A função de estabilização, ao contrário da função de afetação de recursos, é uma função macroeconómica: pretende explicar como, através dos instrumentos orçamentais ao dispor do Estado (a receita e a despesa públicas), este intenta suavizar as flutuações da economia. A função de estabilização é herança direta do modelo Keynesiano e explora justamente a ação dos multiplicadores de despesa e dos impostos. Ajuda-nos a compreender a ação contra cíclica: em períodos de recessão, pelo aumento de despesa pública (em consumo e investimento) e diminuição da carga fiscal; em situações de expansão, pela diminuição da despesa pública e aumento dos impostos.
A política orçamental e o debate na macroeconomia
Num conceito restrito, podemos dizer que a política orçamental consiste na utilização de variáveis orçamentais fundamentais (receitas e despesas), com vista a atingir certos objetivos, seja em matéria de produto, emprego, ou taxa de inflação. Quando falamos de política orçamental usando receitas e despesas para atingir certos objetivos, isso tem um efeito multiplicador sobre a economia em geral: a óptica é que, no curto prazo, os instrumentos orçamentais devem contrair o ciclo – se está em recessão, o Estado deve estimular a economia privada que orbita em seu torno; deve-se aliviar a carga fiscal, para que as famílias consigam consumir mais e, assim, reverte-se o ciclo económico. Ainda assim, a observação em cima referida não é isenta de controvérsia, sendo que, relativamente à estratégia da política orçamental, existe dissonância, sobretudo, em relação a dois aspetos:
O primeiro aspeto, tem que ver com a opção por políticas de estabilização ativas
ou
funcionais,
ou
pelo funcionamento
dos
estabilizadores
automáticos.
Abba Lerner vem dizer que as finanças públicas devem ser funcionais e ativas e objetivo é o combate ao desemprego, de tal forma que o pleno
A função de estabilização, ao contrário da função de afetação de recursos, é uma função macroeconómica: pretende explicar como, através dos instrumentos orçamentais ao dispor do Estado (a receita e a despesa públicas), este intenta suavizar as flutuações da economia. A função de estabilização é herança direta do modelo Keynesiano e explora justamente a ação dos multiplicadores de despesa e dos impostos. Ajuda-nos a compreender a ação contra cíclica: em períodos de recessão, pelo aumento de despesa pública (em consumo e investimento) e diminuição da carga fiscal; em situações de expansão, pela diminuição da despesa pública e aumento dos impostos.
A política orçamental e o debate na macroeconomia
Num conceito restrito, podemos dizer que a política orçamental consiste na utilização de variáveis orçamentais fundamentais (receitas e despesas), com vista a atingir certos objetivos, seja em matéria de produto, emprego, ou taxa de inflação. Quando falamos de política orçamental usando receitas e despesas para atingir certos objetivos, isso tem um efeito multiplicador sobre a economia em geral: a óptica é que, no curto prazo, os instrumentos orçamentais devem contrair o ciclo – se está em recessão, o Estado deve estimular a economia privada que orbita em seu torno; deve-se aliviar a carga fiscal, para que as famílias consigam consumir mais e, assim, reverte-se o ciclo económico. Ainda assim, a observação em cima referida não é isenta de controvérsia, sendo que, relativamente à estratégia da política orçamental, existe dissonância, sobretudo, em relação a dois aspetos:
O primeiro aspeto, tem que ver com a opção por políticas de estabilização ativas
ou
funcionais,
ou
pelo funcionamento
dos
estabilizadores
automáticos.
Abba Lerner vem dizer que as finanças públicas devem ser funcionais e ativas e objetivo é o combate ao desemprego, de tal forma que o pleno
emprego não poderá ser sacrificado, em circunstância alguma: funcionalização das finanças. Outras correntes vêm evidenciar o carácter dinâmico do orçamento e de que este é capaz de operar um conjunto de efeitos de estabilização automática. Os defensores desta ideia, entendiam que o orçamento exercia, de forma espontânea, uma ação contra cíclica, ainda que nenhuma política discricionária fosse empreendida. A confirmação deste automatismo resultou da utilização de impostos e de certos instrumentos geradores de despesa pública (por exemplo, subsídios de desemprego). Em todo o caso, a utilização em exclusivo de estabilizadores automáticos não deixou de implicar alguma objeção e crítica: considerou-se que, se é verdade que eles constituem uma boa resposta a movimentos inflacionistas ou depressivos, não dispensavam, em todo o caso, a necessidade de realizar ações deliberativas nos instrumentos. Daí a defesa da utilização de uma política ativa de estabilização segundo regras de flexibilidade, em que as variações nos instrumentos são realizadas de acordo com certas regras de flexibilidade previamente estabelecidas.
O segundo aspeto da estratégia da política orçamental a suscitar, prende-se com a questão de saber se a política orçamental deve ser marcada pela discricionariedade ou pela sujeição a regras. Nas políticas discricionárias, o Estado pode fazer o que quiser, tendo total liberdade para conduzir a sua política . Esta ideia faz da política orçamental o exercício de escolhas, em função das legitimidades do momentos. Nas regras, destaca-se Milton Friedman sendo que, para este, a política económica deveria ficar confinada à definição de regras do jogo, claras e estáveis, que permitissem a antecipação e a previsibilidade. Aparece também Prescott com o modelo das expectativas racionais, segundo o qual se há um governo que dá sinais de ser um Governo gastador, que realiza despesa pública, é claro que há uma antecipação da inflação. A grande preocupação destes autores era controlar a inflação e, para isso,
eram definidas regras para que ela não ultrapassasse certos valores. A importância das regras no domínio da política orçamental encontra, pois, no monetarismo de Friedman e na Nova Macroeconómica Clássica, o seu fundamento teórico original. A subordinação a essas regras orçamentais é condição de credibilidade política, sendo que a generalidade dos países reconhece a sua necessidade e consagra novas regras orçamentais. Na União Europeia, elas são fruto de determinações legais resultantes quer dos tratados, quer do direito derivado. A definição de regras resulta, ainda, da necessidade de assegurar a coordenação das políticas orçamentais dos Estados Membros.
As fases da União Económica e Monetária
A primeira fase da UEM (1990-1993) teve por objectivo o reforço das políticas económicas e monetárias entre os Estados membros no contexto da criação do mercado único e previa ainda a integração de todas as moedas comunitárias no Sistema Monetário Europeu. Este período é também a fase da concretização do Tratado da União Europeia (1992), sendo que é aqui que se lançam as bases de aprovação/lançamento do tratado. A segunda fase (1994-1998) promoveu a convergência nominal dos Estados membros, ou seja, a convergência dos principais agregados macroeconómicos (inflação, taxas de câmbio, taxas de juro, défices orçamentais e dívida pública), obrigando-os à apresentação anual de programas de convergência. Para além disto, esta fase fica ainda marcada pelo congelamento das moedas componentes dos cabaz do ecu e pela concretização da autonomia dos bancos centrais. Havia dois critérios que tinham que ser cumulativamente cumpridos pelos Estados aptos à adoção de uma moeda única: em matéria de défice orçamental (máximo de 3%) e critério da dívida pública (não ultrapassar os 60% do PIB). A terceira fase (1999-2002) tem que ver com a decisão irrevogável das taxas de câmbio e com a determinação dos países que estavam em condições de aderir ao
euro. Nesta altura, a Europa foi marcada por uma lógica de progressão, havendo três tipos de países: aqueles que, querendo aderir ao euro, preenchem os critérios; aqueles que, mesmo preenchidos os requisitos, não aderiram (Reino Unido, por exemplo); aqueles que, querendo aderir ao euro, não preenchiam os requisitos (Grécia, por exemplo). Assim, a terceira fase fica marcada pela adoção de uma moeda única pela generalidade dos Estados que haviam preenchidos os critérios de convergência nominal, implicando, para estes Estados membros, a perda dos seus instrumentos convencionais de estabilização macroeconómica, as políticas monetária e cambial.
A razão de ser do PEC
À primeira vista, as uniões monetárias tendem a desincentivar políticas orçamentais expansionistas e o laxismo na gestão orçamental, desde logo pelo efeito de “fuga para as importações” que daí poderia advir. A adoção de uma moeda única pode, pois, constituir um incentivo ao enviesamento expansionista, em virtude do desaparecimento dos efeitos de “crowding out” interno e externo. O problema torna-se mais preocupante quando vários países, em simultâneo, decidem promover estas mesmas políticas orçamentais expansionistas. A ausência de coordenação das políticas orçamentais pode mesmo conduzir à penalização dos países bem comportados, que sofrerão os efeitos das ações lenientes de outros. Com o aumento da taxa de juro comum, a procura agregada diminuirá, também, nesses países, o crescimento abrandará, levando os estabilizadores automáticos a entrar em ação. No final, todos os países apresentariam défices orçamentais, uns de forma involuntária, outros involuntariamente. Mas, para além destes fundamentos, a necessidade de coordenação resulta ainda da circunstância de o orçamento comunitário não ter uma vocação de estabilização macroeconómica global, além de ter uma dimensão muito reduzida,
quer em termos absolutos, quer na sua relação com o PIB dos países comunitários. O PEC é, então, constituído por dois grupos de institutos que configuram, por seu turno, uma intervenção comunitária de natureza e força jurídica distintas:
a primeira componente do PEC é a denominada vertente preventiva: prevê que os Estados membros atinjam uma posição de equilíbrio orçamental, criando um sistema de supervisão multilateral de acordo com o qual os Estados membros devem apresentar os seus programas de estabilidade e crescimento, neles concretizando as formas de ajustamento com vista a alcançar esse objetivo de estabilidade orçamental.
A segunda componente do PEC comtempla a chamada vertente sancionatória ou corretiva: cria uma procedimento por défice orçamental excessivo
(considerado quando ultrapassasse os 3% do PIB) e prevê a aplicação de sanções, de gravidade crescente, a aplicar em função do incumprimento e também do PIB de cada país incumpridor. Um dos aspetos crucias no qual assenta, como dissemos, a vertente preventiva do PEC são os programas de estabilidade e crescimento. As exigências de uniformização colocavam-se, na versão inicial, nos seguintes planos: estatuto do programa e das medidas previstas (cada programa deveria indicar o respetivo estatuto no quadro dos procedimentos nacionais, nomeadamente quanto ao papel dos parlamentos; conteúdo do programa (deveria conter certos itens fundamentais). Para além disso exigia-se a apresentação de informação quantitativa em quadros standard. Adicionalmente ainda, os programas deveriam facultar informação sobre a consistência dos objetivos orçamentais e das medidas previstas para os alcançar com as especificações sobre a política económica em sentido amplo, bem como sobre as medidas destinadas a melhorar a qualidade das finanças públicas e a alcançar a respetiva sustentabilidade de longo prazo.
Os programas de estabilidade e crescimento, além de constituírem um instrumento de supervisão da situação orçamental dos Estados membros, têm uma outra relevância: trata-se, com caráter senão pioneiro pelo menos inovador no contexto europeu, de instrumentos de programação de médio prazo ou plurianual da despesa pública.
As vicissitudes do PEC
A aplicação do pacto de estabilidade e crescimento suscitou variadíssimos problemas e críticas, sendo que, nos primeiros anos de existência, a vida do PEC não foi fácil. Antes de mais, os problemas: vários países começam a incumprir o pacto de estabilidade e crescimento, por exemplo, Portugal. Mais tarde, França e Alemanha também incumprem e não foi aberto qualquer processo em relação a estes dois países, por parte da comissão. Isto veio gerar um grande controvérsia PEC seria um mecanismo político dos países mais fortes quando aos mais fracos. Em relação às críticas, que assentam na base do PEC ser fraudulento, as fundamentais são as seguintes:
o pacto dizia-se que era de “estabilidade e crescimento”, mas, na verdade, parecia apenas de estabilidade e não de crescimento;
o pacto era cego a vários tipos de realidades: em relação ao desenvolvimento económico, em relação às fases do ciclo económico, em relação à diferenciação de despesas, etc.;
o pacto não era verdadeiramente sensível às medidas estruturais, tratando tudo por igual.
As alterações verificadas no PEC em 2005 foram ao encontro de sugestões de flexibilização das suas regras, ainda que sem colocarem em causa a divisa disciplinadora que este ostentava desde o início. Nesta medida, as alterações traduziram uma solução compromissória entre as duas visões supra, a perspectiva ortodoxa e a perspectiva suavizadora do PEC.
A preocupação fundamental está em garantir um comportamento financeiro ao longo do ciclo e uma plataforma de ajustamento em direção ao MTBO (medium-term budgetary objective). Os Estados devem, então, adoptar uma abordagem mais consentânea em períodos de recuperação económica, evitando políticas pró-cíclicas e aproximando-se gradualmente do objetivo de médio prazo.
Origens da crise europeia atual: da crise financeira à crise da dívida soberana
A crise atual, como é referido por Candelon e Palm, começou com o crash da bolha imobiliária nos Estados Unidos, em 2007, deixando as instituições financeiras com graves problemas de liquidez ou até numa situação de insolvência. Em grande medida, por causa das medidas adotadas para salvar as instituições financeiras, alguns países da zona euro começaram a enfrentar dificuldades orçamentais de financiamento da respetiva economia, pelo que isso determinou uma mutação da crise financeira, numa crise de dívida soberana. Agora, arrisca-se a transmutar-se numa crise cambial. A implosão da bolha imobiliária afetou o balanço do sector não financeiro, porque as famílias deixaram de ser capazes de cumprir as suas hipotecas bancárias. As perdas incorridas pelos bancos, especialmente pelos que detinham ativos tóxicos associados àquelas hipotecas, afetaram os ativos do sector financeiro, o que gerou a crise bancária. Os mercados bolsistas afundaram, destruindo riqueza, afetando a procura final e deteriorando ainda os mais ativos no sector financeiro e não financeiro. As autoridades adotaram, então, planos de segurança ou concederam garantias para apoiar o sector financeiro. Estas intervenções, associadas à contratação da procura doméstica, encolheram os ativos do Estado, conduzindo a uma crise de dívida soberana. A tempestade pode agora volver-se numa crise cambial : a depreciação de alguns ativos de Estado, considerados agora de alto risco, podem gerar problemas de liquidez para as instituições financeiras que os detém. Simultaneamente, a perturbação instalada pode enfraquecer o balanço do sector externo e do banco central levando à
transmissão dos efeitos da crise ao mercado cambial. Num sistema de câmbios flexível, a moeda depreciará. Numa União Monetária, haverá perturbações enormes no seu funcionamento que, no limite, podem pôr em causa a sua sobrevivência. E é justamente isto que se vem passando na União Económica e Monetária. A crise instalada tornou evidente, mau grado a existência de uma Sistema Europeu de Bancos Centrais, de um Banco Central Europeu e de uma política monetária e cambial única, a efetiva fragmentação fragmentação do mercado financeiro europeu. Existem, essencialmente, três factores que concorrem para essa variabilidade: a) Aversão Aversão internaciona internacionall ao risco: o preço preço de um ativo ativo não reflete reflete apenas apenas as expectativas do mercado sobre o seu retorno futuro, mas também o preço do risco; b) Contágio: Contágio: probabilidade probabilidade de outros países países entrarem entrarem na mesma mesma situação; situação; c) Elementos Elementos específicos específicos do país, como são o stock stock de dívida dívida e o défice défice orçamental que cada país exibe. Nota: Blyth rejeita que a crise de dívida soberana seja uma crise resultante da má gestão orçamental. A verdade é que os Estados foram obrigados a fazer um esforço financeiro brutal de apoio ao sector bancário, absorvendo nos respectivos balanços os custos da implosão da bolha financeira. Por isso, a crise nos mercados obrigacionistas começo nos bancos e terminará nos bancos. Trata-se, em suma, de uma crise bancária transmutada e bem camuflada. O que aconteceu foi que, na Europa, e após a introdução da moeda única, os bancos mais importantes do sistema bancário europeu compraram em grandes quantidades de dívida soberana dos países periféricos e alavancaram-na em demasia.
A resposta à crise: dos pacotes de estímulo orçamental à austeridade
Numa primeira fase, apelou-se ao estímulo orçamental como forma preventiva de se cair numa nova Grande Depressão. A segunda fase, de 2010 até meados de 2012, enfatizou, pelo contrário, o objetivo da consolidação orçamental, à medida que a dimensão da dívida pública foi assumindo valores reconhecidos como insustentáveis. A terceira fase surge a partir desse altura, quando, verificadas as consequências
da
austeridade
sobre
o
crescimento
económico
(enfraquecendo-o), inúmeras zoes críticas começaram a insurgir-se contra os alegados excessos dessa austeridade. Os pacotes de estímulo orçamental, adotados naquela primeira fase pelos Estados membros, foram claramente sancionados e impulsionados pelas instituições comunitárias que autorizam, então, o relaxamento no cumprimento dos objetivos fixados pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento. A mudança de orientação, do estímulo orçamental para a consolidação, implicou mais do que a mera reabilitação do PEC, implicou o seu endurecimento. A aprovação do “six pack” e a aprovação em 2012 do “Pacto Orçamental”, consubstanciam a recuperação da ortodoxia orçamental que estivera na génese deste Pacto e que havia sido ligeiramente atenuada com a revisão de 2005. Por outro lado, a UE foi obrigada a enquadrar, do ponto de vista institucional, os mecanismos de assistência financeira, ao abrigo dos quais os países afastados dos mercados financeiros e sem acesso a financiamento, puderam simplesmente não falir. Criara, em 2010, dois instrumentos através dos quais foram definidos, para os países necessitados, programas de assistência financeira no respeito por um princípio de estrita condicionalidade. Ao abrigo destes instrumentos foram disponibilizados fundos, pagos pelas instâncias europeias (CE e BCE) e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Vejamos, agora, os argumentos usados a favor e contra as atuais políticas de austeridade. Partindo da visão canónica de austeridade, Blyth, define as políticas de austeridade como uma forma de deflação voluntária em que a economia se ajusta
através da redução dos salários, dos preços e da despesa pública, com vista à recuperação da competitividade, supostamente melhor alcançada mediante cortes na despesa, na dívida pública e nos défices orçamentais. Ao fazê-lo, acredita-se que se consegue restabelecer a confiança nos negócios, uma vez que o Estado não só suprimirá o efeito de “crowding out” na economia, como também não aumentará mais a dívida pública, já de si elevada. Por seu turno, Corsetti menciona que a questão fundamental que hoje se coloca é a de saber se os programas adotados em 2011 cortaram de mais e depressa de mais, conduzindo a uma
contração desnecessária e gerando risco
macroeconómico. Os países desenvolvidos enfrentam comummente um problema de sustentabilidade, resultante do envelhecimento da população e do aumento crescente dos custos com a saúde. A crise da dívida soberana é um fator adicional, a juntar a estas preocupações, pelo que os Estados estão empenhados a encontrar respostas para esse desafio da sustentabilidade. A questão é, então, sobretudo a de apurar o grau de intensidade e o timing desejáveis, para aplicação das medidas de consolidação. O mesmo autor considera que o tipo de resposta a adotar num contexto de crise deve ser diferente consoante a duração da crise e a posição orçamental inicial ostentada pelo país em causa. Assim, se se esperar que a recessão não seja muito prolongada, cortes na despesa pública imediatos terão um impacto moderado sobre a diminuição do produto e acabam por levar à redução do défice. Neste hipótese, o efeito direto de contração dos cortes na procura é atenuado por efeitos indiretos de redução dos juros sobre a dívida soberana, reduzindo de facto o custo do financiamento privado da economia. Contudo, quando se espera
uma recessão de efeitos duradouros (superior a um ano), a situação muda radicalmente. Para países que apresentam uma posição orçamental sólida e em que o prémio de risco soberano é pouco sensível relativamente aos défices orçamentais, o efeito direto torna-se dominante sobre os efeitos indiretos. Diversamente para países com uma posição orçamental frágil, ou seja com uma dívida pública inicial elevada e/ou com elevada sensibilidade do prémio de risco soberano relativamente aos défices orçamentais, o impacto macroeconómico dos
cortes de despesas imediatos e efetivos podem ser positivos: as contrações orçamentais tendem a tornar-se expansionistas. O conceito de austeridade expansionista fornece um poderoso argumento às políticas que têm vindo a ser seguidas pela Europa e pelos países europeus. Consideram agora, numa primeira acepção, que um período de ajustamento é expansionista se o crescimento do PIB real durante esse período for mais elevado do que o crescimento médio verificado nesse país, nos dois anos anteriores. Em alternativa a esta definição, como forma de evitar que o ciclo de negocio mundial possa levar a uma incorreta classificação dos ajustamentos orçamentais, propõem uma outra definição: um ajustamento expansionista é aquele em que a diferença entre o crescimento médio do país e o crescimento médio para os países do G7 foi maior do que a média de crescimento nos dois anos anteriores ao ajustamento, em relação à média do crescimento do G7. No entanto, este último argumento tem sido muito criticado, sendo que alguns autores vêm defender que a austeridade é auto destrutiva. Na verdade, a política monetária é quase impotente no que diz respeito à ação contra cíclica: as taxas de juro podem ser reduzidas, mas a verdade é que, estando já próxima do zero, o resultado seria pouco mais do que simbólico; a política recente do BCE está ainda por provar no que toca à sua eficácia; a única contribuição que a política monetária poderia dar seria com a depreciação da taxa de câmbio. Por sua vez, agora no seio do FMI , os problemas, na opinião destes autores, respeitam fundamentalmente ao curto prazo, porque é aqui que os efeitos recessivos são visíveis. Na verdade, o ajustamento orçamental afeta o crescimento através de dois canais, de efeito contrário: em primeiro lugar, o ajustamento contribui positivamente para a sustentabilidade orçamental, reduzindo os riscos de uma crise orçamental; em segundo lugar, o ajustamento afeta negativamente a procura agregada.
No caso das economias europeias, a hipótese de manipulação da taxa de câmbio está vedada e a política do BCE é tendencial e estatutariamente restritiva. Deste modo, na Europa, a austeridade significa retração da taxa de crescimento da economia e isto pela ação conjugada dos seguintes fatores:
Desde logo, porque em períodos de contração económica, os multiplicadores orçamentais são positivos, mesmo que estejamos perante uma política monetária independente;
Depois, porque os multiplicadores orçamentais tendem a ser mais elevados quando o produto é inferior ao PIB potencial;
Finalmente, porque, encontrando taxas de juro próximas de zero, os efeitos das medidas de austeridade fazem-se sentir de forma mais intensa sobre a economia do que quando a política monetária desempenha um papel maior.
Pode, então, retirar-se que as medidas de austeridade, num contexto que é simultaneamente de armadilha, de liquidez e de desemprego elevado e persistente, favorecem a espiral recessiva, recomendando-se, como medidas alternativas de política, justamente o inverso, ou seja, a promoção de despesa pública. Uma das críticas mais corrosivas à política de austeridade pode ser encontrada de novo em Blyth, que nos recorda de forma muito apropriada o quadro ideológico que dá respaldo a essa política. A austeridade é aqui vista como uma expressão da “zombie economics”, uma vez que tendo tido concretização prática em alguns momentos da História, particularmente ao longo do séc. XX, sempre provou mal e, no entanto, voltou sempre a ressurgir.
Existem alternativas à austeridade?
A austeridade, implicando o ajustamento orçamental, seria condição necessária do ajustamento estrutural. Na verdade, a austeridade implica o restabelecimento
das condições de competitividade através da desvalorização. Não sendo possível aos países pertencentes à zona euro o recurso à desvalorização cambial nominal, resta-lhes a desvalorização da taxa de câmbio real através da redução dos preços do sector não transacionável da economia e uma redução dos custos salariais. Esta redução implica redimensionar (para menos) a procura interna, ou seja, conter os factos indutores do consumo dos bens não transacionáveis. A desvalorização salarial (induzida desde logo pelos cortes nas remunerações dos trabalhadores da Administração Pública e dos pensionistas) e, bem assim, as medidas fiscais gravosas aplicadas a sectores tipicamente não transacionáveis são claramente orientadas pela preocupação de reorientação da estrutura produtiva do país, de uma produção assente em bens não transacionáveis para bens transacionáveis e, assim, aumentando a capacidade exportadora da economia. Por isso, perante os efeitos recessivos que as medidas de austeridade implicam no curto prazo, multiplicam-se as propostas alternativas às medidas de austeridade. Repare-se que, em muitos casos, essas propostas envolvem repensar o projeto euro, a concepção da própria moeda única e a evolução da UEM. São elas:
A primeira proposta, sugerida por Wypolsz, é a de permitir que o Banco Europeu de Investimento possa emprestar aos Estados, financiando despesa pública, sendo que a dificuldade está na própria capacidade financiadora do BEI que é limitada;
Outra ideia criativa consiste em a Comissão, ele própria, colocar fundos não utilizados ao dispor dos Estados membros necessitados , mas o problema está em que, dificilmente os recursos são afetos a países por razões macroeconómicas;
A terceira ideia criativa é a da emissão de “eurobonds” com vista ao financiamento de despesa de emergência, sendo que se fossem emitidas por todos os Estados, elas poderiam ser subscritas a taxas de juro relativamente baixas. Todavia, em ultima instância, elas não deixariam de
ser dívida individual de países membros, muitos dos quais já hoje endividados. Assim, países com boa reputação iriam assumir uma dívida de países que, provavelmente, não teriam, depois, capacidade para reembolsar;
A última alternativa consistiria, desta feita para países mais pesadamente endividados, no incumprimento, ou simplesmente, repúdio da dívida. Desta forma, estes países eliminariam uma fatia significativa da sua despesa, do serviço da dívida e recuperariam espaço para poderem respirar do ponto de vista financeiro. O problema está em que o incumprimento afasta os devedores do acesso ao mercado durante um período de tempo significativo. Os efeitos de contagio para toda a zona euro não seriam, também despiciendos, no limite, gerando a sua destruição.
Resta-nos ainda a hipótese da restauração da dívida, sendo que é vista como uma alternativa ao “default” (hipótese anterior). Ela não é isenta de problemas jurídicos e económicos, como são, por exemplo, os problemas de “holdout” e de financiamento, mas ela é vista, cada vez mais, como uma solução plausível, a começar junto do próprio FMI.
Em todo o caso, o grande problema da restauração é um problema de credibilidade. Na verdade, um país que obtém financiamento se e na medida em que saiba que vai cumprir as respetivas condições, de forma escrupulosa. A (boa) reputação constitui, por isso, uma condição de dívida soberana que, por sua vez, depende, em grande medida, da qualidade das instituições políticas e monetárias. A ela se associa a ameaça de sanção: vários tipos de sanções, que vão desde a intervenção militar até ao corte de relações económica, passando por outras de menor impacto, têm sido aplicadas ao longo dos tempos aos países incumpridores. Ora, num quadro de restauração, a questão que se coloca é, então, a de saber até que ponto é que o pais que renegoceia a sua divida poderá continuar a gozar de (boa) reputação mantendo incólumes as possibilidades de financiamento da economia.
Os desenvolvimentos mais recentes na legislação europeia
No imediato, a estratégia europeia pareceu basear-se numa linha keynesiana, ora aceitando e promovendo à adoção, pelos Estados membros, de pacotes de estímulo orçamental, ora apostando no reforço da intensidade dos estabilizadores automáticos. Por exemplo, sugeriu-se que a legislação no desemprego fosse mais generosa em períodos de crise, para se tornar menos protetora em fases favoráveis do mesmo. Mais tarde, transitou-se das ideias de permissividade e de reversibilidade, segundo as quais as medidas de apoio deveriam ser permitidas enquanto necessárias e apenas abandonadas quando a situação económica o justificasse, à ideia de restabelecimento imediato de uma trajetória de disciplina e sustentabilidade orçamentais, independentemente da maior ou menor fragilidade da situação económica em causa e ainda que correndo o risco da pró ciclicidade. O PEC, que parecia ter sido transitoriamente suspendido pelos responsáveis europeus, na primeira metade do ano de 2009, reganhou, a partir daí, uma nova vida e recuperou a sua missão de instrumento rígido e implacável de supervisão multilateral da situação orçamental dos Estados membros. Desse novo fôlego do PEC resultou um pacote legislativo de seis medidas de direito comunitário derivado, intitulado de Six Pack (2011), sendo que este visou reforçar as medidas de supervisão multilateral das políticas económicas e associar-lhe novas sanções para o caso de incumprimento dos objetivos orçamentais fixados aos Estados membros. Acima de tudo, trata-se de reforçar o quadro comum de governação económica, em conformidade com o elevado grau de integração alcançado entre as economias dos Estados membros da União e, em especial, da área do euro. O quadro de governação económica reforçada deverá assentar em várias políticas interligadas e coerentes de crescimento sustentável e do emprego, em particular numa estratégia da união para o crescimento e o emprego, com
especial incidência no desenvolvimento e reforço do mercado interno, no fomento do comércio internacional e da competitividade, num Semestre Europeu para uma coordenação reforçada das políticas económicas e orçamentais, num quadro eficaz de prevenção e correção dos desequilíbrios macroeconómicos, em requisitos mínimos para os quadros orçamentais nacionais e uma regulação e supervisão reforçadas no mercado financeiro, incluindo a supervisão macro prudencial do Comité Europeu dos Risco Sistémico. Este pacote legislativo era, então, constituído por cinco regulamentos e uma diretiva:
Os regulamentos alteram o PEC, quer na sua vertente preventiva (por exemplo, prevê-se a constituição, pelo Estado incumpridor, de depósitos remunerados; é estabelecido um mecanismo de alerta para facilitar a identificação precoce e a vigilância de desvios macroeconómicos; etc.), quer na sua vertente sancionatória (por exemplo, prevê-se a constituição, pelo Estado incumpridor, de depósitos não remunerados; aplicação de multas para os casos de manipulação de estatísticas por parte dos Estados; etc.)
A diretiva é muito importante já que veio a ser definitivamente transposta. Contém medidas como as seguintes: os Estados membros devem criar sistemas
contabilísticos
que
abranjam
todos
os
subsectores
da
Administração Pública e contenham as informações necessárias para gerar dados de exercício, com vista à elaboração dos dados baseados no SEC95; os Estados membros asseguram que o planeamento orçamental se baseia em previsões macroeconómicas e orçamentais realistas, recorrendo, para isso, às informações mais atualizadas; os Estados membros devem estabelecer um quadro orçamental eficaz, credível, a médio prazo que facilite a adoção de um horizonte de planeamento orçamental de, pelo menos, três anos, a fim de assegurar que o planeamento orçamental nacional se inscreve numa perspectiva de planeamento orçamental plurianual; etc. Do Six Pack ressalta um aspecto fundamental e que foi recentemente acolhido na legislação
de
enquadramento
orçamental
portuguesa.
Trata-se
do
aprofundamento do conceito de desvio significativo, complementado por um mecanismo efetivo de sanções, por referencia ao ajustamento do objetivo orçamental de médio prazo. Assim, doravante, se a Comissão identificar um desvio significativo em relação à trajetória de ajustamento ao objetivo orçamental de médio prazo, e a fim de evitar a ocorrência de um défice excessivo, será dirigida uma advertência precoce ao Estado-Membro em causa. Para a avaliação global do desvio em relação ao objetivo orçamental de médio prazo devem-se ter em conta os seguintes critérios:
critério quantitativo: ao avaliar a variação do saldo estrutural, se o desvio for
de, pelo menos, 0,5% do PIB num só ano, ou de, pelo menos, 0,25% do PIB, de média anual, em dois anos consecutivos; ao avaliar a evolução da despesa, se o desvio tiver um impacto total sobre o saldo da Administração Pública de, pelo menos, 0,5% do PIB num único ano, oi, cumulativamente, em dois anos consecutivos;
critério qualitativo: o desvio não será considerado significativo se o
Estado-Membro em causa tiver ultrapassado significativamente o objetivo orçamental de médio prazo, tendo em conta a possibilidade de receitas excecionais significativas, desde que os planos orçamentais estabelecidos no programa de estabilidade não coloquem em risco este objetivo ao longo do período de vigência do programa. Em 2012, a redefinição do quadro de coordenação económica no espaço na União Europeia sofreu um derradeiro impulso com a assinatura de dois novos tratados: o Tratado que cria o Mecanismo Europeu de Estabilidade (TMEE) e o Tratado sobre a Estabilidade, Coordenação e Governação na UEM (Pacto Orçamental ).
O primeiro tratado (TMEE) institucionaliza definitivamente o mecanismo de assistência financeira, sendo que o princípio da assistência financeira é o da estrita condicionalidade, o que significa, que qualquer pedido de apoio de estabilidade ou de empréstimo pressupõe a negociação de um memorando de entendimento, no qual se especifiquem as obrigações em matéria de política económica a que o Estado assistido fica adstrito.
Por sua vez, o Pacto Orçamental tem em vista o reforço do pilar económico da UEM, adotando um conjunto de regras destinadas a promover a disciplina orçamental e a reforçar a coordenação das suas políticas económicas e a melhorar a governação na área do euro, concretiza a regra de equilíbrio orçamental: considera-se que existe uma situação de equilíbrio se o saldo estrutural anual das administrações públicas tiver atingido o objetivo de médio prazo específico desse país, tal como definido pelo PEC revisto, com um limite de défice estrutural de 0,5% do PIB.
Mais recentemente (2013), a União Europeia fez aprovar as duas últimas peças legislativas (dois regulamentos comunitários) do após crise, conhecidas pela designação de Two Pack .
O primeiro regulamento cria novos procedimentos e regras de supervisão para países que se encontrem em dificuldade financeira. Aplicar-se-á em três casos: países em situação de dificuldade financeira severa; países que se encontrem a receber assistência financeira; países que estão em vias de abandonar essa assistência. Com esta regulamentação, pretende-se melhorar a transparência e os canais de acompanhamento relativamente aos países visados.
O segundo regulamento aplica-se aos países da zona euro e visa fortalecer a base jurídica do processo de coordenação económica do Semestre Europeu, dando maiores poderes à Comissão na monotorização do cumprimentos dos objetivos orçamentais definidos de acordo com o PEC. Os países devem assim apresentar à Comissão os seus projetos de orçamento, nessa mesma altura do ano, (15 de Outubro), e a Comissão terá o direito de se pronunciar sobre eles, podendo inclusive propor que os projetos de orçamento sejam revistos, o regulamento prevê também uma monotorização mais apertada aos países da zona Euro, no quando do procedimento orçamental por défices excessivos.
Esta nova legislação suscita algumas questões e preocupações. Importa verificar até que ponto a intervenção ativa da Comissão no processo orçamental não
significará a diluição crescente do papel dos Parlamentos nacionais nesse processo, a erosão do princípio da democracia financeira e, no limite até, a europeização dos processos orçamentais. A questão está, pois, em saber se este regulamento não marcará, pois, o fim dos processos orçamentais nacionais.
Conceito de equilíbrio orçamental
O princípio do equilíbrio orçamental é considerado um princípio sobre o conteúdo do OE, ou melhor dizendo, um princípio que atende aos resultados orçamentais. Cabe-nos, então, distinguir entre:
Equilíbrio em sentido formal : refere-se a uma igualdade contabilística entre
receitas e despesas, sendo que a violação desta exigência é quase impensável, apenas podendo acontecer por manifesto erro grosseiro.
Equilíbrio em sentido substancial : permite evidenciar a situação orçamental
do Estado, confrontando um certo tipo de receita, com um certo tipo de despesa (receitas e despesas de referência) e definindo uma linha, acima da qual haverá equilíbrio e abaixo da qual se verificará uma situação de défice orçamental. Existem os seguintes critérios fundamentais para optar entre as receitas e as despesas de referência: 1. Critério clássico do equilíbrio orçamental: as receitas e as despesas de referência eram as receitas e as despesas normais. À luz desta noção, haverá equilíbrio quando as receitas normais servem para cobrir pelo menos as despesas normais. O recurso ao crédito só seria aceitável em situações muito excecionais, como, por exemplo, as situações de guerra. 2. Critério do ativo de tesouraria: neste, as receitas e as despesas de referencia são as receitas e despesas efetivas, consoante se traduzem em
entradas efetivas ou em saídas efetivas de massa monetária no património de tesouraria do Estado. À luz desta noção, haverá equilíbrio quando as receitas efetivas servem para cobrir, pelo menos, as despesas efetivas. As receitas efetivas são todas aquelas que não implicam a inscrição desse montante no passivo financeiro do Estado, tal como as despesas efetivas serão aquelas que não implicam a supressão desse valor no passivo financeiro do Estado. É este critério que está na base da definição das principais regras em matéria de saldos orçamentais, hoje vigentes na generalidade dos países mais desenvolvidos: constituem concretizações do ativo de tesouraria, os saldos global e primário do orçamento. 3. Critério do orçamento ordinário: neste, as receitas e as despesas de referência são as receitas e as despesas ordinárias, aquelas que se repetem em todos os orçamentos, havendo uma situação de equilíbrio quando as primeiras servem para cobrir, pelo menos, as segundas. 4. Critério do ativo patrimonial do Estado: aqui, as receitas e as despesas de referência são as receitas e as despesas correntes, ou seja, as receitas e as despesas que não afectam o património duradouro do Estado. De acordo com este critério há equilíbrio quando as receitas correntes servem para cobrir, pelo menos, as despesas correntes.
Definição de saldo orçamental e modalidades; a regra de ouro da política orçamental
O saldo orçamental traduz a diferença entre as receitas e as despesas de referência. A poupança bruta corresponde à noção de saldo corrente (salC = reC – desC), sendo que esta noção aparece tradicionalmente associada à definição da regra de ouro da política orçamental. Ela quer significar que o orçamento corrente (líquido das despesas de investimento) deve apresentar, ao longo do ciclo, uma situação de equilíbrio ou de superavit. Ela pode, assim, em certos casos servir
para tolerar o endividamento público, quando este se destine a fazer face às despesas de investimento. O sentido da regra de ouro, concretizada no pacto orçamental, de que antes tratámos, é diferente: aqui, do que se trata, é de garantir que o saldo estrutural anual das administrações atinja o objetivo de médio prazo específico desse país, tal como definido no PEC revisto, com um limite de défice estrutural de 0,5% do PIB a preços de mercado. Esta previsão remete-nos para uma outra forma de olhar para o saldo orçamental que não a convencional. Muito mais importante e interessante é a noção de saldo global (salG = reEf – desEf). Este saldo pode traduzir-se em duas situações: uma situação de superavit (havendo um excesso de receitas efetivas em face das despesas efetivas, o Estado apresenta capacidade de financiamento líquido); uma situação de défice orçamental (havendo insuficiência de receita efetiva para suportar a despesa
efetiva, o Estado tem necessidade de financiamento líquido). Ou seja, as receitas e as despesas correspondentes a passivos financeiros situam-se abaixo desta linha, sendo qualificadas como receitas e despesas não efetivas. O saldo primário ((salP = reEf – (desEf – jurosDivPub)) tem um grande interesse analítico por duas razões:
em primeiro lugar, porque é através do confronto do saldo primário com o saldo global que é possível estimar o peso que os juros da dívida pública têm no saldo global;
em segundo lugar, porque a obtenção de saldos primários positivos é uma das condições de sustentabilidade da dívida pública.
O estudo dos saldos orçamentais está intimamente associado à questão da restrição orçamental do Estado. A percepção desta restrição, por sua vez, resulta das formas através das quais se financiam os défices orçamentais: dívida pública; emissão ou impressão de moeda, gerado de inflação corrosiva dos rendimentos dos financiadores; aumento da carga fiscal. Os défices orçamentais têm, assim,
habitualmente associada uma carga negativa importante. As principais razões que se apontam contra os défices orçamentais são as seguintes: a) Os efeitos dos défices orçamentais sobre as taxas de juro reais e o “crowding out” interno: uma política orçamental expansionista intensifica a procura
agregada, levando ao aumento da procura da moeda e, por conseguinte, à subida da taxa de juro. Uma tal situação é penalizadora do investimento privado, o qual apresentará níveis inferiores aos que resultariam de uma situação de equilíbrio orçamental; b) Os efeitos dos défices orçamentais sobre a taxa de câmbio e sobre a procura líquida externa: os défices orçamentais, ao provocarem uma subida da
taxa de juro, determinam a apreciação cambial do país em causa. A apreciação cambial degrada, contudo, a competitividade internacional do país, levando ao aumento das importações e à redução das exportações. c) Os efeitos dos défices orçamentais sobre a taxa de inflação: isto em
resultado, quer da pressão exercida pela política expansionista sobre a procura agregada, quer por causa do financiamento do défice, que tanto pode ser feito através da emissão de dívida ou pela monetização; d) Os efeitos dos défices orçamentais sobre o sistema financeiro: os défices
podem fazer aumentar a dívida pública, fruto da incapacidade do Estado prover ao seu abatimento em termos líquidos e forçando a proceder ao “roll-over” da dívida vencida, com o pagamento de prémios de risco cada vez mais elevados e a assumir nova dívida, para liquidação de juros também eles vencidos. No limite, podem gerar a bancarrota do Estado.
O saldo orçamental e o ciclo económico
O principal mentor do défice sistemático foi William Beveridge, sendo que este preconizou o chamado “orçamento humano”, como meio de assegurar a expansão da economia em período de desemprego, com vista à obtenção do pleno emprego. A redução do desemprego suportaria a utilização racional do investimento e da despesa, através de uma intervenção do Estado que corrigisse
os erros dos privados. Esta ação pública dever-se-ia orientar pelos propósitos seguintes:
em primeiro lugar, deveria contribuir para o crescimento da procura global de bens, acreditando-se ser possível, desta forma, pôr a economia em marcha, até à utilização plena dos recursos e através dos seus próprios meios;
em segundo lugar, deveria procurar a realização de investimentos que permitissem responder ao crescimento da procura de bens, através do aumento da respectiva produção e oferta.
O aumento da despesa – associado por seu turno à diminuição dos impostos como forma de garantir a libertação de rendimentos disponíveis para o consumo – determinaria claramente o agravamento do défice orçamental. Todavia, no entendimento dos seus defensores, estes mecanismos seriam necessários e suficientes para permitir o desenvolvimento na produção, pondo finalmente cobro ao desemprego. Alcançado de novo o equilíbrio económico, seria possível repor o equilíbrio orçamental. Por isso mesmo, o défice sistemático seria considerado sobretudo como um efeito normal da ação anti conjuntural, apresentando como risco principal o surgimento de um processo inflacionista (daí que deva ser um défice limitado, não devendo ultrapassar uma certa amplitude). A concepção do défice sistemático viria a ser aprofundada e reorientada, dando origem à proposta dos orçamentos cíclicos. Esta procurou, antes demais, fazer a síntese entre a ação de estabilização conjuntural com o principio do equilíbrio financeiro. O período determinante para o apuramento do equilíbrio já não é o período anual, mas sim o período que acompanha a evolução do ciclo económico. Nesta medida, o orçamento cíclico traduziu-se, desde logo, numa importante superação da regra clássica da anualidade orçamental. A teoria do orçamento cíclico procura combinar a ação expansiva em momento de baixa conjuntura com a intervenção desinflacionista em momento de
expansão. Deste modo, visa alcançar a neutralização do ciclo, sem que o equilíbrio orçamental, numa perspectiva de conjunto, seja desrespeitado: da depressão, o Estado reduzirá os impostos e aumentará as despesas, recorrendo a empréstimos; da expansão, a elevação dos impostos em combinação com a diminuição das despesas ditará o saldo necessário para a amortização da dívida antes gerada. O saldo ajustado ao ciclo é considerado como o saldo estandardizado, ou seja, a componente do ciclo que corresponde ao padrão de comportamento habitual do Estado. Traduz as intervenções deliberadas dos governos em matéria de despesa. Por alguns autores, é conhecido como o saldo de pleno emprego ou saldo estrutural (saldo verificado quando os recursos da economia estão a ser plenamente usados, ou seja, numa situação de PIB potencial). O termo de consolidação ou ajustamento orçamental é usado para referir a um determinado sentido da política financeira que conduza a um efetivo saneamento das contas públicas. No fundo, está em causa a ideia de controlabilidade das finanças públicas. Propõe-se, então, uma abordagem que desagregue o orçamento do Estado, atenta à respectiva composição. Ou seja, não se trata apenas de apreciar o saldo primário do orçamento, mas também a estrutura detalhada das receitas fiscais e das categorias de despesas. De acordo com a definição de Alesina e Ardagna, está-se perante um ano de consolidação orçamental naquele em que o saldo primário ajustado ao ciclo melhore, pelo menos, 2% do PIB ou quando num período de dois anos consecutivos de verifique uma melhoria de 1,5% do PIB do saldo primário ajustado ao ciclo, em ambos os anos. O critério alternativo, aceite pela União Europeia, considera que se está perante consolidações orçamentais quando o saldo primário ajustado ao ciclo melhora pelo menos 3 pontos percentuais do PIB ao longo de três anos consecutivos. Indo mais longe, é apresentada uma definição alternativa de consolidação, relacionando especificamente a consolidação com a redução da dívida pública na relação com o PIB. Assim, a consolidação será um sucesso se, dois anos após o
fim do ajustamento, o rácio da dívida for mais baixo do que no último ano de ajustamento.
Capítulo 2 – Os instrumentos das Finanças Públicas: receitas e despesas públicas
As receitas públicas: princípios gerais e modalidades
Os princípios gerais que se aplicam às finanças públicas são os seguintes:
o princípio da legalidade, segundo o qual as receitas devem ser regidas e criadas por lei ou no seu respeito;
o princípio da renovação anual, segundo o qual as receitas não podem ser cobradas sem autorização orçamental anual;
o princípio de que as receitas devem encontra-se integralmente previstas no Orçamento do Estado;
o princípio da não dedução das despesas de cobrança, como consequência da regra da não compensação;
o princípio da não consignação a despesas específicas, salvo em relação a casos excecionais, previstos por lei;
o princípio, com algumas exceções, da cobrança através do processo de execuções fiscais.
Existem, essencialmente, três modalidades de receitas públicas, atendendo à fonte de onde promanam:
Receitas Patrimoniais – são as que resultam da administração do
património do Estado ou da disposição de elementos do seu ativo e que não tenham carácter tributário. As receitas do património são as que resultam da normal administração do património, seja ela património mobiliário ou imobiliário. As receitas de disposição patrimonial são aquelas que resultam da oneração ou alienação desse mesmo património;
Receitas Tributárias – são as receitas provenientes da cobrança de
tributos (impostos, taxas e contribuições financeiras);
Receitas Creditícias – são as receitas resultantes do crédito público e têm
a particularidade de serem receitas não efetivas. Assim acontece, na medida em que as receitas creditícias, embora se traduzam numa entrada de ativos monetários no património de tesouraria do Estado, implicam o registo no passivo financeiro, de um valor exatamente igual ao da receita assim obtida.
As receitas tributárias: o sistema fiscal português
Os tributos são definidos como sendo prestações pecuniárias a favor do Estado, ou de outras entidades públicas, de natureza obrigatória e sem carácter sancionatório. Atendendo ao pressuposto e à finalidade do tributo, podemos identificar a existência de três tipos:
Impostos – constituem tributos unilaterais, no sentido em que o
pagamento do imposto não envolve qualquer contraprestação. O pressuposto deste tributo é alheio à relação entre o sujeito passivo e a administração, encontrando-se, antes, nos rendimentos, no património, no consumo, etc., ou seja, em factos reveladores da riqueza (da capacidade contributiva);
Taxas – constituem tributos bilaterais, no sentido de que o seu pagamento
pressupõe uma determinada contrapartida específica, tendencialmente direta e imediata. As taxas podem ser cobradas, fundamentalmente, numa de três situações: pela utilização de bens de domínio público, pela obtenção de um serviço público ou pela remoção de um obstáculo jurídico ao exercício da atividade privada. O pressuposto deste tributo é, assim, uma prestação administrativa de que o sujeito passivo seja efetivo causador ou beneficiário, sendo que a sua finalidade consiste na compensação dessa mesma prestação;
Contribuições financeiras – constituem uma categoria autónoma de
tributo, ainda que fiquem a meio caminho entre as taxas e os impostos: o que as diferencia dos impostos é o facto de, nelas, haver lugar a uma contraprestação, sendo que o que as diferencia das taxas é p facto de a prestação ter uma natureza difusa (ela pode, ou não, verificar-se no tempo). Por exemplo, contribuições para a segurança social. O pressuposto
deste
tributo
é
uma
prestação
administrativa
presumivelmente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo e têm ainda uma finalidade compensatória, que deve ser confirmada pelo destino da receita cobrada. Tem cabido sobretudo à teoria da tributação ótima o estabelecimento de um conjunto de prescrições sobre o modo como deve funcionar um sistema fiscal em condições de eficiência, ou seja, minimizando as distorções que ponham em causa a respetiva neutralidade económica. A teoria assume, assim, a existência de impostos incidentes sobre o consumo, sobre os rendimentos e sobre o património e assume tais impostos no quadro da conveniência entre os princípios da capacidade contributiva e da equivalência. Trata-se, então, de minimizar as distorções, calibrando as componentes do sistema fiscal com vista à sua aproximação, tanto quanto possível, de um sistema fiscal ótimo. O sistema fiscal português, baseado ainda hoje na importante reforma levada a cabo em 1989, foi-se tornando, em virtude das sucessivas e recorrentes alterações introduzidas na legislação fiscal, num sistema confuso e sincrético, gerador de instabilidade e imprevisibilidade, afetando, pois, negativamente, a atividade económica, o investimento e o ambiente dos negócios. Na situação em que vivemos, de crise, de assistência financeira e intensa pressão fiscal sobre os contribuintes, as ineficiências do sistema fiscal são amplificadas. Ainda assim, mais cedo ou mais tarde, a reforma do sistema fiscal português vai ser debatida, sendo que este debate pode justamente envolver algumas das prescrições fundamentais da teoria da tributação ótima. Exemplos:
redefinição do sistema de tributação das pessoas singulares, com vista ao alisamento do sistema de taxas, implicando, assim, a redução ou a supressão da natureza progressiva do sistema;
compensação desta redução da progressividade fiscal, pela redefinição do sistema de créditos fiscais reembolsáveis, mormente para rendimentos mais baixos e para famílias em especial condição de vulnerabilidade;
redefinição da tributação das empresas, mormente do sistema de deduções de custos e reforço da simplificação administrativa de todo o processo fiscal;
etc.
Então, no nosso sistema fiscal, temos impostos sobre três componentes: a) impostos sobre o rendimento: temos o imposto sobre o rendimento das
pessoas singulares (IRS) e o imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC). À luz das modernas exigências de equidade, a solução unitária é inequivocamente superior quer ao puro sistema cedular, consistindo este em impostos separados e entre si não articulados, incidentes sobre as diferentes fontes de rendimento, quer ao próprio sistema compósito, resultante, em regra, de evolução operada a partir de uma estrutura originalmente cedular, em que a um sistema de impostos parcelares se sobrepõe uma tributação de segundo grau com carácter global. Em sede de IRS, fazem parte do núcleo essencial da tributação aqueles desagravamentos que decorrem do princípio da capacidade contributiva. É de assinalar, porém, que os desagravamentos estruturais, em sede de IRS, tendem a ter uma natureza regressiva, pelo que, de futuro, será de repensar a sua utilidade em integrar no núcleo essencial do imposto, porquanto o principio que os fundamenta – a capacidade contributiva – é o primeiro a ser afastado. O núcleo essencial do IRC é composto por desagravamentos que são, na sua maioria, de natureza subjetiva, porque existem entidades que exercem atividades de natureza não comercial, que, por sua vez, devem ser excluídas da regra geral de tributação do lucro, baseado no resultado líquido de exercício.
b) impostos sobre o património: a criação de um sistema efetivo de avaliação
dos prédios urbanos e rústicos fez com que fosse possível estabelecer o valor patrimonial próximo do valor de mercado desses mesmos prédios. Assim, permitiu criar um verdadeiro imposto sobre o património (IMI), e não sobre o rendimento, abrindo, igualmente, a possibilidade de o legislador descer as taxas, em resultado do aumento dos valores patrimoniais, que serviriam de base tributável. c) impostos sobre o consumo: para além da mera redistribuição de riqueza,
como fundamento do núcleo essencial do imposto, é a existência de um custo social associado ao consumo de determinados bens, tendo em vista a internalização de externalidades negativas geradas, como seja o deperecimento da saúde pública ou do meio ambiente, que fundamenta a arrecadação de receita do Estado. Temos três impostos sobre o consumo – o imposto sobre o valor acrescentado (IVA); impostos especiais sobre o consumo (IEC); impostos sobre os veículos (ISV). O IVA é um imposto de tipo consumo assente no sistema de pagamentos fraccionados destinados a tributar o consumo final, sendo que a dedução do imposto pago nas operações intermédias do circuito económico é, desta forma, indispensável ao funcionamento deste sistema. Os IEC pretendem punir o consumo de determinados bens, assumindo-se como sendo uma alternativa à proibição. Assim, a tributação é de caráter repressivo, no caso dos tabacos e das bebidas alcoólicas e, no caso dos produtos petrolíferos e energéticos, a tributação visa a proteção do ambiente. Os IEC constituem verdadeiros impostos pigouvianos, sendo que são um instrumento incontornável na correção das externalidades. Estamos na presença de impostos de finalidade extrafiscal. O ISV traz como principal inovação o alargamento da base de incidência a veículos que, até agora, não estavam sujeitos ao imposto automóvel e cuja sujeição a imposto especial no momento da compra se justifica pelos custos ambientais, viários e de sinistralidade que lhes estão sempre associados. Assim se sucede com os motociclos e autocaravanas, integrados no âmbito de incidência do novo impostos, ainda que lhes sejam aplicáveis taxa de
imposto menos elevadas, pelo menor custo ambientável e viário que produzem. A base tributável desde imposto é constituída pelo nível de emissão de dióxido de carbono ou de partículas pesadas.
As receitas creditícias: a dívida pública
A dívida pública é a dívida do Estado, sendo que, como qualquer dívida, traduz um compromisso financeiro ou um conjunto de compromissos financeiros, vencíveis num determinado prazo. Concorrem para a dívida pública, não apenas a dívida do Estado, mas também a dívida das administrações infra estaduais. Assim, a dívida pública constitui o conjunto de situações passivas de que o Estado seja titular, determinada, em primeira linha, pelo recurso ao crédito. As receitas do crédito público traduzem receitas não efetivas do Estado, tal como a amortização da dívida configura uma despesa não efetiva. O recurso ao crédito, por sua vez, é explicado ou pela existência de défice orçamental, ou pela existência de um stock prévio de dívida acumulado. Assim, pode dizer-se que o défice pré-determina e influencia o valor da dívida pública. A existência de dívida pública condiciona o desempenho orçamental, na medida em que a sua existência envolve o pagamento de juros, despesa corrente, que concorre para o saldo global. Quanto às modalidade da dívida pública, existem as seguintes classificações:
Critério da fonte: a dívida financeira do Estado é aquela que está
associada à contratação de empréstimos ou à emissão de dívida pública. Mas o passivo do Estado pode também fazer-se de dívidas não
financeiras, como é o caso , por exemplo, com as dívidas a fornecedores e, em geral, àqueles a quem o Estado adquire bens e serviços. A divida financeira é aquela que se considera quando se avalia o peso da dívida pública na sua relação com o PIB;
Critério da moeda: a divida pode ser qualificada como dívida interna
quando é denominada em moeda com curso legal em Portugal (o euro) e como dívida externa quando é denominada em moeda que não tenha curso legal em Portugal;
Critério da evidência: quando a dívida pública resulta da contratação de
empréstimos ou da emissão de dívida a sua evidência é imediata, sendo, por isso, dívida expressa. Quando a dívida resulta da assunção de compromissos que, no imediato até podem trazer receitas para o Estado, mas que, no futuro, redundarão certamente em despesa, a sua evidência é diferida no tempo, sendo, por isso, dívida implícita (por exemplo, compromissos assumidos com o pagamento de pensões pelo sistema de segurança social). Quando a dívida tem uma evidência meramente difusa, podendo, no limite, nem vir a concretizar-se, tratamo-la como dívida
condicional (por exemplo, concessão de garantias pessoais por parte do Estado – avales e fianças), sendo que, neste caso, a dívida só se tornará efetiva para o Estado em caso de incumprimento por parte do devedor principal;
Critério do tipo de débito: quando o Estado é devedor principal, então,
estamos perante dívida direta. Quando o Estado é devedor subsidiário, então, estamos perante dívida acessória do Estado.
Critério da maturidade: atendendo a este critério, podemos qualificar a
dívida pública como de curto prazo (se ela é inferior a um ano), ou dívida de longo prazo (se a maturidade é superior a um ano);
Critério do exercício orçamental : considera-se que a dívida é dívida
flutuante se a amortização ocorre no mesmo exercício orçamental em que a dívida foi contraída. A dívida fundada tem que ver quando a amortização ocorre em exercício diferente daquele em que haja sido contraída. A dívida flutuante é sempre de curto prazo. Esta distinção entre estas duas modalidades de dívida é muito relevante, do ponto de vista não apenas económico e financeiro, mas também do ponto de vits jurídica. Isto já que o regime aplicável, nos termos da Constituição,
art.161º alínea h), é diferente, sendo de maior exigência no caso da dívida fundada. O processo de emissão de dívida pública é regulado pela Constituição, pela LEO e pela lei ordinária e dele resultam precauções e limitações. 1. A primeira limitação, no processo de emissão de dívida pública, resulta da necessidade de autorização parlamentar , mormente quando esteja em causa a emissão de dívida fundada. A necessidade desta autorização parlamentar decorre do princípio da democracia financeira e visa, desde logo, assegurar que os representantes do povo exercem um controlo efetivo sobre a geração de encargos futuros desse país. Nesta medida, eles representam não apenas gerações do presente, mas implicitamente, também, as gerações do futuro. Essa autorização constitui a melhor forma de assegurar aos credores que virão receber a satisfação efetiva dos seus créditos e respetivas remunerações. 2. Além de autorizar a emissão de dívida fundada, cabe à Assembleia da República definir, também, definir as condições gerais dos empréstimos a emitir, sendo que constituem condições gerais dos empréstimos o montante respetivo e os prazos de vencimento. 3. Para além da definição de condições gerais, e depois destas, há lugar à definição, em Conselho de Ministros, de condições complementares a que devem obedecer a emissão, negociação e contratação da dívida. 4. Segue-se, por fim, a definição das condições específicas dos empréstimos a contrair, por parte da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública. A gestão (normal) da dívida inclui a emissão de instrumentos de dívida para obtenção de financiamento e a execução de outras operações (amortização
antecipada, recompras, operações de reporte e operações com derivados financeiros), com o objetivo de alterar a estrutura da carteira de dívida existente.
Na atualidade, no quadro da implementação do Programa de Assistência Financeira, tem sido muito debatida, do ponto de vista político, a hipótese da renegociação da dívida pública portuguesa. Esta traduz, justamente, uma forma
de gestão anormal da dívida, tecnicamente qualificada antes de conversão. A conversão consiste na alteração, por acordo ou pelo devedor, das condições contratuais em que foi celebrado o empréstimo público, no decurso da vigência deste. Depois, pode qualificar-se a conversão atendendo à existência ou não de consentimento por parte do credor e ela será, assim, de natureza voluntária (forma legítima de conversão) ou forçada (carece de legitimidade, sendo proibida). Dos instrumentos de dívida pública direta os mais relevantes são os seguintes: i.
Contrato – os empréstimos têm tendencialmente uma natureza
voluntária, daí que a forma convencional de contratação de empréstimos por parte do Estado seja o contrato. No entanto, atendendo a que a emissão da dívida constitui um processo de captação de poupanças de uma forma muito disseminada e tão generalizada quanto possível, as formas mais comuns consistem, não tanto em contratualizar empréstimos individuais com cada credor, mas sim em colocar no mercado títulos de dívida, que se destinam a ser subscritos pelo público em geral, havendo outras formas de titulação de dívida. ii. Obrigações do Tesouro (OT) – consistem o principal instrumento utilizado
pelo Estado português para satisfazer as suas necessidades de financiamento. São valores mobiliários de médio e longo prazo, cuja emissão se efetua através de operações sindicadas, leilões ou por operações de subscrição limitada.
iii. Bilhetes do Tesouro (BT) – são valores mobiliários de curto prazo com um
valor unitário de um euro, podendo ser emitidos com um prazo até um ano, colocados a desconto através de leilões ou subscrição limitada e reembolsáveis no vencimento pelo seu valor nominal. iv. Certificados de Aforro – são instrumentos de dívida com o objetivo de
captar a poupança das famílias. Têm como característica principal o de serem distribuídos a retalho, isto é, serem colocados diretamente junto dos aforrados e terem montantes mínimos de subscrição reduzidos. Os certificados de aforro só podem ser emitidos a favor de particulares e não são transmissíveis, exceto em caso de falecimento do titular.
Despesas públicas: caracterização e modalidades
Despesa pública é o conjunto de dispêndios realizados pelos entes públicos para custear os serviços públicos (despesas correntes – não alteram o património duradouro do Estado, ex., pagamento de salários) prestados à sociedade, ou para a realização de investimentos (despesas de capital – alteram o património duradouro do Estado, ex., amortização de um empréstimo). O conjunto de dispêndios abrange dois comportamentos típicos do agente económico:
Consumo: aquisição presente de bens, tendo em vista a satisfação de
necessidades a que um sujeito se propõe;
Investimento: representa todo o capital físico adicional adquirido pelo
sector público e privado, ao fim de um determinado período de tempo. O investimento pode ser real, quando se reporte aos bens de capital empregues no processo produtivo, ou financeiro, por referência ao mútuo ou depósitos de fundos junto de mercados ou instituições especializadas. As principais categorias de despesas do Estado são as seguintes:
A primeira distinção, é a que separa entre despesas de investimento de
despesas de funcionamento, sendo as primeiras as que correspondem para
a formação de capital fixo do Estado, ao passo que as segundas respeitam aos gastos necessários para assegurar o normal funcionamento da máquina administrativa;
A segunda distinção, é a que separa despesas em bens e serviços de
despesas de transferência , sendo as primeiras as que asseguram a criação de utilidades, por meio da compra de bens ou serviços do Estado, enquanto as segundas limitam-se a proceder a uma redistribuição de recursos, atribuindo-os a entidades que se situam ou no sector público, ou no sector privado;
A terceira distinção opõe despesas produtivas a despesas reprodutivas, consoante se limitem a gerar utilidades no presente ou impliquem o aumento da capacidade produtiva no futuro;
Pode ainda distinguir-se entre despesas civis e despesas militares, sendo estas últimas destinadas a manter a Defesa Nacional e as primeiras todas as demais (económicas, sociais, etc.).
A segunda metade do século XX registou, na generalidade dos países desenvolvidos, um crescimento muito expressivo das despesas públicas. A afirmação plena dos Estados de bem-estar fez com que uma boa parte desse crescimento se ficasse a dever ao crescimento das despesas sociais. Ainda assim, vários autores consideram que há mais argumentos para este aumento, ficando aqui alguns deles:
alguns vêm na função de redistribuição económica e na confusão entre esta e a função alocativa, a causa principal do crescimento da despesa e do sector público;
modelo de concorrência entre grupos de interesse especiais, com vista ao reforço da sua influência política;
a dimensão do Estado numa dada sociedade é função da combinação das respetivas culturas políticas;
para outros, para além de causas não institucionais, contam sim, os fatores de natureza institucional, tais como, a procura de maximização de ganhos eleitorais, a burocracia, as falhas de percepção e de informação.
Capítulo 3 – Sector Público, Contabilidade Pública e Contabilidade Nacional
Distinção entre contabilidade pública e contabilidade nacional
O conceito de Administrações Públicas (AP) baseia-se numa ótica económica para a caracterização das instituições que lhe pertencem, concretiza-se no Sistema Europeu de Contas (SEC 95) que fundamenta uma contabilização em
termos de contabilidade nacional. O conceito de Sector Público Administrativo (SPA) assenta numa classificação jurídico-institucional dos entes públicos, cujas contas são contas do SPA na ótica da contabilidade pública. Vamos, então, proceder à distinção entre contabilidade pública e contabilidade nacional. Saliente-se que, em ambos os casos, se trata de sistemas contabilísticos de natureza orçamental e de natureza patrimonial, ainda que obedecendo a critérios e lógicas diferentes. A
contabilidade
pública
baseia-se
em
critérios
de
natureza
jurídico-institucional e encontra-se, desde logo, regulada pela Lei nº8/90, de 20 de Fevereiro, que aprovou as bases da contabilidade pública, e pelo Decreto-Lei nº155/92, de 28 de Julho, que aprovou o regime da administração financeira do Estado. a ótica da contabilidade pública é, por um lado, uma ótica histórica, que se faz no respeito pela estrutura e organização convencionais da administração pública portuguesa. O registo é, essencialmente, um registo de caixa, ou seja, as receitas e as despesas são registadas atendendo ao momento da sua efetividade financeira. Finalmente, a contabilidade pública tem sobretudo um interesse
interno: ele orienta os serviços componentes da Administração Pública portuguesa na elaboração das respetivas contas ou demonstrações financeiras. A contabilidade nacional, baseia-se em critérios de natureza económica, desde logo, quando se trata de proceder à distinção entre Administrações Públicas e Sector Empresarial. O seu regime fundamental é de origem comunitária, (fundamentalmente contido no SEC 95), e é bastante mais recente do que a contabilidade pública. Assim, à luz do SEC 95, fazem parte das Administrações Públicas, as entidades qualificadas como produtores não mercantis, em relação a cujos bens o consumo seja de natureza individual ou coletiva e dando azo a pagamentos obrigatórios. As suas instituições têm natureza redistributiva. Por sua vez, integram o Sector Empresarial do Estado as entidades que sejam qualificadas como produtores mercantis. Adicionalmente, acresce a esta atuação substancialmente empresarial, a adoção de uma forma jurídica empresarial e que os capitais respetivos sejam maioritária ou exclusivamente públicos. A contabilidade nacional é assumidamente uma contabilidade de compromissos: nesta medida, registam-se as receitas e as despesas atendendo ao momento do seu surgimento do ponto de vista jurídico. Finalmente, podemos dizer que a contabilidade nacional é sobretudo de interesse externo: os seus destinatários são as instituições comunitárias competentes (Comissão Europeia e o Eurostat), responsáveis pela monotorização e avaliação das finanças públicas dos Estados membros e pela validação da informação contabilística por estes veiculada. O apuramento do valor definitivo do défice anual só é calculado e assumido depois de feita essa validação. A contabilidade nacional é pois, hoje, um instrumento fundamental de uniformização da informação contabilística produzida e prestada pelos Estados membros, que procura prevenir situações de discricionariedade contabilística e garantir um comparabilidade fidedigna, não apenas da situação orçamental dos Estados membros entre si, mas também da evolução verificada, ao longo dos tempos, em cada Estado membro.
Concretização das regras do SEC 95 e o conceito de unidade institucional
O regulamento (CE) nº 2223/96 – SEC 95 - estabeleceu uma metodologia relativa às normas, definições, nomenclaturas e regras contabilísticas comuns, destinada a permitir a elaboração de contas e quadros em bases comparáveis, com o objetivo de descrever de forma sistemática e pormenorizada o total de uma economia, seus componentes e suas relações com outras economias. Por unidades institucionais o SEC 95 determina que devem entender-se as entidades económicas com capacidade de possuir bens e ativos, de contrair passivos e de realizar atividades e operações económicas com outras unidades em seu próprio nome. De acordo com esta definição, a unidade institucional é, pois, um centro elementar de decisão económica, caracterizando-se pela unicidade de comportamento e pela autonomia de decisão no exercício da sua função principal. Dizer-se que uma unidade goza de autonomia de decisão no exercício da sua função principal significa, nos termos do SEC 95, que a mesma: a) Tem direito a ser proprietária de bens ou ativos e poderá, por conseguinte, transacionar a propriedade dos bens ou ativos em operações com outras unidades institucionais; b) Tem capacidade para tomar decisões económicas e realizar atividades económicas pelas quais é diretamente responsável perante a lei; c) Tem capacidade para contrair passivos em seu próprio nome, aceitar obrigações ou compromissos futuros e celebrar contratos. Por outro lado, a ideia de que uma unidade dispõe de contabilidade completa, traduz-se na circunstância de a mesma dispor de documentos contabilísticos que reflitam a totalidade das suas operações económicas e financeiras efetuadas no decurso do período de referência das contas e de um balanço dos seus ativos e passivos.
A integração das unidades institucionais em sectores institucionais
As unidades institucionais não podem ser consideradas a nível individual, sendo, por conseguinte, agrupadas em conjuntos designados por sectores institucionais, os quais podem divididos em subsectores e que agrupam as unidades institucionais que têm um comportamento económico análogo. Deste modo, as unidades institucionais são classificadas em sectores com base no tipo de produtor que são, sendo este tipo aferido através da análise da atividade principal e da função de unidade institucional em causa, as quais são consideradas indicadoras do seu comportamento económico. As unidades institucionais encontram-se, então, agrupadas em cinco sectores institucionais, mutuamente exclusivos, constituídos pelos seguintes tipos de unidades: i. Sociedades não financeiras; ii. Sociedades financeiras; iii. Administrações públicas; iv. Famílias; v. Instituições sem fim lucrativo ao serviço das famílias. O conjunto destes cinco sectores constitui o total da economia, sendo que cada sector se encontra ainda subdividido em subsectores. Quando a função principal da unidade institucional consiste na produção de bens serviços, é necessário, primeiramente, distinguir o tipo de produtor a que a mesma pertence para, depois, se poder decidir sobre a inclusão da unidade num determinado sector. No SEC 95, distinguem-se três tipos de produtores:
produtores mercantis privados e públicos: são classificados nos sectores sociedades não financeiras, sociedades financeiras ou famílias;
produtores privados para utilização final própria: são classificados no sector família;
outros produtores não-mercantis privados e públicos: são classificados no sector das administrações públicas ou das instituições sem fim lucrativo ao serviço das famílias.
O conceito de produção mercantil
A produção mercantil é, segundo o SEC 95, aquela que é vendida no mercado, compreendendo: a) Os produtos produtos vendidos vendidos a preços preços economicamente economicamente significat significativos ivos (se mais de 50% dos custos de produção forem cobertos pelas vendas, então, os produtos estão a ser vendidos por preços economicamente significativos, assim a unidade é mercantil e deve ser inserida no sector financeiro. Se não cobrirem, estamos perante uma atividade não mercantil, que depende do Estado); b) Os produt produtos os que são são objeto objeto de troca troca direta direta;; c) Os produtos produtos utilizados utilizados para para pagame pagamentos ntos em em espécie espécie (inc (incluindo luindo a remuneração dos empregados em espécie e o rendimento misto em espécie); d) Os produtos produtos fornecidos fornecidos por uma uma unidade de atividade atividade económica económica local local a outra, dentro da mesma unidade institucional, para serem utilizados como consumo intermédio ou final; e) Os produtos produtos acrescentad acrescentados os às exist existências ências de produtos produtos acabados acabados e de trabalhos em curso destinados a um ou outro dos empregos acima referidos. Concluindo,
Os produtores mercantis são unidades institucionais cuja produção corresponde, maioritariamente, à produção mercantil;
Os produtores para utilização final própria são unidades institucionais cuja produção é maioritariamente para utilização final própria, dentro da mesma unidade institucional;
Os outros produtores não mercantis são unidades institucionais cuja produção é, na sua maioria, fornecida gratuitamente ou a preços economicamente não significativos.
Nota: uma instituição sem fim lucrativo (ISFL) define-se, no âmbito do SEC 95,
como uma entidade jurídica ou social criada com o fim de produzir bens e serviços, cujo estatuto não lhe lhe permite ser uma fonte de rendimentos, lucros ou ganhos financeiros para as unidades que a criam, controlam ou financiam. Na prática, as suas atividades produtivas geram excedentes ou défices, mas quaisquer excedentes que se realizem não podem passar para a posse de outras unidades institucionais.
Perímetro orçamental e desorçamentação
Uma das questões mais críticas da contabilidade nacional é, claramente, o controlo e prevenção de situações de desorçamentação. A desorçamentação consubstancia uma forma de fraude à lei ou de manipulação das regras contabilísticas. Podem significar práticas de desorçamentação – e na medida, repita-se, em que se traduzam nessa manipulação da lei ou das regras contabilísticas tendo em vista apenas a obtenção de certos efeitos orçamentais ou contabilísticos – por exemplo, as seguintes:
Retirada artificial de uma entidade do sector público, qualificando-a como entidade privada, ainda que ela possa continuar a ser apoiada se não pelo lado do financiamento, ao menos pela via fiscal, concedendo-lhe um regime fiscal mais favorável;
Retirada artificial do perímetro orçamental (entenda-se do Orçamento do Estado) de entidades, qualificando-as como empresas públicas e mantendo embora canais de financiamento público às mesmas;
Qualificação como receitas de fluxos financeiros que podem, em futuros exercícios orçamentais, gerar dívida pública e consubstanciando formas de dívida implícita.
Nos últimos anos, em Portugal têm assumido especial relevância as implicações financeiras e contabilísticas, por um lado, das empresas públicas e, por outro lado, das parcerias público-privadas:
Os orçamentos das empresas públicas não figuram no Orçamento do Estado, tal como não figuram nos orçamentos das Regiões Autónomas e das Autarquias Locais. Todavia, as regras do SEC 95 intentam capturar os encargos financeiros associados a transferências financeiras entre as administrações públicas e sector empresarial local, mormente através da
consolidação de contas. Significa isto que a contabilização de receitas e despesas deverá fazer-se, não apenas através de valores brutos de transferências (valores não consolidados), mas também através de valores líquidos dessas mesmas transferências (valores consolidados). A consolidação permite, assim, olhando, por exemplo, para o sector Estado, verificar quais as receitas públicas que advém da sua relação direta com a economia e quais as receitas que resultam das intermediações com outros sectores públicos e privados de que o Estado recebe transferências. De igual modo, e no que toca à despesa, a consolidação permite verificar quais as despesas realizadas diretamente com a economia e quais as que supõem uma intermediação de outros sectores, para os quais o Estado realiza transferências. Não obstante estas preocupações, a imaginação humana é fértil e tem sido sempre possível tornear as exigências legais: proliferam práticas na administração pública, a que popularmente se vem denominando de “engenharia financeira”, “contabilidade criativa”, etc.. Daí que, nem as exigentes e apertadas regras da União Europeia, tenham impedido situações de mentira orçamental e contabilística, como as que se verificaram, durante anos, na Grécia.
Portugal não escapou, infelizmente, a essa voragem criativa, que tornou opacas, para não dizer desconhecidas, as situações financeiras de muitas empresas nacionais, regionais e municipais, com isso contribuindo para um enviesado da situação financeira real de todo o sector público. Assim, umas das preocupações centrais do Memorando de Entendimento foi precisamente “melhorar o atual reporte mensal da execução orçamental, em base de caixa para as Administrações Públicas, incluindo em base consolidada”. Mas, para além dos mecanismos de consolidação de contas, existe uma outra forma de capturar a realidade orçamental de certas entidades empresariais, consistindo, essa forma, na reclassificação de entidades empresariais. Consideram-se entidades públicas reclassificadas as que, independentemente da sua natureza e forma, foram incluídas no sector público administrativo no âmbito do SEC 95. Isto porque o SEC 95 baseia-se numa ótica económica que integra, nas administrações públicas, as instituições controladas pelo Estado, seja qual for a sua natureza, desde que não-mercantis. Considerando-se, por seu turno, não mercantil, a entidade que não vende a sua produção a preços economicamente significativos, de tal modo que a principal fonte de financiamento não é a receita associada a um preço, tarifa ou taxa pelos bens e serviços que presta, engloba-se neste domínio, aquelas que têm receitas próprias de valor inferior a 50% dos seus custos de produção.
As preocupações com as Parceiras Público-Privadas têm que ver com a questão central do enquadramento contabilístico das PPP, justamente pela hibridez de uma parceria que supõe, necessariamente, uma intervenção ou financiamento público e uma gestão privada, e cuja partilha de riscos e envolvimento financeiro nem sempre é assumida da forma mais clara ou transparente.
Como era referido pelo FMI (2004), inexiste um modelo uniforme e compreensivo de reporte e contabilidade das PPP. Esta influencia contribui claramente para que as PPP sejam usadas para contornar os controlos
financeiros a que o sector público está adstrito, bem como para retirar o investimento público e dívida associada do balanço do Estado. Para além disso, as garantias que o Estado geralmente concede, nas PPP, ao financiamento privado, acabam por expô-lo a custos ocultos ou implícitos mais elevados do que os resultantes do financiamento público tradicional. A existência de um modelo, internacionalmente aceite, de reporte e contabilidade contribuiria certamente para promover uma maior transparência na celebração de PPP e para um acrescido escrutínio público. Relativamente ao modelo concessivo (as concessões constituem, pelo menos em Portugal, a forma jurídica de contratualização de uma PPP), a abordagem da EUROSTAT é relativamente simples: desde que pelo menos 50% das receitas do projeto sejam provenientes de pagamentos pelo sector público (sob forma de subsídios ou outros), a infraestrutura ficará fora do balanço do Estado. Relativamente aos mapas orçamentais, impõe-se a apresentação por programas das despesas associadas à PPP e, em simultâneo, a elaboração de um programa alternativo de despesas, concretizando o princípio do comparador do sector público (art.19º/2 LEO). Por sua vez, dos elementos informativos que acompanham a proposta de orçamento, deve constar uma memória descritiva das razões que justificam o recurso a parcerias dos sectores públicos e privados, face a um programa alternativo elaborado nos termos do art.19º/2 (alínea c) art.37º/1 LEO). Mas ainda se vai mais longe: dispõe a alínea l) do nº1 do artigo 31º da LEO, que do articulado da Lei do Orçamento do Estado conste “a determinação do limite máximo de eventuais compromissos a assumir com contratos de prestação de serviços em regime de financiamento privado ou outra forma de parceria dos sectores privado e público”. Ora, ao condicionar o conteúdo da lei do Orçamento, apontando que aí se deve prever um limite máximo de compromissos com as PPP, a LEO pré-anuncia uma verdadeira limitação de ordem substantiva.
Para além destas limitações constantes na LEO, cumpre mencionar a concretização de uma cláusula “gateway” no diploma regulador das PPP, nos termos da qual “a qualquer momento pode pôr-se termo ao procedimento em curso relativo à constituição da parceria, sem direito a qualquer indeminização, sempre que, de acordo com a apreciação dos objetivos a prosseguir, os resultados das análises e avaliações realizadas até então ou os resultados das negociações levadas a cabo com os concorrentes não correspondem, em termos satisfatórios, aos fins de interesse público subjacente à constituição da parceria, incluindo a respetiva comportabilidade de encargos globais estimados” (art.18º/3).
Alguns conceitos relevantes
Do ponto de vista teórico, a descentralização financeira tem que ver com a definição de um quadro analítico que sirva para formatar e explicar, através de premissas claras e regulares, as relações financeiras entabuladas (na prática) entre níveis diferenciados de decisão. A multiplicidade de soluções existentes nos mais diversos países não invalida a procura, conceitual, de um quadro de regularidade, até onde essa regularidade exista e até onde ela seja possível. Consideramos, essencialmente, três níveis: o superior, intermédio e inferior de decisão.
O Estado português é um Estado unitário, parcialmente regional. Os dois subsectores identificados como Regiões Autónomas e Autarquias Locais traduzem a expressão máxima da descentralização: podemos referi-la como descentralização político-administrativa , mesmo para o caso das autarquias locais, já que elas são pessoas coletivas de população e território distintas da pessoa Estado, representadas por órgãos diretamente eleitos pelo voto, a quem representam.
A descentralização fiscal refere-se à receita fiscal própria e pode desdobrar-se em dois planos diferentes: por um lado, traduz-se na possibilidade que estas entidades têm de ser titulares da receita
tributária, referente a tributos cobrados nessas circunscrições; por outro lado, traduz-se na autonomia fiscal, ou seja, na possibilidade, constitucionalmente conferida de, as mesmas entidades tributárias exercerem poderes tributários em relação a esses tributos/impostos.
Um outro corolário evidente que resulta, então, da natureza das coisas, é o da independência orçamental destas entidades relativamente ao Orçamento do Estado. Ou seja, os orçamentos anuais de cada uma das Regiões Autónomas e de cada uma das Autarquias Locais (freguesias e municípios) não constam do OE. Há dois graus de independência orçamental: o primeiro grau de independência orçamental relaciona diretamente o OE com o sector Público Empresarial (nacional) e, bem assim, com as Administrações Regional e Local; o segundo grau de independência orçamental relaciona diretamente as Regiões Autónomas e
as Autarquias Locais com os respetivos sectores empresariais e, por via desta relação direta, relaciona indiretamente o OE com os sectores empresariais regional e local. Tem-se vindo a assistir ao alargamento do perímetro orçamental, no sentido de garantir uma visão tão completa e compreensiva, quanto possível, de todo Estado, incluindo, por isto mesmo, também o Sector Empresarial Regional e Local.
O conceito de autonomia financeira pode retirar-se da Lei de Bases da Contabilidade Pública e do Regime da Administração Financeira do Estado. Hoje em dia, a autonomia financeira é bastante mais reduzida do que já foi no passado e do que é, de facto, na teoria. Ela reduz-se, hoje, à autonomia orçamental e patrimonial, e mesmo, quando a estas, com sucessivas restrições. A autonomia orçamental tem vindo a ser cada vez mais limita por regras e exigências atinentes à execução orçamental. A autonomia patrimonial está hoje, também, fortemente condicionada, já que diversos atos de gestão estão igualmente restringidos em termos quantitativos e ainda dependentes das autorização do Ministro das Finanças.
Capítulo 4 – Morfologia e vicissitudes do Orçamento do Estado
Natureza, caraterísticas e funções do Orçamento do Estado
É possível definir o Orçamento, em finanças públicas, como uma previsão, em regra anual, das despesas a realizar pelo Estado e do processo de as cobrir, incorporando a autorização concedida à Administração Financeira para cobrar receitas e realizar despesas e limitando os poderes financeiros da Administração em cada ano. Pode, então, dizer-se que o OE é um documento onde são previstas e computadas as receitas e as despesas anuais, competentemente autorizadas. Daqui resultam os seus dois elementos centrais: o OE é uma previsão, sendo que a este elemento se associam as funções económicas do Orçamento; o OE é uma autorização, sendo que a este elemento se associam as funções jurídicas e políticas do Orçamento. Relativamente às funções económicas do Orçamento é possível distinguir entre uma dupla perspectiva:
a perspectiva da racionalidade económica, na medida em que o orçamento permite uma gestão mais eficiente e racional dos dinheiros públicos;
a perspectiva da eficácia como quadro de elaboração das políticas financeiras, pois que, através do Orçamento (como principal instrumento de definição das políticas) é possível conhecer, também, os aspetos fundamentais da política económica do Estado.
Já no que diz respeito às funções políticas e jurídicas o Orçamento assume-se, num primeiro plano, como autorização política que visa por um lado a garantia dos direitos fundamentais e, por outro, o equilíbrio e a separação dos poderes. Num plano seguinte, resulta ainda a ideia de que o Orçamento se consubstancia numa limitação jurídica da Administração, pois que os respetivos poderes financeiros carecem de ser anualmente autorizados.
No que diz respeito à sua natureza e características, o OE é uma lei, em sentido formal e em sentido material. A concretização de um sistema monista em Portugal não aconteceu logo na primeira versão da Constituição de 1976. Foi preciso esperar pela revisão constitucional de 1982 para que tal sucedesse: desde então, a lei do OE é só uma e contém, pois, esses dois elementos, antes disseminados por dois documentos distintos. Isso faz da lei do OE uma lei muito particular, marcada por um objeto ambivalente: o OE é uma lei (vertente normativa); mas também é um conjunto de mapas, agregados e desagregados de receita e despesa (vertente contabilística). Por outro lado, associada a esta dupla incidência, mas com ela não se confundindo, verifica-se uma outra ambivalência: o OE pode ser encarado atendendo à sua dimensão económico-financeira e ele aqui é verdadeiramente o Orçamento do Estado (plano de condução das finanças públicas do país e instrumento primordial da ação macroeconómica); ou pode ser olhado atendendo à sua dimensão jurídica, ou seja, como instrumento de concretização do princípio da democracia financeira, regulando e calibrando um equilíbrio tenso entre os diversos intervenientes.
As relações entre a Lei de Enquadramento Orçamental e o OE
A Lei de Enquadramento Orçamental é o quadro fundamental do Orçamento do Estado português: a sua existência e razão de ser resultam, em primeira linha, do disposto no art.106º/1 CRP, nos termos do qual, a lei do orçamento é elaborada, organizada, votada e executada, anualmente, de acordo com a respetiva lei de enquadramento. É certo que a LEO é uma lei de valor reforçado. Ela própria, aliás, de uma forma algo redundante e inútil, se auto qualifica como lei de valor reforçado (art.3º LEO). De forma redundante, pois assim já ela é considerada pela própria
Constituição e só à Constituição compete definir o que sejam leis de valor reforçado. Acontece que o OE também é uma lei em sentido formal e material e é também considerada, por diversos autores, como sendo uma lei de valor reforçado. Encontramos, então, dois grandes obstáculos:
O primeiro obstáculo que vislumbramos está na não previsão de qualquer relação de dependência hierárquica de uma das leis de valor reforçado em relação a outras e muito menos de critérios definidores dessa dependência. Entre si são, portanto, leis de igual valor, valendo desde logo nas relações mútuas, as regras gerias de Direito;
O segundo obstáculo reside no facto de a função paramétrica de LEO não aparecer blindada por qualquer outra exigência, mormente no plano da sua aprovação ou alteração, podendo ela ser alterada, a todo o tempo, por uma lei parlamentar aprovada por maioria simples.
Os planos de incidência da LEO
O OE é, como vimos anteriormente, uma lei (vertente normativa), mas também é um conjunto de mapas, agregadores e desagregadores da receita e despesa (vertente contabilística). Na LEO encontramos planos de incidência formal (por exemplo, sobre a estrutura e procedimentos orçamentais) e planos de incidência substancial (por exemplo, sobre os resultados orçamentais). Ora, aquilo que se verifica é que a LEO é cada vez menos uma lei de incidência forma, reguladora de procedimentos e estruturas orçamentais, para ser cada vez mais um lei de incidência substancial, preocupada com os resultados orçamentais.
No passado, bastava que o processo orçamental fosse certo e devido. Hoje isso não basta: o resultado orçamental é que tem de ser certo e devido, querendo isso dizer que deve ser concordante com as exigências de disciplina orçamental. Posto isto, podemos assim identificar, como fazendo parte integrante do corpo regulador de uma LEO, três eixos principais de matérias ou temas:
Primeiro eixo: estrutura, conteúdo e resultados orçamentais;
Segundo eixo: processo orçamental;
Terceiro eixo: controlo orçamental e responsabilidade financeira.
As alterações mais recentes na LEO: o Memorando da Troika e as principais tendências no desenho do sistema orçamental português
As razões mais determinantes das alterações mais recentes são de dupla ordem: 1. Por um lado, a crise económico-financeira e o Memorando de Entendimento assinado com a Troika; 2. Por outro lado também, as boas práticas internacionais do domínio das finanças públicas e da orçamentação pública e que vinham sendo incorporadas também na legislação ou documentação europeia relevante. A necessidade de assistência financeira foi o que levou a que o Governo Português e a Troika, em Maio de 2011,
assinassem o Memorando de
Entendimento, do qual resulta um programa de ajustamento que regula e condiciona os termos da mencionada assistência. O programa de ajustamento é o reverso da assistência financeira concedida a Portugal pelas instâncias comunitárias e pelo FMI, e fica marcado por um princípio de condicionalidade restrita. Portugal beneficiou desta assistência, sendo que a seguir também outros países europeus o fizeram, como a Irlanda e a Grécia.
Trata-se de um mecanismo “backstop” financeiro temporário, enquadrado pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento relativamente à política de supervisão multilateral e completado por outros mecanismos desenvolvidos na Europa após a crise de 2008/2009. Os objetivos fundamentais do programa de ajustamento eram, então: i. Realização de reformas estruturais que potenciem o crescimento económico; ii. A implementação de uma estratégia de consolidação orçamental, apoiada por medidas orçamentais de natureza estrutural e por um maior controlo financeiro sobre as PPP e empresas públicas, tendo em vista a diminuição do rácio da dívida pública/PIB para valores sustentáveis e a redução do défice orçamental para valores inferiores a 3% do PIB em 2013; iii. A implementação de um estratégia para o sector financeiro, baseada na recapitalização e desalavancagem, com medidas que salvaguardem o sector financeiro dos perigos de uma desalavancagem não regulada, reforçando os mecanismos de mercado, apoiadas em facilidades não convencionais. Nota: Os saldos superavitários e deficitários são, em boa medida, o resultado do
funcionamento dos estabilizadores automáticos. Se a economia enfrenta uma recessão, o desemprego aumenta e, consequentemente, a despesa pública com os subsídios, também, agravando o défice. Se, pelo contrário, a economia cresce, os impostos aumentam e o superavit torna-se uma realidade. Podemos afirmar que a atual crise veio aprofundar um conjunto de tendências internacionais relativas ao desenho dos sistemas orçamentais que já se fazem sentir desde a transição do milénio. Assim, é possível identificar um conjunto de
boas práticas internacionais, sendo elas:
1) Os sistemas orçamentais estão menos concentrados nos procedimentos e nos formatos orçamentais e mais nos resultados orçamentais, pelo que a micro orçamentação está subordinada aos objetivos da macro orçamentação. Neste sentido:
os países devem promover planos credíveis de redução do défice público;
os planos melhor sucedidos envolvem ajustamentos a longo prazo;
a consolidação orçamental deve dar preferência às restrições do lado da despesa, pois garantem melhores resultados económicos, do que subidas de impostos;
a orçamentação deve basear-se em previsões económicas prudentes e realistas, utilizando adequados métodos de trabalho, tais como: abertura total; análise de sensibilidade; comparações com as previsões feitas por entidades ou agentes privados; que o trabalho seja atribuído a agências ou organismos independentes do governo. 2) A micro orçamentação exibe um conjunto de características novas, a saber:
Primeira característica: exacerbação dos instrumentos de programação plurianual da despesa pública – a programação plurianual da despesa pública
constitui a base fundamental da consolidação orçamental, trançando os objetivos de médio prazo em termos de níveis elevados de decisão. Em regra, são formas de programação deslizante, apresentadas todos os anos com o orçamento. Estes institutos não têm forma legal, mas, ainda assim, traduzem um bom compromisso em torno da disciplina orçamental. A programação enquadra e informa o Orçamento do Estado, sendo que, no limite, estamos perante um verdadeiro sistema de programação da despesa que integra diferentes peças/patamares: projeções de longo prazo; programação económica e financeira de médio prazo; programação orçamental.
Segunda característica: desenvolvimentos de técnicas orçamentais “top-down”
– implica a definição prévia de tetos máximos de despesa para cada ministério sectorial e só depois a concretização de dotações para cada rubrica orçamental. Em certos países, a utilização de tais técnicas aparece associada à implementação de processos orçamentais de duas fases, sendo que estes processos visam obviar às tensões sentidas em diversos sistemas orçamentais entre totais previstos no orçamento e nas suas partes e evitar tentações despesistas, mormente em períodos de expansão.
Terceira característica: novas regras ou princípios orçamentais – estas novas
regras não fazem parte integrante do orçamento, sendo exteriores a este, mas devendo por ele ser respeitadas. Estas regras, diferentemente das regras clássicas, procuram condicionar os resultados orçamentais (consolidação orçamental e a disciplina financeira, a sustentabilidade financeira de longo prazo, a eficiência agregada e a eficiência alocativa). As novas regras abrangem a integralidade das Administrações Públicas e não apenas o sector Estado. Existem dois grandes tipos de regras orçamentais: regras de natureza procedimental, que regulam sobretudo os procedimentos e o papel dos diversos atores no processo orçamental; regras de natureza quantitativa ou numérica, que fixam alvos específicos quantitativos relativamente a um ou a vários agregados financeiros.
Quarta característica: relaxamento, na gestão orçamental, dos controlos sobre os inputs e focalização nos resultados – a gestão orçamental parte de uma
menor rigidez no regime de classificação e uso das dotações orçamentais, pressupondo um sistema orçamental com menos rubricas, atribuindo-se antes ao gestor um envelope financeiro que ele irá gerir com maior flexibilidade, tendo em vista o cumprimento dos objetivos traçados para aquele departamento ou programa (gestão por objetivos). O gestor é responsável pela concretização dos objetivos traçados, baseando-se a execução orçamental na performance. A orçamentação é, também, uma orçamentação por objetivos, onde interessam não os meios, mas antes os
fins, orientando-se a gestão por preocupações de eficiência e eficácia. A performance budgeting supõe uma alteração estrutural orçamental:
definição de programas orçamentais baseados em atividades. As especificações fundamentais a considerar num modelo atual de performance budgeting são as seguintes: regras de agregação das despesas na estrutura de
programas; cobertura institucional dos programas e responsabilidade pela sua gestão; implementação de um sistema de informação de gestão de desempenho adequado; implementação de um sistema de financiamento que relacione os outputs (resultados orçamentais) com os seus custos orçamentais e benefícios, avaliando-se, assim, cabalmente, a respetiva performance.
Iremos verificar em que medida estas novas tendências, domínio orçamental, têm vindo a ser acolhidas pela legislação portuguesa.
Regras orçamentais clássicas
A organização e elaboração do OE devem obedecer a um conjunto de regras as quais traduzem vinculações jurídicas internas do orçamento. Muitas destas regras são de formulação antiga. 1. Anualidade
A regra da anualidade envolve uma dupla exigência: votação anual do Orçamento pelo Parlamento e execução anual do Orçamento pelo Governo e Administração Pública. De acordo com o princípio da anualidade poderiam incluir-se no orçamento tanto as receitas a cobrar efetivamente durante o ano e as despesas a realizar efetivamente, independentemente do momento que juridicamente tenham nascido (orçamento de gerência), quanto todos os créditos e débitos originados naquele período orçamental, independentemente do momento em que se viessem a concretizar (orçamento de exercício).
O sistema de gerência tem vantagens, porquanto torna fácil e clara a execução orçamental. No entanto dificulta a responsabilização de cada Governo pela elaboração e execução dos orçamentos que lhe são imputáveis. O s orçamentos de exercício, ao invés, se têm a vantagem de permitirem mais facilmente a responsabilização do Governo, têm uma desvantagem: num determinado ano não sabemos ao certo a situação de tesouraria. No ordenamento financeiro português, o sistema vigente é, desde 1930, o de gerência, devendo ainda hoje a leitura do princípio da anualidade ser feita à luz deste tipo de orçamento. Para obviar os inconvenientes do orçamento de gerência o legislador previu:
que a elaboração do orçamento fizesse um enquadramento da perspetiva plurianual;
que os orçamentos dos organismos público administrativo integrem programas, medidas, projetos ou ações que impliquem encargos plurianuais, prevendo a despesa total de cada programa, as parcelas desses encargos relativos ao ano em causa e as despesas de cada 1 ou 2 anos seguintes com caráter indicativo.
Nota: No entanto, alerta-se para o facto de, mesmo quando a lei prevê a
existência de mapas plurianuais, as verbas neles incluídas devem ser inscritas no OE de cada ano, sob pena de não poderem ser realizadas por falta de cabimento orçamental (art.106º/1 CRP). Cabe apurar se o período anual coincidente com o ano civil consiste na consagração de um período mínimo ou máximo de duração do orçamento: o período anual é o período mínimo de vigência orçamental, sendo o período máximo definido pelo poder executivo, através da existência, ou não, de período complementar (é
essencial não confundir anualidade com o período
complementar, já que este é apenas um período para fechos de caixa – arts.4º e
5º LEO – ou seja, as contas fecham dia 7 de Janeiro, apesar do Orçamento cessar a 31 de Dezembro).
2. Plenitude
Ao prever a existência de “um só orçamento e tudo no orçamento” pretende-se evitar a existência de massas de receitas e despesas que escapam à autorização parlamentar e ao controlo orçamental. Nestes termos, a regra da plenitude tem sido entendida como imposição de aprovação de orçamentos que permitam aos serviços e organismos administrativos tomar conhecimento das receitas que podem cobrar e das despesas que podem realizar. Para que o referido conhecimento seja cabal, exige-se mesmo no nº3 que “o total das responsabilidades financeiras resultantes de despesas de capital assumidas por via de compromissos plurianuais, decorrentes da realização de investimentos com recurso a operações financeiras cuja natureza impeça a contabilização direta do respetivo montante total no ano em que os investimentos são realizados ou os bens em causa postos à disposição do Estado conste dos Orçamentos de Estados, das Regiões Autónomas e das Autarquias Locais. A regra da plenitude, no que toca ao Orçamento do Estado, tem uma abrangência limitada, sendo que não abrange:
as operações de tesouraria;
a gestão patrimonial do Estado;
os fenómenos de independência orçamental.
Assim, a plenitude orçamental, no que toca ao Orçamento do Estado, só se aplica às receitas e despesas dos serviços integrados, serviços e fundos autónomos e
segurança social: só elas têm de constar num único orçamento e de estar todas nesse mesmo orçamento. 3. Discriminação
A discriminação tem três sub-regras: a não compensação, a não consignação e a especificação. A regra da não compensação, ou do orçamento bruto, deve ser integrada na regra da discriminação orçamental. Trata-se de uma lógica de consequência da regra da especificação prevista no art.8º, apesar de historicamente anterior. Segundo a sub-regra da não compensação as receitas e as despesas devem ser inscritas no Orçamento de uma forma bruta e não líquida, não devendo ser deduzidas às receitas as importâncias gastas com a sua cobrança, nem às despesas as receitas originadas pela sua realização. O fundamento passar por conseguir uma maior racionalidade e possibilitar um controlo efetivo, político e administrativo, da execução orçamental. A não consignação trata-se de outra sub-regra integrada na regra da discriminação – neste caso, a da não consignação. Segundo esta sub-regra, não podendo num Orçamento afetar-se qualquer receita à cobertura de determinada despesa, pretende-se evitar a existência de uma Administração Pública fragmentaria desprovida de uma gestão financeira de conjunto. Como lógica consequência da sub-regra da não consignação existe o Tesouro, tendo a seu cargo, de modo centralizado, a cobrança das receitas e a realização de despesas. Existem, no entanto, algumas exceções : art.7º/2 LEO; consignação excecional e temporária por expressa estatuição legal ou contratual ; situações de autonomia financeira em que as receitas de determinados organismos são afetas à cobertura de determinadas despesas. Fala-se, então, em receitas consignadas. A consignação de receitas tem algumas justificações, a saber:
o reforço do crédito público;
a limitação do montante de uma despesa ou de uma receita;
a afetação de receita temporária a uma despesa determinada;
a personalização de um serviço público.
A sub-regra da especificação também se integra na discriminação orçamental e, segundo ela, o Orçamento deve individualizar suficientemente cada receita e cada despesa. Assim, para cada espécie de despesas públicas deverá ser concedido um crédito que deve ser exclusivamente afeto ao serviço (órgão) ou função prescrita: a soma fixada deve ser o máximo de despesa a efetuar. Esta sub-regra está consagrada expressamente no art.105º/3 CRP. Fundamento: pretende-se assegurar clareza e limpidez na elaboração, execução e controlo orçamentais. Para o cabal funcionamento da regra da especificação prevê-se a existência de três classificações orçamentais: a económica, a orgânica e a funcional. Verifica-se, assim, que as três sub-regras da discriminação orçamental têm finalidades comuns: assegurar uma maior racionalidade financeira e um efetivo controlo orçamental. 4. Publicidade
A publicação do Orçamento do Estado é fundamental não só devido à sua natureza, que impõe a publicação oficial no Diário da República como condição da eficácia jurídica e do consentimento parlamentar para a cobrança de receitas e a realização de despesas, mas também em virtude da necessidade que a Administração Pública tem de conhecer o conteúdo preciso de tão importante instrumento financeiro. A importância da publicidade orçamental é tal, que o legislador previu que fossem tornados públicos todos os documentos que se revelem necessários para assegurar a adequada divulgação e transparência do Orçamento do Estado e da sua execução.
5. Equilíbrio
O equilíbrio orçamental é a mais importante das regras orçamentais, mas também a mais discutida e controversa. O princípio do equilíbrio orçamental resulta de um imperativo constitucional, consoante o art.105º/4 CRP, embora esteja aí previsto apenas em sentido formal – uma vez que se está a pensar apenas numa situação contabilística de igualdade de receitas e despesas. O equilíbrio pode ser encarado de duas perspetivas:
equilíbrio formal : que postula a estrita igualdade entre as receitas e as
despesas, o que traduz a interdição dos défices e excedentes de receita;
equilíbrio substancial : baseia-se nas teorias do défice sistemático e dos
orçamentos cíclicos. A teoria do défice sistemático basea-se no facto de o desemprego ser um mal social que não desaparece espontaneamente, sendo que, para esta teoria funcionar, é preciso que o Estado saiba com rigor qual a situação conjuntural da economia e qual a eficácia dos estabilizadores. A teoria dos orçamentos cíclicos diz que as receitas aumentam em períodos expansionistas e as receitas diminuem em períodos de recessão. Quais são, em concreto, os critérios de equilíbrio substancial? 1. Critério clássico do equilíbrio orçamental : as receitas e as despesas de
referência eram as receitas e as despesas normais. À luz desta noção, haverá equilíbrio quando as receitas normais servem para cobrir pelo menos as despesas normais. O recurso ao crédito só seria aceitável em situações muito excecionais, como, por exemplo, as situações de guerra. 2. Critério do ativo de tesouraria: neste, as receitas e as despesas de
referencia são as receitas e despesas efetivas, consoante se traduzem em entradas efetivas ou em saídas efetivas de massa monetária no património de tesouraria do Estado. À luz desta noção, haverá equilíbrio
quando as receitas efetivas servem para cobrir, pelo menos, as despesas efetivas. As receitas efetivas são todas aquelas que não implicam a inscrição desse montante no passivo financeiro do Estado, tal como as despesas efetivas serão aquelas que não implicam a supressão desse valor no passivo financeiro do Estado. É este critério que está na base da definição das principais regras em matéria de saldos orçamentais, hoje vigentes na generalidade dos países mais desenvolvidos: constituem concretizações do ativo de tesouraria, os saldos global e primário do orçamento. 3. Critério do orçamento ordinário: neste, as receitas e as despesas de
referência são as receitas e as despesas ordinárias, aquelas que se repetem em todos os orçamentos, havendo uma situação de equilíbrio quando as primeiras servem para cobrir, pelo menos, as segundas. 4. Critério do ativo patrimonial do Estado: aqui, as receitas e as despesas de
referência são as receitas e as despesas correntes, ou seja, as receitas e as despesas que não afectam o património duradouro do Estado. De acordo com este critério há equilíbrio quando as receitas correntes servem para cobrir, pelo menos, as despesas correntes. Na opinião do prof. Guilherme d’ Oliveira Martins, para que os orçamentos do sector público administrativo se encontrem equilibrados, para efeitos do art.9ºLEO, têm de respeitar os critérios de convergência, por forma a que o Conselho não declare verificada a existência de um défice excessivo. A favor desta conclusão, note-se que a alínea d) do nº1 do artigo 37º exige que a proposta de Lei do Orçamento de Estado seja acompanhada por um estimativa do orçamento consolidado do sector público, tanto na ótica de contabilidade pública, como na ótica de contabilidade nacional.
As diferenças entre as regras clássicas e as novas regras orçamentais
Existem algumas marcas distintivas entre as regras clássicas e as novas regras orçamentais, a saber:
a) Enquanto as regras clássicas respeitam tendencialmente ao OE, as novas reras respeitam a todas as Administrações Públicas (incluindo Administrações Regionais e Locais); b) Enquanto as regras clássicas regulam fundamentalmente a fase de elaboração e aprovação do OE, nas novas regras está em causa todo o ciclo orçamental, ou sejam, respeitam também à fase da execução; c) Enquanto as regras orçamentais clássicas se baseiam fundamentalmente na estrutura e no procedimento orçamentais, as novas regras centram-se sobretudo nos resultados orçamentais; d) Enquanto as regras clássicas desligam a micro orçamentação da macro orçamentação, as novas regras associam claramente estas duas dimensões, subordinando a primeira à segunda; e) Enquanto as regras orçamentais clássicas se filiam na perspetiva tradicional que concebia o orçamento como um orçamento de meios focados na dotação orçamental, as novas regras alicerçam-se nos fins ou objetivos orçamentais; f) Enquanto as regras clássicas concebem a micro orçamentação a partir de uma função de controlo, as novas regras orçamentais são tributarias de uma função de controlo, as novas regras orçamentais são tributarias de uma função de gestão; g) Enquanto que as regras clássicas são sobretudo de cariz continental, as novas regras traduzem claramente uma nova influência dominante: a influência da literatura internacional mais relevante produzida em matéria de orçamentação pública; h) Enquanto as regras clássicas estão consagradas, de há muitas décadas, no nosso direito orçamental, algumas remontando ao direito liberal clássico, as novas regras orçamentais aparecem no nosso direito orçamental, sobretudo, a partir da aprovação da atual LEO e suas sucessivas alterações.
A emergência de novos princípios orçamentais
1) Estabilidade orçamental
Ligado com a preocupação de um maior rigor quanto ao equilíbrio, surge o princípio da estabilidade orçamental (art.10º - A LEO), o qual impõe a todas as entidades do sector público administrativo a verificação de situação de equilíbrio ou excedente orçamental, calculada de acordo com a definição constante no Sistema Europeu de Contas Nacionais e Regionais. Este ponto contribui para tornar cristalino aquilo que já depreendíamos do art.9º LEO na redação ainda em vigor: “para que os orçamentos do sector público administrativo se encontrem no seu conjunto equilibrados, para efeitos do artigo 9º da Lei de Enquadramento Orçamental, têm de respeitar os critérios de convergência na ótica da contabilidade nacional, por forma a que o Conselho não declare verificada a existência de um défice excessivo”. Ademais, este novo preceito, na redação que resulta da proposta, apresenta, para nós, uma vantagem inegável sobre o atual art.9º: o equilíbrio ou excedente orçamental aí exigido não conta com as exceções dos arts.23º, 24º e 25º, o que, para o prof. Guilherme d’Oliveira Martins, é obviamente de saudar. A estabilidade orçamental é o equilíbrio das Administrações Públicas, calculado nos termos do SEC95. Está em causa, para este efeito, fundamentalmente, a noção de saldo global. 2) Transparência e solidariedade recíproca
O princípio da transparência orçamental aparece, de igual modo, mobilizado pela maior exigência substantiva de bom comportamento orçamental. Significa a ideia de informação exata e objetiva sobre o modo como o Estado utiliza os dinheiros públicos, sobre o custo dos programas orçamental e, se possível, sobre os seus benefícios. Contribui para a disciplina financeira e para afetação adequada daqueles recursos.
Este princípio pressupõe, antes de mias nada, a ideia de divulgação ao público, no que diz respeito à estrutura e funções do Estado, às intenções da política orçamental, às contas públicas e às projeções. Nesta medida, o principio facilita os mecanismos de controlo orçamental, nos planos político, administrativo e jurisdicional, de prestação de contas e de responsabilização financeira. Pressupõe também a abertura interinstitucional: dos governos nacionais em relação às instâncias internacionais competentes e interessadas; do governo em relação ao parlamento; dos sectores e subsectores do Estado em relação ao governo e, especialmente, ao ministro das finanças. Para o prof. Guilherme d’Oliveira Martins, o princípio da transparência orçamental encontra-se vertido na LEO, desde a sua versão inicial (art.10º-C da versão atual). Uma outra decorrência fundamental da concretização do principio da estabilidade orçamental (art.10º-A LEO) é a de que o esforço de consolidação deve dizer respeito não apenas ao Estado central, mas também a todas as demais Administrações Públicas. Nesta medida se compreende a concretização do princípio de solidariedade recíproca que apela justamente ao comprometimento
de todos os níveis de decisão nesse esforço de estabilidade. 3) A equidade intergeracional
A necessidade de avaliação da sustentabilidade de longo prazo da dívida pública induz a previsão do princípio da equidade intergeracional (art.10º LEO). O seu nº1 dispõe o seguinte: “O Orçamento do Estado subordina-se ao princípio da equidade na distribuição de custos e benefícios entre gerações”, explicitando o nº2 o tipo de despesas onde esse apelo faça naturalmente sentido. Importa contudo fazer notar que a previsão deste princípio tem tanto de vago quanto de insuficiente. Com efeito, nada se concretiza na LEO sobre o modo de dar explicitação, no corpo da Lei do OE (e designadamente a nível dos mapas orçamentais), a esta exigência de equidade.
O acolhimento das novas regras numéricas na legislação portuguesa
Como decorrência das exigências de estabilidade orçamental (art.10º-A LEO) e, bem assim, da sustentabilidade a longo prazo das finanças públicas, a LEO tem vindo, nas sucessivas alterações, a concretizar um conjunto de novas regras orçamentais. Vejamos pois como se concretizam. Regras procedimentais
A aprovação do Orçamento do Estado faz-se em articulação com a aprovação de outros documentos com relevância orçamental que o vinculam ou condicionam. Para além disso, o processo orçamental reclama a intervenção de diversos “stakeholders”, alguns constitucionalmente previstos, outros de origem mais recente e sem previsão constitucional. Acresce a cada vez maior europeização do processo orçamental, o que significa que não há apenas lugar à intervenção de entidades nacionais, mas ainda, de instâncias comunitárias, como, por exemplo, a Comissão. Regras numéricas
Hoje, podemos encontrar na legislação portuguesa, sobretudo, três tipos de regras numéricas: i.
A regra de saldo ou equilíbrio: saldo estrutural ajustado ao ciclo e de medidas excecionais/temporárias – com a alteração de 2011, foi aditado à
LEO o art.12º-C que concretiza a regra do saldo estrutural ajustado ao ciclo e das medidas temporárias, em conformidade com o objetivo orçamental de médio prazo resultante do PEC. A regra do art.10º-H pretende aproximar a noção de ajustamento do saldo orçamental daquela que vigora nos termos do PEC, ao mesmo tempo que remete para a metodologia do PEC o apuramento do saldo estrutural.
ii. Regras de dívida – no caso da LEO, logo em 2011, previu-se uma regra
importante, o art.87º, relativa ao estabelecimento, pela lei do Orçamento, de limites de endividamento dos subsectores do Estado. determinou-se ademais que tais limites possam ser inferiores ao que resulte das respetivas leis de financiamento, quando tal resulte da necessidade de cumprir o PEC. Nas leis de financiamento aplicadas ao subsectores em causa, o mesmo pode ser verificado: na Lei das Finanças das Regiões Autónomas, prevê-se a fixação anual de limites à contratação de empréstimos e ao endividamento, sendo que em caso de violação dos limites de endividamento prevê-se redução das transferências de igual valor ao excesso do endividamento; por sua vez, na Lei das Finanças Locais, concretiza-se a previsão de limites idênticos quer quanto ao endividamento líquido, quer quanto à contratação de empréstimos. O art.16º-A prevê, no seu nº2, que, em acréscimo à variação máxima do endividamento líquido, o Estado possa financiar-se antecipadamente até ao limite de 50% das amortizações previstas de dívida pública fundada, a realizar no ano subsequente. Caso esse financiamento antecipado se concretize, o limite de endividamento é reduzido pelo financiamento antecipado efetuado. Ainda, na última alteração à LEO, em 2013, foi introduzida a regra de ouro da dívida pública: art.10º-G. iii. Regras de despesa – podemos considerar que existem, hoje, dois tipos de
regras de despesa: uma de caráter implícito e indireto e que resulta da necessária subordinação do OE aos limites máximos de despesa fixados pela lei de programação orçamental plurianual (art.12º-D); a segunda, de caráter expresso e direto que consta do art.12º-C/6. (ver artigo).
Vinculações externas do Orçamento do Estado
O regime das vinculações externas consta do art.17ºLEO, o qual traduz, por sua vez, um desenvolvimento do disposto do art.105º/2CRP. Nos termos daquele art.17º, constituem vinculações externas:
as obrigações decorrentes de lei, de contrato, de sentenças judiciais ou outras obrigações determinadas pela lei (despesas obrigatórias);
as obrigações decorrentes do Tratado da União Europeia;
as opções em matéria de planeamento e a programação financeira plurianual.
Para além disso, fruto dos constrangimentos atuais com que se debate a economia e as finanças públicas portuguesas e dos compromissos assumidos por Portugal no Memorando assinado com a Troika, diversas medidas de austeridade têm vindo a ser adotadas e, de entre elas, um conjunto muito significativo de cortes ou reduções de prestações remuneratórias, sobretudo dos trabalhadores da Administração Pública. Ora, o teor e a expressão destas medidas interferem com algumas vinculações externas, mormente com as denominadas despesas obrigatórias. Ora, destas fontes externas de direito resultam hoje importantes consequências: e a estas, sim, podemos qualificar de vinculações externas. Trata-se, em primeiro lugar, da subordinação do OE às obrigações definidas nos programas de estabilidade e crescimento impostos pelo PEC. Trata-se, em segundo lugar, da subordinação do OE aos limites da despesa consagrados nos instrumentos de programação orçamental, quadros plurianuais que fixam, para o período de programação em causa, limites máximos para a despesa agregada e, bem assim, para a despesa em casa sector ou área funcional. A LEO criou, então, o quadro plurianual de programação orçamental (art.12º-D).
Cabe, ainda, analisar em que medida fará sentido falar em despesas obrigatórias, tratando-as, consequentemente, como vinculação externa do OE. A partir do disposto no art.16º/1LEO, dir-se-á que as despesas obrigatórias derivam, por um lado, de obrigações decorrentes da lei ou de contrato e, por outro, de obrigações associadas ao cumprimento de sentenças judiciais. No plano da execução orçamental, estas vinculações associadas a despesas obrigatórias
resultantes de lei ou de contrato projetam-se na concretização do princípio da legalidade da despesa. É curioso notar que OE assume, hoje, essa legalidade (dupla): na medida em que OE pode ser fonte criadora de despesa, pode criar ativamente despesa pública, sendo portador de legalidade genérica; na medida em que ele acolha, passivamente, mormente nos mapas orçamentais, despesa pública criada, quer por leis, quer por contratos, assumindo-se portador da legalidade específica.
Na opinião do prof. Guilherme d’Oliveira Martins, a realização prática entre as vinculações externas e o OE permite perceber que, especialmente no atual contexto, constrangimentos económicos e financeiros, desprovidos geralmente de juridicidade, acabam por ser mais efetivos e limitativos do que as verdadeiras obrigações jurídicas. O OE é, cada vez mais, o instrumento legal por excelência de criação/conformação de obrigações para o Estado. Assim, o professor propõe a reordenação das vinculações externas, constante do arti.17ºLEO, do seguinte modo:
obrigações decorrentes dos Programas de Estabilidade e Crescimento ou outros documentos que sejam impostos, no respeito pelas regras do PEC;
limites de despesa definidos pelo quadro plurianual da despesa pública.
De acordo com o prof. estas são as verdadeiras vinculações externas do OE, devendo este, ainda, no respeito pelo preceito constitucional, harmonizar-se com as grandes opões em matéria de planeamento. A LEO deveria, então, somente dispor, quanto às despesas obrigatórias, o seguinte “Os mapas orçamentais devem prever as dotações necessárias à realização das despesas resultantes da lei e dos contratos, ou determinados por sentença judicial”.
O conteúdo do OE e os cavaleiros orçamentais
A LEO procura, especialmente no seu art.31º, formatar o conteúdo desejável do OE, porque pretende, pela positiva, indicar o conjunto de matérias que podem e devem estar no articulado do Orçamento, ainda que o faça de forma meramente exemplificativa. Em suma, as matérias expressamente integradas no art.31º/1 são muito díspares, sendo que encontramos dois grandes grupos de matérias:
matérias específica e indubitavelmente orçamentais: as matérias constantes das alíneas a) a d) e da alínea p);
matérias não especificamente orçamentais, mas tornadas orçamentais, legalizando-se,
assim,
numa
prática
ou
costume
orçamental,
atruibuindo-se-lhes a regularidade de aprovação própria do OE e da garantia de vigência por um período temporal coincidente com o ano civil: alíneas e) a m) e alínea o). Relativamente às matérias que não constam expressamente do elenco do art.31º/1, mas que habitual ou esporadicamente surgem da Lei do OE, podemos também qualificá-las de diferentes modos. Assim:
matérias que serão ainda matérias especificamente orçamentais e cobertas pelo caráter exemplificativo do art.31º/1, surgindo habitualmente nas leis do OE: é o caso das alterações à legislação fiscal, ou de certas regras sobre funcionalismo público e pensionistas, ou regras sobre gestão de património público;
matérias que serão ainda matérias especificamente matérias orçamentais e cobertas pelo caráter exemplificativo do art.31º/1, surgindo esporádica ou intermitentemente nas lei do OE: é o caso de certas previsões em matéria de funcionalismo público e de contrato de trabalho da Administração Publica;
matérias que só de forma indireta ou incidental têm natureza orçamental, sendo por vezes difícil de determinar se ainda estamos perante matéria
orçamental ou perante um cavaleiro orçamental: é o caso, por exemplo, das regras sobre o regime de férias, feriados e faltas;
matérias que configuram claramente um cavaleiro orçamental: é o caso, por exemplo, do disposto no art.75ºLEO, relativo à representação da segurança social, nos processos especiais de recuperação de empresas e insolvência.
O direito de emenda parlamentar no domínio orçamental e a sua relação com a “lei-travão”
À primeira vista, não parecem existir quaisquer limites constitucionais ou legais para o exercício da emenda parlamentar, em qualquer momento da vida do OE. Todavia, tem-se considerado que a iniciativa superveniente dos deputados ou dos grupos parlamentares conhece maiores limitações quando ela incide sobre uma proposta de alteração orçamental , do que quando ela respeita à proposta inicial do OE .
Na verdade, relativamente a esta ( proposta inicial do OE ), não existirão quaisquer limitações do ponto de vista material, pelo que as alterações proposta pelos grupos parlamentares podem, no seu conjunto, caso aprovadas, conduzir a um resultado final completamente díspar do da proposta governamental, desvirtuando o sentido inicial do OE. A questão é, no limite, uma questão política e depende fundamentalmente da relação de forças existentes no parlamento. Já no que diz respeito às propostas de alteração orçamental , a emenda parlamentar está, por força da jurisprudência constitucional, mais limitada. E isto por força de dois argumentos fundamentais: a) O argumento da alteração de sentido da proposta de lei (o desvirtuar da proposta): no caso de alteração do Orçamento, já não se está numa fase de
previsão, nem se pretende traçar um plano financeiro global. Tem-se apenas a pretensão de alterar um plano já elaborado, que está a ser
executado, e em áreas delimitadas pela proposta do Governo, que tem o exclusivo da iniciativa de alteração e o encargo e responsabilidade pela execução orçamental. Assim, os deputados, a pretexto de uma proposta de alteração orçamental, não podem proceder a modificações orçamentais que não se inscrevam na proposta do Governo, ou seja, alargar essas modificações a outras áreas, não pretendidas pelo Governo. Não se pretende que a Assembleia da República esteja vinculada à proposta de alteração feita pelo Governo. Pode aceitá-la ou rejeitá-la. Pode aumentar as receitas, como se propõe, ou aumentá-las numa percentagem diferente do que a pretendida. Igualmente poderá não diminuir as despesas, ou diminuir menos do que se pretende. Não pode é proceder a alterações que extravasem o âmbito da proposta. b) O argumento da “lei-travão”: este argumento trata-se da aplicação do
regime constante do art.167º/2CRP, ou seja, a aplicação, na fase das alterações orçamentais, diferentemente do que sucede aquando da proposta inicial do OE, do regime da “lei-travão”. A “lei-travão” impede o seguinte: que os deputados, grupos parlamentares e cidadãos eleitores apresentem projetos de lei, propostas de lei ou propostas de alteração; que envolvam o aumento da despesa ou a diminuição da receita; no ano económico em curso. Estas condições são cumulativas.
O processo orçamental: “pork barrel”, “logrolling”, “lobbying”, “rent seeking” e corrupção
A política pork barrel surge por causa da natureza descentralizada do Governo e é especialmente favorecida quando o governo central é fraco. Esta aparece associada à regra informal segundo a qual os decisores votam para evitar a instabilidade associada à votação multidimensional. O resultado é a reciprocidade: cada decisor vota favoravelmente às alocações preferidas por outros decisores, sabendo que o desvio à regra
do apoio recíproco pode induzir os outros a desviarem-se também. Consequentemente, os decisores eleitos exigem mais (despesa) com um projeto de interesse local, sempre que o custo desse projeto seja suportado por contribuintes não locais.
Embora o logrolling (troca de votos) possa surgir em contextos de políticas de pork barrel , a verdade é que ele assume uma natureza distinta e pode surgir desligada desta. Uma das conclusões mais impressivas do teorema da impossibilidade tem que ver com o facto de a democracia dificilmente gerar o consenso, a democracia apenas produz maiorias. Em Portugal, o exemplo mais emblemático de logrolling foi o dos orçamentos “limianos”, aprovados em 2000 e 2001: o Governo socialista de então, eleito sem maioria absoluta (por apenas um voto), conseguiu fazer aprovar esses orçamentos, com o voto de um deputado centrista originário de Ponte de Lima e eleito pelo círculo de Viana do Castelo. Em troca, o Governo comprometeu-se na realização de vários investimentos públicos no conselho e no distrito em causa. Se é certo que o logrolling pode consubstanciar um exemplo de maturidade democrática, capaz de produzir soluções de algum consenso entre forças políticas diferenciadas e garantia de estabilidade política, não é menos verdade que ele tem sido visto como uma das causas mais determinantes do crescimento da despesa pública nos países da OCDE, e apontado como a demonstração cabal de que os Orçamentos do Estado, funcionando em moldes incrementais, são o produto irracional da negociação política e da acomodação de interesses antagónicos existentes numa dada sociedade.
A atividade de lobbying pode ser legal ou regulada. A ideia-chave é a de que pequenos grupos fortes e bem organizados de cidadãos conseguem condicionar ou influenciar mais a ação política, do que os grandes grupos de cidadãos anónimos, disseminados, não representados e enfraquecidos. É uma prática bem aceite e bem conhecida no quadro da relação entre, de um lado, os grupos de interesse e, do outro, por exemplo, a Comissão
Europeia. Ainda que legal, o lobbying tem sempre associado um efeito potenciador e incremental sobre a despesa pública, constituindo uma das várias causas de crescimento dessa despesa.
A rent seeking foi estudada para descrever os efeitos das tentativas dos grupos de interesse em obter lucros, a partir das restrições de acesso à atividade económica, colocadas pelos poderes públicos (por exemplo, nas situações de monopólio). Ela é explicada, desde logo, pela circunstância dos mercados de concorrência imperfeita serem caracterizados pelo poder de mercado, gerando ou podendo gerar, para os produtores, uma renda económica. A captação de renda por parte desses produtores com poder de mercado realiza-se através ou da compra de direitos exclusivos, ou de atividades protegidas por barreiras anti concorrenciais, ou da pressão sobre os poderes políticos e jurídicos no sentido da criação desses direitos e proteções (lobbying). Muitos recursos são despendidos no esforço da captação de renda, sendo que essa pressão concorrencial gera, por sua vez, um equilíbrio, uma subida de preços que pode anular os ganhos extraordinários em que essa renda se traduz, aumentando os custos de captação até que se perca o lucro económico. Este equilíbrio de rent seeking conduz a várias perdas de bem-estar.
O estudo da corrupção tem por base o modelo da agência, atendendo à relação entre o mandante e o agente, o qual aceita o suborno de privados que desejam obter alguma vantagem do poder político ou da administração. Assim, eles ponderam os ganhos monetários pessoais, ou a promessa de serem reeleitos, coma probabilidade de serem apanhados pelo seu comportamento corrupto. O combate à corrupção passa por um conjunto vasto de medidas a aplicar de forma diferenciada consoante as circunstâncias, podendo passar por:
eliminação dos programas suscetíveis de gerar a corrupção;
estabelecimento de um processo de privatização credível;
reforma dos programas públicos;
introdução de mecanismos de concorrência na Administração.
O papel do Ministro das Finanças nos modernos processos orçamentais
Uma das mutuações mais relevantes no processo orçamental contemporâneo consiste no papel e na importância crescentes do Ministro das Finanças na gestão e condução desse mesmo processo. O Ministro das Finanças deve assumir as seguintes características principais:
Em primeiro lugar , a característica da independência, independência em
relação a partidos políticos, independência em relação a grupos de interesses vários, independência em relação a grupos económicos. Essa independência garante-lhe credibilidade e menor suscetibilidade de ser pressionado por todos esses grupos que gravitam em torno do poder político;
Em segundo lugar , a característica da elevada competência técnica, seja ela
adveniente da sua sólida formação económica, seja ela resultante de experiência profissional passada na área das finanças públicas e ou do “mundo financeiro”;
Em terceiro lugar , o Ministro das Finanças, ainda que independente do(s)
partido(s) político(s) que sustenta(m) o Governo de que faz parte, deve ser forte nesse Governo: deve possuir uma força política tão grande como
a do Primeiro-Ministro que lhe permita, perante solicitações sectoriais dos diversos outros Ministros, dizer que não a estas solicitações.
A cronologia do processo orçamental em Portugal
As principais etapas do processo orçamental inicial, conducente à aprovação do Orçamento do Estado, são as seguintes: 1. Envio à Assembleia da República do Programa de Estabilidade e Crescimento ( Março-Junho);
2. Início dos trabalhos de preparação do OE para o ano seguinte (início do 2º semestre); 3. Negociação interministerial; 4. Aprovação, em Conselho de Ministros, da proposta de Lei das GOP (Setembro); 5. Envio da proposta de Lei das GOP à Assembleia da República (Setembro); 6. Aprovação, em Conselho de Ministros, das propostas de lei do Quadro Plurianual de Despesa Públicas e do OE (Outubro); 7. Envio das propostas à Assembleia da República (Outubro); 8. Discussão (Novembro); 9. Aprovação (Dezembro).
O incrementalismo e as tentativas de superação: o Orçamento de Base-Zero; a programação orçamental
As reformas nos sistemas de orçamentação, baseadas no modelo da performance budgeting procuram superar muitas das consequências incrementais dos
orçamentos públicos. Todavia, o método de orçamentação que procurou ir mais longe, na tentativa de contrariar tais efeitos incrementais, foi, sem dúvida, o Orçamento de Base-Zero. Desde de 2011, que este tem acolhimento na LEO. O Orçamento de Base-Zero (OBZ) está agora contemplado, com grande evidência e detalhe, nos arts.21º-A a 21º-E da LEO. Podemos assinalar alguns aspetos: a) A OBZ integra todos os serviços do Estado, administração direta ou indireta, sem natureza empresarial e, bem assim, empresas públicas, tenham elas natureza societária ou estatutária; b) Compete ao Governo definir quais os organismos e programas sujeitos à OBZ, dando-se prioridade aos que estejam numa situação de défice orçamental; c) OBZ aparece associada à gestão por objetivos;
d) OBZ consiste na justificação detalhada das despesas que cada serviço pretende inscrever, implicando a obrigatoriedade de indicação de alternativas e a avaliação total de todas elas; e) A OBZ deve ser aplicada na organização e na elaboração do segundo ou terceiro OE, após início de nova legislatura, aquando da apresentação da proposta de Lei de OE, o Governo deve incluir, junto com os demais elementos
informativos,
informações
relevantes
relativas
à
implementação, em cada programa de atividades, da OBZ. Em relação às fragilidades e perigos, há, essencialmente, o receio que ela possa torna-se numa prática morosa e burocrática, a exigir tempo e dispêndio de recursos que são assim desviados da sua missão principal que é, afinal, a gestão das atividades do Estado. As experiências internacionais nesta matéria não são muito favoráveis, mormente quanto à sua aplicação em universos orçamentais de grande dimensão, como é um OE. Exige-se, por isto mesmo, prudência e faseamento na sua aplicação. Para além do OBZ, também a programação orçamental visa pôr cobro a essa tentação incremental ostentada pelos sistemas de orçamentação convencionais. A LEO estabelece a programação em sentido material: o novo quadro “plurianual de programação orçamental” (artigo 12º-D). O objetivo e o objeto deste quadro é o de definir, com caráter plurianual, os limites da despesa da administração central, financiada por receitas gerais e em cumprimento aos objetivos constantes no PEC e, bem assim, definir os limites de despesa para cada programa orçamental, para cada agrupamento de programas e para o conjunto de todos os programas.
O processo orçamental originário: a aprovação do OE
A Lei do Orçamento, segundo a Constituição é elaborada, organizada e votada anualmente, de acordo com a LEO (art.106º/1CRP). A proposta de Lei do Orçamento do Estado para o ano económico seguinte é apresentada pelo
Governo à Assembleia da República, até 15 de Outubro de cada ano. A iniciativa em matéria orçamental é um exclusivo do Governo: art.161º/1 alínea g) CRP. Este exclusivismo da iniciativa governamental em matéria orçamental encontra uma importante justificação: o OE é o principal instrumento de concretização financeira da política do Governo, assumida e apresentada ao Parlamento no respetivo programa, logo após a sua tomada de posse. No final do seu mandato, o Governo deverá prestar contas ao eleitorado, da execução desse mesmo programa político, e responsabilizar-se por ela. Deve pois, ser o Governo, e apenas o Governo, a responder perante as iniciativas orçamentais concretizadas ao longo da legislatura, porque elas mais não são do que a concretização financeira da sua política. A votação da proposta realiza-se no prazo de 45 dias após a sua admissão pela AR. O Plenário discute e vota na generalidade a proposta de lei, decorrendo a discussão e a votação na Comissão do Orçamento e Finanças, tendo por objeto o articulado e os mapas orçamentais. A votação é efetuada na generalidade em regra, salvo algumas situações de votação obrigatória na especialidade, a saber:
nos casos em que resulta de obrigatoriedade legal, sempre que estejamos perante a criação, alteração e extinção de impostos e nas situações em que se autorizam empréstimos e financiamentos;
nas restantes situações não mencionadas, sempre que a Assembleia da República entender submeter à apreciação individual.
A prorrogação de vigência do Orçamento de Estado
A prorrogação da vigência da LOE abrange o respetivo articulado e correspondentes mapas orçamentais, bem como os seus desenvolvimentos e decretos-leis de execução orçamental (art.12º-H LEO). Neste particular, o legislador resolveu um problema que se arrastava na doutrina, que dizia respeito
à necessidade ou não de novos decretos de execução orçamental para sustentar o regime de prorrogação.. no entanto, nos termos no art.41º/8 veio prever-se a faculdade de o Governo aprovar, por decreto-lei, os dispositivos de execução orçamental apenas e quando venham a justificar-se. A prorrogação não abrange: as autorizações legislativas contidas no articulado que, de acordo com a Constituição ou segundo os termos em que foram concedidas, devam caducar no ano económico; as autorizações para a cobrança das recitas, cujos regimes se destinam a vigorar até ao final do ano a que a lei respeita; e as autorizações de despesa respeitante a serviços, programas e medidas plurianuais que devam extinguir-se até ao final do ano económico em causa. Durante o período transitório em que se mantiver a prorrogação da vigência da Lei do Orçamento respeitante ao ano anterior, a execução do Orçamento das despesas obedece ao princípio da utilização por duodécimos das verbas fixadas nos mapas orçamentais que as especificam, de acordo com a classificação orgânica, sem prejuízo das que não obedecem ao regime duodecimal. Atenção ao art.12º-H/5 LEO.
O regime da execução orçamental
A execução orçamental, nos termos da alínea b) do artigo 199º da Constituição, compete em exclusivo ao Governo. Assim acontece, porque a execução orçamental
situa-se
fundamentalmente
no
quadro
da
competência
administrativa que é do Governo e, também, porque, em princípio, é no Governo que estão os serviços tecnicamente habilitados para produzir um Orçamento do Estado. Assim, juntamente com a aprovação da orgânica do Governo, também se deve considerar exclusiva a competência para legislar sobre os aspetos atinentes à execução orçamental. Aliás, o art.43º da LEO aponta justamente neste sentido.
A execução orçamental, de que é responsável máximo o Governo, é feita todos os dias e desde o primeiro dia em que o OE está em vigor. Ela é feita, quotidianamente, a todo o momento, pelos serviços do Estado a que respeita o orçamento. O gestor orçamental é, então, em primeira linha, o dirigente máximo do serviço e os respetivos responsáveis pela gestão financeira. A execução orçamental obedece a regras diferenciadas consoante se trate da execução do orçamento da receita ou da execução do orçamento da despesa. Vejamos então:
Orçamento da Receita:
princípio da segregação de funções entre liquidação e cobrança;
princípio da legalidade (genérica e específica);
princípio da tipicidade qualitativa.
Orçamento da Despesa:
princípio da segregação de funções entre liquidação e cobrança;
princípio da legalidade (genérica e específica);
princípio da tipicidade qualitativa;
princípio da tipicidade quantitativa (exigência de cabimento simples);
despesas com receitas consignadas (exigência de duplo cabimento orçamental);
princípio da utilização por duodécimos;
regras de “economia, eficiência e eficácia”;
para as despesas dependentes de receitas consignadas, duplo cabimento orçamental.
O regime das alterações orçamentais
A necessidade de efetuar alterações orçamentais resulta da execução orçamental. Há três grandes graus: 1) Alterações da competência da Assembleia da República: veja-se a redação do art.50º-A LEO; 2) Alterações da competência do Governo: autorização do Ministro das Finanças e, eventualmente dos ministros adjuntos; alterações de relevância média, veja-se o disposto no art.51ºLEO; 3) Alterações da competência dos serviços: alterações de muito pequeno significado.
Capítulo 5 – Fiscalização orçamental e responsabilidade financeira
Modalidades de controlo ou fiscalização orçamental
O art.107º CRP diz o seguinte “A execução do Orçamento será fiscalizada pelo Tribunal de Contas e pela Assembleia da República, que, precedendo parecer daquele Tribunal, apreciará e aprovará a Conta Geral do Estado, incluindo a da Segurança Social”. Apesar da Constituição da República Portuguesa ser muito parca em relação aos diversos tipos de fiscalização, devemos admitir que existem três tipos de fiscalização: política, administrativa e jurisdicional. 1. A fiscalização Política
A fiscalização política cabe à Assembleia da República e traduz-se quer na apreciação anual da Conta Geral do Estado, nos termos do art.107ºCRP, quer na apreciação, ao longo do ano, do modo como os Governos vão executando os Orçamentos e pondo em prática as suas políticas económico-financeiras. Assim, a Assembleia exerce dois tipos de controlo:
controlo à posteriori: apreciação anual da Conta Geral do Estado;
controlo concomitante: apreciação do modo como os Governos executam.
Para além destes dois controlos a Assembleia exerce, ainda, uma fiscalização ex ante, já que, ao votar o Orçamento do Estado, a Assembleia da República exerce
uma primeira fiscalização. No exercício da fiscalização à posteriori e concomitante, a Assembleia da República é assistida tecnicamente pelo Tribunal de Contas: “este emite não só parecer, não vinculativo, sobre a Conta Geral do Estado, com destino à AR, como a assiste durante a execução orçamental até ao momento da publicação daquela conta”. O Parlamento poderá recusar a sua aprovação à Conta Geral do Estado apresentada e responsabilizar politicamente o Governo em funções, se for o mesmo que executou o Orçamento do Estado. Além disso, a Assembleia da República poderá acionar os mecanismos de responsabilização política, ou solicitar informações sobre o modo como se processa a execução orçamental. 2. A fiscalização administrativa
A fiscalização administrativa compete à própria entidade responsável pela realização da despesa (ou pela liquidação da receita), bem como a entidades que lhe sejam hierarquicamente superiores e de tutela, a órgãos gerais de inspeção e controlo administrativo, e à Direção Geral do Orçamento, através das respetivas delegações junto dos Ministérios. Esta fiscalização é realizada à priori. 3. A fiscalização jurisdicional
A fiscalização jurisdicional da execução do Orçamento do Estado está confiada ao Tribunal de Contas, que é constitucionalmente um verdadeiro tribunal e órgão supremo de auditoria, integrado no poder judicial, ao qual compete: a) Dar parecer sobre a Conta Geral do Estado; b) Fiscalizar a legalidade das despesas públicas; c) Julgar as contas que a lei mandar submeter-lhe (art.214º/1CRP).
Fiscalização e responsabilidade financeira
A responsabilidade financeira é o resultado da conjugação dos três tipos de controlo: o controlo político, o controlo administrativo e o controlo jurisdicional, o que a torna numa figura que deveria ter uma aplicação plena, mas não tem. A própria natureza do controlo sofreu um processo evolutivo no sentido de se criar uma entidade que concentrasse o controlo e a efetivação da responsabilidade decorrente dos três tipos de controlo. Não obstante a essa intenção, na opinião do prof. Guilherme d’Oliveira Martins, o Tribunal de Contas, atualmente, não concentra a efetivação da responsabilidade financeira na execução e controlo das contas.
O Tribunal de Contas
O Tribunal de Contas é o órgão supremo de controlo, de fiscalização e de auditoria das contas públicas, dando parecer sobre a Conta Geral do Estado,
incluindo a Segurança Social e sobre as contas das Regiões autónomas; fiscalizando previamente a legalidade e o cabimento orçamental dos atos e contratos de qualquer natureza que sejam geradores de despesa ou representativos de quaisquer encargos e responsabilidades para as entidades sujeitas aos seus poderes de controlo e à sua jurisdição; julgando a efetivação de responsabilidades financeiras; realizando auditorias; apreciando a legalidade,
bem como a economia e eficácia das entidades sujeitas aos seus poderes de controlo. Constitucionalmente, é um autêntico tribunal integrado no poder judicial: art.209º/1 alínea c)CRP, tendo uma integração especial no poder judicial, já que não está na dependência do Conselho Superior de Magistratura. O Tribunal de Contas é organizado e regulado, no seu essencial, pela Lei nº 98/97, de 26 de Agosto, também conhecida como Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (LOPTC). O Tribunal integra um Presidente e 16 juízes: art.29º nºs 1 e 2 LOPTC. Nos termos da alínea m) do artigo 133º da Constituição, o Presidente do Tribunal de Contas é nomeado pelo Presidente da República, tendo o seu mandato a duração de 4 anos. Ao Tribunal de Contas são submetidas, pela Constituição (art.107ºCRP) e pela lei, tarefas que se revelem fundamentais no âmbito do Estado de Direito e na prossecução dos objetivos de disciplina e sustentabilidade financeira e orçamental.
O âmbito da jurisdição do Tribunal de Contas
O Tribunal de Contas tem funções diversas que vão desde a capacidade para fazer apreciações nos vários domínios das Finanças Públicas e do Direito Orçamental, até ao exercício de diversos tipos de fiscalização (prévia, concomitante e sucessiva) e à aplicação de sanções que a lei manda aplicar em resultado do apuramento da responsabilidades financeiras, em sentido estrito. Além do mais, o Tribunal pode formular recomendações em ordem a serem supridas as deficiências da gestão orçamental, tesouraria, dívida pública e património, bem como da organização e financiamento dos serviços.
Perante a necessidade de ver assegurada a disciplina financeira e orçamental e de garantir o rigor e a transparência na gestão dos dinheiros públicos, o Tribunal está confrontado com desafios diversos e complexos devidos às novas formas de gestão de serviços públicos, à transformação do Estado social num Estado regulador, à adoção pela Administração Pública de formas jurídico-privadas de atuação, bem como às exigências de qualidade acrescida das despesas públicas. Deste modo, cabe aos órgãos de auditoria e fiscalização, como o Tribunal de Contas, uma tarefa essencial de credibilização das finanças públicas tendentes à boa e correta utilização dos dinheiros públicos. A competência do tribunal é ampla e complexa, não sendo apenas jurisdicional, mas também de auditoria e controlo financeiro. Assim, podemos afirmar que existem quatro grandes áreas: i. Competência consultiva; ii. Competência jurisdicional – o Tribunal de Contas julga e efetiva responsabilidades financeiras; iii. Fiscalização à priori das despesas públicas – o Tribunal examina e concede o visto ou emite declaração de conformidade relativamente a diversos atos geradores de despesa: art.5º/1 alínea c) LOPTC; iv. Fiscalização concomitante e sucessiva – arts.49º e 50º da LOPTC. O maior rigor técnico, a transparência, a simplificação administrativa e o apuramento de responsabilidades constituem as únicas garantias para que a consolidação financeira e orçamental seja um factor de desenvolvimento económico, social e humano.
Fundamentos do papel do Tribunal de Contas
Segundo o prof. Sousa Franco, o controlo orçamental dos dinheiros públicos tem principalmente duas ordens de fundamentos:
fundamentos jurídico-políticos: assegurar que o Executivo se mantém dentro
dos limites da lei e dos que foram assinalados pelo Parlamento, através da aprovação da Lei do Orçamento;
fundamentos económicos: evitar os desperdícios e a má utilização dos
recursos públicos. O mesmo autor refere ainda que a responsabilidade constitui um dever e uma sujeição daqueles a quem foram confiados dinheiros públicos, quer liquidem e cobrem receitas, quer autorizem, confiram ou paguem despesas: são os contáveis que se configuram como seus sujeitos passivos e o Tribunal de Contas como órgão julgador, sendo o Estado titular dos fundos confiados objetos da prestação de contas. Nos regimes democráticos, este tipo de órgãos de controlo financeiro, é onde assumem toda a sua plenitude, tendo, então, como missão fundamental, informar os cidadãos e os seus representantes no Parlamento de como são geridos, em vários planos, os recursos financeiros e patrimoniais públicos que, na realidade, lhes pertencem, com o eventual e consequente apuramento de responsabilidades, nos termos legalmente definidos. Por outro lado, este controlo da atividade financeira pública, através das observações e recomendações formuladas, representa, também, uma missão pedagógica e um contributo para o equilíbrio da vida financeira. É, pois, o interesse público na boa administração dos recursos públicos que justifica a existência de uma instituição como o Tribunal de Contas e que justifica a sujeição à respetiva jurisdição por parte de determinadas entidades.
Ressalvas dos arts.1º e 2º da LOPTC
O art.1º/1 LOPTC, ao estabelecer que “O Tribunal de Contas fiscaliza a legalidade e regularidade das receitas e das despesas públicas, aprecia a boa gestão
financeira e efetiva responsabilidade por infrações financeiras”, define, ao nível legal, as atribuições do Tribunal, a sua missão, o interesse público que o Tribunal visa realizar. A razão de ser do Tribunal prende-se com o interesse público no controlo da legalidade, da regularidade e da boa gestão dos dinheiros públicos. E é justamente esse interesse público que permite, em última análise, definir o âmbito da sua jurisdição. Sendo esta a sua ratio, são as seguintes as linhas fundamentais do diploma em apreço, na sua versão vigente:
a consagração do princípio da perseguição do dinheiro e valores públicos, onde quer que eles se encontrem, isto é, independentemente da natureza das entidades que os têm à sua guarda, com o consequente alargamento do âmbito de controlo jurisdicional do Tribunal;
as atribuições legalmente cometidas ao Tribunal de Contas correspondem à necessidade de controlo financeiro dos dinheiros públicos, das receitas, das despesas públicas e do património público, com vista a assegurar a conformidade do exercício da atividade de administração daqueles recursos com a Ordem Jurídica, julgando, sendo caso disso, a responsabilidade financeira inerente.
Para a prossecução de tais atribuições, a Lei definiu a competência material do Tribunal de Contas com base no conceito de dinheiros ou valores públicos. Assim se compreende que seja muito vasto o universo de entidades sujeito à atuação do Tribunal, englobando, em geral, todas as entidades que tenham a seu cargo a gestão de dinheiros ou valores públicos independentemente da natureza jurídica de tais entidades.
Onde inexistam dinheiros públicos o exercício de funções de controlo, quaisquer que elas sejam, pelo Tribunal, não tem razão de ser.
Nota: é certo que as associações públicas em geral estão sujeitas à jurisdição do
Tribunal de Contas – art.2º/2d LOPTC – mas está, à partida, excluída para todas a fiscalização preventiva das despesas. Mais ainda, o conteúdo e os modos de controlo variam de espécie para espécie, conforme o juízo do Tribunal acerca da natureza pública, ou não, das suas finanças. Assim, enquanto as academias estão sujeitas a prestação de contas (porque financiadas diretamente por verbas orçamentais do Estado), já tal não sucede nem com as ordens profissionais, nem com a Casa do Douro. Essa diversidade do controlo está de acordo naturalmente com a diversidade do próprio regime financeiro de cada espécie de associações públicas e das suas relações com as finanças do Estado, que varia muito, tanto no que se refere ao espeto orçamental, como no que se refere à natureza das respetivas receitas. De facto, da natureza pública das associações públicas não resulta como regra, nem a natureza pública das suas finanças, nem a natureza fiscal das suas receitas. Ao estabelecer que “estão ainda sujeitas à jurisdição e ao controlo financeiro do Tribunal de Contas as entidades de qualquer natureza que tenham participação de capitais públicos ou sejam beneficiárias, a qualquer título, de dinheiros ou outros valores públicos, na medida necessária à fiscalização da legalidade, regularidade e correção económica e financeira da aplicação dos mesmos dinheiros e valores públicos”, o nº3 do artigo 2º LOPTC , acaba por ir totalmente de acordo com dois aspetos fundamentais, a saber: i. o sentido e o limite da competência do Tribunal de Contas residem na garantia de boa gestão dos dinheiros e valores públicos; ii. a sua atuação, enquanto forma de controlo externo sobre a gestão de outras entidades, deve cingir-se ao necessário para assegurar a fiscalização da legalidade, regularidade e correção económica e financeira da aplicação dos dinheiros e valores públicos.
Desta forma, o art.2º/3 LOPTC, acaba por enunciar, de forma clara, os princípios que devem guiar a interpretação do âmbito da jurisdição do Tribunal de Contas.
As secções do Tribunal de Contas
O artigo 1º da Lei da Organização e Processo do Tribunal de Contas prevê que o Tribunal de Contas fiscaliza a legalidade e regularidade das despesas e receitas públicas, aprecia a boa gestão financeira e efetiva responsabilidades por infrações financeiras. Tudo isto distribuído por secções especializadas, que realizam três tipos e fiscalização: a prévia, a concomitante e a sucessiva. As finalidades das Secções especializadas são as seguintes:
A 1ª secção exerce as competências de fiscalização prévia, bem como a fiscalização concomitante de atos e contratos, podendo, em certos casos, aplicar multas e relevar a responsabilidade financeira;
A 2ª secção exerce a fiscalização sucessiva e a fiscalização concomitante da atividade financeira, podendo ainda, nos casos previstos na lei, aplicar multas e relevar a responsabilidade financeira;
A 3ª secção exerce a função jurisdicional, procedendo ao julgamento dos processos de efetivação de responsabilidades financeiras e de multa, a requerimento das entidades competentes.
1. A 1ª Secção ou secção do visto
A 1ª secção é aquela que exerce a fiscalização prévia e a fiscalização concomitante, isto é, que realiza o acompanhamento do próprio ato ou contrato que está submetido a visto. O visto, ou declaração de conformidade, é o ato através do qual o Tribunal faz a apreciação global dos factos ou atos de despesa, que podem ser validamente realizados, desde que obedeçam à legalidade e ao cabimento orçamental. A
moderna doutrina alude que estamos perante um ato de natureza jurisdicional, que gera anulação do ato relativamente ao qual houve recusa, tendo as últimas leis orgânicas do Tribunal assumido esta orientação. O visto não consiste numa mera verificação administrativa, que cabe à administração financeira do Estado e aos organismos executores do Orçamento. Estamos perante um ato jurisdicional. Assim: a) Os vistos do Tribunal de Contas são de legalidade; b) Os atos sujeitos a visto podem produzir todos os seus efeitos antes da respetiva emissão, exceto nos que respeita aos pagamentos a que derem causa (art.45º/1 LOPTC). A recusa do visto só implica, porém, a respetiva ineficácia desses atos após a sua notificação aos interessados (nº2). Ainda assim, ver nº3. Assim, a natureza do visto pode ser apreciada à luz de dois critérios: o do caráter do órgão que o produz e do conteúdo próprio da decisão em que se consubstancia. Para o prof. Guilherme d’Oliveira Martins, não há dúvidas de que estamos perante uma autêntica decisão de natureza jurisdicional. Apesar da importância formal do visto, verifica-se, nos últimos anos, uma perda da sua relevância prática, designadamente em razão do estipulado art.45ºLOPTC, quanto à produção de efeitos não financeiros de atos submetidos a fiscalização prévia. 2. A 2ª Secção ou a secção de auditoria
A 2ª secção é a chamada secção de auditoria, composta por juízes e economistas, englobando um componente de apreciação da economia, eficiência e eficácia dos atos. Não produz sentenças, não efetiva qualquer tipo de responsabilidades, apenas formula recomendações, mas, evidentemente, que algumas das recomendações ou reservas que são detetadas em auditoria podem ser
encaminhadas para o Ministério Público, que funciona junto do Tribunal de Contas, para um eventual apuramento de responsabilidades financeiras. As principais deficiências detetadas têm sido, por exemplo, as seguintes:
no âmbito de contratos de pessoal: a violação das regras aplicadas ao recrutamento e seleção de pessoal, a não indicação atempada dos critérios de apreciação curricular, a manutenção da nomeação em regime precário para além do prazo, a informação de cabimento de verbas incorretamente prestada, etc.;
no âmbito de contrato de prestação de serviços: a utilização deste tipo de contratação para titular relações de trabalho subordinado, o recurso ao ajustamento direto sem fundamento legal.
Estas são algumas situações que dão lugar a recomendações e reservas por parte do Tribunal de Contas em sede de auditoria. 3. A 3ª Secção ou a secção de julgamento
O mais importante é o julgamento das responsabilidades financeiras e, mais concretamente, a responsabilidade financeira reintegratória, que constitui os responsáveis na obrigação de repor os montantes determinados na lei, apurados obviamente em função dos factos que constituem os pressupostos da responsabilidade. O artigo 59º LOPTC prevê que, nos casos de alcance, desvio de dinheiros públicos e ainda pagamentos indevidos, pode o Tribunal de Contas condenar o responsável a repor as importâncias abrangidas pela infração, sem prejuízo de qualquer outro tipo de responsabilidade em que o mesmo possa incorrer. Por outro lado, pode também haver reposição por não arrecadação de receitas: nos casos de prática, autorização ou sancionamento, com dolo ou culpa grave,
que impliquem a não liquidação, cobrança ou entrega de receitas com violação das normas legais aplicáveis, pode o Tribunal de Contas condenar o responsável na reposição das importâncias não arrecadadas em prejuízo do Estado ou de entidades públicas. É o caso, por exemplo, do funcionário que deixa passar os prazos de caducidade e prescrição. No entanto, a punição que existe nestes casos passa mais pelo procedimento disciplinar do que pela via da responsabilidade financeira. Quanto aos responsáveis pela reposição, eles constam do art.61º LOPTC: recai sobre o agente ou agentes da ação, que podem ser os membros do Governo, os gerentes, dirigentes ou membros dos órgãos de gestão administrativa e financeira, e outras entidades sujeitas à jurisdição do Tribunal de Contas. Quanto à responsabilidade financeira sancionatória, o prof. Guilherme d’Oliveira Martins, considera que é a menos grave, já que a pena mais grave no âmbito da efetivação da responsabilidade financeira é a atribuição de valor por conta do próprio património do agente e a responsabilidade financeira sancionatória resulta na aplicação de uma multa. Atenção: a responsabilidade sancionatória não é alternativa à responsabilidade
reintegratória, ou seja, a aplicação de multas não prejudica a efetivação da responsabilidade pelas reposições devidas, se for caso disso. Tudo isto para concluirmos o seguinte: ainda há muito trabalho a fazer no campo das responsabilidades financeiras, embora já se verifique uma evolução desde 2006, no âmbito das competências do Tribunal de Contas. Foi a partir de 2006 que a jurisdição do Tribunal de Contas passa a ser objetiva porque identificamos, no art.2º/3 LOPTC, um direito: que é o direito de sequela dos dinheiros e valores públicos. Este direito de sequela significa que estão ainda sujeitas à jurisdição e ao controlo financeiro do Tribunal de Contas as entidades de qualquer natureza que tenham participação de capitais públicos ou sejam beneficiárias, a qualquer título, de dinheiros ou outros valores públicos, na medida necessária à
fiscalização da legalidade, regularidade e correção económica e financeira da aplicação desses mesmo dinheiros e valores públicos. Em suma, é preciso compreender que o papel do Tribunal de Contas é determinante no apuramento da responsabilidade financeira e que a responsabilidade financeira deve estar concentrada exclusivamente nesta entidade, e não partilhada, como acontece atualmente entre o Parlamento, os órgãos administrativos e o próprio Tribunal.
O Conselho das Finanças Públicas
Nas alterações recentes da LEO, surge a criação de uma entidade administrativa independente – o Conselho das Finanças Públicas – cuja missão é pronunciar-se sobre os objetivos propostos relativamente aos cenários macroeconómico e orçamental, à sustentabilidade de longo prazo das finanças públicas e ao cumprimento da regra sobre o saldo orçamental, prevista no art.12º-C, da regra da despesa da Administração Central prevista no art.12º-D, e das regras de endividamento das regiões autónomas e das autarquias locais previstas nas respetivas leis de financiamento. No entanto, não conseguimos perceber como compatibilizar a competência do Conselho Superior das Finanças, com as competências atribuídas à Assembleia da República e ao Tribunal de Contas. Ora, sendo assim, em relação a esta inovação não se percebe bem o alcance da criação do Conselho das Finanças Públicas, porque não só não identificamos a natureza do controlo que é feito e quais são os seus efeitos, como também não se estabelece uma óbvia ligação em relação aos controlos já existentes: administrativo, político e jurisdicional. Por tudo isto, o legislador português tem ainda um longo caminho a percorrer quando ao aperfeiçoamento do modelo vigente, sendo que deveria repensar os mecanismos institucionais e procedimentais disponíveis para o reforço da