pai. Porém, essa violência tam bém se concentra nos proj etos criadores, na vontade de transformar em ouro a lama da infância, de lhe dar a forma de uma mensagem universal de am or e de fraternidade. No outono de 1795, seus dois irmãos, Karl e Johann, agora sem recursos em Bonn, desembarcam em Viena. Essa nova responsabilidade não é pequena para Ludwig. Ele ama os irmãos, mas na maior parte do tempo estes o exasperam, e serão para ele uma preocupação constante. Karl, o segundo, “baixo, de cabelos ruivos, feio”, diz uma testemunha, fez estudos musicais em Bonn, mas nem de longe se aproxima do talento do irmão. Quanto a Johann, o caçula, é descrito como “alto, moreno, bonito e às vezes dândi”. 5 “Um pouco tolo, mas de uma bondade natural”6, afirma uma certa sra. Karth, que conheceu bem os três Beethoven. Tolo, com toda a certeza. Em relação à “bondade natural”, é o caso de duvidar. Muito foi dito e escrito sobre esses dois personagens vistos como odiosos parasitas, sanguessugas grudados no gênio do irmão. A realidade é menos dramática, e mais medíocre – como eles. Em Viena, Karl prossegue seus estudos musicais e cuida dos negócios do irm ão m ais velho, ou seja, desempenha o papel de um secretário e vagamente de empresário. Aproveita-se disso para vender as obras de Ludwig, às vezes sem que este saiba disso, a vários editores ao mesmo tempo. Karl e Johann têm a triste mania de vasculhar fundos de gaveta e trocar por dinheiro obras que Beethoven não quis publicar, julgando-as indignas do seu talento. Não é raro que as discussões entre Ludwig e Karl terminem em pugilato, como num dia em que Karl resolveu vender a um editor de Leipzig as três sonatas para piano do opus 31 (que inclui esta obra-prima, a sonata em ré menor intitulada A tempestade) que Ludwig prometera a um editor de Zurique. Assim transcorrem as relações familiares entre os Beethoven: à flor da pele, violentas, no entanto indestrutíveis, como ocorrerá mais tarde no famoso caso do outro Karl, sobrinho de Ludwig. Por ora, nesse ano de 1795, Beethoven trabalha nas sonatas para piano do opus 2, dedicadas a Haydn. Elas já são tão singulares, tão “beethovenianas” no estilo, que é tempo de nos perguntarmos sobre a maneira própria e já perceptível do compositor, com aquela força e aquele dinamismo amplamente inspirados e condicionados por seus talentos de improvisador, a improvisação relacionada tanto à performance musical quanto aos jogos de salão e à competição. Em Viena, nas disputas em que o pianista deve medir forças com os recémchegados e vencer todos os desafios, é Beethoven o campeão, como relatam divertidamente Brigitte e Jean Massin: O século XVIII adorava os duelos em que se opunham dois executantes rivais; a cada ano um novo campeão chegava a Viena e toda a alta sociedade se comprimia para vê-lo medir-se com o herói do mom ento; assim Beethoven, ao chegar, enfrentou Gelinek. Agora é ele, por assim dizer, o detentor do título; em 1797, Steibelt o desafia; em 1798, Joseph Wölfl; nos anos seguintes, Cramer, Clementi, Hummel. De cada um desses duelos temos um monte de histórias, mas todas se reduzem ao mesmo esquema: a) “o outro” (do qual somente o nome varia) toca com uma perfeição, uma pureza, uma delicadeza invariavelmente dignas de Mozart; b) Beethoven está de mau humor: põe-se ao piano, bate nas teclas como um bruto, começa a improvisar, faz chorar todo mundo e deixa o rival em frangalhos. Isso aconteceu com Wölfl, mas este foi talvez quem melhor se defendeu. É preciso dizer tam bém que ele tinha mãos tão grandes que era capaz de abarcar treze