em pessoas com diabete melito não-insulino-dependente. Alguns clínicos promovem a utilização combinada da sibutramina com a fentermina (Ionamin, Adipex-P) ou com o orlistat (Xenical). Contudo, não há ensaios controlados para apoiar tais associações. PRECAUÇÕES E EFEITOS ADVERSOS
QUÍMICA A fórmula estrutural da sibutramina está exposta na Figura 36.4.28-1. AÇÕES FARMACOLÓGICAS A sibutramina é rapidamente absorvida após a administração oral e metabolizada de imediato em seus metabólitos ativos, denominados M1 e M2, que atingem o pico da concentração no plasma em 2 a 3 horas. As meias-vidas destes são de 14 a 16 horas, o que permite dosagem uma vez por dia. Seus metabólitos ativos são inibidores da recaptação da serotonina, de norepinefrina e, em menor extensão, da dopamina. A
Os efeitos adversos mais comuns associados à utilização da sibutramina são cefaléia, boca seca, anorexia, insônia e prisão de ventre. Os mais graves são elevações da pressão arterial e da freqüência do pulso. Em média, pessoas que tomam 5 a 20 mg por dia do medicamento experimentam um aumento nas pressões sistólica e diastólica médias de 1 a 3 mmHg e um aumento da freqüência do pulso de 4 a 5 batimentos por minuto. Essas elevações são dose-dependentes e podem atingir níveis clinicamente significativos (15 mmHg de sistólica e 10 mmHg de diastólica em doses excedendo 10 mg por dia. Em vista desses efeitos cardiovasculares, deve ser utilizada com cuidado por pessoas com história de hipertensão, doença aterosclerótica do coração, infarto do miocárdio, insuficiência cardíaca congestiva, arritmias e acidentes vasculares cerebrais (AVCs). Devido à elevação relatada
TERAPIAS
da pressão arterial e do risco de AVCs, a sibutramina está sendo monitorada com cuidado pela Food and Drug Administration (FDA). O agente também pode causar midríase, exacerbar um glaucoma de ângulo estreito. INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS A sibutramina não deve ser tomada dentro de 14 dias da utilização de inibidores da monoaminoxidase. Pode causar síndrome serotonérgica se utilizada ao mesmo tempo com inibidores específicos da recaptação da serotonina, antidepressivos tricíclicos, diidroergotamina (DHT 45), dextrometorfano, meperidina (Demerol), pentazocina (Talwin, Talacen) fentanila (Duragesic), lítio (Carbolitium) ou triptofano, mas no momento não existem relatos da condição precipitada pela sibutramina usada isoladamente. Ela pode aumentar a pressão arterial se utilizada em associação com medicamentos livres de prescrição contendo fenilpropanolamina (Dimetapp), efedrina (Polaramive, outros) ou pseudoefedrina (em numerosos produtos combinados). O cetoconazol (Nizoral) a eritromicina (diversas marcas) e a cimetidina (Tagamet) podem aumentar as concentrações plasmáticas da sibutramina de forma modesta.
BIOLÓGICAS
1187
Chapelot D, Marmonier C, Thomas F, Hanotin C. Modalities of the food intakereducing effect of sibutramine in humans. Phisiol Behav. 2000;68:299. Cole JO, Levin A, Beake B, Kaiser PE, Scheinbaum ML. Sibutramine: a new weight loss agent without evidence of the abuse potential asociated with amphetamines. J Clin Psychopharmacol. 1998;18:231. Hardman JG, Limbird LE, Goodman Gilman A, eds. Goodman & Gilman’s the Pharmacological Basis of Therapeutics. 10th ed. New York: McGraw-Hill; 2001. Wirth A, Krause J. Long-term weight loss with sibutramine: a randomized controlled trial. JAMA. 2001;286:1331.
36.4.29 Sildenafil O sildenafil (Viagra) revolucionou o tratamento do transtorno erétil (impotência) e logo criou seu próprio nicho terapêutico. Embora indicado exclusivamente para o tratamento da disfunção erétil masculina, tem sido utilizado para melhorar o desempenho sexual tanto de homens como de mulheres. É efetivo no transtorno erétil quer este seja ou não causado por fatores médicos, cirúrgicos ou psicológicos. QUÍMICA
INTERFERÊNCIAS LABORATORIAIS Não se relatou que a sibutramina interfira em qualquer teste laboratorial. Contudo, alguns pacientes podem exibir uma elevação transitória das concentrações das transaminases hepáticas. DOSAGEM E DIRETRIZES CLÍNCAS A avaliação pré-tratamento para a utilização da sibutramina deve incluir uma revisão do sistema cardiovascular e a identificação de fatores de risco para aterosclerose, bem como a história completa de uso de medicamentos. O exame físico deve abranger uma série de pelo menos três determinações da pressão arterial e do pulso e enfocar sinais de aterosclerose. Os exames laboratoriais devem enfocar evidência de diabete melito. A documentação precisa incluir evidência de que o peso pré-tratamento conforma-se à categoria definida na literatura do produto como obeso. (Uma discussão completa sobre obesidade encontra-se na Seção 23.3.) O medicamento em questão encontra-se disponível em cápsulas de 10 e 15 mg. A dose inicial é de 10 mg uma vez por dia. Se não ocorrer perda de peso após quatro semanas, é provável que a sibutramina não seja efetiva. Se a perda de peso ficar abaixo de 2 kg nas primeiras quatro semanas, então a dose deve ser aumentada para 15 a 20 mg por dia. Se a dose de 10 mg por dia não for tolerada, deve ser reduzida para a metade.
O sildenafil é um derivado piperazino-heterocíclico do zaprinast, um inibidor fraco e não-seletivo da fosfodiesterase (PDE). Puro, é pouco solúvel em água. Sua fórmula estrutural está exposta na Figura 36.4.29-1. AÇÕES FARMACOLÓGICAS O sildenafil é rapidamente absorvido pelo trato gastrintestinal (GI), e sua biodisponibilidade é de 40%. Suas concentrações plasmáticas máximas oral são atingidas em 30 a 120 minutos (média de 60 minutos) em estado de jejum. Em vista de sua lipofilia, a ingestão concomitante de refeições com muita gordura retarda a taxa de absorção em cerca de 60 minutos e reduz a concentração no pico em cerca de um quarto. O sildenafil é metabolizado principalmente pelo sistema do citocromo P450 (CYP) 3A4, o que pode levar a interações medicamentosas clinicamente significativas, nem todas já documentadas. A excreção de 80% da dose é
O CH3CH2O
Brownell KD, Wadden TA. Obesity. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:1787.
N
HN
N N CH2CH2CH3
O2S
REFERÊNCIAS
CH3
CO2H
N HOOC
N CH3
FIGURA 36.4.29-1 Estrutura molecular do sildenafil.
OH CO2H
1188
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
pelas fezes e os outros 13% são eliminados pela urina. A eliminação é reduzida em pessoas acima dos 65 anos, o que leva a concentrações plasmáticas 40% mais altas do que em pessoas entre 18 e 45 anos de idade. A eliminação também é comprometida na presença de insuficiência renal ou hepática grave. O principal local de ação do sildenafil é a enzima PDE5, que atua nas células dos músculos lisos arteriolares do corpo cavernoso do pênis. Essa enzima é inibida de forma efetiva e seletiva pelo sildenafil, o que permite ao sangue preencher o corpo cavernoso e levar à ereção. O clínico deve estar informado da importante observação clínica de que este agente não produz, por si só, uma ereção. Ao contrário, o estado mental de excitação sexual mobilizado por uma estimulação erótica de qualquer espécie – tátil, visual, auditiva, olfativa ou por fantasia – deve, de início, levar os nervos do pênis à atividade. Os terminais nervosos excitados liberam então o óxido nítrico no corpo cavernoso, desencadeando a cascata erétil. O sildenafil mantém a ereção resultante mediante sua ação enzimática. Assim, permite que se tire vantagem completa de um estímulo sexualmente excitante, mas não é substituto para a estimulação preliminar e a excitação emocional. INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS As disfunções eréteis têm sido classificadas como orgânicas, psicogênicas ou mistas. Nos últimos 20 anos, o ponto de vista predominante a cerca de sua causa mudou da influência psicológica para a orgânica. As causas orgânicas incluem diabete melito, hipertensão, hipercolesterolemia, fumo, doença vascular periférica, lesões pélvicas e da medula espinal, cirurgia abdominal e pélvica (especialmente cirurgia da próstata), esclerose múltipla, neuropatia periférica e doença de Parkinson. A disfunção erétil é por vezes induzida por álcool, por outras drogas de abuso e por medicamentos prescritos. O sildenafil é efetivo a despeito da gravidade básica dessa condição, da causa da disfunção, da raça ou da idade. Entre os que respondem ao sildenafil estão homens com doença arterial coronariana, hipertensão, outras doenças cardíacas, doença vascular periférica, diabete melito, depressão, enxerto de bypass coronário (CABG), prostatectomia radical, ressecção transuretral da próstata, espinha bífida e lesão da medula espinal, bem como pessoas que tomam antidepressivos, antipsicóticos, anti-hipertensivos e diuréticos. Relatou-se que o sildenafil reverte a falta de orgasmo induzido pelos inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRSs) tanto em homens como em mulheres. Há relatos de um efeito terapêutico também na inibição sexual de mulheres. PRECAUÇÕES E REAÇÕES ADVERSAS O efeito adverso potencial mais importante associado à utilização do sildenafil é o infarto do miocárdio. O fabricante e a Food and Drug Administration (FDA) distinguiram o risco de infarto decorrente do sildenafil daquele que resulta de problemas subjacentes, como hipertensão, doença aterosclerótica cardíaca, diabete melito e outras con-
dições aterogênicas. A FDA concluiu que, quando utilizado de acordo com a bula aprovada, o medicamento por si só não causa um aumento do risco de morte. Além da maior demanda de oxigênio e do estresse imposto ao músculo cardíaco pela relação sexual, que é facilitada pelo sildenafil, a perfusão coronariana pode ser gravemente comprometida pela ação combinada desse agente com a de nitratos, mas não por ele utilizado isoladamente. Qualquer pessoa com história de infarto do miocárdio, AVC, insuficiência renal, hipertensão ou diabete melito ou acima dos 70 anos de idade deve discutir os planos de utilização do sildenafil com um internista ou um cardiologista. A avaliação cardíaca precisa enfocar a tolerância ao exercício e à utilização de nitratos. A maioria das mortes associada à utilização do medicamento ocorreu durante ou após as relações sexuais e estava relacionada à quantidade de esforço empregado no ato em uma pessoa com doença cardiovascular preexistente. O uso do sildenafil está contra-indicado para pessoas que estejam tomando nitratos orgânicos em qualquer forma, os quais incluem a nitroglicerina, o mononitrato de isosorbida (Monocordil), o dinitrato de isosorbida (Isordil), o tetranitrato de eritatil, o tetranitrato de pentaeritritol e o nitroprussiato de sódio (Nipride). Esses agentes estão listados na Tabela 36.4.29-1. O nitrato de amila (“popers”), um droga de abuso popular utilizada por homens homossexuais e outras pessoas para aumentar a intensidade do orgasmo, não deve ser usado com o sildenafil. Essa combinação causou várias mortes. Os nitratos orgânicos aumentam as concentrações de óxido nítrico circulante e potencializam sua via de sinalização, causando vasodilatação. A utilização de 100 mg de sildenafil levou a uma queda média da pressão arterial de 10 mmHg em voluntários normais; quedas mais significativas
TABELA 36.4.29-1 Nomes genéricos e comerciais de alguns nitratos orgânicos comumente usados Nitroglicerina Deponit (transdérmico) Minitran Nitrek Nitro-Bid Nitrodisc Nitro-Dur Nitrogard Nitroglyn Spray Nitrolingual Ungüento de Nitrol (Appli-Kit) Nitrong Nitro-Par Nitrostat Nitro-Time Transderm-Nitro Mononitrato de isosorbida Imdur Ismo Comprimidos Monoket Dinitrato de isosorbida Dilatrate-SR Isordil Sorbitrato Tetranitrato de eritatil Tetranitrato de pentaeritritol Nitroprussiato de sódio
TERAPIAS
ocorrem em pessoas que tomam ao mesmo tempo, nitratos orgânicos. A diminuição precipitada da pressão arterial pode levar à queda da perfusão coronária a ponto de causar infarto do miocárdio. Os efeitos adversos são dose-dependentes, ocorrendo em taxas mais elevadas com a dose de 100 mg do que com as de 25 ou 50 mg. Os mais comuns são cefaléia, rubor e dor no estômago. Outros efeitos adversos menos recorrentes incluem congestão nasal, infecção do trato urinário, visão anormal (matiz colorido [em geral azul], aumento da sensibilidade à luz ou visão turva), diarréia, tonturas e exantema. Nenhum caso de priapismo foi relatado nos ensaios pré-comercialização. O atendimento de apoio é indicado se houver superdosagem. Ainda que não haja dados disponíveis sobre os efeitos do sildenafil no crescimento e no desenvolvimento fetal, não deve ser utilizado durante a gravidez. INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS A rota principal do metabolismo de sildenafil é através da CYP 3A4; a rota menor passa pela CYP 2C9. Indutores ou inibidores destas enzimas, portanto, afetam a concentração plasmática e a meia-vida do sildenafil. Por exemplo, 800 mg de cimetidina (Tagamet), um inibidor não-específico da CYP, aumentam as concentrações plasmáticas do sildenafil em 56%, e a eritromicina (Ilosone) eleva essas concentrações em 182%. Outros fortes inibidores da CYP 3A4 incluem o cetoconazol (Nizoral), o itraconazol (Sporanox) e o mibefradil (Posicor). Em contraste, a rifampicina, um indutor da CYP 3A4, reduz as concentrações plasmáticas do sildenafil. INTERFERÊNCIAS LABORATORIAIS Nenhuma interferência laboratorial foi descrita com o sildenafil. DOSAGEM E DIRETRIZES CLÍNICAS O sildenafil se encontra disponível em comprimidos de 25, 50 e 160 mg. A dose recomendada é de 50 mg tomados por via oral uma hora antes da relação sexual. Contudo, este agente pode produzir efeito em 30 minutos, cuja duração costuma ser de quatro horas. Em homens jovens sadios, pode persistir por 8 a 12 horas. Com base na eficiência e nos efeitos adversos, a dose pode ser ajustada entre 25 e 100 mg. O sildenafil é recomendado para uso não mais do que uma vez por dia, ainda que em ensaios clínicos mais iniciais para o tratamento da angina, doses de até 50 mg a cada oito horas por 10 dias consecutivos foram bem-toleradas. As diretrizes de dosagem para uso por mulheres, um emprego não contemplado no rótulo, são as mesmas dos homens. Concentrações plasmáticas aumentadas do agente podem ocorrer entre pessoas acima de 65 anos de idade e entre aquelas com cirrose ou comprometimento renal grave ou utilizando inibidores da CYP 3A4. Uma dose inicial de 25 mg deve ser utilizada nessas circunstâncias.
BIOLÓGICAS
1189
Uma formulação de spray nasal para investigação foi desenvolvida, que atua em 5 a 15 minutos a partir de sua administração. Tal preparação é altamente solúvel em água e logo absorvida pela corrente sangüínea. Isso permitiria maior facilidade de utilização. Congêneres do sildenafil estão sendo rapidamente desenvolvidos. REFERÊNCIAS Andersson KE, Hedlund P. New directions for erectile dysfunction therapies. Int J Impot Res. 2002;14(suppl 1):S82. Berman JR, Berman LA, Lin H, et al. Effect of sildenafil on subjective and physiologic parameters of the female sexual response in women with sexual arousal disorder. J Sex Marital Ther. 2001;27:411. Hardman JG, Limbird LE, Goodman Gilman A, eds. Goodman & Gilman’s the Pharmacological Basis of Therapeutics. 10th ed. New York: McGraw-Hill; 2001. Nurnberg HG, Gelenberg A, Hargreave TB, Harrison WM, Siegel RL, Smith MD. Efficacy of sildenafil citrate for the treatment of erectile dysfunction in men taking serotonin reuptake inhibitors. Am J Psychiatry. 2001;158:1926. Rosenberg KP. Sildenafil. J Sex Marital Ther. 1999;25:271. Sadock VA. Normal human sexuality and sexual dysfunctions. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:1577. Seidman SN, Roose SP, Menza MA, Shabsigh R, Rosen RC. Treatment of erectile dysfunction in men with depressive symptoms: results of a placebocontrolled trial with sildenafil citrate. Am J Psychiatry. 2001;158:1623.
36.4.30 Simpatomiméticos e medicamentos relacionados Os simpatomiméticos podem levar à estimulação dos receptores α e β-adrenérgicos diretamente como agonistas e, de maneira indireta, favorecer a liberação de dopamina e norepinefrina dos terminais présinápticos. São referidos de forma variável como estimulantes, psicoestimulantes ou analépticos. Ainda que atuem de forma mais específica sobre os sintomas do déficit de atenção e da hiperatividade em crianças e adultos, além de aumentar o estado de vigília na narcolepsia, são também utilizados para manter a vigília, o estado de alerta e a energia. Em vista de seu início rápido, de seus efeitos imediatos sobre o comportamento e a tendência de se desenvolver tolerância, o que leva ao risco de abuso e dependência em indivíduos vulneráveis, têm sido classificados como medicamentos controlados, e, nos Estados Unidos, sua fabricação, distribuição e utilização são reguladas por agências estaduais e federais. A despeito dessas advertências, são agentes valiosos, e sua utilização persiste de forma crescente em medicina e psiquiatria, em situações clínicas específicas. Os estimulantes podem ser de grande auxílio se prescritos de forma apropriada e monitorada, por causa de sua eficácia em transtornos para os quais nenhum outro medicamento tenha sido útil. Os simpatomiméticos são muito utilizados no transtorno do déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) e na narcolepsia porque não existem outros agentes tão eficazes. São benéficos para condições médicas e cirúrgicas que levam a depressão secundária ou apatia profunda (p. ex., na síndrome da imunodeficiência adquirida [AIDS] e na potencialização dos medicamentos antidepressivos no tratamento da depressão refratária a tratamento).
1190
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Os mais utilizados em psiquiatria incluem o metilfenidato (Ritalina), o dexmetilfenidato (Focalin), a dextroanfetamina (Dexedrine), uma combinação de anfetamina com dextroanfetamina (Adderall), a metanfetamina (Desoxyn) e a pemolina (Cylert), esta última considerada no momento um agente de segunda linha, por causa de uma toxicidade hepática rara, mas potencialmente fatal. Esses medicamentos são indicados para o tratamento do TDAH e da narcolepsia, sendo também eficazes no tratamento de transtornos depressivos em populações especiais (p. ex., entre aqueles com doenças médicas sistêmicas). Tanto a anfetamina como os simpatomiméticos não-anfetamínicos têm sido utilizados como supressores do apetite. Outros medicamentos dessa classe utilizados para esta finalidade incluem a metanfetamina (Desoxyn), a benzfetamina (Didrex), a fentermina (Fastin, Adipex-P, Ionamin), a dietilpropiona (Inibex S), a fenmetrazina (Preludin), a fendimetrazina (Bontril, Adipost) e o mazindol (Absten S). Um estimulante novo, aprovado para o tratamento da narcolepsia nos Estados Unidos, o modafinil (Provigil), é examinado ao final desta seção. QUÍMICA As estruturas moleculares da dextroafentamina, do metilfenidato, da pemolina, da metanfetamina, da fentermina e do modafinil são exibidas na Figura 36.4.30-1. A anfetamina é similar, em estrutura, ao metilfenidato. AÇÕES FARMACOLÓGICAS Todos esses medicamentos são bem-absorvidos pelo trato gastrintestinal. A dextroafentamina atinge o pico das concentrações
plasmáticas em 2 a 3 horas e possui uma meia-vida de cerca de seis horas, o que implica administração de 2 a 3 vezes ao dia. O metilfenidato se encontra disponível em formulações de liberação imediata (Ritalina), de liberação sustentada (Ritalina SR) e de liberação prolongada (Concerta). A primeira composição atinge o pico das concentrações plasmáticas em 1 a 2 horas e tem uma meia-vida de 2 a 3 horas, necessitando de doses diárias múltiplas. A segunda atinge o pico das concentrações plasmáticas em 4 a 5 horas e sua meia-vida efetiva é duas vezes maior do que a do metilfenidato. A terceira atinge o pico das concentrações plasmáticas em 6 a 8 horas e foi projetada para ser efetiva por 12 horas em doses de uma vez ao dia. O dexmetilfenidato atinge o pico do nível plasmático em cerca de sete horas, sendo administrado duas vezes ao dia. A pemolina atinge o pico das concentrações plasmáticas em 2 a 4 horas e apresenta meia-vida de cerca de 12 horas, enquanto o modafinil atinge o pico no mesmo período, mas com uma meiavida de 15 horas, o que permite administração uma vez ao dia tanto de um quanto de outro. O Adderall se encontra disponível em formulações de liberação imediata e prolongada (Adderall XR*). O de liberação imediata atinge o pico das concentrações plasmáticas em cerca de três horas, e o de liberação prolongada o faz em sete horas e provê um controle efetivo de sintomas por todo o dia com uma única dose pela manhã; a preparação de liberação imediata necessita de doses múltiplas. O metilfenidato, o dexmetilfenidato, a dextroanfetamina e a anfetamina são simpatomiméticos de ação indireta, com o efeito principal de causar a liberação de catecolaminas dos neurônios pré-sinápticos. A eficácia clínica se associa ao aumento tanto de dopamina como de norepinefrina. A dextroanfetamina e o metilfenidato são também inibidores fracos da recaptação de catecolaminas e de mo-
NH2
H CH2C
CH2CHNHCH3 CH3
CH3 Metanfetamina
Dextroanfetamina
N
H C
CH3 CH2C
C O
OCH
CH3 Fentermina
Metilfenidato
N O Pemolina
H
O
O
NH
O
NH2
CH
S
CH2
C
NH2
Modafinil
FIGURA 36.4.30-1 Estruturas moleculares de simpatomiméticos selecionados. O dexmetilfenidato é o D-treo-enanciômero do metilfenidato.
TERAPIAS
noaminoxidase. A pemolina pode, de maneira indireta, estimular a atividade dopaminérgica por um mecanismo malcompreendido, mas tem pouca atividade simpatomimética real. EFEITOS SOBRE ÓRGÃOS E SISTEMAS ESPECÍFICOS Sistema nervoso central. A anfetamina estimula o centro respiratório do bulbo e tem efeito excitador sobre a função cortical. Em adultos, dependendo da personalidade e de fatores do contexto, pode aumentar a vigília, a energia, o estado de alerta, a iniciativa, a autoconfiança e o desempenho físico e mental, reduzir a fadiga e produzir euforia. Esses efeitos ocorrem logo após a ingestão. Sistema cardiovascular. As anfetaminas podem elevar a pressão arterial (particularmente pacientes com hipertensão), e doses elevadas podem causar arritmias cardíacas (em especial entre aqueles com doença cardiovascular). Esses efeitos não são prováveis em doses clínicas habituais em um paciente sem doença cardiovascular ou hipertensão. Esses agentes são mais potentes na produção de efeitos cardiovasculares do que a dextroanfetamina por causa de seus efeitos mais fortes sobre a norepinefrina. Efeitos endócrinos. Relatos iniciais sugeriram que tanto a dextroanfetamina quanto o metilfenidato podem suprimir o crescimento em crianças. Um estudo controlado recente com crianças e adolescentes jovens verificou diferenças pequenas, mas significativas, em relação à altura, as quais eram evidentes entre os mais novos (mas não entre os mais velhos) com TDAH, sem associação com a utilização de medicamentos psicotrópicos. Este estudo concluiu que os efeitos sobre o crescimento pareciam se relacionar ao transtorno, e não a seu tratamento. INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade Os simpatomiméticos são os medicamentos de primeira linha para o tratamento do TDAH em crianças e são eficazes em cerca de 75% do tempo. O metilfenidato e a dextroanfetamina são igualmente benéficos e atuam em 15 a 30 minutos. A pemolina necessita de 3 a 4 semanas para atingir sua eficácia plena, que, a despeito disso, pode ser menor do que a destes dois. Os medicamentos reduzem a hiperatividade, aumentam a atenção e controlam a impulsividade. Podem também reduzir comportamentos de oposição co-mórbidos associados ao TDAH. Muitas pessoas tomam estes agentes por toda a vida escolar e mesmo além. Entre as que respondem, a utilização de simpatomiméticos pode ser um determinante fundamental do êxito escolar. Os simpatomiméticos melhoram os sintomas básicos do TDAH de hiperatividade, impulsividade e desatenção e possibilitam a melhora das interações sociais com professores, família, outros adultos e colegas. O êxito do tratamento de longo prazo, que é eficaz para a maioria dos sintomas do TDAH presentes da infância à vida adulta, apóia o modelo no qual o transtorno é resultado de um desequilíbrio
BIOLÓGICAS
1191
neuroquímico geneticamente determinado que necessita de manejo farmacológico ao longo da vida. O metilfenidato é o agente inicial utilizado com mais freqüência, em dosagens de 5 a 10 mg, a cada 3 a 4 horas. Essas doses podem ser aumentadas até o máximo de 20 mg três vezes ao dia ou 1 mg/kg por dia. O emprego da formulação de liberação sustentada de 20 mg para se conseguir seis horas de benefício e eliminar a necessidade de doses na escola é apoiado por vários especialistas, embora outras autoridades consideram-na menos efetiva do que a formulação de liberação imediata. Tal medicamento é prescrito na dose inicial de 2,5 mg e aumentado com acréscimos de 2,5 a 5 mg, até o máximo de 10 mg duas vezes ao dia. A dextroanfetamina é cerca de duas vezes mais potente do que o metilfenidato na base de mg por dose e provê 6 a 8 horas de benefício. Cerca de 70% dos que não respondem a um simpatomimético podem se beneficiar de outro. Todos os agentes dessa classe devem ser tentados antes de se mudar para agentes de um grupo diferente. A afirmação prévia de que os simpatomiméticos pioram tiques e, dessa forma, deveriam ser evitados por pessoas com TDAH com transtornos de tique co-mórbidos foi questionada há pouco por causa de relatos de que doses pequenas a moderadas dos mesmos podem ser bem-toleradas sem causar aumento da freqüência e da gravidade dos tiques. Alternativas para estes agentes no tratamento do TDAH incluem a bupropiona (Wellbutrin), a venlafaxina (Efexor), a guanfacina (Tenex), a clonidina (Atensina) e os tricíclicos. A utilização de curto prazo dos simpatomiméticos induz sentimentos de euforia; contudo, a tolerância se desenvolve tanto para esse efeito como para a atividade simpatomimética, mas não compromete os efeitos terapêuticos para o TDAH. Narcolepsia A narcolepsia consiste de ataques súbitos de sono, perda súbita do tônus postural (cataplexia), perda do controle motor voluntário (paralisia do sono) ao adormecer (hipnagógico) ou despertar (hipnopômpico) e alucinações hipnagógicas e hipnopômpicas. Os simpatomiméticos reduzem os ataques de sono narcoléptico e também aumentam a vigília em outros tipos de estado de hipersonolência. Além disso, são empregados para manter a vigília e a acuidade do desempenho motor em indivíduos submetidos à privação de sono, como pilotos e militares. Aqueles com narcolepsia, diferentemente dos portadores de TDAH, podem desenvolver tolerância aos efeitos terapêuticos dos simpatomiméticos. Transtornos depressivos Os simpatomiméticos podem ser utilizados em casos de transtornos depressivos resistentes a tratamento, em geral para potencializar o tratamento com medicamentos antidepressivos tradicionais. Possíveis indicações para a utilização de simpatomiméticos como monoterapia incluem depressão de idosos, que têm aumento de risco para os efeitos adversos dos antidepressivos; depressão de indivíduos com doença médica sistêmica, em especial AIDS; obnubilação decorrente da utilização crônica de opíóides; e situa-
1192
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
ções clínicas em que uma resposta rápida é importante, mas a eletroconvulsoterapia (ECT) é contra-indicada. Os pacientes depressivos com abulia e anergia também podem se beneficiar. A dextroanfetamina pode ser útil na diferenciação entre pseudodemência e depressão de demência. Um indivíduo deprimido costuma responder à dose de 5 mg, ficando mais alerta e apresentando melhora da cognição. Acredita-se que os simpatomiméticos provêm somente um benefício de curto prazo (2 a 4 semanas) para a depressão, devido ao fato de que a maioria dos pacientes desenvolve tolerância muito rápido para seus efeitos antidepressivos. Contudo, alguns clínicos relatam que o tratamento de longo prazo pode beneficiar alguns indivíduos.
simpatomiméticos. Esses sintomas são encontrados também em outras condições, como na síndrome da fadiga crônica, na neurastenia, na fibromialgia, na distimia e no transtorno da personalidade depressiva. Em cada uma dessas, os psicoestimulantes têm beneficiado pacientes individuais. A dose diária de dextroanfetamina (5 a 15 mg) possibilita a superação da letargia e o engajamento em atividades construtivas. Quando são empregados agentes dessa classe, o desenvolvimento potencial de tolerância e dependência deve ser considerado e discutido com o paciente, e sua utilização deve ser monitorada com atenção. Quando prescritos de forma apropriada, vários pacientes são capazes de manter a anfetamina em um nível de doses diárias estável por longos períodos.
Encefalopatia resultante de lesão cerebral
PRECAUÇÕES E REAÇÕES ADVERSAS
Os simpatomiméticos aumentam o estado de alerta, a cognição, a motivação e o desempenho motor de indivíduos com déficits neurológicos causados por acidentes vasculares cerebrais, traumas, tumores ou infecções crônicas. O tratamento com esses agentes permite uma participação mais precoce e mais atuante em programas de reabilitação. A letargia e a apatia após acidentes vasculares cerebrais podem responder à utilização de longo prazo dos simpatomiméticos.
Os efeitos adversos mais comuns associados aos simpatomiméticos são dor epigástrica, ansiedade, irritabilidade, insônia, taquicardia, arritmias cardíacas e disforia. Eles diminuem o apetite, ainda que, em geral, se desenvolva tolerância para esse efeito. O tratamento dos efeitos adversos comuns em crianças com TDAH tende a ser bastante direcionado (Tab. 36.4.30-1). A utilização desses agentes pode aumentar a freqüência cardíaca e a pressão arterial e causar palpitações. Efeitos adversos menos comuns incluem a indução de transtornos do movimento, como tiques, sintomas semelhantes ao transtorno de Tourette e discinesias, que são por vezes limitados a 7 a 10 dias. Se um indivíduo tomando um simpatomimético desenvolve um desses transtornos do movimento, pode ser estabelecida com firmeza uma correlação entre a dose e a gravidade do transtorno, antes do ajuste da mesma. Em casos graves, é necessária a potencialização com risperidona (Risperdal), clonidina ou guanfacina. O metilfenidato pode piorar os tiques em um terço dos indivíduos, os quais se encaixam em dois grupos: os com tiques induzidos pelo metilfenidato se resolvem logo com a metabolização da dose e um grupo menor em que o agente parece desencadear tiques que persistem por vários meses, mas que são capazes de se resolver de forma espontânea. Estudos longitudinais não indicam que os simpatomiméticos causem supressão de crescimento. Eles podem exacerbar glaucoma, hipertensão, doenças cardiovasculares, hipertireoidismo, transtornos de ansiedade, transtornos psicóticos e doenças convulsivas. Doses elevadas podem causar boca seca, dilatação pupilar, bruxismo, formigamento, excitação excessiva, inquietação e instabilidade emocional. A utilização de longo prazo de qrandes quantidades pode resultar em transtorno delirante, o qual se assemelha à esquizofrenia paranóide. Superdosagens levam a hipertensão, taquicardia, hipertermia, psicose tóxica, delirium e, em alguns casos, convulsões. Além disso, podem provocar morte, por vezes decorrente de arritmias cardíacas. As convulsões podem ser tratadas com benzodiazepínicos, os efeitos cardíacos com antagonistas de receptores β-adrenérgicos, a febre com compressas frias, e o delirium com antagonistas dos receptores de dopamina. O efeito adverso mais limitante dos simpatomiméticos é sua associação com dependência psicológica e física. Em doses utilizadas para o tratamento do TDAH, a dependência psicológica quase nunca se desenvolve. Uma preocupação maior é a possibilidade de que um adolescente ou adulto que more junto com o
Obesidade Agentes dessa classe são utilizados no tratamento da obesidade por causa de seu efeito de induzir anorexia. Em vista de se desenvolver tolerância para o efeito anorexigênico e por seu elevado potencial de abuso, sua utilização para tal indicação é limitada. Dentre os simpatomiméticos, a fentermina é a mais amplamente utilizada para a supressão do apetite. A fentermina era a segunda metade de “fenfen”, uma combinação sem rótulo de fenfluramina e fentermina amplamente utilizada para promover a perda de peso até que a fenfluramina e a dexfenfluramina foram retiradas da disponibilidade comercial, em vista de sua associação com insuficiência valvular cardíaca, hipertensão arterial primária e perda irreversível de fibras nervosas cerebrais serotonérgicas. Sua toxicidade é atribuída ao fato de que estimula a liberação de grandes quantidades de serotonina nos terminais nervosos, um mecanismo de ação não compartilhado pela fentermina. Não se relatou que a utilização desta isoladamente cause os mesmos efeitos adversos da fenfluramina ou da dexfenfluramina. A limitação cuidadosa da ingestão de calorias e exercícios controlados são o centro de qualquer programa bem-sucedido de perda de peso. Os medicamentos simpatomiméticos facilitam a perda de, no máximo, uma fração adicional de 500 g por semana. Esses são supressores eficazes do apetite somente nas primeiras semanas de uso; a seguir, o efeito anorexígeno tendem a se reduzir. Outros transtornos Como mencionado, os pacientes que sofrem de abulia ou anergia como parte de um transtorno depressivo podem se beneficiar de
TERAPIAS
TABELA 36.4.30-1 Manejo dos efeitos adversos comuns induzidos por estimulantes no transtorno de déficit de atenção/hiperatividade Efeito adverso
Manejo
Anorexia, náuseas, perda de peso
• Administrar o estimulante com as refeições. • Utilizar suplementos com reforço calórico. Não forçar as refeições. • Se utilizando pemolina, verificar testes de função hepática. • Administrar os estimulantes mais cedo no dia. • Mudar para preparações de curta duração. • Interromper a dose vespertina ou do anoitecer. • Considerar tratamento complementar (p. ex., anti-histamínicos, clonidina, antidepressivos). • Monitorar a pressão arterial. • Encorajar a ingestão de líquidos. • Mudar para uma formulação de longa duração. • Sobrepor as doses do estimulante. • Mudar para uma preparação de longa duração ou combinar preparações de curta e longa duração. • Considerar tratamentos complementares ou alternativos (p. ex., clonidina, antidepressivos). • Avaliar o momento do fenômeno (durante a fase de pico ou de supressão). • Avaliar os sintomas co-mórbidos. • Reduzir a dose. • Considerar tratamentos complementares ou alternativos (p. ex., lítio, antidepressivos, anticonvulsivantes). • Considerar diagnósticos co-mórbidos (p. ex., transtorno do humor). • Reduzir a dose ou mudar para uma preparação de longa duração. • Considerar tratamentos complementares ou alternativos (p. ex., lítio, antidepressivos, anticonvulsivantes).
Insônia, pesadelos
Tonturas
Fenômeno de rebote
Irritabilidade
Disforia, variação do humor, agitação
De Wilens TE, Biederman J. The stimulants. In: Schatter D, ed. The Psychiatric Clinics of North America: Pediatric Psychopharmacology. Philadelphia: WB Saunders, 1992, com permissão.
paciente se aproprie do suprimento de simpatomiméticos para abuso ou para venda. O uso desses agentes deve ser evitada durante a gravidez, sobretudo durante o primeiro trimestre. A dextroanfetamina e o metilfenidato passam para o leite materno, e não se sabe se a pemolina ou o modafinil o fazem. Uma revisão da experiência pós-comercialização com a pemolina, de 1975 a 1996, verificou 13 casos de insuficiência hepática aguda, 10 dos quais em crianças. Isso levou a Food and Drug Administration (FDA) a modificar a bula para recomendar que esse medicamento não fosse mais considerado como opção de primeira linha para o TDAH. INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS A co-administração dessa classe com antidepressivos tricíclicos ou tetracíclicos, warfarin (Marevan), primidona (Mysoline), fenobarbital (Gardenal), fenitoína (Epelin) ou fenilbutazona (Bu-
BIOLÓGICAS
1193
tazolidina) reduz o metabolismo desses compostos, causando aumento dos níveis plasmáticos. Os simpatomiméticos reduzem a eficácia terapêutica de vários anti-hipertensivos, em especial da guanetidina (Ismelina). Além disso, devem ser utilizados com extrema cautela com os inibidores da monoaminoxidase. INTERFERÊNCIAS LABORATORIAIS A dextroanfetamina pode elevar os níveis plasmáticos dos corticosteróides e falsear alguns métodos de dosagem de corticosteróides urinários. DOSAGEM E ADMINISTRAÇÃO A faixa de dosagem das preparações disponíveis dos simpatomiméticos é apresentada na Tabela 36.4.30-2. A dextroanfetamina, o dexmetilfenidato, o metilfenidato, a anfetamina, a benzfetamina e a metanfetamina são medicamentos do Esquema II e, em alguns estados americanos, necessitam de prescrições oficiais regulamentadas pelo governo. A fendimetrazina e a fenmetrazina são agentes do Esquema III, e o modafinil, a fentermina, a dietilpropiona e o mazindol são do Esquema IV. A avaliação pré-tratamento deve incluir análise da função cardíaca do paciente, com atenção particular para a presença de hipertensão ou taquiarritmias. O clínico também precisa considerar a presença de transtornos dos movimentos, como tiques e discinesia, em vista de essas condições poderem ser exacerbadas pela utilização dos simpatomiméticos. Se estiverem presentes tiques, vários especialistas não utilizam agentes dessa classe, optam pela clonidina ou por um antidepressivo. Contudo, dados recentes indicam que os simpatomiméticos podem causar apenas um leve aumento em tiques motores e que podem, eventualmente, suprimir tiques vocais. As funções hepática e renal devem ser avaliadas, e as doses precisam ser reduzidas em pessoas com comprometimento do metabolismo. No caso da pemolina, qualquer elevação das enzimas do fígado é uma forte razão para interromper seu uso. Indivíduos com TDAH podem tomar o metilfenidato de liberação imediata às 8, 12 e 16 horas. A anfetamina de liberação sustentada, o metilfenidato de liberação sustentada e o metilfenidato de liberação prolongada podem ser tomados uma vez às 8 horas da manhã. A dose-padrão de início do metilfenidato varia de 2,5 a 20 mg por dia. Se for inadequada, deve ser aumentada até o máximo de 80 mg. O dexmetilfenidato é administrado duas vezes ao dia, começando com 5 mg e chegando até 20 mg por dia. A dose da dextroanfetamina é de 2,5 a 40 mg por dia. A pemolina é administrada em doses de 18,75 a 112,5 mg diários. Testes de função hepática devem ser monitorados durante sua utilização. Ainda que não esteja claro se a avaliação de rotina do fígado possa predizer a insuficiência hepática decorrente de pemolina, certamente é necessário interromper sua utilização se os testes apresentarem qualquer indicação de disfunção hepática. As crianças, em geral, são mais sensíveis aos efeitos adversos do que o são os adultos. A dosagem para o tratamento da narcolepsia e da depressão é comparável à do tratamento para TDAH.
1194
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 36.4.30-2 Simpatomiméticos comumente usados em psiquiatria
Nome genérico
Nome comercial
Preparações
Anfetaminadextroanfetamina
Adderall
Dextroanfetamina
Dexedrina, DextroStat
Modafinil
Provigil
Metanfetamina
Desoxyn
Metilfenidato
Ritalina, Methidato, Methylin, Attenade
Comprimidos de 5, 10, 20, 30 mg; comprimidos de liberação estendida (ER) de 30 mg Cápsulas de 5, 10, 50 mg ER; comprimidos de 5, 10 mg Comprimidos de 100, 200 mg Comprimidos de 5 mg; comprimidos ER de 5, 10, 15 mg Comprimidos de 5, 10, 15, 20 mg; comprimidos SR de 10, 20 mg Comprimidos ER de 18, 36, 54 mg Comprimidos de 2,5, 5, 10 mg Comprimidos de 18,75, 37,5, 75 mg; comprimidos mastigáveis de 37,5 mg
Concerta Dexmetilfenidato
Focalin
Pemolina
Cylert
aPara
Dose diária inicial
Dose diária usual para TDAHa
Dose diária usual para narcolepsia
5-10 mg
20-30 mg
5-60 mg
Crianças: 40 mg Adultos: 60 mg
5-10 mg
20-30 mg
5-60 mg
Crianças: 40 mg Adultos: 60 mg
100 mg
Não usado
400 mg
400 mg
5-10 mg
20-25 mg
Geralmente nãousado
45 mg
5-10 mg
5-60 mg
20-30 mg
Crianças: 80 mg Adultos: 90 mg
18 mg
18-54 mg
2,5 mg
5-20 mg
37,5 mg
56,25-75 mg
Ainda não-estabe- 54 mg lecida Ainda não-estabe- 60 mg lecida Não-usado 112,5 mg
Dose diária máxima
crianças com seis anos de idade ou mais velhas.
Muitos psiquiatras acreditam que a utilização das anfetaminas tenha sido regulada demais por autoridades governamentais. Estão listadas como medicamentos do Esquema II pela U. S. Drug Enforcement Agency (DEA, Agência de Fiscalização de Medicamentos dos Estados Unidos). Em alguns estados americanos, os médicos precisam utilizar prescrições oficiais para esses medicamentos, com uma cópia arquivada na agência do governo estadual. Tais exigências preocupam tanto pacientes como médicos em relação à quebra de confidencialidade, além da preocupação destes últimos de que suas práticas de prescrição possam ser mal-interpretadas por agências oficiais. Em conseqüência, podem evitar a prescrição de simpatomiméticos, mesmo para indivíduos que pudessem se beneficiar com seu uso.
Ações farmacológicas O modafinil é rapidamente absorvido pelo trato gastritestinal e atinge o pico das concentrações plasmáticas em 2 a 4 horas, tem uma meia-vida de cerca de 15 horas e atinge o estado estável após 2 a 4 dias de administrações diárias. Os alimentos não afetam sua biodisponibilidade, mas retardam a taxa de absorção, que pode ser clinicamente significativa se o paciente tem necessidade de efeitos terapêuticos cedo pela manhã. O medicamento é metabolizado no fígado, e os metabólitos são secretados principalmente pelos rins. O mecanismo de ação para as propriedades indutoras da vigília não é conhecido. Acredita-se que o modafinil atue como um fraco inibidor da recaptação de dopamina. Isso é apoiado por modelos in vitro, pela observação de aumento dos níveis da dopamina extracelular sem aumento da sua liberação.
MODAFINIL O modafinil (Provigil) é um composto único entre os psicoestimulantes aprovados atualmente. É autorizado para utilização na melhora da vigília de pacientes com sonolência diurna excessiva associada com narcolepsia. Seu mecanismo de ação é desconhecido, mas seus efeitos estão levando os clínicos a utilizar o medicamento para tratar a sonolência diurna de outras condições neurológicas e psiquiátricas. Química A estrutura molecular do modafinil encontra-se na Figura 36.4.30-1.
Indicações terapêuticas A única indicação aprovada para o modafinil é na redução da sonolência diurna de pacientes com narcolepsia. É importante referir que esse agente por si só não trata a narcolepsia subjacente. Os estudos conduzidos para sua aprovação duraram nove semanas, mas os pacientes continuaram em estudos de rótulo aberto que demonstraram o benefício persistente do medicamento em estudos de até quatro anos. Desde seu lançamento, os clínicos têm utilizado o modafinil para tratar a sedação diurna de outras condições neurológicas e
TERAPIAS
psiquiátricas. Os distúrbios neurológicos estudados incluem doença de Parkinson e esclerose múltipla, ambas associadas à sedação diurna em muitos pacientes. Relatou-se também que a fadiga resultante da depressão melhorou com a utilização do modafinil. Para tais indicações, seu emprego está sob investigação em estudos controlados maiores. Em vista de seus efeitos sobre o estado de vigília, tem sido estudado em crianças com TDAH, e alguns dos estudos preliminares acerca do transtorno têm sido positivos.
BIOLÓGICAS
1195
cos. Ajustes para cima da dose dos anticoncepcionais esteróides com doses baixas e de alguns medicamentos metabolizados pela CYP 3A4 (p. ex., ciclosporina, teofilina) podem ser indicados. Os efeitos competitivos do modafinil sobre a enzima CYP 2C9 podem provocar aumento das concentrações plasmáticas de outros substratos desta, como o diazepam, a fenitoína e o propranolol. Interferências laboratoriais
Efeitos sobre órgãos e sistemas específicos Sistema nervoso central. Estudos in vitro do modafinil indicaram algumas características de medicamentos simpatomiméticos, inclusive a auto-administração por macacos previamente treinados a se auto-administrar cocaína e alguma evidência de que o agente é, em parte, considerado pelos animais como estimulante-símile. Em humanos, relatou-se que o modafinil se associa a efeitos eufóricos, alterações do humor, da percepção e do pensamento. Sistema cardiovascular. Há um pequeno número de efeitos adversos relacionados a condições cardiovasculares em estudos clínicos de narcolepsia; por isso, não é recomendado que o modafinil seja utilizado em combinação com simpatomiméticos em pacientes que apresentam maior risco de doenças cardiovasculares (p. ex., história de hipertrofia ventricular esquerda, alterações isquêmicas do ECG, história recente de infarto do miocárdio). Precauções e reações adversas Os efeitos adversos mais comuns associados ao modafinil são cefaléia e náuseas. Ele não implica modificações dos sinais vitais, do ECG ou do peso. Em geral, é um medicamento bem-tolerado. Potencial de abuso. Pelo fato de esse agente ter algumas propriedades semelhantes às dos simpatomiméticos, sua utilização por pacientes com história de abuso de estimulantes deve ser evitada ou monitorada com cuidado, se prescrita. Em estudos clínicos, não foram observados sintomas de abstinência relacionados à suspensão da utilização do modafinil. Gravidez. Assim como ocorre com outros medicamentos psicoativos, o modafinil não deve ser utilizado por mulheres grávidas. Não se sabe se ele é ou não excretado pelo leite materno; por isso, não se recomenda prescrevê-lo a mulheres que estejam amamentando. Interações medicamentosas O modafinil é metabolizado pela isoenzima 2C9 do citocromo P450 (CYP) e também causa modesta indução da CYP 3A4 com a administração crônica. Um resultado importante dessa indução é que as concentrações plasmáticas de esteróides anticoncepcionais com doses baixas podem ser reduzidas a níveis subterapêuti-
Não há interferências laboratoriais relatadas com o modafinil. Dosagem e administração O modafinil é fornecido em comprimidos de 100 e 200 mg. A dose inicial é de 200 mg por dia, administrados uma vez pela manhã. Alguns pacientes podem necessitar de 300 a 400 mg por dia, também administrados uma vez pela manhã. Essas doses têm indicação aprovada na narcolepsia, mas também há faixas que também têm sido utilizadas por clínicos em outras indicações. REFERÊNCIAS Fawcett J. Sympathomimetics. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2474. Fawcett J, Busch KA. Stimulants in psychiatry. In: Schatzberg AF. Nemeroff CB, eds. Essentials of Clinical Psychopharmacology. Washington, DC: American Psychiatric Association; 2001:303. Greenhill LL, Ford RE. Childhood attention-deficit hyperactivity disorder: pharmacological treatments. In: Nathan PE, Gorman JM, eds. A Guide to Treatments That Work. 2nd ed. London: Oxford University Press; 2002:25. Hoffman BB. Catecholamines, sympathomimetic drugs, and adrenergic receptor antagonists. In: Hardman JG, Limbird LE, Goodman Gilman A, eds. Goodman & Gilman’s the Pharmacological Basis of Therapeutics. 10th ed. New York: McGraw-Hill; 2001:215. Levy F, Hobbes G. Does haloperidol block methylphenidate? Psychopharmacology. 1996;126:70. Littner M, Johnson SF, McCall V, et al. Practice parameters for the treatment of narcolepsy: an update for 2000. Sleep. 2001;24:451. Mattay VS, Berman KF, Ostrem JL, et al. Dextroamphetamine enhances “neural network-specific” physiological signals: a positron-emission tomography rCBF study. J Neurosci. 1996;16:4816. Nieves AV, Lang AE. Treatment of excessive daytime sleepiness in patients with Parkinson’s disease with modafinil. Clin Neuropharmacol. 2002;25:111. Olim J, Masand P. Psychostimulants for depression in hospitalized cancer patients. Psychosomatics. 1996;37:57. Ross DC, Fischhoff J, Davenport B. Treatment of ADHD when tolerance to methylphenidate develops. Psychiatr Serv. 2002;53:102. Scammel TE, Estabrooke IV, McCarthy MT, et al. Hypothalamic arousal regions are activated during modafinil-induced wakefulness. J Neurosci. 2000;10:8620. Spiga R, Pearson DA, Broitman M, Santos CW. Effects of methylphenidate on cooperative responding in children with attention-deficit hyperactivity disorder. Exp Clin Psychopharmacol. 1996;4:451. Stoll AL, Pillay SS, Diamond L, Workum A. Methylphenidate augmentation of serotonin selective reuptake inhibitors: a case series. J Clin Psychiatry. 1996;57:72. Taylor FB, Russo J. Efficacy of modafinil compared to dextroamphetamine for the treatment of attention deficit hiperactivity disorder in adults. J Child Adolesc Psychopharmacol. 2000;10:311. Teitelman E. Modafinil for narcolepsy. Am J Psychiatry. 2001;158:970. US Modafinil in Narcolepsy Multicenter Study Group: Randomized trial of modafinil for the treatment of pathological somnolence in narcolepsy. Ann Neurol. 1997;43:88.
1196
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Wagner GJ, Rabkin R. Effects of dextroamphetamine on depression and fatigue in men with HIV: a double-blind, placebo-controlled trial. J Clin Psychiatry. 2000;61:436. Wensten NJ, Belenky G, Kautz MA, Thorne DR, Reichardt RM, Balkin TJ. Maintaining alertness and performance during sleep deprivation: modafinil versus caffeine. Psychopharmacology. 2002;159:238.
36.4.31 Hormônios da tireóide
zio. A meia-vida da levotiroxina é de 6 a 7 dias, e a da liotironina é de 1 a 2 dias. O mecanismo de ação de seus efeitos sobre a eficácia dos antidepressivos é desconhecida, mas pode estar envolvida uma interação com os receptores β-adrenérgicos. Os hormônios da tireóide são essenciais para o funcionamento apropriado de todos os neurônios. Eles se ligam aos receptores intracelulares que regulam a transcrição de uma ampla gama de genes, incluindo vários receptores de neurotransmissores. EFEITOS SOBRE ÓRGÃOS E SISTEMAS ESPECÍFICOS
Os hormônios da tireóide – levotiroxina (Synthroid, Puran T4, Euthyrox) e liotironina (Cytomel) – são utilizados em psiquiatria tanto isolados como para a potencialização do tratamento de pessoas com depressão ou com transtorno bipolar I com ciclagem rápida. Podem converter um indivíduo não-responsivo a antidepressivos em responsivo. Os hormônios da tireóide são utilizados também como tratamento de reposição para aqueles que desenvolveram um estado hipotireoidiano devido ao tratamento com lítio (Carbolitium).
Os efeitos da levotiroxina e da liotironina sobre órgãos e sistemas específicos são os mesmos que os dos hormônios endógenos da tireóide, e os sintomas de toxicidade e superdosagem são semelhantes aos de hipertireoidismo. Tais medicamentos afetam a maioria dos órgãos e sistemas do organismo, em especial o sistema cardiovascular. INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS
QUÍMICA As estruturas moleculares da levotiroxina e da liotironina estão expostas na Figura 36.4.31-1. Tanto a levotiroxina endógena como a liotironina exógena são convertidas na triiodotironina no organismo. AÇÕES FARMACOLÓGICAS Os hormônios da tireóide são administrados por via oral e sua absorção pelo trato gastrintestinal é variável, ficando aumentada se o medicamento é administrado enquanto o estômago está va-
A principal indicação dos hormônios da tireóide em psiquiatria é como coadjuvantes dos antidepressivos. Não há uma correlação clara entre as medidas de laboratório da função da tireóide e a resposta à suplementação dos antidepressivos com os hormônios. Se um paciente não respondeu a um tratamento de seis semanas com antidepressivos em doses apropriadas, o uso tanto com lítio como com um hormônio da tireóide como coadjuvante é uma alternativa. A maioria dos clínicos utiliza o lítio como auxiliar, antes de tentar um hormônio da tireóide. Vários ensaios controlados referiram que a utilização da liotironina converte cerca de 50% dos não-responsivos a antidepressivos em responsivos. Não se demonstrou que esses agentes causem problemas particulares em pacientes pediátricos ou geriátricos; contudo, devem ser utilizados com cuidado por idosos, que podem ter uma doença cardíaca oculta.
O I
HO
ONa O
I
I Liotironina
I HO
O I ONa
I
PRECAUÇÕES E REAÇÕES ADVERSAS
H NH2
H NH2
O
xH2O
I Levotiroxina FIGURA 36.4.31-1 Estruturas moleculares da liotironina e da levotiroxina.
Os efeitos adversos mais comuns associados aos hormônios da tireóide são perda de peso, palpitações, nervosismo, diarréia, cãibras abdominais, sudorese, taquicardia, aumento da pressão arterial, tremores, cefaléia e insônia. Também pode ocorrer osteoporose com o tratamento de longo prazo. Superdosagens podem provocar insuficiência cardíaca e morte. Os hormônios da tireóide não devem ser administrados a pacientes com doença cardíaca, angina ou hipertensão. Estão contra-indicados em casos de tireotoxicose e insuficiência supra-renal não-corrigidas e para pacientes com infarto agudo do miocárdio. Por não passarem pela placenta, podem ser administrados com segurança a mulheres grávidas. Pouquíssimos hormônios da tireóide são excretados pelo leite materno e não se demonstrou que causem problemas a mulheres que estejam amamentando.
TERAPIAS
INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS Os hormônios da tireóide podem potencializar os efeitos do warfarin (Marevan) e de outros anticoagulantes ao aumentar o metabolismo de fatores da coagulação. Além disso, potencializam a necessidade de insulina entre pacientes com diabete. Os simpatomiméticos e os hormônios da tireóide não devem ser co-administrados devido ao risco de descompensação cardíaca. INTERFERÊNCIAS LABORATORIAIS Não se relatou que a levotiroxina interfira em qualquer exame laboratorial. A utilização da liotironina, contudo, suprime a liberação do T4 endógeno, reduzindo, assim, o valor de qualquer teste de função da tireóide que dependa de sua medida. O valor do TSH não é afetado pela administração tanto de uma quanto de outra. DOSAGEM E DIRETRIZES CLÍNICAS A liotironina se encontra disponível em comprimidos de 5, 25 e 50 μg. A levotiroxina, em comprimidos de 12,5, 25, 50, 75, 88, 100, 112, 125, 137, 150, 175, 200 e 300 μg; estando também disponível em forma parenteral com 200 e 500 μg. A dose da liotironina é de 25 a 50 μg por dia acrescentados ao regime de antidepressivos. Esta tem sido utilizada como coadjuvante para todos os medicamentos antidepressivos disponíveis. Uma tentativa adequada de suplementação com liotironina deve durar de 7 a 14 dias. Se não for bemsucedida, deve ser continuada por dois meses e, a seguir, reduzida aos poucos, a uma taxa de 12,5 μg por dia a cada 3 a 7 dias. REFERÊNCIAS Aronson R, Offman HJ, Joffe RT, Naylor CD. Triiodothyronine augmentation in the treatment of refractory depression: a meta-analysis. Arch Gen Psychiatry. 1996;53:842. Baumgartner A, Bauer M, Hellweg R. Treatment of intractable non–rapid cycling bipolar affective disorder with high-dose thyroxine: an open clinical trial. Neuropsychopharmacology. 1994;10:183. Gitlin MJ. Treatment-resistant bipolar disorder. Bull Menninger Clin. 2000;65:26. Harris B. Hormonal aspects of postnatal depression. Int Rev Psychiatry. 1996;8:27. Hopkins HS, Gelenberg AJ. Treatment of bipolar disorder: how far have we gone? Psychopharmacol Bull. 1994;30:27. Joffe RT. Thyroid hormones. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2478. Joffe RT, Sokolov STH. Thyroid hormone treatment of primary unipolar depression: a review. Int J Neuropsychopharmacol. 2000;3:143. Prohaska ML. Thyroid, lithium, and cognition: the use of thyroid hormone augmentation in the reduction of cognitive side effects associated with lithium maintenance. Diss Abstr Int B Sci Eng. 1994;55:603. Prohaska ML, Stern RA, Nevels CT, et al. The relationship between thyroid status and neuropsychological performance in psychiatric outpatients maintained on lithium. Neuropsychiatry Neuropsychol Behav Neurol. 1996;9:30. Suzuki K, Kusumi I, Inoue T, et al. Effect of thyroxine for treatment-resistant affective disorder [Japanese]. Seishin Igaku (Clin Psychiatry). 1995;37:477. Terao T, Oga T, Nozaki S, et al. Possible inhibitory effect of lithium on peripheral conversion of thyroxine to triiodothironine: a prospective study. Int Clin Psychopharmacol. 1995;10:103. Verdoux H, Mury M, Borgeou M. Comorbity of bipolar disorder and bulimia nervosa. Eur Psychiatry. 1994;9:315.
BIOLÓGICAS
1197
36.4.32 Trazodona A trazodona (Donaren) é eficaz no tratamento de transtornos depressivos. Estruturalmente, não se relaciona aos medicamentos tricíclicos ou tetracíclicos utilizados nessa condição, com os inibidores da monoaminoxidase (IMAOs), com os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs) ou com outros medicamentos antidepressivos disponíveis no momento. Ela pode apresentar benefício em transtornos de ansiedade, como transtorno de pânico e transtorno obsessivo-compulsivo. Relaciona-se quimicamente com a nefazodona (Serzone), que é discutida na Seção 36.4.21. Difere dos tricíclicos e tetracíclicos e dos IMAOs por não ter quase nenhum efeito anticolinérgico adverso. Distingue-se também por apresentar efeitos sedativos mais marcados do que os encontrados em outros antidepressivos. Por essa razão, é empregada para tratamento da insônia. QUÍMICA A trazodona é um derivado da triazolopiridina, que compartilha a estrutura em anel triazolo com o alprazolam (Frontal), um benzodiazepínico com possíveis efeitos antidepressivos (Fig. 36.4.32-1). É absorvida com facilidade pelo trato gastrintestinal, atinge o pico dos níveis plasmáticos em 1 a 2 horas e tem uma meia-vida de 6 a 11 horas. É metabolizada pelo fígado, e 75% de seus metabólitos são excretados na urina, entre os quais o mais ativo é a mclorofenilpiperazina (mCPP). A trazodona tem seus efeitos terapêuticos como um inibidor relativamente específico da recaptação da serotonina; a mCPP também possui alguma atividade pós-sináptica sobre a serotonina. Seus efeitos adversos são intermediados, em parte, pelo antagonismo α1-adrenérgico e pela atividade anti-histamínica. A administração de longo prazo parece reduzir o número de receptores pós-sinápticos de serotonina do tipo 2A (5-HT2A) e de receptores β-adrenérgicos. EFEITOS SOBRE ÓRGÃOS E SISTEMAS ESPECÍFICOS Além de seus efeitos sobre o sistema nervoso central (SNC), a trazodona tem relativamente pouca atuação sobre órgãos e sistemas. Seus principais efeitos são o resultado do antagonismo α1adrenérgico, que pode afetar o tônus vascular e ocasionar hipoten-
N
N N
N
N
O CI FIGURA 36.4.32-1 Estrutura molecular da trazodona.
1198
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
são ortostática. Além disso, associa-se com irritação gástrica. É bastante rara entre os antidepressivos sua associação com priapismo, talvez o resultado de sua atividade antagonista α1-adrenérgica. A trazodona apresenta fraca atividade como relaxante da musculatura esquelética. INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS Transtornos depressivos A principal indicação para a utilização da trazodona é o transtorno depressivo maior. Ela é tão benéfica quanto os antidepressivos-padrão no tratamento de curto e longo prazos do transtorno depressivo maior. De forma mais específica, é eficaz na melhora da qualidade do sono – aumenta a quantidade total de sono, diminuindo o número e a duração dos despertares durante a noite e a quantidade de sono com movimentos rápidos dos olhos (REM). Diferentemente dos tricíclicos, não diminui a Fase 4 do sono. Sua probabilidade de precipitar mania é menor do que a dos tricíclicos. Insônia As qualidades sedativas marcantes da trazodona e seus efeitos favoráveis sobre a arquitetura do sono sugeriram a muitos clínicos que poderia ser eficaz como hipnótico, e um número de clínicos tem utilizado esse agente de forma eficaz para tal propósito. Um recente estudo controlado confirmou que ela é superior a placebo para o tratamento da insônia. Tem sido empregada ainda como hipnótico de sucesso em combinação com psicotrópicos menos sedativos. Relatou-se que ainda é útil no tratamento da insônia induzida por fluoxetina (Prozac). A dose habitual é de 50 a 100 mg ao deitar. Outras indicações Alguns dados indicam que a trazodona pode ser útil em baixas doses (50 mg por dia) para o controle da agitação grave entre idosos, particularmente entre os com modificação da personalidade decorrente de condições médicas sistêmicas. Alguns relatos de caso e ensaios não-controlados com a trazodona indicaram sua utilidade no tratamento da depressão com sintomas marcantes de ansiedade, no transtorno de estresse póstraumático e no transtorno de pânico com agorafobia. Pelo fato de não piorar os sintomas psicóticos, é preferível aos medicamentos tricíclicos como tratamento coadjuvante para a esquizofrenia. Dados limitados apóiam um papel auxiliar para a trazodona no tratamento de tremor induzido por álcool, transtorno depressivo induzido por álcool e transtorno de ansiedade induzido por álcool; ansiedade; transtorno obsessivo-compulsivo; transtornos da alimentação; dor crônica; transtorno autista, transtorno erétil; e parafilias. A avaliação decisiva da trazodona para o tratamento dessas condições necessita de pesquisa adicional.
PRECAUÇÕES E REAÇÕES ADVERSAS Os efeitos adversos mais comuns associados à trazodona são sedação, hipotensão ortostática, tonturas, cefaléia e náuseas. Como resultado do bloqueio α1-adrenérgico, alguns pacientes queixam-se de boca seca. Ela também pode causar irritação gástrica, mas não se associa aos efeitos anticolinérgicos adversos habituais, como retenção urinária e obstipação. Alguns relatos de caso observaram a associação da trazodona com arritmias em pacientes com extra-sístoles ventriculares preexistentes ou prolapso da válvula mitral. Neutropenia, em geral sem significância clínica, pode se desenvolver e deve ser considerada se o paciente tem febre ou faringite. A trazodona é relativamente segura em tentativas de superdosagem. Não foram relatadas fatalidades decorrentes de doses excessivas quando o medicamento foi tomado isolado, mas elas aconteceram quando houve co-administração. Os sintomas de superdosagem incluem priapismo, perda da coordenação muscular, náuseas e vômitos e sonolência. A trazodona não possui os efeitos antiarrítmicos do tipo quinidina da imipramina (Tofranil). Como mencionado, ela se associa a rara ocorrência de priapismo, ereção prolongada na ausência de estímulos sexuais. Os pacientes devem ser lembrados de informar seus clínicos se as ereções se tornarem mais freqüentes e prolongadas. Os médicos devem considerar a troca para outro medicamento antidepressivo. Podem ocorrer também outras formas de disfunção sexual com o tratamento com trazodona. Sua utilização é contra-indicada para mulheres grávidas ou que estejam amamentando, devendo ser administrada com cuidado a pacientes com doenças hepáticas e renais. INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS A trazodona potencializa os efeitos depressores do SNC de outros medicamentos de ação central e do álcool. Sua combinação com IMAOs deve ser evitada. As concentrações da trazodona são aumentadas pela fluoxetina, da mesma forma que aumenta as concentrações da digoxina (Lanoxin) e da fenitoína (Epelin). A utilização concomitante da trazodona com anti-hipertensivos pode levar a hipotensão. A eletroconvulsoterapia simultânea à administração desse agente deve ser evitada. INTERFERÊNCIAS LABORATORIAIS Não há interferências laboratoriais conhecidas associadas à utilização da trazodona. DOSAGEM E ADMINISTRAÇÃO Os efeitos sedativos da trazodona aparecem em uma hora após a administração, enquanto os efeitos antidepressivos em geral aparecem após 2 a 4 semanas de tratamento. Esse agente se encontra disponível em comprimidos de 50 e 100 mg. A dose habitual de início é de 50 mg por via oral no primeiro dia. A
TERAPIAS
seguir, pode ser aumentada para 50 mg por via oral duas vezes ao dia, no segundo dia, e, conforme o necessário, para 50 mg por via oral três vezes no terceiro e quarto dias se a sedação ou a hipotensão postural não se tornarem problemas. A faixa terapêutica para a trazodona é de 200 a 600 mg por dia em doses divididas. Alguns relatos indicam que doses de 400 a 600 mg por dia são necessárias para os efeitos terapêuticos máximos; outros apontam que 300 a 400 mg por dia podem ser suficientes. A dose deve ser aumentada de forma gradual, até 300 mg por dia; a seguir, o paciente pode ser avaliado para a necessidade de aumentos adicionais com base na presença ou ausência de sinais de melhora clínica. REFERÊNCIAS Baldessarini RJ. Drugs and the treatment of psychiatric disorders: depression and anxiety disorders. In: Hardman JG, Limbird LE, Goodman Gilman A, eds. Goodman & Gilman’s the Pharmacological Basis of Therapeutics. 10th ed. New York: McGraw-Hill; 2001:447. Balon R. Sleep terror disorder and insomnia treated with trazodone: a case report. Ann Clin Psychiatry. 1994;6:161. Cunningham LA, Borison RL, Carman JS, et al. A comparison of venlafaxine, trazodone, and placebo in major depression. J Clin Psychopharmacol. 1994;14:99. Garlow SJ, Nemeroff GB. Trazodone. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2482. Khouzam HR, Mayo-Smith MF, Bernard DR, et al. Treatment of crack-cocaineinduced compulsive behavior with trazodone. J Subst Abuse Treat. 1995;12:85. Otani K, Yasui N, Kaneko S, et al. Trazodone treatment increases plasma prolactin concentrations in depressed patients. Int Clin Psychopharmacol. 1995;10:115. Reeves RR, Bullen JA. Serotonin syndrome produced by paroxetine and lowdose trazodone. Psychosomatics. 1995;36:159. Staner L, Luthringer R, Macher JP. Effects of antidepressant drugs on sleep EEG inpatients with major depression: mechanisms and therapeutic implications. CNS Drugs. 1999;11:49. Sultzer DL. Selective serotonin reuptake inhibitors and trazodone for treatment of depression, psychosis and behavioral symptoms in patients with dementia. Int Psychogeriatr. 2000;12(suppl 1):245. Ware JC, Rose FV, McBrayer RH. The acute effects of nefazodone, trazodone and buspirone on sleep and sleep-related penile tumescence in normal subjects. Sleep. 1994;17:544. Zarate CA, Tohen M, Baraibar G. Prescribing trends of antidepressants in bipolar depression. J Clin Psychiatry. 1995;56:260.
36.4.33 Tricíclicos e tetracíclicos Os antidepressivos tricíclicos e tetracíclicos (conhecidos como ATCs) são eficazes para indivíduos com uma ampla faixa de transtornos, inclusive depressão, transtorno de pânico, transtorno de ansiedade generalizada, transtorno de estresse pós-traumático, transtorno obsessivo-compulsivo, transtornos da alimentação e transtornos dolorosos. Com a atual disponibilidade de várias alternativas menos tóxicas, inclusive os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs), a bupropiona (Wellbutrin), a nefazodona (Serzone), a venlafaxina (Efexor), a trazodona (Donaren) e a mirtazapina (Remeron), os ATCs não são mais utilizados com tanta freqüência para essas indicações.
BIOLÓGICAS
1199
QUÍMICA Todos os tricíclicos possuem um núcleo com três anéis em suas estruturas moleculares (Fig. 35.4.33-1). A imipramina (Tofranil), a amitriptilina (Tryptanol), a clomipramina (Anafranil), a trimipramina (Surmontil) e a dopexina (Sinequan, Adapin) são denominadas aminas terciárias, porque dois grupos metila se situam no átomo de nitrogênio da cadeia lateral. A desipramina (Norpramin), a nortriptilina (Pamelor) e a protriptilina (Vivactil) são consideradas aminas secundárias pois só um grupo metila se situa nessa posição. As terciárias são metabolizadas nas aminas secundárias correspondentes no organismo. A classificação arbitrária dos medicamentos tetracíclicos se baseia em uma contagem do número de anéis nas suas estruturas moleculares. A amoxapina (Asendin), um dibenzoxazepínico, deriva do medicamento antipsicótico loxapina (Loxitane) e tem uma cadeia lateral cíclica além do núcleo de três, com um total de quatro. A maprotilina (Ludiomil) é um tetracíclico com a mesma cadeia lateral da desipramina; seu quarto anel faz ponte com o centro do núcleo tricíclico tradicional. A mianserina (Tolvon) é um medicamento tetracíclico cuja cadeia lateral foi ciclizada para formar um quarto anel: no momento, ela não está disponível para uso clínico nos Estados Unidos. AÇÕES FARMACOLÓGICAS A maioria dos ATCs é completamente absorvida com a administração oral, e há metabolismo significativo pelo efeito de primeira passagem. O pico das concentrações plasmáticas ocorre em 2 a 8 horas, e suas meias-vidas variam de 10 a 70 horas; a nortriptilina a maprotilina e, de forma particular, a protriptilina podem ter meias-vidas mais longas. Isso possibilita que todos esses compostos sejam administrados uma vez ao dia; 5 a 7 dias são necessários para se atingir as concentrações plasmáticas de níveis estáveis. O pamoato de imipramina é uma forma depot do medicamento para administração intramuscular (IM); as indicações para a utilização dessa preparação são limitadas. Os ATCs sofrem metabolismo hepático pelo sistema de enzimas do citocromo P450. Podem ocorrer interações medicamentosas clinicamente relevantes da competição pela enzima P450 (CYP) 2D6 entre estes e a quinidina (Quinicardine), a cimetidina (Tagamet), a fluoxetina (Prozac), a sertralina (Zoloft), a paroxetina (Aropax), as fenotiazinas, a carbamazepina (Tegretol) e os antiarrítmicos tipo IC propafenona (Ritmonorm) e flecainida (Tambocor). Essa administração concomitante pode lentificar o metabolismo e aumentar as concentrações plasmáticas dos ATCs. Além disso, variações genéticas na atividade da CYP 2D6 podem ser responsáveis por diferenças de até 40 vezes nas concentrações plasmáticas em diferentes indivíduos. A dose do ATC pode necessitar ser ajustada para corrigir mudanças na taxa do seu metabolismo hepático. Os agentes dessa classe bloqueiam a recaptação de norepinefrina e de serotonina e são antagonistas competitivos dos receptores muscarínicos de acetilcolina, H1 da histamina, adrenérgicos α1 e α2 (Tab. 36.4.33-1). A amoxapina, a nortriptilina, a desipramina e a maprotilina têm atividade anticolinérgica mínima; a
1200
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Aminas terciárias
O
N N
CH2CHCH2N(CH3)2
CH2CH2CH2N(CH3)2
CHCH2CH2N(CH3)2
Imipramina
Amitriptilina
CH3 Trimipramina
N CHCH2CH2N(CH3)2 Doxepina
CI
(CH2)3 N(CH3)2 Clomipramina
Aminas secundárias
N
N
CH2CH2CH2NHCH3 Desipramina
CHCH2CH2NHCH3 Nortriptilina
CH2CH2CH2NHCH3 Protriptilina
Medicamentos tetracíclicos O N N CH2CH2CH2NHCH3 Maprotilina
CI
N H Amoxapina
FIGURA 36.4.33-1 Estruturas moleculares dos medicamentos tricíclicos e tetracíclicos.
TABELA 36.4.33-1 Efeitos dos medicamentos tricíclicos e tetracíclicos sobre os neurotransmissores Bloqueio da recaptação
Bloqueio da receptor
Medicamento
NE
5-HT
ACh muscarínico
H1
H2
Imipramina Desipramina Trimipramina Amitriptilina Nortriptilina Protriptilina Amoxapina Doxapina Maprotilina Clomipramina
+ +++ ± ± ++ +++ ++ + +++ ±
+ ± ± ++ ± ± ± ± – ++
++ ± ++ +++ + + + ++ + +
± – ++ ++ ± +++ ± +++ ± ?
± – ? ++ ± – ? + ? ?
NE – norepinefrina, 5-HT – serotonina, ACh – acetilcolina; H1 – histamina tipo 1, H2 – histamina tipo 2.
doxepina possui atividade antihistamínica máxima; a clomipramina é o agente desse grupo mais seletivo para a serotonina. Um metabólito da amoxapina tem potente atividade bloqueadora da dopamina, levando, assim, a efeitos adversos neurológicos e endocrinológicos semelhantes aos dos antipsicóticos. EFEITOS SOBRE ÓRGÃOS E SISTEMAS ESPECÍFICOS Os principais efeitos dos ATCs são observados sobre o sistema nervoso central (SNC), embora seus efeitos anticolinérgicos produzam uma série de condições adversas intermediadas pelo sistema nervoso autônomo (Tab. 36.4.33-2). Além destes, o ATCs têm efeitos significativos sobre o sistema cardiovascular. Em do-
ses terapêuticas, são classificados como medicamentos antiarrítmicos tipo 1A, já que levam ao término uma fibrilação ventricular e podem aumentar o suprimento colateral de sangue a um coração isquêmico. Em superdosagens, contudo, são altamente cardiotóxicos e podem reduzir a contratilidade, aumentar a irritabilidade do miocárdio, a hipotensão e a taquicardia. INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS Transtorno depressivo maior O tratamento de um episódio depressivo maior e o tratamento profilático do transtorno depressivo maior são as principais indicações para se utilizar os ATCs. Além disso, atuam sobre a de-
TERAPIAS
BIOLÓGICAS
1201
TABELA 33.4.33-2 Perfil de efeitos colaterais dos antidepressivos tricíclicos e tetracíclicos Medicamento Aminas terciárias Amitriptilina Clomipramina Doxepina Imipramina Trimipramina Aminas secundárias Desipramina Nortriptilina Protriptilina Tetracíclicos Amoxapina Maprotilina
Efeitos anticolinérgicos
Sedação de condução
Hipotensão ortostática
Convulsões
Anormalidades
++++ ++++ +++ +++ ++++
++++ ++++ ++++ +++ ++++
+++ +++ ++ ++++ +++
+++ +++ +++ +++ +++
++++ ++++ ++ ++++ +++++
++ +++ +++
++ +++ +
+++ + ++
++ ++ ++
+++ +++ ++++
+++ ++
++ +++
+ ++
+++ ++++
++ +++
++++, alta; +++, moderada; ++, baixa; +, muito baixa.
pressão de pacientes com transtorno bipolar I. As manifestações melancólicas, e os episódios depressivos maiores prévios e a história familiar de transtornos depressivos aumentam a probabilidade de resposta terapêutica. O tratamento de um episódio depressivo maior com manifestações psicóticas quase sempre necessita da co-administração de um antipsicótico com um antidepressivo. Transtornos do humor devido a uma condição médica geral com manifestações depressivas A depressão associada a uma condição médica geral (depressão secundária) pode responder ao tratamento com ATCs. Depressão pode ser resultado tanto de demências como de transtornos dos movimentos como a doença de Parkinson. Se for resultado da síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS), pode responder a esses medicamentos. Transtorno de pânico com agorafobia A imipramina é o tricíclico mais estudado para o transtorno de pânico com agorafobia, mas outros ATCs também são eficazes. Os relatos iniciais indicavam que pequenas doses de imipramina (50 mg por dia) produziram efeitos; estudos recentes, contudo, indicam que doses antidepressivas habituais costumam ser necessárias. Nos últimos anos, os ISRSs, em especial a paroxetina, tornaram-se agentes adicionais para o tratamento desta condição.
ser útil, e alguns clínicos utilizam um medicamento contendo uma combinação de clorodiazepóxido com amitriptilina (Limbitrol) para os transtornos mistos de ansiedade e depressão. Transtorno obsessivo-compulsivo O transtorno obsessivo-compulsivo é classificado com transtorno de ansiedade. A condição parece responder especificamente a clomipramina e a ISRSs. Nenhum dos outros ATCs parece ser tão próximo da eficácia da clomipramina para esse transtorno. Ensaios multicêntricos, controlados com placebo, verificaram que ela é superior aos ISRSs, enquanto outro ensaio controlado constatou que a paroxetina apresenta igual eficácia à clomipramina para o tratamento do transtorno obsessivo-compulsivo. Transtornos da alimentação Tanto a anorexia nervosa como a bulimia nervosa têm sido tratadas com sucesso com a imipramina e a desipramina, embora outros ATCs também possam ser eficazes. Transtornos dolorosos Transtornos de dor crônica, inclusive cefaléia (tipo enxaqueca), são por vezes tratados com o ATCs. Outros transtornos
Transtorno de ansiedade generalizada A utilização da doxepina para se tratar transtornos de ansiedade está aprovada pela Food and Drug Adminsitration (FDA). Alguns dados de pesquisa demonstraram que a imipramina também pode
A enurese da infância pode ser remediada com a imipramina. A úlcera péptica pode ser revertida com a doxepina, que possui efeitos anti-histamínicos marcantes. Outras indicações para os tricíclicos e tetracíclicos são a narcolepsia, o transtorno de pesadelos e o transtorno de estresse pós-traumático. Tais medicamentos costu-
1202
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
mam ser utilizados por crianças e adolescentes com transtorno do déficit de atenção-hiperatividade, sonambulismo, transtorno de ansiedade de separação e transtorno de terror noturno. A clomipramina tem sido empregada para tratamento de ejaculação precoce, transtornos do movimento e comportamento compulsivo em crianças com transtorno autista. PRECAUÇÕES E REAÇÕES ADVERSAS As concentrações relativas em que os efeitos terapêuticos e adversos aparecem para os ATCs estão expostas na Figura 36.4.33-2 Efeitos psiquiátricos O principal efeito adverso de todos os ATCs e de outros antidepressivos é a possibilidade de induzir um episódio maníaco em pacientes com ou sem história de transtorno bipolar I. Os clínicos devem estar atentos para esta manifestação entre aqueles com o transtorno, em especial se a mania induzida por substâncias foi um problema no passado. É prudente utilizar baixas doses de ATCs em tais pacientes ou valer-se de um agente como a fluoxetina ou a bupropiona, que podem ter menos probabilidade de induzir um episódio maníaco. Relatou-se que os ATCs exacerbam transtornos psicóticos em pessoas suscetíveis.
açúcar, balas e pastilhas de fluoreto podem aliviar tal condição. O betanecol (Liberan), 25 a 50 mg 3 a 4 vezes ao dia, pode reduzir a hesitação urinária e auxiliar pacientes com impotência se for ingerido 30 minutos antes da relação sexual. O glaucoma de ângulo estreito também pode ser agravado pelos medicamentos anticolinérgicos; sua precipitação requer tratamento de emergência com um agente miótico. Os ATCs podem ser utilizados por pacientes com essa condição desde que colírios de pilocarpina sejam administrados ao mesmo tempo. Efeitos anticolinérgicos graves podem levar a uma síndrome anticolinérgica do SNC, com confusão e delírio, em especial se forem administrados junto com medicamentos antipsicóticos e anticolinérgicos. Alguns clínicos têm utilizado a fisostigmina (Antilirum) intramuscular ou intravenosa como um instrumento diagnóstico para confirmar a presença de delirium anticolinérgico. Sedação A sedação é um efeito comum dos ATCs, mas pode ser favorável em caso de problemas de insônia. Seu efeito sedativo se deve às atividades serotonérgica, colinérgica e histamínica (H1). A amitriptilina, a trimipramina e a doxepina são os agentes mais sedativos; a imipramina, a amoxapina, a nortriptilina e a maprotilina apresentam algum efeito sedativo; a desipramina e a protriptilina são os agentes menos recomendados para se obter tal efeito.
Efeitos anticolinérgicos Efeitos autonômicos Os clínicos devem advertir os pacientes de que os efeitos anticolinérgicos são comuns, mas que é possível desenvolver tolerância a eles com a continuação do tratamento. A amitriptilina, a imipramina, a trimipramina e a doxepina são os medicamentos mais anticolinérgicos; a amoxapina, a nortriptilina e a maprotilina são menos anticolinérgicos; a desipramina, por sua vez, pode ser o menos anticolinérgico. Esses efeitos incluem boca seca, obstipação, visão turva e retenção urinária. Goma de mascar sem
O efeito autonômico mais comum, em parte devido ao bloqueio α1 adrenérgico, é a hipotensão ortostática, que pode provocar quedas e lesões entre os pacientes afetados. A nortriptilina é o medicamento com menos probabilidade de causar o problema, e alguns pacientes respondem a fludrocortisona (Florinefe), 0,05 mg duas vezes ao dia. Outros efeitos autonômicos possíveis são sudorese profunda, palpitações e aumento da pressão arterial.
% Efeito máximo
Bloqueio dos receptores de histamina Bloqueio dos receptores periféricos de ACh Eficácia antidepressiva Toxicidade para CNS Toxicidade para o SCV
200
400
600
800
1.000
1.200
1.400
Concentração do ATC no plasma (ng/mL) FIGURA 36.4.33-2 Concentrações múltiplas: curva de resposta dos medicamentos tricíclicos com aminas terciárias. ACh – acetilcolina; SNC – sistema nervoso central; SCV – sistema cardiovascular. (Reimpressa, com permissão, de Preskorn SH. Clinical Pharmacology of Selective Serotonin Reuptake Inhibitors. Caddo, OK: Professional Communications 1996:54.)
TERAPIAS
Efeitos cardíacos Quando administrados em suas doses terapêuticas habituais, os ATCs podem causar taquicardia, achatamento das ondas T, prolongamento do intervalo QT e depressão do segmento ST no eletrocardiograma (ECG). A imipramina tem um efeito do tipo quinidina em concentrações plasmáticas terapêuticas e pode reduzir o número de extra-sístoles ventriculares. Pelo fato de esses medicamentos prolongarem o tempo de condução, sua utilização por pacientes com problemas a ela relacionados é contra-indicada. Entre aqueles com história cardíaca, os ATCs devem ser iniciados com doses baixas, com aumentos gradativos e monitoração das funções cardíacas. Com concentrações plasmáticas elevadas, como ocorre em casos de superdosagens, os medicamentos podem gerar arritmia. Esses agentes devem ser interrompidos vários dias antes de cirurgia eletiva devido à ocorrência de episódios hipertensivos durante o procedimento. Efeitos neurológicos Além da sedação induzida pelos ATCs e da possibilidade de delirium induzido por anticolinérgicos, dois tricíclicos – a desipramina e a protriptilina – se associam com a estimulação psicomotora. Abalos mioclônicos e tremores da língua e das extremidades superiores são comuns. Efeitos raros incluem bloqueio da fala, parestesias, paralisia fibular e ataxia. A amoxapina é única ao causar sintomas parkinsonianos, acatisia e até mesmo discinesia em vista da atividade de bloqueio dopaminérgico de um de seus metabólitos. Também pode causar síndrome neuroléptica maligna em casos raros. A maprotilina pode induzir convulsões quando a dose é aumentada muito rápido ou mantida em doses altas por tempo demais. A clomipramina e a amoxapina podem reduzir o limiar para convulsões mais que os outros medicamentos da classe. Como grupo, contudo, os ATCs apresentam probabilidade relativamente baixa para induzir convulsões, exceto em pacientes em risco para convulsões (p. ex., com epilepsia ou lesão cerebral). Apesar de ainda poderem ser utilizadas nesses pacientes, as doses iniciais devem ser mais baixas do que o habitual, e aumentos subseqüentes devem ser gradativos.
BIOLÓGICAS
1203
de peso é um problema maior, mudar para uma classe diferente de antidepressivos pode auxiliar. Impotência, uma condição ocasional, é associada com mais freqüência à amoxapina, por causa do bloqueio dos receptores de dopamina no trato tuberoinfundibular. Esse agente também pode causar hiperprolactinemia, galactorréia, anorgasmia e problemas ejaculatórios. Outros ATCs têm se associado a ginecomastia e amenorréia. Foi relatada ainda secreção inapropriada do hormônio antidiurético com os agentes dessa classe. Outros efeitos incluem náuseas, vômitos e hepatite. Precauções Os ATCs devem ser evitados durante a gestação. Os medicamentos passam para o leite materno e podem causar reações adversas potencialmente graves nos bebês. Uma série de casos sugere, contudo, que a clomipramina, em concentrações terapêuticas, não produz concentrações no bebê que ingeriu o leite. Os medicamentos devem ser utilizados com cuidado por pacientes com doença hepática e renal. Não devem ser administrados durante uma série de eletroconvulsoterapia, principalmente pelo risco de graves efeitos cardíacos adversos. INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS Anti-hipertensivos Os ATCs bloqueiam a recaptação da guanetidina (Ismelina) pelos neurônios, que é necessária para sua atividade anti-hipertensiva. Os efeitos anti-hipertensivos dos antagonistas dos receptores β-adrenérgicos (p. ex., o propranolol [Inderal] e a clonidina [Atensina]) também podem ser bloqueados por esses agentes. Sua co-administração com metildopa (Aldomet) pode causar agitação comportamental. Antipsicóticos As concentrações plasmáticas dos ATCs e dos antipsicóticos são aumentadas por sua co-administração. A atuação desses últimos também se soma aos efeitos anticolinérgicos e sedativos dos ATCs.
Efeitos alérgicos e hematológicos Exantemas são observados em 4 a 5% de todos os pacientes tratados com a maprotilina. Icterícia é rara. Agranulocitose, leucocitose, leucopenia e eosinofilia são complicações raras do tratamento com tetracíclicos. Um paciente que manifesta faringite ou febre durante os primeiros meses de tratamento, contudo, deve realizar um hemograma completo de imediato.
Depressores do sistema nervoso central
Outros efeitos adversos
Simpatomiméticos
É comum o aumento de peso, principalmente por efeito do bloqueio dos receptores tipo 2 (H2) histamina. Se o aumento
A utilização de medicamentos tricíclicos com simpatomiméticos pode causar efeitos cardiovasculares sérios.
Os opióides, o álcool, os ansiolíticos, os hipnóticos e medicamentos contra resfriado de venda livre em farmácias têm efeitos adicionais, levando à depressão do SNC quando co-administrados com os ATCs.
1204
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Anticoncepcionais orais Os anticoncepcionais podem diminuir as concentrações plasmáticas dos ATCs mediante a indução de enzimas hepáticas. Outras interações As concentrações plasmáticas dos ATCs podem ser aumentadas também pela acetazolamida (Diamox), pela aspirina, pela cimetidina, por diuréticos tiazídicos, pela fluoxetina e pelo bicarbonato de sódio. Concentrações diminuídas podem resultar do ácido ascórbico, do cloreto de amônia, de barbitúricos, do consumo de cigarros, do hidrato de cloral, do lítio (Carbolitium) ou da primidona (Mysoline). Os medicamentos tricíclicos metabolizados pela CYP 26D podem interferir no metabolismo de outros agentes metabolizados por essa enzima hepática. INTERFERÊNCIAS LABORATORIAIS Não foram relatadas interferências laboratoriais com os ATCs. DOSAGEM E DIRETRIZES CLÍNICAS As pessoas que pretendem tomar os ATCs devem passar por um exame físico e laboratorial de rotina, incluindo hemograma completo, contagem diferencial de leucócitos, eletrólitos do soro e testes de função hepática. O ECG deve ser indicado para todos, em especial para mulheres após os 40 e homens após os 30. Esses agentes são contra-indicados para indivíduos com um QT acima de 450 milissegundos. A dose inicial deve ser pequena, sendo aumentada de maneira gradual. Em vista da disponibilidade de alternativas muito efetivas a medicamentos desse grupo, um agente mais novo deve ser utilizado se há qualquer condição sistêmica que possa interagir de forma adversa com os mesmos. Idosos e crianças são mais sensíveis a seus efeitos adversos do que adultos jovens. Em crianças, o ECG deve ser monitorado de forma regular durante a utilização dos ATCs. As preparações disponíveis desses agentes são apresentadas na Tabela 36.4.33-3. Suas doses variam de um para outro (Tab.
36.4.33-4). A utilização de imipramina, amitriptilina, doxepina, desipramina, clomipramina e trimipramina deve ser iniciada com uma dose de 75 mg por dia. Doses divididas no começo reduzem a gravidade dos efeitos adversos, embora a maior parte da dose deva ser administrada à noite, para auxiliar a induzir o sono caso seja utilizado um medicamento sedativo como a amitriptilina. Em certas situações, a dose diária integral pode ser administrada ao deitar. A protriptilina e medicamentos menos sedativos devem ser tomados pelo menos 2 a 3 horas antes de se ir dormir. A dose pode ser aumentada para 150 mg por dia na segunda semana, para 225 mg por dia na terceira e para 300 mg por dia na quarta semana. Um erro clínico comum é parar de aumentar a dose quando o indivíduo está tomando menos de 250 mg por dia sem mostrar melhora clínica. Ao agir assim, pode haver demora adicional na obtenção da resposta terapêutica, falta de motivação em relação ao tratamento e interrupção prematura de sua utilização. O clínico deve rotineiramente avaliar o pulso do indivíduo e mudanças ortostáticas da pressão arterial, enquanto a dose está sendo aumentada. A utilização da nortriptilina deve ser iniciada com 50 mg por dia e aumentada até 150 mg por dia em 3 a 4 semanas, a menos que a resposta ocorra com doses mais baixas, como com 100 mg por dia. A amoxapina deve ser iniciada com 150 mg por dia e aumentada até 400 mg por dia. A protriptilina deve ser iniciada com 15 mg por dia e aumentada até 60 mg por dia. A maprotilina tem se associado a aumento da incidência de convulsões se a dose é aumentada muito rápido ou mantida em nível alto demais. A utilização da maprotilina deve ser iniciada com 75 mg por dia e mantida nesse nível por duas semanas. A dose pode ser aumentada, em quatro semanas, a 225 mg por dia, mas deve ser mantida nesse nível por apenas seis semanas e, então, reduzida para 175 a 200 mg por dia. Indivíduos com dor crônica podem ser particularmente sensíveis aos efeitos adversos quando a utilização dos ATCs é iniciada. Por isso, o tratamento deve começar com doses baixas, as quais são aumentadas com pequenos acréscimos. Pessoas com dor crônica podem experimentar alívio no tratamento de longo prazo com baixas dosagens, como com 10 a 75 mg por dia de amitriptilina ou nortriptilina. Agentes dessa classe devem ser evitados por crianças, exceto como último recurso. As diretrizes de dosagem da imipramina para essa população incluem início a 1,5 mg/kg por dia. A dose
TABELA 36.4.33-3 Preparações dos antidepressivos tricíclicos e tetracíclicos Medicamento
Comprimidos
Cápsulas
Parenteral
Solução
Imipramina Desipramina Trimipramina Amitriptilina Nortriptilina Protriptilina Amoxapina Doxepina Maprotilina Clomipramina
10, 25, 50 mg 10, 25, 50, 75, 100, 150 mg – 25 e 75 mg – 5, 10 mg 25, 50, 100, 150 mg – 25 e 75 mg –
10, 25, 75, 150 mg 25, 50 mg 25, 50, 100 mg – 10, 15, 50, 75 mg – – 10, 25, 50, 75, 100, 150 mg – 10, 25, 75 mg
12,5 mg/mL – – 10 mg/5 mL – – – – – –
– – – – 10 mg/5 mL – – 10 mg/5 mL – –
TERAPIAS
TABELA 36.4.33-4 Informações gerais sobre os antidepressivos tricíclicos e tetracíclicos
Nome genérico
Nome comercial
Imipramina Desipramina
Tofranil Pertrofane, Norpramin Surmontil Tryptanol Pamelor Vivactil Asendin Sinequan, Adaprin Ludiomil Anafranil
Trimipramina Amitriptilina Nortriptilina Protriptilina Amoxapina Doxepina Maprotilina Clomipramina a b
Concentrações Dose habitual terapêuticas para adultos no plasma μg por mL) (mg por dia) (μ 150-300 150-300
150-300a 150-300a
150-300 150-300 50-150 15-60 150-400 150-300
? 100-250b 50-150a (máxima) 75-250 ? 100-250a
150-230 130-250
150-300a ?
A dose exata pode variar entre os laboratórios. Inclui o composto relacionado e o metabólito desmetilado.
pode, então, ser aumentada aos poucos, até não mais do que 5 mg/kg por dia. Em casos de enurese, a dose costuma ser de 50 a 100 mg por dia, tomados ao deitar. A utilização da clomipramina pode ser iniciada com 50 mg por dia e aumentada até não mais do que 3 mg/kg por dia ou 200 mg por dia. Concentrações plasmáticas e monitoração terapêutica A pesquisa definiu curvas de dose-resposta para vários dos ATCs quando administrados para se tratar os transtornos depressivos. A determinação clínica das concentrações plasmáticas deve ser realizada após 5 a 7 dias da mesma dose de medicação e 8 a 12 horas após a última dose. Em vista da variação na absorção e no metabolismo, pode haver diferenças de 30 a 50 vezes nas concentrações plasmáticas em indivíduos que recebem a mesma dose de um ATC. As faixas terapêuticas para as concentrações plasmáticas foram determinadas (Tab. 36.4.33-4). A nortriptilina é única em sua associação com uma janela terapêutica, isto é, concentrações plasmáticas abaixo de 50 ng/mL ou acima de 150 ng/mL podem reduzir sua eficácia. Os clínicos precisam seguir as instruções para a coleta laboratorial e ter confiança nos processos de ensaio utilizados por um laboratório em particular. O acompanhamento das concentrações plasmáticas na prática clínica ainda é uma habilidade em evolução. Essas medidas podem ser úteis para confirmar a adesão ao tratamento, avaliar as razões para fracassos com o medicamento e documentar concentrações plasmáticas efetivas para tratamento futuro. Os clínicos devem sempre tratar o indivíduo e não a concentração plasmática. Alguns pacientes têm respostas clínicas adequadas com concentrações plasmáticas aparentemente subterapêuticas e outros somente respondem a concentrações supraterapêuticas, sem experimentar efeitos adversos. Esta última situação, contudo, deve
BIOLÓGICAS
1205
alertar o clínico a monitorar a condição do indivíduo com, por exemplo, registros de ECG seriados. Superdosagem As superdosagens de ATCs são graves e podem, por vezes, ser fatais. As prescrições para esses medicamentos não devem ser aviadas de novo, nem exceder mais do que o necessário para uma semana por vez, em caso de pacientes com risco de suicídio. A amoxapina tem mais probabilidade do que os outros agentes dessa classe de levar à morte em caso de superdosagem. Os novos antidepressivos são mais seguros em relação a tal quesito. Os sintomas de superdosagem incluem agitação, delirium, convulsões, reflexos tendíneos profundos hiperativos, paralisia dos intestinos e da bexiga, má regulação da pressão arterial e da temperatura e midríase. Essas condições podem progredir até coma ou talvez depressão respiratória. As arritmias cardíacas podem não responder ao tratamento. Em vista das longas meias-vidas desses agentes, os pacientes correm risco de desenvolver arritmias cardíacas por 3 a 4 dias após a superdosagem, de modo que devem ser monitorados em um ambiente de cuidados médicos intensivos. Falhas no ensaio clínico com o medicamento e depressão resistente a tratamento Se um ATC foi utilizado por quatro semanas na dose máxima sem efeito terapêutico, o clínico deve obter a concentração plasmática e ajustar a dose de acordo. Se as concentrações plasmáticas são adequadas, a suplementação com lítio ou liotironina (T3) (Puran T4) deve ser considerada. Outra alternativa seria substituir por um ISRS ou outro antidepressivo. Lítio. Quantias de (900 a 1.200 mg por dia, com concentrações séricas entre 0,6 e 0,8 mEq/L podem ser acrescentadas à dosagem do ATC por 7 e 14 dias. Essa abordagem converte um número significativo de não-responsivos em responsivos. O mecanismo de ação é desconhecido, mas o lítio pode potencializar o sistema neuronal serotonérgico. Liotironina. O acréscimo de 25 a 50 μg por dia de liotironina, o isômero levógiro da triiodotironina (T3), ao regime por 7 a 14 dias poder converter um não-responsivo a tricíclicos ou tetracíclicos em responsivo. O mecanismo de ação para a potencialização com liotironina é desconhecido. Os dados empíricos indicam que esta é mais eficaz do que a levotiroxina, o isômero levógiro da tiroxina (T4), como auxiliar do ATC. Se a potencialização com a liotironina tiver êxito, deve ser continuada por dois meses e, a seguir, reduzida aos poucos até a taxa de 12,5 μg por dia a cada 3 a 7 dias. Inibidores da monoaminoxidase (IMAOs). Estes devem ser interrompidos por duas semanas antes de se iniciar o tratamento com um ATC. Um mínimo de uma semana de depuração, é necessário quando se muda de um ATC tetracíclico para um IMAO.
1206
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Término e tratamento de curto prazo Os ATCs resolvem, de forma efetiva, os sintomas agudos da depressão. Se o tratamento é interrompido antes do indicado, os sintomas podem reaparecer. Para se reduzir ao mínimo o risco de recorrência ou recaída, os clínicos devem continuar o agente na mesma dose por todo o curso do tratamento. Quando interrompido, é possível reduzir a dose para três quartos da quantia máxima por outro mês. Então, se não houver sintomas presentes, o medicamento pode ser reduzido, de forma gradual, com 25 mg (5 mg para a protriptilina) a cada 2 a 3 dias. O lento processo de redução é indicado para a maioria dos medicamentos psicotrópicos; no caso dos ATCs, a redução lenta evita a síndrome de rebote colinérgico, que consiste de náusea, mal-estar epigástrico, sudorese, cefaléia, dor na nuca e vômitos. Essa condição pode ser tratada com a instituição de uma dose baixa do medicamento e com a diminuição mais lenta do que a anterior. Vários relatos de caso observaram o surgimento de mania ou hipomania de rebote após a interrupção brusca dos ATCs. Se um paciente foi tratado com potencialização pelo lítio, o clínico precisa reduzir e parar sua utilização primeiro e, a seguir, o medicamento tricíclico ou tetracíclico. Entretanto, faltam estudos clínicos que sustentem essa abordagem, e as diretrizes podem mudar à medida que outros médicos relatem sua experiência com essa combinação de agentes.
Sanchez LE, Campbell M, Small AM, et al. A pilot study of clomipramine in young autistic children. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1996; 35: 537. Schindler KM, Pato MT. Clomipramine. In: Pato MT, Zohar J, eds. Current Treatments of Obsessive-Compulsive Disorder. 2nd ed. Clinical practice; no. 51. Washington. DC: American Psychiatry Association; 2001: 19.
36.4.34 Valproato O valproato (Depakene), também conhecido como ácido valpróico (porque é rapidamente convertido para a forma ácida no estômago) e o divalproato (Depakote) demonstraram ser eficientes para crises de ausência, epilepsias generalizadas, epilepsia parcial com ou sem generalização secundária e profilaxia contra as cefaléias da enxaqueca. Além disso, o valproato e dois outros medicamentos anticonvulsivantes, a carbampazepina (Tegretol) e o clonazepam (Rivotril), mostraram-se eficazes no tratamento do transtorno bipolar I. Os medicamentos antiepilépticos comercialmente disponíveis que estão sendo estudados para o tratamento de transtorno bipolar com ciclagem rápida incluem a gabapentina (Neurotin), a lamotrigina (Lamictal), a vigabatrina (Sabril), a tiagabina (Gabitril) e o topiramato (Topamax). Mesmo que o lítio (Carbolitium) ainda seja o medicamento mais utilizado no tratamento do transtorno bipolar I, considera-se o valproato igual em eficácia e segurança.
REFERÊNCIAS Baldessarini RJ. Drugs and the treatment of psychiatric disorders: depression and anxiety disorders. In: Hardman JG, Limbird LE, Goodman Gilman A, eds. Goodman & Gilman’s the Pharmacological Basis of Therapeutics. 10th ed. New York: McGraw-Hill; 2001:447. Boyce P, Judd F. The place for tricyclic antidepressants in the treatment of depression. Aust N Z J Psychiatry. 1999;33:323. Bruijn JA, Moleman P, Mulder PGH, van den Broek WW. Treatment of moodcongruent psychotic depression with imipramine. J Affect Disord. 2001;66:165. Buysee DJ, Reynolds CF III, Hoch CG, et al. Longitudinal effects of nortriptyline on EEG sleep and the likelihood of recurrence in elderly depressed patients. Neuropsychopharmacology. 1996;14:243. Dahl M-L, Bertilsson L, Nordin C. Steady-state plasma levels of nortriptyline and its 10-hydroxy metabolite: relationship to the CYP2D6 genotype. Psychophamacology. 1996;123:315. Greil W, Ludwig-Mayerhofer W, Erazo N, et al. Comparative efficacy of lithium and amitriptyline in the maintenance treatment of recurrent unipolar depression: a randomized study. J Affect Disord. 1996;40:179. Kocsis JH, Friedman RA, Markowitz JC, et al. Maintenance therapy for chronic depression: a controlled clinical trial of desipramine. Arch Gen Psychiatry. 1996;53:769. Koran LM, Gelenberg AJ, Kornstein SG, et al. Sertraline versus imipramine to prevent relapse in chronic depression. J Affect Disord. 2001;65:27. Kuhs H, Farber D, Borgstadt S, e al. Amitriptyline in combination with repeated late sleep deprivation versus amitriptyline alone in major depression. A randomized study. J Affect Disord. 1996;37:31. Kye CH, Waterman GS, Ryan ND, et al. A randomized, controlled trial of amitriptyline in the acute treatment of adolescent major depression. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1996;35:1139. Leonard BE. Tricyclic antidepressants: effective, cheap but are they safe? J Psychopharmacol. 1996;10(suppl 1):35. Lotufo-Neto F, Bernik M, Ramos RT, et al. A dose-finding and discontinuation study of clomipramine in panic disorder. J Psychopharmacol. 2001;15:13. Nelson JC. Tricyclis and tetracyclics. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2491. Oesterheld J. TCA cardiotoxicity: the latest. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1996;35:701.
QUÍMICA A estrutura molecular do valproato e do ácido valpróico apresentada na Figura 36.4.34-1. O ácido valpróico é um ácido simples, de cadeia ramificada, o ácido carboxílico n-dipropilacético. AÇÕES FARMACOLÓGICAS Todas as formulações do valproato são absorvidas rápida e completamente após a administração oral. Sua meia-vida com de níveis estáveis é de 8 a 17 horas, e concentrações plasmáticas clinicamente eficazes podem, em geral, ser mantidas com administrações de 1 a 4 vezes por dia. A ligação a proteínas fica saturada e as concentrações do valproato livre que têm eficácia terapêutica aumentam com quantidades séricas acima de 50 a 100 μg/mL. Seus efeitos no transtorno bipolar I podem ser intermediados pelos efeitos ainda indefinidos do medicamento sobre o sistema neurotransmissor do ácido γ-aminobutírico (GABA). INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS Transtorno bipolar I Episódios agudos. O valproato controla os sintomas maníacos em cerca de dois terços das pessoas com mania aguda. Além disso, reduz os sintomas psiquiátricos e a necessidade
TERAPIAS
CH3CH2CH2
CH3CH2CH2
CH
CHCOOH
BIOLÓGICAS
1207
CH2CH2CH3
C
CH3CH2CH2
HO O
Ácido valpróico
O O–Na
+
C CH3CH2CH2
CH
CH2CH2CH3
Valproato FIGURA 36.4.34-1 Estruturas moleculares do ácido valpróico e do valproato.
para doses suplementares de benzodiazepínicos ou antagonistas dos receptores de dopamina. Pacientes com mania em geral respondem em 1 a 4 dias após as concentrações séricas do valproato ultrapassarem 50 μg/mL. Utilizando-se estratégias de doses gradativas, este nível pode ser alcançado dentro de uma semana do início das doses, mas novas estratégias de carga oral rápida atingem concentrações séricas terapêuticas em um dia e podem controlar os sintomas maníacos dentro de cinco dias. Os efeitos antimaníacos a curto prazo do valproato podem ser potencializados com o acréscimo de lítio, carbamazepina e antagonistas dos receptores de dopamina. Os antagonistas de serotonina-dopamina e a gabapentina também podem potencializar os efeitos desse agente, ainda que não tão depressa. Em vista de seu perfil mais favorável de efeitos adversos cognitivos, dermatológicos, tireoideanos e renais, o valproato é preferível ao lítio para o tratamento da mania aguda em crianças e os idosos. Esse medicamento, isolado, é menos eficaz no tratamento de curto prazo dos episódios depressivos do transtorno bipolar I do que para o tratamento dos episódios maníacos. Entre os sintomas depressivos, o valproato é mais eficaz para sanar a agitação do que a disforia. Profilaxia. É eficaz no tratamento profilático do transtorno bipolar I ao resultar em menos episódios maníacos, os quais são mesnos graves e mais curtos. Em comparação direta, o valproato é, no mínimo, tão eficaz quanto o lítio, porém melhor tolerado. Comparado com o lítio, ele pode ainda ser eficaz para pessoas com transtorno bipolar com ciclagem rápida e ciclagem ultrarápida, mania disfórica ou mista e mania devido a uma condição médica geral, além de ser superior para aqueles que têm abuso co-mórbido de drogas ou ataques de pânico ou que não tenham tido respostas completamente favoráveis ao tratamento com lítio. O acréscimo do valproato a este pode ser mais benéfico do que a utilização isolada do lítio. Em pessoas com transtorno bipolar I, o tratamento de manutenção com o valproato reduz de forma acentuda a freqüência e a gravidade dos episódios maníacos, mas é apenas leve ou moderadamente eficaz no tratamento profilático dos episódios depressivos. Sua eficiência profilática pode ser potencializada pelo acréscimo de lítio, carbamazepina, antagonistas dos receptores de dopamina, antagonistas de serotonina-dopamina, medicamentos antidepressivos, gabapentina ou lamotrigina.
Transtorno esquizoafetivo O valproato é benéfico no tratamento de curto prazo do tipo bipolar do transtorno esquizoafetivo, mas isolado é menos potente do que no transtorno bipolar I. Pode ser um agente auxiliar eficaz para a utilização com lítio, carbamazepina ou antagonistas de serotonina-dopamina por indivíduos com transtorno esquizoafetivo. O valproato sozinho é ineficaz no tratamento de sintomas psicóticos. Outros transtornos mentais O valproato pode contribuir para o tratamento do transtorno explosivo intermitente, da cleptomania e de outras condições relacionadas à falta de controle comportamental, de forma mais específica se forem co-mórbidos com sintomas bipolares. Esse medicamento pode controlar a agressão física, a inquietação, a agitação e (em menor grau) a agressão verbal associada a demência, doença cerebral orgânica ou doença cerebral traumática, embora deva ser considerado para a utilização somente após tentativas terapêuticas com benzodiazepínicos e antagonistas de serotonina-dopamina terem falhado. O valproato pode ser eficaz isolado ou em combinação com outros psicotrópicos no tratamento de muitos transtornos mentais, inclusive transtorno depressivo maior, transtorno de pânico e transtorno de estresse póstraumático, transtorno obsessivo-compulsivo, bulimia nervosa, abstinência de álcool, sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos (em particular benzodiazepínicos), sintomas de transtorno da personalidade bordeline; e desintoxicação da cocaína. PRECAUÇÕES E REAÇÕES ADVERSAS O tratamento com o valproato costuma ser bem-tolerado e seguro e apresenta menos probabilidade do que o lítio de desencadear a interrupção da medicação por causa de efeitos adversos. Os efeitos adversos mais comuns associados ao valproato (Tab. 36.4.341) são os que afetam o trato gastrintestinal (GI), com náuseas, vômitos, dispepsia e diarréia. Estes tendem a ser mais recorrentes no primeiro mês de tratamento, principalmente se a dose é aumentada muito rápido. O ácido valpróico não-tamponado tem mais probabilidade de causar sintomas GI do que o “spray” com
1208
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 36.4.34-1 Efeitos adversos do valproato Comuns Irritação gastrintestinal Náuseas Sedação Tremor Aumento de peso Perda de cabelo Incomuns Vômitos Diarréia Ataxia Disartria Elevação persistente das transaminases hepáticas Raros Hepatotoxicidade fatal (principalmente em pacientes pediátricos) Trombocitopenia reversível Disfunção das plaquetas Distúrbios da coagulação Edema Pancreatite hemorrágica Agranulocitose Encefalopatia e coma Fraqueza muscular respiratória e insuficiência respiratória
revestimento entérico ou as formulações de liberação prolongada do divalproato de sódio. Esses sintomas podem responder a antagonistas dos receptores H2 de histamina. Outros efeitos adversos comuns envolvem o sistema nervoso, como sedação, ataxia, disartria e tremor. O tremor induzido por valproato pode responder bem ao tratamento com antagonistas dos receptores β-adrenérgicos ou com gabapentina. A abordagem de outros efeitos neurológicos adversos em geral requer a diminuição da dose do valproato. Aumento de peso é um efeito adverso comum, mais recorrente no tratamento de longo prazo, e pode ser melhor tratado pela limitação estrita da ingestão calórica. Perda de cabelo pode ocorrer em 5 a 10% de todas as pessoas tratadas, e casos raros de perda completa dos pêlos foram relatados. Alguns clínicos têm recomendado para o tratamento da perda de cabelo associada ao medicamento, suplementos de vitaminas que contenham zinco e selênio. Cinco a 40% dos que experimentam uma elevação persistente, mas clinicamente insignificante, das transaminases hepáticas até três vezes o limite superior do normal, condição que tende a ser assintomática e se resolver após a interrupção do medicamento. Outros eventos adversos raros incluem efeitos sobre o sistema hematopoiético, incluindo trombocitopenia e disfunção das plaquetas, os quais são mais comuns com doses elevadas, causando sangramento prolongado. Em casos raros, doses elevadas de valproato (acima de 1.000 mg por dia) produzem uma hiponatremia de leve a moderada, talvez por causa de algum grau da síndrome de secreção inapropriada do hormônio antidiurético (SIADH), que é reversível com a redução da dose. Superdosagens podem ocasionar coma e morte. Há relatos de que o coma induzido pelo valproato pode ser tratado com êxito com naloxona (Nar-
can) e de que a hemodiálise e a hemoperfusão podem ser úteis no tratamento da superdosagem. Os dois efeitos adversos mais graves de tratamento de valproato afetam o pâncreas e o fígado. Os fatores de risco para hepatotoxicidade potencialmente fatal incluem idade precoce (menos de três anos), uso concomitante de fenobarbital (Luminal, Solfoton), e a presença de transtornos neurológicos, especialmente erros inatos de metabolismo. A taxa de hepatotoxicidade fatal em pessoas que foram tratadas com apenas valproato é de 0,85 por 100.000 pessoas; não há relatos de pessoas com mais de 10 anos de idade que tenham morrido de hepatotoxicidade fatal. Portanto, o risco dessa reação adversa em pessoas adultas com problemas psiquiátricos parece baixo. Contudo, se sintomas de letargia, mal-estar, anorexia, náusea e vômito, edema e dor abdominal ocorrerem em uma pessoa tratada com valproato, o médico deve considerar a possibilidade de hepatotoxicidade grave. Um aumento modesto nos resultados de teste de função hepática não está correlacionado com o desenvolvimento de hepatotoxicidade grave. Casos raros de pancreatite foram relatados; eles ocorreram mais freqüentemente nos primeiros seis meses de tratamento, e a condição ocasionalmente resulta em morte. A função pancreática pode ser avaliada e acompanhada com determinações de amilase sérica. Valproato não deveria ser usado por mulheres grávidas ou amamentando. A droga está associada a defeitos de tubo neural (p. ex., espinha bífida) em aproximadamente 1 a 2% de todas as que tomam valproato durante o primeiro trimestre da gravidez. O risco de defeitos de tubo neural induzidos por valproato pode ser reduzido com suplementos diários de ácido fólico (1 a 4 mg por dia) tomados continuamente por pelo menos três meses antes da concepção e durante toda a gravidez. Mulheres que necessitam de terapia de valproato, portanto, deveriam informar seus médicos se tiverem intenção de engravidar. Bebês amamentados por mães tomando valproato desenvolvem concentrações de valproato sérico de 1 a 10% das concentrações séricas maternas, e nenhum dado sugere que isso acarrete um risco para o bebê. Portanto, valproato é relativamente contraindicado em mães que amamentam. Os médicos não deveriam administrar a droga a pessoas com doenças hepáticas. Casos raros de doença de ovário policístico foram relatados em mulheres usando valproato. EFEITOS SOBRE ÓRGÃOS E SISTEMAS ESPECÍFICOS Ainda que os principais efeitos do valproato sejam sobre o sistema nervoso central (SNC), ele também afeta o trato GI e o hematopoiético. Sua atuação sobre o trato GI leva tanto a efeitos adversos comuns (p. ex., náuseas) como a efeitos graves, porém raros (p. ex., hepatotoxicidade fatal). Uma comparação da utilização do lítio, do valproato e da carbamazepina nos transtornos bipolares é apresentada na Tab. 36.4.34-2. INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS O valproato costuma ser administrado com o lítio, a carbamazepina e os antagonistas dos receptores de dopamina. A única inte-
TERAPIAS
BIOLÓGICAS
1209
TABELA 36.4.34-2 Comparação do lítio, do ácido valpróico e da carbamazepina no transtorno bipolar I Lítio (Carbolitium) Níveis plasmáticos no soro Dose habitual para adultos Início de ação Ligação a proteínas
0,6-1,2 mEq/L 600-1.800 mg 5-14 dias Sem ligação às proteínas do plasma
t½
24 horas (média) Aumenta com a idade e/ou com a diminuição da função renal Não-metabolizado (primariamente excretado sem alterações na urina) Renal ↑ Concentrações séricas de lítio (fluoxetina, inibidores da ECA, AINEs, diuréticos) ↓ Concentrações séricas de lítio (acetazolamida, diuréticos osmóticos, teofilina, alcalinizadores urinários) Antipsicóticos podem aumentar a neurotoxidade do lítio
Vias metabólicas Vias de eliminação Interações medicamentosas comuns
Efeitos adversos comuns
Indicações
Ácido valpróico (Depakene, Depakote)
Carbamazepina (Tegretol)
50-100 μg/mL 750-4.200 mg 5-15 dias 90% dependente da ↓ da concentração; com alta concentração (variável, devido à saturação) 6-16 horas (média) Aumenta com a idade e/ou com a diminuição da função hepática Hepática (glucoroninos, mitocôndrias B, oxidação nos microssomos) Renal, glucoronidação Interage com muitos medicamentos que são metabolizados no fígado; indutores de enzimas podem reduzir as concentrações do ácido valpróico; este pode aumentar o fenobarbital pelo comprometimento da depuração não-renal (depressão grave do SNC)
4-12 μg/mL 400-1.600 mg 3-15 dias 76%
Náuseas, vômitos diarréia, Mau-estar GI, diplopia, sedação, poliúria polidipsia, tremor, tremor, edema, aumento de peso, hipotireoidismo alopecia e trombocitopenia Episódios maníacos do transtor- Transtorno bipolar, mania aguda no bipolar (e doenças convulsivas) Manutenção do transtorno bipolar
Faixa inicial: 25-65 horas; com doses repetidas: 12-17 h; 10,11-epóxido (ativo): 5-8 h aproximadamente Hepática: CYP 3A, possivelmente 2D6 Renal (72%), fecal (28%) Interage com medicamentos que são metabolizados no fígado; encurta a meia-vida de alguns destes (fenitoína, doxiciclina, teofilina); os níveis da carbamazepina podem ser reduzidos de forma significativa pelo fenobarbital, pela fenitoína e pela primidona; o ácido valpróico pode causar aumento da razão-medicamento parente 10,11-epóxido/medicamentomãe; a carbamazepina reduz os níveis plasmáticos do haloperidol e do ácido valpróico Tonturas, sonolência, instabilidade
Transtorno bipolar (e doenças convulsivas)
ECA – enzima de conversão da angiotensina; AINEs – antiinflamatórios não-esteróides. Reimpressa, com permissão, de Ereshefsky L, Overman GP, Karp JK. Current psychotropic dosing and monitoring guidelines. Prim Psychiatry. 1996,3:21.
ração medicamentosa com o lítio, se ambos são mantidos sem suas respectivas faixas terapêuticas, é a exacerbação dos tremores induzidos pelos medicamentos, que pode ser tratada com antagonistas dos receptores β. A combinação com antagonistas dos receptores de dopamina pode causar aumento da sedação, conforme observado quando se adiciona o valproato a qualquer depressor do SNC (p. ex., o álcool), e da gravidade dos sintomas extrapiramidais, que, em geral, respondem ao tratamento com os medicamentos antiparkinsonianos habituais. O valproato pode ser combinado com segurança com a carbamazepina ou com antagonistas de serotonina-dopamina. As concentrações plasmáticas da carbamazepina, da lamotrigina, do diazepam (Valium), da amitriptilina (Tryptanol), da nortriptilina (Pamelor) e do fenobarbital podem ser aumentadas quando esses medicamentos são co-administrados com o valproato, enquanto as concentrações plasmáticas da fenitoína (Epelin) e da desipramina (Norpramin) podem ser reduzidas quando combinadas com ele. As concentrações plasmáticas do valproato podem ser reduzidas quando ele é co-administrado com a carbamazepina e aumentadas quando co-administrado com guanfacina (Tenex), amitriptilina e fluoxetina (Prozac). O agente em questão pode ser deslocado das proteínas do plasma pela carbamazepina, pelo
diazepam e pela aspirina. Pessoas tratadas com anticoagulantes (p. ex., aspirina e warfarin (Marevan) também devem ser monitoradas quando se inicia a utilização do valproato, a fim de se detectar o desenvolvimento de qualquer potencialização indesejada dos efeitos anticoagulantes. Suas interações com outros medicamentos estão listadas na Tabela 36.4.34-3 INTERFERÊNCIAS LABORATORIAIS Relatou-se que a utilização do valproato provoca superestimação dos ácidos graxos livres do soro em quase metade dos pacientes testados. Verificou-se também que ele aumenta, de forma equivocada, as estimativas das cetonas urinárias e faz com que testes de função da tireóide apresentem falsamente anormais. DOSAGEM E ADMINISTRAÇÃO Antes da administração do valproato, deve-se excluir doença hepática e pancreática pela combinação da avaliação clínica e
1210
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 36.4.34-3 Interações do valproato com outros medicamentos Medicamento
Interações relatadas
Lítio Antipsicóticos
Aumento do tremor Aumento da sedação; aumento dos efeitos extrapiramidais; delirium e estupor (relato isolado) Aumento da sedação; síndrome confusional (relato isolado) Psicose aguda (relato isolado); ataxia, náuseas, letargia (relato isolado); pode reduzir as concentrações plasmáticas do valproato A amitriptilina e a fluoxetina podem aumentar as concentrações plasmáticas do valproato As concentrações séricas aumentam com o valproato Estado de ausência (raro; relatado somente em pacientes com epilepsia preexistente) As concentrações séricas se reduzem com o valproato As concentrações séricas aumentam com o valproato; aumento da sedação Aumento da sedação do SNC
Clozapina Carbamazepina
Antidepressivos Diazepam Clonazepam Fenitoína Fenobarbital Outros depressores Anticoagulantes
Possível potencialização do efeito
de laboratório. Esse medicamento se encontra disponível em uma série de formulações e dosagens (Tab. 36.4.34-4). É melhor se iniciar o tratamento de forma gradativa para reduzir os efeitos adversos comuns de náuseas, vômitos e sedação. A dose do primeiro dia deve ser de 250 mg, administrados com uma refeição. Ela pode ser aumentada para 250 mg por via oral três vezes ao dia no curso de 3 a 6 dias. As concentrações plasmáticas podem ser avaliadas na manhã antes que a primeira dose seja administrada. As concentrações terapêuticas para controle de convulsões variam de 50 a 100 μg/mL apesar de alguns médicos usarem 125 ou até 150 μg/mL, se o medicamento é bem-tolerado. É razoável usar a mesma faixa para o tratamento de transtornos mentais; a maioria dos estudos controlados utilizou 50 a 100 μg/mL. A maioria dos pacientes atinge concentrações plasmáticas na dosagem diária entre 1.200 a 1.500 mg em doses divididas. Os efeitos estabilizadores do humor do valproato aparecem entre 5 a 15 dias após o início do tratamento.
REFERÊNCIAS Baldessarini RJ, Tarazi RI. Drugs and the treatment of psychiatric disorders: psychosis and mania. In: Hardman JG, Limbird LE, Goodman Gilman A, eds. Goodman & Gilman’s the Pharmacological Basis of Therapeutics. 10th ed. New York: McGraw-Hill; 2001: 485. Bowden CL, Janicak PG, Orsulak P, et al. Relation of serum valproate concentration to response in mania. Am J Psychiatry. 1996; 153: 765. Kando JC, Tohen M, Castillo J, Zarate CA Jr. The use of valproate in an elderly population with affective symptoms. J Clin Psychiatry. 1996; 57: 238. Keck PE, McElroy SL, Tugrul KC, Beanett JA. Valproate oral loading in the treatment of acute mania. J Clin Psychiatry. 1993; 54: 305. Lennkh C, Simhaadl C. Current aspects of valproate in bipolar disorders. Int Clin Psychopharmacol. 2000; 15: 1. Lindenmayer JP, Kotsattis A. Use of sodium valproate in violent aggressive behaviors: a critical review. J Clin Psychiatry. 2000; 61: 123. Lott AD, McElroy SL, Keys MA. Valproate in the treatment behavioral agitation in elderly patients with dementia. J Neuropsychiatry Clin Neurosci. 1995; 7: 314. McElroy SL, Pope HG Jr, Keck PE. Valproate In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000: 2289. Minuk GY, Rockman GE, German GB, et al. The use of sodium valproate in the treatment of alcoholism. J Addict Dis. 1995; 14: 67. Stoll AL, Locke CA, Vuckosic A, Mayer PV. Lithium-associated cognitive and functional deficits reduced by a switch to divalproex sodium: a case series. J Clin Psychiatry. 1996; 57: 356. West SA, Keck PE, McElroy SL, et al. Open trial of valproate in the treatment of adolescent mania. J Child Adolesc Psychopharmacol. 1994; 4: 263. Vasudev K, Das S, Goswami U, Tayal G. Pharmacokinetics of salproic acid in patients with bipolar disorder. J Psychopharmacol. 2001; 5: 87.
36.4.35 Venlafaxina A venlafaxina (Efexor) é um antidepressivo eficaz que pode ter um início de ação mais rápido do que outros medicamentos antidepressivos quando a dose é aumentada mais rápido. Ela está entre os agentes mais potentes para o tratamento da depressão grave com manifestações melancólicas. Além disso, foi aprovada pela FDA para o tratamento do transtorno de ansiedade generalizada. Um medicamento da sua família, a duloxetina, é enfocado ao final desta seção. QUÍMICA A venlafaxina distingue-se estruturalmente de outros antidepressivos. Sua fórmula é mostrada na Figura 36.4.35-1.
TABELA 36.4.34-4 Preparações de valproato disponíveis nos Estados Unidos Nome genérico
Nome comercial, forma (doses)
Momento do pico
Valproato de sódio injetável Ácido valpróico
Depacon – injeção (100 mg de ácido valpróico/mL) Depakene, suspensão (250 mg/5 mL) Depakene, cápsulas (250, 300 e 500 mg) Depakote, comprimidos de liberação lenta (250 e 500 mg) Depakote, cápsulas sprinkle (125 mg)*
1 hora 1-2 horas 1-2 horas 3-8 horas Comparados com os comprimidos de divalproato, os sprinkles possuem início mais rápido e absorção mais lenta, com pico levemente mais baixo das concentrações plasmáticas
Divalproato de sódio Partículas de divalproato de sódio revestidas em cápsulas
* N. de R.T. Não disponível no Brasil.
TERAPIAS
N(CH3)2 C
OH
BIOLÓGICAS
1211
compulsivo, do transtorno de pânico, da agorafobia, da fobia social e do transtorno de déficit de atenção/hiperatividade. Tem sido utilizada em síndromes de dor crônica com bons efeitos.
H H3CO FIGURA 36.4.35-1 Estrutura molecular da venlafaxina.
AÇÕES FARMACOLÓGICAS A venlafaxina é bem-absorvida pelo trato gastrintestinal. A formulação de liberação imediata e a formulação de liberação sustentada atingem o pico das concentrações plasmáticas em 5,5 a 9 horas, respectivamente. Esse medicamento tem uma meia-vida de cerca de 3,5 horas, e sua forma de liberação lenta tem uma meia-vida de nove horas. A venlafaxina é um potente inibidor da recaptação da serotonina e da norepinefrina e um fraco inibidor da recaptação da dopamina. Não possui atividade sobre os receptores muscarínicos, nicotínicos, histamínicos, de opióides ou adrenérgicos, além de não ser inibidor ativo da monoaminoxidase. É metabolizada no fígado pela isoenzima 2D6 (CYP 2D6) do citocromo P450. INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS Depressão A venlafaxina é utilizada para o tratamento do transtorno depressivo maior. Pessoas gravemente deprimidas podem responder dentro de duas semanas a 200 mg por dia do medicamento, o que é um pouco mais rápido do que as 2 a 4 semanas que costumam ser necessárias para os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs). Por isso, a venlafaxina em alta dosagem pode se tornar o medicamento preferido para tratar pacientes muito graves quando se deseja uma resposta rápida. Em estudos comparando diretamente a fluoxetina (Prozac) com a venlafaxina no tratamento de pessoas muito deprimidas com manifestações melancólicas, esta tem sido bem superior em termos de taxa de resposta, porcentagem de resposta e plenitude de resposta. Não foram referidas comparações diretas entre a venlafaxina e a sertralina (Zoloft), o ISRS mais eficaz para o tratamento desse grupo de pacientes. Transtorno de ansiedade generalizada A formulação de liberação prolongada foi aprovada para o tratamento do transtorno de ansiedade generalizada. Em ensaios clínicos, doses de 75 a 225 mg por dia foram eficazes contra insônia, falta de concentração, inquietação, irritabilidade e tensão muscular excessiva relacionadas a esse transtorno.
PRECAUÇÕES E REAÇÕES ADVERSAS Relatou-se que a venlafaxina tende a ser bem-tolerada. As reações adversas mais comuns são náuseas, sonolência, boca seca, tontura, nervosismo, obstipação, astenia, ansiedade, anorexia, visão turva, ejaculação e orgasmo anormais, distúrbios eréteis e impotência. A incidência de náuseas é reduzida de forma considerável com a utilização das cápsulas de liberação prolongada. A interrupção abrupta do medicamento pode produzir uma síndrome de abstinência, a qual consiste de náuseas, sonolência e insônia. Por isso, sua suspensão deve ocorrer de forma lenta, em 2 a 4 semanas. O efeito adverso mais grave associado à venlafaxina é o aumento da pressão arterial em algumas pessoas, em especial naquelas tratadas com mais de 300 mg por dia. Em ensaios clínicos, o aumento médio de 7,2 mmHg na pressão arterial diastólica foi observado entre pacientes que estavam recebendo 375 mg por dia, em contraste com mudanças não-significativas entre os que recebiam 75 a 225 mg diários. Assim, o medicamento deve ser utilizado com cuidado por pessoas com hipertensão preexistente e somente em doses menores. Não há informação disponível sobre a utilização da venlafaxina por mulheres grávidas ou que estejam amamentando. Os clínicos devem evitar prescrevê-lo a essa população até que se realizem mais ensaios clínicos. INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS A cimetidina (Tagamet) parece inibir o metabolismo hepático de primeira passagem da venlafaxina e aumentar os níveis do medicamento não-metabolizado. Contudo, uma vez que o metabólito é principalmente responsável pelo efeito terapêutico, essa interação deve preocupar somente aqueles com hipertensão preexistente ou doença hepática, para os quais a combinação deve ser evitada. A venlafaxina pode aumentar as concentrações plasmáticas do haloperidol (Haldol) administrado ao mesmo tempo. Como todos os antidepressivos, ela não deve ser administrada dentro de 14 dias da utlização de inibidores da monoaminoxidase, e pode potencializar os efeitos sedativos de outros medicamentos que atuem sobre o sistema nervoso central. INTERFERÊNCIAS LABORATORIAIS Não há dados disponíveis atualmente sobre interferências laboratoriais causadas pela venlafaxina.
Outras indicações
DOSAGEM E ADMINISTRAÇÃO
Relatos de caso e estudos não-controlados indicaram que a venlafaxina pode ser benéfica no tratamento do transtorno obsessivo-
A venlafaxina se encontra disponível em comprimidos de 25, 37,5, 50, 75 mg e em cápsulas de liberação prolongada de 37,5, 75 e 150
1212
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
mg. Os comprimidos devem ser administrados em doses de 2 a 3 vezes ao dia, e as cápsulas de liberação prolongada devem ser tomadas em uma dose única ao deitar, até o máximo de 225 mg por dia. Uma e outra forma são igualmente potentes, e as pessoas estabilizadas com uma delas podem mudar pra a dose equivalente da outra. A quantia usual de início para pacientes deprimidos é de 75 mg por dia, administrados como comprimidos em 2 a 3 vezes ou como cápsulas de liberação prolongada, com a ingestão ao deitar. Algumas pessoas necessitam de uma dose inicial de 37,5 mg por 4 a 7 dias para reduzir os efeitos adversos, em particular as náuseas, antes do aumento gradativo até 75 mg por dia. Entre aquelas com depressão, a dose pode ser aumentada a 150 mg por dia, administrados em comprimidos, dividida em 2 a 3 doses, ou em cápsulas de liberação prolongada uma vez à noite, após o período apropriado de avaliação clínica em dose mais baixa (em geral 2 a 3 semanas). A dose pode ser aumentada com acréscimos de 75 mg por dia a cada quatro ou mais dias. As moderadamente deprimidas talvez não necessitem de doses acima de 225 mg por dia, enquanto as muito deprimidas podem requerer de 300 a 375 mg por dia para uma resposta satisfatória. A resposta antidepressiva rápida – dentro de 1 a 2 semanas – pode ser resultado da administração de doses de 200 mg por dia desde o início. A dose máxima da venlafaxina é de 375 mg diários. A dose da venlafaxina deve ser reduzida à metade para pessoas com função hepática ou renal muito diminuída. Para ser interrompida, ela deve ser reduzida de forma gradual em 2 a 4 semanas.
Katz IR, Reynolds CF III, Alexopoulos GS, Hackett D. Venlafaxine ER as a treatment for generalized anxiety disorder in older adults: pooled analysis of five randomized placebo-controlled trials. J Am Geriatr Soc. 2002;50:18. Meoni P, Salinas E, Brault Y, Hackett D. Pattern of symptom improvement following treatment with venlafaxine XR in patients with generalized anxiety disorder. J Clin Psychiatry. 2001;62:888. Russell JL. Relatively low doses of cisapride in the treatment of nausea in patients with venlafaxine for treatment-refractory depression. J Clin Psychopharmacol. 1996;16:35. Saletu B, Grumberger J, Anderer P, Linzmayer L, Semlitsch HV, Magni G. Pharmacodynamics of venlafaxine evaluated by EEG brain mapping, psychometry, and psychophysiology. Br J Clin Pharmacol. 1992;33:589. Scott MA, Shelton PS, Gattis W. Therapeutic options for treating major depression, and the role of venlafaxine. Pharmacotherapy. 1996;16:352. Sheehan DV. Attaining remission in generalized anxiety disorder: venlafaxine extended release comparative data. J Clin Psychiatry. 2001;62(suppl 19):26. Silverstone PH, Salinas E. Efficacy of venlafaxine extended release in patients with major depressive disorder and comorbid generalized anxiety disorder. J Clin Psychiatry. 2001;62:523.
36.4.36 Ioimbina A ioimbina (Yomax) é um antagonista dos receptores α2-andrenérgicos utilizado para tratar tanto a disfução sexual masculina idiopática como a induzida por medicamentos. Atualmente, o sildenafil (Viagra) e o alprostadil (Caverjet, Prostavasin) são, em geral, considerados mais eficazes para essa indicação do que a ioimbina.
DULOXETINA O hidrocloreto de duloxetina (Cymbalta) é um inibidor duplo de serotonina e de norepinefrina que atua como antidepressivo. Não se relaciona quimicamente à venlafaxina. A duloxetina tem afinidade mínima pelos receptores de dopamina, histamina ou outros tipos. Há informação limitada sobre seu perfil clínico. As doses utilizadas em ensaios clínico variam de 60 mg uma vez ao dia a 60 mg duas vezes ao dia. Em quantias mais baixas, é utilizada somente uma vez ao dia; em doses mais elevadas, é administrada duas vezes ao dia. Em ensaios clínicos, apresenta um perfil de efeitos colaterais semelhante ao de ISRSs. A interrupção devida a adventos adversos foi similar a estes (15% para a fluoxetina versus 5% para placebo). Os efeitos colaterais mais comuns são náuseas, boca seca, fadiga, tonturas, obtipação, sonolência e sudoerese. A duloxetina é um inibidor moderado da enzima CYP450 2D6. REFERÊNCIAS Baldessarini RJ. Drugs and the treatment of psychiatric disorders: depression and anxiety disorders. In: Hardman JG. Limbird LE, Goodman Gilman A, eds. Goodman & Gilman’s the Pharmacological Basis of Therapeutics. 10th ed. New York: McGraw-Hill; 2001:447. Beauclair L, Radoi-Andraous D, Chouinard G. Selective serotonin-noradrenaline reuptake inhibitors. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:1132. Bray GA, Ryan DH, Gordon D, Heidingsfelder S, Cerise F, Wilson K. A doubleblind randomized placebo-controlled trial of sibutramine. Obes. Res. 1996;4:263. Findling RL, Schwartz MA, Flannevy DJ, Manos MJ. Venlafaxine in adults with attention-deficit/hyperactivy disorder: an open clinical trial. J Clin Psychiatry. 1996;57:184.
QUÍMICA O hidrocloreto de ioimbina é derivado do alcalóide encontrado em Rubaceae e árvores correlatas e na planta Rauwolfia serpentina. Sua estrutura molecular é apresentada na Figura 36.4.36-1. AÇÕES FARMACOLÓGICAS A aoimbina não é absorvida de forma homogênea após a administração oral, com sua biodisponibilidade variando de 7 a 87%. Há extenso metabolismo de primeira passagem pelo fígado. Este agente afeta o sistema nervoso autônomo simpatomimético por aumentar as concentrações plasmáticas da norepinefrina. Sua meia-vida é de 0,5 a 2 horas. Trata-se de um antagonista dos receptores α2 localizados tanto pré como pós-sinapticamente nos neurônios noradrenérgicos.
N
N
H CH3OOC OH FIGURA 36.4.36-1 Estrutura molecular da ioimbina.
TERAPIAS Os receptores α2 estão localizados nos terminais sinápticos de alguns neurônios serotonérgicos. A estimulação dos receptores pré-sinápticos reduz a liberação de neurotransmissores dos neurônios; por isso, o bloqueio desses receptores aumenta a liberação dos neurotransmissores. Tanto a norepinefrina como a serotonina estão envolvidas na fisiologia da resposta sexual masculina. Do ponto de vista clínico, a ioimbina produz aumento do tônus parassimpático (colinérgico). INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS Em psiquiatria, a ioimbina tem sido utilizada para tratar a disfunção erétil médica, psicogênica e induzida por medicamentos. A ereção foi ligada à atividade colinérgica e ao bloqueio α2-adrenérgico, que, em tese, aumenta o influxo de sangue para o pênis ou o diminui para fora do pênis ou ambos. Os urologistas utilizam esse agente para a classificação diagnóstica de certos tipos de impotência. Relata-se que o medicamento evita a perda do desejo sexual e a inibição do orgasmo causados por alguns antidepressivos serotonérgicos (p. ex., os inibidores seletivos da recaptação de serotonina). Não se revelou ser útil para essas indicações em mulheres. EFEITOS SOBRE ÓRGÃOS E SISTEMAS ESPECÍFICOS A ioimbina atua principalmente sobre o sistema nervoso periférico através de efeitos sobre a neurotransmissão adrenérgica, os quais influenciam funções vasculares, cardíacas e gastrintestinais. PRECAUÇÕES E REAÇÕES ADVERSAS Seus efeitos adversos incluem ansiedade, aumento da pressão arterial e da freqüência cardíaca, aumento da atividade psicomotora, irritabilidade, tremor, cefaléia, rubor, tontura, polaciúria, náuseas, vômitos e sudorese. Pacientes com transtorno de pânico exibem sensibilidade aumentada à ioimbina e experimentam maior ansiedade, aumento da pressão arterial e aumento do 3-metoxi4-hidroxipenilglicol (MHPG) plasmático. Ela deve ser utilizada com cuidado por mulheres e não deve ser uma opção para pacientes com doença renal, doença cardíaca, glaucoma ou história de úlcera gástrica ou duodenal. INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS A ioimbina bloqueia o efeito da clonidina (Atensina), da guanfacina (Tenex) e de outros agonistas dos receptores α2. INTERFERÊNCIAS LABORATORIAIS Não há interferências laboratoriais conhecidas associadas à ioimbina.
BIOLÓGICAS
1213
DOSAGEM E DIRETRIZES CLÍNICAS A ioimbina se encontra disponível em comprimidos de 5,4 mg. Sua dose indicada para o tratamento da impotência é de cerca de 18 mg por dia, administrados em doses que variam de 2,7 a 5,4 mg três vezes ao dia. Em caso de efeitos adversos significativos, a dose deve, primeiro, ser reduzida e, a seguir, aumentada de novo, mas de forma gradual. Ela deve ser utilizada de forma criteriosa por pacientes psiquiátricos porque pode haver um efeito adverso sobre seu estado mental. Pelo fato de a ioimbina não ter efeitos consistentes sobre a disfunção erétil e existirem no momento medicamentos mais eficazes, sua utilização tem diminuído de forma considerável. REFERÊNCIAS Ashton AK. Yohimbine in the treatment of male erectile dysfunction. Am J Psychiatry. 1994;151:1397. Cameron OG, Zubiete JK, Grunhaus L, Minoshima S. Effects of yohimbine on cerebral blood flow, symptoms, and physiological functions in humans. Psychosom Med. 2000;62:549. Cappiello A, McDougle CJ, Malison RT, et al. Yohimbine augmentation of fluvoxamine in refractory depression: a single-blind study. Biol Psychiatry. 1995;38:765. DeBattista C, Shatzberg AF. Other pharmacological and biological therapies. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2521. Hoffman BB. Catecholamines, sympathomimetic drugs, and adrenergic receptor antagonists. In: Hardman JG, Limbird LE, Goodman Gilman A, eds. Goodman & Gilman’s the Pharmacological Basis of Therapeutics. 10th ed. New York: McGraw-Hill; 2001:215. Gitlin MJ. Psychotropic medications and their effects on sexual function: diagnosis, biology, and treatment approaches. J Clin Psychiatry. 1994;55:406. Goddard AW, Charney DS, Germine M, et al. Effects of tryptophan depletion on responses to yohimbine in healthy human subjects. Biol Psychiatry. 1995;38:74. Knoll LD, Benson RC Jr, Bilhartz DL, Minich PJ, Furlow WL. A randomized crossover study using yohimbine and isoxsuprine versus pentoxifylline in the management of vasculogenic impotence. J Urol. 1996;155:144. Mann K, Klingler T, Noe S, et al. Effects of yohimbine on sexual experiences and nocturnal penile tumescence and rigidity in erectile dysfunction. Arch Sex Behav. 1996;25:1. McDougle CJ, Krystal JH, Price LH, et al. Noradrenergic response to acute ethanol administration in healthy subjects: comparison with intravenous yohimbine. Psychopharmacology. 1995;118:127. Morgan CA, Grillon C, Southwick SM, et al. Yohimbine facilitated acoustic startle in combat veterans with post-traumatic stress disorder. Psychopharmacology. 1995;117:466. Morgan CA, Southwick SM, Grillon C, et al. Yohimbine—facilitated acoustic startle reflex in humans. Psychopharmacology. 1993;110:342. Peskind ER, Wingerson D, Murray, et al. Effects of Alzheimer’s disease and normal aging on cerebrospinal fluid norepinephrine response to yohimbine and clonidine. Arch Geng Psychiatry 1995;52:774.
36.5 Eletroconvulsoterapia Após mais de 50 anos de seu desenvolvimento, a eletroconvulsoterapia (ECT) permanece um tratamento importante, efetivo e seguro para uma série de transtornos neuropsiquiátricos. A depressão maior, especialmente no idoso, é a indicação mais comum dessa prática; contudo, tem sido utilizada em outros transtornos mentais graves, como esquizofrenia e transtorno bipolar I. O caráter invasor do procedimento e seus
1214
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
principais efeitos adversos de perda de memória e confusão são variáveis limitantes em seu emprego. Todavia, os efeitos cognitivos adversos da ECT não têm relação com seus benefícios terapêuticos. A maioria das principais inovações na técnica nos últimos 20 anos procurou reduzir os efeitos cognitivos enquanto mantinha os benefícios. Novos desenvolvimentos oferecem a esperança de que esta forma de tratamento encontre mais aceitação entre psiquiatras e pacientes. HISTÓRIA Ainda que convulsões induzidas por cânfora fossem utilizadas já no século XVI para o tratamento de psicose, a história da ECT começa mesmo em 1934, quando Ladislas J. von Meduna relatou o tratamento bem-sucedido de catatonia e outros sintomas esquizofrênicos com convulsões induzidas farmacologicamente. Este começou utilizando injeções intramusculares de cânfora suspensa em óleo, mas logo mudou para a administração intravenosa de pentilenotetrazol. O método se baseou em duas observações. Primeiro, os sintomas esquizofrênicos por vezes diminuem após uma convulsão; convulsões costumavam ser induzidas de forma acidental ou iatrogênica em pacientes psiquiátricos, secundárias à supressão de medicamentos (p. ex., barbitúricos). Segundo, acreditava-se, equivocadamente, que a esquizofrenia e a epilepsia não podiam coexistir; por isso, a indução de convulsões poderia livrar os pacientes da esquizofrenia. A indução com pentilenotetrazol foi utilizada como tratamento eficaz por quatro anos antes da introdução da convulsões induzidas eletricamente. Em princípio, com base no trabalho de von Meduna, Ugo Cerletti e Lucio Bini administraram o primeiro tratamento eletroconvulsivo em Roma, em abril de 1938. O tratamento foi referido como terapia de eletrochoque (EST), mais tarde tornou-se conhecido como eletroconvulsoterapia. Os principais problemas associados à ECT eram o desconforto causado pelo procedimento e as fraturas ósseas resultantes da marcante atividade motora da convulsão. Estes foram eliminados pela utilização dos anestésicos gerais e de relaxamento muscular farmacológico durante o tratamento. Um psiquiatra americano, Abram E. Benett, auxiliou a desenvolver o método de extrair curare puro do material de plantas. Ele sugeriu a utilização de anestésicos espinais e de curare (para paralisar os músculos para prevenir as fraturas) durante a ECT. Em 1951, a succinilcolina (Anectine) foi introduzida e se tornou o relaxante muscular mais utilizado para esse fim. Nos dias de hoje, cerca de 100 mil pacientes por ano recebem ECT nos Estados Unidos.
ELETROFISIOLOGIA NA ECT Os neurônios mantêm um potencial de repouso na membrana citoplasmática e podem propagar um potencial de ação, que é a reversão transitória do potencial da membrana. A atividade cerebral normal é dessincronizada, isto é, os neurônios disparam potenciais de ação de forma assíncrona. Uma convulsão, ou crise, ocorre quando uma grande porcentagem de neurônios dispara de forma uníssona. Essas alterações rítmicas no potencial extracelular recrutam os neurônios vizinhos, propa-
gam a atividade convulsiva através do córtex até as estruturas profundas e chega a envolver todo o cérebro em disparos síncronos dos neurônios de alta voltagem. Mecanismos celulares atuam para conter a atividade convulsiva e para manter a homeostase celular, e a convulsão termina. Na epilepsia, qualquer um de centenas de possíveis defeitos genéticos é capaz de alterar o equilíbrio em favor da atividade irrestrita. Na ECT, as convulsões são desencadeadas em neurônios normais pela aplicação de pulsos de corrente no escalpo, sob condições controladas com cuidado para induzir a convulsão com uma duração particular em todo o cérebro. As qualidades da eletricidade utilizada na ECT podem ser descritas pela lei de Ohm, E=IR, ou I=E/R, em que E é a voltagem, I é a corrente e R, a resistência. A intensidade ou dose da eletricidade é medida em termos de carga (miliampéres-segundos ou milicoulombs) ou energia (watts-segundos ou joules). Resistência é sinônimo de impedância e, no caso da ECT, o contato do eletrodo com o organismo e a natureza dos tecidos corporais são os principais determinantes da resistência. O crânio possui uma impedância alta; o cérebro, baixa. Pelo fato de os tecidos do escalpo serem condutores muito melhores de eletricidade do que o osso, somente cerca de 20% da carga aplicada na verdade entra pelo crânio para excitar os neurônios. Os aparelhos, que têm sido bastante utilizados, podem ser ajustados para administrar a eletricidade sob condições de corrente, voltagem ou energia constantes.
MECANISMO DE AÇÃO A indução de uma convulsão bilateral generalizada é necessária tanto para os efeitos benéficos como adversos da ECT. Embora uma convulsão pareça, de maneira superficial, um acontecimento do tipo tudo-ou-nada, alguns dados indicam que nem todas as convulsões generalizadas envolvem todos os neurônios das estruturas profundas do cérebro (i.e., os núcleos basais e o tálamo); o recrutamento desses neurônios profundos pode ser necessário para o benefício terapêutico completo. Após uma convulsão generalizada, o eletroencefalograma (EEG) mostra 60 a 90 segundos de supressão pós-ictal. Esse período é seguido pelo surgimento de ondas delta e teta de alta voltagem e um retorno à aparência préconvulsão em cerca de 30 minutos. Durante o curso de uma série de aplicações de ECT, o EEG interictal em geral fica mais lento e de maior amplitude do que o habitual, mas retorna à aparência pré-tratamento em um mês a um ano após o fim do curso do tratamento. Uma área de pesquisa sobre o mecanismo de ação dessa abordagem tem sido estudar os efeitos neurofisiológicos do tratamento. Estudos de tomografia por emissão de pósitrons (PET) tanto do fluxo sangüíneo cerebral como da utilização de glicose demonstraram que, durante as convulsões, o fluxo sangüíneo cerebral, a utilização de glicose e oxigênio e a permeabilidade da barreira hematencefálica aumentam. Após as mesmas, o fluxo sangüíneo e o metabolismo da glicose ficam diminuídos, talvez de forma mais marcada nos lobos frontais. Algumas pesquisas indicam que o grau de redução do metabolismo cerebral se correlaciona com a resposta terapêutica. Os focos de convulsões na epilepsia idiopática são hipometabólicos durante os períodos interictais; a ECT por si só atua como
TERAPIAS
um anticonvulsivante porque sua administração se associa a um aumento do limiar para convulsões, à medida que o tratamento progride. Dados recentes sugerem que, por 1 a 2 meses subseqüentes uma sessão de ECT, o EEG registra um grande aumento de atividade de ondas lentas localizado no córtex pré-frontal em pacientes que responderam bem à intervenção. A estimulação bilateral de alta intensidade produz a melhor resposta; a de baixa intensidade, a mais fraca. Esses dados são de significado obscuro, contudo, já que o correlato específico do EEG desapareceu dois meses após a ECT, enquanto o benefício clínico persistiu. Essa técnica afeta os mecanismos celulares da memória e da regulação do humor e levanta o limiar para convulsões. Este último efeito pode ser bloqueado pelo antagonistas de opióides naloxona (Narcan). A pesquisa neuroquímica sobre os mecanismos de ação da ECT tem enfocado mudanças nos receptores de neurotransmissores e, há pouco tempo, mudanças nos sistemas de segundosmensageiros. Praticamente cada sistema de neurotransmissores é afetado pela ECT, mas séries de sessões levam à downregulation dos receptores β adrenérgicos pós-sinápticos, a mesma modificação observada com quase todos os tratamentos com antidepressivos. Os efeitos da ECT sobre os neurônios serotonérgicos permanecem controversos. Vários estudos de pesquisa relataram aumento de receptores pós-sinápticos da serotonina, ausência de modificação entre os receptores da serotonina e modificação na regulação pré-sináptica da liberação da serotonina. Constatou-se também que a técnica efetua modificações nos sistemas neuronais muscarínicos, colinérgicos e dopaminérgicos. Em sistemas de segundos-mensageiros, relatou-se que a ECT afeta o acoplamento da proteína G aos receptores, a atividade da adenil ciclase e da fosfolipase C e a regulação da entrada de cálcio nos neurônios. INDICAÇÕES Transtorno depressivo maior A indicação mais comum para a ECT é o transtorno depressivo maior, para o qual é o tratamento mais rápido e eficaz disponível. Ela deve ser considerada para utilização em pacientes que tenham fracassado em tentativas com medicamentos, não os tenham tolerado, apresentem sintomas graves ou psicóticos, estejam em crise suicida ou homicida ou tenham sintomas marcantes de agitação ou estupor. Estudos controlados demonstraram que até 70% daqueles que deixam de responder aos antidepressivos podem responder de forma favorável à ECT. Além disso, ela é eficaz na depressão tanto no transtorno depressivo maior como no transtorno bipolar I. A depressão delirante ou psicótica há muito tem sido considerada particularmente responsiva à ECT, mas estudos recentes indicaram que os episódios depressivos com manifestações psicóticas não são mais responsivos do que os transtornos depressivos não-psicóticos. A despeito disso, em vista de os episódios depressivos maiores com manifestações psicóticas responderem mal à farmacoterapia antidepressiva sozinha, essa intervenção deve ser considerada com muito mais freqüência como tratamento de primeira linha para
BIOLÓGICAS
1215
os pacientes com tal condição. Considera-se que o transtorno depressivo maior com manifestações melancólicas (com sintomas graves, lentificação psicomotora, despertar cedo de madrugada, variação diurna, redução do apetite e do peso e agitação) têm probabilidade de responder à ECT. Esta é indicada de forma bastante específica para pessoas que estejam gravemente deprimidas, que tenham sintomas psicóticos, que apresentem intenção suicida ou que se recusem a comer. Os pacientes deprimidos com menos probabilidade de responder à ECT incluem os com transtorno de somatização. Idosos tendem a responder de forma mais lenta do que os mais jovens. A ECT é um tratamento para o episodio depressivo maior e não provê profilaxia, a menos que administrada na base de manutenção de longo prazo. Episódios maníacos A ECT é, no mínimo, igual ao lítio (Carbolitium) no tratamento dos episódios maníacos agudos. O tratamento farmacológico, neste caso, contudo, é tão eficaz em curto prazo e para sua profilaxia que a utilização da ECT para essa intervenção em geral é limitada a situações com contra-indicações específicas para todas as abordagens farmacológicas disponíveis. A relativa rapidez da resposta à técnica representa um benefício para aqueles cujo comportamento maníaco produziu níveis perigosos de exaustão. A ECT não deve ser utilizada por pacientes que estejam recebendo lítio, porque ele pode baixar o limiar para convulsões e causar uma convulsão prolongada. Esquizofrenia A ECT é um tratamento eficaz em sintomas da esquizofrenia aguda, mas não da esquizofrenia crônica. Os pacientes afetados que têm sintomas positivos marcantes, catatonia ou sintomas afetivos são considerados os com maior probabilidade de responder à ECT. Nesses casos, sua eficácia é quase igual à dos antipsicóticos, mas a melhora pode ocorrer mais rapidamente. Outras indicações Estudos com pequeno número de pacientes verificaram ser a ECT eficaz no tratamento da catatonia, um sintoma associado a transtornos do humor, esquizofrenia e doenças sistêmicas e neurológicas. Relatou-se que ela é útil para tratar psicoses episódicas, psicoses atípicas, transtorno obsessivo-compulsivo e delirium, bem como condições sistêmicas como síndrome neuroléptica maligna, hipopituitarismo, doenças convulsivas intratáveis e fenômenos liga-desliga (off-on) da doença de Parkinson. A ECT também pode ser o tratamento de escolha para mulheres grávidas deprimidas suicidas que necessitem de tratamento e não possam tomar medicamentos, para pacientes geriátricos e com doença sistêmica que não possam utilizar antidepressivos com segurança e talvez mesmo para crianças e adolescentes gravemente deprimidos ou suicidas, que têm menos probabilidade de responder aos antidepressivos do que os adultos. A ECT não é eficaz no transtorno de somatização (a
1216
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
menos que acompanhado de depressão), em transtornos da personalidade e nos transtornos de ansiedade. DIRETRIZES CLÍNICAS Os pacientes e suas famílias ficam por vezes apreensivos em relação à ECT; por isso, os clínicos devem explicar tanto os efeitos benéficos como adversos e as abordagens alternativas de tratamento. O processo de consentimento informado deve ser documentado no prontuário médico do paciente e incluir uma discussão sobre o transtorno, seu curso natural e a opção de não receber nenhum tratamento. Panfletos e vídeos sobre a ECT podem ser úteis na tentativa de se conseguir um consentimento verdadeiramente informado. A utilização da técnica de forma involuntária é rara nos dias de hoje e deve ser reservada para pacientes que necessitam de tratamento de urgência e que tenham um responsável legalmente indicado que tenha concordado com sua utilização. Os clínicos precisam conhecer as leis locais, estaduais e federais sobre sua administração. Avaliação pré-tratamento A avaliação pré-tratamento deve incluir exame físico tradicional, neurológico, pré-anestésico e história clínica completa. As avaliações de laboratório devem ater-se à química do sangue e da urina, a uma radiografia de tórax e a um eletrocardiograma (ECG). Um exame dentário para avaliar o estado da dentição é aconselhável para idosos e pacientes que têm cuidado dentário inadequado. A radiografia é necessária se há evidência de doença da coluna. Tomografia computadorizada (TC) ou imagens por ressonância magnética (RM) devem ser obtidas se o clínico suspeita da presença de uma doença convulsiva ou de lesão que ocupa espaço. Os médicos que usam ECT não consideram mais até mesmo que uma lesão ocupando espaço seja uma contra-indicação absoluta, mas, com esses pacientes, o procedimento deve ser realizado somente por especialistas. Medicamentos concomitantes. Os medicamentos administrados aos pacientes devem ser avaliados para possíveis interações com a indução da convulsão, para efeitos (tanto positivos como negativos) sobre o limiar de convulsões e para interações medicamentosas com agentes utilizados durante a ECT. A utilização de medicamentos tricíclicos e tetracíclicos, de inibidores da monoaminoxidase e de antipsicóticos em geral é considerada aceitável. Os benzodiazepínicos empregados para tratar a ansiedade devem ser retirados por causa de sua atividade anticonvulsivante; o lítio deve ser suspenso porque pode levar a aumento do delirium pós-ictal e prolongar a atividade convulsiva; a clozapina (Leponex) e a bupropiona (Wellbutrin) devem ser suspensas porque se associam ao desenvolvimento de convulsões de surgimento tardio. A lidocaína (Xylocaina) não deve ser administrada durante a ECT, pois aumenta de forma marcante o limiar de convulsões; a teofilina (Teolong) é contra-indicada porque aumenta a duração das convulsões. A reserpina também deve ser interrompida porque se associa a comprometimento adicional dos sistemas respiratório e cardiovascular durante a ECT.
Pré-medicação, anestésicos e relaxantes musculares Os pacientes não devem receber nada administrado por via oral por seis horas antes da aplicação. Imediatamente antes do procedimento, sua boca deve ser examinada para verificar se há dentaduras e outros corpos estranhos, e um acesso intravenoso (IV) deve ser estabelecido. Um dispositivo para mordidas deve ser inserido na boca do paciente para proteger os dentes e a língua durante a convulsão. Exceto pelo breve intervalo de estimulação elétrica, oxigênio a 100% é administrado na taxa de 5 L por minuto, durante o procedimento, até o retorno da respiração espontânea. Equipamento de emergência para o estabelecimento de uma via aérea deve estar disponível em caso de necessidade. Medicamentos anticolinérgicos muscarínicos. Estes são administrados antes da ECT para reduzir ao mínimo as secreções orais e respiratórias e bloquear bradicardias e assístoles, a menos que a freqüência cardíaca em repouso esteja acima de 90 batimentos por minuto. Alguns centros de ECT interromperam a utilização de rotina de anticolinérgicos como pré-medicação, embora ainda sejam indicados para pacientes sob antagonistas dos receptores β-adrenérgicos e para aqueles com extra-sístoles ventriculares. O medicamento utilizado com mais freqüência é a atropina, que pode ser administrada 0,3 a 0,6 mg por via intramuscular (IM) ou subcutânea (SC), 30 a 60 minutos antes do anestésico, ou 0,4 a 1 mg IV 2 a 3 minutos após o anestésico. Uma opção é o glicopirrolato (Robinul) (0,2 a 0,4 mg IM, IV ou SC), que tem menos probabilidade de atravessar a barreira hematencefálica e de causar disfunção cognitiva e náuseas, ainda que se considere que tenha menos atividade protetora cardiovascular do que a atropina. Anestesia. A administração de ECT necessita de anestesia geral e oxigenação. A profundidade da anestesia deve ser tão leve quanto possível, não só para reduzir os efeitos adversos como também para evitar elevar o limiar de convulsões associado a muitos anestésicos. O metoexital (Brevital) (0,75 a 1 mg/kg IV em bolo) é o anestésico utilizado com mais freqüência por causa de sua curta duração de ação e baixa associação com arritmias pós-ictais em relação ao tiopental (Pentotal) (dose habitual de 2 a 3 mg/kg IV), ainda que essa diferença nos efeitos cardíacos não seja aceita de maneira uniforme. Quatro outras alternativas de anestésicos são o etomidato (Amidate), a cetamina (Ketalar), a alfentanila (Alfenta) e o propofol (Diprivan). O etomidato (0,15 a 0,3 mg/kg IV) é por vezes utilizado porque não eleva o limiar de convulsões; esse efeito é particularmente útil para idosos já que este limiar aumenta com a idade. A cetamina (6 a 10 mg/kg IM) é uma opção porque não eleva o limiar de convulsões, embora sua utilização seja limitada pela freqüente associação de sintomas psicóticos com a saída da anestesia. A alfentanila (2 a 9 mg/kg IV) costuma ser co-administrada com barbitúricos para permitir o uso de baixas doses de anestésicos barbitúricos e, assim, reduzir o limiar de convulsões em menos do que o habitual, ainda que sua utilização possa estar associada a um aumento da incidência de náuseas. O propofol (0,5 a 3,5 mg/kg IV) é menos eficácia por causa de suas fortes propriedades anticonvulsivantes. Relaxantes musculares. Após o início do efeito anestésico, em geral em um minuto, um relaxante muscular é administrado
TERAPIAS
para reduzir o risco de fraturas ósseas e outras lesões resultantes da atividade motora durante a convulsão. O objetivo é produzir um relaxamento profundo dos músculos, não necessariamente paralisá-los, a menos que o paciente tenha história de osteoporose ou doença da coluna ou use marcapasso e apresente, assim, risco de desenvolver lesão por causa da atividade motora durante a crise. A succinilcolina, um agente bloqueador por despolarização de ação ultra-rápida, ganhou a aceitação quase universal para esse propósito. Ela tende a ser administrada em uma dose de 0,5 a 1 mg/kg em bolo IV ou gota a gota. Por ser um agente despolarizador, sua ação é marcada pela presença de fasciculações musculares, que se movimentam em uma progressão rostrocaudal. O desaparecimento desses movimentos nos pés e a ausência de contrações musculares pela estimulação de nervos periféricos indicam o relaxamento muscular máximo. Em alguns casos, a tubocurarina (3 mg IV) é administrada para evitar mioclonias e aumentos de potássio e de enzimas musculares; tais reações podem ser um problema para pacientes com doença musculoesquelética ou cardíaca. Para monitorar a duração da convulsão, um manguito de pressão arterial deve ser inflado no tornozelo até um nível acima da pressão sistólica antes da infusão do relaxante muscular, para permitir a observação da atividade convulsiva relativamente inócua nos músculos do pé. Se o paciente tem história conhecida de deficiência de pseudocolinesterase, atracútio (Tracrium) (0,5 a 1 mg/kg IV) ou curare podem, ser utilizados no lugar da succinilcolina. Nesses casos, o metabolismo da succinilcolina é perturbado, e a apnéia prolongada pode necessitar de manejo de emergência das vias aéreas. Em geral, contudo, por causa da meia-vida curta da succinilcolina, a duração da apnéia após a administração costuma ser mais curta do que a demora para retomar a consciência causada pelo anestésico e o estado pós-ictal. A Tabela 36.5-1 resume os medicamentos utilizados na ECT.
TABELA 36.5-1 Medicamentos utilizados na adminsitração da ECT Medicamento Anticolinérgicos Atropina Glicopirrolato Anestésicos Metoexital Tiopental Etomidato Alfentanila Cetamina Propofol Midazolam Relaxantes musculares Despolarizadores Succinilcolina Não-despolarizadores Mivacúrio Atracúrio Anti-hipertensivos Esmolol Labetalol Nifedipina
Dose 0,4–1 mg IV ou IM 0,2–0,4 mg IV ou IM 0,5–1 mg/kg IV 1,5–2,5 mg/kg IV 0,1–0,3 mg/kg IV 0,2–0,3 mg/kg IV 0,5–1 mg/kg IV 0,75–1,5 mg/kg IV 0,15–0,3 mg/kg IV
BIOLÓGICAS
1217
Colocação de eletrodos A ECT pode ser realizada com eletrodos colocados tanto de forma bilateral como unilateral. A colocação bilateral em geral proporciona uma resposta terapêutica mais rápida, enquanto a unilateral provoca efeitos adversos cognitivos menos marcados na primeira semana ou semanas após a aplicação, embora essa diferença entre ambas desapareça dois meses após a aplicação. Na colocação bilateral, que foi a primeira introduzida, um eletrodo estimulante é colocado a vários centímetros de distância em cada hemisfério do cérebro. Na ECT unilateral, ambos os eletrodos são colocados vários centímetros à parte, sobre o hemisfério nãodominante, quase sempre o direito. Algumas tentativas foram feitas para variar a localização dos eletrodos na ECT unilateral, mas tentativas não obtiveram a rapidez de resposta observada com a ECT bilateral nem reduziram os efeitos cognitivos adversos. A abordagem mais comum é iniciar o tratamento com a ECT unilateral, devido a seu perfil de efeitos adversos mais favorável. Se o paciente não melhorar após 4 a 6 aplicações unilaterais, é utilizada a colocação bilateral. A colocação inicial bilateral de eletrodos pode estar indicada nas seguintes situações: sintomas depressivos graves, agitação marcante, risco imediato de suicídio, sintomas maníacos, estupor catatônico e esquizofrenia resistente a tratamento. Alguns pacientes estão particularmente em risco de efeitos adversos relacionados à anestesia, os quais podem ser tratados com colocação bilateral desde o início para reduzir o número de aplicações e a exposição aos anestésicos. Na ECT bilateral tradicional, os eletrodos são colocados de forma bifrototemporal, com o centro de cada eletrodo cerca de 2,5 cm acima de um ponto médio de uma linha imaginária desenhada do trago ao canto externo da órbita. Com a aplicação unilateral, um eletrodo de estímulo é colocado sobre a área frontotemporal não-dominante. Embora várias locações para o segundo eletrodo de estímulo tenham sido propostas, a colocação sobre o escalpo centroparietal não-dominante, imediatamente lateral ao vértex na linha média, parece prover a configuração mais efetiva (Fig. 36.5-1). Qual hemisfério cerebral é o dominante pode ser determinado por uma série simples de tarefas de desempenho (p. ex., para a dominância da mão e a dominância do pé) e pela preferência
Unilateral
Bilateral
0,75–1,5 mg/kg IV 0,1–0,2 mg/kg IV 0,3–0,4 mg/kg IV 0,05–0,1 mg/kg IV 0,04–0,2 mg/kg IV 10–30 mg via oral
Tabela de K. E. Isenberg, M.D. e C. F. Zorumski, M.D.
FIGURA 36.5-1 Tipos de colocações de eletrodos utilizados na ECT – bilateral (à direita) e unilateral direita não-dominante (à esquerda). Neste último caso, uma ampla colocação centroparietal-frontotemporal é exibida. (Cortesia de K. E. Isenberg, M.D. e C. F. Zuronski, M.D.)
1218
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
relatada. As respostas do lado direito do corpo têm alta correlação com a dominância do cérebro esquerdo. Se as respostas são mistas ou se indicam a dominância do lado esquerdo do corpo, os clínicos devem alternar a polaridade da estimulação unilateral durante sucessivas aplicações. É importante monitorar o tempo que o paciente leva para recuperar a consciência e para responder a perguntas simples de orientação e designação. O lado da estimulação associado à recuperação e ao retorno da função menos rápido é considerado o dominante. O hemisfério esquerdo é o dominante na maioria das pessoas: por isso, a colocação lateral é quase sempre sobre o hemisfério direito. Estímulo elétrico O estímulo elétrico deve ser forte o suficiente para atingir o limiar de convulsões (o nível de intensidade necessário para se produzir uma convulsão). Ele é administrado em ciclos, cada um contendo uma onda positiva e uma negativa. Aparelhos antigos utilizam uma onda senoidal; contudo, são considerados obsoletos por causa da ineficiência de sua forma de onda. Quando uma onda senoidal é administrada, o estímulo elétrico, antes que o limiar para convulsões seja atingido e após essas serem ativadas, é desnecessário e excessivo. Os aparelhos modernos utilizam um pulso breve de forma de onda que administra o estímulo elétrico em 1 a 2 ms em uma taxa de 30 a 100 pulsos por segundo. Os mecanismos que utilizam um pulso ultrabreve (0,5 ms) não são tão eficazes como os de pulso breve. Estabelecer o limiar para convulsões de um paciente não é algo direto. Ocorre uma variabilidade de 40 vezes nos limiares entre os indivíduos. Além disso, durante o curso do tratamento com ECT, o limiar pode aumentar de 25 a 200%. Esse índice também é mais alto nos homens do que nas mulheres, e mais alto nos idosos do que nos adultos jovens. Uma técnica comum é iniciar o tratamento com um estímulo elétrico que se pensa estar abaixo do limiar de convulsões para um paciente em particular e, a seguir, aumentar sua intensidade em 100% para a colocação unilateral e em 50% para a bilateral, até que o limiar seja atingido. Um debate na literatura se preocupa com o fato de ser preferível uma dose um mínimo acima do limiar, uma dose moderadamente acima do limiar (1,5 vezes o limiar) ou uma dose muito acima do mesmo (três vezes o limiar). O debate sobre a intensidade do estímulo é semelhante àquele sobre a colocação dos eletrodos. Em síntese, os dados apóiam a conclusão de que doses três vezes o limiar são as mais efetivas e que aquelas com um mínimo acima do limiar se associam a menos efeitos cognitivos adversos, tendem a ser menos graves.
cas), que diminuem até desaparecerem. A fase tônica é marcada no EEG por atividade aguda de alta freqüência, em que um artefato muscular de freqüência mais alta pode estar superposto. Durante a fase clônica, surtos de atividade de polipontas ocorrem junto com contrações musculares, mas, em geral, persistem por pelo menos alguns segundos após a parada dos movimentos clônicos. Monitoração das convulsões. O médico precisa ter uma medida objetiva que avalie se uma convulsão bilateral generalizada ocorreu após a estimulação. Ele deve ser capaz de observar tanto evidência de movimentos tônico-clônicos como evidência eletrofisiológica de atividade convulsiva no EEG ou no eletromiograma (EMG). Convulsões com ECT unilateral são assimétricas, com amplitudes ictais mais altas sobre o hemisfério estimulado do que não-estimulado. Em certas ocasiões, são induzidas convulsões unilaterais; por essa razão, pelo menos um par de eletrodos de EEG deve ser colocado sobre o hemisfério contralateral quando se utiliza ECT unilateral. Para a convulsão ser eficaz durante o curso da terapia, deve durar pelo menos 25 segundos. Falha na indução de convulsões. Se um estímulo particular deixa de causar uma convulsão com duração suficiente, até quatro tentativas de indução devem ser feitas durante o curso da aplicação. O início da atividade convulsiva demora até 20 a 40 segundos após a administração do estímulo. Se este deixa de levar à convulsão, o contato entre os eletrodos e a pele deve ser revisado, e a intensidade do estímulo precisa ser aumentada em 25 a 100%. O clínico também pode mudar o agente anestésico para reduzir ainda mais o limiar de convulsões causado por anestésicos. Procedimentos adicionais para tanto incluem hiperventilação e administração de 500 a 2.000 mg de benzoato de sódio de cafeína IV, 5 a 10 minutos antes do estímulo. Convulsões prolongadas e tardias. Convulsões prolongadas (durando mais do que 180 segundos) e estados epiléticos podem ser interrompidos tanto por doses adicionais de um agente anestésico barbitúrico ou por diazepam (Valium) intravenoso (5 a 10 mg). O manejo dessas complicações deve ser acompanhado por intubação, porque a via aérea oral é insuficiente para manter a ventilação adequada por um período extenso de apnéia. Convulsões tardias – ou seja, que aparecem algum tempo após a aplicação da ECT – podem se desenvolver em pacientes com transtornos convulsivos preexistentes. Em casos raros, a terapia precipita o desenvolvimento de doença convulsiva. Essa situação deve ser manejada clinicamente como se fosse uma doença epilética pura. Número e intervalos entre as aplicações de ECT
Convulsões induzidas Observa-se uma contração muscular breve, em geral mais forte na mandíbula e nos músculos faciais, concomitante com o fluxo da corrente de estímulo, seja qual for o local onde ocorra a convulsão. O primeiro sinal comportamental de convulsão costuma ser a extensão plantar, que dura de 10 a 20 segundos e demarca a fase tônica. Essa é seguida por contrações rítmicas (i. e., clôni-
As aplicações de ECT costumam ser administradas 2 a 3 vezes por semana; duas aplicações se associam a menos comprometimento da memória do que três. Em geral, o curso do tratamento do transtorno depressivo maior pode exigir de 6 a 12 aplicações (embora até 20 sejam possíveis). O tratamento de episódios maníacos pode durar 8 a 20 aplicações; o tratamento da esquizofrenia pode requerer mais de 15 aplicações; e o tratamento da cata-
TERAPIAS
tonia e do delirium pode se efetivar em apenas 1 a 4 aplicações. A intervenção deve continuar até que o paciente atinja o que é considerado o máximo de resposta terapêutica. Aplicações adicionais não trazem nenhum benefício terapêutico, apenas aumentam a gravidade e a duração dos efeitos adicionais. Pensa-se que o ponto de melhora máxima ocorra quando o paciente deixa de continuar a melhorar após duas aplicações consecutivas. Se não estiver melhorando após 6 a 10 aplicações, deve-se tentar a colocação bilateral com aplicações de alta intensidade (três vezes o limiar de convulsões). ECT múltipla monitorada. A ECT múltipla monitorada (ECTMM) envolve a administração de estímulos múltiplos durante uma única sessão, com mais freqüência dois estímulos bilaterais dentro de dois minutos. Essa abordagem pode ser indicada para pacientes gravemente doentes e para aqueles com risco bastante alto do procedimento anestésico. Essa prática se associa a aumento da freqüência de efeitos cognitivos adversos graves. Tratamento de manutenção Um curso de ECT em curto prazo induz a remissão dos sintomas, mas, por si só, não previne a recaída. O tratamento de manutenção pós-ECT deve sempre ser considerado. Em geral, ele costuma ser farmacológico, mas relatou-se que aplicações de ECT de manutenção (semanais, bisemanais e mensais) são uma alternativa eficaz de prevenção de recaída, ainda que faltem dados de estudos extensos. As indicações para o tratamento de manutenção podem incluir recaída rápida após a ECT inicial, sintomas graves, sintomas psicóticos e incapacidade de tolerar medicamentos. Se a ECT foi utilizada porque o paciente não era responsivo a um medicamento específico, então, após essa terapia, o paciente deve submeter-se a uma tentativa com medicamentos diferentes.
BIOLÓGICAS
1219
sidade de monitoração estrita. A gravidez não é um impedimento para a técnica, e a monitoração fetal em geral é considerada desnecessária, a menos que a gravidez seja de alto risco ou complicada. Indivíduos com lesões que ocupem espaço no sistema nervoso central têm risco aumentado para edema e hérnia do cérebro após a ECT. No entanto, se a lesão é pequena, o pré-tratamento com dexametasona (Decadron) é administrado e a hipertensão é controlada durante a crise, o risco de complicações graves pode ser reduzido nesses casos. Os pacientes que têm aumento da pressão intracraniana ou estão em risco de hemorragia cerebral (p. ex., os com doença cerebrovascular e aneurismas) devem receber atenção especial durante a ECT devido ao aumento do fluxo sangüíneo cerebral durante a convulsão. O risco pode ser diminuído, embora não eliminado, pelo controle da pressão arterial durante a aplicação. Os pacientes com infarto do miocárdio recente são outro grupo que exige cautela, ainda que o perigo seja bastante diminuído duas semanas após o infarto do miocárdio e ainda mais insignificante três meses após o mesmo. Os pacientes com hipertensão devem ser estabilizados com seus medicamentos antihipertensivos antes que a ECT seja administrada. O propranolol (Inderal) e a nitroglicerina sublingual podem ser um recurso para protegê-los durante a aplicação. Mortalidade A taxa de mortalidade com a ECT é de cerca de 0,002% por aplicação e 0,01% por cada paciente. Esses números se comparam com os riscos associados à anestesia geral e ao parto. A morte decorrente de ECT costuma resultar de complicações cardiovasculares e tem mais probabilidade de ocorrer em pacientes cujo estado cardíaco já estava comprometido. Efeitos sobre o sistema nervoso central
Falha no ensaio clínico com ECT Pacientes que deixam de melhorar com um ensaio com ECT devem ser tratados de novo com agentes farmacológicos que falharam no passado. Embora os dados sejam, em sua maioria, anedóticos, vários relatos indicam que os que deixaram de melhorar quando estavam tomando antidepressivos melhoram quando o mesmo medicamento foi novamente instituído após receber uma série de aplicações de ECT, mesmo se esta pareceu ter sido um fracasso terapêutico. A despeito disso, com a crescente disponibilidade de medicamentos que atuam em diferentes locais receptores, não é mais tão necessário retornar a um medicamento que tenha já falhado. EFEITOS ADVERSOS Contra-indicações A ECT não têm contra-indicações absolutas, somente situações em que o paciente apresenta risco aumentado e tem maior neces-
Efeitos adversos comuns associados à ECT são cefaléia, confusão e delirium logo após a convulsão, quando o paciente está se recuperando da anestesia. Confusão marcante pode ocorrer em até 10% dos pacientes dentro de 30 minutos da convulsão, que pode ser tratada com barbitúricos e benzodiazepínicos. O delirium em geral é menos pronunciado após as primeiras aplicações e em pacientes que recebem ECT bilateral ou que tenham doenças neurológicas coexistentes. Essa condição tende a se atenuar dentro de dias ou algumas semanas, no máximo. Memória. A grande preocupação sobre a ECT é sua associação com a perda de memória. Cerca de 75% de todos os pacientes submetidos à técnica afirmam que o comprometimento da memória é o pior efeito adverso. Ainda que o comprometimento da memória durante o curso do tratamento seja quase a regra, dados de acompanhamento indicaram que quase todos os pacientes retornam a suas linhas de base cognitiva após seis meses. Alguns, contudo, queixam-se de dificuldades de memória persistentes. Por exemplo, um paciente pode não se lembrar de acontecimentos que o levaram à hospitalização e à ECT, e essas memórias autobiográficas podem jamais ser relembradas. O grau de com-
1220
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
prometimento cognitivo durante o tratamento e o tempo que leva para retornar à linha de base estão relacionados, em parte, à quantidade de estimulação elétrica utilizada. O comprometimento da memória é, na maioria das vezes, relatado por pacientes que experimentaram pouca melhora com a ECT. A despeito desse comprometimento, que, em geral, se resolve, não há evidência de lesão cerebral causada pela terapia. O tema tem sido o foco de vários estudos de imagens cerebrais, utilizando-se uma variedade de modalidades; quase todos concluíram que lesão permanente do cérebro não é um efeito adverso da ECT. Neurologistas e epileptologistas concordam que convulsões que duram menos de 30 minutos não causam dano neuronal permanente.
Ding Z, White PF. Anesthesia for electroconvulsive therapy. Anesth Analg. 2002;94:1351. George MS, Lisanby SH, Sackeim HA. Transcranial magnetic stimulation. Arch Gen Psychiatry. 1999;56:300. Hamner M, Huber M. Discontinuation of antidepressant medications before ECT. Convuls Ther. 1996;12:125. Helsley S, Sheikh T, Kim KY, Park SK. ECT therapy in PTSD. Am J Psychiatry. 1999;156:94. Jha AK, Stein GS, Fenwick P. Negative interaction between lithium and electroconvulsive therapy: a case–control study. Br J Psychiatry. 1996;168:241. Kellner CH, Pritchett JT, Beale MD, Coffey CE. Handbook of ECT. Washington, DC: American Psychiatric Press; 1997. Klein E, Kreinin I, Chistyakov A, et al. Therapeutic efficacy of right prefrontal slow repetitive transcranial magnetic stimulation in major depression: a double-blind controlled study. Arch Gen Psychiatry. 1999;56:315. Prudic J, Sackeim HA. Electroconvulsive therapy and suicide risk. J Clin Psychiatry. 1999;60:104.
Outros efeitos adversos da ECT Fraturas por vezes acompanhavam as aplicações nos tempos iniciais da ECT. Com o uso rotineiro de relaxantes musculares, este efeito tende a inexistir. Contudo, alguns pacientes podem quebrar dentes ou experimentar dor nas costas, em função das contrações durante o procedimento. Dor muscular pode se manifestar em alguns indivíduos, mas isso resulta dos efeitos da despolarização muscular pela succinilcolina e tem mais probabilidade de ser perturbador após a primeira sessão de uma série. A dor pode ser tratada com analgésicos leves, inclusive os antiinflamatórios não-esteróides (AINEs). Uma minoria significativa de pacientes experimenta náuseas, vômitos e cefaléia subseqüente a uma aplicação de ECT. Os dois primeiros podem ser prevenidos com tratamento com antieméticos no momento da ECT (p. ex., metoclopramida [Plasil], 10 mg IV, ou proclorperazina [Compazine], 10 mg IV; ondansetrona [Zofran] é uma alternativa aceitável se os efeitos adversos contraindicam os antagonistas dos receptores de dopamina). A ECT pode se associar a cefaléias, embora esse efeito seja, em geral, revertido com facilidade com AINEs administrados no período de recuperação da ECT. Em pacientes com cefaléias graves, o pré-tratamento com cetoralaco (Toradol) (30 a 60 mg IV), um AINE aprovado para utilização parenteral breve, pode ser útil. O acetaminofen (Tylenol), o tramadol (Tramal), o propoxifeno (Doloxene) e a analgesia mais potente proporcionada pelos opióides podem ser utilizados sozinhos ou em várias combinações (p. ex., pré-tratamento com cetoralaco e manejo pós-convulsão com acetaminofen-propoxifeno) para manejar a cefaléia mais intratável. A ECT pode produzir cefaléia tipo enxaqueca e sintomas relacionados; o sumatriptano (Sumax) (6 mg por via subcutânea ou 25 mg oral) pode ser um acréscimo útil aos agentes acima descritos. Compostos do ergot podem exacerbar as alterações cardiovasculares observadas durante a ECT, não sendo indicados como componentes do pré-tratamento. REFERÊNCIAS Abrams R. Electroconvulsive Therapy. 2nd ed. Oxford: Oxford University Press: 1992. Beale MD, Bernstein HJ, Kellner CH. Maintenance electroconvulsive therapy for geriatric depression: a one-year follow-up. Clin Gerontol. 1996;16:86. Colenda CC. McCall WV. A statistical model predicting the seizure threshold for right unilateral ECT in 106 patients. Convuls Ther. 1996;12:3.
36.6 Outras terapias biológicas e farmacológicas ESTIMULAÇÃO MAGNÉTICA TRANSCRANIANA A estimulação magnética transcraniana (EMT) é uma técnica nãoinvasiva para a estimulação de células do córtex cerebral. Não causa convulsões generalizadas como a eletroconvulsoterapia. Ela utiliza um magneto para possibilitar a estimulação elétrica focal através do escalpo e do crânio sem a dor associada à estimulação elétrica percutânea. Foi utilizada, em princípio, para se mapear o controle do córtex motor e da dominância hemisférica. Estimulando-se o córtex motor com a EMT, gera-se uma resposta motora contralateral. Da mesma forma, estimulando-se a área de Broca, produz-se um bloqueio da linguagem. No momento, a utilidade potencial da técnica para o tratamento de condições neurológicas e psiquiátricas está sendo explorada. Na EMT, uma poderosa corrente elétrica é passada através de uma pequena bobina aplicada ao escalpo. A corrente gera um campo magnético focal de 1,5 a 2 teslas, que passa pelo escalpo e não é contida pelos ossos ou pelos tecidos. O campo magnético, por sua vez, despolariza as células do cérebro até a profundidade de 2 cm da bobina. Os interneurônios corticais têm mais probabilidade de serem estimulados do que as células corticais eferentes porque tendem a se situar paralelos à superfície do cérebro. A EMT utiliza os estimuladores magnéticos com capacitores múltiplos, capazes de gerar pulsos muito rápidos de até 60 Hz. Pulsos de baixa freqüência, na faixa de 1 Hz, têm um efeito inibidor sobre as células corticais, enquanto os de alta freqüência apresentam um efeito excitador.
Um pequeno número de estudos abertos sugeriu que essa prática pode ser eficaz em alguns pacientes com transtorno depressivo maior resistente a tratamento ou com transtorno depressivo maior mais leve. Estudos recentes de imagens funcionais indicaram que a hipofrontalidade na linha de base, associada ao transtorno depressivo maior, pode ser revertida. Além dessa condição, A EMT mostrou alguma eficácia preliminar no transtorno obsessivo-compulsivo e no transtorno de estresse pós-traumático.
TERAPIAS
Ela tem sido utilizada para mapear o córtex motor, auxiliar a determinar a dominância hemisférica e testar a memória de curto prazo. Em alguns sintomas da doença de Parkinson, incluindo a bradicinesia, a redução do tempo de reação melhorou de forma transitória com a EMT. Por fim, ela é um importante auxiliar para esclarecer a fisiopatologia da cefaléia da enxaqueca propiciando a alguns pacientes alívio sintomático temporário. Sua aplicação a condições psiquiátricas têm ficado defasada em relação a suas aplicações neurológicas. É utilizada principalmente como instrumento de pesquisa, mas sua utilização clínica está aumentando nos últimos tempos.
BIOLÓGICAS
1221
utilização desta intervenção mediante um dispositivo eletrônico implantado na pele, semelhante a um marcapasso cardíaco. Os estudos preliminares demonstraram que um número significativo de pacientes com transtorno depressivo maior crônico recorrente teve remissão com a ENV. O mecanismo de ação desta sobre a melhora de tal condição é desconhecido. O nervo vago se conecta ao sistema nervoso entérico e, quando estimulado, pode causar a liberação de peptídeos que atuam como neurotransmissores. Ensaios clínicos extensos estão sendo conduzidos para se determinar a eficácia da ENV. ACUPUNTURA
FOTOTERAPIA A fototerapia (terapia pela luz) foi introduzida em 1984 como tratamento para o transtorno afetivo sazonal (transtorno do humor com padrão sazonal). Neste transtorno, os pacientes em geral experimentam depressão quando o fotoperíodo do dia diminui com o avanço do inverno. As mulheres representam pelo menos 75% de todas as pessoas afetadas, e a idade média de apresentação é de 40 anos. É raro indivíduos com mais de 55 anos apresentarem transtorno afetivo sazonal. Essa prática expõe o paciente a luz brilhante na faixa de 1.500 a 10.000 lux ou mais, em geral com um painel de luz que se apóia em uma mesa ou escrivaninha. O indivíduo se senta na frente do painel por cerca de 1 a 2 horas antes da aurora a cada dia, embora alguns possam também se beneficiar com a exposição após o pôrdo-sol. Como alternativa, alguns fabricantes desenvolveram visores de luz, com uma fonte de luz imbricada na aba do capacete, os quais permitem mobilidade, mas estudos recentes, controlados, questionaram a utilização desse tipo de exposição à luz. Os ensaios duraram uma semana, mas tratamentos de duração mais longa podem se associar a respostas maiores. A fototerapia costuma ser bem-tolerada. Novas fontes de luz tendem a utilizar intensidades mais baixas e vêm equipadas com filtros; os pacientes são instruídos a não olhar diretamente para a fonte de luz. Como com qualquer antidepressivo eficaz, a fototerapia foi responsável, em raras ocasiões, por mudar pacientes deprimidos em maníacos ou hipomaníacos. Além da depressão sazonal, outra indicação para a fototerapia pode ser os transtornos do sono. Ela foi utilizada para diminuir a irritabilidade e a redução do desempenho associados ao trabalho com mudanças de turnos. Relatou-se que os transtornos do sono em pacientes geriátricos melhoram com a exposição à luz brilhante durante o dia. Da mesma forma, alguma evidência sugere que a síndrome de vôos transmeridianos (jet lag) possa responder a esse tratamento. Os dados preliminares indicam que a fototerapia pode beneficiar alguns pacientes com transtorno obsessivocompulsivo que têm uma variação sazonal. ESTIMULAÇÃO DO NERVO VAGO (ENV) A estimulação experimental do nervo vago em vários estudos, designados para o tratamento da epilepsia, verificou que os pacientes mostravam melhora do humor. Tal constatação levou à
A acupuntura se originou na China cerca de 5.000 anos atrás e continua a ser uma intervenção médica importante no Oriente. Os Estados Unidos entraram em contato com a técnica pela primeira vez através de imigrantes chineses nos anos 1800. Ela envolve inserir agulhas finas em pontos específicos do corpo para aliviar a dor e outros sofrimentos. No Oriente, é utilizada para tratar transtornos mentais, inclusive estados de agitação, depressão, insônia e ansiedade. Infelizmente, essas indicações não foram investigadas de forma satisfatória no Ocidente. As duas indicações para a acupuntura melhor estudadas no Ocidente são o manejo da dor e o tratamento de abuso de drogas. Dados abundantes tanto de estudos em animais como em humanos sugerem que ela pode modular as respostas à dor. Clinicamente, a acupuntura tem sido utilizada para tratar uma série de condições dolorosas, inclusive nevralgia do trigêmio, neuropatias, dor dorsal crônica e cefaléia. Seus efeitos analgésicos parecem ser intermediados, pelo menos em parte, pelas endorfinas e pelas encefalinas. Vários estudos relataram que a naloxona (Narcan) parece bloquear os efeitos analgésicos dessa prática. Uma série de estudos nos últimos 25 anos sugere que a acupuntura pode ser benéfica no tratamento da dependência de álcool, cocaína e opióides. Estudos em ratos e em humanos indicam que ela é capaz de limitar os sintomas de abstinência de narcóticos. Entre alcoólatras, parece melhorar a taxa com que completam os programas de desintoxicação e pode reduzir a freqüência da acessos de fissura por álcool quando utilizada como tratamento de manutenção. O leitor deve consultar o Capítulo 29, Medicina complementar e alternativa em psiquiatria, para maiores informações sobre o tema. PRIVAÇÃO DO SONO Os transtornos do humor se caracterizam por alterações do sono. A mania tende a resultar em diminuição da necessidade de sono, enquanto a depressão pode se associar tanto a hipersania como a insônia. A privação do sono pode precipitar mania em pacientes com transtorno bipolar I e aliviar, ainda que apenas por um tempo, a depressão em pacientes unipolares. Cerca de 60% dos pacientes com transtorno depressivo exibem benefício significativo, embora transitório, com a privação total do sono. Os resultados positivos tendem a ser revertidos na noite de sono seguinte. Várias estratégias têm sido utilizadas
1222
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
na tentativa de se conseguir uma resposta mais persistente à privação de sono. Um método sugerido é a privação total do sono seriada, com um dia ou dois de sono normal intercalado. Esse método não produz uma resposta antidepressiva persistente, já que a depressão tende a retornar com os ciclos normais de sono. Outra abordagem é o atraso de fase no tempo em que os pacientes vão dormir a cada noite, ou a privação parcial do sono. Nesse método, os pacientes podem ficar acordados das 2 às 22 horas da noite, todos os dias. Até 50% dos pacientes conseguem efeito antidepressivo no mesmo dia da privação parcial do sono, mas esse benefício também tende a se esgotar com o tempo. Contudo, em alguns relatos, a privação parcial tratou com êxito a insônia associada à depressão. Talvez a estratégia mais eficaz combina a privação do sono com o tratamento farmacológico da depressão. Uma série de estudos sugere que a privação total ou parcial do sono seguida pelo tratamento imediato com um antidepressivo ou lítio (Carbolitium) mantém os efeitos antidepressivos da privação do sono. Da mesma forma, vários relatos recentes sugeriram que a privação acelera a resposta aos antidepressivos, inclusive à fluoxetina (Prozac) e à nortriptilina (Pamelor). Notou-se que este recurso também melhora a disforia pré-menstrual. ERVAS, VITAMINAS E AMINOÁCIDOS O estado de nutrição tem sido considerado importante na saúde mental, e certas deficiências de vitaminas, atualmente raras, podem produzir sintomas psiquiátricos. Por exemplo, a deficiência grave de niacina leva a pelagra, com sua tríade característica de lesões cutâneas, distúrbios gastrintestinais e sintomas psiquiátricos. Esses últimos incluem irritabilidade e instabilidade emocional, progredindo para depressão grave e desorientação, perturbação da memória, alucinações e paranóia. A deficiência de ácido fólico se associa a depressão e demência, enquanto a deficiência de vitamina B12 pode causar comprometimento cognitivo, depressão e outros sintomas afetivos. A desnutrição grave pode causar apatia e instabilidade emocional. Em 1968, o eminente químico Linus Pauling criou o termo ortomolecular para se referir à conexão entre a mente e a nutrição. Em seu livro Orthomolecular Psychiatry, artigos de pesquisa foram compilados apoiando a noção de que tomar várias vezes a dose mínima diária recomendada de vitaminas seria útil no tratamento da esquizofrenia e de outros transtornos psiquiátricos. Enquanto algumas deficiências graves de vitaminas podem levar a síndromes com componente psiquiátrico (i. e., deficiência de niacina, levando a pelagra), os dados empíricos de uma força-tarefa da American Psychiatric Association (APA) não encontraram indícios que apoiassem a noção de que a esquizofrenia e outros transtornos respondem a tratamentos dessa natureza. Contudo, isso não quer dizer que as vitaminas e os aminoácidos não têm importância na preservação da saúde mental. A evidência indica que deficiências graves de vitaminas podem provocar sintomas psiquiátricos e que suplementos de aminoácidos podem ser farmacologicamente úteis no tratamento de algumas condições, as quais são referidas a seguir.
Tiamina, vitamina B12 e folato Nas sociedades industrializadas, deficiências de vitaminas são pouco encontradas, exceto em certas populações. Idosos, dependentes de álcool ou cronicamente doentes ou que se submeteram a determinadas cirurgias gastrintestinais estão em maior risco. Entre as formas de deficiência de vitaminas encontradas com mais freqüência em prontosocorros está a depleção aguda de tiamina pela dependência de álcool. Enquanto as formas crônicas de deficiência de tiamina que causam beribéri são raramente observadas no mundo ocidental, a depleção fulminante dos já baixos níveis da mesma causam encefalopatia de Wernicke e síndrome de Korsakoff. A encefalopatia de Wernicke em geral se apresenta com a tríade de ataxia, oftalmoplegia e confusão mental, mas a confusão e a marcha dificultosa são talvez mais comuns. Enquanto esta é um processo agudo, a síndrome de Korsakoff pode ser uma seqüela permanente dessa encefalopatia. Os pacientes afetados exibem amnésia retrógrada e anterógrada circunscritas, que provêm da destruição dos corpos mamilares, sendo relatados também sintomas psicóticos. A encefalopatia de Wernicke é uma emergência médica que responde ao tratamento a curto prazo com 50 mg de tiamina intravenosa, seguida por injeções intramusculares de 250 mg diárias, até que a dieta normal seja conseguida. O tratamento das deficiências agudas de tiamina não-complicadas em geral envolve 100 mg administrados por via oral 1 a 3 vezes ao dia. A deficiência de vitamina B12 ou anemia perniciosa costuma ser observada em idosos com cirurgia gástrica e em pacientes deprimidos desnutridos. As apresentações psiquiátricas mais típicas incluem apatia, mal-estar, humor deprimido, confusão e déficits de memória. Concentrações da vitamina de 150 μg/mL no soro estão por vezes associadas a esses sintomas. A deficiência é a causa mais comum de demência reversível, sendo identificada em avaliações de demência. O tratamento da anemia perniciosa em geral envolve injeções intramusculares diárias de 1.000 μg de vitamina B12 por cerca de uma semana, seguidas por doses de manutenção de 1.000 μg a cada 1 a 2 meses. A deficiência de folato tem se associado a depressão e demência. Outros sintomas psiquiátricos que podem decorrer da depressão incluem paranóia, psicose, agitação e confusão. A relação entre folato e depressão tem sido debatida por anos. A deficiência desta vitamina pode resultar da anorexia de pacientes deprimidos e contribuir para a depressão, interferindo na síntese da norepinefrina e da serotonina. Esta condição também tem sido referida com a utilização de anticonvulsivantes, em particular a fenitoína (Epelin), a primidona (Mysoline) e o fenobarbital (Gardenal), e dos esteróides sexuais, inclusive os anticoncepcionais orais e a reposição de estrógenos. Talvez a causa mais comum de deficiência de folato seja a má nutrição associada ao alcoolismo. Essa condição é revertida com a administração de 1 mg de folato via oral por dia; contudo, algumas formas mais graves podem necessitar de doses de 5 mg até três vezes ao dia.
Aminoácidos Os aminoácidos provêm o substrato para neurotransmissores e têm sido utilizados como agentes coadjuvantes no tratamento da depressão e do sono. O L-triptofano foi utilizado por muitos anos nos Estados Unidos e em outros países para o tratamento da insônia e para potencializar antidepressivos comuns. Esse agente é um precursor da serotonina e precisa ser obtido
TERAPIAS
da dieta. Os pacientes que respondem a antidepressivos serotonérgicos podem ter uma recaída da depressão se a dieta for deficiente em L-triptofano. É interessante notar que pacientes que respondem a antidepressivos mais noradrenérgicos parecem menos vulneráveis a recaída com dietas livres de L-triptofano. Nos anos 1970 e 1980, ele foi utilizado para potencializar os antidepressivos comuns. Foi parte do coquetel de Newcastle para a depressão refratária, que incluía a clomipramina (Anafranil), ou a fenelzina (Nardil), o lítio e o L-triptofano. Um número de estudos pequenos sugeriu algum efeito na potencialização de antidepressivos; contudo, por si só ele apresenta pouco efeito antidepressivo. Nos Estados Unidos, também foi utilizado como um tratamento de venda livre para a insônia. Uma série de estudos sugeriu que o L-triptofano em doses de 1 a 4 g ao deitar diminuía a latência do sono. Desde 1989, esse agente não está disponível nos Estados Unidos, por causa de sua associação com a síndrome de eosinofilia-mialgia, que pode ter sido secundária a impurezas resultantes do processamento do composto. Outro aminoácido examinado como potencializador de antidepressivos é a fenilalanina, a qual é convertida em tirosina, precursora de catecolaminas. A fenilalanina tem sido utilizada com a selegilina (Elepril) com êxito no tratamento de alguns pacientes com depressão maior refratária. A tirosina foi investigada como potencializador de medicamentos tricíclicos e também pode desenvolver alguma atividade antidepressiva leve por si só.
Ervas Ao longo dos anos, várias ervas têm sido postuladas como exercendo algum efeito sobre o humor e a saúde mental. Médicos homeopatas em várias partes do mundo, em especial na Europa, utilizam derivados de plantas como a beladona para tratar uma gama de mal-estares emocionais. Os aficcionados por ervas recomendam a Valeriana officinalis (valeriana) para a isônia, a Passiflora incarnata (flor-da-paixão) para inquietação nervosa e a Ginkgo biloba para problemas de memória e ansiedade. Esta última está sendo investigada para o tratamento da disfunção sexual induzida por inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs). Contudo, poucas ervas foram objeto de qualquer investigação sistemática. Uma que chamou a atenção da psiquiatria ocidental há pouco foi o Hypericum perfuratum (erva-de-São-João) para o tratamento dos transtornos depressivos maiores. A erva tem sido utilizada na medicina popular por centenas de anos e ainda é empregada com freqüência na Europa. Na Alemanha, estima-se que vários milhões de prescrições dessa são aviados todos os anos para o tratamento de depressão, ansiedade e problemas do sono. Estudos compararam os extratos do Hypericum com placebo e com medicamentos tricíclicos. Metanálises desses estudos verificaram que os extratos foram mais eficientes do que placebo no tratamento da depressão leve a moderada. O principal problema com essas análises tem sido a falta de rigor no diagnóstico da depressão e na avaliação da eficácia. (Ver Capítulo 29, Medicina complementar e alternativa em psiquiatria, para informações adicionais.) TRATAMENTOS ENDÓCRINOS Os hormônios podem atuar diretamente com neurotransmissores e influenciar, de maneira indireta, a atividade de alguns neu-
BIOLÓGICAS
1223
rotransmissores. Por exemplo, o hormônio da tireóide T3 possui numerosos receptores corticais, podendo também modular a atividade noradrenérgica central e periférica. Essas ações podem ser a base da utilização da liotironina (Cytomel) para potencializar os antidepressivos. Além dos hormônios da tireóide, o efeito psicotrópico de vários outros hormônios permanece sob investigação. Estrógenos Os estrógenos têm sido utilizados por muitos anos para aliviar os sintomas da menopausa e como tratamento de reposição hormonal. Alguma evidência sugere que eles podem ter alguns efeitos antidepressivos em mulheres pós-menopausa e que a progesterona possa ser depressogênica. É possível que os estrógenos diminuam as concentrações da monoaminoxidase (MAO) e aumentem a disponibilidade sináptica de monoaminas. Além disso, deslocam o triptofano de seu local de ligação à albumina e aumentam a disponibilidade desse precursor da síntese da serotonina. Tentativas de potencializar os medicamentos tricíclicos com estrógenos têm apresentado resultados mistos. Alguns estudos indicaram que o estradiol, em doses de 15 a 25 mg por dia, potencializa as respostas aos medicamentos tricíclicos em algumas mulheres; outros deixaram de constatar qualquer benefício. Há dados ainda que sugerem que os estrógenos modulam o efeito de agonistas de serotonina. Por exemplo, parecem aumentar a resposta hormonal do agonista da serotonina metilclorofenilpiperazina (mCPP). Relatos recentes de aumento de risco de câncer de mama e de doença cardiovascular em mulheres sob tratamento de reposição limitaram sua utilização.
Deidroepiandrosterona A deidroepiandrosterona (DHEA), um precursor de hormônios tanto para estrógenos como para andrógenos, encontra-se disponível para venda livre. Nos últimos anos, observou-se um interesse na DHEA para a melhora da cognição, da depressão, do impulso sexual e do bem-estar geral em idosos. Alguns relatos sugeriram que, em doses de 50 a 100 mg por dia, aumenta a sensação de bem-estar físico e social em mulheres com idades entre 40 e 70 anos. Existem indicações de efeitos andrôgenos, inclusive hirsutismo reversível, perda de cabelo, engrossamento da voz e outras seqüelas indesejáveis. Além disso, a DHEA tem pelo menos o potencial de aumentar os tumores em pessoas com doenças malignas sensíveis a hormônios, como as da próstata, do cérvice e das mamas. A despeito de sua popularidade significativa, poucos estudos controlados existem sobre sua segurança e eficácia.
Melatonina A melatonina é outro hormônio popular de venda livre utilizado por muitos americanos para tratar insônia e síndrome de vôos transmeridianos (jet lag). É produzida pela glândula pineal, e os produtos disponíveis comercialmente são derivados sintéticos ou de glândulas pineais de porcos. O hormônio é liberado de maneira natural pela glândula no início do ciclo do sono e parece contribuir para os ciclos naturais do mesmo. Um número de estudos pequenos, breves, sugeriu que a melatonina pode agir como hipnótico em doses de 0,2 a 6 mg ao deitar. A
1224
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
maioria dos relatos anedóticos afirma que ela também pode reduzir a insônia associada a síndrome de vôos transmeridianos. Alguns relatos não-controlados referem efeitos antidepressivos leves. Contudo, por causa de sua relação recíproca com a atividade dos receptores β-adrenérgicos, pode piorar a depressão em alguns pacientes. Os efeitos de sua utilização de longo prazo são desconhecidos, e sua eficácia ainda não foi estudada de forma satisfatória até o presente, considerando-se sua ampla utilização.
Testosterona Derivados da testosterona são esteróides andrógenos anabolizantes que parecem ter efeito psicotrópico tanto em homens como em mulheres. A testosterona é administrada por vezes a mulheres na pósmenopausa para aumentar a libido, uma vez que esse hormônio parece ter efeitos significativos sobre esta em ambos os sexos. Em homens hipogonádicos, a testosterona pode melhorar a disfunção sexual, o humor, a energia, a relação músculo/gordura e o impulso sexual. Altas doses de seus derivados são por vezes abusados por halterofilistas, jogadores de futebol americano e mesmo adolescentes que tentam aumentar a massa muscular. Os esteróides anabolizantes podem levar a ataques de raiva, comportamento agressivo e efeitos físicos indesejáveis, inclusive aterosclerose acelerada, atrofia testicular, alopecia e aumento de tumores. As mulheres que utilizam o hormônio em altas doses também podem experimentar virilização irreversível. No momento, a testosterona está disponível em adesivos transdérmicos que são amplamente comercializados, levando a um aumento recente de prescrições tanto para homens como para mulheres.
PSICOCIRURGIA A psicocirurgia envolve alterações cirúrgicas do cérebro com o objetivo de reduzir os sintomas dos pacientes psiquiátricos com doença mais graves, que não responderam de forma adequada a tratamentos menos radicais. Tais procedimentos envolvem lesões de regiões específicas do cérebro (p. ex., lobotomias e cingulotomias) ou de suas vias de conexão (p. ex., tractotomias e leucotomias). As técnicas psicocirúrgicas também são empregadas no tratamento de doenças neurológicas como a epilepsia e o transtorno da dor crônica. O interesse nessas abordagens em relação às doenças mentais só há pouco foi renovado. Isso partiu de vários fatores, inclusive de técnicas muito melhoradas que permitem aos neurocirurgiões produzir lesões localizadas com precisão, de forma estereotáxica, na melhora de diagnósticos pré-operatórios e em avaliações compreensivas psicológicas antes e depois da operação. Novas técnicas também facilitam a coleta de dados completos de acompanhamento e possibilitam um entendimento crescente acerca das bases neuroanatômicas de alguns transtornos mentais. Em 1935, após C. F. Jacobsen e John F. Fulton, na Universidade de Yale, em New Haven, Connecticut, demonstrarem que a ablação do lobo frontal de um macaco tinha um efeito calmante, Antônio Egas Moniz, trabalhando em Portugal, seccionou a substância branca dos
lobos frontais em 20 pacientes psicóticos e relatou uma redução da tensão e dos sintomas psicóticos. Em 1936, Walter Freeman e James Watts, na Universidade George Washington, em Washington, DC, introduziu a técnica psicocirúrgica da lobotomia pré-frontal nos Estados Unidos. Ainda que os procedimentos iniciais necessitassem de orifícios de trepanação ou outra forma de exposição do cérebro, Feeman desenvolveu a técnica de leucotomia transorbital, que envolvia a introdução e movimentos laterais de um instrumento agudo (na verdade um gancho de gelo), na órbita do olho como método de seccionar a substância branca dos lobos frontais. No final dos anos 1940, a psicocirurgia estava sendo realizada em todo o mundo, com a estimativa de cinco mil pacientes operados a cada ano. Em 1949, Egas Moniz ganhou o prêmio Nobel por seu trabalho no desenvolvimento de técnicas psicocirúrgicas. Em seguida, a introdução de antipsicóticos e a crescente preocupação do público quanto à ética do procedimento levou quase a seu abandono para o tratamento de pacientes psiquiátricos, embora os procedimentos psicocirúrgicos para o controle da dor e da epilepsia continuassem a ser utilizados.
O equipamento neurocirúrgico estereotáxico atualmente permite aos neurocirurgiões produzir lesões sutis no cérebro. Implantes radioativos, criotestes, coagulação elétrica, feixes de prótons e ondas de ultra-som são utilizados para produzir lesões reais. A principal indicação para a psicocirúrgia é a presença de uma doença mental debilitante, crônica, que não tenha respondido a qualquer outro tratamento. Uma diretriz razoável é que a condição deve ter estado presente por cinco anos, durante os quais uma ampla variedade de abordagens alternativas de tratamento foi tentada. O transtorno depressivo maior e o transtorno obsessivo-compulsivo crônicos, intratáveis, são as duas opções mais responsivas à psicocirurgia. Um e outro têm sido influenciados pela EMT do córtex pré-frontal. A presença de sintomas vegetativos e de ansiedade marcante aumenta ainda mais a probabilidade de um resultado terapêutico bem-sucedido. Se a psicocirurgia é um tratamento razoável para a agressão intratável e extrema é ainda controverso. Ela não está indicada para o tratamento da esquizofrenia, e os dados sobre episódios maníacos são controversos. Quando os pacientes são selecionados com cuidado, entre 50 e 70% têm melhora terapêutica significativa com a psicocirurgia. Menos de 3% pioram. Melhora continuada costuma ser observada de 1 a 2 anos após a cirurgia, e os pacientes por vezes respondem melhor aos tratamentos tradicionais farmacológicos e comportamentais do que o fizeram antes da intervenção. Convulsões pós-operatórias surgem em menos de 1% dos pacientes, e em geral são controladas com fenitoína. Conforme medidas pelos escores de quociente de inteligência (QI), as capacidades cognitivas melhoram após a cirurgia, talvez por causa do aumento da capacidade de prestar atenção a tarefas cognitivas. Nenhuma alteração indesejável da personalidade tem sido observada com os procedimentos limitados modernos. ENTREVISTA AUXILIADA POR MEDICAMENTOS A utilização do amobarbital (Amytal) e de outros agentes hipnótico-sedativos para facilitar a entrevista de alguns pacientes se tornou pouco produtiva, mas ainda é utilizada em alguns locais. A principal indicação para essa abordagem é se recuperar material re-
TERAPIAS
primido em pacientes amnésicos e como teste diagnóstico na avaliação de transtorno conversivo, catatonia, confusão e mutismo. Por exemplo, se um paciente está mudo por causa de ansiedade grave, a utilização de um agente hipnótico-sedativo pode facilitar o acesso ao material traumático. Os pacientes catatônicos podem se tornar mais ativos quando um agente hipnótico é administrado. A confusão decorrente de causas funcionais como a esquizofrenia pode melhorar com a entrevista assistida por medicamentos, enquanto a confusão decorrente de causas orgânicas pode piorar. Apesar da utilização desse tipo de entrevista por mais de 60 anos, há muito pouca evidência de que seja melhor do que uma entrevista habilidosa sem medicamentos. Em alguns casos, lembranças são inibidas pela utilização concomitante de um agente hipnótico-sedativo. A entrevista com o amobarbital envolve administrar uma solução a 10% de amobarbital sódico a 0,5 a 1 mL por minuto, até que seja atingida sedação leve. Além disso, o diazepam (Valium) ou o lorazepam (Lorax) intravenoso têm sido utilizados como alternativas mais seguras do que os barbitúricos. A supressão respiratória é a complicação mais grave da entrevista auxiliada por medicamentos, e o clínico deve estar preparado para adotar medidas de emergência, se necessário. Dados os riscos da entrevista com o Amytal, as entrevistas assistidas por medicamentos utilizando agentes mais seguros, como benzodiazepínicos emergiram como opção. O diazepam, o lorazepam e outros benzodiazepínicos têm sido empregados com esse propósito. Um dos estudos mais recentes sobre esse procedimento utilizou o benzodiazepínico de ação muito curta midazolam (Dormonid) e um oxímetro de pulso para reduzir o risco de supressão respiratória. Os pacientes são tratados com midazolam, 1 mg/mL admininstrado a cada minuto alternado, dependendo dos níveis de sedação observados e da saturação de oxigênio. Além de ter um índice terapêutico muito mais amplo do que os barbitúricos, os benzodiazepínicos apresentam a vantagem adicional de ter um antagonista eficiente disponível, o flumazenil (Lanexat), que pode reverter seus efeitos com rapidez, se necessário. PLACEBO Sabe-se há tempo que substâncias farmacologicamente inativas às vezes produzem benefícios clínicos significativos. Um paciente que acredite que um composto é útil pode obter benefício considerável ao tomá-lo, quer se saiba que seja ativo ou não do ponto de vista farmacológico. Para muitos transtornos psiquiátricos, inclusive depressão leve a moderada e alguns transtornos de ansiedade, mais de 30% dos pacientes podem exibir melhora significativa ou remissão de sintomas com placebo. Para outras condições, como a esquizofrenia, episódios maníacos e depressão psicótica, a taxa de resposta a placebo é baixa. Enquanto a sugestão é, sem dúvida, importante na eficácia de placebos (e medicamentos ativos), eles podem produzir efeitos biológicos. Por exemplo, a analgesia induzida por placebo pode ser bloqueada pela naloxona, o que sugere que as endorfinas podem intermediar a analgesia resultante do consumo de um placebo. Acredita-se que esses compostos possam também estimular fatores endógenos ansiolíticos e antidepressivos, ocasionando melhora clínica de pacientes com depressão e transtornos de ansiedade.
BIOLÓGICAS
1225
Assim como podem produzir benefícios, também podem desenvolver efeitos adversos. Em muitos estudos, alguns efeitos adversos têm a probabilidade de ser mais comuns com placebos do que com o medicamento ativo. Há pacientes que não toleram placebos, a despeito do fato de que sejam, supostamente, inertes, e podem exibir um efeito adverso (denominado fenonômeno nocebo). É fácil descartar esses pacientes como sugestionáveis demais; contudo, se fatores endógenos benéficos podem ser estimulados por placebo, talvez fatores endógenos tóxicos também possam ser produzidos. Recomenda-se prudência ao considerar a utilização de um placebo na prática clínica. Tratar um paciente com esse recurso sem consentimento pode sabotar a confiança do paciente no médico quando isso é (se for) descoberto. TRATAMENTOS DE INTERESSE HISTÓRICO OU OUTRO Tratamentos convulsivos químicos Tratamentos convulsivos para tratar transtornos psiquiátricos graves remontam a centenas de anos, quando o médico suíço Paracelsus relatou administrar cânfora por via oral para induzir convulsões e tratar loucura no século XVI. Vários manuscritos europeus do século XVII descrevem os benefícios das convulsões induzidas pela cânfora para o tratamento de mania e de outras formas de insanidade. Esses documentos foram, em grande parte, esquecidos até o trabalho de Ladislas von Meduna, na década de 1930, experimentou monobrometo de cânfora, cafeína, estricnina e brucina intramusculares e outros compostos antes de estabelecer o pentilenotetrazol como o convulsivante mais confiável para o tratamento da demência precoce. Esse agente era mais solúvel do que a maioria dos outros compostos e tinha também um início mais rápido de ação. Meduna costumava utilizar uma dose inicial de 5 mL da solução a 20% de pentilenotetrazol, seguida por doses adicionais a cada minuto se as convulsões não fossem conseguidas. O maior inconveniente dessas induções era que as crises por vezes não ocorriam e que os pacientes experimentavam desconforto pré-ictal significativo, incluindo náuseas e ansiedade e, dessa forma, rejeitavam tratamentos futuros. No final dos anos 1930 e no início dos anos 1940, o tratamento convulsivo químico foi substituído pela eletroconvulsoterapia (ECT), muito mais confiável.
Tratamentos de indução ao coma O tratamento pelo coma insulínico surgiu quase na mesma época, nos anos 1930, da ECT. Como von Meduna observara que a epilepsia e a demência precoce eram incompatíveis, Manfred Sakel concluiu que pacientes com demência precoce que entravam em coma tendiam a sair dele menos sintomáticos. O tratamento envolvia utilizar, de forma crescente, doses cada vez mais altas de insulina intramuscular até que o paciente ficasse comatoso. Os comas eram, em princípio, revertidos com glucagônio após cerca de 15 minutos, mas foi feita uma tentativa de se aumentar os comas subseqüentes até o máximo de 60 minutos. Os pacientes por vezes necessitavam de 60 aplicações ou mais antes que os resultados fossem observados. Complicações incluindo arritmias e es-
1226
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
pasmos laríngeos não eram incomuns, e o procedimento tinha uma taxa de fatalidade de, no mínimo, 1%, e, em algumas amostras, era bem maior. O risco dessa intervenção em um estudo controlado de 1962, que sugeriu que não era mais eficaz do que um período similar de inconsciência induzido por barbitúricos, acelerou o desuso desse procedimento. Contudo, alguns pacientes que não respondiam a outros tratamentos disponíveis pareciam responder à intervenção de coma insulínico. Variações da técnica incluíam o tratamento com coma por atropina, utilizado por um curto período nos anos de 1950. Doses de até 200 mg por dia desse agente eram administradas para induzir comas que variavam de 6 a 8 horas. Se o paciente não acordava de forma espontânea, o coma era abortado pela fisostigmina (Antilirium) intramuscular. Como o tratamento de coma pela insulina, dizia-se que o tratamento induzido pela atropina era eficaz para condições como esquizofrenia e mania. As complicações mais graves eram a hipertermia e a rabdomiólise. No final dos anos de 1950, as terapias por coma foram todas abandonadas em favor de tratamentos mais seguros, inclusive a ECT e os eficazes medicamentos antipsicóticos.
Tratamento por sono contínuo Nos anos de 1930, acreditava-se que tratamentos que alteravam a consciência por períodos extensos mediante convulsões ou coma eram eficazes no tratamento de psicoses. Mesmo antes, as psicoses eram tratadas induzindo-se um estado de sono contínuo por 10 dias ou mais. O tratamento por sono contínuo foi introduzido para o tratamento de psicoses no início dos anos de 1920. Essa intervenção originalmente envolvia a utilização de barbitúricos para manter os pacientes dormindo 20 horas ou mais por dia, com breves interrupções para o paciente se alimentar e usar o banheiro. Complicações da técnica incluíam reações alérgicas, convulsões por abstinência e depressão respiratória, resultando em morte. Mais tarde, a combinação da clorpromazina (Amplictil) com benzodiazepínicos e outros hipnóticos foi utilizada para manter os pacientes dormindo com propósitos terapêuticos. Mesmo havendo alguns relatos de melhora de estados de ansiedade, de transtorno obsessivo-compulsivo e de esquizofrenia, não há dados controlados disponíveis para apoiar tais afirmações. Dada a significativa morbidade e a clara falta de eficácia desse método, ele foi abandonado nos Estados Unidos em torno dos anos de 1960.
Tratamento com alucinógenos Várias culturas utilizaram os alucinógenos, inclusive a mescalina, a psilocibina e o ergot, por milhares de anos para se obter insight espiritual e pessoal. A dietilamida do ácido lisérgico (LSD) foi sintetizada nos anos de 1930 e comercializada para psiquiatras e outros médicos nos anos de 1940 sob a marca Delysid, como instrumento para a compreensão de
psicoses e para facilitar a psicoterapia. Relatou-se que a LSD auxiliava os pacientes a resgatar lembranças reprimidas e a lidar com a ansiedade e permitia que conseguissem insight através da análise do processo primário, induzido pelos alucinógenos. As doses orais de 150 a 250 mg eram administradas por psiquiatras nos anos de 1950 e no início dos de 1960 para facilitar a psicoterapia. Nos anos de 1960, Timothy Leary advogou a ampla utilização dos alucinógenos, mas os medicamentos foram legalmente incluídos entre as substâncias controladas da Classe I, em 1965. Embora não mais utilizado para propósitos terapêuticos nos Estados Unidos, a LSD satisfez parte de sua promessa inicial como teste para psicose. A compreensão mais recente de sua farmacologia e de sua afinidade pelos receptores tipo 2 (5-HT2) da serotonina apoiou o interesse no desenvolvimento de antagonistas da serotonina-dopamina (antipsicóticos atípicos) com propriedades de bloqueio dos receptores 5HT2. Nos últimos anos, estudos utilizando a metilenodioximetanfetamina (MDMA, extasy) foram aprovados pelo National Institute of Health (NIH) para determinar se a psicoterapia é facilitada quando o paciente está sob a influência do medicamento, que pode beneficiar as relações interpessoais ao promover um sentimento de empatia.
REFERÊNCIAS Barbini B, Bertelli S, Colombo C, Smeraldi E. Sleep loss, a possible factor in augmenting manic episode. Psychiatry Res. 1996;65:121. Benedetti F, Barbini B, Lucca A, Campori E, Colombo C, Smeraldi E. Sleep deprivation hastens the antidepressant action of fluoxetine. Eur Arch Psychiatry Clin Neurosci. 1997;247:100. Ernst E. Acupuncture/acupressure for weight reduction? A systematic review. Wien Klin Wochenschr. 1997;109:60. Feinsod M, Kreinin B, Chistyakov A, Klein E. Preliminary evidence for a beneficial effect of low-frequency, repetitive transcranial magnetic stimulation in patients with major depression and schizophrenia. Depress Anxiety. 1998;7:65. Gross F, Gysin F. Phototherapy in psychiatry: clinical update and review of indications. Encephale. 1996;22:143. Harvey AG. Sleep hygiene and sleep onset insomnia. J Nerv Mental Disease. 2000;1:53. Klein E, Kreinin I, Chistyakov A. Therapeutic efficacy of right prefrontal slow repetitive transcranial magnetic stimulation in major depression: a doubleblind controlled study. Arch Gen Psychiatry. 1999;56:315. Linde K, Ramirez, G, Mulraw CD, Pauls A, Weidenhammer W, Melchart D. St. John’s wort for depression—an overview and meta-analysis of randomized clinical trials [see comments]. Br Med J. 1996;313:253. Nahas Z, Bohning DE, Molloy MA, Ovots JA, Risch SC, George MS. Safety and feasibility of repetitive transcranial magnetic stimulation in the treatment of depression in pregnancy: a case report. J Clin Psychiatry. 1999;60:50. Neary JT, Bu Y. Hypericum LI 160 inhibits uptake of serotonin and norepinephrine in astrocytes. Brain Res. 1999;816:358. Palmer ME, Rao RB. Problems evaluating contamination of dietary supplements. N Engl J Med. 1999;340:568. Pascual-Leone A, Rubio B, Pallardo F, Catala MD. Rapid-rate transcranial magnetic stimulation of left dorsolateral prefrontal cortex in drug-resistant depression. Lancet. 1996;348:233. Rush AJ, George MS, Sackeim HA. Vagus nerve stimulation (VNS) for treatment-resistant depressions: a multicenter study. Biol Psychiatry. 2000;47:276. Sartori S, Poirrier R. Seasonal affective syndrome and phototherapy: theoretical concepts and clinical applications. Encephale. 1996;22:7.
37 Psiquiatria infantil: avaliação, exame e testagem psicológica
N
a avaliação psiquiátrica de uma criança se desenvolve uma formulação de seu funcionamento global, incluindo dificuldades comportamentais e emocionais passadas e atuais. É fundamental avaliar os padrões de desenvolvimento durante essa abordagem, uma vez que os transtornos psiquiátricos neste grupo etário geralmente surgem como uma falha em alcançar os marcos do desenvolvimento. As considerações de desenvolvimento incluem habilidades esperadas nas áreas social, motora, de linguagem e intelectual. Na avaliação, o médico deve integrar as contribuições de diferentes fatores que afetaram a criança, incluindo crescimento biológico, saúde, sintomas de humor e comportamentais, além de fatores familiares, escolares e ambientais. Ao final da avaliação, deve-se saber o quanto o desenvolvimento não satisfez as expectativas para sua idade cronológica e estabelecer o grau de prejuízo devido a fatores comportamentais e emocionais. Além disso, realiza-se uma avaliação dos fatores ambientais que podem piorar ou melhorar o funcionamento global da criança. Uma avaliação abrangente inclui entrevista com os pais, com a criança e com outros membros da família; obtenção de informação relativa a seu funcionamento escolar atual; e, com freqüência, uma avaliação padronizada do nível intelectual e do desempenho acadêmico da criança. Em alguns casos, são úteis medidas padronizadas do nível de desenvolvimento e avaliações neuropsicológicas. As avaliações psiquiátricas de crianças raramente partem delas; portanto, os médicos devem obter informações da família e da escola para entender os motivos dessa procura. Em alguns casos, a justiça ou um serviço de proteção da criança pode solicitar a avaliação psiquiátrica. As crianças podem ser excelentes informantes sobre sintomas relacionados a humor e sentimentos internos, como fenômenos psicóticos, tristeza, medos e ansiedade, mas muitas vezes têm dificuldade com a cronologia dos sintomas e são até reticentes em relatar comportamentos que as colocam em apuros. Crianças muito pequenas em geral não conseguem verbalizar suas experiências e mostram melhor seus sentimentos e preocupações no jogo ou brinquedo. O primeiro passo na avaliação abrangente de uma criança ou de um adolescente é obter uma descrição completa das queixas atuais e uma história pregressa dos problemas psiquiátricos e médicos. No caso de crianças em idade escolar, isso costuma ser feito com os pais, enquanto os adolescentes podem ser vistos sozinhos em um primeiro momento, para co-
nhecer suas percepções acerca da situação. A seguir vêm a entrevista e observação diretas da criança, acompanhadas por testagem psicológica, quando indicado. Entrevistas clínicas oferecem maior flexibilidade para entender a evolução dos problemas e estabelecer o papel de fatores ambientais e eventos da vida, mas podem não atender de forma sistemática todas as categorias de diagnóstico psiquiátrico. Para aumentar a extensão da informação gerada, o médico pode usar entrevistas semi-estruturadas como a Escala de Avaliação de Transtornos Afetivos e Esquizofrenia para Crianças em Idade Escolar (K-SADS), entrevistas estruturadas como o Programa de Entrevista Diagnóstica para Crianças do Instituto de Saúde Mental Versão IV (NIMH DISC-IV) e escalas de avaliação, como a Verificação do Comportamento da Criança e da Escala Connors de Avaliação de Pais ou Professores para TDAH. Não é incomum que entrevistas de diferentes fontes, como pais, professores e conselheiros escolares, reflitam informações diferentes ou mesmo contraditórias sobre determinada criança. Ao deparar-se com esse tipo de situação, o médico deve determinar se as aparentes contradições realmente refletem um quadro que representa a criança em diferentes situações. Uma vez obtida dos pais uma história completa, a criança examinada, seu funcionamento atual em casa e na escola avaliado e a testagem psicológica completada, pode-se usar toda a informação disponível para definir o diagnóstico e então fazer as recomendações. ENTREVISTAS CLÍNICAS Para conduzir uma boa entrevista com uma criança de qualquer idade, os médicos devem estar familiarizados com o desenvolvimento normal para pôr as respostas da criança na perspectiva adequada. Por exemplo, o desconforto de uma criança pequena com a separação de um dos pais e a falta de clareza de uma criança em idade escolar sobre o objetivo da entrevista são ambos perfeitamente normais e não devem ser interpretados como sintomas psiquiátricos. Além disso, o comportamento que é normal em uma criança em determinada idade, como acessos de raiva aos 2 anos, assume um significado diferente, por exemplo, em um adolescente com 17 anos. A tarefa da primeira entrevista é cativar a criança e desenvolver um rapport para que ela se sinta à vontade. O entrevistador
1228
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
deve indagar sobre sua opinião acerca do propósito da entrevista e perguntar o que os pais lhe disseram. Se a criança parecer confusa sobre a razão para a entrevista, o examinador pode optar por resumir as preocupações dos pais de uma maneira apoiadora e adequada ao nível de desenvolvimento. Durante a entrevista, o médico procura saber sobre relacionamentos da criança com membros da família e amigos, desempenho acadêmico e relacionamentos com os colegas na escola, além das atividades de lazer. Uma estimativa do funcionamento cognitivo da criança é parte importante do exame do estado mental. O grau de confidência na avaliação da criança está correlacionado a sua idade. Na maioria dos casos, quase toda informação específica pode ser compartilhada com os pais de uma criança muito pequena, enquanto privacidade e permissão de crianças mais velhas ou adolescentes são obrigatórias antes de revelar qualquer informação aos pais. Crianças em idade escolar ou mais velhas são informadas de que, se o médico ficar preocupado com possíveis riscos para si mesmas ou para outros, essa informação será compartilhada com os pais ou até com outros adultos. Como parte da avaliação psiquiátrica de uma criança de qualquer idade, o médico deve determinar se ela está segura em seu ambiente e desenvolver um índice de suspeita sobre a mesma ser vítima de abuso ou negligência. Sempre que houver uma suspeita de maus-tratos, o serviço de proteção à criança deve ser notificado. Na parte final da entrevista, a criança pode ser indagada, de uma maneira aberta, sobre se gostaria de abordar algum outro assunto. Toda criança deve ser cumprimentada por sua cooperação e receber um agradecimento por participar da entrevista, a qual sempre termina de uma maneira positiva. Bebês e pré-escolares As avaliações de bebês começam com os pais presentes, que podem sentir-se amedrontados com a situação de entrevista. Isso também permite que o médico avalie a interação paisbebês. Os bebês podem ser encaminhados por uma variedade de razões, incluindo altos níveis de irritabilidade, dificuldade em ser consolados, problemas na alimentação, ganho de peso insatisfatório, transtornos de sono, comportamento retraído, falta de envolvimento em brincadeiras e atraso no desenvolvimento. O médico avalia áreas de funcionamento que incluem desenvolvimento motor, nível de atividade, comunicação verbal, capacidade de brincar, habilidades de resolução de problema, adaptação a rotinas diárias, relacionamentos e responsividade social. O nível evolutivo de funcionamento é determinado pela combinação de observações feitas durante a entrevista com medidas padronizadas de desenvolvimento. Observações do brinquedo revelam o nível de desenvolvimento da criança e refletem seu estado emocional e suas preocupações. O examinador pode interagir com uma criança de 18 meses ou mais nova de uma maneira divertida mediante brincadeiras como esconde-esconde. Aquelas com idades entre 18 meses e 3 anos podem ser observadas em uma sala de jogos. As de 2 anos ou mais podem exibir jogo simbólico com bonecos, revelando mais desta forma do que através de conversa. O uso de fantoches e
bonecas com crianças menores de 6 anos costuma ser uma forma efetiva de obter informação, em especial se as perguntas forem dirigidas às bonecas, em vez de à criança. Crianças em idade escolar Algumas crianças em idade escolar ficam à vontade quando conversam com um adulto; outras são impedidas por medo, ansiedade, habilidades verbais pobres ou comportamento de oposição. Em geral, podem tolerar uma sessão de 45 minutos. A sala deve ter espaço suficiente para a criança movimentar-se, mas não ser tão grande que reduza o contato íntimo com o examinador. Parte da entrevista pode ser reservada para jogo não-estruturado, e vários brinquedos podem estar disponíveis para atrair seu interesse e evocar temas e sentimentos. Crianças em séries iniciais podem ficar mais interessadas nos brinquedos da sala, enquanto pela sexta série ficam mais à vontade com a entrevista e têm menos probabilidade de apresentar brinquedo espontâneo. A parte inicial da entrevista explora o entendimento da criança acerca das razões para o encontro. Recomenda-se ao médico confirmar o fato de que a entrevista não foi marcada porque a criança “está com problemas” ou como uma punição por “mau” comportamento. As técnicas que podem facilitar a revelação de sentimentos incluem pedir para a criança desenhar amigos, membros da família, uma casa ou qualquer outra coisa que venha à mente. Ela pode, então, ser questionada sobre os desenhos. Podese pedir que revele três desejos, descreva os melhores e piores acontecimentos de sua vida e nomeie uma pessoa favorita com quem ficaria em uma ilha deserta. Jogos como o “rabisco” de Donald W. Winnicot, no qual o examinador desenha uma linha curva e então ele e a criança se revezam continuando o desenho, pode facilitar a conversação. Perguntas parcialmente abertas com algumas múltiplas escolhas podem evocar respostas mais completas de crianças em idade escolar. Perguntas simples, fechadas (sim/não), podem não produzir informação suficiente, e as completamente abertas podem oprimir uma criança em idade escolar que não consegue construir uma narrativa cronológica. Essas técnicas em geral resultam em um encolher de ombros por parte da criança. O uso de comentário indireto – tal como: “Uma vez conheci uma criança que ficou muito triste quando se separou de todos os seus amigos” – é útil, embora deva-se ter o cuidado de não induzir a criança a confirmar o que ela pensa que o médico quer ouvir. Crianças nesse grupo respondem bem a médicos que as ajudam a comparar humores ou sentimentos pedindo-lhes para classificar sentimentos em uma escala de 1 a 10. Adolescentes Em geral, os adolescentes têm idéias diferentes sobre por que a avaliação foi iniciada, e até podem dar um relato cronológico dos eventos recentes que levaram à avaliação, ainda que alguns possam discordar da necessidade desta intervenção. O médico deve comunicar com clareza o valor de ouvir a história do ponto de vista do adolescente e ter o cuidado de não julgar e não atribuir
PSIQUIATRIA INFANTIL:
culpa. Os adolescentes muitas vezes ficam preocupados com a confidência, e os médicos podem garantir que será pedida sua permissão antes que qualquer informação específica seja compartilhada com os pais, exceto em situações envolvendo riscos para o adolescente ou para terceiros, em cujo caso a confidência deve ser quebrada. Os adolescentes podem ser abordados de maneira aberta; entretanto, quando ocorrem silêncios durante a entrevista, o médico deve tentar envolver o paciente na conversa. Os médicos podem explorar o que o adolescente acredita que será o resultado da avaliação (mudança de escola, hospitalização, saída da casa, corte de privilégios). Alguns adolescentes chegam à entrevista com apreensão ou hostilidade, mas se abrem quando se torna evidente que o médico não é punitivo nem crítico. Este precisa estar consciente de suas próprias respostas ao comportamento dos adolescentes (contratransferência) e permanecer focado no processo terapêutico mesmo diante de adolescentes desafiadores, irritados ou difíceis. Deve-se estabelecer limites adequados e adiar ou interromper a entrevista se o médico sentir-se ameaçado ou se os pacientes se tornarem destrutivos à propriedade ou iniciarem comportamento danoso a si mesmos. Toda entrevista deve incluir uma exploração de ideação suicida, comportamento agressivo, sintomas psicóticos, uso de substâncias e conhecimento de práticas sexuais seguras e história sexual. Uma vez estabelecido o rapport, muitos adolescentes apreciam a oportunidade de contar seu lado da história e podem revelar coisas que não são conhecidas de mais ninguém. Entrevista da família Uma entrevista com os pais e o paciente pode ocorrer no início ou mais adiante na avaliação. Às vezes, o contato com a família inteira, incluindo irmãos, pode ser esclarecedor. O objetivo é observar as atitudes e os comportamentos dos pais em relação ao paciente e as respostas deste a seus pais. O trabalho do médico é manter uma atmosfera não-ameaçadora, na qual cada membro da família possa falar livremente, sem sentir que o médico está tomando o partido de algum membro em particular. Embora psiquiatras infantis em geral atuem como advogados para a criança, deve-se validar os sentimentos de cada membro da família nesta situação, porque a falta de comunicação muitas vezes contribui para os problemas do paciente. Pais A entrevista com pais ou cuidadores do paciente é necessária para obter um quadro cronológico do crescimento e do desenvolvimento da criança. Uma história completa do desenvolvimento e detalhes de quaisquer estressores ou eventos importantes que influenciaram seu desenvolvimento devem ser obtidos. A visão dos pais acerca da dinâmica familiar, sua história conjugal e seu ajustamento emocional também são evocados. A história psiquiátrica da família e a educação dos pais são pertinentes. Estes tendem a ser os melhores informantes sobre o desenvolvimento e as doenças psiquiátricas e médicas prévias da criança. Podem ser os mais
AVALIAÇÃO, EXAME E TESTAGEM PSICOLÓGICA
1229
aptos para fornecer uma cronologia precisa de avaliações e tratamentos passados. Em alguns casos, em especial com crianças mais velhas e adolescentes, os pais podem desconhecer sintomas atuais ou dificuldades sociais significativos da criança. Os médicos avaliam suas explicações acerca das causas e da natureza dos problemas de seu filho e perguntam sobre as expectativas em relação à avaliação atual. INSTRUMENTOS DIAGNÓSTICOS Os dois tipos principais de instrumentos diagnósticos usados por médicos e pesquisadores são entrevistas e questionários. As entrevistas diagnósticas são administradas às crianças ou aos pais e visam obter informação suficiente sobre inúmeros aspectos do funcionamento para determinar se são satisfeitos os critérios do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais – quarta edição – texto revisado (DSM-IV-TR). Entrevistas semi-estruturadas, ou “baseadas no entrevistador”, como o K-SADS e a Avaliação Psiquiátrica da Criança e do Adolescente (CAPA), servem como guias para o médico. Ajudam-no a esclarecer respostas a perguntas sobre sintomas. Entrevistas estruturadas, ou entrevistas “baseadas no entrevistado”, como NIMH DISC-IV, a Entrevista de Crianças para Síndromes Psiquiátricas (ChIPS) e a Entrevista Diagnóstica para Crianças e Adolescentes (DICA), basicamente fornecem um roteiro para o entrevistador sem interpretação das respostas do indivíduo. Também há dois instrumentos diagnósticos que utilizam figuras, o Dominic-R e o Instrumento Pictórico para Crianças e Adolescentes (PICA-III-R), que usam figuras juntamente com uma pergunta para extrair informação sobre sintomas, especialmente para crianças pequenas mas também para adolescentes. Os instrumentos diagnósticos ajudam a coletar informações de uma forma sistemática. Instrumentos diagnósticos, mesmo os mais abrangentes, entretanto, não podem substituir entrevistas clínicas, porque estas são superiores para entender a cronologia de sintomas, a interação entre estressores ambientais e respostas emocionais e problemas de desenvolvimento. Em geral, os médicos consideram útil combinar os dados de instrumentos diagnósticos com material clínico obtido em uma avaliação abrangente. Os questionários podem cobrir uma ampla variedade de áreas de sintomas, como a Lista de Verificação de Comportamento Infantil, ou podem estar focalizados em um tipo específico de sintomatologia, sendo chamados de escalas de avaliação, como a Escala Connors de Avaliação de TDAH para Pais.
Entrevistas semi-estruturadas “baseadas no entrevistador” Escala de Avaliação de Transtornos Afetivos e Esquizofrenia para Crianças em Idade Escolar (KSADS). Pode ser usada para crianças de 6 a 18 anos de idade. Apresenta múltiplos itens com algum espaço para esclarecimento adicional de sintomas. Extrai informação sobre diagnóstico atual e sobre sintomas presentes no ano anterior. Há também uma versão que pode determinar outros diagnósticos, os quais são julgados de acordo com o DSMIV e o DSM-III-R. Esse instrumento tem sido muito utilizado, especialmente na avaliação de transtornos do humor, e inclui medidas de prejuízo decorrente dos sintomas. O instrumento vem em um formulário
1230
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
para os pais darem informação sobre seu filho e uma versão para uso diretamente com a criança. Leva-se de uma a uma hora e meia para aplicá-lo. O entrevistador precisa ter algum treinamento no campo da psiquiatria infantil, mas não precisa ser psiquiatra.
Avaliação Psiquiátrica da Criança e do Adolescente (CAPA). Esta é uma entrevista “baseada no entrevistador” que pode ser usada para crianças de 9 a 17 anos de idade. Ela vem em forma de módulos, de maneira que certas entidades diagnósticas podem ser administradas sem a necessidade de aplicar a entrevista inteira. A entrevista cobre transtornos do comportamento diruptivo, transtornos do humor, transtornos de ansiedade, transtornos da alimentação, transtornos do sono, transtornos de eliminação, transtornos por uso de substâncias e sintomas de somatização. Focaliza-se nos três meses anteriores à entrevista, o chamado “período primário”. Em geral, leva cerca de 1 hora para ser aplicada e tem um glossário para ajudar a tomar decisões em relação a sintomas, fornecendo classificações separadas da presença de sintomas e de sua gravidade. Pode ser utilizada para determinar diagnósticos de acordo com a quarta edição do DSM (DSM-IV), a terceira edição revista do DSM (DSM-III-R), ou a décima revisão da Classificação internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-10). É necessário treinamento para auxiliá-la, e o entrevistador deve estar preparado para fazer julgamento clínico na interpretação dos sintomas evocados.
Entrevistas estruturadas “baseadas no entrevistado” Protocolo de Entrevista Diagnóstica para Crianças do Instituto Nacional de Saúde Mental Versão IV (NIMH DISC-IV). Trata-se de uma entrevista altamente estruturada que visa avaliar mais de 30 entidades diagnósticas do DSM-IV aplicada por “pessoas leigas” treinadas. Está disponível em formatos paralelos para a criança e para os pais. O formato para pais pode ser usado com crianças de 6 a 17 anos de idade, e o formato direto para a criança foi planejado para aquelas entre 9 e 17 anos de idade. A entrevista se aplica a uma quantidade de diagnósticos com base no DSM-IV-TR. Existe um algoritmo de pontuação por computador. Este instrumento avalia diagnósticos que estiveram presentes nas quatro últimas semanas, e também no último ano. Visto que se trata de uma entrevista totalmente estruturada, as instruções servem como um guia completo para as perguntas, e o examinador não precisa ter nenhum conhecimento em psiquiatria infantil para aplicá-la de forma correta.
foi planejada para ser usada como um instrumento de triagem para médicos e como um auxiliar diagnóstico para pesquisa clínica e epidemiológica.
Entrevista Diagnóstica para Crianças e Adolescentes (DICA). A versão atual da DICA foi desenvolvida em 1997 para avaliar a informação que resulta em diagnósticos de acordo com o DSMIV ou com o DSM-III-R. Ainda que tenha sido originalmente planejada para ser uma entrevista estruturada, pode agora ser utilizada em um formato semi-estruturado. Isso significa que, mesmo sendo permitido que os entrevistadores utilizem perguntas e sondagens adicionais para esclarecer a informação obtida, o método de sondagem é padronizado, a fim de que todos os entrevistadores sigam um padrão específico. Ao utilizar a entrevista com crianças menores, mais flexibilidade é empregada, permitindo que os entrevistadores afastem-se de perguntas escritas para assegurar que a pergunta seja entendida. Espera-se que sejam utilizadas entrevistas de pais e criança. A entrevista estende-se a crianças de 6 a 17 anos de idade e em geral leva de 1 a 2 horas para ser aplicada. Atém-se a transtornos do comportamento externalizantes, transtornos de ansiedade, transtornos depressivos e transtornos por uso de substâncias, entre outros.
Instrumentos diagnósticos pictóricos Dominic-R. É uma entrevista pictórica totalmente estruturada designada para evocar sintomas psiquiátricos em crianças de 6 a 11 anos de idade. As figuras ilustram conteúdo emocional e comportamental abstrato de entidades diagnósticas de acordo com o DSM-III-R. Utiliza-se a figura de uma criança chamada “Dominic” que está experimentando o sintoma em questão. Alguns sintomas têm mais de uma figura, com uma história resumida que é lida para a criança. Junto de cada figura está uma frase perguntando sobre a situação que está sendo mostrada e indagando à criança se ela tem experiências semelhantes à de Dominic. As entidades diagnósticas exploradas pelo Dominic-R incluem ansiedade de separação, ansiedade generalizada, depressão e distimia, transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, transtorno opositordesafiante, transtorno da conduta e fobia específica. Embora os sintomas desses diagnósticos possam ser evocados com o Dominic-R, não há prescrição específica no instrumento para indagar sobre freqüência do sintoma, duração ou idade de início. A versão escrita desta entrevista tem cerca de 20 minutos, e a versão computadorizada, 15 minutos. Entrevistadores leigos treinados aplicam este instrumento. Versões computadorizadas estão disponíveis com figuras de uma criança branca, negra, latina ou asiática.
Entrevistas para Síndromes Psiquiátricas em crianças (ChIPS). A ChIPS é uma entrevista altamente estruturada de-
Instrumento Pictórico para Crianças e Adolescentes (PICA-III-R). Inclui 137 figuras organizadas em módulos e designa-
signada para uso por entrevistadores treinados com crianças de 6 a 18 anos de idade. É composta de 15 seções e colhe informação sobre sintomas psiquiátricos e estressores psicossociais, tendo como alvo 20 transtornos psiquiátricos, de acordo com os critérios do DSM-IV. Há formatos para os pais e para a criança. A ChIPS leva em torno de 40 minutos para ser aplicada. Os diagnósticos cobertos incluem depressão, mania, transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, transtorno de ansiedade de separação, transtorno obsessivo-compulsivo, transtorno da conduta, transtorno por uso de substâncias, anorexia e bulimia. Esta entrevista
das a cobrir cinco categorias diagnósticas, transtornos de ansiedade, humor, psicose, transtornos disruptivos e transtornos por uso de substâncias. É planejado para ser administrado por médicos e pode ser usado com crianças e adolescentes, variando de 6 a 16 anos de idade. O recurso fornece uma avaliação categórica (diagnóstico presente ou ausente) e uma dimensional (variação de gravidade). Este instrumento apresenta figuras de uma criança experimentando sintomas emocionais, comportamentais e cognitivos. É perguntado à criança: “O quanto você é como ele/ela?”, e uma escala de avaliação de 5 pontos com figuras de
PSIQUIATRIA INFANTIL:
uma pessoa com os braços abertos em grau crescente é mostrada para ajudá-la a identificar a gravidade dos sintomas. A entrevista leva de 40 minutos a uma hora para ser administrada. Este instrumento está associado ao DSM-III-R. Pode ser usado em entrevistas clínicas e em protocolos diagnósticos de pesquisa.
AVALIAÇÃO, EXAME E TESTAGEM PSICOLÓGICA
1231
COMPONENTES DA AVALIAÇÃO PSIQUIÁTRICA DA CRIANÇA A avaliação psiquiátrica inclui a descrição do motivo para o encaminhamento, o funcionamento passado e atual da criança e quaisquer resultados de testes. Um resumo da avaliação é mostrado na Tabela 37-1.
QUESTIONÁRIOS E ESCALAS DE AVALIAÇÃO Lista de Verificação do Comportamento Infantil (CBCL) As versões para pais e professores da Lista de Verificação do Comportamento Infantil foram desenvolvidas para atender uma ampla variedade de sintomas e diversos atributos positivos relacionados à competência acadêmica e social. A lista apresenta itens relacionados a humor, tolerância a frustração, hiperatividade, comportamento de oposição, ansiedade e vários outros comportamentos. A versão para pais consiste de 118 itens a serem classificados como 0 (não-verdadeiro), 1 (às vezes verdadeiro) ou 2 (muito verdadeiro). A versão para professores é semelhante, mas sem os itens que se aplicam apenas à vida familiar. Perfis foram desenvolvidos com base em crianças normais de três diferentes grupos etários (4 a 5, 6 a 11 e 12 a 16 anos). Esta lista de verificação identifica áreas específicas de problemas que, de outro modo, poderiam ser negligenciadas, e pode apontar áreas nas quais o comportamento da criança desvia-se do de pessoas normais do mesmo grupo etário. A lista de verificação não é usada como um recurso para fazer o diagnóstico.
Lista de Verificação do Comportamento-problema Revisada Consistindo de 150 itens que cobrem uma variedade de sintomas comportamentais e emocionais da infância, a Lista de Verificação do Comportamento-problema Revisada discrimina entre crianças encaminhadas por clínicas e não-encaminhadas. Foi verificado que subescalas separadas correlacionam-se na direção adequada com outras medidas de inteligência, desempenho acadêmico, observações clínicas e popularidade no grupo. Como outras escalas de avaliação amplas, este instrumento pode ajudar a obter uma visão abrangente de várias áreas comportamentais, mas não tem como objetivo fazer diagnósticos psiquiátricos.
Escala Connors de Avaliação de TDAH para Pais e Professores Abreviada Em sua forma original, a Escala Connors de Avaliação de TDAH para Pais e Professores Abreviada consistia de 93 itens classificados em uma escala de 0 a 3 e era dividida em 25 subgrupos, incluindo problemas relacionados a inquietação, humor, escola, roubo, alimentação e sono. Com o passar dos anos, diversas versões desta escala foram desenvolvidas e usadas para ajudar na identificação sistemática de crianças com transtorno de déficit de atenção/hiperatividade. Uma forma altamente abreviada desta escala, o Questionário Connors para Pais e Professores Abreviado, foi desenvolvida por Keith Connors em 1973 para uso com pais e professores. Ele consiste de 10 itens que avaliam hiperatividade e desatenção.
Dados de identificação Para entender os problemas clínicos a serem avaliados, o médico deve primeiro identificar o paciente e ter em mente a constelação familiar em torno da criança. Além disso, precisa prestar atenção à fonte do encaminhamento – ou seja, se foi a família, a escola ou outro serviço –, uma vez que isso influencia a atitude da família em relação à avaliação. Por fim, muitos informantes contribuem para a avaliação da criança, e cada um deve ser identificado para obter-se insight acerca de seu funcionamento em diferentes situações. História Uma história abrangente contém informações sobre o funcionamento atual e passado da criança, a partir de relatos dela, de entrevistas clínicas ou estruturadas com os pais e de informação de professores e médicos anteriores. A queixa principal e a história da doença atual costumam ser obtidas da criança e dos pais. Naturalmente, a criança articulará a situação de acordo com seu nível de desenvolvimento. A história do desenvolvimento é obtida dos pais com mais precisão. Histórias psiquiátrica e médica, achados atuais de exame físico e história de vacinas podem ser obtidos de relatos de psiquiatras e pediatras que trataram a criança no passado. O relato da criança é fundamental para entender a situação atual de relacionamentos em grupo e ajustamento à escola.
TABELA 37-1 Avaliação psiquiátrica da criança Dados de identificação Paciente identificado e membros da família Fonte de encaminhamento Informantes História Queixa principal História da doença atual História e marcos do desenvolvimento História psiquiátrica História médica, incluindo vacinas História social familiar e relacionamentos entre os pais História educacional e funcionamento escolar atual História de relacionamentos com colegas e amigos Funcionamento familiar atual Histórias psiquiátrica e médica familiar Exame físico atual Exame do estado mental Exame neuropsiquiátrico (quando aplicável) Testagem psicológica, educacional e do desenvolvimento Formulação e resumo Diagnóstico pelo DSM-IV-TR Recomendações e plano de tratamento
1232
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Adolescentes são melhores informantes com relação a conhecimento de práticas sexuais seguras, uso de droga ou álcool e ideação suicida. As histórias psiquiátrica e social da família e o funcionamento familiar são melhor obtidos com os pais. Exame do Estado Mental Uma descrição detalhada do funcionamento mental atual da criança pode ser obtida através de observação e questionamento específico. Um resumo do exame do estado mental é apresentado na Tabela 37-2. Aparência. O examinador deve documentar tamanho, a maneira como está arrumada, estado nutricional, machucados, circunferência da cabeça, sinais físicos de ansiedade, expressões faciais e maneirismos da criança. Interação pais-criança. O examinador pode observar as interações entre os pais e a criança na sala de espera antes da entrevista e na sessão familiar. A maneira como conversam e as nuanças emocionais são pertinentes. Separação e reunião. O examinador deve observar tanto a maneira como a criança responde à separação de um dos pais para uma entrevista individual quanto o comportamento de reunião. Falta de afeto na separação e na reunião ou sofrimento grave em um desses dois momentos podem indicar problemas no relacionamento pais-criança ou transtornos psiquiátricos. Orientação para tempo, lugar e pessoas. Prejuízos na orientação podem refletir dano orgânico, inteligência baixa ou um transtorno do pensamento. A idade da criança deve ser levada em consideração, entretanto, porque não se espera que as muito pequenas saibam a data, outras informações cronológicas ou o nome do local da entrevista. Fala e linguagem. O examinador precisa avaliar a aquisição de fala e linguagem. Ela é adequada para a idade da criança? Uma disparidade entre uso de linguagem expressiva e linguagem receptiva é notável. Também é importante observar a velocidade da fala, o ritmo, a latência à resposta, a espontaneidade da fala, a
entonação, a articulação de palavras e a prosódia. Ecolalia, frases estereotipadas repetitivas e sintaxe incomum são achados psiquiátricos importantes. Crianças que não usam palavras até os 18 meses ou que não usam frases por volta dos 2 anos e meio a 3 anos, mas têm história de balbuciação normal e resposta adequada a sinais não-verbais provavelmente estão se desenvolvendo de forma adequada. O examinador deve considerar a possibilidade de que uma perda auditiva esteja contribuindo para um déficit de fala e linguagem. Humor. Expressão triste, falta de sorrisos adequados, choro, ansiedade, euforia e raiva são indicadores válidos de humor, assim como admissões verbais de sentimentos. Temas persistentes no jogo e na fantasia também refletem o humor da criança. Afeto. Deve-se observar a variação de expressividade emocional, adequação de afeto ao conteúdo do pensamento, capacidade de passar com suavidade de um afeto para outro e mudanças emocionais súbitas da criança. Processo e conteúdo de pensamento. Ao avaliar um transtorno do pensamento, o médico deve sempre considerar o que é evolutivamente esperado para a idade da criança e o que é desviante para qualquer grupo etário. A avaliação da forma do pensamento considera associações frouxas, pensamento mágico excessivo, perseveração, ecolalia, capacidade de distinguir fantasia de realidade, coerência de frases e capacidade de raciocinar de forma lógica. A avaliação do conteúdo do pensamento abrange delírios, obsessões, temas, medos, desejos, preocupações e interesses. Ideação suicida é sempre uma parte do exame do estado mental para crianças que são verbais o suficiente para entender as perguntas e que têm idade para entender o conceito. Aquelas de inteligência média com mais de 4 anos de idade em geral apresentam algum entendimento do que é real e o que é faz-de-conta e podem ser indagadas sobre ideação suicida, embora um conceito firme da permanência da morte possa não estar presente até muitos anos mais tarde. Pensamentos agressivos e ideação homicida são avaliados nesse momento. Transtornos perceptivos, como alucinações, também são considerados. É esperado que crianças muito pequenas tenham intervalos de atenção curtos e possam mudar o tema e a conversa de repente, sem exibir uma fuga de idéias sintomática. Alucinações visuais e auditivas transitórias entre aquelas muito pequenas não representam, necessariamente, doenças psicóticas maiores, mas merecem uma investigação adicional.
TABELA 37-2 Exame do estado mental para crianças 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13.
Aparência Interação pais-filho Separação e reunião Orientação para tempo, lugar e pessoa Fala e linguagem Humor Afeto Processo e conteúdo do pensamento Relações sociais Comportamento motor Cognição Memória Julgamento e insight
Relações sociais. O examinador avalia a adequação da resposta da criança ao entrevistador, o nível geral de habilidades sociais, contato visual e grau de familiaridade ou retraimento no processo da entrevista. Comportamento amigável ou familiar em demasia podem ser tão perturbadores quanto respostas extremamente reservadas e introvertidas. O examinador avalia a autoestima, áreas de confiança geral e específica e sucesso nos relacionamentos com a família e seu grupo de iguais. Comportamento motor. A avaliação do comportamento motor no exame do estado mental inclui observações da coordena-
PSIQUIATRIA INFANTIL:
ção e do nível de atividade da criança e sua capacidade para prestar atenção e realizar tarefas adequadas ao desenvolvimento. Além disso, envolve movimentos involuntários, tremores, hiperatividade motora e quaisquer assimetrias focais incomuns de movimento muscular. Cognição. O examinador avalia o funcionamento intelectual e as capacidades de resolver problemas da criança. Um nível aproximado de inteligência pode ser estimado mediante informação geral da criança, vocabulário e compreensão. Para uma avaliação específica das capacidades cognitivas da criança, o examinador pode utilizar um teste padronizado. Memória. Crianças em idade escolar devem ser capazes de lembrar três objetos após cinco minutos e repetir cinco dígitos para a frente e três dígitos para trás. A ansiedade pode interferir no desempenho, mas uma incapacidade óbvia de repetir dígitos ou somar números simples pode refletir dano cerebral, retardo mental ou incapacidades de aprendizagem. Julgamento e insight. A visão dos problemas, as reações a eles e as soluções sugeridas pela criança podem dar ao médico uma boa idéia acerca de seu julgamento e insight. Além disso, o entendimento da criança sobre o que ela pode fazer, de fato, para ajudar e qual a contribuição do médico contribuindo para a avaliação do julgamento da criança. Avaliação neuropsiquiátrica Uma avaliação neuropsiquiátrica da criança é adequada quando há suspeita de um distúrbio neurológico, um prejuízo psiquiátrico que coexiste com sinais neurológicos, ou sintomas psiquiátricos resultantes de neuropatologia. Esse tipo de avaliação combina informações de exames neurológico, físico e do estado mental. O exame neurológico pode identificar sinais anormais assimétricos (sinais pesados), que indicam lesões no cérebro. O exame físico pode avaliar a presença de estigmas físicos de determinadas síndromes, nas quais sintomas neuropsiquiátricos ou alterações do desenvolvimento desempenham um papel (p. ex., síndrome alcoólica fetal, síndrome de Down). Uma parte importante do exame neuropsiquiátrico é a avaliação de sinais sutis neurológicos e anomalias físicas menores. A expressão sinais sutis neurológicos foi mencionada primeiramente por Loretta Bender, na década de 1940, em referência a anormalidades não-diagnósticas nos exames neurológicos de crianças com esquizofrenia. Sinais sutis não indicam distúrbios neurológicos focais, mas estão associados a uma ampla variedade de incapacidades do desenvolvimento e ocorrem com freqüência entre crianças com inteligência baixa, incapacidades de aprendizagem e transtornos comportamentais. Esses sinais podem referir-se tanto a sintomas comportamentais (que às vezes estão associados a dano cerebral, tal como impulsividade e hiperatividade graves) e a achados físicos (incluindo movimentos contralaterais abundantes) como a uma variedade de sinais não-focais (como movimentos coreiformes leves, equilíbrio insatisfatório, descoordenação leve, assimetria de marcha, nistagmo e persistência de reflexos infan-
AVALIAÇÃO, EXAME E TESTAGEM PSICOLÓGICA
1233
tis). Os sinais sutis podem ser divididos entre aqueles que são normais em uma criança pequena, mas tornam-se anormais quando persistem por mais tempo, e aqueles que são anormais em qualquer idade. O Exame Físico e Neurológico para Sinais Sutis (PANESS) é um instrumento usado com crianças até a idade de 15 anos. Consiste de 15 perguntas sobre condição física geral e história médica e 43 tarefas físicas (p. ex., tocar o dedo no nariz, saltar em um pé só até o final da linha, bater rapidamente com seu dedo). É importante observar sinais sutis neurológicos, mas eles não são úteis para fazer um diagnóstico psiquiátrico específico. Anomalias físicas menores ou aspectos dismórficos ocorrem com uma freqüência mais alta que o usual em crianças com incapacidades do desenvolvimento, incapacidades de aprendizagem, transtornos da fala e da linguagem e hiperatividade. Assim como com os sinais sutis, a documentação de anomalias físicas menores é parte da avaliação neuropsiquiátrica, mas é pouco útil no processo de diagnóstico e não significa um prognóstico bom ou ruim. Anomalias físicas menores incluem palato alto arqueado, pregas epicantais, hipertelorismo, orelhas baixas, vincos palmares transversos, múltiplos redemoinhos no cabelo, cabeça grande, língua sulcada e sindactilia parcial de diversos artelhos. Quando um transtorno convulsivo está sendo considerado no diagnóstico diferencial ou há suspeita de uma anormalidade estrutural no cérebro, eletroencefalograma (EEG), tomografia computadorizada (TC) ou ressonância magnética (RM) podem ser indicados. Testagem psicológica, educacional e do desenvolvimento Testes psicológicos nem sempre são necessários para avaliar sintomas psiquiátricos, mas são valiosos para determinar o nível de desenvolvimento, funcionamento intelectual e dificuldades acadêmicas. Uma medida de funcionamento adaptativo (incluindo a competência da criança em comunicação, habilidades da vida diária, socialização e habilidades motoras) é um pré-requisito quando um diagnóstico de retardo mental está sendo considerado. A Tabela 37-3 resume as categorias gerais de testes psicológicos. Testes de desenvolvimento para bebês e pré-escolares. A Escala Infantil de Gesell, a Escala de Inteligência Infantil de Cattell, as Escalas Bayley de Desenvolvimento Infantil e o Teste de Avaliação do Desenvolvimento de Denver incluem avaliações do desenvolvimento de bebês a partir dos 2 meses de idade. Quando usados com crianças muito pequenas, os testes focalizam-se em respostas sensório-motoras e sociais a uma variedade de objetos e interações. Quando são usados em bebês mais velhos e préescolares, a ênfase é colocada na aquisição da linguagem. A Escala Infantil de Gesell mede o desenvolvimento em quatro áreas: motora, funcionamento adaptativo, linguagem e social. O escore de um bebê em uma dessas avaliações do desenvolvimento não é, na maioria dos casos, uma forma confiável de prever o quociente de inteligência (QI) futuro. Entretanto, as avaliações são importantes para detectar desvios do desenvolvimento e retardo mental e para levantar suspeita de um transtorno do desenvolvimento. Enquanto as avaliações de bebês baseiam-se
1234
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 37-3 Instrumentos de avaliação psicológica de crianças e adolescentes comumente empregados Teste
Capacidade intelectual Escala de Inteligência Wechsler para Crianças – 3a Edição (WISC-III-R) Escala de Inteligência Wechsler para Adultos (WAIS-III) Escala de Inteligência Wechsler Pré-escolar e Primária – Revisada (WPPSI-R) Bateria de Avaliação para Crianças de Kaufman (K-ABC)
Idade/série
Dados gerados e comentários
6-16 16-adulto
Escores-padrão: QI verbal, de execução e escala total: escala de escores de subteste permitindo a avaliação de habilidades específicas. O mesmo que o WISC-III-R.
3-7
O mesmo que o WISC-III-R.
2,6-12,6
Bem baseado em teorias de psicologia cognitiva e de neuropsicologia. Permite comparação imediata de capacidade intelectual com conhecimento adquirido. Escores: Composto de Processamento Mental (equivalente de QI); processamento seqüencial e simultâneo e escores de desempenho-padrão; escala de processamento mental e escores de subteste de desempenho; equivalentes de idade; percentis. Composto de escalas Cristalizadas e Fluidas separadas. Escores: Escala de Inteligência Composta; QI Cristalizado e Fluido; escala de escores de subteste; percentis. Escores: QI; raciocínio verbal, abstrato/visual e quantitativo; memória de curto prazo; idade-padrão. Mede aquisição de vocabulário receptivo; escores-padrão, percentis, equivalentes de idade.
Teste de Inteligência para Adolescentes e Adultos de Kaufman (KAIT)
11-85+
Stanford-Binet, 4ª Edição (SB:FE)
2-23
Teste de Vocabulário de Figura de Peabody – III (PPVT-III) Desempenho Bateria Psicoeducacional de Woodckck-Johnson – Revisada (W-J)
4-adulto
Pré-escola-12
Teste de Desempenho de Amplo Alcance – 3, Níveis 1 e 2 (WRAT-3) Teste de Desempenho Educacional de Kaufman, Formas Breve e Abrangente (K-TEA)
Nível 1: 1-5 Nível 2: 12-75 1-12
Teste de Desempenho Individual de Wechsler (WIAT)
Pré-escola-12
Comportamento adaptativo Escalas de Comportamento Adaptativo de Vineland
Normal: 0-19 Com retardo: todas as idades
Escalas de Comportamento Independente – Revisadas
Recém-nascido – adulto
Capacidade de atenção Teste da Trilha
8-adulto
Teste da Escolha do Cartão de Wisconsin
6,6-adulto
Sistema de Avaliação do Comportamento para Crianças (BASC)
4-18
Questionário de Situações Em Casa – Revisado (HSQ-R)
6-12
Escala de Classificação de TDAH
6-12
Escores: leitura e matemática (mecânica e compreensão), linguagem escrita, outra realização acadêmica; escores de série e idade, escores-padrão, percentis. Permite avaliação para déficits de leitura, ortografia e aritmética; níveis de série, percentis, stanines, escores-padrão. Escores-padrão: leitura, matemática e ortografia; equivalentes de série e idade, percentis, stanines. Formulário Breve é suficiente para a maioria das aplicações clínicas; Formulário Abrangente permite análise de erro e planejamento de currículo mais detalhado. Escores-padrão: leitura básica, raciocínio matemático, ortografia (constituindo Triagem); compreensão da leitura, operações numéricas, compreensão da escuta, expressão oral, expressão escrita. Conormal com WISC-III-R. Escores-padrão: composto de comportamento adaptativo e comunicação, habilidades da vida diária, socialização e esferas motoras; percentis, equivalentes de idade, escores de idade de desenvolvimento. Grupos de padronização separados para normal, deficiente visual, audição prejudicada, emocionalmente perturbado e retardado. Escores-padrão: quatro áreas adaptativas (motora, interação social, comunicação, vida pessoal, vida na comunidade) e três mal-adaptativas (internalizada, associal e externalizada); Índice Mal-adaptativo Geral e agrupamento de Independência Ampla. Escores-padrão, desvios-padrão, variações; correções para idade e educação. Escores-padrão, desvios-padrão, escores-T, percentis, normas de desenvolvimento para número de categorias alcançadas, erros repetitivos e falhas em manter ajuste; medidas de computador. Escalas de avaliação para professores e pais e auto-relato de personalidade da criança permitindo avaliação por vários informantes mediante uma série de esferas em casa, na escola e na comunidade. Fornece escalas de validade, clínica e adaptativa. Aproveita componente de TDAH. Permite que os pais avaliem problemas específicos da criança com atenção ou concentração. Escores para número de áreas de problema, gravidade média e escores de fator para adesão e situações de lazer. Escore para número de sintomas ajustados ao DSM para diagnóstico de TDAH; escores-padrão permitem derivação de significado clínico para escore total e dois fatores (Desatento-hiperativo e Impulsivohiperativo).
(Continua)
PSIQUIATRIA INFANTIL:
AVALIAÇÃO, EXAME E TESTAGEM PSICOLÓGICA
1235
TABELA 37-3 (Continuação) Teste
Idade/série
Dados gerados e comentários
Questionário de Situações na Escola (SSQ-R)
6-12
Perfil de Atenção da Criança (CAP)
6-12
Permite que professores avaliem os problemas específicos de uma criança com atenção ou concentração. Escores para número de áreas de problema e gravidade média. Medida breve permitindo avaliações semanais de professores acerca de presença e grau de desatenção e hiperatividade da criança. Escores padronizados para desatenção, hiperatividade e escore total.
Testes projetivos Borrões de Tinta de Rorschach
3-adulto
Teste de Apercepção Temática (TAT)
6-adulto
Teste do Desenho da Pessoa de Machover
3-adulto
Desenho Cinético da Família (KFD)
3-adulto
Teste de Completar Sentenças de Rotter
Formatos para crianças, adolescentes e adultos
Testes de personalidade Inventário Multifásico Minnesota de Personalidade – Adolescente (MMPI-A)
14-18
Inventário de Personalidade Adolescente de Million (MAPI)
13-18
Questionário de Personalidade de Crianças
8-12
Testes de avaliação e baterias de testes neuropsicológicos Teste do Desenvolvimento de Integração 2-16 Visuomotora (VMI) Teste de Retenção Visual de Benton 6-adulto Teste Gestalt Visuomotor de Benton
5-adulto
Bateria de Testes Neuropsicológicos para 5-8 Crianças de Reitan-Indiana Bateria de Testes Neuropsicológicos para 9-14 Crianças mais Velhas de Halstead-Reitan Bateria Neuropsicológica de Luria-Nebraska: 8-12 Revisão para Crianças (LNNB:C)
Situação do desenvolvimento Escalas de Desenvolvimento de Bebês de Bayley – 2a Edição Escalas de Aprendizagem Inicial de Mullen
16 dias-42 meses Recém-nascido5 anos
Sistemas de pontuação especial. O desenvolvido há menos tempo e cada vez mais aceito é o Sistema Abrangente de John Exner (1974). Avalia correção perceptiva, integração de funcionamento afetivo e intelectual, teste de realidade e outros processos psicológicos. Gera histórias que são analisadas de forma quantitativa. Visa fornecer dados especialmente ricos sobre funcionamento interpessoal. Análise qualitativa e geração de hipótese, em particular em relação a sentimentos do indivíduo sobre si mesmo e sobre pessoas significativas. Análise qualitativa e geração de hipótese em relação à percepção do indivíduo acerca da estrutura familiar e do ambiente suscetível. Alguns sistemas de pontuação objetiva em existência. Análise mais qualitativa, embora alguns sistemas de pontuação objetiva tenham sido desenvolvidos.
Versão de 1992 de medida de personalidade amplamente utilizada, desenvolvida para uso com adolescentes. Escores-padrão: três escalas de validade, 14 escalas clínicas, escalas de conteúdo adicional e suplementares. Escores-padrão para 20 escalas agrupadas em três categorias: estilos de personalidade, preocupações expressadas, correlatos comportamentais. Padronizado para populações adolescentes. Focaliza-se no amplo espectro funcional, não apenas em áreas de problema. Mede 14 traços de personalidade primários, incluindo estabilidade emocional, nível de autoconceito, excitabilidade e auto-afirmação. Gera padrões de traços amplos combinados incluindo extroversão e ansiedade. Instrumento de triagem para déficits visuomotores. Escores-padrão, equivalentes de idade, percentis. Avalia presença de déficits na memória de figura visual. Escores médios por idade. Avalia déficits visuomotores e retenção de figura visual. Equivalentes de idade. Testes cognitivos e perceptivo-motores para crianças com suspeita de dano cerebral. O mesmo que o Reitan-Indiana. Testes sensório-motores, perceptivos cognitivos medindo 11 esferas clínicas e duas esferas adicionais de funcionamento neuropsicológico. Fornece escores-padrão. Escalas mental, motora e comportamental medindo desenvolvimento do bebê. Fornece escores-padrão. Escalas de linguagem e visual para capacidade receptiva e expressiva. Gera escores de idade e escores T. Produz escores T e de idade.
Adaptada de Racusin G, Moss N. Psychological assessment of children and adolescentes. In: Lewis M, ed. Child and Adolescent Psychiatry: A Comprehensive Textbook. Baltimore: Williams & Wilkins, 1991.
1236
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
fortemente nas funções sensório-motoras, a testagem de inteligência em crianças mais velhas e adolescentes inclui funções de desenvolvimento mais tardio, como capacidades cognitivas verbais, sociais e abstratas. Testes de inteligência para crianças em idade escolar e adolescentes. O teste de inteligência mais utilizado para crianças em idade escolar e adolescentes é a terceira edição da Escala Wechsler de Inteligência para Crianças (WISC-III-R). Ela pode ser administrada a crianças de 6 a 17 anos e produz um QI verbal, um QI de execução e um QI de escala total combinado. Os subtestes verbais consistem de categorias de vocabulário, informação, aritmética, semelhanças, compreensão e intervalo de dígito (suplementar). Os subtestes de execução incluem desenho de blocos, conclusão de figuras, arranjo de figuras, montagem de objetos, codificação, labirintos e busca de símbolo (os dois últimos, suplementares). Os escores dos subtestes suplementares não são incluídos na computação do QI. Cada subcategoria é pontuada de 1 a 19, com 10 sendo o escore médio. Um QI médio de escala total é 100; 70 a 80 representa função intelectual limítrofe; 80 a 90 está na variação média baixa; 90 a 109 é média; 110 a 119 é média alta; e acima de 120 está na variação superior ou muito superior. As múltiplas divisões das subescalas de execução e verbal permitem maior flexibilidade na identificação de áreas específicas de déficit e de dispersão nas capacidades intelectuais. Visto que uma grande parte da testagem de inteligência mede capacidades usadas em ambientes acadêmicos, o WISC-III-R também pode ser útil para salientar habilidades nas quais uma criança é fraca e pode beneficiar-se de educação reparadora. A Escala de Inteligência de Stanford-Binet abrange uma variação etária de 2 a 24 anos. Baseia-se em figuras, desenhos e objetos para crianças muito pequenas e no desempenho verbal para crianças mais velhas e adolescentes. Esta escala, a versão mais antiga de um teste de inteligência desse tipo, leva a um escore de idade mental e a um quociente de inteligência. As Escalas McCarthy de Capacidades de Crianças e a Bateria de Avaliação para Crianças de Kaufman são dois outros testes de inteligência que estão disponíveis para crianças pré-escolares e em idade escolar. Estas não incluem os adolescentes. Ainda que fique relativamente estável durante todos os anos da idade escolar e da adolescência, alguns fatores podem influenciar a inteligência e o escore das crianças em um teste de inteligência. As funções intelectuais de crianças com doenças mentais graves e daquelas pertencentes a níveis socioeconômicos baixos podem diminuir com o tempo, enquanto os QIs daquelas cujos ambientes foram enriquecidos podem aumentar. Os fatores que influenciam o escore de uma criança em determinado teste de funcionamento intelectual e, portanto, afetam a correção do teste são motivação, estado emocional, ansiedade e meio cultural.
ESTABILIDADE DE LONGO PRAZO DA INTELIGÊNCIA.
Testes perceptivos e perceptivo-motores. O teste Gestalt Visuomotor de Bender pode ser administrado a crianças entre as idades de 4 e 12 anos. Consiste de um conjunto de figuras espacialmente relacionadas que a criança deve copiar. Os escores
baseiam-se no número de erros. Embora não seja um teste diagnóstico, é útil para identificar desempenhos perceptivos adequados à idade evolutiva. Testes de personalidade. Testes de personalidade não são de muita utilidade para os diagnósticos, sendo menos satisfatórios do que testes de inteligência em relação a normas, confiabilidade e validade, mas podem ser importantes para evocar temas e fantasias. O teste de Rorschach é uma técnica projetiva na qual estímulos ambíguos – um conjunto de borrões de tinta bilateralmente simétricos – são mostrados a uma criança, que é então instruída a descrever o que vê em cada um. A hipótese é que sua interpretação acerca dos estímulos vagos reflita características básicas da personalidade. O examinador observa os temas e os padrões. Dois conjuntos de normas foram estabelecidos para o teste de Rorschach, um para crianças entre 2 e 10 anos e um para adolescentes entre 10 e 17 anos. Um recurso projetivo mais estruturado é o Teste de Apercepção de Crianças (CAT), que é uma adaptação do Teste de Apercepção Temática (TAT). O CAT consiste de cartões com figuras de animais em cenas um pouco ambíguas, mas que estão relacionadas a problemas entre pais-filhos e irmãos, cuidados e outros relacionamentos. A criança é instruída a descrever o que está acontecendo e a contar uma história sobre a cena. Animais são usados porque se supõe que as crianças respondam mais prontamente a imagens de animais do que a figuras humanas. Desenhos, brinquedos e jogos também são aplicações de técnicas projetivas que podem ser usadas durante a avaliação. Casas de bonecas, bonecas e fantoches têm sido úteis para oferecer à criança uma forma sem conversação na qual expressar uma variedade de atitudes e sentimentos. Materiais de jogo que refletem situações domésticas têm a probabilidade de evocar medos, esperanças e conflitos em relação à família. Técnicas projetivas não se saíram bem como instrumentos padronizados. Em vez de serem consideradas testes, as técnicas projetivas são melhor identificadas como modalidades clínicas adicionais. Testes educacionais. Os testes de realização medem o alcance do conhecimento e das habilidades em um currículo acadêmico particular. O Teste de Realização de Amplo Alcance – Revisado (WRAT-R) consiste de testes de conhecimento e habilidades e desempenhos com tempo determinado de leitura, ortografia e matemática. É utilizado com crianças de 5 anos de idade até a idade adulta. O teste produz um escore que é comparado com o escore médio esperado para a idade cronológica e a série da criança. O Teste de Realização Individual de Peabody (PIAT) inclui identificação de palavras, ortografia, matemática e compreensão da leitura. O Teste de Realização Educacional de Kaufman, o Teste de Leitura Oral de Grau – Revisado (GORT-R) e os Testes Seqüenciais de Progresso Educacional (STEP) são instrumentos que determinam se uma criança alcançou o nível educacional esperado para sua série. Aquelas com um QI médio, cujo desempenho é bem mais baixo do que o esperado para sua série em uma ou mais matérias, são consideradas como tendo incapacidades de apren-
PSIQUIATRIA INFANTIL:
AVALIAÇÃO, EXAME E TESTAGEM PSICOLÓGICA
1237
dizagem. Portanto, a testagem de desempenho, combinada com uma medida de função intelectual, pode identificar incapacidades de aprendizagem específicas para as quais a reparação é recomendada. Crianças que não alcançam o nível de sua série de acordo com sua idade cronológica não têm, necessariamente, incapacidades de aprendizagem, a menos que exista uma disparidade entre seu QI e seus níveis de desempenho.
O médico busca dar feedback a quem quer que tenha encaminhado a criança para a avaliação, com permissão adequada. Portanto, quando ela é encaminhada para avaliação por um órgão externo, como escola, terapeuta ou serviço de proteção, em geral é obtida permissão para fornecer informações àqueles que fizeram a indicação.
Formulação biopsicossocial. A tarefa do médico é integrar todas as informações obtidas em uma formulação que leve em consideração a predisposição biológica, fatores psicodinâmicos, estressores ambientais e eventos de vida que contribuíram para o nível de funcionamento atual da criança. Transtornos psiquiátricos e quaisquer anormalidades físicas, neuromotoras ou do desenvolvimento específicas devem ser considerados na formulação de fatores etiológicos para prejuízo atual. As conclusões são uma integração entre informação clínica e dados de avaliações psicológicas e de desenvolvimento padronizados. A formulação psiquiátrica inclui uma avaliação da função familiar e da adequação do ambiente educacional. É feita uma determinação da segurança global da criança em sua situação atual. Qualquer suspeita de maus-tratos deve ser reportada a um órgão de proteção infantil. O bem-estar global da criança em relação a crescimento, desenvolvimento e atividades acadêmicas e recreativas é considerado.
REFERÊNCIAS
Diagnóstico A tarefa do médico inclui fazer todos os diagnósticos adequados de acordo com o DSM-IV-TR. Algumas situações clínicas não satisfazem os critérios exigidos pelo manual, mas causam prejuízo e requerem atenção e intervenção psiquiátrica. Médicos que avaliam crianças estão em posição de determinar o impacto do comportamento de membros da família sobre seu bem-estar. Em muitos casos, o nível de prejuízo da criança está relacionado a fatores que vão além de um diagnóstico psiquiátrico, como seu ajustamento à vida familiar, o relacionamento com iguais e o arranjo educacional. RECOMENDAÇÕES E PLANO DE TRATAMENTO As recomendações e um plano de tratamento após a avaliação de uma criança incluem a cooperação de membros da família. O tratamento de determinado transtorno psiquiátrico compreende intervenções familiares e ambientais diretas. As recomendações do médico podem incluir, por exemplo, psicoterapia familiar, mudança de escola ou (em casos raros) a remoção da criança do ambiente familiar por algum período. Sua segurança é sempre uma consideração quando se planeja um conjunto de recomendações. O médico deve comunicar as recomendações e o plano de tratamento proposto tanto aos pais como à criança, uma vez que, sem a cooperação destes, o tratamento pode ser comprometido ou não ser obtido.
Adams RL, Culbertson JL. Neuropsychological and intellectual assessment of children. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 1. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:722. Ambrosini PJ. Historical development and present status of the Schedule for Affective Disorder and Schizophrenia for School-Age Children ( K-SADS). J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2000;39:49. Angold A, Costello EJ. The Child and Adolescent Psychiatric Assessment (CAPA). J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2000; 39:39. Barber CC, Neese DT, Coyne L, et al. The Target Symptom Rating: a brief clinical measure of acute psychiatric symptoms in children and adolescents. J Clin Child Adolesc Psychol. 2002;31:181. Bender L. Childhood schizophrenia: clinical study of 100 schizophrenic children. Am J Orthopsychiatry. 1947;17:40. Chandler MC, Galtieri CT, Barnhill LJ. The neuropsychiatric examination of the child. In: Tonge BJ, Burrows GD, Werry JC, eds. Handbook of Studies on Child Psychiatry. Amsterdam: Elsevier; 1990:91. Ernst M, Cookus BA, Moravec BC. Pictorial Instrument for Children and Adolescents (PICA-III-R). J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2000;39:94. Jensen PS, Watanabe H. Sherlock Holmes and child psychopathology assessment approaches: the case of the false-positive. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1999;38:138. King RA, Hodapp RM, Schwab-Stone ME, Peterson BS, Thies AP. Psychiatric examinations of the infant, child, and adolescent. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2558. Ollendick TH, Hersen M, eds. Handbook of Child and Adolescent Assessment. Boston: Allyn & Bacon; 1993. Pataki CS. Child psychiatry: introduction and overview. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2532. Practice parameters for the psychiatric assessment of children and adolescents. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1997; 36:4S. Reich W. Diagnostic Interview for Children and Adolescents (DICA). J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2000;39:59. Schetky DH, Benedek EP, eds. Principles and Practice of Child and Adolescent Forensic Psychiatry. Washington, DC: American Psychiatric Publishing; 2002. Shaffer D, Fisher P, Lucas CP, Dulcan MK, Schwab-Stone ME. NIMH Diagnostic Interview Schedule for Children (Version IV): description, differences from previous versions, and reliability of some common diagnoses. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2000;39:28. Storch EA. Prescription of medications to youths. Psychiatr Serv. 2002;53:214. Valla JP, Bergeron L, Smolla N. The Dominic-R: a pictorial interview for 6-to 11-year-old children. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2000;39:85. Weller EB, Weller RA, Fristad MA, Rooney MT, Schecter J. Children’s for Psychiatric Syndromes (ChIPS). J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2000;39:76.
38 Retardo mental
R
etardo mental não é uma doença; antes, é o resultado de um processo patológico no cérebro caracterizado por limitações nas funções intelectual e adaptativa. Sua causa em geral não é identificada, e as conseqüências tornam-se evidentes pela dificuldade no funcionamento intelectual e nas habilidades de vida. Em meados de 1800, muitas crianças com retardo mental eram colocadas em instituições educacionais residenciais, na crença de que, se recebessem treinamento intensivo suficiente, seriam capazes de retornar a suas famílias e funcionar na sociedade em um nível mais elevado. O plano original de educar as crianças a fim de que pudessem superar suas incapacidades não foi realizado. Aos poucos, esses programas residenciais tornaram-se maiores, até o ponto em que o foco começou a mudar de educação intensiva para cuidado de custódia. Essas instituições residenciais para crianças com retardo mental tiveram seu uso máximo em meados de 1900, até que o conhecimento público das condições superlotadas, insalubres e, em alguns casos, abusivas levou ao movimento de “desinstitucionalização”. Desde o final da década de 1960, poucas crianças com retardo mental foram colocadas em instituições, e os conceitos de “inclusão” em ambientes escolares e “normalização” em situações do dia-a-dia tornaram-se proeminentes entre grupos de defesa e a maioria dos cidadãos. Nos Estados Unidos, a partir da aprovação da Lei 94-142 (A Lei de Educação para Todas as Crianças Incapacitadas), em 1975, o sistema público de ensino passou a ser obrigado a fornecer serviço educacional adequado a todas as crianças com necessidades especiais. A Lei de Indivíduos com Incapacidades de 1990 ampliou e modificou essa legislação. Atualmente, é obrigatório, por lei, fornecer educação pública a todas as crianças, incluindo aquelas com necessidades especiais, no ambiente menos restritivo possível. Além do sistema educacional, muitas organizações foram criadas para defender indivíduos com retardo mental. Entre elas, o Conselho para Crianças Excepcionais (Council for Excepcional Children, CEC) e a Associação Nacional para Cidadãos Portadores de Retardo Mental (National Association for Retarded Citizens, NARC) são bastante conhecidos. Essa última funciona como a principal organização de pais de crianças com retardo mental e foi fundamental na defesa da Lei 94-142. A organização de defesa mais proeminente nesse campo é a Associação Americana de Retardo Mental (American Association on Mental Retardation, AAMR), que tem sido muito influente na educação do público
sobre essa condição, bem como no apoio à pesquisa e à legislação relacionada ao assunto. A AAMR promove atualmente a visão do retardo mental como uma disfunção da interação do individuo com o ambiente, em vez de descrever, de forma estática, as limitações desse indivíduo. Dentro dessa estrutura conceitual, uma pessoa é vista como necessitando de “apoio ambiental” intermitente, limitado, extensivo ou global em relação a funções adaptativas nas áreas de comunicação, autocuidado, vida doméstica, habilidades sociais/interpessoais, uso de recursos da comunidade, auto-orientação, habilidades acadêmicas funcionais, trabalho, lazer, saúde e segurança. Os critérios da AAMR também defendem que um QI de 75, em vez de 70, seja considerado como retardo mental leve, permitindo, assim, que mais pessoas recebam serviços especiais. A vantagem dessa visão é que em vez de definir o grau de retardo mental de uma pessoa pelo nível de prejuízo cognitivo e adaptativo, o grau de “apoio” necessário para funcionar torna-se o aspecto definidor. A desvantagem dessa nomenclatura é que é difícil quantificar os “apoios”, e seria problemático combinar uma nova pesquisa com o corpo de pesquisa existente que utiliza o QI de 70 como ponto de corte para retardo mental. A decisão do grupo de trabalho da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV) foi manter este ponto de corte e incluir as áreas de funções adaptativas recomendadas pela AAMR nos critérios diagnósticos para retardo mental. NOMENCLATURA Definir com precisão retardo mental tem sido um desafio para os médicos durante séculos. Em meados de 1800, foi promovida a noção de que essa condição era baseada primariamente em um déficit no julgamento social ou moral. Desde então, a noção de déficit intelectual foi adicionada ao conceito de função social inadequada. Todos os sistemas de classificação atual preservam o entendimento de que o retardo mental está baseado em mais do que déficits intelectuais, ou seja, também depende de um nível de função adaptativa mais baixo do que o esperado. De acordo com o DSM-IV-TR, o diagnóstico de retardo mental depende da presença de um QI abaixo da média, medido por um teste padro-
RETARDO MENTAL
nizado, além de déficit na função adaptativa presente em, pelo menos, duas áreas do funcionamento. Diagnósticos de retardo mental são codificados no Eixo II do DSM-IV-TR. CLASSIFICAÇÃO De acordo com o DSM-IV-TR, retardo mental é definido como funcionamento intelectual geral abaixo da média resultando em, ou associado a, prejuízo concomitante no comportamento adaptativo e manifestado durante o período de desenvolvimento, antes dos 18 anos de idade. O diagnóstico é feito independentemente de o indivíduo apresentar doença física coexistente ou outro transtorno mental. A Tabela 38-1 apresenta uma visão geral dos níveis de desenvolvimento em comunicação, funcionamento acadêmico e habilidades profissionais esperados de pessoas com vários graus de retardo mental. O funcionamento intelectual geral é determinado pelo uso de testes de inteligência padronizados, e a expressão significativamente abaixo da média é definida como um QI de 70 ou menos ou dois desvios-padrão abaixo da média para o teste em particular. O funcionamento adaptativo pode ser medido pelo uso de uma escala padronizada, como a Escala de Comportamento Adaptativo de Vineland. Esta escala mede os níveis de comunicação, habilidades na vida cotidiana, socialização e habilidades motoras (até 4 anos e 11 meses), gerando um padrão de comportamento adaptativo que pode ser comparado ao esperado em crianças de mesma idade com desenvolvimento normal.
1239
Cerca de 85% dos indivíduos com retardo mental enquadramse na categoria de retardo mental leve (QI entre 50 e 70). Suas funções adaptativas são efetivas em diversas áreas, como comunicação, cuidados pessoais, habilidades sociais, trabalho, lazer e segurança. O retardo mental é influenciado por fatores genéticos, ambientais e psicossociais, e, no passado, o desenvolvimento de retardo leve era com freqüência atribuído a privação psicossocial grave. Nos últimos tempos, entretanto, os pesquisadores têm reconhecido cada vez mais a contribuição de fatores biológicos diversos, como anormalidades cromossômicas, intoxicação por chumbo subclínica e exposição prénatal a drogas, álcool e outras toxinas. Além disso, é cada vez maior a evidência de que subgrupos de pessoas mentalmente retardadas, como aquelas com síndrome do X frágil, síndrome de Down e síndrome de Prader-Willi, apresentam padrões de desenvolvimento social, lingüístico e cognitivo característicos, bem como manifestações comportamentais típicas. O DSM-IV-TR incluiu em seu texto sobre retardo mental informação adicional relativa a fatores etiológicos e sua associação com síndromes de retardo mental (p. ex., síndrome do X frágil). GRAUS DE GRAVIDADE DO RETARDO MENTAL Os graus, ou níveis, de retardo mental são expressos em vários termos. O DSM-IV-TR apresenta quatro níveis: leve, moderado, grave e profundo. A categoria retardo mental limítrofe (entre 1 e 2 desvios-padrão abaixo da média do teste) foi eliminada em 1973. Funcionamento intelectual limítrofe, de acordo com o DSM-IVTR, não está dentro da fronteira diagnóstica de retardo mental e
TABELA 38-1 Características do desenvolvimento de pessoas mentalmente retardadas Grau de retardo mental
Idade pré-escolar (0-5) Idade escolar (6-20) Amadurecimento e desenvolvimento Treinamento e educação
Adulto (21 ou mais) Adequação social e vocacional
Profundo
Retardo significativo; capacidade Algum desenvolvimento motor premínima para funcionar em áreas sente; pode responder a treinasensório-motoras; precisa de cuimento mínimo ou limitado em autodado de enfermagem; auxílio e suajuda pervisão constantes Desenvolvimento motor pobre; fala Pode conversar ou aprender a comumínima; em geral, incapaz de benicar-se; pode ser treinado em háneficiar-se de treinamento em autobitos saudáveis, beneficia-se com ajuda; pouca ou nenhuma habilitreinamento de hábitos sistemáticos, dade de comunicação mas não com treinamento vocacional Pode falar ou aprender a comunicar- Pode beneficiar-se de treinamento em se; consciência social pobre; dehabilidades sociais e ocupacionais; senvolvimento motor razoável; bepouca probabilidade de progredir neficia-se com treinamento em autoalém do nível da 2a série do ajuda; pode ser manejado com ensino fundamental nas matérias supervisão moderada escolares; pode aprender a viajar sozinho para lugares familiares Pode desenvolver habilidades sociais Pode aprender habilidades acadêe de comunicação; retardo mínimo micas, chegando, aproximadaem áreas sensório-motoras; com mente, até o 6o ano do ensino freqüência não é identificado, fundamental no final da adolesdistinguindo-se das crianças cência; pode ser orientado a normais somente mais tarde obediência social
Algum desenvolvimento motor e de fala; pode alcançar autocuidado muito limitado; necessita de cuidados de enfermagem
Grave
Moderado
Leve
Pouco auto-suficiente, necessitando supervisão completa; pode desenvolver habilidades de autoproteção mínimas em ambiente controlado
Pode alcançar auto-suficiência em trabalho não-qualificado ou semiqualificado sob condições protegidas; requer supervisão e orientação quando sob estresse social ou econômico leve
Em geral, alcança habilidades sociais e vocacionais para sustento próprio mínimo, mas pode necessitar de orientação e assistência quando sob estresse social ou econômico maior
Adaptada de Mental Retarded Activities of the U.S. Department of Health, Education and Welfare. Washington, DC: US Government Printing Office, 1989:2. Usada com permissão. Os critérios do DSM-IV são adaptados basicamente deste esquema.
1240
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
refere-se a uma escala total de QI na variação de 71 a 84 que é foco de atenção psiquiátrica. Retardo mental leve (variação de QI de 50-55 até 70) representa cerca de 85% das pessoas afetadas. Em geral, crianças com esse grau de retardo não são identificadas até a 1a ou a 2a série do ensino fundamental, quando as demandas acadêmicas aumentam. Ao final da adolescência, adquirem habilidades acadêmicas correspondentes ao nível da 6a série. Causas específicas para o retardo mental costuman não ser identificadas nesse grupo. Muitos adultos com retardo mental leve podem viver de maneira independente com apoio adequado e sustentar suas próprias famílias. Retardo mental moderado (variação de QI de 35-40 a 50-55) representa em torno de 10% das pessoas afetadas. A maioria das crianças com retardo mental moderado desenvolve a linguagem e pode comunicar-se de forma adequada durante a primeira infância. A escola passa a ser um desafio, e dificilmente essas crianças atingirão níveis acima do 2o ou 3o ano do ensino fundamental. Durante a adolescência, dificuldades de socialização isolam esses indivíduos, e uma grande quantidade de apoio social e vocacional pode ser benéfica. Quando adultos, podem ser capazes de realizar um trabalho semiqualificado sob supervisão adequada. Retardo mental grave (variação de QI de 20-25 a 35-40) é encontrado em aproximadamente 4% dos indivíduos com retardo mental. Eles podem ser capazes de desenvolver habilidades de comunicação na infância e aprender a contar e reconhecer palavras que são fundamentais ao funcionamento. Nesse grupo, a causa para o retardo mental tem mais probabilidade de ser identificada do que nas formas mais leves. Na idade adulta, podem adaptar-se bem, sob supervisão em residências especiais, ou realizando tarefas de trabalho. Retardo mental profundo (variação de QI abaixo de 20-25) atinge 1 a 2% das pessoas com retardo mental. A maioria dos indivíduos tem causas identificáveis para sua condição. Com treinamento adequado, crianças com retardo mental profundo podem aprender algumas habilidades de cuidados próprios e a comunicar suas necessidades. O DSM-VI-TR considera portadoras de “retardo mental com gravidade não-especificada” pessoas suspeitas de terem retardo mental, mas que não podem ser testadas por testes de inteligência usuais ou são muito prejudicadas ou não-cooperativas para fazêlo. Esse tipo pode ser aplicável a bebês cujo funcionamento intelectual abaixo da média é clinicamente julgado, mas para os quais os testes disponíveis (p. ex., Escalas Bayley de Desenvolvimento Infantil e Escala Infantil de Cattell) não produzem valores de QI. Essa classificação não deve ser usada quando se presume que o nível intelectual esteja acima de 70. EPIDEMIOLOGIA A prevalência de retardo mental em qualquer tempo é estimada como sendo de cerca de 1% da população. Sua incidência é difícil de calcular porque a condição muitas vezes não é reconhecida até a metade da infância, quando é leve. Em alguns casos, mesmo quando a função intelectual é limitada, habilidades adaptativas mais elaboradas não são exigidas até o final da infância ou o início da adolescência, e o diagnóstico não é feito até essa época. A
incidência é maior em crianças em idade escolar, com pico entre 10 e 14 anos. O retardo mental é cerca de 1,5 vezes mais comum entre homens do que entre mulheres. Em pessoas mais velhas, a prevalência é mais baixa; pessoas com retardo mental grave ou profundo têm taxas de mortalidade altas devido a complicações de distúrbios físicos associados. CO-MORBIDADE Prevalência Levantamentos epidemiológicos indicam que até dois terços de crianças e adultos com retardo mental têm transtornos mentais co-mórbidos; essa taxa é bem mais alta do que aquela referida em amostras da comunidade sem retardo mental. A prevalência de psicopatologia parece estar correlacionada à gravidade do retardo mental; quanto mais grave, mais alto o risco para outros transtornos mentais. Um estudo epidemiológico recente revelou que 40,7% das crianças com comprometimento intelectual entre 4 e 18 anos de idade satisfaziam o critério para pelo menos um transtorno psiquiátrico. A gravidade do retardo afetava o tipo de transtorno. Transtornos da conduta e diruptivos ocorriam com mais freqüência no grupo com retardo leve; o grupo considerado mais grave exibia problemas psiquiátricos associados a transtorno autista, como auto-estimulação e automutilação. Ao contrário de achados epidemiológicos nesta área em crianças em geral, neste estudo, idade e sexo não afetaram a prevalência de transtornos psiquiátricos. Aqueles com retardo mental profundo apresentariam menor probabilidade de exibir sintomas psiquiátricos. Os transtornos psiquiátricos que ocorrem entre pessoas com essa condição parecem ser os mesmos vistos entre aquelas sem retardo mental, incluindo transtornos do humor, esquizofrenia, transtorno de déficit de atenção/hiperatividade e transtorno de conduta. Portadores de retardo mental grave apresentam, em especial, altas taxas de transtorno autista e de transtornos globais do desenvolvimento. Cerca de 2 a 3% das pessoas com retardo mental satisfazem os critérios para esquizofrenia; essa porcentagem é muito mais alta do que a taxa para a população geral. Até 50% das crianças e dos adultos com retardo mental apresentaram também transtorno do humor quando avaliados por instrumentos como K-SADS (Escala de Avaliação de Transtornos Afetivos e Esquizofrenia para Crianças em Idade Escolar), a Escala Beck para Depressão e o Inventário de Depressão para Crianças. De qualquer forma, os achados são preliminares, já que esses instrumentos não são padronizados para uso em populações com retardo mental. Alguns sintomas psiquiátricos são mais prevalentes nos portadores de retardo mental; são eles: hiperatividade, diminuição da capacidade de manter a atenção, auto-agressividade (p. ex., bater a cabeça, morder-se) e comportamentos estereotipados repetitivos (flap-pinc e caminhar na ponta dos pés). Estilos e traços de personalidade não são específicos a essa população, mas autoimagem negativa, baixa auto-estima, baixa tolerância à frustração, dependência interpessoal certa rigidez na resolução de problemas são características bastante comuns. Síndromes específicas envolvidas na etiologia do retardo mental podem predispor o indivíduo afetado a psicopatologias diversas.
RETARDO MENTAL
Transtornos neurológicos Transtornos psiquiátricos co-mórbidos são exacerbados em indivíduos com retardo mental que também apresentam condições neurológicas conhecidas, como transtornos convulsivos. As taxas de psicopatologia aumentam com a gravidade do retardo; portanto, o prejuízo neurológico aumenta de forma proporcional ao prejuízo intelectual. Em uma recente revisão de transtornos psiquiátricos em crianças e adolescentes com retardo mental e epilepsia, cerca de um terço também tinha transtorno autista ou uma condição do tipo autista. A combinação de retardo mental, epilepsia ativa e autismo (ou uma condição do tipo autista) ocorre a uma taxa de 0,07% na população geral. Síndromes genéticas Evidências indicam que síndromes de base genética, como a síndrome do X frágil, a síndrome de Prader-Willi e a síndrome de Down, estão associadas a manifestações comportamentais específicas co-mórbidas (Fig. 38-1). Pessoas com síndrome do X frágil têm taxas muito altas (até três quartos daquelas estudadas) de transtornos de déficit de atenção/hiperatividade. Taxas significativas de comportamento interpessoal e função da linguagem comprometidos com freqüência satisfazem os critérios para transtorno autista e transtorno da personalidade esquiva. A síndrome de Prader-Willi está quase sempre associada a compulsão alimentar, hiperfagia e obesidade. Crianças afetadas foram descritas como oposicionais e desafiadoras. Apresentam dificuldade de socialização, em especial na habilidade de lidar com a doença. Problemas de comportamento
1241
externalizados, como acessos de raiva, irritabilidade, discussões verbais, parecem aumentar na adolescência. Portadores da síndrome de Down apresentam prejuízo significativo na função da linguagem ao mesmo tempo em que a sociabilidade e as habilidades sociais, como cooperação interpessoal e obediência a convenções sociais, são aspectos bastante desenvolvidos. A maioria dos estudos observou afeto diminuído em crianças com síndrome de Down, comparadas com as sem-retardado no mesmo nível de desenvolvimento mental. Apresentam, ainda, capacidade diminuída de explorar o ambiente; tendem a manter o foco em um único estímulo e têm dificuldade em observar mudanças no ambiente. Uma variedade de transtornos mentais ocorre em pessoas com síndrome de Down, mas as taxas parecem ser mais baixas do que as de outras síndromes de retardo mental, em especial transtorno autista. Síndromes psicossociais Auto-imagem negativa e baixa auto-estima são características comuns de pessoas com retardo mental leve e moderado, as quais são bastante conscientes de ser diferentes dos outros. Elas experimentam fracasso repetido e desapontamento por não poderem satisfazer as expectativas de seus pais e da sociedade e por estarem sempre atrás de seus pares e mesmo de seus irmãos mais novos. Dificuldades de comunicação aumentam ainda mais sua vulnerabilidade a sentimentos de inaptidão e frustração. Comportamentos inadequados, como retraimento social, são comuns. O contínuo senso de isolamento e inadequação tem sido associado a sentimentos de ansiedade, raiva, disforia e depressão.
FIGURA 38-1 A. Criança com síndrome de Down. B. Adulto jovem com síndrome do X frágil. (Cortesia de L.S. Syzmanski, M.D. e A.C. Crocker, M.D.)
1242
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
ETIOLOGIA Os fatores etiológicos no retardo mental podem ser genéticos, do desenvolvimento, adquiridos, ou uma combinação destes. As causas genéticas incluem condições cromossômicas e hereditárias; fatores do desenvolvimento incluem exposição parental a infecções e toxinas; e síndromes adquiridas incluem trauma perinatal (como prematuridade) e fatores socioculturais. A gravidade do retardo mental resultante está relacionada ao momento e à duração do trauma, bem como ao grau de exposição a que o sistema nervoso central foi submetido. Quanto mais grave o retardo mental, maior a probabilidade de que a causa seja evidente. Em cerca de três quartos das pessoas com retardo mental grave, a causa é conhecida, enquanto é apenas aparente em metade daqueles com retardo mental leve. Não há causa conhecida para três quartos das pessoas com funcionamento intelectual limítrofe. No total, em até dois terços de todas as pessoas mentalmente retardadas, a causa provável pode ser identificada. Entre transtornos cromossômicos e metabólicos, a síndrome de Down, a síndrome do X frágil e a fenilcetonúria (PKU) são os transtornos mais prováveis de produzir pelo menos retardo mental moderado. Pessoas com retardo mental leve às vezes têm um padrão familiar aparente nos pais e nos irmãos. Privação de alimentos, carinho e estimulação social pode contribuir para o desenvolvimento dessa condição. O conhecimento atual sugere que fatores genéticos, ambientais, biológicos e psicossociais atuam de maneira cumulativa no retardo mental. Fatores genéticos Anormalidades nos cromossomos autossômicos estão associadas a retardo mental, embora o mesmo nem sempre aconteça com os cromossomos ligados ao sexo (como síndrome de Turner com XO e síndrome de Klinefelter com variações de XXY, XXXY e XXYY). Algumas crianças com síndrome de Turner têm inteligência de normal a superior. Há concordância sobre alguns fatores predisponentes para transtornos cromossômicos – entre eles, idade materna avançada, idade aumentada do pai e radiação de raio X. Síndrome de Down. A descrição da síndrome de Down, feita pela primeira vez pelo médico inglês Langdon Down em 1866, baseava-se nas características físicas associadas ao funcionamento mental abaixo do normal. Desde então, essa tem sido a síndrome mais investigada e mais discutida no retardo mental. Crianças afetadas eram chamadas de mongolóides devido a suas características físicas de olhos oblíquos, pregas epicantais e nariz achatado. Apesar de um excesso de teorias e hipóteses apresentadas nos últimos 100 anos, sua causa ainda é desconhecida. O problema da causa é complicado mesmo com o recente reconhecimento de três tipos de alterações cromossômicas na síndrome de Down: 1. Pacientes com trissomia 21 (três cromossomos 21, em vez dos dois usuais) representam a maioria esmagadora; eles têm 47 cromossomos, com um cromossomo 21 extra. Os cariótipos das mães são normais. Uma não-disjunção durante a meiose, ocorrendo por razões desconhecidas, é considerada responsável pelo transtorno.
2. Não-disjunção ocorrendo após a fertilização em qualquer divisão celular resulta em mosaicismo, uma condição na qual células normais e células trissômicas são encontradas em vários tecidos. 3. Na translocação, há uma fusão de dois cromossomos, em geral o 21 e o 15, resultando em um total de 46 cromossomos, apesar da presença de um cromossomo 21 extra. O transtorno, ao contrário da trissomia 21, costuma ser herdado, e o cromossomo translocado pode ser encontrado em pais e irmãos não-afetados. Os portadores assintomáticos têm apenas 45 cromossomos. A incidência de síndrome de Down nos Estados Unidos é de cerca de 1 em cada 700 nascimentos. Em sua descrição original, Down mencionou a freqüência de 10% entre todos os pacientes mentalmente retardados. Para uma mãe de meia-idade (mais de 32 anos), o risco de ter um filho com trissomia 21 é de 1 em 100 nascimentos, mas quando translocação está presente, o risco sobe para 1 em 3. Esses fatos assumem especial importância no aconselhamento genético. Retardo mental é o aspecto sobrepujante da síndrome de Down. A maioria das pessoas com a condição é moderada ou gravemente retardada, com apenas uma minoria tendo um QI acima de 50. O desenvolvimento mental parece progredir de forma normal do nascimento aos 6 meses de idade; os escores de QI diminuem de maneira gradual de próximo do normal na idade de 1 ano a quase 30 em idades mais avançadas. O declínio na inteligência pode não ser aparente no início. Testes infantis podem não revelar a extensão total do defeito, só perceptível quando testes sofisticados são utilizados na primeira infância. De acordo com muitas fontes, crianças com síndrome de Down são tranqüilas, alegres e cooperativas e adaptam-se com facilidade em casa. Com a adolescência, o quadro muda: os jovens podem experimentar várias dificuldades emocionais, transtornos do comportamento e (raramente) transtornos psicóticos. O diagnóstico de síndrome de Down é feito com relativa facilidade em uma criança mais velha, mas é difícil em recém-nascidos. Os sinais mais importantes em um recém-nascido incluem hipotonia geral, fissuras palpebrais oblíquas, pele abundante no pescoço, crânio pequeno, achatado, ossos malares altos e língua protraída. As mãos são largas e grossas, com um único vinco palmar transverso, e os dedos mínimos são curtos e curvados para dentro. O reflexo de Moro é fraco ou ausente. Mais de 100 sinais ou estigmas são descritos na síndrome de Down, mas é pouco provável que todos sejam encontrados na mesma pessoa. Há algum tempo, a expectativa de vida era de cerca de 12 anos; com o advento de antibióticos, poucos pacientes sucumbem a infecções, mas podem não viver além dos 40 anos de idade. Entretanto, a expectativa de vida está aumentando. Pessoas com síndrome de Down tendem a exibir deterioração marcada na linguagem, na memória, nas habilidades de cuidados pessoais e na solução de problemas por volta dos 30 anos. Estudos de autópsia de pessoas afetadas com mais de 40 anos de idade mostraram uma alta incidência de placas senis e emaranhados neurofibrilares, como visto na doença de Alzheimer. É sabido que emaranhados neurofibrilares ocorrem em uma variedade de doenças degenerativas, enquanto placas senis parecem estar associadas com mais freqüência a doença de Alzheimer e síndrome de Down. Portanto, ambas as condições podem compartilhar alguma fisiopatologia.
Síndrome do X frágil. É a segunda causa isolada mais comum de retardo mental. A síndrome resulta de uma mutação no cromossomo X, no ponto conhecido como o sítio frágil (Xq27.3). Esse sítio é expresso em apenas algumas células, podendo estar ausente em homens e mulheres portadores assintomáticos. Há muita variabilidade tanto na expres-
RETARDO MENTAL
são genética como na expressão fenotípica. Acredita-se que a síndrome do X frágil ocorra em 1 a cada 1.000 homens e em 1 a cada 2 mil mulheres. O fenótipo típico inclui cabeça e orelhas largas, longas, estatura baixa, articulações hiperextensíveis e macroorquia pós-puberal. O retardo mental varia de leve a grave. O perfil comportamental de pessoas com a síndrome inclui uma alta taxa de transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, transtornos de aprendizagem e transtornos globais do desenvolvimento, como autismo. Os déficits na função da linguagem incluem fala perseverante rápida com anormalidades ao combinar palavras em frases e sentenças. Pessoas afetadas parecem desenvolver bem habilidades de comunicação e socialização; suas funções intelectuais parecem declinar no período puberal. Mulheres portadoras são menos prejudicadas do que homens com síndrome do X frágil, mas também podem manifestar as características físicas típicas e apresentar retardo leve.
Síndrome de Prader-Willi. Postula-se que a síndrome de Prader-Willi resulte de uma pequena deleção envolvendo o cromossomo 15, em geral ocorrendo de forma esporádica. Sua prevalência é de menos de 1 por 10 mil. Pessoas com a condição exibem comportamento alimentar compulsivo e até obesidade, retardo mental, hipogonadismo, estatura pequena, hipotonia e mãos e pés pequenos. Crianças afetadas tendem a desenvolver comportamento de oposição e desafio.
Síndrome do miado de gato (Cri-du-Chat). Crianças com esta condição não possuem parte do cromossomo 5. São gravemente retardadas e apresentam muitos sinais associados a alterações cromossômicas, como microcefalia, orelhas baixas, fissuras palpebrais oblíquas, hipertelorismo e micrognatia. O miado de gato característico causado por anormalidades na laringe que dá à síndrome seu nome muda de forma gradual, e tende a desaparecer com o aumento da idade.
Outras anormalidades cromossômicas. Outras síndromes de alterações autossômicas associadas a retardo mental são muito menos prevalentes do que a síndrome de Down.
1243
Embora o quadro clínico varie, crianças com PKU são hiperativas; exibem comportamento desorganizado, imprevisível e são difíceis de manejar. Com freqüência têm acessos de raiva e exibem movimentos bizarros do corpo, em especial das extremidades superiores, incluindo maneirismos de torcer as mãos; o comportamento às vezes lembra o de crianças com autismo ou esquizofrenia. A comunicação verbal e nãoverbal costuma estar bastante prejudicada ou é inexistente. Sua coordenação motora é pobre, e elas têm muitas dificuldades perceptivas. A doença era diagnosticada com base em um teste de urina: ácido fenilpirúvico na urina reage com solução de cloreto férrico para produzir uma cor verde viva. O teste, entretanto, tem suas limitações; pode não detectar a presença de ácido fenilpirúvico na urina antes que o bebê tenha 5 ou 6 semanas de vida, apresentando ainda respostas positivas com outras aminoacidúrias. Atualmente, um teste de triagem mais confiável, o ensaio de inibição de Guthrie, é o mais utilizado, empregando um procedimento bacteriológico para detectar fenilalanina no sangue. Nos Estados Unidos, atualmente, recém-nascidos são submetidos a screening de rotina para PKU. O diagnóstico precoce é importante, porque uma dieta contendo baixa fenilalanina, em uso desde 1955, melhora de forma significativa o progresso tanto do comportamento como do desenvolvimento. Os melhores resultados parecem ser obtidos com diagnóstico precoce e início de tratamento dietético antes que a criança tenha 6 meses de idade. O tratamento dietético, entretanto, não está livre de riscos. A fenilalanina é um aminoácido essencial, e sua omissão da dieta pode levar a complicações graves como anemia, hipoglicemia, edema e até mesmo morte. O tratamento dietético para pessoas afetadas deve continuar por tempo indeterminado. Crianças que recebem um diagnóstico antes dos 3 meses de idade e são submetidas a um regime dietético ideal podem ter inteligência normal. Uma dieta com baixa fenilalanina não influencia o nível de retardo mental em crianças mais velhas e adolescentes com PKU não-tratados, mas diminui a irritabilidade e as alterações eletroencefalográficas (EEG) aumenta a responsividade social e o intervalo de atenção. Os pais e alguns dos irmãos normais das crianças afetadas são portadores heterozigóticos. A doença pode ser detectada por um teste de tolerância a fenilalanina, que pode ser importante no aconselhamento genético dos membros da família.
Fenilcetonúria. Foi descrita pela primeira vez por Ivar Asbjörn Fölling, em 1934, como o erro inato do metabolismo paradigmático. A PKU é transmitida como um traço mendeliano autossômico recessivo simples e ocorre em cerca de 1 em cada 10.000 a 15.000 nascidos vivos. Para pais que já têm um filho com PKU, a chance de ter outro é de 1 em cada 4 a 5 gestações sucessivas. Ainda que a doença seja relatada de forma predominante em pessoas de origem norte-européia, alguns casos foram descritos em negros, judeus yemenitas e asiáticos. A freqüência entre pacientes com retardo institucionalizados é de 1%. O defeito metabólico básico na PKU é uma incapacidade de converter fenilalanina, um aminoácido essencial, em paratirosina devido à ausência ou à inatividade da enzima hepática fenilalanina hidroxilase, que catalisa a conversão. Dois outros tipos de hiperfenilalaninemia foram descritos há pouco. Um resulta da deficiência da enzima diidropteridina redutase, e o outro, de uma deficiência de um co-fator, a biopterina. O primeiro defeito pode ser detectado nos fibroblastos, e a biopterina pode ser medida em líquidos corporais. Esses dois transtornos raros são altamente fatais. A maioria dos pacientes com PKU apresenta retardo mental grave, mas há relatos de alguns com inteligência limítrofe ou normal. Eczema, vômitos e convulsões ocorrem em cerca um terço de todos os pacientes.
Transtorno de Rett. Postula-se que o transtorno de Rett seja uma síndrome de retardo mental cromossômica dominante ligada ao X, que é degenerativa e afeta apenas mulheres. Em 1966, Andreas Rett apresentou um relato sobre 22 meninas com uma grave doença neurológica progressiva. A deterioração nas habilidades de comunicação, no comportamento motor e no funcionamento social começa por volta de 1 ano de idade. Sintomas do tipo autista são comuns, assim como ataxia, caretas, ranger dos dentes e perda de fala. Hiperventilação intermitente e um padrão respiratório desorganizado são característicos enquanto a criança está acordada. Movimentos de mão estereotipados, incluindo torcer as mãos, são bastante comuns. Alterações progressivas na marcha, escoliose e convulsões também ocorrem. Espasticidade grave costuma estar presente na metade da infância. Atrofia cerebral ocorre com pigmentação diminuída da substância negra, que sugere anormalidades no sistema dopaminérgico nigroestriatal. (O transtorno é discutido no Capítulo 41.)
Neurofibromatose. Também chamada de transtorno de von Recklinghausen, é a mais comum das síndromes neurocutâneas causadas por um único gene dominante, que pode ser herdado ou proveniente de uma mutação nova. O transtorno ocorre em cerca de 1 em cada 5 mil
1244
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
nascimentos, sendo caracterizado por manchas café-com-leite sobre a pele e por neurofibromas, incluindo gliomas ópticos e neuromas acústicos, causados por migração celular anormal. Retardo mental leve ocorre em até um terço das pessoas afetadas.
Esclerose tuberosa. Esta é a segunda mais comum das síndromes neurocutâneas; um retardo mental progressivo ocorre em até dois terços de todos os indivíduos afetados. Manifesta-se em 1 a cada 15 mil pessoas e é herdada por transmissão autossômica dominante. Convulsões estão presentes em todos aqueles que são mentalmente retardados e em dois terços daqueles que não o são. Espasmos infantis podem ocorrer aos 6 meses de idade. A apresentação fenotípica inclui adenoma sebáceo e manchas em folha cinzenta, que podem ser identificadas com uma lâmpada de fenda.
Síndrome de Lesch-Nyhan. A síndrome de Lesch-Nyhan é um transtorno raro causado pela deficiência de uma enzima envolvida no metabolismo da purina. O transtorno é ligado ao X; os pacientes têm retardo mental, microcefalia, convulsões, coreoatetose e espasticidade. A condição também está associada a automutilação compulsiva grave por mordida da boca e dos dedos. Esse é outro exemplo de síndrome geneticamente determinada com um padrão comportamental específico, previsível. Adrenoleucodistrofia. O mais comum entre os diversos transtornos de esclerose cerebral sudanofílica, a adrenoleucodistrofia é caracterizada por desmielinização difusa da substância branca cerebral, resultando em prejuízo visual e intelectual, convulsões, espasticidade e progressão para a morte. A degeneração cerebral é acompanhada por insu-
ficiência adrenocortical. O transtorno é transmitido por um gene ligado ao sexo localizado na extremidade distal do braço longo do cromossomo X. O início clínico ocorre entre 5 e 8 anos de idade, com convulsões precoces, alterações da marcha e prejuízo intelectual leve. Pigmentação anormal, refletindo insuficiência adrenal, às vezes precede os sintomas neurológicos, e ataques de choro são comuns, assim como contraturas espásticas, ataxia e problemas de deglutição. Embora o curso seja progressivo, alguns pacientes podem ter um curso recorrente e remitente. A história de uma criança com o transtorno foi apresentada no filme O Óleo de Lorenzo, de 1992.
Doença urinária do xarope de bordo. Os sintomas clínicos desta condição aparecem durante a primeira semana de vida. O bebê apresenta deterioração rápida e tem rigidez descerebrada, convulsões, respiração irregular e hipoglicemia. Sem tratamento, a maioria dos pacientes morre nos primeiros meses de vida, e os sobreviventes ficam gravemente retardados. Algumas variantes foram relatadas com ataxia transitória e retardo apenas leve. O tratamento segue os princípios gerais estabelecidos para PKU e consiste de uma dieta com restrição dos três aminoácidos envolvidos – leucina, isoleucina e valina.
Outros transtornos de deficiência enzimática. Diversos transtornos de deficiência enzimática associados a retardo mental foram identificados, e mais doenças estão sendo acrescentadas à medida que novas descobertas são feitas, incluindo doença de Hartnup, galactosemia e doença de acumulação de glicose. Trinta transtornos importantes com erros inatos de metabolismo, padrões de transmissão hereditária, enzimas defeituosas, sinais clínicos e relação com retardo mental são apresentados na Tabela 38-2.
TABELA 38.2 Trinta transtornos com alterações inatas de metabolismo Transtorno
Transmissão hereditáriaa
Deficiência enzimática
Diagnóstico pré-natal
Retardo mental
+ _ +
+ + +
I. METABOLISMO DE LIPÍDEOS Doença de Niemann-Pick Grupo A, infantil Grupo B, adulta Grupos C e D, intermediária Doença de Gaucher infantil
A.R.
Desconhecida Esfingomielinase Desconhecida β-glucosidase
Doença de Tay-Sachs
A.R.
Hexosaminidase A
+
+
Gangliosidose generalizada
A.R.
β-galactosidase
+
+
Doença de Krabbe
A.R.
+
+
Leucodistrofia metacromática
A.R.
+
+
Doença de Wolman
A.R.
Galactocerebrosida β-galactosidase Cerebrosida sulfatase Lipase ácida
+
–
Lipogranulomatose de Farber
A.R.
Ceramidase ácida
+
+
Doença de Fabry
X.R.
α-galactosidase
+
–
A.R.
Sinais clínicos
Hepatomegalia Hepatoesplenomegalia Infiltração pulmonar Hepatoesplenomegalia, paralisia pseudobulbar Alterações maculares, convulsões, espasticidade Hepatoesplenomegalia, alterações ósseas Rigidez, convulsões Rigidez, alterações no desenvolvimento Hepatoesplenomegalia, calcificação adrenal, vômito, diarréia Rouquidão, artropatia, nódulos subcutâneos Angioqueratomas, insuficiência renal
(Continua)
RETARDO MENTAL
1245
TABELA 38.2 (Continuação) Transtorno
Transmissão Deficiência hereditáriaa enzimática
II. METABOLISMO DE MUCOPOLISSACARÍDEO Síndrome de Hurley MPS I A.R. Iduronidase Doença de Hurley II X.R. Idunorato sulfatase Síndrome de Sanfilippo III A.R. Várias sulfatases (tipos A-D)
Doença de Morquio IV
A.R.
N-acetilgalactosamina6-sulfato sulfatase Arilsufatase B
Síndrome de MaroteauxA.R. Lamy VI III. METABOLISMO DE OLIGOSSACARÍDEO E GLICOPROTEÍNA Doença de célula-I A.R. Glicoproteína N-acetilglucosaminil-fosfotransferase Mannosidose A.R. Mannosidase
Diagnóstico pré-natal
Retardo mental
+ + +
+ + +
+
–
? ? Vários graus de alterações ósseas, hepatoses-plenomegalia, restrição articular, etc. ?
+
+
?
+
+
+
+
Hepatomegalia, alterações ósseas, gengivas inchadas Hepatomegalia, alterações ósseas, aspereza facial O mesmo que acima
Fucosidose A.R. IV. METABOLISMO DE AMINOÁCIDO Fenilcetonúria A.R.
Fucosidase
+
+
Fenilalanina hidroxilase
–
+
Hemocistinúria
A.R.
Cistationina β-sintetase
+
+
Tirosinose
A.R.
Tirosina aminotransaminase
–
+
Doença urinária do xarope de bordo Acidemia metilmalônica
A.R.
Decarboxilase dos cetoácidos de cadeia ramificada Metilmalonil-CoA mutase
+
+
+
+
A.R. A.R. Principalmente A.R. A.R.
Propionil-CoA carboxilase + Enzima de clivagem de glicina + Enzimas do ciclo de uréia +
+ + +
Transtorno de transporte renal –
–
A.R.
Galactose-1-fosfato + uridiltransferase Fator desconhecido no meta- – bolismo do cobre
+
Acidemia propiônica Hiperglicinemia não-cetótica Transtornos do ciclo de uréia Doença de Hartnup V. OUTROS Galactosemia
A.R.
Degeneração hepatolenticular de Wilson
A.R.
Doença do cabelo encarapinhado de Menke Síndrome de Lesch-Nyhan
X.R.
O mesmo que acima
+
–
X.R.
Hipoxantina guanina fosforribosiltransferase
+
+
+
Sinais clínicos
Eczema, cabelo loiro, odor de mofo Ectopia lentis, fenótipo tipo Marfan, anomalias cardiovasculares Lesões cutâneas hiperceratóticas, conjuntivite Cetoacidose recorrente Cetoacidose recorrente, hepatomegalia, retardo de crescimento O mesmo que acima Convulsões Encefalopatia aguda recorrente, vômito Nenhum consistente Hepatomegalia, catarata, falha ovariana Doença hepática, anel de Kayser-Fleischer, problemas neurológicos Cabelo anormal, degeneração cerebral Anormalidades comportamentais
aA.R., transmissão autossômica recessiva; X.R., transmissão recessiva ligada ao X. Adaptada de Leroy JC. Hereditary, development, and behavior. In: Levine MD, Carey WB, Crocker AC, eds. Developmental Behavioral Pediatrics. Philadelphia: WB Saunders, 1983:315.
Fatores adquiridos e do desenvolvimento Período pré-natal. Pré-requisitos importantes para o desenvolvimento global do feto incluem a saúde física, psicológica e nutricional da mãe durante a gravidez. Doenças e condições crônicas maternas que afetam o desenvolvimento normal do sistema nervoso central do feto incluem diabete não-controlada, anemia, enfisema pulmonar, hipertensão arterial e uso continuado de ál-
cool e substâncias psicoativas. É sabido que infecções maternas durante a gravidez, em especial infecções virais, causam dano e retardo mental fetal. A extensão do dano depende de variáveis como o tipo de infecção viral, a idade gestacional do feto e a gravidade da doença. Embora tenha sido relatado que inúmeras doenças infecciosas afetam o sistema nervoso central do feto, os distúrbios médicos relatados a seguir foram definitivamente referidos como condições de alto risco para retardo mental.
1246
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Rubéola. A rubéola substituiu a sífilis como a causa principal de malformação congênita e retardo mental causados por infecção materna. Os filhos de mães afetadas podem apresentar diversas anormalidades, incluindo doença cardíaca congênita, retardo mental, catarata, surdez, microcefalia e microftalmia. O período em que ocorre a infecção materna é crucial, visto que a gravidade e a freqüência das complicações estão inversamente relacionadas à idade gestacional, ou seja, quanto mais precoce a infecção, mais reservado o prognóstico para o feto. Quando as mães são infectadas no primeiro trimestre de gravidez, 10 a 15% das crianças são atingidas, mas a incidência sobe para quase 50% quando a infecção ocorre no primeiro mês de gravidez. A situação costuma ser complicada por formas subclínicas de infecção materna que muitas vezes não são detectadas. A condição pode ser prevenida com vacinação. Infecção por citomegalovírus. Em muitos casos, a cotomegalovirose permanece latente na mãe. Algumas crianças nascem mortas, outras têm icterícia, microcefalia, hepatoesplenomegalia e achados radiográficos de calcificação intracerebral. Crianças com retardo mental decorrente da doença com freqüência apresentam calcificação cerebral, microcefalia ou hidrocefalia. O diagnóstico é confirmado por achados positivos do vírus em culturas da garganta e da urina e pela identificação de células com o vírus na urina.
Exposição pré-natal a drogas. Exposição pré-natal a opióides, como heroína, com freqüência resulta em bebês pequenos para sua idade gestacional, com um perímetro cefálico abaico do percentil 10 e sintomas de abstinência que aparecem dentro dos primeiros dois dias de vida, os quais incluem irritabilidade, hipertonia, tremor, vômito, choro estridente e um padrão de sono anormal. Convulsões são incomuns, mas a síndrome de abstinência pode ser potencialmente fatal para bebês se não for tratada. Diazepam, fenobarbital, clorpromazina e antidiarréicos têm sido utilizados para tratar abstinência de opióide neonatal. As seqüelas de longo prazo desta condição não são totalmente conhecidas; os marcos do desenvolvimento e as funções intelectuais das crianças podem estar dentro da variação normal, mas elas têm um risco aumentado para impulsividade e problemas comportamentais. Bebês expostos a cocaína no período pré-natal têm alto risco para baixo peso no nascimento e parto prematuro. No início do período neonatal, podem manifestar anormalidades neurológicas e comportamentais transitórias, incluindo resultados anormais em EEGs, taquicardia, padrões de alimentação pobres, irritabilidade e sonolência excessiva. Mais do que uma reação de abstinência, as anormalidades fisiológicas e comportamentais são uma resposta à cocaína, que pode ser excretada por até uma semana após o nascimento.
Sífilis. Em mulheres grávidas, a sífilis foi no passado uma das principais causas de alterações neuropatológicas na prole, incluindo retardo mental. Hoje, a incidência de complicações dessa natureza flutua com a incidência de sífilis na população geral. Estatísticas recentes, em cidades norte-americanas de maior porte, ainda indicam número significativo de casos.
Toxoplasmose. Pode ser transmitida pela mãe para o feto. Causa retardo mental leve ou grave e, em casos severos, hidrocefalia, convulsões, microcefalia e corioretinite. Herpes simples. O vírus do herpes simples pode ser transmitido através da placenta, embora a forma mais comum de infecção seja durante o nascimento. Microcefalia, retardo mental, calcificação intracraniana e anormalidades oculares podem ocorrer.
Síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS). Muitos fetos de mães com AIDS nunca chegam a nascer devido a morte antes do parto ou aborto espontâneo. Daqueles que nascem infectados com o vírus da imunodeficiência humana (HIV), até metade desenvolve encefalopatia progressiva, retardo mental e convulsões dentro do primeiro ano de vida. A maioria dos bebês nascidos de mães HIV-positivas não são infectados pelo vírus; quando ocorre a infecção, em geral sobrevivem apenas alguns anos.
Síndrome alcoólica fetal. A síndrome alcoólica fetal resulta em retardo mental e em um quadro fenotípico característico de dismorfismo facial que inclui hipertelorismo, microcefalia, fissuras palpebrais curtas, pregas epicantais internas e nariz curto, virado para cima. Com freqüência, as crianças afetadas têm transtornos de aprendizagem e transtorno de déficit de atenção/hiperatividade. Defeitos cardíacos também são comuns. A síndrome completa ocorre em até 15% dos bebês nascidos de mães que ingerem grandes quantidades de álcool. Bebês nascidos de mães que utilizaram álcool regularmente na gestação apresentam alta incidência de transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, transtornos de aprendizagem e retardo mental sem o dismorfismo facial.
Complicações na gestação. Toxemia gravídica e diabete materna não-controlada apresentam riscos para o feto e podem resultar em retardo mental. Desnutrição materna durante a gestação, com freqüência, resulta em prematuridade e outras complicações obstétricas. Hemorragia vaginal, placenta prévia, descolamento placentário e prolapso do cordão podem, por anoxia, causar prejuízo ao cérebro do feto. O efeito teratogênico potencial de agentes farmacológicos administrados durante a gravidez foi amplamente divulgado após a tragédia da talidomida (a droga produziu uma alta porcentagem de bebês deformados quando administrada a mulheres grávidas). Até agora, com exceção de metabólitos usados na quimioterapia de câncer, não se tem conhecimento de que dosagens usuais de medicamentos prejudiquem o sistema nervoso central do feto, mas cautela e moderação ao prescrever esses agentes a gestantes são indicadas. O uso de carbonato de lítio na gestação pode resultar em malformações congênitas, em especial do sistema cardiovascular (p. ex., anomalia de Ebstein). Período perinatal. Alguma evidência indica que bebês prematuros e bebês com baixo peso ao nascer apresentam alto risco de desenvolver prejuízos neurológicos e intelectuais, identificados nos anos escolares. Bebês que sofrem hemorragias intracranianas ou apresentam evidência de isquemia cerebral são especialmente vulneráveis a anormalidades cognitivas. O grau de prejuízo no desenvolvimento neurológico em geral correlaciona-se à gravidade da hemorragia intracraniana. Estudos recentes documentaram que, entre crianças com baixo peso ao nascer (menos de 1.000 g), 20% tinham incapacidades significativas, incluindo paralisia cerebral, retardo mental, autismo e inteligência baixa, com graves problemas de aprendizagem. Foi verificado que crianças muito prematuras e aquelas que sofreram retardo no crescimento intra-uterino têm alto risco para desenvolver tanto pro-
RETARDO MENTAL
blemas sociais como dificuldades acadêmicas. Privação socioeconômica também pode afetar a função adaptativa desses bebês vulneráveis. A intervenção precoce pode melhorar suas capacidades cognitivas, de linguagem e perceptivas. Transtornos da infância adquiridos. Às vezes, o curso de desenvolvimento da criança é alterado drasticamente, como resultado de uma doença ou de um trauma físico específico. Pode ser difícil avaliar, restrospectivamente, como vinha se desenvolvendo esta criança antes do dano. Somente mais adiante será possível observar os prejuízos no desenvolvimento e aquisição de habilidades. Infecção. As infecções mais sérias que afetam a integridade cerebral são a encefalite e a meningite. Encefalite por sarampo foi praticamente eliminada pelo uso universal da vacina contra sarampo, e a incidência de outras infecções bacteriológicas do sistema nervoso central foi reduzida de forma significativa com agentes antibacteriológicos. A maioria dos episódios de encefalite é causada por vírus. Em certos casos, o médico deve considerar retrospectivamente um provável componente encefalítico em uma doença desconhecida que teve febre alta como sintoma. Meningite diagnosticada tardiamente, mesmo quando seguida por antibioticoterapia, pode afetar o desenvolvimento cognitivo de uma criança. Fenômenos intracranianos trombóticos e purulentos secundários à septicemia são raramente vistos hoje, exceto em bebês.
Traumatismo craniano. As causas mais conhecidas de traumatismo craniano em crianças que produzem déficits no desenvolvimento, incluindo convulsões, são acidentes automobilísticos. A maioria dos traumatismos cranianos são causados por acidentes domésticos, como quedas de mesas, de janelas abertas e em escadas. Abuso infantil é uma causa comum de traumatismo craniano.
Outros problemas. Dano cerebral por parada cardíaca durante anestesia é raro. Uma causa de dano cerebral completo ou parcial é asfixia associada a quase afogamento. Exposição de longo prazo a chumbo é uma causa bem estabelecida de comprometimento da inteligência e aprendizagem. Tumores intracranianos de vários tipos e origens, cirurgia e quimioterapia também podem afetar a função cerebral.
Fatores ambientais e socioculturais Retardo leve pode resultar de privação significativa de alimento e carinho. Crianças que sofreram essas condições estão sujeitas a dano permanente a seu desenvolvimento físico e emocional. Cuidado médico deficiente e nutrição materna pobre, no período pré-natal, podem contribuir para o desenvolvimento de retardo mental leve. Gestações na adolescência são fatores de risco e estão associadas a complicações obstétricas, prematuridade e baixo peso ao nascimento. Cuidado médico pós-natal insatisfatório, subnutrição, exposição a substâncias tóxicas, como chumbo, e trauma físico são fatores de risco para retardo mental leve. Instabilidade familiar, mudanças freqüentes e cuidadores múltiplos, mas inadequados, podem privar um bebê de relacionamentos emocionais necessários, levando a um atraso no desenvolvimento e colocando em risco o cérebro em formação.
1247
Um transtorno mental incapacitante em um dos pais pode interferir no cuidado e na estimulação adequados da criança e causar risco ao desenvolvimento. Sabe-se que filhos de pais com transtorno do humor e esquizofrenia apresentam mairo risco de desenvolver estes e outros transtornos mentais. Alguns estudos indicam uma prevalência mais alta do que o esperado de transtorno de habilidades motoras e transtornos do desenvolvimento, mas não necessariamente retardo mental, entre os filhos de pais com transtornos mentais crônicos. DIAGNÓSTICO O diagnóstico de retardo mental pode ser feito depois que a história clínica, uma avaliação intelectual padronizada e uma medida de função adaptativa indiquem que o comportamento atual da criança está muito abaixo do nível esperado (Tab. 38-3). O diagnóstico em si não especifica a causa ou o prognóstico. História e entrevista psiquiátrica são úteis para obter um quadro longitudinal do desenvolvimento e do funcionamento da criança, e exame de sinais físicos, anormalidades neurológicas e testes laboratoriais podem ser utilizados para determinar a causa e o prognóstico. História A história costuma ser obtida dos pais ou do cuidador, com particular atenção à gestação, trabalho de parto e parto da mãe; presença de história familiar de retardo mental; consangüinidade dos pais; e transtornos hereditários. Como parte da história, o médico deve avaliar o nível global de funcionamento e a capacidade intelectual dos pais, bem como o clima emocional do lar. TABELA 38-3 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para retardo mental A. Funcionamento intelectual significativamente inferior à média: um QI igual ou inferior a 70, em um teste de QI individualmente administrado (para bebês, um julgamento clínico de funcionamento intelectual significativamente inferior a média). B. Déficits ou comprometimentos concomitantes no funcionamento adaptativo atual (i.e., a eficiência do indivíduo em atender aos padrões esperados para sua idade por seu grupo cultural) em pelo menos uma das seguintes áreas: comunicação, cuidados pessoais, vida doméstica, habilidades sociais/interpessoais, uso de recursos comunitários, independência, habilidades acadêmicas, trabalho, lazer, saúde e segurança. C. Início anterior aos 18 anos de idade. Codificar com base no nível de gravidade, refletindo o nível de comprometimento intelectual: Retardo Mental Leve QI 50-55 até aproximadamente 70 Retardo Mental Moderado QI 35-40 a 50-55 Retardo Mental Grave QI 20-25 a 35-40 Retardo Mental Profundo QI abaixo de 20 ou 25 Retardo Mental, Gravidade existe suspeita de Retardo Inespecificada Mental, mas não é possível testar mediante a inteligência do indivíduo mediante instrumentos padronizados. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyrigth 2000, com permissão.
1248
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Entrevista psiquiátrica Dois fatores são fundamentais ao entrevistar o paciente: a atitude e a maneira de comunicar-se do entrevistador. Este não deve orientar-se pela idade mental do paciente, a qual não caracteriza o funcionamento global do mesmo. Um adulto com retardo mental leve, com idade mental de 10 anos, não é uma criança de 10 anos. Quando tratadas como se fossem crianças, algumas pessoas com retardo mental sentem-se insultadas, irritadas e não-cooperativas. As que são passivas e dependentes, ao contrário, podem assumir o papel de criança que acham que é esperado delas. Em nenhum dos casos informações válidas para o diagnóstico podem ser obtidas. As capacidades verbais do paciente, incluindo linguagem receptiva e expressiva, devem ser avaliadas tão logo seja possível pela observação da comunicação entre os cuidadores e o paciente e pela obtenção da história. Em geral, o médico considera útil ver o paciente e os cuidadores juntos. Se o paciente utiliza linguagem de sinais, o cuidador pode ter de permanecer durante a entrevista, como intérprete. Pessoas com retardo mental com freqüência têm a experiência de uma vida inteira de dificuldades em muitas áreas e podem ficar ansiosas por terem de ser entrevistadas. O entrevistador e o cuidador devem tentar dar a esses pacientes uma explicação clara, apoiadora e concreta acerca do processo de diagnóstico, em particular para aqueles com liguagem receptiva suficientemente desenvolvida. É importante não dar aos pacientes a impressão de que seu mau comportamento é a causa do encaminhamento. Apoio e elogio devem ser oferecidos em linguagem adequada à idade e ao entendimento do paciente. Perguntas deirecionadas precisam ser evitadas, já que indivíduos com retardo podem ser sugestionáveis e desejar agradar aos outros. Orientação sutil, estrutura e reforço podem ser necessários para mantê-las focalizadas na tarefa ou no assunto. Pode-se avaliar a coordenação motora do paciente, além de evidências de distrabilidade e distorções da percepção e memória. Recomenda-se observar o uso da fala, o teste de realidade e a capacidade de generalização. Deve-se considerar, ainda, a natureza e a maturidade dos mecanismos de defesa utilizados pelo paciente, em especial o uso exagerado de evitação, repressão, negação, introjeção e isolamento. Tolerância a frus-
tração e controle dos impulsos, de forma mais específica impulsos motores, agressivos e sexuais, precisam ser analisados. Também são importantes a auto-imagem e seu papel no desenvolvimento de autoconfiança, bem como uma avaliação da tenacidade, persistência, curiosidade e disposição para explorar o desconhecido. Em geral, o exame psiquiátrico de uma pessoa com retardo mental deve revelar como ela vem enfrentando os estágios do desenvolvimento. Exame físico mental Várias alterações físicas podem ter causas pré-natais e ser encontradas com maior freqüência em portadores de retardo mental. Por exemplo, a configuração e o tamanho da cabeça oferecem indícios de uma variedade de condições, como microcefalia, hidrocefalia e síndrome de Down. O rosto do paciente pode ter alguns sinais de retardo mental que facilitam o diagnóstico, como hipertelorismo, uma ponte nasal chata, sobrancelhas proeminentes, pregas epicantais, opacidades córneas, alterações da retina, orelhas com implantação baixa, pequenas ou malformadas, a língua protusa e problema na dentição. A expressão facial, como uma “aparência de idiota”, pode ser enganadora e não deve ser considerada diagnóstica sem outras evidências de apoio. A cor e a textura da pele e dos cabelos, o palato alto em ogiva, o tamanho da tireóide e a altura da criança e o tamanho de seu tronco e extremidades também precisam ser explorados. Recomenda-se medir a circunferência cefálica como parte da investigação clínica. Dermatoglifos podem representar outro instrumento diagnóstico, uma vez que padrões incomuns de sulco e rugas de flexão sobre a mão são encontrados com freqüência entre pessoas com retardo. Dermatoglifos anormais ocorrem em transtornos cromossômicos e em indivíduos infectados com rubéola no prénatal. A Tabela 38-4 lista as múltiplas malformações associadas a várias síndromes de retardo mental. O médico precisa ter em mente, durante o exame, que crianças com retardo mental, em particular aquelas com problemas comportamentais associados, têm risco aumentado para abuso.
TABELA 38-4 Amostra representativa de síndromes de retardo mental e fenótipos comportamentais Síndrome
Fisiopatologia
Síndrome de Down
Trissomia 21, 95% não-disjunção, cerca de 4% de translocação; 1/1.000 nascidos vivos: 1:2.500 entre mulheres com menos de 30 anos, 1:80 entre as com mais de 40 anos, 1:32 aos 45 anos; possível produção excessiva de β-amilóide devido a defeito em 21q21.1
Síndrome do X frágil
Características clínicas e fenótipo comportamental
Hipotonia, fissuras palpebrais oblíquas, depressão do meio da face, ponte nasal ampla achatada, prega símia, baixa estatura, incidência aumentada de anormalidades tireoidianas e doença cardíaca congênita Passivo, afável, hiperatividade na infância, teimoso; processamento verbal maior do que auditivo, risco aumentado de depressão, demênia do tipo Alzheimer na idade adulta Inativação do gene FMR-1 em X q27.3 devido a Face alongada, orelhas grandes, hipoplasia facial central, palato alto repetições de base GGG, metilação; recessivo; em ogiva, baixa estatura, macroorquia, prolapso de válvula 1:1.000 nascimentos do sexo masculino, mitral, articulações frouxas, estrabismo 1:3.000, feminino; relatos de 10 a 12% de Hiperatividade, desatenção, ansiedade, estereotipias, atrasos de fala retardo mental em homens e linguagem, declínio de QI, evitação em olhar no olho, esquiva social, timidez, irritabilidade, transtorno de aprendizagem em algumas mulheres; retardo mental leve em mulheres afetadas, moderado a grave em homens; QI verbal > QI de desempenho
(Continua)
RETARDO MENTAL
1249
TABELA 38-4 (Continuação) Síndrome
Fisiopatologia
Síndrome de Prader-Willi
Deleção em 15q12 (15q11-15q13) de origem Hipotonia, falha de desenvolvimento na infância, obesidade, mãos paterna; alguns casos de dissomia uniparental e pés pequenos, microorquia, criptorquidia, baixa estatura, olhos materna; dominante 1/10.000 nascidos vivos; amendoados, cabelo e pele claros, face achatada, escoliose, pro90% esporádico; gene-candidato: polipeptídeo blemas ortopédicos, testa proeminente e estreitamento bitemporal de ribonucleoproteína nuclear pequeno Comportamento compulsivo, hiperfagia, rouquidão, impulsividade, (SNRPN) QI limítrofe a retardo mental moderado, labilidade emocional, acessos de raiva, hipersonia diurna, automutilação da pele, ansiedade, agressividade Deleção em 15q12 (15q11-15q13) de origem Cabelos claros e olhos azuis (66%); faces dismórficas, incluindo boca materna; dominante; deleção freqüente de sorridente grande, lábio superior fino e queixo pontudo; epilepsia subunidade do receptor de GABA B-3, preva(90%) com EEG característico; ataxia; circunferência cefálica lência desconhecida, mas rara, estimados pequena, 25% microcefálicos 1/20.000 a 1/30.000 Disposição alegre, risada paroxística, “flappine” e palmas; retardo mental profundo; transtorno do sono com despertar noturno; possível incidência aumentada de aspectos autistas; relato anedótico de gosto por água e música Esterilidade associada a proteína A plasmática Sobrancelhas contínuas, lábio superior fino virado para baixo, mi(PAPPA) ligada ao cromossomo 9q33; fenótipo crocefalia, baixa estatura, mãos e pés pequenos, nariz pequeno semelhante ao associado a trissomia 5p, croarrebitado, narinas antevertidas, membros superiores malformamossomo em anel 3; rara (1/40.000-1/100.000 dos, falha de desenvolvimento nascidos vivos); possível associação com Automutilação, fala limitada em casos graves, atrasos de linguagem, 3q26.3 evitação dos contatos físicos, movimentos estereotipados, rodopio, retardo mental grave a profundo 1/20.000 nascimentos; deleção hemizigótica que Baixa estatura, aspectos faciais incomuns, incluindo testa ampla, inclui cromossomo do locus de elastina 7q11-23; ponte nasal deprimida, padrão estrelado da íris, dentes espaçaautossômico dominante dos e lábios cheios; fácies de elfo; anormalidades renais e cardiovasculares; anormalidades tireoidianas; hipercalcemia Ansiedade, hiperatividade, medo, extroversão, sociabilidade, habilidades verbais > habilidades visuoespaciais Deleção parcial 5p; 1/50.000; a região pode ser Face redonda com hipertelorismo, pregas epicantais, fissuras pal5p15.2 pebrais oblíquas, nariz achatado grande, orelhas com implantação baixa, micrognatia; retardo de crescimento pré-natal; infecções respiratórias e de ouvido; doença cardíaca congênita; anormalidades gastrintestinais Retardo mental grave, choro infantil tipo miado de gato, hiperatividade, estereotipias, automutilação Incidência desconhecida, estimados 1/25.000 Face ampla; meio da face achatado, mãos grandes; artelhos nascidos vivos; deleção completa ou parcial pequenos; rouquidão, voz profunda de 17p11.2 Retardo mental grave; hiperatividade; automutilação grave incluindo morder as mãos, bater a cabeça e arrancar as unhas; auto-abraço estereotipado; busca de atenção; agressividade; transtornos do sono (REM diminuído) 1/250.000, masculino = feminino; esporádico; Estatura baixa e microcefalia, polegar e artelhos largos, nariz provavelmente autossômico dominante; proeminente, ponte nasal ampla, hipertelorismo, ptose, fraturas microdeleções documentadas em alguns freqüentes, dificuldades de alimentação na infância, doença carcasos em 16p13.3 díaca congênita, anormalidades no EEG, convulsões Má concentração, distratibilidade, dificuldades de linguagem expressiva, QI de desempenho > QI verbal; anedoticamente feliz, amoroso, sociável, responsivo a música, comportamento auto-estimulador; pacientes mais velhos têm labilidade de humor e acessos de raiva Tumores benignos (hamartomas) e malformações Epilepsia, autismo, hiperatividade, impulsividade, agressividade; (hamartias) do SNC, da pele, dos rins, do espectro de retardo mental de nenhum (30%) a profundo; comcoração; 1/10.000 nascidos; 50% TSC 1, portamentos autodestrutivos, transtornos do sono 9q34; 50% TSC 2, 16p13 1/2.500 – 1/4.000; masculino = feminino; autosManifestações variáveis; manchas do tipo café com leite, neurofisonômico dominante; 50% novas mutações; bromas cutâneos, nódulos de Lisch; baixa estatura e macrocefamais de 90% alelo NF1 paterno mutado; lia em 30 a 45% dos casos gene NF1 17q11.2; o produto genético é a Metade com dificuldades de fala e linguagem; 10% com retardo neurofibromina, considerada um gene mental moderado a profundo; QI verbal > QI de desempenho; supressor de tumor distrabilidade, impulsividade, hiperatividade, ansiedade; possivelmente associada a incidência aumentada de transtornos do humor e de ansiedade Defeito na hipoxantina guanina fosforibosiltrans- Ataxia, coréia, insuficiência renal, gota ferase com acúmulo de ácido úrico; Xq26-27; Com freqüência, comportamento automutilador grave; agressivirecessivo; raro (1/10.000-1/38.000) dade; ansiedade; retardo mental leve a moderado
Síndrome de Angelman
Síndrome de Cornelia de Lange
Síndrome de Williams
Síndrome do miado de gato
Síndrome de SmithMagenis
Síndrome de Rubinstein-Taybi
Esclerose tuberosa complexo 1 e 2
Neurofibromatose tipo 1 (NF1)
Síndrome de Lesch-Nyhan
Características clínicas e fenótipo comportamental
(Continua)
1250
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 38-4 (Continuação) Síndrome
Fisiopatologia
Características clínicas e fenótipo comportamental
Galactosemia
Defeito na galactose-1-fosfato uridiltransferase ou na galactoquinase ou empiramase; autossômico recessivo; 1/62.000 nascidos nos Estados Unidos
Fenilcetonúria
Defeito na fenilalanina hidroxilase (PAH) ou cofator (biopterina) com acumulação de fenilalanina; aproximadamente 1/11.500 nascidos; varia conforme a localização geográfica; gene para PAH, 12q22-24.1; autossômico recessivo 1/100.000; deficiência na atividade de α-L-iduronidase; autossômico recessivo
Vômitos na primeira infância, icterícia, hepatoesplenomegalia; mais tarde, catarata, perda de peso, recusa de alimento, pressão intracraniana aumentada e risco aumentado para septicemia, falha ovariana, problemas de desenvolvimento, dano tubular renal Possível retardo mental mesmo com tratamento, déficits visuoespaciais, transtornos da linguagem, relatos de problemas comportamentais aumentados, ansiedade, retraimento social e timidez Sintomas ausentes no período neonatal, posterior desenvolvimento de convulsões (25% generalizadas), pele clara, olhos azuis, cabelos loiros, erupções cutâneas Não-tratada: retardo mental leve a profundo, atraso de linguagem, destrutividade, automutilação, hiperatividade Início precoce; baixa estatura, hepatoesplenomegalia; hirsutismo, embotamento córneo, morte antes dos 10 anos de idade, nanismo, aspectos faciais grosseiros, infecções respiratórias recorrentes Retardo mental moderado a grave, ansiedade, medo excessivo raramente agressividade Infância normal; início dos sintomas entre 2 e 4 anos; faces rudes com ponte nasal chata, narinas largas, perda de audição, ataxia, hérnia comum; fígado e baço aumentados, rigidez de articulações, infecções recorrentes, retardo de crescimento, anormalidade cardiovascular Hiperatividade, retardo mental aos 2 anos; atraso de fala; perda de fala aos 8 ou 10 anos; inquietude, agressividade, desatenção, anormalidades do sono; apatia e sedentarismo com a progressão da doença Microcefalia, baixa estatura, hipoplasia do meio da face, fissura palpebral curta, lábio superior fino, retrognatia na infância, micrognatia na adolescência,depressão infranasal longa ou plana hipoplástica Retardo mental leve a moderado, irritabilidade, desatenção, prejuízo de memória
Síndrome de Hurler
Síndrome de Hunter
1/100.000, recessivo ligado ao X; deficiência de iduronato sulfatase; X q28
Síndrome alcoólica fetal
Consumo de álcool materno (trimestre III>II>I); 1/3.000 nascidos vivos em países ocidentais; 1/300 com efeitos de alcoolismo fetal
Tabela de B.H. King, M.D., R.M. Hodapp, Ph.D, e E.M. Dykens, Ph.D.
Exame neurológico Prejuízos sensoriais são freqüentes entre indivíduos com retardo mental; até 10% têm prejuízo auditivo, taxa quatro vezes maior do que a da população em geral. As alterações sensoriais podem incluir dificuldades de audição, variando de surdez a déficits auditivos leves. Os problemas visuais podem variar de cegueira a alterações na orientação espacial, reconhecimento de formas e nos conceitos de imagem corporal. Vários outros prejuízos neurológicos também ocorrem com freqüência nessa população; transtornos convulsivos manifestam-se em cerca de 10% de todas as pessoas com retardo e em um terço daquelas com retardo grave. A incidência e gravidade das alterações neurológicas, em geral, aumentam em proporção direta o grau de retardo. Muitas crianças com retardo mental severo não apresentam alterações neurológicas; no entanto, aproximadamente 25% das crianças com paralisia cerebral têm inteligência normal. Alterações nas áreas motoras manifestam-se através de anormalidades no tônus muscular (espasticidade ou hipotonia), nos reflexos (hiper-reflexia) e em movimentos involuntários (coreoatetose). Os bebês com os prognósticos mais reservados são aqueles que manifestam uma combinação de inatividade, hipotonia geral e resposta exagerada a estímulos. Em crianças mais velhas, hiperatividade, pouca capacidade de manter a atenção, distratibilidade e baixa tolerância à frustração são, freqüentemente, sinais de dano cerebral. Em geral, quanto mais jovem a criança na época
da investigação, mais cautela deve-se ter ao prever capacidade futura, uma vez que o potencial de recuperação do cérebro infantil é muito bom. Observar seu desenvolvimento em intervalos regulares é a abordagem mais confiável. Raios X de crânio são solicitações de rotina, mas são esclarecedores em poucas condições, como craniossinostose, hidrocefalia e outros distúrbios que resultam em calcificações intracranianas (p. ex., toxoplasmose, esclerose tuberosa, angiomatose cerebral e hipoparatireoidismo). Exames de imagem, como tomografia computadorizada (TC) e ressonância magnética (RM), tornaram-se instrumentos importantes para detectar patologias do sistema nervoso central associadas a retardo mental. Há achados ocasionais de hidrocefalia interna, atrofia cortical ou porencefalia em crianças gravemente retardadas com dano cerebral. Eletroencefalogramas (EEGs) devem ser interpretados com cautela em crianças com retardo mental. As exceções são pacientes com hipsarritmia e convulsões de grande mal, nos quais o EEG pode ajudar a estabelecer o diagnóstico e sugerir tratamento. Na maioria das outras condições, um distúrbio cerebral difuso produz alterações não-específicas no EEG, caracterizadas por lentificação e presença de complexos de ondas em forma de espículas ou achatadas. A confusão sobre a importância do EEG no diagnóstico de retardo mental é melhor ilustrada pelos relatos de anormalidades freqüentes identificadas em casos de síndrome de Down, que variam de 25% a quase todos os pacientes examinados.
RETARDO MENTAL
CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS Retardo mental leve pode não ser diagnosticado até que as crianças afetadas atinjam a idade escolar; suas habilidades sociais e de comunicação podem estar adequadas nos anos pré-escolares. À medida que crescem, entretanto, déficits cognitivos, como capacidade insatisfatória de abstração e pensamento egocêntrico podem distingui-las de outras crianças da mesma idade. Indivíduos com retardo mental leve até podem completar o ensaio fundamental e exercer uma profissão que garanta seu sustento, mas dificilmente obterão aceitação social. Déficits de comunicação, auto-estima pobre e dependência contribuem para sua relativa falta de espontaneidade social. Algumas pessoas com retardo leve podem envolver-se emocionalmente, relacionando com pares que se aproveitem de suas deficiências. Na maioria dos casos, alcançam algum sucesso social e vocacional em um ambiente com bom suporte. Retardo mental moderado tem mais probabilidade de ser diagnosticado em uma idade mais precoce do que retardo de grau leve; habilidades de comunicação desenvolvem-se mais lentamente em pessoas moderadamente retardadas, e seu isolamento social pode começar nos anos do ensino fundamental. Embora a realização acadêmica seja limitada ao nível fundamental intermediário, crianças com o grau moderado da condição beneficiam-se de atenção individual focalizada no desenvolvimento de habilidades de auto-ajuda. Além disso, têm consciência de seus déficits e muitas vezes sentem-se distantes de seus iguais e frustradas por suas limitações. Continuam a necessitar de um nível de supervisão relativamente alto, mas podem tornar-se competentes em tarefas ocupacionais em ambientes com suporte adequado. Retardo mental grave tende a ser evidente já nos anos préescolares; a fala das crianças afetadas é mínima, e seu desenvolvimento motor é pobre. Algum desenvolvimento de linguagem pode ocorrer nos anos de idade escolar. Na adolescência, se a linguagem for pobre, formas não-verbais de comunicação podem ter evoluído; a incapacidade de articular necessidades pode reforçar os meios físicos de comunicação. Abordagens comportamentais podem ajudar a promover habilidades de cuidado pessoal, ainda que haja necessidade de supervisão contínua. Crianças com retardo mental profundo requerem supervisão constante e são muito limitadas na comunicação e nas habilidades motoras. Na idade adulta, algum desenvolvimento de linguagem pode estar presente, e habilidades de auto-ajuda simples podem ser adquiridas. Mesmo nesse período, cuidados de enfermagem são necessários. Levantamentos identificaram diversos aspectos clínicos que ocorrem com maior freqüência em pessoas com retardo mental do que na população em geral. Estes aspectos podem ocorrer isoladamente ou como parte de um transtorno mental e incluem hiperatividade, baixa tolerância à frustração, agressividade, instabilidade afetiva, movimentos repetitivos e estereotipados e vários comportamentos autodestrutivos. Quanto maior o grau de retardo, mais freqüentes e intensos são os componentes autodestrutivos (automutilações). Costuma ser difícil decidir se tais aspectos clínicos são transtornos mentais co-mórbidos ou seqüelas diretas das limitações do desenvolvimento impostas pelo retardo mental.
1251
Joseph é um menino de 8 anos que foi trazido para avaliação psiquiátrica devido a problemas crescentes na escola e em casa, com acessos de raiva, comportamento de oposição e agressividade. Ele está em uma classe de educação especial fechada e é considerado aluno de 3a série, ainda que academicamente esteja funcionando em um nível de 1a. De acordo com sua mãe, o menino tem tido problemas desde o dia em que ela o levou do hospital para casa. Embora não tenha havido complicações durante a gravidez, ele foi considerado hipotônico no nascimento e não ganhou peso adequado nos primeiros seis meses de vida devido a reflexos de sucção insatisfatórios, apesar de seus esforços para amamentá-lo. Em outros aspectos, parecia saudável; não ficava doente com freqüência e estava em dia com suas vacinas. Quando chegou à idade pré-escolar, começou a “compensar” sua alimentação insatisfatória do início da vida e passou a “comer tudo o que via”. Tornou-se muito autoritário e opositor, com freqüentes acessos de raiva. A mãe achava que ele estava apenas recuperando o tempo perdido, uma vez que parecia sonolento e fraco quando pequeno. À medida que crescia, Joseph começou a ganhar peso e tornou-se obeso para sua idade. Sua mãe se pergunta se há alguma coisa errada com seus hábitos alimentares, uma vez que ele parece obcecado por comida. Ela até já o surpreendeu comendo restos da lata de lixo. Além disso, pega comida da mesa de jantar e esconde no quarto. A não ser pela armazenagem de comida, Joseph parece gostar de ordem, e mantém suas coisas bastante arrumadas. Nos últimos tempos, uma vez que ele está tendo dificuldades na escola, começou a “picar” sua pele e tem muitas feridas nos braços. Joseph encontra-se obeso, tem cabelo louro e pele clara e parece ter mãos e pés pequenos para seu tamanho. Em uma entrevista, relatou que apenas se mete em confusão na escola e em casa porque sua professora e sua mãe tentam fazê-lo parar de comer tanto. Ele diz que sempre que é impedido de encontrar mais comida, quando está faminto, fica furioso, não consegue se controlar e tem vontade de bater na mãe e na professora. A mãe e a professora acham que ele deveria ser capaz de encontrar alternativas para sua agressividade. Aquela acredita que ele é um pouco lento na escola, mas não mentalmente retardado. Quando perguntado sobre suas habilidades sociais, a professora relata que ele parece ser mal-humorado com seus colegas e, na verdade, não tem muitos amigos na aula. A mãe concorda que ele tem parecido muito mal-humorado e socialmente retraído desde que começou a freqüentar a escola este ano. Joseph foi encaminhado para testagem psicológica, particularmente para função intelectual. Seu WISC-III revelou um QI de escala total de 68, com um QI verbal de 62 e um QI de desempenho de 69. O Teste de Função Adaptativa de Vineland mostrou fraquezas adaptativas, resultando em funcionamento que seria esperado para um menino de 6 anos. A mãe e a escola de Joseph receberam a informação de que seus escores de QI e de função adaptativa o colocavam na variação de retardo mental leve e que ele poderia necessitar de um ambiente escolar mais estruturado
1252
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
e sustentador. Dada a combinação da história anterior de Joseph de hipotonia e a obesidade atual, em conjunto com mãos e pés pequenos, comportamento alimentar compulsivo e debicação da pele, uma análise cromossômica foi recomendada, a qual revelou que o menino tinha uma deleção no braço longo do cromossomo 15. Um diagnóstico de síndrome de Prader-Willi foi feito. Joseph recebeu 10 mg de paroxetina. Como tolerou bem o medicamento, a dose foi aumentada para 20 mg. Ele também foi encaminhado para terapia cognitivo-comportamental, mediante a qual um programa comportamental simples foi instituído para reforçar seu comportamento de cooperação, com reorientação da mãe e da professora para fazer uma outra atividade quando não fosse hora de comer. Ele também podia receber uma recompensa por inibir comportamento agressivo quando estivesse com fome. Durante os dois meses seguintes, seus comportamentos de debicação da pele diminuíram de forma considerável, e seu humor ficou mais estável. Ele apresentou melhora em sua compulsão alimentar, estava envolvido no tratamento, e o sistema de recompensa resultou em uma diminuição na freqüência e na intensidade de seus acessos de raiva. A mãe solicitou uma reunião do comitê do Plano Educacional Individualizado (IEP), através de sua escola pública, e foi decidido que ele necessitava de uma escola mais estruturada na qual pudesse receber educação mais direcionada.
É feita com 8 a 10 semanas de gestação, seis semanas mais cedo do que a amniocentese. Os resultados estão disponíveis em um curto espaço de tempo (horas ou dias), e, se forem anormais, a decisão de encerrar a gravidez pode ser tomada dentro do primeiro trimestre. O procedimento tem um risco de aborto entre 2 e 5%; mais alto do que o da amniocentese, que é de 1 em 200. Análise de urina e sangüínea Síndrome de Lesch-Nyhan, galactosemia, PKU, síndrome de Hurler e síndrome de Hunter (Figs. 38-2 e 38-3) são exemplos de transtornos que incluem retardo mental e podem ser identificados mediante amostras apropriadas de enzimas ou ácidos orgânicos ou aminoácidos. Anormalidades enzimáticas em casos de alterações cromossômicas, particularmente síndrome de Down, prometem tornar-se instrumentos diagnósticos úteis. Anormalidade do crescimento inexplicada, transtorno convulsivo, hipotonia muscular, ataxia, alterações ósseas ou cutâneas e alterações oculares são algumas indicações para testagem da função metabólica. Eletroencefalograma (EEG) Esta opção é indicada sempre que houver uma consideração de transtorno convulsivo.
EXAME LABORATORIAL Os testes laboratoriais usados para esclarecer as causas de retardo mental incluem análise cromossômica, testagem urinária e sangüínea para condições metabólicas e neuroimagem. Anormalidades cromossômicas são a causa isolada mais comum de retardo mental encontrada em indivíduos para os quais uma causa pode ser identificada. Estudos de cromossomo Sempre que há suspeita de alteração cromossômica ou a causa do retardo mental é desconhecida, pode-se solicitar a cariotipagem em um laboratório de genética. A amniocentese, em que uma pequena quantidade de líquido é retirada da cavidade amniótica transabdominalmente por volta da 15a semana de gestação, tem sido útil no diagnóstico pré-natal de anormalidades cromossômicas. Indica-se a realização de amniocentese quando há risco fetal aumentado para síndrome de Down, como nos casos de idade materna avançada. Células do líquido amniótico, principalmente de origem fetal, são cultivadas para estudos citogenéticos e bioquímicos. Muitos problemas hereditários sérios podem ser previstos com a amniocentese, a qual deve ser considerada por grávidas com mais de 35 anos. A amostragem de vilo coriônico (CVS) é uma técnica de triagem para determinar anormalidades cromossômicas fetais.
FIGURA 38-2 Uma menina de 6 anos com síndrome de Hurley. Seu tratamento envolveu uma turma para crianças com múltiplas incapacidades graves, atenção a problemas cardíacos e aconselhamento especial para os pais. (Cortesia de L.S. Syzmanski, M.D. e A.C. Crocker, M.D.)
RETARDO MENTAL
FIGURA 38-3 Dois irmãos, de 6 e 8 anos, com síndrome de Hurley, com sua irmã mais velha, normal. Eles tiveram atraso de desenvolvimento significativo, infecções respiratórias recorrentes e alterações no comportamento. (Cortesia de L.S. Syzmanski, M.D. e A.C. Crocker, M.D.)
Neuroimagem Estudos de neuroimagem podem, em alguns casos, ser úteis na identificação da etiologia do retardo mental. A ressonância magnética (RM) é geralmente superior à tomografia computadorizada (TC), uma vez que oferece uma resolução mais detalhada e pode identificar alterações mais sutis no cérebro, como padrões de mielinização. Estudos de RM podem fornecer uma imagem de referência inicial, para comparação posterior, de um processo potencialmente degenerativo do cérebro. Avaliações de audição e fala Audição e fala devem ser avaliadas rotineiramente. O desenvolvimento da fala pode ser o critério mais confiável na investigação de retardo mental. Indivíduos com retardo mental apresentam, freqüentemente, alterações auditivas diversas, que podem dificultar o diagnóstico, simulando um retardo mental. Infelizmente, os métodos mais utilizados de avaliação de audição e fala requerem a cooperação do paciente, que não pode ser obtida em casos de retardo grave. Avaliação psicológica Profissionais treinados podem utilizar diversos instrumentos de triagem para crianças e bebês. Como em muitas áreas no retardo mental, a controvérsia em relação ao valor preditivo dos testes psicológicos infantis é grande. Há relatos de baixa correlação entre anormalidades na infância e funcionamento anormal posterior, outros relatos consideram alta esta correlação. Esta correlação aumenta em proporção direta com a idade da criança no momento época do exame do desenvolvimento. Entretanto al-
1253
guns testes podem ser utilizados para triagem rápida da coordenação visuomotora, como os testes de cópia de figuras geométricas, desenho de figura humana, Teste de Blocos de Kohs e quebra-cabeças geométricos. O psicodiagnóstico, realizado por um psicólogo experiente, é padronizado como parte da avaliação de retardo mental. As escalas de Gesell e Bayley e a Escala de Inteligência Infantil de Cattell são mais empregadas com bebês. Para crianças, a Escala de Inteligência de Stanford-Binet e a 3a edição da Escala de Inteligência para Crianças de Wechsler (WISC-III) são os testes utilizados de forma mais ampla nos Estados Unidos. Ambos foram criticados por penalizar crianças culturalmente privadas, por serem tendenciosos em relação a certas culturas, por testarem de forma privilegiada o potencial para realização acadêmica e não para funcionamento social adequado e por sua falibilidade entre crianças com QI abaixo de 50. Algumas pessoas tentaram superar a barreira da linguagem imposta a indivíduos mentalmente retardados criando testes de vocabulário de figuras, dos quais o Teste de Vocabulário de Peabody é o mais utilizado. Testes considerados úteis para detectar dano cerebral são o Teste de Bender e o Teste de Retenção Visual de Benton (ver Figs. 5.2-1 e 5.2-3 no Capítulo 5). Esses também são significativos no caso de crianças com relatório leve. Além disso, uma avaliação psicológica deve analisar as capacidades perceptivas, motoras, lingüísticas e cognitivas. Informações sobre fatores motivacionais, emocionais e interpessoais também são importantes. CURSO E PROGNÓSTICO Na maioria dos casos de retardo mental, o prejuízo intelectual não melhora; contudo, o nível de adaptação da pessoa afetada pode ser influenciado de forma positiva por um ambiente enriquecedor e sustentador. Em geral, aqueles com retardo mental leve e moderado têm maior flexibilidade para adaptar-se a condições ambientais diversas. Co-morbidade com outros transtornos mentais piora o prognóstico. Quando identificados outros transtornos mentais associados ao retardo, utilizar os tratamentos-padrão destas patologias costuma ser benéfico. No entanto, ainda há uma falta de clareza sobre a classificação de comportamentos problemáticos como hiperatividade, labilidade emocional e disfunção social. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Por definição, o retardo mental deve começar antes dos 18 anos de idade. Uma criança com essa condição tem de lidar com tantas situações sociais e acadêmicas difíceis que padrões mal-adaptativos muitas vezes complicam o processo diagnóstico. Crianças cuja vida familiar fornece estimulação inadequada podem manifestar retardo motor e mental possíveis de ser revertidos se um ambiente enriquecedor e estimulante for fornecido na primeira infância. Diversas incapacidades sensoriais, em especial surdez e cegueira, podem ser confundidas com retardo mental se nenhuma compensação for permitida durante a testagem. É comum déficits de fala e paralisia cerebral fazerem uma criança parecer retardada, mesmo na presença de inteligência limítrofe ou normal. Doen-
1254
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
ças crônicas e debilitantes de qualquer tipo podem deprimir o funcionamento de uma criança em todas as áreas. Transtornos convulsivos podem dar uma impressão de retardo mental, em especial na presença de convulsões incontroláveis. Condições cerebrais crônicas podem resultar em deficiências isoladas – falha em ler (alexia), escrever (agrafia), comunicar-se (afasia) e várias outras – capazes de se manifestarem em uma pessoa de inteligência normal ou mesmo superior. Crianças com transtornos de aprendizagem (que podem coexistir com retardo mental) experimentam um atraso ou falha de desenvolvimento em uma área específica, como leitura ou matemática, mas se desenvolvem normalmente em outras áreas. Ao contrário, aquelas com retardo mental apresentam atrasos gerais na maioria das áreas de desenvolvimento. Retardo mental e transtornos globais do desenvolvimento podem ser co-mórbidos; 70 a 75% daqueles com transtornos globais do desenvolvimento têm um QI abaixo de 70. O transtorno global do desenvolvimento resulta em distorção do tempo, da taxa e da seqüência de muitas funções psicológicas básicas necessárias para o desenvolvimento social. Devido a seu nível geral de funcionamento, crianças com esses transtornos têm mais problemas com relações sociais e linguagem mais desviante do que as com retardo mental. Atrasos generalizados no desenvolvimento estão presentes em crianças com retardos mental que se comportam como se estivessem passando por um estágio de desenvolvimento normal mais primitivo, e não por um com comportamento disfuncional, como transtorno global. O diagnóstico diferencial pode ser difícil em crianças com retardo mental grave, dano cerebral, transtorno autista, esquizofrenia com início na infância ou, de acordo com alguns, doença de Heller. A confusão deriva do fato de que detalhes da história anterior da criança muitas vezes não estão disponíveis ou não são confiáveis. Além disso, na avaliação, muitas crianças com essas condições exibem comportamento bizarro e estereotipado semelhante – mutismo, ecolalia ou funcionamento em um nível de retardo. Na ocasião em que são vistas, não importa, de um ponto de vista prático, se o retardo é secundário a um transtorno autista infantil anterior primário ou a esquizofrenia ou se as distorções de personalidade e comportamento são secundárias a dano cerebral ou retardo mental. Em um estudo epidemiológico recente, transtornos globais do desenvolvimento (como transtorno autista) foram encontrados em 19,8% das crianças com retardo mental. Indivíduos com menos de 18 anos de idade que satisfazem os critérios diagnósticos para demência e que têm um QI abaixo de 70 recebem os diagnósticos de demência e retardo mental. Indivíduos que apresentam uma diminuição do QI para abaixo de 70 depois dos 18 anos, recebem o diagnóstico de demência apenas. TRATAMENTO O retardo mental está associado a uma variedade de transtornos psiquiátricos co-mórbidos e em geral requer muito apoio psicológico. O tratamento baseia-se em uma avaliação das necessidades sociais e ambientais do paciente, bem como em atenção a condições co-mór-
bidas. O melhor tratamento das condições que levam ao retardo mental é sua prevenção primária, secundária e terciária. Prevenção primária Prevenção primária diz respeito a ações tomadas para eliminar ou reduzir as condições que levam ao desenvolvimento de transtornos associados com retardo mental. Tais medidas incluem educação para aumentar o conhecimento e a consciência do público em geral sobre retardo mental; esforços contínuos de profissionais da saúde para assegurar e atualizar políticas de saúde pública; legislação para fornecer tratamento de saúde materno e infantil ideal; e erradicação das condições conhecidas associadas a dano ao sistema nervoso central. Aconselhamento familiar e genético ajuda a reduzir a incidência de retardo mental em uma família com a história de um transtorno genético associado a retardo. Para as crianças e as mães de condição socioeconômica baixa, tratamento médico pré-natal e pós-natal adequado e vários programas suplementares de esclarecimento e assistência social podem contribuir para minimizar complicações médicas e psicossociais. Prevenções secundária e terciária Uma vez que um transtorno associado a retardo mental tenha sido identificado, o mesmo deve ser tratado para encurtar o curso da doença (prevenção secundária) e minimizar as seqüelas ou incapacidades conseqüentes (prevenção terciária). Distúrbios metabólicos e endócrinos hereditários, como PKU e hipotireoidismo, podem ser tratados de forma efetiva em um estágio precoce por controle dietético ou terapia de reposição hormonal. Crianças mentalmente retardadas com freqüência têm dificuldades emocionais e comportamentais que requerem tratamento psiquiátrico. Suas capacidades cognitivas e sociais limitadas demandam modalidades de tratamento psiquiátrico modificadas com base em seus níveis de inteligência. Educação para a criança. Ambientes educacionais para crianças com retardo mental devem incluir um programa abrangente que implique treinamento de habilidades adaptativas, sociais e vocacionais. Particular atenção deve ser dada à comunicação e às tentativas de melhorar a qualidade de vida. Terapia de grupo tem sido um formato bem-sucedido no qual crianças afetadas podem aprender e praticar situações da vida real de forma hipotética e receber feedback sustentador. Terapias comportamental, cognitiva e psicodinâmica. As dificuldades de adaptação de pessoas com retardo mental são tão amplas e tão variadas que diversas intervenções isoladas ou em combinação podem ser benéficas. Terapia comportamental foi utilizada por muitos anos para moldar e intensificar comportamentos sociais e para controlar e minimizar comportamentos agressivos e destrutivos. Reforço positivo para comportamentos desejados e punição benigna (como perda de privilégios) para comportamentos censuráveis têm sido úteis. Terapia cognitiva, como desfazer crenças falsas e exercícios de relaxamento com auto-instrução, também foi recomenda-
RETARDO MENTAL
da para aqueles que são capazes de seguir as instruções. Terapia psicodinâmica tem sido utilizada com pacientes e suas famílias para diminuir conflitos acerca de expectativas que resultam em ansiedade persistente, raiva e depressão. Educação da família. Uma das áreas mais importantes a serem tratadas é a educação dos familiares de um paciente com retardo mental sobre as formas de aumentar a competência e a auto-estima, enquanto mantêm expectativas realísticas acerca do paciente. A família muitas vezes considera difícil equilibrar o encorajamento de independência e o fornecimento de um ambiente de afeto e apoio para uma criança com tal condição, a qual provavelmente experimenta alguma rejeição e fracasso fora do contexto familiar. Os pais podem beneficiar-se de aconselhamento ou terapia familiar contínuos e devem ter a oportunidade de expressar seus sentimentos de culpa, desespero, angústia, negação recorrente e raiva em relação ao transtorno e ao futuro de seu filho. O psiquiatra precisa estar preparado para dar aos pais toda informação médica básica e atualizada sobre as causas, o tratamento e outras áreas pertinentes (como treinamento especial e correção de déficits sensoriais). A Tabela 38-5 lista algumas necessidades importantes da família de crianças com retardo mental e os recursos disponíveis. Intervenção social. Um dos problemas mais prevalentes entre pessoas com retardo mental é o senso de isolamento social e déficits nas habilidades sociais. Portanto, melhorar a quantidade e a qualidade da competência social é uma parte fundamental do tratamento. As Olimpíadas Internacionais Especiais são o maior programa esportivo recreativo voltado para essa população. Além
1255
de fornecer um espaço para desenvolver aptidões físicas, também aumentam as interações sociais, as amizades e (espera-se) a autoestima em geral. Um estudo recente confirmou os efeitos positivos das Olimpíadas Especiais sobre a competência social dos adultos com retardo mental participantes. Farmacologia. As abordagens farmacológicas para o tratamento dos transtornos co-mórbidos em pacientes com retardo mental são quase as mesmas das utilizadas nos pacientes sem essa condição. Um número crescente de pesquisas vem corroborando o uso de uma variedade de medicações em pacientes com transtornos mentais sem retardo mental. Alguns estudos têm como foco e uso de medicações para as seguintes síndromes comportamentais, que ocorrem com freqüência em portadores de retardo mental. Estudos de tratamento com metilfenidato em pacientes com retardo leve e transtorno de déficit de atenção/hiperatividade mostraram melhora significativa na capacidade de manter a atenção e de permanecer focalizado em tarefas. No entanto, não houve evidência de melhora a longo prazo das habilidades sociais ou de aprendizagem.
TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO/HIPERATIVIDADE.
AGRESSIVIDADE E COMPORTAMENTO AUTODESTRUTIVO. Há poucos ensaios clínicos controlados para orientar o tratamento ideal de agressividade e comportamento autodestrutivo. Alguma evidência de estudos controlados e não-controlados indica que o lítio foi útil para diminuir essas condições. Antagonistas de narcóticos como a naltrexona não demonstraram de forma sistemática di-
TABELA 38-5 Necessidades e recursos para famílias de pessoas incapacitadas de diferentes idades (nos EUA) Necessidades 0-3 anos de idade Criança
Mãe Família 3-21 anos de idade Criança
Família
Acima de 21 anos Filhos
Família
Recursos
Avaliação: física, motora, cognitiva, lingüística, Avaliação multidisciplinar, que resulta em um Plano de Serviço Fasocial-emocional; serviços de intervenção premiliar Individualizado (PSFI), com criança e família recebendo sercoce viços de intervenção precoce em clínicas ou em casa por um número estabelecido de horas por semana Apoio emocional; cuidados com a criança Grupos de apoio por incapacidade, região e etiologia; parte da avaliação para a intervenção precoce; intervenção e PSFI Apoio; assistência financeira; informação Grupos de apoio; dependendo do problema, pagamento de seguro por alguns serviços; hospitais, previdência social, grupos Avaliação, encaminhamento e Programa Educacional Individualizado (PEI)
Informação; assistência financeira; apoio
Serviços residenciais; trabalho
Apoio; informação; questões de tutela
Sistema escolar: envolve processo legal de avaliação e colocação (notificação, audiências, apelações, se necessário); informação ou transição para serviços adultos quando o jovem chega aos 21 anos (e os serviços da escola terminam) Grupos locais e nacionais; departamentos estaduais em alguns estados; inclui cuidado temporário, acampamentos, arte (Artes Muito Especiais) ou atividades atléticas (Olimpíadas Especiais), bolsas de estudo para adolescentes com algumas incapacidades (surdez, cegueira) Ambos conduzidos por departamentos de incapacidades do desenvolvimento (pais e filhos têm a palavra final com relação a se arranjos residenciais ou de trabalho são adequados) Continuação de muitos dos serviços fornecidos durante os anos escolares; em especial para indivíduos com incapacidades graves, providências para a situação residencial e de trabalho após os pais não poderem mais atuar como tutores legais
Adaptada de Hodapp RD. Development and Disabilities. New York: Cambridge University Press, 1998.
1256
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
minuição na agressividade ou nos comportamentos autodestrutivos. Anticonvulsivantes, incluindo carbamazepina e ácido valpróico, estão atualmente sob investigação como medicamentos para esses comportamentos em crianças e adolescentes, com ou sem retardo mental. Estudos duplo-cegos controlados por placebo com adultos com retardo mental e experiências clínicas abertas com crianças e adolescentes com este déficit indicaram que a risperidona, um antipsicótico com dopamina D2 e serotonina 5-HT2 potente, é eficaz para diminuir tanto a agressividade quanto o comportamento autodestrutivo. Pessoas com retardo mental parecem ter risco mais alto para o desenvolvimento de discinesia tardia após o uso de uma variedade de antipsicóticos. Os atípicos, incluindo a risperidona e a clozapina, podem proporcionar algum alívio, com menor risco de discinesia tardia. TRANSTORNOS DEPRESSIVOS. O diagnóstico de transtornos depressi-
vos entre indivíduos com retardo mental pode ser negligenciado quando problemas comportamentais são proeminentes, e a necessidade de tratamento com antidepressivo para os indivíduos afetados pode ser subestimada. Houve alguns relatos melhora no comportamento inibido em resposta a inibidores da recaptação de serotonina como fluoxetina, paroxetina e sertralina, em pacientes com retardado mental que também apresentavam um diagnóstico de transtorno global do desenvolvimento. Em geral, dada a relativa segurança desses agentes, seu uso é indicado quando um transtorno depressivo é diagnosticado. Medicamentos antipsicóticos, como haloperidol e clorpromazina, diminuem comportamentos repetitivos em pacientes com retardo mental, mas não melhoram o comportamento adaptativo. Algumas crianças e adultos com retardado mental (até um terço) enfrentam um alto risco
MOVIMENTOS MOTORES ESTEREOTIPADOS.
de discinesia tardia com o uso contínuo de antipsicóticos. Sintomas obsessivo-compulsivos com freqüência se sobrepõem a comportamentos estereotipados repetitivos vistos em crianças e adolescentes com retardo mental, e naqueles com retardo e transtorno global do desenvolvimento. Inibidores da recaptação de serotonina, como fluoxetina, fluvoxamina, paroxetina e sertralina, demonstraram eficácia no tratamento de sintomas obsessivo-compulsivos em crianças e adolescentes e, portanto, podem apresentar alguma eficácia no caso de movimentos motores estereotipados. Há relatos que antagonistas do receptor β-adrenérgico (betabloqueadores), como o propanolol, podem diminuir os “acessos de raiva” em pacientes com retardo mental e transtorno autista. Antipsicóticos também podem ser utilizados nestas situações. Estudos controlados sistemáticos são indicados para confirmar a eficácia dessas drogas no tratamento de “comportamento explosivo”.
COMPORTAMENTO EXPLOSIVO.
CID-10 A décima revisão da Classificação internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-10) aborda o diagnóstico de retardo mental sob um ponto de vista um pouco diferente do DSM-IV-TR. De acordo com a CID-10, no retardo mental há um “desenvolvimento mental incompleto”, caracterizado por prejuízo na aquisição de habilidades adequadas ao ciclo evolutivo, que “contribuem para o nível global de inteligência”. A CID-10 oferece categorias para especificar a extensão do prejuízo comportamental: nenhum ou mínimo, significativo, exigindo tratamento ou atenção, outros prejuízos, sem menção de prejuízo (Tab. 38-6).
TABELA 38-6 Critérios diagnósticos da CID-10 para retardo mental Critérios de diagnóstico clínico detalhados que podem ser usados internacionalmente para pesquisa não podem ser especificados para retardo mental da mesma forma que podem para a maioria dos outros transtornos no Capítulo V (F) da CID-10. Isso porque manifestações dos dois principais componentes de retardo mental, ou seja, capacidade cognitiva baixa e competência social diminuída, são profundamente afetados por influências sociais e culturais. Apenas uma orientação geral pode ser dada aqui sobre uso dos métodos de avaliação mais adequados. Nível de capacidades cognitivas Dependendo das normas e expectativas culturais dos indivíduos sendo estudados, os pesquisadores devem fazer seus próprios julgamentos quanto à melhor maneira de estimar o quociente de inteligência (QI) ou idade mental de acordo com as faixas abaixo: Categoria Retardo mental Variação de QI Idade mental (anos) F70 Leve 50-69 9 a menos de 12 F71 Moderado 35-49 6 a menos de 9 F72 Severo 20-34 3 a menos de 6 F73 Profundo Abaixo de 20 Menos de 3 Nível de competência social Dentro da maioria das culturas européias e norte-americanas, a Escala de Maturidade Social de Vinelanda é recomendada para uso, se for julgado apropriado. Versões modificadas ou escalas equivalentes deveriam ser desenvolvidas para uso em outras culturas. Um quarto caractere pode ser usado para especificar a extensão do prejuízo de comportamento associado: Sem prejuízo de comportamento, ou prejuízo mínimo Prejuízo de comportamento significativo exigindo atenção ou tratamento Outros prejuízos de comportamento Sem menção de prejuízo de comportamento Comentários Um sistema multi-axial especialmente planejado é necessário para fazer justiça à variedade de afirmações pessoais, clínicas e sociais necessárias para a avaliação abrangente das causas e conseqüências de retardo mental. Um desses sistemas está agora sendo preparado para esta seção do Capítulo V (F) da CID-10. aDoll
EA, Viland Social Maturity Scale, Condensed Manual of Directions. Circle Pines, MN: American Guidance Service; 1965. Reimpressa, com permissão, de World Health Organization. IDC-10 Classification of Mental and Behavioural Disorders: Diagnostic Criteria for Research. Copyright, World Health Organization, Geneva, 1993.
RETARDO MENTAL
REFERÊNCIAS Copeland SR, Hughes C. Effects of goal setting on task performance of persons with mental retardation. Educ Train Ment Retard. 2002; 37:40. Dykens EM, Cohen DJ. Eftects of Special Olympics International on social competence in persons of mental retardation. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1996; 35:223. Einfeld SL, Tonge BJ. Popalation prevalence of psychopharmacology in children and adolescents with intellectual disability: II epidemiological findings. J Intellect Disabil Res. 1996; 40:99. Hagermam RJ. Biomedical advances in developmental psychology: the case of fragile X syndrome. Dev Psychol. 1996; 32:416. Halsey CL, Collins ME, Anderson CL. Extremely low-birth-weigth children and their peers: a comparison of school-age outcomes. Arch Pediatr Adolesc Med. 1996; 150:790. Handen BL, Breaux AM. Janosky J, McAuliffe S, Feldman H, Gosling A. Effects and noneffects of methylphenidate in children with mental retardalion and ADHD. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1992; 31:455. Healy DL, Saunders K. Follow-up of children born after in-vitro fertilisation. Lancet. 2002; 359:459. Hendren RL. De Backer I, Pandina GJ. Review of neuroimaging studies of child and adolescent psychiatric disorders from the past 10 years. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2000; 39:815. King BH. Hodapp RM, Dykens EM. Mental retardation. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2587.
1257
King BH, State MW, Shah B, Davanzo P, Dykens E. Mental retardation: a review of the past 10 years. Part I. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1997; 36:1656. Nordin V, Gillberg C. Autism spectrum disorders in children with physical or mental disability or both. I. Clinical and epidemiological aspects. Dev Med Child Neurol. 1996; 38:297. Perry R, Pataki C, Munoz-Silva DM, Armenteros J, Silva R. Pilot trial of risperidone in pervasive developmental disorders. In: Scientific proceedings of the 149th American Psychiatric Association meeting, 1996. Pulsifer MB. The neuropsychology of mental retardation. J Int Neuropsychol Soc. 1996; 2:159. Ross E, Oliver C. The relationship between levels of mood, interest and pleasure and “challenging behaviour” in adults with severe and profound intellectual disability. J Intellect Disabil Res. 2002; 46:191. State MW, King BH. Dykens E. Mental retardation: a review of the past 10 years. Part II. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1997; 36:1664. State MW, Lombroso PJ, Pauls DL, Leckman JF. The genetics of childhood psychiatric disorders: a decade of progress. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2000; 39:946. Szymanski L, King BH. Practice parameters for the assessment and treatment of children, adolescents, and adults with mental retardation and comorbid mental disorders. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1999;38(suppl 12):5S.
39 Transtornos da aprendizagem
T
ranstornos da aprendizagem referem-se aos déficits apresentados por crianças ou adolescentes na aquisição de habilidades esperadas em leitura, escrita, fala, escuta, raciocínio ou matemática, comparadas com outras crianças de mesma idade e capacidade intelectual. Essas condições não são incomuns, afetam pelo menos 5% das crianças em idade escolar. Isso representa quase metade de todas as crianças de escolas públicas que recebem serviços de educação especial nos Estados Unidos. Em 1975, A Lei 94-142, o “Decreto de Educação para Todas as Crianças com Incapacidades”, obrigou todos os estados norte-americanos a fornecer serviços educacionais gratuitos e adequados para todas as crianças. Desde aquela época, o número de crianças identificadas com transtornos da aprendizagem cresceu, e surgiu uma variedade de definições sobre incapacidades de aprendizagem. A quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV) introduziu o termo transtornos da aprendizagem, anteriormente transtornos das habilidades acadêmicas. Todos os diagnósticos atuais acerca de transtornos da aprendizagem requerem que o desempenho da criança naquela área específica seja bem mais baixo do que o esperado e que o problema de aprendizagem interfira no desempenho escolar ou em atividades da vida diária. O texto revisado do DSM-IV (DSM-IV-TR) inclui quatro categorias diagnósticas no capítulo sobre transtornos da aprendizagem: transtorno da leitura, transtorno da matemática, transtorno da expressão escrita e transtorno da aprendizagem sem outra especificação. Crianças com um deles, como transtorno da leitura, por exemplo, podem ser identificadas de duas formas diferentes: as que lêem mal comparadas com a maioria das crianças da mesma idade e aquelas cujo desempenho na leitura é muito mais baixo do que seu QI global prognostica. Os critérios do DSM-IV-TR para essa condição requerem uma discrepância substancial entre QI de execução e desempenho pobre na leitura, comparado com o da maioria das crianças de mesma idade. Estudos têm questionado a inclusão da discrepância no QI de execução como critério diagnóstico nos transtornos da aprendizagem, visto que pesquisas atuais sugerem que a maioria das crianças com transtorno da leitura, por exemplo, apresentam déficits semelhantes nas habilidades de processamento fonológico, independentemente de seu QI. Ou seja, a maioria das crianças com transtornos da leitura apresenta dificuldade no reconhecimento das letras e pronúncia das palavras, pois não conseguem entender e utilizar
os fonemas, as menores unidades das palavras que estão associadas a sons particulares. Os transtornos de aprendizagem, com freqüência, tornam um sofrimento para a criança ser bem-sucedida na escola, e, em alguns casos, levam a sentimentos de desmoralização, baixa desmoralização, baixa auto-estima, frustração crônica e relacionamentos insatisfatórios com iguais. Portadores de transtorno da apredizagem apresentam risco maior do que a média de apresentar outras co-morbidades, como transtorno de déficit de atenção/ hiperatividade (TDAH), transtornos de comunicação, transtornos de conduta e transtornos depressivos. Adolescentes com transtornos da aprendizagem têm 1,5 vezes mais probabilidade de abandonar a escola, chegando próximo a taxas de 40% de evasão escolar. Adultos com o problema apresentam risco aumentado para dificuldades no emprego e ajustamento social. Transtornos da aprendizagem podem estar associados a outros transtornos do desenvolvimento, depressão maior e distimia. Predisposição genética, lesão perinatal, condições neurológicas e outras condições médicas podem contribuir para o desenvolvimento de transtornos da aprendizagem, mas muitas crianças e adolescentes afetados não têm fatores de risco específicos. Contudo, os transtornos da aprendizagem costumam ser encontrados em associação com condições como envenenamento por chumbo, síndrome alcoólica fetal e exposição a drogas no intra-útero. TRANSTORNO DA LEITURA No DSM-IV-TR, o transtorno da leitura é definido como desempenho da leitura abaixo do nível esperado para a idade, a educação e a inteligência da criança, com o prejuízo interferindo de forma significativa no desempenho escolar ou nas atividades da vida diária que envolvem leitura. De acordo com o manual, se uma condição neurológica ou um problema sensorial estiverem presentes, a incapacidade de leitura exibida excede aquela geralmente associada à condição. Caracteriza-se por capacidade prejudicada de reconhecer palavras, leitura lenta e incorreta e má compreensão. Crianças com TDAH têm alto risco para transtorno da leitura. Muitos rótulos diferentes foram utilizados para descrever dificuldades de leitura, incluindo dislexia, incapacidade de leitura, alexia e cegueira para
TRANSTORNOS DA APRENDIZAGEM
palavras. O termo alexia do desenvolvimento foi aceito e definido como um déficit do desenvolvimento no reconhecimento de símbolos impressos. O mesmo foi simplificado pela adoção do termo dislexia na década de 60, o qual foi usado por muitos anos para descrever uma síndrome de incapacidade de leitura que incluía déficits de fala e linguagem e confusão direita-esquerda. O transtorno da leitura costuma ser acompanhado por incapacidade em outras habilidades acadêmicas, e a acepção dislexia foi substituída por termos mais amplos, como transtorno da aprendizagem. Epidemiologia Estima-se que 4% das crianças em idade escolar nos Estados Unidos têm transtorno da leitura; estudos de prevalência encontram taxas variando de 2 a 8%. De acordo com relatos, 3 a 4 vezes mais meninos do que meninas têm incapacidade de leitura em amostras clínicas. Estudos epidemiológicos cuidadosos encontraram taxas próximas ou iguais no transtorno entre meninos e meninas. Meninos afetados podem ser encaminhados para avaliação com mais freqüência do que meninas devido a problemas de comportamento associados. Não há um diferencial de gênero claro entre adultos que relatam dificuldades de leitura. Co-morbidade Crianças com transtorno da leitura têm risco mais alto do que a média de apresentar problemas de atenção, transtornos diruptivos do comportamento (p. ex., transtorno da conduta) e transtornos depressivos, em especial as mais velhas e os adolescentes. Dados sugerem que até 25% das crianças com este transtorno também têm TDAH. Estudos familiares indicam que pode haver alguns fatores genéticos comuns que produz em tanto transtorno da leitura como síndromes de atenção. Alguma evidência sugere incidência mais alta de agressividade entre crianças afetadas e uma taxa mais alta de transtornos de conduta entre adolescentes afetados. O risco aumentado pode ser atribuído a TDAH co-mórbido e a fatores independentes que tornam adolescentes com transtornos de leitura mais suscetíveis a envolvimento em comportamentos anti-sociais. Crianças têm taxas mais altas do que a média de depressão em questionários auto-respondidos e experimentam mais sintomas de ansiedade do que aquelas sem transtornos da aprendizagem. Além disso, tendem a apresentar dificuldades nos relacionamentos com os pares e menos habilidade para responder com sensibilidade a situações sociais ambíguas. Etiologia Não há uma causa isolada identificada para o transtorno da leitura; fatores incluindo atributos genéticos, do desenvolvimento e ambientais podem contribuir para seus déficits centrais. A pesquisa atual indica que, na maioria dos casos, crianças com dificuldades de leitura têm um déficit nas habilidades de processamento fonológico. Elas não conseguem identificar de forma efetiva as partes das palavras que denotam sons específicos, o que
1259
leva a sérias dificuldades para reconhecer e pronunciar palavras. Crianças com transtornos da leitura são mais lentas do que a média para nomear letras e números, mesmo quando controlando para QI. Portanto, o déficit central encontra-se dentro da esfera do uso da linguagem. Visto que o transtorno da leitura é um déficit de linguagem, foi postulado que o lado esquerdo do cérebro é o sítio anatômico da disfunção. Diversos estudos de imagem utiizando ressonância magnética sugeriram que o plano temporal no lado esquerdo apresenta menos assimetria do que o mesmo local no lado direito do cérebro em crianças com transtornos da linguagem e transtornos da aprendizagem. Estudos com tomografia por emissão de pósitrons (PET) levaram alguns pesquisadores a concluir que padrões de fluxo sangüíneo temporal esquerdo, durante tarefas de linguagem, diferem entre crianças com e sem transtornos da aprendizagem. Além disso, estudos de análise celular sugerem que, em pessoas com transtornos da leitura, o sistema magnocelular visual (que em geral contém células grandes) possui corpos celulares mais desorganizados e menores do que o esperado. Nenhum desses estudos fornece evidência conclusiva em relação a diferenças cerebrais entre indivíduos com transtorno da leitura e indivíduos normais. Muitos estudos apóiam a hipótese de que fatores genéticos desempenham um papel importante na presença de transtornos da leitura. Alguns indicam que 35 a 40% dos parentes de primeiro grau de crianças com transtorno da leitura também têm alguma incapacidade nessa área. Diversos estudos recentes sugeriram que a consciência fonológica (i. e., a capacidade de decodificar sons e pronunciar palavras) está ligada ao cromossomo 6. Além disso, a capacidade de identificar palavras isoladas foi relacionada ao cromossomo 15. Sabe-se, agora, que diversas hipóteses históricas sobre a origem dos transtornos da leitura são incorretas. O primeiro mito é que esses transtornos decorrem de problemas visuomotores, ou ao que foi denominado síndrome de sensibilidade escotópica. Não há evidência de que crianças com transtornos da leitura tenham problemas visuais ou dificuldades com seu sistema visuomotor. A segunda teoria sem apoio empírico é que alergias podem causar ou contribuir para incapacidades de leitura. Outras teorias nãoconfirmadas implicaram o sistema cerebelar-vestibular como a fonte do problema. Pesquisas nos campos da neurociência e da neuropsicologia cognitiva apóiam a hipótese de que processos de codificação e memória de trabalho, mais do que atenção ou memória de longo prazo, são áreas de deficiência para crianças com transtorno da leitura. Fatores do desenvolvimento também foram postulados como desempenhando um papel nessa condição. Um estudo recente encontrou uma associação entre dislexia e nascimentos nos meses de maio, junho e julho, sugerindo que exposição pré-natal a uma doença infecciosa materna, como influenza, nos meses de inverno pode contribuir para transtorno da leitura. Estudos na década de 1930 tentaram explicar o transtorno de acordo com o modelo de função hemisférica cerebral, que sugeria correlações positivas entre transtorno da leitura e uso da mão esquerda, do olho esquerdo ou lateralidade mista. Estudos epidemiológicos subseqüentes não encontraram qualquer associação consistente entre a condição e a lateralidade de mão ou olho, mas
1260
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
foi demonstrado que confusão direita-esquerda estava associada a dificuldades de leitura. Complicações durante a gestação e dificuldades pré e perinatais são comuns nas histórias de crianças com transtorno da leitura. Baixo peso ao nascer e prematuridade grave representam um risco mais alto para transtorno da leitura e outros transtornos da aprendizagem do que nascer no tempo certo e ter peso de nascimento normal. Uma incidência mais alta do que a média de transtorno da leitura ocorre entre crianças com inteligência normal que têm paralisia cerebral; crianças com epilepsia exibem uma incidência do transtorno levemente maior do que a média. Crianças com lesões cerebrais pós-natais no lobo occipital esquerdo, que resultam em cegueira para o campo visual direito, podem ter transtorno da leitura secundário, assim como aquelas com lesões no esplênio do corpo caloso, que bloqueia a transmissão de informação visual do hemisfério direito intacto para as áreas de linguagem do hemisfério esquerdo. Alguns estudos sugerem uma associação entre subnutrição e transtorno da leitura. Crianças malnutridas por longos períodos na primeira infância têm risco aumentado de desempenho abaixo da média em muitas áreas cognitivas, incluindo leitura. Seus desempenhos cognitivos parecem ser mais baixos do que aqueles de irmãos que não foram submetidos ao mesmo grau de desnutrição. Diagnóstico Transtorno da leitura é diagnosticado quando o desempenho da leitura está muito abaixo daquele esperado para uma criança de mesma idade e capacidade intelectual (Tab. 39-1). Os aspectos diagnósticos característicos incluem dificuldade para recordar, evocar e seqüenciar letras e palavras impressas, processar construções gramaticais sofisticadas e fazer deduções. Clinicamente, uma criança pode ser identificada pela primeira vez com um transtorno da leitura após ser desmoralizada ou exibir sintomas de depressão relacionados a ser incapaz de se sair bem na escola. Fracasso escolar e conseqüente baixa auto-estima podem exacerbar os problemas, na medida em que a criança sente-se fracassada, dedicando menos tempo ao trabalho acadêmico. Estudantes norte-americanos portadores do TABELA 39-1 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno da leitura A. O rendimento em leitura, medido por testes padronizados, de correção ou compreensão da leitura, administrados individualmente, está acentuadamente abaixo do nível esperado, considerando a idade cronológica, a inteligência medida e o nível escolar próprios da idade do indivíduo. B. A perturbação no Critério A interfere significativamente no rendimento escolar ou em atividades da vida diária que exigem habilidades de leitura. C. Em presença de um déficit sensorial, as dificuldades de leitura excedem as geralmente associadas a este. Nota para a codificação: Se uma condição médica geral (p. ex., neurológica) estiver presente, codificá-la no Eixo III. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
transtorno são encaminhados a uma avaliação educacional através da secretaria de ensino para determinar a necessidade de serviços de educação especial. Nos Estados Unidos, a classificação de educação especial, entretanto, não é uniforme entre estados ou regiões, e estudantes com dificuldades de leitura idênticas podem ser qualificados para serviços em uma região, mas não em outra. Em alguns casos, é solicitada uma avaliação com base em problemas de comportamento diruptivo que ocorrem em conjunto com o transtorno da leitura. Características clínicas Crianças com transtorno da leitura geralmente são identificadas por volta dos 7 anos de idade (2a série). A dificuldade pode ser aparente entre os alunos em salas de aula em que habilidades de leitura são esperadas desde a 1a série. As crianças podem compensar o transtorno da leitura, nas classes iniciais, através do uso da memória e da dedução, em especial quando a dificuldade está associada a inteligência alta. Nesses casos, o transtorno pode não ser aparente até os 9 anos de idade (4a série) ou mais tarde. Crianças com o transtorno cometem muitos erros na leitura oral, caracterizados por omissões, adições e distorções de palavras. Elas têm dificuldade em distinguir entre caracteres e tamanhos de letras impressas, principalmente aquelas que diferem apenas em orientação espacial e tamanho da linha. A dificuldade em lidar com linguagem impressa ou escrita pode referir-se a letras individuais, frases e mesmo páginas inteiras. A velocidade da leitura é lenta, em geral com compreensão mínima. A maioria das crianças com a condição tem uma capacidade adequada à idade para copiar a partir de um texto escrito ou impresso, mas quase todas soletram mal. Os problemas associados incluem dificuldades de linguagem, como prejuízo na discriminação de sons e dificuldades em seqüenciar palavras. Uma criança com o transtorno pode iniciar uma palavra no meio ou no final de uma frase impressa ou escrita. Às vezes, devido a uma seqüência de rastreamento esquerda-direita mal-estabelecida, as crianças invertem letras a serem lidas. Falhas, tanto na recuperação de memória quanto na evocação contínua, resultam em dificuldade de lembrar nomes e sons de letras. A maioria das crianças com transtorno da leitura não gosta e evita ler e escrever. Sua ansiedade é aumentada quando são confrontadas com demandas que envolvem linguagem impressa. Muitas das que não recebem educação reparadora têm um senso de vergonha e humilhação, devido a seu fracasso contínuo, e subseqüente frustração. Esses sentimentos tornam-se mais intensos com o passar do tempo. Crianças mais velhas tendem a ser irritadas e deprimidas e exibem auto-estima pobre. B. C. é um estudante de 12 anos que se apresentou para avaliação de problemas na escola. Ele freqüentara uma préescola acadêmica e está atualmente matriculado em uma classe de 6a série regular em uma escola pública. A avaliação não revelou qualquer história de problemas neurológicos, visuais ou auditivos que pudessem explicar suas dificuldades escolares. A testagem de inteligência revelou es-
TRANSTORNOS DA APRENDIZAGEM
cores médios altos nos subtestes verbal e de desempenho da Escala de Inteligência Wechsler para Crianças-III (WISCIII). Os escores de leitura e matemática em testes padronizados de desempenho acadêmico foram consistentes com sua inteligência e idade cronológica; entretanto, os escores de ortografia estavam muito abaixo do nível de desempenho previsto. Múltiplos erros de ortografia ocorreram. Embora o examinador tenha observado uma caligrafia adequada, B. C. parecia incapaz de expressar pensamentos em frases completas. Suas frases eram curtas e não expunham com clareza os pontos pretendidos. O estudo cuidadoso dos parágrafos escritos revelou inúmeros erros gramaticais e sintáticos, bem como erros na pontuação e na colocação de letras maiúsculas. O quadro clínico de incapacidade de redigir, ortografia pobre e erros gramaticais na ausência de inteligência baixa, problemas com leitura e matemática ou problemas globais de atenção levou a um diagnóstico de transtorno da expressão escrita. (Cortesia de Michael E. Spagna, Ph.D., Dennis P. Cantwell, M.D. e Lorian Baker, Ph.D.) Patologia e exame laboratorial Nenhum sinal físico ou medida laboratorial específica é útil no diagnóstico do transtorno da leitura. A testagem psicoeducacional, entretanto, é fundamental para determinar essa condição. O diagnóstico de transtorno da leitura é feito a partir dos dados obtidos em teste de inteligência padrão e de uma avaliação educacional de desempenho. A bateria diagnóstica em geral inclui um teste de ortografia padronizado, redação escrita, processamento e uso de linguagem oral, cópia de desenho e julgamento da adequação do uso do lápis. Os subtestes de leitura da Bateria Psicoeducacional de Woodcock-Johnson – Revisada e o Teste de Realização Individual Peabody – Revisado são úteis para identificar incapacidades de leitura. Um psicodiagnóstico pode incluir desenho de figura humana, elaboração de histórias a partir de figuras e testes de completar frases. A avaliação também deve incluir observação sistemática de variáveis comportamentais. Curso e prognóstico Muitas crianças com transtorno da leitura obtêm algum conhecimento da linguagem impressa durante seus primeiros dois anos do ensino fundamental, mesmo sem qualquer assistência. Ao final da 1a série, muitas delas aprenderam a ler algumas palavras; entretanto, quando chegam à 3a série, acompanhar seus colegas de classe é extremamente difícil sem apoio pedagógico. Na melhor das circunstâncias, são reconhecidas como em risco para um transtorno da leitura durante o jardim de infância ou no início da 1a série. Em casos mais leves, o início precoce de apoio pedagógico pode garantir que esta intervenção não seja mais necessária ao final da 1a ou 2a série escolar. Em casos graves, e dependendo do padrão de déficits e áreas preservadas, pode ser necessário apoio educacional até o ensino médio.
1261
Diagnóstico diferencial O transtorno da leitura costuma ser acompanhado por transtornos co-mórbidos, como transtorno da linguagem expressiva, transtorno da expressão escrita e TDAH. Um estudo recente indicou que crianças com transtorno da leitura apresentam dificuldades com capacidades lingüísticas, enquanto aquelas com TDAH não. Foi demonstrado, entretanto, que crianças com transtorno da leitura que não apresentam TDAH têm alguns déficits sobrepostos na área de inibição cognitiva, de modo que realizam de forma impulsiva tarefas de desempenho contínuo. Os déficits na linguagem expressiva e na discriminação de fala podem ser suficientemente graves para justificar o diagnóstico adicional de transtorno da linguagem expressiva ou transtorno misto da linguagem receptivo-expressiva. Algumas crianças exibem uma discrepância entre escores de inteligência verbal e de desempenho. Déficits de percepção visual ocorrem em apenas 10% dos casos. O transtorno da leitura deve ser diferenciado de síndromes de retardo mental nas quais a leitura, bem como outras habilidades, está abaixo da realização esperada para a idade cronológica. A testagem intelectual ajuda a diferenciar déficits globais de dificuldades de leitura mais específicas. Habilidades de leitura pobres resultantes de educação inadequada podem ser detectadas verificando se outras crianças na mesma escola têm o mesmo desempenho em testes de leitura padronizados. Prejuízos auditivos e visuais devem ser excluídos com testes de triagem.
Tratamento A maioria das atuais estratégias de reparação focaliza-se no ensino direto dos vários componentes da leitura. Muitos programas efetivos começam ensinando a criança a fazer associações corretas entre letras e sons. Essa abordagem baseia-se no consenso de que, na maioria dos casos, os déficits centrais nos transtornos da leitura estão relacionados à dificuldade em reconhecer e lembrar a intervenção entre letras e sons. Após as associações individuais de letra-som terem sido dominadas, a intervenção pode ater-se aos componentes maiores da leitura, como sílabas e palavras. O foco exato de qualquer programa de leitura pode apenas ser determinado após a avaliação precisa dos déficits e das dificuldades da criança. Estratégias de manejo positivas incluem grupos de leitura pequenos, estruturados, que ofereçam atenção individual e tornem mais fácil para a criança pedir ajuda. Programas de ensino de leitura como as abordagens “Orton Gillingham” e “DISTAR”, começam concentrando-se em letras e sons individuais, avançam para o domínio de unidades fonéticas simples e então juntam estas unidades em palavras e frases. Portanto, se as crianças forem ensinadas a lidar com grafemas, aprenderão a ler. Outras intervenções para correção da leitura, como o “programa Merill” e o “Programa de Leitura Básica SRA”, começam introduzindo palavras inteiras, depois ensinam as crianças a dividi-las e a reconhecer os sons das sílabas e das letras. Outra abordagem ensina essas crianças a reconhecer palavras inteiras mediante auxílio visual e torna secundário o processo de pronúncia. Um desses programas é chamado de “Bridge Reading Program”. O “Método Fernald” utili-
1262
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
za uma abordagem multissensorial, que combina o ensino de palavras inteiras com uma técnica de sinais, de modo que a criança tem estimulação cinestésica enquanto aprende a ler. Como na psicoterapia, o relacionamento terapeuta-paciente é importante para um resultado de tratamento bem-sucedido na terapia educacional reparadora. As crianças devem ser colocadas em uma série o mais próximo possível de seu nível de funcionamento social e receber assistência especial em leitura. Problemas emocionais e comportamentais coexistentes precisam ser tratados por meios psicoterapêuticos adequados. Aconselhamento parental também pode ser útil. Cerca de 75% das crianças com transtornos da aprendizagem, em amostras, apresentam menor competência social, em comparação a controles. Portanto, é importante incluir melhora de habilidades sociais como um componente terapêutico de um programa de tratamento. TRANSTORNO DA MATEMÁTICA Crianças com transtorno da matemática têm dificuldade para aprender e lembrar numerais, não conseguem lembrar fatos básicos relacionados a números e são lentas e não muito precisas em cálculo. Desempenho insatisfatório em quatro grupos de habilidades foi identificado no transtorno da matemática: habilidades lingüísticas (aquelas relacionadas ao entendimento de termos matemáticos e conversão de problemas escritos em símbolos matemáticos), habilidades perceptivas (capacidade de reconhecer e entender símbolos e ordenar agrupamentos de números), habilidades matemáticas (adição, subtração, multiplicação, divisão e acompanhar seqüência de operações básicas) e habilidades de atenção (copiar figuras e observar símbolos operacionais corretamente). Com o passar dos anos, diversos termos, incluindo discalculia, transtorno da aritmética congênito, acalculia, síndrome de Gerstmann e transtorno do desenvolvimento da aritmética, foram utilizados para denotar as dificuldades presentes nesse transtorno. O transtorno da matemática pode ocorrer sozinho ou em combinação com transtornos da linguagem e da leitura. Seu diagnóstico consiste em déficits nas habilidades aritméticas esperadas para a capacidade intelectual e o nível educacional de uma criança, conforme medido por testes padronizados, administrados individualmente. Essa falta de capacidade matemática esperada deve interferir no desempenho escolar ou nas atividades da vida diária, além de exceder ao prejuízo associado a quaisquer déficits neurológicos ou sensoriais existentes. Epidemiologia Estima-se que o transtorno da matemática ocorra em cerca de 1% das crianças em idade escolar, ou seja, em torno de 1 em cada 5 crianças com transtorno da aprendizagem. Estudos epidemiológicos indicaram que até 6% das crianças em idade escolar têm alguma dificuldade com matemática. O transtorno da matemática pode ocorrer com maior freqüência entre meninas. Muitos estudos reuniram diversos transtornos de aprendizagem em vez de separá-los conforme suas características, o que torna mais difícil determinar a prevalência exata desse transtorno.
Co-morbidade O transtorno da matemática costuma ser encontrado em associação com transtorno da leitura e transtorno da expressão escrita. Crianças com a condição também podem ter um risco mais alto para transtorno da linguagem expressiva, transtorno misto da linguagem receptivo-expressiva e transtorno do desenvolvimento da coordenação. Etiologia Assim como em outros transtornos da aprendizagem, há provável influência de fatores genéticos. Uma primeira teoria propôs um déficit neurológico no hemisfério cerebral direito, em particular nas áreas do lobo occipital. Essas regiões são responsáveis pelo processamento de estímulos visuoespaciais que, por sua vez, são responsáveis pelas habilidades matemáticas. Essa teoria, entretanto, recebeu pouco apoio em estudos neuropsiquiátricos subseqüentes. No momento, acredita-se que a causa seja multifatorial, de modo que fatores maturacionais, cognitivos, emocionais, educacionais e socioeconômicos respondem em vários graus e combinações pelo transtorno da matemática. Comparadas com a leitura, as capacidades aritméticas parecem depender mais da quantidade e da qualidade do ensino. Diagnóstico O diagnóstico é feito quando as habilidades matemáticas de uma criança estão muito abaixo do que é esperado para sua idade, capacidade intelectual e educação. Várias habilidades diferentes são necessárias para a competência matemática. Essas incluem habilidades lingüísticas, conceituais e em cálculo. As habilidades lingüísticas incluem ser capaz de entender termos matemáticos, entender o enunciado de problemas e traduzi-lo para o processo matemático adequado. Habilidades conceituais envolvem reconhecimento de símbolos matemáticos e capacidade de usar sinais matemáticos de maneira correta. Habilidades em cálculo compreendem a capacidade de alinhar números de forma correta e seguir as “regras” da operação matemática. Um diagnóstico definitivo pode ser feito apenas após a criança realizar um teste de aritmética padronizado administrado de forma individual e obter uma pontuação bem abaixo do nível esperado, em vista de sua educação e capacidade intelectual, medidas por um teste de inteligência padronizado. Transtorno global do desenvolvimento e retardo mental também devem ser excluídos antes de confirmar o diagnóstico de transtorno da matemática. Os critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno da matemática são apresentados na Tabela 39-2. Características clínicas Aspectos comuns do transtorno incluem dificuldade com vários componentes da matemática, como aprender os nomes
TRANSTORNOS DA APRENDIZAGEM
TABELA 39-2 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno da matemática A. A capacidade matemática, medida por testes padronizados individualmente administrados, está acentuadamente abaixo do nível esperado, considerando a idade cronológica, a inteligência medida e o nível escolar próprios da idade do indivíduo. B. A perturbação no Critério A interfere significativamente no rendimento escolar ou nas atividades da vida diária que exigem habilidades matemáticas. C. Em presença de um déficit sensorial, as dificuldades na capacidade matemática excedem as habitualmente a este associadas. Nota para a codificação: Caso estejam presentes uma condição médica geral (p. ex., neurológica) ou um déficit sensorial, codificar no Eixo III. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
dos números, lembrar os sinais de adição e subtração, aprender a tabuada, traduzir enunciados de problemas para cálculo e fazer cálculos no ritmo esperado. A maioria das crianças com esse transtorno pode ser identificada durante a 2a e a 3a séries do ensino fundamental. Em geral, elas apresentam maior dificuldade com conceitos como contar e somar, mesmo números de um dígito, comparadas com colegas de mesma idade. Durante os primeiros 2 ou 3 anos do ensino fundamental, uma criança com transtorno da matemática pode passar de ano mesmo com dificuldade nesta matéria, porque apelou para a memória de hábito. No entanto, à medida que as questões matemáticas exigem discriminação e manipulação de relações espaciais e numéricas, o problema é revelado. Alguns investigadores classificaram o transtorno da matemática nas seguintes categorias: dificuldade para aprender a contar, dificuldade para dominar sistemas cardinais e ordinais, dificuldade para realizar operações aritméticas e dificuldade para ver conjuntos de objetos como grupos. Crianças com o transtorno podem ter problemas para associar símbolos auditivos e visuais, entender a conservação de quantidade, lembrar seqüências de passos aritméticos e escolher princípios para solucionar problemas. Presume-se que essas crianças têm boas capacidades auditivas e verbais. Com freqüência, o transtorno da matemática coexiste com outros transtornos que afetam a leitura, a escrita expressiva, a coordenação e a linguagem expressiva e receptiva. Problemas de ortografia, déficits na memória ou na atenção e problemas emocionais ou comportamentais podem estar presentes. Crianças pequenas de ensino fundamental em geral apresentam primeiro outros transtornos da aprendizagem e devem ser avaliadas também para transtorno da matemática. Crianças com paralisia cerebral podem desenvolver o transtorno e ter inteligência global normal. A relação entre transtorno da matemática e outros transtornos da comunicação e da aprendizagem não é clara. Ainda que crianças com transtorno misto da linguagem receptivo-expressiva e transtorno da linguagem expressiva não sejam, necessariamente, afetadas pelo transtorno da matemática, as condições muitas vezes coexistem, na medida em que estão associadas a prejuízos nos processos de decodificação e codificação.
1263
Janet, de 13 anos, tem uma longa história de problemas escolares. Ela foi reprovada na 1a série, supostamente porque sua professora era “má”, e foi retirada de uma sala de aula especial após ter se metido em brigas com os colegas. No momento, em uma classe de 6a série normal, está quase reprovada em leitura, aprovada com dificuldade em inglês, aritmética e ortografia, mas fazendo um trabalho satisfatório em arte e esportes. Sua professora a descreve como uma “aluna lenta, com memória deficiente” e declara que ela não aprende em uma situação de grupo e requer muita atenção individual. Sua história médica não é muito incomum, exceto por uma tonsilectomia aos 5 anos de idade e uma história de otite crônica na primeira infância. Sentou-se aos 6 meses, caminhou aos 12 e começou a falar aos 18. O exame revelou uma menina aberta e amigável, muito sensível em relação a seus problemas acadêmicos. Ela declarava que era “incomodada” na escola, mas tinha bons amigos na vizinhança. A testagem de inteligência produziu escores de nível de série de 4,8 para leitura, 5,3 para ortografia e 6,3 para aritmética. DISCUSSÃO O diagnóstico diferencial de problemas acadêmicos inclui consideração de ensino deficiente, retardo mental, TDAH, transtorno desafiador de oposição, transtorno da conduta e transtornos da aprendizagem. Neste caso, visto que outras crianças em sua classe estão sendo aprovadas quando ela não está, é razoável excluir ensino inadequado como uma explicação para suas dificuldades acadêmicas. Sua inteligência média exclui um diagnóstico de retardo mental. Mesmo havendo menção de “brigas com outras crianças” e incapacidade de “aprender em situações de grupo”, não há descrição de outros comportamentos que justifiquem um diagnóstico de TDAH, transtorno desafiador de oposição ou transtorno da conduta. Há evidências sugerindo um transtorno da aprendizagem: ela não apenas parece ter dificuldade particular com leitura na escola, mas também tem um desempenho bem abaixo do nível esperado em um teste de desempenho de leitura. Seu escore de leitura de 4,8 está mais de um ano abaixo do esperado. Portanto, foi dado a Janet o diagnóstico de transtorno da leitura. Em vista desse diagnóstico, é razoável considerar as brigas e a dificuldade de aprendizagem em grupo como aspectos associados ao transtorno. Pesquisas atuais sugerem que otite crônica precoce pode estar associada a dificuldades de aprendizagem ou linguagem posteriores. (De DSM-IV Casebook.) Patologia e exame laboratorial Nenhum sinal ou sintoma físico indica transtorno da matemática, mas testagem educacional e medição padronizada da função intelectual são necessárias para fazer o diagnóstico. O “Keymath Diagnostic Arithmetic Test” mede diversas áreas da matemática, incluindo conhecimento de conteúdo, função e
1264
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
cálculo. É usado para avaliar a capacidade em matemática de crianças de 1a à 6a série. Curso e prognóstico Uma criança com transtorno da matemática é geralmente identificada por volta dos 8 anos de idade (3a série). Em alguns casos, é aparente aos 6 anos de idade (1a série); em outros pode não ocorrer até os 10 anos de idade (5a série) ou mais tarde. Há poucos dados disponíveis, advindos de estudos longitudinais, prevendo os padrões de desenvolvimento e progresso escolar de crianças diagnosticadas com trasnstorno da matemática nos primeiros anos escolares. No entanto, aquelas com uma forma moderada do transtorno que não recebem intervenção podem ter complicações, incluindo dificuldades acadêmicas contínuas, vergonha, autoconceito pobre, frustração e depressão. Essas complicações podem levar a relutância em freqüentar a escola, evasão e eventual desesperança em relação a sucesso acadêmico. Diagnóstico diferencial O transtorno da matemática deve ser diferenciado de causas globais de funcionamento prejudicado, como retardo mental. Dificuldades aritméticas associadas a este são acompanhadas por prejuízo generalizado no funcionamento intelectual global. Em casos raros de retardo mental leve, as habilidades aritméticas podem estar muito abaixo do nível esperado com base na educação e no nível de retardo da pessoa. Nesses casos, um diagnóstico adicional de transtorno da matemática deve ser feito. O tratamento das dificuldades aritméticas pode melhorar bastante as chances de emprego na idade adulta. Ensino inadequado é capaz de afetar negativamente o desempenho aritmético de uma criança em um teste de aritmética padronizado. Transtorno da conduta ou TDAH podem ocorrer associados ao transtorno da matemática e, nesses casos, ambos os diagnósticos precisam ser feitos. Tratamento No momento, os tratamentos mais efetivos para o transtorno combinam ensino de conceitos matemáticos e prática contínua na resolução de problemas matemáticos. Cartões com palavras, dicionários e jogos de computador podem fazer parte do tratamento. Um relato recente indicou que o ensino da matemática é mais útil quando o foco está em atividades de resolução de problemas, incluindo problemas escritos, em vez de apenas cálculos. O “Projeto MATH”, um programa multimídia de treinamento autoeducativo ou em grupo, tem sido bem-sucedido para algumas crianças. Programas de computador podem ser benéficos e aumentar a adesão às intervenções. Déficits de habilidades sociais podem contribuir para a dificuldade em pedir ajuda, de modo que uma criança com transtorno da matemática pode beneficiar-se de reforço positivo na resolução de problemas em um contexto social, assim como na matemática.
TRANSTORNO DA EXPRESSÃO ESCRITA O transtorno da expressão escrita é caracterizado por habilidades de escrita muito abaixo do nível esperado para a idade e a capacidade intelectual da criança. Essas dificuldades prejudicam o desempenho acadêmico e a escrita na vida cotidiana. Os muitos componentes do transtorno incluem ortografia deficiente, erros de gramática e pontuação, bem como caligrafia deficiente. Erros de ortografia estão entre as dificuldades mais comuns para uma criança com o transtorno da escrita. Esses erros em geral são fonéticos, ou seja, uma ortografia errada que soa como a correta. Exemplos comuns incluem escrever meza para mesa, ou caxorro para cachorro. No passado, acreditava-se que a disgrafia (i. e., habilidades de escrita pobres) não ocorria na ausência de um transtorno da leitura; entretanto, evidências indicam que o transtorno da expressão escrita pode ocorrer de maneira independente. Os termos usados para descrever a incapacidade de escrita incluíam transtorno da ortografia e dislexia da ortografia. Incapacidades de escrita costumam estar associadas a outros transtornos da aprendizagem, mas podem ser diagnosticadas mais tarde porque a escrita expressiva é adquirida depois da linguagem e da leitura. Além de um transtorno semelhante ao transtorno da expressão escrita do DSM-IV-TR, a décima revisão da Classificação internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-10) inclui um transtorno da ortografia específico separado. Epidemiologia A prevalência do transtorno da expressão escrita sozinho não foi estudada, mas, como o transtorno da leitura, estima-se que ocorra em cerca de 4% das crianças em idade escolar. É possível que a proporção do transtorno entre os sexos seja igual à do transtorno da leitura, ocorrendo três vezes mais em meninos do que em meninas. É comum a associação entre os dois transtornos. Co-morbidade Crianças com transtorno da escrita têm um risco mais elevado para uma variedade de outros transtornos da aprendizagem e da linguagem, incluindo transtorno da leitura, transtorno da matemática e transtorno da linguagem expressivo-receptiva. O TDAH ocorre com maior freqüência em crianças com transtornos da escrita do que na população em geral. Por fim, crianças com transtornos da escrita parecem ter risco mais elevado para dificuldades nas habilidades sociais, e algumas desenvolvem baixa auto-estima e sintomas depressivos. Etiologia Acredita-se que as causas do transtorno da escrita sejam semelhantes às do transtorno da leitura, ou seja, um déficit no uso de componentes da linguagem relacionados a sons de letras. É provável que fatores genéticos também desempenhem um papel. Dificuldades de escrita com freqüência acompanham transtor-
TRANSTORNOS DA APRENDIZAGEM
nos da linguagem nos quais determinada criança pode ter problemas para entender regras gramaticais, encontrar palavras e expressar idéias de maneira clara. De acordo com uma hipótese, o transtorno da expressão escrita pode resultar dos efeitos combinados de um ou mais dos seguintes: transtorno da linguagem expressiva, transtorno misto da linguagem receptivo-expressiva e transtorno da leitura. A predisposição hereditária é apoiada por achados de que a maioria das crianças com transtorno da expressão escrita tem parentes de primeiro grau com a condição. Aquelas com dificuldades em manter o foco da atenção e altos níveis de distratibilidade podem considerar a escrita uma tarefa árdua. Diagnóstico O diagnóstico baseia-se no desempenho insatisfatório da criança na composição de texto escrito, incluindo caligrafia e capacidade prejudicada de soletrar e colocar palavras em seqüência na formação de frases coerentes, comparado com o desempenho da maioria das outras crianças de mesma idade e capacidade intelectual. Além de erros de ortografia, a criança com o transtorno pode cometer erros gramaticais sérios, como usar tempos verbais incorretos, esquecer palavras nas frases e colocar palavras na ordem errada. A pontuação pode ser inadequada, e a criança pode ser imcapaz de lembrar quais palavras começam com letras maiúsculas. Caligrafia deficiente também pode contribuir para o transtorno da escrita, incluindo letras ilegíveis, invertidas e mistura de letras maiúsculas e minúsculas em determinada palavra. Outros aspectos do transtorno incluem desorganização nas histórias escritas, que carecem de elementos críticos como “onde”, “quando” e “quem” ou de expressão clara da trama. Características clínicas Crianças com transtorno da expressão escrita têm dificuldades cedo, no ensino fundamental, para soletrar palavras e expressar seus pensamentos de acordo com as normas gramaticais adequadas à idade. Suas frases faladas e escritas contêm um número muito grande de erros gramaticais e má organização de parágrafos. Durante e após a 2a série, cometem erros gramaticais simples ao escrever uma frase curta. Por exemplo, apesar de constantes lembretes, deixam de escrever com letra maiúscula a primeira letra em uma frase e de terminála com ponto final. Aspectos comuns do transtorno da expressão escrita são erros de ortografia, erros gramaticais, erros de pontuação, má organização de parágrafos e caligrafia deficiente. À medida que crescem e progridem para séries mais avançadas, as frases faladas e escritas dessas crianças tornam-se mais primitivas, bizarras e inferiores ao que é esperado de alunos em seu nível escolar. Suas escolhas de palavras são errôneas e inadequadas; os parágrafos são desorganizados e sem seqüência adequada. Escrever de forma correta torna-se cada vez mais difícil à medida que desenvolvem um vocabulário mais extenso e abstrato. Aspectos associados ao transtorno da expressão escrita incluem recusa ou relutância em ir para a escola e fazer a lição de casa, desempenho acadêmico pobre em outras áreas (p. ex., matemática), evitação geral de trabalho escolar, evasão escolar, déficit de atenção e transtorno da conduta. Muitas crianças com o transtorno tornam-se frustradas e irritadas devido a sentimentos de inadequação e fracasso em seu desem-
1265
penho acadêmico. Em casos graves, transtornos depressivos podem resultar de um senso crescente de isolamento, alienação e desespero. Adultos jovens com transtorno da expressão escrita que não receberam acompanhamento adequado continuam a ter dificuldades na adaptação social envolvendo habilidades de escrita e um senso contínuo de incompetência, inferioridade, isolamento e alienação. Alguns até tentam evitar escrever uma carta de resposta ou um simples cartão de felicitações por medo de expor sua incompetência. Ryan era um menino de 9 anos que foi encaminhado pela professora para avaliação de sua produção deficiente em sala de aula. A professora relatou aos pais que ele não era diruptivo em classe, mas nunca parecia saber exatamente o que estava acontecendo. Com freqüência parecia preocupado e dispersivo. Tinha boas idéias quando falava, mas não se oferecia para responder perguntas orais com freqüência. Quando recebia tarefas escritas, realizava-as de forma apressada e não lembrava como escrever de maneira correta mesmo com palavras simples. Suas histórias em geral não faziam sentido, muitas vezes esquecia verbos importantes, os nomes dos personagens principais ou partes significativas da trama. A professora relatou que ficava frustrada com Ryan por sentir que ele não prestava atenção porque não se importava. Mesmo após ela ter mudado seu lugar para a frente da sala, seu trabalho não melhorou. Ryan sempre se saía bem em tarefas que envolviam desenho, os quais fazia com rapidez e sem dificuldade. O menino realizou um teste de inteligência padronizado (WISC-III), o Teste de Linguagem Escrita (TOWL) e a Avaliação Diagnóstica de Habilidades de Escrita (DEWS) e teve uma entrevista clínica com um psiquiatra de crianças e adolescentes. Seu quociente intelectual total encontrava-se em nível superior (122), com uma escala verbal de 112 e uma escala de desempenho de 128. Seus testes de linguagem escrita revelaram que ele tinha déficits significativos em ortografia, uso de pontuação e aplicação de regras gramaticais. Um diagnóstico de transtorno da expressão escrita foi feito. A entrevista psiquiátrica revelou que ele também satisfazia os critérios para TDAH, tipo desatento. Ele foi encaminhado para adequação da escrita num serviço especializado dentro da escola, além de testar um estimulante. Sua atenção na sala de aula melhorou aos poucos, e ele começou a demonstrar mais motivação para escrever com cuidado, especialmente enquanto estava com a professora da sala de recurso. Sua auto-estima melhorou à medida que seus problemas foram sendo tratados. Patologia e exame laboratorial Ainda que não existam estigmas físicos do transtorno da escrita, a testagem educacional é utilizada para fazer esse diagnóstico, o qual se baseia em desempenho da escrita muito abaixo da capacidade intelectual, confirmada por um teste de escrita expressiva padronizado administrado de maneira individual (Tab. 39-3). Os testes de linguagem escrita atualmente disponíveis incluem o TOWL, o DEWS e o Teste de Linguagem Escrita Precoce (TEWL). A presença de um transtorno maior, como transtorno
1266
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
global do desenvolvimento ou retardo mental, pode descartar o diagnóstico de transtorno da expressão escrita. Outras condições a serem diferenciadas desta são transtornos da comunicação, transtorno da leitura e visão e audição prejudicadas. Uma criança com suspeita de ter transtorno da expressão escrita deve receber primeiro um teste de inteligência padronizado, tal como o WISC-III ou a Escala de Inteligência Adulta de Wechsler Revisada (WAIS-R), para determinar sua capacidade intelectual global.
Se este for o caso, o tratamento deve melhorar o desempenho da escrita. Transtorno da expressão escrita também pode ocorrer com uma variedade de outros transtornos da linguagem e da aprendizagem. Associações comuns ocorrem entre transtornos da leitura, transtorno misto da linguagem receptivo-expressiva, transtorno da linguagem expressiva, transtorno da matemática, transtorno do desenvolvimento da coordenação e transtornos do comportamento diruptivo e de déficit de atenção.
Curso e prognóstico
Tratamento
É comum a coexistência de transtornos de escrita, linguagem e leitura. Visto que, geralmente, a criança aprende a falar bem, antes de ler bem, e lê antes de escrever bem, com freqüência ela recebe o diagnóstico de transtorno da linguagem expressiva antes do de transtorno da expressão escrita. Em casos graves, o transtorno da expressão escrita é idenfiticado por volta dos 7 anos de idade (2a série); em casos menos graves, pode não ser aparente até os 10 anos de idade (5a série) ou mais tarde. A maioria das pessoas com as formas leve e moderada se sai bem se receber reforço educacional no início do ensino fundamental. Transtorno da expressão escrita grave requer acompanhamento contínuo e extensivo até o final do ensino médio e mesmo na faculdade. O prognóstico depende da gravidade do transtorno, da idade e da série quando a intervenção reparadora é iniciada, da duração e da continuidade do tratamento e da presença ou ausência de problemas emocionais ou comportamentais associados ou secundários. Aqueles que mais tarde tornam-se estáveis ou que se recuperam do transtorno em geral pertencem a famílias com situações socioeconômicas privilegiadas.
O tratamento para transtorno da escrita inclui prática direta em ortografia e escrita de frases, bem como uma revisão de regras gramaticais. A administração intensiva e contínua de terapia individual de escrita expressiva e criativa, específica para cada indivíduo, parece produzir resultados favoráveis. Professores em algumas escolas especiais dedicam cerca de duas horas por dia a esse tipo de ensino da escrita. A efetividade de uma intervenção de escrita depende, em grande parte, de um bom relacionamento entre a criança e o especialista que a assiste. O sucesso ou o fracasso em manter a motivação do paciente afeta de forma significativa a eficácia a longo prazo do tratamento. Problemas emocionais e comportamentais secundários associados devem receber atenção imediata, com tratamento psiquiátrico adequado e aconselhamento familiar.
Diagnóstico diferencial Deve ser determinado se outro transtorno, como TDAH ou um transtorno depressivo, está impedindo a criança de concentrar-se em tarefas escritas na ausência do próprio transtorno da escrita.
TRANSTORNO DA APRENDIZAGEM SEM OUTRA ESPECIFICAÇÃO Transtorno da aprendizagem sem outra especificação é uma nova categoria no DSM-IV-TR para as condições que não satisfazem os critérios para algum transtorno da aprendizagem específico, mas causam prejuízo e refletem em capacidade de aprendizagem abaixo daquela esperada para a inteligência, a educação e a idade da pessoa (Tab. 39-4). Um exemplo de incapacidade que pode ser colocada nessa categoria é um déficit de habilidades de ortografia. CID-10
TABELA 39-3 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno da expressão escrita A. As habilidades de escrita, medidas por testes padronizados (ou avaliações funcionais das habilidades de escrita), individualmente administrados, estão acentuadamente abaixo do nível esperado, considerando a idade cronológica, a inteligência medida e o nível escolar próprios da idade do indivíduo. B. A perturbação no Critério A interfere significativamente no rendimento escolar ou em atividades da vida diária que exigem a composição de textos escritos (p. ex., escrever frases gramaticalmente corretas e parágrafos organizados). C. Em presença de um déficit sensorial, as dificuldades nas habilidades de escrita excedem as habitualmente associadas com esses problemas. Nota para a codificação: Se uma condição médica geral (p. ex., neurológica) ou um déficit sensorial estiverem presentes, codificar no Eixo III. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
A CID-10 classifica transtornos específicos do desenvolvimento da aprendizagem de habilidades acadêmicas sob a categoria de transtornos do desen-
TABELA 39-4 Critérios diagnósticos para transtorno da aprendizagem sem outra especificação Esta categoria envolve os transtornos da aprendizagem que não satisfazem os critérios para qualquer transtorno da aprendizagem específico, podendo incluir problemas nas três áreas (leitura, matemática, expressão escrita) que, juntos, interferem significativamente no rendimento escolar, embora o desempenho nos testes que medem cada habilidade isoladamente não esteja acentuadamente abaixo do nível esperado, considerando a idade cronológica, a inteligência medida e o nível escolar próprios da idade do indivíduo. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
TRANSTORNOS DA APRENDIZAGEM
volvimento psicológico, com início na primeira infância ou na idade escolar, os quais devem apresentar atraso ou prejuízo no desenvolvimento de funções relacionadas ao amadurecimento biológico do sistema nervoso central e ter um curso contínuo, sem remissões ou recaídas, típicos de muitos transtornos mentais. Os transtornos da aprendizagem de habilidades acadêmicas tendem a ser de causa desconhecida, mas em geral revelam história familiar de transtornos semelhantes ou relacionados, dando apoio à probabilidade de influências genéticas. Fatores ambientais podem desempenhar um papel, mas não costumam ser identificados como fatores importantes.
1267
Transtornos específicos do desenvolvimento de habilidades acadêmicas incluem transtorno da leitura, transtorno da ortografia, transtorno das habilidades aritméticas, transtorno misto de habilidades acadêmicas, outros transtornos do desenvolvimento de habilidades acadêmicas e transtorno do desenvolvimento de habilidades acadêmicas inespecificado (Tab. 39-5). Os padrões normais de aquisição de habilidades são perturbados por anormalidades no processamento cognitivo que derivam, em grande parte, de disfunções biológicas. Dificuldades diagnósticas podem advir da necessidade de diferenciar os transtornos de variações nor-
TABELA 39-5 Critérios diagnósticos da CID-10 para transtornos específicos do desenvolvimento das habilidades escolares Transtorno específico de leitura A. Qualquer um dos seguintes deve estar presente: (1) Um escore em exatidão e/ou compreensão de leitura que é pelo menos 2 erros padrão de previsão abaixo do nível esperado com base na idade cronológica e inteligência geral da criança, com habilidades de leitura e QI avaliados em um teste administrado individualmente padronizado para a cultura e sistema educacional da criança. (2) Uma história de sérias dificuldades de leitura, ou escores de teste que satisfazem o Critério A(1) em uma idade mais precoce, mais um escore em um teste de ortografia que é pelo menos 2 erros padrão de previsão abaixo do nível esperado com base na idade cronológica e QI da criança. B. O distúrbio descrito no Critério A interfere significativamente na realização acadêmica ou nas atividades da vida diária que requerem habilidades de leitura. C. O transtorno não é resultado direto de um defeito na acuidade visual ou auditiva, ou de um transtorno neurológico. D. Experiências escolares estão dentro da variação média esperada (i.e., não houve inadequações extremas nas experiências educacionais). E. Cláusula de exclusão mais comumente utilizada. QI abaixo de 70 em um teste padronizado administrado individualmente. Possível critério de inclusão adicional Para alguns fins de pesquisa, os investigadores podem desejar especificar uma história de algum nível de prejuízo durante os anos pré-escolares em fala, linguagem, classificação de som, coordenação motora, processamento visual, atenção, ou controle ou modulação de atividade. Comentários Os critérios acima não incluiriam atraso de leitura geral de um tipo que se enquadraria dentro das diretrizes clínicas. Os critérios diagnósticos de pesquisa para atraso de leitura geral seriam os mesmos que para transtorno específico de leitura, exceto que o Critério A(1) especificaria habilidades de leitura 2 erros padrão de previsão abaixo do nível esperado com base na idade cronológica (i.e., não levando em consideração o QI), e o Critério A(2) seguiria o mesmo princípio que para ortografia. A validade da diferenciação entre essas duas variedades de problema de leitura não está inequivocamente estabelecida, mas parece que o tipo específico tem uma associação mais específica com retardo de linguagem (enquanto atraso de leitura geral está associado com uma variação mais ampla de incapacidades do desenvolvimento), e é mais prevalente em meninos do que em meninas. Há outras diferenciações de pesquisa que estão baseadas em análises dos tipos de erro de ortografia. Transtorno específico de soletrar A. O escore em um teste de ortografia padronizado é pelo menos 2 erros padrão de previsão abaixo do nível esperado com base na idade cronológica e inteligência geral da criança. B. Os escores em exatidão e compreensão de leitura e em aritmética estão dentro da variação normal (+ 2 desvios padrão da média). C. Não há história de dificuldades de leitura significativas. D. A experiência escolar está dentro da variação média esperável (i.e., não houve inadequações extremas em experiências educacionais). E. Dificuldades de soletrar estiveram presentes desde os primeiros estágios de aprendizagem da escrita. F. O distúrbio descrito no Critério A interfere significativamente na realização acadêmica ou nas atividades da vida diária que requerem habilidades de ortografia. G. Cláusula de exclusão mais comumente utilizada. O QI é abaixo de 70 em um teste padronizado administrado individualmente. Transtorno específico da habilidade em aritmética A. O escore em um teste de aritmética padronizado é pelo menos 2 erros padrão de previsão abaixo do nível esperado com base na idade cronológica e inteligência geral da criança. B. Os escores em exatidão e compreensão de leitura e em ortografia estão dentro da variação normal (+ 2 desvios padrão da média). C. Não há história de dificuldades de leitura e ortografia significativas. D. A experiência escolar está dentro da variação média esperável (i.e., não houve inadequações extremas em experiências educacionais). E. Dificuldades de aritmética estiveram presentes desde os primeiros estágio de aprendizagem da aritmética. F. O distúrbio descrito no Critério A interfere significativamente na realização acadêmica ou nas atividades da vida diária que requerem habilidades de aritmética. G. Cláusula de exclusão mais comumente utilizada. O QI é abaixo de 70 em um teste padronizado administrado individualmente. Transtorno misto de habilidades escolares Esta é uma categoria residual de transtornos mal definida, inadequadamente conceitualizada (mas necessária) na qual habilidades tanto aritméticas como de leitura ou ortografia estão significativamente prejudicadas, mas na qual o transtorno não é somente explicável em termos de retardo mental geral ou instrução inadequada. Ela deveria ser usada para transtornos que satisfazem os critérios para transtorno específico de habilidades aritméticas e para transtorno específico da leitura ou transtorno específico da ortografia. Outros transtornos do desenvolvimento das habilidades escolares Transtorno do desenvolvimento das habilidades escolares não-especificado Esta categoria deveria ser evitada o mais possível e ser usada apenas para transtornos inespecificados nos quais há uma incapacidade de aprendizagem significativa que não pode ser justificada somente por retardo mental, problemas de acuidade visual ou instrução inadequada. Reimpressa, com permissão, de World Health Organization. The ICD-10 classification of Mental and Behavioural Disorders: Diagnostic Criteria for Research. Copyrigth, World Health Organization, Geneva, 1993.
1268
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
mais, da necessidade de considerar o curso do desenvolvimento, do fato de que essas habilidades devem ser ensinadas e aprendidas e não são apenas uma função do amadurecimento biológico e da dificuldade em distinguir entre anormalidades cognitivas que causam problemas de leitura e aquelas que surgem a partir de problemas de leitura.
REFERÊNCIAS Beitchman J, Cantwell DP, Forness SR, Kavale K, Kaufman JM. Practice parameters for the assessment and treatmen of children and adolescents with language and learning disorders. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1998;37:46S. Beitchman J, Young AR. Learning disorders with a special emphasis on reading disorders: a review of the past 10 years. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1997;36:1020. Bussing R, Zima BT, Perwien AR. Self-esteem in special education children with ADHD: relationship to disorder characteristics and medication use. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2000:39:1260. Glisky EL, Glisk ML. Learning and memory impairments. In: Eslinger RJ, ed. Neuropsychological Interventions: Clinical Research and Practice. New York: Guilford Press; 2002:137. Goldstein S. Managing Attention and Learning Disorders in Late Adolescence and Adulthood: A Guide for Practitioners. New York: John Wiley & Sons: 1997. Grant ML, Ilai D, Nussbaum NL, Bigler ED. The relationship between continuous performance tasks and neuropsychological tests in children with attention-deficit/hyperactivity disorder. Percept Mot Skills. 1990;70:435. Livingston R, Adam BS, Bracha HS. Season of birth and neurodevelopmental disorder: summer birth is associated with dyslexia. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1993;32:612. Mayer R. Understanding differences in mathematical problem solving. Learn Disabil Q. 1993;16:2.
Nussbaum NL, Grant ML, Roman MJ, Poole JH, Bigler ED. Attention-deficit disorder and the mediating effect of age on academic and behavioral variables. J Dev Behav Pediatr. 1990;11:22. Orton S. Reading, Writing, and Speech Problems in Children. New York: WW Norton; 1937. Poduska JM. Parents’ perceptions of their first graders’ need for mental health and educational services. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2000;39:584. Purvis KL, Tannock R. Phonological processing, not inhibitory control, differentiates ADHD and reading disability. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2000;39:485. Rourke BP, Ahmad SA, Collins DW, et al. Child clinical/pediatric neuropsychology: some recent advances. Annu Rev Psychol. 2002;53:309. Semrod-Clikeman E, Biederman J, Sprich-Buckminster S, Lehman BK, Faraone SV, Norman D. Comorbidity between ADDH and learning disability: a review and report in a clinically referred sample. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1992;31:439. Smith SD, Pennington BF, Kimberlin WJ, Ing PS. Familial dyslexia: use of genetic linkage data to define subtypes. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1990;29:204. Spagna ME, Cantwell DP, Baker L. Reading disorder. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2614. Spagna ME, Cantwell DP, Baker L. Mathematics disorder. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2620. Spagna ME, Cantwell DP, Baker L. Disorder of written expression and learding disorder not otherwise specified. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2625. Vaughn S, Elbaum BE, Schumm JS. The effects of inclusion on the social functioning of students with learning disabilities. J Learn Disabil. 1996;29:598.
40 Transtorno das habilidades motoras: transtorno do desenvolvimento da coordenação
O
transtorno do desenvolvimento da coordenação motora caracteriza-se por baixo desempenho nas atividades da vida diária que requerem coordenação abaixo do que é esperado para a idade e o nível intelectual. De acordo com a revisão de texto da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR), a condição pode apresentar-se por atraso no desenvolvimento de marcos motores, como sentar, engatinhar e caminhar. Além disso, o transtorno pode manifestar-se por habilidades motoras amplas e finas grosseiras, resultando em desempenho pobre em esportes e mesmo caligrafia deficiente. Uma criança com transtorno do desenvolvimento da coordenação pode chocar-se contra coisas com mais freqüência do que seus irmãos ou deixar cair objetos. Na década de 1930, o termo síndrome da criança desajeitada começou a ser usado na literatura para denotar uma condição de comportamentos motores desajeitados que não podiam ser correlacionados com nenhum transtorno ou dano neurológico específico. Esse termo continua a ser usado para identificar comportamento motor amplo e fino impreciso ou atrasado em crianças, resultando em incapacidades motoras sutis, além de rejeição social significativa. Há indicações de que problemas perinatais como prematuridade, baixo peso ao nascer e hipoxia podem contribuir para o surgimento de transtornos do desenvolvimento da coordenação. Crianças afetadas têm risco mais alto para transtornos de linguagem e de aprendizagem. Há uma forte associação entre problemas de fala e linguagem e problemas de coordenação, bem como uma associação desses últimos com hiperatividade, impulsividade e baixa concentração. Crianças com transtorno do desenvolvimento da coordenação podem parecer mais jovens, devido à incapacidade de dominar atividades motoras típicas de seu grupo etário. Por exemplo, no ensino fundamental, podem não conseguir andar de bicicleta, de skate, correr, saltar ou pular corda. Nas séries finais do ensino fundamental, podem ter problemas em esportes de equipe como futebol, basquete ou beisebol. Em préescolares, o transtorno da coordenação, na área de motricidade fina, caracteriza-se por dificuldade em utilizar utensílios, lidar com botões e zíperes. Crianças mais velhas apresentam dificuldade para manejar tesouras e realizar atividades de autocuidado mais complexas, como arrumar os cabelos e colocar maquiagem. Crianças afetadas podem ser discriminadas por
seus pares, devido a habilidades pobres em muitos esportes, resultando em dificuldades duradouras com relacionamentos. O transtorno do desenvolvimento da coordenação é o único na categoria de transtorno das habilidades motoras do DSMIV-TR. O prejuízo na motricidade fina ou ampla não pode ser explicado por uma condição médica, como paralisia cerebral, distrofia muscular ou qualquer outro problema neuromuscular. EPIDEMIOLOGIA A prevalência estimada do transtorno do desenvolvimento da coordenação é de cerca de 5% em crianças em idade escolar. A proporção de meninos com o transtorno é maior do que a de meninas, em amostras referidas, mas as escolas encaminham meninos com maior freqüência para testagens e avaliações emocionais. Os relatos na literatura da proporção entre homem-mulher têm variado de 2 para 1 até 4 para 1. Essas taxas também podem ser aumentadas porque comportamentos motores em crianças do sexo masculino são observados com mais rigor do que em crianças do sexo feminino. CO-MORBIDADE O transtorno do desenvolvimento da coordenação está fortemente associado a transtornos de fala e linguagem. Crianças com dificuldades de coordenação têm taxas mais altas que o esperado de alterações de fala e linguagem, e estudos sobre transtornos da fala relatam taxas muito altas de “falta de jeito”. Alguns estudos encontraram associações entre habilidades motoras finas e transtornos da linguagem expressiva e receptiva, enquanto problemas motores amplos e dificuldades de coordenação visuomotora não foram associados a transtornos da linguagem. O transtorno da coordenação está associado ainda a transtornos de leitura, da matemática e de expressão escrita. Taxas mais altas do que o esperado de transtornos do déficit de atenção/hiperatividade também estão associadas a transtorno do desenvolvimento da coordenação. Problemas de relacionamento com iguais são comuns entre crianças com esses transtornos, devido à rejeição que ocorre em
1270
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
associação com seu desempenho deficiente em esportes e jogos que requerem boa habilidade motora. Adolescentes com problemas de coordenação em geral exibem auto-estima baixa e dificuldades acadêmicas. ETIOLOGIA As causas do transtorno são desconhecidas, acredita-se que incluam tanto fatores “orgânicos” como “do desenvolvimento”. Os fatores de risco relacionados com esse transtorno incluem prematuridade, hipoxia, desnutrição perinatal e baixo peso de nascimento. Exposição pré-natal a álcool, cocaína e nicotina parece também contribuir tanto com baixo peso ao nascer quanto com anormalidades cognitivas e de comportamento. Anormalidades neuroquímicas e lesões do lobo parietal também foram sugeridas como aspectos que contribuem para déficits de coordenação. Transtorno do desenvolvimento da coordenação e transtornos da comunicação têm forte associação, ainda que os agentes causais específicos sejam desconhecidos para ambos. Problemas de coordenação também são encontrados com mais freqüência entre crianças com hiperatividade e transtornos de aprendizagem. O transtorno do desenvolvimento da coordenação provavelmente tem uma causa multifatorial. DIAGNÓSTICO O diagnóstico de transtorno do desenvolvimento da coordenação depende de desempenho deficiente para o nível etário e intelectual da criança, em atividades que requerem coordenação. Baseia-se na história de atraso da criança em alcançar marcos motores iniciais, bem como na observação direta de déficits atuais na coordenação. Uma triagem informal para o transtorno envolve pedir para que a criança realize tarefas que requerem coordenação motora ampla (p. ex., saltar, pular e ficar em um pé só), coordenação motora fina (p. ex., batucar o dedo e amarrar o cordão dos sapatos) e coordenação mão-olho (p. ex., pegar uma bola e copiar letras). Julgamentos em relação a desempenho deficiente devem basear-se no que é esperado para a idade da criança. Uma criança que é levemente “desajeitada,” mas cujo funcionamento não é prejudicado, não se qualifica para o diagnóstico. O diagnóstico pode estar associado a escores abaixo do normal nos subtestes de desempenho e normais ou acima do normal nos subtestes verbais de testes de inteligência padronizados. Testes especializados para coordenação motora podem ser úteis, tais como o teste “Gestalt Visual Motor de Bender”, a Bateria de Testes de Habilidades do Movimento de Frostig e o Teste de Bruininks-Oseretsky de Desenvolvimento Motor. A idade cronológica e a capacidade intelectual da criança devem ser levadas em consideração, e o transtorno não pode ser causado por uma condição neurológica ou neuromuscular. Às vezes, entretanto, o exame pode revelar leves anormalidades reflexas e outros sinais neurológicos sutis. Os critérios diagnósticos do DSM-IV-TR são apresentados na Tabela 40-1.
TABELA 40-1 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno do desenvolvimento da coordenação A. O desempenho em atividades diárias que exigem coordenação motora está substancialmente abaixo do nível esperado, considerando a idade cronológica e a inteligência medida do indivíduo. O quadro pode manifestar-se por atrasos acentuados em alcançar marcos motores (p. ex., caminhar, engatinhar, sentar), propensão a deixar cair coisas, desajeitamento, fraco desempenho nos esportes ou caligrafia insatisfatória. B. A perturbação no Critério A interfere significativamente no rendimento escolar ou nas atividades da vida diária. C. A perturbação não se deve a uma condição médica geral (p. ex., paralisia cerebral, hemiplegia ou distrofia muscular), nem satisfaz os critérios para um transtorno global do desenvolvimento. D. Em presença de retardo mental, as dificuldades motoras excedem aquelas geralmente associadas com esse transtorno. Nota para codificação: Se uma condição médica geral (p. ex., neurológica) ou um déficit sensorial estiver presente, codificar no Eixo III. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th. Text. rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS Em alguns casos, os sinais clínicos que sugerem a existência de transtorno do desenvolvimento da coordenação são evidentes já na infância, quando a criança começa a realizar tarefas que requerem esse tipo de habilidade. O aspecto clínico fundamental é desempenho muito prejudicado na coordenação motora. As dificuldades nessa área podem variar com a idade e o estágio de desenvolvimento da criança. Na infância, o transtorno pode ser manifestado por atrasos em alcançar os marcos motores do desenvolvimento, como virar-se, engatinhar, sentar, ficar de pé, abotoar roupas e fechar o zíper das calças. Entre as idades de 2 e 4 anos, a falta de jeito aparece em quase todas as atividades que exigem coordenação motora. Crianças afetadas não conseguem segurar coisas e as deixam cair com facilidade, seu andar pode ser vacilante, com freqüência tropeçam nos próprios pés e podem esbarrar em outras crianças enquanto tentam andar perto delas. Crianças mais velhas podem exibir coordenação motora prejudicada em jogos de mesa, tais como montar quebra-cabeças ou construir com blocos, e em qualquer tipo de jogo de bola. Ainda que nenhum aspecto específico seja patognomônico de transtorno do desenvolvimento da coordenação, os marcos do desenvolvimento costumam ser atrasados. Muitas crianças com o transtorno também têm dificuldades de fala e linguagem. Crianças maiores podem ter problemas secundários, incluindo dificuldades acadêmicas e relacionamentos: com iguais insatisfatórios baseados em rejeição social. Johnny, 8 anos, foi trazido a uma clínica para avaliação por sua mãe, que disse: “Há alguma coisa errada com seu cérebro”. Quando solicitada a ser mais específica, respondeu com queixas vagas e contraditórias. Ele sempre foi lento para aprender coisas, mais lento do que qualquer um dos meus outros filhos. Mas sei que ele, na verdade, é muito inteligente. Às vezes me surpreendo com o que lembra ou pode imaginar. Ele não faz muita coisa, por exemplo, na escola ou em atividades fora da escola. Às vezes acho que ele é preguiçoso, outras vezes acho que é deprimi-
TRANSTORNO DAS HABILIDADES MOTORAS:
do, e outras ainda acho que talvez ele esteja sempre doente. Ele tem muitas dores de estômago. Na verdade, é um menino muito meigo. Ele é muito gentil com suas quatro irmãs e com nossos animais de estimação. Mas às vezes fica tão desagradável que me dá medo. Por exemplo, fica frustrado com alguns de seus brinquedos e então se torna destrutivo. Quebrou mais brinquedos do que todos os meus outros filhos juntos. Ele parece gostar de pessoas, mas tem apenas um amigo na escola. Recusa-se a tentar jogar futebol ou outra coisa parecida em que possa brincar com outros meninos. Às vezes acho que não se importa com nada. Está sempre deixando cair pratos e coisas pela casa.
Uma história mais detalhada revelou que a gravidez, o nascimento e a história médica precoce não foram incomuns, mas problemas menores apareceram em seu primeiro ano de vida. Estes incluíam ter sido lento para sentar, engatinhar e caminhar. Uma vez que Johnny era o quarto filho na família, a mãe não tinha tido “tempo” para registrar as idades reais em que estes marcos foram alcançados. Ela apenas podia salientar que “ele era muito mais velho do que qualquer um dos outros filhos quando conseguiu fazer aquelas coisas”, acrescentando que o pediatra, não obstante, tinha lhe assegurado que Johnny não era retardado. “Grande coisa ele fez”, ela riu, “porque mais tarde, quando Johnny teve tanta dificuldade para aprender a usar o garfo e a faca, para amarrar seus sapatos e para abotoar a camisa, eu me preocupei com isso”. Perguntada se havia mais alguma preocupação, a mãe respondeu “absolutamente não”. Aparentemente, Johnny destacava-se na leitura e se saía bem em todas as matérias da escola, exceto em caligrafia e educação física. Sua história médica também não era incomum. Durante os anos pré-escolares, houve apenas “as doenças normais da infância” (catapora, dores de ouvido e gripes) e “uma quantidade terrível de contusões e joelhos ralados”. As dores de estômago tinham começado “por volta dos 7 anos”, mas outra vez, o pediatra havia tranqüilizado a mãe sobre isso. O exame revelou um menino agradável, mas bastante quieto, com afeto adequado, boa concentração e habilidades cognitivas aparentemente normais. Embora quieto e reservado, Johnny não parecia apático; na verdade, ficou bastante entusiasmado ao descrever um livro que acabara de ler. Durante a entrevista, negou quaisquer problemas na escola ou com seus colegas. Quando questionado de forma mais específica, admitiu dores de estômago ocasionais e não-participação em atividades de grupo, que ele atribuía simplesmente a “não gostar daquelas coisas”. A testagem psicológica realizada na escola revelou inteligência e desempenho acadêmico acima da média. Entretanto, o menino teve escores bem abaixo do normal em um teste de desenvolvimento motor que exigia tarefas envolvendo corrida, balanço, coordenação e velocidade motora. O psicólogo observou que ele apresentava boa concentração e atenção durante a testagem.
TRANSTORNO DO DESENVOLVIMENTO DA COORDENAÇÃO
1271
DISCUSSÃO Muitos aspectos desse caso são típicos do transtorno do desenvolvimento da coordenação, os quais incluem marcos motores amplos tardios (ficar em pé, sentar-se, caminhar), história precoce de contusões (de esbarrar nas coisas) e quedas, “destrutividade” (deixar cair coisas ou quebrar brinquedos ao tentar manipulá-los), dificuldade com tarefas que exigem coordenação motora fina (abotoar roupas, amarrar cadarços de sapato e caligrafia) e com esportes, como jogos de bola. Dores de estômago, “preguiça”, “depressão” e “apatia” provavelmente representam os esforços de Johnny para evitar aulas de educação física, provas nas quais é necessário escrever e o embaraço de fracassos repetidos em situações de esportes de equipe. Da mesma forma, o “mau humor” e a “frustração” não são evidências de atenção ou conduta perturbada, mas uma manifestação dessas dificuldades motoras. Como acontece com freqüência, foram esses problemas secundários que o levaram à atenção médica. Alguém pode se perguntar por que um transtorno de coordenação física aparece em uma classificação de transtornos mentais. É verdade que os aspectos definidores do mesmo são mais físicos do que comportamentais ou psicológicos e, portanto, se poderia argumentar que o transtorno é mais propriamente um distúrbio físico, não um transtorno mental. Entretanto, parece razoável classificá-lo com os outros transtornos do desenvolvimento da infância devido à ausência de uma causa conhecida específica e porque suas conseqüências comportamentais (p. ex., irritabilidade e comportamento evitativo) são tratadas por profissionais da saúde mental. (De DSM-IV Casebook.) DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL O diagnóstico diferencial inclui condições médicas que produzem dificuldades de coordenação motora (como paralisia cerebral e distrofia muscular), transtornos globais do desenvolvimento e retardo mental. No caso destes dois últimos, a coordenação em geral não se distingue como um déficit significativo comparado com outras habilidades. Crianças com problemas neuromusculares podem exibir mais prejuízo muscular global do que “falta de jeito” e marcos motores atrasados. O exame e as avaliações neurológicas revelam déficits mais extensivos nas condições neurológicas do que no transtorno do desenvolvimento da coordenação. Crianças muito hiperativas e impulsivas podem ser fisicamente descuidadas devido a seus altos níveis de atividade motora. Comportamento motor amplo e fino desajeitado e transtorno de déficit de atenção/hiperatividade parecem estar associados. CURSO E PROGNÓSTICO Existem poucos estudos longitudinais prospectivos avaliando o resultado em crianças tratadas e não-tratadas com transtorno do desenvolvimento da coordenação. Na maioria dos casos, mesmo
1272
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
que a “falta de jeito” possa continuar, algumas crianças a compensam desenvolvendo outras habilidades. Estudos sugerem um resultado favorável para crianças que têm uma capacidade intelectual média ou acima da média, na medida em que mobilizam estratégias para desenvolver amizades que não dependem de atividades físicas. A “falta de jeito” em geral persiste até a adolescência ou a idade adulta. Um estudo que acompanhou um grupo de crianças com problemas de desenvolvimento da coordenação durante uma década revelou que as desajeitadas eram menos destras, apresentavam equilíbrio deficiente e continuaram a ser fisicamente desajeitadas. Além disso, tinham mais probabilidade de ter problemas acadêmicos e auto-estima pobre. Os aspectos mais associados incluem atrasos nos marcos não-motores, transtorno da linguagem expressiva e transtorno misto da linguagem receptivo-expressiva. TRATAMENTO O tratamento de transtorno do desenvolvimento da coordenação inclui versões de programas de integração sensorial e educação física modificada. Aqueles tendem a ser administrados por terapeutas ocupacionais e consistem de atividades físicas que aumentam a consciência acerca das funções motora e sensorial. Por exemplo, uma criança que esbarra em objetos com freqüência pode receber a tarefa de tentar equilibrar-se em um patinete, sob supervisão, para melhorar o equilíbrio e a consciência corporal. As que têm dificuldade para escrever recebem tarefas para aumentar a consciência de movimentos da mão. Hoje em dia, muitas escolas encorajam crianças com dificuldades de coordenação que afetam a escrita a usar computadores para ajudar a escrever relatórios e textos longos. Os programas de educação física adaptativa visam ajudar as crianças a apreciar exercícios e atividades físicas sem as pressões dos esportes de equipe. Tais programas incorporam certas ações de esportes, como chutar uma bola de futebol ou lançar uma bola de basquete. Essas crianças também podem beneficiar-se de grupos de habilidades sociais e outras intervenções pró-sociais. A técnica de Montessori (desenvolvida por Maria Montessori) pode ser útil com crianças pré-escolares, desde que o programa educacional enfatize o desenvolvimento de habilidades motoras. Problemas acadêmicos secundários, problemas emocionais e transtornos da comunicação coexistentes devem receber atenção, uma vez que justificam tratamentos individuais. Nenhum estudo controlado de larga escala relatou os efeitos do tratamento, embora estudos pequenos tenham sugerido que exercícios de coordenação rítmica podem ser benéficos, assim como praticar movimentos motores e aprender a usar teclados de editores de texto. O aconselhamento familiar pode ajudar a reduzir a ansiedade e a culpa dos pais em relação ao prejuízo de seu filho, aumentar sua consciência e facilitar sua confiança para lidar com a criança. CID-10 De acordo com a décima revisão da Classificação internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-10), o aspecto principal do
transtorno específico do desenvolvimento de função motora (às vezes chamado de síndrome da criança desajeitada) é um “prejuízo sério no desenvolvimento de coordenação motora que não é explicável somente em termos de retardo intelectual geral ou de qualquer distúrbio neurológico congênito ou adquirido específico (que não aquele que pode estar implícito na anormalidade da coordenação)”. A “falta de jeito” motor costuma estar associada a “desempenho prejudicado em tarefas cognitivas visuoespaciais”. Os critérios diagnósticos da CID-10 são apresentados na Tabela 40-2.
TABELA 40-2 Critérios diagnósticos da CID-10 para transtorno específico do desenvolvimento da função motora A. O escore em um teste padronizado de coordenação fina e grosseira é pelo menos 2 desvios padrão abaixo do nível esperado para a idade cronológica da criança. B. O distúrbio descrito no Critério A interfere significativamente no desempenho acadêmico ou nas atividades da vida diária. C. Não há transtorno neurológico diagnosticável. D. Causa de exclusão mais utilizada, o QI é abaixo de 70 em um teste padronizado administrado individualmente. Reimpressa, com permissão, de World Health Organization. The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural Disorders: Diagnostic Crietria for Research. Copyrigth, World Health Organization, Geneva, 1993.
REFERÊNCIAS Ernst M, Moolchan ET, Robinson ML. Behavioral and neural consequences of prenatal exposure to nicotine. Am J Child Adolesc Psychiatry. 2001;40:630. Estil B, Whiting A. The validity of the inter- and/or intrahemispheric deficit hypothesis as an explanation of the co-occurrence of motor and language impairments. Exp Brain Res. 2002;143:126. Henderson L, Rose P, Henderson S. Reaction time and movement time in children with a developmental coordination disorder. J Child Psychol Psychiatry. 1992;33:895. Holsti L, Grunau RV, Whitfield MF. Developmental coordination disorder in extremely low birth weight children at nine years. J Dev Behav Pediatr. 2002;23:9. Hutton JL, Pharoah PO. Effects of cognitive, motor, and sensory disabilities on survival in cerebral palsy. Arch Dis Child. 2002;86:84. Kadesjo B, Gillberg C. Attention deficits and clumsiness in Swedish 7year-old children. Dev Med Child Neurol. 1998;40:796. Little RE, Northstone K, Golding J, ALSPAC Study Team. Alcohol. breastfeeding, and development at 18 months. Pediatrics. 2002;109:72. Losse A, Henderson SE, Elliman D, Hall D, Knight E, Jongmans M. Clumsiness in children: do they grow out of it? A ten-year followup study. Dev Med Child Neurol. 1991;33:55. Pine DS, Scott MR, Busner C, et al. Psychometrics of neurological soft signs. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1996;35:509. Prechtl HF, Stemmer CJ. The choreiform syndrome in children. Dev Med Child Neurol. 1962;4:119. Robinson RJ. Causes and associations of severe and persistent specific speech and language disorders in children. Dev Med Child Neurol. 1991;33:943. Roussonis SH, Gaussen TH, Stratton R. A 2-year follow-up study of children with motor coordination problems identified at school entry age. Child Care Health Dev. 1987;13:377. Smyth MM, Mason UC. Use of proprioception in normal and clumsy children. Dev Med Child Neurol. 1998;40:672.
TRANSTORNO DAS HABILIDADES MOTORAS:
Smyth TR. Abnormal clumsiness in children: a defect of motor programming? Child Care Health Dev. 1991;17:283. Spagna ME, Cantwell DP, Baker L. Motor skill disorder: developmental coordination disorder. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2629. Willoughby C, Polatajko HJ. Motor problems in children with developmental coordination disorder: review of the literature. Am J Occup Ther. 1995;49:787.
TRANSTORNO DO DESENVOLVIMENTO DA COORDENAÇÃO
1273
Wilson BN, Kaplan BJ, Crawford SG, Cambell A, Dewey D. Reliability and validity of a parent questionnaire on childhood motor skills. Am J Occup Ther. 2000;54:484. Wilson PH, McKenzie BE. Information processing deficits associated with developmental coordination disorder: a meta-analysis of research findings. J Child Psychol Psychiatry. 1998;39:829. Wright HC, Sugden DA. The nature of developmental coordination disorder: inter- and intragroup differences. Adapt Phys Activ Q. 1996;13:357.
41 Transtornos da comunicação
A
linguagem falada é uma parte fundamental da comunicação de idéias, das interações sociais e do entendimento acadêmico. A comunicação efetiva de uma criança ou adolescente inclui competência em habilidades de linguagem e fala. A revisão do texto da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR) refere quatro transtornos específicos da comunicação e uma categoria residual. Dois deles (transtorno da comunicação expressiva e da comunicação receptivo-expressiva) são transtornos da linguagem; os outros dois (transtorno fonológico e tartamudez) são transtornos da fala. Uma criança com um transtorno da linguagem pode ter vocabulário limitado, expressar-se em frases simples e curtas e contar histórias de forma desorganizada e incompleta. Uma criança com um transtorno da fala pode conseguir utilizar palavras descritivas adequadas, mas tem dificuldade para pronunciar os sons de forma correta ou, ainda, os omite ou pronuncia de maneira incomum. Uma criança com tartamudez em geral adquiriu um vocabulário normal, mas a fluência da fala é interrompida por pausas, repetições de sons ou prolongamentos dos mesmos. O uso da linguagem inclui quatro componentes: fonologia, gramática, semântica e pragmática. Fonologia refere-se à capacidade de produzir sons que constituem palavras em determinada língua e às habilidades de discriminar os vários fonemas (sons que são feitos por uma letra ou grupo de letras em um idioma). Para imitar palavras, a criança deve ser capaz de produzir os sons de uma palavra. Gramática designa a organização de palavras e as regras para colocá-las em uma ordem que faça sentido naquela língua. Semântica refere-se à organização de conceitos e à aquisição das próprias palavras. A criança evoca uma lista mental de palavras para produzir frases. Pragmática tem a ver com a habilidade no uso real da linguagem e das “regras” de conversação, incluindo pausas para que o ouvinte possa responder a uma pergunta e saber quando mudar de assunto, quando há um momento de silêncio na conversação. Aos 2 anos de idade, as crianças podem conhecer até 200 palavras, e aos 3, a maioria delas entende as regras básicas de linguagem e pode conversar de forma efetiva. A Tabela 41-1 fornece uma visão geral de marcos típicos no desenvolvimento da linguagem e de habilidades não-verbais.
TRANSTORNO DA LINGUAGEM EXPRESSIVA Transtorno da linguagem expressiva está presente quando as habilidades de uma criança estão abaixo dos níveis esperados de vocabulário, uso de tempos verbais corretos, produção de frases complexas e lembrança de palavras. A incapacidade de linguagem pode ser adquirida em qualquer tempo durante a infância (p. ex., secundária a trauma ou a um distúrbio neurológico) ou pode ser resultado do desenvolvimento; tende a ser congênita, sem uma causa óbvia. A maioria dos transtornos da linguagem da infância enquadra-se na categoria do desenvolvimento. Em qualquer caso, déficits nas habilidades receptivas (compreensão da linguagem) ou expressivas (capacidade de usar a linguagem) podem ocorrer. Transtorno da linguagem expressiva com freqüência se manifesta na ausência de dificuldades de compreensão, enquanto disfunção receptiva em geral diminui a competência na expressão da linguagem. Crianças apenas com transtorno da linguagem expressiva têm curso e prognóstico que diferem daquelas com transtorno misto da linguagem receptivo-expressiva. No DSM-IV-TR, o diagnóstico de transtorno da linguagem expressiva pode ser feito na ausência de transtorno da linguagem receptiva. Transtorno misto da linguagem receptivo-expressiva é diagnosticado quando transtornos da linguagem tanto receptiva quanto expressiva estão presentes, sendo um critério de exclusão para transtorno da linguagem expressiva. Em geral, sempre que as habilidades receptivas estão prejudicadas o suficiente para justificar o diagnóstico, as habilidades expressivas também estão. No manual, transtorno da linguagem expressiva e transtorno misto da linguagem receptivo-expressiva não se limitam a incapacidades de linguagem desenvolvimental; formas adquiridas também são incluídas. Para satisfazer os critérios para transtorno da linguagem expressiva, os pacientes devem ter escores, em medidas padronizadas de linguagem expressiva, bem abaixo daqueles de subtestes de quociente de inteligência (QI) não-verbal padronizados e de testes padronizados de linguagem receptiva.
TRANSTORNOS DA COMUNICAÇÃO
1275
TABELA 41-1 Desenvolvimento normal da fala, da linguagem e de habilidades não-verbais em crianças Desenvolvimento da fala e da linguagem 1 ano Reconhece o próprio nome Segue orientações simples acompanhadas por gestos (p. ex., tchau) Fala 1 ou 2 palavras Mistura palavras e sons Usa gestos comunicativos (p. ex., mostrar, apontar) 2 anos Emprega de 200 a 300 palavras Nomeia a maioria dos objetos comuns Usa frases de duas palavras ou mais longas Usa algumas preposições (p. ex., em, no[a]), pronomes (p. ex., tu, eu), terminações verbais (p. ex., –ndo, –nte, –ção) e plurais (-s), mas nem sempre de forma correta Segue comandos simples não acompanhados por gestos 3 anos Emprega de 900 a 1.000 palavras Cria frases de 3 a 4 palavras, em geral com sujeito e verbo, mas com estrutura simples Segue comandos de dois passos Repete frases de 5 a 7 sílabas A fala tende a ser entendida por membros da família 4 anos Emprega de 1.500 a 1.600 palavras Reconta histórias e eventos do passado recente Entende a maioria das perguntas sobre o ambiente imediato Usa conjunções (p. ex., se, mas, porque) A fala tende a ser entendida por estranhos 5 anos Emprega de 2.100 a 2.300 palavras Discute sobre sentimentos Entende a maioria das preposições relativas a espaço (p. ex., acima, ao lado, na direção de) e tempo (p. ex., antes, depois, até) Segue comandos de três passos Escreve o próprio nome 6 anos Define palavras por função e atributos Usa uma variedade de frases complexas bem-formadas Usa todas as estruturas da fala (p. ex., verbos, substantivos, advérbios, adjetivos, conjunções, preposições) Entende associações de letra-som na leitura 8 anos Lê livros simples por prazer Aprecia charadas e piadas Verbaliza idéias e problemas com facilidade Entende pedidos indiretos (p. ex., “Está quente aqui” entendido como um pedido para abrir a janela) Produz todos os sons da fala à maneira de um adulto
Desenvolvimento não-verbal Fica em pé sozinho Dá os primeiros passos com apoio Usa objetos comuns (p. ex., colher, xícara) Cede objetos de boa vontade Procura por objetos em locais onde foram vistos por último
Sobe e desce escadas sozinho, mas sem alternar os pés Corre com ritmo, mas é incapaz de parar ou começar suavemente Come com garfo Coopera com adultos em tarefas domésticas simples Aprecia brinquedos de ação
Anda de triciclo Aprecia jogos de “faz-de-conta” simples Combina cores primárias Equilibra-se em um pé Compartilha brinquedos com outros por curtos períodos
Sobe e desce escadas alternando os pés Pula em um pé só Copia letras de forma Interpreta personagens Classifica objetos familiares Veste-se sem ajuda Corta a própria carne com faca Desenha uma pessoa reconhecível Brinca de forma intencional e construtiva Reconhece relações de parte-todo
Anda de bicicleta Lança uma bola bem Mantém a atenção em tarefas motivadoras Aprecia jogos competitivos
Entende conservação de líquido, número, tamanho, etc. Sabe a esquerda e a direita de outros Reconhece diferenças e semelhanças Percebe que os outros têm diferentes pontos de vista Classifica um mesmo objeto em múltiplas categorias
Adaptada de Owens RE. Language Development: An Introduction. 4th ed. Needham Heights, MA: Allyn & Bacon, 1996.
Epidemiologia A prevalência de transtorno da linguagem expressiva é estimada entre 3 e 5% de todas as crianças em idade escolar. A estimativa da prevalência de transtornos da linguagem combinados é de até 10%. De acordo com o DSM-IV-TR, pode ser de até 15% entre crianças com menos de 3 anos. A condição é 2 a 3 vezes mais comum entre meninos do que entre meninas, sendo mais prevalente entre
crianças cujos familiares têm história de transtorno fonológico ou outros transtornos da comunicação. Co-morbidade Crianças com problemas como transtorno da linguagem expressiva têm taxas acima da média de transtornos psiquiátricos co-
1276
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
mórbidos. Em um grande estudo de crianças com transtornos da fala e da linguagem feito por Cantwell e Baker, os transtornos comórbidos mais comuns foram transtorno de déficit de atenção/ hiperatividade (19%), transtornos de ansiedade (10%), transtorno desafiador de oposição e transtorno da conduta (7%). Crianças com transtorno da linguagem expressiva também apresentam risco mais elevado para transtorno da fala, dificuldades receptivas e outros transtornos da aprendizagem. Muitos deles – como transtorno da leitura, transtorno do desenvolvimento da coordenação e outros transtornos da comunicação – estão associados a transtorno da linguagem expressiva. Crianças com esse transtorno com freqüência têm algum prejuízo receptivo, embora nem sempre significativo o suficiente para o diagnóstico de transtorno misto da linguagem receptivo-expressiva. Marcos motores atrasados e história de enurese são comuns em crianças afetadas. Transtorno fonológico costuma ser encontrado em crianças pequenas com a condição, e anormalidades neurológicas foram relatadas em inúmeras crianças, incluindo sinais neurológicos sutis, respostas vestibulares diminuídas e anormalidades eletroencefalográficas (EEGs).
TABELA 41-2 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno da linguagem expressiva A. Os escores obtidos em medições padronizadas do desenvolvimento da linguagem expressiva, individualmente administradas, estão acentuadamente abaixo daqueles obtidos em medições padronizadas da capacidade intelectual não-verbal e do desenvolvimento da linguagem receptiva. A perturbação pode manifestarse clinicamente por sintomas que incluem um vocabulário acentuadamente limitado, erros nos tempos verbais ou dificuldades com a evocação de palavras ou com a produção de frases de extensão ou complexidade próprias do estágio evolutivo. B. As dificuldades com a linguagem expressiva interferem no desempenho escolar ou profissional ou na comunicação social. C. Não são satisfeitos os critérios para transtorno misto da linguagem receptivo-expressiva ou transtorno global do desenvolvimento. D. Em presença de retardo mental, déficit sensorial ou motor da fala ou privação ambiental, as dificuldades de linguagem excedem as habitualmente associadas com esses problemas. Nota para a codificação: Caso esteja presente um déficit motor da fala, um déficit sensorial ou uma condição neurológica, codificar a condição no Eixo III. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
Etiologia A causa específica do transtorno do desenvolvimento da linguagem expressiva é desconhecida. Dano cerebral sutil e atrasos maturacionais no desenvolvimento cerebral foram postulados como condições subjacentes. Algumas crianças com transtornos da linguagem manifestam dificuldade para processar informações em um tempo determinado. Há poucos dados disponíveis sobre a estrutura cerebral específica de crianças com transtorno da linguagem, mas alguns estudos com ressonância magnética (RM) sugerem que tais transtornos estão associados a uma perda da assimetria cerebral esquerda-direita normal nas regiões perisilvianas e do plano temporal. Os resultados de um pequeno estudo com RM sugeriram possível inversão de assimetria cerebral (direita>esquerda). Lateralidade esquerda ou ambidestria parecem estar associadas a problemas de linguagem expressiva. Há grande evidência mostrando que transtornos da linguagem ocorrem com maior freqüência em certas famílias. Há suspeitas de que fatores genéticos desempenham um papel, e diversos estudos com gêmeos monozigóticos mostram concordância significativa para transtornos do desenvolvimento da linguagem. Fatores ambientais e educacionais também parecem contribuir de alguma forma. Diagnóstico Transtorno da linguagem expressiva está presente quando a criança tem um déficit seletivo nas habilidades de linguagem e está funcionando bem em áreas não-verbais e em habilidades receptivas. Linguagem verbal ou de sinais muito abaixo do nível etário, acompanhadas por um escore baixo em testes verbais expressivos padronizados, levam ao diagnóstico de transtorno da linguagem expressiva (Tab. 41-2). A condição não é causada por um transtorno global do desenvolvimento, e a criança afetada em geral desenvolve algumas estratégias não-verbais para facilitar a socialização. O transtorno está associado aos seguintes aspectos: vocabulário limitado, gramática sim-
ples e articulação variável. “Linguagem interna” ou uso adequado de brinquedos e objetos domésticos estão presentes. Para confirmar o diagnóstico, são administrados testes de linguagem expressiva e inteligência não-verbal padronizados. A observação dos padrões de linguagem verbal e de sinais das crianças em vários ambientes (p. ex., pátio da escola, sala de aula, casa e sala de recreação) e durante interações com outras crianças ajuda a determinar a gravidade e as áreas específicas de prejuízo e auxilia na detecção precoce de complicações comportamentais e emocionais. A história familiar deve incluir presença ou ausência de transtorno da linguagem expressiva entre parentes. Características clínicas Crianças com transtorno da linguagem expressiva podem ser isoladas por seus pares devido à capacidade deficiente de explicar sobre o que estão falando. Elas podem parecer vagas quando contam uma história e usam muitas palavras “tapa-buraco”, como troço e coisas, em vez de nomear os objetos específicos. O aspecto fundamental do transtorno da linguagem expressiva é o prejuízo marcado no desenvolvimento da linguagem expressiva adequada à idade, que resulta no uso de linguagem verbal ou de sinais marcadamente abaixo do nível esperado em vista da capacidade intelectual não-verbal. As habilidades de entendimento da linguagem (decodificação) permanecem relativamente intactas. Quando grave, o transtorno é identificado por volta dos 18 meses de idade, quando a criança deixa de expressar-se de forma espontânea ou até de imitar palavras e sons isolados. Mesmo palavras simples, como Mamã, Papá, estão ausentes de seu vocabulário, e a criança aponta ou usa gestos para indicar desejos. Ela parece querer comunicar-se, mantém contato visual, relaciona-se bem com a mãe e aprecia jogos como dar-bolinho e esconde-esconde. Seu vocabulário é bastante restrito. Aos 18 meses, pode limitar-se a apontar para objetos comuns quando eles são nomeados.
TRANSTORNOS DA COMUNICAÇÃO
Quando uma criança com transtorno da linguagem expressiva começa a falar, o prejuízo de linguagem vai tornando-se aparente. A articulação das palavras costuma ser imatura; inúmeros erros ocorrem, mas são inconsistentes, em particular com sons como r, s, z e l, os quais são omitidos ou substituídos por outros. Aos 4 anos de idade, a maioria das crianças com transtorno da linguagem expressiva pode falar em frases curtas, mas apresenta dificuldade em reter palavras novas. Após começar a falar, adquirem a linguagem de forma mais lenta do que crianças normais. O uso das várias estruturas gramaticais também fica abaixo do nível esperado para a idade, e os marcos de desenvolvimento podem ser ligeiramente atrasados. Problemas emocionais envolvendo baixa estima, frustração e depressão podem desenvolver-se entre crianças em idade escolar. Jennifer era uma menina de 5 anos sociável, ativa, que teve diagnóstico de transtorno da linguagem expressiva. Com freqüência, brincava com sua melhor amiga, Sarah. Um dia, no decorrer de um brinquedo de faz-de-conta, cada uma contou a história de Chapeuzinho Vermelho para sua boneca. A história de Sarah começava: “Chapeuzinho Vermelho estava levando uma cesta de comida para sua avó que estava doente. Um lobo mau parou Chapeuzinho Vermelho na floresta. Ele tentou tirar a cesta dela, mas ela não a deu para ele”. Em comparação, a história de Jennifer ilustrava suas dificuldades marcadas em expressão verbal: “Chapeuzinho ia casa da vovó. Levando comida. O Lobo Mau numa cama. Chapeuzinho diz: que orelhas grandes, vovó? Ouvir você, querida. Que olhos grandes, vovó? Ver você, querida. Que boca grande, vovó? Te comer toda!”. Muitos aspectos da história de Jennifer são característicos de crianças com transtorno da linguagem expressiva, incluindo e frases curtas incompletas; estrutura simples; omissão de palavras de função gramatical (p. ex., é, o); finalizações (p. ex., pronomes possessivos, verbo no tempo presente); problemas na formação de perguntas e uso incorreto de pronomes (p. ex. seu, dela). Contudo, a testagem realizada através de métodos que não requeriam resposta verbal mostrou claramente que a menina entendia os detalhes e o enredo da história de Chapeuzinho Vermelho da mesma forma que Sarah. Jennifer também demonstrava habilidades de compreensão adequadas no jardim de infância, onde acompanhava com facilidade as instruções verbais complexas, de vários passos, da professora (p. ex., “Antes de se aprontarem para o recreio, certifiquem-se de que fizeram um círculo verde em volta de todos os animais, coloquem os livros da biblioteca embaixo de sua cadeira e fiquem em fila no fundo da sala). (Cortesia de Carla J. Johnson, Ph.D., e Joseph H. Beitchman, M.D.) Diagnóstico diferencial Os transtornos da linguagem estão associados a muitos outros transtornos psiquiátricos, sendo difícil separá-los de outras condições. No retardo mental, os pacientes têm um prejuízo global no funcionamento intelectual, conforme demonstrado por esco-
1277
res nos testes de inteligência abaixo da média em todas as áreas. No entanto, a capacidade e o funcionamento intelectual nãoverbal de crianças com transtorno da linguagem expressiva estão dentro de limites normais. No transtorno misto da linguagem receptivo-expressiva, a compreensão da linguagem (decodificação) está bem abaixo do nível esperado para a idade, enquanto no transtorno da linguagem expressiva a compreensão da linguagem permanece dentro de limites normais. Nos transtornos globais do desenvolvimento, além das características cognitivas típicos, as crianças afetadas não apresentam linguagem interior, jogo simbólico ou imaginário, uso adequado de gestos ou capacidade de formar relacionamentos sociais afetuosos e significativos. Além disso, apresentam pouca ou nenhuma frustração com a incapacidade de comunicar-se de forma verbal. Essas características estão ausentes em crianças com transtorno da linguagem expressiva. Aquelas com afasia ou disfasia adquirida têm história normal de desenvolvimento inicial da linguagem; o transtorno da linguagem inicia após um traumatismo craniano ou outro distúrbio neurológico (p. ex., crise convulsiva). Crianças com mutismo seletivo apresentam história normal de desenvolvimento da linguagem. Com freqüência, falam apenas na frente de membros da família (p. ex., mãe, pai, irmãos), sendo socialmente ansiosas e retraídas em outros ambientes. Patologia e exame laboratorial Crianças com transtornos da fala e da linguagem devem ser submetidas a um exame de audiometria para excluir perda de audição. Curso e prognóstico O prognóstico do transtorno da linguagem expressiva está relacionado à sua gravidade. Estudos sobre crianças que apresentaram atraso no desenvolvimento de fala indicam que 50 a 80% dominavam habilidades de linguagem, dentro do nível esperado, nos anos pré-escolares. A maioria das que começam a falar mais tarde, mas atingem o mesmo grau de habilidade durante os anos pré-escolares, não tem risco maior de desenvolver outros transtornos da linguagem ou da aprendizagem. O prognóstico é influenciado por outros transtornos co-mórbidos. Se as crianças não desenvolvem transtornos do humor ou problemas de comportamento diruptivo, o prognóstico é melhor. A rapidez e a extensão da recuperação dependem da gravidade do transtorno, da motivação da criança para participar da terapia e da instituição oportuna de intervenções na fala e de outras abordagens terapêuticas. A presença ou a ausência de outros fatores – como perda auditiva moderada a grave, retardo mental leve e problemas emocionais graves – também afeta o prognóstico para a recuperação. Cerca de 50% das crianças com transtorno da linguagem expressiva leve recuperamse de forma espontânea, sem qualquer sinal de prejuízo na linguagem, mas aquelas com a forma grave do transtorno podem exibir mais tarde prejuízo na linguagem de leve a moderado. Literatura recente tem indicado que crianças que apresentam compreensão, articulação ou desempenho acadêmico pobres ten-
1278
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
dem a continuar com problemas nestas áreas no acompanhamento realizado sete anos mais tarde. Também há uma associação entre prejuízos de linguagem específicos e alterações persistentes do humor e do comportamento. Crianças com compreensão pobre associada a dificuldades expressivas sofrem maior isolamento social e prejuízo nos relacionamentos com iguais. Os níveis da linguagem expressiva e das habilidades não-verbais e de comunicação estão fortemente relacionados em crianças com prejuízo da linguagem. A linguagem expressiva pode ser vista como um índice de desenvolvimento geral ou como um marcador de habilidades sociais e de comunicação. Principalmente em crianças préescolares, a linguagem expressiva está mais relacionada a habilidades sociais e de comunicação não-verbal, do que a uma medida de conhecimento de palavras. Tratamento O tratamento para o transtorno da linguagem expressiva costuma ser iniciado quando os sintomas persistem após os anos préescolares. Várias técnicas têm sido utilizadas para ajudar a criança a utilizar melhor alguns instrumentos da fala, como pronomes, tempos verbais corretos e frases interrogativas. As intervenções diretas requerem um profissional especializado em fala e linguagem que trabalhe diretamente com a criança. Intervenções mediadas, nas quais pais e professores são orientados a promover técnicas de linguagem terapêuticas, também têm sido eficazes. A terapia da linguagem visa ao uso de palavras para melhorar estratégias de comunicação e interações sociais. Esse tipo de terapia consiste em exercícios de reforço comportamental e prática com fonemas (unidades de som), vocabulário e construção de frases. O objetivo é aumentar o número de frases usando métodos de construção com blocos e terapias de fala convencionais. Psicoterapia individual pode ser útil para crianças cujo prejuízo de linguagem afeta a auto-estima, podendo funcionar como modelo positivo para comunicação mais efetiva e melhora das habilidades sociais. Aconselhamento de apoio para os pais pode ser indicado em alguns casos, a fim de reduzir tensões intrafamiliares decorrentes das dificuldades de criar filhos com problemas de linguagem e aumentar a consciência e o entendimento acerca do transtorno. TRANSTORNO MISTO DA LINGUAGEM RECEPTIVO-EXPRESSIVA No transtorno misto da linguagem receptivo-expressiva, as crianças apresentam prejuízo tanto na compreensão como na expressão da linguagem. O DSM-IV-TR combina transtornos da linguagem receptiva e expressiva. Acredita-se que prejuízo na linguagem receptiva clinicamente significativo seja acompanhado por disfunção na linguagem expressiva. De acordo com o manual, é aconselhável não diagnosticar transtorno da linguagem receptiva na ausência de transtorno da linguagem expressiva. Os aspectos fundamentais do transtorno misto da linguagem receptivo-expressiva são mostrados por escores em testes padronizados; os escores do desenvolvimento tanto de linguagem re-
ceptiva (compreensão) quanto de linguagem expressiva ficam muito abaixo daqueles obtidos em medidas padronizadas de capacidade intelectual não-verbal. As dificuldades de linguagem devem ser graves a ponto de prejudicar o desempenho acadêmico ou a comunicação social diária. O paciente com essa condição não deve satisfazer os critérios para um transtorno global do desenvolvimento, e as disfunções da linguagem devem exceder aquelas associadas a retardo mental e a outras síndromes de déficit neurológico e sensorial. Epidemiologia Acredita-se que o transtorno misto da linguagem receptivo-expressiva ocorra em cerca de 3% das crianças em idade escolar, e a combinação é menos comum do que transtorno da linguagem expressiva sozinho. Acredita-se que a prevalência seja pelo menos duas vezes maior entre meninos. Co-morbidade Crianças com transtorno misto da linguagem receptivo-expressiva têm um alto risco para outros transtornos da fala e da linguagem, transtornos da aprendizagem e outros transtornos psiquiátricos. Aproximadamente metade das crianças com a condição também apresenta dificuldades de pronúncia levando a transtorno fonológico, e cerca de metade também tem transtorno da leitura. Essas taxas de co-morbidade são bem mais altas que as encontradas entre crianças com apenas transtorno da linguagem expressiva. Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade está presente em pelo menos um terço das crianças com esse transtorno. Etiologia A causa do transtorno misto da linguagem receptivo-expressiva é desconhecida. Assim como no transtorno da linguagem expressiva sozinho, há evidências de história familiar positiva. A contribuição genética é sugerida por estudos com gêmeos, mas nenhuma forma de transmissão genética foi comprovada. Alguns estudos com crianças portadores de vários transtornos da fala e da linguagem também demonstraram déficits cognitivos, em especial no processamento de tarefas mais lento envolvendo nomeação de objetos, bem como tarefas motoras finas. Mielinização mais lenta de vias neurais foi postulada como responsável pelo processamento lento associado ao transtorno. Diversos estudos sugerem um prejuízo subjacente de discriminação auditiva, uma vez que a maioria das crianças afetadas é mais responsiva a sons ambientais do que a sons de fala. Diagnóstico Crianças com transtorno misto da linguagem receptivo-expressiva desenvolvem-se de forma mais lenta do que seus pares e têm problemas para entender conversas que os demais podem acompanhar. A
TRANSTORNOS DA COMUNICAÇÃO
disfunção receptiva coexiste com a disfunção expressiva. Portanto, testes padronizados para capacidades de linguagem tanto receptiva como expressiva devem ser administrados a qualquer um com suspeita de ter o transtorno misto. Um nível de compreensão da linguagem verbal ou de sinais abaixo do esperado, com capacidade intelectual não-verbal intacta e adequada à idade, confirmação de dificuldades de linguagem através de testes de linguagem receptiva padronizados e ausência de transtornos globais do desenvolvimento confirmam o diagnóstico de transtorno misto da linguagem receptivo-expressiva (Tab. 41-3). Características clínicas O aspecto clínico fundamental do transtorno é o prejuízo significativo tanto na compreensão da linguagem como em sua expressão. No transtorno misto, os prejuízos expressivos são semelhantes àqueles do transtorno da linguagem expressiva, mas podem ser mais graves. As características clínicas do componente receptivo do transtorno em geral aparecem antes dos 4 anos de idade. Formas graves são aparentes por volta dos 2 anos de idade; formas leves podem não se tornar evidentes até os 7 anos (2a série) ou mais tarde, quando a linguagem tornase complexa. Crianças com transtorno misto da linguagem receptivo-expressiva apresentam atraso importante e capacidade diminuída de compreensão da linguagem verbal (decodificação) e de sinais, embora apresentem capacidade intelectual nãoverbal adequada para a idade. Na maioria dos casos de disfunção somente receptiva, a expressão verbal ou de sinais (codificação) da linguagem também está prejudicada. Os aspectos clínicos do transtorno misto em crianças entre as idades de 18 e 24 meses resultam em falha da criança em pronunciar um único fonema de forma espontânea ou em imitar palavras ditas por outra pessoa.
1279
Muitas crianças com transtorno misto da linguagem receptivo-expressiva têm dificuldades sensoriais auditivas e não podem processar símbolos visuais, tal como explicar o significado de uma figura. Elas têm déficits na integração de símbolos tanto auditivos quanto visuais – por exemplo, reconhecer os atributos comuns básicos de um caminhão ou de um carrinho de brinquedo. Aos 18 meses, uma criança com transtorno da linguagem expressiva pode compreender apenas comandos simples e apontar para objetos domésticos familiares quando solicitada a fazê-lo, enquanto uma de mesma idade com transtorno misto da linguagem receptivo-expressiva não é capaz nem de apontar para objetos comuns nem de obedecer a comandos simples. Em geral, parece ser surda, apesar de poder ouvir. Ela responde a sons do ambiente que não são de linguagem, mas não à linguagem falada. Se a criança mais tarde começa a falar, a fala contém inúmeros erros de articulação, como omissões, distorções e substituições de fonemas. A aquisição da linguagem é muito mais lenta entre crianças com transtorno misto da linguagem receptivo-expressiva do que entre as que são normais. As crianças com o transtorno misto têm dificuldade para acessar memórias visuais e auditivas e reconhecer e reproduzir símbolos na seqüência correta. Em alguns casos, anormalidades bilaterais nos EEGs são observadas. Certas crianças afetadas têm um defeito auditivo parcial para tons verdadeiros, um limiar aumentado de alerta auditivo e uma incapacidade de localizar fontes de sons. Transtornos convulsivos e transtorno da leitura são mais comuns entre os parentes de crianças com transtorno misto da linguagem receptivo-expressiva do que na população em geral.
A maioria das crianças com transtorno misto da linguagem receptivo-expressiva apresenta prejuízo social e em termos de comunicação não-verbal. Esse prejuízo causa uma variedade de outras dificuldades e, com freqüência, resulta em baixa auto-estima e sentimentos de inferioridade que, por sua vez, podem impedir a criança de obter sucesso em tarefas comuns do desenvolvimento. Patologia e exame laboratorial
TABELA 41-3 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno misto da linguagem receptivo-expressiva A. Os escores obtidos em uma bateria de testes padronizados do desenvolvimento da linguagem tanto receptiva quanto expressiva, individualmente administrados, estão acentuadamente abaixo daqueles obtidos a partir de medições padronizadas da capacidade intelectual não-verbal. Os sintomas incluem os do transtorno da linguagem expressiva, acrescidos de dificuldade para compreender palavras, frases ou tipos específicos de palavras, tais como termos espaciais. B. As dificuldades de linguagem receptiva e expressiva interferem significativamente no rendimento escolar ou profissional ou na comunicação social. C. Não são satisfeitos os critérios para transtorno global do desenvolvimento. D. Em presença de retardo mental, déficit motor da fala ou outro déficit sensorial ou privação ambiental, as dificuldades de linguagem excedem as habitualmente associadas com esses problemas. Nota para a codificação: Caso esteja presente um déficit motor da fala, um déficit sensorial ou uma condição neurológica, codificar a condição no Eixo III. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
Uma audiometria é indicada para todas as crianças suspeitas de apresentar transtorno misto da linguagem receptivo-expressiva, para excluir ou confirmar surdez e para determinar o tipo de déficit auditivo. A história da criança e da família e a observação da criança em vários ambientes ajudam a esclarecer o diagnóstico. Diagnóstico diferencial Crianças com transtorno misto da linguagem receptivo-expressiva significativo apresentam um déficit na compreensão da linguagem que pode, em princípio, passar despercebido, uma vez que o déficit na linguagem expressiva pode ser mais óbvio. No transtorno da linguagem expressiva sozinho, a compreensão da linguagem falada (decodificação) permanece dentro do normal para a idade. Crianças com transtorno fonológico ou tartamudez têm competência de linguagem expressiva e receptiva normal, a despeito dos prejuízos na fala. Prejuízo auditivo deve ser excluído. A maioria das pessoas com transtorno misto da linguagem receptivo-expressiva tem uma história de respostas variáveis e in-
1280
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
consistentes a sons; respondem com mais freqüência a sons ambientais do que a sons de fala (Tab. 41-4). Retardo mental, mutismo seletivo, afasia adquirida e transtornos globais do desenvolvimento também precisam ser excluídos. Prejuízo auditivo, transtornos globais do desenvolvimento e privação ambiental grave podem contribuir de forma significativa para os problemas de linguagem. Curso e prognóstico O prognóstico global para o transtorno misto da linguagem receptivo-expressiva é menos favorável do que para o transtorno da linguagem expressiva sozinho. Quando aquele é identificado em uma criança pequena, tende a ser grave, e o prognóstico de curto prazo é desfavorável. A linguagem desenvolve-se rapidamente na primeira infância, e crianças pequenas com o transtorno podem parecer estar ficando para trás. Em vista da alta probabilidade de ocorrência de co-morbidade com outros transtornos mentais, o prognóstico do transtorno da aprendizagem é reservado. É provável que crianças pequenas com transtorno misto grave apresentem também transtornos da aprendizagem no futuro. Entre aquelas com os subtipos leves, o transtorno misto pode não ser identificado por vários anos, e o prejuízo, na vida diária, pode ser menos significativo do que nas formas graves da condição. Com o passar do tempo, algumas crianças com transtorno misto da linguagem receptivo-expressiva alcançam funções de linguagem próximas do normal. O prognóstico varia bastante e depende da natureza e da gravidade do dano. Tratamento Uma avaliação abrangente da fala e da linguagem é recomendada para crianças com transtorno misto da linguagem receptivo-ex-
pressiva antes de se iniciar um programa de recuperação. Alguns terapeutas da linguagem defendem um ambiente com poucos estímulos, no qual as crianças recebam instrução lingüística individual. Outros recomendam que a instrução da fala e da linguagem seja integrada, em um ambiente variado, com crianças aprendendo diversas estruturas de linguagem simultaneamente. Com freqüência, uma criança com transtorno misto da linguagem receptivo-expressiva se beneficiará de um ambiente mais limitado, de educação especial que permita uma aprendizagem individualizada. Psicoterapia individual pode ser útil para essas crianças que, além disso, têm problemas emocionais e comportamentais associados. Atenção particular deve ser dada à avaliação da auto-imagem e às habilidades sociais da criança. Aconselhamento familiar, no qual pais e filhos possam desenvolver meios mais efetivos e menos frustrantes de comunicação, pode ser benéfico. TRANSTORNO FONOLÓGICO Crianças com transtorno fonológico podem ser confundidas com crianças menores devido a suas dificuldades em produzir sons de fala de maneira correta. Tal condição inclui produção de som deficiente, substituições de um som por outro e omissões de sons que são parte de palavras. O diagnóstico é feito pela comparação das habilidades de uma determinada criança com o nível de habilidade esperado para a idade. O transtorno resulta em erros em palavras inteiras devido a pronúncia incorreta de consoantes, substituição de um som por outro, omissão de fonemas inteiros e, em alguns casos, disartria (fala arrastada decorrente da falta de coordenação dos músculos da fala) ou dispraxia (dificuldade em planejar e executar a fala). A produção de sons da fala parece basearse tanto no desenvolvimento lingüístico como no desenvolvimento motor, que devem ser integrados para produzir os sons. De acor-
TABELA 41-4 Diagnóstico diferencial de transtornos da linguagem
Prejuízo de audição
Retardo mental
Autismo infantil
Transtorno misto da Transtorno da linguagem linguagem receptivoexpressiva expressiva
Compreensão da linguagem Linguagem expressiva Audiograma Articulação
– – – –
– – + –
Linguagem interior
+
+ (Limitado)
– – + – (Variável) –
+ – + – (Variável) +
Usa gestos
+
–
+
Repete som
–
+ (Limitado) +
– – Variável – (Variável) + (Ligeiramente limitado) +
+
Presta atenção a sons
Alto ou de baixa freqüência apenas + +
+
+ (Inadequado) –
+ –
– +
Observa rostos Desempenho
+, normal; –, anormal. Cortesia de Lorian Baker, Ph.D., e Dennis Cantwell, M.D.
Mutismo seletivo
Transtorno fonológico
+ Variável + +
+ + + –
+
+ +
+
+ (Variável) +
+
+
Variável
+
+
+ +
+ +
+ +
+ +
TRANSTORNOS DA COMUNICAÇÃO
do com o DSM-IV-TR, se retardo mental, déficit motor ou sensorial na fala ou privação ambiental estiverem presentes, a disfunção da linguagem deve exceder aquela associada a tais problemas. Componentes do transtorno fonológico, como disartria e dispraxia, têm mais probabilidade de ter uma base neurológica. Transtorno do desenvolvimento da articulação, entretanto, é o transtorno fonológico mais comum em crianças. O transtorno do desenvolvimento fonológico é caracterizado por freqüente má articulação, substituição e omissão de sons de fala, dando a impressão de “fala de bebê”. Sua forma desenvolvimental não é causada por anormalidades anatômicas, estruturais, fisiológicas, auditivas ou neurológicas. Ele varia de leve a grave e resulta em uma fala que pode ser tanto compreensível como incompreensível. Epidemiologia As taxas de prevalência relatadas de transtornos fonológicos em crianças têm variado devido à idade das crianças examinadas e aos métodos usados para identificar a condição. Diversos estudos encontraram taxas de prevalência de transtorno fonológico do desenvolvimento de 7 a 8% entre crianças com menos de 12 anos. Os estudos indicam ainda que cerca de 5% das crianças acima de 8 anos de idade persistem com distorções de certos sons. O transtorno é 2 a 3 vezes mais comum entre meninos do que entre meninas. Além disso, é mais comum entre parentes de primeiro grau de pacientes com o transtorno do que na população geral. De acordo com o DSM-IV-TR, a prevalência cai para 0,5% da metade ao final da adolescência. Co-morbidade Mais da metade das crianças com transtorno do desenvolvimento fonológico tem alguma dificuldade com a linguagem expressiva. As condições associadas costumam ser transtorno da linguagem expressiva, transtorno misto da linguagem receptivo-expressiva, transtorno da leitura e transtorno do desenvolvimento da coordenação. Enurese também pode acompanhar o transtorno. Um atraso em alcançar os marcos da fala (tais como primeira palavra e primeira frase) foi relatado entre algumas crianças com transtorno fonológico, mas a maioria começa a falar na idade adequada. Crianças com transtorno fonológico que também apresentam transtorno da linguagem têm maior risco para problemas de atenção e transtornos da aprendizagem. Aquelas com transtorno fonológico que não têm disfunção da linguagem apresentam risco mais baixo para co-morbidades psiquiátricas e problemas comportamentais. Etiologia As causas do transtorno fonológico provavelmente incluem múltiplas variáveis, dentre elas problemas perinatais, fatores genéticos, problemas no processamento auditivo, prejuízo de audição e anormalidades estruturais relacionadas à fala. Um atraso desen-
1281
volvimental ou maturacional no processo neurológico essencial à fala foi postulado em alguns casos. A probabilidade de anormalidade cerebral sutil é apoiada pela observação de que crianças com transtorno fonológico também têm maior probabilidade de manifestar “sinais neurológicos sutis”, bem como outros transtornos, incluindo dificuldades de linguagem receptiva e expressiva e uma taxa mais alta do que o esperado de transtorno da leitura. Fatores genéticos são implicados por estudos com gêmeos, que mostraram taxas de concordância para gêmeos monozigóticos altas demais para serem casuais. Transtornos da articulação causados por problemas estruturais ou mecânicos são muito raros. Os transtornos fonológicos causados por prejuízo neurológico podem ser divididos em disartria e apraxia, ou dispraxia. Disartria resulta de um prejuízo nos mecanismos neurais que regulam o controle muscular da fala. Pode ocorrer em condições congênitas como paralisia cerebral, distrofia muscular ou traumatismo craniano ou em processos infecciosos. Apraxia, ou dispraxia, é caracterizada por dificuldade na execução da fala, mesmo quando não há paralisia ou fraqueza óbvia dos músculos utilizados na articulação da fala. Fatores ambientais podem desempenhar algum papel no transtorno do desenvolvimento fonológico, mas fatores constitucionais parecem dar a contribuição mais significativa. A alta proporção em certas famílias sugere um componente genético no desenvolvimento dessa condição. Coordenação motora pobre, lateralidade e destreza não estão associadas a transtorno fonológico. Diagnóstico O aspecto fundamental do transtorno fonológico é o atraso ou a falha da criança em produzir os sons esperados para seu estágio do desenvolvimeto. Em especial, erro na utilização de consoantes, resultando em omissões de som, substituições e distorções de fonemas. Uma orientação simples para avaliação clínica da articulação é que crianças normais de 3 anos de idade articulam corretamente m, n, ng, b, p, h, t, q e d; de 4 anos articulam corretamente f, ch e z; e as de 5 anos articulam s e r corretamente. Transtorno fonológico não pode ser atribuído a anormalidades estruturais ou neurológicas, sendo acompanhado por desenvolvimento normal da linguagem. Os critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno fonológico são apresentados na Tabela 41-5. Características clínicas Crianças com transtorno fonológico estão atrasadas ou são incapazes de gerar sons da fala esperados para sua idade, inteligência e dialeto. Os sons costumam ser substituídos – por exemplo, o uso de l em vez de r – e omitidos, tal como deixar de fora as consoantes finais de palavras. O transtorno pode ser reconhecido na primeira infância. Em casos graves, pode ser reconhecida pela primeira vez por volta dos 3 anos de idade. Em casos menos graves, pode não ser aparente até os 6 anos de idade. A articulação de uma criança é considerada um problema quando está muito atrás daquela da maioria das crianças na mesma faixa etária, intelectual e educacional.
1282
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 41-5 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno fonológico A. Fracasso em usar os sons da fala esperados para o estágio do desenvolvimento, próprios da idade e do dialeto do indivíduo (p. ex., erros na produção, uso, representação ou organização dos sons, tais como substituições de um som por outro [uso de /t/ em vez de /k/] ou omissões de fonemas). B. As dificuldades na produção dos sons da fala interferem no desempenho escolar ou profissional ou na comunicação social. C. Em presença de retardo mental, déficit motor da fala, déficit sensorial ou privação ambiental, as dificuldades da fala excedem as habitualmente associadas com esses problemas. Nota para a codificação: Caso um déficit motor da fala, um déficit sensorial ou uma condição neurológica esteja presente, codificar a condição no Eixo III. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association, copyright 2000, com permissão.
Em casos leves, um único som de fala (i.e., fonema) pode ser afetado. Quando apenas um fonema é afetado, este tende a ser um dos que é adquirido apenas no final da aquisição normal da linguagem. Os sons de fala articulados com mais dificuldade são aqueles adquiridos no final da seqüência de desenvolvimento, incluindo r, f, z, l, e ch. Em casos graves e em crianças pequenas, sons como b, m, t, d, n e h podem ser malpronunciados. Um ou muitos sons de fala podem ser afetados, mas as vogais não estão entre eles. O transtorno impede a articulação de certos fonemas corretamente e pode distorcer, substituir ou mesmo omitir os fonemas afetados. Nas omissões, os fonemas estão inteiramente ausentes – por exemplo, cao para carro, ata para lata ou ito para o que é isto? Nas substituições, fonemas difíceis são substituídos por incorretos – por exemplo, calo para carro. Nas distorções, o fonema correto é aproximado, mas é articulado de forma incorreta. Adições (em geral de uma vogal) ocorrem em casos raros – por exemplo, guato para gato. Omissões parecem ser o tipo mais sério de articulação incorreta, com substituições vindo logo a seguir, e distorções sendo o tipo menos sério. As primeiras são mais freqüentes na fala de crianças pequenas e, em geral, ocorrem nos finais de palavras ou em grupos de consoantes (ca para carro, zora para tesoura). Distorções, que são encontradas principalmente na fala de crianças mais velhas, resultam em um som que não é parte do dialeto do orador. Esse pode ser o último tipo de má articulação que permanece na fala de crianças cujos problemas relacionados, em sua maior parte, diminuíram. Os tipos mais comuns de distorções são o deslize lateral – no qual a criança pronuncia sons de s com o fluxo de ar passando pela língua, produzindo um efeito de assobio – e o cicio palatal – no qual o som de s, formado com a língua muito próxima do palato, produz um efeito de som ssh. Os problemas de articulação entre crianças com transtorno fonológico costumam ser inconsistentes e aleatórios. Um fonema pode ser pronunciado de forma correta em uma ocasião e incorretamente em outra. Eles são mais comuns nos finais de palavras, em frases longas e sintaticamente complexas e durante a fala rápida. Omissões, distorções e substituições também ocorrem normalmente na fala de crianças pequenas que estão aprendendo a falar. No entanto, enquanto essas articulações incorretas logo são substituídas entre crianças normais, o mesmo não ocorre entre aquelas com transtorno fonológico. Até quando crescem e, finalmente, adquirem o fonema correto, podem usá-lo apenas em palavras adquiridas há pouco e não corrigir as palavras aprendidas há mais tempo, as quais eram pronunciadas incorretamente.
A maioria das crianças tende a superar o transtorno fonológico, em geral na 3a série. Após a 4a série, entretanto, a recuperação espontânea é improvável e, portanto, é importante tentar corrigir o transtorno antes do desenvolvimento de complicações. Com freqüência, o início do jardim de infância ou do ensino fundamental precipita a melhora quando a recuperação do transtorno fonológico é espontânea. Fonoterapia é indicada para crianças que não apresentaram melhora na 3a ou 4a série. Essa intervenção deve ser iniciada em uma idade precoce para aquelas cuja articulação é muito incompreensível e que são perturbadas por sua incapacidade de falar de forma clara. Crianças com transtorno fonológico podem ter vários problemas sociais, emocionais e comportamentais concomitantes, especialmente quando há problemas de linguagem expressiva comórbidos. As com transtorno da linguagem expressiva e grave prejuízo na articulação e aquelas cujo transtorno é crônico e contínuo são as com maior probabilidade de sofrer problemas psiquiátricos. Sasha era um menino de 3 anos de idade tagarela, agradável, cuja fala era quase incompreensível. Ele tinha audição e habilidades de compreensão de linguagem normais. Nenhuma conclusão definitiva sobre seu nível de desenvolvimento da linguagem expressiva podia ser tirada, pois era difícil compreendê-lo. Entretanto, parecia estar pronunciando múltiplas palavras. Sasha produzia apenas um pequeno número de consoantes adquiridas no início do desenvolvimento (m, n, d, t, b, v), vogais (e, a, o) e formatos de sílabas (V, CV, CVCV). Como resultado, muitos de suas palavras faladas eram indistinguíveis umas das outras (p. ex., ele dizia “mahmah” para mamadeira e mamãe; usava quéee para quero e Raquel [sua irmã]). Além disso, nunca produzia sons de consoante ao final de palavras ou usava seqüências de grupos de consoantes (p. ex., ltr-l, l-ntl, l-mpl). Em uma ocasião, Sasha reagiu com frustração e acesso de raiva à sua dificuldade em fazer-se entender. (Cortesia de Carla J. Johnson, Ph.D. e Joseph H. Beitchman, M.D.) Diagnóstico diferencial O diagnóstico diferencial de transtorno fonológico inclui uma determinação cuidadosa da gravidade dos sintomas e de possíveis condições médicas que poderiam estar produzindo-os. Primeiro, o médico deve determinar se as articulações incorretas são graves o suficiente para serem consideradas incapacitantes, e não um processo normal do desenvolvimento da aprendizagem da fala. Segundo, deve determinar se alguma anormalidade física responde pelos problemas de articulação e excluir distúrbios neurológicos que podem causar disartria, prejuízo de audição, retardo mental e transtornos globais do desenvolvimento. Terceiro, deve obter uma avaliação da linguagem expressiva e receptiva para determinar se a dificuldade de fala não é atribuível a essas condições referidas. Exames neurológicos, estruturais orais e audiométricos podem ser necessários para excluir fatores físicos que causam certos tipos de anormalidades de articulação. Crianças com disartria, um transtorno causado por anormalidades estruturais ou neurológicas, diferem daquelas com transtorno do desenvolvimento
TRANSTORNOS DA COMUNICAÇÃO
fonológico, na medida em que a disartria tem menos probabilidade de desaparecer de forma espontânea e pode ser difícil de corrigir. Salivação, comportamento motor lento ou descoordenado, mastigação ou deglutição anormal e protrusão ou retração desajeitada ou lenta da língua indicam disartria. Uma lentificação da fala também indica essa condição (Tab. 41-6). Curso e prognóstico A remissão espontânea dos sintomas é comum em crianças com articulação incorreta de apenas alguns fonemas. As que continuam a exibir problemas dessa natureza após a idade de 5 anos podem estar experimentando uma infinidade de outros prejuízos da fala e da linguagem, de modo que uma avaliação abrangente é indicada. Aquelas com mais de 5 anos com problemas de articulação têm maior risco para problemas de percepção auditiva. A recuperação espontânea é rara após os 8 anos. Tratamento Fonoterapia, conduzida por um especialista em fala e linguagem, é considerada o tratamento mais adequado para a maioria dos problemas fonológicos. Essa intervenção é indicada quando a compreensão da articulação é pobre; quando a criança afetada tem mais de 8 anos de idade; quando o problema de fala causa problemas com o grupo de iguais e com a auto-imagem; quando o transtorno é tão grave que muitas consoantes são mal-articuladas; e quando erros envolvem omissões e substituições de fonemas, mais do que distorções. Crianças com problemas de articulação persistentes freqüentemente são ridicularizadas e excluídas por seus pares e podem tornar-se isoladas e desmoralizadas. Portanto, é importante darlhes apoio e, sempre que possível, incentivar atividades pró-sociais e interações com seus pares. Aconselhamento parental e mo-
1283
nitoração dos relacionamentos da criança e de seu comportamento na escola podem ajudar a minimizar o prejuízo social causado por um transtorno da fala e da linguagem. TARTAMUDEZ (GAGUEIRA) Tartamudez é uma condição caracterizada por interrupções involuntárias no fluxo da fala. Vários eventos motores na fala que resultam em falta de fluência no falar podem ocorrer. Pode consistir de um ou mais dos seguintes fenômenos: repetições de som, prolongamentos, interjeições, pausas dentro de palavras, substituições de palavras observáveis para evitar bloqueio e bloqueio audível ou silencioso. A forma grave contém aspectos secundários que podem incluir respiração desordenada, contração labial e estalar de língua. Comportamentos como “careta”, abalos da cabeça ou movimentos corporais anormais não são raros durante a fala interrompida. O transtorno em geral se origina na infância. Há controvérsia entre especialistas de fala e linguagem sobre considerar a tartamudez uma entidade independente ou parte de um transtorno da fala e da linguagem mais amplo. Alguns questionam se a condição deve ser considerada um problema psiquiátrico. Muitas crianças que gaguejam suportam sofrimento psicológico significativo, com prejuízo na vida diária. Epidemiologia Na população em geral, a prevalência de tartamudez é de cerca de 1%. Tende a ser mais comum entre crianças pequenas e geralmente se resolve de forma espontânea em crianças mais velhas. A idade de início típica vai dos 2 aos 7 anos, com um pico aos 5 anos. Foi estimado que até 3 a 4% dos indivíduos podem ter gaguejado em algum momento de suas vidas. Cerca de 80% das crianças pequenas que gaguejam terão a remis-
TABELA 41-6 Diagnóstico diferencial de disfunções fonológicas
Critérios Desenvolvimento da linguagem Exame
Taxa de fala
Fonemas afetados
Disfunção fonológica devido a anormalidades estruturais ou neurológicas (disartria)
Disfunção fonológica devido a prejuízo Transtorno de audição fonológico
Dentro dos limites normais
Dentro dos limites normais, a menos que o prejuízo de audição seja sério Possíveis anormalidades de lábios, Prejuízo de audição língua ou palato; fraqueza muscular, indicado na falta de coordenação ou problemas testagem nas funções vegetativas, como audiométrica sugar ou mastigar Lenta; deterioração marcada da Normal articulação com taxa aumentada Quaisquer fonemas, mesmo vogais
Cortesia de Lorian Baker, Ph.D., e Dennis Cantwell, M.D.
F, th, sh e s
Dentro dos limites normais Normal
Normal; possível deterioração da articulação com taxa aumentada R, sh, th, ch, dg, j, f, v, s e z são os mais afetados
Disfunção fonológica associada a retardo mental, autismo infantil, disfasia do desenvolvimento, afasia adquirida ou surdez Fora dos limites normais
1284
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
são espontânea do problema com o passar do tempo. De acordo com o DSM-IV-TR, esse número reduz para 0,8% na adolescência. A tartamudez afeta uma média de 3 a 4 homens para cada mulher. O transtorno é mais comum entre membros da família de crianças afetadas do que na população em geral. Segundo o manual, para pessoas do sexo masculino que gaguejam, 20% de seus filhos e 10% de suas filhas também apresentarão o problema. Co-morbidade Crianças muito pequenas que gaguejam tendem a apresentar algum atraso no desenvolvimento da linguagem e da articulação, sem transtornos adicionais da fala e da linguagem. Préescolares e crianças em idade escolar que gaguejam exibem uma incidência aumentada de ansiedade social, recusa escolar e outros sintomas de ansiedade. As mais velhas também não apresentam, necessariamente, transtornos da fala e da linguagem co-mórbidos, mas com freqüência manifestam sintomas e transtornos de ansiedade. Quando a tartamudez persiste até a adolescência, o isolamento social ocorre em taxas mais elevados do que na população adolescente normal. A condição também está associada a uma variedade de movimentos motores anormais, tiques da parte superior do corpo e caretas. Outros transtornos que coexistem com tartamudez incluem transtorno fonológico, transtorno da linguagem expressiva, transtorno misto da linguagem receptivo-expressiva e transtorno de déficit de atenção/hiperatividade. Etiologia A causa precisa da tartamudez é desconhecida, e várias teorias foram propostas. No passado, a teoria psicanalítica sugeria que a condição ocorre como uma resposta a conflitos, medos ou neurose. Nenhuma evidência indica que ansiedade ou conflitos causam tartamudez ou que pessoas que gaguejam têm mais transtornos psiquiátricos do que aquelas com outras formas de transtornos da fala e da linguagem. Entretanto, esse problema pode ser exacerbado por certas situações estressantes. Outras teorias sobre sua causa incluem modelos orgânicos e modelos de aprendizagem. Modelos orgânicos se referem àqueles que se focalizam na lateralização incompleta ou na dominância cerebral anormal. Diversos estudos usando eletroencefalografia verificaram que homens gagos tinham supressão alfa hemisférica direita através de palavras e tarefas de estímulo; aqueles que não gaguejavam tinham supressão hemisférica esquerda. Alguns estudos com gagos observaram uma representação excessiva de canhotismo e ambidestria. Estudos com gêmeos e achados de diferenças entre gêneros na tartamudez indicam que a mesma possui alguma base genética. Teorias da aprendizagem sobre a causa da tartamudez incluem a teoria semantogênica, na qual a tartamudez é basicamente uma resposta aprendida à falta de fluência normal da primeira infância. Outro modelo de aprendizagem focaliza-se no condicionamento clássico, no qual a tartamudez torna-se condicionada por fatores ambientais. No modelo
cibernético, a fala é vista como um processo que depende de feedback adequado para regulação; foi postulado que a tartamudez ocorre devido a uma ruptura no circuito de feedback. A observação de que ela é reduzida por ruído branco e que feedback auditivo retardado produz tartamudez em oradores normais dá apoio a essa teoria.
O funcionamento motor de algumas crianças que gaguejam parece ser atrasado ou ligeiramente anormal. A observação de dificuldades no planejamento da fala exibidas por algumas delas sugere que disfunção cognitiva de maior nível pode contribuir para a tartamudez. Ainda que essas crianças não exibam, em grande parte, outros transtornos da fala e da linguagem, membros de suas famílias tendem a apresentar uma incidência aumentada de uma variedade de transtornos da fala e da linguagem. É mais provável que a tartamudez seja causada por um conjunto de variáveis interativas que incluem fatores genéticos e ambientais. Diagnóstico O diagnóstico de tartamudez não é difícil quando os aspectos clínicos são aparentes e bem-desenvolvidos e cada uma das quatro fases (descritas na próxima seção) pode ser reconhecida. Dificuldades diagnósticas podem surgir quando se tenta determinar a existência da condição em crianças pequenas, visto que alguns pré-escolares experimentam falta de fluência transitória. Pode não ser claro se o padrão não-fluente é parte do desenvolvimento normal da fala e da linguagem ou representa o estágio inicial no desenvolvimento de tartamudez. Se há suspeita de gagueira incipiente, o encaminhamento a um fonoaudiologista é indicado. A Tabela 41-7 apresenta os critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para tartamudez.
TABELA 41-7 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para tartamudez (gagueira) A. Perturbação na fluência e no ritmo da fala (que não é própria da idade do indivíduo), caracterizada por ocorrências freqüentes de um ou mais dos seguintes aspectos: (1) repetições de sons e sílabas (2) prolongamentos de sons (3) interjeições (4) palavras truncadas (p. ex., pausas dentro de uma palavra) (5) bloqueio audível ou silencioso (p. ex., pausas preenchidas ou não preenchidas na fala) (6) circunlocuções (substituições de palavras para evitar as que são problemáticas) (7) palavras produzidas com um excesso de tensão física (8) repetições de palavras monossilábicas completas (p. ex., “Eu-eu-eu vou”) B. A perturbação na fluência interfere no rendimento escolar e profissional ou na comunicação social. C. Em presença de um déficit motor da fala, déficit sensorial, as dificuldades na fala excedem as habitualmente associadas com estes problemas. Nota para a codificação: Caso um déficit motor da fala, um déficit sensorial ou uma condição neurológica esteja presente, codificar a condição no Eixo III. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
TRANSTORNOS DA COMUNICAÇÃO
Características clínicas A tartamudez em geral aparece entre os 18 meses e os 9 anos de idade, com dois picos agudos de início entre as idades de 2 e 3,5 anos e 5 a 7 anos. Alguns, mas não todos, os gagos apresentam outros problemas de fala e linguagem, como transtorno fonológico e transtorno da linguagem expressiva. Essa condição não começa de repente; tende a desenvolver-se durante semanas ou meses com uma repetição de consoantes iniciais, palavras inteiras, que em geral são as primeiras palavras de uma frase, ou palavras longas. À medida que o transtorno progride, as repetições tornam-se mais freqüentes, com tartamudez consistente na maioria das palavras ou frases importantes. Mesmo após desenvolver-se, ela pode estar ausente durante leituras orais, canções e conversa com animais de estimação ou objetos inanimados. Foram identificadas quatro fases de evolução gradual no desenvolvimento da tartamudez: A Fase 1 ocorre durante o período pré-escolar. No início, a dificuldade tende a ser episódica e aparece por semanas ou meses entre longos intervalos de fala normal. Ocorre uma alta porcentagem de recuperação desses períodos de tartamudez. Durante essa fase, as crianças gaguejam com mais freqüência quando excitadas ou aborrecidas, quando parecem ter muita coisa para dizer e sob outras condições de pressão comunicativa. A Fase 2 tende a ocorrer nos anos de ensino fundamental. O transtorno é crônico, com poucos ou nenhum intervalo de fala normal. As crianças afetadas tornam-se conscientes de suas dificuldades e consideram-se gagas. Nesse período, a tartamudez se dá principalmente com as partes principais da fala – substantivos, verbos, adjetivos e advérbios. A Fase 3 em geral aparece após os 8 anos e até a idade adulta, de forma mais específica no final da infância e no início da adolescência. Durante essa fase, a tartamudez se manifesta em resposta a situações específicas, como falar em aula, falar com estranhos, fazer compras em lojas e usar o telefone. Algumas palavras e sons são considerados mais difíceis do que outros. A Fase 4 tipicamente aparece no final da adolescência e na idade adulta.
Os gagos mostram uma antecipação vívida e apreensiva da tartamudez. Temem palavras, sons e situações. Substituições de palavras e circunlocuções são comuns. Esses indivíduos evitam situações que requerem fala e mostram outras evidências de medo e embaraço. Eles podem ter aspectos clínicos associados; antecipação vívida e apreensiva de tartamudez, com evitação de determinadas palavras, sons ou situações nas quais a dificuldade é antecipada; piscar de olhos; tiques; e tremores dos lábios ou do maxilar. Frustração, ansiedade e depressão são comuns entre aqueles com tartamudez crônica. Diagnóstico diferencial É difícil diferenciar a falta de fluência normal na fala, nos anos pré-escolares, de tartamudez incipiente. Nesta última, há mais
1285
falta de fluência, repetições de partes de palavras, prolongamentos de sons e interrupções no fluxo aéreo da voz através da trilha vocal. Crianças que gaguejam parecem ser tensas e desconfortáveis com seus padrões de fala, em comparação com as que são disfluentes em suas falas, mas parecem estar à vontade. Disfonia espástica é um transtorno da fala semelhante a tartamudez, da qual é diferenciada pela presença de um padrão de respiração anormal. Fala desordenada é caracterizada por padrões de fala erráticos e disrítmicos de fluxos rápidos e espasmódicos de palavras e frases. As pessoas afetadas em geral não têm consciência do problema, enquanto os gagos, após a fase inicial do transtorno, estão conscientes de suas dificuldades de linguagem. A fala desordenada tende a ser um aspecto associado ao transtorno da linguagem expressiva. Curso e prognóstico O curso de tartamudez em geral é de longo prazo, com alguns períodos de remissão parcial durando semanas ou meses e exacerbações ocorrendo com mais freqüência em situações de pressão para comunicar-se. Cinqüenta a 80% de todas as crianças afetadas, em especial aquelas com casos leves, recuperam-se de forma espontânea. Aquelas em idade escolar com gagueira crônica podem ter relacionamentos prejudicados com o grupo de iguais como resultado de zombaria e isolamento social. Podem enfrentar dificuldades acadêmicas se evitam falar em aula. As complicações maiores posteriores incluem limitações da pessoa afetada na escolha e no progresso profissional. Tratamento O tratamento requer exercícios de respiração, técnicas de relaxamento e fonoterapia para auxiliar na diminuição da velocidade e na modulação do volume da fala. Até o final do século XIX, os tratamentos mais comuns para tartamudez eram distração, sugestão e relaxamento. Abordagens recentes usando distração incluem ensinar gagos a falar seguindo os movimentos rítmicos do braço, das mãos ou dos dedos. Esses indivíduos também são aconselhados a falar mais devagar, de uma maneira cantarolada ou monótona. Entretanto, essas abordagens removem a tartamudez apenas por um tempo. Técnicas de sugestão, como hipnose, também são benéficas, apenas temporariamente. As técnicas de relaxamento baseiam-se na premissa de que é quase impossível estar relaxado e gaguejar ao mesmo tempo. Devido à sua falta de benefícios a longo prazo, abordagens de distração, sugestão e relaxamento não são mais utilizadas. Psicanálise clássica, psicoterapia orientada para o insight, terapia de grupo e outras modalidades psicoterapêuticas não foram bem-sucedidas no tratamento da tartamudez. No entanto, se as pessoas afetadas têm baixa auto-estima, são ansiosas ou deprimidas, ou mostram evidência de um transtorno emocional estabelecido, a psicoterapia individual é indicada e efetiva para a condição associada. Um estudo revelou que ouvintes não-gagos reagiam de forma mais positiva a gagos que reconheciam sua tartamudez do que a gagos que não reconheciam. Terapia familiar tam-
1286
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
bém deve ser considerada se houver evidência de disfunção familiar, de uma contribuição familiar para os sintomas ou de estresse familiar causado pela tentativa de lidar ou ajudar o gago. Os tratamentos mais modernos baseiam-se na visão de que a tartamudez é, em sua essência, uma forma de comportamento aprendida, não necessariamente associada a um transtorno mental ou a uma anormalidade neurológica básica. As abordagens lidam com a dificuldade de fala para minimizar os problemas que mantêm e fortalecem a tartamudez, para modificar ou diminuir a gravidade da condição mediante a eliminação dos sintomas secundários e para encorajar os indivíduos afetados a falar, mesmo quando gaguejando, de uma forma relativamente fácil e sem esforço, desse modo evitando medos e bloqueios. Um exemplo dessa abordagem é a autoterapia proposta pela Speech Foundation of America. A prática parte da premissa de que a tartamudez não é um sintoma, mas um comportamento que pode ser modificado. É dito aos gagos que eles podem aprender a controlar suas dificuldades em parte modificando seus sentimentos em relação à tartamudez e suas atitudes com respeito a ela e em parte modificando os comportamentos desviantes associados a seus bloqueios de gagueira. A abordagem inclui dessensibilização, redução da reação emocional e medos relacinados à tartamudez e adoção de medidas positivas para controlar o momento da gagueira. Terapias desenvolvidas recentemente se focalizam na reestruturação da fluência. Todo o padrão de produção de fala é remodelado, com ênfase em uma variedade de comportamentos-alvo, incluindo redução de velocidade, início calmo ou suave de vocalização e transições suaves entre sons, sílabas e palavras. As abordagens encontraram sucesso substancial no estabelecimento de fala mais fluente em adultos, mas a manutenção da fluência durante longos períodos e recaídas continuam sendo um problema para todos os envolvidos no tratamento dessa condição. Intervenção farmacológica, como o tratamento com haloperidol, foi utilizada na tentativa de aumentar o relaxamento; não há dados suficientes para avaliar a eficácia dessa abordagem. Seja qual for a opção terapêutica utilizada, avaliações individuais e familiares e intervenções de apoio podem ser úteis. Uma avaliação de equipe de uma criança ou adolescente e de sua família deve ser feita antes que qualquer tratamento seja iniciado. TRANSTORNO DA COMUNICAÇÃO SEM OUTRA ESPECIFICAÇÃO Transtornos que não satisfazem os critérios diagnósticos para qualquer transtorno da comunicação específico enquadram-se na cate-
TABELA 41-8 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno da comunicação sem outra especificação Esta categoria destina-se aos transtornos da comunicação que não satisfazem os critérios para qualquer transtorno específico da comunicação; por exemplo, um transtorno da voz (i.e., uma anormalidade de timbre, volume, qualidade, tom ou ressonância da voz). De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
goria de transtorno da comunicação sem outra especificação. Um exemplo é o transtorno da voz, no qual o paciente tem uma anormalidade na altura, no volume, na qualidade, no tom ou na ressonância vocal. Para ser codificado como um transtorno, a anormalidade deve ser grave a ponto de prejudicar o desempenho acadêmico ou a comunicação social (Tab. 41-8). Fala desordenada não é listada como um transtorno no DSMIV-TR, mas é uma anormalidade de fala associada, na qual a velocidade e o ritmo perturbados prejudicam a inteligibilidade da fala. A fala é errática e disrítmica e consiste de fluxos rápidos, espasmódicos, inconsistentes com padrões de frase normais. O transtorno em geral ocorre em crianças entre 2 e 8 anos de idade; em dois terços dos casos, o paciente recupera-se de forma espontânea no início da adolescência. O mesmo está associado a transtornos da aprendizagem e a outros transtornos da comunicação.
CID-10 A décima revisão da Classificação internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-10) inclui quatro transtornos da fala e da linguagem, bem como duas categorias residuais (Tab. 41-9). Ela define atravancamento como uma “taxa rápida de fala com ruptura na fluência, mas sem repetições ou hesitações, de uma gravidade que causa reduzida compreensão da fala. A fala é errática e disrítmica, com fluxos rápidos espasmódicos que em geral envolvem padrões de frase problemáticos”. Estes últimos incluem o uso de grupos de palavras não relacionadas à gramática da frase. De acordo com a classificação, atravancamento deve ser diferenciado de tartamudez. A CID-10 define tartamudez como fala “caracterizada por freqüente repetição ou prolongamento de sons, sílabas ou palavras ou por freqüentes hesitações ou pausas que interrompem o fluxo rítmico da fala”. Tartamudez menor é comum durante toda a vida, mas tartamudez persistente, grave, que destrói a fluência da fala, deve estar presente para que um diagnóstico seja feito. O transtorno pode ser acompanhado por movimentos da face ou do corpo que coincidem com a fala.
TABELA 41-9 Critérios diagnósticos da CID-10 para transtornos específicos do desenvolvimento da fala e da linguagem Transtorno específico da articulação da fala Nota. Este transtorno também é referido como transtorno fonológico específico da fala. A. As habilidades de articulação (fonológicas), avaliadas em testes padronizados, estão abaixo do limite de 2 desvios padrão para a idade da criança. B. As habilidades de articulação (fonológicas) estão pelo menos 1 desvio padrão abaixo do QI não-verbal, avaliado em testes padronizados. C. A expressão e a compreensão da linguagem, avaliadas em testes padronizados, estão dentro do limite de 2 desvios padrão para a idade da criança.
(Continua)
TRANSTORNOS DA COMUNICAÇÃO
1287
TABELA 41-9 (Continuação) D. Não há prejuízos neurológicos, sensoriais ou físicos que afetem diretamente a produção de som de fala, nem há um transtorno global do desenvolvimento. E. Cláusula de exclusão mais usada. O QI não-verbal fica abaixo de 70 em um teste padronizado. Transtorno da linguagem expressiva A. As habilidades da linguagem expressiva, avaliadas em testes padronizados, estão abaixo do limite de 2 desvios padrão para a idade da criança. B. As habilidades de linguagem expressiva estão pelo menos 1 desvio padrão abaixo do QI não-verbal, conforme avaliado em testes padronizados. C. As habilidades de linguagem receptiva, avaliadas em testes padronizados, estão dentro do limite de 2 desvios padrão para a idade da criança. D. Uso e entendimento de comunicação não-verbal e funções de linguagem imaginativa estão dentro da variação normal. E. Não há prejuízos neurológicos, sensoriais ou físicos que afetem diretamente o uso de linguagem falada, nem há um transtorno global do desenvolvimento. F. Cláusula de exclusão mais usada. O QI não-verbal fica abaixo de 70 em um teste padronizado. Transtorno da linguagem receptiva Nota. Este transtorno também é referido como transtorno receptivo/expressivo misto. A. A compreensão da linguagem, avaliada em testes padronizados, está abaixo do limite de 2 desvios padrão para a idade da criança. B. As habilidades de linguagem receptiva estão pelo menos 1 desvio padrão abaixo do QI não-verbal, conforme avaliado em testes padronizados. C. Não há prejuízos neurológicos, sensoriais ou físicos que afetem diretamente a linguagem receptiva, nem há um transtorno global do desenvolvimento. D. Cláusula de exclusão mais usada. O QI não-verbal fica abaixo de 70 em um teste padronizado. Afasia adquirida com epilepsia (Síndrome de Landau-Kleffner) A. Perda grave de habilidades de linguagem expressiva e receptiva ocorre durante um período de tempo inferior a 6 meses. B. O desenvolvimento da linguagem era normal antes da perda. C. Anormalidades EEGs paroxísticas afetando um ou ambos os lobos temporais tornam-se aparentes dentro de um intervalo de tempo estendendo-se entre 2 anos antes e 2 anos após a perda inicial de linguagem. D. A audição está dentro da variação normal. E. Um nível de inteligência não-verbal dentro da variação normal é mantido. F. Não há qualquer condição neurológica diagnosticável além daquela implícita no EEG anormal e presença de convulsões epilépticas (quando ocorrerem). G. O transtorno não satisfaz os critérios para um transtorno global do desenvolvimento. Outros transtornos do desenvolvimento da fala e da linguagem Transtorno do desenvolvimento da fala e da linguagem não-especificado Esta categoria deve ser evitada o máximo possível, sendo utilizada apenas para transtornos não-especificados nos quais há prejuízo significativo no desenvolvimento da fala e da linguagem que não pode ser explicado por retardo mental ou por prejuízos neurológicos, sensoriais ou físicos que afetem diretamente a fala ou a linguagem. Reimpressa, com permissão de, World Health Organization. The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural Disorders. Diagnostic Criteria for Research. Copyright, World Health Organization, Genebra, 1993.
REFERÊNCIAS Beitchman JH, Cohen NJ, Konstantareas MM, Tannock R, eds. Language, Learning, and Behavior Disorders: Developmental, Biological, and Clinical Perspectives. New York: Cambridge University Press; 1996. Beitchman JH, Wilson B, Brownlie EB, Walters H, Inglis A, Lancee W. Long-term consistency in speech/language profiles. II. Behavioral, emotional, and social outcomes. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1996;35:815. Beitchman JH, Wilson B, Brownlie EB, Walters H, Lancee W. Longterm consistency in speech/language profiles: developmental and academic outcomes. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1996;35:804. Beitchman JH, Wilson B, Johnson CJ, et al. Fourteen-year follow-up of speech/language-impaired and control children: psychiatric outcome. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2001;40:75. Cleary P, McFadden S. Helping children with communication deficits in the class-room. Int J Lang Commun Disord. 2001; 36(suppl):31. Cohen NJ, Davine M, Horodezky N, Lipsett L, Isaacson L. Unsuspected language impairment in psychiatrically disturbed children: prevalence and language and behavioral characteristics. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1993;32:595. Cordes AK, Ingham RJ. The reliability of observational data. II. Issues in the identification and measurement of stuttering events. J Speech Hear Res. 1994;37:2.
Detweiler RF, Beitchman JH. Communication disorder not otherwise specified. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2655. Duchan JF. A situated pragmatics approach for supporting children with severe communication disorders. Top Lang Disord. 1997;17:1. Gow ML, Ingham RJ. Stuttering modification and change in phonation: observations of findings from recent reports. J Speech Hear Res. 1994;37:2. Guralnick MJ, Connor RT, Neville B, Hammond MA. Mothers’ perspectives of the peer-related social development of young children with developmental delays and communication disorders. Early Educ Dev. 2002;13:59. Hoit J, Watson P, Hixon K, McMahon P, Johnson C. Age and velopharyngeal function during speech production. J Speech Hear Res. 1994;37:295. Johnson CJ, Beitchman JH. Expressive language disorder. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2634. Johnson CJ, Beitchman JH. Mixed receptive-expressive language disorder. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2639. Johnson CJ, Beitchman JH. Phonological disorder. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2645.
1288
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Kroll R, Beitchman JH. Stuttering. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2651. Nash P, Stengelhofen J, Toombs L, Brown J, Kellow B. An alternative management of older children with persisting communication problems. Int J Lang Commun Dis. 2001;36(suppl):179. Rvachew S. Speech perception training can facilitate sound production learning. J Speech Hear Res. 1994;37:347. Snowling MJ. From language to reading and dyslexia. Dyslexia. 2001;7:37.
Stallard P, Williams L, Velleman R, Lenton S, McGrath PJ. Interventing factors in caregivers’ assessments of pain in non-communicating children. Dev Med Child Neurol. 2002;44:213. Stallard P, Williams L, Velleman R, Lenton S, McGrath PJ. Brief report: behaviors identified by caregivers to detect pain in noncommunicating children. J Pediatr Psychol. 2002;27:209. Throneburg RN, Yairi E, Paden E. Relation between phonological difficulty and the occurrence of dysfluencies in the early stage of stuttering. J Speech Hear Res. 1994;37:504. Toppelberg CO, Shapiro T. Language disorders: a 10-year research update review. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2000;39:143.
42 Transtornos globais do desenvolvimento
O
s transtornos globais do desenvolvimento incluem um grupo de condições nas quais há atraso ou desvio no desenvolvimento de habilidades sociais, linguagem e comunicação e repertório comportamental. Crianças afetadas exibem interesse intenso idiossincrásico em uma estreita gama de atividades, resistem a mudança e não respondem de maneira adequada ao ambiente social. Esses transtornos interferem em diversas áreas de desenvolvimento, manifestam-se cedo na vida e causam disfunção persistente. O transtorno autista, o mais conhecido deles, é caracterizado por prejuízo contínuo na compreensão e na resposta a interações sociais, desenvolvimento e uso problemático da linguagem e padrões de comportamento restritos, estereotipados. De acordo com a quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais – texto revisado (DSM-IV-TR), para satisfazer os critérios de comportamento autista, funcionamento anormal em pelo menos uma das áreas mencionadas deve estar presente aos 3 anos de idade. Mais de dois terços das crianças com a condição têm retardo mental, ainda que este não seja necessário para o diagnóstico. O DSM-IV-TR inclui cinco transtornos globais do desenvolvimento: transtorno autista, transtorno de Rett, transtorno desintegrativo da infância, transtorno de Asperger e transtorno global do desenvolvimento sem outra especificação. O transtorno de Rett parece ocorrer exclusivamente em meninas; é caracterizado por desenvolvimento normal por pelo menos seis meses, movimentos de mão estereotipados, perda de movimentos intencionais, diminuição de envolvimento social, coordenação deficiente e diminuição do uso da linguagem. No transtorno desintegrativo da infância, o desenvolvimento progride normalmente durante os primeiros dois anos, após os quais a criança apresenta uma perda de habilidades anteriormente adquiridas em duas ou mais das seguintes áreas: uso da linguagem, responsividade social, jogo, habilidades motoras e controle da bexiga ou do intestino. O transtorno de Asperger é uma condição em que a criança é prejudicada nos relacionamentos sociais e apresenta padrões de comportamento repetitivos e estereotipados, sem um atraso no desenvolvimento da linguagem. Nesse transtorno, as capacidades cognitivas e as habilidades adaptativas permanecem normais.
terizado por interação social recíproca anormal, habilidades de comunicação atrasadas e disfuncionais e um repertório limitado de atividades e interesses. História Em 1867, Henry Maudsley, um psiquiatra, observou um grupo de crianças muito pequenas com transtornos mentais graves que tinham desvio, atraso e distorção importantes no desenvolvimento. Naquela época, acreditava-se que os transtornos mais sérios em crianças pequenas enquadravam-se na categoria de psicose. Em 1943, Leo Kanner, em seu ensaio clássico “Autistic Disturbances of Affective Contact” (Transtornos Autistas de Contato Afetivo), cunhou o termo autismo infantil e forneceu um relato claro e abrangente da síndrome da primeira infância. Ele descreveu crianças que exibiam isolamento autista extremo; falha em assumir uma postura antecipatória; desenvolvimento da linguagem atrasado ou desviante, com ecolalia e inversão pronominal (usando você em vez de eu); repetições monótonas de ruídos ou expressões verbais; memória de hábito excelente; gama limitada de atividades espontâneas, estereotipias e maneirismos; desejo obsessivo pela manutenção de uniformidade e medo de mudança; contato visual pobre; relacionamentos interpessoais anormais; e uma preferência por figuras e objetos inanimados. Kanner suspeitava que a síndrome fosse mais freqüente do que parecia e sugeriu que algumas crianças tinham sido mal-classificadas como mentalmente retardadas ou esquizofrênicas. Antes de 1980, crianças com transtornos globais do desenvolvimento costumavam ser diagnosticadas com esquizofrenia da infância. Com o passar do tempo, tornou-se evidente que transtorno autista e esquizofrenia eram duas entidades psiquiátricas distintas. Em alguns casos, entretanto, uma criança com transtorno autista pode desenvolver um transtorno esquizofrênico co-mórbido no decorrer da infância. Epidemiologia
TRANSTORNO AUTISTA O transtorno austista (historicamente chamado de autismo infantil precoce, autismo da infância ou autismo de Kanner) é carac-
Prevalência. Acredita-se que o transtorno autista ocorra a uma taxa de cinco casos por 10 mil crianças (0,05%). Relatos da taxa de transtorno autista têm variado de 2 a 20 casos por 10 mil. Por definição, o início do transtorno ocorre antes dos 3 anos de ida-
1290
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
de, ainda que possa não ser reconhecido até a criança ser muito mais velha. Distribuição por sexo. O transtorno autista é 4 a 5 vezes mais freqüente em meninos do que em meninas. Meninas com transtorno autista têm maior probabilidade de apresentar um retardo mental mais grave. Condição socioeconômica. Estudos anteriores sugeriram que uma condição socioeconômica alta era mais comum em famílias com crianças autistas; entretanto, é provável que esses achados tenham se baseado em tendências de encaminhamento. Nos últimos 25 anos, nenhum estudo epidemiológico demonstrou uma associação entre transtorno autista e qualquer condição socioeconômica. Etiologia e patogênese O transtorno autista é um problema comportamental do desenvolvimento. Embora Kanner, em princípio, tenha postulado que a condição resultava de mães “geladeiras”, emocionalmente irresponsivas, não há validade para tal hipótese. No entanto, muitas evidências apóiam um substrato biológico para o transtorno. Fatores psicossociais e familiares. Em seu primeiro relato, Kanner indicou que poucos pais de crianças autistas eram amáveis e simpáticos e que, em sua maioria, eram preocupados com abstrações intelectuais, e a falta de responsividade emocional das mães era considerada responsável pelo autismo. Nenhuma evidência foi encontrada para apoiar essa teoria. Outras teorias, como raiva e rejeição parental e reforço parental de sintomas autistas, também não foram confirmadas. Estudos mais recentes comparando pais de crianças autistas com pais de crianças normais não mostraram diferenças significativas em relação às habilidades de criação dos filhos. Crianças com transtorno autista, como aquelas com outros transtornos, podem responder com sintomas exacerbados a estressores psicossociais, incluindo discórdia familiar, nascimento de um novo irmão ou mudança da família. Algumas podem ser muito sensíveis mesmo a pequenas mudanças em suas famílias e no ambiente imediato. Fatores biológicos. A alta incidência de retardo mental em crianças com transtorno autista e as taxas mais altas do que o esperado de transtornos convulsivos sugerem uma base biológica para o transtorno autista. Cerca de 75% das crianças afetadas apresentam retardo mental. Um terço tem retardo mental leve a moderado, e perto da metade tem retardo mental grave ou profundo. Crianças com transtorno autista e retardo mental em geral apresentam déficits mais importantes no raciocínio abstrato, no entendimento social e em tarefas verbais do que em tarefas de desempenho, como arranjo de blocos e lembrança de dígitos, nas quais detalhes podem ser lembrados sem referência ao significado “gestalt”. Quatro a 32% das pessoas com autismo têm convulsões de grande mal em algum momento, e cerca de 20 a 25% apresentam aumento ventricular em tomografias computadorizadas (TC). Várias anormalidades eletroencefalográficas (EEGs) são encontradas em 10
a 83% das crianças autistas e, apesar de nenhum achado EEG ser específico ao transtorno autista, há alguma indicação de lateralização cerebral falha. Recentemente, um estudo utilizando ressonância magnética (RM) revelou hipoplasia de lóbulos vermais cerebelares VI e VII, e outro indicou anormalidades corticais, particularmente polimicrogiria, em alguns pacientes autistas. Tais anormalidades podem refletir migrações celulares anormais nos primeiros seis meses de gestação. Um estudo de autópsia revelou menos células de Purkinje, e outro encontrou metabolismo cortical difuso aumentado em tomografias por emissão de pósitrons (PET). O transtorno autista também está associado a condições neurológicas, em especial rubéola congênita, fenilcetonúria (PKU), esclerose tuberosa e transtorno de Rett. Crianças autistas mostram mais evidência de complicações perinatais do que grupos-controle de crianças normais ou com outros transtornos. O achado de que as crianças afetadas têm bem mais anomalias físicas congênitas menores do que o esperado sugere desenvolvimento anormal no primeiro trimestre de gravidez.
Fatores genéticos. Em diversos levantamentos, entre 2 e 4% dos irmãos de crianças autistas também tinham transtorno autista, uma taxa 50 vezes maior do que na população geral. A taxa de concordância de transtorno autista em dois grandes estudos de gêmeos foi de 36% entre pares monozigóticos contra 0% entre pares dizigóticos em um estudo e de 96% em pares monozigóticos contra cerca de 27% em pares dizigóticos em outro. Altas taxas de dificuldades cognitivas, mesmo no gêmeo monozigótico não-autista com complicações perinatais, sugerem que contribuições de lesão perinatal juntamente com vulnerabilidade genética podem levar ao desenvolvimento do transtorno. Relatos clínicos sugerem que os membros não-autistas de famílias com pessoas autistas têm taxas mais altas de problemas de linguagem ou outros problemas cognitivos menos pronunciados. A síndrome do X frágil, um transtorno genético no qual uma porção do cromossomo X se quebra, parece estar associada a transtorno autista. Em torno de 1% das crianças com este último também têm síndrome do X frágil. Esclerose tuberosa, um transtorno genético caracterizado por múltiplos tumores benignos, com transmissão autossômica dominante, é encontrado com maior freqüência entre crianças com transtorno autista. Até 2% destas também podem ter esclerose tuberosa. Há pouco tempo, pesquisadores examinaram o DNA de mais de 150 pares de irmãos com autismo e encontraram evidência bastante forte de que duas regiões nos cromossomos 2 e 7 contêm genes associados ao transtorno. Prováveis locais para genes relacionados a autismo também foram encontrados nos cromossomos 16 e 17, embora a força da correlação fosse um pouco mais fraca. Fatores imunológicos. Diversos relatos sugeriram que incompatibilidade imunológica (i. e., anticorpos maternos transferidos ao feto) pode contribuir para o transtorno autista. Os linfócitos de algumas crianças autistas reagem com anticorpos maternos, o que levanta a possibilidade de que tecidos neurais embrionários, ou extraembrionários, possam ser danificados durante a gestação. Fatores perinatais. Uma incidência de complicações perinatais mais alta que o esperado parece ocorrer em bebês mais tarde diagnosticados com transtorno autista. Sangramento materno após
TRANSTORNOS GLOBAIS DO DESENVOLVIMENTO
o primeiro trimestre e mecônio no líquido amniótico foram relatados com mais freqüência nas histórias de crianças autistas do que na população geral. No período neonatal, estas têm uma alta incidência de síndrome de sofrimento respiratório e anemia neonatal. Fatores neuroanatômicos. Estudos de RM comparando indivíduos autistas e controles normais demonstraram que o volume cerebral total era maior entre os primeiros, embora crianças autistas com retardo mental grave em geral tenham cabeças menores. O maior aumento percentual médio em tamanho ocorreu no lobo occipital, no lobo parietal e no lobo temporal. Não foram encontradas diferenças nos lobos frontais. As origens específicas desse aumento são desconhecidas. O volume aumentado pode surgir de três possíveis mecanismos diferentes: neurogênese aumentada, morte neuronal diminuída e produção aumentada de tecido cerebral não-neuronal, como células gliais ou vasos sangüíneos. O aumento cerebral foi sugerido como um possível marcador biológico para transtorno autista. Acredita-se que o lobo temporal seja uma área crítica de anormalidade cerebral no transtorno autista. Esta sugestão baseia-se em relatos de síndromes do tipo autista em algumas pessoas com dano nessa área. Quando a região temporal de animais é danificada, o comportamento social normal é perdido, e inquietação, comportamento motor repetitivo e um repertório comportamental limitado são vistos. Alguns cérebros de indivíduos autistas exibem uma diminuição nas células de Purkinje cerebelares, o que pode explicar as anormalidades de atenção, a excitação e os processos sensoriais. Fatores bioquímicos. Inúmeros estudos, demonstraram, nas últimas décadas, que cerca de um terço dos pacientes com transtorno autista têm altas concentrações de serotonina plasmática. Esse achado, entretanto, não é específico a esse transtorno, e pessoas com retardo mental sem essa condição também exibem o traço. Diversos estudos relataram que indivíduos autistas sem retardo mental têm uma alta incidência de hiper-serotonemia. Em algumas crianças autistas, altas concentrações de ácido homovanílico (o principal metabólito da dopamina) no líquido cerebrospinal (LCS) estão associadas a aumento do retraimento e estereotipias. Há evidência de que a gravidade do sintoma diminui à medida que a proporção do ácido 5-hidroxiindoleacético (5-HIAA, metabólito de serotonina) para ácido homovanílico no LCS aumenta. A concentração de 5-HIAA no LCS pode ser inversamente proporcional a concentrações de serotonina sangüínea, que são maiores em um terço dos pacientes com transtorno autista, um achado não-específico que também ocorre em pessoas com retardo mental. Diagnóstico e características clínicas Os critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno autista são apresentados na Tabela 42-1. Características físicas. Crianças com transtorno autista costumam ser descritas como atraentes e, à primeira vista, não apresentam nenhum sinal indicando o problema. Elas têm altas taxas de anomalias físicas menores, como malformações das orelhas, o qual pode refletir o período de desenvolvimento fetal específico no qual as anor-
1291
TABELA 42-1 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno autista A. Um total de seis (ou mais) itens de (1), (2) e (3), com pelo menos dois de (1), um de (2) e um de (3): (1) comprometimento qualitativo da interação social, manifestado por pelo menos dois dos seguintes aspectos: (a) comprometimento acentuado no uso de múltiplos comportamentos não-verbais, tais como contato visual direto, expressão facial, posturas corporais e gestos para regular a interação social (b) fracasso em desenvolver relacionamentos com seus pares, apropriados aos nível de desenvolvimento (c) ausência de tentativas espontâneas de compartilhar prazer, interesses ou realizações com outras pessoas (p. ex., não mostrar, trazer ou apontar objetos de interesse) (d) ausência de reciprocidade social ou emocional (2) comprometimento qualitativo da comunicação, manifestado por pelo menos um dos seguintes aspectos: (a) atraso ou ausência total de desenvolvimento da linguagem falada (não acompanhado por uma tentativa de compensar por meio de modos alternativos de comunicação, tais como gestos ou mímica) (b) em indivíduos com fala adequada, acentuado comprometimento da capacidade de iniciar ou manter uma conversa (c) uso estereotipado e repetitivo da linguagem ou linguagem idiossincrática (d) ausência de jogos ou brincadeiras de imitação social variados e espontâneos próprios do nível de desenvolvimento (3) padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses e atividades, manifestados por pelo menos um dos seguintes aspectos: (a) preocupação insistente com um ou mais padrões estereotipados e restritos de interesse, anormais em intensidade ou foco (b) adesão aparentemente inflexível a rotinas ou rituais específicos e não-funcionais (c) maneirismos motores estereotipados e repetitivos (p. ex., agitar ou torcer mãos ou dedos, ou movimentos complexos de todo o corpo) (d) preocupação persistente com partes de objetos B. Atrasos ou funcionamento anormal em pelo menos uma das seguintes áreas, com início antes dos 3 anos de idade: (1) interação social, (2) linguagem para fins de comunicação social ou (3) jogos imaginativos ou simbólicos. C. A perturbação não é melhor explicada por transtorno de Rett ou transtorno desintegrativo da infância. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
malidades surgiram, uma vez que a formação das orelhas se dá quase ao mesmo tempo que a formação de porções do cérebro. Muitas crianças autistas não apresentam lateralização e permanecem ambidestras em uma idade na qual a dominância cerebral está estabelecida em crianças normais. Além disso, apresentam uma incidência mais alta de dermatoglifia anormal (p. ex., impressões digitais) do que as pertencentes à população em geral. Esse achado pode sugerir um distúrbio no desenvolvimento neuroectodérmico. Características comportamentais. PREJUÍZOS QUALITATIVOS NA INTERAÇÃO SOCIAL. Crianças autistas não apresentam os sinais sutis de interação social com seus pais e outras pessoas. Quando bebês, muitas carecem de um sorriso social e de uma postura antecipatória para serem seguradas quando um adulto se aproxima. Contato visual menos freqüente e pobre é comum.
1292
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Seu desenvolvimento social é caracterizado por comportamento de apego prejudicado, mas não totalmente ausente. Crianças autistas muitas vezes não reconhecem ou não diferenciam as pessoas mais importantes em suas vidas – pais, irmãos e professores – e podem mostrar ansiedade extrema quando sua rotina é interrompida, mas também podem não reagir de forma muito evidente ao serem deixadas com um estranho. Quando atingem a idade escolar, seu retraimento pode ter diminuído e ser menos óbvio, em especial entre aquelas com alto funcionamento. Há um déficit notável na capacidade de brincar com seus pares e fazer amigos; seu comportamento social é desajeitado e pode ser inadequado. Do ponto de vista cognitivo, são mais habilidosas em tarefas visuoespaciais do que em tarefas que requerem habilidade em raciocínio verbal. Uma característica do estilo cognitivo de crianças com autismo é que não conseguem deduzir os sentimentos ou o estado mental dos outros à sua volta. Ou seja, são incapazes de fazer atribuições sobre a motivação ou as intenções dos demais e, portanto, não podem desenvolver empatia. Essa ausência de uma “teoria da mente” as torna incapazes de interpretar o comportamento social dos outros e leva a uma falta de reciprocidade social. No final da adolescência, pessoas autistas que têm maiores progressos em geral desejam ter amigos, mas suas dificuldades em responder aos interesses, às emoções e aos sentimentos dos outros são obstáculos importantes no desenvolvimento de amizades. Adolescentes e adultos autistas experimentam sentimentos sexuais, mas sua falta de competência e de habilidades sociais impede o desenvolvimento de relacionamentos dessa natureza. TRANSTORNOS DA COMUNICAÇÃO E DA LINGUAGEM. Déficits no desenvolvimento da linguagem e dificuldade em usar a linguagem para comunicar idéias estão entre os principais critérios para diagnosticar o transtorno autista. Crianças afetadas não são apenas relutantes em falar, e suas anormalidades de fala não resultam da falta de motivação. Desvio de linguagem, tanto quanto atraso da mesma, é característico do transtorno autista. Em comparação com crianças normais e com retardo mental, as autistas têm dificuldade marcante em formar frases significativas mesmo quando dispõem de vocabulários amplos. Quando aprendem a conversar de maneira fluente, podem dar informação sem passar a sensação de reconhecimento de como a outra pessoa está respondendo. Tanto nestas quanto em crianças não-autistas com transtornos da linguagem, as habilidades de comunicação não-verbal também podem estar prejudicadas quando há dificuldade significativa na linguagem expressiva.
Nos primeiros anos de vida, o padrão de balbucio de uma criança autista pode ser mínimo ou anormal. Algumas crianças emitem ruídos – estalos, sons, guinchos e sílabas sem sentido – de uma forma estereotipada, sem uma aparente intenção de comunicação. Ao contrário de crianças pequenas normais, que costumam ter mais habilidades de linguagem receptiva do que expressiva, as autistas podem dizer mais do que entendem. Palavras e mesmo frases inteiras podem aparecer e desaparecer do vocabulário de uma criança. Não é raro que usem uma palavra uma vez e depois não a empreguem novamente por uma semana, um mês ou anos. Crianças com transtorno autista tipicamente apresentam ecolalia, tanto imediata quanto atrasada, ou frases estereotipadas que parecem fora de contexto. Esses padrões de linguagem com freqüência estão associados a inversões de pronomes.
Uma criança com transtorno autista poderia dizer: “Você quer o brinquedo” quando pretende dizer que ela o quer. Dificuldades na articulação também são comuns. Muitas crianças com o transtorno usam qualidade e ritmo de voz peculiares. Cerca de 50% nunca desenvolvem uma fala útil. Algumas das mais brilhantes mostram uma fascinação particular por letras e números. Às vezes se destacam em certas tarefas ou têm capacidades especiais; por exemplo, podem aprender a ler com fluência em idade pré-escolar (hiperlexia), de forma extraordinária. Crianças autistas muito pequenas que podem ler muitas palavras, entretanto, têm pouca compreensão acerca do que lêem. COMPORTAMENTO ESTEREOTIPADO. Nos primeiros anos de vida de uma criança autista, muito do jogo exploratório espontâneo esperado está ausente. Brinquedos e objetos em geral são manipulados de maneira ritualística, com poucos aspectos simbólicos. Crianças com o transtorno não apresentam jogo imitativo ou usam pantomima abstrata. Suas atividades e brincadeiras tendem a ser rígidas, repetitivas e monótonas. Fenômenos ritualísticos e compulsivos são comuns no início e na metade da infância. Com freqüência giram, batem e ordenam objetos e podem exibir uma ligação com determinado objeto inanimado. Muitas delas, especialmente as com retardo mental grave, exibem anormalidades do movimento. Estereotipias, maneirismos e caretas são mais freqüentes quando a criança é deixada sozinha e podem diminuir em uma situação estruturada. Crianças autistas costumam ser resistentes a transição e mudança. Mudar-se para uma casa nova, trocar a mobília da sala ou uma mudança como tomar café antes do banho quando o inverso era a rotina pode evocar pânico, medo ou acessos de raiva.
Algumas crianças com transtorno autista exibem mudanças súbitas de humor, com acessos de riso ou choro sem uma razão óbvia. É difícil saber mais sobre esses episódios se a criança não puder expressar os pensamentos relacionados ao afeto.
INSTABILIDADE DE HUMOR E AFETO.
Foi observado que crianças autistas respondem de forma exagerada a alguns estímulos sensoriais e não respondem a outros (p. ex., a som e dor). É comum que pareçam surdas, às vezes apresentando pouca resposta a um tom de voz normal; no entanto, podem mostrar intenso interesse pelo som de um relógio de pulso. Algumas crianças com transtorno autista têm um limiar de dor aumentado ou uma resposta alterada a ela. De fato, muitas não respondem a um ferimento chorando ou procurando consolo. Apreciam música, cantarolam uma melodia, uma canção ou jingle antes de pronunciar as palavras ou usar a fala. Algumas apreciam particularmente estimulação vestibular – giro, balanço e movimentos para cima e para baixo.
RESPOSTA A ESTÍMULOS SENSORIAIS.
SINTOMAS COMPORTAMENTAIS ASSOCIADOS. Hipercinesia é um pro-
blema de comportamento comum entre crianças autistas pequenas. Hipocinesia é menos freqüente; quando presente, alterna-se com hiperatividade. Agressão e acessos de raiva são observados, em geral induzidos por mudança ou exigências. Comportamento automutilador inclui bater a cabeça, morder, arranhar e puxar o cabelo. Período de atenção curto, baixa capacidade de focalizarse em uma tarefa, insônia, problemas de alimentação e enurese também são comuns.
TRANSTORNOS GLOBAIS DO DESENVOLVIMENTO
Crianças pequenas com transtorno autista têm uma incidência mais alta do que o esperado de infecções do trato respiratório superior e de outras infecções menores. Sintomas gastrintestinais comumente encontrados entre crianças com transtorno autista incluem eructação excessiva, constipação e aumento do trânsito intestinal. Há também uma incidência aumentada de convulsões febris. Algumas não apresentam elevações de temperatura com doenças infecciosas menores e podem não manifestar o mal-estar típico de crianças doentes. Em certos casos, os problemas de comportamento e os relacionamentos parecem melhorar de forma acentuada durante uma doença menor, o que pode ser um sinal de doença física. Um instrumento padronizado muito útil para extrair informação abrangente sobre transtornos do desenvolvimento é o Protocolo de Observação Diagnóstica do Autismo – Genérico (ADOS-G).
DOENÇA FÍSICA ASSOCIADA.
Roy, um menino de 6 anos, foi encaminhado para uma avaliação psiquiátrica por sua professora da 1a série, que relatou que o menino era diruptivo em aula, incapaz de seguir instruções, não tinha, na verdade, nenhum amigo e, em momentos imprevisíveis, era hiperativo e agressivo. Ele nunca passou por uma avaliação psiquiátrica, mas sua mãe suspeita que, como seu irmão mais velho, possa ter transtorno de déficit de atenção/hiperatividade. Roy apresentava problemas em seguir instruções desde que iniciara a pré-escola, aos 3 anos de idade, mas, até então, nunca tinha sido descrito como agressivo. De acordo com a professora, ele é atormentado por seus colegas de aula, que o consideram “esquisito”. Roy nasceu de uma gravidez normal, mas foi tratado por 10 dias com antibióticos na unidade de tratamento intensivo neonatal porque desenvolvera meningite bacteriana após o parto. Felizmente, a condição foi detectada cedo, e os médicos tranqüilizaram sua mãe de que não haveria danos permanentes. Ele continuou saudável após receber alta do hospital. Seus pais começaram a ficar preocupados com seu desenvolvimento de linguagem porque dizia apenas “dada” aos 18 meses. O pediatra foi muito tranqüilizador, referindo que algumas crianças desenvolvem a linguagem mais tarde do que outras e que não havia sinais de nenhuma doença neurológica. A mãe solicitou um teste de audição, pois havia lido que recémnascidos tratados com antibióticos poderiam desenvolver perda de audição. A audição do menino era normal, mas ela continuou a perceber que muitas vezes não virava a cabeça quando falava com ele. Supôs, então, que ele tivesse um período de atenção reduzido, como seu irmão mais velho, e não ficou muito preocupada com sua falta de atenção em relação aos adultos. No entanto, continuou preocupada com o fato de sua linguagem não estar se desenvolvendo de forma adequada. Quando Roy iniciou a pré-escola, tornou-se claro que não brincava com brinquedos da mesma maneira que as outras crianças. Não parecia entender o que fazer com eles, usava um caminhão, por exemplo, para bater no chão. Havia adquirido mais palavras nessa época, mas suas frases eram, em grande parte, incompreensíveis. Com freqüência, dizia “Você” quando queria dizer “Eu” e repetia frases que tinha ouvido anteriormente no dia. Era incapaz de compartilhar brinquedos e
1293
nunca participava de atividades de grupo que requeriam que a classe se sentasse em círculo. Em vez disso, ficava no canto da sala brincando sozinho. Não dizia para a professora quando estava com sede ou tinha que ir ao banheiro. Não respondia a perguntas; às vezes se tornava excitado e hiperativo e corria pela sala sem objetivo aparente. Na maior parte do tempo, não fazia contato visual e era isolado dos demais. Roy não se comportava como as outras crianças; assim, a professora apenas tinha dificuldade em lidar com ele quando se tornava hiperativo e resistia a sentar-se. Ela mencionou que ele era uma criatura de hábitos, brincava com o mesmo brinquedo todos os dias e ficava muito aborrecido se alguma outra criança tentava tocar em seu brinquedo favorito. Quando chegou à 1a série, ficou claro que Roy não estava se socializando com seus colegas, e sua linguagem ainda era pobre. Também não parecia entender o que se esperava dele em aula, muitas vezes parecendo distraído e distante. Uma avaliação foi iniciada com testagem psicológica. Na testagem intelectual, o quociente de inteligência (QI) total de Roy foi de 68, com um QI verbal de 61 e um QI de desempenho de 75, colocando-o na variação de provável retardo mental leve. Suas habilidades de linguagem eram uma área de fraqueza importante. Ainda que já tivesse aprendido muitas palavras, exibia grande dificuldade em fazer-se entender e em responder a seus colegas. Os problemas de linguagem de Roy incluíam inversão de pronomes, ecolalia e sintaxe incomum. Seus problemas sociais eram tão sérios quanto estes. Tinha poucos interesses e era rejeitado por seus pares. Parecia fixado em água corrente e passaria uma hora, se permitissem, olhando a água correr da torneira. Roy não entendia seu trabalho escolar e continuava tendo períodos de hiperatividade nos quais corria pela sala de aula sem propósito. DISCUSSÃO Dada a combinação de desenvolvimento da linguagem anormal, significativa incapacidade de relacionar-se com iguais ou adultos e uma gama de interesses muito restrita, um diagnóstico de transtorno autista foi feito. Além disso, após avaliar suas “habilidades de vida”, como vestir-se e comunicar-se com os outros, juntamente com sua testagem intelectual, foi determinado que Roy também tinha retardo mental leve. Além disso, manifestava freqüentes períodos de hiperatividade, atenção pobre e distratibilidade na escola e em casa, o que causava problemas significativos para ele, levando a um diagnóstico de transtorno do déficit de atenção/hiperatividade. Foi recomendado que sua família solicitasse a iniciação de um Plano Educacional Individual por sua escola, a fim de que ele pudesse ser colocado em uma sala de aula de educação especial, menor e mais estruturada. Foi feito um encaminhamento para um programa comportamental para reforçar os comportamentos sociais e orientados à tarefa adequados. Uma tentativa de metilfenidato (Ritalina) foi recomendada a fim de tratar sua hiperatividade e a atenção deficiente.
1294
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Funcionamento intelectual. Aproximadamente 75% das crianças com transtorno autista funcionam na faixa do retardo mental. Em torno de 30% funcionam na faixa leve a moderada, e uma média de 45 a 50% têm retardo mental grave a profundo. Estudos epidemiológicos e clínicos mostram que o risco para transtorno autista aumenta à medida que o QI diminui. Cerca de um quinto de todas as crianças autistas tem inteligência não-verbal normal. Os escores de QI tendem a refletir problemas mais graves na seqüência verbal e habilidades de abstração, com capacidade relativa em habilidades visuoespaciais ou de memória de hábito. Esse achado sugere a importância de defeitos nas funções relacionadas à linguagem. Capacidades cognitivas ou visuomotoras incomuns ou precoces ocorrem em algumas crianças autistas. As capacidades, que podem existir mesmo no funcionamento global retardado, são chamadas de funções fragmentadas ou ilhas de precocidade. Talvez os exemplos mais notáveis sejam os sábios com retardo ou autistas, que têm memórias de hábito ou capacidades de cálculo prodigiosas, muitas vezes superiores às de seus pares normais. Outras capacidades precoces em crianças pequenas autistas incluem hiperlexia e boa leitura (embora não possam entender o que lêem), memorização e recitação, bem como capacidades musicais (cantar ou tocar melodias ou reconhecer notas musicais).
para esquizofrenia. Essa condição é rara entre crianças com menos de 5 anos. Ela é acompanhada por alucinações ou delírios, com uma incidência mais baixa de convulsões e retardo mental e um QI mais uniforme do que o exibido por crianças autistas. A Tabela 42-3 compara transtorno autista com esquizofrenia com início na infância.
Retardo mental com sintomas comportamentais. Cerca de 40% das crianças autistas têm retardo mental moderado, grave ou profundo, e crianças retardadas podem ter sintomas comportamentais que incluem aspectos autistas. Quando ambos os transtornos estão presentes, os dois devem ser diagnosticados. Os principais aspectos diferenciais entre transtorno autista e retardo mental são que crianças com retardo mental tendem a relacionar-se com adultos e outras crianças de acordo com suas idades mentais, usam a linguagem que têm para comunicar-se e exibem um perfil de prejuízos relativamente uniforme, sem funções fragmentadas. Transtorno misto da linguagem receptivo-expressiva. Algumas crianças com transtorno da linguagem receptivoexpressiva têm aspectos do tipo autista leves que podem representar um problema diagnóstico. A Tabela 42-4 resume as principais diferenças entre transtorno autista e transtorno misto da linguagem receptivo-expressiva.
Afasia adquirida com convulsão. Afasia adquirida com conDiagnóstico diferencial Os principais diagnósticos diferenciais são esquizofrenia com início na infância, retardo mental com sintomas comportamentais, transtorno misto da linguagem receptivo-expressiva, surdez congênita ou transtorno auditivo grave, privação psicossocial e psicoses desintegrativas (regressivas). Visto que crianças com um transtorno global do desenvolvimento em geral têm muitos problemas concomitantes, Michael Rutter e Lionel Hersov sugeriram uma abordagem gradual ao diagnóstico diferencial (Tab. 42-2).
vulsão é uma condição rara que às vezes é difícil de diferenciar de transtorno autista e transtorno desintegrativo da infância. Crianças com a condição são normais por vários anos antes de perderem sua linguagem tanto receptiva como expressiva no decorrer de um período de semanas ou meses. A maioria tem algumas convulsões e anormalidades EEGs generalizadas no início, mas esses sinais em geral não persistem. Seguese, então, um transtorno da compreensão da linguagem profundo, caracterizado por um padrão de fala desviante e prejuízo da mesma. Algumas crianças recuperam-se, mas permanecem com considerável prejuízo de linguagem residual.
Surdez congênita ou prejuízo auditivo grave. Visto Esquizofrenia com início na infância. Mesmo havendo literatura abundante sobre transtorno autista, existem poucos dados sobre crianças com menos de 12 anos que satisfazem os critérios diagnósticos
TABELA 42-2 Procedimento para diagnóstico diferencial em um sistema multiaxial 1. Determinar o nível intelectual 2. Determinar o nível de desenvolvimento da linguagem 3. Considerar se o comportamento da criança é adequado para (i) idade cronológica (ii) idade mental (iii) idade da linguagem 4. Se apropriado, considerar diagnóstico diferencial de transtorno psiquiátrico de acordo com (i) padrão de interação social (ii) padrão de linguagem (iii) padrão de jogo (iv) outros comportamentos 5. Identificar quaisquer condições médicas relevantes 6. Considerar se há algum fator psicossocial relevante Reimpressa, com permissão, de Rutter M, Hersov I. Child and Adolescent Psychiatry: Modern Approaches. 2nd ed. Oxford: Blackwell, 1985:73.
que crianças autistas com freqüência são mudas ou apresentam um desinteresse seletivo na linguagem falada, costumam ser julgadas surdas. Os fatores de diferenciação incluem o seguinte: bebês autistas podem balbuciar com pouca freqüência, enquanto bebês surdos têm história de balbucio relativamente normal, que vai diminuindo e pode parar entre 6 meses e 1 ano de idade; crianças surdas respondem apenas a sons altos, enquanto as autistas podem ignorar sons altos ou normais e responder a sons suaves ou baixos. De muita importância, o audiograma ou potenciais auditivos evocados indicam perda auditiva significativa em crianças surdas. Ao contrário de crianças autistas, as surdas em geral se relacionam com seus pais, buscam sua afeição e gostam de ser seguradas quando bebês.
Privação psicossocial. Alterações graves nos âmbitos físico e emocional (p. ex., privação materna, nanismo psicossocial, hospitalização e falha em desenvolver-se) podem fazer com que as crianças pareçam apáticas, retraídas e alienadas. As habilidades motoras e de linguagem podem ser atrasadas. Crianças com esses sinais quase sempre melhoram rapidamente quando colocadas em um ambiente psicossocial favorável e enriquecido, o que não ocorre com crianças autistas.
TRANSTORNOS GLOBAIS DO DESENVOLVIMENTO
1295
TABELA 42-3 Transtorno autista versus esquizofrenia com início na infância Critérios
Transtorno autista
Idade de início Incidência Proporção por sexo (M:F)
Antes dos 38 meses 2 a 5 em 10.000 3 a 4:1
Esquizofrenia (com início antes da puberdade)
Não antes dos 5 anos de idade Desconhecida, possivelmente a mesma ou até mais rara 1,67:1 (quase igual ou ligeira preponderância masculina) História familiar de esquizofrenia Não aumentada ou provavelmente não aumentada Aumentada Condição socioeconômica (CSE) Representação excessiva de grupos de CSE suMais comum em grupos de CSE mais baixa perior (artefato) Complicações pré-natais e perinatais Mais comum no transtorno autista Menos comum na esquizofrenia e disfunção cerebral Características comportamentais Falha em desenvolver relacionamentos; ausência Alucinações e delírios; transtorno do pensamento de fala ou ecolalia; frases estereotipadas; compreensão da linguagem ausente ou pobre; insistência em uniformidade e estereotipias Funcionamento adaptativo Em geral, sempre prejudicado Deterioração no funcionamento Nível de inteligência Na maioria dos casos, abaixo do normal, com Em geral, dentro da variação normal, a maioria limífreqüência gravemente prejudicado (70% ≤ 70) trofe (15% ≤ 70) Padrão de QI Marcada desigualdade Mais uniforme Convulsões de grande mal 4 a 32% Ausentes ou incidência mais baixa Cortesia de Magda Campbell, M.D., e Wayne Green, M.D.
TABELA 42-4 Transtorno autista versus transtorno misto da linguagem receptivo-expressiva Critérios
Transtorno autista
Transtorno misto da linguagem receptivo-expressiva
Incidência Proporção por sexo (M:F) História familiar de atraso de fala ou problemas de linguagem Surdez associada Comunicação não-verbal (gestos, etc.) Anormalidades da linguagem (p. ex., ecolalia, frases estereotipadas fora do contexto) Problemas articulatórios Nível de inteligência
2 a 5 em 10.000 3 a 4:1 Presente em cerca de 25% dos casos
5 em 10.000 Igual ou quase igual Presente em cerca de 25% dos casos
Muito pouco freqüente Ausente ou rudimentar Mais comuns
Freqüente Presente Menos comuns
Menos freqüentes Em geral, gravemente prejudicado
Padrões de testes de QI
Irregulares, inferiores em escores verbais do que pacientes disfásicos, inferiores em subteste de compreensão do que pacientes disfásicos Mais comuns e mais graves
Mais freqüentes Pensamento pode estar prejudicado, com menos freqüência grave Mais regulares, embora QI verbal mais baixo do que QI de desempenho
Comportamentos autistas, vida social prejudicada, estereotipias e atividades ritualísticas Jogo imaginativo
Ausente ou rudimentar
Ausentes ou, se presentes, menos graves Em geral presente
Adaptada de Magda Campbell, M.D., e Wayne Green, M.D.
Curso e prognóstico O transtorno autista costuma ser uma condição para toda a vida com um prognóstico cauteloso. Crianças autistas com QI acima de 70 e aquelas que usam linguagem comunicativa nas idades de 5 a 7 anos tendem a ter os melhores prognósticos. Dados de acompanhamento recentes comparando crianças autistas de QI alto na idade de 5 anos com suas sintomatologias atuais aos 13 anos e até a idade adulta jovem revelaram que uma pequena proporção não mais satisfazia os critérios para autismo, embora ainda exibissem alguns aspectos do transtorno. A maioria demonstrou mudanças positivas na comunicação e em esferas sociais com o passar do tempo.
As áreas de sintoma que não pareceram melhorar com o tempo foram aquelas relacionadas a comportamentos ritualísticos e repetitivos. Em geral, estudos de resultado em adultos indicam que cerca de dois terços dos adultos autistas permanecem gravemente incapacitados e vivem em dependência completa ou semidependência com seus parentes ou em instituições de longo prazo. Apenas 1 a 2% adquirem uma condição normal, independente, com emprego lucrativo, e 5 a 20% alcançam uma condição normal limítrofe. O prognóstico melhora quando o ambiente ou o lar é sustentador e capaz de satisfazer as necessidades extensivas dessas crianças. Embora os sintomas diminuam em muitos casos, automutilação grave ou agressividade e regressão podem desenvolver-se em outros. Em torno de 4 a 32% têm convulsões de
1296
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
grande mal no final da infância ou na adolescência, e as convulsões afetam o prognóstico de forma adversa. Tratamento Os objetivos do tratamento de crianças com transtorno autista são aumentar o comportamento socialmente aceitável e pró-social, diminuir sintomas comportamentais bizarros e melhorar a comunicação verbal e não-verbal. Crianças com retardo mental necessitam de intervenções comportamentais intelectualmente adequadas para reforçar comportamentos aceitáveis do ponto de vista social e encorajar habilidades de auto-cuidado. Além disso, os pais, muitas vezes confusos, necessitam de apoio e aconselhamento. Psicoterapia individual orientada para o insight provou ser ineficaz. No momento, intervenções educacionais e comportamentais são consideradas os tratamentos de escolha. Treinamento em sala de aula estruturada em combinação com métodos comportamentais é o tratamento mais efetivo para muitas crianças autistas. Estudos bem-controlados indicam que ganhos nas áreas de linguagem e cognição e diminuições nos comportamentos maladaptativos são possíveis através de programas comportamentais consistentes. O treinamento cuidadoso dos pais em relação a conceitos e habilidades de modificação de comportamento e a resolução de suas preocupações pode produzir ganhos consideráveis nas áreas de linguagem, cognição e comportamento social das crianças. Esses programas de treinamento, entretanto, são rigorosos e demandam muito tempo dos pais. Uma criança autista requer o máximo de estrutura possível, e um programa diário pelo máximo de horas viáveis é desejável. Facilitação da comunicação é uma técnica em que a criança autista ou mentalmente retardada com alguma linguagem é auxiliada na comunicação por um professor que a ajuda a escolher letras em um computador ou tabuleiro. Alguns facilitadores relataram sucesso na evocação de linguagem para produzir mensagens, demonstrando a capacidade da criança em ler e escrever, fazer exercícios matemáticos, expressar sentimentos e até escrever poesias. Ainda que essas intervenções sejam arriscadas porque o facilitador precisa introduzir interpretação suficiente para produzir comunicação típica, muitas famílias de crianças autistas apóiam essa técnica e continuam a utilizá-la. Não há medicamentos específicos para tratar os sintomas centrais do transtorno autista; entretanto, a psicofarmacoterapia é um tratamento adjunto valioso para melhorar sintomas comportamentais associados. Foi relatado que ela atenua sintomas como agressividade, acessos de raiva graves, comportamentos automutiladores, hiperatividade, comportamentos obsessivo-compulsivos e estereotipias. A administração de medicamentos antipsicóticos pode reduzir o comportamento agressivo e automutilador. Um estudo anterior indicou que o haloperidol (Haldol) diminuiu sintomas comportamentais como hiperatividade, estereotipias, retraimento, inquietação, irritabilidade e afeto lábil ao mesmo tempo em que acelerou a aprendizagem. Não foram feitos outros estudos reproduzindo tais achados e, devido a seus efeitos adversos potencialmente sérios, o agente não é mais a opção de escolha no tratamento de comportamento automutilador em crianças com trans-
torno autista. Ainda que os efeitos adversos sérios de medicamentos antipsicóticos, como discinesia tardia, discinesia de abstinência e síndrome neuroléptica maligna, possam ocorrer com o uso de qualquer agente desta classe, os antipsicóticos atípicos mais modernos, mais seguros (i. e., os antagonistas de serotonina-dopamina [ASDs]), têm em geral substituído os antipsicóticos típicos mais antigos (i. e., os antagonistas dos receptores de dopamina). Os ASDs implicam um risco mais baixo de efeitos adversos extrapiramidais, embora alguns indivíduos sensíveis não possam tolerar esses efeitos adversos extrapiramidais e anticolinérgicos. Os agentes desta classe incluem a risperidona (Risperdal), a olanzapina (Ziprexa), a quetiapina (Seroquel), a clozapina (Leponex) e a ziprasidona (Geodon). A risperidona, um antipsicótico de alta potência com propriedades antagonistas dos receptores de dopamina D2 e de serotinina 5-HT2 combinadas, foi utilizada para reduzir comportamentos agressivos e automutiladores. Diversos relatos sugeriram que ela é efetiva para diminuir a agressividade, a hiperatividade e o comportamento automutilador em crianças com transtorno autista. Em alguns casos, há relatos de que tenha encorajado comportamentos socialmente aceitáveis. Estudos com o uso de risperidona no tratamento de psicose adulta indicam que uma dosagem de até 6 mg por dia costuma ser efetiva. Para crianças com autismo, dosagens mais baixas, variando de 0,5 a 4 mg por dia, são as mais usadas. Efeitos extrapiramidais e acatisia não são efeitos adversos incomuns, assim como sedação, tontura ou ganho de peso. De forma específica, a olanzapina bloqueia os receptores de 5-HT2 e D2 e os receptores muscarínicos. Nenhum estudo fornece orientações específicas com relação ao uso desse agente em crianças com autismo. As dosagens utilizadas clinicamente visando à agressividade e aos comportamentos automutiladores variam de 2,5 a 10 mg por dia. Entre seus efeitos adversos mais comuns estão a sedação, a hipotensão ortostática e (com o tempo) o ganho de peso. A quetiapina é um antipsicótico com propriedades de bloqueio mais potentes do receptor de 5-H2 do que do receptor de D2. Mesmo não havendo dados relativos à sua efetividade sobre a agressividade em crianças com autismo, às vezes ela é tentada quando a risperidona e a olanzapina não são eficazes ou bemtoleradas. Não há orientações sobre a melhor dosagem; ela tem sido utilizada na prática clínica em dosagens entre 50 e 200 mg por dia. Os efeitos adversos incluem sonolência, taquicardia, agitação e ganho de peso. A clozapina possui uma estrutura química heterocíclica que está relacionada a certos antipsicóticos convencionais, como a loxapina (Loxitane), ainda que represente um risco mais baixo de sintomas extrapiramidais. Ela não costuma ser utilizada no tratamento de agressividade e comportamento automutilador, a menos que tais comportamentos coexistam com sintomas psicóticos. Seu efeito adverso mais sério é a agranulocitose, que necessita de monitoração da contagem de leucócitos todas as semanas durante seu uso. Este tende a se limitar a pacientes psicóticos resistentes a tratamento. A ziprasidona tem propriedades de bloqueio nos sítios dos receptores de 5-HT2A e D2 e implica pouco risco de efeitos extrapiramidais e anti-histamínicos. Não há orientações para seu uso em crian-
TRANSTORNOS GLOBAIS DO DESENVOLVIMENTO
ças autistas com comportamentos agressivos e automutiladores, mas tem sido usada clinicamente para tratar estes últimos em crianças resistentes a tratamento. Em estudos com adultos com esquizofrenia, variações de dosagem de 40 a 160 mg revelaram-se efetivas. Os efeitos adversos incluem sedação, tontura e vertigem. Um eletrocardiograma (ECG) é indicado antes do uso desse medicamento. Os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs) têm sido usados como tratamentos adjuntos para diminuir e modificar comportamentos obsessivo-compulsivos e estereotipados. A quantidade de melhora obtida com sua administração a crianças autistas com os comportamentos referidos ainda não está clara. Um recente estudo duplo-cego investigou a eficácia da amantadina, que bloqueia os receptores de N-metil-D-aspartato (NMDA), no tratamento de problemas comportamentais como irritabilidade, agressividade e hiperatividade em crianças com autismo. Alguns sugeriram que anormalidades do sistema glutamatérgico podem contribuir para o aparecimento de transtornos globais do desenvolvimento. Altos níveis de glutamato foram encontrados em crianças com síndrome de Rett. No estudo referido, 47% das crianças tomando amantadina foram classificadas como “melhoradas” em relação à irritabilidade e à hiperatividade, conforme percebido por seus pais, contra 37% daquelas que receberam placebo, ainda que essa diferença não seja estatisticamente significativa. Investigadores classificaram as crianças recebendo amantadina como “muito melhoradas” em relação à hiperatividade. Um estudo duplo-cego, controlado por placebo, sobre a eficácia do anticonvulsivante lamotrigina em relação à hiperatividade em crianças com autismo mostrou altas taxas de melhora com placebo. A clomipramina (Anafranil) foi utilizada em transtornos autistas, mas sem resultados positivos. A fenfluramina, que reduz os níveis de serotonina sangüínea, foi relatada de forma anedótica como efetiva em algumas crianças autistas. A melhora não parece estar associada a uma redução no nível de serotonina sangüínea. A naltrexona (Revia), um antagonista dos receptores de opióide, foi investigada sem muito sucesso, com base na noção de que o bloqueio de opióides endógenos reduziria sintomas autistas. O uso de lítio (Carbolitium) pode ser feito em caso de comportamentos agressivos e automutiladores quando outros medicamentos falharem.
1297
patível com uma condição metabólica. Em algumas pacientes afetadas, a presença de hiperamonemia tem levado à hipótese de que uma enzima metabolizadora de amônia seja deficiente, mas este problema não foi encontrado na maioria das pacientes com transtorno de Rett. É provável que o transtorno tenha uma base genética. Ele é visto apenas em meninas e relatos de caso até o momento indicam concordância completa em gêmeas monozigóticas. Diagnóstico e características clínicas Durante os primeiros cinco meses após o nascimento, os bebês têm habilidades motoras adequadas à idade, circunferência da cabeça e crescimento normais. As interações sociais mostram a qualidade recíproca esperada. Dos 6 meses aos 2 anos de idade, entretanto, desenvolvem encefalopatia progressiva, com inúmeros aspectos característicos. Os sinais em geral incluem a perda de movimentos intencionais das mãos, que são substituídos por movimentos estereotipados como torcer as mãos, a perda da fala anteriormente adquirida, retardo psicomotor e ataxia. Outros movimentos estereotipados das mãos podem ocorrer, como lamber ou morder os dedos e pancadinhas e palmadas. O crescimento da circunferência da cabeça se desacelera e produz microcefalia. Todas as habilidades de linguagem são perdidas, e habilidades de comunicação receptiva e expressiva e sociais parecem estacionar em níveis de desenvolvimento entre 6 meses e 1 ano. Aparece coordenação muscular pobre e marcha apráxica instável e rígida. Todas essas características clínicas são critérios diagnósticos para o transtorno (Tab. 42-5). Os aspectos associados incluem convulsões em até 75% das crianças afetadas e EEGs desorganizados, com algumas descargas epileptiformes em quase todas elas, mesmo na ausência de convulsões clínicas. Outro aspecto associado é a respiração irregular, com episódios de hiperventilação, apnéia e respiração presa. A respiração desorganizada ocorre na maioria das pacientes enquanto estão acordadas; durante o sono, a
TABELA 42-5 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno de Rett
TRANSTORNO DE RETT O transtorno de Rett é descrito pelo DSM-IV-TR como o desenvolvimento de diversos déficits específicos depois de um período de funcionamento normal após o nascimento. Em 1965, Andreas Rett, um médico australiano, identificou uma síndrome em 22 meninas que pareciam ter-se desenvolvido normalmente por pelo menos seis meses, seguidos por devastadora deterioração do desenvolvimento. Ainda que poucos levantamentos tenham sido feitos, os dados disponíveis indicam uma prevalência de 6 a 7 casos do transtorno por 100 mil meninas. Etiologia A causa do transtorno de Rett é desconhecida, embora o curso deteriorante progressivo após um período normal inicial seja com-
A. Todos os quesitos abaixo: (1) desenvolvimento pré-natal e perinatal aparentemente normal (2) desenvolvimento psicomotor aparentemente normal durante os primeiros 5 meses de vida (3) perímetro cefálico normal ao nascer B. Início de todas as seguintes características após o período de desenvolvimento normal: (1) desaceleração do crescimento cefálico entre a idade de 5 a 48 meses (2) perda de habilidades manuais voluntárias anteriormente adquiridas entre a idade de 5 a 30 meses, com o desenvolvimento subseqüente de movimentos estereotipados das mãos (p. ex., gestos como torcer ou lavar as mãos) (3) perda do envolvimento social no início do transtorno (embora, em geral, a interação social desenvolva-se posteriormente) (4) incoordenação da marcha ou dos movimentos do tronco (5) desenvolvimento das linguagens expressiva ou receptiva severamente comprometido, com severo retardo psicomotor De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
1298
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
respiração tende a normalizar-se. Muitas pacientes com transtorno de Rett também têm escoliose. À medida que o transtorno progride, o tônus muscular parece aumentar de uma condição hipotônica inicial para espasticidade a rigidez. Ainda que crianças com transtorno de Rett possam viver bem por mais de uma década após o início do transtorno, após os 10 anos, muitas precisam de cadeira de rodas, com fadiga muscular, rigidez e quase nenhuma capacidade de linguagem. A comunicação receptiva e expressiva e as capacidades de socialização a longo prazo permanecem em um nível de desenvolvimento de menos de 1 ano.
Diagnóstico diferencial Algumas crianças com transtorno de Rett recebem diagnósticos iniciais de transtorno autista devido à incapacidade marcada nas interações sociais em ambos os transtornos, mas há algumas diferenças previsíveis entre eles. No transtorno de Rett, a criança apresenta deterioração em relação aos marcos do desenvolvimento, à circunferência da cabeça e ao crescimento geral; no transtorno autista, o desenvolvimento disfuncional costuma estar presente desde o início. No transtorno de Rett, movimentos das mãos específicos e característicos estão sempre presentes; no autismo, maneirismos das mãos podem ou não aparecer. Coordenação pobre, ataxia e apraxia são parte do transtorno de Rett; muitas pessoas com transtorno autista têm função motora grossa pouco notável. No transtorno de Rett, as capacidades verbais tendem a ser completamente perdidas; no transtorno autista, os pacientes usam linguagem marcadamente problemática. Problemas respiratórios são característicos no transtorno de Rett, e convulsões aparecem cedo; no transtorno autista, nenhuma alteração respiratória é observada, convulsões, na maioria dos pacientes, não se desenvolvem; quando se manifestam, são mais prováveis na adolescência do que na infância. Curso e prognóstico O transtorno de Rett é progressivo. Seu prognóstico não é totalmente conhecido, mas pacientes que vivem até a idade adulta permanecem em um nível cognitivo e social equivalente ao do primeiro ano de vida. Tratamento O tratamento é sintomático. Fisioterapia tem sido benéfica para a disfunção muscular, e tratamento anticonvulsivante costuma ser necessário. Terapia comportamental em associação à medicação pode ajudar a controlar o comportamento automutilador, como ocorre no tratamento de transtorno autista, bem como a regular a disfunção respiratória. TRANSTORNO DESINTEGRATIVO DA INFÂNCIA De acordo com o DSM-IV-TR, o transtorno desintegrativo da infância é caracterizado por regressão marcada em diversas áreas do
funcionamento após pelo menos dois anos de desenvolvimento aparentemente normal. O transtorno, também chamado de síndrome de Heller e psicose desintegrativa, foi descrito em 1908 como uma deterioração, no decorrer de vários meses, das funções intelectual, social e lingüística que ocorre em crianças entre 3 e 4 anos de idade com funções anteriormente normais. Após a deterioração, estas ficam bastante parecidas com crianças com transtorno autista. Epidemiologia Os dados epidemiológicos não são claros devido aos critérios diagnósticos variáveis utilizados, mas estima-se que o transtorno desintegrativo da infância seja pelo menos um décimo tão comum quanto o transtorno autista, e sua prevalência foi estimada como sendo de um caso em 100 mil meninos. Considera-se que a proporção de meninos para meninas seja de 4 a 8 meninos para uma menina. Etiologia A causa desse transtorno é desconhecida, mas ele tem sido associado a outras condições neurológicas, incluindo transtornos convulsivos, esclerose tuberosa e vários distúrbios metabólicos. Diagnóstico e características clínicas O diagnóstico é feito com base em aspectos que estejam de acordo com a idade de início, quadro clínico e curso característicos. Os casos relatados têm variado entre as idades de 1 a 9 anos em relação ao início da condição, mas, em geral, ele tende a ocorrer aos 3 ou 4 anos; de acordo com o DSM-IV-TR, a idade de início mínima é 2 anos (Tab. 42-6). O início pode ser insidioso, no decorrer de vários meses ou relativamente abrupto, com as capacidades diminuindo em dias ou semanas. Em alguns casos, a criança exibe inquietação, nível de atividade aumentado e ansiedade antes da perda de função. Os aspectos centrais do transtorno incluem perda de habilidades de comunicação, regressão marcada de interações recíprocas e início de movimentos estereotipados e comportamento compulsivo. Sintomas afetivos são comuns, em especial ansiedade, assim como a regressão de habilidades de auto-ajuda, como controle do intestino e da bexiga. Para receber o diagnóstico, a criança deve exibir perda de habilidades em duas das seguintes áreas: linguagem, comportamento social ou adaptativo, controle do intestino ou da bexiga, jogo e habilidades motoras. Anormalidades devem estar presentes em pelo menos duas das seguintes categorias: interação social recíproca, habilidades de comunicação e comportamento estereotipado ou limitado. O principal aspecto neurológico associado é o transtorno convulsivo. A história anterior de Bob estava dentro dos limites normais. Aos 2 anos, pronunciava frases, e seu desenvolvimento parecia estar acontecendo de maneira adequada. Aos 40 meses de idade, de repente exibiu um período de regressão comportamental importante, logo após o nascimento de um irmão. Bob perdeu habilidades anteriormente adquiridas em comunicação e não tinha mais controle dos esfincteres. Tornou-se
TRANSTORNOS GLOBAIS DO DESENVOLVIMENTO
TABELA 42-6 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno desintegrativo da infância A. Desenvolvimento aparentemente normal durante pelo menos os 2 primeiros anos de vida, manifestado pela presença de comunicação verbal e não-verbal, relacionamentos sociais, jogos e comportamento adaptativo próprios da idade. B. Perda clinicamente importante de habilidades já adquiridas (antes dos 10 anos) em pelo menos duas das seguintes áreas: (1) linguagem expressiva ou receptiva (2) habilidades sociais ou comportamento adaptativo (3) controle esfincteriano (4) jogos (5) habilidades motoras C. Funcionamento anormal em pelo menos duas das seguintes áreas: (1) comprometimento qualitativo da interação social (p. ex., comprometimento de comportamentos não-verbais, fracasso em desenvolver relacionamentos com seus pares, falta de reciprocidade social ou emocional) (2) comprometimento qualitativo da comunicação (p. ex., atraso ou ausência de linguagem falada, fracasso em iniciar ou manter uma conversa, uso estereotipado e repetitivo da linguagem, ausência de jogos variados de faz-de-conta (3) padrões restritos, repetitivos e estereotipados de comportamento, interesses e atividades, incluindo estereotipias motoras e maneirismos D. A perturbação não é mais bem explicada por outro transtorno global do desenvolvimento específico ou por esquizofrenia. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
desinteressado em interações sociais, e vários comportamentos auto-estimulatórios incomuns tornaram-se evidentes. O exame médico abrangente não conseguiu revelar nenhuma condição que pudesse explicar essa regressão em seu desenvolvimento. Em relação ao comportamento, exibia aspectos de transtorno autista. No acompanhamento aos 12 anos de idade, falava apenas uma palavra isolada ocasional e estava gravemente retardado. (Reimpresso, com permissão, de Volkmar F. Austism and the pervasive developmental disorders. In: Lewis M, ed. Child and Adolescent Psychiatry: A Comprehensive Approach. 2nd ed. Baltimore: Williams & Wilkins, 1996.)
1299
terioração ocorre muito mais cedo do que no transtorno desintegrativo da infância, e as estereotipias de mãos características daquele não ocorrem neste. Curso e prognóstico O curso do transtorno desintegrativo da infância é variável, alcançando um platô na maioria dos casos, um curso deteriorante progressivo em casos raros e alguma melhora em situações ocasionais, a ponto de haver recuperação da capacidade de falar frases. A maioria dos pacientes fica, pelo menos, com retardo mental moderado. Tratamento Devido à semelhança clínica entre ambos, o tratamento do transtorno desintegrativo da infância inclui os mesmos componentes disponíveis para o tratamento do transtorno autista. TRANSTORNO DE ASPERGER De acordo com o DSM-IV-TR, indivíduos com transtorno de Asperger apresentam prejuízo grave e contínuo na interação social e padrões de comportamento, interesses e atividades limitados e repetitivos. Ao contrário do que ocorre no transtorno autista, neste não há atrasos significativos em linguagem, desenvolvimento cognitivo ou habilidades de auto-ajuda adequadas à idade. Em 1944, Hans Asperger, um médico austríaco, descreveu uma síndrome que chamou de psicopatia autista. Sua descrição original aplicava-se a pessoas com inteligência normal que exibiam um prejuízo qualitativo na interação social recíproca e excentricidades comportamentais sem atraso no desenvolvimento da linguagem. Desde aquela época, uma pessoa com retardo mental, mas sem atraso de linguagem, tem recebido o diagnóstico de transtorno de Asperger, assim como alguém com atraso de linguagem, mas sem retardo mental.
Diagnóstico diferencial
Etiologia
O diagnóstico diferencial de transtorno desintegrativo da infância inclui o transtorno autista e o transtorno de Rett. Em muitos casos, as características clínicas sobrepõem-se ao transtorno autista, mas o transtorno desintegrativo da infância é diferenciado deste pela perda do desenvolvimento anteriormente adquirido. Antes do início do transtorno desintegrativo da infância (ocorrendo aos 2 anos ou mais tarde), a linguagem em geral progride para a formação de frases. Essa habilidade é diferente da história pré-mórbida de pacientes com transtorno autista mesmo com funcionamento superior, nos quais a linguagem muitas vezes não passava de palavras ou frases isoladas antes do diagnóstico. Uma vez que o déficit se torna evidente, entretanto, aqueles com transtorno desintegrativo da infância têm mais probabilidade de não ter capacidades de linguagem do que pacientes com transtorno autista de funcionamento superior. No transtorno de Rett, a de-
A causa do transtorno de Asperger é desconhecida, mas estudos familiares sugerem uma possível relação com o transtorno autista. A semelhança entre ambos apóia a presença de fatores de contribuição genéticos, metabólicos, infecciosos e perinatais. Diagnóstico e características clínicas As características clínicas incluem pelo menos duas das seguintes indicações de prejuízo social qualitativo: gestos comunicativos não-verbais marcadamente anormais, falha em desenvolver relacionamentos com iguais, falta de reciprocidade social ou emocional e a capacidade prejudicada de expressar prazer pela felicidade de outra pessoa. Interesses e padrões de comportamento limitados sempre estão presentes. De acordo com o DSM-IV-TR, o paciente
1300
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
não apresenta atraso da linguagem, atraso cognitivo significativo ou prejuízo adaptativo (Tab. 42-7). Diagnóstico diferencial O diagnóstico diferencial inclui transtorno autista, transtorno global do desenvolvimento sem outra especificação e, em pacientes chegando à idade adulta, transtorno da personalidade esquizóide. De acordo com o DSM-IV-TR, as diferenças mais óbvias entre o transtorno de Asperger e o transtorno autista se referem aos critérios sobre atraso e disfunção de linguagem. A ausência de atraso de linguagem é um requisito para transtorno de Asperger, enquanto prejuízo de linguagem é um aspecto central no transtorno autista. Estudos recentes comparando crianças com essas duas condições revelaram que aquelas com transtorno de Asperger tinham mais probabilidade de procurar interações sociais e buscavam fazer amizades com maior intensidade. Mais tentativas parecem ser feitas por parte dessas crianças para envolver-se em uma atividade com iguais. Ainda que o atraso geral significativo na linguagem seja um critério de exclusão no diagnóstico de transtorno de Asperger, algum atraso na aquisição da linguagem foi observado em mais de um terço das amostras clínicas.
TABELA 42-7 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno de Asperger A. Comprometimento qualitativo da interação social, manifestado por pelo menos dois dos seguintes quesitos: (1) Comprometimento acentuado no uso de múltiplos comportamentos não-verbais, tais como contato visual direto, expressão facial, posturas corporais e gestos para regular a interação social (2) fracasso em desenvolver relacionamentos apropriados ao nível de desenvolvimento com seus pares (3) ausência de tentativas espontâneas de compartilhar prazer, interesses ou realizações com outras pessoas (p. ex., não mostrar, trazer ou apontar objetos de interesse a outras pessoas) (4) ausência de reciprocidade social ou emocional B. Padrões restritos, repetitivos e estereotipados de comportamento, interesses e atividades, manifestados por pelo menos um dos seguintes quesitos: (1) insistente preocupação com um ou mais padrões estereotipados e restritos de interesses, anormal em intensidade ou foco (2) adesão aparentemente inflexível a rotinas e a rituais específicos e não-funcionais (3) maneirismos motores estereotipados e repetitivos (p. ex., dar pancadinhas ou torcer as mãos ou os dedos, ou movimentos complexos de todo o corpo) (4) insistente preocupação com partes de objetos C. A perturbação causa comprometimento clinicamente importante nas áreas social e ocupacional ou outras áreas importantes de funcionamento. D. Não existe um atraso geral clinicamente importante na linguagem (p. ex., utiliza palavras isoladas aos 2 anos, frases comunicativas aos 3 anos). E. Não existe um atraso clinicamente importante no desenvolvimento cognitivo ou no desenvolvimento de habilidades de autocuidados próprios da idade, no comportamento adaptativo (outro que não na interação social) e na curiosidade acerca do ambiente na infância. F. Não são satisfeitos os critérios para um outro transtorno global do desenvolvimento ou esquizofrenia. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
Curso e prognóstico Mesmo havendo pouco conhecimento sobre a coorte descrita pelos critérios diagnósticos do DSM-IV-TR, relatos de casos apresentaram cursos e prognósticos variáveis para pacientes que receberam o diagnóstico de transtorno de Asperger. Os fatores associados com um bom prognóstico são QI normal e habilidades sociais de alto nível. Relatos anedóticos de alguns adultos diagnosticados com essa condição quando crianças os mostraram como verbais e inteligentes; entretanto, relacionavam-se com outros adultos de maneira desajeitada, pareciam socialmente desconfortáveis e tímidos e com freqüência exibiam pensamento ilógico. Tratamento O tratamento depende do nível de funcionamento adaptativo do paciente. Algumas das mesmas técnicas utilizadas para transtorno autista podem beneficiar indivíduos com transtorno de Asperger com prejuízo social grave. TRANSTORNO GLOBAL DO DESENVOLVIMENTO SEM OUTRA ESPECIFICAÇÃO O DSM-IV-TR define o transtorno global do desenvolvimento sem outra especificação como prejuízo global e grave em habilidades de comunicação ou presença de comportamento, interesses e atividades estereotipadas com prejuízo associado nas interações sociais. Entretanto, os critérios para transtorno global do desenvolvimento específico, esquizofrenia e transtornos da personalidade esquizotípica e esquiva não são satisfeitos (Tab. 42-8). Algumas crianças que recebem o diagnóstico exibem um repertório de atividades e interesses marcadamente limitado. A condição costuma apresentar um melhor resultado do que o transtorno autista. Leslie era a mais velha de dois filhos. Havia sido um bebê problemático, que não era fácil de consolar, mas cujo desenvolvimento motor e comunicativo parecia adequado. Ela se relacionava socialmente e às vezes apreciava interação, mas facil-
TABELA 42-8 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno global do desenvolvimento sem outra especificação (incluindo autismo atípico) Esta categoria deve ser usada quando existe um comprometimento grave e global do desenvolvimento da interação social recíproca ou de habilidades de comunicação verbal ou não-verbal, ou na presença de estereotipias de comportamento, interesses e atividades, sem que sejam satisfeitos os critérios para um transtorno global do desenvolvimento específico, esquizofrenia, transtorno da personalidade esquizotípica ou transtorno da personalidade esquiva. Esta categoria inclui, por exemplo, “autismo atípico” — apresentações que não satisfazem os critérios para transtorno autista em vista da idade tardia de seu início, quadros com sintomatologia atípica, sintomatologia subliminar ou todas acima. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
TRANSTORNOS GLOBAIS DO DESENVOLVIMENTO
mente ficava muito estimulada. Exibia certa agitação das mãos. Seus pais procuraram avaliação quando ela tinha 4 anos de idade, devido a dificuldades na escola maternal. Leslie apresentava problemas para relacionar-se com seus pares. Ela estava sempre preocupada com possíveis eventos adversos. Na avaliação, exibiu funções comunicativas e cognitivas dentro da variação normal. Embora um relacionamento social diferencial estivesse presente, Leslie tinha dificuldade em valer-se dos pais como fonte de apoio e conforto. Ela manifestava rigidez comportamental e uma tendência a impor rotinas em habilidades sociais. A seguir, foi colocada em um jardim de infância transicional e teve bom rendimento acadêmico, ainda que os problemas nas interações com iguais e nas respostas afetivas incomuns persistissem. Quando adolescente, ela se descreve como uma “eremita” que tem dificuldades com interação social e tende a apreciar atividades solitárias. (Reimpresso, com permissão, de Volkmar F. Austism and the pervasive developmental disorders. In: Lewis M, ed. Child and Adolescent Psychiatry: A Comprehensive Approach. 2nd ed. Baltimore: Williams & Wilkins, 1996.) Tratamento A abordagem de tratamento é basicamente a mesma empregada para transtorno autista. Educação normal na escola pode ser benéfica. Comparadas com crianças autistas, aquelas com transtorno global do desenvolvimento sem outra especificação em geral têm mais habilidades de linguagem e mais consciência de si mesmas, de modo que são candidatas melhores a psicoterapia. CID-10 Como a descrição dos transtornos globais do desenvolvimento no DSM-IV-TR, na décima revisão da Classificação estatística interna-
1301
cional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-10), estes transtornos são descritos como caracterizados por “anormalidades qualitativas em interações sociais recíprocas e em padrões de comunicação e por um repertório de interesses e atividades limitado, estereotipado e repetitivo”. Mesmo que prejuízo cognitivo esteja com freqüência presente, a condição é definida em termos de comportamento “que é desviante em relação à idade mental (seja o indivíduo retardado ou não)”. Entre esses transtornos, a CID-10 inclui autismo da infância, autismo atípico, síndrome de Rett, outro transtorno desintegrativo da infância, transtorno hiperativo, transtorno associado a retardo mental e a movimentos estereotipados, síndrome de Asperger, outros transtornos globais do desenvolvimento e transtorno global do desenvolvimento não-especificado. A categoria de autismo da infância referida pela CID-10 corresponde ao transtorno autista no DSMIV-TR. De acordo com a CID-10, entretanto, o autismo atípico difere do autismo da infância em relação à idade ou ao início ou à impossibilidade em satisfazer todos os três conjuntos de critérios diagnósticos. Ele se torna aparente pela primeira vez apenas após os 3 anos, apresenta menos anormalidades nas áreas requeridas para diagnosticar autismo e tende a ocorrer em crianças bastante retardadas ou que têm um “transtorno do desenvolvimento da linguagem receptiva específico” grave. De acordo com a CID-10, transtorno hiperativo associado a retardo mental e a movimentos estereotipados é “um transtorno maldefinido de validade nosológica incerta”. A classificação inclui esse diagnóstico porque crianças com retardo mental grave que têm hiperatividade e problemas de desatenção com freqüência apresentam também comportamentos estereotipados. Sua hiperatividade tende a não se beneficiar de drogas estimulante da mesma maneira que a hiperatividade de crianças com QI normal se beneficia; na adolescência, as crianças afetadas tendem a desenvolver hipoatividade. Podem ainda exibir atrasos de desenvolvimento. (Na CID-10, casos de retardo mental leve com síndrome hipercinética são classificados na categoria de transtornos hipercinéticos.) Os critérios da CID-10 são apresentados na Tabela 42-9.
TABELA 42-9 Critérios diagnósticos da CID-10 para transtornos globais do desenvolvimento Autismo infantil A. Desenvolvimento anormal ou prejudicado é evidente antes dos 3 anos de idade em pelo menos uma das seguintes áreas: (1) linguagem receptiva ou expressiva conforme utilizada na comunicação social; (2) o desenvolvimento de vínculos sociais seletivos ou de interação social recíproca; (3) jogo funcional ou simbólico. B. Um total de pelo menos seis sintomas de (1), (2) e (3) devem estar presentes, com pelo menos dois de (1) e pelo menos um de (2) e (3): (1) Anormalidades qualitativas na interação social recíproca são manifestadas em pelo menos duas das seguintes áreas: (a) fracasso em usar adequadamente contato visual, expressão facial, postura corporal e gestos para regular interação social; (b) fracasso em desenvolver (de maneira adequada à idade mental, e apesar de amplas oportunidades) relacionamentos com iguais que envolvem uma troca mútua de interesses, atividades e emoções; (c) falta de reciprocidade socioemocional conforme demonstrado por uma resposta prejudicada ou desviante às emo-
ções de outras pessoas; ou falta de modulação de comportamento de acordo com o contexto social; ou uma integração fraca de comportamentos sociais, emocionais e comunicativos; (d) falta de desejo espontâneo de compartilhar alegria, interesses ou realizações com outras pessoas (p.ex., uma falta de objetos de interesse para o indivíduo). (2) Anormalidades qualitativas na comunicação são manifestadas em pelo menos uma das seguintes áreas: (a) um atraso no, ou falta total de, desenvolvimento de linguagem falada que não seja acompanhada por uma tentativa de compensar-se através do uso de gesto ou mímica como uma forma alternativa de comunicação (freqüentemente precedido por uma ausência de balbucio comunicativo); (b) fracasso relativo para iniciar ou manter intercâmbio coloquial (em qualquer nível de habilidades de linguagem que esteja presente), no qual haja responsividade recíproca às comunicações da outra pessoa; (c) uso estereotipado e repetitivo de linguagem ou uso idiossincrásico de palavras ou frases;
(Continua)
1302
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 42-9 (Continuação) (d) ausência de jogo de faz-de-conta espontâneo variado ou (quando pequeno) de jogo imitativo social. (3) Padrões restritos, repetitivos e estereotipados de comportamento, interesses e atividades são manifestados em pelo menos uma das seguintes áreas: (a) uma preocupação abrangente com um ou mais padrões de interesse estereotipados e restritos que são de conteúdo e foco anormais; ou um ou mais interesses que são anormais em sua intensidade e de natureza circunscrita embora não em seu conteúdo ou foco; (b) adesão aparentemente compulsiva a rotinas ou rituais específicas, não-funcionais; (c) maneirismos motores estereotipados e repetitivos que envolvem agitação ou torção das mãos ou dedos, ou movimentos do corpo inteiro complexos; (d) preocupação com parte de objetos ou com elementos não-funcionais de materiais de jogo (tais como o cheiro, a sensação de sua superfície ou ruído ou vibração que eles geram). C. O quadro clínico não é atribuível às outras variedades de transtorno global do desenvolvimento; transtorno específico do desenvolvimento da linguagem receptiva com problemas socioemocionais secundários; transtorno de apego reativo ou transtorno de apego desinibido; retardo mental com algum transtorno emocional ou comportamental associado; esquizofrenia de início geralmente precoce; e síndrome de Rett. Autismo atípico A. Desenvolvimento anormal ou prejudicado é evidente aos 3 anos de idade ou após (critérios como para autismo exceto por idade de manifestação). B. Há anormalidades qualitativas na interação social recíproca ou na comunicação, ou padrões restritos, repetitivos e estereotipados de comportamento, interesses e atividades. (Critérios como para autismo exceto que é desnecessário satisfazer os critérios para número de áreas de anormalidade.) C. O transtorno não satisfaz os critérios diagnósticos para autismo. Autismo pode ser atípico em idade de início ou sintomatologia; os dois tipos são diferenciados com um quinto caractere para fins de pesquisa. Síndromes que são atípicas em ambos os sentidos deveriam ser codificadas. Atipicalidade em idades de início e sintomatologia. Atipicalidade em idade de início A. O transtorno não satisfaz o Critério A para autismo; ou seja, desenvolvimento anormal ou prejudicado é evidente apenas aos 3 anos de idade ou após. B. O transtorno satisfaz os Critérios B e C para autismo. Atipicalidade na sintomatologia A. O transtorno satisfaz o Critério A para autismo; ou seja, desenvolvimento anormal ou prejudicado é evidente antes dos 3 anos de idade. B. Há anormalidades qualitativas em interações sociais recíprocas ou em comunicação, ou padrões restritos, repetitivos e estereotipados de comportamento, interesses e atividades. (Critérios como para autismo exceto que é desnecessário satisfazer os critérios para número de áreas de anormalidade.) C. O transtorno satisfaz o Critério C para autismo. D. O transtorno não satisfaz completamente o Critério B para autismo. Atipicalidade tanto em idade de início como em sintomatologia A. O transtorno não satisfaz o Critério A para autismo; ou seja, desenvolvimento anormal ou prejudicado é evidente apenas aos 3 anos de idade ou após. B. Há anormalidades qualitativas em interações sociais recíprocas ou na comunicação, ou padrões restritos, repetitivos e estereotipados de comportamento, interesses e atividades. (Critérios como para autismo exceto que é desnecessário satisfazer os critérios para número de áreas de anormalidade.) C. O transtorno satisfaz o Critério C para autismo. D. O transtorno não satisfaz completamente o Critério B para autismo.
Síndrome de Rett A. Há um período pré-natal e perinatal aparentemente normal e desenvolvimento psicomotor aparentemente normal durante os primeiros 5 meses e circunferência craniana normal no nascimento. B. Há desaceleração de crescimento da cabeça entre 5 meses e 4 anos e perda de habilidades de mão intencionais adquiridas entre 5 e 30 meses de idade que estão associadas com disfunção de comunicação concomitante e interações sociais prejudicadas e o aparecimento de marcha e/ou movimentos de tronco mal coordenados/instáveis. C. Há grave prejuízo da linguagem expressiva e receptiva, juntamente com grande retardo psicomotor. D. Há movimentos de mão de linha média estereotipados (tais como torcedura da mão ou “lavagem das mãos”) com início no ou após o período em que movimentos de mão intencionais são perdidos. Outro transtorno desintegrativo da infância A. O desenvolvimento é aparentemente normal até a idade de pelo menos 2 anos. A presença de habilidades adequadas à idade normais em comunicação, relacionamentos sociais, jogo e comportamento adaptativo aos 2 anos de idade ou após é necessária para o diagnóstico. B. Há uma perda definida de habilidades adquiridas anteriormente ao tempo de início do transtorno. O diagnóstico requer uma perda de habilidades clinicamente significativa (não apenas um fracasso em utilizá-las em certas situações) em pelo menos duas das seguintes áreas: (1) linguagem expressiva ou receptiva; (2) jogo; (3) habilidades sociais ou comportamento adaptativo; (4) controle de intestino ou bexiga; (5) habilidades motoras. C. Funcionamento social qualitativamente anormal é manifestado em pelo menos duas das seguintes áreas: (1) anormalidades qualitativas na interação social recíproca (do tipo definido para autismo); (2) anormalidades qualitativas na comunicação (do tipo definido para autismo); (3) padrões restritos, repetitivos e estereotipados de comportamento, interesses e atividades, incluindo estereotipias motoras e maneirismos; (4) uma perda geral de interesse em objetos e no ambiente. D. O transtorno não é atribuível às outras variedades de transtorno global do desenvolvimento; afasia adquirida com epilepsia; mutismo eletivo; síndrome de Rett; ou esquizofrenia. Transtorno hiperativo associado com retardo mental e movimentos estereotipados A. Hiperatividade severa é manifestada por pelo menos dois dos seguintes problemas em atividade e atenção: (1) inquietação motora contínua, manifestada em corrida, saltos e outros movimentos do corpo inteiro; (2) dificuldade marcada em permanecer sentado; a criança comumente permanecerá sentada no máximo por alguns segundos quando envolvida em uma atividade estereotipada (ver Critério B); (3) atividade excessiva em situações em que relativa tranqüilidade é esperada; (4) mudanças muito rápidas de atividade, de modo que as atividades geralmente duram menos de um minuto (períodos mais longos ocasionais gastos em atividades altamente preferidas não excluem este, e períodos muito longos gastos em atividades estereotipadas também podem ser compatíveis com a presença deste problema em outros momentos). B. Padrões repetitivos e estereotipados de comportamento e atividade são manifestados por pelo menos um dos seguintes: (1) maneirismos motores fixos e freqüentemente repetidos: estes podem envolver movimentos complexos do corpo inteiro ou movimentos parciais como abanar as mãos;
(Continua)
TRANSTORNOS GLOBAIS DO DESENVOLVIMENTO
1303
TABELA 42-9 (Continuação) (2) repetição excessiva e não funcional de atividades que são constantes na forma: pode ser brincar com um único objeto (p.ex., água corrente) ou um ritual de atividades (sozinho ou envolvendo outras pessoas); (3) automutilação repetitiva. C. O Q.I. é menor que 50. D. Não há prejuízo social do tipo autista, i.e., a criança deve apresentar pelo menos três dos seguintes: (1) uso adequado ao desenvolvimento de olhar fixo, expressão, e postura para regular interação social; (2) relacionamentos com iguais adequados ao desenvolvimento, incluindo compartilhar interesses, atividades, etc.; (3) aproximações a outras pessoas, pelo menos às vezes, para conforto e afeição; (4) capacidade de, às vezes, compartilhar a alegria de outras pessoas; outras formas de prejuízo social, p.ex., uma abordagem desinibida a estranhos, são compatíveis com o diagnóstico. E. O transtorno não satisfaz os critérios diagnósticos para autismo, transtorno desintegrativo da infância ou transtornos hipercinéticos. Síndrome de Asperger A. Não há atraso geral clinicamente significativo na linguagem falada ou receptiva ou no desenvolvimento cognitivo. O diagnóstico requer que palavras isoladas tenham se desenvolvido aos 2 anos de idade ou mais cedo e que frases comunicativas sejam usadas aos 3 anos de idade ou mais cedo. Habilidades de auto-ajuda, comportamento adaptativo e curiosidade sobre o ambiente durante os primeiros 3 anos deveriam estar em um nível consistente com o de-
senvolvimento intelectual normal. Entretanto, os marcos motores podem ser um pouco atrasados e movimentos desajeitados são usuais (embora não um aspecto diagnóstico necessário). Habilidades especiais isoladas, freqüentemente relacionadas a preocupações anormais, são comuns, mas não são necessárias para o diagnóstico. B. Há anormalidades qualitativas na interação social recíproca (critérios como para autismo). C. O indivíduo exibe um interesse incomumente intenso, circunscrito ou padrões restritos, repetitivos e estereotipados de comportamento, interesses e atividades (critérios como para autismo; entretanto, seria menos usual para estes incluir maneirismos motores ou preocupações com partes de objetos ou com elementos não-funcionais de materiais de jogo). D. O transtorno não é atribuível às outras variedades de transtorno global do desenvolvimento; esquizofrenia simples; transtorno esquizotípico; transtorno obsessivo-compulsivo; transtorno da personalidade anancástica; transtornos de apego reativo ou desinibido da infância. Outros transtornos globais do desenvolvimento Transtorno global do desenvolvimento inespecificado Esta é uma categoria residual que deveria ser usada para transtornos que se ajustam à descrição geral para transtornos globais do desenvolvimento, mas nos quais achados contraditórios ou uma ausência de informação adequada signifiquem que os critérios para qualquer um dos outros códigos de transtornos globais do desenvolvimento não podem ser satisfeitos.
Reimpressa, com permissão, da World Health Organization. The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural Disorders: Diagnostic Criteria for Research. Copyright, World Health Organization, Geneva, 1993.
REFERÊNCIAS Dawson G, Munson J, Estes A, et al. Neurocognitive function and joint attention ability in young children with autism disorder versus developmental delay. Child Dev. 2002;73:345. Frazier JA, Doyle R, Chiu S, Coyle JT. Treating a child with Asperger’s disorder and comorbid bipolar disorder. Am J Psychiatry. 2002;159:13. Hardan A, Johnson K, Johnson C, Hrecznyi B. Case study: risperidone treatment of children and adolescents with developmental disorders. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1996;35:1551. Hendren RL, De Backer I, Pandina GJ. Review of neuroimaging studies of child and adolescent psychiatric disorders from the past 10 years. J Am Acad Adolesc Psychiatry. 2000;39:815. King BH, Wright DM, Handen BL, et al. Double-blind, placebo-controlled study of amantadine hydrochloride in the treatment of children with autism disorder. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2001;40:658. Kristensen H. Selective mutism and comorbidity with developmental disorder/delay, anxiety disorder and elimination disorder. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2000;39:249. Lord C, Pickles A. Language level and nonverbal social-communicative behaviors in autism and language delayed children. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1996;35:1542. Lord C, Risi S, Labrecht L, et al. The ADOS-G (Autistic Diagnostic Observation Schedule-Generic): a standard measure of social and communication deficits associated with autism spectrum disorder. J Autism Dev Disord. 2000;30:205. Ozonoff S, Strayer DL. Inhibitory function in nonretarded children with autism. Autism Dev Disord. 1997;27:59.
Perry A. Rett’s syndrome: a comprehensive review of the literature. Am J Ment Retard. 1991;96:275. Perry RI, Pataki CS, Munoz DM, Armenteros JL, Silva RR. Pilot trial of risperidone in children with pervasive developmental disorder. Abstract Proceedings of the American Psychiatric Association anual meeting, 1996. Pisen J, Berthier ML, Sharkstein SE. Nehme E, Pearlson G, Folstein S. Magnetic resonance imaging: evidence for a defect of cerebral cortical development in autism. Am J Psychiatry. 1990;147:734. Rogers SJ, Di Lalla DL. Age symptom onset in young children with pervasive developmental disorders. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1990;29:863. Sanchez LE, Campbell M, Small AM, Cueva JE, Armenteros JL, Adams PB. A pilot study of clomipramine in young autistic children. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1996;35:537. Schuntermann P. Pervasive developmental disorder and parental adaptation: previewing and reviewing atypical development with parents in child psychiatric consulation. Harv Rev Psychiatry. 2002;10:16. Sponheim E. Changing criteria of autistic disorders: a comparison of the ICD-10 research criteria and DSM-IV with DSM-IIIBR, CARS, and ABC. J Autism Dev Disord. 1996;26:513. Tanguay PE. Pervasive developmental disorders: a 10-year review. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2000;39:1079. Volkmar F, Cook DH, Pomeroy J, Realmuto Tanguay P. Practice parameters for the assessment of and treatment of children, adolescents and adults with autism and other pervasive developmental disorders. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1999;38(suppl 12):32S. Waterhouse L, Morris R, Allen D, et al. Diagnosis and classification in autism. J Autism Dev Disord. 1996;26:59.
43 Transtorno de déficit de atenção
TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO/HIPERATIVIDADE O transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) consiste de um padrão persistente de desatenção e/ou comportamento hiperativo e impulsivo que é mais grave do que o esperado em crianças da idade e nível de desenvolvimento. Para satisfazer os critérios diagnósticos, alguns sintomas devem estar presentes antes dos 7 anos, ainda que muitas crianças não sejam diagnosticadas antes dessa idade, quando seus comportamentos causam problemas na escola e em outros lugares. Para satisfazer os critérios diagnósticos para TDAH, deve haver prejuízo por desatenção e/ou hiperatividade em pelo menos duas situações e este interferir no funcionamento adequado ao desenvolvimento social, acadêmico e em atividades extracurriculares. O transtorno não deve ocorrer no curso de transtorno global do desenvolvimento, esquizofrenia ou outro transtorno psicótico e não deve ser mais bem explicado por outro transtorno mental. Essa condição foi identificada na literatura durante muitos anos sob uma variedade de termos. No início da década de 1900, crianças impulsivas, desinibidas e hiperativas – muitas das quais com dano neurológico causado por encefalite – eram agrupadas sob o rótulo de síndrome hiperativa. Na década de 1960, um grupo heterogêneo de crianças com má coordenação, incapacidades de aprendizagem e labilidade emocional, mas sem dano neurológico específico, era descrito como tendo dano cerebral mínimo. Desde então, outras hipóteses foram propostas para explicar a origem do transtorno, tais como uma condição de base genética envolvendo excitação anormal e capacidade insatisfatória de modular emoções. Em princípio, essa teoria foi apoiada pela observação de que medicamentos estimulantes ajudam a produzir atenção sustentada e melhoram a capacidade das crianças para focalizar-se em determinada tarefa. Hoje, não se acredita que um único fator cause o transtorno, embora muitas variáveis ambientais possam contribuir para ele e muitos aspectos clínicos previsíveis estejam associados.
número conservador é de cerca de 3 a 7% das crianças pré-púberes. Na Inglaterra, é relatada uma incidência mais baixa do que nos Estados Unidos, menos de 1%. O transtorno é mais prevalente em meninos do que em meninas, com a proporção variando de 2 para 1, até 9 para 1. Parentes biológicos de primeiro grau, como irmãos de probandos com TDAH, apresentam alto risco de desenvolvê-lo, bem como de manifestar outros transtornos, incluindo transtornos do comportamento diruptivo, transtornos de ansiedade e transtornos depressivos. Irmãos de crianças afetadas também têm um risco mais alto do que a população em geral de desenvolver transtornos de aprendizagem e dificuldades acadêmicas. Os pais dessas crianças apresentam uma incidência aumentada de hipercinesia, sociopatia, transtornos por uso de álcool e transtorno conversivo. Sintomas de TDAH com freqüência estão presentes aos 3 anos de idade, mas o diagnóstico em geral não é feito até que a criança esteja em um ambiente escolar estruturado, tal como a pré-escola ou o jardim de infância, quando informações de professores estão disponíveis comparando sua atenção e a impulsividade em relação a crianças da mesma idade. Etiologia
Epidemiologia
As causas do TDAH são desconhecidas. A maioria das crianças afetadas não tem evidência de dano estrutural significativo no sistema nervoso central (SNC). No entanto, grande parte daquelas com distúrbios neurológicos conhecidos causados por lesões cerebrais não exibe déficit de atenção e hiperatividade. Apesar da falta de uma base neurofisiológica ou neuroquímica para o transtorno, ele costuma estar associado a uma variedade de outros transtornos que afetam a função cerebral, como os transtornos de aprendizagem. Os fatores que contribuem para seu desenvolvimento incluem exposições tóxicas pré-natais, prematuridade e dano prénatal ao sistema nervoso central. Aditivos, corantes, conservantes alimentares e açúcar também foram propostos como possíveis causas de comportamento hiperativo. Mas nenhuma evidência científica indica que esses fatores causem o TDAH.
Os relatos sobre a incidência do TDAH nos Estados Unidos têm variado de 2 a 20% das crianças do ensino fundamental. Um
Fatores genéticos. A evidência para uma base genética inclui maior concordância em gêmeos monozigóticos do que em dizi-
TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO
góticos. Além disso, irmãos de crianças hiperativas têm cerca de duas vezes mais risco de desenvolver o transtorno do que crianças pertencentes à população em geral. Um irmão pode ter sintomas predominantemente hiperativos, e outros podem ter sintomas predominantemente de desatenção. Pais biológicos de crianças com o transtorno têm risco mais alto para o mesmo do que pais adotivos. Crianças afetadas têm probabilidade maior de desenvolver transtornos de conduta, e transtornos por uso de álcool e transtorno da personalidade anti-social são mais comuns em seus pais do que na população em geral. Fatores do desenvolvimento. Nos Estados Unidos, relatos na literatura estabeleceram que setembro é o mês com maior número de nascimentos de crianças com TDAH com e sem transtornos de aprendizagem co-mórbidos. A implicação é que a exposição pré-natal a infecções do inverno durante o primeiro trimestre pode contribuir para o surgimento dos sintomas em crianças suscetíveis. Foi especulado que algumas crianças afetadas por TDAH sofreram dano sutil ao SNC e ao desenvolvimento cerebral durante os períodos fetal e perinatal. Esse dano hipotético pode estar associado a problemas circulatórios, tóxicos, metabólicos, motores ou físicos ao cérebro durante a primeira infância, causados por infecção, inflamação e trauma. Crianças com TDAH exibem sinais neurológicos não-focais (sutis) em taxas mais altas do que a população em geral.
DANO CEREBRAL.
Fatores neuroquímicos. Muitos neurotransmissores foram associados a sintomas de TDAH. Estudos de animais demonstraram que o locus ceruleus, consistindo principalmente de neurônios noradrenérgicos, desempenha um papel importante na atenção. O sistema noradrenérgico é composto pelo sistema central (originando-se no locus ceruleus) e pelo sistema simpático periférico. Este último pode ser de maior importância no TDAH. Portanto, uma disfunção na epinefrina periférica, que faz com que o hormônio acumule-se perifericamente, pode, através de um feedback negativo no SNC, diminuir os níveis no locus ceruleus. Em parte, hipóteses sobre a neuroquímica do transtorno surgiram do impacto de muitos medicamentos que exercem um efeito positivo sobre ele. Os mais estudados no tratamento do TDAH, os estimulantes, afetam a dopamina e a noradrenalina, levando a hipóteses de uma possível disfunção nos sistemas adrenérgico e dopaminérgico. Os estimulantes aumentam as concentrações de catecolamina, promovendo sua liberação e bloqueando sua captação. Os estimulantes e alguns tricíclicos – por exemplo, a desipramina – reduzem os níveis urinários de 3-metoxi-4-hidroxifenilglicol (MHPG), um metabólito da noradrenalina. A clonidina, um agonista da noradrenalina, tem sido útil para tratar a hiperatividade. Outras drogas que reduziram a hiperatividade incluem tricíclicos e inibidores da monoaminoxidase (IMAOs). No total, nenhuma evidência clara implica um único neurotransmissor no desenvolvimento do transtorno, mas muitos deles podem estar envolvidos no processo. Fatores neurofisiológicos. O cérebro humano passa por estirões de crescimento importantes em diversas idades: 3 a 10
1305
meses, 2 a 4 anos, 6 a 8 anos, 10 a 12 anos e 14 a 16 anos. Algumas crianças têm um atraso maturacional na seqüência e manifestam sintomas de TDAH que parecem normalizar-se por volta dos 5 anos de idade. Um correlato fisiológico é a presença de uma variedade de padrões de eletroencefalograma (EEG) anormais não-específicos que são desorganizados e característicos de crianças pequenas. Em alguns casos, os achados do EEG se normalizam com o passar do tempo. Um estudo recente com EEGs quantitativos em crianças com TDAH, naquelas com problemas de atenção indiferenciados e em controles normais mostrou que ambos os grupos com problemas de atenção revelam aumento das porcentagens relativas de banda beta e diminuição das amplitudes P300 de tom raro. Um aumento na porcentagem de banda beta ou uma diminuição na porcentagem de banda delta estão associadas a excitação aumentada. Tomografias computadorizadas (TCs) de crianças com TDAH não mostram achados consistentes. Estudos usando tomografia por emissão de pósitrons (PET) encontraram fluxo cerebral e taxas metabólicas mais baixos nas áreas do lobo frontal em crianças afetadas do que em controles. PETscans também indicaram que mulheres adolescentes com o transtorno têm metabolismo de glicose globalmente mais baixo do que mulheres e homens normais e homens com o transtorno. Uma teoria explica tais achados pela pressuposição de que os lobos frontais de crianças com TDAH não estão realizando de forma adequada seus mecanismos inibitórios em estruturas mais inferiores, um efeito que leva à desinibição. Fatores psicológicos. Crianças em instituições muitas vezes são hiperativas e têm períodos de atenção curtos. Esses sinais resultam de uma privação emocional prolongada, desaparecendo quando os fatores de privação são removidos, mediante a adoção ou a transferência para um lar de crianças. Eventos psíquicos estressantes, ruptura do equilíbrio familiar e outros fatores causadores de ansiedade contribuem para o início ou a perpetuação do TDAH. Os fatores predisponentes podem incluir o temperamento da criança, fatores genético-familiares e as demandas da sociedade para aderir a uma forma padronizada de comportamento e desempenho. A condição socioeconômica não parece ser um fator predisponente. Diagnóstico Os principais sinais de hiperatividade e impulsividade baseiamse na história pré-natal detalhada dos padrões de desenvolvimento precoce de uma criança e na observação direta da mesma, em especial em situações que requerem atenção. A hiperatividade pode ser mais grave em algumas situações (p. ex., escola) e menos marcada em outras (p. ex., entrevistas individuais), e pode ser menos óbvia em atividades prazerosas estruturadas (esportes). O diagnóstico de TDAH requer sintomas persistentes e prejudiciais de hiperatividade/impulsividade ou desatenção que causem prejuízo em pelo menos duas situações diferentes. Por exemplo, muitas crianças afetadas têm dificuldades na escola e em casa. Os critérios diagnósticos para o transtorno são resumidos na Tabela 43-1. Outros fatores característicos do TDAH são período de atenção curto e fácil distratibilidade. Na escola, essas crianças não conseguem seguir instruções e exigem atenção extra de seus professores. Em casa, não costumam obedecer às solicitações dos pais.
1306
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 43-1 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno de déficit de atenção/hiperatividade A. Ou (1) ou (2) (1) seis (ou mais) dos seguintes sintomas de desatenção persistiram pelo período mínimo de 6 meses, em grau mal adaptativo e inconsistente com o nível de desenvolvimento: Desatenção: (a) freqüentemente não presta atenção a detalhes ou comete erros por omissão em atividades escolares, de trabalho ou outras (b) com freqüência tem dificuldade para manter a atenção em tarefas ou atividades lúdicas (c) com freqüência parece não ouvir quando lhe dirigem a palavra (d) com freqüência não segue instruções e não termina seus deveres escolares, tarefas domésticas ou deveres profissionais (não devido a comportamento de oposição ou incapacidade de compreender instruções) (e) com freqüência tem dificuldade para organizar tarefas e atividades (f) com freqüência evita, demonstra ojeriza ou reluta em envolver-se em tarefas que exijam esforço mental constante (como tarefas escolares ou deveres de casa) (g) com freqüência perde coisas necessárias para tarefas ou atividades (p. ex., brinquedos, tarefas escolares, lápis, livros ou outros materiais) (h) é facilmente distraído por estímulos alheios à tarefa (i) com freqüência apresenta esquecimento em atividades diárias (2) seis (ou mais) dos seguintes sintomas de hiperatividade persistiram pelo período mínimo de 6 meses, em grau mal adaptativo e inconsistente com o nível de desenvolvimento: Hiperatividade: (a) freqüentemente agita as mãos ou os pés ou se remexe na cadeira (b) freqüentemente abandona sua cadeira na sala de aula ou outras situações nas quais se espera que permaneça sentado (c) freqüentemente corre ou escala em demasia, em situações impróprias (em adolescentes e adultos, pode estar limitado a sensações subjetivas de inquietação) (d) com freqüência tem dificuldade para brincar ou se envolver silenciosamente em atividades de lazer (e) está freqüentemente “a mil” ou muitas vezes age como se estivesse “a todo vapor” (f) freqüentemente fala em demasia Impulsividade: (g) freqüentemente dá respostas precipitadas antes de as perguntas terem sido completamente formuladas (h) com freqüência tem dificuldade para aguardar sua vez (i) freqüentemente interrompe ou se intromete em assuntos alheios (p. ex., em conversas ou brincadeiras) B. Alguns sintomas de hiperatividade-impulsividade ou de desatenção causadores de comprometimento estavam presentes antes dos 7 anos de idade. C. Algum comprometimento causado pelos sintomas está presente em dois ou mais contextos (p. ex., na escola [ou trabalho] e em casa). D. Deve haver claras evidências de um comprometimento clinicamente importante no funcionamento social, acadêmico ou ocupacional. E. Os sintomas não ocorrem exclusivamente durante o curso de um transtorno global do desenvolvimento, esquizofrenia ou outro transtorno psicótico, nem são mais bem explicados por outro transtorno mental (p. ex., transtorno do humor, transtorno de ansiedade, transtorno dissociativo ou transtorno da personalidade). Codificar com base no tipo: Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, tipo combinado: se tanto o Critério A1 quanto o Critério A2 são satisfeitos durante os últimos 6 meses. Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, tipo predominantemente desatento: se o Critério A1 é satisfeito, mas não o Critério A2, durante os últimos 6 meses. Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, tipo predominantemente hiperativo-impulsivo: se o Critério A2 é satisfeito, mas não o Critério A1, durante os últimos 6 meses. Nota para a codificação: Para indivíduos (em especial adolescentes e adultos) que atualmente apresentam sintomas que não mais satisfazem todos os critérios, especificar “em remissão parcial”. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; Copyright 2000, com permissão.
Agem de forma impulsiva, apresentam labilidade emocional e são explosivas e irritáveis. Crianças que têm hiperatividade como aspecto predominante têm mais probabilidade de ser encaminhadas para tratamento do que aquelas com sintomas primariamente de déficit de atenção. As com o tipo predominantemente hiperativo-impulsivo têm mais probabilidade de apresentar um diagnóstico estável com o passar do tempo e de ter transtorno da conduta concomitante do que crianças com o tipo predominantemente desatento sem hiperatividade. Transtornos envolvendo leitura, aritmética, linguagem e coordenação podem ocorrer em associação com o TDAH. A história da criança pode oferecer indícios de fatores pré-natais (incluindo genéticos), natais e pós-natais que podem ter afetado a estrutura e a função do SNC. Taxas de desenvolvimento, desvios no desenvolvimento e reações parentais a transições comportamentais significativas ou estressantes devem ser averiguados, na medida em que podem ajudar os médicos a determinar o grau de contribuição dos pais ou suas reações às incapacidades e disfunções do filho. A história escolar e os relatos de professores são importantes para avaliar se as dificuldades na aprendizagem e o comportamento escolar decorrem principalmente de problemas de atitude e amadurecimento ou da baixa auto-estima devido a sentimentos de inadequação. Esses relatos também podem revelar como a criança lida com tais problemas. O modo como ela se relaciona com irmãos, colegas, adultos e em atividades livres e estruturadas fornece indícios diagnósticos valiosos da presença de TDAH e ajuda a identificar as complicações do transtorno. No exame do estado mental pode haver humor deprimido secundariamente, mas não há transtorno do pensamento, teste de realidade prejudicado ou afeto inadequado. A criança pode apresentar grande distratibilidade, perseveração e um modo de pensar concreto e literal. Indicações de problemas visuoperceptivos, auditivo-perceptivos, de linguagem ou de cognição podem estar presentes. Às vezes, a evidência surge de uma ansiedade básica, difusa, orgânica, em geral denominada de ansiedade corporal. Um exame neurológico pode revelar imaturidade ou prejuízos discriminatórios visuais, motores, perceptivos ou auditivos sem sinais manifestos de transtornos de acuidade visual ou auditiva. As crianças podem ter problemas de coordenação motora e dificuldade para copiar figuras adequadas à idade, movimentos alternados rápidos, discriminação direita-esquerda, ambidestrismo, assimetrias reflexas e uma variedade de sinais neurológicos não-focais sutis. Recomenda-se aos médicos obter um EEG para reconhecer a criança com descargas sincrônicas bilaterais freqüentes resultando em períodos de ausência curtos. Esta pode reagir na escola com hiperatividade à menor frustração. Aquelas com um foco convulsivo do lobo temporal não-reconhecido podem ter um transtorno secundário do comportamento. Nesses casos, diversos aspectos do TDAH costumam estar presentes. A identificação do foco requer um EEG obtido durante torpor e durante o sono. Características clínicas O TDAH pode ter seu início entre os 0 e os 3 anos, ainda que seja raramente reconhecido pelo menos até que a criança comece a andar.
TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO
Bebês com o transtorno são muito sensíveis a estímulos e incomodados por ruído, luz, temperatura e outras alterações ambientais. Às vezes, ocorre o inverso, e as crianças são calmas e flácidas, dormem a maior parte do tempo e parecem desenvolver-se de forma mais lenta nos primeiros meses de vida. O mais comum, entretanto, é que sejam ativas no berço, durmam pouco e chorem muito. Estas têm muito menos probabilidade do que crianças normais de reduzirem sua atividade locomotora quando o ambiente é estruturado por limites sociais. Na escola, podem fazer uma prova muito rápido, mas responder apenas às duas primeiras perguntas. Podem ser incapazes de esperar serem chamadas pelo professor e responder antes dos demais. Em casa, não conseguem ficar quietas nem por um minuto. Crianças com TDAH costumam ser explosivas e irritáveis. A irritabilidade pode ser provocada por estímulos relativamente insignificantes, que podem confundi-las e aterrorizá-las. São emocionalmente lábeis e com facilidade levadas a riso ou a lágrimas; seu humor e desempenho são variáveis e imprevisíveis. Impulsividade e uma incapacidade de adiar gratificação são características. Em geral, são propensas a acidentes. Dificuldades emocionais concomitantes são freqüentes. O fato de que outras crianças superam este comportamento, mas crianças com TDAH não o conseguem no mesmo tempo e taxa pode gerar insatisfação e pressão por parte dos adultos. O autoconceito negativo e a hostilidade reativa resultantes são agravados pelo reconhecimento da criança de que tem problemas. As características mais citadas de crianças com TDAH são, em ordem de freqüência, hiperatividade, prejuízo motor perceptivo, labilidade emocional, déficit de coordenação geral, déficit de atenção (período de atenção curto, distratibilidade, perseveração, falha em terminar tarefas, desatenção, má concentração), impulsividade (ação antes do pensamento, mudanças abruptas na atividade, falta de organização, levantar-se na aula), déficits de memória e pensamento, incapacidades de aprendizagem específicas, déficits de fala e audição e sinais neurológicos e irregularidades no EEG. Cerca de 75% das crianças afetadas apresentam sintomas comportamentais de agressão e desafio de forma mais ou menos consistente. No entanto, enquanto desafio e agressão costumam estar associados a relacionamentos intrafamiliares adversos, a hiperatividade está mais relacionada a desempenho prejudicado em testes cognitivos que requerem concentração. Dificuldades escolares, tanto de aprendizagem como comportamentais, coexistem com o TDAH. Às vezes, elas provêm de transtornos de comunicação ou de aprendizagem concomitantes ou da distratibilidade e da atenção flutuante da criança, que impede a aquisição, a retenção e a exibição de conhecimento. Essas dificuldades são observadas de forma mais específica em testes de grupo. As reações adversas do pessoal da escola às características de comportamento de TDAH e a diminuição do respeito próprio devido a sentimentos de inadequação podem combinar-se com os comentários adversos de colegas para tornar a escola um lugar de frustração e infelicidade. Tal situação pode levar à expressão de comportamento anti-social e a comportamentos autoderrotistas, autopunitivos. Sean era um menino de 5 anos que foi encaminhado para avaliação quando sua professora da pré-escola descobriu que ele era incapaz de terminar quaisquer tarefas e corria pela sala per-
1307
turbando as outras crianças. O menino também era oposicional com a professora e incapaz de ficar sentado em sua cadeira, ainda que fosse afável e quase nunca se envolvesse em briga física com um colega. Tratava-se de uma criança atlética e ativa que parecia estar abaixo da maioria de seus colegas em relação à capacidade de reconhecer letras, números e formas. Apesar de a professora sentir que ele era rejeitado pelos colegas por causa de sua natureza impulsiva, Sean achava que ninguém gostava dele. Em casa, era muito mais ativo do que suas duas irmãs, as quais muitas vezes davam-se por vencidas para serem deixadas em paz. Ele era o filho do meio, com uma irmã dois anos mais velha e a outra um ano mais jovem. Sua mãe relatou que, no terceiro mês da gestação de Sean, ela havia tido algum sangramento, mas não houve outras complicações. O menino nasceu a tempo e era um bebê robusto. Foi para casa sem problemas. Permaneceu saudável durante todo o período neonatal, mas dormia pouco, nunca por mais de quatro horas sem acordar. Em geral, acordava entre 5 e 6 da manhã, e não parecia cansado. Na pré-escola, foi relatado que Sean era uma das crianças mais ativas e impulsivas, mas sua professora tinha uma preferência por ele, dando-lhe bastante atenção individual para mantê-lo sob controle. Apesar da atenção extra, ele parecia um pouco mais lento do que seus colegas na aprendizagem de palavras novas e no uso global da linguagem. Na testagem intelectual, apresentou um quociente de inteligência (QI) de escala total de 105, com o escore de execução um pouco mais alto que o escore verbal. Sean foi encaminhado para uma avaliação psiquiátrica com um psiquiatra infantil, que diagnosticou TDAH, tipo combinado, transtorno desafiador de oposição e transtorno da leitura de acordo com a quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais – texto revisado (DSM-IV-TR). Também foi observado que ele parecia ser “voltado para dentro de si mesmo” e sentia-se socialmente rejeitado. O plano de tratamento inicial incluiu uma tentativa de metilfenidato (Concerta), 18 mg por dia, e um grupo terapêutico de habilidades sociais, bem como um componente de treinamento parental para seus pais. Com a medicação, a professora relatou melhora significativa na realização de tarefas e um nível de atividade diminuído. Com o tempo, Sean manteve sua boa resposta ao metilfenidato, com efeitos adversos mínimos, os quais incluíam apetite diminuído no almoço, mas fome aumentada à noite. Ele pôde beneficiar-se da prática que teve em seu grupo de habilidades sociais e, em dois meses, fez um amigo na escola que vinha à sua casa para brincar. Por fim, sua família adquiriu competência para tratar seus comportamentos oposicionais e sua impulsividade, instituindo um sistema de recompensa por escutá-los. Sean foi capaz de seguir as instruções da professora, dominou, como o esperado, o currículo da pré-escola e foi recomendado para uma classe regular para a 1a série. Patologia e exame laboratorial Nenhum achado laboratorial específico é patognomônico de TDAH. Vários exames têm achados laboratoriais anormais
1308
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
não-específicos em crianças hiperativas, tais como EEG desorganizado e imaturo, e PET pode mostrar fluxo sangüíneo cerebral diminuído nas regiões frontais. A testagem cognitiva que ajuda a confirmar a desatenção e a impulsividade inclui a tarefa de desempenho contínuo, na qual a criança é instruída a pressionar um botão cada vez que determinada seqüência de letras ou números é projetada em uma tela. Crianças com atenção pobre cometem erros de omissão – ou seja, deixam de pressionar o botão, mesmo quando a seqüência foi projetada. A impulsividade é manifestada por erros, pois elas não conseguem resistir a pressionar o botão, mesmo que a seqüência desejada ainda não tenha aparecido na tela. Diagnóstico diferencial Primeiramente, deve ser considerado um temperamento consistindo de alto nível de atividade e período de atenção curto, mas com variação normal de expectativa para a idade da criança. Diferenciar essas características temperamentais dos sintomas fundamentais de TDAH antes dos 3 anos de idade é difícil, principalmente devido aos aspectos sobrepostos de um sistema nervoso imaturo e ao aparecimento de sinais de prejuízos visuais, motores e perceptivos que costumam estar relacionados ao transtorno. A ansiedade precisa ser avaliada. Ela pode acompanhar o transtorno como um aspecto secundário, e ansiedade por si só pode ser manifestada por hiperatividade e fácil distratibilidade. Muitas crianças com TDAH têm depressão secundária em reação à frustração contínua pela falha em aprender e conseqüente baixa auto-estima. Essa condição deve ser diferenciada de um transtorno depressivo primário, caracterizado por hipoatividade e retraimento. Mania e TDAH compartilham muitos aspectos centrais, como verbalização excessiva, hiperatividade motora e altos níveis de distratibilidade. Além disso, em crianças com mania, a irritabilidade parece ser mais comum do que a euforia. Ainda que mania e TDAH possam coexistir, crianças com transtorno bipolar tipo I exibem mais oscilações de sintomas do que aquelas com TDAH. Dados recentes de acompanhamento de crianças que satisfizeram os critérios para o TDAH e, a seguir, desenvolveram o transtorno bipolar sugerem que certos aspectos clínicos ocorrendo durante o curso de TDAH prognosticam mania futura. Crianças com TDAH que desenvolveram transtorno bipolar tipo I no acompanhamento de quatro anos tiveram maior co-ocorrência de transtornos adicionais e maior história familiar de transtornos bipolares e outros transtornos do humor do que crianças sem transtorno bipolar. Com freqüência, transtorno da conduta e TDAH coexistem, e ambos podem ser diagnosticados. Transtornos de aprendizagem de vários tipos também devem ser diferenciados de TDAH; uma criança pode ser incapaz de ler ou de fazer exercícios matemáticos devido a um transtorno de aprendizagem, e não pela desatenção. O TDAH muitas vezes coexiste com um ou mais transtornos de aprendizagem, incluindo transtorno da leitura, transtorno da matemática e transtorno da expressão escrita.
Curso e prognóstico O curso do TDAH é variável. Os sintomas podem persistir até a adolescência ou a idade adulta e diminuir na puberdade, ou a hiperatividade pode desaparecer, mas o período de atenção diminuído e problemas de controle dos impulsos persistem. A hiperatividade costuma ser o primeiro sintoma a diminuir, e a distratibilidade, o último. Em um estudo recente de acompanhamento de quatro anos, o TDAH foi persistente na maioria dos casos. A persistência foi prognosticada por história familiar do transtorno, eventos de vida negativos e co-morbidade com sintomas de conduta, depressão e transtornos de ansiedade. A remissão é improvável antes dos 12 anos e, quando ocorre, se dá entre os 12 e os 20 anos. A remissão pode ser acompanhada por uma vida adolescente e adulta produtiva, relacionamentos interpessoais satisfatórios e poucas seqüelas significativas. A maioria dos pacientes com o transtorno, entretanto, sofre remissão parcial e torna-se vulnerável a comportamento anti-social, transtornos por uso de substâncias e transtornos do humor. Os problemas de aprendizagem em geral continuam durante toda a vida. Em cerca de 15 a 20% dos casos, os sintomas persistem até a idade adulta. Aqueles com o transtorno podem apresentar hiperatividade diminuída, mas permanecem impulsivos e propensos a acidentes. Embora suas realizações acadêmicas sejam mais baixas do que as daqueles sem TDAH, suas histórias de emprego não diferem daquelas de pessoas com educação semelhante. Crianças com o transtorno cujos sintomas persistem até a adolescência correm o risco de desenvolver transtorno da conduta. Aquelas com ambas as condições também correm o risco de desenvolver um transtorno relacionado a substâncias. O desenvolvimento de transtornos por uso de substâncias durante a adolescência parece estar mais relacionado à presença de transtorno de conduta do que ao TDAH sozinho. A maioria das crianças com TDAH tem algumas dificuldades sociais. As que são socialmente disfuncionais têm taxas significativamente mais altas de transtornos psiquiátricos co-mórbidos e apresentam mais problemas de comportamento na escola e com colegas e familiares. No total, o prognóstico do TDAH na infância parece estar relacionado à psicopatologia co-mórbida persistente, em especial o transtorno da conduta, dificuldades sociais e fatores familiares caóticos. Os resultados mais positivos podem ser obtidos por melhora do funcionamento social das crianças, diminuição da agressividade e melhora de situações familiares o mais cedo possível. Tratamento Farmacoterapia. Os agentes farmacológicos que demonstraram eficácia significativa e excelentes registros de segurança no tratamento de TDAH são os estimulantes do SNC, incluindo preparações de liberação curta e prolongada de metilfenidato (Ritalina, Ritalina LA, Concerta, Metadate CD, Metadate ER), dextroanfetamina e combinações de dextroanfetamina e sal de anfetamina. Outra forma de metilfenidato, contendo apenas o denantiômero, desmetilfenidato, foi recentemente disponibilizada
TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO
no mercado, visando maximizar os efeitos-alvo e minimizar os efeitos adversos em indivíduos com TDAH que obtêm resposta parcial de metilfenidato. Uma das vantagens das preparações de liberação prolongada para muitas crianças é que uma dose pela manhã manterá os efeitos durante todo o dia, e a criança não precisa mais interromper sua rotina escolar para tomar uma segunda ou terceira dose. Outra vantagem das preparações de liberação prolongada dos estimulantes referidos é que a medicação é mantida praticamente num mesmo nível durante todo o dia, de modo que períodos de rebote e irritabilidade são evitados. A Tabela 43-2 contém informação comparativa sobre esses medicamentos. Agentes de segunda linha com evidência de eficácia para algumas crianças e adolescentes com TDAH incluem antidepressivos como a bupropiona, a venlafaxina e os agonistas de receptor α-adrenérgico clonidina e guanfacina. (A Tabela 43-3 contém informação comparativa sobre os agentes não-estimulantes.) A Food and Drug Administration (FDA) aprova o uso de dextroanfetamina em crianças a partir dos 3 anos de idade e de metilfenidato em crianças a partir dos 6 anos de idade. Esses são os dois tratamentos mais utilizados para tal população. O mecanismo preciso da ação central do estimulante permanece desconhecido. A idéia de resposta paradoxal dada por crianças hiperativas não é mais aceita. O metilfenidato demonstrou ser altamente efetivo em até três quartos de todas as crianças com TDAH, com relativamente poucos efeitos adversos. Trata-se de um agente de curta ação que costuma ser usado para ter efeito durante o horário da escola, de modo que as crianças consigam prestar atenção às tarefas e permanecer na sala de aula. Os efeitos adversos mais comuns da droga incluem dores de cabeça, dores de estômago, náusea e insônia. Algumas crianças experimentam um efeito-rebote, com o qual se tornam um pouco irritáveis e parecem estar ligeiramente hiperativas por um breve período quando termina o efeito do medicamento. Entre crianças com história de tiques motores, é recomendada alguma cautela; em alguns casos, o metilfenidato pode exacerbar o transtorno de tique. Outra preocupação comum em relação ao metilfenidato é se ele causa alguma supres-
1309
são de crescimento. Durante períodos de uso, o agente está associado a supressão de crescimento, mas as crianças tendem a recuperar o desenvolvimento quando fazem intervalo no uso da droga no verão ou nos fins de semana. Uma questão importante sobre seu emprego é o quanto ele normaliza o desempenho escolar. Um estudo recente revelou que cerca de 75% de um grupo de crianças hiperativas exibiram melhora significativa em sua capacidade de prestar atenção em aula e em medidas de eficiência acadêmica quando tratadas com metilfenidato. Foi demonstrado que a droga melhorou os escores em tarefas de vigilância, como a tarefa de desempenho contínuo e a associação de pares. Dextroanfetamina e combinações de dextroanfetamina e sal de anfetamina são a opção de escolha quando o metilfenidato não é efetivo. A bupropiona tem sido usada tanto como antidepressivo como no tratamento do TDAH. Um recente estudo duplo-cego, controlado por placebo, multicêntrico, confirmou a eficácia desse medicamento. Nenhum outro estudo o comparou com outros estimulantes. Ainda que houvesse uma preocupação inicial sobre o risco para convulsões, este não difere de forma significativa daqueles de outros antidepressivos quando a droga é usada em dosagens inferiores a 450 mg por dia. A venlafaxina tem sido usada na prática clínica de maneira mais específica para crianças e adolescentes com combinações de TDAH e sintomas de depressão e ansiedade. Não há evidências empíricas claras que apóiem o seu uso no tratamento de TDAH. A clonidina também tem obtido algum sucesso no tratamento do transtorno, de acordo com relatos de casos. Ela pode ser útil quando os pacientes também têm transtornos de tique. Há poucos dados para confirmar a eficácia dos inibidores seletivos de recaptação da serotonina (ISRSs) neste caso, mas, devido à co-morbidade de depressão e ansiedade com o transtorno, às vezes eles são considerados. Outras classes de medicamentos, os tricíclicos e a pemolina, antes usados para tratar o TDAH, não são mais recomendadas devido a efeitos adversos potenciais sobre a função hepática (pemolina) e a efeitos de arritmia cardíaca (tricíclicos). O relato de morte súbita em pelo menos quatro crianças que estavam sendo tratadas com desipramina tornou os antidepressivos tricíclicos uma escolha menos pro-
TABELA 43-2 Medicamentos estimulantes no tratamento do TDAH Medicamentos
Preparação (mg)
Preparações de metilfenidato Ritalina 5,* 10,* 15,* 20* Ritalina LA 20 Concerta 18, 36, 54 Metadate ER* 10, 20 Metadate CD* 20 Preparação de desmetilfenidato Focalin* 2,5, 5, 10 Preparações de dextroanfetamina Dexedrine* 5, 10 Dexedrine Spansule* 5, 10, 15 Preparações de dextroanfetamina e sal de anfetamina Adderal* 5, 10, 20, 30 Adderall XR* 10, 20, 30 *N. de R.T. Não comercializado no Brasil.
Duração aproximada (h)
Dose recomendada
3-4 8 12 8 12
0,3-1 mg/kg 3 vezes/dia; até 60 mg/dia Até 60 mg/dia Até 54 mg pela manhã Até 60 mg/dia Até 60 mg pela manhã
3-4
Até 10 mg
3-4 8
0,15-0,5 mg/kg 2 vezes/dia; até 40 mg/dia Até 40 mg/dia
4-6 12
0,15-0,5 mg/kg 2 vezes/dia; até 40 mg/dia Até 40 mg pela manhã
1310
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 43-3 Medicamentos não-estimulantes para TDAH Medicamento
Preparação (mg)
Dose recomendada
Preparação de bupropiona Wellbutrin Wellbutrin SR
75, 100 100, 150
(3-6 mg/kg) 150-300 mg/dia; até 150 mg/dose 2 vezes/dia (3-6 mg/kg) 150-300 mg/dia; até 150 mg pela manhã; >150 mg/dia, usar dosagem 2 vezes/dia
25, 37,5, 50, 75, 100 37,5, 75, 150
25-150 mg/dia; usar dosagem 2 vezes/dia 37,5-150 mg pela manhã
0,1, 0,2, 0,3 1, 2
3-10 μg/kg/dia divididos em 3 vezes/dia; até 0,1 mg 3 vezes/dia 0,5-1,5 mg/dia
Venlafaxina Effexor Effexor XR Agonistas α -adrenérgicos Clonidina Guanfacina (Tenex)* *N. de R.T. Não comercializado no Brasil.
vável. O motivo das mortes não está claro, mas elas reforçam a necessidade de acompanhamento rigoroso de qualquer criança que esteja recebendo um medicamento tricíclico. Antipsicóticos podem ser usados para tratar hiperatividade refratária em crianças e adolescentes gravemente prejudicados e que não respondem a outros tratamentos. Estes podem ser eficazes para algumas crianças com o transtorno, mas com os medicamentos alternativos disponíveis e o risco de discinesia tardia, discinesia de abstinência e síndrome neuroléptica maligna, são menos desejáveis. O modafinil (Provigil), outro tipo de estimulante do SNC, desenvolvido para reduzir a sonolência diurna em pacientes com narcolepsia, foi tentado clinicamente no tratamento de adultos com TDAH, mas estudos controlados são necessários para documentar sua eficácia. Como um todo, os estimulantes continuam sendo as drogas de escolha no tratamento farmacológico desta condição. Monitoração do tratamento com estimulantes As diretrizes mais recentes da American Academy of Child and Adolescent Psychiatry indiciam os seguintes procedimentos antes de iniciar o uso de medicamentos estimulantes: Exame físico Pressão arterial Freqüência cardíaca Peso Altura É recomendado que crianças e adolescentes tratados com estimulantes tenham altura, peso, pressão arterial e pulso verificados a cada três meses e realizem um exame físico a cada ano. A monitoração começa com o início da medicação. Visto que o desempenho escolar é afetado de forma mais marcante, atenção e esforço especial devem ser mobilizados durante o estabelecimento e a manutenção de uma relação de trabalho cooperativa com a escola da criança. Na maioria dos pacientes, os estimulantes reduzem a hiperatividade, a distratibilidade, a impulsividade, a agressividade e a irritabilidade. Nenhuma evidência indica que a medicação melhore diretamente quaisquer prejuízos existentes na aprendizagem, ainda que, quando o déficit de atenção diminui, as crianças possam
AVALIAÇÃO DO PROGRESSO TERAPÊUTICO.
aprender de maneira mais efetiva do que no passado. Além disso, a medicação pode melhorar a auto-estima quando as crianças não são mais constantemente repreendidas por seus comportamentos. Intervenções psicossociais. O uso do medicamento, isoladamente, em geral não é suficiente para satisfazer as necessidades terapêuticas abrangentes de crianças com o transtorno, constituindo apenas uma faceta de um regime de múltiplas modalidades. Grupos de habilidades sociais, treinamento para os pais e intervenções comportamentais na escola e em casa costumam ser eficazes no manejo global de crianças com TDAH. A avaliação e o tratamento de transtornos de aprendizagem coexistentes ou outros transtornos psiquiátricos é importante. As crianças às quais são prescritos agentes farmacológicos devem ser informadas do propósito do tratamento e ter a oportunidade de revelar seus sentimentos sobre o mesmo. Essa atitude dissipa concepções errôneas sobre o uso de medicação (como “Estou louco”) e torna claro que ela ajuda a lidar com as situações melhor do que antes. Quando as crianças são ajudadas a estruturar seus ambientes, a ansiedade diminui. Com freqüência, é benéfico para pais e professores trabalharem juntos no desenvolvimento de um plano concreto de expectativas e um sistema de recompensas para a criança quando as mesmas forem satisfeitas. Um objetivo comum da terapia é ajudar os pais a reconhecer e promover a noção de que, embora a criança não apresente “voluntariamente” sintomas de TDAH, ainda é capaz de ser responsável por satisfazer expectativas adequadas. Além disso, também devem ser ajudados a reconhecer que, apesar das dificuldades de seus filhos, todas as crianças enfrentam as tarefas normais do amadurecimento, incluindo construção significativa de auto-estima quando se desenvolve um senso de domínio. Portanto, aquelas com TDAH não se beneficiam ao ser eximidas de exigências, expectativas e planejamento aplicáveis às demais crianças. A orientação familiar é parte integrante das intervenções psicoterápicas do transtorno. Em sua maior parte, ela baseia-se em ajudar os pais a desenvolver intervenções comportamentais, como o reforço positivo, objetivando a melhorar comportamentos tanto sociais como acadêmicos. Terapia de grupo orientada para refinar habilidades sociais e aumentar a auto-estima e um senso de sucesso pode ser muito útil para crianças com TDAH que têm grande dificuldade de atuar em situações de grupo, em especial na escola. Uma recente intervenção de terapia de grupo de um ano de duração em uma situação clínica para meninos com o transtorno sintetizou os objetivos em ajudá-los a
TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO
melhorar habilidades em jogos e a adquirir um senso de domínio com o grupo. Primeiro, os meninos foram instruídos a realizar uma tarefa que fosse divertida, em pares, e então, aos poucos, foram orientados a fazer projetos em um grupo. Eles foram treinados a: seguir instruções, esperar, prestar atenção e receber elogios pela cooperação bem-sucedida. Esse nível de “jogo” terapêutico em grupo altamente estruturado é adequado ao desenvolvimento dessas crianças, que se beneficiam de uma maior capacidade de participar em quaisquer atividades de grupo. TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO/ HIPERATIVIDADE SEM OUTRA ESPECIFICAÇÃO O DSM-IV inclui transtorno de déficit de atenção/hiperatividade sem outra especificação como uma categoria residual para distúrbios com
TABELA 43-4 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno de déficit de atenção/hiperatividade sem outra especificação Esta categoria aplica-se a transtornos com predomínio de sintomas de desatenção ou hiperatividade-impulsividade, que, no entanto, não satisfazem os critérios para transtorno de déficit de atenção/hiperatividade. Exemplos: 1. Indivíduos cujos sintomas e comprometimentos satisfazem os critérios para o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, tipo predominantemente desatento, mas cuja idade no início do transtorno seja superior a 7 anos. 2. Indivíduos com comprometimento clinicamente importante que apresentam desatenção e cujo padrão sintomático não satisfaz todos os critérios para o transtorno, mas que têm um padrão comportamental marcado por indolência, devaneios e hipoatividade. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; Copyright 2000, com permissão.
1311
sintomas proeminentes de desatenção ou hiperatividade que não satisfazem os critérios para TDAH (Tab. 43-4). A incidência de manifestações adultas de TDAH é desconhecida, mas há muito mais casos do que antes se pensava ou diagnosticava. Essa condição está sendo diagnosticada com mais freqüência e requer maior atenção e estudo. Em adultos, sinais residuais do transtorno incluem impulsividade e déficit de atenção (p. ex., dificuldade em organizar e completar trabalhos, incapacidade de concentrar-se, distratibilidade aumentada e tomada de decisão súbita sem pensar nas conseqüências). Muitas pessoas ainda sofrem de um transtorno depressivo secundário associado à baixa auto-estima decorrente do desempenho prejudicado e que afeta o funcionamento tanto ocupacional como social. O tratamento envolve o uso de anfetaminas (5 a 60 mg por dia) ou metilfenidato (5 a 60 mg por dia). Os sinais de uma resposta positiva são aumento no período de atenção, impulsividade diminuída e melhora do humor. A terapia psicofarmacológica pode ser necessária por tempo indefinido. Devido ao potencial de abuso, os médicos devem monitorar a resposta aos medicamentos e a adesão do paciente.
CID-10 Na décima revisão da Classificação internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-10), a categoria transtornos hipercinéticos inclui transtorno de atividade e atenção (que, por sua vez, engloba transtorno ou síndrome do déficit de atenção com hiperatividade, TDAH), transtorno da conduta hipercinética, outros transtornos hipercinéticos e transtorno hipercinético não-especificado. De acordo com esta classificação, transtornos hipercinéticos são caracterizados por “início precoce, uma combinação de comportamento hiperativo, modulado de forma deficiente, com marcada desatenção e falta de envolvimento persistente na tarefa e dispersão em relação a situações e a persistência com o passar do tempo”. Os critérios da CID-10 para transtornos hipercinéticos são apresentados na Tabela 43-5.
TABELA 43-5 Critérios diagnósticos da CID-10 para transtornos hipercinéticos
Nota: O diagnóstico de pesquisa de transtorno hipercinético requer a presença definida de níveis anormais de desatenção, hiperatividade e inquietação que são difusos entre situações e persistentes com o passar do tempo e que não são causados por outros transtornos como autismo ou transtornos afetivos. G1. Desatenção. Pelo menos seis dos seguintes sintomas de desatenção persistiram por pelo menos 6 meses, a um grau que é maladaptativo e inconsistente com o nível de desenvolvimento da criança: (1) freqüentemente falha em prestar atenção a detalhes, ou comete erros por descuido na lição, no trabalho ou em outras atividades (2) freqüentemente falha em manter atenção em tarefas ou atividades recreativas (3) freqüentemente parece não escutar o que está sendo dito a ele(a) (4) freqüentemente falha em seguir instruções ou terminar lição, trabalho doméstico ou obrigações no local de trabalho (não devido a comportamento de oposição ou falha em entender instruções) (5) é freqüentemente prejudicado em organizar tarefas e atividades (6) freqüentemente evita ou detesta tarefas como lição de casa, que requerem esforço mental contínuo (7) freqüentemente perde coisas necessárias para certas tarefas ou atividades, tais como lições escolares, lápis, livros, brinquedos ou ferramentas (8) é freqüentemente distraído por estímulos externos (9) é freqüentemente esquecido no decorrer de atividades diárias G2. Hiperatividade. Pelo menos três dos seguintes sintomas de hiperatividade persistiram por pelo menos 6 meses, a um grau que é maladaptativo e inconsistente com o nível de desenvolvimento da criança: (1) freqüentemente remexe as mãos ou pés ou se contorce na cadeira (2) levanta-se na sala de aula ou em outras situações nas quais permanecer sentado é o esperado (3) freqüentemente corre em volta ou escala excessivamente em situações nas quais é inadequado (em adolescentes ou adultos, apenas sensações de inquietação podem estar presentes) (Continua)
1312
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 43-5 (Continuação) (4) é freqüentemente barulhento de modo indevido ou tem dificuldade para realizar silenciosamente atividades de lazer (5) exige um padrão persistente de atividade motora excessiva que não é substancialmente modificada por contexto ou exigências sociais G3. Impulsividade. Pelo menos um dos seguintes sintomas de impulsividade persistiu por pelo menos 6 meses, a um grau que é maladaptativo e inconsistente com o nível de desenvolvimento da criança: (1) freqüentemente deixa escapar respostas antes que as perguntas tenham sido completadas (2) freqüentemente não consegue esperar em filas ou aguardar sua vez em jogos ou situações de grupo (3) freqüentemente se intromete ou interrompe os outros (p.ex., intromete-se nas conversas ou jogos dos outros) (4) freqüentemente fala em excesso sem resposta adequada a restrições sociais G4. O início do transtorno se dá antes dos 7 anos de idade. G5. Universalidade. Os critérios deveriam ser satisfeitos para mais do que uma situação isolada, p.ex., a combinação de desatenção e hiperatividade deveria estar presente tanto em casa como na escola, ou tanto na escola como em uma outra situação em que as crianças são observadas, tais como em uma clínica. (A evidência de situação cruzada comumente exigirá informações de mais de uma fonte; relatos parentais sobre comportamento de sala de aula, p. ex., provavelmente não serão suficientes.) G6. Os sintomas em G1-G3 causam sofrimento ou prejuízo clinicamente significativo no funcionamento social, acadêmico ou ocupacional. G7. O transtorno não satisfaz os critérios para transtornos globais do desenvolvimento, episódio maníaco, episódio depressivo ou transtornos de ansiedade. Comentários Muitas autoridades também reconhecem condições que são subliminares para transtorno hipercinético. Crianças que satisfazem critérios de outras maneiras mas não apresentam anormalidades de hiperatividade-impulsividade podem ser reconhecidas como apresentando déficit de atenção; inversamente, crianças que não satisfazem critérios para problemas de atenção mas satisfazem critérios em outros aspectos podem ser reconhecidas como apresentando transtorno de atividade. Da mesma forma, crianças que satisfazem critérios para apenas uma situação (p.ex., apenas em casa ou apenas na sala de aula) podem ser consideradas como apresentando um transtorno específico de casa ou específico da sala de aula. Estas condições ainda não foram incluídas na classificação principal devido à validação preditiva empírica suficiente e porque muitas crianças com transtornos subliminares apresentam outras síndromes (tais como transtorno desafiador de oposição) e deveriam ser classificadas na categoria apropriada. Distúrbio de atividade e atenção Os critérios gerais para transtorno hipercinético devem ser satisfeitos, mas não aqueles para transtornos da conduta. Transtorno da conduta hipercinética Os critérios gerais para transtorno hipercinético e transtornos da conduta devem ser satisfeitos. Outros transtornos hipercinéticos Transtorno hipercinético, inespecificado Esta categoria residual não é recomendada e deveria ser usada apenas quando há uma falta de diferenciação entre distúrbios de atividade e atenção e transtorno da conduta hipercinética, mas os critérios globais para transtornos hipercinéticos são satisfeitos. Reimpressa, com permissão, de World Health Organization. The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural Disorders: Diagnostic Criteria for Research. Copyright, World Health Organization, Geneva, 1993.
REFERÊNCIAS Arnold LE, Jensen PS. Attention-deficit hyperactivity disorders: adult manifestations. In: Kaplan HI, Sadock BJ, eds. Comprehensive Textbook Psychiatry. 6th ed. Baltimore: Williams & Wilkins: 1995;2295. Bagwell CL, Molina BSG, Pelham WE, Hoza B. Attention-deficit hyperactivity and problems in peer relations: predictors from childhood to adolescence. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2001;40:1285. Biederman J, Faraone S, Mick E, et al. Attention-deficit hyperactivity disorder and juvenile mania: an overlooked comorbidity? J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1996;35:997. Biederman J, Wilens T, Mick E, et al. Is ADHD a risk factor for psychoactive substance use disorders? Findings from a four-year Prospective follow-up study. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1997;36:21. DuPaul GJ, McGuey KE, Eckert TL, VanBrackle J. Preschool children with attention-deficit/hyperactivity disorder: impairments in behavioral, social and school functioning. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2001;40:508. DuPaul GJ, Rapport MD. Does methylphenidate normalize the classroom performance of chidren with attention deficit disorders? J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1993;32:190. Fischer M, Barkley RA, Fletcher KE, Smallish L. The adolescent outcome of hyperactive children: predictors of psychiatric, academic, social and emotional adjustment. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1993;32:324.
Garfinkel BD, Wender PH. Attention-deficit hyperactivity disorder. In: Kaplan HI, Sadock BJ, eds. Comprehensive Textbook of Psychiatry. 6th ed. Baltimore: Williams & Williams; 1995:1828. Greenhill LL, Pliszka S, Dulcan M. Practice parameters for the use of stimulant medications in the treatment of children, adolescents and adults. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2002;41(suppl):26. Horner BR, Scheibe K. Prevalence and implications of attention-deficit hyperactivity disorder among adolescents in treatment for substance abuse. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1997;36:30. James RS, Sharp WS, Bastain TM, et al. Double-blind-controlled study of single-dose amphetamine formulations in ADHD. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2001;40:1268. Kuperman S, Johnson B, Arndt A, Lindgren A, Wolraich M. Quantitative EEG differences in a nonclinical sample of children with ADHD and undifferentiated ADD. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1996;35:1009. Nigg JT, Blaskey LG, Huang-Pollock CL, Rappley MD. Neuropsychological executive functions and DSM-IV ADHD subtypes. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2002;41:59. Rapport MD, Carlson GA, Kelly KL, Pataki C. Methylphenidate and desipramine in hospitalized children. I. Separate and combined effects on cognitive function. 1993;32:333. Sonuga-Barke EJS, Daley D, Thompson M, Lauer-Bradbury C, Weeks A. Parent-based therapies for pre-school attention-deficit/hyperactivity disorder: a randomized, controlled trial with a community sample. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2001;40:402.
TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO
Spencer T, Biederman J, Wilens T, Hardin M, O’Donnell D, Griffin S. Pharmacotherapy of attention-deficit hyperactivity disorder across the life cycle. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1996;35:409. Steingard R, Biederman J, Spender T. Wilens T, Gonzales A. Comparison of clonidine response in the treatment of attention-deficit hyperactivity disorder with and without comorbid tic disorders. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1993;32:350.
1313
Strayhorn JM. Self-control: theory and research. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2002;41:7. Wilens TE, Biederman J, Geist DE, Steingard R, Spencer T. Nortriptyline in the treatment of ADHD: a chart review of 58 cases. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1993;32:343.
44 Transtornos de comportamento diruptivo
O
s transtornos do comportamento diruptivo incluem dois grupos persistentes de sintomas diruptivos categorizados como transtorno desafiador de oposição e transtorno da conduta, que resultam em prejuízos na função social e acadêmica. Algum desafio e recusa em obedecer a pedidos de adultos é adequado ao desenvolvimento e marca o crescimento em todas as crianças, contudo aquelas com os transtornos são prejudicadas pela freqüência e pela gravidade de seus comportamentos diruptivos. O transtorno desafiador de oposição é caracterizado por padrões persistentes de comportamento negativista, desobediente e hostil para com figuras de autoridade e por incapacidade de assumir responsabilidade por erros, colocando a culpa nos outros. Crianças afetadas em geral discutem com adultos e são facilmente irritadas pelos outros, gerando um estado de raiva e ressentimento. Elas podem ter dificuldade em sala de aula e nos relacionamentos, mas em geral não apelam para a agressão física ou ao comportamento destrutivo. Por sua vez, crianças com transtorno da conduta envolvem-se em atos repetidos de agressão que podem causar dano físico a si e a terceiros, muitas vezes violando os direitos dos outros. Seu comportamento costuma ser caracterizado por agressão a pessoas ou animais, destruição de propriedade, falsificação ou roubo e múltiplas violações de regras, como “matar” aula. Tais padrões de comportamento causam dificuldades evidentes na vida escolar e no relacionamento com iguais. O transtorno da conduta foi dividido em subtipo de início na infância, no qual pelo menos um sintoma manifestou-se em mais de uma ocasião antes da idade de 10 anos, e tipo de início na adolescência, no qual não havia sintomas característicos persistentes até após a idade de 10 anos. Ainda que algumas crianças pequenas apresentem padrões recorrentes de comportamento consistente com violação dos direitos dos outros ou destruição de propriedade, o diagnóstico de transtorno da conduta parece aumentar com a idade. TRANSTORNO DESAFIADOR DE OPOSIÇÃO No transtorno desafiador de oposição, os acessos de raiva, a recusa ativa em obedecer a regras e os comportamentos irritantes excedem as expectativas para crianças dessa idade. Trata-se de um padrão persistente de comportamentos negativistas, hostis e de-
safiadores na ausência de violações sérias de normas sociais ou dos direitos dos outros. Epidemiologia O comportamento oposicional e negativista, em certa medida, é normal durante o desenvolvimento na primeira infância e na adolescência. Estudos epidemiológicos de traços negativistas em populações não-clínicas encontraram este comportamento em 16 a 22% das crianças em idade escolar. De acordo com o DSM-IV-TR, as taxas de prevalência para o transtorno variam de 2 a 16%. Ainda que possa começar aos 3 anos de idade, o transtorno desafiador de oposição costuma manifestarse por volta dos 8 anos de idade e, em geral, não depois da adolescência. O transtorno parece mais prevalente em meninos do que em meninas antes da puberdade, e a proporção por sexo parece ser igual após esta fase. Uma autoridade sugere que meninas são classificadas como tendo transtorno de oposição com mais freqüência do que meninos, uma vez que estes muitas vezes recebem o diagnóstico de transtorno da conduta. Não há padrões familiares característicos, mas muitos pais de crianças afetadas também têm muitas preocupações com questões de poder, controle e autonomia.
Etiologia A capacidade de uma criança em comunicar sua própria vontade e oporse à dos outros é essencial para o desenvolvimento normal rumo ao estabelecimento de autonomia, formação de uma identidade e definição de padrões e controles interiores. O exemplo mais drástico de comportamento oposicional normal chega ao auge entre os 18 e os 24 meses, os “terríveis dois anos”, quando as crianças começam a andar e a comportar-se de maneira negativista como uma expressão de crescente autonomia. A patologia começa quando esta fase do desenvolvimento persiste de forma anormal, figuras de autoridade reagem além do normal ou o comportamento oposicional repete-se com muito mais freqüência do que na maioria das crianças de mesma idade mental. As crianças exibem uma variedade de predisposições temperamentais a vontade firme, preferências fortes ou grande assertividade. Pais que modelam formas mais extremas de expressar-se e impor sua própria vontade podem contribuir para o desenvolvimento de lutas crônicas
TRANSTORNOS DE COMPORTAMENTO DIRUPTIVO
com seus filhos, as quais passam a ser repetidas com outras figuras de autoridade. O que começa para um bebê como uma tentativa de estabelecer autodeterminação pode acabar se transformando em um padrão comportamental exagerado. No final da infância, um trauma ambiental, doença ou incapacidade crônica, como retardo mental, podem desencadear a oposição como uma defesa contra impotência, ansiedade e perda de auto-estima. Outro estágio normal de oposição ocorre na adolescência como uma expressão da necessidade de separar-se dos pais e estabelecer uma identidade autônoma. A teoria psicanalítica clássica atribui o transtorno a conflitos nãoresolvidos sendo expressados em relação a todas as figuras de autoridade. Os behavioristas sugeriram que a oposição é um comportamento aprendido, através do qual a criança exerce controle sobre figuras de autoridade; por exemplo, tendo um acesso de raiva quando algo indesejado é solicitado, ela coage os pais a retirar sua solicitação. Além disso, a atenção parental aumentada – como uma longa discussão sobre o comportamento – pode reforçar o mesmo.
Diagnóstico e características clínicas Crianças com transtorno desafiador de oposição com freqüência discutem com adultos, perdem a calma, se ressentem e são irritadas com facilidade pelos outros. Elas freqüentemente desafiam ativamente os pedidos ou as regras dos adultos e, de forma deliberada, irritam outras pessoas. Tendem a culpar os outros por seus próprios erros e mau comportamento. As manifestações do transtorno estão quase sempre presentes em casa, mas podem não aparecer na escola ou com outros adultos ou crianças. Em alguns casos, aspectos iniciais da condição são exibidos fora de casa; em outros, o comportamento começa em casa, mas é mais tarde exibido fora dela. Em geral, os sintomas são mais evidentes com adultos ou crianças a quem a criança conhece bem. Portanto, ela provavelmente mostrará pouco ou nenhum sinal do transtorno quando examinada por um clínico. É comum que tais crianças não se considerem opositoras ou desafiadoras, mas justificam seu comportamento como uma resposta a circunstâncias injustas. O transtorno parece causar mais sofrimento para aqueles em torno dela do que para a própria criança. Os critérios diagnósticos para transtorno desafiador de oposição da revisão do texto da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR) são apresentados na Tabela 44-1. Transtorno desafiador de oposição crônico quase sempre interfere nos relacionamentos interpessoais e no desempenho escolar. As crianças afetadas em geral não têm amigos e entendem os relacionamentos interpessoais como insatisfatórios. Apesar da inteligência adequada, têm desempenho acadêmico insatisfatório ou não passam de ano, uma vez que se recusam a participar, resistem a demandas externas e insistem em resolver problemas sem a ajuda de outros. Secundários a essas dificuldades estão baixa auto-estima, baixa tolerância à frustração, humor deprimido e acessos de raiva. Adolescentes podem abusar de álcool e substâncias ilegais. Muitas vezes, esta condição evolui para transtorno da conduta ou transtorno do humor. Patologia e exame laboratorial. Nenhum teste laboratorial ou achado patológico específico ajuda a diagnosticar o trans-
1315
TABELA 44-1 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno desafiador de oposição A. Um padrão de comportamento negativista, hostil e desafiador com duração mínima de 6 meses, durante os quais quatro (ou mais) das seguintes características estiveram presentes: (1) freqüentemente perde a calma (2) freqüentemente discute com adultos (3) com freqüência desacata ou se recusa ativamente a obedecer a solicitações ou regras dos adultos (4) freqüentemente adota um comportamento deliberadamente incomodativo (5) freqüentemente responsabiliza os outros por seus erros ou mau comportamento (6) freqüentemente mostra-se suscetível ou se irrita com facilidade (7) freqüentemente enraivecido e ressentido (8) freqüentemente rancoroso ou vingativo Obs: Considerar o critério satisfeito apenas se o comportamento ocorre com maior freqüência do que se observa tipicamente em indivíduos de idade e nível de desenvolvimento comparáveis. B. A perturbação do comportamento causa comprometimento clinicamente significativo no funcionamento social, acadêmico ou ocupacional. C. Os comportamentos não ocorrem exclusivamente durante o curso de um transtorno psicótico ou transtorno do humor. D. Não são satisfeitos os critérios para transtorno da conduta e, após os 18 anos, não são satisfeitos os critérios para transtorno da personalidade anti-social. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
torno desafiador de oposição. Visto que muitas crianças com o transtorno tornam-se fisicamente agressivas e violam os direitos dos outros à medida que ficam mais velhas, podem compartilhar algumas das mesmas características sob investigação em pessoas violentas, como baixos níveis de serotonina no sistema nervoso central (SNC). Diagnóstico diferencial Uma vez que o comportamento de oposição é tão normal quanto adaptativo em estágios específicos do desenvolvimento, estes períodos de negativismo devem ser diferenciados de transtorno desafiador de oposição. O comportamento de oposição do estágio do desenvolvimento, de duração mais curta do que TDO, não é tão freqüente nem tão intenso quanto aquele observado em outras crianças de mesma idade mental. O comportamento desafiador de oposição que ocorre temporariamente em reação a um estresse deve ser diagnosticado como um transtorno da adaptação. Quando aspectos do TDO aparecem no curso do transtorno da conduta, esquizofrenia ou um transtorno do humor, o diagnóstico de TDO não deve ser feito. Comportamentos oposicionais e negativistas também podem estar presentes no caso de transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, transtornos cognitivos e retardo mental. O diagnóstico concomitante de transtorno desafiador de oposição depende da gravidade, da penetração e da duração de tal comportamento. Algumas crianças pequenas que recebem este diagnóstico levam vários anos para satisfazer os critérios para transtorno da conduta. Alguns investigadores acreditam que ambas as condições podem ser variações evolutivas
1316
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
uma da outra, com o transtorno da conduta sendo a progressão natural do TDO quando a criança amadurece. A maioria daquelas com transtorno desafiador de oposição, entretanto, não satisfaz, mais tarde, os critérios para transtorno da conduta, e até um quarto das crianças com transtorno desafiador de oposição podem não mais satisfazer o diagnóstico vários anos mais tarde. O subtipo do transtorno que tende a progredir para transtorno da conduta é aquele no qual a agressividade é proeminente. A maioria das crianças com transtorno de déficit de atenção/hiperatividade e transtorno da conduta desenvolve este último antes dos 12 anos. Grande parte das que desenvolvem transtorno da conduta tem história de TDO. No total, o consenso atual é que podem existir dois subtipos de TDO. Um provavelmente progride para transtorno da conduta e inclui determinados sintomas deste (p. ex., briga, ameaça). O outro é caracterizado por menos agressão e menos traços anti-sociais e não progride para transtorno da conduta. Robert, de 7 anos, encaminhado à equipe de consultoria. Ele sofria de leucemia e era muito difícil de lidar. Recusava todo trabalho sangüíneo necessário e fugia da clínica quando solicitado a cooperar com os pedidos de raio X, testes sangüíneos, etc. Ele era mal-humorado, propenso à discussão e irritável. O comportamento não se alterou quando sua mãe foi usada como um “filtro” para as exigências. Tratava-se de uma criança cronicamente mal-humorada, embora sua doença estivesse em remissão e ele estivesse quase livre de medicação na ocasião da consulta. O tratamento estava bastante comprometido. Em casa, seu comportamento era muito semelhante e tinha sido assim por vários meses. Discutia muito com sua mãe, solteira, sobre qualquer tipo de solicitação, tal como limpar o quarto. Antes de suas dificuldades no hospital, ele começara a exibir problemas semelhantes na escola. Foi suspenso por uma semana por ter sido verbalmente agressivo e fora de controle com a professora. Sua mãe foi diagnosticada com síndrome de imunodeficiência adquirida (AIDS) dois anos atrás, tendo sido infectada pelo marido usuário de drogas, que tinha morrido há cerca de três anos por causa da AIDS. Ela parecia disfórica, passiva e extremamente permissiva com o filho. Não recebia nenhuma ajuda porque sua própria mãe também estava gravemente doente e ela não dispunha de uma rede de apoio social. Robert com freqüência gritava com sua mãe com toda a força de sua voz sem que ela evidenciasse qualquer reação ou fizesse qualquer tentativa de contê-lo. A testagem mostrou que o menino tinha inteligência normal, sem sintomas de transtorno de déficit de atenção/hiperatividade ou dificuldades de aprendizagem. Ele sabia da morte do pai e da doença da mãe. Seu humor permaneceu disfórico por muitas semanas ao discutir isto. Ele nunca tinha exibido outras reações ao ser perguntado sobre a doença de seus pais. A mãe descreveu seu desenvolvimento como normal, exceto por sua tendência a ter padrões de sono e alimentação irregulares e por sua propensão a ser mal-humorado. Ela havia usado drogas de forma intermitente enquanto grávida dele, seu único filho. (Cortesia de Hans Steiner, M.D.)
Curso e prognóstico O curso do transtorno desafiador de oposição depende muito da gravidade dos sintomas e da capacidade da criança em desenvolver respostas mais adaptativas à autoridade. A estabilidade do transtorno varia com o passar do tempo. A persistência de sintomas de desafio e oposição aumenta o risco de outras condições, como transtorno da conduta e transtornos induzidos por substâncias. Resultados positivos são mais prováveis em famílias que não são afetadas por esse tipo de comportamento, que podem modificar sua própria expressão de exigências e dar menos atenção às atitudes desafiadoras da criança. Cerca de um quarto de todas as crianças que recebem o diagnóstico de TDO não continua a satisfazer os critérios diagnósticos no decorrer dos anos seguintes. Não é claro se, nestes casos, os critérios incluíram aquelas cujo comportamento não era anormal para o desenvolvimento ou se o transtorno desapareceu de forma espontânea. Pacientes nos quais o diagnóstico persiste podem permanecer estáveis ou evoluir para violação dos direitos de outros e, portanto, desenvolver transtorno da conduta. Estes devem receber prognósticos cautelosos. Há uma associação entre transtorno da conduta e transtornos induzidos por uso de substâncias, bem como taxas elevadas de transtornos do humor, em crianças com TDO, transtorno da conduta e transtorno de déficit de atenção/hiperatividade. Psicopatologia parental, como transtorno da personalidade anti-social e abuso de substâncias, parece ser mais comum em famílias com filhos que têm transtorno desafiador de oposição do que na população em geral, gerando riscos adicionais para ambientes domésticos caóticos e perturbados. O prognóstico do TDO depende, de alguma forma, do funcionamento familiar e do desenvolvimento de psicopatologia co-mórbida. Tratamento O tratamento primário do transtorno desafiador de oposição é a intervenção familiar por meio do treinamento direto dos pais em habilidades de manejo e avaliação cuidadosa das interações familiares. Terapeutas comportamentais enfatizam o ensino dos pais a alterar suas atitudes para desencorajar o comportamento oposicional da criança e encorajar o comportamento adequado. A terapia comportamental focaliza-se em reforçar e elogiar o comportamento adequado e ignorar ou não reforçar aquele indesejado. Crianças com TDO também podem beneficiar-se de psicoterapia individual à medida que são expostas a uma situação na qual possam “praticar” respostas mais adaptativas com um adulto. No relacionamento terapêutico, podem aprender novas estratégias para desenvolver um senso de domínio e sucesso em situações sociais com outras crianças e suas famílias. Na segurança de um relacionamento mais “neutro”, descobrem que elas são capazes de um comportamento menos provocativo. Em muitos casos, a auto-estima deve ser restaurada antes que a criança com transtorno desafiador de oposição possa ter respostas mais positivas ao controle externo. Conflito entre pais e filhos correlaciona-se fortemente com problemas de conduta; padrões de punição física e verbal severos evocam particularmente o sur-
TRANSTORNOS DE COMPORTAMENTO DIRUPTIVO
gimento de agressividade e desvio em crianças. Portanto, é provável que a eliminação de educação severa e punitiva e o aumento de interações positivas entre pais e filhos possam influenciar de maneira positiva o curso de comportamentos oposicionais e desafiadores. TRANSTORNO DA CONDUTA Transtorno da conduta é um conjunto persistente de comportamentos que evoluem com o tempo, em geral caracterizados por agressão e violação dos direitos de outros. Ele está associado a muitas outras condições, incluindo transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, depressão e transtornos da aprendizagem, além de diversos fatores psicossociais, como nível socioeconômico baixo, educação severa e punitiva, discórdia familiar; falta de supervisão parental adequada, e falta de competência social. Os critérios do DSM-IV-TR requerem três comportamentos específicos dos 15 listados, que incluem provocar, ameaçar ou intimidar os outros e ficar fora de casa à noite apesar de proibições dos pais, começando antes dos 13 anos de idade. O DSM-IV-TR também especifica que o comportamento de “matar” aula deve começar antes dos 13 anos de idade para ser considerado um sintoma de transtorno da conduta. O transtorno pode ser diagnosticado em uma pessoa com mais de 18 anos apenas se os critérios para transtorno da personalidade anti-social não forem satisfeitos. O manual descreve um nível leve do transtorno como apresentando poucos problemas de conduta (se houver) além daqueles necessários para fazer o diagnóstico, os quais causam apenas dano menor a terceiros. De acordo com o DSM-IV-TR, o nível grave apresenta muitos problemas de conduta excedendo aos critérios diagnósticos mínimos ou problemas de conduta que causam dano considerável a terceiros. Epidemiologia O transtorno da conduta é comum durante a infância e a adolescência. As taxas estimadas variam de 1 a 10%. O transtorno é mais comum em meninos do que em meninas, e a proporção varia de 4 para 1 a cerca de 12 para 1. Ele é mais recorrente entre filhos de pais com transtorno da personalidade anti-social e dependência de álcool do que na população em geral. A prevalência do transtorno da conduta e comportamento anti-social está relacionada de forma significativa a fatores socioeconômicos.
Etiologia Nenhum fator isolado pode explicar o comportamento anti-social e o transtorno da conduta de uma criança. Antes, muitos aspectos biopsicossociais contribuem para seu desenvolvimento.
Fatores familiares. Educação severa e punitiva caracterizada por agressão física e verbal grave está associada ao desenvolvimento de comportamentos agressivos mal-adaptativos de crianças. Condições domésticas caóticas estão relacionadas ao transtorno da conduta e delinqüên-
1317
cia. O próprio divórcio é considerado um fator de risco, mas a persistência de hostilidade, ressentimento e amargura entre pais divorciados pode ser a contribuição mais importante para o comportamento maladaptativo. Psicopatologia familiar, abuso da criança e negligência muitas vezes induzem o transtorno. Sociopatia, dependência de álcool e abuso de substância nos pais estão associados com transtorno da conduta em seus filhos. Os pais podem ser tão negligentes que o cuidado de um filho é compartilhado com parentes ou assumido por pais adotivos. Muitos deles foram marcados por sua própria educação e tendem a ser abusivos, negligentes ou absorvidos em satisfazer suas próprias necessidades. Na década de 1980, em particular em áreas urbanas, o abuso de cocaína e AIDS aumentou a disfunção da família. Estudos recentes sugerem que muitos pais de filhos com transtorno da conduta têm psicopatologia grave, incluindo transtornos psicóticos. Hipóteses psicodinâmicas sugerem que crianças com transtorno da conduta expressam, de forma inconsciente, os desejos anti-sociais de seus pais.
Fatores socioculturais. Crianças com privações socioeconômicas têm risco maior para o desenvolvimento de transtorno da conduta, assim como aquelas que crescem em ambientes urbanos. Pais desempregados, falta de uma rede social de apoio e falta de participação positiva em atividades da comunidade parecem predizer o transtorno. A alta prevalência de uso de substâncias nas áreas urbanas são achados associados que podem influenciar o desenvolvimento do transtorno da conduta. Ainda que o uso de drogas e álcool não contribua para o início do transtorno da conduta, torna mais difícil a sua remissão, além de agravar os sintomas. Portanto, fatores que aumentam a probabilidade do uso regular de substâncias podem, na verdade, prolongar o transtorno.
Fatores psicológicos. Crianças criadas em condições caóticas e negligentes com freqüência expressam modulação emocional pobre, incluindo raiva, frustração e tristeza. Um pobre modelo do controle dos impulsos e a falta crônica de ter suas próprias necessidades satisfeitas levam a um senso de empatia não bem-desenvolvido.
Fatores neurobiológicos. Os fatores neurobiológicos no transtorno da conduta foram pouco estudados, mas a pesquisa no transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, que muitas vezes coexiste com transtorno da conduta, produziu alguns achados importantes. Em algumas crianças com transtorno da conduta foi encontrado um baixo nível plasmático de dopamina β-hidroxilase, uma enzima que converte dopamina em norepinefrina. Esse achado apóia uma teoria de funcionamento noradrenérgico diminuído no transtorno da conduta. Alguns transgressores juvenis com o transtorno apresentam altos níveis de serotonina no sangue. A evidência indica que níveis sangüíneos de serotonina correlacionamse de forma inversa com níveis do metabólito de serotonina ácido 5-hidroiindoleacético (5-HIAA) no líquido cerebrospinal (LCS) e que níveis baixos deste correlacionam-se com agressividade e violência.
Abuso e maus-tratos da criança. Crianças expostas a violência, em especial aquelas que sofreram abuso físico, em geral se comportam de forma agressiva. Podem ter dificuldade para verbalizar seus sentimentos, o que aumenta a tendência de expressar-se através de atos. Além disso, crianças e adolescentes que sofreram abuso grave tendem a ser hipervigilantes; em alguns casos, entendem de forma equivocada situações benignas e respondem com violência. Nem todo comportamento físico é sinônimo de transtorno da conduta,
1318
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
mas crianças com um padrão de hipervigilância e respostas violentas têm probabilidade de violar os direitos dos outros.
Outros fatores. Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, disfunção ou dano do SNC e extremos precoces de temperamento podem predispor a criança a transtorno da conduta. A propensão à violência correlaciona-se com disfunção do SNC e com sinais de psicopatologia grave, como tendência a delírios. Estudos longitudinais de temperamento sugerem que muitos desvios comportamentais são, em princípio, uma resposta direta a um ajuste deficiente entre o temperamento e as necessidades emocionais da criança, por um lado, e atitudes familiares e práticas de criação de filhos, por outro.
Diagnóstico e características clínicas O transtorno da conduta não se desenvolve da noite para o dia; muitos sintomas evoluem com o passar do tempo até o desenvolvimento de um padrão consistente envolvendo violação dos direitos dos outros. Crianças muito pequenas têm pouca probabilidade de satisfazer os critérios para o transtorno, uma vez que ainda não são capazes de exibir os sintomas típicos de crianças mais velhas com esta condição. Uma criança de 3 anos não invade a casa de alguém, rouba com confrontação, força alguém à atividade sexual ou deliberadamente usa uma arma que pode causar dano grave. Aquelas em idade escolar, entretanto, podem tornar-se “valentonas”, iniciar lutas físicas, destruir propriedade ou provocar incêndios. Os critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno da conduta são apresentados na Tabela 44-2. A idade média de início do transtorno da conduta é mais precoce em meninos do que em meninas. Eles satisfazem os critérios diagnósticos por volta dos 10 a 12 anos de idade, enquanto elas alcançam os 14 a 16 anos de idade antes que os critérios sejam satisfeitos. Crianças afetadas expressam seu comportamento agressivo manifesto de várias formas. Comportamento anti-social agressivo pode tomar a forma de provocação, agressão física e comportamento cruel em relação a outras crianças. Podem ser hostis, verbalmente abusivas, desaforadas, desafiadoras e negativistas para com adultos. Mentira persistente, vadiagem e vandalismo são comuns. Em casos graves, destrutividade, roubo e violência física ocorrem com freqüência. Em geral, há pouca tentativa de ocultar seu comportamento anti-social. Comportamento sexual e uso regular de tabaco, bebidas alcoólicas ou substâncias psicoestimulantes sem prescrição médica começam cedo para essas crianças e adolescentes. Pensamentos, gestos e atos suicidas são freqüentes. Algumas daquelas com padrões comportamentais agressivos têm vínculos sociais prejudicados, conforme evidenciado pelas dificuldades de relacionamento com seus iguais. Podem fazer amizade com uma pessoa muito mais velha ou muito mais jovem ou ter relacionamentos superficiais com outras crianças anti-sociais. É comum manifestarem baixa auto-estima, ainda que projetem uma imagem de dureza. Elas podem não ter as habilidades para comunicar-se de formas socialmente aceitáveis e parecem ter pouca consideração pelos sentimentos, pelos desejos e pelo bem-estar dos outros. Crianças e adolescentes com transtornos da conduta muitas vezes sentem culpa ou remorso por alguns de seus comportamentos, mas tentam culpar os outros para livrar-se de problemas.
TABELA 44-2 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno da conduta A. Um padrão repetitivo e persistente de comportamento no qual são violados os direitos individuais dos outros, ou normas ou regras sociais importantes próprias da idade, manifestado pela presença de três (ou mais) dos seguintes critérios nos últimos 12 meses, com presença de pelo menos um deles nos últimos 6 meses: Agressão a pessoas e animais (1) provocações, ameaças e intimidações freqüentes (2) lutas corporais freqüentes (3) utilização de arma capaz de infligir graves lesões corporais (p. ex., bastão, tijolo, garrafa quebrada, faca, revólver) (4) crueldade física para com pessoas (5) crueldade física para com animais (6) roubo em confronto com a vítima (p. ex., bater carteira, arrancar bolsa, extorsão, assalto à mão armada) (7) coação para que alguém tivesse atividade sexual consigo Destruição de patrimônio (8) envolveu-se deliberadamente na provocação de incêndio com a intenção de causar sérios danos (9) destruiu deliberadamente o patrimônio alheio (diferente de provocação de incêndio) Defraudação ou furto (10) arrombou residência, prédio ou automóvel alheios (11) mentiras freqüentes para obter bens ou favores ou para esquivar-se de obrigações legais (i.e., ludibria pessoas) (12) roubo de objetos de valor sem confronto com a vítima (p. ex., furto em lojas, mas sem arrombar e invadir; falsificação) Sérias violações de regras (13) freqüente permanência na rua à noite, contrariando proibições por parte dos pais, iniciando antes dos 13 anos de idade (14) fugiu de casa à noite pelo menos duas vezes, enquanto vivia na casa dos pais ou em lar adotivo (ou uma vez, sem retornar por um extenso período) (15) gazetas freqüentes, iniciando antes dos 13 anos de idade B. A perturbação do comportamento causa comprometimento clinicamente significativo do funcionamento social, acadêmico ou ocupacional. C. Se o indivíduo tem 18 anos ou mais, não são satisfeitos os critérios para transtorno da personalidade anti-social. Codificar com base na idade de início: Tipo com início na infância: início de pelo menos um critério característico do Transtorno da Conduta antes dos 10 anos de idade. Tipo com início na adolescência: ausência de quaisquer critérios característicos do Transtorno da Conduta antes dos 10 anos de idade. Transtorno da conduta, início inespecificado: a idade do início não é conhecida. Especificar gravidade: Leve: poucos problemas de conduta, se houver, além dos exigidos para fazer o diagnóstico, sendo que os problemas de conduta causam apenas um dano pequeno a outras pessoas. Moderado: o número de problemas de conduta e o efeito sobre outros são intermediários, entre “leve” e “grave”. Grave: muitos problemas de conduta além dos exigidos para fazer o diagnóstico ou problemas de conduta que causam dano considerável a outras pessoas. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
Em geral, sofrem da privação de terem poucas de suas necessidades de dependência satisfeitas e podem ter tido pais muito cruéis ou falta de supervisão adequada. A socialização deficiente de muitas crianças e adolescentes com transtorno da conduta pode ser expressa em violação física dos outros e, para alguns, em violação sexual. Punições severas pelo comportamento de crianças com transtorno da conduta quase
TRANSTORNOS DE COMPORTAMENTO DIRUPTIVO
sempre aumentam sua expressão mal-adaptativa de raiva e frustração, em vez de melhorar o problema. Na entrevista de avaliação, crianças com transtornos da conduta agressiva costumam ser não-cooperativas, hostis e provocadoras. Algumas têm um encanto e submissão superficiais, até serem instigadas a falar sobre seus problemas de comportamento. Então, negam quaisquer problemas. Se o entrevistador insistir, podem tentar justificar o mau comportamento ou ficar desconfiadas e irritadas com a fonte de informação do examinador, chegando até a fugir da sala. Com muita freqüência, ficam irritadas com o examinador e expressam ressentimento pelo exame com agressividade física ou mau humor. A hostilidade não se limita a figuras de autoridade adultas, mas se expressa com igual malignidade em relação a seus companheiros de mesma idade ou mais jovens. De fato, muitas vezes ameaçam crianças menores e mais fracas do que elas. Vangloriando-se, mentindo e expressando pouco interesse nas respostas de um ouvinte, revelam sua falta de confiança em adultos para entender suas atitudes. A avaliação da situação familiar em geral revela desarmonia conjugal grave, que, em princípio, pode centralizar-se em discordâncias sobre o manejo da criança. Devido à tendência à instabilidade familiar, substitutos dos pais podem ser uma opção. As crianças com transtorno da conduta têm mais probabilidade de serem bebês não-planejados ou indesejados. Seus pais, em especial o pai, têm taxas mais altas de transtorno da personalidade anti-social ou dependência de álcool. Crianças agressivas e suas famílias apresentam um padrão estereotipado impulsivo e imprevisível de hostilidade verbal e física. O comportamento agressivo quase nunca parece dirigido a algum objetivo definível e oferece pouco prazer, sucesso ou mesmo vantagens duradouras com companheiros ou figuras de autoridade. Em outros casos, o transtorno da conduta inclui vadiagem repetida, vandalismo e agressão física grave contra outros por meio da organização de gangues, tal como assalto, briga de gangues e espancamento. As crianças que fazem parte de uma gangue em geral têm as habilidades para amizades adequadas à idade. É possível que demonstrem preocupação pelo bemestar de seus amigos ou dos membros de sua própria gangue, e é improvável que os culpem ou os denunciem. Na maioria dos casos, os membros desses grupos têm uma história de obediência adequada ou até excessiva durante a primeira infância, que terminou quando o jovem tornou-se membro do grupo delinqüente, quase sempre na pré-adolescência ou durante a adolescência. Também há na história alguma evidência de problemas anteriores, como desempenho escolar limítrofe ou pobre, problemas de comportamento leves, ansiedade e sintomas depressivos. Alguma patologia social ou psicológica na família costuma ser evidente. Os padrões de disciplina familiar raramente são ideais e podem variar de crueldade e restrição excessiva a inconsistência ou relativa ausência de supervisão e controle. A mãe muitas vezes protegeu a criança das conseqüências de mau comportamento leve anterior, mas não parece encorajar a delinqüência. A delinqüência, também chamada de delinqüência juvenil, está mais associada ao transtorno da conduta, mas também pode ser o resultado de outras condições psicológicas e neurológicas.
1319
Patologia e exame laboratorial Nenhum teste laboratorial ou de patologia neurológica específico ajuda a fazer o diagnóstico de transtorno da conduta. Algumas evidências indicam que quantidades de determinados neurotransmissores, tal como a serotonina no SNC, são baixas em algumas pessoas com história de comportamento violento ou agressivo para com outros ou para consigo mesmas. Se esta associação está relacionada com a causa da violência ou é efeito dela, ou se não há qualquer relação com este comportamento, ainda não é claro. Diagnóstico diferencial Alterações de conduta podem ser parte de muitas condições psiquiátricas da infância, variando de transtornos do humor e transtornos psicóticos a transtornos da aprendizagem. Portanto, os médicos devem obter a história da cronologia dos sintomas para determinar se o problema de conduta é um fenômeno transitório ou reativo ou um padrão permanente. Atos isolados de comportamento anti-social não justificam o diagnóstico de transtorno da conduta; um padrão permanente deve estar presente. A relação deste transtorno com transtorno desafiador de oposição ainda está em discussão. Historicamente, o TDO tem sido conceituado como precursor leve do transtorno da conduta, que costuma ser diagnosticado em crianças pequenas com risco para o transtorno da conduta. As que progridem de transtorno desafiador de oposição para transtorno da conduta mantêm suas características de oposição, mas alguma evidência indica que as duas condições são independentes. Muitas daquelas com transtorno desafiador de oposição nunca progridem para transtorno da conduta, e quando este aparece pela primeira vez na adolescência, pode não estar relacionado àquele. O principal aspecto clínico diferencial dos dois é que, no transtorno da conduta, os direitos básicos dos outros são violados, enquanto no transtorno desafiador de oposição, a hostilidade e o negativismo não chegam a interferir de forma significativa nos direitos dos outros. Os transtornos do humor também estão presentes em crianças que exibem irritabilidade e comportamento agressivo. Tanto transtorno depressivo maior como transtornos bipolares devem ser excluídos, mas a síndrome completa de transtorno da conduta pode ocorrer e ser diagnosticada durante o início de um transtorno do humor. Há uma substancial co-morbidade do transtorno da conduta com transtornos depressivos. Um relato recente concluiu que essa alta correlação resulta de fatores de risco compartilhados por ambos os transtornos, mais do que de uma relação causal. Portanto, uma série de fatores incluindo conflito familiar, eventos de vida negativos, história prévia de transtorno da conduta, nível de envolvimento familiar e amizades com crianças delinqüentes contribuem para o desenvolvimento de transtornos afetivos e transtorno da conduta. Este não é o caso do transtorno desafiador de oposição, que não pode ser diagnosticado se ocorrer exclusivamente durante um transtorno do humor. Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade e transtornos da aprendizagem estão comumente associados a transtorno da conduta. Em geral, os sintomas destes antecedem o diagnóstico do transtorno da conduta. Transtornos induzidos por substâncias
1320
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
também são mais comuns em adolescentes com transtorno da conduta do que na população em geral. Há evidência de uma associação entre comportamento “brigão” quando criança e uso de substâncias na adolescência. Uma vez que um padrão de uso de drogas esteja formado, o mesmo pode interferir no desenvolvimento de mediadores positivos, como habilidades sociais e resolução de problemas, os quais poderiam ajudar numa maior remissão do transtorno da conduta. Portanto, ao se efetivar o abuso de substâncias, ele pode promover a continuidade do transtorno da conduta. O transtorno obsessivo-compulsivo também freqüentemente parece coexistir com transtornos do comportamento diruptivo. Todos os transtornos aqui descritos devem ser observados quando ocorrerem juntos. Crianças com transtorno de déficit de atenção/hiperatividade em geral exibem comportamentos impulsivos e agressivos que podem não satisfazer todos os critérios para transtorno da conduta. Curso e prognóstico Em geral o prognóstico do transtorno da conduta em crianças é pior naqueles com sintomas em idade precoce, que exibem o maior número de sintomas e expressam-nos com mais freqüência. Este achado é, em parte, verdadeiro, porque aqueles com transtorno da conduta grave parecem ser mais vulneráveis a transtornos comórbidos, como transtornos do humor e transtornos induzidos por substâncias. É lógico que, quanto maior o número de transtornos mentais concomitantes, mais difícil será a vida. Um relato recente revelou que, embora o comportamento agressivo na infância e criminalidade familiar predigam um alto risco para encarceramento ao longo da vida, o diagnóstico de transtorno da conduta por si só não estava associado à prisão. Um transtorno da conduta leve na ausência de co-morbidade e na presença de funcionamento intelectual normal pode ter um bom prognóstico.
Quando a família é abusiva ou caótica, a criança pode ter quer ser removida de casa para beneficiar-se de um ambiente consistente e estruturado. A escola também pode utilizar técnicas comportamentais para promover o comportamento socialmente aceitável em relação ao grupo de iguais e para desencorajar atos anti-sociais. Psicoterapia individual orientada para melhorar habilidades de resolução de problemas pode ser útil, uma vez que crianças com transtorno da conduta têm um padrão arraigado de respostas maladaptativas a situações cotidianas. A idade na qual o tratamento começa é importante, pois quanto mais tempo os comportamentos mal-adaptativos persistirem, mais arraigados se tornam. O uso de medicação é útil para sintomas que contribuem para o transtorno da conduta. Agressividade explosiva responde a diversos agentes. Segundo relatos, antipsicóticos, especialmente o haloperidol (Haldol), têm ajudado crianças a controlar comportamentos agressivos e violentos que podem estar presentes em vários transtornos. No momento, os antipsicóticos mais modernos, como a risperidona (Risperdal) e a olanzapina (Zyprexa), substituíram o haloperidol, porque implicam um risco mais baixo de sintomas extrapiramidais. Há relatos de que o lítio (Eskalith) tem eficácia para algumas crianças agressivas com ou sem co-morbidade com transtorno bipolar. Alguns ensaios sugerem que a carbamazepina (Tegretol) ajuda a controlar a agressividade, mas um estudo duplo-cego, controlado por placebo, não mostrou superioridade sobre o placebo. Um estudopiloto recente revelou que a clonidina (Atensina) pode diminuir a agressividade. Os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs), como a fluoxetina (Prozac), a sertralina (Zoloft), a paroxetina (Aropax) e o citalopram (Cipramil) foram usados em uma tentativa de diminuir a impulsividade, a irritabilidade e a labilidade de humor, que costumam ocorrer com transtorno da conduta. O transtorno da conduta freqüentemente coexiste com o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, transtornos da aprendizagem e, com o passar do tempo, transtornos do humor e transtornos relacionados a substâncias; portanto, o tratamento de quaisquer transtornos concomitantes também deve ser considerado.
Tratamento Os programas de tratamento têm sido mais bem-sucedidos na diminuição de sintomas externalizantes de transtorno da conduta do que de sintomas internalizantes. Programas de tratamento de múltiplas modalidades, que utilizam todos os recursos familiares e comunitários disponíveis conseguem os melhores resultados em controlar perturbações de conduta. Nenhum tratamento é considerado curativo para todo o espectro de comportamentos existentes no transtorno, mas uma variedade de intervenções podem ser úteis para conter sintomas e promover o comportamento mais adequado à sociedade. Uma estrutura ambiental que forneça apoio, juntamente com regras consistentes e conseqüências esperadas, pode ajudar a controlar uma variedade de problemas de comportamento. A estrutura pode ser aplicada à vida familiar em alguns casos, a fim de que os pais sejam informados de técnicas comportamentais e tornem-se competentes em seu uso para promover atitudes mais adequadas. Nas famílias em que a psicopatologia ou estressores ambientais impedem o entendimento das técnicas pode haver necessidade de avaliação e tratamento psiquiátrico antes de iniciar essa etapa.
TRANSTORNO DO COMPORTAMENTO DIRUPTIVO SEM OUTRA ESPECIFICAÇÃO De acordo com o DSM-IV-TR, a categoria de transtorno de comportamento diruptivo sem outra especificação pode ser usada para problemas de conduta ou comportamentos desafiadores de oposição que não satisfazem os critérios diagnósticos para transtorno da conduta ou transtorno desafiador de oposição, mas nos quais há notável prejuízo (Tab. 44-3). CID-10 Na décima revisão da Classificação internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-10), os transtornos da conduta incluem transtorno limitado ao contexto familiar, transtorno da conduta não-socializado, transtorno da conduta socializado, comportamento desafiador de oposição, outros transtornos da conduta e transtorno da conduta nãoespecificado. A classificação define o transtorno como um padrão repetitivo e persistente de “conduta anti-social, agressiva ou desafiadora”.
TRANSTORNOS DE COMPORTAMENTO DIRUPTIVO
Na CID-10, o transtorno desafiador de oposição é às vezes considerado uma variante menos grave do transtorno da conduta, em vez de um tipo específico. Ainda que seja incerto se a diferenciação é qualitativa ou quantitativa, achados sugerem que ela é distintiva “principalmente ou apenas em crianças pequenas”. Em crianças mais velhas, os transtornos da conduta em geral incluem comportamento agressivo ou anti-social que ultrapassam o desafio, mesmo quando foi precedido por comportamentos desafiadores de oposição. Portanto, este transtorno provê “prática diagnóstica comum” e facilita “a classificação de transtornos ocorrendo em crianças pequenas”. Os critérios da CID-10 para transtornos da conduta são listados na Tabela 44-4. Os critérios para transtornos mistos da conduta e emoções são listados na Tabela 44-5.
1321
TABELA 44-3 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno de comportamento diruptivo sem outra especificação Esta categoria destina-se a transtornos caracterizados por conduta ou comportamentos desafiadores de oposição que não satisfazem os critérios para transtorno da conduta ou transtorno desafiador de oposição. Por exemplo, inclui as apresentações clínicas que não satisfazem todos os critérios para transtorno desafiador de oposição ou para transtorno da conduta, mas nas quais existe um comprometimento clinicamente significativo. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
TABELA 44-4 Critérios diagnósticos da CID-10 para transtornos da conduta G1. Há um padrão de comportamento repetitivo e persistente, no qual ou os direitos básicos dos outros ou normais ou regras sociais adequadas à idade são violadas, durando pelo menos 6 meses, durante os quais alguns dos seguintes sintomas estão presentes (ver subcategorias individuais para regras ou números de sintomas). Nota: Os sintomas em 11, 13, 15, 16, 20, 21, e 23 precisam apenas ter ocorrido uma vez para o critério ser satisfeito. O indivíduo: (1) tem acessos de raiva incomumente freqüentes ou graves para seu nível de desenvolvimento; (2) freqüentemente discute com adultos; (3) freqüentemente recusa ativamente pedidos de adultos ou desafia regras; (4) freqüentemente, aparentemente de forma deliberada, faz coisas que aborrecem outras pessoas; (5) freqüentemente culpa os outros por seus próprios erros ou maus comportamentos; (6) é freqüentemente “sensível” ou facilmente aborrecido pelos outros; (7) é freqüentemente irritado ou rancoroso; (8) é freqüentemente malvado ou vingativo; (9) freqüentemente mente ou quebra promessas para obter bens ou favores ou evitar obrigações; (10) freqüentemente inicia lutas físicas (isto não inclui brigas com irmãos); (11) usou uma arma que pode causar dano físico sério a outros (p.ex., bastão, tijolo, garrafa quebrada, faca, revólver); (12) freqüentemente permanece na rua à noite apesar de proibição dos pais (começando antes dos 13 anos de idade); (13) exibe crueldade física para com outras pessoas (p.ex., amarra, corta ou queima uma vítima); (14) exibe crueldade física para com animais; (15) deliberadamente destrói a propriedade de outros (que não por incêndio); (16) deliberadamente ateia fogo com risco ou intenção de causar dano sério; (17) rouba objetos de valor não-trivial sem confrontar a vítima, dentro ou fora de casa (p.ex., roubo em lojas, arrombamento, falsificação); (18) freqüentemente gazeia a escola, começando antes dos 13 anos de idade; (19) fugiu da casa dos pais ou de pais adotivos pelo menos duas vezes ou fugiu uma vez por mais de uma noite (isto não inclui sair para evitar abuso físico ou sexual); (20) comete um crime envolvendo confrontação com a vítima (incluindo roubo de bolsa, extorsão, assalto); (21) força uma outra pessoa à atividade sexual; (22) freqüentemente intimida os outros (p.ex., inflição deliberada de dor ou sofrimento, incluindo intimidação persistente, tortura ou molestamento);
(23) arromba a casa, edifício ou carro de outra pessoa. G2. O transtorno não satisfaz os critérios para transtorno da personalidade anti-social, esquizofrenia, episódio maníaco, episódio depressivo, transtornos globais do desenvolvimento ou transtorno hipercinético. (Se os critérios para transtorno emocional forem satisfeitos, o diagnóstico deveria ser transtorno misto de conduta e emoções.) É recomendado que a idade de início seja especificada; – De início na infância: início de pelo menos um problema de conduta antes dos 10 anos; – De início na adolescência: sem problemas de conduta antes dos 10 anos; Especificação para possíveis subdivisões Autoridades diferem sobre a melhor maneira de subdividir os transtornos da conduta, embora a maioria concorde que os transtornos são heterogêneos. Para determinar o prognóstico, a gravidade (indexada pelo número de sintomas) é uma melhor orientação do que o tipo específico de sintomatologia. A diferença mais bem-validada é aquela entre transtornos socializados e não-socializados, definidos pela presença ou ausência de amizades duradouras. Entretanto, parece que transtornos limitados ao contexto familiar também podem constituir uma importante variedade, e uma categoria é fornecida para este propósito. É evidente que mais pesquisas são necessárias para testar a validade de todas as subdivisões propostas de transtorno da conduta. Além destas classificações, é recomendado que os casos sejam descritos em termos de seus escores em três dimensões de distúrbio: (1) hiperatividade (comportamento desatento, inquieto); (2) distúrbio emocional (ansiedade, depressão, obsessão, hipocondria); e (3) gravidade do transtorno da conduta: (a) leve: se houver problemas de conduta, poucos excedem aqueles requeridos para fazer o diagnóstico, e os problemas de conduta causam apenas dano menor a outros; (b) moderado: o número de problemas de conduta e os efeitos sobre os outros são intermediários entre “leve” e “grave.” (c) grave: há muitos problemas de conduta que excedem àqueles requeridos para fazer o diagnóstico, ou os problemas de conduta causam considerável dano a outros, p.ex., ferimento físico grave, vandalismo ou roubo. Transtorno da conduta limitado ao contexto familiar A. Os critérios gerais para transtorno da conduta devem ser satisfeitos. B. Três ou mais dos sintomas listados para o critério G1 devem estar presentes, com pelo menos três dos itens (9) – (23). C. Pelo menos um dos sintomas dos itens (9) – (23) devem ter estado presentes por pelo menos seis meses. D. Os distúrbios de conduta devem ser limitados ao contexto familiar. Transtorno da conduta não-socializado A. Os critérios gerais para transtorno da conduta devem ser satisfeitos.
(Continua)
1322
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 44-4 (Continuação) B. Três ou mais dos sintomas listados para o critério G1 de transtorno da conduta devem estar presentes, com pelo menos três dos itens (9) – (23). C. Pelo menos um dos sintomas dos itens (9) – (23) devem ter estado presente por pelo menos seis meses. D. Deve haver relacionamentos definidamente pobres com o grupo de iguais, demonstrado por isolamento, rejeição ou impopularidade, e pela falta de amizades íntimas duradouras. Transtorno da conduta socializado A. Os critérios gerais para transtorno da conduta devem ser satisfeitos. B. Três ou mais dos sintomas listados para o critério G1 devem estar presentes, com pelo menos três dos itens (9) – (23). C. Pelo menos um dos sintomas dos itens (9) – (23) devem ter estado presentes por pelo menos seis meses. D. O distúrbio da conduta deve incluir situações fora de casa ou do contexto familiar.
E. Os relacionamentos com colegas ou amigos estão dentro dos limites normais. Transtorno desafiador de oposição A. Os critérios gerais para transtorno da conduta devem ser satisfeitos. B. Quatro ou mais dos sintomas listados para o critério G1 devem estar presentes, mas com não mais do que dois sintomas dos itens (9) – (23). C. Os sintomas no critério B devem ser mal-adaptativos e inconsistentes com o nível de desenvolvimento. D. Pelo menos quatro dos sintomas devem ter estado presentes por pelo menos seis meses. Outros transtornos da conduta Transtorno da conduta, inespecificado Esta categoria residual não é recomendada e deveria ser usada apenas para transtornos que satisfazem os critérios gerais para transtorno da conduta mas que não foram especificados quanto a subtipo ou que não satisfazem os critérios para nenhum dos subtipos especificados.
Reimpressa, com permissão, da World Health Organization. The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural Disorders: Diagnostic Criteria for Research. Copyright, World Health Organization, Geneva, 1993.
TABELA 44-5 Critérios diagnósticos da CID-10 para transtornos mistos da conduta e emoções Transtorno da conduta depressivo A. Os critérios gerais para transtornos da conduta devem ser satisfeitos. B. Critérios para um dos transtornos do humor (afetivos) devem ser satisfeitos. Outros transtornos mistos da conduta e emoções A. Os critérios gerais para transtornos da conduta devem ser satisfeitos. B. Critérios para um dos transtornos neurótico, relacionado a estresse, e somatoforme ou transtornos emocionais da infância devem ser satisfeitos. Transtorno misto da conduta e emoções, inespecificado Reimpressa, com permissão, da World Health Organization. The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural Disorders: Diagnostic Criteria for Research. Copyright, World Health Organization, Geneva, 1993.
REFERÊNCIAS Butler SM, Seto MC. Distinguishing two types of adolescent sex offenders. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2002;41:83. Cueva JE, Overall JE, Small AM, Armenteros JL, Perry R, Campbell M. Carbamazepine in aggressive children with conduct disorder: a double-blind and placebo-controlled study. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1996;35:480. Geller DA, Biederman J, Griffin S, Jones J, Lefkowitz TR. Co-morbidity of juvenile obsessive-compulsive disorder with disruptive behavior disorders. Y. Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1996;35:1637. Kemph JP, DeVane CL, Levin GM, Jarecke R, Miller RL. Treatment of aggressive children with clonidine: results of an open pilot study. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1993;32:577.
Lahey BB, Applegate B, Barkley RA, et al. DSM-IV field trials for oppositional defiant disorder and conduct disorder in children and adolescents. Am J Psychiatry. 1994;151:1163. Lahey BB, Loeber R, Quay HC, Frick PJ, Grimm J. Oppositional defiant disorder and conduct disorders: issues to be resolved for DSMIV. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1992;31:539. Lewis DO. From abuse to violence: psychophysiological consequences of mal-treatment. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1992;31:383. Lewis DO, Lovely R, Yeager C, et al. Intrinsic and environmental characteristics of juvenile murderers. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1988;27:582. Lipman EL, Boyle E MH, Dooley MD, Offord DR. Child well-being in single mother families. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2002;41:75. Masters KJ, Bellonci C. Practice parameters for the prevention and management of aggressive behavior in child and adolescent psychiatric institutions, with special reference to seclusion and restraint. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2002;41(suppl):4. Robins L. Deviant Children Grown Up. Baltimore: Williams & Wilkins; 1966. Steiner H. Disruptive behavior disorders. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan and Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2693. Vance JE, Bowen NK, Fernandez G, Thompson S. Risk and protective factors as predictors of outcome in adolescents with psychiatric disorder and aggression. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2002;41:36. Wasserman GA, Miller LS, Pinner E, Jaramillo B. Parenting predictors of early conduct problems in urban, high-risk boys. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1996;35:1227. Wichtrom L, Skogen K, Oia T. Increased rate of conduct problems in urban areas: what is the mechanism? J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1996;35:471.
45 Transtornos da alimentação da primeira infância
O
s transtornos da alimentação da primeira infância incluem sintomas persistentes de ingestão alimentar inadequada, regurgitação repetida e ruminação do alimento ou ingestão repetida de substâncias não-nutritivas. Visto que crianças muito pequenas dependem de pais ou cuidadores para alimentá-las e fornecer refeições, estas condições costumam refletir, em parte, a interação entre a criança e o cuidador. A revisão do texto da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR) inclui três transtornos da alimentação distintos para este grupo etário: pica, transtorno de ruminação e transtorno da alimentação da primeira infância. Há uma alta taxa de recuperação espontânea de todos eles, ainda que um subgrupo de crianças se recuse a comer e tenha problemas de alimentação persistentes durante toda a infância.
Etiologia Diversas teorias foram propostas para explicar o fenômeno, mas nenhuma foi aceita de maneira universal. Uma incidência de pica maior do que a esperada parece ocorrer nos parentes de pessoas com os sintomas. Deficiências nutricionais foram propostas como causas da condição; em circunstâncias particulares, fissuras por substâncias nãocomestíveis foram provocadas por insuficiências dietéticas. Por exemplo, fissuras por terra e gelo estão às vezes associadas a deficiências de ferro e zinco, que são corrigidas pela administração dessas substâncias. Uma alta incidência de negligência e privação parental foi associada a casos de pica. Teorias relacionando privação psicológica de crianças e subseqüente ingestão de substâncias não-comestíveis sugeriram que a pica é um mecanismo compensatório para satisfazer as necessidades orais.
PICA Diagnóstico e características clínicas No DSM-IV-TR, pica é descrita como a ingestão persistente de substâncias não-nutritivas por pelo menos um mês. O comportamento deve ser inadequado para o desenvolvimento, não aceito culturalmente e grave o suficiente para necessitar atenção clínica. Ela é diagnosticada mesmo quando tais sintomas ocorrem no contexto de outro transtorno, tais como transtorno autista, esquizofrenia ou síndrome de Kleine-Levin. Manifesta-se com muito mais freqüência em crianças pequenas do que em adultos; também ocorre em pessoas com retardo mental. Entre adultos, determinadas formas de pica, incluindo geofagia (comer barro) e amilofagia (comer cola de amido), foram relatadas em grávidas. Epidemiologia Poucos dados confirmam a prevalência de pica entre crianças, sendo rara entre as mais velhas e adolescentes. É mais comum entre crianças e adolescentes com retardo mental. Foi relatada em até 15% das pessoas com retardo mental grave. O transtorno parece afetar ambos os sexos da mesma forma.
A ingestão contínua de substâncias não-comestíveis após os 18 meses de idade é considerada anormal. O início da pica tende a ocorrer entre os 12 e 24 meses, e a incidência diminui com a idade. As substâncias específicas ingeridas variam conforme sua acessibilidade, aumentando com o domínio da locomoção e com a resultante maior independência e menor supervisão parental. Em geral, crianças pequenas ingerem tinta, reboco, cordão, cabelo e tecido; as mais velhas têm acesso a terra, fezes de animais, pedras e papel. As implicações clínicas podem ser benignas ou potencialmente fatais, dependendo dos objetos ingeridos. Entre as complicações mais graves estão envenenamento por chumbo (geralmente de tintas com base de chumbo), parasitoses intestinais após ingestão de terra ou de fezes, anemia e deficiência de zinco após ingestão de barro, deficiência de ferro grave após ingestão de grandes quantidades de cola de amido e obstrução intestinal pela ingestão de bolas de cabelo, pedras ou cascalho. Exceto em pessoas com retardo mental, a condição geralmente desaparece na adolescência. Pica associada à gravidez tende a ser limitada a este estado. Os critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para pica são mostrados na Tabela 45-1.
1324
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Diagnóstico diferencial TABELA 45-1 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para pica A. Ingestão persistente de substâncias não-nutrientes por um período mínimo de 1 mês. B. A ingestão de substâncias não-nutrientes é imprópria em relação ao nível de desenvolvimento do indivíduo. C. O comportamento alimentar não faz parte de uma prática culturalmente aceita. D. Se o comportamento alimentar ocorre exclusivamente durante o curso de outro transtorno mental (p. ex., retardo mental, transtorno global do desenvolvimento, esquizofrenia), ele é suficientemente grave a ponto de indicar uma atenção clínica independente. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
George, um menino de 5 anos, magro e pálido, foi internado devido a anemia nutricional que parecia resultar da ingestão de tinta, reboco, terra, madeira e cola. Ele tivera inúmeras hospitalizações sob circunstâncias semelhantes, começando aos 19 meses, quando ingeriu fluido de isqueiro. Seus pais dependiam da Previdência Social para sobreviver e eram descritos como imaturos. O menino foi produto de uma gravidez não-planejada, mas normal. Sua mãe começou a comer terra quando estava grávida, aos 16 anos. Seu pai abusava de drogas e álcool. DISCUSSÃO A ingestão de substâncias não-nutritivas pode ser adequada ao desenvolvimento de uma criança pequena, mas sua persistência até os 5 anos de idade justifica o diagnóstico de pica. Como neste caso, é comum estar associada a história semelhante na mãe e a baixo nível socioeconômico. Em algumas culturas, a ingestão de substâncias nãonutritivas, como argila, pode ser uma prática aceita, em cujo caso o diagnóstico não se aplicaria, mas isto certamente não ocorre aqui. Em outros casos, o comportamento pode estar associado a outros transtornos, como transtorno autista, esquizofrenia ou síndrome de Kleine-Levin. (De DSM-IV Casebook.) Patologia e exame laboratorial Nenhum teste laboratorial isolado confirma ou exclui o diagnóstico de pica, mas diversos testes laboratoriais são úteis porque a condição costuma estar associada a índices anormais. Os níveis de ferro e zinco séricos sempre devem ser determinados; em muitos casos, estes níveis são baixos e podem contribuir para o desenvolvimento de pica. O problema pode desaparecer com a administração oral de ferro e zinco. O nível de hemoglobina precisa ser determinado; se o nível for baixo, pode resultar em anemia. Em crianças com pica, o nível sérico de chumbo deve ser medido; envenenamento pode resultar da ingestão de chumbo. Quando este nível estiver alto, esta condição deve ser tratada.
O diagnóstico diferencial de pica inclui deficiências de ferro e zinco. Ela também pode ocorrer em conjunto com deficiência de crescimento e diversos outros problemas mentais e clínicos, incluindo esquizofrenia, transtorno autista, anorexia nervosa e síndrome de Kleine-Levin. No nanismo psicossocial, uma forma endocrinológica e comportamental drástica, mas reversível, de deficiência de crescimento, as crianças apresentam comportamentos bizarros, incluindo ingestão de água da privada, lixo e outras substâncias não-nutritivas. Um recente relato de caso apresentou uma associação da pica com hipersonolência, intoxicação por chumbo e puberdade precoce. A puberdade precoce indica a hipótese de que o hipotálamo seja pelo menos parte da disfunção. A intoxicação por chumbo é conhecida por estar associada a pica e diversas outras anormalidades neuropsiquiátricas na memória e no desempenho cognitivo. Uma pequena minoria de crianças com transtorno autista e esquizofrenia pode ter pica. Para aquelas que exibem a condição juntamente com outra condição clínica, ambas as condições devem ser codificadas de acordo com o DSM-IV-TR. Segundo relatos, em algumas regiões do mundo e em determinadas culturas, como os aborígenes australianos, as taxas de pica em mulheres grávidas são altas. Segundo o DSM-IV-TR, entretanto, se tais práticas forem culturalmente aceitas, os critérios diagnósticos não são satisfeitos. Curso e prognóstico O prognóstico da pica varia, ainda que em crianças com inteligência normal tenda a desaparecer espontaneamente. Ela costuma se resolver com o aumento da idade; em grávidas, é limitada ao final da gravidez. Em alguns adultos, entretanto, em especial entre aqueles com retardo mental, pode continuar por anos. Dados de acompanhamento nessas populações também são muito limitados para permitir conclusões. Tratamento O primeiro passo no tratamento da pica é determinar a causa sempre que possível. Quando está associada a situações de negligência ou maus-tratos, estas circunstâncias precisam ser alteradas. Exposição a substâncias tóxicas, como chumbo, também deve ser eliminada. Não existe tratamento definitivo para a condição; o principal no tratamento é a educação e a modificação do comportamento. Os tratamentos enfatizam abordagens psicossociais, ambientais, comportamentais e de orientação familiar. Uma tentativa deve ser feita para melhorar quaisquer estressores psicossociais significativos. Quando houver presença de chumbo no ambiente, ele deve ser eliminado ou tornado inacessível ou a criança deve ser trocada de local. Diversas técnicas comportamentais têm sido utilizadas com algum efeito. A mais rápida parece ser a terapia de aversão leve ou reforço negativo (p. ex., um choque elétrico leve, um ruído desagradável ou uma droga emética). Reforço positivo, modelagem comportamental e tratamento de correção também foram empregados. Maior atenção dos pais, estimulação e apoio emocio-
TRANSTORNOS DA ALIMENTAÇÃO DA PRIMEIRA INFÂNCIA
nal podem gerar resultados positivos. Um estudo mostrou que a pica estava associada de forma negativa com envolvimento com materiais de jogo e ocorria com maior freqüência em ambientes empobrecidos. Em alguns pacientes, a correção de uma deficiência de ferro e zinco eliminou a pica. Complicações clínicas (p. ex., envenenamento por chumbo) que se desenvolvem a partir da pica também devem ser tratadas. TRANSTORNO DE RUMINAÇÃO No DSM-IV-TR, o transtorno de ruminação é descrito como a regurgitação repetida e a remastigação do alimento por um bebê ou criança pequena, após um período de funcionamento normal. Os sintomas duram pelo menos um mês, não são causados por uma condição médica e são graves o suficiente para necessitar atenção clínica. O início do transtorno em geral ocorre após os 3 meses de idade; uma vez que a regurgitação ocorra, o alimento pode ser engolido de novo ou cuspido. Foi observado que bebês que ruminam esforçam-se para trazer o alimento de volta à boca e parecem achar a experiência prazerosa. Os bebês costumam ser trazidos para avaliação devido à deficiência de crescimento. O transtorno é raro em crianças mais velhas, adolescentes e adultos. Varia em gravidade e está às vezes associado a condições médicas, como hérnia de hiato, que resulta em refluxo esofágico. Em sua forma mais grave, pode ser fatal. O diagnóstico de transtorno de ruminação pode ser feito se o bebê tiver alcançado ou não um peso normal para sua idade. Deficiência de crescimento, portanto, não é um critério necessário, mas pode ser uma seqüela. De acordo com o DSM-IV-TR, o transtorno deve estar presente por pelo menos um mês após um período de funcionamento normal e não estar associada a doença gastrintestinal ou outras condições médicas gerais. A ruminação foi reconhecida há centenas de anos. A identificação do transtorno é importante, a fim de que ele seja diagnosticado de forma correta e sejam evitados procedimentos cirúrgicos desnecessários e tratamentos inadequados. Ruminação deriva da palavra latina ruminare, que significa “refletir, ponderar”. O equivalente grego é mericismo, o ato de regurgitar alimento do estômago para a boca, remastigá-lo e engoli-lo de novo. Epidemiologia Ruminação é um transtorno raro. Parece ser mais comum entre bebês de 3 meses a 1 ano de idade e entre crianças e adultos com retardo mental. Os adultos afetados em geral mantêm o peso normal. O transtorno pode ser mais comum entre homens. Não há números confiáveis disponíveis sobre fatores predisponentes ou padrões familiares.
Etiologia Diversas causas de ruminação têm sido propostas. Naqueles com retardo mental, o transtorno pode ser apenas um comportamento auto-estimulatório. Na ausência de retardo mental a teoria psicodinâmica postula várias hipóteses sobre a relação mãe-filho. As mães de bebês com o transtorno
1325
tendem a ser imaturas, envolvidas em conflito conjugal e incapazes de dar muita atenção ao bebê. Esses fatores resultam em gratificação emocional e estimulação insuficientes para o bebê, que busca gratificação em si mesmo. A ruminação é interpretada como a tentativa de recriar o processo de alimentação e de fornecer a gratificação que a mãe não fornece. Estimulação excessiva e tensão também foram sugeridas como causas de ruminação. Uma disfunção do sistema nervoso autônomo pode estar envolvido. Demonstrou-se que um número importante de crianças classificadas como ruminadoras têm refluxo gastrintestinal ou hérnia de hiato. À medida que técnicas de investigação sofisticadas e precisas foram refinadas. Os behavioristas atribuem este comportamento ao reforço positivo da auto-estimulação prazerosa e à atenção recebida dos outros como uma conseqüência do transtorno.
Diagnóstico e características clínicas Os critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para ruminação são mostrados na Tabela 45-2. O manual observa que o aspecto fundamental do transtorno é a regurgitação repetida e a remastigação do alimento por pelo menos um mês após um período de funcionamento normal. O alimento parcialmente digerido é trazido de volta à boca sem náusea, esforço para vomitar, repugnância ou transtorno gastrintestinal associado. Tal atividade pode ser diferenciada de vômito pelos movimentos claros e intencionais que o bebê faz para induzi-la. O alimento é então ejetado da boca ou engolido de novo. Uma posição característica de tensionar e arquear as costas, com a cabeça estirada para trás, é observada. O bebê faz movimentos de sucção com a língua e dá a impressão de obter considerável satisfação com a atividade. Em geral, o bebê se mostra irritável e faminto entre os episódios de ruminação. Em princípio, pode ser difícil diferenciar ruminação da regurgitação que costuma ocorrer em bebês normais. Em casos totalmente desenvolvidos, entretanto, o diagnóstico é obvio. Comida ou leite é regurgitado sem náusea, esforço para vomitar ou repugnância, e é submetido ao que parecem ser inumeráveis movimentos de sucção e mastigação prazerosos. O alimento é então engolido novamente ou ejetado da boca. Ainda que remissões espontâneas sejam comuns, complicações secundárias graves podem desenvolver-se, como subnutrição progressiva, desidratação e resistência diminuída a doenças. Pode ocorrer deficiência de crescimento, com ausência de atrasos de crescimento e desenvolvimento em todas as áreas. Uma taxa de mortalidade de
TABELA 45-2 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno de ruminação A. Regurgitação repetida e remastigação do alimento pelo período mínimo de 1 mês após um período de funcionamento normal. B. O comportamento não é devido a uma condição gastrintestinal ou outra condição médica geral associada (p. ex., refluxo esofágico). C. O comportamento não ocorre exclusivamente durante o curso de anorexia nervosa ou bulimia nervosa. Se os sintomas ocorrem exclusivamente durante o curso de retardo mental ou transtorno global do desenvolvimento, eles são suficientemente graves a ponto de indicar uma atenção clínica independente. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
1326
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
cerca de 25% foi relatada em casos graves. Outra complicação é que a mãe ou a pessoa responsável é desencorajada pela falha em alimentar a criança com sucesso e pode tornar-se alienada, se já não estiver. Um novo afastamento ocorre quando o mau cheiro do material regurgitado leva à evitação do bebê. Patologia e exame laboratorial Nenhum exame laboratorial específico é patognomônico do transtorno de ruminação. Os médicos devem excluir causas físicas de vômito, como estenose pilórica e hérnia de hiato, antes de fazer o diagnóstico. Este transtorno pode estar associado à deficiência de crescimento e graus variados de inanição. Portanto, medidas laboratoriais de função endocrinológica (testes de função da tireóide, teste de supressão de dexametasona), eletrólitos séricos e avaliação hematológica ajudam a determinar a gravidade dos efeitos do transtorno. Diagnóstico diferencial Para fazer o diagnóstico de transtorno de ruminação, os médicos devem excluir anomalias gastrintestinais congênitas, infecções e outras doenças. Estenose pilórica costuma estar associada a vômitos projetivos e é evidente antes dos 3 meses de idade, quando a ruminação inicia. A ruminação foi associada a várias síndromes com retardo mental associado nas quais outros comportamentos estereotipados e transtornos da alimentação, como pica, estão presentes. O transtorno em questão pode ocorrer em pacientes com outros transtornos da alimentação, como bulimia nervosa. Curso e prognóstico Acredita-se que o transtorno de ruminação tenha alta taxa de remissão espontânea. De fato, muitos casos podem desenvolver-se e desaparecer sem mesmo terem sido diagnosticados. Apenas dados limitados estão disponíveis sobre o prognóstico de transtorno de ruminação em adultos. Tratamento O tratamento do transtorno de ruminação centra-se na combinação de educação e técnicas comportamentais. Às vezes, uma avaliação do relacionamento entre mãe e filho revela dificuldades que podem ser manejadas por meio da orientação da mãe. Intervenções comportamentais, tais como espremer suco de limão na boca do bebê sempre que ocorrer ruminação, podem ser efetivas para diminuir o comportamento. Esta prática parece ser o tratamento mais efetivo; a ruminação é eliminada em 3 a 5 dias. Nos relatos de condicionamento aversivo, os bebês estavam livres do comportamento em 9 a 12 semanas de acompanhamento, sem recorrência e com ganho de peso, nível de atividade aumentado e responsividade a pessoas aumentada. A ruminação pode ser diminuída pela técnica de retirar a atenção da criança sempre que este comportamento ocorrer. É difícil avaliar a efetividade dos tratamentos. A maioria dos
relatos é de estudos de casos isolados; os pacientes não foram randomizados a estudos controlados. Quaisquer complicações clínicas concomitantes também devem ser tratadas. O tratamento inclui melhorar o ambiente psicossocial, aumentar o cuidado com afeto por parte da mãe ou dos responsáveis e psicoterapia para a mãe ou ambos os pais. Quando há problemas físicos, como hérnia de hiato, o reparo cirúrgico pode ser necessário. Medicamentos incluindo metoclopramida ou cimetidina e antipsicóticos como haloperidol e tioridazina foram bem-sucedidos de acordo com relatos não-publicados. Um estudo demonstrou que, quando foi permitido aos bebês comer tanto quanto desejavam, a taxa de ruminação diminuiu. TRANSTORNO DA ALIMENTAÇÃO DA PRIMEIRA INFÂNCIA De acordo com o DSM-IV-TR, o transtorno da alimentação da primeira infância é o fracasso persistente em comer adequadamente, refletido em incapacidade significativa de ganhar peso ou em perda significativa de peso ao longo de um período mínimo de um mês. Os sintomas não são melhor explicados por uma condição médica ou por outro transtorno mental e não são causados por falta de alimento (Tab. 45-3). O transtorno tem seu início antes dos 6 anos. Epidemiologia Estima-se que entre 15 e 35% dos bebês e das crianças pequenas tenham algumas dificuldades de alimentação. Dados de amostras da comunidade estimam a prevalência do transtorno, entretanto, em cerca de 3% daqueles com síndromes de deficiência de crescimento, com quase metade exibindo transtornos alimentares. Diagnóstico diferencial O transtorno da alimentação da primeira infância deve ser diferenciado de problemas estruturais do trato gastrintestinal que possam contribuir para o desconforto durante o processo de alimentação. TABELA 45-3 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno da alimentação da primeira infância A. Perturbação na alimentação, manifestada pelo fracasso persistente em comer ou mamar adequadamente, com fracasso significativo em ganhar peso ou perda significativa de peso ao longo do período mínimo de 1 mês. B. A perturbação não se deve a uma condição gastrintestinal ou outra condição médica geral associada (p. ex., refluxo gastroesofágico). C. A perturbação não é melhor explicada pela presença de outro transtorno mental (p. ex., transtorno de ruminação) ou pela falta de alimentos. D. O início ocorre antes da idade de 6 anos. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
TRANSTORNOS DA ALIMENTAÇÃO DA PRIMEIRA INFÂNCIA
Curso e prognóstico A maioria dos bebês exibe transtornos da alimentação dentro do primeiro ano de vida e, com reconhecimento e intervenção adequados, não progridem para deficiência de crescimento. Quando têm seu início mais tarde, em crianças de 2 a 3 anos de idade, o crescimento e o desenvolvimento podem ser afetados se a condição durar vários meses. Estima-se que cerca de 70% dos bebês que recusam alimentação de forma persistente no primeiro ano de vida continuam a ter alguns problemas de alimentação durante a infância. Tratamento As intervenções para os transtornos da alimentação têm como objetivo avaliar a interação entre a mãe e o bebê durante o processo de amamentação e alimentação e a identificar quaisquer fatores que possam ser alterados para promover maior ingestão. A mãe é ajudada a ter mais consciência da capacidade de resistência do bebê para a duração de mamadas individuais, dos seus padrões de regulação biológica e de quando ele está cansado, com o objetivo de aumentar o nível de envolvimento durante o processo. CID-10 Na décima revisão da Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-10), o transtorno alimentar da inTABELA 45-4 Critérios diagnósticos da CID-10 para transtorno alimentar da infância A. Há falha persistente em alimentar-se adequadamente, ou ruminação ou regurgitação persistente do alimento. B. A criança não ganha peso, perde peso, ou exibe algum outro problema de saúde significativo durante um período de pelo menos 1 mês. (Em vista da freqüência de dificuldades de alimentação transitórias, os pesquisadores podem preferir uma duração mínima de 3 meses para alguns propósitos.) C. O início do transtorno é antes da idade de 6 anos. D. A criança não exibe nenhum outro transtorno mental ou comportamental na classificação da CID-10 (outro que não retardo mental). E. Não há evidência de doença orgânica suficiente para justificar a falha em alimentar-se. Reimpressa, com permissão, da World Health Organization. The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural Disorders: Diagnostic Criteria for Research. Copyright, World Health Organization, Geneva, 1993.
TABELA 45-5 Critérios diagnósticos da CID-10 para pica da infância A. Há ingestão persistente ou recorrente de substâncias não-nutritivas pelo menos duas vezes por semana. B. A duração do transtorno é de pelo menos 1 mês. (Para alguns propósitos, os pesquisadores podem preferir um período mínimo de 3 meses.) C. A criança não exibe nenhum outro transtorno mental ou comportamental na classificação da CID-10 (outro que não retardo mental). D. A idade cronológica e mental da criança é de pelo menos 2 anos. E. O comportamento alimentar não é parte de uma prática culturalmente aprovada. Reimpressa, com permissão, da World Health Organization. The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural Disorders: Diagnostic Criteria for Research. Copyright, World Health Organization, Geneva, 1993.
1327
fância, que também inclui transtorno de ruminação (Tab. 45-4) e pica da infância (Tab. 45-5), está incluído na categoria de outros transtornos emocionais e comportamentais com início geralmente ocorrendo na infância e na adolescência.
REFERÊNCIAS Benoit D. Phenomenology and treatment of failure to thrive. Child Adolesc Psychiatry Clin North Am. 1993;2:61. Boris NW, Hagino OR, Steiner GP. Case study: hypersomnolence and precocious puberty in a child with pica and chronic lead intoxication. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1996;35:1050. Carter AS, Garrity-Rokous FE, Chazan-Cohen R, Little C, Briggs Gowan MJ. Maternal depression and comorbidity: predicting early parenting, attachment security, and toddler social-emotional problems and competencies. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2001;40:18. Chatoor I. Feeding and eating disorders of infancy or early childhood. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Comprehensive Textbook of Psychiatry. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2704. Connors ME, Morse W. Sexual abuse and eating disorders: a review. Int J Eat Disord. 1993;13:1. Davis PK, Cuvo AJ. Chronic vomiting and rumination in intellectually normal and retarded individuals: review and evaluation of behavioral research. Behav Res Severe Dev Disabil. 1980;1:31. DelCarmen-Wiggins R, Carter AS. Assessment of infant and toddler mental health: advances and challenges. Am J Child Adolesc Psychiatry. 2001;40:8. Franco K, Campbell N, Tamburrino M, Evans C. Rumination: the eating disorder of infancy. Child Psychiatry Hum Dev. 1993; 24:91. Hodes M, Le Grange D. Expressed emotion in the investigation of eating disorders: a review. Int J Eat Disord. 1993;13:279. Keren M, Feldman R, Tyano S. Diagnoses and interactive patterns of infants referred to a community-based infant mental health clinic. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2001;40:27. Kramer SS, Eicher PM. The evaluation of pediatric feeding abnormalities. Dysphagia. 1993;8:215. Mayes SD, Humphrey FJ, Handford HA, Mitchell JF. Rumination disorder: differential diagnosis. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1988;27:300. Millican FK, Lourie RS, Laymen EM. Emotional factors in the etiology and treatment of lead poisoning. Am J Dis Child. 1956;91:144. Nasser M. A prescription of vomiting: historical footnotes. Int J Eat Disord. 1993;13:129. Provence S, Lipton RC. Infants and Institutions. New York: International Universities Press; 1962. Rast J, Johnston JM, Drum C, Conrin J. The relation of food quantity to rumination behavior. J Appl Behav Anal. 1981;14:221. Steiner H, Lock J. Anorexia nervosa and bulimia nervosa in children and adolescents: a review of the past 10 years. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1998;37:352. Stunkard AJ, Stellar E, eds. Eating and Its Disorders. New York: Raven Press; 1984. Vanderlinden J, Vanderecycken W, van Duck R, Vertommen H. Dissociative experience and trauma in eating disorders. Int J Eat Disord. 1993;13:187. Zeanah CH, Larrieu JA, Heller SS, et al. Evaluation of a preventive intervention for maltreated infants and toddlers in foster care. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2001;40:214.
46 Transtornos de tique
O
s tiques são definidos como contrações musculares rápidas e repetitivas resultando em movimentos ou vocalizações percebidos como involuntários. Crianças e adolescentes podem exibir tais comportamentos após um estímulo ou em resposta a um impulso interno. Os transtornos de tique constituem um grupo de transtornos neuropsiquiátricos que, em geral, começam na infância ou na adolescência e podem ser constantes ou oscilar com o passar do tempo. Ainda que não sejam volitivos, em alguns indivíduos podem ser suprimidos por alguns períodos. O transtorno de tique mais conhecido e mais grave é a síndrome de Gilles de la Tourette, também conhecida como transtorno de Tourette. A quarta edição revisada do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR) inclui diversos outros transtornos de tique, como o transtorno de tique motor ou vocal crônico, transtorno de tique transitório e transtorno de tique sem outra especificação. Mesmo que os tiques não tenham um objetivo particular, consistem de gestos utilizados em movimentos volitivos. Os tiques motor e vocal são divididos em tipos simples e complexo. Tiques motores simples são aqueles compostos de contrações repetitivas e rápidas de grupos musculares de função semelhante – por exemplo, piscar os olhos, contrair o pescoço, encolher os ombros e fazer careta. Os tiques vocais simples mais comuns incluem tossir, pigarrear, grunhir, fungar, espirrar e latir. Tiques motores complexos parecem ser mais intencionais e ritualísticos. Eles incluem comportamentos de arrumação, cheirar objetos, saltar, comportamentos de toque, ecopraxia (imitação de comportamento observado) e copropraxia (exibição de gestos obscenos). Tiques vocais complexos incluem repetir palavras ou frases fora de contexto, coprolalia (uso de palavras ou frases obscenas), palilalia (repetição das próprias palavras) e ecolalia (repetição da última palavra dos outros). Algumas pessoas com transtornos de tique podem suprimi-los por minutos ou horas, mas outras, em especial crianças pequenas, ou não têm consciência de seus tiques ou sentemnos como irresistíveis. Esses comportamentos podem ser atenuados pelo sono, pelo relaxamento ou pela absorção em uma atividade. Com freqüência, mas nem sempre, desaparecem durante o sono.
TRANSTORNO DE TOURETTE De acordo com o DSM-IV-TR, no transtorno de Tourette, há tiques motores múltiplos e um ou mais tiques vocais. Ocorrem muitas vezes por dia por mais de um ano. O transtorno causa sofrimento ou prejuízo significativo em áreas importantes de funcionamento. Seu início ocorre antes dos 18 anos de idade, e não é causado por uma substância ou por uma condição médica geral. George Gilles de la Tourette descreveu pela primeira vez, em 1885, um paciente com o que mais tarde ficou conhecido como transtorno de Tourette, enquanto estava estudando com JeanMartin Charcot na França. De la Tourette observou uma síndrome em diversos pacientes que incluía tiques motores múltiplos, coprolalia e ecolalia. Epidemiologia Estima-se que a prevalência de transtorno de Tourette na vida seja de 4 ou 5 por 10 mil. Mais crianças do que adultos exibem a condição, de modo que 5 a 30 de 10 mil crianças são afetadas, mas, na idade adulta, apenas 1 ou 2 em 10 mil satisfazem os critérios diagnósticos. O início do componente motor do transtorno em geral ocorre aos 7 anos de idade; tiques vocais surgem, em média, aos 11 anos de idade. O transtorno de Tourette ocorre cerca de três vezes mais em meninos do que em meninas.
Etiologia Fatores genéticos. Estudos de gêmeos, estudos de adoção e estudos de análise de segregação apóiam uma causa genética para o transtorno de Tourette. Estudos de gêmeos indicam que a concordância para o transtorno em gêmeos monozigóticos é muito maior do que em dizigóticos. O fato de que o transtorno de Tourette e o transtorno de tique motor ou vocal crônico tenham a probabilidade de ocorrer nas mesmas famílias apóia a visão de que são parte de um espectro geneticamente determinado. Os filhos de mães com transtorno de Tourette parecem ter risco maior para desenvolvêlo. A evidência em algumas famílias indica que ele é transmitido de forma autossômica dominante. Estudos recentes de uma longa linhagem familiar
TRANSTORNOS DE TIQUE
sugerem que o transtorno de Tourette pode ser transmitido de forma bilinear, ou seja, parece ser herdado mediante um padrão autossômico intermediário entre dominante e recessivo. Uma relação é encontrada entre transtorno de Tourette e transtorno de déficit de atenção/hiperatividade; até metade de todos os pacientes com transtorno de Tourette também têm TDAH. Uma relação também aparece com o transtorno obsessivo-compulsivo; até 40% de todos aqueles com transtorno de Tourette também desenvolvem transtorno obsessivo-compulsivo. Além disso, parentes de primeiro grau de pessoas com transtorno de Tourette têm alto risco de desenvolver este transtorno, transtorno de tique motor ou vocal crônico e transtorno obsessivo-compulsivo. A presença de sintomas do transtorno de déficit de atenção/hiperatividade em mais da metade das pessoas com transtorno de Tourette levanta questões sobre uma relação genética entre estas duas condições.
Fatores neuroquímicos e neuroanatômicos. A evidência instigadora do envolvimento do sistema dopaminérgico nos transtornos de tique inclui a observação de que agentes farmacológicos que antagonizam a dopamina (haloperidol [haldol], pimozida [Orap] e flufenazina [Stelazine]) suprimem tiques e que agentes que aumentam a atividade dopaminérgica central (metilfenidato [Ritalina], anfetaminas, pemolina e cocaína) tendem a exacerbá-los. A relação entre os tiques e o sistema dopaminérgico não é simples, porque, em alguns casos, medicamentos antipsicóticos, como o haloperidol, não foram efetivos para reduzir os tiques e o efeito dos estimulantes varia conforme os relatos. Em determinados contextos, o transtorno de Tourette surgiu durante tratamento com antipsicóticos. Portanto, a designação transtorno de Tourette tardio referese à semelhança do transtorno com a discinesia tardia. Opióides endógenos podem estar envolvidos nos transtornos de tique e no transtorno obsessivo-compulsivo. Alguma evidência indica que agentes farmacológicos que antagonizam opióides endógenos – por exemplo, naltrexona – reduzem os tiques e déficits de atenção. Anormalidades no sistema noradrenérgico foram implicadas em alguns casos mediante a redução dos tiques com a clonidina (Atensina). Este agonista adrenérgico reduz a liberação de noradrenalina no sistema nervoso central e, portanto, pode reduzir a atividade no sistema dopaminérgico. Anormalidades nos gânglios da base resultam em vários transtornos do movimento, como doença de Huntington, e são referidas como possíveis locais de dano associados ao transtorno de Tourette, no transtorno obsessivo-compulsivo e no transtorno de déficit de atenção/hiperatividade. Fatores imunológicos e pós-infecciosos. Um processo auto-imune secundário a infecções estreptocócicas é um possível mecanismo para o transtorno de Tourette. Este processo pode atuar de maneira sinérgica com a vulnerabilidade genética para o transtorno. Síndromes pós-estreptocócicas também foram associadas a um possível fator causal no desenvolvimento de transtorno obsessivocompulsivo em crianças. Diagnóstico e características clínicas Para fazer um diagnóstico de transtorno de Tourette, os médicos devem obter a história de múltiplos tiques motores e o aparecimento de pelo menos um tique vocal ao mesmo tempo. De acordo com o DSM-IV-TR, os tiques devem ocorrer muitas vezes por dia, quase todos os dias ou de forma intermitente por mais de
1329
um ano. A idade média de início é de 7 anos, mas os tiques podem ocorrer já aos 2 anos de idade. O início deve ser antes dos 18 anos (Tab. 46-1). No transtorno de Tourette, os tiques iniciais são na face e no pescoço. Com o tempo, tendem a ocorrer em uma progressão descendente. Os mais descritos são aqueles que afetam a face e a cabeça, os braços e as mãos, o corpo e as extremidades inferiores, bem como os sistemas respiratório e alimentar. Os tiques podem ser fazer caretas; franzir a testa; levantar as sobrancelhas; piscar; enrugar o nariz; tremer as narinas; torcer a boca; mostrar os dentes; morder os lábios e outras partes; mostrar a língua; protrair o maxilar inferior; acenar a cabeça; arremessar ou torcer o pescoço; olhar de lado; girar a cabeça; torcer as mãos; contrair os braços, estalar os dedos; fechar o punho; encolher os ombros; sacudir pé, joelho ou artelho; caminhar de forma peculiar; convulsionar o corpo; saltar; soluçar; suspirar; bocejar; fungar; soprar pelo nariz; inspiração sibilante; arrotar; sons de sucção ou beijo; pigarrear. Em geral, sintomas comportamentais prodrômicos (p. ex., irritabilidade, dificuldades de atenção e baixa tolerância à frustração) são evidentes antes ou coincidem com o início dos tiques. Mais de 25% das pessoas em alguns estudos receberam estimulantes por um diagnóstico de transtorno de déficit de atenção/hiperatividade antes de receberem o diagnóstico de transtorno de Tourette. O sintoma inicial mais freqüente é o tique de piscar, seguido por um tique de cabeça ou uma careta. Sintomas motores e vocais mais complexos surgem vários anos após os sintomas iniciais. A coprolalia surge no início da adolescência e ocorre em cerca de um terço de todos os pacientes. A coprolalia mental – na qual ocorre ao paciente um pensamento ou palavra obscena súbita, intrusiva, socialmente inaceitável – também pode manifestar-se. Em alguns casos graves, ferimentos, incluindo descolamento de retina e problemas ortopédicos, resultaram dos tiques. Obsessões, compulsões, dificuldades de atenção, impulsividade e problemas de personalidade foram associados ao transtorno de Tourette. As dificuldades de atenção muitas vezes precedem os tiques, enquanto os sintomas obsessivo-compulsivos tendem a ocorrer após o seu início. Se tais problemas são secundários aos tiques ou causados pela mesma condição patológica subjacente ainda está em discussão. Muitos tiques têm um componente agressivo ou sexual TABELA 46-1 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno de Tourette A. Múltiplos tiques motores e um ou mais tiques vocais estiveram presentes em algum momento durante a doença, embora não necessariamente ao mesmo tempo. (Um tique é um movimento ou vocalização súbita, rápida, recorrente, não-rítmica e estereotipada.) B. Os tiques ocorrem muitas vezes ao dia (geralmente em salvas) quase todos os dias ou intermitentemente durante um período de mais de 1 ano, sendo que durante este período jamais houve uma fase livre de tiques superior a 3 meses consecutivos. C. O início dá-se antes da idade de 18 anos. D. A perturbação não se deve aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., estimulantes) ou de uma condição médica geral (p. ex., doença de Huntington ou encefalite pós-viral). De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
1330
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
que pode resultar em conseqüências sociais graves para o paciente. Fenomenologicamente, esses comportamentos lembram uma falha de censura, tanto consciente como inconsciente, com impulsividade aumentada e incapacidade de inibir a atuação de um pensamento. Sam é um menino de 10 anos que foi encaminhado para internação psiquiátrica devido à recusa persistente em freqüentar a escola. Ele tem história de transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, diagnosticado aos 7 anos de idade, e respondeu bem a metilfenidato, mais recentemente Concerta, 36 mg a cada manhã. O menino freqüenta uma turma regular da quinta série, e seus pais relatam que, desde os 6 anos de idade, ele tem tido inúmeros tiques motores e vocais, mas que os mesmos não interferiam em sua vida social ou desempenho acadêmico até o presente momento. Sam começou a piscar repetitivamente durante a primeira série, mas não parecia ter consciência disso, e esses tiques não interferiam em suas amizades, esportes ou vida social. Após vários meses, começou a apresentar alguns movimentos espasmódicos da cabeça e dos ombros, apesar de não ter mais o tique de piscar. Mais uma vez, não parecia ser incomodado por estes, e nenhum de seus amigos se dera conta disso. Sam estava sendo tratado com metilfenidato nesta ocasião, porque sempre tivera um período de atenção curto e achava impossível permanecer em sua cadeira ou levantar a mão em aula. O metilfenidato controlou seus sintomas de hiperatividade e desatenção. Sam começou a recusar-se a freqüentar a escola após ter desenvolvido um tique motor complexo repetitivo que envolvia caminhar para a frente, retroceder seus passos e girar em círculo. Ele fazia isso pelo menos uma vez a cada hora, e alguns de seus colegas começaram a debochar dele. Ele relatou que “não podia evitar” e sentia que tinha que fazê-lo. Tornou-se extremamente aborrecido e decidiu que não iria mais à escola, uma vez que todo mundo estava zombando dele. O exame revelou que Sam tinha um tique complexo como o que ele havia descrito bem como grunhidos leves repetidos que ocorriam diversas vezes por minuto. Os tiques de Sam estavam deixando-o constrangido e impedindo-o de socializar-se com seus colegas. Foi feito o diagnóstico de transtorno de Tourette. O menino foi internado na unidade de psiquiatria infantil, e foi realizada uma tentativa com risperidona com 0,5 mg ao dia. Esta dose foi aumentada para 0,5 mg duas vezes ao dia, e aumentada de acordo com sua capacidade de tolerância. No início, Sam se sentiu sonolento durante o dia, mas, após alguns dias, tinha se ajustado ao medicamento e pôde tolerar bem a dose. A administração de risperidona foi aumentada em 0,5 mg a cada três dias, até alcançar a dosagem de 1 mg pela manhã e 2 mg ao deitar. Ele tolerou essa dosagem e não teve quaisquer sintomas extrapiramidais. Após uma semana na dose mais alta, começou a sentir-se menos compelido a refazer seus passos e girar e passou a ter sessões com um psicólogo comportamental que o ajudou a ter mais consciência de seus impulsos de girar em círculo. Ele praticou a transformação daquele “impulso” em um movimento útil, de modo que os outros tivessem menos probabilidade
de percebê-lo. Sam continuou tomando Concerta, 36 mg, porque relatou que, sem o agente, era incapaz de focalizar-se em qualquer trabalho escolar. Após deixar o hospital, retornou à escola e continuou a medicação e as sessões com o psicólogo. Embora ainda refizesse seus passos e girasse às vezes, a freqüência desse comportamento complexo tinha diminuído, e ele já era capaz de transformar o comportamento em um movimento que parecia ser intencional e útil. Patologia e exame laboratorial Não existe um exame laboratorial específico para detectar o transtorno de Tourette, mas muitos pacientes com o transtorno têm achados eletroencefalográficos anormais. As imagens de tomografia computadorizada (TC) e de ressonância magnética (RM) não revelaram lesões estruturais específicas, ainda que cerca de 10% de todos os pacientes apresentem alguma anormalidade nãoespecífica nas TC. Diagnóstico diferencial Tiques devem ser diferenciados de outros movimentos anormais (p. ex., movimentos distônicos, coreiformes, atetóides, mioclônicos e hemibalísticos) e das doenças neurológicas que eles caracterizam (p. ex., doença de Huntington, parkinsonismo, coréia de Sydenham, doença de Wilson), conforme listado na Tabela 46-2. Tremores, maneirismos e transtorno do movimento estereotipado (p. ex., bater a cabeça, balançar o corpo) também devem ser diferenciados de transtornos de tique. Transtornos de movimento estereotipado, incluindo movimentos como balançar o corpo, brincar com as mãos e outros movimentos auto-estimulatórios, parecem ser voluntários e causam uma sensação de conforto, diferente dos transtornos de tique. Ainda que os tiques em crianças e adolescentes possam ou não parecer controláveis, quase nunca produzem a sensação de bem-estar. As compulsões são às vezes difíceis de diferenciar de tiques complexos e podem estar no mesmo espectro biológico. Transtornos de tique também ocorrem em co-morbidade com diversos transtornos comportamentais e do humor. Em um recente levantamento, quanto maior a gravidade dos tiques, maior a probabilidade de sintomas agressivos e depressivos em crianças. Mesmo naquelas com transtorno de Tourette foi relatado que, quando há exacerbação dos sintomas de tique, o comportamento e o humor também parecem deteriorar-se. Este fenômeno ocorre ainda entre aquelas com transtorno de déficit de atenção/hiperatividade e as com depressão ou transtornos desafiadores de oposição. Em crianças com transtorno de Tourette e transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, mesmo que o transtorno de tique sempre tenha sido leve, ainda existe uma alta freqüência de comportamento diruptivo e transtorno do humor. Crianças autistas bem como com retardo mental podem exibir sintomas semelhantes àqueles vistos nos transtornos de tique, incluindo transtorno de Tourette. A ocorrência maior do que a esperada de transtorno de Tourette, transtorno autista e transtorno bipolar também está presente.
TRANSTORNOS DE TIQUE
1331
TABELA 46-2 Diagnóstico diferencial de transtornos de tique Doença ou síndrome Idade de início
Aspectos associados
Curso
Tipo de movimento predominante
Hallervorden-Spatz
Infância-adolescência
Progressivo para a morte em 5 a 20 anos
Coreiforme, atetóide, mioclônico
Distonia muscular deformante
Infância-adolescência
Variável, com freqüência progressivo, mas com remissões raras
Distonia
Coréia de Sydenham
Infância, em geral entre 5 e 15 anos
Em geral, autolimitado
Coreiforme
Doença de Huntington
Em geral entre 30 e 50 anos, mas formas da infância são conhecidas Em geral entre 10 e 25 anos
Pode estar associada a atrofia óptica, pé torto, retinite pigmentosa, disartria, demência, ataxia, labilidade emocional, espasticidade, herança recessiva autossômica Herança recessiva autossômica comumente mais específica entre judeus Ashkenazi; uma forma dominante autossômica mais benigna também ocorre Mais comum em mulheres, em geral associada a febre reumática (títulos ASLO elevados de cardite) Herança autossômica dominante, demência, atrofia do núcleo caudado na TC
Progressivo para a morte em 10 a 15 anos após o início
Coreiforme
Anéis de Kayser-Fleischer, disfunção hepática, erro inato do metabolismo do cobre; herança autossômica recessiva Familiar; pode ter rigidez generalizada e herança autossômica
Progressivo para a morte sem terapia de quelação Não-progressivo
Tremor de batida de asas, distonia
Causas nervosas, algumas familiares, em geral sem vocalizações Não-familiar, sem vocalizações
Variável, dependendo da causa Não-progressivo
Doença de Wilson (degeneração hepatolenticular) Hiper-reflexia (incluindo latah, miriaquite, espasmo pulante do Maine) Transtornos mioclônicos Distonia mioclônica
Em geral na infância (herança dominante) Qualquer idade 5 a 47 anos
Distonia mioclônica paroxística com vocalização
Primeira infância
Transtornos de atenção, hiperatividade e aprendizagem; movimentos interferem na atividade contínua
Não-progressivo
Síndromes tardias de transtorno de Tourette Neuroacantocitose
Variável (após uso de medicação antipsicótica) Terceira ou quarta décadas
Segundo relatos, são precipitadas por interrupção ou redução de medicação
Pode terminar após aumento ou diminuição de dosagem Variável
Encefalite letárgica
Variável
Acessos de gritos, comportamento bizarro, psicose, doença de Parkinson
Variável
Inalação de gasolina
Variável
Variável
Complicações pósangiográficas
Variável
EEG anormal; teta simétrico e rajadas teta em regiões frontocentrais Labilidade emocional, síndrome amnéstica
Pós-infecciosa
Variável
Variável
Pós-traumática
Variável
EEG: rajadas teta assimétricas ocasionais antes dos movimentos, títulos ASLO elevados Distribuição de tique assimétrica
Envenenamento por monóxido de carbono
Variável
Comportamento sexual inadequado
Variável
Alteração genética XYY Mosaicismo XXY e 9p
Infância
Comportamento agressivo
Estático
Infância
Estático
Distrofia muscular de Duchenne (recessiva ligada ao X) Síndrome do X frágil
Primeira infância
Anomalias físicas múltiplas, retardo mental Retardo mental leve
Estático
Transtornos do desenvolvimento e perinatais
Infância, primeira infância
Retardo mental, dismorfismo facial, convulsões, aspectos autistas Convulsões, anormalidades de EEG e TC, psicose, agressividade, hiperatividade, síndrome de Ganser, compulsividade, torcicolo
Primeira infância
Acantocitose, perda muscular, parkinsonismo, herança autossômica recessiva
Variável
Variável
Progressivo
Variável
Resposta de sobressalto excessiva; pode ter ecolalia, coprolalia e obediência forçada Mioclonoia Distonia de torsão com espasmos mioclônicos Acessos de movimentos tônicos (menos clônicos) e vocalizações regulares repetitivos Discinesias orofaciais, coreoatetose, tiques, vocalização Discinesia orofacial e coréia de membros, tiques, vocalização Tiques motores e vocais simples e complexos, coprolalia, ecolalia, ecopraxia, palilalia Tiques motores e vocais simples Tiques motores simples e vocais complexos, palilalia Tiques motores e vocais simples, ecopraxia Tiques motores complexos Tiques motores e vocais simples e complexos, coprolalia, ecolalia, palilalia Tiques motores e vocais simples Tiques motores e vocais simples Tiques motores e vocais Tiques motores e vocais simples, coprolalia Tiques motores e vocais, ecolalia
1332
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Antes de instituir tratamento com um medicamento antipsicótico, os médicos devem fazer uma avaliação basal de movimentos anormais preexistentes; este tipo de medicação pode mascarar movimentos anormais e, se vierem a ocorrer mais tarde, podem ser confundidos com discinesia tardia. Há relatos de que agentes estimulantes (p. ex., metilfenidato, anfetaminas e pemolina) exacerbaram tiques preexistentes em alguns casos. Esses efeitos foram relatados em algumas crianças e adolescentes tratados para transtorno de déficit de atenção/hiperatividade. Na maioria, mas não em todos os casos, após o medicamento ser descontinuado, os tiques desapareceram ou retornaram aos níveis pré-medicação. A maioria dos especialistas sugere que crianças e adolescentes que apresentam tiques enquanto estão recebendo estimulantes podem ser geneticamente predispostos e teriam desenvolvido a condição independentemente do tratamento com estimulantes. Até que a situação seja esclarecida, os médicos devem ter muita cautela e monitorar com freqüência crianças em risco para tiques que estão recebendo estimulantes. Curso e prognóstico Se não tratado, o transtorno de Tourette tende a ser uma doença crônica e vitalícia, com relativas remissões e exacerbações. Os sintomas iniciais podem diminuir, persistir ou aumentar, e sintomas antigos podem ser substituídos por novos. Pessoas gravemente afetadas podem ter problemas emocionais graves, incluindo transtorno depressivo maior. Algumas dessas dificuldades parecem estar associadas a transtorno de Tourette, enquanto outras resultam de complicações sociais, acadêmicas e profissionais graves, seqüelas freqüentes do transtorno. Em determinados casos, o desespero pela ruptura do funcionamento social e ocupacional é tão grande que a pessoa considera e tenta o suicídio. No entanto, muitas crianças afetadas têm relacionamentos satisfatórios com seus pares, funcionam bem na escola e têm auto-estima adequada; podem não necessitar de tratamento e ser monitoradas por seus pediatras. Tratamento A consideração do funcionamento global de uma criança ou adolescente é o primeiro passo para determinar os tratamentos mais adequados para os transtornos de tique. Famílias, professores e colegas às vezes interpretam os tiques de forma equivocada como comportamentos intencionais, e a criança pode ser tratada como se tivesse um problema “de comportamento” quando, na verdade, os tiques são involuntários. O tratamento deve começar com educação abrangente para as famílias, de modo que as crianças não sejam punidas por seus tiques. As famílias também devem entender a natureza inconstante de muitos transtornos de tique. Em casos leves, o bom funcionamento social e acadêmico pode não requerer tratamento. Em casos mais graves, crianças com transtornos de tique podem ser banidas por seus pares e ter o trabalho acadêmico comprometido pela natureza desorganizadora dos tiques, e uma variedade de tratamentos deve ser considerada.
Intervenções farmacológicas têm alguma eficácia na supressão de tiques, e abordagens comportamentais, como técnicas de “inversão de hábito”, estão sendo usadas para ajudar crianças e adolescentes a se tornarem mais conscientes de seu problema e iniciarem movimentos voluntários que podem “opor-se” aos tiques. Outras técnicas comportamentais – incluindo prática concentrada (negativa), automonitoração, treinamento de resposta incompatível, apresentação e remoção de reforço positivo e tratamento de inversão de hábito – foram revistas por Stanley A. Hobbs. Ele relatou que a freqüência dos tiques foi reduzida em muitos casos, em particular com tratamento de inversão de hábito; no momento, outros estudos estão sendo realizados para reproduzir a eficácia dessas técnicas. Intervenções comportamentais, incluindo relaxamento, podem diminuir o estresse que costuma exacerbar o transtorno de Tourette. Existem hipóteses de que técnicas comportamentais e farmacoterapia juntas têm um efeito sinérgico. Farmacoterapia. Historicamente foi demonstrado que antagonistas dos receptores de dopamina de alta potência (antipsicóticos típicos), como o haloperidol, a trifluoperazina e a pimozida, reduzem os tiques de forma significativa. Até 80% dos pacientes têm alguma resposta favorável; seus sintomas diminuem em 70 a 90% da freqüência basal. Estudos de acompanhamento, entretanto, indicam que apenas 20 a 30% desses pacientes continuam a terapia de manutenção a longo prazo. A interrupção atém-se principalmente aos efeitos adversos do medicamento, incluindo efeitos extrapiramidais e disforia. A dose diária inicial de haloperidol para adolescentes e adultos varia entre 0,25 e 0,5 mg. Este agente não é aprovado para uso em crianças com menos de 3 anos de idade. Para aquelas entre 3 e 12 anos de idade, a dose diária total recomendada é de 0,05 a 0,075 mg/kg, administrados em doses divididas em 2 ou 3 vezes ao dia. Esta dosagem impõe um limite diário de 3 mg de haloperidol para uma criança de 40 kg. A dosagem inicial de pimozida costuma ser de 1 a 2 mg por dia em doses divididas, podendo ser aumentada dia sim, dia não. A maioria dos pacientes é mantida com menos de 0,2 mg/kg por dia ou 10 mg por dia, a que seja menor. Uma dosagem de 0,3 mg/kg por dia ou 20 mg por dia nunca deve ser excedida, devido a efeitos adversos cardiotóxicos. Este medicamento parece ser relativamente seguro nas dosagens recomendadas, com cardiotoxicidade limitada a intervalos de onda QT prolongados. O eletrocardiograma é necessário no início e de forma periódica durante o tratamento. Há pouca experiência acerca de sua administração em crianças com menos de 12 anos de idade. Os médicos devem prevenir os pacientes e suas famílias da possibilidade de reações distônicas agudas e de sintomas parkinsonianos quando o uso de um antipsicótico convencional ou atípico está para ser iniciado. Os antipsicóticos atípicos mais comercializados no momento (antagonistas de serotonina-dopamina), incluindo a risperidona e a olanzapina, são escolhidos como opção de tratamento em vez dos antipsicóticos convencionais, na esperança de que os efeitos adversos sejam menos invasivos. A risperidona foi usada no tratamento de transtorno de Tourette em doses variando de 1 a 6 mg por dia com algum sucesso. Os efeitos adversos incluem ganho de peso, sedação e efeitos extrapiramidais. A olanzapina em geral bem-
TRANSTORNOS DE TIQUE
tolerada, ainda que ganho de peso e relatos de embotamento cognitivo tenham limitado seu uso. Mesmo com os antagonistas de serotonina-dopamina, difenidramina ou benztropina não raro são necessárias para controlar efeitos adversos extrapiramidais. Apesar de ainda não ter sido aprovada pela Food and Drug Administration (FDA) para uso no transtorno de Tourette, diversos estudos relatam que a clonidina, um agonista α2-adrenérgico, é eficaz; 40 a 70% dos pacientes beneficiaram-se dela. Além da melhora do tique, houve menos tensão e melhora no período de atenção. Outro agonista α2-adrenérgico, a guanfacina, também foi utilizado para esse fim. A clonidina tem sido empregada em dosagens variando de 0,05 mg via oral três vezes ao dia a 0,1 mg quatro vezes ao dia; e a guanfacina utilizada em dosagens de 1 a 4 mg por dia. Nessas quantidades, os efeitos adversos dos agentes α-adrenérgicos incluem sonolência, dor de cabeça, irritabilidade e hipotensão ocasional. Em vista da freqüente co-morbidade de comportamentos de tique e transtornos ou sintomas obsessivo-compulsivos, os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs) têm sido utilizados sozinhos ou em combinação com antipsicóticos no tratamento do transtorno de Tourette. Alguns dados sugerem que agentes desta classe, como a fluoxetina, podem ser úteis. Apesar de ser importante pesar os riscos e os benefícios de usar estimulantes em casos de hiperatividade grave e tiques co-mórbidos, um estudo recente relatou que o metilfenidato não aumenta a taxa ou a intensidade de tiques motores ou vocais na maioria das crianças com hiperatividade e transtornos de tique. Houve um relato de caso de que o uso de bupropiona, um antidepressivo da classe aminocetona, aumentou os tiques em diversas crianças tratadas para transtorno de Tourette e transtorno de déficit de atenção/hiperatividade. Outros antidepressivos, como a imipramina e a desipramina, podem diminuir o comportamento diruptivo entre aquelas com o transtorno, mas não são mais tão utilizados devido a seus efeitos cardíacos adversos potencialmente graves. TRANSTORNO DE TIQUE MOTOR OU VOCAL CRÔNICO No DSM-IV-TR, o transtorno de tique motor ou vocal crônico é definido como a presença de tiques motores ou vocais, mas não ambos. Os demais aspectos são os mesmos do transtorno de Tourette, exceto pelo fato de que o transtorno de tique motor ou vocal crônico não pode ser diagnosticado se os critérios para transtorno de Tourette já tiverem sido satisfeitos. De acordo com o manual, esta condição deve ter seu início antes dos 18 anos. Epidemiologia A taxa de transtorno de tique motor ou vocal crônico foi estimada como sendo de 100 a 1.000 vezes maior do que a do transtorno de Tourette. Meninos em idade escolar tem risco mais alto, mas a incidência é desconhecida. Ainda que o transtorno já tenha sido considerado raro, as estimativas atuais de sua prevalência variam de 1 a 2%.
1333
Etiologia O transtorno de Tourette e o transtorno de tique motor ou vocal crônico agregam-se nas mesmas famílias. Estudos de gêmeos revelaram uma alta concordância tanto para o transtorno de Tourette quanto para o transtorno de tique motor ou vocal crônico em gêmeos monozigóticos. Este achado apóia a importância de fatores hereditários na transmissão de pelo menos alguns transtornos de tique.
Diagnóstico e características clínicas O início do transtorno de tique motor ou vocal crônico parece ser na primeira infância. Os tipos de tiques e suas localizações são semelhantes aos do transtorno de tique transitório. Tiques vocais crônicos são muito mais raros do que os motores crônicos. Os tiques vocais crônicos tendem a ser menos evidentes nesta condição do que no transtorno de Tourette. Os tiques vocais em geral não são altos ou intensos e não são primariamente produzidos pelas cordas vocais; consistem de grunhidos ou outros ruídos causados por contrações torácicas, abdominais ou diafragmáticas. Os critérios diagnósticos do DSM-IV-TR são mostrados na Tabela 46-3. Diagnóstico diferencial Os tiques motores crônicos devem ser diferenciados de uma variedade de outros movimentos motores, incluindo movimentos coreiformes, mioclonia, síndrome das pernas inquietas, acatisia e distonias. Expressões vocais involuntárias podem ocorrer em determinados distúrbios neurológicos, como a doença de Huntington e de Parkinson. Curso e prognóstico Crianças cujos tiques começam entre os 6 e os 8 anos parecem ter os melhores resultados. Os sintomas em geral duram 4 a 6 anos e param no início da adolescência. Crianças com tiques que envolvem os membros ou o tronco tendem a não se sair tão bem quanto as com apenas tiques faciais.
TABELA 46-3 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno de tique motor ou vocal crônico A. Tiques motores ou vocais, mas não ambos, isolados ou múltiplos (i.e., movimentos ou vocalizações súbitas, rápidas, recorrentes, não-rítmicas e estereotipadas), estiveram presentes em algum momento durante a doença. B. Os tiques ocorreram muitas vezes ao dia, quase todos os dias ou intermitentemente, durante um período superior a 1 ano, sendo que durante este período jamais houve uma fase livre de tiques que fosse superior a 3 meses consecutivos. C. O início dá-se antes da idade de 18 anos. D. A perturbação não se deve aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., estimulantes) ou de uma condição médica geral (p. ex., doença de Huntington ou encefalite pós-viral). E. Jamais foram satisfeitos os critérios para transtorno de Tourette. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
1334
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Tratamento O tratamento do transtorno de tique motor ou vocal crônico depende da gravidade e da freqüência dos tiques, do sofrimento subjetivo do paciente, dos efeitos dos tiques sobre a escola ou o trabalho, o desempenho profissional e a socialização e da presença de qualquer outro transtorno mental concomitante. Psicoterapia pode ser indicada para minimizar os problemas emocionais secundários. Diversos estudos verificaram que técnicas comportamentais, em particular abordagens de inversão de hábito, foram efetivas no tratamento desta condição. Medicações para ansiedade não foram bem-sucedidas. O haloperidol foi benéfico em alguns casos, mas os riscos devem ser ponderados em relação aos possíveis efeitos clínicos devido às reações adversas do medicamento, incluindo o desenvolvimento de discinesia tardia. TRANSTORNO DE TIQUE TRANSITÓRIO O DSM-IV-TR define o transtorno de tique transitório como a presença de um único tique ou múltiplos tiques motores ou vocais ou ambos. Estes ocorrem muitas vezes por dia, por pelo menos quatro semanas, mas não por mais de 12 meses. Os demais aspectos são os mesmos que do transtorno de Tourette, exceto pelo fato de que este não pode ser diagnosticado se os critérios para transtorno de Tourette ou transtorno de tique motor ou vocal crônico já tiverem sido satisfeitos. De acordo com o DSMIV-TR, o transtorno deve ter seu início antes dos 18 anos. Epidemiologia Movimentos transitórios semelhantes a tiques e espasmos musculares nervosos são comuns em crianças. De 5 a 24% de todas as crianças em idade escolar têm uma história de tiques. Sua prevalência, conforme definido aqui, é desconhecida.
Etiologia O transtorno de tique transitório provavelmente tem origens orgânicas ou psicogênicas, com alguns tiques combinando elementos de ambos. Tiques orgânicos são aqueles com mais chance de progredir para transtorno de Tourette, a ter história familiar aumentada dos mesmos, enquanto os tiques psicogênicos têm mais probabilidade de desaparecer de forma espontânea. Os que progridem para transtorno de tique motor ou vocal crônico têm mais probabilidade de terem componentes de origem orgânica e psicogênica. Tiques de todos os tipos são exacerbados por estresse e ansiedade, mas nenhuma evidência indica que sejam causados por esses fatores.
Diagnóstico e características clínicas Os critérios do DSM-IV-TR para estabelecer o diagnóstico de transtorno de tique transitório são os seguintes. Os tiques são únicos ou múltiplos, motores ou vocais. Ocorrem muitas ve-
zes por dia, quase todos os dias, por pelo menos quatro semanas, mas não por mais de 12 meses consecutivos. O paciente não apresenta história de transtorno de Tourette ou transtorno de tique motor ou vocal crônico. O início se dá antes dos 18 anos de idade. Os tiques não ocorrem exclusivamente durante intoxicação de substâncias, nem são causados por uma condição médica geral. O diagnóstico deve especificar se um único episódio ou episódios recorrentes estão presentes (Tab. 46-4). O transtorno de tique transitório pode ser diferenciado do transtorno de tique motor ou vocal crônico e do transtorno de Tourette apenas pela observação da progressão dos sintomas com o passar do tempo. Curso e prognóstico A maioria das pessoas com transtorno de tique transitório não progride para um transtorno de tique mais grave. Os tiques desaparecem para sempre ou reaparecem durante períodos de estresse muito acentuado. Apenas uma pequena porcentagem desenvolve transtorno de tique motor ou vocal crônico ou transtorno de Tourette. Tratamento No início do tratamento, não é evidente se os tiques irão desaparecer de forma espontânea, progredirão ou se tornarão crônicos. Focalizar a atenção nos mesmos pode exacerbá-los; portanto, os médicos recomendam que, a princípio, a família desconsidere os tiques da melhor forma possível. No entanto, se eles forem tão graves a ponto de prejudicar o paciente ou se forem acompanhados por distúrbio emocional significativo, exames neurológicos psiquiátricos e pediátricos completos são recomendados. O tratamento depende dos resultados das avaliações. Psicofarmacologia não é indicada, a menos que os sintomas sejam muito graves e incapacitantes. Diversos estudos revelaram que técnicas comportamentais, em particular tratamento de inversão de hábito, são efetivas no tratamento de tiques transitórios.
TABELA 46-4 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno de tique transitório A. Tiques motores e/ou tiques vocais, isolados ou múltiplos (i.e., movimentos ou vocalizações súbitas, rápidas, recorrentes, nãorítmicas e estereotipadas). B. Os tiques ocorreram muitas vezes ao dia, quase todos os dias, pelo período mínimo de 4 semanas, porém não superior a 12 meses consecutivos. C. O início dá-se antes da idade de 18 anos. D. A perturbação não se deve aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., estimulantes) ou de uma condição médica geral (p. ex., doença de Huntington ou encefalite pós-viral). E. Jamais foram satisfeitos os critérios para transtorno de Tourette ou transtorno de tique motor ou vocal crônico. Especificar se: Episódio único ou recorrente De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
TRANSTORNOS DE TIQUE
TRANSTORNO DE TIQUE SEM OUTRA ESPECIFICAÇÃO
1335
CID-10
Esta categoria destina-se a transtornos caracterizados por tiques que não preenchem os critérios para transtornos de tique específicos. Exemplos incluem tiques com duração inferior a 4 meses ou tiques que iniciam após a idade de 18 anos.
Na décima revisão da Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-10), os transtornos de tique formam uma categoria dentro dos transtornos da infância e da adolescência. Esta classificação inclui os mesmos transtornos de tique que o DSM-IV-TR e acrescenta um outro, outros transtornos de tique. Os tiques – movimentos motores ou produções vocais que não servem a um propósito aparente e são de início súbito – são descritos como a manifestação predominante nestas condições. Sua gravidade varia bastante, de quase normal, com 1 em 5 ou 1 em 10 crianças manifestando os mesmos, à síndrome de Tourette, que é rara, grave e incapacitante. Transtornos de tique são mais comuns em meninos do que em meninas, e uma história familiar de tiques é freqüente (Tab. 46-6).
De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
REFERÊNCIAS
De acordo com o DSM-IV-TR, transtorno de tique sem outra especificação refere-se a transtornos caracterizados por tiques, mas que, de outro modo, não satisfazem os critérios para um transtorno de tique específico (Tab. 46-5).
TABELA 46-5 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno de tique sem outra especificação
TABELA 46-6 Critérios diagnósticos da CID-10 para transtornos de tique
Nota: Um tique é um movimento motor ou vocalização involuntária, súbita, rápida, recorrente, não-rítmica, estereotipada. Transtorno de tique transitório A. Tiques motores ou vocais isolados ou múltiplos, ou ambos, ocorrem muitas vezes ao dia, na maioria dos dias, durante um período de pelo menos 4 semanas. B. A duração do transtorno é de 12 meses ou menos. C. Não há história de síndrome de Tourette, e o transtorno não é resultado de condições físicas ou efeitos colaterais de medicamentos. D. O início se dá antes dos 18 anos de idade. Transtorno de tique motor ou vocal crônico A. Tiques motores ou vocais, mas não ambos, ocorrem muitas vezes por dia, na maioria dos dias, durante um período de pelo menos 12 meses. B. Nenhum período de remissão durante aquele ano dura mais do que 2 meses. C. Não há história de síndrome de Tourette, e o transtorno não é resultado de condições físicas ou efeitos colaterais de medicamentos. D. O início se dá antes dos 18 anos de idade. Transtorno de tique motor vocal e múltiplo combinado (síndrome de Tourette) A. Tiques motores múltiplos e um ou mais tiques vocais estiveram presentes em algum momento durante o transtorno, mas não necessariamente simultaneamente. B. A freqüência de tiques deve ser muitas vezes por dia, quase todos os dias, por mais de 1 ano, sem períodos de remissão durante aquele ano durando mais de 2 meses. C. O início se dá antes dos 18 anos de idade. Outros transtornos de tique Transtorno de tique, inespecificado Uma categoria residual não recomendada para um transtorno que satisfaz os critérios gerais para um transtorno de tique mas no qual a subcategoria específica não é especificada ou no qual os aspectos não satisfazem os critérios para transtornos de tique transitórios, transtorno de tique motor ou vocal crônico, transtorno de tique motor vocal e múltiplo combinados (síndrome de Tourette). Reimpressa com permissão da World Health Organization. The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural Disorders: Diagnostic Criteria for Research. Copyright, World Health Organization, Geneva, 1993.
Hawkridge S, Steim DJ, Bouwer C. Combined pharmacotherapy for TS and OCD. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1996;35:703. Kerbeshian J, Burd L. Case study: comorbidity among Tourette’s syndrome, autistic disosder, and bipolar disordes. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1996;35:681. Law SF, Schachar RJ. Do typical clinical doses of methylphenidate cause tics in children treated for attention-deficit hyperactivity disorder? J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1999;38:944. McCracken JT. Tic disorders. In: Sadock BJ, Sadock VA, editors. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2711. McMahon WM, van de Weterin BJM, Filloux F, Betit K, Coon H, Leppert M. Bilineal transmission and phenotypic variation of Tourette’s disorder in a large pedigree. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1996;35:672. Nolan EE, Sverd J, Gadow KD, Sprafkin J, Ezor SN. Associated psychopathology in children with both ADHD and chronic tic disorder. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1996;35:1622. Peterson BS, Pine DS, Cohen P, Brook J. Prospective, longitudinal study of tic, obsessive-compulsive, and attention-deficit/hyperactivity disorders in an epidemiological sample. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2001;40:685. Piacentini J, Chang S, Behavior therapy: state of the art. In: Cohen D, Jankovic H, Goetz C, eds. Advances in Neurology. Vol 85. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins: 2001;319. Segal NL, Dysken MW, Bouchard TJ, Petersen NL. Eckert ED, Heston LL. Tourette’s disorder in a set of reared-apart triplets: genetic and environmental influences. Am J Psychiatry. 1990;147:196. Spencer T, Biederman J, Steingard R, Wilens T. Bupropion exacerbates tics in children with attention-deficit hyperactivity disorder and Tourette’s syndrome. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1993;32:211. Spencer T, Biederman J, Wilens T, Steingard R, Geist D. Nortriptyline treatment of children with attention-deficit hyperactivity disorder and tic disorder or Tourette’s syndrome. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1993;32:205. Steingard R, Biederman J, Spencer T, Wilens T, Gonzalez A. Comparison of clonidine response in the treatment of attention-deficit hyperactivity disorder with-out comorbid tic disorders. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1993;32:350. Tucker DM, Leckman JF, Scahill L, et al. A putative poststreptococcal case of OCD with chronic tic disorder, not otherwise specified. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1996;35:1684.
47 Transtornos da excreção
E
nurese e encoprese são os dois transtornos da excreção descritos na quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR). Estes transtornos são considerados apenas quando a criança ultrapassou, cronológica e evolutivamente, o ponto em que se espera que tais funções sejam dominadas. O desenvolvimento normal inclui uma variação de tempo no qual determinada criança tem a atenção, a motivação e as habilidades fisiológicas necessárias para exibir competência nos processos de eliminação. Encoprese é definida como o padrão de evacuação de fezes em lugares inadequados, seja esta involuntária ou intencional. O padrão deve estar presente por pelo menos três meses; a idade cronológica da criança deve ser de pelo menos 4 anos. Enurese é a micção repetida na roupa ou na cama, involuntária ou intencional. O comportamento deve ocorrer duas vezes por semana por pelo menos três meses e deve causar sofrimento ou prejuízo clinicamente significativo, seja no âmbito social, seja no âmbito escolar. A idade cronológica ou de desenvolvimento deve ser de pelo menos 5 anos. O controle do intestino e da bexiga desenvolve-se com o passar do tempo. O treinamento do controle dos esfincteres é afetado por muitos fatores, como a capacidade intelectual e a maturidade social, determinantes culturais e interações psicológicas com os pais. A seqüência normal do desenvolvimento do controle das funções do intestino e da bexiga é o desenvolvimento de continência fecal noturna, continência fecal diurna, controles diurno e noturno da bexiga. ENCOPRESE Epidemiologia Nas culturas ocidentais, o controle intestinal é estabelecido em mais de 95% das crianças por volta do quarto aniversário e em 99% no quinto. Daí em diante, a freqüência diminui para praticamente ausência por volta dos 16 anos. Após os 4 anos de idade, a encoprese em todas as idades é 3 ou 4 vezes mais comum em meninos do que em meninas. Aos 7 ou 8 anos, a freqüência é de cerca de 1,5% em meninos e 0,5% em meninas. Dos 10 aos 12 anos, evacuação na roupa uma vez por mês ocorre em 1,3% dos meninos e em 0,3% das meninas. Existe uma relação significativa entre encoprese e enurese.
Etiologia A encoprese envolve uma interação bastante complicada entre fatores fisiológicos e psicológicos. Treinamento dos esfincteres inadequado ou a falta de um treinamento adequado pode atrasar a obtenção da continência. A evidência indica que algumas crianças encopréticas sofrem de controle esfincteriano ineficiente e ineficaz durante a vida inteira. Portanto, esta condição pode ocorrer em crianças com controle intestinal adequado que, por uma variedade de razões emocionais, incluindo raiva, ansiedade, medo ou uma combinação destas, não depositam as fezes de forma apropriada. Outras podem sujar-se de forma involuntária devido à incapacidade de controlar o esfincter de forma adequada ou devido a líquido excessivo causado por excesso de contensão. Até 75% das crianças com encoprese são constipadas e têm extravasamento de líquido excessivo. Qualquer combinação desses fatores pode promover uma luta de poder entre pais e filhos por questões de autonomia e controle. Confrontos constantes tendem a agravar o transtorno e causar dificuldades comportamentais secundárias. Muitas crianças encopréticas, entretanto, não têm problemas de comportamento. Quando estes ocorrem, são as conseqüências sociais do transtorno. Aquelas que podem controlar suas funções intestinais de forma adequada e que depositam fezes de consistência relativamente normal em lugares anormais em geral têm uma alteração psiquiátrica. A encoprese pode estar associada a outros problemas do desenvolvimento neurológico, incluindo fácil distratibilidade, período de atenção curto, baixa tolerância à frustração, hiperatividade e coordenação pobre. Às vezes, pode haver um medo especial de usar o banheiro. Esta condição também pode ser precipitada por eventos de vida como o nascimento de um irmão ou mudança para uma nova casa. Sua manifestação após um longo período de continência fecal às vezes parece ser uma regressão após estresses como separação dos pais, mudança de domicílio ou início da escola. Megacolo psicogênico. Muitas crianças encopréticas também retêm fezes e ficam constipadas, de forma voluntária ou como conseqüência de defecação dolorosa. Nestes casos, nenhuma evi-
TRANSTORNOS DA EXCREÇÃO
dência clara indica que disfunção anorretal preexistente contribui para a obstipação. A distensão retal crônica resultante de massas fecais grandes e duras pode causar perda de tônus da parede retal e dessensibilização à pressão. Portanto, muitas crianças não têm consciência da necessidade de defecar, e ocorre encoprese por extravasamento, em geral com quantidades relativamente pequenas de fezes líquidas ou moles. A acomodação olfativa pode diminuir ou eliminar sinais sensoriais. Crianças cuja educação foi severa e punitiva e que foram punidas por “acidentes” durante o treinamento esfincteriano também podem desenvolver o transtorno. Diagnóstico e características clínicas De acordo com o DSM-IV-TR, a encoprese é diagnosticada quando as fezes são evacuadas em lugares inadequados regularmente (pelo menos uma vez por mês) durante três meses (Tab. 47-1). Ela pode estar presente em crianças que têm controle do intestino e intensionalmente depositam as fezes em suas roupas ou outros lugares por uma variedade de razões emocionais. Algumas têm o comportamento inadequado quando irritadas com figuras parentais ou como parte de um padrão de transtorno desafiador de oposição. As crianças geralmente desenvolvem comportamentos repetitivos que parecem buscar atenção negativa. Em outros casos, episódios esporádicos de encoprese podem ocorrer durante períodos de estresse – por exemplo, próximo ao nascimento de um novo irmão –, mas, nestes, o comportamento tende a ser transitório e não satisfaz os critérios diagnósticos para o transtorno. A encoprese também pode estar presente de forma involuntária na ausência de anormalidades fisiológicas. Em tais situações, a criança pode não exibir controle adequado sobre os músculos esfincterianos porque está absorvida em outra atividade ou porque não tem consciência do processo. As fezes podem ser de consistência normal, quase normal ou líquida. Algum extravasamento involuntário decorre da retenção crônica de fezes, que resulta em extravasamento líquido. Em casos raros, o extravasamento involuntário resulta de causas psicológicas de diarréia ou sintomas de transtorno de ansiedade.
TABELA 47-1 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para encoprese A. Repetida evacuação de fezes em locais impróprios (p. ex., nas roupas ou no chão), involuntária ou intencional. B. Pelo menos um desses eventos uma vez por mês, pelo período mínimo de três meses. C. Idade cronológica mínima de 4 anos (ou nível de desenvolvimento equivalente). D. O comportamento não se deve exclusivamente aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., laxantes) ou de uma condição médica geral, exceto por meio de um mecanismo envolvendo constipação. Codificar se: Com obstipação e incontinência por extravasamento Sem obstipação e incontinência por extravasamento De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
1337
O DSM-IV-TR divide os tipos de encoprese em com obstipação e incontinência por extravasamento e sem obstipação e incontinência por extravasamento. Para receber este diagnóstico, a criança deve ter um nível de desenvolvimento ou cronológico de pelo menos 4 anos. Se a incontinência fecal estiver diretamente relacionada a uma condição médica, não é diagnosticada a encoprese. Estudos indicaram que crianças com encoprese que não têm doenças gastrintestinais apresentam altas taxas de contrações anormais do esfincter anal. Este achado é bastante prevalente entre aquelas com o tipo com obstipação e incontinência de extravasamento que têm dificuldade para relaxar os músculos do esfincter anal quando tentam defecar. Crianças com obstipação e dificuldades com relaxamento esfincteriano provavelmente não responderão bem a laxantes no tratamento de sua encoprese. As crianças sem anormalidade do tônus esfincteriano melhoram em um curto período. Henry era um menino de 11 anos com encoprese quase diária e inúmeros comportamentos associados, incluindo ocultação de fezes em torno da casa. Ele morava em um lar de cuidado adotivo especializado, tendo sido afastado de seus pais biológicos aos 7 anos de idade devido a abuso físico e sexual. Ambos os pais estavam envolvidos com abuso de substâncias, e sua história anterior não é bem-documentada. Entretanto, um dos pais indicou que ele não tinha exibido continência intestinal contínua por vários meses. Henry também tinha sido enurético até os 6 anos de idade, mas isso tinha se reduzido a um episódio noturno ocasional a cada 4 a 6 meses. O menino se qualificava para o diagnóstico de transtorno desafiador de oposição. Ainda que tivesse sofrido abuso físico e sexual, não apresentava flashbacks ou outros sintomas que satisfizessem os critérios para transtorno de estresse pós-traumático. Henry também tinha transtorno de déficit de atenção/hiperatividade e estava sendo tratado com 10 mg de metilfenidato duas vezes ao dia. A família adotiva residia em uma área urbana que tinha acesso a um hospital infantil bastante reconhecido. O Departamento de Cuidado Ambulatorial tinha um programa de encoprese comportamental especializado que reunia o método de treinamento do controle esfincteriano com um componente psicoeducacional e psicoterapia. A psiquiatra do programa de cuidado adotivo especializado duvidava de que esta intervenção fosse bem-sucedida para Henry, uma vez que ele tinha demasiada psicopatologia associada e as fezes eram depositadas em torno da casa de uma maneira simbólica. Além disso, a encoprese não era do tipo extravasamento por retenção, e as fezes eram sempre bem-formadas. Entretanto, uma vez que nenhum dano aparente poderia resultar do encaminhamento, a psiquiatra infantil consultada concordou com o plano. Para grande surpresa sua, o curso de treinamento ambulatorial do controle esfincteriano de diversas semanas juntamente com o componente psicoeducacional e a psicoterapia resultaram em completa cessação da encoprese. Em uma de suas visitas à casa de Henry, este orgulhosamente lhe mostrou um diagrama do funcionamento do sistema digestivo que era parte do programa psicoeduca-
1338
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
cional. Em retrospecto, pareceu que, embora houvesse aspectos simbólicos em seu comportamento encoprético, a evacuação era egodistônica, e ele estava motivado a mudar o comportamento, ainda que tal motivação não pudesse ser prospectivamente detectada pela equipe de tratamento devido à sua maneira oposicional-desafiadora de responder a adultos. (Cortesia de Edwin J. Mikkelsen, M.D.)
constante rejeição. Do ponto de vista psicológico, podem parecer insensíveis aos sintomas ou fixadas em um padrão de encoprese como forma de expressar a raiva. O resultado dos casos de encoprese é afetado pela disposição e pela capacidade da família em participar do tratamento sem ser punitiva e pela consciência da criança de quando a evacuação de fezes está para acontecer. Tratamento
Patologia e exame laboratorial Apesar de nenhum teste específico indicar o diagnóstico de encoprese, os médicos devem excluir doenças médicas, como doença de Hirschsprung, antes de fazer o diagnóstico. Se não ficar claro que a retenção fecal é responsável pela encoprese com obstipação e incontinência de extravasamento, um exame físico do abdome é indicado, e um raio X abdominal pode ajudar a especificar o grau de constipação presente. Testes sofisticados para determinar se o tônus esfincteriano é anormal não costumam ser realizados em casos simples de encoprese. Diagnóstico diferencial Na encoprese com obstipação e incontinência de extravasamento, a obstipação pode começar já no primeiro ano de vida da criança e atingir seu pico entre o segundo e o quarto anos. Em geral, o extravasamento começa aos 4 anos de idade. Fezes líquidas freqüentes e massas fecais duras são encontradas no colo e no reto na palpação abdominal e exame retal. As complicações incluem impactação, megacolo e fissuras anais. A condição pode ser causada por falha nutricional; doença estrutural do ânus, do reto ou do colo; efeitos adversos de medicamentos; ou distúrbios médicos (endócrinos ou neurológicos) não-gastrintestinais. O principal problema diferencial é o megacolo aganglionar ou a doença de Hirschsprung, na qual o paciente pode ter um reto vazio e nenhum desejo de defecar, mas mesmo assim ter um extravasamento de fezes. O transtorno ocorre em uma a cada 5 mil crianças; os sinais aparecem logo após o nascimento.
Quando a criança é trazida para tratamento, discórdia e sofrimento familiar consideráveis são comuns. Tensões familiares em relação ao sintoma precisam ser reduzidas, e uma atmosfera não-punitiva deve ser estabelecida. Esforços semelhantes devem ser feitos para reduzir o embaraço da criança na escola. Várias trocas de roupas íntimas com um mínimo de espalhafato devem ser arranjadas. A educação da família e a correção de percepções errôneas acerca de evacuação devem ocorrer antes do tratamento. Uma abordagem psicológica útil envolve a combinação de laxantes ou óleo mineral diários em uma intervenção comportamental na qual a criança senta-se na privada todos os dias por intervalos de tempo determinados e é recompensada por defecação bem-sucedida. Laxantes não são necessários para crianças que não estão constipadas e que têm bom controle intestinal, mas intervalos regulares, de tempo determinado, na privada podem ser úteis também com estas. Psicoterapia de apoio e técnicas de relaxamento podem ser benéficas para tratar a ansiedade e outras seqüelas, como baixa auto-estima e isolamento social. Intervenções familiares podem ser úteis para crianças que têm controle intestinal, mas continuam a depositar suas fezes em locais inadequados. Um bom resultado ocorre quando a criança se sente no controle dos eventos de vida. Problemas de comportamento coexistentes prognosticam um resultado mais insatisfatório. Em todos os casos, hábitos intestinais adequados precisam ser ensinados. Em algumas situações, técnicas de biofeedback foram benéficas. ENURESE Epidemiologia
Curso e prognóstico O resultado da encoprese depende da causa, da cronicidade dos sintomas e de problemas comportamentais coexistentes. Em muitos casos, é autolimitada e raramente persiste além da metade da adolescência. Crianças que têm fatores de contribuição fisiológicos, como motilidade gástrica pobre e incapacidade de relaxar a musculatura do esfincter anal, são mais difíceis de tratar do que aquelas com constipação, mas com tônus esfincteriano normal. A encoprese é um transtorno particularmente repugnante para a maioria das pessoas, incluindo membros da família; portanto, a tensão familiar costuma ser alta. As outras crianças também são sensíveis ao comportamento inadequado ao desenvolvimento e muitas vezes excluem aquela com o transtorno. Uma criança encoprética tende a ser o bode expiatório de seus pares e evitada por adultos. Muitas delas têm auto-estima baixa e consciência de sua
A prevalência de enurese diminui à medida que a idade aumenta. Portanto, segundo relatos, 82% das crianças de 2 anos, 49% daquelas de 3 anos, 26% das de 4 anos e 7% das de 5 são regularmente enuréticas. As taxas de prevalência variam, entretanto, conforme a população estudada e a tolerância dos sintomas em várias culturas e grupos socioeconômicos. O estudo da Ilha de Wight relatou que 15,2% dos meninos de 7 anos eram enuréticos em algumas ocasiões e que 6,7% deles eram enuréticos pelo menos uma vez por semana. O estudo relatou que 3,3% das meninas de 7 anos de idade eram enuréticas pelo menos uma vez por semana. Aos 10 anos de idade, a prevalência global do transtorno foi relatada como sendo de 3%. A taxa diminui bastante para adolescentes; uma prevalência de 1,5% foi relatada para aqueles de 14 anos. A enurese afeta cerca de 1% dos adultos. Os transtornos mentais estão presentes em apenas 20% das crianças enuréticas, sendo mais comuns em meninas enuréticas,
TRANSTORNOS DA EXCREÇÃO
em crianças com sintomas durante o dia e a noite e naquelas que mantêm os sintomas até o final da infância.
1339
a décima revisão da Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-10) dividem o transtorno em três tipos: exclusivamente noturno, exclusivamente diurno e noturno e diurno (Tab. 47-2).
Etiologia A maioria das crianças não é enurética de forma intencional ou mesmo consciente até estarem molhadas. É provável que fatores psicológicos desempenhem um papel importante na maioria dos casos. O controle normal da bexiga, que é adquirido aos poucos, é influenciado pelo desenvolvimento neuromuscular e cognitivo, por fatores socioemocionais, pelo treinamento esfincteriano e por possíveis fatores genéticos. Dificuldades em uma ou mais dessas áreas pode atrasar a continência urinária. Mesmo que uma causa orgânica específica impeça o diagnóstico de enurese, a correção de um defeito anatômico ou a cura de uma infecção nem sempre curam a disfunção. Em um estudo longitudinal de desenvolvimento infantil, crianças enuréticas tinham cerca de duas vezes mais probabilidade de ter atrasos de desenvolvimento concomitantes do que as não-enuréticas. Cerca de 75% das crianças afetadas têm um parente de primeiro grau que é ou foi enurético. Foi relatado que o risco de desenvolvê-la é mais de sete vezes maior se o pai foi enurético. A taxa de concordância é mais alta entre gêmeos monozigóticos do que entre dizigóticos. Há forte sugestão de componente genético, e grande parte do problema pode estar relacionada a tolerância da enurese em algumas famílias e outros fatores psicossociais. Alguns estudos relataram que crianças enuréticas têm a bexiga com capacidade anatômica normal quando anestesiadas, mas funcionalmente pequena, de modo que sentem desejo de urinar com pouca urina na bexiga. Outros estudos referiram que o problema de urinar na cama ocorre porque a bexiga está cheia e há uma falta de altos níveis de hormônio antidiurético à noite. Esses fatores permitem uma produção urinária mais alta que o habitual. Enurese não parece estar relacionada a um estágio específico do sono ou a uma hora da noite; antes, o problema aparece de forma aleatória. Na maioria dos casos, a qualidade do sono é normal. Poucas evidências indicam que crianças enuréticas dormem em maior profundidade do que outras. Estressores psicossociais parecem precipitar alguns casos de enurese. Em crianças pequenas, o transtorno foi particularmente associado ao nascimento de um irmão, hospitalização entre as idades de 2 e 4 anos, início da escola, ruptura familiar devido a divórcio ou morte e mudança para um novo domicílio. Diagnóstico e características clínicas Enurese é o esvaziamento repetido de urina nas roupas ou na cama; o esvaziamento pode ser involuntário ou intencional. Para o diagnóstico ser feito, a criança deve exibir a idade de desenvolvimento ou cronológica de pelo menos 5 anos. De acordo com o DSM-IV-TR, o comportamento deve ocorrer duas vezes por semana, por um período de pelo menos três meses, ou causar sofrimento e prejuízo no funcionamento para satisfazer os critérios diagnósticos. A condição é diagnosticada apenas se o comportamento não for devido a uma condição médica. O DSM-IV-TR e
Patologia e exame laboratorial Nenhum achado laboratorial isolado é patognomônico de enurese, mas os médicos devem excluir fatores orgânicos, como presença de infecções no trato urinário, que podem predispor a criança à enurese. Anormalidades obstrutivas estruturais podem estar presentes em até 3% das crianças com enurese aparente. Estudos radiográficos sofisticados são adiados em casos simples de enurese sem sinais de infecções repetidas ou outros problemas médicos. Diagnóstico diferencial Possíveis causas orgânicas devem ser excluídas. Aspectos orgânicos ocorrem com mais intensidade em crianças com enurese noturna e diurna associada a freqüência e urgência urinária. Os aspectos orgânicos incluem patologia geniturinária – estrutural, neurológica e infecciosa – como uropatia obstrutiva, espinha bífida oculta e cistite; outros transtornos orgânicos que podem causar poliúria e enurese, como diabete melito e diabete insípido; alterações da consciência e do sono, como convulsões, intoxicação e sonambulismo, durante o qual a criança urina; e efeitos adversos de tratamento com antipsicóticos (p. ex., tioridazina [Melleril]). Curso e prognóstico A enurese costuma ser autolimitada, e a criança pode, eventualmente, permanecer seca e sem seqüelas psiquiátricas. A maioria delas considera seus sintomas egodistônicos e apreciam a autoTABELA 47-2 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para enurese (não devida a uma condição médica geral) A. Repetida eliminação de urina na cama ou na roupa (involuntária ou intencional). B. O comportamento é clinicamente significativo, manifestado por uma freqüência de duas vezes por semana pelo período mínimo de 3 meses consecutivos ou pela presença de sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, acadêmico (ocupacional) ou outras áreas importantes da vida do indivíduo. C. Idade cronológica mínima de 5 anos (ou nível de desenvolvimento equivalente). D. O comportamento não se deve exclusivamente ao efeito fisiológico direto de uma substância (p. ex., diurético) ou de uma condição médica geral (p. ex., diabete, espinha bífida, transtorno convulsivo). Especificar tipo: Exclusivamente noturna Exclusivamente diurna Noturna e diurna De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
1340
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
estima aumentada e a confiança social melhorada quando se tornam continentes. Cerca de 80% das crianças afetadas nunca alcançaram o período de um ano sem os sintomas. Enurese após pelo menos um ano sem os sintomas começa entre as idades de 5 e 8 anos; se ocorrer muito mais tarde, em especial durante a idade adulta, causas orgânicas devem ser investigadas. Alguma evidência indica que início tardio de enurese em crianças está mais associado a uma dificuldade psiquiátrica concomitante do que a enurese sem pelo menos um ano livre de sintomas. Recaídas ocorrem entre aquelas que estão livrando-se dos sintomas de forma espontânea e aquelas que estão sendo tratadas. As dificuldades emocionais e sociais significativas de crianças enuréticas em geral incluem auto-imagem pobre, auto-estima diminuída, embaraço e restrição social e conflito intrafamiliar. Tratamento As modalidades de tratamento utilizadas com sucesso para enurese incluem intervenções comportamentais e farmacológicas. Uma taxa relativamente alta de remissão espontânea durante longos períodos também ocorre. O primeiro passo em qualquer plano de tratamento é rever o treinamento esfincteriano adequado. Se este não foi tentado, os pais e o paciente precisam ser orientados nessa tarefa. Manter um registro é útil para determinar um nível basal e acompanhar o progresso da criança, além de poder ser um reforçador. Um gráfico de estrelas pode ser bastante eficaz. Outras técnicas incluem restringir líquidos antes de dormir e tirar da cama durante a noite para treinar a criança. Terapia comportamental. Condicionamento clássico com a campainha e dispositivos de colchão costumam ser o tratamento mais efetivo para enurese, com sucesso em mais de 50% dos casos. O tratamento é efetivo para crianças com e sem transtornos mentais concomitantes, e não há evidência de substituição de sintoma. Dificuldades podem incluir criança e família não-submissas, uso inadequado do dispositivo e recaída. Treinamento da bexiga – encorajamento e recompensa por adiar a micção por tempos cada vez maiores durante horas de vigília – também tem sido utilizado. Ainda que às vezes efetivo, este método é inferior à campainha e ao colchão. Farmacoterapia. Medicação não é a primeira linha de tratamento para enurese e, em grande parte dos casos não é justificada. Quando o problema interfere de forma significativa no funcionamento da criança, diversos medicamentos podem ser considerados, ainda que o problema retorne assim que os mesmos sejam retirados. Imipramina (Tofranil) é eficaz e foi aprovada para uso no tratamento de enurese da infância em uma base de curto prazo. No início, até 30% dos pacientes enuréticos permanecem sem sintomas, e até 85% molham-se com menos freqüência do que antes do tratamento. O sucesso não costuma durar, entretanto, e a tolerância pode desenvolver-se após seis semanas de terapia. Uma vez interrompida a medicação, recaída e enurese nas freqüências anteriores retornam dentro de poucos meses. Os efeitos adversos do medicamento, que incluem cardiotoxicidade, também são um problema grave.
Os medicamentos tricíclicos não são mais usados com tanta freqüência para a enurese devido a seus riscos e a relatos de morte súbita em diversas crianças com transtorno de déficit de atenção/ hiperatividade que estavam tomando desipramina. A desmopressina (DDAVP), um composto antidiurético que está disponível como spray intranasal, mostrou algum sucesso inicial na redução da enurese, variando de 10 a 90%. Na maioria dos estudos a enurese voltou logo após a interrupção deste agente. Efeitos adversos que podem ocorrer com a desmopressina incluem dor de cabeça, congestão nasal, epistaxe e dor de estômago. O efeito adverso mais grave relatado com seu uso para este fim foi convulsão hiponatrêmica. Psicoterapia. Apesar de muitas teorias psicológicas e psicanalíticas em relação à enurese terem sido apresentadas, estudos controlados revelaram que psicoterapia sozinha não é um tratamento efetivo. Entretanto, pode ser útil para lidar com os problemas psiquiátricos coexistentes e com as dificuldades emocionais e familiares secundárias ao transtorno. CID-10 Na CID-10, a encoprese não-orgânica (Tab. 47-3) e a enurese nãoorgânica (Tab. 47-4) são classificadas como outros transtornos comportamentais e emocionais com início geralmente ocorrendo na infância ou na adolescência.
TABELA 47-3 Critérios diagnósticos da CID-10 para encoprese não-orgânica A. A criança repetidamente deixa passar fezes em lugares inadequados para o propósito (p.ex., roupas, chão) involuntariamente ou intencionalmente. (O transtorno pode envolver incontinência de transbordamento secundária à retenção fecal funcional.) B. A idade cronológica e mental da criança é de pelo menos 4 anos. C. Há pelo menos um evento encoprético por mês. D. A duração do transtorno é de pelo menos seis meses. E. Não há condição orgânica que constitua uma causa suficiente para os eventos encopréticos. Reimpressa, com permissão, da World Health Organization. The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural Disorders: Diagnostic Criteria for Research. Copyright, World Health Organization, Geneva, 1993.
TABELA 47-4 Critérios diagnósticos da CID-10 para enurese não-orgânica A. A idade cronológica e mental da criança é de pelo menos 5 anos. B. A evacuação involuntária ou intencional de urina na cama ou roupas ocorre pelo menos duas vezes por mês em crianças com menos de 7 anos de idade, e pelo menos uma vez por mês em crianças com 7 anos ou mais. C. A enurese não é conseqüência de ataques epiléticos ou de incontinência neurológica, e não é uma conseqüência direta de anormalidades estruturais do trato urinário ou de qualquer outra condição médica não-psiquiátrica. D. Não há evidência de qualquer outro transtorno psiquiátrico que satisfaça os critérios para outras categorias da CID-10. E. A duração do transtorno é de pelo menos três meses. Reimpressa, com permissão, da World Health Organization. The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural Disorders: Diagnostic Criteria for Research. Copyright, World Health Organization, Geneva, 1993.
TRANSTORNOS DA EXCREÇÃO
REFERÊNCIAS Beach PS, Beach RE, Smith LR. Hyponatremic in a child treated with desmopressin to control enuresis: a rational approach to fluid intake. Clin Pediatr. 1992;31:566. Cossio SE. Enuresis. South Med J. 2002;95:183. Eggert P. What’s new in enuresis? Acta Paediatr Taiwan. 2002;43:6. Loening-Baucke V. Modulation of abnormal defecation dynamics by biofeedback treatment in chronically constipated with encopresis. J Pediatr. 1990;116:214. Mikkelsen EJ. Elimination disorders. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2720.
1341
Mikkelsen EJ. Enuresis and encopresis: ten years of progress. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2001;40:1456. Rolands D, Stathopulu E. Social deprivation affects outcome of nocturnal enuresis. Br Med J. 2002;324:677A. Thompson S, Rey JM. Functional enuresis: is desmopressing the answer? J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1995;34:266. Van Kerrebropeck PE. Experience with the long-term use of desmopressin for nocturnal enuresis in children and adolescents. BJU Int. 2002;89:420. Von Gontard A, Lehmkuh A. Desmopressin side effects. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1996;35:129.
48 Outros transtornos da infância ou adolescência
48.1 Transtorno de ansiedade de separação Ansiedade de separação é um fenômeno do desenvolvimento humano universal que se manifesta em bebês com menos de 1 ano de idade e marca a consciência em relação à separação da mãe ou de um cuidador primário. Ansiedade de separação ou ansiedade a estranhos como tem sido denominada durante a infância, é uma parte esperada do desenvolvimento normal, considerada uma resposta de sobrevivência. A expressão de alguma ansiedade de separação também é normal em crianças pequenas que estão entrando na escola. Transtorno de ansiedade de separação, entretanto, é diagnosticado quando uma ansiedade inadequada e excessiva para o estágio de desenvolvimento surge em relação à separação da figura de ligação principal. De acordo com a revisão do texto da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR), esta condição requer a presença de pelo menos três sintomas relacionados à preocupação excessiva com separação das figuras de ligação principais. As preocupações podem tomar a forma de recusa em ir para a escola, medos e sofrimento no momento da separação, queixas repetidas de sintomas físicos, como dores de cabeça e de estômago, quando a separação é antecipada e pesadelos relacionados a questões de separação. Este é o único transtorno de ansiedade atualmente encontrado na seção do DSM-IV-TR dedicada a crianças e adolescentes. Crianças que são persistentemente mais ansiosas, em vários ambientes, do que outras da mesma idade em geral satisfazem os critérios para transtorno de ansiedade generalizada. Aquelas que sentem ansiedade significativa e evitação de situações sociais nas quais temem ser avaliadas/observadas pelos demais geralmente satisfazem os critérios diagnósticos para fobia social, que também se manifesta em adultos. Crianças e adolescentes podem ter ainda outros transtornos de ansiedade descritos entre os transtornos de adultos, segundo o DSM-IV-TR, incluindo fobia específica, transtorno de pânico, transtorno obsessivo-compulsivo e transtorno de estresse pós-traumático. EPIDEMIOLOGIA A prevalência de transtorno de ansiedade de separação é estimada em cerca de 4% das crianças e adolescentes. Ele é mais comum
entre crianças pequenas do que entre adolescentes e, segundo relatos, ocorre tanto em meninos como em meninas. O início pode ocorrer durante os anos pré-escolares, mas é mais comum em crianças de 7 a 8 anos de idade. A taxa de transtorno de ansiedade generalizada entre aquelas em idade escolar é estimada em cerca de 3%, a taxa de fobia social é de 1% e a taxa de fobias simples é de 2,4%. Em adolescentes, a prevalência ao longo da vida para transtorno de pânico foi estimada em 0,6%, enquanto para transtorno de ansiedade generalizada foi de 3,7%.
ETIOLOGIA Fatores biopsicossociais Crianças pequenas, imaturas e dependentes de uma figura materna são particularmente propensas à ansiedade excessiva associada à separação. A relação entre traços de temperamento e a predisposição a desenvolver sintomas de ansiedade foi investigada. Traços de temperamento relacionados à timidez excessiva com introspecção, em situações pouco familiares, parecem ser um padrão de resposta permanente, e crianças pequenas com estas características têm risco mais alto de desenvolver transtornos de ansiedade durante os anos seguintes. Há correlação neurofisiológica para a inibição comportamental (timidez extrema); crianças com tal característica apresentam taxa cardíaca de repouso mais alta e aceleração da taxa cardíaca em tarefas que requerem concentração cognitiva. Outras correlações fisiológicas para a inibição comportamental incluem níveis de cortisol salivar elevados, níveis de catecolamina urinária elevados e maior dilatação papilar durante tarefas cognitivas. A qualidade do vínculo materno também parece desempenhar um papel no desenvolvimento do transtorno de ansiedade. Mães com transtornos de ansiedade que apresentam ligação insegura com seus filhos tendem a ter filhos com taxas mais altas deste transtorno. É difícil separar a contribuição do relacionamento entre mãe e filho da possível contribuição genética. Famílias nas quais a criança manifesta transtorno de ansiedade de separação podem ser bastante ligadas e preocupadas, e os filhos com freqüência parecem ser objetos de excessiva preocupação. Estressores externos comumente coincidem com o desenvolvimento do transtorno. A morte de um familiar, a doença de um filho, uma alteração no ambiente da criança ou mudança para uma nova vizinhança ou tro-
OUTROS TRANSTORNOS DA INFÂNCIA OU ADOLESCÊNCIA
ca de escola tendem a ser observados nas histórias de crianças com transtorno de ansiedade de separação. Em crianças vulneráveis, estas mudanças provavelmente intensificam os sintomas ansiosos. Fatores aprendidos A ansiedade fóbica pode ser transmitida dos pais para os filhos por modelagem direta. Se um pai é “medroso”, é possível que o filho tenha uma adaptação fóbica a novas situações, em especial ao ambiente escolar. Alguns pais parecem ensinar seus filhos a serem ansiosos, superprotegendo-os de perigos esperados ou exagerando-os. Por exemplo, os pais que se escondem em um quarto durante uma tempestade ensinam o filho a fazer o mesmo. Os pais que têm medo de ratos ou insetos transmitem o pavor ao filho. Entretanto, o pai que fica irritado com o filho durante uma preocupação fóbica incipiente relacionada a animais pode inculcar uma preocupação fóbica na criança pela intensidade da raiva expressada.
1343
com o DSM-IV-TR, o transtorno também deve causar sofrimento ou prejuízo significativo no funcionamento (Tab. 48.1-1). A história do paciente pode revelar episódios importantes de separação quando a criança, em particular devido a doenças e hospitalizações, doença ou perda de um dos pais ou transferência geográfica. Os médicos precisam investigar o período da infância em busca de evidências de transtornos de separação-individuação ou da falta da figura de um cuidador adequado. Usar fantasias, sonhos e materiais de recreação e observar a criança ajudam a fazer o diagnóstico. Os médicos devem examinar não apenas o conteúdo do pensamento, mas também a forma com que os mesmos são expressos. Por exemplo, as crianças podem expressar medo de que seus pais morram, mesmo quando seu comportamento não mostra evidência de ansiedade. De maneira similar, a dificuldade da criança em descrever eventos ou a negação de eventos provocadores de ansiedade pode indicar o transtorno de ansiedade de separação. Dificuldades de memória na expressão de temas de separação e distorções evidentes na exposição destes podem dar indícios da presença do transtorno. O aspecto fundamental do transtorno de ansiedade de separação é a ansiedade extrema precipitada por separação dos pais,
Fatores genéticos A gama de características de temperamento relacionadas ao comportamento inibido, com timidez excessiva, tendência a retrair-se em situações desconhecidas e ansiedade de separação possivelmente têm uma contribuição genética. Estudos com famílias demonstraram que os filhos biológicos de adultos com transtornos de ansiedade são propensos a apresentar transtorno de ansiedade de separação na infância. Pais que têm transtorno de pânico com agorafobia parecem ter risco aumentado de terem filhos com transtorno de ansiedade de separação. Transtorno de ansiedade de separação e depressão em crianças sobrepõem-se, e alguns médicos consideram a ansiedade de separação um aspecto do transtorno depressivo. DIAGNÓSTICO E CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS Transtorno de ansiedade de separação é o transtorno de ansiedade mais comum na infância. Para satisfazer os critérios diagnósticos, de acordo com o DSM-IV-TR, o transtorno deve ser caracterizado por três dos seguintes sintomas, por pelo menos quatro semanas: preocupação persistente e excessiva acerca de possível perda ou perigos envolvendo figuras importantes de vinculação; preocupação persistente e intensa de que um evento indesejado leve à separação de uma figura importante de vinculação; relutância persistente ou recusa a ir para a escola ou a qualquer outro lugar em virtude do medo da separação; temor excessivo e persistente ou relutância em ficar sozinho ou sem as figuras importantes de vinculação em casa ou sem adultos significativos em outros contextos; relutância ou recusa persistente a ir dormir sem estar próximo a uma figura importante de vinculação ou a pernoitar longe de casa; pesadelos repetidos envolvendo o tema da separação; repetidas queixas de sintomas somáticos, incluindo cefaléias, dores abdominais, náusea ou vômitos, quando a separação de figuras importantes de vinculação ocorre ou é prevista; e sofrimento excessivo e recorrente resultante da ocorrência ou da previsão de afastamento de casa ou de figuras importantes de vinculação. De acordo
TABELA 48.1-1 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno de ansiedade de separação A. Ansiedade imprópria e excessiva em relação ao nível de desenvolvimento, envolvendo o afastamento do lar ou de figuras de vinculação, evidenciada por três (ou mais) dos seguintes aspectos: (1) sofrimento excessivo e recorrente frente à ocorrência ou previsão de afastamento de casa ou de figuras importantes de vinculação (2) preocupação persistente e excessiva acerca da possível perda ou perigos envolvendo figuras importantes de vinculação (3) preocupação persistente e excessiva de que um evento indesejado leve à separação de uma figura importante de vinculação (p. ex., perder-se ou ser seqüestrado) (4) relutância persistente ou recusa a ir para a escola ou a qualquer outro lugar, em virtude do medo da separação (5) temor excessivo e persistente ou relutância em ficar sozinho ou sem as figuras importantes de vinculação em casa ou sem adultos significativos em outros contextos (6) relutância ou recusa persistente a se recolher sem estar próximo a uma figura importante de vinculação ou a pernoitar longe de casa (7) pesadelos repetidos envolvendo o tema da separação (8) repetidas queixas de sintomas somáticos (tais como cefaléias, dores abdominais, náusea ou vômitos) quando a separação de figuras importantes de vinculação ocorre ou é prevista B. A perturbação tem duração mínima de quatro semanas. C. A perturbação inicia antes da idade de 18 anos. D. A perturbação causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, acadêmico (ocupacional) ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. E. A perturbação não ocorre exclusivamente durante o curso de um transtorno global do desenvolvimento, esquizofrenia ou outro transtorno psicótico e, em adolescentes e adultos, não é melhor explicada por transtorno de pânico com agorafobia. Especificar se: Início precoce: se o início ocorre antes dos 6 anos de idade. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
1344
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
de casa ou de outros ambientes familiares. A ansiedade pode chegar a terror ou pânico. O sofrimento é maior do que o esperado para o estágio de desenvolvimento da criança e não pode ser explicado por qualquer outro transtorno. Medos mórbidos, preocupações e ruminações caracterizam o transtorno de ansiedade de separação. Crianças afetadas temem que alguém próximo seja ferido ou que alguma coisa terrível lhes aconteça quando estiverem longe de figuras importantes. Muitas preocupam-se com o fato de que elas ou seus pais sofram um acidente ou fiquem doentes. Medo de perderem-se e de serem raptadas e de nunca mais encontrar seus pais são comuns. Adolescentes podem não expressar diretamente qualquer preocupação ansiosa em relação à separação de seus cuidadores. Entretanto, seus padrões de comportamento tendem a refletir a ansiedade de separação na medida em que expressam desconforto em sair de casa, em dedicar-se a atividades solitárias e continuam a usar a figura do cuidador como auxiliar para comprar roupas e iniciar atividades sociais e recreativas. Transtorno de ansiedade de separação em crianças em geral é manifestado ao cogitar uma viagem ou no decorrer de uma viagem para longe de casa. As crianças podem recusar-se a ir para acampamentos, para uma nova escola ou mesmo para a casa de um amigo. Com freqüência, há um continuum entre ansiedade antecipatória leve antes da separação de uma figura importante e ansiedade disfuncional, após a separação ter ocorrido. Os sinais premonitórios incluem irritabilidade, dificuldade para comer, queixas, ficar no quarto sozinho, agarrar-se aos pais e seguir um dos pais por toda a parte. Muitas vezes, quando a família se muda, a criança demonstra a ansiedade de separação por meio de apego intenso à figura materna. É comum a ansiedade de transferência geográfica ser expressa por sentimentos de saudade aguda ou por sintomas psicológicos que irrompem quando a criança está longe de casa ou indo para um novo país. A criança anseia voltar para a casa e demonstra fantasias acerca do quanto a antiga casa era melhor. A integração à nova situação de vida pode tornar-se extremamente difícil. Dificuldades de sono são freqüentes e podem exigir que alguém permaneça com a criança até ela adormecer. Além disso, ela pode ir para a cama dos pais ou até dormir na porta dos pais quando o quarto estiver fechado. Pesadelos e medos mórbidos também são expressões de ansiedade. Os aspectos associados incluem medo do escuro e preocupações imaginárias, bizarras. As crianças podem ver olhos arregalados e ficar preocupadas com figuras míticas ou monstros tentando agarrá-las. Muitas delas são solicitantes, metem-se nos assuntos dos adultos e requerem atenção constante para acalmar suas ansiedades. Os sintomas surgem quando a separação de uma figura parental importante torna-se necessária. Se houver ameaça de separação, muitas crianças com o transtorno não expressam dificuldades interpessoais. Elas podem, entretanto, parecer tristes e chorar com facilidade. Às vezes, queixam-se de que não são amadas, expressam desejo de morrer ou reclamam que os irmãos são mais favorecidos do que elas. É comum apresentarem sintomas gastrintestinais, náusea, vômitos e dores de estômago, bem como dores em várias partes do corpo, dores de garganta e sintomas de gripe. Entre crianças mais velhas, sintomas cardiovasculares e respiratórios típicos – palpitações, tontura, desmaio e sufocação – são relatados. O transtorno de ansiedade
mais comum que coexiste com transtorno de ansiedade de separação é a fobia específica, que ocorre em cerca de um terço dos casos referidos. Tony é um menino de 6 anos que foi encaminhado devido à recusa persistente em freqüentar a escola. Ele sempre foi uma criança um pouco “grudada”, mas suas dificuldades tinham se intensificado nos últimos quatro meses. O menino seguia seus pais pela casa e se recusava a sair do lado deles em pracinhas ou em outras situações na quais a separação seria adequada à idade. Tal comportamento era pior se ele não pudesse mantê-los sempre à vista. Ele dizia que poderia ser raptado ou perder-se se os pais saíssem de sua vista. Tony tinha acessos de raiva sempre que eles tentavam sair à noite, dizendo que os mesmos não voltariam. Quando forçado a realizar qualquer atividade que implicasse separação, queixava-se de vários sintomas somáticos até que um de seus pais permanecesse com ele. A gestação fora interrompida por parto cesariano em função de ruptura prematura de membranas na 34a semana de gestação. O período perinatal foi complicado por sofrimento respiratório moderado que necessitou de hospitalização por mais de três semanas. A avaliação dos sintomas somáticos recentes revelou uma criança normal, exceto pelas queixas psiquiátricas. Seu desenvolvimento precoce tinha sido normal. A préescola foi tentada, mas sua mãe o tinha retirado porque ele chorava no início de cada dia e agredia os colegas menores. Ela participava como assistente na classe da pré-escola, declarando que estava tentando ajudar o filho a ajustar-se à escola. Seus colegas iam brincar em sua casa, mas ele apenas ia à casa deles com um dos pais. A história familiar era positiva para transtorno depressivo maior recorrente materno, em remissão, e história de transtorno de pânico na avó materna de Tony. Seu avô materno e um tio paterno era dependente de álcool. Os pais de Tony estavam ambos na casa dos 30 anos e tinham formação universitária. O pai trabalhava como gerente assistente em uma pequena firma de prestação de serviços; a mãe tinha trabalhado como contadora até Tony nascer. Eles afirmavam que a mãe teria voltado a trabalhar se o menino tivesse se adaptado à pré-escola. Suas dificuldades estavam prejudicando o casamento, já que ele insistia em dormir na cama dos pais. A mãe queria voltar ao mercado de trabalho e considerava que a ansiedade de separação de Tony impedia isso. Não havia sugestão de violência doméstica. O exame do estado mental revelou um menino magro, bem-vestido, que tinha grande dificuldade em permitir que sua mãe ficasse em uma cadeira fora do consultório. Ele insistiu em verificar duas vezes para ver se ela estava lá. Era inquieto e admitia sentir-se muito preocupado com o fato de que sua mãe fosse embora. O menino dizia que aquele tipo de preocupação era tão ruim que ele nem conseguia pensar. O mesmo negava humor deprimido ou sintomas como irritabilidade. Negava alucinações e não tinha nenhuma idéia delirante. Ele dizia que gostava de seus amigos e que sua professora era “legal”, mas que se preocupava com sua mãe quando estava longe dela.
OUTROS TRANSTORNOS DA INFÂNCIA OU ADOLESCÊNCIA
Uma exploração mais detalhada da situação familiar revelou que seu avô materno tinha morrido dois anos antes. Sua avó, que morava perto, tinha sido agorafóbica até há pouco tempo e fora dependente da mãe do paciente, o que havia causado atrito conjugal significativo. O pai de Tony esperava que a mãe voltasse a trabalhar, a fim de que ele pudesse voltar a estudar e deixar o trabalho que detestava. Quando ela tentou forçar Tony a ir para a escola, a avó tinha vindo para a casa para ajudar e havia encorajado a mãe a “ir com calma com a criança”. A mãe tinha ficado irritada, se arrependido e se sentido culpada por suas interações com sua mãe e seu filho. A avó tinha também repreendido a mãe dizendo que ela precisava ficar em casa para cuidar do filho necessitado e frágil, que havia sido prematuro. O tratamento focalizou-se em unir os adultos para desenvolver um programa de apoio para a criança e para dar à avó um papel adequado, a fim de ajudar sua filha e seu genro a prosseguir com suas vidas. A avó apoiou o retorno de Tony à sala de aula quando entendeu as questões e a abordagem. Isso foi realizado sem tratar ou interpretar diretamente sua identificação com a ansiedade de separação do neto. A mãe voltou a trabalhar, com a avó cuidando da criança após a escola. Tony também respondeu bem a uma abordagem baseada em um programa de recompensa simples, para dormir em seu próprio quarto. Infelizmente, sete anos mais tarde, quando Tony era um aluno e atleta muito bom e popular, desenvolveu transtorno depressivo maior. No entanto, respondeu de forma satisfatória ao tratamento com fluoxetina e à terapia cognitiva. (Cortesia de Carrie Sylvester, M.D.)
1345
Patologia e exame laboratorial Nenhuma medida laboratorial específica ajuda no diagnóstico de transtorno de ansiedade de separação. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Alguma ansiedade de separação é um fenômeno normal, o julgamento clínico deve ser utilizado para identificar quando a ansiedade é normal ou quando há um transtorno de ansiedade de separação. No transtorno de ansiedade generalizada, a ansiedade não está focalizada na separação. Nos transtornos globais do desenvolvimento e na esquizofrenia, a ansiedade em relação à separação pode ocorrer, mas é considerada uma conseqüência dessas condições, não um transtorno independente. Nos transtornos depressivos em crianças, o diagnóstico de transtorno de ansiedade de separação também deve ser feito quando os critérios para ambos os transtornos são satisfeitos, os dois diagnósticos muitas vezes coexistem. Transtorno de pânico com agorafobia não costuma ocorrer antes dos 18 anos de idade; o medo é de ser incapacitado por um ataque de pânico mais do que de separar-se de figuras parentais. Em adultos, entretanto, muitos sintomas de transtorno de ansiedade de separação podem estar presentes. No transtorno da conduta, “matar aula” é comum, mas as crianças permanecem longe de casa e não apresentam ansiedade de separação. Recusa escolar é um sintoma freqüente no transtorno de ansiedade de separação, mas não é patognomônico dele. Crianças com outros diagnósticos, como fobias, também podem apresentar recusa escolar; nestes casos, a idade de início pode ser tardia e a recusa pode ser mais grave do que no transtorno de ansiedade de separação. Características comuns de transtornos de ansiedade específicos que ocorrem em crianças são apresentadas na Tabela 48.1-2.
TABELA 48.1-2 Características comuns de transtornos de ansiedade específicos que ocorrem em crianças Critérios Duração mínima para estabelecer diagnóstico Idade de início Estressores precipitantes Relacionamentos com iguais Sono Sintomas psicofisiológicos Diagnóstico diferencial
Transtorno de ansiedade de separação
Fobia social
Transtorno de ansiedade generalizada
Pelo menos quatro semanas
Sem um mínimo
Pelo menos seis meses
Pré-escola a 18 anos Separação de figuras parentais significativas, outras perdas, viagem Bom, quando não há separação envolvida
Não-especificada Pressão para participação social com o grupo de iguais
Relutância ou recusa em ir dormir, medo do escuro, pesadelos Queixas de dores de estômago, náuseas, vômitos, sintomas de gripe, cefaléias, palpitações, tonturas, desmaios Transtorno de ansiedade generalizada, esquizofrenia, transtornos depressivos, transtorno da conduta, transtornos globais do desenvolvimento, transtorno depressivo maior, transtorno de pânico com agorafobia
Dificuldade para adormecer, às vezes Rubor facial, tensão corporal
Não-especificada Pressão incomum relacionada a desempenho, dano à auto-estima, sentimentos de falta de competência Excessivamente ansioso por agradar, procuram companheiros e estabelecem relacionamentos dependentes Dificuldade para adormecer
Adaptada de Sidney Werkman, M.D.
Faz tentativas, excessivamente tímido
Transtorno de adaptação com humor deprimido, transtorno de ansiedade generalizada, transtorno de ansiedade de separação, transtorno depressivo maior, transtorno distímico, transtorno da personalidade esquiva, transtorno de personalidade borderline
Dores de estômago, náusea, vômitos, bolo na garganta, respiração curta, tontura, palpitações Transtorno de ansiedade de separação, transtorno de déficit de atenção/ hiperatividade, fobia social, transtorno de adaptação com ansiedade, transtorno obsessivo-compulsivo, transtornos psicóticos, transtornos do humor
1346
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
CURSO E PROGNÓSTICO O curso e o prognóstico do transtorno de ansiedade de separação são variados e estão relacionados à idade de início, à duração dos sintomas e ao desenvolvimento de transtornos de ansiedade e depressivos co-mórbidos. Crianças pequenas que apresentam o transtorno, mas conseguem continuar freqüentando a escola, em geral têm melhor prognóstico do que adolescentes que se recusam a freqüentar a escola por longos períodos. Um estudo de acompanhamento de crianças e adolescentes com transtornos de ansiedade, durante um período de três anos, relatou que até 82% não satisfaziam mais os critérios para o transtorno de ansiedade no decorrer do período. No grupo acompanhado, 96% daqueles com transtorno de ansiedade de separação tiveram remissão dos sintomas durante o acompanhamento. A maioria das crianças que se recuperou o fez dentro do primeiro ano. Idade de início dos sintomas precoce e idade mais tardia no diagnóstico foram fatores de risco para recuperação mais lenta. Perto de um terço dos indivíduos do grupo estudado, entretanto, desenvolvem outro transtorno psiquiátrico dentro do período de acompanhamento, 50% deles desenvolvem outro transtorno de ansiedade. Relatos têm indicado uma sobreposição significativa de transtorno de ansiedade de separação e transtornos depressivos. Nestes casos, o prognóstico é reservado. A maioria dos estudos de acompanhamento apresenta problemas metodológicos e limita-se a acompanhar crianças com fobia escolar, hospitalizadas, e não crianças com apenas transtorno de ansiedade de separação. Há poucos relatos sobre o curso de casos leves, que em geral recebem acompanhamento ambulatorial ou não fazem qualquer tratamento. Não obstante as limitações dos estudos, relatos indicam que algumas crianças com fobia escolar grave continuam resistindo a freqüentar a escola por muitos anos. Durante a década de 1970, foi relatado que muitas mulheres adultas com agorafobia haviam sofrido de transtorno de ansiedade de separação na infância. Apesar de pesquisas indicarem que muitas crianças com transtorno de ansiedade têm risco aumentado para desenvolver um transtorno de ansiedade na idade adulta, a relação entre transtorno de ansiedade de separação na infância e agorafobia na idade adulta não foi estabelecida de forma clara. Estudos indicam que pais ansiosos apresentam um risco aumentado de terem filhos com transtornos de ansiedade. Além disso, nos últimos anos, alguns casos de crianças com transtorno de pânico e transtorno de ansiedade de separação têm sido relatados. TRATAMENTO Um plano de tratamento múltiplo, incluindo terapia cognitivocomportamental, educação familiar e intervenção psicossocial familiar é recomendado na abordagem inicial do transtorno de ansiedade de separação. Recomendam-se intervenções farmacológicas, quando estratégias adicionais são necessárias para controlar os sintomas. A terapia cognitivo-comportamental tem sido considerada a primeira escolha para o tratamento de diversos transtornos de ansiedade na infância, incluindo o transtorno de ansiedade de separação. Estratégias cognitivas específicas e exercícios de relaxamento fazem parte do tratamento, propiciando à criança o desenvolvimento de mecanismos para controlar a ansiedade.
Abordagens familiares podem ser fundamentais no tratamento do transtorno de ansiedade de separação, em especial para crianças que se recusam a freqüentar a escola, de modo que o encorajamento firme da freqüência à escola seja mantido, enquanto um apoio adequado também é fornecido. Um estudo clínico recente controlado por placebo revelou que farmacoterapia com inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs) são eficazes no tratamento de transtornos de ansiedade em crianças. Os agentes farmacológicos de primeira linha mais recomendados incluem fluoxetina, fluvoxamina, sertralina, paroxetina e citalopram. Medicamentos tricíclicos não são mais recomendados para esse fim, devido a seus efeitos cardíacos adversos potencialmente graves. Antagonistas dos receptores β-adrenérgicos, como o propranolol e a buspirona, foram usados clinicamente em crianças com transtornos de ansiedade, mas no momento não há dados apoiando sua eficácia. A difenidramina pode ser utilizada a curto prazo para controlar transtornos do sono em crianças com transtornos de ansiedade. Estudos abertos e um estudo clínico duplo-cego controlado por placebo sugeriram que o alprazolam, um benzodiazepínico, pode ajudar a reduzir os sintomas de ansiedade no transtorno de ansiedade de separação. O clonazepam foi avaliado em estudos abertos, podendo ser útil no controle de sintomas de pânico e outros sintomas de ansiedade. A recusa escolar associada a transtorno de ansiedade de separação pode ser considerada uma emergência psiquiátrica. Um plano de tratamento abrangente envolve a criança, os pais, os colegas e a escola da criança. A criança deve ser encorajada a freqüentar a escola, mas quando um dia de aula representar algo devastador, deve ser estabelecido um programa para que ela possa aumentar de forma progressiva o tempo passado na escola. Contato gradual com o objeto que gera ansiedade é uma forma de modificação de comportamento que pode ser aplicada a qualquer tipo de ansiedade de separação. Alguns casos graves de recusa escolar requerem hospitalização. Modalidades cognitivo-comportamentais podem ser usadas na psicoterapia, incluindo exposição a separações temidas e estratégias cognitivas, como manter os objetivos traçados, a fim de melhorar o senso de autonomia e domínio. CID-10 A décima revisão da Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-10) inclui uma categoria para transtornos emocionais com início específico na infância que contém cinco transtornos de ansiedade específicos com início na infância e um diagnóstico residual (Tab. 48.1-3). De acordo com esta classificação, existem diversas razões para diferenciar transtornos emocionais específicos da infância e da adolescência e aqueles da idade adulta. Primeiro, pesquisas têm mostrado de forma consistente que a maioria das crianças com transtornos emocionais tornam-se adultos normais, e que muitas dessas condições têm início na idade adulta e não possuem precursores na infância. Segundo, vários transtornos emocionais da infância parecem mais uma exacerbação das características do estágio do desenvolvimento normal daquela criança, do que propriamente um comportamento anormal. Terceiro, acredita-se que os mecanismos mentais dos transtornos emocionais na infância sejam diferentes daqueles dos transtornos na
OUTROS TRANSTORNOS DA INFÂNCIA OU ADOLESCÊNCIA
1347
TABELA 48.1-3 Critérios diagnósticos da CID-10 para transtornos emocionais com início especificamente na infância
Nota. Transtorno fóbico-ansioso na infância, transtorno de ansiedade social na infância, e transtorno de ansiedade generalizada na infância têm semelhanças óbvias com alguns dos transtornos neuróticos, relacionados a estresse e somatoformes, mas evidências atuais sugerem que há diferenças suficientes nas formas de apresentação dos transtornos de ansiedade na infância para que categorias adicionais sejam fornecidas. Novos estudos deveriam mostrar se podem ser desenvolvidas descrições e definições que possam ser usadas satisfatoriamente tanto para adultos como para crianças, ou se a atual diferenciação deveria ser preservada. Transtorno de ansiedade de separação na infância A. Pelo menos três dos seguintes devem estar presentes: (1) preocupação irreal e persistente sobre possível dano acontecendo a figuras de ligação ou sobre a perda destas figuras (p. ex., medo de que eles saiam e não voltem ou de que a criança não os veja novamente), ou preocupações persistentes sobre a morte de figuras de ligação; (2) preocupação irrealística e persistente de que algum evento adverso irá separar a criança de uma figura de ligação importante (p. ex., a criança perder-se, ser raptada, internada em hospital ou morta); (3) relutância ou recusa persistente em ir para a escola devido a medo de separação de uma figura de ligação importante ou a fim de ficar em casa (e não por outras razões como medo em relação a acontecimentos na escola); (4) dificuldade em separar-se à noite, conforme manifestado por qualquer um dos seguintes: (a) relutância ou recusa persistente em ir dormir sem estar perto de uma figura de ligação; (b) levanta-se freqüentemente à noite para verificar ou dormir próximo a uma figura de ligação; (c) relutância ou recusa persistente em dormir fora de casa (5) medo inadequado persistente de ficar sozinho, ou de outro modo sem a figura de ligação importante, em casa durante o dia; (6) pesadelos repetidos envolvendo temas de separação; (7) ocorrência repetida de sintomas físicos (tais como náusea, dor de estômago, cefaléia ou vômito) em ocasiões que envolvam separação de uma figura de ligação importante, tais como sair de casa para ir à escola ou em outras ocasiões envolvendo separação (férias, acampamentos, etc.). (8) sofrimento excessivo, recorrente, em antecipação de, durante, ou imediatamente após separação de uma figura de ligação importante (conforme demonstrado por: ansiedade, choro, acessos de raiva; relutância persistente em ficar longe de casa; necessidade excessiva de falar com os pais ou desejo de voltar para casa; angústia, apatia ou retraimento social). B. Os critérios para transtorno de ansiedade generalizada da infância não são satisfeitos. C. O início é antes dos 6 anos de idade. D. O transtorno não ocorre como parte de um distúrbio mais amplo das emoções, conduta ou personalidade ou de um transtorno global do desenvolvimento, transtorno psicótico ou transtorno por uso de substância psicoativa. E. A duração do transtorno é de pelo menos quatro semanas. Transtorno de ansiedade fóbica da infância A. O indivíduo manifesta medo persistente ou recorrente (fobia) que é inadequado à fase do desenvolvimento (ou era no momento do início) mas que é de grau anormal e está associado com prejuízo social significativo. B. Os critérios para transtorno de ansiedade generalizada da infância não são satisfeitos. C. O transtorno não ocorre como parte de um distúrbio mais amplo das emoções, da conduta ou da personalidade ou de um trans-
torno global do desenvolvimento, transtorno psicótico ou transtorno por uso de substância psicoativa. D. A duração do transtorno é de pelo menos quatro semanas. Transtorno de ansiedade social da infância A. Ansiedade persistente em situações sociais nas quais a criança é exposta a pessoas desconhecidas, incluindo iguais, manifestada por comportamento socialmente esquivo. B. A criança exibe constrangimento, embaraço ou preocupação excessiva sobre a adequação de seu comportamento ao interagir com figuras desconhecidas. C. Há interferência significativa nos relacionamentos sociais (incluindo iguais), que são, conseqüentemente, limitados; quando situações sociais novas ou forçadas são vivenciadas, elas causam sofrimento e desconforto acentuados conforme manifestado por choro, ausência de fala espontânea ou afastamento da situação social. D. A criança tem relacionamentos sociais satisfatórios com figuras familiares (membros da família ou iguais que ela conhece bem). E. O início do transtorno geralmente coincide com uma fase do desenvolvimento na qual estas reações de ansiedade são consideradas apropriadas. O grau anormal, persistência com o passar do tempo e prejuízo associado deve ser manifestado antes dos 6 anos de idade. F. Os critérios para transtorno de ansiedade generalizada da infância não são satisfeitos. G. O transtorno não ocorre como parte de distúrbios mais amplos das emoções, da conduta ou da personalidade ou de um transtorno global do desenvolvimento, transtorno psicótico ou transtorno por uso de substância psicoativa. H. A duração do transtorno é de pelo menos quatro semanas. Transtorno de rivalidade de irmãos A. A criança tem sentimentos negativos anormalmente intensos em relação a um irmão imediatamente mais jovem. B. O distúrbio emocional é demonstrado por regressão, acessos de raiva, disforia, dificuldades de sono, comportamento de oposição ou comportamento de busca de atenção com um ou ambos os pais (dois ou mais destes devem estar presentes). C. O início é dentro de seis meses do nascimento de um irmão imediatamente mais jovem. D. A duração do transtorno é de pelo menos quatro semanas. Outros transtornos emocionais da infância Transtorno de ansiedade generalizada da infância
Nota: Em crianças e adolescentes, a gama de queixas pelas quais a ansiedade generalizada é manifestada é freqüentemente mais limitada do que em adultos (ver Transtorno de ansiedade generalizada), e os sintomas específicos de excitação autônoma são freqüentemente menos proeminentes. Para estes indivíduos o seguinte conjunto de critérios alternativos pode ser usado, se preferido: A. Ansiedade e preocupação extensivas (expectativa apreensiva) ocorrem em pelo menos metade do número total de dias durante um período de pelo menos seis meses, a ansiedade e preocupação referindo-se a pelo menos diversos eventos ou atividades (tal como desempenho profissional ou escolar). B. O indivíduo acha difícil controlar a preocupação. C. A ansiedade e a preocupação estão associadas com pelo menos três dos seguintes sintomas (com pelo menos dois sintomas presentes em pelo menos metade do número total de dias): (1) inquietação, sentimento de estar “ligado” ou “nervoso” (conforme demonstrado, por exemplo, por sentimentos de tensão mental combinada com a incapacidade de relaxar);
(Continua)
1348
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 48.1-3 (continuação) (2) sentir-se cansado, “esgotado,” ou facilmente exaurido devido à preocupação ou ansiedade; (3) dificuldade para concentrar-se, ou um “branco” na mente; (4) Irritabilidade; (5) tensão muscular; (6) distúrbio de sono (dificuldade para adormecer ou permanecer dormindo, ou sono inquieto, insatisfatório) devido a preocupação e ansiedade. D. As múltiplas ansiedades e preocupações ocorrem em pelo menos duas situações, atividades, contextos ou circunstâncias. A ansiedade generalizada não se apresenta como episódios paroxísticos distintos (como no transtorno de pânico), nem são as preocupações principais limitadas a um tema único, importante (como no transtorno de ansiedade de separação ou transtorno fóbico da infância). (Quando ansiedade mais focalizada é identi-
ficada no contexto mais amplo de uma ansiedade generalizada, transtorno de ansiedade generalizada tem precedência sobre outros transtornos de ansiedade.) E. O início ocorre na infância ou adolescência (antes da idade de 18 anos). F. A ansiedade, preocupação ou sintomas físicos causam sofrimento ou prejuízo clinicamente significativo em áreas sociais, ocupacionais ou outras áreas importantes de funcionamento. G. O transtorno não é devido aos efeitos diretos de uma substância (p. ex., substâncias psicoativas, medicação) ou a uma condição médica geral (p. ex., hipertireoidismo) e não ocorre exclusivamente durante um transtorno do humor, transtorno psicótico ou transtorno global do desenvolvimento. Transtorno emocional da infância, inespecificado
Reimpressa, com permissão, da World Health Organization. The ICD-10 Classification of Mental Behavioural Disorders: Diagnostic Criteria for Research. Copyright, World Health Organization, Geneva, 1993.
vida adulta, esta hipótese, entretanto, não foi empiricamente testada. Por fim, a separação dos transtornos emocionais da infância em categorias específicas, como transtornos fóbicos ou obsessivos, é menos clara, dados epidemiológicos sugerem que esta distinção é apenas relativa, muitas vezes é difícil também diferenciar os transtornos na vida adulta. Assim, o segundo fator citado, adequação ao estágio desenvolvimental, é o fator-chave no diagnóstico diferencial entre os transtornos emocionais com início especificamente na infância e os transtornos neuróticos em geral; alguma evidência empírica apóia tal hipótese.
REFERÊNCIAS Allen AJ, Leonard H, Swedo SE. Current knowledge of medications for the treatment of childhood anxiety disorders. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1995;34:976. Barrett PM, Duffy Al, Dadds MR, Rapee RM. Cognitive-behavioral treatment of anxiety disorders in children: long-term (6 year) follow-up. J Consult Clin Psychol. 2001;69:135. Bernstein GA, Borchardt CM, Perwien AR. Anxiety disorders in children and adolescents: a review of the past 10 years. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1996;35:1110. Birmaher B, Waterman GS, Ryan N. Fluoxetine for childhood anxiety disorders. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1994;33:993. Bradley SJ, Hood L. Psychiatrically referred adolescents with panic attacks: presenting symptoms stressors, and comorbidity. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1993;32:826. Cheer SM, Figgitt DP. Spotlight on fluvoxamine in anxiety disorders in children and adolescents. CNS Drugs. 2002;16:139. Coyle JT. Drug treatment of anxiety disorders in children. N Engl J Med. 2001;344:1326. Gittelman R, ed. Anxiety Disorders of Children. New York: Guilford Press; 1986. Kashani JH, Orveschel H. A community study of anxiety in children and adolescents. Am J Psychiatry. 1990;147:313. Kranzler HR. Use of buspirone in an adolescent with overanxious disorder. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1988;27:789. Last CG, Perrin S, Hersen M, Krazdin AE. DSM-III-R anxiety disorders in children: sociodemographic and clinical characteristics.J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1992;31:1070. Last CG, Strauss CC. School refusal in anxiety-disordered children and adolescents. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1990;29:31.
Liebowitz MR, Stein MG, Tancer M, Carpenter D, Oakes R, Pitts CD. A randomized, double-blind, fixed dose comparison of paroxetine and placebo in the treatment of generalized social anxiety disorder. J Clin Psychiatry. 2002;63:66. Manassis K, Bradley S, Goldberg S, Hood J, Swinson RP. Behavioral inhibition, attachment and anxiety in children of mothers with anxiety disorders. Can J Psychiatry. 1995;40:87. The Research Unit on Pediatric Psychopharmacology Anxiety Study Group. Fluvoxamine for the treatment of anxiety disorders in children. N Engl J Med. 2001;344:1279. Sylvester C. Separation anxiety disorder and other anxiety disorders. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2770.
48.2 Mutismo seletivo Mutismo seletivo é uma condição da infância na qual a criança permanece completamente muda ou quase muda em situações sociais, mais comumente na escola. A maioria daquelas com o transtorno fica completamente muda durante situações de estresse, enquanto outras sussurram ou usam palavras monossilábicas. Crianças com mutismo seletivo podem falar de maneira adequada quando não estão em uma situação socialmente estressante. Algumas delas comunicam-se por contato visual ou gestos nãoverbais. Em outras situações, como em casa e em ambientes familiares, sua fala é fluente. Acredita-se que o mutismo seletivo seja uma forma de fobia social devido à sua expressão em situações sociais específicas. EPIDEMIOLOGIA A prevalência estimada de mutismo seletivo é de 3 a 8 por 10 mil crianças. Levantamentos mais recentes indicam que ele pode ser mais comum, ocorrendo em mais de 0,5% das crianças em idade escolar. Crianças pequenas são mais vulneráveis ao transtorno do que as mais velhas. A condição parece ser mais comum em meninas do que em meninos.
OUTROS TRANSTORNOS DA INFÂNCIA OU ADOLESCÊNCIA
ETIOLOGIA Ainda que o mutismo seletivo seja uma inibição ou recusa em falar determinada por fatores psicológicos, muitas crianças com o transtorno têm histórias de atraso no início da fala ou anormalidades associadas que podem contribuir com o problema. Em estudo recente, 90% das crianças com mutismo seletivo satisfaziam os critérios diagnósticos para fobia social. Elas apresentavam altos níveis de ansiedade social sem psicopatologia notável em outras áreas, de acordo com avaliações de pais e professores. Portanto, mutismo seletivo pode não representar um transtorno distinto, podendo ser melhor conceituado como um subtipo de fobia social. Semelhante a famílias com crianças que exibem outros transtornos de ansiedade, ansiedade materna, depressão e níveis aumentados de dependência costumam ser observados em famílias de crianças com mutismo seletivo. Esses fatores podem resultar em superproteção materna e em relacionamento excessivamente íntimo, mas ambivalente, entre a mãe e seu filho com mutismo seletivo. Crianças afetadas em geral falam livremente em casa, não apresentando incapacidade biológica significativa. Algumas parecem predispostas a mutismo seletivo após trauma emocional ou físico precoce, alguns médicos referem-se a este fenômeno como mutismo traumático, e não como mutismo seletivo.
DIAGNÓSTICO E CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS Os critérios diagnósticos da revisão do texto da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSMIV-TR) são apresentados na Tabela 48.2-1. O diagnóstico de mutismo seletivo não é difícil de fazer após ficar claro que a criança tem habilidades de linguagem adequadas em alguns ambientes, mas não em outros. O problema pode desenvolver-se de forma gradual ou súbita após uma experiência perturbadora. A idade de início pode variar de 4 a 8 anos. Períodos de mutismo são manifestados com freqüência maior na escola ou fora de casa; em casos raros, a criança fica muda em casa, mas não na escola. Aquelas que exibem mutismo seletivo também podem ter transtorno de ansiedade de separação, recusa escolar e atraso na aquisição da linguagem. Visto que ansiedade social está
TABELA 48.2-1 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para mutismo seletivo A. Fracasso persistente para falar em situações sociais específicas (nas quais existe a expectativa para falar, p. ex., na escola), apesar de fazê-lo em outras situações. B. A perturbação interfere na realização educacional ou ocupacional ou na comunicação social. C. Duração mínima de 1 mês (não limitada ao primeiro mês de escola). D. O fracasso para falar não se deve a um desconhecimento ou desconforto com o idioma exigido pela situação social. E. A perturbação não é melhor explicada por um transtorno da comunicação (p. ex., tartamudez), nem ocorre exclusivamente durante o curso de um transtorno global do desenvolvimento, esquizofrenia ou outro transtorno psicótico. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
1349
quase sempre presente em crianças com mutismo seletivo, alterações comportamentais, como “acessos de raiva” e comportamentos de oposição também podem ocorrer em casa. Patologia e exame laboratorial Nenhuma medida laboratorial específica é útil no diagnóstico ou no tratamento de mutismo seletivo. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Crianças tímidas podem exibir uma mudez transitória em situações novas, que geram ansiedade. Estas crianças com freqüência têm histórias de não falar na presença de estranhos e de agarrar-se às mães. A maioria daquelas que ficam mudas ao ingressarem na escola melhoram de forma espontânea e podem ser descritas como tendo timidez adaptativa transitória. Mutismo seletivo também deve ser diferenciado de retardo mental, transtorno global do desenvolvimento e transtorno da linguagem expressiva. Nestes casos, os sintomas são difundidos e não há uma situação cuja comunicação seja normal, a criança apresenta mais uma incapacidade do que uma recusa em falar. No mutismo secundário a transtorno conversivo, o mutismo é global. Crianças introduzidas a um ambiente no qual uma língua diferente é falada podem ficar relutantes em começar a usar a nova língua. Mutismo seletivo deve ser diagnosticado apenas quando as crianças também se recusam a conversar em suas línguas nativas e quando alcançaram competência comunicativa na nova língua, mas se recusam a usá-la. CURSO E PROGNÓSTICO Apesar de crianças com mutismo seletivo muitas vezes serem tímidas demais durante os anos pré-escolares, o início do transtorno costuma ocorrer aos 5 ou 6 anos. O padrão mais comum é que as crianças falam quase exclusivamente em casa com a família nuclear, mas não em outro lugar, em especial na escola. Como conseqüência, podem ter dificuldades acadêmicas e até repetir o ano letivo. Crianças com mutismo seletivo em geral são tímidas, ansiosas e vulneráveis ao desenvolvimento de depressão. A maioria daquelas com formas leves de transtorno de ansiedade, incluindo mutismo seletivo, supera o problema com ou sem tratamento. Pesquisas recentes sugerem que a fluoxetina pode influenciar no curso do mutismo seletivo, melhorando a recuperação. Quando há persistência dos sintomas, as crianças apresentam dificuldades nos relacionamentos interpessoais. Freqüentemente, são ridicularizadas pelos pares e viram o “bode-expiatório”, o que pode levar à recusa em freqüentar a escola. Algumas com fobia social grave são caracterizadas por rigidez emocional, traços compulsivos, negativismo, “acessos de raiva” e comportamento opositor e agressivo em casa. Outras toleram a situação temida melhor, comunicando-se por gestos como balançar a cabeça e expressões como “Um-hum” ou “Não”. A duração da doença costuma ser de
1350
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
algumas semanas ou meses, alguns casos podem persistir por anos. Em um estudo de acompanhamento, cerca de metade das crianças melhorou dentro de 5 a 10 anos. As que não melhoram até a idade de 10 anos parecem ter um curso mais prolongado e um prognóstico pior do que aquelas que melhoram até essa idade. Em torno de um terço das crianças com mutismo seletivo, com ou sem tratamento, podem desenvolver outros transtornos psiquiátricos, em especial outros transtornos de ansiedade e depressão. TRATAMENTO Uma abordagem múltipla, usando intervenções individuais, cognitivo-comportamentais, comportamentais e familiares, é recomendada. Crianças pré-escolares também podem beneficiar-se de uma “creche terapêutica”. Para aquelas em idade escolar, terapia cognitivo-comportamental individual é indicada como tratamento de primeira linha. Educação e cooperação da família são benéficas. O uso de um inibidor seletivo da recaptação de serotonina (ISRS) é um componente do tratamento aceito quando intervenções psicossociais não são suficientes para tratar os sintomas. Um relato recente de 21 crianças com mutismo seletivo tratadas em um estudo aberto com fluoxetina, sugeriu que este medicamento pode ser efetivo para tal condição. Estudos confirmaram a eficácia da fluoxetina no tratamento de fobia social em adultos e, em pelo menos um estudo duplo-cego controlado por placebo, em crianças com mutismo. Segundo relatos, outros agentes como a fenelzina, também melhoram os sintomas de fobia social em adultos, mas são raramente recomendados para mutismo em crianças em idade escolar. CID-10 A décima revisão da Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-10) contém o diagnóstico de mutismo eletivo para crianças que deixam de falar em situações específicas. O mutismo eletivo é classificado junto com os transtornos de apego (ver Tab. 48.3-2 na Seção 48.3 deste capítulo).
REFERÊNCIAS Black B, Uhde TW. Treatment of elective mutism with fluvoxetine: a double-blind placebo controlled study. J Am Acad Adolesc Psychiatry. 1994;33:1000. Black B, Uhde TW. Psychiatric characteristics of children with selective mutism: a pilot study. J Am Acad Adolesc Psychiatry. 1995;34:847. Cheer SM, Figgitt DP. Fluvoxamine: a review of its therapeutic potential in the management of anxiety disorders in children and adolescents. Paediatr Drugs. 2001;3:763. Coupland NJ. Social phobia: etiology, neurobiology, and treatment. J Clin Psychiatry. 2001;62(suppl):25. Dummit ES III, Klein RG, Tancer NK, Asche B, Martin J. Fluoxetine treatment of children with selective mutism: an open trial. J Am Acad Adolesc Psychiatry. 1996;35:615.
Isaacs E. Fluvoxamine for the treatment of anxiety disorders in children and adolescents. N Engl J Med. 2001;345:466. Last CG, Perrin S, Hersen M, Kazdin A. A prospective study of childhood anxiety disorders. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1996;35:1502. Leonard HL. Selective mutism. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2777. Mancini C, Van Amerigen M, Szatmari P, Fugere C, Boyle M. A highrisk pilot study of the children of adults with social phobia. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1996;35:11. Schill MT, Kratochwill TR, Gardner WI. An assessment protocol for selective mutism: analogue assessment using parents as facilitators. J School Psychol. 1996;34:1. Shortt AL, Barrett PM, Fox TL. Evaluating the FRIENDS program: a cognitive-behavioral group treatment for anxious children and their parents. J Clin Child Psychol. 2001;30:525.
48.3 Transtorno de apego reativo na infância De acordo com a revisão do texto da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR), transtorno de apego reativo na infância é marcado por um relacionamento social inadequado que ocorre na maioria dos contextos. O transtorno aparece antes dos 5 anos de idade e está associado a “cuidado flagrantemente patológico”. Ele não é explicado apenas por um atraso no desenvolvimento e não satisfaz os critérios para transtorno global do desenvolvimento. O padrão de cuidados pode exibir negligência persistente em relação às necessidades emocionais ou físicas da criança ou trocas repetidas de cuidadores primários, como quando a criança é transferida várias vezes de lares adotivos. O padrão de cuidados patológicos parece causar o transtorno no relacionamento social. Esta condição apresenta dois subtipos: o tipo inibido, no qual o transtorno toma a forma de fracasso persistente para iniciar ou responder, de maneira adequada ao estágio do desenvolvimento, à maioria das interações sociais; e o tipo desinibido, no qual o transtorno toma a forma de vínculos sociais indiferenciados, não-seletivos. Presume-se que esses comportamentos inadequados ao nível de desenvolvimento resultem, em grande parte, de um padrão patológico de cuidados, nas perturbações menos graves também podem estar associadas ao desenvolvimento do transtorno. O transtorno pode resultar em um quadro de atraso no crescimento, no qual a criança mostra sinais de desnutrição e não alcança os marcos motores e verbais esperados para seu estágio de desenvolvimento. Quando este é o caso, o atraso no crescimento é codificado no Eixo III. EPIDEMIOLOGIA Não há dados disponíveis sobre prevalência, proporção por sexo ou padrão familiar. Ainda que os pacientes com transtorno de apego reativo na infância sejam identificados em todos
OUTROS TRANSTORNOS DA INFÂNCIA OU ADOLESCÊNCIA
os grupos socioeconômicos, estudos com alguns pacientes (p. ex., crianças com atraso no crescimento) indicam vulnerabilidade aumentada naqueles provenientes de níveis socioeconômicos mais baixos. Este achado é consistente com a possibilidade de privação psicossocial, lares de pais solteiros, desorganização familiar e dificuldades econômicas. Um cuidador pode ser totalmente satisfatório para uma criança, enquanto outra, sob os mesmos cuidados, pode ter um transtorno de apego reativo na infância. ETIOLOGIA A causa do transtorno de apego reativo na infância está incluída na definição do transtorno. O transtorno está relacionado a maustratos, incluindo negligência e possível abuso físico. A formação de vínculos sociais perturbados pode decorrer de cuidados claramente patológicos, dispensados, pelo cuidador, a um bebê ou criança pequena. A ênfase é na causa unidirecional, ou seja, o cuidador faz alguma coisa prejudicial ou deixa de fazer alguma coisa essencial para o bebê ou a criança. Ao avaliar um paciente com o diagnóstico de transtorno de apego relativo, entretanto, os médicos devem considerar as contribuições de cada membro da díade e suas interações. É importante considerar aspectos como o temperamento do bebê ou da criança, formação de vínculo deficiente, presença de atraso no desenvolvimento ou incapacidade sensorial e incompatibilidade específica da dupla cuidador-criança. A probabilidade de negligência aumenta se há retardo mental parental; falta de habilidades dos pais decorrente da criação pessoal recebida; isolamento social, ou privação e falta de oportunidade para aprender sobre como ser cuidador. Outro fator de risco para negligência é paternidade prematura (durante a adolescência), na qual os pais são incapazes de responder à criança e cuidar de suas necessidades e na qual as próprias necessidades dos pais têm precedência sobre as do bebê ou da criança. Alterações freqüentes do cuidador primário – como pode ocorrer em institucionalização, hospitalizações prolongadas repetidas e mudanças múltiplas de lar adotivo – também podem causar transtorno de apego reativo na infância. DIAGNÓSTICO E CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS Crianças com transtorno de apego reativo na infância com freqüência chegam primeiro ao atendimento com o pediatra. O quadro clínico varia bastante, conforme as idades cronológica e mental da criança, mas a interação social e a vivacidade esperadas não estão presentes. Em geral, a criança não está progredindo ou está desnutrida. Talvez o quadro clínico mais típico seja o atraso no crescimento não-orgânico. Essas crianças em geral exibem hipocinesia, embotamento afetivo, indiferença e apatia, com uma diminuição da atividade espontânea. Parecem tristes, abatidas e infelizes. Algumas também parecem assustadas e vigilantes, com um olhar do tipo “radar”. Contudo, podem exibir responsividade atrasada a um estímulo que evocaria pavor ou retraimento em uma criança normal (Tab. 48.31). A maioria das crianças parece significativamente desnutrida, e muitas têm abdome distendido (Figs. 48.3-1 e 48.3-2). Às vezes, fezes do tipo celíaco, com odor desagradável, são relatadas. Em casos muito graves, há um quadro clínico de marasmo.
1351
TABELA 48.3-1 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno de apego reativo na infância A. Um vínculo social acentuadamente perturbado e impróprio para o nível de desenvolvimento na maioria dos contextos, iniciando antes dos 5 anos e evidenciada por (1) ou (2): (1) fracasso persistente para iniciar ou responder de maneira adequada ao nível de desenvolvimento à maior parte das interações sociais, manifestado por respostas excessivamente inibidas, hipervigilantes ou altamente ambivalentes e contraditórias (p. ex., a criança pode responder aos responsáveis por seus cuidados com um misto de aproximação, esquiva e resistência ao conforto, ou pode apresentar uma vigilância fixa) (2) vínculos difusos, manifestados por uma sociabilidade indiscriminada, com acentuado fracasso em apresentar vínculos seletivos adequados (p. ex., familiaridade excessiva com pessoas relativamente estranhas ou falta de seletividade na escolha das figuras de apego) B. A perturbação no critério A não é explicada unicamente por um atraso no desenvolvimento (como no retardo mental), e não satisfaz os critérios para um transtorno global do desenvolvimento. C. Cuidados patogênicos, evidenciados por pelo menos um dos seguintes critérios: (1) negligência persistente em relação às necessidades emocionais básicas da criança por conforto, estimulação e afeto (2) negligência persistente quanto às necessidades físicas básicas da criança (3) repetidas trocas de responsáveis primários, impedindo a formação de vínculos estáveis (p. ex., trocas freqüentes de pais adotivos) D. Existe um pressuposto de que os cuidados no Critério C são responsáveis pela perturbação comportamental no Critério A (p. ex., as perturbações no Critério A começaram após os cuidados patogênicos do Critério C).
Especificar tipo: Tipo inibido: predomínio do Critério A1 no quadro clínico. Tipo desinibido: predomínio do Critério A2 no quadro clínico. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
O peso da criança costuma estar abaixo do terceiro percentil e muito abaixo do peso adequado para sua altura. Se há possibilidade de obtenção de pesos seriais, os percentis de peso podem ter diminuído de forma progressiva devido a uma perda de peso real ou a uma dificuldade em ganhar peso à medida que a altura aumenta. A circunferência da cabeça tende a ser normal para a idade. O tônus muscular parece diminuído. A pele pode ser mais fria e mais pálida ou mais sarapintada do que a de uma criança normal. Os achados laboratoriais em geral estão dentro de limites normais, exceto por achados anormais relativos a eventual desnutrição, desidratação ou doença concomitante. A idade óssea costuma ser atrasada. Os níveis de hormônio do crescimento muitas vezes são normais ou elevados, um achado que sugere que o atraso de crescimento é secundário à privação calórica e à desnutrição. As crianças melhoram fisicamente e ganham peso rapidamente após serem hospitalizadas. Do ponto de vista social, mostram pouca atividade espontânea e diminuição acentuada tanto de iniciativa de contato com os outros, como de reciprocidade em resposta ao adulto cuidador ou ao examinador. Tanto a mãe como a criança podem ser indiferentes à separação em hospitalizações ou ao término de subseqüentes visitas hospi-
1352
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
FIGURA 48.3-1 Bebê do sexo masculino de 3 meses sofrendo de atraso de crescimento secundário a privação calórica. Pesa apenas 28 gramas a mais do que o peso de nascimento. (Cortesia de Barton Schmitt, M.D., Children’s Hospital, Denver, CO.)
FIGURA 48.3-2 O mesmo bebê da Figura 48.3-1, três semanas mais tarde, após a hospitalização. (Cortesia de Barton Schmitt, M.D., Children’s Hospital, Denver CO.)
talares. As crianças freqüentemente não exibem nenhum comportamento normal de descontrole, preocupação ou protesto em relação à hospitalização. As mais velhas em geral mostram pouco interesse pelo ambiente. Podem não brincar com brinquedos, mesmo se encorajadas, entretanto, rápida ou gradualmente mostram interesse por seus cuidadores e relacionam-se com eles no hospital.
Nanismo clássico ou baixa estatura determinados por fatores psicossociais são síndromes que costumam manifestar-se pela primeira vez em crianças de 2 a 3 anos de idade. As crianças tendem a ser muito baixas e têm freqüentes anormalidades do hormônio do crescimento e alterações comportamentais graves. Todos esses sintomas resultam de um relacionamento cuida-
OUTROS TRANSTORNOS DA INFÂNCIA OU ADOLESCÊNCIA
dor-criança desfavorável. A característica falta de afeição pode surgir quando há uma falha ou falta de oportunidade para formar vínculos adequados antes da idade de 2 a 3 anos. As crianças não conseguem formar vínculos duradouros, esta inabilidade pode, às vezes, ser acompanhada por falta de culpa, incapacidade de obedecer a regras e necessidades de atenção e afeto. Algumas delas tendem a ser cordiais com toda e qualquer pessoa. Uma menina de 26 meses, sob cuidado adotivo, recentemente, foi encaminhada juntamente com sua família biológica e família adotiva, pelo serviço de proteção à criança, para receber acompanhamento de longo prazo. Sua história incluía duas internações por atraso de crescimento no primeiro ano de vida e uma terceira internação, aos 13 meses, que revelou hemorragia de retina e hematoma subdural, sugestivos de síndrome da criança espancada. Nenhum perpetrador foi identificado de forma conclusiva. Quando observada com sua mãe biológica em uma sala confortável repleta de brinquedos, a menina permaneceu calada e exibiu pouca expressão facial. Obedecia completamente e de maneira mecânica às instruções, em geral irritadas, de sua mãe, não mantendo nenhum contato visual nem com esta nem com o examinador. Quando separada da mãe, mostrou pouca reação, olhando para cima rapidamente com uma expressão facial curiosa quando esta voltou à sala. A mãe confirmou que o comportamento da criança era semelhante quando viviam juntas, a criança falava pouco e quase não buscava conforto em situação de estresse maior. Quando observada com sua mãe adotiva há três meses, mostrou-se mais animada, ainda que irritável. Envolveu-se no brinquedo livremente e relacionou-se tanto com a mãe adotiva como com o examinador durante o brinquedo. Parou de brincar e sua expressão facial tornou-se inexpressiva quando foi separada de sua mãe adotiva, ainda que tenha voltado a brincar quando a mãe adotiva retornou. Os direitos parentais da mãe biológica foram suspensos e, embora a criança tenha sido colocada em dois outros lares adotivos, demonstrou capacidade de relacionar-se com seus novos cuidadores a cada vez. A menina recebe o diagnóstico de transtorno de apego reativo, tipo inibido. (Cortesia de Neil W. Boris, M.D. e Charles H. Zeanah, M.D.)
1353
nóstico diferencial. Crianças com transtorno autista em geral são bem-nutridas e apresentam tamanho e peso adequados à idade, costumam ser alertas e ativas, apesar de seus prejuízos nas interações interpessoais. Retardo mental grave ou profundo está presente em cerca de 50% das crianças com transtorno autista, enquanto a maioria daquelas com transtorno de apego reativo na infância apresentam apenas retardo leve ou inteligência normal. Nenhuma evidência indica que o transtorno autista seja causado por patologia parental e a maioria dos pais de crianças afetadas não diferem de forma significativa dos pais de crianças normais. Ao contrário da maioria das crianças com transtorno de apego reativo, as com transtorno autista não melhoram quando removidas de suas casas e colocadas em um hospital ou outro ambiente favorável. Crianças com retardo mental podem apresentar atrasos em todas as habilidades sociais. Mas, ao contrário daquelas com transtorno de apego reativo, em geral são bem nutridas, seus relacionamentos sociais são coerentes com suas idades mentais e apresentam uma seqüência de desenvolvimento semelhante àquela vista em crianças normais. CURSO E PROGNÓSTICO O curso e o prognóstico do transtorno de apego reativo dependem da duração e da gravidade do cuidado parental negligente e patológico e de complicações associadas, como atraso de crescimento. Fatores constitucionais e nutricionais interagem nas crianças, que podem responder de forma favorável ao tratamento ou continuar com atraso de crescimento. Os resultados variam dos extremos de morte, até criança evolutivamente saudável. Em geral, quanto mais tempo, a criança permanece no ambiente adverso sem intervenção adequada, maior o dano físico e emocional e pior o prognóstico. Após a situação ambiental patológica ter sido reconhecida, a quantidade de tratamento e reabilitação recebidos pela família afeta a criança que retorna a esta família. Crianças que têm múltiplos problemas resultantes de cuidado patológico podem recuperar-se mais rapidamente e de forma mais completa física do que emocionalmente.
Patologia e exame laboratorial
TRATAMENTO
Apesar de nenhum teste laboratorial específico ser usado para fazer o diagnóstico, muitas crianças com o transtorno apresentam problemas de crescimento e desenvolvimento. Portanto, estabelecer uma curva de crescimento e examinar a progressão dos marcos do desenvolvimento podem ser medidas úteis para determinar se fenômenos associados, como atraso de crescimento, estão presentes.
A primeira consideração no tratamento do transtorno de apego reativo é a segurança da criança. A principal decisão é se a criança deve ser hospitalizada ou se o tratamento pode ser realizado enquanto ela permanece em casa. Em geral a gravidade do estado físico e emocional da criança ou a gravidade do cuidado patológico indica a estratégia. Deve-se determinar o estado nutricional e se há ameaça ou abuso físico à criança. A hospitalização é necessária para crianças desnutridas. Juntamente com uma avaliação do bem-estar físico, uma avaliação da condição emocional da criança é importante. A intervenção imediata deve enfocar a conscientização e a capacidade dos pais em alterar seus padrões de comportamento prejudiciais. A equipe de tratamento deve começar a alterar o relacionamento insatisfatório entre o cuidador e a criança, o que muitas
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Transtornos metabólicos, transtornos globais do desenvolvimento, retardo mental, várias anormalidades neurológicas graves e nanismo psicossocial devem ser considerados no diag-
1354
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
vezes requer intervenção e educação extensiva e intensiva com a mãe ou com ambos os pais, quando possível. As possíveis intervenções incluem as seguintes, mas não se limitam a elas: (1) serviços de apoio psicossocial, incluindo contratar uma empregada doméstica, melhorar a condição física da residência ou obter uma moradia mais adequada, melhorar a situação financeira e diminuir o isolamento da família; (2) intervenções psicoterapêuticas, incluindo psicoterapia individual, farmacoterapia e terapia familiar ou conjugal; (3) serviços de aconselhamento educacional, incluindo grupos de mãe-filho e aconselhamento, para aumentar a consciência e o entendimento acerca das necessidades da criança e para melhorar as habilidades parentais; e (4) monitoração rigorosa sobre a progressão do bem-estar emocional e físico do paciente. Às vezes, separar a criança do ambiente doméstico estressante temporariamente, como numa hospitalização, permite que ela se livre do padrão habitual. Um ambiente neutro, como o hospital, é o melhor lugar para iniciar a intervenção com famílias que estão disponíveis emocional e fisicamente para tanto. Se tais abordagens não forem possíveis, forem inadequadas ou falharem, deve-se deixar a criança aos cuidados de parentes ou de um lar adotivo, orfanatos ou serviços de abrigo. CID-10 A décima revisão da Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-10) inclui uma categoria para transtornos do funcionamento social, a qual inclui transtorno reativo de vinculação na infância, transtorno de vinculação na infância, com desinibição, mutismo eletivo e duas categorias residuais (Tab. 48.3-2). A CID-10 descreve os transtornos do funcionamento social com início específico na infância ou na adolescência como um grupo bastante heterogêneo, que compartilha anormalidades comuns no funcionamento social que surgem durante o desenvolvimento, mas que não é essencialmente caracterizado por incapacidade ou déficit social que comprometa todas as áreas de funcionamento. “Distorções ou privações” ambientais graves “costumam estar associadas e parecem desempenhar um papel etiológico fundamental em muitos casos”. Ainda que os transtornos sejam bem-conhecidos, não são claramente definidos em termos de diagnóstico, e os profissionais discordam em relação às classificações apropriadas.
REFERÊNCIAS Ainsworth MDS. The development of infant–mother attachment. In: Caldwen BM, Ricciuhi HN, eds. Review of Child Development Research. Vol 3. Chicago: University of Chicago Press; 1973:1. Benedersky M, Lewis M. Environmental risks, biological risks, and developmental outcome. Dev Psychol. 1994;30:484. Boris NW, Zeanah CH. Reactive attachment disorder of infancy and early childhood. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2729. Campbell M, Green WH, Caplon R, David R. Psychiatry and endocrinology in children: early infantile autism and psychosocial dwarfism. In: Beumont PJV, Burrows GD, eds. Handbook of Psychiatry and Endocrinology. Amsterdam: Elsevier; 1982:15.
TABELA 48.3-2 Critérios diagnósticos da CID-10 para transtornos do funcionamento social com início específico na infância e na adolescência Mutismo eletivo Nota: Este transtorno também é referido como mutismo seletivo. A. A expressão e compreensão de linguagem, conforme avaliada em testes padronizados administrados individualmente, está dentro do limite de dois desvios padrão para a idade da criança. B. Há evidência demonstrável de uma falha consistente em falar em situações sociais especificas nas quais seria esperado que a criança falasse (p. ex., na escola), apesar de falar em outras situações. C. A duração do mutismo eletivo ultrapassa quatro semanas. D. Não há transtorno global do desenvolvimento. E. O transtorno não é explicado por uma falta de conhecimento da linguagem falada necessária na situação social na qual há uma falha em falar. Transtorno reativo de vinculação na infância A. O início é antes dos 5 anos de idade. B. A criança exibe respostas sociais fortemente contraditórias ou ambivalentes que se estendem para situações sociais (mas que podem apresentar variabilidade de um relacionamento para outro). C. O distúrbio emocional é demonstrado por falta de responsividade emocional, reações de afastamento, respostas agressivas ao sofrimento da própria criança ou de outros, e/ou hipervigilância temerosa. D. Alguma capacidade para reciprocidade e responsividade social é evidente em interações com adultos normais. E. Os critérios para transtornos globais do desenvolvimento não são satisfeitos. Transtorno de vinculação na infância, com desinibição A. Apegos difusos são um aspecto persistente durante os primeiros 5 anos de vida (mas não persistem necessariamente até a metade da infância). O diagnóstico requer uma falha relativa em demonstrar vínculos sociais seletivos manifestada por: (1) uma tendência normal a buscar conforto de outros quando sofrendo e (2) uma ausência anormal (relativa) de seletividade das pessoas nas quais o conforto é buscado B. As interações sociais com pessoas desconhecidas são insatisfatoriamente moduladas. C. Pelo menos um dos seguintes deve estar presente: (1) comportamento geralmente adesivo na infância (2) comportamento de busca de atenção e indiscriminadamente amigável na infância inicial ou intermediária D. A falta geral de especificidade da situação nos aspectos acima deve ser clara. O diagnóstico requer que os sintomas nos Critérios A e B acima sejam manifestados através de uma variedade de contatos sociais vivenciados pela criança. Outros transtornos de funcionamento social na infância Transtorno de funcionamento social na infância, não-especificado Reimpresso, com permissão, da Organization. The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural Disorders: Diagnostic Criteria for Research. Copyright, World Health Organization, Geneva, 1993.
Cicetti D, Toth S. A developmental psychology perspective on child abuse and neglect. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1995; 34:541. Ferholt JB. A psychodynamic study of psychosomatic dwarfism. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1985;14:49. Klaus MH, Kennell JM. Parent–Infant Bonding. 2nd ed. St. Louis: Mosby; 1982. Lamb ME. Social development. Pediatr Ann. 1989;18:292.
OUTROS TRANSTORNOS DA INFÂNCIA OU ADOLESCÊNCIA
Nachmias M, Gunnar MR, Mangelsdorf S, Paritz RH, Buss K. Behavioral inhibition and stress reactivity: moderating role of attachment security. Child Dev. 1996;67:508. Rutter M. Maternal Deprivation Reassessed. 2nd ed. Middlesex, England: Penguim, 1981. Shaw DS, Vondra JI. lnfant attachment security and maternal predictors of early behavior problems: a longitudinal study of low income families. J Child Psychol Psychiatry. 1995;23:355. Terwogt MM, Schene J, Koops W. Concepts of motion in institutionalized children. J Child Psychol Psychiatry. 1990;31:1131. Zeanah CH, Larrieu JA. Infant development and developmental risk: a review of the past 10 years. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1997;36:165.
48.4 Transtorno de movimento estereotipado e transtorno da infância ou adolescência sem outra especificação TRANSTORNO DE MOVIMENTO ESTEREOTIPADO De acordo com a revisão do texto da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR), transtorno de movimento estereotipado é o comportamento motor repetitivo, não-funcional, que parece ser compulsivo. O comportamento interfere de forma significativa nas atividades normais ou resulta em lesões corporais auto-infligidas, com gravidade suficiente para exigir cuidados médicos, caso não sejam adotadas medidas de proteção. Para aquelas com retardo mental, o comportamento autodestrutivo apresenta gravidade suficiente a ponto de tornar-se um foco de tratamento. Epidemiologia A prevalência do transtorno do movimento estereotipado é desconhecida, mas, de acordo com o DSM-IV-TR, o comportamento autodestrutivo ocorre em cerca de 2 a 3% das crianças e dos adolescentes. Comportamentos como roer as unhas são comuns e afetam em torno de metade das crianças em idade escolar; comportamentos como chupar o polegar e embalar-se são recorrentes em crianças pequenas, mas tendem a ser mal-adaptativos em crianças mais velhas e adolescentes. Estas manifestações em geral não constituem um transtorno do movimento estereotipado, a maioria das crianças que rói as unhas apresenta um funcionamento normal nas atividades diárias, sem prejuízo ou comportamento autodestrutivo. Em uma clínica pediátrica, cerca de 20% das crianças tinham história de embalar-se, bater a cabeça ou balançar-se de uma forma ou de outra. Decidir que casos são graves o suficiente para confirmar um diagnóstico do transtorno do movimento estereotipado pode ser difícil. O diagnóstico é uma associação de muitos sintomas, mas os diversos comportamentos deveriam ser estudados separada-
1355
mente para a obtenção de dados sobre prevalência, proporção por sexo e padrões familiares. Já se sabe que o transtorno do movimento estereotipado é mais prevalente em meninos do que em meninas. Comportamentos estereotipados são comuns entre crianças com retardo mental: 10 a 20% são afetadas. Comportamentos autodestrutivos ocorrem em algumas síndromes genéticas, como síndrome de Lesch-Nyhan, e em alguns pacientes com transtorno de Tourette. Comportamentos estereotipados autodestrutivos são mais freqüentes em pessoas com retardo mental grave. Comportamentos estereotipados também são comuns em crianças com prejuízos sensoriais, como cegueira e surdez. Etiologia A causa dos movimentos estereotipados é desconhecida; é provável que existam múltiplos determinantes devido à ampla variação de comportamentos que se enquadram nesta categoria. Muitos comportamentos estereotipados podem fazer parte do desenvolvimento normal. Por exemplo, em torno de 80% de todas as crianças normais apresentam atividade rítmica que desaparece por volta dos 4 anos de idade. Esses padrões rítmicos parecem ser intencionais, fornecendo estimulação sensório-motora e liberação de tensão, além de serem satisfatórios e prazerosos. Os movimentos podem aumentar em momentos de frustração, aborrecimento e tensão. A progressão de comportamento apropriado ao estágio do desenvolvimento até o transtorno do movimento estereotipado parece decorrer de um desenvolvimento perturbado, como ocorre no retardo mental ou no transtorno global do desenvolvimento. É provável que fatores genéticos desempenhem papel fundamental em alguns movimentos estereotipados, como na deficiência recessiva de enzimas ligada ao X que leva à síndrome de Lesch-Nyhan, que tem aspectos previsíveis, incluindo retardo mental, hiperuricemia, espasticidade e comportamentos autodestrutivos. Outros movimentos estereotipados (como roer as unhas), ainda que causando prejuízo mínimo ou nenhum, parecem ocorrer em famílias. Alguns comportamentos estereotipados parecem surgir ou tornar-se exagerados em situações de negligência ou privação, comportamentos como bater a cabeça foram associados a privação psicossocial. Movimentos estereotipados parecem estar associados à atividade dopaminérgica. Fatores neurobiológicos podem contribuir para o desenvolvimento de transtornos do movimento estereotipado. Agonistas da dopamina induzem ou aumentam comportamentos estereotipados, enquanto os antagonistas os diminuem. Em um relato de caso, quatro crianças com transtorno de déficit de atenção/hiperatividade tratadas com um estimulante começaram a roer as unhas e as pontas dos dedos. O comportamento cessou quando o agente foi eliminado. Os opióides endógenos também foram implicados na produção de comportamentos autodestrutivos. Diagnóstico e características clínicas As pessoas afetadas podem sofrer de um ou mais sintomas do transtorno do movimento estereotipado, o quadro clínico, portanto, va-
1356
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
ria de forma considerável. Geralmente um sintoma predomina. A presença de diversos sintomas graves tende a ocorrer entre aqueles com retardo mental grave ou com transtorno global do desenvolvimento. Os pacientes muitas vezes têm outros transtornos mentais significativos, em especial transtornos de comportamento diruptivos. Em casos extremos, podem ocorrer mutilações graves e lesões potencialmente fatais, que podem evoluir para infecção secundária e septicemia. Os critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno do movimento estereotipado são listados na Tabela 48.4-1.
próprios dedos, geralmente associando mordidas às cutículas, levando a infecções secundárias dos dedos e da base das unhas. O comportamento parece ocorrer ou aumentar de intensidade quando a pessoa está ansiosa ou entediada. Casos mais graves costumam ocorrer em indivíduos com retardo mental grave e profundo e em alguns pacientes com esquizofrenia paranóide; entretanto, alguns roedores de unhas não têm transtorno emocional evidente. Patologia e exame laboratorial
Bater a cabeça. Bater a cabeça exemplifica um transtorno de movimento estereotipado que pode resultar em prejuízo funcional. De acordo com o DSM-IV-TR, a proporção sexo masculino/feminino é de 3 para 1. Em geral, o comportamento inicia na infância, entre os 6 e os 12 meses de idade. Os bebês batem com suas cabeças, em um rítmo definido e monótono, contra o berço ou contra uma outra superfície dura. Eles parecem ficar absorvidos na atividade, que pode persistir até ficarem exaustos e adormecerem. O comportamento costuma ser transitório, mas às vezes persiste até a metade da infância. O comportamento de bater a cabeça que faz parte de “acessos de raiva” difere do bater a cabeça estereotipado, cessando após os “ataques” e controle dos ganhos secundários. Roer as unhas. O comportamento de roer as unhas pode iniciar já no primeiro ano de vida, aumentando em incidência até os 12 anos. Todas as unhas costumam ser roídas. A maioria dos casos não é grave o suficiente para satisfazer os critérios diagnósticos do DSM-IV-TR. Em outras situações, crianças provocam lesões nos
TABELA 48.4-1 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno de movimento estereotipado A. Comportamento motor repetitivo, não-funcional e aparentemente intencional (p. ex., agitar as mãos ou acenar, balançar o corpo, bater a cabeça, levar objetos à boca, morder partes do corpo, beliscar a pele ou introduzir os dedos em orifícios corporais, golpear o próprio corpo). B. O comportamento interfere acentuadamente nas atividades normais ou provoca lesão corporal auto-infligida que exige tratamento médico (ou provocaria lesão, caso não fossem adotadas medidas preventivas). C. Em presença de retardo mental, o comportamento estereotipado ou autodestrutivo apresenta suficiente gravidade a ponto de tornar-se um foco de tratamento. D. O comportamento não é melhor explicado por uma compulsão (como no transtorno obsessivo-compulsivo), por um tique (como no transtorno de tique), por uma estereotipia própria do transtorno global do desenvolvimento, ou pelo hábito de arrancar os cabelos (como na tricotilomania). E. O comportamento não se deve aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância ou de uma condição médica geral. F. O comportamento persiste pelo período mínimo de 4 semanas.
Especificar se: Com comportamento autodestrutivo: se o comportamento resulta em lesão corporal que exige tratamento específico (ou resultaria em lesão corporal, caso medidas de proteção não fossem adotadas). De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
Nenhuma medida laboratorial específica é útil no diagnóstico de transtorno do movimento estereotipado. Diagnóstico diferencial O diagnóstico diferencial de transtorno do movimento estereotipado inclui transtorno obsessivo-compulsivo e transtornos de tique, ambos são critérios de exclusão para o transtorno no DSM-IV-TR. Ainda que os movimentos estereotipados sejam voluntários e não-espasmódicos, muitas vezes é difícil diferenciá-los de tiques. É provável que os movimentos estereotipados sejam confortadores, enquanto os tiques estejam associados à aflição. No transtorno obsessivo-compulsivo, as compulsões devem ser egodistônicas, mas isso também pode ser difícil de identificar em crianças pequenas. Talvez seja difícil diferenciar movimentos característicos de discinesia de movimentos estereotipados. Visto que medicamentos antipsicóticos podem suprimir movimentos estereotipados, os médicos devem observar quaisquer movimentos dessa natureza antes de iniciar o tratamento com um agente antipsicótico. Transtorno do movimento estereotipado pode ser diagnosticado em associação com transtornos relacionados a substâncias (p. ex., transtorno por uso de anfetamina), prejuízos sensoriais graves, distúrbios do sistema nervoso central e degenerativos (p. ex., síndrome de Lesch-Nyhan) e esquizofrenia grave. Curso e prognóstico A duração e o curso do transtorno do movimento estereotipado variam, e os sintomas podem aparecer e desaparecer. Cerca de 80% das crianças normais apresentam atividades rítmicas, que parecem intencionais e confortadoras, e costumam desaparecer por volta dos 4 anos de idade. Quando os movimentos estereotipados estão presentes ou tornam-se mais graves tardiamente na infância, eles podem oscilar entre episódios breves, que ocorrem em situações de estresse, e episódios mais prolongados, no contexto de uma condição crônica, como retardo mental ou transtorno global do desenvolvimento. Mesmo em condições crônicas, eles podem aparecer e desaparecer. Em alguns casos, são predominantes no início da infância e diminuem à medida que a criança cresce. A gravidade da disfunção causada pelos movimentos estereotipados também varia conforme a freqüência, a quantidade e a gravidade das lesões auto-infligidas associadas. Crianças que exi-
OUTROS TRANSTORNOS DA INFÂNCIA OU ADOLESCÊNCIA
bem comportamentos estereotipados de auto-agressão freqüentes graves têm um pior prognóstico. Episódios repetitivos de comportamentos como bater a cabeça, morder-se e introduzir os dedos nos olhos podem ser de difícil controle sem contenção física. A maior parte dos comportamentos de roer as unhas é benigna e em geral não satisfaz os critérios diagnósticos para transtorno do movimento estereotipado. Em casos graves, nos quais as bases das unhas são danificadas, infecções bacterianas e fúngicas podem ocorrer. Ainda que os transtornos do movimento estereotipado crônicos possam prejudicar bastante o funcionamento diário, diversos tratamentos ajudam a controlar os sintomas. Tratamento O tratamento deve levar em conta o sintoma específico ou sintomas-alvo, suas causas, além da idade mental do paciente. As modalidades de tratamento que produzem os efeitos mais promissores têm sido comportamentais e farmacológicas, às vezes em combinação. Em situações extremas, nas quais há também privação ambiental, o ambiente psicossocial deve ser ajustado. Técnicas comportamentais, incluindo reforço positivo e modelagem comportamental, são bem-sucedidas em alguns casos. Para casos nos quais ocorre dano físico grave, em especial em pessoas com retardo mental grave, farmacoterapia deve ser considerada. Os antagonistas da dopamina são os agentes mais utilizados para tratar movimentos estereotipados e comportamento autodestrutivo. As fenotiazinas têm sido os fármacos utilizados com maior freqüência. Antagonistas de opióides têm reduzido comportamentos autodestrutivos em alguns pacientes, sem causar discinesia tardia ou prejuízo cognitivo. Outros agentes farmacológicos têm sido testados no tratamento de transtorno de movimento estereotipado, como fenfluramina, clomipramina e fluoxetina. Em alguns relatos de casos, a fenfluramina diminuiu comportamentos estereotipados em crianças com transtorno autista; em outros estudos, os resultados foram menos encorajadores. Estudos abertos indicam que a clomipramina e a fluoxetina podem diminuir comportamentos autodestrutivos e outros movimentos estereotipados em alguns pacientes. Trazodona e buspirona também foram testadas, com resultados inconclusivos. TRANSTORNO DA INFÂNCIA OU ADOLESCÊNCIA SEM OUTRA ESPECIFICAÇÃO O DSM-IV-TR descreve o transtorno da infância ou adolescência sem outra especificação como uma categoria que inclui transtornos, com início na infância ou na adolescência, que não satisfazem os critérios diagnósticos para qualquer transtorno específico. Os critérios diagnósticos do DSM-IV-TR são mostrados na Tabela 48.4-2. CID-10 Os critérios para transtornos do movimento estereotipado referidos na décima revisão da Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-10) são listados na Tabela 48.4-3. A CID-10
1357
TABELA 48.4-2 Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno da infância ou da adolescência sem outra especificação Esta é uma categoria residual, destinada a transtornos com início na infância ou adolescência que não satisfazem os critérios para nenhum transtorno específico dentro da Classificação. De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyright 2000, com permissão.
TABELA 48.4-3 Critérios diagnósticos da CID-10 para transtornos de movimento estereotipado A. A criança exibe movimentos estereotipados em um grau que causa sofrimento físico ou interfere marcadamente nas atividades normais. B. A duração do transtorno é de pelo menos 1 mês. C. A criança não exibe nenhum outro transtorno mental ou comportamental na classificação da CID-10 (outro que não retardo mental). Reimpressa, com permissão, da World Health Organization. The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural Disorders: Diagnostic Criteria for Research, Copyright, World Health Organization, Geneva, 1993.
também inclui duas categorias residuais para transtornos mentais da infância: (1) outros transtornos emocionais e de comportamento especificados com início habitualmente ocorrendo na infância ou adolescência. (2) transtornos emocionais e de comportamento com início habitualmente ocorrendo na infância e na adolescência, não-especificados.
REFERÊNCIAS Buitelaar K. Self-injurious behavior in retarded children: clinical phenomena and biological mechanisms. Acta Paedopsychiatr. 1993;56:105. Hanna GL. Stereotypic movement disorder of infancy, childhood, or adolescence NOS. In: Kaplan HI, Sadock BJ, eds. Comprehensive Textbook of Psychiatry. 6th ed. Baltimore: Williams & Wilkins; 1995:2359. King BH. Self-injury by people with mental retardation: a compulsive behavior hypothesis. Am J Ment Retard. 1993;98:93. Leonard HL, Lenane MC, Swedo SE, Rettew DC, Rapoport JL. A double-blind comparison of clomipramine and desipramine treatment of severe onychophagia (nail biting). Arch Gen Psychiatry. 1992;48:821. Linsceid TR, Pejeau C, Cohen S, Footo-Lenz M. Positive side effects in the treatment of SIB using the Self-Injurious Behavior lnhibiting System (SIBIS): implications for operant and biochemical explanations of SIB. Res Dev Disabil. 1994;15:81. Luby JL. Stereotypic movement disorder of infancy and early childhood and disorder of infancy and early childhood not otherwise specified. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2735. Meiselas KD, Spencer EK, Oberfield R, Peselow ED, Angrist B, Campbell M. Differentiation of stereotypies from neuroleptic-related dyskinesias in autistic children. J Clin Psychopharmacol. 1989;9:207. Ratey JJ. Mental Retardation: Developing Pharmacotherapies. Washington, DC: American Psychiatric Press; 1991. Ricketts RW, Goza AB, Ellis CR, Singh YN, Singh NN, Cooke JC III. Fluoxetine treatment of severe self-injury in young adults with mental retardation. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1993;32:865.
1358
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Silberstein RM, Blackman S, Mandell W. Autoerotic head banging: a reflection of the opportunism of infants. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1966;5:235. Sokol MS, Campbell M, Goldstein M, Kriechman AM. Attention deficit disorder with hyperactivity and the dopamine hypothesia: case
presentations with theoretical background. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1987;26:428. Troster H. Prevalence and functions of stereotyped behaviors in nonhandicapped children in residential care. J Abnorm Child Psychol. 1994;22:79.
49 Transtornos do humor e suicídio em crianças e adolescentes
TRANSTORNOS DO HUMOR Os transtornos do humor ocorrem em crianças de todas as idades, consistindo de padrões persistentes de alteração de humor, redução de prazer na realização de atividades, nos esportes, nas amizades e até na escola; além de sentimento de desvalia em geral. Os sintomas característicos da depressão maior são semelhantes em crianças, adolescentes e adultos, sua expressão modifica-se de acordo com a idade e a maturidade do indivíduo. Os transtornos do humor em crianças e adolescentes têm sido cada vez mais diagnosticados e tratados com uma variedade de formas. Ainda que clínicos e pais tenham sempre reconhecido que crianças e adolescentes podem experimentar tristeza e desespero transitório, ficou claro que transtornos persistentes do humor ocorrem em crianças de todas as idades e sob várias circunstâncias. Dois critérios para transtorno do humor em crianças e adolescentes são as alterações do humor, como depressão ou euforia, e a irritabilidade. (Os transtornos do humor em adultos são revisados com pormenores no Capítulo 15. Apenas os aspectos que se relacionam especificamente a crianças e adolescentes são abordados aqui.) Apesar de os critérios diagnósticos para transtornos do humor, na revisão do texto da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR), serem quase idênticos em todas as faixas etárias, a expressão da perturbação do humor varia na criança de acordo com sua idade. As crianças menores com depressão em geral exibem sintomas que aparecem com menos freqüência à medida que crescem, incluindo alucinações auditivas congruentes com o humor, queixas somáticas, aparência triste, isolamento e baixa autoestima. Sintomas que aparecem com maior freqüência na adolescência tardia do que em crianças mais novas são anedonia, lentificação psicomotora grave, delírios e desesperança. Sintomas que aparecem com a mesma freqüência, independentemente da idade e do estágio do desenvolvimento, incluem ideação suicida, humor deprimido ou irritado, insônia e redução da capacidade de concentração. Aspectos do desenvolvimento, contudo, influenciam na expressão de todos os sintomas. Por exemplo, crianças infelizes mais novas, que exibem ideação suicida recorrente, em geral são incapazes de conceber um plano realista de suicídio ou de pôr em ação
suas idéias. Seu humor é particularmente vulnerável à influência de estressores sociais, como discórdia familiar crônica, abuso e negligência e fracasso escolar. A maioria das crianças menores com transtorno depressivo maior tem história de abuso ou negligência. Aquelas com transtornos depressivos que vivem em um meio prejudicial podem ter remissão de alguns ou da maioria dos sintomas, quando os estressores diminuem ou quando são removidas do ambiente estressante. O luto por vezes torna-se o foco do tratamento psiquiátrico, quando a criança perdeu um ente querido, mesmo quando o transtorno depressivo não está presente. Os transtornos depressivos e o transtorno bipolar tipo I em geral são episódicos, embora seu início possa ser insidioso. Episódios maníacos são raros em crianças pré-púberes, mas bastante comuns entre adolescentes. O transtorno de déficit de atenção/ hiperatividade (TDAH), o transtorno desafiador de oposição e os transtornos de conduta podem ocorrer em crianças que mais tarde apresentam depressão. Em alguns casos, os transtornos de conduta, ou mesmo problemas de conduta, podem ocorrer no contexto de um episódio depressivo maior e resolver-se com a remissão do episódio. Os clínicos devem elucidar a cronologia dos sintomas para determinar se um comportamento em particular (como dificulade de concentração, conduta desafiadora ou “acessos de raiva”) estava presente antes do episódio depressivo e não está relacionado a ele, ou se o comportamento está ocorrendo pela primeira vez e está relacionado ao episódio depressivo. Epidemiologia A freqüência dos transtornos do humor aumenta com a idade e a prevalência, em qualquer faixa etária, é maior em grupos encaminhados para a psiquiatria do que na população em geral. Os transtornos do humor em crianças pré-escolares são raros, sua prevalência foi estimada em cerca de 0,3% na comunidade e 0,9% em clínicas. Entre as crianças em idade escolar na comunidade, cerca de 2% têm transtorno depressivo maior. Nas crianças em idade escolar, a depressão é mais comum em meninos do que em meninas mas pode haver um viés em amostras clínicas, já que há maior número de meninos em atendimento clínico. A prevalência, na comunidade, de transtorno depressivo maior entre os adolescentes é de cerca de 5%. Entre crianças e adolescentes hospitalizados, as taxas de transtorno depressivo maior são muito mais altas
1360
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
do que na comunidade em geral, até 20% das crianças e 40% dos adolescentes estão deprimidos. Estima-se que o transtorno distímico seja mais comum do que o transtorno depressivo entre crianças em idade escolar, com taxas de até 2,5%, comparadas com 2% do transtorno depressivo maior. As crianças em idade escolar com transtorno distímico têm uma probabilidade elevada de desenvolver transtorno depressivo maior em algum momento após um ano de transtorno distímico. Em adolescentes, como em adultos, o transtorno distímico é menos comum; a taxa de prevalência para transtorno distímico é de cerca de 3,3%, em comparação com cerca de 5% do transtorno depressivo maior. A prevalência de transtorno bipolar tipo I é baixa entre crianças pré-púberes, e a condição pode levar anos para ser diagnosticada, porque a mania em geral aparece pela primeira vez na adolescência. A taxa durante a vida de transtorno bipolar tipo I foi estimada em 0,6% em um estudo populacional com adolescentes. Adolescentes com variantes clínicas de mania (alguns sintomas maníacos, mas sem os critérios diagnósticos completos [transtorno bipolar tipo II]) têm taxas de prevalência de até 10%, de acordo com alguns estudos. Etiologia Evidência considerável indica que os transtornos do humor na infância são as mesmas doenças fundamentais apresentadas por adultos. Fatores genéticos. Os transtornos do humor em crianças, adolescentes e pacientes adultos tendem a se agrupar nas mesmas famílias. Incidência aumentada costuma ser encontrada entre filhos de pais com transtorno do humor e parentes das crianças afetadas; ter um dos pais deprimidos dobra o risco para a doença. A presença de depressão em ambos os pais, possivelmente quadruplica o risco de a criança ter um transtorno do humor antes dos 18 anos, comparado com o risco para crianças com pais não-afetados. Alguma evidência indica que o número de recorrências de depressão nos pais aumenta a probabilidade de que os filhos sejam afetados, mas esse aumento pode estar, pelo menos em parte, relacionado à carga genética da família. De maneira similar, crianças com maior número de episódios graves têm apresentado evidência de história familiar importante, tanto em quantidade como em gravidade de casos, para transtorno depressivo maior. Outros fatores biológicos. Estudos sobre transtorno depressivo maior em pré-púberes e transtornos do humor em adolescentes têm revelado anormalidades biológicas. Pré-púberes, em um episódio de transtorno depressivo, secretam bastante mais hormônio do crescimento durante o sono do que crianças normais e do que aquelas com outros transtornos mentais. Além disso, secretam menos hormônio do crescimento em resposta à hipoglicemia induzida por insulina do que pacientes não-deprimidos. Ambas as anormalidades persistem por pelo menos quatro meses de resposta clínica plena e sustentada, com o último mês livre de medicação. Em contraste, os dados são conflitantes em relação à hipersecreção de cortisol durante o transtor-
no depressivo maior, alguns pesquisadores relatam hipersecreção, outros, secreção normal. O teste de supressão com dexametasona é utilizado em crianças e adolescentes, mas não de forma tão freqüente ou confiável como em adultos. Estudos do sono não são conclusivos em crianças e adolescentes com depressão. A polissonografia não mostra alteração ou alterações características do adulto com transtorno depressivo maior: redução da latência do sono REM (movimento rápido dos olhos) e aumento do número de períodos REM. Um estudo recente avaliando imagens por ressonância magnética (IRM), em mais de cem crianças com transtornos do humor, hospitalizadas em instituições psiquiátricas mostrou redução de volume do lobo frontal e aumento do volume ventricular. Esses resultados são consistentes com achados de RM em adultos com transtorno depressivo maior, assim como em estudos post-mortem de pessoas deprimidas que demonstraram perda seletiva de células e serotonina nos lobos frontais. Lesão nesta região também tem sido associada a sintomas depressivos em pacientes pós-acidente vascular cerebral. Os lobos frontais parecem ter múltiplas conexões com os gânglios basais e o sistema límbico e parecem também estar envolvidos na neuropatologia da sintomatologia depressiva. Estudos com hormônios da tireóide verificaram níveis menores de tiroxina livre total (T4 livre) em adolescentes deprimidos, quando comparados a um grupo controle. Esses valores estavam associados a hormônio estimulador da tireóide (TSH) normal. Tal achado sugere que, embora os valores de função da tireóide permaneçam na faixa normal, os níveis de T4 livre apresentam desvios para baixo, o que pode contribuir para as manifestações clínicas da depressão. Alguns estudos sugerem que o acréscimo de hormônio da tireóide exógeno possa potencializar os efeitos da medicação antidepressiva em adultos com depressão. Foi demonstrado também que o humor e a função cognitiva podem estar comprometidos em adultos com hipotireoidismo subclínico e que este prejuízo pode ser corrigido com hormônio da tireóide exógeno. A evidência em adolescentes é ainda insuficiente, mas a disfunção do eixo hipotálamohipófise pode também contribuir para o desenvolvimento e a manutenção da depressão em alguns adolescentes. Fatores sociais. O achado de que gêmeos idênticos não têm 100% de concordância para transtornos de humor sugere um papel para fatores não-genéticos. Até agora, poucas evidências indicam que o estado conjugal dos pais, o número de irmãos, a condição socioeconômica da família, a separação ou o divórcio dos pais, o funcionamento do casal ou a estrutura familiar tenham algum papel na causa do transtorno depressivo em crianças. Contudo, algumas evidências sugerem que meninos cujos pais morreram antes que tivessem 13 anos de idade têm maior probabilidade do que os controles de desenvolver depressão. Os prejuízos psicossociais em crianças depressivas melhoram após a manutenção da recuperação da depressão. Esses prejuízos parecem ser secundários à própria depressão e podem fazer parte de episódios depressivos ou distímicos de longa duração, durante os quais os marcos do desenvolvimento anormal não são atingidos ou ficam incompletos. O papel da influência do ambiente nos quadros clínicos de depressão descritos para pré-escolares deverá ser confirmado experiencialmente no futuro.
TRANSTORNOS DO HUMOR E SUICÍDIO EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Diagnóstico e características clínicas Transtorno depressivo maior. O transtorno depressivo maior em crianças é diagnosticado com maior facilidade quando é agudo e ocorre em uma criança sem sintomas psiquiátricos prévios. Com freqüência, entretanto, o início é insidioso e o transtorno manifesta-se em uma criança que tem vários anos de dificuldades com hiperatividade, transtorno de ansiedade de separação ou sintomas depressivos intermitentes. De acordo com os critérios diagnósticos do DSM-IV-TR, pelo menos cinco sintomas devem estar presentes por um período de duas semanas e deve haver uma mudança no funcionamento prévio (ver Tab. 15.2-3, no Capítulo 15). Entre os sintomas necessários estão humor depressivo ou irritável, ou perda de interesse ou de prazer. Outros sintomas, dos quais provêm os quatro critérios diagnósticos, incluem dificuldade para atingir o peso adequado para a faixa etária; insônia ou hipersonia diária; agitação ou lentificação psicomotora; fadiga diária ou perda de energia; desvalia ou culpa inapropriada; dificuldade para pensar ou se concentrar e pensamentos recorrentes de morte. Tais sintomas devem produzir comprometimento social ou acadêmico. Para satisfazer os critérios diagnósticos de transtorno depressivo maior, esses sintomas não podem ser conseqüência direta do uso de uma substância (p. ex., álcool) ou de uma condição médica geral. O diagnóstico não deve ser feito dentro de dois meses após a perda de um ente querido, exceto quando há grave comprometimento no funcionamento, preocupações mórbidas com desvalia, ideação suicida, sintomas psicóticos ou lentificação psicomotora. O transtorno depressivo maior em uma criança pré-púbere comumente se manifesta por queixas somáticas, agitação psicomotora e alucinações congruentes com o humor. Anedonia, desesperança, lentificação psicomotora e delírios são mais freqüentes em adolescentes e em adultos com o transtorno, do que em crianças pequenas. Os adultos têm mais alterações de sono e de apetite do que crianças e adolescentes deprimidos. Na adolescência, o comportamento negativista ou francamente anti-social e o uso de álcool ou de substâncias ilícitas podem ocorrer ou justificar o diagnóstico adicional de transtorno desafiador de oposição, transtorno da conduta e abuso ou dependência de substâncias. Inquietude, mau humor, agressividade, teimosia, relutância em cooperar com projetos da família, isolamento de atividades sociais e desejo de sair de casa são características comuns do transtorno depressivo na adolescência. As dificuldades escolares são prováveis. Os adolescentes podem descuidar da aparência pessoal e apresentar maior emotividade, com aumento da sensibilidade a rejeições amorosas. As crianças podem ser relatoras confiáveis de seu próprio comportamento, emoções, relacionamentos e dificuldades no funcionamento psicossocial. Podem, contudo, referir-se a seus sentimentos com muitas denominações. Dessa forma, os clínicos devem questionar se a criança sente-se triste, com sensação de vazio, para baixo, devagar ou muito infeliz; se sente vontade de chorar, ou tem sentimentos ruins que estão presentes na maior parte do tempo. As crianças deprimidas em geral identificam um ou mais desses termos em seus sentimentos persistentes. Os clínicos devem avaliar a duração e a perio-
1361
dicidade do humor depressivo para diferenciar o humor depressivo real e persistente de períodos normais de tristeza, que são recorrentes e de curta duração, e que comumente ocorrem após situações de frustração. Quanto mais nova a criança, mais imprecisas tendem a ser suas estimativas de tempo. Os transtornos do humor tendem a ser crônicos se começam cedo. Início na infância pode representar a forma mais grave de transtorno do humor e tende a aparecer em famílias com alta incidência desse transtorno e abuso de álcool. As crianças têm probabilidade de manifestar complicações secundárias, como transtorno de conduta, abuso de álcool e de outras substâncias e comportamento anti-social. O comprometimento no funcionamento e, associado ao transtorno depressivo, se estende a praticamente todas as áreas do mundo psicossocial da criança; desempenho escolar e comportamento, relacionamentos com os colegas e com a família. Crianças muito inteligentes e com bom desempenho acadêmico podem conseguir, aumentando tempo e dedicação, superar suas dificuldades de aprendizagem; mas isso só ocorre quando o episódio depressivo é apenas moderado. De outra forma, o desempenho escolar costuma ser afetado por dificuldade na concentração, lentificação do pensamento, falta de interesse e motivação, fadiga, sonolência, ruminações e preocupações depressivas. A depressão em crianças pode ser diagnosticada de forma equivocada como transtorno da aprendizagem. Se este for secundário à depressão, mesmo quando duradouro, é rapidamente corrigido com a melhora do transtorno depressivo. Crianças e adolescentes com transtorno depressivo maior podem ter alucinações e delírios. Em geral, os sintomas psicóticos são congruentes com o humor deprimido, ocorrem durante o episódio depressivo (muitas vezes em seu pior momento) e não incluem certos tipos de alucinações (como ouvir vozes conversando ou fazendo comentários, que são específicas da esquizofrenia). As alucinações depressivas consistem em uma única voz falando ao indivíduo de fora de sua cabeça, com conteúdo depreciativo ou suicida. Os delírios depressivos concentramse em temas de culpa, doença, morte, niilismo, punição merecida, inadequação social e (por vezes) perseguição. Estes são raros na pré-puberdade, talvez em função da imaturidade cognitiva, mas estão presentes em cerca de metade dos adolescentes com depressão psicótica. Transtorno de humor com início na adolescência pode ser de difícil diagnóstico, em função de utilização freqüente, pelo adolescente, de álcool e outras substâncias ilícitas como automedicação. Em um estudo recente, 17% dos jovens com transtorno do humor receberam primeiro atenção médica por causa do abuso de drogas. Somente após a desintoxicação os sintomas psiquiátricos puderam ser avaliados de forma adequada e o transtorno do humor pôde ser diagnosticado. Transtorno distímico. Em crianças e adolescentes, consiste em humor depressivo ou irritável durante a maior parte do dia, quase todos os dias, por um período de pelo menos um ano. O DSM-IV-TR observa que, nessa população, humor irritável pode substituir o critério de humor deprimido para adultos e a duração não se estende por dois anos, mas apenas por um, em crianças e adolescentes. De acordo com os critérios diagnósticos do manual, pelo menos três dos seguintes sintomas devem acompa-
1362
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
nhar o humor deprimido ou irritável: baixa auto-estima, pessimismo ou desesperança, perda de interesse, isolamento social, fadiga crônica, sentimentos de culpa ou ruminações sobre o passado, irritabilidade ou raiva excessiva, redução da atividade e da produtividade e diminuição da concentração ou da memória. Durante o ano do transtorno, esses sintomas não desaparecem por mais que dois meses de cada vez. Além disso, nenhum episódio de transtorno depressivo maior está presente durante o primeiro ano desta condição. Para satisfazer os critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno distímico, a criança não pode apresentar história de episódio maníaco ou hipomaníaco. Este transtorno também não é diagnosticado se os sintomas ocorrem exclusivamente durante um transtorno psicótico crônico ou se são efeitos diretos de uma substância ou de uma condição médica geral. O DSM-IV-TR contém a especificação de início precoce (antes dos 21 anos de idade) ou tardio (após os 21 anos de idade) (ver Tab. 15.2-1). A criança ou o adolescente podem ter apresentado um episódio depressivo maior antes do início do transtorno distímico, mas é muito mais comum que alguém com transtorno distímico por mais de um ano desenvolva também um transtorno depressivo maior. Neste caso, ambos os diagnósticos são estabelecidos (depressão dupla). Sabe-se que o transtorno distímico em crianças tem uma idade média de início menor do que a idade de início do transtorno depressivo maior. Os clínicos discordam sobre se aquele é uma versão crônica insidiosa deste ou uma condição autônoma. Em alguns casos, os indivíduos jovens satisfazem os critérios para transtorno distímico, exceto por seus episódios durarem apenas de duas semanas a alguns meses, com intervalos livres de sintomas de 2 a 3 meses. Essas apresentações “menores” de humor têm a probabilidade de indicar doença mais grave no futuro. O conhecimento atual sugere que episódios mais longos, recorrentes e freqüentes, talvez menos relacionados ao estresse social, indiquem, com maior probabilidade, um transtorno grave do humor no futuro. Quando um episódio depressivo menor ocorre após um evento estressante da vida, com duração menor do que três meses, não há sugestão de episódios futuros de transtorno do humor e, por isso, deve ser diagnosticado como transtorno de adaptação com humor depressivo ou luto. Transtorno bipolar I. O transtorno bipolar I está sendo diagnosticado com freqüência crescente em crianças pré-púberes, levando-se em consideração o fato de que episódios maníacos “clássicos” são incomuns neste grupo etário, mesmo quando os sintomas depressivos já tenham se manifestado. Uma vez que pré-púberes com manifestações de depressão e mania ou hipomania em geral não exibem “ciclos” de humor, permanece controverso se realmente satisfazem os critérios diagnósticos para transtorno bipolar. Esses episódios maníacos “atípicos” são, por vezes, associados a história familiar de transtorno bipolar I clássico. Características de alterações no humor e no comportamento, em crianças pré-púberes, que recebem de alguns clínicos o diagnóstico de transtorno bipolar incluem extrema variabilidade do humor, comportamento agressivo intermitente, altos graus de distratibilidade e baixa duração da atenção. Esses aspectos não costumam ser claramente episódicos, mas mostrar flutuações, e parecem ser menos responsivos
aos estabilizadores do humor. Crianças com episódios hipomaníacos atípicos freqüentemente têm história de TDAH grave, tornando o diagnóstico de transtorno bipolar mais complicado. Em geral, famílias com muitos parentes com TDAH não têm história familiar indicando aumento da taxa de transtorno bipolar I. O grupo de crianças diagnosticadas como portadoras de transtorno bipolar apresenta funcionamento pobre, necessita de hospitalização freqüentemente, exibe sintomas de depressão e tem história de transtorno de déficit de atenção/hiperatividade. Se essas crianças desenvolverão ciclos de humor mais claros à medida que amadurecerem ou se seu quadro clínico permanecerá o mesmo com o passar do tempo continua sob investigação. Em geral, um episódio depressivo maior precede um episódio maníaco em adolescentes que desenvolvem transtorno bipolar I. No entanto, quando um episódio maníaco clássico ocorre na adolescência, surge como uma mudança definida do estado preexistente e, por vezes, aparece com delírios de grandeza ou paranóides e fenômenos alucinacinatórios. De acordo com o DSM-IVTR, os critérios diagnósticos para episódio maníaco são os mesmos tanto para crianças e adolescentes, como para adultos (ver Tab. 15.16). Os critérios diagnósticos para episódio maníaco incluem episódio distinto de humor muito elevado, expansivo ou irritável, que dura pelo menos uma semana, ou de qualquer duração, se for necessária hospitalização. Além disso, durante os períodos de alteração do humor, no mínimo três dos seguintes sintomas devem estar presentes de forma significativa e persistente: auto-estima elevada ou grandiosidade, redução da necessidade de sono, pressão para falar, fuga de idéias ou pensamento acelerado, distratibilidade, aumento da atividade orientada para objetivos e excessivo envolvimento em atividades prazerosas que possam levar a conseqüências desastrosas. O transtorno do humor é grave o suficiente para levar a prejuízo importante, o qual não é devido ao efeito direto de uma substância ou a uma condição médica geral. Dessa forma, estados maníacos precipitados por medicamentos (p. ex., antidepressivos) não podem ser interpretados como indicativos de transtorno bipolar I. Quando a mania surge em um adolescente, há incidência mais alta, do que em adultos, de manifestações psicóticas, com freqüente necessidade de hospitalização. Os delírios e as alucinações dos adolescentes podem envolver idéias grandiosas acerca de seu poder, valor, conhecimento, família ou relacionamentos. Delírios persecutórios e fuga de idéias são recorrentes. Em geral, é comum o comprometimento grave do teste de realidade em episódios maníacos. Adolescentes com transtorno depressivo maior que possam vir a ter transtorno bipolar I constituem o grupo com a taxa mais alta de risco de apresentar história familiar de transtorno bipolar I e de exibir episódios depressivos agudos graves com psicose, hipersonia e lentificação psicomotora. Transtorno ciclotímico. A única diferença nos critérios diagnósticos do DSM-IV-TR acerca do transtorno ciclotímico em crianças e adolescentes é que é necessário um período de um ano de numerosas oscilações de humor, em vez do critério de adultos de dois anos. Alguns adolescentes afetados podem manifestar transtorno bipolar I. Transtorno esquizoafetivo. Os critérios para transtorno esquizoafetivo em crianças e adolescentes são idênticos aos dos
TRANSTORNOS DO HUMOR E SUICÍDIO EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES
adultos. Ainda que alguns adolescentes e, talvez, algumas crianças se enquadrem nos critérios para transtorno esquizoafetivo, pouco se sabe sobre o curso natural da doença, a história familiar, a psicobiologia e o tratamento. No DSM-IV-TR, o transtorno esquizoafetivo em crianças é classificado como transtorno psicótico. Luto. Trata-se de um estado de pesar, relacionado à morte de um ente querido, que pode ocorrer com sintomas característicos de transtorno depressivo maior. Sintomas depressivos típicos associados ao luto incluem tristeza, insônia, redução do apetite e, em alguns casos, perda de peso. As crianças enlutadas podem tornarse isolados e parecer tristes, não sendo facilmente atraídas nem por suas atividades favoritas. No DSM-IV-TR, o luto não é considerado um transtorno mental, mas está na categoria de condições adicionais que podem ser foco de atenção clínica. Crianças que passam por um período de luto típico podem também satisfazer os critérios para transtorno depressivo maior, quando os sintomas persistem por mais de dois meses após a perda. Em alguns casos, sintomas depressivos graves, mesmo dentro dos dois meses da perda, extrapolam a faixa do luto normal e impõem o diagnóstico de transtorno depressivo maior. Sintomas que indicam tal estado incluem culpa relacionada a questões além das que envolvem a morte do ente querido; preocupações com morte que vão além de pensamentos de morrer para estar junto da pessoa querida; preocupações mórbidas com inutilidade; lentificação psicomotora acentuada; comprometimento grave e prolongado no funcionamento; alucinações, que vão além de percepções transitórias da voz da pessoa falecida. A duração do período normal de luto varia, nas crianças pode depender do sistema de apoio. Por exemplo, uma criança que precisa mudar de casa por causa da morte do único dos pais pode se sentir devastada e abandonada por longo tempo. Crianças que perdem um ente querido podem sentir que a morte ocorreu porque foram más ou não se comportaram como deviam. A reação à perda pode ser influenciada pelo fato de ela estar ou não preparada para a morte, por causa de doença crônica, por exemplo (o luto também é discutido nos Capítulos 2 e 33). Patologia e exames laboratoriais. Não há nenhum teste laboratorial útil para se fazer o diagnóstico de transtorno do humor. Um teste de triagem para função da tireóide pode excluir a possibilidade de contribuição endócrina para a condição. O teste de supressão da dexametasona pode ser realizado em série, em casos de transtorno depressivo maior, para documentar se o indivíduo não-supressor inicial se torna supressor com o tratamento ou com a resolução dos sintomas. Diagnóstico diferencial Episódios depressivos e maníacos com sintomas psicóticos devem ser diferenciados da esquizofrenia. Os transtornos do humor induzidos por substâncias podem ser diferenciados de outros transtornos do humor somente após a desintoxicação. Sintomas de ansiedade e alterações de comportamento comuns nos transtor-
1363
nos da conduta podem coexistir com transtornos depressivos e, com freqüência, dificultam o diagnóstico deferencial. De particular importância é a distinção entre episódios de depressão agitada ou de mania e TDAH, no qual a atividade excessiva persistente e a inquietação podem causar confusão. Crianças pré-púberes não exibem as formas clássicas de depressão agitada, como torcer as mãos e caminhar de um lado para outro. Em vez disso, incapacidade de manterem-se sentados e “acessos de raiva” freqüentes são os sintomas mais comuns. Por vezes, o diagnóstico correto só se torna evidente após a remissão do episódio depressivo. Se a criança não apresenta dificuldade de concentração, não é hiperativa após a remissão do episódio depressivo e está livre de drogas, provavelmente não apresenta TDAH. Curso e prognóstico O curso e o prognóstico dos transtornos do humor em crianças e adolescentes depende da idade de início, da gravidade dos episódios e da presença de transtornos co-mórbidos; idade mais precoce de início e múltiplos transtornos indicam um mau prognóstico. A duração média de um episódio depressivo maior em crianças e adolescentes é de cerca de nove meses. A probabilidade cumulativa de recorrência é de 40% em dois anos e de 70% em cinco anos, após o primeiro episódio. Tem sido relatada que, crianças depressivas que vivem em famílias com altos níveis de conflito crônico têm maior probabilidade de recaídas. Estudos de acompanhamento verificaram que 30 a 40% dos adolescentes com depressão maior desenvolvem transtorno bipolar I, em um período de cinco anos após o episódio depressivo inicial. As características clínicas do episódio depressivo, que sugerem risco mais alto de desenvolver o transtorno bipolar I, incluem delírios e lentificação psicomotora, além de história familiar para o transtorno. Os episódios depressivos estão associados a dificuldades nos relacionamentos com colegas a curto e a longo prazo, mau desempenho escolar e baixa auto-estima persistente. O transtorno distímico apresenta recuperação mais prolongada do que a depressão maior, a duração média de um episódio é de cerca de quatro anos. O início precoce do transtorno distímico está associado a risco significativo de co-morbidade com depressão maior (70%), transtorno bipolar (13%) e eventual abuso de drogas (15%). O risco de suicídio, que representa 12% da mortalidade nesta faixa etária, é significativo em adolescentes com transtorno depressivo maior. Tratamento Hospitalização. Uma importante consideração imediata é se está indicada a hospitalização, seja para manter a criança ou o adolescente seguro, ou porque é o único local possível para se iniciar o tratamento. Quando o paciente apresenta risco de suicídio, a hospitalização é indicada para prover a máxima proteção contra impulsos e comportamentos autodestrutivos. A hospitalização também pode ser necessária quando a criança ou o adolescente abusa ou é dependente de drogas.
1364
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Psicoterapia. A terapia cognitivo-comportamental é amplamente reconhecida como uma intervenção eficaz para o tratamento de depressão moderada em crianças e adolescentes. Esta prática tem por objetivo questionar as crenças mal-adaptativas e reforçar as capacidades de resolução de problemas e de competência social. Uma revisão recente de estudos controlados sobre terapia cognitivo-comportamental em crianças e adolescentes revelou que, como em adultos, tanto crianças como adolescentes mostraram melhoras consistentes com o uso desse método. Outros tratamentos “ativos”, como técnicas de relaxamento, também se mostraram úteis como tratamento adjunto para a depressão leve a moderada. Os achados de um grande estudo controlado, comparando intervenções cognitivo-comportamentais com psicoterapia de apoio e terapia familiar comportamental sistêmica, indicaram que 70% dos adolescentes tiveram alguma melhora com cada uma dessas intervenções; sendo que a intervenção cognitivo-comportamental teve um efeito mais rápido. Outro estudo controlado, comparando um curso breve de terapia cognitivo-comportamental com terapia de relaxamento, favoreceu aquela intervenção. No segmento de 3 a 6 meses, contudo, não houve diferenças significativas entre os dois grupos de tratamento. Este efeito decorreu de recaídas no grupo cognitivo-comportamental, em conjunto com recuperação duradoura em alguns pacientes do grupo de relaxamento. Um fator que pareceu interferir na resposta ao tratamento foi a co-morbidade com transtorno de ansiedade, que provavelmente estivesse presente antes do episódio depressivo. A educação e a participação da família são componentes necessários do tratamento de crianças com depressão, em especial para promover uma resolução mais eficiente de conflitos. O desempenho psicossocial de uma criança deprimida pode permanecer comprometido por longos períodos, mesmo após a remissão do episódio depressivo. Em função disso, apoio social das famílias a longo prazo, e, em alguns casos, treinamentos de habilidades sociais são necessários. Técnicas de modelagem e representação de papéis podem ser úteis para melhorar a capacidade de resolução de problemas. Farmacoterapia. Os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs) são considerados como intervenção farmacológica de primeira linha para transtornos depressivos moderados a graves em crianças e adolescentes. Estudos duplocegos controlados verificaram que esses agentes são eficazes para a depressão nessa população, além de apresentarem um perfil benigno de efeitos adversos, com baixa letalidade em superdosagem. Há pouco, dois estudos duplo-cegos controlados por placebo, em uma amostra de adolescentes, mostraram melhora estatisticamente significativa com a fluoxetina, comparada com a paroxetina. Não houve diferenças entre os sexos. Todos os ISRSs disponíveis, incluindo fluoxetina, sertralina, paroxetina, fluvoxamina e citalopram, são escolhas favoráveis no tratamento da depressão em crianças e adolescentes. As doses iniciais para crianças pré-púberes são mais baixas do que as recomendadas para adultos, e os adolescentes em geral são tratados com as mesmas doses recomendadas para os adultos.
A bupropiona tem propriedades estimulantes e eficácia antidepressiva e tem sido utilizada para jovens com TDAH e depressão. É um antidepressivo útil, com poucas propriedades anticolinérgicas ou outros efeitos adversos, como sedação. A venlafaxina, que bloqueia a recaptação tanto da serotonina como da noradrenalina, também é utilizada no tratamento clínico da depressão em adolescentes. Os efeitos adversos em geral são leves e incluem agitação, nervosismo e náuseas. A mirtazapina é um inibidor da recaptação da serotonina e da noradrenalina, com um perfil de efeitos adversos relativamente seguro, mas não tem sido utilizada com tanta freqüência, em função de seu efeito adverso de sedação. Não há estudos controlados adicionais mostrando a eficácia de outros antidepressivos para transtornos depressivos em crianças e adolescentes. Os medicamentos tricíclicos não têm sido recomendados para este fim, desde que os ISRSs entraram no mercado. A utilização dos tricíclicos necessita de estudos de base, aumento gradual das doses, além de monitorização para alterações no eletrocardiograma e na pressão arterial, controle dos níveis séricos e efeitos adversos. Em vista de a toxicidade produzir arritmias cardíacas graves, convulsões, coma e morte, a monitoração é essencial. A resposta clínica pode ter correlação com os níveis plasmáticos. Um estudo não-controlado utilizando imipramina para o tratamento de transtorno depressivo maior em pré-púberes obteve boa resposta quando os níveis séricos eram de 140 a 150 ng/mL. Devido ao fato de algumas crianças e adolescentes que têm episódios depressivos poderem vir a apresentar transtorno bipolar II, os clínicos devem estar atentos para sintomas hipomaníacos, que podem ocorrer durante a utilização da fluoxetina e de outros antidepressivos. Nestes casos, a medicação deve ser interrompida para determinar se o episódio hipomaníaco se resolve a seguir. Respostas hipomaníacas aos antidepressivos, contudo, não significam o surgimento de um transtorno bipolar. Os transtornos bipolar I e II em crianças e adolescentes são tratados com lítio, com bons resultados. Crianças com transtorno bipolar de início precoce e transtornos diruptivos do comportamento preexistentes (p. ex., transtorno da conduta e TDAH) e aqueles que experimentam transtorno bipolar cedo na adolescência, têm menos probabilidade de responder bem ao lítio do que os sem transtornos do comportamento. Eletroconvulsoterapia. A eletroconvulsoterapia (ECT) tem sido utilizada para uma gama de transtornos psiquiátricos em adultos, em especial transtornos do humor depressivos e maníacos graves e catatonia. Quase nunca é uma opção utilizada para adolescentes, embora tenha havido relatos de casos referindo sua eficácia para depressão e mania entre os mesmos. No momento, relatos de casos sugerem que a ECT pode ser um tratamento seguro e útil para adolescentes com transtornos afetivos resistentes a tratamento, com psicose, sintomas catatônicos e tendência suicida persistente. SUICÍDIO A taxa de suicídio em adolescentes quadruplicou desde 1950, indo de 2,5 para 11,2 casos por 100 mil adolescentes. O suicídio
TRANSTORNOS DO HUMOR E SUICÍDIO EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES
é hoje responsável por 12% das mortes na adolescência. As tentativas de suicídio também aumentaram nos últimos anos; as taxas de prevalência em um ano variam de 1,7 a 5,9% e a prevalência durante a vida oscila entre 3 e 7,1%. Ideação suicida, gestos e tentativas costumam estar associados a transtornos depressivos. O suicídio, particularmente em adolescentes, representa um problema público crescente em saúde mental. A ideação suicida ocorre em todas as faixas etárias, com maior freqüência quando o transtorno depressivo é grave. Mais de 12 mil crianças e adolescentes são hospitalizados nos Estados Unidos a cada ano por causa de comportamento ou ameaça de suicídio, mas sua consumação é rara em menores de 12 anos. Uma criança pequena raramente é capaz de planejar e executar um plano realista de suicídio. A imaturidade cognitiva parece ter um papel protetor, mesmo entre as que desejariam estar mortas e cometer suicídio. O suicídio completo ocorre com freqüência cinco vezes maior em adolescentes do sexo masculino do que feminino, ainda que a taxa de tentativa de suicídio seja pelo menos três vezes mais altas em meninas. A ideação suicida não é um fenômeno estático, pode variar com o tempo. A decisão de se engajar em comportamentos suicidas pode ser tomada de forma impulsiva, sem maiores considerações a respeito da idéia ou ser o ápice de uma ruminação prolongada. O método utilizado na tentativa influencia na morbidade e nas taxas em que ocorrem, independentemente da gravidade da intenção de morrer na ocasião do comportamento suicida. O método mais comum de suicídio completo em crianças e adolescentes é a utilização de armas de fogo, responsável por cerca de dois terços de todos os suicídios em meninos e cerca de metade em meninas. O segundo método mais comum entre meninos, ocorrendo em cerca de um quarto de todos os casos, é o enforcamento. Para as meninas, o segundo método mais freqüente, utilizado por cerca de um quarto delas, é a ingestão de substâncias tóxicas. A intoxicação por monóxido de carbono é o método seguinte mais utilizados por meninos, mas ocorre em menos de 10%. Os suicídios por enforcamento e por envenenamento com monóxido de carbono são igualmente freqüentes em meninas, sendo responsáveis por cerca de 10% das mortes cada um. Riscos adicionais de suicídio incluem história familiar de comportamento suicida, exposição à violência intrafamiliar, impulsividade, abuso de drogas e disponibilidade de métodos letais. Epidemiologia Recentemente a taxa de suicídio entre adolescentes nos Estados Unidos aumentou de forma dramática, ainda que este não seja o caso em outros países. Existe uma crescente taxa de suicídio entre pessoas de 15 a 19 anos de idade nos Estados Unidos. A taxa é atualmente de 13,6 por 100 mil para meninos e de 3,6 por 100 mil para meninas. Mais de 5 mil adolescentes cometem suicídio a cada ano nos Estados Unidos – um a cada 90 minutos. Acreditase que este aumento decorra de mudanças no ambiente social, mudanças de atitude quanto ao suicídio e uma crescente disponibilidade de meios para cometê-lo. Por exemplo, nos EUA, 60% dos suicídios de meninos são cometidos com armas de fogo, comparados com 6% na Inglaterra. O suicídio é a terceira causa mais freqüente de morte nos Estados Unidos para pessoas entre
1365
15 e 24 anos de idade e a segunda entre brancos do sexo masculino nesta faixa etária. As taxas de suicídio dependem da idade, aumentando de modo significativo depois da puberdade. Enquanto menos de um suicídio ocorre por 100 mil em menores de 14 anos de idade, cerca de 10 em 100 mil ocorrem em adolescentes entre 15 e 19 anos de idade. Entre aqueles com menos de 14 anos de idade, as tentativas são aproximadamente 50 vezes mais comuns do que os suicídios consumado. Entre 15 e 19 anos de idade, contudo, a taxa de tentativas é somente cerca de 15 vezes mais alta do que o suicídio consumado. O número de suicídios em adolescentes nas últimas décadas triplicou ou quadruplicou. Etiologia Um aspecto universal do suicídio em adolescentes é a incapacidade de encontrar soluções para os problemas e a falta de estratégias para lidar com estressores imediatos. Por isso, uma visão restrita de opções disponíveis para lidar com discórdia familiar recorrente, rejeições ou fracassos, contribui para a decisão de cometer o ato. Fatores genéticos. A evidência de contribuição genética para o comportamento suicida baseia-se em estudos de risco familiar para suicídio e na concordância mais alta entre gêmeos monozigóticos do que entre dizigóticos. Ainda que o risco de suicídio seja alto em indivíduos com transtornos mentais – incluindo esquizofrenia, transtorno depressivo maior e transtorno bipolar I – é mais alto em parentes de pacientes com transtornos do humor do que em parentes de indivíduos com esquizofrenia. Outros fatores biológicos. Achados neuroquímicos revelaram alguma semelhança entre indivíduos com comportamentos agressivos, impulsivos e indivíduos que completaram suicídio. Níveis baixos de serotonina e de seu metabólito principal, o ácido 5-hidroxiindolacético (5-HIAA), têm sido encontrados em estudos post-mortem nos cérebros de indivíduos que completaram suicídio. Níveis baixos de 5-HIAA foram encontrados no líquido cerebrospinal de pessoas deprimidas que tentaram suicídio com métodos violentos. Álcool e outras substâncias psicoativas podem reduzir os níveis do 5-HIAA, talvez aumentando a vulnerabilidade para o comportamento suicida entre os já predispostos. O mecanismo de ligação entre função serotonérgica reduzida e comportamento agressivo ou suicida é desconhecido. A redução dos níveis de serotonina pode ser um marcador e não o que leva a comportamentos agressivos ou suicidas. O teste de supressão da dexametasona tem produzido achados menos confiáveis em crianças e adolescentes deprimidos do que em adultos. Alguns estudos têm indicado uma associação da não-supressão com tentativas potencialmente letais de suicídio. Em crianças e adolescentes, a associação entre tendência suicida e não-supressão não ocorre, necessariamente, no contexto de um transtorno depressivo maior. Fatores sociais. As crianças e os adolescentes são vulneráveis a ambientes caóticos, abusivos ou negligentes. Uma ampla gama de sintomas psicopatológicos pode ser resultado da exposição a lares violentos ou abusivos. Comportamentos agressivos,
1366
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
autodestrutivos ou suicidas parecem ocorrer com mais freqüência entre os que enfrentam vidas familiares cronicamente estressantes. Diagnóstico e características clínicas É necessário questionar diretamente crianças e adolescentes sobre pensamentos suicidas, pois estudos têm mostrado de forma consistente que os pais com freqüência não estão a par dessas idéias. Pensamentos suicidas (p. ex., crianças falando em querer ferir-se) e ameaças de suicídio (p. ex., dizer que quer se atirar na frente de um carro) são mais comuns do que a consumação do ato. As características dos adolescentes que tentam e dos que cometem suicídio são semelhantes, e cerca de um terço dos que o completam haviam feito tentativas anteriores. Os transtornos mentais em algumas pessoas que tentam ou completam suicídio incluem transtorno depressivo maior, episódios maníacos e transtornos psicóticos. Aqueles com transtorno do humor em combinação com abuso de drogas ou que tem história de comportamento agressivo são adolescentes de alto risco. Aqueles sem transtorno do humor que são violentos, agressivos e impulsivos podem ficar predispostos a cometer suicídio durante conflitos com a família ou com colegas. Altos níveis de desespero, pouca capacidade de resolver problemas e história de comportamento agressivo são fatores de risco para suicídio. A depressão, isoladamente, é o fator de risco mais grave para suicídio em meninas do que em meninos, mas estes freqüentemente apresentam psicopatologia mais severa do que aquelas que cometem suicídio. O adolescente que comete suicídio costuma apresentar um perfil para grandes conquistas e traços de personalidade perfeccionista; este pode ter sido humilhado há pouco por um fracasso, como diminuição do desempenho escolar. Em adolescentes psiquiatricamente perturbados e vulneráveis, as tentativas de suicídio estão por vezes relacionadas a estressores recentes. Os precipitantes deste comportamento incluem conflitos e discussões com membros da família e namoradas ou namorados. O uso de álcool e outras substâncias pode predispor o adolescente já vulnerável ao comportamento suicida. Em outros casos, a tentativa de suicídio é antecipatória a uma punição, por ter sido pego pela polícia ou por outras figuras de autoridade devido a um comportamento proibido. Cerca de 40% dos jovens que completam suicídio tiveram tratamento psiquiátrico anterior, e cerca de 40% haviam feito uma tentativa prévia de suicídio. A criança que perde um dos pais antes dos 13 anos tem risco elevado para transtorno do humor e suicídio. Fatores precipitantes incluem desmoralização na frente de colegas, rompimento de um romance, dificuldades escolares, desemprego, luto, separação e rejeição. Há relatos de ocorrência de “ondas” de suicídios entre adolescentes que se conheciam e freqüentavam a mesma escola. O comportamento suicida pode precipitar, por identificação, outras tentativas dentro de um mesmo grupo – os denominados suicídios copiados. Alguns estudos verificaram o aumento de suicídio entre adolescentes após programas de televisão nos quais o principal tema foi o suicídio de um adolescente. Em geral, contudo, vários outros fatores estão envolvidos, incluindo um substrato necessário de psicopatologia. Um estudo recente investigou duas “ondas” de suicídio entre adolescentes no Texas. Os pesquisadores constataram que a ex-
posição indireta ao suicídio, através da mídia, não estava associada de forma significativa ao ato. Fatores associados incluíram ameaças ou tentativas prévias de suicídio, automutilação, exposição a alguém que tinha morrido de maneira violenta ou rompimento recente de romances, além de freqüência aumentada de trocas de escola e mudanças em relação a figuras paternas com quem viviam. A tendência de pessoas jovens perturbadas a imitarem suicidas muito populares tem sido chamada de síndrome de Werther, referente ao protagonista do romance de Johann Wolfgang Goethe, Os sofrimentos do jovem Werther. A obra, na qual o herói se mata, foi banida em alguns países europeus após sua publicação, há mais de 200 anos, por causa da onda de suicídios entre jovens que a leram; alguns se vestiram como Werther antes de se matar ou deixaram o livro aberto na passagem descrevendo sua morte. Em geral, ainda que a imitação possa ter um papel no momento da tentativa de suicídio de adolescentes vulneráveis, a taxa geral de suicídio não parece aumentar quando aumenta a exposição na mídia. Tratamento Os adolescentes que tentam suicídio devem ser avaliados antes de se tomar a decisão em relação à hospitalização ou ao retorno para casa. Os que se enquadram nos grupos de alto risco devem ser hospitalizados até que a taxa elevada de risco não esteja mais presente. Pessoas com alto risco incluem as que fizeram tentativas prévias de suicídio; jovens com mais de 12 anos de idade com história de comportamento agressivo ou abuso de drogas; as que fizeram uma tentativa com arma letal, como revólver ou ingestão de substância tóxica; as com transtorno depressivo maior, caracterizado por reclusão social, desespero e falta de energia; meninas que fugiram de casa, estão grávidas ou fizeram uma tentativa com outro método além da ingestão de substâncias tóxicas; e qualquer pessoa que exiba ideação suicida persistente. Uma criança ou um adolescente com ideação suicida deve ser hospitalizado se o clínico tiver qualquer dúvida quanto à capacidade da família de supervisionar ou de cooperar com o tratamento na condição de paciente externo. Nessa situação, os serviços de proteção à criança devem ser envolvidos. Quando adolescentes com ideação suicida relatam que não estão mais suicidas, a alta só deve ser considerada após um plano de acompanhamento ser estabelecido, o qual deve incluir psicoterapia, farmacoterapia e terapia familiar, conforme indicado. Um contrato escrito com o adolescente delineando sua concordância em não se engajar em comportamento suicida e prevendo uma alternativa se a ideação suicida reaparecer, deve ser estabelecido. Além disso, a marcação de uma consulta de acompanhamento deve ser feita antes da alta, e um telefone de emergência deve ser fornecido ao adolescente e à família, em caso de reaparcimento da ideação suicida antes do retorno ambulatorial. REFERÊNCIAS Dorn LD, Burgess ES, Dichek HL, Putnam FW, Chrousos GP, Gold PW. Thyroid hormone concentrations in depressed and nondepressed adolescents: group differences and behavioral relations. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1996;35:299.
TRANSTORNOS DO HUMOR E SUICÍDIO EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Esposito CL, Clum GA. Psychiatric symptoms and their relationship to suicidal ideation in a high-risk adolescent community sample. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2002;41:44. Kovacs M, Coldston D, Gatsonis C. Suicidal behaviors and childhoodonset depressive disorders: a longitudinal investigation. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1993;32:8. Lewinsohn PM, Rohde P, Seeley JR. Psychosocial characteristics of adolescents o with a history of suicide attempt. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1993;32:60. McLennan JD, Offord DR. Should postpartum depression be targeted to improve child mental health? J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2002;41:26. Moise FN, Petrides G. Case study: electroconvulsive therapy in adolescents. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1996;35:312. Pataki CS. Mood disorders and suicide in children and adolescents. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2740. Pataki CS, Carlson GA. Bipolar disorder in children and adolescents. In: Shafii M, Shafii S, eds. Clinical Guide to Depression in Children and Adolescents. Washigton, DC: American Psychiatric Press; 1992:269.
1367
Pfeffer CR, Klerman GL, Hurt SW, et al. Suicidal children grow up: rates and psychosocial risk factors for suicide attempts during follow-up. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1993;32:106. Rushton JL, Forcier M, Schectman RM. Epidemiology of depressive symptoms in the National Longitudinal Study of Adolescent Health. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2002;41:199. Shaffer D, Garland A, Gould M, Fisher P, Trautman P. Preventing teenage suicide: a critical review. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1988;27:675. Steingard RJ, Renshaw PF, Yurgelum-Todd D, et al. Structural abnormalities in brain magnetic resonance images in depressed children. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1996;35:307. Vance JE, Bowen NK, Fernandez G, Thompson S. Risk and protective factors as predictors of outcome in adolescents with psychiatric disorder and aggression. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2002;41:36. Varanka TM, Weller RA, Weller EB, Fristad MA. Lithium treatment of manic episodes with psychotic features in prepubertal children. Am J Psychiatry. 1988;145:1557. Wade TJ, Cairney J, Pevalin DJ. Emergence of gender differences in depression during adolescence: national panel results from three countries. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2002;41:190.
50 Esquizofrenia de início precoce
A
esquizofrenia em geral tem seu início no fim da adolescência ou no início da vida adulta, mas (raramente) se apresenta em crianças com 10 anos de idade ou menos. A condição com início na infância é, de forma conceitual, semelhante à esquizofrenia da adolescência e da vida adulta. Quando ocorre em crianças prépúberes, é mais freqüente entre meninos. Sabe-se que estressores psicossociais influenciam o curso da doença, e os mesmos podem interagir com fatores de risco biológicos. A esquizofrenia em crianças pré-púberes inclui a presença de pelo menos dois dos seguintes achados: alucinações, delírios, fala e comportamento nitidamente desorganizados e isolamento grave por pelo menos um mês. Disfunção social ou escolar devem estar presentes, e sinais contínuos do transtorno devem persistir por, no mínimo, seis meses. Os critérios diagnósticos para esquizofrenia em crianças são idênticos aos critérios para a forma adulta, exceto que, em vez de exibir deterioração do desempenho, as crianças podem deixar de atingir os níveis esperados de desempenho social e escolar. Antes da década de 1960, o termo psicose da infância era aplicado para um grupo de transtornos globais do desenvolvimento sem alucinações ou delírios. Nas décadas de 1960 e 1970, observava-se por vezes que crianças com evidência de transtorno psicótico profundo precoce eram deficientes mentais, socialmente disfuncionais, com comprometimento grave da comunicação e da linguagem e sem história familiar de esquizofrenia. Entre aquelas com psicose que surgia após os 5 anos de idade, contudo, manifestavam-se alucinações auditivas, delírios e afetividade inapropriada, transtornos do pensamento e inteligência normal, e elas tinham, por vezes, história familiar de esquizofrenia; eram consideradas portadoras da doença, enquanto crianças mais jovens eram identificadas como tendo uma condição bastante diferente, como transtorno autista ou transtorno global do desenvolvimento. Na década de 1980, a esquizofrenia com início na infância foi separada do transtorno autista. Esta mudança refletiu a evidência de que o quadro clínico, a história familiar, a idade de início e o curso dos dois transtornos eram diferentes. Após a distinção, surgiram duas controvérsias. A primeira, uma minoria de pesquisadores permaneceu com a opinião de que um subgrupo de crianças autistas, de forma eventual, tinha esquizofrenia, como indicavam as evidências de um grupo pequeno. Em geral, a esquizofrenia é diferenciada com facilidade do transtorno autista (Tab. 42-1). A maioria das crianças
com transtorno autista apresenta comprometimento em todas as áreas do desempenho adaptativo, desde cedo na vida. O início é quase sempre antes dos 3 anos de idade, enquanto o início da esquizofrenia costuma surgir na adolescência ou na vida adulta. A esquizofrenia em crianças pré-púberes é muito mais rara do que na adolescência e na vida adulta, e quase não há relatos de início antes dos 5 anos de idade. De acordo com a quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais – texto revisado (DSM-IV-TR), a esquizofrenia pode ser diagnosticada na presença de transtorno autista. A segunda controvérsia se relaciona a aplicar-se critérios diagnósticos de adultos para esquizofrenia em crianças. Vários relatos indicam que algumas delas têm alucinações, delírios e transtorno do pensamento típicos da esquizofrenia, mas a imaturidade normal do desenvolvimento da linguagem e da separação da realidade da fantasia por vezes torna difícil o diagnóstico de esquizofrenia em crianças com idades entre 5 e 7 anos. EPIDEMIOLOGIA A esquizofrenia em crianças pré-púberes é muito rara; estima-se que ocorra com menos freqüência do que o transtorno autista. Em adolescentes, considera-se que a prevalência é 50 vezes a de crianças mais jovens, com taxas prováveis de 1 a 2 em cada mil. Os meninos parecem ter leve preponderância entre as crianças com esquizofrenia, com uma razão estimada de 1,67 meninos para cada menina. Eles por vezes tornam-se sintomáticos em idade mais precoce do que as meninas. Estima-se que de 0,1 a 1% se apresentam antes dos 10 anos, com 4% antes dos 15 anos de idade. A taxa de início aumenta de forma significativa durante a adolescência. A esquizofrenia raramente é diagnosticada em crianças menores de 5 anos de idade. Os sintomas em geral surgem de forma insidiosa, e os critérios diagnósticos são satisfeitos com o passar do tempo. Às vezes, o início da esquizofrenia é súbito e ocorre em crianças com bom desempenho anterior. A doença também pode ser diagnosticada em uma criança que apresentava com dificuldades crônicas e que passa a experimentar uma exacerbação significativa. A prevalência de esquizofrenia entres os pais de crianças afetadas é de cerca de 8%, próximo de duas vezes a prevalência de pais de pacientes com esquizofrenia de início na vida adulta.
ESQUIZOFRENIA
O transtorno da personalidade esquizotípica é semelhante à esquizofrenia em relação à afetividade inapropriada, pensamento mágico excessivo, crenças esquisitas, isolamento social, idéias de referência e experiências perceptivas incomuns, como ilusões. O transtorno da personalidade esquizotípica, contudo, não tem manifestações psicóticas; ainda assim, parece se agregar em famílias com esquizofrenia de início na vida adulta. Por isso, há uma relação não-especificada entre as duas condições.
ETIOLOGIA Ainda que os estudos de famílias e os estudos genéticos forneçam evidência substancial para uma contribuição biológica para o desenvolvimento da esquizofrenia, nenhum marcador biológico foi identificado, e os mecanismos precisos de transmissão da doença não são compreendidos. A esquizofrenia é bem mais prevalente entre parentes de primeiro grau de pessoas afetadas do que na população em geral. Estudos de adoção de pacientes com esquizofrenia com início na vida adulta demonstraram que a condição ocorre em parentes biológicos, mas não em parentes adotivos. Evidência genética adicional é apoiada pelas altas taxas de concordância para esquizofrenia em gêmeos monozigóticos em relação a dizigóticos. O padrão de transmissão genética permanece desconhecido, mas é observada maior carga genética entre parentes daqueles com esquizofrenia de início na infância do que nos parentes dos com esquizofrenia de início na vida adulta. No momento, nenhum método confiável pode identificar as pessoas com o mais alto risco de esquizofrenia em determinada família. Apesar disso, taxas mais altas do que o esperado de sinais neurológicos leves e dificuldades de manter atenção em estratégias de processamento de informações aparecem entre os grupos de crianças com alto risco. Encontra-se aumento da taxa de estilos perturbados de comunicação em famílias com um membro afetado. Aumento da emoção expressa, caracterizada por respostas muito críticas na família, afeta de forma negativa o prognóstico de pacientes com esquizofrenia. Vários resultados anormais, não-específicos, de imagens de tomografia computadorizada (TC) e de eletroencefalograma (EEG) foram observados em pacientes com esquizofrenia. Crianças e adolescentes afetados têm maior probabilidade de apresentar história pré-mórbida de rejeição social, maus relacionamentos com colegas, comportamento recluso, com apego e dificuldades escolares, do que os com esquizofrenia de início na vida adulta. Algumas crianças com esquizofrenia observada pela primeira vez na infância média têm histórias iniciais de atraso na aquisição dos marcos do desenvolvimento e da linguagem que são semelhantes a alguns sintomas do transtorno autista. Os mecanismos da vulnerabilidade biológica e das influências ambientais que produzem as manifestações da esquizofrenia permanecem sob investigação.
DIAGNÓSTICO E CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS Todos os sintomas incluídos na esquizofrenia de início na vida adulta podem manifestar-se nas crianças com a condição. O início costuma ser insidioso: após exibir afetos inapropriados de comportamento incomum, a criança pode levar meses ou anos para satisfazer todos os critérios diagnósticos de esquizo-
DE INÍCIO PRECOCE
1369
frenia. Aquelas que, eventualmente, satisfazem os critérios são rejeitadas em seu meio social, apegadas demais e têm habilidades sociais limitadas. Podem apresentar histórias de atraso dos marcos motores e verbais e apresentarem mau desempenho escolar, apesar da inteligência normal. Ainda que as crianças com esquizofrenia e com transtorno autista possam ser semelhantes em suas histórias precoces, as com esquizofrenia têm inteligência normal e não satisfazem os critérios para o transtorno global do desenvolvimento. De acordo com o DSM-IV-TR, uma criança com esquizofrenia pode demonstrar deterioração do desempenho concomitante com o surgimento de sintomas psicóticos, ou pode nunca atingir seu nível esperado de desempenho (ver Tab. 13-3). Alucinações auditivas costumam ocorrer em crianças afetadas. Elas podem ouvir vozes fazendo comentários críticos às suas ações, ou alucinações de comando dizendo-lhes para se matarem ou matarem terceiros. As vozes podem ser bizarras, identificadas como de “um computador na minha cabeça”, de marcianos, ou a voz de alguém familiar, como um parente. Alucinações visuais estão presentes em um número significativo de crianças com esquizofrenia e por vezes são aterrorizadoras: elas podem ver o diabo, esqueletos, faces assustadoras ou criaturas do espaço. Alucinações visuais fóbicas transitórias também podem estar presentes em crianças traumatizadas, que não têm um transtorno psicótico maior. Os delírios manifestam-se em mais da metade das crianças com a condição e tomam várias formas, inclusive persecutórias, grandiosas e religiosas. Os delírios aumentam em freqüência com o aumento da idade. Afeto embotado ou inapropriado quase sempre está presente. As crianças com esquizofrenia podem ter risos inadequados ou chorar sem serem capazes de explicar o motivo. Alterações formais do pensamento, inclusive afrouxamento das associações e bloqueio do pensamento, são manifestações comuns nas crianças afetadas. Pensamento ilógico e pobreza de pensamento também se manifestam. Diferente dos adultos com esquizofrenia, as crianças não têm pobreza de conteúdo da fala, mas falam menos do que outras de mesma inteligência e são ambíguas na forma como se referem a pessoas, objetos e acontecimentos. Os déficits de comunicação observáveis em crianças com esquizofrenia incluem mudanças imprevisíveis de tópico da conversação sem a introdução do novo tópico ao interlocutor (associações frouxas). Além disso, exibem pensamento e fala ilógicos e tendem a subutilizar estratégias de correção por iniciativa própria, para auxiliar em sua comunicação. Quando um pronunciamento é obscuro ou vago, as crianças normais tentam esclarecer o que é dito com repetições, revisões e mais pormenores. As com esquizofrenia, por sua vez, falham em auxiliar a comunicação com revisões, preenchimentos ou o repetir da fala. Esses déficits podem ser conceituados como sintomas negativos na esquizofrenia da infância. O fenômeno central parece ser o mesmo em vários grupos etários, mas o nível de desenvolvimento da criança influencia a apresentação dos sintomas. Por isso, os delírios de crianças pequenas são menos complexos do que os daquelas mais velhas. O conteúdo apropriado para a idade, como a de imagens de animais ou monstros, pode ser a causa do medo delirante. Outras manifestações que parecem ocorrer com freqüência em crian-
1370
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
ças com esquizofrenia são o mau desempenho motor, o comprometimento visuoespacial e o déficit de atenção. O DSM-IV-TR delineia cinco tipos de esquizofrenia: paranóide, desorganizada, catatônica, indiferenciada e residual. Tom é um menino de 10 anos que foi encaminhado para avaliação após ser flagrado várias vezes vestindo as roupas de sua mãe e exigindo que fosse levado a boates em que acreditava que queriam que se exibisse. Ele tinha sido sempre uma criança falante, com poucos amigos da mesma idade, mas seus pais achavam que era muito inteligente. Ele era socialmente rejeitado por seus colegas, mas era capaz de se relacionar com professores e outros adultos. Quando iniciou a 4a série, começou a sofrer gozação ativa por parte de seus colegas, que o consideravam estranho. Tom ainda podia ir à escola, mas suas notas começaram a deteriorar porque não era mais atento como de costume. Em casa, tornou-se cada vez mais obcecado com o fato de ser um artista de boate e parecia mergulhado em pensamentos a maior parte do tempo. Passou a avisar sua mãe para não sair e a acreditar que ambos estavam sendo seguidos. Ele resistia cada vez mais a deixar sua mãe e começou a recusar-se a ir para a escola. Explicou que havia se comunicado com Deus e que estava aqui por um propósito maior. Admitiu ouvir várias vozes que discutiam e o avisavam sobre perigos. Começou a desconfiar de todos, inclusive de sua mãe, mas, ao mesmo tempo, não “permitia” que ela fosse trabalhar. Tom foi internado na unidade psiquiátrica infantil por causa de sua incapacidade de separar-se da mãe e de sua recusa escolar persistente. O menino foi iniciado em uma tentativa com riperidona (Risperdal), 0,5 mg duas vezes ao dia, com aumento até 1 mg duas vezes ao dia. Tom pareceu estar respondendo em um período de 10 dias, as vozes estavam menos proeminentes e ele se tornara menos paranóide. Apesar disso, ainda parecia estar respondendo a estímulos internos e mantinha a crença de que era um artista de boate. Desenvolveu uma acatisia perturbadora e necessitou de benztropina (Cogentin) 0,5 mg duas vezes ao dia, além da risperidona. Após continuar seu ajuste de dose com risperidona e benztropina por cerca de duas semanas, Tom desenvolveu uma grave reação distônica. Após a mesma, sua mãe se recusou a permitir que ele recebesse a risperidona de novo e solicitou que fosse tentado outro medicamento. A equipe de tratamento concordou que Tom era incapaz de tolerar uma dose terapêutica de risperidona, e a utilização de olanzapina (Zyprexa) foi iniciada com 2,5 mg por dia. Tom se deu bem com o agente, que foi aumentado ao longo do tempo até 7,5 mg por dia, com boa resposta e quase nenhum efeito adverso além de sedação leve. Dada a deterioração do desempenho de Tom no último ano, a persistência de alucinações auditivas e o delírio de que era um artista por um período de mais de seis meses, foi feito o diagnóstico de esquizofrenia. O menino foi encaminhado para um programa escolar pequeno, estruturado, em um hospital-dia, onde recebia programação educacional mais individualizada e intervenções para habilidades sociais. Tom foi capaz de acompanhar esta escola, já que gostava do pessoal docente e, com o tempo, melhorou suas habilidades sociais com os colegas.
PATOLOGIA E EXAMES LABORATORIAIS Nenhum teste específico de laboratório auxilia no diagnóstico da esquizofrenia com início na infância. Foram relatadas altas incidências de complicações na gravidez e no parto nas histórias de crianças afetadas, mas no momento nenhuma especificidade foi encontrada a esse respeito. Exames de EEG não têm auxiliado na distinção de crianças com esquizofrenia de outras crianças. Um relato recente de testes endócrinos e de neuroimagem em adolescentes com primeiro episódio psicótico não revelou qualquer utilidade específica para fazer o diagnóstico de esquizofrenia ou para detectar causas médicas ocultas de psicose. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Crianças com transtorno da personalidade esquizóide têm alguns traços em comum com aquelas que satisfazem os critérios diagnósticos para esquizofrenia. Afetividade embotada, isolamento social, pensamentos excêntricos, idéias de referência e comportamento bizarro podem ser observados em ambos os transtornos; contudo, na esquizofrenia, sintomas psicóticos declarados, como alucinações, delírios e incoerência, precisam estar presentes em algum ponto. Se este for o caso, excluem o diagnóstico de transtorno da personalidade esquizóide. As alucinações sozinhas, contudo, não são evidência de esquizofrenia: os pacientes precisam manifestar deterioração do desempenho ou incapacidade de atingir o nível esperado de desenvolvimento para justificar diagnóstico. Alucinações auditivas e visuais podem aparecer em acontecimentos autolimitados em jovens não-psicóticos que se defrontam com estressores psicossociais extremos, como colapso nervoso dos pais, e em crianças vivenciando uma perda maior ou modificação significativa de seu estilo de vida. Fenômenos psicóticos são freqüentes em crianças com transtorno depressivo maior, em que tanto alucinações como, de forma menos recorrente, delírios podem se manifestar. A congruência do estado de humor com as manifestações psicóticas é mais pronunciada entre crianças deprimidas, embora aquelas com esquizofrenia também possam parecer tristes. É mais provável que as alucinações e os delírios da esquizofrenia apresentem uma aparência bizarra. Em crianças e adolescentes com transtorno bipolar I, é difícil distinguir um primeiro episódio de mania com manifestações psicóticas da esquizofrenia se os mesmos não têm história de depressão. Delírios de grandeza e alucinações são típicos de episódios maníacos, mas os clínicos por vezes necessitam acompanhar a história natural do problema para confirmar a presença de transtorno do humor. Os transtornos globais do desenvolvimento, inclusive o transtorno autista com inteligência normal, podem compartilhar algumas manifestações com a esquizofrenia. De forma mais notável, a dificuldade nos relacionamentos sociais, história inicial de atraso na aquisição da linguagem e desvios atuais na comunicação ocorrem em ambas as condições; entretanto, as alucinações, os delírios e a disfunção formal do pensamento são manifestações básicas da esquizofrenia e não são esperadas nos transtornos globais do desenvolvimento. Estes últimos costumam ser diagnosticados em torno dos 3 anos de idade,
ESQUIZOFRENIA
mas a esquizofrenia com início na infância raramente pode ser diagnosticada antes dos 5 anos. O abuso do álcool e de outras substâncias algumas vezes pode levar à deterioração do desempenho, sintomas psicóticos e delírios paranóides. As anfetaminas, a dietilamina do ácido lisérgico (LSD) e a fenciclidina (PCP) podem levar a um estado psicótico. O início súbito, flagrante, de uma psicose paranóide é mais sugestivo de transtorno psicótico induzido por substâncias do que psicose com início insidioso. Condições médicas sistêmicas que podem induzir manifestações psicóticas incluem doenças da tireóide, lúpus eritematoso sistêmico e doença do lobo temporal.
DE INÍCIO PRECOCE
1371
dicados, dado o grau de comprometimento tanto nas relações sociais como no desempenho escolar exibido por crianças afetadas. Estas parecem ter respostas menos significativas a tais agentes do que adolescentes e adultos com o mesmo transtorno. A educação e intervenções na família durante o curso são essenciais para levar ao máximo o nível de apoio fornecido ao paciente. O local apropriado de escolarização para a criança também é importante, por causa dos déficits de habilidades sociais, dos déficits de atenção e de dificuldades escolares que por vezes acompanham a esquizofrenia nesta faixa etária. Farmacoterapia
CURSO E PROGNÓSTICO Precursores importantes do curso e da evolução da esquizofrenia de início precoce incluem o nível de desempenho da criança antes de manifestar a doença, a idade de início, quanto do desempenho foi recuperado após o primeiro episódio e a quantidade de apoio disponível da família. As crianças com atrasos no desenvolvimento, dificuldades no aprendizado e transtornos do comportamento pré-mórbidos, como transtorno de déficit de atenção/ hiperatividade e transtornos da conduta, parecem responder mal ao tratamento medicamentoso e têm a probabilidade de ter prognósticos mais reservados. Em um estudo de evolução a longo prazo de pacientes com esquizofrenia com início antes dos 14 anos de idade, os piores prognósticos ocorreram em crianças com esquizofrenia que tinham sido diagnosticadas antes dos 10 anos de idade e que apresentavam transtornos da personalidade preexistentes. Uma questão adicional nos estudos de evolução é a estabilidade do diagnóstico de esquizofrenia. Até um terço das crianças que recebem este diagnóstico pode vir a ter o de transtorno do humor (em vez de esquizofrenia) na adolescência. As crianças e os adolescentes com transtorno bipolar I podem ter melhor prognóstico a longo prazo do que aqueles com esquizofrenia. Na esquizofrenia de início na vida adulta, interações com a família, como as com emoção expressa elevada, podem se associar a um aumento da taxa de recaída. Não há dados claros disponíveis relativos à doença na infância, mas o grau de apoio, em oposição a respostas críticas e excessivamente envolvidas da família, influenciam o prognóstico. Em geral a esquizofrenia com início na infância parece responder menos a medicamentos do que a de início na vida adulta ou na adolescência, e o prognóstico pode ser pior. Sintomas positivos, isto é, alucinações e delírios, apresentam mais probabilidade de serem responsivos à medicação do que os sintomas negativos, como o isolamento. Em um relato recente de 38 crianças afetadas que haviam sido hospitalizadas, dois terços necessitaram ser institucionalizadas e apenas um terço melhorou o suficiente para voltar para casa. TRATAMENTO O tratamento da esquizofrenia com início na infância inclui a abordagem multimodal. Os medicamentos antipsicóticos são in-
Os antagonistas dos receptores de dopamina foram amplamente substituídos pelos novos antipsicóticos atípicos como tratamento de primeira linha para crianças e adolescentes com esquizofrenia, por causa de seus perfis mais favoráveis de efeitos adversos. Estes antagonistas de serotonina-dopamina, incluindo a risperidona, a olanzapina e a clozapina (Leponex), diferem dos antipsicóticos convencionais por serem antagonistas dos receptores de serotonina com alguma atividade sobre a dopamina (D2), mas sem a predominância do antagonismo sobre os receptores D2. Acredita-se que sejam mais eficientes na redução de sintomas positivos e negativos da esquizofrenia e têm algum risco, porém menor, de produzir efeitos adversos extrapiramidais. Outros antipsicóticos atípicos, como a quetiapina e a ziprasidona, também são antagonistas de serotonina-dopamina que estão sendo utilizados na prática clínica para crianças e adolescentes com transtornos psicóticos que não respondem a outros antipsicóticos atípicos. Vários estudos recentes sugeriram que a risperidona, um derivado benzisoxazol, é eficiente e tem menos efeitos adversos perturbadores do que os antipsicóticos convencionais de alta potência como o haloperidol no tratamento da esquizofrenia de adolescentes mais velhos e adultos. Relatos de casos publicados e estudos controlados maiores limitados sugeriram a eficácia da risperidona no tratamento de psicose em crianças e adolescentes. Relatou-se que esta causa aumento de peso e reações distônicas e outros efeitos extrapiramidais em tal população. A olanzapina em geral é bem-tolerada em relação a efeitos adversos extrapiramidais, comparada com os antipsicóticos convencionais e a risperidona, mas se associa a sedação moderada e aumento de peso. Os antipsicóticos convencionais de alta potência, como o haloperidol e a trifluoperazina, são preferidos aos antipsicóticos de baixa potência como tratamento de segunda linha por causa de seus efeitos sedativos mínimos. A dosagem do haloperidol varia de cerca de 1 a 10 mg por dia, em doses divididas. Reações distônicas agudas ocorrem em crianças, e 1 a 2 mg por dia de benztropina em geral é suficiente para tratar os efeitos extrapiramidais adversos. Crianças e adolescentes tratados com medicamentos antipsicóticos estão em risco de discinesias por abstinência quando a medicação é retirada. Os efeitos adversos a longo prazo, inclusive discinesia tardia, são riscos permanentes para quaisquer pacientes tratados com antipsicóticos.
1372
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Psicoterapia Psicoterapeutas que trabalham com crianças com esquizofrenia precisam levar em conta seu nível de desenvolvimento. Devem apoiar continuamente seu bom teste da realidade e ser sensíveis ao sentimento de self da criança. A psicoterapia intensiva e de apoio a longo prazo, combinada com farmacoterapia, é a abordagem mais eficaz para este transtorno. REFERÊNCIAS Adams M, Kutcher S, Antonis E, Bird D. Diagnostic utility of endocrine and neuroimaging screening tests in first-onset adolescent psychosis. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1996;35:67. Calderoni D, Wudarsky M, Bhangoo R, et al. Differentiating childhood-onset schizophrenia from psychotic mood disorders. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2001;40:1190. Caplan R, Guthrie D, Foy JG. Communication deficits and formal thought disorder in schizophrenic children. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1992;31:151. Caplan R, Guthrie D, Komo S. Conversational repair in schizophrenic and normal children. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1996;35:950.
Cohen D, Lazar G, Couvert P, et al. MECP2 mutation in a boy with a language disorder and schizophrenia. Am J Psychiatry. 2002;159:148. Johns LC, Nazroo JY, Bebbingyon P, Kuipers E. Occurrence of hallucinatory experiences in a community sample and ethnic variations. Br J Psychiatry. 2002;180:174. Kumra S, Shaw M, Merka P, Nakayama E, Augustin R. Childhoodonset schizophrenia: research update. Can J Psychiatry. 2001; 46:965. Lykes WC, Cuerva JE. Risperidone in children with schizophrenia. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1996;35:405. McClennan JM. Early-onset schizophrenia. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2782. Miller PM, Byrne M, Hodges A, Lawrie SM, Johnstone EC. Childhood behavior, psychotic symptoms and psychosis onset in young people at high risk of schizophrenia: early findings from the Edinburgh High Risk Study. Psycho Med. 2002;32:173. Quintana H, Ketapang M. Case study: risperidone in children and adolescents with schizophrenia. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1995;34:292. Volkmar FR. Childhood and adolescent psychosis: a review of the past 10 years. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1996;35:843. Volva J, Cobol P, Sheinmann B, et al. Clozapine, olanzapine, risperidone, and haloperidol in the treatment of patient with chronic schizophrenia and schizoaffective disorder. Am J Psychiatry. 2002;159:255.
51 Abuso de substâncias na adolescência
O
uso e o abuso de substâncias na adolescência continua sendo uma preocupação séria em relação à juventude de hoje. Foram feitas estimativas de quase 25% de uso de drogas ilícitas entre adolescentes de 12 a 17 anos de idade. Em torno de um em cada cinco adolescentes usou maconha ou haxixe. Aproximadamente um terço dos adolescentes usou cigarros aos 17 anos. Estudos entre adolescentes nos Estados Unidos revelaram que, aos 13 anos de idade, um terço dos meninos e quase um quarto das meninas tinham experimentado álcool. Aos 18 anos de idade, 92% dos homens e 73% das mulheres relataram ter experimentado álcool, e 4% o consumiam todos os dias. Entre os estudantes do último ano do ensino médio, 41% relataram uso de maconha; 2% o faziam todos os dias. As visitas a pronto-socorros por uso de heroína entre jovens de 18 a 25 anos aumentaram mais de 50% de 1997 a 2000. Nos Estados Unidos, o consumo de bebidas alcoólicas entre adolescentes segue os padrões demográficos dos adultos: a mais alta proporção de uso de álcool ocorre entre os adolescentes do nordeste; os brancos têm mais probabilidade de beber do que os outros grupos; entre estes, os católicos são os menos abstêmios. As quatro causas mais comuns de morte para pessoas entre as idades de 10 e 24 anos são acidentes de automóvel (37%), homicídio (14%), suicídio (12%) e outras lesões ou acidentes (12%). Entre adolescentes atendidos em centros de traumatismo pediátrico, mais de um terço são tratados para uso de álcool ou de drogas. Estudos considerando o uso de álcool e drogas ilícitas por adolescentes como transtornos psiquiátricos demonstraram maior prevalência de adicção entre filhos biológicos de alcoolistas do que entre jovens adotados. Este achado é apoiado por estudos familiares de contribuições genéticas, por estudos de adoção e por observação de filhos de usuários de substâncias criados fora do lar biológico. Durante a década de 1990, diversos fatores de risco foram identificados para abuso de substâncias na adolescência, os quais incluem altos níveis de conflito familiar, dificuldades acadêmicas, transtornos psiquiátricos co-mórbidos, como transtorno da conduta e depressão, uso de substâncias pelos pais e amigos, impulsividade e início precoce de tabagismo. Quanto maior o número de fatores de risco, maior a probabilidade de que o adolescente torne-se usuário de substâncias.
EPIDEMIOLOGIA Álcool Um levantamento recente mostrou que beber era um problema significativo para 10 a 20% dos adolescentes. Na variação etária de 13 a 17 anos, nos Estados Unidos, há 3 milhões de pessoas com problema de bebida e 300 mil adolescentes com dependência de álcool. A lacuna entre consumidores do sexo masculino e do sexo feminino está ficando cada vez mais estreita. O hábito de beber foi relatado por 70% dos alunos da oitava série: 54% relataram ter bebido no ano anterior, 27% referiram ter ficado bêbados pelo menos uma vez, e 13% confirmaram uso abusivo de bebida nas duas semanas antes do levantamento. No ensino médio, 88% dos estudantes relataram beber, e 77% beberam no ano anterior; 5% dos alunos da oitava série, 1,3% dos alunos do primeiro ano do ensino médio e 3,6% dos alunos dos últimos anos do ensino médio relataram uso diário de álcool.
Maconha A maconha é a droga ilícita mais usada por estudantes do ensino médio. Ela foi chamada de “droga de entrada”, porque o mais forte prognosticador de futuro uso de cocaína é o consumo freqüente de maconha durante a adolescência. Entre alunos da oitava série, do primeiro ano do ensino médio e dos últimos anos do ensino médio, 10, 23 e 36%, respectivamente, relataram uso de maconha, uma ligeira diminuição em relação ao ano anterior ao levantamento. Entre estes, 0,2, 0,8 e 2%, respectivamente, referiram uso diário. As taxas de prevalência para a maconha são mais altas entre homens e mulheres nativos americanos, sendo quase tão altas em homens e mulheres brancos e homens americanos de origem mexicana. As taxas anuais mais baixas são relatadas por mulheres latino-americanas, afro-americanas e homens e mulheres americanos de origem asiática. Entre jovens presos por uso de droga ilícita em 2000, a maconha era a droga mais comumente utilizada por homens (55%) e mulheres (60%).
Cocaína O uso anual de cocaína relatado por alunos do último ano do ensino médio diminuiu mais de 30% entre 1990 e 2000. Hoje, estima-se que
1374
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
cerca de 0,5% dos alunos da oitava série, 1% dos alunos do primeiro ano do ensino médio e 2% dos alunos dos últimos anos do ensino médio tenham usado cocaína. As taxas de prevalência para uso de crack, entretanto, estão aumentando e são mais comuns em jovens entre 18 e 25 anos.
Dietilamida do ácido lisérgico (LSD) Segundo relatos, a dietilamida do ácido lisérgico (LSD) é utilizada por 2,7% dos alunos da oitava série, 5,6% dos alunos do primeiro ano do ensino médio e 8,8% dos alunos dos últimos anos do ensino médio. Entre estes últimos, 0,1% referiram uso diário. As taxas atuais de uso de LSD são as mais baixas das duas últimas décadas.
Inalantes O uso de inalantes na forma de cola, aerossóis e gasolina é relativamente mais comum entre adolescentes mais jovens do que mais velhos. Entre alunos de oitava série, do ensino médio e dos últimos anos do ensino médio, 17,6, 15,7 e 17,6%, respectivamente, relataram uso de inalantes; 0,2% dos alunos da oitava série, 0,1% dos alunos do primeiro ano do ensino médio e 0,2% dos alunos dos últimos anos do ensino médio confirmaram o uso diário de inalantes.
Uso de múltiplas substâncias Entre adolescentes inscritos em programas de tratamento de abuso de substâncias, 96% são usuários de diversas drogas; 97% dos que abusam de drogas também consomem álcool. O leitor pode recorrer ao Capítulo 12, Transtornos relacionados a substâncias, para um resumo mais completo de dados epidemiológicos de uso de drogas ilícitas.
ETIOLOGIA Fatores genéticos A concordância para alcoolismo é, segundo relatos, mais alta entre gêmeos monozigóticos do que entre dizigóticos. Muito menos estudos foram feitos sobre famílias de pessoas que abusam de drogas. Um estudo de gêmeos com usuários de drogas mostrou que a concordância de abuso para monozigóticos do sexo masculino era duas vezes maior do que para dizigóticos. Estudos de filhos de alcoolistas criados longe de seus lares biológicos revelaram que estas crianças têm uma chance de cerca de 25% de tornarem-se adictas. Fatores psicossociais Um estudo recente concluiu que crianças em famílias com as medidas mais baixas de supervisão e monitoração parental iniciaram uso de álcool, tabaco e outras drogas mais cedo do que aque-
las pertencentes a famílias com mais supervisão. O risco era maior para as com menos de 11 anos de idade. Com monitoração mais rigorosa, pré-adolescentes poderiam demorar mais ou serem impedidos de iniciar o uso de drogas e álcool. Além disso, supervisão aumentada durante os anos intermediários da infância pode diminuir a amostragem de droga e álcool e, basicamente, diminuir o risco de consumo de maconha, cocaína ou inalantes no futuro. Co-morbidade Segundo relatos, as taxas de uso de álcool e drogas são mais altas entre parentes de crianças com depressão e transtornos bipolares. Transtornos de humor, por sua vez, são comuns entre pessoas com alcoolismo. Há evidência de uma forte ligação entre comportamento anti-social precoce, transtorno da conduta e abuso de substâncias. O abuso de substâncias pode ser visto como uma forma de desvio comportamental, que não surpreendentemente, está associado a outras formas de desvio social e comportamental. Intervenção para crianças que precocemente mostram sinais de desvio social e comportamento anti-social pode impedir os processos que contribuem para posterior abuso de substâncias. Co-morbidade, a ocorrência de mais de um transtorno por uso de substâncias ou a combinação de um transtorno por uso de substâncias e outro transtorno psiquiátrico, é comum. É importante conhecer todos os transtornos co-mórbidos, os quais podem mostrar respostas diferentes a tratamento. Levantamentos entre adolescentes com alcoolismo mostram taxas de 50% ou mais altas para outros transtornos psiquiátricos, em especial transtornos do humor. Um levantamento recente com adolescentes que usavam álcool revelou que mais de 80% satisfaziam os critérios para um transtorno mental. As condições presentes com mais freqüência eram os transtornos depressivos, transtornos do comportamento diruptivo e transtornos por uso de substâncias. Essas taxas de comorbidade são até mais altas do que aquelas para adultos. O diagnóstico de abuso ou dependência de álcool tem mais probabilidade de seguir-se a outros transtornos, e não de precedê-los; o fato de que uma grande proporção de adolescentes com alcoolismo tem um transtorno da infância anterior apresenta implicações etiológicas e de tratamento. Neste levantamento, o início de problemas com o alcoolismo não precedia, de forma sistemática, abuso ou dependência de substâncias. Em 50% dos casos, o uso de álcool seguiu-se ao uso de outras substâncias. O consumo de álcool pode ser uma entrada para o uso de drogas, mas isso não se efetiva na maioria dos casos. A presença de outros transtornos psiquiátricos estava associada ao início mais precoce de alcoolismo, mas não parecia indicar um curso mais prolongado.
DIAGNÓSTICO E CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS De acordo com a quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR), transtornos relacionados a substâncias incluem dependência, abuso, intoxicação, abstinência e vários transtornos induzidos por substâncias (p. ex., transtorno de ansiedade induzido por álcool). Dependência de substâncias refere-se a um agrupamento de sintomas cognitivos, com-
ABUSO DE SUBSTÂNCIAS NA ADOLESCÊNCIA
portamentais e fisiológicos indicando que a pessoa continua o uso de uma substância a despeito de problemas significativos relacionados a ela. Um padrão de auto-administração repetida pode resultar em tolerância, abstinência e comportamento de consumo compulsivo. Dependência pode ser aplicada a todas as substâncias, com exceção de cafeína. Isto requer a presença de pelo menos três sintomas do padrão mal-adaptativo, que pode ocorrer em qualquer tempo durante o mesmo período de 12 meses. Os sintomas de dependência incluem tolerância, abstinência, uso mais pesado da substância do que o pretendido, desejo malsucedido de parar ou controlar o uso e redução de atividades sociais e ocupacionais devido ao uso da substância. Além disso, o usuário sabe que a substância causa prejuízo significativo, mas não desiste. Dependência fisiológica (evidência de tolerância ou abstinência) pode ou não estar presente. Abuso de substâncias refere-se a um padrão mal-adaptativo de uso da substância levando a prejuízo ou sofrimento clinicamente significativo, manifestado por um ou mais dos seguintes sintomas dentro de um período de 12 meses: uso recorrente da substância em situações que causam dano físico ao usuário, uso recorrente da mesma independe de prejuízo evidente na escola ou no trabalho, uso recorrente da substância a despeito de problemas legais resultantes ou uso recorrente a despeito de problemas sociais ou interpessoais. Para satisfazer os critérios para abuso de substâncias, os sintomas nunca devem ter satisfeito os critérios para dependência para esta classe de substâncias. Intoxicação por substâncias refere-se ao desenvolvimento de uma síndrome reversível, específica à substância, causada pelo uso da mesma. Alterações comportamentais ou psicológicas mal-adaptativas clinicamente significativas devem estar presentes. Abstinência de substâncias refere-se a uma síndrome específica à substância causada pela cessação ou redução do uso prolongado da mesma. A síndrome específica à substância causa sofrimento clinicamente significativo ou prejudica o funcionamento social ou ocupacional. O diagnóstico de uso de álcool ou drogas na adolescência é feito mediante entrevista cuidadosa, observações, achados laboratoriais e história fornecida por fontes confiáveis. Muitos sinais não-específicos podem apontar para uso de álcool ou drogas, e os médicos devem ser cuidadosos ao confirmarem intuições antes de tirarem conclusões precipitadas. O uso de substâncias pode ser percebido em um continuum, de experimentação (o uso mais leve), uso regular sem prejuízo óbvio, abuso, até dependência. Alterações no desempenho acadêmico, indisposições físicas inespecíficas, mudanças nos relacionamentos com membros da família, mudanças de grupo, telefonemas inexplicados ou mudanças na higiene pessoal podem indicar uso de substâncias na adolescência. Muitos desses indicadores, entretanto, também podem ser consistentes com o início de depressão, ajustamento à escola, ou o pródromo de doença psicótica. Portanto, é importante manter abertos os canais de comunicação com o adolescente quando há suspeita de uso de substâncias. O consumo de substâncias está relacionado a uma variedade de comportamentos de alto risco, incluindo uso de armas, comportamento suicida, experiência sexual precoce, direção perigosa, música heavy metal ou alternativa e, às vezes, envolvimento em cultos ou satanismo. Ainda que nenhum destes
1375
comportamentos seja, necessariamente, prognóstico de uso de substância, podem provocar suspeitas. Adolescentes com habilidades sociais inadequadas podem usar uma substância como forma de tentar ajustar-se ao grupo de iguais. Em certos casos, começam o uso em casa com seus pais, que também usam substâncias, para melhorar suas interações sociais. Apesar de não haver evidência de um adolescente típico usuário de álcool ou drogas, muitos usuários de substâncias parecem ter déficits de habilidades sociais, dificuldades acadêmicas e relacionamentos com o grupo abaixo do ideal. TRATAMENTO Os locais de tratamento que atendem adolescentes com transtornos por uso de álcool ou drogas incluem unidades hospitalares, instalações de tratamento residencial, casas de passagem, casas de grupo, programas hospitalares parciais e ambulatórios. Os componentes básicos do tratamento atêm-se à psicoterapia individual, ao aconselhamento específico para drogas, aos grupos de autoajuda (Alcoólicos Anônimos [AA], Narcóticos Anônimos [NA], Alateen, Al-Anon), programas de educação sobre abuso de substâncias e prevenção de recaída, bem como testagem aleatória de urina para drogas. Terapia familiar e intervenção psicofarmacológica podem ser acrescentadas. Antes de decidir sobre o local de tratamento mais adequado para determinado adolescente, um processo de triagem deve ser feito, no qual entrevistas estruturadas e não-estruturadas ajudam a determinar os tipos de substâncias que estão sendo utilizadas e suas quantidades e freqüências. Também é fundamental determinar transtornos psiquiátricos coexistentes. Escalas de avaliação costumam ser empregadas para documentar a gravidade do abuso antes e depois do tratamento. O Teen Addiction Severity Index (T-ASI), a Adolescent Drug and Alcohol Diagnostic Assessment (ADAD) e o Adolescent Problem Severity Index (APSI) são escalas de avaliação orientadas para a gravidade. A primeira é dividida em dimensões que incluem função familiar, situação escolar e profissional, situação psiquiátrica, relacionamentos sociais com iguais e situação legal. Após a maior parte das informações sobre uso de substâncias e sobre a condição psiquiátrica global do paciente ter sido obtida, uma estratégia de tratamento deve ser escolhida e um local apropriado deve ser estabelecido. Duas abordagens muito diferentes ao tratamento de abuso de substâncias são incorporadas no modelo Minnesota e no modelo profissional multidisciplinar. O primeiro baseia-se na premissa do AA; é um programa intensivo de 12 passos com um conselheiro que atua como terapeuta primário. O programa utiliza participação de auto-ajuda e processos de grupo. Inerente a esta estratégia de tratamento está a necessidade de os adolescentes admitirem que o uso de substâncias é problemático e que precisam de ajuda. Além disso, devem estar dispostos a trabalhar para alterar seus estilos de vida, a fim de erradicar o uso de substâncias. O modelo profissional multidisciplinar consiste de uma equipe de profissionais da saúde mental que costuma ser liderada por um médico. Seguindo um modelo de gerenciamento de caso, cada membro da equipe atém-se a áreas de tratamento específicas pelas quais é responsável. As intervenções podem incluir
1376
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
terapia cognitivo-comportamental, terapia familiar e intervenção farmacológica. Esta abordagem em geral é adequada para adolescentes com diagnósticos psiquiátricos co-mórbidos. Abordagens cognitivo-comportamentais de adolescentes que abusam de substância requerem que os mesmos estejam motivados a participar do tratamento e abstenham-se do consumo. A terapia focaliza-se na prevenção de recaída e na manutenção da abstinência. As intervenções psicofarmacológicas para adolescentes usuários de álcool e drogas ainda estão em seus estágios iniciais. Quando transtornos do humor estão presentes, há indicações claras para antidepressivos e, em geral, os inibidores seletivos da recaptação de serotonina são a opção de primeira linha. No passado, algumas intervenções farmacológicas visavam a ajudar no processo de abstinência. Por exemplo, o dissulfiram foi usado para causar uma reação aversiva se álcool fosse ingerido. Em certos casos, a administração de um medicamento foi uma opção para bloquear o efeito reforçador da droga ilícita, por exemplo, dar naltrexona para abuso de opióides ou álcool. Alguns agentes aliviam a “fissura” ou os sintomas de abstinência por uma droga que não está mais sendo usada. A clonidina tem sido usada durante a abstinência de heroína. Às vezes, uma intervenção é adotada para substituir a droga ilícita por uma outra que seja mais sensível à situação de tratamento, por exemplo, usar metadona em vez de heroína. É necessário que os adolescentes tenham duas tentativas de desintoxicação documentadas e consentimento de um adulto antes que possam ingressar nesse tipo de programa de tratamento. Fred é um jovem de 16 anos internado para tratamento de uso de substâncias pela segunda vez, após uma recaída e ameaças de suicídio. Ele foi admitido em um programa hospitalar após uma tentativa de suicídio séria. O mesmo relatou uma longa história de comportamento diruptivo e fracasso acadêmico desde a infância. Tornara-se cada vez mais negligente na escola e difícil de ser controlado pela família. Durante seu primeiro episódio de tratamento, relatou início de uso de substâncias aos 11 anos de idade, progressão rápida no envolvimento com drogas desde os 13 anos de idade, até uso atual de maconha todos os dias, ingestão de álcool diversas vezes por semana, “viagens” freqüentes de LSD e experimentação de uma variedade de substâncias. Fred freqüentava sessões de grupo focalizando-se em sua negação inicial do problema de uso de substâncias e, então, descobriu o processo de recuperação enquanto freqüentava outros grupos e reuniões do AA e dos NA. As sessões familiares de grupo mostraram a ele e a seus pais a necessidade de uma melhor comunicação e interações mais adaptativas. Aos poucos, o jovem respondeu à estrutura do programa de tratamento, embora tivesse freqüentes problemas com controle da raiva quando confrontado pelo grupo ou pelos funcionários ou quando frustrado. Os sintomas depressivos não diminuíram após duas semanas de abstinência, e Fred recebeu fluoxetina. Ele apresentou melhora rápida no humor e adesão ao tratamento. Na alta, estava freqüentando reuniões do NA e fazendo terapia ambulatorial. Entretanto, os conflitos familiares logo voltaram a ocorrer, e Fred passou a relaxar em
relação ao tratamento ambulatorial, à medicação e às reuniões. Retomou antigos relacionamentos com amigos desviantes e voltou a usar maconha e álcool. (Cortesia de Oscar G. Bukstein, M.D.) Os tratamentos eficazes para a cessação do tabagismo incluem goma de mascar, adesivos, spray ou inalante nasal contendo nicotina. A bupropiona ajuda a diminuir a “fissura” por nicotina e é benéfica no tratamento da cessação do fumo. Visto que a co-morbidade influencia o resultado do tratamento, é importante prestar atenção a condições como transtornos do humor, transtornos de ansiedade, transtorno da conduta ou transtorno de déficit de atenção/hiperatividade durante o tratamento de transtornos por uso de substâncias. REFERÊNCIAS Adalbjarnardottir S, Rafnsson FD. Adolescent antisocial behavior and substance use: longitudinal analyses. Addict Behav. 2002;27:227. Arria AM, Yacoubian GS Jr, Fost E, Wish ED. The pediatric forum: ecstasy use among club rave attendees. Arch Pediatr Adolesc Med. 2002;156:295. Bernard RM, Lockhart IA, Boermeester F, Tredoux C. Cigarette smoking in an adolescent population. S Afr Med J. 2002; 92:58. Botvin GJ, Griffin KW, Diaz T, Scheier LM, Williams C, Epstein JA. Preventing illicit drug use in adolescents: long-term follow-up data from a randomized control trial of a school population. Addict Behav. 2000;25:769. Bukstein OG. Adolescent substance abuse. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2932. Chilcoat HD, Anthony J. Impact of parent monitoring on initiation of drug use through late childhood. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1996;35:91. Copans SA, Kinney J. Adolescents. In: Kinney J, ed. Clinical Manual of Substance Abuse. St. Louis: Mosby-Year Book; 1996:288. Degenhardt L, Hall W, Linskey M. Alcohol, cannabis and tobacco use among Australians: a comparison of the associations with other drug use and use disorders, affective and anxiety disorders, and psychosis. Addiction. 2001;96:1603. De Micheli D, Formigoni ML. Are reasons for the first use of drugs and family circumstances predictors of future use patterns? Addict Behav. 2002;1:87. Duffy A, Milin R. Case study. withdrawal syndrome in adolescent chronic cannabis users. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1996;35:1618. Kaminer Y. Adolescent Substance Abuse: A Comprehensive Guide to Theory and Practice. New York: Plenum, 1994. King CA, Ghaziuddin N. McGovern L, Brand E, Hill E, Naylor M. Predictors of comorbid alcohol and substance abuse in depressed adolescents. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1996;35:743. Robbins MS, Kumar S, Walker-Barnes C, Feaster DJ, Briones E, Szapocznik J. Ethnic differences in comorbidity among substance-abusing adolescents referred to outpatient therapy. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2002;4:394. Van Kampen J, Katz M. Persistent psychosis after a single ingestion of “ecstasy.” Psychosomatics. 2001;42:525. Weinberg NZ. Risk factors for adolescent substance abuse. J Learn Disabil. 2001;34:343. Wills TA, Sandy JM, Yaeger AM, Cleary SD, Shinar O. Coping dimensions, life stress, and adolescent substance use: a latent growth analysis. J Abnorm Psychol. 2001;110:309.
52 Psiquiatria infantil: outras condições que podem ser foco de atenção clínica
FUNCIONAMENTO INTELECTUAL LIMÍTROFE O funcionamento intelectual das crianças desempenha papel fundamental em seu ajustamento à escola, aos relacionamentos sociais e à função familiar. Aquelas que não conseguem entender completamente o trabalho em sala de aula e são “lentas” para entender regras de jogos e regras de convívio social em seu grupo de iguais costumam ser rejeitadas. Algumas crianças com funcionamento intelectual limítrofe podem relacionar-se socialmente melhor do que o fazem do ponto de vista acadêmico. Nestes casos, os pontos fortes dessas crianças podem ser os relacionamentos com seus pares, em especial se têm bom desempenho nos esportes. Mesmo assim, suas dificuldades acadêmicas costumam prejudicar a auto-estima, caso não sejam corrigidas de forma adequada. De acordo com a revisão do texto da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR), uma criança com funcionamento intelectual limítrofe tem quociente de inteligência (QI) entre 71 e 84. Funcionamento adaptativo prejudicado acompanha o transtorno, que é diagnosticado quando dificuldades nas áreas acadêmica, social ou profissional, característicos do funcionamento intelectual limítrofe, necessitam de atenção clínica. Os médicos devem avaliar o nível intelectual do paciente e o nível de funcionamento adaptativo atual e passado, para que o diagnóstico de funcionamento intelectual limítrofe seja feito. Em pacientes com transtornos mentais maiores, cujo nível atual de funcionamento adaptativo deteriorou-se, esse diagnóstico pode não ser tão claro. Nessas situações, os médicos devem avaliar a história pregressa do paciente, para determinar se o nível de funcionamento estava ou não comprometido antes do início do transtorno mental. Apenas cerca de 6 a 7% da população apresenta QI limítrofe, conforme determinado pelo teste de Stanford-Binet ou pelas escalas Wechsler. A premissa por trás da inclusão de funcionamento intelectual limítrofe no DSM-IV-TR é de que as pessoas podem demonstrar dificuldades em suas capacidades adaptativas como resultado de déficits intelectuais, necessitar de atenção especializada. Mesmo na ausência de conflitos intrapsíquicos específicos, traumas do desenvolvimento, anormalidades biológicas e outros fatores relacionados a qualquer transtorno mental, essas pessoas podem vivenciar sofrimento emocional grave. Frustração e embaraço por suas dificuldades
podem influenciar suas escolhas de vida e levar a circunstâncias que justificam intervenção psiquiátrica. Etiologia Fatores genéticos cada vez mais parecem desempenhar um papel importante nos déficits intelectuais. Privação ambiental e exposições infecciosas e tóxicas também contribuem para o prejuízo cognitivo. Estudos com gêmeos e com crianças adotadas apóiam as hipóteses de que muitos genes contribuem para o desenvolvimento de um QI particular. Processos infecciosos específicos (p. ex., rubéola congênita), exposições pré-natais (p. ex., síndrome alcoólica fetal) e anormalidades cromossômicas específicas (p. ex., síndrome do X frágil) resultam em retardo mental. Diagnóstico O DSM-IV-TR contém a seguinte declaração sobre funcionamento intelectual limítrofe: Esta categoria pode ser usada quando o foco de atenção clínica está associado a um funcionamento intelectual limítrofe, isto é, um QI na faixa de 71 a 84. O diagnóstico diferencial entre funcionamento intelectual limítrofe e retardo mental (QI igual ou menor que 70) é especialmente difícil quando há outros transtornos mentais (p. ex., esquizofrenia) envolvidos. Nota para codificação: Codificado no Eixo II. Tratamento O foco principal do tratamento é melhorar habilidades adaptativas práticas, habilidades sociais e auto-estima. O objetivo é facilitar a combinação entre as capacidades da pessoa e seu estilo de vida. Após o terapeuta ter conhecimento do problema subjacente, tratamento psiquiátrico pode ser útil. Muitas pessoas com funcionamento intelectual limítrofe podem atuar em um nível superior em algumas áreas, enquanto são acentuadamente deficientes em outras. Direcionando tais indivíduos para áreas de atividade adequadas, salientando comportamentos social-
1378
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
mente aceitáveis e ensinando-lhes habilidades de vida, o terapeuta ajuda a melhorar sua auto-estima. PROBLEMA ACADÊMICO Os editores do DSM-IV-TR referem-se a problema acadêmico como um problema que não é decorrente de um transtorno mental ou, se o for, é grave o suficiente a ponto de indicar atenção clínica independente. Esta categoria diagnóstica é usada quando uma criança ou um adolescente está tendo dificuldades acadêmicas significativas, que não são resultantes de um transtorno da aprendizagem específico ou de transtorno da comunicação, ou diretamente relacionadas a um transtorno psiquiátrico. Contudo, uma intervenção é necessária porque o desempenho escolar está muito prejudicado. Portanto, uma criança ou um adolescente que tem inteligência normal e está livre de um transtorno da aprendizagem ou de um transtorno da comunicação, mas está sendo reprovado ou indo mal na escola, enquadra-se nesta categoria. Etiologia Muitos fatores emocionais contribuem para a confiança, a competência e o sucesso acadêmico. Crianças perturbadas por conflito familiar, isolamento social ou timidez podem não atingir seu potencial. Problemas acadêmicos podem ter muitos fatores contribuintes e surgir em qualquer tempo durante os anos escolares. A escola é a ocupação mais importante de crianças e adolescentes, representando seu principal instrumento social e educacional. Ajustamento e sucesso no ambiente escolar dependem do ajustamento físico, cognitivo, social e emocional da criança. O sucesso acadêmico e social da criança na escola depende diretamente dos mecanismos utilizados por ela para lidar com as tarefas próprias do desenvolvimento. Meninos e meninas devem lidar com o processo de separação dos pais, ajustamento a novos ambientes, adaptação a contatos sociais, competição, afirmação, intimidade e exposição a situações desconhecidas. Com freqüência existe uma relação correspondente entre desempenho escolar e o quão bem essas tarefas são dominadas. A ansiedade pode desempenhar um papel importante no desempenho acadêmico. Pode dificultar a capacidade de a criança sair-se bem em provas, de falar em público e de fazer perguntas quando não entende alguma coisa. Algumas crianças ficam tão preocupadas com a maneira como os outros as vêem que não conseguem prestar atenção a suas tarefas escolares. Para muitas delas, conflitos em relação a sucesso e medo das conseqüências que imaginam acompanhar a obtenção de sucesso podem dificultar o seu desempenho acadêmico. Sigmund Freud descreveu aqueles com este tipo de conflito como “pessoas destruídas pelo sucesso”. Por exemplo, uma adolescente pode ser incapaz de sair-se bem na escola porque teme rejeição social ou a perda da feminilidade, ou ambas, e entende o sucesso como estando envolvido com agressividade e competição com os meninos. Crianças deprimidas também podem afastar-se de atividades acadêmicas, requerem intervenções específicas para melhorar seu desempenho escolar e para tratar a depressão. Aquelas que não têm transtorno
depressivo maior, mas que são perturbadas por problemas familiares, tais como dificuldades financeiras, discórdia conjugal e doença mental em membros da família, podem ser distraídas e incapazes de dedicar-se a tarefas acadêmicas. As que recebem mensagens contraditórias de seus pais sobre aceitar críticas e outra orientação de seus professores podem tornar-se confusas e incapazes de atingir um bom desempenho escolar. A perda dos pais como professores primários e predominantes na vida de uma criança pode resultar em conflitos de identidade para algumas. Alguns estudantes não possuem um senso estável de self e não são capazes de identificar objetivos para si próprios, situação que leva a uma sensação de enfado ou futilidade. Os antecedentes culturais e econômicos desempenham papel fundamental em relação a quão bem aceita a criança se sente na escola e afeta desempenho acadêmico. Nível socioeconômico familiar, educação dos pais, raça, religião e funcionamento familiar podem influenciar no senso de adequação da criança e afetar a preparação para cumprir as demandas da escola.
Escolas, professores e médicos podem compartilhar idéias sobre como promover ambientes produtivos e cooperativos para todos os alunos em sala de aula. As expectativas do professor em relação a seus alunos influenciam seu desempenho. Ele atua como agente cujas variadas expectativas moldam o desenvolvimento diferencial das habilidades e capacidades de seus alunos. Esse tipo de condicionamento cedo na escola, em especial quando negativo, pode perturbar o desempenho acadêmico. Portanto, a resposta afetiva do professor a uma criança é capaz de levar ao surgimento de um problema escolar. Mais importante é a relação sensível entre professores e alunos, em todos os níveis de educação, incluindo a faculdade de medicina. Diagnóstico O DSM-IV-TR contém o seguinte sobre problema acadêmico: Esta categoria pode ser utilizada quando o foco da atenção clínica é um problema acadêmico, não devido a um transtorno mental, ou, se devido a um transtorno mental, suficientemente grave a ponto de indicar atenção clínica independente. Um exemplo é um padrão de queda nas notas ou de significativa baixa no rendimento escolar em uma pessoa com capacidade intelectual adequada, na ausência de um transtorno de aprendizagem ou da comunicação, ou de qualquer outro transtorno mental que poderia explicar o problema. Um estudante de 17 anos só tirava notas altas, era ativo no futebol da escola e tinha uma namorada estável. Seus pais ficaram satisfeitos quando ele conseguiu um emprego de meio período, mas três meses depois foi reprovado em matemática. A avaliação psiquiátrica não revelou evidência de depressão, transtorno de adaptação ou outra condição psiquiátrica. A avaliação familiar indicou história de dificuldades financeiras e forte empenho para ganhar dinheiro. O estudante modificou seu horário de trabalho e repetiu matemática na recuperação de verão; veio a freqüentar a faculdade sem dificuldade. (Cortesia de James J. McGough, M.D.)
PSIQUIATRIA INFANTIL:
OUTRAS CONDIÇÕES QUE PODEM SER FOCO DE ATENÇÃO CLÍNICA
Tratamento O passo inicial para determinar a intervenção para um problema acadêmico é uma avaliação diagnóstica abrangente. Após ser constatado que outro transtorno mental não está influenciando diretamente no desempenho acadêmico, uma intervenção adequada pode ser desenvolvida. Apesar de não ser considerado um transtorno mental, o problema acadêmico pode ser atenuado por meios psicológicos. Técnicas psicoterapêuticas são usadas com sucesso para dificuldades escolares relacionadas a baixa motivação, autoestima pobre e desempenho inferior ao esperado. Esforços precoces para aliviar o problema são fundamentais, dificuldades contínuas na aprendizagem e no desempenho escolar com freqüência se acumulam e precipitam condições graves. Sentimentos de raiva, frustração, vergonha, perda de respeito próprio e desesperança – emoções que costumam acompanhar fracassos escolares – prejudicam a auto-estima, tanto emocional quanto cognitivamente, impedindo o futuro desempenho e obscurecendo as expectativas de sucesso. Em geral, crianças com problemas acadêmicos requerem intervenção da escola ou atenção individual. Aulas particulares são uma técnica efetiva para lidar com problemas acadêmicos e devem ser consideradas na maioria dos casos. Estas se revelaram valiosas na preparação para exames de múltipla escolha objetivos, como o Teste de Aptidão Escolar (SAT) e o Teste de Aptidão da Faculdade de Medicina (MCAT). Executá-los várias vezes e utilizar técnicas de relaxamento são métodos comportamentais de grande valor para diminuir a ansiedade. COMPORTAMENTO ANTI-SOCIAL EM CRIANÇAS OU ADOLESCENTES De acordo com o DSM-IV-TR, comportamento anti-social em crianças ou adolescentes refere-se a comportamento que não é causado por um transtorno mental e inclui atos anti-sociais isolados, não um padrão de comportamento. Esta categoria inclui muitos atos de crianças e adolescentes que violam os direitos de outros, com atitudes de agressão e violência e atos velados de mentira, roubo, matar aulas e fugas de casa. Alguns atos anti-sociais, como provocação de incêndio, posse de arma ou agressão a terceiros, requerem intervenção até para uma ocorrência isolada. Às vezes, crianças sem um padrão recorrente de agressividade ou comportamento anti-social envolvem-se em condutas menos graves ocasionalmente que, contudo, exigem alguma intervenção. A definição de transtorno da conduta segundo o DSM-IV-TR requer um padrão repetitivo de pelo menos três comportamentos antisociais, por pelo menos seis meses. Mas, comportamento antisocial em crianças ou adolescentes pode consistir de eventos isolados que não representam um transtorno mental, mas que se tornam foco de atenção clínica. O surgimento de sintomas antisociais ocasionais é comum entre crianças que têm uma variedade de transtornos mentais, incluindo transtornos psicóticos, transtornos depressivos, transtornos do controle dos impulsos, comportamento diruptivo e transtornos de déficit de atenção (como transtorno de déficit de atenção/hiperatividade e transtorno desafiador de oposição).
1379
A idade e o nível de desenvolvimento afetam as manifestações de conduta perturbada e influenciarem na probabilidade de a criança satisfazer os critérios diagnósticos para um transtorno da conduta, em oposição a comportamento anti-social da infância. Portanto, uma criança de 5 ou 6 anos de idade provavelmente não satisfará os critérios para três sintomas anti-sociais – por exemplo, confrontações físicas, uso de armas e forçar alguém a atividade sexual – mas um único sintoma, por exemplo, iniciar brigas físicas, é comum neste grupo etário. A expressão delinqüente juvenil é utilizada pelo sistema legal para descrever um jovem que violou a lei de alguma forma, mas isso não significa que o mesmo satisfaça os critérios para um transtorno mental. Epidemiologia A prevalência estimada de comportamento anti-social varia de 5 a 15% da população geral, a um pouco menos entre crianças e adolescentes. Relatos documentaram freqüência mais alta desses comportamentos em áreas urbanas do que em áreas rurais. Em um relato, o risco de se envolver com a polícia foi estimado em 20% para meninos e 4% para meninas.
Etiologia Comportamentos anti-sociais podem ocorrer no contexto de um transtorno mental ou em sua ausência. Possuem múltiplas causas e ocorrem com mais freqüência em crianças ou adolescentes com vários fatores de risco. Entre os mais comuns estão pais rudes e fisicamente abusivos, criminalidade familiar e tendência da criança a comportamento impulsivo e hiperativo. Outros aspectos associados a comportamento antisocial são QI baixo, fracasso acadêmico e reduzida supervisão de adultos. (Ver o Capítulo 33 para uma discussão acerca de fatores genéticos e sociais como causas de comportamento anti-social no adulto.)
Fatores psicológicos. Se os cuidados parentais são insatisfatórios, a criança pode sofrer privação emocional, que leva à baixa auto-estima e à raiva inconsciente. Quando a criança não recebe limites, a internalização de proibições, que respondem pela formação do superego, fica deficiente. Portanto, têm as chamadas lacunas de superego, que lhes permitem cometer atos anti-sociais sem culpa. Às vezes, o comportamento anti-social dessas crianças é uma fonte indireta de prazer e gratificação para pais, que expressam seus próprios desejos e impulsos proibidos através de seus filhos. Um achado consistente em pessoas que realizam atos repetidos de comportamento violento é história de abuso físico. Diagnóstico e características clínicas O DSM-IV-TR apresenta a seguinte declaração sobre comportamento anti-social em crianças ou adolescentes: Esta categoria pode ser usada quando o foco de atenção clínica é um comportamento anti-social em uma criança ou adolescente, que não é devido a um transtorno mental (p. ex., transtorno da conduta ou transtorno do controle dos
1380
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
impulsos). Exemplos incluem atos anti-sociais isolados de crianças ou adolescentes (não um padrão de comportamento anti-social). Os comportamentos da infância mais associados a comportamento anti-social são furto, desobediência, detenções, problemas escolares, impulsividade, promiscuidade, comportamento de oposição, mentiras, tentativas de suicídio, abuso de substâncias, “matar aulas”, fugas, associar-se a pessoas indesejáveis e permanecer fora de casa tarde da noite. Quanto mais sintomas estiverem presentes na infância, maior a probabilidade de comportamento anti-social adulto; entretanto, a presença de muitos destes também indica o desenvolvimento de outros transtornos mentais na vida adulta. Diagnóstico diferencial Transtornos relacionados a substâncias (incluindo transtornos por uso de álcool, maconha e cocaína), transtorno bipolar I e esquizofrenia na infância, com freqüência manifestam-se como comportamento anti-social.
objetivos a longo prazo, escolha de uma profissão, padrões de amizade, comportamento sexual, valores morais e lealdade ao grupo. Um problema de identidade pode causar sofrimento grave para um jovem e pode levar à busca de psicoterapia ou orientação. Este problema, entretanto, não é reconhecido como um transtorno mental pelo DSM-IV-TR. Às vezes, manifesta-se no contexto de transtornos como transtornos do humor, transtornos psicóticos e transtorno da personalidade borderline. Epidemiologia Não há informação confiável em relação a fatores predisponentes, padrão familiar, proporção por sexo ou prevalência, mas problemas com a formação da identidade parecem ser um resultado da vida na sociedade moderna. Hoje, crianças e adolescentes costumam vivenciar grande instabilidade na vida familiar, problemas na formação da identidade, conflitos entre os valores do grupo e os valores dos pais e da sociedade, além de exposição, por meio da mídia e da educação, a várias possibilidades morais, comportamentais e de estilo de vida.
Etiologia Tratamento Alterações de conduta muitas vezes acompanham o início de vários outros transtornos psiquiátricos. O primeiro passo para determinar o tratamento adequado para uma criança ou um adolescente que está manifestando comportamento anti-social é avaliar a necessidade de tratar qualquer transtorno mental coexistente, tal como transtorno bipolar I, transtorno psicótico ou transtorno depressivo, que possam estar contribuindo para a condição. O tratamento em geral envolve manejo comportamental, que é mais efetivo quando o paciente está em ambiente controlado ou quando os membros da família cooperam para manter o programa. As escolas podem ajudar a modificar o comportamento anti-social em sala de aula. Recompensas por comportamentos pró-sociais e reforço positivo pelo controle de atitudes indesejadas têm seu valor. Medicamentos não costumam ser utilizados em pacientes com comportamentos anti-sociais raros ou ocasionais. Os mesmos têm sido empregados com algum sucesso quando ocorrem episódios recorrentes de comportamento explosivo, agressividade ou acessos de raiva. Lítio e haloperidol podem reduzir o comportamento explosivo e os acessos de raiva. Quando hiperatividade e impulsividade estão presentes, o metilfenidato pode ajudar a atenuar tais manifestações. É mais difícil tratar crianças e adolescentes que exibem padrões de comportamento anti-social a longo prazo, em particular comportamentos dissimulados, como roubo e mentira. Terapia de grupo tem sido utilizada para tratar esses comportamentos, além de abordagens cognitivas de solução de problema que têm sido benéficas. PROBLEMA DE IDENTIDADE De acordo com o DSM-IV-TR, problema de identidade refere-se a incerteza sobre questões relacionadas à identidade, tais como
As causas dos problemas de identidade em geral são multifatoriais e incluem as pressões de uma família altamente disfuncional e as influências de transtornos mentais coexistentes. Muitas vezes, adolescentes que sofrem de transtorno depressivo maior, transtornos psicóticos e outros transtornos mentais relatam sentir-se afastados de seus familiares e apresentam alguma disfunção. Crianças que tiveram dificuldade contínua em dominar tarefas do desenvolvimento esperadas provavelmente terão problemas com a pressão para estabelecer uma identidade bemdefinida durante a adolescência. Erik Erikson usou a expressão identidade versus difusão de papel para descrever as tarefas evolutivas e psicossociais que desafiam os adolescentes a incorporar experiências passadas e objetivos presentes em um senso de self coerente.
Diagnóstico e características clínicas O DSM-IV-TR apresenta a seguinte declaração sobre problema de identidade: Esta categoria pode ser usada quando o foco da atenção clínica é uma incerteza sobre múltiplas questões relacionadas à identidade, tais como objetivos a longo prazo, escolha de uma profissão, padrões de amizade, orientação e comportamento sexual, valores morais e lealdade grupal. Os aspectos fundamentais do problema de identidade parecem girar em torno da questão “Quem sou eu?”. Conflitos são experimentados como aspectos irreconciliáveis do self, que o adolescente não consegue integrar em uma identidade coerente. Se os sintomas não forem reconhecidos e resolvidos, uma crise de identidade pode desenvolver-se. Conforme Erikson descreveu, o jovem manifesta graves dúvidas e incapacidade de tomar decisões (abulia), senso de isolamento e vazio interior, crescente incapaci-
PSIQUIATRIA INFANTIL:
OUTRAS CONDIÇÕES QUE PODEM SER FOCO DE ATENÇÃO CLÍNICA
dade de relacionar-se com os outros, funcionamento sexual perturbado, perspectiva de tempo distorcida, senso de urgência e presunção de identidade negativa. Os aspectos associados incluem discrepância entre a imagem que o adolescente tem de si e como os outros o vêem; ansiedade e depressão moderadas, geralmente relacionadas mais a preocupações interiores do que à realidade externa; insegurança e incerteza em relação ao futuro, com dificuldade em fazer escolhas ou experiências impulsivas na tentativa de estabelecer uma identidade independente. Algumas pessoas com problemas de identidade passam a freqüentar cultos. Diagnóstico diferencial Problema de identidade deve ser diferenciado de transtorno mental (como transtorno da personalidade borderline, transtorno esquizofreniforme ou um transtorno do humor). Às vezes, o que, em princípio, parece ser um problema de identidade, pode ser a manifestação prodrômica de uma dessas condições. Conflitos intensos, mas normais, associados a amadurecimento, tal como tumulto adolescente e crise da meia-idade, podem ser desconcertantes, mas não costumam estar associados a deterioração acentuada no funcionamento escolar, profissional ou social ou a sofrimento subjetivo grave. Evidências consideráveis indicam que um período da adolescência tumultuado, muitas vezes não é só uma fase a ser superada, mas uma indicação de psicopatologia genuína. Curso e prognóstico O início do problema de identidade é mais freqüente no final da adolescência, quando os adolescentes separam-se da família nuclear e tentam estabelecer uma identidade e um sistema de valores independentes. O início costuma ser caracterizado por aumento gradual de ansiedade, depressão, fenômenos regressivos (p. ex., perda de interesse em amigos, escola e atividades), irritabilidade, dificuldades de sono e alterações nos hábitos alimentares. O curso tende a ser relativamente breve, à medida que as defasagens do desenvolvimento respondem a apoio, aceitação e fornecimento de uma moratória psicossocial. Prolongamento da adolescência, com problema de identidade contínuo, pode levar ao estado crônico de difusão de papéis, que indica um transtorno dos primeiros estágios do desenvolvimento e a presença de transtorno da personalidade limítrofe, trans-
1381
torno do humor ou esquizofrenia. Um problema de identidade em geral resolve-se na metade da segunda década de vida. Se persistir, a pessoa pode tornar-se incapaz de manter compromissos relacionados à carreira ou vínculos pessoais duradouros. Tratamento Psicoterapia individual dirigida ao encorajamento do crescimento e desenvolvimento é considerada a terapia de escolha. Adolescentes com problemas de identidade sentem-se despreparados para lidar com as crescentes demandas por independência social, emocional e sexual. As questões de separação e individuação de suas famílias podem ser desafiadoras e esmagadoras. O tratamento visa a ajudar esses adolescentes a desenvolver um senso de competência e domínio sobre escolhas sociais e profissionais necessárias. O reconhecimento empático, por parte do terapeuta, acerca dos conflitos do adolescente, pode ser útil no processo. REFERÊNCIAS Lenzenweger MF, Clarkin JF, Kernberg OF, Foelsch PA. The inventory of personality organization: psychometric properties, factorial composition, and criterion relations with affect, aggressive dyscontrol, psychosis proneness, and self-domains in a nonclinical sample. Psychol Assess. 2001;13:577. Lewis DO, Yeager CA, Lovely R, Stein A, Coham-Portorreal CS. A clinical follow-up of delinquent males: ignored vulnerabities, unmet needs, and the perpetuation of violence. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1994;33:518. Lundy MS, Pfohl B, Kuperman S. Adult criminality among formerly hospitalized child psychiatric patients. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1993;32:568. McGough JJ. Border intellectual functioning and academic problem. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:1916. Newcorn JH, Halpern JM. Comorbidity among disruptive behavior. Child Adolesc Clin North Am. 1994;3:227. Rapoport JL, Castellanos FX, Gogate N, Janson K, Kohler S, Nelson P. Imaging normal and abnormal brain development: new perspectives for child psychiatry. Aust N Z J Psychiatry. 2001;35:272. Steiner H, Feldman SS. Childhood or adolescent antisocial behavior. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2903. Verhulst IC, Eussen MLJM, Berden GFMG, Sanders-Woodstra J, van der Ende J. Pathways of problem behaviors from childhood to adolescence. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1993;32:388.
53 Tratamento psiquiátrico de crianças e adolescentes
53.1 Psicoterapia individual Para abordar uma criança com intervenções terapêuticas, deve-se compreender o desenvolvimento normal em determinada idade e conhecer sua história de vida. Existe ampla variação normal em relação a quanto as crianças são fluentes em descrever suas emoções em palavras e ao nível de motivação que empregam neste processo. A psicoterapia individual focaliza-se em melhorar as habilidades adaptativas das crianças dentro e fora do ambiente familiar. O tratamento reflete um entendimento acerca dos seus níveis de desenvolvimento e mostra a sensibilidade para com a família e o ambiente no qual vivem. A maioria das crianças não procura tratamento psiquiátrico; elas são levadas a um psicoterapeuta devido a um transtorno observado por um membro da família, um professor ou um pediatra. Com freqüência acreditam que estão sendo levadas para tratamento devido a mau comportamento ou como punição por más ações. As crianças podem revelar seus pensamentos, sentimentos, humores e experiências perceptivas melhor do que outros; entretanto, mesmo quando problemas de comportamento foram identificados por outras pessoas, suas experiências internas podem ser, em grande parte, desconhecidas. É comum descreverem seus sentimentos em determinada situação, e não conseguirem fazer mudanças sem a ajuda de um intercessor. Portanto, os psicoterapeutas infantis funcionam como intercessores para seus pacientes em interações com escolas, órgãos legais e organizações da comunidade. Esses profissionais podem ser chamados para fazer recomendações que afetam vários aspectos da vida das crianças. TEORIAS E TÉCNICAS Para melhor tratar os problemas emocionais, sociais e acadêmicos de crianças de várias idades e níveis de desenvolvimento, os médicos devem ter um conhecimento operante de diversas técnicas psicoterapêuticas e de suas aplicações na infância. Abordagens psicodinâmicas costumam ser combinadas com componentes de apoio e técnicas de manejo comportamental para elaborar um plano de tratamento abrangente. A psicoterapia individual em geral ocorre em conjunto com terapia familiar, terapia de grupo e, quando indicado, psicofarmacologia. Diversos sistemas teóricos formam a base de abordagens
psicoterapêuticas com crianças, incluindo teorias psicanalíticas, comportamentais, familiares sistêmicas e do desenvolvimento. Teorias psicanalíticas Na teoria psicanalítica clássica, a psicoterapia exploratória aplicase a pacientes de todas as idades por meio de inversão da evolução de processos psicopatológicos. Uma diferença principal observada com o avanço da idade é uma distinção acentuada entre fatores psicogênicos e psicodinâmicos. Quanto mais jovem a criança, mais as forças genéticas e dinâmicas estão entrelaçadas. Acredita-se que o desenvolvimento desses processos patológicos se dê a partir de experiências que se revelaram particularmente significativas para as crianças e afetaram-nas de forma adversa. Ainda que, em certo sentido, as experiências fossem reais, em outro, podem ter sido mal-interpretadas ou imaginadas. De qualquer maneira, para as crianças, estas foram experiências traumáticas que causaram complexos inconscientes. Sendo inacessíveis à consciência, os elementos inconscientes escapam com facilidade de manobras adaptativas racionais e estão sujeitos a mau uso patológico de mecanismos adaptativos e defensivos. O resultado é o desenvolvimento de conflitos que causam sintomas, atitudes de caráter ou padrões de comportamento aflitivos que constituem o transtorno emocional. A visão psicanalítica de transtornos emocionais em crianças tem assumido cada vez mais uma orientação evolutiva. Portanto, o funcionamento defensivo mal-adaptativo é dirigido contra conflitos entre impulsos que caracterizam uma fase do desenvolvimento e influências ambientais específicas ou representações internalizadas desse ambiente. Em tal estrutura, os transtornos resultam de interferência ambiental nos períodos de desenvolvimento ou de conflitos com o ambiente causados por progresso no desenvolvimento. O resultado é a dificuldade em realizar ou resolver tarefas e em satisfazer capacidades que são específicas de fases posteriores do desenvolvimento. Esses estágios podem ser expressos de várias formas, desde as linhas de desenvolvimento de Anna Freud até o conceito de capacidades psicossociais seqüenciais de Erik Erikson. O objetivo da terapia é ajudar a desenvolver boas habilidades de resolução de conflito em crianças, a fim de que possam funcionar em seus níveis adequados de desenvolvimento. Essa intervenção pode ainda ser necessária quando as crianças enfrentam os desafios de períodos subseqüentes do desenvolvimento.
TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
A psicoterapia psicanalítica é uma forma modificada de psicoterapia que é expressiva e exploratória e que se esforça por reverter a evolução do transtorno emocional mediante reinterpretação e dessensibilização de eventos traumáticos por meio da livre expressão de pensamentos e sentimentos em uma situação de entrevista-jogo. Em última análise, os terapeutas ajudam os pacientes a entender sentimentos, medos e desejos reprimidos que os perturbam. Enquanto a abordagem psicoterapêutica psicanalítica busca a melhora pela exposição e pela resolução de conflitos reprimidos, a psicoterapia de apoio supressivo-educativa funciona da maneira oposta, visando a facilitar a repressão. Os terapeutas, tirando proveito do desejo que os pacientes têm de agradar, encorajam-nos a adotar novos mecanismos adaptativos e defensivos. Nesta terapia, os médicos usam um mínino de interpretações; em vez disso, enfatizam sugestão, persuasão, exortação, reforço operante, aconselhamento, educação, orientação, conselho, ab-reação, manipulação ambiental, revisão intelectual, gratificação das necessidades de dependência atuais do paciente e técnicas semelhantes. Teorias comportamentais Todo o comportamento, seja adaptativo ou mal-adaptativo, é uma conseqüência dos mesmos princípios básicos de aquisição e manutenção de comportamento. O comportamento é tanto aprendido quanto desaprendido. O que o torna anormal ou perturbado é sua importância ou conseqüência social. Embora as teorias e suas técnicas de intervenção terapêutica derivadas tenham se tornado cada vez mais complexas com o passar dos anos, toda aprendizagem pode ser agrupada em dois mecanismos básicos globais. Um é o condicionamento responsivo clássico, semelhante aos famosos experimentos de Ivan Pavlov, e o outro é a aprendizagem instrumental operante, associada a B. F. Skinner, ainda que sejam básicos tanto a lei de efeito de Edward Thorndike, que versa sobre a influência de conseqüências reforçadoras de comportamento, quanto o princípio de dor-prazer de Sigmund Freud. Estes dois mecanismos atribuem a mais alta prioridade aos precipitantes imediatos do comportamento e diminuem a ênfase de determinantes causais subjacentes remotos, que são importantes na tradição psicanalítica. A teoria de condicionamento responsivo afirma que há apenas dois tipos de comportamento anormal: déficits que resultam de um fracasso em aprender e comportamento mal-adaptativo desviante, que é uma conseqüência de aprender coisas inadequadas. Estes conceitos sempre foram uma parte implícita do racional subjacente a toda psicoterapia infantil. As estratégias de intervenção obtêm grande parte de seu sucesso, em particular com crianças, por recompensar bom comportamento anteriormente não observado, desse modo reforçando-o, e fazendo-o ocorrer com mais freqüência.
Teorias familiares sistêmicas Ainda que as famílias há muito sejam um interesse de psicoterapeutas infantis, o entendimento de processos operacionais familiares foi bastante intensificado por contribuições conceituais da cibernética, teoria de sistemas, teoria da comunicação, teoria de
1383
relações objetais, teoria de papel social, etologia e ecologia. A premissa básica é a idéia de uma família funcionando como um sistema aberto auto-regulador, que possui sua própria história e estrutura. Essa estrutura está constantemente evoluindo como conseqüência da interação dinâmica entre os sistemas mutuamente interdependentes da família e de pessoas que compartilham uma complementaridade de necessidades. A partir desse fundamento conceitual, surgiu uma abundância de idéias sob rubricas como desenvolvimento familiar, ciclo de vida, homeostase, funções, identidade, valores, objetivos, congruência, simetria, mitos, regras, papéis (porta-voz, portador dos sintomas, bode-expiatório, barômetro de afeto, favorito, perseguidor, vítima, árbitro, confundidor, sabotador, salvador, ganha-pão, disciplinador, nutridor), estruturas (fronteiras, cisões, formação de pares, alianças, coalizões, emaranhado, desembaraçado), duplo vínculo, pseudo-reciprocidade e mistificação. Cada vez mais, a avaliação do sistema familiar explica por que um input terapêutico de um minuto em um momento crítico pode resultar em alterações de amplas conseqüências, enquanto, em outras situações, quantidades enormes de esforço terapêutico parecem ser absorvidas sem a mínima evidência de mudança. Teorias do desenvolvimento Subjacente à psicoterapia infantil está o pressuposto de que, na ausência de interferência incomum, as crianças amadurecem de formas bastante regulares e previsíveis, que podem ser codificadas em uma variedade de sistematizações seqüenciais psicossociobiológicas inter-relacionadas. O papel central, sobrepujante, de uma estrutura de referência desenvolvimental na psicoterapia infantil a diferencia da psicoterapia de adulto. A orientação do terapeuta deve envolver mais do que um conhecimento do comportamento adequado à idade derivado de estudos como a descrição de Arnold Gesell sobre a morfologia do comportamento. Precisa abranger mais do que desenvolvimento psicossexual com psicologia do ego e melhoramentos socioculturais, exemplificado pelo esquema epigenético de Erikson. Ela vai além da familiaridade com a seqüência de evolução intelectual de Jean Piaget como uma base para conhecer o nível de abstração no qual se pode esperar que crianças de várias idades funcionem ou para avaliar suas capacidades para orientação moral. TIPOS DE PSICOTERAPIAS O desenvolvimento de uma intervenção psicoterapêutica para determinada criança inclui avaliação da idade, nível de desenvolvimento, tipo de problema e estilo de comunicação. Seja qual for o estilo ou a combinação de técnicas que o terapeuta escolhe usar na psicoterapia, o relacionamento entre este e a criança é um elemento essencial. O próprio relacionamento tende a ser o ingrediente primário, se não o único, na psicoterapia. O terapeuta fornece um espaço seguro para escutar, empatizar e resolver problemas com a criança. Terapia cognitivo-comportamental é um amálgama de terapia comportamental e psicologia cognitiva. Enfatiza como as crian-
1384
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
ças podem usar processos de pensamento e modalidades cognitivas para reorganizar, reestruturar e resolver problemas. As distorções são tratadas mediante a geração de formas alternativas de lidar com situações problemáticas. Estratégias cognitivo-comportamentais têm sido úteis no tratamento de transtornos do humor e transtornos de ansiedade. Psicoterapia reparadora, educacional e modeladora focaliza-se em ensinar novas atitudes e padrões de comportamento a crianças que persistem no uso de padrões imaturos e ineficientes que, em geral, presume-se decorrerem de um atraso no amadurecimento. Psicoterapia de apoio é particularmente útil para possibilitar que uma criança bem-ajustada lide com tumulto emocional gerado por uma crise. Além disso, é usada com crianças perturbadas cujo funcionamento de ego subadequado pode ser interrompido por uma forma expressivo-exploratória ou por outras formas de intervenção terapêutica. No início da maioria das psicoterapias, independentemente da idade do paciente e da natureza das intervenções terapêuticas, os principais elementos terapêuticos tendem a ser sustentadores, como conseqüência dos esforços universais dos terapeutas para serem responsivos de forma sensível e confiável. De fato, algumas terapias podem nunca passar do nível de apoio, enquanto outras desenvolvem uma qualidade expressivo-exploratória ou comportamental além dos fundamentos da psicoterapia de apoio. Terapia de liberação, descrita inicialmente por David Levy, facilita a ab-reação de emoções reprimidas. Embora este seja um aspecto de muitos empreendimentos terapêuticos, na terapia de liberação, a situação de tratamento é estruturada para encorajar apenas este fator. A princípio, é indicada para crianças em idade pré-escolar que têm reação emocional distorcida a um trauma específico. Crianças nesta faixa etária são às vezes tratadas através dos pais, um processo chamado terapia filial. Os terapeutas que utilizam a estratégia devem estar alertas para a possibilidade de que o tratamento filial aparentemente bem-sucedido possa obscurecer um diagnóstico significativo, pois os pacientes não são tratados diretamente. O primeiro caso de terapia filial foi o do Pequeno Hans, relatado por Freud em 1905. O menino era uma criança fóbica de 5 anos que foi tratada por seu pai sob a supervisão de Freud. A psicoterapia com crianças geralmente é de orientação psicanalítica. Por meio do veículo de auto-entendimento, focalizase em possibilitar que as crianças desenvolvam seu potencial. Este desenvolvimento é efetuado pela liberação de energia psíquica para uso construtivo, que se presume seja gasta em defesas contra perigos fantasiados. As crianças em geral não têm consciência desses perigos irreais, de seus medos e das defesas psicológicas que utilizam para evitar tanto o perigo como o medo. Com a consciência facilitada, os pacientes podem avaliar a utilidade de suas manobras defensivas e abandonar atitudes desnecessárias que constituem os sintomas de seu problema emocional. Psicanálise infantil, uma forma intensiva incomum de psicoterapia psicanalítica, trabalha a resistência e as defesas inconscientes durante 3 a 4 sessões por semana. Sob essas circunstâncias, os terapeutas antecipam resistências inconscientes e permitem que manifestações de transferência amadureçam para uma neurose de transferência completa, mediante a qual conflitos neu-
róticos são resolvidos. Interpretações de conflitos dinamicamente relevantes são enfatizados em descrições psicanalíticas, e elementos predominantes em outros tipos de psicoterapias não são negligenciados. Na verdade, em toda psicoterapia, as crianças obtêm apoio do relacionamento compreensivo e sustentador com seus terapeutas. Orientação educacional reparadora é fornecida, quando necessário. É possível que os exemplos mais vívidos da integração de abordagens psicodinâmicas e comportamentais, ainda que nem sempre sejam conceitualizados de forma explícita, apareçam no ambiente da terapia psiquiátrica de crianças e adolescentes em situações de tratamento hospitalar, tratamento residencial e tratamento-dia. A mudança comportamental é iniciada nesses locais, e suas repercussões são exploradas concomitantemente em sessões psicoterapêuticas individuais, de modo que a ação em uma área e a informação derivada dela ampliam e esclarecem o que transpira na outra. A terapia cognitiva tem sido utilizada com crianças, adolescentes e adultos. A abordagem tenta corrigir distorções significativas, de forma mais específica conceitos negativos de self, sendo empregada principalmente em transtornos depressivos. DIFERENÇAS ENTRE CRIANÇAS E ADULTOS A lógica sugere que a psicoterapia com crianças, que costumam ser mais flexíveis do que adultos e que têm defesas e outros mecanismos mentais mais simples, deveria consumir menos tempo do que o tratamento comparável de adultos. A experiência em geral não confirma tal expectativa, pois as crianças carecem de alguns elementos que contribuem para o sucesso do tratamento. Uma criança, por exemplo, tipicamente não procura ajuda. Como conseqüência, uma das primeiras tarefas do terapeuta é estimular sua motivação para o tratamento. As crianças tendem a começar a terapia de forma involuntária, com freqüência sem o benefício de apoio parental genuíno. Ainda que os pais possam querer que seus filhos sejam ajudados ou mudados, o desejo muitas vezes é gerado por raiva frustrada em relação a estes. É comum a raiva ser acompanhada por relativa insensibilidade ao que o terapeuta entende ser a necessidade das crianças e a base para uma aliança terapêutica. Portanto, enquanto pacientes adultos percebem as vantagens de melhorar, as crianças podem entender a mudança terapêutica como nada mais do que conformismo a uma realidade desagradável, uma atitude que aumenta a probabilidade de perceberem o terapeuta como o agente punitivo dos pais. Este dificilmente é o terreno mais fértil para cultivar uma aliança terapêutica. As crianças tendem a externalizar conflitos internos em busca de adaptações aloplásticas, e consideram difícil conceber a resolução do problema, exceto pela alteração de um ambiente obstrutor. Um menino passivo, masoquista, que é o objeto de zombaria de seus colegas de escola, acha inconcebível que a situação possa ser corrigida pela alteração de seu modo de lidar com seus impulsos agressivos e não por alguém controlando seus torturadores, uma visão que pode ser reforçada por adultos significativos em seu ambiente. A tendência das crianças reproduzirem seus sentimentos em situações novas faci-
TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
1385
lita o surgimento precoce de reações de transferência espontâneas e globais que podem ser perturbadoras. Ao mesmo tempo, a avidez por novas experiências, juntamente com sua natural fluidez evolutiva, tende a limitar a intensidade e a utilidade terapêutica de subseqüentes desenvolvimentos de transferência.
as crianças cautelosas e desconfiadas em relação aos motivos do terapeuta. Até que as bonecas existentes no mercado incluam órgãos genitais, o conteúdo psicológico que esses recursos pretendem evocar pode ser mais acessível no momento adequado com bonecas convencionais.
As crianças apresentam capacidade limitada para auto-observação, com a notável exceção de algumas que são obsessivas, as quais se assemelham aos adultos em relação a essa capacidade. Estas, entretanto, muitas vezes isolam os componentes emocionais vitais. Na psicoterapia exploratório-interpretativa, o desenvolvimento de uma capacidade para cisão de ego – ou seja, envolvimento emocional e auto-observação simultâneos – é mais útil. Apenas identificando-se com um adulto de confiança e em aliança com o mesmo é que as crianças podem aproximar-se deste ideal. O gênero do terapeuta e os aspectos relativamente superficiais de sua conduta podem ser elementos importantes no desenvolvimento de um relacionamento de confiança. Modos regressivos de comportamento e comunicação podem ser desgastantes para terapeutas infantis. Em grande parte motoras, mesmo quando não requerem controles externos, as crianças podem exigir uma resistência física que não é fator significativo na terapia com adultos. A adequação para a idade de mecanismos primitivos como negação, projeção e isolamento impede o processo de elaboração, que se baseia nas capacidades de sintetização e integração do paciente, ambas as quais são imaturas nas crianças. As pressões ambientais sobre o terapeuta também costumam ser maiores no trabalho psicoterapêutico com crianças do que no trabalho com adultos. Ainda que as crianças comparem-se de forma desfavorável com adultos em muitas qualidades que tendem a ser consideradas desejáveis na terapia, elas têm a vantagem de suas forças ativas de amadurecimento e desenvolvimento. A história da psicoterapia para crianças é pontuada por tentativas de aproveitar essas vantagens e superar as desvantagens. O reconhecimento da importância do brinquedo constitui avanço importante nesses esforços.
Ainda que as escolhas de materiais de recreação variem entre terapeutas, o seguinte equipamento pode constituir uma sala de jogos ou área de brinquedo bastante equilibrada: famílias de várias gerações de bonecas flexíveis, mas fortes, de várias raças; outras bonecas representando papéis e sentimentos especiais, como policiais, médicos e soldados; mobília de casa de bonecas com ou sem a casa; animais de brinquedo; fantoches; papel, lápis de cera, tinta e tesoura sem ponta; bola; argila ou algo comparável; instrumentos como martelos e facas de borracha, armas; blocos de construção, carros, caminhões e aviões; utensílios de cozinha. Os brinquedos devem permitir que as crianças se comuniquem mediante o jogo. Os terapeutas devem evitar brinquedos e materiais que sejam frágeis ou quebrem com facilidade, que possam resultar em ferimento físico ou que possam aumentar a culpa da criança. Toda criança deve ter uma gaveta ou caixa especial, se houver espaço, na qual possa armazenar itens que trouxe para a sessão de terapia ou para armazenar projetos, como desenhos e histórias, para futura recuperação. Devem ser estabelecidos limites a fim de que a área de armazenagem privada não seja usada para amontoar equipamento de brinquedo comum e, desse modo, privar os outros pacientes. Alguns terapeutas afirmam que a ausência desses arranjos evoca material sobre rivalidade de irmãos; outros acreditam que esta afirmação é uma racionalização para não respeitar a privacidade das crianças, uma vez que sentimentos por irmãos podem ser expressos de outras maneiras.
SALA DE JOGOS A estrutura, o planejamento e a mobília da sala de recreação são importantes. Alguns terapeutas sustentam que os brinquedos devem ser poucos, simples e selecionados com cuidado para facilitar a comunicação de fantasia. Outros sugerem que uma ampla variedade de brinquedos deve estar disponível para aumentar a gama de sentimentos que as crianças possam expressar. Essas recomendações contrastantes têm sido atribuídas a diferenças nos métodos terapêuticos. Alguns tendem a evitar interpretação, mesmo de idéias conscientes, enquanto outros recomendam a interpretação de conteúdo inconsciente de forma direta e rápida. Os terapeutas tendem a mudar suas preferências acerca do equipamento à medida que acumulam experiência e desenvolvem confiança em suas capacidades. Apesar de equipamento especial – como bonecas com órgão genitais, bonecas amputadas e modelos transparentes anatomicamente completos (exceto pela genitália) – ter sido utilizado em terapia, muitos profissionais observaram que a natureza incomum desses itens arrisca tornar
ABORDAGEM INICIAL Várias abordagens estão associadas ao estilo individual de cada terapeuta e à percepção de necessidades das crianças, desde abordagens nas quais o terapeuta empenha-se em dirigir o conteúdo do pensamento e a atividade das crianças (terapia de liberação, algumas terapias de comportamento e determinadas técnicas de padronização educacional) a métodos exploratórios em que se tenta seguir a liderança das crianças. Mesmo que elas determinem o foco, os terapeutas estruturam a situação. Incentivá-las a dizer tudo o que desejam e a brincar livremente, como na psicoterapia exploratória, estabelece uma estrutura definida. Os terapeutas criam uma atmosfera na qual buscam saber tudo sobre a criança – tanto o lado bom como o lado mau, como as crianças diriam. É possível comunicar à criança que a resposta dela não evoca nem raiva nem prazer, mas apenas entendimento. Tal afirmação não significa que os terapeutas não tenham emoções, mas assegura ao jovem paciente que os sentimentos e padrões pessoais do terapeuta estão subordinados a compreendê-lo. INTERVENÇÕES TERAPÊUTICAS A psicoterapia com crianças e adolescentes em geral é mais direta e ativa do que costuma ser com adultos. As crianças muitas vezes não conseguem sintetizar as histórias de suas próprias vidas, mas
1386
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
são excelentes relatores de seus estados internos atuais. Mesmo com adolescentes, o terapeuta com freqüência assume um papel ativo, é um pouco menos limitado e oferece mais orientação e proteção do que com adultos. O terapeuta de crianças ou adolescentes muitas vezes faz exclamações e expressa confrontações nas quais dirige a atenção a dados dos quais os pacientes estão cientes. Ele pode usar interpretações, visando a expandir a consciência dos pacientes acerca de si próprios, tornando explícitos os elementos que antes foram expressados de forma implícita nos pensamentos, sentimentos e comportamento dos pacientes. Além de interpretação, o terapeuta pode oferecer novas informações às quais os pacientes não não haviam ainda sido expostos. Na extremidade mais ativa do continuum estão advertências, conselhos e orientação, que pretendem ajudá-los a adotar um curso de ação ou uma atitude consciente. Para cultivar e manter uma aliança terapêutica, talvez seja necessário educar as crianças sobre o processo de terapia. Outra intervenção educacional pode requerer atribuição de rótulos a afetos que não eram parte de sua experiência passada. É difícil a terapia ter que compensar uma ausência real de educação sobre decência e regras aceitáveis. As crianças em geral não estão em terapia por que nunca foram expostas a tentativas de educação, mas porque tentativas repetidas falharam. Portanto, tal intervenção não precisa incluir outras tentativas de ensino, apesar da freqüente tentação de oferecê-las. O fervor educacional natural dos adultos para com as crianças costuma ser acompanhado por uma tendência paradoxal de protegêlas do aprendizado sobre algumas realidades da vida. No passado, essa tendência contribuiu para o papel da cegonha no parto, a história de que pessoas que tinham morrido estavam fazendo uma longa viagem e contos de fadas explicando sobre fenômenos naturais que os adultos se sentem desconfortáveis em comunicar às crianças. Embora os adultos sejam mais honestos com as crianças hoje, os terapeutas podem encontrar-se em situações nas quais seu impulso de protegê-las pode ser tão desvantajoso para elas quanto o mito da cegonha. No entanto, a informação deve levar em conta problemas individuais e níveis de desenvolvimento. A tentação dos terapeutas de oferecerem-se como um modelo para identificação também pode originar-se de atitudes educacionais úteis em relação às crianças. Ainda que isso às vezes possa ser uma estratégia terapêutica apropriada, não se deve esquecer das armadilhas desta manobra aparentemente inócua.
PAIS A psicoterapia com crianças requer envolvimento dos pais, o que não reflete, necessariamente, culpar os pais pelas dificuldades emocionais da criança, mas é uma realidade do seu estado dependente. Esse fato não pode ser enfatizado demais devido a um risco ocupacional compartilhado por muitos que trabalham com crianças – o impulso de resgatá-las das influências negativas de seus pais, aspecto que às vezes está relacionado a um desejo de competição inconsciente de ser um pai melhor do que os pais da criança ou do próprio terapeuta. Os pais são envolvidos na psicoterapia da criança em vários graus. Para aquelas em idade pré-escolar, todo esforço terapêutico pode ser
dirigido aos pais, sem qualquer tratamento direto da criança. No outro extremo, as crianças podem ser tratadas com psicoterapia sem qualquer envolvimento dos pais além do pagamento de honorários e talvez do seu transporte para as sessões. A maioria dos profissionais, entretanto, prefere manter uma aliança informativa com os pais com o propósito de obter informações adicionais sobre a criança. É provável que os arranjos parentais mais freqüentes sejam aqueles desenvolvidos em clínicas de orientação infantil – ou seja, orientação dos pais focalizada na criança ou na interação pai-filho e terapia para as necessidades individuais dos próprios pais em associação com a terapia da criança. Os pais podem ser vistos pelo terapeuta infantil ou por uma outra pessoa. Há pouco, houve tentativas de desviar o foco da criança como paciente primário para a criança como mensageira da família. Nesse tipo de terapia, toda família ou membros selecionados são tratados ao mesmo tempo como um grupo familiar. Embora as preferências de clínicas e profissionais específicas por uma abordagem terapêutica individual ou familiar possam ser inevitáveis, a decisão final relativa a qual estratégia terapêutica ou combinação usar deve originar-se da avaliação clínica. CONFIDENCIALIDADE A questão da confidência assume maior significado à medida que as crianças crescem. É improvável que aquelas muito pequenas estejam preocupadas com isso da mesma forma que os adolescentes. A confidência costuma ser preservada a menos que se acredite que a criança esteja em perigo ou seja um perigo para terceiros. Em outras situações, sua permissão é solicitada antes que um assunto específico seja abordado com os pais. Há vantagens em criar uma atmosfera na qual as crianças possam sentir que todas as palavras e ações são vistas pelo terapeuta simultaneamente como sérias e temporárias. Em outras palavras, as comunicações das crianças não obrigam os terapeutas a um compromisso; contudo, são importantes demais para serem comunicadas a uma terceira pessoa sem a permissão do paciente. Ainda que tal atitude possa ser implícita, às vezes os terapeutas devem discutir a confidência com as crianças de forma objetiva. Grande parte do que as crianças fazem e dizem na psicoterapia é de conhecimento dos pais. É importante tentar obter a cooperação dos pais no sentido de respeitarem a privacidade das sessões terapêuticas. O respeito nem sempre é prontamente honrado, porque é natural que os pais estejam curiosos sobre o que se passa, e podem ser ameaçados pela posição aparentemente privilegiada do terapeuta. Relatar a uma criança a essência das comunicações com terceiras pessoas sobre ela salienta a confiabilidade e o respeito do terapeuta pela autonomia da mesma. Em certos tratamentos, o relato pode ser combinado com a solicitação das suposições da criança acerca de tais transcrições. O terapeuta também pode considerar produtivo convidar as crianças, em particular mais velhas, para participar das discussões sobre elas com outras pessoas. INDICAÇÕES A psicoterapia geralmente é indicada para crianças com transtornos emocionais que parecem ser permanentes o suficiente a pon-
TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
to de impedirem o amadurecimento e o desenvolvimento. Além disso, pode ser indicada quando seu desenvolvimento não está atrasado, mas induzindo reações no ambiente que são consideradas patogênicas. É comum as crianças lidarem com essas desarmonias com assistência dos pais; entretanto, quando tais esforços são inadequados, intervenções psicoterapêuticas podem ser benéficas. A psicoterapia deve limitar-se a casos nos quais indicadores positivos apontam uma possível utilidade. Para a criança beneficiar-se dessa intervenção, a situação em casa deve fornecer alguma quantidade de cuidado, estabilidade e motivação para a terapia. A criança deve ter recursos cognitivos adequados para participar no processo e tirar proveito dele. A psicoterapia deve ser considerada com bom senso. Se a situação de psicoterapia não é efetiva, deve-se determinar se o terapeuta e o paciente não estão combinando, se o tipo de abordagem é inadequado para a natureza dos problemas e se a cognição da criança é inadequada para o tratamento. REFERÊNCIAS Braun-Scharm H. Diagnosis of schizophrenia. Puberty-related crisis or psychosis? MMW Fortsch Med. 2001;143:44. Caplan R, Guthrie D, Tang B, Komo S, Asarnow RF. Thought disorder in childhood schizophrenia: replication and update of concept. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2000;39:771. Cohen JA, Mannarino AP. A treatment model for sexually abused preschoolers. J Interpers Violence. 1993;8:115. Eyberg SM. Assessing therapy outcome with preschool children: progress and problems. J Clin Psychol. 1992;21:306. Fonagy P, Target M. The efficacy of psychoanalysis for children with isruptive behavior disorders. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1994;33:45. Forehand R, Wierson M. The role of developmental factors in planning behavioral interventions for children: disruptive behavior as an example. Behav Ther. 1993;24:117. Gabel S, Bemporad JR. Variations in countertransference reactions in psychotherapy with children. Am J Psychother. 1994;48:11. Hibbs ED. Child psychiatry: short-term psychotherapy. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2797. Kazdin AE. Psychotherapy for children and adolescents: current progress and future research directions. Am Psychol. 1993; 48:644. Kernberg PF. A reevaluation of estimates of child therapy effectiveness: discussion. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1992;31:710. Kumra S. The diagnosis and treatment of children and adolescents with schizophrenia: “My mind is playing tricks on me.” Child Adolesc Psychiatr Clin North Am. 2000;9:183. Leichtman M. Psychotherapeutic interventions with brain-injured children and their families: II. Psychotherapy. Bull Menninger Clin. 1992;56:338. Lewis O. Child psychiatry: individual psychodinamic psychotherapy. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2790. Mullins LL, Olson RA, Chaney JM. A social learning/family systems approach to the treatment somatoform disorders in children and adolescents. Fam Syst Med. 1992;10:201. Racusin RJ. Brief psychodinamic therapy with young children. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2000; 39:791. Ronen T. Cognitive therapy with young children. Child Psychiatry Hum Dev. 1992;23:19.
1387
Shapiro T, Esman A. Psychoanalysis and child and adolescent psychiatry. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1992;31:6. Shirk SR, Russell RL. A reevaluation of estimates of child therapy effectiveness. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1992;31:703. Target M, Fanagy P. The efficacy of psychoanalysis for children with emotional disorders. J Am Child Adolesc Psychiatry. 1994;33:361. Weisz JR, Weiss B, Donenberg GR. The lab versus the clinic: effects of child and adolescent psychotherapy. Am Psychol. 1992;47:1578.
53.2 Psicoterapia de grupo A terapia de grupo é uma modalidade efetiva que pode ser estruturada de várias maneiras para tratar questões de competência interpessoal, relacionamentos e habilidades sociais. Ela pode ser modificada para ajustar-se a grupos de crianças de muitas faixas etárias e focalizar-se em habilidades comportamentais, educacionais e sociais e em questões psicodinâmicas. A forma como o grupo funciona depende dos níveis de desenvolvimento, inteligência e problemas a serem tratados. Nos grupos de orientação comportamental, o líder é um participante orientador, ativo, que facilita interações pró-sociais e comportamentos desejados. Em grupos que utilizam abordagens psicodinâmicas, o líder pode monitorar interações interpessoais de forma menos ativa do que em contextos de terapia comportamental. Grupos são altamente efetivos para fornecer feedback dos pares e dar apoio a crianças socialmente isoladas ou que não têm consciência de seus efeitos sobre seus pares. Grupos com crianças muito pequenas em geral são altamente estruturados pelo líder e usam imaginação e brinquedos para encorajar relacionamentos aceitáveis e comportamento positivo. Os terapeutas devem ter pleno conhecimento do nível de atenção das crianças e da necessidade por consistência e imposição de limites. Líderes de grupos em idade pré-escolar podem modelar um comportamento adulto de apoio de forma significativa para as que sofreram privações ou foram negligenciadas. Grupos formados por crianças em idade escolar podem ser de um único sexo ou incluir meninos e meninas. Nesta idade, são mais sofisticadas para verbalizar seus sentimentos do que na idade pré-escolar, mas também se beneficiam de jogos terapêuticos estruturados. Crianças em idade escolar necessitam ser lembradas com freqüência sobre regras e são rápidas em apontar infrações das regras umas às outras. As habilidades interpessoais podem ser sutilmente tratadas em situações de grupo. Grupos do mesmo sexo são bastante usados entre adolescentes. Alterações psicológicas no início da adolescência e as novas demandas do ensino médio levam a estresse que pode ser melhorado quando grupos de participantes da mesma idade comparam-se e compartilham. Com adolescentes mais velhos, os grupos em geral incluem meninos e meninas. Mesmo entre estes, o líder usa estrutura e intervenção direta para maximizar o valor terapêutico do grupo. Os que estão se sentindo desanimados ou alienados podem ter a sensação especial de pertencer ao grupo. Johnny era um menino de 14 anos, de alto funcionamento, diagnosticado com transtorno autista. Ele esteve em terapia individual e familiar por vários meses antes de ser
1388
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
considerado pronto para terapia de grupo. Tratava-se de um adolescente de aspecto desajeitado que parecia e agia como mais jovem do que sua idade cronológica. Seu nível acadêmico era acima da média, mas seu desenvolvimento social era muito limitado. Uma atitude arrogante hipermoralista de desenvolvimento mais recente contribuía de forma considerável para seu isolamento social, em particular após iniciar a sétima série. Ele foi designado para um grupo estabelecido de adolescentes com uma associação de condições clínicas, que se reunia uma vez por semana, por 75 minutos. No início, Johnny limitava sua participação a respostas monossilábicas a perguntas diretas, então voltava a ler um livro sobre a história de Napoleão, seu assunto favorito e objeto de fascinação. Os membros do grupo preferiram ignorá-lo depois de um tempo. Durante um período de várias semanas, seu interesse no livro pareceu diminuir. Johnny o trazia, mas o mesmo permanecia fechado em seu colo. O jovem fazia uma observação ocasional, principalmente para criticar um outro membro do grupo por sua “vulgaridade”. O grupo ria aos seus comentários. Eles pareciam respeitar sua “distinção”. Dois meses mais tarde, Peter, um menino de 13 anos, esquizóide, muito tímido, juntou-se ao grupo. Após algumas sessões, Johnny desenvolveu um interesse inesperado em Peter e sentava-se ao seu lado e o encorajava a interagir com o grupo. Logo Johnny não trazia mais o livro e estava envolvido de forma mais ativa com os membros do grupo. Respondia a indícios sociais de uma maneira mais adequada e típica da idade e, ainda que continuasse tendo preocupações mórbidas com poder e uma fascinação por Napoleão, a intensidade tinha diminuído muito. O crescente interesse de Johnny nas pessoas era clinicamente evidente. A terapia de grupo foi usada em combinação com terapia individual e familiar e medicação psicotrópica durante 18 meses. Ainda que a experiência de grupo fosse apenas um componente do plano de tratamento, tornou-se o instrumento mais significativo para ajudar Johnny com seus déficits interpessoais. (Cortesia de Alberto C. Serrano, M.D.) GRUPOS EM IDADE PRÉ-ESCOLAR E GRUPOS EM INÍCIO DA IDADE ESCOLAR O trabalho com um grupo em idade pré-escolar tende a ser estruturado por um terapeuta por meio do uso de uma técnica particular, como fantoches ou trabalho de arte, ou é expresso em termos de uma atmosfera recreativa permissiva. Na terapia com fantoches, as crianças projetam suas fantasias nos bonecos de maneira não diferente da brincadeira comum. O principal valor está na catexia proporcionada, em especial se as crianças apresentam dificuldade em expressar seus sentimentos. Aqui, o grupo ajuda a criança mais por ação com os fantoches do que por interação com os outros membros. Na terapia de grupo recreativa, a ênfase está nas qualidades interacionais das crianças umas com as outras e com o terapeuta no ambiente permissivo da sala de recreação. O terapeuta deve ser alguém capaz de permitir que as crianças produzam fantasias de forma verbal e no brinquedo, mas que também possa usar
restrições ativas quando as mesmas forem submetidas a tensão excessiva. Os brinquedos são aqueles tradicionalmente usados na terapia individual. As crianças valem-se deles para expressar em ações impulsos agressivos e para aliviar suas dificuldades em casa com os membros do grupo e com o terapeuta. As que são selecionadas para tratamento de grupo têm um interesse social comum e precisam ser como seus pares e aceitas por eles. Em geral, incluem aquelas com fobias, meninos efeminados, crianças tímidas e retraídas e as com transtornos do comportamento diruptivo. Modificações destes critérios foram utilizadas na psicoterapia de grupo para crianças autistas, terapia de grupo de pais e terapia de arte. Uma modificação de psicoterapia de grupo foi utilizada para crianças com incapacidades físicas que apresentam atrasos de fala e linguagem. A experiência de atividades de grupo duas vezes por semana envolve mães e filhos em um ambiente de ensino-aprendizagem mútuo. Esta experiência tem se revelado efetiva para mães que receberam psicoterapia de apoio na experiência de grupo; suas fantasias anteriormente secretas sobre seus filhos emergiram e foram tratadas terapeuticamente.
GRUPOS EM IDADE ESCOLAR A psicoterapia de grupo de atividade baseia-se na idéia de que experiências insatisfatórias, divergentes, levaram a déficits no desenvolvimento adequado da personalidade; portanto, experiências corretivas em um ambiente terapeuticamente condicionado modificam-nas. Visto que algumas crianças em idade de latência têm problemas profundos envolvendo medos, altos níveis de ansiedade e culpa, foi desenvolvida uma modificação de psicoterapia de grupo de atividade-entrevista. O formato utiliza técnicas de entrevista, explicações verbais de fantasias, brinquedo de grupo, trabalho e outras comunicações. Nesse tipo de psicoterapia, as crianças verbalizam de uma maneira orientada para o problema, com a consciência de que as dificuldades as reuniram e de que o objetivo do grupo é mudá-las. São relatados sonhos, fantasias, devaneios e experiências traumáticas e desagradáveis. A discussão aberta inclui tanto as experiências como o comportamento de grupo. Há variações em relação a tempo, co-terapeutas, comida e materiais. A maioria dos grupos reúne-se após a escola por pelo menos uma hora, embora outros líderes de grupo prefiram uma sessão de 90 minutos. Alguns terapeutas servem comida durante os últimos 10 minutos; outros preferem usar esses momentos quando as crianças estão juntas para conversar. A comida, entretanto, não se torna um aspecto importante e nunca é central para as atividades do grupo.
GRUPOS PUBERAIS E ADOLESCENTES Métodos de terapia de grupo semelhantes àqueles usados em grupos de crianças mais novas podem ser modificados para aplicarse a crianças pubescentes, que costumam ser agrupadas por sexo. Seus problemas lembram aqueles de crianças nos últimos anos de latência, mas que (em especial as meninas) também estão começando a sentir os efeitos e as pressões do início da adolescência.
TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Os grupos oferecem ajuda durante um período de transição; parecem satisfazer o interesse social de pré-adolescentes, que compensam sentimentos de inferioridade e insegurança formando grupos. A terapia tira partido da influência do processo de socialização durante esses anos. Visto que púberes experimentam dificuldades na conceitualização, grupos de terapia puberal tendem a usar brinquedo, desenho, psicodrama e outros modos de expressão não-verbais. O papel do terapeuta é ativo e orientador. A psicoterapia de grupo de atividade tem sido a forma recomendada para púberes que não têm padrões de personalidade tão perturbados. Eles, em geral do mesmo sexo e em grupos com não mais de oito membros, entregam-se livremente a atividades em um cenário especialmente designado e planejado para suas características físicas e ambientais. Samuel Slavson, um pioneiro na psicoterapia de grupo, retratou o grupo como uma família substituta na qual o terapeuta passivo, neutro, torna-se o substituto para os pais. Este assume vários papéis, principalmente de maneira não-verbal, enquanto cada criança interage com ele e com outros membros do grupo. Hoje, entretanto, os terapeutas tendem a ver o grupo como uma reunião de iguais, com seus resultantes processos de socialização, mais do que como uma reinterpretação da família. Adolescentes mais velhos, de 16 anos ou mais, podem ser incluídos em grupos de adultos. Essa terapia tem sido útil no tratamento de transtornos relacionados a substâncias. Terapia combinada (o uso de terapia de grupo e individual) também tem sido usada com sucesso entre adolescentes. OUTRAS SITUAÇÕES DE GRUPO Os grupos também são úteis em tratamentos mais focalizados, tais como treinamento de habilidades sociais específicas para crianças com transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, intervenções de grupo cognitivo-comportamentais para crianças deprimidas e crianças com problemas de luto ou transtornos da alimentação. Nestes grupos mais especializados, os problemas são mais específicos, e tarefas reais (como em grupos de habilidades sociais) podem ser praticadas. Algumas unidades de tratamento residencial e tratamento-dia usam técnicas de psicoterapia de grupo. Em escolas para crianças de desempenho reduzido e de níveis socioeconômicos baixos, a prática tem como base o reforço e a teoria de modelagem, além de técnicas tradicionais, e tem sido suplementada por grupos de pais. Em condições controladas, unidades de tratamento residencial têm sido usadas para estudos específicos em psicoterapia de grupo, tal como compromisso comportamental. Compromisso comportamental com reforço de recompensa-punição fornece reforços positivos entre meninos pré-adolescentes com sérias preocupações com confiança básica, autoestima baixa e conflitos de dependência. Um pouco semelhantes a unidades de tratamento residencial formal são as casas de trabalho de grupo social. Para crianças que passam por muitas agressões psicológicas antes da colocação, a psicoterapia de grupo de apoio oferece ventilação e catarse, e tem sucesso ao torná-las conscientes do prazer de compartilhar atividades e desenvolver habilidades.
1389
Escolas públicas – também um ambiente estruturado, ainda que muitas vezes não considerado o melhor local para psicoterapia de grupo – foram usadas por diversos pesquisadores. Psicoterapia de grupo como aconselhamento de grupo é facilmente adequado a ambientes escolares. Um destes grupos usou seleção homogênea por gênero e problema para grupos de 6 a 8 alunos, que se reuniam uma vez por semana durante o horário escolar por 2 a 3 anos.
INDICAÇÕES Existem muitas indicações para o uso de psicoterapia de grupo como modalidade de tratamento. Algumas são situacionais; o terapeuta pode trabalhar em um ambiente de reformatório, no qual a psicoterapia de grupo parece alcançar adolescentes melhor do que o tratamento individual. Outra indicação é a economia de tempo; mais pacientes são alcançados em determinado tempo pelo uso de grupo do que por terapia individual. Essa intervenção ajuda melhor uma criança de determinada idade e estágio de desenvolvimento e com um tipo de problema específico. Em grupos de crianças pequenas, seu interesse social e sua necessidade potencial por aceitação pelo grupo de iguais ajudam a determinar sua adequação para terapia de grupo. Os critérios para inadequação são controversos e cada vez mais indefinidos. GRUPOS DE PAIS Na psicoterapia de grupo, como na maioria dos procedimentos de tratamento para crianças, dificuldades parentais constituem obstáculos. Às vezes, pais não-cooperativos recusam-se a trazer o filho ou a participar da terapia. O extremo dessa situação revelase quando pais gravemente perturbados usam a criança como canal de comunicação para satisfazer suas próprias necessidades. Nessas circunstâncias, a criança está na posição intolerável de receber experiências de grupo positivas que parecem criar conflitos em casa. Grupos de pais, portanto, podem ser um auxílio valioso à psicoterapia de grupo para seus filhos. Pais de crianças em terapia muitas vezes têm dificuldade para entender os problemas de seus filhos, distinguir a linha de demarcação entre comportamento normal e patológico, relacionar-se com a instituição médica e lidar com sentimentos de culpa. Esses grupos auxiliam nessas áreas e ajudam os membros a formular diretrizes para a ação. REFERÊNCIAS Cerda RA, Nemiroff HW, Richmond AH. Therapeutic group approaches in an inpatient facility for children and adolescents: a 15-year perspective. Group 1991;15:71. Chase JL. Inpatient adolescent and latency-age children’s perspectives on the curative factors in group psychotherapy. Group. 1991; 15:95. Clifford MW. A model for group therapy with latency-age boys. Group. 1991;15:116. Garland JA. The establishment of individual and collective competency in children’s groups as a prelude to entry into intimacy, disclosure, and bonding. Int J Group Psychother. 1992;42:395. Kymissis P, Licamele WL, Boots S, Kessler E. Training in child and adolescent group therapy: two surveys and a model. Group. 1991;15:163.
1390
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Schamess G. Reflections on a developing body of group-as-a-whole theory for children’s therapy groups: an introduction. Int J Group Psychother. 1992;42:351. Scheidlinger S. Short-term group psychotherapy for children: an overview. Int J Group Psychother. 1984;34:573. Scheidlinger S. Group treatment of adolescents. Am J Orthopsychiatry. 1985;55:102. Scheidlinger S. An overview of nine decades of group psychotherapy. Hosp Community Psychiatry. 1994;45:217. Serrano AC. Child psychiatry: group psychotherapy. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2813. Shechtman Z, Ben-David M. Individual and group psychotherapy of childhood aggression: a comparison of outcomes and processes. Group Dynamics. 1999;3:263. Suger M. Research in child and adolescent group psychotherapy. J Child Adolesc Group Ther. 1993;3:207. Trad PV. Diagnostic peer group assessments in preschoolers with anxiety disorders. J Child Adolesc Group Ther. 1992;3:207. Yalom ID. Inpatient Group Psychotherapy. New York: Basic Books; 1983. Zimpfer DG. Group work with juvenile delinquents. J Spec Group Work. 1992;17:116.
53.3 Tratamento residencial, hospital-dia e internação Centros e serviços de tratamento residencial são locais adequados para crianças e adolescentes com transtornos mentais que requerem ambiente altamente estruturado e supervisionado por tempo substancial. Esses locais têm a vantagem de fornecer ambiente estável e consistente, com alto nível de monitoração psiquiátrica, mas menos intensiva do que em um hospital. Crianças e adolescentes com transtornos psiquiátricos graves em geral acabam em serviços residenciais devido a dificuldades em lidar com seus próprios problemas psiquiátricos e a situações familiares em que supervisão adequada e cuidado dos pais são impossíveis. Os serviços residenciais oferecem muitos tratamentos, incluindo manejo comportamental, psicoterapia, medicação, educação especial e o próprio ambiente terapêutico. Os que se beneficiam de serviços residenciais têm uma ampla variedade de problemas psiquiátricos e muitas vezes manifestam dificuldade com controle dos impulsos e estruturação do próprio tempo. Muitos residentes desses programas têm famílias com sérias dificuldades psiquiátricas, financeiras e parentais. Programas de tratamento-dia são excelentes alternativas para crianças e adolescentes que requerem apoio, monitoração e supervisão mais intensivos do que aqueles que estão disponíveis na comunidade, mas que podem viver de forma satisfatória em casa se receberem o nível adequado de intervenção. Na maioria dos casos, crianças e adolescentes que participam de programas de hospital-dia têm transtornos mentais graves e poderiam justificar hospitalização psiquiátrica sem o apoio do programa. Terapia familiar, psicoterapia de grupo e individual, psicofarmacologia, programas de manejo comportamental e educação especial são partes integrais dessas intervenções.
A hospitalização psiquiátrica é necessária quando a criança ou o adolescente exibe comportamento perigoso, está pensando em suicídio ou tem exacerbação de um transtorno psicótico ou outro transtorno mental grave. Segurança, estabilização e tratamento efetivo são os objetivos da hospitalização. Há pouco, a duração da internação para pacientes psiquiátricos infantis e adolescentes diminuiu, devido a pressões financeiras e à crescente disponibilidade de programas de hospital-dia. A internação psiquiátrica pode ser a primeira oportunidade de algumas crianças experimentarem um ambiente estável e seguro. Os hospitais com freqüência são os lugares mais adequados para iniciar o uso de novos medicamentos e possibilitam a observação do comportamento durante 24 horas. As crianças podem apresentar remissão de alguns sintomas em virtude de sua remoção de um ambiente estressante ou abusivo. Após terem sido observadas por diversas semanas, o melhor tratamento e arranjo podem tornar-se claros.
TRATAMENTO RESIDENCIAL Mais de 20 mil crianças emocionalmente perturbadas estão em centros de tratamento residencial nos Estados Unidos, e este número está aumentando. Condições sociais deteriorantes, em particular nas grandes cidades, tornam impossível para uma criança com transtorno mental grave viver em casa. Nestes casos, os centros de tratamento residencial servem a uma necessidade real. Fornecem um ambiente de vida estruturado no qual as crianças podem formar vínculos fortes com membros da equipe e receber atenção especial. O objetivo do centro é fornecer tratamento e educação especial para as crianças e suas famílias. Equipe e ambiente Os padrões de pessoal incluem várias combinações de profissionais de cuidado infantil, professores, assistentes sociais, psiquiatras, pediatras, enfermeiros e psicólogos; portanto, o tratamento residencial pode ser muito caro. A Joint Commission on the Mental Health of Children fez as seguintes recomendações acerca da estrutura e do ambiente: além de espaço para programas de terapia, deve haver instalações para uma escola de ensino fundamental e um programa de atividade vespertina rico, além de um amplo espaço para brincar, tanto na área interna como externa do prédio. As instalações devem ser pequenas, raramente excedendo a capacidade para 60 pacientes, com um limite de 100, e providenciar para que as crianças vivam em grupos pequenos. Os centros devem estar localizados próximos às famílias a que servem e ser facilmente acessíveis via transporte público. Seu acesso a serviços médicos e educacionais especiais e a vários recursos da comunidade, incluindo consultores, deve ser facilitado. Os centros devem ser instituições abertas sempre que possível; prédios, enfermarias ou quartos trancados são opções apenas em situações raras. Ao planejar programas residenciais, o princípio orientador deve ser que as crianças fossem removidas de seus ambientes de vida normais na menor distância possível no espaço, no tempo e na estrutura psicológica da experiência.
TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Indicações A maioria das crianças encaminhadas para tratamento residencial passou por múltiplas avaliações de profissionais, como psicólogos da escola, psicoterapeutas ambulatoriais, oficiais do juizado de menores ou órgãos de bem-estar social. Tentativas de tratamento ambulatorial e colocação em lares adotivos em geral precedem o tratamento residencial. Às vezes, a gravidade dos problemas da criança ou a incapacidade de uma família satisfazer as necessidades da mesma impedem seu retorno para casa. Muitas crianças mandadas para centros de tratamento residencial têm problemas de comportamento diruptivo, entre outros, incluindo transtornos do humor e transtornos psicóticos. Em alguns casos, problemas psicossociais graves, como abuso físico ou sexual, indigência ou desabrigo exigem o afastamento da criança de casa. A faixa etária varia entre 5 e 15 anos de idade. Meninos são encaminhados com mais freqüência do que meninas. Uma revisão de dados inicial permite que o pessoal de admissão determine se uma criança em particular tem probabilidade de beneficiar-se do programa de tratamento; em geral, para cada criança aceita para admissão, três são rejeitadas. O passo seguinte consiste em entrevistas com a criança e os pais por vários membros da equipe, como terapeuta, assistente de vida em grupo e professor. Testagem psicológica e exames neurológicos são aplicados, quando indicado, se ainda não tiverem sido realizados. A criança e os pais precisam ser preparados para as entrevistas.
1391
contratransferência individuais ou grupais, como comportamento sadomasoquista ou punitivo em relação às crianças. O ambiente estruturado precisa oferecer uma experiência emocional corretiva e oportunidades para facilitar e melhorar o comportamento adaptativo das crianças, principalmente quando problemas como déficits de fala e linguagem, retardo intelectual, relacionamentos com iguais inadequados, enurese, hábitos alimentares insatisfatórios e déficits de atenção estão presentes. Alguns déficits de atenção são a base do desempenho acadêmico insatisfatório e do comportamento não-socializado, incluindo acessos de raiva, brigas e retraimento. Princípios de modificação do comportamento também têm sido usados, em particular no trabalho de grupo. Terapia comportamental faz parte do esforço terapêutico total de um centro residencial.
Educação Crianças em tratamento residencial com freqüência têm transtornos da aprendizagem graves, comportamento diruptivo, e transtornos de déficit de atenção. É comum não conseguirem funcionar em uma escola regular da comunidade e, como conseqüência, necessitam de escola especial. O objetivo principal das escolas especiais é motivar as crianças a aprender. O processo educacional no tratamento residencial é complexo; a Tabela 53.3-1 mostra alguns de seus componentes. Terapia
Vida em grupo A maior parte do tempo da criança em um ambiente de tratamento residencial é gasto na convivência em grupo. A equipe de apoio consiste de funcionários de assistência à infância que oferecem uma estrutura que forma um ambiente terapêutico, o qual estabelece fronteiras e limitações às crianças. As tarefas são definidas dentro dos limites das suas capacidades; incentivos, como privilégios adicionais, encorajam-nas a progredir mais do que a regredir. Na terapia ambiental, o ambiente é estruturado, limites são estabelecidos e uma atmosfera terapêutica é mantida. As crianças muitas vezes escolhem um ou mais membros da equipe com os quais formam um relacionamento; através desse relacionamento, expressam, consciente e inconscientemente, muitos de seus sentimentos em relação a seus pais. O funcionário de assistência à infância deve ser treinado para reconhecer essas reações de transferência e para responder a elas de uma forma que seja diferente das expectativas das crianças, que se baseiam em seus relacionamentos anteriores ou mesmo atuais com os pais. Para manter consistência e equilíbrio, os membros da equipe de apoio devem comunicar-se com autonomia e regularidade entre si e com outros profissionais e membros da equipe administrativa do serviço residencial, em particular professores e terapeutas. É importante reconhecerem quaisquer tendências a tornarem-se o pai bom (ou mau) em resposta ao comportamento violento de uma criança. Essa tendência pode ser manifestada como um padrão de culpar outros membros da equipe pelo comportamento diruptivo da mesma. De maneira similar, a equipe de assistência à infância deve reconhecer e evitar reações de
A maioria dos serviços residenciais utiliza um programa de modificação do comportamento básico para estabelecer diretrizes e dar aos residentes um senso concreto de como obter privilégios. Esses programas comportamentais variam em detalhe e intensidade. Alguns operam com sistemas de nível associados a privilégios e responsabilidades. Outros utilizam um sistema de economia de fichas no qual os residentes ganham pontos por comportamento adequado e por atingir objetivos específicos. A maioria deles inclui tarefas básicas de vida e objetivos terapêuticos específicos. A psicoterapia oferecida no programa em geral é de apoio e orientada para a reunião com a família, quando possível. Psicoterapia orientada para o insight é incluída quando pode ser utilizada pelo residente. Pais O trabalho concomitante com os pais é fundamental. As crianças muitas vezes têm uma ligação forte com pelo menos um dos pais, não importa o quanto ele possa ser perturbado. É comum idealizarem o pai, que as desaponta de forma bastante repetida. Em outros casos, o pai tem uma expectativa ambivalente ou irrealística de que a criança retornará para casa. É possível que o pai precise ser ajudado a permitir que a criança viva em outro ambiente quando isto for o melhor para ela. A maioria dos centros de tratamento residencial oferece terapia individual ou de grupo para pais, terapia de casais ou conjugal e, em alguns casos, terapia familiar conjunta.
1392
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 53.3-1 Processo de educação no tratamento residencial Avaliação préinternação
Planejamento do programa de intervenção
Avaliação e reavaliação
Natureza do conflito emocional
Desenvolvimento de educação especial
Programa de redução Reuniões semanais da equipe de ansiedade
Escola regular
Natureza das dificuldades de aprendizagem
Leitura reparadora Desenvolvimento de habilidades básicas Ensino perceptivomotor e do controle dos impulsos Habilidades de artes e ofícios Habilidades musicais Projeto de grupo total Habilidades acadêmicas desenvolvidas em seis ciclos instrutivos de 25 dias, nos quais a avaliação de diagnóstico, objetivos e prescrição individuais e novos objetivos e alternativas são planejados
Relacionamentos adultos de apoio Modelos estáveis, de confiança Entrevista de espaço de vida Psicoterapia individual Remoção da área da sala de aula Sala de orientação padronizada Segurança de quarto sossegado na unidade
Reuniões e conferências interdisciplinares
Turma especial
Relatórios diários do professor
Escola particular
Testagem psicológica Testagem de critério contínuo
Local de ensino
Acompanhamento
Instituição estadual
Testagem educacional semestral Avaliação da equipe total semestral
Cortesia de Melvin Lewis, M.B., B.S. (Londres), F.R.C.Psych, D.C.H.
HOSPITAL-DIA O conceito de experiências terapêuticas abrangentes diárias que não requerem a remoção das crianças de seus lares ou famílias deriva, em parte, de experiências com escola maternal terapêutica. Programas de hospital-dia para crianças foram então desenvolvidos, e o número de programas continua a crescer. A principal vantagem dessa intervenção é que as crianças permanecem com suas famílias, as quais podem estar mais envolvidas no tratamento no hospital-dia do que no tratamento residencial ou hospitalar. O hospital-dia também é menos caro do que o residencial. Ao mesmo tempo, seus riscos são o isolamento social e o confinamento a uma faixa estreita de contatos sociais na população de crianças perturbadas do programa. Indicações A indicação primária para hospital-dia é a necessidade de um programa de tratamento mais estruturado, intensivo e especializado que pode ser fornecido em base ambulatorial. Ao mesmo tempo, a casa na qual a criança está vivendo deve ser capaz de fornecer um ambiente que, pelo menos, não seja destrutivo para seu desenvolvimento. As crianças que têm probabilidade de beneficiar-se do hospital-dia têm uma ampla variedade de diagnósticos, incluindo transtorno autista, transtorno da conduta, transtorno de déficit de atenção/hiperatividade e retardo mental. Os sintomas de exclusão incluem comportamento que provavelmente será destrutivo para as próprias crianças ou para terceiros sob as
condições de tratamento. Portanto, algumas das que ameaçam fugir, provocar incêndios, tentar suicídio, ferir os outros ou desorganizar as vidas de suas famílias enquanto estão em casa podem não ser adequadas para esta abordagem. Programas Os mesmos elementos que levam ao sucesso de um programa de tratamento residencial aplicam-se ao hospital-dia. Estes incluem liderança administrativa clara, colaboração da equipe, comunicação aberta e um entendimento do comportamento das crianças. De fato, um único programa oferecendo tratamento residencial e hospital-dia tem suas vantagens. A função principal da equipe de assistência à infância no hospitaldia para crianças com transtornos psiquiátricos é fornecer experiências positivas e uma estrutura que possibilite que as crianças e suas famílias internalizem controles e funcionem melhor do que no passado em relação a si mesmas e ao mundo exterior. Mais uma vez, os métodos utilizados são essencialmente semelhantes àqueles de programas de tratamento residencial completo. Visto que as idades, as necessidades e os diagnósticos de crianças que podem beneficiar-se de alguma forma de hospital-dia variam, muitos programas foram desenvolvidos. Alguns especializam-se nas necessidades de ambientes estruturados e educação especial daquelas mentalmente retardadas. Outros oferecem esforços terapêuticos especiais para tratar as com autismo e esquizofrenia. Outros, ainda, fornecem o espectro total de tratamento que costuma ser encontrado no tratamento resi-
TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
dencial completo. As crianças podem passar de uma parte do programa para outra e podem estar em tratamento residencial ou hospital-dia de acordo com suas necessidades. O programa escolar sempre é um componente importante, e o tratamento psiquiátrico varia de acordo com as necessidades e o diagnóstico das mesmas.
Resultados Há pouco, foram feitas tentativas de analisar o resultado do hospital-dia e de hospitalização parcial. Existem muitas dimensões diferentes na análise dos benefícios globais destes programas. A avaliação do nível de melhora na condição clínica, do progresso acadêmico, dos relacionamentos com iguais, das interações com a comunidade (dificuldades legais) e dos relacionamentos familiares são algumas áreas pertinentes a medir. Em um recente acompanhamento, um ano após a alta de um programa de hospitalização parcial, a comparação de pacientes na internação e um ano depois da alta mostrou melhora estatisticamente significativa nos sintomas clínicos em cada subescala do Child Behavior Checklist, exceto por problemas sexuais. Essas melhoras incluíram sintomas de humor, queixas somáticas, problemas de atenção, problemas de pensamento, comportamento delinqüentes e comportamento agressivo. A avaliação da efetividade a longo prazo do hospitaldia é repleta de dificuldades, do ponto de vista da manutenção de ganhos de uma criança, da visão do terapeuta acerca de ganhos psicológicos ou de proporções de custo-benefício. Ao mesmo tempo, a vantagem deste tratamento encorajou o desenvolvimento de outros programas. Além disso, as lições aprendidas dos programas de hospital-dia levaram as disciplinas de saúde mental a terem serviços de acompanhamento de crianças, em vez de perpetuarem descontinuidades de tratamento. As experiências com condições psiquiátricas de crianças e adolescentes também encorajaram hospitais e departamentos pediátricos a adotar um modelo que promove a continuidade do tratamento médico para indivíduos com doenças físicas crônicas. TRATAMENTO HOSPITALAR Desde a década de 1920, o tratamento psiquiátrico hospitalar de crianças inclui dois tipos de unidades: unidades hospitalares de tratamento agudo e unidades hospitalares de longo prazo. As unidades de tratamento agudo aceitam crianças que exibem comportamento perigoso (suicida, agressivo ou psicótico desorganizado). Diagnóstico, estabilização e formulação e iniciação de um plano de tratamento são os objetivos dessas unidades. A tendência é designar para casa, para centros de tratamento residencial ou para hospitais de longo prazo (em geral estaduais) para tratamento contínuo. A hospitalização para tratamento agudo em geral dura de 6 a 12 semanas e costuma ser estendida devido à espera por leitos em centros de tratamento residencial e hospitais estaduais. A hospitalização de longo prazo pode durar muitos meses ou anos. As equipes das unidades hospitalares são interdisciplinares e incluem psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros, terapeutas ocupacionais e professores.
1393
REFERÊNCIAS Angold A, Costello EJ, Burns BJ, Erkanli A, Farmer EMZ. Effectiveness of nonresidential specialty mental health services for children and adolescents in the “real world.” J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2000;39:154. Ascherman LI. The impact of unstructured games of fantasy and role playing on an inpatient unit for adolescents. Int J Group Psychother. 1993;43:335. Bishop EG, McNally G. An in-home crisis intervention program for children and their families. Hosp Community Psychiatry. 1993;44:182. DeAntonio M. Child psychiatry: residential and inpatient treatment. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2846. Gold J, Shera D, Clarkson B. Private psychiatric hospitalization of children: predictors of length of stay. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1993;32:135. Grizenko N, Papineau D, Sayegh L. Effectiveness of a multimodal day treatment program for children with disruptive behavior problems. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1993;32:127. Kayser JA, Teitelman M. Design and implementation of a continuum of care for children and youth in private mental health settings. Continuum. 1994;1:15. Kiser LJ, Heston JD, Millsap PA, Pruitt DB. Testing the limits: special treatment procedures for child and adolescent partial hospitalization. Int J Partial Hosp. 1991;7:37. Kiser LJ, Millsap PA, Hickerson S, et al. Results of treatment one year later: child and adolescent partial hospitalization. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1996;35:81. Lundy M, Pumariega AJ. Psychiatric hospitalization of children and adolescents: treatment in search of a rationale. J Child Fam Stud. 1993;2:1. Lyman RD, Prentice-Dunn S, Gabel S, eds. Residential and Inpatient Treatment of Children and Adolescents. New York: Plennum; 1989. Lyons JS, Uziel-Miller ND, Reyes F, Sokol PT. Strengths of children and adolescents in residential settings: prevalence and associations with psychopathology and discharge placement. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2000;39:176. Mikkelsen EJ, Bereika GM, McKenzie JC. Short-term family-based residential treatment: an alternative to psychiatric hospitalization for children. Am J Orthopsychiatry. 1993;63:28. Pedersen J, Aakrog B. A 10-year follow-up of an adolescent psychiatric clientele and early predictors of readmission. Nord J Psychiatry. 2001;55:11. Perrin EC. Children in hospitals. J Dev Behav Pediatr. 1993; 14:50. Pfeiffer SI, Strzelecki SC. Inpatient psychiatry treatment of children and adolescents: a review of outcome studies. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1990;29:847. Zimet SG, Farley GK. Academic achievement of children with emotional disorders treated in a day hospital program: an outcome study. Child Psychiatry Hum Dev. 1993;23:183.
53.4 Terapias biológicas FARMACOTERAPIA Durante a década de 1990, houve muitos avanços na farmacoterapia de transtornos psiquiátricos na infância, incluindo dados apoiando a eficácia dos inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs) no tratamento de transtornos de-
1394
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
pressivos, transtornos obsessivo-compulsivos e transtornos de ansiedade. Estudos duplo-cegos, controlados por placebo, forneceram evidência da eficácia da fluoxetina e da paroxetina no tratamento da depressão de crianças e adolescentes. Os tricíclicos quase não foram recomendados desde que os ISRSs apareceram no mercado, porque estes têm perfis de efeito adverso mais favoráveis. Fluoxetina, sertralina, paroxetina, fluvoxamina e nefazodona são usadas com relativa freqüência para crianças e adolescentes. A preocupação em relação aos tricíclicos centraliza-se em seu potencial para cardiotoxicidade, que pode ter contribuído para as mortes súbitas de quatro crianças que estavam sendo tratadas com desipramina para transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH). Outros antidepressivos, incluindo bupropiona e venlafaxina, são agentes de segunda linha que costumam ser administrados quando os ISRSs não são eficazes. O manejo de agressividade grave, comportamento diruptivo e TDAH continua sendo um desafio. Combinações de antipsicóticos com agentes estabilizadores do humor ou estimulantes são às vezes usadas em casos resistentes a tratamento, embora poucos estudos atestem a eficácia ou a segurança de combinações de medicamentos. Antipsicóticos “atípicos” mais recentes – antagonistas de serotonina-dopamina (ASDs) – como a risperidona, a olanzapina, a clozapina e a ziprasidona permitiram que uma variação mais ampla de pacientes resistentes se beneficiasse de tratamento com neurolépticos. Acredita-se que os ASDs aliviem tanto os sintomas positivos como os negativos de esquizofrenia e produzam menos risco de efeitos adversos extrapiramidais e menos potencial para o desenvolvimento de discinesia tardia. Contudo, todos os antipsicóticos impõem algum risco de efeitos adversos extrapiramidais e discinesia tardia. Um desafio na obtenção de tratamento farmacológico ideal para crianças é diminuir comportamentos mal-adaptativos e promover funcionamento acadêmico produtivo. Para tanto, os médicos devem considerar efeitos adversos de medicação que resultem em “embotamento” cognitivo. Certos agentes farmacológicos usados em populações pediátricas estão associados a um transtorno específico ou a sintomasalvo comuns a diversos transtornos. Por exemplo, foi demonstrado que o haloperidol é efetivo no tratamento de transtorno de Tourette, mas também foi usado para controlar agressividade grave, um sintoma que surge no contexto de uma variedade de transtornos. Hoje, os ASDs têm substituído os antipsicóticos convencionais (antagonistas dos receptores de dopamina) no tratamento de transtornos psicóticos e no manejo de comportamento agressivo. Considerações terapêuticas Uma avaliação para psicofarmacoterapia deve, primeiro, incluir uma avaliação da psicopatologia e da condição física da criança para excluir quaisquer predisposições a efeitos colaterais (Tab. 53.4-1). A avaliação dos cuidadores focaliza-se em sua capacidade de fornecer um ambiente seguro, consistente, no qual o médico possa conduzir um teste com o medicamento. Este deve considerar a razão risco-benefício e explicá-la ao paciente, se o mesmo tiver idade suficiente, e para seus cuidadores ou terceiros
TABELA 53.4-1 Processos diagnósticos de terapia biológica 1. 2. 3. 4. 5. 6.
Avaliação diagnóstica Medição do sintoma Análise da razão risco-benefício Estabelecimento de um contrato para terapia Reavaliação periódica Término e retirada gradual do fármaco
(p. ex., assistentes sociais) que podem estar envolvidos na decisão de medicar. O médico deve obter medidas basais antes de administrar os medicamentos. Escalas de avaliação comportamental ajudam a materializar a resposta da criança a eles. Em geral, inicia-se com uma dose baixa, aumentando-a com base na resposta da criança e no aparecimento de efeitos adversos. O teste terapêutico ideal não pode ser apressado (p. ex., por internações muito curtas impostas por planos de saúde ou por visitas ambulatoriais pouco freqüentes), nem pode ser prolongado pelo contato insuficiente do médico com o paciente e os cuidadores. O sucesso dos testes terapêuticos muitas vezes depende da acessibilidade diária do médico. Farmacocinética na infância Comparadas com os adultos, as crianças têm maior capacidade hepática, mais filtração glomerular e menos tecido adiposo. Portanto, substâncias estimulantes, antipsicóticas e tricíclicas são eliminadas com mais rapidez por estas; o lítio pode ser eliminado mais rápido, e as crianças podem ser menos capazes de armazenar fármacos em sua gordura. Devido à rápida eliminação, as meias-vidas de muitos medicamentos podem ser mais curtas em crianças do que em adultos. Pouca evidência indica que os médicos possam prever o nível sangüíneo de uma criança pela dosagem ou a resposta ao tratamento com base no nível plasmático. Níveis séricos relativamente baixos de haloperidol parecem ser adequados para tratar transtorno de Tourette nesta população. Nenhuma correlação é observada entre o nível sérico de metilfenidato (Ritalina) e a resposta da criança. Os dados são incompletos e conflitantes em relação a transtorno depressivo maior e níveis séricos de tricíclicos. O nível sérico está relacionado a resposta para fármacos tricíclicos no tratamento de enurese. Com a litioterapia uma razão da concentração de lítio salivar em relação à sérica pode ser estabelecida para uma criança pela média de 3 a 4 razões individuais. A razão média pode, então, ser usada para converter níveis salivares subseqüentes em níveis séricos e, portanto, evitar algumas punções venosas em crianças que estão estressadas por testes sangüíneos. Como ocorre com os níveis séricos, a monitoração regular para efeitos adversos é necessária. A Tabela 53.4-2 lista fármacos representativos e suas indicações, dosagens, reações adversas e requisitos de monitoração.
Indicações Retardo mental. A psicofarmacoterapia para retardo mental costuma tratar de problemas comportamentais, em especial de
TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
1395
TABELA 53.4-2 Fármacos psicoativos comuns na infância e na adolescência Fármaco
Indicações
Dosagem
Reações adversas e monitoração
Antipsicóticos – também conhecidos como tranqüilizantes maiores, neurolépticos Divididos em (1) de alta potência, baixa dosagem (p. ex., haloperidol, pimozida, trifluoperazina, tiotixeno; (2) de baixa potência, alta dosagem (mais sedativos) (p. ex., clorpromazina); e (3) atípicos (p. ex., risperidona, olanzapina, quetiapina e clozapina)
Psicoses; comportamentos autodestrutivos agitados no RM, no TGD, no TC, e no transtorno de Tourette – haloperidol e pimozida Clozapina – esquizofrenia refratária na adolescência
Todos podem ser dados em 2 a 4 doses divididas ou combinadas em uma dose após aumento gradual Haloperidol – crianças 0,5-6 mg/ dia, adolescentes 0,5-16 mg/dia Clozapina – dosagem não-determinada em crianças; <600 mg/ dia em adolescentes Risperidona – 1-3 mg/dia Olanzapina – 2,5-10 mg/dia Quetiapina – 25-500 mg/dia
Sedação, ganho de peso, hipotensão, redução do limiar convulsivo, constipação, sintomas extrapiramidais, icterícia, agranulocitose, reação distônica, discinesia tardia Hiperprolactinemia com os atípicos, exceto quetiapina Monitorar pressão arterial, hemograma, TFH e prolactina, se indicado; com tioridazina, retinopatia pigmentar é rara, mas impõe teto de 800 mg em adultos e proporcionalmente mais baixo em crianças; com clozapina, contagens LEU semanais para desenvolvimento de agranulocitose e monitoração EEG devido a rebaixamento do limiar convulsivo
No TDAH, para hiperatividade, impulsividade e desatenção Narcolepsia
Dextroanfetamina e metilfenidato são dados em geral às 8 horas da manhã e ao meio-dia Dextroanfetamina – cerca de metade da dosagem de metilfenidato Metilfenidato – 10-60 mg/dia ou até 0,5 mg/kg por dose Anfetamina – dextroanfetamina – cerca de metade da dosagem de metilfenidato
Insônia, anorexia, perda de peso (possivelmente atraso de crescimento), hiperatividade de rebote, cefaléia, taquicardia, precipitação ou exacerbação de transtornos de tique Com pemolina, monitorar TFH, pois hepatotoxicidade e insuficiência hepática são possíveis
Estudos apóiam o uso no RM e no TC para comportamentos agressivos e autodestrutivos; pode ser usado para o mesmo no TGD; também indicado para transtorno bipolar de início precoce Transtorno bipolar, agressividade
600-2.100 mg em duas ou três doses divididas; manter níveis sangüíneos a 0,4-1,2 mEq/L
Náusea, vômitos, poliúria, cefaléia, tremor, ganho de peso, hipotireoidismo Experiência com adultos sugere monitoração da função renal
Até cerca de 20 mg/kg por dia; variação de nível sangüíneo terapêutico parece ser de 50-100 μg/mL
Agressividade e descontrole no RM ou no TC Transtorno bipolar
Iniciar com 10 mg/kg por dia, pode aumentar para 20-30 mg/kg por dia; variação de nível sangüíneo terapêutico parece ser de 4-12 mg por dia
Monitorar hemograma e TFH para possível discrasia sangüínea e hepatotoxicidade Náusea, vômitos, sedação, perda de cabelo, ganho de peso, possivelmente ovários policísticos Sonolência, náusea, rash, vertigem, irritabilidade Hemograma e TFH para possível discrasia sangüínea e hepatotoxicidade; obter concentrações sangüíneas
Transtorno depressivo maior, transtorno de ansiedade de separação, bulimia nervosa, enurese; às vezes usados em TDAH, sonambulismo e transtorno de terror noturno A clomipramina é efetiva no TOC da infância e às vezes no TGD
Imipramina – iniciar com doses divididas totalizando cerca de 1,5 mg/kg por dia; pode aumentar para até não mais de 5 mg/kg por dia e, eventualmente, combinar em uma dose, que costuma ser de 50-100 mg antes de dormir Clomipramina – iniciar em 50 mg/ dia; pode aumentar para não mais de 3 mg/kg por dia ou 200 mg/dia Menos do que a dosagem de adultos
Estimulantes Dextroanfetamina e anfetaminadextroanfetamina aprovadas pela FDA para crianças a partir de 3 anos de idade Metilfenidato e pemolina – aprovados pela FDA para crianças a partir de 6 anos de idade
Estabilizadores do humor Lítio – considerado um fármaco antimaníaco; também tem propriedades antiagressividade
Divalproato, ácido valpróico
Carbamazepina – anticonvulsivante
Antidepressivos Antidepressivos tricíclicos – imipramina, nortriptilina, clomipramina
Inibidores seletivos da recaptação de serotonina – fluoxetina (Prozac), sertralina (Zoloft), fluvoxamina (Luvox), paroxetina (Paxil), citalopram (Celexa)
TOC; pode ser útil no transtorno depressivo maior, na anorexia nervosa, na bulimia nervosa, comportamentos repetitivos no RM ou no TGD
Boca seca, constipação, taquicardia, arritmia
Náusea, cefaléia, nervosismo, insônia, boca seca, diarréia, sonolência, desinibição
(Continua)
1396
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 53.4-2 (Continuação) Fármaco
Indicações
Dosagem
Reações adversas e monitoração
Bupropiona
TDAH
Iniciar com dose baixa e titular até uma quantia entre 100 e 250 mg/d
Desinibição, insônia, boca seca, problemas gastrintestinais, tremor, convulsões
Transtorno de pânico, transtorno de ansiedade generalizada Transtorno de ansiedade de separação Vários transtornos de ansiedade
0,5-2 mg/dia
Sonolência, desinibição
Até 1,5 mg/dia
Sonolência, desinibição
15-90 mg/dia
Tontura, indisposição estomacal
Até 0,4 mg/dia
Guanfacina
TDAH, transtorno de Tourette, agressividade TDAH
Bradicardia, arritmia, hipertensão, hipotensão de abstinência O mesmo que com clonidina, mais cefaléia, dor de estômago
Antagonista dos receptores β-adrenérgicos (betabloqueador) Propranolol
Agressividade explosiva
Iniciar em 20-30 mg/dia e titular
Monitorar a bradicardia, hipotensão, broncoconstrição Contra-indicado em casos de asma e diabete
Hiperatividade ou comportamento autodestrutivo no autismo ou RM Enurese noturna
0,5-1 mg/kg por dia
Sonolência, vômitos, anorexia, cefaléia, congestão nasal, convulsões hiponatrêmicas Cefaléia, congestão nasal, convulsões hiponatrêmicas (raro)
Ansiolíticos Benzodiazepínicos Clonazepam Alprazolam Buspirona Agonistas dos receptores α2adrenérgicos Clonidina
Outros agentes Naltrexona Desmopressina (DDAVP)
0,5-3 mg/dia
20-40 μg intranasal
RM, retardo mental; TGD, transtorno global do desenvolvimento; TC, transtorno da conduta; CBC, contagem sangüínea completa; TFH, teste de função hepática; LEU, leucócitos; TDAH, transtorno de déficit de atenção/hiperatividade; TOC, transtorno obsessivo-compulsivo.
agressividade e da coexistência de outros transtornos mentais. Medicamentos são usados em excesso para controlar o comportamento de crianças institucionalizadas com retardo mental porque outras terapias e serviços não estão disponíveis. Para agressividade grave, antipsicóticos são os mais utilizados, e o embotamento cognitivo pode ser melhor evitado com fármacos de alta potência. Antagonistas dos receptores β-adrenérgicos reduziram a agressividade em estudos não-controlados de adultos e crianças com retardo mental. Lítio e anticonvulsivantes, como carbamazepina, também podem ser tentados. Os antipsicóticos têm a vantagem de início de ação rápido e pouca necessidade de monitoração laboratorial de seus efeitos adversos, mas o uso de outros fármacos elimina o risco de discinesia tardia. Os antagonistas de opióides endógenos, como a naltrexona, e os ISRSs, como a fluoxetina, têm sido prescritos na tentativa de diminuir comportamento autodestrutivo em pacientes com retardo mental. Quando TDAH coexiste com esta condição, o metilfenidato tende a ser efetivo. Recentemente foram feitas tentativas de tratar os problemas comportamentais associados à síndrome do X frágil com suplementos de ácido fólico. Algumas crianças pubescentes apresentaram comportamento menos ativo ou menos agressivo e concentraram-se melhor quando tomaram ácido fólico do que ocorria antes do tratamento.
Transtornos da aprendizagem. Nenhum agente farmacológico melhora de forma significativa qualquer transtorno da aprendizagem, mas muitas crianças com outros transtornos mentais também têm transtornos da aprendizagem, e vice-versa. Essas associações e a importância da escola e da aprendizagem na vida das crianças levantam questões sobre os efeitos cognitivos de psicotrópicos. A Tabela 53.4-3 resume os efeitos de fármacos sobre testes cognitivos de funções de aprendizagem. Em crianças com transtornos da aprendizagem, mas sem outro transtorno mental, o metilfenidato facilita o desempenho em diversos testes cognitivos, psicolingüísticos, de memória e vigilância padronizados, mas não melhora as avaliações de desempenho acadêmico ou avaliações do professor. Prejuízo cognitivo decorrente de psicotrópicos, em especial antipsicóticos, pode ser um problema ainda maior para pessoas com retardo mental do que para aquelas com transtornos da aprendizagem. Transtorno autista. Os problemas comportamentais de crianças com transtorno autista podem ser extremos. Em estudos de curto e longo prazo, o haloperidol, em geral em dosagens nãosedativas, revelou-se eficaz na redução de acessos de raiva, agressividade, estereotipias, comportamento autodestrutivo, hiperatividade e retraimento, mas a discinesia é um risco. Há pouco, os ISRSs foram estudados no transtorno autista, quando pesquisa-
TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
1397
TABELA 53.4-3 Efeitos de fármacos psicotrópicos sobre testes cognitivos de funções de aprendizagema
Classe de fármaco
Teste de desempenho contínuo (atenção)
Combinação de figuras familiares (impulsividade)
Pares associados (aprendizagem verbal)
Estimulante Antidepressivo Antipsicótico
↑ ↑ ↑↓
↑ 0
↑ ↓
Labirinto de Porteus (capacidade de planejamento)
Memória de WISC curto prazoa (inteligência)
↑ 0 ↓
↑ 0 ↓
↑ 0 0
↑, melhorado; ↑↓, inconsistente; ↓, pior; 0, sem efeito. a Vários testes; intervalo de dígito, lembrança de palavra, etc. Adaptada de Amar MG, Drugs, learning and the psychotherapies. In: Werry JS, ed. Pediatric Psychopharmacology: The Use of Behavior Modifying Drugs in Children. New York: Brunner/Mazel, 1978:356.
dores postularam uma associação entre os comportamentos compulsivos no transtorno obsessivo-compulsivo e comportamentos estereotipados comuns em crianças com autismo. Até o momento, a clomipramina e a fluoxetina revelaram-se promissoras para acabar com estereotipias e outros comportamentos em pessoas autistas. Os antagonistas de opióides naloxona e naltrexona não se mostraram efetivos para diminuir o comportamento autodestrutivo em crianças com transtorno autista. Suas dificuldades comportamentais podem ser difíceis de tratar. Muito esforço, firmeza e consistência são exigidos dos cuidadores, e uma variedade de medicamentos pode precisar ser tentada para determinar quais são benéficos. Antagonistas dos receptores β-adrenérgicos (betabloqueadores), lítio ou anticonvulsivantes podem ser úteis. A polifarmácia não é incomum, mas não foi estudada de forma consistente. Os estimulantes podem ser tentados para reduzir a hiperatividade e a desatenção em crianças com autismo relativamente controláveis. Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade. Estudos continuam a apoiar o uso de estimulantes no tratamento de TDAH. O agente mais pesquisado e usado é o metilfenidato. A dextroanfetamina tem eficácia comparável e, ao contrário do metilfenidato, é aprovada pela Food and Drug Administration (FDA) para crianças a partir dos 3 anos de idade; a idade inicial para o metilfenidato é de 6 anos. Outra preparação estimulante, o Adderall, combina sais de dextroanfetamina e anfetamina. Diversas preparações de liberação estendida, como Concerta (metilfenidato de liberação estendida) e Adderall XR (Adderall de liberação estendida), apareceram no mercado, permitindo que crianças que as utilizam continuem a beneficiar-se da medicação sem necessitar de uma dose durante o período escolar. A pemolina não é mais recomendada devido ao risco de hepatotoxicidade. Os estimulantes reduzem hiperatividade, desatenção e impulsividade em cerca de 75% das crianças com TDAH. Os efeitos não são paradoxais, uma vez que crianças normais apresentam respostas semelhantes. Os efeitos adversos de estimulantes relacionados à dose são listados na Tabela 53.4-4. O TDAH costuma coexistir com o transtorno desafiador de oposição ou o transtorno da conduta. O resultado dessa combinação é a agressividade. Em alguns casos, os estimulantes parecem reduzi-la, mas um erro comum é prolongar tentativas com esses agentes quando a agressividade não está dimi-
TABELA 53.4-4 Efeitos comuns relacionados à dose de estimulantes Insônia Diminuição do apetite Irritabilidade ou nervosismo Perda de peso
nuindo e uma mudança ou acréscimo de fármaco mais específico para a agressividade são indicados. Antidepressivos podem ser tentados para crianças com TDAH que são resistentes a estimulantes e aquelas com transtornos de tique preexistentes. Bupropiona é tentada quando os estimulantes são ineficazes no tratamento de TDAH. A desipramina tem sido um pouco efetiva, mas seu uso é limitado devido aos riscos associados. Desde a morte súbita de quatro crianças que estavam sendo tratadas com desipramina, deve-se recomendar especial cautela na sua administração. Outros tricíclicos, hoje pouco recomendados, incluindo a nortriptilina e a clomipramina, foram tentados com algum sucesso. Crianças com TDAH podem responder a antidepressivos dias após o início do tratamento. Alguns poucos estudos demonstraram que a clonidina (Catapres), um agente agonista α-adrenérgico, tem algum sucesso no TDAH. A guanfacina (Tenex), também um agonista α-adrenérgico foi empregada na prática clínica para crianças e adolescentes com o transtorno que não respondem aos estimulantes. Antipsicóticos não são indicados para tanto, dados os riscos de sedação e discinesia tardia. O TDAH em geral precede e, então, coexiste com transtornos de tique. (O Cap. 46 aborda a farmacoterapia para crianças com ambos os transtornos.) O manejo dietético da hiperatividade tem recebido muita atenção do público, mas estudos controlados não confirmaram seu benefício. De maneira similar, na maioria dos estudos controlados, a cafeína não foi superior a placebo para aliviar o transtorno. Transtorno da conduta. A agressividade que costuma estar associada ao transtorno da conduta pode ser reduzida com farmacoterapia. Antipsicóticos, como risperidona, olanzapina ou haloperidol suprimem a agressividade, mas a sedação e o risco de discinesia tardia são obstáculos importantes. Com antipsicóticos mais modernos no mercado, como a risperidona, a esperança de
1398
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
menos efeitos adversos de longo prazo apóia seu uso. O lítio reduziu a agressividade no transtorno da conduta, e o propranolol foi efetivo em estudos abertos. A carbamazepina não demonstrou efetividade no controle da agressividade. Quando transtorno da conduta está associado ao TDAH e quando a agressividade é leve, uma tentativa com estimulantes pode ser indicada; estes têm ação mais rápida e são mais fáceis de monitorar do que as substâncias já mencionadas. A clonidina pode ser efetiva e merece mais estudos. Comportamento agressivo pode ocorrer no contexto de uma variedade de transtornos psiquiátricos, incluindo TDAH e transtorno da conduta co-mórbidos. Alguma evidência indica que medicamentos estimulantes também podem ter alguma eficácia no controle de comportamento agressivo resultante. Transtorno de Tourette. Os antipsicóticos de alta potência haloperidol e pimozida são os medicamentos mais efetivos para o transtorno de Tourette. A primozida prolonga o intervalo QT e, portanto, requer monitoração eletrocardiográfica (ECG). A clonidina, um agente bloqueador α-adrenérgico pré-sináptico, é menos efetiva do que os dois antipsicóticos, mas evita o risco de discinesia tardia, porém a sedação é um efeito colateral freqüente deste agente. Transtornos de tique muitas vezes coexistem com TDAH em crianças e adolescentes. O uso de estimulantes, que podem precipitar tiques, deve ser evitado nestes pacientes, ainda que estudos recentes indiquem que a proibição pode não ser totalmente justificada. A clonidina reduz tiques tanto no TDAH como nos casos co-mórbidos. Um pequeno estudo apóia o uso de nortriptilina. Enurese. Antes de iniciarem psicofarmacoterapia para tratar enurese, os médicos devem considerar as vantagens de aguardar uma possível remissão espontânea e de usar técnicas comportamentais; condicionamento campainha-e-almofada (uma campainha desperta a criança quando o colchão fica molhado), talvez o tratamento comportamental mais elaborado, parece ser mais bemsucedido do que medicação. Os fármacos tricíclicos são efetivos para reduzir enurese em cerca de 60% dos pacientes, e a desmopressina (DDAVP) é efetivo para 50% deles. A melhora varia de completa cessação a continuação da enurese, mas com menos volume urinário. Os tricíclicos são administrados em média uma hora antes de dormir. A dosagem inicial costuma ser de 25 mg por dia, uma quantia mais baixa do que a usada para depressão. A dosagem pode ser aumentada para 75 mg por dia para adolescentes, mas não deve exceder 2 mg/kg por dia. As crianças tendem a responder em alguns dias. A desmopressina é administrada por via intranasal em dosagens de 10 a 40 mg por dia. Quando usada durante meses, pode ocorrer desconforto nasal, e a retenção hídrica é um problema potencial. Pacientes que respondem com resolução total da enurese devem continuar a tomar a medicação por vários meses para prevenir recaídas. Transtorno de ansiedade de separação. Hoje, os ISRSs são recomendados como medicamentos de primeira linha no tratamento de uma variedade de transtornos de ansiedade em crian-
ças e adolescentes. Poucos estudos apóiam o uso de ansiolíticos na psicofarmacologia pediátrica. Um recente estudo duplo-cego, controlado por placebo, não reproduziu um estudo semelhante realizado pelos mesmos pesquisadores 20 anos antes, quando a imipramina demonstrou ser efetiva para recusa à escola. O alprazolam pode ser benéfico no transtorno de ansiedade de separação, mas os dados são conflitantes. Esquizofrenia. Antagonistas de serotonina-dopamina são recomendados como agentes de primeira linha no tratamento de transtornos psicóticos em crianças e adolescentes. Alguns estudos duplo-cegos mostraram efetividade modesta de antipsicóticos convencionais na esquizofrenia do adolescente, e apenas um desses estudos foi controlado por placebo. No único estudo duplo-cego controlado por placebo de esquizofrenia na infância, o haloperidol foi muito superior ao placebo. Esquizofrenia com início no final da adolescência é tratada da mesma forma que nos adultos. Transtornos do humor. Os ISRSs são os medicamentos de escolha no tratamento farmacológico de transtornos depressivos em crianças e adolescentes. Um estudo controlado apóia a eficácia da fluoxetina nesta população. Foi demonstrado que os tricíclicos são superiores ao placebo em estudos duplo-cegos, controlados por placebo, de crianças e adolescentes com transtorno depressivo maior. Em crianças, diferenças de desenvolvimento nos sistemas neurotransmissores e neuroendócrinos podem estar associadas à resposta a antidepressivos. A maioria dos médicos defende uma tentativa de medicação antidepressiva no transtorno depressivo maior grave e prolongado. Os ISRSs são preferidos devido a sua aparente eficácia, perfil de efeito adverso leve e risco mais baixo de superdosagem. Ao tratar uma criança ou um adolescente com risco para suicídio, deve-se sempre usar o agente mais seguro. Episódios maníacos na infância e na adolescência são tratados como se fossem na idade adulta. Nenhum estudo duplo-cego, controlado por placebo, demonstrou a efetividade do lítio no tratamento de mania entre adolescentes, mas muitas experiências abertas apóiam seu uso. O divalproato é atualmente usado com muita freqüência para tratar transtorno bipolar nesta população. Transtorno obsessivo-compulsivo. A literatura atual apóia o uso de ISRSs como agentes de primeira linha para crianças e adolescentes com transtorno obsessivo-compulsivo. Foi demonstrado que a clomipramina era efetiva para diminuir obsessões e compulsões em crianças e adolescentes, mas, embora ela seja bemtolerada, os ISRSs têm um perfil de efeito adverso favorável e parecem ser tão efetivos quanto ela. Transtornos da alimentação. O tratamento da anorexia nervosa não está centrado em intervenções farmacológicas, mas os fármacos podem ser adjuntos importantes em muitos casos. Não raro, ISRSs são utilizados nesta população; os sintomas-alvo são obsessões e compulsões e altos níveis de ansiedade e sintomas depressivos. A ciproeptadina foi utilizada historicamente e revelou-se benéfica em alguns pacientes com anorexia, e antidepressivos podem beneficiar aqueles com transtornos depressivos comórbidos. Entretanto, o metabolismo comprometido de muitos
TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
indivíduos com anorexia pode colocá-los em alto risco para arritmias cardíacas se fármacos tricíclicos forem administrados. Há evidência de estudos controlados de que tratamento de alta dosagem com ISRS (fluoxetina em doses de cerca de 60 mg por dia) pode reduzir compulsão alimentar e purgação na bulimia nervosa. A bupropiona deve ser usada com cautela em pacientes com bulimia nervosa devido ao risco de convulsões. Transtorno de terror noturno e de sonambulismo. Transtorno de terror noturno e de sonambulismo ocorrem na transição do sono de onda delta profundo (Estágios 3 e 4) para o sono leve. Benzodiazepínicos e tricíclicos são efetivos nestes casos. Eles atuam reduzindo tanto o sono de onda delta como despertares entre os estágios de sono. Os medicamentos devem ser usados por um tempo determinado e apenas em casos graves, porque há desenvolvimento de tolerância à medicação. Sua cessação pode levar à piora de rebote dos transtornos, e a redução do sono delta em crianças pode ter efeitos deletérios; portanto, abordagens comportamentais são preferíveis para estes transtornos. Outros transtornos. A buspirona foi efetiva em um ensaio aberto de adolescentes com transtorno de ansiedade generalizada. Pacientes com transtorno de pânico e ataques de pânico de início precoce beneficiaram-se de clonazepam em diversos estudos abertos. Efeitos adversos e complicações Antidepressivos. Os efeitos adversos relacionados a antidepressivos diminuíram de forma significativa desde que os ISRSs foram aceitos como tratamentos de primeira linha para transtornos depressivos em crianças e adolescentes. Os tricíclicos são raramente recomendados devido aos riscos acentuados de efeitos adversos perigosos, os quais são semelhantes àqueles para adultos e resultam das propriedades anticolinérgicas dos fármacos. Os efeitos adversos incluem boca seca, constipação, palpitações, taquicardia, perda de acomodação e sudorese. As conseqüências mais graves são cardiovasculares; em crianças, hipertensão diastólica é mais comum, e hipotensão postural ocorre com menos freqüência do que em adultos. Alterações ECG têm mais probabilidade de serem observadas em crianças recebendo altas dosagens. Condução cardíaca lenta (intervalo PR > 0,20 segundos ou intervalo QRS > 0,12) pode necessitar de diminuição da quantidade. As orientações da FDA limitam as dosagens a um máximo de 5 mg/kg por dia. As substâncias podem ser tóxicas em superdosagem e, em crianças pequenas, a ingestão de 200 a 400 mg pode ser fatal. Quando a dosagem é diminuída muito rápido, ocorrem efeitos de abstinência, principalmente sintomas gastrintestinais – cãibras, náusea e vômitos – e às vezes apatia e fraqueza. O tratamento implica diminuir a dosagem de forma mais lenta. Antipsicóticos. Os ASDs em geral substituíram os antipsicóticos convencionais como agentes de primeira linha no tratamento de todos os transtornos psicóticos em crianças e adolescentes. Historicamente os antipsicóticos melhor estudados administrados a grupos de idade pediátrica são a clorpromazina e o halope-
1399
ridol. Acredita-se que os de alta potência e os de baixa potência diferem em relação a seus perfis de efeitos adversos. Os derivados da fenotiazina (clorpromazina e tioridazina) têm as ações sedativas e atropínicas mais pronunciadas, enquanto se acredita que os antipsicóticos de alta potência estejam associados a reações extrapiramidais, como sintomas parkinsonianos, acatisia e distonias agudas. A cautela é justificada ao supor-se que essas reações também sejam verdadeiras para crianças. Em particular, quando são feitas comparações com níveis de baixa dosagem de potência equivalente, diferenças podem não ser detectadas. Mesmo se a freqüência dos efeitos adversos difere entre os medicamentos, os efeitos são sempre causados pelos antipsicóticos. A evidência de função cognitiva prejudicada e, mais importante, de discinesia tardia exige grande cautela no uso dos fármacos. Esta última – caracterizada por movimentos involuntários anormais persistentes de língua, face, boca ou maxilar e às vezes das extremidades – é um risco conhecido da administração de antipsicóticos a pacientes de todos os grupos etários. Não há tratamento efetivo conhecido. A discinesia tardia não foi relatada em pacientes tomando menos de equivalentes a 375 a 400 mg de clorpromazina. Visto que movimentos coreiformes das extremidades e do tronco são comuns após a descontinuação abrupta de antipsicóticos, os médicos devem diferenciar estes sintomas de discinesias persistentes. Sempre que possível, crianças recebendo antipsicóticos devem ter medicamentos retirados de forma periódica, de modo que os médicos possam avaliar as necessidades clínicas atuais do paciente e o possível desenvolvimento de discinesia tardia. Estimulantes. A crença atual é que qualquer supressão de crescimento é temporária e que crianças tomando estimulantes conseguem atingir sua altura normal. OUTRAS TERAPIAS BIOLÓGICAS A eletroconvulsoterapia (ECT) é raramente indicada, se o for, na infância ou na adolescência. Psicocirurgia para transtorno obsessivo-compulsivo grave e intransigente deve ser adiado até a idade adulta, após todas as tentativas de tratamento menos drástico terem falhado e quando o paciente puder participar de forma completa do processo de consentimento informado. Poucas evidências indicam que alergias ou sensibilidades a alimentos desempenhem um papel nos transtornos mentais da infância. Dietas que eliminam alimentos com conservantes, corantes e açúcar são difíceis de manter e, em geral, não têm efeito. Terapia com megavitamina tende a ser ineficaz (a menos que a criança tenha uma clara deficiência vitamínica) e pode causar graves efeitos adversos. REFERÊNCIAS Chalasani L, Kant R, Chengappa KN. Clozapine impatient on clinical outcomes and aggression in severelly ill adolescents with childhoodonset schizophrenia. Can J Psychiatry. 2001;46:965. Clein PD, Riddle MA. Pharmacokinetics in children and adolescents. Child Adolesc Psychiatry Clin North Am. 1995;4:59.
1400
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Coffey BJ. Pediatric psychopharmacology. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2831. Colle LM, Belair JF, DiFeo M, Weiss J, LaRoache C. Extended openlabel fluoxetine treatment of adolescents with major depression. J Child Adolesc Psychopharmacol. 1994;4:225. Geller B. Psychopharmacology of children and adolescents: pharmacokinetics and relationships of plasma/serum levels to response. Psychopharmacol Bull. 1991;27:401. Greenhill L. Pharmacotherapy: stimulants. Child Adolesc Psychiatr Clin North Am. 1992;1:411. Hardan A, Johnson K, Johnson C, Krecznyj B. Case study: risperidone treatment of children and adolescents with developmental disorders. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1996;35:1551. Kowatch RA, Suppes T, Carmody TJ, et al. Effect size of lithium, divalproex sodium, and carbamazepine in children and adolescents with bipolar disorder. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2000;39:713. Lamps CA. Citalopram and psychotic symptoms. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2002; 1:6. Miller PM, Byrne M, Hodges A, Lawrie SM, Johnstone EC. Childhood behavior, psychotic symptoms and psychosis onset in young people at high risk of schizophrenia: early findings from the Edinburgh Study. Psychol Med. 2002;32:173. Ratey JJ, Gordon A. The psychopharmacology of aggression: toward a new day. Psychopharmacol Bull. 1993;29:65. Remschmidt H, Fleischaker C, Hennighausen K, Schulz E. Management of schizophrenia in children and adolescents. The role of clozapine. Paediatr Drugs. 2000;2:253. Riddle MA, Geller B, Ryan N. Another sudden death in a child treated with desipramine. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1993;32:792. Spencer T, Biederman J, Wilens T, Steingard R, Geist D. Nortriptyline treatment of children with attention-deficit/hyperactivity disorder and tic disorder or Tourette’s syndrome. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1993;32:205. Steingard R, Biederman J, Spencer T, Wilens T, Gonzalez A. Comparison of clonidine response in the treatment of attention-deficit/hyperactivity disorder with and without comorbid tic disorder. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1993;32:350. Volavka J, Czobor P, Sheitman B, et al. Clozapine, olanzapine, risperidone and Haldol in the treatment of patients with chronic schizophrenia and schizoaffective disorder. Am J Psychiatry. 2002;159:255.
53.5 Tratamento psiquiátrico de adolescentes Uma variedade de transtornos psiquiátricos graves, incluindo esquizofrenia e transtorno bipolar, tem seu início durante a adolescência. Além disso, o risco de suicídio completo aumenta de forma drástica nesta faixa etária. Ainda que algum estresse seja quase universal, a maioria dos adolescentes sem transtornos mentais pode lidar bem com as demandas ambientais. Aqueles com transtornos mentais preexistentes podem demonstrar exacerbações durante a adolescência e tornar-se frustrados, alienados e desmoralizados. Médicos e pais devem ser sensíveis às percepções dos adolescentes acerca de si mesmos. Em um grupo de adolescentes da mesma idade, há uma variação de maturidade emocional. Os problemas específicos de adolescentes estão relacionados a suas novas identidades que estão em formação, ao desenvolvimento de atividade sexual e aos seus planos de satisfazer objetivos de vida futuros.
DIAGNÓSTICO Adolescentes podem ser avaliados tanto em suas funções adequadas a estágios específicos como em seu progresso geral na realização de tarefas da adolescência. Para quase todos os adolescentes na cultura de hoje, pelo menos até o final da adolescência, o desempenho escolar é o principal barômetro de funcionamento saudável. Os que são intelectualmente normais, mas que não estão funcionando de forma satisfatória em alguma forma de educação escolar, têm problemas psicológicos significativos, cuja natureza e causas devem ser identificadas. As perguntas a serem feitas em relação às tarefas específicas da adolescência são as seguintes: Que grau de separação dos pais alcançaram? Que tipo de identidades estão se desenvolvendo? Como entendem seu passado? Eles se percebem como responsáveis por seu próprio desenvolvimento ou apenas como recipientes passivos das influências de seus pais? Como percebem-se em relação ao futuro, e como antecipam suas futuras responsabilidades para consigo mesmos e os outros? São capazes de pensar sobre as várias conseqüências de diferentes formas de vida? Como expressam seus interesses sexuais e afetivos? Essas tarefas ocupam todos os adolescentes e tendem a ser realizadas em tempos diversos. As relações objetais dos adolescentes devem ser avaliadas. Eles percebem e aceitam as boas e as más qualidades em seus pais? Vêem seus amigos e namorados como pessoas separadas, com necessidades e identidades próprias, ou os outros existem apenas para as próprias necessidades dos adolescentes? Respeito e (se possível) algum entendimento real do meio subcultural e étnico do adolescente são fundamentais. Por exemplo, em alguns grupos, a depressão é aceitável; em outros, manifesta um sinal de fraqueza e é mascarada por atos anti-sociais, abuso de substâncias e riscos autodestrutivos. O psiquiatra não precisa ser da mesma raça ou identidade grupal do adolescente para tratá-lo de forma efetiva. Respeito e preocupação reconhecida são qualidades humanas e não restritas a um grupo. ENTREVISTAS Sempre que as circunstâncias permitirem, tanto o paciente adolescente como seus pais devem ser entrevistados. Outros membros da família também podem ser incluídos, dependendo de seu envolvimento na vida e nas dificuldades do adolescente. Entretanto, os médicos precisam ver primeiro o adolescente; o tratamento preferencial ajuda a evitar a aparência de ser o agente dos pais. Na psicoterapia com um adolescente mais velho, o terapeuta e os pais em geral têm pouco contato após a parte inicial da terapia, pois o contato contínuo inibe a vontade do adolescente de abrir-se.
Técnicas de entrevista Todos os pacientes testam os terapeutas e desconfiam deles, mas os adolescentes em geral manifestam essas reações de forma mais objetiva, intensa e por períodos prolongados. Os médicos devem estabelecer-se como
TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
adultos merecedores de confiança e úteis para promover uma aliança terapêutica. É importante encorajar os adolescentes a contar suas próprias histórias, sem interromper para verificar discrepâncias; esta tática dá a impressão de correção e expressão de descrença. Deve-se pedir aos pacientes explicações e hipóteses sobre o que aconteceu. Por que estes comportamentos ou sentimentos ocorreram? Quando as coisas mudaram? O que fez com que os problemas de identidade começassem naquele momento específico? As sessões com adolescentes seguem o modelo adulto; o terapeuta senta-se em frente ao paciente. No início da adolescência, entretanto, jogos de tabuleiro (como damas) podem ajudar a estimular a conversa no caso de um paciente que de outro modo mantenha-se silencioso e ansioso. A linguagem é fundamental. Mesmo quando o adolescente e o médico vêm do mesmo grupo socioeconômico, suas linguagens dificilmente são as mesmas. Os psiquiatras devem usar sua própria linguagem, explicar alguns termos ou conceitos especializados e pedir uma explicação de jargões ou gírias de grupo. Muitos adolescentes não conversam de forma espontânea sobre substâncias ilícitas e tendências suicidas, mas respondem honestamente às perguntas. O terapeuta pode precisar perguntar sobre substâncias específicas e a quantidade e a freqüência de seu uso. As histórias e as atividades sexuais atuais dos adolescentes são peças cada vez mais importantes de informação para avaliação adequada. A natureza dos comportamentos sexuais com freqüência é uma vinheta do conjunto de suas estruturas de personalidade e desenvolvimento do ego, mas um longo tempo pode ser passado na terapia antes que os adolescentes comecem a falar sobre seu comportamento sexual.
TRATAMENTO As melhores escolhas para o tratamento de transtornos psiquiátricos deve levar em consideração as características do próprio adolescente e da família ou do ambiente social. A luta por autonomia pode complicar problemas de adesão à terapia e resultar na necessidade de estabilização no hospital, enquanto este nível de cuidado pode não ser necessário em um estágio de vida diferente. Portanto, a discussão a seguir é menos um conjunto de orientações do que um breve resumo do que cada modalidade de tratamento pode ou deve oferecer. Psicoterapia individual Poucos pacientes adolescentes são confiantes ou abertos sem considerável tempo e testagem, e é útil antecipar o período de testagem informando aos mesmos que isso é esperado e natural. Salientar a probabilidade de problemas terapêuticos – por exemplo, impaciência e desapontamento com o psiquiatra, com a terapia, com o tempo exigido e com os resultados muitas vezes impalpáveis – pode ajudar a manter os problemas sob controle. Os objetivos terapêuticos devem ser expostos em termos que os adolescentes entendam e valorizem. Ainda que possam não ver objetivo em exercer autocontrole, suportar emoções disfóricas ou adiar gratificação impulsiva, são capazes de valorizar a sensação de maior confiança e a obtenção de mais controle sobre suas vidas e os eventos que os afetam.
1401
Pacientes adolescentes típicos necessitam de um relacionamento real com o terapeuta para que possam percebê-lo como uma pessoa real. Este se torna um outro pai, pois os adolescentes ainda necessitam de cuidados parentais adequados ou de um novo pai. Portanto, um profissional que é impessoal e anônimo é um modelo menos útil do que um que pode aceitar e responder de forma racional a um desafio ou confrontação sem medo ou falsa conciliação, pode impor limites e controles quando os adolescentes não o conseguem, pode admitir erros e ignorância e expressar abertamente a gama de emoções humanas. Os adolescentes percebem a falha em tomar uma posição firme sobre comportamento autoprejudicial ou autodestrutivo ou em responder de maneira ativa a comportamento manipulativo e desonesto, como indiferença ou conspiração. As reações de contratransferência podem ser intensas no trabalho psicoterapêutico com esses indivíduos, e os terapeutas devem ter consciência delas. O adolescente muitas vezes expressa sentimentos hostis em relação a adultos, como pais e professores. O terapeuta pode reagir com identificação excessiva com o adolescente ou com os pais. Tais reações são determinadas, pelo menos em parte, pelas próprias experiências do terapeuta durante a adolescência ou, quando aplicável, pelas próprias experiências do terapeuta como pai. Terapia ambulatorial individual é adequada para adolescentes cujos problemas são manifestados em emoções conflitadas e comportamento não-perigoso, que não são desorganizados demais para serem mantidos fora de um ambiente estruturado, e cujas famílias ou outros ambientes de vida não são perturbados o suficiente para negar a influência da terapia. Esse tipo de intervenção tende a focalizar-se em conflitos e inibições intrapsíquicos, nos significados de emoções, atitudes e comportamentos e na influência do passado e do presente. Agentes antiansiedade podem ser considerados para uso em adolescentes cuja ansiedade é alta em certos momentos durante a psicoterapia, mas o potencial para abusar desses medicamentos deve ser avaliado com cuidado. Psicofarmacoterapia e terapia combinada Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade tem sido estudado de forma mais sistemática em relação a combinações de psicoterapia e medicação. Psicoestimulantes, como metilfenidato e dextroanfetamina, quando combinados com terapia comportamental ou cognitivo-comportamental, são mais efetivos para melhorar comportamento social e desempenho acadêmico. Nenhum estudo empírico de tratamento psicoterapêutico e medicação combinados de transtornos do humor, transtornos de ansiedade ou esquizofrenia em adolescentes foi publicado, mas estudos de pacientes adultos, como aqueles com transtorno depressivo maior, transtorno obsessivo-compulsivo e esquizofrenia sugerem que psicoterapia combinada com medicação tem maior eficiência para reduzir os sintomas. Avanços no desenvolvimento de fármacos ampliaram a escolha dos medicamentos para tratar transtornos do humor (p. ex., inibidores seletivos da recaptação de serotonia [ISRSs]) e esquizofrenia (p. ex., antagonistas de serotonina-dopamina [ASDs] incluindo risperidona, olanzapina e clozapina). Ainda que esses
1402
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
medicamentos tenham sido usados para tratar transtornos do adolescente, uma pesquisa sistemática é necessária para determinar a eficácia e os perfis de segurança de tais agentes no tratamento de psicopatologia adolescente. Uma avaliação abrangente é necessária antes de iniciar psicofarmacologia com adolescentes, incluindo exame físico, testes sangüíneos para avaliar funções hematológicas, renais, hepáticas, da tireóide e outras funções fisiológicas e um eletrocardiograma (ECG) para medir a função cardíaca. A avaliação neurológica com um eletroencefalograma é necessária se há suspeita de transtorno convulsivo ou possibilidade de o medicamento diminuir o limiar convulsivo. Uma menina de 17 anos queixava-se de episódios de batimento cardíaco rápido, sudorese, tremor e medo de ir sozinha ao shopping. Ela havia iniciado o último ano do ensino médio, estava fazendo sua escolha de faculdades e planejando fazer o exame vestibular. Seus pais queriam que mantivesse a tradição familiar e fosse para a faculdade na qual sua mãe tinha se formado. Tratamento ambulatorial de orientação psicanalítica e tratamento com um ISRS foram instituídos para aliviar os sintomas de transtorno de pânico. A psicoterapia focalizou-se nos conflitos da paciente com seus pais, esclarecendo sua preocupação crônica de que poderia não satisfazer as expectativas dos mesmos e seus medos de independência. A medicação pareceu reduzir os sintomas de taquicardia, tremor e preocupação com falta de competência. A psicoterapia foi mantida por oito meses, durante o último ano no ensino médio. (Cortesia de Cynthia R. Pfeffer, M.D.) Psicoterapia de grupo Em muitos aspectos, a psicoterapia de grupo é um ambiente natural para adolescentes. A maioria deles fica mais à vontade com iguais do que com adultos. O grupo diminui a sensação de poder desigual entre o terapeuta adulto e o paciente adolescente. A participação varia, dependendo do desembaraço. Nem todas as interpretações e confrontações devem vir do terapeuta, que representa o pai; membros do grupo muitas vezes são capazes de perceber comportamento sintomático uns nos outros, e os adolescentes podem achar mais fácil ouvir e considerar comentários críticos ou desafiadores vindos de seus pares. A psicoterapia de grupo em geral trata de problemas de vida interpessoais e correntes. Entretanto, alguns adolescentes são muito frágeis para psicoterapia de grupo ou têm sintomas ou traços sociais com muita probabilidade de evocar zombaria do grupo; eles necessitam de terapia individual para obter força de ego suficiente para lutar contra esses aspectos. Ao contrário, outros devem resolver problemas interpessoais em um grupo antes de poderem lidar com questões intrapsíquicas na intensidade de terapia individual. Terapia familiar A terapia familiar é a principal modalidade utilizada quando as dificuldades dos adolescentes refletem principalmente uma família disfuncional (p. ex., adolescentes com recusa à escola, fugas).
O mesmo pode ser verdadeiro quando problemas de desenvolvimento, como sexualidade adolescente e luta por autonomia, precipitam conflitos familiares ou quando a patologia familiar é grave, como em situações de incesto e abuso. Nestes casos, os adolescentes em geral necessitam também de terapia individual, mas a terapia familiar é obrigatória se houver interesse em permanecer em casa ou retornar a ela. Patologia grave de caráter, tal como aquela subjacente a transtornos da personalidade anti-social e borderline, com freqüência desenvolve-se a partir de cuidados paternos altamente patogênicos. Terapia familiar é bastante indicada, sempre que possível, para tais transtornos, mas a maioria das autoridades considera-a um adjunto à psicoterapia individual intensiva quando a psicopatologia tornou-se tão internalizada que persiste independentemente da situação familiar atual. Tratamento hospitalar Escolas de tratamento residencial são preferíveis para terapia de longo prazo, enquanto os hospitais são mais adequados para emergências, embora algumas unidades hospitalares também ofereçam serviços educacionais, recreativos e ocupacionais a longo prazo. Adolescentes cujas famílias são perturbadas ou incompetentes demais, que são perigosos para si mesmos ou para terceiros, que estão fora de controle de uma maneira que impede o desenvolvimento saudável ou que são gravemente desorganizados requerem, pelo menos por um tempo, os controles externos de um ambiente estruturado. A terapia hospitalar de longo prazo é o tratamento de escolha para transtornos graves que são considerados, no todo ou em parte, de origem psicogênica, como déficits de ego causados por privação massiça precoce e que respondem de forma insatisfatória ou não respondem à medicação. Transtorno da personalidade borderline grave, por exemplo, independentemente dos sintomas comportamentais, requer um ambiente corretivo de tempo integral, no qual a regressão seja possível e segura e possa ocorrer desenvolvimento do ego. Transtornos psicóticos na adolescência com freqüência requerem hospitalização, mas adolescentes afetados não costumam responder à medicação apropriada, de modo que a terapia é possível em ambiente ambulatorial, exceto durante uma exacerbação. Pacientes com esquizofrenia que exibem um curso deteriorante de longo prazo podem requerer hospitalização periódica. Hospitais-dia Nos hospitais-dia, que se tornaram cada vez mais populares, os adolescentes passam o dia na aula, em psicoterapia individual e de grupo e em outros programas, mas vão para casa à noite. Este recurso não é tão caro quanto a hospitalização completa, sendo preferido pelos pacientes. PROBLEMAS CLÍNICOS Puberdade atípica Alterações puberais que ocorrem 2,5 anos mais cedo ou mais tarde do que a idade média estão dentro da variação normal. Entre-
TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
tanto, a imagem corporal é tão importante para os adolescentes que extremos do normal podem ser um fator de sofrimento para alguns, seja porque o amadurecimento acentuadamente precoce sujeita-os a pressões sociais e sexuais para as quais não estão prontos, seja porque o amadurecimento tardio os faz sentirem-se inferiores e os exclui de algumas atividades com seus pares. Reafirmação médica, mesmo que baseada em exame e testagem para excluir fisiopatologia, pode não ser suficiente. O sofrimento do adolescente pode manifestar-se como atuação sexual ou delinqüente, retraimento ou problemas na escola que são graves o suficiente a ponto de justificar intervenção terapêutica. A terapia também pode ser motivada por problemas semelhantes em alguns indivíduos que fracassam em alcançar estereótipos de desenvolvimento físico valorizados por seus pares apesar de fisiologia puberal normal. Transtornos relacionados a substâncias Alguma experimentação com substâncias psicoativas é quase onipresente entre adolescentes, em especial se esta categoria de comportamento incluir o uso de álcool. Entretanto, a maioria deles não se torna usuária regular, particularmente de medicamentos controlados e substâncias ilegais. Qualquer abuso regular de substância representa transtorno. O abuso de substâncias às vezes é a automedicação contra depressão ou deterioração esquizofrênica e às vezes sinaliza um transtorno de caráter em adolescentes cujos déficits de ego os tornam inadequados aos estresses da puberdade e às tarefas da adolescência. No entanto, muitas substâncias, em especial a cocaína, têm uma ação fisiologicamente reforçadora que age de forma independente de psicopatologia preexistente. Seja qual for a razão do desenvolvimento de abuso, trata-se de um problema em si. O desenvolvimento do ego depende de confrontar e aprender a lidar com a realidade de forma adaptativa. As substâncias tornam-se tanto um substituto para a realidade como uma evitação dela e, portanto, prejudicam o desenvolvimento do ego e perpetuam o abuso para ocultar habilidades de manejo insatisfatórias. Quando o abuso encobre uma doença subjacente ou é uma resposta mal-adaptativa a estresses correntes ou dinâmicas familiares perturbadas, o tratamento da causa subjacente pode cuidar do abuso de substâncias. Psicoterapia ambulatorial, entretanto, não costuma ser útil com usuários de longo prazo, que requerem um ambiente estruturado no qual as substâncias não estejam disponíveis. Suicídio O suicídio é, atualmente, a segunda maior causa de morte entre adolescentes. Muitas internações resultam de ideação ou comportamento suicida. Este comportamento é o caminho final comum para inúmeros transtornos, e sua alta incidência reflete psicopatologia grave. Algumas autoridades acreditam que, na adolescência, ao contrário da idade adulta, a esquizofrenia está por trás do suicídio com mais freqüência do que os transtornos do humor maiores. Entre adolescentes que não são psicóticos, os
1403
riscos mais altos ocorrem entre aqueles que têm história de suicídio parental, que são incapazes de formar vínculos estáveis, que exibem comportamento impulsivo ou descontrole episódico, e que abusam de álcool ou outras substâncias. Muitos suicídios mostram um padrão comum de problemas familiares e sociais durante toda a infância e o aumento progressivo de sofrimento subjetivo sob a pressão e os estresses da puberdade e da adolescência, seguido por uma tentativa de suicídio precipitada devido à perda súbita real ou percebida de uma pessoa ou apoio social que o adolescente acreditava ser a única fonte de significado ou intimidade. Perdas normais do desenvolvimento – da dependência infantil dos pais da infância – também podem causar depressão psicogênica em adolescentes. As mudanças de humor rápidas e extremas na adolescência, combinadas com as dificuldades em enxergar além da intensidade do momento, contribuem para desespero catastrófico e tentativas de suicídio impulsivas por perdas suportáveis para os adultos. Além disso, álcool e outras substâncias diminuem a resistência a impulsos suicidas. Pensamento mágico regularmente persistente prejudica o sentido de permanência da morte e permite que os adolescentes contemplem o suicídio de forma mais frívola do que os adultos. Durante a avaliação e o tratamento, pensamentos, planos e tentativas passadas de suicídio devem ser discutidos diretamente quando surge a preocupação e a informação não é oferecida de forma espontânea. Pensamentos de longo prazo ou recorrentes precisam ser levados a sério, e um acordo ou contrato deve ser negociado com os adolescentes para não tentarem o suicídio sem primeiro telefonar e conversar sobre o assunto com o psiquiatra. Os adolescentes em geral são honestos em relação a fazer e manter, ou recusar, tais acordos; se recusarem, a hospitalização é indicada. Hospitalização é um sinal de preocupação séria, protetora e pode ser tão terapêutica quanto a oportunidade de conduzir ou planejar novo tratamento em ambiente seguro. Ver Capítulo 49 para uma abordagem mais completa sobre suicídio entre adolescentes. REFERÊNCIAS Blos P. On Adolescence. New York: Free Press; 1962. Davis M, Raffe IH. The holding environment in the inpatient treatment of adolescents. Adolesc Psychiatry. 1985; 12:434. Erikson EH. The problem of ego identity. J Am Psychoanal Assoc. 1966;4:56. Etain B, Le Heuzey MF, Mouren-Simeoni MC. Electroconvulsive therapy in the adolescent: clinical considerations apropos of a series of cases. Can J Psychiatry. 2001;46:976. Feldman LB. Integrating individual and family therapy in the treatment of symptomatic children and adolescents. Am J Psychother. 1988;42:272. Hendren RL. De Backer I, Pandina GJ. Review of neuroimaging studies of child and adolescent psychiatric disorders from the past 10 years. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2000;39:815. March JS, Mulle K, Herbel B. Behavioral psychotherapy for children and adolescents with obsessive-compulsive disorder: an open trial of a new protocoldriven package. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1994;33:333. Moreau D, Mufson L, Weissman MM, Klerman GL. Interpersonal psychotherapy for adolescent depression: description of modification and preliminary application. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1991;30:642.
1404
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Mufson L, Moreau D, Weissman MM, Wickramaratne P, Martin J, Samoilov A. Modification of interpersonal psychotherapy with depressed adolescents (IPT-A): phase I and II studies. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1994;33:695. O’Brien JD. Current prevention concepts in child and adolescent psychiatry. Am J Psychother. 1991;45:261. Pedersen J, Aakrog T. A 10-year follow-up study of an adolescent psychiatric clientele and early predictors of readmission. North J Psychiatry. 2000;55:11. Pedersen J, Aakrog T. A 20-year study of an adolescent psychiatric clientele with special reference to the age of onset. Nord J Psychiatry. 2001;55:5. Pfeffer CR. Psychiatric treatment of adolescents. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry.
7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2859. Shaffer D, Garland A, Vieland V, Underwood M, Busner C. The impact of curriculum-based suicide prevention programs for teenagers. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1991;30:588. Sholevar GP, Burland A, Frank JL, Etezady MH, Goldstein J. Psychoanalytic treatment of children and adolescents. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1989;28:685. Wichstrøm L. Predictors of adolescent suicide attempts: a nationally representative longitudinal study of Norwegian adolescents. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2002;39:603.
54 Questões forenses em psiquiatria infantil
P
siquiatras de crianças e adolescentes estão sendo cada vez mais procurados por pacientes e advogados para avaliações e opiniões periciais relacionadas à custódia dos filhos; a comportamentos criminosos perpetrados por menores e para avaliar a relação entre eventos de vida traumáticos e o surgimento de sintomas psiquiátricos em crianças e adolescentes. Na medicina, a ética historicamente tem feito referência a obrigações morais e a comportamentos esperados dos médicos. Em escala mais ampla, o Juramento Hipocrático resume valores éticos na medicina. Durante as últimas décadas, entretanto, novos dilemas éticos e morais surgiram, com o crescimento do conhecimento médico e da tecnologia. O princípio ético tradicional de que os médicos devem considerar cada paciente acima de qualquer coisa tem sido desafiado com muita freqüência. Por exemplo, um paciente em coma pode ser mantido vivo por longos períodos ou a vida de uma mulher grávida pode ser salva abortando seu feto. A visão da sociedade sobre as crianças e seus direitos evoluiu de forma drástica no século XX. A instituição de um sistema judicial juvenil, há cerca de 100 anos, foi um reconhecimento da necessidade de proteger e prover a subsistência das crianças de forma diferente dos adultos. Em 1980, a American Academy of Child and Adolescent Psychiatry publicou um código de ética, que foi desenvolvido para endossar publicamente os padrões éticos desta área. O código baseia-se na suposição de que as crianças são vulneráveis e incapazes de cuidar de forma adequada de si mesmas, mas, à medida que amadurecem, sua capacidade de fazer julgamentos e escolhas sobre seu bem-estar também se desenvolve. O código possui diversas advertências do ponto de vista de psiquiatras de crianças e adolescentes e questões relacionadas. Consentimento, confidencialidade e responsabilidade profissional devem ser vistas no contexto dos direitos sobrepostos e potencialmente conflitantes de crianças, pais e sociedade. Confidencialidade, ou intensa confiança, refere-se ao relacionamento entre duas pessoas em relação à “entrega de segredos”. Até a década de 1970, pouca atenção era dada a questões de confidencialidade relativas a menores. Em 1980, entre os itens no Código de Ética da American Academy of Child and Adolescent Psychiatry, seis princípios foram relacionados a esse tema. Brechas e limites de confidencialidade podem ser quebrados em casos de abuso ou maus-tratos em crianças, ou para fins de educação apropriada. Ainda que desnecessário com uma criança
ou adolescente, o consentimento para revelação deve ser obtido, quando possível. Em 1979, a American Psychiatric Association (Associação Psiquiátrica Americana; APA) estabeleceu que uma criança de 12 anos de idade pode dar consentimento para revelação de informação confidencial e que, exceto quando há questões de segurança envolvidas, o consentimento de um menor é necessário para revelação de informação a outros, incluindo os pais. De acordo com o Código de Ética da Academy of Child Psychiatry, o consentimento de um menor não é necessário para a revelação de informação confidencial. Idades específicas para consentimento não são tratadas no código. Psiquiatras de crianças e adolescentes muitas vezes se defrontam com o dilema de pesar os possíveis benefícios e o possível dano de partilhar informação obtida confidencialmente, com os pais. Apesar de a transição mais tênue ocorrer quando a criança e o médico concordam que certas informações podem ser partilhadas, em muitas situações que envolvem “risco para a criança ou outros”, a criança ou adolescente não concorda em partilhar a informação com um pai ou outro adulto responsável. Entre os adolescentes, esses segredos que são partilhados com um psiquiatra podem envolver uso de drogas ou álcool, práticas de sexo inseguro ou um ato de busca de emoção que represente perigo. O profissional pode preferir trabalhar com a criança ou o adolescente no sentido de conseguir sua concordância para partilhar a informação confidencial, quando o provável resultado for benéfico. O contrato de tratamento inicial, entretanto, limita a confidencialidade a situações de “perigo” para o paciente ou para terceiros.
Outras áreas que podem apresentar dilemas de confidencialidade incluem ambientes educacionais e científicos, atividades de pesquisa e representação de terceiros. Ambientes profissionais, como convenções psiquiátricas anuais, com freqüência incluem apresentações de casos individuais. No contexto de um simpósio clínico, os médicos devem perceber que o sigilo significa mais do que mudar ou suprimir o nome de um paciente; outras informações também podem representar ameaça à privacidade do paciente. Projetos de pesquisa às vezes são impedidos por leis destinadas a proteger a privacidade de crianças e suas famílias. Em determinadas situações, estudos de acompanhamento de longo prazo podem não ser mais “legais”, devido à limitação de tempo de um consentimento por escrito para o estudo. Terceiras partes pagadoras, ou planos de saúde, estão exigindo cada vez mais informações confidenciais, antes de considerarem o reembolso de serviços psiquiátricos. A informação revelada a companhias de seguro
1406
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
costuma ser compartilhada entre revisores na companhia; além disso, corre o risco de ser registrada na base de dados de um sistema de computadores que não é restrito nem confidencial. Em geral, não há maneira de simplificar as difíceis e complexas questões relacionadas ao sigilo que podem surgir durante o tratamento de crianças e adolescentes. Os psiquiatras atuam como advogados para seus pacientes e devem sempre estar conscientes das vulnerabilidades dos menores e da importância de manter a confiança no relacionamento terapêutico. CUSTÓDIA DE FILHOS A evolução da tomada de decisão sobre custódia dos filhos foi influenciada pela crescente consciência e pelo reconhecimento dos direitos de crianças e mulheres, bem como por uma perspectiva mais ampla acerca das necessidades desenvolvimentais e psicológicas das crianças envolvidas. Historicamente as crianças eram consideradas propriedades de seus pais. No início do século XX, a doutrina da “idade delicada” tornou-se o padrão para determinar a custódia de filhos. De acordo com esta consideração, o relacionamento entre mãe e bebê, mais tarde generalizado para mãe e filho, é responsável pelo desenvolvimento emocional ideal da criança; a doutrina, portanto, apoiava decisões de custódia em favor da mãe na maioria dos casos. Com esta concepção como guia, questões psicológicas sobre o desenvolvimento infantil tornaram-se uma dimensão a ser considerada na determinação da custódia. Em casos controversos e incertos, o testemunho pericial de psicólogos começou a ser aceito como parte valiosa da tomada de decisão da custódia de filhos. O padrão de “melhor interesse da criança” substituiu a doutrina da “idade delicada” e ampliou as considerações sobre o pai ideal para incluir questões de avaliação de clima emocional, segurança e oportunidades educacionais e sociais. O “melhor interesse da criança” nasceu do movimento em apoio à legislação sobre os direitos das crianças nas áreas de educação compulsória, leis de trabalho infantil e de proteção da criança contra abuso e negligência. Portanto, embora os padrões de “melhor interesse” tenham ampliado as dimensões consideradas na avaliação de qual pai é mais capaz de servir aos melhores interesses da criança, há imprecisão sobre como medir tais qualidades. Em vista da falta de clareza em relação a que parâmetros específicos melhor correspondem ao interesse da criança, psiquiatras de crianças e adolescentes têm sido cada vez mais solicitados a ajudar na tomada de decisão, para definir condições psicológicas relevantes nos pais e nos relacionamentos entre estes e seus filhos. Peritos psiquiátricos podem ser solicitados a opinar sobre custódia de filhos em vários momentos durante o processo de separação e divórcio. Às vezes, uma avaliação psiquiátrica é solicitada pelos pais antes que qualquer ação legal ocorra. Quando os pais e o avaliador concordam sobre decisões de custódia antes do processo legal, o tribunal acata essas decisões, em vez de ordenar uma investigação adicional. Uma avaliação psiquiátrica pode ser ordenada pelo tribunal ou pelo advogado de um dos pais. Nesses casos, o perito defronta-se com pais descontentes, que são consumidos por seus conflitos mútuos, a ponto de nenhum estar
disposto a entrar em acordo, mesmo considerando o interesse da criança. A vantagem, entretanto, é que os peritos representam o tribunal e podem atuar como defensores da criança, sem as mesmas pressões que um avaliador contratado por apenas um dos pais enfrenta. Uma avaliação psiquiátrica também pode ser iniciada por um guardian ad litem no Brasil, um representante da vara de Promoção e Proteção dos Direitos da criança e do adolescente, ou seja, um advogado que é apontado pelo tribunal para representar a criança. Peritos psiquiátricos podem ainda ser solicitados a dar uma opinião sobre custódia durante um processo de mediação. Este é um processo legal que em geral envolve um advogado e um perito. Visto que a mediação pode ocorrer fora do sistema judicial, algumas famílias podem preferi-lo a ir a julgamento. Além de custódia, peritos psiquiátricos podem ser solicitados a emitir um parecer sobre visitação. Ao realizar uma avaliação de custódia, espera-se que o avaliador determine os melhores interesses da criança, enquanto mantém em mente os elementos padrão que o tribunal considera. Essas considerações incluem a vontade dos pais e da criança; relacionamentos com pessoas significativas na vida da criança; o ajustamento desta à casa, à escola e à comunidade atuais; a saúde psiquiátrica e física de todas as partes; e o nível de conflito e possível perigo para a criança sob os cuidados de um dos pais. O avaliador psiquiátrico deve manter seu papel como defensor do melhor interesse da criança e não considerar o resultado mais justo para os pais. Ele conduz uma série de entrevistas, em geral incluindo pelo menos uma entrevista separada com cada um dos pais e com a criança sozinha e uma entrevista conjunta. O avaliador pode obter por escrito uma renúncia à confidencialidade de todas as partes por haver feito revelações a advogados adversários e no tribunal perante o juiz. O perito usa questionamento direto e observações dos relacionamentos entre a criança e cada um dos pais. A idade da criança e suas necessidades de desenvolvimento são consideradas ao ser feito um julgamento em relação a qual dos pais pode servir melhor a seus interesses. Como parte da avaliação psiquiátrica de custódia, o perito determina a necessidade de tratamento psiquiátrico de qualquer uma das partes envolvidas.
A avaliação de custódia de filhos costuma ser fornecida em um relatório escrito. Este documento não é confidencial e pode ser utilizado no tribunal. O relatório contém uma descrição do relacionamento entre a criança e os pais, as capacidades destes e, por fim, as recomendações de custódia. Em vista de dados apoiando a importância da continuidade do relacionamento com ambos os pais na maioria dos casos, recomenda-se que a custódia conjunta seja considerada antes de outras opções. Quando há cooperação suficiente para negociar a custódia conjunta, os melhores interesses da criança tendem a ser satisfeitos. A custódia conjunta pode não ser a melhor opção para uma criança quando seu relacionamento com qualquer um dos pais é arriscado ou arruinado pelo outro. A escolha mais freqüente, quando esta não é aconselhável, é a custódia total para um dos pais, com direitos de visitação para o outro. O que recebe a custódia deve ser capaz de apoiar as visitações e o relacionamento com o pai sem a custódia. Em disputas envolvendo um pai biológico e um pai nãobiológico, aquele costuma ter o direito à custódia, a menos que demonstre ser incapaz de prover a subsistência da criança. Após a avaliação de custódia ter sido apresentada por escrito, os resultados devem ser comunicados aos pais, à criança e, possivelmente,
QUESTÕES FORENSES EM PSIQUIATRIA INFANTIL
1407
aos respectivos advogados. O perito pode ser chamado para testemunhar em juízo, e as partes podem usar a avaliação de custódia para mediar outras áreas de disputa. Muitas complicações podem ocorrer em uma disputa entre pais divorciados ou em processo de separação. Alegações verdadeiras e falsas de doença psiquiátrica, abuso de drogas ou álcool e abuso sexual ou físico não são incomuns durante batalhas por custódia. O perito deve estar preparado para verificar quaisquer alegações e para discutir com cuidado seus efeitos sobre a custódia e a visitação. Evidências sugerem que um número elevado de alegações infundadas sobre abuso sexual da criança ocorrem no curso de disputas como essas.
eram criticados por serem superlotados, negligentes e francamente abusivos. Apesar da forte vontade de oferecer processo justo para jovens, em vez de acusação, julgamento e sentença, o tribunal de justiça juvenil incluiu entrada, julgamento e prescrição legal. A entrada é uma determinação de causa provável para os jovens cometerem um crime. Se confessarem, podem ser afastados do sistema judicial, e planos adequados para reabilitação podem ser feitos em algum local da comunidade. Para crimes mais graves, ou quando os jovens negam tê-los praticado, o processo continua. Os jovens devem ser representados por um conselheiro, um advogado deve ser fornecido caso a família não tiver recursos para contratar um.
Dois pais estavam presos a uma amarga disputa de custódia por seu filho de 4 anos. Durante todo o litígio, o pai fez inúmeras alegações de que sua esposa abusava fisicamente do menino, queimando-o com cigarros, espetando-lhe alfinetes, envenenando seu leite e aterrorizando-o ao segurar sua cabeça debaixo d’água durante o banho. O pai tinha chamado o Serviço de Proteção à Criança inúmeras vezes, havia levado seu filho a todos os pronto-socorros da cidade e tinha mandado amostras de leite para análise toxicológica. Os resultados de todos os exames físicos e testes laboratoriais foram normais, e nenhum médico ou assistente social da cidade confirmara sinais ou sintomas de abuso. No entanto, o pai persistia com suas acusações. O psiquiatra infantil indicado pelo tribunal registrou as queixas do pai, mas também não conseguiu confirmar o abuso. Na entrevista conjunta com pai e filho, o menino estava brincando na casa de bonecas. Seu pai pegou uma banheira em miniatura e lhe disse: “Billy, mostra ao doutor como a mamãe empurra sua cabeça para debaixo d’água e tenta assustá-lo. Vamos, Billy, mostre ao doutor”. A criança recusou e ficou bastante ansiosa. O pai afastou-se da casa de bonecas. O psiquiatra infantil concluiu que o pai sofria de delírios sobre abuso e que os mesmos eram prejudiciais para a criança, porque ele se deixava levar por eles e fazia o filho passar por muitos exames e testes desnecessários. Por essas e por outras razões, a custódia deveria ser concedida à mãe. Também foram recomendadas visitas supervisionadas para o pai. O juiz concedeu a custódia à mãe, mas, no início, não ordenou que o pai tivesse visitas supervisionadas. Quando estava com a criança, ele continuava levando-o a pronto-socorros. Um ano depois, o juiz suspendeu as visitas. (Cortesia de Stephen P. Herman, M.D.)
Ao contrário do que ocorre no tribunal adulto, no juvenil, culpa ou inocência são determinadas por um juiz, não por um júri. O caso é debatido por um promotor público e um advogado de defesa, e o juiz é vinculado aos mesmos padrões utilizados no tribunal adulto; ou seja, um julgamento de delinqüência requer prova além de uma dúvida razoável. Quando a acusação é confirmada e o julgamento determina a transgressão, o jovem torna-se um “infrator sentenciado”. O cumprimento da sentença é o próximo ponto a ser determinado e inclui uma ampla gama de opções, desde colocação em instituições correcionais para menores, passando por tratamento residencial, até hospitalizações psiquiátricas para nova avaliação. Atos delinqüentes referem-se a crimes comuns cometidos por jovens; status offenses refere-se a comportamentos que não seriam criminosos se perpetrados por adultos, como cabular aulas, fuga ou ingestão de álcool. Nos Estados Unidos, às vezes, jovens que se acredita terem cometido um crime sério são transferidos para tribunais criminais adultos. Não raro, psiquiatras são consultados para fornecer recomendações em qualquer fase do processo de justiça juvenil. Um psiquiatra pode ser solicitado a fazer recomendações sobre planos de afastamento adequados. A avaliação psiquiátrica pode ser buscada para delinqüentes sentenciados para determinar se tratamento psiquiátrico funcionaria para prevenir futuros atos delinqüentes e, se assim for, em que local. Essas intervenções também podem ser solicitadas quando o tribunal está considerando mudança para tribunal adulto. Em alguns estados, tais decisões baseiam-se, em parte, na história psiquiátrica e no estado mental atual do jovem.
INFRATORES JUVENIS A criação de um tribunal de justiça juvenil nos Estados Unidos ocorreu a partir de um estatuto, no estado de Illinois, no final da década de 1800. Sua ordem era reabilitar, e não punir. A omissão de várias proteções constitucionais, tais como o direito a advogado, cofrontação e exame cruzado do acusador, levou a críticas e decepção com este sistema. Transgressores juvenis, que cometiam crimes leves e crimes mais graves, com freqüência eram mandados para programas residenciais conduzidos pelo estado, os quais
EVENTOS DE VIDA ADVERSOS E SINTOMAS PSIQUIÁTRICOS Psiquiatras de crianças e adolescentes costumam ser procurados para avaliar indivíduos que foram expostos a um evento de vida traumático ou adverso e estão exibindo uma variedade de sintomas psiquiátricos. O terapeuta pode ser solicitado a determinar se uma criança ou adolescente está sofrendo de um transtorno de estresse pós-traumático, ou se é provável que determinado conjunto de sintomas foi causado por exposição a evento de vida adverso. Outra solicitação comum é o fornecimento de uma opinião pericial em relação a se, por exemplo, uma criança diagnosticada com transtorno autista foi exposta a maior risco para o transtorno, devido a um tratamento específico dado à mãe durante a gravidez. É muito mais fácil, para um psiquiatra de crianças e adolescentes, verificar a presença de um transtorno psiquiátrico do que determinar sua causa exata. Avaliações exigindo que
1408
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
o psiquiatra faça um julgamento, identificando uma única causa para um transtorno psiquiátrico complexo, tendem a ser difíceis ou impossíveis, devido à falta de dados ligando transtornos psiquiátricos a causas isoladas. REFERÊNCIAS Alessi N. Information technology and child and adolescent psychiatry: ethical issues. Drug Benefit Trends. 2001;13:24. American Academy of Child and Adolescent Psychiatry. Code of Ethics. Washington. DC: American Academy of Child and Adolescent Psychiatry; 1980. Barnum R. Clinical evaluation of juvenile delinquents facing transfer to adult court. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1987;26:922. Berlin FS, Malin MH, Dean S. Effects of statutes requiring psychiatrists to report suspected sexual abuse of children. Am J Psychiatry. 1991;148:449. Billick SB, Perry CD. Role of the psychiatric evaluator in child custody disputes. In: Rosner R, ed. Principles and Practice of Forensic Psychiatry. New York: Chapman & Hall: 1994;271. Girouard C, Medaris M. Protecting children in cyberspace: the ICAC task force program. Juvenile Justice Bull. 2002;8:213.
Grisso T, Miller MO, Sabos B. Competency to stand trial in juvenile court. Int J Law Psychiatry. 1987;10:1. Gunn J. Future directions for treatment in forensic psychiatry. Br J Psychiatry. 2000;176:332. Herman SP. Forensic child and adolescent psychiatry. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2938. Kalogerakis M. Juvenile delinquency. In: Schetky DH, Benedek EP, eds. Clinical Handbook of Child Psychiatry and the Law. New York: Brunner/Mazel: 1992:97. Lewis DO, Lovely R, Yeager G. Toward a theory of the genesis of violence: a follow-up study of delinquents. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1989;28:744. Ratner RA. Juvenile delinquency. In: Rosner R, ed. Principles and Practice of Forensic Psychiatry. New York: Chapman & Hall; 1994:36. Rosenberg JE. Forensic aspects of PTSD in children and adolescents. In: Eth S. and PTSD in children and adolescents. Review of Psychiatry. Vol 20, no. 1. Washington, DC: American Psychiatric Association; 2001:33. Shields JM, Johnson A. Collision betwen law and ethics: consent for treatment with adolescents. Bull Am Acad Psychiatry Law. 1992;20:309. Weintrob A. Confidentiality and its dilemmas in child and adolescent psychiatry. In: Rosner R, ed. Principles and Practice of Forensic Psychiatry. New York: Chapman & Hall; 1994:197.
55 Psiquiatria geriátrica
A
psiquiatria geriátrica ocupa-se da prevenção, do diagnóstico e do tratamento de transtornos psicológicos de idosos. Além disso, empenha-se em promover a longevidade; pessoas com adaptação mental saudável à vida vivem mais do que aquelas estressadas por problemas emocionais. Os transtornos mentais entre os idosos diferem em relação a características clínicas, patogênese e fisiopatologia de transtornos de adultos mais jovens e nem sempre se enquadram nas categorias da revisão do texto da quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR). O diagnóstico e o tratamento de idosos podem apresentar mais dificuldades do que o tratamento de pessoas mais jovens, pois aqueles podem ter doenças e incapacidades médicas crônicas coexistentes, tomar muitos medicamentos e apresentar prejuízos cognitivos. Os dados de prevalência para transtornos mentais em pessoas idosas variam bastante, mas uma estimativa conservadora é de que 25% têm sintomas psiquiátricos significativos. O número de pessoas idosas mentalmente doentes foi estimado em cerca de 9 milhões no ano de 2000. A expectativa é de que esse número suba para 20 milhões na metade deste século. Em 1991, a American Board of Psychiatry and Neurology estabeleceu a geropsiquiatria (do grego, geros – “velhice”, e iatros – “físico”) como uma subespecialidade, e hoje a psiquiatria geriátrica é um dos campos da psiquiatria de mais rápido crescimento. EXAME PSIQUIÁTRICO DO PACIENTE IDOSO A anamnese psiquiátrica e o exame do estado mental de adultos idosos seguem o mesmo formato daqueles de adultos mais jovens, mas, devido à alta prevalência de transtornos cognitivos em pessoas idosas, os psiquiatras devem determinar se o paciente entende a natureza e o propósito do exame. Quando houver prejuízo cognitivo, uma história independente deve ser obtida de um membro da família ou cuidador. Recomenda-se ver o paciente sozinho – mesmo se houver evidência clara de disfunção – para preservar a privacidade do relacionamento médico-paciente e para identificar quaisquer pensamentos suicidas ou ideação paranóide que podem não ser expressos na presença de um parente ou enfermeiro. Ao realizar o exame do paciente idoso, deve-se sempre ter em mente que adultos idosos diferem bastante uns dos outros. A abor-
dagem ao exame deve levar em consideração se trata-se de um indivíduo de 75 anos saudável que se aposentou há pouco de uma segunda ocupação ou uma pessoa de 96 anos, frágil, que acabou de perder o único parente vivo com a morte da filha cuidadora, de 75 anos. História psiquiátrica A história psiquiátrica completa inclui identificação preliminar (nome, idade, sexo, estado civil), queixa principal, história da doença atual, história de doenças anteriores, história pessoal e história familiar. Uma revisão de medicamentos (incluindo os de venda livre) que o paciente esteja usando ou tenha usado no passado recente também é importante. Pessoas com mais de 65 anos costumam apresentar queixas subjetivas de prejuízos de memória menores, tais como esquecer nomes e extraviar objetos. Problemas cognitivos menores também podem ocorrer devido à ansiedade na situação de entrevista. Estes prejuízos de memória associados à idade não são significativos; o termo esquecimento senescente benigno tem sido usado para descrevê-los. A história da infância e da adolescência de um paciente pode fornecer informação sobre organização de personalidade e indícios importantes sobre estratégias de manejo e mecanismos de defesa usados sob estresse. História de incapacidade de aprendizagem ou disfunção cerebral mínima é significativa. O psiquiatra deve indagar sobre amigos, esportes, passatempos, atividade social e trabalho. A história ocupacional precisa incluir o sentimento do paciente em relação a trabalho, relacionamentos com iguais, problemas com autoridades e atitudes em relação à aposentadoria. O paciente também deve ser questionado sobre planos para o futuro. Quais são suas esperanças e medos? A história familiar devem incluir uma descrição sobre atitudes e adaptação dos pais à própria velhice e, se aplicável, informação sobre as causas de suas mortes. A doença de Alzheimer é transmitida como traço autossômico dominante em 10 a 30% dos filhos de pais afetados; depressão e dependência de álcool também ocorrem em famílias. Recomenda-se avaliar a situação social atual do paciente. Quem cuida dele? Tem filhos? Quais são as características do relacionamento paciente-filhos? A história financeira ajuda o psiquiatra a avaliar o
1410
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
papel de dificuldades econômicas na doença do paciente e a fazer recomendações de tratamento realísticas. A história conjugal inclui uma descrição do cônjuge e as características do relacionamento. Se o paciente for viúvo, o psiquiatra deve explorar como o mesmo lidou com o luto. Se a perda do cônjuge ocorreu dentro do último ano, o paciente está em alto risco para um evento físico ou psicológico adverso. A história sexual inclui atividade sexual, orientação, libido, masturbação, casos extraconjugais e sintomas sexuais (como impotência ou anorgasmia). Médicos jovens podem ter que superar seus próprios preconceitos em relação a obter a história sexual: sexualidade é uma área de preocupação para muitos pacientes geriátricos, que recebem com agrado a chance de falar sobre seus sentimentos e atitudes sexuais. Exame do estado mental O exame do estado mental oferece uma visão representativa de como o paciente pensa, sente-se e comporta-se durante o exame. Com adultos idosos, o psiquiatra pode não ser capaz de responder a todas as questões diagnósticas com um único exame. Exames do estado mental repetidos podem ser necessários devido a oscilações na família do paciente. Descrição geral. A descrição geral do paciente inclui aparência, atividade psicomotora, atitude em relação ao examinador e atividade de fala. Distúrbios motores (p. ex., marcha arrastada, postura curvada, movimentos de “enrolar pílula” nos dedos, tremores e assimetria corporal) devem ser observados. Movimentos involuntários da boca ou da língua podem ser efeitos adversos de medicação fenotiazínicos. Muitos pacientes deprimidos parecem ser lentos na fala e no movimento. Uma expressão facial tipo máscara ocorre na doença de Parkinson. A fala pode ser pressionada em estados agitados, maníacos e ansiosos. Lacrimação e choro franco ocorrem em transtornos depressivos e cognitivos, em especial se o paciente sente-se frustrado por ser incapaz de responder a uma das perguntas do examinador. A presença de aparelho auditivo ou uma outra indicação de problema auditivo (p. ex., solicitar repetição das perguntas) precisa ser observada. A atitude do paciente em relação ao examinador – cooperativo, desconfiado, cauteloso, insinuante – pode dar indícios sobre possíveis reações de transferência. Devido à transferência, adultos idosos podem reagir a médicos mais jovens como se estes fossem figuras paternas, apesar da diferença de idade. Avaliação funcional. Pacientes com mais de 65 anos de idade devem ser avaliados quanto à sua capacidade de manter independência e realizar as atividades da vida diária, que incluem tomar banho, preparar refeições, vestir-se, arrumar-se e comer. O grau de competência funcional em seus comportamentos cotidianos é uma consideração importante na formulação de um plano de tratamento para esses pacientes. Humor, sentimentos e afeto. Suicídio é uma das principais causas de morte de pessoas idosas, e a avaliação de ideação suici-
da é fundamental. Solidão é a razão mais comum citada por aqueles que consideram o suicídio. Sentimentos de solidão, inutilidade, desamparo e desesperança são sintomas de depressão, os quais implicam alto risco de suicídio. Quase 75% de todas as vítimas de suicídio sofrem de depressão, abuso de álcool ou ambos. O examinador deve perguntar especificamente ao paciente sobre quaisquer pensamentos de suicídio, se o mesmo sente que a vida não tem mais sentido ou que estaria melhor morto ou, se quando morto, não seria mais uma carga para os outros. Tais pensamentos – em especial quando associados a abuso de álcool, solidão, morte recente do cônjuge, doença física e dor somática – indicam alto risco de suicídio. Alterações nos estados de humor, mais notavelmente depressão e ansiedade, podem interferir no funcionamento da memória. Um humor expansivo ou eufórico pode indicar episódio maníaco ou sinalizar um transtorno demencial. Disfunção do lobo frontal muitas vezes produz witzelsucht, que é a tendência a fazer trocadilhos e piadas e rir alto dos mesmos. O afeto do paciente pode ser plano, embotado, constrito, superficial ou inadequado, todos os quais podem indicar um transtorno depressivo, esquizofrenia ou disfunção cerebral. Tais afetos são achados anormais importantes, ainda que não sejam patognomônicos de um transtorno específico. Disfunção do lobo dominante causa disprosódia, uma incapacidade de expressar sentimentos emocionais por meio da entonação da fala. Perturbações da percepção. Alucinações e ilusões podem ser um fenômeno transitório resultando de acuidade sensorial diminuída. O examinador deve observar se o paciente está confuso em relação a tempo ou lugar durante o episódio alucinatório; confusão indica uma condição orgânica. É particularmente importante perguntar ao paciente sobre percepções corporais distorcidas. Visto que alucinações podem ser causadas por tumores cerebrais e outras patologias focais, uma avaliação clínica diagnóstica pode ser indicada. Doenças cerebrais causam prejuízos perceptivos; agnosia, a incapacidade de reconhecer e interpretar o significado de impressões sensoriais, está associada a doenças cerebrais orgânicas. O examinador precisa observar o tipo de agnosia – a negação de doença (anosognosia), a negação de uma parte do corpo (atopognosia) ou a incapacidade de reconhecer objetos (agnosia visual) ou faces (prosopagnosia). Produção de linguagem. Esta categoria do exame do estado mental geriátrico inclui as afasias, que são transtornos da produção de linguagem relacionados a lesões orgânicas do cérebro. As mais bem-descritas são afasia não-fluente ou de Broca, afasia fluente ou de Wernicke e afasia global, uma combinação de ambas. Na afasia não-fluente ou de Broca, o entendimento permanece intacto, mas a capacidade de falar está prejudicada. O paciente não consegue pronunciar “Episcopal Metodista”. A fala em geral é pronunciada mal e pode ser telegráfica. Um teste simples para afasia de Wernicke é apontar para alguns objetos comuns – como uma caneta ou um lápis, uma maçaneta de porta e um interruptor de luz – e pedir ao paciente para nomeá-los. O mesmo também pode ser incapaz de demonstrar o uso de objetos simples, como uma chave ou um palito de fósforo (apraxia ideomotora).
PSIQUIATRIA GERIÁTRICA
Funcionamento visuoespacial. Algum declínio na capacidade visuoespacial é normal com o envelhecimento. Pedir ao paciente para copiar figuras ou fazer um desenho pode ser útil para medir a função. A avaliação neuropsicológica deve ser realizada quando o prejuízo no funcionamento visuoespacial está evidente. Pensamento. Alterações no pensamento incluem neologismos, salada de palavras, circunstancialidade, tangencialidade, associações desconexas, fuga de idéias, associações reverberantes e bloqueio. A perda da capacidade de perceber nuances de significado (pensamento abstrato) pode ser um sinal precoce de demência. O pensamento é então descrito como concreto ou literal. O conteúdo do pensamento deve ser examinado em relação a fobias, obsessões, preocupações somáticas e compulsões. Idéias sobre suicídio ou homicídio precisam ser discutidas. O examinador deve determinar se delírios estão presentes e como os mesmos afetam a vida do paciente. É comum se manifestarem em pacientes de clínicas de repouso e podem ter sido uma das razões para a internação. Idéias de referência ou de influência devem ser descritas. Pacientes com dificuldades de audição podem ser classificados de forma equivocada como paranóides ou desconfiados. Sensório e cognição. Sensório diz respeito ao funcionamento dos sentidos especiais; cognição diz respeito ao processamento de informação e ao intelecto. O levantamento de ambas as áreas, conhecido como exame neuropsiquiátrico, consiste da avaliação do médico e de uma bateria abrangente de testes psicológicos. CONSCIÊNCIA.
Um indicador sensível de disfunção cerebral é um estado de consciência alterado no qual o paciente não parece estar alerta, mostra flutuações em níveis de consciência ou parece estar letárgico. Em casos graves, fica sonolento ou entorpecido.
1411
pode ser testada perguntando ao paciente o lugar e data de nascimento, o nome de solteira de sua mãe e nomes e aniversários dos filhos. No caso de transtornos cognitivos, a memória recente se deteriora primeiro. A avaliação deste aspecto pode ser feita de diversas maneiras. Alguns examinadores dão ao paciente os nomes de três itens no início da entrevista e pedem que os lembre mais tarde. Outros preferem contar uma história curta e pedir que o paciente repita textualmente. A memória do passado recente também pode ser testada perguntando o local de residência do paciente, incluindo o nome da rua, o meio de transporte para o hospital e alguns eventos atuais. Se houver déficit de memória como amnésia, uma testagem cuidadosa deve ser realizada para determinar se trata-se de amnésia retrógrada (perda de memória antes de um evento) ou amnésia anterógrada (perda de memória depois de um evento). Retenção e lembrança também podem ser testadas pedindo que o paciente reconte uma história simples. Os que confabulam inventam material novo ao recontá-la. TAREFAS INTELECTUAIS, INFORMAÇÃO E INTELIGÊNCIA. Várias tarefas intelectuais podem ser apresentadas para avaliar o cabedal de conhecimentos gerais e o funcionamento intelectual. Contagem e cálculo podem ser testados pedindo que o paciente subtraia 7 de 100 e continue subtraindo 7 do resultado, até chegar ao número 2. O examinador registra as respostas como um basal para futura testagem. Outra alternativa é pedir que o paciente conte em ordem inversa de 20 para 1, e registrar o tempo necessário para completar o exercício. Além disso, é possível solicitar um cálculo simples – por exemplo, determinar quantos 5 centavos há em $1,35. O cabedal de conhecimentos gerais está relacionado à inteligência. O paciente pode ser solicitado a dizer o nome do presidente do país, das três maiores cidades nacionais, o número da população, a distância entre uma cidade e outra. O examinador deve levar em consideração o nível educacional, a situação socioeconômica e a experiência de vida geral do paciente ao avaliar os resultados de alguns desses testes.
ORIENTAÇÃO.
Prejuízo na orientação para tempo, lugar e pessoa está associado a transtornos cognitivos. Prejuízo cognitivo costuma ser observado em transtornos do humor, transtornos de ansiedade, transtornos factícios, transtorno conversivo e transtornos da personalidade, em especial durante períodos de estresse físico ou ambiental grave. Recomenda-se ao examinador testar a orientação para lugar pedindo ao paciente para descrever sua atual localização. A orientação para pessoa pode ser abordada de duas maneiras: o paciente sabe seu próprio nome, e enfermeiros e médicos são identificados como tais? O tempo é testado perguntando ao paciente a data, o ano, o mês e o dia da semana. Este também deve ser indagado sobre a duração de tempo passado no hospital, durante qual estação do ano e como foi possível identificar esses aspectos. Maior importância é dada a dificuldades relativas à pessoa do que a dificuldades de tempo e lugar, e mais importância é dada a orientação para lugar do que a orientação para tempo.
MEMÓRIA. Em geral, é avaliada em termos de memória imediata, recente e remota. Retenção e lembrança imediata são testadas dando ao paciente seis dígitos para repetir em ordem direta e em ordem inversa. O examinador deve registrar o resultado da capacidade de lembrar. Pessoas com memória não-prejudicada podem lembrar seis dígitos em ordem direta e cinco ou seis em ordem inversa. O médico precisa estar consciente de que a capacidade de sair-se bem em testes de repetição de dígitos é prejudicada em pacientes muito ansiosos. A memória remota
LEITURA E ESCRITA. Pode ser importante para o médico examinar a leitura e a escrita do paciente e determinar se o mesmo tem algum déficit de fala específico. O examinador pode pedir-lhe para ler uma história simples em voz alta ou escrever uma frase curta para testar possível transtorno da leitura ou da escrita. É importante registrar se o paciente é destro ou canhoto.
Julgamento. É a capacidade de agir de forma adequada em várias situações. O paciente apresenta julgamento prejudicado? O que faria se encontrasse na rua um envelope selado, fechado, endereçado? O que faria se sentisse cheiro de fumaça em um teatro? O paciente pode discriminar? Qual é a diferença entre um anão e um menino? Por que é necessário um casal obter uma licença de casamento? Avaliação neuropsicológica Um exame neuropsicológico completo inclui uma bateria de testes abrangentes que possa ser reproduzida por vários examinadores e repetida com o passar do tempo para avaliar o curso de uma doença específica. O teste de funcionamento cognitivo do momento mais utilizado é o Miniexame do Estado Mental (MMSE),
1412
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
que avalia orientação, atenção, cálculo, lembrança imediata e de curto prazo, linguagem e capacidade de seguir comandos simples (ver Tab. 10.1-4, na Seção 10.1). Este teste é usado para detectar prejuízos, acompanhar o curso de uma doença e monitorar as respostas do paciente ao tratamento. Ele não é usado para fazer um diagnóstico formal. Seu escore máximo é 30. Idade e nível educacional influenciam o desempenho cognitivo medido pelo MMSE. A avaliação de capacidades intelectuais é realizada com a Escala de Inteligência Adulta de Wechsler-Revisada (WAIS-R), que apresenta escores verbais, de desempenho e de quociente de inteligência (QI) de escala total. Alguns resultados, como aqueles de testes de vocabulário, mantêm-se à medida que o envelhecimento progride; os resultados de outros, como testes de semelhanças e substituição de dígito-símbolo, não. A parte de desempenho do WAIS-R é um indicador mais sensível de dano cerebral do que a parte verbal. As funções visuoespaciais são afetadas pelo processo de envelhecimento normal. O teste Bender Gestalt é um entre os muitos instrumentos utilizados para testar essas funções; outro é a bateria de Halstead-Reitan, a mais complexa, que cobre todo o espectro de processamento de informação e cognição. Depressão, mesmo na ausência de demência, muitas vezes prejudica o desempenho psicomotor, em especial o funcionamento visuoespacial e o desempenho motor de tempo determinado. A Escala de Depressão Geriátrica é um instrumento de triagem útil, que exclui queixas somáticas de sua lista de itens. A presença dessas queixas em uma escala de avaliação tende a confundir o diagnóstico de transtorno depressivo. História médica. Pacientes idosos têm mais problemas médicos concomitantes, crônicos e múltipos, e tomam mais medicamentos do que adultos mais jovens; muitos desses medicamentos podem influenciar seu estado mental. A história médica passada inclui todas as doenças, traumas, hospitalizações e intervenções de tratamento importantes. O psiquiatra também deve estar alerta para doenças médicas subjacentes. Infecções, distúrbios metabólicos e eletrolíticos, infarto do miocárdio e AVC podem manifestar-se primeiro por sintomas psiquiátricos. Humor deprimido, delírios e alucinações podem preceder outros sintomas de doença de Parkinson por muitos meses. No entanto, um transtorno psiquiátrico também pode causar sintomas somáticos, como perda de peso, subnutrição e inanição decorrentes de depressão grave. A revisão cuidadosa de medicamentos (incluindo remédios de venda livre, laxantes, vitaminas, tônicos e loções) e mesmo de substâncias recentemente interrompidas é muito importante. Os efeitos de drogas podem ser de longa duração e induzir depressão (p. ex., anti-hipertensivos), prejuízo cognitivo (p. ex., sedativos), delirium (p. ex., anticolinérgicos) e convulsões (p. ex., neurolépticos). A revisão deve incluir detalhes suficientes para identificar mau uso (uso excessivo, subutilização) e relacionar o consumo de medicação a dietas especiais. Uma história dietética também é importante; deficiências e excessos (p. ex., proteína, vitaminas) influenciam a função fisiológica e o estado mental. TRANSTORNOS MENTAIS DA VELHICE O programa Área de Captação Epidemiológica (ECA) do National Institute of Mental Health revelou que os transtornos men-
tais mais comuns da velhice são transtornos depressivos, transtornos cognitivos, fobias e transtornos por uso de álcool. Adultos idosos também apresentam alto risco de suicídio e sintomas psiquiátricos induzidos por drogas. Muitos transtornos mentais neste período da vida podem ser prevenidos, melhorados ou mesmo revertidos. De especial importância são as causas reversíveis de delirium e demência, mas, se não diagnosticadas com precisão e tratadas de forma adequada, essas condições podem progredir para um estado irreversível que exige a institucionalização do paciente. A Tabela 55-1 lista as esferas cognitivas gerais avaliadas em
TABELA 55-1 Esferas cognitivas Funcionamento cognitivo amplo Miniexame do Estado Mental: orientação, repetição, seguir comandos, nomeação, habilidade construtiva, expressão escrita, memória, flexibilidade mental, cálculos Inteligência Escala de Inteligência Adulta Wechsler-Revisada (WAIS-R) ou Escala de Inteligência Wechsler-III (WAIS-III): inteligência verbal e não-verbal Atenção básica Repetição de Dígitos da WAIS-R ou da WAIS-III: repetição de dígitos em ordem direta e inversa Velocidade de processamento de informação Símbolo-Dígito da WAIS-R ou da WAIS-III: rastreamento grafomotor rápido Trilha Parte A: rastreamento grafomotor rápido Stroop A e B: leitura de palavra e nomeação de cor rápidas Habilidade motora Batida do dedo: destreza dos dedos indicador direito e esquerdo Linguagem Teste de Nomeação de Boston: recuperação de palavra Vocabulário da WAIS-R ou da WAIS-III: extensão de vocabulário Visuopercetivo/espacial Conclusão de Figura da WAIS-R ou da WAIS-III: percepção visual Desenho de Bloco da WAIS-R ou da WAIS-III: capacidade de construção Figura Complexa de Rey-Osterrieth: cópia de desenho complexo com lápis e papel Teste Evolutivo de Integração Visual Motora de Beery: cópia de desenhos simples a complexos com lápis e papel Aprendizagem e memória Tarefa de aprendizagem de palavras de 8 a 10 itens: aprendizagem e lembrança de informação verbal de hábito Escala de Memória Wechsler-Revisada (WMS-R) ou Escala de Memória Wechsler-III (WMS-III) Subteste de Memória Lógica: lembrança imediata e adiada de informação de parágrafo Subteste de Reprodução Visual: lembrança imediata e adiada de modelos visuais Lembrança adiada por três minutos de Figura Complexa de ReyOsterrieth: lembrança adiada de desenho complexo Funções executivas Trilha Parte B: alternância rápida entre tarefas Stroop C: inibição de uma resposta superaprendida Teste da Escolha do Cartão de Wisconsin: classificação e flexibilidade mental Fluência verbal (FAS e categoria): geração rápida de palavras Fluência de desenho: geração rápida de desenhos novos Cortesia de Kyle Brauer Boone, Ph.D.
PSIQUIATRIA GERIÁTRICA
uma testagem neuropsicológica, com os testes usados para medir tal habilidade e a descrição dos comportamentos específicos avaliados por cada teste. Os testes listados constituem uma relação abrangente adequada para a população geriátrica. O uso de uma bateria abrangente é preferível para a determinação segura da presença e do tipo de demência ou de outro transtorno cognitivo em pessoas idosas, mas, em algumas circunstâncias, a administração dessa bateria por várias horas não é possível. Testes marcados com asterisco são os mais sensíveis para a detecção de demência. Diversos fatores de risco psicológicos também predispõem pessoas idosas a transtornos mentais. Estes incluem perda de papéis sociais, perda de autonomia, mortes de amigos e parentes, declínio da saúde, isolamento crescente, dificuldades financeiras e funcionamento cognitivo diminuído. Muitas substâncias podem causar sintomas psiquiátricos em adultos idosos, os quais podem resultar de alterações relacionadas à idade na absorção do fármaco, uma dosagem prescrita muito grande, não seguir as instruções e ingerir uma quantidade muito grande, sensibilidade à medicação e regimes conflitantes apresentados por diversos médicos. Quase todo o espectro de transtornos mentais pode ser causado por medicamentos. Transtornos demenciais Apenas artrite é a causa mais comum de incapacidade entre adultos com mais de 65 anos do que demência, um prejuízo intelectual geralmente progressivo e irreversível, cuja prevalência aumenta com a idade. Cerca de 5% das pessoas nos Estados Unidos com mais de 65 anos têm demência grave, e 15% têm demência leve. Entre as pessoas com mais de 80 anos, em torno de 20% têm demência grave. Os fatores de risco conhecidos para demência são idade, história familiar e sexo feminino. Ao contrário de retardo mental, o prejuízo intelectual da demência desenvolve-se com o passar do tempo – ou seja, funções mentais anteriormente adquiridas são perdidas de forma gradual. As alterações características de demência envolvem cognição, memória, lin-
1413
guagem e funções visuoespaciais, mas transtornos do comportamento também são comuns e incluem agitação, inquietação, perambulação, raiva, violência, gritos, desinibição social e sexual, impulsividade, transtornos do sono e delírios. Delírios e alucinações ocorrem no curso da demência em quase 75% dos pacientes. A cognição é prejudicada por muitas condições, incluindo lesões e tumores cerebrais, síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS), álcool, medicamentos, infecções, doenças pulmonares crônicas e doenças inflamatórias. Ainda que demências associadas à idade avançada tipicamente sejam causadas por doença do sistema nervoso central degenerativa primária e doença vascular, muitos fatores contribuem para o prejuízo cognitivo; entre pessoas idosas, causas mistas de demência são comuns. A Tabela 55-2 fornece um resumo de déficits cognitivos para vários transtornos clínicos. De 10 a 15% de todos os pacientes que exibem sintomas de demência têm condições potencialmente tratáveis, as quais incluem transtornos sistêmicos, como doença cardíaca, doença renal, insuficiência cardíaca congestiva; transtornos endócrinos, como hipotireoidismo; deficiência de vitaminas; mau uso da medicação e transtornos mentais primários, de forma mais específica, transtornos depressivos. Dependendo do local da lesão cerebral, as demências são classificadas como corticais e subcorticais. A demência subcortical ocorre na doença de Huntington, na doença de Parkinson, na hidrocefalia de pressão normal, na demência vascular e na doença de Wilson. As demências subcorticais estão associadas a transtornos do movimento, apraxia de marcha, retardo psicomotor, apatia e mutismo acinético, que pode ser confundido com catatonia. A Tabela 55-3 lista algumas condições potencialmente reversíveis que podem lembrar demência. As demências corticais ocorrem em demências do tipo Alzheimer, doença de CreutzfeldtJakob (DCJ) e doença de Pick, que muitas vezes manifestam afasia, agnosia e apraxia. Na prática clínica, os dois tipos de demência se sobrepõem, e na maioria dos casos, o diagnóstico preciso pode ser feito apenas por autópsia. Doenças do príon humano resultam de mutações de codificação no gene da proteína príon (PRNP) e podem ser herdadas, adquiridas ou esporádicas. Estas
TABELA 55-2 Resumo de déficits cognitivos para vários transtornos clínicos Demência precoce Doença médica Inteligência QI verbal QI de desempenho Atenção Velocidade mental Velocidade motora Linguagem Visuoespacial Memória Verbal Não-verbal Executivo
Leve Leve Leve
Leve Leve Leve
Cortesia de Kyle Brauer Boone, Ph.D.
Depressão
Doença de Alzheimer Vascular
Frontotemporal
Leve
Leve a moderado Leve a moderado
Leve a moderado Leve a moderado
Leve a moderado Leve a moderado
Leve
Leve a moderado
Leve a moderado
Leve
Leve a moderado Leve a moderado
Leve a moderado Leve a moderado Leve a moderado Leve a moderado
Leve a moderado Leve a moderado
Leve Leve
Marcado Marcado Leve a moderado
Marcado Marcado Leve a moderado
Leve a moderado Leve a moderado Marcado
1414
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 55-3 Algumas condições potencialmente reversíveis que podem lembrar demência Substâncias Agentes anticolinérgicos Agentes antiinflamatórios não-esteróides Anti-hipertensivos Antipsicóticos Corticosteróides Digitais Fenitoína Hipnóticos sedativos Narcóticos Polifarmacoterapia Transtornos psiquiátricos Ansiedade Depressão Mania Transtornos delirantes (paranóides) Distúrbios metabólicos e endócrinos Depleção de volume Doença de Addison Hipercarbia (doença pulmonar obstrutiva crônica) Hipernatremia Hiperparatireoidismo Hipertireoidismo Hipoglicemia Hiponatremia Hipotireoidismo Insuficiência hepática Insuficiência renal Síndrome de Cushing Condições diversas Audição ou visão prejudicadas Hospitalização Impactação fecal Cortesia de Gary W. Small, M.D.
25% dos com 85 anos ou mais. A prevalência dessa condição é mais alta em mulheres do que em homens. Pacientes com demência do tipo Alzheimer ocupam mais de 50% de todos os leitos de clínicas de repouso. Esta demência tem um início insidioso e é progressiva. A sobrevida média para pessoas afetadas é de cerca de oito anos (variação de 1 a 20 anos). O diagnóstico é feito com base na história do paciente e no exame do estado mental. Técnicas de imagem cerebral também podem ser úteis. A condição é caracterizada por início gradual e declínio progressivo das funções cognitivas. A memória fica prejudicada, e pelo menos um dos itens seguintes é observado: afasia, apraxia, agnosia e problemas no funcionamento executivo. A seqüência geral de déficits é memória, linguagem e funções visuoespaciais. No início, o paciente apresenta incapacidade de aprender e lembrar informações novas; depois, desenvolve prejuízo de nomeação, seguido de incapacidade de copiar figuras. Demência precoce do tipo Alzheimer é difícil de diagnosticar porque o QI pode ser normal. Alterações de personalidade (p. ex., depressão, obsessão e desconfiança) ocorrem. Acessos de raiva são comuns, e há um risco de atos violentos. A desorientação leva à perambulação; um paciente pode ser descoberto longe de casa em uma condição de confusão. Perda de iniciativa é comum. Defeitos neurológicos (p. ex., distúrbios da marcha, afasia, apraxia e agnosia) eventualmente aparecem. ETIOLOGIA. A causa da doença de Alzheimer é desconhecida, embora estudos neuropatológicos e bioquímicos post-mortem tenham mostrado perda seletiva de neurônios colinérgicos. Ocorrem alterações estruturais e funcionais ocorrem. Achados anatômicos significativos incluem volume giral reduzido nos lobos frontal e temporal, com relativa escassez dos córtices motor e sensorial primário. Alterações microscópicas típicas incluem placas senis e emaranhados neurofibrilares, que são derivados das proteínas tau. O bloqueio da fosforilação disfuncional dessas proteínas está sendo explorado como uma possível intervenção terapêutica na demência do tipo Alzheimer. TRATAMENTO .
incluem DCJ familiar, síndrome de Gerstmann-Sträussler-Scheinker e insônia familiar fatal. São herdadas como mutações autossômicas dominantes. As doenças adquiridas incluem kuru e DCJ iatrogênica. Kuru foi uma doença do príon epidêmica do povo Fore de Papua, Nova Guiné, causada por rituais de funeral canibalístico, que atingiu sua incidência máxima na década de 1950. Doença iatrogênica é rara, sendo causada, por exemplo, pelo uso de dura-máter e enxertos córneos contaminados e por tratamento com hormônio de crescimento derivado da hipófise e gonadotrofina de cadáveres humanos. A DCJ esporádica responde por 85% das doenças do príon humano e ocorre no mundo todo, com distribuição uniforme e incidência de cerca de um em 1 milhão por ano, com a idade de início média de 65 anos. Ela é muito rara em indivíduos com menos de 30 anos de idade. (Informação adicional sobre demência e doença do príon pode ser obtida no Capítulo 10, Seção 10.3.) Demência do tipo Alzheimer. De todos pacientes com demência, 50 a 60% têm demência do tipo Alzheimer, o tipo mais comum de demência. Cerca de 5% de todos os indivíduos que alcançam os 65 anos de idade têm demência do tipo Alzheimer, comparados com 15 a
A demência do tipo Alzheimer não tem prevenção ou cura conhecida. O tratamento é paliativo e consiste de nutrição adequada, exercício e supervisão de atividades diárias. A medicação pode ser útil para tratar agitação e transtornos do comportamento. Foi relatado que propranolol, pindolol, buspirona e valproato ajudam a reduzir a agitação e a agressividade. O haloperidol e outros agentes bloqueadores de dopamina de alta potência podem ser usados para controlar transtornos do comportamento agudos. Alguns pacientes apresentam melhora em medidas cognitivas e funcionais quando tratados com tacrina ou donepezil. Os relatos de suplementação de vitamina E (400 a 600 mg por dia) retardando o progresso de demência são encorajadores. Medicamentos como memantina, que protegem os neurônios de estimulação de glutamato excessiva, estão sob investigação.
Demência vascular. O segundo tipo mais comum de demência é a vascular. Ela é caracterizada pelos mesmos déficits cognitivos da demência do tipo Alzheimer, mas tem sinais e sintomas neurológicos focais, como reflexos tendinosos profundos exagerados, resposta plantar extensora, paralisia pseudobulbar, anormalidades de marcha e fraqueza de uma extremidade. Comparada com a demência do tipo Alzheimer, a vascular tem início abrupto e curso deteriorante em degraus. Pode ser pre-
PSIQUIATRIA GERIÁTRICA
venida pela redução de fatores de risco conhecidos como hipertensão, diabete, tabagismo e arritmias. O diagnóstico pode ser confirmado com imagem de ressonância magnética (IRM) e estudos de fluxo sangüíneo cerebral. Demência devida à doença de Pick. A doença de Pick causa uma demência lentamente progressiva e está associada a lesões corticais focais, em especial no lobo frontal, que produzem afasia, apraxia e agnosia. A doença dura de 2 a 10 anos; com uma média de 5 anos. Clinicamente, é difícil diferenciar doença de Pick de doença de Alzheimer. Na autópsia, entretanto, o cérebro revela inclusões intraneuronais chamadas corpos de Pick, que diferem dos emaranhados neurofibrilares da demência de Alzheimer. A doença de Pick é muito mais rara do que esta e não há tratamento disponível. Também é conhecida como demência frontotemporal. Outras demências. Demência devida à doença de Huntington, demência devido à hidrocefalia de pressão normal, doença de Parkinson e outras causas são tratadas no Capítulo 10. Transtornos depressivos Sintomas depressivos estão presentes em cerca de 15% de todos os adultos idosos residentes na comunidade e pacientes de clínicas de repouso. A idade em si não é um fator de risco para o desenvolvimento de depressão, mas ser viúvo e ter uma doença médica crônica está associado a vulnerabilidade a transtornos depressivos. Depressão de início tardio é caracterizada por altas taxas de recorrência. Os sinais e os sintomas comuns de transtornos depressivos incluem energia e concentração reduzidas, problemas de sono (em especial despertar matinal precoce e despertares múltiplos), apetite diminuído, perda de peso e queixas somáticas. Os sintomas apresentados podem ser diferentes em pacientes deprimidos idosos daqueles vistos em adultos mais jovens devido a uma maior ênfase nas queixas somáticas dos primeiros, os quais são particularmente vulneráveis a episódios depressivos maiores com aspectos melancólicos, caracterizados por depressão, hipocondria, baixa auto-estima, sentimentos de inutilidade e tendências auto-acusatórias (em especial em relação a sexo e pecado), com ideação paranóide e suicida. Uma escala de depressão geriátrica é mostrada na Tabela 55-4. O prejuízo cognitivo em pacientes geriátricos deprimidos é denominado de síndrome de demência de depressão (pseudodemência), que pode ser confundida com demência genuína. Nesta, o prejuízo intelectual costuma ser global, e o desempenho é consistentemente pobre; na pseudodemência, os déficits na atenção e na concentração são variáveis. Comparados com pacientes que têm demência genuína, aqueles com pseudodemência têm menos probabilidade de apresentar prejuízo de linguagem e de confabulação; quando indecisos, têm mais probabilidade de dizer “não sei”; e suas dificuldades de memória são mais limitadas a lembrança livre do que a reconhecimento em testes de lembrança com sugestão. A pseudodemência ocorre em cerca de 15% dos pacientes mais velhos deprimidos, e 25 a 50% daqueles com demência são deprimidos.
1415
TABELA 55-4 Escala de Depressão Geriátrica (versão reduzida) Respostas indicando depressão estão em negrito. Cada resposta conta um ponto; escores maiores do que 5 indicam provável depressão. 1. Você está satisfeito com sua vida? Sim/Não 2. Abandonou muitas de suas atividades e interesses? Sim/Não 3. Sente que sua vida é vazia? Sim/Não 4. Costuma ficar entediado? Sim/Não 5. Fica de bom humor a maior parte do tempo? Sim/Não 6. Teme que alguma coisa ruim esteja para lhe acontecer? Sim/Não 7. Sente-se feliz a maior parte do tempo? Sim/Não 8. Costuma sentir-se abandonado? Sim/Não 9. Prefere ficar em casa, em vez de sair e fazer Sim/Não coisas novas? 10. Sente que tem mais problemas com memória Sim/Não do que a maioria das pessoas? 11. Considera maravilhoso estar vivo agora? Sim/Não 12. Sente-se bastante inútil do jeito que você é agora? Sim/Não 13. Sente-se cheio de energia? Sim/Não 14. Considera sua situação incorrigível? Sim/Não 15. Acha que a maioria das pessoas está em melhor Sim/Não situação do que você? Instruções especiais. A escala pode ser usada como medida de autoavaliação ou de avaliação do observador. Tem sido empregada ainda como escala de avaliação do observador para indivíduos levemente dementes. Reimpressa, com permissão, de Yesavage JA. Geriatric Depression Scale. Psychopharmacol Bull. 1988, 24:709.
Transtorno bipolar I O transtorno bipolar I em geral começa na metade da idade adulta, ainda que a prevalência de 1% permaneça constante durante toda a vida. A vulnerabilidade a recorrência permanecem, de modo que pacientes com história de transtorno bipolar I podem exibir um posterior episódio maníaco. Na maioria dos casos, um primeiro episódio de comportamento maníaco após os 65 anos deve alertar os médicos a procurar uma causa fisiológica ou orgânica associada, tal como o efeito adverso de medicação ou demência precoce. Os sinais e sintomas de mania em pessoas idosas são semelhantes àqueles em adultos mais jovens e incluem humor elevado, expansivo ou irritável, necessidade diminuída de sono, distratibilidade, impulsividade e, com freqüência, ingestão excessiva de álcool. Comportamento hostil ou paranóide costumam estar presentes. Prejuízo cognitivo, desorientação ou níveis flutuantes de consciência devem fazer os médicos suspeitar de causa orgânica. Lítio continua sendo o tratamento de escolha para mania, mas o uso por pacientes mais velhos deve ser monitorado com cuidado, porque seu clearance renal reduzido torna a toxicidade um risco significativo. Efeitos neurotóxicos também são mais comuns em pessoas mais velhas do que em adultos mais jovens. Esquizofrenia A esquizofrenia tende a começar no final da adolescência ou na idade adulta jovem e persiste durante toda a vida. Ainda que os primeiros episódios diagnosticados após os 65 anos sejam raros,
1416
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
um tipo de início tardio, começando após os 45 anos, foi descrito. Mulheres têm mais probabilidade de ter início tardio de esquizofrenia do que homens. Outra diferença em relação a início precoce e início tardio é a maior prevalência de esquizofrenia paranóide neste último. Cerca de 20% das pessoas com esquizofrenia não apresentam sintomas ativos aos 65 anos; 80% possuem graus variáveis de prejuízo. A psicopatologia torna-se menos acentuada à medida que o paciente envelhece. O tipo residual ocorre em aproximadamente 30% das pessoas com esquizofrenia. Seus sinais e sintomas incluem embotamento emocional, retraimento social, comportamento excêntrico e pensamento ilógico. Delírios e alucinações são incomuns. Visto que muitos dos pacientes não podem cuidar de si mesmos, hospitalização de longo prazo é requerida. Pessoas idosas com sintomas esquizofrênicos respondem bem a antipsicóticos. A medicação deve ser administrada de forma criteriosa, e dosagens mais baixas do que o usual tendem a ser efetivas para adultos mais velhos. O paciente era um homem branco divorciado de 57 anos que necessitou de hospitalização psiquiátrica pela primeira vez aos 49 anos, após se apresentar afirmando estar, havia seis meses, sob vigilância da polícia, da Agência Central de Inteligência (CIA) e de detetives que o estavam seguindo e monitorando suas ações. Ele se tornou muito perturbado e reclamou que tinha ficado “cansado de esquivar-se deles” e se entregou à polícia. Foi levado pela polícia ao hospital para ser internado. O mesmo negou que ouvisse vozes, mas relatou uma campainha em seus ouvidos alertando-o de que alguma coisa prejudicial logo ocorreria. Admitiu ver rostos em quadros que mudavam de tempos em tempos enquanto olhava para eles. Na ocasião da internação, estava trabalhando em tempo integral como pintor e vivia com seu pai idoso desde seu divórcio, 19 anos antes. Visitava com freqüência seus três irmãos que viviam na área. A família não relatou nenhuma história anterior de doença mental no paciente. Seu passatempo era colecionar modelos de trens. Sua história médica era pouco notável, mas a história familiar era significativa pelo fato de que uma tia materna passara muitos anos em um hospital psiquiátrico e de que sua mãe necessitara de hospitalização por sete anos devido a um “colapso nervoso”. Os resultados do exame neurológico e de outros exames físicos estavam dentro dos limites normais, assim como testes laboratoriais de rotina e IRM do cérebro. O paciente foi tratado com haloperidol até 4 mg por dia, com resolução de seu sistema delirante, exceto por ideação paranóide e audição de vozes episódicas. Deixara o emprego, mas ajudava a cuidar de seu pai de 90 anos. (Cortesia de M. Jackuelyn Harris, M.D. e Dilip V. Jeste, M.D.)
guidos, envenenados ou atormentados de alguma forma. Pessoas com transtorno delirante podem tornar-se violentas em relação a seus supostos perseguidores. Algumas trancam-se em seus quartos e vivem vidas reclusas. Delírios somáticos, nos quais acreditam que têm uma doença fatal, também podem ocorrer em idosos. Em um estudo de pessoas com mais de 65 anos de idade, ideação persecutória invasiva estava presente em 4% da amostra. Entre os mais vulneráveis, o transtorno delirante pode ocorrer sob estresse físico ou psicológico e ser precipitado por morte do cônjuge, perda de emprego, aposentadoria, isolamento social, circunstâncias financeiras adversas, doença médica ou cirurgia debilitante, prejuízo visual e surdez. Delírios também podem acompanhar outros transtornos – tais como demência do tipo Alzheimer, transtornos por uso de álcool, esquizofrenia, transtornos depressivos e transtorno bipolar I – que precisam ser excluídos. Síndromes delirantes também podem resultar de medicamentos prescritos ou indicar sinais precoces de tumor cerebral. O prognóstico é razoável a bom na maioria dos casos; os melhores resultados são conseguidos por meio da combinação de psicoterapia e farmacoterapia. Um transtorno delirante de início tardio chamado parafrenia é caracterizado por delírios persecutórios. Desenvolve-se durante vários anos e não está associado a demência. Alguns acreditam que o mesmo é uma variante de esquizofrenia que se manifesta pela primeira vez aos 60 anos. Pacientes com história familiar de esquizofrenia apresentam taxa aumentada de parafrenia. O paciente era um homem branco, divorciado, de 74 anos, encaminhado por seu médico primário devido a delírios paranóides. O paciente relatou que uma gangue de negros estava atrás dele, especialmente “Cachorro Louco”, o líder de um grupo de 5 mil membros. Ele e seu filho relataram que o início das preocupações tinha ocorrido há 4 anos, e isso levara o paciente a mudar de residência quatro vezes durante este período e a aposentar-se de seu trabalho como vendedor em uma loja de roupas dois anos antes. Ele chamou a polícia diversas vezes para mostrar-lhes as pegadas da gangue na grama e para relatar ruídos do lado de fora de sua janela. O paciente negava humor deprimido, alteração no sono ou no apetite, prejuízo de memória ou problemas de concentração. Negava alucinações auditivas ou visuais ou qualquer história psiquiátrica passada. Vivia sozinho em seu apartamento e cuidava de suas finanças e de outras atividades da vida diária. Tinha um diploma de ensino médio, era divorciado e trabalhara como vendedor “toda a sua vida”. Os problemas médicos eram significativos para hipercolesterolemia tratada com medicação. Seu escore no MMSE era de 30/30. O exame físico (incluindo neurológico) e o teste laboratorial de rotina eram pouco notáveis. O paciente recusou-se a tomar o antipsicótico prescrito, mas apresentou-se à clínica para discutir suas preocupações. (Cortesia de M. Jackuelyn Harris, M.D. e Dilip V. Jeste, M.D.)
Transtorno delirante A idade de início de transtorno delirante em geral é de 40 a 55 anos, mas pode ocorrer em qualquer tempo durante o período geriátrico. Os delírios podem assumir muitas formas; as mais comuns são persecutórias – os pacientes acreditam que estão sendo espionados, se-
Transtornos de ansiedade Os transtornos de ansiedade incluem transtorno de pânico, fobias, transtorno obsessivo-compulsivo, transtorno de ansiedade
PSIQUIATRIA GERIÁTRICA
generalizada, transtorno de estresse agudo e transtorno de estresse pós-traumático. Surgem no início ou na metade da idade adulta, mas alguns aparecem pela primeira vez após os 60 anos. Um primeiro aparecimento de transtorno de ansiedade em pessoas mais velhas é raro, mas pode ocorrer. O estudo ECA determinou que a prevalência de um mês de transtornos de ansiedade em pessoas com 65 anos ou mais é de 5,5%. Os mais comuns são as fobias (4 a 8%). A taxa para transtornos de pânico é de 1%. Os sinais e os sintomas de fobia em adultos idosos são menos graves do que aqueles que ocorrem em pessoas mais jovens, mas os efeitos são igualmente, se não mais, debilitantes para aqueles. Teorias existenciais ajudam a explicar a ansiedade quando não há estímulo específico identificável para um sentimento de ansiedade crônica. Pessoas idosas devem lidar com a perspectiva da morte. Muitas vezes, isso pode ser feito com um sentimento de desespero e ansiedade, em vez de com equanimidade e “senso de integridade”, conforme Erik Erikson. A fragilidade do sistema nervoso autônomo em pessoas mais velhas pode responder pelo desenvolvimento de ansiedade após um estressor maior. Devido à incapacidade física concomitante, esta população reage com maior intensidade ao transtorno de estresse pós-traumático do que pessoas mais jovens. Obsessões e compulsões podem aparecer pela primeira vez em adultos idosos, embora aqueles com transtorno obsessivo-compulsivos geralmente demonstravam evidência do transtorno quando eram mais jovens (p. ex., ser organizado, perfeccionista, pontual, econômico). Quando sintomáticos, exageram em seu desejo por organização, rituais e uniformidade. Eles podem tornar-se inflexíveis e rígidos e ter compulsões de verificar coisas muitas vezes. Transtorno obsessivo-compulsivo (em comparação com transtorno da personalidade obsessivo-compulsiva) é caracterizado por rituais e obsessões egodistônicos e pode começar mais tarde na vida. O tratamento de transtornos de ansiedade deve ser individualizado e levar em consideração a interação biopsicossocial, que produz os transtornos. Tanto farmacoterapia como psicoterapia são necessárias. Transtornos somatoformes Transtornos somatoformes, caracterizados por sintomas físicos lembrando doenças médicas, são relevantes à psiquiatria geriátrica porque queixas somáticas são comuns entre adultos idosos. Mais de 80% das pessoas com mais de 65 anos de idade têm pelo menos uma doença crônica – em geral artrite ou problemas cardiovasculares. Após os 75 anos, 20% têm diabete e uma média de quatro doenças crônicas diagnosticáveis que requerem atenção médica. Hipocondria é comum em pessoas com mais de 60 anos de idade, ainda que a incidência máxima seja no grupo etário de 40 a 50 anos. O transtorno costuma ser crônico, e o prognóstico é reservado. Exames físicos repetidos ajudam a tranqüilizar os pacientes de que não têm uma doença fatal, mas procedimentos diagnósticos invasivos e de alto risco devem ser evitados, a menos que indicados. Dizer aos pacientes que seus sintomas são imaginários é contraprodutivo e tende a gerar ressentimento. Os médicos precisam reconhecer que a queixa é real, que a dor de fato existe e é perce-
1417
bida como tal pelo paciente e que uma abordagem psicológica ou farmacológica ao problema é indicada. Transtorno por uso de álcool e outras substâncias Adultos idosos com dependência de álcool em geral relatam uma história de beber excessivo que começou no início ou na metade da idade adulta. Apresentam, com freqüência, doenças médicas, em especial doença hepática, e são divorciados, viúvos ou homens que nunca se casaram. Muitos têm registros de prisão e são numerosos entre pessoas sem teto. Uma grande quantidade tem doença demencial crônica, como encefalopatia de Wernicke e síndrome de Korsakoff. Vinte por cento dos pacientes de clínicas de repouso apresentam dependência de álcool. No total, transtornos por uso de álcool e outras substâncias respondem por 10% de todos os problemas emocionais em pessoas mais velhas, e dependência de substâncias como hipnóticos, ansiolíticos e narcóticos é mais comum na velhice do que em geral reconhecido. Comportamento de busca de substância caracterizado por crime, manipulação e comportamento anti-social é mais raro entre adultos mais velhos do que entre os mais jovens. Pacientes idosos podem abusar de ansiolíticos para aliviar ansiedade crônica ou para garantir o sono. A manutenção de pacientes de câncer cronicamente doentes com narcóticos prescritos pelo médico produz dependência, mas a necessidade de fornecer alívio tem precedência sobre a possibilidade de dependência e é inteiramente justificada. A apresentação clínica de pacientes idosos com transtornos por uso de álcool e outras substâncias varia e inclui confusão, higiene pessoal deficiente, depressão, subnutrição e os efeitos de exposição e quedas. O início súbito de delirium em idosos hospitalizados por doença médica é causado com mais freqüência por abstinência de álcool. Abuso de álcool também deveria ser considerado em adultos idosos com problemas gastrintestinais crônicos. Pessoas idosas podem abusar de substâncias vendidas sem receita, incluindo nicotina e cafeína. Trinta e cinco por cento usam analgésicos de venda livre, e 30% usam laxantes. Problemas gastrintestinais, psicológicos e metabólicos inexplicados devem alertar os médicos para abuso de substâncias vendidas sem receita. Transtornos do sono Idade avançada é o fator isolado mais importante associado à prevalência aumentada de transtornos do sono. Os fenômenos relacionados ao sono relatados com mais freqüência por adultos idosos são problemas para adormecer, sonolência diurna, cochilos diurnos e uso de drogas hipnóticas. Clinicamente, esses indivíduos apresentam taxas mais altas de transtornos do sono relacionados à respiração e transtornos do movimento induzidos por medicação em relação a adultos mais jovens. Além de sistemas regulatórios e fisiológicos alterados, as causas de transtornos do sono em pessoas idosas incluem transtornos do sono primários, outros transtornos mentais, transtornos médicos gerais e fatores sociais e ambientais. Entre os transtornos do sono primários, dissonias são os mais freqüentes, em especial insônia primária,
1418
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
mioclonia noturna, síndrome das pernas inquietas e apnéia do sono. Entre as parassonias, transtorno do comportamento do sono de movimento rápido dos olhos (REM) ocorre quase exclusivamente entre homens idosos. As condições que mais interferem no sono de adultos idosos também incluem dor, noctúria, dispnéia e azia. A falta de uma estrutura diurna e de responsabilidades sociais ou vocacionais contribui para o sono insatisfatório. Como resultado do tamanho diminuído de seu ciclo de sono-vigília, pessoas idosas sem rotinas diurnas, principalmente pacientes em clínicas de repouso, podem experimentar uma fase de sono avançada, na qual vão dormir cedo e despertam durante a noite. Mesmo quantidades modestas de álcool podem interferir na qualidade do sono e causar fragmentação do mesmo e despertar matinal precoce. Esta substância também pode precipitar ou agravar apnéia do sono obstrutiva. Muitas pessoas idosas usam álcool, hipnóticos e outros depressores do SNC para ajudá-las a adormecer, mas dados mostram que, nesta população, há mais despertar matinal precoce do que problemas para adormecer. Ao prescrever substâncias sedativo-hipnóticas, os médicos devem monitorar os pacientes para efeitos cognitivos, comportamentais e psicomotores indesejados, incluindo prejuízo de memória (amnésia anterógrada), sedação residual, insônia de rebote, abstinência diurna e marcha insegura. As alterações na estrutura do sono entre pessoas com mais de 65 anos de idade compreendem tanto sono REM como sono não-REM. As alterações de REM incluem a redistribuição do sono durante toda a noite, mais episódios, episódios mais curtos e menos sono REM total. As alterações não-REM incluem a amplitude diminuída de ondas delta, porcentagem mais baixa de sono de Estágios 3 e 4 e porcentagem mais alta de sono de Estágios 1 e 2. Além disso, pessoas mais velhas experimentam aumento de despertares após o início do sono. Grande parte da deterioração observada na qualidade do sono em pessoas mais velhas decorre do tempo e da consolidação de sono alterados. Por exemplo, com o avanço da idade, as pessoas têm uma amplitude mais baixa de ritmos circadianos, um ritmo de propensão a sono de 12 horas, e ciclos circadianos mais curtos. RISCO DE SUICÍDIO Pessoas idosas têm risco mais alto para suicídio do que qualquer outra população. A taxa de suicídio para homens brancos com mais de 65 anos é cinco vezes mais alta do que a da população em geral. Um terço dos idosos relata solidão como principal razão para considerar o suicídio. Cerca de 10% dos indivíduos idosos com ideação suicida relatam problemas financeiros, saúde deficiente ou depressão como razões para pensamentos suicidas. Vítimas de suicídio diferem demograficamente de indivíduos que o tentam. Em torno de 60% daqueles que cometem suicídio são homens; 75% dos que tentam são mulheres. Vítimas de suicídio em geral utilizam armas ou enforcam-se, enquanto 70% dos que tentam o suicídio tomam uma superdosagem de droga, e 20% cortam os pulsos ou outra parte do corpo. Estudos de autópsia psicológica sugerem que a maioria das pessoas idosas que cometem suicídio teve um transtorno psiquiátrico, geralmente depressão. Entretanto, os transtornos psiquiátricos de vítimas de suicídio muitas vezes não recebem atenção mé-
dica ou psiquiátrica. Mais idosos vítimas de suicídio são viúvos e menos são solteiros, separados ou divorciados do que vítimas adultas mais jovens. Métodos de suicídio violentos são mais comuns no idoso, e histórias psiquiátricas e de uso de álcool parecem ser menos freqüentes. Os precipitantes mais comuns entre indivíduos idosos são doenças físicas e perda, enquanto problemas com emprego, finanças e relacionamentos familiares são precipitantes mais freqüentes entre adultos mais jovens. A maioria das pessoas idosas que cometem o ato comunica seus pensamentos suicidas à família ou a amigos antes de fazê-lo. Pacientes idosos com doenças médicas maiores ou que sofreram perda recente devem ser avaliados para sintomatologia depressiva e ideação ou planos suicidas. Pensamentos e fantasias sobre o significado do suicídio e vida após a morte podem revelar informação que o paciente não consegue compartilhar diretamente. Não deve haver relutância em questionar pacientes sobre suicídio, uma vez que não há evidência de que tais perguntas aumentem a probabilidade do comportamento. OUTRAS CONDIÇÕES DA VELHICE Vertigem Sensações de vertigem e tontura, uma queixa comum de adultos idosos, fazem com que muitos deles se tornem inativos porque têm medo de cair. As causas desta manifestação variam e incluem anemia, hipotensão, arritmia cardíaca, doença cerebrovascular, insuficiência arterial basilar, doença do ouvido médio, neuroma acústico e doença de Ménière. A maioria dos casos tem um forte componente psicológico, e os médicos precisam determinar qualquer ganho secundário do sintoma. O uso excessivo de ansiolíticos pode causar tontura e sonolência diurna. O tratamento com meclizina (Antivert), 25 a 100 mg por dia, tem sido bem-sucedido entre muitos pacientes.
Síncope A perda súbita de consciência associada a síncope resulta de uma redução do fluxo sangüíneo cerebral e de hipoxia cerebral. Uma avaliação médica completa é necessária para excluir as várias causas listadas na Tabela 55-5.
Perda de audição Cerca de 30% das pessoas com mais de 65 anos têm perda auditiva significativa (presbicusia). Após os 75 anos, este número sobe para 50%. As causas variam. Os médicos precisam ser sensíveis à perda auditiva em pacientes que se queixam de que podem ouvir, mas não conseguem entender o que está sendo dito ou pedem para que as perguntas sejam repetidas. A maioria dos idosos com o problema pode ser tratada com aparelhos auditivos.
ABUSO DO IDOSO Estima-se que 10% das pessoas com mais de 65 anos de idade sofram abusos. Abuso do idoso é definido pela American Psychiatric Association
PSIQUIATRIA GERIÁTRICA
TABELA 55-5 Causas de síncope Distúrbios cardíacos Anatômicos/valvulares Estenose aórtica Prolapso mitral e regurgitação Cardiomiopatia hipertrófica Mixoma Elétricos Taquiarritmia Bradiarritmia Bloqueio cardíaco Síndrome do seio doente Funcionais Isquemia e infarto Hipotensão situacional Desidratação (diarréia, jejum) Hipotensão ortostática Hipotensão pós-prandial Micção, defecação, tosse, deglutição Reflexos cardiovasculares anormais Síndrome de seio carotídeo Síndrome vasovagal Medicamentos Vasodilatadores Bloqueadores dos canais de cálcio Diuréticos Betabloqueadores Anormalidades do sistema nervoso central Insuficiência cerebrovascular Convulsões Anormalidades metabólicas Hipoxemia Hipoglicemia ou hiperglicemia Anemia Distúrbios pulmonares Doença pulmonar obstrutiva crônica Pneumonia Embolia pulmonar
como “um ato ou omissão que resulta em dano ou ameaça de dano para a saúde ou para o bem-estar de uma pessoa idosa”. Os maus-tratos incluem abuso e negligência – física, psicológica, financeira, material. Abuso sexual também ocorre. Os atos de omissão incluem recusa de alimento, remédios, roupas e outras necessidades. Os tipos de abuso do idoso são listados na Tabela 55-6. Conflitos familiares e outros problemas costumam ser subjacentes ao abuso do idoso. As vítimas tendem a ser muito velhas e frágeis. Com freqüência, vivem com seus agressores, que podem ser financeiramente dependentes das vítimas. Tanto a vítima como o perpetrador tendem a negar ou minimizar a presença de abuso. As intervenções incluem fornecimento de serviços legais, abrigo e assistência médica, psiquiátrica e social.
LUTO CONJUGAL Dados demográficos sugerem que 51% das mulheres e 14% dos homens com mais de 65 anos serão viúvos pelo menos uma vez. A perda
1419
TABELA 55-6 Tipos de abuso do idoso Abuso físico ou sexual Contusões (bilaterais e em vários estágios de cicatrização) Manchas vermelhas Lacerações Perfurações Fraturas Evidência de excesso de drogas Queimaduras Restrições físicas (amarrado à cama, etc.) Subnutrição e desidratação Falta de cuidado pessoal Aquecimento inadequado Falta de comida e água Roupas ou cama sujas Falta de medicação necessária Falta de óculos, aparelhos auditivos, dentaduras Dificuldade para caminhar ou sentar Doença venérea Dor ou coceira, ferimentos ou sangramento da genitália externa, da área vaginal ou da área anal Abuso psicológico (adultos vulneráveis reagem exibindo resignação, medo, depressão, confusão mental, raiva, ambivalência, insônia) Ameaças Insultos Molestamento Recusa de segurança e afeto Ordens ríspidas Recusa de parte da família ou daqueles que cuidam do adulto em permitir viagens, visitas de amigos ou de outros membros da família e freqüência à igreja Exploração Mau uso da renda ou de outros recursos financeiros do adulto vulnerável (a vítima é a melhor fonte de informação, mas, na maioria dos casos, transferiu a administração de questões financeiras a outra pessoa; como resultado, pode haver alguma confusão em relação a finanças) Abuso médico Recusa ou administração inadequada de medicamentos ou tratamentos médicos necessários para uma condição ou a recusa de auxílios que a pessoa necessitaria, tais como dentaduras, óculos, aparelhos auditivos Pode ser uma causa de Confusão Desorientação Prejuízo de memória Agitação Letargia Autonegligência Negligência Conduta do adulto vulnerável ou dos outros que resulta em privação de cuidado necessário para manter a saúde física e mental Pode ser manifestada por Subnutrição Higiene pessoal deficiente Qualquer um dos indicadores de abuso médico Reimpressa, com permissão, de Washington State Medical Association. Elder Abuse: Guidelines for Intervention by Physicians and Other Service Providers. Seattle: Washington State Medical Association, 1985.
1420
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
do cônjuge está entre as mais estressantes de todas as experiências de vida. Como grupo, adultos idosos parecem ter um resultado mais favorável do que o esperado após a morte do cônjuge. Os sintomas depressivos alcançam um pico dentro dos primeiros meses após a morte, mas diminuem de forma significativa dentro de um ano. Há uma relação entre perda do cônjuge e subseqüente mortalidade. Sobreviventes idosos de cônjuges que cometem suicídio são especialmente vulneráveis, assim como aqueles com doença psiquiátrica.
TRATAMENTO PSICOFARMACOLÓGICO DE TRANSTORNOS GERIÁTRICOS Certas orientações devem ser seguidas em relação ao uso de todas as substâncias em adultos mais velhos. Uma avaliação médica antes do tratamento é fundamental, incluindo eletrocardiograma (ECG). É especialmente útil que o paciente ou um membro da família mostre ao médico todos os medicamentos usados no momento, porque o uso de múltiplos fármacos pode estar contribuindo para os sintomas. A maioria dos psicotrópicos deve ser dada em doses divididas igualmente em 3 ou 4 vezes durante um período de 24 horas. Pacientes idosos podem não ser capazes de tolerar uma elevação súbita no nível sangüíneo de medicamento, resultando de uma dose diária grande. Quaisquer alterações na pressão arterial e na taxa de pulso ou outros efeitos colaterais devem ser observados. Para aqueles com insônia, entretanto, a estratégia de dar a porção maior de um antipsicótico ou antidepressivo na hora de dormir tira proveito de seus efeitos sedativos e soporíferos. Preparações líquidas são úteis para pacientes idosos que não podem ou não engolirão comprimidos. Os médicos precisam avaliar com freqüência todos os pacientes para determinar a necessidade de manter a medicação, para fazer alterações na dosagem e para observar o desenvolvimento de efeitos adversos. Se o paciente estiver tomando psicotrópicos na ocasião da avaliação, o médico deve, se possível, interrompê-los e, após um período de limpeza, reavaliar o paciente durante um estado basal livre de medicamentos. Adultos com mais de 65 anos de idade usam o maior número de medicamentos do que qualquer grupo etário; 25% de todas as receitas são escritas para eles. Reações adversas causadas por esses agentes resultam na hospitalização de quase 250 mil pessoas nos Estados Unidos a cada ano. Substâncias psicotrópicas estão entre as mais prescritas, assim como medicamentos cardiovasculares e diuréticos; 40% de todas as receitas de hipnóticos aviadas nos Estados Unidos a cada ano são para pessoas com mais de 75 anos de idade, e 70% dos idosos usam medicamentos de venda livre, comparados com apenas 10% dos adultos jovens. (O Capítulo 36 apresenta um levantamento abrangente dos agentes psicofarmacológicos.) Princípios Os principais objetivos do tratamento farmacológico de pessoas idosas são melhorar a qualidade de vida, mantê-las na comunidade e adiar ou evitar sua colocação em clínicas de repouso. A individualização de dosagens é o princípio básico da psicofarmacologia geriátrica.
Alterações nas dosagens são necessárias devido às alterações fisiológicas que ocorrem à medida que as pessoas envelhecem. Doença renal está associada a clearance renal diminuído de drogas; doença hepática resulta em uma capacidade diminuída de metabolizar esses agentes; doença cardiovascular e produção cardíaca diminuída podem afetar o clearance de medicamentos tanto renal como hepático; e doença gastrintestinal e secreção de ácido gástrico diminuída influenciam a absorção. Com o envelhecimento, a proporção de massa corporal magra para gorda também muda. No envelhecimento normal, a massa corporal magra diminui e o tecido adiposo aumenta. As alterações na proporção de massa corporal magra para gorda afetam a distribuição de fármacos. Muitos psicotrópicos lipossolúveis são distribuídos de forma mais ampla no tecido adiposo do que no tecido magro, de modo que a ação de um deles pode ser inesperadamente prolongada em pessoas mais velhas. De maneira similar, alterações na sensibilidade do órgão terminal ou do sítio de receptor devem ser levadas em consideração. Em pessoas idosas, o risco aumentado de hipotensão ortostática por substâncias psicotrópicas está relacionado a funcionamento reduzido de mecanismos reguladores da pressão arterial. Como regra, a dose mais baixa possível deve ser utilizada para alcançar a resposta terapêutica desejada. Os médicos precisam conhecer a farmacodinâmica, a farmacocinética e a biotransformação de cada medicamento prescrito e os efeitos de interações medicamentosas. Antidepressivos tricíclicos As aminas secundárias nortriptilina (Pamelor) e desipramina são os antidepressivos tricíclicos utilizados com mais freqüência na depressão geriátrica. Possuem efeitos anticolinérgicos e sedativos mais baixos do que as aminas terciárias amitriptilina (Tryptanol), doxepina e imipramina (Tofranil). A nortriptilina parece ter um potencial mais baixo para hipotensão ortostática do que outros agentes antidepressivos tricíclicos. As concentrações plasmáticas de antidepressivos necessárias para o tratamento de pacientes idosos deprimidos são semelhantes àquelas requeridas por adultos jovens (concentrações plasmáticas de nortriptilina de 60 a 150 ng/mL, e desipramina acima de 115 ng/mL). Pacientes idosos muitas vezes desenvolvem concentrações sangüíneas terapêuticas de nortriptilina ou desipramina tomando doses diárias baixas. A maioria deles atinge concentrações plasmáticas terapêuticas com doses diárias de nortriptilina de 1 a 1,2 mg/kg de peso corporal e de desipramina, 1,5 a 2 mg/kg. Os que tomam nortriptilina em geral desenvolvem níveis plasmáticos mais altos do metabólito de nortriptilina 10-hidroxinortriptilina do que adultos jovens, mesmo quando os níveis plasmáticos do composto original são semelhantes. Os níveis aumentados de hidroxinortriptilina podem ser, em parte, resultado do clearance renal mais baixo em indivíduos idosos do que em mais jovens. Níveis altos podem contribuir para defeitos de condução cardíaca. Funções intelectuais altas, pressão arterial ortostática, ECG e capacidade de urinar devem ser monitorados com freqüência em pacientes idosos deprimidos recebendo nortriptilina ou desipramina. Foi verificado que hipotensão ortostática sistólica pré-tratamento correlaciona-se com resposta antidepressiva à nortriptilina em alguns pacientes idosos. Portanto, o uso deste agente em
PSIQUIATRIA GERIÁTRICA
1421
vez de desipramina pode ser considerado para esses indivíduos, e a pressão arterial ortostática e sintomas subjetivos de ortostasia (sentir tontura ao ficar de pé) devem ser monitorados com cuidado. Medicamentos tricíclicos têm propriedades anticolinérgicas; portanto, devem ser evitados para pacientes com hipertrofia prostática ou com glaucoma de ângulo estreito. Nortriptilina e desipramina têm propriedades semelhantes àquelas de fármacos antiarrítmicos tipo 1A (drogas tipo quinidina). Quando administrados a pacientes com bloqueio de ramo do feixe direito ou esquerdo, agentes tricíclicos podem causar bloqueio de segundo grau em cerca de 10% dos casos. Por esta razão, um ECG deve sempre preceder o uso de tricíclicos no idoso. As propriedades tipo 1A requerem uso cauteloso destes agentes em pacientes com doença cardíaca isquêmica. Um estudo em diversos centros demonstrou que antiarrítmicos tipo 1A aumentam a mortalidade cardíaca em pacientes após infarto do miocárdio. Ainda que os tricíclicos não tenham sido utilizados neste estudo, suas propriedades antiarrítmicas tipo 1A sugerem o uso cauteloso em pacientes com depressão e doença cardíaca isquêmica.
a hidroxilação de nortriptilina e desipramina e para o metabolismo de agentes antipsicóticos e drogas antiarrítmicas tipo 1A (encainida, flecainida), antagonistas dos receptores β-adrenérgicos (betabloqueadores) e verapamil, cujas concentrações plasmáticas podem ser elevadas em pacientes tratados com ISRSs. Portanto, redução da dosagem e monitoração de níveis plasmáticos de antidepressivos tricíclicos, antipsicóticos e drogas antiarrítmicas são necessárias em pacientes tratados com fluoxetina e paroxetina. Uma exceção é o ISRS fluvoxamina, que inibe CYP 3A4 e CYP 1A2, mas não o faz de forma significativa em relação a CYP 2D6. A CYP 3A4 é responsável pelo metabolismo do alprazolam (Frontal), do triazolam (Halcion), da carbamazepina (Tegretol), da quinidina, da eritromicina, da terfenadina e do astemizol e pode levar ao aumento na concentração plasmática destes agentes. Esses fármacos devem ser evitados por pacientes que recebem fluvoxamina. De maneira similar, a teofilina precisa ser prescrita com cautela para aqueles tratados com fluvoxamina porque esta pode produzir uma diminuição triplicada no clearance de teofilina pela inibição da isoenzima CYP 1D12.
Inibidores seletivos da recaptação de serotonina
Inibidores da monoaminoxidase
Estudos de pacientes ambulatoriais idosos observaram que os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs) são tão efetivos quanto agentes tricíclicos aminoterciários no tratamento a curto prazo de transtorno depressivo. Não está claro se estes agentes podem ajudar pacientes idosos hospitalizados com depressão grave, melancólica. Um estudo que não usou distribuição aleatória sugeriu que pacientes cardíacos hospitalizados com depressão grave, melancólica, têm resposta mais insatisfatória à fluoxetina (Prozac), mas resposta significativa à nortriptilina em concentrações plasmáticas terapêuticas. Ainda que estudos de pesquisa de uso de ISRSs em pacientes hospitalizados não tenham sido feitos, a experiência clínica sugere que tais agentes são efetivos nestes casos para amplo espectro de síndromes depressivas. As dosagens de ISRSs devem ser aumentadas de forma gradual. As quantias diárias iniciais podem ser 5 a 10 mg de fluoxetina, 5 a 10 mg de paroxetina (Paxil), 25 mg de sertralina (Zoloft), e 10 mg de citalopram (Cipramil). Para a maioria dos pacientes, as doses diárias de 20 mg de fluoxetina, 20 mg de paroxetina, 75 mg de sertralina e 20 a 30 mg de citalopram são suficientes, apesar de alguns necessitarem de doses mais altas. O ISRS fluvoxamina (Luvox) pode ser efetivo no tratameto de depressão geriátrica, ainda que os dados de pesquisa sejam escassos. Agentes dessa classe têm menos efeitos adversos cardíacos do que agentes antidepressivos tricíclicos e costumam ser usados como tratamento de primeira escolha, em especial para pacientes com depressão leve, não-melancólica, ou para aqueles com doença cardíaca. Os efeitos adversos mais freqüentes dos ISRSs são insônia, acatisia, náusea, anorexia, pseudoparkinsonismo e secreção inadequada de hormônio antidiurético, levando a hiponatremia. Interações de medicamentos devem ser consideradas em pacientes idosos recebendo ISRSs. Fluoxetina e paroxetina inibem a isoenzima 2D6 do citocromo P450 (CYP 2D6) do fígado. A sertralina é um inibidor mais fraco de CYP 2D6, e o citalopram tem um efeito inibidor insignificante. A CYP 2D6 é fundamental para
Os inibidores da monoaminoxidase (IMAOs) são efetivos para pacientes com transtorno depressivo maior e para os deprimidos com ataques de pânico. Dosagens baixas de IMAOs – por exemplo, 30 a 45 mg de fenelzina (Nardil) por dia ou 20 a 30 mg de tranilcipromina (Parnate) por dia – devem ser usadas para o idoso. A hipotensão ortostática é o efeito adverso mais freqüente desses agentes. Este efeito adverso é preocupante porque pode levar a quedas e fraturas, em especial da bacia ou do úmero. Outros efeitos adversos incluem ganho de peso, falta de energia e insônia; falta de energia e sonolência diurna em pacientes tratados com fenelzina; e nervosismo, insônia e perspiração excessiva em pacientes tratados com tranilcipromina. Neuropatia periférica ocorre em uma pequena porcentagem de pacientes tomando IMAOs e tende a responder a piridoxina. Aminas simpatomiméticas, precursores da monoamina, tricíclicos, ISRSs, venlafaxina (Efexor), administração concomitante de dois IMAOs e alimento rico em tiramina podem causar uma crise hipertensiva e devem ser evitados por pacientes tomando IMAOs. Interações de medicamentos e restrições dietéticas muitas vezes impedem seu uso entre os idosos. Outros agentes antidepressivos A venlafaxina revelou-se efetiva para pacientes deprimidos hospitalizados e para pacientes deprimidos resistentes à medicação bem como para indivíduos deprimidos com dor crônica. Por essa razão, esse medicamento deve ser considerado em casos de depressão grave e depressão que não responde a outros agentes. A bupropiona (Wellbutrin) tem eficácia comparável à de outros agentes antidepressivos. Ela possui menos efeitos adversos do que os tricíclicos, incluindo ausência de prejuízo cognitivo ou sedação, segurança na superdosagem e ausência de cardiotoxicidade. A bupropiona foi considerada segura para pacientes com
1422
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
doença cardíaca, e deve ser considerada para pacientes cardíacos idosos. Este agente tem menos interações de fármacos, mas não deve ser prescrito para pessoas recebendo IMAOs. Ele pode exacerbar hipertensão preexistente. Por essa razão, é necessária a monitoração da pressão arterial. A nefazodona (Serzone) promove o sono, tem efeitos ansiolíticos, é bem-tolerada e é segura na superdosagem. Não influencia a arquitetura do sono e não causa disfunção sexual. Entretanto, sedação e necessidade de duas doses diárias podem ser um problema para alguns pacientes idosos. Uma dose diária total de 300 a 500 mg pode ser necessária. A adição de agentes antidepressivos pode melhorar a resposta de depressão geriátrica em remissão parcial. O lítio potencializa a resposta a antidepressivos tricíclicos em pacientes idosos. A dosagem deste agente requerida por pacientes idosos deprimidos recebendo tricíclicos pode ser um terço ou metade daquela de adultos mais jovens. Entre estes últimos, combinações de tricíclicos com ISRSs gerou uma resposta antidepressiva mais rápida do que com apenas tricíclicos. Outras técnicas de adição incluem combinações de tricíclicos ou ISRSs com hormônios da tireóide, psicoestimulantes, bupropiona, pindolol e outros agentes. A experiência clínica sugere que técnicas de adição podem ser efetivas em alguns pacientes geriátricos deprimidos com uma resposta incompleta a um único agente antidepressivo. Entretanto, o papel das técnicas de adição é limitado na depressão geriátrica porque pacientes idosos muitas vezes não podem tolerar terapias combinadas. Psicoestimulantes Os psicoestimulantes, também chamados simpatomiméticos e analépticos, incluem anfetaminas (p. ex., dextroanfetamina [Dexedrine]), metilfenidato (Ritalina) e pemolina(Cylert). Em pacientes selecionados, podem melhorar o humor, a apatia e a anedonia de pessoas mais velhas deprimidas, em especial quando esses sintomas são causados por uma doença crônica associada, como artrite reumatóide ou esclerose múltipla. As anfetaminas também podem aumentar a analgesia de pacientes que requerem medicação para dor. O uso de psicoestimulantes é controverso devido ao risco de abuso, mas, quando prescritos de forma criteriosa, em pequenas dosagens, são de grande valor. As dosagens geriátricas dos psicoestimulantes estão listadas na Tabela 55-7. Antimaníacos
relacionada à idade e alterações fisiológicas do coração, da tireóide e dos rins. O lítio é excretado pelos rins, e clearance renal diminuído e doença renal aumentam o risco de toxicidade. Diuréticos tiazídicos diminuem o clearance renal do lítio; como conseqüência, o uso concomitante desses medicamentos pode requerer ajustes na dosagem de lítio. Outros agentes também podem interferir no clearance de lítio. Este pode causar efeitos no SNC, aos quais pessoas mais velhas são especialmente sensíveis. Devido a esses fatores, a monitoração sérica freqüente dos níveis de lítio é recomendada. Além disso, avaliações cardíacas, renais e da tireóide são fundamentais antes de iniciar a terapia. As dosagens geriátricas de medicamentos usados no transtorno bipolar I estão listadas na Tabela 55-8. Um homem de 78 anos com transtorno bipolar I desde os 40 anos tornou-se maníaco enquanto residia em uma clínica de repouso. Sua doença mental tinha sido complicada por dependência crônica, e agora estava levemente demente. Não apresentava história de doença renal, e seu nível de creatinina sérica era normal. Após um período inicial de grandiosidade maníaca típica, quando era visto com freqüência próximo a um bar local, logo deteriorou-se para rastejar de joelhos, rosnando e latindo como um cachorro, e atacando todos os que se aproximavam. Sua concentração de lítio era de 1,2 mEq/L, com uma dosagem de manutenção de 750 mg por dia. Após redução da dosagem de lítio para alcançar uma concentração de 0,6 mEq/L, a adição temporária de uma quantia mínima de haloperidol, atenção rigorosa à ingesta de líquido adequada e prevenção de acesso a álcool, tanto o episódio maníaco como o delirium sobreposto desapareceram dentro de três semanas sem necessidade de outra hospitalização psiquiátrica. (Cortesia de Soo Borson, M.D. e Jurgen Unützer, M.D.) Antipsicóticos Além de tratar sinais manifestos de psicose, como alucinações e delírios, antipsicóticos têm sido utilizados para lidar de forma efetiva com pacientes geriátricos violentos, agitados e abusivos. Em geral, psicose em pessoas idosas responde a dosagens muito mais baixas de medicação do que aquelas usadas para pessoas mais jovens. Adultos idosos também são muito mais sensíveis a vários dos efeitos adversos de medicamentos antipsicóticos do que pacientes jovens, especificamente os efeitos extrapiramidais (parkinsonianos). Foi relatado que pacientes mais velhos pararam de falar, caminhar e engolir como resultado des-
O uso de lítio entre pacientes idosos é mais prejudicial do que entre os mais jovens devido à ocorrência comum de morbidade TABELA 55-8 Medicamentos usados para tratar transtorno bipolar TABELA 55-7 Dosagens geriátricas de psicoestimulantes Nome genérico
Nome comercial
Dosagem geriátrica Variação (mg por dia)
Dextroanfetamina Pemolina Metilfenidato
Dexedrine Cylert Ritalina
2,5-10 18,75-37 2,5-20
Nome genérico
Nome comercial
Dosagem geriátrica Variação (mg por dia)
Carbonato de lítio Carbamazepina Valproato, divalproex Clonazepam
Carbolitium Tegretol Depakene, Depakote Rivotril
75-900 200-1.200 250-1.000 0,5-1,5
PSIQUIATRIA GERIÁTRICA
ses efeitos adversos. É provável que as mesmas dosagens não produzam problemas significativos para pacientes jovens. Efeitos adversos neurológicos. Os efeitos adversos mais comuns de agentes antipsicóticos são sinais extrapiramidais, tais como acatisia e distonia aguda. A primeira pode ser interpretada de forma equivocada como agitação psicótica, e as discinesias agudas (em especial da face, da língua e do pescoço) podem simular os movimentos bizarros da esquizofrenia. Sintomas parkinsonianos são uma complicação tardia de terapia medicamentosa. As discinesias – manifestadas principalmente por movimentos bucolinguais – são observadas tarde no curso da terapia com antipsicóticos de alta dosagem, de forma mais notável em pessoas idosas. Os efeitos adversos autonômicos são bastante perturbadores, pois podem descontrolar a homeostase de órgãos inervados pelo sistema nervoso autônomo, como a bexiga, o trato gastrintestinal e o sistema cardiovascular. Alterações no sono (p. ex., insônia, sonhos bizarros e sonambulismo) podem ocorrer. Todas as substâncias com propriedades anticolinérgicas são capazes de produzir um estado confusional tóxico, que também pode induzir midríase e borramento da visão. Outros fármacos têm propriedades adrenérgicas que causam miose. Fratura de bacia resultante de quedas, associadas, em parte, ao uso de medicação, é uma causa importante de morbidade em pessoas idosas e pode ser um fator proximal ou distal associado à morte. Como conseqüência, para minimizar os efeitos adversos potencialmente danosos e até fatais, os médicos devem monitorar o uso de medicamentos. Fraturas da bacia estão menos associadas a ansiolíticos de meia-vida curta do que a antipsicóticos. Uma mulher de 83 anos com diabete de longa duração e doença isquêmica e cardiovascular hipertensiva tinha ficado confinada à cama durante vários anos em uma clínica de repouso. Dois meses antes da consulta psiquiátrica ser solicitada, desenvolveu uma doença psicótica caracterizada por delírios de ser espancada durante a noite, acessos de agressividade e desânimo difuso, o que levou a telefonemas noturnos freqüentes e diruptivos à sua filha e ao corpo de bombeiros. A avaliação clínica inicial revelou demência moderadamente grave em uma mulher bem-apessoada, mas irritada, amedrontada e desesperada, ávida por alívio. A história colateral confirmou deterioração cognitiva progressiva no decorrer de sua doença médica crônica, em um antecedente de distimia de muitos anos de duração. Tentativas de diversos medicamentos antipsicóticos e antidepressivos tinham exacerbado tanto seus sintomas como os problemas do pessoal da clínica em lidar com ela. Uma revisão da medicação mostrou que quatro dos 12 medicamentos que estava tomando regularmente não eram essenciais para seu tratamento médico. (Cortesia de Soo Borson, M.D. e Jurgen Unützer, M.D.) A experiência clínica indica que os efeitos terapêuticos de antipsicóticos em pessoas idosas podem não se tornar evidentes em determinada dosagem de medicação por quatro semanas ou mais. Devido aos fatores e riscos terapêuticos, a máxima no tratamento de psicose em pessoas com mais de 65 anos é “come-
1423
çar lento e continuar lento”. Como em pacientes mais jovens, perfis de efeito adverso devem ajudar a determinar quais os agentes mais indicados, mas não existe consenso sobre a escolha ou o nível de dosagem de antipsicóticos para adultos idosos. Não há necessidade de administrar agentes antiparkinsonianos profiláticos em uma base regular ao prescrever antipsicóticos. Os aspectos anticolinérgicos dessas substâncias podem criar efeitos colaterais indesejados, em especial prejuízo de memória. As dosagens geriátricas para os agentes antipsicóticos mais usados são listadas na Tabela 55-9. Ansiolíticos e sedativo-hipnóticos A população com mais de 65 anos de idade constitui menos de 12% da população total, mas inclui 15% dos usuários de ansiolíticos de longo prazo. Sua taxa regular de uso é cinco vezes maior do que a da população em geral. Além disso, entre homens com graus equivalentes de alto sofrimento emocional, aqueles com mais de 60 anos de idade têm quatro vezes mais probabilidade de usar um medicamento antiansiedade do que homens entre as idades de 18 e 29 anos. Pacientes geriátricos com ansiedade leve ou moderada podem beneficiar-se de ansiolíticos, entre os quais os benzodiazepínicos são os mais utilizados. A maioria dos pacientes é tratada por períodos curtos, ainda que alguns possam precisar ser mantidos em dosagens pequenas por longos períodos. O uso de longo prazo de benzodiazepínicos é controverso, pois são substâncias controladas com um potencial para abuso; portanto, aqueles com meiasvidas curtas ou intermediárias são preferíveis para uso como hipnóticos. Esses agentes podem causar períodos curtos de prejuízo de memória, tal como amnésia anterógrada, que pode agravar um transtorno cognitivo existente em pacientes mais velhos. Idosos acumulam os benzodiazepínicos de longa ação (p. ex., diaze-
TABELA 55-9 Dosagens geriátricas de antipsicóticos comumente utilizados Nome genérico Fenotiazinas Alifático Clorpromazina Triflupromazina Piperazina Perfenazina Trifluoperazina Flufenazina Piperidina Mesoridazina Tioxantenos Clorprotixeno Tiotixeno Dibenzoxazepina Loxapina Diidroindol Molindona Butirofenona Haloperidol Benzisoxazol Risperidona
Nome comercial
Dosagem geriátrica Variação (mg por dia)
Amplictil Vesprin
30-300 1-15
Trilafon Stelazine Anatensol
8-32 1-15 1-10
Serentil
50-400
Taractan Navane
30-300 2-20
Loxitane
50-250
Moban
50-225
Haldol
2-20
Risperdal
2-4
1424
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
pam [Valium]) no tecido adiposo, e esse processo aumenta efeitos adversos como ataxia, insônia e confusão (síndrome do pôrdo-sol). Esse efeitos podem ser evitados se a dosagem mais baixa possível for prescrita e a ingestão for monitorada até uma resposta terapêutica ser alcançada. Barbitúricos podem substituir os benzodiazepínicos nos poucos indivíduos que não respondem a estes. Pacientes geriátricos são particularmente propensos à disforia e à desorganização cognitiva paradoxal, que podem resultar de barbitúricos. Agentes desta classe têm um potencial de abuso mais alto do que os benzodiazepínicos. Além disso, são substâncias controladas, e a Drug Enforcement Agency (DEA) impõe restrições a seu uso. A buspirona é um agente ansiolítico sem propriedades sedativas. Possui um início de ação mais longo – até três semanas – do que os benzodiazepínicos ou os barbitúricos e não causa prejuízo cognitivo. Um resumo das dosagens geriátricas de medicamentos usados para tratar ansiedade e insônia é apresentado na Tabela 55-10. Estrógenos Estrógenos podem melhorar a função cognitiva mediante efeitos colinérgicos neuroprotetores e neurotróficos. Além disso, a terapia de reposição de estrógeno aumenta a resposta a inibidores da colinesterase, como a tacrina. Os efeitos adversos da terapia de reposição costumam ser dependentes da dose e incluem hiperplasia endometrial e câncer, sangramento uterino (quando tomado com progestina), sensibilidade das mamas, náusea, entre outros. Devido ao risco relativo aumentado de câncer endometrial, a administração periódica de progestinas é recomendada para mulheres com úteros intactos. A indicação para terapia de reposição de estrógeno é mais forte devi-
TABELA 55-10 Dosagens geriátricas de medicamentos usados para tratar ansiedade e insônia Nome genérico Benzodiazepínicos Alprazolam Clordiazepoxido Clorazepato Diazepam Flurazepam Halazepam Lorazepam Oxazepam Prazepam Temazepam Triazolam Não-benzodiazepínicos Buspirona Secobarbital Meprobamato Hidrato de cloral Zolpidem Antagonistas dos receptores β-adrenérgicos Propranolol Atenolol
Dosagem geriátrica Nome comercial Variação (mg por dia) Frontal Psicosedin Tranxene Valium Dalmadorm Paxipam Lorax Serax Centrax Restoril Halcion
0,5-6 15-100 7,5-60 2-60 15-30 60-160 2-6 30-120 20-60 15-30 0,125-0,25
BuSpar Seconal Miltown Noctec Stilnox
5-60 50-300 400-800 500-1.000 2,5-5
Inderal Tenormin
40-160 25-100
do ao efeito protetor do que seu efeito sintomático. Experiências clínicas em andamento estão avaliando o efeito de estrógenos eqüinos conjugados (Premarin) sobre a cognição em mulheres com doença de Alzheimer. Outra experiência em andamento está avaliando se a terapia de reposição hormonal adia o início de doença de Alzheimer (National Institutes of Health Women’s Health Initiative). Em síntese, um possível papel da terapia de reposição de estrógeno parece promissor, mas não está confirmado. Tratamento farmacológico de agitação e agressão na demência Um problema comum no tratamento de pacientes mais velhos com demência é o manejo da agitação e da agressão. O uso de antipsicóticos não costuma ser satisfatório devido à sua eficácia limitada e a seus efeitos adversos parkinsonianos. Os benzodiazepínicos, ainda que usados com freqüência para tratar transtornos do comportamento, podem produzir prejuízo cognitivo, sedação e piora paradoxal do comportamento. Segundo relatos, buspirona, trazodona (Donaren) e alguns antagonistas dos receptores βadrenérgicos, como propranolol e pindolol, reduzem agitação, agressão e impulsividade em pacientes com demência e outros transtornos cognitivos. ELETROCONVULSOTERAPIA A eletroconvulsoterapia (ECT) é um assunto controverso nos Estados Unidos. Pode ser a opção de tratamento mais efetiva, entretanto, com o risco mais baixo de complicações para indivíduos idosos com condições médicas co-mórbidas com probabilidade de produzir interações de fármaco-doença e de fármaco-fármaco. Essa técnica fornece uma resposta rápida, que é de importância vital para pacientes gravemente doentes, para aqueles em risco devido a subnutrição ou agitação relacionada à doença psiquiátrica e para os com alto risco de suicídio. O uso atual de anestesia geral e medicamentos para prevenir convulsões musculoesqueléticas mudou o procedimento, de modo que ECT é agora considerada tão segura – se não mais – quanto medicação para pacientes idosos frágeis. PSICOTERAPIA PARA PACIENTES GERIÁTRICOS As intervenções psicoterapêuticas usuais – como psicoterapia orientada para o insight, psicoterapia de apoio, terapia cognitiva, terapia de grupo e terapia familiar – devem estar disponíveis para pacientes geriátricos. De acordo com Sigmund Freud, pessoas com mais de 50 anos de idade não são adequadas para psicanálise porque seus processos mentais não possuem elasticidade. Na visão de muitos de seus seguidores, entretanto, a prática é possível nessa população. De fato, idade avançada limita a plasticidade da personalidade, mas, como afirmou Otto Fenichel, “ela o faz em graus variados e em idades muito diferentes, de modo que nenhuma regra pode ser estabelecida”. Psicoterapia orientada para o insight pode ajudar a remover um sintoma específico, mesmo em pessoas idosas. É de grande benefício quando os pacientes têm possibilidade para
PSIQUIATRIA GERIÁTRICA
gratificação libidinal e narcisista, mas é contra-indicada se trouxer apenas o insight de que a vida tem sido um fracasso e que o paciente não tem mais oportunidade de compensar isso. Problemas comuns relacionados à idade na terapia envolvem a necessidade de adaptar-se a perdas recorrentes e diversas (p. ex., a morte de amigos e de entes queridos), à necessidade de assumir novos papéis (p. ex., o ajustamento à aposentadoria e a destituição de papéis anteriormente definidos) e à necessidade de aceitar a mortalidade. A psicoterapia ajuda pessoas idosas a lidar com essas questões e com os problemas emocionais em torno delas e a entender seu comportamento e os efeitos deste sobre os outros. Além de melhorar relacionamentos interpessoais, a psicoterapia aumenta a auto-estima e a autoconfiança, diminui sentimentos de desamparo e raiva e melhora a qualidade de vida. Conforme descrito por Alvin Goldfarb, a psicoterapia geriátrica tem o objetivo geral de ajudar adultos idosos a terem queixas mínimas, a fazerem e manterem amizades de ambos os sexos e a terem relações sexuais enquanto manifestarem interesse e capacidade. A psicoterapia ajuda a aliviar tensões de origens biológicas e culturais e ajuda pessoas idosas a trabalhar e divertir-se dentro dos limites de sua condição funcional e conforme determinado por seu treinamento prévio, atividades e autoconceito na sociedade. Entre pacientes com cognição prejudicada, a psicoterapia é capaz de produzir ganhos notáveis nos sintomas físicos e mentais. Em um estudo conduzido em uma clínica para idosos, 43% dos pacientes recebendo psicoterapia apresentavam menos incontinência urinária, marcha melhorada, maior alerta mental, memória melhorada, e melhor audição do que antes da psicoterapia. Os terapeutas devem ser mais ativos, apoiadores e flexíveis ao conduzir terapia com adultos idosos do que com adultos mais jovens. Precisam estar preparados para agir de forma decisiva ao primeiro sinal de incapacidade que requeira o envolvimento ativo de outro médico, como um internista, ou que demande consulta ou solicitação de ajuda de um membro da família. Pessoas idosas em geral buscam na terapia apoio, reafirmação e aprovação absoluta e ilimitada do terapeuta. Os pacientes muitas vezes esperam que esse profissional seja todo-poderoso, onisciente e capaz de efetuar uma cura mágica. A maioria reconhece que o terapeuta é humano e que estão envolvidos em um esforço cooperativo. Em alguns casos, entretanto, o terapeuta pode ter que assumir um papel idealizado, em especial quando o paciente é incapaz ou não está disposto a testar a realidade de forma efetiva. Com a ajuda da terapia, é possível lidar com problemas anteriormente evitados. Quando o terapeuta oferece encorajamento, reafirmação e conselho direto, a autoconfiança do paciente aumenta à medida que os conflitos são resolvidos. Psicoterapia de apoio Pacientes idosos frágeis, institucionalizados, com prejuízo cognitivo ou cronicamente doentes requerem técnicas psicoterapêuticas como apoio de mecanismos de defesa mais saudáveis, ventilação e conselho e ajuda com a aceitação de capacidades diminuídas e necessidades de dependência aumentadas. Além disso, requerem cuidados, ambientes sustentadores e assistência de familiares em seu cuidado. A história de vida e as psicodinâmicas do paciente (obtidas dele
1425
próprio ou de membros da família) permitem que o terapeuta institua estratégias terapêuticas de apoio específicas. Uma mulher idosa com prejuízo cognitivo progressivo e traços de personalidade vitalícios de dependência e passividade fica ansiosa e deprimida ao entrar em uma clínica de repouso. Ela pode adaptar-se bem à clínica se lhe for destinada uma companheira de quarto sustentadora e protetora. Goldfarb descreveu uma técnica de terapia de apoio, breve, para pacientes institucionalizados, cognitivamente prejudicados. O terapeuta promove a auto-estima, o senso de controle e a segurança, permitindo que os pacientes desenvolvam um aparente relacionamento especial com o terapeuta, o qual é percebido como uma figura benevolente e poderosa. Os pacientes acreditam que têm algum controle sobre o médico benevolente. Isso é conseguido aos poucos, de forma sutil. Por exemplo, o médico evoca as preferências do paciente pela freqüência de sessões, horários, dieta ou socialização e então concorda com seus desejos, enquanto mantém uma cautela silenciosa em relação a ser indevidamente manipulador. A técnica inclui visitas semanais, curtas (15 minutos) e gratificação das solicitações realísticas do paciente, quando possível. Revisão da vida ou terapia de reminiscência Robert Butler e outros observaram a tendência universal da pessoa idosa a analisar e recordar o passado. A reminiscência é caracterizada pelo retorno progressivo de memórias de experiências passadas, em especial aquelas que foram significativas e conflitantes. Em vários graus, pacientes idosos em terapia recordam o passado, buscam significado em suas vidas e empenham-se em obter alguma resolução de conflitos interpessoais e intrapsíquicos passados. A terapia de revisão da vida intensifica esse processo rememorativo e o torna mais consciente e deliberado. O terapeuta pode conduzir o processo encorajando o paciente a escrever ou gravar uma biografia com revisão de eventos especiais e momentos decisivos. As técnicas incluem reuniões com familiares e bons amigos e exame de memorabilia, como álbuns de recortes ou álbuns de fotografias. Segundo relatos, a técnica resolve problemas antigos, aumenta a tolerância a conflitos, alivia culpa e medos, eleva a auto-estima e aumenta a criatividade, a generosidade e a aceitação do presente. Terapia cognitivo-comportamental Na adaptação da terapia cognitivo-comportamental a idosos, o terapeuta costuma ser mais ativo, reorientando o paciente de reminiscências para questões do aqui-e-agora. O ritmo da terapia é mais lento do que com adultos mais jovens e, quando apropriado, a aliança terapêutica pode ser intensificada, permitindo-se que o paciente adote um papel superior, de ensino, com o terapeuta mais jovem. Para compensar déficits específicos, como perda auditiva ou lentidão cognitiva, a informação pode ser apresentada em diferentes modalidades, tais como material escrito ou sessões gravadas para o paciente levar para casa. Com tais indivíduos, o término é tratado de forma gradual e não abrupta.
1426
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Psicoterapia psicodinâmica breve (de tempo limitado) Terapia psicodinâmica breve, ou de tempo limitado, pode ser considerada para pacientes idosos com problemas relacionados à idade, claramente definidos, capazes de serem resolvidos dentro de um período curto de psicoterapia, como transtorno de adaptação, reação de luto não-resolvida ou novo início de transtorno de ansiedade. Estabelecer um limite de tempo no início da terapia reforça a confiança dos pacientes em sua capacidade de resolver problemas dentro de um período de tempo limitado, focaliza e acelera o processo terapêutico, diminui seus medos de dependência e adapta recursos financeiros limitados. A terapia breve utiliza o entendimento psicodinâmico que o terapeuta tem do paciente e a transferência para esclarecer e ajudar a resolver reações emocionais do paciente a um estresse de vida atual. Durante a prática, o paciente vale-se do terapeuta para reforçar competência e normalidade, o que ajuda a apoiar e restaurar sentimentos de domínio e auto-estima. A melhora sintomática em geral supera a aquisição de insight ou auto-entendimento. Psicoterapia orientada para o insight A abordagem básica da terapia orientada para o insight para pacientes idosos que estão física e cognitivamente intactos é a mesma que para indivíduos mais jovens. Entretanto, a maioria dos médicos concorda que os temas introduzidos por idosos na terapia são mais focalizados em questões de perda, declínio sexual e físico, trauma cumulativo, medo de dor e incapacidade, declínio na auto-estima e aumento da dependência. Durante psicoterapia de prazo mais longo, a condição e as circunstâncias do paciente idoso evoluem e mudam. O desenvolvimento de doença física pode exigir encaminhamento médico, colaboração com membros da família ou defesa do interesse do paciente em relação à comunidade e a outros serviços de apoio. Essas intromissões ativas dos problemas da vida real do paciente no processo terapêutico não costumam ser tratadas por terapeutas psicodinâmicos, mas, ao atender pacientes idosos, as técnicas devem ser adaptadas. Os terapeutas são mais efetivos quando aprendem a integrar diferentes modalidades terapêuticas enquanto mantêm um foco psicodinâmico no relacionamento terapêutico, na transferência e no objetivo de resolução de conflito interior. De fato, a necessidade de integrar modalidades de tratamento é uma das características da flexibilidade necessária para lidar de maneira efetiva com questões terapêuticas que surgem no tratamento de idosos. Terapia integrada A integração de psicoterapias costuma ser a forma mais efetiva de proceder. Aos 70 anos de idade, a sra. S. foi encaminhada para avaliação psiquiátrica devido à sofrimento pelo declínio físico de seu marido secundário à doença de Parkinson avançada. Na entrevista inicial, o terapeuta tentou determinar três fa-
tores separados, mas inter-relacionados: os conflitos superficiais da paciente; os aspectos dos conflitos que poderiam ser acessíveis à intervenção prática, ambiental; e os conflitos psicológicos mais profundos que estavam afetando a capacidade de ela lidar com a situação. Os problemas manifestos eram perda da companhia de seu marido e sentimentos de impotência para lidar com sua doença. Por exemplo, ele podia não sentir-se confortável deitado na cama e passar mal a maioria das noites dormindo em uma cadeira na sala, uma situação que a esposa não podia suportar. Ela temia sua própria incapacidade crescente por muitos anos de artrite e preocupava-se com o destino do marido caso ficasse imobilizada. Ao abordar as dificuldades manifestas, o terapeuta ajudou-a a definir as áreas específicas de conflito emocional (em especial sua dor pela perda do marido, como ela um dia o conheceu) e expressar e ventilar sentimentos de temível antecipação, impotência e vulnerabilidade. Uma abordagem de terapia cognitiva foi utilizada para ajudá-la a reconhecer quais partes de seus sentimentos estavam baseadas em pensamentos irrealísticos. Focalizando-se em seus sentimentos de fracasso e solidão, o terapeuta fez com que entendesse que outros tinham passado pelo que ela estava passando e que seu senso de fracasso não era sua culpa, mas uma inevitabilidade da doença. Ao mesmo tempo, foi encorajada a diferenciar suas idéias sobre o que era melhor para o marido de suas necessidades reais. Além disso, ela examinou as realidades práticas impostas pela doença de seu marido e experimentou métodos de manejo alternativos. Por exemplo, aos poucos passou a aceitar que não era prejudicial para o marido se ele dormisse em uma cadeira, desde que se sentisse confortável. Essa simples mudança na perspectiva, surgindo de explicação e conselho direto do terapeuta, aliviou muito sua tensão e culpa e permitiu que dormisse de forma mais descansada. O terceiro componente da terapia foi uma exploração de fontes mais profunda dos sentimentos. Isso revelou a raiva da paciente por seu marido. Ela tinha estado inconsciente de como sua doença havia reativado sua crença arraigada de que ela nunca fora compreendida ou cuidada como tinha desejado. Falou de seus sentimentos conflitantes em relação à sua infância e sua vida solitária, restrita, com a qual parecia lidar de forma superficial, enquanto, na verdade, vivenciava abandono e medo. O terapeuta encorajou ativamente sua reminiscência nas fases iniciais da terapia, tentando evocar as emoções que acompanhavam as memórias. De forma gradual, ela passou para uma fase de exploração significativa de seu estado interior. O maior conforto resultante ajudou-a a continuar em seu papel de cuidadora, mas também a libertou para começar a buscar fontes de sustentação e gratificação essenciais para si mesma. O resultado bem-sucedido desse tratamento retardou o próprio declínio da sra. S. e permitiu que seu marido permanecesse com segurança em casa por um tempo muito mais longo. Este caso ilustra tanto a eficácia da psicoterapia como seu resultado custo-efetivo e humanitário potencial. (Cortesia de Joel Sadavoy, M.D. e Lawrence W. Lazarus. M.D.)
PSIQUIATRIA GERIÁTRICA
ESTUDOS DE NEUROIMAGEM NA DEMÊNCIA A demência do tipo Alzheimer tem sido estudada de forma bastante extensiva por tomografia computadorizada (TC) e IRM. Os achados de estudos de neuroimagem na demência correspondem exatamente às características patológicas mais estabelecidas do transtorno. Estudos de neuroimagem transversais demonstram volumes cerebrais menores e volume de líquido cerebrospinal (LCS) maiores nestes pacientes do que em controles da mesma idade sem demência. Estudos longitudinais usando TC demonstram aumento ventricular progressivo em pacientes com demência, muito maior do que a dilatação progressiva mínima vista em controles sem demência. Além disso, ainda que o aumento ventricular tenha sido observado relativamente cedo no curso da doença (quando prejuízo de memória domina o quadro clínico), a taxa de aumento parece acentuar-se de forma substancial quando aspectos cognitivos da demência não relacionados à memória tornam-se clinicamente aparentes. Além das medidas mais globais de atrofia, investigadores demonstraram reduções volumétricas focais nas estruturas dos lobos temporais medial e lateral em pacientes com demência (comparados com controles). Mesmo entre aqueles com demência leve, reduções do volume hipocampal entre pacientes e controles foram notáveis. Outros relatos indicam que volumes da amígdala esquerda e do córtex entorrinal diferenciam melhor pacientes com demência do tipo Alzheimer de controles. Em uma tentativa de examinar os correlatos neuroanatômicos de pacientes no estágio pré-demência, um estudo revelou que pacientes com prejuízo cognitivo mínimo e evidência na TC de atrofia hipocampal progrediram para demência clínica no acompanhamento. Portanto, atrofia hipocampal focal pode servir como marcador para demência do tipo Alzheimer. Perturbações neuroanatômicas focais captadas por TC e IRM no início do curso da doença podem refletir as primeiras alterações patológicas que ocorrem em regiões cerebrais circunscritas nas áreas temporais límbicas/mesiais. A progressão da doença de Alzheimer está claramente associada à perda neuronal progressiva, e a evidência de neuroimagem confirma tais alterações. Apesar de estudos de imagem cerebral estrutural e funcional terem encontrado diferenças estatísticas entre grupos de pacientes com transtornos psiquiátricos que não demência (p. ex., depressão, esquizofrenia) e controles normais, essas técnicas ainda não são indicadas no diagnóstico clínico de tais transtornos. Ainda precisa ser estabelecido quão bem elas diferenciam o transtorno psiquiátrico de interesse de outros transtornos (p. ex., diferenciar pseudodemência depressiva de outras formas de demência), prognosticam curso clínico, correspondem a histopatologia post-mortem ou influenciam decisões sobre tratamento. CLÍNICAS DE REPOUSO Problemas e reformas Nos Estados Unidos, cerca de 4,1% dos idosos (1,55 milhões de pessoas) vivem em clínicas de repouso em algum momento de suas vidas. Esse número, entretanto, subestima o número de indivíduos que usam serviços de clínicas de repouso. Em 1995, 1,7 milhões de pessoas foram internadas em clínicas de repouso; dois
1427
terços a três quartos delas tiveram alta após alguns meses. Estima-se que o número de residentes de clínicas de repouso duplicará em 2020 e triplicará em 2040 e que a probabilidade de que qualquer pessoa venha a necessitar de cuidados de clínicas de repouso em algum ponto de sua vida ultrapassa os 40%. O custo total do cuidado institucional de pacientes geriátricos, em 1993, era estimado em US$ 74,9 milhões, sendo US$ 36,9 milhões provenientes do Medicaid e US$ 4,8 milhões, do Medicare. As clínicas de repouso representam uma média de 8% dos custos de tratamento de saúde total nos Estados Unidos, mas a carga de pagamento é muito diferente daquela de outros aspectos do tratamento de saúde, com cerca de 50% dos custos sustentados por residentes e suas famílias e a maioria do restante dividido igualmente pelos governos federal e estadual por meio de programas de Previdência Social. Os pagamentos da Previdência são limitados a cuidado subagudo. Apesar das recentes tendências a um nivelamento de crescimento, o número de clínicas de repouso e leitos nessas instituições aumentou de forma significativa desde meados da década de 1960, quando programas da Previdência Social foram desenvolvidos pela primeira vez. Ao mesmo tempo, houve um crescente reconhecimento dos problemas com o cuidado oferecido por clínicas de repouso e a necessidade de reformas. Conforme estabelecido em um relatório de 1986 do Institute of Medicine, “Melhorando a Qualidade do Cuidado em Clínicas de Repouso”, muitas clínicas de repouso fornecem um bom cuidado. Mas, em muitas outras clínicas de repouso qualificadas pelo governo, indivíduos admitidos recebem cuidado inadequado – às vezes revoltantemente deficientes – que aceleram sua deterioração física, mental e emocional. Eles também correm o risco de terem seus direitos violados e podem até ser submetidos a abuso físico. Diversas questões importantes levantadas sobre a qualidade do cuidado em clínicas de repouso estavam relacionadas a seus aspectos psiquiátricos; elas incluíam preocupações de que restrições físicas e químicas estavam sendo utilizadas de forma inadequada, para controlar o comportamento de residentes e que transtornos psiquiátricos (em especial depressão) não estavam sendo tratados. Estimativas da prevalência do uso de restrições físicas como algemas nos pulsos ou tornozelos, correias, camisa-de-força ou cadeiras geriátricas destinadas a restringir a mobilidade variavam de 25 a 85%. O uso desses dispositivos era endêmico, apesar de evidência de estudos de observação de que não controlam com segurança comportamento agitado e de sugestões de estudos nacionais referindo que populações de pacientes semelhantes podem ser controladas sem o uso de tais mecanismos. Levantamentos de uso de medicação em instalações de cuidado de longo prazo encontraram taxas de prevalência de até 74% para medicamentos que agem sobre o SNC. Agentes antipsicóticos eram os medicamentos psicotrópicos mais prescritos, com a maioria dos relatos de prevalência na faixa de 20 a 50%. A evidência sugerindo o uso inadequado desses agentes veio de achados de que variáveis não-relacionadas às características do paciente (p. ex., tamanho das instalações, proporção de paciente para pessoal, nível de prática do médico) estavam diretamente associadas ao uso de fármacos. Números expressivos de pacientes recebiam psicotrópicos sem qualquer diagnóstico de
1428
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
transtorno mental e sem qualquer anotação indicando a presença de sintomas-alvo relevantes. A importância dessa questão para pacientes, famílias e grupos de defesa foi captada pela manchete de um jornal “O Outro Problema de Drogas da América”. Em 1987, o governo federal, a maior fonte isolada de pagamento para tratamento em clínicas de repouso, usou a legislação da Previdência Social para autorizar reformas em clínicas de repouso, que foi sancionada na Lei Omnibus Budget Reconciliation (OBRA), de 1987. A OBRA 1987 (com modificação em 1990) exigiu triagem pré-admissão e revisão anual dos residentes (PASARR) para assegurar que pacientes que competem a hospitais psiquiátricos não fossem internados de forma equivocada em clínicas de repouso. Outros regulamentos estabeleceram que “o residente tem o direito de ficar livre de quaisquer restrições físicas e químicas impostas para fins de disciplina ou conveniência e não necessárias para tratar seus sintomas médicos”. A lei requer que “residentes que não usaram psicotrópicos não as recebam a menos que tratamento com medicação antipsicótica seja necessário para uma condição específica diagnosticada e documentada no registro clínico”, e “residentes que usam antipsicóticos tenham reduções graduais das mesmas e recebam intervenções comportamentais, a menos que clinicamente contra-indicado, em uma tentativa de descontinuar esses agentes”. Os regulamentos também estabelecem que todo residente deve ficar livre de medicamentos desnecessários, definidos como qualquer substância usada sem indicações adequadas em dosagem excessiva, por um tempo excessivo, sem monitoração adequada, ou na presença de conseqüências adversas que indiquem sua redução ou descontinuação. Ainda que a definição de medicamentos desnecessários seja bastante geral, as diretrizes usadas por avaliadores para monitorar a aquiescência da instituição aos regulamentos da OBRA focalizam-se em antipsicóticos, ansiolíticas e sedativo-hipnóticas. O objetivo primário na implementação das regras de antipsicótico e fármacos desnecessários é diminuir o uso de medicamentos como formação de restrições químicas.
Uma geração de pesquisa estabeleceu os princípios gerais de que tanto qualidade de vida como resultados de saúde para residentes de clínicas de repouso sejam melhorados quando o ambiente de cuidado for designado para promover o senso de autonomia e controle do residente. M. Powell Lawton e colaboradores enfatizaram que a melhoria da qualidade de vida do residente requer atenção ao ajuste entre indivíduos e seu ambiente de tratamento. De acordo com sua teoria ecológica de envelhecimento e adaptação, as demandas do ambiente devem ser compatíveis com as competências e as capacidades do residente. Desempenho máximo pode ser conseguido quando as demandas e os desafios do ambiente excedem um pouco o nível que igualaria as capacidades atuais do residente; isso pode ser mais adequado em um programa de reabilitação. De forma alternativa, conforto máximo pode ser conseguido quando a pressão ambiental está um pouco abaixo das capacidades atuais do residente; isso pode ser mais adequado durante convalescença de doença aguda ou ferimento. De acordo com Lawton, patologia afetiva ou comportamental pode ocorrer quando as demandas ambientais excedem a zona de desempenho máximo, e tornam-se esmagadoras, ou quando estão abaixo da zona de conforto máximo e representam uma forma de privação. É um desafio contínuo para os funcionários de clínicas de repouso modificar de forma apropriada as demandas e determinar se uma alteração no nível de atividade é uma questão de mudar a capacidade física ou preferência pessoal e quando é um sintoma de psicopatologia. As clínicas de repouso devem lidar todos os dias com a forma como os transtornos psiquiátricos afetam a tomada de decisão médica. O desenvolvimento de políticas, procedimentos e programas institucionais requer que consulta psiquiátrica esteja disponível para administradores e funcionários de clínicas de repouso. Estas são, na verdade, instituições neuropsiquiátricas, e a participação de profissionais da saúde mental é necessária, se as mesmas quiserem cumprir suas missões.
Qualidade de vida Clínicas de repouso são comunidades que consistem de residentes, famílias, funcionários e provedores de tratamento de saúde nas quais muitos pacientes com doença e incapacidade crônica vivem. Nesse sentido, os regulamentos desenvolvidos para implementar a OBRA 1987 incluem o requisito de que “a instalação deve cuidar de seus residentes de uma maneira e em um ambiente que favoreçam a manutenção ou o aumento da qualidade de vida de cada um deles”. Cláusulas específicas requerem atenção a questões de dignidade, individualidade, autodeterminação, participação em grupos de residentes e familiares, participação em atividades sociais, religiosas e públicas, disponibilidade de programas de atividade contínuos designados de acordo com os interesses e o bem-estar do residente e fornecimento de todos os serviços de maneira que supra de forma razoável as necessidades e preferências individuais do residente. A alta prevalência de transtornos psiquiátricos, especialmente demência e transtornos depressivos, sugere que habilidade em relação a transtornos psiquiátricos da velhice é fundamental para satisfazer os requisitos de qualidade de vida e qualidade de cuidado.
SINTOMAS PSIQUIÁTRICOS ASSOCIADOS A DISTÚRBIOS MÉDICOS ESPECÍFICOS Doença cerebrovascular Depressões significativas são comuns, ocorrendo em até 50% de todos os pacientes após um acidente cerebrovascular agudo. Transtornos depressivos após acidentes vasculares neocorticais lembram depressões primárias tanto na apresentação clínica como na resposta à farmacoterapia antidepressiva. Episódios maníacos (que podem responder a lítio ou a anticonvulsivantes antimaníacos) e estados comportamentais apáticos sem afeto ou humor depressivo são bastante prováveis após acidentes vasculares do hemisfério direito. Demência subcortical é um conceito clinicamente útil que designa uma síndrome de lentidão psicomotora, humor deprimido, desatenção, esquecimento, prejuízo motor e dependência funcional aparentemente desproporcional ocorrendo em pacientes com doenças do tálamo, dos gânglios basais e do tronco cerebral superior. Essa condição em geral resulta de doença isquêmica subcortical (depressão vas-
PSIQUIATRIA GERIÁTRICA
cular) bem como de doenças neurológicas clássicas, como parkinsonismo. Estados confusionais agudos costumam ocorrer após AVC e podem ser o único sinal apresentado em uma pequena minoria de pacientes, em particular aqueles com infarto dos gânglios basais e outros infartos subcorticais. Sintomas psicóticos com delírios, alucinações ou uma síndrome tipo esquizofrenia completa podem resultar de lesão cerebral focal, principalmente após lesões de estruturas límbicas corticais e subcorticais. Delírios paranóides e persecutórios e idéias de referência são comuns e podem ser restritos ou altamente elaborados e difusos. Alterações da personalidade, em especial aquelas que produzem comportamentos agressivos ou sexuais inadequados, são encontradas com regularidade em pacientes com acidente vascular cerebral, de forma mais específica homens com demência franca, e com freqüência levam a consulta psiquiátrica e tratamento com medicação psicotrópica ou até hospitalização psiquiátrica permanente. Doença cardiovascular Infarto agudo do miocárdio e insuficiência cardíaca congestiva crônica podem ser acompanhados por transtornos psiquiátricos. Estados confusionais devido à hipoperfusão cerebral ou complicações de tratamento (p. ex., drogas cardiovasculares, desequilíbrios eletrolíticos devido a diuréticos, ressuscitações repetidas por arritmias ventriculares) são melhor tratados com tentativas primárias de melhorar a função cardíaca e o estado metabólico comprometidos. Cerca de 10% dos pacientes que passam por cirurgia cardíaca aberta sofrem prejuízo neuropsicológico leve, mas permanente, como resultado. À exceção de complicações intra-operatórias maiores, grande parte desses prejuízos é leve; a maioria dos pacientes afetados é idosa. Depressão e transtornos de ansiedade após infarto do miocárdio ou insuficiência cardíaca requerem atenção tanto a possíveis causas médicas como a fatores psicológicos, em especial preocupações dos pacientes em relação a risco de morte e de incapacidade e adequação do cuidado de apoio. Depressão maior não-tratada ou tratada de forma inadequada piora o prognóstico na doença cardíaca. Doenças crônicas de pulmão, rins e fígado Doença pulmonar obstrutiva, causada, em grande parte, por tabagismo, é o mais prevalente dos problemas respiratórios crônicos da segunda metade da vida. As complicações psiquiátricas incluem encefalopatias agudas e crônicas relacionadas a infarto agudo ou insuficiência respiratória, a hipoxemia e hipercapnia constantes ou aos efeitos no SNC de fármacos usados no tratamento (broncodilatadores orais ou inalados, alta dose de prednisona, supressores da tosse ou benzodiazepínicos). Depressões são comuns, como em outras doenças crônicas, mas tendem a ser caracterizadas por ansiedade proeminente e episódios de pânico, levando a freqüente prescrição de ansiolíticos. Estados psicóticos podem ocorrer e costumam estar relacionados a prejuízo agudo da função cerebral.
1429
Doenças renais e hepáticas crônicas produzem estados encefalopáticos mediante seus efeitos sobre a nutrição, o metabolismo, o clearance excretório e a distribuição de fármaco. A prevalência de outros transtornos psiquiátricos nessas condições está próxima daquela para doenças crônicas em geral; as considerações de tratamento incluem avaliação dos efeitos da doença sobre níveis plasmáticos e meias-vidas de agentes efetivos. A hemodiálise tem sido associada à demência devido ao acúmulo, no cérebro de alumínio presente em soluções de diálise, uma descoberta que levou à sua exclusão da fórmula. Artrite As duas principais formas de artrite no idoso, osteoartrite e artrite reumatóide, são importantes para o psiquiatra, em especial porque, juntas, constituem a causa principal de incapacidade crônica na velhice, afetando uma em cada duas pessoas com mais de 65 anos. Transtornos do humor, as complicações psiquiátricas mais prevalentes de artrite degenerativa, ocorrem em até 25% dos pacientes e são determinantes primários da gravidade da incapacidade funcional. Devido a difundida co-morbidade de artrite e depressão, o reconhecimento e o tratamento de transtornos do humor pode contribuir de forma significativa para melhorar a saúde funcional da população idosa. Às vezes, sintomas psiquiátricos surgem como uma complicação do tratamento com antiinflamatórios não-esteróides (AINEs) ou prednisona. Doença da tireóide, subnutrição e anemia Doença da tireóide, subnutrição e anemia são relativamente comuns, de forma mais específica entre adultos idosos com doença médica co-mórbida significativa. Podem ser responsáveis por sintomas psiquiátricos como letargia, fraqueza, confusão e mudanças comportamentais e devem ser investigadas e tratadas de forma ativa. REFERÊNCIAS Coyne AC, Reichman WE, Berbig LJ. The relationship between dementia and elder abuse. Am J Psychiatry. 1993;150:643. Crome IB, Day E. Substance misuse and dependence: older people deserve better services. Rev Clin Gerontol. 1999;9:327. Dada F, Sethi S, Grossberg GT. Generalized anxiety disorder in the elderly. Psychiatr Clin North Am. 2001;24:155. Draper B. The effectiveness of old age psychiatry services. Int J Geriatr Psychiatry. 2000;15:687. Finnema E, Droees RM, Ribbe M, van-Tilburg W. A review of psychosocial models in psychogeriatrics: implications for care and research. Alzheimer Dis Assoc Disord. 2000;14:68. Freudenstein U, Jagger C, Arthur A, Donner-Banzhoff N. Treatments for late life depression in primary care—a systematic review. Fam Pract. 2001;18:321. Harvey PD. Cognitive and functional impairments in elderly patients with schizophrenia: a review of the recent literature. Harv Rev Psychiatry. 2001;9:59. Hsich G, Kenney K, Gibbs CJ Jr, Lee KH, Harrington MG. The 14-33 brain protein in cerebrospinal fluid as a marker for transmissible spongiform encephalopathies. N Engl J Med. 1996;335:921.
1430
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Jarvik LF, contributing ed. Geriatric psychiatry. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:2980. Mallucci GR, Collinge J. Neuropsychiatric presentations of prion disease. Curr Opin Psychiatry. 1997;10:59. Phelan EA, Larson B. Successful aging. J Am Geriatr Soc. 2002; 50:1306. Salzman C, Tune L. Neuroleptic treatment of late-life schizophrenia. Harv Rev Psychiatry. 2001;9:77. Schachter AS, Davis KL. Guidelines for the appropriate use of cholinesterase inhibitors in patients with Alzheimer’s disease. CNS Drugs. 1999;11:281. Solomon K, Manepalli J, Ireland GA, Mahon GM. Alcoholism and prescription drug abuse in the elderly: St. Louis University grand rounds. J Am Geriatr Soc. 1993;41:57.
Sultzer DL. Selective serotonin reuptake inhibitors and trazodone for treatment of depression, psychosis and behavioral symptoms in patients with dementia. Int Psychogeriatr. 2000;12(suppl 1):245. Thomas C, Kelman HR. Kennedy GJ, Ahn C. Depressive symptoms and mortality in elderly persons. J Gerontol. 1992;47:S80. Umapathy C, Mulsant BH, Pollack BG. Bipolar disorder in the elderly. Psychiatr Ann. 2000;30:473. Van-Gerpen MW, Johnson JE, Wionstead DK. Mania in the geriatric patient population: a review of the literature. Am J Geriatr Psychiatry. 1990;7:188. Will RG, Ironside JW, Zeidler M, et al. A new variant of CreutzfeldtJakob disease in the UK. Lancet. 1996;347:921. Woodward M. Hypnosedatives in the elderly: a guide to appropriate use. CNS Drugs. 1999;11:263.
56 Cuidados no final da vida e medicina paliativa
I
ndependentemente da especialidade, em algum momento de suas carreiras, quase todos os médicos têm que lidar com pacientes à beira da morte. A maioria dos programas de treinamento médico, entretanto, trata essa realidade de forma inadequada, de modo que médicos e outros profissionais em geral precisam aprender por conta própria a lidar com problemas da morte. Uma recente revisão de 50 dos principais manuais médicos e de enfermagem encontrou pouca ou nenhuma referência a cuidados no final da vida e falta de informação útil sobre o cuidado de pacientes com doença fatal. Como resultado dessa negligência, o tratamento de pacientes terminais pode ser desnecessariamente doloroso tanto para eles como para a família, os amigos, os médicos, os enfermeiros e outras pessoas responsáveis por seu cuidado. (Além deste capítulo, o leitor pode recorrer à Seção 2.6, “Morte, Morrer e Luto”.) Cuidados definidos do final da vida O final da vida implica todas as questões envolvidas no cuidado do doente terminal. Ele começa quando a terapia curativa cessa e engloba as seguintes áreas: (1) comunicação do prognóstico para família e para o paciente e definição do entendimento do paciente acerca de sua doença; (2) instruções antecipadas sobre tratamento de sustentação da vida; (3) necessidade de hospitalização e cuidado em asilos; (4) questões morais e éticas; (5) apoio ao luto e tratamento psiquiátrico; e, por fim, (6) tratamento paliativo para aliviar a dor e o sofrimento. Cada uma dessas questões é abordada a seguir. ABORDAGENS GERAIS AO CUIDADO DO PACIENTE AGONIZANTE A tarefa mais importante para os médicos que cuidam de pacientes terminais é fornecer apoio compassivo e contínuo. As indicações de cuidado adequado são afirmadas em um bom relacionamento médico-paciente e incluem visitar os pacientes de forma regular, manter contato visual, escutar e tocar adequadamente, além de estar disposto a responder perguntas de maneira respeitosa e honesta.
Problemas enfrentados pelo médico As capacidades dos médicos de cuidar de forma compassiva e efetiva de pacientes à beira da morte dependem, em grande parte, de suas próprias crenças sobre agonia e morte. Alguns ficam tão perturbados com a questão da morte que relutam em discutir problemas de final da vida com seus pacientes; outros podem recusar-se firmemente a usar tratamento paliativo para o doente terminal. Esses pacientes terminais podem ser submetidos à preocupação e desconforto desnecessários se seus médicos relutarem em enfrentar a questão da morte com eles. De maneira ideal, os médicos devem empenhar-se em prolongar a vida e diminuir o sofrimento, mas, ao mesmo tempo, também precisam aceitar que a morte é uma característica definida da vida. Este ideal pode ser inalcançável, mas, desde que os médicos estejam conscientes de suas próprias crenças e motivações, tais fatores terão menos probabilidade de prejudicar decisões sobre vida e morte. Infelizmente, alguns médicos desenvolveram atitudes disfuncionais em relação à morte, as quais foram reforçadas durante toda a sua vida por suas experiências e treinamento. Sabe-se que os médicos têm mais medo da morte do que outros grupos profissionais e que muitos entram na faculdade de Medicina acreditando que poderão ter controle de sua própria mortalidade. Dessa maneira, lidam com seus medos em relação à morte através de intelectualização extensiva. Mesmo que eles próprios não temam a morte, muitos têm sido levados pela medicina moderna e por seu treinamento, a supor, mesmo que de forma inconsciente, que podem evitar a morte. Esse falso sentimento de onipotência é desafiado por encontros com pacientes terminais, pois os mesmos são confrontados com o fracasso. Não é surpresa, então, que médicos assim possam evitar seus pacientes terminais quando suas condições evocam medo ou colocam em dúvida sua própria competência. Basicamente, sua falha em aceitar as próprias inadequações e limitações no tratamento de doença impede o adequado cuidado e conforto do paciente. COMUNICAÇÃO E SUA IMPORTÂNCIA Após o diagnóstico e o prognóstico terem sido feitos, os médicos precisam conversar com o paciente e com sua família. Antes, se
1432
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
concordava com uma conspiração de silêncio, acreditando que as chances de recuperação dos pacientes melhorariam se soubessem menos, porque notícia de morte iminente poderia trazer desespero. A prática atual é de honestidade e franqueza; de fato, a questão não é contar ou não ao paciente, mas quando e como fazê-lo. A American Hospital Association redigiu, em 1972, a Declaração dos Direitos do Paciente, afirmando que os mesmos têm o “direito de obter informação atual e completa, em relação a diagnóstico, tratamento e prognóstico, em termos que possam entender de forma razoável”. Ao revelar a notícia de morte iminente ao paciente, da mesma forma que ao relatar qualquer má notícia, diplomacia e compaixão devem ser os princípios orientadores. Com freqüência, uma má notícia não é completamente relatada durante um encontro, mas é absorvida aos poucos, no decorrer de uma série de conversas. Preparações antecipadas, incluindo tempo suficiente para a visita, pesquisa de informação pertinente, tais como resultados de testes e fatos sobre o caso, e mesmo arrumação adequada da mobília, podem fazer com que o paciente se sinta mais à vontade. Se possível, essas conversas deveriam ocorrer em um espaço privado adequado, com o paciente em condições de igualdade com o médico (i. e., o paciente vestido e o médico sentado). Se for possível e desejado pelo paciente, o cônjuge ou companheiro pode estar presente. Recomenda-se ao médico explicar a situação em linguagem clara, simples, mesmo quando falando com pessoas altamente educadas. A informação pode precisar ser repetida ou outros encontros podem ser necessários para comunicar toda a situação. Uma abordagem gentil e sensível ajudará a modular a própria negação e aceitação do paciente. Em nenhum momento os médicos devem levar para o lado pessoal comentários irritados de seus pacientes, muito menos criticar a resposta destes à má notícia. É possível ao médico sinalizar a disponibilidade para uma comunicação franca encorajando e respondendo a perguntas dos pacientes. Estimativas de quanto tempo resta de vida costumam ser imprecisas e, portanto, não devem ser feitas. Além disso, os médicos precisam deixar claro para seus pacientes que estão prontos para atendê-los até que a morte ocorra. Por fim, devem escolher quanta informação dar e quando, com base nas necessidades e capacidades de cada paciente. As mesmas abordagens gerais aplicam-se quando os médicos procuram confortar membros da família do paciente. Ajudá-los a lidar com sentimentos em relação à doença pode ser tão importante quanto confortar o paciente, pois estes são, muitas vezes, sua principal fonte de apoio emocional. A Tabela 56-1 lista sete afirmativas que os médicos podem fazer a pacientes terminais.
CONTAR A VERDADE Honestidade cuidadosa é a ajuda mais importante do médico. Isso, entretanto, não precisa excluir esperança ou otimismo reservado. Deve-se sempre ter em mente que, se 85% dos pacientes com determinada doença morrem em cinco anos, 15% ainda estão vivos após esse tempo. Os princípios de fazer o bem e não causar dano inspiram a decisão de contar ou não a verdade ao paciente. Em geral, a maioria quer saber a verdade sobre sua condição. Vários estudos de pacientes
TABELA 56-1 Sete afirmativas que o médico deve fazer a um paciente terminal • Você terá o melhor tratamento médico, visando a prevenir a exacerbação dos sintomas, melhorar a função e a sobrevida e assegurar conforto. • Você nunca terá que suportar dor esmagadora, falta de ar ou outros sintomas. • Seu cuidado será contínuo, abrangente e coordenado. • Você e sua família serão preparados para tudo o que é provável que aconteça no decorrer de sua doença. • Seus desejos serão respeitados e seguidos sempre que possível. • Nós o ajudaremos a considerar seus recursos pessoais e financeiros e respeitaremos suas escolhas sobre sua utilização. • Faremos tudo o que pudermos para que você e sua família tenham a oportunidade de fazer o melhor a cada dia. De Mitka M. Suggestions for help when the end is near. JAMA. 2000, 284: 2441. Adaptada de National Coalition on Health Care (NCHC) e de Institute for Health Care Improvement (IHI). Promises to Keep: Changing the Way We Provide Care at the End of Life, lançado em 12 de outubro de 2000, com permissão.
com malignidades mostraram que 80 a 90% desejam conhecer seu diagnóstico. Entretanto, os médicos devem perguntar-lhes o quanto querem saber sobre a doença, pois alguns não desejam ter conhecimento sobre ela. Tais pacientes, se lhes for contada a verdade, tendem a negá-la, e não podem participar de decisões como o uso de equipamento de sustentação da vida. Os que declaram abertamente que não querem ouvir “más notícias” são os que mais temem a morte. Os médicos devem lidar com esses medos diretamente, mas, se o paciente ainda não puder suportar a verdade, alguém próximo deve ser informado. Ned Cassem sugere sete aspectos fundamentais no manejo do paciente terminal, que estão listados na Tabela 56-2.
TABELA 56-2 Sete aspectos fundamentais no manejo do paciente terminal 1. Preocupação: empatia, compaixão e envolvimento são essenciais; a preocupação é a qualidade mais apreciada pelos pacientes. 2. Competência: habilidades e conhecimento podem ser tão tranqüilizadores quanto afeto e preocupação. Em particular, os profissionais da saúde devem tratar com habilidade as principais complicações médicas e psiquiátricas da doença terminal: dor, náusea, falta de ar, desesperança. Os pacientes beneficiam-se imensamente da tranqüilização de que seus médicos não permitirão que vivam ou morram com dor. 3. Comunicação: linhas abertas de comunicação são essenciais em cada estágio da doença e da agonia, sem exceção. 4. Crianças: permitir que crianças ou membros da família que desejam visitar o paciente o façam é aconselhável; a família traz consolo a esses indivíduos. 5. Coesão: coesão entre o paciente, membros da família e cuidadores maximiza o apoio e ajuda a família com o luto. 6. Bom humor: um senso de humor gentil, adequado, pode ser paliativo; conduta sombria ou ansiosa devem ser evitadas. 7. Consistência: atenção contínua e persistente é altamente valorizada pelos pacientes, os quais muitas vezes temem que sejam uma carga e que serão abandonados; o envolvimento consistente do médico alivia esses medos. Dados de Ned Cassem, M.D.
CUIDADOS NO FINAL DA VIDA E
Consentimento informado Nos Estados Unidos, o consentimento informado é legalmente exigido para tratamento tanto convencional como experimental. Os pacientes devem receber informação suficiente sobre seu diagnóstico, prognóstico e opções de tratamento para tomar uma decisão informada. Isso inclui discussão de possíveis riscos e benefícios, tratamentos alternativos disponíveis e os resultados de não receber tratamento. Tal abordagem pode ter algum custo psicológico; ansiedade grave e descompensação psiquiátrica ocasional podem ocorrer quando os pacientes sentem-se sobrecarregados pela necessidade de tomar decisões. Contudo, respondem melhor a médicos que explicam as várias opções em detalhes. Alguns pacientes perguntam: “O que o senhor faria, doutor, se estivesse no meu lugar? Ou, se fosse sua esposa, seu marido, seu filho?”. Os médicos devem estar preparados para lidar com estas e outras perguntas difíceis apresentadas pelos pacientes. Algumas delas estão listadas na Tabela 56-3. As discussões de final da vida são desafiadoras, em especial porque podem influenciar o modo como os pacientes fazem escolhas informadas. A Tabela 56-4 lista perguntas representativas que os médicos podem fazer a seus pacientes para iniciar a discussão sobre questões de final da vida, como decisão de não ser ressuscitado (DNR), tratamento da dor e instruções antecipadas.
1433
TABELA 56-4 Perguntas representativas para iniciar a discussão sobre questões de final da vida Esfera
Perguntas representativasa
Objetivos
Dada a gravidade de sua doença, o que é mais importante para você realizar? Qual sua opinião sobre equilibrar qualidade de vida e tempo de vida em termos de seu tratamento? Quais são suas expectativas mais importantes? Quais são seus maiores medos? O que mais vale a pena na vida para você? Haveria alguma circunstância sob a qual você acharia que não vale a pena viver? Ao que você compara sua qualidade de vida atual? Você viu ou esteve com alguém que teve uma morte tranqüila, ou uma morte particularmente difícil? Se com a futura progressão de sua doença você não for capaz de falar por si mesmo, quem seria mais apto para representar suas opiniões e valores? (procuração para decisões sobre o tratamento) Você cogitou que tipo de tratamento desejaria (e não desejaria) caso se tornasse incapaz de falar por si mesmo? (decisão em vida) Se você morresse de repente, ou seja, parasse de respirar ou seu coração parasse, poderíamos tentar revivê-lo usando ressuscitação cardiopulmonar (RCP).Você sabe o que é RCP? Já pensou se desejaria isso? Dada a gravidade de sua doença, esta técnica pode ser ineficaz. Recomendo que você escolhesse não fazê-la, mas que continuássemos todos os tratamentos potencialmente efetivos. O que acha? Você já ouviu falar de tratamento paliativo? Qual sua experiência com isso? Fale-me sobre sua dor. Pode classificá-la em uma escala de 10 pontos? Como é sua respiração quando se sente melhor? E quando está tendo problemas? Se você morresse antes do esperado, o que deixaria por fazer? Como sua família está lidando com sua doença? Como está reagindo? A religião tem sido uma parte importante de sua vida? Há alguma questão espiritual com a qual esteja preocupado neste momento?
Valores
Instruções antecipadas
Ordem de não ressuscitar
DECISÕES DE CUIDADO TERMINAL A sociedade moderna está mal-equipada para lidar com as decisões de vida e morte geradas pela tecnologia. Quando surgiu pela primeira vez, a ressuscitação cardiopulmonar foi apoiada de forma entusiástica pela classe médica. Foi dotada de poderes mágicos e até tornou-se uma cerimônia ritualizada, mais do que um tratamento médico opcional. Essa prática favoreceu o ativismo terapêutico característico de muitos médicos. No final do século XX, entretanto, iniciou-se um movimento contrário. Primeiro, o direito de recusar tratamento foi estabelecido, graças, em grande parte, à sinergia entre o movimento do consumidor e o movimento bioético, com sua ênfase na autonomia do paciente. Em seguida, a legalidade da ordem DNR e a equivalência moral de interromper e não iniciar tratamento foram estabelecidas. A área médica ficou menos entusiasmada do que o público em relação a essas mudanças, talvez porque os profissionais conheçam muito bem as ambigüidades que cercam a morte e as vivenciem muitas vezes.
MEDICINA PALIATIVA
Tratamento paliativo (dor e outros sintomas)
Tratamento paliativo (“negócios inacabados”)
aOs médicos devem dar ao paciente uma oportunidade de responder a cada pergunta. Baseie perguntas e respostas de acompanhamento na escuta cuidadosa do paciente, usando suas próprias palavras sempre que possível. De Quill TE. Initiating end-of-life discussions with seriously ill patients. JAMA. 2000,284:2502.
TABELA 56-3 Algumas perguntas difíceis dos pacientes “Por que eu?” “Por que você não percebeu isso antes? Você cometeu um erro?” “Quanto tempo tenho?” “O que você faria no meu lugar?” “Devo tentar terapia alternativa ou experimental?” “Devo ir a um centro de referência para tratamento ou obter uma segunda opinião?” “Se meu sofrimento ficar realmente insuportável, você me ajudará a morrer?” “Você vai me tratar até o dia da minha morte, não importa o que aconteça?” De Quill TF. Initiating end-of-life discussions with serious ill patients. JAMA. 2000,284:2502, com permissão.
Instruções antecipadas. Instruções antecipadas são desejos e escolhas em relação à intervenção médica quando a condição do paciente é considerada terminal. São obrigadas por lei em todos os 50 estados norte-americanos e há três tipos: decisão em vida, procuração de tratamento de saúde e decisão de não ressuscitar (DNR) e não intubar (DNI). DECISÃO EM VIDA.
Em uma decisão em vida, o paciente mentalmente competente dá instruções específicas que devem ser seguidas pelos médicos quando o mesmo já não puder comunicá-las devido à doença. Essas instruções podem incluir rejeição de sondas de ali-
1434
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
mentação, ventilação artificial ou quaisquer outras medidas para prolongar a vida. PROCURAÇÃO DE TRATAMENTO DE SAÚDE. Também conhecida como
procuração permanente, a procuração de tratamento de saúde dá a uma outra pessoa o poder de tomar decisões médicas se o paciente não puder fazê-lo. Essa pessoa, também conhecida como o procurador, tem poderes para tomar todas as decisões sobre o cuidado terminal com base no que acredita que o paciente desejaria. DECISÕES DE NÃO RESSUSCITAR E NÃO INTUBAR. Essas ordens proíbem os médicos de tentar ressuscitar (DNR) ou intubar (DNI) o paciente que está à beira da morte. As ordens são dadas pelo paciente que é com-
petente para fazê-lo. Podem fazer parte da decisão em vida ou ser expressas na procuração de tratamento de saúde. Um exemplo de instrução antecipada que incorpora tanto uma decisão em vida como uma procuração de tratamento de saúde é apresentado na Tabela 56-5.
A Lei de Direitos Iguais do Doente Terminal, redigida pela National Conference on Uniform State Laws, foi aprovada e recomendada para aprovação em todos os estados norte-americanos. Ela autoriza um adulto a controlar as decisões em relação a administração de tratamento de sustentação da vida, executando uma declaração que instrua o médico a recusar ou retirar tratamento de sustentação da vida se a pessoa estiver em condição terminal e não puder participar das decisões de tratamento médico. Em 1991, o Decreto Federal de
TABELA 56-5 Instrução antecipada, decisão em vida e procuração de tratamento de saúde
A morte é parte da vida. É uma realidade como o nascimento, o crescimento e o envelhecimento. Estou utilizando esta instrução antecipada para transmitir meus desejos sobre tratamento médico para meus médicos e outras pessoas que cuidam de mim no final da minha vida. Ela é chamada de instrução antecipada porque dá instruções antecipadas sobre o que quero que aconteça a mim. Expressa meus desejos sobre tratamento médico que pode manter-me vivo. Quero que esta seja legalmente cumprida. Se eu não puder tomar ou comunicar decisões sobre meu tratamento médico, aqueles próximos a mim devem basear-se neste documento para instruções sobre medidas que podem manter-me vivo. Não quero tratamento médico (incluindo alimentação e água por sonda) que me mantenha vivo se: • Eu estiver inconsciente e não houver perspectiva razoável de que algum dia ficarei consciente novamente (mesmo se eu não morrer logo devido à minha condição médica), ou • Eu estiver próximo da morte em decorrência de uma doença ou ferimento sem perspectiva razoável de recuperação. Desejo receber remédio e outro tratamento para tornar-me mais confortável e para tratar dor e sofrimento. Desejo isso mesmo que o remédio para dor acelere minha morte. Desejo dar algumas outras instruções: [Registre aqui quaisquer instruções especiais. Por exemplo, algumas pessoas temem ser mantidas vivas após AVC debilitante. Se você tem desejos em relação a isso, ou a qualquer outra condição, escreva-os aqui.]
A linguagem legal no quadro a seguir é uma procuração de tratamento de saúde. Ela confere a outra pessoa o poder de tomar decisões médicas por mim. Nomeio ________________________________________ , que vive em ________________________________________ , telefone número __________________, para tomar decisões médicas por mim se eu não puder tomá-las. Essa pessoa é chamada de “sub-rogado”, “agente”, “procurador” ou “representante de fato” para tratamento de saúde. A procuração deve entrar em vigor quando eu me tornar incapaz de tomar ou comunicar decisões sobre meu tratamento médico. Isso significa que tal documento permanece legal quando e se eu perder a capacidade de falar, por exemplo, se estiver em coma ou manifestar doença de Alzheimer. Meu procurador de tratamento de saúde tem o poder de dizer aos outros o que minha instrução antecipada significa. Essa pessoa também tem o poder de tomar decisões por mim com base no que eu teria desejado, ou, se isso não for de seu conhecimento, no que acredita ser melhor para mim. Se meu procurador de tratamento de saúde de primeira escolha não puder, ou decidir não agir por mim, nomeio _________ ____________________, endereço _______________________ _________, número de telefone ___________________, como minha segunda escolha. Discuti meus desejos com meu procurador de tratamento de saúde (e com minha segunda escolha se tiver decidido nomear outra pessoa). Meu(s) procurador(es) concordou(aram) em agir por mim. Pensei sobre essa instrução antecipada com cuidado. Sei o que significa e desejo assiná-la. Escolhi duas testemunhas, nenhuma das quais é membro de minha família, nem será minha herdeira quando eu morrer. As testemunhas não são as mesmas pessoas que nomeei como procuradoras de tratamento de saúde. Entendo que este formulário deve ser reconhecido em cartório se eu usar o quadro para nomear (um) procurador(es) de tratamento de saúde. Assinatura ______________________________________________ Data __________________________________________________ Endereço ______________________________________________ Assinatura da testemunha _________________________________ Nome da testemunha em letra de forma ______________________ Endereço ______________________________________________ Assinatura da testemunha _________________________________ Nome da testemunha em letra de forma ______________________ Endereço ______________________________________________ Tabelião (se for nomeado um procurador) _____________________
Reimpressa, com permissão, de Choice in Dying, Inc. – the National Council for the Right to Die. (Choice in Dying é uma organização sem fins lucrativos que trabalha pelos direitos de pacientes à beira da morte. Além dessa instrução antecipada genérica, a Choice in Dying distribui instruções antecipadas que se ajustam aos requisitos legais específicos de cada estado e mantém um Registro Nacional de Decisão em Vida para documentos completados.)
CUIDADOS NO FINAL DA VIDA E
Autodeterminação de Pacientes tornou-se lei nos Estados Unidos e exigiu que todas as instituições de tratamento de saúde (1) forneçam a cada paciente internado informação por escrito sobre o direito de recusar tratamento, (2) perguntem sobre instruções antecipadas e (3) mantenham registros escritos de se o paciente tem uma instrução antecipada ou designou um procurador de tratamento de saúde. Hoje, pacientes que não deixaram instruções antecipadas, ou que são legalmente incompetentes para fazê-lo, têm acesso a comitês de ética hospitalar que mantêm debates legais e éticos ativos sobre tais questões. Esses comitês também são de ajuda para os médicos, que podem obter apoio legal e moral ao recomendarem que não ocorra mais tratamento. É muito mais fácil para todas as partes, entretanto, se o paciente deixar instruções antecipadas ou uma procuração. De maneira ideal, os médicos devem iniciar cedo discussões com os pacientes sobre instruções antecipadas e procurações, mesmo enquanto estiverem saudáveis. Os pacientes precisam ser lembrados de que essas formulações antecipadas podem ser modificadas, mas que, mesmo tendo instruções antecipadas preliminares, têm a garantia de que seus desejos serão respeitados no caso de uma emergência. PREOCUPAÇÃO COM A FAMÍLIA Os membros da família desempenham um papel importante como cuidadores para o doente terminal e têm necessidades próprias que costumam não ser reconhecidas. Suas responsabilidades podem ser esmagadoras, especialmente se apenas um membro da família estiver disponível ou se os próprios familiares são doentes ou idosos. A Tabela 56-6 lista algumas tarefas de cuidar que essas famílias realizam. Muitas requerem longas horas de trabalho ou supervisão, que podem levar a fadiga física e emocional. Um estudo sobre cuidadores relata que 25 a 30% perdem seus empregos e mais da metade mudou para empregos de salários mais baixos para ajustar-se à necessidade de flexibilidade. O nível de estresse mais alto foi encontrado entre famílias que cuidam de um paciente terminal em casa, principalmente quando a morte ocorre também em casa e percebem, em retrospecto, que teria sido melhor um ambiente no qual a morte ocorresse na presença de cuidadores qualificados. Sessões de terapia familiar permitem que os membros da família explorem sentimentos sobre morte e agonia. Servem como
TABELA 56-6 Tarefas dos membros da família 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12.
Administrar medicamentos. Lidar com os efeitos adversos dos medicamentos. Fornecer ajuda ou realizar atividades da vida diária. Trocar curativos. Manusear bombas de infusão ambulatorial ou outro equipamento. Fornecer tratamento dos sintomas (p. ex., para dor, náusea e vômitos, falta de ar, convulsões, agitação terminal). Notificar o enfermeiro ou o médico quando os mesmos forem necessários. Comprar itens necessários e buscar receitas. Estar presente e providenciar companhia. Cuidar de necessidades espirituais e religiosas. Executar instruções antecipadas. Gerenciar questões financeiras.
MEDICINA PALIATIVA
1435
um foro no qual dor e luto antecipados podem ocorrer. A capacidade de compartilhar sentimentos pode ser catártica, em especial se a culpa estiver envolvida. Os membros da família muitas vezes têm que lidar com sentimentos de culpa sobre interações passadas com o paciente moribundo. Sessões familiares também ajudam a chegar a um consenso sobre as instruções antecipadas do paciente. Se os membros da família discordam sobre os desejos do paciente, a equipe médica pode ser incapaz de agir. Nesses casos, uma ação legal pode ser necessária para resolver disputas familiares sobre que curso de ação seguir. TRATAMENTO PALIATIVO Tratamento paliativo é a parte mais importante do cuidado do final da vida. Diz respeito a fornecer alívio do sofrimento causado por dor ou outros sintomas de doença terminal. Ainda que isso esteja mais associado à administração de analgésicos, muitas outras intervenções médicas e procedimentos cirúrgicos estão incluídos sob a rubrica de tratamento paliativo porque podem deixar o paciente mais confortável. Monitores e seus alarmes, linhas periféricas e centrais, flebotomia, medição de sinais e mesmo oxigênio suplementar em geral são interrompidos para permitir que o paciente morra em paz. Removê-lo para um quarto silencioso, privado (em oposição a uma unidade de tratamento intensivo), e permitir que membros da família estejam presentes é outra modalidade de tratamento paliativo muito importante. A mudança de tratamento ativo para paliativo é, às vezes, o primeiro sinal palpável de que o paciente morrerá, uma transição emocionalmente difícil de aceitar por todos os envolvidos. A interrupção de máquinas e medições, que até este ponto foram parte integral da experiência hospitalar, pode ser muito desconcertante para o paciente, para os membros da família e mesmo para outros médicos. Na verdade, se essas partes não forem ativas no planejamento da transição, pode parecer que as pessoas desistiram do paciente. Devido a tal dificuldade, o tratamento paliativo tende a ser evitado de todo (i. e., o tratamento curativo continua até que o paciente morra). É provável que essa abordagem cause problemas se for adotada meramente para evitar a realidade da morte iminente. Uma transição bem-negociada para tratamento paliativo diminui a ansiedade após o paciente e a família passarem por uma reação de luto antecipatório adequado. Além disso, o resultado emocional positivo é muito mais provável se o médico e a equipe projetarem uma convicção de que o tratamento paliativo será um processo ativo, envolvido, sem sugestão de afastamento ou abandono. Quando isso não ocorre, ou quando a família não pode tolerar a transição, o estresse gerado na situação resulta em necessidade de consulta psiquiátrica. Um médico de 36 anos com leucemia em estágio terminal foi visto em consulta psiquiátrica porque relatou ter visto o “anjo da morte” aos pés de seu leito de hospital. Descreveu a experiência como assustadora e inexplicável. O psiquiatra perguntou ao paciente: “Você tem medo de estar morrendo?”. Esta foi a primeira vez que alguém tinha mencionado morte ou morrer em algum contexto para o paciente. Ele recebeu bem a oportunidade de falar abertamente sobre seus medos para a equipe médica e para sua família e, por fim, teve uma morte tranqüila.
1436
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
A consulta psiquiátrica é indicada para pacientes que se tornam gravemente ansiosos, suicidas, deprimidos ou abertamente psicóticos. Em cada caso, medicação psiquiátrica adequada pode ser prescrita para fornecer alívio. Os que são suicidas nem sempre têm que ser transferidos para um serviço psiquiátrico. Um atendente ou enfermeiro pode ser designado para acompanhá-los durante 24 horas. Nesses casos, o relacionamento que se desenvolve entre observador e paciente pode ter nuanças terapêuticas, em especial com aqueles cuja depressão está relacionada a um senso de abandono. Pacientes terminais que têm alto risco para suicídio em geral estão sofrendo com dores. Quando a dor é aliviada, a ideação suicida tende a diminuir. Uma avaliação cuidadosa da possibilidade de suicídio é necessária para todos os pacientes. Uma história pré-mórbida de tentativas de suicídio é um fator de risco alto para suicídio em pacientes com doença terminal. Entre os que se tornam psicóticos, função cognitiva prejudicada secundária a lesões metastáticas no cérebro deve sempre ser considerada. Esses pacientes respondem a medicamentos antipsicóticos, e a psicoterapia também pode ser útil. MANEJO DA DOR Tipos de dor Pacientes à beira da morte estão sujeitos a diferentes tipos de dor, resumidos na Tabela 56-7. As distinções são importantes porque exigem diferentes estratégias de tratamento; dor somática e dor visceral respondem mais a opióides, enquanto dor neuropática e dor de origem simpática respondem melhor a medicamentos adjuvantes. Pacientes com câncer mais avançado, por exemplo, têm mais de um tipo de dor e requerem regimes de tratamento complexos. As Tabelas 56-8 e 56-9 resumem a neurofisiologia da dor e os caminhos de supressão da mesma.
TABELA 56-8 Neurofisiologia da dor nociceptiva Estímulo nocivo local Traumas mecânicos
Trauma mecânico, termal ou químico
Nociceptores mielinizados ativos que transmitem sensações predominantemente agudas, em ferroada, ao longo de fibras de condução rápida
Nociceptores nãomielinizados que transmitem sensações predominantemente indefinidas, doloridas, ao longo de fibras de condução lenta
Trilhas ascendentes na medula espinal
Caminho neoespinotalâmico
Trato paleoespinotalâmico
Tálamo
Formação reticular e tálamo
Córtex somatossensorial do lobo parietal
Córtex frontal orbital e do lobo parietal radiação cortical difusa
Localização e intensidade
Excitação e componentes do estímulo emocionais-afetivos de sofrimento e dor
Cortesia de Marguerite S. Lederberg, M.D., e Jimmie C. Holland, M.D.
TABELA 56-7 Tipos de dor Dor nociceptiva Dor somática
Dor visceral
Dor neuropática
Dor psicogênica
TABELA 56-9 Caminhos de supressão da dor endógena Em geral, mas nem sempre, constante, dolorida, corrosiva e bem-localizada; por exemplo, metástases ósseas. Em geral, mas nem sempre, constante, profunda, em aperto localizada em área sensível, com possível atribuição cutânea; por exemplo, efusão pleural levando a (1) dor toráxica profunda, (2) irritação diafragmática atribuída ao ombro. Dor disestética em queimação com paroxismos tipo choque associados a dano direto a receptores periféricos, fibras aferentes ou SNC, levando à perda de modulação inibitória central e disparo espontâneo; por exemplo, dor de membro-fantasma; pode envolver aferentes somáticos simpáticos. Características variáveis, secundária a fatores psicológicos na ausência de fatores médicos; extremamente rara como um fenômeno puro em pacientes com câncer, mas costuma ser um fator adicional na presença de dor orgânica.
Cortesia de Marguerite S. Lederberg, M.D., e Jimmie C. Holland, M.D.
Área cinzenta periaquedutal do mesencéfalo
Precursores no hipotálamo, na hipófise, no tronco cerebral e na medula espinal
Medula
Corno dorsal da medula espinal
Opióides endógenos 1. β-endorfina 2. Dinorfina
Modulação de impulsos nociceptores aferentes (provavelmente por transmissores de serotonina e noradrenalina) Cortesia de Marguerite S. Lederberg, M.D., e Jimmie C. Holland, M.D.
Um homem altamente móvel e independente com uma doença maligna desenvolveu metástases cerebrais que resultaram em paralisia das pernas. Sua mobilidade ficou bastante prejudi-
CUIDADOS NO FINAL DA VIDA E
MEDICINA PALIATIVA
1437
“de salvamento” auto-administradas, ou um gotejamento epidural contínuo pode ser suplementado por doses de bolo intravenoso. Adesivos transdérmicos fornecem concentrações basais em pacientes para os quais a administração intravenosa ou oral é difícil. Sistemas de analgesia controlada pelo paciente para administração intravenosa de opióides resultam em melhor alívio da dor com quantidades ministradas menores do que as administradas pelo enfermeiro.
cada e ele foi confinado a uma cadeira de rodas. Tendo sempre estado no controle de suas circunstâncias de vida, agora percebia os outros como “controlando sua vida”. Depois, passou a acusar sua esposa de tentar matá-lo dando-lhe remédio demais e tornou-se altamente desconfiado de todas as pessoas da casa, sentindo que elas estavam tramando maneiras de prejudicá-lo e forçá-lo a total submissão. O paciente desenvolveu acessos de raiva intensa, que ocorriam sem provocação. À medida que sua doença progredia, tornava-se cada vez mais confuso e desorientado e começou a ouvir pessoas “falando sobre ele” quando não estava presente. O paciente foi tratado com pequenas dosagens de antipsicóticos, a fim de controlar os sintomas psicóticos. A família foi incentivada a incluí-lo no planejamento de atividades da casa para aumentar seu senso de controle e participação. A esposa recebeu aconselhamento para ajudá-la a lidar com o comportamento. (De Barton D. Approaches to the clinical of the dying person. In: Barton D, ed. Dying and Death: A clinical guide for caregivers. Baltimore: Williams & Wilkins; 1977:87.)
Opióides muitas vezes causam delirium e alucinações. Um mecanismo freqüente de psicotoxicidade é a acumulação de fármacos ou metabólitos cuja duração de analgesia é mais curta do que sua meia-vida plasmática (morfina, levorfanil [Levo-Dromoran] e metadona [Dolofina]). O uso de medicamentos como hidromorfona (Dilaudid), que têm meias-vidas mais próximas de sua duração analgésica, pode aliviar o problema sem perda de controle da dor. A tolerância cruzada é incompleta entre opióides; em conseqüência, vários deles precisam ser tentados em qualquer paciente com a dosagem diminuída quando for feita a troca de agentes. A Tabela 56-10 lista analgésicos opióides. Os benefícios da administração de analgesia de manutenção em pacientes com doença terminal comparados com a administração quando necessário não podem ser tão enfatizados. A dosagem de manutenção melhora o controle da dor, aumenta a eficiência do fármaco e alivia a ansiedade, enquanto instruções quando necessário permitem que a dor aumente enquanto o paciente espera que o medicamento seja administrado. Além disso, esta última modalidade define o paciente mediante as queixas do pessoal sobre comportamento de busca de analgésicos. Mesmo quando é usado tratamento de manutenção, doses extras de medicação devem estar
Tratamento da dor Não pode ser enfatizado de forma excessiva que o manejo da dor deve ser agressivo, e o tratamento, multimodal. Na verdade, um bom regime para dor pode requerer diversos medicamentos ou o mesmo usado de maneiras variadas e administrado por diferentes vias. Por exemplo, morfina intravenosa pode ser suplementada por doses orais TABELA 56-10 Analgésicos opióides para tratamento da dor Medicamento e potência relativa de dose equianalgésica
Dose (mg IM ou oral)
Meia-vida plasmática (hora)a
Dose oral inicialb (mg)
Morfina
10 IM 60 oral
3-4
30-60
Hidromorfona
1,5 IM 7,5 oral 10 IM 20 oral 2 IM 4 oral 1
2-3
2-18
12-24
5-10
12-16
2-4
2-3
NA*
5 IM 60 oral 75 IM 300 oral 130 oral 200 oral 15 oral 30 oral
3-4
NA*
3-4 (normeperidina 12-16) 3-4
75 60
–
5
Metadona Levorfanol Oximorfona Heroína Meperidina Codeína Oxicodonac
Preparações comerciais disponíveis Oral: comprimido, líquido, comprimido de liberação lenta Retal: 5-30 mg Injetável: sc, IM, IV, epidural, intratecal Oral: comprimidos: 1, 2, 4 mg Injetável: sc, IM, IV 2 mg/mL, 3 mg/mL e 10 mg/mL Oral: comprimidos, líquido Injetável: sc, IM, IV Oral: comprimidos Injetável: sc, IM, IV Retal: 10 mg Injetável: sc, IM, IV NA* Oral: comprimidos Injetável: sc, IM, IV Oral: comprimidos e combinação com ácido acetil salicílico, acetaminofen, líquido Oral: comprimidos, líquido, formulação oral em combinação com acetaminofen (comprimido e líquido) e aspirina (comprimido)
aO tempo de analgesia máxima entre pacientes não-tolerantes varia de meia hora a uma hora, e a duração é de 4 a 6 horas. O efeito analgésico máximo é atrasado, e a duração é prolongada após a administração oral. bDoses IM iniciais recomendadas; a dose ideal para cada paciente é determinada por titulação, e a dose máxima é limitada por efeitos adversos. cUma forma de liberação contínua de longa ação de oxicodona (Oxycontin) foi usada abusivamente por viciados em drogas e, por isso, seu uso foi criticado; entretanto, é uma preparação muito útil disponível em doses de 10, 20, 40 e 160 mg, que precisam ser tomadas uma vez a cada 12 horas. É usada como terapia de manutenção para dor persistente grave. * NA = não se aplica; sc = subcutâneo Adaptada de Foley K. Management of cancer pain. In: DeVita VT, Hellman S, Rosenberg SA, eds. Cancer: Principles and Practice of Oncology. 4ath ed. Philadelphia: JB Lippincott, 1993:936.
1438
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
disponíveis para dor aguda inesperada, e seu uso repetido sinaliza a necessidade de aumentar a dose de manutenção. Dependendo de suas experiências anteriores com analgésicos opióides e de seu peso, não é incomum que alguns precisem de 2 g ou mais de morfina por dia para alívio dos sintomas. Conhecer as doses de diferentes fármacos e diferentes vias de administração é importante para evitar medicação abaixo da dose acidental. Por exemplo, ao mudar um paciente de morfina intramuscular para
oral, deve-se multiplicar a dose intramuscular por 6 para evitar causar dor e provocar comportamento de busca de droga. Muitos medicamentos adjuvantes usados para dor são psicotrópicos com os quais os psiquiatras estão familiarizados, mas, em alguns casos, seu efeito analgésico é separado de seu efeito psicotrópico primário. Os adjuvantes mais utilizados incluem antidepressivos, fenotiazinas, butirofenonas, anti-histamínicos, anfetaminas e esteróides (Tab. 56-11). Estes são particular-
TABELA 56-11 Fármacos analgésicos não-opiáceos e adjuvantes no tratamento de dor Dose oral inicial (variação de mg, 24 horas) Comentários
Classe de fármaco
Indicações
Antiinflamatórios não-esteróides Aspirina
Tecido mole e osso metastático
650 650-1.000
Como aspirina
650 650-1.000
Acetaminofen
Ibuprofeno
400 200-800
Usado em combinação com opióides, efeitos GI e hematológicos; evitar combinação com esteróides Menos efeitos GI, sem efeitos sob função plaquetária, sem efeitos antiinflamatórios significativos Maior potencial analgésico do que a aspirina, menos efeitos GI e hematológicos do que a aspirina Efeitos antiinflamatórios e analgésicos; semelhante à aspirina, sem efeitos hematológicos Maior potencial analgésico do que a aspirina, menos efeitos GI e hematológicos do que a aspirina Duração de ação mais longa do que ibuprofeno, maior potencial analgésico que a aspirina Duração de ação mais longa do que o ibuprofeno, maior potencial de ação do que a aspirina
Trisalicilato de magnésio colina
Como aspirina
1.500
Fenoprofeno
Como aspirina
200 200-100
Diflunisal
Como aspirina
500 500-1.000
Naproxeno
Como aspirina
250 250-500
Dor neuropática, tipo lancinante aguda (tique)
100 200-800
Útil na dor nervosa paroxística
Dor neuropática; por exemplo, neuralgia pós-herpética
10 10-150 50-100
Iniciar em dose baixa e titular de forma lenta; tem propriedades analgésicas
Dor somática e visceral
25 25-100
Analgesia cumulativa em combinação com opióides, antieméticos, propriedades antiansiedade
Dor somática e visceral; útil em pacientes 5-16 IM tolerantes a opióides com obstrução GI e dor
Tem efeitos ansiológicos e antieméticos, disponível apenas em preparação IM
Dor somática e neuropática; por exemplo, 5 dor óssea inflamatória 5-60 Distrofia simpática reflexa; plexopatia 0,5-16 braquial, lombar
Efeitos antiinflamatórios, antieméticos, analgésicos
Dor somática e visceral; por exemplo, dor pós-operatória Sedação induzida por opióides
Analgesia cumulativa em combinação com opióides; reduz efeitos sedativos Analgesia cumulativa em combinação com opióides; reduz efeitos sedativos Analgesia cumulativa em combinação com opióides; reduz efeitos sedativos
Anticonvulsivantes Fenitoína Antidepressivos Amitriptilina Imipramina Anti-histamínicos Hidroxizina
Fenotiazinas Metotrimeprazina
Esteróides Prednisona Dexametasona Neuroestimulantes Dextroanfetamina Metilfenidato Cafeína
2,5 2,5-10 5 5-15 300 300-600
Adaptada de Foley K. Management of cancer pain. In: DeVita VT, Hellman S, Rosenberg SA, eds. Cancer: Principles and Practice of Oncology. 4th ed. Filadélfia: JB Lippincott; 1993.
CUIDADOS NO FINAL DA VIDA E
mente importantes para dor neuropática e dor de origem simpática, para as quais podem ser a base do tratamento. Outros desenvolvimentos no manejo da dor incluem procedimentos mais invasivos, como bloqueios nervosos ou o uso de infusões epidurais contínuas. Além disso, radioterapia, quimioterapia e mesmo ressecção cirúrgica devem sempre ser consideradas como modalidades de manejo da dor no tratamento paliativo. Cursos curtos de radioterapia ou quimioterapia são uma opção para reduzir tumores ou tratar lesões metastáticas que causam dor ou prejuízo. Em pacientes com doença de Hodgkin em estágio terminal, por exemplo, quimioterapia sistêmica pode melhorar a qualidade de vida do paciente pela diminuição da carga do tumor. Ressecção cirúrgica de tumores invasivos, de forma mais específica carcinomas de mama, pode ser útil pela mesma razão.
TABELA 56-12 Sintomas/sinais comuns do final da vida Comentários
Delírios
Ocorrem em 90% de todos os pacientes terminais; podem ser revertidos se a causa for tratável, por exemplo, dor, medicação; respondem a medicação antipsicótica Ocorrência mais comum na doença terminal; psicoestimulantes podem ser usados para alívio de curto prazo Comum em estados finais de doença neurológica, por exemplo, esclerose múltipla, esclerose lateral amiotrófica Pode acompanhar radiação pélvica, capaz de produzir fístulas; usar cateter residente ou de condom Produz ansiedade grave com medo de sufocação; ocorre em 80% dos pacientes com câncer de pulmão terminal; opióides, broncodilatadores úteis Efeito adverso de radiação e quimioterapia; antieméticos, por exemplo, metoclopramida, proclorperazina úteis; cigarros de maconha úteis em pacientes selecionados Todos os estados de doença terminal estão associados à caquexia secundária a anorexia e desidratação; sondas de alimentação não impedem a aspiração Decúbitos mais comuns em áreas de suporte de peso, como quadris, osso sacro, parte externa do tornozelo; importante virar o corpo com freqüência; almofadas de cotovelo e quadril são úteis Fatores psicológicos, por exemplo, medo de morte, abandono; fatores fisiológicos, por exemplo, dor, hipoxia; medicação ansiolítica e antidepressiva úteis; opióides têm fortes efeitos antiansiedade
Fadiga ou fraqueza
Disfagia
Incontinência
ALÍVIO DE OUTROS SINTOMAS
Um homem de 47 anos com câncer de pulmão incurável que tinha sido tratado sem sucesso com quimioterapia e radioterapia estava sofrendo de dispnéia intratável há uma semana. Sua família, a enfermeira e outros assistentes estavam cada vez mais preocupados com sua dificuldade de respirar e seus apelos por alívio. O médico responsável pelo tratamento recusou-se a prescrever alguma coisa mais forte do que codeína. A equipe de tratamento paliativo do hospital interveio a pedido da família. O alívio foi obtido com o uso de 5 a 10 mg de bolo intravenoso de morfina a cada 15 minutos. Quando o paciente ficou confortável, um gotejamento contínuo de morfina intravenosa foi instituído, complementado por morfina subcutânea quando necessário.
1439
Sinais/sintomas
Dispnéia ou tosse
O manejo de sintomas é prioridade no tratamento paliativo. Os pacientes muitas vezes estão mais preocupados com o sofrimento cotidiano de seus sintomas do que com a morte iminente, que pode não ser tão real para eles. A Tabela 56-12 lista sintomas comuns do final da vida. Uma abordagem abrangente ao alívio envolve o tratamento desses sintomas da dor. As fontes de sofrimento incluem sintomas psiquiátricos como ansiedade e sintomas físicos. Os principais entre estes últimos são aqueles que envolvem o sistema gastrintestinal, incluindo diarréia, constipação, anorexia, náusea, vômitos e obstrução intestinal. Outros sintomas importantes incluem insônia, confusão, feridas na boca, dispnéia, tosse, prurido, úlceras de decúbito e freqüência ou incontinência urinária. Os cuidadores precisam acompanhar de perto tais manifestações e estabelecer um cuidado adequado precoce e agressivo antes que se tornem difíceis de suportar. Um tratamento efetivo para náusea e vômitos associados a quimioterapia é o uso de Δ-tetraidrocanabinol (THC), o ingrediente ativo da maconha. O canabinóide sintético oral, dronabinol (Marinol), é usado em doses de 1 a 2 mg a cada oito horas. O consumo de cigarros de maconha para liberar THC é considerado mais efetivo do que pílulas. Os proponentes dizem que sua absorção é mais rápida e as propriedades antieméticas são mais potentes no sistema pulmonar. Tentativas repetidas de legalizar cigarros de maconha para uso médico encontraram sucesso apenas limitado nos Estados Unidos.
MEDICINA PALIATIVA
Náusea ou vômito
Anorexia
Perda de pele
Ansiedade e Depressão
De Mitka M. Suggestions for help when the and is near. JAMA 2000, 284:2441; adaptada de National Coalition on Health Care (NCHC) e de Institute for Health Care Improvement (IHI). Promises to Keep: Changing the Way We Provide Care at the End of Life, publicado em 12 de outubro de 2000. Com permissão.
A American Psychiatric Association apóia a posição de que pacientes terminais requerem doses substanciais de opióides em uma base regular e que estes não deveriam ser negados por medo de produzir dependência. Uma visão semelhante é endossada em Goodman and Gilman’s the Pharmacological Basis of Therapeutics (As bases farmacológicas da terapêutica de Goodman e Gilman) como segue: O médico não deve esperar até que o paciente torne-se agonizante; nenhum paciente deve desejar a morte porque seu médico mostra-se relutante em usar quantidades adequadas de opióides eficazes. Portanto, médicos que tratam o doente terminal não devem ser intimidados por considerações legais. MORRER EM CASA Dependendo do desejo do paciente e da natureza de sua doença, a escolha de morrer em casa é uma questão que deve ser explora-
1440
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
da. Ainda que para a família seja mais penoso do que morrer no hospital, a morte em casa pode ser uma boa alternativa para o paciente e a família que buscam um tempo de qualidade juntos. Uma equipe de cuidado domiciliar pode avaliar a adequação da casa e sugerir formas de facilitar atividades da vida diária, incluindo modificações da mobília, aluguel de cama hospitalar e instalação de dispositivos auxiliares, como corrimãos e aparelhos sanitários. Esse cuidado pode ser complementado com telefonemas de médicos, enfermeiros, terapeutas, padres. Seja como for, a família deve saber quais são suas responsabilidades e estar preparada para cuidar do paciente. CUIDADO EM ASILOS Em 1967, o Asilo de São Cristóvão, na Inglaterra, fundado por Cicely Saunders, iniciou o movimento do asilo moderno. Diversos fatores, na década de 1960, impulsionaram o desenvolvimento dessas instituições, incluindo preocupações sobre médicos com treinamento inadequado, cuidado terminal incompetente, injustiças no tratamento de saúde, negligência do idoso. A expectativa de vida havia aumentado, e doença cardíaca e câncer estavam se tornando mais comuns. Saunders enfatizou uma abordagem interdisciplinar ao controle do sintoma, o cuidado do paciente e da família como uma unidade, o uso de voluntários, a continuidade do tratamento, incluindo cuidado em casa, e acompanhamento dos membros da família após a morte do paciente. O primeiro asilo nos Estados Unidos, o Asilo de Connecticut, abriu em 1974. Em 2000, havia mais de 3 mil deles. O controle da dor dia e noite com opióides é um componente fundamental do tratamento em asilos. Em 1983, a Previdência começou a reembolsar cuidado em asilos. Para ser qualificado, o paciente deve apresentar um atestado médico indicando seis meses ou menos de vida. Ao escolherem esse tipo de cuidado, os pacientes concordam em receber tratamento paliativo em vez de tratamento curativo. Muitos programas têm base hospitalar, ou em unidades separadas, na forma de leitos reservados em hospitais conveniados com essas instituições. Outros modelos de programa incluem asilos e programas livremente estabelecidos, asilos filiados a hospitais, cuidados em clínicas de repouso e programas de cuidados em casa. As clínicas de repouso são o local de morte de muitos idosos com doença crônica incurável; contudo, os residentes dessas clínicas têm acesso limitado a tratamento paliativo e de asilo. Por exemplo, em 1997, 3% das pessoas registradas para cuidado de asilo estavam em clínicas de repouso, enquanto 87% estavam em casas particulares. As famílias em geral expressam satisfação com seu envolvimento pessoal no cuidado de asilo. A economia com esse tipo de atendimento varia, mas programas de cuidado em casa custam menos do que o cuidado institucional convencional, em especial nos últimos meses de vida. Pacientes de asilos têm menos probabilidade de receber estudos diagnósticos ou terapia intensiva, como cirurgia ou quimioterapia. Esta é uma alternativa viável, comprovada, para aqueles que escolhem uma abordagem paliativa a cuidado terminal. Além disso, os objetivos do asilo são morte digna e confortável para o doente terminal, e o tratamento para o paciente e a família juntos tem sido cada vez mais adotado na medicina tradicional.
CUIDADO DE FINAL DA VIDA NEONATAL Avanços na medicina reprodutiva têm aumentado o número de bebês nascidos de forma prematura e o número de nascimentos múltiplos. Esses avanços acentuaram a necessidade de métodos de sustentação da vida e tornaram mais complexa a tomada de decisão sobre quando usar tratamento paliativo. Alguns bioéticos acreditam que recusar intervenção de sustentação da vida é apropriado sob certas circunstâncias; outros defendem que métodos de sustentação da vida não devem ser empregados de modo algum. Um estudo extensivo de atitudes entre neonatologistas sobre decisões de término da vida não chegou a um consenso sobre se e quando terminar a vida. A maioria das decisões de interromper procedimentos de sustentação da vida para recém-nascidos diz respeito àqueles cuja morte é iminente. Mesmo que sua qualidade de vida futura seja considerada desanimadora, a maioria dos médicos sente que alguma vida é melhor do que nenhuma. Os que apóiam a recusa de tratamento intensivo consideram as seguintes questões de qualidade de vida: (1) extensão do dano corporal (p. ex., prejuízo neurológico grave), (2) carga que uma criança incapacitada colocará sobre a família e (3) capacidade da criança de obter algum prazer da existência (p. ex., ter consciência de estar viva e ser capaz de formar relacionamentos). A American Academy of Pediatrics permite decisões de não-tratamento para recém-nascidos quando o bebê está em coma irreversível ou quando o tratamento seria inútil e apenas prolongaria o processo de morte. Esses padrões não permitem que os pais tenham qualquer participação no processo de tomada de decisão. Em um caso publicado na Inglaterra, em 2000, foi decidido separar cirurgicamente gêmeas siamesas sabendo que uma morreria como resultado do procedimento e apesar das objeções dos pais, que acreditavam que a natureza deveria seguir seu curso mesmo que isso levasse à morte de ambos os bebês. As decisões de final da vida neonatal continuam em um estado de limbo. Não há critérios definidos sobre quais pacientes devem receber cuidado intensivo e quais receber tratamento paliativo.
CUIDADO DE FINAL DA VIDA DA CRIANÇA Após acidentes, o câncer é a segunda causa mais comum de morte entre crianças. Ainda que muitos cânceres da infância sejam tratáveis, a intervenção paliativa é necessária para aquelas apresentando condições incuráveis. Em média, uma criança não vê a morte como permanente até a idade de cerca de 10 anos; antes disso, é vista como um sono ou separação. Portanto, deve ser dito às crianças apenas o que são capazes de entender; se aptas, devem ser envolvidas no processo de tomada de decisão sobre planos de tratamento. Garantias de que estão livres de dor e fisicamente confortáveis são tão importantes para as crianças quanto o são para adultos. Um aspecto singular do cuidado de final da vida de crianças envolve o tratamento de seus medos de serem separadas dos pais. É importante a participação destes em tarefas de cuidado de final da vida dentro de suas capacidades. Sessões familiares com a criança presente permitem que sentimentos venham à tona e perguntas sejam respondidas.
QUESTÕES ESPIRITUAIS A inclusão de uma seção sobre religião ou problemas espirituais na revisão de texto da quarta edição do Manual diagnóstico e esta-
CUIDADOS NO FINAL DA VIDA E
tístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR) nada mais é do que um sinal da consciência cada vez maior acerca da importância dessa área para pacientes, famílias e também para muitos membros da equipe médica. Diversos estudos mostraram que crenças religiosas costumam estar associadas a métodos de manejo maduros e ativos, e a fronteira comum entre os campos psicológico e espiritual entre pacientes com doença terminal está produzindo uma nova área de pesquisa psicológica dentro da instituição médica tradicional. O psiquiatra deveria indagar sobre fé, seu significado, práticas religiosas associadas e impacto sobre a resposta de manejo. Essa área pode ser uma fonte de força ou culpa em todos os estágios da doença, variando do mais primitivo “O que eu fiz para causar isso?”, passando por “Deus me dará apenas o que posso suportar?”, até a dolorosa revisão da vida do estágio final. A espiritualidade costuma ser um fator primário nas reações à possibilidade de suicídio e em atitudes em relação a decisões de cuidado terminal. Profissionais da saúde mental devem lidar com essas áreas de maneira franca e não-condescendente e trabalhar para ajudar os pacientes a integrar esse aspecto de sua personalidade a sua crise atual. O profissional também precisa trabalhar em harmonia com o guia espiritual do paciente, se houver. Às vezes, um capelão experiente, efetivo, trabalhando com o paciente adequado, pode conseguir resultados positivos de forma mais direta do que qualquer psicoterapia. O seguinte caso exemplifica como o cuidado pastoral criativo pode aliviar o sofrimento. Uma mulher jovem foi internada em um hospital em estado terminal. Estava apresentando depressão grave, que ela atribuía a não ser capaz de ver sua filha mais velha receber a primeira comunhão. Arranjos foram feitos para que uma cerimônia de comunhão para a filha tivesse lugar no hospital. Após a cerimônia, o humor da paciente melhorou de forma significativa, na medida em que um de seus medos foi aliviado e uma necessidade religiosa foi satisfeita. Quando seu humor melhorou, ela foi capaz de tratar outras questões nãoresolvidas e ter encontros de qualidade com seus filhos em seus últimos dias. (De O’Neil MT. Pastoral Care. In: Cimino JE, Brescia MJ, eds. Calvary Hospital Model for Palliative Care in Advanced Cancer. Bronx: Palliative Care Institute, 1998, com permissão.) MEDICINA ALTERNATIVA E COMPLEMENTAR Muitos pacientes, uma vez informados de que têm uma doença terminal, buscam tratamentos alternativos, os quais variam de programas inócuos visando a aumentar a saúde geral a regimes mais agressivos, prejudiciais ou fraudulentos. Ainda que a maioria combine o alternativo e o tradicional, um número substancial escolhe a medicina complementar como o único tratamento para sua doença. Os métodos complementares para curar doença terminal, em especial câncer, enfatizam uma abordagem holística, envolvendo purificação do corpo, desintoxicação por meio de limpeza interna e atenção a bem-estar nutricional e emocional. Apesar de seu apelo difundido, não foi demonstrado que algum desses métodos cure câncer ou prolongue a
MEDICINA PALIATIVA
1441
vida, apesar de todos terem grande número de seguidores encorajados por relatos isolados de sua eficácia. A popular terapia metabólica atribui o câncer e outras doenças potencialmente fatais a toxinas e materiais inúteis que se acumulam no corpo; o tratamento baseia-se na reversão desse processo mediante dieta, vitaminas, minerais, enzimas e irrigações do colo. Outra abordagem inclui dietas macrobióticas e megavitaminas para aumentar a capacidade do corpo de destruir malignidades. Em 1987, o National Research Council recomendou minimizar substâncias carcinogênicas e gordura na dieta e aumentar o consumo de cereais integrais, frutas e vegetais como medidas preventivas. As abordagens psicológicas citam personalidade e estilos de manejo mal-adaptativos como contribuintes para doenças fatais; o tratamento consiste de modelar uma atitude positiva. As abordagens espirituais visam a alcançar harmonia entre o paciente e a natureza. Alguns grupos valem-se da espiritualidade como uma forma de repelir doença, que é às vezes vista como um mal externo a ser exorcizado. A imunoterapia obteve popularidade nos últimos anos; o câncer é atribuído a um sistema imune defeituoso, e a restauração da imunocompetência é considerada a forma de cura.
A ênfase da sociedade na consciência de saúde, nas relações mente-corpo e na responsabilidade individual reflete-se na atual popularidade de tratamentos alternativos. Pessoas que trabalham com pacientes com doença terminal, em especial aqueles com câncer, devem ser informadas dessas abordagens e estar preparadas para discuti-las com os pacientes. É importante avaliar o desejo do indivíduo por essas terapias, principalmente porque tal desejo em geral reflete necessidades emocionais não-satisfeitas pelo tratamento convencional. Uma consideração significativa é que muitos encontram mais forças para suportar o sofrimento da doença terminal com a ajuda da medicina alternativa, mesmo que o curso da doença possa não ser afetado. (Para uma discussão acerca da medicina alternativa, ver Capítulo 29). EUTANÁSIA E SUICÍDIO ASSISTIDO No juramento hipocrático, os médicos juram não prescrever uma substância mortal ou dar ao paciente conselho que possa causar morte. Como resultado, caminham sobre uma linha tênue entre sua responsabilidade de aliviar dor e sofrimento e sua obrigação de preservar a vida. Com desenvolvimentos na tecnologia e em sistemas de apoio à vida e o aumento da longevidade, vários grupos estão tentando desenvolver uma política abrangente em relação à eutanásia que seja aceitável para pacientes, médicos, advogados e teólogos. Eutanásia e suicídio assistido tornaram-se fontes de contínua controvérsia, o que provavelmente persistirá em um futuro próximo. Eutanásia Eutanásia é definida como o ato deliberado do médico para causar a morte do paciente, pela administração direta de uma dose letal de medicação ou outro agente. Visto que esses pacientes são considerados irreversivelmente doentes ou disfuncionais, a prática tem sido chamada de “morte de misericórdia”. Com base na ação do médico e da condição do paciente, diversos tipos de eutanásia foram descri-
1442
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
tos: eutanásia ativa, na qual o médico planeja tirar a vida do paciente para aliviar ou evitar sofrimento incontrolável; eutanásia passiva, na qual o médico recusa medidas de sustentação da vida artificiais; eutanásia voluntária, na qual a pessoa que está para morrer é competente para dar consentimento e o faz; e eutanásia involuntária, na qual a pessoa que está para morrer é incompetente ou incapaz de dar consentimento. Eutanásia pressupõe que a intenção do médico é ajudar e incentivar o desejo de morrer do paciente. Suicídio assistido Suicídio é a subtração deliberada da própria vida. Suicídio assistido é a comunicação de informação ou meios que permitem que tal ato aconteça. Quando a assistência é fornecida pelo médico, o suicídio é assistido por médico. Suicídio assistido e eutanásia não devem ser confundidos com tratamento paliativo designado para aliviar o sofrimento. Tratamento paliativo inclui aliviar a dor e dar apoio emocional, social e espiritual, bem como cuidado psiquiátrico, se indicado. Sua intenção é aliviar a dor e o sofrimento, não terminar a vida, ainda que a morte possa resultar do processo. Nos Estados Unidos, questão do suicídio assistido pelo médico chegou ao conhecimento público em 1990, quando Jack Kevorkian, um médico de Michigan, colocou Janet Adkins, uma vítima de demência do tipo Alzheimer, em contato com uma suposta máquina de suicídio que lhe permitiu administrar uma infusão de cloreto de potássio (KCl) que acabou com sua vida. Depois disso, Kevorkian ajudou mais de cem pessoas a tirarem suas próprias vidas. Em Michigan, onde clinicava, foi indiciado por homicídio culposo e, em 1999, foi condenado à prisão. Antigamente, o suicídio era considerado um tipo de homicídio, ainda que ninguém tenha sido ou seja condenado pelo crime. Suicídio assistido, entretanto, é um crime e, em alguns estados norte-americanos (p. ex., Califórnia), é considerado homicídio. Mais de 40 estados nos Estados Unidos, contudo, consideram ajudar e incentivar o suicídio um crime, sem defini-lo como homicídio. Em 1996, em Nova York e na Califórnia, tribunais estaduais aprovaram o direito de causar a própria morte por meio de suicídio assistido. Em uma decisão referencial, o povo de Oregon aprovou um plebiscito permitindo que os médicos prescrevam medicação letal para pacientes com doença terminal (A Lei de Morte com Dignidade de Oregon). Em um levantamento de médicos no Oregon (o único estado americano onde o suicídio assistido é legal), 5% dos 2.649 médicos relataram ter recebido um ou mais pedidos para prescrições letais entre o final de 1997 e o início de 1999. A maioria dos pacientes em questão tinha câncer e uma expectativa de vida de menos de seis meses. Em 30% dos casos, intervenções como controle da dor e encaminhamento a asilos mudaram a opinião dos pacientes sobre suicídio assistido. Dos 165 para os quais os médicos relataram o resultado do pedido, 29 receberam prescrições e 17 morreram após tomar a medicação. Por fim, os médicos de Oregon são obrigados a notificar a Divisão de Saúde de Oregon quando prescreveram medicação letal. A divisão foi notificada de 33 casos em 1999; 27 pacientes morreram após tomar a medicação, em relação a 16 em 1998. Os dados indicam que o suicídio assistido
não está aumentado de forma tão excessiva no estado. Em junho de 1997, a Suprema Corte dos Estados Unidos determinou que não há direito constitucional para suicídio assistido; entretanto, não derrubou a lei de Oregon.
Nos Estados Unidos, suicídio assistido pelo médico e eutanásia foram objetados pela American Psychiatric Association, pela American Medical Association, pela American Nurses Association, pelo National Legal Center for the Disabled e pela Igreja Católica Romana. A World Medical Association publicou a seguinte declaração sobre a eutanásia, em outubro de 1987: Eutanásia, que é o ato de deliberadamente terminar a vida de um paciente, mesmo a pedido do próprio ou de seus parentes próximos, é antiética. Isso não impede o médico de respeitar a vontade do paciente de permitir que o processo natural de morte siga seu curso na fase terminal da doença. A posição do Committee of Bioethical Issues de Nova York também é contrária à eutanásia, mas estabelece que os médicos têm obrigação de fornecer tratamento efetivo para aliviar a dor e o sofrimento, mesmo que este possa acelerar a morte. O comitê declarou o seguinte: O princípio de autonomia do paciente requer que os médicos respeitem a decisão daqueles que possuem capacidade para tal de desistir de tratamento de sustentação da vida. Tratamento de sustentação da vida é definido como qualquer tratamento médico que sirva para prolongar a vida sem reverter a condição médica subjacente. O mesmo inclui, mas não é limitado a, ventilação mecânica, diálise renal, transfusão de sangue, quimioterapia, antibióticos e nutrição e hidratação artificiais. Os médicos são obrigados a aliviar a dor e o sofrimento e a promover a dignidade e autonomia de pacientes à beira da morte sob seus cuidados. Isso inclui fornecer tratamento paliativo mesmo que este possa acelerar a morte. No entanto, esses profissionais não devem realizar eutanásia ou participar de suicídio assistido. Apoio, conforto, respeito pela autonomia do paciente, boa comunicação e controle adequado da dor podem diminuir a exigência por eutanásia e suicídio assistido. Em certas circunstâncias definidas com cuidado, é humano reconhecer que a morte é certa e o sofrimento é grande. Na Holanda, é permitido que médicos participem de eutanásia ativa desde que certas condições sejam satisfeitas. O paciente deve fazer pedidos repetidos, bem-informados e constantes. A condição mental ou física do mesmo deve ser considerada incurável. Todas as outras opções de tratamento precisam ter sido esgotadas. O médico assistente deve ter a concordância de outro médico. Cerca de 3% de todas as mortes na Holanda resultam de eutanásia. Nos Estados Unidos, um grupo chamado Sociedade Hemlock promove ativamente a prática da eutanásia. Seu fundador, Derek Humphry, em seu livro Final Exit (Última Saída), dá orientações explícitas sobre técnicas de suicídio. O livro foi um bestseller no país e no exterior e comprova o interesse e a controvérsia em torno do assunto. Semelhan-
CUIDADOS NO FINAL DA VIDA E
tes sociedades de direito de morrer incluem Choice in Dying (Escolha da Morte) e Americans for Death with Dignity (Americanos pela Morte com Dignidade).
A American Association of Suicidology, em seu Relatório do Comitê sobre Suicídio Assistido por Médico e Eutanásia, de 1996, concluiu que a eutanásia involuntária nunca pode ser desculpada; o relatório também declarou, entretanto, que “sofrimento intolerável e prolongado de pessoas à beira da morte nunca deve ser insistido, contra seus desejos, em esforços sinceros de preservar a vida a qualquer preço”. Essa posição reconhece que pacientes podem morrer como resultado de tratamento oferecido com o fim explícito de aliviar o sofrimento; no entanto, morte associada ao tratamento paliativo difere de forma significativa de suicídio assistido pelo médico na medida em que a morte não é o objetivo do tratamento e não é intencional.
MEDICINA PALIATIVA
1443
ciente por psiquiatras. Ele permanece no campo da teologia e da filosofia. Trata-se de uma mistura complexa de fatores espirituais, emocionais e físicos que transcendem a dor e outros sintomas de doença terminal. Os médicos são mais qualificados para lidar com depressão do que com sofrimento. Anatole Broyard, que narrou a cronologia de sua própria morte em seu livro Intoxicated by My Illness (Intoxicado por Minha Doença), escreveu o seguinte: Não vejo razão ou necessidade para meu médico me amar nem esperaria que ele sofresse comigo. Não exigiria tanto tempo de meu médico; apenas desejaria que ele meditasse sobre minha situação por talvez cinco minutos, que me desse toda a sua atenção apenas uma vez, ficasse ligado a mim por um breve espaço de tempo, examinasse minha alma e minha carne, para chegar à minha doença, pois cada homem está doente à sua própria maneira.
Pedidos por suicídio ORIENTAÇÕES FUTURAS Para ajudar a orientar médicos que se defrontam com pedidos de suicídio assistido, o Instituto de Ética da AMA propôs o seguinte protocolo clínico de oito passos: 1. Avaliação do paciente para depressão ou outras condições psiquiátricas capazes de causar transtorno do pensamento. 2. Avaliação da “competência para tomar decisões” do paciente. 3. Discussão com o paciente sobre seus objetivos de tratamento. 4. Avaliação e resposta ao “sofrimento físico, mental, social e espiritual do paciente”. 5. Discussão sobre todas as opções de tratamento e cuidados. 6. Consulta a outros colegas de profissão. 7. Garantia de que os planos de tratamento escolhidos pelo paciente estão sendo seguidos, incluindo remoção de tratamento indesejado e fornecimento de alívio de dor e sintoma adequado. 8. Discussão com o paciente explicando por que o suicídio assistido pelo médico deve ser evitado e por que o mesmo não é compatível com a natureza justa do protocolo de tratamento. A maioria dos psiquiatras considera o suicídio um ato irracional que é produto de doença mental, em geral depressão. Em quase todos os casos nos quais o paciente pede para morrer, há depressão associada a uma condição médica incurável que causa dor insuportável. Nesses casos, todo esforço deve ser feito para aliviar ambas as condições: antidepressivos ou psicoestimulantes para depressão e opióides para dor. Psicoterapia, aconselhamento espiritual ou as duas intervenções podem ser necessárias. Além disso, terapia familiar para ajudar com o estresse de lidar com um paciente à beira da morte pode ser benéfica. Ela é útil porque alguns pacientes podem pedir para morrer pois não desejam ser uma carga para suas famílias; outros podem sentir-se coagidos a acreditar que são ou serão uma carga e podem preferir a morte como resultado. No entanto, nenhum código profissional aprova a eutanásia ou o suicídio assistido nos Estados Unidos. Portanto, os psiquiatras devem permanecer do lado do salvamento e do tratamento responsáveis. Uma distinção também é necessária entre depressão maior e sofrimento. A natureza do sofrimento não foi estudada o sufi-
Avanços na tecnologia trazem mais controvérsias médicas, legais, morais e éticas complexas em relação à vida, à morte, à eutanásia e ao suicídio assistido pelo médico. Algumas formas de eutanásia encontraram lugar na medicina moderna, e a expansão das fronteiras de direitos dos pacientes e sua capacidade de escolher a forma como vivem e morrem são inevitáveis. Tanto pacientes como médicos precisam ser melhor educados sobre depressão, manejo da dor, tratamento paliativo e qualidade de vida. Escolas de medicina e programas de residência precisam dar, aos temas de morte, agonia e tratamento paliativo a atenção que merecem. A sociedade deve assegurar que economia, preconceitos de idade e raça não se interponham no caminho do tratamento adequado e humano de pessoas com doença crônica terminal. Por fim, a política nacional de tratamento de saúde deve fornecer cobertura previdenciária adequada, tratamento domiciliar e serviços de asilos adequados a todos os pacientes. Se essas ordens forem seguidas, o argumento para a assistência do médico na morte perderá muito de seu impacto. REFERÊNCIAS Ganzini L. Physicians’ experiences with the Oregan Death with Dignity Act. N Engl J Med. 2000;342:557. Ganzini L, Fenn DS, Lee MA, Heintz RT, Bloom JD. Attitudes of Oregon psychiatrists towards physician-assisted suicide. Am J Psychiatry. 1996;153:11. Gronenewoud JH. Clinical problems with the performance of euthanasia and physician-assisted suicide in the Netherlands. N Engl J Med. 2000;342:551. Hendin H. Seduced by Death: Doctors, Patients, and the Dutch Cure. New York: WW Norton; 1997. Hendin H, Klerman G. Physician-assisted suicide: the dangers of legalization. Am J Psychiatry. 1993;150:143. Humphry D. Final Exit: The practicalities of Self-Deliverance and Assisted Suicide for the Dying. Eugene, OR: Hemlock Society; 1991. Jeret JS. Discussing dying: changing attitudes among patients, physicians, and medical students. Pharos. 1996;52:15. Kastenbaum RJ. Death, Society and Human Experence. 2nd ed. New York: Macmillan; 1991.
1444
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Lazar TS. Psysician-assisted suicide and the state of the law in California. Action Rep Med Board Calif. 1996;59:5. Lee MA, Nelson HD, Tilden VP, Ganzini L, Schmidt TA, Tolle SW. Legalizing assisted suicide—views of physicians in Oregon. N Engl J Med. 1994;334:310. Lo B, Ruston D, Kates LW, et al. Discussing religious and spiritual issues at the end of life. A practical guide for physicians. JAMA. 2002; 287:7490. McCorkle R, Pasacreta JV. Enhancing caregiver outcomes in paliative care. Cancer Control. 2001;8:36. Quill TE, Cassel CK, Meier DE. Care of the hopelessly ill: proposed clinical criteria for physician-assisted suicide. N Engl J Med. 1992;327:1380. Rabow MW, Hardie GE, Fair JM, McPhee SJ. End-of-life-care contents in 50 textbooks from multiple specialties. JAMA. 2000;283:771.
Robert G, Owens J. The near-deash experience. Br J Psychiatry. 1988;153:607. Rosner F, Rogatz P. Psysicians-assisted suicide: Committee of Bioethical Issues of the Medical Society of the State of New York. N Y State J Med 1992;92:388. Snyder L, Caplan AL, eds. Assisted Suicide. Bloomington. IN: Indiana University Press; 2002. Yates P, Stetz KM. Families’ awareness of and response to dying. Oncol Nurs Forum. 1999;26:113. Zisook S, Downs NS. Death, dying, and bereavement. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:1963.
57 Psiquiatria forense
A
psiquiatria forense é o ramo da medicina que trata de transtornos da mente e sua relação com princípios legais. A palavra forense significa pertencente aos tribunais de justiça. Em vários estágios de seu desenvolvimento histórico, psiquiatria e lei convergiram. Hoje, as duas áreas têm freqüentes cruzamentos, em especial ao lidar com criminosos que, por violação das regras da sociedade secundária a transtorno mental, afetam de forma adversa o funcionamento da comunidade. Tradicionalmente, os esforços da psiquiatria ajudam a explicar as causas e, mediante prevenção e tratamento, reduzir os elementos autodestrutivos do comportamento nocivo. O advogado, como agente da sociedade, preocupa-se com o fato de que pessoas com desvio social sejam uma ameaça potencial à segurança e à proteção dos outros. Tanto a psiquiatria como a lei buscam implementar seus respectivos objetivos através da aplicação de técnicas pragmáticas baseadas em observações empíricas. Thomas Gutheil, um influente psiquiatra forense, enfatiza que a fronteira comum entre a psiquiatra e a lei contém muita complexidade e potencial para equívocos significativos, conforme ilustrado no exemplo a seguir. Durante uma consulta de psicoterapia ambulatorial de rotina, um administrador de nível médio começou a queixar-se de seu chefe. Sentindo a liberdade de expressão que a situação terapêutica encoraja, o homem exaltou-se a um nível mais alto do que o usual e, na intensidade emocional do momento, declarou que gostaria de matá-lo. Depois, acalmou-se, aliviado por ter desabafado, passou a discutir outros assuntos e foi embora ao final da sessão. O terapeuta não acreditou que o paciente estivesse a ponto de deixar-se levar pelos sentimentos expressos. Entretanto, tinha ouvido falar de um caso no qual um terapeuta meterase em dificuldades por não prevenir terceiros, e decidiu tomar uma atitude. Em uma folha de papel com seu timbre, escreveu uma advertência ao empregador de que seu paciente, John Jones, tinha expressado o desejo de matá-lo. Enviou a carta por correio – não expresso ou registrado – e endereçou-a não ao empregador, mas ao departamento de pessoal da companhia. O alvoroço resultante, ainda que talvez previsível, surpreendeu o terapeuta. Durante a subseqüente ação de res-
ponsabilidade por violação da confidência, ele disse confuso: “Mas eu estava fazendo apenas o que a lei exige de mim!”. Nesse caso, o terapeuta não era obrigado a informar, porque não acreditou que seu paciente fosse agir por seus impulsos; se acreditasse, a carta teria sido endereçada à possível vítima (acusando recebimento) e não ao departamento de pessoal. IMPERÍCIA MÉDICA Imperícia médica é um delito, ou erro civil. Trata-se de um erro não-criminoso resultante da negligência médica. De forma mais simples, negligência significa fazer algo que um médico com o dever de cuidar do paciente não deveria ter feito ou deixar de fazer o que deveria ter sido feito, conforme definido pela prática médica corrente. Em geral, o padrão de tratamento em casos de imperícia é estabelecido por testemunho pericial ou por referência a artigos de jornal, manuais e tratados profissionais, orientações de prática e práticas éticas promulgadas por organizações profissionais. Para provar imperícia, o queixoso (p. ex., paciente, família, estado) deve estabelecer, por uma preponderância da evidência, que (1) existiu um relacionamento médico-paciente que criou um dever de cuidar, (2) houve um desvio do padrão de tratamento, (3) o paciente foi prejudicado e (4) o desvio causou diretamente o dano. Esses elementos de uma alegação de imperícia são às vezes referidos como os 4 Ds (dever, desvio, dano, causação direta). Prova por uma preponderância da evidência, conforme requerida em uma ação de imperícia, significa que há mais probabilidade do que improbabilidade. Ainda que a lei não determine uma porcentagem, a preponderância da evidência é algo como 51 a 49%, ou evidência apenas suficiente para inclinar a probabilidade para uma ou outra direção. Cada um dos quatro elementos de uma alegação de imperícia deve estar presente ou pode não haver veredicto de responsabilidade. Por exemplo, um psiquiatra cuja negligência é a causa direta de dano (físico, psicológico, ou ambos) não é responsável por imperícia se não existia um relacionamento médico-paciente para criar um dever de cuida-
1446
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
do. Psiquiatras não costumam ser condenados se, em um programa de rádio, derem um conselho negligente que é prejudicial a um ouvinte, em especial se for feita uma advertência ao ouvinte de que não está sendo criado um relacionamento médico-paciente. Nenhuma alegação de imperícia será sustentada contra o psiquiatra se a condição de piora não estiver relacionada a cuidado negligente. Por fim, se o psiquiatra trata um paciente que se sente prejudicado, não existe imperícia se não houver desvio do padrão de tratamento. Nem todo mau resultado é conseqüência de negligência. Os psiquiatras não podem garantir diagnósticos e tratamentos corretos. Quando o cuidado devido é fornecido, erros podem ser cometidos sem, necessariamente, incorrer em responsabilidade. A maioria dos casos psiquiátricos é complicada. Esses profissionais fazem julgamentos ao escolherem determinado curso de tratamento entre as muitas opções existentes. Em retrospecto, a decisão pode provar-se errada, mas não ser um desvio no padrão de tratamento. Além de ações de negligência, os psiquiatras podem ser processados pelos delitos intencionais de estupro, agressão, detenção falsa, difamação, fraude ou declaração falsa, invasão de privacidade e imposição intencional de sofrimento emocional. Em um delito intencional, os transgressores são motivados pela intenção de prejudicar uma outra pessoa ou percebem, ou deveriam ter percebido, que tal prejuízo pode resultar de suas ações. Por exemplo, dizer a um paciente que sexo com o terapeuta é terapêutico constitui uma fraude. A maioria das apólices de seguro não fornece cobertura para delitos intencionais. Outras teorias legais de responsabilidade incluem quebra de contrato e violações de direitos civis, da constituição federal, das constituições estaduais ou de estatutos de direitos civis federais.
TRATAMENTO GERENCIADO Banco de dados do profissional médico Em 1o de setembro de 1990, a Lei Health Care Quality Improvement, de 1986, estabeleceu o Banco de Dados do Profissional Médico, o qual rastreia ações disciplinares, julgamentos por imperícia e decisões contra médicos, dentistas e outros profissionais da saúde. Hospitais, organizações de manutenção de saúde, sociedades profissionais, conselhos de medicina estaduais e outras organizações de saúde devem relatar qualquer ação disciplinar tomada contra profissionais que dure mais de 30 dias. Ações disciplinares incluem limitação, suspensão, revogação de privilégios ou desligamento de sociedades profissionais. Sob a Lei Health Care Quality Improvement, entidades e fornecedores de tratamento de saúde recebem imunidade de responsabilidade ao fazerem relatórios de revisão de colegas, de boafé. Essa informação sobre os médicos está disponível na internet.
critos com cuidado especial devido a possíveis interações prejudiciais e efeitos adversos. Psiquiatras que prescrevem medicamentos devem explicar o diagnóstico, os riscos e os benefícios de cada droga, dentro dos limites do bom senso e quando as circunstâncias permitirem (Tab. 57-1). A obtenção de consentimento informado competente pode ser problemática se o paciente psiquiátrico tiver capacidade cognitiva diminuída devido a doença mental ou prejuízo cerebral crônico; um procurador, com poderes para tomar decisões de tratamento de saúde, pode ser necessário para tanto. O consentimento informado deve ser obtido toda vez que um medicamento for mudado e uma nova droga for introduzida. Se os pacientes tiverem prejuízos porque não foram informados de forma adequada acerca dos riscos e das conseqüências de tomar um medicamento, existe base suficiente para uma ação de imperícia. Uma pergunta que é feita de forma regular: Com que freqüência os pacientes devem ser vistos para acompanhamento de medicação? A resposta é que isso deve acontecer de acordo com suas necessidades clínicas. Nenhuma resposta pronta sobre a freqüência de visitas pode ser dada. Quanto maior o intervalo de tempo entre as visitas, entretanto, maior a probabilidade de reações adversas de droga e outras evoluções clínicas. Pacientes que tomam medicamentos não devem ficar mais de seis meses sem visitas de acompanhamento. Políticas de tratamento gerenciado (planos de saúde) que não reembolsam consultas freqüentes de acompanhamento podem fazer o psiquiatra ter de prescrever grandes quantidades de medicamentos. Seu dever é fornecer tratamento adequado ao paciente, independentemente do tratamento gerenciado ou de outras políticas de pagamento. Outras áreas de negligência envolvendo medicação que resultam em ações de imperícia incluem falha em tratar efeitos adversos que foram ou deveriam ter sido reconhecidos; falha em monitorar a adesão do paciente aos limites da prescrição; falha em prescrever medicação, ou níveis adequados da mesma, de acordo com as necessidades de tratamento do paciente; prescrever drogas com potencial de dependência a pacientes vulneráveis; falha em encaminhar um paciente para consulta ou tratamento por um especialista; retirada negligente de tratamento medicamentoso.
Tratamento dividido No tratamento dividido, o psiquiatra fornece medicação e um terapeuta não-médico conduz a psicoterapia. A vinheta a seguir ilustra uma possível complicação.
TABELA 57-1 Consentimento informado: informação pertinente a ser revelada
Práticas de prescrição negligente Práticas de prescrição negligente incluem exceder as dosagens recomendadas e deixar de ajustar o nível de medicação para níveis terapêuticos, misturar drogas sem motivo, prescrever medicamento que não é indicado, prescrever muitas drogas de uma só vez e deixar de revelar os efeitos dos medicamentos. Pacientes idosos com freqüência tomam uma variedade de agentes prescritos por diferentes médicos. Múltiplos medicamentos psicotrópicos devem ser pres-
Ainda que não exista um padrão aceito de forma consistente para revelação de informação para determinada situação médica ou psiquiátrica, via de regra cinco áreas de informação costumam ser fornecidas: 1. Diagnóstico – descrição da condição ou do problema 2. Tratamento – natureza e propósito do tratamento proposto 3. Conseqüências – riscos e benefícios do tratamento proposto 4. Alternativas – alternativas viáveis ao tratamento proposto, incluindo riscos e benefícios 5. Prognóstico – resultado projetado com e sem tratamento Reimpressa, com permissão, de Simon RI. Clinical Psychiatry and the Law. 2a nd ed. Washington, DC: American Psychiatric Press, 1992.
PSIQUIATRIA FORENSE
Um psiquiatra forneceu medicação para uma mulher de 43 anos deprimida. Um psicólogo com mestrado atendia a paciente em psicoterapia ambulatorial. O psiquiatra viu a paciente por 20 minutos durante a avaliação inicial e prescreveu uma droga tricíclica, uma quantidade suficiente até o acompanhamento, em três meses. O diagnóstico inicial do psiquiatra foi depressão maior recorrente. A paciente negou ideação suicida. Apetite e sono estavam marcadamente diminuídos. Ela apresentava uma longa história de depressão recorrente com tentativas de suicídio. Nenhuma outra conversa foi mantida entre o psiquiatra e o psicólogo, e este último via a paciente uma vez por semana por 30 minutos, em psicoterapia. Três semanas depois, após o fracasso de um relacionamento romântico, a paciente parou de tomar o medicamento antidepressivo, começou a beber e cometeu suicídio com uma superdosagem de álcool e drogas antidepressivas. O psicólogo e o psiquiatra foram processados por diagnóstico e tratamento negligentes. Os psiquiatras devem fazer uma avaliação adequada, obter registros médicos anteriores e entender que não existe um paciente “parcial”. Tratamentos divididos são armadilhas potenciais de imperícia porque os pacientes podem “cair por entre as fendas” de um tratamento fragmentado. O psiquiatra mantém total responsabilidade pelo atendimento em uma situação de tratamento dividido. Isso não exime de responsabilidade os outros profissionais da saúde mental envolvidos. A Seção V, Comentário 3, do Principles of Medical Ethics with Annotations Especially Applicable to Psychiatry (Princípios de ética médica com comentários especialmente aplicáveis à psiquiatria) estabelece: “Quando o psiquiatra assume um papel de colaboração ou supervisão com outro profissional da saúde mental, deve despender tempo suficiente para assegurar que um tratamento adequado está sendo fornecido”. No tratamento gerenciado ou em outras situações, um papel marginalizado, de meramente prescrever medicação à parte de um relacionamento médico-paciente operante, não costuma satisfazer os padrões aceitos de bom tratamento clínico. O psiquiatra deve ser mais do que apenas um técnico de medicação. Tratamento fragmentado, no qual só escreve receitas enquanto permanece desinformado sobre o estado clínico geral do paciente, constitui tratamento abaixo do padrão, o que pode levar a uma ação de imperícia. No mínimo, essa prática diminui a eficácia do próprio tratamento medicamentoso ou pode mesmo levar à falha do paciente em tomar a medicação prescrita. Situações de tratamento dividido requerem que o psiquiatra permaneça totalmente informado sobre o estado clínico do paciente e sobre a natureza e a qualidade do tratamento oferecido pelo terapeuta nãomédico. Em um relacionamento de colaboração, a responsabilidade pelo tratamento é compartilhada de acordo com as qualificações e limitações de cada disciplina. As responsabilidades de cada uma não diminuem as das outras. Os pacientes devem ser informados das responsabilidades separadas de cada disciplina. O psiquiatra e o terapeuta não-médico devem avaliar, de forma periódica, a condição clínica e as necessidades do paciente para determinar se a colaboração deve continuar. Ao término desse relacionamento, os dois profissionais devem informar o paciente,
1447
separados ou em conjunto. Em tratamentos divididos, se o terapeuta não-médico for processado, o psiquiatra que participou provavelmente também o será, e vice-versa. Psiquiatras que prescrevem medicação dentro de um tratamento dividido devem ser capazes de hospitalizar o paciente, caso isso seja necessário. Se os mesmos não têm privilégios de internação, arranjos antecipados precisam ser feitos com psiquiatras que possam hospitalizar o paciente em caso de emergência. O tratamento dividido é cada vez mais utilizado por companhias de planos de saúde e é um campo potencial de imperícia.
PRIVILÉGIO E CONFIDÊNCIA Privilégio Privilégio é o direito de manter sigilo ou confidência diante de uma intimação. Comunicações privilegiadas são declarações feitas por certas pessoas dentro de um relacionamento – tal como marido-esposa, padre-penitente, médico-paciente – que a lei protege de revelação forçada na posição de testemunha. O direito de privilégio diz respeito ao paciente, não ao médico, e, portanto, aquele pode desistir do direito. Os psiquiatras, que têm licença para praticar medicina, podem alegar privilégio médico, mas esse privilégio é tão permeado por qualificações que é praticamente sem sentido. Casos puramente federais não têm privilégio psicoterapeuta-paciente. Além disso, não existe privilégio em tribunais militares, independentemente de o médico ser militar ou civil e de o privilégio ser reconhecido no estado em que a corte marcial se realiza. O privilégio tem inúmeras exceções, que costumam ser vistas como renúncias implícitas. Na exceção mais comum, diz-se que os pacientes renunciam ao privilégio introduzindo sua condição mental no litígio, desse modo tornando sua condição um elemento de reclamação ou defesa. Outra exceção envolve medidas judiciais para hospitalização, nas quais se afirma que os interesses tanto do paciente como do público exigem uma renúncia de confidência. Em diversas disputas, os médicos podem ser obrigados a dar à corte informações que em geral são consideradas privilegiadas. Ainda outra exceção é feita em processos de custódia e proteção de crianças, no que diz respeito a seu melhor interesse. Além disso, o privilégio não se aplica a ações entre terapeuta e paciente. Portanto, em uma disputa de honorários ou em uma alegação de imperícia, o advogado do pleiteante pode obter os registros de terapia necessários para resolver a disputa. Em relação ao privilégio médico, psiquiatras e outros médicos não gozam legalmente do mesmo benefício que existe entre cliente e advogado, padre e devoto, marido e esposa. A maioria dos médicos não tem conhecimento desse fato. Confidencialidade Uma premissa de ética médica há muito defendida obriga os médicos a manterem em segredo toda informação dada por pacientes. Essa obrigação profissional é chamada de confidencialidade. Aplica-se a certas populações e não a outras; um grupo que está
1448
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
dentro do círculo de confidencialidade compartilha informação sem receber permissão específica do paciente. Esses grupos incluem, além do médico, outros membros da equipe que tratam o paciente, supervisores clínicos e consultores. Pessoas fora do círculo incluem família, advogado e terapeuta anterior; para compartilhar informações com esses indivíduos, é preciso permissão do paciente. Contudo, em inúmeros casos, um psiquiatra pode ser solicitado a divulgar informação dada no contexto da sessão. Ainda que uma demanda judicial por informação seja mais inquietante para psiquiatras, com freqüência essas pressões vêm de fontes como companhias de seguros, que não podem obrigar a divulgação, mas podem negar um benefício sem ela. O paciente em geral faz uma revelação ou autoriza o psiquiatra a fazê-la para receber um benefício, como emprego, benefícios previdenciários, seguro. Uma intimação pode forçar o psiquiatra a quebrar a confidência, e os tribunais devem ser capazes de obrigar pessoas a testemunhar para a lei funcionar de forma adequada. Uma intimação é uma ordem para comparecer em juízo como testemunha ou mediante depoimento escrito. Os médicos muitas vezes recebem uma intimação duces tecum, que requer a apresentação de registros e documentos relevantes. Mesmo que o poder de emitir intimações caiba ao juiz, podem ser emitidas a pedido de um advogado representando uma das partes da ação. Em emergências, de boa-fé, informações podem ser liberadas da forma mais limitada possível para realizar intervenções necessárias. A prática clínica correta considera que o psiquiatra deve fazer o possível, se houver tempo, para obter a permissão do paciente de qualquer maneira e interrogá-lo após a emergência. Via de regra, informação clínica pode ser compartilhada com a permissão do paciente – de preferência, permissão por escrito, ainda que permissão oral seja suficiente com documentação adequada. Cada liberação vale apenas para uma parte da informação, e a permissão deve ser obtida de novo para cada liberação subseqüente, mesmo que para a mesma pessoa. A permissão vence apenas a barreira legal, não a barreira clínica; a liberação é permissão, não obrigação. Se o médico acredita que a informação pode ser destrutiva, a questão deve ser discutida, e a liberação pode ser recusada, com algumas exceções. Terceiros pagadores e supervisão. O uso cada vez maior de planos de saúde está precipitando uma preocupação sobre a confidência e o modelo conceitual da prática psiquiátrica. Hoje, os planos de saúde cobrem cerca de 70% de todas as contas de tratamento de saúde; para fornecer cobertura, as companhias precisam obter informação para avaliar a administração e os custos de vários programas. O controle de qualidade do tratamento requer que a confidência não seja absoluta, bem como uma revisão de pacientes e terapeutas individuais. O terapeuta em treinamento deve quebrar a confidência do paciente ao discutir o caso com um supervisor. Indivíduos institucionalizados, que estão sendo tratados por ordem judicial, devem ter seus programas de tratamento submetidos a uma junta de saúde mental. Discussões sobre pacientes. Em geral, os psiquiatras têm múltiplas lealdades: aos pacientes, à sociedade, à profissão. Através de escritos, ensino e seminários, podem compartilhar seu conhecimento e experiência adquiridos e fornecer informação valiosa para outros profissionais e para o público. Entretanto, não é fácil escrever ou falar sobre
um paciente psiquiátrico sem quebrar a confidência do relacionamento. Ao contrário de doenças físicas, que podem ser discutidas sem ninguém reconhecer o paciente, história psiquiátrica em geral acarreta uma discussão de características peculiares. Os psiquiatras têm a obrigação de não revelar informação que possa identificar o paciente sem consentimento informado adequado. A não-obtenção de consentimento informado pode resultar em alegação baseada em quebra de privacidade, difamação, ou ambas.
Abuso da criança. Em muitos estados norte-americanos, todos os médicos são obrigados por lei a fazer um curso sobre abusos de crianças para obtenção de licença médica. É comum requerer-se legalmente que psiquiatras, entre outros, que tenham razões para acreditar que uma criança foi vítima de abuso físico ou sexual, façam um relato imediato a um órgão competente. Nessa situação, a confidência é limitada pelo estatuto legal pelo fato de que dano potencial ou real a crianças vulneráveis excede o valor da confidência em uma situação psiquiátrica. Mesmo que nuanças psicodinâmicas muito complexas acompanhem o relato necessário de suspeita de abuso, esses relatos em geral são considerados eticamente justificados. SITUAÇÕES CLÍNICAS DE ALTO RISCO Discinesia tardia Estima-se que pelo menos 10 a 20% dos pacientes, e talvez até 50% daqueles tratados com drogas neurolépticas por mais de um ano, exibam alguma provável discinesia tardia. Esses números podem ser mais altos para idosos. Apesar da possibilidade para um grande número de ações relacionadas à discinesia tardia, relativamente poucos psiquiatras foram processados. Além disso, pessoas que desenvolvem a condição podem não ter a energia física e a motivação psicológica para acompanhar um processo. As alegações de negligência envolvendo discinesia tardia baseiamse na falta de avaliação adequada, na não-obtenção de consentimento informado, em um diagnóstico negligente da condição do paciente e na ausência de monitoração. A maioria das alegações de negligência recém-mencionadas foi reivindicada no caso referencial Clites vs. Estado. O queixoso era um homem mentalmente retardado, institucionalizado aos 11 anos de idade, e tratado com tranqüilizantes maiores dos 18 aos 23 anos. Após discinesia tardia ter sido diagnosticada aos 23 anos de idade, sua família moveu uma ação judicial alegando que os réus prescreveram medicação de forma negligente, não informaram o paciente da possibilidade de desenvolver discinesia tardia e deixaram de monitorar e tratar os efeitos adversos das drogas. O júri decidiu-se pelo queixoso e concedeu indenização por danos de 760 mil dólares. A indenização foi confirmada na apelação. A corte de apelação determinou que os réus foram negligentes e desviaram-se dos padrões da “atividade”. Entre os “desvios” que o tribunal observou, estavam a falha em conduzir exames físicos e testes laboratoriais, a falha em intervir aos primeiros sinais de discinesia tardia, o uso inadequado de múltiplos medicamentos ao mesmo tempo, o uso de drogas por conveniência (p. ex.,
PSIQUIATRIA FORENSE
“manejo de comportamento”) e não para terapia e a falha em obter o consentimento informado. Pacientes suicidas Os psiquiatras têm mais probabilidade de ser processados quando seus pacientes cometem suicídio, em especial se o fizerem durante a internação. Supõe-se que esses profissionais têm mais controle sobre pacientes internados, tornando o ato evitável. A avaliação de risco de suicídio é uma das tarefas clínicas mais complexas e difíceis na psiquiatria. Suicídio é um evento raro. Em nosso atual estado de conhecimento, os médicos não podem prever com precisão quando ou se um paciente consumará o ato. Não existem padrões profissionais para prever quem cometerá ou não suicídio. Há padrões profissionais para avaliar o risco de suicídio, mas, na melhor das hipóteses, apenas o grau de risco pode ser julgado clinicamente após uma avaliação psiquiátrica abrangente. Uma revisão das leis sobre suicídio revela que certas precauções devem ser tomadas com um paciente suicida suspeitado ou confirmado. Por exemplo, deixar de realizar uma avaliação razoável do risco de um paciente suicida ou de implementar um plano de precaução adequado pode tornar o profissional responsável. A lei tende a supor que o suicídio é evitável se for previsível. Os tribunais examinam com rigor casos de suicídio para determinar se o mesmo era previsível. Previsibilidade é um termo legal deliberadamente vago, que não tem contraparte clínica comparável, um construto associado mais a bom senso do que a questões científicas. Isso não significa (e não deveria significar) que os médicos podem prever o suicídio. Previsibilidade não deve ser confundida com evitabilidade, entretanto. Em retrospecto, muitos suicídios que parecem evitáveis não eram claramente previsíveis. Pacientes violentos Psiquiatras que tratam indivíduos violentos, ou com potencial para tanto, podem ser processados por falha em controlar pacientes ambulatoriais agressivos e pela alta de indivíduos hospitalizados violentos. O processo pode se dar por falha em proteger a sociedade dos atos violentos dos pacientes, se for claro que o psiquiatra tinha conhecimento sobre suas tendências violentas e se podia ter feito alguma coisa para proteger o público. No caso referencial Tarasoff vs. Membros do Conselho da Universidade da Califórnia, a Suprema Corte da Califórnia determinou que profissionais de saúde mental têm o dever de proteger terceiras pessoas em perigo identificáveis de ameaças iminentes de dano sério feitas por seus pacientes ambulatoriais. Desde então, tribunais e legislaturas têm cada vez mais confinado psiquiatras a um padrão fictício de ter de prever o comportamento (periculosidade) futuro de seus pacientes potencialmente violentos. Pesquisas demonstraram de forma consistente que os psiquiatras não podem prever violência futura com precisão. O dever de proteger pacientes e terceiras pessoas em perigo deve ser considerado, primeiro, uma obrigação profissional e moral e, depois, um dever legal. A maioria dos psiquiatras agia para
1449
proteger tanto seus pacientes quanto pessoas ameaçadas de violência muito antes de Tarasoff. Se um paciente ameaça ferir outra pessoa, a maioria dos estados norte-americanos requer que o psiquiatra realize alguma intervenção capaz de prevenir a ocorrência de dano. Em estados com estatutos de dever de advertir, as opções disponíveis a psiquiatras e psicoterapeutas são definidas por lei. Naqueles que não oferecem tal orientação, é exigido que os profissionais da saúde usem o julgamento clínico que protegerá terceiras pessoas em perigo. Em geral, uma variedade de opções para advertir e proteger está clínica e legalmente disponível incluindo hospitalização voluntária, hospitalização involuntária (se os requisitos de confinamento civil forem satisfeitos), advertir a futura vítima da ameaça, notificar a polícia, ajustar a medicação, ver o paciente com mais freqüência. O dever de proteger permite que os psiquiatras considerem inúmeras opções clínicas. Advertir outros de perigo, por si só, tende a ser insuficiente. É importante considerar o dever Tarasoff um padrão manual de cuidado, mesmo que a profissão seja exercida em locais que não têm um estatuto de dever de advertir e proteger. TARASOFF I.
A questão foi levantada em 1976 no caso de Tarasoff vs. Membros do Conselho da Universidade da Califórnia (agora conhecido como Tarasoff I). Nesse caso, Prosenjiit Poddar, um estudante e paciente ambulatorial voluntário da clínica de saúde mental da Universidade da Califórnia, contou a seu terapeuta que pretendia matar uma aluna identificada como Tatiana Tarasoff. Percebendo a seriedade da intenção, o terapeuta, com a concordância de um colega, concluiu que Poddar deveria ser confinado para observação, sob uma cláusula de detenção psiquiátrica de emergência de 72 horas da lei de confinamento da Califórnia. O terapeuta notificou à polícia do campus, tanto oralmente como por escrito, de que Poddar era perigoso e precisava ser confinado. Preocupado com a quebra de confidência, o supervisor do terapeuta vetou a recomendação e ordenou que todos os registros relacionados ao tratamento em questão fossem destruídos. Ao mesmo tempo, a polícia do campus deteve Poddar temporariamente, mas o liberou sob sua garantia de que “ficaria longe daquela garota”. O estudante parou de ir à clínica quando soube pela polícia sobre a recomendação de seu terapeuta de confiná-lo. Dois meses mais tarde, concretizou a ameaça de matar Tatiana. Os pais da jovem processaram a universidade por negligência. Como conseqüência, a Suprema Corte da Califórnia, que deliberou o caso pelo tempo sem precedentes de cerca de 14 meses, determinou que um médico ou psicoterapeuta que tenha razão para acreditar que um paciente pode ferir ou matar alguém deve notificar a possível vítima, seus parentes ou amigos, ou as autoridades. O dever imposto ao terapeuta de advertir futuras vítimas sobre perigo pode comprometer uma ou mais medidas, dependendo do caso. Portanto, conforme determinou o tribunal, pode ser exigido que o terapeuta notifique a futura vítima ou outras pessoas que possam alertá-la do perigo, notifique a polícia ou tome quaisquer outras medidas necessárias sobre as circunstâncias. A decisão de Tarasoff I não afetou de forma significativa os psiquiatras; sempre foi sua prática advertir as pessoas adequadas, ou as autoridades competentes, quando um paciente faz uma ameaça clara e imediata a alguém. De acordo com a American Psychiatric Association (APA), a confidência pode, com julgamento cuidadoso, ser quebrada nas seguintes condições: o paciente provavelmente cometerá assassinato, e
1450
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
o ato pode ser impedido apenas pela notificação à polícia; o paciente provavelmente cometerá suicídio, e o ato pode ser impedido apenas pela notificação à polícia; o paciente, como um motorista de ônibus ou um piloto de avião, que tem responsabilidades pela vida de outras pessoas, apresenta marcado prejuízo de julgamento. A decisão judicial Tarasoff I não requer que os terapeutas relatem as fantasias do paciente; antes, requer que os mesmos relatem um homicídio pretendido, e é dever do terapeuta exercer um bom julgamento. TARASOFF II. Em 1982, a Suprema Corte da Califórnia emitiu uma segunda decisão no caso de Tarasoff vs. Membros do Conselho da Universidade da Califórnia (agora conhecido como Tarasoff II), que ampliou sua decisão anterior, o dever de advertir, para incluir o dever de proteger (Fig. 57-1). A decisão estimulou intensos debates no campo médico-legal. Advogados, juízes e testemunhas periciais discutem a definição de proteção, a natureza do relacionamento entre o terapeuta e o paciente e o equilíbrio entre segurança pública e privacidade. Os médicos argumentam que o dever de proteger impede o tratamento, porque o paciente pode não confiar em um médico se a confidência não for mantida. Além disso, visto que não é fácil determinar se um paciente é perigoso o suficiente para justificar encarceramento de longo prazo, hospitalizações desnecessárias podem ocorrer devido às práticas defensivas dos profissionais. Como resultado desse debate, desde 1976, os tribunais estaduais não fizeram uma interpretação uniforme da decisão Tarasoff II (o dever de proteger). Em geral, os médicos devem observar se uma vítima identificável específica parece estar em perigo iminente e provável pela ameaça
A Ameaça vaga
de uma ação contemplada por um paciente mentalmente doente; o dano, além de ser iminente, precisa ser potencialmente sério ou grave. O paciente deve ser um perigo para outra pessoa e não para a propriedade; o procedimento do terapeuta deve ser clinicamente razoável. Em alguns poucos casos (nenhum bem-sucedido até agora), foram sustentadas alegações de que um dever do tipo Tarasoff aplica-se à infecção de parceiros com o vírus da imunodeficiência humana (HIV) por pacientes em tratamento de saúde mental. A quebra de confidência em casos Tarasoff é justificada apenas pela ameaça de violência. As leis variam de forma confusa, segundo cada jurisdição. A solução ideal é convencer o paciente a fazer a revelação e relatar a questão às autoridades de saúde pública.
HOSPITALIZAÇÃO Todos os estados norte-americanos estipulam alguma forma de hospitalização involuntária. Tal atitude costuma ser tomada quando pacientes psiquiátricos representam um perigo para si ou para outros em seu ambiente, na medida em que sua necessidade urgente de tratamento em uma instituição fechada seja evidente. Certos estados permitem hospitalização involuntária quando os pacientes são incapazes de cuidar de si de forma adequada. A doutrina de parens patriae permite que o estado intervenha e atue como pai substituto para aqueles que são incapazes de cuidar de si mesmos ou que podem ferir-se. No direito comum inglês, parens patriae (“pai da pátria”) remonta ao tempo do rei
Fazer uma indagação razoável, não interrogatório B
Fazer indagação – Documentar razões C pertinente – Junta médica Vítima não Ameaça – Continuar o tratamento D identificável definida Sem perigo Perigo iminente sério Vítima – Conforme determinado ou específica como deveria ter sido deterPerigo – Nomeada ou desminado de acordo com os iminente coberta em reflepadrões da profissão G – Documentar razões xão posterior Lidar com o pro– Arranjar uma conblema no contexsultoria externa F Sensível a teto de sistemas E rapia familiar Família ou Confinamento pessoa signiinvoluntário ficativa Não sensível a terapia familiar – documentar Avisar a ações tomadas vítima Perigo marginal (consultar supervisor)
A AMEAÇA de dano sério à pessoa ou a terceiros
As ameaças são a...
– indicar a razão para as decisões
Chamar a polícia
– acompanhar com cuidado
Alertar parentes Outras ações razoáveis
Órgão público
Outra pessoa
FIGURA 57-1 Mapa de Decisão Tarasoff II. (Reimpressa, com permissão, de Gross BH, Weiberjer LE, ed. The Mental Health Professional and the Legal System. San Francisco: Jossey-Bass, 1998.)
PSIQUIATRIA FORENSE
Eduardo I e referia-se originalmente ao dever de um monarca de proteger o povo. No direito comum norte-americano, a doutrina foi transformada em um paternalismo no qual o estado age em defesa de pessoas mentalmente doentes e de menores. Os estatutos que regem a hospitalização de pessoas mentalmente doentes têm sido denominados leis de confinamento, mas os psiquiatras consideraram o termo indesejável. Do ponto de vista legal, confinamento significa um mandado de prisão. A American Bar Association (Associação Americana de Advogados) e a American Psychiatric Association recomendaram que o termo fosse substituído pela forma menos ofensiva e mais precisa de hospitalização, que a maioria dos estados adotou. Ainda que essa mudança na terminologia não corrija as atitudes punitivas do passado, a ênfase na hospitalização está de acordo com a visão dos psiquiatras em privilegiar o tratamento em vez da punição. Falsa prisão é a ação legal que surge da alegação de que o paciente foi hospitalizado de forma negligente. Trata-se de uma base incomum para ação de imperícia e não costuma ser bemsucedida quando invocada. Para casos em que a hospitalização é necessária, as orientações para o médico são obter uma internação de emergência ou voluntária, de boa-fé, por causa razoável, com dados obtidos de exame pessoal ou um relato confiável de perigo; isolar o paciente por indicações adequadas de acordo com regulamentos locais; e obter consultoria em casos ambíguos. Procedimentos de admissão Quatro procedimentos de admissão a serviços psiquiátricos foram endossados pela American Bar Association para salvaguardar as liberdades civis e assegurar que ninguém seja arrastado para um hospital mental. Apesar de cada um dos 50 estados norteamericanos ter o poder de aprovar suas próprias leis sobre hospitalização psiquiátrica, os procedimentos resumidos aqui estão obtendo muita aceitação. Admissão informal. A admissão informal opera no modelo do hospital geral, no qual o paciente é admitido a uma unidade psiquiátrica da mesma forma como seria admitido em uma unidade médica ou cirúrgica. Sob tais circunstâncias, aplica-se a relação normal médicopaciente, com o paciente livre para entrar e sair, mesmo contra a recomendação médica. Admissão voluntária. Em casos de admissão voluntária, os pacientes solicitam por escrito a admissão a um hospital psiquiátrico. Podem procurar a instituição aconselhados por seu médico geral ou buscar ajuda com base em suas próprias decisões. Em qualquer situação, são admitidos se um exame revelar a necessidade de tratamento hospitalar. Admissão temporária. Admissão temporária é usada para pacientes senis ou que estão tão confusos que requerem hospitalização e não são capazes de tomar decisões por si mesmo e para aqueles perturbados de forma aguda, que devem ser admitidos imediatamente a um hospital psiquiátrico em caráter de emergência. Sob esse procedimento, a pessoa é internada por recomendação escrita de um médico. Uma vez admitido o paciente, a necessidade de hospitalização deve ser confirmada por um psiquiatra da equipe hospitalar. O procedimento é temporá-
1451
rio porque os pacientes não podem ser hospitalizados contra sua vontade por mais de 15 dias.
Admissão involuntária. Admissão involuntária envolve a questão dos pacientes serem suicidas e, portanto, um perigo para si mesmos, ou homicidas e um perigo para outros. Uma vez que essas pessoas não reconhecem a necessidade de hospitalização, uma solicitação de admissão pode ser feita por um parente ou amigo. Feita a solicitação, o paciente deve ser examinado por dois médicos; se esses confirmarem a necessidade de hospitalização, o paciente pode então ser admitido. Essa intervenção envolve um procedimento estabelecido de notificação por escrito ao parente mais próximo. Além disso, os pacientes têm acesso a qualquer tempo a um advogado, que pode levar o caso à justiça. Se o juiz não entender que a hospitalização é indicada, pode ordenar a liberação do paciente. A admissão involuntária permite que o paciente fique hospitalizado por 60 dias. Após esse período, se ele precisar continuar hospitalizado, o caso deve ser revisto, de forma periódica, por um conselho composto de psiquiatras, médicos não-psiquiatras, advogados e outros cidadãos sem vínculo com a instituição. Em Nova York, este conselho é chamado de Serviço de Informação da Saúde Mental. Pessoas que foram hospitalizadas e que acreditam que deveriam ser liberadas têm o direito de enviar uma petição para um mandado de habeas corpus. Sob a lei, esse mandado pode ser concedido em benefício de qualquer pessoa que alegue estar sendo privada de sua liberdade de forma ilegal. O procedimento é submetido a um tribunal que decide se o paciente foi hospitalizado sem o devido processo legal. O caso deve ser ouvido imediatamente por um tribunal, independentemente da forma como a moção foi apresentada. Os hospitais são obrigados a submeter essas petições à justiça o mais rápido possível. DIREITO A TRATAMENTO Entre os direitos do paciente, o direito ao padrão de qualidade do tratamento é fundamental. Este tem sido discutido em vários casos publicados nos últimos anos sob o slogan de “direito a tratamento”. Em 1966, o juiz David Bazelon, falando pelo Tribunal de Apelação do Distrito de Colúmbia no caso Rouse vs. Cameron, frisou que o propósito da hospitalização involuntária é o tratamento e concluiu que a ausência de tratamento coloca em dúvida a constitucionalidade do confinamento. Tratamento em troca de liberdade é a lógica da regra. Nesse caso, o paciente é liberado mediante um mandado de habeas corpus, o recurso legal básico para assegurar a liberdade. O juiz Bazelon considerou também que, se tratamentos alternativos que infringem menos a liberdade pessoal estiverem disponíveis, a hospitalização involuntária não pode ocorrer. O juiz Frank Johnson, do Tribunal do Distrito Federal do Alabama, foi mais ousado na sentença que proferiu em 1971 no caso Wyatt vs. Stickney. O caso foi um processo peculiar instaurado sob regras há pouco desenvolvidas, que buscavam não a liberação, mas o tratamento. O juiz decretou que pessoas civilmente recolhidas a uma instituição mental têm o direito de receber tratamento individual que lhes propicie uma oportunidade razoável de ficar curadas ou de melhorar sua condição mental. Foram estabelecidos requisitos mínimos para a equipe, as instalações físi-
1452
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
cas, e os padrões de nutrição foram especificados e planos de tratamento individualizados foram exigidos. Os novos códigos, mais detalhados do que os antigos, incluem o direito de ficar livre de medicação excessiva ou desnecessária; o direito à privacidade e à dignidade; o direito ao ambiente menos restritivo possível; o direito irrestrito de ser visitado por advogados, padres e médicos particulares; e o direito de não ser submetido a lobotomias, tratamentos eletroconvulsivos e a outros procedimentos sem consentimento informado total. Os pacientes podem ser solicitados a executar tarefas terapêuticas, mas não serviços do hospital, a menos que sejam voluntários para isso e recebam salário mínimo. Esse requisito é uma tentativa de eliminar a prática de forçar os pacientes psiquiátricos a executar tarefas servis, sem pagamento, em benefício do estado. Atualmente, em inúmeros estados norte-americanos, terapia medicamentosa ou eletroconvulsoterapia não podem ser administradas à força a um paciente sem primeiro obter aprovação da justiça, o que pode levar até 10 dias. O direito de recusar tratamento é uma doutrina legal que sustenta que, exceto em emergências, a pessoa não pode ser forçada a aceitar tratamento contra sua vontade. Uma emergência é definida como uma condição na prática clínica que requer intervenção imediata para prevenir morte ou dano sério ao paciente ou a outros ou para prevenir deterioração do estado clínico. No caso de 1976, O’Connor vs. Donaldson, a Suprema Corte dos Estados Unidos determinou que pacientes mentalmente doentes inofensivos não podem ser confinados contra sua vontade, sem tratamento, se forem capazes de sobreviver fora de uma instituição. De acordo com o tribunal, constatação de doença mental apenas não pode justificar o confinamento involuntário em um hospital. Antes, pacientes confinados contra sua vontade devem ser considerados perigosos para si mesmos ou para terceiros e ser tão incapazes de cuidar de si mesmos a ponto de não conseguirem sobreviver na sociedade. Como resultado do caso de 1979, Rennie vs. Klein, os pacientes têm o direito de recusar tratamento e de usar um processo de apelação. Como resultado do caso de 1981, Roger vs. Oken, têm o direito absoluto de recusar tratamento, mas um guardião pode autorizá-lo. Questões foram levantadas acerca da capacidade dos psiquiatras de prever periculosidade com precisão e dos risco a que estão submetidos, pois podem ser processados por danos financeiros se uma pessoa for privada de seus direitos civis. A controvérsia ética relativa às aplicações da lei a pacientes psiquiátricos veio à tona através de Thomas Szasz, professor de psiquiatria na Universidade Estadual de Nova York. Em seu livro The Myth of Mental Illness (O mito da doença mental), argumentou que vários diagnósticos psiquiátricos são totalmente destituídos de significado e afirmou que os psiquiatras não têm lugar a ocupar nos tribunais e que todo confinamento forçado em virtude de doença mental é injusto. A oposição de Szazs à prevenção de suicídio e à imposição de tratamento, com ou sem confinamento, é interessante, mas é vista pela comunidade psiquiátrica com grande apreensão. DIREITOS CIVIS DE PACIENTES Graças a diversos movimentos clínicos, públicos e legais, os critérios para os direitos civis de pessoas mentalmente doentes, inde-
pendentemente de seus direitos como pacientes, foram estabelecidos e assegurados. Alternativa menos restritiva Com freqüência, os médicos ficam confusos em relação ao direito de alternativa menos restritiva, que é talvez o direito civil mais legítimo; nada no trabalho clínico ou no treinamento os prepara para pensar em termos de restrição. Antes, as intervenções clínicas são realizadas de acordo com sua efetividade, razão risco-benefício positiva e outras convicções operacionais. Uma série de decisões legais sobre intervenção do estado em organizações introduziu o conceito de alternativa menos restritiva na lei de saúde mental, criando sólidas raízes. O princípio sustenta que os pacientes têm o direito de receber os meios de tratamento menos restritivos para o efeito clínico necessário. Portanto, se puderem ser tratados sob a forma ambulatorial, confinamento não deve ser utilizado; se puderem ser tratados em uma enfermaria aberta, isolamento não é recomendado. Ainda que, em uma primeira leitura, o conceito para escolher entre medicação involuntária, confinamento e contenção seja um tanto direto, as dificuldades surgem quando os médicos tentam aplicá-lo. A diferenciação entre essas intervenções à base de restrição revela-se um exercício puramente subjetivo repleto de preconceitos pessoais. Além disso, cada uma dessas três opções é mais ou menos restritiva do que as outras duas. Contudo, deve ser feito um esforço para pensar em termos de restrição ao decidir como tratar os pacientes. Direitos à visitação Os pacientes têm o direito de receber visitas e fazê-lo em horários razoáveis (horas de visita habituais do hospital). Uma autorização deve ser dada se, em certos horários, a condição clínica do paciente possa não permitir visitas. Entretanto, esse fato deve ser documentado de forma clara, porque tais direitos não devem ser suspensos sem uma boa razão. Certas categorias de visitantes não estão limitadas a horários de visita regulares; elas incluem o advogado do paciente, seu médico particular e conselheiros espirituais – todos os quais têm, amplamente falando, acesso irrestrito ao paciente, incluindo o direito à privacidade em suas conversas. Mesmo aqui, uma emergência, de boa-fé, pode adiar essas visitas. Mais uma vez, as necessidades do paciente vêm em primeiro lugar. Sob raciocínio semelhante, certas visitas nocivas podem ser restringidas (p. ex., um parente entrando com drogas na enfermaria). Direitos de comunicação Em geral, os pacientes devem ter comunicação livre e aberta com o mundo exterior por telefone ou correio, mas esse direito varia em algum grau de uma região para outra. Certas jurisdições incumbem a administração do hospital da responsabilidade por monitorar a comunicação de pacientes. Em determinadas áreas,
PSIQUIATRIA FORENSE
espera-se que os hospitais forneçam suprimentos razoáveis de papel, envelopes e selos. Circunstâncias específicas afetam os direitos de comunicação. Um paciente que está hospitalizado por uma acusação criminal de dar telefonemas obscenos ou ameaçadores não pode ter acesso irrestrito ao telefone, e considerações semelhantes aplicam-se ao correio. Via de regra, entretanto, deve ser dada permissão para telefonemas privados, e correspondências recebidas e enviadas não devem ser abertas por membros da equipe do hospital. Direitos à privacidade Os pacientes têm diversos direitos à privacidade. Além da confidência, têm direito a banheiro e espaço de chuveiro privados, espaço assegurado para guardar roupas e outros pertences e espaço físico adequado por pessoa. Além disso, podem vestir suas próprias roupas e carregar o próprio dinheiro. Direitos econômicos Sem considerar questões especiais relativas à incompetência, os pacientes psiquiátricos em geral têm permissão para gerir seus próprios assuntos financeiros. Um aspecto desse direito fiscal é a exigência de que os mesmos sejam pagos no caso de realizarem qualquer trabalho na instituição (p. ex., jardinagem ou preparo da comida). Isso costuma criar tensão entre a necessidade terapêutica de atividade válida, incluindo empregos, e trabalho explorador. Uma conseqüência dessa tensão é que programas terapêuticos ocupacionais, vocacionais e reabilitadores valiosos podem ter de ser eliminados devido à falha de legislaturas em suprir os fundos necessários para pagar salários a pacientes que participam dessas atividades. ISOLAMENTO E CONTENÇÃO Isolamento e contenção levantam questões legais psiquiátricas complexas. Ambas as medidas têm indicações e contra-indicações (Tab. 57-2 e 57-3). Seu uso tornou-se cada vez mais regulado nas últimas décadas. Objeções legais a práticas de contenção e isolamento têm sido apresentadas no interesse de pessoas mentalmente doentes e mentalmente retardadas institucionalizadas. Em geral, essas ações ju-
TABELA 57-2 Indicações para isolamento e contenção 1. Prevenir dano claro, iminente, ao paciente e a terceiros. 2. Prevenir ruptura significativa do programa de tratamento ou do ambiente físico. 3. Auxiliar no tratamento como parte da terapia comportamental em andamento. 4. Diminuir estimulação sensorial excessivaa. 5. A pedido voluntário razoável do paciente. aApenas isolamento. Reimpressa, com permissão, de Simon RI: Concise Guide to Psychiatry and the Law for Clinicians. 2nd ed. Washington, DC: American Psychiatric Press, 1998.
1453
TABELA 57-3 Contra-indicações para isolamento e contenção 1. Condições médicas e psiquiátricas extremamente instáveis. 2. Pacientes delirantes ou demenciados, incapazes de tolerar estimulação diminuída. 3. Pacientes claramente suicidas. 4. Pacientes com reações graves a drogas, superdosagem ou exigindo rígida monitoração de dosagens. 5. Por punição ou conveniência da equipe.
diciais não estão sozinhas, mas fazem parte de uma objeção a uma ampla variedade de abusos alegados. É comum os tribunais determinarem, ou decretos estabelecerem, que isolamento e contenção sejam implementados apenas quando o paciente representa risco de dano a si mesmo ou a outros e não existam alternativas menos restritivas. Outras restrições incluem as seguintes: 1. Isolamento e contenção podem apenas ser implementados por uma ordem por escrito de uma autoridade médica competente. 2. As ordens devem limitar-se a períodos específicos, de tempo limitado. 3. A condição do paciente deve ser revista e documentada com regularidade. 4. Qualquer prorrogação de uma ordem original deve ser revista e novamente autorizada. A aceitação de isolamento ou contenção para fins de treinamento foi reconhecida pela Suprema Corte no caso Youngberg vs. Romeo, que desafiou as práticas de “tratamento” no Pennhurst State School and Hospital, na Pensilvânia. O tribunal decidiu que pacientes não podiam ser contidos, exceto para garantir sua segurança ou, em certas circunstâncias indefinidas, “para fornecer treinamento necessário”. Mesmo reconhecendo que o réu tinha interesse na segurança e na liberdade de contenção física, o tribunal notou que esses interesses não eram absolutos ou estavam em conflito com a necessidade de fornecer treinamento. Também foi determinado que se supusessem corretas as decisões tomadas por profissionais adequados com relação a conter o paciente. Psiquiatras e outros profissionais da saúde mental louvaram a decisão, porque o tribunal reconheceu que profissionais são mais capazes do que a justiça para determinar as necessidades do paciente, incluindo decidir quando a contenção é adequada. A Força-tarefa da APA sobre os Usos que os Psiquiatras fazem de Isolamento e Contenção desenvolveu diretrizes para o uso adequado de isolamento e contenção, e o Joint Committee on Accreditation of Healthcare Organizations publicou orientações para hospitais com relação a requisitos de isolamento e contenção. A opinião profissional relativa ao uso clínico de restrições físicas e isolamento varia de forma considerável entre os psiquiatras. Isolamento pode ser justificado em bases clínicas e legais para uma variedade de situações, a menos que impedido por estatutos estaduais de liberdade de isolamento e restrição.
1454
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
CONSENTIMENTO INFORMADO Os advogados que representam um reclamante prejudicado acrescentam a uma alegação de desempenho negligente de procedimentos (imperícia) uma reclamação de consentimento informado como outra possível área de responsabilidade. Ironicamente, essa é uma alegação sob a qual a exigência de testemunho pericial pode ser evitada. A alegação usual de imperícia médica requer que o litigante apresente um perito para determinar que o médico acusado desviou-se da prática médica aceita. No entanto, em um caso no qual o médico não obteve consentimento informado, o fato de que o tratamento foi tecnicamente bem-realizado, estava de acordo com o padrão que costuma ser aceito e efetuou uma cura completa é irrelevante. Todavia, por uma questão prática, a menos que o tratamento tivesse conseqüências adversas, o queixoso não irá muito longe com uma ação baseada somente em uma alegação de que o tratamento foi realizado sem consentimento. Na teoria clássica de delito – delito é um ato civil ilegal que não uma quebra de contrato –, um modo de agir intencional para o qual a pessoa não deu consentimento constitui uma agressão. Portanto, a administração de eletroconvulsoterapia ou quimioterapia, ainda que terapêutica, constitui uma agressão quando realizada sem consentimento. De fato, qualquer comportamento não-autorizado fora da relação social convencional constitui uma agressão e é uma ofensa à dignidade da pessoa e uma invasão do seu direito de autodeterminação, pelo que podem ser impostas indenizações punitivas. O magistrado Benjamin Cardozo escreveu: “Todo ser humano adulto e de mente sã tem o direito de determinar o que deve ser feito com seu próprio corpo; e um cirurgião que realiza uma operação sem seu consentimento comete [uma agressão] por cujos prejuízos é responsável”. Visto que o consentimento informado tornou-se uma parte amplamente reconhecida do padrão de tratamento, um procedimento realizado sem essa autorização pode constituir imperícia e agressão. Segundo Cardozo, não é a efetividade ou a oportunidade do tratamento que autoriza o cuidado da pessoa, mas o consentimento para tal. Portanto, um adulto mentalmente competente pode recusar tratamento, mesmo que este seja efetivo e envolva pouco risco. Mas, por exemplo, quando ocorre uma gangrena e o paciente é psicótico, o tratamento – mesmo de proporções significativas como uma amputação – pode ser ordenado para salvar sua vida. Diz-se também que o estado tem um interesse compulsório em impedir que seus cidadãos cometam suicídio, e tais interesses permitem tratamento sem consentimento também nessa situação.
No caso de menores, o pai ou o responsável é a pessoa legalmente habilitada a dar consentimento para tratamento médico. Por lei, a maioria dos estados norte-americanos, entretanto, relaciona as doenças e as condições específicas que um menor pode consentir que sejam tratadas – incluindo doença venérea, gravidez, dependência de substâncias, abuso de álcool e doenças contagiosas. Em uma emergência, o médico pode tratar um menor sem consentimento dos pais. A tendência é adotar a chamada regra do menor maduro, que permite a este aceitar o tratamento sob circunstâncias normais. Como resultado da decisão de Gault da Suprema Corte, de 1967, todos os jovens devem agora ser representados por advogados, ser capazes de confrontar testemunhas e ser no-
tificados de quaisquer ônus. Menores emancipados têm os direitos de um adulto quando puder ser demonstrado que estão vivendo como adultos, com controle das próprias vidas. No passado, para impedir demandas de agressão, os médicos precisavam apenas relatar o que pretendiam fazer e obter o consentimento do paciente para tal. Concomitantemente ao crescimento das responsabilidades por produtos e lei do consumidor, entretanto, os tribunais começaram a exigir que os médicos também forneçam informação suficiente para permitir que os pacientes decidam se o procedimento é aceitável à luz dos riscos, dos benefícios e das alternativas disponíveis, incluindo ausência de qualquer tratamento. Em geral, o consentimento informado requer que haja um entendimento da natureza e dos riscos e benefícios previsíveis do procedimento; conhecimento de intervenções alternativas; entendimento das conseqüências de negar o consentimento; e reconhecimento de que o consentimento é voluntário. Os médicos devem transmitir aos pacientes disponibilidade para ouvir e para discutir qualquer coisa que possa ser temida, como riscos, efeitos colaterais ou preocupações acerca do tratamento proposto. Formulário de consentimento A introdução de formulários de consentimento seguiu-se a revelações de maus-tratos cometidos contra pacientes durante experimentações clínicas. Esses formulários são documentos resumindo o consentimento informado do paciente para o procedimento proposto. São planejados por advogados, cujo objetivo é proteger a instituição de uma responsabilidade; portanto, os formulários costumam ser exaustivos e requerem um nível de compreensão de leitura que excede a capacidade de muitos pacientes. De forma paradoxal, se cobrissem todas as possíveis eventualidades, seriam longos demais para serem compreensíveis; se fossem sucintos demais, poderiam ficar incompletos; portanto, alguns teóricos têm recomendado que esses documentos sejam substituídos por uma discussão padronizada e um registro de progresso. Os elementos básicos de um formulário de consentimento devem abranger uma explicação clara acerca dos procedimentos a serem seguidos e seus propósitos, incluindo identificação de quaisquer procedimentos experimentais; uma descrição de quaisquer desconfortos e riscos esperados; uma descrição de quaisquer benefícios esperados; uma revelação de quaisquer procedimentos alternativos adequados que possam ser vantajosos para o paciente; a indicação da disponibilidade para responder a quaisquer perguntas relativas aos procedimentos; e uma instrução de que o paciente é livre para retirar o consentimento e para interromper sua participação no projeto ou na atividade a qualquer tempo, sem discriminação. Ele tem o direito de recusar o tratamento. CUSTÓDIA DE CRIANÇAS A ação de um tribunal na disputa pela custódia baseia-se atualmente nos melhores interesses da criança. A máxima reflete a idéia de que o genitor natural não tem um direito inerente de ser nomeado responsável custodial, mas a presunção, embora um pouco desgastada, permanece favorável à mãe no caso de crianças
PSIQUIATRIA FORENSE
1455
pequenas. Via de regra, os tribunais presumem que o bem-estar de uma criança de pouca idade é melhor garantido pela custódia materna quando a mãe é boa e adequada. O melhor interesse da mãe pode ser garantido por sua nomeação como responsável custodial, uma vez que ela pode nunca resolver o impacto da perda ou da morte de um filho, mas seu melhor interesse não deve ser equiparado ipso facto ao melhor interesse da criança. As medidas legais de cuidado e proteção referem-se à intervenção do tribunal no bem-estar de uma criança quando os pais são incapazes de fazê-lo. Cada vez mais os homens estão solicitando a custódia dos filhos. O movimento apoiando os direitos das mulheres está aumentando as chances de custódia paterna. Com cada vez mais mulheres saindo de casa para trabalhar, a base racional tradicional de custódia materna tem menos força hoje do que tinha no passado. Hoje, cada estado norte-americano tem um estatuto permitindo que um tribunal, em geral um juizado de menores, assuma a jurisdição da criança negligenciada ou maltratada e a remova da custódia dos pais. O tribunal tende a ordenar que o cuidado e a custódia sejam supervisionados pelo departamento de bem-estar do menor.
A competência é determinada com base na capacidade da pessoa para fazer um julgamento razoável – ponderar, raciocinar e tomar decisões pertinentes. Competência é tarefa específica, não geral; a capacidade de ponderar fatores de tomada de decisão (competência) costuma ser mais bem demonstrada pela capacidade da pessoa de fazer perguntas coerentes e inteligentes após os riscos e os benefícios terem sido explicados. Ainda que os médicos (em especial psiquiatras) muitas vezes opinem sobre competência, apenas a decisão de um juiz converte a opinião em veredicto; um paciente não é competente ou incompetente até a corte assim determinar. O diagnóstico de transtorno mental não é, em si, suficiente para justificar a incompetência. Antes, o transtorno pode causar prejuízo no julgamento em relação a questões específicas envolvidas. Após terem sido declaradas incompetentes, as pessoas são privadas de certos direitos: não podem fazer contratos, casar, iniciar uma ação de divórcio, dirigir veículos, cuidar de seus bens ou exercer suas profissões. A incompetência é decidida em um processo judicial formal, e o tribunal em geral indica um guardião que sirva melhor aos interesses do paciente. Outra audiência é necessária para declarar o indivíduo incompetente. A admissão a um hospital mental por si só não significa que a pessoa seja incompetente.
CAPACIDADE TESTAMENTÁRIA E CONTRATUAL
Competência também é fundamental em contratos, porque se trata de um acordo entre partes visando realizar um ato específico. O contrato é declarado inválido se, quando for assinado, uma das partes for incapaz de compreender a natureza e o efeito de seu ato. O contrato de casamento está sujeito ao mesmo padrão e, portanto, pode ser anulado se uma das partes não entendeu a natureza, os deveres, as obrigações e outras características implícitas no momento do casamento. Em geral, entretanto, os tribunais relutam em declarar anulado um casamento com base na incompetência. Quer a competência esteja relacionada a testamentos, contratos ou legitimações de casamentos, a preocupação fundamental é o estado de consciência de uma pessoa e sua capacidade de compreender o significado do compromisso assumido.
Os psiquiatras podem ser solicitados a avaliar capacidades testamentárias de pacientes e sua competência para fazer um testamento. Três capacidades psicológicas são necessárias para provar essa competência. Os pacientes devem conhecer a natureza e a extensão de suas posses (propriedade), o fato de que estão fazendo um legado e as identidades de seus beneficiários naturais (cônjuge, filhos e outros parentes). Quando um testamento está sendo legitimado, um dos herdeiros ou uma outra pessoa pode contestar sua validade. O julgamento nesses casos deve basear-se em uma reconstrução, usando dados de documentos e de testemunho pericial psiquiátrico, do estado mental do testador na época em que o testamento foi redigido. Quando a pessoa é incapaz ou não exerce o direito de fazer o testamento, a lei estabelece a distribuição dos bens aos herdeiros. Se estes não existirem, o espólio vai para o tesouro público. As testemunhas na assinatura de um testamento, que podem incluir um psiquiatra, atestam que o testador estava racional no momento em que o documento foi executado. Em casos incomuns, o advogado pode filmar a assinatura para salvaguardar o testamento de contestação. De maneira ideal, pessoas que estão pensando em fazer um testamento e acreditam que possa haver dúvidas sobre sua capacidade testamentária contratam um psiquiatra forense para realizar um exame imparcial ante mortem para validar e registrar sua capacidade. Uma ação legal de incompetência e a indicação de um guardião podem ser consideradas medidas necessárias quando um membro da família está em vias de dissipar o patrimônio desta, como no caso de pessoas idosas, mentalmente retardadas, dependentes de álcool e psicóticas. Em questão está se esses indivíduos são capazes de administrar seus próprios negócios. Um guardião indicado para controlar os bens de alguém julgado incompetente, entretanto, não pode fazer um testamento para o protegido (a pessoa incompetente).
Procuração permanente Um desenvolvimento moderno que permite às pessoas tomarem providências em relação à sua própria perda antecipada da capacidade de tomar decisões é chamado de procuração permanente. O documento permite a escolha antecipada de um tomador de decisão substituto, que pode agir sem a necessidade de processos judiciais quando o signatário tornar-se incompetente por doença, demência progressiva ou talvez uma recaída de transtorno bipolar I. DIREITO PENAL Competência para ser submetido a julgamento A Suprema Corte dos Estados Unidos declarou que a proibição de julgar uma pessoa mentalmente incompetente é fundamental ao sistema de justiça. Assim, o tribunal, no caso Dusky vs. Estados Unidos, aprovou um teste de competência que pretende verificar se o acusado “tem capacidade atual suficiente para deliberar com
1456
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
seu advogado com um grau razoável de entendimento racional – e se possui entendimento racional e factual acerca dos processos movidos contra ele”. Um dos guias clínicos mais úteis para determinar a competência de um paciente para ser submetido a julgamento é o instrumento de McGarry, que identifica 13 áreas de funcionamento: 1. Capacidade de avaliar as defesas legais disponíveis. 2. Nível de comportamento intratável. 3. Qualidade da relação com o advogado. 4. Capacidade de planejar estratégia legal. 5. Capacidade de avaliar os papéis de vários participantes nos procedimentos do tribunal. 6. Entendimento do procedimento do tribunal. 7. Avaliação das acusações. 8. Avaliação da variedade e da natureza das possíveis punições. 9. Capacidade de avaliar o provável resultado. 10. Capacidade de revelar ao advogado fatos pertinentes disponíveis associados à transgressão. 11. Capacidade de contestar testemunhas de acusação de forma realística. 12. Capacidade de testemunhar de forma relevante. 13. Manifestação de motivação em benefício próprio versus prejuízo próprio. Um ponto forte desse roteiro é sua ajuda aos médicos, mesmo àqueles sem experiência em tribunais, para retratar os efeitos de formas usuais de psicopatologia sobre esses parâmetros. Os médicos apenas oferecem opiniões sobre competência. O juiz é livre para respeitar, modificar ou desconsiderar essas opiniões, e o paciente não é competente ou incompetente até que o juiz assim determine. Seria melhor que os psiquiatras se abstivessem de protestar contra um julgamento de competência que contradiga sua opinião clínica. Discordar de um julgamento é matéria para cortes de apelação, não para objeções clínicas. Competência para ser executado Uma das novas áreas de competência que surge na fronteira comum entre a psiquiatria e a lei é a questão da competência da pessoa para ser executada. A exigência para competência nessa área parece basear-se em três princípios gerais. Primeiro, sua consciência acerca do que está acontecendo deve intensificar o elemento merecido da punição. A punição não tem sentido a menos que a pessoa tenha consciência dela e conheça seu propósito. Segundo, acredita-se que uma pessoa competente que está para ser executada esteja na melhor posição para reconciliar-se com suas crenças religiosas, incluindo confissão e absolvição. Terceiro, ela preserva, até o fim, a possibilidade (reconhecidamente pequena) de lembrar um detalhe esquecido dos eventos, ou do crime, que possa levar à inocência. A necessidade de preservar a competência foi apoiada recentemente no caso da Suprema Corte de Ford vs. Wainwright. Seja qual for o resultado de esforços legais associados a essa questão, a maior parte da classe médica tende à posição de que é antiético para qualquer médico participar, não importa o quão remoto seja,
de execuções ordenadas pelo estado; seu dever de preservar a vida transcende todas as outras exigências concorrentes. As principais sociedades médicas, como a American Medical Association (AMA), acreditam que os médicos não devem ter participação na pena de morte. O psiquiatra que concorda em examinar um paciente no corredor da morte pode achar a pessoa incompetente com base em um transtorno mental e recomendar um plano de tratamento, que, se implementado, asseguraria sua aptidão para ser executado. Mesmo havendo espaço para diferenças de opinião em relação a se um psiquiatra deve ou não se envolver, os autores deste livro acreditam que tal envolvimento é desumano. Responsabilidade penal De acordo com o código penal, cometer um ato nocivo do ponto de vista social não é o único critério de crime. Antes, o ato condenável deve ter dois componentes: conduta voluntária (actus reus) e intenção maldosa (mens rea). Não pode haver intenção maldosa quando o estado mental do infrator é tão deficiente, anormal ou doentio a ponto de tê-lo privado da capacidade de ter uma intenção racional. A lei pode ser invocada apenas quando uma intenção ilegal é executada. Nem o comportamento, por mais nocivo que seja, nem a intenção de praticar a ofensa são, em si, bases para uma ação penal. Até pouco tempo atrás, na maioria das jurisdições norte-americanas, uma pessoa poderia ser considerada inocente por razões de insanidade se sofresse de uma doença mental, não soubesse a diferença entre certo e errado e não percebesse a natureza e as conseqüências de seus atos. A persistência da defesa de insanidade parece derivar de duas forças médico-legais profundas. Uma é o imperativo moral. A defesa de insanidade talvez esteja mais próxima de uma questão moral do que de uma questão clínica ou legal. A dimensão moral diz respeito à relutância em julgar censuráveis ou culpáveis aqueles na sociedade que não parecem merecer tais rótulos devido a suas condições psicológicas ou neurológicas – estado que a lei denomina de doença ou defeito mental. Crianças e pessoas gravemente retardadas têm ocupado esse nicho moral; sua posição sempre foi ambígua. A segunda força sustentando a defesa de insanidade é a percepção de imparcialidade. O senso de imparcialidade que a sociedade tem de seus tribunais é arruinado quando, como declarou um juiz, “idiotas babões são tratados como se fossem réus responsáveis”. Por fim, o sistema legal requer uma classe de pessoas não-culpáveis e um sistema e padrões para defini-la – em resumo, a teoria e a prática de uma defesa de insanidade. Do ponto de vista social, a defesa de insanidade gera dois equívocos comuns que a tornam impopular. Primeiro, acreditase que muitos criminosos “calejados” usam a brecha legal para livrar-se de condenação. Na realidade, a defesa de insanidade é usada em uma mínima fração de casos, sendo bem-sucedida em uma fração desta fração – precisamente devido à sua impopularidade. Segundo, acredita-se que a defesa de insanidade permite que os psiquiatras livrem criminosos agindo como apologistas de suas ações maldosas. Essa visão é falha porque o sistema requer duas opiniões psiquiátricas e nenhum psiquiatra jamais decide o caso.
PSIQUIATRIA FORENSE
Regra M’Naghten. O precedente para a determinação de responsabilidade legal foi estabelecido nos tribunais britânicos em 1843. A chamada regra M’Naghten, que até pouco tempo determinava a responsabilidade criminal na maioria dos estados norte-americanos, considera que um indivíduo não é culpado, em função de insanidade, se agiu sob uma enfermidade mental que o tornava inconsciente da natureza, da qualidade e das conseqüências de seu ato ou se é incapaz de perceber que seu ato foi errado. Além disso, para absolver uma pessoa, o delírio deve ser de tal natureza que, se verdadeiro, seria uma defesa adequada. Caso a idéia delirante não justifique o crime, então presume-se que essas pessoas devem ser consideradas responsáveis, culpadas e passíveis de punição. Essa regra é conhecida como teste do certo-errado. A regra M’Naghten deriva do famoso caso M’Naghten, ocorrido antes de 1843 (Fig. 57-2). Naquela época, Edward Drummond, secretário particular de Sir Robert Peel, foi assassinado por Daniel M’Naghten. Este vinha sofrendo de delírios de perseguição há muitos anos. Havia se queixado a muitas pessoas sobre seus “perseguidores”, e, por fim, decidiu corrigir a situação assassinando Sir Robert Peel. Quando Drummond saía da casa de Peel, M’Naghten atirou, confundindo-o com Peel. O júri, instruído pela lei dominante, julgou o acusado inocente por razões de insanidade. Em resposta a perguntas sobre que diretrizes podem ser usadas para determinar se uma pessoa poderia alegar insanidade como defesa contra responsabilidade criminal, o poder judiciário inglês escreveu: 1. Para estabelecer uma defesa baseada em insanidade, deve ser claramente provado que, na ocasião da perpetração do ato, a parte acusada agiu sob um defeito da razão, proveniente de uma doença mental, a ponto de não conhecer a natureza e a qualidade do ato que estava praticando ou, conhecendo, não saber que o que fazia era errado.
FIGURA 57-2 Daniel M’Naghten. Seu julgamento por homicídio em 1843 levou ao estabelecimento de regras ainda observadas em algumas justificativas legais de insanidade. (Cortesia de Culver Pictures).
1457
2. Quando uma pessoa age sob delírios parciais apenas, e não é insana em outros sentidos, e como resultado comete um delito, deve ser considerada na mesma situação, quanto à responsabilidade, como se o fato com relação ao qual o delírio existe fosse real. De acordo com a regra de M’Naghten, a questão não é se o acusado sabe a diferença entre certo e errado em geral, mas se entende a natureza e a qualidade do ato e se reconhece a diferença entre certo e errado em relação a ele. De forma mais específica, se sabia que o ato era errado ou talvez achasse que era correto, com o delírio o fazendo agir como se fosse em legítima defesa. Impulso irresistível. Em 1922, uma comissão de juristas ingleses reexaminou a regra M’Nagthen e sugeriu uma ampliação do conceito de insanidade em casos criminais a fim de incluir a definição de impulso irresistível, que determina que uma pessoa acusada de delito criminal não é responsável pelo ato se este foi cometido sob um impulso ao qual foi incapaz de resistir devido à doença mental. “Os tribunais optaram por interpretar esse conceito de tal forma que passou a ser chamado de ‘lei do policial ao lado’”. Em outras palavras, o tribunal considerará o impulso como irresistível apenas quando puder ser determinado que o acusado teria cometido o ato mesmo se tivesse um policial a seu lado. Para a maioria dos psiquiatras, essa interpretação é insatisfatória porque abrange apenas um grupo pequeno e especial de pessoas mentalmente doentes. Regra Durham. No caso de Durham vs. Estados Unidos, o juiz David Bazelon, jurista pioneiro em psiquiatria forense no Tribunal de Apelação do Distrito de Colúmbia, tomou uma decisão que resultou na regra de responsabilidade criminal, ou seja, o acusado não é criminalmente responsável se seu ato ilegal foi produto de doença ou defeito mental. No caso Durham, o juiz declarou que o propósito da regra era obter um testemunho psiquiátrico idôneo e completo. Ele procurava liberar o código penal da camisa-de-força teórica da norma M’Naghten, mas juízes e júris, em casos que utilizaram a regra Durham, ficaram confusos com relação aos termos “produto”, “doença” e “defeito”. Em 1972, cerca de 19 anos após sua adoção, o Tribunal de Apelação do Distrito de Colúmbia, no caso Estados Unidos vs. Brawner, descartou seu uso. A corte – todos os nove membros, incluindo o juiz Bazelon – decidiu, em um parecer de 143 páginas, abandonar a regra Durham e adotar, em seu lugar, a norma recomendada em 1962 pelo American Law Institute em seu Código Penal Modelo, que é a lei vigente nos tribunais federais atualmente. Código penal modelo. Neste, o American Law Institute recomendou a seguinte norma de responsabilidade criminal: pessoas não são responsáveis por conduta criminosa se, na ocasião do ato, como resultado de doença ou defeito mental, não possuíam capacidade substancial para avaliar a criminalidade (ilegalidade) de sua conduta ou para adequá-la às exigências da lei. O termo doença ou defeito mental não inclui uma anormalidade que seja manifestada unicamente por conduta repetida criminal ou de outro modo anti-social.
1458
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
A Subseção 1 da regra do American Law Institute contém cinco conceitos operativos: doença ou defeito mental, incapacidade extensa, apreciação, ilegalidade e adequação da conduta às exigências da lei. A segunda subseção da regra, declarando que a conduta criminal ou anti-social repetida não deve ser considerada, per se, como doença ou defeito mental, pretende manter o sociopata ou psicopata dentro do âmbito da responsabilidade criminal. Outros critérios. O critério de responsabilidade criminal e outros critérios que avaliam essa responsabilidade referem-se à época em que o delito foi cometido, enquanto o critério de competência para ser submetido a julgamento refere-se à época do julgamento. O veredicto de um júri do Distrito de Colúmbia, em 1982, que considerou John W. Hinckley Jr., o homem que pretendia assassinar o presidente Ronald Reagan, inocente em razão de insanidade, iniciou um movimento para limitar ou abolir essa alegação especial. O julgamento de Hinckley pelo júri também acabou se transformando em um julgamento da lei e da psiquiatria. Os psiquiatras e a lei que permitiu seu testemunho foram considerados os culpados pelo veredicto impopular. “Os psiquiatras teceram intricadas teias de jargão pseudocientífico”, escreveu um eminente colunista, “e nessas teias o conceito de justiça, como um inseto, debateu-se e foi capturado”. A ABA e a APA logo divulgaram pareceres pedindo uma mudança na lei. Mais de 40 projetos foram apresentados no Congresso como emendas e, embora nenhum tenha sido aprovado, ajudaram a diminuir a crítica do público. No momento, Hinckley encontra-se hospitalizado por prazo indefinido no Hospital Federal de Santa Elizabeth, em Washington, D.C. As tentativas de reforma incluíram a alegação de ser culpado, mas mentalmente doente, que já é usada em algumas jurisdições. Esse padrão tem a vantagem de identificar a culpa enquanto permite alguma adaptação às condições psiquiátricas; por exemplo, oferece tratamento em ambientes restritos e, ao mesmo tempo, permite que o tribunal mantenha um papel ativo. “Culpado, mas insano” é uma contradição em termos; insanidade não tem significado legal, exceto como justificação. A defesa de capacidade diminuída baseia-se na alegação de que o acusado sofreu um prejuízo (em geral, mas nem sempre, devido a doença mental) suficiente para interferir na capacidade de formular um elemento específico (tal como premeditação) do crime de que é acusado. Portanto, a defesa encontra seu uso mais comum com os chamados crimes de intenção específica, como assassinato em primeiro grau. Sob esse conceito, o crime de Dan White, que matou dois policiais de São Francisco, foi reduzido de assassinato em primeiro grau para homicídio culposo. A “defesa de compulsão” envolveu psiquiatras que testemunharam que o mesmo estava deprimido e que a ingestão compulsiva de junk foods era um sintoma de depressão. A depressão levou a uma condenação de homicídio culposo, em vez de assassinato em primeiro grau. Após ser libertado da prisão, White cometeu suicídio. A AMA propôs ainda outra reforma – limitar a justificação de insanidade a casos em que a pessoa está tão doente a ponto de não ter a necessária intenção criminal (mens rea). Essa abordagem praticamente eliminaria a defesa de insanidade e imporia uma
grande carga às prisões para aceitar um número significativo de pessoas mentalmente doentes. A ABA e a APA, em seus pareceres de 1982, recomendaram uma defesa de não-responsabilidade, que se focaliza somente na possibilidade de os acusados, como resultado de doença ou defeito mental, serem incapazes de avaliar a ilegalidade de suas condutas. Essas propostas limitariam a evidência de doença mental à cognição e excluiriam controle, mas ainda haveria uma defesa disponível sob a alegação de inocência – tal como transtorno emocional extremo, automatismo, provocação ou legítima defesa – estabelecida sem testemunho psiquiátrico sobre doença mental. A APA também sugeriu que “doença mental” seja limitada a condições mentais gravemente anormais. Essas propostas ainda são controversas, e a questão surgirá de novo com cada caso sensacional em que a defesa de insanidade for invocada. OUTRAS ÁREAS DA PSIQUIATRIA FORENSE Dano e sofrimento emocional Nos últimos anos, houve uma tendência bastante crescente a processar por dano psicológico e emocional, tanto secundário a ferimento físico como em conseqüência de testemunho de um ato estressante, e pelo sofrimento suportado sob o estresse de circunstâncias como experiências de campos de prisioneiros. O governo da Alemanha Ocidental examinou muitas dessas reivindicações de pessoas detidas em campos nazistas durante a II Guerra Mundial. Nos Estados Unidos, os tribunais passaram de uma posição conservadora para uma posição liberal ao recompensar danos para tais reclamações. Exames e testemunho psiquiátrico são procurados nesses casos, tanto pelos queixosos como pelos acusados. Indenização do trabalhador Os estresses do emprego podem causar ou acentuar doença mental. Pacientes têm o direito de ser compensados por suas incapacidades relacionadas ao trabalho ou de receber benefícios de aposentadoria por incapacidade. O psiquiatra costuma ser convocado para avaliar tais situações. Responsabilidade civil Psiquiatras que exploram sexualmente seus pacientes estão sujeitos a ações civis e criminais, além de processos éticos e profissionais de revogação de licença. Imperícia é a ação legal mais comum (Tab. 57-4). MEMÓRIAS RECUPERADAS A atual controvérsia em relação a memórias recuperadas de abuso sexual, conforme descrito por Robert Simon, ameaça arruinar a credibilidade das profissões de saúde mental. O debate tem gerado sentimentos intensos, responsáveis por levar aos tribunais um
PSIQUIATRIA FORENSE
TABELA 57-4 Exploração sexual: conseqüências éticas e legais Ação judicial civil Negligência Perda da Associação Ação por quebra de contrato Sanções criminais (p. ex., estatutária, adultério, agressão sexual, estupro) Ação civil por delito intencional (p. ex., agressão, fraude) Revogação de licença Sanções éticas Exoneração de organizações profissionais Reimpressa, com permissão, de Simon RI. Clinical Psychiatry and the Law. 2a nd ed. Washington, DC: American Psychiatric Press, 1992.
1459
TABELA 57-5 Alguns fatores de risco no tratamento 1. O terapeuta deve manter a neutralidade – não sugerir abuso. 2. Permanecer clinicamente focalizado – fornecer avaliação e tratamento adequados para pacientes que apresentam problemas e sintomas. 3. Documentar com cuidado o processo de recuperação de memória. 4. Manejar tendências pessoais e contratransferência. 5. Evitar misturar papéis de médico e testemunha pericial. 6. Monitorar com rigor relacionamentos de supervisão e colaboração na terapia. 7. Esclarecer papéis não-terapêuticos com membros da família. 8. Evitar técnicas especiais (p. ex., hipnose e amital sódico), a menos que claramente indicadas; obter consultoria primeiro. 9. Permanecer dentro da competência profissional – não pegar casos que não pode tratar. Dados de Robert Simon, M.D.
número crescente de casos de memória recuperada. Pacientes alegando memórias recuperadas de abuso têm processado pais e outros possíveis perpetradores. Em inúmeros casos, os alegados vitimizadores têm processado os terapeutas sob a alegação de induzir, de forma negligente, falsas memórias de abuso sexual. Em certos casos, alguns pacientes têm se retratado e unido forças com outros (em geral os pais) para processar os terapeutas. O debate sobre a memória tem polarizado uma quantidade de terapeutas em crentes e descrentes. A maioria deles mantém crenças pessoais sobre a validade das memórias recuperadas de abuso sexual, que estão entre os extremos. Crenças pessoais fortemente mantidas sobre memórias recuperadas representam um novo risco profissional para os médicos. Tais sentimentos podem arruinar o dever de neutralidade para com seus pacientes, criando desvios nas fronteiras de tratamento e o fornecimento de tratamento subadequado. É esperado que o litígio nesses casos aumente nos próximos anos. Uma alegação fundamental é que o terapeuta abandonou sua posição de neutralidade para sugerir, persuadir, coagir e implantar falsas memórias de abuso sexual na infância. O princípio orientador de manejo de risco clínico em casos de memória recuperada é a manutenção da neutralidade do terapeuta e o estabelecimento de fronteiras claras do tratamento (Tab. 57-5). Complicando ainda mais a questão está a evidência empírica sobre mecanismos de memória, que (como é típico em qualquer ciência emergente) revela achados contraditórios sobre como e o que as pessoas retêm na memória e esquecem, em várias situações. Estudos empíricos em geral não conseguem distinguir se as memórias alegadamente reprimidas não são recuperadas ou apenas não são relatadas aos pesquisadores.
REFERÊNCIAS Farber NJ, Aboff BM, Weiner J, Davis LR, Boyer EG, Ubel PA. Physicians’ willingness to participate in the process of lethal injection for capital punishment. Ann Intern Med. 2001;135:884. Goldstein RL. Paranoids in the legal system: the litigious paranoid and the paranoid criminal. Psychiatr Clin North Am. 1995; 18:303. Gunn J. Future directions for treatment in forensic psychiatry. Br J Psychiatry. 2000;176:332. Gutheil TG. Approaches to forensic assessment of false claims of sexual misconduct by therapists. Bull Am Acad Psychiatry Law. 1992; 20:289. Jaworoski S, Zabow A. Involuntary psychiatric hospitalization of minors. Med Law. 1995;14:635. Kantor JE. Medical Ethics for Physicians-in-Training. New York: Plenum; 1989. Miller RD. Need-for-treatment criteria for involuntary civil commitment: impact in practice. Am J Psychiatry. 1992;149:1380. Noonan JR, Johnson RK. The misuse of the diagnosis of bipolar disorder in the forensic context. Am J Forensic Psychol. 2002;20:5. Palermo GB, Perracuti S, Palermo MT. Malingering a challenge for the forensic examiner. Med Law. 1996;15:143. Roback HB, Moore RF, Bloch FS, Shelton M. Confidentiality in group psychotherapy: empirical findings and the law. Int J Group Psychother. 1996;46:117. Saks E. The criminal responsibility of people with multiple personality disorder. Psychiatry Q. 1995;66:119. Simon RI. Legal issues in psychiatry. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:3272. Stone A. Law Psychiatry and Morality. Washington. DC: American Psychiatric Press; 1984. Thomson L. Clinical management in forensic psychiatry. J Forensic Psychiatry. 1999;10:367.
58 Ética na psiquiatria
É
tica na psiquiatria refere-se aos princípios de conduta que regem o comportamento de psiquiatras e de outros profissionais da saúde mental. A ética, como disciplina, lida com o que é bom e o que é ruim, o que é certo e o que é errado, e com deveres, obrigações e responsabilidades morais.
ções penais, todas contrárias à ética. Desenvolvido por membros e consultores do Comitê de Ética da APA, fornece respostas a perguntas sobre ética que habitualmente são feitas. Um resumo desses princípios é fornecido na Tabela 58-1. PRINCÍPIOS ÉTICOS ESSENCIAIS
CÓDIGOS PROFISSIONAIS A maioria das organizações profissionais e empresas possuem códigos de ética. Esses códigos refletem um consenso sobre os padrões gerais de conduta profissional adequada. Os Princípios de ética médica, da American Medical Association, os Princípios de ética médica com comentários especialmente aplicáveis à psiquiatria e o Manual de ética, ambos da American Psychiatric Association (APA), enunciam padrões ideais de prática e virtudes profissionais dos médicos. Incluem conselhos para o uso qualificado de técnicas científicas, para auto-regular conduta imprópria dentro da profissão e para respeitar os direitos e as necessidades de pacientes, familiares, colegas e sociedade. Esses conselhos são reforçados por princípios éticos essenciais como beneficência, autonomia, não-maleficência e justiça (discutidos a seguir). Nos últimos anos, tem aumentado o interesse no uso de códigos de ética profissionais como um padrão de crítica e como um meio de regular a conduta profissional imprópria. Por violações de ética, a APA pode expulsar membros de sua organização ou, por violações menos graves, suspendê-los por um tempo. Durante esse período, podem ter que passar por supervisão ou treinamento extra. Para violações ainda menos graves, podem receber repreensão ou advertência, sem efeito sobre sua condição como membro da organização. A expulsão é relatada publicamente, mas se violações menos graves serão ou não difundidas fica a critério do comitê local da APA. Alguns hospitais retiram privilégios do psiquiatra que foi expulso por razões éticas, e cobertura por imperícia pode ser negada. Os Princípios de ética médica com comentários especialmente aplicáveis à psiquiatria (daqui por diante, Princípios) fornecem um exemplo útil e abrangente de um código profissional ajustado à profissão psiquiátrica. O manual abrange uma ampla série de questões éticas psiquiátricas, desde divisão de honorários e sexo com ex-pacientes, à participação de psiquiatras em execu-
Os eticistas baseiam suas decisões em poucos princípios essenciais: autonomia, não-maleficência, beneficência e justiça. Por um lado, o respeito pela autonomia do paciente é mais relevante quando psicocirurgia é proposta, mas o princípio de justiça social pode ser mais poderoso quando se decide quem recebe um novo medicamento que é escasso e caro. O conflito ético mais universal na psiquiatria e na medicina como um todo é aquele entre autonomia, o direito de autodeterminação dos pacientes, e beneficência, o dever dos médicos de agir no melhor interesse de seus pacientes. Autonomia O princípio de autonomia do paciente tem importância central e, de forma conceitual, é, em muitos aspectos, de igual extensão ao conceito legal de competência. O paciente faz uma escolha autônoma ao dar consentimento informado quando essa escolha é (1) intencional, (2) livre de influência externa indevida e (3) feita com entendimento racional. Em geral, quando responde a uma escolha dizendo “sim”, o desejo de consentir é pressuposto. Entretanto, tal suposição pode não ser válida com um paciente altamente confuso.
Não-maleficência Não-maleficência é o dever do psiquiatra de evitar infligir dano físico e emocional ao paciente ou aumentar o risco de tal dano. Esse princípio é apreendido por primum non nocere, “primeiro, não fazer mal”.
Beneficência O princípio de beneficência – prevenir ou remover o dano e promover o bem-estar – foi o aspecto primário da prática médica e psiquiátrica ao
ÉTICA NA PSIQUIATRIA
1461
TABELA 58-1 Princípios de ética médica com comentários especialmente aplicáveis à psiquiatria Cada um dos princípios de ética médica da AMA é impresso separadamente (em itálico), junto com comentários especialmente aplicáveis à psiquiatria. Preâmbulo A profissão médica há muito concordou com um conjunto de declarações éticas desenvolvidas primariamente em benefício do paciente. Como membro dessa profissão, o médico deve reconhecer responsabilidade não apenas para com os pacientes, mas também para com a sociedade, para com profissionais da saúde e para consigo mesmo. Os seguintes Princípios, adotados pela American Medical Association, não são leis, mas padrões de conduta, que definem a essência do comportamento honrado para o médico. Seção 1 Um médico deve dedicar-se a fornecer serviço médico competente com compaixão e respeito pela dignidade humana.a 1. O psiquiatra não deve gratificar suas próprias necessidades explorando o paciente. Deve estar sempre vigilante sobre o impacto que sua conduta tem nas fronteiras do relacionamento médico-paciente e, portanto, no bem-estar do paciente. Esses requisitos tornamse particularmente importantes devido à natureza privada, altamente pessoal e às vezes intensamente emocional do relacionamento com o psiquiatra. 2. O psiquiatra não deve tomar partido em nenhum tipo de política que exclua, segregue ou avilte a dignidade de qualquer paciente devido a origem étnica, raça, sexo, idade, condição socioeconômica ou orientação sexual. 3. De acordo com os requisitos da lei e da prática médica aceita, é ético para um médico submeter seu trabalho à revisão de colegas e à autoridade final do corpo executivo da equipe médica e à administração do hospital e sua direção. 4. O psiquiatra não deve participar de execução penal legalmente autorizada (penas de morte). Seção 2 O médico deve lidar de forma honesta com pacientes e colegas e empenhar-se em expor aqueles médicos deficientes de caráter ou competência, ou que estão envolvidos em fraude ou imperícia. 1. O requisito de que o médico atue com propriedade em sua profissão e em todas as ações de sua vida é muito importante para o psiquiatra porque o paciente tende a modelar seu comportamento pelo de seu psiquiatra, mediante identificação. Além disso, a necessária intensidade do relacionamento terapêutico pode tender a ativar necessidades ou fantasias sexuais e outras, tanto do paciente como do psiquiatra, enquanto enfraquece a objetividade necessária para o controle. A desigualdade inerente no relacionamento médico-paciente pode levar à exploração do paciente. Atividade sexual com paciente atual ou antigo é antiética. 2. O psiquiatra deve proteger-se com cuidado de exploração de informação fornecida pelo paciente e não usar a posição singular de poder propiciada pela situação psicoterapêutica para influenciar pacientes de nenhuma forma que não seja diretamente relevante para os objetivos do tratamento. 3. O psiquiatra que exerce a profissão de forma regular fora de sua área de competência profissional é considerado antiético. A determinação de competência profissional deve ser feita por conselhos de revisão médica ou outros órgãos adequados. 4. Consideração especial precisa ser dada a psiquiatras que, devido estarem doentes, arriscam o bem-estar de seus pacientes e sua própria reputação e prática. É ético, e até encorajado, que outro psiquiatra interceda nessas situações. 5. Serviços psiquiátricos, como todos os serviços médicos, são ministrados no contexto de um arranjo contratual entre o paciente e o médico. As cláusulas, que representam um compromisso tanto do médico como do paciente, devem ser estabelecidas de forma clara.
6. É ético que o psiquiatra cobre uma consulta perdida quando isso estiver dentro dos termos do acordo contratual. Cobrar por uma consulta perdida ou por uma não cancelada com 24 horas de antecedência não precisa, em si, ser considerado antiético, se o paciente estiver informado de que isso será feito. A prática, entretanto, deve ser um último recurso e sempre com a maior consideração pelo paciente e por suas circunstâncias. 7. Um arranjo no qual o psiquiatra fornece supervisão a outros médicos ou pessoal não-médico em troca de uma porcentagem de seus honorários ou renda bruta não é aceitável; isso constitui divisão indevida de honorários. Seção 3 O médico deve respeitar a lei e também reconhecer a responsabilidade por buscar mudanças nos requisitos que sejam contrários aos melhores interesses do paciente. 1. É evidente que o psiquiatra que infringe a lei pode ser eticamente inadequado para exercer sua profissão. Quando tais atividades ilegais estão relacionadas de forma direta com o exercício de sua profissão, esse é obviamente o caso. Entretanto, em outras situações, atividades ilegais como aquelas relativas ao direito de protestar contra injustiças sociais podem não afetar nem a imagem do psiquiatra nem sua capacidade de tratar seu paciente com ética e sucesso. Seção 4 O médico deve respeitar os direitos de pacientes, colegas e outros profissionais da saúde mental e salvaguardar as confidências do paciente dentro dos rigores da lei. 1. Registros psiquiátricos, incluindo a identificação de uma pessoa como paciente, devem ser protegidos com extremo cuidado. A confidência é essencial ao tratamento psiquiátrico. Isso se baseia, em parte, na natureza especial da terapia psiquiátrica e no relacionamento ético tradicional entre médico e paciente. Tem surgido uma crescente preocupação com relação aos direitos civis de pacientes e aos possíveis efeitos adversos relacionados a computação, equipamento de duplicação e bancos de dados, que tornam a disseminação de informação confidencial um risco cada vez maior. Devido à natureza sensível e privada da informação com a qual o psiquiatra lida, ele deve ser cauteloso em relação às informações reveladas a outros sobre um paciente. O bem-estar deste deve ser uma consideração constante. 2. O psiquiatra pode liberar informação confidencial apenas com a autorização do paciente ou sob obrigação legal adequada. O dever constante do psiquiatra de proteger os pacientes inclui uma avaliação das conotações da renúncia que estes venham a fazer em relação ao privilégio de privacidade. Isso pode tornar-se um problema quando um paciente está sendo investigado por um órgão do governo, está solicitando emprego ou está envolvido em ação legal. Os mesmos princípios aplicam-se à liberação de informação relativa a tratamento a departamentos médicos de órgãos do governo, organizações comerciais, sindicatos de trabalhadores e companhias de seguros. As informações obtidas em confidência em serviços de saúde direcionados a estudantes não podem ser liberadas sem a permissão explícita dos mesmos. 3. Materiais clínicos e outros usados no ensino e em artigos devem ser adequados para preservar o anonimato dos indivíduos envolvidos. 4. A responsabilidade ética de manter a confidência aplica-se também a consultorias ou supervisões nas quais o paciente pode não ter estado presente e nas quais quem solicitava a consultoria não era médico. Nesses casos, o médico consultor/supervisor deve alertar quem solicitava a consultoria de seu dever de confidência. 5. Eticamente, o psiquiatra pode revelar apenas a informação que seja relevante a determinada situação. Precisa evitar oferecer especulações como fato. Informação sensível, como a orientação sexual ou material de fantasia do indivíduo costuma ser desnecessária. (Continua)
1462
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 58-1 (Continuação) 6. Os psiquiatras muitas vezes são solicitados a examinar indivíduos para fins de seguro, para determinar adequação a vários empregos e para determinar competência legal. O ideal é que descrevam a natureza, o propósito e a falta de confidência do exame ao examinado no início do contato. 7. O psiquiatra deve fazer um julgamento cuidadoso para incluir, quando adequado, os pais ou curadores no tratamento de um menor. Ao mesmo tempo, precisa garantir ao menor a confidência adequada. 8. Quando, no julgamento clínico do psiquiatra, o risco de perigo é considerado significativo, ele pode revelar informação confidencial referida pelo paciente. 9. Quando o psiquiatra é obrigado pelo tribunal a revelar as confidências confiadas a ele pelos pacientes, pode obedecer ou, por uma questão de ética, manter o direito de discordância dentro da estrutura da lei. Quando estiver em dúvida, o direito do paciente à confidência e, por extensão, à preservação do tratamento deve ter prioridade. O psiquiatra pode reservar-se o direito de levantar a questão de necessidade adequada de revelação. No caso de ela ser demonstrada pelo tribunal, o psiquiatra pode requerer o direito de revelar apenas a informação que é relevante à ação legal em questão. 10. Com consideração à dignidade e à privacidade da pessoa e com o consentimento genuinamente informado, é ético apresentar um paciente a uma assembléia científica se a confidência da apresentação for entendida e aceita pela platéia. 11. Quando envolvido em pesquisa financiada, o psiquiatra ético informa os pacientes da fonte financiadora, mantém sua liberdade de revelar dados e resultados e segue todas as diretrizes adequadas e correntes relativas à proteção do indivíduo. 12. Considerações éticas na prática médica impedem a avaliação psiquiátrica de qualquer pessoa acusada de atos criminosos antes de acesso do mesmo a um advogado. A única exceção é fornecer atendimento com o único propósito de tratamento médico. 13. Envolvimento sexual entre um membro do corpo docente ou supervisor e um estagiário ou aluno, em situações nas quais pode ocorrer abuso de poder pelas desigualdades na relação de trabalho, pode ser antiético porque (a) qualquer tratamento de um paciente sendo supervisionado pode ser afetado de forma nociva; (b) pode prejudicar o relacionamento de confiança entre professor e aluno; e (c) professores são modelos de papel profissional importantes para seus estagiários e interferem no comportamento profissional futuro dos estagiários. Seção 5 O médico deve continuar a estudar, a aplicar e a desenvolver conhecimento científico, tornar a informação relevante disponível a pacientes, colegas e público, obter consultoria e usar os talentos de outros profissionais da saúde, quando indicado. 1. Os psiquiatras são responsáveis pela continuidade de sua própria educação e devem estar em contínua aprendizagem. 2. No exercício de sua especialidade, os psiquiatras consultam, associam-se, colaboram ou integram seu trabalho com o de muitos profissionais, incluindo psicólogos, psicometristas, assistentes sociais, conselheiros de alcoolismo, conselheiros matrimoniais e enfermeiros de saúde pública. Além disso, a natureza da prática psiquiátrica moderna estende os contatos do psiquiatra a pessoas como professores, oficiais de condicional juvenil e adulto, advogados, funcionários da previdência social, voluntários e assistentes de bairro. Os psiquiatras devem garantir que os profissionais ou paraprofissionais associados com os quais estão lidando e que encaminham pacientes para tratamento, aconselhamento ou reabilitação sejam membros reconhecidos de sua própria disciplina e tenham competência para realizar a tarefa terapêutica requerida. Sua atitude deve
ser a mesma em relação a membros da profissão médica aos quais encaminham pacientes. Os psiquiatras não devem encaminhar pacientes sempre que tiverem uma razão para duvidar do treinamento, da habilidade ou das qualificações éticas do profissional associado. 3. Quando psiquiatras assumem um papel de colaboração ou supervisão com outro profissional da saúde mental, devem despender tempo suficiente para assegurar que tratamento adequado está sendo fornecido. É contrário aos interesses do paciente e ao tratamento se esses profissionais aceitarem ser usados como “testa-de-ferro”. 4. Nos relacionamentos entre psiquiatras e psicólogos autorizados, aqueles não devem delegar a estes ou, melhor, a nenhuma pessoa não-médica, qualquer assunto que requeira o exercício de julgamento médico profissional. 5. É importante que os psiquiatras concordem com o pedido de um paciente ou de sua família para ouvir uma segunda opinião. Os psiquiatras podem sugerir possíveis consultores, mas o paciente ou a família devem ter livre escolha para fazê-lo. Se os psiquiatras desaprovam as qualificações profissionais do consultado, ou se não podem resolver diferenças de opinião, é possível, após aviso apropriado, retirar-se do caso. Se o desacordo ocorrer dentro da estrutura de uma instituição ou agência, as diferenças precisam ser resolvidas por mediação ou arbitragem de autoridades profissionais superiores. Seção 6 O médico deve, no fornecimento de atendimento adequado ao paciente, exceto em emergências, ser livre para escolher a quem atender, com quem se associar e em qual ambiente fornecer serviços médicos. 1. Os médicos em geral concordam que o relacionamento médicopaciente é um fator tão vital no tratamento efetivo que a preservação de condições ideais ao desenvolvimento de um relacionamento de trabalho saudável entre os médicos e seus pacientes deve ter precedência sobre todas as outras considerações. Seção 7 O médico deve reconhecer a responsabilidade de participar em atividades que contribuam para a melhoria da comunidade. 1. Os psiquiatras precisam incentivar a cooperação daquelas pessoas legitimamente preocupadas com os aspectos médicos, psicológicos, sociais, legais de saúde e doença mental. Eles são encorajados a servir à sociedade aconselhando e prestando consultoria aos órgãos executivo, legislativo e judiciário. É importante esclarecer se falam como indivíduos ou como representantes de uma organização. Além disso, devem evitar encobrir suas declarações públicas com a autoridade da profissão (p. ex., “Os psiquiatras sabem que...”.). 2. Podem interpretar e partilhar com o público sua habilidade nas várias questões psicossociais que afetam a saúde e a doença mental. Devem sempre estar conscientes de seus papéis como cidadãos dedicados e como especialistas em medicina psicológica. 3. Às vezes, são solicitados a dar uma opinião sobre indivíduos expostos à atenção do público ou que revelaram informação pessoal na mídia. Em tais circunstâncias, os psiquiatras podem compartilhar sua experiência em questões psiquiátricas em geral com o público. Entretanto, é antiético oferecer uma opinião profissional sobre um indivíduo específico, a menos que tenham conduzido um exame e tenham recebido autorização adequada para tal declaração. 4. Os psiquiatras podem permitir que seu testemunho seja usado para o tratamento involuntário de qualquer pessoa apenas após exame individualizado. Para isso, devem considerar a pessoa incapaz, devido à doença mental, de formar um julgamento sobre o qual o seu melhor interesse, e que podem, sem tal tratamento, ocorrer prejuízos substanciais a essa pessoa ou a terceiros.
aAs afirmações em itálico são tiradas dos Princípios de ética médica da American Medical Association. Reimpressa, com permissão, de American Psychiatric Association. The Principles of Medical Ethics With Annotations Especially Applicable to Psychiatry. Washington, DC: American Psychiatric Association, 1995.
ÉTICA NA PSIQUIATRIA
longo da história, até o aumento do consumismo e de outros fatores no final da década de 1960. A expressão do princípio é o paternalismo, o uso de julgamento do psiquiatra sobre o melhor curso de ação para o paciente ou para o sujeito de pesquisa. Historicamente, os psiquiatras têm justificado o paternalismo beneficente com base em seu entendimento superior, na maior objetividade e no forte desejo de ajudar seus pacientes. Um exemplo comum da primazia da beneficência é a decisão de hospitalizar de forma involuntária um suicida. Esse ato unilateral sugere que a autonomia do paciente está intacta, mas deve ser sobrepujada pelo potencial comportamento perigoso, ou que sua capacidade para escolha autônoma está prejudicada pela doença mental e deve ser ignorada. Aqui está um exemplo da diferença entre paternalismo fraco (agir com beneficência quando as faculdades prejudicadas do paciente impedem uma escolha autônoma) e paternalismo firme (agir com beneficência apesar da autonomia intacta do mesmo). Diretrizes foram propostas para permitir que a beneficência prevaleça sobre a autonomia do paciente; quando este enfrenta dano substancial ou risco de dano, é escolhido o ato paternalista que assegure a combinação ideal entre redução máxima do dano, baixo risco adicional e violação mínima necessária da autonomia. Por exemplo, convencer um paciente suicida a internar-se de forma voluntária constitui o ambiente necessário para conter o comportamento suicida, impõe pouco risco adicional para a maioria dos pacientes e preserva mais autonomia do que hospitalização involuntária ou uma quebra da confidência para uma terceira parte interveniente em pacientes de consultório.
Justiça Como os princípios de autonomia, não-maleficência e beneficência, o princípio de justiça em psiquiatria não opera em um vácuo, mas responde às condutas sociais, políticas, religiosas e legais variáveis do momento.
QUESTÕES ESPECÍFICAS De um ponto de vista prático, diversas questões específicas costumam envolver os psiquiatras. Essas incluem (1) violações de fronteira sexuais, (2) violações de fronteira não-sexuais, (3) violações de confidência, (4) tratamento inadequado (incompetência, dupla atuação) e (5) atividades ilegais (seguro, faturamento, informações privilegiadas). Violações de fronteira sexuais É evidente que o envolvimento do psiquiatra com um paciente em um relacionamento sexual é antiético. Além disso, sanções legais contra tal comportamento tornam a questão ética discutível. Várias leis do código penal têm sido utilizadas contra psiquiatras que violam esse princípio ético. Acusações de estupro podem ser, e têm sido, feitas contra psiquiatras; denúncias de ataque e agressão sexual também têm sido efetivadas para condenar psiquiatras. Além disso, pacientes sexualmente vitimizados por psiquiatras e outros médicos têm recebido indenizações em ações de
1463
imperícia. No momento, as seguradoras não protegem mais contra relações sexuais paciente-terapeuta e excluem responsabilidade por qualquer atividade sexual. Se relações sexuais entre um ex-paciente e o terapeuta violam um princípio ético, entretanto, é uma questão que permanece controversa. Os proponentes da visão “Uma vez paciente sempre um paciente” insistem que qualquer envolvimento desse tipo – mesmo que leve a casamento – deve ser proibido. Sustentam que uma reação transferencial que sempre existe impede uma decisão racional sobre sua união emocional ou sexual. Outros insistem que, se uma reação transferencial ainda existe, a terapia está incompleta e que, como pessoas autônomas, ex-pacientes não devem ser submetidos pelos médicos a moralização paternalista. Como conseqüência, acreditam que nenhuma sanção deve proibir envolvimento emocional ou sexual entre ex-pacientes e seus psiquiatras. Alguns psiquiatras sustentam que um tempo razoável deveria transcorrer antes de tal ligação. A duração do período “razoável” permanece controversa: alguns sugeriram dois anos. Outros afirmam que qualquer período de envolvimento proibido com um ex-paciente é uma restrição desnecessária. Os Princípios, entretanto, estabelecem: “Atividade sexual com um paciente atual ou antigo é antiética”. Um terapeuta está tratando uma paciente que pode ter alguns traços de personalidade borderline. Durante uma sessão particularmente emocional, o médico segura a mão da paciente ou coloca seu braço em torno dos ombros dela para confortá-la. Talvez haja até um abraço; mais tarde, outra sessão emocional e outro abraço, dessa vez um pouco mais longo. Logo, cada sessão termina com um abraço, talvez um abraço e um beijo no rosto. Depois, a paciente telefona para o médico à noite, soluçando. O médico faz uma visita domiciliar breve; mais abraços, mais beijos. Um gesto suicida costuma aprofundar o envolvimento. Esse cenário pode ficar bastante complicado e envolvente, mas não é incomum. Nesse ponto, a situação é, sem dúvida, uma emergência psiquiátrica. O médico deve obter uma consulta imediata com um colega experiente. Infelizmente, essa opção não é muito usada. Seja devido a constrangimento, medo de crítica da comunidade, negação ou onipotência injustificada, a situação em geral progride para um nível perigoso, e a atividade sexual substitui o tratamento. (Cortesia de Peter Gruenberg, M.D.) Um argumento apresentado em certas ocasiões é que a atividade sexual é consensual; ou seja, acontece entre dois adultos autônomos e, como conseqüência, eles devem ser capazes de fazer o que quiserem. Contudo, mesmo um entendimento rudimentar de psiquiatria dinâmica revela que os dois adultos não são tão autônomos. Forças poderosas, inconscientes, estão operando em todos os relacionamentos médico-paciente. O paciente não tem que deitar-se em um divã cinco vezes por semana para desenvolver transferência. Ela ocorre em cada encontro. Mesmo a breve visita para manejo da medicação produz transferência (e contratransferência). Os Princípios são bastante claros na Seção 2.1. Ainda que não explicado em detalhes nos Princípios, atividade sexual com um membro da família do paciente também é antiética. Isso é muito importante quando o psiquiatra está tratan-
1464
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
do crianças ou adolescentes. A maioria dos programas de treinamento em psiquiatria infantil e adolescente enfatiza que os pais também são pacientes e que as proibições éticas e legais aplicamse aos pais (ou substitutos) da criança. Contudo, alguns psiquiatras interpretam mal esse conceito. Atividade sexual entre o médico e um membro da família do paciente também é antiético. Violações de fronteira não-sexuais O relacionamento entre médico e paciente com o propósito de fornecer e obter tratamento é o que costuma ser chamado de relacionamento médico-paciente. Existem fronteiras tanto em torno quanto dentro dele. Cada um dos envolvidos pode cruzar a fronteira. Nem todos os cruzamentos de fronteira constituem violações. Por exemplo, um paciente pode dizer ao médico ao final de uma sessão: “Esqueci o dinheiro em casa e preciso de 5 reais para tirar meu carro do estacionamento. Você poderia me emprestar até a próxima sessão?”. O paciente convidou o médico a cruzar a fronteira médico-paciente, bem como a estabelecer um relacionamento de favor. Dependendo da orientação teórica do médico, da situação clínica e de outros fatores, o médico pode escolher cruzar a fronteira. Pode-se então debater se o cruzamento também constitui uma violação de fronteira. Uma violação de fronteira é um cruzamento que envolve exploração. Ela gratifica as necessidades do médico à custa do paciente. Aquele é responsável por preservar a fronteira e por garantir que os cruzamentos sejam mantidos em um mínimo e que não ocorra exploração. Uma residente em psiquiatria foi advertida por seu supervisor de psicoterapia para nunca, sob nenhuma circunstância, aceitar presentes dos pacientes. No decorrer do tratamento de uma jovem com esquizofrenia, foi-lhe oferecido um presente de Natal (um lenço de algodão), que ela se recusou a aceitar, explicando da forma mais gentil possível que isso não era permitido pelas “regras do hospital”. No dia seguinte, a paciente tentou o suicídio. Ela entendeu a recusa da residente como uma profunda rejeição (ao que pessoas com esquizofrenia são extremamente sensíveis), que não pôde tolerar. O caso ilustra a necessidade de entender as dinâmicas de dar presentes e o significado transferencial de rejeitar (ou aceitar) o presente. Uma história (possivelmente apócrifa) é contada sobre como Freud, que era um fumante de charuto inveterado, recebeu de presente de um paciente, no curso de sua análise, uma caixa de charutos cubanos raros. Freud aceitou o presente e então prosseguiu pedindo para o paciente explorar suas motivações para oferecê-lo. Suas razões para aceitar os charutos eram mais óbvias do que a razão inconsciente do paciente para dá-los, sobre o que não há informação. Dano ao paciente não é um componente de violação de fronteira. Por exemplo, usar informação fornecida pelo paciente (como uma informação de ações na Bolsa de Valores) é uma violação de
fronteira antiética, embora nenhum dano óbvio possa resultar ao paciente. Para fins de discussão, as violações de fronteira nãosexuais podem ser agrupadas em diversas categorias arbitrárias (sobrepostas e não mutuamente excludentes). Negócios. Quase todo relacionamento comercial com um ex-paciente é problemático, e os relacionamentos comerciais com um paciente atual são considerados antiéticos. Naturalmente, a circunstância e o local podem desempenhar um papel significativo nessa advertência. Em uma área rural ou em uma pequena comunidade, o psiquiatra pode estar tratando o único farmacêutico (ou encanador ou estofador) da cidade; então precisa fazer negócios com o farmacêutico/paciente e tentar manter as fronteiras sob controle. Psiquiatras éticos tentam evitar fazer negócios com um paciente ou com um membro de sua família ou pedir a um paciente para fazer um pagamento a um dos membros de sua família. Devem evitar investir no negócio de um paciente ou colaborar em uma transação comercial. Questões ideológicas. Questões ideológicas podem embotar o julgamento e levar a lapsos éticos. Qualquer decisão clínica deve ser baseada no que é melhor para o paciente; a ideologia do psiquiatra precisa desempenhar o menor papel possível nesse tipo de decisão. O psiquiatra ético, então, deve estar atento às pesquisas atuais, a novas abordagens e seus resultados. Um exemplo óbvio desse problema é o profissional que está convencido de que uma abordagem analítica é a única forma de tratar condições como depressão maior, transtorno bipolar e esquizofrenia. A pesquisa atual sugere que outras abordagens são tão ou mais úteis em muitos casos. O bem-estar do paciente e seus desejos devem ser considerados nessas situações. O psiquiatra que é consultado deve informar ao paciente que outras formas de tratamento estão disponíveis para tratar a doença e permitir que o paciente decida sobre um curso de tratamento. Naturalmente, os psiquiatras devem recomendar o tratamento que consideram melhor para o paciente, mas o paciente deve ter a liberdade de escolher.
Social. O local e as circunstâncias particulares devem ser considerados em qualquer discussão do comportamento de um psiquiatra ético em situações sociais. O princípio universal é que as fronteiras do relacionamento médico-paciente precisam ser respeitadas. Além disso, se houver opções, devem ser exercidas em favor do paciente. Muitas vezes, problemas surgem em situações de tratamento quando uma amizade se desenvolve entre o psiquiatra e o paciente. A objetividade é comprometida, a neutralidade terapêutica é prejudicada, e fatores além da consciência de ambas as partes podem desempenhar um papel destrutivo. Esse tipo de amizade deve ser evitado durante o tratamento. Da mesma forma, não é recomendado aos psiquiatras tratar seus amigos pelo mesmo conjunto de razões. É obvio que, em uma emergência, deve intervir de forma adequada. Financeira. Para psiquiatras que exercem sua profissão no setor privado, conversar com o paciente sobre dinheiro é uma parte do tratamento. Questões em torno do estabelecimento de honorários, cobrança e outras questões financeiras são discussões naturais. Mesmo assim, considerações éticas devem ser observadas. Os Princípios aconselham o médico sobre assuntos como cobrar por consultas perdidas e outros problemas contratuais. Reclamações de ética contra médicos costumam ser precipitadas por questões financeiras; portanto, o médico deve reco-
ÉTICA NA PSIQUIATRIA
nhecer o poder que essas questões têm no âmbito terapêutico. Visto que o relacionamento terapêutico é semelhante a um relacionamento social – o consultório parece uma sala de visitas, o médico usa roupas comuns –, alguns pacientes poderiam, sem reconhecê-lo, supor que existe uma amizade que remite o pagamento de honorários. Quando a conta é apresentada, os sentimentos, ainda que de forma inconsciente, confundem-se. A idéia de que serviços psiquiátricos são concedidos em um contexto contratual nunca deve ser esquecida. No início de suas carreiras os psiquiatras freqüentemente relutam em discutir honorários abertamente devido a constrangimento em falar de dinheiro ou para proteger o paciente. Como um psiquiatra ético lida com a situação quando o paciente, temporária ou permanentemente, fica sem recursos financeiros é importante. Há muitas opções – algumas mais problemáticas do que outras. É possível baixar os honorários, mas é necessário ter cautela, porque reduzir os custos a ponto de o tratamento não ser de algum modo compensado pode evocar ressentimento contratransferencial. O número de pacientes atendidos a honorários reduzidos é uma consideração semelhante. Acumular contas também pode ser um problema. Há uma expectativa de eventualmente ser pago? A conta hipertrófica é uma fraude? A freqüência de sessões pode ter que ser alterada. Qualquer psiquiatra que atende pacientes particulares enfrentará esses problemas.
Confidencialidade Aquilo que, no exercício ou fora do exercício da profissão e no convívio da sociedade, eu tiver visto ou ouvido, que não seja preciso divulgar, conservarei inteiramente secreto. (Hipócrates) Nenhum prestador de serviço de saúde deve revelar informação médica relativa a um paciente sem primeiro obter uma autorização. (Código Civil da Califórnia 56.10[a]) A identificação de uma pessoa como paciente deve ser protegida com extremo cuidado. O psiquiatra pode liberar informação confidencial apenas com a autorização do paciente ou sob coação legal apropriada. (Princípios) Ainda que a profissão médica em toda parte seja limitada por regras de confidência – de Hipócrates a leis atuais –, essas regras parecem aplicar-se de forma bastante específica ao campo da psiquiatria. Os psiquiatras em geral não se preocupam ao ouvir um internista perguntar a um paciente, em um coquetel, como o novo remédio anti-hipertensivo está funcionando. Entretanto, ficam bastante apreensivos se um psiquiatra, em uma situação semelhante, pergunta a um paciente como está indo com o novo remédio antidepressivo. Psiquiatras não se perturbam com o ortopedista que comenta sobre a lesão do músculo rotador de um atleta (seu paciente ou não), mas ficam inconformados se um psiquiatra comenta sobre o problema de abuso de substâncias de uma celebridade (seu paciente ou não). Tanto os psiquiatras como o público têm todo o direito de ficar ultrajados, e podemos apenas nos perguntar por que o ultraje não se aplica ao internista e ao ortopedista. Os pacientes esperam confidência dos psiquiatras e têm direito a ela. Essa confidência sobrevive mesmo à morte do paciente,
1465
sendo conservada pelo executor do testamento, não pelo psiquiatra. Uma confidência não pode ser quebrada apenas porque o paciente morreu. Os psiquiatras devem prevenir-se contra quebra de confidências mesmo com uma liberação, se esta não tiver sido assinada por alguém em um estado mental informado. Uma liberação de informação geral, normalmente assinada na requisição para seguro, na apresentação de uma queixa, na internação hospitalar e em circunstâncias semelhantes, não é um consentimento informado. O psiquiatra deve garantir que a liberação de informação se aplique à situação atual. Com freqüência, é sugerido que, sempre que houver pedido de informação, o médico deve consultar o paciente para verificar o consentimento para a revelação. É comum os psiquiatras receberem documentos de aspecto oficial com as palavras “Intimação Duces Tecum” e uma assinatura orientandoos a permitir que certos registros sejam copiados ou ordenando que produzam os registros em algum lugar. A maioria desses documentos não vem do tribunal, mas do escritório de um advogado. Se houver alguma dúvida de que o paciente não consentiu tais revelações e não assinou um consentimento informado para liberar os registros, deve-se entrar em contato com o paciente e chegar a algum entendimento. Os que não desejam que tais registros sejam liberados podem querer que seus advogados tentem anular a intimação. Se isso não obtiver resultado, o psiquiatra pode pedir que o tribunal preserve o direito à privacidade do paciente ou pelo menos que determine o que deve (e o que não deve) ser liberado. Em certas jurisdições, os pacientes podem renunciar ao seu direito à privacidade e confidência sob certas circunstâncias (p. ex., revelar seu próprio estado mental em uma ação judicial). Não está dentro do campo de habilidade do psiquiatra determinar se o paciente renunciou a esse direito. Isso é trabalho do advogado do paciente, de um juiz, ou de ambos.
Acima de tudo, os psiquiatras não devem discutir sobre seus pacientes fora do consultório. Alguns consideram que não há problema em comentar casos na mesa de jantar com cônjuge e família. “Afinal”, dizem, “confio em minha (meu) esposa(o) e meus filhos”. Entretanto, não se trata de confiança. Os pacientes supõem que o que contam a seu psiquiatra permanece na sala de consulta. O simples fato de informar um cônjuge da identidade de um paciente viola os princípios de ética. Lidando com a imprensa A Seção 7.3 dos Princípios é bastante específica em relação a médicos falando sobre doença mental. Os psiquiatras podem comentar sobre doença mental em geral, mas não oferecer opiniões sobre seus pacientes ou sobre uma pessoa que não é seu paciente. Em 1964, Barry Goldwater, um homem franco, conservador, concorreu para presidente dos Estados Unidos. Uma revista enviou um questionário a quase todos os psiquiatras dos Estados Unidos perguntando: “Você acredita que Goldwater está psicologicamente apto para ser presidente dos Estados Unidos?”. A revista enviou 12.356 questionários e recebeu 2.417 respostas. Destas, 1.189 psiquiatras disseram que o candidato não estava psicologicamente apto para ser presidente. A capa da revista fez a chamada de sua reportagem principal com o título “1.189 Psi-
1466
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
quiatras Dizem que Goldwater Não Está Psicologicamente Apto para ser Presidente!”. Quantos desses psiquiatras de fato examinaram o candidato? Quantos obtiveram permissão para revelar os resultados de seus exames? Com que base, então, esqueceram seus princípios morais e ofereceram uma opinião psiquiátrica ou médica sobre o estado mental desse homem? Lendo sobre ele nos jornais? Assistindo-o na televisão? Os autores dos Princípios, escritos nove anos mais tarde, em 1973, consideraram esse evento quando escreveram a Seção 7.3. Ética no atendimento gerenciado Mudanças recentes na forma como os psiquiatras são remunerados por seus serviços estimularam muita crítica tanto da indústria de planos de saúde como de médicos que trabalham nela e para ela. Alguns alegam que os conflitos internos causados por trabalhar em um ambiente de atendimento gerenciado são intransponíveis. Outros afirmam que participar de um esquema de atendimento gerenciado é, por si só, antiético. Há ainda os que, embora lamentando a existência de atendimento gerenciado, defendem ser possível atuar com ética nesse tipo de ambiente. Um número significativo de psiquiatras acredita que o atendimento gerenciado fornece a resposta ao uso excessivo de serviços limitados, contém custos e oferece a oportunidade para estudos de resultado. Pode haver alguma verdade em cada ponto de vista. Os princípios éticos fornecem um curso claro para o psiquiatra seguir em relação ao atendimento gerenciado. Os Princípios, Seção 1, Comentário 1, declaram: “O psiquiatra não deve gratificar suas próprias necessidades explorando o paciente”. É evidente que isso se aplica tanto ao ambiente de atendimento privado como ao ambiente de planos de saúde. Portanto, seria antiético para os psiquiatras que trabalham como revisores de planos de saúde negar tratamento necessário para pacientes com base na política de contenção de custos de seus empregadores, em vez de na crença honesta de que não há necessidade do serviço. Segundo o mesmo princípio, seria antiético alegar desonestamente que um paciente estava suicida (se não fosse o caso) para obter pagamento por serviços que o psiquiatra acredita serem necessários. Médicos incapacitados Um médico pode tornar-se incapacitado como resultado de transtornos psiquiátricos ou médicos ou do uso de substâncias que alteram a mente e causam dependência (p. ex., álcool e drogas). Muitas doenças orgânicas podem interferir nas habilidades cognitivas e motoras necessárias para ministrar tratamento competente. Nos Estados Unidos, ainda que a responsabilidade legal de reportar um médico incapacitado varie, dependendo do estado, a responsabilidade ética é universal. Um médico incapacitado deve ser indicado a uma autoridade competente, e o que faz a denúncia deve seguir procedimentos hospitalares, estaduais e legais específicos. O profissional que trata um médico incapacitado não deve fazer a monitoração do seu progresso ou aptidão para retornar ao trabalho. Essa monitoração deve ser realizada por um médico ou grupo de médicos independentes que não tenham conflitos de interesse.
O Gabinete de Conduta Médica Profissional (OPMC) no estado de Nova York regula a prática da medicina investigando prática ilegal ou antiética por médicos e outros profissionais da saúde, tais como assistentes médicos. Órgãos reguladores semelhantes existem em outros estados. Conduta profissional imprópria, nesse caso em particular, é definida como um dos seguintes: 1. Exercer a profissão de forma fraudulenta e com negligência ou incompetência significativas. 2. Exercer a profissão, ainda que a capacidade de fazê-lo esteja prejudicada. 3. Ficar bêbado com freqüência ou ser dependente, ou usuário habitual, de narcóticos ou outras drogas com efeitos semelhantes. 4. Conduta imoral na prática da profissão. 5. Permitir, ajudar ou encorajar uma pessoa sem certificação a realizar atividades que a requerem. 6. Recusar um cliente ou paciente devido a religião, cor ou nacionalidade. 7. Exercer a profissão além do âmbito da prática permitido por lei. 8. Ser culpado de um crime ou ser objeto de ação disciplinar em outra jurisdição. As queixas de conduta profissional imprópria derivam principalmente do público e de companhias de seguro, tribunais e médicos, entre outros. Médicos em treinamento É antiético delegar a autoridade pelo tratamento de pacientes para qualquer pessoa que não seja qualificada e experiente, tal como um estudante de medicina ou um residente, sem supervisão adequada de um médico responsável. Residentes são médicos em treinamento e, como tal, devem tratar de pacientes. Dentro de um ambiente de ensino saudável, ético, residentes e estudantes podem estar envolvidos e ser responsáveis pelo tratamento diário de muitas pessoas, mas são supervisionados, apoiados e orientados por médicos altamente treinados e experientes. Os pacientes têm o direito de saber o nível de treinamento de seus médicos e devem ser informados sobre o grau de formação de residentes ou estudantes de medicina. Estes, por sua vez, precisam reconhecer suas limitações e solicitar supervisão de colegas experientes quando necessário.
Carta do profissionalismo médico Em 2001, um movimento para esclarecer o conceito de “profissionalismo” foi iniciado pelo American Board of Internal Medicine. Um conjunto de princípios chamados de Carta do profissionalismo médico foi desenvolvido, descrevendo o que significa para os médicos exercer sua profissão no nível mais alto e mais ético. A Tabela 58-2 lista os princípios e compromissos de comportamentos profissionais na Carta do profissionalismo médico, aos quais se espera que todos os médicos (incluindo psiquiatras) sejam fiéis. Um resumo de questões éticas discutidas nesta seção é apresentado em formato de perguntas e respostas na Tabela 58-3.
ÉTICA NA PSIQUIATRIA
1467
TABELA 58-2 Carta do profissionalismo médico Princípios fundamentais • Prioridade do bem-estar do paciente. O altruísmo contribui para a confiança, central ao relacionamento médico-paciente. Forças de mercado, pressões sociais e exigências de administração não devem comprometer esse princípio. • Autonomia do paciente. Os médicos devem ser honestos com os pacientes e capacitá-los a tomar decisões informadas sobre o tratamento. • Justiça social. Os médicos devem trabalhar de forma ativa para eliminar discriminação no tratamento de saúde, quer baseada em raça, gênero, condição socioeconômica, etnia, religião ou qualquer outra categoria social. Um conjunto de compromissos • Competência profissional. Os médicos devem estar comprometidos com uma vida inteira de aprendizagem. A profissão, como um todo deve buscar sempre a excelência de todos os seus membros. • Sinceridade com os pacientes. Os médicos devem garantir que os pacientes sejam informados de forma honesta e completa antes de consentirem com o tratamento; os pacientes devem ter o poder de decidir sobre o curso de sua terapia. Esses profissionais também devem reconhecer que erros médicos que prejudicam os pacientes às vezes ocorrem. Se um paciente for prejudicado por causa de um erro, deve ser informado imediatamente, uma vez que a falha em fazê-lo compromete a confiança do paciente e da sociedade. • Sigilo profissional. Cumprir o compromisso de confidência é mais premente agora do que nunca, dado o uso difundido de sistemas de informação eletrônicos para compilar os dados do paciente.
• Relacionamento apropriado com os pacientes. Os médicos nunca devem explorar os pacientes por qualquer vantagem sexual, ganho financeiro ou outro propósito privado. • Qualidade do atendimento. Este compromisso requer não apenas manter competência clínica, mas trabalhar de forma cooperativa com outros profissionais para reduzir erro médico, aumentar a segurança do paciente, minimizar o uso excessivo de recursos de tratamento de saúde e otimizar os resultados da intervenção. • Facilidade de acesso aos cuidados médicos. Os médicos devem esforçar-se, tanto como indivíduos quanto como membros de um conjunto, para reduzir barreiras a tratamento de saúde justo. • Distribuição justa de recursos financeiros alocados à saúde. Os médicos precisam estar comprometidos a trabalhar com outros médicos, hospitais e terceiros pagadores para desenvolver diretrizes para o tratamento custo-efetivo. A responsabilidade profissional pela alocação adequada de recursos requer evitação conscienciosa de testes e procedimentos supérfluos. • Atualização científica. Os médicos têm o dever de manter os padrões científicos, promover pesquisa e criar novos conhecimentos e assegurar sua adequada utilização. • Integridade nos conflitos de interesse. Os médicos têm obrigação de reconhecer, revelar ao público e lidar com conflitos de interesse. Relacionamentos entre líderes de indústria e formadores de opinião precisam ser denunciados. • Responsabilidade profissional. É esperado que os médicos participem no processo de auto-regulação, incluindo correção e punição de membros que tenham deixado de satisfazer os padrões profissionais.
TABELA 58-3 Perguntas e respostas sobre ética Tema
Pergunta
Resposta
Abandono
Como os psiquiatras podem evitar acusações de Psiquiatras que estão se aposentando não estão abandonando seus abandono do paciente quando se aposentam? pacientes se lhes fornecerem informações suficientes e fizerem todo o esforço possível para encontrar tratamento de acompanhamento para os mesmos. É ético ministrar apenas tratamento ambulatorial Isso pode constituir abandono a menos que os profissionais ou as a um paciente gravemente doente, que pode clínicas ambulatoriais arranjem para que seus pacientes recebam necessitar de hospitalização? tratamento hospitalar de outro prestador.
Aposentadoria
Ver Abandono
“Bicos”
É ético residentes de psiquiatria fazerem “bicos”? Podem se suas responsabilidades não estiverem além de sua capacidade, se forem supervisionados de forma adequada e se os empregos extras (“bicos”) não interferirem em seu treinamento de residência.
Competência
É ético que psiquiatras realizem exames vaginais Psiquiatras podem fornecer procedimentos médicos não-psiquiátriou outros exames físicos? cos se forem competentes para fazê-lo e essas intervenções não impedirem o tratamento psiquiátrico efetivo por distorção da transferência. Exames pélvicos impõem um alto risco de distorção da transferência e seria melhor que fossem realizados por outro médico. Comitês de ética podem revisar questões de Sim. Incompetência é uma questão de ética. competência do médico?
Confidência
A confidência deve ser mantida após a morte do paciente? É ético liberar informação sobre um paciente a uma companhia de seguros? Um segmento filmado de uma sessão de terapia pode ser usado em um seminário para profissionais?
Sim. Eticamente, a confidência permanece com a morte do paciente. Exceções incluem proteger outros de dano iminente ou obrigações legais adequadas. Sim, se a informação fornecida for limitada ao que for necessário para processar a reivindicação de seguro. Sim, se consentimento informado, não forçado, tiver sido obtido, se o anonimato for mantido, a platéia avisada de que a montagem torna a sessão incompleta e o paciente conhecer o propósito da filmagem. (Continua)
1468
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 58-3 (Continuação) Tema
Pergunta
Resposta
O médico deve relatar a simples suspeita de abuso da criança em um estado que exige relatório de abuso?
Não. O médico deve fazer diversas avaliações antes de decidir-se a relatar suspeita de abuso. Deve-se considerar se o abuso é constante, se responde a tratamento e se o relato irá causar possível dano. Verificar os estatutos específicos. Fazer da segurança das possíveis vítimas prioridade.
Conflito de interesse
Há um conflito ético potencial se o psiquiatra tiver deveres psicoterapêuticos e administrativos ao lidar com alunos ou estagiários?
Sim. Você deve definir seu papel antecipadamente aos estagiários ou alunos. Opiniões administrativas devem ser obtidas de um psiquiatra que não está envolvido em um relacionamento de tratamento com o estagiário ou aluno.
Consentimento informado
É ético recusar divulgar informação sobre um paciente que concordou em dar essa informação àqueles que a estão solicitando? É necessário consentimento informado ao apresentar ou escrever sobre material de caso?
Não. É decisão do paciente, não do terapeuta.
É ético oferecer um diagnóstico com base apenas na revisão de registros para determinar, para fins de seguro, se suicídio foi resultado de doença? É ético que um psiquiatra supervisor assine um diagnóstico em um formulário de seguro por serviços prestados por seus supervisionados quando o mesmo não examinou o paciente?
Sim.
Diagnóstico sem exame
Não se o paciente estiver ciente do processo de supervisão/ensino e a confidência for preservada.
Sim, se o psiquiatra garantir que tratamento adequado está sendo ministrado e o formulário de seguro indicar claramente o papel de supervisor e supervisionado.
Divisão de honorários
O que é divisão de honorários?
Divisão de honorários ocorre quando um médico paga outro pelo encaminhamento de um paciente. Isso também se aplica a advogados que fazem indicações a psiquiatras forenses em troca de uma porcentagem dos honorários. Divisão de honorários pode ocorrer em uma situação de consultório e o psiquiatra receber uma porcentagem dos honorários de seus colegas por supervisão ou despesas. Os custos por esses itens ou serviços devem ser combinados à parte. De outro modo, há a impressão que o dono do consultório beneficia-se do encaminhamento de pacientes a um colega de consultório. Divisão de honorários é ilegal.
Exploração (ver também Legados)
O que constitui exploração do relacionamento terapêutico?
Exploração ocorre quando o psiquiatra usa o relacionamento terapêutico para ganho pessoal. Isso inclui adotar ou contratar um paciente e manter relacionamentos sexuais ou financeiros.
Filmagem e gravação Vídeos de entrevistas de pacientes podem ser usados para fins de treinamento em nível nacional (p. ex., seminários, preparação de junta de exame)?
Consentimento informado adequado e explícito deve ser obtido. O propósito e o alcance de exposição das imagens deve ser enfatizado, além da resultante perda de confidência.
Legados
Um paciente à beira da morte lega em herança seus bens ao psiquiatra. Isso é ético?
Não. Aceitar o legado parece inadequado e uma exploração do relacionamento terapêutico. Entretanto, pode ser ético aceitar um legado simbólico de um paciente falecido que citou seu psiquiatra no testamento sem o conhecimento deste.
Pesquisa
Como uma pesquisa ética pode ser realizada com indivíduos que não podem dar consentimento informado?
Consentimento pode ser dado por um guardião legal ou através de desejo em vida. Pessoas incompetentes têm o direito de retirarse do projeto de pesquisa a qualquer tempo.
Relatos
Os psiquiatras devem expor ou relatar comporta- Psiquiatras são obrigados a relatar comportamento antiético de mento antiético de colegas? Um cônjuge pode colegas. Um cônjuge com conhecimento de comportamento apresentar uma queixa de ética? antiético também pode apresentar queixa. Quais são os requisitos de ética quando o psiquia- O psiquiatra deve despender tempo suficiente para assegurar que tra supervisiona outros profissionais da saúde tratamento adequado está sendo ministrado e que o supervisiomental? nado não está fornecendo serviços que estejam fora do âmbito de seu treinamento. É ético cobrar honorários por supervisão.
Supervisão
Tabela de Eugene Rubin, M.D. (Dados derivados de American Psychiatric Association. Opinions of the Ethics Committee on the Principles of Medical. Ethics with Annotations Especially Applicable to Psychiatry. Washington, DC: American Psychiatric Association, 1995).
ÉTICA NA PSIQUIATRIA
REFERÊNCIAS American Psychiatric Association. Options of the Ethics Commitee on the Principles of Medical Ethics with Annotations Especially for Psychiatry. Washington, DC: American Psychiatric Association; 1993. American Psychiatric Association. The Principles of Medical Ethics with Annotations Especially for Psychiatry. Washington, DC: American Psychiatric Association; 1995. Block S, Chodoff P, eds. Psychiatric Ethics. NewYork: Oxford University Press; 1993. Dunn LB, Jeste DV. Enhancing informed consent for research and treatment. Neuropsychopharmacology. 2001;24:595. Epstein RS. Keeping Boundaries: Maintaining Safety and integrity in the Psychotherapeutic Process. Washington, DC: American Psychiatric Press; 1994. Epstein RS, Simon RI, Kay GG. Assessing boundary violations in psychotherapy: survey results with the Exploration Index. Bull Menninger Clin. 1992;56:150. Farber S, Green M. Hollywood on the Couch. New York: William Morrow; 1993. Gabbard GO. Sexual Exploitation in Professional Relationships. Washington, DC: American Psychiatric Press; 1989.
1469
Gabbard GO, Lester EP. Boundaries and Boundary Violations in Psychoanalysis. New York: Basic Books; 1996. Gruenberg PB. Nonsexual cxploitation of patients—an ethical perspective. J Am Acad Psychoanal. 1995;23:425. Gruenberg PB. Ethics in psychiatry In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:3290. Gutheil TG, Gabbard GO. The concept of boundaries in clinical practice: theoretical and risk management dimensions. Am J Psychiatry. 1993;150:188. Kupfer DJ, Frank E. Placebo in clinical trials for depression: complexity and necessity. JAMA. 2002;287:1853. Lindsay G, Clarkson P. Ethical dilemmas of psychotherapists. Psychologist. 1999;12:182. Mender D. Moral dilemmas faced by psychiatrists. Am J Psychiatry. 2002;159:1443. Schoener GR, Milgrom JH, Gonsiorek JC, Luepker ET, Conroe RM. Psychotherapists’ Sexual Involvement with clients: Intervention and Prevention. Minneapolis: Walk-in Counseling Center; 1989. Vestig B. Annals of Internal Medicine’s Harold Sax, M.D. describes Physician Charter of Professionalism. JAMA. 2001;266:3096. Waldinger RJ. Boundary crossings and boundary violations: thoughts on navigating a slippery slope. Harv Rev Psychiatry. l994;2:225.
59 Psiquiatria pública e hospitalar
PSIQUIATRIA PÚBLICA Psiquiatria pública inclui todos os sistemas de serviço de saúde mental assegurados e financiados pelos governos federal, estadual e municipal. Não é mais adequado conceitualizar serviços hospitalares e da comunidade como sistemas de tratamento separados; pois são componentes integrais do espectro de serviços essenciais a qualquer sistema de tratamento de saúde mental público. Todos os aspectos do tratamento de hospitalização, manejo de caso, intervenção na crise, tratamento-dia e arranjos de vida são da alçada da psiquiatria pública. Os serviços podem ser fornecidos por servidores próprios ou contratados pelo governo para organizações com ou sem fins lucrativos. O aspecto fundamental é que todos os serviços são de responsabilidade do governo e oferecidos àquelas pessoas que não têm os meios necessários para custear seu próprio tratamento. Nos Estados Unidos, a idéia vigente de psiquiatria pública foi largamente moldada por regulamentos federais aprovados na década de 1960, para oferecer a pessoas mentalmente doentes apoio financeiro em suas comunidades e para estabelecer centros de saúde mental locais. Em vez de isolar pessoas com transtornos mentais por longos períodos em hospitais estaduais (Fig. 59-1), os legisladores acharam preferível tratá-las na comunidade e hospitalizá-las apenas por um certo período de tempo e sob certas restrições. Um resultado lamentável dessa abordagem é a grande quantidade de pessoas mentalmente doentes sem teto que já viveram em instituições estaduais, mas que agora são deixadas aos cuidados de serviços públicos carentes de pessoal, financeiramente limitados, muitas vezes até inadequados. A psiquiatria pública deve lutar contra o problema quase insolúvel de fornecer tratamento integrado contínuo e abrangente no momento em que orçamentos federais, estaduais e municipais são bastante reduzidos. SAÚDE MENTAL DA COMUNIDADE Em 1963, sob a liderança do presidente John F. Kennedy, o Congresso norte-americano aprovou a Lei de Centros de Saúde Mental da Comunidade, que forneceu capital para a construção de centros de saúde mental com áreas de captação específicas (regiões geográficas com uma população de 75.000 a 200.000 ha-
bitantes). Cada um deles deve fornecer cinco serviços psiquiátricos básicos: tratamento hospitalar, serviços de emergência (24 horas), consulta da comunidade, tratamento-dia (incluindo programas de hospitalização parcial, casas de passagem, serviços póstratamento e uma ampla variedade de serviços ambulatoriais) e pesquisa e educação. Em 1975, o Congresso acrescentou os requisitos de serviços para crianças e pessoas idosas, pré-hospitalização, triagem, serviços de acompanhamento para aqueles que foram hospitalizados, alojamento de transição e serviços de alcoolismo e abuso de drogas. No final da década de 1980, o movimento de centros de saúde mental da comunidade tinha influenciado de forma significativa os serviços de saúde mental, a prática da psiquiatria e as outras profissões relacionadas a esse tipo de atendimento. Por fim, um programa de subvenção regional foi criado para fornecer fundos aos estados para programas de abuso de droga, abuso de álcool e outros programas de saúde mental. Diversos estados americanos estabeleceram sistemas de apoio para ajudar a suprir serviços de saúde mental necessários; esses programas estão atualmente disponíveis em todo o país. Apesar desses esforços, os hospitais mentais estaduais ainda recebem a maior parte dos fundos de saúde mental alocados, e limitações financeiras têm interferido nos programas de subvenção. CONCEITOS BÁSICOS NA SAÚDE MENTAL DA COMUNIDADE Compromisso Compromisso com o tratamento de saúde de uma população significa uma responsabilidade pelo planejamento. Isso sugere que o plano deve identificar todas as necessidades de saúde mental da população, inventariar os recursos disponíveis para satisfazê-las e organizar um sistema de tratamento; que cidadãos e políticos precisam estar envolvidos no processo de planejamento; que prevenção é pelo menos tão importante quanto tratamento direto; e que toda a população, incluindo crianças, idosos, minorias, pessoas com doenças crônicas e agudas e aqueles que vivem em áreas geograficamente remotas, deve receber tratamento. O requisito federal de que serviços de saúde mental estejam localizados próximo das residências e dos locais de trabalho significa facilitar a ob-
PSIQUIATRIA PÚBLICA E
HOSPITALAR
1471
FIGURA 59-1 A área de dormir abarrotada nesta foto da enfermaria de um hospital estadual na década de 1960 era antiterapêutica e exercia uma influência desfavorável sobre pacientes e funcionários. (National Association of Mental Health, Nova York.)
tenção de tratamento para as pessoas e identificar doenças de forma precoce, de modo que a hospitalização, quando necessária, seja breve.
Serviços Saúde mental pública é um sistema total, não um serviço isolado. Para serem efetivos, os serviços devem ser integrados e equilibrados, a fim de que modalidades de tratamento adequadas estejam disponíveis para adaptarem-se às necessidades dos pacientes. A falta de serviços em uma área (p. ex., colocações na comunidade) pode atrasar outros serviços (p. ex., altas do hospital) e levar à falta de serviços para alguns pacientes (p. ex., aqueles que não conseguem obter internação em hospitais superlotados). Uma autoridade central deve providenciar a integração necessária. A equipe de saúde mental pública inclui psiquiatras (inclusive de crianças), psicólogos clínicos, assistentes sociais psiquiátricos, enfermeiros psiquiátricos, membros da administração e da igreja e terapeutas ocupacionais e recreativos para programas hospitalares e de hospitalização parcial. Ligações com a previdência social, com a igreja, com representações de famílias, escolas e com outros grupos de serviços humanitários também são mantidas.
Tratamento de longo prazo. Devido a preocupações com a fragmentação do tratamento e a tendência a manter pacientes hospitalizados ou desnecessariamente limitados a um tipo de serviço, os programas de saúde mental pública encorajam a continuidade do tratamento.
Isso permite que um único médico acompanhe o paciente durante serviços de emergência, hospitalização, hospitalização parcial como uma transição para a comunidade e tratamento ambulatorial como acompanhamento. A continuidade também facilita uma troca de informação e responsabilidade da equipe quando vários terapeutas, por razões de conveniência ou economia, tratam o paciente em diferentes locais. Uma livre troca de informação clínica entre os centros e uma ligação entre órgãos também fazem parte do sistema total de tratamento.
Manejo de caso. Gerenciadores de caso intensivos são médicos que podem fornecer atendimento contínuo de acompanhamento de pacientes durante todas as fases do tratamento enquanto os ajudam a negociar um sistema complexo e fragmentado. É fornecido apoio, defesa e gerência de sistemas. Os pacientes são envolvidos no tratamento ao providenciar residências e abrigos; os gerenciadores asseguram tratamento contínuo iniciando contato durante a hospitalização e fornecendo apoio durante a fase pós-tratamento; servem como ligações entre pacientes e outros profissionais da saúde mental e entre os próprios profissionais. De maneira ideal, esses gerenciadores de caso intensivos devem ter uma pequena participação no caso que permita contato intensivo com seus pacientes. Participação da comunidade. As comunidades devem participar nas decisões sobre suas necessidades e programas de tratamento de saúde mental em vez de tê-las definidas somente por profissionais. Os serviços de saúde mental são sensíveis às necessidades daqueles a que
1472
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
servem quando o público está envolvido de forma ativa. A National Mental Health Association (NMHA) e a National Alliance for the Mentally Ill (NAMI) são dois grupos de defesa leigos trabalhando em nível local, estadual e nacional para melhorar o tratamento para pessoas mentalmente doentes. Contatos com esses grupos podem fornecer ligações com o público em geral e facilitar o alcance e os esforços educacionais.
Consultoria. Consultorias variam de atenção ou tratamento de problemas emocionais a uso de conhecimento sobre comportamento humano para ajudar organizações a atingir seus objetivos profissionais com seus programas e pacientes. Os consultores oferecem assistência a profissionais da saúde mental que trabalham em centros ou órgãos de tratamento ambulatorial, bem como atividades educacionais diretas, ligação com grupos de consumidores e de defesa e serviços administrativos. Avaliação e pesquisa. Avaliação é o processo de obter informação sobre um programa de saúde mental total e seus efeitos sobre pessoas, instituições e comunidades. A avaliação de programas também fornece feedback a planejadores e tomadores de decisão, de modo que programas em operação possam ser modificados e novos possam ser planejados. A avaliação é necessária para centros financiados pelo governo federal, que devem gastar pelo menos 2% do orçamento com isso. A pesquisa pode focalizar-se em questões-chave mais do que em um programa total e dedicar-se a determinado transtorno ou a um método de tratamento. Alternativas menos restritivas. O conceito bem aceito de alternativas menos restritivas significa que pessoas mentalmente doentes devem ser tratadas em locais que interfiram o mínimo possível em seus direitos civis e em liberdade de participar da sociedade. Não deve haver hospitalização (especialmente contra a vontade do paciente em instituições fechadas) se a doença puder ser tratada em um ambiente mais aberto. A maioria dos estados americanos tem agora uma legislação que protege os direitos dos pacientes, e tratamento no ambiente menos restritivo é um desses direitos. A que extremo o conceito de tratamento menos restritivo deve ser levado permanece controverso. Os defensores dos direitos do paciente argumentam que esse é o princípio sobrepujante, mesmo se o potencial terapêutico do local menos restritivo estiver comprometido. Os médicos defendem que eficácia terapêutica é a maior preocupação e que o princípio de menos restrição pode ser comprometido no interesse do melhor tratamento. Devese considerar com cuidado se qualquer restrição é para conveniência do psiquiatra e da equipe ou para proteção do paciente. PREVENÇÃO As incapacidades associadas a doença mental crônica são problemas sociais, econômicos e de saúde pública importantes. Nos Estados Unidos, essas incapacidades afligem mais de 3 milhões de pessoas; custam caro e causam sofrimento às pessoas afetadas, a suas famílias e à sociedade. Ainda que o termo doença mental crônica tenha sido associado a pacientes idosos com uma longa história de hospitalização mental, foi ampliado para incluir adultos jovens com episódios repetidos de transtornos mentais. Muitos desses pacientes nunca foram hospitalizados, mas sua capacidade de levar vidas produtivas na co-
munidade é bastante prejudicada. A reabilitação psiquiátrica trata das necessidades médicas, psiquiátricas e sociais de indivíduos com doenças mentais persistentes. A psiquiatria preventiva é parte da psiquiatria pública. O objetivo da prevenção é diminuir o início (incidência), a duração (prevalência) e a incapacidade residual de transtornos mentais. A prevenção de transtornos mentais baseia-se em princípios de saúde pública e é dividida em prevenção primária, secundária e terciária. Prevenção primária O objetivo da prevenção primária é prevenir o início de uma doença ou transtorno e, desse modo, reduzir sua incidência (a proporção de casos novos em um período específico). Esse objetivo é alcançado por eliminação de agentes causadores, redução de fatores de risco, aumento da resistência de hospedeiro e interferência na transmissão da doença. Para alguns transtornos típicos, a identificação e a modificação de um ou mais desses fatores revolucionaram o tratamento de saúde, exemplificado pela quase eliminação de muitas doenças infecciosas e estados de deficiência de vitamina e pela redução de certas formas de câncer, doença cardíaca e doença pulmonar. Exemplos de prevenção primária incluem programas de educação de saúde mental (p. ex., treinamento dos pais em desenvolvimento infantil e programas de educação de álcool e drogas); tentativas de aumentar a competência (p. ex., Outward Bound, Head Start e outros programas para crianças desfavorecidas); desenvolvimento e uso de sistemas de apoio social para reduzir os efeitos de estresse em pessoas de alto risco (p. ex., programas para viúvos); programas de orientação antecipatória para ajudar pessoas a prepararem-se para situações estressantes esperadas (p. ex., aconselhamento para voluntários de Corpos da Paz); e intervenção na crise após eventos de vida estressantes, tais como luto, separação conjugal, divórcio, traumas ou desastres de grupo. O programa de libertação de reféns, no qual reféns norte-americanos libertados de cativeiro são preparados para reingressar na sociedade, é um exemplo de prevenção primária. Os programas de grupo de “interrogatório” sobre o evento (“debriefing”) para vítimas dos ataques terroristas, que ocorreram em 11 de setembro de 2001 contra o World Trade Center e o Pentágono, são exemplos de técnicas específicas usadas para prevenir transtorno de estresse pós-traumático. Os programas de prevenção primária também visam erradicar agentes estressantes e reduzir o estresse. Eles incluem cuidado pré-natal e perinatal para diminuir a incidência de retardo mental e transtornos cognitivos (p. ex., conselhos sobre melhor nutrição e abstinência de álcool e outras substâncias durante a gravidez, melhores serviços obstétricos, modificação dietética específica para recém-nascidos vulneráveis a fenilcetonúria); leis rigorosas de eliminação de chumbo para reduzir a incidência de encefalopatia por chumbo; modificação de leis de divórcio, adoção e abuso da criança para fornecer um ambiente saudável para o desenvolvimento infantil; enriquecimento e substituição de locais institucionais para bebês, crianças e idosos; modificação de certos fatores de risco para transtornos mentais que parecem estar associados a condição socioeconômica baixa; aconselhamento genético para pais em alto risco para anormalidades cromossômicas a fim de prevenir a concepção inconsciente de bebês comprometidos; e esforços para reduzir a propagação de certas doenças sexualmente transmissíveis (p. ex., síndrome de
PSIQUIATRIA PÚBLICA E
imunodeficiência adquirida [AIDS] e sífilis), que podem levar a transtornos mentais.
Prevenção secundária Prevenção secundária é definida como a identificação precoce e o tratamento imediato de uma doença ou transtorno, com o objetivo de reduzir a prevalência (a proporção de casos existentes em um momento específico) da condição encurtando sua duração. Intervenção na crise e educação do público são componentes dessa intervenção. Em psiquiatria, a prevenção secundária visa a crianças com problemas emocionais para intervenção precoce. O National Institute of Mental Health (NIMH) identifica e trata essas crianças para apoiar suas famílias e prevenir e reduzir posterior incapacidade. Em uma escala mais ampla, a prevenção secundária está incorporada no trabalho da maioria dos psiquiatras e de outros profissionais da saúde mental. Todos tentam iniciar o tratamento e aliviar o sofrimento assim que possível. Teorias e serviços de intervenção na crise são tentativas importantes de prevenção secundária. Tentativas de educar o público e reduzir estigmas para permitir que as pessoas busquem tratamento o quanto antes também faz parte desta prevenção.
Prevenção terciária O objetivo da prevenção terciária é reduzir a prevalência de defeitos e incapacidades residuais causados por uma doença ou transtorno. No caso de transtornos mentais, essa intervenção permite que aqueles com doença mental crônica alcancem o mais alto nível de funcionamento possível. Prevenção terciária, ou reabilitação, em psiquiatria quase sempre diz respeito a pacientes que sofrem das doenças mais graves e debilitantes – esquizofrenia, a maioria dos transtornos afetivos graves e os transtornos da personalidade mais incapacitantes. Todas essas condições, em especial a esquizofrenia, tendem a manifestar-se no final da adolescência e no início da idade adulta. Esses indivíduos são removidos da sociedade durante os anos em que a maioria das pessoas completa sua educação, aprende ofícios, estabelece carreiras, constitui família e desenvolve sistemas de apoio social na comunidade. Em conseqüência, mesmo se a doença fosse completamente curada sem quaisquer déficits funcionais residuais, esses indivíduos ainda necessitariam de reabilitação social extensiva. Infelizmente, a doença deixa saldos em muitos casos. As pessoas afetadas podem ter uma ampla variedade de déficits psicológicos que prejudicam sua capacidade de interagir com os outros, de lidar com os estresses usuais da vida diária e de alcançar seu potencial. Portanto, a reabilitação psiquiátrica envolve um processo complexo no qual o profissional tenta tratar, ao mesmo tempo, das necessidades psicológicas, sociais e médicas do paciente. É evidente que, quanto melhor o funcionamento do paciente na sociedade puder ser mantido durante as exacerbações agudas da doença, menos reabilitação psicossocial será necessária. Isso porque a psiquiatria pública moderna tenta limitar as durações das hospitalizações mediante intervenção rápida e manutenção de sistemas de apoio social mesmo quando os pacientes estão muito doentes. A reabilitação costuma ser um processo dinâmico contínuo realizado durante toda a vida do paciente devido à natureza recorrente crônica de muitos tipos de doença mental, como no caso da esquizofrenia.
HOSPITALAR
1473
DESINSTITUCIONALIZAÇÃO Desinstitucionalização é um processo pelo qual um grande número de pacientes é liberado de hospitais psiquiátricos públicos de volta para a comunidade para receber tratamento ambulatorial. Nos Estados Unidos, essa política, que teve início no final da década de 1950, diminuiu a população dos hospitais psiquiátricos estaduais de mais de 560 mil leitos na época para cerca de 100 mil hoje. Muitos foram liberados para várias clínicas para convalescença, onde continuaram a receber tratamento psiquiátrico e serviços de reabilitação. Outros foram colocados em novos tipos de instituições, como casas de passagem, instalações de pensão e tratamento e unidades de moradia pública. Alguns tiveram que ser hospitalizados de novo, e uma política de “porta-giratória” desenvolveu-se, com até 80% sendo internados dois anos após a alta. Pacientes desinstitucionalizados necessitam de apoio social extensivo, como aconselhamento vocacional e recreativo, tratamento psiquiátrico abrangente, empregos remunerados e moradia disponível. Esse apoio não tem sido dado no grau que planejadores e apoiadores dessa prática consideram necessário, principalmente devido à falta de financiamento adequado nos níveis federal, estadual e municipal. É vergonhoso que a verba para serviços de convalescença da comunidade para pessoas mentalmente doentes continue a diminuir; a menos que essa tendência seja revertida, a desinstitucionalização continuará sendo uma política deficiente. Alguns sugeriram que o financiamento limitado disponível seja canalizado para melhorar hospitais estaduais existentes, de modo que pacientes com doenças mentais crônicas e doentes mentais sem-teto possam ser encaminhados ao sistema e recebam tratamento adequado. Transinstitucionalização A transferência de pacientes de hospitais estaduais para outras instalações é conhecida como transinstitucionalização. Muitos profissionais acreditam que um conjunto de problemas foi trocado por outro sem resolver as necessidades de pessoas com doenças mentais crônicas. Nos Estados Unidos, à medida que o número de leitos de hospitais estaduais foi reduzido, o número de leitos psiquiátricos de hospitais gerais aumentou para mais de 50 mil o número de leitos psiquiátricos privados aumentou para 80 mil, e o número de leitos da Associação de Veteranos aumentou para 25 mil. Uma porcentagem significativa de pessoas mentalmente doentes recebe serviços psiquiátricos nas prisões, e o encarceramento continua sendo um componente significativo de transinstitucionalização. Um estudo estimou que 31% das pessoas doentes mentais em uma cadeia eram sem-teto antes da prisão. Doença mental grave é 2 a 3 vezes mais prevalente em populações carcerárias do que entre a população em geral. Muitos dos doentes mentais sem-teto encarcerados são presos por crimes menores decorrentes de estratégias de sobrevivência (p. ex., invasão de edifícios ou carros como um meio de obter abrigo) ou por comportamento produzido diretamente por psicose. Diversos estudos revelaram que, sem um sistema de tratamento ativo, multifacetado, que assuma responsabilidade contínua por
1474
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
todas as facetas do tratamento de pacientes, indivíduos mentalmente doentes regridem na comunidade da mesma forma que em hospitais estaduais. Um problema importante enfrentado por essa população é que a doença interfere em suas habilidades de manejo e a torna bastante vulnerável a recorrer a ambientes ainda mais estressantes, empobrecidos. O resultado é um aumento de pessoas sem-teto em áreas urbanas. DOENTES MENTAIS SEM-TETO A população mentalmente doente sem-teto continua a crescer; um levantamento importante encontrou um aumento de 7% entre pessoas sem-teto mentalmente doentes por um período de 19 meses, com um declínio concomitante no número de leitos nos abrigos. Uma média de 33% das pessoas que não têm abrigo é doente mental. A porcentagem varia de 15% na cidade de Kansas, Missouri, a 70% em Boston. Em média, 45% dos doentes mentais sem-teto também são dependentes de álcool ou outras substâncias. A porcentagem estimada de indivíduos com diagnósticos duplos varia de 23% na Filadélfia a mais de 60% em várias cidades importantes. Houve um aumento de 9% no número de pessoas sem-teto com diagnósticos duplos durante um período recente de 19 meses, com um aumento concomitante na duração média do tempo de desabrigo. Qualidades dos sem-teto Como indivíduos com doenças mentais crônicas, aqueles mentalmente doentes sem-teto constituem uma população heterogênea, sem uniformidade em relação a diagnóstico, demografia, desempenho funcional ou história residencial. Uma classificação os divide em moradores de rua, pessoas episodicamente sem-teto ou circunstancialmente sem-teto. Os moradores de rua em geral têm esquizofrenia, dependência de substâncias ou ambas, história de hospitalização psiquiátrica e uma variedade de problemas de saúde. Pessoas desprovidas de abrigo por períodos inconstantes tendem a ser mais jovens do que os moradores de rua e são considerados pacientes difíceis com transtornos da personalidade, abuso de substâncias e transtornos do humor; de forma esporádica usam uma ampla variedade de serviços de saúde mental. As circunstancialmente sem-teto têm problemas de estresse situacional mais do que de psicopatologia. Pessoas sem-teto com problemas mentais não são apenas indivíduos sem residência. Costumam ser associais, com pouca ou nenhuma ligação com a comunidade. São desempregadas, isoladas e não têm contato com suas famílias. Mulheres sem-teto podem ter mais probabilidade do que homens de terem habilidades sociais intactas e redes sociais. Em geral, essa população é difícil de tratar devido aos altos níveis de retraimento e desconfiança, psicopatologia, estilo de vida de rua ou experiências passadas negativas com o sistema de saúde mental. Em um grupo de pacientes mentalmente doentes sem-teto estudado, a maioria sofria de esquizofrenia e transtorno esquizoafetivo. Muitos apresentavam história de abuso de álcool e outras substâncias. Perto de um terço tinha doenças físicas concomitan-
tes secundárias a dependência de álcool. Além disso, sofriam de problemas médicos significativos, incluindo anemia, infestação de piolhos, deficiências nutricionais (deficiências de B12, folato, ferro), celulite e evidência de exposição e uma incidência aumentada de tuberculose. Um homem de 35 anos com história de 10 anos de esquizofrenia paranóide complicada por abuso de álcool residia em um abrigo municipal, onde foi identificado como psicótico devido a seu comportamento bizarro relacionado a alucinações. Foi incluído em um programa de manejo de caso intensivo. Após repetidas tentativas, seu gerenciador de caso intensivo ajudou-o a obter benefícios e iniciar tratamento com flufenazina (Prolixin), conforme prescrito por um psiquiatra. Depois de o paciente estabilizar-se, seu gerenciador de caso intensivo o colocou em uma residência de apoio com assistentes sociais e membros da equipe psiquiátrica. A residência atuava como recebedor substituto do pagamento dos benefícios do paciente. Ao mesmo tempo, este freqüentava um programa intensivo para doentes mentais usuários de substâncias em um hospital municipal próximo. Ele permaneceu no programa e continuou tomando a medicação por dois anos antes de deixar o programa devido ao desejo por mais controle sobre suas finanças. Um ano mais tarde, uma equipe encontrou-o em atitudes bizarras e falando sozinho em uma estação de trem da cidade. Ele aceitou um sanduíche e transporte voluntário para um serviço especializado no tratamento de pessoas mentalmente doentes sem-teto. Após a estabilização, foi transferido para um hospital estadual para tratamento intermediário. À medida que sua percepção acerca da doença psiquiátrica e o abuso de álcool melhoraram, uma colocação na comunidade foi tentada. Tratamento Algumas pessoas sem-teto e mentalmente doentes permanecem dentro de limites geográficos; outras viajam de uma parte do país para outra. Visto que as necessidades de demografia, epidemiologia, história e tratamento variam, nenhum método de tratamento isolado é recomendado. Além da gama total de serviços tradicionais – avaliação, intervenção na crise, revisão de medicação, treinamento de habilidades sociais e moradia –, pacientes mentalmente doentes sem-teto podem necessitar de serviços menos tradicionais, como uma caixa postal na qual os cheques da previdência possam ser depositados, instalações sanitárias e serviços de limpeza de piolhos. Os sistemas de saúde mental tradicionais podem apresentar barreiras de acesso para essa população. Às vezes, as barreiras são apenas o resultado de uma falta de serviços para satisfazer necessidades especiais dos pacientes ou de limitações geográficas e funcionais. Os programas de moradia para pessoas com doenças mentais crônicas com freqüência são limitados àquelas com alto funcionamento e excluem moradores de rua com funcionamento deficiente. Os programas de serviços efetivos incluem forneci-
PSIQUIATRIA PÚBLICA E
mento de abrigo e alimentação, centros de permanência temporária, contato de alcance e um esforço cooperativo entre órgãos de saúde mental e outros órgãos na comunidade (p. ex., Exército da Salvação e organizações ligadas à Igreja). Pessoas mentalmente doentes sem-teto podem ser tratadas por programas de alcance e tratamento voltados às suas necessidades específicas. O tratamento efetivo pode ser alcançado com colocações adequadas na comunidade e programas para doentes mentais usuários de substâncias. Muitos pacientes não conseguem funcionar na comunidade, mesmo com apoio significativo, e a hospitalização de longo prazo pode ser a única maneira de salvaguardar seu bem-estar. Os governos devem aceitar essa realidade se quiserem que as necessidades dos pacientes sejam satisfeitas. Programas de alcance Programas de alcance nas ruas são componentes cruciais no trato dos problemas de pessoas mentalmente doentes sem-teto, já que muitas delas não usam os abrigos. As que usam os abrigos requerem programas de alcance com base nos abrigos, porque quase nunca buscam tratamento pelas vias tradicionais. Essas intervenções produziram efeito utilizando uma equipe multidisciplinar de psiquiatras, assistentes sociais e enfermeiros. Elas abordam pessoas mentalmente doentes sem-teto mediante contatos breves repetidos enquanto oferecem comida e serviços concretos como um meio de envolvimento. Moradores de rua não toleram uma entrevista psiquiátrica habitual; portanto, a avaliação deve ser feita por observação, com atenção particular a cuidado próprio, comportamento bizarro, possíveis problemas físicos e tendências variáveis na aparência ou no comportamento com o passar do tempo. Histórias colaterais da polícia e de trabalhadores da comunidade são valiosas.
HOSPITALAR
1475
nerados. É evidente que mudanças radicais no financiamento e no fornecimento de tratamento de longo prazo serão necessárias para satisfazer as crescentes necessidades dessa porção cada vez maior da população. PROGRAMA DE TRATAMENTO AMBULATORIAL OBRIGATÓRIO (TAO) Pessoas com problemas mentais liberadas de hospitais públicos muitas vezes não procuram clínicas ambulatoriais para continuar o tratamento psicossocial ou psicofarmacológico. Em 1993, um programa foi iniciado no Bellevue Hospital Center para fornecer tratamento ambulatorial involuntário a pessoas mentalmente doentes, cujo objetivo é ajudá-las a viver e atuar na comunidade e a evitar recaída, resultando em nova hospitalização. O tratamento é ordenado por um juiz, e os pacientes comparecem à clínica para medicação, terapia individual ou de grupo, terapia psicossocial e treinamento profissional. Além disso, são feitos arranjos de vida para o paciente e é designado um gerenciador de caso. O tribunal pode ordenar medicação se o mesmo não puder tomar uma decisão de tratamento. Todos os procedimentos de internação são feitos após avaliação psiquiátrica. A falta de adesão é mínima devido à supervisão rigorosa e à preferência do paciente por TAO à hospitalização involuntária. Uma alternativa à internação do paciente ambulatorial, a curadoria, é usada em muitos estados norte-americanos. Os curadores – em geral não membros do sistema de tratamento e, em sua maioria, familiares – têm responsabilidade pelo bem-estar do paciente e quantidades variáveis de autoridade sobre sua vida, incluindo a capacidade de colocá-lo em uma instituição fechada se suas condições assim exigirem. É claro que a equipe de tratamento deve concordar com a internação. Assim, esses pacientes estão sendo internados devido a suas condições, não como punição por não aderirem ao tratamento.
TRATAMENTO PSICOGERIÁTRICO DE LONGO PRAZO PSIQUIATRIA HOSPITALAR Estima-se que a população idosa aumentará em 125% no ano de 2030 e necessitará três vezes mais tratamento em casas de repouso do que o que está disponível hoje. O custo de cada tratamento aumentará de 44 bilhões de dólares, em 1990, para um valor estimado de 187 bilhões em 2030. A crescente necessidade de tratamento profissional resulta da proporção cada vez maior de pessoas mais velhas que não terão apoio da família. Como resultado, o financiamento do tratamento de longo prazo futuro é um problema importante. Alguns sugeriram soluções do setor privado, que incluem disponibilizar seguro de tratamento de longo prazo através de incentivos fiscais, regras de seguros e uma maior ênfase na providência de tratamento domiciliar como um substituto para tratamento em casas de repouso, a fim de diminuir pagamentos e prêmios de seguros. Outros exigiram um programa de tratamento de longo prazo como parte de um plano de saúde nacional. Nos dias atuais, muito da carga do tratamento de longo prazo do idoso recai sobre as famílias: mais de 70% das pessoas que recebem tratamento de longo prazo dependem de cuidadores não-remu-
O tratamento hospitalar costuma envolver um grupo multidisciplinar de profissionais de saúde mental. Cada membro da equipe trata diferentes elementos da dificuldade do paciente: psiquiatra (condição médica ou psiquiátrica, medicação, psicoterapia), enfermeiro e técnico de saúde mental (cuidado e interação pessoal), psicólogo (avaliação diagnóstica de recursos e deficiências cognitivas, psicoterapia), assistente social (relações com a família) e terapeuta de atividade – ocupacional, recreativo, música (habilidades ocupacionais e vocacionais). A avaliação diagnóstica e o tratamento são intensificados pela colaboração e pela integração dessas perspectivas multidisciplinares. As fases de tratamento hospitalar incluem (1) internação, (2) avaliação e intervenção imediatas, (3) avaliação e aprimoramento diagnóstico contínuos, (4) esclarecimento de objetivos do tratamento e critérios de alta, (5) progresso em direção aos objetivos e à realização dos mesmos, (6) alta e (7) tratamento de manutenção ou acompanhamento adequado. O impacto da revisão das regras dos planos de saúde encurtou o tempo destinado a essas
1476
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
fases. Quando o hospital tem uma continuidade de tratamento, variando de abordagem hospitalar intensiva a programas hospitalares parciais para manutenção, a fase continuará no período de hospital parcial. Cada paciente precisa ter um plano de tratamento principal bem definido que trate das razões para a internação e da necessidade de hospitalização, uma avaliação dos seus problemas, forças e recursos disponíveis, diagnósticos formais, critérios de alta e colocação antecipada e tratamento após a alta. Além disso, o plano deve identificar problemas a serem focalizados pelos membros da equipe de tratamento, em especial déficits que refletem a razão primária para hospitalização. Muitas vezes, os problemas tornam-se evidentes em uma ou mais das seguintes áreas: autoconceito, relacionamentos interpessoais, pensamento e cognição, funcionamento emocional, controle de impulsos ou vícios, habilidades adaptativas ou família. Os objetivos devem ser enunciados em termos mensuráveis, de modo que o progresso do paciente possa ser observado por todos os membros da equipe. É importante registrar modalidades de diagnóstico e tratamento prescritas, bem como quais membros da equipe são responsáveis por realizar essas tarefas (Tab. 59-1). Os programas de tratamento hospitalar podem ser caracterizados pela duração da internação, pela modalidade de tratamento primária e pelos objetivos estabelecidos. Os programas para pacientes internados costumam ser classificados como (1) intervenção na crise de curto prazo (1 a 4 semanas) ou (2) tratamento prolongado (mais de quatro semanas). Programas de hospitalização parcial têm duração indeterminada, podendo servir como uma transição de tratamento hospitalar para ambulatorial ou ser introduzidos diretamente. Esses programas incluem várias combinações de supervisão e atividades de hospital-dia e acomodações noturnas – hospital-noite, casa de passagem, cuidado familiar, moradia cooperativa e vida independente. Programas hospitalares de curto prazo. A hospitalização de curto prazo, ou breve, busca interromper ou reverter descompensação emocional, aliviar doença mental aguda, reduzir sintomas, restaurar defesas e facilitar o reajustamento do paciente ao ambiente anterior. Esses objetivos são alcançados separando o indivíduo do ambiente por meio de internação hospitalar, administrando medicação psiquiátrica adequada, explorando e negociando com pessoas significativas em sua vida, e por meio de psicoterapia de apoio e exploratória. Às vezes, procedimentos de tratamento especializados, como eletroconvulsoterapia (ECT), podem ser indicados. A hospitalização de curto prazo também pode ser uma opção para avaliação diagnóstica detalhada. Estadas de pouca duração são possíveis quando não surgem complicações de tratamento adversas e quando recursos ou sistemas de apoio pós-hospital existem, são acessíveis ou desenvolvidos com rapidez. Programas especializados ou focalizados foram desenvolvidos para uma ampla variedade de doenças mentais, como abuso de álcool ou outras substâncias, transtornos da alimentação e transtornos dissociativos. Na década de 1970, o protótipo desses programas foi desenvolvido para o tratamento de transtornos por uso de álcool, incluindo um programa de tratamento de tempo limitado consistindo de educação do paciente sobre todas as facetas da condição, confissão e confrontação de grupo, grupos de auto-ajuda (Alcoólicos Anônimos) e assistência social para a família. Agora, essas intervenções podem valer-se do ambiente
TABELA 59-1 Indicações para hospitalização breve e hospitalização prolongada Hospitalização breve
Hospitalização prolongada
Gravidade de fatores de doença Perigo para si mesmo ou para terceiros, ou Sintomas de gravidade suficiente Sintomatologia impulsiva ou psia ponto de interferir no funcionacótica que seja extremamente mento profissional ou familiar e grave e refratária, incluindo paque não respondem a tratamencientes com esquizofrenia muito to ambulatorial, ou prejudicados e que não respondem a drogas psiquiátricas, pacientes com transtornos da personalidade dominados por impulsos e aqueles com transtornos da alimentação graves. Comportamento impulsivo não Comportamento suicida, autodescontrolado por tratamento amtrutivo ou violento pervasivo e bulatorial, ou contínuo que não respondem a tratamentos menos intensivos. Falta de adesão a tratamento Transtornos do Eixo I complicados ambulatorial com um quadro por patologia grave do Eixo II, clínico deteriorante, ou incluindo adicções refratárias a tratamento. Psicopatologia complexa em associação com dinâmicas familiares que requerem avaliação hospitalar abrangente, ou Pacientes de diagnóstico duplo, Pacientes com esquizofrenia de que têm abuso de substâncias longo prazo que não podem funcomplicado por outro transtorno cionar fora do hospital sem esou transtornos psiquiátricos, ou forços de reabilitação vocacional e social extensivos. Síndromes de abstinência potencialmente fatais, ou Crise de transferência interferin- Pacientes com transtorno da perdo na continuidade do tratasonalidade bordeline que frusmento ambulatorial. tram as expectativas do tratamento, incluindo aqueles que, de forma passiva, se recusam a cooperar com o tratamento, os que fazem ataques hostis incessantes aos médicos e os que evocam reações de contratransferência destrutivas ao tratamento. Fatores de tratamento História de boa resposta à hospi- Fracasso de tentativas de tratatalização anterior, ou mento anteriores, incluindo farmacoterapia, psicoterapia e hospitalização breve. Nenhuma hospitalização anterior Sem maiores complicações de Complicações de tratamento imtratamento portantes. Objetivos de tratamento limitados Objetivos de tratamento envolvendo mudança intrapsíquica ou reabilitação vocacional e social significativa. Fatores ambientais Sistemas familiares sustentadoSistema familiar caótico, não-apoiares, ou ador, ausente ou que arruína o tratamento, ou Outro sistema de apoio pós-hos- Ausência de um sistema de apoio pitalização que exista ou possa pós-hospitalar viável. ser obtido com facilidade Estressor precipitante claro Adaptada de Gabbard GO. Comparative indications for brief and extended hospitalization. In: Tasman A, Riba MB, eds. Review of Psychiatry. Vol 11. Washington, DC: American Psychiatric Press, 1992.
PSIQUIATRIA PÚBLICA E
do hospital para controlar o impulso do paciente de adotar comportamento sintomático e, ao mesmo tempo, fornecer apoio psicoterapêutico, educacional, de assistência social e de reabilitação.
Programas de tratamento prolongado. Programas de tratamento prolongado continuam sendo necessários para doenças difíceis de tratar que não respondem a intervenção breve ou tratamento de curto prazo. Podem ser indicados quando tratamentos mais breves falharam, as complicações são graves, uma aliança de tratamento não existe ou é repelida, os estressores da vida são tão profundos ou persistentes que prejudicam a reestabilização ou um período prolongado de tratamento é necessário para alcançar qualquer efeito benéfico. É possível organizá-los segundo um modelo psicoterapêutico psicanalítico, um modelo de comunidade terapêutica, um modelo de tratamento comportamental de economia de fichas ou um modelo de cuidado de custódia de tratamento moral. A perspectiva psicanalítica considera os sintomas como produto de conflito psíquico inconsciente do paciente, uma formação de compromisso que expressa tanto o derivativo de impulso inconsciente quanto a defesa do ego contra o impulso. O pressuposto é que todo comportamento é determinado e tem significado. O modelo psicanalítico de tratamento hospitalar busca identificar e resolver os conflitos e as defesas de ego sintomáticas à medida que são representados nas interações com outros pacientes e com membros da equipe no hospital. Conforme enunciado por William Menninger: São nossos ódios e nossos amores mal-administrados que respondem pela maior parte, se não por todas as nossas enfermidades emocionais. Em outras palavras, nossas reações às pessoas à nossa volta e as reações delas a nós resultam em ajustamento ou em graus variados de desajustamento. De maneira similar, dentro do hospital, são os relacionamentos com outros seres humanos – com outros pacientes e com o pessoal do hospital – e o entendimento desses relacionamentos que levam o paciente de volta à saúde emocional. O hospital deve proporcionar uma variedade de oportunidades para o paciente resolver seus conflitos, através da expressão de seu ódio de maneira adequada ou construtiva, aprendendo a encontrar novas e renovadas satisfações em suas atividades, aprendendo a amar e ser amado. A comunidade terapêutica foi introduzida pela primeira vez na Inglaterra, concebida por T. F. Main e popularizada por Maxwell Jones. O modelo entende a unidade hospitalar como um sistema social. Atém-se a otimizar o funcionamento saudável em um ambiente que uniformize a hierarquia do hospital e envolva os pacientes na tomada de decisão na unidade. Impõe aos pacientes a responsabilidade de servirem como agentes de mudança, com um papel significativo na reabilitação de outros indivíduos na unidade. Esse modelo depende de pacientes mais velhos transmitirem aos mais novos as normas, as habilidades e os valores fundamentais para a participação significativa na comunidade terapêutica. O programa de tratamento de Jones foi a princípio designado para pacientes com transtornos da personalidade. As
HOSPITALAR
1477
abordagens de comunidade terapêutica são mais difíceis de implementar em locais que tratam um grande número de pacientes com perturbações psicóticas, porque grupos podem ser estimulantes demais para eles. O modelo de economia de fichas aplica princípios derivados da psicologia experimental e condicionamento operante, com recompensas de fichas usadas como reforço positivo por comportamentos desejados. Esses programas são usados com pacientes cronicamente doentes, regredidos, de funcionamento mais baixo. À medida que recebem recompensas por comportamento preferido, adaptativo, podem trocá-las por privilégios e atividades desejadas. Em todos os modelos de tratamento de pacientes internados, a enfermagem psiquiátrica desempenha um papel fundamental. Esse pessoal fornece a supervisão direta dos pacientes e administra a medicação prescrita. Além disso, satisfaz suas necessidades básicas, oferece organização e estrutura, dá apoio e ajuda no crescimento intrapsíquico, auxilia aqueles com habilidades interpessoais e interacionais e promove habilidades de manejo em um ambiente de ensino e aprendizagem. Hospitalização parcial. A hospitalização parcial oferece uma alternativa à hospitalização de 24 horas, com alguns programas de tratamento estruturados que representam um local transicional entre hospital e comunidade. Para alguns pacientes cronicamente doentes, essa estrutura pode continuar por um período prolongado. A maioria dos programas fornece um ambiente informal, do tipo clube, que facilita a interação social, destaca atividades terapêuticas e diminui a dependência e o isolamento. Os pacientes têm um gerenciador de caso ou coordenação de tratamento que funciona como defensor e facilitador. Programas de reabilitação e vocacionais incluem ajuda com habilidades da vida diária, atividade recreativa e treinamento profissional. Outros serviços fornecidos são revisão de medicação, terapia de grupo, tratamento familiar e tratamento da crise. QUESTÕES CLÍNICAS Indicações para hospitalização. As indicações para tratamento hospitalar são determinadas por fatores associados a cada paciente – gravidade da doença, nível de consciência ou insight relativo a ela e capacidade de conter comportamento impulsivo, destrutivo – e fatores no ambiente, como presença ou ausência de apoio e intensidade de estressores contínuos. Em geral, o tratamento hospitalar é indicado quando os pacientes estão tão gravemente perturbados que alguém deve interferir e protegê-los de ferir a si mesmos ou a terceiros, e seu ambiente não pode fornecer essa proteção. Nos últimos anos, várias listas de verificação de critérios de internação foram publicadas; basicamente, um paciente merece ser hospitalizado quando há sérios problemas em três parâmetros: grau de periculosidade, adequação do sistema de apoio e capacidade de cooperar com o tratamento. Glen Gabbard resumiu indicações comparativas para hospitalização breve e prolongada de acordo com uma grade de (1) fatores de gravidade da doença, (2) fatores de tratamento e (3) fatores ambientais. Os fatores de doença incluem o perigo para si
1478
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
ou para terceiros, a interferência de sintomas no funcionamento no trabalho ou na família e sua responsividade a tratamento ambulatorial, comportamento impulsivo ou não-adesão, e diagnóstico duplo, com abuso de substâncias complicado por outro transtorno psiquiátrico. Os fatores de tratamento relevantes são a história de qualquer hospitalização prévia e a resposta a qualquer tratamento anterior, a presença de quaisquer complicações de tratamento e os objetivos do tratamento. Os fatores ambientais são o sistema familiar, o sistema de apoio pós-hospitalização e a existência de estressores precipitantes claros. Com relação a critérios para hospitalização para crianças, uma revisão de 375 crianças vistas no Western Psychiatric Institute and Clinic, na University of Pittsburgh, identificou seis itens que diferenciavam as que foram hospitalizadas daquelas que não foram: 1. Crises agressivas contra outras pessoas. 2. Crises agressivas contra animais ou objetos. 3. A condição do paciente estava se deteriorando muito rapidamente ou não estava melhorando apesar de tratamento ambulatorial adequado. 4. Condições físicas ou neurológicas ou um estado psicótico, desorganizado, que requerem hospitalização para iniciar tratamento ou estabelecer um diagnóstico. 5. Situação patológica ou nociva existente entre a família ou associados do paciente que torna o tratamento sem hospitalização impossível, ou o estado transtornado do paciente cria tantas dificuldades para a família que a hospitalização é indispensável. 6. A avaliação da condição do paciente requer observação e avaliação de 24 horas que apenas o hospital pode oferecer, incluindo estabilização ou reavaliação de medicação ou tratamento de dependência de álcool ou drogas. Família do paciente. A família tanto influencia como é influenciada pela hospitalização de um de seus membros. Em vez de focalizar-se em uma interação patológica entre paciente e família, o tratamento hospitalar moderno tenta envolvê-la como um recurso de cuidado e preocupação no processo de tratamento. Modelos foram desenvolvidos para intervenção familiar do paciente internado, iniciando a terapia familiar com a hospitalização do mesmo. Essa abordagem não pressupõe que a causa de transtornos psiquiátricos maiores esteja no funcionamento ou na comunicação da família, mas, antes, que o funcionamento atual da família com a qual o paciente está vivendo ou está em freqüente contato pode ser uma fonte importante de estresse ou apoio. A intervenção busca ajudar a família a entender, conviver e lidar com o paciente e sua doença. Seminários psicoeducacionais e encontros de grupos familiares múltiplos são muito úteis para as famílias de pessoas com doenças mentais crônicas.
REFERÊNCIAS Bachrach LL. What we know about homelessness among mentally ill persons: an analytical review and commentary. Hosp Community Psychiatry. 1992;43:453. Blumenthal D. Controlling health care expenditures. N Engl J Med. 2001;344:766. Breakey WR, ed. Integrated Mental Health Services: Modern Community Psychiatry. NewYork: Oxford University Press; 1996. Burns BJ, Taube JE, Permutt T, et al. Evaluation of a Maryland fiscal incentive plan for placing state hospital patients in nursing homes. Hosp Community Psychiatry. 1991;42:1228. Cohen CI. Poverty, social problems, and serious mental illness. Psychiatr Serv. 2002;53:899. Cummins RA. The subjective well-being of people caring for a family member with a severe disability at home: a review. J Intellect Dev Disabil. 2001;26:83. Dencker K, Gottfries C-G. The closure of a major psychiatric hospital: can psychiatric patients in long-term care be integrated into existing nursing homes? J Geriatr Psychiatry Neurol. 1991;4;149. Draper B. The effectiveness of old age psychiatry services. Int J Geriatr Psychiatry. 2000;15:687. Elpers JR. Public psychiatry. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:3185. Epstein AM. Health policy 2001—a new series. N Engl J Med. 2001;344:673. Goering P, Wasylenski D, St. Onge M, Paduchak D, Lancee W. Gender differences among clients of a case management program for the homeless. Hosp Community Psychiatry. 1992;43:160. Hess R, Morgan J, eds. Prevention in Community Mental Health Centers. New York: Haworth; 1990. Kahn JG. Prospects for expanding health insurance coverage. N Engl J Med. 2001;344:1948. Katz SE, Nardacci D, Sabatini A, eds. Intensive Treatment of the Homeless Mentally Ill. Washington, DC: American Psychiatric Press; 1993. Kawas JCH, Brookmeyer R. Aging and the public health effects of dementia. N Engl J Med. 2001;344:1098. Marshall EJ, Reed JL. Psychiatric morbidity in homeless women. Br J Psychiatry. 1992;160:761. Moak GS, Fisher WH. Geriatric patients and services in state hospitals: data from a national survey. Hosp Community Psychiatry. 1992;42:273. Moffic HS. Cultural issues in community psychiatry. In: Vaccaro IV, Clark GH Jr, eds. Practing Psychiatry in the Community: A Manual. Washington, DC; American Psychiatric Press; 1996. Moon M. Medicare. N Engl J Med. 2001;344:928. Saathoff GB, Cortina JA, Jacobson R, Aldrich CK. Mortality among elderty patients discharged from a state hospital. Hosp Community Psychiatry 1992;43;280. Solomon PL, Drain JN, Marcenko MO, Meyerson AT. Homelessness in a mentally ill jail population. Hosp Community Psychiatry. 1992;43:169. Stein REK. Home-based comprehensive care services for children with chronic conditions. Child Serv Soc Policy Res Pract. 2001;4:189.
60 O sistema de saúde em psiquiatria e medicina
N
os Estados Unidos, um sistema de saúde ideal deveria fornecer tratamento médico disponível, de alta qualidade, para todos os cidadãos e, ao mesmo tempo, promover a pesquisa médica e novas tecnologias. Fatores sociais e econômicos, entretanto, afetam de forma significativa o estado de saúde e a provisão de tratamento. Saúde, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), não é apenas a ausência de doença, mas um estado de bem-estar físico, mental e social completo. Para ter influência sobre os fatores que moldam a taxa de saúde, doença e morte de uma população, esta deve ser estudada para determinar as necessidades, o uso, a acessibilidade e as alocações financeiras ideais para provisão de tratamento. Hoje, os profissionais da saúde enfatizam a prevenção de doença e a promoção da boa saúde, bem como o diagnóstico e o tratamento de distúrbios médicos. Os custos cada vez maiores do tratamento, entretanto, tornaram-se um obstáculo significativo para a satisfação dos requisitos de um sistema de saúde ideal. A necessidade de focalizar-se no controle de custos afeta a distribuição de fundos, o fornecimento de serviços e os mecanismos para reembolsar o pessoal médico por esses serviços. PRESTADORES DE SERVIÇOS DE SAÚDE Os prestadores de serviços de saúde incluem uma ampla série de pessoas de uma variedade de profissões que tratam do doente. Além de médicos, o pessoal da saúde compreende enfermeiros, dentistas, psicólogos, assistentes sociais, pediatras, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais. Nos Estados Unidos, mais de 11 milhões de pessoas estavam empregadas em ocupações relacionadas à saúde em 2001. Oferta de médicos Em 2000, havia cerca 772 mil médicos, 155 mil dentistas e 2,1 milhões de enfermeiros exercendo sua profissão nos Estados Unidos. O número de médicos alopatas cursando educação médica tem se mantido constante, em torno de 98.000, desde meados dos anos de 1990. Médicos de cuidados primários costumam ser definidos como clínicos gerais, médicos da família, internistas e pediatras. Cuida-
dos primários é considerado um tipo de tratamento médico que enfatiza o primeiro contato e assume a responsabilidade contínua pelos pacientes tanto na manutenção da saúde como na terapia. Os ginecologistas atuam como o único prestador de serviços de saúde para muitas mulheres. Em 1998, havia 59 médicos de cuidados primários para 100 mil pessoas. De acordo com o JAMA, o número de médicos em programas de treinamento de cuidados primários aumentou em 25% de 1995 a 2000; entretanto, sua distribuição continua sendo um problema. Existem altas proporções médico-paciente no Nordeste dos Estados Unidos e na Califórnia; baixas concentrações são a norma no Sul e nos estados do Meiooeste. Muitas áreas rurais não possuem um médico de cuidados primários, e o governo norte-americano fez uma tentativa de prover áreas mal-servidas através de reembolsos para pessoal médico. Médicas A proporção de médicas quase triplicou entre 1970 e 1994, e em 2010 as mulheres representarão 30% da força de trabalho médico. As mulheres responderam por 6.825 dos 15 mil graduados em faculdades de medicina alopática em 2001, e representam 66% dos residentes em pediatria e obstetrícia-ginecologia. Ainda que 84% relatem estar pelo menos “satisfeitas” com sua escolha de carreira, 38% delas relataram ao JAMA que reconsiderariam sua escolha de especialidade se tivessem oportunidade, em particular as mais velhas, que podem ter tido menos oportunidades para ingressar em campos tradicionalmente dominados por homens durante seu treinamento. Médicas exercendo a profissão em um ambiente de faculdade de medicina tinham muito mais probabilidade de estarem satisfeitas com suas escolhas de carreira; entretanto, não foram promovidas ou pagas tanto quanto suas contrapartes masculinas na condição de professoras de medicina. Cerca de 30% das médicas relatam que são as responsáveis primárias por seus filhos com menos de 12 anos, sendo muitas vezes penalizadas por terem filhos durante a residência ou em decorrência de práticas de grupo sem benefícios de maternidade adequados. Alguns programas de residência são mais flexíveis do que outros, oferecendo trabalho de meio período para novas mães e pagamento proporcional; outros permitem planejamento de férias ajustadas às escolas públicas para conveniência das famílias, além de possibilitarem que estendam o treinamento por seis anos, em vez de três ou quatro, dependendo da especialida-
1480
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
de. Esses tipos de arranjos resultam em maior produtividade para os médicos e administração de dívidas e criação de filhos mais fáceis; os mesmos devem ser encorajados nos programas de residência de todo o país.
Educação médica Cerca de 26% dos médicos estudaram fora dos Estados Unidos ou do Canadá, um número que aumentou nos últimos 15 anos, principalmente em relação a especialidades como patologia e reabilitação. O número de médicos formados no exterior que ingressaram na residência em 2000 aumentou em 6,5% durante 1999. Os graduados no exterior têm bem mais probabilidade de ter recebido treinamento médico prévio antes de ingressarem na residência nos Estados Unidos. Os pedidos para ingresso em faculdades de medicina alopática caíram quase 25% de 1990 a 2000. O número de candidatos a faculdades de medicina osteopática tem permanecido estável, e mais de 50% deles estão ingressando no campo da medicina de família ou em outras áreas de cuidados primários. Alguns estados concederam privilégios de prescrição para auxiliares médicos e enfermeiros, que trabalham sob a supervisão de um médico. Outros grupos, como enfermeiras parteiras, enfermeiras anestesistas e optometristas, têm habilidades e prática que se sobrepõem a seus equivalentes alopáticos – obstetras, ginecologistas, anestesiologistas e oftalmologistas. Há uma tendência a aumento no número de prestadores de serviços de saúde que não possuem treinamento médico.
Necessidade de médicos nos Estados Unidos Em torno de 40% dos médicos norte-americanos são clínicos gerais, mas a American Medical Association está prevendo uma deficiência de médicos em 2010. Sua distribuição mostra que áreas rurais e áreas decadentes das cidades têm uma deficiência de todos os tipos de médicos, tanto clínicos gerais como especialistas. Como a maioria das pessoas nos Estados Unidos, esses profissionais preferem áreas metropolitanas; não há incentivo para exercerem a profissão em áreas rurais, nas quais praticam sozinhos, sem outros profissionais com quem possam interagir. Eles enfrentam dificuldades com encargos onerosos e custos aumentados para contratar companhias de seguro privadas; clínicas maiores podem dividir custos administrativos altos. Havia 4.500 residentes de psiquiatria em treinamento em 1999, ou 4,6% dos médicos. Há 11,1 psiquiatras para 100 mil pessoas; entretanto, eles tendem a estar concentrados em áreas urbanas, e essa proporção aumenta, por exemplo, em Nova York, onde há 24 psiquiatras para 100 mil pessoas. Em 2002, apenas 3% dos estudantes de medicina decidiram ingressar na psiquiatria, uma diminuição que começou na década de 1980 e continua até hoje.
TABELA 60-1 Renda líquida média do médico por especialidade Especialidade
Renda anual (em milhares de dólares)
Pediatria Prática geral/familiar Medicina interna Psiquiatria Obstetrícia/ginecologia Anestesiologia Cirurgia geral Radiologia Neurocirurgia
139,3 141,5 142,9 171,5 223,6 233,8 243,4 250,7 492,6
Dados da American Medical Association e levantamentos de médicos na prática de grupo; estes são os últimos valores disponíveis, referentes ao ano de 1999, sem impostos.
grande número de procedimentos reembolsáveis realizados. O rendimento bruto médio de internistas gerais atendendo no consultório caiu quase 11% em 2000 de acordo com a Medical Economics. As mulheres ganham quase 90 mil dólares menos por ano do que suas contrapartes masculinas na medicina interna, e a discrepância está presente, ainda que não tão marcada, em outros campos. Os médicos nos estados do Meio-oeste e do Sul tendem a ganhar um pouco mais, talvez porque há menos médicos concentrados nessas áreas.
Ganhos dos médicos em contexto. Ao avaliar o nível de renda do médico em relação ao do trabalhador típico, deve-se ter em mente diversos fatores. O médico trabalha muitas horas, em geral sob estresse, e deve manter-se sempre atualizado com novos desenvolvimentos na área médica. O médico de cuidados primários médio atende 110 pacientes por semana e trabalha 55 a 60 horas. Em 2001, a idade média de um médico recém-formado era de 28 anos. Contando os estudos após a formatura, muitos começam a exercer a profissão por volta dos 30 anos. Além disso, fazem dívidas educacionais altas antes de começar a exercer sua profissão. Em 1999, 81% dos formados relataram alguma dívida, com a quantia média chegando a 90 mil dólares. A renda do médico também varia bastante, com base nos anos de treinamento necessários, no número de pacientes com planos de saúde particulares versus número de pacientes da previdência social, na carga de trabalho e nos custos de equipamento de consultório, todos os quais influenciam a renda global. A proporção de pacientes da previdência social tratados afeta a renda, já que as taxas de pagamento por serviços são determinadas pela “taxa de crescimento sustentável” que influencia não apenas o número total de pacientes da previdência social, mas também altera o produto interno bruto e a inflação, para determinar os honorários dos médicos. A tabela de remuneração para 2002 diminuiu os pagamentos do médico em 5,4%, mesmo com um aumento nas despesas da clínica.
Seguro de responsabilidade Ganhos dos médicos O rendimento líquido médio de um médico em 1999 foi de 163.170 dólares por ano, um aumento global de 9% desde 1994. Neurocirurgia, cirurgia ortopédica e cirurgia cardiotorácica são as especialidades mais bem pagas; pediatria, clínica geral e psiquiatria são as menos pagas (Tab. 60-1). Entre as subespecialidades médicas, cardiologistas e gastrenterologistas invasivos tinham as rendas mais altas, provavelmente devido ao
Um dos componentes mais dispendiosos da prática médica é o seguro de responsabilidade. De 1990 a 1996, os prêmios foram mais baixos do que tinham sido por algum tempo; entretanto, no final de 2002, aumentaram de 8 a 18% em vários estados norte-americanos. Os altos prêmios resultam da incidência aumentada de ações de imperícia e das sentenças altas do júri. Estas chegaram a 800 mil dólares em 1999 em casos de imperícia. Mais de um terço de todos os médicos foram pro-
O
SISTEMA DE SAÚDE EM PSIQUIATRIA E MEDICINA
1481
cessados pelo menos uma vez durante sua carreira; entretanto, mais de 70% dos casos são ganhos pelos médicos, resolvidos com acordos, ou rejeitados. Obstetras e cirurgiões têm o mais alto risco de responsabilidade; de baixo risco são patologistas e psiquiatras. Os internistas foram surpreendidos com aumentos mais altos de prêmios de seguros nos últimos anos do que os especialistas, talvez devido a mais ações judiciais por erros de medicação ou falha em diagnosticar problemas em um estágio precoce. Os que estabelecem um relacionamento positivo com seus pacientes têm menos ações de responsabilidade do que aqueles que não o fazem.
buem para um alto nível de funcionamento em nenhuma situação, nem beneficiam a educação do residente, em vista da inevitável fadiga quando se fica sem dormir por 24 horas. Para residentes com famílias, especialmente as mães, os horários de trabalho atuais prejudicam tanto a harmonia conjugal como a criação dos filhos. Esse estresse suplementar interfere no funcionamento ideal. Foi sugerido que privação de sono crônica pode impor um risco aumentado aos residentes para acidentes com veículos motores, erros de medicação e clareza mental diminuída. Não há respostas fáceis para esses problemas, mas é evidente que a atual situação requer uma solução.
Horas de trabalho de internistas e residentes
CUSTOS DO TRATAMENTO DE SAÚDE
Hospitais-escola em geral contam com internistas e residentes para realizar serviços como flebotomias e terapia intravenosa e para servir como mensageiros e transportadores, tarefas realizadas de forma mais adequada pelo pessoal auxiliar. Além disso, precisam trabalhar muitas horas, e a privação do sono pode prejudicar seu julgamento e suas habilidades clínicas. O residente médio trabalha mais de 80 horas por semana, com um turno de 30 horas a cada terceira ou quarta noite. Devido a isso, em 1988, um limite no número de horas que internistas e residentes podem trabalhar foi estabelecido pelo U.S. Health Care Financing Administration (HCFA), agora conhecido como o Center for Medicare and Medicaid Services (CMS). Suas regras de trabalho compreendem: (1) os residentes são limitados a não mais de 12 horas consecutivas por atribuição em serviços de emergência; (2) não podem trabalhar mais de 80 horas por semana durante um período de quatro semanas e não podem ser escalados para trabalhar mais de 24 horas consecutivas; e (3) os turnos devem ser separados por não menos de oito horas sem trabalhar, com pelo menos um período de 24 horas de tempo livre para cada semana. O tempo sem trabalhar é o tempo afastado de treinamento e atividades de cuidado de pacientes. Em 2000, 8% dos programas de residência em todo o país foram citados pelo Accreditation Council for Graduate Medical Education por violação dos requisitos de horas de trabalho do CMS.
A provisão de serviços custo-efetivos adequados para a população norte-americana é uma preocupação crítica. As despesas para todos os tipos de tratamento, incluindo o cuidado de pessoas mentalmente doentes, continuam a aumentar. O crescimento dos gastos distancia-se do crescimento da economia. O tratamento de saúde tem se tornado cada vez mais dispendioso como resultado de inflação, crescimento populacional e avanço da tecnologia.
Em resposta à morte de um paciente em um hospital de Nova York, em 1989, a legislatura do estado aprovou o Relatório da Comissão Bell, que concluiu que as horas de trabalho do residente contribuíram, em parte, para essa morte acidental. O estado respondeu estabelecendo regras para horas de trabalho, incluindo limites de 80 horas de trabalho por semana e limites de 24 horas consecutivas. O impacto desses limites sobre a continuidade do tratamento ainda precisa ser analisado. O CMS definiu as responsabilidades dos estudantes de medicina como segue: (1) podem fazer anamnese e realizar exames físicos com a aprovação do médico responsável pelo paciente, (2) podem escrever no prontuário do paciente, mas todas as anotações devem ser assinadas pelos médicos responsáveis e (3) procedimentos médicos ou cirúrgicos podem ser realizados se houver supervisão direta do médico responsável. Muitos professores de medicina acreditam que as atuais regras do CMS ainda não são as ideais e que internos e residentes não são aproveitados de forma adequada por muitos hospitais-escola. Não é incomum que um residente em cirurgia cardíaca participe de uma operação por 14 horas e então continue trabalhando por mais 10. Da mesma forma, um residente de pediatria pode ficar no pronto-socorro por 24 horas sem dormir. Mesmo que suas horas de trabalho se enquadrem nas diretrizes do CMS, não contri-
O CMS prevê que, em 2008, as despesas com saúde chegarão a 2,6 trilhões de dólares, ou 16% do produto interno bruto norte-americano. Em 2001, os Estados Unidos gastaram 1,4 trilhões de dólares com tratamento de saúde – 484 bilhões de planos de saúde privados e 631 bilhões de fundos federais e estaduais. A contribuição monetária do governo federal cresceu de maneira uniforme com o passar dos anos. O Medicare responde por 17,6% do gasto com saúde pública, e o Medicaid, por 15,5%. Quarenta milhões de pessoas com mais de 65 anos eram associadas ao Medicare em 1999, e 33 milhões ao Medicaid, a maioria das quais são menores de 18 anos. Em torno de 84% das pessoas nos Estados Unidos com menos de 65 anos tinham alguma forma de seguro-saúde em 1999; 12% das crianças com menos de 18 anos não têm nenhum seguro. Em 2000, os prêmios de seguro-saúde privado totalizaram 438 bilhões de dólares, 9,3% a mais do que em 1999. Em geral, a abrangência da cobertura do seguro ampliou-se à medida que mais pessoas associam-se a planos de saúde privados que cobrem de forma mais completa serviços de prevenção. Em 1999, 29% da população com plano de saúde privado – 78 milhões de pessoas – estava inscrita em uma organização de manutenção da saúde (HMO), 18% a mais do que em 1989. Cerca de 60% dos norteamericanos trabalhando para companhias médias e grandes são associados a planos de saúde privados. O seguro pago pelo empregador é, de longe, o maior provedor para pessoas com menos de 65 anos, seguido por compra independente de planos (7% da população pode permitirse essa opção), pelo Medicaid e pela Associação de Veteranos (AV).
HOSPITAIS Os hospitais são prestadores institucionais de serviços médicos e cirúrgicos gerais no sistema de saúde norte-americano. Havia 5.810 hospitais em 2000, com uma média de 983 mil leitos. Aproximadamente 66% de todos eles estão ocupados em determinado tempo. De acordo com a OMS, os hospitais devem ter uma equipe médica, oferecer cuidado médico e de enfermagem contínuo para os pacientes e manter serviços de internação. Visto que os
1482
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
hospitais consomem a maior porcentagem dos recursos financeiros para a saúde, o uso da verba é o foco das atuais estratégias de contenção de custos. Os Estados Unidos gastaram 395 bilhões de dólares em despesas hospitalares em 2000; é evidente que algumas dessas estratégias não estão contendo os custos. O número anual de internações hospitalares vem caindo de maneira uniforme desde 1981. Houve 34,8 milhões de internações hospitalares em 2000. Um ligeiro aumento pode ser esperado à medida que o número de pessoas com 65 anos ou mais, com maiores necessidades por serviços de saúde, continua a crescer. Avanços tecnológicos e o crescimento dos planos de saúde privados, entretanto, induziram uma mudança para tratamentos ambulatoriais menos dispendiosos. A duração da permanência para pacientes internados em hospitais da comunidade diminuiu na última década. A duração média da estada em 1999 foi de cinco dias. Possíveis explicações para essa queda incluem a expansão dos planos de saúde entre as populações do Medicare e do Medicaid, bem como a melhor integração de serviços mediante redes de serviço, que podem permitir aos hospitais liberar pacientes para locais mais adequados à sua recuperação. Os transtornos mentais respondem por uma grande proporção de despesas com tratamento de saúde, 67 bilhões de dólares em 1990, incluindo especialmente hospitais e instituições. A maioria daqueles com seguro-saúde tem cobertura mais restritiva para doença mental do que para outros tipos de condições. A duração média da estada em hospitais psiquiátricos é de 10 dias, uma diminuição de 57% em relação à década anterior, quando os pacientes ficavam internados
por 23 dias. Os hospitais psiquiátricos passaram de um objetivo curativo para um objetivo de estabilização, com mais foco no tratamento ambulatorial contínuo após a alta, usando programas de hospitalização parcial para alcançar esse objetivo. Os Estados Unidos têm hoje cerca de 600 hospitais psiquiátricos, com um total de 78 mil leitos para internação psiquiátrica em hospitais gerais, municipais, estaduais, AV e particulares. Os hospitais podem ser classificados com base em propriedade, duração da estada ou natureza do serviço oferecido. A Tabela 60-2 apresenta uma visão geral sobre aspectos importantes da organização hospitalar. REGULAMENTO DO SISTEMA DE SAÚDE Padrões e desempenho dos hospitais Um grupo de órgãos, tais como a Joint Commission on Accreditation of Healthcare Organizations (JCAHO) e o Liaison Committee on Medical Education (LCME), influencia os padrões de tratamento e desempenho dos hospitais. Além disso, essas instituições devem cumprir os regulamentos do governo (regras de saúde municipal e estadual). A JCAHO inspeciona hospitais a cada dois anos e também é responsável por determinar os requisitos para a aprovação dos mesmos. Os reembolsos do Medicare e do Medicaid dependem da satisfação desses padrões, mas a aprovação é dada em uma base voluntária. O LCME e o Liaison Committee on Graduate Medical Education são encarregados de aprovar faculdades de medicina e
TABELA 60-2 Aspectos da organização hospitalar
Critérios
Hospital voluntário
População de pacientes
Todas as doenças
Orientação de lucro Propriedade
Sem fins lucrativos
Associação
Outros
Hospital de propriedade de investidores
Sistema de hospital mental estadual
Todas as doenças, Doença mental embora o hospital possa especializar-se Com fins lucrativos Sem fins lucrativos
Conselho administrativo privado
Corporação priva- Estadual da; pode ser de propriedade de médicos Filiado à igreja, Pode ser de proIndependente ou propriedade pripriedade de associado a vada ou mantido grandes cadeias, várias faculdapor universidacomo a Humana des de medicina des Corporation, Columbia/HCA
Fornece a maior parte do tratamento nos Estados Unidos
Crescendo em importância nacional
Sistema de hospital municipal
Sistema de hospital federal
Hospitais especiais
Todas as doenças
Todas as doenças
Sem fins lucrativos
Sem fins lucrativos
Governo municipal
Governo federal
70% das instalações devem ser para diagnóstico único Com ou sem fins lucrativos Privada ou pública
Hospitais de ensino voluntário e faculdades de medicina
Departamento de Associação opcioDefesa, Servinal com faculdaço de Saúde des de medicina Pública, Guarda Costeira, prisão, Marinha Mercante, Serviço de Saúde Indígena, AV Desinstitucionali- A maioria dos mé- Hospitais da AV Menos regulados zação – o núdicos de hospiem geral têm do que outros timero de pacientais municipais é associações pos de hospitais tes foi reduzido contratada pelas com faculdades faculdades de de medicina medicina associadas
Notas: (1) Para ser designada hospital-escola, a instituição deve oferecer pelo menos quatro tipos de residências aprovadas, experiências clínicas para estudantes e associação com uma faculdade de medicina. (2) Hospitais de curto prazo têm uma permanência média do paciente de menos de 30 dias, uma média de duração mais longa. (3) Hospitais especiais incluem obstetrícia e ginecologia; otorrinolaringologia. Não incluem hospitais psiquiátricos ou tratamento para abuso de substâncias.
O
programas de residência, respectivamente. Ambos revisam programas de ensino e treinamento a cada quatro anos; o procedimento é voluntário. Hoje, todos os hospitais em uma comunidade tendem a ser monitorados como uma única entidade de saúde e recurso da comunidade. Assim, nenhuma unidade tem a prerrogativa de desenvolver novas instalações sem preocupação com os serviços oferecidos por outro hospital na área.
Avaliação da utilização de hospitais (Hospital Utilization Review). Esse processo de avaliação no local foi criado para assegurar que as instituições ofereçam tratamento de saúde eficiente, de alta qualidade, que satisfaça às necessidades dos pacientes. O comitê de revisão de utilização, consistindo de administradores do hospital, médicos e enfermeiros, revisa o prontuário de cada paciente dentro de um número específico de dias de internação. A adequação da internação, as estratégias de tratamento e a duração da internação são revisadas para facilitar a alta. Com esse processo, o comitê determina se uma internação em particular era, de fato, indicada e se a estada no hospital foi mais longa do que o necessário. O hospital deve conduzir revisões de utilização para qualificar-se para a aprovação da JCAHO.
Organização de avaliação de padrões profissionais. A organização de avaliação de padrões profissionais (Professional Standards Review Organization, PSRO) foi estabelecida pelo governo federal norte-americano para revisar e monitorar o cuidado recebido por pacientes cujo tratamento é pago com fundos do governo (incluindo Medicare, Medicaid, AV). Associações médicas locais escolheram médicos para constituir PSROs, que servem a diversas funções: tentam assegurar tratamento de alta qualidade, controlar custos, determinar durações máximas de internação; conduzir revisões de utilização e repreender médicos que não aderem às diretrizes estabelecidas. Uma PSRO pode conduzir uma auditoria médica para avaliar a qualidade do atendimento, examinando de forma retrospectiva os prontuários, além de revisar, aleatoriamente, demais prestadores para impedir abusos.
Organização de avaliação pelos próprios pares (Peer Review Organization, PRO). No início dos anos de 1980, as PROs substituíram as PSROs no papel de órgãos federais para avaliação e fiscalização de hospitais que recebiam verbas do Medicare. Para promover a adesão aos padrões federais de cuidados de saúde e hospitalares, as PROs desenvolveram avaliações independentes de estudos de utilização e qualidade dos serviços, validaram as classificações de grupos diagnósticos e revisaram os procedimentos de admissão e readmissões hospitalares. Nomeadas e financiadas em nível federal, as PROs possuem uma autoridade maior que as PSROs, tendo inclusive o poder de estabelecer sanções aos hospitais por prestação inadequada de cuidados de saúde. Podem também recomendar a interrupção de financiamento federal para os hospitais que violarem de forma sistemática os padrões de qualidade assistencial estabelecidos. Além disso, as PROs podem ajustar ou recusar pagamentos por serviços de saúde que considerarem desnecessários. As PROs operam em nível estadual e podem se constituir como organizações lucrativas ou não-lucrativas. A fim de reduzir seus custos, essas organizações são escolhidas através de um leilão competitivo entre diversas outras organizações médicas consideradas como devidamente qualificadas.
Agência de sistemas de saúde (Health Systems Agency, HSA). Agências de sistemas de saúde (HSAs) são organizações não-
SISTEMA DE SAÚDE EM PSIQUIATRIA E MEDICINA
1483
lucrativas nomeadas pelo governo federal e estabelecidas em nível estadual. As HSAs promovem ou limitam o desenvolvimento de novos serviços ou instalações de saúde, dependendo das necessidades de regiões ou localidades específicas. Elas são constituídas por organizações de consumidores e adquiriram poder considerável dentro da medicina. Por exemplo, antes que um novo hospital seja construído ou que um já existente seja extensamente reformado, a HSA precisa aprovar um chamado “certificado de necessidade” (CN). E antes que um CN seja emitido, precisa ficar bem estabelecida a necessidade de uma nova instalação hospitalar na localidade em questão. As HSAs controlam os gastos de capital e, portanto, a disponibilidade dos recursos para a saúde. Em cada estado, as HSAs desenvolvem objetivos e projetos de curto e longo prazo, aprovam solicitações de verbas federais para projetos de cuidados de saúde, fiscalizam serviços e instalações e, na base de seus achados e conclusões, sugerem projetos de reforma, ampliação ou futura construção da infra-estrutura de saúde.
SEGURO-SAÚDE Programas de reembolso do governo Medicare (Título 18). Estabelecido pela Lei de Previdência Social Federal de 1965, o Medicare é um programa de seguro-saúde financiado pelo governo federal norte-americano. Ele fornece seguro médico e hospitalar para pessoas com 65 anos de idade ou mais e para pessoas com certas incapacidades (p. ex., cegueira e doença renal). Consiste de duas partes: a Parte A cobre tratamento hospitalar, diálise e serviços de enfermagem qualificados, tratamento asilar e algum tratamento de saúde domiciliar. O capital é derivado de um fundo fiduciário federal, que, por sua vez, recebe seu capital de contribuições da Previdência Social. Foram gastos 129 bilhões de dólares desse fundo em 1999 na Parte A. A Parte B é o seguro médico opcional, que pode ser adquirido para cobrir serviços como honorários médicos, material médico, alguns testes diagnósticos, tratamento ambulatorial e serviços de terapia. Os benefícios e os padrões de qualificação do Medicare são uniformes em todos os Estados Unidos, e mais de 40 milhões de pessoas estão associadas. Os recursos disponíveis aos membros do Medicare são listados na Tabela 60-3. Tal programa não cobre aparelhos auditivos, tratamento dentário, dentaduras ou prescrição de drogas. Esse foi o impulso por trás da criação do Medicare/atendimento gerenciado, através do qual cidadãos mais velhos podem escolher participar em planos de atendimento gerenciado; 18% dos idosos o fazem. Entretanto, relatos recentes indicam que esses planos estão resultando em enormes prejuízos financeiros para os pacientes mais doentes, que requerem as drogas mais caras e logo chegam ao seu pequeno limite de gastos anuais. Medicaid (Título 19). Autorizado pelo governo federal norte-americano em 1965, o Medicaid é um programa de assistência para certas pessoas necessitadas e de baixa renda. É financiado pelos governos federal e estadual, mas cada estado define seus requisitos para qualificação e é responsável por sua administração. Ainda que os benefícios variem de uma região para outra, as cláusulas federais requerem que o Medicaid cubra cuidado hospitalar e ambulatorial (incluindo tratamento psiquiátrico), serviços de médicos, testes laboratoriais, diagnóstico por imagem, serviços de tratamento de saúde domiciliar e cuidado domiciliar de enfermagem. Ele é utilizado ainda para questões relacionadas a planejamento familiar e cuidado pré-natal, e os estados podem escolher estender a cobertura a optometristas, óculos e serviços dentários. Ao contrário
1484
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 60-3 Benefícios do Medicare Benefícios – Parte A
Cláusulas atuaisa
Hospital
O beneficiário é responsável por uma franquia da Parte A (792 dólares em 2002). O Medicare cobre todos os custos pelos primeiros 60 dias; 198 dólares por dia para os dias 61 a 90; e 396 dólares por dia para os dias 91 a 150. O plano não paga nada após o 150º dia. O Medicare paga todos os custos pelos primeiros 20 dias se o paciente tiver recebido alta do hospital antes do tratamento SEQ. Dos dias 21 a 100, o paciente paga 99 dólares por dia. Após esse período, o Medicare não paga nada. O Medicare cobre todos os serviços de saúde domiciliar e 80% do equipamento médico se os pacientes satisfizerem os requisitos restritivos de qualificação. Os pacientes pagam uma taxa de colaboração de 55 dólares por drogas prescritas no asilo e 5% do custo do tratamento hospitalar.
Serviço de enfermagem qualificada (SEQ)
Tratamento de saúde domiciliar
Tratamento de asilo
Benefícios – Parte B
Cláusulas atuaisb
Serviços médicos
Os beneficiários pagam uma franquia anual de 100 dólares, após a qual o Medicare paga 80% da tabela de honorários do governo para tratamento ambulatorial, exames laboratoriais, radiologia, fisioterapia e terapia ocupacional ambulatoriais. O beneficiário paga os 20% restantes e qualquer coisa além da tabela aprovada do Medicare. Essa parte inclui 50% de cobertura (NÃO 80%) de tratamento de saúde mental ambulatorial. 100% de cobertura
Serviços laboratoriais clínicos Serviços de tratamento de saúde domiciliar
Tratamento de enfermagem qualificado de meio período, enquanto recebendo tratamento domiciliar aprovado pelo Medicare, é coberto.
aHá falhas no Medicare. Os seguintes casos não são cobertos pelas Partes A ou B: Encargos médicos acima do valor aprovado pelo Medicare Exames físicos de rotina Exames de olhos ou óculos, tratamento dentário ou dentaduras, aparelhos auditivos, tratamento dos pés Drogas prescritas bBenefícios do Medicare supridos pela Parte A (benefícios de seguro hospitalar) e pela Parte B (seguro médico) a partir de março de 2002.
do Medicare, também cobre medicamentos prescritos. Hospitais psiquiátricos privados não são segurados pelo Medicaid. Requisitos de qualificação cada vez mais rigorosos têm deixado muitos indivíduos de baixa renda sem cobertura. Hoje, cerca de 37 milhões de pessoas são seguradas pelo Medicaid, e o número cresce a cada ano.
Fundos de risco. Em uma tendência perturbadora, algumas companhias de seguro estão elevando os prêmios de pacientes que desenvolvem uma doença e desejam manter sua cobertura em níveis não mais permitidos por seus recursos financeiros. Muitos estados norte-americanos oferecem planos de seguro-saúde de alto risco temporários (“fundos de risco”) para pessoas que, devido à sua condição física atual, não
podem adquirir seguro a nenhum preço, ou têm um seguro que exclui o tratamento de sua condição de saúde atual. Esses planos muitas vezes têm benefícios máximos limitados, limites sobre o número de pessoas que podem associar-se a qualquer tempo e exclusões específicas para certas doenças e problemas de saúde.
Pagamento independente e “pagamento por serviços” Pacientes contratam companhias de seguro comerciais para cobrir custos hospitalares e ambulatoriais, incluindo honorários médicos, procedimentos diagnósticos e testes laboratoriais. Para esse tipo de seguro, pagam um prêmio baseado em uma taxa de experiência, determinada pelo risco ou por registro prévio de reembolso ou reclamação de seguro, ou por um sistema de taxação coletiva, no qual cada participante paga o mesmo prêmio porque o custo do plano é dividido em parcelas iguais entre os membros do grupo. Antes do crescimento do atendimento gerenciado, a maioria dos seguros-saúde era de “pagamento por serviços”. Nesse modelo, paga-se uma porcentagem predeterminada (p. ex., 20%) do custo dos serviços do tratamento. Os pacientes são livres para escolher seus médicos, que determinam os honorários.
Atendimento gerenciado (managed care) Atendimento gerenciado (managed care) é um sistema pelo qual um segurador e prestadores de serviços de saúde trabalham juntos para assegurar a contenção de custos. O objetivo é eliminar procedimentos médicos desnecessários e obter desconto em serviços médico-hospitalares. Companhias comerciais e de seguros têm defendido o atendimento gerenciado em uma tentativa de cortar suas despesas médicas para empregados e beneficiários de seguro. O número de médicos participando desse atendimento tem aumentado bastante. De acordo com um levantamento, 87% dos médicos de cuidados primários têm pelo menos alguns contratos de atendimento gerenciado, e 22% relatam que mais da metade de seus pacientes são segurados pelo atendimento gerenciado. Os procedimentos de corte de custos usados por companhias de atendimento gerenciado envolvem arranjos de pagamento para hospitais, médicos e serviços farmacêuticos. Essas intervenções são postas em prática para avaliar decisões dos médicos, para restringir cobertura de certos tipos de tratamento considerados experimentais ou estéticos, e para limitar a variedade de medicamentos disponíveis. HMOs e outras companhias de atendimento gerenciado também diminuem os custos de tratamento de saúde limitando o número de novas hospitalizações e dando alta a pacientes mais cedo do que o usual. A ênfase na prevenção e na promoção da saúde e na realização do máximo possível de diagnóstico e terapia em base ambulatorial ajuda ainda mais a controlar despesas. O atendimento gerenciado é benéfico na cobertura de exames e cirurgias ambulatoriais, e sua cobertura para prescrição de medicamentos em geral é abrangente. Entretanto, a continuidade do tratamento de seus segurados muitas vezes é interrompida pela contratação de um novo médico de cuidados primários a cada ano, cujos serviços são cobertos pelo plano, porque alguns empregadores mudam de planos de seguro-saúde com freqüência para diminuir os custos.
O
A maioria das HMOs são corporações com fins lucrativos e sua motivação para cortar os custos e aumentar os ganhos é forte. Elas têm um grande número de empregados não-médicos, muitos dos quais recebem altos salários, bem maiores do que os dos médicos. De acordo com o Families USA, uma organização de defesa da saúde do consumidor, o diretor executivo do United HealthGroup foi o executivo de planos de saúde mais bem pago no ano de 2000 – 54 milhões de dólares em salários, com um adicional de 357 milhões em opções de ações. A Aetna/US Healthcare Corporation, a maior organização de saúde com fins lucrativos nos Estados Unidos, relatou uma receita bruta de 26,5 bilhões de dólares em 2000 (Wall Street Journal, 16 de fevereiro de 2000). Um número cada vez maior de pacientes associados em HMOs, associado a custos médicos diminuídos na forma de honorários mais baixos para médicos e hospitais, contribuem para o crescimento da receita das HMOs. Além de salários de executivos, estas gastam mais de 40 milhões de dólares todos os anos em propaganda e marketing. As mesmas introduziram um nível de burocracia consistindo de gerenciadores de atendimento e pessoal de revisão de utilização, que não apenas devem ser pagos, mas também servem como intermediários entre médico e paciente. É óbvio que o tratamento de saúde tornou-se um negócio lucrativo nos Estados Unidos, mas os lucros em geral provêm da negação de reembolso médico, cirúrgico e farmacêutico; da redução de pagamentos a médicos e hospitais; e da introdução de procedimentos burocráticos complexos que servem para desencorajar pacientes e prestadores a perseguir reivindicações negadas.
Organizações de manutenção da saúde Uma HMO (Health Maintenance Organization) é um sistema organizado que fornece tratamento de saúde abrangente (tanto hospitalar como ambulatorial) em todas as especialidades, incluindo a psiquiatria. Os membros associam-se de forma voluntária ao plano e fazem um pagamento antecipado para cobrir todos os serviços de tratamento de saúde por um período fixado (um mês ou um ano). Há mais de 500 HMOs nos Estados Unidos, com cerca de 79 milhões de associados. Há três tipos de HMOs: o modelo de equipe, no qual o médico recebe um salário para atender pacientes nas próprias instalações da HMO; o modelo de grupo, no qual o tratamento de saúde é fornecido por um ou mais grupos de médicos e o pagamento é recebido em uma base contratual a uma taxa predeterminada, e o modelo de rede de associação de prática independente (IPA), no qual a HMO negocia com médicos em particular para receber uma taxa de capitação por cada membro atendido em seus consultórios. Os médicos mantêm seus consultórios particulares quando se juntam a uma IPA. Os médicos nos modelos de equipe e de grupo em geral possuem ações de suas HMOs. Um corte de custos notório feito por HMOs foi a cláusula que permitia apenas 24 horas de hospitalização para partos. Em 1996, o Congresso dos Estados Unidos aprovou a lei que proíbe a prática de companhias de seguros conhecida como “partos sem sair do carro”. Sob essa lei, a decisão sobre quanto tempo uma mãe e seu bebê permanecem no hospital é agora tomada pela mãe e por seu médico. Essa nova lei representa um firme primeiro passo dado pelo governo federal na dire-
SISTEMA DE SAÚDE EM PSIQUIATRIA E MEDICINA
1485
ção de assegurar a proibição de que a contenção de custos seja a primeira e única consideração para determinar como e quais serviços de saúde serão pagos na nova era do atendimento gerenciado. Também em resposta a isso, um grupo de Atendimento de Qualidade aos Consumidores foi estabelecido para defender maior responsabilidade final para HMOs e práticas de contenção de custos. A partir de 2001, as seguradoras de saúde foram consideradas responsáveis por suas práticas em 10 estados, incluindo o Texas, e 40 estados garantiram um processo de apelação independente para consumidores que tiverem atendimento negado por suas HMOs ou seguradoras de saúde. Uma declaração nacional de direitos do paciente, incluindo o direito de apelar de uma decisão de atendimento de saúde negado por um plano de seguro-saúde, foi aprovada em caráter experimental no Congresso, mas uma decisão sobre limitar prêmios de dano para evitar ações judiciais levianas impediu que este projeto de lei se tornasse realidade. A indústria do seguro argumentou contra uma declaração de direitos do paciente, alegando que o aumento nos processos elevaria os prêmios.
Relação do Medicare e do Medicaid com HMOs. Atualmente, aqueles qualificados para benefícios de pagamento por procedimento do Medicare e do Medicaid podem tornar-se membros de HMOs. Nos Estados Unidos, a adesão do Medicare à HMO é de cerca de 6,8 milhões ou 18% da população idosa, mas pessoas com mais de 65 anos que mudam para HMOs não podem mais consultar os médicos de sua escolha, e o acesso a especialistas também é restrito. Além disso, a maioria das HMOs não atende membros que vivem fora da área de atuação da organização. Controvérsias surgem em relação a visitas a pronto-socorros, encaminhamento a especialistas e permanência em clínicas para idosos não-aprovadas. As vantagens alegadas por membros da HMO são que pessoas com cobertura da HMO do Medicare não têm de pagar uma franquia de 20% de contas médicas, mas apenas um pequeno valor de colaboração, entre 5 e 15 dólares. Alguns com doença crônica podem achar o custo anual de medicação mais baixo. As HMOs estavam ansiosas para inscrever beneficiários do Medicaid no começo do programa, porque recebiam mais de 4 mil dólares por ano por cada associado. Entretanto, em uma tentativa de controlar custos, as HMOs vêm cortando laços com o Medicare porque seus pacientes tendem a ficar mais doentes e custam mais para tratar do que indivíduos mais jovens e são, portanto, menos custo-efetivos para companhias de atendimento gerenciado.
Médicos de cuidados primários. Na maioria das HMOs, cada paciente deve escolher um médico de cuidados primários, que em geral recebeu treinamento em medicina interna, medicina da família ou pediatria. Esses profissionais logo tornaram-se o pilar sobre o qual o sistema de saúde atual nos Estados Unidos está baseado. Eles lidam não apenas com queixas físicas de seus pacientes, mas também com suas preocupações mentais, emocionais e sociais – um campo chamado psiquiatria de cuidados primários. Infelizmente, a maioria dos médicos de cuidados primários tem conhecimento limitado da gama total de transtornos psiquiátricos e opções terapêuticas. Os professores de psiquiatria enfrentam o desafio de melhorar as habilidades de médicos de cuidados primários para tratar doença mental, principalmente para prescrever medicação psicotrópica, cuja maior quantidade é administrada mais por médicos de cuidados primários nos Estados Unidos do que por psiquiatras. Psiquiatras às vezes usam agen-
1486
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
tes farmacológicos potentes, com uma ampla variedade de efeitos adversos, alguns dos quais podem ser fatais. Médicos não-psiquiatras devem ter um conhecimento profundo desses medicamentos para ministrar terapia psicofarmacológica de maneira efetiva e segura. Porta-de-entrada. O termo foi aplicado a médicos de cuidados primários que, como parte do fornecimento de tratamento total para pacientes, devem decidir quando encaminhá-los a um especialista. A maioria das HMOs requer “aprovação prévia” para encaminhamento a um especialista; médicos de cuidados primários precisam pedir permissão da HMO para encaminhar o paciente. Alguns planos têm “comitês de utilização” (que podem ou não incluir médicos), cujo objetivo é revisar encaminhamentos médicos para ver se são indicados; esses comitês foram desenvolvidos como proteção contra despesas de tratamento de saúde elevadas. A maioria dos médicos reconhece a necessidade de responsabilidade, mas considera os procedimentos incômodos e injustos. Um levantamento nacional de médicos de cuidados primários revelou que 38% acreditavam que sua capacidade de tomar as decisões corretas para seus pacientes tinha diminuído, e 10% relataram haver incentivos financeiros para não encaminhar pacientes a especialistas se tivessem alguma dúvida sobre a necessidade da indicação. Um aspecto perturbador das organizações de revisão é a negação de pagamento que ocorre para alguns tratamentos rotulados de experimentais, mas que, na verdade, são aconselhados por especialistas. Negações de pagamento desse tipo estão aumentando e ameaçam interferir tanto no tratamento médico inovador quanto no tratamento médico tradicional. Outra questão particularmente perturbadora resultante dessas atividades de supervisão é a quebra da confidência nos relacionamentos médico-paciente. Além disso, negações de pagamento, ações judiciais para justificar decisões clínicas e requerimentos para aprovação prévia de procedimentos interferem na tomada de decisão profissional e contribuem para um crescente sentimento de frustração entre médicos em todas as especialidades. A maioria das queixas de pacientes sobre HMOs envolve decisões tomadas por comitês de revisão de utilização de não aprovar certos tratamentos; assim, as HMOs forçam seus asssociados a adiar a terapia ou a pagar por ela com seus próprios recursos, nenhuma das opções sendo satisfatória. Organizações de prestadores preferidos Como as HMOs, as organizações de prestadores preferidos (PPOs; Preferred Provider Organizations) utilizam um sistema de pagamento prospectivo. Uma corporação ou companhia de seguros faz um acordo com determinado grupo de hospitais, médicos e outros profissionais da saúde para fornecer serviços de saúde a membros da PPO a uma taxa previamente determinada. Essas organizações tornaram-se o tipo mais comum de atendimento gerenciado, representando 38% do mercado em 2000.
QUALIDADE DO ATENDIMENTO A qualidade do atendimento pode ser definida de várias formas, variando de satisfação do paciente com o tratamento de saúde à taxa de morte associada a determinado procedimento, tal como uma ponte de derivação coronariana. Existe hoje uma base de dados para regis-
trar o desempenho de médicos individuais, mas estes estão preocupados com que os dados sejam falhos porque a gravidade da doença, outra doença concomitante ou casos mistos podem não ser levados em consideração. É injusto tentar classificar a competência de um psiquiatra com base no número de tentativas de suicídio em sua prática caso seus atendimentos centrem-se principalmente em pacientes com transtornos do humor graves, e os de um outro atenham-se a pessoas com transtornos de ansiedade. De maneira similar, classificar cirurgiões cardiovasculares com base na taxa de mortalidade de seus pacientes sem considerar a gravidade da condição e as doenças coexistentes é ilusório. Um resultado da liberação desses dados ao público é que alguns cirurgiões cardiovasculares têm se recusado a operar pacientes considerados de alto risco devido à chance de afetar adversamente sua reputação. No momento, não existem técnicas válidas, confiáveis ou úteis para avaliar a qualidade do atendimento. Alguns hospitais estão sendo classificados pelo número de procedimentos realizados, para assegurar aos pacientes que possuem experiência em realizar certas operações. A American Psychiatric Association (APA) tentou resumir diretrizes para o tratamento de transtornos psiquiátricos, mas teve o cuidado de salientar que suas orientações não são “oficiais” e não pretende que as mesmas sejam seguidas de forma inconteste. Assim, os psiquiatras têm a liberdade de individualizar planos de tratamento. Quando se desviam de diretrizes publicadas, entretanto, devem documentar suas razões para o método de tratamento alternativo. Agindo assim, podem justificar e manter sua autonomia. Em um estudo de 2001, realizado pela Harvard School of Public Health e pela Kaiser Family Foundation, sobre pacientes associados a planos de saúde privados, cerca de 50% deles expressaram algum tipo de problema com seu plano de saúde durante o ano anterior. Os mais comuns envolviam negação de cobertura ou tratamento ou demoras nas consultas. Organizações de atendimento gerenciado em geral restringem pagamentos a especialistas a menos que o tratamento seja aprovado antecipadamente por um médico de cuidados primários designado. Essa prática contribui para a insatisfação do paciente, porque não lhe é permitido procurar um especialista de sua própria escolha. Em uma tentativa de lidar com os desejos de ter a livre escolha de médicos, a maioria escolhe o tipo de método de pagamento (p. ex., PPO, HMO, tradicional) no momento do serviço. Esses planos oferecem um ponto de serviço (POS); os pacientes podem ir a qualquer médico de sua escolha sem encaminhamento. Os planos POS são mais caros para os pacientes e não reembolsam médicos na mesma proporção em que os que fazem parte do sistema HMO. O governo norte-americano, tentando limitar custos do Medicare e Medicaid, está encorajando os beneficiários a associarem-se a planos de atendimento gerenciado; entretanto, é improvável que aqueles com mais de 75 anos e os que estão doentes o façam. Além disso, planos para reduzir reembolsos de HMO do Medicare diminuirão a motivação financeira do atendimento gerenciado a continuar a associar o idoso doente. É comum que pacientes associados a planos HMO tenham muita dificuldade em obter acesso a tratamento, sofram as maiores esperas para consultas e apresentem mais queixas sobre escolha de médico do que aqueles em PPOs; entretanto, seus prêmios tendem a ser os mais baixos. Os planos de PPO oferecem mais escolha e dão aos consumidores a liberdade de consultar especialistas sem um encaminhamento, mas
O
podem causar mais problemas com reembolso e burocracia para pacientes mais doentes. Quanto mais problemas de saúde as pessoas tiverem, menos satisfeitas ficarão com seu tratamento de saúde em geral. Os norte-americanos sem seguro têm problemas mais graves. Atrasos prolongados no tratamento podem custar-lhes tempo valioso no diagnóstico; quando são diagnosticados, em geral em pronto-socorros, há esperas de 3 a 4 meses nas muitas clínicas financiadas pelo governo federal nas quais são atendidos de graça por especialistas. São pessoas cujos empregos podem ser de meio período e não oferecem seguro, ou cujas rendas estão apenas um pouco acima do nível de pobreza para torná-los qualificados para o Medicaid. Para aqueles com doença crônica e sem seguro, os custos de medicação e tratamento podem resultar em falência. Em 2002, 39 milhões de norte-americanos estavam sem seguro-saúde.
TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO Tratamento psiquiátrico é fornecido por uma variedade de organizações de saúde mental, além de médicos particulares. As organizações são formadas por hospitais psiquiátricos, incluindo hospitais psiquiátricos da AV, hospitais mentais estaduais e municipais e hospitais mentais privados; unidades psiquiátricas de hospitais gerais; centros de tratamento residencial para crianças emocionalmente perturbadas; centros de saúde mental da comunidade financiados pelo governo federal; e clínicas ambulatoriais psiquiátricas independentes, nas quais um psiquiatra tem a responsabilidade médica por todos os pacientes no programa. A maioria dos pacientes psiquiátricos é vista em uma dessas organizações; menos de 5% de todos eles são atendidos em consultórios particulares. Há uma média de 600 hospitais psiquiátricos de categoria livre nos Estados Unidos. Estudos recentes indicam que mais de 30 milhões de norteamericanos têm transtornos de ansiedade, e 19 milhões têm um transtorno do humor. Há 2,2 milhões de pacientes com esquizofrenia e 5 milhões com prejuízo cognitivo grave, como doença de Alzheimer. É evidente que as HMOs não podem administrar uma carga de casos tão grande e séria. Tratamento de saúde mental costuma ser fornecido como parte do pacote de benefício de saúde que empregadores dispõem a seus empregados. Além disso, é oferecido como um serviço do Medicare e do Medicaid. Em quase todos os casos, entretanto, os benefícios de saúde mental são revisados pelas chamadas companhias de atendimento de saúde comportamental gerenciado, na tentativa de reduzir os custos de tratamento e fornecer algum tipo de controle de qualidade sobre o serviço. Ao realizarem seu trabalho, entretanto, os programas de atendimento gerenciado interferem na prática da psiquiatria como é hoje conhecida. Muitos programas limitam o número de consultas psicoterápicas a 5 a 20 sessões por ano e, embora alguns tipos de psicoterapia possam ser conduzidos dentro dessa estrutura, outros, como terapias orientadas para o insight ou psicodinâmicas, requerem visitas freqüentes por um período prolongado. Além disso, os pacientes devem ser encaminhados a um psiquiatra por seu médico de cuidados primários, que é encorajado a tentar tratar os problemas antes de fazer um encaminhamento. Durante esse período, farmacoterapia mais do que psicoterapia tem maior probabili-
SISTEMA DE SAÚDE EM PSIQUIATRIA E MEDICINA
1487
dade de ser prescrita, e grande parte dos médicos de cuidados primários não tem nem o treinamento nem o tempo para fornecer terapia. Quando o encaminhamento a um psiquiatra é feito, este profissional deve fornecer um relatório inicial à companhia de atendimento gerenciado sobre a condição do paciente e submeter relatórios periódicos daí em diante, um processo que viola um princípio básico ao sucesso da psicoterapia, a confidência. Por fim, companhias de atendimento gerenciado encorajam médicos de cuidados primários a encaminharem pacientes a nãopsiquiatras, tais como psicólogos e assistentes sociais, para psicoterapia, porque estes aceitam honorários mais baixos do que os psiquiatras. Psiquiatras são usados principalmente para prescrever medicamentos ou para tratar pacientes que requerem hospitalização. As companhias de atendimento de saúde comportamental gerenciado recebem uma remuneração anual predeterminada ou, com mais freqüência, uma porcentagem da quantidade de dinheiro recolhido como pagamento por seus serviços, práticas que levaram a acusações de conflito de interesse. Em 2001, a legislatura e o governador do estado do Novo México estenderam os privilégios de primeira prescrição nos Estados Unidos a psicólogos. Essa decisão baseou-se, segundo eles, em argumentos de que há poucos psiquiatras para colocar nas áreas rurais de seu estado; assim, estão tentando suprir uma demanda. Entretanto, psicólogos não têm mais probabilidade do que psiquiatras de se estabelecerem em áreas rurais, e ainda requerem a supervisão de um médico para prescrever de acordo com as novas regras. Sob o sistema de capitalização, os psicólogos recebem menos por seus serviços do que os psiquiatras, o que torna seus serviços ainda mais atrativos em tempos de grave contenção de custos se os mesmos também puderem prescrever medicamentos. Projetos de lei semelhantes foram propostos em outros 13 estados, todos rejeitados; a American Medical Association (AMA) e a APA argumentaram com sucesso contra permitir que pessoas sem formação em medicina administrem medicamentos potencialmente perigosos ou fatais.
Revisão de direitos Quando benefícios psiquiátricos (ou outros benefícios médicos) são negados ou cortados, uma revisão judicial de direitos pode ser iniciada por um paciente ou médico. O primeiro nível de revisão consiste de um exame documental para determinar se a documentação mostra as informações administrativas necessárias e se o reclamante é coberto pelo tratamento prescrito. Não há determinação da adequação do atendimento dado. O segundo nível de revisão costuma ser feito por pessoal treinado, em geral enfermeiros. Aqui o revisor de direitos compara o tratamento oferecido com critérios de tratamento previamente estabelecidos considerados adequados para a condição. O revisor do segundo nível pode aprovar o pagamento reivindicado. Se o mesmo tiver dúvidas ou se o tratamento for considerado inadequado de acordo com os critérios, a reclamação é revista por um grupo de terceiro nível ou por um comitê de revisão formado por seus pares. Nesse caso, é feita uma avaliação profissional relativa à adequação do tratamento fornecido. O comitê de revisão (p. ex., um ou mais psiquiatras) revisa cada reclamação e pode aprovar ou desaprovar. Existem níveis de apelação para o profissio-
1488
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
nal que está insatisfeito com a determinação do comitê. O processo de apelação vai para um comitê especial da sociedade médica municipal ou estadual. Igualdade de serviços de saúde mental A maioria dos benefícios de saúde do empregado estabelece limites máximos de pagamento anual ou vitalício para doença mental abaixo daqueles para doença física. Em 1996, o Congresso dos Estados Unidos aprovou um projeto de lei (apresentado pelos senadores Peter Domenici e Paul Wellstone) que propunha igualdade ou paridade total para benefícios por doença mental e física. Restam algumas disparidades; nem todos os transtornos mentais são incluídos, e abuso de substâncias e alcoolismo são excluídos do requisito de igualdade de doença mental. Esse projeto também proíbe planos de saúde de impor limites financeiros permanentes sobre benefícios de saúde mental que sejam mais baixos do que sobre benefícios de saúde física. Ele foi novamente colocado em votação para ampliar os benefícios, mas, apesar de um relatório da OMS focalizando-se na morbidade mundial da saúde mental em 2001, não foi aprovado em todo o país, e os limites de benefícios de saúde mental continuam a ser mais baixos do que para outros tipos de doenças. A maioria dos estados aprovou alguma forma de legislação de igualdade limitada. Lei da mordaça Os planos de atendimento gerenciado proíbem os médicos associados de aconselhar pacientes sobre tratamentos não cobertos pela HMO, tais como procedimentos especializados ou experimentais; também são proibidos de encaminhar pacientes a especialistas em certas doenças raras, mas que não sejam membros de uma HMO. Essas e outras proibições (incluindo criticar HMOs) são conhecidas como a lei da mordaça. Muitos estados norte-americanos aprovaram leis proibindo essas práticas em contratos entre HMOs e médicos, e a questão está atualmente sob a revisão legislativa do Congresso. Diversas HMOs importantes eliminaram cláusulas de mordaça como resultado de pressão do público e dos profissionais. A AMA iniciou um esforço importante para conseguir a eliminação bipartidária dessas cláusulas dos planos de saúde. De acordo com a instituição, há intenso lobismo por parte da indústria do seguro contra a implementação de legislação de cláusula de mordaça.
Em uma tentativa de recuperar o controle do processo de decisão médica, alguns estados proíbem não-médicos de tomar decisões clínicas. O Conselho de Examinadores Médicos do Estado do Texas adotou uma declaração de posição (5 de outubro de 1996) sobre o que constitui a prática da medicina nesse estado. De acordo com a declaração, “a determinação de adequação à necessidade médica do atendimento proposto de modo a realizar o diagnóstico ou o tratamento de um paciente é a prática da medicina”. O conselho advertiu que indivíduos ou entidades que fazem determinações de necessidade médica ou adequação que não tenham uma licença médica do Texas podem ser submetidos a investigação, instauração de processo criminal, ação de injunção e, possivelmente, punições monetárias. Ao concluir sua de-
claração, o conselho advertiu ainda: “Para evitar uma violação da lei relativa à prática sem licença, revisores, seguradores, diretores médicos e administradores de atendimento gerenciado precisam estar conscientes ao permitirem que um médico exerça julgamento clínico independente na maior proporção possível”. É lamentável que 41% dos médicos entrevistados pelo Commonwealth Fund relataram ter tido menos tempo para passar com pacientes individuais nos três anos anteriores, e 35% estavam “infelizes” com a prática da medicina em geral. Muitos referiram gastar mais tempo informando-se sobre as regras de utilização e diretrizes de atendimento gerenciado do que com colegas e literatura médica. Alguns especialistas acreditam que o futuro do atendimento gerenciado é desanimador a longo prazo. Empresas de atendimento gerenciado carecem de uma consciência social, na medida em que não contribuem para ensino, pesquisa ou atendimento do pobre. Conforme a regulação de políticas e práticas de atendimento gerenciado aumenta para assegurar o bem-estar social, os objetivos lucrativos de companhias de atendimento gerenciado e grandes negócios tornam-se mais difíceis de serem alcançados. Se quiserem ter uma presença forte no futuro, conforme Jerome P. Kassner salientou no New England Journal of Medicine (8 de abril de 1997), “os planos de atendimento gerenciado terão que mostrar que se tornaram cidadãos melhores: que se preocupam com mais do que apenas lucros, que não economizam no atendimento, que apóiam sua parcela de ensino, pesquisa e atendimento do pobre, que não amordaçam mais os médicos e que oferecem alguma coisa especial (incluindo controle de custos) em troca do atendimento gerenciado”. TENDÊNCIAS FUTURAS Um novo conceito de serviços médicos, como o conduzido pelo mercado, surgiu. Este domina agora a indústria do tratamento de saúde e assim será durante um futuro próximo. Paradoxalmente, o papel do governo deve intensificar-se, já que uma legislação é necessária para regular essa nova indústria, cuja preocupação é o custo da saúde. Há cada vez mais conflito entre medicina, especializada na qualidade da saúde, e indústria, especializada em negócios e lucros. É uma lástima o desenvolvimento de uma atmosfera de antagonismo e litígio. Médicos estão processando HMOs para obter autonomia, entre outras questões; HMOs estão processando médicos por alegadas quebras de contrato; pacientes estão processando HMOs por negação de pagamento para si ou para seus médicos; e vários órgãos federais estão investigando médicos, hospitais e pacientes por supostas infrações de uma variedade de regras e regulamentos complexos. Apenas uma pequena proporção do dinheiro da saúde é destinada para tal propósito; o restante apóia a indústria de tratamento de saúde. Os Estados Unidos estão longe de conseguir fornecer tratamento médico para todos os cidadãos, mencionado como um sistema ideal na abertura deste capítulo. Em última análise, o Congresso norte-americano se tornará o árbitro entre os consumidores de tratamento de saúde (pacientes), os prestadores de serviços (médicos e outros profissionais da saúde) e os pagadores (companhias de seguros, HMOs e governo federal).
O
REFERÊNCIAS Embry RA, Buddenhagen P, Bolles S. Managed care and child welfare: challengers to implementation. Child Youth Serv Rev. 2000;22:93. Galanter M, Keller DS, Dermatis H, Egelko S. The impact of managed care on substance abuse treatment: a report of the American Society of Addiction Medicine. J Addict Dis. 2000;19:13. Gonzales ML, ed. Socioeconomic Characteristics of Medical Practice, 1995. Chicago: American Medical Association; 1995. Himmelstein DU, Woolhandler S. A national health program for the United States: a physician’s proposal. N Engl J Med. 1989;320:102. Kassirer JD. Is managed care here to stay? N Engl J Med. 1997;336:1013.
SISTEMA DE SAÚDE EM PSIQUIATRIA E MEDICINA
1489
McCormick D, Himmelstein DU, Woolhandler S, et al. Relationship between low quality-of-care scores and HMOs’ subsequent disclosure of qualily-of-care scores. JAMA. 2002;12:1484. National Center for Health Statistics. Health, United States, 1995. Hyattsville, MD: Public Health Services; 1995. Rice AH. Interdisciplinary collaboration in health care: education, practice and research. Natl Acad Pract Forum. 2000;2:59. Rosenberg S. Health maintenance organization penetration and general hospital psychiatric services: expenditure and utilization trends. Prof Psychol Res Pract. 1996;27:345. Vaccaro JV. Managed cure. In: Sadock BJ, Sadock VA, eds. Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Vol 2. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000:3136. Weissman E, Pettigrew K, Sotsky S, Regier DA. The cost of access to mental health services in managed care. Psychiatry Serv. 2000;51:664.
Índice Números de páginas seguidos por t e f indicam tabelas e figuras, respectivamente. Números de páginas em negrito indicam discussões importantes.
A AA. 420, 434 AAMR, 1238 Abandono, relativo a ética, 1467t-1468t Aberrações cromossômicas, e retardo mental, 1242 Aborto espontâneo, 931 induzido, 931-932 na adolescência, 56-57 por meninas adolescentes, 56-57 técnicas, 933t Abraham, Karl, 245, 837 sobre depressão, 579-580 sobre luto, 83 Ab-reação, 222, 736 definição, 311 na psicoterapia de grupo, 998t Absorção, de drogas psicoterapêuticas, 1037 Abstinência de opióides neonatal, 490 Abstinência de substâncias, 413t. Ver também substâncias específicas critérios diagnósticos para, 413, 414t, 425t definição, 1374 delirium, 413t, 425t manifestações de emergência, 865t tratamento de emergência, 971t Abstração seletiva, 1019f Abulia definição, 312 farmacoterapia para, 1192-1193 Abuso da esposa, 947-948 carta de referência do médico, 949t Abuso de substâncias. Ver também transtorno(s) relacionado(s) a substâncias; substâncias específicas definição, 1374 diagnóstico diferencial, 614, 719-720, 1319-1320 durante a gravidez, 40 e transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, 1308-1309 e transtorno explosivo intermitente, 835 entre adolescentes, 1373-1376 abuso de múltiplas substâncias, 1374 características clínicas de, 1374-1375 classificação do DSM-IV-TR, 1374 diagnóstico, 1374-1375 e co-morbidade, 1374 epidemiologia, 1373-1374 etiologia, 1374 farmacoterapia para, 1375 fatores genéticos no, 1374 fatores psicossociais no, 1374 tratamento, 1375-1376 epidemiologia, 414-418 na esquizofrenia, 512 no idoso, 1417
tendências atuais, 417-418 Abuso do cônjuge, 947-948 carta de referência do médico, 949t Abuso do idoso, 936, 1418, 1419t Abuso e negligência da criança, 940-948 características clínicas, 941-945 confidência e, 1448 curso, 946 diagnóstico diferencial, 945-946 diagnóstico, 941-945 e apego, 167 e comportamento anti-social da infância/adolescência, 1379 e transtorno da conduta, 1317 epidemiologia, 940 etiologia, 940-941 exames laboratoriais para, 945, 945f físicos, 941-942, 942f manifestações de emergência, 966t patologia, 945 prevenção, 946-948 prognóstico, 946 relato de, 946 sexuais, 942-944, 943t tratamento da criança, 946-948 tratamento de emergência, 966t tratamento dos pais, 946 Abuso físico de adultos, 947-948. Ver também Abuso do idoso de crianças, 941-942, 942f. Ver também Abuso e negligência da criança do cônjuge, 947-948, 949t Abuso sexual de adultos, 947-950 de crianças, 942-944, 943t manifestações de emergência, 968t medicina psiquiátrica de emergência, 963-964, 968t memórias recuperadas de, 1459 Abuso da criança. Ver Abuso e negligência da criança de substâncias. Ver Abuso de substâncias do cônjuge, 176, 947-948, 949t do idoso, 936, 1418, 1419t e vínculo, 167 físico, de adultos, 947-948 problemas relacionados a, 940-951, 941t classificação, segundo o DSM-IV-TR, 940 sexual.Ver Abuso sexual Acalculia, definição, 318. Ver também transtorno da matemática Acamprosate, em transtornos por uso de álcool, 421, 444-446 Acatexia, definição, 311 Acatisia aguda induzida por medicamentos, 1061t Acatisia aguda induzida por neurolépticos, 1057-1058, 1079-1080 antagonistas dos receptores de dopamina e, 1126-1127 antagonistas dos receptores β-adrenérgicos para, 1073 anticolinérgicos para, 1079-1080
ÍNDICE
anti-histamínicos para, 1079-1080 critérios de pesquisa para, 1058t tratamento, 1058 Acatisia, 534. Ver também transtornos do movimento induzidos por medicação; Acatisia aguda induzida por neurolépticos anticolinérgicos para, 1077 definição, 312 e drogas psicoterapêuticas, 1044 farmacoterapia para, 1077, 1091 manifestações de emergência, 966t tratamento de emergência, 966t Acebutolol, 1063t, 1073t. Ver também Antagonista(s) dos receptores β-adrenérgicos ações farmacológicas, 1073 química do, 1072f Aceitação na psicoterapia de grupo, 998t no paciente à morte, 79 Acetaldeído, 431 Acetaminofen dados de nível sangüíneo para avaliação clínica, 299t para tratamento da dor, 1438t Acetato de levometadil, para vício em heroína, 421 Acetazolamida, e lítio, 1141t Acetilcolina, 126-128 ciclo de vida, 126 e drogas, 126-127 e psicopatologia, 127 e sono, 809 função de neurotransmissores, 110-111t, 112f, 114t metabolismo, 126 na doença de Alzheimer, 363 receptores, 114t síntese de, 126 Acetilcolinesterase, 114, 126 Acetofenazina, 1063t estrutura, 1120f preparações, 1132t Achados neurológicos localizadores, 532 na esquizofrenia, 532 não-localizadores, 532 Acidemia metilmalônica, 1245t Acidente vascular cerebral (AVC) e depressão, 129 neuroimagem e, 129 Acidente(s), 182-184 motivações em, 183-184 considerações psicopatológicas com, 183 Ácido 5-hidroxiindoleacético (5-HIAA), 118f, 123 testagem para, 302t Ácido acético, 431 Ácido acetilsalisílico, dados de nível sangüíneo para avaliação clínica, 299t Ácido ascórbico, indicações para, 494 Ácido desoxirribonucléico (DNA), 125, 146 análises de microensaio, 148 definição, 146 estrutura química da molécula de DNA, 147f seqüência, 150 Ácido etacrínico, e lítio, 1141t Ácido etilenediaminetetracético (EDTA), 908 Ácido homovanílico, 121 em transtornos por uso de álcool, 429 na esquizofrenia, 514 Ácido ribonucléico (RNA), 125, 146 Ácido ribonucléico, mensageiro (RNAm), 125, 146 transcrição, 146 Ácido úrico, efeitos do álcool sobre, 433 Ácido valpróico, 1066t, 1206 com bupropiona, 1097 com carbamazepina, 1105 indicações para, 392 interações medicamentosas, 1097, 1130t intoxicação/superdosagem, 1051t para labilidade afetiva e impulsividade, 388
1491
para transtorno bipolar I, 608-609 para usuários de cocaína, 469 química de, 1206, 1207f Ácido vanililmandélico (VMA), 294 Ácido γ-aminobutírico (GABA). Ver GABA Acinesia, definição de, 311 Ackerman, Nathan, sobre objetivos da terapia de casais (conjugal), 1007 ACL, 208t Aconselhamento pastoral, 958 Aconselhamento/terapia matrimonial, 63. Ver também terapia de casais (conjugal) Acrofobia, definição, 314-315 Acromatopsia central, 89 Acromegalia, 288 ACT, 538 ACTH. Ver Hormônio adrenocorticotrópico (corticotropina) (ACTH) Actus reus, 1456 Aculalia, definição, 316 Acupressão, 907 Acupuntura, 907, 1221 ADAD, 1375 Adalat.Ver Nifedipina Adam (droga). Ver Metilenedioxianfetamina Adapin. Ver Doxepin Adderall, 1189. Ver também Simpatomiméticos (e drogas relacionadas) com dextroanfetamina, para transtorno de déficit de atenção/ hiperatividade, 1308-1309, 1308t-1309t ação farmacológica, 1190 Adenil ciclase, 115 Adenina, 146 Adesão, 24-27 definição, 24 estratégias para melhorar, 25-27 fatores que afetam, 25-26 Adesivos de nicotina, 482 ADH, 431 Adiadococinesia, definição, 317 Adinamia, definição, 311 Adiposidade de Buffalo, 802 Adler, Alfred, 245-246, 246f Adoção, 50-51, 63-64 disponibilidade, 64 informando crianças de, 50-51 pais biológicos na, 50-51 preocupações dos pais na, 63 Adolescência, 52-59 abortos durante, 56-57 alterações hormonais na, 53 alterações neurológicas na, 54 asceticismo na, 53-54, 236t desenvolvimento cognitivo na, 54 desenvolvimento da personalidade na, 54 desenvolvimento moral na, 55 desenvolvimento psicossexual na, 53-54 e problemas de identidade, 1380-1381 escolha profissional na, 55 final da, 52, 58 gravidez na, 56-57, 58t grupos de iguais na, 54-55 início, 53 intermediária, 52 negativismo na, 54 normalidade na, 33 piromania na, 839-840 precoce, 52 problemas legais, 58t prostituição na, 56-57 tardia, 52 transtornos da, 1342-1358 transtornos do humor durante a, 1359-1364 violência na, 56-58 Adolescente(s) à beira da morte, 80 atitudes em relação à morte, 80 com dependência de opióides, 485-486
1492
ÍNDICE
comportamento de risco em, 55 confusão de identidade em, 243 depressão em, características clínicas, 590-591 difusão de identidade em, 54 difusão de papel em, 241-242, 243 e abuso de substâncias, 1373-1376 e suicídio, 50-51, 1364-1367, 1403-1404 e transtornos relacionados a substâncias, 1403-1404 em tratamento residencial, 1390-1391 entrevistas clínicas com, 1228-1229 hospital-dia com 1391-1393, 1402 lítio e, 1140 mania em, 591, 1362 pais de, 55 pensamento abstrato em, 162, 163 pensamento hipotético-dedutivo em, 162 problemas clínicos em, 1402-1404 psicoterapia de grupo com 1388-1389, 1402 psicoterapia individual com, 1382-1387, 1400-1401 teorias e técnicas de, 1382-1383 teorias psicanalíticas em, 1382-1383 raciocínio dedutivo em, 162 tarefas do desenvolvimento de, 243, 257-258 descrição normativa de, 33 terapias biológicas para, 1393-1399 testes de inteligência para, 1236 transtorno de estresse pós-traumático em, 668-670 transtorno depressivo maior em, 1362 transtornos de identidade de gênero em, 780 transtornos mentais em, 55 tratamento hospitalar com, 1402 tratamento hospitalar de, 1393 tratamento psiquiátrico de, 1382-1404, 1399-1404 tumulto, 54, 163, 192-193 uso de alucinógenos, 471 uso de drogas, 55-57 uso de esteróide anabólico (androgênico), 501-502 uso de inalantes, 474-475, 477 Adrenalina, 121-123 ciclo de vida, 122 função de neurotransmissores, 112f, 114f interações medicamentosas, 1130-1131, 1130t receptores, 114t síntese, 122 testagem laboratorial para, 294 Adrenoleucodistrofia, 1243 Adultério, 68 Adulto(s) abuso físico de, 947-948 abuso sexual de, 947-950 avaliação neuropsicológica de, 213-218 e transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, 1311 na psicoterapia, diferenças de crianças, 1384-1385 transtornos da identidade de gênero em, 780-782 Afasia(s), 98, 101, 217, 962, 963t adquirida(s), com convulsão, diagnóstico diferencial de, 1294 anômica, 99t de Broca, 99t, 101, 1410 de condução, 99t de jargão, definição, 316 de Wernicke, 99t, 101, 1410 diagnóstico diferencial, 1277 e transtornos fonológicos, 1283t em pacientes idosos, 1410 fluente, 1410 global, 99t definição, 316 localização de síndromes, 98, 99t motora, definição, 316 na esquizofrenia, 532 não-fluente, 102-103, 1410 nominal, definição, 316 sensorial, definição, 316 sintático, definição da, 316 tipos de, 99t
transcortical mista, 99t motora, 99t sensorial, 99t Afastamento, em crianças separadas das mães, 167 Afeto adequado definição, 310 no exame do estado mental, 268-269 avaliação do, na avaliação psiquiátrica da criança, 1233 definição, 268, 310 em pacientes idosos, 1410 embotado, definição, 268, 310 inadequado, definição, 310 instabilidade, no transtorno autista, 1292 lábil, definição, 310 no exame do estado mental, 268 no transtorno delirante, 551-552 plano, definição, 268, 310 restrito, definição, 310 retraído, definição, 268, 310 Afirmação, na psicoterapia, definição, 986t-987t Afonia, 285-286 Afrodisíacos, 763 Afrouxamento de associações, definição, 313 Agências de sistemas de saúde (HSAs), 1483-1484 Agente(s) antiandrógeno(s), em criminosos sexuais agressivos, 182 Agentes antiansiedade. Ver Ansiolítico(s) Agentes antimaníacos, para o idoso, 1421-1422, 1421t-1422t Agentes bloqueadores musculares, e lítio, 1141t Agentes serotonérgicos. Ver também agentes específicos para transtorno de ansiedade generalizada, 678 AGF, 321, 321t, 327 AGFR, 327, 336t-337t Agitação psicomotora, definição, 312 Agitação psicótica, farmacoterapia para, 1091 Agitação, 124. Ver também transtorno explosivo intermitente acupuntura para, 1221 benzodiazepínicos para, 1087 definição, 311 e drogas psicoterapêuticas, 1044 farmacoterapia para, 1123 na demência, tratamento farmacológico de, 1424 Agnosia de som auditiva, 90 Agnosia para cor, 89 Agnosia tátil, 86 Agnosia visual aperceptiva, 89 Agnosia visual associativa, 89 Agnosia definição, 317 em pacientes idosos, 1410 visual, definição, 317 Agonista(s) dos receptores α-adrenérgicos, 123 Agonistas de dopamina, para transtorno do movimento estereotipado, 1356 Agonistas dopaminérgicos, para usuários de cocaína, 469 Agonistas dos receptores de opióides, 1155-1160 ações farmacológicas de, 1156 buprenorfina. Ver Buprenorfina dosagem, 1158-1160 indicações, 1156-1157 interações medicamentosas, 1158-1159 interferências laboratoriais, 1158-1159 levometadil. Ver Levometadil metadona. Ver Metadona nalmefeno. Ver Nalmefeno naltrexona. Ver Naltrexona orientações clínicas para, 1158-1160 precauções com, 1157-1159 química, 1156, 1156f reações adversas a, 1157-1159 Agorafobia. Ver também transtorno de pânico, com agorafobia características clínicas, 645 co-morbidade com, 639-640 critérios diagnósticos da CID-10 para, 636t critérios diagnósticos para, 643, 643t
ÍNDICE
curso de, 646 definição, 314-315, 639 diagnóstico, 643 e jogo patológico, 841 e transtornos por uso de álcool, 429 epidemiologia, 639 fatores genéticos na, 640-641 fatores psicossociais, 641 manifestações de emergência, 966t prognóstico para, 646 sem história de transtorno de pânico critérios diagnósticos para, 643, 643t diagnóstico diferencial, 646 sintomas associados, 645 teoria psicanalítica de, 651-652 terapia comportamental para, 1015t tratamento de emergência, 966t tratamento, 646-649 Agrafia, definição, 318 Agranulocitose, 535 com terapia de droga antipsicótica, 296, 297t manifestações de emergência, 966t, 969t tratamento de emergência, 966t, 969t Agressão passiva, em transtornos da personalidade, 855 Agressão sexual. Ver Estupro Agressão, 1454 Agressividade, 175-184. Ver também transtorno explosivo intermitente antagonistas dos receptores β-adrenérgicos para, 1073-1074 buspirona para, 1098 causas, 178-179 ambientais, 178-179 genéticas, 179-181 situacionais, 179 sociais, 178 como comportamento instintivo, 176 como dano neuroanatômico, 179 controle da, 180-182 definição, 312 diferenças de sexo na, 176 e abuso de substâncias, 179 e álcool, 176 e comportamento social aprendido, 176-178 e dor, 179 e drogas, 179 e excitação fisiológica, 179 e excitação sexual, 179 e frustração, 178 e hormônios, 179 e poluição do ar, 178 e provocação direta, 178 e ruído, 178 e superlotação, 179 e transtorno da conduta, 1317-1320 e violência na televisão, 48, 178 em crianças, farmacoterapia para, 1069 entrevistando pacientes agitados/violentos, 279 estudos de gêmeos, 179 estudos de linhagem de, 179 fantasias, versus atos, 175 farmacoterapia para, 182, 388, 1136, 1207 influências cromossômicas sobre, 179-181 intervenção psicofarmacológica para, 183t na demência, tratamento farmacológico de, 1424 na sociobiologia, 190 no retardo mental, intervenção farmacológica para, 1255-1256 prevenção, 178t, 180-182 prognosticadores de, 175-176 sistema límbico e, 104 teoria de Freud sobre, 176, 228 teoria de Lorenz sobre, 176, 184-185 teoria dos impulsos de, 178, 178f teoria dos instintos de, 176, 178t teorias de, 176-179, 178t transtornos do DSM-IV associados a, 175, 176t vítimas de, 182, 183t
1493
AIDS, 403. Ver também Vírus da imunodeficiência humana (HIV), infecção Ailurofobia, definição, 314-315 AIMS, 1059t-1060t, 1127, 1127t AINEs. Ver Drogas antiinflamatórias não-esteróides (AINEs) Ainsworth, Mary, 44, 164-166 Ajustamento conjugal, 62 Ajuste parental, 45 Akineton. Ver Cloridrato de biperideo Akiskal, Hagop, 871 Alanina aminotransferase (ALT) efeitos de álcool sobre, 433 teste para, 300t Albumina, teste para, 300t Alcalóide rauwolfia, estrutura, 1120f Alcalóide, 125 Alcalóides do ergot e bromocriptina, 1116 Álcool deidrogenase (ADH), 431 Álcool etílico, 430. Ver também Álcool Álcool absorção, 431 abstinência, 435-437 alucinações e, 435, 438 antagonistas dos receptores α2-adrenérgicos para, 1068 antagonistas dos receptores β-adrenérgicos para, 1074 buspirona para, 1098 características clínicas, 435 com alterações perceptivas, 435 convulsões, 436, 436t critérios diagnósticos para, 425t, 433, 434t diagnóstico, 435 farmacoterapia para, 1068, 1074, 1091, 1103, 1207 grave, 443 imagem cerebral na, 435, 436f leve ou moderada, 443 manifestações de emergência de, 437, 967t transtorno do humor e, 383t tratamento de emergência, 967t tratamento, 436-437, 436t abuso/dependência, 427, 433-435 acupuntura para, 1221 características clínicas, 433-434 delta, 434-435 diagnóstico diferencial, 614 diagnóstico, 433-434 e esquizofrenia, 512 e suicídio, 976 farmacoterapia para, 1113-1114, 1137-1138 gama, 434 no idoso, 1417 subtipos de, 434-435 terapia comportamental para, 1015t tipo A, 434 tipo B, 434 tipo I, limitado a homens, 435 tipo II, limitado a homens, 435 transtorno do humor e, 383t, 591 alucinose, 436f bioquímica de, 431 características, 430 com hidrato de cloral, 1107 e agressividade, 176 e dissulfiram, efeitos adversos de, 1114 e lítio, 1141t e mirtazapina, 1144 efeitos, 430-433 comportamentais, 431, 432t em testes laboratoriais, 433 fisiológicos, 430-433 mapas de prejuízo, 432t sobre o cérebro, 431 sobre o fígado, 431 sobre o sistema cardiovascular, 432 sobre o sistema gastrintestinal, 432 sobre o sono, 431 interações medicamentosas, 433, 498, 499, 1070-1071, 1086, 1087, 1093
1494
ÍNDICE
intoxicação, 435 aguda, critérios diagnósticos para, 422t características clínicas, 435 critérios diagnósticos para, 433, 434t diagnóstico, 435 idiossincrásico, 440-441 manifestações de emergência, 967t tratamento de emergência, 967t tratamento, 440-441 manifestações de emergência, 967t patológica, critérios diagnósticos para, 422t tratamento de emergência, 967t tratamento de, 435, 436t metabolismo, 431, 571 diferenças de sexo na, 431 diferenças étnicas na, 431 na análise urinária, 299t síndrome alcoólica fetal, 40, 40f, 442-443, 1245-1246, 1249f tolerância, 431 uso complicações médicas do, 442, 442t complicações neurológicas de, 442, 442t distribuição por sexo, 428 e etnia, 428 e raça, 428 e região geográfica, 428 e situação educacional, 428 e urbanidade, 428 entre adolescentes, 1373 padrões de, 428t prevalência, 428 Alcoólicos Anônimos (AA), 420, 434 Alcoolismo, 427. Ver também Bebedor(es) afeto negativo, 435 anti-social, 435 e delírios de ciúme, 553 evolutivamente cumulativo, 435 evolutivamente limitado, 435 Aldeído deidrogenase, 431 Aldolase, teste para, 300t Aldomet.Ver Metildopa Aleatoriedade, definição, 203 Alergias a alimentos, 910 Alexander, Franz, 246, 246f, 907, 988 e psicoterapia breve, 989-990 Alexia. Ver também transtorno da leitura definição, 318 Alexitimia, definição, 310 α-fetoproteína, triagem, 39 Algofobia, definição, 314-315 Aliança Nacional para o Doente Mental (National Alliance for the Mentally Ill; NAMI), 538 Aliança terapêutica, na psicanálise, 985 Alimentação, sistema límbico e, 104 Allport, Gordon, 246 Alogia, definição, 316 Alopatia, definição, 906 Alopecia areata, 844f Alprazolam, 298, 1063t. Ver também Benzodiazepínico(s) dosagem geriátrica, 1424t dosagem, 1090t efeitos adversos, 1044t estrutura, 1088f farmacocinética, 1087 indicações, 537, 1089 interações medicamentosas, 410, 1150 induzidas por CYP, 1038 meia-vida, 1090t para transtorno de ansiedade de separação, 1346-1347 precauções com, 1092-1093 reações adversas a, 1092-1093 Alprostadil, para disfunção sexual, 763, 1043 ALT. Ver Alanina aminotransferase (ALT) Alter ego, 251
Alteração da personalidade características clínicas de, 873 com uso de esteróide anabolizante, 503, 873 curso, 873 devido a uma condição médica geral, 382, 388t, 872-873 diagnóstico diferencial, 873 diagnóstico, 873 em pacientes com AIDS, 873, 873t etiologia, 873, 873t na demência, 367 por uso de cocaína, 465 prognóstico, 873 tratamento, 873 Alterações do humor perimenstruais, 287 Alterações no horário de sono-vigília, 812 na CID-10, 817t Alterações perceptivas. Ver também flashbacks associadas a fenômenos de conversão e dissociativos, definição, 317 associadas a transtorno cognitivo e condição médica, definição, 317 definição, 316 induzidas por substância. Ver substâncias específicas na abstinência de álcool, 435 na esquizofrenia, 528-529 na mania, 594 no exame do estado mental, 269 no paciente idoso, 1410 no transtorno delirante, 551-552 relacionadas a alucinógenos. Ver transtorno(s) relacionado(s) a alucinógenos; transtorno perceptivo persistente (flashback) Alternativa menos restritiva, 1451-1453 Altruísmo, 236t na psicoterapia de grupo, 998t na sociobiologia, 190 Alucinação(ões) aptica, definição, 316 auditiva, definição, 316 cenestésica, definição, 316 cenestética, na esquizofrenia, 529 ciclo de sono-vigília e, 158 com abstinência de álcool, 435, 438 de comando, definição, 316 de humor congruente, definição, 316 de humor incongruente, definição, 316 definição de, 316 em transtornos psicóticos induzidos por substâncias, 566 evocando experiência de, no exame do estado mental, 269 gustativa, definição, 316 hipnagógica, 269 definição, 316 hipnopômpica, 269 definição, 316 induzida por opióides, 1437 liliputiana, definição, 316 na demência, 367-368 na esquizofrenia, 104, 507-508, 528-529 com início na infância, 1369 significado simbólico, 520 na intoxicação de cocaína, 467 na psicose autoscópica, 563 no paciente idoso, 1410 nos transtornos por uso de alucinógenos, 473 olfativa, definição, 316 somática, definição, 316 tátil, definição, 316 transtorno psicótico de alucinógenos com manifestações de emergência de, 968t tratamento de emergência, 968t visual, definição, 316 Alucinações auditivas, com esquizofrenia de início na infância, 1369 Alucinações hipnagógicas, 269 definição, 316 Alucinações hipnopômpicas, 269 definição, 316 Alucinações visuais, com esquizofrenia com início na infância, 1369
ÍNDICE
Alucinógeno(s), 469-470, 470t abuso, 472, 496-497 delirium de intoxicação, 472 diagnóstico, 472 dependência, 472 psicológica, 472 e alucinações, 473 efeitos, 473 intoxicação, 472 aguda, critérios diagnósticos para, 423t-424t critérios diagnósticos para, 471, 471t, 472 tratamento, 472, 473-474 neurofarmacologia, 471 tolerância, 471 uso, 470-471 distribuição por sexo, 470 e idade, 471 e raça, 470 e regiões geográficas, 470 morbidade no, 470-471 mortalidade no, 470-471 prevalência, 470-471 tendências no, 470-471 Alucinose, 436t definição, 316 Alurato. Ver Aprobarbital Amamentação. Ver Lactação Amantadina, 1063t, 1075-1076 ações farmacológicas, 1075 dosagem, 1076 efeitos adversos, 1076 efeitos sobre órgãos e sistemas específicos, 1075 estrutura, 1075f indicações para, 1075-1076 interações medicamentosas, 1076, 1097 intoxicação/superdosagem, 1047t orientações clínicas para, 1076 para disfunção sexual, 1043-1044 para transtorno autista, 1296 para transtornos extrapiramidais, 1127t para usuários de cocaína, 469 precauções com, 1076 química, 1075, 1075f Ambien. Ver Zolpiden Ambiente de contenção, 257-258 Ambientes livres de fumo, 483 Ambivalência definição, 311 no transtorno obsessivo-compulsivo, 660 Amenorréia, 287 American Association for Mental Retardation (AAMR), 1238 American Board of Psychiatry and Neurology, 276 American Dance therapy Association, 909 American Herbal Association, 911 American Psychiatric Association, (APA) sobre confidência na psiquiatria infantil, 1405 Diretrizes para Avaliação Psiquiátrica de Adultos, 20t American School of Naturophaty, 920 American School of Osteophaty, 920 Amígdala, 98, 102-104 na formação da memória, 99 Amilase, sérica, teste para, 301t Amilorida, e lítio, 1141t Amimia, definição, 311 Amina(s) biogênica(s) e transtornos do humor, 123, 125 função dos neurotransmissores, 108, 112f, 114t, 118-125 no transtorno depressivo maior, 574-575, 574t, 575t receptores, 114t sistemas neuromoduladores, 117, 119f Aminoácido(s), 146, 1222. Ver também Suplementos dietéticos função de neurotransmissores, 108, 112f, 117-118, 126-128 na esquizofrenia, 514 Aminocetonas, efeitos adversos de, 1044t Aminofilina, dados de nível sangüíneo para avaliação clínica, 299t
1495
Amital. Ver Amobarbital Amitriptilina, 1063t. Ver também Drogas tricíclicas (antidepressivos tricíclicos) dados de nível sangüíneo para avaliação clínica, 299t dosagem e administração, 607t efeitos adversos, 606t, 1044t, 1201t efeitos de neurotransmissores, 1200t estrutura, 1199f informação clínica, 1204t-1205t interações medicamentosas, 1209 mecanismos de ação, 606t níveis plasmáticos, monitoração, 296 para anorexia nervosa, 794 para tratamento da dor, 1438t preparações de, 1204t-1205t Amlodipina, 1063t, 1100t dosagem e administração, 1101 Amnésia dissociativa, 722, 722-725 características clínicas, 723 critérios diagnósticos da CID-10, 737t critérios diagnósticos para, 723, 723t curso, 725 diagnóstico diferencial, 723-724, 724t diagnóstico, 723 perguntas usadas para revelar sintomas no, 723, 724t epidemiologia, 722 etiologia, 722-723 prognóstico, 725 tratamento, 725 Amnésia. Ver também Amnésia dissociativa anterógrada, definição, 317 causas médicas de, 101 definição, 317 e benzodiazepínico(s), 376, 499 generalizada, na amnésia dissociativa, 723 global transitória, 380, 381f diagnóstico diferencial, 724 localizada, na amnésia dissociativa, 723 retrógrada, definição de, 317 seletiva, na amnésia dissociativa, 723 sistematizada, na amnésia dissociativa, 723 Amniocentese, 39-40, 40 Amobarbital, 495, 1063t.Ver também Entrevista de amital (amobarbital); Barbitúrico(s) dosagem, 1085t estrutura, 1082f indicações para, 1082 Amok, 568t, 836 Amônia, sérica, teste para, 300t Amor, 747 materno, 246-247 produtivo, 248-249 Amostra da população, 204 Amostra, definição de, 201 Amostragem de pele, fetal, 39 Amostragem de vilo coriônico, 39 Amostragem sangüínea fetal, 39 Amoxapina, 1063t dosagem e administração, 607t efeitos adversos, 606t, 1044t, 1201t efeitos de neurotransmissores, 1200t estrutura, 1199f informação clínica, 1204t-1205t mecanismos de ação, 606t preparações de, 1204t-1205t Anafranil. Ver Clomipramina Analgésico(s) abuso, 427t cuidado no final de vida, 1436-1438 indicações para, 456 Análise de força, 203 Análise de ligação, 151 Análise de regressão, definição, 203 Análise de sobrevivência, 204 Análise de variação, 201 Análise discriminatória, 202
1496
ÍNDICE
Análise fatorial, 247 Análise multivariada, 203, 247 Análise mútua, 248-249 Análise urinária, 304t para abuso de substâncias, 299, 299t para retardo mental, 1252 Anamnese, 264 Anandamidas, função de neurotransmissores, 128 Andrógenos e agressividade, 179 para impulso sexual, 763 Androstenediona, 503 Anectina. Ver Succinilcolina Anedonia orgásmica, 759-760 Anedonia, 528 definição, 310 orgásmica, 759-760 Anemia de célula falciforme, genética de, 146 Anemia megaloblástica, 399 Anemia, com terapia de droga antipsicótica, 297t Anergia definição, 312 farmacoterapia para, 1192-1193 Anestesia dissociativa e perda sensorial, critérios diagnósticos da CID-10, 737t Anestesia histérica, definição, 317 Anestesia, para eletroconvulsoterapia, 1216-1217 Anfetamina(s) (ou substâncias semelhantes), 121, 447, 1063t. Ver também Simpatomiméticos abstinência, 449 critérios diagnósticos para, 447-448, 448t depressão na, 449 abuso, 287, 447-448 ação farmacológica, 1190 clássica, 447-451 comportamento psicótico e, 189 dados de nível sangüíneo para avaliação clínica, 299t delirium por intoxicação, 449 diagnóstico, 449 disfunção sexual, 450 e idade, 447 efeitos adversos, 450 físicos, 450 psicológicos, 450 efeitos, 447 indicações para, 445-446 interações medicamentosas, 1130t intoxicação/superdosagem, 448, 1047t com alterações perceptivas, 448 critérios diagnósticos para, 447, 448t manifestações de emergência, 967t tratamento de emergência, 967t khat, 451 na análise urinária, 299t neurofarmacologia, 447 para narcolepsia, 820 para redução de peso, 805t-806t potencial de vício, 121 preparações, 445-447 substituída, 447, 450, 470 efeitos adversos, 450, 451f efeitos subjetivos, 450-451 mecanismos de ação, 450 toxicidade, 451 tolerância, 447 transtorno de ansiedade, 450 transtorno do humor, 450 transtorno do sono, 450 transtorno psicótico, 449 diagnóstico, 449 paranóia no, 449 tratamento, 449 versus esquizofrenia paranóide, 449 Angélica, 909t Angiografia, complicações pós-procedimento, 1331t Angst, 630
Anilingus, 771 Anima, 250 Anna O., 222 Anomia para cor, 89 Anorexia nervosa, 287, 788-795. Ver também transtornos da alimentação achados ECG na, 790 achados laboratoriais na, 792 alterações neuroendócrinas na, 789t amenorréia na, 287 características clínicas, 790-791, 791f co-morbidade com, 788 complicações médicas de, 790, 791t critérios de pesquisa da CID-10 para, 794-795, 795t critérios diagnósticos para, 790t curso, 793 diagnóstico diferencial, 792-793 diagnóstico, 790-791 e drogas psicoterapêuticas, 1045 epidemiologia, 788 etiologia, 788-789 exame laboratorial, 792 farmacoterapia para, 794 fatores biológicos na, 788-789 fatores psicodinâmicos na, 789 fatores psicológicos na, 789 fatores sociais na, 789 hospitalização para, 793-794 manifestações de emergência, 967t patologia, 792 perfil cognitivo, 1018t prognóstico, 793 psicoterapia para, 794 terapia biológica para, 794 terapia cognitivo-comporamental, 794 terapia comportamental para, 1015t terapia familiar, 794 tipo compulsão alimentar-purgação, 790-791 tipo restritivo, 790-792 tratamento de emergência, 967t tratamento, 793-794 Anorexia, definição, 311 Anorexígenos, interações medicamentosas, 1130t Anorgasmia, 752-753, 752t Anormalidades neurológicas, diagnóstico diferencial de, 1353 Anormalidades posturais, definição, 311 Anos intermediários da infância, 37, 48 marcos do desenvolvimento, 48 Anosognosia, 102-103 definição, 317 ANOVA. Ver Análise de variação Ansiedade a autoridade, e psicoterapia de grupo, 995 Ansiedade corporal, 1306 Ansiedade de estranhos, 45, 167, 1342 Ansiedade de iguais, e psicoterapia de grupo, 995-996 Ansiedade de separação, 45, 48, 167 Ansiedade de transferência geográfica, 1344 Ansiedade fóbica, 1343 Ansiedade histérica, 650 Ansiedade. Ver também transtorno(s) de ansiedade; transtornos de ansiedade específicos acupuntura para, 1221 básica, 250 benzodiazepínicos para, 1087 buspirona para, 1098 colecistocinina e, 126 com demência, 129 com transtorno de adaptação, 849 como sinal, 632 conflito e, 631 de castração, 632 de superego, 237, 631 definição, 311 de desintegração, 632 diagnóstico diferencial, 961-963, 962t e apego, 165-167
ÍNDICE
e drogas psicoterapêuticas, 1044 e insônia, 811 e problemas acadêmicos, 1378 e tartamudez, 1283 e transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, 1307 estresse e, 631 farmacoterapia para, 1067t, 1089, 1098, 1144 flutuante-livre, definição, 311 funções adaptativas de, 631 generalizada. Ver também transtorno de ansiedade generalizada devido a uma condição médica geral, 678 genética de, 149 hierarquia de, 173 manifestações periféricas de, 630-631t medo e, 630-631 modelo animal de, 187 neuroses reais, 237 normal, 630-632 versus patológica, 630 paranóide, 632 patológica, 632-635 persecutória, 250, 632 serotonina e, 124, 125 sinal, 237 sintomas cognitivos de, 631-632 sintomas psicológicos de, 631-632 teoria de Bowlby sobre, 165-167 teoria de Freud sobre, 234-237, 630, 632 transtorno do humor e, 591 Ansiedade-sinal, 237 Ansiolítico(s). Ver também Benzodiazepínico(s); transtornos relacionados a sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos definição, 495 implicado(s) na disfunção sexual, 758 indicações para, 452, 460 para comportamento agressivo/violento, 182 para o idoso, 1423-1424 Antabuse. Ver Dissulfiram Antagonista(s) de opióides, 483, 487, 490 Antagonista(s) de serotonina-dopamina (ASDs) (antipsicóticos atípicos), 121, 1117, 1176-1186 ações farmacológicas, 1177-1178 adição de, 1054 dosagem, 1183-1186 indicações, 1178-1182 interações medicamentosas, 1182-1183 orientações clínicas, 1183-1186 para esquizofrenia de início precoce, 1371-1372 para esquizofrenia, 534-536 de início precoce, 1371-1372 para transtorno autista, 1296 para transtorno explosivo intermitente, 837 química, 1177, 1177f Antagonista(s) dos receptores de dopamina, 119, 121, 1117-1136. Ver também drogas específicas abstinência de, 1045 ações farmacológicas, 1119-1122 adição de, 1054 antagonistas de serotonina-dopamina. Ver Antagonista(s) de serotonina-dopamina (antipsicóticos atípicos) classificação, 1118f, 1119 concentrações plasmáticas, 1135 cronograma de, 1132-1135 dados como medicamentos necessários, 1133-1134 dosagem e administração, 1131-1135 e acatisia aguda induzida por neurolépticos, 1126-1127 e discinesia tardia induzida por neurolépticos, 1127 e distonia aguda induzida por neurolépticos, 1126 e ganho de peso, 1125 e gravidez, 1128-1129 e hipertensão ortostática, 1124 e icterícia, 1125 e lactação, 1128-1129 e parkinsonismo induzido por neurolépticos, 1126 e precursores, 1114-1117
1497
ações farmacológicas, 1115 dosagem, 1116-1117, 1117t efeitos sobre órgãos e sistemas específicos, 1116 indicações para, 1116 interações medicamentosas, 1116 interferências laboratoriais, 1116 orientações clínicas, 1116-1117 precauções com, 1116 química, 1115, 1115f reações adversas a, 1116 e sedação, 1127 e síndrome neuroléptica maligna, 1127 e transtornos do movimento induzidos por neurolépticos, prevenção de, 1128-1129 efeitos adversos, 1123-1129, 1123t neurológicos, 1124-1125 efeitos anticolinérgicos centrais, 1128-1129 efeitos anticolinérgicos periféricos, 1124 efeitos cardíacos de, 1124 efeitos colaterais sexuais, 1125 efeitos colaterais, neurológicos, 1125-1129 efeitos dermatológicos, 1125 efeitos endócrinos, 1124 efeitos epileptogênicos, 1127 efeitos hematológicos, 1124 efeitos oftalmológicos, 1125 efeitos sobre órgãos e sistemas específicos, 1121-1122 escolha da droga, 1131 história, 1117-1118 indicações, 449, 476, 494, 1121-1123 interações medicamentosas, 1078, 1093, 1128-1131, 1130t induzidas por CYP, 1038 interferências laboratoriais, 1131 intoxicação/superdosagem, 1049t, 1125 lista de, 1118t medicamentos de depósito de longa ação, 1133-1135, 1133t-1134t morte súbita com, 1124 na terapia de combinação, 1121-1122 neuroleptização rápida de, 1132 pacientes resistentes a tratamento, 1135 para disfunção sexual, 1043 para esquizofrenia, 513-514, 534, 1136 para transtorno de tourette, 1332 precauções com, 1123-1129 química, 1118-1119 regimes de manutenção alternativos, 1133-1134 tratamento de curto prazo com, 1132 tratamento de mantuenção com, 1133-1134 tratamento precoce com, 1133-1134 Antagonista(s) dos receptores α2-adrenérgicos, 1068-1071. Ver também Clonidina; Guanfacina abstinência, 1070-1071 características clínicas de, 1070-1071 dosagem de, 1070-1071, 1070t-1071t efeitos sobre órgãos e sistemas específicos, 1068 indicações para, 1068-1069 interações medicamentosas, 1070-1071 interferências laboratoriais, 1070-1071 precauções com, 1069 reações adversas a, 1069 superdosagem de, 1069 Antagonista(s) dos receptores α-adrenérgicos implicado(s) na disfunção sexual, 758 Antagonista(s) dos receptores β-adrenérgicos, 123, 437, 1072-1075. Ver também, Atenolol; Metropolol; Nadolol; Propranolol ações farmacológicas, 1073 adicção de antidepressivo com, 1074 dosagem e administração, 1075 dosagem geriátrica, 1424t drogas usadas em psiquiatria, 1073t efeitos adversos de, 1074, 1074t efeitos sobre órgãos e sistemas específicos, 1073 envolvido(s) na disfunção sexual, 758 indicações para, 1072t, 1073-1074 interações medicamentosas, 1074, 1101, 1130t
1498
ÍNDICE
intoxicação/superdosagem, 1047t para abstinência de álcool, 1074 para acatisia aguda induzida por neurolépticos, 1073 para agressão, 1073-1074 para comportamento violento, 1073-1074 para transtorno de ansiedade de separação, 1346-1347 para transtorno explosivo intermitente, 837 para tremor postural induzido por lítio, 1073 precauções com, 1074 química de, 1072, 1072f toxicidade de, 1074t Antagonistas de opióides, para transtorno do movimento estereotipado, 1356-1358 Antagonistas dos receptores de histamina, 1079-1080 Antecipação, 236t Antiácido(s) abuso, 427t interações medicamentosas, 1128-1129, 1130t Antiandrógenos, 763-764 Antibióticos, e lítio, 1141t Anticoagulantes, interações medicamentosas, 1114 Anticolinérgico(s), 1076-1080. Ver também Benztropina; triexifenidil ações farmacológicas, 1077 dosagem de, 1078-1080 efeitos adversos, 1078 efeitos sobre órgãos e sistemas específicos, 1077 herbáceo(s), 571 implicados na disfunção sexual, 758 indicações para, 1077 interações medicamentosas, 1078, 1128-1129, 1130t intoxicação/superdosagem de, 1047t, 1078 manifestações de emergência, 967t tratamento de emergência, 967t mecanismos de ação, 126 orientações clínicas para, 1078-1080 precauções com, 1078 química, 1076, 1077f Anticonvulsivante(s), 392, 392t indicações para, 537 intoxicação manifestações de emergência, 1043t tratamento de emergência, 967t Lamotrigina. Ver Lamotrigina para comportamento agressivo/violento, 182 para transtorno bipolar I, 610 para usuários de cocaína, 1128-1129 topiramato. Ver topiramato Anticorpo antinuclear (AAN), teste, 301t Antidepressivo(s), 604-611. Ver também Inibidores da Monoaminoxidase; Inibidores seletivos da recaptação de serotonina abuso, 427t acréscimo de, 1052-1053 com antagonista(s) dos receptores β-adrenérgicos, 1074 para depressão geriátrica, 1421-1422 alternativas a, 605 cíclico(s), testagem laboratorial com, 296 crianças, efeitos adversos do uso em, 1398 dosagem e administração, orientações para, 607, 607t drogas disponíveis, 605 duração do tratamento com, 607 e sono, 810 educação do paciente sobre, 605 efeitos adversos, 605, 606t, 1044t em combinação com benzodiazepínicos, 1094 falha de tentativa de droga com, 607 hormônios da tireóide como adjuvantes a, 1196 implicado(s) na disfunção sexual, 758 indicações para, 460 interações medicamentosas, 605-607, 607t, 1128-1129, 1130t mecanismo de ação, 113, 117, 124-125, 605, 606t para comportamento violento/agressivo, 182 para o idoso, 1420, 1421-1422 para psicose pós-parto, 565 para transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, 1310 para transtornos de ansiedade, 385 profilaxia com, 607
seleção de, 606t tetracíclico(s). Ver Drogas tetracíclicas tratamentos específicos de tipo com, 607 tricíclico(s). Ver Drogas tricíclicas (antidepressivos tricíclicos) Antidepressivos cíclicos. Ver também Drogas tetracíclicas; drogas tricíclicas (antidepressivos tricíclicos) terapia com, 294 testagem laboratorial com, 296 Antiepilépticos, interações medicamentosas, 1074 Antiestrógenos, 763-764 Anti-hipertensivos, interações medicamentosas, 1070-1071, 1130, 1203 Anti-histamínico(s) 1079-1081 ações farmacológicas, 1081 dosagem, 1081, 1081t efeitos adversos, 1081 efeitos sobre órgãos e sistemas específicos, 1081 implicado(s) na disfunção sexual, 758 indicações para, 1081 interações medicamentosas, 1081, 1093 interferências laboratoriais, 1081 intoxicação/superdosagem, 1047t orientações clínicas para, 1081 para transtornos não-psiquiátricos, 1079t-1080t precauções com 1081 química de, 1079-1080, 1079f-1080f Anti-histamínicos de primeira geração, 1079-1080 Anti-histamínicos de segunda geração, 1079-1080 Antipsicótico(s), 105 antagonistas de serotonina-dopamina. Ver Antagonista(s) de serotinina-dopamina (antipsicóticos atípicos) padrão, 534 atípico(s), 507, 534-536 classes de, 534 clássico(s), 534 com benzodiazepínicos, 1094 crianças, uso com, 1465t efeitos adversos, 1398-1399 desenvolvimento de, 1118 e lítio, 1141t efeitos adversos de, 534-536 implicado(s) na disfunção sexual, 758 indicações para, 442, 452 interações medicamentosas, 1093, 1203, 1208 mecanismos de ação, 121, 123 para alcoolismo, 445-446 para comportamento violento/agressivo, 182 para esquizofrenia, 507, 534-536 para o idoso, 1423, 1424t efeitos adversos neurológicos, 1423 para transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, 1310 para transtorno explosivo intermitente, 837 para usuários de cocaína, 469 testagem laboratorial com, 296, 297t Antropologia e psiquiatria, 192-194 psicanalítica, 192 Antroposofia, 907-908 APA. Ver American Psychiatric Association (APA) Apagão, 568t Apagões alcoólico, 379, 428, 433, 439 definição, 317 Aparência física, avaliação de, na avaliação psiquiátrica da criança, 1231-1232 Aparência do paciente esquizofrênico, 523f-524f, 527-528, 529f na avaliação médica, 287-288 no exame do estado mental, 268 Aparência, avaliação da, 287 Apatia definição, 311 tratamento, 388 Apego ansioso-ambivalente, 168 Apego esquivo, 168 Apego na criação, 164 Apego, 44, 44-46 abuso e, 167
ÍNDICE
definição, 164 definido, 164 e ansiedade, 165-167 estudos etiológicos de, 164 fases de, 164, 165t-166t mãe-filho, 44-45 modelo animal de, 185-186 normal, 163-164, 165t-166t pais e, 45 rompimento, 167 transtornos de relacionamento, 168 transtornos do, 167-168 versus vínculo, 164 Aplysia californica, 172-173 modelo para transtornos de ansiedade, 634-635 Apnéia do sono medidas polissonográficas de, 811t síndrome obstrutiva, 821 achados laboratoriais de, 821, 822f-823f pressão das vias aéreas positiva contínua nasal de, 821, 822f-823f Apomorfina, 483, 763, 1063t para disfunção erétil, 1117 Aposentadoria, 75 ética em relação a, 1469t Apraxia oculomotora, 90 Apraxia(s), 94, 96-97 cinética do membro, 94 definição, 317 ideacional, 96-97 ideomotora, 94, 96-97, 1410 na esquizofrenia, 532 visuomotora, 90 Aprendizado de fuga, 171 Aprendizagem de agressão, 176-178 de evitação, 168, 171 definição, 168 dependente de estado, 168 e desempenho, 168 e estresse, 173 efeito de psicotrópicos na, 1396t fuga, 171 história de, 265 insulina e, 152 na psicoterapia de grupo, 998t neurofisiologia da, 172-173, 173 neuroquímica da, 168 operante, 256 sexual, na infância, 739 tentativa-e-erro, 168 tipos de, 168-172 Aprobarbital, 1063t. Ver também Barbitúrico(s) dosagem, 1085t estrutura, 1082f indicações para, 1082 Aproximação sucessiva, 171 APSI, 1375 ARAS, 99, 141, 189 Área de Wernicke, 135 Área motora, suplementar, 94 Área tegmental ventral, 119, 120f Áreas de Brodmann, 94 Arginina vasopressina, 152t Aricept. Ver Donepezil Arieti, Silvano, sobre depressão, 579-580 Arilcicloexilamina(s), 491 Aripiprazol, 1063t Aromaterapia, 908, 909t Arquétipos, 250 Arritmia(s), cardíaca(s), biofeedback para, 1009t Arsênico, 399 dados de nível sangüíneo para avaliação clínica, 299t Artane. Ver triexifenidil Arterite temporal, 284 Artrite reumatóide, 889
1499
correlatos psicológicos de, 889 Árvores de decisão, DSM-IV-TR e, 327, 328f Ascetismo, na adolescência, 53-54, 338t ASDs. Ver Antagonista(s) de serotonina-dopamina (ASDs) (antipsicóticos atípicos) Asendin. Ver Amoxapina Asfixia auto-erótica, 759-760, 772 Asher, Irvin, 397 Ásia, nutrição na, 910 Asma, 285-286, 886-887 biofeedback para, 1009t correlatos psicológicos de, 881t, 886-887 relacionada ao sono, 831 Aspartato aminotransferase (ASt) efeitos do álcool sobre, 433 teste para, 301t Aspectos universais entre culturas, 194 Asperger, Hans, 1300 Aspirina, para tratamento da dor, 1438t Assédio sexual no local de trabalho, 938, 951 material educativo para reduzir, 951t Associação livre, 209, 221, 224, 237, 244 na psicanálise, 984 Associação Nacional de Assistentes Sociais Negros (National Association of Black Social Workers), 64 Associação Nacional para Cidadãos Retardados (National Association for Retarded Citiziens; NARC), 1238 Associação(ões) por sons, 269 definição, 313 Associações frouxas, 269 ASt. Ver Aspartato aminotransferase (ASt) Astasia abasia, definição, 312 Astenia neurocirculatória. Ver Síndrome de DaCosta Astereognose, 86 definição, 317 Astrocitoma, 129 Ataque de nervos, 568t Ataque(s) de pânico características clínicas, 643-645 critérios diagnósticos para, 641-642, 642t definição, 639 devido a uma condição médica geral, 679-680 diagnóstico, 641-642 em crianças, farmacoterapia para, 1398 hiperventilação e, 298 inalação de dióxido de carbono e, 298 provocação de, com lactato de sódio, 298 Ataques de sono, 820 Ataques isquêmicos transitórios diagnóstico diferencial de, 370 em transtornos por uso de cocaína, 468 Atarax. Ver Hidroxizina Ataxia óptica, 90 Ataxia, 287 definição, 312 e benzodiazepínicos(s), 1093 Atenção flutuante livre, na psicanálisse, 984 Atenção avaliação, no exame do estado mental, 271-272 e transtorno fonológico, 1280 função cerebral e, 99 prejuízo de, avaliação para, 217-218 transtornos da definição, 310 Atendimento gerenciado, 1446-1447, 1485-1486 Banco de Dados Nacional do Profissional (National Practitioner Data Bank), 1446 e transtornos relacionados a substâncias, 421-422 lei da mordaça, 1488-1489 práticas de prescrição negligente, 1446 questões de ética, 1465 registros médicos e, 283-284 tratamento dividido, 1446-1447 tratamento psiquiátrico, 1487-1489 Atenolol, 1063t, 1073t. Ver também Antagonista(s) dos receptores β-adrenérgicos
1500
ÍNDICE
ações farmacológicas, 1073 dosagem geriátrica, 1424t química de, 1072f Atitude catatônica, definição, 311 Atitude contrafóbica, 651-652 Ativan. Ver Lorazepam Atividade de deslocamento, com estresse, 185 Atividade psicomotora, no exame do estado mental, 268 Atividade sexual, na velhice, 75 Atividade social, história de, 266 Atos delinqüentes, definição, 1407-1408 Atravancamento, 1285-1286 definição, 316 diagnóstico diferencial, 1284 Atribuições de tarefa, gradual, 1019, 1019f Atrofia olivopontocerebelar, neuroimagem na, 133f, 139f Atuação, 235t definição, 312 nos transtornos da personalidade, 855 Audição, avaliação médica da, 288 Aumento ou indução de ovulação, 930t Aura, definição, 317 Aurorix. Ver Moclobemida Ausências, 389, 390f Autismo infantil, 1289 e transtornos da linguagem, 1280t estudo de tinbergen de, 185 Autismo atípico, critérios diagnósticos da CID-10 para, 1300, 1301t da infância, critérios diagnósticos da CID-10 para, 1300, 1301t infantil. Ver Autismo infantil normal, 45t Autocompreensão, 250 Autoconfiança, crescimento da, 165-166 Autodeterminação, e transtorno desafiador de oposição, 1314 Auto-eficácia, 172 Auto-estima e transtorno da expressão escrita, 1264 no conceito de narcisismo de Freud, 232 Auto-estimulação, sistema límbico e, 104 Automatismo de comando, definição, 311 Automatismo, definição de, 311 Automutilação, 1355 no retardo mental, 1240 intervenção farmacológica para, 1255-1256 repetitiva, 846 Autonomia autonomia do paciente, 1460 conceito de Erikson de, 34, 243 versus vergonha e dúvida, 34, 240-241 Auto-organizações múltiplas, 257-258 Auto-orientação, 254-255 Autópsia, psicológica, 79 Auto-realização, 250, 251, 255 Auto-referências, 1019f Auto-regulação, 255 Auto-revelação, 24 Auto-sistema, 257-258 Autoterapia, para tartamudez, 1285-1286 Autotopagnosia, definição, 317 Avaliação Abrangente de Funções de Linguagem-Revisada, 219t Avaliação Diagnóstica de Droga e Álcool do Adolescente (ADAD), 1375 Avaliação Diagnóstica de Habilidades de Escrita (DEWS), 1265-1266 Avaliação endócrina, 155 Avaliação Global do funcionamento Relacional (GARF), 327, 336t-337t Avaliação médica, 284-291 Avaliação neuropsicológica, 205 confiabilidade de, 218 de adultos, 213-219 objetivo de, 213-214 propósitos de, 213-214 validade de, 218 Avaliação neuropsiquiátrica, na psiquiatria infantil, 1233-1234 Avaliação Psiquiátrica da Criança e do Adolescente (CAPA), 1229 Avaliação psiquiátrica da Criança, 1231-1237
anamnese na, 1231-1232 dados de identificação na, 1231-1232 exame do estado mental na, 1231-1233, 1231t-1232t Avaliação psiquiátrica, de crianças, 1231-1237, 1231t-1232t Avaliação/testagem pré-natal, 39-40, 927-928 Avaliações diagnósticas clínicas estruturadas, 208 Aventyl. Ver Nortriptilina Aversão sexual, critérios diagnósticos da CID-10 para, 765t Ayahuasca, 470t Ayurveda, 908
B Baixa estatura, psicossocialmente determinada, 1353 Balanço, como transtorno de movimento estereotipado, 1355 Balint, Michael, 233, 246-247 e psicoterapia focal breve, 991 Banco de Dados Nacional do Profissional, 1446 Bandura, Albert, 172, 176 Barbital, 495 Barbitúrico(s), 495, 495, 1081-1087. Ver também drogas específicas abstinência, 498-499 procedimento de dose-teste de fenobarbital para, 499, 500t tratamento de, 499-500 abuso, 495-497 intravenoso, 499 ações farmacológicas, 1082 dados de nível sangüíneo para avaliação clínica, 299t dosagem, 1083-1084, 1085t drogas de ação semelhante, 1083-1087 e disfunção sexual, 758-760 efeitos adversos, 499, 1083-1084 efeitos sobre órgãos e sistemas específicos, 1082 em produtos combinados, 1083-1084, 1085t indicações para, 1082 interações medicamentosas, 1070-1071, 1083-1084, 1083t-1084t, 1086, 1087, 1093, 1097, 1114, 1130t intoxicação/superdosagem, 498, 496-497, 1047t tratamento de, 500 na análise urinária, 299t neurofarmacologia, 496-497 orientações clínicas, 1083-1084 para o idoso, 1424 precauções com, 1083-1084 química, 1081, 1082f BASC, 1235t Base livre, 461-462, 464 Basil, 909t Bateria de Avaliação para Crianças de Kaufman (K-ABC), 1234t, 1236 Bateria de Halstead-Reitan, 218 Bateria de testes de Habilidades de Movimento de frosting, para transtorno do desenvolvimento da coordenação, 1270 Bateria Neuropsicológica de Luria-Nebraska – Revisão para Crianças Bateria Psicoeducacional de Woodcock-Johnson-Revisada, 1260 Bateria Psicoeducacional de Woodcock-Jonhson, 1234t Bates, William H., 908 Bateson, Gregory, 521 Batida da cabeça relacionada ao sono, 829 Batida da cabeça, 1355-1356 Bazelon, David, 1451, 1457 Beard, George, 460, 708f, 708-709, 711-712 Beaumont, William, 877 Bebê(s) choro em, 165-167 diferenças temperamentais em, 42 e transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, 1306-1307 entrevistas clínicas com, 1228 experiências aterrorizantes e, 107 posmaturo, 41 prematuro, 41 comparação com bebê nascido no prazo, 41f tarefas do desenvolvimento de, 238-240 Bebedor(es) afiliativo(s), 434
ÍNDICE
esquizóide-isolado, 434 primeiro estágio do problema, 434 Beber, compulsão de. Ver Compulsão de beber Beck, Aaron, 163, 172, 603, 977-978 e terapia cognitiva, 1017 Befloxatone, 1063, 1145 Behaviorismo, 256 Benadryl. Ver Difenidramina Bender, Lauretta, 215 Benedict, Ruth, 192 Beneficência, 1460, 1463 Bennett, Abram E., 1213 Benson, Herbert, 920 Benzamida estrutura, 1120f química, 1119 Benzedrina. Ver Anfetamina(s) (ou substâncias semelhantes); Sulfato de anfetamina Benzfetamina, 1063t, 138. Ver também Simpatomiméticos (e drogas relacionadas) para redução de peso, 805t-806t Benzodiazepínico(s), 495, 1087-1094. Ver também agente específico abstinência, 498, 1045, 1092-1093, 1092t buspirona para, 1098 farmacoterapia para, 1067t, 1068, 1103 tratamento, 499, 500t abuso, 495-496-497 distribuição por sexo, 496-497 e idade, 496-497 e raça, 496-497 ações farmacológicas de, 1087-1089 acréscimo de, 1054 amnésia com, 376 buspirona, mudança para, 1099 comparação com buspirona, 1098t crianças, uso com, 1396t dependência, 495, 1092-1093 farmacoterapia para, 1067t dosagem e administração, 1090t, 1093-1094 doses equivalentes de, 499t duração do tratamento, 1093 e episódios amnésicos, 499 e mirtazapina, 1144 efeitos adversos, 499, 1091-1093 efeitos sobre órgãos e sistemas específicos, 1089 em combinações de droga, 1094 entrevistas, 298 escolha de droga, 1093-1094 farmacocinética, 1087-1088 indicações para, 436-437, 436t, 438, 456, 494, 537, 1089-1091 interações medicamentosas, 433, 498, 499, 1086, 1087, 1093, 1116, 1130t interrupção da terapia, 1093 intoxicação/superdosagem, 498, 499, 1048t flumazenil para, 1091 manifestações de emergência, 967t tratamento de emergência, 967t tratamento, 499-500 mecanismos de ação, 127 meias-vidas, 1090t na análise urinária, 299t neurofarmacologia, 496-497 para distonia aguda induzida por neurolépticos, 1078 para insônia primária, 816 para insônia, no delirium, 359 para o idoso, 1423-1424, 1424t para transtorno de ansiedade de separação, 1346-1347 para transtorno de ansiedade devido a uma condição médica geral, 385 para transtorno de ansiedade generalizada, 677 para transtorno de pânico, 647 para transtornos psicóticos, 565 para vício de nicotina, 483 potência, 1093-1094 precauções com, 1091-1093 preparação para, 1090t prescrições, números de, 495, 500 química, 1087, 1088f, 1089f testagem laboratorial com, 296
tolerância a, 1092-1093 Benztropina, 1063t mecanismos de ação, 121 para distonia aguda induzida por neurolépticos, 1078 para parkinsonismo induzido por neurolépticos, 1078 para transtornos extrapiramidais, 1127t Bergamot, 909t Berne, Eric, 247, 152f e terapia de grupo transacional, 995 Bernheim, Hippolyte-Marie, 222 e hipnose, 1022-1023 β-arrestina, 114 β-endorfina, síntese de, 125 β-neoendorfina, síntese de, 125 Betabloqueadores. Ver Antagonista(s) dos receptores β-adrenérgicos Betanecol com inibidores da colinesterase, 1110 para disfunção sexual, 1043 Bexiga contraída, 649 terapia comportamental para, 1015t Bibring, Edward, sobre depressão, 579-580 Bicarbonato de sódio, e lítio, 1141t Bicarbonato, sérico, teste para, 301t Bilirrubina sérica, 295 teste para, 301t Bílis e cólera, 568t Binet, Alfred, 205 Bini, Lucio, 1213 Biodisponibilidade, de drogas psicoterapêuticas, 1037 Bioenergética, 908 Bioestatística, 201-204 Biofeedback, 898, 1008-1010 aplicações, 1009t métodos de instrumentação de, 1008 métodos de, 1008-1010 para transtorno da dor, 702 resultados, 1010 técnica de tensão aplicada, 1009-1010 teoria, 1008 terapia de relaxamento muscular progressivo, 1009, 1010t terapia de relaxamento, 1008-1009 treinamento autogênico, 1009, 1010t Biologia molecular, 144-151 Bion, Wilfred, 247 Biotransformação, de drogas psicoterapêuticas, 1037-1038 Bissexual, definição, 741-742 Bleuler, Eugen, 507-508, 508f, 545, 727 Bleuler, Mandred, 539 Bloqueio, 235t, 269 definição, 313 Boa qualidade de ajuste, 45 Boca seca, e drogas psicoterapêuticas, 1045 Bode expiatório, em famílias, 1004 Bohannan, Paul, 67 Bombas de vácuo, para disfunção sexual, 764 Borrões de tinta de Rorschach, 1235t Bouffée delirante, 525-526, 560, 568t Bowen, Murray, e terapia familiar, 1002-1003 Bowlby, John, 44, 164f, 247 sobre luto, 81 teoria da ansiedade, 165-167 teoria do apego, 163-164, 193 Bradicinesia, 94 definição, 312 Bradifrenia, na doença de Parkinson, 365 Bradilalia, definição, 316 Braid, James, e hipnose, 1022-1023 Breuer, Joseph, 222, 225f Brevital. Ver Metoexital Briquet, Paul, 686 Broca, Pierre, 172 Brofaromina. Ver também Inibidores da monoaminoxidase para fobia social, 656-657 química, 1145f
1501
1502
ÍNDICE
Brometo de pancurônio, e lítio, 1141t Brometo dados de nível sangüíneo para avaliação clínica, 299t intoxicação manifestações de emergência de, 967t tratamento de emergência, 967t sérico, teste para, 301t Bromocriptina, 1063t, 1114-1117. Ver também Antagonista(s) dos receptores de dopamina, e precursores interações medicamentosas, 1097, 1130t intoxicação/superdosagem, 1048t para hiperprolactinemia, 763 para usuários de cocaína, 469 Bruxismo relacionado ao sono, 828-829 Bufotenina, 470t Bulbo olfativo, 90 Bulimia nervosa, 287, 795-801. Ver também transtornos da alimentação achados laboratoriais, 798-799 características clínicas, 796-799 critérios de pesquisa da CID-10 para, 794-795, 795t, 801 critérios diagnósticos para, 796-799, 796t curso, 798-799 definição, 795-796 diagnóstico diferencial, 798-799 diagnóstico, 796-799 e cleptomania, 837 epidemiologia, 796 etiologia, 796 farmacoterapia, 800, 1137-1138 fatores biológicos, 796 fatores psicológicos, 796 fatores sociais, 796 patologia, 798-799 prognóstico, 798-799 psicoterapia dinâmica, 800 psicoterapia para, 800 terapia cognitivo-comportamental, 800 terapia comportamental para, 1015t tipo compulsão alimentar/não-purgativa, 797 tipo compulsão alimentar/purgativa, 797-799, 798f-799f tipo não-purgativa, 795-796 tipo purgativa, 795-796 tratamento, 798-800 Bulimia definição, 311, 795 farmacoterapia para, 1095-1096, 1207 BUN. Ver Nitrogênio da uréia sangüínea (BUN) Buprenex. Ver Buprenorfina Buprenorfina, 483, 1063t, 1151-1155 ações farmacológicas, 1151 dosagem, 1155 efeitos sobre órgãos e sistemas, 1151 indicações para, 490, 1152-1154 interações medicamentosas, 1153-1154 interferências laboratoriais, 1153-1154 para vício de heroína, 421 precauções com, 1153-1154 química, 1152, 1152f reações adversas a, 1153-1154 sintomas de abstinência, 1153-1154 superdosagem, 1153-1154 Bupropiona, 409, 1064t, 1094-1097 dosagem, 607t, 1097 efeitos adversos, 606t, 1044t, 1095-1097 efeitos sobre órgãos e sistemas específicos, 1095-1096 implicada na disfunção sexual, 758 indicações para, 1095-1096 interações medicamentosas, 410, 1045, 1097 interferências laboratoriais, 758, 1097 intoxicação/superdosagem, 1048t mecanismos de ação, 121, 606t orientações clínicas para, 1097 para dependência de tabaco, 421 para pacientes idosos, 1420, 1421-1422 para transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, 1310, 1310t
para usuários de cocaína, 469 para vício de nicotina, 482 precauções com, 1095-1097 química, 1094-1096, 1094f BuSpar. Ver Buspirona Buspirona, 1064t, 1097-1099 ações farmacológicas, 1098 acréscimo de, 1054 benzodiazepínicos, mudança de, 1099 comparação com benzodiazepínicos, 1098t crianças, uso com, 1396t dosagem e administração, 1099 dosagem geriátrica, 1424t efeitos adversos, 1098 efeitos sobre órgãos e sistemas específicos, 1098 indicações para, 1098 interações medicamentosas, 1098 interferências laboratoriais, 1099 intoxicação/superdosagem, 1048t mecanismo de ação, 125 para alcoolismo, 445-446 para transtorno de ansiedade de separação, 1346-1347 para transtorno de ansiedade generalizada, 677, 1098 para transtorno de estresse pós-traumático, 672 para transtorno explosivo intermitente, 837 para transtorno obsessivo-compulsivo, 664 para transtornos do humor, 1363-1364 precauções com, 1098 química, 1097, 1097f Butabarbital, 1064t. Ver também Barbitúrico(s) dosagem, 1085t estrutura, 1082f indicações, 1082 Butalbital, estrutura, 1082f Butaperazina, 1064t Butilnitrato, 504 Butirofenonas, 1118t estrutura, 1120f química, 1119 Butisol. Ver Butabarbital Butler, Robert, 64 Butorfanol, 483
C Cabaj, Robert, 747 Cabeça avaliação médica da, 284 avaliação visual da, 288 Cade, John F. J., 1136 Cafeína abstinência, 452 critérios de pesquisa para, 455, 455t critérios diagnósticos para, 426t diagnóstico, 454-456 como substância de abuso, 454 consumo, por idade, 452, 453t e lítio, 1141t efeitos adversos, 452, 456 epidemiologia, 452 fluxo sangüíneo cerebral, efeitos sobre, 454 fontes de, 452, 453t genética e uso, 453-454 interações medicamentosas, 1114, 1130t intoxicação, 452 aguda, critérios diagnósticos para, 423t critérios diagnósticos, 454t, 455 diagnóstico, 454-456 manifestações de emergência, 967t tratamento de emergência, 967t neurofarmacologia, 453 nível sérico, teste para, 301t para tratamento da dor, 1438t
ÍNDICE
uso genética e, 453-454 prevalência, 452 sinais e sintomas, 456 Caixa de Skinner, 169-170 Calan. Ver Verapamil Cálcio como segundo-mensageiro, 106, 116 sérico, teste para, 301t Cálcio-calmodulin quinase II (CaMKII), 100, 150 Cameron, Norman, 550 Caminhos serotonérgicos, 99f CaMKII, 100, 150 cAMP. Ver Monofostato de adenosina cíclica (cAMP) Campbell, Robert, 33 Campo, definição, 251 Canabinóide(s) abstinência, 425t intoxicação, aguda, critérios diagnósticos para, 423t Canais de íon, 109 barreira, 109, 110t-111t efeitos do álcool sobre, 431 Canalização, 254 Câncer e suicídio, 893t, 975 psicooncologia, 892-893 Cannabis sativa, 457 Cannon, Walter, 877 CAP, 1235t CAPA, 1229 Capacidade contratual, 1455-1456 Capacidade hipnótica, 1022-1024 Capacidade testamentária, 1455-1456 Capacidade visuoconstrutiva, avaliação da, 215 Capacidade visuorreceptiva, avaliação da, no exame do estado mental, 272 Caráter nacional, 192 Caráter. Ver também Personalidade compulsivo, 255 formação do, 237 conceito de Freud sobre, 237 histérico, 255 masoquista, 255 narcisista, 255 tipos, 248-249, 255 Carbamazepina, 1064t, 1102-1106 ações farmacológicas de, 1102 avaliação médica pré-tratamento, 1105 com bupropiona, 1097 com donepezil, 1110 dosagem e administração, 1104-1105 dosagem geriátrica, 1421t-1422t e ganho de peso, 802 e lítio, 1141t efeitos adversos, 1103-1104, 1103t efeitos sobre órgãos e sistemas específicos, 1102 indicações, 392, 436t, 437, 499, 537, 1103 iniciação do tratamento, 1105 interações medicamentosas, 410, 1093, 1097, 1101, 1104, 1105t, 1130t induzidas por CYP, 1038 interferências laboratoriais, 1104 intoxicação/superdosagem, 1048t monitoração laboratorial com, 295, 298, 298t, 1106, 1106t níveis sangüíneos, 1106 dados para avaliação clínica, 299t para bulimia nervosa, 800 para labilidade afetiva e impulsividade, 388 para transtorno bipolar, 608-609, 610, 1103, 1209t para transtorno da conduta, 1321 para transtorno esquizoafetivo, 548 para usuários de cocaína, 469 precauções com, 1103-1104 química, 1102, 1102f Carbidopa, 1064t Carbonitrito de 1-piperidenocicloexane, 492 Carcinoma pancreático
considerações médicas sobre, 900t considerações psiquiátricas sobre, 900t Cardizem. Ver Diltiazem Cardozo, Benjamin, 1454 Carfenazina, 1064t Cariótipo, humano, 140f Carisoprodol, intoxicação/superdosagem de, 1048t Carta de Profissionalismo do Médico, 1466, 1466t Carvão, interações medicamentosas, 1130t Casa fênix, 491 Casamento demografia, 62t e problemas de relacionamento, 937-938 inter-racial, 62 na primeira infância, 61-63 não-consumado, 773 para o médico, 938 Castração, preocupação com, 784-736 CAt, 1236 Catalepsia, definição, 311 Cataplexia com narcolepsia, 820 definição, 311 Catapres. Ver Clonidina Catarse e prevenção de agressão, 180-181 na psicoterapia de grupo, 998t uso de Freud de, 222-224 Catastrofização, 1019f Catatonia. Ver também Esquizofrenia, tipo catatônico definição, 311 eletroconvulsoterapia para, 1216 farmacoterapia para, 1091 letal, 1062t na esquizofrenia, 527 Catecolaminas. Ver também Dopamina; Adrenalina; Noradrenalina anfetaminas e substâncias tipo anfetamina e, 447 efeitos da cocaína sobre, 464 nos transtornos relacionados a substâncias, 419, 420f plasmáticas, teste para, 301t síntese de, 119 testagem laboratorial para, 294 urinárias, teste para, 301t Catecol-O-metiltransferase, 122 Catexia de atenção, 227 Catha edulis, 451 Cattell, Raymond, 247-249 Causalidade fenomenalística, 161 Causalidade, hipótese de, 1019f CCK. Ver Colecistocinina (CCK) CEC, 1238 Cefaléia tensional biofeedback para, 1009t correlatos psicológicos de, 892 Cefaléia(s). Ver também Enxaqueca acupuntura para, 1221 avaliação médica de, 284 correlatos psicológicos de, 891-892 de tensão, 892, 892t biofeedback para, 1009t decorrente de eletroconvulsoterapia, 1220 e drogas psicoterapêuticas, 1044-1045 em salvas farmacoterapia para, 1137-1138 relacionada ao sono, 831 pós-coito, 759-760 Cefaléias em salvas farmacoterapia para, 1137-1138 relacionada ao sono, 831 Célula-avó, 88 Centrax. Ver Prazepam Centro Austen Riggs, 245 Centros de cuidados diários, 937 Cerea flexibilitas, definição, 311 Cerebelo, 94
1503
1504
ÍNDICE
na esquizofrenia, 515 Cérebro. Ver também Neuroanatomia atrofia, na doença de Alzheimer, 363, 363f dano ao déficits hemisféricos, 215, 216t e obesidade, 802 e retardo mental, 1246 e transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, 1305 em adultos, avaliação para, 213-219 reação catastrófica, 250 déficits/dominância hemisférica, 215-217, 216t doença, em pacientes idosos, 1410 funções regionais do, 98-99, 99-103, 99t gânglios basais. Ver Gânglios basais giro pré-central, 88f imagem, 129-145. Ver também tomografia computadorizada; Imagem de ressonância magnética; Neuroimagem; tomografia por emissão de pósitrons em pacientes suicidas, 133, 133f em transtornos de ansiedade, 634-635 em transtornos depressivos, 133f em transtornos por uso de álcool, 435, 436f em transtornos por uso de cocaína, 464 na esquizofrenia, 507, 515-517, 516f, 517f na ingestão de MPTP, 489 no transtorno de ansiedade generalizada, 675, 675f no transtorno de pânico, 640 no transtorno depressivo maior, 577, 578f no transtorno esquizofreniforme, 542, 543f no transtorno obsessivo-compulsivo, 658-659, 658f-659f nos trantornos por uso de opióides, 484 técnicas eletrofisiológicas, 141-143. Ver também Eletroencefalografia; Potenciais relacionados a evento; Potenciais evocados técnicas estruturais, 131-133 técnicas funcionais, 129, 134-141 lesão, fisiopatologia de, 393-394 lobos frontais. Ver Lobos frontais localização, testes cognitivos do estado mental para, 218 mielinização do, 106 organização do, 98-99 potencial elétrico do, 141 sistemas de recompensa, em transtornos relacionados a substâncias, 419, 420f, 447, 458 superfície dorsal, 93f unidades funcionais do, 85 Cerletti, Ugo, 1213 Ceruloplasmina, sérica, testagem, 301t Cetamina, 491, 494 Cetoacidose diabética, 398 cGMP, como segundo-mensageiro, 116 Chace, Marian, 909 Charcot, Jean-Martin, 222, 727 e hipnose, 1022-1023 Chess, Stella, 42, 871 Chocolate, 506 Choque, na pessoa à beira da morte, 79 Choro, em bebês, 165-167 Chumbo dados de nível sangüíneo para avaliação clínica, 299t envenenamento, sintomas neuropsiquiátricos causados por, 399 Chupar o dedo, 1355 Ciclo de ácido cítrico, 117 Ciclo de resposta sexual, 741-744 e disfunção sexual, 748t-749t não associada a ciclo de resposta sexual, 748-749, 750t fase 1: desejo, 743 disfunção sexual relacionada a, 748t-749t fase 2: excitação, 741t-742t, 743, 743t disfunção sexual relacionada a, 748t-749t fase 3: orgasmo, 741t-743t, 743-744 disfunção sexual relacionada a, 748t-749t fase 4: resolução, 741t-743t, 744 disfunção sexual relacionada a, 748t-749t feminino, 743t, 744f masculino, 741t-742t, 744f
Ciclo de sono-vigília, 158 Ciclo de vida, 31-77 estágios do, 34 conceito de Erikson sobre, 34, 238-243 teorias de, 34 Ciclotimia, critérios diagnósticos da CID-10, 628t CID-10. Ver Classificação internacional de doenças, décima revisão (CID-10) CID-9. Ver Classificação internacional de doenças, nona revisão (CID-9) Cigarros interações medicamentosas, 1130 uso de. Ver tabagismo Cimetidina e pramipexol, 1116 indicações, 1079-1080 interações medicamentosas, 1093, 1097, 1101, 1116, 1130t, 1148 transtorno psicótico manifestações de emergência, 967t tratamento de emergência, 967t Ciproeptadina, 1064t, 1079-1081. Ver também Anti-histamínico(s) ações farmacológicas, 1081 dosagem e administração, 1081t estrutura, 1079f-1080f implicada na disfunção sexual, 758 indicações para, 1081 para anorexia nervosa, 794 para disfunção sexual, 1044 Ciprofloxacin e ropinirol, 1116 Circuito de Papez, 22 Circuito de reflexo primitivo, 98 Circuncisão, 945 Circunlocução, 88 Circunstancialidade, 269 definição, 313 Cirrose hepática, 431 Cirurgia de derivação arterial coronária, 885 Cirurgia de reatribuição sexual, 786 Cirurgia plástica, relação com, 699 Cisão dissociação e, 722 nos transtornos da personalidade, 855 Cisaprida, interações medicamentosas, 1094 Cistos colóides, 393 Citalopram, 124, 1064t para pacientes idosos, 1420 para transtorno de ansiedade de separação, 1346-1347 Citoarquitetônica, cortical, 87f Citomegalovírus (CMV), testagem para, 301t Citosina, 146 Citrato de orfenadrina, 1078t. Ver também Anticolinérgico(s) estrutura, 1077f Ciúme, delirante, 553-554 contribuições de Freud para, 550 definição, 314-315 Classificação internacional de doenças, décima revisão (CID-10). Ver também transtornos específicos classificação de transtornos mentais, 325, 345t-349t convulsões epilépticas, 390t DSM-IV-TR, relação com, 319 sinais e sintomas, 306 sobre transtornos hipercinéticos, 1311-1312 transtornos mentais orgânicos na, 354 transtornos mentais relacionados a condições médicas na, 422t-426t Classificação internacional de doenças, nona revisão (CID-9), 319 Classificação internacional de transtornos do sono (ICSD), 793, 815t Classificação, na psiquiatria, 319 Claustrofobia, definição, 314-315 Cleptomania, 837-838 características clínicas, 837-838 classifiação da CID-10, 846-847, 846t critérios diagnósticos, 837, 838t curso, 838 definição, 312 diagnóstico diferencial, 838 diagnóstico, 837-838 epidemiologia, 837
ÍNDICE
etiologia, 837 farmacoterapia para, 1207 fatores biológicos na, 837 fatores familiares, 837 fatores genéticos, 837 fatores psicossociais, 837 prognóstico, 838 tratamento, 838 Climatério, 65 Clínicas de repouso, 1427-1428 Clismafilia, 772 Clomipramina, 1064t crianças, uso com, 1395t dosagem e administração, 607t efeitos adversos, 606t, 1044t efeitos dos neurotransmissores, 1200t estrutura, 1199f informação clínica, 1204t-1205t mecanismo de ação, 130, 606t para anorexia nervosa, 794 para transtorno autista, 1296 para transtorno obsessivo-compulsivo, 663 preparações de, 1204t-1205t Clonagem posicional, 148-149 Clonagem, molecular, 108 Clonazepam, 1064t. Ver também Benzodiazepínico(s) ações farmacológicas para, 1088 dosagem geriátrica, 1421t-1422t, 1424t dosagem, 1090t estrutura, 1088f interações medicamentosas, 1093 meia-vida, 1090t metabolismo, 571 para transtorno bipolar I, 608-609 para transtorno de ansiedade de separação, 1346-1347 para transtorno obsessivo-compulsivo, 664 para transtornos extrapiramidais, 1127t química, 1087 Clonidina, 1064t, 1068-1071 abstinência, 1070-1071 manifestações de emergência, 968t tratamento de emergência, 968t características clínicas, 1070-1071 crianças, uso com, 1396t dosagem, 1070-1071, 1070t-1071t efeitos sobre órgãos e sistemas específicos, 1068 indicações, 437, 485, 1068-1069 interações de droga, 1070-1071, 1130t interferências laboratoriais, 1070-1071 intoxicação/superdosagem, 1048t mecanismo de ação, 123 para transtorno da conduta, 1321 para transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, 1305, 1310 para transtornos extrapiramidais, 1127t para vício de nicotina, 482 precauções com, 1069 reações adversas a, 1069 superdosagem, 1069 Clorazepato. Ver também Benzodiazepínico(s) ações farmacológicas para, 1088 dosagem, 1090t dose geriátrica, 1424t estrutura, 1088f farmacocinética, 1087-1088 meia-vida, 1090t Clordiazepóxido, 495. Ver também Benzodiazepínico(s) ações farmacológicas, 1088 dados de nível sangüíneo para avaliação clínica, 299t dosagem geriátrica, 1424t dosagem, 1090t estrutura, 1088f indicações, 436t, 437, 438 interações medicamentosas, 1114 meia-vida, 1090t Cloreto de amônia, indicações para, 494
1505
Cloreto de sódio, e lítio, 1141t Cloreto, sérico, testagem, 301t Cloridrato de biperideo, 1063t, 1078t. Ver também Anticolinérgico(s) estrutura, 1077f para transtornos extrapiramidais, 1127t Cloridrato de etopropazina, estrutura, 1077f Cloridrato de hidroxizina, indicações para, 1079-1080 Cloridrato de metilfenidato, intoxicação/superdosagem, 1050t Cloridrato de prociclidina, 1078t. Ver também Anticolinérgico(s) estrutura, 1077f Cloridrato de triexifenidil, 1078t. Ver também Anticolinérgico(s) estrutura, 1077f Clorpromazina, 534, 1064t. Ver também Antagonista(s) dos receptores de dopamina crianças, uso com, 1395t dados de nível sangüíneo para avaliação clínica, 299t dosagem geriátrica, 1424t e lítio, 1141t estrutura, 1120f para anorexia nervosa, 794 preparações, 1132t Clorprotixeno, 1064t dosagem geriátrica, 1424t estrutura, 1120f Clortalidona, e lítio, 1141t Clozapina, 534-536, 1064t. Ver também Antagonista(s) de serotonina-dopamina (antipsicóticos atípicos) agranulocitose causada por, 535, 966t crianças, uso com, 1395t e ganho de peso, 802 efeitos adversos, 535 monitoração laboratorial para, 535 indicações, 507, 534-536 interações medicamentosas, 1038, 1093, 1209 intoxicação/superdosagem, 1048t mecanismo de ação, 123, 514 monitoração laboratorial, 296, 297t para esquizofrenia de início precoce, 1371-1372 para esquizofrenia, 535 para transtorno autista, 1296 Clozaril. Ver Clozapina CMV, testagem para, 301t Cobalamina, deficiência de, manifestações neuropsiquiátricas de, 399 Cobre sérico, testagem, 301t urinário, testagem, 301t Cocaína, 113, 121, 461-462, 461f-462f abstinência, 467 automedicação na, 467 critérios diagnósticos para, 426t, 465, 465t farmacoterapia para, 1067t manifestações de emergência, 968t sintomas, 467 tratamento de emergência, 968t abuso, 465-467, 495 definido, 461-463 diagnóstico de, 465 e esquizofrenia, 512 farmacoterapia para, 1095-1096 agentes farmacológicos, 469 convulsões, 468 dados de nível sangüíneo para avaliação clínica, 299t delirium por intoxicação, 467 diagnóstico, 467 dependência, 464, 465-467 acupuntura para, 1221 definida, 461-462 diagnóstico de, 465 farmacoterapia para, 1067t fisiológica, 464 psicológica, 464 desintoxicação, 469 farmacologia para, 1095-1096, 1206 efeitos adversos de, 285-286, 468 efeitos cardíacos, 468
1506
ÍNDICE
cerebrovascular, 468 comportamentais, 464 congestão nasal, 465 sobre o fluxo sangüíneo cerebral, 464 em modelos animais, 148 intoxicação, 467 aguda, critérios diagnósticos para, 423t alucinações na, 467 critérios diagnósticos para, 465, 465t, 467 manifestações de emergência, 968t tratamento de emergência, 968t morte causada por, 468 na análise urinária, 299t neurofarmacologia de, 463-464 potencial de vício, 121 sensibilidade, 464 tolerância, 464 uso, 461-462 alterações da personalidade no, 465 entre adolescentes, 1373 freqüente, 464 história de, 464 métodos de, 461-462, 464 taxa de iniciação, 464 vício, 464 imagem cerebral no, 464 Cochilo, 505-506 Codeína. Ver também Opióide(s) dados de nível sangüíneo para avaliação clínica, 299t na análise urinária, 299t para tratamento da dor, 1437t Co-dependência, 413, 414 Código de Ética da American Academy of Child and Adolescent Psychiatry, 1405 Código penal modelo, 1457-1458 Código Penal, 1456-1458 Códigos profissionais, 1460 Códons, 146 Coeficiente de correlação, 202 Coerção sexual, 950 Coesão, na psicoterapia de grupo, 998t Cogentin. Ver Benztropina Cognex. Ver tacrina Cognição avaliação da, na avaliação psiquiátrica da criança, 1233 contribuindo para falta de adesão, 1020, 1020t definição, 172 na demência, 351-352, 368 na esquizofrenia, 532 na mania, 594 no delirium, 351-352 no exame do estado mental, 270-272 no idoso, 1411, 1412, 1412t, 1413t no(s) transtorno(s) amnésico(s), 351-352 prejuízo, com tumor cerebral, 393 Cohoba, 470t Coito interrompido, 932t Colarusso, Calvin, 60 “Colecionadores de queixas”, 28-29 Colecistocinina (CCK) função dos neurotransmissores, 126 octapeptídeo, 112f testagem, 301t Colina acetiltransferase, 363 Colite ulcerativa, correlatos psicológicos de, 882 Colite, correlatos psicológicos de, 881t Colunas corticais no sistema somatossensorial, 92 no sistema visual, 92 Colunas de dominância ocular, 88, 89f, 92 Coma, definição, 310 Comandos motores, corticalização de, 100 Comissão Conjunta sobre Saúde Mental de Crianças, 1388-1389 Companhias imaginárias, 48 Compartimento sináptico, 114 Compazine. Ver Proclorperazina
Competência contratual, 1455-1456 ética relativa à, 1467t-1468t para ser executado, 1456 para ser submetido a julgamento, 1456 testamentária, 1455-1456 Competição, na sociobiologia, 190 Complexo de Clérambault-Kandinsky, 314-315 Complexo de Édipo, 192, 250 Complexo de inferioridade, 245 Complexo tuberculose esclerose 1 e 2, 1249t Complexos, conceito de Jung de, 250 Complicações pós-angiográficas, 1331t Componentes pós-sinápticos, 114-115 Componentes pré-sinápticos, 113-114 Comportamento agressivo, 963 manifestações de emergência, 968t tratamento de emergência, 968t Comportamento anti-social adulto, 954-955 características clínicas, 954, 955t classificação do DSM-IV-TR, 954 diagnóstico, 954 epidemiologia, 954 etiologia, 954 fatores genéticos, 954 fatores sociais no, 954 prevenção, 955 tratamento, 955 Comportamento anti-social da infância, 1379-1380 características clínicas, 1379 diagnóstico diferencial, 1379 diagnóstico, 1379 epidemiologia, 1379 etiologia, 1379 fatores psicológicos, 1379 tratamento, 1379-1380 Comportamento anti-social do adolescente, 1379-1380 características clínicas, 1379 diagnóstico diferencial, 1379 diagnóstico, 1379 epidemiologia, 1379 etiologia, 1379 fatores psicológicos no, 1379 tratamento de, 1379-1380 Comportamento de apego, 44-46 Comportamento de busca de substância, 418f, 419, 419f Comportamento de doença, 16, 16t avaliação, 16, 16t Comportamento de papel sexual, e gênero, 192 Comportamento de risco, na adolescência, 55 Comportamento homicida manifestações de emergência, 968t tratamento de emergência, 968t Comportamento motor avaliação de, na avaliação psiquiátrica da criança, 1233 definição, 311 Comportamento parassuicida, 979 terapia comportamental dialética, 1015 Comportamento passivo-agressivo, 235t Comportamento sexual, 741-745 mudanças no, na epilepsia, 391 mudanças no, na gravidez, 925-926 Comportamento suicida, perfil cognitivo de, 1018t Comportamento tipo A, terapia comportamental para, 1015t Comportamento características ao longo das culturas, 194 estereotipado, no transtorno autista, 1292 manifesto, no exame do estado mental, 268 mecanismo de alteração do, 172 modelagem, 171 operante, 168-170 responsivo, 168-170 teoria da redução da tensão, 173-175 Compulsão de beber e etnia, 428
ÍNDICE
e raça, 428 e região geográfica, 428 e urbanicidade, 428 nível educacional, 428 Compulsão de internet, 846 Compulsão de repetição, 228 Compulsão por compras, 845-846 Compulsão por telefone celular, 846 Compulsão(ões), 662t definição, 312, 314-315, 656-657 Compulsividade sexual, 774-777 Comrey, Escalas de Personalidade (CPS), 208t Comunicação, características humanas de, 185 Comunicação, transtornos da, no transtorno autista, 1292 Comunidades terapêuticas, para transtornos por uso de opióide, 490-491 Conação, definição, 311 Conceito de duplo-cego, 521 Concentração avaliação de, no exame do estado mental, 271-272 capacidade, avaliação para, 217-218 Condensação definição, 313 nos sonhos, 226 Condição socioeconômica (CSE) e esquizofrenia, 513 e idoso, 74-75 e mulheres, 75 e transtorno autista, 1289 e transtorno bipolar I, 574 e transtorno depressivo maior, 574 e transtornos relacionados ao álcool, 428-429 Condicionamento aplicações de, 173 clássico, 168 evitação, 169t-170t fuga, 169t-170t instrumental, 168, 169t-170t operante, 168, 168-171, 169t-170t recompensa primária, 169t-170t recompensa secundária, 169t-170t responsivo, 168 Condições intersexo, 781-782 tratamento, 786 Confabulação, 271 definição, 317 Confiabilidade avaliação do paciente de, no exame do estado mental, 272-273 do paciente esquizofrênico, 532 em testes, 205 na depressão, 594 na mania, 594 Confiança básica, 238-240, 243, 250 versus desconfiança básica, 34, 238-240 Confiança conceito de Erikson sobre, 34, 243 Confidência, 27, 1447-1449, 1464-1465 e abuso da criança, 1448 e discussões sobre pacientes, 1448 e supervisão, 1448 e terceiras partes pagadoras, 1448 e teste de HIV, 406 na psicoterapia com crianças, 1386 na psiquiatria infantil, 1228, 1405 relativa a ética, 1467t-1468t Confinamento na solitária, 189 Confinamento definição, 1450 versus hospitalização, 1449-1450 Conflito de interesse, relativo a ética, 1467t-1468t Conflito, e ansiedade, 631 Confrontação na entrevista, 23 na psicoterapia, definição, 986t-987t Confusão aguda, causas de, 100t
definição, 310 Conotação positiva, na terapia familiar, 1006 Consciência alterações da, definição, 310 definição, 310 dialética com o Ser, 256 embotamento da, definição, 270, 310 nível de, no exame do estado mental, 270-271 no idoso, 1411 Consciência, alterações na, com tumor cerebral, 393 Conselho para Crianças Excepcionais (CEC), 1238 Conselho para Nutrição Responsável, 911 Conselho na entrevista, 24 na psicoterapia, definição de, 986t-987t Consentimento informado, 1454-1455 relativo a ética, 1467t-1468t práticas de prescrição, 1446, 1446t Conservação, 161, 162f Consideração positiva incondicional, 255 Consonar. Ver Brofaromina Constância do objeto, 45t na esquizofrenia, 520 Constância humana, 265 Constipação definição, 311 e drogas psicoterapêuticas, 1045 Consulta(s) manejo do tempo pelo paciente, 276-277 perdida(s), 27 Consultório, do psiquiatra, 277 Contagem de leucócitos, 304t com terapia de droga antipsicótica, 297t Contagem de plaquetas, 303t Contagem de reticulócito, 304t Contágio, na psicoterapia de grupo, 998t Contato de pele, no vínculo, 164 Contenção, na teoria de relação objetal, 983 Contracepção, 931-934 métodos, 932t, 933t oral. Ver Contraceptivos orais uso indevido de, 56-57, 56-57t Contraceptivos orais, 932t e bromocriptina, 1116 interações medicamentosas, 1093, 1203 Contratransferência, 19, 221, 237 e envelhecimento, 74 na psicanálise, 985 terapeutas de HIV, 410 Controle aversivo, 171 Controle do pensamento, definição, 314-315 Controle dos impulsos definição, 311 na depressão, 594 na mania, 594 no transtorno delirante, 553 Controle esfincteriano, no período dos primeiros passos, 46 Controle, 236t Convulsão(ões) alcoólica manifestações de emergência, 967t tratamento de emergência, 967t barbitúricos para, 1082 classificação internacional de, 390t classificação, 388-389, 390t com abstinência de álcool, 436, 436t de ausência, 389, 390f definição, 312, 388 eletroencefalografia na, 142, 389f, 390f, 391f focal, 142 generalizada, 142, 388-389 parcial complexa, definição, 312 parcial simples, definição, 312 parcial, 389, 390f relacionada a cocaína, 468
1507
1508
ÍNDICE
tônico-clônica generalizada, definição, 312 tratamento, 392 versus pseudoconvulsões, 391, 392t Convulsão clônica, definição, 312 definição, 312 tônica, definição, 312 Convulsões dissociativas, critérios diagnósticos da CID-10, 737t Convulsões epilépticas relacionadas ao sono, 831 Convulsões tardias, e eletroconvulsoterapia, 1217-1219 Cooper, John, 545 Coprofagia, definição, 312 Coprofilia, 772 Coprofrasia, definição, 316 Coprolalia, 1328 definição, 314-315 Copropraxia, 1328 Coração de soldado, 665 Coração irritável. Ver Síndrome de DaCosta Coréia de Sydenham, 1331t Coréia, definição, 312 Corgard. Ver Nadolol Corpos de Pick, 1414 Córtex cerebral áeas de linguagem do, 98f áreas de associação, 88-89, 89f, 98f áreas, classificação de, 98 atividade rítmica no, 144-145 citoarquitetônica do, 87f e emoção, 102-103 e linguagem, 101-103 mapeamento, 92 motor, 94, 96-97 no olfato, 90-91, 93 no paladar, 91 no sistema auditivo, 90, 92 no sistema somatossensorial, 85-87, 86f, 91-92 no sistema visual, 88, 89f, 92 nos transtornos de ansiedade, 634-635 Córtex frontal, na esquizofrenia, 513 Córtex motor, 94, 96-97 Córtex pré-frontal, 105 regiões do, 105 síndromes de, 105 Couraça de caráter, 255, 854 CPS, 208t Crack (droga), 447, 461-462, 464 uso, métodos de, 464 Crank (droga), 447 Creatina fosfoquinase, testagem, 301t Creatinina sérica, testagem, 301t urinária, testagem, 304t Creche, para crianças, 52 Crescimento psicossocial universalidade no, 193 variações no, 193-194 Criança erotizada, 767 Criança(s) à beira da morte, 79-80 atitudes em relação à morte, 79-80 com AIDS, 1245 com transtorno autista, farmacoterapia para, 1394-1396 creches para, 52, 937 cuidado de final de vida, 1440 depressão em ansiedade de separação e, 1343 características clínicas de, 590-591 difíceis versus fáceis, 45 direitos da(s), 1405 divórcio e, 50-51 e farmacoterapia, 1042 e problemas de identidade, 1380-1381 e transtorno da conduta, 1397 e transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, 1306-1307
em idade escolar entrevistas clínicas com, 1228 testes de inteligência para, 1236 em idade escolar, psicoterapia de grupo com, 1387-1389 em idade pré-escolar entrevistas clínicas com, 1228 psicoterapia de grupo com, 1387-1389 freqüência das sessões, 49 grupos etários de latência, psicoterapia de grupo com, 1388-1389 hospital-dia, para 52 hospitalizadas, 80, 163 luto em, 83 mães que trabalham, 52 no tratamento residencial, 1390-1391 problemas de relacionamento pai-filho, 937 psicoterapia com abordagem inicial a, 1385 confidência na, 1386 diferenças de adultos, 1384-1385 envolvimento familiar na, 1386 indicações para, 1386 intervenções terapêuticas, 1385-1386 na sala de recreação, 1385 técnica de Erikson, 244-245 psicoterapia de grupo com, 1387-1390 psicoterapia individual com, 1382-1387 teorias e técnicas de, 1382-1383 teorias psicanalíticas na, 1382-1383 sonhos em, 49 sono em, 49 terapia comportamental para, 1383 terapias biológicas para, 1393-1399 transtorno bipolar I em, 596-597, 1362 transtorno de estresse pós-traumático em, 668-670 transtornos da identidade de gênero em, 779-780 tratamento hospitalar de, 1393 tratamento psiquiátrico de, 1382-1404 tratamento-dia com, 1391-1393 Criatividade, na adolescência, 54 Crimes, efeitos emocionais de, 183t Criptococose, 129 Crise da meia-idade, 65-66 Crise hipertensiva induzida por tiramina, e inibidores da monoaminoxidase, 1147 Crise hipertensiva decorrente de inibidores da monoaminoxidase, 1147 induzida por tiramina, 1147 manifestações de emergência, 968t tratamento de emergência, 968t Crise, conceito de Erikson sobre, 34 Crises conjugais manifestações de emergência, 969t tratamento de emergência, 969t Crises do adolescente manifestações de emergência de, 966t tratamento de emergência de, 966t Cristal (droga), 445-447 Cromossomo(s), 146 definição, 146 Cronobiologia, 158-159 Cronologia de vida familiar, 1002f racional para, 1003t CSE. Ver Condição socioeconômica Cuidado a longo prazo para o idoso, 75-77, 75f, 1474 saúde mental da comunidade, 1471 Cuidado de final da vida abordagens a, 1431 comunicação e sua importância, 1431-1432 consentimento informado, 1432-1433 contando a verdade, 1432 cuidado da criança, 1440 cuidado da família, 1435 cuidado em asilo, 1439-1440 cuidado neonatal, 1440
ÍNDICE
cuidado paliativo, 1435-1439 cuidados de crianças pequenas, 1440 decisões de cuidado terminal, 1433-1435 definição, 1431 eutanásia, 1441 manejo do sintoma, 12345-1439, 1439t medicina alternativa e complementar, 1441 morrer em casa, 1439 orientações futuras no, 1443-1444 problemas enfrentados pelo médico, 1431 questões espirituais, 1440 reações a morte iminente, 78-79 solicitações de suicídio, 1442-1444 suicídio assistido pelo médico, 1441-1442 tratamento da dor, 1436-1438 Cuidado de final da vida neonatal, 1440 Cuidado de final de vida do bebê, 1440 Cuidados paternos/maternos de adolescentes, 55 de bebês, 45 de crianças começando a caminhar, 46-47 estilo de vida alternativo, 63 Culpa do sobrevivente, 80 Culpa conceito de Erikson sobre, 243 definição, 311 Cultos, 958 Cultura âmbito de, 195-196 aspectos universais de, 194 definição, 192, 194-196 e comportamento, 192 e psicofarmacologia, 570-571 e psicopatologia, 195-196 e transtorno bipolar I, 574 e transtorno depressivo maior, 574 etnia, 195-196 personalidade e, 192 raça, 195-196 Cunilíngua, 771 Cura pela fé, 921 Cura considerações culturais, 194f tentativas de, 194 Curvas de dose-resposta, 1037f Custódia conjunta, 1406 Custódia da criança, 67, 1405-1406, 1455 Custódia, de crianças, 67, 1405-1408 Cylert. Ver Pemolina Cytomel. Ver Liotironina
D DaCosta, Jacob Mendes, 639, 665 Dados de identificação, para pacientes, 260-263 Dados definição de, 201 nominais, definição de, 201 ordinais, definição de, 201 razões de intervalo, definição de, 201 Dalmane. Ver Flurazepam Dano e sofrimento emocional, 1458 Dantrium. Ver Dantrolene Dantrolene, 1064t, 1111-1113 ações farmacológicas, 1111-1112 dosagem e administração, 1113 efeitos adversos, 1111-1113 efeitos sobre órgãos e sistemas específicos, 1111-1112 indicações, 1111-1112 interações medicamentosas, 1113 interferência laboratorial, 1113 intoxicação/superdosagem, 1048t precauções com, 1111-1113 química, 1111-1112, 1111f-1112f
1509
Darvon. Ver Propoxifeno Darwin, Charles, sobre medo, 630-631 Davanloo, Habib, e psicoterapia dinâmica de curto prazo, 991, 991t Davy, Humphry, 1136 DDAVP. Ver Desmopressina (DDAVP) De Materia Medica, 911 Decanoato de flufenazina, preparações, 1132t Decanoato de haloperidol, preparações, 1132t Decatexia, definição, 311 Decisão de Gault, 1454 Decisões de cuidado terminal, 1433-1435 Declaração dos Direitos do Paciente, 1431 Declínio cognitivo relacionado à idade, 959 Defeito de processamento auditivo, 106-107 Defeito do ego, na esquizofrenia, 520 Defesa de insanidade, 1457 Defesas do ego, 225 Deficiência de niacina, 442 manifestações neuropsiquiátricas de, 399 Deficiência de nicotinamida considerações médicas sobre, 902t considerações psiquiátricas sobre, 902t Deficiência de tiamina, 101, 438, 1222 considerações médicas sobre, 902t considerações psiquiátricas sobre, 902t manifestações neuropsiquiátricas de, 399 Degeneração hepatolenticular. Ver Doença de Wilson Deidroepiandrosterona (DHEA), 503-504, 1223 efeitos adversos de, 503 Déja entendu, definição, 317 Déja pensé, definição, 317 Déja vu, 100 definição, 317 Delinqüência juvenil, e transtorno da conduta, 1318-1320 Delinqüência, 167 Delinqüente juvenil, definição, 1379 Delírio de ciúme, 553 contribuições de Freud para, 550 definição, 314-315 Delírio(s) bizarro(s), definição, 313 com abstinência de álcool, 435 de auto-acusação, definição, 314-315 de controle, definição, 314-315 de grandeza, definição, 314-315 de infidelidade, definição, 314-315 de perseguição, definição, 314-315 de pobreza, definição, 313 de referência, definição, 314-315 definição, 270, 313 humor congruente, 270 definição, 313 humor incongruente, 270 definição, 313 na demência, 367-368 na esquizofrenia, 507-508, 529-530 com início na infância, 1369 niilista, definição, 313 nos transtornos psicóticos induzidos por substância, 566 paranóide, definição, 314-315 sistematizado, definição, 313 somático, definição, 314-315 Delirium tremens (DTs), 435, 436t, 438 definição, 316 Delirium, 354-356 abstinência de substâncias, 413t, 425t critérios diagnósticos para, 357t, 360 achados físicos no, 358, 358t alterações no ciclo sono-vigília no, 359 avaliação laboratorial de pacientes, 353, 353t características de, 350, 354 causas de, 354-356, 355-357, 355t-356t classificação do DSM-IV de, 351t cognição no, 351-352 critérios diagnósticos para, segundo a CID-10, 360, 360t
1510
ÍNDICE
curso de, 359 definição, 310, 350, 354 devido a múltiplas etiologias, critérios diagnósticos, 357t devido a uma condição médica geral, critérios diagnósticos, 357t diagnóstico diferencial, 358-359 diagnóstico, 357 eletroconvulsoterapia, 360 eletroencefalografia, 353 em pacientes com câncer, 893t epidemiologia, 355-356 exame do estado mental, 351, 352t exame físico do paciente, 352, 353t exames laboratoriais no, 358, 358t farmacoterapia para, 359-360 fatores de risco para, 355-356 história psiquiátrica, 351 imagem de ressonância magnética funcional, 354 imagem de ressonância magnética, 354 induzido por opióides, 1437 induzido por substâncias, 355-357, 357t, 360, 413t, 493, 499. Ver também substâncias específicas intoxicação por substâncias, 413, 413t critérios diagnósticos para, 357t, 360 manifestações de emergência, 968t prognóstico para, 359 sem outra especificação, critérios diagnósticos para, 357t, 360 significado prognóstico de, 355-356 sintomas neurológicos no, 358t testagem neuropsicológica, 354 tipos de, 350 tomografia computadorizada, 354 tomografia por emissão de fóton único, 354 tomografia por emissão de pósitrons, 354 tratamento de emergência, 968t tratamento, 359, 360 versus demência, 358, 359t, 370 versus depressão, 359 versus esquizofrenia, 359 Delito civil, 1454 Démence précoce, 507 Demência infecciosa, 365 Demência multiinfarto. Ver Demência, vascular Demência vascular. Ver Demência, vascular Demência, 129-130, 284, 360-375, 1412-1414 agitação na, tratamento farmacológico de, 1424 agressão na, tratamento farmacológico de, 1424 alterações da personalidade na, 367 alterações de humor na, 368 alucinações na, 367-368 avaliação laboratorial do paciente, 353, 353t, 369 causas de, 361-365, 361t-362t, 1413 CID-10, 372, 373t-375t classificação do DSM-IV para, 365, 366t-368t cognição na, 351-352, 368 com ansiedade, 129 com aterosclerose, 129 com depressão, 129 com psicose, 129 cortical, 364, 365t, 1413-1414 curso, 370-371, 1413 determinantes psicossociais e, 371 de início precoce, 360 definição, 318, 350, 360 delírios na, 367-368 devido a múltiplas etiologias, critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para, 367t devido a outra condição médica geral, 1413 critérios diagnósticos do DSM-IV para, 367t, 369 diagnóstico diferencial, 370 diagnóstico, 365-369 do tipo Alzheimer, 129, 363-364, 368-369, 1414 características clínicas, 1414 critérios diagnósticos do DSM-IV para, 366t, 368 curso, 1414 e padrões de sono, 810
epidemiologia, 361-362, 1414 etiologia, 1414 farmacoterapia para, 1067t fatores genéticos, 363 fisiopatologia de, 127 neuroimagem, 131-132 neuropatologia, 363, 363f neurotransmissão na, 363 tratamento, 371-372, 1414 versus demência vascular, 370 e neuroimagem, 129-130, 1427 e suicídio, 975 eletroencefalografia na, 142, 353 em pacientes com AIDS, 287 epidemiologia, 360-362, 1412-1413 exame do estado mental, 351, 352t exame físico do paciente, 352, 353t, 370-371 farmacoterapia para, 372, 1067t fisiopatologia de, 127, 1413-1414 história psiquiátrica, 351 imagem de ressonância magnética funcional, 354 imagem de ressonância magnética, 129, 354, 1427 induzida por substâncias. Ver substâncias específicas infecciosa, 365 manifestações de emergência, 968t multiinfarto, 129 neuroimagem na, 133f, 139f na doença de Creutzfeldt-Jakob, 1414 critérios diagnósticos da CID-10 para, 375t na doença de Huntington, 364-365, 365t, 1414 critérios diagnósticos da CID-10 para, 375t na doença de Parkinson, 365 critérios diagnósticos da CID-10 para, 375t na doença de Pick, 364, 1414 critérios diagnósticos da CID-10 para, 375t persistente induzida por álcool, 438, 967t persistente induzida por substância, 413t critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para, 367t, 369 persistente induzida por álcool, 438 persistente relacionada a inalantes, 476 persistente relacionada a sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos, 499 persistente relacionada a inalantes, 476, 477 persistente, relacionada a sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos, 499 pré-senil, na taupatia de sistema familiar múltiplo, 363-364 prognóstico para, 370-371 pseudodemência. Ver Pseudodemência reação catastrófica na, 368 relacionada a HIV, 130, 365, 406-407 critérios diagnósticos da CID-10 para, 375t relacionada a traumatismo craniano, 129, 365 sem outra especificação, critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para, 368t sinais e sintomas, 350 subcortical, 364, 365t, 1413-1414 terapia de reposição de estrógeno, 372 terapias psicossociais, 372 testagem neuropsicológica, 354 tipos de, 350 tomografia computadorizada por emissão de fóton único, 354 tomografia computadorizada, 354, 1427 tomografia por emissão de pósitrons, 354 tratamento de emergência, 968t tratamento, 371-372 abordagens experimentais, 372 vascular, 364, 364f, 1414 critérios diagnósticos da CID-10 para, 374t critérios diagnósticos do DSM-IV para, 366t critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para, 369 epidemiologia, 361-362 versus ataques isquêmicos transitórios, 370 versus delirium, 358, 359t, 370 versus depressão, 370, 371t versus envelhecimento normal, 370 versus esquizofrenia, 370 versus retardo mental, 370 versus simulação, 370
ÍNDICE
versus transtorno amnésico, 370 versus transtorno factício, 370 versus transtorno hipofisário, 370 Dementia precox, 507-508 Demerol. Ver Meperidina Demetilfenidato ação farmacológica de, 1190 para transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, 1308-1309, 1308t-1309t Depakene. Ver Valproato Depakote. Ver Divalproex; Ácido valpróico Dependência de substâncias, 413, 413t. Ver também transtorno(s) relacionado(s) a substâncias; substâncias específicas co-dependência, 413, 414 comportamental, 413 critérios diagnósticos, 413, 414t, 424t-425t de substâncias não produzindo dependência, critérios diagnósticos para, 427t definição, 413, 1374 e agressão, 179 e psicoterapia e farmacoterapia combinadas, 1032 e suicídio, 976 epidemiologia, 414-418 etiologia, 418-419, 418f fatores genéticos na, 419 fatores neuroquímicos na, 419, 420f fatores psicodinâmicos na, 418-419 teorias comportamentais, 418f, 419 física, 413 modificadores de curso, 413, 415-416t psicológica, 413 tendências atuais, 417-418 transtorno do humor e, 383t Deprenyl. Ver Selegilina Depressão dupla, 590, 1361 diagnóstico diferencial, 614 Depressão e psicose pós-parto, 564-565 antidepressivos para, 565 manifestações de emergência, 926, 926t, 970t tratamento de emergência, 970t Depressão. Ver também transtorno depressivo maior; transtorno(s) do humor abordagens psicoterapêuticas a, 1021t acupuntura para, 1221 anaclítica, 167 anorexia nervosa e, 788 atípica, 622 com abstinência de anfetamina (ou substância semelhante, 449 com acidente vascular cerebral, 129 com demência, 129 com pseudodemência, 129 com transtorno de adaptação, 849 definição, 310 dupla, 590, 614, 1361 e meia-idade, 244 e problemas acadêmicos, 1378 e sono, 158f, 159, 810 e transtorno da expressão escrita, 1264 e transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, 1307 e transtornos por uso de álcool, 429 e transtornos relacionados a substâncias, 420 em adolescentes, características clínicas de, 590-591 em crianças características clínicas de, 590-591 e transtorno de ansiedade de separação, 1343 entrevistas, 279 escalas de avaliação objetiva para, 594 estimulação magnética transcraniana e, 143 exercício como tratamento para, 911 falta de ar na, 285-286 farmacoterapia para, 599-600, 603t, 604-611, 1091, 1095-1096, 1123, 1144, 1150 terapia de adição de droga, 1052-1054 fatores psicodinâmicos na, 579-580 fisiopatologia de, 123, 125 imagem de ressonância magnética cerebral, 133f induzida por substâncias, etiologia de, 623, 624t
1511
insight na, 594 insulina e, 152 julgamento na, 594 modelo animal de, 186, 187-188 na pessoa à beira da morte, 79 no hipotireoidismo, 291-292 no idoso, 76-77, 1414-1415, 1415t características clínicas, 591 parkinsonismo e, 94 pós-esquizofrênica, 540t pós-parto. Ver Depressão pós-parto e psicoses pós-psicótica, 533 esquizofrenia, transtorno depressivo pós-psicótico da, 621-622 psicoterapia interpessoal para, 604, 992-994, 1021t psicoterapia para, 599-600, 599t-603t psicótica, 594 reserpina e, 189 resposta imune e, 156-157 suicídio na, 976, 977-978, 981 teoria cognitiva de, 579-580, 1017, 1017t teoria da impotência aprendida, 175, 187, 581 terapia cognitiva para, 172 terapia comportamental para, 604 terapia de adição de droga para, 1052-1054 teste de supressão de dexametasona na, 293-294 transtorno de pânico e, 646 versus delirium, 359 versus demência, 370, 371t versus luto, 82-83 Dereísmo, definição, 313 Dermatite atópica, 889, 889f correlatos psicológicos de, 889 Dermatite esfoliativa, e carbamazepina, 1104 Dermatite factícia, 288 Derrames, psicológicos, conceito de Berne sobre, 247 Desajeitamento. Ver transtorno do desenvolvimento da coordenação Desatenção seletiva, definição, 310 Descarrilamento, definição, 313 Desconfiança básica, 238-240, 243 Desejo sexual andrógenos para aumentar, 763 antiandrógenos para diminuir, 763-764 antiestrógenos para diminuir, 763-764 falta ou perda de, critérios diagnósticos da CID-10, 765t transtornos, 748t-749t, 750-751, 750t Desempenho de papel, 163 Desempenho perceptivo, avaliação, 215-217, 216f-217f Desempenho perceptivo-motor, avaliação de, 215-217, 216f-217f Desemprego, no início da idade adulta, 61 Desenho Cinético da família (KFD), 1235t Desenhos, de crianças, 47-48 Desenvolvimento cognitivo anamnese sobre, 265 na adolescência, 54 na infância, 41-42 no período dos primeiros passos, 46 no período pré-escolar, 47 nos anos intermediários (infância), 48 teoria de Piaget sobre, 34-36, 44t, 160-162 Desenvolvimento comportamental, marcos do, 38t Desenvolvimento da linguagem expressiva, no DSM-IV-TR, 1274 Desenvolvimento da linguagem janelas para, 106 na infância, 41-42, 43f, 43t no período dos primeiros passos, 46 no período pré-escolar, 47 nos anos intermediários da infância, 48 Desenvolvimento da personalidade na adolescência, 54 no idoso, 72 teoria de Murphy sobre, 254 Desenvolvimento da vontade, 255 Desenvolvimento emocional conceito de Freud sobre, 193 em bebês, 42, 44t
1512
ÍNDICE
no período dos primeiros passos, 46 no período pré-escolar, 47-48 Desenvolvimento moral, 48, 162 na adolescência, 55 Desenvolvimento motor, anamnese sobre, 265 Desenvolvimento primata sub-humano, 185-189 Desenvolvimento primata, sub-humano, 185-189 Desenvolvimento psicossexual estágios de, 228, 229t-231t, 245 na adolescência, 53-54 teoria de Freud sobre, 34 Desenvolvimento sexual, no período dos primeiros passos, 46 Desenvolvimento social na infância, 38t, 42 no período dos primeiros passos, 38t, 46 no período pré-escolar, 38t, 47-48 Desenvolvimento, 31-77, 233, 234f, 257-258 início, história do, 265 princípio epigenético de, 107-108, 238-243 relação com a teoria freudiana, 238-239 teoria de Adler de, 245 teoria de Erikson sobre, 238-243 teoria de Kohut sobre, 251 Desespero conceito de Erikson de, 242-243 em crianças separadas das mães, 167 Desinibição, definição, 310 Desinstitucionalização, 1473 Desipramina, 1064t dados de nível sangüíneo para avaliação clínica, 299t dosagem e administração, 607t efeitos adversos de, 606t, 1044t, 1201t efeitos de neurotransmissores, 1200t estrutura, 1199f informação clínica, 1204t-1205t interações de drogas, 410, 1209 mecanismos de ação, 123, 606t níveis plasmáticos, monitoração, 296 para bulimia nervosa, 800 para pacientes idosos, 1420 para transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, 1305, 1310 para usuários de cocaína, 469 preparações de, 1204t-1205t Deslocamento, 236t nos sonhos, 226 Desmopressina (DDAVP) crianças, uso com, 1396t para enurese, 1340-1341 Desorientação, definição, 310 Desoxin. Ver Metanfetamina Despersonalização causas de, 733, 733t definição, 317, 732 Despertar matinal precoce, medidas polissonográficas de, 811t Desrealização, definição, 317, 732 Dessensibilização e processamento do movimento ocular (EMDR), 1014-1015 Dessensibilização sistemática, 173, 1011-1012 e dessensibilização do estímulo, 1011-1012 hierarquia, construção de, na, 1011-1012, 1013t indicações para, 1011-1012 uso adjunto de drogas na, 1011-1012 Desvio-padrão, definição, 204 Desyrel. Ver trazodona Determinismo biológico, 193 cultural, 193 recíproco, 172 Deutsch, Helene, 862 Devereux, George, 192 DEWS, 1265-1266 Dexametasona, 292 com donepezil, 1110 para tratamento da dor, 1438t Dexedrina. Ver Dextroanfetamina Dexfenfluramina, para redução de peso, 805t-806t
Dexmetilfenidato, 1064t, 1189 Dextroanfetamina, 445-446, 1064t, 1189. Ver também Simpatomiméticos (e drogas relacionadas) ação farmacológica, 1189-1190, 1190 crianças, uso com, 1395t dosagem geriátrica, 1421t-1422t intoxicação/superdosagem, 1049t para redução de peso, 805t-806t para transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, 1308-1309, 1308t-1309t para tratamento da dor, 1438t Dhat, 568t DHEA. Ver Deidroepiandrosterona (DHEA) Diabete melito, 287 correlatos psicológicos de, 888 Diacetilmorfina. Ver Heroína Diagnóstico sem exame, relativo a ética, 1467t-1468t Diagnóstico, 259 Diarréia, e drogas psicoterapêuticas, 1044 Diazepam, 495, 1064t. Ver também Benzodiazepínico(s) abstinência, 498 ações farmacológicas, 1088 dados de nível sangüíneo para avaliação clínica, 299t dosagem de, 1090t dosagem geriátrica, 1424t estrutura, 1088f farmacocinética, 1087-1088 indicações, 436t, 437, 452, 472, 494, 537 interações medicamentosas, 1114, 1209 meia-vida, 1090t para dessensibilização sistemática, 1011-1012 para transtornos de adaptação, 852 Dibenzoxazepina efeitos adversos, 1044t estrutura, 1120f química, 1119 DICA, 1230 Diencéfalo, na formação da memória, 99 Dieta de Ornish, 910 Dieta de Pritikin, 910 Dieta, 910 e envelhecimento, 71 efeitos biológicos de, 71, 73t Dietilamida do ácido lisérgico (LSD), 469, 470t dados de nível sangüíneo para avaliação clínica, 299t efeitos de, 473 mecanismo de ação, 125 neurofarmacologia, 471 transtorno psicótico, 472 uso entre adolescentes, 1373 Dietilpropiona, 1064t, 1189. Ver também Simpatomiméticos (e drogas relacionadas) para redução de peso, 805t-806t Difenidramina, 1064t, 1079-1081. Ver também Anti-histamínico(s) ações farmacológicas, 1081 dados de nível sangüíneo para avaliação clínica, 299t dosagem e administração, 1081, 1081t estrutura, 1079f-1080f indicações, 1079-1080 interferências laboratoriais, 1081 orientações clínicas para, 1081 para transtorno de ansiedade de separação, 1346-1347 para trastornos extrapiramidais, 1127t Difenilbutilpiperidina, 1118t estrutura, 1120f química, 1119 Diferenciação, estágio de, 45t, 252-253 Diflunisal, para tratamento de dor, 1438t Difusão de identidade, definição, 54 Difusão de papel, conceito de Erikson de, 241-242, 243 Digoxina dados de nível sangüíneo para avaliação clínica, 299t e lítio, 1141t interações medicamentosas, 1150, 1198 Diidroepiandrosterona, 153 Diidroindol
ÍNDICE
estrutura, 1120f química, 1119 Dilantin. Ver fenitoína Dilaudid. Ver Hidromorfona Diligência conceito de Erikson sobre, 34, 243 versus inferioridade, 34, 241 Diltiazem. Ver também Inibidores do canal de cálcio dosagem e administração, 1101 e lítio, 1141t estrutura, 1100f Dimetiltriptamina (DMT), 469, 470t 2,5-dimetóxi-4-metilanfetamina (DOM), 447 Dimorfismo sexual, 190 Dinâmicas adaptativas, 255 Dinâmicas de grupo, 251 Dinorfina, síntese de, 125 Dioscórides, 911 Diplopia, 285-286 Dipsomania, definição, 312 Direito a tratamento, 1451 Direito de recusar tratamento, 1451 Direitos de comunicação, de pacientes, 1452-1453 Direitos de visitas, de pacientes, 1452-1453 Direitos econômicos, de pacientes, 1452-1453 Disartria definição de, 316 diagnóstico diferencial, 1283 e benzodiazepínico(s), 1093 e transtornos fonológicos, 1283t Discalculia, definição, 318. Ver também transtorno da matemática Discinesia tardia induzida por neurolépticos, 1058-1060 antagonistas dos receptores de dopamina e, 1127 critérios de pesquisa para, 1058t Escala de Movimento Involuntário Anormal, 1058, 1059t-1060t Discinesia tardia, 121, 285-286, 534-536, 1045 como situação clínica de alto risco, 1448 diagnóstico diferencial para, 1127, 1127t induzida por neurolépticos, antagonistas dos receptores de dopamina e, 1127 manifestações de emergência, 971t tratamento de emergência, 971t e retardo mental, 204-1256 farmacoterapia para, 1069 Discinesia, definição, 312 Discrasias sangüíneas, e carbamazepina, 1103 Discriminação, 168 Discriminação visual, complexa, avaliação de, 217 Disfasia diagnóstico diferencial, 1277 e transtornos fonológicos, 1283t farmacoterapia, 1069 Disfonia espástica, diagnóstico diferencial de, 1284 Disfonia, definição, 316 Disforia histeróide, 622 Disforia pós-coito, 773 Disfunção autônoma somatoforme, critérios diagnósticos da CID-10, 703t-704t Disfunção cognitiva relacionada a depressão, 370 Disfunção do movimento ocular, na esquizofrenia, 518-519 Disfunção erétil, 748t-749t, 751-752, 751t antagonistas dos receptores de dopamina para, 1116 apomorfina sublingual para, 1117 devido a uma condição médica geral, 755, 756t tratamento, 759-764, 1212 Disfunção gastrintestinal, e drogas psicoterapêuticas, 1044 Disfunção orgásmica, critérios diagnósticos da CID-10, 765t Disfunção(ões) sexual(is), 748-766 agentes farmacológicos envolvidos em, 756t-757t, 758-760, 758-760, 758t, 763-764 antagonistas dos receptores de dopamina para, 1116 ciclo de resposta sexual, disfunções não associadas a, 748-749, 750t classificação da CID-10 para, 764 critérios diagnósticos da CID-10 para, 764, 765t definição de, 748-749 definida, 748-749 devido a uma condição médica geral, 386-387, 386t, 755-757, 755t
1513
e drogas psicoterapêuticas, 1043-1044 farmacoterapia para, 762-764, 1068t, 1212 feminina, devido a uma condição médica geral, 757, 758t hipnoterapia para, 761-762 induzida por álcool, 440-441, 758 induzida por anfetaminas, 450 induzida por cannabis, 460, 758 induzida por opióides, 488, 758 induzida por substâncias, 413t, 757t-758t, 758. Ver também substâncias específicas masculina, devido a uma condição médica geral, 755-757, 755t neurofisiologia de, 757, 757t relacionada a alucinógenos, 758 relacionada a cocaína, 467 relacionada a sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos, 499 sem outra especificação, 759-760, 759t-760t terapia comportamental para, 762, 1015t terapia de duplo sexo para, 759-761 terapia de grupo para, 762 terapia hormonal, 763 tratamento, 759-764 tratamentos biológicos para, 762-763 tratamentos cirúrgicos, 764 tratamentos mecânicos, 763, 764 Disgrafia, 217 definição, 318 e transtorno da expressão escrita, 1264 Dislexia de soletração. Ver também transtorno da expressão escrita Dislexia do desenvolvimento. Ver transtorno da leitura Dislexia, 135, 217. Ver também transtorno da leitura do desenvolvimento, 101-103 definição, 101 Dismorfofobia, 696-697, 802 Dispal. Ver Orfenadrina Dispareunia, 754, 754t devido a uma condição médica geral, 755 não-orgânica, critérios diagnósticos da CID-10 para, 765t-766t Dispnéia, 285-286 Disposições pessoais, 246 Dispositivos de interferência quântica supercondutores, 143 Dispositivos intrauterinos (DIUs), 932t Dispositivos protéticos, para disfunção erétil, 764 Disprosódia, definição, 316 Disputa, 568t Dissociação como defesa, 236t definição, 317 e cisão, 722 nos transtornos da personalidade, 855 Dissonância cognitiva, 172 Dissonia(s), 815-826 no ICSD, 815t sem outra especificação, 824t, 825-826 Dissulfiram, 420, 1064t, 1113-1114 ações farmacológicas, 1113 dosagem e administração, 1114 efeitos adversos, 1114 indicações para, 1113-1114 interações medicamentosas, 1085, 1093, 1114, 1130t interferências laboratoriais, 1114 intoxicação/superdosagem, 1049t no transtorno por uso de álcool, 421, 431 para alcoolismo, 444 precauções com, 1114 química, 1113, 1113f DISTAR, 1261-1262 Distimia critérios diagnósticos da CID-10, 628t-629t farmacoterapia para, 1192-1193 Distonia aguda induzida por medicamentos, 1061t Distonia aguda induzida por neurolépticos, 1057, 1078 amantadina para, dosagem e administração de, 1082 antagonistas dos receptores de dopamina para, 1126 anticolinérgicos para, 1077, 1082 anti-histamínicos para, 1077
1514
ÍNDICE
benzodiazepínicos para, 1078 benztropina para, 1078 critérios de pesquisa para, 1057t difenidramina para, 1081 tratamento, 1057 Distonia mioclônica, 1331t Distonia mioclônica paroxística com vocalização, 1331t Distonia muscular deformante, 1331t Distonia. Ver também transtornos do movimento induzidos por medicação aguda manifestações de emergência, 968t tratamento de emergência, 968t definição, 312 induzida por neurolépticos, 1057, 1078 Distorção, 235t nos transtornos fonológicos, 1281-1282 Distorção negativa nas distribuições, 199f Distratibilidade, definição, 310 Distribuição, 202 de drogas psicoterapêuticas, 1037 definição, 202 frequência, 202 normal, 202 Distribuição de freqüência, 202 Distribuição normal, 202, 199f Distribuição por sexo de abuso de benzodiazepínicos, 496-497 de abuso de esteróides anabolizantes (androgênicos), 501-502 de esquizofrenia, 508-511 de suicídio, 972-973 de transtorno esquizoafetivo, 545-546 de transtornos por uso de álcool, 428 de transtornos por uso de sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos, 495 de uso de alucinógenos, 470 Distribuição racial, de suicídio, 974 Distrofia adiposogenital, 802 Distrofia muscular de Duchenne, 1331t Distúrbio(s) adrenal(is) correlatos psicológicos de, 888-889 manifestações neuropsiquiátricas de, 398 Distúrbio(s) da paratireóide(s), manifestações neuropsiquiátricas de, 398 Distúrbio(s) da tireóide(s), manifestações neuropsiquiátricas de, 397-398 Distúrbio(s) endócrino(s) alteração da personalidade devido a, 873, 873t correlatos psicológicos de, 886-888 e suicídio, 975 manifestações neuropsiquiátricas de, 397-398 transtorno do humor e, 383t Distúrbio(s) gastrintestinal, 883t-884t correlatos psicológicos de, 881-885 drogas para, 883-884, 885t Distúrbio(s) musculoesquelético(s) correlatos psicológicos de, 889-891 por inibidores da monoaminoxidase, 1147 Distúrbio(s) respiratório(s), correlatos psicológicos de, 886-887 Distúrbios afásicos, definição, 316 Distúrbios da pele, correlatos psicológicos de, 889 Distúrbios nutricionais manifestações neuropsiquiátricas, 398-399 transtorno do humor e, 383t transtornos da alimentação. Ver transtornos da alimentação Distúrbios(s) hipofisiários, manifestações neuropsiquiátricas de, 398 Diuréticos de alça, e lítio, 1141t Diuréticos de túbulo distal, e lítio, 1141t Diuréticos osmóticos, e lítio, 1141t Diuréticos poupadores de potássio, e lítio, 1141t Diuréticos e lítio, 1141t interações medicamentosas, 1141 DIUs, 932t Divalproex, 298, 1064t crianças, uso com, 1395t dosagem geriátrica, 1421t-1422t para transtorno bipolar I, 608-609 Divisão de honorários, relativa à ética, 1467t-1468t Divórcio, 66-68
comunidade, 67 co-parental, 67 custódia de filhos e, 67 econômico, 67 efeitos sobre os filhos, 50-51 entre médicos, 938 legal, 67 psíquico, 67 razões para, 67-68 DMT, 469, 470t DNA. Ver Ácido desoxirribonucléico (DNA) Doadores de gameta, 930t Doença arterial coronária, correlatos psicológicos, 885 Doença cardiovascular, e suicídio, 975 Doença cerebral focal, 287 Doença cerebrovascular, 379 alteração da personalidade devido a, 873, 873t transtorno amnésico com, 379 Doença crônica, e problemas de relacionamento, 936 Doença da hemoglobina SC, 147 Doença de Addison considerações médicas sobre, 900t considerações psiquiátricas sobre, 900t manifestações neuropsiquiátricas, 398 Doença de Alzheimer, 101, 363-364. Ver também Demência, do tipo Alzheimer agentes infecciosos e, 156-157 diagnóstico, 149 e terapia de reposição de estrógeno, 1424 genética, 149, 150f, 363 inibidores da colinesterase para. Ver Inibidores da colinesterase insulina e, 152 marcadores biológicos, 305t metabolismo de glicose, na região têmporo-parietal do cérebro, 140f neuroimagem na, 129, 133f, 139f, 140f neuropatologia, 149, 363, 363f neurotransmissores, 363 placas senis no cérebro, 363f tratamento, 127 Doença de Binswanger, 364 Doença de célula I, 1244t Doença de Creutzfeldt-Jakob, 396, 1413-1414 demência na, critérios diagnósticos da CID-10 para, 375t esporádica, 1413-1414 familiar, 1413-1414 iatrogênica, 1413-1414 variante, 396-397 Doença de Crohn, correlatos psicológicos de, 882-884 Doença de Cushing, obesidade na, 802, 802f Doença de fabry, 1244t Doença de Gaucher infantil, 1244t Doença de Graves, 886-887, 886f-887f correlatos psicológicos de, 886-887 Doença de Hallervorden-Spatz, 1331t Doença de Hartnup, 1245t Doença de Huntington, 69, 94, 130f, 364-365, 365t, 1331t alteração da personalidade devido a, 873, 873t considerações médicas sobre, 902t considerações psiquiátricas sobre, 902t demência na, 364-365, 365t, 1414 critérios diagnósticos da CID-10 para, 375t e suicídio, 94, 975 fisiopatologia, 125 neuroimagem na, 129, 133f, 139f psicose na, 94 transtorno do humor e, 383t Doença de inclusão citomegálica, 1245 Doença de Krabbe, 1244t Doença de Lyme, 129, 156-158, 395-396 rash olho-de-touro, 395, 396f Doença de Morquio, 1244t Doença de Niemann-Pick, 1244t Doença de Parkinson, 94, 118 demência na, 365 critérios diagnósticos da CID-10 para, 375t
ÍNDICE
e memória, 100 estimulação magnética transcraniana e, 143 farmacoterapia para, 1091 neuroimagem na, 141 transtorno do humor e, 383 Doença de Pick, 102-103 demência na, 364, 1414 critérios diagnósticos da CID-10 para, 375t Doença de tay-Sachs, 1244t Doença de úlcera péptica correlatos psicológicos de, 881t, 882 farmacoterapia para, 1201 Doença de Wilson, 94, 1245t, 1331t considerações médicas sobre, 902t considerações psiquiátricas sobre, 902t Doença de Wolman, 1244t Doença do cabelo enroscado de Menke, 1245t Doença do príon, 396-397, 1414 Doença dos corpos de Lewy, 364 Doença emocional crônica, e problemas de relacionamento, 936-937 Doença infecciosa manifestações neuropsiquiátricas de, 395-397 transtorno do humor e, 383t transtornos psiquiátricos, manifestações de, 156-158 Doença psicossomática, 243-244, 880t mudança comportamental, 895-897 pacientes reincidentes, 896-897, 896t-897t psicoterapia de grupo para, 896-897 terapia familiar para, 896-897 tratamento combinado de, 894 tratamento, 894-898 aspectos médicos, 895 aspectos psiquiátricos, 894-895 Doença urinária do xarope de bordo, 1243-1244, 1244t Doença(s) médica(s) com sintomas neuropsiquiátricos, 292t com sintomas psiquiátricos, 899t-902t farmacoterapia durante, 1042 história, 284 importância de, 290-291 testes de triagem para, 292t transtorno do humor e, 591 Doença(s) intercorrente, no paciente em tratamento psiquiátrico, 290 médica(s), 291, 292t importância, 290-291 passada, história de, 263 presente, história de, 263 reações a, 19t Doença-fantasma, 568t Doenças sexualmente transmitidas (DSTs), 934-935 AIDS. Ver Síndrome da imunodeficiência adquirida sífilis. Ver Sífilis teste sangüíneo para, 295-296 Doente mental sem-teto, 1473-1474 esquizofrênico, 513 programas de alcance para, 1474 qualidades de, 1473-1474 tratamento de, 1474 Dogmatil. Ver Sulpirida Dollard, John, 168, 173 hipótese de frustração-agressão, 178 Dolofina. Ver Metadona DOM, 447 Dominic-R, 1230 Don Juanismo, 776 Donepezil, 127, 149, 372, 1064t ação farmacológica, 1108 dosagem, 1110 efeitos adversos, 1109 interações medicamentosas, 1110 para doença de Alzheimer e transtornos semelhantes, 1107 Dopamina, 105, 118-121 antagonistas, 119, 121 ciclo de vida, 119, 121
1515
e agressividade, 179 e drogas, 113, 121 e movimentos estereotipados, 1355 e psicopatologia, 121 e sono, 810 efeitos de antidepressivos sobre, 606t em transtornos relacionados a substâncias, 419, 420f função de neurotransmissores, 110-111t, 112f, 114t mecanismos de recaptação, 119 metabolismo, 119, 121 no transtorno depressivo maior, 575 recaptação, efeitos da cocaína sobre, 464 receptores, 114t, 121 efeitos da cocaína sobre, 464 tipo 1 (D1), 121 tipo 2 (D2), 121 na esquizofrenia, 515, 517 no vício, 464 tipo 3 (D3), 121 tipo 4 (D4), 121 tipo 5 (D5), 121 síntese de, 119 testagem, 301t Dopar. Ver L-Dopa Dor, 85-87 dor nas costas acupuntura para, 1221 lombar. Ver Dor lombar e agressão, 179 percepção de, 85, 125 tipos de, 1436 tratamento, 1435-1439 paliativo, 1435-1439 Dor articular miofascial, biofeedback para, 1009t Dor articular têmporo-mandibular, 1009t Dor masturbatória, 759-760 Dor nas costas, 891 acupuntura para, 1221 correlatos psicológicos, 891 tratamento, 891 Ver também Dor na região inferior das costas Dor pélvica, 935 Doral. Ver Quazepam Doriden. Ver Glutetimida Doutrina dos anos delicados, 1405-1406 Doxepina, 1064t dados de nível sangüíneo para avaliação clínica, 299t dosagem e administração, 607t efeitos adversos, 606t, 1044t, 1201t efeitos de neurotransmissores, 1200t estrutura, 1199f informação clínica, 1204t-1205t mecanismo de ação, 606t preparações de, 1204t-1205t Droga(s) abuso. Ver Abuso de substâncias delirium causado por, 355-357 dependência. Ver Dependência de substâncias depressão causada por, 623, 624t disfunção sexual feminina causada por, 758-760, 758t disfunção sexual masculina causada por, 756t, 758-760 e agressividade, 179 e suicídio, 975 gravidez, uso durante, 40 implicada na disfunção sexual, 756t-757t. 758-760, 758-760, 758t na adolescência, 55-57 teratogenia, 40 Drogas antiarrítmicas, interações medicamentosas, 1101 induzidas por CYP, 1038 Drogas anticolinérgicas muscarínicas, e eletroconvulsoterapia, 1216 Drogas antiinflamatórias não-esteróides (AINEs) e lítio, 1141t interações medicamentosas, 1141 Drogas anti-retrovirais, 408-409, 408t interações de drogas psicotrópicas, 409-410
1516
ÍNDICE
Drogas cardiovasculares, e lítio, 1141t Drogas de combinação, 1066 Drogas psicoterapêuticas, 1063-1213 absorção de, 1037 biodisponibilidade de, 1037 desenvolvimento de novas drogas, 1046 distribuição de, 1037 interações medicamentosas, 1046 intoxicação/superdosagem, 1046-1047, 1047t-1051t no tratamento de transtornos relacionados a substâncias, 420 Drogas tetracíclicas, 1199-1206 abstinência de, 1045 ações farmacológicas de, 1200 concentrações plasmáticas, 1204-1205 dosagem, 1203-1205 e depressão resistente a tratamento, 1206 e IMAOs, terapia de combinação com, 608-609 e sedação, 1202 efeitos adversos, 1201-1203, 1201t efeitos alérgicos, 1202 efeitos anticolinérgicos, 1201-1202 efeitos autônomos, 1202 efeitos cardíacos, 1202 efeitos de neurotransmissor, 1200t efeitos hematológicos, 1202 efeitos neurológicos, 1202 efeitos psiquiátricos, 1201 efeitos sobre órgãos e sistemas específicos, 1200 falha de tentativa de droga, 1206 farmacodinâmicas de, 1202f indicações para, 1200-1201 interações medicamentosas, 1045, 1078, 1093, 1192-1193, 1203 induzidas por CYP, 1038 intoxicação/superdosagem, 1051t, 1204-1205 monitoração de droga terapêutica, 1204-1205 orientações clínicas, 1203-1205 para transtorno de pânico, 647 precauções com, 1201-1203 preparações de, 1204t-1205t química, 1199, 1199f término do tratamento de curto prazo, 1206 testagem laboratorial com, 296 Drogas tricíclicas (antidepressivos tricíclicos), 1199-1206 abstinência de, 1045 ações farmacológicas de, 1200 com antagonistas dos receptores de dopamina, 1116 com inibidores da colinesterase, 1110 concentrações plasmáticas, 1204-1205 crianças, uso com, 1395t dosagem, 1203-1205 e depressão resistente a tratamento, 1206 e IMAOs, terapia de combinação, 608-609 e lítio, 1141t e sedação, 1202 efeitos adversos, 1201-1203, 1201t efeitos alérgicos, 1202 efeitos anticolinérgicos, 1201-1202 efeitos autônomos de, 1202 efeitos cardíacos, 1202 efeitos de neurotransmissor, 1200t efeitos hematológicos, 1202 efeitos neurológicos, 1202 efeitos psiquiátricos, 1201 efeitos sobre órgãos e sistemas específicos, 1200 em combinação com benzodiazepínicos, 1094 falha de tentativa de droga, 1206 farmacodinâmicas de, 1202f implicadas na disfunção sexual, 758 indicações para, 533, 1200-1201 interações medicamentosas, 1045, 1070-1071, 1078, 1093, 1114, 11921193, 1203 induzidas por CYP, 1038 intoxicação/superdosagem, 1051t, 1204-1205 mecanismo de ação, 113, 123 monitoração de droga terapêutica, 1204-1205
orientações clínicas, 1203-1205 para anorexia nervosa, 794 para o idoso, 1420 para transtorno de ansiedade de separação, 1346-1347 para transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, 1305, 1310 para transtorno de pânico, 647 para transtorno do humor devido a uma condição médica geral, 384 para transtorno explosivo intermitente, 837 precauções com, 1201-1203 preparações de, 1204t-1205t superdosagem, 1062t término do tratamento de curto prazo, 1206 testagem laboratorial com, 294, 296 Dronabinol, 460 Droperidol, 1064t estrutura, 1120f para delirium, 359 preparações, 1132t química, 1119 Drug Enforcement Agency (DEA), níveis de controle da, 1040f-1041f Drummond, Edward, 1457 DSM. Ver Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSTs. Doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) DT. Ver Delirium tremens (DT) Duloxetina, 1064t, 1211-1212 Duração da sessão, 27 Durham v. Estados Unidos, 1457 Durkheim, Emile, 976 Dusky v. Estados Unidos, 1456
E EBV. Ver Vírus de Epstein-Barr (EBV) ECA. Ver Inibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA) Ecocardiografia, 302t Ecolalia, 1328 definição, 313 Economia de fichas, 1028, 1028t Ecopraxia, 528, 1328 definição, 311 Ecstasy (droga), 125, 447. Ver Metilenedioxianfetamina Ecstasy líquido. Ver Gama hidroxibutirato Ecstasy, definição de, 310 ECT múltipla monitorada (ECTMM), 1218-1219 ECT. Ver Eletroconvulsoterapia (ECT) EDTA, 908 EEG. Ver Eletroencefalografia Efedra, 506 Efedrina, 447 Efeito cumulativo, na entrevista, 23 Efeito de base protegida, 44 Efeitos colaterais anticolinérgicos, 287, 606t Efeitos de Mellanby, 431 Effexor. Ver Venlafaxina Eficiência do sono, medidas polissonográficas de, 811t Ego, 232-233, 251 função sintética do, 233 funções autônomas primárias, 233 secundárias, 233 funções do, 225, 232, 233 na formação do caráter, 237 na neurotogênese, 237 superego. Ver Superego Egocentrismo, em crianças, 161 Egomania, definição, 314-315 Ehrhardt, Anke, 740 Eicosanóide(s) como segundos-mensageiros, 116 função de neurotransmissores, 116, 128 Eixo adrenal, e transtorno depressivo maior, 576 Eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal, 152-153 Eixo hipotalâmico-hipofisário-gonadal, 152 Eixo hipotalâmico-hipofisário-tireoidiano, 153-154
ÍNDICE
Eixo tireoideano, e transtorno depressivo maior, 576 Ejaculação precoce, 753-754, 753t critérios diagnósticos da CID-10 para, 765t tratamento, 761 Ejaculação precoce. Ver Ejaculação precoce retardada, 287 retrógrada, 287 Elavil. Ver Amitriptilina Eldepril. Ver Selegilina Elders, Joycelyn, 412 Eletrocardiografia, com terapia de antidepressivo tricíclico, 296 Eletroconvulsoterapia (ECT), 294, 1213-1220 avaliação pré-tratamento para, 1216 barbitúricos para, 1082 cefaléias decorrentes de, 1220 colocação do eletrodo na, 1217, 1217f contra-indicações, 1218-1219 convulsões induzidas por, 1217-1219 monitoração de, 1217 prolongadas, 1217-1219 tardias, 1217-1219 crianças, uso com, 1399 e anestésicos gerais, 1216-1217 e anestésicos, 1216-1217 e drogas anticolinérgicas muscarínicas, 1216 e lei de Ohm, 1214-1215 e medicação concomitante, 1216 e memória, 1218-1220 e mortalidade, 1218-1219 e pré-medicação, 1216-1217 e relaxantes musculares, 1217, 1217f efeitos adversos de, 1218-1220 efeitos no sistema nervoso central, 1218-1220 espaçamento de, 1218-1219 estímulo elétrico no, 1217 falha de, 1218-1219 fraturas por, 1220 história de, 1213 indicações para, 1214-1216 interações medicamentosas, 1198 mecanismos de ação, 1214-1215 múltipla monitorada, 1218-1219 número de, 1218-1219 orientações clínicas para, 1216-1219 para agressividade, 182 para delirium, 360 para esquizofrenia, 537 para o idoso, 1424-1425 para transtorno do humor devido a uma condição médica geral, 384 para transtorno obsessivo-compulsivo, 664 para transtornos do humor, 384 na infância, 1364 princípios eletrofisiológicos de, 1213-1215 sensibilidade muscular por, 1220 transtorno amnésico com, 379-380 tratamento de manutenção, 1218-1219 Eletroencefalografia, 129, 141-143, 302t de foco epiléptico, 142 inversão de fase, 142 monitoração CCTV de 40 horas, 142 montagem referencial, 142 montagens bipolares, 142 na demência, 142, 353 na esquizofrenia, 517 nas convulsões, 142, 389f, 390f, 391f no pensamento, 143 no sono, 143, 807 para biofeedback, 1008 para transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, 1305 para transtornos cognitivos, 353 Eletrofisiologia, 109-111 nos transtornos da personalidade, 854 Eletromiografia (EMG)/eletromiograma(s) no sono, 807
1517
para biofeedback, 1008 Elogio, na psicoterapia, definição, 986t-987t ELT. Ver Epilepsia de lobo temporal (ELT) E-mail entrevistas, 278 registro médico, 282 Emaranhados neurofibrilares, 363 na doença de Alzheimer, 149 na síndrome de Down, 1242 Embotamento de consciência, 270 Embriaguez do sono, 826 Embrião, 37 EMDR, 1014-1015 Emergências psiquiátricas, 960-981. Ver também Suicídio diagnóstico de, 960-961, 961f diagnóstico diferencial, 961-963 disposição de, 965-966 documentação, 966 emergências específicas, 966t-971t epidemiologia, 960 farmacoterapia, 965 psicoterapia para, 964-965 tratamento, 964 EMG. Ver Eletromiografia (EMG)/eletromiograma(s) Emoção(ões), 102-103 definição de, 310 e memória, 99 experiência da infância e, 107 expressada(s), em famílias, 521 instintos básicos e, 102-103 na psicoterapia psicanalítica, 988 natureza e criação, 107 neuroanatomia e, 102-103 sistema límbico e, 102-104 Empatia desenvolvimento de, 48 durante entrevistas, 280 e prevenção de agressão, 182 na psicoterapia de grupo, 998t Enantato de flufenazina, preparações, 1132t Encaminhamento de pacientes, orientações para, 988, 988t Encefalinas, 125, 484 Encefalite letárgica, 1331t Encefalite por herpes simples, 395 Encefalite, e retardo mental, 1246 Encefalopatia alcoólica, 438 de Wernicke, 438, 1222 manifestações de emergência, 967t tratamento de emergência, 967t farmacologia para, 1191 hepática, 398 considerações médicas com, 901t considerações psiquiátricas com, 901t hipoglicêmica, 398 HIV, 407 pelagra alcoólica, 442 urêmica, 398 Encoprese, 1336-1338 achados laboratoriais, 1337 características clínicas, 1336-1337 critérios diagnósticos, 1336-1337, 1337t curso, 1338 diagnóstico diferencial, 1338 diagnóstico, 1336-1337 epidemiologia, 1336 etiologia, 1336 não-orgânica, critérios diagnósticos da CID-10 para, 1340t-1341t prognóstico, 1338 testagem patológica na, 1337 tratamento, 1338 Encorajamento para elaborar, na psicoterapia, definição de, 986t-987t Endep. Ver Amitriptilina Endomorfinas, 125 Endorfinas, 125, 484
1518
ÍNDICE
Engel, George, 15-16 Entrevista Diagnóstica para Crianças e Adolescentes (DICA), 1230 Entrevista psiquiátrica de emergência, 960, 961t Entrevista(s), 19-27 adição na, 23 arranjo do consultório, 277 assentos na, 277 assistida por droga, 298, 298t, 1224 auto-revelação na, 24 com a família, na psiquiatria infantil, 1229 com adolescentes, 1228-1229, 1400-1401 com bebês e crianças pequenas, 1228 com crianças em idade escolar, 1228 com crianças, 1227-1230 com pais, na psiquiatria infantil, 1229 concluindo, 24 confrontação na, 23 conselho na, 24 conteúdo, 22 fatores que afetam, 19 duração da, 276-277 emergência, 960, 961t empatia durante, 280 “entrevista de amital”, 1082 esclarecimento na, 23 estresse, 278 estrutura “baseada no entrevistado”, 1229-1230 explicação do tratamento, 23 facilitação, 23 família/amigo presente durante, 21 funções de, 19, 19t iniciando, 21-22 interpretação na, 23 intervenções de apoio, 277-278, 277t intervenções obstrutivas, 277-278, 277t médico-cirúrgica, 19 orientada para o insight, 19 orientada para o sintoma, 19 pacientes agitados/violentos, 279 pacientes de culturas diferentes, 29 pacientes deprimidos, 279 pacientes desconfiados, 28-29 pacientes manipuladores, 29 pacientes mentirosos, 279-280 pacientes psicóticos, 278-279 pacientes suicidas, 279 pacientes-problema, 28-29 para pacientes mentalmente retardados, 1247 perguntas, 22 processo, 22-24 fatores que afetam, 19 psicodinâmica, 19 psiquiátrica, 19-20, 276-278 acompanhamento, 278 anotações na, 278 arranjos dos assentos para, 277 manejo do tempo, 276-277 objetivos, 19 orientada para o insight, 19 orientada para o sintoma, 19 versus médico-cirúrgica, 19-20 “queixosos que rejeitam ajuda”, 29 rapport, 20, 21t reafirmação, 24 reflexão, 23 reforço positivo, 24 semi-estruturada, 1229 silêncio, 23 técnicas comuns, 22t terminando, 278 transição na, 23 Entrevistas assistidas por droga, 1091, 1224 Entrevistas de acompanhamento, 278 Enurese, 1338-1341 biofeedback para, 1009t
características clínicas, 1339 critérios diagnósticos, 1339, 1339t curso, 1339 diagnóstico diferencial, 1339 diagnóstico, 1339 diurna, 1339, 1339t e piromania, 838-840 e transtorno da linguagem expresssiva, 1276 e transtorno fonológico, 1280 em crianças, farmacoterapia para, 1397 epidemiologia, 1338 etiologia, 1338-1339 farmacoterapia para, 1201, 1340-1341 na CID-10, 1340t-1341t não-orgânica, critérios diagnósticos da CID-10, 1340t-1341t noturna e diurna, 1339, 1339t noturna, 1339, 1339t patologia e testagem laboratorial na, 1339 prognóstico, 1339 psicoterapia para, 1340-1341 terapia comportamental para, 1339 tratamento, 1340-1341 ENV, 1221 Envelhecer, envelhecimento. Ver também Idoso; Psiquiatria geriátrica aspectos psicossociais do, 73-77 biologia do, 69-73, 70t normal problemas de memória no, 370, 381, 1409 versus demência, 370 versus transtorno amnésico, 381 sadio, 74 Envelhecimento sadio, 74 Envelhecimento, 74. Envenenamento por metal pesado, alteração da personalidade devido a, 873, 873t Envenenamento por monóxido de carbono, 94, 1331t Enxaqueca, 284 biofeedback para, 1009t características clínicas, 892t correlatos psicológicos de, 881t, 892 em salvas, 892 manifestações de emergência, 969t tratamento de emergência, 969t vascular, 892 Epidemiologia, 197-201 Epilepsia, 388-392. Ver também transtorno convulsivo alteração da personalidade devido a, 873, 873t CID-10, 390t de lobo temporal (ELT), 102-103 definição, 388 diagnóstico, 391-392 e amnésia dissociativa, 723-724 e retardo mental, 1240 e suicídio, 975 e transtornos mentais relacionados a, 388-392 eletroencefalografia na, 142 eletroencefalografia de convulsões, 389f, 390f, 391f epidemiologia, 388 estimulação do nervo vago para, 1221 função cerebral e, 99 parcial complexa, e esquizofrenia, 517 petit mal (pequeno mal), 389, 390f sintomas de transtorno do humor na, 391 sintomas psicóticos na, 391 sintomas ictais, 389-390 interictais, 390-391, 391f pré-ictais, 389 transtornos da personalidade na, 390-391 tratamento, 392 violência e, 391 Epilepsia de grande mal, biofeedback para, 1009t Epilepsia de pequeno mal, 389, 390f Epilepsia do lobo temporal (ELT), 102-103 e esquizofrenia, 102-103
ÍNDICE
hipossexualidade na, 102-103 intensidade emocional na, 102-103 neuroimagem na, 133f, 139f viscosidade na, 102-103 Episódio afetivo misto, critérios diagnósticos da CID-10, 629t Episódio depressivo maior com aspectos psicóticos manifestações de emergência, 969t tratamento de emergência, 969t critérios diagnósticos, 581t Episódio hipomaníaco critérios diagnósticos, 582t perfil cognitivo de, 1018t Episódio(s) depressivo(s) características clínicas de, 590 critérios diagnósticos da CID-10, 627t diagnóstico diferencial, 961, 962t exame do estado mental em, 591-594, 592-593f farmacoterapia para, 1136 grave(s) com sintomas psicóticos, critérios diagnósticos da CID-10, 627t sem sintomas psicóticos, critérios diagnósticos da CID-10, 627t leve(s), critérios diagnósticos da CID-10, 627t moderado(s), critérios diagnósticos da CID-10, 627t outro(s), critérios diagnósticos da CID-10, 628t Episódio(s) maníaco(s) características clínicas, 591 critérios diagnósticos, 581t critérios para especificadores de gravidade/psicótico/remissão para episódio atual (mais recente), 583t diagnóstico diferencial, 961, 962t eletroconvulsoterapia para, 1214-1216 exame do estado mental na, 594 farmacoterapia para, 297, 1136 manifestações de emergência, 969t sinais e sintomas, 591 tratamento de emergência, 969t Epistemologia genética, 156-157 EPPS, 208t EPQ, 208t Eptastigmina, para doença de Alzheimer e transtornos semelhantes, 1108 Equanil. Ver Meprobamato Equivalente depressivo, 590 Ergasia, 252-253 Erikson, Erik, 238-245, 238f-239f, 1380 Childhood and Society (Infância e Sociedade), 192, 238-239 princípio epigenético, 108, 238-243 relação com a teoria freudiana, 238-239 sobre desenvolvimento da personalidade, 71-72 sobre idade adulta jovem, 61 sobre velhice, 73t teoria de sobre ciclo de vida, 34, 64, 79, 238-243 sobre desenvolvimento, 238-239 sobre personalidade, 238-239 sobre psicopatologia, 243-244 sobre tratamento, 244-245 Eritrofobia, definição, 314-315 Eritromicina com buspirona, 1099 com paroxetina, 1110 ERM. Ver Espectroscopia de ressonância magnética (ERM) Eros, 176, 228 EROS, 764 Erotomania, 554 definição, 314-315 ERPs. Ver Potenciais relacionados a evento (ERPs) Erro tipo I, definição, 204 tipo II, definição, 204 Erro de encerramento, 216f Erros cognitivos, derivados de suposições, 1019f Erros inatos de metabolismo, 1244t-1245t Erva-de-são-joão, 571, 1223 Erythroxylon coca, 461-462
1519
Escala de Auto-avaliação de Depressão de Zung, 594 Escala de Autoconceito do tennessee (tSCS), 208t Escala de Avaliação de Ansiedade de Hamilton, 208, 331t Escala de Avaliação do funcionamento Social e Ocupacional (SOFAS), 327, 336t Escala de Avaliação do Reajustamento Social, 880t Escala de Avaliação Global do funcionamento (GAF), 321, 321t, 327 Escala de Avaliação para Depressão de Hamilton, 208, 331t-332t, 594 Escala de Avaliação para TDAH para Pais-Professores de Connors Abreviada, 1230-1232 Escala de Classificação Psiquiátrica Breve, 330t Escala de Depressão de Raskin, 594 Escala de depressão geriátrica, 1415t Escala de funcionamento Defensivo, 327, 337t Escala de Inteligência Adulta de Wechsler (WAIS), 206-207, 206f Escala de Inteligência Adulta de Wechsler-Revisada (WAIS-R), 105, 1234t na psiquiatria geriátrica, 1410 Escala de Inteligência de Stanford-Binet, 4ª edição, 1234t, 1236 Escala de Inteligência Infantil de Cattell, 1236 Escala de Inteligência Wechsler para Crianças, 3ª edição (WISC-III), 206, 1234t, 1236 Escala de Inteligência Wechsler Pré-escolar e Primária (WPPSI), 206, 1234t Escala de Memória Wechsler-Revisada (WMS-R), 214 Escala de Movimentos Involuntários Anormais (AIMS), 1059t-1060t, 1127, 1127t Escala de Preferências Pessoais de Edwards (EPPS), 208t Escala Infantil de Gessell, 1236 Escala Obessivo-compulsiva de Yale-Brown (YBOCS), 208, 333t Escala para a Avaliação de Sintomas Negativos (SANS), 334t Escala para a Avaliação de Sintomas Positivos (SAPS), 335t Escalas Bayley de Desenvolvimento do Bebê, 1236 Escalas Bayley de Desenvolvimento do Bebê-Segunda Edição, 1235t Escalas de Aprendizagem de Mullen, 1235t Escalas de Avaliação Psiquiátrica, 327, 329t características, 327 usadas no DSM-IV-TR, 327 Escalas de avaliação, na psiquiatria infantil, 1230-1232 Escalas de Comportamento Adaptativo de Vineland, 1234t Escalas de Comportamento Independente, 1234t Escalas de McCarthy de Capacidades da Criança, 1236 Escatologia, telefone e computador, 771 Escitalopram, 1064t Esclarecimento na entrevista, 23 na psicoterapia, definição de, 986t-987t Esclerose lateral amiotrófica, manifestações neuropsiquiátricas de, 395 Esclerose múltipla, 156-157 alteração da personalidade devido a, 873, 873t considerações médicas sobre, 901t considerações psiquiátricas sobre, 901t e suicídio, 975 manifestações neuropsiquiátricas de, 394-395, 395f na neuroimagem, 130 protocolos de potencial evocado, 144-145 transtorno amnésico com, 379 transtorno do humor e, 383t Esclerose tuberosa, 1243 Escola humanística, 246 Escolas, psicoterapia de grupo em, 1388-1389 Escolha da carreira, 953 Escolha ocupacional, 55 Escore padronizado, 204 Escore-Z, 204 Escoriação psicogênica, 889, 889f correlatos psicológicos de, 889 Escuta, ética relativa a, 1469t Esimil. Ver Guanetidina Eskalith. Ver Lítio Espaço de vida, 251 Especificidade de instrumentos de avaliação, 202t definição, 204 Espectinomicina, e lítio, 1141t Espectroscopia de ressonância magnética (ERM), 133-134, 134t do cérebro, 133-134 Espermatogênese, indução de, 930t Espicanardo (nardo indiano), 909t
1520
ÍNDICE
Espiritualidade, 16 Espironolactona, e lítio, 1141t Esponjas contraceptivas, 932t Esposas espancadas, 947-948 cartão de referência do médico, 949t Espreita, 951 Espumas intravaginais, 932t Esquecimento senescente benigno, 1409 Esquemas, de objeto permanente, 160 Esquizofrenia, 507-541. Ver também transtorno depressivo pós-psicótico da esquizofrenia achados neurológicos na, 532 afasia na, 532 afeto na, 268-269, 528 agentes infecciosos e, 156-157 alterações perceptivas na, 528-529 alucinações na, 104, 507-508, 528-529 cenestéticas, 529 esquizofrenia de início na infância, 1369 significado simbólico de, 520 ambulatorial, 862 aminoácidos na, 514 anomalias físicas na, 532 anticonvulsoterapia para, 537 antipsicóticos para, 507, 534-536 avaliação inicial, 535 combinados com outras drogas, 537 decisões sobre uso, 536f escolha de droga, 534-536 falha de tentativa de droga, 535 falta de adesão a, 535 na emergência, 535 no tratamento de doença refratária, 535-536 princípios terapêuticos, 535 superdosagem, 536 aparência do paciente na, 523f-524f, 527-528, 529f apraxia na, 532 benzodiazepínicos para, 537 borderline, 526 características clínicas, 527-532 carbamazepina para, 537, 1103 classificação da CID-10, 521 cognição na, 532 com início na infância, 527, 1368-1372 características clínicas, 1369-1370 classificação do DSM-IV-TR, 1368 curso, 1370-1372 diagnóstico diferencial, 1294, 1294t, 1370 diagnóstico, 1369-1370 epidemiologia, 1368 estabilidade do diagnóstico, 1371-1372 etiologia, 1368-1369 exames laboratoriais para, 1370 farmacoterapia para, 1371-1372, 1397-1398 patologia, 1370 prognóstico, 1370-1372 psicoterapia para, 1371-1372 tratamento, 1371-1372 confiabilidade de pacientes com, 532 considerações culturais, 512-513 considerações socioeconômicas na, 513 critérios diagnósticos da CID-10, 539, 539f-540f critérios diagnósticos, 509t-511t, 526 CID-10, 539, 539t-540t Critérios de St. Louis, 510t Critérios Diagnóticos de Pesquisa, 510t DSM-IV-TR, 521, 521t Exame do Estado Atual, 511t, 526 Índice de Esquizofrenia de New Haven, 509t Langfeldt, 509t Schneider, 509t sistema flexível, 510t taylor e Abrams, 511t tsuang e Winokur, 511t curso, 533-534
de início precoce, 526 de início tardio, 526 delírios na, 507-508, 529-530 descrição, 507 diagnóstico diferencial, 532-533, 533t, 595, 719-720, 836, 1379 diagnóstico, 521-526 disfunção de movimento ocular na, 518-519 distribuição geográfica de, 512 distribuição por sexo, 508-511 e densidade populacional, 512 e desabrigo, 513 e doença médica, 512 e epilepsia parcial complexa, 517 e família, teorias sobre, 520-521 e psicoterapia e farmacoterapia combinadas, 1030-1031 e retardo mental, 1240 e sazonalidade de nascimento, 511-512 e tabagismo, 478, 512 e taxas de reprodução, 512 e transtorno conversivo, 691 e uso e abuso de substâncias, 512 eletroconvulsoterapia para, 537, 1216 eletroencefalografia na, 517 eletrofisiologia na, 517 entre imigrantes, 513 epidemiologia, 508-513 estilo de escrita, 530f estudos de gêmeos com, 513, 516, 516f, 518-519, 518t-519t etiologia, 513-521 exame do estado mental na, 527-531 fala na, 532 farmacoterapia para, 534, 1068t, 1069, 1091, 1103, 1121-1122, 1136 crianças, 1397-1398 decisões na, 536f terapia de adição de droga, 1054-1055 fatores biológicos na, 513-519 fatores genéticos, 518-519, 518t-519t fatores psicossociais, 507, 520-521 fisiopatologia de, 126, 128, 507, 513-519 função motora na, 523-524, 528 GABA na, 514 genética de, 146, 148-149 hebefrênica, 522 hipótese de causação social, 512-513 hipótese de dopamina, 121, 513-514 hipótese de tendência decrescente, 513 hipóteses neuroquímicas de, 121, 125 homicídio na, 530-531 hospitalização para, 534 padrões na, 513 humor na, 528 ilusões na, 529 imagem do cérebro na, 507, 515-517, 516f, 517f impacto financeiro de, 513 impulsividade na, 530-531 início diferenças de sexo no, 508-511 idades de, 511 insight na, 532 julgamento na, 532 latente, 526 manejo de caso na, 538 manifestações de emergência, 970t marcadores cromossômicos na, 518-519 memória na, 532 modelo animal de, 189 modelo de diátese de estresse na, 513, 518-519 na exacerbação manifestações de emergência, 971t tratamento de emergência, 971t não-remitente, 508 neuroanatomia e, 104, 105 neuroimagem na, 130, 141 neuropatologia, 514-515 neurotransmissores na, 514
ÍNDICE
no idoso, 1415-1416 norepinefrina na, 514 nuclear, 508 onírica, 526 orientação na, 532 os quatro As da, 105, 507-508 outra (cenestopática), 526 pensamento na, 529-530 conteúdo de, 529-530 forma de, 530 processo de, 530 perspectiva histórica sobre, 507-508 pinturas feitas por esquizofrênicos, 530f, 531f pós-tratamento na, 534 potenciais evocados na, 517-519 prevalência na vida de, 508 processamento auditivo na, 149 processo, 508 prognóstico, 534 fatores que afetam, 521t Programa de tratamento Assertivo da Comunidade, 538 pseudoneurótica, 526, 862 psiconeuroendocrinologia na, 518-519 psiconeuroimunologia na, 518-519 psicoterapia para de apoio, 538-539 individual, 538-539 orientada para o insight, 538-539 sensório na, 532 sentimento precoce com, 528 sentimentos na, 528 serotonina na, 514 simples, 526. Ver transtorno deteriorante simples sinais e sintomas, 521t complementares (secundários), 507 desorganizados, 527 fundamentais (primários), 507 negativos, 527, 528t neurológicos, 532 positivos, 527, 528t pré-mórbidos, 527 primeira ordem, 508 prodrômicos, 527 significado simbólico de, 520 subtipos do DSM-IV-TR, 521-525 critérios diagnósticos, 521t suicídio na, 512, 530-531, 976 taxa de pestanejo na, 532 taxas de recuperação, 533-534 teorias da aprendizagem de, 520 teorias psicanalíticas de, 520, 520f teorias sociais de, 521 terapia cognitivo-comportamental para, 538 terapia comportamental para, 1015t terapia de adição de droga para, 1054-1055 terapia de grupo, 538 terapia de lítio para, 537 terapia pessoal para, 539 terapia vocacional para, 539 terapias biológicas para, 534-537 terapias orientadas para a família para, 537-538 terapias psicossociais para, 537-539 testagem psicológica, 526-527 teste de supressão da dexametasona e, 518-519 testes na inteligência, 527 personalidade, 527 projetivos, 527 psicológicos, 527 tipo catatônico, 523-525 critérios diagnósticos para, 521t diagnóstico diferencial, 836 manifestações de emergência, 967t tratamento de emergência, 967t tipo desorganizado, 522-524
critérios diagnósticos para, 521t tipo indiferenciado, 525 critérios diagnósticos para, 521t tipo paranóide, 521-522 critérios diagnósticos para, 521t diagnóstico diferencial, 836 manifestações de emergência, 969t tratamento de emergência, 969t tipo residual, 525 critérios diagnósticos para, 521t tipos de, 1369 tipos I e II, 527, 528t transtorno depressivo pós-psicótico, 526, 621-622 transtornos do pensamento na, 522, 529-530 tratamento de emergência, 970t tratamento, 534-539 de doença refratária, 535-536 treinamento de habilidades sociais na, 537, 537t, 1027t valproato para, 537 verdadeira, 508 versus delirium, 359 versus demência, 370 violência na, 530-531, 530f Esquizofrenia de início na infância. Ver Esquizofrenia Esquizofrenia simples. Ver transtorno deteriorante simples Estação do ano, e risco de suicídio, 975 Estado civil e suicídio, 974 e transtorno bipolar I, 574 e transtorno depressivo maior, 574 Estado crepuscular, definição, 310 Estado de abstinência, 425t Estado de acetilação de pacientes, 571 Estado de sonho, definição, 310 Estado de transe, 1026 indicadores de, 1024t Estado epiléptico parcial complexo, 468 Estado epiléptico, 436, 468 Estado nutricional, avaliação, 288 Estado onírico, 526 Estado vegetativo, persistente, 99 Estados do ego, conceito de Berne sobre, 247 Estados Unidos v. Brawner, 1457 Estafa cerebral, 568t Estágio anal, 34, 228, 229t Estágio de espelho, 251 Estágio de integridade indiferenciada, 252-253 Estágio de latência, 34, 231t Estágio de operações concretas, 34, 44t teoria de Piaget sobre, 161-162 Estágio de operações formais, 34, 44t teoria de Piaget sobre, 162 Estágio de protesto, em crianças separadas das mães, 167 Estágio fálico, 34, 228, 230t Estágio genital, 231t Estágio oral, 34, 228, 229t Estágio pré-apego, 164 Estágio pré-operatório, 34, 44t teoria de Piaget sobre, 160-161 Estágio uretral, 230t Estágios do desenvolvimento da criança, 238-243 Estagnação, conceito de Erikson sobre, 64, 242 Estase biliar intra-hepática, 295 Estatística dedutiva, 201 Estatística(s) deduzível, 201 descritiva, 201 glossário de termos, 201-204 Estatísticas descritivas, 201, 202 Estazolam, 1064t. Ver também Benzodiazepínico(s) ações farmacológicas, 1088 dosagem, 1090t estrutura, 1088f farmacocinética, 1087 meia-vida, 1090t
1521
1522
ÍNDICE
Estereotipia, definição, 311 Esterilização, 932t, 933-934 Esteróide(s) abuso, 427t anabolizante (andrógeno), 501-504 Esteróides anabólicos androgênicos abuso, 501-504 características clínicas, 503 diagnóstico, 503 em atletas, 503 epidemiologia, 501-502 etiologia, 503 alteração da personalidade devido a, 503, 873 comumente usados, 501-502t efeitos adversos, 503 neurofarmacologia, 503 sintéticos, 503 uso distribuição por sexo, 501-502 e idade, 501-502 prevalência, 501-502 vício, 503 Estilo de apego seguro, 168 Estilo de vida alternativo gravidez, 925 pais, 63 Estilos de paternidade, 50-52 Estimulação cerebral e reforço, 175, 188-189 Estimulação do nervo vago (ENV), 1221 Estimulação magnética transcraniana (TMS), 143, 1220-1221 técnicas de, 1220 Estimulação simultânea dupla, 215 Estimulante(s), 445-447 abstinência, critérios diagnósticos para, 426t abuso, 496-497 efeitos adversos, 1397t herbáceo, 571 intoxicação, aguda, critérios diagnósticos para, 423t para crianças e adolescentes, 182, 1395t efeitos adversos, 1399 para transtorno do humor devido a uma condição médica geral, 384 Estímulo condicionado, 168 generalização, 168 não-condicionado, 168 no condicionamento clássico, 168 Estímulos eróticos, 744 Estímulos sensoriais noturnos, nos sonhos, 226 Estímulos sensoriais, resposta a, no autismo, 1292 Estratégia Nacional para Prevenção de Suicídio, 981 Estratégias cognitivas, 172 Estresse e ansiedade, 631 e doença arterial coronária, 885 e ganho de peso, 287 e regressão, 163 e transtorno do humor, 578-580 entrevistas, 278 fatores, específicos versus não-específicos, 881 grave, reações a classificação da CID-10, 634-638 critérios diagnósticos da CID-10, 634-638, 638t imprevisível, no modelo animal, 188 local de trabalho e, 953 materno, transmissão para o feto, 39 no médico, 29-30 psicológico, e doença ou morte, 15 respostas de neurotransmissores a, 878 respostas endócrinas a, 878 respostas imunes a, 155-157, 880 síndrome de adaptação geral, 877-878 síndromes, modelos animais de, 187, 188f teoria de estresse específico, 881 teoria de estresse não-específico, 881 teoria de, 877-878, 880
transtorno de adaptação. Ver transtorno(s) de adaptação vicissitudes da vida e, 880-881 Estressores, e transtornos de adaptação, 848-852 Estrógeno(s), 153, 294, 1223 interações medicamentosas, 1093, 1113 para demência, 372 para impulso sexual, 763 para mulheres idosas, 1424 testagem para, 302t Estruturas de porta de entrada, HMOs, 1486 Estruturas dinâmicas, 248-249 Estudo de Chicago, 198-199 Estudo de linhagem, de agressão, 179 Estudo de Midtown Manhattan, 199 Estudo de New Haven, 199, 199t, 463 Estudo Municipal de Stirling, 199 Estudos de adoção, 193 de transtornos do humor, 578 Estudos de controle de caso, 198 Estudos de coorte, 198 Estudos de crossover, 198 Estudos de famílias, 193-194 Estudos de gêmeos de abuso de álcool, 1374 de agressão, 179 de esquizofrenia, 513, 516, 516f, 518-519, 518t-519t de personalidade, 193 de suicídio, 977-978 de transtorno bipolar I, 578 de transtorno depressivo maior, 578 de transtornos do humor, 578 gêmeos idênticos criados separados, 190-191 Estudos de história de caso, 198 Estudos duplo-cego, 198 Estudos etológicos, de apego, 164 Estudos prospectivos, 198 Estudos retrospectivos, 198 Estudos sorológicos, 130 Estudos transversais, 198 Estupor catatônico definição, 311 na esquizofrenia, 527 Estupor dissociativo, critérios diagnósticos da CID-10, 737t Estupor, definição, 310 Estupro com data, 950 Estupro estatutário, 944 Estupro, 947-950 data, 950 de homens, 950 de mulheres, 947-950 estatutário, 944 manifestações de emergência, 970t medicina psiquiátrica de emergência, 963-964 tratamento de emergência, 970t Etanol, 430. Ver também Álcool dados de nível sangüíneo para avaliação clínica, 299t interações medicamentosas, 1130t Etclorvinol, 1064t, 1083-1084, 1086-1087 intoxicação/superdosagem, 1049t Ética, 1460-1469 autonomia do paciente, 1460 beneficência, 1460, 1463 cirurgia intersexual, 786 confidência, 1464-1465 e psiquiatria integrativa, 923 justiça, 1463 Mapa do Profissionalismo do Médico, 1466, 1466t médicos em treinamento, 1466 médicos prejudicados, 1466 na psiquiatria infantil, 1405-1408 não-maleficência, 1460 perguntas e respostas, 1467t-1469t princípios de, 1460, 1461t-1462t, 1463 psiquiatria militar, 282 questões comerciais, 1464
ÍNDICE
questões de atendimento gerenciado, 1465 questões de registro médico, 282-284 questões financeiras, 1464 questões ideológicas, 1464 questões sociais, 1464 relações com a mídia, 1465 solicitações de suicídio, 1442 violações de fronteira não-sexuais, 1463-1464 violações de fronteira sexuais, 1463 Etnia, 195-196 e transtornos por uso de álcool, 428 Etologia, 184-192 Etopropazina, 1064t Euforia, definição, 310 Eutanásia, 1441 Eve (droga), 447 Eventos de vida e transtornos do humor, 578-580, 597t Evolução, em sociobiologia, 189 Exaltação, definição, 310 Exame Diagnóstico de Afasia de Boston, 217 Exame do Estado Atual, 511t, 526 Exame do estado mental, 129, 268-273 atitude em relação ao examinador no, 268 esboço para, 268t formato para, 268 na avaliação psiquiátrica da criança, 1231-1233, 1231t-1232t na esquizofrenia, 527-531 no episódio depressivo, 591-594, 592-593f no episódio maníaco, 594 no idoso, 1410-1412 no transtorno delirante, 550-553 no transtorno do humor, 591-594 para delirium, 351, 352t para demência, 351, 352t para transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, 1306 para transtorno obsessivo-compulsivo, 662 perguntas relacionadas ao sensório testando funções cognitivas, 351, 352t transtorno(s) amnésico(s), 351, 352t Exame físico do paciente, 288-289 achados incidentais no, 289-290 adiando, 289 escolha do momento adequado, 289 fatores psicológicos no, 289 seleção para, 288-289 Exame neurológico, 129, 289 Exames de ultra-som, 39 Excitação catatônica, definição, 311 excitação fisiológica, e agressividade, 179 função cerebral e, 99 sexual e agressividade, 179 transtornos. Ver transtorno(s) da excitação sexual Excreção, de drogas psicoterapêuticas, 1037-1038 Exercício físico, 911 Exercício, 911 e envelhecimento, 71 efeitos biológicos de, 71, 73t Exibicionismo. Ver também Parafilias características clínicas, 768 critérios diagnósticos da CID-10, 774t critérios diagnósticos, 768, 768t diagnóstico, 768 Existencialismo, 256 Exocitose, 113 Éxons, 146 Expectativa de vida, 203 Expectativa de vida, 69-71, 71t e etnia, 71 e raça, 71 e sexo, 71, 72f Experiência de quase-morte, 78 Experiência de tentativa-e-erro, 168 Experiência emocional corretiva, 107, 246 na psicoterapia psicanalítica, 988
Experiência familiar corretiva, na psicoterapia de grupo, 998t Experiência homossexual, na adolescência, 54 Experiências clínicas, 198 Experiências fora do corpo, 78 Experiências tipo hipnóticas, 1022-1023, 1024t Exploração sexual do paciente, 1458, 1458t Exploração, relativa a ética, 1467t-1468t Exposição a radiação durante a gravidez, 40 Exposição a substâncias pré-natal, 1246 Exposição gradual, na terapia comportamental, 1013 Exposição in vivo, para transtorno de pânico, 648 Exposição, pré-natal, 1246 Externalização, 236t Extinção, 168 Extração de aspectos, em sistemas sensoriais, 85, 87-88, 98 Extrovertidos, 250
F Face, avaliação visual da, 288 Facilitação, na entrevista, 23 Fadiga operacional, 665 Fadiga definição, 311 persistente. Ver Síndrome da fadiga crônica Fairbairn, Ronald, 233, 248-249 Faixa motora, cerebral, 94 Fala avaliação da, 288 avaliação da, na avaliação psiquiátrica da criança, 1233 definição de, 314-315 desenvolvimento normal de habilidades, 1275t evolução da, 91f excessivamente alta ou mansa, definição, 316 função cerebral e, 101 na esquizofrenia, 532 não-espontânea, definição, 314-315 no episódio maníaco, 594 no exame do estado mental, 269 pobreza de conteúdo, definição, 316 pobreza de, definição, 314-315 prejudicada, 92 pressão de, definição, 314-315 prosódia, 98, 101, 532 reconhecimento, 90, 92 transtornos da, definição, 314-316 Falha básica, 247 Falha de desenvolvimento, 167 e transtorno do apego reativo da infância, 1351-1353, 1352f Falret, Jules, 572 Falsa memória, definição, 317 Falsificação retrospectiva, definição, 317 Falta de adesão, 958, 1030 Falta de ar, na depressão, 285-286 Família cismas (divisões) na, 521 de pai solteiro, 63 disfunção, e transtorno da conduta, 1317 e desenvolvimento da criança, 50-52 e esquizofrenia, teorias sobre, 520-521 e personalidade, 193-194 emoção expressada na, 577-578 entrevistas clínicas com, na psiquiatria infantil, 1229 estabilidade, e desenvolvimento da criança, 50-51 ordem de nascimento na, 49-51, 246 preconceituosa, 521 problemas de relacionamento na, 936-939 pseudo-hostil, 521 pseudomútua, 521 Fantasia anamnese sobre, 267-268 nos transtornos da personalidade, 855 Fantasia esquizóide, 235t Farmacogenética, 571
1523
1524
ÍNDICE
Farmacoterapia. Ver também agentes específicos; transtornos específicos com doença médica, 1042 com insuficiência hepática, 1042 com insuficiência renal, 1042 com pacientes geriátricos, 1042, 1042t, 1419-1425 com psicoterapia, 1029-1035 considerações clínicas, 1033-1034 custo-efetividade de, 1034 modelo de duas pessoas de, 1033-1034 modelo de uma pessoa de, 1033 transtornos específicos tratados com, 1030-1033 com tratamento psicossocial, 1029 durante a gravidez, 1042 durante a lactação, 1042 efeitos adversos de, 1042-1045, 1043t para crianças, 1042, 1393-1399 considerações terapêuticas sobre, 1394, 1394t efeitos adversos de, 1398-1399 farmacocinética de, 1394, 1395t-1396t indicações para, 1394-1398 síndromes de abstinência, 1045-1046 terapia de adição de droga, 1052-1055 Fator de crescimento nervoso, 114 Fator de risco, definição, 203 Fator de transcrição fosB, 150 Fator inibidor da liberação de somatotropina, 151, 152t Fator neurotrófico derivado do cérebro, 114 Fatores de transcrição, 146 Fatores psicológicos e comportamentais associados a transtornos ou doenças classificados em outro local, classificação da CID-10, 878t Fatores psicológicos que afetam a condição médica, 877-905 classificação, 877 critérios diagnósticos, 878t definição, 877 teoria de estresse, 877-878, 880 Fatores psicossexuais, 739-745 Fausse reconnaissance, definição, 317 FDA. Ver food and Drug Administration (FDA) FDC, 1039 Federn, Paul, teoria sobre a esquizofrenia, 520 Felação, 771 Feldenkrais, Moshe, 911 Fenciclidina (PCP) (ou substância tipo fenciclidina) abstinência, 492 abuso, 496-497 diagnóstico, 492 cetamina, 494 contaminantes, 492 dados de nível sangüíneo para avaliação clínica, 300t delirium de intoxicação, 493 dependência diagnóstico, 492 física, 492 psicológica, 492 intoxicação, 492-493 alterações perceptivas na, 492-493 critérios diagnósticos para, 492, 492t manifestações de emergência, 970t transtornos comportamentais na, 492-493 tratamento de emergência, 970t na análise urinária, 299t neurofarmacologia de, 491-492 tolerância, 492 uso, 491, 565 e região geográfica, 491 história de, 491 métodos de, 491 variabilidade de dose, 494 usuários, cristalizada, 491 Fenda sináptica, 112 Fendimetrazina, 1065t, 1189. Ver também Simpatomiméticos (e drogas relacionadas) para redução de peso, 805t-806t Fenelzina, 1065t, 1145. Ver também Inibidores da monoaminoxidase ação farmacológica, 1141-1142 dosagem e administração, 607t
efeitos adversos, 1044t interações medicamentosas, 1076 mecanismo de ação, 606t metabolismo, 571 para fobia social, 656-657 para mutismo seletivo, 1350 para pacientes idosos, 1420 para transtorno obsessivo-compulsivo, 663 química, 1145f transtorno psicótico induzido por manifestações de emergência, 970t tratamento de emergência, 970t Fenfluramina intoxicação/superdosagem, 1049t para redução de peso, 805t-806t para transtorno autista, 1296 para transtorno obsessivo-compulsivo, 663 Fenichel, Otto, 651-652, 984 Fenilalanina, 1222 Fenilbutazona e lítio, 1141t interações medicamentosas, 1192-1193 Fenilcetonúria (PKU), 1243, 1244t, 1249t Feniletanolamina-N-metiltransferase (PNMT), 122 Feniletilamina, efeitos adversos de, 1044t Fenilpiperazinas, efeitos adversos de, 1044t Fenilpropanolamina (PPA), 447 para redução de peso, 805t-806t toxicidade de manifestações de emergência, 970t tratamento de emergência, 970t Fenitoína com donepezil, 1110 dados de nível sangüíneo para avaliação clínica, 300t e lítio, 1141t interações medicamentosas, 1093, 1097, 1114, 1116, 1130t, 1192-1193, 1198, 1208 para tratamento da dor, 1438t para usuários de cocaína, 469 Fenmetrazina, 1065t, 1189. Ver também Simpatomiméticos (e drogas relacionadas) Fenobarbital, 495, 1065t. Ver também Barbitúrico(s) abstinência, 499 com donepezil, 1110 dosagem, 1085t efeitos hepáticos, 295 estrutura, 1082f indicações para, 499-500, 1082 interações medicamentosas, 410, 433, 1093, 1192-1193, 1208-1209 Fenômeno choo-choo, 186f Fenômeno de rastreamento, definição, 316 Fenômeno de vida após a morte, 78 Fenômeno tudo-ou-nada, em potenciais de ação, 112 Fenomenologia, 306 Fenômenos de identificação, 81 Fenômenos dissociativos, normais, 722 Fenoprofeno, para tratamento da dor, 1438t Fenotiazina(s), 1118t dosagem geriátrica, 1424t estrutura, 1120f indicações para, 452 para transtorno explosivo intermitente, 837 química, 1119 testagem laboratorial com, 294 Fentermina, 1065t, 1189. Ver também Simpatomiméticos (e drogas relacionadas) para redução de peso, 805t-806t Fentolamina indicações, 494 oral, 763 Feocromocitoma, 285-287, 294 considerações medicas sobre, 902t considerações psiquiátricas sobre, 902t Ferenczi, Sándor, 248-249 Feromônios, 90-91 Ferritina, sérica, testagem para, 302t
ÍNDICE
Ferro, testagem para, 303t Fertilização in vitro e transferência embrionária (IVF-ET), 930t Fetichismo transvéstico, 784. Ver também Parafilias características clínicas, 770-771 critérios diagnósticos da CID-10 para, 774t critérios diagnósticos para, 770-771, 771t diagnóstico, 770-771 Fetichismo. Ver também Parafilias características clínicas, 768, 768t critérios diagnósticos da CID-10, 774t critérios diagnósticos, 768, 768t diagnóstico, 768, 768t Feto, 37 comportamento do, 37 pequeno, 41 vulnerabilidade a estresse materno, 39 Fetoscopia, 39-40, 40 Fibromialgia, 891 correlatos psicológicos de, 891 critérios diagnósticos, 891t farmacoterapia para, 1192-1193 Fisostigmina para doença de Alzheimer e transtornos semelhantes, 1107-1108 para intoxicação anticolinérgica, 1078 Fixação(ões), 250 Flashbacks após uso de maconha, 460 complicações de, 472 definição, 472 em transtornos por uso de alucinógenos, 471, 471t, 472 precipitantes de, 472 Flexibilidade cérea, definição, 311 Floxilação, definição, 311 Flufenazina, 1064t. Ver também Antagonista(s) dos receptores de dopamina dosagem geriátrica, 1424t e lítio, 1141t estrutura, 1120f indicações, 535 preparações, 1132t Flumazenil, 1064t dosagem de, 1090t estrutura molecular, 1089f indicações, 499 meia-vida, 1090t para superdosagem de benzodiazepínicos, 1091 Flunitrazepam, 495 abuso, 495 Fluorodeoxiglicose, na neuroimagem, 133f, 136, 139f Fluoxetina, 114, 123, 1044t, 1064t. Ver também Inibidores seletivos da recaptação de serotonina com bupropiona, 1097 crianças, uso com, 1395t detecção de, por espectroscopia de ressonância magnética, 134 dosagem e administração, 607t e perda de peso, 802 efeitos adversos, 606t, 1044t interações medicamentosas, 410, 1097, 1148, 1198, 1209 induzidas por CYP, 1038 intoxicação/superdosagem, 1049t mecanismo de ação, 123, 130 para anorexia nervosa, 794 para bulimia nervosa, 800 para cataplexia, 820 para mutismo seletivo, 1350 para pacientes idosos, 1420 para transtorno da conduta, 1321 para transtorno de ansiedade de separação, 1346-1347 para transtorno depressivo pós-psicótico da esquizofrenia, 622 para transtorno esquizoafetivo, 548 para usuários de cocaína, 469 Fluoximesterona, 503 Flupentixol, para usuários de cocaína, 469 Flurazepam, 495, 1064t ações farmacológicas para, 1088
1525
dosagem geriátrica, 1424t dosagem, 1090t meia-vida, 1090t para insônia primária, 816 Fluvoxamina, 1064t. Ver também Inibidores seletivos da recaptação de serotonina abstinência de, 1045 crianças, uso com, 1395t dosagem e administração, 607t efeitos adversos, 606t, 1044t interações medicamentosas, 1081, 1093, 1130t, 1420 induzidas por CYP, 1038 intoxicação/superdosagem, 1049t mecanismo de ação, 124 para pacientes idosos, 1420 para transtorno de ansiedade de separação, 1346-1347 Fluxo sangüíneo cerebral (FSC) cafeína e, 454 cocaína e, 464 na esquizofrenia, 517 na intoxicação alcoólica, 435 nicotina e, 481 opióides e, 484 regional, na esquizofrenia, 517 Fluxo sangüíneo cerebral regional, em transtornos esquizofreniformes, 542, 543f Fluxo sangüíneo na imagem de ressonância magnética funcional, 135 na tomografia computadorizada por emissão de fóton único, 135 Fobia de agulha, definição, 314-315 Fobia de escola, 1345 Fobia(s). Ver também transtorno de pânico características clínicas, 655 contribuições de Freud para, 650-652 curso, 655 da infância, desenvolvimento de, 168 definição, 314-315, 649 diagnóstico diferencial, 655 e transtornos por uso de álcool, 429 em uma condição médica geral, 681 epidemiologia, 649-650 específica, 649-657 classificação de fobias, 653 co-morbidade com, 650 critérios diagnósticos da CID-10, 636t critérios diagnósticos, 653, 653t curso, 655 definição, 314-315, 649 diagnóstico diferencial, 655 diagnóstico, 654-654 e transtorno de ansiedade generalizada, 674 e transtorno obsessivo-compulsivo, 658-659 epidemiologia, 649-650 etiologia, 650-653 fatores genéticos, 651-652 prognóstico, 655 tratamento, 655 versus transtorno de pânico, 646 farmacoterapia para, 1068t fatores comportamentais, 650 fatores psicanalíticos em, 641-652 manifestações de emergência, 970t no idoso, 1416 perfil cognitivo de, 1018t prognóstico, 655 psicoterapia orientada para o insight para, 655 social, 123, 649-657 anorexia nervosa e, 788 buspirona para, 1098 características de, 1345t co-morbidade com, 650 critérios diagnósticos da CID-10 para, 636t critérios diagnósticos, 654, 654t curso, 655 definição, 314-315, 649 diagnóstico diferencial, 655
1526
ÍNDICE
diagnóstico, 654-655 e transtorno de ansiedade generalizada, 674 e transtorno obsessivo-compulsivo, 658-659 e transtornos por uso de álcool, 429 e tricotilomania, 843 epidemiologia, 649-650, 650t etiologia, 650-653 farmacoterapia para, 1089 fatores genéticos, 653 fatores neuroquímicos em, 651-653 prevalência na vida, 650, 650t prognóstico, 655 propranolol para, 1073 tratamento, 656-657 versus transtorno de pânico, 646 temas psicodinâmicos em, 651t-652t teoria da aprendizagem de, 650 terapia comportamental para, 655, 1015t terapia familiar para, 655 tratamento de emergência, 970t tratamento, 655-657 Folato, 1222 sérico, testagem para, 302t Folhas de artemísia, 920 Folie à deux, 867-868 definição, 310 Folie à trois, definição, 310 Folie impose, 554-555, 554t, 555t Folie simultanée, 555 Fonemas, 106 Fonologia, 1274 Fonte de preocupação, 408 Food and Drug Administration (FDA) e medicina herbácea, 911 processo de aprovação da, 1039 Ford vs. Wainwright, 1456 Formação de conceito, avaliação de, 214 Formação de reação, 233-234, 236t no transtorno delirante, 550 Formicação (coceira) definição, 316 em transtornos por uso de cocaína, 467 Formulário de consentimento, 1454-1455 Fornecimento de tratamento psiquiátrico, 1487-1489 Fosfatase alcalina, teste para, 300t Fosfato de inositol, metabolismo de, 1136 Fósforo, sérico, testagem para, 303t Fotossensibilidade manifestações de emergência, 970t tratamento de emergência, 970t Fototerapia, 1221 Freeman, Walter, 1224 French, thomas, e psicoterapia breve, 989-990 Freud, Anna, 248-250, 248f-249f, 837 sobre desenvolvimento da criança, 37 teoria do desenvolvimento de, 53-54 Freud, Sigmund, 221-237, 222f-225f A Interpretação dos Sonhos, 225-226 Além do Princípio do Prazer, 228 e hipnose, 1022-1023 Luto e Melancolia, 83, 612 método psicanalítico, 107 modelo topográfico da mente, 226-227 O Ego e o Id, 232 princípio da realidade, 228 sobre amor e intimidade, 747 sobre depressão, 579-580 sobre desenvolvimento da criança, 35-37 sobre emoção, 107 sobre homossexualidade, 746 sobre impotência, 752 sobre incesto, 224-225 sobre interpretação de sonhos, 225-226, 807f, 985 Sobre Narcisismo, 228
sobre narcisismo, 232 sobre neurastenia, 709 sobre neurose fóbica, 650-652 sobre normalidade, 32 sobre o princípio do prazer, 175, 228, 739 sobre personalidade propensa a acidentes, 183 sobre privação sensorial, 189 sobre sintomas obsessivo-compulsivos, 660 sobre traços de personalidade, 854 sobre transtorno de desejo sexual, 750 sobre transtorno delirante, 550 sobre transtorno dismórfico corporal, 696-697 sobre transtorno dissociativo de identidade, 727 sobre transtornos da identidade de gênero, 779 sobre transtornos de adaptação, 848 sobre velhice, 73t teoria do desenvolvimento, 34, 193, 228 teoria estrutural da mente, 232-233, 232f teoria de agressividade, 176, 228 de caráter, 237 de desenvolvimento psicossexual, 34 de esquizofrenia, 520 de homossexualidade, 232 de instintos, 227-232 de neurose de ansiedade, 234-237, 630, 632, 639 de neurose, 224-225, 237 de sexualidade infantil, 228 de sonhos, 225-226 de suicídio, 976 teorias psicanalíticas de, 984-985 tótem e tabu, 192 três Ensaios sobre a teoria da Sexualidade, 34, 228 vida de, 221-222 Fromm, Erich, 248-249, 248f-249f Fronteiras do ego, perda de, na esquizofrenia, 529 Frosch, John, 862 Frotteurismo. Ver também Parafilias características clínicas, 769 critérios diagnósticos, 769, 769t diagnóstico, 769 FSH. Ver Hormônio foliculoestimulante (FSH) FTA-ABS, teste, 295 Fucosidose, 1244t Fuga de idéias, 269 definição, 313 Fuga dissociativa, 722, 725-726 características clínicas, 725-726 critérios diagnósticos da CID-10, 737t critérios diagnósticos, 725-726, 725t curso, 726 definição, 725 diagnóstico diferencial, 726 diagnóstico, 725-726 epidemiologia, 725 etiologia, 725 prognóstico, 726 tratamento, 726 Fuga, definição, 317 Fulton, John f., 1223 Fumo de segunda classe, 483 Função semiótica, 161 Funcionamento intelectual, no autismo, 1293 Funcionamento intelectual borderline, 167, 1377 diagnóstico, 1377 etiologia, 1377 tratamento, 1377 Funcionamento visuoespacial, no idoso, 1410 Funções da aprendizagem, efeitos de drogas psicotrópicas sobre, 1396t Funções de fragmentação, no autismo, 1293 Furosemida e lítio, 1141t interações medicamentosas, 1107
ÍNDICE
G GABA e agressividade, 179 e drogas, 125, 127 e psicopatologia, 127 em transtorno(s) relacionado(s) a substâncias, 419, 420f em transtornos de ansiedade, 634-635 em transtornos por uso de álcool, 429 função de neurotransmissores, 110t-111t, 112f, 127 na esquizofrenia, 514 no transtorno de pânico, 640 receptores, GABAA ligação de barbitúricas a, 496-497 ligação de benzodiazepínicos a, 496-497 ligação de substâncias tipo barbitúricos a, 496-497 Gabapentina, 1064t, 1160-1164 ações farmacológicas, 1160 dosagem, 1161 indicações, 1160 interações medicamentosas, 410, 1161 interferências laboratoriais, 1161 para transtorno bipolar I, 608-609, 610 precauções com, 1160-1161 química, 1160, 1160f reações adversas a, 1160-1161 Gabbard, Glen O., 648-649 Gabinete de Conduta Médica Profissional (Office of Professional Medical Conduct; OPMC), 1466 Gabinete de Medicina Alternativa (Office of Alternative Medicine;), do National Institute of Health, 906-907 classificação de medicinas alternativas, 909t Gagueira. Ver tartamudez Galactosemia, 1245t, 1249t Galantamina, 1064t ação farmacológica, 1108-1109 dosagem, 1110 efeitos adversos, 1110 interações medicamentosas, 1110 para doença de Alzheimer e transtornos semelhantes, 1107 γ-glutamil transpeptidase, efeitos do álcool sobre, 431 Gama hidroxibutirato (GBH) (GHB), 504 Gampo, Songsten, 922 Gânglios basais, 94, 95f anatomia, 94 distúrbios dos, 94 neuroimagem em, 129 na esquizofrenia, 513, 515 Gangliosidose generalizada, 1244t Gangues, e transtorno da conduta, 1318-1320 Ganho de peso, 801 e drogas psicoterapêuticas, 1045 estresse e, 287 Ganho primário, no transtorno conversivo, 692-693 Ganho secundário, 263 no transtorno conversivo, 692-693 Gantt, W. Horsley, 187 Garganta, avaliação médica da, 285-286 Garrod, Alfred, 1136 Gás hilariante, 504-505 Gás lacrimogênio, 470t Gas(es) como segundos-mensageiros, 116 função de neurotransmissores, 108, 116 Gattefosse, René-Maurice, 908 Gays, 745. Ver também Homossexualidade GBH, 504 Gêmeos idênticos criados separados, estudos de, 190-191 Gene visado, 150 Gene(s), 146 E4, múltiplo(s), na doença de Alzheimer, 363 modificador, 147 Generalização excessiva, 1019f Genética biologia molecular, neurogenética e, 144-151
1527
comportamental, 144-151 e doença mental, 148-149 e drogas, 151 e personalidade, 193-194 mapeamento, 148 modelos animais na, 149-150 padrões de herança, 148 pesquisa clínica em, 151 traços, 147-148 transtornos fetais, 39-40 Genitália externa, 740, 740f Genograma, na terapia familiar, 1003 Genótipo XY, defeitos enzimáticos no, 740t Gepirona, 1064t, 1099 Gerânio, 909t Gerontologia, 68 Gessell, Arnold, 37 Gestalt, definição, 254 GH. Ver Hormônio de crescimento (GH) GHB, 504 GIFT, 930t Gill, Merton M., 250 Ginkgo, 1222 Giro pré-central, 88f Glicina, 112f, 126 Glicose metabolismo cerebral de, 136 metabolismo, 117, 139f nível sangüíneo de jejum, testagem para, 302t pacientes de Alzheimer, metabolismo na região têmporo-parietal do cérebro de, 140f Glioblastoma multiforme, 129 Glomérulo/glomérulos, 90, 93 Glossário de termos, 201-204 Glossolalia, definição, 313 Glutamato e drogas, 127-128 e psicopatologia, 128 função de neurotransmissores, 110t-111t, 112f, 127 na esquizofrenia, 514 receptores, 100, 106, 110t-111t Glutamil transaminase, sérico, testagem para, 302t Glutetimida, 495, 1064t, 1083-1084, 1087 dados de nível sangüíneo para avaliação clínica, 299t intoxicação/superdosagem, 1049t GNRH. Ver Hormônio liberador de gonadotropina (GnRH) Goldstein, Kurt, 250 Goma de mascar de nicotina, 482 GORT-R, 1237 Gould, Roger, teoria do desenvolvimento de, 60-61 Gramática, 1274 Grau de percentil, definição, 203 Gravação, ética relativa a, 1469t Gravidez, 924-931 atitudes em relação a, 925 avaliação pré-natal, 927-928 biologia de, 924 bupropiona e, 1095-1096 carbamazepina e, 1104 casamento e, 925 coito durante, 925-926 complicações de e retardo mental, 1246 e transtorno da leitura, 1259 dependência de opióides na, 490 depressão e psicose pós-parto. Ver Depressão e psicose pós-parto durante farmacoterapia, 1042 e antagonistas dos receptores de dopamina, 1128-1129 e comportamento sexual, 925-926 e drogas tetracíclicas, 1203 e drogas tricíclicas, 1203 e transtornos por uso de álcool, 442-443 estágios de, 924 estilo de vida alternativo, 925 exposição a radiação durante, 40
1528
ÍNDICE
falsa, 287, 311, 927-929 fumo durante, 40, 481 hiperêmese gravídica na, 929 infertilidade e, 929-931 lactação. Ver Lactação lítio e, 1141 melancolia pós-parto, 564-565 método Lamaze, 926 modafinil na, 1195 morte perinatal, 931 na adolescência, 55-57 parto e, 926 pica na, 929 primeiro trimestre, 924 psicologia de, 924-925 psicotrópicos na, 927-928 segundo trimestre, 924 segurança de droga na, 927-928, 927t-928t teratógenos na, 927-928 terceiro trimestre, 924 transtornos do sono na, 825 uso de droga durante, 40 Green, Richard, 736-786 Greenspan, Stanley, 163 Grupo de iguais, na adolescência, 54-55 Grupo-controle, 202 Grupos de auto-ajuda, 999 no luto, 84 transtornos relacionados a álcool, 445-446 Grupos, conceito de Bion sobre, 247 GSR, 1008 Guanetidina, 287 interações medicamentosas, 1130t, 1194 Guanfacina, 1064t, 1068-1071 abstinência, 1070-1071 características clínicas, 1070-1071 crianças, uso com, 1396t dosagem, 1070-1071, 1070t-1071t efeitos sobre órgãos e sistemas específicos, 1068 indicações, 1068-1069 interações medicamentosas, 1070-1071 interferências laboratoriais, 1070-1071 para transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, 1310 precauções com, 1069 reações adversas a, 1069 superdosagem, 1069 Guanina, 146 Gutheil, thomas E., 736, 1445
H HAAg, testagem para, 302t Habilidades de escrita, avaliação das, no exame do estado mental, 272 Habilidades de leitura avaliação, no exame do estado mental, 272 função cerebral e, 101-103 Habilidades não-verbais, desenvolvimento normal de, 1275t Hábito, 172-173, 413 Hábitos de alimentação, na história da primeira infância, 265 Hacker, Ewold, 507 Hahnemann, Samuel, 906, 914-915, 919, 919f Halazepam, 1064t. Ver também Benzodiazepínico(s) ações farmacológicas, 1088 dosagem geriátrica, 1424t dosagem, 1090t estrutura, 1088f meia-vida, 1090t Halcion. Ver triazolam Haldol. Ver Haloperidol Haloperidol, 534, 1064t. Ver também Antagonista(s) dos receptores de dopamina com buspirona, 1098 crianças, uso com, 1395t dados de nível sangüíneo para avaliação clínica, 299t
dosagem geriátrica, 1424t e lítio, 1141t e parkinsonismo induzido por neurolépticos, 1078 efeitos adversos, 127 estrutura, 1120f indicações, 442, 449, 452, 472, 476, 494, 535 interações medicamentosas, 1098-1150 para comportamento anti-social da infância/adolescência, 1380 para delirium, 359 para transtorno autista, 1296 para transtorno da conduta, 1321 para transtorno de tourette, 1332 para transtorno psicótico induzido por inalantes, 477 para transtornos psicóticos, 565 preparações, 1132t química, 1119 Halstead, Ward, 218 Hammond, William, 1136 Harlow, Harry, 44, 186, 739 Harmalina, 469 Harmina, 469 Hartmann, Heinz, 32 Hatha yoga, 922 Hathaway, Starke, 207 Hawkins, David, 745 Hb. Ver Hemoglobina (Hb) HBcAg, testagem para, 302t HBsAg, testagem para, 302t Hct, 302t Hebb, D. O., 189 Heidegger, Martin, 256 Hematócrito (Hct), 302t Hematoma subdural, 284 Hemicrania paroxística crônica relacionada ao sono, 831 Hemisfério(s), cerebral, 98 e emoções, 102-103 e linguagem, 98, 98f, 101 e memória, 99-101 estimulação magnética transcraniana e, 143 funções, 98 lateralização, 98, 101 Hemoglobina (Hb), 302t oxigenada, 135 Hemoglobinúria noturna paroxística, 832 Hemólise relacionada ao sono, 832 Hemorragia subaracnóide, 284 Hepatite A, antígeno viral (HAAg), testagem para, 302t Hepatite B, vírus antígeno c (HBcAg), testagem para, 302t antígeno de superfície (HBsAg), testagem para, 302t Hepatite alcoólica, 431 e carbamazepina, 1104, 1104 transmissão de, 489 Hermafroditismo, 740t, 736f Heroína. Ver também Opióide(s) abstinência, 487-488 na análise urinária, 299t neurofarmacologia, 484 para tratamento da dor, 1437t Heterocíclicos, efeitos adversos de, 1044t Heterossexismo, 745 Heterossexual, definição, 741-742 Heterotopia, 106 Heterotopia neuronal, 106 5-HIAA. Ver Ácido 5-hidroxiindoleacético (5-HIAA) Hidrato de cloral, 1064t, 1106-1107 ações farmacológicas, 1106-1107 dados de nível sangüíneo para avaliação clínica, 299t dosagem geriátrica, 1424t dosagem, 1107 efeitos adversos, 1107 efeitos sobre órgãos e sistemas específicos, 1107 indicações, 1107
ÍNDICE
interações medicamentosas, 433, 1107 interferências laboratoriais, 1107 intoxicação/superdosagem, 1048t orientações clínicas para, 1107 para insônia primária, 816 precauções com, 1107 química, 1106, 1106f Hidrocéfalo de pressão normal, 129, 284 Hidrocéfalo, de pressão normal, demência no, 129 Hidromorfona, 483 para tratamento da dor, 1437t 32-hidroxicorticosteróide, testagem para, 302t 5-hidroxitriptamina. Ver Serotonina Hidroxizina, 1064t, 1079-1081. Ver também Anti-histamínico(s) dosagem e administração, 1081t estrutura, 1079f-1080f interferências laboratoriais, 1081 para insônia, no delirium, 359 para tratamento da dor, 1438t Hierarquia de dominância, 188 Higiene do sono, 816, 818t Hinckley, John W., Jr., 1458 Hiperatividade biofeedback para, 1009t definição, 312 em crianças, farmacoterapia para, 1069 Hipercinesia definição, 311 no autismo, 1292 Hiperêmese gravidica, na gravidez, 929 Hiperfagia, definição, 311 Hiperglicemia considerações médicas, 899t considerações psiquiátricas, 899t Hiperglicemia não-cetótica, 1245t Hiperidrose, correlatos psicológicos de, 889 Hipermnésia, definição, 317 Hiperparatireoidismo considerações médicas, 901t considerações psiquiátricas, 901t Hiperplasia adrenal congênita, 783f Hiperplasia adrenal virilizante, 740t Hiperplasia adrenal virilizante congênita, 781-784, 783f Hiperprolactinemia, 889 correlatos psicológicos, 889 Hiper-reflexia automática, 1062t Hipersalivação, farmacoterapia para, 1069 Hipersexualidade, na epilepsia, 391 Hipersonia, 811-812 causas, 812t definição, 311 na CID-10, 817t primária, 818-819 critérios diagnósticos para, 818t, 819 tratamento, 819 relacionada a outro transtorno mental critérios diagnósticos, 831t relacionada a transtornos do Eixo I ou do Eixo II, 830-831 Hipertensão idiopática, biofeedback para, 1009t Hipertensão correlatos psicológicos, 881t, 885 e atividade de dopamina, 1116 Hipertermia, 1062t maligna, 1062t manifestações de emergência, 968t tratamento de emergência, 968t Hipertireoidismo, 291, 886-887 considerações médicas, 899t considerações psiquiátricas, 899t correlatos psicológicos, 886-887 manifestações neuropsiquiátricas, 397 Hiperventilação, 285-286 e ataques de pânico, 298 manifestações de emergência, 968t
1529
terapia comportamental para, 1015t tratamento de emergência, 968t Hipervigilância, definição, 310 Hipnose, 93, 1021-1026 correlatos neurofisiológicos, 1022-1023 definição, 93, 310, 1021 e percepção sensorial, 93 estado de transe, 1026 história, 1022-1023 para cessação de tabagismo, 898 para fobias, 655 para mudança dietética, 898 para perda de peso, 898 para tartamudez, 1285-1286 para transtorno doloroso, 702 sinal de girar os olhos para capacidade hipnótica, 1021, 1022f-1023f uso de Freud de, 222 Hipnoterapia, 1026 contra-indicações, 1026 indicações, 1026 para disfunção sexual, 761-762 Hipnótico(s). Ver também transtorno(s) relacionado(s) a sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos; Substâncias sedativas, hipnóticas ou ansiolíticas abstinência de barbitúricos para, 1082 critérios diagnósticos para, 425t definição, 495 intoxicação, aguda, critérios diagnósticos para, 423t para insônia primária, 816 Hipnotizabilidade, 1022-1024 Hipoatividade, definição, 312 Hipocampo. Ver também Sistema límbico código de posição, 150 e código de posição, 99 e mapa cognitivo, 100 e memória, 136, 173 na formação da memória, 99 na neuroimagem, 136 Hipocinesia, definição, 312 Hipocondria, definição, 314-315 Hipocondríase, 235t, 695-697 características clínicas, 687t, 695 critérios diagnósticos, 695, 695t curso, 696-697 definição, 695 diagnóstico diferencial, 696-697, 718-720 diagnóstico, 695, 695t epidemiologia, 695 etiologia, 695 perfil cognitivo, 1018t prognóstico, 696-697 tratamento, 696-697 Hipocrisia, 715 Hipoglicemia considerações médicas, 899t considerações psiquiátricas, 899t no transtorno por uso de álcool, 433 Hipomagnesemia, nos transtornos por uso de álcool, 436 Hipomania, 460 critérios diagnósticos da CID-10, 625t-626t definição, 310 Hiponatremia, 532 considerações médicas, 900t considerações psiquiátricas, 900t nos transtornos por uso de álcool, 436 Hipoparatireoidismo considerações médicas, 901t considerações psiquiátricas, 901t Hipossexualidade, na epilepsia, 391 Hipotálamo, 98 e apetite, 98 e orientação sexual, 98 e raiva, 98
1530
ÍNDICE
Hipotensão ortostática biofeedback para, 1009t e drogas psicoterapêuticas, 1045 Hipotensão postural, 123 Hipotensão, e atividade de dopamina, 1116 Hipotensivos, interações medicamentosas, 1101 Hipotermia manifestações de emergência, 968t tratamento de emergência, 968t Hipótese de depleção, de neurastenia, 709 Hipótese de dopamina, da esquizofrenia, 121, 513-514 Hipótese de especificidade, 246 Hipótese do nulo, definição, 203 Hipótese permissiva, 125 Hipotireoidismo, 154, 154f, 291 considerações médicas, 899t considerações psiquiátricas, 899t correlatos psicológicos, 888 diagnóstico diferencial, 564 diagnóstico laboratorial, 291, 293t lítio e, 291 manifestações neuropsiquiátricas, 397-398 sintomas psiquiátricos, 291-292 Hipotireoidismo neonatal, 292 Hipoventilação alveolar central, 821 Hipoxifilia, 772 Histamina, 126, 1079-1080 função de neurotransmissor, 112f, 114t receptores, 114t Histeria (termo), 686 Histeria coletiva manifestações de emergência, 968t tratamento de emergência, 968t História de relacionamento social, 265 História psiquiátrica, 259-268 dados de identificação na, 260-263 formato para, 259-260, 260t perguntas para, 260t-261t História sexual, 267, 267t, 747, 747t no idoso, 1409-1410 História. Ver também História psiquiátrica atividade social, 266 conjugal, 266 de desenvolvimento cognitivo, 265 de desenvolvimento motor, 265 de doença atual, 263 de doença passada, 263 de educação, 266 de problemas emocionais, 265 de problemas físicos, 265 de relacionamento, 265 escolar, 265 familiar, 264 final da infância, 265 infância intermediária, 265 legal, 267 médica, 263, 284 menstrual, 287 militar, 266 ocupacional, 265-266, 284 perinatal, 264-265 pessoal, 264-268, 264t pré-natal, 264-265 primeira infância, 265 religiosa, 266 sexual, 267, 267t, 747, 747t situação de vida atual, 267 valores, 268 HIT, 210t HIV. Ver Vírus da imunodeficiência humana (HIV) HMOs. Ver Organizações de manutenção da saúde (HMOs) Hoch, August, 545 Hoch, Paul, 862 Hoffman, Albert, 470
Holocenose, 250 Homem. Ver também preocupação ou transtorno específico climatério, 65 estupro de, 950 funcionamento sexual, na meia-idade, 65 idoso, situação socioeconômica e, 74-75 na idade adulta média, 64 sono REM no, 808 Homem-lobo, 696-697 Homeopatia, 906, 914-919. Ver também Medicina/medicamentos herbáceos Homicídio incidência de, 180-181 na esquizofrenia, 530-531 risco de cometer, avaliação, 176t Homocistinuria, 1244t Homofobia, 745 Homossexual, definição, 741-742 Homossexualidade, 745-747 contribuições de Freud para, 550 definição, 745 e psicopatologia, 746 e transtornos da identidade de gênero, 736 fatores biológicos na, 746 fatores psicanalíticos na, 746 fatores psicológicos na, 746 neuroanatomia e, 98 no conceito de narcisismo de Freud, 232 padrões de comportamento sexual na, 746 pais, 63 prevalência, 745t, 746 Homúnculo, 86, 92, 94 Honorários, 27 Horário de sono, alterações de, 1221 Hormônio adrenocorticotrópico (corticotropina) (ACTH) síntese de, 125 teste para, 300t Hormônio da paratireóide, testagem para, 303t Hormônio de crescimento (GH), 154, 294 e transtorno depressivo maior, 576 testagem, 302t Hormônio foliculoestimulante (FSH), 294 na esquizofrenia, 518-519 testagem para, 302t Hormônio liberador de corticotropina, 151, 152t e transtorno depressivo maior, 576 testagem, 301 Hormônio liberador de gonadotropina (GnRH), 151, 152t, 294 na esquizofrenia, 518-519 testagem para, 302t Hormônio liberador de hormônio de crescimento, 151, 152t Hormônio liberador de tirotropina (TRH), 112f, 151, 152t, 153 na esquizofrenia, 518-519 teste de estimulação, 291-292, 294t Hormônio luteinizante, 294 na esquizofrenia, 518-519 testagem para, 303t Hormônio(s) da tireóide(s), 153, 1196-1197. Ver também tiroxina ações farmacológicas de, 1196 adição de, 1053 dosagem e adminisração, 1197 efeitos adversos, 1196-1197 efeitos sobre órgãos e sistemas específicos, 1196 indicações para, 1196 interações medicamentosas, 1197 interferências laboratoriais, 1197 intoxicação/superdosagem, 1051t precauções com, 1196-1197 química, 1196, 1196f Hormônio(s), 179. Ver também hormônios específicos adolescência, alterações na, 53 classificação de, 152t e agressividade, 179 e comportamento sexual, 744 no abuso de substâncias, 427t
ÍNDICE
para disfunção sexual, 763 psiconeuroendocrinologia, 151-155 secreção de, 151 Hormônios adrenais, 152-153 Hormônios gonadais, 152-153 Hormônios sexuais, efeitos de, na adolescência, 53 Horney, Karen, 250, 250f Hospitais, 1481, 1482t padrões e desempenho, 1482 revisão de utilização, 1482 Hospitalismo, 167 admissão para. Ver Admissão, para hospitalização de adolescentes, 1393 de crianças, 79, 163, 1393 para transtorno psicótico breve, 562 Hospitalização, 1475-1478 considerações legais sobre, 1449-1451 e transtornos de adaptação, 848 e transtornos por uso de álcool, 437 hospitalização parcial, 1477 indicações, 1477-1478 para anorexia nervosa, 793-794 para esquizofrenia, 513, 534 para transtorno delirante, 556-558 para transtorno do humor, 598-600 para transtorno psiquiátrico compartilhado, 556 programas de curto prazo para pacientes internados, 1477 programas de tratamento prolongado, 1477 questões familiares, 1478 Hostilidade, 250 HSAs, 1483-1484 5-HT (5-hidroxitriptamina). Ver Serotonina Hufeland, Christoph W., 919 Hull, Clark L., 172 Humor alterações no, na demência, 368 avaliação do, na avaliação psiquiátrica da criança, 1233 definição, 268, 310 disfórico, definição, 310 distúrbios fisiológicos associados a, definição de, 311 elevado, 113 definição, 310 eutímico, definição, 310 expansivo, definição, 310 instabilidade, no autismo, 1292 irritável, definição, 310 lábil, definição, 310 neuroanatomia e, 102-103 no exame do estado mental, 268 no paciente idoso, 1410 no transtorno delirante, 551-552 variação diurna, definição, 311 Humor como defesa, 236t e prevenção de agressão, 182 Husserl, Edmund, 306 Hwa-byung, 568t
I Ibogaina, 469, 470t Ibuprofeno e lítio, 1141t para tratamento de dor, 1438t Ice (droga), 445-447 ICSD, 793, 815t ICSI, 930t Icterícia manifestações de emergência, 969t tratamento de emergência, 969t Id, 232, 250 Idade adulta, 59-68 anamnese sobre, 266-267
1531
crise da meia-idade, 65-66 evolução do, 58-59 final, 59, 68-77 atitudes em relação à morte no, 80 início, 59-64 casamento no, 61-63, 62t desemprego no, 61 mulheres e trabalho, 61 ocupação no, 61 paternidade no, 63-64 tarefas do desenvolvimento do, 59-61 intermediária, 59, 64-66 aspectos da, 63, 64t divórcio na, 66-68 mudanças de gênero na, 64 sexualidade na, 65 síndrome do “ninho vazio” na, 66 tarefas do desenvolvimento da, 64 maturidade, 68 tarefas do desenvolvimento da, 242-243 Idade e abuso de benzodiazepínicos, 496-497 e abuso de esteróide anabólico (androgênico), 501-502 e suicídio, 974, 974f e transtorno esquizoafetivo, 545-546 e transtorno por uso de alucinógenos, 471 e transtorno por uso de anfetamina (ou de substância semelhante), 447 e transtornos relacionados a inalantes, 474-475 e transtorno de estresse pós-traumático e, 672 mental, 205 Ideação suicida, 1364 definição, 310 Idéia supervalorizada, definição, 313 Idéias de influência, 270 Idéias de referência, 270, 529 Identidade de gênero, 48-49, 739-740, 740f definição, 778 no período dos primeiros passos, 46 Identidade sexual. Ver Identidade de gênero Identidade conceito de Erikson sobre, 34, 243 cultural, 195-197 estabelecendo, 241-242 gênero. Ver Identidade de gênero transtorno dissocitativo. Ver transtorno dissociativo de identidade versus confusão de papel, 34 versus difusão de papel, 241-242, 1380 Identificação na psicoterapia de grupo, 998t no transtorno conversivo, 692-693 Identificação projetiva, 247 nos transtornos da personalidade, 856 Idoso(s), 68-77, 242-243. Ver também Psiquiatria geriátrica abuso de substâncias no, 1417 abuso/dependência de álcool no, 1417 acidentes entre, 183 agentes antimaníacos para, 1421-1423, 1421t-1422t alterações perceptivas no, 1410 anemia do, sintomas psiquiátricos com, 1429-1430 ansiolíticos para, 1423-1424 antidepressivos tricíclicos para, 1420 antipsicóticos para, 1423, 1424t efeitos adversos neurológicos de, 1423 artrire do, sintomas psiquiátricos com, 1429-1430 atitudes em relação à morte no, 79 avaliação funcional do, 1410 avaliação neuropsicológica de, 1411-1412 avaliação psiquiátrica do, 1409-1412 exame psiquiátrico, 1409-1410 história conjugal, 1409 história familiar, 1409 história médica, 1412 história sexual, 1409-1410 cognição no, 1411, 1412, 1412t, 1413t
1532
ÍNDICE
condição de saúde do, 74, 74t cuidado de longo prazo do, 75-77, 75f cuidado de longo prazo psicogeriátrico, 1474 demografia de, 68, 69t depressão no, 76-77, 1414-1415, 1415t características clínicas de, 590-591 descrição geral do paciente, 1410 desenvolvimento da personalidade, 71-73 distribuição geográfica de, 71 doença cardiovascular, sintomas psiquiátricos com, 1429-1430 doença cerebrovascular, sintomas psiquiátricos com, 1428-1429-1430 doença da tireóide, sintomas psiquiátricos com, 1429-1430 doença hepática (crônica), sintomas psiquiátricos com, 1429-1430 doença pulmonar (crônica), sintomas psiquiátricos com, 1429-1430 doença renal (crônica), sintomas psiquiátricos com, 1429-1430 e lítio, 1140-1141 e sexualidade, 75 eletroconvulsoterapia para, 1424-1425 esquizofrenia no, 1415-1416 exame do estado mental, 1410-1411 farmacoterapia para, 1042, 1042t, 1419-1425 principios de, 1419-1420 fatores de risco psicossociais no, 1412 fobias no, 1416 funcionamento visuoespacial no, 1410 história médica no, 1412 hormônios da tireóide para, 1196 inibidores da monoaminoxidase para, 1420-1422 inibidores dos canais de cálcio para, 1101 inibidores seletivos da recaptação de serotonina para, 1420 julgamento no, 1411 luto conjugal, 1418 memória no, 1411 normalidade entre, 35-36 perda auditiva no, 1418 problemas psquiátricos do, 76-77 produção de linguagem no, 1410 psicoestimulantes para, 1421-1422, 1421t-1422t psicoterapia de apoio para, 1425 psicoterapia para, 1425-1427 psicoterapia psicodinâmica breve para, 1426 sedativo-hipnóticos para, 1423-1424 sensório no, 1411 síncope no, 1418, 1418t sintomas psiquiátricos relacionados a droga no, 1412 situação socioeconômica do, 74-75 subnutrição, sintomas psiquiátricos com, 1429-1430 suicídio no, 76-77, 1410, 1417-1418 teóricos do desenvolvimento, 73t terapia antidepressiva para, 1420, 1421-1422 terapia cognitivo-comportamental para, 1426 terapia de reminiscência para, 1425-1426 terapia de revisão de vida para, 1425-1426 terapia integrada para, 1426-1427 terapia orientada para o insight para, 1426 transtorno bipolar I no, 1415 transtorno delirante no, 1416 transtorno obsessivo-compulsivo no, 1416 transtornos de ansiedade no, 1416 transtornos demenciais no, 1412-1414 condições lembrando, 1413t transtornos do sono no, 1417 transtornos mentais no, 1412-1417 transtornos somatoformes no, 1416-1417 vertigem no, 1418 visão de Erikson de, 242-243 Ignição, 577 Ilhas de precocidade, no autismo, 1293 Ilusão(ões) definição, 316 na esquizofrenia, 529 no paciente idoso, 1410 versus alucinações, 529 Ilusões de óptica, 90f
Imagem de ressonância magnética (IRM), 131-133. Ver também Neuroimagem do cérebro, 129, 131-133. Ver também Cérebro, imagem versus tomografia computadorizada, 131-132, 131f-132f, 133 em AVCs, 129 em transtornos dos gânglios basais, 129 funcional (IRMf ), 129, 134-135 delirium, 354 demência, 354 do cérebro, 134-135 em funções sensoriais, 135 fluxo sangüíneo, 135 linguagem na, 135 na esquizofrenia, 516 na rima, 135, 138f para transtornos cognitivos, 354 transtornos amnésicos, 354 na demência, 129, 354, 1427 na esclerose múltipla, 130 na esquizofrenia, 130, 507, 516, 516f, 517f no delirium, 354 no diagnóstico psiquiátrico, 129 no transtorno obsessivo-compulsivo, 130 para doença de Creutzfeldt-Jakob, 396 para transtorno explosivo intermitente, 836 para transtorno(s) amnésico(s), 354, 380-381 para transtornos cognitivos, 354 terminologia, 134-135 Imagem eidética, definição, 317 Imagem parental idealizada, 251 Imagens mentais, na terapia cognitiva, 1019-1020 IMAOs. Ver Inibidores da monoaminoxidase (IMAOs) Imipramina, 1064t crianças, uso com, 1395t dados de nível sangüíneo para avaliação clínica, 299t dosagem e administração, 607t efeitos adversos, 606t, 1044t, 1201t efeitos de neurotransmissor, 1200t estrutura, 1199f informação clínica, 1204t-1205t mecanismo de ação, 606t níveis plasmáticos, monitoração, 296 para bulimia nervosa, 800 para cataplexia, 820 para tratamento da dor, 1438t para usuários de cocaína, 469 preparações de, 1204t-1205t Imitação, na psicoterapia de grupo, 998t Imperícia médica, 1445-1446 exploração sexual do paciente, 1458 Imperícia, 1445-1446 exploração sexual do paciente, 1458 Implosão, na terapia comportamental, 1013 Impotência aprendida, 175, 187, 581 Impotência. Ver Disfunção erétil Impressão, 164, 184, 184f Impulsividade avaliação de, no exame do estado mental, 2442 na esquizofrenia, 530-531 Impulso irresistível, 1457 Impulso sexual andrógenos para, 763 diferenças de gênero no, 744 estrógeno para, 763 libido, 739 conceito de Freud sobre, 227, 232 conceito de Jung sobre, 34 na adolescência, 53 na gravidez, 925 Impulsos, 227 controle e regulação pelo ego, 233 Inadequação de afeto, 268-269 Inalação de dióxido de carbono, 298, 301t Inalação de gasolina, 1331t Inaladores de nicotina, 482
ÍNDICE
Inalante(s) abstinência, 475, 477 abuso, 476 delirium de intoxicação, 476 dependência, 476 efeitos adversos, 477 efeitos, 477 intoxicação, 476 critérios diagnósticos para, 475t, 476 tratamento, 477 morte causada por, 477 neurofarmacologia, 475 nitrito, 504 tolerância, 475, 477 uso, 474-475 e idade, 474-475 e raça, 475 entre adolescentes, 1373-1374 métodos de, 474 prevalência de, 474-475 tendências no, 474-475 Inalantes de nitrato, 504 Inapsina. Ver Droperidol Incapacidade de aprendizagem. Ver transtorno(s) da aprendizagem; transtorno da leitura Incêndio criminoso diferenciado de piromania, 838 Incesto, 769, 943-944 manifestações de emergência, 968t tratamento de emergência, 968t tratamento para, 946 Incidência, 202-203 Inclinação positiva, nas distribuições, 199f Incoerência, definição, 313 Incompetência, ética relativa a, 1466 Inconsciente coletivo, 250 Incontinência fecal, biofeedback para, 1009t Indenização por acidente de trabalho, 1458 Inderal. Ver Propranolol Indicadores de sinal, 167 Índice de Gravidade de Vício Adolescente (t-ASI), 1375 Índice de Gravidade do Problema do Adolescente (APSI), 1375 Índice de mioclonia noturna, medidas polissonográficas de, 811t Individuação, 250 Indometacina, e lítio, 1141t Indução hipnótica, 1022-1024 instruções para perfil, 1025t Induzido por substâncias agitação, farmacoterapia para, 1091 alterações perceptivas. Ver substâncias específicas alucinações, em transtornos psicóticos induzidos por substâncias, 566 delírios, em transtornos psicóticos induzidos por substâncias, 566 delirium, 355-357, 357t, 360, 413t, 493, 499. Ver também substâncias específicas demência. Ver Demência depressão, etiologia de, 623, 624t disfunções sexuais, 413t, 757t-758t, 758. Ver também substâncias específicas transtorno amnésico. Ver transtorno(s) amnésico(s) transtornos de ansiedade. Ver transtorno(s) de ansiedade transtornos do humor. Ver transtorno(s) do humor transtornos do sono, 413t, 832-833, 832t. Ver também substâncias específicas transtornos psiquiátricos. Ver transtorno(s) psiquiátrico(s) transtornos, no DSM-IV, 324, 413t Inefabilidade, definição, 311 Inércia, tratamento de, 388 Infância, 37, 41-46 aprendizagem sexual na, 739 desenvolvimento normal, 35-37 final, história do, 265 início, história do, 265 intermediária, história da, 265 luto na, 83, 1362 marcos do desenvolvimento na, 38t, 41-42 piromania na, 839-840 reações psiconeuróticas a, 237, 237t transtornos da alimentação da, 274, 1323-1327
1533
transtornos da, 1342-1358 transtornos do humor, durante, 1359-1364 Infartos cerebrais, em transtornos por uso de cocaína, 468 Infecção, e retardo mental, 1246 Inferioridade de órgão, 246 Inferioridade, conceito de Erikson sobre, 241, 243 Infertilidade, 929-931 Informação, fundo de avaliação de, no exame do estado mental, 272 no paciente idoso, 1411 Infusão de bicarbonato de sódio, 302t Inibição, 236t Inibição comportamental, e transtorno de ansiedade de separação, 1342 Inibição recíproca, 173 Inibidores da anidrase carbônica, e lítio, 1141t Inibidores da colinesterase, 1107-1112 ações farmacológicas, 1108-1109 dosagem, 1110 efeitos adversos, 1109-1110 efeitos sobre órgãos e sistemas específicos, 1109 indicações, 1109 interações medicamentosas, 1110 interferências laboratoriais, 1110 memantina. Ver Memantina neurotransmissão, potencialização de, 1107, 1108f orientações clínicas para, 1110 precauções com, 1109-1110 química, 1108, 1108f Inibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA) e lítio, 1141t interações medicamentosas, 1130t Inibidores da monoaminoxidase (IMAOs), 287, 1145-1149 abstinência de, 1147 ações farmacológicas, 1145-1146 alimentos ricos em tiramina a serem evitados, 1147t com antagonistas dos receptores de dopamina, 1116 com buspirona, 1098-1099 dosagem, 1148-1149, 1149t, 1151 e crise hipertensiva induzida por tiramina, 1147 e drogas tricíclicas/tetracíclicas, 1206 e mirtazapina, 1144 efeitos adversos, 1044t, 1146-1148 efeitos sobre órgãos e sistemas específicos, 1146 história, 1145 implicados na disfunção sexual, 758 indicações, 1146 interações medicamentosas, 489, 1045, 1076, 1078, 1097, 1098-1099, 1148, 1148t, 1150, 1198 interferências laboratoriais, 1148 intoxicação/superdosagem, 1050t, 1147-1148 mecanismo de ação, 113, 123 orientações clínicas, 1148-1149 para bulimia nervosa, 800 para o idoso, 1420-1422 para transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, 1305 para transtorno de pânico, 647 para transtorno do humor devido a uma condição médica geral, 384 para transtorno obsessivo-compulsivo, 663 para transtornos do humor, 384 para usuários de cocaína, 469 precauções com, 1146-1148 química de, 1145, 1145f testagem laboratorial com, 296-297 tipos de, 1146t Inibidores da protease, 408-409, 408t Inibidores da transcriptase reversa nucleosida, 408-409, 408t Inibidores da transcriptase reversa, 408-409, 408t Inibidores de acetilcolinesterase, 149 Inibidores de transcriptase reversa não-nucleosida, 408-409, 408t Inibidores dos canais de cálcio ações farmacológicas, 1099-1100 dosagem, 1100t, 1101 efeitos adversos, 1101 efeitos sobre órgãos e sistemas específicos, 1100
1534
ÍNDICE
interações medicamentosas, 1101 intoxicação/superdosagem, 1048t meias-vidas, 1100t orientações clínicas para, 1101 para infecção por HIV, 409 para transtorno explosivo intermitente, 837 precauções com, 1101 química, 1099, 1100f uso de, 1099 Inibidores específicos da recaptação de serotonina. Ver Inibidores seletivos da recaptação de serotonina; agentes específicos Inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs), 113, 124, 1164-1176. Ver também agentes específicos abstinência de, 1045 ações farmacológicas, 1164-1166 crianças, uso com, 1395t dosagem, 1174-1176 implicadados na disfunção sexual, 758 indicações para, 533, 1166-1169 interações medicamentosas, 1045, 1093, 1130t, 1172-1174 induzidas por CYP, 1038 interferências laboratoriais, 1174 mecanismo de ação, 606t orientações clínicas para, 1174-1176 para o idoso, 1420 para transtorno autista, 1296 para transtorno de ansiedade de separação, 1346-1347 para transtorno de ansiedade generalizada, 678 para transtorno de pânico, 647 para transtorno explosivo intermitente, 837 para transtorno obsessivo-compulsivo, 663 para transtornos de adaptação, 852 para transtornos de ansiedade, 385 para transtornos do humor devido a uma condição médica geral, 384 para transtornos do humor, 384 para usuários de cocaína, 469 pra alcoolismo, 445-446 precauções com, 1169-1172 química, 1164, 1164f reações adversas a, 1044t, 1169-1172 Iniciativa conceito de Erikson sobre, 34, 243 versus culpa, 34, 241 Injeção de nicotina, 483 Injeção intracitoplasmática de espermatozóide (ICSI), 930t Insanidade dupla, 554-555, 554t, 555t Insanidade relacionada a maconha, 459 Inseminação artificial, 930t Inserção de pensamento, definição, 314-315 Insight avaliação de, na avaliação psiquiátrica da criança, 1233 avaliação de, no exame do estado mental, 272 definição, 272, 318 emocional genuíno, 272 genuíno, definição, 318 intelectual, 272 definição, 318 na depressão, 594 na esquizofrenia, 532 na mania, 594 na psicoterapia de grupo, 998t níveis de, 272 no transtorno delirante, 553 prejudicado, definição, 318 Insight emocional, definição de, 313 Instintos do ego, 227-228 Insônia, 811 acupuntura para, 1221 causas, 812t condicionada, 816-818 definição, 311 difenidramina para, 1081 e drogas psicoterapêuticas, 1044 etclorvinol para, 1086
familiar fatal, 397, 1414 farmacoterapia para, 1081, 1086, 1087, 1089-1090, 1107, 1198 glutetimida para, 1087 idiopática, 818 inicial, definição, 311 intermediária, definição, 311 manifestações de emergência, 969t na CID-10, 817t no delirium, 359 primária, 815-818 critérios diagnósticos, 815, 818t tratamento, 816-818 psicofisiológica, 816-818 relacionada a outro transtorno mental critérios diagnósticos, 829t relacionada a transtornos do Eixo I ou do Eixo II, 829-830 secundária a condições ambientais, 812t a condições médicas, 812t a condições psiquiátricas, 812t terminal, definição, 311 tratamento de emergência, 969t Inspiração, na psicoterapia de grupo, 998t Instinto(s), 227-228 características, 227 de morte, 176, 228, 250, 976 conceito de Freud sobre, 228 de vida, 176, 228 conceito de Freud sobre, 228 fonte, 227 impulso, 227 objetivo, 227 objeto, 227 sexual, conceito de Freud sobre, 227 Instruções antecipadas, 1433-1435 Instrumento de McGarry, 1456 Instrumento Pictórico para Crianças e Adolescentes (PICA-III-R), 1230 Instrumentos de avaliação especificidade de, 202t para estudos epidemiológicos, 200-201, 201t sensibilidade de, 202t valor preditivo de, 202t Instrumentos de avaliação. Ver Escalas de avaliação psiquiátrica Insuficiência adrenocortical considerações médicas sobre, 900t considerações psiquiátricas sobre, 900t Insulina aprendizagem e, 152 memória e, 152 Integração, estágio de, 252-253 Integridade conceito de Erikson sobre, 34, 244 versus desespero e isolamento, 34 versus desespero, 242-243 Intelectualismo, na adolescência, 54 Intelectualização, 236t Inteligência avaliação, no exame do estado mental, 272 borderline, 167, 1377 classificação de, por variação de QI, 205-206, 207t definição, 205, 318 estabilidade de longo prazo da, 1236 no paciente idoso, 1411 Interação pai-filho, avaliação de, na avaliação psiquiátrica da criança, 1231-1232 Interação social, prejuízos qualitativos, no autismo, 1291-1292 Interação, na psicoterapia de grupo, 998t Intercurso sexual durante a gravidez, 925-926 fora do casamento, e divórcio, 68 na adolescência, 54 remoção de método de contracepção, 932t Internação, para hospitalização informal, 1450 involuntária, 1451 procedimentos de, 1450-1451 temporária, 1450-1451
ÍNDICE
voluntária, 1450 Interpretação com doença psicossomática, 894-895 de jogo, 250 de sonhos, 225-226, 807f, 985 na terapia de grupo, 996t na entrevista, 23 na psicanálise, 984-985 na psicoterapia, definição, 986t-987t na terapia de grupo, 996t, 998t Interrupção do pensamento, 1019-1020 Intervalo(s) de confiança, 201-202 Intervenção de vocalização, evolução de, 91f Intervenções de apoio, 277-278, 277t Intervenções obstrutivas, 277-278, 277t Intimidade, 747 conceito de Erikson sobre, 34, 243-244 versus isolamento, 34, 242 Intoxicação por metal, testagem para, 303t Intoxicação por substâncias, 413t. Ver também substâncias específicas aguda, critérios diagnósticos para, 422t critérios diagnósticos para, 413, 414t definição, 1374 delirium, 413t Intoxicação. Ver substâncias específicas Introjeção, 235t, 250 Íntrons, 146 Introvertidos, 250 Inventário Clínico Multiaxial de Million (MCMI), 208t Inventário Clínico Multiaxial de Million-II (MCMI-II), 208t Inventario da Personalidade da Califórnia (CPI), 208t Inventário de Personalidade Adolescente de Millon (MAPI), 1235t Inventário de Personalidade de Jackson (JPI), 208t Inventário de triagem Psicológica (PSI), 208t Inventário Kiddie para transtornos Afetivos e Esquizofrenia (K-SADS), 1229 Inventário Multifásico da Personalidade de Minnesota (MMPI), 32, 205, 207, 208t, 209t, 527, 1235t Inventário Multifásico da Personalidade de Minnesota-2 (MMPI-2), 207, 208t Iodetos, e lítio, 1141t Ioga Bhakti, 922 Ioga, 922 Ioimbina, 763, 1066t, 1212-1213 ações farmacológicas de, 1212 dosagem e administração, 1213 efeitos adversos, 1212 efeitos sobre órgãos e sistemas específicos, 1212 indicações para, 1212 interações medicamentosas, 1070-1071, 1213 mecanismo de ação, 1212 para disfunção sexual, 1044 precauções com, 1212 química, 1212, 1212f Iproniazida, 1064t história, 1145 IRM. Ver Imagem de ressonância magnética (IRM) IRMf. Ver Imagem de ressonância magnética funcional (IRMf ) Irradiação de pensamento, definição, 314-315 Isay, Richard, 746 Ismelin. Ver Guanetidina Isocarboxazida, 1064t, 1145. Ver também Inibidores da monoaminoxidase ação farmacológica, 1141-1142 efeitos adversos, 1044t Isoenzimas do citocromo P450, 571, 1038 interações de drogas, 605-607, 607t, 1038, 1039t, 1195 Isolamento, 1452-1454, 1452t-1453t Isolamento como mecanismo de defesa, 236t conceito de Erikson sobre, 242 estudos com macacos, 185-186, 185f, 186t nos transtornos da personalidade, 855 versus integridade, 34 versus intimidade, 34, 242 Isolamento social, estudos com macacos, 185-186, 185f, 186t reabilitação do comportamento anormal no, 186-187
Isoniazida, interações medicamentosas, 1093, 1114 Isoptina. Ver Verapamil Isradipina, 1064t, 1100t dosagem e administração, 1101 ISRSs. Ver Inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs) Itraconazol, e buspirona, 1099 IVF-ET, 930t
J JA, 842 Jacobsen, C. f., 1223 Jacobson, Edith, 250 sobre depressão, 579-580 Jacobson, Edmund, sobre relaxamento, 1008 Jactatio capitis nocturna, 829 Jamais vu, definição, 317 Jamison, Kay Redfield, 972-973 Janet, Pierre, 696-697, 727 Jasmin, 909t Jaspers, Karl, 32, 508 fenomenologia, escola de, 306 Jogadores Anônimos (JA), 842 Jogadores compulsivos. Ver Jogo patológico Jogo associativo, 47 Jogo paralelo, 47 Jogo patológico, 841-842 características clínicas, 841-842 classificação da CID-10, 846-847, 846t co-morbidade com, 841 critérios diagnósticos para, 841, 841t curso, 842 definição, 841 diagnóstico diferencial, 842 diagnóstico, 841-842 epidemiologia, 841 etiologia, 841 exames laboratoriais, 842 fatores biológicos no, 841 fatores psicossociais, 841 prognóstico, 842 testagem psicológica, 842 tratamento, 842 Jogo como modalidade de tratamento, 244 diferenças de sexo no, 48 interpretação analítica de, 250 nos anos pré-escolares, 47-48 Jogos patológicos, definição, 247 Johnson, frank, 1451 Johnson, Virginia, 53, 65, 75, 751, 761 e terapia de sessão de quatro contatos, 1006 e terapia sexual, 1015t JPI, 208t Julgamento de teste de Orientação de Linha, 217, 217f Julgamento, 233 automático, definição, 318 avaliação de, na avaliação psiquiátrica da criança, 1233 avaliação de, no exame do estado mental, 272 crítico, definição, 318 definição de, 318 na depressão, 594 na esquizofrenia, 532 na mania, 594 no paciente idoso, 1411 no transtorno delirante, 553 prejudicado, definição, 318 Junções de lacuna, 112 Jung, Carl Gustav, 34, 250, 250f Símbolos e transformações, 192 técnica de associação de palavras, 213 Justiça, 1463 Justiça imanente, 161
1535
1536
ÍNDICE
K K-ABC, 1234t, 1236 Kahlbaum, Karl, 507, 572 KAIT, 1234t Kandel, Eric, 172 Kanner, Leo, 1289 Kaplan, Harold, e psicoterapia de grupo interacional estruturada, 999 Karasu, toksoz Byram, 896-897 Kardiner, Abraham, 192 Karma yoga, 922 Kasanin, Jacob, 545 Kava, 506 interações medicamentosas, 1093 Kemadrin. Ver Prociclidina Kernberg, Otto, 250 Ketalar. Ver Cetamina Kevorkian, Jack, 1441 KFD, 1235t Khat, 451 Khat, 451 Kinsey, Alfred, 65, 744-746, 772 Kirby, George H., 545 Klein, Donald, 872 Klein, Melanie, 250, 250, 251f sobre depressão, 579-580 Klerman, Gerald, 604 Klinger, Richelle, 747 Klonopin. Ver Clonazepam Kohlberg, Lawrence, 55 Köhler, Wolfgang, 254 Kohut, Heinz, 251 sobre depressão, 579-580 sobre velhice, 73t Kolb, Laurence, 871 Koro, 568t Kraepelin, Emil, 507, 508f, 545, 572, 594, 696-697 Kraft, thomas, e construção de hierarquia, 1011-1012 Kretschmer, Ernst, 508, 871 Krieger, Dolores, 922 K-SADS, 1229 K-TEA, 1234t, 1237 Kübler-Ross, Elisabeth, 79 Kuru, 1414 manifestações neuropsiquiátricas, 397
L La belle indifférence, 311, 692-693, 696-697 LA, testagem para, 303 Labetalol, 1064t, 1073t. Ver também Antagonista(s) dos receptores β-adrenérgicos ações farmacológicas, 1073 química, 1072f Labirintos, 219t Lacan, Jacques, 251 Lactação, 927-928 e antagonistas dos receptores de dopamina, 1128-1129 farmacoterapia durante, 1042 Lactato de sódio, provocação de ataques de pânico com, 298 Lactato desidrogenase (LDH), testagem para, 303t Lacuna de geração, 55 Lacuna de superego, e comportamento anti-social da infância/adolescência, 1379 Lamivudina, 408 LAMM, 490 Lamotrigina, 1064t, 1160-1164 ações farmacológicas, 1160 dosagem, 1161-1163, 1162t-1163t indicações para, 1160 interações medicamentosas, 1161 interferências laboratoriais, 1161 para transtorno bipolar I, 608-609, 610 precauções com, 1161 química, 1160, 1160f
reações adversas a, 1161 Lange, Carl, 1136 Lange, fritz, 1136 Langfeldt, Gabriel, 508 Lapso freudiano, definição, 312 Larodopa. Ver L-dopa Latah, 568t Latência do sono, medidas polissonográficas de, 811t Lateralidade, dominância cerebral para, 101, 104 Lavagem cerebral, 189, 671 como transtorno dissociativo, 736 Lavanda, 909t Laxantes, abuso de, 427t LCS, testagem, 301t LDH, testagem para, 303t L-Dopa, 1064t, 1114-1117. Ver também Antagonista(s) dos receptores de dopamina, e precursores efeitos adversos, 121 interações medicamentosas, 1097 intoxicação manifestações de emergência, 968t tratamento de emergência, 968t intoxicação/superdosagem, 1049t para usuários de cocaína, 469 LE, testagem para, 303t Legados, ética com relação a, 1467t-1468t Lei da mordaça, 1488-1489 Lei de Alimentos, Drogas e Cosméticos (FDC), 1039 Lei de Determinação Uniforme de Morte, 76-77 Lei de Direitos Uniformes do Doente terminal III, 1434 Lei de Educação para todas as Crianças com Deficiência física, 1238, 1258 Lei de Incapacidades, 1238 Lei de Ohm, 109, 1214-1215 Lei de repressão ao meio biossocial, 248-249 Leitura de trás para diante. Ver transtorno da leitura Leptina, 149 LES. Ver Lúpus eritematoso sistêmico (LES) Lesão da cabeça, 284. Ver também traumatismo craniano e suicídio, 975 transtorno amnésico com, 380 Lesão hepatocelular, 294 Lesão/lesões, 182-184 considerações psicofisiológicas sobre, 183 exigindo avaliação e tratamento cirúrgico ambulatorial considerações médicas sobre, 900t considerações psiquiátricas sobre, 900t exigindo avaliação e tratamento cirúrgico hospitalar considerações médicas sobre, 901t considerações psiquiátricas sobre, 901t Lésbica(s), 745 Letológica, definição de, 317 Leucocitose, com terapia de droga antipsicótica, 297t Leucodistrofia metacromática, 1244t Leucoencefalopatia, 130 Leucopenia com terapia de droga antipsicótica, 297t manifestações de emergência, 969t tratamento de emergência, 969t Leuencefalina, 125 Levalorfan, 483, 490 Levantamento da Área de Captação Epidemiológica do NIMH, 199-200, 200t Levinson, Daniel J., 35-36 e velhice, 73t teoria do desenvolvimento de, 59-60, 60f, 66 Levodopa. Ver L-dopa Levometadil, 1064t, 1151-1155 ações farmacológicas, 1151 dosagem, 1155 efeitos sobre órgãos e sistemas, 1151 indicações, 1152 interações medicamentosas, 1153-1154 interferências laboratoriais, 1153-1154 precauções com, 1153-1154 química, 1151, 1152f
ÍNDICE
reações adversas a, 1153-1154 sintomas de abstinência, 1153-1154 superdosagem, 1153-1154 Levorfanol, para tratamento da dor, 1437t Levotiroxina, 1065t, 1196. Ver também Hormônio(s) tiroideano(s) Levotróide. Ver Levotiroxina; tiroxina Levoxil. Ver Levotiroxina; tiroxina Levo-α-acetilmetadol (LAMM), 490 Lewin, Kurt, 251, 254 Lewis, Dorothy, 179 Lewis, Melvin, 35-36 LH. Ver Hormônio luteinizante Libido do ego, 232 Libido do objeto, 232 Libido. Ver Impulso sexual Librium. Ver Clordiazepoxida Liddell, Howard Scott, 187 Lidone. Ver Molindona Lidz, theodore, 33, 521 Liebault, Ambroise-August, 222 Ligação das trompas de falópio, 934 Ligação das trompas de falópio, 934 Ligação de excitação-contração, 110-111 Ligação mãe-bebê, 44-45 Ligação odorante, 90 Limiar de espícula, 108 Lindemann, Eric, e psicoterapia breve, 989-990 Língua inglesa, atividade neural e, 106 Língua japonesa, atividade neural e, 106 Linguagem corporal, 101 habilidades não-verbais, desenvolvimento normal de, 1275t Linguagem alterações, com tumor cerebral, 393 aquisição da, 92, 106-107 avaliação de, na avaliação psiquiátrica da criança, 1233 avaliação, 217 em adultos, 217 categorias lexicais, circuito neural para, 135 desenvolvimento normal de habilidades, 1275t dominância cerebral para, 101 e neuroimagem, 135 fonologia, 1274 gramática, 1274 inglês, atividade neural e, 106 japonesa, atividade neural e, 106 neuroanatomia e, 98, 98f, 101 potenciais relacionados a evento e, 144-145 pragmática, 1274 processamento auditivo e, 106-107 processamento, 101 produção de linguagem do idoso, 1410 produção, 101 produção, no paciente idoso, 1410 rima, 135, 137f semântica, 1274 transtornos da, no autismo, 1292 Liotironina, 1065t, 1196. Ver também Hormônio(s) da tireóide dosagem e administração, 607-609 e drogas tricíclicas/tetracíclicas, 1206 Lipkin, Mack, Jr., 19 Lipogranulomatose de farber, 1244t Líquido cerebrospinal (LCS), testagem, 301t Lista de Verificação Adjetiva (ACL), 208t Lista de Verificação de Comportamento Infantil, 1230 Lista de Verificação do Problema de Comportamento Revisada, 1230 Lisurida, para usuários de cocaína, 469 Lithobid. Ver Lítio Lithonate. Ver Lítio Lítio, 1065t, 1136-1143 abstinência de, 1045 ações farmacológicas, 1136 adição de, 1053 anúncio de Água de Lítio Urso (Bear Lithia Water), 1136f avaliação médica inicial, 1142
1537
com carbamazepina, 1104-1105 concentrações plasmáticas, 1142-1143 concentrações séricas, 1142-1143 crianças, uso com, 1395t dados de nível sangüíneo para avaliação clínica, 299t descontinuação de, 1143 detecção de, por espectroscpia de ressonância magnética, 134 dosagem geriátrica, 1421t-1422t dosagens recomendadas, 607, 1142 e drogas tricíclicas/tetracíclicas, 1206 e educação do paciente, 1143 e esquizofrenia, 537 e ganho de peso, 802 e gravidez, 1141 e hipotireoidismo, 291 e pacientes adolescentes, 1140 e pacientes idosos, 1140-1141 e transtorno bipolar, 117 efeitos adversos de, 291, 606t, 1137-1142, 1137t-1138t efeitos cardíacos, 1139-1140 efeitos cognitivos, 1139 efeitos dermatológicos, 1140 efeitos gastrintestinais, 1137-1139 efeitos na tireóide, 1139 efeitos neurológicos, 1139, 1141 efeitos renais, 1139 efeitos sobre órgãos e sistemas específicos, 1136 fatores prognosticadores de resposta a, 1136, 1136t fracasso do tratamento, 1143 história, 1136 implicado na disfunção sexual, 758 indicações para, 537, 1136-1138 interações medicamentosas, 410, 1093, 1097, 1130t, 1141-1142, 1141t, 1150, 1208 interferências laboratoriais, 1142, 1142t intoxicação/superdosagem, 1049t, 1140 mecanismo de ação, 606t monitoração da função da tireóide, 291, 293t monitoração da função renal, 294-295, 295f para alcoolismo, 445-446 para bulimia nervosa, 800 para comportamento agressivo/violento, 182, 388 para comportamento anti-social da infância/adolescência, 1380 para labilidade afetiva e impulsividade, 388 para psicose pós-parto, 565 para transtorno autista, 1296 para transtorno bipolar I, 608-609, 610, 1209t para transtorno da conduta, 1321 para transtorno esquizoafetivo, 548 para transtorno obsessivo-compulsivo, 663 para usuários de cocaína, 469 precauções com, 1137-1142 química de, 1136 superdosagem, 1140 testagem laboratorial com, 295f, 297-298 toxicidade, 287, 1140 manifestações de emergência, 969t sinais e sintomas, 1140t tratamento de emergência, 969t tratamento de manutenção, 1137-1138 tremores e, 121, 1139 Livedo reticularis, 1076 Llinas, Rudolfo, 158 LNNB, 218 (LNNB:C), 1235t LNNB:C, 1235t Lobo temporal medial, na formação da memória, 99 Lobo(s) frontal(is) disfunção, 99, 105 e antipsicóticos, 105 e atenção, 99 e emoção, 104 e linguagem, 101 funções, 99t, 104-105
1538
ÍNDICE
lesão, 105 na esquizofrenia, 104, 130, 515, 518-519 no prejuízo de memória, 101 nos transtornos do humor e do afeto, 130 subdivisões, 105 testagem, 105 Lobo(s) occipital(is), funções, 99t Lobo(s) parietal(is) e quociente de inteligência, 105 funções, 99t no prejuízo de memória, 100, 101 Lobo(s) temporal(is) e emoção, 104 e esquizofrenia, 104, 130 e linguagem, 101 funções de, 99t lesão, 102-103 no prejuízo da memória, 101 Local de trabalho assédio sexual, 938, 951 material educativo para reduzir, 951t estresse e, 953 mulheres, no início da idade adulta, 61 transtorno do ritmo circadiano do sono, tipo mudança de turno, 824 Locura, 568t Logorréia, definição, 314-315 Longevidade, 69 Lopressor. Ver Metropolol Loratadina, indicações para, 1079-1080 Lorazepam, 1065t. Ver também Benzodiazepínico(s) ações farmacológicas, 1088 dosagem geriátrica, 1424t dosagem, 1090t estrutura, 1088f farmacocinética de, 1087 indicações, 436t, 438, 530, 537 meia-vida de, 1090t para transtorno bipolar, 608-609 para transtornos extrapiramidais, 1127t Lorenz, Konrad, 184-185 teoria de agressão, 176, 184-185 Loucura do mixedema, 397 Loxapina, 1065t dosagem geriátrica, 1424t estrutura, 1120f preparações, 1132t química, 1119 Loxitane. Ver Loxapina LSD. Ver Dietilamida do ácido lisérgico (LSD) L-triptofano deficiência, e padrões de sono pobres, 809, 1222 dosagem e administração, 608-609 mecanismo de ação, 124-125 para insônia primária, 816 para transtorno obsessivo-compulsivo, 664 Lu, frances G., 195-196 Ludiomil. Ver Maprotilina Luminal. Ver fenobarbital Lúpus anticoagulante (LA), testagem para, 303t Lúpus eritematoso (LE), testagem para, 303t Lúpus eritematoso sistêmico (LES), 889, 890f considerações médicas sobre, 901t considerações psiquiátricas sobre, 901t correlatos psicológicos de, 889 manifestações neuropsiquiátricas de, 397 Luria, Alexander, 218 Luscher, Max, 909 Lust Angst, 837 Lusz, Benedict, 920 Luto, 80-84, 952 antecipatório, 82 biologia do, 83 com divórcio, 67 complicado, 82
conceito de Freud sobre, 83 conjugal, 1418 definição, 80, 310 em crianças, 83 estágios de, 81 fases, 81, 81f, 84t em crianças, 83 fenomenologia do, 83, 83t manifestações de emergência, 967t na infância, 83, 1362 não complicado, 595 normal, 80-81 nos pais, 83 papel do médico no, 83-84 patológico (anormal), 82 período de, 81-82 psicodinâmica do, 83 psicose no, 82 reações a aniversários, 82 transtorno depressivo maior, diferenciado de, 82t tratamento de emergência, 967t versus depressão, 82-83 Luvox. Ver fluvoxamina
M M’Naghten, Daniel, 1457, 1457f Má articulação, nos distúrbios fonológicos, 1281-1282 Má conduta profissional, 1466 Má percepção do estado de sono, 818 Macaco(s), 185f-188f comportamento, diferenças individuais em, 187 depleção de catecolamina, e interação social, 189 estudos de isolamento social com 185-186, 185f, 186f processos de desenvolviemento em, 185-187 reabilitação dos criados em isolamento, 186-187 Maconha, 457 abstinência, 458 abuso, 459 e esquizofrenia, 512 delirium por intoxicação, 459 diagnóstico, 459 dependência, 458, 459 fisiológica, 458, 459 psicológica, 458, 459 efeitos adversos, 458 flashbacks, 460 ideação paranóide transitória, 459 intoxicação, 459 com alterações perceptivas, 459 critérios diagnósticos, 459, 459t efeitos, 458, 459 manifestações de emergência, 967t tratamento de emergência, 967t na análise urinária, 299t neurofarmacologia, 458, 458f síndrome amotivacional, 460 tolerância, 458 uso entre adolescentes, 1373 uso médico, 460 uso correlatos demográficos, 457 freqüente, 458 história de, 458 médico, 460 prevalência, 457 tendências recentes, 457 usos terapêuticos, 460 Macrobiótica, 919 Macropsia, definição, 317 Mãe que trabalha, filhos de, 50-51 suficientemente boa, 45-46, 257-258, 849
ÍNDICE
Mães substitutas, 930t Magnésio, testagem para, 303t Magnetoencefalografia (MEG), 143 Maharishi Majesh Yogi, 920 Mahler, Margaret sobre desenvolvimento da criança, 37 teoria do desenvolvimento de, 45, 45t teoria, de esquizofrenia, 520 Mal de ojo, 568t Malan, Daniel e psicoterapia focal breve, 991 sobre resultado de terapia breve, 992-993 Malformações, no primeiro ano de vida, 40t Malinowski, Bronislaw, 192 Mandarim, 909t Mandrakes (droga). Ver Metaqualona Mandrax. Ver Metaqualona Maneirismo, definição, 311 Manejo comportamental, para comportamento anti-social da infância/adolescência, 1379 Manejo de caso, 538 Manganês, envenenamento, sintomas neuropsiquiátricos causados por, 399 Mania. Ver também transtorno(s) do humor alterações perceptivas na, 594 cognição na, 594 com infecção por HIV, 407 com sintomas psicóticos, critérios diagnósticos da CID-10, 626t confiabilidade na, 594 controle dos impulsos na, 594 de rebote, 1045 definição, 311 devido a uma condição médica geral, etiologia, 624t diagnóstico diferencial, 836 e nefazodona, 1150 e transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, 1307 em adolescentes, 591, 1362 farmacoterapia para, 1121-1122 fatores psicodinâmicos na, 579-580 insight na, 594 julgamento na, 594 nefazodona e ativação de, 1150 pensamento na, 594 sem sintomas psicóticos, critérios diagnósticos da CID-10, 626t sensório na, 594 Manitol, e lítio, 1141t Manjerona, 909t Mann, James, e psicoterapia de tempo limitado, 991 Manosidose, 1244t Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM), 148 história, 319 primeira edição, 319 quarta edição. Ver Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais, quarta edição (texto revisado) segunda edição, 319 terceira edição, 319 Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais, quarta edição (texto revisado) (DSM-IV-TR), 175, 319-320. Ver também transtornos específicos abordagem descritiva, 319 advertências, 326-327 aspectos básicos, 319-320 avaliação multiaxial, 320-322 formulário de relatório, 322, 322t categorias novas e controversas, 325-326 categorias sem outra especificação, 323 classes ou grupos de condições no, 320 classificação de transtornos mentais, 324-325 atualização para incluir códigos numéricos da CID-9, 338t-344t limitações da, 326-327 critérios diagnósticos, 319 critérios freqüentemente utilizados, 323-324 critérios para transtorno mental devido a uma condição médica geral, 324 critérios para transtornos induzidos por substâncias, 324 critérios usados para excluir outros diagnósticos e para sugerir diagnósticos diferenciais, 323-324
1539
definição de transtorno mental, 324-325 descrição sistemática, 319 diagnósticos múltiplos, 323 diagnósticos provisórios, 323 e árvores de decisão, 327, 328f Eixo I, 320, 320t Eixo II, 320, 320t Eixo III, 320, 320t Eixo IV, 320-321, 321t Eixo V, 321-322 enunciados de advertência, 326 escalas de avaliação usadas no, 327 formato não-axial, 322, 323t gravidade do transtorno, 322-323 história anterior no, 323 incertezas diagnósticas, 320 julgamento clínico, uso de, 327 na psiquiatria forense, 327 orientações, 326-327 plano de organização do, 325 sinais e sintomas, 306 MAO. Ver Monoaminoxidase (MAO) MAOB, 150 Mapa cognitivo, 100 Mapa de fluxo de cognição-afeto, 1019f Maprotilina dosagem e administração, 607t efeitos adversos, 606t, 1044t, 1201t efeitos de neurotransmissor, 1200t estrutura, 1199f informação clínica, 1204t-1205t mecanismo de ação, 606t preparações de, 1204t-1205t MAPS, 210t Maracujá (flor-da-paixão), 1222 Marcadores bioquímicos, 300, 305t Marcha avaliação da, 287 transtornos da, 129 Marplan. Ver Isocarboxazida Marsilid. Ver Iproniazida Maslow, Abraham, 251, 252f-253f Masoquismo sexual. Ver também Parafilias características clínicas de, 769 critérios diagnósticos para, 769, 770t diagnóstico, 769 Masoquismo e transtornos factícios, 713 sadomasoquismo, critérios diagnósticos da CID-10, 774t sexual, 769, 770t Massagem, 919, 922 Master, William, 53, 65, 75, 751, 761 e terapia de sessão de quatro contatos, 1006 e terapia sexual, 1015t Masturbação, 744-745, 772 na adolescência, 54 Matemática, e música, 107 Maternidade suficientemente boa, 45-46 Maturidade conceito de Allport sobre, 246 da idade adulta, 67 Maudsley, Henry, 1289 May, Rollo, sobre amor e intimidade, 747 Mazicon. Ver flumazenil Mazindol, 1065t, 1189. Ver também Simpatomiméticos (e drogas relacionadas) para redução de peso, 805t-806t para usuários de cocaína, 469 McKinley, J. Charnley, 207 MCMI-II, 208t MDEA, 447 MDMA. Ver Metilenedioximetanfetamina Mead, Margaret, 192-193, 193f Mebaral. Ver Mefobarbital Mecanismo do sonho, 225-226
1540
ÍNDICE
Mecanismos de defesa, 233-234, 235t-236t classificação de, 234, 235t-236t imaturos, 234, 128t maduros, 35-37, 236t adaptativos, 35-37 na adolescência, 53-54 narcisistas, 234, 235t neuróticos, 234, 236t no transtorno delirante, 550 no transtorno obsessivo-compulsivo, 660 nos transtornos da personalidade, 855-856 Mecanismos de liberação inatos, 185 Mecanismos mentais adaptativos, 35-37 Medicação, efeitos adversos de, sem outra especificação, 1062, 1062t Medicação, razões comuns para falta de adesão à, 24-26, 25t-26t Medicaid, 1483-1484 e HMOs, 1485-1486 Medicamentos herbáceos, 571, 911, 1222-1223 abuso de, 427t ervas psicoativas, 914-915, 916t-918t páginas da internet para, 914t-915t Medicamentos populares, abuso de, 427t Medicare, 75, 1483-1484 benefícios, 1483t-1484t e HMOs, 1485-1486 Medicina alopática, 906 Medicina alternativa, 906-923 e cuidados do final da vida, 1441 Medicina ambiental, 911 Medicina chinesa, 920 e acupuntura/acupressão, 907 Medicina complementar, 906-923 e cuidado de final de vida, 1441 Medicina de extensão antroposófica, 907-908 Medicina holística, 906 Medicina oriental, 920 Medicina osteopática, 920 Medicina psicossomática, 877 perspectiva histórica sobre, 877, 879t teoria de estresse, 877-878, 880 Medicina psiquiátrica de emergência. Ver Emergências psiquátricas Medicina tibetana, 922 Médico(s). Ver também Relacionamento médico-paciente apresentação ao paciente, 20-21 caráter e qualidades, 29-30, 30t cuidados primários, 1486 disponibilidade para os pacientes, 27-28 educação médica, 1479-1480 estressores, 29-30, 30 expectativas de, e respostas ao paciente. Ver Contratransferência expectativas do paciente em relação ao, e respostas ao. Ver Transferência horas de trabalho de residentes, 1480-1481 horas de trabalho dos internos, 1480-1481 mulher, 1479 necessidades dos Estados Unidos, 1480 oferta de, 1479 prejudicado, considerações éticas sobre, 1466 risco de suicídio entre, 974-975 salários, 1480 seguro de responsabilidade, 1480 Médicos de cuidados primários, 1486 Médicos em treinamento, ética relativa a, 1466 Medida de tendência central, 203 Meditação, 919-920, 922 Meditação transcendental (IMT), 920 Medo contribuições de Darwin sobre, 630-631 definição, 311, 630 e ansiedade, 630-631 sistema límbico e, 104 Mefobarbital, 1065t. Ver também Barbitúrico(s) dosagem, 1085t estrutura, 1082f indicações, 1082
MEG, 143 Megacolo, psicogênico, 1336 Megalomania, 554 Meio, definição, 203 Melancolia pós-parto, 564-565 Melancolia, definição, 311 Melatonina, 154-155, 294, 1223 e sono, 810 para insônia primária, 816 testagem para, 303t Melissa, 909t Mellaril. Ver tioridazina Memantina, 409, 1065t, 1110-1112 para doença de Alzheimer e transtornos semelhantes, 1108 Membro-fantasma, definição, 316 Memória, 99-101 alterações na, com tumor cerebral, 393 avaliação, 214 na avaliação psiquiátrica da criança, 1233 no exame do estado mental, 271, 271t no idoso, 1411 conservação de, 173 de curto prazo, 173, 214 de longo prazo, 173 de trabalho, 99, 173 definição, 99 valor emocional e, 99 definição, 317 demência. Ver Demência doença de Alzheimer. Ver Doença de Alzheimer e atos motores, 99-100 e eletroconvulsoterapia, 1218-1220 e emoção, 99, 173 e estresse, 173 e olfato, 91, 173 episódica, 214 estudo de, com humanos, 100 factual, 100 falsa memória, definição, 317 falsa memória, síndrome, 736 falsificação retrospectiva, definição, 317 formação de, 173 função cerebral e, 99-101 imediata, 99, 173, 214 definição, 99, 317 fonológica, 99 visuoespacial, 99 implícita, 214 insulina e, 152 isoladora, 173 memória de triagem, definição, 317 na depressão, 594 na esquizofrenia, 532 níveis de, 317 no exame do estado mental, 271 no idoso, 370, 381, 1409, 1411 passado recente, 173, 214 avaliação, 271, 271t definição, 317 prejuízo, 100-101 primária, 173 problemas de, no envelhecimento normal, 370, 381, 1409 processual, 100 recente, 99, 173, 214 avaliação, 271, 271t definição, 99, 317 remota, 99, 173, 214 avaliação, 271, 271t definição, 99, 317 retenção e lembrança imediata, avaliação de, 271, 271t secundária, 173 semântica, 214 síndrome da memória recuperada, 736 sistema límbico e, 91, 98
ÍNDICE
sistema visual e, 88 tipos de, 214 transtornos da, definição, 317 Memória encobridora, definição, 317 Memória fonológica, imediata, 99 Menarca, 54 Meningiomas, com base no crânio, 129 Meningite crônica, manifestações neuropsiquiátricas de, 395 e retardo mental, 1246 Menninger, Karl A., 252-253, 976 A Mente Humana, 252-253 O Crime de Punição, 252-253 O Equilíbrio Vital, 252-253 O Homem Contra Si Mesmo, 252-253 teoria da técnica Psicanalítica, 252-253 Menopausa, 65, 934 Mens rea, 1456, 1458 Mente consciente, 227 Mente inconsciente, 221, 227, 250 e sonhos, 225 Mente pré-consciente, 227 Mente modelo topográfico de Freud sobre, 226-227 teoria estrutural de Freud sobre, 232-233, 232f Meperidina, 409, 483 abstinência, 488 dados de nível sangüíneo para avaliação clínica, 299t interações medicamentosas, 410, 489, 1130t para tratamento da dor, 1437t superdosagem, 479-480 Meprobamato, 495, 1065t, 1081, 1083-1084, 1086 dados de nível sangüíneo para avaliação clínica, 299t dosagem geriátrica, 1424t intoxicação/superdosagem, 1050t Mercúrio dados de nível sangüíneo para avaliação clínica, 300t envenenamento, sintomas neuropsiquiátricos causados por, 399 Mescalina, 469, 470t Mesilato de benztropina, 1078t. Ver também Anticolinérgico(s) estrutura, 1077f Mesmer, friedrich Anton, e hipnose, 1022-1023 Mesoridazina, 1065t dosagem geriátrica, 1424t estrutura, 1120f preparações, 1132t Metabolismo álcool, 431, 571 de acetilcolina, 126 de clonazepam, 571 de dopamina, 119, 121 de drogas psicoterapêuticas, 1037-1038 de drogas psicotrópicas, 571 de fenelzina, 571 de glicose, 117, 139f metabolismo cerebral de, 136 pacientes com Alzheimer, metabolismo na região têmporo-parietal do cérebro de, 140f de serotonina, 118f Metabólitos de fosfoinositol, como segundo-mensageiro, 116 Metadona, 420, 483, 490, 1065t, 1151-1155 abstinência, 488, 490 sintomas, 1153-1154 ações farmacológicas, 1151 dados de nível sangüíneo para avaliação clínica, 300t dosagem, 1155 efeitos sobre órgãos e sistemas, 1151 indicações para, 1152 interações medicamentosas, 410, 1153-1154 interferências laboratoriais, 1153-1154 intoxicação/superdosagem, 1050t na análise urinária, 299t para tratamento da dor, 1437t para vício de heroína, 421
1541
precauções com, 1153-1154 química, 1151, 1152f reações adversas a, 1153-1154 superdosagem, 1153-1154 Metanefrina, 295 Metanfetamina, 445-446 Metanfetamina, 447, 1065t, 1189. Ver também Simpatomiméticos (e drogas relacionadas) dados de nível sangüíneo para avaliação clínica, 300t para redução de peso, 805t-806t uso, prevalência de, 447 Metanol, dados de nível sangüíneo para avaliação clínica, 300t Metaqualona, 495 abuso, 495 dados de nível sangüíneo para avaliação clínica, 300t e disfunção sexual, 759-760 na análise urinária, 299t superdosagem, 499 Metcatinona, 451 Metencefalina, 125 Metildopa e lítio, 1141t interações medicamentosas, 1130t mecanismo de ação, 123 Metilenedioxianfetamina, 447, 470, 470t efeitos, 452 neurotóxicos, 451f farmacologia de, 447 Metilenedioximetanfetamina, 125, 470t. Ver também Ecstasy interações medicamentosas, 410 Metilfenidato, 445-446, 1065t, 1189. Ver também Simpatomiméticos (e drogas relacionadas) ação farmacológica de, 1190 crianças, uso com, 1395t dados de nível sangüíneo para avaliação clínica, 300t dosagem geriátrica, 1421t-1422t implicado na disfunção sexual, 758 interações medicamentosas, 1070-1071 para comportamento anti-social da infância/adolescência, 1380 para narcolepsia, 820 para transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, 1308-1309, 1308t1309t, 1310 para tratamento da dor, 1438t para usuários de cocaína, 469 Metilfeniltetraidropiridina, 121 Metiltestosterona, 503 Metilxantinas, 452 Metiprilona, intoxicação/superdosagem, 1050t Metoclopramida, e lítio, 1141t Método de Bates, 908 Método de informação de fertilidade, 932t Método de ritmo, 932t Método de Trager, 922 Método Feldenkrais, 911, 913f Método Fernald, 1261-1262 Método Lamaze, 926 Metoexital, 1065t. Ver também Barbitúrico(s) como anestésico para eletroconvulsoterapia, 1082 dosagem, 1085t estrutura, 1082f indicações, 1082 Metoexital sódico, intravenoso, para disfunção sexual, 763 Metoexital sódico, para dessensibilização sistemática, 1011-1012 Metolazona, e lítio, 1141t Metoprolol, 1065t, 1073t. Ver também Antagonista(s) dos receptores β−adrenérgicos ações farmacológicas, 1073 química, 1072f Metotrimeprazina, para tratamento da dor, 1438t 3-metoxi-4-hidroxifenilglicol (MHPG) na depressão, 294 testagem para, 303t 3-metoximorfina. Ver Codeína 5-metoxi-3,4-metilenedioxianfetamina (MMDA), 447 Metrifonato, para doença de Alzheimer e transtornos semelhantes, 1108
1542
ÍNDICE
Metronidazol, e lítio, 1141t Meyer, Adolf, 252-253, 252f-253f, 508 MHPG. Ver 3-metoxi-4-hidroxifenilglicol (MHPG) “Mickey finns”, e hidrato de cloral, 1107 Micronase. Ver Guanetidina Micropolissacaridoses tipo I, 1244t tipo II, 1244t tipo III, 1244t tipo IV, 1244t tipo VI, 1244t Midazolam, 1065t. Ver também Benzodiazepínico(s) dosagem, 1090t estrutura, 1088f interações medicamentosas, 410 meia-vida de, 1090t Mielina, 110-111 Migração neuronal, durante o desenvolvimento, 105-106 Miller, Neal, 168, 173 e biofeedback, 898, 1008 Mills, Gregory, 872 Miltown. Ver Meprobamato Mimetismo, definição, 312 Miniexame do Estado Mental (MMSE), 352t escore idade e, 1411 nível educacional e, 1411 na psiquiatria geriátrica, 1411 Mioclonia noturna, 825 Mioglobina, urinária, testagem para, 303t Mirra, 909t Mirtazapina, 1065t, 1143-1145 ações farmacológicas, 1144 dosagem e administração, 1144-1145 efeitos adversos, 1044t, 1144, 1144t efeitos gastrintestinais, 1144 efeitos no sistema nervoso central, 1144 efeitos sobre órgãos e sistemas, 1144 indicações para, 1144 interações medicamentosas, 1045, 1144 intoxicação/superdosagem, 1050t mecanismo de ação, 123 para transtornos do humor, 1364 precauções com, 1144 química, 1143, 1143f Misoline. Ver Primidona Mixedema, 802 considerações médicas no, 899t considerações psiquiátricas no, 899t MMDA, 447 MMECT, 1218-1219 MMPI, 32, 205, 207, 208t, 209t, 527, 1235t MMPI-2. Ver Inventário Multifásico da Personalidade de Minnesota-2 (MMPI2) MMSE. Ver Miniexame do Estado Mental (MMSE) Moban. Ver Molindona Moclobemida, 1065t, 1145. Ver também Inibidores da monoaminoxidase efeitos adversos, 606t mecanismo de ação, 606t para fobia social, 656-657 química, 1145f Modafinil, 1065t, 1194-1195. Ver também Simpatomiméticos (e drogas relacionadas) abuso, 1195 ações farmacológicas, 1195 dosagem e administração, 1195 efeitos adversos, 1195 efeitos cardiovasculares, 1195 efeitos sobre órgãos e sistemas específicos, 1195 indicações, 1195 interações medicamentosas, 1195 interferências laboratoriais, 1195 para narcolepsia, 820 para pacientes grávidas, 1195
para transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, 1310 precauções com, 1195 química, 1190f, 1195 Modelagem de comportamento, 171 Modelagem participante, na terapia comportamental, 1014 Modelagem, 172 na terapia comportamental, 1014 Modelo biopsicossocial, de doença, 15-16 Modelo de Bowen, de terapia familiar, 1002-1003 Modelo de diátese de estresse, 513, 518-519 Modelo de Minnesota, de tratamento de abuso de substâncias, 1375 Modelo de sistemas gerais, de terapia familiar, 1003-1004 Modelo estrutural, de terapia familiar, 1003 Modelo profissional multidisciplinar, de tratamento de abuso de substâncias, 1375 Modelo psicodinâmico-empírico, de terapia familiar, 1003 Modelos animais, 149-150, 187-189 síndrome de estresse, 187 síndromes farmacológicas, 189 Modelos experimentais, 187-189 síndrome de estresse, 187 síndromes farmacológicas, 189 Modificação do comportamento, 130, 256 Modo paratáxico, 257-258 Modo protáxico, 257-258 Modo sintático, 256 Molindona, 1065t dosagem geriátrica, 1424t estrutura, 1120f preparações, 1132t química, 1119 Money, John, 740 Monitor holter, 302t Moniz, Antonio Egas, 1224 Monoaminas, 305t Monoaminoxidase (MAO), 113-114, 118f, 123, 124 efeitos antidepressivos sobre, 606t plaquetária nos transtornos da personalidade, 854 testagem para, 303t tipo B (MAOB), 150 Monofosfato de adenosina cíclica (cAMP), 122 como segundo-mensageiro, 113, 116 elemento de resposta, 116 Monofosfato de guanosina cíclica (cGMP), como segundo-mensageiro, 116 Monomania, definição, 314-315 Montagu, Ashley, 195-196 Montessori, técnica, para transtorno do desenvolvimento da coordenação, 12721273 Mora, George, 31 Moralidade, 55. Ver também Ética de princípios morais aceitos, 55 de submissão a papel convencional, 55 pré-convencional, 55 Morel, Benedict, 507 Moreno, Jacob, e psicodrama, 999 Morfina, 125 abstinência, 487-488 dados de nível sangüíneo para avaliação clínica, 300t na análise urinária, 299t para tratamento da dor, 1437t Morgan, Christiana, 211-212 Morro do axônio, 112 Morte cerebral, 78, 78t Morte fetal, 931 Morte neonatal, 931 Morte perinatal, 931 Morte aspectos legais, 78-79 atitudes em relação à, ao longo do ciclo de vida, 79-80 causas de, 70-71 critérios para, 78, 78t de um filho, resposta dos pais à, 83 definição, 76-78
ÍNDICE
experiência de quase-morte, 78 iminente, reações a, 78-79 intencional, 78 Lei de Determinação Uniforme da Morte, 78 luto. Ver Luto não-intencional, 78 oportuna, 78 prematura, 78 psicogênica, 78 reações a, 78 significado, 76-77 subintencional, 78 súbita. Ver Morte súbita vodu, 78 Morte súbita, 78 associada a medicação antipsicótica manifestações de emergência, 971t tratamento de emergência, 971t de origem psicogênica manifestações de emergência, 971t tratamento de emergência, 971t pacientes com TDAH usando desipramina, 1310 Motivação(ões), 173 Motivação, conceito de Murray sobre, 254 Motrin. Ver Ibuprofeno Movimento da mão direita, atividade cerebral e, 137f Movimento, do paciente, avaliação médica de, 287 Movimentos discinéticos, diagnóstico diferencial de, 1356 Movimentos oculares de busca suave, em transtornos da personalidade, 854 Moxabustão, 920 MPTP, parkinsonismo induzido por, 489 MT, 920 Mudanças de humor, definição, 310 Mulheres. Ver também preocupações ou transtornos específicos assédio sexual, 938, 951, 951t climatério, 65 desemprego, no início da idade adulta, 61 estupro de, 947-950 funcionamento sexual, na meia-idade, 65 idosas, situação socioeconômica de, 75 na meia-idade, 64, 66 problemas de carreira de, 953-954 situação econômica de, 61 trabalho, no início da idade adulta, 61 Murdock, George P., 195-196 Murphy, Gardner, 252-254 Murray, Henry, 211-212, 254 Música e matemática, 107 função cerebral e, 102-103, 107 música “heavy metal” e abuso de substâncias, 1375 Mutilação automutilação repetitiva, 846 genital feminina, 944-945 genital masculina, 945 Mutismo traumático, 1349 Mutismo características clínicas, 1349-1350 curso, 1350 definição, 312 diagnóstico, 1349-1350, 1349t diagnóstico diferencial, 1277, 1350 e transtornos da linguagem, 1280t epidemiologia, 1349 eletivo, 1350, 1354t etiologia, 1349 na CID-10, 1350 na esquizofrenia, 523-524 prognóstico, 1350 seletivo, 1349-1350 tratamento, 1350 Mutualidade, conceito de Erikson sobre, 244
1543
N Nadelson, Carol, 988 Nadolol, 1065t, 1073t. Ver também Antagonista(s) dos receptores β-adrenérgicos ações farmacológicas, 1073 química, 1072f Nalmefeno, 1065t, 1155-1160 dosagem, 1158-1160 indicações, 1156-1157 interações medicamentosas, 1158-1159 interferências laboratoriais, 1158-1159 orientações clínicas para, 1158-1160 precauções com, 1157-1159 química, 1156, 1156f reações adversas a, 1157-1159 Nalorfina, 483 indicações, 490 Naloxona, 483 estressores, reversão de, 154 indicações, 490 provocação, 1157 teste, 1158-1159, 1158t-1159t Naltrexona, 154, 483, 1065t, 1155-1160 crianças, uso com, 1396t dosagem, 1158-1160 em transtornos por uso de álcool, 421 indicações, 490, 1156-1157 interações medicamentosas, 1158-1159 interferências laboratoriais, 1158-1159 intoxicação/superdosagem, 1050t orientações clínicas para, 1158-1160 para alcoolismo, 444 para transtorno autista, 1296 precauções com, 1157-1159 química, 1156, 1156f reações adversas a, 1157-1159 NAMI, 538 Nanismo psicossocial, 167, 1353 diagnóstico diferencial, 1353 Não-doença cardíaca psicogênica. Ver também Síndrome de DaCosta Não-maleficiência, 1460 Naproxeno e lítio, 1141t para tratamento da dor, 1438t NARC, 1238 Narcan. Ver Naloxona Narcisismo, 251 conceito de Freud sobre, 227-228, 232 e transtorno explosivo intermitente, 835 secundário, 232 Narcoanálise, 1224 barbitúricos para, 1082 Narcolepsia, 819-820 critérios diagnósticos para, 819, 820t farmacoterapia para, 1189, 1191, 1201 registro polissonográfico de, 820, 820f tratamento, 820 Narcoterapia, 1224 Narcóticos Anônimos, 468 Narcóticos. Ver também Opióide(s) interações medicamentosas, 433 Nardil. Ver fenelzina Nariz, avaliação médica do, 285-286 Nascimento(s) prematuro(s), 41, 41f Nascimentos de criança morta, 931 National Institute of Health (NIH), Gabinete de Medicina Alternativa do, 906907, 907t Naturopatia, 920 Navane. Ver tiotixeno NDA, 1039 NE:E, 294 Necessidades hierarquia de, 251
1544
ÍNDICE
inatas, 254 Necrofilia, 771 Nefazodona, 1065t, 1149-1151 ações farmacológicas, 1149 dosagem, 607t, 1151 e ativação de mania, 1150 e buspirona, 1098, 1099 efeitos adversos de, 606t, 1044t, 1150 efeitos cardiovasculares, 1150 efeitos sobre órgãos e sistemas específicos, 1150 indicações, 1150 interações medicamentosas, 410, 1045, 1093 interações medicamentosas, induzidas por CYP, 1038 intoxicação/superdosagem, 1050t mania, ativação de, 1150 mecanismo de ação, 124, 606t orientações clínicas, 1151 para depressão do idoso, 1421-1422 para pacientes idosos, 1420 precauções com, 1150 química, 1149, 1149f Negação, 235t na pessoa à beira da morte, 79 no transtorno delirante, 550 Negativismo definição, 311 na adolescência, 54 Negligência de crianças, 944. Ver também Abuso e negligência da criança materna, 44 problemas relacionados a, 940-951, 941t classificação do DSM-IV-TR, 940 Negociação em paciente terminal, 79 Nembutal. Ver Pentobarbital Neologismo, 270 definição, 313 Neostigmina, para disfunção sexual, 1043 Neroli, 909t Nervios, 568t N-etil-3,4-metilenedioxianfetamina, 447 Neugarten, Bernice, 65 sobre velhice, 35-36, 73t Neuralgia trigeminal, acupuntura para, 1221 Neuralgia, acupuntura para, 1221 Neurastenia, 708-712, 772 características clínicas, 709-710 classificação cultural como doença, 708 classificação da CID-10, 708 contribuição de Beard para, 709-710, 709f, 711-712 critérios diagnósticos para, 709-710, 709f curso, 711-712 definição, 708 depleção, hipótese de, 709 diagnóstico diferencial, 710-712 diagnóstico, 709-710 epidemiologia, 708-709 etiologia, 709 experimental, em animais, 187 farmacoterapia para, 1192-1193 prognóstico, 711-712 sinais e sintomas relatados por pacientes com, 709-710, 709f tratamento, 711-712 Neuroacantocitose, 1331t Neuroanatomia, 85-108 Neurodermatite, correlatos psicológicos de, 881t Neurofibromatose, 1243 tipo 1, 1249t Neurofisiologia, 108-128 Neurogenética e biologia molecular, 144-151 Neuroimagem, 129-145. Ver também tomografia computadorizada; Imagem de ressonância magnética e déficits neurológicos, 129 e psiquiatria, 129 funcional, 89, 99, 129, 130, 134-141
indicações para solicitar na pesquisa clínica, 130 indicações para solicitar na prática clínica, 129 técnicas, 131-145 usos, 130 Neuroléptico(s), 534. Ver também Antipsicótico(s) Neuromodulador(es), 117 Neurônio(s) atividade, na neuroimagem, 134-135 carga, 109 ciclo de vida de, 105-106 eletrofisiologia de, 109-111 membrana, 109 motor, 93 potenciais de ação, 109-111, 110f-111f processamento de informação, 108 Neurontin. Ver Gabapentina Neuropatias, acupuntura para, 1221 Neuropeptídeo Y, 126 Neuropeptídeos, 125-126 coexistência com outros neurotransmissores, 125 na esquizofrenia, 514 receptores, 125 síntese de, 125 Neuroquímica, 108-128 Neurormônios, 117, 151, 152t Neurose, 224-225, 228 classificação do DSM-IV-TR, 630 conceito de Sartre sobre, 256 definição, 306-307 e ansiedade, 237 experimental, em cães, 187 teoria psicanalítica clássica sobre, 237 Neurose de guerra, 665 Neurose transferencial, 984 Neurossífilis, 129, 295 alteração da personalidade devido a, 873, 217t manifestações neuropsiquiátricas, 395 Neurotensina, função de neurotransmissor, 112f, 126 Neurotransmissão, química, 108, 117-118 tradução de potenciais de ação, 110-111 Neurotransmissor(es), 108, 117-118, 117t ação de, 110-111 aminoácido, 126-128 classificação de, 112f, 113, 117-118 e agressão, 179 efeitos de antidepressivos sobre, 606t em transtornos da personalidade, 854 em transtornos de ansiedade, 633-635 em transtornos relacionados a substâncias, 419 excitabilidade, 108 excitatório(s), 109 inibitório, 109 na doença de Alzheimer, 363 na esquizofrenia, 514 no transtorno de pânico, 640 no transtorno obsessivo-compulsivo, 658-659 regulação de gene, 146 suposto(s), 117 New Drug Application (NDA), 1039 Nicardipina, 1065t Nicotina. Ver também tabagismo abstinência, 479-480 critérios diagnósticos para, 426t, 479-480, 479t-480t farmacoterapia para, 1068t, 1068 dependência, 479-480 diagnóstico de, 479-480 farmacoterapia para, 1068t e sono, 833 efeitos adversos, 481 efeitos, 481 sobre o fluxo sangüíneo cerebral, 481 sobre o sono, 481 estimulação, 121, 127 intoxicação, aguda, critérios diagnósticos para, 424t
ÍNDICE
neurofarmacologia, 479-480 testagem para, 303t uso e nível educacional, 478 morte causada por, 478-480 prevalência, 478 vício, 478 farmacoterapia para, 482, 483 Nifedipina, 1065t. Ver também Inibidores dos canais de cálcio dosagem e administração, 1101 estrutura, 1100f NIH, 906-907, 907t NIMH DISC-IV, 1229-1230 Nimodipina, 1065t, 1100t. Ver também Inibidores dos canais de cálcio dosagem e administração, 1101 estrutura, 1100f Nimotop. Ver Nimodipina Ninfomania, 776 definição, 312 Nisoldipina, 1065t Nitrendipina, 1065t Nitrito de amilo, 504 Nitrito de Isobutil, 504 Nitrogênio da uréia sangüínea (BUN), 294, 295f teste para, 301t Níveis sangüíneos dados para avaliação clínica, 299t procedimento para medir, 296 Níveis sangüíneos de álcool, 430 Nível educacional, e transtornos relacionados ao álcool, 428 NMDA. Ver N-metil-D-aspartato N-metil-4-fenil-1,2,3,6-tetraidropiridina (MPTP), parkinsonismo induzido por, 489 N-metil-D-aspartato, receptor de, 100, 105 fenciclidina (ou substância tipo fenciclidina) e, 492 Noctec. Ver Hidrato de cloral Nodos de Ranvier, 110-111 Noesis, definição, 314-315 Noludar. Ver Metiprilona Noradrenalina, 121-123 antidepressivos e, 606t ciclo de vida, 122 e agressão, 179 e drogas, 113, 123 e psicopatologia, 123 em transtornos de ansiedade, 633 função de neurotransmissor, 110t-111t, 112f, 114t interações medicamentosas, 1130t na doença de Alzheimer, 363 na esquizofrenia, 514 no transtorno de pânico, 640 no transtorno depressivo maior, 574 receptores, 114t síntese de, 122 testagem laboratorial para, 294 Normalidade, 31-32, 31-37 como média, 32 como processo, 32 como saúde, 31-32 como utopia, 32 desenvolvimento da criança, 35-37 mecanismos mentais adaptativos, 35-37 na adolescência, 33 na velhice, 35-36 perspectivas funcionais de, 31-32 teoria do ciclo de vida, 33-34 teorias psicanalíticas de, 32, 33t Normetanefrina, 294 Norpramin. Ver Desipramina Nortriptilina, 1065t crianças, uso com, 1395t dados de nível sangüíneo para avaliação clínica, 300t dosagem e administração, 607t efeitos adversos de, 606t, 1044t, 1201t
1545
efeitos de neurotransmissor, 1200t estrutura, 1199f informação clínica, 1204t-1205t interações medicamentosas, 1209 mecanismo de ação, 606t níveis plasmáticos, monitoração, 296 para pacientes idosos, 1420 para vício em nicotina, 482 preparações de, 1204t-1205t Notas de processo, 278 Noyes, Arthur, 871 Noz-de-areca, 506 Noz-moscada, 470t, 505 intoxicação, manifestações e tratamento de emergência, 969t Nucleotídeo(s), função de neurotransmissor, 108, 117, 126 Nucleotídeos cíclicos, como segundos-mensageiros, 116 Nutrição, 910 subnutrição. Ver Subnutrição
O O’Connor v. Donaldson, 1451 Obediência automática, definição, 312 Obesidade, 126, 801-806 abordagem de tratamento abrangente a, 805-806 atividade física e, 802 características clínicas, 802 cirurgia para, 805-806 dano cerebral e, 802 definição, 801 diagnóstico diferencial, 802 distúrbios médicos associados a, 802, 802f drogas psicotrópicas para, 802 efeitos sobre a expectativa de vida, 803-804 sobre a saúde, 802, 803t-804t etiologia, 801-802 farmacoterapia para, 803-806, 805t-806t, 1191 fatores do desenvolvimento na, 802 fatores genéticos na, 802 fatores psicológicos na, 802 medidas-índice de, 801 na doença de Cushing, 802 olanzapina para, 802 prevalência, 801 psicoterapia para, 805-806 terapia de exercício para, 803-804 terapia dietética para, 803-804 tratamento, 803-806 Obsessão(ões), 662t definição, 314-315, 656-657 Objetividade-participação, 244 Objeto de amor, escolha do, visão de Freud sobre, 228, 232 Objeto de transição, 44, 165-166, 233, 257-258 Observador participante, 257-258 Ocupação e suicídio, 974-975 na idade adulta jovem, 61 Odor. Ver também Olfato do paciente, avaliação de, 288 Ofensas à condição, definição, 1407-1408 Offer, Daniel, 31 Olanzapina, 535, 1065t. Ver Antagonista(s) de serotonina-dopamina (antipsicóticos atípicos) efeitos adversos, 535 indicações, 535 intoxicação/superdosagem, 1050t para esquizofrenia de início precoce, 1371-1372 para esquizofrenia, 535 para obesidade, 802 para transtorno autista, 1296 para transtorno bipolar I, 608-609 para transtorno de tourette, 1332
1546
ÍNDICE
para transtornos psicóticos, 565 Olfato, 90-91, 93 e memória, 91, 173 e respostas sexuais, 90 Olho, avaliação médica do, 285-286 Olíbano, 909t Omissões, nos transtornos fonológicos, 1281-1282 Ondas mu, 143 Oniomania, 845 11 de setembro de 2001, 673 Opióide(s) abstinência, 484-485, 487-488, 488 critérios diagnósticos para, 486, 487t diagnóstico de, 487 farmacoterapia para, 125, 1068 manifestações de emergência, 969t neonatal, 490 tratamento de emergência, 969t abuso, 487, 495 definição, 484 diagnóstico, 488 definição, 483 delirium de intoxicação, 488, 1437 dependência, 419, 483-491 acupuntura para, 1221 auto-ajuda, 491 definição, 483-484 diagnóstico, 487 e tentativas de suicídio, 485 em adolescentes, 485-486 em grávidas, 490 fatores sociais na, 485-486 imagem cerebral na, 484 efeitos adversos, 489 efeitos, 488-489 sobre o fluxo sangüíneo cerebral, 484 em transtornos relacionados a substâncias, 419, 420f endógeno(s), 125, 154 função de neurotransmissor, 110t-111t interações medicamentosas, 489, 1093 intoxicação aguda, critérios diagnósticos para, 423t critérios diagnósticos para, 486, 486t diagnóstico, 487 manifestações de emergência, 969t tratamento de emergência, 969t neurofarmacologia de, 484, 485f ocorrendo naturalmente, 483 para tratamento de dor, 1437, 1437t receptores, 125 sintético, 483 substitutos, para tratamento de transtornos por uso de opióides, 490 superdosagem, 489-490 tratamento, 489-490 tolerância, 484-485 uso e transmissão de hepatite, 489 e transmissão do HIV, 489 prevenção, 491 epidemiologia, 484 métodos de, 488, 489f Oralstat, para redução de peso, 805-806, 1045 Orap. Ver Pimozida Ordem de nascimento, 246 efeitos de, 49-51 Ordens de não entubar (DNI), 1433-1434 Ordens de não ressuscitar (DNR), 1433-1434 Ordens DNI, 1433-1434 Ordens DNR, 1433-1434 Orfenadrina, 1065f para transtornos extrapiramidais, 1127t Organização de personalidade borderline, 250 Organização de Revisão de Padrões Profissionais (PSRO), 1482 Organização somatotópica, 85, 86f
Organizações de manutenção da saúde (HMOs), 1485-1486 e medicina alternativa, 906 Organizações de prestador preferido (PPOs), 1486 Organizações de Revisão de Iguais (PROs), 1482-1484 Órgão vomeronasal, 90 Orgasmo, 741t-742t, 743-744 Orgasmo feminino prematuro, 759-760 Orientação para lugar, avaliação de, na avaliação psiquiátrica da criança, 1231-1232 Orientação para pessoa, avaliação de, na avaliação psiquiátrica da criança, 1231-1232 Orientação para tempo, avaliação de, na avaliação psiquiátrica da criança, 1231-1232 Orientação sexual, 741-742 egodistônica, 746 critérios diagnósticos da CID-10 para, 775t neuroanatomia e, 98 sofrimento persistente e marcado em relação a, 777 Orientação avaliação de, 214-215 avaliação de, na avaliação psiquiátrica da criança, 1231-1232 na depressão, 594 na esquizofrenia, 532 no exame do estado mental, 271 no idoso, 1411 no transtorno delirante, 551-552 temporal, avaliação de, 214-215, 215t Orientações de sexo seguro, 403, 404t Orne, Martin, definição de hipnose, 1021 Ornish, Dean, 910 Os terríveis 2 anos, 243 Osler, William, 30 Othmer, Ekkehard e Sieglinde, 20 Outras condições que podem ser foco de atenção clínica, 952-959 na psiquiatria infantil, 1377-1381 Outros transtornos mentais devido a doença, dano e disfunção cerebral, classificação da CID-10, 402t Outros transtornos psicóticos, 542-571 Ouvido, avaliação médica do, 285-286 Oxazepam, 495, 1065t. Ver também Benzodiazepínico(s) ações farmacológicas, 1088 dosagem, 1090t dosagem geriátrica, 1424t estrutura, 1088f meia-vida, 1090t Oxcarbazepina, 1065t Oxicodona dados de nível sangüíneo para avaliação clínica, 300t para tratamento da dor, 1437t Óxido nitroso, 504-505 toxicidade, manifestações e tratamento de emergência de, 969t Oximorfona, para tratamento da dor, 1437t Oxitocina, 152t, 155 função de neurotransmissor, 126 níveis após orgasmo, 744
P Paciente(s). Ver também Relacionamento médico-paciente apresentação a, 20-21 avaliação auditiva de, 288 avaliação olfativa de, 288 avaliação visual de, 287-288 dependente, 28 direitos civis de, 1451-1453 entrevista. Ver Entrevista(s) estado de acetilação do, 571 exame físico de, 288-289 exigente, 28 expectativas do médico em relação a, e respostas a. Ver Contratransferência expectativas em relação ao médico e resposta a ele. Ver transferência grupos clinicamente definidos, análise de, 130 histriônico, 28 isolado, 29 narcisista, 28
ÍNDICE
observação geral de, na avaliação médica, 287-288 obsessivo, 29 problema, 28-29 psiquiátrico, diagnóstico de doença intercorrente no, 290 Pacientes à beira da morte aceitação, 79 comunicação com, 1431-1432 consentimento informado, 1432-1433 cuidado da criança, 1440 cuidado da família, 1435 cuidado de, 1431 cuidado do bebê, 1440 cuidado em asilo, 1439-1440 cuidado neonatal, 1440 cuidado paliativo, 1435-1439 decisões de cuidado terminal, 1433-1435 definição de “agonia”, 76-78 depressão em, 79 dizendo a verdade, 1432 eutanásia, 1441 medicina alternativa e complementar, 1441 morrer em casa, 1439 negação em, 79 perguntas de, 1433t promessas que os médicos devem fazer para, 1432t questões espirituais, 1440 reações a morte iminente, 78-79 solicitações de suicídio, 1442-1444 suicídio assistido pelo médico, 1441-1442 tratamento da dor, 1436-1438 tratamento de, aspectos fundamentais, 1432t Pacientes à beira da morte, entrevista com, 279-280 Pacientes culturalmente diferentes, 29 Pacientes desconfiados, 28-29 Pacientes manipuladores, 29 Pacientes suicidas como situação clínica de alto risco, 1448 entrevistando, 279 IRM do cérebro, 133f Padrão de melhor interesse, 1406 Padrão de sono-vigília, desorganizado, 824-825 Padrão ponto a ponto, em sistemas sensoriais, 85, 87, 88 Padrastos, 50-51 Padronização, na testagem, 205 Pai(s) entrevistas com, na psiquiatria infantil, 1229 envolvimento em tratamento residencial de crianças, 1391 envolvimento na psicoterapia da criança, 1386 luto em, 83 morte de, efeitos sobre os filhos, 50-51 na psicoterapia de grupo, com crianças, 1388-1390 Pais idosos, cuidado de, 936 Pais apego e, 45 efeito da gravidez sobre, 925 Paladar, 91 Palilalia, 1328 Palmer, David Daniel, 908, 910f Pamelor. Ver Nortriptilina Pamoato de hidroxizina, indicações para, 1079-1080 Pan-encefalite esclerosante subaguda, manifestações neuropsiquiátricas de, 395 Panfobia, definição, 314-315 Pânico homossexual manifestações de emergência, 968t tratamento de emergência, 968t Pânico, definição, 311 Panicogênicos, 640 Papaver somniferum, 483 Papéis sexuais, desenvolvimento de, 48-49 Papel de gênero, 740-742 no período dos primeiros passos, 46 Pappenheim, Bertha. Ver Anna O. para disfunção sexual, 762-763 Parafasia, 288
1547
Parafilias, 766-777 características clínicas, 768-772 classificação, 773, 774t curso, 772 diagnóstico diferencial, 772 diagnóstico, 768-772 epidemiologia, 766-767, 767t etiologia, 767-768 fatores biológicos nas, 767-768 fatores psicossociais nas, 767 natureza perniciosa, 766 prisão para, 772 prognóstico, 772 sem outra especificação, 771-772, 771t terapia cognitivo-comportamental para, 772-773 terapia comportamental para, 1015t tratamento, 772-773 Parafrenia, 526, 1416 Paral. Ver Paraldeído Paraldeído, 1065t, 1083-1084, 1085-1086 dados de nível sangüíneo para avaliação clínica, 300t interações medicamentosas, 1085-1086, 1114 Paralisia do sono, 820, 829 Paramnésia, definição, 317 Paranóia conjugal, 553 Parapraxia, 221 definição, 312 Parapsicologia, 254 Parassonia(s), 812, 826-829 no ICSD, 815t sem outra especificação, 828-829 critérios diagnósicos, 828t Parcialidade, 771-772 Parens patriae, 1450 Parkinsonismo induzido por medicamentos, 1061t Parkinsonismo induzido por neurolépticos, 1056 antagonistas dos receptores de dopamina e, 1126 anticolinérgicos para, 1078 anti-histamínicos para, 1079-1080 benztropina para, 1078 critérios de diagnóstico e pesquisa para, 1056t haloperidol para, 1078 tratamento, 1056 Parkinsonismo, 118. Ver também transtornos do movimento induzidos por medicamentos; transtornos do movimento induzidos por neurolépticos características, 94 e depressão, 94 farmacologia para, 1078, 1145 induzido por MPTP, 489 manifestações de emergência, 969t Parlodel. Ver Bromocriptina Parnate. Ver tranilcipromina Paroxetina, 1065t. Ver também Inibidores seletivos da recaptação de serotonina abstinência de, 1045 com eritromicina, 1110 dosagem e administração, 607t efeitos adversos, 606t, 1044t intoxicação/superdosagem, 1050t mecanismo de ação, 124 para pacientes idosos, 1420 para transtorno da conduta, 1321 para transtorno de ansiedade de separação, 1346-1347 para transtorno de estresse pós-traumático, 672 Participação de conhecimento, 245 Paternidade, no início da idade adulta, 63-64 Patixam. Ver Halazepam Pauling, Linus, 1222 Pavlov, Ivan Petrovich, 168, 168f, 187 Paxil. Ver Paroxetina PBG, testagem para, 303t PCP. Ver fenciclidina (PCP) (ou substância tipo fenciclidina) Peabody, francis, 15 Pedofilia características clínicas, 769
1548
ÍNDICE
critérios diagnósticos da CID-10, 774t critérios diagnósticos para, 769, 769t diagnóstico, 769 Pele, avaliação visual da, 288 Pemolina, 1065t, 1189. Ver também Simpatomiméticos (e drogas relacionadas) ação farmacológica, 1190 dosagem geriátrica, 1421t-1422t intoxicação/superdosagem, 1050t para transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, 1310 para usuários de cocaína, 469 Penfield, Wilder, 92 Pensamento abstrato, 162, 163 avaliação do, no exame do estado mental, 272 definição, 318 animístico, 79-80, 161 conteúdo, 270 avaliação do, na avaliação psiquiátrica da criança, 1233 definição, 269 na esquizofrenia, 529-530 no transtorno delirante, 551-552 pobreza de, definição, 313 transtornos específicos no, definição, 314-315 definição, 312 distúrbios específicos no, definição, 313 eletroncefalografia de, 143 forma de, 269-270 hipotético-dedutivo, 162 modo paratáxico, 256 modo prototáxico, 256-258 modo sintático, 255-256 na depressão, 594 na esquizofrenia, 530 na mania, 594 no exame do estado mental, 269-270, 270t no transtorno delirante, 551-552 no transtorno obsessivo-compulsivo, 661 operacional, 161 primitivo versus maduro, 1017t processo primário, 227, 251 processo secundário, 233 processo, 269-270 definição, 269 na esquizofrenia, 530 tendência ou preocupação de, definição, 314-315 terapia cognitiva, pensamentos automáticos na, 1018 transtornos do, no idoso, 1410-1411 transtornos generalizados na forma ou no processo do, definição, 313 Pensamento autista, definição, 313 Pensamento concreto, definição, 318 Pensamento de processo primário, 251 definição, 313 Pensamento dicotômico, 1019f Pensamento ilógico, definição, 313 Pensamento mágico definição, 313 no transtorno obsessivo-compulsivo, 660 Pensamento operacional, 161 Pensamento primitivo, versus pensamento maduro, 1017t Pentazocina, 483 dados de nível sangüíneo para avaliação clínica, 300t Pentobarbital, 495, 1065t. Ver também Barbitúrico(s) dosagem, 1085t estrutura, 1082f indicações, 1082 Peonagem, 1451 Peptidase, 125 Peptídeo(s), função de neurotransmissor, 108, 112f, 125-126 Pequeno Albert, 650 Pequeno Hans, 650 Percepção sensorial, consciência, alteração da, hipnose através de, 93 Percepção alterações na, com tumor cerebral, 393 definição, 316
no exame do estado mental, 269 Percodan. Ver Oxicodona Perda de peso hipnose para, 898 na depressão, 287 Perda, na velhice, 76-77 Perfenazina, 1065t dados de nível sangüíneo para avaliação clínica, 300t dosagem geriátrica, 1424t e lítio, 1141t estrutura, 1120f preparações, 1132t Perfil cognitivo, de transtornos psiquiátricos, 1018t Perfil de Atenção Infantil (CAP), 1235t Pergolida, 1065t, 1114-1117. Ver também Antagonista(s) dos receptores de dopamina, e precursores para usuários de cocaína, 469 Pergunta(s) de abertura, na entrevista, 22 ilimitada versus limitada, 22, 23t Periatin. Ver Ciproeptadina Período de camaradagem, 48, 257-258 Período dos primeiros passos, 37, 46-47 marcos do desenvolvimento do, 38t, 46 tarefas do desenvolvimento no, 240-241, 243 Período pré-escolar, 37, 47-48 marcos do desenvolvimento do, 38t, 47-48 Período pré-natal, 37-40 Período REM do início do sono, medidas polissonográficas de, 811t Período sensório-motor, 34, 44t teoria de Piaget sobre, 160, 158t Perls, frederick, 254, 254f e terapia de grupo gestalt, 995 Permanência do objeto, 160 Permitil. Ver flufenazina Perseveração, definição, 313 Persona, conceito de Jung de, 250 Personalidade, 237 acumulativa, 248-249 adulta, avaliação, 207-213 anal, 243 avaliação objetiva, 207-208, 208t projetiva, 209-213, 210t de marketing, 248-249 definição, 853 e criação de filhos, 193-194 e cultura, 192 e transtorno do humor, 579-580 epileptóide, 835 estudo de Cattell sobre, 247-249 estudos de gêmeos. Ver Estudos de gêmeos exploradora, 248-249 família e, 193-194 genética e, 193-194 infantil, 265 produtiva, 248-249 propensa a acidente, 183 receptiva, 248-249 serotonina e, 854 teoria de Erikson sobre, 238-239 traços, 246 transtornos da, na epilepsia, 390-391 variação na, 193-194 visão de Roger sobre, 255 visão de Skinner sobre, 256 viscosidade e, na epilepsia, 390-391 Personalidade como-se, 862 Personalidade dividida. Ver transtorno dissociativo de identidade Personalidade múltipla. Ver também transtorno dissociativo de identidade definição, 317 Personalidade reservada, 248-249 Personologia, 254 Perspectiva, 90f
ÍNDICE
Pertofane. Ver Desipramina PEs. Ver Potenciais evocados (PEs) Pesadelos, na CID-10, 817t Pesquisa psiquiátrica, classificação de pacientes, 130 Pesquisa, ética relativa a, 1469t PET. Ver tomografia por emissão de pósitrons (PET) Pfizer. Ver Ziprasidona Piaget, Jean, 160-163, 161f teoria, do desenvolvimento cognitivo (intelectual), 34, 40-42, 44t, 55, 79, 160-162 aplicação à psiquiatria, 163 PIAT, 1236 Piblokto, 569t Pica definição, 311 em grávidas, 929 na infância, 1323-1324 características clínicas, 1323-1324 critérios diagnósticos para, 1324t curso, 1324 diagnóstico diferencial, 1324 diagnóstico, 1323-1324 epidemiologia, 1323 etiologia, 1323 exame laboratorial de, 1324 na CID-10, 1327t patologia, 1324 prognóstico, 1324 tratamento, 1324 PICA-III-R, 1230 Pilorospasmo, 431 Pimozida, 1065t estrutura, 1120f para anorexia nervosa, 794 para transtorno de tourette, 1332 preparações, 1132t química, 1119 Pindolol, 1065t, 1073t. Ver também Antagonista(s) dos receptores β-adrenérgicos ações farmacológicas, 1073 adição de, 1053 química, 1072f Piperacetazina, 1065t Piperazina, estrutura, 1120f Piperazinoazepínicos, efeitos adversos de, 1044t Piperidina, 492 Pirâmide alimentar, 910, 910f Piridoxina deficiência considerações médicas sobre, 902t considerações psiquiátricas sobre, 902t interações medicamentosas, 1116 Piromania, 838-840 características clínicas, 839-840 classificação da CID-10, 846-847, 846t co-morbidade com, 838-840 critérios diagnósticos para, 839-840, 839t-840t curso, 839-840 definição, 838 diagnóstico diferencial, 839-840 diagnóstico, 839-840 e transtorno explosivo intermitente, 835 epidemiologia, 838 etiologia, 839-840 fatores biológicos na, 839-840 fatores psicossociais na, 839-840 prognóstico, 839-840 tratamento, 839-840 PKU, 1243, 1244t, 1249t Placa amilóide, na doença de Alzheimer, 363, 363f Placa senil, na doença de Alzheimer, 149, 363 Placebos, 1224-1225 Placidyl. Ver Etclorvinol Planejamento familiar, 931-934 PNI. Ver Psiconeuroimunologia (PNI)
1549
PNMT, 122 Poda sináptica na esquizofrenia, 514 Poicilotermia, 808 Polifagia, definição, 312 Polimorfismo de restrição da extensão do fragmento (RfLP), em estudos de abuso de substâncias, 419 Polissonografia, 142 Politan, Phillip, 862 Poluição do ar, e agressividade, 178 Pondimin. Ver fenfluramina Ponto de prevalência, 203 Ponto G, 761 População, estatística, 203 definição, 201 Porfiria intermitente aguda, 398 considerações médicas sobre, 901t considerações psiquiátricas sobre, 901t Porfobilinogênio (PBG), testagem para, 303t Posição depressiva, 250 Posição paranóide-esquizóide, 250 Posição, genética, 146 Postura avaliação, 287 e método de feldenkrais, 911, 913f e técnica de Alexander, 907, 908f Potenciais de ação, 109-111, 110f-111f fenômeno tudo-ou-nada, 112 translação para neurotransmissão química, 109-111 Potenciais evocados (PEs), 143-145 na esquizofrenia, 517-519 ondas negativas, 144-145 ondas positivas, 144-145 processamento cognitivo superior em, 144-145 Potenciais evocados auditivos do tronco cerebral, 141 Potenciais evocados somatossensoriais, 144-145 Potenciais evocados visuais, 144-145 Potenciais pós-sinápticos, 109 Potenciais relacionados a evento (PREs), 143-145 em tarefas de linguagem, 144-145 PPA. Ver fenilpropanolamina (PPA) PPOs. 1486 Pragmática, 1274 Pramipexol, 1065t, 1114-1117. Ver também Antagonista(s) dos receptores de dopamina, e precursores Prática, no desenvolvimento, 45t Práticas de prescrição, negligentes, 1446 Práxis, 94 Prazepam, 1065t. Ver também Benzodiazepínico(s) ações farmacológicas, 1088 dosagem geriátrica, 1424t dosagem, 1090t estrutura, 1088f farmacocinética, 1087-1088 meia-vida, 1090t Prazer sexual, falta de, critérios diagnósticos da CID-10 para, 765t Preconceito, e problemas de relacionamento, 938 Prednisona, para tratamento da dor, 1438t Preferência sexual outros transtornos de, critérios diagnósticos da CID-10 para, 774t transtornos de, critérios diagnósticos da CID-10 para, 774t transtornos múltiplos de, critérios diagnósticos da CID-10 para, 774t Prega de Veraguth, na depressão, 592-593f Prejuízo auditivo e transtornos da linguagem, 1280t e transtornos fonológicos, 1283t grave, diagnóstico diferencial, 1294-1295 no idoso, 1418 Prejuízo, do médico, ética relativa a, 1466 Premack, David, 171 Preocupação com castração, 784-736 Preparações de sal de anfetamina, para transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, 1308-1309, 1308t-1309t Prescrição(ões) em triplicata, 500
1550
ÍNDICE
desvantagens, 501t-502t Prescrição, triplicada. Ver Prescrição(ões) triplicada(s) Preservativos, 932t, 933f Pressão, somatossensorial, 85-87 Prevalência, 203 definição, 203 na vida, 203 período, 203 ponto, 203 tratada, 203 Priapismo, induzido por trazodona manifestações de emergência, 970t tratamento de emergência, 970t Primateno. Ver teofilina Primidona dados de nível sangüíneo para avaliação clínica, 300t interações medicamentosas, 1192-1193 Princípio de Premack, 171 Princípio de realidade, 228 Princípio do prazer, 175, 228 Princípio epigenético, 33, 108, 238-243 Prisioneiros de guerra, 959 Pritikin, Nathan, 910 Privação do sono, 810, 1221 Privação psicossocial, diagnóstico diferencial, 1295 Privação sensorial, 189 sintomas característicos de, 189 teorias de cognitiva, 189 fisiológica, 189 psicológica, 189 Privacidade, direito dos pacientes a, 1452-1453 Privilégio, 1447 Probabilidade, definição, 203 Problema acadêmico, 167, 1377-1379 classificação, segundo o DSM-IV-TR, 1377 diagnóstico, 1378 etiologia, 1378 tratamento, 12291-1379 Problema de aculturação, 958-959 Problema de fase da vida, 956-958 Problema de identidade, 1380-1381 características clínicas, 1380 curso, 1380 diagnóstico diferencial, 1380 diagnóstico, 1380 epidemiologia, 1380 etiologia, 1380 prognóstico, 1380 tratamento, 1380-1381 Problema espiritual, 958 Problema religioso, 958 Problemas conjugais, 62-63, 937-938 Problemas de casais, 773 Problemas de comportamento, sintomas, história, 265 Problemas de imagem corporal, 774 Problemas de relacionamento, 936-939 com o parceiro, 937-938 conjugal, 937-938 de irmãos, 938 definição, 936 epidemiologia, 936 pai-filho, 937 relacionados a transtorno mental ou condição médica, 936-937 sem outra especificação, 938 Problemas emocionais, anamnese sobre, 265 Problemas emocionais, em crianças, visão psicanalítica de, 1382 Problemas físicos, anamnese sobre, 265 Problemas ocupacionais, 952-954 Procardia. Ver Nifedipina Processamento de informação, 172 Processamento fonológico, 101 Processamento léxico, 90, 101 Processamento semântico, 101
Processo de pensamento, avaliação do, na avaliação psiquiátrica da criança, 1233 Prociclidina, 1065t para transtornos extrapiramidais, 1127t Proclorperazina, 1065t estrutura, 1120f preparações, 1132t Procuração permanente, 1455-1456 Procuradores de tratamento de saúde, 1433, 1434t Prodinorfina, 125 Produção de palavras, avaliação de, 288 Produtividade conceito de Erikson de, 34, 64, 244 versus estagnação, 34, 64, 242 Proencefalina, 125 Progesterona, 153 Progestinas e bromocriptina, 1116 prognóstico, 699 Programa de Entrevista para Crianças do National Institute of Mental Health Versão IV (NIMH DISC-IV), 1229-1230 Programa de Leitura Básica SRA, 1261-1262 Programa de Leitura de Ligação, 1261-1262 Programa de leitura de Orton Gillingham, 1261-1262 Programa de reforço, no condicionamento operante, 169-171, 167f contínuo, 169-170 intervalo fixo, 169-170, 167f intervalo variável, 169-170, 167f proporção fixa, 167f proporção variável, 167f Programas de controle de dor, para transtorno doloroso, 702 Programas de Intervenção Precoce, 108 Programas de tratamento do Paciente Ambulatorial Obrigatório (tAO), 14741476 Projeção, 235t, 243, 250 no transtorno delirante, 550 nos transtornos da personalidade, 855 Proketazine. Ver Carfenazina Prolactina, 153, 294 e transtorno depressivo maior, 577 hiperprolactinemia, correlatos psicológicos de, 889 sérica, testagem para, 304t Prolapso da válvula mitral e transtorno de pânico, 640 manifestações de emergência, 969t tratamento de emergência, 969t Prolixin. Ver flufenazina Promazine, 1065t estrutura, 1120f preparações, 1132t Prometazina, 1065t, 1079-1081. Ver também Anti-histamínico(s) dosagem e administração, 1081t estrutura, 1079f-1080f interferências laboratoriais, 1081 proopiomelanocortina, 125 Propionicacidemia, 1245t Propoxifeno, 483 dados de nível sangüíneo para avaliação clínica, 300t na análise urinária, 299t Propranolamina, 447 Propranolol, 1066t, 1072-1075, 1073t. Ver também Antagonista(s) dos receptores β-adrenérgicos ações farmacológicas, 1073 crianças, uso com, 1396t dados de nível sangüíneo para avaliação clínica, 300t dosagem geriátrica, 1424t interações medicamentosas, 1074, 1150 para agressão, 388 para transtorno de ansiedade de separação, 1346-1347 para transtorno explosivo intermitente, 837 para transtornos extrapiramidais, 1127t química, 1072f toxicidade manifestações de emergência, 970t tratamento de emergência, 970t Propriocepção, 85-87
ÍNDICE
PROs, 1482-1484 Prosódia, 98, 101, 532 definição, 316 ProSom. Ver Estazolam Prosopagnosia, 89 definição, 317 Prostaglandina(s), função de neurotransmissor, 108 Prostituição, na adolescência, 56-57 Proteína precursora de amilóide, na doença de Alzheimer, 363 Proteína quinase(s), 116f, 117 Proteína tau, 149 na doença de Alzheimer, 363 na taupatia de sistema múltiplo familiar, 363-364 Proteína(s) G, 115 subunidades, 115 Proteína(s) fosforilação, 116f, 117 sérica total, testagem para, 304t síntese de, 146 Protesto masculino, 245 Protocolo Nacional de Clozaril, 296 Protriptilina, 1066t dosagem e administração, 607t efeitos adversos, 606t, 1044t, 1201t efeitos de neurotransmissor, 1200t estrutura, 1199f informação clínica, 1204t-1205t mecanismo de ação, 606t para cataplexia, 820 para narcolepsia, 820 preparações de, 1204t-1205t Provocação de incêndio patológica, classificação da CID-10, 846-847, 846t Provocação de lactato, 298 Prozac. Ver fluoxetina Prurido anal, correlatos psicológicos de, 889 Prurido localizado, correlatos psicológicos de, 889 Prurido vulvar, correlatos psicológicos de, 889 Pseudociese, 287, 927-929 definição, 311 Pseudocomunidade paranóide, 550 Pseudoconvulsões no transtorno conversivo, 692-693 versus convulsões, 391, 392t Pseudodemência, 129, 594 definição, 318 versus demência, 370, 371t Pseudo-hermafroditismo, 740t, 784, 784f feminino, 783f Pseudologia fantástica, 715 definição, 314-315 PSI, 208t Psicanálise existencial, 256 Psicanálise infantil, 1384 Psicanálise, 982-990 ação terapêutica na, 982-984 aliança terapêutica na, 985 ambiente analítico de, 984 âmbito da, 983t associação livre na, 221, 984 atenção flutuante livre na, 984 contra-indicações para tratamento, 985 contratransferência na, 985 de grupo, aspectos de, 996t duração do tratamento, 984 escolas derivadas da, 245-258 experiências clínicas controladas na, 988 indicações para tratamento, 985 interpretação de sonhos na, 807f, 985 interpretação na, 984-985 métodos de tratamento na, 984 objetivos da, 982-984 orientações futuras, 989-990 primórdios da, 221-225 princípios da, 221
processo analítico na, 984-985 regra fundamental da, 984 resistência na, 985 significados na, 221 técnica, 221, 237 transferência na, 984 tratamento por, 237 uso do divã na, 984 visão construtivista social da, 250 Psicobiologia, 252-253 Psicocirurgia, 1223-1224 crianças, uso com, 1399 história de, 1223-1224 Psicodélicos, 469. Ver também Alucinógeno(s) Psicodrama, 999-1001 diretor no, 999-1001 ego auxiliar no, 1000-1001 grupo no, 1000-1001 papéis no, 999-1001 protagonista no, 1000-1001 técnicas de, 1000-1001 Psicoestimulante(s), 447 para o idoso, 1421-1422, 1421t-1422t Psicofarmacologia ações farmacológicas de, 1036-1038 classificação de drogas, 1036 dosagens e usos não-aprovados, 1039 e neurotransmissão, 108 escolha de droga na, 1038-1042 experiências terapêuticas na, 1039-1041 falhas terapêuticas na, 1040-1042, 1040t-1041t farmacocinética, 1037-1038 farmacodinâmica, 1036-1037 orientações clínicas para, 1038-1042 princípios gerais de, 1036-1052 uso não-aprovado, 1039 Psicologia analítica, 250 Psicologia comportamental, versus modelo psicanalítico, 174t, 175 Psicologia do ego, 225, 232-237 Psicologia do self, objetivos, 984 Psicologia evolucionária, 189-190 Psicologia holística, 250 Psicologia individual, 245 Psicologia, escolas derivadas da, 245-258 Psiconeuroendocrinologia, 151-155 Psiconeuroimunologia (PNI), 155-158 na esquizofrenia, 518-519 Psicooncologia, 892-893 Psicopatia autista, 1300 Psicopatologia, teoria de Erikson de, 243-244 Psicose autoscópica, 563-564 Psicose confusional, 521, 623 Psicose da infância, definição, 1368 Psicose de ansiedade-euforia, 521, 623 Psicose de motilidade, 520-521, 622 Psicose puerperal, 564-565 Psicose reativa, 557-558 Psicose. Ver também Esquizofrenia com demência, 129 confusional, 521, 623 da infância, 1368 de ansiedade-felicidade, 521, 623 definição, 307, 312 delirante aguda, 525-526 eletroconvulsoterapia para, 1216 entrevistando pacientes psicóticos, 278-279 farmacoterapia para, 1121-1123 induzida por alucinógenos, 474 motilidade, 622 na doença de Huntington, 94 no luto, 82 pós-parto. Ver Depressão e psicose pós-parto risco para, com doença psicossomática, 895 Psicoses idiopáticas, farmacoterapia para, 1121-1122
1551
1552
ÍNDICE
Psicoses secundárias, farmacoterapia para, 1121-1123 Psicossexual (termo), 739 Psicossexualidade, 739 Psicossomático (termo), 877 Psicoterapia, 982-1035 baseada no desenvolvimento, 163 breve. Ver Psicoterapia breve com crianças. Ver também Psicoterapia de grupo; Psicoterapia individual abordagem inicial, 1385 confidência na, 1386 diferenças de adultos, 1384-1385 envolvimento dos pais na, 1386 indicações para, 1386 intervenções terapêuticas, 1385-1386 na sala de recreação, 1385 técnica de Erikson, 244-245 com farmacoterapia, 1029-1035 considerações clínicas, 1033-1034 custo-efetividade de, 1034 modelo de duas pessoas de, 1033-1034 modelo de uma pessoa de, 1033 transtornos específicos tratados com, 1030-1033 de apoio. Ver Psicoterapia de apoio e teoria do apego, 167 encaminhamento para, por médico não-psiquiatra, 988, 988t individual, para esquizofrenia, 538-539 interpessoal. Ver Psicoterapia interpessoal interrupção por emergência médica, com doença psicossomática, 895 orientada para o insight. Ver Psicoterapia orientada ao insight para anorexia nervosa, 794 para bulimia nervosa, 800 para depressão, 599-600, 599t-603t para enurese, 1340-1341 para pacientes geriátricos, 1425-1427 para pacientes infectados por HIV (AIDS), 410 para problema de identidade, 1380-1381 para transtorno amnésico, 381 para transtorno da personalidade anti-social, 861 para transtorno da personalidade borderline, 863 para transtorno da personalidade dependente, 867-868 para transtorno da personalidade esquiva, 866 para transtorno da personalidade esquizóide, 858-859 para transtorno da personalidade esquizotípica, 860 para transtorno da personalidade histriônica, 864 para transtorno da personalidade narcisista, 865 para transtorno da personalidade obsessivo-compulsiva, 870 para transtorno da personalidade paranóide, 857 para transtorno da personalidade passivo-agressiva, 871 para transtorno de adaptação, 851-852 para transtorno de ansiedade generalizada, 676-677 para transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, 1311 para transtorno delirante, 556 para transtorno doloroso, 702 para transtorno obsessivo-compulsivo, 664 para transtorno psicótico breve, 563 para transtornos por uso de álcool, 420, 438 para transtornos por uso de opióides, 490 para transtornos relacionados a substâncias, 420 para vício em sexo, 776 problemas atuais na, 988 questões de gênero na, 988-990 resistência a, com doença psicossomática, 895 resistência durante, com doença psicossomática, 895 tipos de, com crianças, 1383-1384 transtorno de estresse pós-traumático para, 672-673 visão de Erikson sobre, 244-245 Psicoterapia breve, 989-993 história, 989-991 para o idoso, 1426 resultado, 992-993 tipos, 991 Psicoterapia centrada no cliente, 255-256 Psicoterapia de apoio para esquizofrenia, 538-539
para fobias, 655 para transtorno de ansiedade devido a uma condição médica geral, 385 Psicoterapia de grupo centrada no cliente, classificação de, 995 Psicoterapia de grupo interacional estruturada, 999 Psicoterapia de grupo para pacientes internados, 998-999 composição do grupo na, 999 de curto prazo, 999t objetivos, 999t técnicas para, 999t Psicoterapia de grupo, 995-999 aberta versus grupos fechados, 997 aspectos de, 995t classificação, 995 com adolescentes, 1388-1389, 1402 com crianças, 1387-1390 em ambientes residenciais, 1388-1389 envolvimento dos pais na, 1388-1390 grupos em idade de latência, 1388-1389 grupos em idade escolar, 1388-1389 grupos especializados, 1388-1389 grupos púberes e adolescentes, 1388-1389 idade pré-escolar/escolar inicial, 1387-1389 indicações para, 1388-1389 com famílias, 1004 combinada com psicoterapia individual, 999 critérios de inclusão para, 996t diagnóstico na, 996-997 duração das sessões, 997 e ansiedade de autoridade, 995 e ansiedade de iguais, 995-996 e terapia de casais (conjugal), 1006 e transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, 1311 fatores terapêuticos na, 997, 998t formação de grupo, 997 frequência de sessões, 997 grupos de auto-ajuda. Ver Grupos de auto-ajuda grupos homogêneos versus heterogêneos, 997 mecanismos na, 997 organização estrutural de, 997 paciente internado versus paciente ambulatorial, 999, 999t paciente internado, 998-999 padrões comportamentais na, 999t papel do terapeuta, 997-998 para disfunção sexual, 762 para doença psicossomática, 896-897 para esquizofrenia, 538 para transtorno distímico, 615 para transtorno obsessivo-compulsivo, 664 para transtornos por uso de cocaína, 468 preparação para, 997 seleção do paciente na, 995, 996t tamanho do grupo na, 997 tarefas do terapeuta na, 997t tipos de, 996t Psicoterapia de tempo limitado, 991. Ver também Psicoterapia breve interpessoal. Ver Psicoterapia interpessoal requisitos para, 991 técnicas de, 991, 991t Psicoterapia dinâmica de curto prazo, 991 requisitos para, 991 técnicas de, 991 Psicoterapia educacional, com crianças, 1383-1384 Psicoterapia exploratória, com crianças, 1382-1383 Psicoterapia focal breve, 991 critérios de exclusão para, 991t psicoterapia interpessoal. Ver Psicoterapia interpessoal requisitos para, 991 técnicas de, 991, 991t Psicoterapia individual e de grupo combinadas, 999 resultados, 999 técnicas, 999 Psicoterapia individual com crianças e adolescentes, 1382-1387, 1400-1401 teorias e técnicas de, 1382-1383
ÍNDICE
teorias psicanalíticas na, 1382-1383 combinada com psicoterapia de grupo, 999 e terapia de casais (conjugal), 1006 Psicoterapia interpessoal (tIP), 992-995, 992t-993t para depressão, 604, 992-994, 1021t para transtorno distímico, 615 requisitos e técnicas, 992-994 resultados de, 994 Psicoterapia orientada para o insight no transtorno de pânico, 648 para esquizofrenia, 538-539 para fobias, 655 para o idoso, 1426 para transtorno distímico, 614 Psicoterapia padronizada, com crianças, 1383-1384 Psicoterapia provocadora de ansiedade de curto prazo, 991, 992t-993t requisitos para, 991 técnicas de, 991 Psicoterapia psicanalítica, 985-988 âmbito de, 983t continuum expressivo-de apoio de, 986-987, 986t-987t experiência emocional corretiva na, 988 experiências clínicas controladas na, 988 intervenções na, definições de, 986t-987t objetivos e ações terapêuticas, 982-984 orientações futuras, 989-990 para depressão, 604 subtipo de apoio, 982, 983t, 988, 988t indicações para, 988t subtipo expressivo, 982, 983t, 986-988 indicações para, 988t tipos de, 986-988 Psicoterapia reparadora, com crianças, 1383-1384 Psicotomiméticos, 469. Ver também Alucinógeno(s) Psicotrópico(s) abuso, 427t efeitos sobre funções de aprendizagem, 1396t interações de drogas anti-retrovirais, 408-409 interações medicamentosas, 433 metabolismo de, 571 na gravidez, 927-928 para obesidade, 802 testes laboratoriais relacionados a, 296 Psilocibina, 469, 470t Psiquiatria de bom senso, 252-253 Psiquiatria de consultoria de ligação, 898-905 diagnóstico na, 898, 899t-902t na unidade cirúrgica, 904, 904t na unidade de hemodiálise, 903-904 problemas vistos na, 877, 878t, 898, 903t questões de transplante, 904-905 tratamento na, 898-903 Psiquiatria forense, 1445-1459 definição, 1445 DSM-IV-TR e, 327 psiquiatria infantil, 1405-1408 Psiquiatria geriátrica, 1409-1429-1430. Ver também Idoso cuidado psicogeriátrico de longo prazo, 1474 definição, 1409 tratamento psicofarmacológico na, 1419-1425 Psiquiatria industrial, 952-954 Psiquiatria infantil avaliação neuropsiquiátrica em, 1233-1234 avaliação, exame, e testagem psicológica, 1227-1237 diagnóstico na, 1237 entrevistas em entrevistas “baseadas no entrevistado”, 1229-1230 entrevistas “baseadas no entrevistador”, 1229 entrevistas clínicas, 1227-1229 escalas de avaliação em, 1230-1232 eventos adversos, exposição a, 1407-1408 instrumentos diagnósticos pictóricos, 1230 outras condições que podem ser foco de atenção clínica, 1377-1381 planos de tratamento em, 1237
1553
questionários em, 1230-1232 questões forenses em, 1405-1408 recomendações em, 1237 testagem do desenvolvimento, psicológica, e educacional na, 1234t-1235t, 1235-1237 Psiquiatria integrativa, 922-923 Psiquiatria nas culturas, 194-197 Psiquiatria preventiva, 1472-1473 prevenção primária, 1472 prevenção secundária, 1472 prevenção terciária, 1472-1473 Psiquiatria pública, 1470-1478 desinstitucionalização, 1473 doente mental sem-teto, 1473-1474 programas de internação do paciente ambulatorial, 1474-1476 psiquiatria preventiva, 1472-1473 saúde mental da comunidade, 1470-1472, 1470-1472 tratamento de longo prazo psicogeriátrico, 1474 Psiquiatria e medicina alternativa, 906-923 ética na, 1460-1469 Psoríase, 889 correlatos psicológicos de, 889 PSRO, 1482 Psychose passionelle, 554 Puberdade atípica, 1402-1404 Puberdade, 52-53 atípica, 1402-1404 estágios da, 52, 53t idade de início, 53 Punção lombar, 299 Punição e prevenção de agressão, 180-181 versus reforço negativo, 171
Q QI. Ver Quociente de inteligência (QI) QM, 214 Quaalude. Ver Metaqualona Qualidade de vida, 1486-1487. Ver também Cuidado de final da vida Quantidade, entendimento de, 161-162, 162f Quantidades diárias recomendadas, 910 Quazepam, 1066t. Ver também Benzodiazepínico(s) ações farmacológicas para, 1088 dosagem, 1090t estrutura, 1088f meia-vida, 1090t para insônia primária, 816 química, 1087 Queixa principal, 263 “Queixosos que rejeitam ajuda”, 29 Questionário de Avaliação da Personalidade (PAI), 208t Questionário de história de sono, 7612, 813t-814t Questionário de Personalidade de Crianças, 1235t Questionário de Personalidade de Eysenck (EPQ), 208t Questionário de Situações em Casa Revisado (HSQ-R), 1235t Questionário de Situações Escolares (SSQ-R), 1235t Questionário dos fatores de Personalidade (31 Pf ), 208t Questões de gênero, na psicoterapia, 988-990 Questões de transplante, na consulta de psiquiatria de ligação, 904-905 Quetiapina, 535. Ver Antagonista(s) de serotonina-dopamina (antipsicóticos atípicos) e ganho de peso, 802 efeitos adversos, 535 indicações, 507, 535 mecanismo de ação, 514 para esquizofrenia de início precoce, 1371-1372 para esquizofrenia, 535 para transtorno autista, 1296 Quinase dos receptores β-adrenérgicos, 114 Quinidina, dados de nível sangüíneo para avaliação clínica, 300t Quinina, dados de nível sangüíneo para avaliação clínica, 300t Quiroprática, 908-909
1554
ÍNDICE
Quociente de inteligência (QI), 105, 205-206, 207t com funcionamento intelectual borderline, 1377 e agressão, 179 interpretação de, 207 normal, 206-207 Quociente de memória (QM), 214
R Rabdomiólise, no transtorno por uso de fenciclidina (ou substância tipo fenciclidina), 494 Raça, 195-196 distúrbios associados a inalantes, 475 e abuso de benzodiazepínicos, 496-497 e expectativa de vida, 71 e transtornos por uso de álcool, 428 e transtornos por uso de alucinógenos, 470 e transtornos por uso de sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos, 495 Raciocínio dedutivo, 162 Raciocínio indutivo, 162 Raciocínio silogístico, 161 Raciocínio, avaliação de, 214 Racionalização, 236t Rado, Sandor, 254-255, 254f Raios X, 39 Raiva de esteróide (roid rage), 503 Raiva, encefalite, 395 Raiva, na pessoa à beira da morte, 79 Raíz de ginseng, 763 Ramon y Cajal, Santiago, 108 Randolf, theron, 911 Rank, Otto, 255, 255f O trauma do Nascimento, 255 Rappaport, David, 250 Rapport, na entrevista, 20, 21t Razão noradrenalina / adrenalina (NE:E), 294 Reabilitação neuromuscular, biofeedback para, 1009t Reabilitação psicossocial. Ver tratamento e reabilitação psicossocial Reabilitação vocacional, 954 Reação catastrófica, 250 na demência, 368 Reação de estresse aguda classificação da CID-10, 850 critérios diagnósticos da CID-10, 634-638, 638t Reações extrapiramidais induzidas por droga, 1055 Reações psicóticas Qi-gong, 569t Realidade adaptação à, 233 conceito de Gill sobre, 250 relação do ego com, 233 senso de, 233 Reboxetina, 1066t, 1162-1164 interações medicamentosas, 1045 Receptor de tirosina quinase, 114 Receptor(es) de opióides, 484 Receptor(es) β-adrenérgico(s), 114, 115, 122-123 Receptores colinérgicos, 114t, 126 muscarínicos, 126 nicotínicos, 126 Receptores de canabinóides, 458, 459t Receptores de neurotransmissores, 114-115 em transtornos relacionados a substâncias, 419 pós-sinápticos, 114-115 pré-sinápticos, 113-114 sub-sensibilidade, 114 supersensibilidade, 114 tipos de, 110t-111t, 114-115, 115t Receptores muscarínicos, 114t, 126 Receptores nicotínicos, 114t, 126 Receptores noradrenérgicos, 122-123 Receptores serotonérgicos, 123-124 efeitos de, 123-124 mecanismos efetores, 114t
Receptores sigma (Σ), função de neurotransmissor, 117, 128 Recompensas, versus reforçadores, 169-170 Reconciliação, 45t Recuperação parcial, no condicionamento, 168 Recusa de escola, 48 Redux. Ver Dexfenfluramina Reed, David, 62 Reestruturação, na terapia familiar, 1006 Reflexão, na entrevista, 23 Reflexo de Babinski, 41 Reflexo de Moro, 41, 42f Reflexo de sucção, 160 Reflexo(s) de Babinski, 41 de Moro, 41, 42f desenvolvimento pré-natal de, 37 do recém-nascido, 41 Reflexologia, 921 Refluxo gastroesofágico correlatos psicológicos de doença, 882 relacionado ao sono, 831-832 Reforçador(es), 169-170 primário, 169-170 secundário, 169-170 Reforço estimulação cerebral e, 175, 188-189 fortuito, 171 negativo, 171 parcial, 169-170 positivo, 169-171 na entrevista, 24 na terapia comportamental, 1015 Região dorsolateral, 105 Região medial, do córtex pré-frontal, 105 Região orbitofrontal, 105 Registro de caso psiquiátrico, 198 Registro(s) médico(s), 280-284, 280t acesso do paciente a, 281 anotação/observações pessoais, 281 e-mail, 282 orientado para o problema, 281-282 psiquiatria militar, 282 questões de atendimento gerenciado, 283-284 questões de ética, 282-284 relato psiquiátrico, 273, 273t-276t terceiras partes problemas de documentação do pagador, 281t solicitações por, 281 uso de, 280-281 Regitine. Ver fentolamina Regra da vovó, 171 Regra de M’Naghten, 1457 Regressão, 235t estresse e, 163 Reich, Wilhelm, 255, 255f, 854, 908 Reiki, 921, 922 Reitan, Ralph, 218 Relacionamento mãe-filho, e transtornos da identidade de gênero, 779 Relacionamento médico-paciente, 15-30 confiança, 15 confidência, 15 continuidade, 27-28 contratransferência no, 19 defensiva, 15 desenvolvimento de, 15 com doença psicossomática, 894 e adesão, 24-27 empatia, 15 modelo deliberativo, 17-18 modelo informativo, 17-18 modelo interpretativo, 17-18 modelo paternalista, 17-18 modelos de, 16-18 rapport no, 15, 20-21
ÍNDICE
transferência no, 19 Relações com a mídia, 1465 Relações de mídia, 1465 Relações objetais, 233, 248-249, 250, 257-258 na teoria dos instintos de Freud, 228 Relações sexuais paciente-terapeuta, 1463 Relações sociais, avaliação das, na avaliação psiquiátrica da criança, 1233 Relato psiquiátrico, 273, 273t-276t Relatório, ética relativa a, 1469t Relaxamento aplicado, para transtorno de pânico, 648 Relaxantes musculares, e eletroconvulsoterapia, 1217 Religião, 16 anamnese sobre, 266 cura pela fé, 921 e cuidado de final da vida, 1440 e suicídio, 974 Religiosidade, na epilepsia, 390 Remeron.Ver Mirtazapina Remoção de pensamento, definição, 314-315 Rennie vs. Klein, 1451 Reno, Janet, 460 Representação simbólica, nos sonhos, 226 Repressão, 224, 227, 236t definição, 317 e sonhos, 225 Reprodução, 924-935 envelhecimento, 934 na sociobiologia, 190 taxas de, na esquizofrenia, 512 técnicas assistidas, 930, 930t Reserpina, 1066t e sono, 810 estrutura, 1120f intoxicação manifestações de emergência, 970t tratamento de emergência, 970t mecanismo de ação, 121 modelo animal de depressão usando, 189 Resíduo do dia, nos sonhos, 226 Resina de fentermina, para redução de peso, 805t-806t Resistência, 221, 224, 237 à psicoterapia, com doença psicossomática, 895 durante a psicoterapia, com doença psicossomática, 895 na psicanálise, 985 Resolução de problemas, avaliação de, 214 Responsabilidade criminal, 1457-1458 Responsabilidade, excessiva, 1019f Resposta antecipatória, 171 Resposta condicionada, 168 Resposta cutânea galvânica (GSR), medida, 1008 Resposta de luta ou fuga, 96-97 Resposta de medo, 107 Resposta de relaxamento, 920 Resposta genital, falha da, critérios diagnósticos da CID-10 para, 765t Resposta irrelevante, definição, 313 Resposta não-condicionada, 168 Ressonância magnética nuclear, 131-132 Restoril. Ver temazepam Restrição(ões), 1452-1454, 1452t-1453t uso de, 438, 442, 530, 965, 966t Retardo mental, 1238-1257 aberrações cromossômicas e, 1242 achados físicos no, 1247-1249 agressão no, intervenção farmacológica para, 1255-1256 análise sangüínea, 1252 análise urinária, 1252 anamnese com, 1247 automutilação no, 1240 intervenção farmacológica para, 1255-1256 avaliação da audição no, 1252-1253 avaliação da fala no, 1252-1253 avaliação psicológica no, 1253 características clínicas, 1250-1252 características do desenvolvimento no, 1239t
1555
classificação da CID-10, 1256 classificação, 1238-1239, 1256t com sintomas comportamentais, diagnóstico diferencial, 1294 complicações da gravidez e, 1246 complicações de gravidez e, 1240 comportamento de raiva explosiva no, intervenção farmacológica para, 1256 critérios diagnósticos da CID-10, 1256t critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para, 1247t curso, 1253 dano cerebral e, 1246 definição, 318, 1256 diagnóstico diferencial de, 1253-1254, 1271, 1353 diagnóstico, 1247-1253 discinesia tardia e, 1255-1256 e piromania, 838 e transtorno autista, 1240, 1294 e transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, 1240 intervenção farmacológica para, 1255-1256 e transtorno global do desenvolvimento, 1254 e transtornos da linguagem, 1280t e transtornos depressivos, 1256 e transtornos fonológicos, 1283t e tricotilomania, 843 educação familiar sobre, 1255 educação para a criança com, 1254 eletroencefalografia, 1252 em crianças, farmacoterapia para, 1394 encefalite e, 1246 entrevista psiquiátrica no, 1247 epidemiologia, 1240 epilepsia e, 1240 esquizofrenia e, 1240 estudos de cromossomo, 1252 etiologia, 1241-1247 exame neurológico no, 1249-1251 exposição pré-natal a substâncias e, 1246 fatores ambientais no, 1246-1247 fatores genéticos no, 1242-1244 fatores perinatais e, 1246 fatores pré-natais e, 1245-1246 fatores psicossociais no, 1241 fatores socioculturais no, 1246-1247 graus de gravidade, 1239-1240 grave, 1240 características clínicas de, 1250-1252 infecção e, 1246 intervenção farmacológica para, 1255-1256 intervenção social para, 1255 leve, 1239 características clínicas de, 1250-1252 meningite e, 1246 moderado, 1239-1240 características clínicas de, 1250-1252 movimentos motores estereotipados no, 1355 intervenções farmacológicas para, 1256 na síndrome de Down, 1242, 1248t na síndrome do X frágil, 1242, 1248t neuroimagem, 1252 nomenclatura, 1238 prejuízo neurológico no, 1240 prevenção primária, 1254 secundária, 1254-1256 terciária, 1254-1256 profundo, 1240 características clínicas de, 1250-1252 prognóstico para, 1253 psicopatologia co-mórbida no, 1240-1241 fatores de risco para, 1240-1241 fatores psicossociais e, 1241 prejuízo neurológico e, 1240 prevalência, 1240 síndromes genéticas e, 1240-1241 recursos familiares, 1255t
1556
ÍNDICE
síndrome alcoólica fetal e, 442-443, 1249t síndromes associadas a, 1248t-1249t síndromes genéticas e, 1240-1241 terapia cognitiva no, 1254 terapia comportamental no, 1254 terapia psicodinâmica no, 1254 testes laboratoriais no, 1252 transtornos da conduta e, 1240 transtornos da infância adquiridos e, 1246 transtornos do humor, 1240 transtornos psicóticos e, 1240 tratamento, 1254-1256, 1255t traumatismo craniano e, 1246 versus demência, 370 Retenção urinária, e drogas psicoterapêuticas, 1045 Retina, 88 resposta em torno do centro da, 88 Retinopatia pigmentar manifestações de emergência, 970t tratamento de emergência, 970t Reunião, avaliação da, na avaliação psiquiátrica da criança, 1231-1232 Reversibilidade, 162 ReVia. Ver Naltrexona Revisão de alegações, 1487 Revisão de sistemas, 284-287 Rezador, 921 RfLP, em estudos de abuso de substâncias, 419 Rifampina, interações medicamentosas, 1093, 1110 Rigidez catatônica, definição, 311 Rigidez muscular, definição, 312 Rima área de Wernicke na, 135 diferenças de gênero na, 135 dislexia e, 135 neuroimagem na, 135, 138f Risco atribuível, definição de, 203 de fator específico, definição, 203 relacionado a fator, definição, 203 relativo, definição, 203 Riso, variantes comuns de, 107f Risperdal. Ver Risperidona Risperidona, 534-536, 1066t. Ver Antagonista(s) de serotonina-dopamina (antipsicóticos atípicos) crianças, uso com, 1395t dosagem geriátrica, 1424t indicações para, 507, 534-536 intoxicação/superdosagem, 1051t para autismo, 1296 para esquizofrenia de início precoce, 1371-1372 para esquizofrenia, 535 para pacientes suicidas, 981 para transtorno bipolar I, 608-609 para transtorno de tourette, 1332 Ritalina. Ver Metilfenidato Ritmo de sono-vigília, 810 Ritmos biológicos, 158-159 Ritmos circadianos, na depressão, 577 Ritmos corticais, 143 Ritonavir, interações medicamentosas, 410 Ritual, definição, 312 Rivalidade de irmãos, 47, 938 Rivastigmina, 1066t ação farmacológica, 1108 dosagem, 1110 efeitos adversos, 1110 para doença de Alzheimer, e transtornos semelhantes, 1107 RNA, 125, 146 RNAm. Ver Ácido ribonucléico, mensageiro, (RNAm) Rodopio, definição de, 312 Roer as unhas, 1355, 1356 Roger vs. Oken, 1451 Rogers, Carl, 255-256, 256f e psicoterapia de grupo centrada no cliente, 995
Rohypnol. Ver flunitrazepam Rolf, Ida, 921 Rolfing, 921 Romazicon. Ver flumazenil Roofies (droga). Ver flunitrazepam Ropinirole, 1066t, 1114-1117. Ver também Antagonista(s) de receptor de dopamina, e precursores Rorschach, Hermann, 209, 210f Roubo patológico, classificação da CID-10, 846-847, 846t Roupa, do médico, 277 Rouse vs. Carmeron, 1451 Rubéola, 1245 Ruído, e agressão, 178 Rush, Benjamin, 727 Rutter, Michael, 50-51
S Sabshin, Melvin, 31 Sacher-Masoch, Leopold von, 769 Saciedade, 801-802 Sadismo sexual. Ver também Parafilias características clínicas de, 770 critérios diagnósticos para, 770, 770t diagnóstico, 770 Sadismo conceito de Freud sobre, 228 sexual, 770, 770t Sadock, Benjamin, e psicoterapia de grupo interacional estruturada, 999 Sadomasoquismo, critérios diagnósticos da CID-10, 774t Sakel, Manfred, 1225 Sala de recreação, psicoterapia na, 1385 Salada de palavras, 101, 269 definição, 313 Salicilato dados de nível sangüíneo para avaliação clínica, 300t sérico, testagem para, 304t Sangue dormido, 569t SANS, 334t SAPS, 335t Sarno, John, 891 Sartre, Jean-Paul, 256 Satanismo, e abuso de substâncias, 1375 Satir, Virginia, e terapia familiar, 1002 Satiríase, definição, 312 Satisfação do desejo, 225, 227 Saúde e envelhecimento, 71 Saúde física e risco de suicídio, 975 Saúde mental da comunidade, 1470-1472. Ver também Psiquiatria pública alternativas menos restritivas, 1471 avaliação, 1471 confinamento e, 1470 consultoria e, 1471 cuidado a longo prazo, 1471 manejo de caso, 1471 participação da comunidade, 1471 pesquisa, 1471 serviços, 1470 Saúde mental, e suicídio, 975 Saunders, Cicely, 1439 Schilder, Paul, e imagens mentais, 922, 1019 Schneider, Kurt, 508 Schou, Mogens, 1136 Schreber, Daniel Paul, 550 SCID-D, 208 Secobarbital e amobarbital, 495 Secobarbital, 495, 1066t. Ver também Barbitúrico(s) dosagem geriátrica, 1424t dosagem, 1085t estrutura, 1082f indicações, 1082 Seconal. Ver Secobarbital Sedação, mecanismo de ação, 123
ÍNDICE
Sedativo(s). Ver também transtorno(s) relacionado(s) a sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos abstinência, critérios diagnósticos para, 425t definição, 495 herbáceo(s), 571 intoxicação, aguda, critérios diagnósticos para, 423t transtornos por uso, 413t Sedução sexual, da infância, conceito de neuroses de Freud, 224-225 Segundo(s)-mensageiro(s), 115-116 Segurança, versus ansiedade, 44, 167 Seguro Social, 75 Seguro associações de risco, 1483-1484 atendimento gerenciado. Ver Atendimento gerenciado Medicaid, 1483-1484 Medicare, 1483-1484 organização de prestador preferido, 1486 organizações de manutenção da saúde, 1485 pagamento próprio e “pagamento por procedimento”, 1483-1485 seguro de responsabilidade de médicos, 1480 tratamento de saúde, 1483-1486 Selegilina, 1066t, 1145. Ver também Inibidores da monoaminoxidase para usuários de cocaína, 469 química, 1145f Self conceito de Horney sobre, 250 grandioso, 251 idealizado, 250 real, 250 reflexivo, 256 verdadeiro, 257-258 Seligman, Martin, 187 Selye, Hans, 877-878 Semans, James H., 761 Semântica, 1274 Sementes de ipoméia, 470t, 505 transtornos por uso de, 422 Semiótica, 251 Senescência, 69 reprodução, 934 Sensibilidade de instrumentos de avaliação, 202t definição, 204 Sensibilização, 172-173 Sensório na esquizofrenia, 532 na mania, 594 no exame do estado mental, 270-272 no idoso, 1411 Sentenças Incompletas de Rotter, 1235t Sentidos, primários, 85-91 Sentimento preoce, 528 Sentimentos, em pacientes idosos, 1410 Separação, 167 avaliação de, na avaliação psiquiátrica da criança, 1231-1232 estudos animais de, 185-186 Separação-individuação, 45, 45t Seqüências de Linguagem Automáticas, 219t Ser, existencial, 256 Serax. Ver Oxazepam Serentil. Ver Mesoridazina Serlect. Ver Sertindol Seroquel. Ver Quetiapina Serotonina, 92, 108, 123-125 bloqueio tipo 2, antidepressivos e, 606t ciclo de vida, 123 e agressão, 179 e drogas, 113, 123 e personalidade, 854 e psicopatologia, 125 efeitos antidepressivos sobre, 606t em modelos animais, 150 em transtornos de ansiedade, 633-635 função de neurotransmissor, 110t-111t, 112f, 114t
1557
metabolismo, 118f na esquizofrenia, 514 no transtorno de pânico, 640 no transtorno depressivo maior, 574-575 receptores, 114t, 123-124 síntese de, 118f, 123 testagem laboratorial para, 294 Serpasil. Ver Reserpina Sertindol, 535. Ver Antagonista(s) de serotonina-dopamina (antipsicóticos atípicos) efeitos adversos, 535 indicações, 507, 535 para esquizofrenia, 535 Sertralina, 1066t. Ver também Inibidores seletivos da recaptação de serotonina abstinência de, 1045 crianças, uso com, 1395t dosagem e administração, 607t efeitos adversos, 606t, 1044t intoxicação/superdosagem, 1051t mecanismo de ação, 124 para pacientes idosos, 1420 para transtorno da conduta, 1321 para transtorno de ansiedade de separação, 1346-1347 para transtorno de estresse pós-traumático, 672 para transtorno esquizoafetivo, 548 Serzone. Ver Nefazodona Sessão de quatro contatos, na terapia de casais, 1006 Sexo, sistema límbico e, 104 Sexualidade infantil, teoria de Freud sobre, 228 Sexualidade leis e, 747 na meia-idade, 65 normal, 739-749 Sexualização, 236t SGOt. Ver Aspartato aminotransferase SGPt (transaminase pirúvica glutâmica sérica). Ver Alanina aminotransferase Shalala, Donna, 460 Shenjing Shuariuo, 569t Shen-k’uei, 569t Shin-byung, 569t Shneidman, Edwin, 981 sobre suicídio, 972-973 Sibutramina, 1066t, 1186-1187 interações medicamentosas, 1045 para redução de peso, 805-806, 1045 Sífilis, 1245 terciária considerações médicas sobre, 902t considerações psiquiátricas sobre, 902t testes para, 295-296 Sifneos, Peter, e psicoterapia provocadora de ansiedade de curto prazo, 991 Sildenafil, 387, 762-763, 1043, 1066t, 1187-1189 ações farmacológicas, 1187-1188 dosagem, 1189 indicações, 1188 interações medicamentosas, 1189 interferências laboratoriais, 1189 orientações clínicas para, 1189 precauções com, 1188 química, 1187, 1187f reações adversas a, 1188 Sill, Andrew taylor, 920 Simbiose (fase simbiótica), 45t Simbolização, 160 Simpatomiméticos (e drogas relacionadas), 447, 1189-1196 abstinência manifestações de emergência, 971t tratamento de emergência, 971t ações farmacológicas de, 1189-1190 adição de, 1053 dosagem e administração, 1194, 1194t efeitos adversos, 1192-1193, 1192t-1193t efeitos cardiovasculares, 1190 efeitos do sistema nervoso central, 1190 efeitos endócrinos, 1190
1558
ÍNDICE
efeitos sobre órgãos e sistemas específicos, 1190 implicados na disfunção sexual, 758 indicações para, 1191-1193 interações medicamentosas, 1192-1194, 1197, 1203 interferências laboratoriais, 1194 precauções com, 1192-1193 química, 1189, 1190f Simulação, 955-957 características clínicas, 955-957 diagnóstico diferencial, 719-720, 956-957, 956t-957t diagnóstico, 955-957 epidemiologia, 955 tratamento, 956-957 versus demência, 370 versus esquizofrenia, 532-533 Simultagnosia, 90 definição, 317 Sinais duros, 1233 Sinais e sintomas, 306-318, 310-318 em instrumentos de avaliação, 327 índice para, 307t-309t Sinais neurológicos agudos, 1233 Sinais neurológicos sutis, 1233 Sinais sutis, 1233 Sinais vegetativos, definição, 311 Sinal de girar os olhos para capacidade hipnótica, 1021, 1022f-1023f Sinapse(s), 112-117, 113f axoaxônica, 112 axodentrítica, 112 axossomática, 112 componentes de, 113-115 conjunta, 112 elétrica, 110-111, 112 química, 112 Sinaptogênese, 106 Síncope vasovagal, 885 Síncope, no idoso, 1418, 1418t Síndrome adrenogenital, 740t, 781-784, 783f Síndrome alcoólica fetal, 40, 40f, 442-443, 1245-1246, 1249t Síndrome amotivacional, 460 Síndrome associada à menstruação, 825 Síndrome da alimentação noturna, 802 Síndrome da criança desajeitada. Ver transtorno do desenvolvimento da coordenação Síndrome da fadiga crônica, 156-157, 705-708 avaliação para, 706, 707t características clínicas, 705-706, 706t CDC, critérios para, 705, 706t classificação da CID-10, 705 curso, 707 diagnóstico diferencial, 706-707, 707t diagnóstico, 705-706 distribuição por sexo, 705 epidemiologia, 705 etiologia, 705 farmacoterapia, 707, 708t, 1192-1193 grupos de auto-ajuda, 708 prognóstico, 707 tratamento, 707-708 vírus e, 705 Síndrome da falsa memória, 736 Síndrome da fase do sono adiantada, 824 Síndrome da Guerra do Golfo, 158, 669-671 Síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS), 403. Ver também Vírus da imunodeficiência humana, infecção (HIV) alteração da personalidade devido a, 873, 873t aspectos neuropsiquiátricos, 403-411 considerações médicas com, 900t considerações psiquiátricas com, 900t curso, 404 demência na, 287 diagnóstico, 404-406 aconselhamento sobre, 405 e suicídio, 975
estresse e progressão de, 155-157 história, 403 manifestações de emergência, 966t pediátrica, 1245 soro, testagem para, 404-405 transmissão fetal, 490 tratamento de emergência, 966t Síndrome das pernas inquietas, 825, 825f Síndrome de adaptação geral, 877-878 Síndrome de Angelman, 1248t Síndrome de Anton, 89 Síndrome de apnéia do sono obstrutiva, 821 Síndrome de Asperger, 1300 características clínicas, 1300 critérios diagnósticos da CID-10 para, 1300, 1302t critérios diagnósticos para, 1300, 1300t curso, 1300 definição, 1300 diagnóstico diferencial, 1300 diagnóstico, 1300 etiologia, 1300 prognóstico para, 1300 tratamento, 1300 Síndrome de Balint, 89-90 Síndrome de Briquet, 686 diagnóstico diferencial, 719-720 Síndrome de comportamento de heroína, 485-486 Síndrome de Cornelia de Lange, 1248t Síndrome de Cushing, 288, 888, 888f considerações médicas com, 900t considerações psiquiátricas com 900t correlatos psicológicos de, 888-889 diagnóstico diferencial, 564 e suicídio, 975 manifestações neuropsiquiátricas de, 398 Síndrome de DaCosta, 639, 665 Síndrome de deClerambault, 554 Síndrome de deglutição anormal relacionada ao sono, 831 Síndrome de dependência, 424t-425t Síndrome de descontinuação de serotonina, 1045-1046 Síndrome de Down, 126, 1241, 1248t aberrações cromossômicas na, 1242 curso, 1242 diagnóstico, 1242 epidemiologia, 1242 retardo mental na, 1242, 1248t Síndrome de eosinofilia-mialgia, 124-125 Síndrome de feminização testicular, 740t Síndrome de Frölich, 802 Síndrome de Ganser, 736 Síndrome de Gasner, diagnóstico diferencial de, 719-720 Síndrome de Gerstmann, 90. Ver também transtorno da matemática Síndrome de Gerstmann-Straussler, 397 Síndrome de Gerstmann-Straussler-Scheinker, 1414 Síndrome de Gilles de la tourette. Ver transtorno de tourette Síndrome de hiperventilação, 886-887 correlatos psicológicos, 886-887 Síndrome de Hunter, 1249t, 1253f Síndrome de Hurler, 1244t, 1249t, 1253f Síndrome de insensibilidade a andrógenos, 740t, 784 Síndrome de Kleine-Levin, 825 Síndrome de Klinefelter, 288, 740t, 781-782 e suicídio, 975 Síndrome de Klüver-Bucy, 102-103, 364 Síndrome de Korsakoff, 101, 214, 438, 1222 curso, 379 manifestações de emergência, 967t transtorno amnésico com, 379 tratamento de emergência, 967t Síndrome de Lesch-Nyhan, 1243, 1245t, 1249t e movimentos estereotipados, 1355 Síndrome de Maroteaux-Lamy, 1244t Síndrome de memória recuperada, 736 Síndrome de miosite tensional, 891
ÍNDICE
Síndrome de Munchausen, 713, 715. Ver também transtorno(s) factício(s) por procuração, 941 Síndrome de Otelo, 553 Síndrome de Pickwick, 288, 802 Síndrome de Prader-Willi, 1240, 1241, 1242, 1248t Síndrome de Raynaud, biofeedback para, 1009t Síndrome de Rett, critérios diagnósticos da CID-10, 1300, 1301t-1302t Síndrome de Rubinstein-taybi, 1249t Síndrome de Sanfilippo, 1244t Síndrome de sensibilidade escotópica, 1259 Síndrome de Smith-Magenis, 1248t Síndrome de Stevens-Johnson, 610 Síndrome de Turner, 740t, 781-782, 781f-782f Síndrome de vagância, 368 Síndrome de Wernicke-Korsakoff, 438 Síndrome de Williams, 1248t Síndrome do coelho, 1078. Ver também transtornos do movimento induzidos por medicação induzida por medicação, 1061t Síndrome do miado de gato, 1242, 1248t Síndrome do ninho vazio, 66 Síndrome do paciente profissional. Ver Síndrome de Munchausen Síndrome do X frágil, 1240-1241, 1248t, 1290, 1331t retardo mental na, 1242, 1248t Síndrome hiperativa, 1304 Síndrome neuroléptica maligna, 534, 1056-1057, 1062t antagonistas dos receptores de dopamina e, 1127 critérios de pesquisa para, 1057t farmacoterapia para, 1068t, 1111-1112 manifestações de emergência, 969t tratamento de emergência, 969t Síndrome pós-concussional, 400t Síndrome pós-encefalítica, 400t Síndrome pré-menstrual, farmacoterapia para, 1068t Síndrome somática, critérios diagnósticos da CID-10, 627t Síndrome(s) do lobo frontal, 105, 962, 963t Síndrome(s) do lobo occipital, 962, 963t Síndrome(s) do lobo temporal, 962, 963t Síndromes de privação social, 44 Síndromes de transtorno de Tourette tardias, 1331t Síndromes farmacológicas, em modelos experimentais, 189 Síndromes hipertérmicas, 1062, 1062t Síndromes ligadas à cultura, 197, 326, 567-571 curandeiros indígenas, 570 curso, 570 prognóstico, 570 síndromes representativas, 567, 568t-569t, 569-570 tratamento, 570 Síndromes pós-infecciosas, 1331t Síndromes pós-traumáticas, 1331t Sinequan. Ver Doxepia Sinestesia definição, 316 em transtornos por uso de alucinógenos, 473 Sintomas cardiovasculares relacionados ao sono, 831 Sintomas neuróticos, 237 Sintomas obsessivo-compulsivos, em uma condição médica geral, 679-681 Sintomas parkinsonianos, 534 Sintomas psicóticos, fisiopatologia de, 126 Sistema auditivo, 90, 92 distúrbios no, 90 linguagem, processamento auditivo e, 106-107 Sistema cardiovascular, avaliação médica, 285-287 Sistema de apego instintivo, 164 Sistema de ativação reticular ascendente (ARAS), 99, 141, 189 Sistema de Avaliação do Comportamento para Crianças (BASC), 1235t Sistema de dopamina mesolímbico, no vício, 464 Sistema gastrintestinal, avaliação médica do, 287 Sistema geniturinário, avaliação médica do, 287 Sistema imune psiconeuroimunologia, 155-158 na esquizofrenia, 518-519 transtorno(s) manifestações neuropsiquiátricas de, 397
1559
síndrome da imunodeficiência adquirida. Ver Síndrome da imunodeficiência adquirida vírus da imunodeficiência humana. Ver Vírus da imunodeficiência humana Sistema Jak-StAt, 116 Sistema límbico, 91, 98 aspectos comportamentais do, 102-104 e emoção, 91, 98, 102-104 e esquizofrenia, 104 e memória, 91, 98 e transtornos de ansiedade, 634-635 na esquizofrenia, 507, 513, 514-515, 515f, 516 Sistema motor autônomo, 96-98 parassimpático, 96-97 simpático, 96-97 Sistema nervoso autônomo, e transtorno de ansiedade, 633 Sistema nervoso central (SNC), 105-108 depressores, interações medicamentosas, 433, 1086, 1093, 1130, 1203 desenvolvimento, 105-108 experiências e, 107 e mirtazapina, 1144 e simpatomiméticos, 1190 psiconeuroendocrinologia, 151-155 transtornos focais, com aspectos comportamentais, 962, 963t neuroimagem e, 129 que requerem tratamento imediato, 962, 963t tratos colinérgicos do, 126 tratos dopaminérgicos do, 118-119, 120f tratos noradrenérgicos do, 122, 122f tratos serotonérgicos do, 123, 124f Sistema nervoso periférico, 105 desenvolvimento do, 105 Sistema nervoso, 105-108 desenvolvimento fetal, 37-39, 39f desenvolvimento, 105-108 experiência e, 107 Sistema Pride, 250 Sistema respiratório, avaliação médica do, 285-286 Sistema sensorial autônomo, 91 Sistema somatossensorial, 85-87, 91-92 desenvolvimento pré-natal de, 86-87 modalidades de, 85-87, 86f organização de, 85-87, 86f Sistema visual, 87-90, 92 áreas de associação no, 88-89, 89f colunas corticais no, 88 desenvolvimento do, 92 distúrbios no, 89-90 especialização celular no, 88 extração de resposta no, 87-88 ilusões de óptica, 90f mecanismos dependentes de atividade no, 87 mecanismos genéticos no, 87 memória e, 88 natureza e criação no, 87-88 paradigmas para, 87-88 resposta em torno do centro no, 88 Sistema(s) motor(es), 93-98 autônomo(s), 96-98 parassimpático(s), 96-97 simpático(s), 96-98 Sistema(s) sensorial(is), 85-93 áreas de associação em, 89, 89f, 96-98 auditivo, 90, 92 autônomo, 91 distúrbios de, 85-86, 89-90 e potenciais evocados, 143-145 especialização celular em, 88 mecanismo dependente de atividade, 87 mecanismos genéticos em, 87 natureza e criação em, 88 neuroimagem em, 135
1560
ÍNDICE
olfato, 90-91, 93 paladar, 91 papel de, 85-86 paradigmas para, 87-88 percepção de aspecto em, 85, 87-88, 98 somatosensorial, 85-87, 86f, 91-92 visual, 87-90, 89f, 92 Sistemas de associação, 98-105 Sistemas de sobrevivência, recém-nascido, 41 Situação de vida, atual, na anamnese, 267 Situação estranha, 165-166, 165-166t Skinner, B. f., 168-170, 256, 256f SNC. Ver Sistema nervoso central (SNC) Soapers (droga). Ver Metaqualona Sobrepeso, 801. Ver também Obesidade Sociabilidade, 193 Sociobiologia, 189-190 Sódio, sérico, testagem para, 304t SOFAS, 327, 336t Solvente(s) volátil(eis), intoxicação, aguda, critérios diagnósticos para, 424t Soma. Ver Carisoprodol Somatização, 235t Somatopagnosia, definição de, 317 Somatostatina, 126, 294 e transtorno depressivo maior, 576-577 Sonambulismo, 49, 827-828 critérios diagnósticos para, 828t definição, 312 diagnóstico diferencial de, 724-725 em crianças, farmacoterapia para, 1398 exemplo de caso de, 828 na CID-10, 817t Sonho(s) abordagem de Erikson a, 244 afetos no, 226 anamnese sobre, 267-268 ansiedade, 226 condensação no, 226 conteúdo latente, 226 conteúdo manifesto, 225 dano cerebral e, 102-103 de punição, 226 deslocamento no, 226 e estímulos sensoriais noturnos, 226 em crianças, 49 interpretação de, 225-226, 807f, 985 na terapia de grupo, 996t representação simbólica no, 226 resíduo do dia no, 226 revisão secundária, 226 teoria de Freud sobre, 225-226 Sonho, durante o sono, 807f, 809 Sonilóquio, 829 Sono, 807 anormalidades, e transtorno depressivo maior, 577 de movimento rápido dos olhos, 141 achados polissonográficos no, 807-809 medidas polissonográficas de, 811t transtorno comportamental de, 829 definição, 807 e depressão, 158f, 159, 810 efeitos da nicotina sobre, 833 efeitos do álcool sobre, 431, 833 eletrofisiologia, 807-808 em crianças, 49 funções do, 810 higiene do sono inadequada, 816 indução do, 818t insuficiente, 825 não-REM, 807-809 no período dos primeiros passos, 46 no transtorno distímico, 612 normal, 807-811
padrão de, 809f padrões, 808f paradoxal, 807 regulação do, 809-810 requisitos para, 810 sonho durante, 807f, 809 Sonolência, 811 definição de, 310 diurna excessiva. Ver Hipersonia e drogas psicoterapêuticas, 1045 Sontag, Susan, 78 Sopor. Ver Metaqualona Sparine. Ver Promazina Special K (droga). Ver Cetamina Speck, Richard, 180f-181f SPECT. Ver tomografia computadorizada por emissão de fóton único (SPECT) Speech Foundation of America, 1285-1286 Speed (droga), 447 Speedballs (droga), 468 Spiegel, David, 892 Spiegel, Herbert, sobre hipnose, 1021 Spitz, René, 44, 167 Sprays de nicotina, 482 SSQ-R, 1235t Stadol. Ver Butorfanol Steiner, Rudolf, 907-908 Stelazine. Ver trifluoperazina STEP, 1237 STP. Ver 2,5-dimetóxi-4-metilanfetamina Structural Clinical Interview for DSM-IV Dissociative Disorders (SCIDD), 208 Sublimação, 236t Subnutrição e transtorno da leitura, 1259 no idoso, sintomas psiquiátricos, 1429-1430 Subpoena duces tecum, 1447 Substância branca. Ver também Córtex cerebral Substância cinzenta. Ver também Córtex cerebral Substância P, 155 função de neurotransmissor, 110t-111t, 125 Substância(s) psicoativa(s). Ver também Abuso de substâncias; transtorno(s) relacionado(s) a substâncias definição, 422 uso, transtornos mentais e comportamentais devido a, 422, 422t-426t Substância(s) sedativa(s), hipnótica(s) ou ansiolítica(s) 1083-1087. Ver também Barbitúrico(s); Benzodiazepínico(s) abstinência, 498-499 critérios diagnósticos, 496-497-498, 498t farmacoterapia para, 1082, 1207 abuso, 498 padrões de, 499 delirium, 499 demência persistente, 499 dependência, 498 disfunção sexual, 499 interações medicamentosas, 433, 1070-1071 intoxicação, 498 critérios diagnósticos para, 496-497-498, 496-497t neurofarmacologia, 496-497 para o idoso, 1423-1424 superdosagem, 499 tratamento de, 500 transtorno amnésico persistente, 499 transtornos de ansiedade, 499 transtornos do humor, 499 transtornos do sono, 499 transtornos psicóticos, 499 uso distribuição por sexo, 495 e raça, 495 intravenoso, 499 oral, 499 Substâncias indutoras de pânico, 640
ÍNDICE
Substâncias semelhantes a barbitúricos, 495 abstinência, 498-499 intoxicação/superdosagem, 498, 499 neurofarmacologia, 496-497 Substituições, nos transtornos fonológicos, 1281-1282 Succinilcolina, 1213 e lítio, 1141t interações medicamentosas, 1110 Suco de toranja, e buspirona, 1098, 1099 Sugestionabilidade, transtornos de, definição, 310 Suicídio, 972-981 assistido pelo médico, 1441-1442 com superdosagem de amantadina, 1076 comportamento parassuicida, 979 terapia comportamental dialética para, 1015 comportamento suicida anterior e, 976, 976f considerações éticas, 981 considerações legais, 981 de adolescentes, 50-51, 1364-1367, 1403-1404 características clínicas, 1365-1366 diagnóstico, 1365-1366 epidemiologia, 1364 etiologia, 1365-1366 fatores biológicos no, 1365-1366 fatores genéticos, 1365-1366 fatores sociais, 1365-1366 tratamento, 1365-1367 dependência de substâncias e, 976 distribuição etária, 974, 974f distribuição por sexo, 972-973 distribuição racial de, 974 distúrbios endócrinos e, 975 doença de Huntington e, 94 e abuso/dependência de álcool, 976 e demência, 975 e pacientes infectados por HIV (AIDS), 407-408 e transtornos por uso de álcool, 429, 429 e transtornos relacionados a substâncias, 420 em pacientes psiquiátricos, 975-976 epidemiologia, 972-976 estado civil e, 974 Estratégia Nacional para Prevenção de Suicídio, 981 estudos de adoção dinamarqueses-americanos, 977-979 estudos de gêmeos, 977-978 estudos de genética molecular, 979, 979f etiologia, 976-978 fatores associados, 972-976 fatores biológicos, 977-978, 977f-978f fatores genéticos, 977-978 fatores psicológicos, 976-978 fatores sociológicos no, 976 incidência, 972-973 manifestações de emergência, 971t métodos, 975 na depressão, 976, 977-978, 981 na esquizofrenia, 512, 530-531, 976 no idoso, 76-77, 1410, 1417-1418 ocupação e, 974-975 pedidos de pacientes à beira da morte por, 1442-1444 potencial, tratamento de, 980-981 paciente hospitalizado versus paciente ambulatorial, 980-981 prevalência, 972-973 prevenção, 980-981 Estratégia Nacional para Prevenção de Suicídio, 981 prognóstico, 979 religião e, 974 risco avaliação de, 980, 980t fatores, 972-973, 972t-973t saúde física e, 975 saúde mental e, 975 sazonalidade, 975 síndrome de Cushing e, 975
1561
taxas em pessoas jovens, 974 por estado, 972-973 por grupo etário e sexo, 974f teoria de Durkheim sobre, 976 teoria de Freud sobre, 976 teoria de Menninger sobre, 976 teorias recentes sobre, 976-978 transtorno de ansiedade e, 976 transtorno de pânico e, 646 transtornos da personalidade e, 976 tratamento de emergência, 971t Sulfato de anfetamina, 445-446 Sullivan, Harry Stack, 48, 256-258, 257f-258f teoria de esquizofrenia, 508, 520 teoria do ciclo de vida de, 34 Sulloway, frank, 49-51 Sulpirida, 534 estrutura, 1120f química, 1119 Sundowning, definição, 310 Suomi, Stephen, 186 Superdosagem. Ver substâncias específicas Superego, 232-233, 250 na formação do caráter, 237 Superlotação, e agressividade, 179 Supervisão, ética relativa a, 1469t Supervisores, uso de, 27 Suplementos dietéticos, 911 lista de, 912t-913t páginas da internet, 914t-915t Supressão, 236t Surdez para palavras, 90 Surdez congênita, diagnóstico diferencial, 1294-1295 e transtornos fonológicos, 1283t Surgeon General’s Report on the Health Consequences of Smoking: Nicotine Adicction, the, 478 Surmontil. Ver Trimipramina Suronacrina, para doença de Alzheimer e transtornos semelhantes, 1108 Susto, 569t Sydenham, Thomas, 686 Symadine. Ver Amantadina Symmetrel. Ver Amantadina Syntroid. Ver Levotiroxina; tiroxina Szasz, Thomas, 31, 1451
T T4. Ver tiroxina (T4) Tabaco. Ver também Nicotina; tabagismo abstinência, critérios diagnósticos para, 426t intoxicação, aguda, critérios diagnósticos para, 424t sem fumaça efeitos adversos, 478 uso, 478 prevalência, 478 Tabagismo. Ver também Nicotina cessação de, benefícios de saúde de, 481 bupropiona para, 1095-1096, 1097 hipnose para, 898 tratamentos para, 481-483 durante a gravidez, 40, 481 e custos de tratamento de saúde, 478 entre pacientes psiquiátricos, 478 epidemiologia, 478 interações medicamentosas, 1093, 1130t morte causada por, 478-480 na esquizofrenia, 478-512 prevalência, 478 taxa de abandono, 478
1562
ÍNDICE
tendências no, 478 tratamento, 481-483 Tacrina, 372, 1066t ação farmacológica, 1108 dosagem, 1110 efeitos adversos de, 1110 interações medicamentosas, 1110 intoxicação/superdosagem, 1051t níves de transaminase sérica, monitoração, 298 para doença de Alzheimer e transtornos semelhantes, 1107 Tai chi chuan, 921-922 Taijin kyofu sho, 569t Tálamo e atividade cortical rítmica, 142 e convulsões, 142 e excitação, 99 fibras somatossensoriais no, 85-86 Talassemia falciforme, 147 Talking down, in phencyclidine (or phencyclidinelike substance)use disorders, 494 Talwin. Ver Pentazocina Tampões cervicais, 932t Tanatologia, 76-84 Tânatos, 176, 228, 976 Tangencialidade, 269 definição, 313 TAO, 1474-1476 Taractan. Ver Clorprotixeno Tarasoff vs. Universidade da Califórnia, 1449, 1450f Tarefas intelectuais, no paciente idoso, 1411 Tartamudez, 1283-1286 características clínicas, 1284 co-morbidade com, 1283 curso, 1284-1286 definição, 316, 1283 diagnóstico diferencial, 1284 diagnóstico, 1284, 1284t epidemiologia, 1283 etiologia, 1283-1284 fases de, 1284 prognóstico para, 1284-1286 tratamento, 1285-1286 T-ASI, 1375 TAT, 1235t, 1236 Taupatia de sistema múltiplo familiar, 363-364 Taxa de pestanejo, na esquizofrenia, 532 Taxa de sedimentação de eritrócito, testagem para, 302t TC. Ver tomografia computadorizada (TC) TCD. Ver terapia comportamental dialética (TCD) TDAH. Ver transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) Técnica de Alexander, 907, 908f, 922, 923 Técnica de associação de palavras, 213 Técnica de Borrões de Holtzman (HIT), 210t Técnica de pressão, 761 Técnica de tensão aplicada, 1009-1010 Técnica parar-começar, 761 Técnicas de sugestão, para tartamudez, 1285-1286 Tecnologia de nocaute, 150 Tegretol. Ver Carbamazepina Televisão de circuito fechado, na monitoração eletroencefalográfica, 142 Temazepam, 1066t. Ver também Benzodiazepínico(s) ações farmacológicas, 1088 dosagem geriátrica, 1424t dosagem, 1090t estrutura, 1088f meia-vida, 1090t Temperamento diferenças inatas no, 42 genética e, 188 Temperatura, somatossensorial, 85-87 Tempo de protrombina (TP), testagem para, 304t Tempo de reação, a estímulo, 218 Temporalidade, 203 Tenormin. Ver Atenolol
Tensão, definição de, 311 Teofilina, 452 dados de nível sangüíneo para avaliação clínica, 300t e lítio, 1141t interações medicamentosas, 1038, 1113, 1114 Teoria centrada na pessoa, 255 Teoria da aprendizagem cognitiva, 172 Teoria da aprendizagem social, 168, 171-172 Teoria da aprendizagem, 168-173 de esquizofrenia, 520 de fobias, 650 e teoria psicanalítica, 168 e transtorno conversivo, 691 terminologia usada na, 174t Teoria da atribuição, 172 Teoria das relações objetais, 983 ação terapêutica na, 982-983 teoria de Klein, 250 Teoria de campo, 251 Teoria de Gestalt, 254 Teoria de redução da tensão, 173-175 Teoria do apego, 163-167 aplicação da, 167 Teoria do duplo-instinto, 227 Teoria dos impulsos, de Freud, 227-232 Teoria dos instintos de agressão, 176, 178t de Freud, 227-232 relacionamentos objetais na, 228 Teoria psicanalítica clássica, de neurose, 237 de esquizofrenia, 520 e teoria da aprendizagem, 168 princípios de, 228 versus psicologia comportamental, 174t, 175 Teorias do desenvolvimento, com crianças, 1383 Terapia ambiental, 1028 Terapia ativa, 248-249 Terapia biológica para crianças, 1393-1399 considerações terapêuticas com, 1394, 1394t Terapia cognitiva, 163, 1017-1021 abordagem à depressão, 1021t aspectos didáticos de, 1018 com crianças, 1383, 1384 eficácia de, 1020-1021 estratégias e técnicas, 1017-1018, 1018t identificação de pressupostos mal-adaptativos na, 1018 imagens mentais na, 1019-1020 indicações para, 1020f no retardo mental, 1254 para anorexia nervosa, 794 para bulimia nervosa, 800 para depressão, 603-604, 1017 para esquizofrenia, 538 para o idoso, 1426 para parafilias, 772-773 para transtorno de estresse pós-traumático, 666 para transtorno de pânico, 641, 648 para transtorno distímico, 614 pensamentos automáticos na evocação de, 1018 testagem de, 1018 pressupostos gerais de, 1017, 1017t técnicas cognitivas de, 1018 técnicas comportamentais na, 1018-1020 Terapia comportamental dialética (TCD), 1015-1016 para transtorno da personalidade borderline, 863, 1015 Terapia comportamental, 1010-1017 aplicações clínicas, 1015t com crianças, 1383 dialética, 1015-1016 para transtorno da personalidade borderline, 863, 1015
ÍNDICE
e dessensibilização e reprocessamento do movimento ocular, 1014-1015 e dessensibilização sistemática, 1011-1012 e terapia cognitiva, 1018-1020 estímulos virtuais, exposição a, 1014 exposição gradual na, 1013 função imunológica, 155 história, 1011-1012 implosão na, 1013 modelagem participante na, 1014 no retardo mental, 1254 papel do terapeuta na, 1016t para anorexia nervosa, 794, 1015t para bulimia nervosa, 800, 1015t para depressão, 604 para disfunção sexual, 762, 1015t para doença psicossomática, 896-897 para enurese, 1339 para fobias, 655 para o idoso, 1426 para parafilias, 772-773 para transtorno de estresse pós-traumático, 666 para transtorno de pânico, 641, 648 para transtorno distímico, 614 para transtorno doloroso, 702 para transtorno obsessivo-compulsivo, 664 para transtornos de ansiedade, 385 perguntas na, 1010-1012, 1011t-1012t reforço positivo na, 1015 resultados de, 1016 terapia de aversão na, 1014, 1015f transbordamento na, 1013-1014 treinamento da assertividade na, 1014 treinamento de habilidades sociais na, 1014 Terapia conjugal. Ver terapia de casais (conjugal) Terapia conjunta, 1006 Terapia da linguagem, para transtorno misto da linguagem receptivo-expressiva, 1280 Terapia da vontade, 255 Terapia de adição de droga, 1052-1055 Terapia de alucinógenos, 1225 Terapia de aversão, na terapia comportamental, 1014, 1015f Terapia de casais, 63, 1006-1007 abordagens a, 1004t-1005t contra-indicações para, 1007 e psicoterapia de grupo, 1006 e terapia conjunta, 1006 e terapia individual, 1006 indicações, 1006-1007 individual, 1006 objetivos, 1007 sessão de quatro contatos, 1006 terapia combinada para, 1006 tipos de, 1006 Terapia de combinação de drogas, 1052-1055 Terapia de cor, 909 Terapia de dança, 909-910 Terapia de duplo-sexo, 759-761 Terapia de eletrochoque (EST), 1213. Ver também Eletroconvulsoterapia Terapia de fala para tartamudez, 1285-1286 para transtorno fonológico, 1283 para transtorno misto da linguagem receptivo-expressiva, 1280 Terapia de grupo comportamental aspectos, 996t classificação, 995 Terapia de grupo de apoio, aspectos de, 996t Terapia de grupo de orientação analítica, aspectos, 996t Terapia de grupo familiar, 1004 Terapia de grupo Gestalt, classificação de, 995 Terapia de grupo recreativa, 1387 Terapia de grupo transacional aspectos de, 996t classificação de, 995
1563
Terapia de habilidades comportamentais. Ver treinamento de habilidades sociais Terapia de liberação, com crianças, 1384 Terapia de luto, 83-84 Terapia de megavitamina para crianças, 1399 Terapia de movimento, 909-910 Terapia de ozônio, 920 Terapia de prevenção de recaída, 468 Terapia de quelação, 908 Terapia de rede social, 1004-1005 Terapia de relaxamento muscular progressivo, 1009, 1010t Terapia de reposição hormonal, 934 Terapia de sistema familiar, com crianças, 1383 Terapia de sono contínua, 1225 Terapia de vidas passadas, 920-921 Terapia familiar, 1000-1008 abordagens a, 1004t-1005t com adolescentes, 1402 com transtorno obsessivo-compulsivo, 664 conotação positiva na, 1006 consulta inicial, 1000-1002 duração do tratamento, 1002 estrutural, 1003 frequência do tratamento, 1002 modelo de Bowen de, 1002-1003 modelo geral de sistemas de, 1003-1004 modelo psicodinâmico-experimental de, 1002 modelos de, 1002-1004, 1004t-1005t na depressão, 604 no transtorno de pânico, 648 objetivos, 1006 para anorexia nervosa, 794 para doença psicossomática, 896-897 para esquizofrenia, 537-538 para fobias, 655 para transtorno distímico, 615 para transtornos por uso de cocaína, 468 reestruturação, 1006 técnica de entrevista, 1002 técnicas de, 1004-1006 consulta inicial, 1000-1002 técnica de entrevista, 1002 teoria de, 1000-1001 terapia de grupo familiar, 1004 terapia de rede social, 1004-1005 terapia paradoxal, 1005 término do tratamento, 1004t Terapia filial, com crianças, 1384 Terapia genética, 151 Terapia Gestalt, 254 Terapia luminosa, 919, 1221 para insônia primária, 816 Terapia musical, 921 Terapia paradoxal, 1005 Terapia psicodinâmica abordagem a depressão, 1021t de transtornos por uso de opióides, 486 Terapia psicossocial para demência, 372 para esquizofrenia, 537-539 para transtornos relacionados a nicotina, 482 Terapia recreativa, 244 Terapia sexual, 1015t de orientação analítica, 762 técnicas específicas, 761 Terapia sonora, 921 Terapias convulsivas químicas, 1225 Terapias endócrinas, 1223 Terapias indutoras de coma, 1225 Teratógeno(s), 40 na gravidez, 927-928 Terminologia etológica, 191t Terrores noturnos, na CID-10, 817t Terrores noturnos. Ver terrores do sono
1564
ÍNDICE
Terrorismo, 673 Testagem do desenvolvimento na psiquiatria infantil, 1234t-1235t, 1235-1237 para bebês e pré-escolares, 1236 Testagem educacional, na psiquiatria infantil, 1234t-1235t, 1235-1237 Testagem psicológica na psiquiatria infantil, 1234t-1235t, 1235-1237 para crianças, 1227-1237 Testamentos, 1433, 1434t Teste da Escolha do Cartão de Wisconsin (WCST), 214, 219t, 1235t Teste da trilha, 219t, 1235t Teste de Adição Serial Auditiva Compassado, 219t Teste de Análise Auditiva, 219t Teste de Apercepção de Crianças (CAT), 1236 Teste de Apercepção temática (TAT), 205, 210t, 211-213, 211f-212f, 254, 527, 1235t, 1236 Teste de Avaliação de Afasia, 219t Teste de Conclusão de Sentença, 205, 210t, 213 Teste de Coombs, 301t Teste de Desempenho Contínuo, 219t Teste de Desempenho Educacional de Kaufman (K-TEA), 1234t, 1237 Teste de Desenvolvimento da Linguagem-2, 219t Teste de Desenvolvimento Motor de Bruininks-Oseretsky, para transtorno do desenvolvimento da coordenação, 1270 Teste de fluência verbal, 219t Teste de fosfatase ácida, 300t Teste de Inteligência para Adolescentes e Adultos de Kaufman (KAIT), 1234t Teste de Leitura Oral de Gray-Revisado (GORT-R), 1237 Teste de Linguagem Escrita (TOWL), 1265-1266 Teste de Linguagem Escrita Precoce (TEWL), 1265-1266 Teste de Matrizes Progressivas de Raven, 219t Teste de Modalidades de Símbolo do Dígito, 219t Teste de Montar figura (MAPS), 210t Teste de Nomeação de Boston, 219t Teste de Palavra Colorida de Stroop, 219t Teste de práxis construtiva tridimensional, 216f Teste de provocação de pentobarbital, 1082, 1083t-1084t Teste de realidade, 233 definição, 313 na psicoterapia de grupo, 998t Teste de Realização Extensivo-Revisado (WRAT-R), 1234t, 1236 Teste de Realização Individual de Peabody (PIAT), 1236 Teste de Realização Individual de Peabody-Revisado, 1260 Teste de Realização Individual de Wechsler (WIAT), 1234t Teste de Reconhecimento facial, 217 Teste de Retenção Visual de Benton, 214, 215f, 1235t Teste de Rorschach, 205, 209-210, 210f, 210t, 527, 1236 Teste de supressão da dexametasona (TSD), 293-294, 295f, 576 confiabilidade, 293-294 e transtornos do humor, 1363 especificidade de, 293-294, 294t na esquizofrenia, 518-519 procedimento de, 292 resultados falso-negativos, 293-294, 294t resultados falso-positivos, 293-294, 294t sensibilidade de, 293-294, 294t Teste de token, 219t Teste de triagem do Desenvolvimento de Denver, 1236 Teste de Vocabulário de figura de Peabody-III, 219t Teste Diagnóstico de Aritmética Key-Math, 1263 Teste do Desenho da figura Humana (DAP), 205, 210t, 213 Teste do Desenho da Pessoa de Machover, 1235t Teste do Desenvolvimento da Integração Visuomotora de Beery-Buktenika, 1235t Teste do Laboratório de Pesquisa de Doença Venérea (VDRL), 295, 304t Teste do quadrado-chi, 201 Teste Expressivo de Gardner de Vocabulário de Figura de Uma Palavra-Revisado, 219t Teste fluorescente de absorção de anticorpo ao treponema (FTA-ABS), 295 Teste Gestalt Visuomotor de Bender, 215-216, 216f-217f, 1236, 1270 para transtorno do desenvolvimento da coordenação, 1270 Teste Gestalt Visuomotor de Benton, 1235t Teste Neuropsicológico de Reitan-Indiana, Bateria para Crianças Mais Velhas, 1235t
Teste Receptivo de Gardner de Vocabulário de Figura de Uma Palavra-Revisado, 219t Teste VDRL, 295, 304t Teste(agem) laboratorial, em psiquiatria, 291-300, 300t-304t neuroendócrino, 291-295 Teste(s) de inteligência, 205-206. Ver também testes específicos na esquizofrenia, 527 para adolescentes, 1236 para crianças em idade escolar, 1236 para crianças, 206 Teste(s) de personalidade na esquizofrenia, 527 para crianças, 1236 Teste(s) diagnóstico(s) especificidade de, 202t interpretando desempenho de, 202t sensibilidade de, 202t valor preditivo de, 202t Teste(s) projetivo(s), na esquizofrenia, 527 Teste(s). Ver também Avaliação neuropsicológica; Personalidade, avaliação; testes específicos confiabilidade em, 205 integração de achados, 213 na esquizofrenia, 527 objetivo, 205 projetivo, 205 tipos de, 205 validade em, 205 Testes da função da tireóide, 291-292, 293t, 304t Testes de Cancelamento, 219t Testes de função hepática, 295, 298 Testes de função renal, 294-295, 295f Testes de gravidez, e antagonistas dos receptores de dopamina, 1131 Testes motores perceptivos, 1236 Testes neuroendócrinos, 291-295 Testes perceptivos, 1236 Testes Seqüenciais de Progresso Educacional (STEP), 1237 Teste-t, 204 Testosterona, 153, 294, 501-502, 1223 testagem sérica para, 304t Tetrabenazina, mecanismo de ação, 121 Tetraciclina, e lítio, 1141t Tetraidrocanabinol (THC), 458, 460 interações medicamentosas, 1114 TEWL, 1265-1266 THC. Ver tetraidrocanabinol (THC) Thomas, Alexander, 42 Thorazine. Ver Clorpromazina Thorndike, Edward L., 168 Tiamilal. Ver também Barbitúrico(s) estrutura, 1082f Tiazidas, e lítio, 1141t Timidez adaptativa transitória, 1350 e mutismo transitório, 1350 e transtorno de ansiedade de separação, 1342 Timina, 146 Tinbergen, Nicholas, 185 Tindal. Ver Acetofenazina Tinea capitus, 844f Tiopental, 1066t. Ver também Barbitúrico(s) estrutura de, 1082f Tioridazina, 1066t. Ver também Antagonista(s) dos receptores de dopamina crianças, uso com, 1395t dados de nível sangüíneo para avaliação clínica, 300t dosagem geriátrica, 1424t e lítio, 1141t estrutura de, 1120f indicações para, 535 preparações, 1132t Tiotixeno, 1066t crianças, uso com, 1395t dosagem geriátrica, 1424t
ÍNDICE
estrutura, 1120f preparações, 1132t Tioxantenos, 1118t química, 1119 TIP. Ver Psicoterapia interpessoal; terapia interpessoal (TIP) Tique(s). Ver também transtorno de tique motor ou vocal crônico complexo, 1328 definição, 312, 1328 motor, 1328 no transtorno de tourette, 1329 simples, 1328 vocal, 1328 Tireotoxicose manifestações de emergência, 971t tratamento de emergência, 971t Tirosina, 1222 Tirosina hidroxilase, 119 Tirosina quinase, 117 Tirosinose, 1244t Tiroxina (t4) estrutura, 1196f sérica, avaliação laboratorial de, 291, 293t Título 33. Ver Medicare Título 34. Ver Medicaid TMS. Ver Estimulação magnética transcraniana (TMS) TOC. Ver transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) Tofranil. Ver Imipramina Tolerância a creatinina, 294, 295f Tolerância-indignação, 245 Tolueno, abuso de manifestações de emergência, 971t tratamento de emergência, 971t Tomografia computadorizada (TC), 131-132. Ver também Neuroimagem do cérebro, 129, 131-132 versus imagem de ressonância magnética, 131-132, 131f-132f, 133 na demência, 354, 1427 na esquizofrenia, 130, 515-516 no delirium, 354 no transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, 1305 no transtorno obsessivo-compulsivo, 130 para doença de Creutzfeldt-Jakob, 396 para transtornos amnésicos, 354, 380-381 para transtornos cognitivos, 354 SPECT. Ver tomografia computadorizada por emissão de fóton único (SPECT) Tomografia computadorizada por emissão de fóton único (SPECT), 129, 135 do cérebro, 135 na esquizofrenia, 517 no transtorno obsessivo-compulsivo, 130 para doença de Creutzfeldt-Jakob, 396 para transtornos cognitivos, 135, 354 sobreposição, com outras neuroimagens, 135, 138f sondagens farmacológicas e neuropsicológicas, 141 Tomografia por emissão de pósitrons (PET), 104, 129, 135-141 do cérebro, 135-141, 144-145 distúrbios neurológicos e, 139f função, 135-141 em tarefas de linguagem, 142 em transtornos por uso de opióides, 484 estudos de transtorno da leitura, 1259 na abstinência de álcool, 435, 436f na atrofia olivopontocerebelar, 133f, 139f na demência multiinfarto, 133f, 139f na doença de Alzheimer, 133f, 140f na doença de Huntington, 133f, 139f na epilepsia do lobo temporal, 133f, 139f na esquizofrenia, 517 na ingestão de MPTP, 489 no transtorno obsessivo-compulsivo, 130 no tumor cerebral, 133f, 139f no vício em cocaína, 464 para doença de Creutzfeldt-Jakob, 396 para transtornos cognitivos, 354, 436f sondagens farmacológicas e neuropsicológicas, 141
1565
transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, 1305 Tontura, 284-286, 285t-286t Topamax. Ver topiramato Topiramato, 1066t, 1160-1164 ações farmacológicas de, 1160 dosagem, 1162-1163 e ganho de peso, 802 indicações para, 1160 interações medicamentosas, 1161 interferências laboratoriais, 1161 para transtorno bipolar I, 608-609, 610 precauções com, 1161 química, 1160, 1160f reações adversas a, 1161 Toque terapêutico, 922 Toque, leve, 85-87 Torre de Hanói, 219t Tourette, Georges Gilles de la, 1328 Toxicidade do alumínio, 363 Toxina(s) exposição a, síndromes associadas a, 669-670, 669t-670t sintomas neuropsiquiátricos causados por, 399 Toxoplasmose, 1245 TP, testagem para, 304t Trabalho extra, ética relativa a, 1467t-1468t Trabalhos de magia, 569t Traço multigenético, 148 Traço(s) ambientalmente aprendido, 247-249 biológico, 247-249 genético, 147-148 personalidade, 246 Traços de caráter, 237 Trager, Milton, 922 Tranilcipromina, 1066t, 1145. Ver também Inibidores da monoaminoxidase ação farmacológica de, 1141-1142 dosagem e administração, 607t efeitos adversos, 1044t interações medicamentosas, 1114 mecanismo de ação, 606t para pacientes idosos, 1420 química, 1145f Tranqüilização rápida, 965 Transação, definição de, 247 Transaminase pirúvica glutâmica sérica. Ver Alanina aminotransferase Transbordamento, na terapia comportamental, 1013 Transe, definição, 310 Transferência, 19, 221, 237 com doença psicossomática, 894 de espelho, 251 de gemealidade, 251 definição, 221 e questões de gênero, 988-990 fora da psicoterapia, 1030 idealizadora, 251 na psicanálise, 984 na psicoterapia de grupo, 998t na terapia de grupo, 996t segundo a visão construtivista social, 250 self-objeto, 251 Transferência intrafalopiana de gameta (GIFT), 930t Transgressores juvenis, direitos de, 1407-1408 Transição dos 46 anos, 59-60 Transinstitucionalização, 1473 Transmissão autossômica dominante, 148 Transmissão autossômica recessiva, 148 Transmissão recessiva ligada ao X, 148 Transmissão sináptica, processo de, 1037 Transplante de órgão, consulta de psiquiatria de ligação e, 904-905 Transportadores de neurotransmissor, 114 Transtorno afetivo sazonal, 294 terapia luminosa para, 1221 Transtorno autista, 1289-1296. Ver também transtornos globais do desenvolvimento
1566
ÍNDICE
características clínicas, 1291-1293 características comportamentais no, 1291-1292 características físicas e, 1291 características, 1300 critérios diagnósticos para, 1291, 1291t curso, 1295 diagnóstico diferencial, 1293-1295, 1294t, 1353 diagnóstico, 1291-1293 distribuição por sexo, 1289 doença física, associada, 1292-1293 e esquizofrenia de início na infância, 1368 e retardo mental, 1240 e situação socioeconômica, 1289 em crianças, farmacoterapia para, 1394-1396 epidemiologia, 1289 etiologia, 1289-1291 fatores biológicos, 1290 fatores bioquímicos, 1291 fatores familiares, 1290 fatores genéticos, 1290 fatores imunológicos, 1290 fatores neuroanatômicos, 1290-1291 fatores neurológicos, 1290 fatores perinatais, 1290 fatores psicossociais, 1290 infantil e transtornos da linguagem, 1280t e transtornos fonológicos, 1283t patogênese, 1289-1291 perspectiva histórica, 1289 prevalência, 1289 prognóstico para, 1295 tratamento, 1295-1296 versus afasia adquirida com convulsão, 1294 versus esquizofrenia de início na infância, 1294, 1294t versus privação psicossocial, 1295 versus retardo mental com sintomas comportamentais, 1294 versus surdez congênita, 1294-1295 versus transtorno misto da linguagem receptivo-expressiva, 1294, 1295t Transtorno catatônico devido a uma condição médica geral, 382, 387t, 532 Transtorno ciclotímico, 573, 615-617. Ver também transtorno(s) bipolar(es) características clínicas, 616-617 critérios diagnósticos para, 616, 616t curso, 617 definição, 615 diagnóstico diferencial, 617 diagnóstico, 616-617 e abuso de substâncias, 617 epidemiologia, 615 etiologia, 615-616 fatores biológicos, 616 fatores psicossociais, 616 na infância, 1362 prevalência na vida, 573t prognóstico, 617 sinais e sintomas, 616-617 terapia biológica para, 617 terapia psicossocial para, 617 tratamento, 617 Transtorno cognitivo leve, 402t Transtorno conversivo, 690-695 achados de exame físico no, 694t características clínicas, 687t, 691-693 co-morbidade com, 690-691 critérios diagnósticos, 691, 691t curso, 694 diagnóstico diferencial, 692-694 diagnóstico, 691 epidemiologia, 690 etiologia, 691 fatores biológicos no, 691 fatores psicanalíticos no, 691 ganho primário no, 692-693
ganho secundário no, 692-693 identificação no, 692-693 la belle indifférence no, 692-693, 696-697 perfil cognitivo, 1018t prognóstico, 694 sintomas de convulsão no, 692-693 sintomas de, 690, 690t, 692-693 sintomas motores no, 692-693 sintomas sensoriais no, 692-693 teoria da aprendizagem e, 691 tratamento, 694-695 Transtorno convulsivo. Ver também Epilepsia considerações médicas sobre, 901t considerações psiquiátricas sobre, 901t manifestações de emergência, 971t tratamento de emergência, 971t Transtorno da alimentação da infância, 1326, 1326t critérios diagnósticos do DSM-IV-TR, 1326t curso, 1326-1327 diagnóstico diferencial, 1326 epidemiologia, 1326 na CID-10, 1326t, 1327, 1327t prognóstico, 1326-1327 tratamento, 1327 Transtorno da aritmética congênito. Ver transtorno da matemática Transtorno da expressão escrita, 1263-1267 características clínicas, 1264-1265-1266 co-morbidade com, 1264 definição, 1263-1264 diagnóstico diferencial, 1265-1266 diagnóstico, 1264 e transtorno da matemática, 1263 epidemiologia, 1264 etiologia, 1264 exame laboratorial de, 1265-1266 patologia, 1265-1266 tratamento, 1267 Transtorno da infância ou da adolescência, sem outra especificação, 1357-1358, 1357t-1358t Transtorno da leitura, 101-103, 1258-1262 características clínicas, 1260-1262 co-morbidade com, 1259 curso, 1261-1262 diagnóstico diferencial, 1261-1262 diagnóstico, 1259-1260, 1260t e transtorno da expressão escrita, 1264 e transtorno da linguagem expressiva, 1275 e transtorno da matemática, 1263 e transtorno fonológico, 1280 epidemiologia, 1258-1259 etiologia, 1259 exame laboratorial de, 1260-1262 patologia de, 1260-1262 prognóstico, 1261-1262 tratamento, 1261-1262 Transtorno da linguagem expressiva, 1274-1279 características clínicas, 1276 curso, 1277 diagnóstico diferencial, 1277 diagnóstico, 1276, 1276t e tartamudez, 1283 e transtorno da expressão escrita, 1264 e transtorno da matemática, 1263 e transtorno fonológico, 1280 e transtornos da linguagem, 1280t epidemiologia, 1274 etiologia, 1276 prognóstico, 1277 tratamento, 1277-1279 Transtorno da linguagem receptivo-expressiva, 1274 e transtorno da expressão escrita, 1264 Transtorno da matemática, 1261-1263 características clínicas, 1263
ÍNDICE
co-morbidade com, 1263 curso, 1263 definição, 1261-1262 diagnóstico diferencial, 1263 diagnóstico, 1263, 1263t e transtorno da expressão escrita, 1264 epidemiologia, 1263 etiologia, 1263 exame laboratorial de, 1263 patologia de, 1263 prognóstico, 1263 tratamento, 1263 Transtorno da personalidade anti-social, 860-861 Ver também transtorno(s) da Personalidade, tipo B características clínicas, 860-861 critérios diagnósticos para, 860, 860t curso, 861 diagnóstico diferencial, 836, 861 diagnóstico, 860 e dependência de opióides, 485 e jogo patológico, 841 e transtorno por uso de álcool, 429 e transtornos relacionados a substâncias, 419-420 epidemiologia, 860 farmacoterapia para, 861 prognóstico, 861 psicoterapia para, 861 tratamento, 861 Transtorno da personalidade borderline, 250, 861-863. Ver também transtorno(s) da personalidade, grupo B características clínicas, 862 critérios diagnósticos para, 862, 862t curso, 863 diagnóstico diferencial, 836, 862-863 diagnóstico, 862, 862t e jogo patológico, 841 e psicoterapia e farmacoterapia combinadas, 1032-1033 e tricotilomania, 843 epidemiologia, 862 farmacoterapia para, 863, 1121-1122, 1136-1138, 1207 manifestações de emergência, 967t prognóstico, 863 psicoterapia para, 863 terapia comportamental dialética para, 863, 1015 tratamento de emergência, 967t tratamento, 863, 863t Transtorno da personalidade dependente, 867-868. Ver também transtorno(s) da personalidade, grupo C características clínicas, 866-868 critérios diagnósticos para, 866, 867t-868t curso, 867-868 diagnóstico diferencial, 867-868 diagnóstico, 866 epidemiologia, 866 farmacoterapia para, 867-868 prognóstico, 867-868 psicoterapia para, 867-868 tratamento, 867-868 Transtorno da personalidade depressiva, 326, 871-872 características clínicas, 871-872 critérios de pesquisa para, 872t curso, 872 diagnóstico diferencial, 872 diagnóstico, 871-872 epidemiologia, 871 etiologia, 871 farmacoterapia, 1192-1193 prognóstico, 872 tratamento, 872 Transtorno da personalidade esquiva, 167, 865-866. Ver também transtorno(s) da personalidade, grupo C características clínicas, 865-866 critérios diagnósticos para, 865, 866t
1567
curso, 866 diagnóstico diferencial, 866 diagnóstico, 865 epidemiologia, 865 farmacoterapia, 866 prognóstico, 866 psicoterapia para, 866 tratamento, 866 Transtorno da personalidade esquizóide, 857-859. Ver também transtorno(s) da personalidade, grupo A características clínicas, 857-858 critérios diagnósticos, 857, 857t curso, 858 diagnóstico diferencial, 858 diagnóstico, 857 epidemiologia, 857 farmacoterapia para, 859 prognóstico, 858 psicoterapia para, 858-859 tratamento, 858-859 Transtorno da personalidade esquizotípica, 859-860, 1368. Ver também transtorno(s) da personalidade, grupo A características clínicas, 859 critérios diagnósticos para, 859, 859t curso, 859 diagnóstico diferencial, 859, 1370 diagnóstico, 859 epidemiologia, 859 farmacoterapia para, 860 prognóstico, 859 psicoterapia para, 860 tratamento, 860 Transtorno da personalidade histriônica, 863-864. Ver também transtorno(s) da personalidade, grupo B características clínicas, 864 critérios diagnósticos, 864, 864t curso, 864 diagnóstico diferencial, 864 diagnóstico, 863-864 epidemiologia, 863 farmacoterapia, 864 prognóstico, 864 psicoterapia, 864 tratamento, 864 Transtorno da personalidade narcisista, 864-865. Ver também transtorno(s) da personalidade, grupo B características clínicas, 864-865 critérios diagnósticos para, 864, 865t curso, 865 diagnóstico diferencial, 865 diagnóstico, 864 e jogo patológico, 841 epidemiologia, 864 farmacoterapia para, 865 prognóstico, 865 psicoterapia para, 865 tratamento, 865 Transtorno da personalidade obsessivo-compulsiva, 867-870. Ver também transtorno(s) da personalidade, Grupo C características clínicas, 869-870 critérios diagnósticos para, 869, 869t curso, 870 diagnóstico diferencial, 870 diagnóstico, 869 e tricotilomania, 843 epidemiologia, 867-869 farmacoterapia para, 870 prognóstico, 870 psicoterapia, 870 tratamento, 870 Transtorno da personalidade paranóide, 856-857. Ver também transtorno(s) da personalidade, grupo A; Esquizofrenia, tipo paranóide características clínicas, 856
1568
ÍNDICE
critérios diagnósticos, 856, 856t curso, 857 diagnóstico diferencial, 856 diagnóstico, 856 epidemiologia, 856 farmacoterapia, 857 perfil cognitivo de, 1018t prognóstico, 857 psicoterapia para, 857 tratamento, 857 Transtorno da personalidade passivo-agressiva, 326, 870-871 características clínicas, 870-871 critérios diagnósticos, 870, 871t curso, 870-871 diagnóstico diferencial, 871 diagnóstico, 870 epidemiologia, 870 farmacoterapia para, 871 prognóstico, 871 psicoterapia para, 871 tratamento, 871 Transtorno da personalidade sádica, 872 Transtorno da pesonalidade sadomasoquista, 872 Transtorno das habilidades motoras, 1269-1273 na CID-10, 1272-1273, 1272t-1273t Transtorno de ansiedade de separação, 167, 1342-1349 características clínicas, 1343-1345 características de, 1345t classificação do DSM-IV-TR, 1342 curso, 1345-1347 diagnóstico diferencial, 1345, 1345t diagnóstico, 1343-1345, 1343t em crianças, farmacoterapia para, 1397 epidemiologia, 1342 etiologia, 1342-1343 farmacoterapia para, 1346-1347 fatores biopsicossociais no, 1342 fatores de aprendizagem em, 1343 fatores genéticos no, 1343 na CID-10, 1346-1347, 1346t-1348t prognóstico, 1345-1347 tratamento, 1346-1347 Transtorno de ansiedade fóbica. Ver também fobia(s); fobias específicas critérios diagnósticos da CID-10 para, 636t da infância, 1348t Transtorno de ansiedade generalizada buspirona para, 677, 1098 características clínicas, 675-676 características, 1345t co-morbidade com, 674 critérios diagnósticos da CID-10, 637t critérios diagnósticos para, 675, 676t curso, 676 da infância, 1348t definição, 674 diagnóstico diferencial, 676 diagnóstico, 675 distribuição por sexo, 674 e transtorno obsessivo-compulsivo, 658-659 e transtornos por uso de álcool, 429 e tricotilomania, 843 em crianças, farmacoterapia para, 1398 epidemiologia, 674 etiologia, 674-675 farmacoterapia para, 677, 1067t, 1069, 1073, 1089, 1098, 1201 fatores biológicos no, 674-675 fatores psicossociais, 675 imagem cerebral no, 675, 675f prognóstico, 676 propranolol para, 1073 psicoterapia para, 676-677 tratamento, 676-677 Transtorno de ansiedade social da infância, 1348t
Transtorno de apego reativo da infância, 1350-1355 características clínicas, 1351-1353 classificação do DSM-IV, 1350-1351 curso, 1353 diagnóstico diferencial, 1353 diagnóstico, 1351-1353, 1351t e falha de desenvolvimento, 1351-1353, 1352f epidemiologia, 1351 etiologia, 1351 na CID-10, 1354, 1354t patologia de, 1353 prognóstico, 1353 subtipos de, 1351-1353 tipo desinibido, 1351-1353, 1354t tipo inibido, 1351-1353 tratamento, 1354 Transtorno de Asperger, 1300 Transtorno de aversão sexual, 748t-749t, 750-751, 750t Transtorno de caráter psicótico, 862 Transtorno de compulsão alimentar, 326, 800-801, 800t, 802 Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH), 99, 1304-1311 avaliação do progresso terapêutico, 1311 bupropiona para, 1095-1096 características clínicas, 1306-1307 critérios diagnósticos para, 1304, 1306t, 1311-1312, 1311t, 1312t curso, 1308-1309 definição, 1304 diagnóstico diferencial, 1265-1266, 1307-1309, 1319-1320 diagnóstico, 1305-1306 e dano cerebral, 1305 e depressão, 1307 e jogo patológico, 841 e piromania, 839-840 e retardo mental, 1240 intervenção farmacológica para, 1255-1256 e tartamudez, 1283 e transtorno da conduta, 1307-1309, 1315 e transtorno da expressão escrita, 1264 e transtorno da leitura, 1259 e transtorno da linguagem expressiva, 1275 e transtorno do desenvolvimento da coordenação, 1269 e transtornos por uso de álcool, 429 em adultos, manifestações de, 1311 em bebês, 1306-1307 em crianças, 1306-1307 epidemiologia, 1304 Escala de Avaliação, 1235t etiologia, 1304-1305 exame laboratorial, 1307 farmacoterapia para, 1032, 1055, 1067t, 1095-1096, 1189, 1191, 13081310, 1396-1397 terapia de adição de droga, 1055 fatores do desenvolvimento no, 1304-1305 fatores genéticos, 1304 fatores neurofisiológicos, 1305 fatores neuroquímicos, 1305 fatores psicossociais, 1305 intervenções psicossociais para, 1311 medicamentos não-estimulantes para, 1310, 1310t neuroimagem no, 130 patologia, 1307 prognóstico para, 1308-1309 psicoterapia e farmacoterapia combinadas para, 1032, 1400-1401 psicoterapia para, 1311 sem outra especificação, 1311 critérios diagnósticos para, 1311t simpatomiméticos para, 1189 subtipos de, 1304 terapia de adição de droga para, 1055 transtorno de tourette e, 1328 tratamento, 1308-1311 Transtorno de despersonalização, 722, 732-733 características clínicas, 732-733
ÍNDICE
critérios diagnósticos para, 732, 732t curso, 733 definição, 732 diagnóstico diferencial, 733 diagnóstico, 732-733 epidemiologia, 732 etiologia, 732 prognóstico, 733 tratamento, 733 Transtorno de estresse agudo. Ver também transtorno de estresse pós-traumático critérios diagnósticos para, 667-668, 667t diagnóstico diferencial, 725, 850 Transtorno de estresse pós-traumático, 107, 664-674 11 de Setembro, 2001, 673 buspirona para, 1098 características clínicas, 668-671 co-morbidade com, 665 critérios diagnósticos para, 667-668, 667t critérios diagósticos da CID-10 para, 634-638, 638t curso, 672 diagnóstico diferencial, 671-725, 850 diagnóstico, 667-668 e idade, 672 eixo HHA, fator liberador de corticotropina e, 666-667 em crianças e adolescentes, 668-670 epidemiologia, 665 epônimos para, 669-670, 669t-670t estressor no, 669-670, 669-670t etiologia, 665-666 farmacoterapia para, 672, 1068t, 1069, 1089, 1098, 1103, 1137-1138, 1201, 1207 fatores biológicos no, 107, 666-667 fatores cognitivo-comportamentais no, 666 fatores de risco, 665, 665t fatores psicodinâmicos no, 666, 666t lavagem cerebral e, 671 manifestações de emergência, 970t perspectiva histórica sobre, 665 prognóstico, 672 propranolol para, 1073 psicoterapia para, 672-673 síndrome da Guerra do Golfo, 669-671 sistema de opióides e, 666 sistema noradrenérgico e, 666 terapia de reprocessamento e dessensibilização do movimento ocular, 673 tortura e, 671 tratamento de emergência, 970t tratamento, 672-673 Transtorno de pânico buspirona para, 1098 características clínicas, 643 características de, 639 com agorafobia, 639 critérios diagnósticos para, 642, 642t diagnóstico, 642 farmacoterapia para, 1200-1201 co-morbidade com 639-640 critérios diagnósticos da CID-10 para, 637t curso, 646 definição, 639 diagnóstico diferencial, 645-646, 645t diagnóstico, 642 distribuição por sexo de, 639 e depressão, 646 e jogo patológico, 841 e suicídio, 646 e transtorno de ansiedade generalizada, 674 e transtorno obsessivo-compulsivo, 658-659 e transtornos por uso de álcool, 429 em crianças, farmacoterapia para, 1398 epidemiologia, 639 etiologia, 640-641 exposição in vivo para, 648
1569
falhas de tratamento, 647-648 farmacoterapia para, 646-648, 647t, 1068t, 1089, 1098, 1207 duração de, 648 fatores biológicos no, 128, 640 fatores genéticos no, 640-641 fatores psicossociais no, 641 fisiopatologia de, 126 imagem cerebral no, 640 manifestações de emergência, 969t neuroimagem no, 134 neurotransmissores no, 640 perfil cognitivo de, 1018t perspectiva histórica sobre, 639 prognóstico, 646 prolapso da válvula mitral e, 640 propranolol para, 1073 psicoterapia e farmacoterapia combinadas para, 648-649, 1031-1032 psicoterapia orientada para o insight no, 648 sem agorafobia critérios diagnósticos para, 642, 642t diagnóstico, 642 sintomas associados, 645 temas psicodinâmicos de, 641t teorias cognitivo-comportamentais de, 641 teorias psicanalíticas de, 641 terapia cognitiva para, 641, 648 terapia comportamental para, 641, 648 terapia familiar no, 648 tratamento de emergência, 969t tratamento, 646-649 treinamento de relaxamento para, 648 treinamento respiratório para, 648 versus distúrbios médicos, 645t, 646 versus fobia específica, 646 versus fobia social, 646 versus transtornos mentais, 646 Transtorno de pesadelo, 826-827 farmacoterapia para, 1201 Transtorno de Rett, 1243, 1296-1297, 1300 características clínicas, 1297 critérios diagnósticos, 1297, 1297t curso, 1297 diagnóstico diferencial, 1297 diagnóstico, 1297 etiologia, 1297 prognóstico, 1297 tratamento, 1297 Transtorno de rivalidade de irmãos, 1348t Transtorno de ruminação, na infância, 1324-1326 características clínicas, 1325 critérios diagnósticos, 1325t curso, 1326 diagnóstico diferencial, 1325-1326 diagnóstico, 1325 epidemiologia, 1325 etiologia, 1325 exame laboratorial de, 1325 patologia, 1325 prognóstico, 1326 tratamento, 1326 Transtorno de soletração. Ver também transtorno da expressão escrita Transtorno de somatização, 686-690 características clínicas de, 687t, 688-689 critérios diagnósticos da CID-10, 703t critérios diagnósticos para, 688, 688t curso, 689 diagnóstico diferencial, 689 diagnóstico, 688, 688t e transtorno conversivo, 691 epidemiologia, 686-688 etiologia, 688 fatores biológicos no, 688 fatores psicológicos no, 688
1570
ÍNDICE
perspectiva histórica sobre, 686 prognóstico para, 689 tratamento, 690 Transtorno de terror do sono, 827 critérios diagnósticos para, 827t em crianças, farmacoterapia para, 1398 polissonograma de, 827 Transtorno de tique motor ou vocal crônico, 1332-1333 características clínicas, 1333 critérios diagnósticos, 1333, 1333t curso, 1333 definição, 1332 diagnóstico diferencial, 1333 diagnóstico, 1333 epidemiologia, 1333 etiologia, 1333 prognóstico, 1333 tratamento, 1333 Transtorno de tique transitório, 1333-1334 características clínicas, 1333-1334 critérios diagnósticos para, 1334, 1334t curso, 1334 definição, 1333 diagnóstico, 1333-1334 epidemiologia, 1333 etiologia, 1333 prognóstico, 1334 tratamento, 1334 Transtorno de tourette, 1328-1332. Ver também transtorno(s) de tique características clínicas de, 1329-1330 como traço multigênico, 148 critérios diagnósticos, 1330, 1331t curso, 1330 definição, 1328 diagnóstico, 1329-1330 e jogo patológico, 841 e movimentos estereotipados, 1355 e transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, 1328 e transtorno obsessivo-compulsivo, 658-659, 660, 662, 1328 em crianças, farmacoterapia para, 1397 epidemiologia, 1328 etiologia, 1328-1329 farmacoterapia para, 1068t, 1068, 1123, 1332 fatores imunológicos no, 1329 fatores neuroanatômicos no, 1328-1329 fatores neuroquímicos no, 1328-1329 genética de, 146, 148, 1328 patologia e exame laboratorial no, 1330 pós-infecção, 1329 prognóstico para, 1330 tiques no, 1329 tratamento, 1332 Transtorno de transe dissociativo, 326, 722, 734-735, 734t-735t Transtorno delirante, 533, 548-558. Ver também Esquizofrenia afeto no, 551-552 alterações perceptivas no, 551-552 características clínicas do, 550-554 características do paciente no, 550 cognição no, 551-552 confiabilidade no, 553 controle dos impulsos no, 553 critérios diagnósticos para, 550, 551-552t curso, 555-556 definição de “delírio”, 548, 549t diagnóstico diferencial, 555 diagnóstico, 548 epidemiologia, 548 estado mental no, 550-553 etiologia, 549-550 farmacoterapia para, 557-558, 1121-1122 fatores biológicos, 549-550 fatores de risco associados a, 550, 550t fatores psicodinâmicos no, 550
contribuições de Freud para, 550 hospitalização para, 556-558 humor no, 551-552 insight no, 553 julgamento no, 553 manifestações de emergência, 968t mecanismos de defesa no, 550 na audição prejudicada, 285-286 negação no, 550 no idoso, 1416 orientação no, 551-552 pensamento no, 551-552 prognóstico para, 555-556 psicoterapia para, 556 sensório, 551-552 sentimentos no, 551-552 tipo ciumento, 553-554 tipo erotomaníaco, 554 tipo grandioso, 554 tipo inespecificado, 554 tipo misto, 554 tipo persecutório, 553 tipo somático, 554 tipos de, 553-554 tratamento de emergência, 968t tratamento, 556-558, 567t versus delirium, 555 versus demência, 555 versus transtornos relacionados a substâncias, 555 Transtorno depressivo breve recorrente, 326, 618-620 características clínicas, 619 critérios de pesquisa para, 618, 620t critérios diagnósticos da CID-10, 629t critérios diagnósticos, 618 curso, 619 diagnóstico diferencial, 614, 619 diagnóstico, 619 epidemiologia, 619 etiologia, 619 inibidores dos canais de cálcio para, 1101 prognóstico, 619 tratamento, 620 Transtorno depressivo maior, 572-611. Ver também transtorno(s) do humor agentes infecciosos e, 156-157 aminas biogênicas no, 574-575, 574t, 575t buspirona para, 1098 classificação do DSM-IV-TR, 572-573 considerações neuroanatômicas, 577 critérios para especificadores de gravidade/psicótico/remissão para episódio atual (mais recente), 582t curso, 596 desenvolvimento de episódios maníacos no, 596 diagnóstico diferencial, 594-595, 1370 diagnóstico, 581-583 distribuição etária de, 574 distribuição por sexo, 573-574 duração, 596 e condição socioeconômica, 574 e cortisol, 576 e cultura, 574 e dependência de opióides, 485 e dopamina, 575 e noradrenalina, 574 e prolactina, 577 e psicoterapia e farmacoterapia combinadas, 1031 e serotonina, 574-575 e somatostatina, 576-577 e sono, 577, 810 e transtorno de ansiedade generalizada, 674 e transtorno obsessivo-compulsivo, 658-659 e tricotilomania, 843 eixo adrenal e, 576 eixo tireoideano, 576
ÍNDICE
eletroconvulsoterapia para, 1214-1215 em adolescentes, 1362 epidemiologia, 573 episódio único critérios diagnósticos para, 584t diagnóstico de, 582-583, 584t estado civil e, 574 estimulação do nervo vago para, 1221 estudos de adoção de, 578 estudos de gêmeos, 578 estudos de ligação de, 578 estudos familiares de, 577-578 etiologia, 574-581 farmacoterapia para, 604-609, 1098, 1136, 1200, 1207. Ver também Antidepressivo(s) fatores psicossociais em, 578-581 genética de, 146, 577-578 hormônio do crescimento e, 576 imagem cerebral em, 577, 578f indicadores de prognóstico, 596 início, 596 luto, diferenciado, 82t na infância, 1360-1361 epidemiologia, 1359-1360 neuroquímica de, 574-577 prevalência na vida, 573t prognóstico, 596 recorrente critérios diagnósticos para, 584t diagnóstico, 583, 584t regulação neuroimune e, 577 sistema neuroendócrino e, 576 transtorno distímico, diferenciado, 611 versus condições neurológicas, 594 versus distúrbios médicos, 594 versus outros transtornos mentais, 594-595 Transtorno depressivo menor, 326, 618 características clínicas, 618 critérios de pesquisa para, 618, 619t critérios diagnósticos, 618 curso, 618 diagnóstico diferencial, 614, 618 diagnóstico, 618, 619t epidemiologia, 618 etiologia, 618 prognóstico para, 618 tratamento, 618 Transtorno depressivo pós-psicótico da esquizofrenia, 621-622 Transtorno depressivo psicótico da esquizofrenia, 325 Transtorno depressivo recorrente atualmente em remissão, critérios diagnósticos da CID-10, 628t critérios diagnósticos da CID-10, 628t episódio atual grave com sintomas psicóticos, critérios diagnósticos da CID-10, 628t episódio atual leve, critérios diagnósticos da CID-10, 628t episódio atual moderado, critérios diagnósticos da CID-10, 628t episódio atual sem sintomas psicóticos, critérios diagnósticos da CID-10, 628t Transtorno desafiador de oposição, 1314-1315 características clínicas, 1315 curso, 1316 diagnóstico diferencial, 1315-1316, 1319-1320 diagnóstico, 1315, 1315t e transtorno da linguagem expressiva, 1275 epidemiologia, 1314 etiologia, 1314 exames laboratoriais para, 1315 na CID-10, 1321, 1321t-1322t patologia, 1315 prognóstico, 1316 tratamento, 1316 Transtorno desintegrativo da infância, 1297-1300, 1300 critérios diagnósticos para, 1298-1299, 1298t-1299t curso, 1298-1300
1571
definição, 1297-1299 diagnóstico diferencial, 1298-1299 diagnóstico, 1298-1299 epidemiologia, 1298-1299 etiologia, 1298-1299 outro, critérios diagnósticos da CID-10 para, 1300, 1302t prognóstico, 1298-1300 tratamento, 1300 Transtorno deteriorante simples, 326, 526 Transtorno disfórico pré-mesntrual, 326, 620, 935, 935f buspirona para, 1098 características clínicas, 620 critérios de pesquisa para, 620, 621t curso, 620 diagnóstico diferencial, 620 diagnóstico, 620 epidemiologia, 620 etiologia, 620 farmacoterapia para, 1068t, 1098, 1136 prognóstico, 620 tratamento, 620 Transtorno dismórfico corporal, 696-699, 802 características clínicas, 583t, 698, 698t critérios diagnósticos para, 698t curso, 699 diagnóstico diferencial, 699 diagnóstico, 698 epidemiologia, 696-698 etiologia, 698 Transtorno dissociativo de identidade, 507, 722, 726-732 características clínicas, 727-729, 728t critérios diagnósticos, 727-728, 727t curso, 730-731 definição, 317, 726-727 diagnóstico diferencial, 729 diagnóstico, 727-729 epidemiologia, 727 etiologia, 727 perspectiva histórica sobre, 727 prognóstico, 730-731 questões forenses, 732 tratamento, 730-732, 730t-732t Transtorno distímico, 573, 611-617. Ver também transtorno(s) depressivo(s) características clínicas, 612-613, 613t classificação do DSM-IV-TR, 611 contribuições de Freud para, 612 critérios diagnósticos para, 612-613, 612t, 613t curso, 614 definição, 611 diagnóstico diferencial, 614 diagnóstico, 612-613 epidemiologia, 611 estudos do sono no, 612 estudos neuroendócrinos no, 612 etiologia, 612 farmacoterapia para, 615 fatores biológicos no, 612 fatores psicossociais no, 612 hospitalização para, 615 na infância, 1361-1362 epidemiologia, 1359-1360 prognóstico, 614 teoria cognitiva de, 612 transtorno depressivo maior, diferenciado, 611 tratamento, 614-615 variantes de, 613 Transtorno do amadurecimento sexual, critérios diagnósticos da CID-10 para, 775t Transtorno do apego desinibido da infância, 1354t Transtorno do comportamento diruptivo, sem outra especificação, 1321 critérios diagnósticos, 1321t Transtorno do desejo sexual hipoativo, 748t-749t, 750-751, 750t devido a uma condição médica geral, 757, 758t Transtorno do desenvolvimento da aritmética. Ver transtorno da matemática
1572
ÍNDICE
Transtorno do desenvolvimento da coordenação, 1269-1273 características clínicas, 1270 co-morbidade com, 1269 critérios diagnósticos para, 1270t curso, 1271 diagnóstico diferencial, 1271 diagnóstico, 1270 e transtorno da linguagem expressiva, 1275 e transtorno da matemática, 1263 e transtorno fonológico, 1280 epidemiologia, 1269 etiologia, 1270 prognóstico, 1271 tratamento, 1271-1273 Transtorno do movimento estereotipado, 1355-1358 características clínicas de, 1355-1356 classificação do DSM-IV-TR, 1355 curso de, 1356 diagnóstico diferencial, 1356 diagnóstico, 1355-1356, 1356t epidemiologia, 1355 etiologia, 1355 farmacoterapia para, 1356-1358 na CID-10, 1357t-1358t prognóstico, 1356 transtornos concomitantes, 1356 tratamento, 1356-1358 Transtorno do relacionamento sexual, critérios diagnósticos da CID-10 para, 775t Transtorno do ritmo circadiano do sono, 822-825 critérios diagnósticos, 822t-823t inespecificado, 824-825 tipo fase do sono atrasada, 822-823 tipo fuso horário, 822-823 tipo turno de trabalho, 824 Transtorno do sono relacionado à respiração, 820-821 critérios diagnósticos para, 820-821, 821t Transtorno doloroso somatoforme persistente, critérios diagnósticos da CID10, 704t Transtorno doloroso, 699-702 biofeedback para, 702 bloqueios nervosos para, 702 características clínicas, 687t, 700-701 critérios diagnósticos para, 700, 700t curso, 701 definição, 699 diagnóstico diferencial, 701 diagnóstico, 700 epidemiologia, 699 estimulação nervosa para, 702 etiologia, 699-700 farmacoterapia para, 701-702, 1201 fatores biológicos no, 700 fatores comportamentais no, 700 fatores interpessoais no, 700 fatores psicodinâmicos no, 699 hipnose para, 702 procedimentos de ablação cirúrgica para, 702 prognóstico, 701 programas de controle da dor para, 702 psicoterapia para, 702 terapia comportamental para, 702 tratamento, 701-702 Transtorno erétil masculino. Ver Disfunção erétil Transtorno esquizoafetivo, 533, 545-548. Ver também transtorno(s) bipolar(es); transtorno(s) depressivo(s); Esquizofrenia características clínicas, 546-547 carbamazepina para, 1103 critérios diagnósticos, 546, 546t, 547t curso, 547-548 definição, 545 diagnóstico diferencial, 547 diagnóstico, 546, 546t diferenças de gênero no, 545-546
diferenças de idade no, 545-546 epidemiologia, 545-546 etiologia, 546 farmacoterapia para, 1103, 1121-1122, 1136, 1207 manifestações de emergência, 970t na infância, 1362 perspectiva histórica sobre, 545 prognóstico, 547-548 resultado para, 547-548 tratamento de emergência, 970t tratamento psicossocial, 548 tratamento, 548 Transtorno esquizofreniforme, 533, 542-545 características clínicas, 543-544 critérios diagnósticos para, 543, 544t curso, 545 diagnóstico diferencial, 544-545 diagnóstico, 543 epidemiologia, 542 etiologia, 542-543 fatores biológicos no, 542-543 imagem cerebral no, 542, 543f prognóstico, 545 tratamento, 545 Transtorno explosivo intermitente, 835-837 achados físicos, 836 características clínicas, 835-836 critérios diagnósticos, 836 curso, 836 diagnóstico diferencial, 836 diagnóstico, 835-836 epidemiologia, 835 etiologia, 835 exames laboratoriais, 836 farmacoterapia para, 1067t fatores biológicos, 835 fatores familiares, 835 fatores genéticos, 835 fatores psicossociais, 835 manifestações de emergência, 969t prognóstico, 836 tratamento de emergência, 969t tratamento, 837 Transtorno fonológico, 1280-1283 características clínicas, 1281-1283 co-morbidade com, 1280 critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para, 1281-1282, 1281t-1282t curso, 1283 diagnóstico diferencial, 1283, 1283t diagnóstico, 1281-1282, 1281t-1282t e tartamudez, 1283 e transtorno da linguagem expressiva, 1276 e transtornos da linguagem, 1280t epidemiologia, 1280 etiologia, 1280-1282 fatores ambientais, 1281-1282 prognóstico, 1283 remissão espontânea de, 1283 tratamento, 1283 Transtorno genético XYY, 179-181, 1331t Transtorno hiperativo associado a retardo mental e movimentos estereotipados, critérios diagnósticos da CID-10 para, 1300, 1302t Transtorno hipocondríaco, critérios diagnósticos da CID-10, 703t Transtorno misto da linguagem receptivo-expressiva, 1278-1280 características clínicas, 1278-1280 co-morbidade com, 1278-1279 curso, 1280 diagnóstico diferencial, 1280, 1280t, 1294, 1295t diagnóstico, 1278-1279, 1278t-1279t e tartamudez, 1283 e transtorno da matemática, 1263 e transtorno fonológico, 1280 e transtornos da linguagem, 1280t
ÍNDICE
epidemiologia, 1278-1279 etiologia, 1278-1279 exame laboratorial, 1280 no DSM-IV-TR, 1274 patologia, 1280 prognóstico, 1280 tratamento, 1280 Transtorno misto de ansiedade-depressão, 326, 622, 684 características clínicas, 685 com transtorno de adaptação, 850 critérios de pesquisa para, 684, 685t critérios diagnósticos da CID-10, 637t curso, 685 diagnóstico diferencial, 685 diagnóstico, 684-685, 685t epidemiologia, 684 etiologia, 684 farmacoterapia para, 1089 prognóstico, 685 tratamento, 685 Transtorno obsessivo-compulsivo (tOC), 656-664 anorexia nervosa e, 788 anormalidades eletrofisiológicas no, 658-660 buspirona para, 1098 características clínicas, 660-662 co-morbidade com, 658-659 critérios diagnósticos da CID-10 para, 634-638, 638t critérios diagnósticos para, 660, 660t curso, 663 definição, 656-657 diagnósico, 660 diagnóstico diferencial, 662-663, 1356 dúvida patológica no, 661 e jogo patológico, 841 e psicoterapia e farmacoterapia combinadas, 1032 e tricotilomania, 843 eletroconvulsoterapia para, 664 em crianças, farmacoterapia para, 1398 epidemiologia, 656-659 etiologia, 658-660 exame do estado mental no, 662 farmacoterapia para, 663-664, 1068t, 1089, 1137-1138, 1201, 1207 terapia de adição de droga para, 1054 fatores biológicos no, 94, 658-660 fatores comportamentais no, 660 fatores de personalidade no, 660 fatores psicodinâmicos no, 660 fatores psicossociais no, 660 genética de, 658-659 imagem cerebral no, 658-659, 658f-659f mecanismos de defesa no, 660 necessidade de simetria no, 662 neuroimagem no, 130 neuroimunologia e, 658-659 neurotransmissores no, 658-659 no idoso, 1416 obsessão de contaminação no, 661 padrões de sintoma, 661-662 em adultos, 661, 661t em crianças e adolescentes, 661, 662t pensamentos intrusivos no, 661 perfil cognitivo, 1018t probabilidade de especialistas em psiquiatria clínica assistirem pacientes com, 653, 653t, 660, 661t prognóstico, 663 psicoterapia para, 1221 psicoterapia para, 664 sistema noradrenérgico e, 658-659 sistema serotonérgico e, 658-659 terapia comportamental para, 664 terapia de adição de droga para, 1054 terapia de grupo para, 664 terapia familiar com, 664
1573
transtorno de tourette e, 658-659, 660, 662, 1328 tratamento, 663-664 versus condições médicas, 662 Transtorno orgânico da personalidade, 413t Transtorno orgásmico feminino, 752-753, 752t orgasmo precoce, 759-760 Transtorno orgásmico masculino, 753, 753t Transtorno por uso de polisubstância,s 413t Transtorno pós-concussional, 325, 393, 393t Transtorno psicótico breve, 533, 557-567 características clínicas, 560-562 co-morbidade com, 559 critérios diagnósticos para, 559, 559t, 560t curso, 562 definição, 567 diagnóstico diferencial, 562 diagnóstico, 559, 559t epidemiologia, 559 estressores precipitantes, 561-562 etiologia, 559 farmacoterapia para, 562-563 hospitalização para, 562 manifestações de emergência, 967t perspectiva histórica sobre, 557-559 prognóstico, 562, 562t psicoterapia para, 563 tratamento de emergência, 967t tratamento, 5524-563 Transtorno psicótico compartilhado, 554-555, 867-868 critérios diagnósticos para, 554, 554t, 555t Transtorno psicótico induzido, 554-555, 554t, 555t Transtorno relacionado a polisubstratos, 506 Transtorno somatoforme indiferenciado, 702-703, 702t Transtorno(s) afetivo(s). Ver transtorno(s) do humor Transtorno(s) amnésico(s), 376-381 avaliação laboratorial do paciente, 353, 353t, 380-381 características clínicas, 377-380 CID-10, 382, 382t classificação do DSM-IV, 351t cognição no(s), 351-352 com doença cerebrovascular, 379 com eletroconvulsoterapia, 379-380 com esclerose múltipla, 379 com síndrome de Korsakoff, 379 com traumatismo craniano, 380 critérios diagnósticos para, 382t curso, 381 definição, 350, 376 devido a uma condição médica geral, critérios diagnósticos para, 376, 377t-378t diagnóstico diferencial, 381 diagnóstico, 377-378 eletroencefalografia, 353 epidemiologia, 376 etiologia, 376, 376t, 377t-378t exame do estado mental, 351, 352t exame físico do paciente, 352, 353t história psiquiátrica, 351 imagem de ressonância magnética, 354, 380-381 funcional, 354 induzido(s) por substâncias critérios diagnósticos para, 426t persistente, 413t. Ver também substâncias específicas critérios diagnósticos para, 376, 377t-378t persistente(s) induzido(s) por álcool, 438-439, 967t persistente, relacionada a sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos, 499 prognóstico para, 381 psicoterapia para, 381 reabilitação cognitiva, centros para, 381-382 sem outra especificação, critérios diagnósticos para, 377t-378t sinais e sintomas, 350, 377-378 subtipos, 350, 377-380 testagem neuropsicológica, 354 tomografia computadorizada, 354, 380-381
1574
ÍNDICE
tomografia por emissão de fóton único, 354 tomografia por emissão de pósitrons, 354 tratamento, 381 versus delirium, 381 versus demência, 381 versus envelhecimento normal, 381 versus transtorno factício, 381 versus transtornos dissociativos, 381 Transtorno(s) bipolar(es), 572-611, 622. Ver também transtorno(s) do humor bipolar I, 573 ciclagem rápida, 610 farmacoterapia para, 1206 comparação de tratamentos para, 1209t cromossomo 11 e, 578 cromossomo X e, 578 curso, 596-597, 598f definição, 583 diagnóstico diferencial, 595, 1379 diagnóstico, 583-584 distribuição por idade, 574 e transtornos por uso de álcool, 429 em crianças, 596-597, 1362 epidemiologia, 573 episódio depressivo mais recente, critérios diagnósticos para, 585t episódio hipomaníaco mais recente, critérios diagnósticos para, 584t episódio inespecificado mais recente, critérios diagnósticos para, 585t episódio maníaco isolado, 584, 584t episódio maníaco mais recente, critérios diagnósticos para, 584t episódio misto mais recente, critérios diagnósticos para, 585t estado civil e, 574 estudos de gêmeos de, 578 estudos familiares de, 577-578 farmacoterapia para, 608-611, 1091, 1101, 1103, 1121-1122, 11361138, 1207, 1209t genética, 146, 148 no idoso, 596-597, 1415 prevalência na vida, 573t prognóstico para, 597-598 psicoterapia e farmacoterapia combinadas, 1030-1031 recorrente, 584, 584t, 585t terapia de manutenção de droga para, 610-611 versus condições médicas, 595 bipolar II, 573 características clínicas, 591 critérios diagnósticos para, 586t curso, 598 diagnóstico diferencial de, 595-596 diagnóstico, 584, 586t epidemiologia, 573 farmacoterapia para, 611 prevalência na vida, 573t prognóstico da, 598 bupropiona para, 1095-1096 carbamazepina para, 1103 classificação do DSM-IV-TR, 573 critérios diagnósticos da CID-10, 626t-627t e transtorno de estresse pós-traumático, 665 farmacoterapia para, 117, 1067t bipolar I, 608-611, 1091, 1101, 1103, 1121-1122, 1136-1138, 1207, 1209t bipolar II, 611 terapia de acréscimo de droga, 1054 genética, 146, 148 inibidores dos canais de cálcio para, 1101 prevalência na vida, 573t sem outra especificação, 622 critérios diagnósticos para, 622, 622t terapia de acréscimo de droga para, 1054 Transtorno(s) cardiovascular(es), correlatos psicológicos, 885-887 Transtorno(s) cognitivo(s) classificação do DSM-IV, 351t sem outra especificação, 351, 351t Transtorno(s) da adaptação, 848-852 características clínicas, 849
classificação do DSM-IV-TR, 848 com ansiedade, 849 com humor deprimido, 849 com humor misto de ansiedade e depressão, 850 com transtorno da conduta, 850 com transtorno misto de emoções e conduta, 850 critérios diagnósticos para, 849t curso, 851 diagnóstico diferencial, 850-851 diagnóstico, 849 epidemiologia, 848 etiologia, 848-849 farmacoterapia para, 852 fatores familiares, 849 fatores genéticos, 849 fatores psicodinâmicos para, 848-849 inespecificado, 850 intervenção na crise para, 851-852 na CID-10, 850, 851t prognóstico para, 851 tratamento, 851-852 Transtorno(s) da alimentação, 788-806. Ver também Anorexia nervosa; Bulimia nervosa; Obesidade ciproeptadina para, 1081 complicações médicas de, 790, 791t critérios da CID-10 para, 794-795, 795t, 801 da infância, 1323-1327 e transtorno explosivo intermitente, 835 e transtorno obsessivo-compulsivo, 658-659 e tricotilomania, 843 em crianças, farmacoterapia para, 1398 epidemiologia, 788 farmacoterapia, 1067t, 1081, 1201 fisiopatologia, 126 na CID-10, 1327 psicoterapia e faramacoterapia combinadas para, 1032 sem outra especificação, 800-801, 800t Transtorno(s) da aprendizagem, 1258-1268 classificação do DSM-IV-TR, 1258 defeito de processamento auditivo, 106-107 definição, 1258 diagnóstico diferencial, 1319-1320 e transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, 1307 e transtorno fonológico, 1280 e transtorno misto da linguagem receptivo-expressiva, 1278-1279 em crianças, farmacoterapia para, 1394, 1396t história, 265 na CID-10, 1267, 1267t-1268t não-verbal do desenvolvimento, 102-103 sem outra especificação, 1267 critérios diagnósticos para, 1267t Transtorno(s) da comunicação, 1274-1288 co-morbidade com, 1274-1276 diagnóstico diferencial, 1280t exame laboratorial, 1277 na CID-10, 1285-1287, 1287t patologia de, 1277 sem outra especificação, 1285-1286, 1285-1286t Transtorno(s) da conduta, 1316-1321 características clínicas, 1317-1320 curso, 1319-1320 diagnóstico diferencial, 1319-1320 diagnóstico, 1317-1320, 1318t e abuso e maus-tratos da criança, 1317 e retardo mental, 1240 e transtorno da leitura, 1259 e transtorno da linguagem expressiva, 1275 e transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, 1307-1309, 1315 em crianças, farmacoterapia para, 1397 epidemiologia, 1316 etiologia, 1317 exame laboratorial de, 1319-1320 fatores neurobiológicos, 1317
ÍNDICE
fatores parentais, 1317 fatores psicológicos no(s), 1317 fatores socioculturais, 1317 misto(s) com transtornos emocionais, na CID-10, 1322t na CID-10, 1321, 1321t-1322t patologia, 1319-1320 prognóstico, 1319-1320 tratamento, 1319-1321 Transtorno(s) da linguagem, 101-103 autismo infantil e, 1280t e transtorno do desenvolvimento da coordenação, 1269 expressão escrita. Ver transtorno da escrita expressiva expressiva. Ver transtorno da linguagem expressiva prejuízo auditivo e, 1280t receptivo-expressiva misto. Ver transtorno misto da linguagem receptivo-expressiva receptivo-expressiva. Ver transtorno da linguagem receptivo-expressiva Transtorno(s) da personalidade, 853-876. Ver também transtornos específicos agressão passiva em, 855 busca de novidade, psicobiologia de, 875-876 classificação da CID-10, 875-876 classificação de, 853 classificação do DSM-IV-TR, 853, 854t critérios diagnósticos para, 854t dependência de recompensa, psicobiologia de, 875-876 devido a doença, dano e disfunção cerebral, classificação da CID-10, 413t diagnóstico diferencial, 719-720, 836 dimensões temperamentais, 874-876, 875t-876t e cleptomania, 837 e suicídio, 976 e transtorno conversivo, 691 e transtorno obsessivo-compulsivo, 658-659 e transtorno psiquiátrico breve, 559 e transtornos factícios, 713 e transtornos por uso de álcool, 429 e tricotilomania, 843 eletrofisiologia em, 854 etiologia, 853-856 evitação de dano, psicobiologia de, 874-876 farmacoterapia para, 874t fatores biológicos em, 854 fatores genéticos em, 853-854 fatores psicanalíticos em, 854-856 Grupo A, 853 fatores genéticos no, 853 Grupo B, 853 fatores genéticos no, 853-854 Grupo C, 853 fatores genéticos no, 853 hormônios em, 854 mecanismos de defesa em, 855-856 monoaminoxidase plaquetária em, 854 movimentos oculares de busca suave, 854 neurotransmissores em, 854 persistência, psicobiologia de, 875-876 sádica, 872 sadomasoquista, 872 sem outra especificação, 870, 870t sinais e sintomas de, 853 tratamento, modelo psicobiológico de, 873-876 Transtorno(s) de deficiência enzimática, 1244, 1244t-1245t Transtorno(s) de eliminação, 1336-1341. Ver também Encoprese; Enurese Transtorno(s) de excitação sexual, 748t-749t, 751-752, 751t feminino, 751, 751t masculino. Ver Disfunção erétil Transtorno(s) de tique, 1328-1335. Ver também transtorno de tique motor ou vocal crônico; transtorno de tique transitório classificação da CID-10, 1334 critérios diagnósticos da CID-10, 1334t diagnóstico diferencial, 1330, 1331t, 1356 farmacoterapia para, 1068t, 1068 sem outra especificação, 1334, 1334t Transtorno(s) depressivo(s), 167
1575
bupropiona para, 1095-1096 buspirona para, 1098 e transtorno conversivo, 691 e transtorno da leitura, 1259 e transtorno de ansiedade generalizada, 674 e transtorno de estresse pós-traumático, 665 farmacoterapia para, 1067t, 1095-1096, 1098, 1189, 1191, 1198 histrogramas de estágio do sono de pacientes com, 829f manifestações de emergência, 968t no retardo mental, 1256 perfil cognitivo de, 1018t risco de suicídio na, 976, 976 sem outra especificação, critérios diagnósticos para, 617, 618t terapia de adição de droga para, 1053-1054 transtorno misto de ansiedade-depressão, 622 tratamento de emergência, 968t Transtorno(s) dermatológico(s), correlatos psicológicos de, 889 Transtorno(s) desmielinizante(s), 130, 141 transtorno do humor e, 383t transtorno mental devido a, 394 Transtorno(s) dissociativo(s), 722-738 classificação da CID-10, 736 classificação do DSM-IV-TR, 722 critérios diagnósticos da CID-10, 736-737t definição, 722 lavagem cerebral, 736 sem outra especificação, 722, 733, 734t-735t Transtorno(s) do comportamento devido a doença cerebral, dano e disfunção, classificação da CID-10, 413t modelo animal, 187-189 Transtorno(s) do controle da bexiga, 1336-1341. Ver também Enurese Transtorno(s) do controle do intestino, 1336-1341. Ver também Encoprese Transtorno(s) do controle dos impulsos e cleptomania, 837 e jogo patológico, 841 farmacoterapia para, 1103 não classificado(s) em outro local, 834-847 classificação da CID-10, 846-847, 846t etiologia, 834 fatores biológicos, 834-835 fatores psicodinâmicos, 834 fatores psicossociais, 834 sem outra especificação, 845-846 critérios diagnósticos para, 845, 845t Transtorno(s) do desenvolvimento psicossexual, critérios diagnósticos da CID10, 775t Transtorno(s) do desenvolvimento, versus transtorno de tique, 1331t Transtorno(s) do humor, 572-629 acetilcolina em, 127 bipolar(es). Ver transtorno(s) bipolar(es) características clínicas, 590-591 ciclotímico(s). Ver transtorno ciclotímico classificação da CID-10, 625 classificação do DSM-IV-TR, 572-573 com aspectos atípicos, 586-587, 587t com aspectos catatônicos, 587-588, 587t com aspectos melancólicos, 585-586, 586t com aspectos psicóticos, 584 com ciclagem rápida, 588-590, 588t com infecção por HIV, 407 com início no pós-parto, 588, 588t com padrão sazonal, 294, 588t, 590 comportamento suicida em, 976, 976f critérios diagnósticos da CID-10, 625-629t crônico(s), 588, 588t curso, 596-598 devido a uma condição médica com aspectos depressivos, farmacoterapia para, 1200 devido a uma condição médica geral, 382-384, 383t, 623, 623t devido a uma condição médica geral, 623 critérios diagnósticos para, 623, 623t etiologia, 624t diagnóstico, 581-590
1576
ÍNDICE
disforia de esteróide, 622 distímico(s). Ver transtorno distímico doença infecciosa e, 383t doença médica e, 591 e cleptomania, 837 e doença de Parkinson, 383t e estresse, 578-580 e família, 577-578 e jogo patológico, 841 e retardo mental, 1240 e transtorno explosivo intermitente, 835 e transtorno factício, 713 e tricotilomania, 843 eletroconvulsoterapia para, 384 na infância, 1364 em distúrbios endócrinos, 383t em distúrbios nutricionais, 383t em pacientes com câncer, 893t em transtornos desmielinizantes, 383t episódio misto critérios diagnósticos para, 582t critérios para especificadores de gravidade/psicótico/remissão para episódio atual (mais recente), 583t especificadores de curso longitudinal, 589t, 590 especificadores descrevendo episódio mais recente, 584-588 estudos de adoção de, 578 estudos de gêmeos, 578 estudos de ligação de, 578 eventos de vida e, 578-580, 597t exame do estado mental em, 591-594 farmacoterapia para, 384, 599-600, 603t, 604-611, 1364 fatores psicossociais em, 578-581 fisiopatologia de, 123, 124, 130 genética de, 577-578 hipótese da amina biogênica, 123, 125 história, 572 hospitalização para, 598-600 induzida por cannabis, 460 induzido(s) por álcool, 383t, 429, 439-441, 591 induzido(s) por anfetamina, 450 induzido(s) por fenciclidina (ou substância tipo fenciclidina), 493 induzido(s) por opióides, 488 induzido(s) por PCP, 493 induzido(s) por substâncias, 413t, 591, 623-624. Ver também substâncias específicas características clínicas, 624 critérios diagnósticos, 623, 625t curso, 624 diagnóstico diferencial, 624 diagnóstico, 623-624 epidemiologia, 623 etiologia, 623, 624t prognóstico, 624 tratamento, 624 lobos frontais e, 130 na doença de Huntington, 383t na epilepsia, 391 na esclerose múltipla, 383t na infância e na adolescência, 1359-1364 características clínicas, 1360-1363 classificação do DSM-IV-TR, 1359 curso, 1363 diagnóstico diferencial, 1319-1320, 1363 diagnóstico, 1360-1363 eletroconvulsoterapia para, 1364 epidemiologia, 1359-1360 etiologia, 1360 exame laboratorial, 1362-1363 farmacoterapia para, 1363-1364, 1398 fatores biológicos, 1360 fatores genéticos, 1360 fatores sociais, 1360 patologia, 1362-1363
prognóstico, 1363 psicoterapia para, 1363 tratamento, 1363-1364 persistente(s), critérios diagnósticos da CID-10, 628-629t personalidade e, 579-580 prognóstico, 596-598 psicose confusional, 521 psicose de ansiedade-felicidade, 521 psicose de motilidade, 520-521 psicoterapia e farmacoterapia combinadas para, 1400-1401 recorrente(s), descrição do curso de, 588-590, 588t relacionado(s) a alucinógenos, 472-473 relacionado(s) a cocaína, 467 relacionado(s) a inalantes, 476-477 relacionado(s) a sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos, 499 sem outra especificação, 624 critérios diagnósticos para, 624, 625t teoria cognitiva de, 581 terapia psicossocial para, 599-600 teste de supressão da dexametasona e, 1363 tipos não-DSM-IV-TR, 590 transtorno depressivo pós-psicótico da esquizofrenia, 621-622 transtorno mental, devido a uma condição médica geral e, 382-384 transtornos coexistentes em, 591 tratamento, 598-611 Transtorno(s) do movimento fisiopatologia de, 126 induzido(s) por medicamentos, 326, 1126 Transtorno(s) do pensamento, 269, 269t diagnóstico diferencial, 961, 963t na esquizofrenia, 522, 529-530 Transtorno(s) do sono, 811-833. Ver também transtornos específicos associado a condições médico-psiquiátricas, na ICSD, 815t associado com transtornos mentais, na ICSD, 815t associado com transtornos neurológicos, na ICSD, 815t barbitúricos para, 1082 classificação de, 812-815 devido a uma condição médica geral, 385-386, 386t devido a uma condição médica geral, 831-832 critérios diagnósticos para, 831t e transtornos mentais, 385-386, 386t, 815t, 829 farmacoterapia para, 1068t, 1144 fototerapia para, 1221 higiene do sono inadequada, 816 induzido por álcool, 440-441 induzido por anfetaminas, 450 induzido por cafeína, 452, 456 induzido por cannabis, 460 induzido por opióides, 488 induzido por substâncias, 413t, 832-833, 832t. Ver também substâncias específicas má percepção do estado de sono, 818 medidas polissonográficas de, 811f na CID-10, 815, 817t na gravidez, 825 na ICSD, 815, 815t no DSM-IV-TR, 812-814 no idoso, 1417 primário, 815-829 proposto, na ICSD, 815t relacionado a cocaína, 467 relacionado a nicotina, 833 relacionado a outro transtorno mental, 829 relacionado a respiração, 820-821 relacionado a sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos, 499 ritmo circadiano, 822-825 sintomas maiories de, 811-812 Transtorno(s) factício(s), 713-721 características clínicas, 714 com sinais e sintomas predominantemente físicos, 715-717 com sinais e sintomas predominantemente psicológicos, 714-715 com sinais e sintomas psicológicos e físicos combinados, 717 co-morbidade com, 713
ÍNDICE
curso, 719-721 diagnóstico diferencial, 718-720 diagnóstico, 714, 714t epidemiologia, 713 etiologia, 713-714 exame laboratorial de, 718 farmacoterapia para, 721 fatores biológicos, 714 fatores psicossociais, 713-714 na CID-10, 718, 718t patologia, 718 por procuração, 326, 717, 718t prognóstico, 719-721 sem outra especificação, 717-718 critérios diagnósticos para, 717t síndromes simuladas, 715t tratamento, 721 versus demência, 370 versus esquizofrenia, 532-533 Transtorno(s) global(is) do desenvolvimento, 1289-1303 características, 1300 classificação da CID-10, 1300, 1301t-1302t diagnóstico diferencial, 1271, 1277, 1353, 1370 inespecificado(s), critérios diagnósticos da CID-10, 1300, 1302t outro(s), critérios diagnósticos da CID-10, 1300, 1302t sem outra especificação, 1300, 1300t tipos de, 1300 Transtorno(s) intersexual(s), 740t Transtorno(s) mental(is) causas médicas de, indicadores de, 962, 963t classificação do DSM-IV-TR, 324-325, 338t-344t com aspectos depressivos, 594, 595t definição do DSM-IV-TR, 324-325 definição, 312 devido a doença cerebral, dano e disfunção, classificação da CID-10 , 422t-426t devido a uma condição médica geral, 382-402, 383t alteração da personalidade, 387-388, 388t, 399, 400t catatonia, 387 CID-10, 399, 400t-402t disfunções sexuais, 386-387, 386t distúrbios endócrinos, 397-398 distúrbios metabólicos, 398 distúrbios nutricionais, 398-399 doenças infecciosas, 395-397 epilepsia, 388-392, 389f, 390f, 390t, 391f, 392t toxinas, 399 transtornos de ansiedade, 385 transtornos desmielinizantes, 394-395 transtornos do humor, 382-384, 383t transtornos do sono, 385-386, 386t transtornos imunes, 397 transtornos psicóticos, 384-385, 385t traumatismo craniano, 393-394, 393t tumores cerebrais, 392-393 do envelhecimento, 1412-1417 e transtornos do sono, 385-386, 386t, 815t, 829 em remissão parcial, 323 em total remissão, 323 grave, 323 gravidade de, 322-323 leve, 322 moderado, 322 na adolescência, 55 no idoso, 1412-1417 resultante de transtorno desmielinizante, 394 sem outra especificação, devido a uma condição médica geral, 382, 387t versus transtorno de pânico, 646 Transtorno(s) metabólico(s) diagnóstico diferencial, 1353 manifestações neuropsiquiátricas, 398 Transtorno(s) perinatal(is), versus transtorno de tique, 1331t Transtorno(s) por uso de fenciclidina (ou substância tipo fenciclidina), 413t, 491-495
1577
características clínicas, 494 classificação do DSM-IV-TR, 492, 492t diagnóstico diferencial, 494 diagnóstico, 492-493 epidemiologia, 491 reabilitação, 494 sem outra especificação, critérios diagnósticos para, 493, 493t transtorno de ansiedade, 493 transtorno do humor, 493 transtorno psicótico, 493 tratamento, 494 Transtorno(s) psicótico(s). Ver também Esquizofrenia com infecção por HIV, 408 devido a uma condição médica geral, 384-385, 532, 565-567 diagnóstico diferencial, 328f e retardo mental, 1240 induzido por álcool, 439, 967t induzido por alucinógenos, 474 induzido por anfetamina, 449 induzido por cannabis, 459 pós-parto. Ver Depressão e psicose pós-parto psicose autoscópica, 563-564 relacionado a alucinógenos, 473, 968t relacionado a cocaína, 467 relacionado a inalantes, 476, 477 Transtorno(s) psiquiátrico(s) critérios diagnósticos, 426t de início tardio, 426t e transtorno misto da linguagem receptivo-expressiva, 1278-1279 induzido por opióides, 488 induzido por PCP, 493 induzido por substâncias, 413t, 422, 532, 565-567. Ver também substâncias específicas perfil cognitivo de, 1018t psicose pós-parto, 563-564 relacionado a sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos, 499 residual, 426t sem outra especificação, 563-565 transtorno psicótico compartilhado, 554-555 Transtorno(s) relacionado(s) a alucinógenos, 413t, 469-474 características clínicas, 473 classificação do DSM-IV-TR, 471, 471t diagóstico, 471-473 disfunção sexual, 758 epidemiologia, 470-471 reabilitação, 473-474 sem outra especificação, 473 critérios diagnósticos para, 473, 473t transtorno de ansiedade, 473 transtorno de percepção persistente (flashback), 472 critérios diagnósticos, 471, 471t diagnóstico, 472 tratamento, 474 transtorno do humor, 472-473 transtorno psicótico, 472 diagnóstico, 472 manifestações de emergência, 968t tratamento de emergência, 968t tratamento, 474, 968t tratamento, 473-474 Transtorno(s) relacionado(s) a cafeína, 413t, 452-457 características clínicas, 456 classificação do DSM-IV-TR, 454, 454t co-morbidade com, 453 diagnóstico, 456 e transtornos relacionados a substâncias, 453 epidemiologia, 452 sem outra especificação, 456 critérios diagnósticos para, 454t transtorno de ansiedade, 452, 455-456 transtorno do sono, 452, 456 tratamento, 456 Transtorno(s) relacionado(s) a cocaína, 413t, 461-469
1578
ÍNDICE
características clínicas de, 464-468 classificação do DSM-IV-TR, 464-465, 464t co-morbidade com, 463 diagnóstico, 464-468 disfunção sexual, 467 epidemiologia, 461-462, 463 Estudo de New Haven, 199, 199t, 463 etiologia, 463 fatores farmacológicos, 463 fatores genéticos, 463 fatores socioculturais, 463 imagem cerebral no(s), 464 influências de aprendizagem, 463 influências de condicionamento, 463 reabilitação, 468 sem outra especificação, 467-468, 468t transtorno de ansiedade, 467 transtorno de humor, 467 transtorno do sono, 467 transtorno psicótico, 467 alucinações no, 467 delírios paranóides no, 467 tratamento, 468 Transtorno(s) relacionado(s) a inalantes, 413t, 474-478 características clínicas, 477 classificação do DSM-IV, 475t, 476 demência, persistente, 476 tratamento, 477 diagnóstico, 476 distribuição suburbana/urbana de, 475 epidemiologia, 474-475 reabilitação, 477 sem outra especificação, 477 critérios diagnósticos, 477, 477t transtorno de ansiedade, 476-477 diagnóstico, 476-477 tratamento, 477 transtorno do humor, 476-477 diagnóstico, 476-477 tratamento, 477 transtorno psicótico, 476 diagnóstico, 476 tratamento, 477 tratamento, 477 Transtorno(s) relacionado(s) a maconha, 413t, 457-462 características clínicas, 458-460 classificação do DSM-IV, 459, 459t diagnóstico, 458-460 disfunção sexual, 460, 758 epidemiologia, 457 reabilitação, 460 sem outra especificação, 460 critérios diagnósticos, 460t transtorno do humor, 460 transtorno psicótico, 459 tratamento, 460 transtorno de ansiedade, 459-460 Transtorno(s) relacionado(s) a opióides, 413t, 483-491 auto-ajuda, 491 características clínicas, 488-489 classificação do DSM-IV-TR, 484, 486, 486t co-morbidade com, 485, 485t comunidades terapêuticas para, 490-491 definição, 484 diagnóstico, 486 disfunção sexual, 488, 758 epidemiologia, 484 etiologia, 485-486 farmacoterapia para, 1068t fatores biológicos em, 486 fatores genéticos, 486 fatores psicossociais em, 485-486 imagem cerebral em, 484
psicoterapia para, 490 reabilitação, 489-491 sem outra especificação, 488 critérios diagnósticos para, 488, 488t teoria psicodinâmica de, 486 transtorno do humor, 488 transtorno do sono, 488 transtorno psicótico, 488 tratamento, 489-491 Transtorno(s) relacionado(s) a sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos, 413t, 495-502 buspirona para, 1098 características clínicas, 499 classificação do DSM-IV-TR, 496-497-498, 496-497t diagnóstico, 496-497-499 epidemiologia, 495-496-497 farmacoterapia para, 1068t, 1098 manifestações de emergência, 971t questões legais, 500 reabilitação, 499-500 sem outra especificação, critérios diagnósticos para, 499, 499t substâncias, 495 tratamento de emergência, 971t tratamento, 499-500 Transtorno(s) relacionado(s) ao álcool, 413t, 427-446 aconselhamento, 444 classe socioeconômica e, 428-429 classificação do DSM-IV-TR, 433, 433t co-morbidade com, 429 delirium, 437-438 características clínicas, 437 diagnóstico, 437 manifestações de emergência, 437, 967t tratamento de emergência, 967t tratamento, 438 psicoterapia no, 438 demência, persistente, 438 manifestações de emergência, 967t tratamento de emergência, 967t disfunção sexual, 440-441, 758 e dependência de opióides, 485 e depressão, 429 e piromania, 838 e suicídio, 429 e transtorno da personalidade anti-social, 429 e transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, 429 e transtorno obsessivo-compulsivo, 658-659 e transtornos de ansiedade, 429, 440-441 e transtornos do humor, 383t, 429, 439-441, 591 envolvimento da família, 443 epidemiologia, 427-428 etiologia, 429-430 fatores biológicos na, 430 fatores comportamentais na, 430 fatores culturais na, 430 fatores de aprendizagem na, 430 fatores psicodinâmicos na, 429-430 fatores sociais na, 430 influências genéticas, 430, 430t farmacoterapia para, 421, 431, 444-446, 1066t-1067t fatores estatísticos, 428 grupos de auto-ajuda, 445-446 história da infância e, 429 hospitalização, 437 intervenção, 443 medicamentos, 444-446 prognóstico, 443 psicoterapia para, 420 reabilitação, 443-444 sem outra especificação, 440-441, 440t-441t tendências, 427-428 teorias psicodinâmicas, 429-430 teorias socioculturais, 430 transtorno amnésico, persistente, 438-439
ÍNDICE
características clínicas, 438 diagnóstico, 438 manifestações de emergência, 967t tratamento de emergência, 967t tratamento, 438 transtorno psicótico e, 439 características clínicas de, 439 com alucinações manifestações de emergência, 967t tratamento de emergência, 967t diagnóstico de, 439 transtornos do sono, 440-441 tratamento, 443-446 Transtorno(s) relacionados a nicotina, 413t, 478-483 características clínicas, 481 classificação do DSM-IV-TR, 479-480, 479t-480t diagnóstico, 479-480 epidemiologia, 478 medicamentos não-nicotínicos, 482-483 sem outra especificação, 479-480 critérios diagnósticos, 479-480, 481t terapias de reposição de nicotina, 482 terapias psicofarmacológicas, 482-525 terapias psicossociais, 482 transtornos do sono, 833 tratamento, 481-483 Transtorno(s) relacionados a substâncias, 412-506. Ver também Abuso de substâncias; Dependência de substâncias; substâncias específicas atendimento gerenciado e, 421-422 co-morbidade com, 419-420, 421 diagnóstico diferencial, 1379 e depressão, 420 e jogo patológico, 841 e suicídio, 420 e transtorno da personalidade anti-social, 419-420 e transtorno de ansiedade generalizada, 674 e transtorno de estresse pós-traumático, 665 e transtornos factícios, 713 e tricotilomania, 843 epidemiologia, 414 etiologia, 418-419 na adolescência, 1403-1404 nosologia comparativa de, 412 outro(s) ou desconhecido(s), 504-506 psicoterapia para, 420 reabilitação, 420-422 sistemas de recompensa do cérebro em, 419, 420f substâncias associadas a, 412, 413t terminologia, 412-413, 414 transtorno relacionado a polissubstâncias, 506 tratamento, 420-422 abordagens no, 420 objetivos, 420 para outras substâncias ou substâncias desconhecidas, 506 terapia de droga no, 420 visão geral de, 412-427 Transtorno(s) sexual(is), sem outra especificação, 773-777, 775t Transtorno(s) somatoforme(s) características clínicas de, 687t classificação do DSM-IV-TR, 686, 687t critérios diagnósticos da CID-10, 703, 703t-704t definição de, 686 diagnóstico diferencial, 718-720, 725 indiferenciado, 702-703, 702t. Ver também Neurastenia critérios diagnósticos da CID-10, 703t inespecificado, critérios diagnósticos da CID-10, 704t no idoso, 1416-1417 outro(s), critérios diagnósticos da CID-10, 704t sem outra especificação, 702t, 703 Transtornos da fala e transtorno da linguagem expressiva, 1275 e transtorno do desenvolvimento da coordenação, 1269 e transtorno misto da linguagem receptivo-expressiva, 1278-1279
1579
tartamudez. Ver tartamudez transtorno fonológico. Ver transtorno fonológico Transtornos da identidade de gênero, 778-787 características clínicas, 779-784 classificação do DSM-IV-TR, 778 curso, 736 definição, 778 diagnóstico, 779, 779t e homossexualidade, 736 em adolescentes, 780 em adultos, 780-782 em crianças, 779-780 etiologia, 778-779 fatores biológicos, 778 fatores psicossociais, 778-779 na CID-10, 787, 787t prognóstico, 736 sem outra especificação, 781-784 critérios diagnósticos para, 781t-782t tratamento, 736-787 Transtornos de relacionamento, 168 Transtornos de transe e possessão, critérios diagnósticos da CID-10 para, 737t Transtornos do ciclo de uréia, 1245t Transtornos do comportamento diruptivo, 1314-1322 Transtornos do hábito e dos impulsos, classificação da CID-10, 846-847, 846t Transtornos do humor secundários transtornos do humor devido a uma condição médica geral. Ver transtorno(s) do humor devido a uma condição médica geral transtornos do humor induzidos por substâncias. Ver transtorno(s) do humor, induzidos por substâncias transtornos do humor sem outra especificação, 624, 625t Transtornos do movimento induzidos por droga, 1061t Transtornos do movimento induzidos por medicamentos, 326, 1055-1063, 1061t, 1126. Ver também Síndrome neuroléptica maligna antagonistas dos receptores de dopamina para, 1116 farmacoterapia para, 1067t sem outra especificação, 1059-1061 critérios diagnósticos para, 1059t-1060t Transtornos do movimento induzidos por neurolépticos, 1056-1060 antagonistas dos receptores de dopamina para, 1128-1129 Transtornos do orgasmo, 748t-749t, 752-754 ejaculação precoce, 287 ejaculação precoce, 753-754, 753t critérios diagnósticos da CID-10, 765t tratamento, 761 ejaculação retardada, 287 transtorno orgásmico feminino, 752-753, 752t orgasmo precoce, 759-760 Transtornos do pensamento formal, 269t. Ver também transtorno(s) do pensamento definição, 313 Transtornos experimentais, 174 Transtornos extrapiramidais, farmacoterapia para, 1127t Transtornos genéticos fetais, 39-40 Transtornos hipercinéticos classificação da CID-10, 1311-1312 critérios diagnósticos, 1312t Transtornos ligados ao X, 39 Transtornos mentais orgânicos, classificação da CID-10, 354 Transtornos mioclônicos, 1331t Transtornos motores dissociativos, critérios diagnósticos da CID-10, 737t Transtornos pré-natais, 39-40 Transtornos psicofisiológicos, correlatos psicológicos de, 881t Transtornos sexuais dolorosos, 754-755 Trantorno(s) de ansiedade, 630-674. Ver também transtorno de ansiedade generalizada; transtorno misto de ansiedade-depressão; transtornos específicos antagonistas dos receptores β-adrenérgicos para, 1073 classificação da CID-10 para, 634-638, 636t-637t classificação do DSM-IV-TR, 630, 634-635 considerações neuroanatômicas no(s), 634-635 córtex cerebral no(s), 634-635 devido a uma condição médica geral, 678-681 características clínicas, 678-680 critérios diagnósticos para, 678, 679t-680t
1580
ÍNDICE
curso, 681 diagnóstico diferencial, 681 diagnóstico, 678 epidemiologia, 678 etiologia, 678, 679t-680t prognóstico, 681 tratamento, 681 devidos a uma condição médica geral, 385 doença cardíaca valvular e, 885 e cleptomania, 837 e dependência de opióides, 485 e estimulação magnética transcraniana, 1220-1221 e suicídio, 976 e transtorno conversivo, 691 e transtorno da linguagem expressiva, 1275 e transtorno de estresse pós-traumático, 665 e transtorno explosivo intermitente, 835 e tricotilomania, 843 epidemiologia, 632 estudos genéticos de, 634-635 farmacoterapia para, 1069, 1073, 1086, 1150 fóbica. Ver também Fobia(s); fobias específicas critérios diagnósticos da CID-10 para, 636t generalizada. Ver transtorno de ansiedade generalizada imagem cerebral no(s), 634-635 induzido(s) por álcool, 429, 440-441 induzido(s) por anfetamina, 450 induzido(s) por cafeína, 455-456 induzido(s) por maconha, 459-460 induzido(s) por PCP, 493 induzido(s) por substâncias, 413t, 681-683. Ver também substâncias específicas características clínicas, 681 critérios diagnósticos para, 681, 682t curso, 683 diagnóstico diferencial, 682 diagnóstico, 681 epidemiologia, 681 etiologia, 681 prognóstico para, 683 tratamento, 683 meprobamato para, 1086 modelo Aplysia californica para, 634-635 neuroimagem, 130 neurotransmissores no(s), 633-635 no idoso, 1416 outro(s), critérios diagnósticos da CID-10 para, 637t perfil cognitivo de, 1018t relacionado(s) a alucinógenos, 473 relacionado(s) a cocaína, 467 relacionado(s) a inalantes, 476-477 relacionado(s) a sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos, 499 sem outra especificação, 683-685 critérios diagnósticos para, 683, 683t sistema GABAérgico no(s), 125 sistema límbico no(s), 634-635 sistema nervoso autônomo e, 633 teorias biológicas, 633-635 teorias comportamentais, 632-633 teorias existenciais, 633 teorias psicanalíticas, 632 teorias psicológicas, 632-633 Trantorno(s) relacionado(s) a anfetamina(s) (ou substâncias semelhantes), 413t, 445-452, 1189 características clínicas, 450 classificação do DSM-IV, 448t classificação do DSM-IV-TR, 447 diagnóstico, 447 epidemiologia, 447 reabilitação, 451-452 sem outra especificação, 450 critérios diagnósticos para, 447, 449t tratamento, 451-452
Tranxene. Ver Clorazepato Tratamento, 699 Tratamento Afirmativo na Comunidade, programa de, para esquizofrenia, 538 Tratamento de saúde custos de, 1481 e tabagismo, 478 prestadores. Ver Médicos qualidade do atendimento, 1486-1487 regulamento de, 1482-1484 seguro, 1483-1486 tendências futuras no, 1488-1489 Tratamento dividido, 1446-1447 Tratamento e reabilitação psicossocial, 1028-1029 clubes, 1028 e treinamento vocacional, 1028-1029 economia de fichas, 1028, 1028t programas de auto-ajuda, 1028 resultados de, 1029 terapia ambiental, 1028 terapia medicamentosa, 1029 treinamento de habilidades sociais, 1026-1027 Tratamento hormonal, para transtornos da identidade de gênero, 786 Tratamento hospitalar, com adolescentes, 1402 Tratamento paliativo, 1435-1439 Tratamento psicoterapêutico, 1030 Tratamento psiquiátrico de adolescentes, 1382-1404, 1399-1404 diagnóstico no, 1399-1401 entrevistas no, 1401 psicoterapia e farmacoterapia combinadas para, 1400-1402 tratamento, 1400-1402 de crianças, 1382-1404 Tratamento residencial com crianças, 1390-1391 educação no, 1391, 1392t envolvimento dos pais no, 1391 equipe de, 1391-1391 grupo vivendo em 1391 indicações para, 1391 local de, 1390-1391 terapia durante, 1391 psicoterapia de grupo no, 1388-1389 Tratamento-dia com adolescentes, 1402 com crianças, 1391-1393 indicações para, 1392 programas no, 1392 resultados de, 1392-1393 Tratamentos históricos, 1225 Trato mesocortical mesolímbico, 119, 120f Trato nigroestriatal, 118, 120f Trato tuberoinfundibular, 118, 119, 120f Tratos colinérgicos, do sistema nervoso central, 126 Tratos dopaminérgicos, do sistema nervoso central, 118-119, 120f Tratos noradrenérgicos, do sistema nervoso central, 122, 122f Tratos serotonérgicos, do sistema nervoso central, 229, 124f Trauma de nascimento, 255 Traumatismo craniano, cego, 393-394. Ver também Lesão da cabeça alteração da personalidade devido a, 873, 873t considerações médicas com, 900t considerações psiquiátricas com, 900t demência relacionada a, 129, 365 distúrbio médico devido a sintomas de, 394 tratamento, 394 e retardo mental, 1246 fisiopatologia de, 393-394 penetrante, 393-394 Trazodona, 1066t, 1197-1199 dosagem e administração, 607t, 1198 efeitos adversos de, 606t, 1044t, 1198 efeitos sobre órgãos e sistemas específicos, 1197-1198
ÍNDICE
implicada na disfunção sexual, 758 indicações para, 1198 interações medicamentosas, 1045, 1070-1071, 1198 intoxicação/superdosagem, 1051t mecanismo de ação, 124, 606t para bulimia nervosa, 800 para transtorno explosivo intermitente, 837 precauções com, 1198 química de, 1197, 1197f Treinamento autogênico, 1009, 1010t Treinamento da assertividade, na terapia comportamental, 1014 Treinamento da toalete, 46, 243 anamnese sobre, 265 Treinamento de habilidades sociais, 1026-1027 e prevenção de agressão, 182 e transtorno da matemática, 1263 habilidades de percepção, 1027 métodos de, 1027 na esquizofrenia, 537, 537t na terapia comportamental, 1014 objetivos, 1027-1028 para esquizofrenia, 1027t processamento de informação, 1027-1028 resultados, 1027 Treinamento de relaxamento, 896-897, 1008-1009 e psiquiatria integrativa, 922 para dessensibilização sistemática, 1011-1012 para tartamudez, 1285-1286 para transtorno de pânico, 648 terapia de relaxamento muscular progressivo, 1009, 1010t Treinamento respiratório, para transtorno de pânico, 648 Treinamento vocacional, 1028-1029 para esquizofrênicos, 539 Tremor de coelho. Ver tremor perioral Tremor essencial, 287 Tremor perioral manifestações de emergência, 969t tratamento de emergência, 969t Tremor postural induzido por lítio, antagonistas dos receptores β-adrenérgicos para, 1073 Tremor postural induzido por medicamentos, 1059-1060, 1061t critérios de pesquisa para, 1059t-1060t Tremor(es) com abstinência de álcool, 435, 436t definição, 312 do paciente, na avaliação médica, 287 essencial, 287 induzido por lítio, 123, 1139 Treponema pálido, 295 TRH. Ver Hormônio liberador de tirotropina (TRH) Triangulação, no modelo de terapia familiar de Bowen, 1003 Triantereno, e lítio, 1141t Triazolam, 499, 1066t. Ver também Benzodiazepínico(s) dosagem geriátrica, 1424t dosagem, 1090t estrutura, 1088f farmacocinética de, 1087 interações medicamentosas, 410, 1150 induzidas por CYP, 1038 meia-vida, 1090t para insônia primária, 816 Triazolobenzodiazepínicos, efeitos adversos de, 1044t Triazolopiridinas, efeitos adversos de, 1044t Tricotilomania, 843-845, 844f características clínicas, 843 classificação da CID-10, 846-847, 846t co-morbidade com, 843 critérios diagnósticos para, 843, 843t curso, 845 definição, 312, 843 diagnóstico diferencial, 844, 844f diagnóstico, 843 epidemiologia, 843
etiologia, 843 exame laboratorial, 844 farmacoterapia para, 1137-1138 patologia, 844 prognóstico, 845 tratamento, 845 Triexifenidil, 1066t para transtornos extrapiramidais, 1127t Trifluoperazina, 1066t crianças, uso com, 1395t dados de nível sangüíneo para avaliação clínica, 300t detecção de, por espectroscopia de ressonância magnética, 134 dosagem geriátrica, 1424t estrutura, 1120f para transtorno de tourette, 1332 preparações, 1132t Triflupromazina, 1066t dosagem geriátrica, 1424t estrutura, 1120f preparações, 1132t Trifosfato de adenosina, na fosforilação de proteína, 116f, 117 Triglicerídeos, efeitos do álcool sobre, 432 Triiodotironina, avaliação laboratorial de, 291, 293t Trilafon. Ver Perfenazina Trimipramina, 1066t dosagem e administração, 607t efeitos adversos, 606t, 1044t, 1201t efeitos de neurotransmissor, 1200t estrutura, 1199f informação clínica, 1204t-1205t mecanismo de ação, 606t preparações, 1204t-1205t Triptofano hidroxilase, 118f, 123 Trisalicilato de magnésio colina, para tratamento da dor, 1438t Trocadilhos, 269 TSCS, 208t TSD. Ver teste de supressão de dexametasona (DSt) Tsuang, Ming t., 521 Tuberculose, 129 Tuberosa, 909t Tumescência peniana noturna, 303t, 808 Tumor cerebelar considerações médicas sobre, 899t considerações psiquiátricas sobre, 899t Tumor(es) cerebral(is), 129, 392-393 alteração da personalidade devido a, 873, 873t considerações médicas com, 899t considerações psiquiátricas com, 899t e cefaléias, 284 e retardo mental, 1246 neuroimagem de, 131-132, 133f, 139f transtorno mental devido a características clínicas de, 393 curso, 393 prognóstico para, 393 Tumor(es) do lobo frontal considerações médicas com, 899t considerações psiquiátricas com, 899t Tumor(es) do lobo occipital considerações médicas sobre, 899t considerações psiquiátricas sobre, 899t Tumor(es) do lobo parietal considerações médicas sobre, 899t considerações psiquiátricas sobre, 899t Tumor(es) do lobo temporal considerações médicas sobre, 899t considerações psiquiátricas sobre, 899t Tumores de célula glial penetrantes, 129
U Ultra-som de Doppler, 301t
1581
1582
ÍNDICE
Ultra-som, da carótida, 301t Unidade cirúrgica, consulta de psiquiatria de ligação, 904, 904t Unidade de hemodiálise, psiquiatria de ligação na, 903-904 Unio mystica, definição, 314-315 Universalização, na psicoterapia de grupo, 998t Ure, Alexander, 1136 Uréia, e lítio, 1141t Urofilia, 772 Uso de nitrato volátil manifestações de emergência, 971t tratamento de emergência, 971t Uso materno de droga, 40
V Vagina dentata, 750 Vaginismo, 754-755, 754t não-orgânico, critérios diagnósticos da CID-10 para, 765t tratamento, 761 Vaillant, George, 35-36 teoria do desenvolvimento de, 64-65, 74 Valências, 251 Validação consensual, na psicoterapia de grupo, 998t Validação empática, na psicoterapia, definição de, 986t-987t Validade, em testes, 205 Valium. Ver Diazepam Valor p, definição, 203 Valor preditivo, de instrumentos de avaliação, 202t Valores, anamnese sobre, 268 Valproato, 1066t, 1206-1210 ações farmacológicas de, 1206-1207 com carbamazepina, 1105 dosagem e administração, 1210 dosagem geriátrica, 1421t-1422t e ganho de peso, 802 efeitos adversos, 1207-1208, 1208t efeitos sobre órgãos e sistemas específicos, 1208 farmacocinética de, 1210t indicações para, 537, 1207 interações medicamentosas, 410, 156-1209, 1209t interferências laboratoriais, 1210 níveis séricos, monitoração, 298 para transtorno bipolar I, 608-609, 610, 1209t precauções com, 1207-1208 preparações, 1210t química de, 1206, 1207f testagem laboratorial com, 295 Vantagem inicial, 108 Variável(is) definição, 204 dependente, 202 dependente, definição, 204 independente, definição, 204 Varicosite axonal, 112 Varredura da tireóide, 293t Vasectomia, 932t, 934 Vasopressina, função de neurotransmissor, 126 Velhice. Ver Idoso Velho doente, 68 Velho jovem, 68 Velho sadio, 68 Venlafaxina, 1066t, 1210-1212 abstinência de, 1045 ações farmacológicas, 1210-1211 dosagem e administração, 607t, 1211 implicada na disfunção sexual, 758 indicações para, 1211 interações medicamentosas, 1045, 1211 interferências laboratoriais, 1211 intoxicação/superdosagem, 1051t mecanismos de ação, 123, 124, 606t
para depressão do idoso, 1421-1422 para pacientes idosos, 1420 para transtorno de ansiedade generalizada, 678 para transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, 1310 para transtorno obsessivo-compulsivo, 663 para transtornos do humor, 1364 precauções com, 1211 química, 1210, 1210f reações adversas a, 606t, 1044t, 1211 Ventilação, na psicoterapia de grupo, 998t Verapamil, 1066t, 1100t. Ver também Inibidores dos canais de cálcio dosagem e administração, 1101 e lítio, 1141t estrutura, 1100f Verborréia, definição, 313 Vergonha conceito de Erikson sobre, 243 definição de, 311 Veronal. Ver Barbital Versed. Ver Midazolam Vertigem, no idoso, 1418 Vesprin. Ver triflupromazina Vestuário cruzado, 784 em crianças, 779-780 tratamento, 787 Viagens ruins, nos transtornos por uso de alucinógenos, 472 Viagra. Ver Sildenafil Vibração, 85-87 Viciado, 413 Vício de hospital. Ver Síndrome de Munchausen Vício em cirurgia. Ver Síndrome de Munchausen Vicio em sexo, 774-777, 846 co-morbidade com, 776 diagnóstico, 775 farmacoterapia para, 776-777 padrões comportamentais de, 775-776 psicoterapia para, 776 sinais de, 775t tratamento, 776 Vício, 413. Ver também substâncias específicas Vicissitudes da vida e estresse, 880-881 Vida fetal, 37-39 Vigília do coma, definição, 310 Vínculo, 44 contato de pele no, 164 definição, 164 mãe-bebê, 164 versus apego, 164 Violência, 963. Ver também transtorno explosivo intermitente antagonistas dos receptores β-adrenérgicos para, 1073-1074 avaliação, 964t controle de, 180-182 diagnóstico diferencial, 183t doméstica, 176. Ver também Esposas espancadas; Abuso e negligência da criança e abuso anterior, 176 e álcool, 176 e epilepsia, 391 farmacoterapia para, 965, 1123 incidência de, 180-181 intervenções psicofarmacológicas para, 182, 183t mecanismos de, 180-181, 182f na adolescência, 56-58 na esquizofrenia, 530-531 prevenção, 180-182 prevendo, 175-176, 176t-177t, 964t situações clínicas de alto risco, 1448-1449 televisionada, 48, 178, 178t transtornos do DSM-IV associados a, 175, 176t vítimas de, 182, 183t Vírus da imunodeficiência humana (HIV), 403-404 demência relacionada a, 130, 365, 406-407
ÍNDICE
critérios diagnósticos da CID-10 para, 375t drogas anti-retrovirais, 408-409, 408t interações de drogas psicotrópicas, 409-410 encefalopatia, 407 história, 403 infecção, 156-157 abuso de substâncias na, 407 anamnese com, 408 aspectos não-neurológicos, 406 aspectos neurológicos, 406, 407t aspectos neuropsiquiátricos, 403-411 características clínicas, 406-408 condições associadas, 406, 407t curso, 404 delirium na, 407 demência com, 130 demência na, 365, 406-407 critérios diagnósticos da CID-10 para, 375t e pessoas normais obcecadas com, 408 e suicídio, 407-408 estresse e progressão de, 155-157 farmacoterapia para, 408-409 interações de droga anti-retroviral/psicotrópica, 409-410 mania na, 407 prevenção, 408 psicoterapia com, 410 síndromes psiquiátricas na, 406-408 transtorno de adaptação na, 407 transtorno depressivo na, 407 transtorno do humor na, 407 transtorno neurocognitivo na, 407 transtorno psicótico na, 408 transtornos de ansidade na, 407 tratamento de, 408-410 tratamento, envolvimento de pessoas significativas no, 410 interações de droga psicotrópica/anti-retroviral, 409-410 testagem para, 295-296, 302t aconselhamento pós-teste, 405, 406t aconselhamento pré-teste, 405, 405t aconselhamento sobre, 405 confidência e, 406 indicações para, 404-405, 405t métodos para, 404-405 transmissão, 403-404 abuso de droga intravenosa e, 489, 499 para o feto, 490 prevenção de educação e, 491 troca de agulha e, 491 prevenção, orientações do CDC para, 404, 404t Vírus de Epstein-Barr (EBV) e síndrome da fadiga crônica, 705 testagem para, 302t Vírus do herpes simples, 1245 Vírus JC, 130 Visão construtivista social, da psicanálise, 250 Visão embotada, e drogas psicoterapêuticas, 1045 Visão, avaliação médica da, 287 Viscosidade, da personalidade, na epilepsia, 390-391 Visken. Ver Pindolol Vistaril. Ver Hidroxizina Vitamina B12 deficiência, 1222 considerações médicas sobre, 902t considerações psiquiátricas sobre, 902t manifestações de emergência, 971t tratamento de emergência, 971t sérica, testagem para, 304t Vitamina(s). Ver também Suplementos dietéticos A, testagem sérica para, 304t abuso, 427t B12. Ver Vitamina B12
deficiências, 1221-1222 terapia de megavitamina para crianças, 1399 Vítimas de tortura, 959 síndrome de estresse pós-traumático entre, 671 Vivactil. Ver Protriptilina VMA, 294 Vodu, 78 Volubilidade, definição, 314-315 Volume corpuscular médio efeitos do álcool sobre, 433 testagem, 303t von frisch, Karl, 185 von Meduna, Ladislas, J., 1213 von Munchausen, Baron, 713, 714f Voyeurismo. Ver também Parafilias características clínicas, 770 critérios diagnósticos da CID-10 para, 774t critérios diagnósticos para, 770, 771t diagnóstico, 770, 771t
W WAIS, 206-207, 206f WAIS-R, 105, 1234t Warfarin com hidrato de cloral, 1107 e etclorvinol, 1086 e glutetimida, 1087 interações medicamentosas, 1131, 1192-1193, 1197 Watson, John B., 168, 650 Watts, Alan, 923 Watts, James, 1224 WCST, 219t Wechsler, David, 206 Weiss, Brian, e psiquiatria integrativa, 922 Wellbutrin. Ver Bupropiona Wernicke, Karl, 172 Wertheimer, Max, 254 White, Dan, 1458 WIAT, 1234t Winnicott, Donald W., 44, 165-166, 233, 257-258, 848-849 Winokur, George, 521 WISC-III Symbol Search, 219t WISC-III, 206, 1234t, 1236 Witzelsucht, 102-103, 1410 WMS-R, 214 Wolff, Harold, 877 Wolpe, Joseph, 173 e dessensibilização sistemática, 1011-1012 e relaxamento muscular progressivo, 1009 WPPSI, 206, 1234t WRAT-R, 1234t, 1236 Wyatt v. Stickney, 1451 Wynne, Lyman, 521
X Xamanismo, 921 Xanax. Ver Alprazolam Xantinas, e lítio, 1141t Xenical. Ver Oralstat Xenofobia, definição, 314-315 XTC. Ver Metilenedioxianfetamina XXY e mosaicismo 9p, 1331t
Y Yocon. Ver Ioimbina Yopo, 470t
1583
1584
ÍNDICE
Z Zaleplon, 1066t, 1093 ações farmacológicas para, 1088-1089 dosagem de, 1090t estrutura molecular, 1089f indicações para, 1089-1090 interações medicamentosas, 1093 meia-vida, 1090t para insônia primária, 816 precauções com, 1092, 1093 reações adversas a, 1092 Zar, 569t Zeitgebers, 577 Zeldox. Ver Ziprasidona Zen-budismo, e psiquiatria integrativa, 923 Zidovudina, 408, 409 Ziprasidona, 535 e ganho de peso, 802 efeitos adversos, 535
indicações para, 535 para esquizofrenia de início precoce, 1371-1372 para esquizofrenia, 535 para transtorno autista, 1296 Zoloft. Ver Sertralina Zolpidem, 1066t, 1093 ações farmacológicas para, 1088-1089 dosagem geriátrica, 1424t dosagem, 1090t indicações para, 1089-1090 interações medicamentosas, 410, 1093 meia-vida, 1090t para insônia primária, 816 precauções com, 1092, 1093 reações adversas a, 1092 Zoofilia, 772. Ver também Parafilias Zoofobia, definição, 314-315 Zyban. Ver Bupropiona Zyprexa. Ver Olanzapina