Claus Roxin
I
Política Criminal e Sist istema Juríd Jurídico ico-P -Pen enal al Tradução: Luís Greco
fi€NOVfífí Rio de Janeiro • Soo Paulo 2000
Todos os direitos reservados à LIVRARIA E EDITORA RENOVAR LTDA. MATRIZ: Rua da Assembléia, 10/2.421 - Centro - RJ CEP: 20011-000- Tels.: (21) 531-2205/ 531-1618/ 531-3219 - Fax: (21) 531-2135 LIVRARIA: Rua da Assembléia, 10 - loja E - Centro - RJ CEP: 20011-000 - Tels.: (21) 531-1316 / 531-1338 - Fax: (21) 531-1873 FILIAL FILI AL RJ RJ: Rua Antunes Maciel, Maci el, 177 - São Cristóvão Crist óvão - RJ CEP: 20940-010 - Tels.: (21) 589-1863 / 580-8596 / 860-6199 - Fax: (21) 589-1962 FILIAL SÃO PAULO: Rua Santo Amaro, 257-A - Bela Vista - SP CEP: 01315-001 - Tels.: (11) 3104-9951 / 3104-5849 editoras.com/renovar
[email protected]
SAC: 0800-221863 Conselho Editorial
Arnaldo Lopes Süssekind — Presidente Carlos Alberto Menezes Direito Caio Tácito Luiz Emygdio F. da Rosa Jr. Celso de Albuquerque Mello Ricardo Pereira Lira Ricardo Lobo Torres Vicente de Paulo Barretto
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Re R e v is ã o T ipo ip o g rá fic fi c a
Andreia Amaral do Espírito Santo Luciene Rocha Seixas Capa
Simone Villas Boas C\
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Ed E d ito it o r a ç ã o E letr le trô ô n ica ic a
TopTextos Edições Gráficas Ltda.
N?
0813
CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.
R887p
Roxin, Claus. Política criminal e sistema jurídico-penal / Claus Roxin; tra dução: Luís Greco. — Rio de Janeir Janeiro: o: Renovar, Renovar, 2000. 20 00. 118p. ; 21cm. ISBN 85-7147-177-0 1. Título penal — Alemanha. I. Título. CDD-345.43 Proibida a reprodução (Lei 5.988/73) Impresso no Brasil P ri n te d in B ra zil zi l
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Nota do tradutor
Quando, em 1970, este pequeno trabalho foi pu p u b l i c a d o n a A lem le m a n h a , d i f i c i l m e n t e a lgu lg u é m po p o d e r i a i m a g i n a r o p a p e l q u e l h e c a b e r i a d e sempenhar na evolução da ciência do direito pe p e n a l . E, p o r o c a s ião iã o do s e u a n i v e r s á r io d e 30 anos, anos, resol esolve veu use se p resen res entea tearr o pú público blico de língua língu a po p o r t u g u e s a , e s p e c i a l m e n t e o b r a s i l e i r o , c o m uma tradução desta obra fundamental. Tão sucinto sucinto qua q uanto nto fecundo, este este estudo estudo m arca o início de uma nova época na dogmática ju j u r í d i c o p e n a l m o d e r n a : a é p o c a d o s is tem te m a fun fu n cionalista, ou teleológicoracional, da teoria do delito. Foi proposto um novo sistema, fundado sobre uma diferente concepção de direito e Estado, bem como da relação entre direito penal e po polít lítica ica criminal; crim inal; e esta esta pro pr o p o sta foi foi aceita p o r um talentoso grupo da nova geração de penalis tas\ dando valiosos frutos, entre os quais podemos apontar a teoria da imputação objetiva. i. Longe Lo nge de qu e re r ser ex exau ausstivo, ivo, po de m ser apo ntad os
Advirto o leitor, porém, de que as opiniões aqui expostas foram desenvolvidas e, em alguns pontos, modificadas pelo autor, apesar de as linhas mestr"; se manterem as mesmas. Para o pensam ento atual de Roxin, recorra o leitor ao tratado, cujo prim eiro volume já alcançou a ter como defensores desta concepção sistemática, na Alemanha, H ans ACHENBACH, Individuelle Zurechnung, Verantwortlichkeit, Schuld, em: Schünemann (ed.), Grundfragen des modernen Strafrechtssystems, DeGruyter, Berlin/New York, 1984; Knut AMELUNG, Zur Rritik des himinalpolitischen Strafrechtssystems von Roxin, em: Grundfragen', Wolf gang FRISCH, Vorsatz und Risiko, Heymanns, Kòln/Ber lin /B o n n /M ü n ch e n , 1983; HansLudwig GÜNTHER, em: Systematisclier Kommentar zum Strafgesetzbuch, 7a edição, L uch terhan d, Berlin, 1997; G ünthe r JAKOBS, Strafrecht — Allgemeiner Teil, 2a edição, DeGruyter, Berlin/New York, 1993; Harro OTTO, Grundkurs Strafrecht, 5a edição, DeGruyter, Berlin/New York, 1996; HansJoachim RU DOLPHI, em: Systematischer Kommentar zum Strafgesetzbuch, 7- edição, Luchterhand, Berlin, 1997; Bernd SCHÜNEMANN, Die deutschsprachige Strafrechtswissenschaft nach der Strafrechtsreform im Spiegel des Leipziger und des Wiener Kommentars, em GA (1985), pp. 341 e ss.;JÜRGEN WOLTER, Objektive un d personale Zurechnung von Verhalten, Gefahrund Verletzung in einem funktionalen Straftatsystem, Duncker & H um blot, Berlin, 1981; fora dela, DiegoManuel LUZÓN PENA, Curso de derecho penal, I, Editorial Universitas, Ma drid, 1996; Margarita MARTINEZ ESCAMILLA, La imputacion objetiva dei resultado, Edersa, Madrid, 1992; Santiago MIR PUIG, El derecho penal en el estado social y democrático de derecho, Ariel, B arcelona, 1994; Jorge de FIGUEIREDO DIAS, Questões Fundamentais de Direito Penal Revisitadas, RT, São Paulo, 1999.
ceira edição, havendo tradução espanhola da segunda. Fiz um esforço consciente no sentido de m anter absoluta fidelidade ao texto original. Nos casos de palavras de correspondência duvidosa em língua portuguesa, consignei o termo original entre parênteses ou numa nota de roda pé. As notas do tradutor são identificadas por (N. do T.). As demais notas limitamse a esclare cer referências ou expressões com que o leitor brasileiro não esteja familiarizado. Por fim, agradeço ao prof. Claus Roxin, pela confiança em mim depositada; a meu pai, prof. Leonardo Greco, que teve o cuidado de revisar a tradução; a Fernando Gama, Roberto Vascon cellos e Cláudia Cruz, meus grandes amigos, que igualmente me ajudaram na revisão; e a Eliel C orrêa Marques Filho, cujos préstimos me foram de grande valia. Luís Greco
Abreviaturas
AE
AlternativEntwurf eines Strafgesetzbuch.es (Projeto Alternativo do Código Penal) BGB Bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil Alemão) BGH Bundesgerichtshof (Tribunal Superior Federal) BGHSt Decisões do Bundesgerichtshof (Tribunal Superior Federal) em matéria penal CP Código Penal Brasileiro Entwurf 1962 (Projeto Governamental do E 1962 Código Penal) GA Goltdamm ers Archiv für Strafrecht GG Grundgesetz (Lei Fundamental) Juristische Rundschau JR JuS Juristische Schulung Juristenzeitung JZ MDR Monatsschrift für deutsches Recht MSchrRrim Monatschrift für Kriminologie und Strafrechtsreform NJW Neue jurisdsche W ochensschrift SG Studium Generale StGB Strafgesetzbuch (Código Penal Alemão) StPO StrafprozeBordnung (Código de Processo Penal Alemão) StRG Strafrechtsreformgesetz (Lei de Reforma do Direito Penal) ZStW Zeitschrift für die gesamte Strafrechtswissenschaft
Prefácio do autor à tradução brasileira
Alegrame bastante que o engajamento científico e de amizade de meu tradutor, Luís Greco, ten ha possibilitado apresentar meu p equeno escrito programático “Política Criminal e Sistema Jurídico Penal”, aparecido há 30 anos, agora também em português brasileiro. Nesta oportunidade, tentei, em oposição aos esforços natura listascausais, bem como aos finalistas — teorias que partiam de fundamentos ônticos — sugerir uma concepção normativa, que orientasse o sistema jurídicopenal em pontos de vista valorati vos políticocriminais. Naturalmente tenho passado as últimas décadas empenhando esforços no sentido de desenvolver a idéia base desta aqui presente prim eira tentativa. O espaço disponível neste curto prefácio não permite expor tudo detalhadamente. Porém, apontese ao menos para dois aspectos. Hoje penso que a teoria da imputação objetiva, por mim (re)fundada quase que simulta-
neamente à publicação do presente escrito, e que vem encontrando vários adeptos tanto na Alemanha quanto fora dela, desempenhe, ao lado do princípio nullum-crimen, um papel central na estrutura preventivogeral do tipo, tendo em vista que este dirige tábuas de proibição à totalidade dos cidadãos. Segundo esta teoria, o injusto típico deixa de ser um acontecimento prim ariam ente causai ou final, para tornarse a realização de um risco não permitido dentro do âm bito (isto é, do fim de proteção) do respectivo tipo. Assim é possível salvaguardar, de modo po líticocriminalmente razoável, o tipo de uma ex L^nsão ilimitada — em especial nos delitos negligentes — reduzindo a punibilidade ao que seja indispensável do ponto de vista preventivo geral: à criação e realização de riscos intoleráveis para um convívio seguro entre as pessoas. Além disso, a expansão da sistem ática da “ cul pabilidade” através de pontos de vista preventivos, e sua reunião no novo conceito de “ responsabilidade”, que já vem rapidamente exposta neste estudo, tem sido por mim consideravelmente desenvolvida e tornado produtiva para novos grupos de problemas. Segundo esta ordem de idéias, a responsabilidade penal pressu põe sem pre dois requisitos: a culpabilidade do autor e, além disso, a necessidade preventivogeral ou especial de punição. Culpabilidade e prevenção limitamse, portanto, reciprocamente: necessidades preventivas jamais podem levar a
que se puna onde inexista culpabilidade. Mas a culpabilidade de uma pessoa igualmente não basta para legitimar a pena, enquanto esta não seja indispensável do ponto de vista preventivo. Esforceime em expor este pensam ento de modo mais aprofundado exatamente em difíceis questões limite da punibilidade (estado de necessidade supralegal excludente de responsabilidade, crime por convicção, desobediência civil, negligência leve). Mas devemos reservar a discussão de todas essas questões para uma outra oportunidade. Por ora, tenho de me contentar em agradecer calorosamente a meu muito estimado tradutor, Luís Greco, pelo seu excelente trabalho, e à editora Renovar, pela cuidadosa impressão e publicação de meu texto! Possam minhas propostas encontrar o interesse dos penalistas brasileiros e contribuir para o aprofundamento das relações científicas entre nossos países! Munique, 9 de fevereiro de 2000 Claus Roxin
Geleitwort
Ich freue mich sehr, dafi das wissenschaftiichfreundschafdiche Engagement meines Übersetzers Luis Greco es mir ermõglicht hat, meine vor 30 Jahren erschienene kleine Programmschrift über “Kriminalpolitik und Strafrechtssystem” nun auch in brasilianisch-portugiesischer Sprache vorzulegen. Ich habe damals versucht, den naturalistisch-kausalen und finalistischen Bemühungen um die Systematisierung des Strafrechts — Lehren also, die auf ontischer Grundlage beruhen — eine normative Konzeption entgegenzusetzen, die das Strafrechtssystem an leitenden kriminalpolitischen Wertvorstellungen orientiert. Natürlich bin ich in den letzten Jahrzehnten bestrebt gewesen und noch damit be-schãftigt, den Grundgedanken meines hier vorliegenden ersten Versuchs auf diesem Gebiet weiter zu entwickeln. Der Raum dieses kurzen Geleitwortes gestattet es nicht, das im einzelnen auszuführen. Doch sei wenigstens auf zwei Punkte hingewiesen.
Für mich spielt heute bei der generalpràven tiven Strukturierung des Tatbestandes, der ge wissermaBen die an alie Bürger gerichteten Ver botstafeln aufstellt, neben dem nullumcrimen Grundsatz eine zentrale Rolle die Lehre von der objektiven Zurechnung, die ich fast gleichzeitig m it d er vorliegenden Schrift (w ieder)begründet habe und die seitdem in Deutschland und der Welt viele Anhãnger gewonnen hat. Danach ist das tatbestandliche Unrecht kein primar kausa les od er finales Geschehen, sondern die Verwirk lich ung eines une rlaubten Risikos innerhalb d er Reichweite (das heiBt des Schutzzwecks) des je weiligen Tatbestandes. A uf diese Weise ist es mõ glich, den Tatbestand in kriminalpolitisch ver nünftigem MaBe vor aliem bei der Fahrlàssig keit vor uferloser Ausdehnung zu bewahren und die Strafbarkeit auf das generalpràventiv UnerláBliche einzuschrànken: auf die Schaffung und Realisierung von Risiken, die für ein gesi chertes Zusammenleben der Menschen untrag b ar sind. Sodann habe ich die Erweiterung der Systemstufe der “Schuld” um práventive Gesichts p u n k te u n d ihre Zusam m enfassung in einer neuen Rategorie der “Verantwortlichkeit”, die in dieser Studie schon knapp dargelegt wird, wesentlich weiter ausgebaut und für neue Pro blem felder fruchtbar zu m achen versucht. Danach setzt die strafrechtliche Verantwortlichkeit immer zweierlei voraus: eine Schuld des Tàters
und aufierdem eine general oder spezialpráven tive Bestrafungsnotwendigkeit. Schuld und Prá vention beschrànken sich also wechselseitig: Prã ventive Bedürfnisse dürfen nie dazu führen, ohne Schuld zu strafen. Aber die Schuld eines Menschen ist allein auch keine Legitimation für eine staatliche Strafe, solange diese nicht prà ventiv unerláBlich ist. Ich habe mich bemüht, diese Gedanken gerade bei heiklen Grenzfragen der Strafbarkeit (übergesetzlicher verantwort lichkeitsausschlieBender Notstand, Gewissens tat, ziviler Ungehorsam , geringfügige Fahrlássig keit) náher darzulegen. Aber es muB e iner spáteren G elegenheit vor behalten bleiben, über alie diese Fragen weiter zu diskutieren. Für den Augenblick muB ich mich damit begnügen, meinem hochgeschátz ten Ubersetzer, H errn Luis Greco, für seine vor zügliche Arbeit und dem Verlag Renovar für den sorgfãltigen Druck und die Verõffentlichung meines Textes herzlich zu danken! Mõchten meine Ausführungen das Interesse der brasilia nischen Strafjuristen finden und zur Verdefung der strafrechtswissenschafdichen Beziehungen zwischen unseren Lándern beitragen! München, 9. Februar 2000 Claus Roxin
Sumário
Nota do T rad utor...................................................................... V Abreviaturas............................................................................... IX Prefácio do autor à tradução brasileira ............................... XI Geleitwort ....................................................................................XV Política Criminal e Sistema JurídicoPenal............................. 1 Posfácio.......................................................................................89
Política Criminal e Sistem a Jurídico-PenaT
i “O direito penal é a barreira intransponível da política criminal” — esta famosa frase de * O pre sen te estudo corresp onde à palestra que proferi, em versão reduzida, por motivos de tempo, no dia 13 de Maio de 1970, em Berlim. Tratase de uma primeira tentativa de reunir as idéias metodológicas e dogmáticas fundamentais que venho desenvolvendo em meus estudos e m onografias jurídicopen ais em um a concepção sistemática global — ainda que fragmentariamente e à maneira de um esboço. E daí, e da necessidade de explicar mais detalhadamente o que no texto não é mais que insinuado, que se explicam as constantes referências a trabalhos próprios anteriores, pelas quais peço a com preensão do leitor. Tam bém as referências a outros autores e as controvérsias que inseri nas minhas notas servem p rincipalm ente a um esclarecim ento exem plificador de minhas teses; em face da inesgotabilidade do tema, não haveria como almejar ser completo nas referências literárias. 1
Franz v. LISZT1caracteriza uma relação de tensão, que ainda hoje está viva na nossa ciência. Os princípios empíricos com base nos quais se tratam os comportamentos socialmente desvian tes são contrapostos por LISZT ao método jurídico (em sentido estrito) de construção e ordenação sistemáticaconceitual dos pressupostos do delito. Ou, dito de forma sucinta: a frase caracteriza, de um lado, o direito penal como ciência social e, de outro, como ciência jurídica. Neste caráter dúplice de sua recém fundada “ciência global do direito p enal”2 corporifica vamse, para LISZT, tendências contrapostas. A política crim inal assinalava ele os m étodos racionais, em sentido social global, do combate à criminalidade, o que na sua terminologia era designado como a tarefa social do direito penal, 1. Em: Strafrechtliche Aufsàtze und Vortrãge, (Estudos e palestras ju rídic o p en ais), vol. II, 1905, p. 80. Os dois volumes, nos quais estão colecionados os trabalhos de LISZT até 1904, contêm o material essencial para qualquer estudo des te autor; eles foram repu blicado s em 1970, num a reedição fotom ecân ica da e ditora W alter de Gruyter, Berlim. Sobre LISZT vejase agora: Franz von Liszt zum Gedãchtnis (Em memória de Franz von Liszt), 1969 (publicado simultaneamente com o vol. 81, caderno 3, da ZStW). 2. (N. do T.) O term o em alem ão é “ gesam te Strafrechts wissenschaft”. FIGUEIREDO DIAS ( Questões Fundamen tais de Direito Penal Revisitadas, RT, São Paulo, 1999, p. 24). Apresenta três possibilidades de tradução: “ciência conjunta (total ou global) do direito penal”. 2
en quan to ao direito penal, no sentido juríd ico do termo, competiria a função liberalgarantís tica3 de assegurar a uniform idade da aplicação do direito e a liberdade individual em face da voracidade do Estado “Leviatã”4. Noutras palavras, invocando agora duas expressões lisztianas que compõem o repertório clássico de citações do penalista: a “idéia de fim no direito penal”5, (estudo no qual LISZT apresen tou seu program a de Marburgo, que marcou uma época), é a estrela guia da política criminal, enquanto o código penal, como “magna carta do delinqüente”, de acordo com a expressa declaração de LISZT, protege “não a coletividade, mas o indivíduo que contra ela se levantou”, concedendo a este o direito “de só ser punido sob os pressupostos e dentro dos limites legais”6. LISZT não desejava, portan to, o que seria a conseqüência de sua idéia de fim, isto é, que “o caso concreto ...” (N. do T.) A expressão traduzida é “ rechtstaatlichli berale Funktion”. “Rechtstaatlich” é um a adjetivação do substantivo “Rechtstaat”, Estado de Direito, sendo difícil en co ntrar uma correspondência perfeita em língua portuguesa. O ptei pelo termo “ garantístico”, que será d oravante utilizado toda vez que o texto original contiver o referido adjetivo. 4 . Ob. e loc. cits. 5. Prim eiram ente publicado em ZStW, vol. S, 1882, p. 1 e ss.; posteriormente em; Strafrechtl. Aufsãtze und Vortrãge, Vol. I, 1905, p. 126 e ss. 6. O b. e loc. cits. à n. 1. 3.
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pudesse “ser decidido de m aneira vantajosa para a coletividade sem nenhuma das fórmulas artificiais dos ‘criminalistas clássicos’”4, mas pensava7: “Enquanto estivermos empenhados em proteger a liberdade do indivíduo em face do arbítrio ilimitado do poder estatal, enquanto nos ativermos ao princípio nullurn crimen, nulla poena sine lege, a rígida arte de uma interpretação de leis que opere com princípios científicos manterá a sua importância política.” Desses fundam entos deriva que o objetivo dos esforços sistemáticos8 será estranho a qualquer orientação políticocriminal, devendo mesmo oporse a ela. LISZT, a quem se pode atribuir a atual estrutura da teoria do delito em seus funStrafrechtl. Aufsàtze und Vortrãge, Vol. II, 1905, p. 434. 8. Os co nh ecim en tos básicos jurídicoteórico s da construção de sistemas juríd icos dãose po r pressupostos, não podend o, nos limites deste trabalho, ser erigidos em ob je to de análise autônom a. Uma excelente introdução e síntese, inclusive com referências bibliográficas, dános ENGISCH, Sinn und Tragweite juristischer Systematik (Sentido e alcan ce da sistemática ju ríd ic a), em: SG, 1957, pp. 173190. Da litera tura juríd ico pe na l mais an tiga são de lembrarse, princip alm ente: RADBRUCH, DerHandlungsbegriff in seiner Bedeutung fü r das Strafrechtssystem (O conceito de ação em seu significado p ara o sistema juríd ico penal), 1903; o mesmo, Zur Systematik der Verbrechenslehre (Sobre a sistemática da teoria do delito ), Frank-Festausgabe (Edição em homenagem a Frank), vol. I, 1930, p. 158 e ss.; ZIMMERL, Der Aufbau des Strafrechtssystems (A estrutura d o sistema juríd ico pen al), 1930. 7.
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dam entos, na últim a edição de seu m anual9, considerava “a verdadeira tarefa do direito penal: ver o crime e a pena como generalizações conceituais num a abordagem pu ram en te técnicoju rídica; desenvolver os preceitos legais, ascendendo até os últimos conceitos e princípios básicos, num sistema fechad o” . A ciência jurídica, a seu ver10, “deve ser e permanecer uma ciência definitivamente sistemática: pois só a organização dos conhecimentos num sistema garante um domínio claro e sempre manuseável de todos os detalhes, domínio sem o qual a aplicação jurídica nu nca passará de diletantismo, entregue ao acaso e ao arbítrio”. Nestas referências se encontram as palavras chave que retornam ainda hoje em nossos manuais, quando é explicada a importância da sistem ática jurídicopenal. Assim é que se lê, por ex., em WELZEL11, sobre a ciência do direito penal: “Ela garante, como ciência sistemática, a uniform idade e a justiça da aplicação da lei, vez que só através do conhecimento das estruturas intrínsecas do direito vem tal aplicação a ser elevada além do acaso e do arbítrio.” E em seu recente tratado escreve JESCHECK12 que, sem a 9. 2 P /2 2 a edição, 1919, pp. 12; prim eiram en te em: Stra frechtl. Aufsàtze und Vortráge, vol. I, 1905, p. 212 e ss. 10. Ob. cit., p. 2. 11. Das deutsche Strafrecht, l l â edição, 1969, p. 1. 12. Lehrbuch des Strafrechts, Allgemeiner Teil, 1969, p. 136. 5
estruturação sistemática do conceito de crime, a solução dos casos concretos permaneceria “insegura e subordinada ao sentimento”. “Os elementos gerais do conceito de crime, que são sintetizados na teoria do delito, possibilitam uma ju risprudência racional e uniform e, desempenhan d o um papel essencial na garan tia da segurança juríd ic a .” Tudo isso vale indep en den temente das transformações e mudanças de sistemas, que, como se sabe, também hoje constituem objeto de vivas controvérsias. Que a estruturação sistemática do material jurídico realm ente conceda as vantagens acima descritas, não se pode negar. Permanece, porém, um certo desconforto, que sempre se intensifica quando se perg un ta se o minucioso tra balho sistemático de nossa dogm ática, feito através de sutilíssimas precisões conceituais, não se caracterizaria por uma desproporção entre os esforços investidos pelos estudiosos e suas conseqüências práticas. Se o que im porta é somente organização, igualdade e domínio sobre a matéria, então todas as discussões sobre o sistema “correto” parecem pouco produtivas. Assim também declara Hellmuth MAYER13: “Como o demonstra a história da dogmática, a matéria jurídica se deixa capturar nos mais distintos sis-
13. Strafrecht, Allgemeiner Teil, Kohlhammer Studienbuch 1967, p. 58. 6
temas. Todos esses sistemas são úteis, se utilizados de modo conseqüente.” A exigência de que a pesquisa e a doutrina orientem seus esforços, isso sim, para questionamentos criminológicos e políticocriminais tem aqui uma de suas fontes14. Uma outra crítica direcionase contra a espécie de dogmática resu ltante da dicotom ia lisztia na entre direito penal e política criminal: se os questionamentos políticocriminais não podem e não devem adentrar no sistema, deduções que dele corretamente se façam certamente garantirão soluções claras e uniformes, mas não necessariamente ajustadas ao caso. De que serve, porém , a solução de um problem a jurídico, que apesar de sua linda clareza e uniformidade é políticocrim inalm ente errada? Não será preferível uma decisão adequada do caso concreto, ainda que não integrável no sistema? Quase se poderia responder afirmativam ente a esta pergunta, e permitir que se quebrasse a rigidez da 14. Assim é que pensa, por ex., Richard SCHMID, no prefácio ao seu volume Kritik der Strafrechtsreform (Crítica da Reform a Penal), Edition S uhrkam p, n 2 264, 1968, p. 9 — livro no mais pouco notável — que: “as funções garantísticas do direito p en al” seriam “en tretan to po uco importantes, porque óbvias”; comparese, também, GIM BERNAT Ordeig, Hat die Strafrechtsdogmatik eine Z ukunft? (Tem futuro a dogmática juríd ico pen al? ), em: ZStW, vol. 82, 1970, p. 379 e ss. 7
regra, por motivos políticocriminais. Assim é que diz, por ex., JESCHECK, em continuação à justificativa do pensam ento sistemático por mim citada15: “Não se podem desconhecer os perigos de u m a dogm ática reduzida a fórmulas abstratas: eles estão no fato de que o juiz passe a confiar no automatismo dos conceitos teóricos, não atentando, portanto, às peculiaridades do caso concreto. O essencial é sempre a solução do problem a; exigências sistemáticas, p o r serem menos importantes, devem recuar para um segundo plano.” SCHAFFSTEIN, meu admirado colega de G õttingen, em um estudo sobre a pro blem ática jurídicopenal do erro16, deixou em aberto o questionamento por ele feito “sobre a hierarquia entre as duas perspectivas”. Mas tam bém ele pensa que se deva prim eiro enfrentar o problema valorativo orientandose por considerações políticocriminais, com indep en dên cia de construções conceituais, e resolvêlo autono mamente, para só depois, numa segunda etapa, utilizar os resultados obtidos por “dedução ló gicodogmática” “p ara u m controle com plem entar”. A inda assim, pressupõe este procedim ento, 15 .
Vejase a nota 12. 16. Tatbestandsirrtum und Verbotsirrtum (Erro de tipo e erro de proibição), em: GóttingerFestschrift fü r das Oberlandsgericht Celle (Edição comemorativa de Gõttingen para o Tribunal Superior de Celle) 1961, p. 175 e ss. (p. 178).
como em JESCHECK, a possibilidade de corrigir soluções dogmáticoconceituais através de soluções políticocriminais discrepantes. Se considerarmos um tal método permitido, a função de construção sistemática de conceitos está mal servida. Pois ou esta quebra permitida dos princípios dogm áticos, através de valorações políticocriminais, acabará abalando um a aplicação constante e não arbitrária do direito — caso em que todas as vantagens da sistemática acima apontadas serão perdidas; ou se demonstra que uma solução diretamente valorativa do problem a não fere de m odo algum a segu rança jurídica e o dom ínio do m aterial juríd ico — caso em que se pe rgunta p ara que serviria ainda o pensam ento sistemático. II
Estas desestimulantes dificuldades espelham uma crise, na qual recentemente caíram o pensamento sistemático em geral e as teorias do delito em especial. Um sintoma disso é que a polêm ica em torno da teoria finalista da ação e de suas conseqüências, que na década de cinqüenta levou às mais acaloradas discussões, hoje desperta muito pouco interesse. Não se acredita mais em soluções deduzidas de conceitos sistemáticos superiores, e menosprezase a capacida-
de de rendimento prática de tais categorias17. Por outro lado, basta imaginarmos um direito
17. Isto vem ressaltado cada vez com maior freqüência nas controvérsias em torno do conceito de ação. Com paremse, p o r ex., GALLAS, Zum gegenwãrtigen Stand der Lehre vom Verbrechen (Sobre o estado atual da teoria do delito), em: ZStW, vol. 67, 1955, p. 1 e ss., passim; agora em: Beitràge zur Verbrechenslehre (Con tribuições p ara a teoria do delito), 1968, p. 19 e ss.; também meu estudo Zur Kritik der finalen Handlungslehre (Contribuição à crítica da teoria finalista da ação), em: ZStW, vol. 75, 1962, p. 515 e ss.; SCHÕNKESCHRÕDER, Strafgesetzbuch, Kom mentar, 15a edição, 1970, nota preliminar n. 36: “Quanto ao mais, o conhecimento de que o conceito de ação é dogmaticamente inútil deve propagarse”; BAUMANN, Strafrecht, Allg. Teil, 5â edição, 1969, p. 131, pensa que “a discussão sobre a estrutura da ação punível ganhou im portância excessiva na dogm ática atual, em prejuízo de outros temas”; assim também SCHMIDHÀUSER, Stra frecht, Allgemeiner Teil, 1970, p. 145: “Sãojustificadas todas as reservas que se fizeram ao conceito de ação ou sua recente supervaloração.” Também Arthur KAUFMANN observa (Festschrift fü r Hellmuth Mayer [Estudos em h om enagem a Hellmuth Mayer], 1966, p. 80) que o conceito de ação “não pode desempenhar tudo o que muitos parecem esperar dele” . Isto vale, mutatis mutandis, para as deduções que se fazem de outras categorias sistemáticas. A solução de problemas dificultosos (como a disci plina do erro de proibição ou da participação em ação não dolosa) não pode, como antigamente com freqüência se considerava, dep en der do p osicionam ento sistemático do dolo no tipo o u na culpab ilidade. E através dessa resignação em face do tradicional pensamento sistemático que se explica o que, por ex., escreve BAUMANN 10
penal sem parte geral, para concluirm os que o desprezo a uma teoria do delito, tanto genera lizadora, como diferenciadora, em favor de uma “valoração” individual, faria nossa ciência retroceder vários séculos, relançandoa naquele estado de “acaso” e “arbítrio”, que é lembrado desde os tempos de LISZT por todos os apologistas do sistema. Se, portanto, a possibilidade de des vencilharse do sistema não é seriamente discutível18 e as críticas acima feitas perm anecem intocadas, é de suporse que não se dirijam elas no prefácio de seu livro (desde a Ia edição, 1960): “Não é concedida atenção excessiva às controvérsias teóricas sobre a sistemática do conceito de delito...” 18 . E ainda menos no direito penal, onde o princípio nullum-crimen faz com que seja dada uma importância à segurança ju ríd ica m aior que nas ou tras disciplinas do direito. Daí se explica que as vivas discussões ocorridas no direito civil em torno do pensamento tópico tenham en co ntrad o tão po uca ressonância no d ireito penal. Com paremse, porém , WURTENBERGER, Diegeistige Situation der deutschen Strafrechtswissenschaft (A situação espiritual da ciência do direito penal alem ã), 2a edição, 1959; RO XIN, Tàterschaft und Tatherrschaft (Autoria e domínio do fato), l a/ 2 aedição, 1963/67, p. 587 e ss.; ANDROULA KIS, Studien zur Problematik derunechten Unterlassungsdelikte (Estudos sobre a problemática dos delitos omissivos im próprios), 1963; LÜDERSSEN, Zum Strafgrund der Teilnahme (Sobre o fun dam en to da pun ição da participação ), 1967, p. 30 e ss.; bastante crítico, WELZEL, Das deutsche Strafrecht, 11a edição, 1969, p. 116; quanto a WELZEL, vejase m in ha re senha em ZStW, vol. 80, 1968, p. 712 e ss. 11
ao próprio pensamento sistemático, mas a premissas errô neas em seu desenvolvimento dogm ático. De fato, penso que ainda hoje arrastamos conosco na teoria do delito a herança do positivismo, que cunhava de modo exemplar o pensamento de LISZT19; e eu tentarei demonstrar que as aporias acima apresentadas têm aqui a sua causa. O positivismo como teoria juríd ica caracteri zase po r ba nir da esfera do direito as dimensões do social e do político. Exatamente esse pensam ento, por LISZT tom ado como um óbvio axioma, fundamenta a oposição entre direito penal e política criminal: o direito penal só será ciência jurídica em sentido próprio, enquanto se ocupar da análise conceituai das regulam entações jurí dicopositivas e da sua ordenação no sistema. A política criminal, que se im porta com os conteúdos sociais e fins do direito penal, encontrase fora do âmbito do jurídico . Aos seus cultores resta somente o apelo ao legislador e o espaço quase livre do direito (der quasi rechtsfreie Raum) que era a execução penal, na qual tam bém LISZT tentou influir de m odo socialm ente 19. De modo similar aponta também SCHMIDHÀUSER, Strafrecht, Allgemeiner Teil, 1970, p. 145, que as premissas sistemáticas juríd icope na is de LISZT seriam errôneas. As correlações com o liberalismo positivista, porém, não são traçadas na exposição de SCHMIDHÀUSER, cuja crítica em muitos pontos se assemelha à aqui feita. 12
reform ador20 com sua conhecida do utrina dos tipos de autor21. A lei, porém — e também o código penal —, “não é instrum ento de reform a social22, mas somente meio de reestabelecimen to e de ordenação das liberdades coexistentes”23; ou, ao menos, assim era compreendida pelos teóricos do Estado de Direito liberal, entre os quais estava LISZT. III
Atualmente, porém, a tarefa da lei não se esgota mais nesta função garantística24. Qual. (N. do T.) O termo “sozialgestaltend” é de difícil tradução. “Gestalt” significa forma; “gestaltend” é formador, o que dá forma. Optei pelo termo reformador, mais condizente com o sentido contextual em que a expressão se encontra. 21. (N. do T.) Tal doutrin a prevê que a pe na ten ha um a finalidade distinta, consoante o tipo de autor a que se aplique: visa a corrigir os corrigíveis, intim idar os ocasionais, e tornar inofensivos os habituais, não corrigíveis nem intimidáveis. (LISZT, Der Zweckgedanke im Strafrecht [A idéia d e fim no direito p en al], em: Strafrechtl. Aufsãtze und Vortráge, vol. I, Berlin, 1905, p. 126 e ss., p. 163.) 22. (N. do T.) Como na nota 20. 23. Como expressou BADURA em sua clara exposição sob re o Verwaltungsrecht des liberalen Rechtsstaates (O Direito administrativo do estado liberal de direito), 1967, p. 25. 24. (N. do T.) Vejase nota 3. 20
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quer jurista sabe, po r exem plo, da posição dom ina nte que atingiram no direito administrativo as formas jurídicas da adm inistração prestad ora ao lado da tradicional administração de intervenção, vinda do século passado25; e a doutrina jurídicoadm inistrativa já se pôs em dia com esta realidade. De maneira análoga deve ser reconh ecido tam bém no direito penal — m antendo intocadas e com pletam ente íntegras todas as exigências garantísticas — que problemas político criminais constituem o conteúdo próprio tam bém da teoria geral do delito26. O próprio prin-
(N. do T.) Os termos originais são “Leistungsverwal tu n g ” (que traduzi p or adm inistração prestad ora ), e “E ingriffsverwaltung” (chamei de adm inistração de intervenção) . A prim eira dessas espécies d e adm inistração tem um sentido positivo, atua de forma estimulante: “ preo cup ase com a possibilidade e m elh oria d a vida dos membros da comunidade, estimulando e distribuindo a busca de interesses diretam ente, através de garantias. Ela ex pa nd e a posição juríd ica do indivíduo ” . A segunda p arece a tu a r negativam ente, tolhendo os indivíduos: “ocupase com a boa ordem da comunidade, através de limitações regulamentares da busca de interesses dos su bordinados à adm inistração”. (W OLFF/BACHOF/STO BER, Venualtungsrecht I (Direito adm inistrativo I), 10â edição, Beck, 1994, n. 3/56). 26. Comparese, sobre o tema, também WÜRTENBER GER, Strafrechtsdogmatik und Soziologie (Dogm ática jurídi copenal e sociologia), em: Kriminalpolitik im sozialen Rechtsstaat (Política criminal no estado social de direito), 1970, p. 27 e ss. 25.
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cípio nullum-crimen possui, ao lado de sua função liberal de proteção, a finalidade de fornecer diretrizes de comportamento; através disto, torna se ele um significativo instrumento de regulação social27. E isto ocorre também em todos os cam pos da teoria do delito: quando, por ex., nossos tribunais se deparam com o problema de se o injustamente agredido pode defenderse com uma arma ou se é de se lhe exigir que fuja, isso só aparentemente se trata de uma delimitação entre esferas de liberdade e de ação — pois até aí, a tese rigorista de que o direito nunca precisa ceder ao injusto concede a solução mais clara; na realidade, procurase solucionar as situações de conflito de modo mais socialmente correto e flexível. E quando dissertamos sobre a punibilidade daquele que em sua atividade proibida erra de qualquer forma ou desiste de uma tentativa, temos diante de nós problemas de natureza puramente políticocriminal, que — para dizêlo com JESCHECK — não podem ser solucionados adequadamente com o “automatismo dos conceitos teóricos”.
(N. do T.) Novamente, a palavra “Sozialgestaltung”. Preferi, entretanto, traduzila agora como regulação social, e não como reforma, porque quem fornece diretrizes de comportamento quer, antes de reformar algo, regular. O contexto da nota 20 é radicalmente distinto, pois corrigir presos é fazer efetiva reform a, é m odificar a sociedade, e não só regulamentála, darlhe regras. 27.
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IV Isto não é, naturalmente, nada de novo; a realidade se impõe em qualquer exame pouco cuidadoso dos fatos da vida. Mas não se pode dizer que tais conhecimentos tenham sido processados metodológica e sistematicamente de m od o satisfatório. Para um a teoria do delito que, à maneira positivista, exclui todos os pontos de vista políticocriminais, sendo concebida como pura classificação formal, a única saída é a já explicada “correção valorativa”. Assim, é possível — se me permitem permanecer no âmbito dos exem plos já utilizados —, no que se refere à legítima defesa contra ataques de crianças, declarála em si permitida nos limites do necessário, já que também as crianças podem agir an tijuridicam ente; mas como, mesmo assim, lesões graves a crianças, enquanto não forem inadia velmente necessárias, parecem inaceitáveis para a consciência atual28, deverseia exigir em tais casos que o agredido fugisse. Ou também se pode, como fez o E 196229, adm itir um fato do
28. Assim
diz, por ex., JESCHECK, Allgemeiner Teil, 1969, p. 231: “ O direito de defenderse deve term inar ali, onde o seu exercício feriria o sentim ento jurídico de m an eira grave.” O que significa, neste contexto: “Também a exigênc ia de que se deva escapar (...) do ataqu e de crianças é jus ta.” 29. (N. do T.) T ratase do Projeto Governamental de Có16
loso no erro sobre os pressupostos de justificação, em virtude de razões dogmáticosistemáti cas, aplicandose, por considerações político criminais, a pena do crime negligente30,3VUm tal procedim ento ultrapassa a separação lisztiana entre direito penal e política criminal, pois abre caminho para que valorações políticocriminais se introduzam na parte geral; mas mantém a separação em sua íntegra, pois ambas as esferas perm anecem desvinculadas, um a ao lado da outra. Desta m aneira surge uma dupla m edida, que faz com que possa ser dogmaticamente correto o que é políticocriminalmente errado, e vice versa32. Já demonstrei anteriormente que isso significa uma desvalorização da importância do sistema. Mas também os interesses políticocri
digo Penal, de 1962 (Entwurf1962), que depois foi plasmado ao Projeto Alternativo (chamado AE, ou Alterna tivEntwurf), dando origem à 21 Lei de Reform a, que instituiu a nova Parte Geral do Código Penal alemão. 30. Tratei deste método, de maneira profunda e crítica, no m eu estudo Die Behandlung des Irriums im Entwurf 1962 (O tratam ento do erro n o Projeto G overnam ental 1962), em: ZStW, vol. 76, 1964, p. 582 e ss. 31. (N. do T.) O ptei po r seguir a sugestão termino lógica de Juarez TAVARES, que prefere valerse das palavras negligência e delito negligente para designar o que a doutrina tradicionalmente chama de culpa e delito cul poso (Direito penal da negligência, RT, São Paulo, 1985, p. 128). 32. Vejase o estudo citado à nota 30, p. 585 e ss. 17
minais ficam mal servidos com um tal proceder. Pois enq uan to os fundam entos da valoração p rovierem do sentim ento jurídico ou de orientações isoladas, sem encontrar apoio na lei, permanecerão eles turvos, casuais e sem poder de convencimento científico33. Isso se nota de maneira especialmente crassa na teoria da participação, on de o desenvolvimento d ajurisp rudê nc ia levou a que a distinção entre autor e partícipe fosse feita sem orientação alguma em categorias sistemáticas, à livre discrição do juiz34,35. Isso foi tor33. Também
quanto a isso, ob. cit., p. 587 e ss. 34. Quanto a este desenvolvimento comparemse, apro fund ad am en te, o m eu livro sobre Tãterschaft und Tatherrschaft (Autoria e domínio do fato), 2- edição, 1967, p. 612 e ss.; também JESCHECK, Allgemeiner Teil, 1969, p. 433: “Na jurisp rud ên cia , a distinção en tre a utoria e partici pação está entregue à discricionariedade do juiz de fato.” 35. (N. do T.) A ju risp ru dência alem ã ad otou, p o r bastante tempo, a chamada teoria subjetiva da autoria e da participação. Partindo do pressuposto de que toda contribuição causai era equivalente, concluía ser impossível en co ntrar q ualqu er diferença entre autor e partícipe no plano objetivo. Daí porque se tornaria necessário recorrer a um diferenciador subjetivo: autor só poderia ser aquele que atuasse com animus auctoris, a vontade de auto r, desejando o ato como próp rio; e partícipe, a quele que agisse com animus socii, vontade de partícipe, dese ja n d o o ato com o alh eio . (Vejase, p o r ex., MAU RACH/GÒSSEL, Strafrecht, Allgemeiner Teil, Vol. II, 7 edição, C. F. M üller Jiiristisch er Verlag H eidelberg , 1989, 47/50.) Tal teoria levou a conclusões inadmissíveis, tais como a possibilidade de que o sujeito que praticasse o
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nado possível porque o aparente critério distintivo da “vontade de autor”, que não existe como realidade física, é utilizado de tal maneira pela jurisprudência, que se determ ina, através de uma valoração imediata, quem merece a pena p o r autoria, quem por participação; é de acordo com o resultado dessa decisão que se nega ou afirma a vontade de autor. As conseqüências dessa jurisp rudên cia são conhecidas: as sentenças contradizemse entre si de maneira grossa, e a frase, de já 60 anos, que caracterizou a teoria da participação como “o mais sombrio e confuso capítulo da doutrina penal”36 tornouse lugar comum. crime dolosamente de mão própria fosse considerado m ero pa rtícipe (ob.cit., 47 /58 : o famoso caso da ba nh eira, em que a irmã de uma parturiente matou a pedidos desta o recémnascido, afogandoo numa banheira; e o caso Stachinski, no qual um agente russo assassinou duas pessoas com um a pistola de gás, p o r ordem de um órgão do governo soviético). ROXIN (Strafrecht — Allgemeiner Teil, Vol. I, 3â edição, C. H. Beck, 1997, 7/74) e STRATENWERTH (Strafrecht — Allgemeiner Teil, Die Straftat, 3â edição, Heym anns, 1981 ,12/748 ) ap on tam que tal teoria foi construída também para contornar a rigidez e a inflexibilidade da pena (que era a de morte, à época da prática do caso da banheira, e prisão perpétua, à época do caso Stachinski), prevista para o homicídio qualificado (M ord ), possibilitandose a aplicação d e uma reduzida pena de partícipe. 36. Ela vem de KANTOROWICZ, em: MSchrKrim, 1910, p. 306; foi depois retom ada por BINDING, Strafrechtl. und 19
V De todo o exposto, fica claro que o caminho correto só pode ser deixar as decisões valorativas políticocriminais introduziremse no sistema do direito penal, de tal form a que a fundam entação legal, a clareza e previsibilidade, as interações harmônicas e as conseqüências detalhadas deste sistema não fiquem a dever nada ã versão for malpositivista de proveniência lisztiana. Submissão ao direito e adequação a fins políticocrimi nais (kriminalpolitische ZweckmãBigkeit) não p o dem contradizerse, mas devem ser unidas numa síntese, da mesma forma que Estado de Direito e Estado Social não são opostos inconciliáveis, mas compõem uma unidade dialética: um a ordem jurídica sem justiça social não é um Estado de Direito material, e tampouco pode utilizarse da denom inação Estado Social um Estado planejador e providencialista que não acolha as garantias de liberdade do Estado de Direito. Isto fica especialmente nítido hoje em dia, na reform a do sistema das sanções e da execução penal: ressocialização não significa usar de penas inde term inad as ou colocar os condenados à dis posição do tratam ento forçado estatal. A reform a só fará justiça ao encargo constitucional se Strafprozessuale Abhandlungen (Estudos de direito penal e processual), vol. I, 1915, p. 253, e desde então po r numerosos autores. 20
fortalecer, através da introdução dos modernos métodos teraupêticosociais, a posição jurídica do aprisionado, se d er um a estrutura jurídica à figura pouco explicável da relação especial de po der37, 38. A própria coisa o exige; pois dificilmente se compreende uma educação para uma vida legal, na liberdade de um Estado de Direito, 37. Fundamental a respeito da “relação especial de pod e r” , bem como para a sua crítica, SCHÜLERSPRINGO RUM, Strafvollzug im Ubergang (Execução penal em transform ação), 1969. Para a síntese e ntre o Estado de Direito e o Estado Social no sistema sancionatório comparese também meu estudo sobre Franz von LISZT und die kriminalpolitische Konzeption des Altemativentwurfs (Franz v. LISZT e a concepção político criminal do Projeto Alternativo), em: ZStW, vol. 81, 1969, p. 613 e ss. (637 e ss.) [Este estudo foi traduzido para o português, e está pu blicado na coletânea Problemas Fundamentais de Direito Pe nal, 2a edição, Veja Editora, 1993, Lisboa, pp. 4989 (N. doT.).] 38. (N. do T.) As relações especiais de p oder (beso ndere Gewaltverliãltnisse) são aquelas que pressupõem uma maior proximidade do indivíduo ao Estado, por estar aquele agindo no campo de uma instituição estatal. Exemplos seriam a situação dos estudantes em escolas públicas, dos soldados, dos presos (EHLERS em: ERICH SEN (org.), Allgemeines Verwaltungsrecht (Direito administrativo geral), 11a edição, DeGruyter, Berlin / New York, 1998, 4/20). Este conceito, que era utilizado principalm en te para justificar a ino pe rân cia dos direitos e ga rantias fundamentais nas apontadas situações (o estudante não teria direito à liberdade dentro da escola, o preso não teria direito à intimidade), caiu em descrédito, pelo seu evidente autoritarismo (ob. e loc. cits.). 21
através da supressão de todas as liberdades. Tam bém o direito da m edida da pena39, que só no pósguerra alcançou status de disciplina autônoma, desenvolvese não no sentido da discricio narie dade de um a valoração individual pelo juiz, mas, muito pelo contrário, esforçase por alcançar uma ordem sistemática e uma controlabili dade racional dos critérios de medida da pena políticocrim inalm ente motivados40. A unidade sistemática entre política criminal e direito penal, que no meu entender também deve ser realizada na construção da teoria do delito, é somente o cumprimento de uma tarefa que é colocado a todas as esferas de nossa ordem jurídica. Até agora, porém , não foram feitas tentativas globais nesse sentido na dogmática da parte geral. A estrutura do crime, cujo m odelo standard da do utrina e da jurispru dê nc ia en con tramos com diversas variações nos diferentes autores, parece muito mais um conglomerado de vários estilos de época. 1. Fruto de um ponto de partida positivista chegounos um sistema classificatório, na forma de uma pirâmide conceituai, de modo bastante (N. do T.) A palavra alemã é “Strafzum essungsrecht” , e indica o ram o do direito que e studa a fixação da m ed ida da pe na pelo juiz. 40. Fundamental a respeito é a obra de H.J. BRUNS, Strafzumessungsrecht, Allgemeiner Teil (Direito da medida da pena, Parte Geral), 1967. 39.
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análogo ao sistema de plantas de Lineu41: a construção erguese da massa dos elementos do crime através de sucessivas abstrações42, feitas estrato p or estrato, até chegar ao conceito superior e genérico da ação. A causa pela qual um sistema fechado, surgido de tal maneira, nos afasta da solução de nosso problema, eu já a tentei explicar: ele isola a dogmática, por um lado, das decisões valorativas políticocriminais, e por outro, da realidade social, ao invés de abrirlhe os caminhos até elas. 2. A metodologia referida a valores do ne kantismo43, que era dominante na década de
41. A com paração com o sistema de plantas de Lineu vem de RADBRUCH, Frank-Festgabe (Edição de homenagem a Frank), Vol. I, 1930, p. 158; ela é retomada agora também por SCHMIDHÀUSER, Zur Systematik der Verbrechenslehre (Sobre a sistemática da teoria do delito), em: Gedãchtnisschrift fü r Gustav Radbruch (Estudos em memória de Gustav Radbruch), 1968, p. 269. 42. Em LISZT dizse, sobre a “ordenação sistemática” (em: Strafrechtl. Aufsãtze und Vortràge, vol. I, 1905, p. 215): “ Cada vez mais alto ascende ela, no caminho da abstração, do conceito particular ao mais geral.” 43. Esta evolução, influ enciada pelos trabalhos juríd ico filosóflcos da escola do sudoeste alemão (Windelband, Lask), encontrou acolhida no direito penal (principalmente pelos escritos de RADBRUCH, MEZGER, Erik WOLF, GRÜNHÜT e SCHWINGE), e aqui se supõe conhecida. Finalizando: MITTASCH, Die Auswirkungen des wertbeziehenden Denkens in der Strafrechtsystem,atik (As conseqüências do pensamento referido a valores na sistemática juríd ico pen al), 1939. 23
vinte, poderia ter chegado a um novo “quadro do sistema do direito penal”, se tivesse tomado como critério, ao qual deveriam referirse todas as entidades dogmáticas, as decisões políticocriminais. Mas jam ais foi construído a partir desses fundamentos um sistema em oposição à estrutura lógicoform al da antiga teoria do delito44 capaz de estabelecerse. A evolução somente — mas pelo menos — levou a que, na teoria do tipo, surgisse a interpretação em função do bem ju ríd ico 45, e se desse um suporte normativo às causas de justificação, com a teoria da assim cham ad a antijuridicidad e m aterial46, e à culpabilidade, através de sua fundamentação pelo elemen
44 .
ENGISCH, SG, 1957, p. 184, diz acertadamente que o sistema classificatório de LISZT “perm an ec e aind a hoje p o r trás de nossa teoria do delito” . Notável é que EN GISCH, apesar de um tratamento exaustivo do sistema teleológico (ob. cit., p. 178 e ss.), não formule nenhum exemplo da teoria geral do delito. 45. Quanto a isto, especialmente, SCHWINGE, Teleologische Begriffsbildung im Strafrecht (Construção teleológica de conceitos no direito penal), 1930. 46. Aprofundadamente, HEINITZ, Das Problem der materiellen Rechtswidngkeit (O problema da antijuridicidade material) 1926, e: Zur Entwicklung der Lehre von der materiellen Rechtswidrigkeit (Sobre o desenvolvimento da teoria da antijuridicidade material), em: Festschrift fü r Eberhard Schmidt (Edição em homenagem a Eberhard Schmidt), 1961, p. 266 e ss. 24
mento da “reprovabilidade”47,/idéias das quais brotaram tanto a excludente ae ilicitude do estado de necessidade supralegal48, 49, como o conceito da exigibilidade50 na teoria da culpabilidade. Esta incorporação de valorações políticocriminais na hierarquia positivistaconceitual da
47. Esse assim chamado conceito normativo de culpabilidade, hoje absolutamente dominante, é atribuído a FRANK, Uber den Aufbau des Schuldbegriffs (Sobre a estrutura do conceito de culpabilidade), em: Festsckrift fü r die juristische Fakultãt in Giefien (Edição comemorativa para a Faculdade de Direito de GieBen) 1907, p. 521 e ss. 48. Aprofundadamente, LENCKNER, Der rechtfertigende Notstand (O estado de necessidade justifican te ), 1965. 49. (N. do T.) O estado de necessidade justifican te é aquele em que se sacrifica bem de menor valor para salvar outro de valor superior. Costumava ele ser também chamado de supralegal, porque não vinha previsto ex pressam ente no anterior StGB, tendo sido desenvolvido pela do utrina e pela ju risprudência (com destaque para a famosa sentença do Reichsgericht, dos fins da década de 20, que considerou justificado o aborto com o fim de evitar o perigo de suicídio da m ãe), baseandose n a teoria da antijuridicida de material. Hoje, esta causa de justificação está legalm ente tipificada, no § 34, do StGB. (Veja se, por ex., SAMSON, em: RUDOLPHI/ HORN/ GÜNTHER/ SAMSON, Systematischer Kommentar zum Strafgesetz buch, 7a edição, Luchterhand, Berlin, 1997, § 34/13.) 50. Quanto a isso, um resumo e novas concepções em HENKEL, Zumutbarkeit und Unzumutbarkeit ais regulatives Rechtsprinzip (Exigibilidade e inexigibilidade como princípio ju ríd ic o regulativo), em: Festsckrift fü r Mezger (Estudos em homenagem a Mezger). 25
teoria do delito criou um a am bigüidade sistemática, que se espelha na bipartição entre uma perspectiva form al e material. Q uando a inter pretação de tipos, avalorada e quase autom ática, em correspondência ao ideal positivistaliberal, não alcança soluções claras ou aceitáveis, a solução é procurada teleologicamente, através do bem jurídico protegido. Q uando, após o exame da antijuridicidade formal, a busca por um a causa escrita de justificação se mostra infrutífera, mas o juízo de antijuridicidade parece político criminalmente errôneo, podese chegar à negação da antijuridicidade material através de uma ponderação de bens e interesses. Ao mesmo tem po, n a teoria da culpabilidade, a rigidez dos preceitos da lei positiva é atenuada por considerações de exigibilidade. Todas essas iniciativas revelam valiosos pontos de partida p ara a introdução de orientações políticocriminais no trabalho dogmático, mas também para aquele enfraquecimento individualvalorativo do sistema, cuja questionabilidade já se demonstrou e que impediu que, por ex., fossem reconhecidas am plam ente a teoria do fim51 como form ulação do 51 .
(N. do T.) Referese o au tor à cham ada “ Zwecktheo rie ” , de fen did a p o r DOHN A e LISZT, que via como fu ndamento material do estado de necessidade que o com portam en to típico consdtuísse um justo meio para um ju sto fim (vejase ROXIN, Strafrecht..., 14/38). 26
estado de necessidade supralegal ou a inexigibi lidade como causa geral de exclusão de culpa bilidade. 3. A teoria finalista da ação, com sua vol para as estruturas ônticas e para a realidade social, conseguiu, com sucesso, aproximar a dogmática penal da realidade, e devolver à teoria da ação e do tipo a plasticidade de verdadeiras descrições de acontecimentos. O finalismo, porém , através de seu m étodo lógicoaxiomático52 de deduzir soluções jurídicas de dados do ser — especialmente de um conceito de ação tido com o préjurídico — , criou um sistema que, p or um lado, diferenciase fundamentalmente da clássica tripartição positivistacausal, mas que, p o r outro, não confere espaço autônom o a diretrizes políticocriminais na dogmática. Com ra zão notou SCHAFFSTEIN53, que se sente vinculado à teoria finalista da ação, que nela “a ênfase recai sobre a construção lógicoconceitual”. A 52. Confirase
WELZEL, Aktuelle Strafrechtsprobleme im Rahmen derfinalen Handlungslelire (Problemas jurídico pena is atuais no âmbito d a do u trin a finalista d a ação ), 1958, p. 3: “A teoria finalista da ação (...) parte de axiomas e utiliza métodos, que são estritamente contrários aos da prática científica dom inante no direito.” 53. Tatbestands- und Verbotsirrtum (Erro de tipo e de proi bição), em: Gòttinger Festschrift fü r das Oberlandesgericht CeUe, 1961, p. 176. Comparese, também, ob. cit., p. 178: WELZEL teria “dado à dedução lógicodogmática um impulso de que desde Binding não se tinha notícia”. 27
tensão entre deduções sistemáticas e valorações im ediatas de que nós partim os não consegue ser superada54 pelo finalismo. VI
Esta rápida marcha pela história de nossa m eto dolog iaju rídico pen al55 mostrounos que as três exigências principais, com as quais se pode construir um sistema frutífero — ordem e clareza conceituai, proximidade ã realidade e orientação por fins políticocriminais —, são realizadas pelos diferentes desenvolvimentos das premissas metodológicas pela chamada “doutrina dominante” de maneira parcial e unilateral, com desprezo dos demais aspectos. Por isso é que hoje, mais do que antigamente, me parece 54 . (N.
do T.) Emprega o autor o termo hegeliano “auf gehoben”, que significa tanto suspenso, quanto superado. Na filosofia de Hegel, tese e antítese são suspensas, superadas, pela síntese. 55. Bons esboços da evolução dos sistemas juríd icopenais se e nc on tram em JESCHECK, Allgemeiner Teil, 1969, § 22: “Die Entwicklungsstufen der neueren Verbrechensleh re”, (As etapas de desenvolvimento da nova teoria do delito), p. 138 e ss., e em SCHMIDHÀUSER, Allgemeiner Teil, 1970, 72 capítulo: “Die Entwicklung der Straftatsys tematik in der neueren deutschen Strafrechtswissens ch aft” (A evolução da sistemática pe nal na rec en te ciência alemã do direito penal). 28
necessário que nosso tema se torne objeto de reflexões científicas e de consideração para a construção sistemática. Se me perm itirem tomar GOETHE56 como testemunha, desejo expressá lo com as suas palavras: “Antigos fundamentos se honram, mas não se pode abdicar do direito de, em algum lugar, começar tudo outra vez.” Uma tal tentativa, que vou apresentar em suas linhas fundamentais, precisa partir da premissa de que cada categoria do delito — tipicidade, antijuridicidade, culpabilidade — deve ser observada, desenvolvida e sistematizada sob o ângulo de sua função políticocriminal. Essas funções são de espécies diversas: o tipo está sob a influência da idéia de determinação legal57, à qual a legitimação da dogmática por muitas ve 56. Dos Anos de peregrinação de Wilhelm Meister, hoje im presso m ajoritariam ente em Máximas e Reflexões. A num eração é feita diferentemente em cada edição; na Arte misGedenkausgabe se trata da máxima de n. 548. 57. (N. do T.) O termo é “ Gesetzesbestimmtheit”, que sintetiza a exigência constitucional de que a lei, especialmente a penal, seja clara e determinada: nullum crimen sine lege certa (vejase, por ex., JESCHECKWEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts — Allgemeiner Teil, 5~ edição, Dunc ker & Humblot, Berlin, 1996, § 15, IV, 3). Na Alemanha, costumase cha m ar esta idéia de “B estimm theitsgeb ot” (ob. e loc. cit.), o que, ao pé da letra, se traduziria como comando de determinação. Porém, quando este termo surgir, traduziloei pela expressão “p rincíp io d a determ ina ção” , que m e parece mais clara, apesar de nen hum a das duas p ertencer ao nosso corrente vocabulário jurídico. 29
zes é reduzida; os tipos servem, na verdade, ao cum prim ento do princípio nullum-crimen, devendo ser estruturados dogmaticamente a partir dele58. A antijuridicidade, pelo contrário, é o âm bito da solução social de conflitos, o campo no qual interesses individuais conflitantes ou necessidades sociais globais entram em choque com as individuais. Sejam intervenções policiais, que precisam ser equacionadas com o direito geral da personalidade e a liberdade de ação do cidadão, seja a exigência de uma decisão para uma situação de necessidade, atual e imprevisível: sem pre se trata da regulação socialm ente correta de interesse e contrainteresse. Esta concepção, certam en te, não é novidade alguma. Mas as conseqüências dogmáticas e sistemáticas que dela se poderão extrair, em comparação à interpretação dos tipos, ainda não estão suficientem ente claras. Por fim, a categoria do delito que tradicionalmente se chama de culpabilidade, e que Obviamente também nos tipos surgem soluções de conflitos sociais. Elas são o resultado das considerações legislativas, qu an to a se um co m po rtam en to po de ou não ser criminalizado. Mas tratase de decisões legislativas políticocriminais de espécie précodificadora. O trabalho dog m ático parte de tipos já dados. Ele não deve, portanto, aten tar prim ariam ente a considerações de m erecimento de pena, mas deixarse guiar pelo princípio nullum-crimen\ uma possível analogia que ultrapasse o sentido literal possível não é permitida, ainda quando a ratio da apenação legal a favoreça. 58.
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tem na verdade pouco a ver com a comprovação, empiricamente difícil, do poderagirdeoutro modo, importase m uito mais com a questão normativa de como e até que pon to é preciso aplicar a pena a um comportamento em princípio punível, se for ele praticado em circunstâncias excepcionais. Para responder a esta pergunta devem ser levadas em conta no trabalho dogm ático tanto a função lim itadora da pena desem penhada pelo princípio da culpabilidade, como considerações de prevenção geral e especial. Se, por exemplo, o estado de necessidade exculpa com m en or facilidade o que p ertence a um a profissão de enfrentamento de riscos (como o policial ou o bombeiro) que um outro qualquer, é nitidam ente a proteção dos bens jurídicos, ou seja, um interesse da coletividade, que exige aqui a sanção. Uma situação análoga ocorrida com aquele que não detém um dever social específico poderá isentálo de sanção, vez que ele não precisa ser ressocializado, e, por causa da excepcio nalidade da situação, igualm ente não poderá dar um mau exemplo. ' Vendose as coisas desta forma, são o postulado do princípio nullum-crimen, a regulação social mediante ponderação de interesses em situações de conflito e as exigências das teorias dos fins da pena, que formam o substrato políticocriminal sobre o qual descansam as nossas conhecidas categorias do delito. Duas delas, isto é, a teoria da tipicidade e da culpabilidade, devem ser interpre 31
tadas através de máximas especificamente jurídi copenais, enquanto o âm bito da antijuridicidade leva em conta tarefas de toda a ordem jurídica. A isto corresponde o fato de que as excludentes de ilicitude surjam de todos os campos do direito, irmanando o direito penal com os outros ramos do direito, na unidade da ordem jurídica. VII
Nossa próxim a investigação deve ser dedicada à questão de como se pode desenvolver o sistema a partir dessas premissas. Começaremos com a doutrina do tipo. E conhecido que se po de distinguir entre os mais diferentes elem entos e espécies de delitos, que também costumam ser apresentados de maneira confusa e pouco criteriosa sob esta rubrica. Do nosso ponto de vista, porém, deve ser tomado como o critério principal de diferenciação sistemática a m aneira como as exigências do postulado nullum-crimen são realizadas pelo legislador. Deixando de lado as construções típicas incomuns, notamos que existem para tanto dois métodos fundamentalmente distintos, de que o legislador também se utiliza variadamente. O primeiro consiste numa descrição tão exata quanto possível de ações: “ Quem, através de violência contra uma pessoa, ou ameaça de perigo atual para o corpo ou a vida, subtrai a outrem coisa alheia móvel na in 32
tenção de apoderarse dela an tijuridicam ente”59 — esta é uma descrição de fatos externos e internos que juntos nos mostram um ladrão em ação. Podese falar aqui de um delito de ação. O legislador valese de um segundo m étodo, porém, preferentemente onde lhe interessam não tanto as características da conduta, porque o fundamento da sanção está em que alguém infringe as exigências de um papel social por ele assumido. Quando o § 266 do StGB60 ameaça com uma pena aquele que “viole seu dever de cuidar de interesses patrimoniais alheios”, então está claro que é indiferente o modo pelo qual o au tor pratica esta cond uta, desde que ele viole sua obrigação de modo a causar lesões patrimoniais. O legislador realiza, nestes casos, o princípio nulla-poena referindose a deveres entre as partes oriundos da esfera extrapenal. O que existe de criticável, de um ponto de vista garan tístico, no § 266, está não na ausência de uma descrição de conduta, mas na falta de clareza 59. (N. do T.) É o § 242, do StGB, que define o crime de furto. Observese, de passagem, que este dispositivo foi recentemente modificado pela 6a Lei de Reforma do Código Penal, en tra da em vigor em l 2 de abril de 1998, que não exige mais que o agente subtraia a coisa para si (apoderar.se, sich zuzueignen), com etend o ação típica tam bém quem subtrai para outrem , tal como ocorre no CP brasileiro. 60. (N. do T.) O delito tem o nomen iuris de infidelidade (Untreue). 33
dos deveres a que o tipo se refere. Onde estes deveres dev eres estiverem estiverem fi fixad xados os de m o d o clar claro, o, bastará indicálos, e tal indicação será apta a substituir a descrição da conduta, para satisfazeremse as exigências do postulado nullum-crimen. E nullum-crimen. E só pensar, por ex., nos tipos da libertação de presos ou de patrocínio infiel61, e veremos que o com po p o r t a m e n t o d o a u t o r é i n d i f e r e n t e ; m as c o m o os deveres do papel social de carcereiro ou advogado estão fixados de modo exato em regulamentos e estatutos, estes tipos, que eu chamo de d e litos lito s de d e dev d ever er662, são são eq e q uivale uiv alente ntess aos crimes
61.
(N. do T.) “§ 121. Libertação de presos. (1) Quem dolosamente liberta um preso do presídio, do poder das forças armadas, de um funcionário ou daquele, sob cuja guarda, acompanhamento ou vigilância o preso se encontra, é punido com privação de liberdade em até três anos.” Atualmente, ocupa este crime com ligeiras alterações o § 120, do StGB. “ § 356 356.. Patroc P atrocínio ínio infie nfiell (Parteiv errat — literalm ente, ente , traição à parte) (1) Um advogado ou outro assistente ju j u r í d i c o q u e , n o e x e r c í c i o d e s ta q u a l i d a d e e m q u e s t õ e s a ele confiadas, sirva ambas as partes através de conselho ou assistência em violação a seu dever num mesmo pro bl b l e m a j u r í d i c o ( R e c h t s s a c h e ) , é p u n i d o c o m p r iva iv a ç ã o d e liberdade de três meses a cinco anos. (2) Se a ação for pr p r a t i c a d a c o m c o n c o r d â n c i a d a o u t r a p a r t e , e m p r e j u í z o da p ar te p o r ele as assistida da,, a p en a será de um a cinco cinco anos de privação de liberdade.” 6 2 . Q u an to a is isso, apro fun da da m en te, pe la prim eira vez: Tãterschaft und Tatherrschaft (Autoria (Autoria e domínio do fato), I a/ 2 a ed ição, içã o, 19 1963 63/67 /67,, p. 35 352 e ss. 34
de ação no que se refere às exigências de determinação legal. Até agora, tudo bem. Mas a conseqüência pr p r á t i c a d e u m a tal ta l b i p a r t i ç ã o s is tem te m á tic ti c a n a teo te o ria do tipo pareceme estar no seguinte: em primeiro lugar, o ponto de partida normativo consegue trazer à tona a realidade social, que subjaz a toda diferenciação dogmática, de forma sur pr p r e e n d e n t e . N o s d e lito li toss d e d e v e r, h á esfer sf eras as d e vida vida j á organizad orga nizadas as (as relações relações e n tre gestor de pa p a t r i m ô n i o e m a n d a n t e , vigia vig ia e p r e s o , a d v o g a d o e client cliente) e) cuja cuja funcion fun cionalidad alidadee deve ser ser protegida proteg ida pe p e los lo s tip ti pos; n o s d e lito li toss d e a ç ã o , o a u t o r , v ind in d o de fora (por ex., através de um homicídio, rou bo b o , v iola io laçç ã o d e c o r r e s p o n d ê n c i a , g rav ra v a ç õ es sesecretas em fita etc.) irrompe em esferas que ele deveria deixar intocadas. Esta diferença, oriunda da própria natureza das coisas, tem portanto efeitos dogmáticos, que ainda não foram reconhecidos de maneira nítida. Neste contexto eu não posso, obviamente, apresentar uma parte geral completa, mas algumas alusões bastarão pa p a r a t o r n a r c o m p r e e n s íve ív e l o q u e p e n s o . 1. A co conn h ecida ec ida problem prob lem ática da equivalênci equivalênci dos crim c rimes es omiss om issivos6 ivos633, q ue no noss últim o s ano a noss tem (N. do T.) O Código alemão de 1871 não continha nenhum dispositivo incriminando expressamente a comissão por omissão, o que gerava dúvidas quanto a sua admissibilidade em face do princípio nullurn crimen sine lege. lege. O novo Código, de 1975, houve por bem inserir na 63.
35
sido objeto de um número de monografias, manifestase de maneira distinta nos delitos de dever e nos delitos de ação. Se é a violação de um dever oriundo de um papel social que cria determinados tipos, então está claro que, sob o aspecto da problem ática ática do nullum-crimen, nullum-crimen, tanto faz que o comportamento seja comissivo ou omissivo. Se o vigia que deseja ajudar o preso a libertarse abre a porta da cela violando o seu dever por uma ação positiva, ou se em oposição às reg re g ras ra s ele deixa de trancála, trancála, não nã o fa faz d iferenç ifere nçaa a lgu lg u m a pa p a ra o tipo tip o do d o § 3466 346644 do StGB. GB. Da mesme s p a r t e g e r a l u m a r t i g o e s c l a r e c e n d o e s t e p r o b l e m a , n o s seg u intes int es term termos: os: “§ “ § 13. Comissão p o r omissão. omissão. (1) Q ue uem m se omite de impedir um resultado, que pertence a um dpo legal, só é punível por esta lei, se tiver de responder ju j u r i d i c a m e n t e ( r e c h t l i c h e i n z u s t e h e n h a t ) p e l a n ã o o c o r rência do resultado, e quando a omissão corresponder à realização do tipo legal através de um agir.” E a este seg un do requisi requisito, to, da c orresp on dê nc ia da omi om issão à açã açãoo po p o s iti it i v a , q u e faz fa z re r e f e r ê n c i a o t e x t o . U m a rá r á p i d a e x p o s içã iç ã o dos diferentes posicionamentos encontrase em Juarez TAVARES, Ai controvérsias em tomo dos crimes omissivos, Instituto LatinoAmericano de Cooperação Penal, 1996, p. p . 7 9 e ss. ss. 64. (N. do T.) “§ 346. Encobrimento no exercício de função (Begünstigung im Amte): (1) Um funcionário que, qu e, valendose va lendose de sua função de assisti assistirr a processo processo penal, pena l, à execução de p en a ou de m edida de segur se gurança ança,, subtr subtraia aia conscientemente alguém do cumprimento de pena ou medida de segurança legalmente prevista, será punido com privação de liberdade de um a cinco anos. (2)...” 36
m a forma, pouco im po rta se o advogado pratica seu patrocínio infiel através de manobras ativas ou de omissão de medidas necessárias. Onde, ao contrário, o princípio nullum-crimen é preenchido por descrições de condutas, lá sim — e somente lá — surge a paradoxal pergunta, dificilmente solucionável, de como alguém pode, através de uma inação, agir no sentido de uma descrição típica precisa. E um segredo conhecido que a jurisprud ência, até então, tem contornado a ausência de uma base legal através de sua livre criatividade65. Nos delitos de ação, porém, somente seria correto admitir a equiparação do agir positivo ao omitir onde houvesse delitos de dever introduzidos no tipo dos delitos de ação, como, por ex., no caso de uma mãe que deixa o filho passar fome ou do médico que deixa o paciente morrer por não lhe ministrar, de modo contrário ao dever, remédios que lhe salvassem a vida. Nestes casos há crassas violações de deveres advindos de uma esfera preexistente de relações, que só não precisam ser transformadas em crimes próprios, porque o tipo da ação de homicídio já as cobre. Nestes delitos de dever ocultos ou “delitos de ação impróprios”, como também poderiam ser chamados, é indiferente para a realização do tipo se o médico
65.
(N. do T.) Vejase a nota 63. 37
mata pela injeção de uma dose exagerada ou po r sua total omissão, se o agulheiro provoca a colisão dos trens pela errônea modificação das agulhas ou por as manter intocadas. Pois no exercício de papéis sociais independentes do direito penal, na alimentação da criança, no trancar a porta, no modificar as agulhas, na inter posição de recursos, o significado de fazer ou não fazer é definido unicamente pelas relações sociais, e é através delas que obtém a sua relevância para o tipo. Se, ao contrário ocorre algo fora da normalidade das regras sociais, como um acidente, um falso testemunho, ou o embe bedam ento de um freguês num bar, nestas hi póteses os deveres de salvamento e de evitação de causadores de danos, partes processuais, gar çonetes etc. são tão pouco idênticos à ação descrita no tipo, que subsumir sob esta descrição também a inação não satisfaz o princípio nullum-crimen. A substituição da ação ausente pela obrigação de impedir o resultado nos crimes cujos tipos o legislador deixou somente a ação constituir foi, na verdade, uma livre criação do direito pelos juizes66. As exigências do princípio 66. Não é aqui o lugar para expor isso tudo, num exame históricodogmático, que leve em consideração a vasta literatura que recentemente vem surgido sobre o crime omissivo. Interessame un icam en te torn ar com preensível o princípio sistemático. 38
nullum-crimen poderiam ser facilmente satisfeitas através do § 330c do StGB67, com algumas qualificações (para os casos de ingerência, parentesco etc.) e da criação de alguns poucos crimes omissivos próprios para grupos concretos de casos, o que, ao mesmo tempo, teria salvo a nossa doutrina da desconcertante desordem que sem pre surge quando cada autor e também os tri bunais definem ao seu próprio alvedrio o alcance da responsabilidade por omissão de maneira quase legislativocriativa (in quasi gesetzschõp ferischer Weise)68. Aqui deveria — ao menos de lege ferenda — ocorrer uma reorientação; e ela poderia (através de uma exaustiva construção, com ricos frutos dogmáticos!) já ter acontecido 67. (N.
do T.) Dizia o citado parágrafo: “§ 330c. Omissão de socorro. Q uem , em caso de aciden te ou perigo comum ou necessidade, não prestar ajuda, apesar de isso ser necessário e, de acordo com as circunstâncias, exigível, especialmente por ser possível sem elevado perigo pró prio e sem violação de outros deveres im portantes, é punido com p en a de privação de liberdade até um ano ou com pena de multa.” Hoje, este dispositivo mudou de número, passando para o § 323c. 68. Isto pode ser claramente reconhecido no fato de que as novas m onografias sobre a problem ática d a equivalência dos delitos de omissão (RUDOLPHI, 1966; PFEIDE RER, BÃRWINKEL, WELP, os três de 1968) chegam todas a conclusões completamente distintas: tratase não de interp reta çã o, mas de um a form a de criação de leis, ainda que os autores não estejam conscientes disso. 39
há muito, se o princípio orientador político criminal da teoria do tipo tivesse sido aproveitado dogmaticamente. 2. Um segundo campo, no qual a sistem zação acima exposta chega a novos resultados, é a teoria da participação. Tratase, dogmaticamente, de um problema de tipo, da pergunta sobre até que ponto um comportamento pode ser enquadrado sob a descrição de um delito, gerando a autoria. Só quando isto não ocorrer, atentarseá para as causas extensivas de punibi lidade, que são o induzimento e o auxílio. A jurisprudência, infelizmente, desconheceu desde o início que a doutrina da participação era um problema de tipicidade, perdendo de vista um ponto de apoio orientado pelo princípio nullum-crimen, como exige a lei69. Poderia, assim, ocorrer que a mais frouxa contribuição a um ato preparatório — ainda que seja somente um conselho ou um m eneio afirmativo com a cabeça — faça de alguém um autor diante de nossos tribunais, enquanto aquele que age para fazer um favor a outrem, mesmo que realize indubitavelm ente o tipo, tem a chance de obter a pe na 69. Quanto a isto, aprofundadamente minha Tàterschaft und Tatherrschaft (Autoria e domínio do fato) 2a edição, 1967, p. 615 ss., SAX, JZ 1963, p. 332 ss.; bastante claro ago ra tam bém JESCHECK, Allgemáner Teil, 1969, p. 428 e ss. 40
de partícipe/ü. Esse desenvolvimento, que pôs a lei de cabeça para baixo e lançou nossa teoria da participação no caos, caracteriza um cam inho errado, que também ajurisprudência, querendo ou não, terá de abandonar, vez que o sentido literal da 2â Lei de Reforma do Código Penal71 não se coaduna mais com a cham ada teoria “sub jetiva”72. Deve ser reconhecido que existe um a 70. (N. do T.) Vejase a nota 35. 71. (N. do T.) A 2a Lei de Reforma do Código Penal, ou, abreviadamente, 2. StRG, de 04.07.69, continha a nova Parte Geral do Código alemão, entrada em vigor em 01.01.1975 (vejase ROXIN, Strafrecht..., 4/25). 72. De acordo com essa lei, prescreve o § 25, (1): “É p un id o como autor, aquele que pratica o fato criminoso ele m esmo ou através de um ou tro.” Se todo que p raticar “ele mesmo” o fato é expressamente chamado de “autor” , não se po de rá punilo futura m en te como p artícipe em virtude de faltarlhe o “ânimo de autor”. A mesma conseqüência surge de se ter retirado o antigo § 32 E 1962 [Tratase do Projeto Governamental de Código Penal (N. do T.)] (que tornou a pena de ator ou de partícipe, no caso de erro sobre o dolo de autor, de pen den te da direção da vontade do que erra), mantendose, ao mesmo tempo, a exigência de um fato principal doloso p ara o induzim ento e o auxílio nos §§ 26, 27 [Dispõem os referidos artigos, numa clara adoção dos postulados finalistas, que só haveria participação como contribuição dolosa em injusto doloso: “§ 26. Induzimento. Punese como induzidor, com a m esm a pe na do autor, quem tiver determinado dolosamente um outro a seu ato doloso antijurídico. § 27. Auxílio. (1) Punese como auxiliador, quem tiver ajudado dolosamente um outro em seu ato 41
diferença fundamental entre delitos de ação e de dever, e a distinta estrutura de seus tipos naturalmente dará à teoria da participação orientações diversas. Nos delitos de ação, é autor aquele que domina a ação típica; aqui é decisivo o domínio do fato. Nos delitos de dever, pelo con trário, pratica um a ação típica som ente, mas sempre, aquele que viola o dever extrapenal, sem que o domínio sobre o acontecimento exterio r se revista da m enor im portância. O adm inistrador do patrimônio que contribui de maneira mínima à dissipação do patrimônio que lhe foi confiado é sempre autor de infidelidade/3, enquanto o extraneus que possua talvez sozinho o acontecimento externo em suas mãos é, apesar de seu domínio do fato, somente partícipe. A partir destes fundamentos podese desenvolver até seus detalhes, com grande exatidão, um sistema da autoria bipartido entre delitos de domínio e de dever. Tentei fazêlo em doloso antijurídico. ( 2 )...” (N. do T.)] da 2 â Lei de Reforma: quem determina outrem à prática de um fato criminoso, na suposição errônea de que o determinado agirá com dolo, não pode ser punido nem como autor, nem como partícipe, apesa r de que, pe la teoria subjetiva, ele teria de ser responsabilizado, sem nenhuma dúvida, pelo induzim ento, tendo em vista que possui o “ânim o de partícipe”. 73. (N. do T.) Vejase a nota 60 e o texto do autor, a que ela se refere. 42
outro lugar de maneira bastante pormenorizada74, e retenhome de dar mais explicações. Que um a perspectiva sistemática como a aqui proposta é frutífera, pareceme já estar suficientem ente provado75. Mas a sua produtividade para a teoria do tipo não se esgotou de maneira alguma. Assim, por ex., o posicionamento do dolo no tipo decorre já da exigência garantística da determ inação: ações e violações de dever não se deixam descrever como um mero acontecer causai. Somente o dolo dá limites claros a um fato7®/'Se ele for perdido de vista, como o fez o cham ado sistema “clássico” sob a influência ainda hoje presente do naturalismo, gerarseão extensões problem áticas de punibilidade. Foi isto o que ocorreu na 74. Em meu livro sobre Tãterschaft und Tatherrschaft (Autoria e dom ínio do fato), P / 2 a edição, 1963/67. 75. A distinção qu e fiz en tre delitos de do m ínio e de dever na teoria da participação é cada vez mais reconhecida pela doutrina; expressam ente neste sentido, SCHONKE SCHRÒDER, Kommentar, 15a edição, 1970, comentário prévio ao § 47, n a 7; § 266, n 2 51; WESSELS, Strafirecht, Allg. Teil, 1970, § 11 II, 2, p. 87/88. Com conclusão idêntica também SCHMIDHÁUSER, Allgemeiner Teil, 1970, p. 425, que porém considera os delitos de dever como crimes omissivos, por causa da posição de garanti d o r do obrigado, consideração a pa rtir da qual ele chega à autoria. 76. Vejase quanto a isso meu estudo em ZStW, vol. 80, 1968, p. 716. 43
teoria da participação, onde sempre se considerou qualquer “causalidade” objetivamente suficiente para fundamentar a autoria, com a conseqüência de que os mais distantes atos preparatórios poderiam receber a pena do tipo se praticados com vontade de autor; a tendência ao direito penal de ânimo (Gesinnungstraf recht) é indisfarçável, como qualquer análise da jurisp rudência o dem onstra/7. A concepção de sistema aqui esboçada ensinanos, por outro lado, na dogmática do delito negligente, que aqui não estamos na esfera dos delitos de ação, mas de dever/8. Em decorrência disso, só se poderá alcançar uma estruturação dos tipos que
77. Comparese
minha Tãterschaft und Tatherrschaft (Autoria e domínio do fato), 2a edição, 1967, p. 597 e ss., 615 e ss. 78. Aqui existe um problema, pois em muitos delitos negligentes parece inexistir uma violação de dever prétí pico, com o a ap o ntad a nos delitos dolosos de dever. Mas isso tem a sua causa não numa estrutura diferente da negligência, e sim no seu insuficiente desenvolvimento dogm ático. Se pre ten de m os ir adian te neste campo, será necessário desenvolver, independentemente das conseqüências jurídicas decorrentes do resultado, os vários deveres de comportamento especiais, sem cuja violação estará ex cluída a im putação do resultado. A evolução do direito penal de trânsito o demonstra de maneira suficientemente clara. O desenvolvimento mais detalhado desta c oncepçã o aqui esboçada fica reservado pa ra ou tra oportunidade. 44
atenda ao princípio da determinação através de uma tipologia e sistematização dos deveres de cuidado que preenchem a norm a formulada em branco, como com um ente ocorre nos delitos de dever. O trabalho dogmático permanece ainda em seus inícios. Pois a tradicional redução do tipo a uma causalidade, compreendida esta no sentido da teoria da equivalência dos antecedentes, criou em primeiro lugar uma esfera de res ponsabilidade sem fronteiras, que mesmo através de elementos como a previsibilidade ou a evitabilidade aind a não foram limitadas de modo aceitável do ponto de vista do Estado de Direito. Ora, quase tudo é abstratamente previsível e evi tável. O âmbito daquilo que se é obrigado a prever e a evitar sob a ameaça da pena é, na verdade, muito menor e deve ser definido por deveres de comportamento determináveis. Institutos dogmáticos como o risco permitido ou o princípio da confiança, que se desenvolveram fora das categorias sistemáticas, indicam o caminho necessário da tipificação dos deveres, cuja construção dogmática é a única possibilidade de dar aos tipos de delitos negligentes uma estrutura rígida tal qual a dos delitos dolosos. Basta, por enquanto, das conseqüências dogmáticas de uma sistematização dos tipos orientada pelo p rincípio nullum-crimen. Acrescentem se agora algumas indicações metodológicas, orientadas por este princípio jurídicopolítico. 45
As elementares dos tipos em sentido estrito — assim, conceitos com o “p rédio” /9, “ alheia”, “coisa” etc. — são o domínio da definição e da subsunção exata, que muitas vezes é vista como o único método utilizável em direito penal. Quão pouco isto ocorre, ainda será demonstrado: na interpretação de elementares típicas de termináveis, porém, esse procedimento tem seu lugar, pois a seqüência lógica de premissa, subsunção e conclusio faz justiça ao princípio da determ inação da mais perfeita m an eira possível. A outra pergunta, quanto a como deve ser determinado o conteúdo do conceito de tipo, é muitas vezes respondida de modo impensado, no sentido de que cada elementar deva ser inter pretada teleologicam ente, levandose em consideração o bem jurídico protegido. Esta frase banal trouxe sérias conseqüências. Uma análise abrang en te da evolução da jurispru dê nc ia poderia demonstrar que nossos tribunais, orientados para garantir, como quer o princípio, um a proteção tão abrangente e sem lacunas quanto possível, fizeram uma interpretação extensiva dos tipos, que levou a um crescimento considerável da crim inalidade em vários delitos. Sob o ângulo do princípio nullum-crimen o oposto é o correto: (N. do T.) Presente, por ex., em tipos como o furto qualificado, (§ 243, n. 1), dano a construções (§ 305), incêndio grave (§ 306, n. 2) e incêndio culposo (§ 309). 79.
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a saber, um a interp retação restritiva, que realize a função de Magna Carta e a “ natureza fragm entária” do direito penal, que mantenha íntegro som ente o campo de punibilidade indispensável para a proteção do bem jurídico. Para tanto, são necessários princípios regulativos como a adequação social80, introduzida por WELZEL, que não é elementar do tipo, mas certamente um auxílio de interpretação para restringir formulações literais que também abranjam comportamentos socialmente suportáveis. Aqui pertence igualm ente o cham ado princípio da insignificância81, que permite excluir logo de plano lesões de bagatela da maioria dos tipos: maustratos são uma lesão grave ao bemestar corporal, e não qualquer lesão; da mesma forma, é libidinosa 80. Comparese, dentre a vasta bibliografia, WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 11a edição, 1969, p. 55 e ss., que fala ace rtadam ente de um “ princípio geral de inte rpre taçã o” (p. 58). 81. Eu erigi este critério num princípio válido para a definição geral do injusto primeiramente em JuS 1964, p. 373 e ss. (pp. 376/77). O pensam ento é retom ado e desenvolvido, por ex., por BÜSSE, Nõtigung im Strafienverkehr (Coação no trânsito), 1968; BERZ, GA 1969, p. 145 ss.; JuS 1969, p. 367 e ss:; TIEDEMANN, JuS 1970, p. 112 (princípio da bagatela) e Juristische Analysen, 1970, p. 261. Ainda Altemativentw urf eines Strafgesetzbuches, Besonderer Teil, Straftaten gegen diePerson (Projeto alternativo de Código Penal, Parte Especial, Crimes co ntra a Pessoa), Erster Halbband, pp. 63/64. 47
no sentido do código penal só uma ação sexual de alguma relevância82; e só uma violenta lesão à preten são de respeito social será criminalmen te injuriosa. Por “violência” não se pode enten der uma agressão mínima, mas somente a de certa intensidade, assim como uma ameaça deve ser “sensível”83, para adentrar no marco da cri m inalidade. Se reorganizássemos o instrum entá rio de nossa interpretação dos tipos a partir des tes princípios, daríamos uma significativa con tribuição para dim inuir a crim inalidade em nos so país.
VIII Se nos voltarmos agora para as causas de jus tificação, cuja função políticocriminal foi há pouco definida como a solução social de confli tos, devemos, primeiramente, reconhecer que a realidade empírica subjacente a esta categoria do delito se diferencia sobrem aneira da que fun dam enta os tipos. E através das causas de justi82. Assim, expressamente, o Projeto Alternativo, §§ 125, 127, 128; no vol. citado a nota 53, pp. 84, 86. 83. (N. do T.) O term o usado pe la lei, no § 240, que define o delito equivalente ao nosso constrangimento ilegal (a N õ tig ung), é “ em pfindlich ”, sensível: am eaça de m al sensível (D rohu ng mit einem e m pfindlichen U bel). Para o texto do dispositivo, vejase adiante, a nota 85. 48
ficação que a dinâmica das modificações sociais adentra na teoria do delito. O que é um seqüestro, uma violação de domicílio, ou uma lesão corporal, permanece — abstraindo das modificações marginais no âmbito da adequação social ou da insignificância — sempre idêntico84. Os tipos, enquanto não forem afastados de sua tarefa por cláusulas gerais85, encontramse nos li-
84.
É claro que a linguagem também se modifica; mas suas mudanças de conteúdo ocorrem muito mais vagarosamente que a evolução social. 85. Cláusulas gerais e elementos normativos valorativos têm a peculiaridad e de fazer que os direitos de interve nção já tenham eficácia exclud ente de tipicidade. Daí se explica que, em muitas descrições de delitos da parte especial — por ex., no furto e no estelionato — mal sejam imagináveis causas de justificação: quem tem um direito sobre uma coisa ou sobre uma vantagem patrim onial, já não p re ench e o tipo subjetivo, po rque lhe falta a inten ção de aprop riarse ou enriquecerse antijuridica mente [O delito de furto (§ 242) tinha, à época em que foi escrito o texto, como elemento subjetivo a “intenção de apropriarse ilicitamente”, (modificado recentemente, vejase nota 59), o de estelionato ainda mantém (§ 263) “a intenção de obter, para si ou para outrem, vantagem patrimonial ilícita”. (N. do T.)]. Quem, acolhido pela legítima defesa, atira pedras em torno de si, sequer preenche o tipo o objetivo do grosso abuso [O grosso abuso (grobe Unfug), uma das antigas contravenções (U bertretung en) retiradas do Código Penal nas recentes reformas, era um a construção com base no revogado § 360, do StGB. A jurispru dência considerava grosso abuso “a prática de um a ação grosseiram ente im pertinente, capaz 49
de p erturb ar ou am eaçar a integridade externa da ordem pública, p or ofen d er ou perturbar a generalidade ou a m aioria ind ete rm ina da das pessoas” (ap ud SCHONKE SCHRÕDER, Strafgesetzbuch, 15a edição, Beck, München, 1970, § 360, n. 46 e ss.) (N. do T.).] etc. (comparese, quanto a isso, meu estudo em MSchrKrim 1961, p. 211 e ss.). Também a elementar da “reprovabilidade” no § 240, 2 [O referido dispositivo acrescenta ao tipo que descreve a conduta do constrangimento (Nòtigung) a exigência de que o ato seja “reprovável” (verw erflich): “§ 240. Constrangimento. (1) Quem, antijuridicamente, através de violência ou ameaça com um mal sensível,... (2). O ato é an tijurídico, qu an do a utilização da violência ou a ameaça de um mal seja considerada reprovável em relação ao fim almejado.” (N. do T.)-], do StGB, com p reen d e todas as causas de justificação dentro de si. Q uem constrange alguém justificado pela ex cluden te de ilicitude, jam ais age “ reprovavelm ente” no sentido deste preceito (comparese, quanto a isto, m eu estudo em JuS 1964, p. 373 e ss.). Porque neste e em m uitos ou tros casos não se consegue “ distribuir” de m an eira n ítida a no rm a e o pre ce ito permissivo ao tipo e à antijuridicidad e, aco nselhase unir essas categorias, que tanto se entrelaçam, no conceito de u m tipo total de injusto (como eu já sug erira em m eu livro sobre Offene Tatbestánde u nd Rechts pflichtsmerkmale (Tipos abertos e elementares de dever ju ríd ico ), 1959, apoiandom e em LANGHINRICHSEN, JR 1952, pp. 306307, JZ 1953, p. 363). Mas isso nada modifica no fato de que a estrutura dos preceitos permissivos, com que o texto agora se ocupa, seja distinta da das normas. Não se pode compreender a teoria dos elem ento s negativos do tipo, que, noto riam en te, teve sua principal significação no tratam ento da suposição errônea dos pressupostos de justificação [A teoria dos elementos negativos do tipo considera as causas de justifi 50
mites dos conceitos lingüisticam ente determ iná veis. As razões, porém, pelas quais é permitido seqüestrar pessoas, invadir domicílios ou lesio nar fisicamente a outros, modificamse constantemente. Cada alteração na ordem jurídicope nal ou civil, cada revisão das leis de polícia, cada variação nas concepções acerca do direito de castigar86, da vacinação obrigatória, da esfera pri-
cação não como tipos permissivos autônom os, mas como parte integrante do tipo de delito. Como o dolo tem por objeto o tipo objetivo, em caso de erro sobre os pressu postos de uma causa de justificação, estaríamos diante de um autêntico erro de tipo, excludente do dolo. Veja se, por ex., Arthur KAUFMANN, Zur Lehre von den negativen Tatbestandsmerkmalen (Sobre a teoria dos elementos negativos do tipo) e Tatbestand, Rechtfertigung•, Irrtum (Tipo, justificação, erro ), ambos na coletâne a de estudos Schuld und Strafe (Culpabilidade e pena), 2a edição, Hey mann, 1983, pp. 81127.], como se para ela os tipos permissivos fossem estruturalmente idênticos às normas proibitivas — isso sem levar em conta “negatividade” daqueles enquanto pressupostos do injusto. 86. (N. do T.) E o controverso “Züchtigungsrecht”, direito dos pais e professores de punir fisicamente os que estão sob seus cuidados educacionais, que atuaria como causa de justificação em ações típicas como lesões cor porais ou seqüestro praticadas com fins educativos. Enqu anto o direito d os pais é aceito de ntro de certos limites, já há tempos, desde tuna decisão do Bundesgerichtshof (BGH) de 1976, que se tem negado uma tal faculdade aos professores. A jurisp rudên cia, de início, lhes rec onhecia uma excludente de ilicitude oriunda do direito costumeiro, o que, com a modificação dos costumes, foi 51
vada e dos direitos de protestar publicamente, criam ou eliminam causas de justificação. Este processo ocorre não só através de modificações na lei positiva, mas também por criação do direito costumeiro e jurispruden cial, encon trand o expressão máxima no direito de castigar do professor e no estado de necessidade supralegal. A ordem juríd ica como um todo contribui para a formação desses direitos de intervenção, que harmonizam a liberdade individual com a necessidade social8/. E a partir desta função políticocriminal que deve ser levada a cabo a sistematização da anti juridicidade. Sabese que a m aioria das tentativas até agora feitas não passaram de abstrações excessivamente formais ou classificações aleatórias88. Se analisarmos os meios através dos quais
se tornand o cad a vez mais questionável. A doutrin a atual é praticamente unânime no rechaço de um tal direito aos professores. (Vejamse, a respeito, ROXIN, Straf recht..., 17/3242, especialm ente 17/3940; JESCHECK WEIGEND, Strafrecht.., § 35, III, 1 e 2: “Um direito de castigar do p rofessor em face de seus alunos não subsiste mais atualmente”). 87. Está claro que, desta perspectiva, o consentimento deve ser visto não com o causa de justificação, mas como ex clud en te de tipicidade. Este ente nd im en to estabelece se cada vez mais, tanto entre finalistas, como não finalistas: comparese, assim, HIRSCH, ZStW, vol. 74, 1963, p. 104 de um lado, e SCHMIDHÀUSER, Strafrecht, Allg. Teil, 1970, p. 215, do outro. 52
o legislador enfrenta o problema da solução social de conflitos, veremos que existe um núm ero limitado de princípios ordenadores materiais, que determina, nas mais diversas variações, o conteúdo das causas de justificação. E o seu interagir no caso concreto que fixa o juízo sobre a utilidade ou lesividade, a licitude ou ilicitude de um comportamento89. Na legítima defesa, por ex., são os princípios da autodefesa e da proteção à ordem jurídica que fundam entam a regulam entação legal90. Isso significa: todos têm o direito de se defender contra agressões proibidas de forma que não 88. Indicando uma direção plausível, porém, STRATEN WERTH, Prinzipien der Rechtfertigung (Princípios da justificação), em: ZStW, vol. 68, pp. 4170. 89. O § 240, 2, do StGB [Vejase a nota 85. (N. do T.)], que já em sua pró pria letra se refere im ediatam ente ao princípio da antijuridicidade material, foi objeto de um estudo m eu em Ju S 1964, p. 373 e ss., no qual tentei um a sistematização dos referidos princípios ordenadores; é nele que se baseia tam bém a pro posta do § 116 do Projeto Alternativo, do novo tipo de constrangim ento ilegal (Crimes c ontra a pessoa, I a metade do l 2 vol., 1970, pp. 6267). Faço referência a este estudo, por ser ele um exemplo claro das teses que no texto, por modvos de espaço, só pod em ser exemplificadas fragm entariam ente. 90. Uma aprofu nd ad a fundam entação m etodológica dessa explicação e seu esclarecimento através de uma rica casuística encontrase em me u estudo sob re Die provozierte Notwehrlage (A situação provocada de legítima defesa), em: ZStW, vol. 75, 1963, p. 541 e ss. 53
sofram dano. Mas também qu ando houver a possibilidade de escapar da agressão, podese exercer a legítima defesa. O princípio da proteção da ordem juríd ica (isto é, a idéia de que o direito não precisa ce der diante do injusto) incide além das necessidades de autoproteção, reprime o princípio da ponderação de bens, que tantas vezes tem importância fundamental nas causas de justificação. A utodefesa e proteção da ordem ju ríd ic a encontram a sua limitação conjunta somente no princípio da proporcionalidade, que, atravessando a ordem juríd ica como um todo, faz com que se negue a legítima defesa quando ho uv er total desproporção en tre os bens ju ríd icos em conflito (isto é, nos conhecidos casos, em que a repulsa de um dano insignificante causa lesões corporais graves etc.). São, portanto, três os princípios sócioreguladores, cujo en trecruzamento orientará a dogmática da legítima defesa; e ainda se vão demonstrar as conseqüências disso para a interpretação. As outras causas de justificação também consistem de similares combinações de princípios: no estado de necessidade defensivo (§ 228, BGB91) ligamse princípio da autodefesa e da 91 .
(N. do T.) Diz o citado parágrafo do BGB: “§ 228. Estado de necessidade. Aquele que danifica ou destrói coisa alheia, para afastar de si ou de outrem perigo dela advindo, não age andjuridicamente, se o dano ou destruição eram necessários para o afastamento do perigo 54
ponderação de bens; pois o princípio da proteção da ordem jurídica não tem sentido na ausência de um agressor humano. O chamado estado de necessidade supralegal compreende o princípio da ponderação de bens e da autonomia. Isto significa: em regra, justificase o salvam en to do bem que na situação concreta se mostrar mais valioso ou mais ameaçado. Com esse princípio, entretanto, cruzase a garantia da autonomia da personalidade, que proíbe, por ex., que alguém seja castrado para o bem da coletividade ou que lhe seja extraído um rim contra a sua vontade para fins de transplante. Aqui não é o local de testar as combinações de tais princípios uma a uma em todas as causas de justificação. Interessanos, agora, som ente esclarecer a tarefa da sistemática no campo da antijuridicidade: ela consiste em construir, de maneira mais completa possível, partindo da massa das causas de justificação, o catálogo dos muito menos numerosos princípios de organização social e esclarecer as suas relações recí procas. A estruturação interna dos valores que desta forma seria trazida à luz esclarecia muitas questões que até agora têm sido tratadas de form a co ntraditória nas diferentes causas de justi-
e se o dano não se é desproporcional ao perigo. Se o perigo decorre de culpa do agente, está ele obrigado a indenizar os danos.” 55
ficação, por causa da falta de pontos de vista mais abrangentes. Assim é que é possível, por ex., retirar do § 81 do StPO92 e das leis sobre vacinação o conhecimento de que o princípio da autonomia não impede intervenções corporais não perigosas e sem conseqüências p erm anentes para a garantia de bens jurídicos mais valiosos; mas então não pode ser correto que o estado de necessidade supralegal não autorize a retirada de sangue forçada para a salvação de um a vida hum ana, como entende a opinião dominante93. Ou se o princí pio d a preferência dos meios de coação estatais, que é fundamental para a solução de conflitos 92. (N. do T.) O § 81, do StPO, que é o diploma processual penal, prevê a internação do acusado em hospital psiquiátrico para fim de possibilitar o perito a m elhor elaborar seu laudo de sanidade mental. O § 81a autoriza que, p a ra fins probatórios, se retirem amostras de sangue e se proceda a outras intervenções na integridade física do acusado, ainda que sem o seu consentimento, desde que não haja gravame â sua saúde. 93. GALLAS, Festschrift f. Mezger (Estudos em hom enag em a Mezger), 1954, p. 325; SCHÒNKESCHRÕDER, Straf gesetzbuch, 15a edição, 1970, vor § 51, n2 58; MEZGER BLEI, Strafrecht, Allg. Teil, 13a edição, 1968, p. 149; JES CHECK, Lehrbuch des Strafrechts, Allg. Teil, 1969, p. 242; SCHMIDHÀUSER, Strafrecht, Allg. Teil, 1970, p. 259; esta negação também foi acolhida na exposição de motivos do E 1962, p. 160; de maneira diversa, mas também negando: BAUMANN, Strafrecht, Allg. Teil, 5a edição, 1968, p. 336; WESSELS, Strafrecht, Allg. Teil, 1970, pp. 47/48. 56
na sociedade, e que se extrai do § 229 BGB94 e de muitos outros dispositivos, exige que antes de recorrer à autotutela privada o indivíduo se dirija à Justiça, de m odo que a causação de graves distúrbios do tráfego, ainda que em protesto contra tarifas injustificadamente altas, não será jam ais justificada pelo estado de necessidade su pralegal95.
94. (N. do T.) “§ 229. Autotutela (Selbsthilfe): Quem, com fim de autotutelarse, subtrai, destrói ou danifica uma coisa, ou prende um obrigado suspeito de fuga, ou elimina a resistência do obrigado em suportar uma ação que deve suportar, não age antijuridicam ente, se não for possível obter oportunam ente a ajuda da autoridade, e se, à falta de imediata autodefesa, existir perigo de que a realização da pretensão malogre ou se dificulte seriamente.” 95. Quanto a este princípio: ROXIN, JuS 1964, pp. 377/78. No caso em tela, os manifestantes que reclamavam de um abuso de monopólio, dizendose acolhidos pelo estado de necessidade supralegal, deveriam ter recorrido às vias legais. Algo similar vale para abusos cometidos em ações contrárias às leis de estado de defesa [No original, “Notstandsgesetze”, que são leis emergen ciais, emitidas em casos de ameaças à ordem constitucional, na forma do art. 81 da Lei Fundamental (Konrad HESSE, Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutsckland, 20a edição, C. F. Müller, Heidelberg, 1995, n. de margem 726 e ss.). (N. do T.)]: a sua eventual inconstitucionalidade deve primeiramente ser examinada pela Corte Constitucional; enquanto existir essa possibilidade, não se pod e falar n um a justificação pelo estado de necessidade supralegal. 57
Esta sistematização dos princípios de justificação, independentemente dos vastos conhecimentos que ela produz, traria notáveis avanços também na estruturação das diferentes causas de exclusão de ilicitude. O desenvolvimento da dogmática da legítima defesa, por ex., que vem ten den do, nestas últimas décadas, cada vez mais a afirmar a obrigação de fugir de agressões de crianças e doentes mentais, ou das causadas por culpa do agredido, pode ser confirmado pelo procedim ento aqui proposto. Pois ainda quando a necessária autodefesa do agredido não exigir uma lesão do agressor, esta pode justificarse pelo princípio da proteção da ordem jurídica. Mas as premissas políticocriminais que fundamentam este princípio não permitem que ele valha para crianças e doentes mentais, porque a ordem jurídica não precisa ser “p roteg ida” contra pessoas que não conseguem motivarse através da norma por elas violada, sendo impu níveis exatamente por isso96. E ele igualmente 96. De acordo até este ponto, recentemente, BOCKEL MANN, Notwehr gegen verschuldete Angriffe (Legítim a defesa contra agressões culpáveis), em: Festschrift fiir Richard M. Honig (Estudos em homenagem a Richard Honig), 1970, pp. 1933 (30), e SCHMIDHÀUSER, Über die Wertstruktur der Notwehr (Sobre a estrutura axiológica d a legítima defesa), na mesma edição comemorativa, pp. 185 199 (p. 194). Para SCHMIDHÀUSER, na legítima defesa “protegese a vigência da ordem juríd ica co n tra u m ataque a esta vigência”; a rigor, isso corresponde ao prin 58
não vale para agressões causadas por culpa da vítima, como tentei com provar nu m a análise em que aqui não cabe adentrar97, porque nestes casos o agredido pode afastar danos de si, mas por causa de sua coresponsabilidade pelo ocorrido não lhe será permitido tornarse guardião dos interesses da ordem jurídica98.
cípio da proteção da ordem jurídica. Em sentido contrário KRATZSCH, Grenzen der Strafbarkeit im Notwehrrecht (Limites da punibilidade na legítima defesa), 1968, que considera qualquer limitação que vá além do sentido literal do § 53, isto é, também uma obrigação de fugir nas agressões de crianças e doentes mentais (ob.cit., p. 49), uma extensão ilegal da punibilidade, em violação ao Art. 103, parágrafo 2, GG [E o artigo que consagra o princípio nullum crimen sine lege. (N. do T.)] (ob.cit., pp. 2953). Esta argumentação fundamentase na premissa não examinada de que o princípio nullum-cnmen teria a mesma função nos direitos de intervenção que nos tipos em sentido estrito, enquanto o presente texto tenta provar, em sentido contrário, que nas excludentes de ilici tude o princípio nullum-crimen limita a interp retaçã o não ao te or literal, mas som ente aos princíp ios de orden ação social subjacentes (vejamse pp. 6367). 97. Em ZStW, vol. 75, 1963, p. 541 e ss. 98. Em sentido co ntrá rio, agora, BOCKELMANN, que no estudo referido à n o ta 96, em posição isolada, pre ten de afirmar o direito de legítima defesa mesmo na provocação intencional. BOCKELMANN parte, porém, de fundam entos metodológicos idênticos aos deste estudo, isto é, ele recon he ce expressam ente os princípios d a autod efesa e da proteçã o d a ordem ju ríd ica com o decisivos pa ra a limitação d a legítima defesa: “A defesa de ben s juríd icos 59
Estas alusões querem também demonstrar que, com o as causas de justificação divergem do tipo em sua finalidade políticocriminal, deve a sua dogmática proceder de modo também me todologicamente distinto da dogmática do tipo. As causas de justificação não descrevem ações (ou violações de dever): e nem podem fazêlo, pelo singelo fato de que valem, em regra, para muitos tipos simultaneamente. Além disso, a es pécie de intervenção perm itida é determ inada pelas peculiaridades de um a situação de necessidade ou força maior muitas vezes única e irre petível. Não se pode, portanto, trabalhar aqui subsumindo sob descrições fixadas conceitual mente. O direito escrito só consegue fornecer medidas retoras abstratas de comportamento (isto é, os princípios por mim referidos), que precisam ser concretizadas com base na m atéria
desaparece, na hipótese em que se possa fugir da agressão. Quando além disso for desnecessária a proteção do o rde na m en to jurídico, neste caso não há lugar para a leg ítim a defesa” (ob. cit., p. 50). Sua opinião discrepante explicase somente porque considera também o provo ca do r apto pa ra a “proteção” da ordem jurídica. Novamente com opinião distinta, SCHMIDHAUSER, Stra frecht, Allg. Tal, 1970, pp. 278281. J á que neste estudo só me interessa a exposição do método enquanto tal, a discussão dos problemas de sua utilização no caso concreto fica reservada para uma outra oportunidade; ela superaria os limites aqui fixados. 60
ju ríd ic a ". A tarefa de desenvolvimento desses princípios jurídicos procede de m aneira distinta da interp retação dos tipos: para cada excludente de ilicitude deve ser esboçada uma fenomeno logia das relações fáticas típicas (que na legítima defesa seriam, aproximadamente, agressões de crianças, jovens, inimputáveis, semiimputáveis, provocação intencional, dolosa ou negligente, conflitos intrafamiliares ou externos, agressões à honra ou a integridade física etc.). Desta maneira, surgirá um quadro estruturado das manifestações da vida, algo que se poderia chamar de um m apa da legítima defesa. O próximo passo consiste em — se me permitem permanecer na escolhida causa de justificação — introduzir os princípios da autodefesa, da proteção da ordem jurídica e da proporcionalidade,. como linhas diretoras normativas, nos distintos setores da descrição da legítima defesa — como indicações do caminho a seguir, para permanecer na me99. (N. do T.) T radu zi po r “m atéria ju ríd ic a” o term o alemão “Rechtsstoff”, que significa, grosso modo, a realidade que o direito vem regular, “ o substrato sobre o qual o direito e a idéia de direito en co ntram aplicação” (Gus tav RADBRUCH, Rechtsidee und Rechtsstoff [Idéia de direito e m até ria ju ríd ic a ], em: Arth. KAUFMANN [ed itor], Die ontologische Begründung des Rechts [A fundamentação ontológica do direito], Gentner Verlag, 1965, p. 5 e ss., especialmente p. 10; notese, porém, não ser esta a definição de m atéria ju ríd ica de RADBRUCH, mas a perg unta que formula em busca dela). 61
táfora. Da interação en tre a m atéria juríd ica e a medida de comportamento surgirão as soluções para cada grupo de casos, que conciliarão uma grande dose de segurança com acertos po líticocriminais100. E fácil reconhecer que isso é um progresso em com paração à nossa jurisp ru dên cia atual. Os num erososjulgado s que tiveram de posicionarse a respeito da problemática da legítima defesa nos últimos 20 anos levam em conta, acertadamente, os pontos de vista aqui esboçados, mas, por falta de orientação dogmática, precisam trabalhar com considerações gerais de eqüidade, com a fórmula vazia da exigi bilidade, ou dos conceitos da necessidade e da ex igên cia101, para tatearem atrás de um a solução satisfatória, cuja insegurança, porém, leva a decisões contraditórias. Isso gera a impressão de
100. No caso da “situação provocada de legítima defesa” (ZStW, vol. 75, 1963, p. 583 e ss. e passim) tentei utilizar este método em todos os seus detalhes, íoi. (N. do T.) Tratase de uma tentativa, talvez inidônea, de trad uz ir o termo impreciso “ G eb otenh eit”, que se refere ao constante da disposição legal do revogado código: “§ 53. Legítima defesa. (1) Inexiste ação punível, quando a ação for exigida pela legítima defesa (Eine strabare Handlung ist nicht vorhanden, wenn die Han dlung durch Notwehr geboten ist). (2) A legítima defesa é a d efesa necessária para afastar de si ou de outrem um a agressão antijurídica atual.” O novo StGB, com redação pouco diferente do revogado, ainda utiliza essa expressão. 62
um am olecim ento da legítima defesa, enq uanto a forma de proceder aqui sugerida conferiria contornos rígidos ao vasto campo das causas de justificação. A autonomia políticocriminal, dogmática e metodológica do campo de justificação permite também conclusões a respeito do significado do princípio nullum-crimen para os direitos de in tervenção. Já que a existência ou não de um tal direito contribui para determinar o caráter de litivo de um comportamento, o art. 103, parágrafo 22, da Lei Fundam ental102 evidentem ente vale também aqui. Mas do exposto concluise que o postulado da determinação legal não vige como princípio estrutural desta categoria do delito, mas só como limite da modificabilidade dos princípios sócioregulativos. Isto significa: já que os direitos de intervenção se originam de todos os ramos do direito, e, como o demonstra o exemplo do estado de necessidade supralegal, tam bém podem ser deduzidos dos princípios gerais do direito positivo, ainda que inexista ex pressa fixação legal, a evolução dos outros ramos do direito, independente do princípio nullumcrimen, influi de modo direto sobre a extensão da pun ibilidad e, sem que o Código Penal precise ser modificado. A “ lex do art. 103, parágrafo 2,
102 .
(N. do T.) Novamente, o dispositivo que acolhe o princípio da reserva legal. 63
da Lei Fundamental não é, como no tipo, a lei penal, mas a totalidade da ordem jurídica. A dinâm ica das causas de justificação acarreta, p or sua própria natureza, um relaxamento no princípio nullum-crimen. A m utabilidade das medidas ordenadoras jurídica s encontra, porém , seu limite no princípio da determ inação, já que é inadmissível revogar um princípio legal de regulação através de interpretação, ou limitálo sem base legal, por considerações de política crim inal103. Assim, p or ex., não é possível, segundo o direito vigente, estend er a pu nibilidade no campo da legítima defesa através de uma trans posição do princípio da ponderação de bens 103. Daí porque tenho reservas em face da teoria recentemente desenvolvida por SCHMIDHÀUSER, Festschrift fü r Richard Honig (Estudos em homenagem a Richard Honig), p. 184 e ss., que reduz o campo de aplicação da legítima defesa unicam ente ao princípio da p roteção da ordem juríd ica (no sentido da terminologia aqui utilizada) , excluindo os princípios da autodefesa e d a p ro p o rcionalidade por completo. Essa concepção leva a que não se possa agir em legítima defesa contra um louco descontrolado, nem mesmo em defesa da vida, pois — na terminologia de SCHMIDHÀUSER — não consegue ele atacar a “vigência” da ord em jurídica, e nq ua nto , po r outro lado, o vagabundo que furta legumes poderá ser afastado com u m “ disparo causador de perigo de vida” (ob.cit., p. 198), se estiverem presentes os outros pressu postos da referida justificadora. Parecem e duvidoso que tais teses possam ser postas em harmonia com os fundamentos legais da legítima defesa. 64
também para esta causa de justificação, e tam pouco se pode negar o princípio da proteção da ordem jurídica, como se sem pre existisse um dever de fugir, quando tal fosse possível104. Am bas as soluções podem ser políticocriminalmen 104. Esta solução p or último referida — reduzirse a legítima defesa ao princíp io da autod efesa —, que representa uma exata inversão da tese de SCHMIDHÀUSER, foi defendida várias vezes em m inhas aulas, sob a justificativa de que se deve transformar em tabu a utilização de violência por particulares, enquanto ela não servir exclusivamente para a autodefesa; só ao Estado, não ao indivíduo, cabe a “ proteção da ord em ju ríd ic a”. Na verdade, de legeferenda isto me parece digno de consideração: mas se a tarefa do princípio de proteção da ordem ju ríd ica provocaria um a desejável restrição da violência em conflitos intrassociais, ou se, pelo co ntrário, ela faz com que pessoas violentas dêem livre curso a suas agressões, tratase de uma pergunta psicológicosocial, cuja resposta deve ser passível de verificação empírica. A legítima defesa deveria ser formulada de legeferenda depend endo do sentido em que ap on tar a resposta. Vemos aqui já um belo exemplo de como a pesquisa psicológica e sociológica pode ser tornada frutífera para a política criminal e a dogmática penal. Simultaneamente vêse, também, até que ponto as premissas sistemáticas aqui escolhidas são capazes de trazer à luz os verdadeiros problemas da legítima defesa (e o mesmo se diga das outras causas de justificação). O fato de o alcance dos princípios de justificação ser ainda determ inad o de m an eira distinta pelos diversos autores se deve em grande parte a que o tratamento sistemáticodogmático da categoria da antijuridi cidade ora proposto e seu desenvolvimento detalhado ainda se en con trem na prim eira infância. 65
te plausíveis ou mesmo razoáveis. Mas o desenvolvimento dos princípios políticocriminais não pode liberarse dos parâm etros do legislador. Se isto for feito, servirá à lex ferenda, deixando o âmbito da interpretação da lei. Neste ponto, vê se a proeminente função do princípio nullumcrimen nas causas de justificação. Por outro lado, o limite da interpretação, dado pelo sentido literal possível105, não tem papel decisivo nas causas de justificação106: valendose de um exemplo 105. (N. do T.) A doutrina alemã costuma distinguir a inte rp reta çã o da in tegraçã o de lacunas fixando os limites da primeira: pode ser considerada interpretação toda inteligência que ainda se compreenda nos limites do sentido literal possível (vejase, por ex., Karl LARENZ, Methodenlehre der Rechtswissenschaft [Metodologia da ciência ju ríd ic a ], 6a edição, Springer, 1991, p. 324). Se ultra passada esta lin h a dem arcatória, terem os adentrado no do m ínio da analogia, que no direito pen al só se permite in bonam partem. Como as excludentes de ilicitude não pertencem só ao direito penal, mas à ordem ju rídica inteira, discutese se a proibição de analogia lhes seria ou não aplicável. Referências, por ex., em AMELUNG, Zur Kritik des kriminalpolitischen Strafrechtssystems von Roxin (C on tribuição à crítica do sistema juríd icope na l políti cocriminal de R ox in), em: SCHÜNEMANN (ed.), Grund fragen des modemen Strafrechtssystems (Questões fund am entais do m o d ern o sistema jurídico pena l), D eGruyter, Ber lin/NewYork 1984, p. 84 e ss., especialmente p. 95 e ss. 106 . Neste po nto parecem e encontrarse o pec ad o capital do trabalho de KRATZSCH, no resto conseqüente, Gren zen der Straflarkeit im Notwehrrecht, 1968; quanto a isto vejase já a nota 96. 66
anterior, ése obrigado a fugir das agressões de crianças, ainda que isso não se extraia do sentido literal das palavras utilizadas no § 53, StGB107, mas só dos princípios de justificação delas derivados. Neste texto, tudo isso só pôde ser esboçado de forma rápida: talvez se tenha conseguido dar uma impressão da tarefa que a dogmática das causas de justificação ainda tem diante de si. IX
A terceira das categorias base de nosso sistem a — a culpabilidade — é cunhad a políticocri minalmente pela teoria dos fins da pena. Uma vez verificado que a ação do autor era errônea também do ponto de vista da regulação social de conflitos, falta ainda que o trabalho dogmático responda se um tal com portam ento m erece pena. Tudo o que se vai exam inar sob a pers pectiva da culpabilidade tem a ver com esta pergunta108. Começando com o mais simples: se al107. (N. do T.) É o artigo que regula a legítima defesa; vejase a nota 101. 108 . Estou cônscio de que com isso — bem como com a sugerida sistematização dos tipos — eu diviijo das opiniões sustentadas pelo restante da doutrina. Não sigo, em especial, a visão cada vez mais crescente qu e en xe rga a essência da culpabilidade unicamente no “ânimo defeituoso” do autor [Tal concepção foi criada por GAL LAS, no seu famoso estudo Zum gegenwàrtigen Stand der 67
guém — por qualquer razão que seja — não podia evitar o injusto típico por ele realizado, está excluída a punição desde qualquer teoria da pena imaginável: nada se poderá retribuir a um a culpab ilidade inexistente109; não há sentido em quere r intim idar a coletividade para que não provoque conseqüências indesejadas; e dispensar um tratamento especialpreventivo a uma pessoa cuja conduta não lhe pode ser reprovada é ou desnecessário ou, no caso dos doentes m entais, inalcançável por meio da pena. Tudo isso hoje é evidente, ainda que só tenha sido reconhec ido no curso de um longo desenvolvimento
Lehre vom Vebrechen (Sobre o estado atual da teoria do delito), ZStW 67, (1955), p. 1 e ss., especialmente pp. 4546, e tem como seguidores até hoje JESCHECKWEI GEND, Strafrecht..., § 38, II, 5; WESSELSBEULKE, Straf recht — Allgemeiner Teil, 28a edição, C. F. Müller, 1998, n. 401. (N. do T)]. Creio — como o deve demonstrar o texto — que tal só abarca um aspecto parcial da problemática. 109. Neste contexto abstenhom e de dizer que a retribuição seja um elemento inadequado da teoria dos fins da pena; vejamse, qu an to a isto, meus estudos a respeito do Sinn und Grenzen staatlicher Strafe (Sentido e limites da pen a estatal), em JuS 1966, p. 377 e ss., e de Franz von LISZT u nd die kriminalpolitische Konzeption des Altemativentwurfs (Franz von LISZT e a concepção políticocriminal do projeto alternadvo), em: ZStW, vol. 81, 1969, p. 613 e ss. [Ambos os estudos referidos encontramse traduzidos pa ra o portuguê s, n o volume Problemas Fun dam entais (ver n o ta 37). (N. do T.) ]. 68
jurídico. Mas a dogmática da culpabilidade não se esgota nesses conhecimentos. Pois a esta esfera pertencem também constelações nas quais haveria possibilidade de o resultado ser evitado, sendo exatamente aqui o lugar em que as antinomias da teoria dos fins podem tornarse dogmaticamente úteis. Mencionarei somente três exemplos: 1. Nas situações de força m aior form ulad pela lei como causas de exclusão de culpabilidade (assim, principalmente, §§ 52, 54, 53 III StGB110), é reconhecido que a possibilidade de agir de outra m aneira111 não deixa de existir.
110. (N. do T.) “§ 52. Estado de coação (Nòtigungstand). Não existe ação punível, se o agente for coagido a pra ticála através de violência irresistível ou ameaça de perigo, atual e inevitável de outro modo, pa ra a integ ridad e física ou a vida, de si próprio ou de parentes.” O § 54 previa o estado de necessidade exculpante, chamado simplesmente estado de necessidade, pois, à época , o justifican te era supralegal, n ão se encon trava positivado. “ § 54. Estado de necessidade (N otstand). Não existe ação punível, se, além do caso da legítima defesa, a ação for praticada em estado de necessidade, não cul pável, e inevitável de outro m odo, para a salvação de perigo atual para o corpo ou a vida do autor ou de seu paren te.” O § 53, III, cuidava do excesso da legítima defesa: “O excesso na legítima defesa não é punível, se o autor ultrapassou os limites da defesa por consternação, m edo ou pavor.” 111 . (N. do T.) O poderagirdeoutramaneira é, tradicio69
Cada uma das muitas guerras demonstrou que o ser humano é capaz de suportar perigos de vida, quando preciso for. Se apesar disso o legislador dispensa de sanção as ações praticadas quando existente um sério perigo para a integridade física112, tal se dá porque a irrepetibili dade de tais situações torn a desnecessária a prevenção, tanto geral como especial, e a — diminuta — culpabilidade, por si só, não consegue ju stificar a pena. Talvez fosse m aterialm ente mais correto falar de responsabilidade (Verant wortlichkeit) em vez de culpabilidade. Pois a culpabilidade é somente um dos fatores que decidem sobre a responsabilidade penal. Exatamente o fato de que profissões com dever de enfrentar perigos se subordinem a outras medidas de exculpação já comprova que pontos de vista preventivos podem decidir sobre a necessidade de pena, ainda quando seja idêntico o grau de culpabilidade. 2. O gan ho dogm ático de um a tal perspecti demonstrase especialmente ali, onde o legislador d eixou u m a conseqüência juríd ica em aber-
nalmente, o fundamento material da culpabilidade: “A culp abilidade (...) fu nd am en ta a reprovação pessoal contra o autor, por não ter deixado de praticar a ação anti jurídica, apesar de tal lhe ser possível.” (WELZEL, Das deutsche Strafrecht, 11a edição, Gruyter, 1969, § 19, I.). 112. (N. do T.) Caso do estado de necessidade excu lpante; vejase a nota 110. 70
to. O exemplo mais significativo é o da teoria do erro. O problema de como se deva tratar a suposição errô ne a dos pressupostos de justificação, que deu azo às mais acaloradas discussões científicas na década de cinqüenta, não pode ser resolvido nem através da teoria da ação, tam pouco de uma estrutura supostam ente p réju rí dica do dolo, ou de qualquer outra dedução lógicoconceitual113. Muito pelo contrário, a aplicação da pena por crime doloso só pode depender de exigirem ou não as tarefas do direito penal que alguém cujos intuitos estão em plena consonância com as idéias jurídicas do legislador, mas que por falta de atenção desconhece a situação exterior, deve ser tratado como delinqüente doloso. Tentei demonstrar em outro estu d o 114 que um a tal concepção — tam bém no erro sobre os pressupostos do estado de necessidade supralegal — é completamente errônea e que, em regra, mesmo uma pena por negligência em tais fatos é desnecessária e inadequada. Neste contexto éme importante somente
113 .
Quanto a isto, aprofundadamente, meu estudo Zur Kritik der finalen Handlungslehre (Contribuição à crítica da teoria finalista da ação), em: ZStW, vol. 74, 1962, p. 515 e ss. (p. 550 e ss.) [Este estudo está traduzido para o português, no volume Problemas Fundamentais (nota 37). (N. do T.)]. 114. Die Behandlung des Irrtums im Entwurf 1962 (O tratam en to do e rro no Projeto 1962), em: ZStW, vol. 76,1964 , p. 582 e ss. 71
aludir que as assim chamadas teorias do erro deveriam ser fundamentadas unicamente pela teoria dos fins da pena. Um divórcio entre construção dogmática sistemática e valoração políti cocriminal seria já de antem ão impossível. 3. O mesmo vale para a desistência115 na te tativa, que tradicionalmente é posicionada entre as causas pessoais de extinção de punibilidade116. Mas isto é errôneo: objeto de uma valoração juríclicopenal não são apenas m om entos parciais, mas todas as circunstâncias relevantes do fato global, isto é, a ação tentada, incluindo a desistência117.
(N. cio T.) No Brasil, costumase distinguir desistência voluntária e arrependimento eficaz, com base na terminologia do Código (art. 15); o autor, porém, usa o termo desistência em sentido amplo, abrangendo as duas modalidades de comportamento. 116. (N. do T.) O termo originai é “persõnlicher Strafauf hebungsgrund”. A doutrina alemã costuma distinguir entre causas de exclusão de punibilidade (Strafaus schliessungsgründe), concomitantes ao fato (ex.: furto entre parentes, art. 181), e causas de extinção da puni bilidacle (SLrafaufhebungsgründe), posteriores ao fato (ex. clássico: desistência da tentativa). Entre nós, ZAF FARONIPÍERANGELI (Manual de Direilo Penal Brasileiro, 2- edição, RT, São Paulo, 1999, ns. 450451) são dos poucos que fazem essa distinção; aderi à term inologia p o r eles proposta. U7. Tal corresponde, até este ponto, ao “conceito estendido de fato ” (erw eiterter Tatbegriff), desenvolvido po r LANGH1NRÍCHSEN; comparese o recente resumo em 115 .
72
.LANGH1NRICHSEN, Bemerkungen zum Begriff der “Tal” im Slrafreclit (Observações sobre o conceito de “ato” 110 direito penal), em: FestschriftfiirKarlEngisch (Estudos em homenagem a Karl Engisch), 1969, p. 353 e ss.; 366 e ss. (p. 371): “O objeto da valoração é o processo dinâmico da transformação voluntária de uma vontade originaria m ente voltada e atuada con tra o bem jurídico , num a vontade fiel ao direito, que é voltada para a evitação de lesões ao direito. Este acontecimento global compõe um fundamento de valoração unitário e novo, uma estrutura valorativa unitária, de novo nível, que deu motivo a que o legislador julgasse dc o u t r a m a n e i r a s o b r e o m e r e c i mento de pena.” Se LANGHINRICHSEN não quer posicionar a desistência voluntária 110 “plano da culpabilid ad e” , mas “no plano do m erec im en to de pen a do fato”, isto se deve principalmente a sua distinta concepção de culpabilidade, que não permite tomar em consideração os pontos dc vista das leorias da pena. Baseado em LANG IIINRICHSEN, SCHMIDHÀUSER, Slrafrechl, Mlg. Teil, 1970, pp. 498/99; também ele deduz o privilegio da desistência da teoria dos fins da pena, mas permanece na consideração de uma “excludente pessoal dc punibilidad e” (p. 497), po rqu e desco nhece a aqu i exposta disLinção en tre po ntos dc vista políticocriuiinais e político ju ríd i cos. Na literatura, a desistência é tratada como problem a de culpabilidade somente por SCHÕNKESCHRÒDER, Slrafgeselzbuch, 15a edição, § 46, nü 2, 38; (um tal proceder é também considerado “sensato” por RATJMANN, Strafrecki, Allg. Teil, 5a edição, 1968, p. 516 em cima). SCHRO DER po rém fala — sem mais fundam en tação — de u m a “causa de anulação de culpabilidade”, mantendo assim a valoração autônoma da tentativa e da desistência. Contra a opinião dominante voltase — com consideráveis ponderações sobre a orientação teleológica do sistema 73
Tam bém para o juiz não se trata de um a extinção da pena; ele deve, isso sim, decidir se em casos de desistência uma pena será ou não aplicada. Se o comportamento do autor arrependido necessita de uma sanção é uma questão genuinamente jurídico-penal, que por isso deve ser tratada, de maneira correta, no âmbito da cul pabilidade. Categorias como condições objetivas de punibilidade e causas de extinção ou de exclusão pessoal de punibilidade recebem seu conteúdo, pelo contrário, não de considerações político-ciiminais, mas de valorações polüico-jurídicas, de ca ráter indep en den te e geral em face das primeiras. Se a inclenidade do deputado118 ou a ausência da concessão de reciprocidade nas ações puníveis contra Estados estrangeiros devem obs tar a uma punição, isto não é decidido com base nos fins do direito penal, mas no interesse de que o parlam ento funcione, ou em ponderações jurídicopenal — tam bém Reinhard v. HIPPEL, Unlersuchungen über den Rüchtnll vovi Versuch (Estudos sobre a desistência da lentaliva), 1966, que porém vê a desistência como elem en to negativo do tipo; comparese, quanto a isso, a resenha de LANGHINRICHSEN, em: JR, 1968, 278/79. 118 . (N. do T.) Tratase da eximente prevista na Lei Fundamental, § 46, I, no revogado StGB, § 11, e no aLual, § 36, que declara isento de pena o deputado por declarações proferidas no exercício de seu cargo, com algumas exceções. 74
de política internacional. Assim também, o furto entre cônjuges119 só deve ser visto como causa cie exclusão pessoal de punibilidade, enquanto se considerar a defesa da paz familiar como a raíio deste dispositivo. Se considerarmos, por outro lado, que a especificidade da relação entre cônjuges já exclui o m erecim ento de pena, Lra tarseá cie um problema de culpabilidade, com a conseqüência, por ex., de que as questões de erro terão um tratamento completamente distinto. Visto deste modo, é indubitável que a desistência na tentativa não é um problem a jurídico político geral, mas um problem a especificamente políticocriminal. O conceito de voluntarieda de120, ao qual está vinculado o efeito liberador 119. (N. do T.) “§ 247: ... (2). O furlo ou a apropriação indébita praticados por parentes em linha ascendente contra parentes em linha descendente, ou por um côn juge contra o outro, não são puníveis.” O dispositivo foi alterado pela Lei de Introdução ao Código Penal, de 2 de março de 1974, que, reformulando o § 247 e todos os seus incisos, previu p ara estas hipóteses a ação pública condicionada à representação. I2ü. (N. do T.) Como dizia o revogado § 46, a voluntarie dade, em princípio, era pressuposto da relevância ju rídicopenal da desistência. “§ 46: (Desistência, arrependimento ativo): A tentativa enquanto tal é impunível, se o autor (1) desistir da execução da ação intencionada, sem que tenha sido impedido de executála por fatores independentes da sua vontade; (2) impedir, por ação 75
de pena da desistência, deve ser interpretado normativamente, e através da teoria dos fins da pena. No caso de alguém que erguera o braço p ara desferir seu golpe mortífero o abaixar, porque, no últim o instante não encon tra a coragem de matar a vítima, não pode ser de interesse para a voluntarieclade da desistência a pergunta, empiricamente quase insolúvel, sobre se para o agente era psicologicamente possível prosseguir121. Decisivo é, muito mais, que a desistência pareça irracional segundo a perspectiva do ofício criminoso (nach den MaBstáben des Verbre cherhandwerks), e, por isso mesmo, represente uma volta para a legalidade. Se for este o caso, como no meu exemplo, então deve ser afirmada de uma vez a voluntariedade122. Porque aquilo própria, a ocorrência cio resultado necessário à consum ação do crime ou delito (Verbrechen o der V ergehen ), em m o m e n l o c m que a conduta ainda não estiver descoberta.” O atual § 24 é mais claro, fazendo sempre a exigência da voluntariedade. 121 . Neste sentido, po rém , em geral, a jurisprud ência; comparese, fazendo um resumo, CGHSt. 9, p. 48 e ss. (p. 50), onde, ainda assim, pela primeira vez despontam consideraçõ es polídcocriminais 110 sentido da teoria dos fins da pena; comparese ob. cit., p. 52: “Pois uma pena não parece (...) mais necessária, para im pe dir que o au tor pratique futuros crim es, para intim idar outros, nem para restabelecer a ordem jurídica violada.” 122 . Desenvolvi essa concepção (com exemplos) de mane ira mais aprofun dad a na m inha Resenha de Literatura (Literaturbericlit), em ZStW, vol. 77, 1965, p. 96 e ss. 76
que o próprio autor reparou antes do advento do resultado não lhe precisa ser retribuído. Uma intimidação geral seria despicienda, e também o fim de segurança e emenda da pena desaparece. Determinante é não a força da pressão sobre a motivação psicológica, que leva o autor a desistir, mas a circunstância de que, numa análise global de seu comportamento, permaneceu o desistente no caminho do direito. O paradoxo psicológico com o qual a jurisprudên cia desde muito se teve de ocupar, qual seja, o de que a voluntariedade da desistência se torne tanto mais difícil, quanto mais fortes as reservas de consciência que afastaram o agente da consumação, é superado e dissolvido pela perspectiva aqui esposada. No caso oposto, vale algo análogo: se o autor só desiste, porque foi observado e teme uma delação, a consumação pode serlhe ainda facilm ente possível, como ocorre principalm ente aos delinqüentes de sanguefrio. Mas isto não interessa. Pois a abstenção de executar o fato aqui só demonstra que não temos um delinqüente desajeitado, mas sim esperto, segundo os padrões da racionalidade criminosa. A necessidade de prevenção especial não é dim inuída; e o mau exemplo dado pelo autor faz com que uma sanção penal também seja necessária por i~azÕes de prevenção geral. Uma tal desistência é, portanto, involuntária. 77
A formulação pouco feliz do § 46, SlGB123, e artifícios enganosos como a fórmula de Frank (“eu não quero, apesar de poder; eu não posso, apesar de querer”) por muito tempo provocaram que o conteúdo normativo do privilégio da desistência quase fosse enterrado por construções psicológicas forçadas. Nisto se mostram as fraquezas de uma dogmática que se esforçou muito pouco em desenvolver os principais pontos de vista valorativos da exclusão de pena pela lei, e tornálos a base do sistema. A bipartição puram ente conceitualconstrutiva entre tentativa, fundamentadora da pena (strafbegrün dencl), e desistência, anuladora da pena, e o daí deduzido posicionamento em uma especial “categoria do delito” é dogmaticamente improdutivo e fez com que a teoria da desistência se dispersasse numa multiplicidade de soluções, sem praticamente nenhuma correlação valorati va entre si. Assim é que se pode, por ex., partindo do critério políticocriminal acima proposto para a voluntariedade, tornar plausível a tese da jurisprudência, segundo a qual o autor deve ter desistido definitivamente de seu plano, se quer livrarse da pena. Já a questão da intensidade cia pressão motivadora, form ulada pelas teorias psi cologisantes (psychologisierenden Lehren),
123. (N. do T.) É o artigo que contém a desistência da tentativa, transcrito à nota 120. 78
nada fornece para a solução de problem as como este, de modo que a conclusão defendida pela jurisprudência, ainda que certa, perm anece sem sustentação dogmática124. 124. Algo similar vale para a distinção entre desistência e tentativa falha, em que a ju risp ru d ên cia (comparese BGIISt. 10, 129 e ss.; 14, 75 e ss.) ainda quer diferenciar psicologisticamente se o autor desejava alcançar o resultado já com a prim eira das ações parciais (falha) ou também com várias atividades individuais. Se uma ação parcial falha, só no segundo caso é que um a desistência seria possível. Se A, porém , desfere um a m achadada, com intenção de matar, em B, e pára depois do primeiro golpe, apesar de poder matar seu inimigo sem perigo, então a desistência é sempre voluntária, porque irracional do ponto de vista do ofício de matador. A pergunta com base n a qual a jurisp rud ên cia qu er resolver semelhantes casos, a saber, a de se o autor queria matar sua vítima com um só golpe (neste caso, tentativa falha) ou com várias machadadas (então, desistência voluntária), é logo de plano pouco sensata, porque leva a íleções psicológicas, d epend end o da conclusão desejada. No mesmo sentido a conclusão de OTTO, Fehlgeschlagener Versuch und Rücklnlt (Tentativa falha e desistência) GA 1967, pp. 144153; OTTO avalia um vasto m aterial da jurisprudência e indica expressam ente a concordância material com a minha concepção (ob. cit., p. 152, nota 34). Bastante correto também agora SCHMIDHÀUSER, Strafrecht, Allg. Teil, 1970, p. 502: “Se o autor tem vários projéteis na sua arm a, então a tentativa não será falha, enquanto o autor ainda acreditar poder continuar a atirar com chances de obter o resultado, sendo completam en te irrelevante, se o au tor qu eria m atar com um ún ico tiro ou com mais.” 79
Com isso quero concluir a série de exemplos. Eles podem, ainda assim, ter dado uma impressão — de maneira fragmentária — de que uma sistematização da responsabilidade penal através da doutrina dos fins da pena pode lançar uma nova e mais clara luz sobre muitas antigas questões controversas. Essa colocação deve ser com preendida, aqui, som ente como um programa: seu desenvolvimento, desde questões penais fundamentais, até os detalhes da dogmática da negligência, pressupõe mais do que pode ser ex posto neste curto espaço. Em vez disso, mais um palavra sobre o princípio nulla-poena: já que tam bém as elem entares da culpabilidade servem para definir a m edida do punível, tal princípio não pode ser tirado de vigor. Mas ele não desenvolve aqui — assim como não o fazia no cam po da antijuridicidade — um a força construtora de sistema, e também não impede o legislador de manter em aberto questões não esclarecidas de exclusão de culpabilidade. Demonstrao o tratam ento de inúm eras questões de erro no direito vigente e futuro, bem como o papel da inexigi bilidade nos delitos omissivos e negligentes, nos quais as causas de exclusão de culpabilidade cunhadas para os delitos dolosos de comissão nem sempre satisfazem as exigências do princípio da culpabilidade. Preencher tais áreas vazias do mapa doutrinai, num trabalho sistemático, com ajuda de parâmetros políticocriminais, é uma 80
tarefa inadiável. O postulado nullum-crímen não se opõe a isto J á que ele não im pede nem mesmo a criação de novas excludentes de ilicitude. Onde, por outro lado, o legislador se manifestou, não pode a sua regulação ser contornada por meio de analogias contra o autor, ainda que elas pareçam pouco adequadas à luz dos princí pios normativos da teoria da culpabilidade. Isso vale, por ex., para a formulação objetiva cio § 4G, n. 2, StGB125, que em muitos casos liberta de pena, ainda que ausente a voluntariedade da desistência126. Aqui é dever da dogm ática encontrar tais desarmonias e estimular o legislador a que as elimine127. Que, por outro laclo, o melhor conh ecimento já possa ser utilizado em favor do autor, mesmo de lege lata, compreendese por si só.
125. (N. do T.) Vejase a nota 120. 126 . Que aqui não possa ocorrer de lege lata um a “correção valorativa” contra o autor corresponde à opinião dominante, mas não unânime. 127. Como ocorreu no novo § 24, n. 1 [Determina este dispositivo: “§ 24. Desistência. (1) Não é punido por tentativa, aquele que voluntariamente desiste de prosseguir na execução do ato ou impede a sua consumação. Se o ato não se consumar sem a intervenção do desistente, não será este punível, se tiver ser esforçado voluntária c seriam ente a evitar a consum ação.” (N. do T .)], da 2a Lei de Reforma. 81
X Para concluir este esboço, farei algumas ob servações que resumirão ou irão além, do ponto de vista sistemático, do já apresentado. Direito penal e política criminal: se se seguir o que de m onstrei, não se trata de opostos, como são apre sentados pela tradição de nossa ciência. O direi to penal é muito mais a forma, através cia qual as finalidades políticocrimináis podem ser trans feridas para o m od o da vigência jurídica. Se a teoria do delito for construída neste sentido, teleologicamente, cairão por terra toclas as crí ticas que se dirigem contra a dogmática abstra taconceitual, herdada dos tempos positivistas. Um divórcio entre construção dogmática e acertos polídcocriminais é de plano impossível, e tam bém o tão querido procedim ento de jog ar o trabalho dogmádcopenal e o criminológico um contra o outro perde seu sentido: pois transformar conhecimentos criminológicos em exigências polídcocriminais, e estas em regras ju rídicas, da lex lata ou ferenda, é um processo, em cada uma de suas etapas, necessário e importante para a obtenção do socialmente coireto. Uma tal introdução da políticacriminal no campo jurídico da ciência do clireito penal não acarreta a desistência ou relativização cio pensam en to de sistema, cujos rendimentos para a clareza e segurança jurídic as são indispensáveis; 82
pelo contrário, um sistema teleológico como o aqui esboçado deixa transparecer as estruturas internas de determinado ramo do direito, que só podem estar 110 mundo normativo, de modo muito mais nítido que um sistema deduzido de axiomas ou abstrações. Por fim, apesar de sua fundamentação normativa, uma tal dogmática está bem mais estreitamente ligada à realidade que a feita no reino das pirâmides sistemáticas de conceitos. Pois enquanto abstrações cada vez mais altas se afastam numa razão crescente da realidade, o desenvolvimento dos pontos de vista políticocriminais exige que passe em revista toda a matéria de regulamentação; só a variedade da vida, com todas as suas transformações, possibilita a concretização das medidas que perm item um a solução correta, isto é, adaptada às peculiaridades do caso concreto. O tão utilizado pensamento através da natureza das coisas128 significa som ente que um ponto de vista valorativo pode, de pendendo do substrato de regulação sobre o 128 .
(N. do T.) O pensam en to através da nature za da coisa (N atur d er Sache) é a base de toda a dogmática finalista, que quer extrair da realidad e préjurídica, das chamadas estruturas lógicoreais (sachlogisclie Strukturen), conseqüências para a teoria do delito. Vejase, por ex., Armin KAUFMANN, Die Dogmatik der Unlerlassungsdelihte (A dogmática dos delitos omissivos), 2a edição, Otto Schwarz Verlag, Góttingen, 1988, pp. 1621. 83
qual seja aplicado, levar a conclusões essencial mente diversas129. Exatamente daí decorre a crescente autono mização relativa da dogmática da omissão e da negligência, ou a tendência de construir uma sistemática de grupos de casos, que se expanda por toda a m atéria jurídica130, como a apresentei no exemplo da legítima defesa131. Naturalmente 129. São orientadores, aqui, principalmente os trabalhos de STRATENWERTIT, Das rechislheorelische Problem der “Natur der Sache” (O prob lem a jurídicoteórico da “n atureza das coisas”), 1957, e Arthur KAUFMANN, Ánalogie und “Natur der Sache”. Zugleich ein Beitrag zur Lehre vom Typus (Analogia e natureza das coisas. Também uma contribuição à teoria do tipo), 1965. Comparese, tam bém , o volume editado p o r ArLhur KAUFMANN, Die onlologische Begriindung des Rechts (A fundamentação onto lógica do direito), 1965, que contém, ao lado de numerosos estudos importantes sobre o tema, também uma vasta bibliografia da literatura correspondente. 130. (N. do T.) Como na nota 99. ist. Este procedimento metodológico vale, de resto, não só para a dogmática cia parte geral, mas também para a parte especial do direito penal. Foi assim que, por ex., em meu estudo sobre Geld ais Objekt von Eigenlums und Vermõgensdelihle (O dinhe iro como objeto dos crimes contra a pro pried ad e e o patrim ônio), em: Feslschri.fifürHellviuth Mayer (Estudos em h om enag em a llellm uth M ayer), 1966, p. 467 e ss., tentei comprovar que a ralio legis que fundamenta os diferentes crimes contra a propriedade, levandose em consideração a especial função social do dinheiro como uma corporificação de uma soma de valores, deve levar a conclusões diferentes das que surgem 84
existe aqui também uma estreita vinculação às tendências de concretização ou individualização do direito penal132, tais quais vêm sugeridas de maneira convincente em novas monografias metodológicas. A fraqueza dos sistemas abstratos não está somente em sua posição defensiva contra a política criminal, mas, mais geralm ente, no desprezo pelas peculiaridades do caso concreto, 110 fato de que, em muitos casos, a segurança jurídica seja salva à custa da justiça. Estas palavraschave só querem de m on strar quão num erosos deveriam ser os esforços metodológicos a serem feitos sobre as mais diversas matérias, para a construção de um tal esboço de sistema. Isto não pode ocorrer agora. Só desejo apontar para uma última conseqüência sistemática importante. Quase todas as teorias do delito até hoje construídas são sistemas de elementos, isto é, elas dissecam o comportamento delitivo em nos delitos contra “coisas”, lista opinião seguem agora GRÍBBOHM, Die rechtswidrige Zueignung verlrelbarer Sachen (A apropriação antijurídica de coisas fungíveis) em: NJW 1968, p. 240 (que a aplica a todas as coisas fungíveis) e Die ter MEYER, Zum Problem der Ersalzhehlerei an Geld (So bre o problem a da receptação substituída por dinheiro), em: MDR 1970, p. 377. ]32. Fundamentais: ENGISCH, Die Idee der Konhretisierung in Recht und Rechtswissenschaft unserer Zeit (A idéia da concretização no direito e na ciência ju ríd ica de nosso tem po), 1953, 2a edição 1968; HENKEL, Recht und Individualitát (Direito e individualidade) 1958. 85
um número de diferentes elementos (objetivos, subjetivos, normativos, descritivos etc.), que são posicionados nos diversos estratos da construção do crime, constituindo algo como um mosaico do quadro legislativo do fato punível. Esta forma de proceder acaba levando a que se votem grandes esforços à questão sobre que posicionamento no sistema do delito deve ocupar esta ou aquela elementar do crime; podese descrever a história da teoria do delito nas últimas décadas como uma migração de elementares dos delitos entre os diferentes andares do sistema133. Seguindose a concepção aqui desenvolvida, a própria pergunta j á parece com pletam ente diferente: é sempre o fato global que eleve ser considerado sob a perspectiva das diferentes categorias do delito134. Daí decorre que nem todos os momentos da situação da conduta sejam igualmente im po rtantes para a dpicidade, a antijuridicidade ou a culpabilidade; p or ex., é supérfluo observar um a ação justificada também sob o ponto de 133. Acertad a, q uan to a isso, a crítica de NOLL, em: ZStW, vol. 77, 19G5, pp. 14, 134. A presen tei este pro ced im en to, sob p ontos de vista metodológicos e sistemáticos, em meu trabalho Einige Bemerkungen zum Verháltnis von Rechisidee und Rechlssloff in der Systevuitik unseres Strafrechls (Algumas observações so b re a relação entre idéia de direito e m atéria ju ríd ica na sistemática de nosso direito penal), em: Gedàchtnisschrift fü r Gusíav Radbruch (Estudos em m em ória de Gustav Rad b ru ch ), 1968, p. 260 e ss. 86
vista cia responsabilidade pessoal. É, porém — e aí eslá a diferença essencial —, errado considerar que qualquer circunstância, por ter im portância para o tipo, já não pode mais significar nada para a culpabilidade. A conhecida controvérsia, sobre se o dolo “pertence” ao tipo ou à culpabilidade, é, portanto, um problema aparente135. O dolo é essencial para o tipo, pois sem ele a descrição legal do delito não poderia ser determinada como exige o Estado de Direito; mas ele também é relevante sob o aspecto da culpabilidade, porque tem a função de distinguir a form a mais grave de culpabilidade da mais leve (a negligência), devendo ser formulado também levandose em conta os princípios valo rativos desta categoria do delito. Tais elementares duplam ente relevantes existem também n outros setores: assim é que várias elementares de ânim o136 contribuem para a descrição do fato e são, por isso, relevantes para o tipo, enquanto, 135. Com perspicácia escreveu ENGISCII já em 1957, em SG, p. 187: “É difícil de acreditar, mas é a pura verdade: este pro blem a sistemático está lioje no cen tro das discussões criminalísticas.” 136. (N. do T.) São as chamadas “ Gesinnungsmerkmale”, como (dando exemplos do nosso Código), o motivo tor pe e fiitil, no hom icídio qualificado, a influência do estado puerperal, no infanticídio. Vejase, a respeito, o trabalho de SCHMIDHÀUSER, Gesinnungsmerkmale im Strafrecht (Elementares de ânimo no direito penal), MohrSiebeck, 1958. 87
por outro lado, servem para a especificação da responsabilidade, desempenhando também um papel sob pontos de vista da culpabilidade. O estado cie necessidade exculpante tem ao mesmo tempo importância como causa de diminuição do injusto, porque, ao lado do efeito de lesão a um bem jurídico, tem igualmente, ainda que não preponderantemente, efeitos salvadores. Isto tudo pode tornarse essencial para questões de participação e erro, não só desobrigando o trabalho dogmático de problemas supérfluos de posicionam ento, como contribuindo para a obtenção de conclusões adequadas. Com isso concluo. Se me permiti chamar a atenção dos senhores para questões sistemáticas fundamentais da teoria geral do delito, estou consciente de que se trata de tarefas que não podem ser resolvidas sob a form a de uma palestra. Porém, interessavame, sobretudo, demonstrar ao menos em seus princípios que também a sistemática do direito penal, que muitos consideram esgotada em suas possibilidades, precisa sempre ser repensada desde seus fundamentos. As transformações da política criminal e de nossa consciência metodológica ocorridas nos últimos anos precisam transformar consigo o sistema de nossa parte geral, se ele quiser manter sua capacidade de rendimento, de forma que, neste campo, estamos sempre outra vez no começo. 88
Posfácio1
Para minha alegria, o pequeno escrito, que agora vem publicado em sua segunda edição, enco ntrou elevado interesse tanto n a Alemanha, como 110 exterior2. Na m edida em qu e o perm itir o espaço limitado de um posfácio, desejo dar prosseguim ento ao clebate e tom ar posição a respeito de algumas críticas que me parecem especialmente importantes. 1. STl^ATENWERTII3 aponta resemi.s cont minha “tese fundamental”. Está ele de acordo 1. (N. do T.) A crescentad o pelo autor à segund a edição de seu livro, de 1973. 2. Das resenlias detalhadas, aponto princ ipa lm en te HEI N1TZ, ZStW, vol. 83, 1971, p. 756 e ss.; DREIIER, GA 1971, 217 e ss.; STRATENWERTH, MSchrKrim 1972 196/197; BLEÍ, JA 1971, StR 103. Da literatura estrangeira, indiquemse, sobretudo, a introdução de MUNOZ CONDE à edição espanhola do livro (ob. cit., pp. 514) e as explicações de SEIKEI HOAKU, 1972, n. 3, p. 146 e s.; à edição ja p on es a acrescentei um prefácio au tôn omo. 3. Ob. cit., p. 197. 89
comigo, admitindo que na dogmática penal se trate de “decisões valorativas” com base em determinados princípios ordenadores. Mas pensa que não se trate aqui de decisões especificamente políticocriminais. “A política criminal só Lerri a ver com as reações jurídicopenais necessárias ou úteis para o combate da criminalidade. O princípio nullum-crimen não preen che, po rtanto, nenhuma finalidade políticocriminal, só podendo, pelo contrário, ser um obstáculo à persecu ção de comportamentos paralegais, que conhe cidam ente se transform am em verdadeira criminalidade.” O que STRATENWERTH está apresentando é a concepção dualista de LISZT, que é exatamente o que eu quero superar4. Será difícil afirmar que, de acordo com a mentalidade atual, seja políticocriminalmente sensato reprimir através da pena, sem Adnculação a tipos ou ao princípio da culpabilidade, todos os possíveis co m po rtam entos “ paralegais”. A tensão en tre o interesse da persecução e o da liberdade, pelo contrário, é inerente ao conceito de políticacri minal; tratase de uma harmonização, daquela síntese dialética, da qual já falei acima (p. 20 e ss.), que deve ser exigida tanto da política cri4. HEIN ITZ, pelo contrário, confessa sua concordâ ncia “irre strita ” coin este “p on to de pa rtida ” das minhas considerações, ob. cit., p. 759: “A velha divisão entre dogmática e política criminal não consegue mais sustentar se.” 90
minai, como de toda política racional5. Além disso, reconhecese desde os tempos de FEUER BACI I que a preve pre venç nção ão de am eaça realiza re alizada da pelo pe lo pr p r i n c í p i o nullum-crimen seja um funda fun dam m en ento to bá básico sico po polílicoc lílicocrim rimina inal; l; as as funçõ fun ções es de m otivação otivaç ão66 e cie garantia desempenhadas pelos tipos são dois laclos da mesma finalidade políticocrimi nal. 2. Q uan uanto to à categoria categ oria da an anti tijuridici juridicida dadd pe p e n s a STR ST RA T E N W E R T H : “ Q u e se d e v a m d e c idir conflitos valorativos na categoria da antijuridicidade, está completamente correto; mas estes conflitos não são de natureza políticocriminal.” Eu mesmo, porém, ressaltei que os princípios sócioregul sócioreguladores adores da teoria d a justificaçã justificaçãoo — que, segundo me parece, devem ser sistematizados de acordo com os pontos de vista que desenvolvi — derivam derivam “da ordem ord em ju ríd ic a como um todo” (p. 52), levando em conta tarefas “de toda a ordem ord em ju r íd ic a ” (p. 32) 32). Mas Mas que, no tocante aos limites do injusto penal, se devam usar ta tais princípios princ ípios n a interpre inte rpretaç tação ão das decis decisões ões valorativas polídcocriminais do legislador, isto 5. Comparese, Com parese, q u a n to a isso, sso, referindo referin dose se às às teorias teo rias da pe p e n a , tam ta m b é m m e u s Strafrechtlichen Grundlagenprobleme (Probl (Problemas emas fun da dam m en tais de direito direito p en al), [Trat [Trata ase se da coletânea de estudos estudos j á referid a à no ta 37, de qu quee ex exis istte tradução portuguesa. (N. do T.)], 1973, p. 27 e ss. 6. Assim Assim o term te rm o de d e MUN M UNO O Z CONDE CO NDE,, em ZStW ZStW,, vo vol. l. 84, 1972 1972,, p. 768.
me parece fora cie dúvicla. Por exemplo, as questões sobre a legitimação e o campo de aplicabilidade lidade do p rincípi rincípioo da proteção da ordem ju r ídica dic a (comparem (com parem se p. 5354 5354), ), que cada cad a vez alcanalcan çam lugar mais proeminente na atual discussão sobre a legítima defesa7, são na verdade um pro bl b l e m a q u e diz di z c o m o a lca lc a n c e d a p r o t e ç ã o d a d a pe p e l o o r d e n a m e n t o j u r í d i c o a va v alore lo ress c o m o a vicia vicia e a saúde. Tratase, aqui, do ponto em que termina a legítima defesa, e que tem início a criminalidade (geralmente grave). O que é, como diss dissee há po u co 8, “m en enos os um problem p roblemaa de de du ção e ‘c ‘c o n stru str u ç ão ’ dog dogm m áticoco áticoconceitual nceitual do que um problema sóciopolítico de primeira categoria.” E isso se torna uma questão polídcocrimi nal, a partir do momento em que levarmos em c o n ta que q ue não só as as conseqüências conseqüên cias jurídicas, jurídicas, mas também a decisão sobre o se da pena, pertence aos temas da política criminal, a qual não passa de uma componente da política social, e que 7. E também 11a ju risp ru d ên cia . O BGH, BGH, em seu mais mais re ce n te ju lg a d o sobre sob re este este prob lem a (BGHS (BGHStt 24 24, 39 39G e ss.), referese expressamente ao trabalho de LENCKNER e ao m eu (ob. (ob. ci cit., p. 359), e o T ribun al Federal Suprem Su prem o da Áustria (AZ: 13 Os 83/728), fazendo referência às colocações acima postas (p. 23, nota 68), questiona em pr p r i n c í p i o a c o m p e t ê n c i a d o s ind in d i v í d u o s p a r a a “ p r o t e ç ã o da ordem jurídica”. 8. N u m c o m e n tário tá rio a B G H St 24 24,, 356 356 e ss., em NJW NJW 19 1972 72,, 1821 e ss. = ESJ Strafrecht, Allgemeiner Teil, Teil, 1973, Caso 14, p. p . 3 4 e ss. ss. 92
deve ser interpretad a no con deve contexto texto do instrum instrumen en tário geral dos mecanismos sóciopolíticos cie regulação. Algo correspondente poderia ser demonstrado de modo bastante frutífero também nas outra o utrass caus causas de justificação justificaç ão — espec esp ecialm ialm en ente bem no estado de necessidade supralegal9. 3. P or fim, qu quan anto to à “cu “c u lpab lpa b ilidad ilida d e” , obser STRATENWERTH que as questões pertinentes a essa essa catego ca tegoria ria sistem sistemática ática “ d ificilm en ente” te” se res po p o n d e m “ atrav tr avés és d e u m r e c u r s o d i r e t o a c o n s iderações preventivas”, porque são “freqüentemente demasiado complexas” para tanto. Penso eu, porém: por trás da doutrina das condições da responsab respo nsabil ilidade idade juríd icop ico pen en al (ou se seja, da da d o u trina da culpabil culpabilidade idade,, no n o senti sen tido do da lingualinguagem tradicion trad icional), al), precisamos precisam os torn to rn a r visível a teoteo ria dos fins da pena, como a motivação político criminal do legislador, que deve orientar a interpretação. Certamente as exigências feitas por esta teoria são “complexas”, mas mesmo assim considerações legislativas de prevenção geral e especial acabam por aparecer por trás dos pro bl b l e m a s d a “ c u l p a b i l i d a d e ” , l i m i t a d o r e s d a
Comparemse meus comentários ao BGHSt 12, 299 e ss., 13, 297 e ss., na minha coletânea E SJ Strafrech Strafrecht,t, AllgeAllgemeiner Teil, Teil, 1973, p. 40 e ss., 43 e ss.; e também minha análise cia “contrariedade social” como constituidora do injusto em Strafrechtliche Grundlagenprobleme Grundlagenprobleme (Problemas Fundamentais do Direito Penal), 1973, p. 184 e ss. 9.
93
p e n a 10. Se tam bém pontos de vista adicionais desempenham algum papel, como parece pensar STRATENWERTH11, deve ainda ser melhor investigado. Eu, porém, não acredito nisso12; pois se, entre as circunstâncias que isentam de pena, decidimos lançar aquelas que são inde pendentes da doutrina dos fins da pena em outras categorias, como a das excludentes pessoais ou cias condições objetivas de punibilidade etc., não haverá necessidade de transformar a teoria da culpabilidade num conglomerado de topoi
10 .
HEINÍTZ (ob. cit., p. 760) considerou esta “idéia so bre a teoria da culpabilidade” “especialm ente convincente e produtiva”. 11. Quanto à teoria da culpabilidade de STRATEN WERTII, comparese minha resenha de seu Allgemeiner Teil (Parte Geral) em ZStW, vol. 84, 1972, p. 993 e ss. (pp. 10041006). 12 . A diminuição do injusto, que STRATENWERTH, apoiandose em NOLL, com acerto considera em muitos casos relevante para a exculpação ( Allg. Teil, p. 174), só faz confirmar meu pensamento: pois se nos casos de diminuição do injusto (como, por ex., § 54, StGB [O dispositivo referese ao estado de necessidade; para o texto, vejase a nota 110. (N. do T.)] a “culpabilidade”, como diz STRATENWERTH, permanece “abaixo do limite da i'elevância penal”, ou seja, (apesar de sua existência!), não é considerada pelo legislador como motivo de uma sanção, isso decorre de que a pena parece su pérflua p o r motivos de prevenção geral e especial (com parese acima, pp. 3031, 6769). 94
heterogêneos, que dispense qualquer unidade sistemática. 4. A m inha proposta de reestru turar a ca goria da responsabilidade p artind o da teoria dos fins da pena também não implica, ao contrário do que entende DREHER13, um “retorno a uma cláusula geral, ainda mais vaga que cláusula da exigibilidade de FREUDENTHAL, com que se pode fazer de tudo, da mesma form a que nada”. E óbvio que não se poderá afirmar a exclusão da culpabilidade, simplesmente porque o juiz, no caso concreto, deseja negar o merecimento de pena. Interessame, isso sim, interpretar as regras legais ou costumeiras de exclusão de cul pabilidade partindo da ralio que as fundam enta. De acordo com essa concepção, por ex., a ine xigibilidade não poderá ser considerada como causa geral de exclusão de culpabilidade nos delitos dolosos, porque, neste campo, o legislador regulou individualmente as situações de res ponsabilidade excluída, tom ando um a decisão (segundo o seu en tend im ento dos fins da pena) que não pode ser corrigida pelo juiz. O dever do intérprete limitase a tomar as considerações legislativas dos fins da pena como parâmetro orientador da descoberta do direito (Rechtsfin dung), na utilização concretizadora das normas legais e no desenvolvimento cauteloso da dog 13. Ob. cit., p. 218. 95
mática cia culpabilidade pelos espaços deixados ein aberto pelo direito vigente (tais como na teoria da negligência e da omissão, ou nas situa ções de estado de necessidade exculpante supra legal). Eu demonstrei acima (p. 09 e ss.), através de alguns exemplos, o que exatamente penso14, e não acredito que minhas propostas careçam de clareza e definição. 5. Por fim, muitas indagações foram gera pela relação entre a idéia sistemática proposta, de fundamentação políticocriminal, e a cons trução teleológica de conceitos 110 direito penal, que nos foi legada pelo neokantismo15. Não me escapou que esta corrente metodológica tenlia desenvolvido “valiosos pontos de partida para a introdução de orientações polídcocriminais no trabalho dogmático” (acima, p. 20). A mim in teressa, porém, tomar os pontos de vista valora tivos esparsos e os pôr à prova em sua legitimidade políticocriminal — assim, a título de exem H. Enquanto minhas idéias sobre o tratamento da teoria do erro já foram desenvolvidas anteriormente sob o ponto de vista da concretização dos lins da pena (ZStW, vol. 76, 1964, p. 582 e ss.), eu as repeti expressamente (Fes Ischrijl fiir Heinilz [Estudos em homenagem a Heinitz], 1972, pp. 251276) para o problema da desistência da tentativa (vejase acima, pp. 75 e ss). 1 5 . Vejase, assim, DREHER, ob. cit., p. 218; VVELZEL, Festschrift Jiir Maurach (Estudos em homenagem a Mau rach), 1972, p. 6, nota 16.
pio, seria inadmissível contornar a função de garantia do princípio nullum-crimen através de uma interpretação teleólogicaextensiva, orientada pelo bem jurídico (comparemse pp. 4548) — desenvolver sistematicamente tanto suas peculiaridades como suas correlações, e apontar a predom inância de distintas orientações valorati vas nos diversos elementos da estrutura do delito. A prevenção de ameaça desem penhada pelos tipos, os princípios ordenadores da categoria da antijuridicidade, que por vezes deitam raízes no seio da política social geral, e a concretização dos fins da pena tendo em vista o autor, presente na dogmática da culpabilidade, cada um desses valores tem funções que lhe são de tal modo específicas, que minha concepção talvez supere um pouco o simples apelo à desejabilidade do pensam ento teleológico na dogmática penal. E certo que a crescente com plexidade dos esforços políticocriminais e a entrega de determ inadas tarefas a categorias sistemáticas individuais corre o perigo de gerar uma grande imobilidade dos respectivos pontos de vista valorativos16. Este não seria o meu intento. Não nego, de modo algum, que no tipo (dentro dos limites de um princípio 16 .
Assim é que lam enta JESCHECK a “ fixação m uito unilateral clesses pontos de referência” (Allg. Teil, 2a di ção, 1972, p. 163, nota 71); tam bém a crítica de DREIIER, ob. cit., aponta neste sentido. 97
nullum-crimen levado a sério) seja sensata uma interpretação partind o do bem jurídico protegido, e que conflitos de interesses, pertencentes em regra ao campo da antijuridicidade, já podem surgir no tipo17. As diretrizes políticocri m inal de sistematização e interpretação por mim apontadas devem ser somente motivos retores (leitmotive) (p. 29), princípios ordenadores, com predominância na hierarquia dos lopoi a serem sopesados, que não têm pretensão da exclusividade, nem de sufocar outros pontos de vista; isto nos faria retomar àquele esquematis mo que com razão se critica aos sistemas lógico conceituais, agora sob um rótulo políticocrimi nal. Se isto não ficou claro, em parte ou outra desse meu plano, tratase de uma falha dificilmente evitável em face de ter o pequeno escrito a natureza de esboço: as múltiplas nuances da p in tu ra já executada até o fim não se deixam
17. Vejase acima, p. 4548, onde “o campo de punibilida de indispensável p ara a proteção do bem ju ríd ico ” o rien ta a inte rpreta çã o teleológica, e p. 49, nota 85, onde é ressaltado que, po r vezes, “direitos de intervenção já tenham eficácia excludente de tipicidade”. A crítica de DREHEll, ob. cit., p. 218, não atinge a minha concepção. Também indiquei no texto (p. 44, nota 78) que, de acordo com o estágio atual da dogmática, nem todos os crimes negligentes possam ser considerados delitos de dever, como anteriormente eu o pensava (o que DREHER, ob. cit., corretamente observa). 98