Respeitável Respeitável público!
Chacovachi (seu nome real é Fernando Cavarozzi) é um palhaço e bufão argentino, nascido em Buenos Aires em 21 de abril de 1962. Um dos palhaços de referência na Argentina, este artista de rua é também criador do Circo Vachi. Atuando como diretor de circo e diretor artístico, há mais de 20 anos integra a Convenção Argentina de Circo, Palhaços e Artistas de Rua. O Palhaço Chacovachi vem levando sua arte pelo mundo afora: Marrocos, Cuba, Peru, Brasil, Venezuela, Espanha, Inglaterra, Holanda, Colômbia, França, entre outros países.
Fotografia: Maku Fanchulsini
MANUAL E GUIA DO PALHAÇO DE RUA
Palhaço Chacovachi Manual e guia do palhaço de rua / Palhaço Chacovachi; Javier Miguel Yanantuoni; Martin Vallejos; tradução de Jeff Vasques (palhaço Magrólhos); contribuições de Lucía Salatino; ilustrado por Highlander Artista 2a ed. - La Plata: Contramar, 2016. 156 p.: il.; 14 x 20 cm. ISBN 978-987-33-8629-9 978-987-33-8629-9 1. Artes Cênicas. 2. Circo. I. Yanantuoni, Javier Miguel. II. Vallejos, Martin. III. Salatino, Lucía., colab. IV. Highlander H ighlander Artista, Artista, ilus. V. Título. CDD 791.3
Tradução por Jeff Vasques (Palhaço Magrólhos - www.eupassarinho.org) www.eupassarinho.org) Ilustrações por Highlander Artista y Karine Lebatard
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Feito o depósito como rege a lei N° 11.723 Impresso na Argentina
MANUAL E GUIA DO PALHAÇO DE RUA PALHAÇO CHACOVACHI
COLECTIVO CONTRAHAR
Todos somos palhaços, só alguns trabalham com isso
ÍNDICE (Apresentação) ....................................... Livro de viagem (Apresentação) ....................................................... ................ 08 O método do Xadrez ............................................................... ........................................................................ ......... 11
A apresentação: apresentação: o palhaço, o material, material, a estratégia estratégia O palhaço que você é ....................................................................... ....................................................................... 26
Ofício, profissão e filosofia O material que você tem ...................................... .................................................................. ............................ 36
Piadas, rotinas e dramaturgias Dramaturgia da apresentação de rua ............................................... 57
Convocatória, número participativo e passagem p assagem de chapéu Circuito de rua ................................... ................................................................................ ............................................... 74
Vida de piratas e mapas atuais Apêndice ......................................................................................... ......................................................................................... 91
Estudo, autobiografia, entrevista e referências Manifesto (Epílogo) ................................................................. ........................................................................ ....... 113 Sumário ...................................................................................... ......................................................................................... ... 114
PRESENTAÇÃO pelo Coletivo Coletivo Contramar Contramar Revisão e notas pelo Palhaço Chacovachi
Livro de viagem Numa tarde de domingo na Bahia Blanca, ia um amigo pela praça e, de uma roda, o chamaram. Fizeram com que ele se desviasse e participasse numa apresentação. Um palhaço lhe falou com voz grave e sentido de justiça: de igual para igual. Moleque! Você Você gosta de viver neste mundo? mundo? Já vai passar... A lembrança do incômodo e do reconhecimento, no meio da rua, perdurou em seu corpo até hoje, quando, depois de conhecer pessoalmente o Palhaço Chacovachi, retorna como uma lição precoce. Esse foi o primeiro encontro entre um integrante do Contramar e o palhaço que armou seu caminho por entre as praças do mundo, hoje trabalhando juntos juntos no Manual e Guia do Palhaço de Rua. ♒
O Coletivo Contramar aproximou-se de Chacovachi fora da roda de apresentação, em 2012, para lhe perguntar como havia visto a rua durante os anos noventa e como se fazia humor em seu meio. Como resposta, não obtivemos uma opinião geral, mas um estilo, uma modalidade e estratégias de trabalho que implicavam um olhar político e corporal sobre o fim do século passado. De certo modo, este Manual, que recompila anedotas de suas experiências e de seu método para montar um espetáculo de arte de rua, é uma resposta à pergunta que fizemos. Descobrimos, Descobrimos, então, que o ponto de vista de Chacovachi estava, antes de tudo, em sua forma de trabalhar e sobreviver. A partir dos anos 80, a globalização fez muitas promessas promessas à classe média argentina e latino-americana — participar de uma cultura mundial através do consumo, tornar-se cosmopolita — mas não prometeu a rua como espaço de encontro. Pelo contrário, a rua seria o que é preciso atravessar, seria a competição, os movimentos de desocupados, os protestos, os engarrafamentos, as multidões, atravessar a rua para chegar ao espaço que pague. Enquanto essa ordem tácita do consumo representava o sistema, grupos de teatro e artistas de variedades do circuito alternativo enxergaram nas praças o espaço indicado para
renovar o pacto com seu público. O objetivo era recuperar o espaço ocupado pelos temores remanescentes da ditadura de 76. Chacovachi participou dessa ideia — sua primeira atuação foi foi em um festival contra a ditadura militar no Parque Lezama -, mas, para além disso, encontrou outros elementos na praça: as pessoas comuns e o fugidio dinheiro, coisas difíceis de conseguir nos subsolos do Parakultural1. A praça passou a significar, então, continuidade do trabalho. Logo depois de atravessar uma experiência militar ou de emergência, a continuidade é um problema. Continuar o quê? A praça era continuidade. Não da vida que trazia Fernando Cavarozzi, senão de algo desconhecido, já que o mundo da arte foi mais ou menos irrelevante — apesar de ter tocado em uma banda e escrito canções — até que cruzou com a escola de mímica de Ángel Elizondo. A descoberta do ar livre da praça, do sol e das pessoas que passam não era necessariamente tranquilizadora. A praça do bairro logo se converteu em todas as praças do mundo, com suas nuvens de tempestade e festas populares; os vizinhos em procissão domingueira se prolongaram no passante anônimo, estrangeiro e impessoal que também teria que rir, ainda que fosse um par de gêmeos suecos, uma bêbada, um louco. l ouco. Aos personagens reconhecíveis da praça se somou uma multitude de públicos possíveis. Aqui, ao menos, uma promessa se cumpriu: o Palhaço Chacovachi atuou em festas populares da Europa e da América do Sul como os imemoriais saltimbancos, os bufões e os artistas nômades. Mas também nos povoados e paragens das províncias da Argentina e da Pátria Grande, como os espetáculos itinerantes da época do vice-reinado. Como pode haver um método para resolver as incríveis situações que se apresentam em uma odisséia como essa, como alguém se atreve a falar de Manual?
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Espaço cultural de Buenos Aires no qual se referenciou o movimento alternativo de teatro, música e outras artes, desde a metade dos 80 ao princípio dos 90. Em um primeiro momento, estava localizado em um pequeno e explosivo sótão de San Teimo. Logo se mudou para outros lugares. Muitos dos artistas que, desde os noventa em diante, trabalharam no teatro, nos meios de comunicação e no circuito de rua, participaram de suas programações. Foi fundado por Horacio Gabín e Ornar O rnar Viola, a quem Chacovachi Chacovachi reconhece como c omo um de seus Mestres.
Adiante se encontram os ensinamentos mais difundidos pelo Palhaço Chacovachi, como o Método do Xadrez, e muitas histórias de sua trajetória. Você encontrará, encontrará, também, uma espécie estranha de escritor: o escritor oral. Chacovachi compartilha a tradição oral dos bufões e dos charlatões de feira, mas também dos pajadores2 e dos cômicos de stand up. Quando nos ofereceu editar o Manual disse que tinha um livro escrito. Onde? Na cabeça, cabeça, disse. E assim foi. É o grupo de ensinamentos, piadas e histórias que constituem seu Curso de Palhaço de Rua. Para entrar em contato com essa escritura oral, não bastará ficar apenas nestas páginas, porque um de seus componentes, do mesmo modo que poderíamos descrevê-la como uma expressão clara, aforística, elaborada e graciosa, é a espontaneidade. espontaneidade. A mesma situação da qual surge e a qual se dirige forma parte de sua estrutura oral. Esta abordagem permanente à situação não o impede, no entanto, de transmitir os conhecimentos e as informações que dão consistência ao diálogo e ao monólogo. Por isso, Chacovachi forma parte da tradição dos escritores orais míticos da velha Europa, o lumpen suburbano e provocador da América Latina. Esta é outra forma de dizer que o Manual é um livro incompleto. Falta que você o leve e o termine. Neste livro de viagem, há lugar para suas anotações. Leve, te servirá para montar uma estratégia de sobrevivência em uma praça marroquina, em um teatro chique, em uma barbearia do subúrbio de Buenos Aires ou em um escritório do centro. ♒
O texto tem dois registros: regi stros: de um lado, a dimensão expositiva do Manual organiza conceitos conceitos e seus desenvolvimentos; desenvolvimentos; de outro, os textos diretos de Chacovachi, que aparecem como panfletos, e o registro de suas anedotas dão uma cenografia precária para que a viagem comece desde a primeira leitura.
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"Payadores" são os artistas da "Payada", arte poético-musical vinda da cultura hispânica e difundida no cone sul. O "payador" improvisa versos acompanhado de violão. Aparece no sul do Brasil como "Pajada".
O MÉTODO DO XADREZ A apresentação: apresentação: o palhaço, o material, material, a estratégia estratégia
Fazer uma apresentação de palhaço é como jogar xadrez. Todos nós sabemos como se joga. Joga-se com e contra o público: move você, move o público; conforme mova o público, move você. Por isso, com o mesmo material, nunca sairão duas apresentações iguais. A apresentação de rua é como um jogo de xadrez. Na rua, a apresentação é um jogo e também uma guerra. O palhaço de rua é um guerreiro: se veste para a guerra, tem uma personalidade à prova de balas e sai pra rua como "buscavidas" , a jogar seu jogo com o público. O método do xadrez toma três aspectos dessa comparação para explicar como montar uma apresentação de palhaço de rua em qualquer lugar do planeta. De um lado, estão os aspectos que têm relação com o palhaço que somos e com o material que temos. São as peças do jogo. E, de outro, está a estratégia do jogador, que marcará o desenvolvimento da apresentação.
As peças No xadrez, cada jogador conta com seis tipos de peças. A mais importante é o rei, seguida da rainha, depois vêm as torres, t orres, os cavalos e bispos e, por último, os peões.
O rei é tua dignidade e tua fonte de energia, se você perde alguma dessas qualidades, você está morto. A rainha é tua personalidade e tua atitude, é a que defende e ataca, a que pode ganhar sozinha uma partida, a que vai para onde quer e quando quer. Jogar sem atitude, sem personalidade, torna muito difícil o triunfo. Os bispos, cavalos e torres são tuas rotinas (pretextos para estar em cena), que podem ser clássicas, paródias, de habilidades, números participativos, excêntricos, etecetera. Os peões são tuas piadas e gags que você pode usar a qualquer momento. Na apresentação de rua essas peças se organizam em dois grupos. O rei e a rainha têm relação com o palhaço que cada um é, algo que pode levar muito tempo para se descobrir e que vai tomando forma a partir da experiência do palhaço. As torres, bispos, cavalos e peões são o material que temos: nossas rotinas e todas as piadas pi adas que levamos prontas ou que fazemos no momento. Deve-se sempre lembrar que um palhaço é as duas coisas: o palhaço que você é e o material que você tem. Para crescer como palhaço, você deverá polir muito o material e, com esse trabalho de polir o material, iremos conhecendo cada vez mais nosso palhaço.
O rei: a dignidade e a energia O rei é a peça mais importante do jogo: se nosso adversário nos toma o rei, perdemos a partida. Na apresentação apresentação de rua, o rei é a energia e a dignidade. Há três tipos de energia: emocional, física e intelectual ou cognitiva. Deve-se fazer um forte trabalho sobre as três, há todo um treinamento energético para poder fazer bom uso dos três tipos de energia na apresentação. apresentação. A energia cognitiva, que podemos associar com a atenção, com a capacidade de responder rapidamente, tem que manter-se bem alta. A energia física também: na apresentação temos que ter toda a energia física carregada. O treinamento mais importante passa por poder manter a energia emocional controlada, e isto significa nem alta nem baixa: se é alta, a coisa sai de nossas mãos, perdemos a compostura; e, se é muito baixa, não chegamos a contagiar o público. Nisso o palhaço de rua é uma espécie de xamã: tem que trabalhar para mobilizara energia emocional na roda e provocar sentimentos no público.
Existem três tipos de ENERGIAS para atuar (e para tudo): -FÍSICA: sempre deve restar alguma -COGNITIVA: a mais elevada possível -EMOCIONAL: essa é a que se deve controlar mais; se não há nenhuma, nada se transmite e, se há muita, tudo explode (no sentido ruim). A dignidade se relaciona diretamente com a função do rei como peça que define se ganhamos ou perdemos a partida. Dignidade é crer no que se faz. Perdemos a dignidade quando deixamos de crer no que estamos fazendo. Um palhaço está preparado para o fracasso e não perde a
partida quando um número sai mal: até pode transformar essa falha no ponto chave do êxito de sua apresentação. No entanto, quando mostra em cena seu sofrimento pelo fracasso, perde a dignidade e perde a partida. E nós, palhaços, como é sabido, não gostamos de perder nem jogando bolinha bolinha de gude.
Palhaço amigo: se algo não sai como você esperav, é absoluta responsabilidade sua. Nunca, nunca, nunca se irrite com o público. Irritar-se é uma mostra de debilidade e, se o público percebe, você está morto. A rainha: personalid personalidade ade e atitude atitude Como dissemos, o palhaço deve ter uma personalidade à prova pr ova de balas. Para isso, faz falta uma atitude particular ou, para dizer de outra maneira, faz falta muita atitude. Personalidade e atitude caminham juntas, porque sua atitude tem relação com a forma como você encara as coisas, partindo do seu olhar. E, aqui, trata-se de ser absolutamente você mesmo. Repito: a proposta, proposta, com este Manual, não é que q ue se faça tudo ao pé da letra, nem proclamar uma verdade universal; a partir do que se diz aqui, você terá que fazer a sua própria verdade. Isso tem relação com o fato do palhaço não ser um ator, não se faz-de, mas é ele mesmo, ali, sua personalidade exagerada jogando na roda. A atitude do palhaço de rua tem que ser provocativa, agressiva. Isso não implica, necessariamente, necessariamente, ser violento vi olento ou ser agressivo todo o tempo. A rua impõe circunstâncias dinâmicas, imprevisíveis, e, muitas vezes, complicadas. Para lidar com esse tipo de situação, é bom ser um pouco agressivo. Essa atitude é a que nos permite arriscar e sermos provocativos. Provocar é, antes de tudo, provocar sentimentos. Há pessoas que podem ser muito doces e provocar candura. Outra pessoa pode te provocar asco e está sendo provocativa. Promover no outro sentimentos, que gerem reações com as quais podemos trabalhar para avançar no jogo, é o que uma atitude provocativa, agressiva, pode nos dar.
Bispos, cavalos e torres: as rotinas Grande parte do trabalho do palhaço de rua se produz ao criar rotinas. Os números ou rotinas são uma parte fundamental do material de que dispõe um palhaço. Por isso, neste Manual, dedicamos quase um capítulo 3 exclusivamente ao tema. Basta aqui dizer que as rotinas são nossos pretextos para estarmos em cena, são a resposta à pergunta que surge, necessariamente, necessariamente, antes de sairmos para a roda: o que estou indo fazer? Uma vez que encontremos o pretexto, começaremos a repeti-la, e a repetição vai aperfeiçoá-la.
As piadas-peões piadas-peões A outra parte importante de nosso material são as gags e as piadas. As piadas são os peões, porque com eles vamos avançando na partida. O palhaço não fica nunca em silêncio, não deixa passar nunca a oportunidade de fazer uma piada. A qualquer momento, diante de qualquer circunstância que o permita, o palhaço tem à mão uma piadapeão para colocá-la em jogo e roubar umas risadas. No terceiro terceiro capítulo, dedicado aos materiais, vamos desenvolver alguns pontos específicos de elaboração e uso das piadas em cena.
Táticas e estratégia: o desenvolvimento da apresentação Uma vez que conhecemos as peças, precisamos saber o que fazer com elas. Entramos assim no âmbito do como jogar. O Método do Xadrez implica em uma estratégia que vamos desdobrar em uma série de táticas para jogar este jogo em que o palhaço palhaço dialoga com o público e, ao mesmo tempo, o enfrenta. A estratégia pode ser condensada em uma frase: move você, move o público, e conforme move o público, move você. O palhaço trabalha com as reações das pessoas. Sabe que diante di ante de um determinado estímulo, de uma determinada provocação, provocação, há dois ou três tipos de respostas, não muitas mais. E está preparado para cada uma dessas possíveis respostas. respostas. Isso não exclui a possibilidade de que alguém possa aparecer com uma resposta que deixe o palhaço sem reação (em
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Ver: “O material que você tem”. “Piadas, rotinas e dramaturgias”
todo caso, um bom palhaço saberá transformar isso em uma gargalhada), mas cada piada-peão ou cada coisa que façamos nos permitirá permi tirá conhecer nosso público, ver do que riem, ver como se reconhecem entre si e começar, assim, a trabalhar com suas reações. Como assinalamos mais acima, a energia cognitiva do palhaço p alhaço deve estar em seu máximo nível na hora da apresentação. O palhaço, como bom jogador de xadrez, xadrez, não pode distrair-se nem um segundo. Observo como se move esta criança de sete anos! Atenção com o bêbado que dança com o cachorro ao ritmo dos sinos da igreja! A roda é uma constante ida e volta de emoções e energias, porque o jogo implica uma atenção quase permanente e de dupla via: das margens até o centro e do centro sempre em movimento até fora também. Ninguém pode se esconder, tudo se vê, tudo se escuta. Prove isso numa experiência prática: distancie-se alguns passos da roda e já não verá nem escutará nada. O palhaço está todo o tempo comunicando-se comunicando-se com o público: quando deixa de fazê-lo, deixa de existir.
O palhaço é comunicação
No palhaço, a cumplicidade com o público é fundamental. O público não só deve escutar o que você diz, como, também, o que você pensa. Dos diferentes canais de comunicação comunicação que pode empregar o ser humano, cada arte deve privilegiar um. O teatro prima pela palavra falada sobre o resto; a pantomima se concentra no gesto; a música, no n o som; a dança, no movimento; e a mímica, na ação. O palhaço, que se comunica permanentemente com o público, tem que trabalhar independentemente independentemente sobre os diferentes canais. Assim conseguirá maior amplitude de possibilidade para criar. Não se trata de tornar-se um virtuose em cada uma dessas artes, mas de explorar todas as possibilidades que lhe permitem comunicar-se verdadeiramente com o público, encontrar esse sentimento em cena que pode ser compartilhado, contagiar, mobilizar O palhaço é comunicação. Quando deixa de comunicar-se, deixa de existir. Existem seis canais para se comunicar e cada um tem uma arte que o desenvolve em sua plenitude.
A PALAVRA: ..................... O TEATRO A AÇÃO: ..................... A MÍMICA O MOVIMENTO: ..................... A DANÇA O GESTO: ..................... A PANTOMIMA O SOM: ..................... A MÚSICA O RUÍDO: ..................... O GUTURAL Ao identificar quais são os canais que você usa ou os mais afins ao teu palhaço, você pode aprender as técnicas da disciplina que melhor os desenvolvem. De toda maneira, convém fazer as primeiras experiências
sem informação, sem estudar nada, descobrir primeiro o ofício de entreter e, depois, aprender outras técnicas para adequá-las a sua personalidade. personalidade. Há gente que estuda e estuda e, depois, tem dificuldade na hora de encarar o trabalho porque se torna muito consciente consciente do que faz. A partir dos canais que se utiliza, há dois grandes tipos de palhaço: o falador e o que não fala. Ao primeiro, também se chama bufão shakespeariano. shakespeariano. Conta histórias, delira, em seus números fala muito com o público, se mete com o público, faz piadas faladas. Hoje em dia, as técnicas de stand up são úteis para esse tipo de palhaço. E há o que não fala. Abandonar a palavra o leva a potencializar outros canais como o movimento, a música, o gesto. A expressão sem palavras, que é o canal privilegiado, pode ser muito interessante. Nós, argentinos, temos uma grande palhaça: Maku Fanchulini. Sim, oh, que casualidade!, é minha esposa, a mãe de meus filhos, minha companheira. Em suas apresentações solo, Maku trabalha com a ação física e com a comunicação direta, criando situações cômicas, frescas e surpreendentes. Maku quase não fala em suas rotinas, vai criando uma linguagem universal que lhe permite comunicar-se com crianças e adultos. Os principais canais de comunicação de Maku, por exemplo, são a ação e o gesto, o terceiro é o movimento. Usa muito poucas palavras, se move muito e, no entanto, não atua.
Cada palhaço tem um canal prioritário, um secundário, e assim até completar os seis canais. Dedique-se ao que está fraco em sua comunicação. Comunicação corporal: o corpo de palhaço O palhaço trabalha com seu corpo e com alguns poucos materiais acessórios. Assim, deverá preparar e executar seus números e sua apresentação desde o ponto de vista da comunicação corporal. Como se comunica o corpo? O que deve ter em conta o palhaço na hora de pensar o que fazer com seu corpo? Não falamos de qualquer corpo: falamos de um corpo de palhaço.
Os cinco órgãos O palhaço de rua trabalha a partir de quatro órgãos: coração, estômago, cabeça, e culhões. A esses quatro, soma-se um externo, o bolso, que — como veremos — é bem parecido com o estômago. 1) Coração. O coração é o órgão ao que se atribui o poder de querer e amar. Não importa se você tardará dez ou cem anos para conseguir seu objetivo, se você triunfa ou fracassa. Primeiramente, você tem que querer. E querer se faz com o coração. É a esse primeiro pri meiro órgão que você tem que perguntar se segue ou não. E é uma pergunta que não se faz todos os dias. O amor é inconsciente. Quando se põe muito consciente, é quando há outros interesses no meio. Veja, teu coração te diz do que rir, do que zombar. Porque é ele quem banca os fracassos. E também é ele o órgão que age contra esse diabo, esse pensamento malvado, que de toda forma precisamos em cena. 2) Estômago. É um órgão muito primitivo. Se o coração é o querer, o estômago é a gana. Tenho Tenho gana de comer, e até posso ter fome, sentir a fome. Junto com o medo e o esgotamento, a fome acompanha o homem desde sua criação. O estômago, então, é também a exigência de fazer frente a essa fome com nosso trabalho. De alguma maneira trabalhamos para ele: você pode trabalhar com a cabeça ferrada, com o coração feito uma bola de futebol, mas se o estômago não funciona, o cu fecha que não passa nem agulha, e você não consegue sair pra cena. Este órgão é o visceral e nos vai permitir dizer o que não se pode. O visceral é uma força que necessitamos, uma força extra que não vem dos músculos. Também é o órgão que nos vai permitir digerir dig erir os momentos ruins. A risada tem muito de digestão: para transformar uma tragédia em comédia é preciso ter o estômago bem forte. 3) Cabeça. A cabeça4 te pode explodir. É o mais perigoso dos três, porque não te mata: te deixa estúpido. No capítulo sobre o ofício do palhaço vamos ampliar um pouco mais essas idéias, mas é importante sempre ter 4
Ver: “O palhaço que você é. Oficio, profissão e filosofia”.
presente isto: a consciência, a razão, a cabeça, é uma ferramenta, mas, como toda ferramenta, devemos saber como usá-la; se não sabemos como usá-la, se a colocamos em jogo quando não deveriamos, nos deixa loucos. 4) Culhões. Não há muito a esclarecer a respeito dos culhões. Nas mulheres falaremos de ovários, mas do que se trata é da coragem: é preciso ter culhões para se por na praça, para manter-se em cena, para não fraquejar, para encarar a qualquer um, para enfrentar as coisas mais loucas ou perigosoas que te podem acontecer acontecer na rua. Há pouco falamos que fome, esgotamento e medo acompanham o homem desde seus primeiros momentos; a esse medo sempre presente é preciso opor culhões bem grandes.
Os três olhares O do palhaço é um olhar triplo. É um olhar ao mesmo tempo físico (que ordena, que separa e identifica espaços dentro e fora da roda), periférico (que permanece atento aos movimentos e reações de mais de meio círculo permanentemente), e intelectual (profundo nos olhos de cada uma das pessoas do público). De alguma maneira, esse triplo olhar está condicionado também pelo trabalho na roda, nesse movimento constante constante de caminhar para trás sem dar as costas e passeando o olhar. Esse triplo olhar é o que o palhaço sustenta na roda. Esse é o triplo olhar do palhaço.
A rua como como meio
Todo palhaço ou clou/n tem que ter sua experiência de rua, meter os pés no barro, estourar a garganta, sentir-se sem nada que te contenha, trocar medo por adrenalina e transformar as risadas em orgulho e moedas. Depois, a rua se transformará em muitos lugares e
te permitirá transitar por eles com a segurança de quem dormiu feliz, em uma cama de pedras O método do xadrez serve para atuar em qualquer espaço, mas é fundamental para estabelecer uma dinâmica na rua. O palhaço no qual estamos pensando está muito próximo daqueles que animam festinhas infantis, com pouca informação e quase nenhum material. A necessidade de sobreviver está à flor da pele pel e neles. E alguns são muito bons. Olhem os palhaços de festas infantis. Esses palhaços trabalham em mil lugares, com samba tocando do lado, para gente que nem liga pro que fazem, servindo suquinhos, sem informação de nenhum tipo; se a esse palhaço você dá bom material e uma vestimenta adequada, o figura destrói, porque é um palhaço que está preparado para sobreviver a qualquer situação. Para ir animar festas infantis em Lugano 1 e 2 ou a qualquer bairro de monoblocks é preciso ter culhões de verdade, atitude e rua. Marcelo Ferrari diz que os palhaços de rua são como uma tropa de elite, podemos trabalhar em qualquer parte, num cenário, numa esquina muito movimentada, em um povoado perdido de um país que você não conhece. Uma das vantagens que você encontra na rua é que as pessoas que se aproximam para ver o espetáculo não esperam nada, então, o pouquinho que você lhes der já vai ser muita mui ta coisa. Ao mesmo tempo, você você tem que saber que o êxito depende de suas pretensões. Se você entende estas duas coisas, você sempre terá na rua um lugar onde trabalhar, que te vai dar muitíssimas mui tíssimas satisfações. A honestidade, na rua, não é somente um valor, é também uma atitude. Quando estamos na roda, não interpretamos um personagem diferente de quem somos; se atuamos, o que o público vê é um palhaço que se faz de outra coisa, são os Três Patetas se fazendo de encanadores, de caçadores em um safari ou de doutores, mas sempre são os Três Patetas. Sempre está muito claro o que ocorre em cena. Quando o público percebe a honestidade no que você diz e no que você faz, te permite
seguir, te aceita. É verdade: você é um artista de rua tratando de entreter e divertir, que está ganhando a vida. Por isso, na rua ninguém ganha um peso maior do que merece. Porque, uma vez que as pessoas se colocam desse lado da roda, colocam no chapéu o que lhes parece justo. Resta ao artista educar o público sobre quanto é "o justo" de acordo com o espetáculo que acabaram de ver, e permitir, se eles quiserem, que ponham a mais. De qualquer maneira, vão fazer o que querem. O primeiro ponto que você deve ter em conta quando vai fazer uma apresentação na rua é sobreviver. Para sobreviver, você faz qualquer coisa e, nesse sentido, é preciso ter uma estratégia; depois você vai querer ganhar o jogo, mas primeiro tem que sobreviver. Você faz disso algo cotidiano, mas a rua é um lugar hostil, é um lugar onde não há segurança de nada, não há filtros para o público públi co que chega. Em São Bernardo eu trabalhava em uma praça com o Circo Vachi e no espetáculo anterior ao meu estava o palhaço Rober. Ele trabalhava às nove. Justo nesse dia, eu cheguei um pouco mais cedo e havia meio círculo e ele trabalhando. Já de longe notava algo raro, estava fazendo outras coisas diferentes das que sempre fazia, como se estivesse esticando a apresentação. Mas ele não podia esticá-la tanto, porque havia nossas apresentações em seguida; uma situação rara. Olho um pouco melhor e vejo que, apoiado contra uma árvore, havia um homem que falava com ele, fazia sinais. Enquanto esse figura falava com ele, Rober me olha como dizendo "estou em perigo". O homem estava muito bêbado, apoiado contra a árvore e lhe dizia "quando você terminar, vou te matar com um tiro", e meio escondido tinha um revolver. Rober não lhe dirigia a palavra, mas não podia deixar de olhá-lo. Eu me aproximo, vejo o revolver, e ele me diz "ah, Chacovachi" — se vê que comigo não havia problema — "este me disse..." não sei o quê. Me afasto e, obviamente, chamo a polícia. Chega a polícia no meio da apresentação. Estávamos todos esperando que chegasse. Eu estava atrás do palhaço, mas teria sido muito bom ver a partir do público públi co o palhaço esticando esticando sua apresentação, apresentação, o bêbado com o revólver e o carrinho da d a polícia chegando por trás. Parece que o bêbado passava caminhando e Rober lhe disse algo. Isso acontece. Na minha convocatória eu subo em cima de algo e
começo a dizer qualquer coisa a qualquer pessoa que passe pelo lugar. l ugar. E pode te acontecer isso. Então, primeiro tem que pensar em sobreviver.
Nós, palhaços de rua, possuímos TRES LIBERDADES que nenhum outro artista possui: -LIBERDADE
FÍSICA:
trabalhamos
onde
queremos-LIBERDADE PSÍQUICA: não temos que ser os melhores, sermos, apenas, basta-LIBERDADE ECONÔMICA: vamos ganhar o dinheiro somente em relação ao nosso próprio esforço e capacidade.
SOBRE CLOWNS E PALHAÇOS 5 Geralmente, os clowns não trabalham de clown, ou, ao menos, muito poucos vivem de pisar nos palcos. Terminam dando aulas... de clown. Para ser clown parece que é preciso estudar e fazer prova. E todo o tempo se questionam o que é que são, se são atores cômicos ou se lhes falta alcançar algum êxito para receber o título de clown. Ser palhaço é mais simples (não a partir de sua concepção, mas a partir de sua ação) e, sobretudo, mais prático. Os palhaços nascem metade artistas, metade “buscavidas" (a odisséia do artista de rua) . Somente é preciso ter muita coragem e atitude, convicção ou inconsciência para bancar o ridículo (de não ser bom) e uma grande necessidade — com sonho incluso — de fazer rir; entreter; assombrar, delirar e tudo mais, custe o que custar. Então... se você pode: sair de tua casa sozinho (ser palhaço é algo que se faz por conta própria), chegar a uma praça, ou farmácia (para entregar filipetas), ou a uma festinha infantil ou à porta de um evento e chamar a atenção das pessoas, criar um ou mais momentos de risada, entreter, divertir e assombrar, ainda que seja a partir da intenção ou da inconsciência; e depois
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Com “clown” nos referimos aos palhaços que vêm do teatro, como tradição, não como espaço de trabalho. Ver “O palhaço é o por ator do mundo”, no
capítulo seguinte
passar o chapéu, ou ter vendido muitas bexigas, ou que o cara da farmácia ou do evento ou da festinha infantil te tenha pagado, juntar tuas coisas e voltar vivo para tua casa, então, ninguém, mas ninguém poderá dizer que você não é um palhaço. E nesses espaços, as próprias pessoas te chamarão de PALHAÇO e ninguém irá se referir a você como personagem ou clown. Depois você será bom, ruim, famoso, regular, exitoso, desprezado ou ignorado, mas será um PALHAÇO PALHAÇO com algum desses adjetivos. Nem mais nem menos que o princípio do caminho. B, daí em diante, se projetar como artista — se é que você conseguirá ser — é outra história-
Estas diferenças nos fazem diferentes dos palhaços que trabalham em circos e dos clowns de teatro, t eatro, nem melhores, nem piores, nem mais nem menos m enos necessários mas distintos. ¿Que é ser um palhaço-artista? jVeja no próximo capítulo!
O PALHAÇO QUE VOCÊ É Ofício, profissão, filosofia Palhaço de profissão: sobrevivendo com o ofício Um profissional é quem vive de sua profissão. O palhaço de rua será palhaço desde o primeiro dia em que comece a trabalhar de palhaço.
Viver disto tem um ponto de partida, um momento inicial no qual, talvez, o chapéu seja pequeno e ganhe destaque a faceta "buscavidas" sobre a de artista. Uma vez que fez a experiência — você já é um palhaço — devese adquirir um ofício e, logo, com o tempo, sentir-se e converter-se em artista... O aprendizado do ofício é um processo no qual nosso palhaço irá se transformando, crescendo à medida que encontra materiais, caso desenvolva destrezas e consiga efetividade nas apresentações. apresentações.
Como se transformar num palhaço artista? Primeiro, aprenda o ofício: ENTRETER, DIVERTIR, ASSOMBRAR. O que existe, o que fazem os outros. Assim se aprende. Como um músico que aprende tocando canções de outros. Mas, depois, para se transformar em ARTISTA (é uma decisão), você precisa apaixonar-se e tratar de criar... e para criar você já precisa adicionar coisas pessoais, e essas coisas são a CRITICA, a DENÚNCIA e o DELÍRIO. E isso tem que ser verdadeiro. Aí unimos duas coisas fundamentais para o riso: a VERDADE e a PAIXÃO. Depois, e sem ser dono do
que acontece, você vai INSPIRAR outros palhaços e vai se dissolver neles. Para um palhaço adquirir um ofício precisa passar, ao menos, por três etapas. Em um primeiro momento deve aprender a entreter, a divertir e a assombrar . É o nível básico, essa é a prova de que você é capaz de reter um grupo com um pretexto qualquer. qualquer. Tente fazer rir com o que você tem à mão, uma rotina ou uma loucura improvisada. Depois tem que ser capaz de delirar, provocar e denunciar . Uma vez que o público confia em você e fica, ou espera tua apresentação, você tem que redobrar as apostas, mostrar algo que você conseguiu como palhaço ou artista de rua. Você atrai o público até teu delírio, até o que você quer transmitir como denúncia ou crítica. Você os leva. Você os provoca e os faz sair de si mesmos. Cada uma dessas aprendizagens se orienta para algo maior: inspirar . A inspiração é o que se provoca nas pessoas, é a possibilidade de contagiar com energia, esperança, amor à liberdade, é uma das maiores conquistas de um palhaço. Se você é capaz de inspirar, é porque pode doar, devolver, oferecer energia ao público. Não há nada maior que essa capacidade, porque algo do que você provoca no outro também volta e te transforma como pessoa e artista; é como uma espécie de sistema autossustentável. Para chegar a esse ponto, se requer uma trajetória. Não falamos de reconhecimento reconhecimento pelo caminho realizado, do direito de ocupar o chão da praça, algo que se coloca, às vezes, justamente por parte de quem já foi reconhecido. reconhecido. Trajetória é, aqui, experiência, experiência, trânsito: horas de vôo . E um ponto chave para acumular experiência é aceitar todos os desafios: se você está se formando, não pode dizer não a nada, tem que acumular horas de vôo. A partir do ponto de vista do ofício, o palhaço tem que atravessar essas três etapas: reter, atrair e doar. Mas há algo mais: o próprio desse aprendizado está em conseguir duas habilidades por vez, porque o palhaço de rua, artista e "buscavidas", vai desenvolver um aprendizado simultâneo como artista e como
"buscavidas". "buscavidas". Somente crescendo como artista fará mais abundante abund ante seu chapéu e poderá dizer que é disto que vive. Nesse sentido, o chapéu se torna de alguma maneira a medida da efetividade como artista, e os aprendizados se cruzam. O êxito se dá na medida de nossas pretensões (e isto implica que,
necessariamente, necessariamente, teremos que mantê-las baixas no começo); se minhas pretensões são entreter entreter e repetir a experiência, eu consigo, tenho êxito. Deve-se buscar sempre a efetividade na relação rel ação com nossas pretensões. No entanto, um bom chapéu afugentará essas dúvidas e esses fantasmas dos quais precisamos nos desprender para seguir crescendo. Se em um fim de semana juntamos a grana para passar até quinta, podemos nos esquivar, durante esses dias, das vozes que nos falam de trabalhos "decentes", artistas "consagrados" e toda essa classe de comparações, e estar novamente no sábado na praça com o ato muito mais polido. E se ganharmos o suficiente para não ter que voltar no fim de semana seguinte, voltaremos de todo modo, e nossas pretensões serão então maiores. Para aprender este ofício é necessário, basicamente, duas coisas: querer fazer e tentar. Tentar: ir, ir, ir e seguir indo até que saia; provar, falhar, mudar e voltar. A única possibilidade de aprender o ofício é fazer a experiência, experiência, a única forma de aperfeiçoá-lo é repetindo.
Artista era minha avó... que fazia um ravióli bárbaro. Deve-se evitar ser palhaço nas 24H horas do dia. Se você se faz palhaço todo-poderoso com o motorista do ônibus, o mais provável é que te encha de pancadas. E assim com tudo: que tua namorada te deixe, que as pessoas pensem que você é um idiota...
Dentro da roda, o palhaço toma outra dimensão. Fora da roda, deve-se controlá-lo. Não entender isso me fudeu a vida por muitos muit os anos. A consciência consciência mata mata a arte. arte. Apenas vá e tente. tente. A razão, a consciência, é uma ferramenta formidável. Mas, deve-se saber usá-la e, sobretudo, deve-se saber não usá-la, apagá-la, suspendêla. Há momentos preciosos no qual a dúvida não pode surgir, em que
você não pode deixá-la surgir. Quando você está na apresentação não pode se perguntar se as pessoas gostam gostam ou não do que está fazendo. Se você está trabalhando e há quarenta pessoas olhando e só uma rindo, essa pessoa é tua apresentação. Você não pode se por a questionar porque não ri o outro: tem que seguir. Não deve permitir isso enquanto está trabalhando (ainda que depois seja muito bom que você se pergunte e possa reformular as rotinas). No princípio, quando você mal começou a ir pra rua, se s e passa o mesmo: não pode começar começar a se perguntar o que vai pensar a senhora da padaria que vai te ver na praça vestido assim, ou se está bom ou não fazer uma piada carregada de crueldade com uma criança. Não: deve se permitir, tem que sair, mandar-se pra praça e começar. A relação consciente ou não com seu trabalho marca o desenvolvimento do palhaço . No princípio, você é ruim, mas inconsciente . É ruim porque não é
efetivo. Tuas piadas não fazem rir, mas sua graça inconsciente arranca uma ou outra risada das pessoas. Talvez riam de você, o chapéu é pouco, mas se você não se pergunta e segue adiante e volta mais um par de vezes, muito provavelmente entra em um segundo estado: é ruim e consciente . Você sabe que teu material não funciona, que errou no vestuário, que as pessoas só riem quando você erra. Este estado não pode durar muito, porque aí se deve fazer intervir essa consciência para começar a polir tudo isso de que você vai se dando
conta que está ruim 6. Assim, você chega ao estado mais duradouro, em que você cresce funcionando: você é bom e é consciente disso . Não é que você saiba tudo, porém, mais do que dos erros, você se torna consciente dos acertos, e através do polir e não parar de polir, a coisa toma brilho. E, em algum momento, você se torna bom e inconsciente , e praticamente tudo o que faz funciona e, assim que chega a esse ponto, você pode ser capaz de inspirar. No entanto, tudo pode voltar ao começo, você pode pirar e cair de novo em um estado em que nada funciona e não entende o porquê. Pois o processo não é acumulativo. Mas se trata de destreza, de afinar o ouvido, medir os tempos, conhecer as reações. Há dois ou três modos pelos quais uma pessoa pode reagir diante de um determinado estímulo, mas o palhaço entra na roda sabendo e, ali dentro, deve esquecer disso: o tem à mão, mas se na apresentação você se põe a pensar em como vai reagir... está frito. Não há tempo para pegar o papel, para refletir na mente sobre o esquema de interpretação que nos permitirá mover. Já estamos nos movendo. Destreza, intuição, mais que acumulação de esquemas na consciência. Mente em branco, corpo em ato. Eu digo que o palhaço não pensa, porque se pensa, sofre. Quando você está trabalhando não está pensando. Sabe como vão se desenrolar as coisas porque já esteve ali, porque tem uma rotina na qual confia, a qual pode voltar, mas, na verdade tudo está em aberto. E mais, se aparece algo imprevisto na cena, você a toma e vai se relacionar com isso. Tem uma rotina planejada, conhecida, tem uma estrutura, mas, por favor, que caia algo do céu, porque tudo que aparece joga a teu favor: uma tosse, uma chamada no telefone, o que for. Quando eu estou fazendo minha apresentação, fico o tempo todo observando o que se passa, estou passando texto e ao mesmo tempo olhando por onde posso ir, e não me dê meia possibilidade, que já me vou por aí. E depois verei como volto. Minha experiência me fala e diz: "as pessoas vão gostar".
Nada pior do que um palhaço de tênis. 6
Ver a seção “Polindo o diamante” no capítulo “O material que você tem”.
Correr riscos A primeira coisa que aprendemos, nós palhaços, quando incorporamos uma destreza, é ter, por sua vez, uma piada para quando a técnica não sai, e uma piada para a segunda vez que lalhamos, e outra para a terceira vez. Sabemos que o número pode sair e também pode não sair. O palhaço usa a destreza para fazer humor, mas, de qualquer forma, em algum momento você precisa conseguir executá-la bem. O esquema seria assim: precisa ter uma piada para a primeira falha, uma piada para a segunda falha, um salva-vidas terrível caso, na terceira vez, não saia, mas depois tem que sair. A atitude diante da técnica deveria ser a de mostrar que mais Importante que o resultado é a valentia de tentar e se por à prova, de mostrar que o palhaço está jogando. Sem ser um acrobata, faz um número de destreza física; sem ser músico, toca o trompete; o palhaço assume o risco, o busca realmente. Isso o torna cada vez mais receptivo às respostas do público, ao ponto que, quando leva um tempo explorando essa atitude, de que foda-se se as coisas saem ou não (Método Ricardo Streiff 7), converte qualquer resposta resposta em uma deixa para catalisar a apresentação. apresentação. Eu manejo uma técnica extravagante: aprendi a atirar para cima duas bolinhas de ping pong com a boca. No circo, você vê que atiram três sem ajuda das mãos e até sete com ajuda das mãos. Ou seja, no circo atirar bolinhas não é uma grande habilidade, mas para um palhaço é uma grande habilidade. O público se pergunta: "afinal, que faz esse cara? Como aprendeu a atirar bolinhas?". As atiro a três ou quatro metros para cima sem a ajuda das mãos e queria atirá-las bem sempre. Em geral, se tenho alguma falha é de propósito. Mas eu planto no público que me aplaudam se sai bem e que me vaiem se sai mal. Na primeira vez, atiro só uma e sai bem; aplausos, peço que aplaudam mais forte. Na segunda, atiro uma, duas, três vezes super bem, mas a quarta cai. O público p úblico passa do grande aplauso para a vaia. Aí faço todo um discurso. Anuncio que, na próxima vez, vou com duas bolinhas. Esse Esse lançamento lançamento tem que sair bem. bem. As atiro uma, duas, três, quatro, cinco vezes para cima, as agarro, as 7
Ricardo Streiff, ator, palhaço, roteirista argentino; baixista da mítica banda de rock cômico dos ano 90: Triciclosclos. Método Ricardo Streiff : “foda-se o que vai acontecer, isto eu faço por mim”.
pessoas aplaudem como loucas. Aí triunfei e consegui o crédito para seguir. Os aplausos são créditos que te permitem começar de novo. Nessas apresentações, o público tem que aplaudir, porque assim participa. E quando participa participa e se diverte diverte te dá permissão permissão para seguir, seguir, te dá créditos. Pode acontecer que o truque falhe ainda mesmo quando eu quero que saia bem. Para essa situação tenho duas ou três piadas. Nunca precisei usá-las, mas vai acontecer. Eu já estou velho, me faltam dentes, não vejo muito bem. É preciso ver muito bem para fazer este truque. Tenho que saber como agir se, por fim, não der certo. A atitude a titude que deveria ter cada vez que faço esse número é que não me importa se perco, porque sou capaz de transformá-lo em um êxito. Depois, é preciso ver até onde você arrisca. Há palhaços que não terminaram de se desenvolver porque não se arriscaram o suficiente. Estar próximo desse lema é fundamental para manter-se buscando, para assumir desafios e conhecera si mesmo. Quando quero fazer minha rotina número vinte e um e não consigo, eu tenho a mesma sensação do palhaço que não tem nenhuma rotina e recém começa. Mas sei que me arriscar é o ponto.
O palhaço é o pior ator do mundo
Há três formas de atuar: INTERPRETAR, REPRESENTAR e SER. A interpretação é o métier dos atores. Eles aprendem a interpretar vidas alheias. A representação é uma forma de atuação menor, assim atuam as crianças ou nas cerimônias religiosas. "Ser" é a forma que tem o circo: um malabarista "é”, um domador "é”, ninguém diria que
há um ator interpretando ou representando. Nós,
palhaços,
“somos”
e,
quando
atua mos,
"representamos”, nunca "interpretamos" .
Não poderíamos. Somos os piores atores do mundo... não podemos deixar de sermos nós mesmos. Uma confusão em que se cai muito é a que confunde palhaço e clown. É verdade que há muitos tipos de palhaço e que, aqui, estamos falando deste palhaço, de rua, xamã, provocador, etecetera. Mas a diferença entre este palhaço e o clown vai muito além de serem diferentes tipos de palhaço. Tampouco se trata de que sejam melhores mel hores ou piores; de fato, há muitos clowns que são muito bons e que nos fazem gargalhar ou nos surpreendem como poucas vezes nos surpreenderam. Falamos, na verdade, de uma diferença de substância, é outra coisa. Falamos do clown pensando no ator que chega, a partir da atuação, no clown. O palhaço não é um ator, é o pior ator do mundo. Por outro lado, se um clown pode chegar a ser tomado como palhaço, não deixará, no entanto, entanto, de ser um ator fazendo-se de palhaço. Há H á uma vinculação muito forte entre o clown e a atuação, e é essa, precisamente, a diferença central com este palhaço. O palhaço não atua como... : é. Há três modos de apresentar-se frente ao público: interpretar, representar representar e ser. A representação é o mais básico desses três modos: é
a arte da imitação, o que para as crianças é atuar. A interpretação é o trabalho dos atores. Trata-se da arte de compor um personagem, vestilo como quem veste um traje, e atuar como se o ator fosse o personagem. Busca em seu interior alguma partezinha de si mesmo que queira sair e compõe um clown que interpreta, então, no cenário: o caminho do clown está marcado pela consciência, por uma busca consciente consciente e pessoal, individual. indi vidual. Ser, por outro lado, é algo muito mais simples. O palhaço não gera uma personagem que o representa de alguma forma, mas se encarrega de expor e jogar sua personalidade na roda, exagerando alguns aspectos e tomando em suas mãos todo o material disponível para seguir jogando. Essa forma de atuação mais leve libera um pouco o palhaço de buscar um personagem criativo e original. Porque é a exageração de si mesmo,
afirma sua autenticidade. Não se trata de uma caricatura. A caricatura unifica os personagens. A exageração os distancia.
Para ser clown você precisa dizer com quem estudou; para ser palhaço somente precisa dizer que você é. Uma arte menor Liberar-se do peso da Arte com maiuscula permite falhar, correr riscos e renovar-se, reinventar-se. Quando você se desfaz de certos pré-juízos vinculados à qualidade do material, ao que se pode e não se pode fazer, ao que está bem ou está mal visto pelos Artistas e pelos Críticos, tira de cima de si um peso enorme. E, então, você já pode começar a soltar o corpo e imaginar-se jogando, sem esse peso já se pode dar o jogo. Nada pode te acontecer exagerando tua personalidade. Não pode
acontecer nada em cima do cenário; salvo fracassar. O palhaço se prepara para que isso não aconteça, mas é parte do jogo. Não se deve ter medo de fracassar porque isso dá a energia suficiente para não fracassar. Você não pode lutar com um cara que não tem medo de morrer. Se você vai lutar com uma cara que pára, saca uma faca, se corta três vezes no braço e te diz "venha!", saia correndo. Esse tipo não tem medo de morrer, você sim. Se você sai pra cena, sem subestimar as pessoas, mas convencido convencido interiormente que não tem medo de fracassar, isso sente o público. E o público não pode lutar com alguém que não tem medo de fracassar. Te dá um plus de permissão. O público pode te dar permissão ou não, e você pode tomá-la ou não. Se você tomar a permissão para fazer as coisas que quer fazer, tudo sai mais fluído. O palhaço, na cena, tem uma autoridade, o público públi co lhe dá uma autoridade, e ele deve usá-la. A não ser que o público lhe faça uma revolução e o destitua, mas isso geralmente não ocorre. O palhaço é como um ser primitivo ser primitivo.. Distingue-se dos atores e dos clowns por seu produto e por sua procedência e, principalmente, porque seu ofício como "buscavidas" faz de sua máxima preocupação — sustentarse na cena tentando fazer rir — a premissa que se antepõe à criação de qualquer personagem ou representação. representação.
Isto de ser palhaço é uma ARTE MENOR. Estou Est ou seguro de que é assim. E não quero ferir sentimentos, que sei que existem. Porque há os que se acham muito. Deve-se crer nela na cena, onde você não deve crer nela é na vida — o efeito é inversamente proporcional.
O MATERIAL QUE VOCÊ TEM Piadas, rotinas e dramaturgias
Uma coisa é o artista e outra o material com o qual joga: a criação (própria) ou seleção (alheia) do material traz muitos enfrentamentos entre a criatividade e o orgulho. A criação é própria e a seleção (de material já existente) é obviamente de outro. O palhaço é um ser único, livre, exagerado ("um ser livre, exagerado e com o objetivo de fazer rir"). E parte de seu trabalho consiste em construir por si mesmo as oportunidades e os materiais que lhe permitam estar em cena e expressar-se, potencializar suas habilidades para sentir, para reconhecer e apreciar a liberdade. Tem que ganhar essas aptidões, ganhá-las à força ao sair e experimentar o mundo. Provar o sentimento de estar em uma roda com pessoas desconhecidas, entretê-las e levá-las a distintas emoções. Nesta parte do Manual, oferecemos uma série de técnicas e conselhos que não são únicos, mas surgem do trabalho que venho realizando em distintos lugares do mundo, convocando o público para uma reunião popular primitiva e sempre atual: uma apresentação de palhaço de rua.
Piadas Os peões de nosso jogo de xadrez são as piadas e as gags. Nas piadas, falamos; a gag é, fundamentalmente, física, gestual. A fórmula básica da piada é: a + E + fator surpresa. É uma construção em que "a" consiste em uma linha de texto, se faz uma pergunta ou se apresenta uma cena. Logo se dá uma resposta, se espera uma resposta do público públic o ou se continua a série. O terceiro elemento, fim desta construção, é o fator surpresa: algo al go inesperado, disparatado, contrário ao sentido comum.
Fórmula básica da piada: A + B + Fator Surpresa
A — “Pequeno, você gosta de viver neste mundo?” B — “Sim” Fator Surpresa — “Bom... “Bom... já passa..." As piadas têm um ritmo e um remate: construímos, construímos, construímos e arrematamos. O remate tem um tempo exato. É necessário muito domínio para respeitar o ritmo e o tempo preciso do remate. Quando você arremata, não duvide, não pense, e muitas vezes seja cruel. Se não se diz as piadas com a emoção necessária e no momento certo, não funcionam. As piadas têm que funcionar para que apareça a risada. A risada do público públi co relaxa e permite assimilar o que foi dito, permite assimilar a piada inteira e o que está por trás dela. E por trás de cada piada há uma tragédia. A única intenção que deve predominar nas piadas, nas centenas de piadas e gags que fazemos em uma apresentação, é a de chegar à risada, a de abrir essa emoção que libera angústias e renova energias. energias. Há piadas ruins que você usa para que as pessoas baixem a guarda e, em seguida, mande outra.
Quanto MENOS você ri, MAIS ri o público.NUNCA, nunca, nunca ria de suas próprias piadas Há as piadas orgânicas , que são as que causam graça especificamente em uma apresentação, apresentação, não são uma bomba quando escritas, e scritas, mas só ali, quanto as atira no momento certo. A piada salva-vidas, para solucionar um imprevisto, como uma criança que acaba de cair e começa a chorar.
Necessito de uma pessoa que me ajude a fazer o próximo número! -Eu!
-... eu disse uma pessoa... Vou lhes presentear com uma piada salva-vidas que vai te ajudar a levantar muitíssimas apresentações. Uma criança cai na roda: Palhaço (para o menino): Pequeno, você está bem? — em seguida olha para o público. Palhaço (para o público): já se deram conta de que quando as crianças caem não se lastimam muito? (espere que o público pense e possa imaginar) Sabem por quê? Porque os pequenos têm um anjinho da guarda que os protege e quando caem se colocam embaixo (fazer o gesto e a ação de um anjinho colocando-se embaixo do menino) para que não se lastimem. (espere que o público possa imaginar) Palhaço (para o pequeno): Garoto, você está bem? Garoto: Sim... Palhaço: Ah, que bom... porque o anjinho está feito merda!
Rotinas
Para criar uma rotina... Primeiro é preciso ter uma idéia Depois produzir o necessário para preencher essa idéia Depois aprender a técnica que essa rotina necessita Depois treiná-la Depois montar o número completo Depois ensaiá-lo Depois mostrá-lo a qualquer um que queira vê-lo enquanto vai polindo Logo poderá estrear formalmente para que nasça Depois precisa fazê-la 50 vezes mais... E então, aí, “a terá“, para desfrutá-la por toda a vida. O palhaço não trabalha com um script, tampouco é pura Improvisação. Em algum lugar intermediário entre esses dois polos, está a parte mais importante de seu material: as rotinas. Os números ou rotinas são fragmentos de uma apresentação que têm um começo, um desenvolvimento do que se propõe no começo e um final. Dura o
quanto quiser o artista, ainda que, geralmente, levem de cinco a vinte minutos cada uma. Por apresentação podemos fazer várias rotinas ou somente uma, de acordo com sua duração. Uma rotina pode consistir de um número participativo, um número de início, uma proeza, um sketch em que saio a cantar, etc. O conteúdo de
uma rotina pode ser quase qualquer coisa e cada parte de uma apresentação pode ser trabalhada de maneira que receba uma rotina. Por exemplo, eu posso ter uma rotina para convocar o público e outra para passar o chapéu, como vamos ver mais adiante, no capítulo da dramaturgia da atuação de rua.
O nascimento das rotinas Nós, palhaços, palhaços, vamos à cena com um pretexto: para jogar malabares com três bolinhas, para anunciar um truque de magia, ou para realizar uma prova física. Quando você está começando, pode sair quase com qualquer recurso, porque de todas as maneiras o importante importante é conseguir esse pretexto que te leva a estar no meio do círculo. Uma rotina nasce desta pergunta: saio para fazer o quê? Pode-se ter centenas de rotinas, centenas de pretextos para estar em cena, mas o certo é que depois de ter trabalhado 30 anos, você não inventa números novos todas as semanas. Dentro das rotinas que se maneja, um palhaço pode ter algumas feitas há vários anos. Esses números praticamente não falham, porque de tanto repeti-los, já foram polidos de maneira tal que o público públi co já as pode pode ler perfeitamente. perfeitamente. As rotinas nascem junto com a necessidade de armar o roteiro do que você vai fazer em cena. Quase todas as piadas e expressões expressões cômicas que funcionam na vida cotidiana também funcionam com o público. Por isso uma fonte de recursos prolífica é tua própria vida fora de cena, a vida cotidiana. Há idéias de rotinas que nascem em um churrasco com amigos
ou no supermercado. Se, na sobremesa de domingo, um tio conta uma piada e todos riem, seguramente, algo dessa piada vai funcionar também diante do público. Essa piada apareceu desinteressadamente, pelo prazer de fazer rir. Se causa graça no clube ou em uma mesa de bar, o mais provável é que também funcione na cena, onde se está esperando a piada ou a gag. Chaplin dizia que as piadas são vinte e sete. Há obras de teatro que se vêm repetindo há milhares de anos. Ou seja, ainda antes que alguém se decida a trabalhar, já existe existe um repertório universal do qual todo mundo tira as piadas, argumentos e Idéias. Algumas rotinas já são universais, você as encontra em diferentes regiões do mundo e, mesmo que pareçam muito similares, sempre são diferentes, porque quando uma
rotina funciona para você é porque você a adaptou, a converteu segundo sua personalidade ou de acordo com o tipo de palhaço que você é, e então essa rotina clássica se converte em única. Seja buscando nos repertórios populares e anônimos ou em nossa vida cotidiana, uma vez que apareça uma idéia cômica, deve-se trabalhá-la . "Deve-se polir a rotina como a um diamante", diz um personagem de Mortos de rir (Muertos cie risa), o filme fil me de Alex de Ia Iglesia. O trabalho sobre as lotinas não tem fim, mas, se tivesse, estaria no ponto em que as incorporamos até conhecê-las como o caminho de volta para casa, e podemos nos permitir esquecer a parte técnica. O fundamental fundamental da atuação atuação do palhaço palhaço é encarar encarar cada rotina rotina como se fosse nova, com a mesma inconsciência, com a mesma tensão e emoção da primeira vez. Se conseguirmos nos aproximar desse sentimento de perigo ao executar números que já conhecemos, vamos obter rotinas eternas, diferentes com cada troca de público. O palhaço é comunicação e em sua apresentação assume riscos e mostra seu ser exagerado, livre, diante de pessoas que não conhece, pessoas de todo tipo como as que andam pela rua e param para ver um espetáculo. As rotinas podem ser as mesmas, mas a apresentação é sempre única e irrepetível, porque as pessoas com quem você se comunica são distintas e porque você mesmo varia a maneira de fazer as coisas, assumindo a liberdade de decidir em que sentido fará a próxima piada. O segredo das rotinas não está, como poderia se supor, em ser original o tempo todo. Está em conseguir conseguir que o público sinta que faz parte de algo único quando a repetimos. Por último, sabemos que uma rotina funciona quando se pode roubá-la. Se outra pessoa pega sua rotina e faz com isso outra versão, própria, significa que a rotina foi lida e bem compreendida por outros, outros, despertou emoções e inspirou em outros artistas algo que eles também desejaram comunicar. Quando uma rotina pode ser roubada é porque já tem vida própria, existe realmente e já começa a ser parte desse repertório anônimo e da rua.
Códigos no roubo No começo, você faz quase qualquer coisa para provocar riso e entreter, inclusive tomar emprestado recursos que vemos em outros artistas. Pra isso existem os recursos clássicos, as piadas clássicas que, desde antes que alguém a tome, já pertenciam a iodos, e também os materiais de outros companheiros de rua. Você pode se sentir muito irritado se um dia vir outro palhaço fazendo piadas e rotinas que você inventou, trabalhando com fosse material na mesma praça em que você vai trabalhar uma hora mais tarde. Ou no mesmo festival. Depois nos damos conta que o roubo ocorre todo o tempo no circuito de rua, em parte porque é uma das condições que favorece o surgimento de novos artistas. Em algum momento, você aceita essa condição até pode ficar cheio de orgulho ao saber de artistas em outros países, em outros continentes, que usam uma piada que você inventou. Como disse Atahualpa Yupanqui, o destino dos artistas populares é converter-se em anônimo.
Sexto mandamento: “Nunca usarás material de
outro palhaço que trabalhe no mesmo lugar, na mesma praça ou na mesma cidade” .
O lugar da improvisação O palhaço de rua entende a improvisação de uma forma diferente do ator ou do clown de teatro. Quando um artista leva adiante uma história ou um argumento pronto, pode fugir do script, seguir por alguma linha imprevista ou fazer variações sobre um ponto. Essa é uma forma de compreender a improvisação. Mas o palhaço não representa uma história, o palhaço é ela, livre e exagerado. Se está improvisando é porque decide o que fazer, e usa coisas que já conhece. Pode ter um dia em que você é mais tolerante ou mais cruel na apresentação, mas você está decidindo o que fazer a partir dessa permissão que temos, como palhaços, de nos expressar livremente.
Você não é malabarista, mas pode fazer malabares; não é músico, mas certamente toca algum instrumento; não é acrobata, mas faz provas de destreza. O palhaço joga para falhar, para que os truques não funcionem. Mas como, tampouco é ator, cada número se faz verdadeiramente; não há especulação. No meio do número não se pensa. A apresentação continua de acordo com o resultado de cada número de um modo imprevisto. O que você já precisa saber é como sair em e m cada caso, seja o truque exitoso ou um truque que falhou. Então o palhaço não se põe a improvisar . O palhaço vai decidindo a cada passo para onde leva sua apresentação de acordo com o resultado de seus truques e da comunicação comunicação com o público. públi co. A improvisação não tem lugar preciso para o palhaço de rua, mas é o tom geral de suas apresentações, únicas e irrepetíveis, ainda que ponha em cena rotinas velhas como seus sapatos. O palhaço é comunicação , e a comunicação não se pode prever de
antemão. Ninguém te assegura como vai se comportar o público na próxima apresentação. apresentação. Será a maioria adultos? Virão muitas crianças? Teremos um bêbado aplaudindo entre as pessoas? Por isso, para o palhaço de rua, a única improvisação que serve é a que se pode repetir . Pode soar contraditório, mas esse é o segredo. Encontrar rotinas de dois minutos ou de quinze, não importa, o importante é que quando a coloca em cena, funciona. E, em certo sentido, isso se deve ao fato de que toda rotina termina de ser construída com a participação do público que a recebe (sobretudo nas primeiras apresentações). Pode ser maravilhoso que no meio de um número que é um fracasso improvisemos algo que nos levante na apresentação. Mas se não podemos tornar esse arrebatamento de lucidez ou de criatividade e repeti-lo, reiterá-lo e melhorá-lo, torná-lo parte de nosso n osso material, ficará perdido nesse momento passageiro. A rotina é uma estrutura que te permite voar, te dá um chão firme para saltar. É uma restrição que te dá liberdade. As rotinas, como a fala que dizemos nelas, devem estar incorporadas em nós como o caminho de volta para casa, para abandoná-lo e retomá-lo sem que isso requisite
nosso pensamento. Acima de tudo, na rua, continuamente aparecem oportunidades para fazer piadas, para convertê-las em material da apresentação e mudar o rumo do que se vinha fazendo. Quanto mais incorporada se tenha a estrutura de uma rotina, mais sensível e receptivo você se encontra para converter o imprevisto em uma oportunidade de êxito, em um trampolim para voar. Isso é a improvisação para o palhaço, ser capaz de fazer com as mesmas rotinas de sempre, funções irrepetíveis. Uma vez disseram a Tortell Poltrona 8: "Tortell você é genial, te vi mil vezes, conheço teu espetáculo de memória". E Tortell disse: "que bom, me diga como é, porque eu, no entanto, não o conheço".
A única improvisação que serve ao palhaço (e que não se ofenda nenhum bom improvisador) é a que se pode repetir. Esse é o segredo, o de criar algo que funcione sempre, que te permita se apresentar em qualquer lugar deste planeta e funcione (bom, pode ser que alguma vez não funcione). Podem ser rotinas clássicas, participativas, virtuosas, inovadoras, mudas, faladas ou musicais, de dois minutos ou de quinze; não
8
Tortell Poltrona é um dos pioneiros da renovação do palhaço na Europa e um grande amigo, sua energia contagia a quem o rodeia e sua arte em cima do cenário inspira a viver. Através do “Palhaços Sem Fronteiras”, organização que
fundou e preside, apresentou-se diante de crianças do mundo todo, especialmente em situações de vulnerabilidade social. Seu compromisso com seu pensamento o transforma em um de meus ídolos dentro e fora de cena.
importa, o que importa é que voei a repete e funciona. Arte, técnica técnica e criativid criatividade ade Nós, palhaços, aprendemos muitos recursos que vêm do circo, como os malabares e as provas físicas. Realizamos destrezas, tocamos instrumentos, dançamos, mas é muito difícil que um palhaço aprenda bem uma disciplina e seja um virtuoso de verdade. Os segredos que sabemos e as destrezas que desenvolvemos são parte fundamental de nosso material. Por isso, temos que potencializar o que sabemos fazer, os pontos fortes dos recursos que manejamos e de nossa personalidade para aproveitá-los em função de nosso propósito. Todos os números têm uma parte artística, técnica e de criatividade. Se trabalharmos nossas rotinas nesses três aspectos, vamos nos assegurar que o público as compreenderá perfeitamente. perfeitamente. Devemos buscar, então, em tudo que fazemos: o que há de artístico, o que possui de criatividade e de técnica. As habilidades, as provas de destreza, são predominantemente técnicas. A parada de mãos, o flic-flac, caminhar pela corda bamba, tocar um instrumento musical, os jogos de magia, cada um desses recursos têm um modo mais ou menos estabelecido estabelecido que é preciso aprender e praticar para que funcione. Se temos uma habilidade, ainda que a execução técnica não seja perfeita, podemos explorá-la artisticamente e transformá-la em uma rotina. Ainda que haja técnicas menos visíveis que também se deva aprender e trabalhar. O aspecto artístico diz respeito a como usamos essa habilidade, com nossa maneira particular de apresentá-la, a eleição da música e do vestuário, etc, porque, de acordo com o modo pelo qual a levamos a cabo, conseguiremos um efeito ou outro. Para isso, posso me perguntar o que busco com essa rotina, qual é o melhor modo de fazê-la?
Todas as rotinas possuem uma parte técnica ou de destreza, outra artística, de acordo acord o com sua aplicação em cena, e outra de originalidade, em relação aos números similares de outros
artistas Como exercí cio, cio, busque uma rotina, pr ópria ou alheia, e .
se fixe em como está em cada um destes aspectos. Pontue: Aspecto Técnico: 7 Aspecto Artístico: 5 Aspecto de Originalidade: 0! SEGUIR POLINDO... Uma vez que estudamos o aspecto técnico do que fazemos — por exemplo, de uma apresentação de marionetes — e que encontramos o modo adequado para levar a cabo — fazer um sketch cômico podemos pensar na originalidade, na criatividade da rotina. Eu faço um número em que saio de evangelista, com uma bexiga e uma agulha. São elementos de um jogo de magia que vinha de Fu-Manchú, mas esse pretexto me permite desenvolver uma rotina. A forma é a seguinte: é um número em que saio a perguntar às pessoas uma coisa, faço que me digam que fazer tal coisa é impossível, eu busco convencêlas de que sim, é possível, as convenço, as faço cantar uma canção para festejar isso e, quando as tenho bem convencidas, demonstro que não se pode; então as faço dizer que não se pode, e quando me dizem di zem que não, demonstro que sim, é possível. Essa rotina dura cerca de vinte minutos, e a verdade é que só trabalho ( om uma bexiga e uma agulha, e o truque, a técnica de passar a agulha, faço apenas uma vez. O truque de atirar as duas bolinhas de pingue-pongue para cima com a boca, dura oito, dez segundos. Mas deve-se buscar uma forma de apresentar as habilidades, porque você pode ser um palhaço com umas habilidades incríveis, mas se as apresenta rapidamente e as gasta em meio minuto, que fará com o resto do tempo? Se você tem uma habilidade, deve tirar dela o melhor proveito. Sobretudo quando se trata de uma técnica, de uma habilidade. Os palhaços são um pouco de tudo, mas não fazem bem quase nada. Ou seja, aprendemos quase tudo, malabares, tocamos tocamos instrumentos, dançamos, mas é muito difícil que um
palhaço aprenda bem uma disciplina e seja um virtuoso de verdade. Por isso deve-se pensar o que mostramos e como mostramos, devemos ter em conta o que há de artístico, de criativo e de técnico no que fazemos, qual a forma de mostrá-lo que melhor comunica o que queremos. E se não há técnica, que ao menos haja criatividade.
Não há pior palhaço que aquele que quer agradar.
Polindo o diamante: análise e escritura Dissemos, mais acima, que polir as rotinas é polir o palhaço, mas entendamos, antes de tudo, que há muitas maneiras de polir. Uma dessas maneiras poderia ser a prática constante. constante. Realmente, quando se trata de polir uma técnica, não há outra forma: deve-se praticar e praticar e seguir praticando até atingir o brilho desejado. Em parte, com nosso palhaço e com nossas rotinas se passa o mesmo. Como dissemos, tratatratase de ir, ir, ir até que saia. Provar no cotidiano, com público amigo, com crianças pequenas. Ver o que sai mal e corrigir, tomar nota do que funciona. Mas para isto é preciso ter à mão algumas ferramentas além das que falamos há pouco, e que seria um engano deixar de lado na hora de buscar o brilho. Para conseguir que uma ideia, clássica ou delirante, tomada de outros artistas ou original, converta-se em uma rotina e que logo essa rotina funcione perfeitamente na cena, deveríamos estudá-la por partes desde os distintos pontos de vista e em relação com a estrutura da atuação de rua. Uma mesma rotina pode ser polida nos diferentes pontos de vistas que fomos mencionando. Por um lado, devemos estar atentos aos diferentes canais de comunicação comunicação que o palhaço possui com o público, um primeiro ponto de vista tem relação com a dimensão comunicacional . Também podemos tomar a distinção que acabamos de fazer entre componentes componentes artísticos, técnicos e criativos. E, finalmente, o mais importante, temos algo como um ponto de vista emocional: o que estamos tentando provocar no outro? Quais são as diferentes reações que o público pode ter frente a isto que nós estamos planejando? Como pensamos aproveitar essas reações para ganhar o jogo? Sobre cada rotina que queiramos trabalhar, polir, fazer funcionar ou melhorar, podemos tomar o trabalho de escrevê-la e dividi-la nos diferentes momentos que a compõem . Isto implica também identificar cada ação, cada gesto, cada movimento, e cada fala que colocamos em
jogo. Este Este primeiro passo passo no no trabalho trabalho com com os os números números vai nos servir para para limpar a cena, para retirar dali tudo o que está sobrando. Em um segundo momento, com a rotina já escrita e já dividida, podemos começar a aplicar os três pontos de vista que mencionávamos: comunicacional (com a ferramenta que trabalhamos na seção "Comunicação corporal e corpo de palhaço, do Capítulo 1); analítico (reconhecendo componentes artísticos, técnicos e criativos); e emocional (para cada ação, buscar responder responder o que quero provocar com isso, até onde posso guiar essa reação). Entenda-se Entenda-se o seguinte: não cremos que estes sejam os únicos pontos de vista a partir dos quais se pode analisar uma rotina para trabalhá-la e a polir, tampouco pensamos pensamos que seja garantia de êxito ir a fundo com um deles. Como dissemos, trata-se trata-se de poder trabalhar as rotinas, mas, ainda mais, trata-se de praticá-las e de trabalhar e praticar toda uma série de habilidades que o palhaço desenvolve na roda e que extrapolam as rotinas. Do que se trata aqui é de por à disposição algumas ferramentas que sirvam na hora de trabalhar nossos números e é sobre eles que devemos voltar e praticar e saber medir quando funcionam e quando não.
Número participativo O número participativo é o de vaudeville, o varietté, é Tony Clifton 9. Se tomamos uma definição simples do que é um número participativo (uma rotina em que participa o público) nos daremos conta, em seguida, de que o palhaço de rua está permanentemente fazendo números participativos: o público voluntário é um dos materiais ma teriais fundamentais de todo espetáculo de rua . Isso tem relação com uma característica deste tipo de espetáculo, a qual já aludimos, que é certa austeridade de materiais. O palhaço de rua conta conta com aquilo que possa meter na sua mala e com o que encontra na rua. Um componente fundamental de suas apresentações será, então, o público. Assim como usa o público para construir o espaço onde se 9
Tony Clifton é um personagem criado pelo comediante Andy Kaufman, quem o personificou nos anos 70, ainda que logo o personificassem outros atores e comediantes. comediantes. (Wikipédia)
desenvolverá a função, o palhaço de rua necessita do público para apoiar-se nele e gerar com ele as situações das quais brotará a risada. É com o público que tem em cada apresentação, diante desse público e com esse público, que o palhaço de rua responde à pergunta que o persegue por toda sua vida: como podemos provocar provocar com o que temos? Em cada público, em cada apresentação, o palhaço vai encontrando indícios de por onde pode se meter a provocar. Neste tipo de número se joga o que a princípio definimos como parte fundamental da estratégia do xadrez : o palhaço vai medindo reações, pesando sensações, lendo emoções e vai tecendo, a partir dali, sua apresentação. Deve-se escutar o público. Há muitos artistas que seguem adiante sem escutar o público e isso lhes custa caríssimo. No número participativo, atualiza-se ao máximo isso de que as pessoas reagem de duas ou três maneiras, e a arte do palhaço de rua é sobre antecipar-se a essas lições e trabalhá-las a seu favor. Dependendo de como reage a pessoa, o número vai se armando de uma forma ou de outra. Os participativos são assim: alguém pode te romper o esperado, mas literalmente você julga ter feito esse número milhares de vezes e que se se você dá tal estímulo essa pessoa, muito provavelmente, provavelmente, responde de um modo já conhecido.
Classificação Há vários tipos de números participativos. Em primeira Instância, devese distinguir os números participativos corais, aqueles no qual participa todo o público. Também podemos dar uma atenção à parte para os números combinados, aqueles um que se trabalha com uma ou várias pessoas que já sabem como é o número e têm indicações expressas de como devem atuar que os pautam previamente. E também podemos ter à mão uma maneira muito útil de classificá-los com critérios de atividade/passividade do público (isto é, níveis ou graus de participação). Vamos dividir essa perspectiva em dois critérios: por um lado, se a ou as pessoas participantes entram na roda (ativo) ou participam de seu lugar (passivo); ou se as pessoas envolvidas podem tomar decisão sobre suas ações (ativo) ou estão completamente à mercê do palhaço (passivo). Temos, portanto, a seguinte classificação:
— O ativo-ativo é quando o palhaço chama uma pessoa do público que
passa para a roda e tem que fazer algo alg o por uma decisão dela mesma. De acordo com o que ela faz é que se termina de armar o número. públi co e essa — O ativo-passivo é quando o palhaço chama alguém do público pessoa não pode fazer nada. Por exemplo, o número clássico dos malabaristas que põe um voluntário com um cigarro na boca e fazem passing (a técnica de troca de claves em diferentes di ferentes formas e tempos) para lhe tirar o cigarro com as claves. Esse tipo é passivo, não pode fazer nada. Tudo depende dos malabaristas. — O passivo-ativo é quando o palhaço fala com uma pessoa do público,
fala diretamente com ela, e essa pessoa responde de seu lugar. "Senhora, por favor, pode fechar os olhos, esticar o braço e por a mão como uma tigela para cima? Bom, segura o casaco?". casaco?". É passivo, porque a pessoa não entra na roda, mas, ativo, porque lhe peço que faça algo. O clássico dos passivos-ativos é dividir a platéia, a metade faz uma coisa, a outra metade faz outra, e fazê-los cantar: todo mundo está participando de seu lugar. Isto seria, por sua vez, um número coral, porque participam todos. — O passivo-passivo é o público normal, que não faz nada. E que de
alguma maneira não pode ser teu público, porque esse público, com a primeira brisa que passa, voa.
Estrutura dramatúrgica Como estávamos assinalando com respeito às dramaturgias, trata-se de estabelecer uma estrutura estrutura que nos permita pe rmita trabalhar os números: armálos, poli-los, melhorá-los. Podemos trabalhar individualmente cada um dos oito momentos que apresentamos a seguir, de acordo com os critérios que apresentamos na seção "Polindo o diamante". 1. Criação de expectativa sobre a possibilidade de ser escolhido.
Primeiro, você precisa criar uma expectativa expectativa sobre a possibilidade de ser escolhido. Se você disser "Preciso de um voluntário!", já vai gerar em todos inquietude: "serei eu?". Estamos jogando, agora, para que uma pessoa do público, que não sabia que iria dar um passo adiante, dê um passo adiante, se exponha diante das pessoas, sendo bem ou mal tratada pelas risadas, que é uma situação muito particular e pode ser dramática. Saibamos que as pessoas não estão acostumadas a uma exposição desse tipo. Nós passamos por isso todo o tempo e até estamos manejando manejando isso. É muito particular essa situação, e se você maneja bem essa tensão, ela vai se transformar em risada. Sempre é assim se você a maneja bem. Então, primeiro, deve-se criar expectativa. expectativa. 2. Encontrar uma forma criativa de chamar essa pessoa do público.
Como convocar essa pessoa? Há três ou quatro formas básicas, mas, além disso, há a criatividade que você pode exercer e se, mesmo assim, não existir: encontre um jeito! A mais comum de todas é: "Senhor, por favor, venha para o centro.". Outra, mais elaborada: em um momento você tira o casaco e diz para uma pessoa que o segure, e chegado o momento, você você diz: "Por favor, me traz o casaco!". Há muitas formas de convocar convocar e em cada número participativo a forma de convocar convocar pode ser feita de maneira criativa. 3. A apresentação dessa pessoa do público para a roda. É algo muito
natural e que deve se fazer sempre. Isto ocorre em quase todos os espetáculos de rua: convoca-se uma pessoa e pede-se para que ela se apresente, peça aplausos das pessoas e assim se afrouxa um pouco a tensão e, ao mesmo tempo, a pessoa convocada se sente mais comprometida comprometida com o que está fazendo e legalizamos a situação. 4. Explicação. Como você explica a essa pessoa o que você quer dela?
Neste ponto, você tem que transmitir claramente a essa pessoa o que
deseja que faça, o motivo de você a ter convocado. Aqui, deve ser claro, mas, além disso, devemos ter em mão todas as artimanhas para que essa pessoa aja como você precisa, para que, depois, você possa se adiantar às suas ações para gerar a risada ou a surpresa. 5. O ensaio. Com o ensaio se prova se entendeu. 6. Aproximação da tragédia. Nos aproximamos do número que parece
que nunca chega: parece que tudo vai cair, que tudo vai fracassar. A idéia é que não fracasse, mas se ocorrer, devemos transformá-lo em êxito. 7. O êxito e o festejo do êxito. Como festejo? Cada vez que perguntamos
"como" estamos pondo em jogo o que dissemos antes sobre a criatividade. Isto define uma exigência: encontrar a forma. 8. Despedida. A despedida do voluntário é outro momento dramatúrgico
que nós podemos trabalhar individualmente. Como me despedir dela? del a?
Exemplos Um dos melhores números participativos que eu vi é o seguinte. Há um palhaço norte-americano norte-americano que se chama Fred, o sujo, Dirty Fred, um estadunidense que vive na Holanda, eu o vi em uma rua perdida de Amsterdam. Minha primeira imagem i magem do tipo foi uma cena na qual ele estava apertando um grãozinho de granito no abdômen e um moleque de uns dez anos segurando para ele um espelhinho a centímetros do grão, a ponto de fazê-lo estalar contra o espelho. Mas o melhor número participativo que vi dele essa noite, e que nunca mais mais me esqueci, e quinze anos depois me inspirou a fazer um número (o das garrafas ga rrafas e dos gestos), é um no qual ele chama seis pessoas do público, ele está vestido de militar, com boina, botas e tudo, e dá aos participantes uns coletes, põe neles uns capacetes, os faz desfilar, grita com eles, faz toda uma paródia dos recrutas. Em um momento, dá a cada um deles uma garrafa e um pau. Os coloca em em fila e se posiciona atrás deles, parado sobre uma mesa, mesa, e dali lhes lh es ensina a tocar as garrafas. Toca o capacete de um e esse toca a garrafa com o pau, e soa um tom puro; logo a outro, e soa outro tom puro, e assim com cada um dos seis. seis. O palhaço, palhaço, parado atrás e por cima, vestido de militar, começa a tocar os capacetes e soa o hino da alegria. E, então, joga os dois paus para trás e saca dois revólveres de umas cartucheiras que tem prontas e começa a disparar nos capacetes dos
voluntários, que reagem ao tiro, mas seguem tocando o hino da alegria. Um tipo atirando na cabeça das pessoas e abaixo soando o hino da alegria! Maravilhoso. Há um excelente palhaço de Rosário, Salvador Trapani, que dá a cada pessoa do do público um canudo canudo cortado cortado de tal maneira maneira que, que, quando o toca, toca, soa como um instrumento musical e, em um momento, todo o público está tocando. Eu o vi no n o Brasil e éramos quatrocentos, são quatrocentos canudos; ele ensina como assoprar e como segurá-lo, e é um número coral que é passivo, porque ninguém entra, mas é ativíssimo porque todos estão fazendo música. Há números participativos preparados em que uma ou várias pessoas do público sabem que em certo momento vão participar. São números combinados que surpreendem igualmente a quem não conhece esse acordo prévio. Leo Bassi é um mestre nesse tema. Leo Bassi é um palhaço italiano que eu admiro muito, vem de uma família de gente g ente do circo, é um provocador em tudo que faz, um louco lo uco e um gênio. gêni o. Grandalhão como é, se veste com um traje inglês porque diz que, caso ele se vista como palhaço, as pessoas vão ter menos menos medo. Ele Ele tem um número em que sai de cena e começa a relatar que está cansado das pessoas pessoas que se vestem v estem com roupa de marca, com inscrições totalmente alheias para a pessoa que veste. Depois de vociferar contra o consumismo, diz despreocupado: "Alguém sabe o quer dizer Adidas?" E continua: Adolfo Didasi! Um colaboracionista italiano, um nazi que ajudou a matar seis milhões de pessoas! Por isso é melhor que não encontre ninguém que tenha um Adidas! Então começa a percorrer a saia, enquanto caminha entre o público com uma tesoura enorme, enorme, até que ali encontra uma pessoa aterrorizada, querendo esconder sua camiseta Adidas. Quando o encontra, sentado entre o público, corta sua camiseta. "Antes "Antes você tinha um Adidas", diz, "agora você tem um Leo Bassi". O número está combinado. Mas, isso, sei eu e depois de dez anos de seguir vendo. Trabalha com pessoas que podem ser atores ou não. Imagino que os vê cinco minutos antes e faz um acordo com eles; não lhes diz realmente o que vai ocorrer, exatamente, assim consegue uma resposta real da pessoa, ainda que que seja um colaborador. colaborador.
Tortell Poltrona, em um de seus espetáculos, a cada criança que entra no circo (tem um circo maravilhoso, Santa Maria de Paiautordera, situado no pé do Parque Natural de Montseny, Catai unia) lhes dá um sa pinho de lata, desses que quando você aperta as costas faz um ruído. Claro que só com um apertando se faz pouco ruído. Mas mil sapinhos juntos fazem muuuuuito ruído. Tortell, em certo momento, canta uma canção (com a excelente banda musical do circo) e lhes pede ao público que acompanhe ritmicamente. O ruído das rãzinhas é então tão estrondoso que o circo começa a romper-se, caem as paredes e lâmpadas sobre o cenário, o público maravilhado sente o poder das massas. Uma pessoa com um pouquinho de algo é pouco, pou co, muitas pessoas com um pouquinho de algo cada uma são muito mais que muitíssimo. Este é um número maravilhoso em que participam os espectadores. Um número participativo coral.
OS 10 MANDAMENTOS DO PALHAÇO DE RUA
1 - Serás a exageração, não a caricatura de tua pessoa 2 - Nunca te irritarás com o público (não convém) 3 - Quando estiveres na roda, serás o centro do universo 4 - Nunca duvidarás de teu material em cena 5 - Diante do fracasso, usarás a frase: “to nem aí!’’ 6 - Nunca usarás material de outro palhaço que trabalhe no mesmo lugar/praça/cid l ugar/praça/cidade ade 7 - Estarás convencido de que, se não é hoje, será na próxima vez, mas encontrarás o sentimento que estás buscando 8 - Não negarás nenhum desafio 9 Estarás agradecido por toda sua vida aos que te inspiraram, -
ainda que não te caiam bem 10 - Serás politicamente incorreto
DRAMATURGIA DA APRESENTAÇÃO DE RUA Convocatória, número participativo e passagem do chapéu
Uma coisa é um espetáculo na rua e outra coisa é um espetáculo de rua. Em um festival de teatro no Brasil conheci Eugênio Barba10 e tratando-se tratando -se do contexto da cena lhe perguntei a definição de dramaturgia, e assim obtive uma definição em primeira mão do dramaturgo mais importante da arte de rua. Uma dramaturgia , me disse, é uma sucessão de acontecimentos . Para um palhaço na cena, isso implica saber de onde venho e para onde vou. Com as estruturas dramatúrgicas nos preparamos para reconhecer as partes de uma apresentação, para prepará-la e trabalhá-la pensando no que queremos queremos fazer e no que temos que fazer. Trabalhar na rua implica em algumas condições das quais o artista tem que se ocupar e que, em outro circuito, como no teatro, seriam tarefas de outras pessoas. o palhaço que quer trabalhar em uma praça não tem ninguém que o anuncie, nem um programa que informe ao público no que consiste o espetáculo, nem alguém que acomode, acomode, as pessoas e cobre a entrada. Essas são algumas das obrigações do artista de rua. E como não pode deixá-las de lado, porque escolheu esse espaço, integra essas condições a seu espetáculo. O ideal seria que um artista de rua convertesse convertesse suas necessidades em números e rotinas. Por isso, para nós, as estruturas dramatúrgicas em parte são respostas vi ver de nossa às condições que qu e nos põe o espaço da rua para trabalhar e viver profissão. Quem divulga o espetáculo? Quem atrai as pessoas e indica como e onde se sentar? Quem se ocupa de cobrar pelo espetáculo oferecido? O PALHAÇO. Sim, senhorita. 10
No mundo do teatro é amplamente reconhecido reconheci do a influência de Eugenio Barba como dramaturgo, diretor e pensador dessa prática. Com a companhia Odin Teatret percorreu países da América Latina e se interessou por uma maneira particular de encarar o teatro, popular, variado e irreverente, a que chamou Terceiro teatro.
Conhecer qual é o objetivo de cada número forma parte de nosso material, porque aí está a resposta à pergunta "como faço para viver disto?". Todos Todos somos capazes de fazer rir porque, de certo modo, todos somos palhaços, só que alguns vivem disto. Os artistas que não podem aproveitar e desenvolver seu material têm problemas para conseguir o que esta profissão pode dar: liberdade física, psíquica e econômica. A estrutura dramatúrgica que vamos apresentar a seguir responde às necessidades concretas que tem o artista para trabalhar neste circuito. Estamos falando falando de um rock'n'roll ro ck'n'roll quadrado de três notas, para começar, para tomar posição e entrar. Há muitos tipos de espetáculos de rua: há estátuas animadas, há semáforos, há mágicos de bar, há terraças (quando um artista trabalha em frente a um bar). Esta estrutura dramatúrgica se aplica a um tipo específico de espetáculo de rua, com determinadas condições gerais entre as quais destacamos uma duração de aproximadamente 45 minutos, um espaço de uns quinze metros de diâmetro rodeado por uma roda de gente sentada (não gente de passagem). passagem). Isso não quer dizer, no entanto, que aqui não haja nada que não possa servir para qualquer outro tipo de espetáculo de rua. A princípio, falaremos de sete momentos que trataremos individualmente a seguir: Pré-convocatória; Convocatória; Farsa de começo; Número de início; Número participativo; Passagem do chapéu; Despedida e Final . Um rock'n'roll quadrado de três notas, sim... mas
rock'n'roll.
A CONVOCATÓRIA e a PASSAGEM DO CHAPÉU são dois temas que não têm relação com o aspecto artístico (ou têm), mas de saber otimizá-los otimizá -los depende o futuro de uma artista de rua. Vi bons artistas fracassando e abandonando seu ofício por não terem boas passagens de chapéus e boas convocatórias. Havia outros que, apesar de não possuírem bom material artístico, manejavam uma boa convocatória
e passagem de chapéu. Com o tempo (perdurando) se transformaram em grandes artistas, pois puderam viver de sua profissão. 1. Pré-convocatória Ainda não começou Enquanto aproveita para fazer coisas fundamentais da preparação, o artista já cria um centro de interesse, algo que intrigue as pessoas na rua ou na praça. A pré-convocatória consiste em deixar tudo pronto, se trocar e se preparar para a apresentação sabendo que já estão te olhando. Forma parte da dramaturgia, mas o traço principal é a não atuação. Na pré-convocatória pré-convocatória o artista está em seu estado natural. Ele ainda não se apresenta diante do público. Pode ser dramático se a convocatória não é efetiva porque veriamos um artista que depende de pessoas para fazer a apresentação e que não atinge as condições para começar. Por isso, abrimos espaço na pré . Nós necessitamos que as pessoas venham, que confiem em nós para que, quando estejamos prontos para dar início ao espetáculo, haja uma quantidade importante de público. Sabemos que se começamos uma apresentação com a roda cheia há mais probabilidades de que seja um êxito, porque você mesmo se encherá de energia. É a prévia. Onde você vai se trocar? Na frente do público. "Essa pessoa é quem vai trabalhar; no entanto, não é o artista, não começou." Na préconvocatória convocatória você tem que jogar à meia energia, porque quanto menos você fizer um show, mais gente vai se aproximar. Se for um show, não chamaria tanto a atenção como um tipo que precisa se trocar e não pode porque as pessoas estão olhando. Além disso, não estão prestando atenção cem por cento. Estão prestando outro tipo de atenção, uma atenção mais voyeurística, menos comprometida. A apresentação não começou. É alguém que está se trocando. ws. Clark Kent que ainda não saiu da cabine de telefone. Se vão a uma praça que costumam frequentar, as pessoas sabem que logo começará uma apresentação e, mesmo assim, ainda não se aproximam, porque ainda falta um pouco, mas já te olham. ol ham. Talvez seja a
primeira vez que você vai a essa praça. Não importa. A situação se passa da mesma forma. Estão te espiando . Olham se você está com sua namorada?, "que faz?", eles te vêem falar com as pessoas da praça, e a tudo isso se deve aproveitar. Se você faz que o som não funciona e você se põe nervoso, as pessoas vêem um tipo em dificuldades, isso chama a atenção. Essa mesma cena dramática que pareceu acontecer espontaneamente, depois você pode retomar na apresentação. Não é real — não sempre — que não te funcione o som, isto i sto vem checado antes de chegar à praça, mas você pode induzi-lo, fazer uma gambiarra, ficar alerta; você não quer que as pessoas se dêem conta, mas funciona da mesma forma. Na pré-convocatória você deve testar o som, deixar o equipamento pronto, maquiar-se (se é que você o faz), delimitar o espaço; enquanto isso, as pessoas estão te olhando. As pessoas olham o tempo todo. Mas você, contudo, não é o artista, não está atuando, é como se nem quisesse. As pessoas te olham assim mesmo. Um pouco de psicologia reversa sempre funciona na rua. Supostamente, Supostamente, na rua, não ocorrem coisas como se prevê. Mas o palhaço de rua, que já conhece mais ou menos como reagem as pessoas, em uma pré-convocatória — como na apresentação — se move antecipando-se ao que vai ocorrer. No teatro, pelo contrário, as condições estão mais controladas. Entre essas condições (além do espaço físico, o tipo de público, etc.) estão as expectativas do espectador. Um espectador pode se aproximar quase sem se dar conta, ou pensando que vai ver um show infantil, e terminar no centro da cena com uma torta de creme na mão. Os artistas de rua, então, trabalham permanentemente com essas expectativas. E a pré-convocatória é um momento chave para criar expectativa, a de que algo (estranho, maravilhoso, ou simplesmente algo) está prestes a acontecer. Na rua é preciso contextualizar, marcar, criar o lugar da atuação. A não
ser que estejamos num espaço preparado, uma praça em que usualmente há espetáculos e então a roda é delimitada por uma fileira de assentos ou uma tribuna, é o artista quem deve assinalar seu lugar de atuação.
Delimitar o espaço é a primeira ação que deve tomar o artista na préconvocatória. Deve marcá-lo com um giz, com cones, com o que seja. Este lugar é meu, é mágico. Aqui, esta tarde, vai açontecer algo. Deve sinalizá-lo, estabelecer o limite. Uma boa maneira de fazê-lo é com as pessoas: senta senta uma primeira fila fi la e eles delimitam a borda. Depois é preciso ocupar esse espaço . Aí entram o equipamento de som,
as coisas que você vai usar; enquanto você caminha, vai enchendo o espaço. Na apresentação, vamos ter um vestuário, mas também é bom considerar um vestuário para ir à praça. Desde quando você pisa na praça até que você seja o palhaço, é importante ter uma particularidade. Seria muito engraçado chegar com sapatões e uma roupa colorida, vestir-se com roupa normal para fazer o número e voltar ao vestuário de palhaço para ir embora. Você, como pessoa, tem que ser parecido com teu personagem. Eu não creio no falsete ou em formas diferentes de caminhar; o palhaço é você, mas exagerado, com outro dinamismo. Então a pessoa que chega à praça tem que ser um pouco esse personagem que a gente vai ver expandir-se na cena. E se desejam, há uma pré-pré-convocatória. Quando vamos trabalhar em uma praça que não conhecemos absolutamente, podemos fazer uma pré-pré-convocatória passeando pela praça, falando com os mendigos por ali, com os policiais, com as pessoas. É uma pré-pré: pré-pr é: você acabou de chegar, está ali, mostre tua presença. Então na pré-convocatória temos que realizar alguns passos fundamentais: — delimitar o espaço, — fazer um primeiro chamado, quase sem querer , das pessoas, — testar o equipamento , — alguns colocam um cartaz que diz: "Em 10 minutos. Apresentação de
palhaço de rua". Outros põem música porque há praças em que é
costume fazer espetáculos com contribuição no chapéu e as pessoas quando escutam a música se aproximam. Agora, bem, se você está em uma praça em que vão apresentar outros artistas, a pré-convocatória é muito diferente porque aí realmente está competindo. Aqui não estamos pensando em competição .
A dramaturgia do espetáculo de rua sempre vai buscando a otimização do chapéu. 2. Convocatória O objetivo que temos na convocatória é juntar o mais rapidamente possível uma quantidade suficiente de pessoas para começar a apresentação. O recomendável é começar a convocar quando haja dez ou vinte pessoas sentadas. Você as tem que sentar separadas. sep aradas. As pessoas são a melhor delimitação que há. Se você conseguiu as primeiras quinze pessoas do público, depois, com eles, você tira o medo de outros duzentos. Por isso, se você tem quatro amigos que foram e se sentaram em frente, depois o resto vem sozinho. Na convocatória você declara sua intenção de convocar mais pessoas .
Já não é como na pré, onde as coisas se passam como se você não quisesse nada. Agora temos que ser honestos com as pessoas, explicar: "isto é um espetáculo de rua, vamos buscar um pouco mais de pessoas". Peça a elas que te ajudem, os faça cúmplices. Eles já são parte do espetáculo e entre todos se deve buscar que saia o melhor possível. Senão, para que vieram? Para convocar, use seja lá o que for, um "caça bobo 11", um truque clássico; mas tem que ser algo que se sustente , que tenha sua própria tensão para persuadir aos que chegaram a que participem e fiquem. A esta parte temos que dar um tom de anúncio: algo está para começar.
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Técnica convocatória onde o palhaço, com a cumplicidade do público, consegue o interesse e, por conseguinte, a aproximação de um público que é enganado pelo mesmo público a partir de grandes aplausos e ocações sobre algo que não existe. O palhaço esclarece a questão e os caçados se transformam em caçadores do próximo grupo de pessoas.
Você já começou faz um bom tempo, mas as pessoas têm que pensar que algo está para começar. A convocatória é um momento chave no espetáculo de rua. Há artistas que têm grandes espetáculos, mas que a convocatória se faz um problema enorme como uma casa. Não conseguem boas convocatórias, convocatórias, não conseguem começar com uma quantidade suficiente de pessoas. A convocatória deve ser rápida , não enfraquecer, tem que ser tão profissional como os demais números. Pode durar pouco ou o que dura qualquer dos outros números do espetáculo. Por isso, deve-se pensá-la e trabalhá-la buscando alternativas efetivas. De novo: nós somos o palhaço que somos e o material que temos. E o material que temos é fundamental. Você pode ser um grande músico, mas se não tem cinco temas para gravar um disco... É fundamental encontrar esse material e saber que cada momento requer um material em particular. Uma das chaves da dramaturgia da atuação de rua é converter suas necessidades em números ou rotinas. Na convocatória necessitamos reunir gente. Para isso, temos que encontrar o texto justo, o ritmo justo e saber que se uma alternativa não funciona, temos outra para conseguir a quantidade de público que precisamos. A forma que usamos deve ser definida de acordo com o lugar. Se você está trabalhando em um país estrangeiro, onde se fala um idioma diferente do seu, vai ter que se preparar para atrair gente que não entende o que você diz. Por isso, com os primeiros vinte é mais simples conseguir outros duzentos. Porque, então, eles atraem o restante, lhes tirando o medo; há uma roda, alguma coisa na praça, um tipo fala, tem algo para mostrar. O que fala? Nesse ponto, você já está quente, e já se envolve com as pessoas. Temos vários canais de comunicação, nem sempre nos comunicamos com a palavra. O som, o gesto, a mímica são muito importantes na convocatória. Se você toca um bumbo parado acima de uma escada, torna-se visível em toda a praça: todos te vêem e todos te escutam.
O porco inteligente A melhor convocatória que eu vi na minha vida foi na Praça Onze (praça popular de classe média baixa de Buenos Aires). Eu esperava um ônibus na praça e, de repente, veio um tipo grandalhão, deixa uma bolsa no
chão, a abre, tira uma garrafa e a põe parada no chão. Da bolsa tira ainda um rato e o deixa na boca da garrafa. Enquanto o rato se equilibrava sobre a boca da garrafa, esse homem começou a caminhar em um círculo grande, ao redor da garrafa, gritando "Juan Pablo! Tem que trabalhar, Juan Pablo!", que me parecia ser o nome do rato. Ele não olhava pras pessoas. Era como se ele não se importasse se chamava a atenção ou não. Falava forte, mas supostamente para que escutasse só o rato (grande engano). Enquanto caminhava, ia marcando com um giz o chão, com linhas de uns sete ou oito metros que iam desde a garrafa até uma palavra, também escrita no chão, uma caixa de fósforos, fósforos, uma pedra e uma vela. "Esta noite é preciso trabalhar, Juan Pablo!". Era algo muito estranho. Nessa Nessa hora, a praça era muito movimentada. Qualquer Qualquer um que comece a gritar ou a convocar pode chamar a atenção. O difícil é que as pessoas parem pa rem e fiquem, e isso aconteceu aconteceu imediatamente, imediatamente, éramos uns duzentos curiosos os que foram se aproximando ap roximando (do homem e do que era mais interessante: do rato equilibrista). Em um momento vejo que o suposto domador de ratos adverte estar cercado pelo público (somente olhava os sapatos das pessoas e não fazia contato visual com ninguém). Aí se aproximou da garrafa, devolveu o rato para a bolsa, olhou fixamente para para toda a platéia e disse "Boa "Boa noite, este é um espetáculo de rua no chapéu." Logo continuou explicando o que qu e iria fazer. A essa altura já havia umas duzentas pessoas na roda, a convocatória havia sido um um total sucesso... O rato nunca mais apareceu no espetáculo. Muito tempo depois de ver isso, lendo uns livros ingleses, encontrei que se trata de um número clássico, que se realiza há mais de quatrocentos anos. O truque se chama "O porco inteligente", The Intelligent Pig. O usam os artistas de rua ciganos desde sempre. Colocam um animal e começam a anunciar que vai acontecer algo extraordinário, falam todo o tempo com o animal, não com as pessoas, ou seja, não enganam as pessoas. Se vier a polícia, não se pode dizer que estava armando um golpe. Quando atingem um bom número de público, param p aram de fazer o que estavam fazendo e começam com outro número. O fazem com cabras na Espanha, com víboras em Marrocos e vá saber em quantos lugares mais e com que tipo de bichos ou animais. É algo muito antigo, O Porco Inteligente In teligente — evidentemente na Inglaterra faziam com porcos. Mas ainda funciona.
Depois de muitos anos eu encontrei uma convocatória que funciona perfeitamente para mim. No princípio, faço um número tocando o trompete em cima de uma escada. As pessoas pedem músicas e eu toco qualquer coisa, sempre (a altura que me dá a escada, o som do trompete e a risada das pessoas faz com que toda a praça perceba que estou aqui e que vou começar a apresentação). Depois, me troco ali mesmo enquanto converso com eles (o fato de fazer algo tão íntimo como trocar de roupa e se deixar ver, sem mostrar as partes íntimas, mantem a atenção). Depois faça a ola (um movimento que envolve todo o público, famosa nos jogos jogos de futebol). E no final, final, eu eu saio e entro (farsa de começo). começo). Mas, claro, fazer a ola não é simplesmente fazer a ola. Deve-se orientar e motivar para fazer esse movimento, há que ser um médico bruxo que, no meio da roda, transforma as pessoas que não se conhecem em uma unidade, em uma só coisa. A ola é vista de toda a praça e isso aumenta o interesse. O que será que está acontecendo ali onde tem tanta gente reunida? Em cada parte dessa convocatória é importante atrair a atenção das pessoas, e uma vez que chegue à roda deve-se fazê-los cúmplices do que vai acontecer em cena. Eu gosto que eles se sintam responsáveis por convocar para que o espetáculo comece rapidamente. rapidamente.
3. Farsa de começo Uma vez que fizemos fi zemos a convocatória convocatória e temos armado um círculo com boa quantidade de gente, vem o começo oficial que estávamos anunciando. E esse começo oficial é na realidade a farsa de começo. Na farsa de começo temos a necessidade de dizer quem somos, somos, de nos apresentarmos. É básico o que temos que fazer, mas fundamental. Tudo
isso que fizemos até agora, nos teatros, é fqito por outras pessoas. Ou seja, outro convoca e faz a divulgação, outro vende a entrada, outro os acomoda e os senta, a descrição do espetáculo está escrita em um programa. Essa pré, essa convocatória e essa farsa de começo não existem no teatro, não são necessárias. Nós temos que fazer porque acabamos de inventar o espaço em que vamos trabalhar. Vamos inventando esse espaço junto com as pessoas. Ainda que saibamos que esse espaço que acabamos acabamos de inventar vá morrer em torno de quarenta minutos.