AN TROPO LO GIA SOCIAL SOCIAL D A REL RELIGIÃO IGIÃ O E. E. E. Evan Evan s-Prit cha rd coordenação EDUARDO B. VIVEIROS DE CASTRO tradução JORGE WANDERLEY EDITORA CAM PUS LTDA. LTDA. um a cas casaa da Els Elsevier/ evier/ No rth -Holland Rio Rio d e Janeiro Janeiro 1978 Pub licado licado o riginalmen te em in glês sob o t ítulo Theories of Prim itive Religion Religion © O xf o r d U n i ver ve r sit y Pre Pr e ss, 1 9 6 5 . © 1 9 7 8 , Edi Ed i t o r a Cam p u s Lt d a. Todos os direitos para a língua língua po rt uguesa uguesa reservado reservado s. Nenhu m a parte deste livro pod erá ser ser rep rodu zida zida ou transmitida sejam sejam quais forem os m eios empregados, eletrôn eletrôn icos, icos, mecânicos mecânicos,, fo to gráficos, gráficos, gravação gravação ou quaisquer out ro s, sem a perm iss issão po r escrito escrito d a editora. Pro jeto Gráfico Ana Luisa Escorel Edito ra Camp Camp us Ltda. Ltda. Rua Japeri 35 Rio Comp rido Tel Tel 284 844 3 2000 0 Rio de Janeir Janeir o RJ Brasil Ficha Ficha Catalo gráfica (Preparad (Preparad a pelo Cent Cent ro de Catalogação-na-font Catalogação-na-font e do Sind icato Nacion al do s Ed ito res de Livros, RJ RJ) Evans-Pritchard, E. E. E93a Ant rop olo gia social da religião; religião; tradu ção / de/ Jor ge W and erley. Rio Rio de Janeiro, Janeiro, Camp Camp us, 1978. (Cont (Cont ribui ções em An tr opo logia, Histó Histó ria e Sociolo Sociolo gia) Do ori ginal ginal em inglês: inglês: Theo Theo ries of p rim itive religion_ Bibliografia 1. Hom em (Teolo (Teolo gia) I.I. Títu Títu lo II. Série CDD - 2 00.1 78-0074 CDU - 21
ÍNDICE Prefácio à Edição em in glês, glês, 9 Introdu ção, ção, 11 Teorias Psicológicas, 35 Teorias Socio Socio lógicas, 71 Lévy-Bruh évy-Bruh l, 111 Con clusão, clusão, 1 39 Bibliografia, 169 índice Rem issivo, issivo, 181
PREFFAC PRE ACIO IO A EDIÇÃO EDIÇÃO EM IN GLÊ GLÊS
Q
uatro dessas CONFERÊNCIAS SIR D. OWEN EVANS foram proferidas no Colégio Universitário de Wales, Aberystwyth, na primavera de 1962. Elas estão aqui apresentadas praticamente tal como foram escritas escritas para a referida ocasião, ocasião, muit o embo ra alguns parágrafos parágrafos não tenh am então sido lidos, um a vez qu e, se se eu ass assim o fizess fizesse, ultr apass apassaria o t em po q ue m e havia sido sido concedido . A con con ferên cia que aqui aparece aparece como a de n.º IV foi escrita escrita na m esm esm a época, m as como m e haviam pedido apenas quatro conferências, não foi ela incluída, na ocasião, entre as demais. Deve o leitor levar em consideração que estes estes textos foram pro gram gram ados para a audição audição e não para a leitur leitur a; e tam bém q ue foram lidos para um a audiência altamente educada em antropologia, embora incluindo também não-especialistas. Estivesse eu falando para colegas colegas de p rofiss rofissão o u m esm esm o p ara estu estu dant es de ant rop ologia, ologia, e certam certam ente t eria, algumas algumas vezes vezes,, utilizado linguagem algo diversa, em bo ra de significado significado idên tico. Em Em m eus com com ent ários referen tes a Tylor Tylor , Frazer, Frazer, LévyBru évyBru hl e Pareto, baseeí-m baseeí-m e m aciçam aciçam ent e em art igos pub li9 cado s m uit o s anos at rás no BULLE BULLETIN TIN OF THE THE FAC FACULT ULTYY OF ARTS ARTS da Univer sidade Egíp gíp cia (Cairo), (Cairo), n a qu al ocupei po r algum tem po a cátedra de Sociologia Sociologia;; são são artigos que circularam circularam desde desde ent ão até agora em Departamentos de Antropologia Social em versões mimeografadas e cujas partes principais aqui vão expo stas. stas. Po r conselho s e críticas críticas fo rm ulad os, devo agrad ecer ao Dr. R. R. G. Lienhar d t, e aos Drs. J. H. M . Beattie, R. R. Needh am , B. R. W ilson ilson e M . D. M cLeod. cLeod. E E. E.-P. 10
INTRODUÇÃO
ÍNDICE Prefácio à Edição em in glês, glês, 9 Introdu ção, ção, 11 Teorias Psicológicas, 35 Teorias Socio Socio lógicas, 71 Lévy-Bruh évy-Bruh l, 111 Con clusão, clusão, 1 39 Bibliografia, 169 índice Rem issivo, issivo, 181
PREFFAC PRE ACIO IO A EDIÇÃO EDIÇÃO EM IN GLÊ GLÊS
Q
uatro dessas CONFERÊNCIAS SIR D. OWEN EVANS foram proferidas no Colégio Universitário de Wales, Aberystwyth, na primavera de 1962. Elas estão aqui apresentadas praticamente tal como foram escritas escritas para a referida ocasião, ocasião, muit o embo ra alguns parágrafos parágrafos não tenh am então sido lidos, um a vez qu e, se se eu ass assim o fizess fizesse, ultr apass apassaria o t em po q ue m e havia sido sido concedido . A con con ferên cia que aqui aparece aparece como a de n.º IV foi escrita escrita na m esm esm a época, m as como m e haviam pedido apenas quatro conferências, não foi ela incluída, na ocasião, entre as demais. Deve o leitor levar em consideração que estes estes textos foram pro gram gram ados para a audição audição e não para a leitur leitur a; e tam bém q ue foram lidos para um a audiência altamente educada em antropologia, embora incluindo também não-especialistas. Estivesse eu falando para colegas colegas de p rofiss rofissão o u m esm esm o p ara estu estu dant es de ant rop ologia, ologia, e certam certam ente t eria, algumas algumas vezes vezes,, utilizado linguagem algo diversa, em bo ra de significado significado idên tico. Em Em m eus com com ent ários referen tes a Tylor Tylor , Frazer, Frazer, LévyBru évyBru hl e Pareto, baseeí-m baseeí-m e m aciçam aciçam ent e em art igos pub li9 cado s m uit o s anos at rás no BULLE BULLETIN TIN OF THE THE FAC FACULT ULTYY OF ARTS ARTS da Univer sidade Egíp gíp cia (Cairo), (Cairo), n a qu al ocupei po r algum tem po a cátedra de Sociologia Sociologia;; são são artigos que circularam circularam desde desde ent ão até agora em Departamentos de Antropologia Social em versões mimeografadas e cujas partes principais aqui vão expo stas. stas. Po r conselho s e críticas críticas fo rm ulad os, devo agrad ecer ao Dr. R. R. G. Lienhar d t, e aos Drs. J. H. M . Beattie, R. R. Needh am , B. R. W ilson ilson e M . D. M cLeod. cLeod. E E. E.-P. 10
INTRODUÇÃO
stas conferências examinam o modo pelo qual vários escritores que podem ser considerados antropólogos - ou, pelo menos, como escrevendo dentro do campo antropológico - tentaram compreender e interpretar as crenças e práticas religiosas de povos primitivos. Devo esclarecer desde o início que estarei lidando basicamente apenas com teorias acerca das religiões de povos pri m itivos. Disc Discuss ussões ões mais gerais sob re religião, quan do f ora d este este s lim ites, são p eriféricas ao m eu t em a. Assim, procurarei me manter naqueles que podem ser geralmente considerados como tex tos antropológicos, e, em sua maioria, de escritores ingleses. Pode-se notar que nosso interesse aqui se concentra m enos em r eligiões eligiões primit ivas ivas, do que n as várias várias teorias form uladas com com a inten ção ção d e explicáexplicálas. las. SSee alguém pergun tasse tasse qu al o int eresse eresse qu e as religiões dos povo s m ais sim ples pod eria ter par a nó s, eu responderia em primeiro lugar que alguns dos mais importantes filósofos políticos, sociais e morais, desde Hobbes, Locke e Rousseau até Herbert Spencer, Durkheim e Bergson julgaram os dados da vida prim itiva com com o sendo do tados de grande grande signifisignifi11 cação cação p ara a com preen são da vida social em geral; e assinalaria, assinalaria, aind aind a m ais, ais, que o s prin cipais responsáveis pelas m odi ficações ficações do pen sam ent o em nossa nossa civiliz civilização ação duran te o últ imo século, os grand es "f azedo azedo res de m ito s" q uê for am Darw in, M arx-Engels arx-Engels,, Freu Freu d e Fraze Frazerr (talvez eu devesse devesse incluir Com te), todo s m ostraram intenso int eresse eresse pelos povos prim itivos e usaram usaram o qu e se se conh ecia ecia a seu seu r espeito espeito para n os convencer convencer d e qu e - emb ora m uito do q ue recebia crédit crédit o e estím estím ulo no pass passado n ão m ais pudesse pudesse recebê-los recebê-los hoje - nem tud o estava estava perdid o; considerada considerada com o d evido distanciament distanciament o, a luta valeu a pena. Em Em segundo lugar, lugar, eu responderia que as religiões primitivas são espécies do gênero Religião e todo aquele que tiver qualquer interesse pela religião deve compreender que um estudo das idéias e práticas religiosas dos povos primitivos, que são muito variadas podem ajudar-nos a chegar a certas conclusões acerca da religião em geral, e po r ext ensão, acerca acerca das religiões ditas m ais elevadas elevadas,, ou das religiões religiões históri cas ou po sitivas, itivas, ou das religiões de r evelação, evelação, incluind o a n ossa ossa pró pria. Con Con trar iam ent e a essas essas religiões mais elevadas, elevadas, qu e são geneticamente relacionadas entre si (Judaísmo, Cristianismo, Islamismo, ou Hinduísmo, Budismo e Jainismo), as religiões primitivas em partes do mundo isoladas e amplamente apartadas entre si, dificilmente poderão ser outra coisa senão desenvolvimentos independentes, sem relações históricas entre elas, de modo que fornecem valiosíssimos dados para uma análise comparativa que vise a determinação dos caracteres essenciais do fenômeno religioso e que pretenda efetivar afirmações gerais, válidas e significativas a este respeito. Estou evidentemente ciente de que teólogos, historiadores clássicos, hebraístas e outros estudiosos da religião freqüentemente ignoram as religiões primitivas, ju l gan ga n d o - as d e p eq u en a i m p o r t ân cia; ci a; m as m e co n solo so lo co m o p en sam en t o d e q u e m en o s d e cem ce m an o s atrás M ax M üller estava estava 12 batalhando contra as mesmas forças - complacentemente entrincheiradas - para conseguir o reconhecimento das línguas e religiões da índia e da China como importantes para a compreensão da linguagem linguagem e da religião religião em geral; geral; um a luta que, é verdade, ainda está por ser vencida (aond (aond e estão estão os departamentos de lingüística e religião comparadas deste país?), mas na qual já se fez algum avanço. Gostaria Gostaria m esm esm o d e dizer dizer m ais: ais: que para com preend er plenam ente a n atureza atureza da religião religião revelada, tem os que compreender a natureza das chamadas religiões naturais, uma vez que nada poderia ser revelado acerca de qualquer coisa, se o homem não estivesse já dotado de uma idéia acerca da coisa mesma. Ou então, talvez devamos dizer, a dicotomia entre religião natural e religião revelada é falsa e suscita obscuridade, pois há um sentido dentro do qual se pode dizer que todas as religiões são religiões de
revelação: o mu ndo que as circund a e sua razão em to da part e revelaram aos hom ens algo divino e algo de sua própria natureza e seu próprio destino. Poderíamos pensar nas palavras de Santo Agostinho: "O qu e agora se chama d e religião cristã existiu ent re os ant igos, e não estava ausente do alvorecer da r aça hu m ana, até qu e o Cristo veio em carne: e a part ir de en tão a verdad eira religião, qu e já existia, passou a ser cham ada de cristã." 1 Não hesito , ademais, em dizer qu e em bo ra os estu dio sos das religiões m ais altas olhem de cima dos seus pedestais, com desprezo, para nós outros antropólogos e nossas religiões prim itivas - nós não dispomo s de textos - fomo s nós, mais que n inguém, os que reu nim os o vasto m aterial de cujo estudo nasceu a ciência da religião comparada, apesar de algo inseguramente; mais ainda, por m ais inadequ adas qu e po ssam parecer as teo rias baseadas neste s 1 August. Retr.i 13. Citado por F. M. Müller, SELECTED ESSAYS ON LAN GU AGE, M YTHO LOG Y AN D RELIGION , 188 1 ,i.5. 13 dados, poderiam servir e algumas vezes têm servido a estudiosos indo-europeus e a especialistas em estudos clássicos e semíticos, assim como a egiptologistas, na interpretação de textos de suas áreas de estudo. Aqui revisaremos, no curso destas conferências, algumas dessas teorias, de forma que devo me referir ao impacto que causaram sobre muitas disciplinas especializadas os escritos de Tylor e Frazer na Inglaterra, e de Du rkheim , Hubert e M auss, e Lévy-Bruhl, na França. Pod em os não achá-los aceitáveis ho je, m as, em seu tem po , eles desem penharam imp ortant e papel na histó ria do pensamen to . Não é fácil definir o que deveremos entender por religião a fim de alcançar o propósito a que se destinam est as conf erências. Fosse conveni ent e enfat izar crenças e prát icas e seríam os forçado s a adm itir in icialmen te a definição mínima de religião de Sir Edward Tylor (embora haja aí algumas dificuldades), como sendo a crença em seres espirituais, mas desde que deveremos enfatizar basicamente as teorias das religiões primitivas, não me sinto suficientemente livre para escolher uma definição em lugar de outra qualquer, pois que t enho que d iscutir certas hipót eses que u ltrapassam os limites da definição de Tylor. Algum as delas incluirão, sob o rótu lo de religião, tóp icos tais como m agia, tot emismo, tabu e mesmo bru xaria; ou seja, praticamente tudo o que integra a expressão "mentalidade primitiva", ou o que, para o erudito europeu, parece irracional ou supersticioso. Farei forçosamente muitas referências à magia, uma vez que m uito s autores merecedores de crédito não fazem qualquer d iferença entre m agia e religião e falam de elementos mágico-religiosos, ou as consideram geneticamente relacionadas num desenvolvimento evolutivo; outros ainda, embora distingam uma coisa da outra, encontram, para ambas, explicações semelhantes. Os estudiosos vitorianos e eduardianos interessaram-se profundamente pelas religiões dos po vos sim ples, prin ci14 palmente porque enfrentaram, eles mesmos, em seu tempo, uma crise; e escreveram muitos livros a respeito. Assim, se me fosse necessário referir todos os autores desses períodos, as conferências deste livro não passariam de um recitativo de títulos e nomes. Preferi, portanto, selecionar os autores mais influentes ou t ípicos de um a ou o utra d etermin ada form a de análise dos fatos e discutir suas teorias com o represent ativas de variantes do pensam ento antrop ológico. Os detalhes qu e se perderem por esta escolha m etod ológica se com pensam pelo q ue ganharmo s em clareza. As teo rias da religião prim itiva podem ser adequadamente consideradas sob a designação de psicológicas e sociológicas; sendo as psicológicas subdivididas (e aqui estou empregando os termos de Wilhelm Schmidt) em íntelectualistas e emocionalistas. Esta classificação, que, ademais, se coaduna grosseiramente com o suceder histórico,
servirá aos seus prop ósitos expo sitivo s, emb ora alguns auto res se situ em ent re as categorias men cion adas ou se enqu adrem em m ais de um a delas. Meu tratamento em relação a estes casos pode parecer muito severo ou negativista. Mas creio que encontrarei atenuantes no fato de que freqüentemente se vê como são inadequadas e mesmo ridículas muitas das interpretações escritas a respeito do fenômeno religioso. Os leigos podem não estar alertados para o fat o de q ue m uito d o qu e se escreveu n o p assado - e às vezes com m uita segurança - e que ainda ho je circula por escolas e un iversidades a respeit o d e anim ism o, tot em ismo , m agia, etc., revelou -se, com o tem po , errôneo, ou , pelo m enos, duvidoso. Assim, ten ho o dever de ser crítico, ant es de con stru tivo, para mostrar por que teorias aceitas durante algum tempo são hoje indefensáveis e têm ou tiveram de ser rejeitadas no todo ou em p arte. Se eu p uder persuadir o leitor d e que m uito é ainda incerto e mu ito ainda ob scuro, meu trabalho não 15 terá sido vão. Nem terá, o leitor, ilusões de que somos portadores de respostas definitivas para as questões levantadas. Efetivamente, num olhar retrospectivo é às vezes difícil entender de que maneira algum as das teorias que p retenderam estud ar as crenças do s homen s primitivos e o d esenvolviment o d a religião chegaram a ser prop ostas. O espant o não d epende ap enas do fato de q ue agora, à luz da pesqu isa moderna, muito se conhece que não podia ser conhecido pelos autores de então. Isto é inegável; mas m esm o a r espeito do s fatos que estavam à m ão d esses aut ores, é espant oso que tan to se tenh a escrito na direção o posta à do bom senso. E esses aut ores eram erud itos de grande conh ecim ento e habilidade. Para com preender o qu e agora nos parece terem sido int erpretações falsas, teríam os que escrever u m tratado a respeito do clima de pensamento daquele tempo, das circunstâncias intelectuais que limitaram os raciocínios dos autores: uma curiosa mistura de positivismo, evolucionismo, e alguns remanescentes de uma religiosidade sentimental. Estaremos revisando algumas dessas teorias nas conferências, mas eu gostaria já aqui e agora de recomendar como um "locus classicus" a INTRODUÇÃO A HISTÓRIA DA RELIGIÃO, de F. B. Jevons que foi por muito tempo famosa e muito lida e difundida; à época, em 1896, Jevon s era pr ofessor de Filosofia da Un iversidad e de Durh am. Para ele a Religião era u m desenvolvim ent o evolutivo uniform e do tot emismo - sendo o animismo " um a teoria filosófica prim itiva, m uito m ais do qu e uma forma de crença religiosa" 1 - que evoluiria para o politeísmo e o monoteísmo. Mas não pretendo discutir ou dissecar suas teorias. Apenas menciono o livro como o melhor exemplo que conheço para dem on str ar com o as teo rias sob re as religiões pr im itivas pod em se revelar errôneas 1 F. B. Jevo ns, AN IN TRODU CTIO N TO THE HISTORY OF RELIGIO N , 1896, p. 206, 16 pois acredito que não há no livro nenhuma afirmativa geral ou teórica que se possa defender hoje plenamente. Ele é uma coletânea de reconstruções absurdas, hipóteses e conjecturas insustentáveis, especulações incultas, suposições e analogias inadequadas, incompreensões e, especialmente no que o autor escreveu sobre o to tem ism o, é simp lesm ent e puro disparate. Na event ualidade de algum as teorias que apresentarei nas conferências parecerem excessivamente simplórias, eu pediria que se recordassem de alguns fatos. A antropologia estava ainda em sua infância, na época - e dificilmente poderíamos dizer que já se encontre em idade adulta, hoje. Até m uito recentemente ela tem sido o afortunado cam po d e caça de b eletristas, e tem sido especulat iva e filósof ica, na m ais antiq uad a das m aneiras. Se po de dizer qu e a psicologia com eça a dar o s prim eiros passos no sentido d e um a auton om ia científica por vol ta de 1860, mesmo sem se livrar de suas peias filosóficas senão quarenta ou cinqüenta anos depois, a antropologia
social, por seu turno, que deu seus primeiros passos à mesma época, só bem mais recentemente vem se libertando de estorvos semelhantes. Um fato notável a registrar é o de que nenhum dos antropólogos cujas teo rias sob re as religiões pr im itivas exerceram gran de influ ência, tenh a jamais estad o ent re um po vo prim itivo. É com o se um químico julgasse desnecessário ent rar em um laborató rio. Assim, o s antrop ólogos deviam se basear em informações que lhes eram fornecidas por exploradores europeus, missionários, administradores e negociantes. É evidente que tais dados são altamente suspeitos. Não digo que fossem todos fabricados, embora alguns realmente o fossem; e mesmo alguns viajantes famosos tais como Livingsto ne, Schw einfu rth e Palgrave com etiam grosseiros descuid os, 17 M uito s desses dados, port anto, foram falsos, a maioria não m erecia crédito e, pelos m oderno s padrões da pesquisa profissional podem também ser julgados como casuais, superficiais, sem visão perspectiva e distanciados do contexto real. Até certo pon to, t ais críticas se aplicam m esm o aos prim eiros antrop ólo gos profissionais. A este respeito, afirmo que as primeiras descrições das idéias dos povos simples e suas interpretações não podem ser consideradas tais como se apresentam, nem devem ser aceitas sem um exame crítico de suas fontes e sem o concurso de fortes evidências corroborativas. Qualquer pessoa que tenh a realizado pesqu isas entre p ovos primitivos anteriorm ente visitados por exploradores e out ros, po de testemunhar que os dados fornecidos por estes são freqüentemente incertos, não merecedores de confiança mesmo a respeito de matérias que podem ser avaliadas pela simples observação, sendo a insegurança mais grave em assuntos tais como as crenças religiosas, nos quais a simples observação de nada serve; aqui, as afirm ativas pod em ser flagrantem ente falsas. Eis um exem plo de u ma região com a qual esto u particularment e familiarizado; diante de r ecentes trab alhos e extensas mon ografias acerca d as religiões do s Nilot as do N ort e, fica estr anh íssim o ler o q ue o f am oso explorad or Sir Sam uel Baker escreveu sobre elas, em uma comunicação à Sociedade Etnológica de Londres em 1866: "Sem qualquer exceção, eles não têm qualquer crença em um Ser Supremo, nem demonstram qualquer forma de culto ou idolatria. Tampo uco é a ob scuridade d e suas m ent es ilumin ada por sequer um raio de superstição. Seu espírito é tão estagnado como o charco que compõe o seu mesquinho mundo" 1 . Já em 1871, Sir Edward Tylor pô de m ostrar, a partir das 1 S. W . Baker, THE RACES OF THE NILE BASIN, Transactions of th e Eth no logical Society o f Londo n. N. S. V 1867, 231. 18 provas desde então disponíveis, que isto não podia ser verdade 1 . As afirmações referentes às crenças religiosas de um povo devem sempre ser tratadas com grande cautela, porque nestes casos estamos sempre tratando com o que nem europeus nem nativos podem o bservar "d iretam ente", ou seja, com concepções, imagens mentais, palavras, que, todas, requerem, para o entendimento, um amplo conhecimento da linguagem deste povo e também boa percepção de todo o sistema de idéias de que qualquer crença participa, pois esta pode se tornar sem sentido desde que divorciada do conjunto de crenças e prát icas ao q ual pertence. M uit o raram ente alguns daqueles ob servado res estavam d otad os de uma mente com hábitos científicos. E verdade que alguns missionários eram homens bem educados e chegaram a falar a língua nativa com fluência, mas falar fluentemente uma língua é bem diferente de com preendê-la; com o freq üent ement e observei ouvindo conversas entre euro peus e africanos e árabes. i_ que aí existe uma nova causa de incompreensão. Os nativos e os missionários poderão estar usando as m esm as palavras, m as as cono tações são d iferen tes, carregam diferen tes cargas de sentido . Para alguém
que não tenha estudado intensamente as instituições nativas e também hábitos e costumes do próprio meio nativo (isto é, coisa bem diferente dos postos de comércio, aldeiamentos missionários e postos adm inistr ativo s), no m áximo se pode esperar qu e surja u m d ialeto m ascavado n o qu al seja apenas po ssível o comunicar-se acerca de experiências comuns e interesses comuns. Tomemos como exemplo uma palavra nativa correspon den te à nossa palavra " Deus". O significado da palavra para o falante nat ivo po de ter ap enas um a coin cidência mínim a com o significado existen te n a língua do m ission ário, e nu m 1 E. B. Tylo r, PRIM ITIVE CULTURE, Terceira edição, 18 91, 1.423-4. 19 contexto muito restrito. O falecido professor Hocart cita um exemplo de tais desencontros, do Fiji: quando o missionário fala de Deus como "ndina", ele quer dizer que todos os outros deuses são inexistent es. O nativo com preende qu e aquele é o ú nico Deus efetivo, o único em qu e se pod e crer; os demais deuses seriam eventualmente positivos, porém não merecedores de confiança absoluta ou contínua. Este é apenas um exemplo de como o professor pode querer dizer uma coisa e o aluno com preender o utra. Em geral, os dois participantes perm anecem cand idamen te ignorantes do equ ívoco. Não há remédio para isto, a não ser que o missionário adquira um amplo conhecimento dos costumes nativo s e de suas cren ças1 . Além do m ais, as info rm ações ut ilizadas pelo s erud itos para ilustrar suas teo rias não somente eram altamente inadequadas, mas também - e isto é o que mais diz respeito ao assunto destas con ferências - eram altamen te seletivas. O qu e os viajantes gostavam de d eitar no papel era o que m ais im pacto lhes causava enq uan to curioso, rude e sensacion al. M agias, ritos religiosos bárb aros, crenças supersticiosas sempre tinham prioridade sobre as rotinas diárias empíricas e enfadonhas q ue compreendem nove décimos da vida do homem primitivo e são seu principal interesse e sua principal ocupação: sua caça e pesca, a coleta de raízes e frutos, sua agricultura e seu rebanho, construções, fabricação de instrumentos e armas e, em geral, suas ocupações com os afazeres diários, domésticos e públicos. Nada disso ganhava o espaço q ue m erecia, em tem po e imp ort ância, na vida d aqueles cujo mo do de vida estava sendo descrito. Em conseqüência, por dar excessiva importância ao que consideravam com o superstições cur iosas, 1 A. M . Hocart, M A N A, M an, 1914, 46. 20 fatos misteriosos e ocultos, os observadores tendiam a pintar um quadro em q ue o m ístico (no sent ido que Lévy-Bruhl dá à palavra), ganhava na tela um a porção m uito m aior do q ue ocupava na vida real do s po vos primitivos; de m odo que o empírico, o comum , o senso com um e o m undo da faina diária pareciam ter apenas uma im po rtância secun diária - e os nativos apareciam como infantis, obviament e carent es de um a administração paternal e de zelo missionário, especialmente se houvesse um toque de obscenidade em seus rituais. Assim, os eruditos partiam para o trabalho com base em informações que lhes eram fo rnecidas ao acaso e pro vindas de to das as part es do m und o, e organizavam -nas em l ivros com título s tão pit orescos com o O RAM O DOURADO e A ROSA M ISTICA. Estes livros apresent avam u m a im agem com po sta ou caricatural da mente primitiva: supersticiosa, infantil, incapaz de pensar crítica ou consistentemente. Exemplos deste p rocesso, deste u so p rom íscuo de d ados podem ser encont rados em qu alquer escritor da épo ca. Assim , "Os am axosa bebem a bílis de um bo i para se tor narem fero zes. Os fam osos M ant uana bebiam a bílis de trint a chefes, na crença de qu e isto os faria fortes. M uito s povos, como os Yorub a, por exemplo, acreditam que "o sangue é a vida". Os Nova-caledonianos comem os inimigos mortos para adquirir coragem e força. A carne de um inimigo m ort o é comid a em Timo rlaut para curar a impo tência. O
povo de Halmahera bebe o sangue dos inimigos vencidos para se tornarem bravos. Na Amboina os guerreiro s beb em o sangue do s inim igos que venceram p ara lhes adqu irir a coragem. O povo d e Celebes o faz para ficar fort e. 21 Os nativos de Dieri e tribo s das vizinhanças com erão um hom em e beb erão seu sangue para ganharem sua força; a gordura é friccionada nos doentes" 1 . E assim por diante, volum e após volum e... M alinow ski satirizou m uito bem tais m étodo s, e a ele se deve a maior parte do m érito de haver tornado fo ra de mo da (pelo ridículo e pelo exemp lo), tanto o t ipo d e investigação q ue até então se fazia entre povos sim ples, quant o o uso que o s erudit os davam a esses m esm os inquérito s. M alinow ski fala das "longas litanias de afirm ativas encadeadas qu e fazem com qu e nós ant rop ólo gos pareçam os idiotas e os selvagens ridículo s" , tais como "Entre os Brobdignacianos (sic), quando um homem encontra sua sogra os dois se agridem mutuamente e cada um se retira com um olho roxo"; "Quando um Brodiag encontra um urso polar costuma fugir e às vezes o urso o persegue"; "Na antiga Caledônia quando um nativo acidentalmente encontra u m a garrafa de uísque pela estrada, bebe tu do de um gole, após o q ue com eça im ediatamen te a procurar outra garrafa' 2 . Já vimos que a seleção ao nível da observação pura produzira uma distorção inicial. O método de compilação com tesoura e cola-tudo, utilizado pelos eruditos em suas poltronas do m ésticas levou a distor ções adicionais. No conju nt o, faltou -lhes qu alquer sentid o de crítica histórica, as regras que um historiador em prega quand o avalia dados do cum entais. Ent ão, se um a falsa im pressão era criada pelos observadores dos povos primitivos, pelo fato de atribuírem excessiva importância ao místico em suas vidas, logo passava a ser patrocinada pelo método do "álbum de recortes", este, por sua vez, dignificado pela designação 1 A. E. Craw iey, THE M YSTIC ROSE, 1927 (edição revista e aum entada p or Theodo re Besterm an), 1.134-5. 2 B. Malinow ski, CRIM E AND CUSTOM IN SAVAGE SOCIETY, 1926, p. 126. 22 de "método comparativo". O processo consiste no que interessa ao nosso assunto, na utilização de recortes acerca de povos primitivos e de todas as partes do mundo, reunindo-os de qualquer maneira, fosse como fosse, retirando ainda mais os elementos de seus contextos reais, para aproveitar apenas o que se referisse ao estranho, sobrenatural, místico, supersticioso — usemos quaisquer palavras — num m osaico m onstruoso que pretendia retratar a m ente do hom em prim itivo. Assim, o h om em primitivo tinha que aparecer, especialmente nos primeiros livros de Lévy-Bruhl, como claramente irracional (no sentido usual do termo), vivendo num mundo misterioso de dúvidas e temores, com medo do sobrenatural e lidando com ele incessantemente. Creio que qualquer antropólogo dos nossos dias considerará este quadro uma distorção. Efetivamente, o "método comparativo" enquanto assim usado é um equívoco. Havia m uit o pou ca com paração, se nos referimo s a com paração analítica. Havia apenas um conglom erado de itens que pareciam ter algo em comum. Podemos mesmo dizer que tal "método" possibilitou aos autores a elaboração de classificações preliminares em que inúmeras observações poderiam ser encaixadas, dentro do limitado n úm ero de rótu los, o que dava a tu do um a certa imp ressão de ord em; era o seu ú nico valor. M as este era n a realidade um m étod o ilustrativo e não com parativo; quase aquilo que os psicólogos chamam d e "m étod o anedót ico" . Um grand e núm ero de exem plos era trazido em feixe para ilustrar alguma idéia geral e para dar apoio às teses do autor acerca de tal idéia. Não havia nenhuma ten tat iva de por à pro va as teo rias a partir de exem plo s não selecionado s. As m ais elem ent ares pr ecauções eram negligenciadas, enquan to vagas conjet uras se seguiam um as às ou tr as (e receben do a d esignação de hipó teses). As m ais sim ples regras da lógica indut iva (m éto do s de con cordân -
23 cia, diferen ça e variações con com itant es) eram ignor ado s. Assim , para dar um sim ples exem plo , se Deus é, como Freud o diria, uma projeção da imagem paterna idealizada e sublimada, tornar-se-ia necessário m ostrar que concepções de divindade variam com as diferent es po sições que ocup a a figura paterna na fam ília em difer ent es tip os de sociedad es. E m ais, exem plo s negativos, se levados em con sideração (o q ue era raro) eram logo descartados como sendo desenvolvimentos tardios, decadência, sobrevivência ou qualquer o utro capricho evolutivo. As primeiras teorias ant ropo lógicas, como se verá em m inha próxim a conferência, não apenas procuravam explicações para as religiões primitivas em fundamentos psicológicos, como também tentavam colocá-los numa gradação evolutiva ou como um estágio do desenvolvim ento social. Uma cadeia de desenvolvimen to lógico era assim construída d edutivamen te. Na ausência de registros h istóri cos, não se po deria dizer com certeza qu e em qu alquer exemp lo em particular o d esenvolviment o h istó rico correspond esse ao p aradigm a lógico - na r ealidade, a partir d a metad e do século passado eclodiu uma verdadeira batalha entre aqueles que aceitam a teoria da progressão e aqueles que op tam pela teoria d a degradação, os prim eiros sustentando que as sociedades prim itivas se encontravam em u m estado de desenvolviment o inicial e retardado, emb ora pro gressivo, no cam inho da civilização; e o s segundos, defend endo o p onto de vista d e qu e elas já haviam estado , em algum tem po anterior, em condição de m ais alta civilização, da qual r egrediram . O deb ate se concentrou especialm ente na religião, tendo um partido afirmado que aquilo que eles consideravam fossem elevadas idéias teológicas encontradas entre alguns povos primitivos eram um primeiro lampejo de verdade, que mais tarde levaria a coisas mais altas, enquanto que o outro partido afirmava que tais crenças eram uma sob revivência de estado s ant eriores m ais civilizados. Herbert 24 Spencer preservou um espírito aberto a este respeito 1 mas outros antropólogos, com a exceção de Andrew Lang e até um certo p on to M ax M üller, eram, assim com o o s sociólogos, adeptos da progressão. Não h avendo evidências históricas para dem on strar q uais as fases por q ue h aviam p assado as sociedades primitivas, acreditou-se que eram as mesmas de natureza ascendente e invariável. Tudo o que se fazia necessário era encontrar u m e xemplo em algum a parte, pouco imp ortava onde, e que correspon desse a um ou o ut ro estágio d o desenvolvim ento lógico - e ent ão inseri-lo com o ilustração; ou, com o o s cientistas pareciam considerá-los, tomá-los como prova da validade histórica deste ou daquele esquema de pro gressão u nilinear. Se eu estivesse m e dirigindo a um auditório comp osto de antro pólogos, a simp les alusão a estes métodos passados seria considerada comparável a chicotear cavalos mortos. Creio ainda qu e as dificuldades se viram aum entadas, e a disto rção r esult ante t orn ada ainda maior, pela cunhagem de termos especiais na descrição de religiões primitivas, o que dava a entender serem as mentes primitivas tão diferentes da nossa que suas idéias não podiam ser expressadas por nosso vocabulário e nossas categorias. A religião prim itiva era cham ada de " animismo" , "p ré-animism o" , "fetichism o" , e coisas qu e tais. Ocorreu t amb ém q ue alguns termo s foram to mado s de em préstim o d as linguagens prim itivas, com o se nenhum equivalente pudesse ser encontrado na nossa. É o caso de termos tais como tabu (da Polinésia), "m ana" (da M elanésia), "t otem " (dos índios da Am érica do Nort e) e "baraka" (do s árabes da África do Nor te). Não n ego que as dificuldades sem ânt icas da t radu ção sejam gran des. Elas são b astan te consideráveis no caso, digam os, de trad uções entr e o francês e o inglês; 1 H. Sp encer, TRE PRINCIPLES OF SOCIOLOGY, 1882, 1.106.
25 m as qu ando algum a língua pr im itiva precisa ser tr adu zida para a no ssa próp ria, as dificuldades se to rnam enormes. Esta, na realidade, é a maior dificuldade com que nos defrontamos no assunto que agora discutim os, de m odo que m e perm itirei alongar um pouco m ais este aspecto. Se um etnógrafo diz que na língua de um povo da África Central a palavra "ango" quer dizer "cão", estará absolutamente correto; po rém ele te rá até então trazido m uito restrit ament e para nossa língua o qu e significa a palavra "ango" , pois o qu e ela significa para os nativos que a em pregam é m uit o d iferente do qu e a palavra "cão" significa para n ós. A significação qu e os cães têm para os prim eiros - eles caçam com os cães, eles os devo ram e assim po r diant e - não é a mesma q ue par a nós. Quão m ais pro váveis serão esses deslocament os quand o com eçamo s a lidar com term os que conten ham em si um a referência metafísica?! Pode-se, com o já se tem feito, em pregar palavras nativas e depois demo nstrar seu significado segun do o seu u so em diferente s contextos e situações. Mas é óbvio que este recurso tem limites. Reduzido ao absurdo ele seria como escrever uma descrição de um povo na sua própria língua, para uso de quem o desconheça. Pode-se padronizar o emprego de uma palavra primitiva como "totem" e usá-la para descrever fenômenos que ocorrem entr e outr os po vos e que se mo str em semelhant es àqueles do povo qu e deu origem ao vocábulo; mas isto pode ser causa de grande confusão, uma vez que as semelhanças podem ser superficiais e o fenômeno em questão tão diverso que o termo perca todo o seu sentido, o que aliás, como notou Goldenw eiser, foi o destino da palavra tot em'. 1 A. A. Goldenw eiser, EARLY CIVI LIZATIO N , 1921, p. 282. Ver tam bém seu trabalho " FORM AND CONTENT IN TOTEM ISM ", Am erican Ant hr opo logist, N. S. XX (1918). 26 Cham o a atenção para este o bstáculo po rque ele t em algum a imp ort ância na comp reensão das teorias da religião prim itiva. Na verdade, pod e-se encont rar na n ossa linguagem algum a palavra ou frase com qu e traduzir um conceito n ativo de outro povo. Podem os traduzir um a palavra com o significando "d eus", ou "espírito", ou "alma" ou "fantasma" mas teremos que nos perguntar não somente o que tal palavra traduzida significa para os nativos, como ainda o que significa a palavra que escolhemos, enquanto tradutores, para nós ou nossos leitores. Temos que apontar os duplos sentidos; e reconhecer que na m elho r d as hipó teses não há senão um a sup erposição parcial de significações ent re as du as palavras. As dificuldades semânticas são sempre consideráveis e podem ser superadas apenas parcialmente. Os prob lemas qu e apresent am po dem t amb ém ser con siderados num a ordem in versa, com o na tentativa dos missionários de traduzir a Bíblia para línguas nativas. Foi muito difícil expressar conceitos metafísicos gregos em latim e, com o sabemos, muito s equívocos ocorreram po r ocasião do t ransport e de um a língua para a outra. Mais tarde, a Bíblia foi traduzida para diversas outras línguas européias, como o inglês, francês, alemão, italiano etc., e eu mesmo passei por esclarecedoras experiências ao cotejar alguns trechos, digamos um salmo em várias línguas, e verificar d e que m odo cada u m a delas o tratava dent ro d e suas características próprias. Os que conhecem o hebraico ou qualquer outra língua semítica podem completar o jogo traduzindo essas versões de volta ao seu idioma e ver o que resultará. Muito mais desesperador é o caso das línguas primitivas! Em alguma parte li a respeito das dificuldades que os m issionários encontraram entre os esqu imó s na tent ativa de verter p ara a sua língua a palavra "cordeiro" , com o na frase "Alim ente m eus cord eiros". Poder-se-ia, por exemp lo, utilizar o no m e de algum animal com o qu al os esqu imó s 27
estive ssem acostu m ado s, dizendo , por exem plo , "alim ent e m inh as focas", m as se assim se fizer, tro ca-se a represent ação qu e a palavra "cordeiro" tem para um pasto r hebreu pela significação qu e um a foca tem para um esqu imó . Com o p oderíam os traduzir a afirmativa de q ue " os cavalos dos egípcios são carne e n ão espírito" para um povo que nunca viu um cavalo nem nada parecido, e que pode não ter um conceito semelhante ao conceito hebreu de espirito? Estes são exemplos corriqueiros. Poderia eu dar dois outros, m ais comp lexos? Com o t raduzir para o ho tento te a frase "... Emb ora eu fale com as línguas do s homens e do s anjos e não t enha caridade"? Em p rim eiro lugar, é preciso d etermin ar o q ue significava o trecho p ara os ouvintes de São Paulo; e, além das "línguas de homens e anjos", que conhecimento exegético foi necessário à elucidação de palavras como "eros", "agape" e "caritas"I Depois é preciso encontrar equivalentes em ho tent ote e, um a vez que n ão há nenh um , procurar fazer o m elhor po ssível... Ou ent ão, pergunt o. com o tradu zir para um a língua ameríndia a frase "No com eço era o Verbo" ? M esmo na form a inglesa o sentido só pode ser determinado depois de uma análise teológica. Os missionários lutaram ativamente e com grande sinceridade para superar estas dificuldades, mas, em minha experiência, muito do que eles ensinam aos nativos lhes é na realidade incompreensível e muitos o reconheceriam abertam ente, creio eu. A solução m ais freqüent em ente ado tada é a de transform ar a men te das crianças nativas em mentes européias; e isto é uma solução apenas aparente. Esperando ter trazido à vossa atenção estes problemas, devo agora abandoná-los porque as conferências não dirão respeito às atividades missionárias, um fascinante cam po de p esqu isa que at é agora não fo i devidament e trabalhado. Igualm ente evitarei discutir m ais do que já o fiz os prob lemas mais gerais da t radução, pois não é assun to de qu e se possa tratar com br evidade. Todo s nós con hecem os o di28 tado "traduttore, traditore". Eu menciono o problema em minha conferência introdutória, em parte po rque d evo ter em m ente, ao lidar com teorias da religião prim itiva, que significação têm , nessas teorias, as palavras empregadas pelos eruditos. Se alguém quiser entender as interpretações que eles deram à mentalidade primitiva, deverá conhecer também a mentalidade dos autores; entender a maneira por com o viam as coisas, a maneir a que regia sua classe, seu sexo e p eríodo em qu e viveram . No qu e concerne a religião, to do s eles ti nham , até ond e sei, um a base religiosa de um a form a ou de ou tr a. Cito alguns, cujos no mes devem ser familiares a to dos: Tylor era um qu acre, Frazer um presbiteriano, M arett p ertencia à igreja anglicana, M alinow ski era católico, enquant o Dur kheim , Lévy-Bruhl e Freud er am ju deu s. M as, com um a ou d uas exceções, qu alquer q ue fo sse a base religiosa, os auto res do s text os mais significativos eram, na o casião em qu e os escreveram , já agnó sticos ou ateu s. A religião p rim itiva, quant o à sua validade, não era senão uma ilusão, como qualquer outra forma de fé religiosa. Não é que eles perguntassem, como Bergson , da razão por com o " crenças e prát icas que são t udo, m enos coerentes, podem ter sido e sejam, ainda, aceitas por pessoas coerentes”1. O que ocorre é que estavam implícitas, em sua forma de pensar, as convicções otimistas dos filósofos racionalistas do século dezoito, segundo as quais as pessoas são estúpidas ou más apenas porque têm más instituições e são ignorantes e supersticiosas por terem sido explor adas em n om e da religião por p adres esper talhõ es e avaros, bem com o pelas classes inescru pu losas que mantêm os padres. Deveremos ter em mente quais as intenções de muitos dos eruditos de que estar em os falando, se quiserm os com preen der suas constru ções teóri cas. Nas 1 H. Bergson THE TW O SOU RCES OF M ORALITY AND RELIGIO N ED . 1956, p. 103. 29
religiões primitivas eles procuraram e encontraram uma arma que poderia, segundo lhes pereceu, ser usada com efeito letal contra a Cristandade. Se a religião primitiva pudesse ser entendida como uma aberração intelectual, como uma miragem induzida pela tensão emocional ou por sua função social, estaria implícito que as religiões mais altas poderiam ser desacreditadas e consideradas sob julgamento idên tico. Tal inten ção se oculta sutilm ent e em alguns casos. Com o em Frazer, King e Clod d. Eu n ão du vido de sua sincerid ade e, com o disse ant es,' eles m erecem m inh as sim pat ias, porém não m inh a aquiescência. No en tant o, o f ato d e eles estarem certos ou errados está além do que n os interessa, especificament e: qu e é ter o r acionalismo p assion al da época influ ído em sua avaliação d as religiões prim itivas e dado a seus escritos, tais como os lemos hoje, um sabor de presunção que podemos achar irritante ou ridículo. A crença religiosa era, para estes antropólogos, absurda, e o é ainda para muitos antropólogos de ontem e de hoje. Mas parece que é preciso encontrar alguma explicação para tal absurdidade, e isto vem sendo feito em t erm os psicológicos e sociológicos. Era int enção do s qu e escreveram sob re as religiões pr im itivas, explicá-las por suas origens, de m od o q ue a explicação servisse aos dado s essenciais de to da e q ualqu er religião, incluind o as mais altas. Quer explicitam ente q uer n ão, as explicações das religiões dos prim itivo s eram elabo radas com o fit o d e abarcar as origens de tudo o qu e se chama d e "religiões iniciais", o q ue incluiria a religião israelita e im plicitam ent e o cristi anism o, que d ela deriva. Assim , com o d iz And rew Lang, "o teó rico qu e acredit a em culto s ancestr ais com o send o a chave de to do s os credo s, 1 RELIGION AND THE ANTHROPOLOGISTS, Blackfriars, Abril, 1960. Reeditado em Essays in Social Anth ropolo gy, 1962. 30 verá em Jeová um fantasm a ancestral d esenvolvido ou um a espécie de d eus-fetiche, ligado a um a pedra, talvez uma velha esteia sepulcral de algum xeque do deserto. O admirador exclusivo da hipótese do totemismo encontrará provas de sua teoria nos cultos às vacas e bois sagrados. O adepto dos cultos naturais insistirá n a conexão existen te ent re Jeová e a t emp estade, o tro vão e o fogo do Sinai”1. Podemo s no s pergun tar po r qu e eles não consideraram com o seu camp o inicial de estudo as religiões superiores, sob re cuja histó ria, teo logia e ritos já se sabia m uito m ais do qu e sob re as religiões prim itivas, o qu e levaria o estud o a seguir um curso do m ais para o m enos conh ecido. Eles po dem , até certo pon to, ter ignorado as religiões superiores para evitar controvérsias e constrangimento nas circunstâncias em que se envolvessem , mas fo i principalm ent e porq ue desejavam descob rir a origem d a religião, sua essência, e po r ju lgarem q u e a enco n t rar ia m ent re o s p ri m it iv os, que assim orien t ar am seu s est udos. M as al gu ns dele s poderão ter declarado que por "origem" não se referiam ao mais novo no tempo, senão que ao mais simples em estrutura, suposição implícita, pois seria de esperar que do mais simples em estrutura se desenvolvessem as formas mais altas. Esta ambigüidade no conceito de "origem" causou muita confusão na ant rop olo gia. Não avançarei neste assun to p or agora, m as volt arei a ele e a out ros assun to s gerais até agora m encionados de passagem , na m inha conferência final, ocasião em qu e terei tido opo rtun idade de trazer algum as teor ias antro pológicas da religião à audiência. Podem os, entretanto , not ar aqui, que, se os autores cujos textos vamos examinar tivessem lido algo profundamente - digamos - teologia, história, exegesse, apolo gética, ritu al e pensamen to sim bólico cristãos, teriam se 1 An dr ew Lang, THE M AKING OF RELIGION, 1898, p . 294. 31
situado melhor para avaliar as idéias e práticas referentes às religiões primitivas. Mas era só muito raramente que os eruditos que se situaram como autoridades a respeito das religiões primitivas m ostravam em suas interpretações que tivessem algo m ais que um conhecim ento apenas sup erficial das religiões históricas e daquilo em que os crentes respectivos acreditam, o que significa para eles o que fazem , e o que sentem quando o fazem . O que acaba de dizer não im plica em que o antropó logo "deva" po ssuir, ele m esm o, um a religião, e qu ero d eixar isto bem claro, desde já. Ao ant ropólo go não int eressa, "qua" antropólogo, a verdade ou falsidade do pensamento religioso. Do modo como compreendo o assunto, ele não tem possibilidade de "saber" se os seres espirituais das religiões primitivas ou outros quaisquer são dotados de existência ou não; e, se assim é, não lhe cabe levar em consideração tal pro blem a. As crenças são, p ara ele, fato s sociológicos, não fato s teológicos e sua ú nica preo cupação é a relação que tais fatos mantêm entre si e com outros fatos sociológicos. Seus problemas são científicos e não metafísicos, ou ontológicos. O método que ele emprega é aquele que agora se designa freqüen tem ente com o sendo fenom enológico: um estud o comp arativo de crenças e ritos, tem as tais como deus, sacramento, e sacrifício, com a finalidade de lhes determinar a significação intrínseca e social. A validade da crença pert ence ao dom ínio do que pod emo s cham ar de filosofia da religião. Foi exatament e por haverem tantos antropólogos tomado posição teológica, embora negativa e implícita, que foram conduzidos à evidência de que uma explicação dos fenômenos das religiões primitivas em termos causais se fazia necessária, vindo ela a ser levada, segundo me parece, além dos limites legítimos do problema. M ais tard e com ent arei, num a revisão geral, as te orias antrop oló gicas da religião. Deixem -m e apenas dizer qu e eu li os livros que criticarei, um a vez qu e freqü ent em ent e os estu dio sos acei32 tam o qu e terceiras pessoas escrevem sobre textos de o utro s, em vez de lerem diretam ente o s textos (o livro de Lévy-Bruhl, por exemplo, tem sido freqüentemente mal interpretado por pessoas que, estou seguro, nunca o leram ou o fizeram sem aplicação). Ao fazermos as revisões, veremos que muitas vezes não me será necessário apontar os equívocos de um ou outro ponto de vista, porque a crítica necessária está contida em livros de outros autores, mais tarde mencionados. Sendo assim, devo acrescentar - e tod os concordarão com isto - que não pod emo s aceitar a idéia de qu e exista apenas um tip o de afirm ativa geral acerca de fenômenos sociais e que as outras devam estar erradas se aquela está certa. Não há nenhu m a razão apriorística pela qual tais teorias que p retendem explicar as religiões prim itivas em term os de raciocínio, em oção e fun ção social não estejam certas, cada u m a sup lement ando as outras -- embo ra eu não acredit e que assim seja. As interpret ações pod em se fazer em diversos níveis. Do m esm o m odo , não h á razão po r que várias explicações diferent es no m esm o t ipo e nível não po ssam estar cert as, desde que não se contradigam entre si - pois cada uma delas pode explicar aspectos diferentes do mesmo fenômeno. Efetivamente, eu considero todas.as teorias que nós examinaremos como apenas plausíveis e mesmo, como foram propostas, inaceitáveis, uma vez que contêm contradições e nutras incompatibilidades lógicas; ou ainda porque não se pode provar, como já disse, que sejam verdadeiras ou falsas; ou finalmente, e agora, mais precisamente, porque a experiência etnográfica freqüentemente invalidou -as. Uma p alavra final: algum as pessoas con sideram ho je em di a emb araçoso o gvir falar de povo s designados como primitivos ou nativos, o que lhe soa como se estes estivessem sendo chamados de selvagens. M as eu serei obrigado f reqü ent em ent e a usar as expressões dos auto res de quem 33
falarei e que escreveram na rob usta linguagem de um tem po qu ando era praticament e impo ssível ofend er um po vo sobre o qu al se escrevesse; o bo m tem po do p rogresso e prosperidade vitorianos, e, podem os acrescentar, o do enfado e d a pom pa de on tem . M as as palavras serão u sadas po r m im n aquilo que 1 Neber cham a de sent ido d espro vido de valor e não serão censuráveis do pont o d e vista etim ológico. De qualquer modo, o emprego da palavra "primitivo" para descrever povos que vivem em sociedades de escala pequena, com u m a cultu ra m aterial simp les e desprovid os de literatura, já está m uito firm em ente estabelecida para que possa ser eliminado. Isto é uma pena, porque nenhuma palavra causou mais confusão nos escritos antropológicos, como veremos, uma vez que ela pode ter um sentido lógico e cronológico, e os dois sentidos nem sempre estiveram apartados um do outro, mesmo nas mentes dos melhores eruditos. Basta, para estas notas introdutórias que foram necessárias antes de embarcarmos na no ssa viagem rum o ao oceano do p ensament o do passado. Com o é o caso com qualquer e tod a ciência, encontraremos em muitas ilhas as sepulturas de marinheiros que naufragraram; mas quando olharmos para trás, encarando t oda a histó ria do pensamen to hum ano, não precisaremos entrar em desespero po r sabermo s ainda t ão pou co sobre as religiões primitivas, ou sobre a religião em geral, ou p or t erm os de descartar, por meramente conjeturais, apenas plausíveis, teorias que tentaram explicá-las. Na verdade deveremo s nos encher de coragem e prosseguir em no ssos estu do s com o espírito do m arinheiro m ort o, do ep igrama qu e se encont ra na Ant olo gia Grega: um m arinheiro naufragado que n esta costa se ent errou ord ena-te que part as: mu itos barcos form osos, o vento daqui destru iu. 34
TEO RIAS PSICOLÓGICAS
A
teoria do presidente de Brosses, l um contemporâneo de Voltaire e que com ele se correspondia, sustent ando tu a a religião se originava do fet ichism o, foi aceita até a met ade do século passado . A tese, assum ida po r Com te 2 Era de q ue o fetichism o (o culto, segundo m arinheiros portu gueses, de anim ais ou coisas inan im adas pelo s negro s da Áfri ca Ocident al) ter ia evoluído at é polit eísm o, e deste até o monoteísmo. Ela foi substituída por outras teorias, formuladas em termos intelectualistas e sob a influência da psicologia associacionista da época, e que podem ser divididas em teoria do fantasma e teoria da alma; ambas concordam em que o homem primitivo é essencialmente racional, embora suas tentativas de explicar os fenômenos sejam grosseiras e falazes. No entanto, antes de tais teorias serem aceitas, tiveram que disputar o terreno com out ras, da escola do m ito n a1 Ch. R. de Brosses, Du cuRe das dieux t é_iches ou paraUle de I'anlenn e réliglon de I'Egypt e avec Ia réligion actu elle de Ia M igritie, 1760. 2 Comte, COU RS DE PHI LOSOPHI E PO SITIVE, 1908, lições 52-54. 35 tural, uma luta tanto mais amarga quanto eram ambas pertencentes ao mesmo gênero intelectualista. Quero inicialmente discutir a teoria da origem da religião a partir da teoria do mito natural, em parte po rque foi ela a prim eira cronologicam ente, e também porq ue o qu e acont eceu depo is foi um a reação às teo rias anim ísticas, logo deixando , a teoria da m ito logia natur al, de ter q ualqu er influên cia neste país. A escola d o m ito n atural era predo min antem ente alem ã e estava basicam ente in teressada nas religiões indo-européias; sua tese era de que os deuses da antigüidade - e por extensão os deuses de todos os tempos e lugares - eram apenas fenômenos naturais personificados: sol, lua, estrelas, o alvorecer, a
renovação da primavera, rios cauladosos, etc. O mais importante representante desta escola foi Max M üller (filho do poeta rom ântico W ilhelm M üller), um erud ito alem ão seguido r da teoria do m ito solar, um ramo da escola (os diversos ramo s mant inham disput as entre si), que passou a m aior p arte da sua vida em Oxford, onde foi professor e um Fellow of Ali Souls. Era um lingüista de talento excepcional, um dos m aiores especialistas em sânscrito do seu tem po e, em geral, um hom em d e grande cultu ra, qu e foi mu ito injustam ente desacreditado . Ele não estava disposto a ir t ão longe qu anto foram os seus mais extremad os colegas alem ães, não p orq ue n a Oxfor d daq ueles dias fo sse perigoso ser um agnóstico, mas por con vicção - ele era um luterano sincero e sensível; mas ele chegou bem perto da posição dos demais e, realizando manobras e malabarismos em seus livros para evitar tal aproximação, faz com que seu pensamento parecesse algum as vezes ambíguo e o paco. Em sua op inião, tal com o a comp reendo, o s ho m ens semp re tiveram um a intu ição da divind ade, da idéia de Infinit o - a palavra que ele usava para Deus -, intuição esta derivad a de experiências sensoriais; 36 assim, não é preciso procurar sua fonte na revelação primitiva ou um instinto ou faculdade religiosos, com o algumas pessoas ent ão faziam. Todo o conhecim ento hum ano vem p elos sent idos, sendo o do tato aquele que dá a maior impressão de realidade, e todo o raciocínio se baseia neles, o que é também verdad eiro par a a religião: "nih il in fide quod non an te fu erit in sensu". M as as coisas int angíveis, com o o sol e o firm ament o, dão ao hom em a idéia de infinito e fornecem m aterial para a concepção de deidades. Max Müller não pretendeu sugerir que a religião surgisse pela deificação; por parte dos homens, dos grand es objeto s natu rais; m as sim qu e estes lhes davam u m sentim ento de infinitud e e serviam de sím bolo para o infinito. M üller estava basicament e interessado n os deuses da índia e do mu ndo clássico, em bo ra também tivesse incursionado um pouco pela interpretação de material primitivo, acredit ando, certam ente, qu e suas interpretações tinham um a validade geral. Sua tese era de q ue o infinito, um a vez nascida a idéia, não poderia ser pensado senão em termos de metáforas ou símbolos, os quais só pod eriam ser derivados do q ue p arecesse majestát ico n o mu ndo conhecido: os corpo s celestes ou seus atribut os. M as estes atributo s, então, perdiam seu sentido original, m etafórico, e adquiriam auto nom ia, tornando-se personificados como deidades de existência própria. Os "nomina" se tornavam "nomina". Assim sendo, as religiões poderiam ser descritas como sendo "doenças da linguagem", uma expressão vigorosa mas infeliz, que mais tarde Müller tentou explicar, mas que nunca teve vida longa. Em conseqüên cia, dizia ele, a única maneira de encont rarmo s o significado da religião do hom em p rim itivo é através da pesquisa filológica e etimológica, que devolve aos nomes dos deuses e às histórias contadas sob re eles o seu sentido original. Assim , Apolo am ava Daphn e; Daphn e fugiu d ele e foi t ransform ada em um loureiro. Esta lenda não faz sentido até o mo m ento em que 37 sabemos que Apolo era originalmente uma deidade solar, e Daphne, o nome grego para loureiro, era o no me q ue se dava à aurora. Isto nos dá o sentido o riginal do m ito: o sol perseguindo o alvorecer. M üller trabalha com a crença na alma humana e na sua forma espiritual de modo semelhante. Quando os homens desejaram expressar a distinção entre o corpo e algo que eles sentiam para além do corpo, o nome que lhe veio à mente foi o do sopro, algo imaterial e inegavelmente ligado à vida. Então, esta palavra, "psyche", paswou a expressar o princípio vital e por extensão a alma, a mente, o eu. Após a m ort e, a " psyche" vai para o Hades, o lu gar do in visível. Um a vez assim bem estab elecida a oposição en tr e corpo e alma, nos planos do pensamento e da linguagem, a filosofia começou a operar sobre ela e surgiram os sistemas espiritualistas e materialistas da filosofia. Tudo isto para reunir o que a linguagem
apartara. Assim a linguagem exerce um a tirania sob re o p ensament o e o pensam ento está sem pre em luta contra ela, mas em vão. Da mesma forma a palavra espírito originalmente significava sopro, e a palavra para fantasma (dos mortos) originalmente se referia à sombra. Elas eram inicialmente expressões figurativas que por fim alcançaram concretude. Não pode restar dúvidas de que Müller e seus colegas adeptos da t eoria do m ito n atural levaram suas teorias até à absurdidade; ele afirm ou q ue o sítio de Tróia não era senão um mit o solar; e, com a int enção de iron izar tal interp retação, alguém pergunto u se M ax M üller por acaso não seria tam bém , ele mesm o, um m ito solar... Deixando d e lado os erros da erudição clássica, tais como hoje sabemos que foram, é evidente que, por mais engenhosas que explicações sem elhant es pu dessem ser, elas não estavam n em p odiam estar apo iadas po r pro vas histó ricas adequad as e não passavam, na melhor das hipóteses, de conjeturas eruditas. Não preciso lembrar os ataques desferidos contra 38 os adeptos da mitologia natural pelos seus contemporâneos, porque embora Max Müller (o principal nome) tivesse tido por algum tempo influência sobre o pensamento antropológico, a repercussão não dem orou m uito e cessou antes da m ort e de M üller. Spencer e Tylor, este últ imo fo rtem ente apo iado neste tóp ico por seu pup ilo And rew Lang, eram con trários às teorias do m ito n atural e sua luta po r um enfoqu e diverso obteve sucesso. Herbert Spencer, a quem a antropologia deve alguns de seus melhores conceitos metodológicos, e que depois foi esquecido, devota grande parte de seus THE PRINCIPLES OF SOCIOLOGY (vol. 1) a um a discussão d as crenças prim itivas e, em bo ra as int erpret ações que lhes dê sejam sem elh antes àquelas de Sir Edw ard Tylor, e, mais, ten ham sido pu blicadas depo is qu e Tylor p ub licou o seu PRIM ITIVE CULTURE, suas opiniõ es estavam fo rm ulad as desde mu ito antes do aparecim ent o do seu livro e ele chegou a elas independentemente. O homem primitivo, diz ele, é racional e, considerado o seu pequeno conhecimento, suas inferências são razoáveis, embora débeis. Fenômenos tais como sol e lua, nuvens e est relas, vêm e vão , e ist o dá a ele a no ção da dual idade , de cond ições visíveis e invisíveis, e est a no ção se fo rtalece por o bservações out ras, tais com o o enco nt ro d e fósseis, a ob servação de pin to e ovo , crisálida e bo rbo leta; pois Spen cer ti nha enfi ado na cabeça qu e os po vos sim ples não p od iam con ceber as explicações naturais, como se pudessem ter chegado aos seus vários resultados de ordem prática sem elas ... E se out ras coisas pod iam ser dualidades, porq ue o h om em m esm o n ão seria um a? Sua sombr a e seu reflexo na água tam bém vêm e vão. M as foram os sonho s, que são experiências reais para os hom ens primitivos, qu e deram ao ho mem a idéia de sua pró pria dualidade e ele ident ificou o eu onírico que pervaga à noit e com o eu -som bra qu e aparece de dia. Esta idéia de d ualidade se reforça pela experiência de várias form as 39 de insensibilidade temporária, como no sono, desfalecimento, catalepsia, etc., de modo que a morte mesma passa a ser encarada como uma forma de prolongada insensibilidade. E se o homem tem uma alma, pelo mesmo raciocínio também devem tê-Ias os animais e as plantas e os objetos materiais. A origem d a religião, no ent anto, deve ser pro curada na crença não em alm as, mas em fant asm as. Que a alma tenh a uma sobre-vida tem porária, é coisa que se adm ite com b ase no apareciment o dos mo rtos em sonhos, enquanto são lembrados; e a primeira concepção de um ser sobrenatural é a de um fantasma. Esta concepção deve ser anterior à do fetiche, que implica a existência de um fantasma ou espírito interior. Igualmen te, a idéia de fant asm a é encontrada em tod a a parte, ao contrário d a idéia do fetiche, qu e não é r ealment e característica dos povos prim itivos. A idéia do fantasma, inevitavelm ente (esta é a palavra favorit a de Spen cer) se desenvolve até à idéia de d euses, os fantasmas de ancestrais rem ot os ou de pessoas superiores passando a divindades (a doutrina do Euhemerismo), e os alimentos e bebidas
colocados nos túm ulo s para qu e os m ort os se alegrem t ransfor m am -se em sacrifícios e libações ded icadas aos deuses para abrandá-los. Assim, Spencer conclui que "o culto do ancestral é a raiz de toda religião".Tudo isto é exposto em termos inadequados, tomados de empréstimo às ciências físicas, e de maneira decididamente didática. O argumento é uma especulação apriorística, salpicada de algumas ilustrações, e é capcioso. É um perf eito exem plo da falácia do psicólogo int rospeccionista, ou " Se eu fo sse um cavalo", à qual deverei me referir com freqüência. Se Spencer estivesse vivendo em condições primitivas, aquelas teriam sido, ele supôs, as etapas através das quais chegaria às crenças que os prim itivos mant inham. Parece que n ão lhe ocorreu ind agar como - já que 40 as idéias de fant asm a e de alma surgem de r aciocínio s falazes acerca de n uvens e bo rbo letas e son ho s e tr anses - as crenças ter iam persistid o po r m ilênios, send o m antid as vivas po r m ilhões de pessoas em seu tempo e mesmo no nosso. A teoria do animismo de Tylor (na qual ele fica muito em débito para com Com te), sendo animism o um a palavra que ele cun hou , é muito sem elhante à de Spencer, em bora, como implícita na palavra "anima", saliente basicamente a idéia de alma, e não a de fantasma. Nos textos antropológicos, a palavra animismo aparece com alguma ambigüidade, sendo às vezes empregada no sentido de um a crença, atribuída a povos primit ivos, em q ue não só as criaturas, mas tamb ém o s objet os m ateriais estão dot ados de vida e personalidade, algum as vezes com o acréscimo de q ue t enham tam bém almas. A teoria de Tylor cobre ambas as possibilidades, mas aqui nos interessa basicamente a segunda delas. A este respeito a teoria cont a com duas teses principais, a prim eira concernent e ao p roblema da origem, e a segunda referindo-se ao desenvolvimento da alma. As reflexões do homem primitivo a respeito d e experiên cias tais com o m ort e, doen ças, transes, visões e, acima d e tu do , os son ho s, levaram no à conclusão d e que são fenô men os que se devem à presença ou ausência de algum a entidade im aterial, a alma. Tanto a t eoria do fant asm a quanto a teoria da alma pod eriam ser consideradas como versões de uma teoria ideal da origem da religião. O homem primitivo teria transferido a idéia de alma para outras criaturas a ele semelhantes e mesmo para objetos inanimados que lhe despertassem o interesse. A alma, passível de se d esligar da mat éria em q ue est eja (seja ela qu al for), pode ser pen sada com o ind epend ente daqu ilo que a cont ém em si; de ond e surgiria a idéia de seres im ate riais, cuja suposta exist ência constitui a defin ição m ínim a de religião segundo Tylor; passo seguint e, o 41 desenvolvimento destes seres em deuses, entidades amplamente superiores ao homem e capazes de controlar seu destino. As objeções já levantadas à teoria de Spencer aplicam-se igualmente à de Tylor. Sendo im possível saber de qu e mo do surgiram as idéias de alm a e espírito, a ment e do erudi to im põe u m a constru ção lógica ao hom em p rim itivo, e tal passa a ser a explicação de suas crenças. A teor ia é da m esm a qualidade de estórias do tipo" de com o o leopardo adq uiriu as suas manchas". As idéias de alma e espírito poderiam ter surgido como Tylor imaginou, mas não há nenhuma evidência de que assim tenha sido. Quando mu ito pod er-se-á demo nstrar que os primit ivos citam os son hos com o pro va da existên cia da alma e se apóiam nas almas para demonstrar a existência de espíritos, mas mesmo se isto fosse conseguido, não se provaria que os sonhos fazem nascer uma idéia e a alma faz nascer a outra. Swanton protesta acertadamente contra essas explicações causais, perguntando por que, quando um homem morre e alguém mais tarde sonha com ele, isto pode ser chamado de "inferência óbvia" (Tylor) de que o morto tinh a um a vida fantasma] divisível de seu corpo. Isto é óbvio p ara quem? O m esm o aut or t amb ém assinala que não há identidade de atitudes em relação aos mortos e em relação aos sonhos entre os povos primitivos e que as diferenças devem necessariamente ser levadas em consideração se qualquer
"in ferência ób via" está prestes a ser aceita com o con clusão causal válida 1 . Dizer qu e a idéia de alm a leva à idéia de espírito, é uma suposição muito duvidosa. Ambas as idéias estavam presentes entre os então cham ado s selvagens inferio res, qu e, nu m a perspect iva evolu cionista, eram o q ue h avia de m ais 1 J. R. Sw ant on , THREE FACTORS IN PRIM ITIVE RELIGIO N , Am erican Anth rop olo gist, N. S. XXVI (1924), 35865. 42 pró ximo do hom em pré-histórico; e os dois conceitos são não apenas diferentes, m as tam bém opo stos, sendo o espírito considerado com o in corpóreo, estranh o ao h om em e invasivo. Efetivament e, Tylor, não conseguindo reconhecer uma distinção tão fundamental entre os dois conceitos, cometeu um grave equívoco na sua representação do pensam ento hebraico antigo, como o Dr. Snaith assinalou 1 . Do mesmo m odo, ainda não se provou q ue os povos mais primitivos pensem q ue as criaturas e os objeto s imat eriais tenham almas semelhantes à do homem. Se qualquer povo pode ser considerado como predo m inantem ente anim ístico, no sentido q ue Tylor dá à palavra, ele há de perten cer a cultu ras m uito m ais avançadas, um fato q ue, embo ra não t enha q ualquer significação histór ica para m im, seria altamen te lesivo à argument ação evolucionista. O m esm o p ara o fato de qu e a concepção de u m deus se encont ra entre tod os os povos caçadores e agriculto res dito s inferiores. Finalment e, poderemo s pergun tar com o é que, se a religião é o produto de uma ilusão tão elementar, lhe foi possível manter-se com tão grande continuidade e p ersistência. Tylor tent ou dem onstrar qu e a religião prim itiva era racional, que surgia de observações (embora inadequadas) e de deduções lógicas que partiam destas (embora falhas); e que constitu iam u m a filosofia natural grosseira. Em seu t ratam ento da m agia, que distinguia da religião mu ito mais por conveniência de exposição do que por motivos etiológicos ou de validade, ele igualmente saliento u o elem ento racional naquilo qu e chamou d e "esta mixórdia de d isparates". Ela tamb ém se baseia em observações genuínas e repousa, sobretudo, na classificação de similaridades, o primeiro processo essencial do conhecim ento hum ano. Onde o m ágico erra é em inferir qu e um a vez qu e as coisas 1 N. H. Sn aith , THE DISTIN CTIV E IDEAS OF THE OLD TESTAM ENT, 1944, p. 148. 43 são sem elhan tes elas estão d ot adas de u m elo m ístico ent re si, ocasião em q ue se conf und e um a con exão ideal com um a conexão real, ou um a conexão subjetiva com u m a objetiva. E se no s pergunt armo s com o é que povos capazes de explorar a natureza e tão bem e organizarem socialmente podem cometer tais erros, a respo sta é q ue eles têm razões muito boas para não perceber a fu tilidade d e sua m agia. A própria natureza (ou a t rucagem, po r parte d o m ago), freqüentem ente é a respon sável pelo aparecim ento daquilo que se atribui à magia; e se a magia não consegue atingir seu objetivo, o fato é logo explicado racionalm ent e por t er havido algum a desob ediência às regras, ou po rqu e se ignoraram certas pr escrições, ou porque alguma força hostil se contrapôs à prática. Do mesmo modo, existe uma plasticidade em relação ao julgam ent o d e sucesso o u fracasso e as pessoas em to da a part e acham m uit o d ifícil aceitar a evidência, especialm ente q uando o peso d a autorid ade induz à aceitação d o qu e confirm a um a crença e a rejeit ar o q ue a con tr aria. Aqui as ob servações de Tylor são corro bo radas pelas ob servações etn oló gicas. Mencionei de passagem as discussões de Tylor acerca da magia, utilizando-as em parte como mais uma ilustração da interpretação int electualista e em parte po rque elas levam diretam ente a u ma estimativa das contribuições de Sir James Frazer no que concerne o nosso assunto. Frazer é, eu creio, o nome mais conhecido na antropologia e todos devemos muito a ele, bem como a Spencer e a Tylor. Seu livro THE
GOLDEN BOUGH, um t rabalho de no tável esfor ço e grand e erud ição, se ded ica às sup erstiçõ es pr im itivas. Mas não se pode dizer que ele tenha adicionado muitas contribuições valiosas para além da teoria da religião de Tylor; diga-se antes que introduziu alguma confusão nela, sob a forma de duas novas sup osições, um a pseudo-h istó rica e out ra psicológica. Segund o Frazer, a hum anidade 44 — em t oda a p ar t e e m ai s cedo ou m ais t ar de — at ra ve ssa t rês est ágios d e d esen volv im en t o int elect ual, da m agia à religião e da religião à ciência, um esqu em a que po de t er sido calcado nas fases de Com t e - a teológica, a metafísica e a positiva, embora esta correspondência não se possa chamar de exata. Outros escritores da época, tais como King, Jevons e Lubbock (e ainda, como veremos, por certa maneira de encarar o assunto - Marett, Preuss e os escritores da escola da ANNÉE SOCIOLOGIQUE), também , acreditavam que a magia precedesse a religião. Em certo momento, diz Frazer, as inteligências mais atiladas provavelm ent e descob riram qu e a magia não alcançava realmen te seus fins, mas, ainda incapazes de superar suas dificuldades por métodos empíricos e de enfrentar suas crises por meio de uma filosofia refin ada, passavam a um a out ra ilusão: a d e que h avia seres espirit uais capazes de lhes prestar ajud a. Com o decorrer do tempo, tais inteligências viam que os espíritos eram igualmente falazes, um episódio de iluminação que prenunciava o alvorecer da ciência experimental. Os argumentos que apoiavam esta tese eram, para dizer pouco, triviais; e etno logicament e m uito vulneráveis. M uito particularment e as conclusões baseadas em dad os australiano s passaram m uit o lon ge do alvo e, um a vez qu e os australiano s foram trazidos à baila para dem onstrar que qu anto m ais sim ples a cultu ra maior a m agia meno r a religião, vale a pena assinalar que os povos caçadores e agricultores, incluindo muitas tribos australianas, têm crenças e cult os anim ísticos e t eísticos. É tam bém evidente q ue tant o a variedade qu anto o volum e de magia em suas culturas deve ser menor - e na verdade o é - do que em culturas tecnologicamente avançadas; não pode, por exemplo, haver uma magia da agricultura ou magia de trabalhar o ferro na ausência de plantas tratadas e na ausência de metal. Hoje ninguém mais aceita a teoria dos estágios de Frazer. 45 A part e psicológica de sua tese é a que op õe a m agia e a ciência à religião, as du as prim eiras po stu lando um mundo sujeito a leis naturais invariáveis, uma idéia que ele compartilhava com Jevons 1 e a religião postulando um mundo em que os fatos dependeriam dos caprichos dos espíritos. Conseqüentemente, enq uan to o m ágico e ,o cientista, estr anh a associação, executam suas operações em t ranq üila confian ça, o padre realiza a sua com medo e tremendo. Portanto, psicologicamente, a magia e a ciência seriam semelhantes, embora aconteça, entre ambas, que uma seja falsa e outra verdadeira. Esta analogia entre ciência e magia, só se mantém enquanto ambas são técnicas, e, para a maioria dos antropólogos, ela é apenas artificial. Frazer aqui comete o mesmo erro de método' que LévyBruhl, quando da comparação realizada por este entre ciência moderna e magia primitiva, em vez de comparar técnicas empíricas e m ágicas den tro das mesmas cond ições cultu rais. Ent retan to , nem tu do o q ue Frazer escreveu a respeito d a m agia e da religião era d espr ezível. Havia alguma sub stância no s escrito s. Ele foi capaz, po r exem plo, d e dem onstrar, com seu trabalho so m étodo , aquilo que Condorcet e out ros tinham apenas m encionado, isto é, quanto é freqüen te q ue ent re po vos mais simp les do mu ndo os legisladores sejam m ágicos ou padres. Além disso, embora ele tenha adicionado pouco à explicação fornecida por Tylor da magia como uma aplicação errô nea da associação de idéias, contrib uiu com alguns term os classificató rios út eis, mo str ando qu e essas associações são d e do is tip os, aqu elas de similarid ade e as de con tacto, o u m agia hom eopát ica
ou im itativa e magia de cont ágio. Porém não fo i além de m ostrar que nas crenças e rito s mágicos pod em se discern ir 1 F. B. Jevo ns, REPO RT ON GREEK M YTHOLOGY, Fol k-Lo re, I1, 2 (1891 ) p. 220. 46 certas sensações elem ent ares. Nem Tylor n em Frazer explicaram po r qu e os povo s, em seus erro s sob re o m ágico, como supunh am os autores, tom avam conexões ideais po r reais sem qu e o fizessem em ou tras atividades. Além de tu do, as coisas não o correm exatam ente assim . O erro aqu i foi não r econ hecer que as associações são estereótipos sociais e não psicológicas e que, portanto, só podem ocorrer quando evocadas em específicas situ ações ritu ais qu e são tam bém de d uração lim itada, com o assinalei ant es. 1 Acerca de todas estas teorias, num certo sentido intelectualistas, devemos dizer que, se por um lado elas não podem ser refutadas, por outro, não, podem ser demonstradas, pela simples razão de que não há pro vas sob re o m odo com o se originaram as crenças religiosas. Os está gios de evolu ção que esses aut ores tentaram construir como meio de fornecer as provas de que careciam, pode ter tido uma certa consistência lógica - porém não têm qualquer valor histórico. Entretanto, mesmo se devemos nos descartar do s evolu cionistas (ou ad epto s da t eoria d a pro gressão) o u se, às suas assertivas e julgam ent os, devemos dar o estatuto hipóteses vagas, podemos conservar muito do que disseram a respeito da racionalidade essencial dos povos primitivos. Esses povos podem não ter chegado às suas crenças do m odo suposto p or estes aut ores, mas m esm o assim o elem ento de racionalidade perm anece, ainda qu e as ob servações t enh am sido inadeq uadas, as inferên cias defeitu osas, e as conclusões erradas. As crenças são semp re coerent es e até certo pont o po dem ser críticas ou céticas, e até m esm o experim entais, no int erior m esm o d o sistem a da crença e em seu idiom a; e seu p ensament o 1 THE IN TELLECTU ALIST (EN GLISH) IN TERPRETATION OF M AGIC , Bulletin of the Faculty of Arts, Egyptian University (Cairo), 1, parte 2 , (1933 ), pp. 282-311. 47 é port anto inteligível para quem qu er que cuide aprender a língua e estud ar os m odo s de vida dos po vos em questão. A teoria animística, sob várias formas, permaneceu intocável por muitos anos e deixou suas marcas em toda a literatura antropológica de seu tempo; como é o caso, para dar apenas um simples exemp lo, do trabalho em que Do rm am apresenta u m a avaliação geral da religião dos índios americanos: nela, qualquer crença - tot em ism o, feitiçaria, fetichismo - é apresentada em term os anim ísticos. Porém começaram a surgir outras vozes protestando, tanto no que concerne a origem da religião, quanto em relação à sua ord em de d esenvolviment o. Antes de coment armo s o que diziam , devemo s lemb rar qu e os críticos tin ham du as vantagens de q ue careciam os seus pred ecessor es. A psicologia associacionista, qu e era m ais ou m eno s um a teor ia m ecanicista d a sensação, estava dand o lugar à psicolo gia experim ent al, sob a influência da qu al os ant ropólo gos passaram a ado tar no vos term os, emb ora de m od o convencional e em seu sentido comum, pelo que passamos a ouvir falar menos das funções cognitivas, substituídas por função afetiva, função conativa e elementos orécticos da mente; passamos a ouvir falar em instintos, emoções, sentimentos e, mais tarde, sob a influência da psicanálise, de complexos, inibições, projeções, etc., send o d e considerar qu e a psicolo gia da GESTALT e a psicolo gia das m ultid ões ainda viriam a tr azer sua marca para o novo vocabulário. Porém, o que era ainda mais importante, era o grande avanço ocorrido na etnografia durante as últimas décadas do século dezenove e começos do século atual. Isto m uniciou os autores que se seguiram com nu mero sas inform ações e de m elhor q ualidade: pesquisas com o
as de Fison , How itt e Spen cer e Gillen, acerca de ab orígines austr alianos; pesqu isas de Tregear sob re o s Maoris; de Codrington, Haddon e Seligman sobre os melanésios; de Nieuwenhuis, Kruijt, Wilken, Snouck Hurgronje 48 e Skeat e Blagden sobre o s po vos da Indo nésia; de M an sob re os das ilhas And am an; de In Thu rn e voo den Stein en sobre o s am eríndios; de Boas sob re os esqu im ós e, na Áfr ica, M acdonald, Kidd , M ary Kingsley, Jun od , Ellis, Dennet e ou tr os. Ter-se-á percebido q ue em um aspecto Frazer diferia radicalm ent e de Tylor: em sua afirmativa de que a religião fora precedida por uma fase mágica. Outros autores adotaram o mesmo ponto de vista. Um americano, John H. King, publicou em 1892 dois volumes intitulados O SOBRENATURAL: SUAS ORIGENS, NATUREZA E EVOLUÇÃO. O livro causou p ou co im pact o devi do ao clim a de anim ism o ent ão reinante e, tendo caído no esquecim ento, só m ais tarde foi r essuscitado p or W ilheim Schm idt. Tão int electualista e evolu cionista quanto out ros de seu t em po, ele era de o pinião qu e as idéias de fant asm a e d e espírito são sofisticadas dem ais para h om ens rudes, op inião qu e segue logicament e o conceito básico do p ensam ento evolucionista da época, qual seja o d e que t ud o se desenvolve a partir de algo mais simples e mais bruto. Há de haver, pensava ele, um estágio ainda anterior ao animismo, um estágio "m ana", em q ue a idéia de fort una, de bom e de mau augúrio fossem o ú nico com pon ente daquilo que ele chamava de supremo. Isto teria surgido de falsas deduções a partir de observações de estados físicos e pro cessos orgânicos, levando o h om em prim itivo a supo r qu e a virtud e, o " m ana", estivesse nos objetos e fatos mesmos, como se fossem deles propriedades intrínsecas. Daí o surgimento de encant ament os e feitiços, e o n asciment o d o estágio d a m agia. Depois, através de erros de julgamento e raciocínios falsos a partir de sonhos e estados neuróticos adquiridos, a idéia de fantasmas; e finalmente, por uma sucessão de etapas, a de espíritos e deuses, sendo que os vários estágios dependeriam de um desenvolvimento geral das instituições sociais. Assim, também para King a religião era uma ilusão. Pior: um 49 desastr e qu e bloqu eava o pro gresso mo ral e intelectu al. E os povos prim itivos, que acreditavam em tais fábulas, seriam como crianças pequenas, o desenvolvimento ontogenético correspondendo aqui ao filogenético, o qu e os psicólogos costu mavam chamar de d out rina da recapitulação. Que deve te r existido um estágio mais anterior 'e cru n a religião que o an imístico, é afirmativa feita tam bém por out ros aut ores além d e Frazer e King, send o do is dos mais con hecidos deles, Preuss na Alem anh a e M arett na Inglaterra. Eles apresentaram um desafio à teoria de Tylor, que por t anto t emp o do min ara o cenário. M as em alguns casos o desafio se referia apenas à questão da ordem do desenvolvimento e os críticos do assunto não conseguiram provar que houvesse existido um estágio de pensamento tal como os autores haviam po stu lado. O ataque m ais radical e agressivo p artiu de do is pu pilos de Tylor: And rew Lang e R. R. M arett . Como seus contemporâneos, Andrew Lang era um teórico evolucionista mas recusava a idéia de que deu ses se pud essem desenvolver a part ir de fant asm as ou d e espírit os. Ele escreveu com mu ito b om senso - embora às vezes também cometesse disparates - mas, em parte porque a origem animística da religião fosse tão geralment e aceita com o evident e, o que ele veio a dizer a respeito d a religião prim itiva passou ignorado até que W ilhelm Schmidt o recup erasse. Deve-se tam bém ao fato d e ele ter sido um hom em de letras rom ânt ico, capaz de escrever sob re assun to s tais com o o Príncipe Charl es Edw ard e M ary Stu art, que tenha sido considerado um simples literato e um diletante. Lang era um animista enquanto concordava com Tylor. nisto de qu e a crença em alm as, e conseqüent ement e em espíritos, poderia m uito
bem ter partido de fenô m enos psíquicos (sonh os, etc.), m as, po r ou tra lado, n ão estava disposto a aceitar a idéia de Deus com o sendo um desenvolviment o t ardio das noções de almas, fantasmas 50 e espíritos. Ele assinalou que a idéia de um Deus criador, moral, paternal, onipotente e onisciente se encontra mesmo entre os povos mais primitivos do globo e deve ser considerada como pertencente ao assim chamado argumento do desígnio, uma conclusão racional do homem primitivo segundo a qual o universo ao seu redor deve ter sido obra de algum ser superior. Seja como for, nos critérios dos evolucionistas a idéia de Deus, sendo encontrada entre povos culturalmente mais simples, não pode ser um desenvolviment o t ardio das idéias de fantasma e alma o u qu alqu er ou tra coisa. Ainda m ais, con tinua Lang, o ser supremo de tais povos é, em muitas circunstâncias, pensado não como um espírito (pelo m enos no no sso sentido d o divino espírito - "Deus é um espírito e aqueles que o cultuam devem cultuá-lo em e spírito e em verdad e") m as sim com o um a espécie de pessoa. Assim , Lang conclui que a concepção de Deus "não precisa ter evoluído a partir de reflexões acerca de sonhos e fantasmas” 1 . A alma-fantasm a e Deus teriam origens totalmente diferentes, e o monoteísmo poderia até ter antecedido o animismo embora a prioridade histórica possa não ser nunca esclarecida. Apesar desta afirmativa arguta, Lang achava que o monoteísmo era prioritário no tempo, corrompendo-se e degradando-se mais tarde pelas idéias animísticas. As duas correntes de pensamento religioso finalmente se reuniam, uma através das fo nt es heb raicas e a out ra através das helenísticas, no Cristianism o. A linha de argum ent ação de M arett era bem diversa. Ele não apen as defen dia a exist ência de um estágio pré-anim ístico, m as qu estio nava, com base em el em ent os m eto do lógicos, tod a a argum ent ação das explicações da religião até ent ão surgid as. O ho mem prim itivo, segun do ele afir 1 Lang, THE M AKING O F RELIGIO N , p. 2. 51 m ava, não era absolutam ente o filósofo " manq ué" qu e haviam d esenhado. Com o hom em prim itivo, não são as idéias qu e dão lu gar à ação, m as sim é a ação q ue dá lu gar às idéias. Assim , "A religião selvagem n ão é tão pensada quarto dançada" 1 . `É o lado motor da religião selvagem o que importa, não o seu lado reflexivo; e a ação d eriva de estad os afetivos. M arett chegou à conclusão de qu e, nos estágios iniciais, préanimísticos, a religião não pod e ser d iferençada d a m agia, enquanto pod e sê-lo mais tarde, qu ando esta é condenada pela religião organizada e adquire um significado oprobrioso. Ele achava melhor, quando falando de povos primitivos, usar a expressão "mágico-religioso", expressão, aliás, a meu ver infeliz mas que foi adotada por muitos antropólogos, entre os quais Rivers e Seligman. Mas Marett preferia ainda falar de amb as as idéias como "m ana", um a palavra da M elanésia que o s antr opó logos acrescentaram ao seu -vocabulário de conceito s com resultado s a meu ver d esastro sos; pois emb ora não possamo s discutir assunto tão complicado agora, parece claro que "mana" não significa para os usuários nativos da palavra aquela força impessoal, uma concepção quase metafísica, que Marett e outros, tais como King, Preuss, Durkheim, Hubert e M auss, seguindo a inform ação ent ão disponível, atribuíam à idéia. Segun do M arett , os po vos prim itivos têm um sentim ento de que existe um pod er oculto em certas pessoas e em certas coisas e é a presença ou ausência deste sentim ento que separa o sagrado do pro fano, o m undo do m aravilhoso do m un do do dia-a-dia, caben do aos tab us pr oceder a esta separação. __ Est e sentim ento seria a emo ção do h orro r, um comp osto de \ m edo, deslum bram ento, adm iração, interesse, respeito e talvez até am or . Seja o q ue fo r qu e tal sensação evoq ue e
1. R. R. M arett , THE T`M ESHO LD O F RELIGIO N , segun d a ed. (19 14), p . XXXI. 52 que passe a ser tratado como mistério, ela é religião. Por que deveriam algumas coisas evocar tais respo stas e não ou tras, e por q ue isto ocorreria entre certo s po vos e não entre ou tro s, são p ergunt as qu e Marett não nos responde; aliás seus exemplos ilustrativos são insuficientes e trazidos à argumentação atabalhoadamente. Embora ele diga que neste estágio a magia não possa ser diferençada da religião, Marett oferece para a magia uma explicação igualmente emocionalista. A magia surgiria de tensões emocionais. O homem sucumbe ao ódio ou ao amor ou a outra emoção qualquer e, desde que não há nada de p rático qu e possa fazer a respeito , recorre ao fingiment o p ara aliviar a tensão, do m esm o m odo qu e um amant e traída pode jogar ao fogo o retrato d e sua amant e. Isto é o que M arett chama de m agia rudim entar (Vierkandt argum enta d a mesm a ma neira). Quando tais situações se repet em com suficiente freqüên cia, a resposta se torna estabilizada sob a form a qu e designa como m agia -desenvolvida, um mo do socialmente reconhecido de comportamento habitual. A esta altura, o mago está bem consciente da diferença entre símbolo e realização. Ele então já sabe que não está fazendo "a coisa real", sabe que apontar uma lança para um inimigo distante enquanto pronuncia palavras de feitiço contra ele não é a mesma coisa que lhe atirar de perto contra o corpo a lança; ele não confunde, como queria Tylor, uma conexão ideal com uma real; pelo que também não há, como queria Frazer, verdadeira analogia entre m agia e ciência, pois o selvagem en tão conhece bem a diferença ent re causa mágica e causa real, ent re a ação simbólica e a ação empírica. Assim, a magia é uma atividade de substituição nas situações em que faltam meios práticos para conseguir um objetivo; e sua função é catártica ou simuladora, dando ao homem coragem, alívio, esperança, tenacidade. No seu artigo sobre a magia na ENCICLOPÉDIA DE RELIGIÃO E ÉTICA d e Hastin g, M aret t dá 53 uma explicação algo diversa, embora igualmente catártica, de certas formas da expressão mágica 1 . Situações repetidas na vida social geram estados de emoção intensa que, não podendo encontrar expressão nu m a atividade que leve a um a finalidade prát ica (assim com o caçar, lutar e fazer am or ) devem ser enf rent adas através de ativid ades secun dárias ou sub stit ut as, com o danças qu e representem a caça, a luta, o ato amoroso; mas aqui a atividade substituta serve como válvula de escape para energias acumuladas. A partir deste ponto tais atividades substitutas passam a auxiliares da ação empírica, conservando sua fo rm a mim ética, embo ra sejam na realidade repercussões e não imit ações. M arett disse muito pouca coisa importante sobre a religião primitiva, quando comparamos esta área com sua cont ribuição na área da 5om preensão da m agia. Ele falou m uito do "sagrado ", no que, acho, esteve sob influência de Durkheim , m as suas afirm ações pouco m ais foram do q ue m ero jo go de p alavras. Talvez ele se tenh a sentid o, como m emb ro d e um a faculdade de Oxford, à época, numa po sição equ ívoca; e, sendo um filósofo, ele conseguiu (p areceu) sair dela ao distin guir a tarefa da antro polo gia social na det erm inação da o rigem da religião (um a m istura de h istória e pro cura de causas), da tarefa da t eologia, que concerne a prob lemas de legitim idade 2 : um a posição qu e, de cert a form a, nós to do s assum im os. Sua conclusão é qu e "o fim e o resultado da religião p rimitiva é, em u ma palavra, a consagração d a vida, o estímu lo à vont ade de viver e ao fazer" 3 M arett era um escrito r brilhante, m as emb ora fosse 1 M arett, in ENCICLO PÉDIA DE RELIGI AO E ÉTICA , de Hastin g, 191 5, vol. VIII. 2 Marett, ORIGIN AND VALIDITY IN RELIGION (1916) e M AGIC OR RELIGION ? (1919), in Psychology and Folk-Lore (1920). Ver tamb ém artigo citado na not a seguint e.
3 " RELIGIO N (PRIM ITIVE RELIGIO N )", Ency. Brit., 11 8 ed ição, XIX P. 105. 54 realm ente u m filósofo genial e instigante, capaz de com um pequeno trabalho pub licado se estab elecer desde logo com o u m líder da escola p ré-anim ística, não con seguiu som ar às suas teor ias o n ecessário p eso emp írico, pelo qu e sua influência e sua repu tação n ão dem oraram m uito. Realment e não bastava que ele dissesse (emb ora o tenh a dito com m uita graça e haja um pou co d e verdade em tud o isso) nu m a conversa que, para entender a mente primitiva não havia necessidade nenhuma de ir viver entre os selvagens, bastando para tal fim , ir-se a u ma sala qualquer d a universidade d e Oxford. Falarei agora, brevement e, sobre os inúmeros escritos de outro erudito clássico, um chefe de escola, Ernest Crawley, cujos livros apareceram mais ou menos ao mesmo tempo que os de Marett. Ele empregou boa dose de bom senso para derrubar teorias errôneas ainda vigentes à época, tais como a do casamento grupal, comunismo primitivo, e casamento por captura; mas as suas contribuições positivas próprias são de menor valor. Ao discut ir a r eligião em THE IDEA OF THE SOUL, ele acom panho u Tylor ao supo r qu e a con cepção de espírito desenvolve-se a partir da de alma e, num estágio mais avançado da cultura, transforma-se na idéia de Deus; mas ele discordava de Tylor no que concerne à gênese da idéia de alma. A opinião de Tylor neste assunto, dizia Crawley, nada acrescenta a Hobbes ou Aristóteles, e é psicologicamente impossível que a idéia de alma tenha se originado de sonhos, etc. Ela deve, sim, ter surgido das sensações. O homem primitivo podia visualizar qualquer pessoa que conhecesse quando tal pessoa estivesse ausente e, de tal dualidade surgiram as idéias de alma e d e fantasm a; segue-se qu e tud o aquilo d e que u m a imagem m ental possa ser formada pode ter uma alma, embora as almas dos objetos inanimados não sejam mais "an im adas" q ue o s ob jeto s mesmo s, como acreditava Tylor. Assim , "a exist ência espirit ual é a exis55 tência mental; o mundo dos espíritos é o mundo mental”1. Quanto a Deus ou aos deuses, são apenas agrupamentos de fantasmas ou fantasmas de indivíduos importantes, como disse Spencer. A religião é, portanto, uma ilusão. Se isto fosse tudo o que Crawley escreveu acerca da religião, ele poderia ser catalogado en tre o s da classe int electu alista e os com ent ários gerais qu e se fazem sobre ela se aplicariam tam bém a ele. M as em ou tr os de seus escrito s, incluind o seu trab alho inicial (e m ais conh ecido) A ROSA M(STICA, que eu, como alguns de seus contemporâneos, considero ininteligível, Crawley parece ter uma teoria mais geral da religião. A totalidade dos hábitos mentais do homem primitivo é religiosa ou sup ersticiosa, e po r isto a m agia não se deve distinguir d a religião. Em sua ignor ância, ele vive nu m m un do de m istério em qu e não diferencia a realidade objetiva da sub jetiva; e a mola prop ulsora de t odo o seu pensam ento é o m edo, especialm ente o do perigo n as relações sociais, mu ito especialm ente aqu elas que envolvem homem e mulher. Tal sentimento seria parcialmente instintivo e parcialmente devido a uma idéia mais ou menos subconscientes de que as propriedades e qualidades, sendo infecciosas, se podem transmitir pelo contacto. Assim, os homens se sentem particularmente vulneráveis durante atos fisiológicos tais como comer ou manter relações sexuais, pelo que tais atos são isolados como tabus. Crawley conclui que "todas as concepções religiosas vivas surgem de origens funcionais mais ou menos constantes, de natureza fisiológica ou psicológica” 1 . Ele chega a falar de um "p ensament o fisiológico", o processo pelo qual as funções, por um reflexo mais ou menos orgânicos, produziriam "idéias" acerca das m esm as fun ções. Nesta t eoria a religião primitiva é praticament e o tabu, o p rodut o do 1 A. E. Craw ley, THE IPEA OF THE SOUL, 1909, p. 78.
56 m edo; os espíritos em que crêem o s po vos prim itivos seriam apenas um p rodut o do medo e do perigo. A m im m e par ece difícil conciliar esta p osição com a afirm ativa feit a em THE IDEA OF THE SOUL segun da a qual a "alm a é a base de to da a religião" 1 . M as como eu já disse, não considero Crawley um escritor m uito lúcido. Seu tema geral, no entanto, é o mesmo em todos os seus livros: a religião é, em última análise, apenas um prod uto do m edo do ho m em p rimitivo, de sua hesitação, sua falta de iniciativa, sua ignorância e sua inexperiência; não chega a ser uma coisa mesma, um departamento da vida social, mas sim um tõnus ou espírito que permeia suas partes e cuida dos processos fundamentais da vida orgânica e acontecimentos mais críticos nela envolvidos. O instinto vital, o impulso para a vida, é idêntico ao sentim ento religioso. A religião sacraliza o q ue p rom ove a vida, a saúde, a força. Quando nos pergunt amo s o que vem a ser a emoção religiosa, respondem-nos que não é nada específica, "constituindo aquele tom ou qualidade de q ualquer sentim ento qu e result a na sacralização d e algo" 2 . Segue-se da argum ent ação de Crawley, segundo ele mesmo disse, que quanto maior for o perigo, maior será a religiosidade, e assim, quanto mais primitivo estágio de cultura, tão mais religiosa será; e a mulher sempre mais religiosa que o homem. Mais ainda, Deus é um produto de processos psicobiológicos. Antes de comentar as idéias de M arett e Crawley a respeito de religião e m agia, con sideremos algun s outro s exem plos sem elhantes. Acho que devo dizer algum a coisa sobre W ilhelm W undt, um nom e influente em seu tem po, emb ora em nossos di as raram ent e seja m encio n ado . Escrit or eclético, fica difícil situ á-lo. O enfoq u e do seu VOLKERPSYCHO1 I d., p .1. 2 Crawley, THE TREE OF LIFE, 1905, p. 209. 57 LOGIE indubitavelmente influenciou Durkheim, mas, no geral, pode-se dizer que suas explicações eram psicológicas, assim com o alt am ent e evolucionistas e tam bém especulat ivas, além d e ent ediant es. Para ele, as idéias que se referem ao que não é imediatamente apreensível pela percepção, o pensamento mitológico, como ele o chama, originar-se-iam de processos emocionais, basicamente o medo ("Scheu") que " são projetados rumo ao m eio-ambiente" 1 . Em prim eiro lugar vem a crença na m agia e nos dem ônios, e não é senão n o p róximo estágio de evolução, a Idade Totêm ica, que começa a religião prop riamen te, no culto de anim ais. Ent ão, à medida em que o to temismo se evanesce, o t ot em -ancestral é sub stituído por um ancestral hu m ano como objeto d e culto . O culto do ancestral se transforma em culto do h erói e m ais tarde em culto de deuses: a Idade dos Heróis e Deuses. O estágio final é a Idade Humanística, com seu universalismo religioso. Talvez tudo isto devesse se chamar filosofia da história, e não antropologia. Constitui certament e um a leitura m uito estranh a para o antro pólogo de ho je. Chegam os então à era dos antrop ólogos que se dedicaram ao trabalho de camp o e que estud aram po vos nativos em prim eira mão, em vez de se basearem em relat os de terceiros, de observador es não tr einados. R. H. Low ie, cujo estu do do s índios Crow foi um a import ante contr ibuição para a antropo logia, inform a-nos que a religião prim itiva se caracteriza por um "sentimento do Extraordinário, do Misterioso ou do Sobrenatural”, 2 (notar que escreve em m aiúsculas) e que a resposta religiosa é de "assom bro e terro r; sua fo nt e é o Sob renatur al, o Extra1 W . W un dt , ELEM ENTS OF FOLK PSYCHOLOGY, 19 16, p . 74. 2 R. H. Low ie, PRIM ITIVE RELIGION, 192 5, p. XVI. 58
ord inário, o Fant ástico, o Sacro, o Santo , o Divino" 1 , (no tar n ovam ent e as m aiúsculas). Com o Craw ley, ele afirma que não há comportamento especificamente religioso, mas sim sentimentos religiosos, de modo qu e a crença dos índio s Crow na existên cia de fantasmas do s m ort os não é religiosa, po rqu e o assun to não é de in teresse em ocional para os índios; assim , tanto o at eu m ilitante qu anto o padre po dem ser pessoas religiosas se experimentam os mesmos sentimentos, e o dogma cristão e a teoria da evolução biológica podem, ambos, ser chamados de doutrinas religiosas. O positivismo, o igualitarismo, o absolutismo e o culto da razão, são indistinguíveis da religião; mais: a bandeira de um país é um típico símbolo religioso. Quando a magia se associa à emoção passa a ser, também ela, religião. De outro modo, seria um equ ivalente p sicológico de no ssa ciência, com o disse Frazer. Paul Radin, out ro. am ericano, cujo estud o d os índios W innebago foi t amb ém n ot ável, assum iu po sições sem elhantes. Não há com port ament o religioso específico, mas sim um sentimento religioso, uma sensibilidade maior que o normal para com certas crenças e costum es, "q ue se man ifesta po r um frêm ito , um a sensação d e regozijo, exaltação e t error e numa completa absorção nas sensações internas” 2 . Quase tod as as crenças po dem estar associadas com este sentim ento religioso, em bora m ais freqüent em ente o estejam os valores de sucesso, felicidade e vida longa (e aqui sentimos ecoar William James e sua "religião da mentalidade saudável"); o frêmito religioso seria particularm ente evidente n os mo men tos críticos da vida, com o os da puberdade e da m ort e. Quando aquilo qu e é geralmen te considerado com o m ágico faz despertar a em oção 1 Ibid. p. 22. 2. P. Radi n, SOCIAL AN THROPOLOGY, 193 2, p . 24 4. 59 religiosa, então passa a ser religião. Caso contrário, é folclore. Para citar um último antropólogo americano, e dos mais brilhantes, mencionemos Goldenweiser: ele também diz que os dois reinos do sob renatural, o m ágico e o religioso são caracterizado s por um "frêm ito religioso" 1 Com o trabalhador de camp o, M alinow ski deixou o s ant ropó logos para semp re deved ores seus, m as no s seus escrito s explicitamente teóricos mostrou pouca originalidade e pouca distinção de pensamento. Fazendo diferença, como o utro s, entre o sagrado e o p rofano, ele afirm ou qu e o que d istinguia o prim eiro seria o fato d e que o s ato s a ele relacionados ocorreriam em m eio à reverência e temor. A m agia difere da religião em que os ritos religiosos não têm propósito ulterior, estando o seu objetivo no rito mesmo, como nas cerim ôn ias que o correm d urante o s nascimento s, puberdade e m ort e; enq uanto q ue na m agia se acredita qu e o fim "é o bt ido" através dos ritos, mas não está neles m esm os, com o ocorre no s ritu ais da p esca, ou da agricultura. Psicologicamente, no entanto, as duas são semelhantes, uma vez que a função é, em amb as, catártica. Diante d as crises da vida, principalmen te a m ort e, os hom ens em seu m edo e ansiedade aliviam suas tensões e superam seu desespero pela execução de ritos religiosos. A discussão de Malinowski, em seus escritos posteriores 2 segu e tão de perto a tese de M arett, que pou co precisaremo s dizer a respeito. Como a religião, a magia surge de e funciona em situações de tensão emocional. Os homens 1 Gold enw eiser, EARLY CIVILIZATION, 19 21, p . 346 . 2 M alino w sky, " M AGIC, SCIENCE AND RELIGION" , in Scien ce Religion and Realit y, 1925 . Em ensaio ant erio r, " THE ECONOM IC ASPECT OF THE INTICHIUM A CEREM ONIES" , in Festskrift Tillëgnad Edvard W est erm arck, 1912, ele se inter essara mais pelo papel desemp enhado pela magia, o element o m ágico do t otem ism o em part icular, em relação à evolução econôm ica.
60 não têm conhecimentos adequados para superar por métodos empíricos as dificuldades que se cont rapõem a seus objetivos, de m odo que u sam a m agia como u m a atividade d e substituição, o que alivia a tensão causada pela imp otência que ameaça o sucesso de seus em preend im entos. Daí a form a m imét ica dos ritos, a conversão de atos sugeridos pelos fins visados. Assim a magia produz o mesmo resultado sub jetivo que a ação em pírica teria conseguido , restaura-se a confiança, e seja qual fo r o pro gram a em qu e as pessoas est ejam engajadas, ele po de ser levado avante. Tal explicação é seguida p or o ut ros auto res sem comentários críticos, entre eles Driberg 1 e Firth 2 ; efetivamente, explicações emocionalistas deste tipo eram comuns entre os que escreveram sobre o assunto naquele período. Mesmo um equilibrado estudioso da vida primitiva como foi R. Thurnwald aderiu à idéia de que os povos primitivos tomam conexões ideais por conexões reais - a fórmula Tylor-Frazer - dizendo que suas ações mágicas eram tão carregadas de emoções, seus desejos tão fortes, que inibiam os modos mais práticos de pensamento existent es em ou tro s departamen to s de suas vidas3 . Talvez a melho r afirm ativa deste p ont o d e vista (o de qu e a magia é pro dut o d e estado s emo cionais, ou de desejo, m edo, ódio e assim p or diante, e de q ue sua função é aliviar as tensões do homem e lhe dar esperança e confiança) tenha vindo de um psicólogo, Carveth Read, em u m livro que parece ter escapado com pletam ente às atenções do s ant ropólo gos - AS ORIGENS DO HOM EM E SUA S SUPERSTIÇÕES4 , - no qual são discutid as a magia e o anim ism o sob o títu lo 1 J. H. Dribe rg, AT HOM E WITH THE SAVAGE, 1932 , p. 188 . 2 R. Firt h, " M AGIC. PRIM ITIVE" , Ency. Brit , 1955 , p. XIV. 3 R. Th urn w ald. "ZAUBER, ALLGEM EIN" , Reallexikon d er Vor gechicht e, 1929 . 4 C. Read , THE ORIGIN OF M AN AN D HIS SUPERSTITION S, 19 20 , Passim . 61 de "crenças imaginárias" por oposição às "crenças de percepção", aquelas do senso comum e da ciência, qu e derivam da percepção sensorial e são po r ela cont roladas. É preciso dizer algum a coisa, em bo ra não m uito, sob re a con tribu ição d e Freud. Um a pont e utilizável na direção do seu pen samen to nos é fornecida po r, entre o utro s, Van Der Leeuw . Os po vos primit ivos, diz ele, não percebem as cont radições que estão po r trás de m uito do q ue pensam, porqu e "u m a necessidade afetiva imperio sa lhes imp ossibilita a visão da verdade" 1 . Eles apenas vêem aquilo que querem ver e este é especialmente o caso da magia. Quando se defron ta com um imp asse, o ho mem pod e escolher entre superá-lo através de sua habilidade e retirar-se para dent ro d e si m esm o, ult rapassando o o bstáculo através da fantasia: poderá po rtant o, voltar-se para fora ou para dentro, sendo este o método da magia, o "autismo", para usar o termo psicológico. Os m ágicos acredit am qu e por p alavras, encantam entos, podem alterar o m un do, e assim pert encem à nobre categoria das pessoas que sup ervalorizam o pen sam ent o: as crianças, m ulheres, poet as, artistas, am ant es, místicos, criminosos, sonhadores e loucos. Todos procuram lidar com a realidade através do mesmo mecanismo psicológico. Esta supervalorização do pensamento, a convicção de que a dura muralha da realidade po de ser rom pida na m ente, ou de q ue ela não existe absolutam ente, foi o que Freud disse t er encontrado em seus pacientes neurót icos e que chamou de o nipot ência do pensamento (ALLM ACHT DER GEDANKEN). Os ritos e fórmulas mágicas do homem primitivo correspondem psicologicamente às ações obsessivas e fórmulas protetoras dos neuróticos; assim, o neurótico é como o selvagem, desde que "acredita poder trans 1 G. Van de r Leeuw , "LA STRUCTURE DE LA M ENTALITÉ PRIM ITIVE" , La Revu e d 'Histo ire et de Philo so ph ie Religieuse, 192 8, p. 14.
62 formar o m undo exterior por um simples pensamento " 1 . Aqui nos vemo s diant e de um novo p aralelism o entre os desenvolvimentos ontogênico e filogênico: o indivíduo passa por três fases da libido - o narcisism o, a descobert a do o bjet o, qu e se caracteriza pela depend ência em r elação ao s pais, e o est ado de maturidade, em que o indivíduo aceita a realidade e a ela se adapta; e estas fases correspondem psicologicamente aos três estágios do desenvolvimento do homem, o animístico (aqui Freud parece referir-se ao que outros teriam chamado de mágico), o religioso e o científico. Na fase narcísica, que corresponde à mágica, a criança, incapaz de satisfazer seus desejos através da atividade motora, se oferece uma recompensa, superando suas dificuldades através da imaginação, substituindo o ato pelo pensam ento ; é um a condição psíquica sem elhante à do m ágico; e o neur ótico é como o m ágico t ambém , po is com o ele, sup erestim a o po der d o pen sam ento . Em out ras palavras, é a tensão, um a agud a sensação de fru stração qu e origina o ritu al m ágico, e este p or sua vez se destin a a aliviar a ten são. Assim , a magia é uma realização-de-desejo na qual o homem se gratifica através de alucinações motoras. A religião é igualm ent e uma ilusão. Ela surgiu e é man tid a por sent im ento s de culpa. Freud n os oferece tal explicação, algo qu e só um gênio poderia se avent urar a com po r, um a vez qu e não havia nem pod ia haver nenh um a prova a apoiá-la; embora, creio eu, se possa dizer que ela seja psicologicamente ou virtualmente verdadeira, no sentido de que um mito pode ser considerado verdadeiro mesmo quando literalmente e historicament e inaceitável. Certa vez, esta fáb ula m erece um a abertu ra do tipo das dos cont os de fadas, quando o s hom ens eram criaturas 1 S. Freud , TOTEM AND TABOO, p. 145 . 63 mais ou menos semelhantes aos macacos, o chefe da horda reservou todas as mulheres para si 1 . Seus filhos se ergueram cont ra sua tirania e cont ra este m ono pólio, almejando desfrutar tam bém das m ulheres e mat aram e comeram o chefe nu m a festa canibalesca (um a idéia que Freud colheu d e Robertson Sm ith). Em seguida os filhos começaram a sentir remorso e instituíram tabus a respeito da devoração de seus totens (identificados com o pai), embora o fizessem cerimonialmente de tempos em tempos, assim com emo rando e renovando a culpa; estabeleceram , além disso, a interdição do incesto, qu e é a origem da cultura, pois a cultura resulta desta renúncia. A teoria de Freud acerca da religião está contida nesta alegoria, porque o pai devorado é também Deus. Este pode ser considerado um mito etiológico, que fornece uma base para os dramas encenados nas famílias vienenses de cujos problemas Freud realizou análises clínicas qu e julgou serem aplicáveis, em sua essência, às fam ílias de qu alquer lu gar, um a vez que eram derivadas da própria natureza da estrutura familial. Não preciso me estender mais. Todos nós conhecemos os traços gerais de sua tese, segundo a qual, para dizer cruamente, as crianças amam e odeiam seus pais, e o filho, das profundezas de seu inconsciente, deseja matar o pai e possuir a mãe (o complexo de Édipo), enquanto a filha, nas profundezas do seu inconsciente, deseja matar a mãe e ser po ssuída pelo p ai (o com plexo de Electr a). Na sup erfície, a afeição e o r espeit o ven cem; e a confian ça no pai e dependência em relação a ele projetadas, idealizadas e sublimadas na imagem paterna de Deus. A religião é port anto u m a ilusão e Freud d eu a seu livro sob re o assun to , 1 Esta idéia, Freud o bt eve de J. J. Atkinson. At kinson era prim o de An drew Lang, que p ub licou seu ensaio "PRIM EI LAW " co mo supl em ent o ao seu p róp rio SOCIAL ORIGINS, de 1903 . Nada qu e correspon da a esta fam ília ciclópica foi descob ert o.
64 o título de 0 FUTURO DE UM A ILUSAO 1 ; m as esta ilusão o é apen as ob jetivam ent e. Sub jetivam ent e ela não é assim, por não ser produto de alucinação: o pai é real. Em linhas como estas, não há limites para a int erpret ação. Do excelente livro d e Fred erick Schleiter acerca da religião pri m itiva qu ero citar as palavras irô nicas que ele ded ica ao COM PENDIO DE DOENÇAS M ENTAIS de Tanzi. Ei-las: "Em cad ência m elíflu a, metáforas equilibradas e com brilhantes artifícios retóricos, ele propõe o paralelismo (profundo, fundamental e inabalável) entre a religião primitiva e a paranóia... Entretanto, aqueles que, seja por predisposições temperamentais ou argumentações mais racionais se disponham a encontrar alguma ju st if icat iva ou dign id ad e n a religiã o do ho m em p rim it ivo , enco ntrar ão , t al vez, algu m co nso lo no fat o de que Tanzi rejeita o paralelismo entre os processos mentais do homem primitivo e os da demência precoce" 2 A magia e a religião são assim reduzidas, ambas, a estados psicológicos: tensões, frustrações, emoções e sentimentos, além de complexos e delírios de qualquer tipo. Dei alguns exemplos de interpretações da religião em bases emocionais. Que devemos agora fazer com elas? Na minha opinião, estas teor ias são, na m aior part e, especulações do tip o " se eu fosse um cavalo" (perm ito -m e repet ir), com a diferença de qu e em vez de dizer: "Se eu fosse um cavalo eu faria o qu e um cavalo faz po r esta ou aquela razão", ela diz agora: "eu faria o que um cavalo faz, devido a um ou o utro sentim ento q ue pod emos su por qu e os cavalos têm " . Se tivéssem os que p raticar rit os tal 1 THE FUTURE OF AN ILLUSION, 1928. 2 F. Schleit er, Religion an d Cult u re, 19 19, pp . 45-47 (Acerca de E. Tan zi, A TEXTBOOK OF M ENTAL DISEASES, tradução inglesa, 1909). 65 com o o s prim itivos fazem, é p rovável qu e nos encontrássemo s num a situação d e pert urb ação em ocional; caso cont rário nossa razão n os diria que os ritos não t êm finalidade ob jetiva e em n ada result am. A m eu ver conseguiu-se m uito pou co m aterial demo nstrativo em apoio a estas con clusões; e isto f oi o caso até mesmo daqueles que, além de fornecer a teoria, tiveram a oportunidade de testá-la em pesquisa de campo. E aqui devemos fazer algumas perguntas. Que temor é este que alguns dos autores que citei m encionam com o característico d o sagrado ? Alguns dizem qu e ele é a em oção religiosa específica. Outr os, que não há emoção religiosa específica. Seja como for, como é que se pode saber se uma pessoa está sentindo t error ou um frémito em ocional ou o q ue quer qu e seja? Com o se pode reconhecer ou medir isto ? E m ais, assim com o o ad m itiu Low ie e ou tr os assinalaram , os m esm os estad os emo cionais pod em ser encontrados em form as mu ito diferentes de com port amento; até mesmo em form as opo stas, com o, por exemp lo, no compo rtam ento d e um pacifista e no de u m militarista. Só p oderíamos chegar a um resultado caótico, se os antro pó logos classificassem os fenô m eno s sociais pelas emo ções qu e se supõe acom panh álas, pois tais emo ções, se é que exist em ent ão, devem vari ar não ap enas de indivíduo s para ind ivídu o, m as tam bém no m esm o indivíduo em ocasiões diversas ou mesmo em certas etapas do m esm o rito. É absurdo considerar sacerdote e ateu na mesma categoria, como faz Lowie; e seria ainda mais absurdo dizer que quando um padre está dizendo a missa não está executando um ato religioso a m enos que se encont re em determ inado estado em ocional. M as qu em pod eria saber qu al o seu estado em ocional? Se quiséssemo s classificar e explicar o comp ort am ento social a partir do s sup ostos estad os emo cionais, poder íamo s chegar a result ados verdadeiram ent e estr anh os. Se a religião se caracteriza pela emo ção do 66
temor, então, poder-se-ia dizer que um homem correndo desabaladamente de um búfalo em disparada está praticando um ato religioso. E se a magia se caracteriza por sua função catártica, um médico que alivie a tensão de u m paciente ap enas com recursos clínicos estaria p raticando u m ato m ágico. Há ainda o qu e com entar. M uitos ritos que prat icam ente to do m undo aceitaria com o sendo d e caráter religioso, tais como sacrifícios, certamente não são efetuados em situações nas quais há alguma causa que dê lugar a inquietação e sentim ento s de mistério e terro r. Eles se constituem em rot ina padron izada e obrigató ria. Falar de t ensões e coisas que t ais nesses casos é t ão sem sent ido q uant o falar de t ensões nas pesso as qu e estão indo para a igreja em n ossa sociedad e. Se falam os de rito s levados a efeito em ho ras críticas, com o po r ocasião das doenças e da m ort e, ocasiões em q ue surgem sempr e ansiedade e aflição, nestes casos as tensões estarão presentes. Mas mesmo aqui devemos ser cuidadosos. A expressão de emoção pode ser ob rigatória, um a parte essencial do rito, assim como nas lam entações e ou tro s sinais de sofrim ento na m ort e e nos funerais, pouco im port ando qu e os ato res estejam sofrend o ou não. Em algum as sociedades se empregam carpideiras profissionais. Então, pode muito bem dar-se que não seja a emoção a fazer, surgir o rit o, m as sim o r ito a fazer surgir a em oção. É o m esm o velho prob lema de saber se rim os porq ue estamos felizes ou se estamos felizes porque estamos rindo. É óbvio que não vamos à igreja por nos encontrarm os num estado emo cional elevado, em bo ra nossa participação no rito possa desencadear tal estado . No que concerne a função catártica da magia, que evidência prova que um hom em efetu a rituais mágicos de agricultura, caça e pesca por estar frustrado? Ou qual a prova que há de que a execução dos rito s lhe alivia as tensões? A m im m e parece haver po uquíssima ou nenhum a 67 prova. Sejam quais forem seus sentimentos, o mago tem que efetuar os ritos a todo custo, pois eles constitu em p arte costum eira e ob rigató ria do processo. Pod e-se dizer com acerto q ue o ho mem prim itivo leva a efeito seus ritos porque acredita em sua eficácia e que não há grandes motivos para frustraçeõs, pois ele sabe q ue d ispõe d e m eios para com bater as dificuldades qu e se lhe apresentem . M elhor qu e dizer qu e a m agia alivia tensões, seria dizer q ue o recurso d a m agia funciona prevent ivamente em relação às tensões. Ou, dizer novamente que se há algum estado emocional envolvido, ele pode ser, não a base do rito, mas o resultado do rito, com os gestos e fórmulas produzindo as tais condições psicológicas que se im aginava teriam levado à efetivação do rito. Deverem os tam bém ter em m ente qu e mu ita magia e mu ita religião têm caráter d e substituição, sendo o m ago o u o sacerdot e um a pessoa d iferent e daqu ela a quem se dirige o rito, o cliente. Assim, a pessoa que se supõe estar num estado de tensão é alguém que não o contratado, esta pessoa desinteressada cujos gestos e palavras, espera-se, aliviarão a tensão. Assim, se seus gestos e manobras sugerem um estado emocional elevado, forçosamente serão simulados; ou então o execut ante deverá penetrar na em oção durant e e por int ermédio do rito . Devo acrescentar qu e, no caso de M alinowski, mu itos do s ritos que ele observou foram efetuados "para ele" e em tro ca de pagam ento , em sua tenda e fora dos métodos usuais; se assim for, dificilmente poderíamos aceitar que qualquer emo ção então envolvida fosse causada po r t ensão o u p or frustração. Além disso, com o o bservou Radin 1 , na experiência individual a aprendizagem de ritos e crenças precede as emoções que se diz estarem present es m ais tard e, na vida 1 SOCIAL ANTHROPOLOGY, p. 2 47 . 68
adulta. O indivíduo ap rende a participar do r ito antes de experiment ar qualquer em oção, de m odo q ue o estad o em ocion al, qualquer q ue seja ele, e se é qu e existe, dificilm ent e pod erá ser a origem e a explicação do rito . O rito é parte da cultura em qu e nasce o indivíduo e se imp õe a ele de fora, com o o restant e da cultura. Ele é uma criação da sociedade, e não das emoções ou condições individuais, embora possa satisfazer a amb as; e é po r isto q ue Durkh eim n os diz qu e tod a int erpr etação psicoló gica de um fato social é invariavelmen te um a interpr etação errada. Pelo m esmo mo tivo, devemo s afastar as teorias da realização de d esejo. Ao comparar o neuró tico com o m ago, elas ignoram o fato de qu e as ações e fórm ulas verbais do neurótico derivam de estados subjetivos individuais, enquanto que as do mago são tradicional e socialm ente im po stas a este p or sua cultura e sociedade, sendo aind a parte d a estru tu ra institucional em que vive e a qual deve se adaptar. Mais ainda: embora em certos casos e sob certos aspectos possam haver semelhanças exteriores, não se pode inferir que os estados psicológicos sejam idênticos ou que se devam a condições comparáveis. Ao classificar os povos primitivos como próximos às crianças, aos neu ró ticos, etc., erra-se ao ad m itir q ue, já que as coisas se parecem ent re si em certo s tr aços part iculares, então devem ser sem elhantes em ou tro s; trata-se da falácia do "p ars pro to co" . Tudo o q ue isto significa é qu e, aos olho s desses auto res, estas dife rent es classes de pessoas (prim itivos, crianças, n euró ticos, etc.) não pensam cientificamente o tempo todo. E, poderíamos perguntar, quem já encontrou um selvagem que pensasse poder transformar o mundo pelo pensamento? Eles sabem muito bem que não podem. O qu e tem os aqui é out ra variant e da espécie "se eu fosse um cavalo", o u seja: se eu m e com port asse com o um m ago selvagem , estaria sofrend o das do enças de m eus pacient es neu rót icos. 69 Não devemos, é claro, afastar inteiramente estas interpretações. Elas foram uma reação saudável a uma posição excessivamente intelectualista. Os desejos e impulsos, conscientes ou inconscientes, motivam o ho mem , guiam seus interesses, impelem -no à ação; e certamen te t êm o seu papel dent ro d a religião. O que é preciso determinar é a sua natureza, e que papel exatamente desempenham. Aquilo contra que pro testo é a mera afirm ação esp eculativa, e o que ataco é um a explicação da religião em term os de pur a emo ção, ou de alucinação.
TEO RIAS SOCIOLÓGICAS
A
s explicações emo cionalistas da religião pr imitiva, que acabei de expor, t êm tod as um fort e sabor pragmatista. Por mais que pareçam absurdos os ritos e crenças primitivas à mentalidade racionalista, o fato é que eles ajudam os povos mais rudes a lidar com seus problemas e seus cont ratemp os, assim eliminando o desespero que inib e a ação e dando confiança para a busca do bem estar d o indivíduo, forn ecend o-lhe um sentido renovado do valor da vida e das atividades que a com põ em. O pragm atismo exercia grande in fluência na ocasião em que t ais teorias foram prop ostas, e a teo ria de Malinowski acerca da religião e da magia poderia ter saído diretamente das páginas de William James, como de fato pode ter acontecido: a religião é algo de valor e mesmo algo verdadeiro, no sentido pragmatista de verdade, desde que ela sirva ao propósito de dar conforto e sentimentos de confiança, segurança, alívio, apoio; quer dizer - se resultados úteis à vida decorrem dela. Dentre os analistas do pensamento primitivo já mencionados, o que talvez enuncie mais claramente o enfoque pragmatista é Carveth Read, em livro a qu e já m e 71
referi. Por que, pergunt a ele, seria a m ente hum ana pert urbada p or idéias de m agia e de religião? (Para ele a magia seria anteiro r à religião e suas ori gens deveriam ser p rocur adas nos son ho s e nas cren ças em fantasmas). A resposta é que, além do alívio psicológico que elas promovem, nos estágios iniciais da evolução social tais superstições eram úteis aos líderes, dando-lhes apoio, assim ajudando a manter a ord em , o govern o, o s costu m es. Am bas as idéias são ilusórias, mas a seleção nat ural lh es fo i favorável. As danças to têm icas, dizem -nos, " repr esent am excelent e exercício físico, estim ulam o espírito d e coo peração, constituem uma espécie de treinamento..." 1 E assim por diante. Veremos que nas teorias sociológicas gerais da religião se encont ra o m esm o sabor: - a religião é válida enquanto colabora n a m anuten ção da coesão social e sua continuidade. Este modo pragmatista de encarar a religião é bastante anterior à organização do pr agm atism o como um a filosofia form al. M ont esquieu, por exemp lo, pai da antro pologia social (em bora alguns atribuam esta h on ra a M ont aigne), ensina q ue em bora um a religião possa ser falsa, po de t er fu nção social apro veitável; e verificar-se-á qu e eia se adapt a ao governo ao qu al está associada, sendo a religião de u m p ovo geralm ente adequ ada a seu m odo de vida; o que to rna difícil transport ar a religião de um país para outro. Assim, função e legitimidade não devem ser confundidas. "As mais sagradas e verdadeiras doutrinas podem acarretar as piores conseqüências quando não estão ligadas aos princípios da sociedade; e, por sua vez, as doutrinas mais falsas podem alcançar os melhores resultados quando se aplicam na dedicação a estes princípios" 2 . M esm o os ultra-racionalistas do Ilum inism o, como Con do rcet, con cordam em q ue a religião, emb ora falsa, já teve, em algum 1 Op. Cit . p. 42. 2 M on te sq uieu , THE SPIRIT OF LAW S, 1750 , I1, 161. 72 tempo, ume função social útil, desempenhando assim importante papel no desenvolvimento da civilização. Visões sociológicas semelhantes são encontradas nos primeiros textos escritos a respeito da sociedade h um ana. Eles às vezes ut ilizam aq uilo q ue ho je cham aríam os de term os estr ut urais. Aristót eles, na POLÍTICA, diz que " to das as pessoas afirmam qu e os deuses tam bém ti nham um rei, pois elas m esm as sempre tiveram um, no passado ou no presente; pois os homens criam os deuses à sua imagem, não apenas no que concerne à forma, mas também no que diz respeito ao seu modo de vida" 1 . Hume diz praticament e a m esm a coisa; e esta idéia da conexão entre d esenvolvimen to político e desenvolviment o religioso, nó s podem os encont rá-la em vários dos nossos tratad os de an trop ologia. Herbert Spencer diz que Zeus está para os demais Celestiais "exatamente na mesma relação existente entre um monarca absoluto e a aristo cracia da qu al ele é a cabeça” 2 Para M ax M üller, o "h enot eísmo " (um a palavra que creio inventada por ele 3 para descrever u m a religião em q ue cada deus ao ser invo cado assum e todo s os po deres de um ser supremo) ocorre em períodos que antecedem a formação das nações a partir de tribos independ entes, sendo esta um a form a comu nal, e não im perial, de religião. King tam bém assevera que à medida em que se desenvolvem os sistemas políticos, suas partes componentes são representadas por deuses tutelares; e quando as partes se unem, no momento em que as tribos se agregam em nações, aparece a idéia de um ser sup remo . Este é o d eus tutelar do grupo d om inante na fu são. Finalmente surge o m ono teísm o, o ser 1 I, 2.7. 2 Op. Cit. p . 207. 3 R. Pettazzoni, no entanto, In ESSAYS ON THE HISTORY OF RELiGION , 1954, p. 5, diz que a palavra foi inicialment e usada po r Schelling, send o a idéia mais tar de desenvo lvida por M üller.
73 supremo como reflexo do Estado universal, onipotente. Robertson Smith explicava o politeísmo da antigüidade clássica pelo contraste com o monoteísmo da Ásia, pelo fato de que em Grécia e Roma a monarquia caiu ante a aristocracia enquanto que na Ásia manteve seus poderes. "Esta diversidade de destino político se reflete na diversidade de desenvolvimento religioso" 1 . Jevons segue a mesma linha de raciocínio. Tudo isto é um pouco simplório. Os escritos de Andrew Lang e os muitos volumes de Wilhelm Schm idt contêm inúm eras dem on strações de qu e povos não dotados de um mo delo político político coerente com , a concepção de um ser supremo, os caçadores e coletores de produto silvestres são, em larga escala, m ono teístas teístas,, pelo m enos no sentido em que aceitam aceitam a exis existência tência de apenas um deus - con con quanto não no sentido segun egun do o qual exis existe culto d e um deus e rejeiçã rejeiçãoo dos demais (porqu e para haver mo not eís eísm o n o segundo sentido - o qu e tem sido cham ado de m ono teísm teísm o explíci explícito to - é precis precisoo q ue haja ou tenha havido alguma forma de politeísmo). Outros exemplos de análises sociológicas se encontram nos escritos de Sir Henry M aine sob sob re jurisprudência comp arada. Ele Ele explica, explica, por exemp lo, a diferença entre as teo logias do Oriente e Ocidente pelo simples fato de que, nesta última, a telogia se combinou com a jurisprudência rom ana, enquant o qu e sociedade sociedade helênica helênica "jam ais ais m ostrou a m enor capacidade capacidade de prod uzir uma filosofia filosofia 2 do direito” . A especulação especulação teoló gica gica pass passou d e um clim a de met afísica afísica grega para um clim clim a de direito rom ano. Porém Porém o m ais geral geral e exten so tratam ento sociológico ociológico da religião religião é o de Fustel Fustel d e Coulanges Coulanges em THE ANCIE ANCIENT NT CIT CITYY; este este h istor istor iador francês (bretão ) nos int eress eressa d e pert o, po rqu e um de seus Rob ert son Sm ith , THE RE RELI LITON TON OF THE SEM IT ITEES, t erceira ed. (1 927), p . 73. 1 W . Rob 2 H. S. S. M aine, AN CIE IENT NT LAW LAW , ed. de 19 12, p. 363 . 74 pu pilos mais influenciados foi Durkh eim, cuja teo ria da religião logo apresentarei. O tem a de THE ANCIE ANCIENT CITY ITY é o de qu e a ant iga sociedade sociedade cláss clássica estava estava cent rada n a fam ília, no sentido m ais amp lo qu e se possa possa dar a esta palavra, compreendendo família conjunta ou linhagem, e que o que mantinha unido o grupo agnático como uma corporação, dando-lhe permanência, seria o culto do ancestral, no qual o chefe da família atuaria como um sacerdote. A luz desta idéia central e somente a partir dela - onde os mortos aparecem aparecem como as deidades da família família - todo s os costu costu m es do período po dem ser ser com preend idos: idos: nor mas e cerimônias de casamento, monogamia, proibição do divórcio, interdição do celibato, o levirato, a ado ção, a aut or idade p atern a, regras de d escendên escendên cia, heran ça e sucess sucessão, ão, leis, pr op riedad es, es, os sistem sistem as de nominação, calendário, escravidão,clientela e muitos outros costumes. Quando os estados-cidade se desenvolveram, tomaram o mesmo padrão estrutural que havia informado a religião nestas condições sociais ociais inicia iniciais is.. Outro autor que in fluenciou fluenciou fort ement e a teoria d a religião religião de Durkheim (as (assim com o o s escrito escrito s de F. B. Jevon Jevon s, Salom Salom on Reinach e ou tro s) foi o já m encionad o Robert son Sm ith , que fo i pro fessor fessor de árab e em Camb ridge. Tom Tom ando algum as de suas idéias básicas básicas do p ensamen to d e um ou tro escocês escocês,, J.J. F. M cLenn cLenn an, ele sup sup ôs qu e as sociedad es sem sem íticas da Aráb ia ant iga eram com po stas de clãs matrilineares, cada um dos quais mantinha um relacionamento sagrado com determinada espécie de anim al que era para eles um to tem . As evidências qu e apóiem tais supo supo sições são restrit as m as é nelas qu e Robert son Sm ith acreditava. acreditava. Seg Segund und o ele os m em bro s do clã deveriam deveriam ter um só sangue, ass assim com o seus tot ens; ens; do m esm esm o sangue sangue era tam bém o d eus do clã pois ele era era concebido como sendo o pai fís físico do fundador do clã. Do ponto de vista sociológico, o deus era o clã mesmo, idealizado e divinizado. Esta pro jeção jeção t inha sua sua rep resentação resentação m aterial 75
na criatura to têm ica; ica; e o clã periodicam periodicam ente express expressava a unidade d e seus seus mem bro s ent ent re sisi e com seu deus, revitalizando-se pelo sacrifício da criatura totêmica e comendo-lhe a carne crua numa festa sacra, uma comunhão em que "o deus e seus adoradores se unem pela divisão da carne e do sangue de uma vítim vítim a sagrada" sagrada" 1 . No entanto, na medida em e m que o deus, deus, os mem bros do clã e o tot em eram tod os de um só sangue, os membros do clã estavam em comunhão sagrada com seu deus, mas estavam também dividindo-o, cabendo a cada membro do clã incorporar uma partícula sacramental da vida divina à sua própria vida. Formas tardias do sacrifício hebreu se desenvolveram a partir desta forma comunal. As provas desta teoria, que Jevons engoliu com anzol, linha, chumbo e tudo, são parcas. Tal teoria representava, para um pastor presbiteriano, chegar muito perto do fogo; de modo que o próprio Robert son Sm ith o u qu em quer q ue t enha sido sido respon respon sável ável pela pu blicaçã blicaçãoo (pó stum a) da segunda segunda edição de THE RE RELIGION OF THE SEM ITE ITES em 18 94 (a p rim eira era d e 18 89), supr im iu cert as passagens passagens qu e 2 poderiam ser consideradas como desmentidos do Novo Testamento . Tudo que se pode dizer da teoria com o um tod o, consi considerando derando q ue seus seus argumen tos são são ao mesmo tem po to rtu osos e tênues é que com er o animal totêmico pode ter sido a primeira forma de sacrifício e a origem da religião - mas não há nenhu m a prova de qu e o tenha sido. sido. M ais ais ainda, na vas vasta literatura m un dial que trata do to tem ism ism o, há apenas um exemp exemp lo, entre os aborígines aborígines australia australiano no s, em em que u m po vo come, duran te um a cerimô cerimô nia, seu seu animal totêmico; e a significação deste dado, mesmo se aceitamos que seja verdadeiro, é duvidosa e questionável. Além disso, embora Robertson Smith pretendesse que sua teoria fosse genericamente verdadeira no 1 THE RE RELIGION LIGION OF THE SEM SEM ITE ITESS, p . 22 7. 2 J. G. Frazer, THE GORGONS'S HEAD, 192 7, p . 28 9. 76 qu e concerne concerne o s povos prim itivos, itivos, acentu acentu emo s que h á mu itos po vos dos mais prim itivos, itivos, inclusi inclusive, ve, que não têm sacrifícios sangrentos, e outros entre os quais não vigora nenhuma idéia de comunhão. Neste ass assun to, Robert Robert son Sm ith fez com que Du rkheim e Freud Freud se equivocass equivocassem. É tamb ém alt ament e du vidoso vidoso que a idéia de comunhão chegasse a estar presente nas formas mais antigas do sacrifício hebreu como o conhecemos e, se estava, forçosamente estariam presentes também a idéia de expiação e outras, talvez mesmo com caráter preponderante. De modo sumário, podemos dizer que tudo o que Robertson Smith realmente faz é especular acerca de um período da história semítica do qual praticamente nada se conhece. Assim fazend-o, ele pode ter protegido sua teoria da crítica, mas ao mesmo tempo lhe nega legitimidade e poder de convicção. Efetivamente, ela não é nada histórica; é apenas evolucionista, como todas as teorias antropológicas da época, uma ressalva que também deve ser feita. A tendência evolucionis evolucionista ta é bem m arcada arcada em to da esta teoria e m ostra-se ostra-se claram claram ente através da crueza materialística materialística,, aquilo qu e Preuss Preuss cham ava de URDUM URDUM M HEIT HEIT,, impu tada à religião religião do hom em p rimitivo, ass assim colocando colocando o concreto, por oposição ao espiritual, no começo do desenvolvimento; e também por enfatiz ar excess excessivamen te o carát er social (por op osição osição ao p ess essoal) d as religiões iniciais; iniciais; tu do isto isto revela a supo sição ição básica básica de tod os os ant rop ólo gos vito rianos, qu al seja seja a de q ue as religiões m ais pr im itivas em pen sam ent o e costumes devem ser o seu contrário e antípoda, sendo a religião destes antropólogos (e de sua época) vista vista com o u m a espécie espécie de espiritu espiritu alidade alidade individualista. individualista. Para Para com com preender o t ratament o qu e Robertson Robertson Smith dá à religião semítica antiga e, por implicação, à religião primitiva em geral, o que, aliás, se aplica igualm ent e à anális análisee de Durkh eim assinalem assinalem os que R. Sm ith afirm ava que as religiões antigas não t inham credo credo s, e não t inham dogm as: as:
77 "Elas eram constituídas exclusivamente de instituições e práticas" 1 . Os ritos, é verdade, estavam conectados com os mitos; mas os mitos não explicam os ritos, e sim o oposto. Se assim é, deveremos pro curar ent end er as religiões pr im itivas atravé s de seus seus rituais, e, con con siderand o qu e o ritual básico básico nu m a religião religião antiga é o do sacrifí acrifíci cio, o, é aí que d everem everem os achar achar o entend imen to p rocurado; m ais ainda: desde que o sacrifício é uma instituição tão generalizada, devemos procurar sua origem em causas gerais. Fund ament alment e, Fustel Fustel de Coulanges Coulanges e Robert Robert son Smith estavam estavam prop ondo o qu e se se pod eria cham cham ar de t eoria est est ru tu ral da gênese gênese da religião; isto isto é, qu e esta esta surgiria da natu reza m esm esm a da sociedad sociedad e. Es Est e também foi o enfoque de Durkheim, que procurou além disso mostrar a maneira pela qual se gerava a religião. A posição de Durkheim, talvez a maior figura da história da sociologia moderna, só pode ser avaliada avaliada se se recordarm os dois ponto s principai principaiss. O prim eiro é o fato de q ue, para ele, a religião religião é u m fato social, isto é, objetivo. Ele desprezava as teorias que tentavam explicar as religiões em termos de psicologia individual. Como, perguntava ele, se a religião se origina de um mero erro, uma ilusão, uma espécie de alucinação, como se pode ter tornado tão universal, tão duradoura, e como poderia uma fantasia vã ter produzido lei, ciência e moral? O animismo é sempre, nas suas formas mais típicas e desenvolvidas, encontrado não em sociedades primitivas, mas em sociedades relativamente avançadas com o as da China, China, Egito, Egito, e do M editerrâneo d o p eríodo eríodo clás clássico. ico. Ass Assim com o o n aturism aturism o (a escola escola do m ito natural) o p ropu nha, deveria então a religião religião ser m ais satisfatoriam atisfatoriam ente explica explicada da com o u m a doença da linguagem, linguagem, um a névoa de m etáforas, etáforas, a ação ação da linguage linguagem m sob re o p ensament ensament o, do qu e como 1 THE RE RELIGION OF THE SEM SEM ITE ITESS, p . 16. 1 6. 78 send o u m a falsa falsa infer ência de son son ho s e tr anses? anses? Além d e tal explicação explicação ser tão t rivial com com o a anim ística, ística, é fato claro que os povos prim itivos m ostram pouqu íssim o interesse interesse pelo qu e podem os con con siderar como o s mais impressionantes fenômenos da natureza: o sol, a lua, céu, montanhas, mar e assim por diante, cuja monótona regularidade aceitam tranqüilamente como infalível 1 . Ao contrário, dizia ele, naquela que ele considerava a religião mais element ar de to das, o t ot em ism ism o, o qu e se se diviniza são criatur as hu mi ldes (não as imponentes), como patos, ratos, rãs e vermes cujas qualidades intrínsecas dificilmente teriam sido a origem do sentimento religioso que teriam inspirado. É verdade, evidentemente, e Durkheim não o negaria, que a religião é pensada, sentida, e desejada por indivíduos - a sociedade não tem mente para experimentar tais funções - e sob este aspecto é um fenômeno de psicologia individual, um fenômeno sub jetivo, pod endo ser estu estu dada deste deste pon to d e vista. vista. M as não deixa de ser ser tam bém um fenôm eno socia sociall e objetivo, independente de mentes individuais, e é assim que o sociólogo a encara. O que lhe dá objetividade são três características. Em primeiro lugar, ela se transmite de uma geração para outra, de m odo que se num sentid o ela está está no indivíduo, indivíduo, em out ro está fora dele, pois exis existia tia ant es dele nascer nascer e existirá existirá d epois de sua sua m ort e. O indivíduo indivíduo a adquire t al com com o o faz com a linguagem, linguagem, d esde esde q ue nascido nascido nu m a sociedade sociedade q ualqu er. Em Em segun segun do lu gar, a religião é, pelo m eno s nas sociedad sociedad es fechadas, de caráte r geral. Tod Tod os têm o m esmo tipo de crença religiosa, as m esm esm as práticas religiosas, religiosas, e sua sua gener alidade o u coletividad e lhe dá um a objet ividade qu e a colo colo ca acima das experiên experiên cias psicoló psicoló gicas gicas de qu al 1 Hocart assinala (M ( M AN , 1914, p. 99), que embora os furações das ilhas Fiji sejam um tópico anual de conversa, jamais observou "a menor sugestão de uma teoria nativa a respeito, nem o menor temor religioso".
79 qu er indivíduo e d e to dos os indivídu indivídu os. Em ter ceiro lugar, ela é ob rigatór ia. Além das sanções sanções positivas e negativas, o simp les fato d e qu e a religião é geral significa, significa, no vamen te nu m a sociedade sociedade fechad a, qu e ela é ob rigatória rigatória pois, m esm esm o qu e não haja coerção, coerção, um hom em n ão tem o pção, senão a de aceitar aceitar o que to do mundo concorda em aceitar; tanto quanto não tem escolha no que se refere à linguagem que ele usa. Mesmo que seja um descrente, ele só poderá expressar suas dúvidas em termos referentes às crenças aceitas aceitas por todo s ao ao seu redo r. E, E, tivess tivesse ele nascido nascido em ou tra sociedade, sociedade, teria tido u m out ro sistem istem a de crenças, crenças, ass assim co m o ter ia out ra linguagem. Pode-se Pode-se aqui no tar qu e o int eresse eresse de Durkh eim e seus colegas colegas acerca das sociedades primitivas, pode ter derivado do fato de que elas são ou eram comunidades fechadas. As sociedades abertas, nas quais as crenças podem não ser transmitidas e em que podem ser diversificadas e - assim menos obrigatórias - são menos passíveis de interpretação sociológica tal como eles pro pu seram. O segundo segundo po nto que devemo s ter em m ente diz res respeito à auto nom ia dos fenôm fenôm enos religios religiosos. os. Eu Eu o m enciono enciono aqui apenas de pass passagem agem , pois que ele em erge clarament clarament e do tratam ento qu e Durkheim dá à religião, o que logo estudaremos. Durkheim não era tão simplesmente determinista e materialista como queriam alguns. Na realidade, inclino-me a considerá-lo voluntarista e idealista. As fu nções da m ent e não po deriam existir existir sem o s pr ocess ocessos do o rganismo; m as isto isto , diz ele, não significa significa qu e os fato s psicológic psicológicos_ os_ possam possam ser r edu zido zido s a fatos orgânicos e po r estes explicados; explicados; significa significa apenas que eles têm um a base base orgânica, tal tal com o os processos processos orgânic orgânicos os têm um a base química. química. Os fenôm enos têm autonomia a cada nível. Igualmente não poderia haver vida sócio-cultural sem as funções psíquicas de m ent es individuais, mas os pro cess cessos sociais 80 transcendem estas funções através das quais operam e, se . não independentes da mente, têm uma existência própria, fora de cada mente individual. A linguagem é um bom exemplo do que Durkheim estava dizendo. Ela é tradicional, geral e obrigatória; tem história, estrutura e função, das quais todos os usuários têm po uquíss uquíssima no ção; ção; e, emb ora ind ivíduo ivíduo s po ssam ter con tribuído p ara ela, ela, nem po r isto isto vem ela a ser ser um p rodu to d e qualquer ment e individual. É um fenôm eno coletivo, autôno mo e objetivo. Na sua análise da religião, Durkheim vai mais longe. A religião é um fato social. Ela surge da natureza da vida social, estando, nas sociedades mais simples, associada a outros fatos sociais, à lei, à economia, às artes, etc., que mais tarde se separam dela e vivem sua existência própria. Acima de tudo, ela é a maneira pela qual a sociedade se vê como algo mais que uma coleção de indivíduos, e meio pelo qual mantém na solidariedade e continuidade. Isto não significa, porém, que a religião seja apenas um epifenômeno da sociedade, como os marxistas diriam. Uma vez iniciada pela ação coletiva, a religião ganha um grau de auton om ia e prolifera de várias m aneiras, aneiras, o que n ão pod e ser ser explicado explicado com b ase ase na estrut ura social social que lhe deu origem, só podend o sê-lo sê-lo em term os de out ras religiões religiões e outro s fenôm fenôm enos sociai sociaiss num sistem istem a específico. Estabelecidas estas duas bases, não precisamos esperar mais para apresentar a tese de Durkheim. Ele partiu de q uatro idéias principais tiradas de Robert Robert son Sm ith: a religião religião p rimitiva é u m culto de clã e este este culto é tot êmico (ele julgava julgava que um sistem istem a ciânico ciânico segment segment ar e o t ot emismo im plicavam plicavam necessariamente um no outro); o deus do clã é o próprio clã divinizado; o totemismo é a forma mais elem ent ar; mais prim itiva e - neste senti senti do or iginal - de religião que conh ecem ecem os. Com isto isto ele queri a dizer dizer qu e ela se se encont ra em sociedades ociedades dotadas de um a cultura 81
m aterial e de u m a estrut ur a Social Social as mais sim sim ples; ples; e q ue é po ssível explicar explicar a r eligião, neste neste s casos casos,, sem sem utilizar qualquer elemento tomado de empréstimo a outras religiões. Assim, Durkheim concorda com aqueles que vêem no t ot emismo a origem d a religião, religião, ou, pelo m enos, como a form a mais incipiente incipiente d e religião: M cLenn cLenn an, Rober Rober tson Sm ith, W und t, Frazer Frazer em seus pri m eiro s escrito escrito s, Jevons, Jevons, e Freud Freud . M as qu e base base exis existe p ara que se con con sidere o t ot em ism ism o u m fenôm eno sequer religioso? religioso? Fraz Frazer, er, em em seus seus últim os escrito escrito s, colo colo cava-o cava-o n a categoria da m agia. Para Para Durkh eim , a religião religião p ert ence a um a class classe m ais am am pla, a do sagrado, sendo que tudo, o real e o ideal, pertence a uma de duas classes opostas, o profano e o sagrado. O sagrado se identifica claramente pelo fato de que está protegido e isolado por interdições; pro fanas são são as coisas coisas sob re as quais as int erdi ções se aplicam. O tabu recebe aqu i prat icamen te a m esm esm a fu nção qu e M arett lhe d eu. Ass Assim , "as crenças religiosas são as rep resent ações qu e expressam expressam a natu reza das coisas sagradas" e os ritos "`são as regras de conduta que prescrevem como um homem deve se comportar na presença de objetos sagrados". Estas definições cobrem magia e religião desde que ambas pertencem ao sagra sagrado do dentro dos critérios critérios de Durkheim, Durkheim, razão razão p ela qual ele propôs um novo critério p ara distinguir religiões de magia. A religião religião é sem sem pre u m ass assunt o coletivo, de grup o: não h á religião religião sem igreja. A m agia agia tem um a clientela, clientela, não não u ma igreja, igreja, e a relaçã relaçãoo en tre o m ago ago e seu client client e é comp arável arável àquela existent existent e ent re um m édico e seu seu pacient pacient e. Ass Assim chegamo chegamo s a um a definição definição final de religião: religião: " a religião religião é um sistem istem a u nificado de cren ças e p ráticas relacion relacion adas a coisas coisas sagradas, qu er d izer coisas coisas postas à part e e pro ibidas, ibidas, sendo sendo qu e crenças crenças e práticas congregam congregam num a comun idade m oral ún ica cham cham ada igreja igreja todo s os que a elas 82 aderem”1.As origens hebraicas de Durkheim, parece-me, emergem vigorosamente, embora não inadequadamente, nesta definição; mas seja como for, em seus critérios, o totemismo pode ser considerado considerado u m a religião: religião: ele ele está está cercado po r tabu s e é um a m anifestaçã anifestaçãoo grup al. Qual é ent ent ão o objeto reverenciado reverenciado n esta esta religião religião tot êmica? Não é simp simp lesm lesm ente u m prod uto de im aginaçã aginaçãoo delirante; ele tem um a base base objetiva. É o culto de algo que realm ente exis existe, emb ora não a coisa coisa qu e os culto culto res sup onh am que é. É a sociedade mesma, ou algum segmento dela, que os homens cultuam nestas representações ideais. E isto é natu ral, diz Durkheim , porq ue a sociedad sociedad e tem t ud o o qu e é necess necessário p ara fazer fazer su su rgir nas mentes a sensação do divino. Tem poder absoluto sobre todos, e lhes dá a sensação de dependência perpétu a; e é tam bém objeto de respeito respeito e veneração. veneração. A religi religião ão é port anto u m sistem sistem a de idéias idéias através do q ual os indiví indivíduo duo s representam representam para si próp rios a sociedade sociedade a que p ertencem e as relaç relações ões que com ela mantêm. Durkheim tent ou d emon strar a sua teoria com o exemp lo de alguns abo abo rígi rígines nes australi australianos anos - usando usando com o contraprova os índios americanos - tomando-lhes a religião como experiência crucial e admitindo ser aquela a forma mais simples de religião conhecida. Defendeu o processo, argumentando, com alguma razão, razão, qu e ao se se fazer fazer um estu estu do com parat ivo de fato s sociais, ociais, devem ser to m ados fatos de sociedades sociedades do m esm esm o tipo , e que um único experim experim ento subm etido a bom cont role é o bastant bastant e para es estabelecer tabelecer um a lei; um a argum argum entação que m e parece não ser ser m uito mais do q ue ignorar os exemp exemp los qu e contradizem contradizem a pretensa lei. Na época, a atenção dos antropólogos estava particularmente dirigida para as recentes descoberçãoo inglesa 1915, p. 47. 1 E. Durkh eirn , THE ELEM ELEM ENTARY FORN IS OF THE REL RELIGI IGI O U S LIFE IFE,, tradu çã 83
tas feitas na Austrália através das pesqu isas de Spen cer e Gillen, Str ehlow e ou tr os. M esm o assim , a escolha daquela região po r Durkheim para o seu experiment o, foi in feliz, pois a literatura existent e acerca do s abor ígines era ent ão po bre e con fusa, e ainda hoj e o é. Os "Blackfellow s" au straliano s, tal com o eram chamado s, são (não restam m uito s, vivendo com o ou tro ra, mas usarei o pr esente etno gráfico) caçadores e coletores que vagam em pequenas hordas em seus territórios tribais, procurando caça, raízes, frutas, lavras e assim po r diante. Cada tribo se com põe de u m certo núm ero d e tais ho rdas. Além de ser m emb ro de um a pequena horda e de tribo em cujo t erritório a hord a vive, um indivíduo é mem bro d e um clã, havendo m uitos clãs espalhados pelo cont inente. Com o m emb ro do clã, o indivíduo com partilha com os demais membros de um relacionamento para com certos fenômenos naturais, na maioria espécies de anim ais e plant as. Tais esp écies são sagradas para o clã e não p od em ser com idas ou at acadas por seus m emb ros. A cada clã correspo ndem fenôm enos naturais diversos, de m od o qu e tod a a natureza pertence a um ou outro clã; assim, a estrutura social provê um modelo para classificação dos fenômenos naturais. Um a vez qu e as coisas assim classificadas com os clãs se associam com seus to ten s, assum em tam bém elas um caráter sagrado ; e um a vez que os cultos se im plicam uns os outro s m utu ament e, todos constituem partes coordenadas de uma religião única, tribal. Durkheim observou com agudeza que as criaturas totêmicas não são de modo algum cultuadas, como pareciam pensar McLennan, Tylor, e Wundt; tampouco, como mencionei antes, foram escolhidas como tais em virtude de sua aparência imponente. Ademais, não são as criaturas em si que têm importância máxima; elas são sagradas, é verdade, mas apenas secundariamente sagradas. De primeira importância, são, isto sim, os desenhos que as representam, 84 gravados em peças oblongas de madeira ou pedra polida, chamadas de "churinga", algumas vezes perfuradas e usadas como zunidores. Efetivamente, as criaturas totêmicas foram escolhidas, como Durkheim parece sugerir, por serem modelos adequados à representação pictórica. Tais desenhos são sím bolos, em prim eira instância, de u ma força imp essoal distribuída em im agens, anim ais e ho men s, m as que não deve ser confundida com nenhum deles, pois o caráter sacro de um objeto não deriva de suas pro pried ades int rínsecas. Tal caráter se acrescenta, sup erpo sto , ao ob jeto. O to tem ism o é um a espécie de deus impessoal imanente no mundo e difuso, numa numerosa multidão de coisas, correspondendo ao "m ana" e a idéias sem elhant es do s po vos prim itivos: o " w akan" e o " orend a" dos índios nort eamericanos, po r exem plo. No ent anto, os australianos o concebem não com o form a abstrata, m as sob a form a de um anim al ou planta, o to tem , que é "a form a mat erial sob a qual a imaginação representa esta sub stância imaterial" 1 . Um a vez qu e esta essência ou p rincípio vital se encon tra t anto nos hom ens com o n os tot ens, constituindo em ambos sua característica mais essencial, podemos compreender o que quer dizer um "b iackfellow " q uando afirma qu e os hom ens de fratria do corvo são corvos. Os desenhos simb olizam, em segunda instância, os pró prios clãs. O to tem , portant o, é ao m esm o tem po , tanto o sím bolo t anto d o deus ou princípio vital, quanto de sociedade; porque deus e sociedade são a mesma coisa. "O deus do clã, o princípio totêmico, não pode ser nada, senão o clã mesmo, personificado e representado para a im aginação sob a form a visível do anim al ou vegetal qu e serve como tot em" 2 . Nos símbolos totêmicas os m emb ros do clã exprimem sua identidade m oral e seus sentim ento s 1 Durkheim, op . cit, p. 189. 2 Durkh eim , op. cit., p. 206. 85
de dep endência recípro ca e para com o grupo com o u m tod o. As pessoas só p odem se comu nicar através de signos, e para expressar este sentimento de solidariedade, é preciso que haja um símbolo, uma bandeira, o que para esses nativos vem a ser os seus totens, expressando cada clã tanto a sua unidade quanto a sua individualidade através do seu emblema totêmico. Os símbolos concretos são necessários po rque " o clã é um a realidade com plexa dem ais para que po ssa ser representada clarament e em tod a a sua complexa unidade por essas inteligências rudimentares" 1 . As mentes não sofisticadas não podem se ver a si próprias como um grupo social senão através de símbolos materiais. O princípio totêmico, po rtanto , nada é senão o clã con cebido sob a forma m aterial do em blema to têm ico. Pelo mod o com qu e age sobre os seus membros, o clã faz surgir dentro destes a idéia de forças externas que dominam e exaltam a to dos, send o t ais fo rças rep resentad as po r coisas extern as, as fo rm as to têm icas. O sagrado não é mais (nem menos) do que a sociedade mesma, representada em símbolos para os seus membros. Dur kheim recon heceu que os aborígines australianos tinh am conceito s religiosos diferen tes daq uilo qu e se rot ula com o to tem ism o, mas afirmo u que tam bém eles eram explicáveis dent ro d os termo s de sua teoria. A idéia de alm a é o mesmo princípio to têm ico do "m ana", corpo rificado em cada indivíduo: a sociedade individualizada. É a sociedade em cada m emb ro seu, sua cultura e ord em social, que faz de um ho m em uma pessoa, ser social, em vez de simples animal. É a personalidade social, por oposição ao organismo individual. O hom em é um animal racional e m oral, mas seus com pon entes moral e racional são aquilo qu e a sociedade impô s ao com ponen te o rgânico. É como 1 Durkh eim , op. cit., p. 220. 86 diz a senhorita Harrison, parafraseando Durkheim: "Seu corpo obedece à lei natural e seu espírito é circund ado p elo imp erativo social" 1 . Assim, a alma não é o prod uto de pu ra ilusão, com o qu eriam Tylor e outros. Nós "somos" feitos de duas partes distintas, opostas entre si, como o sagrado e o profano. A sociedade não exerce sobre nós apenas um poder mobilizador externo e circunstancial. "Ela se instala dentro de nós de modo duradouro... Somos, portanto, feitos de dois seres que encaram direções diferentes, senão o po stas, sendo que u m exerce um a predo minância real sob re o ou tro . Tal o p rofund o significado de antítese que t odos os hom ens concebem mais ou m enos clarament e entre o corp o e a alma, o ser mat erial e o ser espiritu al que coexistem dent ro d e nó s. Nossa natu reza é du pla; existe r ealment e um a partícula de divindade dent ro d e nós, porque há d entro de nó s um a partícula dessas grand e idéias que são a alma do grupo' 2 . Não há nada de depreciativo para o homem ou para a religião nesta interpret ação. Pelo con trário: " a única m aneira que t emo s de no s livrarmo s das forças físicas é cont raporlhes forças coletivas” 3 . Assim, o homem, como diz Engels, ascende do reino de necessidade para o reino de liberd ade. No qu e concerne os seres espiritu ais australianos, um a noção qu e Durkheim , como Tylor, pensou ser derivada de alm a, eles devem ter sido t oten s em algum a época, acreditava Durkheim. M as no m om ento corresponderiam a gru1 J. E. Har ri son , THEM IS. A STUDY OF THE SOCIAL ORIGINS OF GREEK RELIGION, 19 12 . p. 487 . Do m esm o an o q u e LES FORM ES ELEM ENTAIRES DE LA VIE RELIGIEUSE, de D ur kh eim . A srta. Har ri so n f oi i nf lu en ciad a po r " DE LA DÉFINITION DES PHÉNOM ÈNES RELIGIEUX", L'An n ée Socio lo giqu e, II, 1899 , pu blicação ant erio r de Durkheim. 2 Du rkh eim , THE ELEM ENTARY FORM S OF THE RELIGIOUS LIFE, pp . 2 62 -4. 3 Ibid. p. 272. 87
pos tribais. Em cada território muitos clãs são representados, cada qual com seus emblemas totêmicas distintos, com seus culto s, m as to dos pertencendo igualm ente à t ribo e com a m esm a religião, sendo esta idealizada em deuses. O grande deus é simplesmente a síntese de todos os totens, assim como as tribos são sínt eses de t ot alidade de clãs; é tam bém inter -trib al em caráter, espelh ando relações sociais de t ribo a tribo , especialment e no que d iz respeito à presença de m emb ros de tribo s ou tras em cerimôn ias tribais, de iniciação e sub -incisão. Assim , emb ora alm as e espírito s não existam , na realidad e, corr espo nd em à realidade, e neste sentid o, são r eais, pois a vida social qu e sim bo lizam é bastante r eal. Até agora nad a foi dit o acerca do lado r itual do tot emismo australiano. E este é o p ont o m ais cent ral e m ais ob scuro de tese de Durkheim, ao mesmo tempo em que é também o seu ponto menos convincente. Periodicamente, m emb ros do mesmo clã e presum ivelmen te comp onent es (pelo meno s em sua maioria) de mesm a tribo, se congregam para a realização de cerimônias que visam. à multiplicação das espécies com as quais m antêm um relacionam ento sagrado . Uma vez que não pod em com er as suas próprias criatu ras to têm icas, os ritos são efetuados com a intenção de beneficiar membros de outros clãs, que podem comê-los, de sorte que cada clã traz sua porção de alimento como contribuição para o conjunto. Os aborígenes explicitam a finalidade do s rito s, mas o pro pósito m anifesto e a fun ção latente não são a m esm a coisa; e Durkheim tem um a interpretação sociológica destes rituais que n ão está em concordância com a próp ria idéia do s abo rígenes acerca do q ue eles estão fazend o; se é qu e é esta a fin alidade de cerim ôn ia para eles, o qu e não p arece certo. O fato d e que as cerim ônias (cham adas "in tichiuma" ) não se destinam realment e ao aum ent o das espécies, o fato de 88 qu e isto é um a racionalização, se dem on stra p elo fato d e qu e são levadas a efeito (diz Durkheim ) m esmo quando um tot em, o " wo llunqua, é um a serpente in existen te, tida com o ún ica e incapaz de se reprod uzir; e também porque a mesma cerimônia destinada ao aumento das espécies ocorre durante ritos de iniciação e em ou tras ocasiões. Tais rito s servem apen as para estim ular cert as idéias e sent imen to s, ligar o presente ao passado e o indivíduo ao grupo. A finalidade alegada é completamente acessória e contingente, com o m ais ainda se dem on stra p orqu e às vezes até m esm o as crenças que atribu em eficácia física aos rito s estão ausent es, sem qu e isto altere n ada. Os def ensores de t eoria racion alistas de religião têm considerado os con ceitos e cren ças com o o s fato s essenciais de religião, susten tand o qu e os rito s são apenas a sua tradu ção externa. M as, com o já ouvim os de outro s, é a "ação" que realm ente do mina a vida religiosa. Durkheim escreve: "Vimos que, se a vida coletiva desperta o pensamento religioso levando-o a certo grau de in tensidade, isto se dá p orqu e ela faz surgir u m estado de efervescência que m odifica as condições de atividade psíquica. As energias vitais estão superexcitadas, as paixões mais ativas, as sensações m ais fo rt es; algum as, até, aparecem apen as neste mo m ent o. O ho m em d eixa de se recon hecer a si mesmo, ele se sente transformado e conseqüentemente transforma o meio que o circunda. Para entender as tão peculiares impressões que recebe, ele atribui às coisas com que está em contato mais direto, propriedades que elas não têm, poderes excepcionais e virtudes que os objetos de experiência diária não possuem. Em uma palavra, acima do mundo real onde sua vida profana se passa, ele colocou um out ro que, num certo sentido, não existe exceto n o pensamento , mas ao qual ele atribui u m t ipo de dignidade mais alto qu e o do 89 prim eiro. Um m und o, portanto , ideal de duas m aneiras" 1 . Para que um a sociedad e se tor ne con sciente de si mesma e conserve seus sentimentos no grau necessário de intensidade, é preciso que se reúna e se
concentre period icam ente. Esta concentração provoca uma exaltação de vida m ental, que tom a a form a de u m grupo d e concepções ideais. Assim sendo , não é o propó sito d eclarado dos rito s qu e no s diz de suas funções. Sua significação real é, primeiramente, congregar os membros do clã e em segundo lugar, renovar, pela encenação dos ritos nestas ocasiões de concentração, os sentimentos de solidariedade dos participantes do grupo. Os ritos geram um a efervescência na qu al todos os sentim ento s de ind ividualidade se perd em e as pessoas se sentem a si m esm as com o sendo um a coletividade, a part ir e através das coisas sagradas. M as, quando os mem bro s do clã se separam , o sentim ento de solidariedade lent ament e dim inui e deve ser recarregado period icamen te p or out ra assemb léia e pela repetição d as cerim ônias em q ue o grupo no vament e se reafirma. M esmo se os hom ens acreditarem q ue o s ritos têm atuação sobre coisas, é na realidade apenas a m ente q ue se deixa "atuar" . Notem os que Durkheim n ão está dizendo aqui, com o fazem aut ores emo cionalistas, qu e os ritos são levados a efeito para liberar estado s em ocion ais exaltado s. São os ritos que produzem tais estados. Eles podem, portanto, neste aspecto, ser comparados aos ritos expiató rios com o o s do luto, nos quais as pessoas procuram afirmar a sua fé e cum prir u m dever para com a sociedade sem que estejam sob qualquer tensão emocional; esta, enfim, pode estar completamente ausent e de ocasião. 1 Du rk heim , TOE ELEM ENTARY FORNIS OF THE RELIGIOU S LIFE. p . 422 . 90 Esta er a a teor ia de Dur kheim . Para Freud , Deus é o p ai para Durkh eim , Deus é a sociedade. Se esta teo ria é sufi, cientem ent e boa p ara os abo rígines australian os, se-lo-á tam bém para a religião em geral, po is (diz Durkheim) a religião totêmica contém todos os elementos de outras religiões, incluindo as mais avançadas. Durkheim fo i ingênuo o b astant e para admit ir isto, o que eq uivale a dizer que o q ue é m olho para o ganso é molho para o pato. Se a idéia do sagrado, de alma e de Deus, pode ser sociologicamente explicada no caso do s australianos, ent ão, em p rincípio, a mesma explicação é válida para t od os os po vos entre os quais as mesmas idéias são encontradas com as mesmas características essenciais. Durkheim preocupava-se em não ser acusado de estar meramente repetindo o materialismo h istórico. Demo nstrand o qu e a religião é algo essencialm ent e social, ele não q ueria d izer qu e a consciência colet iva seja um m ero epifenó m eno d e sua b ase m orfo lógica, assim como a consciência individual não é apenas uma mera eflorescência do sistema nervoso. As idéias religiosas são produzidas por uma síntese de mentes individuais reunidas em ação coletiva, mas, uma vez produzidas, passam a ter vida própria: os sentimentos, idéias, e imagens, "uma vez nascidos, obedecem a leis próprias". Por outro lado, se a teoria de religião de Durkheim está certa, é óbvio que ninguém mais aceitará as crenças religiosas. Apesar do fato de que elas, segundo ele mesmo disse, são geradas pela vida social, sendo ao mesmo tempo necessárias à m anut enção de m esma. Isto o coroca nos cornos de um dilema, e tud o o que p oderia dizer para se livrar seria que embora a religião no sentido espiritual seja condenada uma assembléia secular pode produzir idéias e sentimentos que terão a mesma função; e em apoio a esta idéia, ele cita a revolução francesa, com seus cultos à Pátria, Liberdade, Igualdade, Fraternidade e Razão. Pois não é verdade que em seus prim eiros anos a revolução t orno u estas 91 idéias sagradas, to rn ou -as em deu ses, e à pró pr ia sociedad e então surgida em d eus tamb ém ? Ele esperou , como SaintSimon e Comte, que à medida em que declinasse a religião espiritual, uma religião secular de tipo humanístico a substituísse. A tese de Durkheim é mais do que apenas concisa; ela é brilhante e im aginativa, quase po ética; e ele demo nstrou boa percepção qu anto a um dos fundam entos psicológicos
da religião: a eliminação do eu, a negação da individualidade, a visão de que a individualidade não tem significação ou m esm o existência exceto enq uanto parte d e algo maior e alheio ao eu. M as receio t er de dizer m ais um a vez qu e a teoria é tam bém especulativa. O totem ismo pod eria ter sur gido a partir de um a vida gregária, m as não há pro vas de q ue assim tenh a sido; e o ut ras form as de religião pod eriam t er-se desenvolvido - como se apreende da teoria de Durkheim, efetivamente assim o fizeram - a partir do totemismo, ou do que ele chama de princípio totêmico; mas novamente, não há provas de que assim tenha sido. Pode - se admitir que as concepções religiosas devam manter alguma relação com a ordem social, estando, em certo grau, de acordo com fatos econômicos, políticos, morais e sociais outros; e mesmo que elas sejam um produto da vida social, no sentido de que não poderia haver religião sem sociedade, assim como não po deria haver pensam ento ou cu ltura de qu alquer espécie. M as Durkheim está dizendo muito mais do que isto. Ele afirma que idéias religiosas tais como as de alma, espírito, e outras, são pro jeções da sociedad e ou de seus segmen to s e se originam de cond ições qu e fazem surgir um estad o de efervescência. Meus comentários deverão ser poucos e breves. Embora várias objeções lógicas e filosóficas pu dessem ser levant adas, eu prefir o basear os argum ent os de acusação no aspecto das pro vas etn ográficas. Será que elas corro bo ram a rígida dicot om ia que Durkheim im põ e acerca do sagrado 92 e do p rofano? Eu não creio. Por certo, o q ue ele chama de sagrado e de p rofano p ertencem ao m esmo nível de experiência e, longe de serem nitidamente demarcados em seus limites de vigência, são tão intim ament e ligados que se mo stram qu ase inseparáveis. Tais conceitos, portant o, não p odem , quer p ara o indivíduo, quer para a atividade social, ser dispostos em departamentos fechados que negam um ao out ro, deixando um de existir q uando o ou tro en tra em cena. Por exemplo, quando algum a desgraça como a doença é atribu ída a algum erro p révio, os sinto m as físicos, o estado m oral do indivíduo envolvido e a intervenção espiritu al formam um a experiência objetiva unit ária, que dificilment e pod e ser atom izada na m ente. M eu m étod o d e verificação p ara formu lações como esta é bem sim ples: averiguar se elas pod em ser decompostas em problemas que permitam a verificação através de pesquisa de campo ou se pelo menos podem ajudar numa classificação de fatos observados. Jamais constatei que a dicotomia entre sagrado e profano fosse de q ualquer ut ilidade em nenh um a das duas direções. Pod e-se tam bém dizer aqui que as definições de Durkheim não deixam muito espaço para a flexibilidade de situações, como por exemplo, para o fato de que o que é "sagrado" pode sê-lo apenas em certos contextos e em certas ocasiões, e não em ou tras. Este aspecto já havia sido m encionado antes. Darei aqui um exemp lo simpl es. O culto Zande d os ancestrais se organiza em to rno de sant uários erigidos no meio dos pátios e as oferen das são postas neles durante cerimônias ou, às vezes, em outras ocasiões. Porém, quando não estão em uso ritual, para assim dizer, os Azande utilizam os santuários como convenientes escoras contra as quais repou sam suas lanças; ou n ão lhes dão a mínim a atenção. Do m esm o m odo, a dem arcação d o sagrado po r interdições deve ser verdade para m uito s povos, mas não po de ser universalment e válida, 93 com o Du rkheim supô s - se é q ue estou certo em crer qu e o s participantes dos complicado s ritos sacrificiais entre p ovos do Nilo n ão estão subm etidos a qualqu er interdição. No que concerne à prova fornecida pelos australianos, devo dizer qu e um a das fraquezas de po sição d e Durkheim é o fato con creto de qu e entre o s aborígines australianos é a horda (e a seguir a tribo) que constitui o grupo corporado, não os clãs, amplamente dispersos. Assim, se a função é manter a solidariedade dos grupos, que freqüentemente necessitam de um sentimento de unidade, então deverão ser as hordas e tribos e não os clãs, que deveriam efetuar os ritos geradores de efervescência 1 . Durkheim percebeu isto e tentou se esquivar
respo ndend o - a m eu ver inadequadam ente - que é p recisam ente po r faltar coesão aos clãs, que não t êm chefes nem ter ritó rios com un s, que as concent rações perió dicas se to rn am n ecessárias. Qual é o inter esse de manter, através de cerimônias, a solidariedade de grupos sociais que não são corporados e que não têm qu alquer ação conjunt a senão nas cerimô nias? Durkheim pre feriu defender sua tese com a prova do totemismo e quase que exclusivamente com o totemismo australiano. Ora, o totemismo australiano é muito atípico e altamente específico, e conclusões obtidas a partir dele, mesmo se precisas, não podem ser consideradas como válidas para o t otem ism o em geral. Ademais, o fenôm eno t otêm ico não é o m esmo em to das as partes de Austrália. Durkheim comp orto u-se muito seletivam ente em sua escolha d e m aterial, restringind o-se basicam ent e à Austrália central e n a m aioria das vezes aos Arun ta. Suas teori as não levam em consideração qu e em o utras partes do com 1 Notar que a terminologia para os grupos políticos dos aborígines australianos não é apenas ambígua; é caótica. Difícil saber o que é tribo, clã, nação, horda, família, etc. Ver G. C. wheeler, THE TRIBE AND IN TERTRIBAL RELATIO N S IN AU STRALIA , 1910, passim. 94 tinente as cerimônias "intichiuma" parecem ter um significado bastante diverso, sem importância equivalente, podendo mesmo inexistir de todo. Portanto, o totemismo entre outros povos não tem as características que Durkheim salienta mais marcadamente (tais como concentrações, cerimônias, objetos sagrados, desenhos, etc). A defesa de que o totemismo em outras regiões seja uma instituição mais desenvolvida ou um a instituição em decadência é um a alegação qu e não po dem os aceitar, uma vez que não há m eios de saber algo a respeito de história do to tem ism o nem na Austrália nem em parte algum a. A afirmativa de que o to tem ism o australiano seja a form a original de tot emismo é mu ito arbitrária e repo usa na pressuposição de que a forma mais simples de religião há de ser, necessariamente a de povos com a organização social e cult ur a mais elem ent ares. M as m esm o se aceitam os tal crit ério, deveríam os levar em consideração o fato de que alguns povos caçadores e coletores tão subdesenvolvidos tecnologicamente quantos os australianos, e com organização social bem mais simples, não têm totens (nem clãs), ou os tot ens que po ssuem não t êm imp ort ância para eles; m as são do tados, apesar de tud o isto, de crenças e rito s religiosos. Poderíamo s assinalar tam bém que p ara Durkheim o t ot emismo era essencialmen te um a religião ciânica, um produ to deste t ipo de segm entação social e qu e po rtanto , onde haja clãs, haverão eles de ser tot êm icas e ond e haver to tem ism o a sociedade terá u m a organização à base de clãs; um a sup osição em q ue ele está en ganado, po is sabe-se agora q ue existem po vos organizados em clãs e sem to ten s e vice versa 1 . Efetivamente, como assinalou Goldenweiser, a afirmativa de Durkheim segundo a qual a organização social dos austr alianos se faz à base de clãs foi to talm ent e com 1 Low ie, PRIM ITIVE SOCIETY, 192 1, p. 13 7. 95 trariada por provas etn ográficas, e só este fato t orna t oda a sua teoria q uestion ável 1 . Assim , ao pô r ênf ase nas representações figuradas das criaturas totêmicas, Durkheim também se deixou vulnerável às poderosas argumentações de que em geral os totens não são, na realidade, representados de modo figurativo. Pode-se dizer também que existe muito pouca prova de que os deuses de Austrália sejam sínt eses de to tens - m uito emb ora isto seja um a tent ativa esperta de se livrar d e sua in côm oda p resença. As vezes ficam os a pensar sob re com o n ão teria sido tud o se Tylor, M arett, Durkheim e to dos os outro s tivessem passado pelo menos umas poucas semanas entre os povos sobre os quais escreveram tão
livrem ente... M encion ei alguns ponto s que me parecem suficientes para levantar d úvidas acerca de teo ria de Durkheim se é qu e não a invalidam com pletam ente. M ais se po deria dizer, com o se diz na crítica devastado ra de Van Genn ep, que se tor na ainda m ais vigoro sa e cáustica à m edida em que Du rkheim e seus colegas excluíram e ignoraram o autor 2 Deverei, port anto, ant es de p assar rapidam ente em revista algum as constru ções teóricas semelhant es a esta qu e tem os com entado, fazer u m com entário final sobre a teoria de gênese do totemismo - e portanto, de religião, em geral. Ela contraria suas próprias regras de metodologia sociológica, pois, fundamentalmente, oferece uma explicação psicológica para os fatos sociais, e o próprio Durkheeim afirmou que tais explicações são invariavelmente erradas. Estava muito bem para ele desprezar os out ros por ju lgarem qu e a religião derivasse de alucinações m ot oras, m as isto é exatam ente o q ue ele fez. Nenhu m malabarismo verbal 1 Go ld en w eiser , RELIGION A ND SOCIETY: A CRITIQU E OF ÉM ILE DURKHEIM 'S THEORY OF THE ORIGINEI AND N ATURE OF RELIGION, Jou rn al of Philo soph y, Psycho logy an d Scient ific M eth od s, XII, (191 7). 2 A. Van Gennep L'État Actuel du problèm e to tém ique, 1920, p. 40. 96 tal como o u so d e palavras do tipo " intensidade" e "efervescência" p ode escond er a evidência de que ele faz derivar a religião totêmica dos "blackfellows" de excitação emocional de indivíduos reunidos numa pequena multidão, isto é, daquilo seria uma espécie de histeria das multidões. Algumas de nossas ob jeções iniciais e neste aspect o, algum as feitas pelo pró prio Du rkheim , devem ser aqu i situad as. Qual é a prova de que os "blackfellows" estão, durante a realização de suas cerimônias, afetados por um estado emocional particular? E se estão, fica evidente que a emoção é produzida, como o próprio Durkheim assinalou , pelos ritos e crenças e não o cont rário. Assim , a emo ção exaltad a, seja ela qual fo r, e se é qu e está envolvida nos rituais, poderia ser realmente um importante elemento dos ritos, dando-lhes uma significação mais profunda na mente de cada indivíduo, mas dificilmente poderia ser uma explicação causal adequada para o rito enquanto fenômeno social. Tal argumentação, como freqüentemente acont ece ent re argum ento s sociológicos, é tautológica: com o o prob lema d e galinha e do ovo. Os rito s criam a ef ervescência, que criam as crenças, que levam à realização do s rito s. Ou o simp les fato de h aver um a reunião é que lhes dá o rigem ? Port anto, fun dament almen te, Durkheim faz surgir um fato social de psicologia das m ultidões. Efetivament e não é um grand e salto, o que vai de t eoria de Durkheim - emb ora ele se chocasse se ouvisse isto - a uma explicação biológica de religião, tal como a que Trotter parece prop or; ela seria um subpr odut o do instinto grupal, do instinto d e gregarism o, um do s quatro que avultam na vida hum ana (sendo os outro s três o d e auto -preservação, o d o sexo e o d e nut rição). Eu d igo q ue esta é a tese que Trotter " parece" prop or po rque neste aspecto ele não é m uito p reciso; a ínt ima depen dência para com o rebanho "com pele o indivíduo na direção de existências m aio97 res que a sua pró pria, na direção d e algum ser abrangente através de quem ele encon traria um a solução para as suas dificuldades e apaziguamento para seus desejos" 1 . O livro de Trotter é, no entanto, muito mais uma polêmica moral do que um estudo científico. Devemos assinalar nele o fervor idealístico (socialístico) que se encontra no de Durkheim. Algumas das idéias que Durkheim1. expôs em seu livro, foram desenvolvidas por seus colegas, por estudantes e outros que ele influenciou. Se passo a comentar alguns deles e ademais, apressadamente, é porque as presentes conferências tencionam mostrar diferentes maneiras de olhar para o m esm o assunt o ou p roblem a, longe de pret enderem ser um a histór ia completa de idéias ou catálogo amplo de escritores que sobre elas escreveram. Um dos mais conhecidos
ensaios pu blicados na revista q ue Du rkheim 1. fun dou e edit ou (L'ANNÉE SOCIOLOGIQUE) era um estu do de literatu ra existent e acerca dos esqu imó s, de auto ria do seu sobrinho M arcel M auss, em colabo ração com M. H. Beuchat 2 . O tema geral deste ensaio é uma, demonstração de tese de Durkheim. de que a religião é um produto de concentração social e se mantém viva às custas do gregarismo periódico, de forma que o tempo, como as coisas, ganha dimensões sagradas e seculares. Não precisamos entrar em detalhes: basta dizer que o auto r mo stro u como o s esqu imó s, duran te parte do ano, - o verão - qu ando o s m ares estão sem gelo , se dispersam em peq uen os gru po s fam iliares vivendo em ten das. Quand o o gelo se fo rm a já não lhes é m ais po ssível pro curar caça, de m od o qu e passam esta 1 W . Trot t er, INSTINCTS OF THE HERD IN PEACE AND W AR, qu int a ed . (1920 ), p. 11 3. 2 M . M au ss, ESSAI SUR LES VARIATIONS SAISONN IÈRES DES SOCIETÉS ESKIM OS: ÉTUDE DE M ORPHOLOGIE SOCIALE, L'Ann ée sociolo giqu e, IX (1906 ). 98 parte d o ano (o inverno) em grupos m aiores e m ais concentrados em habitações com unais, várias famílias ocupando um mesmo cômodo, de sorte que quando as pessoas se encontram numa fase de relações sociais mais amplas (sendo, portanto, a ordem social então não apenas de diferentes proporções mas também bastante diferente em arranjo e estrutura), a comunidade é não apenas um grupo de famílias vivendo junt as por conveniências, mas uma n ova form a de agrupam ento social em que o s indivíduo s se relacionam de m odo diverso. Com este p adrão alterado, surge um a diferente escala de leis, de m oral e costumes, adaptada às novas circunstâncias e que cessa durante o período de dispersão. É quando se formam os grupos amplos que as cerimônias religiosas anuais ocorrem; assim, poder-se-ia dizer que os esqu imó s confirm am a tese de Durkheim 1 . Por m ais engenh osa que po ssa ser t al expo sição, ela dem on stra apen as que p ara a execução d as cerim ôn ias religiosas, são necessárias mu itas pessoas e b oa p arcela d e tempo livre. Diga-se também que o argumento se refere a circunstâncias bastante diversas daquelas concernentes aos aborígines australianos, onde os membros do clã se reúnem periodicamente para a realização de suas cerimônias totêmicas. Os esquimós se congregam por motivos diferentes, e só se dispersam por n ecessidade. M auss, com o Durkheim , afirm ou q ue se pod e form ular um a lei a partir de um só experim ento b em contro lado, mas a verdade é qu e tal form ulação não é um a lei e sim u m a hipótese; e acont ece qu e eu m esm o estudei um povo, os Nuer, entre o s qu ais o período d e maior concentração não é aquele 1 O en saio de M auss foi pu blicado ant es do apa recim ent o d e LES FORM ES ÉLEM EN i AIRES DE LA VIE RÉLIGIEUSE, mas Durkheim1. já havia divulgado suas opiniões antes de lançar este livro; e as pesquisas e escrito s do s do is (M auss e Durkheim ) são de tal m od o ent relaçadas, que é difícil separar um do o ut ro. 99 em q ue oco rrem as cerim ôn ias, o q ue se deve a razões de con veniência, na sua m aioria. Em ou tro ensaio da ANNÉE, M auss, junt ament e com o excelente historiador Henri Hub ert, tinha ant eriormen te d istinguido a magia da religião, com o Durkheim , e realizara um exaustivo estu do daquela part e do sagrado - o m ágico - 1 d e qu e Dur kheim não t rat ou no seu THE ELEM ENTARY FORM S OF THE RELIGIOUS LIFE; a m esm a du p la de eruditos tinha também publicado, na mesma revista, uma magistral análise dos sacrifícios védico e hebreu 2 . M as, em bo ra m agistr al, com o era a análise, suas con clusões são u m a peça pou co convincent e de metafísica sociológica. Os deuses são representações de comunidades, são sociedades concebidas idealística e imaginativamente. Assim, as renúncias através do sacrifício nutrem as forças sociais com
energias mentais e morais. 0 sacrifício é um ato de abnegação através do qual o indivíduo reconhece a sociedade; ele leva às consciências particulares a presença de forças coletivas, representadas por seus deuses. Mas embora o ato de abnegação implícito em qualquer sacrifício sirva para manter as forças coletivas, o indivíduo tamb ém en contra vantagens no ato, por que nele a força tot al da sociedade lhe é transmit ida além da obt enção de m eios para recuperar equilíbrios perdido s ou p erturb ados; um ho m em, através da expiação, se redim e da repr ovação social - conseqüên cia de erro s - e reingressa na sociedad e. Assim se preenche a função social do sacrifício, tanto para o indivíduo, quanto para a coletividade. Tudo isto me parece ser uma mistura de especulações, conjecturas e reificações para as quais não há provas. São conclusões não derivadas 1 H. Hub ert e M . M au ss, ESQU ISSE D'U NE THÉORIE GÉNÉRALE DE LA M AGIE, L'Ann ée So cio logi q ue , VII (1904). 2 H. Hu b ert and M au ss, ESSA[ SUR LA NATURE ET LA FONCTION DU SACRIFICE, L'ann ée Soci o logiq ue , LL, 1899. 100 mas impostas a uma análise brilhante do mecanismo do sacrifício ou, talvez devêssemos dizer, de sua estru tu ra lógica ou sua gramát ica. Quero m encionar tamb ém, como exem plos do m étod o sociológico, dois notáveis ensaios de um jovem membro do grupo da ANNÉE, Robert Hertz 1 Num desses ensaios, ele relaciona a dicotom ia sagrado -profano de Durkheim às idéias de d ireito e esquerdo represent adas pelas duas mãos que, em todo o mundo, são tidas como opostos, sendo a direita o bem, a virtude, a força, m asculinidade, ocident e, vida, etc., e a esquerd a o cont rário de t udo isto. O out ro ensaio é um a tentativa de explicar po r que t antos povos têm não som ente m aneiras de se descartarem d os seus m orto s, o qu e se compreende facilmente, como ainda possuem cerimônias mortuárias e, especialmente o costume, existente na Indonésia, de dar um "duplo" tratamento aos mortos. O corpo é deixado temporariamente até se decompor, quando então se recolhem os ossos, a seguir colocados no ossuário da família. Este pro cesso r epresent a, no símb olo m aterial do corpo em decom posição, a prolon gada passagem da alm a do m ort o do m und o dos vivos para o m und o dos fant asm as, uma tran sição de um estado para outro , os dois m ovim ento s correspon dendo a um terceiro: a libertação d os vivos de suas ligações para com o m orto . Nas segundas exéquias, os três movimentos atingem harmonicamente o seu clímax e seu término. São, na realidade, facetas diferentes de um mesmo processo, o ajustamento da sociedade à perda de seus membros, um processo lento porque as pessoas não se reconciliam facilmente com a morte, seja ela encarada com o fat o físico ou m oral. Na Inglaterra, as teo rias sociológicas da religião, especialmen te a d e Durkheim, exerceram grand e influência sobre 1 R. Hert z, DEATH AN D THE RIGHT HAN D., 196 0. 101 uma geração de eruditos clássicos como Gilbert Murray, A. B. Cook, Francis Conford e outros, fato adm itido po r Jane Harrison, qu e lida com a religião grega e po r extensão com toda a religião, em t ermo s de pensamento e sentimento coletivos. Ela seria o produto da efervescência induzida pela atividade durante a cerimônia, a projeção da emoção do grupo, o êxtase do grupo "thiasos". Embora a autora confesse que "os selvagens me cansam e desagradam, talvez porque eu passe longas horas lendo a respeito d e seus tedio sos hábito s" , ela tran splant a para solo grego a supo sta m ent alidade do s aborígines. E lá, em formas gregas, encontramos os mesmos velhos frutos... Os sacramentos "só podem ser
entendidos à luz do p ensamento tot êmico" 1 . Os fenô m eno s religiosos gregos " dep end em d a ou expressam e representam a estru tur a social dos praticant es do culto" 2 . "A estrutura social, e a consciência coletiva qu e se man ifesta nela, estão p or t rás de to da religião" 3 . A religião báquica se baseia na em oção colet iva do "t hiasos". Seu d eus é um a pro jeção da un idade gru pal. O Dr. Verrali, em seu en saio acerca das Bacant es de Eurípides, acerta n o alvo em um lum inoso fragm ento de t radução: - o êxtase do s iniciados, diz ele, jaz essencialmente nisto: "sua alma está congregacionalizada" 4 . O homem tamb ém reage coletivamente ao universo: "vimos sua emoção se estender, projetar-se aos fenômenos naturais e notamos como esta projeção faz nascer nele concepções tais como as de mana, orenda" 5 , com as quais a aut ora com para as concepções gregas de poder ("kratos") e força ("bia"). O totemismo "é uma fase ou estágio do pensam ento coletivo pela qual 1 Harri son, op. cit. p. XII. 2 Ibidem p. XVII 3 Ibide m , p. XVIII. 4 Ibidem p. 48 5 Ibidem p. 73. 102 a mente humana tem que passar" 1 . O sacrifício e o sacramento são "apenas formas especiais de m anipulação do "m ana" que nós concordam os em chamar de m agia" 2 . "A religião t em po rtanto em si dois elem ent os: o costu m e social, a con sciência colet iva, e a ênfase e repre sent ação desta consciência coletiva. Cont ém, po rtanto dois fatores intim ament e ligados: o ritu al (costum e, ação coletiva) e o m ito ou teolo gia, representação da emoção coletiva, consciência coletiva. E, ponto de extrema importância, são ambas incumb entes, interdep endent es" 3 . As falhas da t eoria de Durkheim, q ue se devem basicament e à pro cura qu e ele faz da gênese e causa da religião, se acentu am ainda m ais no s escritos de o ut ro erud ito clássico, m uito conh ecido Francis Corn ford, que tam bém deve muit o a Durkheim. Tamb ém para ele o indivíduo n ão conta, salvo enquanto organismo, nas comunidades mais primitivas. Em outros aspectos, só o grupo importa. E o mundo da natureza é categorizado no padrão da estrutura do grupo social. No caso da religião, as almas e deuses de um tipo ou de outro são apenas representações da mesma estrutura. Em am bo s os casos, a man eira de con ceber a n atur eza e as crenças religiosas, as categorias do p ensamen t o são pro jeções da men te coletiva. A alma é a alma coletiva do grupo; é a sociedade mesma, que está por dentro e por fora do indivíduo a ela pertencente; e é portanto imortal pois, embora seus membros individuais m orram , a sociedade perdu ra. Da noção d e alma desenvolve-se a rep resent ação de um deus, quando um certo grau de complexidade política, individualização e sofisticação é alcançado. Em última instância, porém , to das as represent ações religiosas são ilusões causadas pelo q ue Confo rd cham a 1 Harrison, op. cit., p. 122. 2 Ibidem p. 134. 3 Ibidem p. 486. 103 de sugestão do rebanho . Assim ele con clui que " a prim eira represent ação religiosa é um a representação de pró pria consciência coletiva - o único poder m oral que pod e vir a ser sentido com o im posto de fo ra e que assim sendo, precisa ser representado”1. Embora o enfoque de Durkheim 1 . em relação à religião po ssa ter sido valioso, com o o en foq ue socioló gico em geral, sugerin do n ovas m aneiras de encarar os fato s
de antigüidade clássica, deve-se admitir que afirmativas tais como as que mencionei aqui não são senão conjectu ras, e m ais, que elas se aventu ram até bem m ais longe do que o perm ite a especulação legítim a. As provas invocadas para apoiá-las são em qualquer padrão critico insuficientes e duvidosas. Nos tempos m oderno s, o m aior expoent e de in terpretação sociológica das religiões primitivas dest e lado d o Canal fo i o durkheimiano inglês A. R. Radcliffe-Brown 2 . (Digo durkheimiano mas acho que ele deveu igualmente ou mais a Herbert Spencer). Ele tentou restaurar a teoria durkheimiana do totemismo para torná-la mais abrangente, embora ao fazê-lo, na minha opinião, tenha-a tornado num disparate 3 . Ele quis demonstrar que o totemismo era apenas uma forma especial de um fenômeno universal na sociedade humana, constituindo-se lei geral que qualquer objeto ou fato que tenha importantes efeitos sobre o bem-estar material ou espiritual de uma sociedade tenda a se tornar objeto de uma atitude rituallstica (uma generalização muito 1 F. M . Con fo rd, FROM RELIGION TO PHILOSOPHY, 19 12, p . 82. 2 Na análise de po sição de Radcliffe-Bro w n, é Impo rtan te saber que ele term ino u suas pesqu isas ent re os ilhéus de Andaman antes de se familiarizar com os escritos de Durkheim, sob a influência dos quais ele viria a pu blicar os seus resultad os. 3 A. R. Radclif fe-Br ow n, " THE SOCIOLOGICAL THEORY OF TOTEM ISM " , Fou rt h Pacifi c Scien ce Con gress, Java, 1929, Biolo gical Papers, pp . 295-309 . 104 du vidosa). Assim, o povo qu e depende d e caça e de coleta para sobreviver t em um a atitude rit ual para com os animais e plantas que lhe sejam mais út eis. O to tem ism o surge desta atitu de geral quando começa a segmen tação social. Na sua discussão do tot em ism o, Radcliffe-Brow n d ivergiu clarament e de explicação qu e dava Durkheim de sua gênese a partir d e psicologia das multidões; porém , em ou tras partes, com o po r exemp lo em sua d escrição d as danças entre os ilhéus de An dam an, ele assum e pr aticam ente a m esm a po sição que Du rkheim 1 . Na dança, diz ele, a personalidad e do ind ivíduo se sub m ete à ação q ue sobr e ele exerce a comu nidade, e o concerto h armon ioso d os sentim ento s individuais com suas ações pro duz um a unidade m áxim a e m áxim a concord ância dent ro de com unidade, o que é int ensament e sentido p or cada um de seus mem bro s. Este po de ou não ser o caso en tre o s And amaneses, mas em u m d e meu s prim eiros trabalhos fui ob rigado a pro testar cont ra a aceitação d e afirmativa com o um a generalização, porqu e as danças que observei na África Central eram uma das mais freqüentes ocasiões em que imperava a desarmonia; e minha experiência subseqüente confirmaria meu ceticismo de jovem. A força de uma corrente se põe à prova através do seu elo mais fraco. Vemos nos escritos de Radcliffe-Brown quão insatisfató rias po dem se m ostrar e stas explicações socioló gicas do s fenô m eno s religiosos. Em um a de suas últimas conferências, (a Henry Myres Lecture) 2 ele diz que a religião é sempre a expressão de uma sensação de dependência para com um poder moral ou espiritual fora de nós mesmos: o que é, se deixarm os Schleierm acher e ou tro s filósofos à parte, u m lugar-com um de pú lpitos... M as Rad1 Idem , THE ADAM AN ISLANDERS, 1922 , p. 246 . 2 Radcliff e-Brow n, RELIGION AND SOCIETY, Jou rnal o f th e Royal An th rop olo gical Instit ut e, LXXV (1945 ). 105 cliffe-Brow n estava tent ando form ular um a proposição sociológica que vai mu ito além deste conceito vago e geral. Se a tese de Durkh eim devesse ser dem on str ada, verificar-se-ia, que a concepção do divino varia de acordo com as diferentes formas das sociedades, uma comprovação pela qual Durkheim não se
interessou. Assim, diz RadcliffeBrown, desde que a religião tem a função de manter a solidariedade da sociedade, ela deve variar em forma com os diferentes tipos de estrutura social. Nas sociedades com sistema de linhagem, deveremos encontrar o culto de ancestrais. Os hebreus e as cidades-estado da Grécia e Roma tinham religião nacional, de acordo com seus tipos de estrutura política. Isto é realmente dizer, com o fez Durkheim , qu e as ent idades postuladas pela religião não são senão a sociedad e m esm a e o raciocínio é, na melhor das hipóteses, apenas razoavelmente aceitável. Quando deixa de ser uma mera reafirmação do óbvio, ele é muito freqüentemente contrariado pelos fatos. Por exemplo, o culto de ancestrais é freqü entem ente a religião de p ovos qu e não têm linhagens, com o é o caso de m uitos povos africanos; e talvez o m ais perfeito exemp lo d e um sistem a de linhagem seja o d os árabes beduínos, qu e são m uçulmano s. E não é verdade que tant o o cristianism o qu anto o islamismo foram adotado s por po vos com t ipos bem d iferentes de estru tur a social? Existem graves objeções a todas essas teorias sociológicas (ou deveríamos dizer sociologísticas?) que tem os estad o considerand o, inclusive qu anto à inadeq uad a coleta de dad os qu e, com o eu disse antes, são freqüentemente confusos e geradores de confusão. Então, temos novamente que enfatizar aqui, os exemplos negativos não podem ser simplesmente ignorados. Eles devem ser incorporados à análise da teoria pro posta, ou ent ão é melh or abandon ar a teoria. Com o encaixar os po vos prim itivos qu e têm clãs m as não t êm tot ens? Os que crêem na sobrevivência da 106 alma, mas não têm segundas exéquias ou ritos mortuários? Os que não associam a orientação correta a qualidades morais superiores? Os que têm linhagens porém não culto de ancestrais? E assim por diante. Na ocasião em qu e to das as exceções estiverem registr adas e verificadas, o q ue sobrar das teor ias há d e ser po uco m ais do qu e especulações razoáveis de um caráter tão vago e geral qu e será po uco o seu valor cient ífico, tant o m ais que n inguém sabe o que fazer do s resultado s, pois nada se poderá confirm ar nem negar nu m a análise final. Se alguém qu isesse te star a teo ria de Durkh eim e a de M auss acerca da or igem e significação da religião, como conseguiria obter suporte para elas ou demonstrar que estão erradas? Se questionássemos a explicação que Hertz dá das duplas exéquias, coloca-se o mesmo problema. Como saber se a religião mantém ou não a solidariedade de uma sociedade? Todas essas teorias tanto podem ser verd adeiras com o falsas. Pod em parecer claras e con sisten tes mas tend em a rid icularizar investigações mais profundas, porque à medida que vão além da simples descrição dos fatos e fornecem explicações, po r out ro lado com o que evitam a verificação experim ental. A supo sição de qu e um certo tipo de religião decorre de ou acom panha um certo tipo d e estr utu ra social só t eria um alto grau de prob abilidade se se pudesse provar historicamente não apenas que as alterações na estrutura social se acompanham de alterações no pen sam ent o religioso, m as tam bém qu e esta corre spo nd ência seja regular. Ou se se pud esse dem onstrar qu e tod as as sociedades de um certo t ipo t êm sistem as religiosos sem elhantes, o qu e para LévyBruhl era um axioma; e sua contribuição neste assunto será o tema da próxima conferência. Em conclusão, devemos chamar a atenção para algumas semelhanças que há entre certas teorias que mencionamos e os escritos marxistas, ou pelo menos alguns deles, que em muitos casos e de muitos m odo s apresentam a mais 107 linear, direta e lúcida exposição de um ponto de vista sociológico. A religião é uma forma de "superestrutura" social, um "espelho" ou "reflexo" das relações sociais que repousam na estrutura econ ôm ica básica de sociedade. As no ções de espírito, alma, etc., derivam de um tem po em que h avia líderes de clã, patriarcas, "em ou tr as palavras, quand o a divisão do t rabalho levava à segregação d o labor
administrativo" 1 . Assim , a religião com eça pelo cult o d e ancestr ais e do s m ais velho s do clã: na or igem, isto é um "reflexo das-relações de produção, principalmente daquelas entre senhores e escravos, e a "ordem política de sociedade" por elas condicionada" 2 . Assim, a religião tende sempre a tomar a forma de estrutura econômico-política de sociedade, embora possa haver um lapso de tempo no ajustamento de um a à outr a. Num a sociedade form ada por clãs frou xam ente ent relaçados, a religião assum e a form a do politeísmo; onde há uma monarquia centralizada, há um deus único; onde houver uma república com ercial escravagista (com o em Aten as, no século VI A.C.), os deuses se or ganizam com o nu m a repú blica. E assim.por diante. É evidentemente verdade que as concepções religiosas devem forçosamente derivar de experiên cia, e a experiência das relações sociais deve fo rn ecer um m od elo para t ais concepções. Esta tese pode, pelo menos ocasionalmente, explicar as formas conceituais assumidas pela religião, mas não suas origens, suas funçõ es, seu significado. Em qu alqu er caso, nem a etno grafia nem a história com pro vam a tese. É, por exem plo, falso - ao contrário d o qu e afirma Bukharin - que d urant e a Reform a os príncipes governantes se alinhassem unanim ement e ao lado do papa 3 . 1 N. Buk ha rin , HISTORICAL M ATERIALISM . A SYSTEM OF SOCIOLOGY, 1925 , p. 1 70 . 2 Ibidem pp . 170-1. 3 Ibidem p. 178. 108 Conq uanto não m e seja possível discutir m ais dem oradam ente o assun to aqui, eu diria qu e entre a escola francesa de sociologia e os teóricos marxistas existe, no que concerne à abordagem do estudo dos fenômenos sociais, muitos pontos comuns, embora com roupagens diferentes. Embora os teóricos marxistas considerassem Durkheim1. um idealista burguês, a verdade é que ele poderia muito bem ter escrito o famoso aforisma de Marx segundo o qual não é a consciência do homem que determina sua essência mas sim o seu ser social que d eterm ina sua consciência. Bukharin cit a Lévy-Bruhl com aparent e apro vação. E é a este q ue n os referirem os a seguir.
LÉVY-BRUHL enhuma revisão das teorias da religião primitiva estaria apropriada se não devotasse especial aten ção aos volum osos escrito s de Lévy-Bruh l acerca da m ent alidade prim itiva, um a expr essão qu e d eriva d e um d e seus livros, LA M ENTALITÉ PRIM ITIVE. Su as conclu sões sob re a n at ur eza do pensam ento prim itivo foram po r mu ito s anos um assun to d e acesa con tro vérsia, e mu itos antro pólogos da épo ca se sent iram com pelido s a abor dá-las. Após expo r e criticar suas opiniões, farei um a breve revisão do que Pareto tem a oferecer às nossas questões, em parte por ser ele um acesso útil ao estudo de LévyBruhl, e em p arte po rque o que ele tem a dizer serve com o u m a pont e eficiente na d ireção da discussão geral e do resumo que se lhe seguirá. Lévy-Bruhl era um filósofo que já tinha erguido uma grande reputação através de livros notáveis sobre Jacobi e Comte antes de voltar sua atenção, como aconteceu com seu cont empo râneo Durkheim, tamb ém filósofo, para o estu do do ho m em p rimitivo. A publicação do seu LA M ORALE ET LA SCIENCE DES M OEURS em 19 03 m arca a m u d ança 111 do s seus int eressas na d ireção do estud o da m ent alidade prim itiva, o que viria a ser sua ún ica pr eocup ação até sua morte, em 1939. Embora suas suposições fundamentais sejam sociológicas, sendo portanto possível classificá-lo entre aqueles autores de que estive falando, Lévy-Bruhl não se ajusta muito
facilmente a esta categoria, e sempre recusou sua inclusão no grupo de Durkheim; portanto, é apenas num sentido form al que ele po de ser cham ado, com o faz Webb, um dos colaboradores de Durkheim 1 . Ele conservouse m ais um filósofo, pu ro e sim ples, daí seu int eresse se volt ar m ais para os sistem as prim itivo s de pensamento do que para as instituições primitivas. Afirmava que se pode começar o estudo da vida social tão legitimamente pela análise das maneiras de pensar quanto pela análise das formas de com port ament o. Talvez po ssamo s dizer qu e ele as estu dou basicam ente com o u m lógico, pois a questão da lógica é fundamental em seus livros, como se deve, aliás, esperar que seja em qualquer estudo dos sistem as de pensamento . Seus primeiros dois livros acerca dos povos primitivos traduzidos para o inglês sob os títulos de HOW NATIVES THINK e PRIM ITIVE M ENTALITY expun ham a teo ria geral do pen sam ent o p rim itivo através da qu al seu aut or se tor nou tão conh ecido. Seus trabalhos ulteriores eram amp liações destes dois, emb ora ele pareça ter modificado lentamente sua visão original à luz das modernas pesquisas de campo; ele era um ho mem m odesto e hum ilde. Ao fim de sua vida, ele pode ter m od ificado sua posição ou pelo m enos ter considerado esta p ossibilidade, se é q ue p od em os julgar a par tir do s seus CARNETS, pó stu m os. Seja com o for, foram suas opiniões do m odo com o apareceram 1 C. C. J. W eb b, GROUP THEORICS OF RELIGION AN D THE INDIVIDU AL, 191 6, p p. 1 3 e 14 . 112 em seus livros iniciais que formaram o corpo de sua notável contribuição teórica à antropologia; e é a respeito d elas qu e falarei. Assim com o Du rkheim , ele recusa a or ient ação d a escola inglesa por ten tar ela explicar os fatos sociais através de p rocessos individu ais de p ensam ent o (pr ocessos da p róp ria escola) que são o pro dut o de condições diferentes daquelas qu e mo ldaram as mentes que se pret ende com preend er. Os erud itos pertencentes a esta escola se aut o-interrogam sob re com o teriam eles próprio s chegado às crenças e prát icas dos povos primitivos, e depois adm item tacitament e que o s prim itivos chegaram a tais resultado s seguindo o s mesm os passos. É semp re inút il tentar int erpretar as ment es prim itivas em term os de p sicologia individu al. A m ent alidade do indivíduo deriva das rep resentações colet ivas d e sua sociedad e, para ele, ob rigatór ias estas repre sent ações, por sua vez, são fu nção das instit uições. Con seqü ent em ent e, certo s tipo s de representações e port anto certas m aneiras de p ensar, pertencem a t ipos determ inados de estrutura social. Em outras palavras, assim como variam as estruturas sociais, variam também as represent ações e conseqüent ement e o p ensam ento individual. Cada tipo d e sociedade tem , port anto, seu tip o distinto d e men talidade, um a vez qu e cada um a tem seus costu m es e instit uições específicos, os quais são, fundamentalmente, apenas um certo aspecto das representações coletivas. Estes costumes e instituições são, por assim dizer, a soma das representações considerada objetivamente. Lévy-Bruhl não quis dizer com isto que as representações de u m po vo são m enos reais do que suas instituições. M as as sociedades hu m anas po dem ser classificadas segun do vár ios tipos diferen tes e, no entan to , diz Lévy-Bruh l, ju lgan do d a m an eir a m ai s am pla po ssível, exist em dois t ip os principais: - o prim it ivo e o civi lizado , co m do is pen sam ent os corr espond ent es o op osto s a elos associado s, pelo 113 qu e pod emo s falar de m entalidade prim itiva e men talidade civilizada; e estas são. diferentes não apenas em grau m as tam bém em qu alidade. Observar-se-á que Lévy-Bruhl pro cura enfatizar as diferenças entre o s povos primitivos e os civilizados; esta é talvez a mais importante observação a fazer acerca do seu posicionamento teórico e é o que lhe dá muito de sua originalidade. Por várias razões, muitos dos que escreveram acerca dos povos primitivos inclinaram-se a por ênfase nas semelhanças (ou no que lhes
parecia serem semelhanças) entre os primitivos e nós outros; LévyBruhl achou que seria igualmente correto chamar a atenção para as diferenças. Ele é freqüentemente criticado por não ter percebido o quant o no s parecemos com os povos prim itivos em m uit os aspectos; mas tal crítica perde m uito de sua força desde q ue reconh eçamo s a int enção que o nort eava; ele queria realçar as diferenças e, para to rnálas mais claras, dirigiu o foco sobre elas e deixou as semelhanças na penumbra. Ele sabia que estava incorrendo em distorções, no caso, o que algumas pessoas chamam de construtor ideal, mas nunca disfarçou isto, e o seu pr ocedimen to é m etod ologicament e justificável. Nós na Europ a, diz ele, tem os por trás de nós muitos séculos de análise e especulação intelectual rigorosas. Logo, somos orientados logicamente, no sentido de que normalmente procuramos as causas dos fenômenos em processos naturais; e mesmo quando nos defrontamos com um fenômeno que não podemos explicar cientificamente, estabelecemos que assim é porque nosso conhecimento é ainda deficiente. O pensamento primitivo, porém, tem um caráter completamente diferente. Ele se orienta na direção do sob renatural. Diz Lévy-Bruhl: "A atitud e da ment e do hom em p rimitivo é bem diversa. A natu reza do m eio em que ele vive se lhe apresenta de modo muito diferente. Todos os objetos e seres pertencem a uma rede d e par ticipações e exclusões m ísticas. É o q ue con stit ui sua textu ra e sua or 114 dem. Estas imediatamente se impõem a atenção do homem primitivo e a dominam. Se um fenômeno parece a ele Int eressant e e se ele não se con ten ta, po r assim dizer, em apen as p ercebê-lo, passivamen te e sem r eação, pensará imediatam ente, como por ação de um reflexo ment al, num pod er oculto e invisível do qual o fenómeno é apenas uma manifestação" 1 . Se perguntar por que os primitivos não mergulham, com o nó s fazemo s, na pro cura das con exões causais ob jetivas, a respo sta será que eles não po dem fazê-lo, um a vez que suas repr esent ações coletivas são p ré-lógicas e m ísticas. Estas afirm ativas for am recusadas po r antro pólogos britânicos, cuja t radição em pírica leva a que desacreditem de q ualquer coisa que t enha a natureza da especulação filosófica. Lévy-Bruhl, para eles, é apenas um teórico de gabinete que, como os seus colegas franceses, nun ca viu um hom em p rimit ivo e m uito m enos chegou a falar com algum deles. Acho que posso declarar que sou um dos poucos antropólogos aqui e na América que tomaram sua defesa, não p orqu e eu esteja de acord o com ele m as porq ue semp re m e pareceu que u m erudito deva ser criticado pelo q ue disse e não p elo que se sup õe que ele tenh a dito. M inha defesa tem po rtant o d e ser exegética, 2 uma tentativa de explicar o que ele pretendeu dizer com suas expressões chave e seus conceitos-chave - que tanta hostilidade despertaram. Tais expressões e conceitos são por exemplo, "prélógico", "mentalidade", "representações coletivas", "místico" e "participações". Esta terminologia torna seu pen sament o o bscuro, pelo meno s para um leito r inglês, de 1 L. Lévy-Brui l LA M ENTALITÉ PRIM ITIVE, 10 ed ição (194 7), pp . 17/ 18. 2 E.E. Evans-Pritch ard, " Lévy-Bru hl' s Theo ry o f Prim iti ve M ent ality " , BULLETIN O F THE FACULTY OF ARTS, Egyptian University, (Cairo), 1934. 115 m odo que ficamos semp re em dú vida quanto ao q ue ele queria dizer. Lévy-Bruhl cham a de "p ré-lógicos" os mo dos de p ensament o (pen sam ento m ágico-religioso, pois que ele não distinguia pensam ento m ágico de pensam ento religioso) que parecem tão verdadeiros para um hom em p rimit ivo e tão absurdos para um europ eu. Ele quer aludir, com esta p alavra, a algo m uito diferente d aquilo qu e os críticos im aginaram e lhe atribuíram. Ele não quis dizer que os primitivos são incapazes de pensar coerentemente, mas sim que na m aioria, as suas cren ças são in com patíveis com um a visão crítica e cient ífica do un iverso. E qu e cont êm ,
também, evidentes contradições. Não diz que falta inteligência aos primitivos, mas sim que suas crenças são inin teligíveis para nó s. O que t am bém não significa qu e não po ssam os seguir seu r aciocínio. Podem os, sim, pois que eles raciocinam de maneira bastante lógica. Mas partem de premissas diferentes e que representam para nós um absurdo. São razoáveis, mas raciocinam em categorias diferentes, das nossas. São ló gicos, m as os princípio s de sua lógica não são o s nossos e nem os de lógica aristo télica. Lévy-Bru hl não afirm a qu e "o s princípios lógicos são alheios à m ente do s primitivos; um conceito cuja absurdidade é evidente no mesmo momento em que se o formula. Pré-lógico não quer dizer desprovido de lógica ou anti-lógico. Esta palavra, aplicada à mentalidade primitiva, significa simplesmente que ela não se preocupa, como nós fazemos, em evitar contradições. A mentalidade não mantém sempre presentes as mesmas exigências lógicas. Aquilo que para nossos olhos parece ser impossível ou absurdo é, para a m entalidade primitiva, freqüent ement e aceito sem d ificuldade" 1 Aqu i Lévy-Bru hl estava sendo dem asiado sut il, poi s po r "p ré-lógico", ele qu eria 1 Lévy-Bruh l, LA M ENTALITÉ PRIM ITIVE (Th e Herb ert Spen cer Lectur e), 193 1, p. 21. 116 dizer pouco mais que "não-científico" ou "acrítico". O homem primitivo seria não-cieníficto e acrítico, embora racional. Quando ele diz que a mentalidade primitiva ou a mente primitiva é pré-lógica, irrecuperavelmente acrítica, ele não se está referindo à habilidade ou inabilidade individual para o raciocínio , mas sim às categorias em qu e o raciocínio se pro cessa. Ele não está faland o d e um a diferença biológica ou psicológica entre nós e os primitivos, mas sim de diferença social. Segue-se daí que ele também não esteja falando de um tipo de mente como a que alguns psicólogos e outros conceberam: intuitiva, lógica, romântica, clássica e assim por diante. Ele está falando, isto sim, de axiomas, valores e sentim ento s - m ais ou m enos o qu e às vezes se cham a de padrõ es de p ensament o - e diz que ent re os povos primitivos eles tendem a ser místicos e portanto situados para além de verificação possível pela experiência, e indiferentes a contradições. Tomando o mesmo ponto de vista que Durkheim1. neste aspecto part icular, declara que estes são f ato s sociais e não psicológicos, pelo q ue são gerais; t radicionais e obrigatórios. Estão presentes desde antes do nascimento do indivíduo que os adquire, e presentes estarão depois de sua morte. Mesmo os estados afetivos que acompanham as idéias, são socialmente determinados. Neste sentido, portanto, a mentalidade de um povo é algo de objetivo. Se ela fosse simplesmente um fenômeno individual, seria subjetiva; sua generalidade torna-a objetiva. Esses padrões de pensamento que em sua totalidade constituem a mente ou mentalidade de um povo são o que LévyBruhl chama de representações coletivas, uma expressão de uso comum entre sociólogos franceses de época, provavelmente uma tradução do alemão "Vorstellung". A palavra sugere algo de muito confuso, em bo ra ele quisesse apen as dizer que equi vale aquilo qu e nós cham am os de 117 um a idéia, ou noção, ou crença; e qu ando ele diz que u ma representação é coletiva, quer d izer apenas que ela é comu m a todo s, ou pelo m enos à m aior parte do s mem bros de um a sociedade. Toda sociedade tem suas representações coletivas. As nossas tendem sempre a ser críticas e científicas, e as dos povos prim itivos tendem a ser m ísticas. Acho qu e Lévy-Bruhl teria concord ado em que am bas merecem crédito . Se Lévy-Bruhl t ivesse desejado d espert ar as m aiores suspeit as nu m in glês, não po deria ter f eito m elhor do que fez, usando a palavra "místico". Mesmo assim, ele esclarece que quer apenas dizer o mesmo que dizem os autores ingleses, quando falam da crença no sobrenatural, na magia, na religião e assim por diante. Ele diz: " Uso este t ermo à falta de m elhor, não aludindo ao m isticism o religioso d e nossas própr ias
sociedades, que é bastant e diferente, mas no sent ido estrit ament e definido em qu e se usa o t erm o com o referente à crença em forças, influências e ações imperceptíveis para os nossos sentidos, mas, assim mesmo reais" 1 . As representações coletivas dos povos primitivos dizem respeito, basicamente, a estas forças imperceptíveis. Conseqüentemente, assim que as sensações do homem primitivo se tornam percepções conscientes, passam a ser coloridas pelas idéias místicas que evocam. Passam a ser im ediatament e conceitualizadas num a categoria m ística de p ensam ento. O conceito d om ina a sensação e lhe impõe sua imagem . Pode-se dizer que o ho mem primitivo vê um objeto do m esmo m odo como nós o vemos, mas percebe-o diferentemente, pois no momento em que lhe dedica atenção consciente a idéia m ística do objeto se instala entre o objeto e ele, transformad o as prop riedades pu rament e objetivas do primeiro. Nós também percebemos no o bjeto a 1 Lévy-Br uh l, LES FONCTIONS M ENTALES DAN S LES SOCIETÉS INFÉRIEURES, segun da ed ição , (19 12 ), p. 3 0. 118 repr esent ação coletiva de no ssa cultur a, mas desde qu e ela está d e acor do com as caracter ísticas ob jetivas daquele, nós o p ercebem os objetivament e. A representação coletiva do h om em p rimit ivo é mística e ele, em conseqüência, percebe misticamente o objeto, de uma maneira realmente estranha e na verdade absurda para nós. A percepção mística é imediata. O homem primitivo não percebe, por exemplo, uma som bra e nela aplica a dout rina de sua sociedade, segund o a qu al a som br a é um a de suas almas. Quan do consciente de sua sombra, ele está consciente de sua alma. Poderemos entender melhor as opiniões de Lévy-Bruhl se dissermos que, em sua maneira de encarar o assunto, as crenças só aparecem tardiamente no desenvolvimento do pensamento humano, quando percepções e representações já se separaram. Podem os então dizer que um indivíduo p ercebe sua somb ra e crê qu e ela é sua alma. A questão d a crença não surge entre os povos primitivos. A crença está contida na sombra. A sombra é a crença. Do mesmo modo, um homem primitivo não percebe um leopardo e acredita que ele seja o seu irmão-totem. As qualidades físicas do leopardo estão fundidas na representação mística do totem e a ela se subordinam. Diz Lévy-Bruhl: "a realidade em que os primitivos vivem é em si mesma mística. Nenhum ser, nenhum ob jeto, nenhu m fenôm eno n atural em suas repr esentações coletivas é aquilo que a nós parece ser. Quase tud o o que vem os lhes escapa, ou lhes é indiferent e. Por o ut ro lado eles vêem m uitas coisas das quais nem sequer suspeitamos" 1 . Ele vai ainda mais longe. Diz não apenas que as percepções dos primitivos englob am r epresentaçõ es m ísti cas m as qu e as represent ações m ísticas é qu e evocam as per 1 LES FONCTIONS M ENTALES, pp . 30 e 3 1. 119 cepções. No fluxo das impressões sensoriais somente ai, algumas se tornam conscientes. Os homens apenas no tam ou prestam atenção a um a pequ ena parte daquilo que vêem e ouvem . O qu e lhes m erece mais atenção é selecionado à base de sua maior afetividade. Em outras palavras, os interesses de um ho mem são o s agentes seletivos, qu e são d eterm inados socialm ente. Os primitivos prestam atenção aos fenô m eno s com base nas pro pried ades místicas qu e suas represent ações coletivas lhes atrib uíram . Assim , as representações coletivas con tro lam a percepção e se fundem com ela. Os povos prim itivos prestam grande atenção à própria sombra precisamente porque, em suas representações, suas sombras são suas almas. Nós não dedicamos à nossa sombra a mesma atenção porque para nós uma sombra nada é de po sitivo, send o a negação da lu z; as representações do s primi tivo s e as nossas, a esse respeito , se excluem m utu am ente. Assim, não é exatament e que a percepção de um a som bra origine a crença (de que o que é
perceb ido é a alm a) na con sciência, m as sim é a crença qu e faz com qu e o prim itivo p rest e atenção à sua som bra. As repr esent ações coletivas, pelo s valores que dão ao s fenô m eno s, dirigem a aten ção para eles, e desde q ue as representações diferem amp lamente nos povos simp les e no s civilizados, o qu e o h om em prim itivo percebe no m undo q ue o cerca será tam bém d iferent e do que percebemo s; ou, pelo m enos, as razões que t êm para pr estar atenção aos fenôm enos o serão. As representações dos povos primitivos têm um a qualidade qu e lhes é pró pr ia, a de serem m ísticas, o qu e é m uit o estranh o às no ssas rep resentações, pelo qu e pod emo s falar da m entalidade primit iva com o sendo algo "sul generis". O p rincípio ló gico d essas representações místicas é o que Lévy-Bruhl chama de lei da participação mística. As representações coletivas dos povo s prim itivos con sistem de um a rede de part icipações que, posto qu e as repre120 sent ações são m ísticas, são m ísticas tam bém . No p ensam ent o p rim itivo as coisas são ligadas de m od o qu e aquilo que afeta a um a delas, crê-se que afeta o utras, não de m odo objetivo, porém através de u m a ação mística, embora devamos salientar aqui que o homem primitivo não é capaz de distinguir entre ação objetiva e ação mística. Os povos primitivos efetivamente estão mais interessados no que nós cham aríamo s de supra-sensível ou , para usar a expr essão d e Lévy-Bruhl, o m ístico, no qu e diz respeit o às relações entr e as coisas; int eressa-lhes m eno s o qu e cham aríamo s de relação lógica entr e as coisas. Para tom ar o exemplo que u sei antes, alguns povos primitivos se ligam a t al pon to a suas som bras que o q ue acont ece à som bra o s afeta tam bém . Assim , seria fatal a um ho m em cruzar um espaço aberto ao m eio-dia, po rque ele perder ia a sua somb ra. Outros povos prim itivos se int egram no s seus nom es e não os revelam porqu e quando um inimigo conhece o n om e, terá o do no do nom e em suas m ãos. Entre ou tros povos, um homem participa em seu filho, de modo que quando o filho adoece é ele e não o filho quem bebe o rem édio. Essas participações form am a estru tu ra das categorias em qu e se m ove o h om em p rim itivo, e a partir das quais constrói sua personalidade social. Existem participações místicas entre um homem e a terra na qual ele vive, entre um hom em e seu chefe, um hom em e seu p arente, um hom em e seu t otem , e assim po r diante, num a gama d e relações que cobre t odo s os aspectos da vida. Pode-se notar q ue, emb ora as participações de LévyBruhl lemb rem as associações de idéias de Tylor e Frazer, as conclusões a qu e ele chega são muito diversas das dos outros dois. Para Tylor e Frazer, o homem primitivo acredita na magia porque raciocina incorretamente, a partir da observação. Para Lévy-Bruhl ele raciocina incorretamente po rque seu raciocínio é det erminado pelas representações m ísticas de sua sociedade. A prim eira é um a explicação 121 em t erm os de p sicologia individu al, enqu anto q ue a segund a é um a explicação sociológica. Lévy-Bruhl está correto no q ue concerne aos indivíduo s isoladament e, pois que os indivíduo s aprend em os padrões nos quais e através dos quais se estabelecem as conexões místicas. Ele não as deduz de suas próprias observações. A discussão d e Lévy-Bruhl acerca da lei d a part icipação m ística é t alvez a mais valiosa e original d as part es de sua tese. Ele foi u m d os prim eiros, se não o p rim eiro, a salientar q ue as idéias primit ivas, que no s parecem tão estranhas, às vezes mesmo chegando a parecer idiotas, quando consideradas como fatos isolados, são plenas de significação, desde que vistas como segmentos de padrões de idéias e de com port ament o, tendo cada part e um a relação coerente com as dem ais. Ele recon heceu q ue os valores formam sistemam tão coerentes como as construções lógicas do intelecto e que existe uma lógica de sentim ento s assim com o existe u ma da razão, emb ora aqu ela esteja baseada em um princípio diferent e. Sua análise nada t em a ver com as historietas fantasiosas que com entam os anteriorm ente, por que ele n ão
tenta explicar a magia e a religião primitivas por uma teoria que tenciona mostrar como teriam elas surgid o, ou q ual a sua causa e sua o rigem. Ele as aceita co m o con sum adas, e pro cura apen as m ostrar sua estrutura e o modo pelo qual elas constituem uma prova da existência de uma mentalidade distinta, com um a tod as as sociedades de u m determ inado tipo. Para salientar a especificidade d esta m entalidade ele aceita que o p ensament o prim itivo em geral difere tamb ém em qualidade e não somen te em grau, do no sso (m esm o q ue haja entre nó s pessoas qu e pensem e sintam com o os prim itivos e admit amo s qu e em cada pessoa existe um substrato de mentalidade primitiva); e este, o seu tema principal, não se pode m anter d e pé; no fim de sua vida, ao que p arece, ele pró prio o abandono u. Se a afirmativa fosse 122 verdadeira, nós dificilmente conseguiríamos nos comunicar com um homem primitivo, mesmo para apenas aprender sua linguagem. O simples fato de podermos fazê-lo mostra que Lévy-Bruhl estava salientando exageradamente o contraste entre o homem primitivo e o civilizado. Seu erro deveu-se parcialmente à pobreza de material de que dispunha quando formulou inicialmente sua teoria, e parcialmente à seleção feita - à qual me referi antes - e que privilegiava o sensacional e o curioso em detrim ento do cot idiano e do factual. Assim , quando Lévy-Bruhl nos com para com os primitivos, quem , na realidade somos nós, e quem os primitivos? Ele não distingue diferenças internas entre nós, as camadas sociais e ocup acionais diferent es den tro da n ossa sociedad e, o que era m ais gritant e cinqüen ta ano s atrás, do q ue é hoje; nem distin gue a diversidade no s diferen tes período s de no ssa histó ria. Será que, no sentid o que ele dá à palavra, a mentalidade dos filósofos da Sorbonne e dos camponeses da Bretanha ou pescadores da Normandia é a mesma? E, uma vez que o europeu moderno emergiu do barbarismo (sociedade com tipo d e ment alidade primitiva), poderíamos determinar o m om ento e a form a em que no ssos ancestrais atravessaram de u m para out ro estágio? Tal d esenvolviment o não p oderia t er ocorrid o, a m eno s qu e nossos ant epassado s pr im itivos, ao lado d e suas noções místicas, tivessem t am bém um corpo de conhecimento empírico que os guiasse; e Lévy-Bruhl tem que aceitar que os selvagens às vezes despertam de seus sonhos, que isto é necessário no desempenho de suas atividades técnicas, que "as repr esent ações coincidam em alguns pont os essenciais com a realidade ob jetiva, e que as práticas sejam , em dados m om entos, adequadas aos fins alm ejados” 1 . M as esta aceitação, Lévy-Bruhl a encara 1 LES FONCTIONS M ENTALES, pp . 354 -5 . 123 com o u m a concessão d e pequ ena Impo rtância e que não chegaria a prejudicar seus ponto s de vista. No entant o, é evidente q ue, longe de serem os hom ens primitivos, os filhos da fant asia que ele insinua serem, suas chances de sê-lo são menores que as nossas, pois eles vivem em contacto mais próximo com as ásperas realidades da natureza, que permitem sobreviver apenas aqueles que são guiados em seus ob jetivos pela ob servação, pelo experiment o e pela razão. Poderíam os ainda perguntar em qu e categoria Platão se encaixa, ou on de ficaria o pensam ento sim bólico de Plotino e de Philo; prin cipalment e porq ue entre os seus exem plos de m entalidade prim itiva encon tram os povos com o os chineses, junt o a polinésios, m elanésios, negros, índ ios americanos, além do s abo rígenes australiano s. É pre ciso tam bém salient ar um a vez mais que, assim como ocorre em tantas teorias antropológicas, os exemplos negativos são simplesmente ignorados. Cito como exemplo, o fato de que muitos povos primitivos não se preocupam com suas sombras ou seus nomes, embora pertençam, tipologicamente à mesma classe das sociedades que o fazem, na própria classificação de Lévy-Bruhl. Não há nenhum antropólogo digno do nome que, atualmente, aceite esta teoria dos tipos distintos de mentalidade. Todos os pesquisadores que realizaram
prolongados estudos de observação direta de povos primitivos concordam em que estes são, em sua maior parte, muito interessados no que diz respeitos aos afazeres de ordem prática, que conduzem de maneira empírica, ora sem a menor referência a forças supra-sensíveis ou influências e ações do mesmo tipo, or a atribuindo -lhes um p apel apenas subo rdinado e auxiliar. Deve-se no tar tam bém qu e aquilo que Lévy-Bruhl d efine como sendo a mais fundam ental característica da m entalidade prim itiva ou pré-lógica, a sua incapacidade de perceber o u se preo cupar com cont radições eviden tes, é 124 francamente uma conclusão ilusória. Talvez não possamos culpá-lo por Isto, pois os resultados das int ensas pesquisas de camp o m od erno s ainda não haviam sido pu blicados qu ando ele escreveu seus livros mais conhecidos. Na época, creio eu, ele não poderia ter verificado que, pelo menos em geral, as contradições só parecem evidentes quando o observador europeu alinha lado a lado crenças que, na realidade, são encon tr adas em d iferen te s situ ações e em dif eren tes níveis de experi ência. Nem po deria ele ter avaliado, ao cont rário d e nós hoje, o fato de qu e as repr esentações m ísticas não são necessariam ent e suscitadas por objetos fora das situações rituais, ou que elas não são sistematicamente evocadas pelos ob jeto s. Alguns povos, po r exemp lo, colocam pedr as nas fo rqu ilhas das árvor es para ret ardar o p ôr-do -sol, mas a pedra empregada é tomada ao acaso e só tem significação mística enquanto dura o rito ou enqu anto concernente a ele. A visão d aquela ou de q ualquer ou tra ped ra não evoca a idéia de pô r-do-sol. A associação, como assinalei na discussão dos trabalhos de Frazer, é suscitada pelo rito e não precisa ocorrer em outras situações. Saliente-se também que objetos como fetiches e ídolos são construídos por m ãos hum anas, e que em sua essência material não têm significação. Só a adq uirem depo is de d otado s de pod er sob renatural através de um rito, que tam bém p or expedientes hu m anos, lhes infund e tal pod er; de modo que o objeto e suas virtudes são conceitos separados na mente. E mais: na infância, as noções m ísticas não p odem ser evo cadas po r ob jeto s qu e para o s adult os têm significações m ísticas, po is a criança ainda não tem conheciment o delas, podendo m esm o n em sequer atend er nos objetos. Uma criança, pelo m enos entre nós, m ais cedo ou m ais tarde descobre sua som bra. Outro fat o é que o bjeto s que têm valor místico para certos povos não têm nenhum para outros: um totem, sagrado para um clã, é comido por m emb ros de outro s clãs da m esm a com unidade. 125 Tais observações sugerem que é necessário formular uma interpretação mais sutil. Continuo acreditando que no tempo em que escreveu, Lévy-Bruhl não poderia valorizar, como nos é dado hoje, a vasta com plexidade e o rico sim bolism o d as linguagens primit ivas e do pensamento que elas expressam. O qu e parece serem contradições intransponíveis após tradução para o inglês, pode não parecer sê-lo na linguagem original. Quando, por exem plo, um a afirm ativa é traduzida e nela se diz qu e um hom em de tal ou qual clã é um leopardo, a coisa nos soa absurda; m as para o n ativo, a palavra que t em o significado d e palavra " é", pod e não ter o m esm o significado que para nó s. Seja com o fo r, não há nenhu ma cont radição inerente em dizer-se que u m h om em é um leopardo. A qualidade do leopardo é algo qu e se adiciona, em pensam ento , aos atribut os hum anos e não o s dim inui. As coisas pod em ser diferent em ente p ensadas em diferentes contextos. Em alguns, é apenas a coisa, em outros, é algo mais do que apenas a coisa. LévyBruhl também estava errado ao supor que há necessariamente uma contradição entre uma explicação objetiva causal e uma explicação mística. Não é verdade. Os dois tipos de explicação podem ser e na realidade são, considerados em conjunto, um complementando o outro; e não são reciprocamente excluden tes. Por exem plo, o d ogma d e qu e a m orte se deve a bru xaria não exclui a ob servação de qu e o homem tenha sido morto por um búfalo. Para Lévy-Bruhl existe aqui uma contradição à qual os nativos
são ind iferentes. M as não h á contradição nenhum a. Pelo cont rário, os nativos estão fazendo um a análise m uito aguda de situ ação. Eles estão p erfeitamen te cient es de qu e foi um b úfalo que m atou o h om em, m as sustentam qu e isto não t eria acon tecido se não t ivesse havido bru xaria. Não fosse a b ruxaria, o h om em não teria sido m orto pelo búfalo, ou t eria sido ou tro ho mem que não aquele ou teria sido out ro búfalo e outro espaço e out ro tem po e não aque126 les; por q ue acont eceria com o acont eceu se não fo sse a br uxaria? Eles estão p ergunt ando p or qu e - com o nó s diríam os - du as cadeias de event os independen tes se cruzam , levando um determ inado ho mem e um determ inado búfalo ao m esm o lugar e no m esm o tem po. Todo s concordarão em qu e não há contradição aqui e que, muito pelo contrário, a explicação baseada na bruxaria complementa a explicação de causa natural, lidando com o que n ós cham aríamo s de acaso. A causa que imp lica a bru xaria é salientada po rqu e das du as é ela, a mística, qu e perm ite int ervenção - a vingança cont ra quem enfeitiçou o hom em. A m esm a m istu ra de conhecim ento em pírico e no ções m ísti cas se encon tr a nas idéias pri m itivas sob re a pr ocriação, drogas e outros assuntos. As propriedades objetivas das coisas e a causa natural dos acontecimentos pod em ser conh ecidas mas não são socialment e enfatizadas, ou são n egadas po rque entram em conflito com algum dogma social que está de acordo com alguma instituição, e nestas circunstâncias a crença m ística é m ais apropriada do qu e o conhecim ento emp írico. Efetivament e, podem os novament e dizer que se não fosse assim seria difícil comp reender o m odo pelo qual se erigiu o pensam ento científico. M ais ainda, uma representação social não é aceitável se entra em conflito com a experiência individual, a menos que o conflito possa ser considerado nos termos de própria representação ou de alguma outra representação; a explicação será, mesmo assim, reconhecimento do conflito. Uma representação que afirma qu e o fogo não queim ará a mão que o t oca, está fadada a ter vida curt a. Um a que afirme qu e não haverá queim adura se o indivíduo tiver bastant e fé, pode p erdurar. Lévy-Bruhl adm ite, com o vim os, qu e o pen sam ent o m ístico é condicion ado p ela experiên cia e qu e em ati vidades tais com o a guerra, caça, pesca, tr atam ent o das do enças e adivinh ações, deve se adapt ar racionalm ent e aos objet ivos visados. 127 Atualmente os antropólogos concordam unanimemente em que Lévy-Bruhl mostrou os povos primitivos com o sendo m uito m ais supersticiosos, para usar um a palavra mais com um do q ue "p ré-lógico", do que o eram, na realidade. E também sublinhou demais o contraste entre a sua mentalidade e a nossa, mostrando-nos mais positivistas do que realmente somos. De minhas conversas com ele, posso dizer que neste aspecto ele se sentia em meio a um dilema. Para ele, o Cristianismo e o Judaísmo eram também supersticiosos, indicativos de mentalidade pré-lógica e mística, e assim tinham que ser, de acordo com suas definições. M as ele não se referiu a estas religiões, julgo eu q ue p ara não ser ofen sivo. De m od o qu e excluiu o q ue h á de místico em nossa cultura tão severam ente q uanto excluiu o qu e há de emp írico nas culturas selvagens. Esta falha, o não ter levado em consideração as crenças e ritos da ampla maioria de seus sem elhantes, to rnou viciosa a sua argum entação. Ele m esm o, com o Bérgson ironicam ente observou, ao acusar constantemente o homem primitivo de nunca atribuir nenhum acontecimento ao acaso, aceitava o acaso. O que o colocava na classe dos pré-lógicos. Entretanto, isto não significa que o pensamento primitivo não fosse mais místico (no sentido que ele dava à palavra) do que o nosso. O cont raste qu e Lévy-Bru hl ergue é um exagero, mas seja com o fo r, a religião e a m agia prim itivas levantam para nós um prob lema real; e um qu e não esteve nas cogitações do filósofo francês. M uito s ho mens que tinh am larga experiência referente aos povos primitivos freqü entem ente se sentiram confusos no t rato do assunto; e é verdade que os primitivos freqüentemente (principalmente quando tratam de desastres)
atribuem os fatos a forças supra-sensíveis enquanto que nós, com nosso saber maior, procuramos suas causas naturais. M as eu acho qu e Lévy - Bruhl p od eria ter colocado m elhor o p roblem a. Não é bem um a qu estão d e opor m entalidade primitiva versus m ent a128 lidade civilizada, m as sim a relação de d ois tip os de pen sam ent o e d e experiên cia. Ele não visualizou assim o pro eia primi tiva ou civilizada; um p rob lema d e níveis de pen sam ent o e de experiência. Ele não visualizou assim o problema, porque estava dominado, como quase todos os escritores da época, por noções de evolução e progresso inevitável. Se ele não tivesse sido tão positivista em suas próprias representações, certam ente se teria pergunt ado, não qu ais as diferenças entre o s mo dos civilizado e prim itivo de pensar, mas sim quais são as funções dos dois tipos de pensamento em qualquer sociedade ou na sociedade humana em geral, sendo os mencionados tipos os que às vezes se costuma chamar de pensamento "expressivo" e pensamento "instrumental” 1 . O problema se teria então mostrado a ele sob uma luz tot alment e diferent e, com o o correu, em diversas form as, em relação a Pareto, Bérgson , William James, M ax W eber, e outro s. Posso apresent ar este no vo enfoqu e de mo do p reliminar, discutindo brevement e o qu e diz Pareto acerca do pensament o civilizado, um a vez que o seu t ratado é um verdadeiro coment ário irônico da tese Lévy-Bruhl. Lévy-Bruhl diz da mentalidade da nossa sociedade: "Eu a considero bem defin ida pelo tr abalho do s filósofo s, lógicos, e psicólo gos ant igos sem pr ejulgar qu anto ao q ue um a análise sociológica posterior possa mudar nas conclusões até agora alcançadas" 2 . Pareto então se reporta a escritos europeus de filósofos e outros especialistas para provar que a mentalidade dos europeus é até bastante irracional ou, como ele diz, distanciada de um pensamento lógico-experimental. No enorme TRATTATO DI SOCIOLOGIA GENERALE, tr adu zid o p ara o inglês sob o títu lo d e THE M IND AN D SO 1 Ver J. Beat tie, OTHER CULTORES, 196 4, cp. XII, on de discut e esta distin ção. 2 LES FONCTIONS M ENTALES, p . 21 . 129 . CIETY, Vilfredo Pareto ded ica cerca de u m m ilhão d e palavras a um a análise do s sent im ent os e das idé ias. Falarei apenas daquela parte do tratado que contém algum interesse para o tema da mentalidade prim itiva. Pareto tam bém usa uma t ermin ologia peculiar. Existem , em qu alquer sociedade, "resíduos", que po r conveniência pod eremos chamar de sentim entos, alguns dos quais respo ndem pela estabilidade social ao m esm o t emp o em qu e out ros respon dem pelas m udanças sociais. Os sentim ento s se expressam em comportamento e também em "derivações" (isto é, aquilo que outros autores chamam de ideologias ou racionalizações). M uit as ações, entre as quais Paret o inclui o p ensam ent o, e que exprim em est es resídu os ou sentimentos, não são lógico-experimentais (chamemo-las alógicas, para abreviar) e devem ser distinguidas de ações lógico-experimentais (ou simplesmente lógicas). O pensamento lógico depende de fatos, e não o contrário, enquanto que o pensamento alógico é aceito "a priori" e dita ordens à experiência; e se os fatos entram em conflito com a experiência, convocam-se argumentos para restabelecer a harmonia. As ações e pensamentos lógicos estão em relação com as artes, ciência, econo m ia e são tam bém exemp lificados em o perações militar es, jurídicas e políticas. Em o utr os processo s sociais as ações e pen sam ent o alógicos predo m inam . Para verificar se as ações são lógicas ou alógicas, é preciso verificar se seu p rop ósito subjet ivo está em concord ância com seus result ados objet ivos, isto é, se os meios estão objetivamente adequados aos fins visados. O único juiz deste teste deverá ser a ciência m odern a, isto é, o conhecimen to factu al que n ós mesmo s possuímos. Ao u sar a palavra "alógico", Pareto não p retende d izer, com o t amp ouco Lévy-Bruh l quando u sou a palavra pré-lógico, qu e o pen samen to e a
ação assim cham ado s seriam ilógicos; ant es, quer d izer qu e tais pen sam ent os e ações só subj etivam ent e e não o bjetivamente correlacion am o s fins com os meios. Nem devemos aplicar 130 ao resultado o critério de utilidade. Uma crença objetivamente válida pode não ter utilidade para a sociedade ou para o ind ivíduo que a cultiva, enquanto que um a dout rina absurda do pon to de vista lógicoexperimental pode ser útil a ambos. Na verdade, Pareto o afirma como tentativa de demonstrar experiment alment e " a ut ilidade ind ividual e social da condu ta alógica" 1 . (A mesma opinião foi mantida por Frazer, por exemplo, que nos afirma que um certo nível de cultura, governo, propriedade privada, casamento e respeito pela vida humana "derivam muito de sua força de crenças qu e atualm ent e deveríamo s conden ar sem reservas po r serem sup ersticiosas e absurdas" ) 2 . M ais ainda, a pro cura de causas, por m ais im aginárias qu e as causas "d escob ertas" se m ostrem , levou, às vezes, à demonstração de causas reais: "se alguém afirmasse que, se não fosse pela metafísica e pela teologia, a ciência experimental nem sequer existiria, não seria facilmente refutado. Esses três tipos de atividade são provavelmente manifestações do mesmo estado psíquico que, uma vez extinto, levaria à extinção simultânea das três" 3 . Mas do mesmo modo, como é possível que povos capazes de comportamento lógico tão freqüentemente ajam alogicamente? Tylor e Frazer dizem que isto ocorre porque raciocinam erradamente; Marett, Malinowski e Freud dizem que é para que se aliviem tensões; Lévy-Bruhl e, de certa fo rm a Durkheim , dizem qu e é p orqu e as representações coletivas governam seus pensamentos. Para Pareto, isto se deve aos resíduos. Eu usarei "sentimentos" em lugar desta palavra e lemb ro que o pr óprio Pareto freqüent ement e fazia tal substituição; 1 V. Paret o , THE M IND A ND SOCIETY, 19 35 , p. 35 . Ver t am b ém LE M YTHE VERTUISTE ET LA LITTERATURE IM M ORALE, 1911. 2 Frazer, PSYCHE'S TASK, 191 3, p . 4. 3 Pareto , THE M IND AN D SOCIETY, p . 591 . 131 mas, para ser explícito, os "resíduos" de Pareto são os elementos comuns em formas de pensamento e ação, uniformidades abstraídas da fala e do comportamento observados; e os sentimentos são conceitu ações destas abstrações, atit ud es constant es qu e emb ora n ão possam os observar, aceitam os que existam, dados os elementos constantes observados no comportamento. Assim, o resíduo é uma abstração do comportamento observado, e um sentimento é um nível mais alto de abstração: uma hipótese. Um exemplo pode ser útil aqui. Os homens sempre se reuniram para festejos, mas há muitas razões diferentes para seus banquetes. "Os banquetes em honra dos mortos se tornam banquetes em honra dos deuses e depois banquetes em honra dos santos; finalmente, retrocedem e se tornam novamente banquetes meramente comemorativos. A forma pode mudar mas é muito mais difícil mudar os banquetes” 1 . Na Linguagem de Pareto , o banquet e é um resídu o e a razão para mant ê-lo é a derivação. Não' é nenhum tipo especial de banquete, mas simplesmente o hábito de banquetear-se que o homem teve em todos os tempos e lugares, que constitui o resíduo. A atitude constante que subjaz a este elem ento constant e no banqu ete é o qu e Pareto chama de sentim ento. Todavia, como estam os fazendo um resumo, empregaremos a palavra sentimento tanto para a abstração quanto para a sua conceptualização. Também para dizê-lo explicitamente, as derivações de Pareto são os elementos inconstantes em ação, mas como eles são tão freqüentemente as razões dadas para que se faça algo, cont rastando com o elem ento con stant e, que é o fazer, em si, Pareto geralm ente usa a palavra para
deno tar as razões que as pessoas dão para os com port am entos que t êm. O sentim ento é assim igualment e expresso pela ação e pela racio1 THE M IND AN D SOGIETY, p. 60 7. 132 nalização da ação, porque os homens não apenas têm necessidade de ação, como também de intelectualizá-la, para justificarem o terem agido, pouco importando aqui que os argumentos que empreguem sejam razoáveis ou absurdos. Os resíduos e derivações são ambos, portanto, derivados do sentimento; mas a derivação é secundária e menos importante. É portanto inútil tentar interpretar os com po rt am ento s com b ase nas razões que os ho m ens dão para explicá-los. Neste aspecto Pareto criticava severam ente a Herbert Spencer e Tylor por ju lgarem qu e os culto s do s m ort os derivavam realmen te das razões alegadas, qu ais sejam, as de q ue as almas e os fantasmas exist em . Deveríamo s antes dizer q ue o s culto s é qu e dão o rigem às razões, qu e são ap enas racion alizações do q ue fo i feito . Ele criticou igualm ent e Fustel de Coulanges por afirmar que a propriedade de terras surgia como conseqüência de uma idéia religiosa, qual seja, a crença de que fantasmas ancestrais viveriam naquele solo, enquanto que, na realidade, a posse de terras e a religião se desenvolveram provavelmente ao mesmo tempo, sendo a relação aí envo lvida um a int erdep end ência e não um a relação sim ples, de causa e efeito , unilateral. M as, embora as ideologias possam atuar sobre os sentimentos, são os sentimentos, ou talvez devamos dizer aqui, os resíduos, os modos constantes do comportamento -, que são básicos e duráveis; e as idéias, as derivações, são m eram ent e um a ligação incon stan te e variável. As ideo logias mu dam , m as os sent im ent o s qu e as originam perm anecem im utáveis. O m esm o r esíduo po de até fazer surgirem derivações opostas. Por exemplo, o que Pareto chama de resíduo sexual pode se expressar através de um violento ódio a qualquer manifestação sexual. As derivações dependem sempre dos resíduos, e nunca se passa o cont rário. As pessoas dão to da a sor te d e razões para explicar a hospitalidade m as, de um a man eira ou d e out ra, tod as insistem na ho spitalidade. M anifestar hospitali133 dade é o resíduo, enquanto que as razões mencionadas são as derivações, e elas pouco importam, de m odo que p raticam ente qu alquer razão serve igualm ente b em a este p ropó sito. Se você pode convencer alguém de que as razões que dá para fazer o que faz são erradas, nem por isto vai ele suspender o que vinha fazendo , m as sim pro curará ou tras razões para justificar a pró pria condut a. Aqui, Pareto, de mo do m uito surpreenden te cita Herbert Spencer aprob atoriam ente, no que concerne sua afirmat iva de qu e não são as idéias mas os sent im ent os, aos quais as idéias servem apenas com o guias, qu e governam o m und o; ou talvez os sentimentos expressos em ação, isto é, os resíduos. Diz Pareto: "Logicamente deve-se prim eiro acredit ar em um a dada religião e d epois na eficácia de seus ritos, o qu e será, evidentem ente, um a con seqüência da crença. É absurdo oferecer um a oração sem que h aja ninguém para ou vi-Ia. M as a conduta alógica deriva de um processo exatamente inverso. Existe primeiro uma crença instintiva na eficácia do rito e depois vem a necessidade de uma explicação para a crença, o que mais tarde se fundamenta numa religião” 1 . Existem certos tipos elementares de comportamento encontradiços em qu alquer sociedade, em situ ações sim ilares, e dirigid os a objet os tam bém sim ilares. Est es, os resíduo s, são relativam ente con stant es, desde q ue surgem a partir de sent imen tos fortes. A man eira exata pela qual se expressam os sentimentos, assim como as ideologias que acompanham tal expressão, é variável. O homem, em cada sociedade, expressa-os no idioma particular da respectiva cultura. Suas interpretações
"tomam as formas que geralmente prevalecem nas épocas em que eles evoluíram. Isto se compara ao estilo de vestim ent as usados pelos povo s 1 THE M IND AN D SOCIETY, p. 5 69 . 134 nos períodos correspondentes” 1 . Se queremos compreender os seres humanos, portanto, devemos semp re pro curar por t rás de suas idéias e estu dar seu com po rtam ento; e um a vez que adm itamo s que o s sentim ento s governem o com port ament o, não fica difícil entender as ações hu m anas em t em pos remot os, porque os resíduos mudam pouco através dos séculos e mesmo dos milênios. Se não fosse assim, como poderíamos ainda apreciar os poemas de Homero e as elegias, tragédias e comédias dos gregos e rom anos? Elas exprim em sentim ento s dos quais, pelo m enos em grande parte, participamos. As form as sociais permanecem fundamentalmente as mesmas, diz Pareto; muda apenas o idioma cultural em que elas são exprimidas. As conclusões de Pareto podem ser resumidas pela afirmativa segundo a qual "a natu reza hu m ana não se mo difica" ou em ou tr as palavras, "as derivações variam , os resídu os perd uram ” 2 . Assim , Pareto está de acordo com os que dizem q ue no com eço era o at o. Pareto, com o Craw ley, Frazer, Lévy-Bruhl e outros do mesmo período, era um escritor do tipo tesoura-e-cola-tudo, tomando seus exemp los daqui, dali, de t od a parte e adapt ando -os a um a classificação elem ent ar; e seus julgam ent os são sup erficiais. M esm o assim , seu t ratado no s int eressa po rqu e, apesar de não h aver nele discussões sob re o s po vos prim itivos, ele tem im port ância para a com preensão d o q ue diz Lévy-Bruhi acerca da m entalidade primitiva. Este nos diz que os primitivos eram pré-lógicos. Pareto diz que somos, em grande parte, alógicos. Teologia, metafísica, socialismo, parlamentos, democracia, sufrágio universal, república, progresso e o que mais se queira são tão irracionais quanto qualquer coisa em que os primitivos acreditam , uma vez que são igualmen te o pro dut o da fé e do sent i1 THE M IND AN D SOCIETY, p. 6 60 . 2 Ibid. p. 143. 135 m ento , e não do experim ento e do raciocínio. b m esm o pod e ser dito de m aioria de nossas idéias e ações; nossa moral, nossas lealdadas à família e ao país, e assim por diante. Em seus livros, Pareto dedica ao com port ament o e n oções lógicas das sociedades européias, praticamente o mesmo espaço qu e Lévy-Bruhl dedica às sociedades primitivas. Podemos ser um pouco mais críticos do que e sensíveis fomos um dia, po rém não m uito. As áreas relativas do lógico-experimen tal e do não-lógico-experim ental são b astant e constant es através de h istó ria em to das as sociedades.M as, emb or a as conclusões de Pareto sejam op ostas àqu elas de Lévy-Bruhl, pod e-se assinalar algum a sem elhança ent re os con ceitos analíticos que o s dois empregam. "não-lógico-experimental" corresponde a "pré-lógico", "resíduos" corresponde a "p articipações místicas" ; pois, para Pareto , os resíduos são abstrações de elem ent os relacionais com un s a todas as sociedades, desde o momento em que acréscimos variáveis são afastados, como é o caso de relações de família e parentesco, e com lugares, com os mortos e assim por diante. As participações part iculares - de um ho m em com a bandeira de seu p aís, com sua igreja, sua escola, seu regim ent o, a rede de sentimentos em que vive o homem moderno seriam, para Pareto, derivações. E, de um modo geral, pod emo s dizer qu e estas derivações cor respo ndem às "representações coletivas" de Lévy-Bruhl. Am bo s quiseram, igualmente, demonstrar o mesmo ponto de vista, segundo o qual, fora do conhecimento empírico ou científico, as pessoas desejam se assegurar de que suas noções e conduta estará de acordo
com os sentimentos e valores, pouco se importando com o fato de suas premissas serem ou não cientificamente válidas e suas inferências inteiramente lógicas. E tais sentimentos e valores formam um sistem a de pensam ento d otado d e um a lógica própria. Qualquer acont ecim ento é logo interpr etado, como diz Lévy-Bruh l, em t erm os de represent ação, coletiva e 136 como diz Pareto, em termos de derivação, na lógica das representações ou dos sentimentos que estão subjacentes às derivações. São eles e não a ciência os responsáveis pela determinação dos padrões de vida. Segundo Pareto, é apenas no campo tecnológico que a ciência rouba terreno dos sentimentos na sociedade mo derna. Daí nossa dificuldade em com preender a m agia prim itiva e a bru xaria, enqu anto que, por outro lado, compreendemos rapidamente a maioria das outras noções dos povos primitivos, desde qu e elas se põ em de acordo com sentim ento s que n ós mesmos tem os. Os sent imen tos são superiores à simples observação e à experimentação, governando a ambas na vida diária comum. As principais diferenças teóricas entre os dois autores estão em que Lévy-Bruhl considerava o pensamento e o comportamento místicos como sendo socialmente determinados enquanto para Pareto eles seriam psicologicamente determinados; Lévy-Bruhl inclinava-se a ver o comportamento como um produto do pensamento, ou representações, enquanto que Pareto tratava o pensamento, ou derivações, como secundário e desim po rtant e; e finalmen te em q ue, enqu anto Lévy-Bruhl op unha a ment alidade prim itiva à mentalidade civilizada, para Pareto, os sentimentos básicos seriam constantes e invariáveis, pelo menos não variariam m uito, em relação aos tipo s de estru tura social. É esta ú ltim a diferença que m e inter essa salientar, porque apesar de sua superficialidade, vulgaridade e confusão de conceitos, Pareto viu o prob lema corretam ente. Em conferência proferida em Lausanne, ele disse: "A atividade hum ana tem d ois ramo s principais: o do sentim ento e o d e pesqu isa experim ental. Não se pod e esqu ecer a im po rtância do pri m eiro. É o sentim ento qu e imp ele à ação, que dá vida às leis m orais, ao dever e às religiões sob to das as suas com plexas e variadas for m as. É pela aspiração ao ideal q ue as sociedades hu m anas per137 du ram e pro gridem. M as o segund o r amo é tam bém essencial para estas sociedades, ele provê o m aterial de que a primeira faz uso; a ele devemos o conhecimento que garante a ação eficaz e a modificação proveitosa do sentimento, graças ao qual ele se adapta aos poucos, lenta ' mente, é verdade, às circunstâncias do mi nado ras. Todas as ciências, as natu rais com o as sociais, for m am , em seus prim órd ios, uma mistura de sentimento e experimento. Foram necessários séculos para que surgisse uma separação ent re esses elem ent os, separação que, em n osso tem po , está pr aticam ent e concluída no q ue diz respeit o às ciências n atu rais, e qu e já com eça e vai cont inu ar, nas ciên cias sociais” 1 . Era int enção de Pareto estud ar o papel desempenhado pela ação e pensamento lógicos e alógicos no mesmo tipo de cultura e de sociedade, a Europa antiga e moderna, mas ele não o fez. Ele escreveu muito acerca daquilo que considerava como sendo crenças falaciosas e comportamento irracional, mas nos disse muito pouco acerca do senso comum, crenças científicas e comportamento empírico. Portanto, assim como Lévy-Bruhl no s deixa com a imp ressão do s prim itivos com o ho men s qu ase continu ament e envolvidos em ritu ais e sob o dom ínio de crenças místicas, Pareto n os dá a imp ressão d e euro peus com o h om ens que estiveram, em todos os períodos de sua história, à mercê dos sentimentos, expressos em uma variedade de noções e ações qu e ele reput a absurd as. 1 JOURNAL D'ÉCONOM IE POLITIQUE, 1917, p . 426 , Apên dice ao livro de G.C. Cu rt ius, AN IN TRODUCTION TO PARETO. H IS SOCIOLOGY, 193 4.
138
CONCLUSÃO cabamos de fazer uma revisão, com alguns exemplos, dos vários tipos de teorias que foram pr opo stas para explicar as pr áticas e crenças religiosas do ho m em p rim itivo. Na sua m aior part e, as teorias que estivemo s discutindo são, pelo men os para os antrop ólogos, algo de m ort o há t empo s, e que atualmente têm apenas interesse enquanto espécimes do pensamento de seu tempo. Alguns dos livros, com o os de Tylor, Frazer e Durkh eim, certam ent e contin uarão a ser lido s com o clássicos, porém não são m ais do q ue um estím ulo para os estu dan tes. Outro s, com o os de Lang, King, Craw ley e M aret t, já se encontram mais ou menos no esquecimento. Tais teorias já não oferecem mais nenhuma atração por causa de alguns fator es; destes, quer o m encion ar uns pou cos. Um a das razões é, creio eu , que a religião deixou de p reocupar a m ente d os hom ens de maneira como fazia nos fins do século passado e n o início do atual. Os antro pólogos sentiram que estavam vivend o um a crise impo rtant e na histó ria do pensam ento e qu e tinham um papel a desemp enhar dent ro dela. M ax M üller assinalou em 1878 que "t odo s os 139 dias, todas as sem anas, to do s os me ses, as revistas m ais am plam ent e lidas parecem agora con jugadas para nos dizer que o tempo de religião passou, que a fé é uma alucinação ou uma doença infantil e que os deuses foram finalmente encontrados e destruídos" 1 . Vinte e sete anos mais tarde, em 1905, Crawley 2 escreveu que os inimigos de religião desenvolveram o antagonismo entre ciência e religião a ponto de transform á-lo nu m a guerra m ort al e a opinião ganha p eso em tod as as partes, repetindo que a religião é m era sob revivência de um a era mit o-poét ica e primit iva e que seu fim é um a questão d e temp o. Em ou tra publicação 3 com entei o papel desemp enhado p elos antrop ólogos nesta luta, de mo do qu e não discutirei mais longamente o assunto agora. Menciono-o aqui apenas por pensar que as crises de consciência de certo m odo ajudaram ao florescim ento do s livros sob re as religiões primitivas neste p eríodo , e tam bém porque a cessação de tais crises deve ter parte na diminuição do interesse dos antropólogos de gerações m ais recent es com r elação ao m esm o assun to , que tant o apaixonar a seus ant ecessor es. O últim o livro em que sentimos um sentimento de conflito e de urgência é o de S. A. Cook (THE STUDY OF RELIGION) term inado e p ublicado quando a guerra de 1914 já havia sido desencadeada. Há out ras razões pelas quais a discussão cessou. A antropologia estava se tornando um ramo experimental, e à medida em que se desenvolveu a pesquisa de campo, tanto em qualidade quanto em quantidade, tudo o que parecia pertencer mais à área de especulação filosófica por parte de eruditos que jamais tivessem visto um homem 1 LECTURES ON THE ORIGIN A ND GROW TH OF RELIGION, 1 878 , p. 2 18 . 2 Crawiey, THE TREE OF LIFE, 1905, p. 8: 3 Evans-Pritch ard, RELIGION AN D THE ANTHROPOLOGISTS Blackfriar s, Abr il, 19 60 p p. 1 04 - 18 . 140 primitivo, passou a ser desacreditado. Não é apenas que os fatos revelados pela pesquisa moderna freqüen tem ente p usessem em dú vida as teorias iniciais, m as tam bém qu e se foi verificado que elas tinham erros em sua construção. Quando os antropólogos tentaram empregá-las em seu trabalho de campo verificaram que elas tinham pouquíssimo valor experimental, porque eram formuladas em termos que
raramen te p ermit iam sua adequação a problem as qu e a simp les observação pod ia resolver, peio que n ão pod eriam ser dadas com o falsas nem com o verdadeiras. Que u tilidade t eriam p ara a pesquisa de cam po as teo rias de Tylor , M üller e Durkh eim 1. acerca de origem d e religião? É sob re a palavra or igem qu e se colo ca ênfase. É porque as explicações das religiões foram fornecidas em termos de origens que os debates teóricos, antes tão cheios de vida e explosivos, term inaram arrefecend o. Para m im , é extraord inário qu e alguém tenh a con siderado válido especular acerca do que po deria ter sido a origem de algum costum e ou crença, desde qu e não h á absolutamen te nenh um m odo de descob rir, sem apo io histó rico, qu al teria sido a origem verdadeira. Mesmo assim, foi isto que quase a maioria de nossos autores explícita ou implicitamente fizeram, fossem suas teses psicológicas ou sociológicas; mesmo os mais hostis ao que chamavam de pseudo-história não escaparem de propor explanações semelhantes às que combatiam. Poder-se-ia escrever um longo ensaio acerca de apavorante confusão que ocorreu nessas discussões no qu e con cerne a idéias de evo lução, desenvolvim ento , histó ria, pro gresso, origem , gênese, caráter pr im itivo e causas, e não m e propo nho a fazê-lo. Baste-me d izer que h á pou co ou nenhu m pro veito a tirar dessas teorias. Tantos exemplos já foram dados que eu quero citar apenas mais um. Herbert Spencer e Lord Avebury lidaram com o to tem ism o através de um a teoria segun do a qu al o m esm o se originava de prática de dar nom e aos indivi 141 duo s, por um a ou out ra razão, a partir de an imais, plantas, objetos inanim ados. Diz Avebury 1 : estes no mes então se tornaram ligados às famílias das pessoas que os receberam e sua descendência; e quando a ori gem d os nom es estava esqu ecida, um a m isterio sa relação com as criaturas e os ob jeto s se estab eleceu, evocando horror e levando ao culto. Além do fato de que não há provas de que as criaturas totêmicas, pelo menos usualmente suscitem nenhuma resposta que possamos chamar de horror, é de que sejam cultu adas, com o p rovar q ue o t ot em ism o se ori ginou assim ? E po ssível; mas com o investigar o assunt o ou testar a validade de sup osição? M uit as ten tati vas fo ram feitas por eru dito s alemães (especialm ent e Ratzel, Frobenius, Grabner, Ankerman, Foy, Schmidt, cujo método era conhecido como "Kulturkroisiehre") no sentido de estabelecer uma cronologia para as culturas primitivas, partindo de provas circunstanciais. W ilheim Schmidt foi o expo ente d este m étod o de r econstru ção no qu e con cerne as religiões prim itivas, usando critérios tais como distribuição geográfica de caçadores e coletores e seu baixo estágio de desenvolvimento econômico. Ele admitiu que os povos que não têm o cultivo das plantas e o trato dos animais - os pigmeus e pigmóides de África e de Ásia, os aborígines do sudoeste de Austrália, os andameneses, os esquimós, os povos de Terra do Fogo e alguns índios americanos - seriam os povos "etnologicamente mais velhos", Eles pertencem à cultura primitiva que então se desenvolveu em três linhas independentes e paralelas: matrilinear e agricultura, patrilinear e totêmica e patriarcal nômade, cada um a delas com seus próp rios modo s de p ensam ento e sua próp ria perspectiva no m undo . Na cultura prim itiva não há tot emismo, culto d o fetiche, animismo, 1 M ARRIAGE, TOTEM ISM , AND RELIGION. A N AN SW ER TO CRITICS. 19 11 , pp . 86 e 87 . 142 m agia ou culto d e fantasmas, pod endo o s dois último s ser encont rados em estado incipient e. Por out ro lado, estes povos que são os mais baixos na escala do desenvolvimento social e cultural têm, como assinalou Andrew Lang, uma religião monoteística, cujo deus é eterno, onisciente, beneficente, moral, onipotente e criativo, satisfazendo a todas as necessidades dos homens, sejam elas racionais, sociais, m orais ou emo cion ais. As discussões acerca de p rioridade ou não d o m onot eísmo pertencem aos tempo s
pré-ant rop ológicos, como se en cont ra, po r exem plo, n o THE NATURAL HISTORY OF RELIGION (175 7), de David Hu me, no qual ele tencionou dizer q ue o p oliteísm o o u a idolatria era a m ais inicial das formas de religião, baseando seus argum ento s em fatos histó ricos, registros d e po vos primitivos e t amb ém na lógica. As controvérsias eram, como se pode esperar, adornadas por considerações teológicas e conseqüentemente inflamadas (como no livro de Hume) e tendentes a gerar polêmicas. Hume escrevia com o u m crente, mas pod emo s con siderar amb ígua a sua po sição religiosa. É acim a de t udo , como Lang tinh a tamb ém ad mit ido, o desejo de obt er um a causa lógica para o universo q ue leva o ho m em a crer em Deus, pois esta resposta a um estímulo externo combinada com a tendência à personificação lhe dá ,a idéia de uma pessoa divina, um ser supremo. No que diz respeito a esta explicação dos deuses, Lang e Schm idt, se classificam en tr e os auto res intelectu alistas. A origem d e concepção está na ob servação e na inferência mas, segun do eles, amb as ent ão se haviam mo strado corretas. A t eoria pod e ser u ma h ipót ese aceitável no qu e concerne ao ser criado r, porém não explica satisfatoriam ente, julgo eu, o predo m ínio d o m ono teísm o ent re esses po vos mais sim ples. Schm idt t ento u pô r em descrédito os etnólogos evolucionistas, cujos esqu emas supu nham que a ord em de desenvolvim ento destes povo s se deveria fazer do m ais baixo 143 grau de fetichismo, magia, animismo, totemismo e assim por diante. Indubitavelmente ele demonstrou sua tese contra os adversários, mas sendo forçado, como aconteceu com Lang, a aceitar os mesmos critérios evolucionistas deles, dando cronologia histórica aos níveis culturais. Efetivamente, do lado positivo, não me parece que ele tenha estabelecido firmemente sua posição e acho seu raciocínio tendencioso, e duvidoso o seu método de utilização das fontes. Deve muito ao Padre Schmidt por sua exaustiva discussão d a religião d os prim itivos e das teorias das religiões prim itivas, m as não acho qu e sua reconstrução dos níveis históricos possa ser mantida, nem que os métodos que empregou possam ser aceitos como genuinamente históricos, como ele afirmou. Trato do assunto brevemente, porque ele é com plicado; embo ra Schmidt , hom em d e forte personalidade e grande cultura, tenha con struído em t orno de si um a escola em Viena, esta veio a se desintegrar após a sua m ort e; e du vido q ue haja hoje em dia m uito s defensores de suas reconstruções cron ológicas, qu e foram out ra t entativa de d escobrir as origens da religião em q ue, dadas as circun stân cias, a ciência não po de ajud ar com n enh um a con firm ação positiva. É preciso, no entanto , assinalar, que o verdadeiro m onot eísmo no sentido h istór ico d a palavra poderia ser considerado um a negação d o p oliteísm o, e assim não p oderia t ê-lo precedido; e a este respeito , quero citar Pettazzoni: "o que encontramos entre povos não civilizados, não é monoteísmo em legítimo significado histórico, mas a idéia de um ser supremo e a identificação errônea, a assimilação equivocada desta idéia para com o verdadeiro monoteísmo só pode dar lugar a confusões” 1 . Portanto, devemos acrescentar o m ono teísm o (no sent ido q ue Schm idt d á à palavra) à nossa lista de h ipót eses in1 Pet t azzon I, ESSAYS ON THE HISTORY OF RELIGIONS, p . 9. 144 sustentáveis acerca da origem da religião, lista que se completa com fetichismo, manismo, mito-natural, animismo, totemismo, dinamismo ("mana", etc.), manismo, politeísmo e vários estados psicológicos. Ningu ém , qu e eu saiba, defend e mais esta s po sições ho je em d ia. Os grand es avanços qu e a ant rop ologia social conseguiu atr avés d as pesquisas de cam po , desviaram no ssos olho s da vã pro cur a das origens e as muitas escolas que disso cuidaram desapareceram no ar. Creio que a maioria dos antropólogos concordaria atualmente em que é inútil procurar por um "primordium" na religião. Schleiter diz,
acertadamente, que "todos os esquemas evolucionistas das religiões, sem qualquer exceção, partem, ao tentar a identificação dos primórdios e dos estágios seriais de desenvolvimento, de bases arbitrárias e desgovernadas” 1 . Do mesmo modo, estabeleceu-se firmemente que em muitas religiões primitivas as m entes dos povos funcionam d e m aneiras diferentes em d iferentes níveis e con textos. Assim , um ho mem pod e dedicar-se a um fetiche por vários m otivos, enqu anto que apela para Deus em situações out ras; e um a religião pode ser ao m esm o t emp o p oliteísmo e m ono teística segun do o Espírito seja concebido com o um só, ou m ais de um . É tam bém atualm ente claro qu e na mesma sociedade primitiva pode haver, com o assinalou Radin, amp las diferenças a este respeito entre indivíduo s, o qu e ele atribui ao t emp erament o 2 . Finalment e, eu suponho ser pacífico qu e a explicação do tipo causa-efeito qu e estava im plícita em mu ita teorização inicial só d ificilment e pod eria estar de acord o com o pen sam ento científico m oderno em geral, desde que este pr ocur a basicamen te revelar e com preen der relações con stant es. 1 F. Schlei t er. RELIGION AN D CULTURE, 191 9, p . 39. 2 Radin , M ONÕTHEISM AM ONG PRIM ITIVE PEOPLES, 195 4, pp . 24 -3Q. 145 Nestas teorias, foi suposto e tido como certo que nós estamos em uma extremidade de escala do pro gresso h um ano e os cham ados selvagens na ou tra, e que, um a vez que o ho mem prim itivo se encont ra em u m nível tecno lógico m uito b aixo, seu pensamento e seus costum es devem po r força ser o op osto dos nossos. Nós somos racionais e os primitivos pré-lógicos, vivendo num mundo de sonhos e fantasia, de mistério e de terror; nós somos capitalistas, eles comunistas; nós monógamos, eles promíscuos; nós monoteístas e eles fetichistas, animistas, pré-animistas ou que mais seja; e assim por diante. O homem primitivo foi assim apresentado como sendo infantil, rude, pródigo e comparável aos animais e aos imbecis. Herbert Spencer nos diz que a mente do homem primitivo é "incapaz de especulação, de generalização, acrítica, e d espro vida de no ções, salvo algum as raras, fo rnecidas pelas percepções” 1 . Aqui, m ais um a vez, ele diz que n os vocabulários não desenvolvido s e nas estr ut ur as gram aticais prim árias do s ho men s prim itivos, som ente os pensament os mais sim ples encont ram lugar, de mod o qu e, de acord o com um a autoridade q ue ele cita m as cujo no me o mit e, os índios Zun i "necessitam de m uita cont orção facial para tornar as suas frases inteligíveis"; e que a linguagem dos bosquimanos, necessita, segundo outro autor, de tanta gesticulação, que é incompreensível no escuro, os arapahos, teria dito uma terceira autoridade, "dificilmente conversam um com o outro no escuro" 2. M as M üller cita Sir Em erson Tenn et quando afirma que os vedas do Ceilão não têm linguagem: "eles se fazem entender por sinais, caretas, e son s gutu rais que p ouco se parecem com palavras ou com a linguagem em geral" 3 . A verdade é qu e eles falam 1 Op. Cit. p . 344. 2 Op. Cit , p. 149. 3 SELECTED ESSAYS ON LANGU AGE, M YTHOLOGY AND RELIGION, 11 ,27 146 o cingalês, um a língua indo -européia. Do m esm o mo do, Darw in, num trecho b astante acientífico, descreve o povo de Terra do Fogo, um povo muito agradável, segundo melhores observadores, como bestas praticamente sub-humanas1 e Galton , num espírito ainda m enos científico, afirma qu e seu cão tinh a m ais inteligência dos que os Damara (Herero) que ele contactou 2 . Muitos outros exemplos poderiam ser citados. Uma m agnífica coleção d e observações amalu cadas, se não ult rajant es, deste t ipo , pode ser, por
exemplo, encontrada no trabalho APTITUDES OF RACES3 , do Padr e Freder ic W . Farrar, o auto r de ERIC, OR LITTLE BY LITTLE e THE LIFE OF CHRIST. Seu desagrado e sua hostilidade para com os negros é semelhante ao de Kingsley. Cinqüenta anos de pesquisa demonstraram que o denegrir (a palavra neste contexto é etimologicamente irônica) assim tal raça eram apenas equívocos advindos de informações errôneas e grosseiras. Tudo isto se enquadrava muito bem nos interesses colonialistas e outros; e devemos admitir que algum descrédito deve caber aos etnólogos americanos que procuravam uma desculpa para a escravidão e para uns outro s tanto s que and avam p rocurando o elo perdido ent re o m acaco e o ho m em . É claro q ue se afirm ou terem os povos prim itivos as m ais rudim entares con cepções religiosas, e nó s tivemo s ocasião de observar, durante estas conferências, como se disse que eles as tinham alcançado. Isto pode ser ainda m elhor dem on strado p elo condescendente argum ento - um a vez qu e estava assegurado além das dú vidas qu e os po vos pr i1 C. Darw in, V OYAGE OF THE BEAGLE, 183 1-3 6. Ed. de 190 6, Cap X. 2 F. Galton, NARRATIVE OF AN EXPLORER IN TROPICAL SOUTH AFRICA, edição de 1889, p. 82. 3 TRANSACTIONS OF THE ETHNOLOGICAL SOCIETY OF LONDON, N. S. V. (1867). pp. 115-126 . 147 m itivos, mesmo os caçadores e coletores, têm deuses com altos atributo s morais - de que eles devem ter tom ado de em préstimo a idéia ou a palavra (sem comp reender seu sentido ) a uma cultura m ais elevada, seja de m issionários, viajant es, ou o q ue seja. Tylor d isse isto de m od o certam ente errôneo , como Andrew Lang demonstrou, acerca dos aborígines australianos 1 . Sidney Hartland era da m esm a op inião de Tylor 2 . Dorman, também sem qualquer prova, diz categoricamente dos ameríndios: "nenhuma aproximação ao monoteísmo havia sido conseguida antes da descoberta da América pelos europeus” 3 . A pesquisa moderna mostrou que muito pouco valor podem ter afirmativas deste tipo; mas era mais ou menos um axiom a na épo ca, o afirm ar que qu anto m ais sim ples a tecnolo gia e a estr ut ura social, mais degradad os os conceito s religiosos e m esm o o utr os conceitos, tam bém . E o arbitr ário Averbury chegou ao p ont o de d izer qu e não havia crença em deu ses nem q ualquer culto e, portanto , segundo ele, religião algum a entre os australianos, tasm anianos, and am aneses, esqu im ós, índios do no rte e d o sul da Am érica, alguns polinésios, alguns ilhéus das Carolinas, hotentotes, alguns kaffires do sul da África, os Fulani da África Central, os Bambara da África Ocidental e o p ovo d a Ilha Dam ood 4 . O fam oso m ission ário M offat , qu e se escusava de descrever as maneiras e os costumes dos Bechuana alegando que fazê-lo "não seria nem muito instrutivo nem mu ito edificante" 5 afirm ou q ue Satã havia apagado " qu alquer vestígio de im pr essão 1 Tylor , " ON THE LIM ITS OF SAVAGE RELIGION" , J.A.I., XXI, 189 2 p . 29 3. 2 E. S. Hart land , " THE HIGH GODS OF AU STRALIA" , Fol k-Lore , IX, 18 98 , p. 302 . 3 R. M . Do rm an , THE ORIGIN OF PRIM ITIVE SUPERSTITIONS 188 1, p . 15 . 4. Op. Cit., caps. 5 e 6 . 5 R. M o ff at, M ISSIONARY LABOURS AND SCENES :N SOUTHERN AFRICA, 18 24 , p. 24 9. 148 religiosa das mentes dos Bechuana, hotentotes e bosquímanos” 1 Era freqüente nessa época negar que os po vos m enos desenvolvid os cultu ralm ent e tivessem qu alquer t ipo d e religião. Esta era a op inião de Frazer, com o vim os; e até em 1928 n ós encon tram os Charles Singer negando que o s selvagens ten ham qualquer coisa a que possamos chamar de um sistema religioso, uma vez que suas práticas e crenças eram tot alment e despro vidas de coerência2 . O que ele qu er dizer; é, sup onh o eu, que o s selvagens não têm um a
filosofia da religião ou uma apologética teológica. Pode até ser verdade que as crenças primitivas sejam vagas e incertas, mas parece não ter ocorrido a estes autores que assim são também as das pessoas com uns em nossa pró pria sociedade; com o po deria ser de o ut ro m odo, se a religião d iz respeito a seres qu e não podem ser diretam ente apreend idos pelos sentido s ou to talment e com preendido s pela razão? E se seus mi to s religiosos parecem às vezes ridículos, não o são m ais do qu e os dos gregos e os de Rom a e da índia, tão admirados pelos eruditos clássicos e orientalistas; e nem tampouco são os seus deuses tão revoltantes. Os pontos de vista de que falei até agora não poderiam ser aceitos hoje. Quanto à possibilidade de que se justificassem com base na informação de que se dispunha à época, não farei comentários, pois que não efetuei a trabalhosa pesquisa literária indispensável a que formasse um ju lgam en to. M in ha t ar ef a é ap en as d e exp o sição, m as d evo t am bém ap resent ar o q ue m e p ar ece m ser as fraquezas fundamentais das interpretações da religião primitiva que durante algum tempo pareceram merecer crédito. Seu primeiro erro foi se basearem em pressuposições evolucionistas para as quais não havia nem p od eria haver pro vas. O se 1 Ibidem, pp. 244 e 260/3 . 2 C. Singer, RELIGION AND SCIENCE, 1928, p. 7. 149 gundo é que, além de serem t eorias referent es a origens cron ológicas, eram tam bém referentes a origens psicológicas; até mesmo aquelas que chamamos de sociológicas, poderíamos dizer que repousam, em últ im a análise, em supo sições psicoló gicas do tipo "se eu fo sse um cavalo" . E dif icilment e po deria t er sido de o utro mo do, se nos lembrarm os de que o s autores eram antro pólogos de gabinete, cuja experiência se restringia à sua própria cultura e sua própria sociedade e, dentro desta, a um confinamento numa m inúscula classe de in telectu ais. Esto u certo de q ue h om ens com o Avebu ry, Frazer e M arett não t inham qualquer idéia de como sentia e pensava o trabalhador inglês de seu tempo, e não surpreende que tivessem ainda menos no que concerne os homens primitivos, que jamais viram. Como vimos, suas explicações acerca da religião primitiva derivava da introspecção. O erudito se colocava na posição do ho mem prim itivo: se ele mesmo acreditasse no qu e o prim itivo acredit a ou prat icasse o qu e ele pratica, teria sido guiado por uma certa linha de raciocínio ou impelido por algum estado emocional ou mergulhado, na psicologia das multidões ou envolvido numa rede de representações místicas e coletivas. Em diversas ocasiões fomos instruídos para não tentar interpretar o pensamento de povos antigos e prim itivos no s termos da nossa próp ria psicologia, qu e foi m oldada por um sistem a de instituições mu ito diferente da deles; assim nos instruíram Adam Ferguson, Sir Henry Maine e outros, incluindo Lévy-Bruhl que, neste aspecto, pode ser considerado o mais objetivo de todos os que escreveram sobre a mentalidade primitiva, dentre aqueles cujos livros estivemos comentando. Escreveu Bachofen para Morgan: "Os eruditos alemães pretendem tornar a antigüidade inteligível medindo-a de acordo com as idéias correntes nos dias atuais Na criação do passado, eles apenas se vêem a si próprios. Penetrar na estru tura de um a mente diferent e da 150 nossa própria é trabalho muito duro” 1 . É realmente trabalho duro, especialmente quando lidamos com assuntos tão difíceis quanto o são a magia e religião primitivas, nos quais é muito fácil, ao tentar a tradução das concepções dos povos mais simples para as nossas, fazê-lo transplantando o nosso para o seu pensament o. Se é verdade, com o afirm aram o s Seligm an, que em m atéria de m agia os povos brancos e negros se encaram un s aos outros com t ot al falta de com preensão , 2 as idéias que o homem primitivo
tem a respeito devem ter sido gravemente distorcidas, especialmente por aqueles que nunca viram um ho mem prim itivo e que consideram a m agia um a superstição fú til. Por isto hou ve a tendência a analisar o fenôm eno com o se n os imaginássemo s nas m esmas con dições que os hom ens primit ivos. Com o assinalei em m inha prim eira conferência, considero este problem a da tradução com o send o fund ament al em nossa especialidade. Darei "m ais um exem plo" . Nós usamos a palavra "sobrenatu ral" qu ando falamos de alguma crença nativa, pois isto é o que significaria a coisa para nós; porém, longe de aumentarmos a nossa com preensão, fica mais pro vável que a p artir de então p assemo s a com preender aind a m enos. Temo s o conceito da lei natural e a palavra " sob renatur al" no s dá a idéia de algo qu e está fora d a operação comu m de causa e efeito, mas este sentido pode estar completamente ausente para o homem primitivo. Por exemplo: muitas pessoas estão convencidas de que a morte é provocada por bruxaria; falar a estas pessoas da bruxaria com o sendo algo de sobrenatu ral dificilm ente refletiria a opinião qu e eles m esm o têm do assunt o, desde qu e do seu po nto de vista, nada poderia ser m ais 1 C. Resek, LEWIS HENRY M ORGAN: A M ERICAN SCHOLAR, 1960 , p. 1 36 . 2 C. G. e B . Z. Seligm an, PAGAN TRIBES OF THE NILOTIC SUDA N, 19 32 , p. 2 5. 151 natu ral Eles vivenciam Isto pelo s sent ido s, 'na m ort e e em ou tr as desgraças, e os bru xos são vizinho s seus. Efetivament e, para eles, se um a pessoa n ão mo rre por ação d e bruxa: ia é que não m orreu, em um certo sentido, de morte natural; morte natural é morrer por obra de bruxaria. Poderíamos aqui considerar m elhor a dicotom ia entre "sagrado " e "p rofano ", assim com o o sent ido de " m ana", e idéias semelhant es, as diferenças entre magia e religião, e outros tópicos que me parece estarem ainda confusos , principalmente por causa da nossa incapacidade de perceber que nos defrontamos com problemas semânt icos fund ament ais; ou seja, se p referirmo s, prob lemas de trad ução; m as isto levaria a um a longa discussão e espero dedicar-lhe a devida atenção em outro tempo e lugar. Referir-me-ei apenas de passagem , mais um a vez, ao apavorante nevoeiro d e confusão qu e durou muito s anos e ainda não se dispersou e qu e diz respeito ao conceito (basicament e po linésio) d e "m ana"; a confusão nasceu em parte de registros incertos recebidos da Melanésia e Polinésia, e mais ainda das especulações de autores de influência, tais com o M arett e Durkheim , que conceberam "m ana" com o um a força vaga e impessoal, uma esp écie de ét er o u eletricidade que se distrib uía por pessoas e coisas. Pesqu isas mais recent es parecem te r determ inado qu e a idéia deve ser ent endida com o u m a eficácia (com o sentid o adicional de verdadeiro) do poder espiritual derivado de deuses ou espírito, usualmente através de pessoas, especialmente chefes; uma graça ou virtude que capacita pessoas a garantir o sucesso em empreendimentos humanos, o que assim correspon de a idéias sem elhantes em mu itas partes do mu ndo 1 . 1 Hocart. " M A N A", M an, 1914, 46; ''M ANA AGAIN". M an. 1922, 79. Firth, " THE ANALYSIS OF M AN A: AN EM PIRICAL APPROA CH " Journal of Polynesian Society, XLIX, 1940, pp. 483/610. A. Capell, "THE WORD M AN A: A LINGU ISTIC STUDY ", Oceania, IX 1938, pp. 89-96. Também F. R. Lehman, Mana, DER BEGRIFF DES "AU BERO RDEN TLICH W IRKUN GSVO LLEN" BEI SUDSEEV OLKEN , 1922, passim . 152 Aqui e agora passo a t er um a tarefa no va: sugerir qu al deveria ter sido o p rocesso d e investigação das religiões primitivas. Não nego que os povos tenham razão para suas crenças, que as aceitem como racionais; não nego que os ritos religiosos possam se acompanhar de experiências emocionais e que o sentimento possa mesmo ser um elemento importante neles; e certamente não nego que as idéias e
prát icas religiosas estejam dir etam ent e relacionad as com os grupo s sociais - qu e a religião, seja qual fo r, é um fenôm eno social. O que n ego é que po ssa ser explicada por qu alquer um destes fato s ou m esmo po r todos eles em conjunto, e sustento que não é método científico correto procurar por ori gens, especialmente quando elas não podem ser encontradas. Sempre que expliquemos os fatos da religião prim itiva sociologicam ente, deverem os fazê-lo em relação com fatos outr os, aqueles qu e com e!a form am um sistema de idéias e práticas e outros fenômenos sociais que se lhe associam. Como exemplo do primeiro tipo de explicação parcial, tomemos a magia. Tentar entender a magia como uma idéia em si, qual seja sua essência, é tarefa inútil. Torna-se mais fácil compreendê-la quando ela é vista não somente em relação com atividades emp íricas, mas tamb ém em relação com out ras crenças, com o u ma p arte de sistema de pensamento; freqüentemente se dá que ela não seja primariamente considerada como um m eio de cont rolar a natureza, m as sim , mais freqüent ement e, uma p recaução cont ra a bruxaria e outras forças místicas que operem contra o esforço humano, interferindo com as medidas empíricas tomadas com o ob jetivo de alcançar um fim. Com o exemp lo de explicação em term os de relação entre religião e ou tr os fatos sociais (e em si mesmo : 153 não-religiosos), poderemos tomar o culto dos ancestrais, que só pode ser compreendido quando visto como parte de uma montagem total de relações de família 'e parentesco. Os espíritos têm poder sobre seus descendent es, sobre os quais atuam como censores de cond uta, cuidando em que cump ram suas obrigações interpessoais e punindo-os se falharem. E, mais uma vez, em algumas sociedades Deus é concebido como o uno e o m últiplo, sendo o uno considerado quando relacionado a todo s os ho m ens ou a uma sociedade inteira e o múltiplo quando considerado na forma de uma variedade de espíritos relacionados a um ou outro segmento de sociedade. Um conhecimento adequado de estrutura social é aqui ob viam ente n ecessário à com preensão de alguns dados do p ensament o religioso. Ou ainda, o ritu al religioso é executado durant e cerim ônias em que o "status" relativo de ind ivíduos ou grupos é afirm ado, ou confirm ado, como o corre no nasciment o, iniciação, casam ento e mo rte. É ób vio que para enten der o papel de religião nestas ocasiões é preciso mais uma vez ter bom conhecimento de estrutura social. Dei alguns exemplos bastante simples. Uma análise de relações do tipo que acabo de mencionar pode ser levada a efeito sempre que uma religião estiver em relação funcional com qualquer outro fato social moral, ético, econômico, jurídico, estético e científico - e uma vez realizada em toda a extensão teremos uma compreensão sociológica do fenômeno tão amplo quanto possível. Tudo isto equivale a dizer que devemo s considerar os fatos religiosos em term os de tot alidade d e cultura e de sociedade em que eles estão, a fim de com preend ê-los de form a por como os psicólogos de "Gestalt" se referiam à "Kulturganze" ou o qu e M auss chamava de "fait t ot al". Eles devem ser vistos como um a relação d e partes ent re si dent ro de um sistem a coerent e, de m odo que cada parte 154 só faz sentido quando considerada em relação às demais e o próprio sistema também fazendo sentido somente enquanto relacionado com outros sistemas institucionais, agora num sistema mais amplo de relações. Lam ent o dizer qu e mu ito -pou cos pro gressos têm sido feito s nestas linhas. Com o assinalei ant es, quando passaram os momentos de crise religiosa, o interesse dos antropólogos nas1 religiões primitivas defin ho u e ent re o fim de Prim eira Guerr a e dias recente s, hou ve um a nítida escassez de estu do s sob re o assun to po r part e dos que fizeram pesquisas de camp o. É tam bém po ssível qu e a pesquisa de camp o neste aspecto exija um a men te po ética, apta a lidar com im agens e sím bolos. De mo do que, enqu anto em out ro s departam ento s de antropo logia a pesquisa intensa conseguiu po nderáveis avanços, como no estu do d o
paren tesco e das instit uições políticas, po r exemp lo, não hou ve avanços equivalent es no estud o de religião primitiva. A religião se exprime, evidentemente, através do ritual e um sintoma de falta de interesse demonstrada nos últimos anos é o fato de se ter notado que das 99 publicações do Instituto RhodesLivingstone (relativas a vários aspectos de vida africana durante os últimos trinta anos, mais ou menos), apenas três tratavam do ritual como assunto 1 . Alegra-me dizer, no entanto - uma vez que a religião prim itiva é um dos meu s assun to s de int eresse pessoal - qu e recent em ente vêm surgindo sinais de um a renovação do interesse perdido e mais ainda, dentro de um enfoque que procura o estabelecimento de relações. Não pretendo ser seletivo, mas posso citar alguns exemplos de livros recentes acerca das religiõ es afri canas: DIVINITY AND EXPERIENCE, do Dr. God frey Lienh ard t, um estud o an alítico de reli gião do 1 R. Apt ho rp e, tn tr od uct ion to " ELEM ENTS IN LUVALE BELIEFS AND RITUALS" , po r C. M . N. W hit e, Rho desLivingsto n e Paper s, n° 32, 196 1, p. IX. . . 155 Dinka do Sud ão,1 o estudo do Dr. Joh n M iddiet on acerca das concepções e rit os religiosos do po vo Lugbara de Uganda 2 e o estu do ao Dr. Victor Turn er sobre o ritual e sim bolism o Nd em bu na Rodésia do Nort e 3 e também, fora de nossa área profissional, pesquisas como as de Tempels e Thews 4 e 5 entre os Baluba do Con go. Estas recentes pesquisas em sociedad es part iculares no s to rn am m ais pró ximo s de en un ciação do prob lema concernente no papel desemp enhado p ela religião e m ais amp lamen te, o do pen sam ento nãocientífico, na vida social. Mas, mais cedo ou mais tarde, se viermos a ter uma teoria sociológica geral de religião, deverem os levar em consideração to das as religiões, e não apenas as prim itivas. E som ente assim po derem os com pre end er algum as de suas características essenciais. Pois emb or a os avanços de ciência e de tecnologia tornassem a magia supérflua, a religião persistiu, e seu papei social tornou-se mais e mais envolven te, incluind o p essoas cada vez m ais distant es e ao cont rário d o qu e aco nt ecia com as sociedad es primitivas, não mais ligadas por laços de família e parentesco ou que participassem de atividades em com um . Se não t iverm os alguma o rientação geral a respeito do que seja a religião, não iremo s além de inúmeros estudos particulares das religiões de povos particulares. Durante os últimos séculos, tais princípios gerais foram ensaiados, como vimos, sob a forma de hipóteses evolucionistas psicológicas e socioló 1 G. Lienh ardt , DIVINITY AND EXPERIENCE. The Religion on th e Din ka, 1961 . 2 J. M iddlet on, Lugbara Religion, 1960. 3 V. W . Tur ner , " NDEM BU DIVINATION: ITS SYM BOLISM AND TECHNIQU ES" , Rh od es-Livigston e Papers, n° 31 , 196 1; " RITUA L SYM BOLISM , M ORALITY AND SOCIAL STRUCTURE AM ONG THE NDEM BU" , Rh od esLivingston e Jou rn al, n ° 309 , 1961. 4 R. P. Placide Tem p els, BANTU PHILOSOPHY, 1 959 . 5 Th . Thew s, Lr€ RlÉEL DAN S LA CONCEPTION LUSA, Zaire, XV 1 961 , 1. 156 gicas, mas, desde que as teses gerais foram abandonadas pelos antropólogos, o nosso assunto passou a sofrer de perda de objetivo e de m étodo com uns. O chamado método funcional era m uito vago e m uito m anhoso para que pudesse persistir, além d e ser tam bém m uito ado rnado de p ragm atismo e teleologia. Ele repousava excessivamente numa analogia biológica muito frágil; e pouco se conseguiu, através de pesquisa com parad a, no sent ido d e apoiar as con clusões obt idas por estud os específicos; a verd ade é qu e os estudos comparativos estavam se tornando praticamente obsoletos. Vários filósofos e quase-filósofos
tent aram expor d o m odo m ais amp lo possível o qu e pensavam do papel de religião na vida social e quero agora analisar o que poderemos aprender com eles. A despeito de todos os seus plágios, de sua pro lixidad e e trivialidade, Pareto viu, com o já assinalam os, qu e os camin hos alógicos do pensamen to , isto é as ações (e idéias a elas associadas) nas1 qu ais os m eios não estão segund o o p on to d e vista d e ciência experimental, racionalmente adequados aos fins visados, desempenham, apesar de tudo, um papel essencial nas1 relações sociais; e n esta categoria ele incluiu a religião. A oração p od e ser eficaz, emb ora Pareto, obviamente, não acreditasse nisto, mas sua eficácia não é aceita pelo consenso de opinião científica com o sendo um fato . Nas circunstâncias em qu e a precisão t écnica é necessária, com o é o caso de ciência, operações militares, direito e política, a razão deve do min ar tu do. Por ou tro lado, em nossas relações sociais e pia esfera d e n ossos valores, afetivid ade e lealdad es, prevalece o sent im ent o: em no ssa ligação para com a família e o lar, a igreja e o estad o, e em no ssa condu ta refer ent e aos nossos pares; e estes sentimentos são de maior importância, estando entre eles o religioso. Em outras palavras, certas atividades exigem rigorosamente o pensamento racional (para substituir a expressão "lógicoexperimental"), 157 mas mesmo estas só podem ser consumadas se existir algum grau de solidariedade entre as pessoas envolvidas, além de segurança e ordem entre elas; e tudo isto depende de sentimentos comuns que derivam de necessidades morais, e não técnicas, e se baseiam em imperativos e axiomas, e não na ob servação e experiment ação. São construções do coração, muito m ais do q ue de m ente, e a m ente aq ui só serve para encont rar razões qu e pro tejam as refer idas constru ções. Assim , o ob jetivo d e Pareto , citado anteriorm ente, de dem onstrar experiment alment e "a ut ilidade social e individu al de condu ta alógica", 1 dá a impressão de que ele estava querendo dizer que no terreno dos valores somente os meios são escolhidos pela razão; os fins, não. E é este um pon to de vista com partilhado po r, entre o ut ros, Aristót eles e Hum e. Para usar um ou tro exemp lo, o filósofo Henri Bérgson estava, embo ra de out ro m odo, fazendo a m esm a distinção ent re os dois amp los tipo s de pen sament o e com port am ento: o religioso e o científico. Devem os estu dá-los através de ação; e tam bém não nos devemo s deixar desviar enganosam ente p or LévyBruhl como ao supor qu e, m encionando causas místicas, o ho m em prim itivo esteja com elas explicando efeito s físicos; ao cont rário, ele está levand o em consideração sua significação hu m ana. A diferença ent re os selvagens e nós out ro s, é sim plesmen te qu e nós tem os maio res conh ecimen to s científicos do qu e eles, qu e são "ignorant es daquilo que aprendem os2 . Guardando isto na lemb rança, voltem os à tese principal de Bérgson . Fund ament alment e, diz ele, a sociedade e cultu ra hum ana servem a um fim biológico e os dois tipos de função mental o servem igualmente, de diferentes maneiras, mas maneiras que são com plement ares. Existem du as 1 THE M IND A ND SOCIETY, p . 35. 2 Bergso n, Op . Cit., p. 151. 158 esp écies difer ent es de experiência religiosa, a estát ica, associada com sociedade fech ada e a d inâm ica ou m ística, (no sentido individualista q ue a p alavra t em em escritos históricos e em estud os com parativos sob re a religião; não n o sent ido qu e lhe dá Lévy-Bruhl), a qual se associa à sociedad e abert a, universal. A primeira é, evidentemente, característica das sociedades primitivas. Por outro lado, a evolução biológica, tant o no que d iz respeito a sua estru tu ra quanto no q ue concerne sua o rganização, to mo u du as direções: o sentido de perfeição do instinto em tod o o reino anim al, com exceção do ho m em, e neste, no sentido de
perfeição de inteligência. Se a inteligência tem suas vantagens, tem também suas desvantagens. Ao contrário dos animais, o homem primitivo pode prever as dificuldades com que se defrontará e tem dú vidas e tem ores acerca de sua capacidade de cont orn á-las. M as a ação é im perat iva. Acima de tu do, ele sabe que um dia morrerá. Esta conscientização de desesperança inibe a ação e põe a vida em perigo. A reflexão, pálida organização do pensam ento , traz outro perigo. As sociedades perdu ram por causa de u m sentido de ob rigação mor al existent e entre seus mem bro s; m as a inteligência pod e mo strar a um ho m em que seus próprios interesses devem vir antes, entrem eles ou não em conflito com o bem coletivo. Con fro ntad a com tais dilemas, a Natu reza (estas reificações são nu m erosas ent re o s escrito s de Bérgson) faz ajustamentos a fim de restaurar a confiança do homem e impor-lhe o sacrifício de escavar as profundezas do instinto recobertas pela camada de inteligência. Com a faculdade mito-poética que aí encontra, ela põe a inteligência a dormir, embora sem destruí-Ia. Daí derivam magia e religião, inicialmente indiferenciadas e mais tarde individualizadas. Elas promovem o necessário equilíbrio de inteligência e permitem que o homem, através de manipulação de forças imaginárias de natureza ou apelos a espírito s im aginários, tor ne a en159 catar seus objetivos; e ele se vê também compelido a abandonar seus interesses egoísticos, trocando-os pelo bem com um , e a se sub m eter, po r força do s tabu s, à disciplina social. Assim , o que o s instint os fazem pelos animais, faz a religião pelos homens, ajudando sua inteligência a opor-se ao instinto em situações críticas, através da arm a das rep resentações intelectu ais. Port anto , a religião não é, com o alguns sup õem , um produto do m edo, mas sim u m amp aro e um seguro cont ra o medo. Em última análise ela é produ to d e uma urgência instintiva, um impulso vital que combinado com a inteligência, garante a sobrevida do homem e sua ascensão evolutiva para altitudes cada vez maiores. Ela é, resume Bérgson, "uma reação defensiva da natureza contra o poder dissolvente da inteligência” 1 . Assim, desde que estas funções da religião (sejam q uais forem as m on stru osas construções da im aginação em qu e pro liferem , sem o supo rte da realidad e) são essenciais à sob revivência do ind ivídu o e d a sociedad e, não pr ecisam os no s surp reen der po r terem existi do e por existirem sociedad es sem ciência, sem art e, sem filosofia; m as jam ais algum a sem religião. "A religião, send o vin culada à nossa espécie, deve per t encer à no ssa estru tu ra” 2 Bergson ut ilizou fo nt es secund árias, especialmen te o s escrit os de seu am igo Lévy-Bruhl, qu ando escreveu acerca de id éias prim itivas em sociedades contem po râneas sim ples; m as qu ando falou do ho m em p rimitivo ele tinha em m ente algum hipot ético hom em p ré-histó rico, que funcionava m ais ou m enos com o um recurso dialético para lhe permitir um contraste mais nítido entre a religião estática da sociedade fechada e a religião mística da sociedade aberta do futuro (que sua imaginação, guiada por experiências religiosas pessoais, antevia). 1 Op. Cit. p . 122. 2 Op. Cit. p . 176. 160 Pode-se já ter o bservado qu e de u m m odo geral o 'instinto " d e Bérgson correspo nde ao s "resíduo s nãológico experim entais" de Pareto e ao " pré-lógico" de Lévy-Bruh l; sua " inteligência" correspo nde ao " lógicoexperiment al" d e Pareto e ao " lógico" de Lévy-Bruhl; e o problem a, visualizado po r Pareto e por Bérgson, po rém não, julgo eu, por Lévy-Bruh l, era em sum a o m esm o, em bo ra fossem diferentes os ponto s de vista. Pode-se ainda observar que todos três nos dizem muito sobre a natureza do irracional, mas, dizem, em cont rapartida, mu ito po uco sob re o racional, de m odo que o cont raste não fica muit o nítido. O histo riador
social alemão Max Weber, 1 que escolho como exemplo final, toca no mesmo problema, embora não de modo tão explícito; e seu "racional" por oposição a "tradicional" e "carismático" de certa maneira correspon de aos term os antagôn icos do s ou tr os aut ores. Ele distingue esses tr ês tip os "ideais" o u pu ros de atividade social. O racional é o tipo mais inteligível, melhor observado na economia capitalista do Ocidente, embora evidente em todas as atividades sujeitas ao controle burocrático, à rotina, e que pro du zem u m a despersonalização prat icam ent e tot al. O tradicional se caracteriza pela devoção e tudo q ue sempre existiu, o que é típico das sociedades conservadoras e relativamente imutáveis, nas quais os sentim ento s, afetivos predom inam. As sociedades prim itivas pertencem a este tipo , embo ra pareça que W eber leu pouco a respeito d elas. O tipo carismáti co é, até o m om ento em qu e se torn e rotinizado p elo oficialism o (como invariavelment e ocorrerá, se bem sucedido) é o tipo d a livre em ergência individual do espírito: é r epresentado pela figura do profet a, do guerreiro h eróico, do revolu cionário, etc., que surgem com o líderes em t em po s críticos e a quem são atrib uídos poder es ex 1 FROM M AX W ERER: ESSAYS IN SOCIOLOGY, 19 47 . 161 traordinários e sobrenaturais. Estes líderes podem aparecer em qualquer sociedade. Como Bérgson, Max W eber faz um a distinção entre o q ue cham a de religiosidade m ágica, a dos primit ivos e bárbaros, e as religiões universalistas dos profetas que desfazem os laços místicos (no sentido que ele dá à palavra) da sociedade fechada, dos grupos e associações exclusivos da vida de comunidade; ambas se preocupam m uito com valores im ediat istas: saúde, longa vida, riqu eza. Em u m cert o sentido d a palavra, a religião não é em si irracion al. O purit anism o, a apolo gética e o casuísm o são altam ent e racionais. Sendo assim , seguese que as dout rinas po dem criar um a ética pro pícia a desenvolvim ent os secular es: as seitas prot estan tes e a ascensão do capitalism o o cidental são u m e xem plo. M as ela está em tensão r eferentem ente à racionalidade secular, que lentamente a despoja de uma esfera após a outra - lei, política, economia e ciência - de form a que isto leva, com o n a frase de Friedrich Schiller, ao "d esencantamen to do m undo ". Num out ro sentido , port anto,, a religião é n ão racional, mesmo em suas formas racionalizadas; e em bo ra M ax Weber a encarasse como um refúgio contra a com pleta destru ição d a personalidade pelos caminhos inevitáveis da vida moderna, não lhe foi possível, a ele, abrigar-se: é, antes, necessário aceitar o aprisionam ento nu ma sociedade terrível e estar p reparado p ara ser um a peça da máqu ina, privando-se a pessoa d e tu do o q ue significa ser um indivíduo, q ue t em relações pessoais com out ros. M as, emb ora as coisas estejam se m ovendo nesta d ireção, a religião ainda desem penh a um impo rtant e papel n a vida social e cabe ao sociólogo elucidá-lo, não apenas nas sociedades racionalizadas da Europa Ocidental, mas também nos períodos iniciais da história e em outras partes do mundo, demonstrando como, em diferentes sociedades, diferentes tipo s de religião fo rm aram e (foram form ados por) out ras áreas da 162 vida social. Em sum a, temo s de nos pergunt ar qual o papel do não -racional n a vida social, e que papéis fo ram e são desemp enh ado s nesta vida pelo racional, pelo tr adicional, pelo carism ático. Ele faz as m esm as perguntas que Pareto e Bérgson. Tais, portanto, são as questões. (Não vou dar mais exemplos). Serão as respostas a elas mais satisfatóri as do qu e aqu elas qu e estivem os considerand o n as confer ências iniciais? Acho que não. Elas são muito vagas, muito gerais e um tanto fáceis demais e têm um forte sabor pragm atista. A religião ajud a a preservar a coesão social, dá confiança aos ho m ens, etc. M as será qu e tais explicações não nos estariam levando longe demais? E se são verdadeiras, o que ainda tem que ser provado, como saber de que maneira e em que graus a religião tem estes efeitos? Minha resposta à
qu estão qu e levanto tem que se fazer no sentido de que eu p enso que, emb ora o p roblem a seja real, por m ais am plo qu e seja, as respostas po ssíveis não são con vincent es. Seria m elho r realizar algum as pesqu isas no assunto . O estu do comp arativo da religião está m al representado em no ssas universidades e os dados que se tomam como a ele pertencentes, derivam quase que inteiramente de livros - textos sagrados, escrito s teo lógicos, exegética; escrito s m ístico s e tu do o m ais. M as para o antr opó logo e o sociólogo esta é talvez a parte m ais insignificante d a religião, principalment e quando no s lemb ramos de q ue os erudito s qu e escrevem livros sob re as religiões histó ricas às vezes nem sequ er estão seguro s de qu al o significado que certas palavras-chave tinham para os autores dos textos originais. As reconstruções e interpretações filológicas destas palavras-chave são freqüentemente contraditórias, pouco convincentes, como é o caso da palavra "deus". O estudioso de uma religião antiga ou de qualquer religião em suas fases iniciais não tem como examiná-la 163 senão at ravés de texto s, pois o po vo em questão não pod e m ais ser consultado. Podem result ar daí graves distorçõ es, com o qu ando se diz que o Bud ism o e o Jainism o são religiões ateísticas. Não há dú vida de q ue po dem ter sido con sideradas com o sistem as filosóficos e psicológicos, pelos auto res dos sistem as m esm os, mas o que não sabemos é se assim as considerava o povo comum; e é o povo comum que interessa basicam ent e ao ant rop ólo go. Para ele o qu e int eressa saber é com o as crenças e práticas religiosas afetam as mentes em qualquer sociedade, como afetam os sentimentos, as vidas e as inter-relações entre os m emb ros da sociedade. Existem po ucos livros que descrevam e analisem d e m odo adequado o papel da religião em qualquer comunidade hindu, budista, muçulmana ou cristã. Para o antropólogo social, a religião é o qu e a religião faz. Devo acrescentar q ue t ais estu dos entre os povos prim itivos foram pou cos e raros. Tant o n as sociedad es civilizadas com o n as prim itivas, se encon tra n esta área u m camp o d e pesq uisa praticamente inexplorado. Mais ainda, a religião comparada deve ser digna desse nome por procurar pon to s de relação, se qu er esperar algum resultado do trabalho. Se a comp aração deve se interrom per ao nível sim ples da d escrição (o cristão pensa isto , o mu çulm ano p ensa aquilo, o hindu pensa aquilo out ro), ou, mesmo se ela vai um pouco adiante e classifica, apenas (Zoroastrismo, Judaísmo e Islamismo são religiões proféticas, Hinduísmo e Budismo são religiões místicas, ou ainda, certas religiões aceitam o mundo enquanto que outras o recusam) continuaremos longe de uma compreensão das semelhanças e diferenças. Os mon istas indianos, os budistas, os maniqu eus, pod em ter p on to s em com um , nisto de q ue desejam a liberação d o corpo e o desligam ento do m und o do s sentido s, mas o que deveríamo s pergunt ar é se est e elemen to com um está relacionado a ou tro s fato s sociais; 164 Uma tentativa deste tipo foi feita por Weber and Tawney, que relacionaram certos ensinamentos protestantes a certas modificações econômicas 1 . Longe de mim a intenção de minimizar o valor de estudiosos da religião comparada, pois, como demonstrei nas conferências iniciais, nós antropólogos não fizemos muitos progressos no tipo de estudos em que se procuram relações e que acredito sejam os necessários e os únicos qu e nos pod em cond uzir a um a vigorosa sociolo gia da religião. Para concluir, devo con fessar qu e não encontro, n o conjun to das diferentes teorias que revisamo s, quer em cada uma delas isoladamente quer no todo, muito mais do que simples especulações do sensocom um , o q ue, na m aioria das vezes, erra o alvo. Se no s pergun tamo s, como naturalm ente fazemos, se elas exercem alguma influência sobre a nossa própria experiência religiosa, como por exemplo, se elas tornam mais significativas para nós palavras como "Paz vos deixo, minha paz vos dou", suponho que a resposta deve ser que a influência é pequena, e isto nos deve deixar céticos acerca do valor que acaso
tenham enquanto explicação das religiões primitivas. E os primitivos não podem se aplicar o mesmo teste... Tudo se deve ao fato de que, conto já mencionei antes, os autores estavam procurando as explicações em termos de origens e essências, em vez de relações; e acho que isto derivou de suas suposições de que as almas e espíritos e deuses da religião são irreais. Se forem considerados como simples ilusões, então alguma teoria (biológica, psicológica ou sociológica) sobre o fato de em todas as partes e tem po s os hom ens terem sido suficient ement e estú pidos para acreditarem neles, deveria surgir. Quem aceita a realidade do ser espiritu al não sent e a 1 M . W eb er, THE PROTESTANT ETHIC AN D THE SPIRIT OF CAPITALISM , 19 39 ; R. H. Taw n ey, RELIGION A ND THE RIS£ O F CAPITALISM , 194 4. 165 mesma necessidade de tais explicações, pois, por mais inadequados que os conceitos de alma e Deus possam ser entre os povos primitivos, eles não são, para tais povos, uma simples ilusão. Enquanto consideramo s o estu do d a religião. com o fato r na vida social, pod e impo rtar po uco a diferença entre u m antrop ólogo crente o u at eu, desde q ue em amb os os casos ela deve se restringir apenas àquilo que po de ob servar. M as se desejarmo s ir além disso, é p reciso que cada um siga caminh o diferent e do out ro. O ateu procura alguma teoria - biológica, psicológica ou sociológica - que explique a ilusão; o crente procurará com preender a m aneira pela qual um povo concebe u ma r ealidade e suas relações com ela. Para amb os, a religião é uma parte d a vida social, mas para o crente, tem t am bém o ut ra dimen são. Aqui eu m e encontr o de acord o com Schm idt, na sua refut ação de Renan: " Se a religião é essencialm ent e da vida inter ior seguese qu e só p ode ser realm ente alcançada "de dent ro" . M as sem d úvida isto p ode ser conseguido por alguém em cuja consciência interior uma experiência da religião desempenha algum papel. Há muito perigo de que o ou tro (o incréu) venh a a falar de religião como um cego falando d e cores ou u m surdo d e uma bela composição musical” 1. Nestas conferências eu vos fiz uma revisão de algumas das principais tent ativas antigas de explicar as religiões. prim itivas e pedi qu e nenhu m a fosse aceita com o t ot almente satisfatória. E parece que vamo s sair pela m esm a port a por on de ent ramo s. M as não qu ero qu e pensem qu e tant o trab alho t enh a result ado inú til. Se som os agor a capazes de visualizar os erro s nestas t eori as qu e ten taram explicar as religiões prim itivas, é por que elas foram expo stas e con vidaram a um a análise lógica de seus cont eúdos 1 W . Schm idt , THE ORIGIN AND GROW TH OF RELIGION, 1931 , p. 6 . 166 em contraste com fatos etnológicos registrados e pesquisas de campo. O progresso neste departamento da ant ropologia social nos últim os quarenta ano s, mais ou m enos, pode se avaliar pelo fato de q ue à lu z do conheciment o qu e hoje p ossuímo s, podem os identificar as imp ropriedades de teorias qu e durant e algum tem po m ereceram crédito ; m as talvez nunca tivéssemo s chegado a este conh ecim ento sem o trabalho do s pion eiros cujo s escrito s estivem os revendo . 167
BIBLIOGRAFIA
ALLIER, RAOU L, LES NON-CIVILISÉS ET NOUS, 1927 ATKIN SO N , J. J. PRIM AL LAW IN SOCIAL ORIGINS BY ANDREW LANG, 190 3 AVEBURY, RT. HON. LORD. M ARRIAGE, TOTEM ISM AND RELIGION, AN AN SW ER TO CRITICS, 191 1 BAKER, SIR SAM U EL THE RACES OF THE NiLE BASIN Transactions of the Eth no logical Society of Lond on , N. S. vol 5., 1867 . BEATTIE, JOH N OTHER CULTURES, 1 96 4 . BENEDICT, RUTH RELIGION In Franz Boas e out ros, General Ant hr opo logy, 1938 BERGSON , H ENRI THE TW O SOURCES OF M ORALITY AND RELIGION, 1956 (ant es pub licado na Fran ça em 193 2.) BLEEKER, C. J. THE SACRED BRIDGE, 1963 BOAS, FRAN Z THE M IND OF PRIM ITIVE M AN, 1911 BORKENAU, FRANZ PARETO, 19 36 BOUSQU ET, G. H. PRÉCIS DE SOCIOLOGIE D' APRÉS VILFREDO PARETO, 1 92 5 VILFREDO PARATO SA VIE ET SOU OEUVRE, 192 8 BUBER, M ARTIN BETWEEN M AN AND M AN, 1961 (prim eira edição, 1947) BUKHARIN, N IKOLAI HISTORICAL M ATERIALISM . A SYSTEM OF SOCIOLOGY, 19 25 CAPPEL, A. THE W ORD M AN A: A LINGU ISTIC STUDY Oceania, vo l 9, 193 8 CLODD , EDW ARD TOM TIT TOT, 18 98 PRESIDENTIAL ADDRESS Folk-lore, vol 7, 1896 . 169 COM TE, AU GUSTE COURS DE PHILOSOPHIE POSITIVE, 190 8 vo ls 4 e 6 (prim eira ed. 1830142) CORNFORD, F. M . FROM RELIGION TO PHILOSOPHY, 191 2 CRAW LEY, A. E. THE M YSTIC ROSE, 19 27 (edição revista e aum entada po r Theodo re Besterm an) 2 vol s (pr im eir a edi ção, 19 02 ) a THE TREE OF LIFE, 190 5 THE IQEA OF THE SOU L, 1909 CROOKE, W . M ETHOD O F INVESTIGATION S AN D FOLK-LORE ORIGIN
Folk-lore, vol 24 , 1913 DARW IN, CHARLES ROBERT VOYAGE OF THE BEAGLE, 1831 -1836 , 1906 (pri m eira ed ., 1839) DAV Y, GEORGES SOCIOLOGUES D'HIER ET D'AUJOURD'HUI, 1931 DE BROSSES, CH . R. DU CULTE DES DIEUS FÉTICHES OU PARALLÉLE DE L'ANCIENNE RÉLIGION DE L'ÉGYPTE AVEC LA RÉLIGION ACTUELLE DE LA NIGRITIE, 1 76 0 DORM AN, RUSHTON M . THE ORIGIN OF PRIM ITIVE SUPERSTITIONS, 18 81 . DRIBERG, J. H. THE SAVAGE AS HE REALLY IS, 19 29 AT HOM E WITH THE SAVAGES, 193 2 DU RKHEIM , E. DE LA DÉFINITION D ES PHENOM ENES RÉLIGIEUX L'An n é So ciolo giqu e vo l. 2 1 89 9 LES FORM ES ELÉM ENTAIRES DE LA V IE RÉLIGIEUSE, 19 12 (t rad u zido p ara o in glês com o " The Elem ent ary For m s of t he Religious Life", 1915 ) ESSERTIER, D. PHILOSOPHES ET SAVANTS FRANÇAIS DU XXº SIÈCLE, LA SOCIOLOGIE, 1930 EVANS: PRITCHARD, E. E. HEREDITY AN D GESTATION AS THE AZANDE SEE TREM SOCIOLOGUS, 1931 (reim pre sso em Essays in Social Anth rop ology, 1962) THE INTELLECTUA LIST (ENGLISH) INTERPRETATION OF M AGIC Bullet in o f t h e Facuit y o f A rt s, Egyptian University (Cairo) vol. 1., 1933 . 170 L'ÉVY-BRUH L'S THEORY OF PRIM ITIVE M ENTALITY Id em , vo l 2 , 193 4 ZANDE THERAPEUTICS Essays Present ed to C. G. Seligm an, 19 34 SCIENCE AND SENTIM ENT. A N EXPOSITION AN D CRITICISM OF THE W RITINGS OF PARETO Bulletin o f The Faculty of Art s, Egyptian University (Cairo). vol. 3,1936 W ITCHCRAFT, ORACLES AND M AGIC AM ONG THE AZANDE, 13 7 OBITUARY: LUCIEN LÉVY-BRUHL, 1939, M an, 194 0, n9 27 NUER RELIGION, 1956 RELIGION AND THE ANTHROPOLOGIST Blackfr iar s, ab ril, 1 926 (Reeditad o In Essays in Social Ant hro pol ogy, 1962). FARNELL, L. R. THE EVOLUTION OF RELIGION, 1905 FARRAR, PAD RE F. W . APTITU DES OF RACES Transactions of t he Ethno logical Society of Lond on vol. 5, 1867 FIRTH, RAYM OND THE ANA LYSIS OF M ANA: AN EM PIRICAL APPROACH Jo ur n al o f Pol yn esian So ciet y XLIX, n ° 196 , 1940 M AGIC, PRIM ITIVE Encyclopedia Brit annica, 1955, vol. 14
FLUGEL, J. C. A HUN DRED YEARS OF PSYCHOLOGY, 183 3-1 933 (193 3) FORTUN E, R. F. SORCERERS OF DOBU, 1932 FRAZER J. G. PSYCHE'S TASK, 19 13 THE GOLDEN BOUGH, terceir a edição, 192 2 2 vols. (pr im eira edi ção 1890 ) THE GORGON' S HEAD, 1 92 7 FREUD , SIGM UN D TOTEM AND TABOO (Publicado inicialm ent e em alem ão em 191 3) THE FUTURE OF AN ILLUSION, 1928 FUSTEL DE COU LAN GES THE ANCIENT CITY, quarta edição, 1882 (prim eira edição na França: "La cité Ant ique" em 1864) 171 GALTON, FRANCIS NA RRATIVE OF AN EXPLORER IN TROPICAL SOUTH A FRICA, 188 9 (p rim eir a ed ição em 18 53 ) GINSBERG, M ORRIS NA RRATIVE OF AN EXPLORER IN TROPICAL SOUTH A FRICA, 188 9 (p rim eir a ed ição em 18 53 ) ESSAYS IN SOCIOLOGY AND SOCIAL PHILOSOPHY vol. 3 Evolution and Progress, 1961. GOLDENW EISER, ALEXAND RE, A. RELIGION A ND SOCIETY; A CRITIQUE OF ÉM ILE DU RKHEIM 'S THEORY OF THE ORIGIN AN D N ATURE OF RELIGION Jou rnal of Philosop hy, Psycholo gy and Scientific M eth od s, vol. 12, 1917 FORM AND CONTENT IN TOTEM ISM Am erican A nt hr op olo gist, vo l. 20, 191 8 EARLY CIVILIZATION, 1921 HADDO N, A. C. M AGIC AND FETISHISM , 190 6. HARRISON, JANE ELLEN THEM IS. A STUDY OF THE SOCIAL ORIGIN O F GREEK RELIGION, 19 12 . HARTLAN D, E. SIDN EY THE LEGEND OF PERSEUS, 3 vo ls., 18 94 -18 96 Folk-lo re, vo l. 9, 18 98 HEILER, FRIEDRICH DA S GEBET, 191 9 HEN DERSO N , L. J. PARETO' S GENERAL SOCIOLOGY. A PHYSIOLOGIST'S INTERPRE• TATION , 1 93 5 HERTZ, ROBERT DEATH AND THE RIGHT HAND, 19 60 (publicado inicialmente na França em 1907 e 19 09) HOCART, A. M . MANA M an. 1914, 46 M ANA AGAIN Man. 9-79 THE PROGRESS OF M AN, 19 33
HOGBIN, H. IAN MANA Oceania, vol. 6, nº 3, 1936 HO M AN S, C. G. E CURTIS,. C. P. AN INTRODUCTION TO PARETO. HIS SOCIOLOGY, 1934 172 HU BERT, H. E M AUSS, M . ESSAI SUR LA NATURE ET LA FONCTION DU SACRIF:CE L'Année Sociologique, vol 2, 1899 ESQU ISSE D'UN E THEORIE GÉNÉRALE DE LA M AGIE L'A nn ée Socio logi qu e, vo l. 7 , 190 4 M ELANGE D'HISTOIRE DES RELIGION S, segun da edi ção, 1 92 9 HUM E, DAVID THE NATURAL HISTORY OF RELIGION, ed ição d e 195 6 (Prim eira edição em 1757 ) JAM ES, E. O. PRIM ITIVE RITUAL AND BELIEF, 191 7 JAM ES, W ILLIAM THE PRINCIPLES OF PSYCHO LOGY, 189 0 THE VARIETIES OF RELIGIOUS EXPERIENCE, 13 ª Im pr essão , 19 07 (pr im eir a ed ição , 190 2) PRAGM ATISM AN D FOUR ESSAYS FROM THE M EANIN GS OF TRUTH, 195 9 (prim eiras edições em 19 07 e 1909) JEVONS, F. B. REPORT ON GREEK M YTHOLOGY Folk-lo re, Vo l. 2, n º 2, pp . 220 141, 1 891 AN INTRODUCTION TO THE HISTORY OF RELIGION, no na edição (pr im eira e dição em 189 6) AN INTRODU CTION TO THE STUDY OF COM PARATIVE RELIGION, 19 08 KING, JOHN H. THE SUPERNATURAL: ITS ORIGINS, NATURE AND EVOLUTION, 2 vols., 1892 KISHIM OTO, HIDEO AN OPERATIONAL DEFINITION OF RELIGION Nu m en, dezem br o d e 19 61 KROEBER, A. L. THE RELIGION OF THE INDIAN S OF CALIFORNIA Un iversity o f Californ ia Pub licatio ns, vol. 4, 1907 LALAN DE, AND RÉ VOCABULAIRE TECHNIQU E ET CRITIQU E DE LA PHILOSOPHIE art igo sob re Logiq u e, 19 32 LANG, ANDREW THE M AKING OF RELIGION, 1 89 8 ARE SAVA GE GODS BORROW ED FROM M ISSION ARIES? The Nineteenth Centu ry, janeiro, 1899 SOCIAL ORIGINS, 1903. 173 LEHM ANN , F. R. M ANA Der Begriff d es "Au ufBerordent lich Wir kungswo llen" Bei Sudseewo lken, 1922. LEROY, O LIV IER LA RAISON PRIM ITIVE, ESSA] DE RÉFUTATION DE LA THÉORIE DE PRELOGISM E, 192 7 LEUBA, JAM ES H
PSYCHOLOGICAL STUDY OF RELIGION , ITS ORIGIN, FUNCTION AN D FUTURE, 19 12 LÉVI-STRAU SS, CLAUD E TOTEM ISM , 1963 (Le tot ém isme aujourd 'hui, 1962) LÉVY-BRU HL, LUCIEN LA M ORALE ET LA SCIENCE DES M OEURS, te rceira edição , 193 7 (t ítu lo d a t rad ução inglesa, Eth ies and M or al Science, 1905 ) LES FON CTION S M ENTALES DA NS LES SOCIÉTÉS INFÉRIEURES segun d a ed ição , 191 2 (prim eira edição em 19 10) tr adu ção inglesa, "Ho w Nat ives Thin y", 1926 LA M ENTALITÉ PRIM ITIVE, 148 edi ção, 194 7 (prim eira edi ção em 192 2) Tradu ção Inglesa, "Primitive M entality", 1923 L'ÃM E PRIM ITIVE, 192 7 tr adu ção inglesa "The Soul o f the Prim itive", 1928 LA M ENTALITÉ PRIM ITIVE (The Herb ert Spencer Lectur e, con ferência de 1931) LE SURNATUREL ET LA NATURE DAN S LA M ENTALITÉ PRIM ITIVE, 193 1 tr adu ção inglesa. "Prim itives and th e Sup ernat ural" , 1936 L'EXPÉRIENCE M YSTIQUE ET LES SYM BO LES CHEZ LES PRIM ITIVS, 1938 LES CARNETS DE LUCIEN LÉVY-BRUHL, 1949 UN E LETTRE DE LUCIEN LÉVY-BRUHL AU PROFESSEUR EVANSPRITCHARD Revue Philosop hiqu e, n° 4, 195 7 ("A Lett er t o E. E. Evans-Pritch ard ", The British Jo urn al of Sociolo gy, vo l. 3, 1952 ) LIENH ARDT, GO DFREY DIVIN ITY AND EXPERIENCE. THE RELI.GION O F THE DINKA, 1961 LOISY, ALFRED ESSAI H ISTORIQ UE SUR LE SACRIFICE, 19 20 LOW IE, ROBERT. H. PRIM ITIVE SOCIETY, 192 1 PRIM ITIVE RELIGION, 19 25 . 174 M AINE, SIR HENRY SUM NER ANCIENT LAW , edição de 19 12 (prim eira edição 1861) M ALIN OW SKI, BRON ISLAW THE ECONOM IC ASPECT OF THE INTICHIUM A CEREM ONIES Fest skrift Tillëgnad Ed vard W este rm ark, 1912 BALOM A: THE SPIRITS OF THE DEAD IN THE TROBRIAN D ISLAND S Jou rn al o f t h e Royal An th ro po logical Insti tit e, vol . 46, 19 16 ARGONAUTS OF THE W ESTERN PACIFIC, 192 2. M AGIC, SCIENCE AND RELIGION Science, Religíon an d Realit y, 1925 edit ado po r J. A. Need ham . CRIM E AN D CUSTOM IN SAVAGE SOCIETY, 1926 M ARETT, R. R. THE THRESHOLD OF RELIGION, segun da ed ição 191 4 (pr im eira ed ição em 190 9) ANTHROPOLOGY, 1912 M AGIC in Encyclop aedia of Religion and Ethies, vol. 3 de Hastings, 1915 Psychology and Folk-lure, 1920
THE RAW M ATERIAL OF RELIGION, 1 92 9 FAITH, HOPE AN D CHAITY IN PRIM ITIVE RELIGION, 193 2. RELIGION (PRIM ITIVE RELIGION) Encyclop aedia Brit anni ca, 11 ° edi ção, vol. 23 M AUSS, M . ESSAI SUR LES VARIA TION S SAISONNIÈRES DES SOCIETÉS ESKIM OS, ÉTUD E DE M ORPHO LOGY SOCIALE L'Ann ée Sociolo gique vol. 9, 1906 Bulletin d e Ia Societé Française d e Philosophie, 1923. M CLENN AN , J. F. STUD IES IN ANCIENT HISTORY THE SECON D SERIES, 189 6 M IDD LETON , J. LUGBARA RELIGION, 1 96 0 M OFFAT, R. M ISSION ARY LABOU RS AN D SCENES IN SOUTHERN AFRICA, 18 42 M ON TESQU IEU, M . DE SECONDAT, BARON DE THE SPIRIT OF LAW S, 2 vo ls., 1750 (prim eira pub licação em Francês: " L'Éspr it d es Lois", em 1748) M ULLER, F. M AX LECTURES ON THE ORIGIN A ND GROW TH OF RELIGION, 1 87 8 SELECTED ESSAYS ON LANGU AGE, M YTHOLOGY AND RELIGION 2 v ols, 18 81 INTROD UCTION TO THE SCIENCE OF RELIGION, 188 2 175 CHIPS FROM A GERM AN W ORKSHOP. ESSAYS ON M YTHOLO GY AND FOLK-LORE vol. 4, 1895 THE LIFE AND LETTERS OF THE RT. HON. FRIEDRICH M AX M UL-LER, edit ado p or sua espo sa. 2 Vols., 1902 M YRES, J. L. THE M ETHODS OF M AGIC AND O D SCIENCE Folk-lore, vol. 34, 19 25 N ORBECK, EDW ARD RELIGION IN PRIM ITIVE SOCIETY, 196 1 OTTO, RUDO LF THE IDEA OF THE HOLY, im p resso em 19 26 (prim eira edição em 19 17: Das Heilige) PARETO, VILFREDO LE M YTHE VERTUISTE ET LA LITTERATURE IM M ORALE, 19 11 THE M IND AN D SOCIETY, 4 vols., 1935 (prim eira publicação na Italia em 1916: " Tratt ato d l Sociologia Generale", 2 vols) Add ress. Jou rnai d'écon om ie Politique, 1917, p. 426. Apênd ice a An Int rod uctio n t o Pareto . His Sociolo gy, po r G. C. Hom ans e C. P. Curt is, 1934). PETTAZZON I, RAFFAELE ESSAYS ON THE HISTORY OF RELIGIONS, 19 54 THE ALL-KNO W ING GOD, 1 95 6 pu blicado na Itália em 1 955: "L'Om niscienza di Dio" PREUSS, K. T. DER URSPRUN G DER RELIGION KUNST, Glo bu s, 190 4-1 90 5 RADCLIFFE-BROW N, A . R. THE AND AM AN ISLAND ERS, 192 2 inicialment e pub licado sob o p seudôn imo de A. R. Brow n THE SOCIOLOGICAL THEORY OF TOTEM ISM Four th Pacific Science Con gress, Java, 1929 vol. 3, Biolo gical Paper s, pp . 2951 309. TABOO, 1939
RELIGION AND SOCIETY Jou rnal of th e Royal Anth rop ological Instit ut e, 1945 RADIN, PAUL SOCIAL ANTHROPOLOGY, 1932 PRIM ITIVE RELIGION. ITS NATURE AND ORIGIN, 1 93 8 M ONOTHEISM AM ONG PRIM ITIVE PEOPLES, 19 54 READ, CARVETH THE ORIGIN O F M AN AND OF HIS SUPERSTITION , 1.92 0 REINACH, SALOM ON ORPHEUS. A H ISTORY OF RELIGIONS, 19 31 prim eira publicação em 1909 176 RESEK, CARL LEW IS HENRY M ORGAN Am erican Scholar, 1960 RIGNANO, EUGENIO THE PSYCHOLOGY OF REASONING, 1 92 3 RIVERS, W . H. R. M EDICINE, M AGIC AND RELIGION, 1927 ROSKOFF, GUSTAV DA S RELIGIONSW ESEN DER ROHESTEN NATURVO LKER, 1 88 0 SCHLEITER, FREDERICK RELIGION AND CULTURE, 1919 SCHM IDT, W ILHEIM THE ORIGIN AN D GROW TH OF RELIGION, 1 931 Der Urspru ng der Got tesidee, 12 vols., 1912 -55 SELIGM AN , C. G. AND B. Z. PAGAN TRIBES OF THE NILOTIC SUD AN , 193 2 SINGER, CHARLES RELIGION AND SCIENCE, 192 8 SM ITH, W . ROBERTSON THE PROPHETS OF ISRAEL, 1902 (primeira publicação em 1882) " The Religion of th e Sem ites", terceira edição, 1927 (prim eira publicação em 1889) SNAITH, NORM AN H. THE DISTINCTIVE IDEAS OF THE OLD TESTAM ENT, 1 94 4 SOD ERBLOM , N. DA S W ERDEN DES GOTTESGLAUBENS, 19 16 SORO KIN, PITIRIM COM TEM PORARY SOCIOLOGICAL THEORIES, 19 28 SPENCER, HERBERT A SYSTEM OF SYNTHETIC PHILOSOPH Y, vo l. 6 The Principi es of Socio logy, vol. 1, 188 2 STEIN ER, FRAN Z TABOO , 1956 SW AN SON , GUY. E. THE BIRTH OF THE GODS. THE ORIGIN OF PRIM ITIVE BELIEFS, 1960 SW ANTON , JOH N R. SOM E AN THROPOLOGICAL M ISCONCEPTION E
Am erican Ant hrop ologist, vol. 19, 1917 THREE FACTORS IN PRIM ITIVE RELIGION Am erican Ant hrop ologist, vol. 26, 1924 TAW NEY, R. H. RELIGION AND THE BISE OF CAPITALISM , 194 4 (p rim eira p ub licação em 1926 ) 177 TEM PELS, R. P. PLACIDE BAN TO PHILOSOPHY, 19 59 (pub licado n a França em 1945 com o t ítulo: "La Philososophi e Bant ou e)" THEUW S, TH. LE RÉEL DANS LA CONCEPTION LOBA Zaire, vol. 15,1, 1961 THOM AS, N. W. M AGIC AND RELIGION: A CRITICISM OF DR. JEVONS PAPER Fol k-lo re, vo l. 29 , 19 18 THURNW ALD, R. ZAUBER, ALLGEIM EN Reallexicon d er Vo rgescht e, 192 9 TROELTSCH, ERNST THE SOCIAL TEACHING O F THE CHRISTIAN CHURCHES, 2 vo ls., 19 31 (publicado inicialmente na Alemanha em 1911 com o titulo: "Die Soziallehrén der christlichen Kirchen und Grupp en".) TROTTER, W . INSTINCTS OF THE HERD IN PEACE AND W AR, 5f l im p ressão, 19 20 (pri m eira p ub licação em 191 6) TURNER, V. W . NDEM BU DIVINATION : ITS SYM BOLISM AND TECHNIQ UES Rhod es-Livin gst on e Paper s, n° 31 , 19 61 RITUA L SYM BOLISM , M ORALITY AND SOCIAL STRUCTURE AM ONG THE NDEM BU' RHODES Livingst on e Jou rn al, n ° 30, 19 61 TYLOR, EDW ARD B. RESEARCHES INTO THE EARLY HISTORY OF M AN KIND, 2 â ed ição 18 70 (prim eira publicação em 1865) PRIM ITIVE CULTURE, 2 vols., 3fl edição 1 891 (p rim eira p ub licação em 1 871 ) REVIEW OF DORM AN, RUSHTON M ., THE ORIGIN OF PRIM ITIVE SUPERSTITIONS The Academy, novem bro 1 881 ON THE LIM ITS OF SAVAGE RELIGION Jou rnal of lhe Ant hro polo gical Instit ut e, vol. 21, 1892 VAN DER LEEUW , G. LE STRUCTURE DE LA M ENTALITÉ PRIM ITIVE La Revue d 'Histo ire et de Philosoph ie Religieuse, 1928 L'HOM M E PRIM ITIF ET LA RELIGION , ETUDE ANTHROPOLOGIQU E, 19 40 VAN GENN EP, ARNO LD L'ÉTAT ACTUEL DU PROBLEM E TOTÉM IQV E, 19 2Q 178 W ACH, JOAQU IM SOCIOLOGY OF RELIGION, 1 94 7 W EBB, CLEM ENT C. J. GROUP THEORIES OF RELIGION AND THE INDIVIDUAL, 1916
W EBER, M AX THE PROTESTANT ETHIC AND THE SPIRIT OF CAPITALISM , 1930 (in icialm ent e pu bl icado sob o tít u lo "Die p rot estant ische" Ethik u nd d er Geist des Kapitalism us", em 1904-05, from M ax Web er: "Essays in Sociology" , 1947) THE RELIGION OF CHINA: CON FUCIONISM AND TAOISM , 195 1 TUE RELIGION OF INDIA: THE SOCIOLOGY OF HINDUISM AND BUDDHISM , 19 58 W HEELER, GERALD C. THE TRIBE AN D IN TERTRIBAL RELATIONS IN AU STRALIA, 1 91 0 W HITE, C. M . N. ELEM ENTS IN LUVALE BELIEFS AND RITUALS Rhod es-Livin gst on e Pape rs, ne 32, 19 61 W ILLIAM SON , ROBERT W . RELIGION AND COSM IC BLIEFS OF CENTRAL POLYNESIA, 2 vols., 19 33 RELIGION A ND SOCIAL ORGANIZATION IN CENTRAL POLYNESIA, 1 93 7 W ILSON , BRYAN R. SECTS AN D SOCIETY. A SOCIOLOGICAL STUD Y OF THE THREE RELIGIOSS GROU PS IN BRITAIN , 19 61 W ORSLEY, PETER THE TRUM PET SHA LL SOU ND, 195 7 W UN DT, W ILHELM VOLKERPSYCHOLOGIE, vo l. 2 , 190 6 ELEM ENTS OF FOLK PSYCHOLOGY, 19 16 (prim eira publicação em 1912: "Elem ente d er Võikerpsychology") ZAEHN ER, R. C. AT SUNDRY TIM ES, 195 8 APÊNDI CE A BIBLIOGRAFIA: ALGU M AS OBRAS CON EXAS TRADU ZIDAS PARA 0 PORTU GU ÊS BERGER, PETER UM RUM OR DE ANJOS Petró po lis, Vozes 1972 BOU RDIEU, PIERRE GÉNESE E ESTRUTU RA DO CAM PO RELIGIO SO In: Bourd ieu, "A Econom ia das Tro cas Sim bólicas" , edição organizada por Sérgio M iceli São Paulo, Edit o ra Persp ectiva, 1974 179 DOU GLAS, M ARY PUREZA E PERIGO, UM ENSAIO SOBRE OS CON CEITOS DE POLUIÇAO E TABU São Paulo, Edito ra Perspectiva 1976 . ELIAD E, M IRCEA O SAGRADO E O PROFAN O, A ESSÉNCIA DAS RELIGIÕES Lisbo a: Livr os do Bra sil, s/ d. EVAN S-PRITCHARD , E.E. BRUXARIA, ORÁCULOS E M AGIA ENTRE OS AZANDE 1978 Rio d e Janeir o, Zahar edi to res, (no pr elo) FUSTEL DE COU LAN GES, N . D . A CIDAD E ANTIGA Lisbo a: Livraria Clássica Edit o ra, s/ d. (10 ª ed ição) LÉVf- STRAU SS, CLAUD E O TOTEM ISM O HOJE 197 5 Petró po lis, Vozes O PENSAM ENTO SELVA GEM 1976 (2ª edição) São Paulo, Cia. Edito ra Nacional
LEW IS, IOA N O ÉXTASE RELIGIOSO SÃO PAULO, PERSPECTIVA, 197 7 M AUSS, M ARCEL ESBOSO DE UM A TEORIA GERAL DA M AGIA in : M auss, " SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA" São Pau lo , EDUSP, 197 5 (2 vo ls.) RADCLIFFE-BROW N, A . R. A TEORIA SOCIOLÓGICA D O TOTEM ISM O In Radcliffe-Brow n, " Estr ut ura e Função na Sociedade Prim itiva" Petró po lis, Vozes, 1973 TABU, in: Radcliffe-Brow n, op . cit. RELIGIÃO E SOCIEDADE, In: Rad cliff e-Bro w n, o p. cit . TURNER, VICTOR O PROCESSO RITUAL Pet ró po lis, Vozes 19 74 W ABER, M AX A ÉTICA PROTESTANTE E O ESPIRITO DO CAPITALISM O São Paulo , Cia. Edit o ra N acio nal , 19 61 ENSAIOS DE SOCIOLOGIA org. e introd . de H. H. Gerth e C. W right M iils Rio d e Janeir o, Zahar edit or a, 1971 (2° edição ) 180 INDICE REM ISSIVO A Abo rígenes australianos, 83-97, 142, 148. Agostinho , Sto, 13. Anim ism o, 15-16, 25, 36, 41-44, 4850, 61, 78-79, 142, 145-146 . Apt orp he, R., 155. Aristó teles, 73, 158. At kin son , J. J., 64, 16 9. Avebur y, Lor d, 141, 148, 150, 169. B Bacho t en, J. J., 15 0. Baker, Sir Samu el, 18, 169. Baraka, 25. Beattie, John , 129, 169. Bergson , Henri, 11, 29, 128-129, 158-162, 169. Beuchat, M . H., 98-99. Bro sses, Ch. R. de, 3 5. Bruxaria, 14, 153. Bukharin, Niko lai, 108, 169. C
CapeN, A., 152-153, 1 69. Clodd , Edw ard, 30, 169. Com te, Auguste, 12, 35, 41, 45, 92, 111, 169. Con dor cei, M . J. A. N. M arquês de, 46, 72. Cook, A. B., 102 . Coo k, S. A., 140. Cou langes, Foustel de, 74 -75, 78, 133, 169. Craw ley, A. E., 22, 55 -57, 59, 135 , 139-140, 169. D Darw in, Charles Rob ert, 12, 147, 169. Deus, um a pessoa, 50 -51. Dorm an, Rushtom M ., 48, 148, 169. Drib erg, J. H., 61, 16 9. Dur kheim , E., 11, 14, 29, 52, 54, 58, 69, 75, 77-100, 103, 106-113, 117, 131, 139, 141, 152, 170. Engels, Fried rich, 12 . Escola do m ito nat ural, 35-39, 78,
145. Esqu im ós, 27, 142, 148. Evolucion ism o, 16, 47, 49, 58, 77, 149.
Fetichism o, 25, 35, 40, 48, 142, 145. Fiji, 20. Firth , Raym ond , 61, 152, 171. Frazer, Sir Jam es, 12 , 14, 29 -30, 44-47, 49-50, 59, 61, 82, 121, 125, 131, 135, 139, 149-150, 171. Freud , Sigm und , 12, 29, 62-65,77, 82, 131, 171.
F Farror , Padre F. W ., 147, 171. Ferguson, Adam , 150. 181 G Galton . Francis, 147, 17 1. Golden w eiser, Alexand er A., 26, 60, 96, 171. H Harr ison, Jane Ellen, 87, 102 -103, 171 . Hart land , E. Sidn ey, 148, 172. Hertz, Robert , 101, 107, 172. Hocart , A. M ., 20, 79, 152, 172. Hub ert, H., 14, 52, 100, 173. Hum e, David,.143, 158, 173. I índios Cro w , 58. J Jam es, W illiam, 59-71, 129, 173. Jevon s, F. B., 17, 45-46, 74 -76, 82, 1 73. K King, Jo hn H., 30, 45, 49 -50, 52, 73, 13 9, 173. L Lang, Andrew , 25, 31, 39, 50-51, 64, 74, 139, 143, 148, 173. Leh m an, F. R., 153, 174 . Lévy-Bru h l, Lu cien, 14, 21, 23, 29, 33, 46, 107, 109, 111-132 , 13513 8, 150, 158, 160-161, 174. Lienh ardt , God frey, 156, 174. Low ie, Rob ert H ., 58, 66, 95, 174. Lub bock, Joh n, vela em Aveb ury. M M agia, 14, 20, 43-50, 53-54, 56, 58-63, 68, 72, 82, 100, 103; 143144, 152-153, 159, 162.
M aine, Sir Henry Sum m er, 74, 150, 175. M alinow ski, Bron islaw, 22, 29, 6061, 71, 131, 175. M ana, 25, 49, 52, 85-86, 102-103, 145, 152. M arett , R. R., 29, 45, 50-55, 57, 60, 82, 96, 131, 139, 150, 152, 175. M arx, Karl, 12, 109. M auss, M ., 14, 52, 98, 101, 107, 175. M cLenn an, J. F., 75, 82 , 84, 175. M iddleton , John, 156, 175. M ofrat, R., 148, 175. M onot eísm o, 16, 51, 74, 108, 143146, 154. M ont esqu ieu, M . De Second at, Baron de, 72, 175. M organ, Lewis Henry, 150-151. M üller, F. M ax, 12-13, 25, 36-39, 73, 139-141, 146, 175. M urray, Gilbert, 102. N Nilot as, religião d os, 18. P Pareto, Vilfredo , 111, 129-138, 1571 58, 161, 176. Pettazzon i, Raffaele, 73, 14 4, 176. Politeísm o, 16, 74, 108, 143-146. Positivism o, 16, 128-129. Pré-anim ism o, 25, 35, 55, 146. Preuss, K. T., 45, 50, 5 2, 77, 17 6. R Radcliffe-Brow n, A. R., 104-105, 17 6. Radin , Paul, 59-60, 68 , 145, 176. Read, Carvet h, 61, 71, 176.
Teoria 55 Theuw R., 61,
182 Reinach, Salom on , 75, 176. ReseK, Carl, 1 51, 1 77. Renan, Ern est , 166. Sacrifício, 40, 76-78, 100 -103.
26, 48 104-1
Tradução, problem a da, 19-21, 2529 . Trotter, W ., 97-98, 178. Turn er, V. W ., 156, 178. Tylor, Edw ard B., 14, 18-19, 29, 39, 41-44, 46-50, 53, 55, 61, 84, 87, 96, 121, 131, 133, 139, 141, 148, 178. V Van Der Leeuw , G., 62, 178. Van Gennep, Arnold, 96, 178. Vierkand t, A.. 53.
S Saint -Sim on , C. H. De R., Co m te de, 92 . Schleiter, Frederick, 65, 145, 177. Schm idt, W ilhelm , 15, 49-50, 74, 142-144 , 166, 177. Seligm an, C. G. e B. Z., 48, 52, 151 , 177. Sm ith , W. Rob ertson, 64, 74-78, 81, 177. Snaith , Norm an, H., 43, 177. Sonh os, 39, 41, 49-51, 55, 72, 79. Spen cer, Herb ert , 11, 25, 39-42, 44, 56, 73, 104, 133, 141, 145, 177. Sw anto n, Joh n R., 42, 177.
W W ebb, Clement C. J., 112, 179 . W eber, M ax, 34, 129, 161-162, 165, 179. W heeler, Geraldo C., 94, 179. W hite, C. M . N., 155. W undt , Wilheim, 57-58, 82, 84.
T Tabú , 14, 25, 52, 56. Tanzi, E., 65 . Tawn ey, R. H., 165 , 177. Temp els, R. P. Placide , 156, 17 8. Teor ia da alm a, 35, 40-44, 50-51, 55-57. Teor ia do fant asm a, 35, 39-41, 50 -51, 55-56, 144-145. Theuw s, Th., 156, 178. Thurn w ald, R., 61, 178. Totemismo, 14-17, 25-26, 48, 58, 72, 76, 79, 81-96, 102, 104-105, 141-142, 144-145 .
V Van Der Leeuw , G., 62, 178. Van Gennep, Arnold, 96, 178. Vierkand t, A.. 53. W W ebb, Clement C. J., 112, 179 . W eber, M ax, 34, 129, 161-162, 165, 179. W heeler, Geraldo C., 94, 179. W hite, C. M . N., 155. W undt , Wilheim, 57-58, 82, 84.
183 Est e livro foi com posto na COM POSITORA HELVÉTICA LTDA ., à Rua Cor reia Vasqu es, 25, RJ e im pr esso na s o ficin as gráficas da EDITORA VOZES LTDA., à Rua Frei Luís, 100, Petr óp olis.
Tradu Trotte W., 15 18-19, 61, 84 141, 1
V Van D Genn Vierka
W Webb, Webe 179. Wheel White, Wundt
Teoria 55