PO RT Õ ES D A PRÁ TI CA BUDI ST A Ensinam ento* esseneiau de um U m a tibetano
Chagdud Tulku Rinpochc
MA1KAXA
PORTÕ ES D A PRÁTI CA B U DIS TA Ensinamentos essenciais de um lama tibetana
PORTÕ ES D A PRÁTI CA BU D I STA Ensinamentos essenciais de um lama tibetano
E DI ÇÃO A M PLIAD
A E REVI
ChagdudTulku Rinpoche
Tradução Manoel Vidal Candida Bastos
Makara | 2013
SADA
a h c o R i a n o R ©
S.Em.a Chagdud Tulku Rinpoche (1930-2002)
Editora Makara, 2010 Todos os direitos estão reservados. N enhuma parte deste livro pode ser reproduzida de nenhuma forma ou por nenhum meio, eletrônico ou mecânico, inclusive fotocó pia, gravação ou qualquer sistema de armazenagem ou recuperação, sem a prévia autorizaç ão por escrito da edit ora. Texto revisado conforme o Acordo Ortográfico de 1990 © Rigdzin Editora 1996,2000, © Edições Chagdud Gonpa 2003, © Makara 2006,20ro Edição Ampliada e Revisada Título do srcinal Gates to B uddh ist Practice. Essenti al Teachi ngs o f a Tibetan Master
Tradução Manoel Vidal Tradução dos acréscimos Candida Bastos Revisão Com itê de Tradução Makara Alex Mourão Terzi Pro jeto Gráfico e Capa Rita da Costa Aguiar Diagramação Leika Yatsunami Dados Internacionais de Catalogação e Publicação (CIP) R582p
Rinpoche, Chagdud Tuiku Portões da prática budista : ensinamentos essencia is de um Lama tibe tano /Ch agd ud Tuiku Rinpoche: traduçã o de Manoel V idal e Can dida Bastos. - 5. ed. ampliada e revisada. - Três Coroas: Makara, 2010 . 2 9 6 p.: il. isbn
: 978-85-89543-18-7
Editado srcinalm ente em inglês com o título: Gates to Buddhist practice : ess ent ial tea ching s o f a Tib etan mast er 1. Budismo tibetano.
2 . Budismo - ensinamentos.
I. Título.
CD U 242 CDD 294-3 Bibliotecário Respons ável C at heri
ne
da
S il va C unha
CRB 10/1961
EDITORA MAKARA Caixa Postal 121 95660-000 Três Coroas - RS - Brasil
+55 51 3546-8217
[email protected] www.makara.com.br
SUM ÁRIO
Prefácio à Primeira Edição Brasileira
09
Prefácio à Edição Brasileira Ampliada
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PARTE I A DESCOBERTA
DO CAMINHO DA LIBERDADE
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1 A Roda em Movimento
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2 O Trabalho com o Apego e o Desejo
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3 O Trabalho com a Raiva e a Aversão
31
4 O Trabalho com a Ignorância
40
5 A Vida Diária como Prática Espiritual
47
PARTE II OS QUATRO PENSAMENTOS
QUET RANSF ORMAM A MENTE
61
6 A Importância dos Quatro Pensamentos
62
7 O Lama
65
8 O Nascimento Hum ano Precioso
68
9 A Impermanência
75
lOOCarma
84
110
103
Oceano de Sofriment o
12 Como Con temp lar os Qu atro Pensamentos
113
PARTE III 0 REFÚGIO E A BODITCHITA
129
13 O Refugio
130
14 0 Nascimento da Boditchita
142
15 As Boditchitas da Aspiração e da Ação
155
PARTE IV INTRODUÇÃO AO VAJRAYANA 16 A Revelação da Natureza Fundamental *
175 176
17 A Fé
200
18 A Oração
206
19 Conversa com um Alun o
212
20 A Preparação para a Morte
220
PARTE V NO CAMINHO VAJRAYANA
235
21 Guru Ioga
236
22 Intro duç ão à Grande Perfeição
254
23 A Mente da Atividade, a Natureza da Mente
263
Glossário
271
índice remissivo
280
PRE FÁC I O À PR IM E IRA EDIÇÃO BRASILEIRA
Os ensinamentos de Buda oferecem um meio infalível pelo qual os praticantes sinceros podem transcender o sofrimento in findável da existência cíclica e revelar sua própria natureza budica. Esses métodos, preservados em linhagens ininterruptas de saber escolástico e realização espiritual, foram, de acordo com uma antiga profecia, trazidos para o Ocidente nestes tempos em que “o pássaro de ferro voa”. Eu pude contar com a boa sorte de rec eber de muitos mestres tibetanos santificados a transmissão desses ensinamentos preciosos da mente iluminada e também de contemplar e meditar sobre essa sabedoria inexprimível. Desde a ocupação de meu país pelos chineses, os ventos do carma me impeliram para o m un do ocidental e, agora, para a América do Sul. A publicação da edição em língua portuguesa de da Prática Budista ocorre
Portões
às vésperas de minha transferência para o
Brasil. Essa mudança foi inspirada pela interdependência existente entre, de um lado, a fé e a devoção sincera dos brasileiros que en contrei e a aspiração de muitos alunos de que os métodos profun dos do bud ismo Vajrayana — em particular, os da Grande Perfeição — criem raízes firmes no solo brasileiro; e, de outro lado, o meu compromisso de int rodu zir esses ensin ame ntos onde quer que haja necessidade e intenção autêntica de aplicá-los. Causa-me enorme satisfação a oport unida de de aju dar a abrir os caminhos da compai xão e da sabedoria infinitas de Buda para o povo brasileiro.
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Os métodos de Buda são infalíveis, mas somente se praticados. O senti mento qu e trago em meu coração é o de que este livro venha inspirá-los a encontrar um professor qualificado e a se dedicar ao caminho espiritual com seriedade. Pela força desta virtude, possam vocês e todos os seres despertar do sonho da existência cíclica e as sim revelar a pureza da sua verdadeira natureza. C hagdud
Rin p o c h e
| Chagdud Gonpa Rigdzin Ling,
Junction City, California, EUA, Fevereiro de 1995
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PREFÁ CIO À EDIÇÃO BRASI LEI RA AM PLI AD A
S.Em.a Chagdud Tulku Rinpoche nasceu no Tibete Oriental em 12 de agosto de 1930 e morreu no templo tibetano que cons truiu no sul do Brasil em 17 de novembro de 2002. A jornada que fez de um lado do m un do para o ou tro, do Oriente para 0 Ocidente, do Norte para o Sul, foi motivada por uma única intenção: a de guiar os seres sencientes para a liberação última através dos ensina mentos budistas de contemplação e de meditação. Assim ele o fez incansavelmente, com compaixão e sabedoria inabaláveis. Milhares de pessoas escutaram seus ensin amentos e os praticaram com serie dade, transformando suas vidas com eles. Como o título promete, este livro de fato serviu como um “portão” para a prática budista e um guia no caminho para a liberação. Muitos dos ensinamentos de Rinpoche foram compilados nes te livro por uma de suas alunas próximas, Lama Shenpen Drolma, uma norte-americana que traduziu seus ensinamentos durante anos. A primeira edição foi recebida como um tesouro por seus alunos na América do Norte e do Sul; mais preciosa ainda é esta nova edição, que foi completamente revisada e ampliada, com a inclusão de pergun tas e respostas, assim como um glossário de termos budistas. O livro foi traduzido muito competentemente para o português por Manoel Vidal, e os acréscimos à edição ampliada, por Candida Bastos. Em entrevistas para a imprensa e conversas particulares,
Rinpoche era frequentemente indagado sobre o motivo de sua mu
ll
dança para o Brasil. Ele dizia que havia respondid o à espiritualidade natural e à afinidade aos ensinamentos budistas que encontrou en tre as pessoas deste país. Para muitos alunos brasileiros promissores, seria difícil viajar aos Estados Unidos para receber ensinamentos e, por isso, Rinpoche fez o compromisso de estabelecer centros e tre inar alunos aqui. Em r995, mudou-se, deixando para t rás muitos centros bem-sucedidos e alunos bem treinados nos Estados Unidos. Os brasileiros, assim como alguns norte-americanos que vie ram até aqui compartilhar o otimismo do Rinpoche sobre o futu ro dos ensinamentos do budismo no Brasil, ofereceram seu apoio hla kan gUm esplêndido tradicional -sincero. foi construído em Três Coroas, noum estado do Riotemplo Grandetibetano do S ul. Os ensinamentos de S.Em.a Chagdud Tulku Rinpoche floresceram, suas atividades foram incessantes, e até mesmo a transição do seu final de vida, sete horas após o seu últ imo ensinamento, foi resplan decente devido à maestria de sua meditação. Este livro, Portões da Prática Budista , é uma parte im portante do legado de Rinpoche às pessoas que estão em busca de um caminho espiritual autêntico, aos praticantes que estão à procura de esclare cimento e àqueles que escutaram esses ensinamentos diretamente e que querem se recordar de sua voz cálida e de sabedoria preciosa. Isto pre ench e a contín ua aspiração do Rinpoche de qu e, pela cone xão com os ensinamentos e com ele, como professor, todos possam encontrar paz interna, compaixão destemida e liberação última. C hagdud
K hadro
| Chagdud Gonpa Khadro Ling,
Três Coroas, Rio Grande do Sul, Brasil, Fevereiro de 2003
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A DESCO BERT A DO CAMINHO DA LIBERDADE
1 . A RODA
EM
M OV I M ENT O
Por que precisamos de um caminho espiritual? Vivemos em um tempo muito atribulado, em que nossas vidas transbordam de atividades, tanto alegres quanto dolorosas. Por que deveríamos re servar um tem po para a práti ca espiritual? Conta-se muito a história de um homem de uma região no no rte do Tibete que decidiu faz er um a peregrinação com seus ami gos até o Palácio Potala, a residência do Dalai Lama, em Lhasa, um lugar muito sagrado. Era uma viagem que marcava a pessoa pelo resto da vida. Naquela época, não havia carros ou veículos de qualquer espé cie na região, e as pessoas viajavam a pé ou a cavalo. Demorava-se bastante para chegar a qualquer parte, e era perigoso ir muito longe, já que inúmeros ladrões e bandidos assaltavam viajantes incautos. Por esses motivos, a maioria das pessoas nunca deixava sua região natal. A maioria nunca havia visto uma casa; moravam em tendas pretas tecidas com fibra de pelo de iaque. Quando esse grupo de peregrinos finalmente chegou a Lhasa, o homem do norte ficou assombrado com o Palácio Potala e seus múltiplos andares, suas muitas janelas e a vista espetacular da ci dade que se descortinava do interior. Ele enfiou a cabeça por uma abertura bem estreita que servia de janela para ter uma visão me lhor, virando a cabeça para a direita e para a esquerda, enquanto olhava a vista ali em baixo. Qua ndo seus amigos o chama ram para ir
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embora, ele puxou a cabeça para trás com um solavanco forte, mas não conseguia tirá-la da janela. Ficou muito nervoso, puxando de um lado para o outro. Por fim, concluiu que estava realmente entalado. Então disse a seus amigos: — Podem ir para casa sem mim. Digam a minha família que a notícia ruim é que morri, mas que a notícia boa é que morri no Palácio Potala. Haveria lugar melhor para alguém morrer? Os amigos eram também gente muito simples, de modo que, sem muito refletir, concordaram e foram embora. Algum tempo depois, o zelador do te mplo apareceu e pergunto u: — Mendigo, o que você está fazendo aí? — Estou morrendo — ele respondeu. — Por que você acha que está morrendo? — Porque minha cabeça está entalada. — E como é que você a pôs aí? — Eu a enfiei fazendo assim. O respondeu: —zelador Então tire-a da mesma maneira que a colocou! O homem fez o que o zelador sugeriu e se soltou. Como esse homem, se conseguirmos enxergar de que forma estamos presos, poderemos cortar nossas amarras e ajudar os outros a fazer o mesmo. Mas, prime ira mente, precisamos entender como viemos parar onde estamos. Durante toda a vida, embora cadaéum de nós busque e, às ve zes, encontre a felicidade, ela sempre temporária; não consegui mos fazer com que dure. É como se estivéssemos continuamente atirando flechas, mas no alvo errado. Para encontrar a felicidade duradoura, precisamos mudar o alvo, conce ntrando-no s em er radi car o nosso sofrimento e o dos outros, não temporária, e sim defi nitivamente.
A mente é a fonte tan to do nosso sofrimento q uanto da nossa fe15
licidade. Pode ser usada de modo positivo, para criar benefícios, ou de modo negativo, para criar malefícios. Embora a natureza fundamen tal de todos os seres seja uma pureza imortal, que existe desde sem pre, sem começo — o que chamamos de natureza búdica —, nós não a reconhecemos. Em vez disso, somos controlados pelos caprichos da mente comum, que nos leva para cima e para baixo, para lá e para cá, produzindo pensamentos bons e ruins, agradáveis e dolorosos. Nesse meio tempo, plantamos uma semente a cada pensamento, palavra e ação. Assim como é certo que a semente de uma planta venenosa produz frutos venenosos e que uma planta medicinal cura, as ações maléficas produzem sofrimento, e as ações benéficas, felicidade. Nossas ações viram causas e, dessas causas, naturalmente, vêm resultados. Tudo que é colocado em movimento produz um movi mento correspondente. Se você joga uma pedra em uma lagoa, for mam-se ondulações em círculos, que batem na margem e voltam. O mesmo se passa com o movimento dos pensamentos. Quando os resultados desses pensamentos retornam, sentimo-nos vítimas in defesas: “Estávamos inocentemente vivendo nossa vida... por que todas essas coisas estão acontecendo conosco?” O que acontece é que as ondulações estão vo ltand o para o centro. Isso é o carma. A men te com um é cheia de oscilações e de turbu lência. Se não há uma força que a controle e que controle seus efeitos sobre o corpo e a fala, somos jogados para cima e para baixo, para frente e para trás: nossa realidade parece um passeio de montanha russa. Na verdade, é mais parecida ao girar de uma roda. Pomos uma roda em movimento e, a cada vez que reagimos, damos novo impulso a ela, ficando presos em seu movimento perpétuo. Dessa forma, nos sa experiência da realidade continua a girar em ciclos, com todas as suas variações, vida após vida. Assim, é interminável o
samsara,
a existência cíclica. Não compreendemos que estamos vivenciando resultados qu e nós mesmos criamos e que nossas reações produzem ainda mais causas, mais resultados — incessantemente.
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Pelo fato de ter sido nós mesmos quem armamos a enrascada em que nos encontramos, cabe a nós sair dela. Uma pessoa que esteja com o cabelo embaraçado e oleoso e que olhe em um espelho não irá conseguir limpar a sua imagem esfregando o espelho. Uma pessoa que tenha uma disfunção biliar terá uma percepção distorcida de cor: verá uma superfície branca — quer seja uma montanha nevada a dis tância, ou um pedaço de pano branco — como sendo amarelada. O único modo de corrigir a visão defeituosa é curando a doença. Tentar alterar o ambiente externo nã o trará resultado algum. Algumas pessoas pensam que o remédio para o sofrimento está nas mãos de Deus ou de Buda, em algum lugar externo a elas. Mas as coisas não são assim. O próprio Buda disse a seus discípulos: “Eu lhes mostrei o caminho que leva à liberdade. Seguir por esse caminho é algo que depende de vocês”. A mente, quando usada de modo positivo
para gerar com
paixão, por exemplo — é capaz de criar grandes benefícios. Pode parecer que esses benefícios vêm de Deus ou de Buda, mas são sim plesmente o resultado das sementes que plantamos. Embora com os ensina mento s de Buda recebamos a chave do con hecimento que nos permite transform ar, pacificar e treinar a nossa mente, somen te nós podemos descerrar sua verdade mais profunda, expondo nossa natureza búdica e suas capacidades ilimitadas. Nossas experiências de vida atuais são de relativa boa sorte. Muitos são os que experimentam sofrimento muito pior que o nosso. Assolados pelas dores implacáveis da guerra, da doença e da fome, eles não têm meios para mudar sua situação; parece não ha ver saída. Ao contemplarmos as dificuldades em que essas pessoas se en contram, compaixão br ota em nosso coração. Ganhamos inspiiação para não desperdiçarmos nossas circunstâncias bem-afortunadas, e sim usá-las para criar benefícios para nós mesmos e para os outros — benefícios que estejam além da felicidade provisória que vem e
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vai, além dos ciclos infindáveis do sofrimento samsárico. Somente ao revelar po r inteiro a verdadeira natureza da me nte — ao alcançar a iluminação — podemos encontrar felicidade duradoura e ajudar os outr os a fazer o mesmo. Essa é a meta do caminh o espiritual.
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2 . 0 TR AB A LH O C O M O A PE G O E O D E SE JO
Para compreender como surge o sofrimento, pratique observar a sua mente. Comece simplesmente deixando-a relaxar. Sem pen sar no passado nem no futuro, sem sentir esperança nem m edo em relação a isto ou àquilo, deixe que ela repouse confortavelmente, aberta e natural. Nesse espaço da mente não há problemas, não há sofrimento. Então alguma coisa prende sua atenção — uma ima gem, um som, um cheiro. Sua mente se subdivide em interno e externo, “eu” e “outro”, sujeito e objeto. Com a simples percepção, não há ainda nenhum problem a, mas, quand o você se concentra no objeto, nota que é grande ou pequeno, branco ou preto, quadrado ou redondo e você faz um julgamento, por exemplo, se o objeto é bonito ou feio. Tendo feito esse julgamento, você reage a ele: decide se gosta ou não do objeto. É neste mom ento que começa o problema, pois “Gosto clisto” conduz a “Quero isto”. Igualmente, “Não gosto disto” conduz a “Não quero isto”. coisa, esea aobtemos, queremos não podemos tê-la,Se nósgostamos sofremos.deSealguma a queremos mase depois a perdemos, sofremos. Se náo a queremos, mas não conse guimos mantê-la afas tada, n ovamente sofre mos. Nosso sofrim en to parece ocorr er por causa do objet o do nosso desejo ou aversão, mas na realidade não é assim — ele ocorre porque a mente se divide na dualidade sujeito-objeto e fica envolvida com querer ou
não querer algo. 19
Com frequência, pensamos que o único meio de criar a felici dade é tentando controlar as circunstâncias externas da nossa vida, tentando consertar o que nos parece errado ou nos livrar de tudo que é incômodo. Mas o verdadeiro problema encontra-se em nossa reação a essas circunstâncias. O que tem os que mudar é a mente e a maneira como ela vivência a realidade. Há uma história de uma família de pastores no Tibete em que, em um dia cruelmente frio de inverno, era a vez do filho cuidar dos carneiios. A família então guard ou o maior e melh or pedaço de car ne para o jantar dele. Quando voltou, o filho olhou para a comida ereclamou: caiu em prantos. Quando perguntaram o que havia de errado, ele — Por que sempre me dão o pedaço menor e pior? Nossas emoções nos empurram de um extremo a outro: de ex citação para depressão, de experiências boas para ruins, de felicidade para a tristeza um constante ir e vir. O emocionalismo é um sub produto da esperança e do medo, do apego e da aversão. Temos espe rança apegados a alguma coisa medo porque porque estamos temos aversão a alguma coisa queque nãoqueremos. queremos.Temos À medida que seguimos as emoções, reagindo às nossas experi ências, criamos carma um movim ento perpétu o que inevitavel mente dete rmina o nosso futuro. Pr ecisamos inter romper as oscila ções extremadas do pêndulo emocional para podermos encontrar um eixo de equilíbrio. Quando começamos pela primeira vez nosso trabalho com as emoções, aplicamos o princípio de que o ferro corta o ferro, o dia mante corta o diamante. Usam os o pensam ento para transforma r o pensamento. Um pensamento raivoso pode ter como antídoto um outro que seja compassivo, ao passo que o desejo pode ter como antíd oto a contemplação da impermanênci a. No caso do apego, comece examinando o que é o objeto ao qual você está apegado. Por exemplo, pode ser que, depois de mui-
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to esforço, você consiga se tornar famoso, pensando que isso o fará feliz. Então, sua fama provoca inveja em alguém que tenta matá-lo. Aquilo que você trabalhou tanto para criar passa a ser a causa de um sofrimento maior. Pode ser que você trabalhe com afinco para ficar rico, pensan do que isso lhe trará felicidade, para então ver todo o dinheiro se perder. A perda da riqueza em si não é a causa do sofrimento, e sim o apego por possui-la. Podemos reduzir o apego contemplando a impermanência. É certo que o objeto ao qual estamos apegados, seja qual for, irá mudar ou se perder. Uma pessoa talvez morra ou vá embora, um amigo pode se to m ar inimigo, um ladrão pode roubar seu dinheiro. Mesmo o nosso corpo, ao qual estamos apegados em grau máximo, desaparecerá um dia. Saber disso não só ajuda a diminuir o apego, como também nos proporciona maior apreciação das coisas que te mos, enquanto as temos. Por exemplo, não há nada de eriado com o dinheiro em si, mas, se nos apegamos a ele, sofremos quando o perdemos. disso, apreciá-lo des frutar dele Em e tervez prazer empodemos compartilhá-lo comenquanto os outros, durar, sabendo, ao mesmo tempo, que ele é impermanente. Então, quando o per dermos, o pêndulo emocional não fará um movimento tão amplo em direção à tristeza. Imagine duas pessoas que comprem o mesmo tipo de relógio, no mesmo dia, na mesma loja. A primeira pessoa pensa: “Este reló gio é muito bonito. Vai ser útil, mas pode ser que não dure muito tempo”. A segunda pessoa pensa: “Este é o melhor relógio que já tive. Aconteça o que acontecer, não posso perdê-lo, nem deixar que se quebre”. Se ambas as pessoas perderem o seu relógio, aquela que está apegada ficará muito mais contrariada do que a outra. Se somos enganados pela vida e depositamos grande valor em uma coisa ou outra, podemos nos pegar lutando por aquilo que
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queremos, opondo-n os a tu do e a todos. Podemos pensar que aqui lo por que lutamos é duradouro, verdadeiro e real, mas não é. É impermanente, não é verdadeiro, não é duradouro e, em última análise, sequer é real. Nossa vida pode ser comparada a uma tarde em um shopping center. Andamos pelas lojas, conduzidos por nossos desejos, pegando coisas das prateleiras e as jogando em nossas cestas. Passeamos de um lado para outro, o lhando tudo, qu erendo e desejando. Sorrimos para uma ou duas pessoas e seguimos adiante para nunca mais vê-las. Impelidos pelo desejo, deixamos de apreciar e valorizar aquilo que já temos. Precisamos nos dar conta de que o tempo que temos com aqueles que nos são caros — nossos amigos, nossos parentes, nossos colegas de trabalho — é muito curto. Mesmo se vivêssemos até 150 anos, isso seria muito pouco tempo para desfrutar e fazer uso da nossa oportunidade humana. Aqueles que são jovens pensam que a vida será longa, e os ve lhos pensam que a vida term inará logo. Mas não podem os pressupor essas coisas. Nossafortes vida vem com uma de expiração embutida. Há muitas pessoas e saudáveis quedata morrem jovens, enquanto muitos que são velhos, doentes e debilitados continuam vivendo dia após dia. Sem saber quando iremos morrer, precisamos cultivar apreciação e aceitação das coisas que temos, en quanto as temos, em vez de hcarmos procurando defeitos em nossas experiências e bus carmos, incess antemente, p reencher nossos desejos. Se começamos a nos preocupar se o nosso nariz é grande ou pequeno demais, deveríamos pensan CÍE se eu não tivesse cabeça isso sim seria um problema!” Enquanto tivermos vida, deve ríamos nos regozijar. Se nem tudo sai exatamente como gostarí amos, podemos aceitar isso. Se contemplarmos a impermanência em profundidade, a paciência e a compaixão irão surgir. Teremos menos apego à verdade aparente das nossas experiências, e a nossa mente se tornará mais flexível. Ao nos darmos conta que um dia
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este corpo vai ser enterrado ou cremado, vamos nos regozijar com cada mom ento q ue tiverm os, em vez de fazerm os nós mesmos e os outros infelizes. Agora vivemos contaminados pela infecção do “eu-meu”, uma doença causada pela ignorância. Nossa atitude autocentrada e nos sos pensamentos de autoimportância tomaram-se hábitos muito fortes. A fim de mudá-los, precisamos alterar o nosso foco. Em vez de ficarmos preocupados com o “eu1' todo o tem po, devemos redi recionar a atenção para “você” ou "ele” ou “os outros”. Com a redu ção da autoimportância, diminui também o apego resultante dela. Quando tiramos de nós mesmos o foco de nossa atenção, somos levados, ao final, a compreender a igualdade que há entre nós e todos os demais seres. Todos querem ter felicidade: ninguém quer sofrer. O apego à nossa própria felicidade amplia-se para se tornar um apego à felicidade de todos. Até agora nossos desejos tenderam a ser muito superficiais, egoístas e imediatistas. Se tivermos que querer algo, então que seja nada menos do que a completa iluminação de todos os seres. Eis aí algo digno de ser desejado. Recordarmo-nos sempre do que verda deiramente vale a pena querer é um importante elemento da prá tica espiritual. Desejo e apego não mudam da noite para o dia. O desejo, po rém, torna-se menos comum à medida que redirecionamos nossos anseios mun danos para a aspiração de fazer tudo o que está ao nos so alcance para ajudar todos os seres a encontrar felicidade perma nente. Não temos que abandonar os objetos habituais dos nossos desejos — relacionamentos, riqueza, fama — mas, na medida em que contem plamos sua impermanê ncia, ficamos menos apegados a eles. Se temos a atitude de nos regozijar com a nossa sorte quando eles aparecem e, ao mesmo tempo, reconhecer que não irão durar, começamos a desenvolver qualidades espirituais. Cometemos, em menor núm ero, os atos nocivos qu e resultam do apego e assim cria-
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mos menos carma negativo; geramos mais carma favorável, aumen tando gradativamente as qualidades positivas da mente. Com o tem po, com o am adur ecim ento da nossa prática de me ditação, podemos tentar algo diferente da contemplação, diferente de usar o pensamento para transformar o pensamento: podemos usa r um a abordagem que revele a natureza mais profund a das em o ções no momento em que estas surgem. Se você estiver no meio de um ataque de desejo — alguma coisa capturou sua mente e você precisa tê-la
não conseguirá se
livrar do desejo te ntando reprimi-lo. Em vez disso, você pode olh ar através do desejo, começando a examinar o que ele é. Quando o desejo aparece na mente, pergunte-se: “De onde ele vem? Onde per manece? Será que pode ser descrito? Será que tem cor, forma ou contorno? Quando desaparece, para onde vai?” Essa é uma situação interessante. Você pode dizer que o desejo existe, mas, se procurar pela experiência, não conseguirá tocá-la com as mãos. Por outro lado, se disser que ele não existe, estará negando o fato óbvio de estar sen tindo desejo. Você não po de dizer que exis te, nem pode dizer que não existe. Você não pode dizer que valem ambas ou ne nh um a das opções, que o desejo tan to existe qua nto não existe, ou que nem existe, nem não existe. Esse é o significado da verdadeira natureza do desejo, que está além dos extremos da me nte conceituai. O que nos coloca em dificuldades é a nossa incapacidade de com pree nde r a natu reza essencial de um a em oção qua ndo ela surge. Uma vez que consigamos fazer isso, a emoção tende a se dissolver. Então não estaremos reprimindo nem incentivando-a. Estaremos simples mente olh ando com clareza para o que ocorre. Se deixarmos de lado um copo com água turva por algum tempo, os sedimentos irão se assentar por si só, e a água ficará transparente. Em vez de julgarmos a experiência do desejo, olhamos diretamente para sua natureza , o que se cham a “liberá-lo em sua própria base”.
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Cada uma das emoções negativas ou venenos mentais possui uma pureza intrínseca que não reconhecemos por estarmos tão acostumados à sua aparência de emoção. A verdadeira natureza dos cinco venenos — ignorância, apego, aversão, inveja e orgulho — são as cinco sabedorias. Da mesma forma que um veneno pode ser in gerido como remédio para se obter acura, cada veneno da mente, se trabalhado adequadamente, pode ser remetido à sua natureza de sabedoria, incrementando nossa prática espiritual. Se, em meio à intensidade do desejo, você simplesmente rela xar, sem tirar sua atenção, você poderá ter um vislumbre da sabedo ria discriminativa. Você não abandoia o desejo — antes, revela sua natureza de sabedoria. PERGUNTA: Não estou certo de queentendo o que o senhor quer dizer com “liberar uma emoção em sua própria base”. RESPOSTA: Quando uma emoção aparece,é nosso hábito ficarmos envolvidos em analisar e reagir à sua causa aparente: o objeto ex terno. Se, em vez disso, nós simplesmente — sem apego ou aversão, ódio ou envolvimento — descascarmos a emoção, iremos revelar e experienciar sua natureza de sabedcria. Quando estamos nos sen tindo com o rei na barriga, em vez de nos entregarmos ao orgulho ou afastá-lo, relaxamos a mente e revelamos a natureza intrínseca do orgulho, que é a sabedoria d a equanimidade. Ao trabalhar com as emoções, podemos empregar diferentes métodos. Q uando nossa men te está mergulh ada na dualidade, na percepção sujeito-objeto, podemos cortar o ferro com o ferro: apli camos um pensamento positivo como antídoto a um negativo, o apego à felicidade dos outros como antídoto ao apego à nossa pró pria felicidade. Se formos capazes de ifrouxar o hábito mental à du alidade, poderemos expe rim enta r a w dadeir a essência ou “base” de uma emoção e, dessa forma, “liberá-la em sua própria base”. Dessa
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maneira, o princípio de sabedoria é revelado: o orgulho, revelado como a sabed oria da eq uanimidade; a inveja, como a sabedoria que tu do realiza; o apego e o desejo, com o a sabedoria discrimina tiva; a raiva e a aversão, como a sabedoria semelh ante ao espelho; e a igno rância, como a sabedoria do
dharmadatu,
a sabedoria da verdadeira
natu reza da realidade. PERGUNTA: O senhor poderia falar mais sobre como a contempla ção da impermanência reduz o apego? RESPOSTA: Imagine um adulto e uma criança que constroem um castelo de areia na praia. O adulto nunca chega a considerar o cas telo como permanente ou real e não se apega a ele. Quando uma onda vem e destrói o castelo, ou aparecem outras crianças e o der rubam com pontapés, o adulto não sofre. Mas a criança passou a pensar nele como um a casa de verdade que durará para sempre e, portanto, sofre quando o perde. Como a criança, simulamos por muito tempo que a nossa experiência é estável e confiável. Po r essa razão, apegamo -nos a ela e, quando muda, sofremos. Se mantivermos consciência da imper manên cia, nunca seremos comp letamente engan ados pel os fenô menos do
samsara.
Contemplar o fato de que não lhe resta um período muito longo d e vida irá ajudá-lo. Você pensa rá:“No tem po que me sobra, por que me deixar levar por essa raiva ou apego que apenas pro duzirão mais confusão, fantasias e visões equivocadas? Se eu levar o que é im pe rm ane nte tão a sério, tent and o agarrar is to ou afas tar aquilo d e mim, vou estar apenas imag inando ser sól ido o que não é. Vou estar apenas complicando e p erp etua ndo ainda mais as ilu sões e os enganos do samsara. Não vou fazer isso! Vou usar este apego ou esta aversão, este orgulho ou esta inveja como prática”. Prática espiritual não é o ato de ficar sentado em uma almofada
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de meditação. Quando você está diante da experiência do desejo ou da raiva, bem onde a mente está ativa, é neste ponto que você pratica a cada mom ento, a cada passo da sua vida. PERGUNTA: Ao contemplar a impermanência, percebo que meu apego diminu i em certa medida, mas pergunto: até onde devo ir ao me desapegar das coisas? RESPOSTA: É necessário saber escolher com o que lidar em pri meiro lugar. No fim, você poderá se desapegar de tudo, mas co mece por aba ndonar os venenos da me nte — por exemplo, a raiva. Em vez de pensar “Por que lavar esses pratos se eles são im permanentes?” livre-se da raiva de ter que lavá-los. Compreenda tam bém que tudo o que surge na mente e que desencadeia sua raiva é impermanente. A própria raiva é impermanente. As coisas que alguém diz a você e que o afetam de modo negativo também são impermanentes. Perceba que são apenas palavras, sons, não são algo duradou ro. O próxim o passo é abandonar o apego a que as coisas sejam do seu jeito. Quando você compreende a impermanência, não impor ta tanto que as coisas aconteçam como você pensa que deveriam. Se acontecem, tudo bem. Se não acontecem, tudo bem também. Quando você pratica assim, a mente aos poucos vai adquirindo maior equilíbrio. Ela não é levada de um lado para outro , conforme você obtenha ou não aquilo que quer. PERGUNTA: Há algo de errado em ficarmos alegres ou tristes, em sentirmos emoções? RESPOSTA: Se, ao vivermos a felicidade, nos recordarmos que ela é impermanente, que em um dado momento irá desaparecer, isso nos ajudará a prezá-la e a desfrutá-la enquanto durar. Ao mesmo
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tem po, não ficaremos tão apegados ne m fixados à felicidade — não experimentaremos tanta dor quando ela se for. De igual modo, quando sentimos dor, mágoa ou perda, deveríamos nos lembrar de que isso também é impermanente, o que alivia nosso sofrimento. Portanto, o que nos conserva equilibrados é a consciência constante da impermanên cia. PERGUNTA: O “eu” continua presente quando ampliamos o foco do nosso apego para incluir as necessidades dos outros? RESPOSTA: Se você estiver preso por cordas amarradas com muitos nós, para se soltar, terá que desfazer os nós um a um, na ordem inversa em que foram srcinalmente feitos. Em primeiro lugar, você desmanchará o último nó, depois o penúltimo, e assim por diante, até desfazer o primeiro, aquele que está mais próximo de você. Nós estamos atados por muitos nós, por muitos tipos de apego. Idealmente, não deveríamos nos prender a coisa alguma, mas, como não é esse o caso, usamos o apego para cortar o apego. Começamos desfazendo o último nó: substituindo o apego às nossas próprias necessidades e desejos pelo apego à felicidade dos outros. Precisamos comp reende r que o apego egoísta, mais ce do ou mais tarde, criará problemas. Se você estiver apegado a suas próprias necessidades e desejos, se você gosta de estar feliz e não gosta de sofrer então, quando algo insignificante dá errado, parece gigantesco. Você se debruça sobre isso da manhã à noite, exacerbando o problema. Uma trinca em um a xícara começa a parecer o Grand Canyon quando examinada sob o microscópio de sua con stante atenção. Esse foco autocentrado é, em si, um tipo de meditação. Meditação significa trazer algo de volta à mente, vez após vez. Se repetimos pensamentos virtuosos e repousamos na natureza da mente, isso pode levar à ilumina ção. Mas, qua ndo a meditação está voltada
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para a autoimportância, apenas produz sofrimento sem fim. O fato de nos concentrarmos em nossos problemas pode mesmo resultar em suicídio, pois podemos ficar tão tomados por nosso sofrimento que a vida parece insuportável e sem propósito. O suicídio é a pior das soluções, porque o apego à morte e a aversão à vida humana extremos podem fechar a porta para um renascimento humano no futuro. Portanto, precisamos começar reduzindo nosso foco autocentrado e nossos pensamentos de autoimportância. Para isso, nos re cordamos que não somos os únicos que quere m ser felizes — todos querem. Embora os outros busquem a felicidade, pode ser que não saibam como fazer para consegui-la; enquanto nós, se temos algu ma compreensão do caminho espiritual, talvez possamos ajudá-los e apoiá-los em seus esforços. Nos lembramos que, certamente, encontraremos problemas. Somos humanos. Mesmo que surjam dificuldades, não devemos dar força a elas. Todos têm problemas, muitos dos quais piores do que os nossos. À medida que contemplamos isso, nossa visão se expande para abarcar o sofrimento dos outros. À medida que a compaixão aprofunda, o implacável foco autocen trado reduz; a nossa intenção de ajudar os outros e a capacidade de fazer isso aumentam. Se estivermos com o corpo doente, é recomendável ficarmos apegados ao remédio que irá nos curar. Uma vez que tenhamos sa rado, porém, esse apego precisa ser cortado. Caso contrário, o pró prio remédio que nos curou poderá nos deixar doentes de novo. Agora, para cortarmos o apego a nós mesmos, usamos como rem é dio a atitude de nos apegarmos a criar benefícios para os outros. Empregamos o apego para transformar o apego. No fim, para alcan çar a iluminação, o apego em si precisa ser cortado. PERGUNTA: Como podemos mudar nosso hábito de nos fixarmos nas experiências passadas?
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RESPOSTA: Nen hu ma experiência dura muito. Mas a sustentamos com nossos conceitos e emoções; nos agarramos a ela, revol vendo-a em nossa mente. Quando isso acontece, é preciso mudar a direção de nossos pensamentos. Se percebermos que nos fixamos no fato de alguém nos ter feito mal, voltamos a mente para a compaixão, pensando: “Ele pode ter me ferido, mas, perdido nas projeções da mente confusa e ilu dida, na verdade, em vez de se beneficiar, ele se prejudicou, contrariando seu próprio desejo de felicidade”. Também voltamos a mente para a impermanência. Embora alguém tenha nos elogiado ou nos culpado por alguma coisa, suas palavras foram apenas como um eco. Como tudo mais, palavras vêm e vão. Reconhecendo sua impermanência, damos menos solidez a elas e as esquecemos mais facilmente. Dessa maneira, mudamos o hábito de nos fixarmos nas expe riências passadas. Não é suficiente direcionar a mente apenas uma ou duas vezes. Precisamos fazer isso centenas de vezes. Seja qual for o poder dado aos pensamentos do passado, precisamos redobrar o poder do an tído to contra eles.
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3 . 0 TR A BA LH O C OM A RAIVA E A AV ER SÃ O
O apego e a raiva são dois lados da mesma moeda. Por causa da ignorância e da divisão da mente na dualidade sujeito-objeto, agarramo-nos a coisas que percebemos como externas a nós, ou então ten tamos nos afastar delas. Quando encontramos algo que desejamos e que não podemos o bter; ou quando alguém nos impede de alcançar aquilo que nos convencemos que precisávamos ter; ou quando acon tece algo que não se ajusta à maneira como gostaríamos que as coisas fossem, sentimos raiva, aversão ou ódio. Essas reações, poiém, não trazem benefício algum; elas são prejudiciais apenas. Com a raiva, e também com o apego e a ignorância — os três venenos da mente geramos carma sem fim, sofrimento sem fim. Diz-se que não há mal que se compare à raiva: por sua própria natureza, a raiva é destrutiva, um inimigo. Dado que nem uma gota de felicidade jamais nasce dela, a raiva é uma das mais potentes forças negativas. A raiva e a aversão podem levara agressão. Quando prejudica das, muitas pessoas sentem que devem retaliar, cobrando olho por olho. É uma resposta natural. “Se alguém me xinga, dou o troco e xingo também. Se alguém me dá um soco, leva outro de volta. É o que a pessoa merece”. Ou, ainda pior: “Esse indivíduo é meu inimi go. Se eu o matar, vou ficar feliz!” Não nos damos conta de que, se temos tendência à aversão e à agressão, os inimigos começam a aparecer por todos os lados.
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Encontramos cada vez menos coisas para gostar nos outros e cada vez mais coisas para odiar. As pessoas começam a nos evitar e fica mos mais isolados e solitários. Às vezes, enfurecidos, cuspimos pa lavras ásperas e ofensivas. Os tibetanos têm um ditado: “As palavras podem não carregar armas, mas ferem o coração”. Nossas palavras podem ser extremamente danosas, tanto pelo mal que causam aos outros quanto pela raiva que despertam. Com frequência, um ciclo é estabelecido: u ma pessoa sente aversão por outra e diz alguma coi sa que a fere; a outra pessoa reage, dizendo algo ainda mais cortante. As duas começam a pôr lenha na fogueira uma da outra, ate' trava rem uma batalha de palavras enfurecidas. Sem dúvida, isso pode ser transposto para o nível nacional e internacional, em que grupos de pessoas se envolvem em agressão contra outros grupos, e nações são jogadas contra nações. Quando você deixa a aversão e a raiva tomarem conta de você, é como se, tendo decidido matar uma pessoa jogando-a em um rio, você se agarrasse ao pescoço dela, pulasse na água e os dois morres sem afogados. Ao destruir seu inimigo, você também se destrói. E muito melhor dissipar a raiva antes que ela possa conduzir a u m conf Iito maior, respondendo a ela com a paciência. Compreender a responsabilidade que temos por aquilo que nos acontece ajuda a fazer isso. Tratamos nossa ligação com alguém que percebemos como um inimigo como se saída do nada. Mas, em alguma exis tência passada, talvez tenhamos usado palavras duras com aquela pessoa, maltratado-a fisicamente ou abrigado pensamentos raivo sos em relação a ela. Em vez de procurarmos os defeitos dos outros, dirigindo nossa raiva e aversão contra situações que pensamo s estar nos ameaçando, deveríamos lidar com o verdadeiro inimigo. Esse inimigo — que destrói nossa fel icidade a curto prazo e nos impede, a longo prazo, de alcança r a ilum inação — é a nossa pró pria raiva e aversão. Se as vencermos, não haverá mais brigas, pois deixaremos de perceber os nossos oponentes como inimigos — um grande re-
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torno para pouco esforço. Tanto nós quanto eles teremos cada vez menos probabilidades de rein cidir em situações que possam levar a um conflito. Todos saem ganhando. Nossa tendência habitual é fazer contemplação, mas de ma neira contraprod ucente. Se alguém nos insulta, geralmente ficamos remoendo o assunto, perguntando-nos “Por que ele me disse isso? , vez após vez. É como se alguém tivesse atirado uma flecha contra nós, mas o tiro saísse curto. Concentrarmo-nos no problema é como apanhar a flecha e cravá-la em nosso peito repetidas vezes, dizendo: “Ele me magoou tanto. Não acredito que tenha feito isso”. Uma outra opção é usar o méto do da contemplação para ref le tir sobre as coisas de modo diferente, para modificar nosso hábito de reagir com raiva. De início, como é difícil pensar com clareza em meio a uma discussão, começamos a praticar em casa, sozinhos, imaginando confrontos e novas formas de responder a eles. Imagine, por exem plo, que uma pessoa o insulte. Ela está enojada de você, dá-lhe um tapa ou ofende-lhe de algum modo. Você pensa: “O que devo fazer? Vou me defender — vou retaliar. Vou expulsar essa pessoa da minha casa”. Agora, experimente uma outra atitude. Diga a si mesmo: Essa pessoa me deixa com raiva. Mas o que é a raiva? É um dos vene nos da mente que gera carma negativo e leva a sofrimento intenso. Confrontar raiva com raiva é como ir atrás de um louco que pula de um precipício. Será que tenho que fazer o mesmo? Se é insano da parte dele agir como age, é ainda mais insano da minha parte agir do mesmo modo”. Lembre-se de que aquelas pessoas que agem de forma agressi va em relação a você estão apenas comprando o próprio sofrimen to, criando, por ignorância, condições mais difíceis para si mesmas. Pensam estar fazendo o que é melhor para si, estar corrigindo algo errado ou impedindo que o pior aconteça. Mas a verdade é que esse comportamento não traz benefício algum. Em muitos aspectos, é
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como alguém que está com dor de cabeça e bate na própria cabeça com um martelo para tentar acabar com a dor. Em sua infelicidade, põe a culpa nos outros, os quais, por sua vez, ficam com raiva e bri gam, apen as p iora ndo a situação. Quand o consideramos a condição difícil em que se encontram, damo-nos conta de que essas pessoas deveriam ser objeto da nossa compaixão, e não de raiva ou de crí tica. Então almejamos fazer tudo o que está ao nosso alcance para protegê-las de mais sofrimento, como faríamos com um a criança que está sempre se mete ndo em travessuras, fugindo o tem po todo para a rua e nos batendo e arranhando quando tentamos trazê-la de volta. Em vez de desistirmos daqueles que agem mal, precisamos compreender que eles buscam por felicidade, mas não sabem como encontrá-la. O papel de inimigo não é permanente. A pessoa que o fere hoje p ode se torn ar seu melho r amigo amanhã . O seu inimigo de hoje pode mesmo ter sido, em uma vida passada, a pessoa que lhe deu à luz, a mãe que alimentou e cuidou de você. Ao contem plarmos assim repetidamente, aprendemos a reagir à agressão com compaixão e a respo nder à raiva com bondade. Um outro método que podemos empregar é adquirir cons ciência da qualidade ilusória da nossa raiva e do objeto da nossa raiva. Se, por exemplo, alguém lhe diz “Você é um indivíduo mau”, pergunte-se: “Será que isso me faz ser mau? Se eu fosse um indiví duo mau e alguém dissesse que eu sou bom, isso faria de mim um indivíduo bom?” Se alguém diz que carvão é ouro, ele passa a ser ouro? As coisas não se transformam apenas porque alguém diz isto ou aquilo. Por que levar essas palavras tão a sério? Sente-se em frente de um espelho, olhe para sua imagem e insulte-a: “Você é feio. Você é mau”. Em seguida, elogie-a: “Você é bonito. Você é bom”. Independentemente do que você diga, a ima gem perm anece simp lesm ente o q ue ela é. Elogios e críticas não são reais em si. Como u m eco, um a som bra, um mero reflexo, não têm poder algum de nos ajudar ou prejudicar.
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À medida que praticamos desse modo, começamos a compre ender que as coisas são desprovidas de solidez, como um sonho ou uma ilusão. Criamos u m estado mental mais espaçoso — um estado que não é imediatam tão reativo.ente, Então, quando a raiva em vez de responder podemos olhar para aparece, ela e perguntar: O que é isso? O que está me fazendo ficar vermelho e tremer? Onde está?” O que descobrimos é que a raiva não te m substância, que não é uma coisa que possa ser encontrada. Assim que nos damo s conta de que nã o conseguimo s encontrar a raiva, podemos deixar a mente em repouso. Não reprimimos a raiva. Não a afastamos nem nos envolvemos com ela. Apenas deixa mos a mente rep ousa r em meio a ela. Podemos fica r com a pró pria energia — simples e naturalmente, permanecendo cientes dela, sem apego e sem aversão. Então constatamos que a raiva, assim como o desejo, na realidade, não é o que pensávamos ser. Começamos a ver a sua natureza e a compreender a sua essência, que é a sabedoria semelhan te ao espelho. Fazer isso pode soar fácil, mas não é. A raiva nos estimula, e nós perdemos as estribeiras — de um jeito ou de outro. Ficamos furiosos, julgamos ou reagimos, nos envolv endo com o que nos con trariou. Nosso hábito de revidar dessa forma vem sendo reforçado vez após vez, vida após vida. Se nossa compreensão da essência da raiva for apenas superficial, vamos verificar que não seremos capa zes de aplicá-la a situações da vida real. Há um famoso conto fol clórico tibetano sobre um homem que estava meditando em retiro. Alguém veio vê-lo e pergu ntou: — Em que você está meditando? — Na paciência — disse ele. — Você é um idiota! Isso deixou o meditador furioso, e ele imediatamente come çou uma discussão — o que mostrou exatamente quanta paciên cia ele tinha.
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Somente pela aplicação sistemática e contínua desses méto dos, dia após dia, mês após mês, ano após ano, é que conseguiremos dissolver nossos hábitos arraigados. O processo pode levar algum tempo, mas nós, sem dúvida, iremos mudar. Veja com que rapidez mudamos em termos negativos. Estamos felizes, e então alguém diz ou faz algo, e logo ficamos irritados. Mudar de modo positivo re quer disciplina, esforço e paciência. A palavra para “meditação” em tibetano (gom) vem da mesma raiz que o verbo “familiarizar-se” ou aclimatar-se’. Utilizando vários métodos, nós nos familiarizamos com outros modos de ser. Há uma expressão: “Até um elefante pode ser domado de di ferentes maneiras”. Quando ferrões e ganchos são empregados com habilidade, esse animal enorme e potente pode ser conduzido com bastante delicadeza. Diz-se que, quando os elefantes são enfeitados para ocasiões festivas, tornam-se dóceis, caminhando como se pisas sem sobre ovos. Ou, se estão no meio de uma multidão, os elefantes deixam-se facilmente controlar. Portanto , uma coisa que é grand e e pesada pode, com os meios adequados, vir a ser manipulada satisfa toriamente. Do mesmo modo, a mente, muitas vezes insubmissa e tempestuo sa, pode ser pacificada com meios hábeis. A diferença entre o modo de uma pessoa mundana encarar a vida e o de um praticante espiritual encarar está em que aquela sempre olha para os fenômenos como se olhasse através de uma janela, julgando a experiência externa; ao passo que este usa a expe riência como um espelho para, repetidamente, examinar a própria mente em minucioso detalhe — para determinar onde se encon tram os pontos fortes e os fracos, como cultivar os primeiros e eli m in ar os últimos. Não precisamos de uma vidente para nos dizer qual será a nos sa experiência no flitu ro — precisamos apenas olh ar para a própria mente. Se temos um bom coração e a intenção de ajudar os outros, encontraremos felicidade continuamente. Se, ao contrário, a mente
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estiver preenchida por pens amen tos autocentrados e mundanos, ou com raiva e intenções maldosas em relação aos outros, encontiaremos apenas experiências difíceis. Se examinarmos a nossa mente, vez após vez, continuamente aplicando antídoto s para os venenos que surge m, lentam ente vere mos mudanças. Apenas nós mesmos podemos realmente sabei o que está acontecend o em nossa mente. É fácil mentir para os outros. Podemos fingir que um saco de couro grosso está cheio, mas basta alguém sentar sobre ele para saber se está de fato cheio. De igual modo, podemos nos sentar por horas na postura de meditação, mas, se pensamentos vindos dos vene nos circulam pela mente o tempo todo, estaremos apenas fingindo fazer prática es piritual. Em lugar disso, podemos ser honestos com nós mesmos, assumindo a responsabilidade pelo que vemos em nossa própria mente e aplicando o corretivo apropriado para mudar, em vez de julgar os outros. PERGUNTA: É errado eu sentir raiva daqueles que são responsáveis pelas guerras, que matam tantas pessoas? RESPOSTA: Um assassino é tão digno da nossa compaixão quanto a sua vítima. A morte d a vítima q uita um débito cármico. Por outro lado, o assassino está plantando as sementes para um sofrim ento em enorm e escala no fu turo — m uito maior do que o de sua vítim a — e nem sequer se dá conta disso. Com certeza, tanto a vitima quanto o assassino merecem a nossa compaixão. Uma das maiores preocupações atualmente é alcançar a paz mundial, um fim pelo qual muitos grupos e pessoas batalham — uma atividade de intenções inteiramente nobres. Todavia, se a agressão se faz presente, se estamos ‘■‘brigando’ pela paz, se um gru po diz ao outro “Vocês não estão criando paz no mundo e por isso vamos nos livrar de vocês”, estaremos tão somente alimentando a
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raiva que deu srcem à ausência de paz desde o início. Em vez disso, precisamos desenvolver a compaixão e o desejo de ajudar todos os envolvidos. Nossoindivíduos, empenho para criar às pazsituações. no mundo de raiva, como nós, como reagimos Sedependerá expressamos ódio, aversão e agressão, vamos apenas exacerbar o problema. Portanto, é importante não só cultivarmos ideais nobres, mas também honrar esses ideais e os incorporar em todos os aspectos da nossa vida. PERGUNTA: Qual é a diferença entre a raiva e a ira? RES POSTA: A diferença está na motivação. A ira é baseada em uma compaixão profunda e em uma motivação altruísta. Podemos agir energicamente, e isso pode parecer ser raiva, mas a intenção não é prejudicai ou punir, apenas beneficiar — por exemplo, protegendo alguém dos efeitos de suas ações. A raiva, por outro lado, é motivada por apego egoísta àquilo que queremos, por aversão pelo que não queremos ou, ainda, por desejo de p unir ou prejudicar alguém. PERGUNTA: À medida que eu continue fazendo a prática espiritu al, minha raiva vai simplesmente desaparecer? RESPOSTA: No início, você sente tanta raiva quanto antes, mas estará menos inclinado a agir baseado nela. À medida que pratica mais, irá experimentá-la com menor frequência. Finalmente, depois de ter avançado muito no caminho espiritual, sua raiva vai surgir como a sa bedoria que é sem elhante ao espelho. PERGUNTA: Como lidar com a raiva no momento em que ela surge forte e que estamo s tentan do não reagir?
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RESPOSTA: Se você sente forte desejo por um pedaço de holo que parece delicioso, mas fica sabendo que ele está recheado com vene no, seu desejo desaparece. Da mesma maneira, quando você verda deiramente entende que a raiva é venenosa, seu desejo de agir de acordo com ela desaparecerá. PERGUNTA: Podemos deduzir que, pelo fato de termos raiva e de sejo infindáveis, temos o “pecado originar’, isto é, que nossa verda deira natureza é ine rente mente maculada? RESPOSTA: Absolutamente não. Se nossa natureza fosse macula da, os métodos espirituais não poderiam reduzir a negatividade e trazer à tona nossas qualidades positivas. Porque nossa natureza é perfeita, podemos usar os métodos para remover os obscurecimentos superficiais que ocultam essa pureza primo rdial.
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4. O TR AB AL H O C O M A I GNOR ÂNCIA
Ao rastrear as causas da nossa confusão e sofrimento, chegamos ao problema fundamental da nossa ignorância básica. A razão pela qual sofremos como sofremos, a razão pela qual encontramos os problemas que encontramos, a razão pela qual continuamos a vagar pelo samsara — a existência cíclica — é o fato de não estarmos cientes da nossa verdadeira natureza. Essa falta de reconhecimento possui uma qualidade dinâmica qu e se expressa em nossas experiências e em nossa projeção do mundo fenomênico, o qual aparece aos nossos olhos como sólido e composto de vários elementos. Estamos continuamente sob a impressão de que há um “eu” que se contrapõe a tudo o mais que não seja “eu”. Por causa dessa tendência dualista da mente, objetificamos nossas experiências e fazemos julgamentos sobre os objetos que percebemos; isso leva ao apego e à aversão, o que gera carma e s ofrimento infindável. O apego dualista, a confusão emocional, o hábito, o carma e os frutos do carma são conseqüências naturais dessa falta de consciência. Pelo fato de não conhecermos a verdadeira natureza do nosso corpo, fala ou mente, do nosso meio ambiente, do passado ou do futur o, tom amo s os eventos do c otidiano como sendo verd adeiros, da mesma forma que, quando estamos sonhando, tomamos nossos sonhos como verdadeiros. Quando sonhamos à noite, em um certo sentido estamos confusos, porque acreditamos que estamos realmente em um determinado lugar, fazendo determinadas coisas:
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talvez guiando um carro, construindo algum objeto ou até mesmo fugindo de um tigre. No sonho, lembramos do passado e podemos projetar o fu turo. Céu, chão, respiração, digestão: tudo parece real. Na verdade, estamos adormecidos na cama e nada está realmente acontecendo. No entanto, enquanto sonhamos, nossa realidade é uma realidade de sonho. Se um tigre nos persegue no sonho, corremos o mais rápi do possível para podermos salvar nossa vida. Assim que acordamos, ou quando tomamos consciência, durante o sonho, de que estamos sonhando, a confusão desapa rece. O tigre perde o poder, e não temos mais medo dele, pois nos damos conta de que toda a experiência foi criada pela nossa própria mente. Enquanto estivermos sonhando e continuarmos sob o domínio da confusão, esperança e medo persistirão, e as conseqüências do son ho parecerão cruciais. Todavia, qua ndo o co nhecimento de que estamos sonhando dissipa a confusão, não há mais esperança nem medo. toda a sublimes existência,doquer seja o sofrimento do samsara Na ou realidade, as experiências nirvana, é tão insubstancial quanto os sonhos. Toda ela é irreal, não verdadeira. É uma exibição ilusória, incessante, luminosa e magnífica. Nossa vida, do nascimento à morte, é semelhante a um longo sonho. E cada sonho que temos à noite constitui um sonho dentro do sonho. Talvez você tenha vivido a experiência de ter um sonho durante a noite e então acordar, dizendo para alguém: “Tive um sonho incrível”. Você prepara o café, está pronto para sair para o trabalho e, de repente, o despertador toca, e aí você de fato acorda. Antes, você não estava nem um pouco acordado. Apenas sonhava que estava acordado. Isso se chama um falso despertar, um sonho de despertar, e é o que fazemos a cada manhã em nossa vida. No sonho da vida, pensamos que estamos acordados, mas, de fato, ainda esta mos sonhando. Simplesmente o despertador ainda não tocou.
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Somos sonhadores e vivemos os sonhos curtos da noite den tro deste sonho longo da vida, dentro do sonho ainda mais longo do vir-a-ser do samsara. Foi-nos ensinado que as experiências do co tidiano são reais e verdadeiras, e é isso o que supomos; portanto, quando alguma coisa difícil acontece, nós sofremos. Também nos foi ensinado que os sonhos são uma ilusão; portanto, tendemos a sofrer menos com nossos pesadelos do que com os acontecimen tos da vida cotidiana. O mundo do sonho vem e vai, é claramente impermanente e, portanto, pensamos que não é real. Entretanto, o mesmo é verdade em relação à realidade do nosso cotidiano, que, do mesmo modo, é impermanente. A única diferença entre eles é o tempo de duração. Saber que a nossa realidade não representa toda a verdade da existência nos libert a do sofrim ento. Deixamos de estar controlados por nossos medos ou apegos. No entanto, a mente facilmente cai novamente em suas velhas suposições, com o próximo movimento deste sonho do dia. De repente, uma mulher encantadora ou um homem maravilhoso aparece, e lá estamos nós acreditando de novo no sonho que chamamos de realidade. Fomos novamente engana dos; a ilusão não foi comp letam ente afastada — apenas ficou estre mecida p or um segundo. Demo-nos co nta, por u m breve mom ento, da natureza mais profunda das nossas experiências, mas essa com preensão não se fixou. Precisamos de um método para nos lembrar que estamos apenas sonhando, para verdadeiramente transpassar nossa confu são
não apenas vislumbrarmos a verdade em um mom ento, e
esquecê-la no momento seguinte. Precisamos, de modo claro e de cisivo, pôr fim à nossa experiência ilusória da realidade. Isso requer um reconhecimento autêntico da verdade da nossa experiência. Tal como a verdadeira natureza do sonho da noite, ela está além dos ex tremos do p ens ame nto concei tuai, d o “é” e do “não é”, não pod endo ser apreendida pela m ente racional.
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Vamos supor que encontremos um grande pedaço de ouro, mas ignoramos o seu valor. Essa falta de reconhecimento não di minu i nem um pouco o valor do ou ro, assim como pensar qu e ele tem valor não o torna mais valioso. Ele simplesmente é o que é. Se soubermos do seu valor, iremos usá-lo de maneira adequada. Se não soubermos, talvez o coloquemos ao pé de uma porta para mantê-la aberta ou como um apara dor de livros. A natureza fundamental da mente já é ouro; simplesmente não a reconhecemos como tal. O fruto do caminho espiritual é a completa revelação desse ouro; o caminho consiste no modo pelo qual alcançamos essa meta, t orn an do óbvio aquilo que já existe. No método de meditação chamado “ioga do sonho”, a pri meira t arefa é n os darmo s conta, dur an te o sonho, de que estamos sonhando. A próxima tarefa é conservarmos essa compreensão, sendo que, a pa rti r desse ponto, adq uirim os um a capacidad e cria tiva no sonho. Por exemplo, você está sonhando com um único balão. Se você fosse capaz de manter plenamente sua compreensão da natureza do sonho, poderia fazer com que muitos outros balões apareces sem. Ou uma única pessoa poderia se transformar em muitas; este mundo poderia se transform ar em um mu ndo diferente. Em suma, ganhamos a capacidade de aumentar, multiplicar ou viajar nos so nhos, porque a falsidade do sonho deixa de nos comandar. Com o reconhecimento da sua natureza, nós comandamos o sonho. O mesmo se dá com a nossa realidade do estado de vigília, do momento em que nascemos até morrermos. Muitas pessoas alcan çaram a compreensão da verdadeira natureza da experiência desta vida. Na tradição budista, elas são chamadas
mahasiddhas. Em
ou
tras tradições pessoas também atingiram um grau de sabedoria táo grande que as regras comuns da realidade deixaram de tolhê-las. Por exemplo, Jesus caminhou sobre a água. Seres dotados de grande realização podem deixar as marcas dos pés sobre a rocha sólida ou
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voar pelo céu. O que é quente para nós não é quente para eles, o que é frio, não é frio, nem o que é sólido é sólido. Eles comandam a realidade; não são comandados por ela. Conh ecer a verdadeir a natu reza da nossa experiência e man ter esse con hecim ento é o m eio para alcançarm os a iluminação. A iluminação não é algo novo. Não é algo que criamos ou fazemos com que passe a existir. Iluminação significa simplesmente desco brir dentro de nós o que já está lá. É a plena realização da nossa própria natureza intrínseca, chamada de buda, ou, em tibetano, sang dje. Sangsignifica “ima cula do”, ao passo que dje significa “re alização plena”; assim como da escuridão surge a lua, da ignorân cia emergem as qualidades da n atu reza intrínseca da ment e. Como a água, que é fluida em seu estado natural, mas vira gelo quando subm etida a baixa s tem pera turas, a verdadeira naturez a da mente — que pode ser chamada de Deus, de Buda, de perfeição — aparece de forma diferente quando obscurecida por confusão e visões ilusórias. Buda não se transferiu para outro lugar, da mesma form a que a água não o fez. Quan do o gelo derrete, a água recupe ra suas qualidades naturais. Quando os obscurecimentos da mente são removidos, a verdade da nossa natureza torna-se aparente. Agora, porém, presos em nossa crença no sonho que chama mos de vida, não cons eguimos ver nossa verdadeira natureza. Como sonhadores, entreta nto, temos escolha: podemos criar sonh os bons ou sonhos ruins. Se queremos que se torne m bons, precisamos mu dar. Caso contrário, deixada p or conta de seus velhos hábitos, a men te não irá, necessariamente, criar sonhos melhores. Podemos também optar por despertar, em vez de sonhar. Despertar to talm ente significa reconhecer a ver dade maior, a nat u reza intrinsecamente pura do corpo, da fala e da mente. Se quiser mos despertar, no entanto, não iremos emergir automaticamente do nosso sono profundo. Precisamos de métodos e precisamos apli car esses métodos.
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Sabedoria, conhecer nossa verdadeira natureza, é o antídoto para a ignorância, que é não conhecê-la. Ela é a lâmpada que dissipa a escuridão de nossa mente. Por meio do processo tríplice de ouvir, de contemplar e de meditar sobre os ensinamentos, podemos, en fim, trazer à tona a sabedoria que está subjacente ao nosso conhec i men to comum, cotidiano. Inicialmente, alguém que conhece mais do que nós nos apre senta algo que é maior do que tudo que conhecemos. Precisamos então examinar aquilo que ouvimos, usando nossa inteligência e experiência para d etermina r se o ensinam ento é verdadeiro e se será eficaz para nós. A fé cega não é suficiente. A contemplação da verda de e a relevância do ensinamento devem estar presentes. Não im porta quão claramente tenhamos entendido o que foi dito, ou vir os ensinam entos po r si só não redu z o sofrim ento. Para que isso aconteça, pre cisamos assimila r a sabed oria que vem com eles. Precisamos pensar sobre eles, fazendo com que nosso intele cto e intel igência lhe s deem suport e, r efletin do, qu estion an do, examinando, para ver se o que nos foi ensinado é verdade, se funciona. Nesse processo de contemplação surgem perguntas. Procuramos respostas, e contemplamos mais uma vez. Se não investigarmos e sondarmos, se não removermos as dúvidas, fazer nossa prática es piritual será como ten tar costurar com uma agulha de duas pontas. Não iremos muito longe. Por meio da contemplação, desenvolve mos uma compreensão mais profunda e uma certeza além do co nhecimento intelectual, além do meroacúmulo de fatos. Entretanto, até mesmo o que é profundamente compreen dido pode ser esquecido. Portanto, repetidamente, aplique essa compreensão até que se torne mais intuitiva em sua experiência. Finalmente, por meio do processo da meditação, nossa sabedoria inerente torna-se completamente óbvia.
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PERGUNTA: “Despertar” significa que tudo aquilo que vemos, ouvimos e saboreamos irá desaparecer? RESPOSTA: Quando despertamos para nossa verdadeira natureza, o mun do dos fenôm enos como o conhecemos nã o desaparece, mas nossas reações a ele se modificarão e, na mesma proporção, nosso sofrimento diminuirá. Se, em meio a um sonho aterrorizante, de repente, percebermos que estamos sonhando, apesar de o sonho necessariamente não desaparecer, o medo desaparecerá. Somos impotentes quando nos deparamos com nossas esperanças e medos, gostos ou desgostos e, porque acreditamos que tudo isso é verdadeiro, somos subjugados por toda sorte de eventos. Se percebermos que o que quer que surja é ilusório, não lhe daremos validade, e aquilo não terá o mesmo poder sobre nós. Em conseqüência, não experimentaremos tanto sofrimento. Em vez de ficarmos presos em nossas experiências, que são como um sonho, sejam elas felizes ou tristes, precisamos enxergar além de seu caráter impermanente e ver sua essência. Conhecer essa essência é o chamado “grande conhecimento”; conhecer apenas a realidade comum e a solidez aparente das coisas é o chamado “conhecimento comum”. A diferença entre eles é como a diferença entre dois caminhos: o caminho do sonho — de sofrim ento incessante — e o grande caminho da realização. O grande conhecimento é a base para transformarmos experiência comum em realização da verdade absoluta.
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5. A VIDA DIÁR IA C OM O PRÁTI CA E SPIRITU
AL
A título de introdução à questão da meditação na vida cotidiana, gostaria de relatar algumas das minhas experiências e um pouco do meu treinamento no Tibete. Lá, aos dois anos de idade, fui reconhe cido como um
tulku —
alguém que direcionou renascimentos suces
sivos em benefício dos outros seres. Isso quer dizer que era esperado de mim algo um tanto especial. Aos cinco anos, já havia aprendido a ler e a escrever. Eu tinha meu próprio tutor, o que por um lado foi uma grande sorte, pois todos os dias, o dia inteiro, eu tinha alguém ao meu lado para me ensinar. Por outro lado, sempre que eu cometia um erro ou esquecia uma lição, ouvia o zunir da vara. Ainda criança, na tenra idade, vi-me exposto a ensinamentos espirituais profundos, quer em gr up o,q uer em particular, com meu tutor. Estudei a natureza da verdade absoluta e da ve rdade relativa. E foi então que me deparei, pela primeira vez, com a verdade da impermanência. Houve um tempo em que o nosso universo não estava aqui. Lentamente ele passou a existir e com o passar do tem po ele envelhecerá e, em algum momento, irá se dispersar. Mesmo o nosso corpo não se encontrava aqui há um tempo atrás. A cada dia ele envelhece e algum dia deixará de existir. Tudo na nossa ex periência está sujeito à impermanência. Reconhecer essa verdade é fundamental para cultivarmos uma perspectiva espiritual. Quando encontrei esse ensinamento pela primeira vez, tive forte resistência a ele; simplesmente não queria ouvi-lo. Eu pensa-
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va:
. .Sim, é claro, as estações mudam, as pessoas mudam, as vidas
mudam — e daí?” Não dei tanta atenção a ele. Ao chegar aos nove anos, poré m, depois de ter ouvido esse ensinam ento repetidas vezes, havia começado a contemplar a impermanência, adquirindo então alguma compreensão da sua natureza. De início, compreender a impermanência não mudou as coi sas para mim de maneira drástica. Passei a sentir apenas um pouco menos de possessividade, um pouco menos de desejo e apego pelas coisas da vida às quais normalmente nos prendemos. A mudança foi muito sutil e se assentava na compreensão de que as coisas não eram exatamen te tão reais quanto antes parecia m ser. Essa mudança de perspectiva foi de enorme ajuda na ocasião em que minha mãe faleceu, quando eu tinha somente 11 anos de idade. Também ajudou quando eu estava com 12 anos e meu irmão morreu e, aos 13, quando meu querido protetor e professor teve que partir. Essas experiências de morte e separação não foram fáceis, mas a mudança de percepção que veio com a contemplação da imper manência tornou-as menos insuportáveis. E, mais tarde, essa pers pectiva me auxiliou quando tive que enfrentar a perda de meu monasté rio e de meu país. Aprendi que, quanto mais apegados nós somos aos nossos bens e relaciona mentos no mun do, e quanto mais importantes e necessários pensamos que são, tanto mais dor sen timos quando deixam de existir. Só isso já é razão suficiente para contemplarmos a impermanência. Também é muito importante compreender a sorte que é ter um corpo humano. A maioria de nós aceita a existência humana superficia lmente, como alg o a que temo s direito; nós no s tornam os insensíveis à alegria natural de ter uma forma humana. Nem todos têm o olho da sabedoria, m as aqueles que o têm nos falam de outr as formas de experiência além da nossa. Ainda assim, a maio r de todas as oportun idad es é encontra da no nascimento human o. Em um ou-
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tro reino, podem os vir a ter um corpo que seja aparentemente mais prazeroso, mas nunca seremos capazes de realizar tudo o que como seres humanos está ao nosso alcance. Simplesmente não teremos capacidade para isso.as pessoas deixam de se dar conta da oportuni Algumas vezes, dade incomparável que têm porque suas vidas são decepcionantes ou muito exigentes, e elas perdem interesse em fazer uso de suas capacidades humanas. Isso é um grave erro. As oportunidades que este corpo oferece, neste exato momento, são grandes demais para que as deixemos passar por causa de decepções ou dificuldades. como vocêvez tivesse tomado emprestada uma canoa para cruzarÉ um riose e, em de usá-la de imediato, demorasse, esquecen do que ela não era sua e que havia apenas sido emprestada a você. Se você não aprov eitar enquanto a tem, nunca irá atravessar o rio, pois, mais cedo ou mais tarde, a canoa emprestada será tomada de volta, e a oportunidade, perdida. Este corpo humano é um veículo raro, e nós precisamos usá-lo bem, sem demora. A finalidade mais elevada de um nascimento humano precioso é o progresso espiritual. Se não formos capazes de cobrir grandes distâncias, pelos menos podemos fazer algum avan ço; ou ainda melhor, podem os aju dar os outros a progredir. No mí nimo dos mínimos, não devemos fazer os outros softer. A vida é como um piquenique em uma tarde de domingo — ela não dura muito tempo. Só olhar o sol, sentir o perfume das flores ou respirar o ar puro já é uma alegria. Mas que desperdício se tudo o que fazemos é ficar discutindo onde pôr a toalha, quem vai sentar em que canto, quem vai ficar com o peito ou a coxa do frango, etc. Mais cedo ou mais tarde o tempo fecha, a tarde cai e o piquenique acaba. E tudo o que fizemos foi ficar discutindo e impli cando uns com os outros. Pense em tudo o que se perdeu. Você pode estar se perguntando: se tudo é impermanente, se nada dura, como pode alguém viver feliz? É verdade que não po-
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demos, de fato, agarrar ou nos prender às coisas, mas podemos usar esse con hecim ento para olha r a vida de mod o diferente, como uma op ortun idad e muit o breve e rara. Se trouxermo s à nossa vida a ma turidade de saber que tudo é impermanente, vamos ver que nossas experiências serão mais ricas, nossos relacionamentos, mais sinceros e teremos maior apreciação por tudo aquilo que já desfrutamos. Também seremos mais pac ientes. Compreenderem os que, por pior que as coisas possam parecer no momento, as circunstâncias infelizes não podem durar. Teremos a sensação de que é possível su portá-las até que passem. E, com m aior paciência, seremos mais de licados com as pessoas à nossa volta. Não é tão difícil manifestar um gesto amoroso quando nos damos conta de que talvez nunca mais estaremos com a nossa tia-avó. Por que não deixá-la feliz? Por que nã o dis por de tem po para ouvir todas aqu elas histórias antigas? Chegar à compreensão da impermanência e ao desejo autên tico de fazer os outros felizes nesta breve oportunidade que temos juntos constitui o começo da verdadeira prática espiritual. É esse tipo de sinceridade que efetivamente catalisa a transformação em nossa mente e em nosso ser. Não precisamos raspar a cabeça nem usar vestes especiais. Não precisamos sair de casa nem do rm ir em uma cama de pedras. A prática espiritual não requer condições austeras — apenas um bom coração e a ma turid ade de compr eend er a impermanência. Is so nos fará progredir. Se apenas exibirmos a nossa espiritualidade — queimando o incenso correto, sentando na postura correta e dizendo as palavras corretas
corremos o risco de nos tom arm os mais orgulhosos,
mais paternalistas, mais implicantes e donos da verdade. Esse tipo de falsa prática não é de benefício algum para nós e para os outros. O objetivo da prática espiritual não é aumentar os nossos defeitos. Ao ouvir essas coisas pela primeira vez, podemos nos sentir inspirados. Es cutar essas verdades nos aquece p or dentro, nos deixa
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alegres. Mas é um pouco como cobrir com remendo um buraco em nossa roupa: se não o costurarmos bem, logo, logo ele vai começar a cair, e o buraco aparecerá novamente. É aí que nos deparamos com a contemplação e a meditação. Embora possamos ser inspirados e tocados pela simplicidade e pela profundidade de uma visão espiritualizada da vida, ainda assim nos sos hábitos são muito arraigados, e continua sendo difícil lidarmos com o mundo. A prática eficaz requer uma reiteração constante da quilo que sabemos ser verdade. A meditação é o processo pelo qual damos um ponto depois do outro, recordamo-nos vez após vez das verdades mais profundas — impermanência, amor, bondade — até que o remendo fique preso de modo tão firme que se tome parte do tecido e reforce toda a rou pa. Então não seremos mais abalados por circunstâncias externas. Há um tipo de desenvoltura que aparece quando compreen demos a naturez a ilusória da realidade; quando enten demo s a qua lidade onírica da vida, essa impermanência que tudo permeia. Ao mesmo tempo que ela é, ela não é, e um dia vai deixar de ser por completo. Isso não quer dizer que negamos o nosso envolvimento com a vida, mas não a levamos tão a sério; nós a encaramos com menos esperança e menos medo. Então seremos como o adulto que brinca com a criança na praia: ele não sofre como a criança quando o castelo de areia e arras tado por um a onda. No entanto, existe compaixão pelo sofrimento da criança. A compaixão é algo nat ural em todos nós, mas pelo fato de ter mos hábitos arraigados, mu ito autocentrados, precisamos cultivá-la, contemplando o sofrimento das pessoas que imprimem solidez ao sonho. Precisamos desenvolver o desejo sincero e compassivo de que o sofrimento delas cesse, que elas venham a compreender a qualida de onírica da vida e assim evitem toda a angústia que surge quando as coisas a que dão valor inevitavelmente se perdem.
Si
Por
12 anos,
um dos maiores estudiosos e praticantes da índia,
Atisha, estudo u muito s textos, coletâneas enormes de ensinamentos e comen tário s sobre a dou trina de Buda e as realizações dos grandes lamas. Depois de anos de estudo, chegou à conclusão de que, sem exceção, todos os métodos — e Buda ensinou 84 mil métodos para propiciar a transição da mente comum para a extraordinária — se resum iam em um ponto essencial: u m coração puro. Quando estamos meramente falando de um coração puro, paiece simples, mas em momentos difíceis não é tão fácil de ser man tido. Se você estiver face a face com alguém que o odeia, alguém dis posto a lhe ferir, é muito difícil você não se enraivecer nem perder a atitude de am or ou bondade. Uma forma efetiva de manter o bom coração em nossas inte rações cotidianas é, repetidamente, lembrarmos que todos os seres, em alguma ocasião nas nossas muitas vidas, foram nossos pais. Isso pode ser difícil de aceitar para alguns de nós. Mas Buda e outros seres oniscientes e de sabedoria infalível ensinaram que todos nós tivemos vidas incontáveis. Nós, por outro lado, não sabemos onde nascemos anteriormente ou o que acontecerá conosco depois da morte. Entretanto, ao refletir sobre isso, verificaremos que vivemos hoje e m conseqüência de term os vivido onte m, e hoje é a base para o amanhã. O mesmo acontece com a seqüência da existência. Temos esta vida, o que significa que tivemos uma base anterior para ela, enquanto o próprio presente estabelece o terreno para o que vai acontecer em seguida. ^ Se a nossa sabedoria intrínseca se revelasse de forma mais plena, veríamos que todos os seres — quer humanos, animais ou de outro tipo — em algum momento, ao longo de incontáveis vidas, já nos dedicaram o carinho de um pai ou uma mãe, deram-nos um corpo, protegeram-nos, permitiram que sobrevivêssemos, ofereceram-nos educação, compreensão e algum tipo de treinamento para o mundo. Na° importa quais sejam os seus papéis agora ou quão difíceis pos-
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sam ser os nossos relacionamentos com eles. É corno se estivéssemos em um jogo de faz de conta. Somos como atores que passaram a creique são realmente as personagens que estão representando. Quando compreendemos a conexão que há entre nós e cada um dos demais seres, surge a equanimidade. Nós encaramos todos, amigos ou inimigos, com consideração. Mesmo que tenhamos di ficuldades com alguém, isso não quer dizer que aquela pessoa nao tenha sido importante para nós em algum momento. Nossa compaixão se aprofunda quando vemos uma pessoa, que uma vez já foi nosso pai ou mãe, sofrer horrivelmente. Nós contem plamos: “Como é triste — ela não compreende. Se eu compreendo um pouco mais, é minha responsabilidade ajudá-la tanto quanto possa”. Esse tipo de percepção nos deixa mais suaves. Assim, quando estamos em uma situação de tensão, pensamos por um momen to antes de reagir impulsivamente, respondendo com paciência e compaixão, em vez de com raiva. Tentamos ser gentis e procuramos ajudar, evitando implicar com os outros, evitando ações negativas e egoístas que possam ferir as pessoas. A aplicação da prática espiritual na vida diária começa quan do você acorda pela ma nhã. Alegre-se por não te r morrido à noite ; por saber que terá mais um dia útil pela frente você não pode garantir que terá dois. A seguir, recorde-se da motivaçao correta. Em vez de se propor a ficar rico e famoso ou seguir seus próprios interesses egoístas, vá ao encontro do dia com a motivação altruís ta de ajudar os outros. E renove seu compromisso a cada manhã. Diga a si mesmo: “No dia de hoje vou dar o melhor de mim. No passado eu me saí razoavelmente bem em alguns dias e, pessima mente, em outros. Mas, já que este pode ser o meu último dia, vou oferecer tudo o que te nh o de melhor; vou ser correto com os outros o máximo possível”. Antes de ir dormir à noite, não pule simplesmente na cama e caia no sono. Em vez disso, passe o dia em revista. Pergunte-se: “Como
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foi que eu me saí? Minha intenção era não ferir ninguém — eu con segui isso? Eu pretendia cultivar regozijo, compaixão, amor, equanimídade — eu fiz isso?” Pense não só no dia atual, mas em cada dia da sua vida. “Eu busquei desenvolver tendências positivas? Será que eu basicamente tenho sido uma pessoa virtuosa? Ou será que tenho pas sado a maio r parte do meu tempo agindo negativamente, envolvido com atividades desvirtuosas?” Questione-se crítica e honestamente. Qual é o resultado quando você de fato confere esses dados? Se verificar que a sua conduta deixou a desejar, não ajuda em nada você se sentir culp ado ou se recriminar. O objetivo é observar o que você fez, porque suas ações nocivas podem ser purificadas. A negatividade não fica gravada na base da mente de forma indelével, ela pode ser modificada. Por tanto, faça um retrospecto. Se você en xergar defeitos e deslizes, chame por um ser de sabedoria. Você não precisa ir a um lugar especial, pois não há lugar onde a prece não seja ouvida. Não importa se você considera a perfeição como sendo Deus, Buda ou uma deidade; o fundamental é que, quando você a objetifique, não haja nenhum defeito, falta ou limitação nela. A perfeição absoluta propicia a você as bênçãos da purificação. Confesse, tendo aquele ser de sabedoria como sua testemunha, e arrependa-se sinceramente do mal que você causou, comprometen do-se a não repeti-lo. Enquanto medita, visualize luz irradiando-se do objeto de perfeição, limpando você e purificando todos os erros do seu dia, desta vida e de todas as outras vidas que você já viveu. Quando olhar para o seu dia, talvez você veja que conseguiu trazer felicidade aos outros. Talvez você tenha dado de com er a um animal com fome, ou tenha praticado generosidade ou paciência. Mas em vez de parar por aí, resolva fazer melhor ainda no dia se guinte. Cultive uma atitude de maior habilidade e compaixão em suas interações com os outros. Dedique a energia positiva criada por suas ações a todos os seres, sejam eles quem forem, seja qual for a condição em que se encontrem, pensando: “Possa esta virtude
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aliviar o sofrimento de todos os seres; possa ela lhes trazer felicidade no presente e no futuro”. Durante o dia, verifique com o está a sua mente. Como está sendo meu comp ortamento? Qual é a minha real intenção? Você não pode realmente conhecer a mente de uma outra pessoa; a única mente que você conhece de verdade é a sua. Sempre que puder, contemple estes pensamentos: a preciosidade do nasc iment o hum ano , a imperman ência, o carma e o sofrimento dos outr os seres. Na prática da meditação no cotidiano, trabalhamos com dois aspectos da mente: sua capacidade de raciocinar e conceitualizar — o intelecto — e a qualidade que está além do pensamento — a natureza não conceituai e ilimitada da mente. Utilizando a faculdade racional, você contempla. Depois deixe a mente repousar. Pense, e então relaxe; contemple, e então relaxe. Não use um ou o outro exclusivamente, mas os dois juntos, como as asas de um pássaro. Isso não é algo a ser feito apenas quando você está sentado em um a almofada. Você pode me dita r assim em qu alquer lugar — enquan to guia o carr o, enqu ant o trabalha. Não há necessidade de ob jetos especiais nem de um ambiente especial. Essa meditação pode ser praticada em todas as circunstâncias da vida. Algumas pessoas pensam que, se meditarem por 15 minutos a cada dia, deverão se iluminar em uma semana e meia. Mas as coisas não funcionam assim. Mesmo que medite, reze e contemple durante uma hora por dia, isso representa uma hora em que você medita contra 23 em que não medita. Quais seriam as chances de uma pessoa contra 23 em um cabo de guerra? Um puxa para um lado e 23 para o outro — quem vai ganhar? Não
é
possível mudar
a mente com uma hora de meditação diária. Você tem que prestar atenção a seu processo espiritual ao longo de tod o o dia, enqu anto trabalha, joga, dorme ; a men te precisa estar sempre se direcionando para a meta final da iluminação.
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Quando você estiver imerso nas coisas do m undo, conserve sua mente naquilo que está fazendo. Se estiver escrevendo, mantenha a mente no tracejar da caneta. Se estiver costurando, concentre a mente em cada ponto. Não se deixe distrair. Não pense em cem coisas ao mesm o tem po. Não se deixe levar pelo qu e aconteceu on tem ou pelo que pode acontecer no futuro. Não importa tanto o que você esteja fazendo, desde que você mantenha-se concentrado. Atenha-se a sua tarefa, procurando estar confortável em relação ao que está fazendo e, desse modo, você treinará a mente. Sempre se observe de forma minuciosa, reduza os pensamen tos, as palavras e os comportamentos negativos e aumente aqueles que sao positivos. Pense com cuidado e constantemente renove seu foco, pois você pode ficar com a me nte nublada com m uita facilida de. O que a meditação produz é um constante ajuste do foco. Você tem que trazer de volta a inte nção pura, vez após vez. E então relaxe a mente para permitir um reconhecimento direto e sutil daquilo que está além de todo o pensamento. Se você tiver dificuldade de se lembrar de praticar durante o dia, tente encontrar uma forma de fazer isso, da mesma maneira que alguém que amarra um cordão no dedo como um lembrete. Você pode determinar que, a cada vez que sair de casa, fará a com paixão vir à tona; ou que, a cada vez que der partida no carro, co meçará a rezar. No Tibete, havia um grande lama que inventou uma forma efetiva e pouco convencional para que a sua mãe se lembrasse de praticar, pois ela tinha criado muitas desvirtudes na vida. Ensinou a ela o ma ntra Om Mani Peme Hunge a encorajou a recitá-lo o máxi mo possível. Infelizmente, ela não demonstrou muito entusiasmo pela repetição do mantra, então o lama pôs um pequeno sino em sua roca e um ou tro na cozinha, dizendo que el a deveria recitar Om Mani Peme Hung qua ndo os ouvisse tocar. Q uando a velha senhora
fiava a lã ou ia tra balhar na cozinha, os sinos tocavam. Ela amava o
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filho, mas não amava o Darma. Assim, cada vez que ouvia os sinos, cantava: “Essa é a minha punição! Om Marti Pente Hung. Essa é a re gra! Om Mani Peme Hung.Isso é ordem de meu filho! Om Mani Pente Hung1*. Apesar de sua motivação não ser imaculada, esses lembretes favoreceram sua prática da virtude. Há, evid entem ente, centros est abelecidos onde você pode ou vir os ensinamentos de Buda, lugares onde você é exposto a uma visão de mundo diferente e onde você pode meditar e contem plar em um ambiente no qual outras pessoas estejam fazendo o mesmo. É difícil progredir sozinho, é difícil mudar se você ouve os ensinamentos apenas uma vez. É muito útil visitar esses cen tros, mas, independentemente de conseguir ou não fazê-lo, você precisa costurar o remendo da sua roupa com um cuidado que requer constante atenção, constante escuta e aplicação dos ensi namentos, vez após vez. Não acontece com rapidez, mas a mente pode mudar. Houve um a vez um hom em na índia que decidiu med ir seus pensamentos. Isso não é fácil, pois embora uma pessoa possa es tar deter min ada a observar seus pensamentos, muitos escapam aqueles que não são vistos enquanto passam, que vêm e vão sem percebermos. Ainda assim, ele depositava uma pedrinha branca para cada pensamento virtuoso e uma preta para cada pensamen to desvirtuoso. De iníci o, a taref a produzia um a enorm e pilh a de pedras pretas, mas, muito lentamente, com o correr dos anos, a pilha de pedras pretas foi ficando menor, e a pilha das brancas cresceu. Esse é o tipo de progress o gradual que podemos fazer com um esforço sincero. Não há nada de sensacional no progresso da mente; é muito come dido e constante, exigindo diligência , paciên cia, perseverança, entusiasmo e uma qualidade de atenção alerta. Na tradição budista há muitos ensinamentos profundos, mas o que apresentamos aqui é o doce néctar que constitui a essência de todos eles. O cultivo de um coração bondoso no cotidiano e a
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prática da virtude, da compaixão, da equanimidade, do amor e do regozijo são o caminho da iluminação. PERGUNTA: O senhor ensinou que a diferença entre praticantes e nã o praticantes é que estes percebem o s fenômenos do m undo com o se olhassem pela janela, enquanto os praticantes o fazem como se olhassem em um espelho. Será que poderia falar mais sobre isso, visto que é tão im po rta nte para a nossa prática? RESPOSTA: Se quisermos ajudar os outros a eliminar suas talhas e desenvolver qualidades positivas, temos de nos assegurar que, pelo menos, purificamos a nossa mente o bastante para beneficiar os outros, em vez de simplesmente criticá-los. Precisamos nos focar em nossos próprios erros, em vez de olhar para os erros dos ou tros. Quando surge um pensamento negativo, ou mesmo um neu tro, precisamos tentar transformá-lo em um pensamento virtuoso. Quanto mais redirecionarmos a mente para a virtude, mais ela se manifestará externamente como fala e ações virtuosas. Isso vai gerar um carma que leva à felicidade, em vez de sofrimento. Se você examinar repetidamente seus pensamentos, palavras e ações e domar a sua mente, os defeitos começarão a diminuir, e as qualidades positivas, a aumentar. Quanto mais reduzirmos nos sas falhas, mais benefícios terão os seres à nossa volta. Quanto mais acentuarmos as nossas qualidades positivas, mais seremos capazes de ajudar os outros a fazer o mesmo. Quando praticamos assim, começamos a perceber mudanças em nossos relacionamentos. Pod emos descobrir que estamos nos torna nd o mais pacientes, am o rosos e bondosos, menos inclinados a discussões e buscando encon trar soluções pacíficas para os conflitos. As relações mais íntimas proporcionam o maior teste de paciência. Nossas interações com grupos maiores, no trabalho ou com nossos vizinhos, também nos mostram o quanto a prática está sendo eficaz.
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PERGUNTA: Como posso trazer a espiritualidade para a vida coti diana, sem negligenciar m inhas responsabilidades?
RESPOSTA: Seguir o caminho espiritual não significa negligenciar aquilo que necessita de atenção. Você precisa continuar ganhando a vida, mantendo um lar, alimentando a si mesmo e à sua família. Mas amplie a sua motivação. Compreenda que, se você come bem e fica saudável, pode viver mais, tendo mais tempo para praticar e as sim aumentar a sua capacidade para beneficiar os outros. Expanda seu compromisso para a gir em prol de todos os seres, não apenas de sua família e amigos. Não precisamos abandonar a vida mundana; entretanto, te mos que compreender a sua natureza ilusória. Mesmo que você ganhe dinheiro para sustentar a família, não se deixe enganar pela realidade aparente da experiência. Lembre-se da impermanência. Ter consciência do jogo das mudanças traz estabilidade à mente, uma equanimidade que não é interrompida pela perda ou pelos acontecimentos trágicos. Não precisamos abrir mão do empenho por nossos objetivos, e é maravilhoso quando os alcançamos. Mas, se não conseguirmos, não nos aborreceremos, po rque, desde o início, nunca acreditamos que eles fossem assim tão importantes. De qualquer maneira, ao morrer perde remos tudo. Nesse meio tempo, a vida é como uma dança. Os fenômenos surgem e cessam; os pensamentos e as emoções surgem e cessam. Tentando não os interromper e ne m se ocup ar com eles, simple smente observamos a qualidade ilusória da dança.
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PARTE II OS QUATRO PENSAMENTOS QUE TRA NSF ORM AM A ME NTE
6 . A I M POR TÂ NC IA D OS QU A T RO PE N SA M EN TO S
Ao ler a biografia dos grandes praticantes, constatamos que os santos e mestres que podemos tomar como exemplo eram incansáveis em sua busca no caminho espiritual. Eles tinham disposição para enfrentar todos os tipos de desafios e de dificuldades, praticando dia e noite com inspiração e entusiasmo, porque sua compreensão e assimilação das contemplações conhecidas no budismo como os quatro pensamentos que direcionam a mente para o Darma” eram muito profundas. A contempla ção dos quatr o pensame ntos sustenta a nossa prática da mesma forma que um alicerce serve de suporte para um edifício. Ao erguermos uma estrutura, se dispusermos as pedras do alicerce de forma tal que não cedam e que possam sustentar com firmeza, poderemos construir uma boa casa, capaz de nos abrigar por muito tempo. Se, ao contrário, pegarmos as coisas que formos achando pela frente e as empilharmos de qualquer jeito, ao final não teremos nada de útil. Mais cedo ou mais tarde a construção toda virá abaixo. De igual modo, se ouvirmos, contemplarmos e praticarmos o Darma — os ensinamentos de Buda — apenas superficialmente, é possível que, dez ou 15 anos mais tarde, venhamos a descobrir que nenhuma mudança real aconteceu, que sentimos o mesmo desejo, apego, ignorância, raiva e agressividade de antes. Presos aos hábitos comuns da mente, vemos que nossa capacidade de beneficiar nós
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mesmos e os outros encontra-se seriamente limitada. Podemos nos sentir tentados a con clui r que h á algo de errad o com os ens inam en tos, que os métodos budistas não funcionam. Mas eles funcionam sem problemas; é o praticante que não está fazendo o esforço neces sário para mudar. Precisamos no s empenha r, do fundo do coração, para con struir uma base sólida para a nossa prática. Caso contrário, será fácil fi carmos desanimados e culparmos os ensinamentos. Inventaremos desculpas de todos os tipos para evitarmos fazer prática; parecerá que toda sorte de circunstâncias externas e obstáculos internos doenças, desconforto físico, fadiga mental — surgirá como empeci lho aos nossos objetivos. Dentre os obstáculos do caminho está o fato de que somos do minados por nossos apegos. Temos muitas necessidades e desejos que, sem dúvida, sentimos que devem ser preenchidos. Quando medita mos sobre dois dos quatro pensamentos — em primeiro lugar, a li berdade e a oportunid ad e da nossa existência humana preciosa e a dificuldade de cbtê-la e, em segundo lugar, a impermanência —, pas samos a nos dar conta de que o nosso nascimento humano precioso é tão raro quanto o nosso tempo é curto. Essas duas contemplações ajudam a re duzir os venenos da men te e nos direcionam para a libe ração. Levando esses pensamentos conosco para a vida cotidiana para junto da família, do trabalho ou da meditação formal —, ad qui rimos maior eq ra ni m id ad e e desenvoltura para lidar com as mud an ças da vida. Ao ieordenarm os nossas prioridades, também cultivamos o conte ntam en to , pois aprendemos a viver com aquilo que nos basta — quando te m o s cem de alguma coisa,não precisamos de mil; quan do temos dez m il, não precisamos de um milhão; apre ndemos que estaremos sempre descontentes se ficarmos continuamente tentando satisfazer os s em p re crescentes desejos edem andas mundanas. Ent re ta nto , podemos ainda estar procurando a f elicidade ape nas em termos relativos e não em termos absolutos, pensando so-
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mente em como tomar nossas circunstâncias mundanas as melhoies possíveis, nesta vida e em vidas futuras. Como essa miopia cria obstáculos adicionais à liberação, meditamos sobre os dois últimos dos quatro pensamentos — o processo cármico de causa e efeito e o sofrimento que permeia a existência cíclica. Através dessas duas contemplações, reduzimos nosso apego à felicidade convencional e experimentamos uma soltura gradativa dos laços mais sutis que nos prendem ao samsara. Com menor apego a nossas experiências mundanas, voltamo-nos para o caminho da iluminação, removendo tudo o que possa haver de contraproducente e acrescentando o que possa apoiar o nosso objetivo. É por isso que os quatro pensamentos são chamados de preliminares. Se queremos que uma charrete nos leve a algum lugar, precisamos colocar um cavalo à sua frente. Muitas pessoas acreditam que esses ensinamentos sejam para principiantes. Elas querem passar logo adiante, para algo “profun do’, além daquilo que consideram “o jardim da infância do Darma”. No entanto, a contemplação dos quatro pensamentos está entre as práticas mais profundas e benéficas do caminho da iluminação, pois eles represen tam as verdades básicas sobre as quais todo o caminho espiritual se apoia.
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7 .0
L A MA
A contemplação dos qua tro pensame ntos está ent re os meios hábeis que utilizamos para reduzir os venenos da mente e criar benefícios a curto e a longo prazo para nós e para os outros. Já que não temos a boa fortuna de encontrar Buda Shakiamuni e de aprender diretamente com ele os métodos que conduzem à li beração, é o lama, nosso professor espiritual, quem nos apresenta esses ensinamentos. Antes que passemos a confiar em um mestre espiritual, porém, é essencial que examinemos cuidadosamente as suas qualidades, do mesmo m od o qu e iríamo s inve stigar as qualificações de u m médico an tes de colocar noss a vida em suas mãos. De certo modo, se deixássemos de investigar o médico, isso não seria tão grave, pois um tratamento inadequado poderia nos levar a perder apenas esta vida presente. No entanto, se deposi tarmos nossa fé em um mestre espiritual que não seja qualifica do, poderemos desenvolver háb itos contraproduc entes que talvez permaneçam conosco por muitas vidas futuras, criando enormes obstáculos ao ca m in ho d a ilumi nação. Duas qualid ades são necessárias a um professor: prim eiro, que ele tenha ouvido, cont emp lado e compreendido os ensina men tos e, segundo, que ele tenha meditado sobre os ensinamentos e que te nha alcançado a compreensão de seu significado essencial. Somente alguém que te nha reconhecido a natureza da me nte pode nos apr e sentar a essa natureza e nos indicar os métodos para romper os pa-
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drões habituais de apego e aversão, que nos impedem de estabilizar esse recon hecimento em nossa própria mente. Tal professor também pode nos ajudar a cultivar a intenção al truísta de acordar do sonho da vida para poder aju dar os outros a fa zer o mesmo — a única razão para nos empenharmos no caminho. A eloqüência não é a qualidade mais importante de um mes tre do Darma, pois não é tão difícil assim alguém apresentar um discurso vistoso; o crucial é que, por meio de uma prática autêntica e profunda de meditação, ele ou ela, pessoalmente, mantenha uma experiência direta dos ensinamentos. Caso contrário, o professor será como um papagaio que repete sem parar: “Pratiquem a virtu de; afastem-se da desvirtude”, mas que devora um inseto assim que este entra em sua gaiola. Hoje em dia é difícil verificarmos as qualidades de um professor. Pelo menos uma dentre i o ou 20 pessoas alega ser um mestre com uma bagagem de grande estudo ou realização meditativa. Ninguém coloca um cartaz declarando: “Eu sou um mestre ruim”. O ideal seria nos informarmos, por uma fonte externa, como e onde o professor estudou o Darma e praticou meditação. É mais importante, porém, observarmos o professor de perto, verificar cuidadosamente se ele possui um bom coração e se, de fato, vive os ensinamentos. Seria difícil encontrarmos um professor totalmente isento de defeitos — e mesmo que o encontrássemos, não nos daríamos conta desse fato. Apesar disso, podemos confiar em um lama que, pela prática da meditação, tenha removido em alguma medida os obscurecimentos da emente, alcançado algum grau de realização e desen volvido gr and compaixão. Os professores de bom coração têm em mente o interesse dos alunos, não os seus próprios interesses. Se não conseguem responder uma pergunta ou ajudar um aluno, irão encaminhá-lo a alguém que possa fazê-lo. Eles não conduzirão o aluno por um caminho errado. É arriscado fazer um compromisso apressado demais com um
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mestre. Mas, um a vez que você ten ha chegado a um a decisão cuida dosamente pond erada, deve seguir os ensin ame ntos de seu profes sor com diligência e senso de propósito. Usando novamente o exemplo do médico, se você está doen te mas não toma a medicação que seu médico prescreve, não irá melhorar. Portanto, após procurar um professor capacitado, você deve ouvir e se treinar com igual ha bilidade. Se você cautelosam en te aplicar as instruções que tiver recebido, então, lentamente, sua negatividade d iminuirá, e o am or e a compaixão crescerão. Assim, você aprenderá o que o professor tiver aprendido. O professor é como um molde que dá forma à mente do aluno. Um aluno não conseguirá desenvolver boas qualidades diante de um mau profes sor, mas irá, infalivelmente, beneficiar-se ao seguir as instruções de um bom professor. Por essa razão, no começo da contemplação dos quatro pen samentos, invocamos o lama. Recordamos as qualidades do lama e rogamos para que, pela força das suas bênçãos, os obstáculos à nossa prática se dissipem, a nossa mente volte-se para o Darma, e a porta da liberação se abra para nós.
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NASCIMEN
TO
HUM
ANO P
R E C I OS O
Imagine que você seja muito pobre e, de repente, veja-se em uma lerra onde tudo é incrustado de pedras preciosas, ouro e mo edas. Você vive nesse lugar por muitos anos, mas um dia tem que voltar para casa, fazendo uma viagem perigosa pelo mar, sem ne nh um a possibilidade de reto rnar àqu ela terra de teso uros. Ao che gar em casa, você se dá conta de que não lhe ocorreu trazer coisa alguma consigo, nem uma única joia, nem um grão de ouro, nada; pense qual seria seu arrependimento! Da mesma forma, nós passamos de uma vida para outra, dentro dos ciclos de sofrimento, carentes do mérito — da virtude e da ener gia positiva necessário para nos impulsionar para fora do samsara. Então umas poucas e raras condições se reúnem para produzir esta existência humana preciosa, com sua imensa oportunidade. Se mor rermos sem tirar pleno proveito dela, teremos deixado o reino hu ma no de mãos vazias, sem ter realizado nada. O primeiro pensamento que direciona a mente para o Darma trata da preciosidade do nosso nascimento humano e da importância de fazermos bom uso dele. As pessoas às vezes se perguntam: “Por que eu nasci? Qual é o proposito desta vida humana? Tenho a sensação de que há um grande motivo para eu estar aqui, mas não sei qual é”. Alguns pen sam que seu propósito é tornar-se um excelente músico ou escrever livros excepcionais. No en tanto, toda música que é tocada, tudo que é escrito, é impermanente.
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Não compreendemos que a nossa mente é um sonhador, e que as nossas experiências na vida são o sonho que ele criou. Como não temos a mínima ideia de estar sonhando, levamos a vida muito a sério e frequentemente nos sentimos impotentes quando as coisas não saem como desejamos. Por meio da prática espiritual, podemos, pelo menos, criar sonhos felizes. Em algum momento, poderemos de fato acordar. Acordar, revelar a essência da nossa existência, é a meta maior da nossa vida, que a tudo se sobrepõe. Mas o que é essa essência? Não pode ser o nosso corpo, já que tudo o que resta, quando a m en te deixa o corpo, é um cadáver. Nem pode ser a faculdade da fala, já que é simplesmente um a função do corpo. E não são, tampouco, as oscilações superficiais das emoções, o contínuo altos e baixos de esperanças e de medos, de gostos e de aversões, nem a atividade da mente que, como uma pulga saltitante ou uma pipoca, está sem pre se movimentando e mudando. Para encontrarmos a essência, temos que compreender a verdadeira natureza do nosso corpo, fala e mente, além da experiência de realidade que temos, que é como um sonho. A capacidade de fazer isso é encontrada apenas no nas cimento humano precioso, que é uma combinação única de capaci dades físicas e mentais e de oportun idad es e propens ão para a fé no caminho espiritual. Se usarmos bem esta vida, praticando com motivação pura e di ligência, conseguiremos ir além do ciclo de sofrimento em uma única vida para então beneficiar os outros sem nenhuma limitação. Caso contrário, desperdiçaremos o grande potencial de nosso corpo huma no, ou ainda pior, criaremos sofrimento para nós e para os outros. Não podemos su por que, tendo sido humanos uma vez, tere mos a garantia de uma existência humana vez após vez. Um corpo humano é muito difícil de se conseguir. Exige a acumulação de uma vasta quantidade de mérito, por meio de disciplina estritamente pura, em vidas passadas. Esse tipo de disciplina implica em três coi-
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sas: abstenção da prática de atos negativos ou de comportamento que possa causar mal; o cultivo de pensamentos e ações virtuosos; e, como motivação para seguir as duas primeiras disciplinas, o de sejo altruísta de beneficiar os outros. É somente por termos amea lhado toda essa quantidade de mérito, acompanhada da aspiração de renascermos como seres humanos, que nos encontramos agora no reino humano. O nascimento humano precioso proporciona liberdade e opor tunidade para prática, que não podem ser encontradas nos demais reinos da experiência, qu er sejam nos três reinos inferiores — o rei no dos infernos, dos fantasmas famintos e dos animais — com seu imenso sofrimento; quer seja m nos reinos superiores não hum anos — dos deuses mundanos e o dos deuses invejosos ou semideuses — com sua satisfação enganosa. Quando dizemos “nascimen to humano precioso”, não estamos nos referindo a uma existência humana apenas no nome, em que uma pessoa nasce, vive, morre e depois sua consciência segue para alguma outra experiência. O renascimento humano é precioso so mente quando dotado dos oito tipos de oportunidades e das dez qualidades e condições. Os três reinos inferiores não permitem oportunidade alguma para ouvir ou compreender os ensinamentos do Darma. Os seres que aí vivem não têm disponibilidade nem quaisquer outras cir cunstâncias f avoráveis que os apoiem ou os encorajem em sua prá tica: eles vivenciam sofrimento intenso demais. outro lado, os reinos deuses incentivo algumPor à prática. Os seres dessesdos reinos estãonão tãooferecem enamorados e ine briados com prazeres sensoriais e felicidade plena, que o pensamen to de escapar desse ou de qualquer outro estado da existência cíclica nunca lhes ocorre. Nesses cinco reinos não há nem incentivo nem oportunidade para buscar liberação dos ciclos de sofrimento do samsara. No rei-
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no humano, porém, provamos tanto do doce quanto do amargo. Conhecemos o suficiente sobre o sofrimento para querermos mu dar; todavia, o sofrimento não é tão agudo a ponto de nada poder mos fazer a respeito dele. Ainda assim, há quatro tipos de existência humana em que falta liberdade suficiente para a prática. Em primeiro lugar, pode-se nascer em uma cultura dominada por visões errôneas — a ideia de que matar ou ferir os outros é algo virtuoso ou espiritual, por exemplo. Em segundo lugar, pode-se nascer descrente quanto à es piritualidade ou religião. A mera sofisticação intelectual ou apren dizado acadêmico não capacitam ninguém a adquirir ou manter a fé espiritual. Pessoas inteligentes, mas céticas, têm dificuldade em confiar no que quer que seja e, assim, não possuem a abertura e a receptividade necessárias para procurar uma prática espiritual. Em terceiro lugar, pode-se nascer em uma era de trevas — uma era em que nenhum buda se manifesta no reino humano, sob forma algu ma, para oferecer ensinamentos budistas ou qualquer outro ensi namento espiritual benéfico. Por fim, é possível que uma pessoa sofra de deficiência física ou mental que a impossib ilite de o uvir ou compreender os ensinamentos. Precisamos nos dar conta do privilégio incrível que desfruta mos por não termos nascido em qualquer dessas situações. Nosso nascimento humano precioso nos oferece enorme liberdade para praticarmos. Ele também nos confere dez qualidades e condições es peciais, cinco das quais estão ligadas a quem somos e cinco, às nossas circunstâncias externas. As cinco primeiras qualidades incluem o nosso corpo huma no, que pode ser um veículo para a iluminação; o nascimento em uma região onde os ensinamentos estão disponíveis e não em um “país longínquo”, onde a influência do Darma ou de outros ensi namentos espirituais puros não tenha chegado; o fato de termos faculdades intactas e inteligência suficiente para compreendermos
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os ensinam entos ; a predisposição cármica para nos desenvolvermos espiritualmente, em vez de desperdiçarmos esta oportunidade ou usarmos nossa vida para causar o mal aos outros; e a receptividade ao caminho budista ou a outras tradições espirituais que propiciem benefícios, em termos mais imediatos e também a longo prazo, para nós e para os outros. A primeira das cinco condições pertinentes às nossas circunstâncias externas é que um buda de fato surgiu. Caso tivéssemos nascido em um universo em que nenhum buda houvesse se manifestado, a questão da liberação sequer se proporia, porque não teríamos um exemplo histórico. Ao alcançar a iluminação em nosso reino, Buda Shakiamuni demonstrou que isso pode ser feito. A segunda condição é que, além de surgir, Buda ensinou o Darma. Embora pudéssemos ter o exemplo histórico do Buda, sem seus ensinamentos, não haveria caminho nenhum a ser seguido. A tradição dos ensinamentos que foi preservada e transmitida ao longo da história consiste na terceira condição. Um buda pode surgir e ensinar durante uma determinada geração, e os seres podem se beneficiar com isso, mas os ensinamentos podem vir a se perder ou gradualm ente se extinguir. Em nosso caso, os ensinamentos budistas persistiram até os dias de hoje. A quarta condição decorre da presença de praticantes que alcançaram a compreensão dos ensinamentos e que representam a possibilidade da sua transmissão de forma viva. Por fim, devido à bondade e à compaixão do lama — da disposição dessa pessoa em ensinar e em te r contato com outras, em vez de praticar solitariamente —, nós temos condição de aprender, praticar e com preender os ensinamentos. Se não desfrutássemos de todas essas 18 oportunidades e condições, não pod eríam os nem mesmo falar sobre o prim eiro dos quatro pensamentos. Jamais cumpriríamos o verdadeiro propósito da nossa existência humana preciosa. Nunca alcançaríamos a meta de
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dissolver o sofrimento e criar felicidade para nós e para os outros, tanto temporária quanto permanentemente. Ao contemplar repetidas vezes o valor da nossa existência hu mana preciosa, passamos a enxergar que esse nascimento é melhor do que uma joia mágica que realiza desejos. Há muitas histórias de pessoas que enfrentaram enormes dificuldades, viajando longas distâncias e suport and o todos os tipos de agru ras e situações am ea çadoras para conq uistar um a joia assim; no entan to, ao final de sua busca, o que conseguiram? O poder mágico da joia pode torná-las ricas por algum tempo, encontrar-lhes um parceiro encantador ou fazer surgir uma mansão. Essas coisas, porém, duram apenas por um determinado período. A joia não é capaz de produzir a iluminação. Com o uso hábil da nossa existência humana, não só podemos criar benefícios a curto prazo, como também podemos alcançar liberação do samsara e adquirir a capacidade de ajudar os outro s a fazer o mesmo. A raridade da nossa existência humana fica muito clara quan do comparamos o número de seres do reino humano com o núme ro de seres nos outros cinco reinos. Tradicionalmente, diz-se que os seres dos infernos são tão incontáveis q uanto as partículas de pó que existem no universo todo. Dos fantasmas famintos, que existem em núm ero um pouco menor, diz-se que são tão num erosos qua nto os grãos de areia do rio Ganges. Quanto aos animais, não há sequer um canto de terra ou gota de mar onde não fervilhe vida anim al, as sim como um recipiente para fazer bebida alcoólica transborda com grãos de cereal. O número de seres no reino dos semideuses pode ser comparado ao número de flocos de neve em uma nevasca; o nú mero de seres nos reinos humano e dos deuses mundanos pode ser comparado ao número de partículas de pó que cabem sob a unha do polegar. Aqueles dotados de um nascimento humano precioso — com a aspiração elevada de libertar todos os seres do sofrimento — são tão raros quanto as estrelas no céu do meio-dia.
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Buda ilustrou a raridade do nascimento humano precioso com uma metáfora em que comparou os bilhões de universos a um enorme oceano sobre o qual boia, em algum ponto, uma canga de madeira. A canga é co nstante mente agitada pelo vento, ondas e cor rentes. No fundo do oceano vive uma tartaruga cega. Uma vez a cada cem anos, ela sobe à superfície para tomar ar, descendo então de volta para o fundo. As leis da probabilidade são tais que, mais cedo ou mais tarde, o vento s oprará a canga na direção da tartaruga quando esta vier à tona, e a cabeça dela atravessará o buraco da canga. O fato de que isso venha a acontecer é praticamente incon cebível. De acordo com Buda, as chances de alguém encontrar um nascimento humano precioso são ainda menores. Contemplar nossa imensa boa fortuna, muitas e muitas vezes, nos inspira a praticar com diligência e entusiasmo ainda maiores. Se você soubesse que ha ouro enterrado em algum lugar próximo, iria cavar com forte inspiração até encontrá-lo. Se lhe dissessem para cavar sem que você soubesse que há ouro, por que você se daria ao trabalho de cavar? Quando apreciamos a raridade do nosso nascimento humano precioso e a oportunidade que ele nos oferece, começamos a enten der que não devemos desperdiçá-lo, e sim que devemos cumprir seu propósito mais profundo — revelar a essência da nossa existência, a verdadeira natureza da mente.
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9 . A I M PER M AN ÊN CIA
Para compreender a raiz do sofrimento, temos que reconhecer que nada corpo na vidafísico é perma nente. Percebemos os fenômenos, inc luin do nosso e tudo aquilo que experimentam os pelos nos sos sentidos, como sendo sólidos e duradouros. Habitualmente nos apegamos às coisas e fazemos planos, como se elas pudessem durar para sempre. Entretanto, nada permanece igual; tudo se modifica, fácil e constantemente. Meditar continuamente sobre essa verdade é um dos melhores métodos para desenvolver uma prática espiritual pura. Começamos olhando para o universo inanimado. Em um cer to tempo, eras atrás, não havia nada de concreto aqui. Segundo a cosmologia budista, o universo físico surge inicialmente do movi mento do elem ento vento, seguido p elo movim ento dos elementos fogo, água e terra. O Monte Meru está no centro, rodeado pelos quatro continentes. Esse universo inanimado é, em seguida, habitado por formas dotadas de vida que começaram a surgir primeira mente a par tir de divisão celular, depois a partir de vários tipos de reprodução asse xuada e finalm ente por repro duçã o sexuada, inclusive por meio do nascimento vindo de um ovo e de um ventre de uma mãe. Esse vasto período de criação culminou na atual “era de dura ção”, durante a qual haverá 18ciclos ascendentes e descendentes de bem-estar e de felicidade. À medida que o universo se aproximar do
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seu fím e o meio ambiente físico deixar de ser propício à vida, seres em número crescente renascerão em outros universos. Por fím, a ma téria física irá se desintegrar até que, novamente, nada sobrará. Ao pensarmos sobre essas coisas, nossa percepção do universo começa a mudar; damo-nos conta de que, por mais verdadeiro e sólido que ele pareça ser, não é eterno. Em escala menor, vemos que cadeias de montanhas surgiram e desapareceram e, onde oceanos enormes surgiram, agora enco ntram os terra seca. Onde cidades outrora floresceram, hoje existem regiões estéreis e vazias, e, no lugar de terras inóspitas, cidades enormes cresceram. Ganhamos consci ência das constantes mudanças em nosso meio ambiente, desde os tem pos pré-históricos até o per íodo que a história registra. As mudanças são contínuas. Dia após dia uma estação sucede à outra. O dia vira noite, a noite vira dia. Os prédios não ficam velhos de repe nte; na realidade, a cada segundo, desde o mom ento em que foram construídos, começam a se deteriorar. Nosso meio ambiente, corpo físico, fala e pensamentos modi ficam-se tão velozmente quanto uma agulha espeta uma pétala de rosa. Se você espetar uma pilha de pétalas de rosa com uma agulha, isso pode lhe parecer um único movimento; na realidade, porém, ele se compõe de muitas etapas distintas. Você penetra cada péta la separadamente, atravessando sua superfície externa, a parte do meio, saindo pelo outro lado; atravessa o espaço entre uma pétala e a próxima, o lado de cima desta e assim p or diante. O espaço de tem po que leva para a agulha atravessar cada uma dessas etapas sucessi vas pode ser usado como uma unidade de medida para descrever a velocidade da mudança dos fenômenos no nosso mund o. Pense nos seres que habitam este universo. Quantas pessoas nascidas cem anos atrás con tinuam vivas? Quantos de nós, que esta mos agora sobre a Terra, estaremos aqui daqui a cem anos? As per sonagens da história
por mais que tenham sido ricas, famosas ou
bem-sucedidas, por mais vastos que tenham sido os territórios sob
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seu domínio — agora são apenas lendas. Nos ensinamento s budis tas, conta-se muito a história de um rei tão poderoso que controlava não só o mundo conhecido como tamb ém o rein o de Indra, rei dos deuses. entanto,extraordin apenas aários sua lenda permanece. os oito gran Os No mestres do passado des reis do Darma, os 25 discípulos principais do grande mestre Padmasambava, mesmo o Buda Shakiam uni, uma manifestação de compaixão suprema em forma humana não estão mais aqui. Isso não significa que suas bênçãos morreram com seus corpos físicos, pois as qualidades positivas da mente iluminada permeiam os três tempos — passado, presen te e futuro. retanto, da que, nossaquando perspec tiva pessoal, eles desapareceram, da Ent mesma forma o mundo gira, parece-nos que o sol se põe. Vemos também a ação da impermanência em nossos relacio namentos. Quantos de nossos familiares, amigos e pessoas da nossa cidade natal já morreram? Quantos se mudaram para outros luga res, desaparecendo de nossa vida para sempre? Quando éramos crianças pequenas, não suportávamos ficar longe de nossos pais. Às vezes, se nossa mãe saía do quarto por dois ou três minutos, ficávamos em pânico. Agora, escrevemos para nos sos pais, quem sabe, uma vez por anc. Pode ser que m orem d o outro lado do mundo. Talvez nem saibamos se eles estão vivos. Como as coisas mudaram! Em um certo momento, sentíamo-nos felizes apenas por estar mos junto de uma pessoa amada. Só segurar a mão daquela pessoa nos provocava sentimentos maravilhosos. Agora, talvez não a ature mos ou não queiramos saber dela. Tudo que se forma tem que se desfazer, tudo que se junta tem que se separar, tudo que nasce tem que morrer. Mudanças continu as e implacáveis são constantes em nosso mundo. Então, você poderia pensar, o universo muda continuamente e, da mesma form a, os relacionamentos; no entanto, eu sou sempre
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o mesmo. Mas quem sou “eu”? Sou o corpo? No momento da con cepção o corpo humano começa como uma única célula, e então se multiplica em uma massa de células que se diferenciam para formar vários sistemas de formado, orgãos. Depois de virmos mundo como bebê plenamente crescemos a cadaaomomento e nosum tor namos adultos. Esse processo físico ocorre semana a semana, mês a mês, até que chega um momento em que percebemos que as coisas estão ficando um pouco piores, e não um pouco melhores. Não estamos mais crescendo; estamos envelhecendo. Inexoravelmente, perdemos certas capacidades: a visão enfraquece, a audição falha, o raciocínio se embaralha. É a impermanência cobrando seu preço. Se vivermos a duração normal de uma vida e tivermos uma morte natural, ficaremos mais e mais enfraquecidos até que, um dia, não conseguiremo s mais sair da cama. Talvez não sejamos mais capazes de nos alimentar, de evacuar ou de reconhecer as pessoas à nossa volta. Em um dado m omento, morreremos. Nosso corpo será como uma casca vazia, e nossa mente estará vagando pela experiên cia do pós-morte. Este corpo, que foi tão importan te p or tan to tem po, será queimado ou enterrado. Pode mesmo vir a ser devorado por animais selvagens ou pássaros. Em um dado momento, seremos nada mais do que uma lembrança. Você poderia pensar: “Bem, o corpo é impermanente, mas o meu eu real, a minha mente, não é”. No entanto, se você olhar para a sua mente, verá que não é a mesma que tinha quando você era um bebê. Naquele tempo, tudo o que você queria era o leite da sua mãe e um lugar aquecido para dormir. Depois, alguns brinque dos o contentavam. Mais tarde, um namorado ou uma namorada e, depois, um certo emprego, casamento ou casa. Suas necessidades, desejos e valores mud aram; não todos de uma só vez, mas segundo a segundo. Mesmo ao longo de um único dia, a mente experimenta felicidade e tristeza, pensam entos virtuosos e desvirtuosos, repetidas
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vezes. Se tentamos s egurar um determ inado momento, mesmo en quanto pensamos em fazê-lo, ele já desapareceu. Como o corpo e a mente, nossa fala está constantemente mu dando: cada palavra que enunciamos se perde; u ma outra se apressa para substituí-la. Não há nada que possamos apontar que seja imu tável, estável, permanente. Precisamos incutir em nós uma consciência contínua da impermanência, porque a vida é uma corrida contra a morte, e a hora da morte é desconhecida. Contemplar a aproximação da morte muda as nossas prioridades e nos ajuda a abrir mão do envolvimento obses sivo commomento coisas comuns. Seopermanecermos sempre conscientes que cada pode ser último, intensificaremos a prática parade não desperdiçar nem fazer mau uso da nossa preciosa oportunidade humana. À medida que amadurece a contemplação dessa verdade, chegaremos a alguma compreensão de como funciona o mundo, de como as aparências surgem e se transformam. Vamos passar do mero entendimento intelectual da impermanência para a compreensão de que tudo aquilo em que baseávamos nossa crença na realidade é ape nas um cintilar de mudança. Começaremos a ver que tudo é ilusório, como um sonho ou uma miragem. Embora os fenômenos apareçam, nada é, na verdade, estável de fato no presente. Isso nos ajudará a compreender os ensinamentos budistas mais profundos. Então poderíamos perguntar: “O que terá utilidade para nós quando morrermos?” Quando estivermos mortos, mesmo as pes soas que nos consideram muito agradáveis ou simpáticos não vão querer o nosso corpo por perto. Tampouco poderão ir conosco, não importa quem sejam ou quão felizes nos fizeram. Todos morrere mos sós, mesmo que sejamos famosos, mesmo que sejamos tão ricos quanto o próprio deus da prosperidade. Na hora da morte, toda a riqueza que acu mulam os, todo o poder, status e fama que consegui mos e todos os amigos que r eunim os não serão de nenhuma valia. Nossa consciência será extraída do ambiente em que estivermos tão
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facilmente quanto um fio de cabelo de um bloco de manteiga. A única coisa que nos beneficiará será a prática do Darma; a única coisa que nos acompanhara na morte será nosso carma positivo e negativo. Nada mais. PERG UNTA: Se contemplarmos a impermanência dessa forma, não ficaremo s apáticos às necessidades dos outros? RESPOSTA: Nossa intenção no caminho do Darma é aliviar o so frimento dos outros tanto quanto pudermos e de todas as maneiras que formos capazes, até que, po r fim, sejamos capazes de aliviar todo o sofrim ento de todos os seres. Ao mesm o tempo, mantem os a cons ciência da impermanência em tudo que fazemos, lembrando-nos de que, como um sonho, a vida cotidiana acontece, mas não é intrinsecamente real. Fazemos tudo o que está ao nosso alcance, no contexto dessa experiência de sonho, para trazer benefícios aos outros e para reduzir os venenos da mente, de m odo a não causar o mal a nós, nem aos outros. Se praticarmos a virtude e reduzirmos a desvirtude, este sonho que chamamos de vida irá melhorar. Ao recordar a natureza da nossa experiência, que é impermanente como um sonho, iremos, por fim, despertar e ajudar os outros a fazerem o mesmo. A medida que a nossa compreensão da impermanência e da natureza ilusória da realidade aumenta, nossa compaixão também aumenta. Vemos que, aprisionados em sua crença no sonho, sem ne nhuma compreensão da impermanência, os seres vivem angústia e sofrimento tremendos. Pelo fato de acreditarem na solidez da sua experiência, reagem com apego e aversão quando seu carma surge, criando mais carma negativo e perpetuando os ciclos de sofrimento. PERGUNTA: Qual a diferença que existe entre alguém contemplar a impermanência e ficar olhando no relógio, querendo saber quan do irá terminar aquilo que está fazendo?
RESPOSTA: Tudo se resume à motivação. Se a sua motivação não for autocentrada, você não notará o relógio tanto assim. Se for, en tão as coisas parecerão to mar mais tempo do que você esperaria. Eu não o desaconselho observar o relógio, o vai relógio do : pergunte-seaden tro de quanto temmas po oobserve samsara acabar.
samsara
Então, a questão passa a ser: “Como eu posso cortar o apego? Como eu posso cortar a aversão? Como eu posso cortar a confusão?” Ao eliminarmos os obscuredmentos da mente, conseguiremos, mais cedo ou mais tarde, pôr fim ao samsara. PERGUNTA: Tenho temor de que a crença na natureza sória de tudo irá criar grande mais e não menos sofrimento, porque abriilu remos mão de tudo que seja importante. Às vezes, quando as coisas estão difíceis, tudo o que nos resta é a esperança. Se abrirmos mão dela, não teremos nad a. RESPOSTA: Só porque alguém tem medo de que um remédio seja tóxico de que possa piorar não significa issono seja ver dade oue que o remédio não váa doença, ajudar. Muitos de nós,que presos sam sara, tendemos a ter mais medo do remédio que precisamos do que da própria doença. Temos medo de encarar averdade de nossa experi ência, porque queremos acreditar que tudo é estável e duradouro. Mas nada permanece igual — ninguém jamais escapou da do ença, da velhice ou da morte, por mais que tenha tentado negá-las. Sofremos, não porque nossa experiência seja ilusória, e sim porque negamos que ela seja. Se reconhecermos a natureza ilusória das coisas e encararmos a inevitabilidade da morte, estabeleceremos prioridades e faremos escolhas que trarão felicidade, em vez de so frimento, para nós e para os outros. A esperança mal dirigida causará apenas sofrimento. Se nos convencermos de que um burro em nosso quintal é um leão e esperarmos que ele nos proteja, estaremos em perigo quando o
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lobo ataca r. No ca m inh o esp iritual, depositamos nossa esperança em algo confiável — os métodos espirituais que podem nos levar para além do sofrim ento. Esperamos que eles possam provocar mudanças, que nos ajudem a encarar nossas dificuldades e que tragam benefícios até a iluminação. Usamos a esperança para tran sfo rm ar a esperança. PERGUNTA: Concordo com algumas coisas que o senhor está dizen do, mas minha vida é muito atribulada. Não vejo como a contem plação da impermanência pode ajudar a mudar minhas prioridades para que tenha mais tempo para praticar. Tenho uma família que depend e de m im, u m trabalho, etc. RESPOSTA: Se, depois de seguir o caminho espiritual por muitos anos, você não tem uma prática forte, é porque não contemplou sufkientemente a impermanência. Pense com cuidado no que realmente importa agora; pergunte-se o que deixará para trás e o que poderá levar quando morrer. Mesmo que encontrasse um tesouro escondido, não poderia carre gar com você. Sua prática, entretanto, é como uma moeda especial que irá com você através da fr onteira da morte, vida após vida. Se disser que não tem tempo para meditar, você não enten deu, de verdade, a impermanência. Você pode trabalhar oito ho ras po r dia, mas ain da tem 16 horas sobrando. Alegar que não tem tem po, que é resp onsável pe los seus filhos e que te m um traba lho não é desculpa. O eminente rei do Darma Indrabhuti governava todo um reino e, ainda assim, conseguiu alcançar a iluminação em uma única vida. Poucos têm responsabilidades quanto ele. Se formos diligentes, sempre será possível encontrar tempo suficien te. Se não, sempre encontraremos uma razão para não praticar. Somente depois da morte é que não teremos tempo. Até lá, mes mo que estejamos doentes ou ocupados, temos tempo.
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PERGUNTA: Ainda vejo que o peso dos muitos anos em que não pensei assim é mais forte do que minha crença no ensinamento sobre imperman ência. C omo posso mu dar esse hábito? RESPOSTA: Suponha que comecemos com um exercício muito simples. Examine a importância que você atribui à comida que come, suas roupas, sua casa, seus amigos, suas conversas, os livros que lê. Você, provavelmente, verificará que os considera tão cruciais que trabalha dia e noite para mantê-los. Agora examine essas coisas por um ângulo diferente. Olhe para cada uma delas e perg unte se são permanen tes. Perg unte, em ú ltima análise, se são algo em que você possa se fiar. Na hora da sua morte e para além dela, essas coisas serão confiáveis? E será que valem todo o esforço e preocupação que você dedica a elas agora? Pensar sobre a im permanência e a morte nos ajuda a desvencilharmo-nos de valores mundanos e a mudar nossas prioridades. Por meio da contemplação e da aplicação dos ensinamentos em cada momento da sua vida, você verá seus hábitos se transformarem. Você não conseguirá mudar apenas lendo livros. Você precisa procu rar, investigar, questionar e examinar. Pode ser que você já tenha sido exposto a todo tipo de idéias e entendido muitas coisas intelectual mente. No entanto, sem uma contemplação que o leve mais fundo em sua prática e que lhe permita chegar a algumas conclusões muito fundamentais, você não será capaz de dar o próximo passo. Para descobrir o que é realmente importante para você, tire alguns minutos agora para refletir sobre o que foi dito aqui e veja como isso se relaciona com sua própria experiência. Somente por meio da contemplação você poderá descobrir se a prática espiritual faz sentido para você e se toca o seu coração.
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1 0 . 0 C AR MA
Embora alguns pensem que o princípio do carma exista apenas na doutrina budista, na realidade, pode ser encontrado em quase to das as tradições espirituais. Geralmente é exposto de forma simples: “Se você for bom, irá para o céu, você será feliz. Se você for mau, irá para o inferno, você sofrerá”. Nessas tradições, o princípio da inevi tabilidade das conseqüências, que chamamos de carma, é como um trem com apenas dois destinos: céu e inferno. A visão budista é a de que o trem tem muitas paradas intermediárias. Quanto maior a bondade de uma pessoa, maiores as suas experiências de felicidade. Quanto maior a negatividade de uma pessoa, maior o seu sofrimento e dor. A realidade atual do nosso dia a dia é o resultado cármico dos nossos pensamentos, palavras e atos desta vida e de vidas passadas. Algumas pessoas têm dificuldade com a visão mais abrangen te do carma apresentada pelo budismo, porque não acreditam em reencarnação. Como não podem constatar que elas próprias ou qualquer outra pessoa terão uma existência futura, ou que tiveram alguma existência anterior, não conseguem aceitar a ideia do renas cimento. Mas o fato de não conseguirmos nos lembrar de vidas pas sadas ou vislumbrar vidas futuras não é motivo suficiente para não acreditarmos nelas. Há muitas coisas nas quais confiamos, apesar de não podermos enxergá-las ou constatá-las empiricamente. Como o amanhã! Não podemos provar que o amanhã acontecerá, mas estamos p ronto s a apo star que sim. As pessoas não podem garantir
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que, em uma certa idade, vão se aposentar, viver das suas economias, ter uma vida tranq üila e se divertir; no ent anto , muitas estão traba lhando para isso. Da mesma forma, a incapacidade de recordar ou antever outr as vidas não significa que elas nã o existam. O carma pode ser comparado a uma semente que, em condi ções adequadas, dará lugar a uma planta. Se você colocar na terra uma semente de cevada, pode ter certeza de que obt erá um broto de cevada. A semente não produzirá arroz. A mente é como um campo fértil— coisas de todo s os tipos po dem crescer nela. Quando plantamos uma semente — um ato, uma palavra ou um pensamento —, em um dado momento será produ zido um fruto que irá amadurecer e cair na terra, perpetuando e incrementando aquela me sma espécie. Mome nto a mo ment o, com nosso corpo, fala e mente, plantamos sementes potentes de causali dade. Quando as condições adequadas para o amadurecimento do nosso carma se reunirem, teremos que lidar com as conseqüências daquilo que plantamos. Embora sejamos responsáveis por aquilo que semeamos, es quecemos que lançamos aquelas sementes e, quando amadurecem, damos crédito ou culpamos pessoas ou coisas externas pelo acon tecido. Somos como u ma ave pousada sobre u ma rocha, que conse gue ver sua sombra, mas que, quando voa, esquece-se de que a som bra existe. A cada vez que pousa, a ave pensa que encontrou uma sombra com pletam ente nova. No momento, pen samos, falamos ou agimos. Mas perdemos de vista o fato de que cada pensamento, palavra e ação produzirá um resultado. Quando o fruto finalmente amadurece, pensamos: “Por que isto aconteceu comigo? Não fiz nada para merecer isto”. Uma vez que tenhamos cometido uma ação negativa, a me nos que ela venha a ser purificada, viveremos as suas conseqüências. Não podemos nos esquivar da responsabilidade, nem tentar fazer o carma desaparecer por meio de justificativas. As coisas não fun-
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cionam assim. Todo aquele que pratica um ato irá, infalivelmente, viver os seus resultados, sejam eles positivos ou negativos. Cada movimento dos nossos pensamentos, palavras e atos é como um ponto no tecido da nossa futura realidade. Em nossa experiência presente estão latentes oceanos de carma, vindos de incontáveis vidas passadas, carma que, nas condições apropriadas, frutificará. Para encont rarm os liberação do
, precisamos trab alhar
samsara
no nível das causas, não no nível dos resultados — o prazer e a dor que aparecem como conseqüência do nosso comportamento. Para fazer isso, precisamos purificar nossos erros passados e modificar a mente que planta as sementes do sofrimento. Precisamos purificar os venenos mentais que perpetuam o carma infindável. Esse pro cesso é chamado de “fechar a porta da desvirtude”, ou seja, evitar conseqüências cármicas tomando medidas preventivas, não dando mais vazão às faltas da me nte por meio das ações. Nós falamos em carma positivo, negativo e neutro. Os atos que geram carma positivo levam à felicidade pessoal e felicidade para os outros. O carma negativo provoca sofrimento para nós mesmos e para os outros. Quando nossa intenção é beneficiar os outros, cria mos bons pensam entos , palavras e ações virtuosas e carma positivo. Quando somos motivados pelos venenos da mente, criamos maus pensamentos, palavras e ações desvirtuosas e carma negativo. O carma neutro é gerado por ações inócuas, motivadas nem pelo desejo de ferir nem pela intenção de ajudar. Por não ter efeito positivo algum, é considerado desvirtuoso. Por essa razão, o carma é muitas vezes discutido somente em termos de positivo ou negativo. A motivação altruísta pode gerar um carma positivo exaurível ou inexaurível. Criamos carma exaurível quando nossa motivação é beneficiar os outros, mas o nosso quadro de referência continua sen do a curto prazo. Por exemplo, podemos dar de comer a uma pessoa que tenha fome ou cuidar de alguém doente, mas nossa meta conti-
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nua sendo temporária — não a de ajudar aquela pessoa e todos os de mais seres a despertar dos ciclos de sofrimento. Consequentemente, a felicidade que resultará da nossa ação virtuosa será temporária e ter minará quando o bom carma que tivermos criado com aquela ação se exaurir. Ele não levará à liberação do samsara. Qua ndo uma ação é praticada c oin a intenção de que um a de terminada pessoa, bem como todos os demais seres, não só encon trem felicidade temporária, como também acordem da existência cíclica, ela produz carma positivo inexaurível. Esse carma leva não apenas à felicidade nos reinos superiores de experiê ncia; em t ermos últimos, leva à iluminação. Precisamos adquirir certeza absoluta da infalibilidade do pro cesso cármico que atua constantememe em nossas vidas, pois o nos so sofrimento sem fim, as experiências de estados de nascimento superiores e inferiores, tem suas raízes no desenrolar inexorável do carma positivo e negativo. Havia, certa vez, um eremita que morava e meditava em uma floresta. Ele possuía apenas um a muda de roupa, geralm ente lavada em um riacho, e, com o tempo, ela começou a desbotar. Um dia ele decidiu recuperar a cor srcinal: aqueceu um caldeirão de tintura e colocou a roupa dentro. Nesse ínterim , um fazendeiro vasculhava a região, em busca de um bezerro perdido. Viu a fumaça do fogo do eremita e imediatamente supôs que alguém havia roubado e aba tido seu bezerro e o estava cozinhando. Dirigiu-se à clareira e, não encontrando ning uém por pe rto, olhou de ntro do caldeirão. Lá viu a cabeça e os membros do bezerro fervendo na água. Ele correu até o rei, gritando: — Esse hom em que se diz um grande santo não passa de um simples ladrão. Rou bou meu bezerro e, agora mesmo, se ocupa em cozinhá-lo para o jantar. O rei ficou fora de si, porque aquela pessoa espiritualizada que estava moran do em seus domínios, amealha ndo alunos, ensinand o
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e adquirindo fama e respeito, havia se revelado um ladrão. Ele man dou seus soldados prenderem o eremita e jogá-lo na prisão. Na realidade, o bezerro havia apenas se extraviado e depois de sete dias achou o caminho de volta para a fazenda do dono, são e salvo. Muito arrependido, o fazendeiro foi diretamente ao rei e confessou: — E horrível! Caluniei esse grande santo. Por favor, solte-o da prisão imediatamente. O rei concordou em fazê-lo, mas, sendo m uito ocupado, esque ceu-se totalmente. Sete meses mais tarde, o sábio ainda estava na prisão. Por fim, um de seus alunos, que possuía grandes poderes meditativos, voou pelo céu até o rei e disse: — Meu professor nada fez de errado. Por favor, deixe-o ir! O rei instantaneamente se lembrou e foi pessoalmente à mas morra soltar o sábio. O rei estava tomado de remorso não só por tê-lo prendido sem julgamento, mas também por ter se esquecido de libertá-lo. O eremita disse ao rei: — Não há nada a lamentar. Esse era o meu carma. Em uma vida passada, roubei e matei um bezerro. Enquanto escapava do dono, cruzei com um homem santo qu e meditava em um a floresta. Resolvi jogar a culpa nele, depositando a carcaça do animal ao lado de sua cabana e fugindo. Ele foi injustamente acusado e jogado na cadeia por sete dias. As conseqüências desse ato foram tão negativas que minha mente ficou sujeita a nascimentos e nascimentos nos reinos inferiores da existência. Agora, ao alcançar esta vida hum ana, tive condições de continuar meu desenvolvimento espiritual. Mas algum carma residual ainda tinha que ser purificado. Do meu pon to de vista, as coisas saíram muito bem. É crucial ente nder mos o que é virt uoso e o que é desvirtuoso. Caso contrário, mesmo como praticante s que tenta m servir e trazer
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benefícios aos outros, podemos, de fato, criar mais mal do que bem. O defeito sutil, que é o orgulho, pode aparecer: “Sou uma pessoa tão espiritualizada”, ou “Minha tradição é a melhor”, ou “Aquelas pobres pessoas que não têm um caminho espiritual!” Quando fa zemos esses julgamentos, apenas criamos carma negativo. Se dei xarmos de usar nosso corpo e mente de modo cuidadoso e discipli nado, nossos defeitos podem piorar. Nossa mente está repleta dos cinco venenos. Com essas tintas em nossa palheta, que espécie de quadro vamos pintar? Criamos desvirtude com o corp o ao matar, rou bar ou praticar conduta sexual indevida. Uma ação desvirtuosa plena tem quatro aspectos. Por exemplo, o ato de matar inclui identificar o objeto a ser morto; estabelecer a motivação de matar; cometer o ato de matar; e, final mente, a ocorrên cia da mor te da vítima. Se temos a intenção de matar alguém, mas não Tealizamos o ato, ainda assim geramos metade da desvirtude ao identificarmos o objeto e estabe lecermos a motivação de matá-lo. Ou,se, ao c am inhar pela calçada, pisamos acidental mente em um a formiga e a matamos, também criamos metade da d esvirtu de de matar. Roubar significa tomar algo que não nos foi dado. Inclui pegar alguma coisa sem con hecimento do dono, render um a pessoa a fim de se apoderar de algo, ou usar um a posição de p oder ou auto ridade para tirar algo de um a pessoa em benefício próprio. A conduta sexual indevida consiste em atividade sexual com um menor, com um doente, em situação que cause desconforto mental ou emocional, ou que cause a quebra de u m voto ou de um compromisso com um parceiro sexual, quer em relação a si próprio, quer em relação à outra pessoa. As quatro desvirtudes da fala incluem a mentira, sendo a pior mentira a falsa afirmação de que se tem realização espiritual; a di famação, que implica o uso da fala para separar amigos próximos, sendo o pior caso caluniar membros do nosso grupo espiritual; a
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fala áspera, que fere os outros; e a tagarelice ou o uso de palavras vãs, que desperdiçam o nosso próprio tem po e o dos outros. A primeira das três desvirtudes da mente é a cobiça. A segunda desv irtud e consiste nos pe nsamentos mal-intencionados: querer cau sar mal ao próximo, desejar que o próximo venha a ser prejudicado ou regozijar-se com o mal feito ao próximo. A terceira desvirtude mental é a visão errôn ea. Ter visão errôn ea é diferente de duvidar e de questionar, componentes saudáveis da contemplação espiritual. Acreditar que é bom ser mau, ou que é mau ser bom, é um exemplo de visão errônea. Ou tro exemplo é não acreditar na nat ureza ilusória das experiências porque não podemos provar isso, negando, assim, a verdade fundamental que, por fim, propiciará liberação do sofri mento. Pois, embora não possamos provar que a nossa experiência seja ilusória, tampouco podemos provar que não o seja. As dez virtudes decorrem claramente das dez desvirtudes. Salvar e proteger a vida, por exemplo, cria enorme virtude. Todos os seres são iguais na medida em que todos buscam a felicidade, não querem sofrer e valorizam sua vida tanto qua nto n ós valorizamos a nossa. Salvar a vida de um inseto ou de um outro animal é extrema mente virtuoso e, quando o mérito é dedicado, criam-se grandes be nefícios, não só para aquele animal, mas para todos os seres. Dedicar mérito em prol da longa vida de outros seres, por exemplo, pode trazer imenso benefício àqueles que estão doentes. A generosidade, p or mais insignificante que pareça ser — mes mo dar um pouco de água ou comida a um pássaro com fome —, cria grande virtude. Manter disciplina no relacionamento sexual, dizer a verdade, usar a fala para criar harmonia, para ajudar a mente de uma outra pessoa e para criar benefícios temporários e definitivos para si pró prio e para os outros — essas tam bém são virtudes. Assim como o são regozijar-se com a felicidade dos outros, aprender a visão correta e gerar pe nsam entos bondosos e soli citude.
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O fruto cármico de uma ação desvirtuosa é quase o mesmo, quer você próprio pratique a ação, quer você peça que alguém a pra tique, quer você se regozije quando uma outra pessoa a realiza. Se você recitar cem ma ntras sozinho, cria a virtude associada à recita ção desse número de mantras. Mas se um grupo de dez pessoas reci ta cem mantras, cada me mbro do grupo gera a virtud e de recitar mil mantras. Igualmente, se um membro de um grupo mata alguém, todas as demais pessoas do grupo geram a mesma desvirtude. Embora nossa situação possa paiecer sem conserto, por meio da confissão e da purificação podem os evitar o carm a negativo que acumulamos desde o tempo sem princípio. Diz-se que a única vir tude da desvirtude é que ela pode ser purificada. Quando eu era pequeno, uma senhora foi visitar a minha mãe. Ela usava um colar do qual pendia um objeto liso e brilhante. Fascinado, perguntei-lhe o que era. — Um osso de peixe — respondeu. Eu queria um para mim! Tinha que ter um igual! Então corri até o rio e peguei um peixe pequeno, pensando que teria dentro um osso lindo. Pus o peixe no chão e peguei m inha faca. Não conseguia olh ar ao tentar corta r o peixe, de mod o que vol tei o rosto para o outro lado. Mas a faca estava sem corte, e eu não conseguia matar o peixe. Ele ficou pulando de um lado para outro e finalmente morreu por exposição ao ar. Quando parou de se movimentar, abri-o e olhei dentro. Não havia osso algum parecido com o q ue a m ulher usava no pescoço. Aborrecido, voltei para casa e disse a ela: — Olhei dentro de um peixe, mas não consegui encontrar um osso assim. — Não, não, não — disse ela. — Você só encontra um osso assim em peixes que moram no mar. Foi então que percebi que talvez tivesse feito algo de errado. Eu havia matado um peixe, e sequer era do tipo certo.
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Mais tarde, quando tinha 22 anos e estava fazendo meu se gundo retiro de meditação de três anos, tive um sonho no qual eu olhava para uma extensão vastíssima de água. O céu e a água se encontravam. Nunca havia visto nada parecido, nem mesmo em desenhos, já que o Tibete não é banhado pelo mar. Indaguei: — O que é isto? Alguém no sonho disse: — Este é o lugar onde você vai renascer. Então lembrei-me do peixe e compreendi que esse era 0 carma que eu havia criado ao matá-lo. Pedi em oração: “Se vou renascer como peixe, faça com que eu seja um peixe pequeno para não criar mais carma negativo comendo outros peixes”. Quando acordei bem cedo, na manhã seguinte, um peixe apa receu no escuro à minha frente. Para todo lado que eu me voltava, 0 peixe estava ali. Não podia fugir dele. Comecei a recitar 0 mantra Om Mani Peme Hungnos intervalos das sessões de prática do retiro,
dedicando a virtude da minha prática ao peixe que havia matado. Depois de completar um milhão de recitações, o peixe finalmente desapareceu. Penso que, agora, possivelmente tenha purificado meu carma com peixes. Não precisamos saber exatamente que carma estamos purifican do para empregarmos um determinado método: as técnicas de puri ficação atuam sobre todos os tipos de carma negativo. O desenvolvimento de compaixão, de amor, de bondade e de altruísmo, a recitação de mantras, a meditação sobre os seres ilumi nados e as preces a eles ajudam a diminuir o sofrimento presente, ajudam a nos tornarmos mais cuidadosos quando estamos pratican do evitar causar o mal e também ajudam a purificar as causas do sofrimento futuro. No entanto, enquanto estamos fazendo prática de purifica ção, se pensarmos “Tenho tanto carma negativo para purificar” ou “Quero realmente alcançar a ilu minação”, nossa motivação não será
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pura. Esse tipo de prática voltada para os próprios interesses é me nos eficaz do que a atitude de alguém que gera compaixão pura, mesmo fora do contexto de uma prática formal. Dentre todos os métodos, o mais eficaz é a prática formal feita com base na compai xão e na intençã o de liberar todo s os seres do samsara. Sempre que manifestamos amor, compaixão, um coração bondoso e a intenção pura de ajudar, essas qualidades, como um solvente, naturalmente purificam e dissolvem o carma. Asanga, um grande praticante budista hindu, retirou-se em uma caverna para meditar dia e noite em Buda Maitreia. Depois de seis anos, não tinha tido um unico sonho auspicioso, uma única visão — nenhum sinal de realização. Concluiu que sua meditação era inútil. Deixou a caverna e, ao seguir pela estrada, passou por um homem que esfregava um lenço de seda em uma coluna de terro. Asanga perguntou ao homem: — O que o senhor está fazendo? — Estou fazendo uma agulha — respondeu o homem. Asanga pensou: “Mas que perseverança! Ele está esfregando uma coluna de ferro com um lenço de seda para fazer uma agulha, e eu sequer tenho paciência suficiente para permanecer em retiro . Voltou para a caverna e começou novamente a meditar, dia e noite, no Buda Maitreia. Depois de mais três anos de meditação, ele ainda não havia re cebido sinal algum de realização. Nenhum sonho, nenhuma visão, nada. Novamente, muito desanimado, deixou o retiro. Ao seguir pela estrada, viu um homem que mergulhava uma pena em um balde de água e a passava sobre a superfície de um enorme rochedo. Asanga perguntou ao homem o que fazia. — Este rochedo está fazendo sombra sobre a minha casa — res pondeu — por isso, estou removendo-o. Asanga pensou: “Eis aqui alguém que, para ter apenas u m pou co de sol sobre seu telhado, se dispõe a ficar em pé interminavel-
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mente, removendo um rochedo com uma pena. E eu não consigo sequer m ed itar até que ob ten ha um sina l”. Voltou para a caverna e sentou-se em meditação. Após um total de 12 anos em retiro, ele ainda não havia recebi do sinal algum. De novo, desencorajado e decepcionado, partiu. Ao segui 1 pela estrada, desta vez enco ntr ou um cachorro muito doen te. A parte inferior de seu corpo estava apodrecida por gangrena e cheia de larvas de moscas varejeiras. Sem as duas pernas de trás, ele conseguia apenas se arrastar pela estrada. Ainda assim, voltava-se para todos os lados, tentando morder quem estivesse em volta. O coração de Asanga se comoveu. “Este pobre cachorro... O que posso fazer para ajudá-lo? Tenho que limpar a ferida, mas com isso posso matar as larvas. Não posso tirar a vida de um para preservar a de outro; toda vida tem valor”. Por fim, decidiu que, se usasse sua língua com cuidado para retirar as larvas da ferida, poderia salvar tanto as larvas quanto o cachorro. A ideia era repugnante, mas fechou os olhos e se abaixou. Quando abriu a boca, sua língua tocou não o animal, mas o chão. Abriu os olhos. O cão havia sumido, e ali estava Buda Maitreia. Faz anos e anos que estou rezando a você — exclamou Asanga — e esta é a primeira vez que você aparece! O Buda respondeu muito suave: — Desde o primeiro dia de meditação, tenho estado a seu lado. Mas, por causa dos venenos da sua mente e dos enganos e ilusões criados por sua des virtude, você não conseguia me ve r. Era eu o ho mem que esfregava a colun a, era eu o homem que passava a pena no rochedo. Somente quando apareci como esse cachorro apodrecido é que você teve compaixão e altruísmo suficientes para purificar o carma que o impedia de me ver. O carma pode também ser purificado por meio da confissão e arrependimento sinceros, com a utilização dos “quatro poderes”. O primeiro deles é o po der da testem unha ou do apoio. Invocamos,
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como testemunha da nossa prática, a corporificação da perfeição na qual temos fé — um determinado aspecto do ser iluminado, como, por exemplo, Tara, a corporificação da sabedoria, ou Vajrasatva, a deidade da purificação. O segundo poder é o do arrependimento sincero de todas as nossas ações negativas, desta vida e de todas as passadas
arrepen
dimento não apenas em relação a incidentes específicos dos quais nos lembramos, mas em relação a tod o o rol de atos nocivos que co metemos desde o tempo sem princípio. Reconhecemos essas ações como prejudiciais e aceitamos a responsabilidade por elas. O arre pendimento precisa ser sincero, como se de repente percebêssemos que engolimos por engano um veneno mortal. Sentimos angústia por nossa ignorância das conseqüências morais de nossas ações e por termos agido descuidadamente, durante incontáveis vidas, de várias formas que a penas resultarão em sofrimento. O terceiro poder é a decisão firme de não cometermos quais quer ações negativas no futuro. Não podemos passar o dia nos en tregando a pensamentos e ações negativos e então, à noite, esperar purificá-los com um pouco de prática de meditação. No lugar dis so, precisamos assumir o compromisso sincero de nunca repeti-los. Uma famosa prece da tradição tibetana afirma que, sem arrependi mento e firme resolução, a confissão não é eficaz. O quarto poder é o do antídoto, da purificação e da bênção. Visualizamos néctar ou raios de luz que descem do objeto da nossa fé e que atravessam nosso corpo, purificando-nos, lavando e remo vendo todas as negatividades, doenças e obscurecimentos. Na índia budista, alguns séculos atrás, um a monja chamada Palmo contraiu hanseníase. Como nenhum tratamento eficaz era conhecido, seu corpo começou a definhar e a se deteriorar. Ela fez seguidamente o ritual de jejum dobodisatva da compaixao — Avalokiteshvara —, uma prática de purificação muito forte de dois dias. Depois de um longo período,teve uma visão de Avalokiteshvara
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e ficou completamente curada. Ela havia purificado o carma que re sultará em sua terrível doença. Até recentemente, não havia no Tibete nenhum tratamento efi caz para a hanseníase. As pessoas portadoras desse mal eram isoladas de todas as demais, e a comida que lhes era trazida, deixada a distân cia. Quando um hanseniano morria, ninguém ousava tocar ou en terrar o corpo. Em vez disso, a casa era desabada sobre o cadáver. Um lama tibetano com hanseníase praticou mil vezes seguidas o mesmo ritual de jejum de dois dias ligado a Avalokiteshvara e ficou curado. Por meio de prática diligente, éons de carm a pod em ser pu ri ficados em uma única vida, ao passo que, em circunstâncias nor mais, o am adu recim ento e a purifi cação do carma prolong am-se por vidas a fio. PERGUNTA: Se alguém que viveu uma vida virtuosa sofre um aci dente e passa por grandes dificuldades, é difícil ver esse infortúnio como sendo resultado de u ma ação negativa que a pessoa cometeu 500 mil vidas atrás. Não me parece justo. RESPOSTA: Se plantarmos arroz, trigo e cevada indiscriminada me nte em um campo, não poderemos nos queixar sobre a mistura confusa de grãos na hora da colheita. Se não queríamos isso, não deveríamos ter plantado dessa forma. Sempre que se planta uma semente, o resultado é inevitável. Portanto, em vez de nos aborre cermos no momento da colheita, precisamos aprender a ser mais cuidadosos durante o plantio. Em uma vida anterior, cometemos a ação negativa que nos trouxe o sofrimento presente. Não adianta nada chorar agora, reivindicando que o que está acontecendo não é justo. O impor tante é praticarmos ações que produzam resultados favoráveis e não ficarmos fixados nos resultados inevitáveis de ações negativas anteriores.
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Nossas ações passadas não são apenas a razão de nosso sofrimen to, mas também de nossa felicidade. O problema é que queremos apenas o desenrolar do carma positivo. Entretanto, se desejamos o amadurecimento de bons frutos, precisamos plantar boas sementes. PERGUNTA: O carma explica a matança de crianças inocentes em uma guerra? RESPOSTA: De modo geral, tudo é resultado de algum tip o de pre disposição ou tendência cármica. Mas isso não quer dizer que to das estas tendências têm igual força ou igual urgência. Algumas são mais potentes do que as outras. As crianças que são mortas em u m a guerra nad a fizeram nesta vida para justificar a sua morte. Mas, para nascer quando e onde nasceram e para morrer nessas circunstâncias, devem ter criado, em uma existência anterior, o carma para morrer assim. Isso não significa que mereciam morrer. Mas explica por que existem “víti mas inocentes”. PERGUNTA: Algumas pessoas respondem passivamente à lei do carma. Quando algo negativo acontece com elas, simplesmente di zem que foi o seu destino. Como aceitar a verdade do carma e ao mesmo tempo lidar ativame nte com nossos problem as? RESPOSTA: Porque criamos nosso próprio carma, temos o poder de purificá-lo. Se concluirmos que não gostamos de uma história que escrevemos há muito tempo, podemos reescrevê-la. Fazemos isso, no sentido espiritual, confessando e purificando ações perni ciosas anteriores e nos comprometendo a nunca mais cometê-las, invocando os qua tro poderes enq uan to rezamos ou recitamos man tras. Também nos empenhamos nas ações virtuosas que criarão uma nova história para o futuro.
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PERGUNTA: Há tantos seres e tanto carma — como é que tudo se arru ma? Como é que tudo é monitorado? Co mo é que tudo acontece certinho? RESPOSTA: Não é um processo que necessariamente precise ser monito rado. As ações se desenro lam do seu próprio modo, sem que ninguém controle o resultado. Não é como se alguém tivesse que contabilizar tudo para que cada qual fosse parar no reino certo, etc. As ações de cada ser determinam as experiências futuras dele mesmo. PERGUNTA: O carma sempre amadurece do mesmo jeito? RES POSTA: O carma é muito mais complexo do que isso. Por exemplo, há o que chamamos de “am adurecimento pleno” de uma te ndência cármica. As ações virtuosas, aquelas que contribuem para a felicidade dos outros, traz em benefício à pessoa que as pratica, nesta vida ou em alguma vida futura. Essas ações, em geral, contribuem para renascimentos nos estados superiores da existência. Ao contrário, atos prejudiciais que provocam dor e sofrimento, como matar, amadurecem como renascimento nos reinos inferiores. Existem também as conseqüências cármicas conhecidas como “ação sim ilar à causa”. Tome, po r exemplo, um ser como u m animal predador, um caçador ou um soldado que mate muitos seres vivos. O am adu recim ento pleno dessa tendência de ma tar é o renasc imento no rein o dos infernos. Uma vez que esse carma te nha se exaurido, aquele ser, em virtude de outros carmas virtuosos, poderá alcançar um renascimento humano e, no entanto, ainda apresentar o hábito de matar. Ao tirar a vida de muitos seres, essas pessoas criam a predisposição ou a compulsão de tirar a vida. Quando esse padrão é reforçado, leva a mais carma negativo e a hábitos negativos, com o uma bola de neve que se to rn a m aior conforme v ai descendo a montanha.
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Por outro lado, algumas crianças bem pequenas demostram amor e cuidado em relação a pequenos animais ou insetos. Tais qualidades foram desenvolvidas em vidas anteriores pelo treino do amor e da compaixão e continuarão a crescer se a criança receber treinamento posterior. Além disso, há a “experiência similar à causa”. Por exemplo, uma pessoa pode matar muitos seres e, em conseqüência, renascer em um reino dos infernos. Muito mais tarde, ao encontrar um renascimento humano, a vida daquela pessoa será curta ou mesmo interrompida violentamente. Um único ato possui uma multiplicidade de conseqüências potenciais. Não se trata simplesmente de praticar um ato, ir para outro reino, sofrer as conseqüências e depois voltar para o reino humano. O impo rtante é compreend er que, se cometemos u ma ação nociva em uma vida passada ou nesta vida, inevitavelmente criamos carma negativo. Não pod emos escapar desse fato, emb ora possa haver aspectos dele dos quais não estejamos cientes no momento.
PERGUNTA: Existe algo como carma grupai? RESPOSTA: A mente é a fonte de todo o carma, incluindo o grupai. Os que têm carma semelhante compartilham uma realidade coletiva, incluindo seu ambiente físico e social. Os seres humanos têm um tipo de realidade coletiva,os animais ou tro. Ainda assim, dentro de sua experiência comum, os indivíduos encontram fenômenos diferentes — alguns prazerosos, outros dolorosos. Em função de um carma similar, um certo número de pessoas pode viver em uma zona de guerra, mas nem todos terão o mesmo grau de so frimento, nem todos irão morrer. É principalmente o carma individual que determina as circunstâncias. PERGUNTA:0 que posso fazer em relação às baratas na minha casa?
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RESPOSTA: Não há uma resposta fácil. Os tibetanos dizem que, se você deixar cair uma panela quente de barro, ela vai se quebrar, mas, se segurá-la em suas mãos, vai se queimar. Se você puder, é melhor remover os insetos de sua casa, sem machucá-los. Não tive nenhuma experiência pessoal com baratas, mas ten ho com formigas. Um de meus aluno s inventou um método para removê-las de nosso centro. Ele criou uma terra pura das formi gas: uma grande tina cheia de madeira podre e uma mistura de mel e água. Ele fez uma trilha com a mistura, do nosso edifício até a tina. Uma a uma, as formigas foram para dentro da tina. Quando estava cheia, ele as levou para o mato e as soltou. Ele repetiu esse processo até que todas foram embora. Faça o possível para não matar, pois o carma de matar um só in seto pod e lhe trazer graves sofrimentos no futuro. O carma envolve o princípio da multiplicação. Aísim como uma semente de maçã cresce para ser uma árvore com várias maçãs, um ato que cause sofrimento produzirá milhares de vezes mais sofrimento para o malfeitor no futuro. Se você matar um outro ser, mesmo que inadvertidamente, utilize os quatro poderes da confissão para purificar o carma e então dedique o m érito para aque les a que m tenha matado. PERG UNTA: O que o senhor tem a dizer sobre todas as desvirtudes que, sem perceber, criamos todos os dias comendo carne ou ves tindo roupas de algodão, já que insetos são mortos na colheita do algodão? RESPOSTA: É verdade que, para podermos comer ou beber, outros seres com frequência são prejudicados. Alguns vegetar ianos pensam que não têm responsabilidade alguma pela morte de seres vivos. Entretanto, ao se plantar e colher cereais, legumes e chá, muitos animais que vivem no solo são mortos quando a terra é revolvi da, ficando expostos ou sendo esmagados, e muitos outros morrem
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afogados quando as lavouras são irrigadas. Nós, das regiões mon tanhosas do Tibete, costumávamos sentir grande compaixão pelas pessoas das terras baixas que consumiam muitos cereais e legumes, por causa do grande número de insetos que morriam para que elas pudessem comer. Quando comíamos carne de iaque, um prato do nosso cotidiano, apenas um ser tinha que morrer para alimentar muitas pessoas, por muitas refeições. Nos campos de refugiados na índia, onde moramos depois de fugirmos da ocupação chinesa no Tibete, trabalhamos em fábricas de chá e vimos muitos insetos morrerem à medida que cada folha era arrancada durante a colheita. É difícil viver sem ferir os outros, mas, para começar, podemos t entar não fazer o mal. Ao com er car ne ou vegetais, ao menos não nos envolvemos com três dos quatro fatores da ação desvirtuosa: identificar a vítima, estabelecer a m oti vação de matá-la e executá-la, ou ordenar que isso seja feito. Nossa única desvirtude é o regozijo com o fato de sua morte pelo nosso consumo da comida, por meio do qual com partilhamos a desvirtu de da pessoa que, de fato, provocou a morte. Além de não causar o mal intencionalmente, podemos dedi car o mérito que criarm os a todos aqu eles seres com q uem temos li gação, quer positiva quer negativa — neste caso, àqueles com qu em temos uma ligação negativa pelo fato de comer, beber ou usar algo dão — para que benefícios tem porá rios e ú ltimo s surjam para eles. Então, nossa relação com esses seres pode se tornar a ligação deles com o caminho da liberação. Podemos até mesmo custear prati cantes em oretiro para que façam práticas especiais de purificação e dediquem mérito dessas práticas aos seres que prejudicamos. Certa vez alguém perguntou a um grande praticante acerca de sua vida passada, dizendo: — Você deve ter sido um lama m uito elevado ou ter praticado grande virtude para conquistar tanta realização nesta vida. O praticante respondeu:
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— Nada disso. Em minha vida passada fui um cabrito, sem nenhuma ligação prévia com o Darma. Mas um grande iogue fez orações fervorosas em meu benefício antes d e com er meu corpo, e minha prática nesta vida é resultado dessas preces. Purificar o carma por meio da prática espiritual não exige que deixemos para trás nossa vida munda na. Mais propria mente, ao integrarmos a prática em nossas atividades do cotidiano repousando na verdadeira natureza da mente, em uma só vida, podemo s purificar todo o nosso carma acumulado.
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1 1 .0 OCE ANO D
E SOFRI
M ENTO
O resultado de todas as ações que praticamos forma a trama da nossa vida, como a de um tapete: cada fio, cada detalhe. Cada um de nós continua a tecer diferentes realidades físicas e ambientais, amar rando-se com mais força aos ciclos de sofrimento. Nossa experiência depende do nosso carma, que produz graus variados de enganos e ilusões. Se os venenos da mente são intensos, experimentamos uma realidade muito dolorosa, infernal. Se os venenos se reduzem, nossa realidade se torna menos severa, mais agradável. Buda falou sobre o sofrimento do mesmo modo que falaríamos sobre a doença aos doentes — para ajudá-los a compreender a sua efermidade e os trata mentos possíveis. Se não houvesse cura para o sofrimento, não have ria por que discuti-lo. Mas o fato de que a cura existe faz com que seja fundamental reconhecermos o sofrimento para podermos tratá-lo. Há três tipos de sof rimento . O primeiro
é
o “sofri men to da mu
dança”. Nada é confiável ou consistente. Por maior que seja a nos sa esperança em ter uma base sólida sobre a qual nos apoiar, tudo aquilo com o que contamos sempre se corrói, criando grande dor. O segundo é o “sofrimento que se sobrepõe ao sofrimento”. Uma coisa ruim acontece após a outra e parece não haver justiça alguma no processo. Quando pensamo s que a situação em que estamos não pode ficar pior, ela fica. Perdemos dinheiro, depois um parente, de pois a juventude — há inúmeras maneiras pelas quais sofremos. O terceiro é o “sofrimento que tudo permeia”. Da mesma forma que,
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quando você espreme uma semente de gergelim, constata que ela está impregnada de óleo, pode parecer que a nossa vida seja feliz, mas, sob a pressão do am adurecimento do carma, sofremos. Tio cer to quanto o fato de que nascemos é o fato de que iremos adoecer, envelhecer e morrer. Dentro do samsara existem incontáveis seres cujo sofrimento é, de longe, maior do que o nosso: 95% deles experimentam uma realidade brutal. A vida de apenas cinco por cento — humanos, semideuses e deuses mundanos — é relativamente bem-afortunada. Entretanto, nós, humanos, frequentemente nos lamentamos da nossa existência, queixando-nos amargamente dos nossos terríveis problemas. Nunca nos sentiríamos assim se tivéssemos um a noção do trem en do grau de sofrim ento que existe em o utros rein os. A pior de todas as experiências humanas é ainda mil vezes mais tolerável do que aquilo que os seres que menos sofrem nos reinos inferiores têm que suportar. Esse sofrimento é tão lancinante que mal pode mos concebê-lo; sua du raçã o é insondáv el. Para alguns seres, até que se passem centenas de milhares de anos, às vezes eras inteiras, nem mesmo a morte serve como fuga. A maioria dos seres nesses reinos não dispõe de tempo para ajudar a si próprios. O sofrimento é sempre tão intenso que eles não têm um instante ou uma oportunidade sequer para meditar ou para examinar a si mesmos ou a vida de um ângulo diferente. Outros seres, em reinos superiores, vivem embriagados de prazer. Um falso contentamento os impede de usar as condições propí cias de que desfrutam para criar as condições de felicidade futura. Quando sua longa vida inevitavelmente chega ao fim e veem seu renascimento futuro nos reinos inferiores, eles experimentam um terrível sofrimento. A ideia de que podemos vivenciar reinos de sofrimento que cha mamos de infernos deixa muitas pessoas céticas ou enraivecidas. Elas não acreditam em inferno; pensam que esse conceito não passa de
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uma tática que algumas religiões empregam para assustar e controlar as pessoas. Em certo sentido, é verdade que o inferno não existe. Se fizermos uso de toda a tecnologia do inundo para tentar chegar ao centro da terra, nunca acharemos o inferno. No entanto, muitos seres estão sofrendo no reino dos infernos neste exato momento. O inferno é o reflexo dos enganos e fantasias da mente, dos pensamentos e intenções raivosos e das palavras e ações nocivas que eles produzem. Se não forem controlados, não há como deixar mos de vivenciar o inferno. Os praticantes precisam ser cuidadosos. Alguns podem pensar: “Minha meditação é tão profunda que eu não tenho que me preocupar com o carma”. Não é necessária muita delusão para renascer no inferno. Algumas pessoas experimentam o inferno mesmo enquanto têm um corpo humano. Muitas delas ocupam nossos hospitais psi quiátricos. Há pessoas que são atormentadas pela ideia de que al guém está tentando assassiná-las ou arrancar sua carne. Há algumas que têm a experiência de estar sendo comidas vivas ou estar presas em um incêndio. Poderíamos estar sentados no mesmo quarto e não enxergar nada do que sofrem. Ao mesmo tempo, podemos estar bem ao lado de um grande meditador que vivência o paraíso, a terra pura, sem enxergar isso. O inferno e o paraíso, na verdade, não estão tão longe um do outro. Entender isso não é fácil, já que a experiência do paraíso é muito di ferente da do inferno. Mas a ideia ganha sentido se considerarmos o exemplo de uma substância simples como a água. Para os humanos, a água é crucial para a manutenção da vida; para os peixes, é o seu meio ambiente; para os deuses mundanos, uma substância seme lhante à ambrosia; para os fantasmas famintos, sangue e pus; para os seres dos infernos, lava derretida. Não é que a substância em si se modifique de um caso para outro, e sim a percepção e a experiência que os seres diferentes têm dela. Da mesma forma que nossa visão se altera quando colocamos óculos com graus diferentes, a experiên-
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cia da realidade é inteiramente condicionada por nossa percepção, que é determ inada pela extensão dos nossos enganos e delusões. Em escala cósmica, as experiências das seis classes de seres nos três reinos da existência (os reinos do desejo, o da forma e o da au sência de forma) — a existência cíclica em seu todo — constituem dramas coletivos que se desenrolam como expressão do carma gru pai desses seres. Quando vemos um filme projetado em uma tela, conferimoslhe uma certa realidade e, por essa razão, somos afetados por ele. Ficamos contrariado s, radiantes, aterrorizado s ou enraivecidos com aquilo que vemos. Mesmo que conheçamos a srcem do cinema ou que compreendamos como ele funciona, quando assistimos a um filme, ele nos afeta ao evocar determinados estados emocionais. Podemos nos distanciar e dizer que, em termos últimos, não há nada ali, é apenas um filme. Mas na maior parte do tempo per manec emos tot alm ente absortos naq uilo que estamo s assistindo. Se um grupo de pessoas se sentar dia nte da mesma tela de cinema, elas serão afetadas mais ou menos da mesma maneira. Ficarão alegres com uma comédia e amedrontadas com um filme de terror. Como seres humanos, que compartilham uma realidade cole tiva denominada reino do desejo, verificamos que os impulsos mais fortes em nossa mente são o desejo e o apego e enxergamos as coisas de modo muito semelhante. Embora os grandes meditadores consigam vislumbrar outros reinos, não temos prova absoluta sequer de que os fenômenos do nosso mundo humano existam além das nossas mentes individu ais e coletivas. Ainda assim, da mesma forma que tomamos nossos son hos como reais enq uanto estamos dormindo, cons ideramos real o nosso reino humano. E os cinco outros reinos são tão reais para os seres que neles existem q uanto a nossa experiência é para nós. O inferno parece tão real para um ser do inferno, e o reino dos fan tasmas famintos, tão real para um fantasma faminto quanto o rei-
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no humano parece real para nós. Em última análise, o sofrimento provém não dos fenômenos desses reinos, mas dos seres conferirem realidade a eles. Assim, não é contraditório dizer que nossa experiência é real ou verdadeira e, ao mesmo tempo, falsa. Nem é contraditório dizer o mesmo de qualq uer o utro reino. Se insistimos que o reino h um a no é real, então todos os demais reinos são reais, porque os seres que neles existem os experimentam como leais. O sofrimento mais agudo de todos os reinos é o dos 18 infer nos — que são o reflexo e as conseqüências cármicas da raiva e do ódio e da sua expressão em pensamentos, palavras e ações. Os seres lá padecem de calor e frio extremos. Nos infernos quentes, chamas do comprimento de um an tebraço cobrem toda a superfície. Ao pisar no chão, o pé queima. Quando é erguido, cicatriza; então, com o próximo passo, queima nòvamente. O fogo arde com uma intensidade inconcebível. Diz-se que as chamas produzidas pela madeira pura de sândalo são sete vezes do consumirá que o fogoocomam, setefinal vezesdesta maisera; quemas nte ainda mais será oquent fogoesque universoe no o fogo dos infernos quentes é sete vezes ainda mais quente do que este último. O corpo dos seres dos infernos não é igual ao nosso. Nosso corpo de carne e osso tem um certo nível de tolerância e consegue suportar ou sentir dor somente até um determina do ponto. Mas os seres dos infernos, cujo corpo é tão sensível quanto um globo ocu lar, não desmaiam, não perdem a consciência nem morrem até que seu carma termine. Em um dos infernos, somos esmagados por montanhas que têm a forma de todos os seres que matamos — veados, insetos ou pessoas. À medida que elas se afastam uma da outra, nosso corpo se recompõe e é novamente esmagado, um processo que ocorre inú meras vezes. Em um outro inferno, os seres nascem com uma linha
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que atravessa o comprimento de seu corpo, ao longo da qual são cortados ao meio por uma serra. As duas metades se restabelecem e se unem apenas para serem cortada s de novo, sucessivamente. Nos infernos frios, o meio am biente gelado, inóspito e brutal não oferece nem roupa nem abrigo. Se os seres humanos adorme cem e morrem quando ficam congelados, os seres, nesse reino de enregelar os ossos, não morrem até que seu carma se exaura, por mais congelados que fiquem. Seus corpos racham como carne dei xada po r muito tem po no congelador. Centenas de vezes mais hor ripilante do que q ualq uer ou tro reino, o inferno é simplesmen te o pior lugar para se estar. Os fantasmas famintos padecem de imensa fome, sede e ex posição aos elem entos. Novam ente, este reino não é simplesmente uma metáfora, mas muito real para os seres aprisionados nele, pois vivem constan temente esfomeados e ardendo de sede. Os seus próprios corpos são construídos de modo a criar dor. Têm um a cabeça enorme, imensa como uma montanha, e a barriga do ta m an ho de um vale. Seu pesc oço é tão d im inu to quanto u m fio do rabo de um cavalo, o que não pe rm ite que nada passe. Seus mem bros são tã o descarnados que não conseguem sustentar o corpo, e é ex trem am en te difícil para ele s movimen tarem-se e procu rar por comida. Na m aior p arte do tempo , os fantasmas fa mintos podem só ficar deitados de bruços, passando fome. Se chegam a encon trar alguma comida, geralmente é imunda ou apodrecida e, se conseguem engoli-la, vira fogo em seu estômago. Cobiça e apego extremos são as causas cármicas do nascimento no reino dos fan tasmas famintos. Até que o carma que sustenta sua existência se exaura, os fantasm as fam intos n ão m orrem, apesar d e sua agonia, que pode d ura r m ilhares de anos. No reino animal, o sofrimento resulta principalmente do ata que entre espécies. Dado que os animais constantemente buscam matar e comer uns aos outros, vivem sob perpétuo medo. Os ani-
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mais selvagens não comem um único bocado de capim sem olhar de um lado para outro para certificarem-se de que estão seguros. O tratamento rude que os animais domesticados recebem dos huma nos também causa grande dor e sofrimento. Os animais possuem liberdade muito limitada; por maior
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to como ser humano. Embora, vimos, as condições deste reino sejam relati vamente bem -afortm adas, não obstan te, con he cemos o sof rim ento ligado ao nascim ento, à velhice, à doenç a e à morte, ligado à guerra, à violência, àfome e, mais sutilmente, ao desejo não preenchido. Os semideuses têm um meio a mbiente agradável, mas são ator mentados por inveja e espírito de competição. Estão sempre envol vidos em brigas, derramamento de sargue e guerras. O renascimen to como um semideus é produzido por ações virtuosas maculadas por inveja e competição, ações que ajudam, mas que são praticadas apenas para demonstrar que alguém está fazendo mais do que o outro, ou que é superior ao outro. No reino dos deuses mundanos, ocarina da virtude, maculado pelo orgulho, produz condições maravilhosas. Os deuses m unda nos nunca se sujam, nunca cheiram mal, nunca têm que lavar sua roupa. As flores que or na mentam seus corp os conservam-se frescas para sempre — até sete dias antes de sua morte. Então as flores se deterioram, seus corpos ficam sujos e começam a exalar odor, e eles sabem que logo morrerão. Por sete dias — o equivalente a 350 anos humanos — passam pela angústia de saber em que reino inferior vão cair. Por fim, quando 0 carma que sustenta sua existência se exaure, os seres do reino dos deuses morrem.
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Os deuses do reino da forma e da ausência de forma vivem em um tipo rudimentar de samádi, ou absorção meditativa. O rena scim ento no reino da aus ência de forma é produzi do por ape go à estabilidade; o renascimento no reino da forma, por apego à clareza; e o renascimento como deus no reino do desejo, por apego à bem -aventuran ça. Em bora esses renascimentos não seja m terríveis, ainda são samsáricos. Mais cedo ou mais tarde, uma vez exaurido o carma positivo que sustenta aquela existência, a em briaguez desses seres term in ará , e eles renascerão em algum reino infe rior mais dolor oso. Quando tomamos consciência do sofrimento e das limitações da existência cíclica, isso nos motiva a encontrar uma saída, da mes ma forma que, quando nos damos conta de que estamos doentes, buscamos remédio. Ao compreender que a virtude e a desvirtude determinam se a nossa experiê ncia será de felicidade ou de tristez a, de prazer ou de dor, cabe-nos uma escolha: podemos mudar as nossas ações e culti var qualidades virtuosas buscando liberação para nós e para todos os seres, ou podemos continuar a criar desvirtude, perpetuando o sofrimento. Quando realmente começamos a compreender o sofrimento, começamos a ver o samsara como um pântano pútrido dentro do qual caímos. Nosso único desejo passa a ser o de nos lib ertar e tam bém os outros. Essa atitude de buscar liberação para nós e para os outro s é um a qu alidade que denom inamos “renúncia”, um elemen to crucial para o ingresso no cam inho espiritual. Por intermédio da contemplação contínua da nossa existência humana preciosa, da morte e da impermanência, do carma e do sofrimento, a mente se volta para o Darma. Se você consegue ir além dos três venen os — o combustível do samsa ra — de modo que eles deixem de dominar a sua mente, então essas quatro contem plações foram eficazes. Se não, prossiga refletindo sobre os quatro
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pensamentos até que eles se tornem parte de você, até que tenham, fundamentalmente, transfo rmado sua visão do m undo. PERGUNTA: Durante a prática, às vezes experimento profunda ân sia e tristeza. Isso é o sofrimento qu.e tudo permeia, descrito nos ensinamentos budistas e, se assim for, como posso dissipá-lo? RESPOSTA: Sentir tristeza ou ânsia durante a prática não é necessáriamente algo ruim. Se isso reflete um pesar profundo e desgosto pelo samsara, baseados na compreensão das limitações da existência comum, ser benéfico — mas somente se cedemos isso nos àinspira fazer algopode em relação ao sofrimento. Se apenas tristezaa e não nos aplicamos na prática para poder eliminar as causas do nos so sofrimento e o dos outros, então isso não será muito útil. PERGUNTA: Percebo que, quando sinto muita dor, é mais difícil contemplar o sofrimento dos outros. RESPOSTA: Pode parecer difícil, mas pensar profundamente so bre o sofrimento dos outros é a form.a mais efetiva de lidar com o próprio sofrimento. Isso faz com que a sua mente não permaneça focada em você e, ainda mais importante, traz à tona a compaixão. A compaixão é muito poderosa, pois ajuda a purificar o carma que produziu a dor que você sente. Quando esse carma for total mente purificado, seu sofrimento cessará natmralmente. A contemplaç ão do sofrimento nos inspira a buscar formas para fazer com que ele cesse para nós e para os outros. É por essa razão que a primeira das nobres verdades en íinada por Buda foi a verdade do sofrimento. A felicidade pode, na verdade, ser um obstáculo para a prática, porque pode nos privar da motivação para a mudança. Por outro lado, quanto mais contemplarmos e compreendermos o caráter e as causas do sofrimento, mais diligentemente aplicaremos
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os métodos espirituais para transformá-lo. A forma mais rápida de exterminá-lo é ter uma compreensão clara da verdadeira natureza do próprio sofrimento — não apenas intelectualmente, mas por meio da experiênci a.
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12 . C OMO CO NT EM PLA R O S QU A T RO PE N SA M EN TO S
Cada um de nós é como uma pessoa que está à beira de um despenhadeiro em ruína, com a terra cedendo rapidamente. Se pen sai mos Estou com muito calor ou estou muito cansado, muito do ente ou muito ocupado para fazer minha prática” é como dizer que não podemos fazer o esforço necessário para nos afastarmos da base que desmorona debaixo dos nossos pés. Significa que não compreen demos os quatro pensamentos. Quando os entendemos por inteiro, damo-nos conta da necessidade de saltar para longe. E mais ainda, quando vemos uma outra pessoa perto da borda, prestes a cair, cor remos para ajudar; não alegamos estar muito cansados ou ocupados. Para chegarmos a essa compreensão, é necessário refletir so bre os quatro pensamentos, examiná-los de forma crítica e nos perguntar: “É verdade que não tenho alternativa para quebrar os infindáveis ciclos da existência senão praticar o Darma?” Por meio de contemplações repetidas, ou do que, às vezes, é chamado de “me ditação analítica” conseguimos transformar os nossos padrões de pensamento mais entranhados. Se não contemplarmos, os mesmos velhos venenos da mente — ignorância, apego, aversão, inveja e or gulho suigirão, dia após dia, ano após ano. Simplesmente tentar aquietar a mente não é o suficiente para superá-los. Esse tipo de prá tica de meditação é como ap ertarmos o botão “pausa” de um grava dor para não escutar um a música da qual não gostam os. Enquanto seguramos o botão, nada ouvimos, mas, assim que o soltamos, a mú-
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sica que detestamos começa a tocar novamente. Na contemplação, fazemos mais do que interromper a fita — nós a apagamos e cria mos uma nova. Transformamos os hábitos comuns da mente, bem como nossos pensamentos e ações negativos. Então ouvimos um som diferente — um som bem mais harmônico e benéfico. A mente comum é como um homem sem pernas, enquanto os ventos e as energias sutis do corpo são como um cavalo selvagem e cego. Essa combinação de mente e ventos é o que pode tornar a meditação tão difícil. Em nossa prática, portanto, lidamos com am bos os aspectos da mente — sua qualidade de conhecimento e sua qualidade de movimento. Domar a mente pode ser comparado a domar um cavalo sel vagem. Em vez de amarrar o cavalo firmemente com um cabresto curto, o que poderia amedro ntá-lo e levá-lo a se mach ucar ao tenta r se soltar, nós o pomos em um curral bem amplo. Na realidade, ele não está livre, mas não se sente confinado porque tem liberdade para se movimentar. À medida que passamos mais tempo com o cavalo, conforme ele passa a nos conhecer e percebe que ninguém vai machucá-lo, ele perde lentamente parte do medo, e podemos nos aproxim ar. Uma vez que ele começa a se acalmar, podemos gradativamente diminuir o curral. De igual modo, q uan do queremos domar e pacificar a mente, não devemos ten ta r contê-l a de iníc io, porque irá re ag ir e pular de um lado para outro, como um cavalo em um cabresto curto. Em vez de deixar os pensamentos selvagens e descontrolados, cons truímos umpensa amplo de pensamentos virtuosos, transfor mando os me curral ntos negativos em positivos. A mente não está realmente livre; no entanto, não está completamente confinada. Assim, traba lham os com as quali dades d e m ovim ento da ment e, sua manifes tação incessante. Além da meditação analítica, praticamos um outro tipo de me ditação, não conceituai, em que simplesmente deixamos a mente
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relaxar e reverter a seu estado natural, sem qualquer contemplação. Aqui, cortam os o apego da mente aos conceitos e ao hábito de sem pre pensar no passado ou no futuro, em preferências e aversões — como se estivesse sempre agitando a água de um tanque barrento, nunca deixando que o sedimento se assente, deixando-a cristalina. Ao fazer isso, estamos trabalhando com a qualidade que a mente tem de se conhecer. Dessa forma, utilizamos dois princípios da prática budista. A técnica não conceituai é chama da shamata, em sânscrito, oujine, em tibetano. Ji significa “pacificar os obscurecimentos” e ne “manter” — referindo-se à permanência calma e serena, em que os padrões de pensamento discursivos ou dispersos são pacificados, e a mente repousa de form a unidirecional. A técnica contemplativa que usa a mente racional de modo hábil e inquiridor é chamada vipashyana, em sânscrito, ou lagtong, em tibetano, que quer dizer “visão mais profunda”, enxergar além da visão comum. Em conjunto, essas duas técnicas são como o cabo e a lâmina de uma espada com a qual cortamos até o âmago a tendência de nos prendermos à solidez aparente da experiência sujeito-objeto. Cortamos os fortes laços do apego, da identificação com o “eu” e da autoimportância, conquistando assim as emoções aflitivas e a ignorância. Quando utilizamos ambos os métodos, trabalhamos no sen tido de dissolver a dualidade, cortando o apego não só ao processo dos pensamentos conceituais, como também às experiências extra ordinárias ou prazerosas. Com isso, cortamos os pensamentos co muns, como ta mbém as raízes dos reflexos mais densos dos venenos da mente — o samsara —, bem c om o os reflexos mais sutis das qua lidades positivas da mente — o nirvana. Quando alternamos esses dois métodos, lenta e s utilmente nossa perspectiva começa a mudar. O que inicia como um entendimento intelectual gradativamente
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se torna mais pessoal e vivencial. Aproximamo-nos da verdadeira nature za da mente, além dos extremos do “é” e “não é”, pensam ento e não pensamento. Para alcançarmos a iluminação, precisamos tanto de shamata quanto de vipashyana; nenhuma das duas, por si só, é suficiente. Um pássaro precisa de duas asas para voar — nós precisamos tanto de método quanto de sabedoria; tanto de contemplação quanto de relaxamento. Se ficarmos tentados a crer que poderemos alcançar a iluminação ou mesmo a felicidade simplesmente com o pensar, por mais metódico ou inteligente que seja, então precisaremos apenas lem brar de que, desde o te mpo sem princípio, estamos a pensar com tamanha intensidade que nossas idéias poderiam encher volumes e volumes. Entretanto, elas não nos deixaram mais felizes; e, cer tamente, não nos conduziram à iluminação. Se o pensar por si só produzisse iluminação, já seriamos budas. Entretanto, ter uma mente vazia também não leva à ilumina ção. Os ursos e as marmotas hibernam por meses a fio, e nem por isso esse estado de mente vazia os levou à iluminação. O apego à estabilidade mental pode levar a uma existência prazerosa por eras e eras em um reino da ausência de forma, no qual não há pensa mento nem corpo físico; porém, quando o carma que sustenta essa existência se exaure, a mente cai em um reino inferior, experimen tan do s ofrimento mais um a vez. Permitir que a mente descanse é um processo sem esforço que revela um a sabedoria inerente, não dual, que, de maneira alguma, en volve um sujeito tendo consciência de um objeto. Geral mente, quan do as pessoas meditam, tentam “fazer” alguma coisa. Mas, em vez de tentar, simplesmente deixe a mente relaxar e repousar no espaço li vre e espontaneamente aberto no qual os pensamentos surgem e ces sam. Pensamentos do passado, do presente e do futuro naturalm ente ocorrerão, mas não se agarre a eles, nem os siga, não os reprima ou os afaste. Quando os pensamentos surgem, quase invariavelmente se
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srcinam da ignorância, do apego ou da aversão. Sua presença recor rente na mente forma a base da continuidade do samsara; portanto, em vez de ficar contrariado quando eles aparecerem, responda a eles com compaixão, compreendendo que é assim que você e todos os demais seres ficam aprisionados ao sofrimento. Pensar “Eis um pen samento — tenho que me livrar dele”é o roto falando do esfarrapa do, pois ambos são pensamentos. O objetivo não é nem pensar, nem deixar de pensar. O objetivo é revelar a essência da mente. No começo, a mente não permanecerá relaxada por muito tempo, porque o hábito de conceituar é forte demais. Em vez de ficar preso a pensa mentos comuns, contemple a persistência do pró prio processo dos pensamentos e use-a para voltar a mente mais uma vez para o Darma. Redirecione seu pensam ento com um, passo a passo, por meio do seguinte processo: Comece contemplando um dos quatro pensamentos e então relaxe a mente. A seguir, reze ao lama ou a outro objeto de sua fé pela bênção de alcançar algo que seja benéfico para si e para os demais, antes que a impermanência se interponha e você deixe de tei este corpo. Gere compaixão pela condição dolorosa dos seres e ofereça a aspiração de que todos venham a alcançar liberação dos ciclos de sofrimento. A seguir, faça o compromisso de aplicar a sua compreensão dos métodos do Darma de forma diligente, a fim de realizar sua aspiração. Depois, passe para a contemplação do pró ximo pensamento e novamente repouse a mente; então reze, gere compaixão e, finalmente, reitere seu compromisso de liberar todos os seres do sofrimento, etc. Ao seguir esse processo, você se aproxi mará da experiência direta da natureza da mente, a verdade absolu ta que não pode ser apreendida por palavras nem conceitos. Meditar assim impede que a prática fique estagnada, como a nata que se forma sobre o leite deixado em uma vasilha aberta. Nós a conservamos fresca a cada passo. A chave da meditação está em cortar: após a contemplação, ao relaxarmos, cortamos o apego aos
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conceitos. E então, para fazermos a prece, cortamos o apego ao rela xamento. Rezamos e depois cortamos; cultivamos compaixão e cor tamo s; restabelecemos nosso compromisso e cortamos para a próxi ma contemplação. Dessa forma, alertas a mentee não cai nos pensamentos comuns do samsara, e ficamos concentrados na essência da experiência. A meditação torna-se mais fresca à medida que se move, como a água de um riacho que corre, batendo de pedra em pedra, até chegar pura no final da queda d’água. A percepção da verdadeira natureza da mente e o processo dos pensamentos não são mutuamente exclusivos. Na verdade, são inse paráveis — um bom praticante nunca perde essa percepção enquan to come, dirige para o trabalho ou brinca com as crianças. A verdadeira perícia na meditação está em não perder a sabe doria no momento da transição de um pensamento, ou atividade, para outro. Quando você está inteiramente presente em cada expe riência e em cada transição, você permanece próximo de sua essên cia. É como pegar uma onda. Você se conserva bem no centro do movimento, junto da força da onda, enquanto ela sobe e desce. Se ficar adiante ou atrás dela, se você se separar da onda, você cairá — você a perderá. Dessa maneira você pode aprender a pegar a onda do processo dos pensamento s sem perd er a sabedoria. O Sutra do Bodisatva Essência do Espaço contém um diálogo en tre um bodisatva, Nam ke Nyingpo, e B uda Shakiamuni. O bo disatva pergunta a Buda: — Qual é o significado espiritual de liberdade e oportunidade? O Buda responde: — Quando a mente está distraída pelo pensamento discursivo, há inquietaçã o e atividade. Quando a mente exp erimenta paz ao se renar o pensamento discursivo e dissipa esse pensamento no espaço básico da mente, há descanso. Além do sentido “externo” de liberdade — ter oportunidade para praticar —, existe o sentido “interno” de liberdade, o poten-
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ciai exclusivo do ser hu mano de vivenciar o relaxamento natural da mente, o desfazer do pensamento discursivo. Até que venhamos a vivenciar a liberdade nesse sentido interno, nossa prática do Darma não será muito eficaz, porque estaremos perpetuamente distraídos por pensamentos e conceitos. Um outro método para aprofundar a nossa compreensão dos quatro pensamentos inclui a visualização. Comece estabelecendo a motivação pura, a aspiração de atingira iluminação a fim de ajudar os seres a ir além do sofrimento e a encontrar alegria e felicidade ple nas. Então, de forma tão detalhada quanto lhe for possível, considere como as coisas mudam. Quando sua mente se cansar, relaxe. Não force: o verdadeiro relaxamento, de início, não dura muito tempo. Quando os pensamentos começarem a emergir novamente, visualize-se em uma região muito elevada e acidentada, onde pe nhascos rochosos, negros e íngremes, erguem-se vertiginosamente. Não há nada em que se segurar. Apenas uma trilha muito estreita e precária serpenteia pela encosta escarpada do penhasco. A trilha vai se estreitando à medida que você caminha, até que desaparece por completo. Você não pode seguir adiante e, atrás, perseguindo-o, estão feras que rosnam esfomeadas. Não há segurança em parte al guma, nenhum lugar para se esconder. As feras fecham o cerco por detrás, e você não tem para onde correr. Você está indefeso, sem amigos, sem família e sem esperança. Em desespero, você clama por seu mestre, por Deus ou Buda — por algo maior do que você, algo infalível. Essa corporificação da perfeição aparece, dizendo: “Não tenha medo. Estes penhascos negros traiçoeiros surgiram como resultado do seu aferramento, desde o tempo sem princípio, à crença de que a realidade com um é verdadeira. Essa convicção tornou-se tão forte que o perigo que você corre é grande. A ignorância deixa a paisagem escura. Estas feras que têm a intenção de matá-lo representam o amadurecimento do carma que você criou com a mente cheia de venenos. Esta trilha es-
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treita que desaparece no nada é o caminho do samsara.Tudo o que foi reunido vai se dispersar. Tudo o que acontece agora, em algum momento, cessará. Dia a dia, cada passo que você dá, pé esquerdo, pé direito, passará sem qualquer possibilidade de recuperação ou controle. A curta extens ão da trilha indica a brevidade do seu carma para permanecer nesta vida humana”. O ser infalível que você invocou pergunta então: “O que é a morte? O que é o samsara? Parece bom, mau, alegre, triste, mas é como um sonho. Não há nele sequer um vestígio de algo real ou sólido. As visões errôneas e a ignorância perpetuam experiências fantasmagóricas de perigo e de poder. Acordar desse sonho é compreender a natureza que está além do nascimento e da morte”. Após ter concluí do a visualização, deixe a mente repousar. Por fim, dedique o mérito de sua prática a todos os seres, para que eles possam despertar do sonho de sofrimento. Por meio dessa meditação, você verá que as visões ilusórias e enganosas, a ignorância, os venenos, o carma e a crença na verdade de uma realidade que não tem substância criam as condições precárias dos ciclos de sofrimento. Ao reconhecer a impermanência e contemplar a natureza do samsara, que é vazia como um sonho, você vai minando sua crença na solidez das experiências. A meditação sobre os quatro pensamentos traz maturidade ao caminho espiritual. Sem ela, o que temos é “a prática do bom tempo”. Há um ditado tibetano que diz que, enquanto a comida tem sabor delicioso, as roupas são quentes, o sol brilha, e tudo o mais parece ir b em, nossa prática é confiável. Mas, no momento em que alguma coisa dá errado, um amigo se volta contra nós, quando perdemos alguma coisa ou alguém querido, então ela vai por água abaixo. Essa prática nã o nos sustenta em momentos de necessidade, nem oferece refugio contra a dor ou o medo. Nossa prática precisa ser mais forte — e avançar mais rápido — do que os obscurecimentos da mente. É como descer ladeira abaixo
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em uma bicicleta velha. Para ganharmos controle, temos que peda lar cada vez mais depressa. Da mesma forma, temos que trabalhar rápido para afastar as negatividades que estão ao nosso redor e que rapidamente nos levam ladeira abaixo. Caso contrário, a raiva, o de sejo e a ignorância só ficarão mais profundamente entranhados. O corpo, a fala e a mente, bem como a oportunidade preciosa que eles oferecem, não são mais duradouros ou reais do que uma bolha; não mais permanentes ou consistentes do que um sonho. Temos que fazer uso do momento, antes que ele se perca, e a impermanência cobre seu preço. PERGUNTA: Se eu estou meditando e começo a sentir amor ou bem-aventurança, será que deveria simplesmente reprimir isso? É o mesmo que cortar? RESPOSTA: Você não tem que jogar fora a felicidade. Mas, quan do o foco da sua mente se transfere para a compaixão, a sensa ção de felicidade naturalmente se dissolve. Clareza, estabilidade e bem-aventurança são subprodutos naturais da meditação, mas po dem se tornar obstáculos à meditação e ao caminho da iluminação, se nos apegarmos a elas. Portanto, o processo de cortar é de crucial importância. Certa vez, uma grande caravana viajava em peregrinação do Tibete Oriental para o Tibete Cen tral. Em razão da ameaça impos ta pelos ladrões, as pessoas se alternavam na vigilância do rebanho de iaques. Um dia, qu ando se preparava para levan tar acampamento, o grupo descob riu que o mon ge que havi a mo ntado guarda na noite anterior tinha sumido. Procuraram por ele em todos os lugares, durante muitos dias, mas não conseguiram encontrar nenhum sinal, nem mesmo um fragmento de sua roupa. Finalmente, relu tantes, segu iram viagem e, pe nsando que ele estivesse mor to, fize-
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ra m oferendas em seu benefí cio em todos o s monasté rios dur ante a peregrinação. Muito s meses depois, um dos lamas a quem fizeram oferendas e pediram orações recusou a oferenda, dizendo que as preces eram desnecessárias, uma vez que nada tinha acontecido com o monge. Os peregrinos, estupefat os, insistiram que ele devia estar morto, pois não poderia ter sobrevivido tanto tempo sem comida ou abrigo. Mas o lama lhes disse exatamen te onde poderiam encontrá-lo, asse gurando-lhes que ele estaria bem se eles continuassem a peregrina ção e procurassem por ele na volta para casa. Qu and o voltaram ao antigo acampamen to, seguiram as instru ções do lama e encontraram o monge sentado em meditação em baixo de um arbusto. Tirado do estado de meditação, ele imediata mente perguntou: “Onde estão os iaques?” Ele tinh a ficado em uma espécie de transe por meses, sem perceber que seus companheiros tinham ido embora, sem perceber o ambiente à sua volta e, entre tanto, sua mente não tinha mudado em nada. O apego a estados como esse não produz a iluminação — apenas o renascimento no reino da ausência de for ma. A fumaça e as fagulhas são sinais de que o fogo está queimando, mas não são o propósito do fogo; a bem-aventurança, a clareza e a es tabilidade são sinais de meditação, mas não são o objetivo da medita ção. Elas não nos deixarão nem um pouco mais perto da liberação. PERGUNTA: E sobre as experiências visionárias causadas por subs tâncias que alteram a mente? RESPOSTA: Elas não contam. Estamos falando sobre experiências meditativas, não sobre aquelas induzidas pelas drogas. Não é sensa to usar qualq uer substância que altere a mente, pois, ao fazê-lo, você está ren unciando ao pod er de sua mente. Com o uso de drogas, você estabelecerá um padrão cármico no qual tem pouco, ou nenhum,
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controle sobre a mente. Em seu próximo renascimento você pode ser mentalmente retardado ou muito instável; você pode até mes mo renascer como um animal. Certa vez, alguém me ofereceu LSD. Minha esposa, Jane, aconselhou-me a não usá-lo, mas eu queria saber, por mim mesmo, o que as pessoas estavam experimentando. Naquela ocasião, meu fí gado estava muito fraco; quando ingeri a substância, senti uma dor terrível e perdi a consciência. Quando voltei a mim, tive visões, mas elas eram, obviamente, apenas a exibição dos conceitos comuns de minha mente. Nenhuma delas tinha qualquer significado profun do, para o des aponta men to dos alunos que tin ham vindo com seu s cadernos e canetas para observar e registrar minha experiência. As visões que surgem na meditação como manifestações da natureza pura da mente são m uito mais claras e bonitas. PERGUNTA: Alguns praticantes parecem ter grande interesse pe los ensinamentos budistas, mas ao mesmo tempo resistem a eles. Contemplar os quatro pensamentos vai ajudá-los? O que mais eles podem fazer? RESPOSTA: Não há uma resposta simples. A resistência ao Darma pode surgir devido a diferentes razões. Algumas pessoas, de início, ficam interessadas nos ensinamentos, acham-nos muito úteis e co meçam a praticar. Mas, em determinado ponto, algo enviesa, e eles acabam tendo uma visão extremamente negativa do Darma. Em muitos casos, isso pode ser atribuído ou ao carma criado em vidas passadas ou às condições e circunstâncias desta vida, tais como for ças obstrutoras ou demoníacas que influenciam a mente e criam dúvidas. Idealmente, uma pessoa que queira praticar, mas resiste, deve consultar um mestre que seja capaz de ver as coisas além da superfície, para det erm ina r que tip o de cerimônia, prát ica ou outr a medida poderia ser útil.
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PERGUNTA: Quando pensamentos e emoções aparecem em nossos sonhos, eles depositam sementes cármicas? RESPOSTA: Para que uma ação produza conseqüências cármicas plenas, quatro elementos precisam estar presentes: o suporte da ação (o objeto), a motivação do agente, a ação em si e os seus resul tados. Se um desses elementos estiver faltando, então a gravidade das conseqüências cármicas se reduz. Mas, mesmo assim, a ação não será carmicamente neutra. Embora os sonhos não sejam tão potentes em sua capacida de de gerar carma quanto as experiências do estado de vigília, eles ainda assim o fazem. Enquanto houver intenção na mente, haverá alguma acumulação de carma, e ela precisa ser confessada ou puri ficada, quer seja ou não de fato traduzida em ação física ou verbal. É por isso que precisamos trabalhar com a mente, pois, quando ti vermos eliminado a intenção negativa, deixara de haver base para a fala ou a ação negativas. PERGUNTA: Quer diz er ent ão que to do o samsara está realm ente cheio de sofrimento? Como esta compreensão pode ajudar a mi nha prática? RESPOSTA: Se você olhar com clareza para o samsara, verificará que não há, em nenhum lugar, felicidade que dure. Não há nada em que possamos dep ositar esperança. Por maior que seja a sua virtude, você não pode criar nenhuma situação no samsara que seja capaz de criar felicidade duradoura. As pessoas muitas vezes se remexem quando ouvem isso, sen tem-se muito desconfortáveis. Mas precisamos refletir sobre isso, porque nos leva à compreensão de que o caminho espiritual, por mais difícil que seja, é nossa única saída. Se seguirmos pelo cami nho espiritual com bastante diligência, se nossa prática for pura e
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forte, poderemos purificar o carma. Precisamos contem plar os qua tro pensamentos para inspirar diligência, para assegurar que não estaremos apenas fazendo gestos futeis ou praticando um tipo de pseudoespiritualidade. Não queremos ser como os muguts tibetanos, animais humanoides parecidos com o Sasquatch ou “Pé-grande” norte-americanos. Os muguts são arredios e vivem entre si nas florestas. Escondidos entre as árvores, observam os camponeses arar a terra. Quando os camponeses voltam para casa à noite, os muguts saem de seu abrigo para imitar as atividades deles. Eles não sabem o que estão fazendo, de modo que batem na terra, pisoteiam tod as as coisas e, geralmen te, causam muito estrago. O que eles não fazem é cultivar a terra. Não queremos seguir o exemplo dos muguts, im itando as ações dos praticantes espirituais, quando tudo o que estamos de fato fazendo é nos debatendo de um lado para outro, estragando as coisas. Ao pensarmos na preciosidade do corpo humano e na impermanência, cortamos o apego às nossas experiências mundanas. Quando compreendemos que, independentemente de onde nasça mos no samsara, grandes dificuldades sempre surgirão e que toda felicidade será temporária, cortamos nossa crença complacente de que é suficiente nascermos em um reino superior. Começamos a desenvolver a intenção resoluta de atingir a iluminação, em vez de nos contentarmos com um renascimento comum que apenas irá perpetuar nossa confusão. Reflita, relaxe, reze, gere compaixão, renove seu compromisso. Reze para poder trabalhar sem cessar para liberar todos os seres dos ciclos de sofrimento. Reze para desenvolver a capacidade de liberar todos os seres, onde quer que estejam, no espaço da verdade da na tureza absoluta. Havia um pratican te magnífico em m inh a família, Tulku Arik, um de meus mestres mais estimados. As pessoas viajavam centenas de quilômetros apenas para olhar o lugar onde ele meditava. Até
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mesmo os comunistas chineses diziam: “Se você pratica o Darma como ele, então está tudo bem”. Ele possuía apenas aquilo que con seguia carregar nas costas e morava em uma caverna ou em uma pequena cabana de meditação. Sua prática era muito pura e simples. Dos 13 anos até o seu falecimento, aos 84, ele dormiu apenas uma hora po r noite, po rque para ele era mais im portan te praticar do que dormir. Como professor, às vezes era bastante irado, contrapondo-se diretamente aos apegos e aversões dos alunos. Quando os alunos vinham até ele, durante os primeiros quatro anos ensinava-lhes tão somente os qua tro pensamentos. Exigia que eles compreendessem o significado e as conseqüências desses ensinamentos até que a mente se transformasse e a prática amadurecesse. Quando as pessoas imploravam a Tulku Arik para que desse ensinamentos mais profundos, ele dizia: “Este ensinamento pode não ser suficientemente bom para você, mas foi bom o bastante para os budas. Eles meditaram durante anos para entender a verda de dos quatro pensamentos. Se este ensinamento não é suficiente men te pro fund o para você, vá bater em outra porta”. Se você realmente compreender os quatro pensamentos, então poderá meditar. Mas não pense que a meditação será um passeio no parque. Quando perguntaram ao grande iogue Milarepa se a sua prática era muito difícil, ele respondeu que era mais difícil do que carregar sal dos depósitos nas lagoas. Para transportar o sal no Tibete, as pessoas enchiam um cou ro molhado de iaque com sal úmido, socavam até que o couro fi casse estufado, e então deixavam secar. Ao secar, o couro de iaque comprimia o sal ensacado, transformando-o em uma pedra maciça. Milarepa dizia que era mais fácil carregar essas pedras de sal monta nha abaixo e acima, o dia todo, do que meditar. Se temos a intenção de ir além do carma e dos ciclos de so frimento, temos que meditar com intensidade tremenda, durante toda a vida. Precisamos entender, sem qualquer sombra de dúvida,
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que não há como nos desviarmos do carma, que não há nenhuma felicidade duradoura em qualquer parte do samsara; que o que nós, humanos, temos neste exato momento é a maior de todas as opor tunidades, e que ela é de curta duração. É como se tivéssemos caído de ura precipício, agarrado-nos a um galho preso na rocha e estivéssemos pendurados no ar: não te mos tempo para perder, não temos tempo para fazer uma pausa para o café. Uma coisa é cair e morrer uma vez. Entretanto, quando caímos nos infernos, morrem os continua mente . A morte que acon tece uma só vez é um luxo do ser hum ano. Se não valoriza rmos esta oportunid ade hum ana, não iremos usá-la antes que o galho ce da. Não negue a verdade dos quatro pensamentos. Eles podem ser duros de engolir, mas não fique se enganando. Reflita sobre eles. Contemple-os. Avalie o que eles significam e vivencie o que oferecem para a meditação. Eles são chamados os esteios da meditação, como os quatro pés de uma plataforma sobre a qual você se senta; são trans formadores: voltam a mente para o Darma, para a verdade.
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PARTE III 0 REFÚGIO E A BODITCHITA
13. 0 REFÚG
IO
Sabemos que a nossa contemplação dos quatro pensamentos foi eficaz se começamos a enxergar além da nossa experiência samsárica, a compreender que ela é desprovida de essência, que nada nessa experiência é confiável ou imutável. Com o que então po demos contar? Onde vamos encontrar um âmago verdadeiro, uma essência verdadeira? Somente no Darma sagrado, no caminho espi ritual, vamos descobrir alg o que t en ha valor absoluto. Os quatro pensamentos se enquadram na categoria de ensina mentos introdutórios chamados “preliminares comuns”, comuns a todas as tradições budistas. Embora constituam uma base funda mental para a prática do Darma, não representam um passo formal no caminho budista. Para irmos adiante, precisamos assumir um compromisso que toma corpo no voto de refugio. Esse é o primeiro portão de acesso à prática budista. A palavra “refugio” denota um lugar de segurança ou prote ção. Em essência, o voto de refugio implica assumirmos o compro misso de ter sempre uma postura de não causar mal aos outros. Não significa que, ao tom armos refugio, Buda ou algum outro ser ilum inad o estenda u ma varinha mágica e, de repente , somos trans portados para além da dor e da insatisfação. Em vez disso, somos nós que asseguramos no ssa pró pria proteção ao lidar mos com a raiz do sofrimento, que reside em nossos próprios pensamentos e ações nocivas. Se os reduzirmos pelo uso disciplinado do corpo, da fala e
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da mente, evitamos suas conseqüências cármicas negativas e assim eliminamo s as causas do sofrimento . A motivação para se tomar refugio nas tradições Mahayana e Vajrayana é uma compaixão altruísta pelos incontáveis seres que sofrem em meio à existência cíclica e um desejo sincero de atingir a liberação para pod er libertá-los. O voto de refugio dura não somen te por esta vida, mas até que alcancemos a iluminação, por mais distante que esse futuro possa estar. Nós tomamos refugio nas Três Joias — o Buda, o Darma e a Sangha. O Buda é semelhante a alguém que andou por uma cer ta estrada e, pelo fato de ter alcançado o destino final, conhece o percurso e é capaz de nos mostrar o caminho. A estrada em si é o Darma. E aqueles com quem viajamos, aqueles que nos oferecem apoio e em quem confiamos, formam a Sangha. Ao toma rmos refu gio, seguimos os passos daqueles que nos precederam no caminho da iluminação. A tomada de refúgio exige de nós u ma apreciação das qualida des das Três Joias, começando pelas qualidades infalíveis e ilumina das de Buda. Muitos grandes santos e mestres fundaram caminhos espirituais em diferentes partes do mundo, mas eles não possuíam os atributos de Buda Shakiamuni. Tendo purificado por completo as emoções aflitivas, o carma, o hábito e o s obscu recim ento s intelectuais, Buda exibiu as 32 marcas maiores e as 80 menores do corpo iluminado; as 60 quali dades da fala ilum ina da e as duas qualidades oniscientes da m ente iluminada. Suas 112 marcas de perfeição física — por exemplo, um brilho aparente a todos e o fato de seus pés não tocarem o chão — eram um a manifestação d ireta e incontroversa de perfeita realização. Aqueles que tinham contato com Buda ficavam assombrados com sua presença; sabiam te r encon trado um ser extrao rdiná rio. Ele não precisava se proclamar um mestre — isso era óbvio.
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O fato de que 6o tons melodiosos marcavam a fala de Buda não quer dizer que ele tivesse uma bela voz para o canto ou que fosse um bom orador. Pelo contrário, sua fala funcionava como um ve ículo perfeito para comunicação. Todos aqueles que compareciam ainda que a um único ensinamento de Buda, por mais vasta a pla téia, ouviam perfeitamente, independentemente de amplificação, um manancial de sabedoria em sua própria língua, bem como res postas às suas questões particulares. A mente de Buda era dotada de dois tipos de conhecimento: um a percepção onisciente, detalha da e discriminado ra dos fenôme nos em um nível convencional, e uma profunda percepção da ver dadeir a natureza da realidade. Ao identificarmos essas qualidades, reconhecemos Buda como um mestre infalível que, por incontáveis eras, absteve-se de praticar o mal, procurou beneficiar os seres, purificou o carma, acumulou mérito e sabedoria e, dessa maneira, ganhou o fruto da iluminação. Buda, tal como um diamante bruto, passou pelo processo de ser lapidado e polido, transformando-se em uma pedra preciosa cinti lante e perfeitamente acabada. Todos nós, embora tenhamos o mesmo potencial para nos transformarmos em uma pedra preciosa perfeita, ainda somos como diamantes brutos, cujas qualidades perfeitas se encontram obscurecidas. Ao tomarmos refúgio, pautamo-nos pelo exemplo de Buda, pois, tendo percorrido o caminho, ele nos mostrou o trajeto a ser feito. Se tivéssemos que atravessar um mangue ou um pântano infestado de perigos, alguém que já tivesse feito essa jornada, que soubesse exatamente o que evitar, que estivesse seguro de cada pas so a ser dado e que pudesse nos conduzir sem erro seria um guia extremamente valioso. Buda é um guia assim. Ele nos mostrou o que a bandonar e o que abraçar, apo nta ndo a direção a ser tomada e dem ons tran do cada passo do cam inho da ilumina ção.
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Em segundo lugar, tomamos refúgio no Darma sagrado: os en sinamentos de Buda e os métodos que ele empregou para alcançar a iluminação
uma grand e multipl icidade de meios, completos
e isentos de erro, que constituem o legado por ele deixado. Nele tudo é claramente discriminado: a base, o caminho e o fruto da prática, como começar, como superar obstáculos, como fortalecer as qualidades positivas que começam a brotar. Esses métodos ou yanas (veículos) são geralmente divididos em nove, que compõem
três abordagens básicas: o caminho Hinayana, da liberação pessoal; o caminho Mahayana, daqueles que buscam liberação em prol de todos os seres; e os ensinamentos do Vajrayana, que se inserem no Mahayana, geralmente denominad o o “camin ho curto”. Em terceiro lugar, tomamos refugio na Sangha, os muitos prati cantes que aplicaram os métodos de Buda e mantiveram seu legado em uma linhagem verbal ininterrupta — perpetuando um registro histórico de escrituras que encerram os ensinamentos — bem como em uma linhagem mente a mente — uma tradição vibrante de experi ências pessoais que revelam a verdade desses ensinamentos. Visto que cada geração que se seguiu aBuda produziu pessoas que se dedicaram a compreender e a consumar os ensinamentos, o Darma não se tornou árido nem intelectual, mas conservou seu frescor e vida. A Sangha é como um mala ou rosário vivo, uma “corrente” de praticantes conecta dos uns aos outros por sua prática através dos séculos, exemplificando os ensinamentos e mantendo uma tradição que é vital e acessível a nós, hoje, e que continuará a sê-lo às gerações que estão por vir. As Três Joias, portanto, são uma fonte infalível de refúgio para nosso sofrimento, ignorância e confusão.Tal refugio não pode ser ofe recido por algo ou alguém que ainda esteja preso na existência condi cionada —por mais famoso,belo, poderoso, ricoou influente que seja. “Refugio”, como muitos outros aspectos do Darma, possui três níveis de significado. Até agora discorremos sobre o seu significado externo. Ele também tem significados “interno” e “secreto”.
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Na tradição Vajrayana, as fontes internas de refugio são as Três Raízes — o lama, o yidam e a dakini. Diz-se que elas são a fonte das bênçãos, da realização espiritual e da atividade iluminada, respecti vamente. O lama ou mestre espiritual é a raiz das bênçãos, visto que ele trans mite o conhecim ento, os métodos e a sabe doria que no s capa citam a alcançar a liberação. O yidam ou deidade meditativa eleita é a raiz da realização, vis to que, por meio da prática que se apoia na deidade, somos capazes de compreender a natureza da mente. Também chegamos a com preender e consumar a dakini, o princípio feminino da sabedoria que desempenha a atividade iluminada. O objeto secreto de refugio na da mais é do que a verdadeir a na turez a da mente, a essência de todo ser, quer h umano, animal, fan tasma fam into ou deus — a nature za búdica em sua perfeição. Essa natureza possui duas facetas: a primeira, dharmakaya, a natureza da mente que está além dos conceitos comuns, pode ser comparada ao sol; a segunda, rupakaya ou kaya da forma, pode ser comparada à irradiação bril hante do sol, que ocorre n aturalm ente e sem esforço. Essa irradiação, que se manifesta para benefício dos outros, tem dois aspectos: o sambhogakaya— a manifestação pura da forma, percep tível aos grandes pr aticantes — e o nirmanakaya, a manifestação que aparece para benefício daqueles que são incapazes de perceber a expressão do sambhogakaya. No budismo Vajrayana, ao recorrermos a objetos de refúgio externo, interno e secreto, purificamos o carma nos níveis externo, interno e secreto, simultaneamente. É como se, em vez de cortar com uma lâmina, cortássemos com três. Nossa experiência no continuum infindável do sofrimento samsárico pode ser comparada à de uma mosca presa em uma garrafa de leite tam pada. Ao ten tar escapar, ela voa para cima e para baixo, para todos os lados, mas não consegue encontrar uma saída. Tomar
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refugio com a meta de alcançar a iluminação para benefício de todos os seres é como remover a tampa da garrafa. Pode ser que a mosca não encontre a abertu ra de imediato, mas, mais cedo ou mais tarde, ela a encontrará e ganhará liberdade. Quando assumimos o compromisso de refugio, podemos ter certeza de que o sofrimento samsárico deixará de ser infinito para nós. No entanto, embora tenhamos tomado refugio, não podemos simplesmente ficar sentados, esperando que as Três Joias venham nos abençoar. Se não fizermos um trabalho para amadurecermos, não estaremos receptivos às suas bênçãos. Tomar refúgio implica fazer um compromisso pessoal. Não é uma coisa informal, a ser tratada casualmente; não é uma coisa sobre a qual mudamos de opinião no meio do caminho. Frequentemente, ficamos indecisos quanto ao caminho espiritual, pensando que talvez esse é melhor, talvez aquele, nunca firmando um compromisso e nunca, de fato, chegando a lugar algum. Imagine que quiséssemos alcançar o topo de uma montanha, e que houvesse diversas trilhas que levassem até lá. Se déssemos alguns passos em uma trilha e então pensássemos que talvez outra fosse melhor, seguíssemos uns poucos passos por ela e então decidíssemos que uma terceira tr ilha nos levaria mais rápido, continuando indefinidamente dessa maneira, não chegaríamos nunca ao topo. Ficaríamos apenas dando voltas. Quando tomamos refúgio, tomamos uma decisão sobre o caminho que é certo para nós e assumimos o compromisso de seguir por esse caminho. A ideia de firmar um compromisso assim, às vezes, deixa as pessoas apreensivas. No entanto, essa apreensão é como o medo de tomar um antídoto depois de ter engolido veneno. O momento de duvidar é antes de engolir, não depois. Tomar refúgio significa simplesmente aceitar o fato de que você engoliu veneno e tomar a decisão de fazer uso do remédio necessário. Significa dizer para si mesmo: “Para mim chega! Agora meu compromisso é o de não causar mal aos outros. Isso é definitivo. Meu compromisso não é
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simplesmente trab alhar para o meu benefício, mas trazer benefícios aos outros. Quanto a isso, estou seguro. Até agora não prestei muita atenção à minha mente, não examinei a sua natureza, nem como ela funciona. De agora em diante, porém, vou estar alerta e vigilante; vou m e observar com firmeza. Vou fazer um esforço para acentu ar e incentivar tudo aquilo que for virtuoso em mim, revertendo e eliminando, com o tempo, minhas tendências desvirtuosas”. Apenas esse tipo de compromisso inabalável torna eficaz o voto de refúgio. Os benefícios de tomar refúgio dessa maneira são verdadeiramente incalculáveis. Uma das escrituras afirma que, se esses benefícios tivessem forma tangível, seriam mais vastos do que todos os bilhões de universos. O term o “bilhões de universos” não é insignificante, pois representa bilhões de sistemas cósmicos. Por meio das bênçãos das fontes de refúgio, recebemos a orientação, os meios e o apoio à nossa prática espiritu al para, ao final, alcançarmos a liberação. Quando os nossos esforços vão ao encontro dessas bênçãos, podemos despertar para nossa sabedoria intrínseca, a verdadeira natureza da mente. E é isso que, no sentid o mais profundo, significa tomar refúgio. PERGUNTA: Uma vez que uma pessoa tenha se iluminado, é possível que ela retroced a? Há estágios de ilumina ção ou de experiências de iluminação? RESPOSTA: Não há, na verdade, algo que seja uma experiência de iluminação. Já ouvi muitas pessoas fazerem referência a essa ideia, mas elas, na realidade, não compreendem o significado da liberação. Para alcançarmos a ilum inação, precisamos purificar os quatro obscurecimentos — os venenos da mente, o obscurecimento intelectual, o carma e o hábito — e cria r condições favoráveis por meio do acúmulo de mérito. As pessoas que conseguem isso manifestam qualidades inconfundíveis e criam dois tipos de benefício.
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O primeiro, o benefício para si — a remoção de todos os obscurecimentos e o reconhecimento da sua própria natureza intrín seca —, é a realização do dharmakaya. Essa realização nos liberta da ignorância e, ao ficarmos livres da ignorância, livra-nos de suas conseqüências. O segundo benefício, o para os outros, é a realização dos dois kayas da forma, que são como o calor e a luz que emanam natural mente do sol do dharmakaya. Certa vez, uma mulher se dirigiu a uma mesa redonda da qual eu participava e disse que, três anos antes, havia sofrido um acidente de carro. Ela sentiu, naquela ocasião, que havia se ilu minado e perguntava se achávamos que isso fosse possível. Cada integrante da mesa passou a palavra para o seguinte, até que, por fim, indaguei a ela: — Você tem raiva? — Sim — ela respondeu. — Você tem desejo? Novamente ela disse “Sim”. — Então — eu lhe disse — você não tem a iluminação. Durante práticas de meditação, uma pessoa pode ter experiên cias de bem-aventurança, clareza e/ou estabilidade e, às vezes, essas experiências são interpretadas como iluminação. Mas não são. As qualidades da iluminação são verdadeiramente srcinais e incon fundíveis. A pessoa não está mais circunscrita pela mente samsárica nem pela existência samsárica, e não há possibilidade de perder essa realização. PERGUNTA: Qual é a diferença entre assumir um compromisso to mando refugio formalmen te e simplesme nte não causar o mal? Por que o compromisso formal é importante? RESPOSTA: Imagine que você assuma o compromisso de não ma tar nenhum dragão. A maioria das pessoas nunca verá um dragão
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em toda a sua vida, e algumas pensam que dragões sequer existem. Ent ão você pod eria pergun tar: “Por que iria algué m assumir o com promisso de não matar dragões?” Se você nunca matar u m dragão, não est ará criando desvirtude ne nh um a, mas, ao mesmo tem po, não estará criando virtude algu ma. A partir do dia em que você assume o compromisso de não matar dragões e continua a honrar esse compromisso, você estará acum ula nd o virtudes. Ao to mar refugio, você acum ula grandes vir tudes a cada minuto, à medida que você honra seus votos. P E RG UNTA: Quais são os 84 mi1 métodos do Darma de Buda? RESPOSTA: Na índia, Buda Shakiamuni ensinou oTripitaka — as Três Coleções do Darma. O Vinaia trata principalmente do dese jo; os ensinamentos do Sutra dizem respeito, principalmente, aos antídotos para a raiva; e o Abidarma trata da ignorância. Cada um consiste em 21 mil métodos. Mais tarde, Buda ensinou 0 Vajrayana, qu ando inseriu os 21 mil m étodos adicionais para remoç ão dos obscurecimentos da mente. Os ensinamentos dessas coleções foram levados para o Tibete e traduz idos. Todas as palavras ditas p or Buda, que oc upam cem gran des volumes, pe rmanecem acessíveis para nós aind a hoje. PERGUNTA: As qualidades da Sangha preciosa são, às vezes, mais difíceis de se ver do que as do Buda e do Darma. Muitas vezes é difícil manter uma visão pura em relação aos nossos pares. Como o fato de estabelecermos um bom relacionamento com nossos com panheiros de prática pode beneficiar a prática? RES POSTA: Para começar, a existência humana é muito rara, pois os outro s seres são mu itos mais num erosos do que os humano s. Além disso, das centenas d e milhões de sere s no rein o hum ano , quantos,
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ativamente, seguem um caminho de virtude e benefício para os ou tros, por meio de seus pensamentos , palavras e ações? Quantos ten tam evitar causar o mal aos outros e não agir de form a desvirtuosa? O número dessas pessoas pode ser comparado ao das estrelas que podemos ver durante o dia — muito pequeno, na verdade. A palavra tibetana para sangha, sânscrito, é guedim, e se refere a alguém que anseia ou é motivado pela virtude. Se as pessoas que rem criar virtude, sua motivação e compromissos pessoais as tor nam muito especiais, mesmo que elas não sejam perfeitas. Os mem bros da sangha do Mahayana têm o voto de liberar não apenas a si, mas a todos os outros seres, da existência cíclica. Como poderíamos não venerar tal compromisso como sendo a melhor das qualidades? Como poderíamos, em vez disso, nos focar em seus defeitos pesso ais temporários? As pessoas da sangha são nossas companheiras até que alcancemos a iluminação. Olhá-las com respeito e apreço nos beneficia, pois aumenta nosso mérito. Purifica os nossos hábitos e carma negativos. PERGUNTA: É possível tomar refugio em mais de uma tradição es piritual? RESPOSTA: Podemos pensar que, se juntássemos muitos cami nhos espirituais diferentes, seria possível melhorar as tradições existentes. As pessoas no Ocidente são muito criativas. Sabem que uma bicicleta, um carro, um trem ou um avião pode m levá-los até seu destino, mas muitos preferem arquitetar seu próprio veículo, com binan do as asas de um avião com as rodas de um carro e com qualquer outra peça do trem ou da bicicleta. Tal veículo pode ou não levá-los até onde querem ir. Pode também ser a causa de sua morte. Acho difícil imaginar a criação de um veículo espiritual, juntando-se muitas tradições, que produzisse os mesmos resulta
dos rápidos de uma tradição tal como a de Buda — um ser ilu1 39
minado que purificou todos os seus obscurecimentos e que tem sabed oria e com paixão ilimitad as e po der de beneficiar os outros. Quan do você con fia em um a tradição espirit ual ant iga, pode est ar certo de que, praticando o que outro s já prati caram an teriorme n te, alcan çará os mesmos resultados. É difícil se recuperar de uma doença séria sem confiar em um médico experiente e bem treinado e em remédios que já tenham curado muitas pessoas no passado. A doença da existência samsárica é complicada; sua cura não é fácil e requer métodos espirituais comprovados. Antes de escolher um caminho espiritual, pode ser útil explo rar diferentes tradições, para decidir a qual delas você se sente co nectado. Depois, poderá aplicar os métodos de uma determinada tradição para verificar se são eficientes para você. Se perceber que sua mente se torna meno s negativa e que sua s qualidades po sitivas se acentuam, praticar esse caminho vai beneficiá-lo. O processo é se melha nte ao de ler um cardápio: você tenta adiv inha r o que é mais gostoso, mas não saberá até verdadeiramente provar. Uma vez ten do escolhido um caminho espiritual, é muito importante aderir a ele. Ir de um a tradição para outra só criará confusão e instabilidade. Entreta nto, depois de esta belecer um a base firme em uma tradição, receber outros ensinamentos, de vez em quando, pode intensificar a compreensão e o apreço por seu próprio caminho. PERGUNTA: Não lhe parece sectário tomar refúgio em apenas uma tradição? RESPOSTA: “Não sectário” tem uma conotação de mente aberta, respeitando todas as tradições. Entretanto, isso não significa que pre cisemos praticar tod os os caminho s ou muitos caminhos. Al gumas pessoas se confundem com isso; pensam que não ser sectário sig nifica reunir uma miscelânea de métodos de diferentes tradições.
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Em vez disso, cada tradição espiritual deve ser respeitada e praticada com integridade. As pessoas, frequentemente, cometem o erro de encontrar defeitos em outras tradições. Mas qualquer tradição que promova a virtude e deplore a desvirtude irá beneficiar aqueles que a praticam e, portanto, merece nosso respeito. Apesar de ter diferentes nomes, as palavras sol em português, sun em inglês, nyima em tibetano e suría em sânscrito se referem exatamente à mesma fonte de luz e
calor. Da mesma forma, qualquer fonte de refugio que incorpore sabedoria e compaixão beneficiará os que nela se apoiarem. O objetivo de todos os caminhos espirituais é alcançado quan do os seres são liberados do sofrimento. Nos Estados Unidos, desfrutamos de um a grande variedade de restaurantes — japoneses, indianos, mexicanos, até mesmo tibetanos. Cada um de nós pod e comer o que mais lhe apetece — por que denegrir as outras escolhas? O que importa é que obtenhamos nutrição espiritual por meio da prática, porque, sem ela, experimentaremos apenas um sofrimento maior agora e em vidas futuras.
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NA SCI M ENTO
D A BO DI T CHI T A
Para nos orientarmos no caminho espiritual, precisamos de uma meta em direção à qual tra balhar — da mesma forma que uma flecha precisa de um alvo. Por meio da boditchita— o passo seguinte de acesso à prática nas tradições do Mahayana e do Vajrayana — vi samos a atingir a iluminação para benefício dos outros seres a cada momento que praticamos. Essa é a melhor meta possível. A boditchita constitui a base, o fundamento de tudo o que fazemos, semelhante à raiz de uma árvore medicinal cujos galhos, folhas vida. e flores produzem todos os medicamentos que preservam a A qualidade e a pureza da nossa prática depende do fato de a boditchita permear cada um dos métodos que utilizamos. Com ela, tudo fica assegurado. Sem ela, nada funciona. É por essa razão que, desde a primeira vez que ouvimos os en sinam entos, dizem-nos para estabelecer a liberação de todo s os seres como o objetivo da nossa prática. Nós nos tornamos os recipientes apropriados para os ensinamentos espirituais e praticamos, transfor mando motivação autocentrada em uma atitude autruísta. A boditchita tem três componentes: a compaixão pelo sofri mento de todos os seres; a aspiração de alcançar a iluminação para o benefício de tod os os seres — chamada de boditch ita da aspiração — e a participação ativa no caminho da liberação para conquistar tal meta — cham ada de b oditchita da ação.
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A expressão boditchita, em sânscrito, é traduzida para o tibetano como djang tchub sem. Djangsignifica a remoção dos obscureci mentos, tchub, a revelação de tod as as qualidades perfeitas internas, e sem, mente. Por meio da prática da boditchita, purificamos os obscurecimentos e fortalecemos nossas qualidades positivas intrínsecas, revelando a mente iluminada. Os obscurecimentos da mente podem ser comparados ao baiTO que recobre um cristal que está enterrado há muito tempo. Se pe garmos o cristal coberto por aquelas crostas, parece uma pelota de barro. No entanto, suas qualidades essenciais não foram, de forma alguma, reduzidas; apenas ficaram obscurecidas. Se removermos o barro, o cristal ficará translúcido, e suas qualidades se tornarão apa rentes. Do mesmo modo, ao purificar e remover os obscurecimen tos da mente, revelamos nos sa verdadeira na tureza cristalina. Nós sempre buscamos por essa essência do lado de fora, em bora ela se encontre em nosso interior. É como procurar por toda parte por um cavalo perdido, seguindo incontáveis pegadas pela floresta, e descobrir, por fim, que o cavalo estava no porão da nossa casa o tem po todo. A compaixão, o primeiro aspecto da boditchita, tamb ém exis te de forma intrínseca dentro de nós. Embora tenhamos natural mente um bom coração, geralmente ele é bastante limitado. Por meio da prática, podemos expor e despertar nossa compaixão per feita e ilimitada. Djang tchub sem é, assim, tanto o método quanto o fruto da práti ca. Devido ao impulso da boditchita, a essência da mente, que é como o sol, revela-se por completo, fazendo surgir espontaneamente e sem esforço benefícios para os outros; é como os reflexos do sol, que po dem ser vistos em todos os recipientes que contenham água. Começamos a prática da remoção dos obscurecimentos da mente reduzindo nossa autoimportância e voltando nossa atenção para os outros. O hábito de nos focarmos em nós mesmos vem sen-
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do reforçado há incontáveis vidas, razão pela qual estamos presos no samsara.
Os budas eliminaram os pensamentos egoístas e comuns,
cultivaram motivação altruísta e assim alcançaram a iluminação. O desenvolvimento desse tipo de motivação repousa sobre qu atro pedras fun dame ntais, chamadas “a s quatro qualidades incomensuráveis”. A primeira delas é a equanimidade, uma atitude de igualdade para com todos os seres. Se conseguirmos viver livres de preconceitos e tendenciosidades, sem fazer divisão em nossa men te entre amigos e inimigos, apreendemos a essência da existência e plantam os as sementes da felicidade e da liberdade para nós mes mos e para os outros. Agora, nosso amor e compaixão estendem-se apenas a certas pessoas, nossos familiares, amigos e entes queridos, mas não a al guém que consideramos um inimigo. Pode ser que não desejemos má sorte para pessoas desagradáveis ou perigosas; aind a assim, pode ser difícil não nos regozijar quando algo de mim acontece a elas. Nossa compaixão por um a criança doente pode vir, simplesmente, de nosso apego a ela. Por meio da prática da equanimidade, culti vamos, do fundo do coração, uma atitude nobre de compaixão por todos os seres, sem distinção. Sem ter um coração puro, a prática permanecerá superficial — não entenderemos, de verdade, o pro pósito do Darma. Desenvolvemos equanimida de, em primeir o lugar, dando-nos conta de que todos os seres, igualmente, desejam a felicidade. Ninguém quer sofrer. Em segundo lugar, contemplamos o fato de que todos os seres, em uma ou outra ocasião, ao longo de incontá veis vidas, já foram nossa própria mãe. Buda Shakiamuni, outros budas e bodisatvas, que removeram o barro que encobria a natureza da me nte e se tornaram oniscientes, ensinaram que não há um úni co ser que não tenha sido nosso pai ou nossa mãe. Isso é algo que tam bém pod eríamo s perceber se purificássemos nossa mente. Cada ser, não importa quão antagônico a nós possa ser agora, já foi tão
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bondoso e importante para nós quanto nossos pais nesta vida. Uma pessoa que agora desempenha um papel aparentemente insignifi cante ou mesmo ameaçador em nosso drama pessoal, foi outrora amorosa e prestativa. A fim de apreciar essa bondade, precisamos reconhecer a enor me generosidade dos nossos pais. Antes de mais nada, eles nos de ram de presente um corpo humano. Após a morte em nossa vida passada, nossa mente mergulhou no
bardo,
o estado intermediário
amed ront ado r e caótico que há en tre 2 morte e o próximo rena sci mento, e fomos jogados de um lado para outro, sem defesa, como uma pluma ao vento, sem qualquer ponto de apoio ou de referên cia estável, experimentando visões e sons terríveis. Por fim, encon tramos segurança no ventre da nossa mãe, no m om ento da concep ção. Daí em diante , ela nos carregou e u seu corpo por nove meses, suportando desconforto e talvez enfermidade para nos oferecer o nascimento humano. Quando estávamos indefesos no berço, nossa m ãe nos dedicou cuidado e proteção para que pudéssemos crescer fortes e sadios. Se ela não tivesse nos aliment ado, ou pedido a um a outra pessoa que o fizesse, com certeza teríamos morrido. Ela salvou nossa vida, quando crianças, vez após vez, protegen do-nos de cair, de comer coisas que ncs deixariam doentes, de nos aproximar demais do fogo, da água, dc trânsito. Ela nos deu de co mer e de vestir, lavou-nos e manteve limpa a nossa casa. Pense o quanto teríamos que gastar agora para que alguém viesse limpar a casa ou cozinhar para nós. Hoje em d ia.quando alguém nos oferece uma xícara de chá ou uma pequena coisa sem pedir pagamento, consideramos a pessoa imensamente bondosa. Essa bondade, po rém, esmaece em comparação à generosidade da nossa mãe. Nossa capacidade de falar, de nos portar na sociedade e de con viver com os outros são dádivas de nossos pais. Em vez de nos comprazermos com nossa própria inteligência, deveríamos lembrar que
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houve um tempo em que não sabíamos dizer uma única palavra, em que não sabíamos nos alim entar, nos vestir e nos limpar. Palavra por palavra nossa mãe e nosso pai nos ensinaram a falar. Eles nos ajudaram a apren der a andar, a comer, a nos vestir. Eles foram nos sos primeiros professores. Nesta e em incontáveis vidas passadas, os outros seres nos devo tar am bonda de p or todos esses meios munda nos. Eles tamb ém têm uma importância essencial para nosso desenvolvimento espiritual, no sentido de que a liberação deles é a finalidade da nossa prática, o alicerce da nossa motivação altruísta, sem a qual não poderíamos alcanç ar a ilumin ação. Ponderando essas questões, começamos a ex perimentar um a profunda sensação de gratidão e adquirimos cons ciência da nossa dívida para com eles. Desse modo, ao cultivarmos equa nimidade, reconhecemos que todos os seres foram nossas mães, em algum m omento . Então cul ti vamos apreciação pela bondade que eles nos dedicaram e o desejo de oferecer retribuição. Dessa maneira, desenvolvemos uma moti vação mais elevada, a de beneficiarmos todos os seres, não apenas de uma perspectiva temporária, mas fazendo isso por meio da mais perfeita forma de retribuição possível: alcançarmos a iluminação para podermos ajudar os outros a fazer o mesmo. Um aluno ocidental, certa vez, perguntou a um lama: — Eu tenho dificuldade em pensar que os seres, uma vez, fo ram minha mãe. A minh a mã e nu nca foi boa comigo. Nós tivemos um péssimo relacionamen to. Então to da vez que eu me sento para medita r sobre boditchita, penso na minha mãe e fico irritado e com raiva. Será que eu posso simplesmente esquecer de pensar na m inh a mãe, por enq uanto? O lama disse ao aluno que o objetivo era desenvolver compai xão por todos os seres, inclusive po r nossa mãe, mas não importava a ordem em que isso fosse feito. Ele disse que no Tibete e na índia as pessoas consideram a mãe a mais bondosa, a mais maravilhosa pes-
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soa imaginável. Quando um principiante precisa de um acesso fácil para a prática, o professor usa os sentimentos ligados à màe como base para se cultivar calor humano e compaixão pelos outros. O lama acrescentou: Se você pensa que um métod o melhor para você é primeiro desenvolver compaixão por todos os outros seres e depois pela sua mãe, não há problema. O im po rta nte é, ao final, termo s compaixão por todos os seres, inclusive nossa mãe. Por fim, reconhecemos a igualdade de todos os seres no senti do de que a natureza intrínseca de cada um deles, do menor inseto ao maior praticante detentor de sabedoria, é a pureza primordial. Quando passamos a com preender essa igualdade n o sentido de que todos querem ser felizes, todos sofrem, todos nos dedicaram a bondade de um pai ou de uma mãe, todos possuem natureza búdica, geramos compaixão por todos eles,sem exceção. Reconhecemos sua situação trágica: embora apenas queiram ser felizes, por igno rância, criam as condições que perpetuam seu sofrim ento. A própria compaixão, a aspiração de que o sofr imento venha a cessar, é a segunda qualidade incomensurável. Um potente antído to para a autoimportância e o interesse próprio, a compaixão nos ajuda a liberar a curto prazo o foco implacável sobre nós mesmos e nossos problemas. Também é benéfica a longo prazo, pois mesmo um ou dois min utos de compaixão qu e brote em nosso coração pu rificam quantidad es imensas de carm a. Como é qu e geramos compaix ão? Começamos contem plando as dificuldades dos outros seres e, em seguida, colocamo-nos no lugai deles. Começamos com o sofrimento no reino humano, já que, a princípio, pode ser difícil contemplara angústia dos seres nos de mais reinos. Contem plamos as dificuldades de uma ou d uas pessoas que co nhecemos e, lentamente, com a prática, ampliamos nosso foco para
incluii mais e mais, até que o sof rimen to de todos os seres tenh a um
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significado verdadeiro para nós. Recordamo-nos da dor dessas pes soas de maneira tão vivida que podemos praticamente vê-las diante de nossos olhos. Imagine alguém próximo a você que esteja morrendo, talvez em um hospital, cercado por amigos e familiares. Quando o sofri mento dessa pessoa se tornar real para você, coloque-se no lugar dela. Seus amigos e familiares queridos estão chorando, implorando-lh e que n ão morra. O médico diz que lhe restam apenas uns poucos minutos de vida. A respiração vai ficando mais difícil, e você está aterrorizado. Você não sabe o que o espera. Tudo o que lhe é familiar, mesmo seu próprio corpo, terá que ser deixado para trás. Nem um tostão do dinheiro que você acumulou irá consigo; nem um único amigo ou paren te irá atrás de você, por mais quer idos que eles possam ser a você, ou você a eles. Ou, em vez de contemplar o infortúnio de uma pessoa conhe cida, você poderia imaginar alguém que viva em um país assolado pela seca, onde famílias, mesmo aldeias inteiras, estejam morrendo de fome. Ponha-se no lugar daquela pessoa. Visualize-se entre os poucos familiares queridos que ainda não morreram, cuja vida se prolonga à beira da morte. Você sabe que também morrerá logo; simp lesm ente não resta nad a para comer. Você se sente fraco demais para ajudar seus parentes que sobrevivem, e eles estão fracos demais para ajudá-lo. Vocês estão todos impotentes diante da morte. Você poderia imaginar alguém que morre na guerra e, em se guida, coloca-se no lugar dessa pessoa. Seu me lho r am igo foi m orto e está estirado ao seu lado, e você também está ferido, esvaindo-se em sangue, sem conseg uir se mexer. Todos à sua volta estão morren do o u ocupados dem ais para lhe da r atenção. Você se sen te comple tamente só e aterrorizado. Você tam bém pod e con tem plar a situação angu stiante de uma pessoa idosa. Visualize um a situação em que seus próprios filhos, que você criou com tamanho cuidado por tantos anos, não quei-
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ram saber de ajudá-lo, sequer de ouvi-lo. Talvez estejam esperando ansiosamente por sua morte. Você nào consegue mais cuidar de si mesmo, nem seus filhos cuidam de você. Talvez você esteja solitário, em uma clínica de repouso, onde seus filhos o visitam apenas uma ou duas vezes por ano. Seus amigos não o respeitam mais; eles não o ouvem mais. Você gostaria de se movimentar, agir e falar como fazia quando era mais jovem, mas não tem mais forças para isso. Ao examinar cada uma dessas situações, um medo tremendo aparece. Nesse momento, pergunte-se: “Se eu sinto tanto medo as sim, simplesmente ao contemplar esss sofrimento, como é que de vem se sentir aqueles que realm ente o vivenciam?” Então pense n o fato de que m uitas pessoas, por to do o mundo, estão ferindo outras. Elas estão criando carma negativo que acabará por prejudicá-las e sequer percebem isso. Elas pensam que estão fazendo a coisa certa, mas estão apenas se destruin do. Quando você contempla dessa forma, do coração brotam in tensamente a compaixão e a aspiração de ajudar tanto aqueles que estão atualmente sofrendo, quanto aqueles que estão plantando as sementes de sofrimento futuro. Reconheça sua boa sorte relativa e então assuma o compromisso de fazer tudo o que puder para criar benefícios. Você escutou os ensinamentos do Darma e conta com alguns métodos para purificar as causas e condições do sofrimento. Todos esses seres, porém, que já lhe dedicaram a bondade de uma mãe, não contam com nada. Como isso é trágico! No budismo Mahayana, um a grande compaixão, uma compai xão equânime por todos os seres — amigos e inimigos — é cru cial. Com esse alicerce sólido, mesmo que você não tente alcançar a iluminação, ela estará na palma da sua mão. Se, no entanto, você não cultiva a compaixão e é motiv ado apenas pelo desejo eg oísta de escapar do sofrimento , não atingirá a meta última. A compaixão é realçada pela terceira qualidade incomensurá-
vel: um a mor que se estende igualmen te a todos. O am or é o desejo
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sincero de que cada se r vivencie tanto a causa quant o o fru to da fe licidade temporária e da definitiva. Estabelecemos o compromisso de fazer todo o esforço — físico, verbal e mental — para que isso venha a ocorrer. Quando nos emp enhamos para levar felicidade aos outros, pre cisamos fazer isso com um coração puro. Se houver qualquer inte resse próprio mesclado com nossos esforços, um insucesso irá nos levar ao arrependimento, e esse arrependimento anulará a virtude de nossas ações. Para nos ajudar a desenvolver a capacidade de manifestar amor puro e altruísta por todos os seres, há um método chamado “meditação tonglen”. Começamos gerando compaixão com a con templação da condição dolorosa em que vivem os demais seres. Então, quando respiramos, imaginamos que estamos inspirando o sofrim ento e o car ma negativo de todos os reinos da e xistência, sob a forma de uma luz preta. Quando expiramos, visualizamos que tod o o nosso amor, alegria e boa fo rtu na se irrad iam par a os outros seres como u m a luz branca. A princípio, você pode s entir relutâ ncia em praticar essa medi tação, temendo que ela possa prejudicá-lo de algum modo. Se você tiver a intenção altruísta de ajudar os outros, porém, suas dúvidas desaparecerão, e a prática fará crescer suas qualidades positivas. Somente seu próprio medo pode prejudicá-lo, pois ele age como um ímã para a negatividade. Depois de praticar essa meditação intensamente com o cora ção puro, você começará a ver a si mesmo como um veículo para a felicidade dos outros. Não só seu amor e compaixão crescerão, como tam bém você verificará que passou a ter menos pensamentos negativos, a come ter menos atos prejudiciais; o apego a seu próprio eu começará a se soltar, e seu carma será purificado. Em termos ide ais, desenvolvemos a capacidade de amor que caracteriza a mente
boditchita em um a medida tal que, sem temor, hesitação nem ar-
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rependimento, podemos dar ou fazer qualquer coisa para ajudar outra pessoa. Em muitas de suas vidas ao longo do caminho do bodisatva, Buda Shakiamuni entregou seu próprio benefício dos outros seres. Em uma determinada vida, corpo ele eraem o filho do meio de um rei que tinha três filhos. Certo dia em que havia se perdido na floresta com seus dois irmãos, ele se deparou com uma tigresa e seus cinco filhotes, que estavam morrendo de fome. A tigresa não conseguia mais se mover e não tinha leite para alimentar a ninhada. O príncipe pensou: “Quantas vezes, em minhas vidas passadas, eu tentei salvar a m im mesmo? Eu pensei apenas na mi nha própria segurança e morri vez após vez, sem beneficiar nin guém. Meu corpo é impermanente; de qualquer modo, não vai durar muito. Se ele pode ter uso para essa tigresa e seus filhotes, que assim seja”. Mandou seus irmãos para longe, à procura de frutas, e deitou-se ao lado da tigresa. Ela, porém, estava fraca demais para devorá-lo. Como não tinha uma faca, o príncipe quebrou um talo de bambu, abriu o pulso com ele e deixou o sangue pingar dentro da boca da tigresa. Depois cortou pedaços de sua came e deu de comer a ela. À medida que a tigresa lentamente ia recuperando as forças, ele cada vez mais perdia as dele; porém não abrigava nenhum ressentimen to. Dedicou a vida não apenas àquela mãe e seus filhotes, mas a todos os demais seres, e então morreu. Naquele mom ento, a mãe do menino teve um sonho no qual havia no céu três sóis, sendo que o do meio entrava em eclipse. Ela acordou sabendo que algo havia acontecido com seu filho do meio e testemunhou fenômenos extraordinários — a terra tremeu, uma chuva de flores caiu, música e hinos de louvor ecoaram. O cabelo e os ossos do príncipe foram colocados em uma estupa, um momumento à natureza da mente, em um local sagrado conhecido como Namo Buda, no Nepal. Muitas pessoas, ainda hoje,
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conseguem grandes benefícios, purificando vastas quantidades de carma, ao circum -amb ular essa estupa. A última das qua tro qualid ades incomensuráveis é o regozijo: a atitude de nos comp razerm os com a felicidade dos outros. Sentimos regozijo com as bênçãos mu ndanas que os outro s desfrutam — saú de, riqueza, relacion amen tos maravilhosos — e com sua boa fo rtu na espiritual. Não perm itimos que a inveja tom e conta de nós, nem nos perguntamos: “Por que é que eles conseguem isso ou aquilo, e eu não?” Em vez disso, formulamos a aspiração de que a felicidade deles seja dura doura e fazemos tu do o que está a nosso alcance para que isso aconteça. Ao nos regozijarmos com a virtude dos outros, criamos tanta virtude quanto eles. Do mesmo modo, se nos alegramos com a des ventura de alguém, criamos tanta desvirtude quanto a pessoa que provocou essa desventura. No tempo de Buda Shakiamuni, dois meninos estavam men digando comida diante do palácio de um rei. O rei havia convidado Buda e seu séqu ito para almoçar, e um a refeição maravilhosa havia sido preparada. U m dos meninos pôs-se a pedir comida antes que fosse ofere cida ao Buda. Ninguém lhe deu nada para comer, e ele ficou com muita raiva. Ele pensou: “Se eu fosse um rei, iria cortar a cabeça de Buda, a deste rei e a de todas as pessoas que o estão ajudando”. O outro menino esperou até que Buda e o séquito houves sem se servido. Então ped iu a comida que havia sobrado e recebeu tanto quanto conseguia comer. Ele pensou consigo: “Que rei ma ravilhoso. Q ue grande mérito ele criou ao convidar Buda para al moça r e ao de mon stra r generosida de àqueles que são po bres como nós. Se eu fosse rei, ofereceria todas as minhas posses a Buda e tam bém aos pobres”. Depois do almoço, os meninos se separaram. O menino de bom coração pôs-se a caminhar, atravessou a fronteira e foi parar
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em um reino vizinho. Ele se deitou para dormir, protegido do calor pela sombra de uma árvore. Sem que soubesse, o rei daquela região havia morrido, e seus ministros estavam à procura de alguém que tivesse as qualidades e mérito para ser o novo rei. As pessoas da aldeia onde o merino dormia notaram que, ao longo do dia, embora o sol mudasse de posição no céu, a sombra nunca se movia de onde o menino se deitara. Julgando isso extraor dinário, relataram o fato aos ministros. Quando receberam a notícia, os ministros ordenaram que o menino de bom coração fosse incluído entre os candidatos ao trono, que deveriam comparecer perante uma grande reunião de todos os súditos do rei. O novo rei seria escolhido por um elefante muito especial. No dia marcado, o elefante aproximou-se daquele menino po bre e maltrapilho, que estava bem no fundo do grupo de candidatos, ungiu sua cabeça com a água especial de um vaso, levantou-o com a tromba e colocou-o sobre o trono. o menino raivoso adormeceu no jardim rei. Uma Enquanto carroça queisso, passava por perto se desgovernou e tom boudo sobre seu corpo, cortando-lhe o pescoço e niatando-o. A princípio, a prática das quatro qualidades incomensuráveis requer esforço. Um a um, soltamos os nós que nos amarram — os venenos, enganos e ilusões da mente A equanimidade reduz o or gulho; o regozijo reduz a inveja; a compaixão reduz o desejo, e o amor reduz a raiva e a aversão. À medida que a raiva diminui, des ponta a sabedoria semelhante ao espelho; à medida que o desejo diminui, desponta a sabedoria discriminativa, e assim por diante. À medida que a nossa prática amadurece e a sabedoria é revelada, as quatro qualidades incomensuráveis brotam naturalmente, sem esforço, assim como os raios de luz e o calor emanam do sol. Embora muitas pessoas pensem que podem reconhecer a sa bedoria diretamente, isso não é tão fácil. Até que os nós comecem a
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se desatar, a sabedoria não será algo evidente. É por intermédio dos quatro portões — o amor, a compaixão, o regozijo e a equanimidade — que podemos entrar na mandala da natureza da mente. PERGUNTA: Podemos aceitar superficialmente que a motivação para a prática seja o benefício dos outros, mas, na verdade, quere mos manter parte do benefício para nós mesmos e resolver nossos problemas. Qual é seu conselho? RESPOSTA: Precisamos entender as limitações de uma abordagem egocentrada para irá, perceber que foco em nós mesmos, profunda mente arraigado, no final daso contas, impedir que alcancemos a liberação e a onisciência, que são necessárias para beneficiar os ou tros. Com essa compreensão, é possível começar a desenvolver uma motivação altruísta. É necessário tempo, paciência e diligência, mas, se meditarmos sobre a boditchita, muitas e muitas vezes, nossa moti vação se modificará gradativamente. A maioria de nós começa com muito pouco altruísmo . Quanto mais praticamos e contemplamos os defeitos da motivação egoísta e os benefícios da motivação altruísta, mais a balança vai se inclinando, até que a preocupação em relação a nós mesmos passa a ser igual à preocupação com os outros. Quando nosso altruísmo se tornar predominante, chegaremos ao ponto em que não mais haverá preocupação em relação a nós mesmos, em que estaremos voltados somente para o bem-estar dos outros.
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15. AS BODITCHITAS D A A SP IRA Ç Ã O E D A AÇÃ O
A
boditchita possui
duas vertentes: uma ligada ao bem-estar
dos outros seres ou compaixão, e a outra ligada à iluminação ou sa bedoria. Nós aspiramos à iluminação não apenas para escaparmos do samsara, mas tamb ém para beneficiarmos todos aqueles que nos virem, nos ouvirem, nos tocarem ou se lembrarem de nós. Agora pode ser que tenhamos capacidade de ajudar dez, cem, mil ou, se formos famosos, possivelmente cem mil ou mesm o milhões de pes soas. Mas isso não é suficiente. O número de seres que sofrem por todo o samsara é ilimitado. Quando praticamos, podemos cultivar uma dentre três cate gorias de boditchita. Chamamos a primeira de “atitude do pastor”, pois nossa motivação é a de seguir aqueles que guiamos à ilumina ção, assim como um pastor que segue atrás do seu rebanho depois de fazê-lo passar po r uma porteira. Chamamos a segunda de “atitu de do barqueiro”. Ao cruzar um rio, o barqueiro chega à margem oposta ao mesmo tempo que seus passageiros. Do mesmo modo, você e todos os demais seres caminham juntos para a iluminação. Em termos realistas, porém, a fim de libertar os demais seres dos ciclos da existência, você precisa, primeiro, libertar a si próprio. Da mesma forma que um rei primeiro assume o trono e então governa o reino com sabedoria, em sua prática você aspira alcançar o estado búdico para se torn ar capaz de libertar os outros seres do samsara. Isso é conhecido como a “atitude do rei”. Nós cultivamos uma ou
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outra dessas formas de boditchita para nos contrapormos ao apego ao eu em seus vários graus, pois esse é o maior de todos os impedi me ntos à iluminação. O desejo de alcançar a iluminação para nós e para todos os seres é chamado de “boditchita da aspiração”. Embora seja essen cial à nossa prática, ela por si só não nos levará à nossa meta. A boditchita da aspiração é como olharmos para o vasto oceano do samsara e querermos chegar à margem oposta, levando também os outros seres. Se não dispusermos de um barco e de um meio para impulsionar esse barco, por mais forte que seja a nossa aspiração, não cruzaremos o oceano. Precisamos também nos engajar de forma ativa — temos que, de fato, ingressar no caminho da prática. Damos o nome de “bodi tchita da ação” ao uso amplo de métodos que reduzem e purificam a negatividade dos pensamentos e ações e que estimulam qualida des positivas. Para que possamos chegar ao estado búdico levando também os outro s seres, deve-se ter o rec onhecimen to da verdadeira natureza da mente. Esse é o caminho do bodisatva. Um método para incorporarmos a boditchita a todos os aspec tos da nossa vida é a prática das “seis perfeições” ou (em sânscrito) paramitas: a generosidade, a disciplina moral, a paciência, a diligên
cia, a concentração e o conhecimento transcendente. A generosidade afrouxa nosso apego às coisas às quais nos prendemos. Há a generosidade material de compartilhar comida, roupa e dem ais ben s tangíveis; a generosidade espiritual de conferir ensinamentos espirituais e proporcionar proteção contra o medo e abrigo àqueles que sentem medo; e a generosidade do esforço, em que damo s livremen te nosso tem po e energia, bem como nossa fala, para com partilhar, ensinar, aconselhar e expressar amor e bondade em benefício dos outros. Toda a boa fortu na que desfrutamos atu al mente é fruto de nossa generosidade passada, com a qual podemos agora nos regozijar, compartilhando-a com os outros.
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Na prática da disciplina moral, examinamos continuamente a nossa motivação para ter certeza de que estamos usando o corpo, a fala e a mente com habilidade, não apenas nos abstendo de causar o mal, mas tamb ém proporciona ndo ajuda. Além disso, empenham o-nos em criar condições que nos permitirão produzir o maior grau de benefício — aprendendo o que precisamos aprender, reunindo os recursos necessários e assim por diante. Por fim, mantemo-nos incansáveis em nossa disciplina. Existem três tipos de paciência: ter tolerância frente às amea ças ou à injúria dos outros, aceitar as dificuldades da prática espiri tual e se relacionar destem idam ente com a profun da implicação da verdadeira natureza da realidade. Praticamos a paciência ao nos empenharmos, sem trégua, em beneficiar os outros, independentemente da reação ou da atitude deles em relação a nós. Também cultivamos a paciência como an tídoto para agressividade, raiva e ódio. Um provérbio budista diz: “Para um mal como a raiva, não há prática como a paciência . Ela contribui para nossa paz de espírito e, em termos últimos, para a consecução da iluminação. Sempre que uma pessoa ou grupo cria problemas para os ou tros, em vez de reagir à agressão com raiva, devemos nos recordar de que todos os seres já foram nossas mães e nos dedicaram grande bondade; por ignorância, eles não compreendem essa ligaçao, tam pouco se dão conta de que estão plantando as sementes do seu sofri mento. Ao não respon der na mesma moeda, beneficiamos todas as partes, pois a nossa tolerância dissipa a agressão muito rapidamente, e deixamos de criar mais problemas. Quando Buda Shakiamuni estava sentado sob a árvore
bodhi
em Bodh Gaya, índia, as forças de Mara, a corporificação de tudo aquilo que nos p rende ao samsara, em uma última tentativa de derrotá-lo e impedi-lo de chegar à iluminação, reuniram uma gran de legião de demônios. Esse exército demoníaco atacou Buda; mas,
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devido à força da paciênci a, do a mor e da compaixão, que brotavam naturalm ente da sua real ização, as armas dos op onen tes se transfor maram em flores. A diligência implica em nos prepararmos para uma tarefa e a iniciarmos, vestindo a perseverança semelhante a uma armadura para chegarmos até o final, sem nunca retroceder. Desenvolvemos na° só qualidades positivas, mas também meios para beneficiar os outros. Por exemplo, alguém pode ter, em abundância, amor, bon dade e a intenção de ajudar as pessoas doentes, mas isso requer, primeiramente, anos de estudo e prática. Praticamos a diligência para alcançar a nossa meta: a felicidade temporária e a definitiva de todos os seres. Se não for possível dar um passo adiante, pelo menos não devemos andar para trás. Lentamente, passo a passo, mesmo um jumento pode dar uma volta ao mundo. Desenvolvemos a concentração ou a estabilidade meditativa pelo treinam en to da mente. O term o tibetano para essa perfeição é samten, sendo
que
contemplar, e
ten
sam significa “pensar”,
usar a mente racional para
significa “estável” ou “firme”. A mente descansa
unidirecionalmente, ou sobre uma ideia ou na sabedoria natural. Um determinado tipo de estabilidade meditativa propõe que pensemos ou nos foquemos em um a única ideia, sem distração, de modo que a mente não vagueie por outras idéias, mesmo que pa ralelas. As palavras que transmitem os conceitos apontam para um significado mais profundo. Uma outra forma de estabilidade meditativa é deixar a mente cair na tur alm en te e m seu estado fu ndamental, sem estar obscurecida p or pensam entos dos três tem pos — passado, presente e futuro. Ainda um outro tipo, mais profundo, é imbuído da sexta per feição, o conh ecime nto transcend ente, que atua como um selo apli cado ao estado sereno do calmo permanecer. Conhecimento transcendente significa o conhecimento da verdade que está além dos conceitos comuns, da dualidade sujeito
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-objeto e das experiências temporárias de bem-aventurança, clareza e estabilidade. Além disso, não há nada a ser conhecido; além disso, não há meta alguma. As cinco primeiras das seis perfeições funcionam em um con texto de relação sujeito-objeto. No caso da generosidade, por exem plo, falamos do sujeito, a pessoa que dá; do objeto, a pessoa a quem algo é dado; e do ato de dar. O sujeito, o objeto e a ação que se passa entre eles são de chamados de “as três esferas”. A crença na solidez das três esferas constitui o campo da ver dade relativa. A realidade possui dois aspectos: realidade última ou verdade absoluta — as coisas tal como são em si mesmas — e reali dade relativa ou verdade relativa — as coisas tal como parecem ser no nível convencional. O termo tibetano para verdade relativa é composto de kun, que significa “tudo ’ ou “m u ito s, e dzob, aquilo que não é verdadeiro”. Portan to, kundzob denota a manifestação de inumeráveis fenômenos que parecem ser algo que, de fato, não são. Como crianças corre ndo atrás de um arco-íris, tratam os as ma nifestações oníricas das aparências como se fossem substanciais e palpáveis. EntretantOy(nada nessas aparências é permanente. Uma montanha não é permanente; pode ser levada pela água, aplainada por máquinas ou destruída por explosões. Ela não é singular; é com posta de terra, rocha e cascalho. Não é livre; é afetada todo o tempo. Da mesma maneira, nosso corpo não é permanente; muda cons tantemente e, algum dia, não existirá mais. Não é singular, mas um composto de ossos, nervos, músculos, sangue e carne. Nem é livre; as influências externas podem afetá-lo. Examinando os pensamentos, da mesma maneira, concluiremos que eles não são permanentes, singulares ou livres. De fato, isso se aplica a todas as coisas da nossa realidade comum. As aparências fenomênicas são ilusórias. Perdidos no labirinto de nossa experiência devido ao hábito e treinamento, a maioria de nós acredita que eles são verdadeiros, da mesma forma que acredita-
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mos que os acontecimentos em um sonho são verdadeiros. Em nos so envolvimento total com a realidade comum, investimos as coisas de uma verdade e permanência que elas não possuem. Quando o fazemos, as circunstâncias to mam-se mais complexas, e o sofrimen to, mais profundo. Estamos presos no samsara, como moscas em um mata-moscas, incapazes de descobrir nossa verd adeira natureza, a fonte da realização. Consideramos as aparências como sendo verdadeiras porque, no contex to de nossa experiência, que é como um sonho, elas assim o parecem. O fogo, ainda que não seja permanente, singular ou li vre, pode queimar a nossa carne. Neste sentido, nossa experiência relativa é verdadeira. Ao mesmo tempo, a natureza última da ex periência permanece imutável e absolutamente pura — vacuidade, tal como a experiência do sonho da noite é vacuidade. No sonho da noite as coisas parecem acontecer, mas, quando acordamos, per cebemos que nada verdadeiramente aconteceu. Essa é a verdadeira natureza d e tod o o samsara. Quando superamos a suposição de que os fenômenos são per manentes, singulares e livres de infl uências externas, nossa delusão se desgasta, e a essência da experiência — a sabedoria pura — res plandece. O verniz do falso pressuposto torna-se progressivamente mais fino, a té que se fende, e po demos encontrar d iretam ente nossa verdadeira natureza. O grande Shantideva da índia budista afirmou que a verdade última não pertence à esfera da mente comum. A mente comum lida com a realidade convencional, ao passo que a realidade última permanece livre e além de qualquer elaboração conceituai — não podemos dizer que as coisas existem nem que elas não existem, que elas são ou não são. A medida que ouvimos os ensinamentos, contemplamos e me ditamos, nossa compreensão intelectual gradativamente se transfor ma em um conhecimento mais profundo, em uma experi ência direta
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e, por fim, na consumação estável da nossa natureza última. Então descobrimos, como afirma uma famosa oração tibetana,que a veidade absoluta não é “algo” que existe, pois mesmo Buda não consegue vê-la. Entretanto, não podemos negar a realidade relativa, dizendo que nada existe em absoluto, pois como iríamos explicar todo o samsara e o nirvana — a exibição incessante das aparências fenomênicas? Não há contradição ao afirmarmos que a natureza fundamental das coisas é imutável, embora, no nível relativo, ela se apresente como uma manifestação efêmera e mutável. Assim como em um sonho, apesar de se manifestarem, os fenômenos não existem em termos úl timos. Por isso dizemos que os fenômenos são "vazios. A natureza vazia das nossas experiências, a natureza sem nas cimento nem morte, 11a qual nada jamais veio nem foi, a natuieza além dos extremos da existência e da não existência, é inseparável da exibição incessante das aparências manifestas. A natureza efetiva da nossa experiência relativa é a verdade absoluta. O reconhecimento da inseparabilidade entre a verdade absoluta e a verdade relativa é o que chamamos de “visão”. Quando trazemos a visão para a prática das cinco primeiras perfeições, transcendemos seu significado comum. Se em um sonh o no tur no damo s um a maçã a um pedinte, na verdade não há maçã alguma, pedinte algum. Quando a generosi dade é imbuída de sabedoria — o reconhecimento da verdadeira natureza das três esferas — ela se transforma na perfeição da gene rosidade. Saber, quando agimos para beneficiar uma pessoa, que aquela ação é vazia de existência intrínseca, e ainda assim agir, é a essência da prática das seis perfeições e do caminho do bodisatva. O ato de trazer benefício e o esforço para acumular virtudes resultam na “acumulação de mérito”. Para criarmos benefícios na experiência relativa do sonho, trabalhamos com a dualidade da mente usando meios hábeis, tais como as cinco primeiras das seis perfeições, em um contexto conceituai.
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A prática sem esforço — manter a sabedoria em um contexto nã o conceitua i
cham amos de “acum ulação de sabedoria”. Aqui,
“sabedoria” refere-se ao reconhecimento não conceituai da verda deira natu reza das três esferas. Não caímos no extremo de afirm ar que tudo existe como apa rece, nem vamos para o outro extremo, de negar que coisa alguma esteja acontecendo. Visto que a base da nossa experiência inclui tanto a verdade absoluta quanto a verdade relativa, ambas as acumulações são es senciais para nossa prática; ambas são indispensáveis para alcançar a iluminação. O caminho do bodisatva é a união, ou a inseparabilidade, das duas acumulações, a de mérito e a de sabedoria. Praticamos mantendo a visão em meio às atividades da vida cotidiana, agindo com meios hábeis, no nível convencional, sem nunca perder a consciência da natureza essencial da nossa ativida de. Essa consciência é o aspecto último da boditchita, enquanto a aspiração compassiva de beneficiar os seres é o aspecto relativo. A prática das duas acumulações leva à consumação dos dois
kayas: o aspecto da mente iluminada que não tem forma,
dhar-
makaya; e a expressão dessa realização última para benefício dos outros seres, o kaya da forma, ou rupakaya. Assim, a base da nos sa experiência é a união das duas verdades, e o nosso caminho, a união das duas acumulações, o que conduz ao fruto: a união dos dois kayas, o aspecto do ser iluminado dotado de forma e o aspecto desprovido de forma. O m érito q ue criamos po r meio da nossa prática pode ser dedi cado em benefício de todo s os seres. Se você estivesse em uma casa às escuras, a luz de uma lampa rina p ode ria ilu mina r todo um aposen to, e todos os que estivessem nesse aposento seriam beneficiados. Quando todo o óleo tivesse sido consumido, a luz se apagaria. Alguém que adicionasse óleo à lamparina prolongaria a duração da luz, e todos se beneficiariam.
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De modo similar, todo aquele que cria virtu des e as dedica em prol de todos os seres ajuda o mérito coletivo a d urar mais tempo . Shantideva afirmou que, da mesma forma que uma montan ha de grama seca do tam anho do Monte Meru pode ser reduzida a cin zas por um a única fagulha, o m érito acumulado ao longo de eras, e que não tenh a sido dedicado, pode ser destru ído po r um único ins tante de raiva. Se praticamos a virtude com a motivação boditchit a e dedicamos o mérito para benefício de todos os seres, esse mérito não pode ser destruído. Para aumentar o poder da nossa dedicação, podemos pedir em oração que ela seja igual a de todos os budas e bodisatvas, que sempre dedicaram e sempre dedicarão suas virtudes para benefício dos outros seres. Para voltarmos a mente em direção ao altruísmo, precisamos contemplar a boditchita vez após vez, tal como fazemos com os quatro pensamentos. Contemple a compaixão, imaginando-se no lugar de um outro ser, vivenciando o sofrimento dele e, em segui da, deixe a mente repousar. Restabeleça seu compromisso de fazer tudo o que puder para aliviar o sofrimento dos seres e ajudá-los a encontrar liberação, a acordar do sonho de sofrimento. Ore para que, pelas bênçãos de todas as fontes de refúgio, suas aspirações se jam preenchidas. A seguir, contemple a equanimidade, a igualdade do sofrimento de todos os seres — aqueles que sofrem no momen to e aqueles que sofrerão quando seu carma negativo amadurecer. Contemple a bondade que todos eles já lhe devotaram, a bondade de uma mãe. Então deixe a mente relaxar, restabeleça seu compro misso, reze, e assim por diante. Se você fizer isso ao longo de todo o dia, voltando-se por bre ves espaços de tempo para cada uma dessas etapas de meditação, sua mente irá mudar. A experiência samsárica é como estar preso dentro de um saco. Cada vez que você traz a mente de volta para a meditação, você faz um pequeno furo no saco. Se fizer isso muitas vezes, ele vai começar a rasgar, até que. por fim, você conseguirá se
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libertar. Quando trazemos motivação pura para tudo aquilo que fazemos, todas as atividades se torn am parte da nossa prática. PERGUNTA: Para que a nossa compaixão seja eficaz, não devería mos nos engajar no mundo e fazer alguma coisa, como ajudar os sem-teto? RES POSTA
:É
bom querer ajudar por meios específicos, mas você precisa tomar cuidado, porque os venenos da mente podem ma cular suas ações. Por exemplo, você pode pensar: “Se eu ajudar os sem-teto, q uer diz er que sou um a boa pessoa”. Ou você poderia sen tir: “Eu sou um pouco melhor que os sem-teto, porque estou pro vendo ajuda para eles”. Ou você poderia dizer a si mesmo: “E me lhor eu ajud ar os sem-teto para que nin guém pense que eu deixo as pessoas dormirem na rua”. Se um homem morder sua mão quando você lhe de r um pedaço de pão e você se enraivecer, ou se ele sorrir e você ficar conten te, sua ação estará maculada por orgulho, apego ou aversão. Esses venenos podem operar de um modo muito sutil. Este éTalvez um ponto que ajudar muitas mil pessoas ficamtalvez presas. vocêem possa pessoas, até dez mil, mas pode ser que elas venham a odiá-lo por isso; ou talvez seu empenho não crie nada de bom, e elas continuem tão infelizes quanto antes, sem que o fato de dormirem em uma cama dê mais liberdade do que dormir em uma calçada. Isso não quer dizer que devemos ser apáticos. No momento, devemos fazer tu do o que está a nosso alcance para aliviar o sofri men to dos outros. Ao mesmo tempo , porém, precis amos expa ndir a esfera da nossa motivação, tratando das necessidades últimas de todos os seres. É importante não sermos míopes, focando-nos na condição humana, excluindo os demais reinos. O sofrimento dos sem-teto, apesar de terrível, não é tão grande quanto o dos seres no reino dos infernos. As necessidades imediatas são diferentes
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das necessidades ultimas. Não podemos ser ingênuos quanto a isso. Antes que possamos ser verdadeira me nte eficazes em nossa ajuda aos outros, precisamos desenvolver e fortalecer nossas qua lidades positivas. Então não vamos responder à raiva com raiva, e sim com compaixão. Para salvar alguém que está se afogando, precisamos saber nadar. Caso contrário, em bora a nossa intenção seja a de ajudar, apenas morreremos afogados também. Em suma, temos que praticar a meditação porque ela nos dará a capacidade de fazer muito mais pelos outros. Chegará um mo mento em que poderemos ajudá-los tanto em um nível imediato quanto em um nível último. Não devemos pensar: “Não tenho tempo para meditar porque tenho que trabalhar no albergue dos pobres”. Temos que fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Temos que experim entar na pele o que é sofrer, para podermos enten der o que é o sofrim ento dos outros. Caso contrário, traba lhar para o bem do próximo fica muito teórico. Se o seu filho tivesse caído dentro de um poço fundo e corresse um grande perigo, você faria tudo o que estivesse a seu alcance para tirá-lo dali. Ficaria com o coração na mão até que pudesse removê-lo para um lugar seguro. Você deveria sentir o mesmo em relação a todos os outros seres, que já foram seus filhos, que já foram seus pais. No entanto, a compaixão não é o suficiente. Se você pensa que vai ajudar as pessoas tirando-as do meio da rua e dando-lhes um leito, sua compreensão é limitada. Em vez disso, você precisa investigar a raiz do prob lema e enc ont rar um modo de proporcio nar benefícios tem po rár ios e definitiv os. Senão, você pode passar toda a vida tent an do aju dar as pessoas, sem ch egar a lugar algu m. Nem você nem as pessoas que te nto u aju dar encontrarão libera ção. Talvez você construa um “sonho” melhor para si e para os outros. Mas, depe nden do do que est iver presente na sua m ente ao agir, talvez nem isso você consiga. Se, no entanto, você tiver um coração puro, imbuído de moti-
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vação altruísta, abrangente e não maculada pelos ve nenos da men te, então mesmo a ação aparentemente mais insignificante poderá produzir grandes méritos — bem mais do que as ações que apenas externamente parecem virtuosas. A motivação determina a virtude ou a desvirtude produzida por um a determinada ação. Quando você dá alguma coisa, por exemplo, o mérito que colhe não tem tanto a ver com o que você está oferecendo, e sim com a sua motivação. Se você oferecer seu bem mais valioso por razões egoístas, o benefício será muito peque no. Mas, se oferecer algo muito pequeno com motivação pura, o mérito será enorme. Havia, uma vez, um grande meditador que praticava diligente mente, dia e noite, em retiro. Um dia, sabendo que o p atrono de seu retiro viria visitá-lo, ele limpou cuidadosamente seu altar, as tigelas de água e a sala de meditação. Quando se sentou, ele se perguntou: “Por que eu fiz isto? Minha motivação não foi pura”. Então ele le vantou e jogou cinzas sobre o altar e por toda a sala. A honest idade certamente é u ma virtude, e é importan te dizer a verdade, mas você deve fazer isso com a motivação correta. Você está dizendo a verdade por que você acha que está certo, ou p or que vê que dizer a verdade irá beneficiar uma situação? Se você está dizen do a verdade somente para prov ar o seu po nto de vista, estará simplesmente agindo motivado pelo orgulho. Imagine um a situação na qual u m home m com aparência de sesperada p assa por você corren do e entra p or um a porta. Pou cos minuto s depois, aparece alguém correndo em pu nha ndo um a faca e pergunta: “Aonde ele foi?” Você denunciaria a pessoa ou diria não ter visto ninguém? Um bodisatva, nessa situação, optaria por mentir e estaria inteiramente preparado para arcar com as conse qüências. O bodisatva não iria querer que a pessoa fosse morta, nem que o assassino viesse a incorrer no carma negativo de ma tar. O que pode parecer um ato desvirtuoso pode ser, na verdade,
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virtuoso, se feito pela razão correta. Pode parecer desvirtuoso ou vergonhoso bater em um filho. Porém, se uma surra for o único meio de impedi-lo de fazer algo nocivo, então, na realidade, ela será muito benéfica. PERGUNTA: Se pensarmos sempre nos outros, como cuidaremos de nós mesmos? RESPOSTA: A melhor maneira de cuidarmos de nós mesmos é cui dar dos outros. O mérito criado p or viver de forma altruísta to ma-se a causa de nossa felicidade. Um homem que vivia nos tempos de Buda estava cheio de pro blemas em seus relacionamentos, sua família e finanças. As coisas estavam indo tão mal que ele decidiu procurar Buda e perguntar o que fazer. Em sua viagem encontrou uma cobra, que lhe perguntou aon de ia. O homem respondeu que ia procurar Buda para pedir ajuda. Ao que a cobra respondeu: — Também preciso de ajuda. Durante a noite, é muito fácil sair de minha toca, mas de dia é muito difícil voltar para dentro. Será que você pode perguntar a Buda que problema é esse? O homem anuiu e continu ou seu caminho. Depois de certo tempo, passou por um pássaro que cantava em uma árvore. Este lhe perguntou aond e ia, e o homem deu a mesma resposta de antes. O pássaro disse: — Será que você também poderia fazer uma pergunta por mim? Quan do pouso nesta árvore, meu canto é lindo. Mas, quando pouso em outras, não é. Estou curioso para saber o porquê. Será que poderia perguntar a Buda? O homem anuiu e seguiu seu caminho. Sentiu um grande compromisso em relação aos dois animais e guardou as perguntas em seu coração.
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Finalmente, encontrou Buda e fez as perguntas dos animais. Buda respondeu: — Durante a noite, nada incomoda a cobra, mas, durante o dia, muitos insetos aborrecem, que adifícil faz ficar enraivecida. Quando sente raiva, seua corpo incha oe fica voltar para sua toca. Diga a ela para praticar a paciência e assim não terá mais problemas. Quanto ao pássaro, é um vaso de ouro repleto de joias, escondido embaixo da árvore, que faz com que ele cante tão graciosamente. Agradecido, o homem voltou para casa. Em seu caminho, disse ao pássaro e à cobra o que Buda havia dito, mas quando chegou em casa, percebeu que não havia feito suas próprias perguntas. A mente dele estava tão focada nos dois animais que ele esqueceu por com pleto os próprios problemas. Em seguida, ocorreu-lhe que, como a cobra, ele tinha um pro blema com a raiva. Precisava praticar a paciência, exatamente como Buda instruíra a cobra. Também percebeu que, se pedisse ao pás saro apenas uma das joias enterradas embaixo da árvore, poderia resolver seus problem as financeiros. Po r focar-se e servir atendendo às necessidades dos outros em detrimento das suas, ele também se beneficiou. Se desejamos felicidade, sempre devemos nos focar na neces sidade dos outros. Se, em vez disso, preferirmos causar sofrimento, deveríamos pens ar apenas em nós. PERGUNTA: Às vezes, me esforço para fazer o melhor que consigo, mas sinto que minhas ações não produzem muito resultado. RESPOSTA: Há uma história sobre uma mulher que foi visitar um belo templo em Lhasa para prestar homenagem a uma está tua sagrada de Buda, considerada abençoada pelo próprio Buda. Como era muito pobre, a mulher nada mais possuía além de um pouco de sopa de nabo. Ela disse à estátua de Buda: 'Bern, talvez
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você não goste de sopa de nabo, mas isto é tudo o que tenho, e é isto que ofereço”. E mais ou menos assim conosco. Pode ser que não gostemos do que temos a oferecer, mas se fazemos o melhor possível, isso é tudo o que podemos fazer. Novamente, o que conta é a motivação. Havia uma vez um ho mem que gerava grande virtu de criando
satsas,pequenas
esculturas
ou figuras moldadas que simboliz am a mente iluminada . Certo dia, esse homem colocou cuidadosamente uma dessas esculturas à beira de uma estrada e partiu. Um outro homem apareceu, viu que a chuva estava batendo sobre a satsas e pensou: “Que triste, vai se estragar”. A única coisa que pôde encontrar para servir de proteção foi a sola de um sapa to que havia sido jogado fora. Então, colocou-a sobre a escultura e partiu. Um terceiro homem apareceu, viu a sola de sapato sobre a satsas e pensou: “Isto é terrível. Alguém sem nenhum respeito pôs uma sola de sapato em cima desta imagem da mente iluminada”. Então ele jogou fora a sola de sapato. A intenção de cada um desses homens foi igualmente virtuosa, e a ação de cada um deles contribuiu para que um dia tivessem rea lização da mente iluminad a. PERGUNTA: A mesma ação, em diferentes circunstâncias, pode produzir graus diferentes de mérito? RESPOSTA: Depende de quem seja alvo da sua ação. Por exemplo, se você for generoso para com uma pessoa pobre que passa fome, ou uma pessoa que esteja desesperada, aquele ato produz mérito signi ficativamente maior do que o mesmo gesto dirigido a uma pessoa comum. Isso porque a gratidão e regozijo de uma pessoa necessita da são bem maiores. Há mais mérito em se fazer uma oferenda a
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um praticante espiritual do que a um não praticante, em razão da dedicação de mérito que o praticante faz. A mesma oferenda dada a um praticante dotado de grande realização produzirá ainda mais mérito, devido ao p oder de realização que aco mpan ha a dedicação de mérito para todos aqueles com quem o praticante tem conexão, assim também como para todos os seres. A diferença entre ter uma motivação pura ou não é como a diferença entre viajar a pé ou ir de avião a jato. As ações virtuosas e a prática espiritual baseada na boditchita criam milhões de vezes mais virt ude do que os atos sem esta motivação. Elas criam o maior dos benefícios e asseguram a iluminação. Isso é verdade n a vida coti diana e tam bém na nossa prática formal. Não deve mos nos apressar nas liturgias, recitando descuidadamente os votos de refúgio e bodi tchita, pensan do que precisamos entr ar na prática principa l. Ter um bom coração é o ponto-chave. Não importa o quanto você aprenda, o quanto você pratique, se não tiver um bom coração, você não vai longe. O benefício será apenas temporário. PERGUNTA: O Senhor poderia falar mais sobre a experiência de nos conectarm os com nossa verdadei ra natureza? RESPOSTA: Não adianta muito falar sobre isso. É melhor simples mente pôr de lado nossa esperança e medo, repousar a mente e deixar que a experiência daquilo que está além dos conceitos venha à ton a. Não é um estado de amortecim ento ou sonolência, nem u m estado de coma. Buda disse que a nossa verdadeira natureza simplesmente é; não há palavras para descrevê-la. Se você tiver palavras para explicá-la, você estará recorrendo a conceitos e a terá perdido. A verdade é tão próxim a e, no ent anto , não a reconhecemos. Como o cavalo que nunca saíra da cocheira, nossa verdadeira natu reza não está em outro lugar; acontece apenas que nossos con-
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ceitos e os venenos da mente nos impedem de reconhecê-la. À me dida em que eles são purificados, podemos, simples e diretamente, ter consciência da nossa natureza tal como ela e'. Uma pessoa que nunca tivesse experimentado açúcar poderia perguntar a uma outra como ele é. A resposta provavelmente seria: É muito doce”. Mas o que é “doce”? Não há, na realidade, como explicar você mesmo tem que provar. Da mesma forma, a expe riência direta da nossa verdadeira natureza não pode ser explicada com palavras. PERGUNTA: Há um cavalo no porão ou vários? RESPOSTA: Eu diria vários, porque é mais próximo da verdade. Se houvesse apenas um cavalo e apenas uma pessoa o possuísse, isso implicaria que as outras pessoas não o teriam. No entanto, todos os seres possuem natureza búdica. Mas, se uma pessoa consegue realização plena da sua verdadeira natureza, as demais não ficam iluminadas. De igual modo, um ser pode ter uma experiência de estar em um inferno, mas nem todos os seres a têm. Portanto, não podemos realmente dizer que seja apenas um. Mas, se pensarmos que há vários cavalos, começamos a ver diferenças, tal como cavalos grandes ou pequenos, cavalos com tantos palmos de altura, etc. No entanto, não há como medir a nossa natureza, porque a vacuidade não tem fronteiras. Nesse sentido, poderíamos dizer que estamos falando de um só cavalo. Todavia, em essência, você não pode dizer que haja apenas um cavalo, nem que haja diversos. Você fez uma pergunta em um nível relativo, e estou respondendo em um nível relativo. A verdade, po rém, está realmente além de “um ” ou de“muitos”. PERGUNTA: Contemplar o significado da vacuidade leva a mente a uma verdadeira experiência de vacuidade?
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RESPOSTA: Se os conceitos pudessem levar a mente à experiência da vacuidade, todos conheceriam a vacuidade, porque estão constante mente pensando. Portanto , por um lado, a resposta é não. Entretanto, o processo conceituai de contemplar, de repousar a mente, de trazer à tona a compaixão, de estabelecer o compromisso e de rezar purifi ca os obscurecimentos e cria mérito, levando-nos, dessa forma, para mais perto de uma genuína realização da vacuidade. P ERGU NTA: O senhor citou tantos métodos diferentes.Como saber qual usar e quando? RESPOSTA: A perspectiva da nossa mente estreita cria paredes à nossa volta. As paredes desta sal a cria m uma separação que faz c om que o céu lá fora pareça di ferente d o espaço aqui dentro. No en tan to, basicamente, não há diferença entre eles. De igual modo, não há, fundamentalmente, diferença entre a verdadeira natureza do nosso corpo, fala e mente e o corpo, fala e mente dos seres ilumina dos. Essa natu reza última , com o o céu, não teve nascim ento e nem cessará um dia. Como dissolvemos essas paredes? Primeiro, olhamos para o sofrim ento dos outros, geramos compaixã o e deixamos a me nte re pousar. A seguir, imaginamos trocar as nossas próprias venturas pelas desventuras dos outros. Novamente deixamos a mente repousar. Logo que começamos a praticar meditação, contemplamos os quatro pensamentos. Lentamente incorporamos à prática uma consciência da qu alidade ilusória da s nossas experiências, o que traz a compaixão p or aqueles que n ão tê m essa compreensão. À medida que a nossa visão e a prática se aprofundam, começa mos a reconhecer a verdadeira natureza dessas aparências impermanentes. As muitas ondas que surgem não são diferentes do ma r; são o exibir do mar. Sem o mar não haveria ondas. Essa compreensão
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leva a uma mudança de perspectiva. Não é a experiência externa que se modifica, e sim a maneira como a vemos. É como usar óculos com grau diferente. Se estamos com febre, tomamos um remédio específico para eliminá-la. Se nossos apegos mundanos nos impedem de praticar com diligência, contemplamos o sofrimento samsárico e a impermanência, leconhecendo a qualidade ilusória da nossa vida munda na. Se o nosso foco está voltado para nossas necessidades e desejos egoístas, contemplamos o sofrimento dos outros seres e geramos compaixão. Para lidar com a dualidade da mente, deixamos a men te repousar. Assim, para cada um dos venenos ou problemas que surgem na mente, aplicamos um t ip o de meditação como antídoto. Por essa razão, Buda Shakiamuni nos deixou tantos métodos para transpassar as ilusões da mente. Não é necessário que cada um de nós pratique cada um deles, mas é preciso encontrar os métodos que funcionem para nós em cada estágio de nosso desenvolvimento espiritual. Pode haver centenas ou milhares de remédios em uma farmácia, mas cada pessoa toma apenas o que precisa. Não há um único remédio que consiga curar todas as doenças, nem um dado remédio será necessariamente eficaz durante todo o curso de uma doença. Depois de uma febre ter cedido, por exemplo, talvez a pes soa necessite de um novo remédio para eliminar as toxinas de seu organismo. O importante é reconhecer que estamos doentes e dar conti nuidade ao tratamento de forma diligente e cuidadosa. As mudan ças ocorrerão inevitavelmente.
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PARTE IV
INTRODUÇÃO AO VAJRAYANA
16. A REVELAÇ ÃO D A NATURE ZA FUNDAM
ENTAL
Os 84 mil m étodos ensinados po r Buda Shakiamu ni se enqua dram em três veículos principais. O primeiro, Hinayana, toma por base a compreensão de que o samsara é permeado de sofrimento e dificuldades e de que toda a felicidade que pode ser encontrada e impermanente. Quem o pratica toma a firme decisão de praticar a fim de encontrar uma felicidade que esteja além de qualquer so frimento. Com a aplicação dos métodos do Hinayana, 0 praticante desenvolve a capacidade de ir além dos ciclos de sofrimento, para uma experiência de alegria e de felicidade plenas. No Mahayana, o segundo veículo, encontramos, além dessa mesma compreensão do sofrimento, o ensinamento de que tudo — sofrimento e felicidade, desventura e ventura, tudo o que surge como a encenação do carma — é ilusório, é como um sonho, uma mira gem ou como o reflexo da lua sob re a água. Fundamental nes se veículo é a visão da inseparabilidade entre a verdade absoluta e a verdade relativa, e a aspiração de ajudarmos todos os seres — não apenas nós mesmos — a encontrar liberação. Reconhecendo a grande bondade que nos foi devotada por todos os seres, que em algu m mom ento foram nossas mães, aspiramos à iluminação a fim de ajudá-los a despertar para a verdade de sua natureza. Nao ape nas almejamos que isso aconteça, mas diligentemente aplicamos os métodos pelos quais a iluminação pode ser alcançada. Por meio da prática das seis perfeições, desenvolvemos a capacidade de ir alem
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do samsara e do nirvana, de encontrar liberação plena. Esse é o ca minho do bodisatva. O terceiro veículo de prática budista é chamado de Vajrayana. Aquilo que é vajra possui sete qualidades: não pode ser impedido pelos maras, que são os obstáculos à nossa iluminação, nem pode ser apreendido ou separado por conceitos; não pode ser destruído por conceitos que atribuem às aparências uma verdade que elas não possuem; é verdade pura, no sentido de que nada contém de errado; não é feito de substância que se agregou e que pode se desagregar; não é impermanente e, portanto, é estável e inamovível; não pode ser obstruído, pois permeia tudo; e é inconquistável, no sentido de que é mais profundo do que tu do o mais e, assim, destemido. Essas são as sete qualidades da nossa própria natureza, a verda deira natureza de nosso corpo, fala e mente. Para melhor entender essa natureza, podemos começar considerando que cada um de nós possui um corpo físico com o qual temos as experiências de céu e terra, amigos e inimigos, alegria e tristeza. Quando esse corpo se deita à noite para dormir, mesmo que não saia da cama, uma experiência totalmente diferente de corpo, céu, terra, amigos e inimigos aparece — o corpo do sonho, a fala do sonho e a mente do sonho. Quando acordamos, no dia seguinte, novamente temos as experiências do es tado de vigília de corpo, fala e mente, as quais consideramos reais. Por ocasião da morte, qu ando o corpo é deixado para trás e enterrad o ou cremado, temos uma outra experiência de corpo, fala e mente, a do estado intermediário entre o final desta vida e o começo da próxima, uma experiência até certo ponto semelhante à do sonho, porém mais difícil e amedrontadora. Então, uma vez mais, renascemos com um outro corpo, fala e mente. Se formos capazes de ter realização plena do caminho espiritual, com a iluminação alcançaremos o corpo-vajra, ou o corpo de sabedoria, a fala de sabedoria e a mente de sabedoria. Dessa maneira, há uma continuidade no princípio de corpo, de fala e de mente. Por um lado, se pensarmos que esse princípio é
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um a determinada “coisa”, se tenta rmos encontrá-lo, dete rminar seu tamanho ou formato, por mais inteligentes que formos, por mais poderosa a tecnologia que empregarmos, não encontraremos nada que possa ser apontado como sendo a natureza do corpo, da fala e da mente. Por outro lado, não podemos negar a nossa própria experiência. Essa natureza está além dos conceitos, além da medida da mente comum: é aquilo que chamamos de vacuidade. Ela não pode ser destruída, mudada nem interrompida — ela exibe as sete qualidades-vajra. Isso é vajra. Yana,que significa “veículo”, refere-se aos métodos pelos quais revelamos a natureza-vajra. A prática do Vajrayana abrange tanto o Hinayana quanto o Mahayana. Nesses caminhos dos sutras, ou escrituras budistas, pres tamos cuidadosa atenção a nossas ações externas — abandonando as prejudiciais e cultivando as benéficas — enquanto domamos a mente, desenvolvendo e fortalecendo suas qualidades interiores. A prática das quatro qualidades incomensuráveis, por exem plo, é muito im po rtante na tradição do Mahayana. No Vajrayana, igualmente, as pinturas de mandalas mostram quatro portas vol tadas para os quatro pontos cardeais, simbolizando as quatro qua lidades incomensuráveis; são as portas por onde acessamos a ver dade, a natureza absoluta da mente. Na direção leste fica a porta da compaixão; na direção sul, a porta do amor; na direção oeste, a do regozijo, e na direção norte, a da equanimidade. A mandala representa a manifestação da pureza intrínseca da mente. Quando os obscurecimentos são purificados, as qualidades puras da mente surgem sob a forma da mandala e sob a aparência da terra pura, da deida de e de to das as experiências puras. Além disso, dado que muitos obstáculos diferentes podem fa zer com que seja difícil mantermos o coração puro a que aspira mos, nós contemplamos os quatro pensamentos — o nascimento hu man o precioso, a im permanên cia, o carma e o sofrimento — que formam a base de toda prática budista.
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No caminho Vajrayana, apoiados na visão da natureza que está além dos extremos, praticamos ações virtuosas, ações nas quais nos abstemos de causar o mal. Embora nossa natureza intrínseca seja o corpo-vajra, a fala-vajra e a mente-vajra, não vivenciamos isso ago ra como sendo verdade. Para dissolver essa ignorância, ouvimos e contemplamos os ensinamentos do Vajrayana e então praticamos meditação com esforço e sem esforço. No início, a meditação sem es forço — simplesmente pe rmitir a mente re pousar em sua verdadeira natureza — é difícil para muitas pessoas; por outro lado, por meio da meditação com esforço, os obscurecimentos da mente são purifi cados, a ignorância é transfo rmada em conhecimento, e a meditação sem esforço desponta espontaneamente. Uma vez que tenhamos re conhecido a natureza da mente, a prática passa a ser a manutenção desse reconhecimento, compreendendo a inseparabilidade de forma e vacuidade como o corpo de sabedoria, o corpo da deidade; de som e vacuidade como a fala de sabedoria, a fala da deidade; e de pensa mento e vacuidade como a mente de sabedoria, a mente da deidade. Com essa visão e com os métodos do Vajrayana, somos capazes de revelar a pureza inerente à nossa natureza em um tempo relativa mente curto. Um outro nome do Vajrayana é o “ca minh o do m an tra secre to ”. Já que nossa nat ure za búdica perm anec e oculta a nós mesmos — como seres não iluminados, não estamos cientes dela — refe ri mo-nos a ela com o “autossecreta”. P or ou tro lado, o cam inho Vajrayana, embora extremamente potente e eficaz, por sua pró pria natureza, é um processo delicado e, por isso, não é ensinado amplamente. Mantemos uma certa privacidade, preservando a qualidade muito pessoal de trabalharmos com um professor do Vajrayana e dele receb ermo s a transmis são dir eta . Por essa razão, os ensinamen tos mais profund os e mais detalhad os req uerem um compromi sso pessoal daquele que bu sca o trei na men to por meio da prática do Vajrayana.
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O termo “mantra”, em “caminho do mantra secreto”, denota algo que velozmente proporciona proteção e abrigo. Por meio da aplicação hábil dos métodos do Vajrayana, protegemo-nos da con fusão e do carm a negativo gerado po r esta, pod endo assim alcançar a iluminação em uma única vida. Na tradição do Vajrayana, precisamos primeiro receber uma iniciação para amadurecer a mente e criar receptividade aos ensi namentos e à prática. Sem a iniciação, não estamos autorizados a ou vir os ensinam entos nem a praticar, pois nosso emp enho não será frutífero, será como moer areia para obter óleo. Recebemos a iniciação básica de um lama que dete nha a linha gem da prática. Ela não pode ser dada unicamente por meio de pa lavras e substâncias, pois da mesma forma que apenas um rei tem o poder necessário para entronizar seu sucessor, apenas um lama que detenha a linhagem e tenha consumado a prática pode iniciar uma outra pessoa. Pela força da meditação, da recitação de mantras e do uso simbó lico de substâncias, somos iniciados ta nto nas práticas do estágio do desenvolvimento e da consumação, quanto no reconhe cimento do corpo, da fala e da mente da deidade, que não é outra que a nossa própria natureza absoluta. Depois de termos recebido essa iniciação básica do lama, re cebemos a iniciação do caminho por meio de nossa prática diária; e com a prática purificamos continuamente os obscurecimentos e fortalecemos as qualidades puras da mente, a fim de desenvolver e sustentar a visão à qual fomos apresentados na iniciação básica. Simplesmente receber a iniciação não é o suficiente. A essência, o coração da iniciação, é o samaya, ou o compromisso de sustentar nossa prática diária e honrar os votos que tomamos. Se quebrarmos os compromissos, experimentaremos circunstâncias não auspicio sas nesta vida e grandes dificuldades em vidas futuras. No entanto, ao mantermos o samaya, encontraremos rapidamente a liberação. A base do ser é a essência da mente, a natureza búdica. Todos
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os seres, quer grandes ou pequenos, têm essa natureza fundamental, essa pureza essencial. Como o ouro incrustado no minério, a ver dade da nossa natureza, embora seja uma pureza sem princípio ou fim, não é óbvia para nós, mas pode ser revelada por meio da práti ca, da mesma forma que o refinamento revela o ouro que existe de forma inerente no minério. Essa essência, desde o tempo sem princípio, é completamen te isenta de substância, vazia. Mesmo que tentemos encontrar ca racterísticas para definir e entender a vacuidade, ela não pode ser concebida por conceitos comuns. Dessa forma ela é desprovida de sinais ou características. Tudo o que precisamos é manter o reconhe cimen to da nossa natu reza fund amenta l, para que o fr uto — as qua lidades plenas, a realização completa dessa pureza inerente — seja revelado. Visto que o que é revelado não está fora dessa natureza fundamental, não precisa ser desejado. Não há nada para almejar externamente para que a revelação aconteça; ela está, portanto, além do desejo ou da aspiração. Pelo fato de não reconhece rmos essa nature za — não nos dar mos conta de que, embora as aparências surjam incessantemente, nada, na verdade, está presente — emprestamos solidez e realidade à verdade aparente do “eu”, do “outro” e das “ações” que ocorrem entre “eu” e “outro”. Esse obscurecimento intelectual é a srcem do apego e da aversão, seguidos de ações e reações que criam carma, que solidificam-se em hábitos e perpetuam os ciclos de sofrimento. Esse processo todo é que precisa ser purificado. Na primeira das três etapas sucessivas de ensinamentos, cha mada O Primeiro Giro da Roda do Darma, Buda ensinou as quatro nobres verdades: a do sofrimento, a da srcem do sofrimento, a do caminho pelo qual ele é erradicado e a da cessação do sofrimento. No Segundo Giro da Roda do Darma, ele ensinou que a verdadeira natureza de todos os fenômenos é vazia, desprovida de sinais e de características e está além da aspiração: a natureza fundamental é a
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vacuidade, o cam inho é isento de sinais e o fru to está além da asp i ração. No Terceiro Gi ro da Roda do Darm a, ele falou das qualidades da natureza da mente que são plenas, infalíveis e resplandecentes, falou da aparência da luminosidade da sabedoria. A tradição do Vajrayana ensina a inseparabilidade, desde o tempo sem princípio, da natu reza n ão nascida e absoluta da mente, que está além das palavras, e das qualidades puras da luminosidade da sabedoria. Pura, imutável, não composta e onipresente — essa é a natureza da nossa própria mente. No Vajrayana, somos apresenta dos a essas qualidades da mente-vajra. Todas as aparências surgem como a exibição da energia dinâ mica da nossa natu reza fu nda mental. As experiências pod em surgir de dois modos. As experiências impuras dos três reinos do samsara são o reflexo do não reconhecimento da nossa natureza fundamen tal. Embora possamos ente nder que a nossa naturez a seja pu ra, essa não é a nossa experiência comum. Nós não vemos, sentimos, nem pensamos sobre as coisas de modo puro. Quando começamos a nos dedicar ao caminho espiritual, a pesquisar e investigar, a ouvir os ensinamentos, repetidamente contemplando e meditando sobre eles, começamos a experimentar um misto de percepções puras e impuras. Por meio da prática espiritual, podemos purificar nossos obscurecimentos e alcançar o fruto. Nossa natureza fundamental, intrinsecamente pura, torna-se completamente aparente como um corpo puro de sabedoria, a plena revelação da nossa natureza de sabedoria, como manifestação de aparências puras. Por que não é essa a nossa experiência no presente? Todas as aparências c om uns dos elementos — terra , fogo, água, vento e espa ço — são, em essência, puras. Mas, da mesma forma que uma pes soa com icterícia vê uma montanha nevada como sendo amarela, devido aos nossos obscurecimentos, não vemos as coisas de forma pura. Essa percepção im pura tornou-se um hábito profundamen te entranhado. Por meio da prática espiritual, nossa falta de reco-
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nhecimento pode ser purificada e então, como alguém curado de icterícia que consegue ve r a cor branca de um a m on tan ha nevada, nós, como todos os budas, veremos as manifestações de pureza tal como são: a mandala incomensurável da deidade. Tudo sempre foi dessa maneira, desde o tempo sem princípio. Não é algo a ser cria do, e sim a cintilação das qualidades inerentes da nossa natureza fundamental. A pureza da nossa natureza, imutável ao longo dos três tempos — passado, presente e futuro —, encontra-se agora obscurecida, como o sol encoberto pelas nuvens. Como resultado do carma — a infalível lei de causa e efeito — e como reflexo das negatividades da mente surgem infindáveis aparências de meio ambiente e de corpos. Por meio das práticas de visualização do estágio do desenvol vimento do Vajrayana, exercitamos o reconhecimento da natureza e das qualidades puras do meio ambiente como sendo a terra pura, e da natureza e das qualidades puras do corpo, da fala e da mente como sendo o corpo, a fala e a mente da deidade. Isso purifica os obscurecimentos mentais que criam os reflexos mais grosseiros da falta de reconhecimento — os três reinos da experiência e as três portas que são o corpo, a fala e a mente —, transformando o nosso hábito de perceber de modo c om um. Por meio do estágio da consumação, purificamos os obscure cimentos mais sutis. Dissolvemos a visualização na vacuidade e re pousamos sem esforço no reconhecimento da natureza intrínseca da mente. No Vajrayana, reconhecemos que todas as aparências fenomênicas possíveis do samsara e do nirvana, desde o tempo sem princípio, são iguais, sem separação nem distinção, dentro de sua natureza búdica com pleta me nte pura. P arti nd o dessa perspectiva ou visão, aplicamos m étod o e sabedoria, p ráticas do estágio do de senvolvimento e da consumação; como remédios utilizados para tra tar u ma doença, e las purifi cam o hábit o de nos apegarmos a es-
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ses reflexos temporários das nossas ilusões e enganos como sendo sólidos e revelam nossa pureza intrínseca. Com a aplicação repe tida desses métodos, temos a realização plena do fruto: como nu vens qu e são sopradas para longe e revelam o céu imutável, nossos obscurecimentos se desfazem, e a pureza primordial, sem começo, é revelada. Nossa natureza fundamental é compreendida como a inseparabilidade dos três kayas. As qualidades plenas e resplandecentes do dharmakaya aparecem como o sambhogakayapara os bodisatvas de
décimo nível e como o nirmanakaya para os seres comuns, criando incessantes benefícios. Dado que a nossa naturez a é a pureza sem pri ncípio, dharmata, para manifestá-la, não precisamos adicionar nem tirar nada dessa natureza, não precisamos incrementá-la nem diminuí-la. Ao invés disso, usando os métodos que compõem o caminho, simplesmente a revelamos tal como ela é. Então a falta de compreensão dessa na tureza, os hábitos com uns e as delusões da nos sa mente, que se refle tem na experiência samsárica impura que chamamos de realidade, desfazem-se completamente na natureza absoluta. No Vajrayana, o caminho não é concebido como algo com o qual começamos e ao qual acrescentamos certas causas e condições para chegarmos a algo diferente. Utilizamos a sabedoria intrínseca que percebe a nature za fundamental para revelar essa natureza como o fruto do caminho. Nós simplesmente removemos os obscureci mentos temporários que impedem sua plena consumação. Ao con tem plar e meditar repetidas vezes sobre esse entend imento, torna-se fácil atingir a realização quando nos apoiamos no Vajrayana. A tradição d o Vajrayana reún e métodos de prática externos, in ternos e secretos. Quando fazemos práticas externas com deidades, o que, de fato, é a deidade? Em essência, a verdade absoluta da nossa própria mente e de todas as experiências é a deidade absoluta. A dei dade não é algo que inventamos, e sim manifestação espontânea da
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verdade absoluta, a exibição não de algo comum, mas da sabedoria. Essa é a mandala da boditchita. A
natureza de todos os seres e de todos os fenômenos é dhar-
mata. Dentro da natureza absoluta não há distinção nem separação entre eu e outro. Tudo tem um só sabor. Todos os fenômenos surgem indissociados da natureza absoluta e nela estão contidos. Nenhuma de nossas experiências — nem os elementos, nem os fenômenos, nem sequer um única molécula — está além da natureza absoluta, espaço básico. A natureza absoluta é verdadeira e tudo permeia. Se não reconhecemos essa natureza, vivencíamos todos os fe nômenos e nós mesmos como diferentes da deidade. Por exemplo, visto que a natureza vazia permeia totalmente o sonho da noite, não há, na realidade, qualquer separação entre nós e aterra, o céu, a água. Quando acordamos, vemos que todas as experiências inces santes que surgiram durante o sonho foram apenas a exibição da mente — vazias, porém manifestas. No entanto, se não reconhece mos que estamos sonhando, tudo parece ser, em si mesmo, verda deiro e independente. De modo semelhante, da perspectiva da mente comum, perce bemos diferenças entre o corpo do dia e o da noite, entre nós e os outros, entre alguém que nos ajuda e alguém que nos cria dificul dades. No entanto, no nível da verdade absoluta, ninguém nunca veio nem vai. Tudo é a exibição da mente. Se não reconhecemos a natureza das nossas experiências, se não reconhecemos a deida de absoluta, vivenciamos nós mesmos como sep arados da deidade; essa falta de reconhecimento nos torna prisioneiros do carma e do obscurecimento. Se tivermos realização da nossa natureza como sendo a deidade, todos os limites — como paredes no espaço — se dissolvem, e teremos a realização do corpo-vajra. Ao conhecermos e mantermos o reconh ecimento da nossa natureza absoluta, seremos capazes de revelar nossa natureza como sendo a deidade e de ter a plena realização dessa revelação.
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Quando alcançamos a realização do dharmakaya, obtemos benefícios para nós mesmos, sendo que a capacidade incessante de beneficiar os outros surge como o kaya da forma. Os seres são beneficiados de forma incomensurável pelas qualidades de grande conhec imento, amor, bondade e energia espir itual e també m pela força da grande sabedoria e pelas preces e aspirações que são acu mulad as n o cam inho da iluminação. Es sas manifestações para be nefício dos seres surgem como a aparência das deidades pacíficas e iradas, acom panh adas de seus séquitos — por exemplo, a forma pa cífica de M anjush ri com o aspecto irado de Yamantaka, ou a forma pacífica de Vajrasatva com o aspecto irado de Vajrakumara. Nessas manifestações de sabedoria pura da natureza absoluta da mente, surge o cor po — a for ma e a cor da dei dade; a fal a — o m an tra da deidade; e a grande mente — a inseparabilidade de vacuidade e com paixão. A deidade é um a fon te infalível de benef ícios capaz de co nd uzir os seres do samsar a à iluminação. Por vivermos presos aos nossos obscurecimentos e não com preendermos nossa natureza como sendo igual à da deidade, exer citamos esse reconhecimento, criando a visualização e recitando o mantra da deidade, fazendo oferendas e orações. Desse modo, rece bemos as bênçãos daqueles que alcançaram a iluminação. Essa é a prática da deidade externa. Na categoria das práticas da deidade interna, visualizamos den tro do nosso próprio corpo, que toma a forma da deidade, o canal central, puro e sutil, dentro do qual se movimenta o vento da sabe doria ou a energia sutil, e que contém as esferas de sabedoria ainda mais sutis, cham adas bindu (tigle, em tibetano). Embora a nossa experiência impura do corpo, da fala e da mente convencionais surja como uma manifestação do vento cármico, a m andala d a deidade se conserva den tro dos canais do no sso corpo sutil. Por meio da visualização dessa mandala, do trabalho com o
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movimento dos ventos sutis e da recitação de mantras, revelamos a nossa natureza como a deidade, revelamos a boditchita que está além dos extremos, a grande felicidade imutável que reside no co ração. Na prática da deidade secreta, reconhecemos que todo o samsara e o nirvana sempre foram iguais dentro do espaço básico, que está além dos extremos e que não há nada que possa ser melhorado ou piorado; que a natureza pura da nossa mente sempre foi a sabedoria espontânea não nascida. Com essa compreensão, não há necessida de de colocarmos nossas esperanças em uma deidade externa, nem de fazermos esforço. Por meio do método budista mais profundo, chamado de "Grande Perfeição”, alcançamos liberação sem esforço, espontaneamente, apenas permanecendo neste estado de reconhe cimento da natureza absoluta na qual tudo está contido, da qual todos os fenômenos surgem de f orma indissociada, como o oceano e suas ondas, ou como o sol e seus raios. Por que há tantos caminhos diferentes? Em primeiro lugar, Buda ensinou muitos métodos. Além disso, diferentes lamas têm diferentes tipos de de capacidade experiênciae,e por de conhecimento; os métodos alunos têm graus variados isso, necessitam dife rentes. Alguns sentem ligação maior com as práticas da deidade ex terna, outros com as práticas da deidade interna e, ainda outros, com o nível secreto da prática. Pode parecer muito fácil simplesmente reconhecer a deidade, nossa essência btídica, e permanecer nesse estado de reconhecimen to. Na realidade, porém, pelo fato de estarmos tão afundados em esperança e medo, apego e aversão, isso é muito difícil. Temos uma infinidade de conceitos e hábitos e, quando muitas experiências dife rentes se apresentam, é muito difícil mantermos o reconhecimento da sua natureza. É por isso que, quando começamos as práticas no Vajrayana, focamo-nos na criação e na dissolução da visualização; de pois trabalhamos com as práticas e iogas internas e, gradativamente.
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ingressamos no estágio da consumação isento de esforço e nas práti cas da Grande Perfeição. Os ensinamentos do Darma de Buda são como um jardim transbordante de flores com muitos matizes e formatos. Não é ne cessário escolher apenas um método , nem é necessário que u ma só pessoa tente aplicar todos eles. Uma pessoa raivosa pode trabalhar sua raiva e negatividade usando os métodos irados encontrados no veículo da Mahayoga. Nessa prática, visualizamos as manifestações iradas de sabedoria esmagando as corporificações da negatividade, soltando faíscas e brandindo armas. Aqueles que são destruídos não são seres exter nos, mas nossos próprios venenos, nossos verdadeiros inimigos e demônios. O apego ao eu é encarnado por Rudra, um ser muito poderoso, o “dono” do samsara, que é reprimido por seres que per sonificam a sabedoria. Em todas essas imagens iradas, assi stimos ao desenrolar de uma guerra interna: a sabedoria liberando a raiva, o apego e a ignorância. Se você manifesta desejo muito intenso, em vez de abandoná-lo, pode fazer dele seu caminho, trabalhando com os canais e ventos do corpo sutil, bem como com as fontes de calor e de prazer internos. As imagens de deidades representadas em união com suas consortes não representam o desejo comum , nem o relacionamento homem -m ulh er convencional, e sim a inseparabilidade de vacuidade e gran de êxtase. No nível de un ião interna, os canais sutis do cor po são masculinos, e as energias sutis são femininas; o calor interno é fem inino, e o êxtase intern o, masculino. A uniã o dos dois produz uma felicidade que não é comum, e sim inexaurível. Por meio do trabalho com o desejo, os praticantes de Anuyoga experimentam o grande êxtase, realizando de forma última a inseparabilidade de êxtase e vacuidade. Po r meio dessa prática, purificam carma, acumu lam mérito e revelam sabedoria. Os cam inhos de Mahayoga e Anuyoga exigem esforço, diligên-
cia e consistência. Aqueles cujo veneno predominante da mente é a ignorância e que são preguiçosos praticam um terceiro caminho, a Grande Perfeição, ou Atiyoga. Nesse caminho, repousamos sem esforço no reconhecimento sutil da natureza da mente. Ele é cha mado o caminho do esforço sem esforço. Todos os ensinamentos e níveis de prática que levam até à Grande Perfeição trabalham com conceitos, inteligência e esforço comuns. Na Grande Perfeição, porém, a sabedoria é, ela própria, o caminho. Os praticantes da Grande Perfeição utilizam o método da deidade absoluta, a própria sabedoria intrínseca. Todos esses três caminhos purificam obscurecimentos. Qual deles vamos usar é algo que dependerá do veneno que predomina em nossa mente: esta será a por ta para a prática que está mais pró xima de nós. O caminho que for o mais forte e mais familiar para nós passa a ser o meio pelo qual removemos todos os obscureci mentos da mente. Por meio dos vários métodos do caminho Vajrayana, trazemos três elementos para a prática: a purificação dos obscurecimentos, o amadurecimento mentetemos e o fortalecimento suas qualidades positivas. Por essesdameios, condições de de rapidamente purifi car a experiência samsárica e alcançar o fruto que está além do samsara e do nirvana: os três kayas, nossa natureza fundamental na qual tudo está incluído. Por meio desses métodos, a sabedoria não nasce em nós — seria mais exato dizer que ela se torna óbvia, apoiando e amadurecendo nossa prática. PERGUNTA: Tenho bastante dificuldade em aceitar grande parte do que está sendo falado. O senhor poderia dizer algo que me aju dasse? Estou certo de que não sou a única pessoa que sente isso. RESPOSTA: É compreensível que alguns dos ensinamentos do Vajrayana, a princípio, sejam de difícil aceitação.
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Eu só fui ver um relógio quando tinha 24 anos de idade. Um amigo meu, um outro lama, comprou uma maquininha nova de um comerciante esperto por um preço exorbitante. O comerciante disse: — O extraordinário desse relógio é que a pessoa que o usa sabe exatamente quando irá morrer. Você está vendo esses ponteiros se mexendo? Eles dizem exatamente quanto tempo de vida lhe resta. O lama nunca tinha visto um relógio antes, de modo que pa gou o preço. Mais tarde ele me disse: — Sabe de uma coisa, parece que é mesmo verdade. Você vê essas coisinhas d ando voltas? Acho que elas, devagarinho, estão a n dan doComo em direçã à minh morte. é queoele ou eua poderíamos saber? Que motivos tínha mos nós para crer ou para descrer? Eu fiquei um pouco cético, mas pensei que talvez fosse verdade. Mais tarde, qu ando ouvi falar do telefone pela primeira vez, de pessoas conversando entre si, separadas por quilômetros e quilôme tros de montanhas e rios, eu disse: — Isso é impossível! Ninguém consegue fazer isso! Uma pessoa pode dar um grito que cruza uma longa distância, mas ninguém pode ouvir uma outra pessoa a centenas de quilômetros de distância. Pensei que fosse tolice. Chegou o dia, porém, em que eu encon trei o telefone. Então, um amigo disse a um grupo nosso: — Existe uma caixa pequena onde você olha e vê gente dan çando, falando e se movimentando. É igualzinho à vida real! Você deveria ter visto os nossos olhos! Eu poderia garantir que aquilo era mentira. Mas tudo isso é verdade. Existem, de fato, essas caixas onde você pode ver essas coisas. E você, realmente, pode falar com pessoas a quilômetros e quilômetros de distância. As pessoas têm o hábito de acreditar naquilo que lhes é fami liar e de se recusarem a acreditar naquilo que é novo. Muitas pes-
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soas no Ocidente duvidam que haja existências passadas e futuras simplesmente porque não têm conhecimento pessoal delas. Não se lembram de já ter morrido e renascko e, por esse motivo, dizem que isso não pode acontecer. A opiníio delas é baseada em ignorância, tanto quanto a opinião firme de alguém que acredite que a televisão não possa existir. A maneira mais produtiva de ou\ir os ensinamentos é manter a mente aberta e suspender os julgamentos. A prática espiritual remove camadas de obscur ecimento c ad : vez mais sutis. Quan to mais praticarmos, mais teremos realização direta, por meio de nossa própria experiência, daquilo que é verdadeiro e possível. PERGUNTA: O senhor está dizendo qu: o samsara é a terra pura e a terra pura, o samsara? Os dois são a rrusma coisa? RESPOSTA: Sim e não. Tomando o gelo como analogia, você pode dizer que gelo é água; a natureza essendal do gelo não é diferente da água. No entanto, o gelo tem características próprias; sendo sólido, sua aparência difere da água. De igual no do , em bora o samsara não seja, em última análise, diferente de u i reino de experiência pura, ele tem suas próprias características. Se lão removemos os enganos e ilusões da mente, enxergamos apenas essas características. Em geral, percebemos os fenômenos de forma usual, convencional. Nós os vemos de maneira impura — sempre nospren dendo ao lado negativo, sempre nos focando no que há de errado. O nosso hábito é simplesmente esse. Por meio das práticas do Vijrayana, reconhecemos que a verdadeira natureza do samsara é a terr a pura, a experiência pura. Não estamos fingindo que uma coisa sfja aquilo que não é. Apenas que a vemos como realmente é — e é Dor isso que praticamos. Ao mantermos o reconhecimento da nosa verdadeira natureza, nós aumentamos o calor e eliminamo s o fio ; então, as aparências relativas, que temos a impressão de serem iólidas, retomam sua forma
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natural, como o gelo que derrete. Em essência, nunca somos nada que não a deidade, e o nosso meio ambiente não é nada que não a terra pura. No entanto, não per ceberemos isso enq uan to permane cermos sujeitos ao frio das ilusões e enganos da mente. Se a verdadeira natureza do samsara fosse inteiramente ób via para nós, estaríamos iluminados — não precisaríamos praticar. Somente quando nossos obscuredmentos temporários são remo vidos por meio da prática é que a nossa natureza fundamental é revelada. PERGUNTA: Existe algum truque para se manter a visão pura? RESPOSTA: Estamos desde sempre habituados a ver as coisas de forma comum. Portanto, em um certo sentido, não há artifícios. Simplesmente precisamos aplicar os métodos do Vajrayana com di ligência e consistência. Se pudéssemos manter o reconhecimento claro de nossa verdadeira natureza, experimentaríamos a realidade como um a terra pura. Mesmo que tentássemos, não enco ntraríamos nada comum. Tendo conseguido alguma purificação por meio de nossa prática espiritual, agora temos uma visão “mista”. Desfrutamos a percepção clara em um momento, mas, no próximo, nossos obscurecimentos criam uma forte negatividade. Se conhecermos nossa percepção impura e compreendermos o benefício da visão pura, fi caremos motivados para praticar e assim mudar nossa visão. Certa vez havia uma mulher cujo filho comerciante lhe pro metera trazer de uma de suas viagens uma relíquia do corpo de Buda. Ao retornar da índia, ele percebeu que tinha esquecido a promessa. Encontrando um dente de cachorro na beira da estrada, embrulhou-o em seda e deu para a mãe, dizendo-lhe que era um dos dentes de Buda. Com grande devoção ela o colocou em seu altar e dia e noite, pelo resto de sua vida, rezou para o dente de cachorro com profunda fé. fazendo prostrações, oferendas e lou-
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vores. Depois de um tempo, surgiram espontaneamente relíquias do dente e apareceram arco-íris. Claro que isso foi decorrente do poder das bênçãos de Buda e da fé e visão pura da mãe, e não do dente do cachorro! PERGUNTA: Como é que ficamos mergulhados em tanta confusão? A nossa natureza fundamental sempre esteve obscurecida? RESPOSTA: O problema básico é a falta de reconhecimento da nossa verdadeira natureza. Todos os ensinamentos nos dizem isso. Assim como alguém que está firmemente preso por uma corda pode ser solto ao ser desfeito o nó que foi amarrado por último, depois o anterior e assim por diante, à medida que você pratica, desenvolve uma compreensão mais profu nda, receb e ensinam ento s mais profundos, tais como os da Grande Perfeição, e chega mais perto de compreender a origem do problema. PERGUNTA: Por que os mantras são considerados tão poderosos? RESPOSTA: O termo sânscrito mantra (ngag em tibetano) significa “digno de louvor”, pois a sua repetição nos possibilita alcançar nos sas metas fácil e rapidamente. A eficácia dos mantras deve-se a quatro fatores: primeiro, a própria natureza ou essência deles, ou seja, a natureza da realidade em si, pois eles nunca se afastam da vacuidade, dharmakaya; segun do, à sua natureza inerente no nível fenomênico da realidade — eles se compõem de sons e sílabas que brotaram espontaneamente da equanimidade e da compaixão de budas e bodisatvas, de deten tores da sabedoria intrínseca e de praticantes espirituais avançados; terceiro, às bênçãos decorrentes do fato d e seres realizados os terem consagrado com sua motivação pura, preces de aspiração e sua reali zação da inseparabilidade da deidade e do mantra; e quarto, à ener-
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gia e ao poder dos mantras: aqueles que os recitam repetidamente com atenção unidirecional e com fé purificam o carma e os obscurecimentos, recebem bênçãos e alcançam realização espiritual. PERGUNTA: Qual é a diferença entre as deidades às quais recorre mos em nossa prática e os seres do reino dos deuses? RESPOSTA: Em tibetano, a mesma palavra é empregada para am bos: lha. Entretanto, os deuses e deusas da existência cíclica e as deidades nas quais meditamos são tão diferentes entre si quanto o ouro e o latão. As deidades da meditação são um reflexo da ver dadeira natureza da mente manifestando-se sob diferentes formas para benefício dos seres. Os deuses e deusas são seres que, por causa de seu carma positivo e mérito, tiveram um renascimento elevado no reino do desejo ou nos reinos da forma e da ausência de forma — formas de existência samsárica mais sutis e refinadas. Embora o carm a positivo possa sust entar algu ns seres do reino do s deuses por eras inteir as em um estado de bem-aven turança — e é possível que esses deuses possam c ria r alg um benefício a curto prazo em outros reinos — chega um ponto em que a energia desse carma positivo acaba, e outros padrões cármicos predominantes impelem esses se res para um renascimento inferior. PERGUNTA: Quando visualizo, sin to uma energia. É apenas mi nha imaginação, ou estou, verdadeirame nte, sentind o algo? RESPOSTA: Quando visualizamos, mesclamos a nossa mente com as qualidades ilu mina das da deidade, o que nos ajuda a traz er à tona as mesm as qualidades inere ntes dentro de nós. Dessa forma, recebe mos as bênçãos da deidade. Você sente energia, no sentido de que alguma coisa está acontecendo em sua mente. Essa é uma das razões pela qual fazemos prática de visualização.
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PERGUNTA: Para mimé difícil visualizar. Nunca vi uma deidade; não consigo me relacionar com deidades. Por que não posso visua lizar cachoeiras ou um jardim como exemplo de pureza — algo que eu possa ver, algo que representa parte de minha experiência? RESPOSTA: Há um a razão para nos apoiarmos na deidade. As dei dades são a manifestação das qualidades puras da mente ilumina da, como a sabedoria, a compaixão e a bondade. Visualizar uma corporificação de tais qualidades tem um impacto muito ma ior na mente do que visualizar algo vir.do de nossa experiência comum. A prática de visualização é efetiva porque é baseada na verda de, e não em uma simulação. Não é como burros fingindo que são cavalos. Nossa verdadeira natureza, e a de todos os seres, é a pureza ilimitada, corporifícada na deidade. A natureza absoluta de todos os elementos é a vacuidade, mas no nível relativo suas qualidades não são as mesmas. A natureza da água e do fogo é a vacuidade. Mas não podemos queimar algo com água ou lavar com fogo. Uma vasta exibição de qualidades e capaci dades distintas surgem da vacuidade. Em essência, uma cachoeira e a deidade são a mesma coisa, mas. no nível relativo, o benefício que resulta de visualizá-las é m uito di:èrente. PERGUNTA: Por meio da prática de visualização, veremos, real mente, a deidade? RESPOSTA: As três portas — corpo, fala e mente — são, inerente mente, os três vajras: o corpo-vajra, a fala-vajra e a mente-vajra — o corpo, a fala e a mente da deidade. A prática do estágio do desen volvimento, na qual visualizamos nosso corpo, fala e mente como sendo a deidade, purifica o hábito comum da mente de conceber as aparências como sólidas e reais. Quando removemos as impurezas que criam a percepção da diferença entre nós mesmos e a deidade,
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o limite fictício gradativamente se dissolve. Assim, a mandala, a mo rada da deidade, que é a exibição pura da verdadeira natureza da realidade, torna-se aparente. PERGUNTA: Dependendo da deidade na qual focaram a sua práti ca, os praticantes experimentarão diferentes resultados ou tipos de realização? RESPOSTA: Cada deidade é a expressão diferente do que é essen cialm ente a mesma natureza — a sabedoria intrínseca , como a eletricidade, que, apesar de ser sempre a mesma, pode ser usada de diferentes criar calor, combustão. essência de todas asmaneiras: deidades épara a mesma sabedoluz riaouintrínseca, mas,Aem razão das necessidades diferentes e das inclinações individuais dos prati cantes, elas surgem em várias formas — com diferentes cores, postu ras, expressões, implementos e adornos — e manifestam diferentes formas de atividades — pacificadoras, incrementadoras, magnetizadoras e iradas. PERGUNTA: É importante a posição em que nós sentamos quando vamos meditar? RESPOSTA: As práticas, tanto do estágio do desenvolvimento quanto do estágio da consumação, são apoiadas por uma postura corporal correta. Quando a coluna vertebral está reta, os canais sutis do corpo estão retos, e as energias sutis podem se movimen ta r sem im ped ime nto. Isso ajuda a deixar a mente clara e a imp e de de ficar pulando para objetos externos ou internos da nossa atenção, em vez de repousar na sabedoria intrínseca. Ao nos sen tarmos em uma postura correta, criamos virtude e purificamos os obscuredmentos do corpo. A recitação de mantras e preces purifica a fala desvirtuosa e incrementa as qualidades puras da
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fala. Pela contemplação e demais métodos relativos, assim como pela manutenção do reconhecimento da nossa natureza absoluta, purificamos os obscurecimentos da mente e fortalecemos nossas qualidades de sabedoria. Se empregarmos as três portas — o cor po, a fala e a mente — simultaneamente, enquanto ouvimos os ensinamentos e fazemos prática, iremos rapidamente purificar o carma e acumular ta nto mérito quanto sabed oria. PERGUNTA: Existem tantas coisas pan se aprender, compreender e contemplar no budismo Vajrayana. Por que ele é assim tão com plicado? RESPOSTA: Precisamos de um método complicado que possa ser vir de antídoto para nossa mente complicada, cheia de conceitos e dúvidas. Em outras palavras, precisamos de um remédio tão com plicado quanto a nossa doença. Com os métodos do Vajrayana, cor tamos nossos hábitos, purificamos obscurecimentos e acumulamos mérito, tudo ao mesmo tempo. A prática que você fará depende de como quer trilhar o ca minho espiritual. Se você mora na Califórnia e quer ir para Nova Iorque, uma bicicleta é capaz de transportá-lo. Ela é simples de fazer, simples de dirigir e simples de consertar. Mas, se você quiser ir mais depressa, poderá usar um automóvel. Ele é mais complicado de fa zer, de dirigir e de consertar, mas o leva a seu destino mais rápido. É claro que você pode também ir de avião, que é ainda mais compli cado fazer, de dirigir e de consertar, mas que o leva a seu destino muitodevelozmente. O caminho Vajrayana é complexo, tendo muitos métodos para a remoção de confusão, ilusões e enganos; é também chamado o caminho do raio, por ser tão veloz e direto. Se você percorrer esse caminho com diligência, poderá alcançar a iluminação no curso de uma só vida, ou em menos tempo.
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PERGUNTA: Precisamos aprender e praticar todos os métodos Vajrayana? RESPOSTA: Idealmente, você deve começar com as práticas preliminares, sob a orientação de u m lama qualificado, e seguir suas instruções a partir daí. Qualquer uma das práticas do Vajrayana, se feita de forma diligente, produzirá a iluminação. Você pode fazer uma única prática, desde que a faça perfeitamente. Também pode seguir um certo número de práticas. A decisão depende de seu objetivo. Se você deseja ajudar os outros usando esses métodos, precisa aprender o máximo possível; senão, poderá compartilhar apenas as poucas práticas que conhece com aqueles com quem tem uma forte conexão cármica. Se tiver aprendido e praticado o máximo possível, terá mais métodos à sua disposição. Um professor qualificado que detém todos os métodos e linhagens é como um tesouro. Ele pode responder qualquer pergunta feita pelos alunos, proporcionando um método a cada um, baseado nas necessidades destes. Se você não tem esse objetivo, mas pratica apenas um método do Vajrayana, você pode alcançar a iluminação. PERGUNTA: Tenho praticado há algum tempo, mas acho muito difícil tran sfo rm ar m in ha m ente. Às vezes fico desanimado. RESPOSTA: Nossos hábitos foram reforçados em muitas vidas; assim, quando começamos a praticar, eles não se modificam de imediato. Para revelar a natureza da mente, que é o objetivo do Vajrayana, precisamos remover nossa ignorância. O antídoto para a ignorância é a sabedoria, que cultivamos ouvindo, contem plando e meditando sobre os ensinamentos. Com esses métodos, somos guiados habilmente pelo professor e, de nossa parte, precisamos habilmente seguir suas instruções. Nesse processo, nossos hábitos irão se modificar.
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Apesar de o Vajrayana ser um método muito rápido, de início nosso progresso pode parecer lento. Mas, se formos diligentes, gradativamente iremos dom ar e tre inar a mente, e a transformação se tor nará aparente. O simples fato de quanto tem a fazer mostra que já progrediu. Sevocê vocêperceber reconheceu que trabalho há um proble ma, procurou soluções e está aplicando métodos, isso é progresso. Às vezes, durante a meditação, sua mente pode parecer pior do que nunca. Mas isso não é verdade. Sua mente sempre foi assim você é que nunca percebeu. Estar consciente disso agora é o pri meiro passo na prática espiritual. Se não desistir e med itar de forma diligente, experimentará mudanças. Cada dia sua prática será diferente. Às vezes, você terá a impres são de que ela está funcionando; outras vezes, que absolutamente nada está acontecendo. Mas, se aplicar os métodos de forma consis tente, você superará os defeitos, e suas qualidades positivas se tor narão aparentes. Esses são sinais infalíveis de que a sua prática está progredindo. Quando começamos a praticar, parece que é como se estivés semos tentando remover uma montanha de carma negativo e de padrões de hábito com uma colher de chá; não sentimos que esta mos fazendo muito progresso. Mas no Tibete se diz que, com dili gência, pode-se até mover montanhas. Na verdade, quando usamos os métodos do Vajrayana, não estamos usando uma colher. Estamos nivelando a montanha com uma escavadeira.
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17 . A FÉ
Havia um a vez um velho pastor que a cada verão ia com a famí lia ao alto de u ma determ inada montanh a para criar seus carneiros e iaques. Muitas pessoas passavam pela tenda da família, e o pastor sem pre perguntava-lhes para on de se dirigiam. Invariavelmente lespondiam: “Vamos ver Dodrupchen Rinpoche e receber a transmis são direta dos três versos”. Em um verão, o velho decidiu q ue ele tam bém iria ver o lama. Perguntou a uma família que passava se poderia se juntar a ela, e as pessoas concordaram que fosse junto . Assim ele partiu , deixando para trás todos os seus carneiros e iaques. Quando chegaram à casa do lama, o velho, sem saber o que fazer e nada te nd o a pedir ao lama, dirigiu-se à cozinha, recebeu um pouco de comida e esperou por ali. Nesse ínterim, a família solici tou e recebeu do lama um ensinamento curto e em seguida partiu de volta para casa. O velho ficou naquele lugar por três anos, ajudando na cozi nha em troca de comida, tornando-se como que um membro da fa mília dos que ali trabalhavam. Dur ante todo esse tempo, ele nunca se encontrou com o lama. Um dia, os cozinheiros pediram ao velho que levasse chá ao lama. Pela primeira vez ele entrou na sala do mestre. Quando o lama o viu, exclamou:
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— Atsi! Atsi! Na ka ru rakshe treng ua dra shigyin! — que quer dizer: “Minha nossa! Minha nossa! Seu nariz é como uma semente de rudrakshal”. De fato, o nariz do velho era muito grande e rugoso. O velho pensou consigo: “Então é isso. Finalmente recebi do lama a trans missão dos três versos!” Ele retornou à sua aldeia, entoando dia e noite “Atsi! Atsi! Na ka ru rakshe treng ua dra shigyin ”, contando as recitações em seu rosá
rio. As pessoas da aldeia passaram a ter grande fé nele porque, afinal de contas, havia ficado com o lama por três anos. Elas imaginavam que ele, agora, seguramente deveria ter qualidades extraordinárias. Sempre que ficavam doentes, tin ham alguma dor ou inchação, iam encontrar-se com ele. O velho assoprava sobre a parte afetada, e elas saravam. Ele se torn ou bem famoso por toda a região. Certo dia, nasceu no pescoço de Dodrupchen Rinpoche um furún culo que cresceu ta nto que quase o sufocava. Muitos médicos tentaram tratá-lo, mas nada se mostrava eficaz. Uma pessoa que es tava de visita, vindo da região do velho,disse ao lama: — Um de seus alunos mora perto de nós. Ele pode curá-lo. — Quem é ele? — perguntou o lama. — Um velho que passou três anos com o senhor. — Não me lembro dele, mas diga-lhe que venha me ajudar. Imediatamente alguém foi enviado para buscar o velho. — Você tem de vir agora mesmo — disseram-lhe — o lama está precisando de ajuda. O velho disse: — O lama me deu a transmissão dos três versos. Eu vou tentar ajudá-lo. Antes que o velho chegasse, uma almofada muito bonita foi disposta para ele se sentar, um sinal de grande respeito. Assim que ele entrou no aposento, o lama viu o nariz e se lembrou do velho, pensando: “Como é que esse aí vai poder me curar?”
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Lentamente, com concentração unidirecional, o velho come çou a entoar “Atsi, atsi ...” O lama caiu na gargalhada, o ftirúnculo estourou, e ele sarou. Do ponto de vista do Vajrayana, a fé verdadeira e duradoura possui três elementos. O primeiro poderíamos denom inar “reverên cia, ou assombro espiritual”. Isso é o que experimentamos se senti mos uma inspiração natural quando ouvimos o Darma. Algo nele nos deixa arrepiados. Ou é o que sentimos quando encontramos um certo professor, entramos em um templo, vemos uma imagem de Buda ou ouvimos falar sobre a sua vida. Experimentamos um estado mental que é significativamente diferente dos nossos senti ment os com uns de p razer ou felicidade. Havia um grande estudioso h indu do xivaísmo, senhor d e um intele cto prodigioso, que de ixou m uitos tratados filosóficos. Em um dado momento, ele foi ao Himalaia e lá teve uma visão do deus in diano Shiva, que invocava Buda e o honrava. Isso lhe causou grande impressão. Mais tarde, veio a adotar a religião budista e escreveu uma das mais famosas preces que a tradição tibetana recebeu da índia, uma prece que exalta as virtudes da iluminação, tais como encarnadas por Buda Shakiamuni. Até essa experiência visionária, aquele homem douto não tinha fé alguma no budismo. Foi preciso algo mais profundo do que o intelecto. Não é possível convencer a nós nem a ninguém a ter esse tipo de fé. Possuí-la ou não independe da nossa sofisticação intelectual, e sim do nosso carma. Por isso, não podemos persuadir ninguém a acreditar nos ensinamentos budistas, a menos que exista alguma base cármica para se acreditar neles. Um dos aspectos do nascimen to hu man o precioso é contar com esse tipo de predisposição cármi ca para a fé e confiança no Darma. Embora esse primeiro elemento da fé não seja inabalável, ao menos nos inspira a examinar a experiência do sofrimento, as causas deste e com o estas pod em se r eliminadas; assi m com o tam -
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bém nos inspira a investigar a experiência da felicidade, as causas desta e como estas podem ser cultivadas, e a ansiar pela liberação. Quanto mais ouvimos e aplicamos os ensinamentos, mais eles ecoam nas nossas experiências, mais apreciamos sua verdade e so mos inspirados a investigar com maior profundidade, a enco ntrar um professor e a seguir o caminho espiritual. Esse é o segundo elemento da fé, a fé do anseio, do desejo de caminharmos em di reção à meta última. À medida que a mente vai se abrindo, os ensinamentos come çam a fazer mais sentido, e passamos a sentir uma conexão com a meditação. Temos que ter confiança suficiente para dar continui dade à prática e, quando ela começa a operar mudanças em nosso interior, essa confiança se aprofunda. A mente começa a relaxar, e passamos a ter fé e compromisso com um propósito que está além de uma realidade opressora e em constante mudança. Com essa fé, nosso entusiasmo cresce ainda mais. E, com mais prática, descobri mos uma diligência decidida, que não faz concessões. A prática reve la a verdade, e esta mais liberae os venenos da mente, livreso para experimentar mais sabedoria. Cada deixando-nos passo liga-se com próximo. Por fim, adquirimos uma confiança invencível. Não impoi ta o que aconteça conosco, não importa quais sejam as nossas dificuldades, uma fe inabalavel sustenta a nossa prática até que en contremos a liberdade plena: a iluminação. Esse é o terceiro aspecto da fé, a convicção de que compreendemos, de forma integral e pro funda, uma verdade infalível. O primeiro elemento da fé, a reverência, é algo mais ou me nos inato. Ou você sente ou não sente. Os dois últimos — o an seio e a convicção brotam da prática e podem ser aumentados conscientemente. Portanto, na tradição do Vajrayana, não se espera que tenhamos fé cega, nem isso é incentivado. A verdadeira fé surge quando ouvimos os ensinamentos, os aplicamos e assimilamos até experimentarmos uma verdade infalível.
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Hoje depositamos nossa fé no
samsara
— em todas as coisas do
m undo que vivenciamos por in term édi o dos nossos sentidos. Porém confiar nessas coisas, a longo prazo, não vai nos ajudar, porque são todas impermanentes. Confiamos em nosso corpo, por exemplo, mas u m dia ele vai morrer. D ependemos de condições externas, mas elas estão sempre mudando. Temos confiança em nossos amigos, mas esses podem se desencantar ou se distanciar. Só podemos confiar verdadeiram ente em nossa na tureza imutável. Imagine que você faça novos amigos que imediatamente pensem que você é a pessoa mais maravilhosa do mundo. Pode ser que esses amigos não durem mais do que uma semana . Ou, talvez, queiram algo de você, ou não sejam de fato seus amigos, apenas bons atores. Por o utro lado, pode ser que você faça amigos que não sejam tão fáceis de agradar de início. Eles não se desmancham por você, nem abrem o maior dos sorrisos quando o veem. Mas, lentamente, à medida que você os vai conhecendo, verifica que são sinceros e confiáveis. Ter fé no samsara é como confiar em uma amizade de cores vistosas, uma amizade que seja imediata, mas impermanente. Depositar fé na verdade última é confiar naquilo que, a princípio, não é óbvio; naquilo que, à primeira vista, pode parecer fugidio, impalpável ou inacessível. No entanto, a longo prazo, este é o objeto de confiança mais verdadeiro, mais sólido. O caminho espiritual não é fácil, pois nos força a desafiar e a confrontar praticamente tudo o que até então considerávamos verdadeiro ou real. Mas, se o seguirmos com constância, esse caminho se revelará um amigo supremamente confiável. PERGUNTA: Que conselho o senhor daria a alguém que não tem um a inclinação natural para a devo ção? RESPOSTA: Para completar uma tarefa, precisamos estar convencidos do q ue ela é útil e valiosa. Da mesm a forma, na prática espiritual,
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precisamos ter confiança no professore no valor dos ensinamentos. Podemos, de início, não ter muita fé edevoção, mas, se começarmos com essa confiança básica, poderemos prosseguir. Essa fé inicial é uma espécie de alegria, ou um sentimento bom em relação ao pro fessor e aos ensinamentos que nos leva a seguir essa conexão. Esse tipo de fé pode levar a uma segunda forma — um sen timento profundo de que a prática nos trará felicidade e aliviará nosso sofrimento. Realmente acreditamos que, por intermédio da prática, o lama tenha alcançado uma experiência pessoal, direta, do significado interno do Darma e dos rneios de transmiti-lo e que te nha também os métodos que nos permitirão viver pessoalmente essa experiência. Finalmente, surge uma convicção inabalável no lama e no ca minho quan do os benefícios da prática— um a brand amento de nos sas emoções aflitivas, carm a negativo e, consequentemente, de nosso sofrimento — se tornam mais aparentes. Aqueles que não têm uma inclinação natural à devoção com preenderão o valor do professor e dos ensinamentos na proporção de sua prática. A fé é o resultado da piática.
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18. A ORAÇÃO
Por que rezamos? Poderíamos pensar que, se rezarmos, Buda, Deus ou a deidade irão nos olh ar com benevolência, conceder bê nçãos, nos proteger. Poderíamos acreditar que, se não rezarmos, a deidade não irá gosta r de nós, pod endo até nos pu nir. Mas a finalidade da oração não é gan har a aprovação nem afastar a ira de um Deus exterior. À medida em que compreendemos Buda, Deus ou a deidade como sendo uma expressão da realidade última, nessa medida recebemos bênçãos quando rezamos. À medida em que temos fé nas qualidades ilimitadas de amor e de compaixão da deidade, nessa medida recebemos as bênçãos dessas qualidades. Às vezes projetamos características humanas em coisas que não são humanas. Por exemplo, se sentimentalmente pensarmos “Meu cachorro está m editando comigo”, estaremos apena s atrib uindo esse comportamento ao cachorro; imaginamos o que ele esteja fazendo. Quando emprestamos qualidades antropomórfícas a Deus, projetamos nossos próprios defeitos e limitações, imaginando que Deus também os tenha. Por essa razão, muitas pessoas acreditam que Deus gosta ou desgosta delas, dependendo de seu comportamento. “Não vou conseguir ter isso ou aquilo porque Deus não gosta de mim — eu esqueci de rezar”. Ou pior: “Se Deus não gosta de mim, vou acabar no inferno”.
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Se Deus ficasse alegre ou triste quando oferecêssemos ou deixás semos de oferecer orações, então Deus não seria isento de defeitos, não seria a encarnação de compaixão e de am or perfeitos. Qualquer manifestação da verdade absoluta, por sua própria natureza, não possui nem apego a nossas preces, nem aversão pela ausência delas. Esses atributos são projeções da nossa própria mente. Para compreender como a oração funciona, considere o sol, que brilha em todo lugar, sem hesitação nem impedimento. Como Deus ou Buda, ele continuamente irradia toda a sua força, calor e luz, sem distinção. Quando a terra gira, temos a impressão de que o sol não está mais brilhando. Mas isso nada tem a ver com o sol; é resultado de estarmos no lado sombreado da terra. Se moramos no fundo do poço escuro de uma mina, não é culpa do sol se sentimos frio. Ou, se vivemos na superfície da Terra, mas mantemos os olhos fechados, não é culpa do sol se não enxergamos a luz. As bênçãos do sol estão presentes em toda parte, quer estejamos abertos a elas, quer não. Por meio da oração, saímos do poço da mina, abrimos os olhos, tornamo-nos receptivos à presença iluminada — o amor e a compaixão onipresentes que existem para todos os seres. Mesmo que não estejamos familiarizados com a ideia de rezar a uma deidade, a maioria de nós sente a presença de algum princí pio ou verdade superior — alguma fonte de sabedoria, compaixão e poder, dotada da capacidade de trazer benefícios. Orar a esse princí pio superior será, sem dúvida, frutífera Todavia, é importante não se tei a mente limitada ao rezar. Talvez você queira rezar para ter um carro novo, mas como é que você sabe que um carro novo é o que você precisa? É preferível sim plesmente rezar por aquilo que seja o melhor, compreendendo que talvez você não saiba o que isso seja. Alguns anos atrás, uma mulher tibetana viajou de avião para o exterior. Quando o avião fez uma breve escala no caminho, ela saiu para andar um pouco. Não estan do familiarizada com o aeroporto, com a língua e com viagens in-
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ternacionais, não ouviu o aviso de partida e perdeu o voo. Naquele momento, isso provavelmente pareceu desastroso, mas, não muito tempo depois da decolagem, o avião que ela havia perdido caiu, matando a maioria dos passageiros. Rezamos por aquilo que seja o melhor, não só para nós, mas também para todos os seres. Logo que começamos a praticar, nossa autoimportância é muitas vezes tão forte que nossas preces ainda são muito egoístas e, em vez de transformarem nossa tendência de ficarmos centrados em nós mesmos, apenas a reforçam. Portanto, até que a nossa motivação se ligue mais a um coração puro, pode ser benéfico passar mais tempo cultivando o amor e a bondade do que rezando. Com a motivação adequada, a oração torna-se um componen te importante da prática, porque ajuda a remover obstáculos, cir cunstâncias contrapro ducen tes, desequilíbr ios nas energias sutis do corpo, confusão e ignorância na mente. Mesmo ao ouvir os ensina mentos é possível que, ao inte rpre tarm os o que ouvimos, estejamos acrescentando aos ensinamentos mais do que está sendo dito, ou ignorando certos aspectos deles. A mente é como um espelho. Embora nossa verdadeira na tureza seja a deidade, o que vivenciamos agora são os reflexos da mente comum. Inimigos, impedimentos, momentos não auspi ciosos — que parec em todo s es tar fora de nós — são, de fato, refle xos da nossa própria negatividade. Se você nunca tivesse visto sua imagem antes, ao olhar para um espelho, pensaria estar olhando por um a janela, enco ntran do alguém totalm ente independente de você, não reconhecendo a conexão. Se visse lá uma pessoa de aspecto horrível, com o rosto sujo e o c abelo desalinhad o, pod eria sentir aversão. Poderia mesmo tentar limpar a imagem, lavando o espel ho. Mas um espel ho, como a me nte, é um refletor — somen te m ostr a você a você mesmo. Somen te se pe nte ar o cabel o e lavar o rosto poderá mudar o que viu. Terá que mudar si próprio; não
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poderá mudar o espelho. A oração ajuda a purificar os hábitos da mente com um e da ignorância acer ca da nossa verdadei ra na tu reza como a deidade. Quando rezamos no contexto de práticas com deidades, às vezes visualizamos a deidade em pé ou sentada diante de nós, no espaço, como corporificação da perfeição, em contraposição a nós mesmos, que temos muitas falhas e obscurecimentos. Mas rezar a um a deidade não se trata de fazer súplicas a algo separado de nós. A finalidade de usarmos um método dualista, visualizando a deidade fora de nós, é eliminar a dualidade. Na oração, visualizamos a nossa pureza intrínseca refletida como a deidade, e as nossas qualidades positivas, como a forma, a cor e os implementos da deidade. Isso nos ajuda a lembrar daquilo que já existe na srcem: nossa natureza perfeita. Quando nos visualizamos como a deidade, aprof und amos a experiência da pureza que nos é inerente. Finalmente, no estágio da consumação da prática, quando a forma da deidade se desfaz, deixamos a mente repo usar sem es forço ou artifíci o em sua própria n atureza, a deidade última. Dessa forma, começamos com uma concepção inicial de pureza como algo externo e então a internalizamos para, por fim, transcendermos os conceitos de interno e externo. Essa consciência da natureza da deidade aumenta o poder, as bênçãos e os benefícios da nossa oração. Se a natureza da deidade é a vacuidade, você poderia se perguntar, por que então rezar? Parece haver uma contradição aqui. Como podemos dizer que, por um lado, a deidade não existe, que é apenas o reflexo da noss a pr ópria natureza int rínse ca e, po r outro, que devemos rezar a ela? Isso somente fará sentido se compreendermos a inseparabilidade de verdade absoluta e verdade relativa. No nível absoluto, nossa natureza é buda, nós somos a deidade. Mas, nã o cientes disso, ficamos presos à verdade relativa.
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A fim de darmos um salto até a compreensão da nossa natureza absoluta, temos que caminhar com nossos pés relativos por um caminho relativo. Visto que a verdade absoluta é tão fugidia para a nossa mente comum e linear, recorremos a um processo gradu al, de sutileza c rescent e, p ara tra ba lh ar com a dualidad e da mente até alcançarmos reconhecimento. A oração é um componente es sencial desse processo. PERGUNTA: Conheço uma criança cujo gatinho quebrou a perna. Ela rezou, pedindo ajuda à deidade Tara. De início o bichinho me lhorou, mas acabou morrendo, e a criança decidiu que não havia nen hum benefício em se fazer a prática de Tara. O qu an to é realista esperarm os que nossas preces ten ha m um efeito imediato? RESPOSTA: Para explicar de uma maneira que a criança possa en tender, podemos usar este exemplo: se você tem um carro que não está funcionando bem, você espera, sensatamente, que um mecâ nico habilidoso possa consertá-lo. Mas, se o carro estiver completa mente estragado, não pode ser consertado, por mais habilidoso que seja o mecânico. O que acontece com um ser vivo, seja humano ou gatinho, de pende do carma e também de circunstâncias incidentals envolvidas. Se o gatinho tem carma para sustentar seu corpo, viverá. Mas, se o carma para viver tiver chegado ao fim, não importa o número de orações, isso não pode ser modificado. Apesar das preces da criança não parecerem efetivas, isso não significa que a prática feita em be nefício do gatinho estava errada o u foi inútil; ben eficiará aquele ser em uma vida futura. As pessoas, às vezes, superam obstáculos imensos por meio de sua prática, mesmo nesta vida, qu an do se jun tam três fatores: a fé, o carma que permita que os obstáculos sejam superados e as bênçãos c a compaixão do objeto da oração.
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PERGUNTA: É possível verdadeira mente ajudar os outros por meio das orações e da dedicação de mérito? Se assim o fosse, muitas pessoas já não teriam feito isso, solucionando os problemas do mundo? RESPOSTA: Definitivamente ajudamos os outros dedicando a eles o mérito de nossas orações e práticas. Entretanto, a extensão em que eles vão se beneficiar é determinada, parcialmente, pela sua própria receptividade. Em um a sala escura, alguém que acrescenta óleo em uma lamparina traz luz para todos que ali estão. Entretanto, aqueles que saem da sala ou fecham os olhos não se beneficiarão da luz. As preces e a dedicação dão suporte ao nosso caminho porque aumentam nosso mérito. Quanto mais praticarmos dessa forma, mais seremos capazes de ajud ar os outro s. Pelo fato de o mérito das orações dos budas e bodisatvas ter sido acumulado ao longo do tempo, eles podem, sem esforço, manifestar incontáveis emanações para ajudar um número imenso de seres. A curto prazo, a extensão em que podemos beneficiar os outros com nossas preces e dedicações determinada tantocapacidade. pela receptividade dos beneficiados qu anto épor nossa própria PERGUNTA: O que torna possível a transformação da mente é a bênção da deidade ou a nossa devoção sincera? RESPOSTA: Ambas são necessárias; não se pode ter uma sem a outra. Do nosso próprio de vista, a fé a devoção são o mais importante, porque nosponto inspiram a rezar e aeinvocar as bênçãos da deidade, que é a fonte e o objeto da nossa fé. Isso nos possibilita receber as bênçãos que transformam a nossa mente. Dessa maneira, podemos atingir o objetivo último da nossa prática espiritual: a completa realização da nossa verdadeira natureza para que possamos beneficiar incessantemente todos os seres.
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19 . C O N V ER SA C O M UM ALUNO
ALUNO: Se a natureza última de todas as experiências é a vacuidade, o quequan realmente é o carma? ilusório to q ualquer outro? Ele seria apenas um conceito tão RINPOCHE: A questão aqui é a diferença entre a verdade absoluta e a verdade relativa. Se você não está dormindo, o sonho não contém verdade alguma. Bondade ou maldade, alegr ia ou tristeza, apego ou aversão — nenhuma dessas coisas tem qualquer validade. O carma não está presente po rque o sonh o não está presente. Quando você está sonhando, porém, existe bondade e mal dade, alegria e tristeza, apego e aversão, todos criando carma. Se a mente está em um estado de ilusão na experiência de sonho que é a realidade relativa, então o carma é verdadeiro e torna o sonho melhor ou pior. Entretanto, quando você acorda para a realidade última, não há verdade no carma, não há verdade no mérito, não há verdade cm nenhuma dessas coisas, da mesma forma em que não há verdade no sonho uma vez que você esteja acordado. Acordado, você tem a “capacidade” de sonhar — mas não está sonhando. É o mesmo com a verdade absoluta. A verdade relativa é a nossa exp eriência ilusória da verdade absolu ta e, nesse contexto, o carma ainda é muito potente, impiedoso, preciso e completo. O carma d etermina rá se teremos u ma existência agradável ou desagra dável, se nossos renascimentos serão alegres ou tristes, superiores ou inferiores.
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ALUNO: O mesmo vale para o conceito de mérito? RINPOCHE: O mérito funciona de acordo com o mesmo processo que o carma, só que envolve o tr abalho ativo de cr iarmos as causas que levam à felicidade no sonho da Tida, não apenas para nós mes mos, mas também para os outros. ALUNO: Com o carma e o mérito, o mesmo princípio parece atuar: aquilo que sai de mim retorna para mim. Isso parece sugerir moti vação autocentrada, o oposto da intenção de boditchita. Não seria mais puro para um praticante simplesmente permanecer compas sivo, sem consideração pelo bom carma que será gerado, em outras palavras, sem levar em consideração sua “recompensa” final? RINPOCHE: Você está certo quando diz que ter compaixão é me lhor do que t er a ambição de cria r caima positivo para que você não venha a sofrer. Isso é verdade, mas também é relativo. Os ensina mentos tê m muitos níveis diferentes, e a receptividade ou a percep ção das pessoas determ ina o nível deen sina mento mais apropriado para elas. Para algumas, uma semente sutil pode ser plantada na mente. Para outras, uma semente um tanto mais grosseira precisa vir primeiro, para deixá-las prontas para a semente sutil. Então, no que diz respeito à motivação autocentrada versusa decisão de simplesmente ser compassivo, é verdade — esta última é a escolha que, ao final, deve prevalecer. ALUNO: Em termos de prática, entio, o mérito se resume em ter compaixão em todas as situações? Éessa a essência da intenção de boditchita? RI NPOC HE: A compaixão é apenas parte da boditchita. A diferença
entre boditchita e não boditchita esti em saber se a pessoa tem a as213
piração de alcançar a iluminação para beneficiar os outros. Mesmo que você aja como alguém que esteja ten tand o beneficiar os outros, mesmo que a aparência externa da sua ação seja positiva, se o seu coração realmente não estiver voltado para a consecução da ilumi nação em benefício dos outros, então não haverá boditchita. A compaixão é o impulso e, com base nesse impulso, você faz tudo o que precisa ser feito. Você aspira alcançar a iluminação porque compreende que, agora, não tem força para criar muitos benefícios. Reconhecer o sofrimento dos seres do samara , gerar pensa mentos puros e compaixão, cultivar a aspiração de alcançar a ilu minação para liberar os seres, fazer tudo o que esteja ao seu alcance para beneficiar os outros em sentido temporário e último — tudo isso é boditchita relativa. São todas atividades dentro do sonho que conduze m ao despertar d o sonho. Boditchita absoluta significa reconhecer a verdade absoluta que está além dos extremos e manter esse reconhecimento até que se torne com plela mente óbvio. É aí que acordamos do sonho. ALUNO: Se a natureza última da realidade é um estado búdico que todos os seres compartilh am, por que é que nenhum deles se deu con ta? O que provocou a queda na ignorância e no obscuredmento? Há um princípio evolucionário presente aqui, começando na ignorância e idealmente cam inhando para uma consciência mais elevada? RINPOCHE: Não é questã o de termos tido algo antes e tê-lo esque cido. Inerente, mas escondido no minério, está o ouro, e extraí-lo exige um processo de refinamento. As impurezas são refinadas até que tudo o que resta é o ouro em sua essência pura. Basicamente, um praticante remove todas as impurezas da mente para revelar a essência. Ela não havia sido percebida antes e depois esquecida: sempre esteve ali, mas nunca foi reconhecida.
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A diferença entre o estado búdico e a existência samsárica, com suas ilusões e enganos, reside no reconhecimento ou não reconhe cimento da nossa verdadeira natureza. A essência ou é conhecida ou não é conhecida. Essa é a única diferença. Não se trata de uma questão de evolução. O samsara não é um processo evolutivo. A rea lização espiritual acontece a partir da revelação de algo inerente. ALUNO: Quer dizer que a ideia de que a consciência das pessoas evolui ao longo de vidas sucessivas é ilusória? RINPOCHE: Sim. A consciência não evolui de uma vida para ou tra. Estamos dentro do fluxo continuo do samsara. Mas, como seres humanos, temos a oportunidade máxima de alcançar o es tado búdico. Suponho que, em um certo sentido, você poderia considerar o caminho do bodisatva evolutivo, porque envolve um progresso relativo até o estado búdico. Uma vez que a sua visão seja capaz de penetrar o samsara, essa compreensão não desaparece. Sobre essa base, seguimos pelo cam inho do bodisatva. Mas é mais uma evolução no sentido de aprofundar, de ir em direção à compr eensão da sua verdadeira nat ureza, depois de haver se distanciado tanto dela, perdido em ilusões e enganos. O que a evolução se esquece de levar em conta é a involução. Todo ser senciente tanto vai para cima quanto para baixo. O processo é cíclico, não evolucionário. A teoria evolucionária traz consigo muita espe rança, mas no sam sara n ão há m uita esperança. ALUNO: Então, em termos últimos, nossa percepção do tempo como sendo linear é uma ilusão? RIN POCH E: Novamente, neste ponta, é como no sonho. Se a men te está dentro do contexto relativo do sonho, o tempo existe. Se a
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mente desperta para a verdade ab soluta, o tem po é inexistente. Mas, sonho após sonho, a experiência do samsara continua a girar. ALUNO: Como um praticante consegue saber se uma determinada visualização nada mais é do que a mesma atividade ruidosa da mente ou se a transcende? É como se a prática consistisse em olhar para fora, por uma janela ampla e pintarem uma tela o que você vê: você recria a cena e, quando term ina, apaga tudo. Qual é a dif erença entre o lhar para a paisagem enquanto a recria na tela e abrir a janela e caminhar para fora? Em ou tras palavras, quando é que a prática se torna realização espiritual? R1NP0 CHE: Suponha que uma pessoa veja uma corda no chão, mas pense que é uma cobra; ela vai reagir de acordo com sua convicção de que aquilo é uma cobra. Embora não seja de fato verdade, sua percepção do que é a verdade pode até mesmo afetar as pessoas que estiverem em volta. De repente, todas estarão pensando que tem um a cobra no chão. A “cobra” se torna tão real que parece sair rastejando. O medo, a reação e todo o cenário da ilusão ganham a dimensão de um quadro completo. Mas, se aparecer alguém que diga “Isto não é u ma cobra”, todas as pessoas ficam muito aliviadas. A mentira foi exposta. Elas conseguem ver a corda tal como é, tal como sempre foi. A ilusão delas havia manipulado a percepção. As pessoas que trazem hábitos muito fortes poderão novamente ver uma cobra da próxima vez que olharem, mesmo que lhes tenha sido dito o contrário. É por causa da nossa tendência de voltar a cair em velhos hábitos que utilizamos a visualização. Purificamos percepções distorcidas ao visualizar certos fenôm enos de forma pura, como sendo a deidade e a sua terra pura. Aprendemos a enxergar a cobra de modo diferente, até que, por fim, conseguimos ver que na realidade é uma corda.
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Uns poucos seres, extremamente afortunados e dotados de ca pacidades muito sutis, não precisam praticar a visualização. Eles são imediatamente liberados, assim que são apresentado s à nature za da mente. Sua ilusão é como uma nuvem que o vento sopra para lon ge. Quando vai embora, vai mesmo; não se manifesta novamente. Então sua prática é simp lesm ente um a questão de conservar o reco nhecimento de sua verdadeira natureza. Nós seguimos por duas rotas para conseguir realização espiri tual. Uma inclui a prática de visualização, porque nossos hábitos são tão profundamente entranhados. Embora sejamos apresentados à nossa natureza última, nosso reconhe cimen to inicial não se fixa. A visualização é um processo de desaprender aquilo que aprendemos e de desfazer os nós da nossa ignorância. No entanto, se não precisamos desse processo, tomamos a outra rota e vamos diretamente para o caminho mais elevado, a Grande Perfeição, simplesmente repousando na sabedoria não dual, enquanto todas as ilusões se dissipam. Os fenômenos puros se revelam para nós como a manifestação da nossa natureza absoluta. O praticante da Grande Perfeição nunca precisa desenhar na tela, mas caminha diretam ente para fora, atravessando a janela. ALUNO: Então as aparências das deidades surgem como emanações da vacuidade? RI NPOCH E: Todas as formas são a deidade; todas as formas são, em essência, a vacuidade surgindo como aparência. A deidade não é apenas um ser que está sentado sobre um lótus; a deidade é a vacui dade que aparece como forma. Isso quer dizer que a deidade é tudo em nosso mundo, inclusive os nossos inimigos. Quando alguém tenta nos ferir, é difícil nos lembrarmos disso, e logo revertemos aos nossos antigos hábitos. Essa é a razão de usarmos a visualização. Trata-se de um método relativo para despertarmos para a verdade
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absoluta, e a verdade absoluta, de fato, aparece sob a forma deste método relativo. Compreender de modo mais amplo o que falamos antes — a diferença entre verdade absoluta e verdade o carma opera no campo da verdade relativa — vai relativa ajudá-loe acomo entender me lhor a visualização. ALUMO: E, em conseqüência, o movimento em direção à realização espiritual? RINPOCHE: Essa realização não é algo pomposo. Na verdade, é como penetrar algo para sentir ou provar sua essência. É a diferen ça entre descrever o sabor doce e de fato experimentar açúcar. A realização espiritual é uma maneira de experimentar, de provar. A meditação é o caminho no qual continuamos, no qual mantemos, no qual permitimos que ocorra uma alquimia transformadora. Existem muitas etapas no processo. No início, quando você co meça a se perguntar sobre a realidade, a questionar o que é verdadei ro, você vê que muitas pessoas simplesmente aceitam a realidade dos fenômenos pela sua aparência. Quando você se dá conta disso, sente compaixão por elas. Motivado pela compaixão, você reza ao lama. O lama é a fonte da sua realização e da sua prática. A realização não tem limites, de modo que não há separação entre o lama e a deidade. À medida que você amadurece em sua prática, sua compreensão do lama amadurecerá. O lama é a deidade; o lama é a verdade. Você reza ao lama para ter clareza e firmeza em sua prática; para ter inspiração, motivação — o que quer que você precise debai xo do guard a-chuva de bênçãos d o lama. Então você faz sua visuali zação. Se for difícil, se ela não funcionar ou se o deixar irritado, sim plesmente a abandone e relaxe. Deixe a mente ser como a mente é. Então, quando os pensamentos reaparecerem, tente a visualização novamente. Se você tem dificuldade em perceber todos os detalhes,
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foque-se em apenas um aspecto da visualização ou em si mesmo como um corpo de luz, intangível e irradiante. Ou some nte imagine que a deidade à sua frente é, em essência, a corporificação da com paixão e da sabedoria, da verdade absoluta. Não seja muito severo consigo. Quando não conseguir visua lizar, lembre-se que você tem hábitos muito fortes que fazem com que você veja a realidade da forma como a vê. Aceite suas dificulda des e então simplesmente passe adiante. Sempre que encontrar um buraco na estrada, não deixe que isso o detenha. Simplesmente con torne o buraco, ou passe por cima. 0 bom praticante não se deixa vencer. Diga a si mesmo: “Claro que tenho defeitos, claro que tenho deficiências, claro que sou impaciente, claro que sou preguiçoso”. Mas depois siga adiante. Dê passos pequenos, passos grandes — não importa, desde que você vá em frente.
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20. A PREPA
RA ÇÃO PARA A MORTE
A morte nos espera, quer estejamos preparados ou não, quer pensemos nela ou não. Para muitos de nós a ideia de morrer traz tamanho mal-estar que preferimos evitá-la por completo. Podemos até nos enganar, tent and o nos convencer de que não temos medo da morte, de que ela não é nada demais. Entretanto, aqueles que mor rem sem estar preparados são assaltados por um medo tremendo, um medo que não se compara a nada que já tenhamos vivenciado. A falta de controle sobre o corpo e a perda de tudo que nos é familiar provo cam não só pavor, mas também desorientação e confusão. Algumas pessoas sentem um grande arrependimento, um a sensação de que suas vidas, todos os seus esforços, foram sem propósito. Elas sentem uma tristeza enorme ao olhar para trás e descobrir que deixaram de perceber o sentido principal de toda essa experiência. Precisamos nos preparar para o momento em que a mente e o corp o irão se separar, desenvolvendo hábitos fortes de prática espiri tual que não se evaporem diante da morte. Há um ditado tibetano que diz: “Quando você já está apertado, é tarde demais para cons truir o banheiro”. Se nos familia rizarm os com o processo do morrer, não serem os pegos de surpresa; n ão seremos paralisad os pelo m edo nem distraídos pela confusão. Se desenvolvermos as habilidades meditativas necessárias, a morte poderá ser uma porta para o estado imortal da iluminação, a partir do qual poderemos trazer, sem ces sar, benefícios para todos os seres.
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Enquanto os elementos que compõem o corpo físico se man têm em equilíbrio, permanecemos saudáveis. O elemento terra está relacionado com a carne e os ossos; o elemento água, com o sangue e demais fluidos do corpo; o elemento fogo, com a digestão e o ca lor; e os diferentes ventos, com a respiração, a circulação e a ligação da mente ao corpo. Mas, se há deseq uilíbrio entre os elementos, se um deles predo mina sobre os demais, adoecemos. Podemos encontrar, nos sonhos, sinais de que a morte se aproxima. Sonhar que estamos nus, mon tados sobre um boi ou ju mento, descendo, rum an do para o sul, se guindo o sol poente ou repetidamente encontrando e falando com aqueles que já morreram — todas essas situações indicam algum enfra quecim ento da força vital. As práticas do Vajrayana, especialmente as práticas de longa vida, podem ser m uito eficazes para a purificação do carma que cau sa doenças e para o acú mulo de mérito para a criaçã o das condições positivas necessárias ao prolongamento da vida. Se você não está familiarizado com essa meditação, pode gerar gra nde mérito salvan do animais que serão mort os. Por exemplo, você po de comprar, em uma loja de iscas para pescadores, minhocas e peixes vivos, e então soltá-los, motivado pela compreensão compassiva de que nenhum ser deseja morrer, de que todos eles prezam sua existência e que grande virtude resulta de salvar uma vida. Dedique a virtude que criou a todos aqueles que estão vivenciando obstáculos referentes à longa vida e reze para que esses obstáculos sejam removidos. Faça isso repetidas vezes. Se os sinais em seus sonhos não se alterarem, significa que o carma que sustenta sua vida está chegando ao fim, que a morte não está distante. Quando você fica gravemente doente, as faculdades sensoriais começam a falhar. A menos que você esteja familiarizado com a ver dadeira natureza da mente, esse será um momento de muito medo e confusão, pois tudo o que você sempre usou para se orientar se
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desfaz. A visão fica nublada; tudo parece instável, como miragens; experiências visi onárias pod em surgir. O corpo adquire uma sensa ção de peso, com o se estivesse afun dando na cama. Na hora da morte, os elementos perdem força. Eles deixam de sustentar uns aos outros, e a mente se separa do corpo. Quando os elementos começam a se dissociar, a capacidade de conceituar e de diferen ciar entr e eu e outro, sujeito e objeto diminui. A energia mas culina, localizada no topo da cabeça, desce; a energia feminina, loca lizada no umbigo, ascende, e as duas se juntam no coração. Cessam todos os pensamentos, e você cai no desfalecimento da morte — um estado semelhante a um coma. Em seguida, você experimenta a sabe doria não obstruída, ou a “luminosidade”; esse é o primeiro estágio do bardo dharmata,o bardo da verdadeira natureza da realidade. O termo “luminosidade” denota clareza: a ausência de delusão, de dualidade sujeito-objeto, estupidez e conceitos. Refere-se à sabedoria aberta e também é chamado de “luminosidade funda mental”, porque é a natureza básica de todos os seres. Não se refe re ao que as pessoas que tiveram uma experiência de quase morte descrevem: uma luz brilhante à qual eram atraídos, com uma voz dizendo: “Você tem que voltar agora”. Luminosidade não tem nada a ver com luz física. Se estivermos treinados em repousar na sabedoria, podere mos encontrar a liberação no bardo dharmata, reconhecendo a lu minosidade como sendo a nossa própria natureza intrínseca. Essa fusão da consciência com a luminosidade produz a “liberação no dharmakaya
Se não temos realização meditativa, a luminosidade surge como o fulgor de um raio e desaparece. Sem familiaridade com a verdadeira natureza da mente, não conseguimos usar essa breve transição para alcançara iluminação. A seguir, as qualidades incessant es da natu reza a berta da m en te surg em com o uma exibição vivida de deidades pacíficas c iradas,
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a segunda fase do b ardo dharm ata. Se reconhe cemos esses fenôme nos como sendo nada mais do que a irradiação da nossa sabedoria intrínseca, essa transição se torna uma oportunidade para alcan çarmos a “liberação no sambhogakaya Todavia, se não tivermos a compreensão de como a men te projeta as coisas que aparecem para nós, não iremos re conh ecer o sur gir dessa manifes tação como aqui lo que é. Será como, de relance, enxergar a nossa sombra, mas não identificá-la. Se a nossa prática dos caminhos de trekchõ e togai da Grande Perfeição for efetiva, podemos conseguir liberação em uma dessas duas fases do bardo dharmata. Caso contrário, essas oportunidades de liberação nos escapam, e a dualidade da mente ganha forma como a experiência do “eu” e do “outro”, o processo usual de percep ção na realidade do samsara. Entramos no bardo do vir-a-ser, a transição de 4 9 dias que leva ao próximo renascimento. De início tudo se parece com o que era nossa vida humana. Ainda percebemos nossa casa, as pessoas que amamos. Pelo fato de não termos mais um corpo físico, eles não sa bem que estamos ali. Ouvimos tudo o que dizem, mas eles não po dem nos ouvir. Para complicar ainda mais, podemos não saber que estamos mortos. Podemos nos sentará mesa com a nossa família e nos espantarmos porque ninguém nos passa a comida. Podemos não compreender porque ninguém responde quando fazemos al guma pergunta. Isso provoca uma tristeza insuportável. E, quando percebemos que morremos, surge um grande medo. O bardo do vir-a-ser inclui quatro estágios marcados por sons aterrorizantes e três estágios de experiência de ambientes assusta dores. A consciência, livre de um corpo físico, é jogada de um lado para outro. Qualquer pensamento que surja nos impele imediata mente ao seu objeto. Se. durante a vida, desenvolvemos forte fé e um hábito de rezar, não importa qual seja a tradição, quando as coisas parecem estar além das nossas esperanças, lembraremo-nos
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de rezar ness e mom ento . O pod er da oração é ainda maior no bardo do vir-a-ser do que neste rein o h um ano, onde estamos presos a um corpo. No m om ento em que pensarmos em noss a fonte de refugio, renasceremos no reino puro daquele ser de sabedoria. Essa é a “libe ração no nirmanakaya”. Caso isso não aconteça, a mente passará para um outro sonho, renascendo em um dos seis reinos. Todas as oportunidades de des pertar — de encontrar renascimento além do sofrimento — terão sido desperdiçadas. Por meio da magnífica prática de powa, a transferência da cons ciência, podemos projetar nossa consciência, no momento da mor te, para um reino puro de experiência, tal como o de Buda Amitaba ou de uma deidade específica. Diferentemente do reino de um deus mundano, a terra pura é a manifestação da nossa pureza intrínse ca, um reino de bem-aventurança infinita. Aqueles que alcançam um renascimento assim não conhecem sofrimento e, com o tempo, atingem a iluminação. Chamada de “meditação da não meditação” por ser relativa mente fácil de ser consumada, a prática de powa é muito ensinada na tradição do Vajrayana. Dentro de uma ou duas semanas de práti ca de “powa dos três reconhecim entos”, um dos cinco tipos de powa, podemos desenvolvera habilidade de direcionar nossa consciência na hora da morte. Surgem sinais de realização, indicando que os canais do corpo sutil não estão mais bloqu eados e que a consciência será facilmente transferida através do nosso chacra da coroa para uma terra pura. Essa prática é como uma ponte que liga o Darma desta vida à próxima. Em uma terra pura, recebemos ensinamentos de um buda e meditamos, purificando o carma restante e abrindo a porta para a iluminação. Não retornaremos ao samsara pela força de nosso car ma, mas teremos o po der de, intenc ionalm ente, renascer para be ne ficiar aqueles que ainda estão presos. Bara os principiantes, e tam-
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bém para aqueles que são muito ocupados para fazer outras práticas espirituais e alcançar liberação nesta vida, a prática de powa oferece uma rede de proteção, um meio de garantir que, na hora da morte, sua consciência não será dominada pelos ventos do carma. Alguns praticantes do Vajrayana não têm necessidade do respal do de uma prática formal de transferência de consciência devido à potência de sua meditação nos estágios do desenvolviento e da consu mação. Na dissolução do estágio do desenvolvimento, visualizamos o universo inteiro se desfazendo na sílaba-raiz da deidade, que, por sua vez, desaparece na vacuidade. Então, durante o estágio da consu mação, repousamos na natureza da mente. Por fim, uma vez mais, reconhecemos todas as formas, sons e pensamentos como sendo o corpo, a fala e a mente da deidade. A prática de manter constante mente essa consciência do corpo-vajra, da fala-vajra e da mente-vajra ao longo de toda a nossa vida pode produzir a liberação no bardo. Se a morte está próxima e você não está familiarizado com o Vajrayana ou não tem confiança em sua prática, visualize o objeto de sua fé constante — seu lama, se você for um praticante budista — como indissociável de Buda Amitaba; ele está cercado por um séqui to em um a terra pura e repousa, à distância de um antebraço, acima do topo de sua cabeça. Devido a nossas delusões, normal mente não iríamos perceber um reino puro na hora da morte, pois a pureza inerente da experiência torna-se aparente apenas quando os obscurecimentos que a mascaram tiverem sido removidos. Entretanto, mesmo que a visualização seja difícil, na hora da morte nos foca mos em Buda Amitaba como a expressão da perfeição, porque o seu compromisso é o que quem quer que ouça seu nome ou reze para ele, não importando desvirtude acumulada, irá, finalmente, encon trar renascime nto em sua terra pura, Dewachen. Todos os dias, até que sobrevenha a morte, perante Buda Amitaba como sua testemunha, confesse e purifique todas as desvirtudes que você cometeu nesta vida e em vidas passadas. Dedique to-
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das as virtudes q ue acumulou para beneficio de todos os seres e reze para que, na hora da morte, sem que nenhum outro renascimento se in terponha, você e todo s os seres possam enco ntrar renascimento na terra pura de Amitaba, Dewachen, receber ensinamentos direta mente de A mitaba, praticar e alcançar a i luminação. Se você não for praticante do budismo, ou não estiver familia rizado com a aparên cia de Buda Amitaba, poderá se focar no espaço acima de sua cabeça. Há dois benefícios ao fazer isso. Em primeiro lugar, ao cons ervar o foco em um outro lugar, você desvia a atenção da dor ou do medo. Em segundo lugar, a consciência deixa o corpo físico através de uma dentre nove “portas”, sendo que cada uma de las conduz a um renascimento diferente. Oito dedos para trás da li nha srcinal em que começa o cabelo, no alto da cabeça, encontra-se a porta do renascimento na terra pura. Nos dias que precederem a morte e na hora dela, mantenha a atenção focada aí, visualizando que sua mente se fund e com o espaço. Mesmo que você não consiga renascer em u ma terra pura, não nasc erá em um reino inferior. Se estiver na posição de auxiliar uma pessoa que não é budista e que se aproxima da morte, você pode descrever a ela essa práti ca cie visualização. Todavia, quando a morte está iminente, você só criará confusão e tornará as coisas mais difíceis se começar a falar usando termos budistas. Em vez disso, ofereça apoio à pessoa, suge rindo que ela visualize o objeto no qual tem fé acima da própria cabeça, rezando para que na hora da morte se junte àquele ser de sabedoria, no céu ou em qualquer outro lugar que ela considere um reino puro. No momento da morte, dê algumas pancadinhas no topo da cabeça da pessoa. Isso fará com que a consciência venha para a porta que conduz à terra pura. Não toque qualquer outra parte do corpo, já que isso atrairá a consciência para uma porta infe rior, e, possivelmente, para um renascimento inferior. É bastante útil recomendar às pessoas próximas e parentes que saiam antes do mom ento da morte. Eles devem dizer o que de sejam
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e então se despedir. Caso contrário, o apego destes à pessoa que morre, ou o apego dela a eles, poderá ser uma distração e, em vez de se concentrar na visualização da fonte ce refúgio ou no espaço acima da cabeça, a pessoa prestará atenção reles. Se antes de m orrer a pessoa não abrir mão do apego àqueles a quem ama e aos objetos que estima.sua mente poderá ficar presa por esse apego após a morte, e ela poderá se torn ar o que chamamos de fantasma. Embora não tenha a intenção de causar mal, a sua consciência vagará pelo reino humano e será sentida por aqueles que ficaram para trás, que poderão experimentar desconforto ou doença. A concentração em Buda Amitaba ou em outra fonte de refugio no alto da cabeça ajuda a afastar a atenção desses apegos. Independentemente de sua idace, é importante fazer um testamento. Se você morrer sem testamento, pode ser que continue agarrado a seus pertences, o que, possivelmente, o levará a renascer como um fantasma faminto. Você também perderá o benefício de ter doado seus bens. Oferecer suas posses aos outros é um ato de generosidade que gera virtude. Alénn de prover pelo sustento ce sua família e filhos, em seu testamento você pode tannbém deixar algo para aqueles que padecem de fome ou doença, ou para os praticantes. No budismo, há uma tradição que talvez também se encontre em outras religiões: a de fazer ofirendas a monastérios em benefício daqueles que estão doentes ou que morreram. Durante os cultos diários, preces são oferecidas em benefício de todos aqueles que tiveram ligação com o monastéiio, desde a sua fundação, por meio da fé, das preces e das oferendasde serviços, de substâncias ou de apoio financeiro. Todo esse mérito é continuamente dedicado, produzindo grande multiplicação devirtudes e benefícios a longo prazo. Se você deixar um a doação a um monastério ou igreja em seu testamento, antes de morrer dedique a todos os seres a virtude de sua oferenda e os benefícios que dela decorrerão.
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Se não preparou um testamento, mesmo que não esteja mais em condição de falar ou escrever, você pode formular uma dedica ção em sua mente: “A todos aqueles que precisarem ou desejarem dou tudo o que acumulei a fim de beneficiar todos os seres”. Esse ato de generosidade também criará virtude. É de crucial importância começar agora a se preparar para a morte, quer você seja jovem ou idoso, saudável ou doente. Comece refletindo sobre a impermanència. A cada noite, qua ndo for se dei tar, lembre-se de que este pode ter sido o seu último dia — talvez você não acorde pela manhã. Passe em revista a sua vida e pense sobre o seu propósito. Reflita sobre o fato de que a morte é a maior de todas as transições. Visualizando Buda Amitaba ou o ser de sa bedoria no qual você tem fé, recorde-se dos atos de desvirtude que praticou e purifique essas negatividades invocando os quatro po deres: o poder do apoio, do arrependimento, do compromisso e da bênção. Também reflita sobre as práticas que você fez e as maneiras pelas quais você tem procurado ajudar e dedique essas virtudes a todos os seres. Se você ainda não determinou a doação de seus bens materiais, m entalmente doe-os a todos aqueles que possam precisar deles. Não se apegue a nada. Então dedique essa virtude a todos os seres, com a aspiração de que o sofrimento samsárico venha a ces sar, de que todos possam despertar para sua verdadeira natureza. Reze para que você e os outros seres possam ir diretamente — sem que qualquer outro renascimento se interponha — para uma terra pura. Ou, se você não for budista, reze para que você e todos os seres, após a morte, venham a alcançar o estado que você acredita existirAalém dasimagine dores desta seguir a suaexistência. morte em um desastre de automóvel, um ataque cardíaco ou na agonia de um câncer. Imagine qual seria a sensação de estar sendo levado em uma ambulância, ouvindo o médico dizer: “Não há nada que possa ser feito agora”. O medo e um sentimento avassalador de impotência aparecem. Você sentirá o ape-
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go à família, a futilidade de sua vida, o sofrimento da morte iminen te. A essa altura, diga a si mesmo: “Estou morrendo. Ficar agarrado à minha família ou ao meu dinheiro não vai me proporcionar sequer um segundo a mais. Todas as pessoas, todos os seres morrem. Desde os maiores mestres espirituais e os mais poderosos seres até o menor dos insetos, todos vieram e se foram. A morte é uma transição e, as sim como o que chamamos de vida, é uma experiência semelhante a um sonho. Eu já experienciei ambas muitas vezes. Agora, pelo menos, conto com métodos que irão me ajudar. A maioria dos seres não tem tanta sorte. Desta vez a morte é uma oportunidade para a liberação”. A repetição desse tipo de contemplação pode nos trazer grande inspi ração e mesmo um sentimento de regozijo. Antes de adormecer, imagine claramente o objeto de sua fé acima de sua cabeça. Reze para que, pela força das virtudes que você acumulou e das bênçãos de sua fonte de refúgio, você e todos os demais seres venham, apó s a m orte, alcançar renascim ento em um reino puro. Então visualize sua consciência saindo pelo topo da ca beça para se juntar, de forma indissociável, à essência, ao coração do ser de sabedoria que está acima. Essa preparação ajuda a redu zir o medo e a angústia , aumenta a capacidade meditativa na hora da m orte, aprofun da a compreensão da preciosidade desta opo rtun ida de huma na e fortalece a aspiração de usar o tempo que lhe resta de modo a trazer maior benefício para você e para os outros. Você pode concluir essa contemplação todas as noites, rezando: “Se eu acordar amanhã, comprometo-me a usar meu corpo, fala e mente inteiramente para fazer a prática e aju dar os outros ”. Mesmo que metade, ou três quarto s, da sua vida já tenh am se passado e você não te nha ainda d ado muita ênfase a esse compromisso, ainda há tem po de fazer isso agora. Muitas pessoas se preocupam, achando que, se pensarem mui to sobre a morte, estarão convidando-a. No entanto, os pobres mui tas vezes sonham com riqueza, e aqueles que passam fome, com co-
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mida, mas isso não os torna ricos nem enche suas barrigas. Por mais que imaginemos que vamos viver por muito tempo, ainda assim podemos vir a m orrer jovens. Não e' verdade que, ao nos preparar mos para a morte, iremos apressá-la. Ao longo do dia, recorde-se de que a morte não está muito longe. Basta um coágulo se alojar em nosso cérebro ou um carro avançar o sinal vermelho. Embora possa ser desconfortável ponde rar sobre essas coisas, qu anto mais você o fizer, mais ajudará a r edu zir o medo. No momen to da morte, nossa consciência visita novamente to dos os lugares onde já estivemos. Portanto, durante esta vida, onde quer que vá, procure rezar ao lama, à deidade ou à alguma outra fonte de refúgio para que, pelo poder de suas bênçãos, você e todos os seres possam en con trar re nascim ento em uma terra pura. Então, quando a sua consciência retornar a esses lugares por ocasião da morte, a lembrança de ter rezado ali irá levá-lo a rezar de novo, e você in stantan eam ente aco rdará em uma terra pura. Não importa o que você faça, ou o que aconteça, lembre-se de que a experiência é ilusória. Pratique reconhecer: “Isto é um so nho; não há nada sólido ou permanente nesta experiência. Isto é o bardo”. Reze ao objeto de sua fé para que você venha a conseguir liberação. Se você estabelecer esse hábito bem antes da morte, irá se lembrar desta meditação e oração no bardo. Observa ndo os sonhos, voc ê pode avaliar qual será, provavel mente, a força da sua meditação por ocasião da morte. Se você se conserva dentro da luminosidade da mente — não se envolvendo mais com os fenômenos convencionais do sonho, mas repousan do na consciência da verdadeira natureza da mente — sua práti ca é excelente, e a morte será uma porta para liberação. Se você normalmente tem reconhecimento dos sonhos — se está ciente, enquanto sonha, de que está no estado de sonho — quando en contrar a morte, muito provavelmente conseguirá manter algum
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controle sobre a situação. Se você permanece envolvido com os sonhos, por exemplo, reagindo a um inimigo no sonho com raiva em vez de compaixão, suas emoções poderão determinar a natu reza da sua experiência após a morte. Se você tem dúvidas sobre a sua capacidade meditativa, agora é o momento de fortalecer as suas habilidades espirituais por meio da prática. Ao se preparar ao longo de toda a vida — com a contem plação da impermanência e da natureza ilusória das experiências, que são como um sonho; com a oração; com a prática do desenvol vim ento e da cons umação ; com a prática de powa e com a prática da Grande Per feição de repousar n o reconhecimento da natureza da mente — você poderá tran sform ar o m edo e a angústia em re lação à morte e ao processo de m or re re m um a opo rtunid ade para uma prática espiritual profunda e para a liberdade definitiva. PERGUNTA: Se não encontrarmos a liberação na hora da morte, algo da prática feita nesta vida ficará acumulado para a próxima? RESPOSTA: Aqui, dois aspectos do carma são relevantes. “Com portamento em harm onia com a ação inicial” significa que as qua lidades espirituais que você desenvolveu nesta vida — como a fé, o amor e a compaixão — serão evidentes desde a tenra idade na sua próxima vida. “Experiência dire tam ente correspon dente à ação inicial” significa que, se você se dedica à prática espiritual, mas não atinge a iluminaçã o nesta vida ou liberação no bardo, terá, no míni mo, adquirid o o hábito de meditar. Este padrão gerará uma o portu nidade semelhante na próxima vida. PERGUNTA: Será que poderia falar mais sobre os bardos? Estou confuso sobre o que eles sejam na verdade. RESPOSTA: A palavra tibetanabardo refere-se a seis estados inter-
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mediários de experiência. Durante os três primeiros estados, que acontecem nesta vida, podem os nos preparar para a m orte, dura nte ou depois da qual, os outros três estados acontecem. O bardo do local do nascimentorefere-se
ao estado intermediário entre o nascimento e a morte, o bardo desta vida. Dos seis bardos, este é o mais impor tante. É aqui que podemos decidir se criaremos felicidade para nós e para os outros nesta e em vidas futuras ou se afundaremos ainda mais nos ciclos de sofrimento, criando a mesma condição para os outros. Se usarmos a oportunidade oferecida pelo bardo desta vida para criar virtude e refrear a desvirtude, garantiremos experiências mais afortunadas nas vidas futuras e evitaremos sentir remorso no momento da morte. Neste bardo da vida ainda existem outros dois estados inter mediários — o bardo da meditaçãoe o bardo do sonho.Os métodos de meditação aplicados nesses três bardos nos ajudam a extrair os maiores benefícios dos três bardos da transição da morte. O bardo da meditação se estende do começo até o fim de uma sessão de meditação. Idealmente, fazemos do bardo dessa vida um bardo de meditação o máximo possível para nos prepararmos para a morte. Desenvolvemos o nível de prática necessário para nos aju dar a lidar com as dificuldades desta vida, bem como com a morte e a experiência após a morte. O bardo do sonho acontece desde o momento que adorme cemos até o despertar. Em vez de desperdiçar oito ou nove horas por dia dormindo, podemos usar esse tempo para a ioga do sonho. Dessa forma, nossas práticas diurna e noturna apoiam uma à outra. Durante o dia, pratic amos o reconhecimento da qualidade ilusória de nossa experiência. Olhando para trás, vemos que todas as experi ências de nossa vida, que pareciam tão concretas e verdadeiras, não são agora nada mais do que memórias. Reconhecemos que todas as circunstâncias — positivas ou negativas — são como um sonho. Assim, nossa meditação frutificará ã noite, e poderemos reconhecer
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que estamos sonhando. Quanto mais compreendermos a natureza onírica de nossas vidas, menos apego e sofrimento experimentare mos na morte, e mais capazes seremos de aplicar os métodos de meditação no momento da morte. A habilidade meditativa desenvolvida nos três bardos desta vida pode nos pe rmitir usar os três bardos dos processos da mo rte e do pós-morte como portas para a iluminação. O bardo do momento da morte começa quando surgem as condi ções que causarão a mo rte — por exemplo, um a doença term inal — e dura até que os elemen tos do corp o deixem de operar. Se tivermo s realização na prática de powa, poderemos direc ionar a consciência no momento da morte para um reino puro, de onde poderemos beneficiar os seres que sofrem no samsara e continuar o caminho para a iluminação sob condições soberbas. Se tivermos praticado métodos avançados, como os da Grande Perfeição, poderemos re conhecer o primeiro ou o segundo estágio do bardo dharmata,e a “luminosidade filha”, a sabedoria que mantivemos durante a medi tação, se fundir á com a “luminosid ade mãe”, a nature za absoluta da mente. Essa união é a nossa iluminação. Se não praticarmos no bardo desta vida, perderemos essas oportunidad es de liberaç ão, e a mente se movim entará para o pró ximo estado intermediário, o bardo do uir-a-ser. Esse é o intervalo entre a dissolução do bardo dharmata e o começo do próximo re nascimento samsárico. Geralmente, quando as pessoas se referem ao bardo estão aludindo ao bardo do vir-a-ser. Quando rezamos no bardo do vir-a-ser, mesclamos-nos com o objeto de nossas orações e renascemos em um reino puro de experiência.
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PARTE V
NO CAMINHO VAJRAYANA
21.
GU RU I OGA
Buda disse: “Sem lamas, não haveria budas”. Muitas das escritu ras e comentários budistas afirmam que, antes do advento do mes tre na vida de uma pessoa, nem sequer o conceito de iluminação existe, quanto mais a busca det erm inada dessa iluminação. Todos os métodos espirituais, desde os passos iniciais de tomada de refúgio e votos de bodisatva, vêm do lama. Por um lado, nossa sorte é enorme. Vivemos em uma era aben çoad a pela apariçã o de mil budas, dos quais Buda Shak iam uni é o quarto. Por outro lado, porém, somos desafortunados, pois nenhum desses budas manifestou-se neste período. No entanto, no momento em que Buda Shakiamuni transpunha-se para o
pa-
rinirvana e seu séquito implorava para que ficasse, ele prometeu
que, em períodos de degenerescência espiritual, apareceria sob a forma de mestres espirituais e que a dissolução da sua forma
nir-
manakaya não tolheria de modo algum sua atividade — o benefí
cio seria o mesmo. A essência da prática chamada de guru ioga é nos apoiarmos em um professor para alcançarmos a liberação. Guru é o termo em sânscrito para lama, ou mestre espiritual. A palavra tibetana para ioga é nal-djor. Nalu/asignifica “natureza pura” e djor significa “en contrar” ou “tornar óbvio”. Por meio da guru ioga, a realização que o lama possui da natureza pura tia mente desponta como realização em nosso fluxo mental.
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A compreensão na guru ioga deque o lama é a união de todas as fontes de refúgio apressa nosso progresso no caminho. Se, por exemplo, nos apoiássemos apenas no yidam , chegaríamos ao nosso objetivo muito mais devagar. A deidade eleita para meditação é apenas uma dentre as fontes externa, interna e secreta de refúgio, que se encontram todas compreendidas no corpo, fala e men te do lama . O lama corporifica as Três Joias,que são o Buda, o Darma e a Sangha; as Três Raízes, que são o lama, o yidam e a dakini;a deidade da prosperidade; os protet ores do Darma e os três kayas. A mente do lama, a realização que o lama tem da verdade absoluta, é identificada com o princípio de Buda nas Três Joias. A fala do lama incorpora o princípio do Darma, a transmissão verbal dos ensinamentos que beneficiam todos os que os escutam. O corpo do lama corresponde ao princípio da Sangha e à realização de atividades virtuosas que conduzem os seres à liberação. Além disso, a forma física do mestre corporifica a primeira das Três Raízes, o lama como a fonte das bênçãos. Embora não tenhamos carma para ter recebido ensinamentos diretamente de Buda Shakiamuni, o lama fala como Buda teria falado e utiliza meios para nos guiar que Buda teria utilizado. Recebemos as bênçãos do lama de forma direta por meio de iniciações, instruções e orientação para a nossa prática. O lama nos apresenta ao fato de que a existência cíclica é um estado de sofrimento, à necessidade de buscarmos liberação desse sofrimento e aos meios para isso. Após ouvir e aplicar os ensinamentos do lama, começamos a experimentar um espírito de renúncia: nos afastamos de pensamentos e de ações contraproducentes ao desenvolvimento espiritual e cultivamos aqueles que são frutíferos. Onde havia ignorância, agora há alguma compreensão. Onde havia apenas mente comum conceituai, agora experimentamos a sabedoria. Nossos interesses autocentrados,
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sempre presentes, bem como os venenos da men te, lentamente dimi nuem, e a capacidade de lidar com eles aumenta. Nossa percepção do mundo começa a mudar. Essas são todas bênçãos do lama. Assim como a forma física do lama corporifica a raiz das bên çãos, a fala do lama corporifica o princípio do yidam como a raiz das realizações. O termo para realização em sânscrito é sidi; em tibetano, ngõdrup. No nível mais profundo, esses termos referem-se à realização da verdadeira natureza da mente. Até agora, nossa única realização foi a falta de reconhecimento dessa natureza e a perpetu ação dos ciclos do samsara. Entret ant o, conhecer a nature za de nossa própria mente, não o samsara, é o que tanto buscamos. Ao nos amadurecer por meio de iniciações, ao no s liber tar po r meio de ensina men tos e ao sustentar nossa prática com bênçãos e inspiração, o lama nos capacita a vivenciar diretamente a verdadeira natureza da mente.
Yidam significa “compromisso mental” — o compromisso de ouvir e aplicar, sem erro, os métodos que nos foram dados pelo lama. Ao manter esse compromisso, alcançamos a realização últi ma. Por isso dizemos que a fala e os ensinamentos do lama são in separáveis do y idam. A mente do lama corporifica a terceira das Três Raízes, a dakini, o princípio feminino da sabedoria e a raiz das circunstâncias auspiciosas e das atividades iluminadas. Quando a consciência da verdadeira natureza dos fenômenos torna-se um estado contínuo de realização, as atividades iluminadas manifestam-se sem esforço, ocorre ndo na t ura Imen te. Geralmente nos referimos a quatro tipos de atividade ilumi nada: a pacificadora, a incrementadora, a magnetizadora e a inter venção irada direta. No nível relativo, pacificação significa atenuar medos e sofrimento. Incrementação significa fazer crescer méritos, longevidade e saúde nesta vida. Magnetizar significa reunir as cir cunstâncias necessárias para sustentar o desenvolvimento espiri-
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tual. Intervenção irada direta significa rapidamente transpassar os obstáculos encontrados no caminho. Cada uma dessas atividades tarrbém tem uma função mais profunda. A atividade última de pacificação dissipa os venenos da mente em sua própria base, inclusive a ignorância da natureza da realidade. A incrementação última leva a acumulação de mérito e sabedoria à expressão mais plena possível. A atividade última de magnetização consiste na superação de todos os padrões de pen samentos confusos e superficiais pela percepção de sua verdadeira natureza. Por fim, a intervenção iradi direta, em termo s últimos, aniquila tod os os m odo s pelos quais emprestam os às coisas uma natureza intrínseca e uma solidez qu: não possuem; a espada do conhecimento transcen dental corta e libera a ignorância. O professor corporifica ainda urr outro princípio: o da deidade da prosperidade. No budismo Vajnyana existem tanto deidades quanto práticas de prosperidade. Muitas pessoas creem que, se fize rem essas práticas, irão se torna ricas.Na realidade, porém, ocorre um outro tipo de enriquecimento: do mérito, da aspiração e das qualidades espirituais na vida cotidiana. Um dos efeitos dessa prática pode m uito bem ser a pr osperida de material, mas isso é apenas incidental ao benefício maior que é libertar a mente da avareza e da cobiça. O lama é a fonte dos méto dos pelos quais acumulamos mérito c rompemos os grilhões tena zes do desejo egoísta e da insaciabilidade. Isso ajuda a nos livrarmos da pobreza, não só material, como também espiritual. Assim, diz-se que o lama é inseparável da deidade da. prosperidade. O lama também corporifica o princípio dos protetores do Darma ou, em sânscrito, dharmapalas O termo tibetano para pro tetor é gonpo, que, literalmente, signifca “amigo”, “aliado”, “alguém que ajuda ou beneficia”. Embora simbolicamente nas representa ções tradicionais os protetores do Darma sejam seres ferozes e ira dos — com grandes bocas, cabeças e olhos — o significado subja-
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cente continua sendo o de um aliado — a influência e o apoio do professor e dos ensinamentos. É o nosso próprio caminho de virtude, em última análise, que nos protege do sofrimento que, de outra forma, experimentaríamos como resultado da desvirtude. Mas é o professor que nos instrui acer ca das conseqüências da desvirtude e dos benefícios da virtude. O lama zela por nossa prática do Darma, protegendo-nos de compreensões equivocadas dos ensinamentos e de erros em sua aplicação. Por fim, o lama corporifica os três kayas. A mente do lama é o dharmakciya, a pureza srcinal que está além da confusão, da ilusão e dos enganos. A compreensão que o lama possui da natureza que não tem forma nem substância, e que está além das palavras, é trans mitida de forma não verbal, de mente a mente. A fala do lama é o sambhogakaya,aquilo que é semiaparente, intangível. O corpo físico do lama é a manifestação nirmanakaya da mente iluminada, aparecendo sob a forma tangível para nos mos trar o caminho, para nos orientar e conduzir à liberação. Não podemos conceber métodos espirituais infalíveis por nos sa conta. A vida é muito curta: não temos tempo a perder, reinven tando a roda. Nem podemos aprender esses métodos unicamente em livros, pois o que obtemos por meio da leitura é altamente sub jetivo — damos a ela a nossa própria interpretação. Um livro não pode nos apresentar sua crítica, dizendo: “Não, espere aí, não foi isso que eu quis dizer”. Consequentemente, não temos como aferir nossa comp reensão. Palavras e conceitos simplesmente não podem nos liberar, pois fazem parte do mecanismo da mente dualista. fies não são capazes de nos dar um gosto da essência da mente, nem de nos conduzir à realização dessa essência. Mesmo o Buda iluminado disse: “Ainda que eu pensasse dizer, não haveria palavras”. É impossível,dadas as limita ções da inteligência hum ana e do pensam ento conceituai, comunicar verbalmente a verdade última. A mente conceituai está presa â du-
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alidade sujeito-objeto. A verdadeira natureza da mente, porém, não pode ser apreendida de forma dualista; ela vê a si mesma. Embora as palavras não possam conter a verdade absoluta, po dem apontar para ela. Como um dedo que aponta a lua, as palavras do lama podem indicar a direção certa. Em última instância, é a compreensão da verdade que o professor detém que catalisa o des pertar de nossa sabedoria intrínseca. O relacionamento com um professor é como nos ligarmos a uma tomada elétrica. Se a eletricidade estiver correndo, virá até nós diretamente. Mas, se não houver fluxo algum de eletricidade, nada acontecerá. Talvez esse não seja o melhor dos exemplos, mas sob certo aspecto é adequado, porque não sabemos exatamente o que é a eletricidade. Sabemos apenas o que ela pode fazer. Ao nos relacio narmos com alguém que tenha uma experiência direta da verdade absoluta, podemos nos conectar com essa verdade. A finalidade de honrar e aceitar um professor, tendo fé e sendo receptivo a ele, é en tender essa verdade por nós mesmos, e não simplesmente apreciar a compreensão de outra pessoa. Quando a m ente começa a mudar em conseqüência dos méto dos que nos foram dados pelo lam a, começamos a reconhecer mais e mais as suas qualidades nobres, e a fé cresce. Quando a nossa fé vai ao encontro da realização do lama, o significado da natureza absoluta desponta na mente. O que nos libera é a combinação das qualidades do professor com a nossa fé, oração e prática. Dado que os métodos que utilizamos n ão exigem proximidade do lama, podemos praticar guru ioga em qualquer lugar — mesmo se o lama não estiver mais vivo. Se tivermos fé intensa, podemos rezar ao lama pela manhã, a propósito de alguma coisa que não entendemos, e obter compreensão ou solução ao chegar da tarde. Isso porque a essência do lama é a compreensão ou realização da sabedoria. A sabedoria, como a luz do sol, tudo permeia; é a mesma, longe ou perto. Embora o sol se ponha, nunca para de brilhar.
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Pelo nosso hábito de perceber de forma dualist a, construímos paredes no espaço básico, criando limites artificiais. Entretanto, no nível da realidade absoluta, não há separação, não há perto nem longe: a sabedoria do lama não é em nada diferente da sabedoria de todos os seres iluminados. Essa sabedoria que tudo permeia, que está além de unidade ou de multiplicidade, de união ou separação, é o lama absoluto. Pelas bênçãos do lama e pela prática diligente de guru ioga, nossa realização aumenta, e uma fé profunda nasce, fazendo com que nossos olhos se encham de água, com que nossos pelos se ar repiem. A mente se abre para essa mesma sabedoria, fundindo-se no espaço sem fronteiras com a mente do lama. Essa é a linhagem mente a mente. É difícil encontrarmos um professor com qualificações perfei tas, mas aq uele que escolhemos com o guia no camin ho espiritual deve possuir, ao menos, certas qualidades. O professor deve não só conhec er o significado liter al dos ensinamen tos, como també m ter alcançado alguma realização direta desses ensinamentos. Ele deve contar com o calor interno da visão meditativa, a energia que alcança o coração das palav ras. A prática do professor deve ter atingido o estágio em que uma confiança inerente no significado mais profundo dos ensinamentos e a energia dinâmica da realiza ção tenham sido plenamente alcançadas. A mente de um profes sor nessa condição contém, de forma espontânea e não fabricada, compaixão e amor por todos os seres. Ver, ouvir, tocar ou mesmo pensar nesse professor é benéfico. Sua experiência é tão vasta que transborda e chega aos outros. Um professor assim é alguém que merece o título de “lama” A palavra tibetana lama refere-se a duas qualidades essen ciais: Ia significa “elevado”, no sentido da mais sublime realiza ção da mente; ma significa “maternal”, referindo-se à qualidade de compaixão incondicional que brota dessa realização. Embora
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sejam 30 os atributos de um professor qualificado, se um lama atender a este único critério crucial — possuir compaixão semelhante a de uma mãe e ter em seu coração zelo pelos interesses do aluno — então ele será benéfico. Não deve haver desejo algum de fama, de um círculo amplo de seguidores — somente a aspiração sincera de provocar na mente dos alunos aquelas mudanças que venham a p rod uzir libera ção. Um professor espiritual deve estar suficientemente familiarizado com a vasta gama de métodos budistas para encontrar aquele que é mais conveniente a cada estudante. Além do mais, o professor deve ter facilidade para trabalhar com pessoas de diferentes disposições. No mínim o, o professor deve funcion ar como um médico, não necessariamente o m elh or do mun do, mas um bom médico. Da mesma forma que um especialista competente que trata apenas um tipo de doença pode beneficiar aqueles que tenham aquele dete rmin ado mal, um professor cujo conhecimen to e experiência sejam limitados pode, ainda assim, ser benéfico. Os professores precisam ser honestos quanto às suas limitações. Não devem dar a impressão de compreender alguma coisa que não compre endem, conduzindo erroneam ente os alunos que acreditam neles. Muitos professores cometem o grande erro de não encaminh ar os alunos a um a ou tra pessoa que os possa ajudar em um determinado campo ou que melhor atenda às necessidades deles. Um professor que tenha intenção pura fará tudo o que for necessário — nutrir, acolher, proteger ou enviar alunos para outro lugar, manifestando meios pacíficos ou irados — sem preocupações egoístas. Os professores que têm motivação altruísta, que falam apenas daquilo que compre endem e que mantêm dignidade, integridade e comportamento ético beneficiam seus alunos mesmo quando não possuem todas as qualidades ideais de um lama. No entanto, se a um professor falta a intenção pura de boditchita,
mais cedo ou mais tarde alguém começará a notar algo de errado.
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Os tibetanos dizem que você pode embrulhar fezes de cachorro em um lindo brocado e, por um período, parecerá encantador, mas, com o tempo, alguém vai sentir o cheiro do que existe ali. Sem inten ção pura, uma pessoa pode agir como um mestre espiritual e, talvez, trazer benefícios provisórios a alguns poucos, mas, mais cedo ou mais tarde, a ausência de qualidades vai se manifestar. Problemas e dificul dades aparecerão, deixando óbvio que algo está fora de prumo. Segundo um outro provérbio tibetano, a mentira vai só até a ponta da cauda de um porquinho da índia — o que quer dizer que não vai longe. A verdade, por o utro lado, dura m uito , como um vale que você pode atravessar po r vários dias sem chegar ao fim. Qu ando a vida de uma pessoa está em harmonia com a verdade, as qualida des positivas enraizam-se. Aqueles que fingem ser mestres, enganando a si próprios e aos outros, conseguem manter sua fachada por um tempo tão curto qu an to o com prim ento da ca uda de um porqu inho da índ ia. Depois de um curto período, já não são mais convincentes. Antes de aceitarmos alguém como nosso professor, precisamos examinar com cuidado as suas qualidades e capacidades. Embora um falso professor possa não ter intenções negativas, aceitar uma pes soa assim é como beber veneno. Da mesma forma, se um professor aceitar um aluno sem examiná-lo, é como pular de um precipício. O professor tem que averiguar se o aluno possui motivação correta e se pretende aplicar os ensinamentos da maneira como foram concebi dos, sem distorção nem corrupção para algum fim egoísta. Uma vez que comecemos a estudar com um professor qualifi cado, ele se to rn a mais imp ort ante para nós do que o próp rio Buda Shakiamuni, ainda que as qualidades do professor nunca possam superar as de Buda. Isso porque ele é um mestre vivo, alguém por cujo inte rm édi o estabelecemos contato direto co m o Darma, Os fundadores das tradições de cura que existem atualmente foram muito bondosos, mas há muito estão mortos. Nós recebc-
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mos nosso tratamento de saúde de praticantes vivos que mantêm a longa trad ição dos médicos do passado. Igual mente, o lama pode nos ajudar de u m mod o mais direto, pe ssoal, do que o pró prio Buda e, portanto, é considerado ainda mais bondoso do que Buda. O título Rinpoche, que em tibetan o que r dizer “precioso’"ou “de valor inestimável”, é, por vezes, usado para professores em função do papel que desempenham na vida de seus alunos. O termo vem da mitologia indiana e tibetana da pedra preciosa que realiza dese jos, uma pedra que aparece para benefício dos seres como resultado do mérito coletivo e das aspirações deles; uma joia tão mágica que qualquer desejo formulado na sua presença é realizado. O lama é como essa joia. Quando admiramos e respeitamos alguém como um mes tre, queremos ser como essa pessoa; queremos possuir as mesmas qualidades maravilhosas. Isso nos inspira a aplicar os ensinamen tos, confiantes de que irão nos conduzir ao estado que o professor encarna. Os tantras dizem que recorrer ao lama é recorrer a todos os budas; fitar o rosto do lama é fitar o rosto de mil budas. Diz-se que, se uma pessoa vir o lama como um buda, ela receberá as bênçãos de um buda. Se compreendemos que um professor possui todas as qualidades de um buda, seguiremos incondicionalmente a orienta ção desse professor até atingirmos a iluminação. Se não tivermos fé ou devoção, se permanecermos cínicos ou céticos, não daremos continuidade à nossa prática e nunca progrediremos no caminho. A devoção ao lama, portanto, não deve ser concebida como uma dedicação excessiva e insensata a alguém cuja intenção pode ser questionável, como a de um escravo para com um tirano. Uma atitud e assim não é pedida de nós. Sentimos devoção pelo lam a não para benefício dele, nem para agradá-lo ou enriquecê-lo, mas por que dessa forma cultivamos a receptividade e deixamos que ondas
de bênçãos e de mérito infundam nossa mente.
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O que sen timos nasce da pro fu nd a aprec iação por aquilo que o professor nos oferece. Compreendemos que, por meio da com paixão, da realização e das bênçãos do lama, bem como da fé, de voção e desejo de emular essas qualidades, teremos a experiência da inseparabil idade da noss a m ente e da m ente do lama. Assim que iniciamos a pratica de guru ioga, começamos a notar as mudanças. Verificamos que nossas emoções negativas e confusão diminuem, e nossas qualidades positivas e realização au men tam . Nossos relacionam entos melhoram; ficamos mais calmos e descontraídos, menos propensos a estar aborrecidos e a discutir com os outros. Todos esses benefícios tangíveis reforçam a fé no lama e nos ensinamentos. Quanto mais a fé aumenta, mais sentimos as bên çãos do lama. Isso faz crescer nossa fé ainda mais,o que aumenta as bênçãos — um processo que prossegue até atingirmos um nível de fé estável, incontroversa. Nesse momento, a fé torna-se inabalável. A relação entre aluno e professor, como a própria base do cam inh o, deve ser entendida correta mente. Embora ten ha sido objeto de muitas interpretações equivocadas, não é algo novo no budismo, nem um a inovação recente arquitetada para atrair es tudantes; é, na verdade, um método comprovado de prática, uti lizado há milhares de anos por praticantes e mestres altamente realizados. A razão de hoje existire m vivas as linhagens de ensin amentos espirituais autênticos está em que praticantes, geração após gera ção, passaram pelo processo de encontrar um professor verdadei ro, relacionar-se com esse professor com devoção e respeito, rece ber transmissão espiritual, alcançar realização e então juntar-se à próxima geração daqueles que inspirarão respeito e devoção em seus alunos. Foi assim que aconteceu no passado c está claramen te acontecendo agora. Enquanto houver pessoas dispostas a se de dicar a beneficiar os outros, e enquanto houver pessoas capazes
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de orientá-las nos métodos para realizar isso, os relacionamentos professor-aluno continuarão a existir. PERGUNTA: Para que alcancemos a iluminação, quanto devemos contar com nós mesmos e quanto devemos nos apoiar no lama ou em alguma outra força externa? RESPOSTA: Precisamos contar com ambos, com o lama e com nos sos esforços. Embora possamos alcançar realização pelos nossos es forços, as catalisadoras dessa transformação são a relação com um professor digno e a aplicação de ensinamentos autênticos. Quando começamos a praticar, procuram os, fora da nossa pró pria experiência limitada, os meios que possam nos propiciar libera ção; não basta contarmos apenas conosco, pois isto já não deu certo no passado. Se tivesse funcionado, não estaríamos ainda perambulando pelo samsara. Nenhum de nós quer sofrer e, no enta nto, sofre mos, apesar de todos os nossos esforços. Precisamos nos voltar para alguma coisa ou para alguém que possa nos m ostrar o caminho que leva além do sofrimento. Ao mesmo tem po, confiamos em nossos esforços ao ouv ir cui dadosamente os ensinamentos, ao contemplar seu significado pro fundamente e, por fim, ao internalizá-los por meio da meditação. Portanto, em última análise, é principalmente por meio da nossa própria prática que alcançamos a meta. O sucesso está, em certo sentido, na palma da nossa mão. PERGUNTA: O lama é verdadeiramente necessário? Existe um con ceito de graça no budismo Vajrayana? RESPOSTA: Se você quer construir uma casa, mas não tem experi ência em construção, d eve trabalh ar com um empreiteiro em quem confie. Se tentar construí-la sozinho, poderá cometer erros: a casa
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pode não durar muito; pode até desabar, causando grandes danos para você e para os outros. Portanto, investigue a prática e a experiência de muitos empreiteiros até que encontre um que seja totalmente qualificado. Da mesma forma, na prática espiritual escolhemos um lama, um guia experiente que nos conduzirá pelos estágios da meditação. O caminho não é o mesmo para todo s os praticantes, nem para cada praticante em diferentes estágios. É como subir escadas. Precisamos ir passo a passo, confiando em alguém que conheça o caminho, que possa ver em que degrau estamos e determinar quando poderemos dar o próximo passo. De início, pode ser que não tenhamos fé no lama ou nos ensinamentos. A falta de fé cria uma divisão aparente entre o que está dentro e fora da mente. A distinção que fazemos entre eu e o outro, bem como a nossa falta de confiança, reforça, consistentemente, a parede da dualidade. Por intermédio da prática e da devoção ao lama, destruímos a parede, permitindo que a nossa verdadeira natureza se misture com a mente iluminada do lama. A prática espiritual é um processo de transformação interior. Para nos tornarmos iluminados, precisamos manter um inabalável reconhecimento da natureza da mente. A relação entre o lama e o aluno proporciona os meios mais rápidos para isso. Se apenas a graça fosse suficiente, todos os seres já estariam liberados, porque nenhum ser ilum inado iria, por vontade própria, deixar quem quer que seja em um estado de sofrimento. Da mesma maneira que precisamos nos expor ao sol para receber o benefício de seu calor e luz, precisamos nos tornar receptivos às bênçãos do lama pelo nosso próprio esforço. Quando esse esforço e as bênçãos do lama se encontram, surgem benefícios infalíveis. PERGUNTA: O que devo fazer se eu tiver dificuldade cm desenvolver a fé no lama e nos ensinamentos budistas?
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RESPOSTA: No Ocidente, além de uma maravilhosa gama de re cursos materiais, existe uma tradição de fé e de oração. Você pode começar experimentando os métodos espirituais de sua própria cultura, aqueles com os quais você está mais familiarizado. Se eles não lhe oferecerem o que procura, tente explorar as abordagens espirituais de outras culturas. Se nesse processo você descobrir que o seu objetivo ao seguir um caminho espiritual é desarraigar as causas do sofrimento, alcançar completa liberação para si e levar os outros à liberação, precisa procurar professores e ensinamentos que possam ajudá-lo. Se quiser alcançar a liberação nesta vida, você precisa confiar em um professor e este tem de ser qualificado. Para que sua relação com ele seja produtiva, é preciso que seja capaz de confiar nele e nos ensinamentos. Como você estabelece esta confiança? Em primeiro lugar, você precisa compreender que todos os professores são seres humanos. Alguns têm qualidades muito boas — estabeleceram uma motivação pura, estudaram bastante e desenvolveram uma experiência pessoal genuína e compreensão dos ensinamentos. Outros servem a si mesmos e usam o caminho espiritual para alcançar seus objetivos egoístas. Não fizeram um compromisso baseado em uma compaixão profunda de ajudar os outro s seres a redu zir seu sofrim ento e levar benefício. A lguns mis turaram motivação e experiência. Portanto, você precisa examinar cuidadosa mente a história, o trein amento, a experiência e as ativi dades do professor. Inicialmente, não há nada errado em ter dúvidas ou falta de fé. Entretanto, para prosseguir no caminho, é preciso que em algum momento você remova essa dúvida. Para isso, é necessário que exa mine o professor. Não é aprop riado e é uma perda de t em po seguir as instruções de um professor antes de avaliá-las e, depois, criticá-las, porque não estão servindo para você — é o mesmo que criticar um médico que não foi avaliado cujo tratamento não lhe fez bem. Se
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encontrar um professor que não tenha as qualidades que você pro cura, não continue seu relacionamento com ele. Mas, se este exibir essas qualidades, não é necessário procurar mais. Nesse momento, você precisa seguir as instruções dele sem hesitação, da mesma ma neira que seguiria as recomendações de um médico qualificado, um a vez que tivesse confiança em suas habilidades e credenciais. PERGUNTA: O senhor se referiu à mente do lama como sendo a dakini, mas pensei que a dakini fosse uma deidade feminina.
RESPOSTA: Dakini em refere-se ao princípio ria que se manifesta forma feminina para feminino beneficiardaos sabedo seres. Dizemos que a mente do lama é a dakini porque ela corporifica a inseparabilidade entre a vacuidade e a sabedoria. Essa natureza, dharmakaya, aparece sob a forma da manifestação sutil da dakini, no nível do sambhogakaya; no nível do nirmanakaya, a fim de be neficiar os seres, aparece sob a forma física das grandes mulheres dete ntora s de realização. PERGUNTA: É mais benéfico estudar com apenas um lama ou com vários? RESPOSTA: O professor é como o médico, e a prática, como o re médio. Você não vai ao médico para beneficiá-lo; vai porque precisa ficar bom. Embora muitos médicos possam ter uma ótima reputa ção, não há po rqu e consu ltar com tod os eles ou, sem conhecer bem nenhum deles, misturar as medicações que prescrevem. De igual modo, não faz sentido adquirir ensinamentos espirituais como al guém que vai às compras e depois nunca aplicar por inteiro ne nhum desses ensinamentos. Depois de seguir com cuidado tod o o tratam ento de um médi co, se você exp erim enta a lguma melho ra, poderá sup lementar essa
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prescrição com a de um especialista. Igualmente, após escolher um professor confiável, talvez você queira suplementar os ensinamen tos com os de um outro lama. Entretanto, se você for a um segundo médico que não seja tão hábil quanto o primeiro, o diagnóstico dele poderá colidir direta mente com o anterior. Então o remédio do segundo médico invali dará todo o bem feito pelo primeiro, e sua saúde irá deteriorar. Talvez você tenha recebido de um lama ensinamentos sobre a compaixão e os quatro pensamentos. Pode ser, por exemplo, que você vá a um outro professor que lhe diga que não precisa fazer as práticas preliminares. Isso apenas minará todos os bons conselhos dados pelo primeiro professor. Mesmo dentro da tradição de deten tores autênticos de linhagem, há professores e professores. A relação professor-aluno é como um molde: sua realização terá somente a m agnitud e da realização de seu professor. Antes de estabelecer uma relação com um professor, procure se assegurar de que as qualidade s do professor são aquelas que você gostaria de ter para si. de professor para plantar professor é como arrancar uma Ficar muda mudando do chão vez após vez para uma outra em seu lugar. Sua prática nunca terá oportunidade de amadur ecer; você es tará sempre interrompendo a continuidade necessária para que o fruto apareça. No entanto, se, ao longo de toda a sua prática, você mantiver seu compromisso — em essência, o compromisso de redu zir os venenos da mente e de aumentar o amor e a compaixão —, receber então ensinamentos adicionais de outros lamas será como regar e adubar uma muda que foi plantada. Ela dará frutos. Se você não está obtendo benefícios com um determinado pro fessor, não há motivo para continuar estudando com ele. Nem deve um professor tentar se agarrar a um aluno mais do que um médico deve persistir em tratar um paciente que ele não consegue ajudar. É melhor que o aluno encontre um professor diferente. Nesta breve
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vida humana, não há tempo para ser desperdiçado, seguindo por uma direção que não seja produtiva. PERGUNTA: É importante viver perto do lama? RESPOSTA: Nos estágios iniciais da prática, a proximidade com o professor é ideal. O lama exerce a função de uma mãe, o aluno, de um filho, e os ensinamentos, de alimento. Da mesma forma que a mãe amamenta o filho, o professor dá ensinamentos ao aluno. Os filhos recebem apoio constante, sustento, correção e orientação da mãe até que cresçam e amadureçam. Da mesma forma, somos filhos espirituais que precisam de apoio e orientação; dessa maneira, o lama nos lembra dos métodos, muitas e muitas vezes, e nos corrige quando nos desviamos do ca minho. Sem um lama por perto, é difícil progredir, mas qualquer ens inam ento e orientaç ão que recebamos é melho r que nada. Ninguém pode estar sempre com o lama. Com o amadure cimento de nossa prática, não será mais tão importante passar o tempo todo perto do lama externo, simbólico, porque conseguimos manter nossa prática independentemente. Cada vez mais, confia mos n o lama absoluto, inte rno — nossa própria nature za —, como mestre. Mas, até termos alcançado alguma realização do lama abso luto, o lama simbólico continua a ser essencial. PERGUNTA: Por que é importante rezar para o lama quando pra ticamos? RESPOSTA: As bênçãos surgem naturalmente, e nossas qualida des aumentam como a lua crescente por meio de preces ao lama e quando reconhecemos todos os aspectos da prática — a visualiza ção, a recitação de mantra e a dissolução da visualização na vacuidade — com o a manifestação do corpo, da fa la e da m ente tio lama.
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Com motivação pura e com fé, poderemos alcançar velozmente a realização dos dois estágios da ioga: o do desenvolvimento e o da consumação.
PERGUNTA: O que significa entender a deidade como inseparável do lama? RESPOSTA: Na prática de visualização, entendemos que a essência da deidade é a mesma do lama: a sabedoria que permeia tudo. Não há fronteiras entre eles. Da mesma maneira, mesmo que te nhamos a percepção de que existe uma fronteira fechando nossa mente como uma concha, nossa verdadeira natureza é essa mesma sabedoria ilimitada. O lama nos apresenta à deidade por meio da iniciação e dos ensinamentos. Devido às bênçãos do lama, nossa prática de visualização nos possibilita revelar as qualidades da deidade, que existem naturalmente dentro de nós. Dessa forma, o lama é inseparável de tudo o que ele nos concede — inseparável da deidade e das qualidades que surgem da prática. Nesse sentido, a deidade surge como a exibição da mente de sabedoria do lama.
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22. I NTRO DUÇÃO À
G RA ND E PERFEI
ÇÃO
Os ensinam entos da Gran de Perfeição ou Dzogchen, o mais ve loz e mais profundo dentre os caminhos budistas, são, por tradição, secretos. Eles não são revelados livremente porque, como o leite da leoa das neves, precisam ser guardados em um recipiente especial. Tradicionalmente, a Grande Perfeição era apresentada somente a pessoas do mais elevado calibre, àqueles quase despertos. Esses seres, porém, são muito raros. A maioria de nós precisa de um a aborda gem gradual, que vá ascendendo pelos ensinamen tos, pois, embora possamos ter sorte suficiente para ganhar acesso a esses ensinamen tos, não possuímos as qualidades nem a aptidão para despertar sem esforço para a natureza da mente. A fim de que o fruto, o estado da Grande Perfeição, torne-se evidente por meio da prática, é necessário percorrer um caminho completo, sem erros, progredindo passo a passo. Se você fosse mon tar um carro, seria ex trem amente cuidadoso para que cada p arafuso fosse colocado da forma correta, para que cada conexão elétrica fosse perfeita, pois, caso contrário, o carro não iria funcionar. Do mesmo modo, você deve ter muito cuidado ao desenvolver seu veículo es piritual. Isso porque a mera exposição a esses ensinamentos não garante a iluminação. Se a mente do aluno não estiver preparada, a transformação decorrente da transmissão autêntica de um mestre de Dzogchen não ocorrerá. Assim como uma sem ente precisa de de terminadas condições para germinar e dar frutos, é necessário que
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criemos condições favoráveis à total assimilação dos ensinamentos da Grande Perfeição. Para isso, utilizamos os métodos chamados “práticas preliminares” ou Ngondro, que nos transformam em receptores mais puros. Só assim os ensinamentos da Grande Perfeição produzirão o impacto desejado. Os requisitos para se receber os ensinamentos da Grande Perfeição são a conclusão das preliminares e a iniciação. As práticas preliminares são como um fole que sopra as chamas do fogo, fazendo com que ele cresça. Elas não são práticas para princi pian tes, que fazemos apenas quando ingressamos no caminho espiritua l; são como as letras do ab ecedário, que inc orp ora mos em cada aspecto da nossa educação. As preliminares nos conectam com o Darma, tal como os nossos obscuredmentos nos conectam com o
; elas purificam esses obscurecimentos e incrementam
samsara
nossa compreensão ao longo de tod o o cam inho . Elas incorporam todos os métodos de que precisamos para revelar a verdadeira natureza da mente. Iniciamos as práticas preliminares com os quatro pensamentos. As pessoas muitas vezes pensam: “Eu já ouvi os quatro pensamentos”. Mas, nesse caso, elas deixaram que eles se transformassem em algo mecânico; elas não incorporaram o seu significado. Essas contemplações são essenciais à Grande Perfeição, porque cortam o apego ao samsara e geram entusi asmo pela prática. Em primeiro lugar, contemplamos as condições preciosas de que desfrutamos. Elas incluem os métodos espirituais sagrados que estão ao nosso dispor e o professor de quem os recebemos, bem como nosso corpo humano com sua capacidade inigualável para realização espiritual. Reconhecemos que essa oportunidade valiosa não vai durar. Uma vez que a imp ermanência se int erponha, provocando a perda desta vida, nosso carma não desaparecerá. Se ele nos conduzirá em direção à liberação ou amais sofrimento samsárico é algo que depende da nossa prática.
255
A ss um i m os, em segui da, o com to d est a o po rt u n idad e e rezam
prom i sso de
os para que
t ir ar pleno prov
al cancemos e
vo. Em se gui da ab and on am os t od os os pensam m en te r epo usar,
o que p
ei
s s e ob j eti
ent os e dei xam os a
erm i te qu e noss a com preensão conce
sej a assi m i l ada e o q ue c on du z a prát i ca na di reção da
i t uai
m edit ação da
G rand e Per f ei çã o. Po dem os com
eçar ded
20 % ao r epouso da m nos
negati
ent e. Q uand
vi dade e
o começamos
m ai s entusiasm
as con t em plações est m os d eixar
i cand o 8 0% da pr át i ca à con a exper
t em pl ação
i m ent ar m e
o pel a m edi t ação,
sabem
us ar 30% , 4 0 %, 50% do tem
Prep aram o-no s, ainda
m ai s, po r m eio das “prát i cas preli m i nares
as” T om am os ref úgi o no m est r e, nos ensinam
no s lam as da
l inhag
em da r ara e pr
eci osa G rande
do o com prom iss o d e bodisat
va de
cam inho
o, para que todos
ex tr em am en te curt
da m en te de spertar para o est di ss o, pu ri fi cam os carm
nos en
sinam
Seg undo m os da
seguir
ado glor
entos e
Per fe ição, rei t eran
m os o s pa ss os d el es po r es s e
i oso da G
os se r es pos sam rande
r api
Per f ei çã o. A l ém
a, ac um ulam os m éri to, for t al ecem os no ss as
ivas e nos ap
en tos perfei
de
p o o u mai s.
ex t raordinári
qu ali dad es posit
os qu e
ão pe rm ean do no s sa cons ci ênci a. E ntão po
a m en te repo
e
oiam os, com
fé e devoção,
tos a f im de ap rofun
m inh a experi
da r a nos sa sabedori
ênci a, há u m a gr ande di
r ecept i vi dade aos ensi
nam entos de D
no m estr e e
fe r ença,
a.
em t er
zogc hen, entr e um a
p e s s o a q u e c o n c l u i u a s p r á tic a s p r e l im in a r e s e u m a q u e n ã o . H á tam bé m com
di fer ença e
ntre al
di l i gênci a, m oti vação
b u s c o u c o n c e n tra ç ã o — m antr a com
um a m ente
gué m qu e em preen pura e concentr
de u es s a s pr át i cas
ação e al
guém
q u e s im p le s m e n te c o n to u
qu e não
re p e tiç õ e s d e
di sp er s a.
N a m i n h a re g iã o d o T ib e te , v iv ia u m la m a c u ja m e d ita ç ã o p a r e ci a m u it o bo a. El e havi a se saí do be m em t odas a s dif erentes
et apas da
p r á tic a , m a s q u a n d o c h e g o u a vez d a G r a n d e P e rf e iç ã o , s im p le s m e n te não cons egui a e nten de r os ensinam
entos — el
e s e de par ava com um a
p a r e d e e m s u a m e d i t a ç ã o . D i a n t e d is s o , s e u p r o f e s s o r d is s e - l h e p a r a
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reci t ar o m an tra d e cem
sí l abas de V
aj ra sat va dez m
El e en tr o u em ret ir o e p rat icou dia e sai u, a com preen são b roto u de seu Q ual é o signif
icado do
cham am os de perf é pureza ori mos.
ginal,
Q uando
ve ze s .
. Q ua nd o
interi or se m es f or ço . erf ei ção” o u ’’G rand e
en é , às v e z e s, t radu zido ? O q ue é qu
ei t o, com plet o? A verdadei
ra natureza da m
e
ente
com plet a em s i m esm a — n ão prec i sa de acr ésc i
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contr ar na da. Tanto u i l um i nado
no it e, p o r nove anos
term o “G rande P
C om plet ud e” , co m o D zogch
il hõ es de
os olhar par
a a m ente,
não
cons egui m os en
m a pess oa qu e não tenh a vi sã o com o u m se r
nã o en con t rar ão n ada. Nã
ni f es t a é o exi bi r da m ente,
o obstant
e, t ud o o que se
de ne nh um m od o separado da m
m a ent e
— d o m e s m o m o d o q u e as o n d a s n ã o s â o se p a ra d a s d o m a r. D entr o da natureza da m tos . A pró pria ilum
ente,
ina çã o n ão está
san sara e ni
al ém dess a na tureza
com pl et o — qu e incl ui t od o o sam san, o nir naçã o — é o âm ni fi ca “grande de univer
bito da
ssuem
Se a verdad
es sa pu reza o
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que s of r emos? Seguim os a nossa
van a, a próp
Per f ei çã o. O
”, n o s en ti d o d e q ue t odcs
sos po
não enx ergam
G rande
rvan a es t ão com
ri a il um i en, s ig
t od os os bil hõ es
ri ginal , com plet a.
a da m ent e é c om pleta
os o cam
. Es s e estado
chen, d e D zogch
os ser es de
ple
i nh o d a G rande
o u perf ei t a, po r Per f ei ção po
perf ei ção. C om o o ca l or de rrete o gel
rque o, a
p r á t i c a d i s s o lv e a s a p a r ê n c i a s s ó l i d a s da r e a l i d a d e q u e o b s c u r e c e m a nos sa natureza es
se nci al , torn an d o co n p letam
dei ra s qu ali dad es da m P ortanto, a
“base”
de s s a natur
d a G rand e Perf ei ção é es
un da m en t al da eza fun
i as as verda
en te.
t ude. O “ cam inho ” é o proc ess o de re m oção d a nat ureza f
en te óbv
sa gran de com ple
aq uil o qu e ob scur ece
m en t e. E «“ fr uto” é a r eal i zação pl
da m en tal , inteir
ena
am m te r evel ada.
N a a b o r d a g e m d a G r a n d e P e rfe iç ã o , v is to q u e o c a m i n h o é for j ado a
p a rti r d a p róp ri a sa be d oria.precisam
m ent e com
um . N os s a sa bedori
t e — l i vr e de r ecordações, de p
o s dif erenci
a int r í nse ca no m om ento pre ensam
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m un s, d e art i fí ci os
25 7
ou de fabri
cações
— é em
si
d h a r m a k a ya , a i ntençã
o i lum inad a da
p u r e z a o r i g i n a l . E la n o s é a p r e s e n t a d a d i r e t a m e n t e , n a e x p e r i ê n ci a im ed i ata da n m ord i al au t rês
a n at ureza
o-se p ões e p
sa experi
im ed i ata dess
ança
i n t erior di
dos
m os a um a
ênci a. S urgi ndo
base
a pri
a. A l ém
, chega
en sam en t o s di ss ol vem -s e na
po r s i s ó
no m ar, a s
do s e r , se m dei
an te da exper
i ênci a
a li beração.
Q ua nd o est am os i m er sos ne ap reci am os e desfrut
s s e e st ado imu
am os da reali
da de feno
t ável , o m odo com o m ênica
u m proce ss o q ue ch am am os de “ condut
m ai s as pect os des se m étod o devem diret
sabedori
or s i só, co m o o nd as qu e s e di ss ol vem
xa r vest í gi o. G an h am o s confi
real i zação,
, com o sa bedori
pas sa do, pres ent e e futuro —
o m o m en t o exato des
e l iberand recordaç
dadeir
t o-o co rr en t e ou , si m ples m ente,
t em po s —
deci são n
ossa ver
am en t e de um l am a qual Preci sa m os com
ser ouvi
el eva a n oss a
a". Es s e e os de
dos em
m aior
det al he,
i f i cado.
bina r a vi são m
ai s e l ev ada com
um a açã o i m
p e c á v e l. D e s s a m a n e i r a a n o s s a p r á t ic a se to r n a in f a lív e l. P o d e m o s falar
sob re a n atu rez a bü dica e a
r em si do con m ação. P
sum adas, pal
re ci sam os ser
vac uidade
avr as som ente não
m u it o ho nestos
ular
aind a q ue el a possa enx
m os com preensão
produ
ergar o al
pro fun da da verdadei
t i ve
zi rão t rans for
qu an to à noss
U m a raposa não deve pensar que pode p qu e u m l eão,
, m as, s e est as não
a ca paci dade.
a m es m a di st ânci a vo. S e nã o ti ver
ra na t urez a da r eal i dade,
p re c is a m o s s e r e x tr e m a m e n te c u id a d o s o s c o m
n o ssas açõ es. N ão
p o d e m o s d e s c a r t a r n o s s a e x p e r i ê n c i a re la tiv a p e n s a n d o q u e e la n ã o im p orta,
já qu e tu d o é vaz i o. P reci sam os f i car at en tos a el a até que
al cancem
os a i l um i nação
G om o prat i cant es, ja r d im
som os m u it o j ove ns , com o cr i anças no
d a in f â n c ia . N ã o d e v e m o s b e b e r v e n e n o , q u e r a n a tu r e z a
des se ve ne no sej a v azi a ou Perfei
.
ção,
não.
P od em os ser estudan
m as, se a co m p reen são fo
m en tos, f al a e ações f
orem
neg at ivos,
r inco
t es da
G rand e
m plet a, s e nos sos pensa
aind a estarem
os criand
o car -
258
m a negat i vo; a G ran de Perfei ção nã o ir á n os l i berar. m os mai s profun
dam ente enredados n
o sa m sa r a.
Até qu e v enh am os a al cançar um o que f azemos,
pen sam os ou
A pena s fi car e
a r eal i zação est
ável , t udo
di zem os con t a. O g rande
m est re
Padm asam bava di ss e: “Em m inha t radi ção, a visã o d o prati cante tão el evada q
u an to o céu, e
é
as suas aç ões , tão refi nad as q u a n to fari
n h a de cevada” . A gi r com
m uit o cuidado,
m aturi dad e p ara a práti
m edit ar e m an ter a vi são t razem
ca e a cel er am o progr esso no
Shanti deva di ss e que, se con hec em os diretam r eza da m
ente e m
an tem os e sse conhecim
du ais são con qu istadas, e t Se a su a pr át ica for ótim sua práti
dade da s
odo s os venen os da m en te são puri
fi cado s.
tará m ud an ças d i a ap ós dia. S
ea
de efi cáci a, as m ud an ça s apa
ana , a cada m ês ou a cada an
o. Se não o
esm o apó s a nos de m edi t ação,
ua prát i ca. Você não pode culpa
çam o ní vel de reali
zação
correr
o er ro es t ar á
r o D arm a.
H oj e em dia, em bo ra m uit as pe s so as f al em sobre a Per fei ção, pou cos alcan
a n atu i ênci as
a, você no
nen hum a m udança, m na quali
en te a verdadeir
ento, todas as exper
ca não a p res en tar es se grau
rec er ão a cada sem
cam i nho .
G rande
dos p rati can tes do
p a s s a d o . É m e n o r o n ú m e r o d e p r a t ic a n t e s q u e c o n s e g u e m o c o r p o de ar co- ír is, a di ssol ução dos elem il um i naçã o é al cançada.
en tos do co
rpo em luz, q u an d o a
A s pes so as di zem estar pr
Perf ei ção e , no en tan to, seq ue r al cançaram
ati can do a G rande
as m etas bás
icas de redu
zir a ra iva, o ap eg o e a igno rância. O pr obl em a não est á nos ensi nam ent os. N em houve q rup tura na li
nh agem
m en te a m ente. O fat o é qu e os prat i cantes
nã o sã o di l igent es. U m a pes soa nã o po de sim plesm u m en si nam ento, pr
at icá- lo na m edida
res to. N ão é assi m . É essencial persist inici al até a conclusã Pod em os receber não fi zer m os uso del
ualquer
en te es col her
em qu e desej ar e i gno rar o
ir com de li gê nc ia desde
a base
o. grandes ensinam
entos e
m ét odos, m
as, se
es , serem os com o al gué m jun tand o dinhe ir o
259
qu e n ão ir á t ransp
or o um
bral da
m ort e — es t ar em os ape nas de s
p e r d i ç a n d o t e m p o . S e p r a t i c a r m o s a G r a n d e P e r f e iç ã o c o m d il ig ê n ci a, po derem
os atingir
a i lum inação
dil i gência, pureza e recept nas um
ividade,
. Sem es sa s qua lidades,
3 2 anos , com al cançar.
em se t e anos, ou, com m ai or
em três anos , ou m esm o em ap e
po de m os fica r em ret i ro p o r 1 6 ou
a m en te corrend
o de um lado par a ou t ro, s em nada
A ca sa em qu e fi zerm os o nosso ret
ir o pare cer á apena
u m a pr i sã o. O u po dem os prat
icar em m ei o à s at i vi dades do m und o,
dir eci on and o a m ente para o
D arm a e r epousando na sa
ca da m o m en to do d ia,e al cançar
a il um inação nes
s
bedor i a a
t a própri
a vi da .
E m bo ra cien te de q u e são i lusóri as, o bodisat va se prop õe a faze r m editações qu
e d em an d am es for ço e a prat icar at ividades
visando a ajud
ar aquel
es que vivem
apri si onad os po r acr edi tarem na
ap are n te soli dez de sua real idade. Is so l ev a ao fruto velação integr
al da nos sa naturez
qu e tud o abar ca. Po r m eio da
ben éf ica s,
do cam inho: a re
a fu nd am en tal, a G rand e Per fe ição ,
real iz ação pl ena da vi
e da ação, as at ivi dad es posi tivas surgem
sã o, da m edi tação
espo ntane am ente.
PERGUNTA: Ti ve al gu m as exp eri ência s em m edit ação que m e f ize ram pen sar qu e ta l vez eu já t en ha vis t o a natureza da m ente. Se for assi m , ainda os en sinam
RESP OSTA: nas um
é necessár
io fazer a
s prát icas prelim
en tos da G rande Perf
Ter um
p rim eiro
Po dem os ter um um a escada e pod
inares
par a receber
ei ção?
visl um bre de s ua ver dadei ra n atureza
pas so; es sa exp eriência tem
é ap e
qu e ser est abil izada.
a idé ia de que exi st e al go m aravi lhoso em ci m a de em os t er vis to aqu il o de rel ance, m as, se nunca su
b i r m o s a e s c a d a , n ã o s a b e r e m o s c o m o c h e g a r a o t o p o e a li p e r m a n e ce r. Se p en sarm os qu e j á conh ecem os o qu e a li est á, tal vez nu nca nos i ncom odem os em su bi r . É im po rt an te que prat que possam centes
d ar surg
im en to à real
de nossa verdadeira n
i quem os o s métodos
izaçã o das quali dades respl
ande
ature za . E xi st em pou cos se re s afortu-
260
na dos , com carm a extraordinári últ i m o an dar, m as quase todo
o, que s alt am d i retam en t e para o s nós preci
sam os s ub ir a e sca da degrau
p o r d eg rau . É f ác il fal ar s ob re a n atureza da m en te, m as exp eri m entá- l a diret am en te nã o é f ác il. A co m preensão i ntelectual nã o lev a à re a liza çã o. N o início é
di fí ci l até m esm o reconh
ecer a sabed oria. U m a
ve z que t enh am os rem ov i do al gum as ca m adas de o bscur eci m ent os, p o d e m o s s a b o r e á - l a , m a s a i n d a n ã o s o m o s c a p a z e s d e e s t a b il i z a r noss o reco nh ecim ento. m en te s ão vacui
P od em os acredit
dade, mas,
vel , o q ue aflora é
ar que o c
qu an do al guém
orpo , a f al a e a
nos di z al go desagr
adá
a r aiva, n ão a sabed oria.
As pr át icas prel i m i nares prop
orci on am um m étod o segur
o de
p u rific a r o s p a d rõ e s h a b itu a is , q u e n o s ilu d e m e n o s im p e d e m d e reconhecer noss
a ve rdade ir a natureza.
res , o alun o po de o u v ir os ensinam não apr
Sem ter fe i to as preli
entos da
G rande
ee nde , é c om o um a se m ent e que não
um s ol o s e c o. N ão haver á u m a tr ansf orm ação o aluno p
m i na
Per f ei ção, m as
pod e ger m i nar e m profund
od e p erde r a f é no D arm a e o entusiasm
a, po rt an t o
o pela prá
tica,
p e n s a n d o q u e o q u e r e c e b e u n ã o e r a g r a n d e c o is a . C er t a ve z, um alun o m e di ss e que ti n ha com plet ado a s prel i m i nar es, p o rtan to dei- l he perm i ssão par
a p arti cipar de u
m reti ro da
G rande P
er fe içã o. A m aiori a dos al un os n o reti ro ex pe ri m en tou o
sabor gen
uíno da G rand e Perf ei ção. A pesa r des se alun o ter al egado
qu e conhecia t
o d a a so rte de
re cebido na
d a dos en
fei to as preli
m inares. El
co isa s, pareceu-m
sinam en tos. Dis
se -lhe que
e qu e el e não havi a duv i dava q ue t ives se
e insist iu q u e sim , m as, dois an o s dep ois, m e
co nf es s ou que havi
a m en ti do e f ez um com prom i ss o de com plet ar
a s prá ticas antes de
p arti cipa r de o u tro reti
U m a exp er i ênci a ge nu ína da
ro da G ran d e P er fe ição.
natureza da m
en te é sut i l e del i
cada ; um esf orço co m u m n ã o o levará a el a, ne m idéi as ir ão capt á- la. F reque ntem ente é d a pensar
i to qu e é f ác il dem ai s para acredi
que é al go m ai s dram
át i co do que
t ar. Ten dem os
real m ente é .
261
C om a preparação ap nares,
um alun o q ue ten
rop ri ad a, p o r m eio das pr át i cas preli m i h a si do apresent
vado s e ten h a ti d o a ex periênci
ado aos
ensinam
entos e
l e
a i rá , de fi niti va m en t e, prog redir
cam i nh o. T udo dep end erá da di
l i gênci a e da habil
PERGUNTA: C
i ca com
om o po de a prát
i dade do a
no
l uno .
es f or ço nos preparar par
aa
p r á tic a s e m e s f o rç o d a G r a n d e P e rf e iç ã o ?
RESPOSTA: P en tão
usam
reci sam os com os conceit
eçar de ond
os para c
o rtar
e est am os. Tem os concei concei
t os. Tem os es perança e
m ed o ,en tão os usam
os par a nos l evar al ém da esper
O m edo da doença e a
esper ança da cur
cam entos
. D e f orm a sem
ça da fel i ci dade n os insp
el hante,
t os,
ança e
do m edo.
a nos i nspir am a t om ar m edi
o m edo do sofr
i m ento e a
ir am a n os ded icar à prát i ca com
esper an
es for ço, qu e
p u r i f i c a r á o s h á b i t o s c o m u n s . I s s o n o s le v a r á à p r á t i c a s e m e s f o r ç o d a G rand e Perf ei ção, o descansa l i vr es d o m edo e da esper
ança. Assi
m adeir a e m pen ad a na dir eção m en te na di
reção oposta à
reali zar o est
ado
os um
en te,
pedaço d
e
opo st a p ar a endi re i t á- l a, cur vam os a
sua del
i ca com
al i sm o, as si m sendo,
estado no
m com o curvam
usão h
abit ual para que possam
esf orço para refinar os
um . N o i ní ci o, a m ente conti
nará. No entanto
ra natureza da m
os
na t ural.
U sam os a prát m en t e com
r na v erdadei
som ente u
nua
m a abordag
m er gul hada nes
os hábit
os e os
s e du
em com es f or ço funcio
, t am bé m prec i sam os r el axar
qua l a del usão,
há bit os d u ais da
s em es f or ço em
o bs cu red m entos
um
se j am
veloz m en t e li berad os em sua p rópria bas e. N o com eço, es s es m o m en t os de desca nsar ge n uina m en t e na sabedori a s ão poucos e es pa çados
. Por i s s o al ter na m os ha bil m en te entr
esfor ço e o descan volvi
so sem
m ent o e da consum
e al cançar um natureza
esf orço — ação —
equ i lí bri o em
da m ente.
e a contem
plação co
m
prát i ca do s est ági os do de sen
par a cort
ar nos
so apego a am
bos
qu e poss am os con sum ar a ver dadei r a
262
23. A M E N TE DA ATIVI DADE, A NAT URE ZA D A M ENTE
N a tr a d iç ã o b u d is ta , fa z e m o s d is tin ç ã o e n t r e a c o m p r e e n s ã o intel ec tual, ensão int com
a ex pe ri ên cia i nst ável
el ect ual,
e a real i zação
com o u m rem end o m al costurado qu
o t em po , é t em p orá ri a. S e pr ogredir
derem
os t er um
com o a névoa, t rabalho é u
est ável . A co m pre -
visl um bre da ver el e s e di ssi pará.
m a real i zação im
e va i ca i r
m os em noss a pr át i ca, po -
dadei r a na t urez a da m
O q ue buscam
ente,
os al can çar com
utável como o es
paço,
m as , nosso
que po r sua pró-
p r ia n a tu r e z a n u n c a se a lte r a . Q uand o a nos
sa com preensã
de i l usóri a da exist
ecer a sabed
deira natureza e a
anênci
as f al sa s s uposi ções ; com
ori a i ntr í nseca, abert
a e da qual
o tem
m os a
o a noss a verda-
i dad e.
ri ênc i a d aqu il o q ue é n atural,
pe rm anê ncia em
i da-
s fen ôm e-
p o , passa
a e n u a, com
v erda de ir a n atureza da real
Para t er ac es so à expe conhecendo a im
perm
ênci a cr es ce, com eçam os a ob servar o
nos se m pro jet ar noss r econh
o da im
com ece re-
c ad a aç ão do s eu corpo,
em ca da
p a la v r a d a s u a f a la , e m c a d a m o v i m e n t o d a s u a m e n t e . A o m o v i m e n tar a mão,
r econheça n
a m ud anç a de pos
i çã o u m a dem
i m perm an ên cia. P ri m eiro, el a est ava do l ado esqu re i t o. C om a respi
ra ção, reconheç
conh ecer natural,
oi sa e pen
a a i m perm anê ncia,
ça s. I ss o am en iza nossa
à m edida
l d eliberad
sar “ I st o é im p erm an en t e” evol ui para
esp on tâneo atitud
, da const
ant e m anif est ação das
e em re laçã o à reali
de
erdo , depo i s, do di-
o a r en tr a e sa i. C om a p ráti ca, o pr oces so i n telectua olha r par a cada c
on st ração
dad e; com
que o de um
m u d an eçam os a
263
ap reciar
a verdade das m
no s com o i l usões
et áfor as de B
ou i m agens de
o u ar co-í ri s — aparentes, ref lexos da
l ua sob
A co m preen no sf oram
t ransm
u m sonho,
m as nã o tangí
re a água;
encional est
it idas, suposi os ensinado
u m a real i dade qu
e não possuem
im ag inar co
de um
á basea
a. To dos os conceit
verd ad e, tod a a nossa
onal
ult i facet ados,
s hes
é m uit o
pen sam en t o par a outr o. Podem
os n os
cuj as i déi as f orm am al go
ent e s e r e s qu e m udam
os e pen sam en t os qu e surgem
o dedo
que
em for m asc onvencionai
exp eri ênc i a da real i dade,
de d esen ho s f ei t os com
— , com o
da em supos i ções
. A m ente c onvenci
com o um m os ai co , m as so m os t ão som depress
corpóreos
s a d ar no m e às co isa s, at ri buindo-l
m o pen sadores m
e
rém sem sol idez .
çõesbaseadas
de perce pção. Fom
re vem os fenôm
com o al uci naçõe s, e c os
vei s nem
bril ha ntes, po
são conv
di scur si va, pu l an do
uda que desc
sobre a super
m uit o
na m ente,
na
nã o é m uito difer ente f í ci e da água.
N o p ró
p r i o a t o e m q u e u m a i m a g e m e s t á s e n d o c r i a d a , e l a d e ix a d e e x is ti r . A c rença os quai s, por ra
at é que
na soli dez das exp sua v e z , ali m en tam
a real i dade pareça um
a v erdade das noss fogueir
eri ênc ias pro du z apeg o e av er são ,
l entam
ente. Sem
dido s pela
atração e repu
m ente
há entr
que
tuam
i nfern
o devor
as exp eri ências é
a. As ch am as não d esapa
o f ogo m orre
perpe
en t e o f ogo do ador . Com
com o deixar
sam sa-
preender
de p ôr l enh a na
recem
log o, m as, sem com bust í vel ,
apego e a
ve r sã o, nã o s om os co n fun
ls a p el os f enô m eno s. N o es paço
e o f i nal de um
pensam
cl aro da
ent o e o s urgi rm ent o do
p r ó x i m o — a í, n e s s a a b e r t u r a n a t u r a l — e s tá a s a b e d o r ia . O s grandes prat
i cantes
al cançaram
a il um i nação m
an tend o o
est ado de spert o e n q u an t o t rabal hava m . D urante t anos, 0 m est re i nd iano T i lopa pren sou sem entes
od o o di a, p or 12 de ger gel i m par a
f aze r ól eo. C om ca da m ov i m ento,
o perm
tei ram en te presen
t e; a at en ção
o es t ado despert nã o e sc apa va para
aneci a i n
o pass ado nem
p a ra o f u tu r o , n ã o se p e rd ia c m v o o s d a im a g in a ç ã o . O m e s m o a c o n t eci a com m ento,
T ogtzepa,
um
p rati ca nte q ue cav av a va las : a cada m
el e m an ti nh a a at enção.
ovi
264
Do m esm o m odo,
m uit os dos 8
cant es alt am en te real i zados, t ra bal havam
, medit
4
m aha si ddh as
exer ci am profi ssões com
avam . N ão im port ava o qu
da ín d ia, prati un s. E nq ua nto
e f azi am . C om o repo
u
sa vam no est ado d espe rt o em m eio às at ivi dade s a que se dedi cavam , el es desenvo lver am a ca paci dade de transform ar f ogo em água, água em f ogo, atr avessar paredes dade c
om um , t ornaram
de da m
-s e senho
edit ação nã o é tr an sform
de s s ão subprod nosso
e voar. Em vez d
apego às
utos
res de la. E viden ar á gua em
qu e apar ecem
percepções com
e fi carem
sobre m
edit ação.
a fi nali da
en t e qua nd o cor t am os
i dade.
C er t a ve z, o fi l ho d e u m re i f oi t er com i nst ruções
tem ente,
fogo, m as e s s as capaci da
na t uralm
un s da real
sujei tos à reali
u m i og ue para receber
D epo i s que o i og ue l he m ostr ou um
m ét odo , o m en ino di ss e: — Isso n ã o d a r á r e s u lta d o p a r a m i m . M a s e u c o n h e ç o m ú s i c a . H ave r i a u m a m edit ação q
ue eu pudes se prat
i car , en q u an to t oco
m eu i nst rum ent o? — L e m b re -se a o to c a r — re s p o n d e u o io g u e — q u e o s o m é vacui dade,
e a vacu i dad e é som.
a vac ui dade nã
O so m nã o est á além
o es t á al ém do som
da v acui dade;
.
N ó s ta m b é m p o d e m o s tr a n s f o r m a r a m e n te e m p o u c o te m p o , s e m anti verm
os o est ado desp ert o em tod
as as nossas at
i vi dades. S
e
vo cê es t á co nstr uindo
al gum a coi sa , m an ten h a a m ente
pr ese nt e
a ca da m ov i m ento do
m ar t el o. N ão dei xe que
entos
interpo
n ha m . Ao es cr eve r , m an tenha sua
m ov i m ento um
da can
l ado para outr
nh a a consci
eta. Não dei
os pensam
m en te present
xe q ue a m en te f i que salt
se
e a ca da and o de
o. Q uan do voc ê e s t i ve r co rt an do l enh a, m an t e
ênci a jun to de cada
que es t i ver f azendo, r
el axe a m
gol pe do m ente — repouse
ach ad o. Sej a o que for suavem
ent e em
um a
p o s tu r a d e a b e r t u r a , im e r s o n o q u e e s tá a c o n t e c e n d o , t o t a l m e n t e p r e s e n te , m a s a o m e s m o t e m p o c ie n te d a e x ib iç ã o d o s f e n ô m e n o s . Um adu l t o que es
t ej a observando
as cr i ança s em um pa rque
nunca
p e rd e a n o ç ã o d e q u e e la s e s tã o b r i n c a n d o , m a s e le n ã o se fix a d e
265
fo rm a d eli be rada n a at ivi dade del as, dizendo: “ do, el as estão b
ri nc an do , el as es tão brinc
C om f requência do est am os com
perdem
plet am ente m
tam o s escr evend o, qu e é com os a m ente,
an do ”.
os e s s e r el axam ento da m ent e qu an ergul hado s em nos s o t ra bal ho; po r
exem plo, qu an do fi cam os tão envo
Ao repousarm
El as est ào b ri n can
lvidos
com al gum a co is a qu e es
o se est ivéssem
porém
os de ntro das pal
, há um pouco m
co m o estar m os u m po uco fora do qu
avr as .
ai s de es pa ço . É
e es tá ac ontec endo, ci ent es de
qu e é um a m ani fe st ação, u m a exibi ção, m as se m nos di st anci ar m os e cri arm os dual
idade.
A vida do s grande
s p rati can tes de m on str a, repeti das vez es , que,
p a r a m a n t e r a p r á t i c a d o D a r m a , u m a p e s s o a n ã o p r e c is a r e n u n c i a r ao m un do . T am pouco é pr env olvido com
ec i s o r enu nc iar ao D ar m a par a s e m anter
as ati vidades do
coi sas em u m a única vi eq u il íbrio necessár
m un d o. É po s sí ve l int egrar am bas a s
da. G radati vam ente, novas pri
i o aparecem
ori dades e um
.
Em m inh a vida , test em un hei qu atro pe
s s oa s al cança re m o cor
p o d e a r c o - ír i s n a h o r a d a m o r t e ; e l a s n ã o m o r a v a m e m m o n a s té r i o s , m as vi viam com suas fa m íl ias . Q u an d o ti nh a 22 anos, pre senci ei um h o m em al cança r o co rpo de sabia q
ue ele fa
ar co-í ri s, e a m aioria da
zi a prát ica esp iri tual. N
q u alq u er exi biç ão externa para s tual . N ão é o corpo qu
s pes soa s sequer
ão há necess idade algum
a de
e ob ter êxit o no cam inho espir
e al t eram os para nos
tornarm
i
os il um i nado s
— é a m e n te . Voc ê po de a do tar o est i l o de vi da de um
erem i ta, ab and on ar
sua preo cu paç ão co m com ida, rou pa , r iqueza, am i gos, fa m íl ia, lar e m udar - se par a um a m on t anh a, ded i cand o-se i ntei ram ente à m edit a ção. Es s e é um m o d o de p rat icar p erfeitam
en te vál ido. N o V aj ra yana,
p o ré m , h á u m o u tr o m o d o . S u a v id a e x te rn a c o n tin u a c o m a fo rm a ha bitual. s e s epara da
Você não
dei xa sua cas
a, nã o renun cia a na
virt ud e, do D arm a, d a i ntenção
ou d o est ado despert
o.
de benefi
da, m as nunca ci ar os ou t ros
266
Tilopa aparências, apego,
di ss e a se u alu n o N aropa:
‘V ocê é aprisi
m as p o r seu a pe go às aparências;
N arop a” . N ós nos con
on ad o n ão pel as
co rte, p o rtan to, e sse
ser vam os presos ao sam
sar a nã o si m
p le s m e n te p o rq u e te m o s b e n s m a te ria is, u m a p o s iç ã o e le v a d a o u am igos, m as p orq ue nos ap egam os a es sas co is as . A prá t i ca t em qu e aco ntecer
de form a consi st ent e, qu ando
a m en te es tá at iva, em cad a experiência de dese al egr i a — a cada m
om ento. D
s e un em — é um a espéci
es sa f orm a a m edit ação e o t
e de casam
u de
raba l ho
ent o. Se você dese j a res ult ados
r ápi dos , não é sufi
ci ente m ed it ar apenas
di a. N unca pense: “
A gora vou tr
um a ou duas h
ab alhar; m
Q ue m sabe se a sua vi da vai d u ra r tanto? ta do S
jo, de raiva o
ais tarde
oras por
vou m ed it ar” .
É dif íci l ad iarm o s a v is i
enho r da M ort e. Q ua nd o el e ap ar ec er , não l he d ará ouvi dos
s e v ocê di ss er : “ Sint o m u it o , m as t enh o est ado m u it o o cup ado e agora
pr eci so m edit ar. D ê- m e só um a sem ana, um
m ês ou tr ês
anos”. Por m eio da prát de transform
ica com devoção,
ar as condições negat
desenvo
lvem os a capaci dade
i vas e m condições qu
e n os sust en
tem . C ha m am os is s o de “t raze r as advers idades para o cam inh o ”, ou se ja, não ser bloqu eado , desviado ou do m inad o p o r a lgo, m as v er ni ss o um a op o rtun idad e para a pr
át ica .
De s s e m odo, t od o o m un do f enom êni co s er ve com o um fes sor , ajuda nd o-n os a de senv olver h vi da. T ud o o q ue aco ntece conosc
abil idades para
o se torna
pro
li da r com
a
part e do c am inho. A s
p r o v a ç õ e s se t r a n s f o r m a m e m o p o r t u n i d a d e s p a r a a p r á t i c a , p o r q u e nos forçam
a cult ivar a p
aci ência.
dades c om al egr ia, po rque
A prend em os a aceit
com preendem
os que,
ar as a dver si
qu an do sof r em os,
p u r i f ic a m o s o c a r m a . U m a ú n i c a d o r d e c a b e ç a p o d e p u r i f i c a r o que ser iam cent enas de anos de sofr
i m ent o em
um dos r ei nos d os
infer nos. I ss o n ão q u er d ize r qu e rejei tem os a fel ici dade; antes, r gozij am o-nos com rezando
el a e dedicam
os nos so m érito aos ou
para q ue a fel i ci dade del es sej a du radou ra.
e-
tros se re s,
267
Às v ez es , q u an d o co m eçam m e dizem
a fazer m
edit ação, algum
as pe s so as
qu e são u m ca s o p erdi do, qu e é i m pos sí vel con t rolar s eu s
p e n s a m e n t o s . E u lh e s a s s e g u r o q u e is s o é u m s i n a l d e m e l h o r a . A m e n te delas elas estão
sem pre foi r
evol ta; acont
n o tan d o is so. N o passado,
li vrem en te, segu indo as
ece apenas q
ue, fi nalm ente,
el as dei xavam
sua m en te v agar
co rrentes de pen
f oss em qua i s f oss em . A gora que têm
sam en to que sur
m aior per
gi ss em ,
cepç ão do que ocorr
e
na m ent e, el as pod em com eça r a m udar . Você po d e se que ixar de qu
e a m edit ação n ão é f ác il. M as lem
b re - s e d e q u e v o c ê e s tá c o n d u z i n d o s u a m e n t e c o m o u m c a v a lo s e l vagem
para d en tro d o curral
do estado despert
o. Você terá ce rt ez a de
qu e a práti ca es tá d an do result ado se não es tiver m ai s t ão do m inado p o r e m o ç õ e s e c o n f u s ã o , s e t r o u x e r p a r a to d a s a s a ç õ e s , o n d e q u e r que este
ja, um a q uali dade de ab
t enção d
e c om pai xão, perm
m en te e da
na tureza de
ertura,
de r elaxam
ento e um
a in
anec end o cons ci ent e dos m ovim entos da
todas as
coi sa s que acon
tecem
à sua vol ta.
C ert a v ez , um alun o q ue es tava t end o difi culdade com a m dit ação vei
o à pre senç a de Buda. Q ua n do B uda pergu
ntou
e
qual er a
a profi ss ão del e, o h om em respo nd eu que er a m úsi co e que t oc av a al aúde. B uda pergu ntou: — Q u a n d o v o c ê a f i n a a s c o r d a s n o s e u a l a ú d e , v o c ê a s e s tic a com bastante força
ou as dei xa b em s ol tas ?
O hom em r es po nde u: — N e n h u m a d a s d u a s c o is a s . S e e u a s e s t i c a r d e m a i s o u d e i xá - las sol t as dem ais , o to m sa i r á errado.
T enh o qu e en co ntrar um
p o n to d e e q u ilíb rio . C om es sas pal avras , el e havi a resp on dido sua p sob re a m edit ação . Q ue r se ja em noss a pr át ica ou
ró p ria pergu no trabalho, pre
ci sa m os m an ter u m equ i l í bri o — não deve m os fi car t ensos e dos dem
ais , nem
sol t os e desl
ei xados dem
ap eg a
ai s.
C ont a- se a hi st óri a de um óti m o l am a que t i nh a um al uno bas tante ob
tuso q ue faz ia pergu
ntas óbvi
nta
as, m as nu nc a en tend ia dir eit o
268
as r espos t as. U m dia, o professor
, co m grande
fr ustr ação,
o lho u par a
ele e diss e: — M a s v o c ê n ã o t e m c h i f r e s — q u e r e n d o d i z e r — “V o c ê n ã o é um boi , voc ê deveri
a en tend er o qu e eu es t ou dizendo”
O al uno , co nti nu an do a não quis ess e dizer q em
deveria
ue ele
ret i ro, vi sualizando
m ai s t arde, o profes
ter chif
, a cada
sor perg
entender,
pensou
.
que o
pr of es so r
re s. L evan do iss o a sério,
e n trou
d ia, que p ossu ía chi fr es. Três anos
un tou a um assi st ent e:
— O q u e fo i f e ito d a q u e le m e u a l u n o q u e n ã o e r a t ã o b r i lhante? Q uando
i nform
ado de que o aluno e
s t av a em
re t i ro m edit an
do, o la m a excl am ou: — M a s c o m o e l e p o d e e s t a r m e d i t a n d o ? E le n ã o s a b e n a d a . Tragam
-no aqui
.
U m m ensageir chegar na caver
o f oi então env
i ado
para buscar
o alun
o. Ao
na d o reti ro, el e espi ou p el a p eq ue na po rt a e vi u o
alun o sentado
lá den t ro, com
um be l o p ar de chi f r es . O m ensagei
ro
chamou: — O s e u p r o f e s s o r q u e r v ê - lo ; v e n h a , p o r f a v o r . O alun qu e aquel
o s e l ev an tou
para sai
r , m as n ão conseg
uiu fazer
com
es chi fr es en o rm es pas sa ss em pe l a pe qu en a po rt a. Ele
s e ao m ensagei
di s
ro:
— P o r fa v o r, a p r e s e n te m i n h a s d e s c u lp a s a o m e u p r o f e s s o r. E u gostar i a de i r at é ele, m as n ão co nsigo sai
r da cave rna p o r causa do
s
m eu s chif r es. O profess or, ao o u v ir o fa t o, di ss e: — Isso é m a r a v ilh o s o ! D ig a a e le a g o r a p a r a m e d i t a r q u e n ã o tem
chi fr es. Pel a f orç a da sua con
set e di as e vo l t ou à presen adequad alização.
as sobre a m
cen tr ação , o aluno
rem ov eu os chif res em
ça d o l am a. D epoi s de receber inst
edit ação,
el e m uit o rapida
ruções
m en te al cançou
r e
269
As pes soa s di zem espir i t ual.
ter m
A l gum as di zem
ou t ras sentem
uit os m oti vo s para não
fa zer a prát i ca
qu e nã o acr edi t am nos ensi
qu e n ão est ão pro
ntas
nam ent os;
ou qu e não t êm a c apa ci dade
neces sár i a. I s s o, po rém , é u m err o. Q u er acr edit em os o u não no s amsar a, é ond e n ós es t am os. Q ue r acredi
t em os ou
est am os cri ando . Q ue r acr edit em os ou el es est ão aí . Q ue vantagem est ej am os ou nã o vão es
há em
vo l ver a capaci
dade de a
nos venenos da m
ent e,
nã o acr edi t ar n o r em édi o? Q uer
nã o pro n tos para fazer
per ar . P or que
não
nã o n o car m a, nós o
prát i ca, a m o rt e e a s doenças
não nos prepar
ar m os? P or que não dese n
j ud ar nó s m esm os e os outr os?
Est am os
p r o n to s p a ra b e b e r v e n e n o , m a s n ã o p a ra to m a r o re m é d io . N ã o m e d ita r d e p o is d e te r m o s re c e b id o o s e n s in a m e n to s é co m o com prarm
os t od as as nos
sa s com i das pre
fe r i das, arr um á-l as
b e m n a c o z in h a e e n tã o n ã o c o m e r . V a m o s m o r r e r d e fo m e . M e d ita r é com o com
er: nossa
despensa es
t á che ia, e nós pa
rt il ha m os daquil
o
qu e col et am os. Em ve z de di
zer “N ão tenh
vou
po nes t a sem ana, vou f aze r na se m ana
m edi t ar. N ão t en h o tem
o t em po hoj e, am anhã
q ue vem . Est e an o t em si do m u it o corr i do , vou deixar
para
o pró
x im o ”, precisam os sen ti r u m a necessi dade i m ed i ata de fazer pr át i ca — a g o r a m e s m o , n ã o a p e n a s h o je , n ã o a p e n a s n e s ta h o r a , m a s n e s te exa t o m om ent o. A gor a, vam os de dicar t das m
ud anç as qu e vam
verdades e das m ao nos ver
oda
a vir t u de dest
os vi ver po
ud an ças qu e as pess
es ensi
nam entos,
r t erm os si do expost
os a es t as
oas à noss
em ex pe ri m en t ar o qu e apr endem
ve rdad eira n
a vol t a vão passa os. Re
atu rez a d e t od o s os s er es, s em exceção,
r
zo para que a se j a revel
ada,
p a r a q u e c a d a u m d c n ó s v e ja c o m c la r e z a a s u a v e r d a d e i n t r í n s e c a e fi qu e li vre dos gri t as pel
lhõ es do so
as l im it açõ es da m
i m pos
en te.
Poss a ess a virtude se irradiar benefícios.
fri m en t o e das dif i culdades
em toda s
a s direções em ondas de
27 0
GLOSSÁRIO
AB I DAR MA : U m a d as coleções dos e com o a n tí d oto à igno rância, e
nsina m en tos de
Buda; servi
sse s en sinam en tos discutem
ndo
lógi ca, psi co
logi a e cosm ologia. AMI TABA: B uda Luz Ili m it ad a, c uja s as pir ações e dedicaçã f aci li t am o renascim
ento em
sua t erra pur a, D ew achen.
AN U YOGA: A ca tego ria d e prática da esco qu al s e trab alha com os canais con sum ar a verda deira n
o de m érito
la N yin g m a do V ajr ayana
, as energi as e o
bindu
d o c orpo suti
ature za d o des ej o e a inseparab
na l par a
il idade de êx
ta se e v acuidade. AT I YOGA: Veja G rande BAR DO ( ti b.; lit.“interv diári os da exist
alo en tre d ois po ntos”) : O s s ei s es tados in
term e
ênc ia cí cl ica; freq ue ntem en te ref ere- se apen as ao estado
inter m ediári o entre a m BINDU (tib.
Perf ei ção.
o rte e o re nasci m ent o.
tigle): A con centração de en
lham os no t rei nam en t o da A nuyoga BODITCHI TA ( tib .djang
er gi a no co rpo su ti l, qu e traba
.
tchub se m; lit. “men te da
il um inaçã o”) : N o ní
ve l r el at ivo, envolve trazer à t
o n a com pai xão de
form a equ ân im e por
tod os os ser es e a aspiração d
e alcan
búd ico em
çar o estado
des tes , com o tam b ém se em p en h ar em a es te objet ivo; n o nível ab naturez
a da reali
dade.
benefíci
pr át ica s e at ivi dades que
solu to, é o est ado d esp erto da
o
l eve m
verdadeir
a
2 71
BODI SA TVA : U m praticante il um inação
e cuja úni
do ca m inh o M ahayana
ca m oti vação é o
cujo objeti vo é a
benef ici o i m ediato e últ
im o de
to d o s os s er es .
BUDA (ti b. san g dje) : A lguém qu e re m oveu todos os obscur eci m ent os e f ez surg ir tod as as qu alidad es posit ivas , incluin do as duas form as de onisci ência: o co
m pleto c on he cim en to das cau
sa s e c ondições pas
sa da s,
p r e s e n te s e f u t u r a s , b e m c o m o d a v e rd a d e ira n a t u r e z a d a r e a lid a d e ; a p r i m e i r a d a s T rê s J o ia s d o re f ú g io .
1MI: O quarto dos mil budas que aparecerão neste
BUDA SHAKIAMU
éon ; ele al canço u a il um inação
em Bodh Gaya , na índia, e ensino u os
84 m il m étodo s do D arm a de B uda ( séc. v a.c). CAN AIS : Os cam inho s p o r ond e cir cula a energi a d o corpo suti tr abalhada n
o t reinam
en to de A nuyoga .
CA R MA: O princ ípio da infalibil v irtud e causa fel
l, que é
idad e de cau sa e efeit o q ue diz qu e a
ici dade e a de svirtud e cri a sofri m ento.
CI NCO SA BED OR IAS: ( cinco aspec tos do est ado desperto) A sabed sem elha nte ao crim inativa,
espel ho, a sabed oria da eq
oria
ua nim idade , a sabedori
dharm adatu.
a sabe do ria qu e tu d o real iza e a sabedo ri a do
CI NCO VEN ENO S: As em oç õe s negati vas que levam a renascim nos reinos
do sam sa ra ; a raiva ou
a aversão,
a di s-
o org ulh o, o desejo,
entos a inve ja
e a igno rância. LUMINOSIDADE: O aspecto lúcido da natureza da mente, livre de q ua lqu er cam ada de ob scurec im ento ; à s ve ze s, re fer e- se à exper de est ado desp ert o q ue acont ece, m om entan eam en te, no est do est ado int erm ediár io en tre a m orte e o renas CORP O DE A RCO -ÍRI S: A di ssolução dos depo is da ilum inação. DA KI NI : O as pect o fem inino da de p raticante fem
inina; a
iênci a
ági o ini ci al
ci m ent o.
elem en tos do co rpo em
luz,
natur eza da m ent e; tam bém um a gran
tercei ra das
lies R aí ze s d o refúgi o, a fon te da
ati vidad e ilum inad a e das circun stâncias
auspi ci osas .
272
DAR MA: O corpo d os en sinam en tos d e Buda Sha
84 mil m étodo s para revelar il um inação; a segu
kiam un i, qu e incl ui o s
a ver dadeir a na tureza
nd a d as Trê s Joias do ref
ugio.
DHA RMA DAT U: Espaç o ab solu to; es paço da DH AR MAK AY A: A esfera da com o vacu idade .
da m en te e ati ng ir a
reali dad e últi m a.
ve rdad e absoluta; a es
sênci a d a m en te
DH AR M AT A: A v erd ad eira n atu rez a da real idade. DEWACH EN (ti b.; l it . “gra nd e b em -ave ntura nç a”) : A terra p u ra de Buda A m itaba. DO IS TI POS DE BEN EFÍCIOS : A qu il o que nos bene ção do
fi cia, a co nsu m a
dha im aka ya ; e a qu il o qu e benefi ci a os ou tros, as m anif est ações
d o kaya da form último.
a; em o u tro ní vel , o benef íci o im ed iat o e o benefí
DU AS ACUMU LAÇÕES: N
o nível
rel at ivo, a acu m ulaç ão de
ci o
m érit o
p e lo d e s e n v o l v im e n to d a c o m p a i x ã o e m e io s h á b e is ; n o n ív e l a b s o lu to , a acum ulação de sabe
do ri a pela per
cepção direta da verdadei
ra na ture
za da reali dade. ENER GI A SUTIL: As energias do c trei nam ento de Anuyoga. ESTADO DESPERTO (tib.
o rpo suti l, qu e são trabalha
rigpa; sânsc.
da s no
vidya): O est ado or igi nal da
m en
te, fres co , va st o, lum ino so e além
do pen sam ento.
ES TÁ GI O DA CONSUMAÇÃO: N
a visuali zação d e M ahay oga , o est ágio
de di ssol ver a vi sualização gerad
a n o es tági o do de sen vo lvim en to e o
repo uso s em esforço A nuyoga,
n a v erdad eira natureza da m
en te; a s pr áti cas de
de t rab alho com os c anai s, as ener gia s e o b ind u d o co rpo
sut il; a prát ica de A tiyoga de repo usa r n o es tado desperto. ES TÁ GI O D O DESENVO LVIMEN TO: N a visualização de M tá gio que env
olve es for ço, n o qu al é ger ada a visual
dei dade, reci tando m an tras e descansan
aha yo ga, o es
ização cla
do n o estado desp
ra de um a
erto não
dual.
27 3
GRANDE
PERFEIÇÃO
(t ib. D zogchen): Ati
ri a de prát ica Vajr ayana de acordo c
yoga; a m ais profun da categ o-
om a es co la N yingm a, na q ual o reco-
nh ecim en to da ver dadeir a natureza da
m ente const itui o cam inho, lev an -
do à consu m ação da insepar abil idade d e est ado desperto e v GU RU IOGA: O m éto d o do V aj rayana no q n am en to com
ac ui dade .
ual nos apo iam os no rel aci o-
o lam a para al cançar a l ibe r ação, m escl ando nos sa m ente
com a m ente il um inad a do lam a, qu e é ins epa r ável da nos sa ver dadei r a natureza. HI NAYANA:
A bo rdag em bu dist a de li beraçã o pes soa l n a qual s e bus ca
a li beração do
p o r m eio da
sam sara
renún cia e do cort e aos apeg os
mundanos. ILUMINAÇÃO:
O estado
büdico;
os ob scurec im en tos foram
o estado
desperto da m
ente, no qu al
purif ic ado s e t odas a s qualidades i
lum inadas
reveladas. INI CI AÇÃO: C erim ôn ia du ran te a qu al um ao a lu n o a s ua verdadeira n deidade,
atureza,
au tori za o alu n o a m editar
lam a qual if ica do apres ent a
co m o o corpo, na m andala da
a f al a e a m ente da dei dade e transm it e
as bên ção s da li nh age m da prá ti ca. IOG A DO S ONHO: M étod o de m ed it aç ão no q ual s e treina o r cim en to d o estado de so
eco nh e-
nh o, que é u sado par a favor ecer o dese nvolvi -
m en to espi ri tual . LAMA (tib.; sânsc.
guru):
N o V aj rayana , o m estr e espiri tual, qu e d e-
m onstr a o cam inho da il um inação e p tações; a prim
roporci
ona a s i nst ruç ões e or ien-
eira d as Tr ês R aí zes d o ref úgio, a rai z da s bênçãos.
LI NHA GEM : A li nh a inin terrup ta de tr ansm is são espir a ger aç ão, des de um buda co m pletam ente il um ina do. MAH AYO GA: A categoria,
na escol a N yingm a d o V aj ra yana, qu e enfati-
za a vi sual ização de deidade m étodos
para pu
da inseparabi
s e m anda las, repeti ção de m antras e
ri fi car a per
li dade de
it ual, de ger açã o
cepção com
form a e vacui
dade.
ou tr os
um c ef et ivar a com pree nsão
27 4
MAH AS IDDH A (l it. “ m estre d e g ran d e realização re fe re- se aos 84 m estr es que v iveram a real ização espiri
”) : F requ en tem en te
na í nd ia an ti ga e que alcan
tual n o c urso de sua s a tividades m
çaram
un da na s.
MA HA YA NA : O cam inh o esp iri tual de al guém cuja m otivação p ara al cança r a il um inaç ão é li b erar t od os os s er es do samsara e estabelecê-los n o estado búdi co. MA ND ALA: Q ua lquer confi
guração da m
ente il um inad a — po r exem
p lo , a m a n d a l a e x te r n a d o s b ilh õ e s d e u n iv e rs o s , a m a n d a l a i n t e r n a d e canais s uti s, de e ne rgias e de
bindu
ou a m an dala secret
tam bém um a for m a de arte sa gra da qu e repres enta a exi lidade s da m ente il um inada.
a dos tr ês
kayas
;
bi ção e as qu a
MA NT RA : U m a refer ência à “ ab ord ag em do m an tra secr et o” (o Vaj ray ana); sí laba s, ge ralm en te em sânscri to, que corp orifi cam a fal a i lum ina da da dei dade; si gni fi ca “aq uilo qu e protege a m exemplo,
da n egati vidade
e do pensam
ento conf
en te d o prati can te” , po r uso.
MAR A ( lit. “influê nc ia q ue am ortec e”) : Q u alqu er coi sa qu e o b strua a obtenção da ilum inação. N A TU R E ZA B Ú D IC A : A n a t u r e z a d a m e n te f u n d a m e n ta l m e n t e p u r a , qu e em todo s os ser es co ns ti tui a bas e pa ra se alcan çar a ilum N 1RMA NAKAYA: U m a co rpori fi cação da
inação.
m en te ilum inad a qu e se m a
ni fes ta em u m a fo rm a fí si ca pa ra ben efi ciar os ser es qu e são incapazes de perceber
a express
ão pu ra d o
sambhogakaya.
N IR VA NA: O e s ta d o a lé m d o s o f r i m e n to d o s a m s a ra ; n o n ív e l m a is e le vado, a c om plet a il um inaçã o, que est do nirvana.
á al ém tan to d o
PADM AS AM BAV A: T am bém conhecido c tre indiano qu século
v iii
e estabel
; rever
eceu o s ensinam
enci ado co m o o segundo
PERCEPÇÃO DUAL
samsara
qu ant o
omo G uru R inpo ch e,o m es entos V aj rayana n o Tibete,
no
buda.
1STA: A percepção deque a realidade é dividida em
sujei to ( eu) e ob jet o (outro), c
ada um com um a identidade
indepen den te.
27 5
POWA (t ib.) : A tr ansferência da consciênci
a na h ora da m
orte para u
m
rei no p u ro de experi ênci a. PRELIMINARES (tib.
ngondro
): As p ráti cas fu n d am en tais do V aj ra ya-
na , fei tas para p urifi car ob scurecim entos, acu m ular m éri to e despertar a r eali zação da v erdadeira na tureza da m ente. PRO TET OR ES DO DARMA
(sânsc.
dh arm apa la;
m u n d an o o u il um inad o encarregado de p
tib. gonpo):
Um ser
rot eger os pra ticant es do Va-
jr a y a n a c o n tr a o b s t á c u lo s e d e p r o t e g e r o s e n s i n a m e n t o s b u d is ta s d a diluição o
u dis torção.
QU AT RO OBSCURECIMENTO
S: Os f ator es que im ped em o r econ he-
cim m en to da verdadei ra natureza da m ente: os obscureci tel ectuais, os ven eno s da m en te ou os ob scurecim entos em carm a e o hábit
m ent os i n ocionai s, o
o.
QU AT RO PENSA M ENT OS: O n ascim en to h u m an o pr eci oso, a im perm anên cia, o carm a e o sofri direcion
m ento; a contem
plação de
sse s pensam
entos
a a m en te aos en sinam en tos e à prát ica es pir itual .
QU AT RO P OD ER ES DA CONF ISSÃO : O s su p ortes es senci ai s para a p u ri ficaç ão de
ações n egat ivas : um
ser i lum inado
com o test em un ha, o
arrep en dim en to s incer o, o fi rm e com prom is so de n unc a repeti r a aç ão e a bênçã
o d a p uri fi cação pelo ser
QUA TR O QUALIDADES a com paixão
ilum inado.
INC 0 MENSURÁVE
1S: A equ an im idade , o am or,
e o regozi jo ili m itados.
QU ATRO TIPO S DE ATIVI DADES: O s q u atro ti po s d e at ivi dades ilu nadas qu e surgem
m i
espo ntane am ente da r eal ização d a ver dadei ra n atu
reza da m en te: a ati vida de p acifi cad ora, a increm
ent ado ra, a m agncti /. a-
do ra e a ir ada. REFÚGI O: O prim eir o pas so f ormal para entrar no cam co m pro m isso de se af fontes infal
inho bud ist a; o
ast ar das caus as do so fri m en to e s e volt ar para as
ívei s de be nefíci o im ed iat o e su p rem o pa ra t odos os se re s.
RU PA KA YA (li t. “co rpo da form a”) : Os aspectos m
anifest os da m en te
ilum i nad a, incluindo 2?6
o sam bhog akaya e o nirmatiakaya.
SAB EDOR IA: A co m preen são da verdadei
ra na tureza da m
SAMA YA : N o V aj ra yana, o vínc ulo indi spensável
ente.
de com pro m isso f or
ja d o e n t r e o la m a e o a l u n o ; t a m b é m o c o m p r o m is s o d o a l u n o d e m a n ter os votos da prát ica t o m ad o s n a ini ci açã o. SA MBH OG AK AY A: A expressão pu apenas p
or prati cantes a
SAMSARA: O ci que são
ra d a m en te ilum ina d a percebida
ltam en te real iza dos .
cl o infind áv el de ren
ascim ento e m
o rte nos se is rei nos,
perm eados p el o sofr im ento.
SAN GHA (tib .guedun;
lit. “aqu el es q ue am am a v ir tud e”) : A quel es que
p r a tic a m , r e a liz a m e m a n t é m o s e n s in a m e n to s d e B u d a e f u n c io n a m como companheiros e guias no caminho budista; a terceira das Três Joias do refúgio. SEIS
PERFE IÇÕES ( sânsc.
p a r a m i ta s ): As qu alidad es p erfeit as de u m
b o d is a tv a q u e d ã o s u p o r t e à p r á tic a d o c a m in h o M a h a y a n a : a g e n e r o si dade, a discipl ina m oral, a conh ecimen
to t ranscenden
SE IS REI NOS: As r ealidade
paciência, a
dil igência,
a co nce ntração e
te. s expe ri m entada s pelos se res presos n o
sara devi do à confusão fun
da m en tal em r el ação à ver
da m ent e e t am bém
venen o m ent al pr edom inante:
a um
do inferno ( a ra iva ou o ó dio), dos fant cobi ça) , dos an im ais ( a igno rância), venenos),
dos sem ideuses (a
o
asmas fam
s am -
dadeir a nat ureza
intos (a
dos re inos avar eza ou
a
dos s eres h u m an o s (um a m ist ura de
inveja) e dos
deuses (o o
rgulho).
SHAM ATA (tib .ji n e ): O calm o perm anecer ; um dos doi s maior es m é todo s de m editação bu m en te, sem dis tr ações. SIDI (tib.
ngòdrup):
çar a i lum inação; da prática espiritual.
dist a, no q ua l a m ente descansa,
R eal ização espiri
do to para a
tual. N o nível m ais sublim e, al can
tam bé m po deres paranorm
SUT RA: U m a das c ole ções do s ensinam
unidirecional-
ai s que s ão subprodu
tos
entos d e B uda; ser ve com o a n tí
ra iva; es se s en sin am en tos con sti tuem os di scurs os de Buda
sobre v ári os assun tos. 27 7
TERRA
PURA, REI NO PUR O: U m rei no de pur eza m an if esto por
um
b u d a n o q u a l n ã o h á s o f r im e n to e a il u m i n a ç ã o é a s s e g u ra d a . TONGLEN senvolvi
(t ib.; l it. “en viar e receber”)
: U m a m edit ação usad a no de
m ent o da boditchita.
TR Ê S COLEÇÕES D
O D ARMA (Tri pit aka): Os en sina m en tos de Buda
cat egoriz ados com o V inai a, Sutra e A
bidar m a.
TR ÊS ELEM ENTOS ( OU ESTÁGI OS) D A FÉ: U m se n ti m en to d e ad m i ração pel o m est re espi ri tual e os ensinam m estr e e e studa r e prati car os ensinam
entos; um
entos; um
desejo de em
a co nvicção
ular o
inaba láve l,
b a s e a d a n a p r á tic a , n o m e s tr e e n o s e n s i n a m e n t o s . TR ÊS ESFER AS: O sujei exist ência ine
to, o ob jeto e a ação
en tr e el es ; a crença em
ren te const itui o do m ínio da v
TRÊ S J OIAS: O Buda com
sua
erdade r elat iva.
o m est re , o D ar m a com o os ensi nam entos
e a San gha co m o a com un idad e de prat icant es; as fo n tes ext er nas de refúgio. TR ÊS KAYAS: Os t rês a spect os da totali tes secretas de
refúgio (veja
TR ÊS RAÍZES:
da de da m en te il um inad a; as f on
dharm akaya
, sambhogakaya
O lam a,a raiz das bênçãos;
lhida , a rai z da realização esp
iri tua l; a
e nirm ana kaya).
o xid am ,ou a dei dade es co
dakini,
a r ai z da ativi dad e il u m i
n ad a e de c ircun stânc ias auspici osas; a s fontes i ntern as d e ref úgi o. TR ÊS REI NOS: U m a cl assi fi cação d do des ej o; o reino da TRÊS TIPOS
osa m sara;
for m a c o rei no da ausênc
os tr ês re in o s sã o: o reino ia de form
a.
DE SOFRI MENTO: C om o ensi nado p or B uda Shaki
ni , o sofrim
en to da m ud ança , o sofri m ento sobre sofri
m ento que
t ud o per m ei a, inere nt es ao
TULKU (tib.; sânsc. tual an teri or que tom n eficia r os s eres .
nirm ana kaya):
ou um renasci
am u-
m en to e o sof ri
sam sara .
A encarnação de um m ento intencion
m es tre espir i alm ente pa ra be
27 8
VACUI DADE: A essênci a da m en te; t arnb ém a ausê nc ia de exist inerente do eu e dos
ência
fenôm enos.
VA J RA: Ref er e- se à n ature za im utáv el do co rpo , da fal a e da m en te. VA J RAYAIMA: O ca m inh o esp iri tua l daqu eles qu e se gu em a a bo rda ge m M ahay ana e que tam
bém apli cam um a gran de vari edade de m ei os há
b e is ; e n v o lv e o d e s e n v o lv im e n to e a m a n u t e n ç ã o d e u m a v is ã o p u r a da real idade. VE RDA DE ABSOLUT
A: A essênci a pur a e im utáv el dos fenôm
tam bém se r ef er e à natureza da
eno s;
m ente.
VE RDA DE RE LA TI VA: A apa rência dos fenôm eno s em um ní vel con venci onal , aos quais a m en te co m um im put a um a exis tênci a i nerente. VI N AIA: Um a das col eções dos ensinam tí do to para o dese
entos de Buda; serve com
o an
jo; es se s en sina m en tosd iscu tem a d isci pli na e a con
du ta ét ica, pa rti cu larm en te no con text o monás tico. VIPASHYANA (tib.
lagtong; li t. “visão p rofun da ”) : U m dos dois princi
p a is m é to d o s d e m e d ita ç ã o b u d is ta , n o q u al se d e s e n v o lv e u m a v is ão sobre a verdadei
ra natureza da m
en te e do s fenôm eno s.
VI SÃO: O co nh ecim ento da verdad
eir a natur eza da reali dad e q ue lev a o
p r a tic a n te à c o m p l e ta c o n s u m a ç ã o d e s ta n a tu r e z a , a l é m d o s c o n c e ito s . VI SUAL IZAÇÃ O: N o V aj raya na, prát ica em qu a dei dade e o a
m biente,
com o a terra
e n os visualizam
pur a, visando
os com o
purifi car a percep
ção duali sta co m um ; a consu m açã o ú lt im a de ssa prát ica é a real iza ção de que a n oss a verdad eira na turez a é i dênt ica à da d eidade. YANA: Abordagem espiritual ou veículo; os três veículos Hinayana, M ahayana e V
aj raya na são de po is di vidi dos em nove
YI DA M (t ib. ): U m a d eidade
de m edit ação ou
“a de idad e esc olhi da” , na
qual o praticante se apoia para a realização espiritual; a segunda das Três Raíz es do refugio.
yam s.
279
I ND I CE RE
M I SSI VO
Atisha 52
8 4 m il m étod os 52, 138, 176, 273, 274
atitud e do ba rqu eiro 155 atitud e do pa stor 155
A
atitude do rei 155 A bidarm
atividad e ilum ina da
a 138, 271, 278
272,278
95 , 9 6 , ioi,
ação negativa 53, 85,
no ní vel últim
124, 276 ac um ulaç ão de m érito
9, 2 7 3 , 274 - Veja G ra nde
Atiyoga. 18 16 2, 1 97,
o 23 9
no nível relativo 238-239
13 2, 136,
152.161.221.239.273 acu m ula çã o de sabedoria
134 , 238- 239,
Perfeição au toce ntram en to 23, 28 , 29 , 37 , 5 1,
239.273 agressã o 31 ,32,
4 9 , H 9 , 150, 176,
alegria 48,
81,142,213,237
34 , 37 , 3 8 ,1 57 177 ,
205.212.267
23, 29, 1 15» M 3 ,
au toim p or tân cia 147,208
al tr uísmo
38 , 53 ,66,70,86,131,1
146,150,
154 , 166, 167, 243
a m o r 50, 51 . 52,
44,
Avalokiteshvara 95-96 aversão 31-39, 40,
54 , 58 , 67, 92 , 9 3 ,
16 4, 181,264
66 , 80, 81, 153,
,272
149 - 150 , 153 , 15 4 , 158 ,
99, 121, 144,
B
178, 186, 206, 207, 208, 231, 242, 251,276 Anuyoga 188,271,272,273
b a r d o 78, 14 5, 2 2 5 , 2 3 0 , 231 , 232-
ap eg o 19 -30, 31, 3 i , 38 , 40, 42, 48, 62, 63 , 66 , 80, 106, 108, 110, 116,
233, 271 232,
122, 150, 156,
dest a vida 232
173 , 181, 188, 227,
cort ar o 15 , 41,64.81,114,117 118, 1 25 , 132 , 2 5 5 , 262, 265,
Asanga
da meditação
,233
do dh arm ata 222, 223,233
233.264.267
ap eg o ao eu
Veja também
15 6, 1 88
9 3-94
-
274
do loca l do nascim ento do sonh
o 232
do m om ento d a m ort e 232 ,233 do vi r- a- se r 22 3,224 ,233
280
b ase, c a m in h o e f r u to 1 3 3 ,1 8 1 -1 8 2 ,
C
257,260 b e m - a v e n tu ra n ç a 1 1 0 ,1 2 1 ,1 2 2 ,1 3 7 ,
calm o perm an ec er
159, 194, 224. Veja também b e m - a v e n tu r a n ç a
shamata cam inho
grande
15 8, 278 .
do m an tra secr eto 17 9,
b ilh õ e s d e u n iv e r s o s 74, 136, 257,
180,276.
275
canais sutis 186, 188, 196, 224, 272,
b in d u 1 8 6 ,2 7 1 ,2 7 3 ,2 7 5
273 ,276
b o d is a tv a
canal central 186
[4 4, 151» 15 6, 161, 163,
77 , 184,1 93 , 2 1 5 ,260,272
163,166,1 b o d itc h ita
142-1 73, 2 1 3 -2 1 4 , 24 3-
Vej a tam bém intençã
tro
qualidades
sei s perfeiçõe
o altruíst
a; qua
Veja
Vej a tamb ém V ajr ayana
55 ,58,80,
carma 16,20,24,31,33,40,
84 10 2, u i , 11 6, 119- 120 , 123, 124,
149 ,150,163,
125,126,127,131,132,
166,176, 181, 183,185,194,212-213,
incomensuráveis;
218,225,231,237,255,259,261
s
absoluta 162, 187,214
do s s eis rein os 103 -1 10
da ação 142,156,176-177
grupai 99,106
da aspi ração 142,156,176-177
m ultip licaç ão do 10 0-10 1
definição de 142-143
p u rific a ç ã o d o 134, 1 3 9 , 147» 152,
relativa 162,214
188 ,194,197,202,
b o d itc h ita d a a sp ira ç ã o 1 4 2 ,1 5 6
256,267,270
b o m c o ra ç ã o 36, 5 0 , 5 2 , 57, 66, 93 ,
qu atro aspect
M 3 ,152,153,
desvirtuosa p
170 ,
210,221,224,
os de um a ação lena 89,
101, 124
Buda Amitaba 224, 225, 226, 227,
ci cl os de so frim en to 68, 70,
228,271,273
io j , 117, 120,
Buda Maitreia 93,94
232. Veja também
44 , 52,
Buda Shakiamuni 09, ro, 17, 54,57,65,
72 , 74 , 77 , 94 ,103,118,119,
130, 131, 132 , 133 , 138 , 139 , 144, 152 , 157, 161,167-168,170,
173 , 192, 193 ,
125, 126 , 176, 181 , existência cíclica;
samsara cinco sabedorias 25,272 da equa nim idade 25,
do dha rm adatu
264,268, 27 1, 27 2, 27 3 , 277 , 278,279
que tud o real iza 26
133,176,181,187,188.
57, 62, 1 11 , Veja tam
b ém D arma; 84 mil métodos
26
discr iminati va 25,26 ,153
202,206,207, 236,237,240,244,245,
en sinam en tos de
80, 87,
26
sem elha nte a o espelho 26
, 35,
38,153 ci nco veneno
s 25 ,89,272.
b u d a (s ) 1 1 6 ,1 2 6 ,1 4 4 , 163 , 18 3, 193 ,
no s da m ente
211, 236, 245 , 273 , 275 , 27 7 , 279
clareza 110,121, 122,137
Veja vene
,159
28 l
cobi ça 90,108
,239,277
144 , 149, 188,
123, 130, 131, 133,
co m p aix ão 17, 22, 29, 37-38, 52, 53,
205, 237, 240, 244, 255, 259, 261,
54, 56 , 72 , 80, 94 , 99 , I I 7 , 121, 131,
266,273
153,163,186, 195,207,210,218,231,
D arm a de B uda 138 , 1 88, 272.
251
Darma co m o an tído to para a ra iv a 30 ,
ded icação
34
101,
co m o aspecto
da bo ditchita
142,
de
m érito
120, 163, 170,
Veja
54, 90, 10 0, 21 1, 22 1, 226,
227,228
143, 147 - 149 , 155,213-214
deidade 178, 183, 185,194,195-196,
dese nv olvim en to da 17, 22, 38,
206,207
51 , 67 , 80, 92 , 147- I 49
absoluta 184, 185,189,208-209
e purificação 92, 111
co rpo , fal a e m en te da 17 9, 1 83,
concentração 158,256,277
186,195,225
conduta 258
na tureza da 1
co nd uta sexua l indevida 8
9
deidade
95-196, 209,253
da prosperidade 237,
239
confissão 91, 94, 95, 100.
Veja tam
de idad e de m ed itação
b ém q ua tro p oderes da conf
is sã o
194 , 195 , 196 ,209,211,217-219,222,
confusão 26, 40, 42, 42, 44, 81, 125,
23 7 ,253,279-
133,140,
delusão 105,160,222,262
180, 193,197,208,240,246
co nh ecim en to
tr ansce nd ente
156,
158,278
desejo
Veja yida m
19- 30 , 121,137,
consciência 70, 79, 214-215, 222, 223-230, 233
devoção 204-205, 211.
co ntem plaç ão 20, 24 , 26, 33 ,45, 4 8,
lam a, devoção
51 ,62,64
Dewachen 225,226,271,273
82-83,90,
110,111,
138, 153 , 239 -
apego
Veja também
,65, 79,
134, 18 4-18 8,
com o cam inho 188 ,267 Veja também
pel o
116-118,130,150,197,229,231,256,
dez de svirtudes
262. Vej a tam bém meditação
dez qu ali dad es e cond ições 70, 71
corpo
de ar co-í ri s 259,266
,272
co rpo , f al a e m en te 7 9,8 9, 12 1, 1 57, 177-178, 183, 186,195,
dez virt ud es 90 dha rm aka ya 134, >37,162,184,186,
196-197
verda deira n aturez a d o 40, 44 , 69,172,
88- 90,
177-178
193 , 240,258 ,273,278 dh arm ata 184, 185, 273 dif am ação 89 diligência
D
57 , 67, 69,
7 4 , 124-125,
150 , 156 , 158 , 173 , 192 , 197 , 199 , 203, 256, 260, 262, 277
dakini 134,237,238,250,272,278
disciplina 36,69-70,
D arm a 6 2 ,6 7 , 7 2 ,80 , 11 o, 11 3, 1 19,
279. Veja tam bém disci plina m oral
89 . 9 0 , 130 , 157 ,
282
disciplina moral 156, 157,
Veja
277-
também disciplina
271 ,274, 275. ção; liberação
doi s tipos de benefíci
o 136 , 2 7 3
estado desperto 264, 265, 266, 268,
d o m a r a m e n te 17 -1 8, 36, 56, 1 14,
271, 272, 273, 274.
199
giande
dualidade 25, 115, 161, 173, 209,
est ágio
210 ,223, 248, 26 6. Veja também cepção sujeit
ilumina
Veja também
per
o-ob jeto
bem-aventur
Veja
G rande Perf ei ção
aça
da co ns um aç ão
18 0, 1 83,
188, 196, 209, 225, 231, 253, 263, 273. Veja também
Dzogchen 254, 256, 257, 274-
Veja também
prática de deida-
de; visualização est ági o do d ese nv olvim en to
18 0,
183, 19 5 , 19 6 , 225, 231, 253, 263, E
273. Veja também
ego ísmo 28,38,149
de; visualização exibição 40, 123, 161, 182, 185, 195-
,154 ,239,245
elem entos 74,124,182,185,195,
221,
prática de deida-
196,222,253,265,266,275 existência cíclica 09, 10, 16, 40, 64,
222,233,259,272 em oç ão 20, 27- 28, 30 , 69, 115, 268. Veja também venenos
231,
da m ente
70, 87, 106, 110, 131,
139 , 194 , 23 7 .
ci cl os de sofrim
Veia também
an tído tos p ara 20, 25, 30 , 147 ,
samsara
173
êxtase 188,271.
natureza essencial da 23-24, 25,
êxtase.
en to;
Veja tam bém grande
34- 35, 111- 112,239 li beração d
a 25-26, 203
F
rep rim ir a 24, 35 ,1 21 emoção negativa 25, 246, 272. emo ção; venenos
Veja
da m ente
fala.
Veja também
corpo, fala e
mente
energia dinâm ica 182, 242
desvirtuosa 89-90,124, 196
energias sutis 114, 186,188, 196,208
virt uosa 58,90
54 , 58 , 59 ,63, 144,
equanimidade 53,
146, 153 , 154 , 163, 17 8 ,193,276 sabedoria da 25, 26, 272.
fé 69, 200-205, 206, Veja também
Veja
7,
2 to , 211, 231.
lam a, f é no.
cega 45 ,203 três elem
também cinc o sabed orias
espe rança 81 -82
,156,15
en tos da 20 2- 20 3
felicidade 15, 18, 20, 23, 25, 27, 28,
e medo 20,41,46
,51,69,187
estab ili dad e m ed itativa
110,
29, 30, 32, 24, 11 6,
36 , 54 , 58 , 63, 7 3 , 75 ,
78, 81, 87, 9 0 , 97 , 10 4, i l l , 119, 121,
121,122,137,158-159
124-125, 158, 176, 202, 232, 262,
esta do bú dico
267
15 5, 1 56 , 214 , 215,
283
caus as da 1 6,84 ,86,9 8, n o , 1 44,
197, 198, 202, 203, 214, 220, 222,
150, 167,168,188,203,205,213
224,226,231,233,236,245,247,254,
form a e vacuidade
257,258,259,260,264.
179, 275
estado G
Veja também
búd ico; li beração
e boditchita 142-144, 146, 155157,176-177,213-214
g en ero sid ad e 54, 90, 145,
ca m inh o 58, 64, 65, 131, 121 ,
152 , 156,
132,186,233
159,161,227 grande bem-aventurança 273
obstáculo à
gra nd e êxt ase 188
ilus ão 35,42,212,215,216-217,240
G ra n d e P erfeição 09, 187
, 18 8, 18 9,
193,217.223,231,233,254-263,275
32 ,64 ,65 ,12 1, 17 7
im pe rm an ên cia 50 ,59,68, 7
30 , 42, 47, 48, 49 ,
5- 83 , n 7,176 ,204,263
ape go e 46,79,120 G uru Ioga 236- 253, 275 b e n e f íc io s d a 24 6
com paixão e 51,
,125 ,263 80,
co ntem plaç ão da 20 , 2 1, 22, 2 3, 26- 28, 48, 63,
H
80. 82, n o , 173,
178,228,231 inici ação 180,253,
hábito 23, 25, 29, 33, 36, 40, 44, 51*
b á sic a 180
136 , 143 , 15 9 , 181,
62, 83, 98, 131,
183, 184, 187, 190, 191, 198, 216,
25 5,27 4,27 7
do caminho 180 intenção altruísta 38, 53, 66, 70, 86,
217,219,242 p u r if ic a ç ã o 114, 115 , 131, 13 6, 139,183,
195 , 197 , 209 ,262
Hinayana 133,176,178,274
144,146,150,154,166,243. b ém boditchita
93 , 243 - 244 - Veja
intenção pura 56, intenção
Veja tam
alt ruíst a; m oti vação
inveja 21, 25, 26, 109, 113, 152, 153, I
272 ioga do s onh o 43,232,274
ignorância 23
,25,31 ,40-4 6,62 , 109,
116,120*121,
133 ,138,189,191,208,
214-215,217,237,259
ira 38
K
p u r i f ic a ç ã o d a 26, 11 3, 115 , 13 7, 179,188, 198,209,239 sofri m ento e
9 5 , «4 7 , 157
kaya 134, 137, 162, 184, 186, 189, 237. 240, 278.
Veja dharmakaya; nirma-
iluminação 18,23,28,29,32,44,72,
nakay a; sambho
73,82,87,92,116,119.122,125,131,
kay a da fo rm a 134. 1 62, 18 6, 273-
132,133.
135- 137 ,139. M 2,144.146,
149, 162, 170, 176, 177, 180, 186,
gakaya
Vej a tam bém nirman
gakaya
akaya;
samhho
284
L
mãe e filha 233
lama 65-67, 134, 187, 198,218, 225,
M
236-253,256,258 absoluto 2
42,252
m ahasi ddha 43,266,275
b ê n ç ã o s d o 2 3 8 ,2 4 2 ,2 4 6 ,2 4 8
Mahayana 131, 133, 139, 142, 149,
com pai xão do 72,242,243,245
176,178,275
devoção pelo 204-205, 245-246,
Mahayoga 188,276
248,256
manifestação 77, 114, 131, 134,159,
examinar as qualidades do 65,
1*1, 17 8,182 ,184,18 6,195 ,207,21 7,
66,242-244,249,250-251
223,224,240,250,252,263,266
fé no 204-205, 241,242,246,248,
m an tra 5 6 ,9 1 ,9 2 , 97, 1 80, 18 7, 1 93-
256 ora r para o 25 2-25 3
194, 196,252,256-257,275 mara 157, 177,275
quali fi cações
m atar 31 , 3 2 ,7 1,89,98-9
65,66,242-244
9, 100, 166
realização do 236,241,245-246
meditação 24, 26, 28, 36, 51, 56, 66,
relacionamento com o aluno
95, 105, 117-118, 163, 165, 172, 199,
245,246,247,252
2C3, 218, 247, 2 59, 268.
simbólico 252
contemplação,
Veja também
est ágio da
consum a
liberação 63, 64, 65, 67, 70, 72, 73,
ção; estágio do desenvolvimento;
86, 87, 90, 101, 110, 117, 122, 131,
visualização
133 , 13 4 ,136,142,146,
an alític a 45, 113
15 4 ,163,165,
176,180,187,229,230,236,237,240,
co m esforço 17 9
243 ,247,249, 255,258.
contem
est ado búdico; il
Veja também
um inação
no bardo 222, 223,225, 231,
plação
e
rel axam ento
55 - 56 ,115,163,255 233
na vida quo
ti diana
55, 267
dharmakaya 222
nã o co nc eitua i 114-115
nirman akaya 22 4
sem esforço 179
sambhogakaya 223
subprodutos 121-122, 122-123,
libe rd ad e 17, 144, 203 , 231. também e stado búdic
137
o; il um inação;
liberação linhage m 180,251,256,
Veja
tonglen 150,278 medo 19,20,41,42,46,
274
Vea também
228-229,238.
m orte, m edo da; e sp e
m ente a m ente 133, 242,259
ra nça , e m ed o
oral 133
meios hábeis 36, 65, 161, 162, 273,
luminosidade 132,230
279
285
mente.
Veja também
co rpo , fa la e
dis sol ução dos elem m edo da 220,
mente
en tos 2 22
228
e libera çã o 222- 225
autoconhecedora 115,241 co m o fo nte de experiênci
a 15,
17, 20, 41, 69, 85, 103, 183. também manifestação
Veja
com um 15, 16, 78, 114,185,
208,
p rep a ra ç ã o p a ra 2 2 0 2 3 3 m otiva ção 53, 5 6, 59, 6 9 , S i, 86, 92, 193 , 131, 163, 164, 166, 169, 170, 213,253,256.
Veja t am b ém intenção
altruísta
210,257
55 , 56 , 115,
conceituai 24, 42,
N
160, 2 3 7 ,240 descansar, relaxar, repousar a 19, 35, 11 5, n ó , 158, 170, 172,
n ão sectário
183,264
N a r o p a 267
dualista.
Veja dua li dade ; percep
140
nascim ento hum
ano
pre ci oso
49 ,
ção su jei to-objeto
63,68-74,178,202,275
ex am ina r 35- 36 , 53-56, 58
n atu re za
il um inada 77,131,143,162,169,
184, 185, 186, 187, 195, 197, 210,
195,240,248
217,233,241.
qualidades positivas da 24, 58,
b ú d ic a ; n a tu r e z a f u n d a m e n t a l ; v e r
77 , 143,158
dadeira natureza
racional.
,189,199,246,256
Veja conc eit uai
substân cias que alteram transform
a 12 2
172-173,198,254,264 Veja ver
dadeira natureza m en tir 37,89, 166,
171,179,180,183,258,
27 5
nature za fund am ental
tureza
178, 180 ,
09,16 , 17,134, 147,
176-199, 257, 260. a da.
125,
Veja t am b ém natureza
nature za búdica
ação d a 20, 36 ,44, 57 ,
verdad eir a naturez
ab so luta
16,43 , 161 ,
Veja também
na
búdi ca; ve rdad eira nat ure za
na turez a ilusóri a da expe riência 51, 244
59,80,81,90,231
m é rito 68, 69, 70, 90 ,10 0 , 10 1, 1 20,
natureza intrínseca 25, 44,137,
132 ,136,139,
179, 183,209,222,239-
152,161, 162-163,166,
147 ,
Vej a tamb ém
167, 169, 170, 172, 188, 194, 197, 211 ,212-213,221,227,2 38, 239,245.
natur eza; nat ureza b úd ica f un da m ental; verdadei ra natureza
Veja tam bém acum ulação
ngondro 255,276.
dedi cação de m
éri to
de m éri to;
Veja práti cas pre
liminares
M ilarepa 12 5
nirm an ak ay a
m ort e 78, 7 9 ,80,81,220-233
240,250,275,276,278
contem
plação da 7
8
134.
nirvana41, 115, 161
184, 22 4, 236,
286
222,241.
0
Veja também
du al idade
p e rs e v e ra n ç a 5 7 ,1 5 8 p o w a 2 2 4 - 2 2 5 ,2 3 1 ,2 3 3 ,2 7 6
ob scu recim en tos 95, 120, 1
43, 18 5,
Veja 186, 192, 209, 214, 255, 262 . também quatro ob scureci m entos
p rá tic a d e d e id a d e 184-1 89 . Veja t am bém estágio da consum ação; est ági o do de senvo lvime nto; visual iz ação
intelectuais 136, 181
p a c íf ic a 186
p u rific a ç ã o 39, 4 4 , 66 , 81 , 115 ,
irada 186,188
I 31 , 1 36 , 13 7 , 138, 140 , 14 3 , 172 ,
p rá tic a d e l o n g a v id a 9 0 ,2 2 1
178, 179 ) 180, 182, 183,184,189,
p rá tic a s p r e l im in a r e s 64, 198, 251 ,
191-192, 196-197,225,261
255,256,260,261-262
obstáculos à prática 63-64, 65, 67,
com un s 1 30
121 , 177 , 208 ,239
extraordinárias 256
ódio 2 5, 31 ,32,38,107 oit o ti pos de op
,157 ,277
p ro f e s s o r e s p i r i t u a l 65-6 7, 179, 19 8,
ortun idad es 70
203, 205, 236,239-246,248-253.
Veja
oração 92, 161, 163, 206-211, 231,
lama
24 í
p r o t e t o r d o D a r m a 2 3 7 ,2 3 9 ,2 7 6 na prática de deidade 207,209,
p u r e z a 16 , 25 , 39, 52, 147 , 179, 181,
no bardo 223,224,230
183, 184, 195, 209, 224, 225, 240,
m oti vação para a orgulho
20 6,208
25 ,26,50 ,89, 109,113,
257,258, 153,
164,166,272,277
p u rific a ç ã o 54 , 91 , 92, 95-96, 101, [89, 192, 221, 276.
Veja carma, pu
rificação do P
p a c iê n c ia 22, 35 - 36 , 50, 54 , 57 , 58,
154 ,156, 157 ,158,267,277
Q
como antídoto para a raiva 32,
53 , 157 ,168 Padmasa mbava 77 p a ra ís o 105
quatro nobres verdades 111,181 ,259, 276
quatro obscurecim entos 136, 276 quatro pensam entos qu e tr ansf or
p a z m u n d ia l 37
mam a m en te 6 1- 12 7
p e n s a m e n to s n e g a tiv o s 57, 5 8 , 11 4,
ca rma; im perm anên cia; nascimen
150
to hum an o pre ci oso ; sofri m ento
Veja também
p e rc e p ç ã o im p u r a 1 8 2 ,1 9 2
co ntem plaç ão do s 55, 62- 64, 67 ,
p e rc e p ç ã o s u je it o - o b je t o 1 9 ,3 1 ,1 5 8 ,
110-111,113-127,130,178,255
287
94 - 95 ,
quatro poderes da confissão 97,100, 22
reino do
s deus es m un dan os 109
reino dos fantasmas famintos 70,
8, 276
qu atro qu ali dad es i ncom ensurávei
s
73.105.106.108.277
73 , 104,
reino dos semideuses 70,
144,152,153,178,276
109.277 re i no hum ano 68, 70- 71, 73 , 99 ,106-
R
107.138.147.224.227.277 raiva 26, 27,
31-39,
107, 121,
137,
reino puro de experiência 224, 225,
138, 152, 157, 163, 165, 168, 188,
226,229,233,276.
231,261,272
reinos dos infernos 70,
diss ipar a 3 2 , 34 - 35 , 53 , 153 ,188
34 - 35 , 53 , «53 ,
natureza da 32,
10 4, 1 05,107-108,165
43 , 44 , 46,
realidade 16, 20, 41, 42,
79 , 80, 84, 184, 218,
5«, 59, 69,
257 ,
73 , 98 , 99 , ,267,277
reinos inferiores 70,88,98,104 rei nos superior
18 8
Veja terra pura
es 70,87
renúncia 110,237 roub ar 21, 89, rupakaya 134,162,278.
258,265
,98,104
Veja kaya da
forma
relativa 159-162,212 ú ltim a 159 -1 62, 206, 212, 21 4. Veja verdadeira natureza, da re
S
alidade reali zaçã o espiritual
09,
89, 1 34 ,
sabedoria 25,43,45,48,52,116,118,
194, 215-216, 2118, 255, 275, 277, 278,279
134,136,140, 154 ,155,158,160,161, 162,182,186,187,188,189, 193 , 195 ,
refúgio 130-141, 163, 224, 227, 229,
196,198,203,207,217,222,233,
2 37 ,256,
239,241,242,250,253,256,258,260,
co m o
com pro m isso
13 5- 136,
137-138,170,236 regozijo
153 , «54 ,
co rpo, fa la e m en te 177 sabed oria discr
169,178,229 84
ri as
,179
iminati va 25,26,153,
273. Veja ci nco sabedo ri as
reino an im al 108,7 3 reino da ausên
Veja tam bé m acumulação
de sabedo ri a; c inco sabedo
54 , 58 , 101, 152,
reencarnação
261, 263.
237 ,
sabedoria intrínseca 52, 136, 184,
cia de form
a 106,
189, 193, 196, 223, 241, 258, 263.
110, 116,122,194,278
Veja tam bém
rei no da form
a 110, 278
sabedoria que tudo realiza 26, 272.
rei no do desej
o 106,110
reino dos deuses
,194,278
109, 194,
estado desperto
Veja cinco sabedo
salvar vida
ri as
s 90,151 ,221
288
samaya 180,277
212,215-216
sam bho gak aya
13 4, 1 84 , 223, 2 40,
vi da c om o um
250,275,276,277,278
51,69,
sa msar a 1 6,26 ,40 ,41,42 ,64, 68,70,
214,229,232,264
79 , 80, 120, 160, 165, 176,
73 , 81 , 86 , 87,93, 104, n o , h i , 115,
suicídio 29
117, 118, 120,
sutra 118,138, 178,277
124 ,
125,
127, 144,
155 , 156, 157, 160,
161,
176, 177 ,
183, 186, 187,
189, 1 91 , 192,
188,
204, 214,
215, 216,
255 , 257,
259, 264 , 267 , 270 , 273,
277, 278.
223,
Sangha 278
cl ic a
13 1, 133,138, 139,23
tagarelice 90 Tar a 95,21 0, terra pura 105, 178, 183, 191, 192,
7,277 ,
seis c lasses de seres 107. Vej a tam bém seis reinos
216,224,225-226,228,230,270,273, 278 testam ento, es crever um
56 ,159 ,161 , 17 6
sei s rei nos 2 24,277
225,276.
Shantideva 160,163,259 sidi 238, 277.
tonglen 150,278 transferência de consciência 224,
sham at a 115,116,277
Veja powa
trazer as adversidades para o cami
Veja também
realiza
ção espiri tual
nho 26 7 Tr ês Co leções d o D arm a (T ri pit aka)
sofrim en to 17,18, 34,41
, 5 5, 68, 73,
80, 81, 103-112, 124-127, 133, 176, 181,202,214,240
138.278 tr ês esferas
159, 161-16
2,278
Tr ês G ir os da Ro da do D arm a 181-
causas 16, 19, 21, 29, 33, 40, 58,
97 , 100, 130, 147, 157,
168,181,249,267,270 co ntem plação
182 Tr ês Joi as 13 1,13 3,13 5,23 7,27 8 três kayas
do 29, 5 1, 64, 173,
178
184,
Veja tam bé m
189 , 237 , 24 0, 278.
dharmakaya; nirma-
naka ya; sam bho gakay a
dim i nuir 1 5,28, 45,46,135
,164 ,
trê s portas
18 3, 19 5 , 197 - Veja corpo,
205,238,249
fal a e m en te
liberda de d o 42 , 69, 73, 90, 11 7,
Tr ês Raízes 134,
141
três rein os da
três tipos d
227 -2 28
Til opa 26 4,267
sei s perfeições 1
84, 86, 92,
T
238, 247,
Veja tam bém ciclos de so
frim en to, e xistência cí
41 -4 3 , 44, 45, 46,
e 103
so n h o 35, 40-43, 46, 106, 160, 1 85,
23 7,23 8,27 8 existência
10 6, 18 2,
183.278 três ve ne no s 31, 110 . Vej a t am bém
289
venenos
222 , 238 , 25 8 , 263,270
da m ente
Vejaemoção,
das emoções 25.
T ulk u A ri k 12 5- 12 6
natureza essencial da V
descansar
vacuidade 160, 171-172, 178,
do sonho 42, 160 ignorância da 40
179 ,
qu alidad es da 195
193 , 195 , 209 ,
181, 182, 183, 186,
na 102 ,179,262
212 , 217 , 225 , 2 5 0 , 252 , 258 , 261 ,
realização da 45, 171, 211, 217,
265 , 271 , 2 73 , 274,278
260,263
vajra 177,178
revelar 46,
co rpo , fa la e m en te
17 7,
143 , 160, 193,228,
25 8
179 ,
Vinaia 138,278,279
182,185,195,225
vipashyana 115,116,279 qualidades 177,178 Vajrasatva 95 , 186,257
visão 161-162, 176, 179, 180, 258,
33 , 1 34 , 138, 142,
Vajrayana 131, 1
vi são errôn
176-263 de finição d
também
da m ente 25,27,
110, 113, 115,
3 1 , 33 , 37 , 94 , 103 , 109,
39, 63, 65, 80, 86, 89,
ea 90
visão pura 138, 192-193,
e 17 7- 17 8
síntese 179-180 venenos
259,260,279
119 , 136, 164, 166,
279 -
visão
visualização 119-120, 183, 186, 187, 194-196,216-219,225,226,227,252, 253,273,274,
279 - Veja tam bém está
171, 188, 202, 238, 239, 251, 271.
gio da consumação; estágio do de
Vej a t am bém emoção
senv olvim ento; práti
ventos 114, 187, 188,221.
Veja ener
votos de bodisatva
ca de deidad e 170 ,211,256
gias sutis
47 » H 7 > 159 ,
verdade absoluta 46,
Y
161-162, 176,184-185, 209-210, 212, yana 133,178,279
214, 216, 218, 219, 237, 241, 273,
yidam 134,237,238,279
279 verdade relativa 47, * 176,209,212,218,278,279 verdadeir
59 , 161, 162,
a natureza
da m en te
18, 44,
74 , 116, 118,
156,194,215,230,238,241,255, 257,259 da real idade 26
,43 , 44 ,1 32 ,134»
136, 157 , 16 0, 170 , l8 l , 191.
196 ,
Veja
290
OUTR OS LIVROS DE CH AG DU DTU LK U R I P OC HE
PARA ABRIR O CORAÇÃO
“Um ser comum não pode ter sequer uma vaga ideia da profun didade da infinita ação compassiva de um bodisatva. Somente um bodisatva pode fornecer tal orientação. Na minha opinião, Chagdud Tulku Rinpoche foi um verdadeiro bodisatva que trabalhou incan savelmente pela eliminação do sofrimento em diversas regiões do mundo. Alegra-me que seus ensinamentos t enham sido compilados neste livro e desejo que cada palavra sua seja posta em prática.” Dzongsar Khyentse Rinpoche VIDA E MORTE NO BUDISMO TIBETANO
“Desde a sua publicação srcinal em inglês em 1987, este livro tem realizado o desejo de Sua Eminência Chagdud Tulku Rinpoche de prover instruções breves, mas profundas, sobre a preparação para a morte. Por ser sucinto e acessível, foi lido por um grande número de pessoas, muitas das quais com entaram ser este um livro que indi cam tranquilamente a parentes mais idosos e a amigos que estejam lidando com enfermidades terminais. Atualmente, uma rica litera tura sobre as transições da m orte está disponível, escrita por budistas e também por mestres de outras tradições, assim como por aqueles que prestam assistência a doentes terminais, por terapeutas e por bi ógrafos. Vida e Morte no Budismo Tibetano ocupa um lugar entre essas obras pela praticidade de seus conselhos e pela poderosa e benéfica intenção de Chagdud Rinpoche.” Chagdud Khadro
291
O CAMINHO b u d i s t
a
:
u m a b r e v e i nt r odução
Isto não é somente um curto relato sobre a história da vida de Buda ou a um aglomerado de informações sobre as diferentes tradi ções budistas. O livro, além de esclarecer pontos fundamentais do budismo, também nos inspira a aplicar a sabedoria milenar de Buda em nosso cotidiano. ha r m oni
a
e m casa
Para todos, não importa religião, nível econômico ou naciona lidade, relacionamentos são sempre um desafio. Neste ensinamento claro e precioso, Chagdud Rinpoche propõe atitudes que podem tor nar tanto as relações amorosas quanto a educação dos filhos uma prática espiritual em si, oferecendo a todos nós a oportunidade de construir uma harmonia cada vez maior em nossa vida familiar. sem ent
es
d e sabedor
ia
Neste conjunto de citações de ensinamentos de Chagdud Rinpoche podemos encon trar a sabedoria mi lenar dos ensinamentos de Buda. Eles nos inspiram a transformar as ações cotidianas mais simples em ações espiritualmente significativas. Descortinam pano ramas nos quais podemos entrever o pleno potencial de compaixão e sabedoria. Como sinais de alerta em uma estrada com curvas fe chadas, eles impedem que nos machuquemos, traindo nosso bom coração, e que machuquemos os outros, causando-lhes dor.
O SENHOR DA DANÇA
Esta é a autobiografia de Chagdud Rinpoche, mestre tibeta.no
de meditação que mudou-se para o Brasil em 1994. A narrativa co meça na região oriental do Tibete, onde ele nasceu, passando de pois por um campo de refugiados na índia após a invasão chinesa ao Tibete, vai até os Estados Unidos e chegando então em Três Coroas, no interior do Rio Grande do Sul, onde fundou o primeiro templo
292
em estilo tibetano da América Latina. Além de narrar a sua vida, Rinpoche nos apresenta também aspectos da cultura tibetana e dos ensinamen tos budistas.
293
Est e li vro f oi co m po sto n a fonte
Le-
MondcUvrc e Bell Gothic c impres so e m fevere iro de 2015 pela grá fi ca Bartira. 2010 1 5 o ed ição 1 2013,201 s | reim pressão ]