APARIÇÃO (1959) – VERGÍLIO FERREIRA (1916-1996)
A influência da filosofia existencialista
A existência (existir ) precede a essência (ser ), ), ou seja o Homem primeiro existe e só depois sabe quem é. O acto de existir conduz à descoberta do ser que existe em cada Homem; Ausência de determinismo: o Homem é livre, o seu destino é construído por si mesmo, independentemente de qualquer força divina ou de qualquer outra natureza; O Homem é responsável por tudo o que faz, não só dos seus actos, mas dos que o rodeiam; A perceção da realidade é subjetiva, resulta da constatação da própria condição humana; A solidão marca a existência, a liberdade provoca a solidão – sem Deus, sem valores, o Homem é um ser só; O Homem está condenado a explicar a Humanidade de acordo com a sua própria visão da realidade, numa determinada época; Cabe ao ser humano encontrar razões para a vida, a morte e o absurdo que esta representa.
Em Aparição:
Alberto Soares toma consciência de si, existindo; exi stindo; Descobriu e quer transmitir que o Homem é livre e não se encontra sujeito a nenhum tipo de determinismo, é autor do seu Destino (não só responsável dos seus actos, mas também dos praticados pelos outros); A angústia e a solidão que marcam as principais personagens da obra são prenúncio da consciência do absurdo da sua morte e das limitações da condição humana; Questão sobre a possibilidade da construção da “Cidade do Homem”, a cidade que Alberto Soares vê v ê quando dorme pela última vez na Casa do Alto. É a cidade da sua imaginação, uma utopia.
Estrutura da obra – a acção
Estrutura fragmentada, na medida em que a sequência narrativa é quebrada por analepses (recuos no tempo, memórias) e catálises (descrições, reflexões); A escrita é uma experiência que conduzirá a uma descoberta: a descoberta do “eu” realiza-se realiza-se através do acto da escrita – escrita – ultrapassa a condição individual para surgir como modelo da espécie humana (arquétipo); Apresenta uma estrutura circular, abrindo e encerrando com a mesma frase – «Sento-me aqui nesta sala vazia e relembro» –, –, sendo o narrador a personagem principal, verificando-se uma intersecção de tempos distintos (passado e presente); Lua ≡ mãe → Regresso ao tempo da infância, não só de Alberto Soares, mas da Humanidade; A descoberta que Alberto Soares realiza em relação ao “eu” é o espelho da vivência humana ao longo dos séculos, funcionando como um arquétipo da Humanidade; A linha circular representa a perpetuação do tempo, que não tem princípio nem fim. Alberto Soares aceita a condição humana – humana – nem todas as interrogações têm resposta; A cronologia substitui-se por uma ontologia: o período em que Alberto Soares vive em Évora dilui-se para originar o tempo da espécie humana, na sua busca da verdade de existir. distintos: tempo da infância (Beira) / período o Tempos passado pelo Alberto Soares em Évora; distintos: Beira (infância) / Alentejo (início da o Espaços actividade profissional); o Acção: ano letivo em Évora (acção principal) / passado do narrador, as memórias (acção secundária); o Realidade apresentada aos olhos do narrador e protagonista Alberto Soares; o Textos em itálico: o narrador situa-se num tempo presente; o Estrutura circular da narrativa.
Acção
Acção principal: principal: decorre em Évora, durante um ano letivo, com a primeira experiência profissional de Alberto Soares o Chegada de Alberto Soares à estação de Évora e alojamento na pensão do Machado; o Início da actividade profissional; o Encontro de Alberto com o Dr. Moura, jantar e apresentação da família deste; o Chico convida Alberto Soares para expor as suas ideias numas conferências, ao qual este último acede; o Alberto Soares dá lições de Latim a Sofia; o Suicídio de Bailote; o Alberto Soares procura Chico para falar sobre as conferências e chama a atenção a Carolino; o O professor visita os Cerqueira (Ana e Alfredo); o Férias de Natal: Alberto Soares volta à Beira; o Regressa a Évora, toma conhecimento da relação de Sofia e Carolino e do fim das lições de Latim; o Instala-se na Casa do Alto; o Morte de Cristina; o Carolino visita a Casa do Alto para matar Alberto; o O reitor convida o professor a abandonar Évora para evitar rumores pouco favoráveis à sua reputação; o Chico acusa Alberto de causar inquietação nas pessoas da cidade; o Férias da Páscoa: viaja para a Beira; o Visita a Quinta da Bouça; o Sofia encontra-se com Alberto na Casa do Alto; o Chico adoece e é visitado por Alberto; o Recebe um telefonema estranho e anónimo acusando-o de algo que ainda desconhece; o Conhecimento da morte: assassinato de Sofia
Narrativa interrompida por analepses e catálises; Busca da própria identidade;
Inquietação pelo absurdo da morte (Mondego, pai); Constante preocupação com uma explicação para a vida e morte.
Acção secundária: secundária : decorre na Beira, num tempo anterior ao que decorre no Alentejo e no período de férias. o O processo de construção do “eu” da personagem implica várias “aparições” e decorre desde a sua infância à idade adulta (processo evolutivo) Acção fechada: fechada : acontecimentos vividos pelas personagens (morte de Sofia); Acção aberta: aberta : reflexão do leitor para as interrogações essenciais que sempre inquietam o ser humano.
Acção trágica: trágica : insere-se na acção principal e relaciona-se com a ideologia da obra. O assassínio de Sofia (tragédia), como consequência da deturpação que Carolino realiza da mensagem transmitida por Alberto Soares. o Indícios de tragicidade: Caracterização física de Sofia: sensualidade pecaminosa, sedução carnal e diabólica; Caracterização psicológica de Sofia: desafia as regras sociais estabelecidas para inserir o seu próprio código de comportamento; Descrição física de Carolino: falta de beleza e o rosto coberto de borbulhas vermelhas ↔ olhos azuis (antítese); aparência inócua e plácida (olhar) ↔ pouco atraente (figura); Caracterização psicológica de Carolino: incapacidade de descodificação objetiva da mensagem de Alberto Soares → confunde/substitui confunde/substitui o acto de criação pelo acto de destruição;
Ideia de que o Homem está só, sem qualquer Deus que trace a sua vida, destino ou morte.
Alberto Soares funciona como aquele que desperta as outras personagens de um sono tranquilo (felicidade aparente) para uma realidade de interrogação, inquietação, que quebra a tranquilidade e provoca conflitos; Morte de Cristina é o paradigma da tragédia e o anúncio de morte de Sofia; Morte de Cristina inexplicável (vítima inocente) → sofrimento dos outros acontece de uma forma tranquila; Morte de Sofia, assassinada a punhal, por Carolino que reivindica para si a figura do Pai (Rei), ou seja, Deus → prefere destruir em Sofia aquela grandeza que o fazia sentir-se pequeno, humano, impotente → confundiu o poder da criação com o da destruição; Dupla humilhação: Sofia (morte) e Alberto (também acusado indiretamente da morte de Sofia); Alberto Soares ousou tentar compreender o mistério da condição humana para resolver os seus anseios mais íntimos.
Personagens
Alberto Soares o Nasceu junto à Serra da Estrela; o Infância vivida em comunhão com a Natureza; o Morte do pai → abandona a montanha para se radicar na cidade (troca de espaço ascensional por espaço terreno); o Évora é o local do seu conflito interior e drama de existir (símbolo do Inferno); o A sua autoexclusão do espaço divino (montanha) leva-o a abandonar a religião católica e a humanizar a figura divina, substituindo-a pela sua; o Castigado com o assassínio de Sofia pela ânsia de ver a sua doutrina aceite pelos outros. Sofia Moura o Relação dupla com a família: 1) O seu conhecimento intrínseco da verdade fá-la questionar os valores caducos e hipócritas defendidos pelos pais e tomar consciência da sua solidão enquanto ser condenado à vida e à morte; 2) Atitude protetora e expectante em relação à irmã mais nova → vítima inocente do Destino. o Poder de sedução; o Rebeldia e desafio: não cumpre as leis sociais estabelecidas; o A incapacidade de se entregar ao amor de uma forma verdadeira torna-a torna-a um ser incompleto → o Homem a sós consigo mesmo não amadurece o suficiente para assumir a sua liberdade. Carolino Alcunha: Bexiguinha → universo infernal: ignorância, abismo, o Alcunha: luxúria; o Incapaz de compreender a dimensão espiritual da mensagem de Alberto → é indigno de ascender à condição sobresobre humana;
o
Assume um comportamento disfórico e louco que originará a revolta contra o seu criador (Alberto) e motivará o aniquilar da vida (de Sofia).
Espaço
Espaço físico o Microespaço: Alentejo Cidade → Évora (solidão, silêncio, descoberta do “eu”, tragédia); Planície → Campo (refúgio, “aparições”, palco do suicídio de Bailote e da morte de Cristina). Positivo: Positivo: refúgio, “aparições”, fecundidade da terra (Vida) (Vida) Negativo: Negativo: mortes de Bailote e Cristina
Planície ≡ Existência
o
Montanha Une céu e terra; Liga-se à infância do narrador.
o
Casa do Alto: Afastamento dos outros e meditação; Harmonia e paz; Desejo humano de ascensão.
o
Casa do Dr. Moura: Hermetismo e frio; Ordem socialmente estabelecida.
o
Casa de Ana e de Alfredo: Refúgio e fecundidade da terra-mãe; Prodígio de vida.
Espaço social o Hierarquização social: a oposição entre trabalhadores do campo e “Doutores”; o Tipo de convívio que se estabelece entre as pessoas; o Valores tradicionais (reitor); o Tradições populares (feira e carnaval no Redondo); o Personagens-tipo: Manuel Pateta (alcoólico, desprezado pela comunidade); Machado (falso e hipócrita, revela falsa moral); Reitor (defende educação retrógrada que inibe o pensamento, espírito crítico e criatividade); Chico (engenheiro que se torna político); Madame (conservadorismo artificial das mulheres); Dr. Moura (detém poder cultural, económico e aceitação social); Bailote (explorado enquanto produz e desprezado quando nada oferece).
Espaço psicológico o Reflexões do narrador; o Monólogos do narrador; o Memória do narrador (as suas recordações originam o acto da escrita); o Canto de Sofia, no local da morte de Cristina.
Tempo
Tempo diegético / da história o Marcos cronológicos (dias, meses, anos); o Durante um ano letivo; o O passado é filtrado pelo presente: quando o narrador narra estes acontecimentos já os perceciona de forma diferente, pois vários anos se passaram; o Acontecimentos determinantes na construção do Homem que os relembra.
Tempo do discurso Anacronias: o narrador não segue a ordem cronológica pelo o Anacronias: qual os acontecimentos ocorreram (analepses, prolepses); Anisocromia: relacionam-se com a duração do episódio o Anisocromia: narrado e com o ritmo com que este é apresentado: Catálises (reflexões e descrições); Elipses (omissão de um período de tempo)
Dimensão simbólica da obra
Símbolos solares (ligados à vida, felicidade) ≠ símbolos noturnos (ligados à morte, solidão, sofrimento); Montanha (serra), ligada ao passado, espaço transcendente e introspetivo ≠ planície (Évora), ligada ao presente, espaço humano de extrospeção, realização do indivíduo como um todo. Alberto Soares: Soares: metáfora arquetipal do género humano, ou seja, o percurso efetuado pelo narrador durante a sua vida é o mesmo efetuado pela Humanidade. Passado (infância) → montanha, neve, lua, espelho espelho → narrador é objecto e sujeito da revisitação Presente Planície – Planície – espaço humano Música – Música – harmonia do Homem
Passado ↕ Montanha ↕ Neve ↕ Lua ↕ Espelho ↕ Vida / Morte
Presente ↕ Planície ↕ Chuva ↕ Sol ↕ Homem ↕ Vida / Morte
Interseção simbólica = Música → Transcendência